educação do adolescente: desafios e possibilidades.
Transcrição
educação do adolescente: desafios e possibilidades.
EDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES Alcilene Lopes de Amorim Andrade* RESUMO Entende-se a adolescência como um momento em que o ser se afasta da identidade infantil para construir uma nova definição de si mesmo. Este trabalho visa, através de pesquisa bibliográfica, apresentar as reflexões acerca da adolescência no contexto escolar, discutindo a importância do adulto, enquanto educador, compreender as características, os dilemas do ser que adolesce para com ele estabelecer uma relação pedagógica significativa. Sabendo-se que o ato educativo se dá numa relação pedagógica, é preciso entender que professores e adolescentes são portadores de identidades particulares, definidas socialmente e por valores introjetados. Podese concluir que não existe adolescente padrão, embora não haja como negar a existência de características comuns a todos nesta fase, o que não impede de compreendê-los como sujeitos histórico-culturais. Portanto, cabe à escola na figura dos seus atores sociais, conhecer estes sujeitos na sua singularidade, estabelecendo com os mesmos uma interlocução autêntica, a partir do conhecimento da sua forma específica de lidar com a realidade. Palavras-chave: Adolescência. Relação pedagógica. Educação. Cultura. Singularidade. ABSTRACT The term adolescence means a time in which being away from the children's identity to build a new definition of himself. This paper aims, through biblographic search, to present considerations about adolescence in the school context, discussing the importance of the adult, as an educator to understand the characteristics, the dilemmas of the being that matures to establish with him a significant pedagogical relationship. It´s known that the educational act happens at a pedagogical relationship, it must understood that teachers and students are individuals with particular identities socially defined and internalized values. It can be concluded that there is no standard teenager, although there is no denying the existence of characteristics common to all at this stage, which makes people understand them as historical and cultural subjects. So it is up to school in the figure of its social actors, knowing these people in their uniqueness, establishing with them an authentic dialogue using the knowledge of their specific way of dealing with the reality. Key words: Adolescence, Pedagogical relationship, Education, Culture. Singularity * Professora Adjunta UNIPAC - TO [email protected] INTRODUÇÃO De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, (1990, art 2º) “considera-se (...) adolescente aquela pessoa entre doze e dezoito anos de idade”. Há aqui, uma delimitação legal, cronológica, que determina o período, o “intervalo”, em que situa a adolescência. Entende-se a adolescência como período de reorganização pessoal e social que se inicia, na maioria das vezes, com contestações, rupturas, inquietações, podendo passar por transgressões, para desembocar numa reflexão sobre os valores que o cercam, sobre o mundo e sobre o seu próprio existir nesse mundo (ou não). Considerando que a atividade essencial da escola, torna-se realidade a partir da relação pedagógica efetiva entre professor e aluno, tem-se como objetivo, neste estudo, discutir a importância do adulto, que assume a figura social de educador, compreender as características, os dilemas do ser que adolesce para com ele estabelecer uma relação pedagógica significativa. Pressupõe-se, que tal relação se concretiza na medida em que se estabelece o diálogo com as questões do universo adolescente. Universo explorado pela mídia que associa juventude ao consumo, beleza, rebeldia, ao império de sensações. No cenário atual, os adolescentes destacam-se não só como parcela significativa da população, mas como um grupo de pessoas com expressões peculiares de conduta. Trata-se de uma geração bem informada e que tem maior acesso ao mundo, por crescer durante significativo avanço tecnológico. Pensar a relação do educador com estes sujeitos implica o exercício de compreendê-los nas suas diferentes dimensões no processo de construção de uma identidade: cultural, física, emocional, a serem abordadas neste trabalho. METODOLOGIA Quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, porque parte da leitura, análise e interpretação de livros, revistas científicas ligadas ao tema. Quanto aos fins, considera-se explicativa, pois a preocupação central é identificar os fatores que contribuem para a ocorrência das dificuldades enfrentadas no espaço escolar no que se refere à relação professor aluno, buscando explicar a razão pela qual tais dificuldades ocorrem. ADOLESCÊNCIA E CULTURA Na Idade Média, a juventude era representada pela cor verde – que dá idéia de seiva, desenvolvimento - por isto também era a cor da esperança, da inconstância, muito natural nos adolescentes contemporâneos. As pinturas e tinturas medievais sempre tiveram dificuldade de domar os tons verdes. Estes são os mais instáveis, os que penetram com maior dificuldade nas fibras do tecido,... ou na massa do metal... Daí também uma ligação possível entre a química e a ideologia: à instabilidade pigmentária poderia corresponder uma instabilidade simbólica. Como os tons verdes, os jovens são volúveis, instáveis... (PASTOUREAU apud LEVI e SCHIMITT, 1996, p.261). Os estudos de Áries (1981) sobre o lugar da infância e dos filhos nas famílias da Europa Ocidental demonstraram que a idade como representação de uma fase de vida com características determinadas culturalmente passa por uma construção social que pode ser historicamente compreendida. Cada geração atua com relação a si própria e outras com base nesta representação, contribuindo, junto com processos sociais, econômicos à atuação de diversas instituições e agentes externos, no que se convencionou chamar de uma construção social de idades. A partir do século XV, as realidades e os sentimentos da família se transformariam: uma revolução profunda e lenta, mal percebida tanto pelos contemporâneos como pelos historiadores, e difícil de reconhecer. E, no entanto, o fato essencial é bastante evidente: a extensão da freqüência escolar... A substituição da aprendizagem pela escola exprime uma aproximação da família e das crianças, do sentimento da família e do sentimento da infância, outrora separados. A família concentrou-se em torno da criança...O clima sentimental era agora completamente diferente, mais próximo do nosso, como se a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo que a escola, ou, ao menos, que o hábito geral de educar as crianças na escola (ARIÉS, 1981, p. 159). Contardo Calligaris (2000) entende a adolescência como uma formação cultural, um mito criado no início do século XX, é importante refletir sobre a adolescência nessa perspectiva, podendo-se considerar que a mesma é criada historicamente pelo homem, enquanto representação e enquanto fato social. É constituída como significado na cultura, na linguagem que permeia as relações sociais. A adolescência tem então, um sentido de moratória, período dilatado de espera vivido pelos adolescentes (que já não são crianças), mas ainda não se incorporaram à vida adulta. O conceito de adolescência é tributário da incompatibilidade entre a maturidade sexual e o despreparo para o casamento. Ou ainda, do hiato entre a plena aquisição de capacidades físicas do adulto e a falta de maturidade intelectual e emocional, necessária para o ingresso no mercado de trabalho, numa sociedade de informações rápidas, alta competitividade, império da tecnologia, etc. No aspecto cultural, a adolescência é marcada por “ritos de passagem” que vêm a ser as formas de admissão ao mundo adulto, que variam de cultura para cultura. Numa descrição antropológica, faz-se notar a passagem da infância para a vida adulta em algumas tribos indígenas, a partir da introdução da criança na atividade da caça, ganhando o reconhecimento da tribo quando mata uma presa grande, tornando-se assim, um bravo guerreiro (adulto). Em nossa cultura são observadas alterações psíquicas, mudanças corporais e alteração dos papéis sociais (NOVAES e VANNUCHI, 2004). Na sociedade moderna igualmente existem os ritos que marcam a transição para o mundo adulto, que servem como substitutos simbólicos, o vestibular, o trote dos calouros, o serviço militar, a carteira de motorista e até cultos religiosos. Há uma tendência ao agrupamento; estão freqüentemente em „turmas‟. O grupo pode funcionar como espaço para fazer esta passagem para a vida adulta, para a descoberta ou a construção do novo adulto, semelhante ou divergente dos pais e quem oferece os novos modelos são exatamente os grupos de adolescentes que estão fora de casa. O grupo pode simbolizar uma oposição às figuras parentais, uma possibilidade de facilitar o surgimento de uma identidade diferente da dos pais; pois como a identidade se estabelece, também, pelo contraste e pela diferença, os adolescentes precisam sentir que são diferentes de seus pais, que são singulares. De acordo com Calligaris (2000, p.36,37): os grupos adolescentes... são de densidades diferentes. Alguns são informais e abertos, como as comunidades de estilo (dark, punk, etc): o acesso exige apenas a composição de uma imagem, que todos reconheçam como traço comum. Outros grupos pedem que a senha que dá acesso ao grupo seja uma marca duradoura - tatuagem, cicatriz, etc. Para se pensar no ser que adolesce é preciso situá-lo no seu contexto social, buscando a compreensão de quem é o adolescente que chega à escola e qual seria o espaço do adolescente na sociedade. Essa reflexão provoca a necessidade de analisar a escola como espaço sócio-cultural, compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso que leva em conta a dimensão do dinamismo e da diversidade que esta instituição reúne; para que favoreça uma relação pedagógica de êxito ou colabore sobremaneira na construção do adulto almejado pelo adolescente. Além disso, é preciso refletir sobre a lógica dos comportamentos adolescentes do início do terceiro milênio. PERSPECTIVA HISTÓRICA Ao longo da história, autores identificaram na juventude os elementos de mudança, não apenas da personalidade, mas também da sociedade que se renova no confronto com a tradição. Segundo Elizabeth Crouzet, apud Levi e Schmitt (1996, p.206), na Itália medieval os jovens eram vistos como uma flor do mal. “A juventude é o tempo dos apetites e de seu excesso”, fase em que o corpo se fortalece, mas a alma e a razão fragilizam-se e o ser entrega-se ao mal “por falta de freio e governo”. Os juvenis são assim, objeto de medo e obstáculos à paz e à salvação de uma sociedade cristã. Nesse contexto, desenha-se uma imagem assustadora dos jovens, conforme o texto a seguir: A juventude é o tempo das turbulências e violências. Todos infringem as regras cristãs e sociais. Todos são movidos pela mesma impaciência, a mesma recusa, o mesmo formidável apetite. E sobre todos pesava a suspeita e o medo... Diante dos “Giovani” a sociedade inteira parece temer o parricídio (CROUZET apud LEVI e SCHMITT, 1996, p.206). Analisando a maneira como a imagem medieval exprime ou representa a idade que se situa entre a infância e juventude, Michel Pastoureau, apud Levi, Giovanni e Schmitt (1996, p. 250) apresenta a idéia de “afastamento”, afirmando que “um jovem só é jovem em relação a outros indivíduos que não o são, crianças ou adultos”. E acrescenta: “isso vale tanto no que concerne a seu lugar na sociedade quanto a seu lugar na imagem”. Nas imagens dos artistas o lugar dos jovens é o espaço das “bordas” ou das “margens”. De acordo com o mesmo autor, “quando os artistas colocam em cena várias classes etárias, os jovens não têm direito ao centro, mas à periferia...Os jovens são assim, lançados para os “cantos” da imagem”(1996, p. 253, 254). No Brasil, nos anos 50, havia uma nítida distinção de papéis entre homens e mulheres, sendo que o lar era o destino natural destas e o homem exercia o papel de “chefe da casa”. As jovens eram separadas em “moças de família” e “as moças levianas”. As idéias existencialistas de Sartre, bem como cultura norteamericana influenciavam o comportamento da juventude. O rock embalou a geração(coca-cola) com um toque de irreverência, expressando desesperanças e se associando à delinqüência juvenil. A família (autoritária) tentava preservar os costumes através das escolas tradicionais, tendo como resultado conflitos chamados “de gerações” (CARMO, 2001). Nos anos 60 (rebeldes) e parte dos anos 70, ocorreu verdadeira revolução nos costumes que apontava a necessidade de quebrar velhos tabus e destruir valores estabelecidos (a descoberta da pílula anticoncepcional facilitava o sexo antes do casamento), o movimento hippie se expande, os estudantes se rebelam. A juventude aparece então como a categoria portadora da possibilidade de transformação profunda (NASCIMENTO, 2002). Nos anos 80 (pós abertura política) vive-se o período de transição do regime autoritário ao democrático, a sociedade “quer votar pra presidente” e pede “diretas já”, a tecnologia se desenvolve e o individualismo encontra terreno fértil, as relações familiares continuam sendo questionadas e os tradicionais papéis homem/mulher foram revistos, surgem as tribos (metaleiros, funks, darks, etc). A juventude tem a marca do consumismo, individualismo, da indiferença aos assuntos públicos, da apatia. Uma geração(saúde) que se recusa assumir o papel de inovação cultural que agora, depois da reelaboração feita sobre os anos 60, passava a ser atributo da juventude como categoria social (ABRAMO, 2002). Nos anos 90, a visibilidade social dos jovens muda um pouco: já não são mais a apatia e desmobilização que chamam a atenção; pelo contrário, é a presença de inúmeras figuras juvenis nas ruas, envolvidas em diversos tipos de ações individuais e coletivas. No entanto, a maior parte dessas ações continua sendo relacionada aos traços de individualismo, da fragmentação e agora mais do que nunca, à violência, ao desregramento e desvio (gangues, “galeras”, atear fogo em índio) (CARMO, 2001). Adolescer, neste milênio significa mais do que “debater entre o ser e o ainda não ser adulto” (NASCIMENTO, 2002 , p.400). É vivenciar uma sociedade com altíssimos índices de violência, consumo, do império da tecnologia, que diminui distâncias mas não aproxima as pessoas. Assim, conectado à internet ou junto ao telefone celular, o adolescente passa pelos “não-lugares”, pelo shopping, pelo bar, pelos corpos (geração do ficar) com impressionante rapidez sem estabelecer vínculos duradouros. Vivendo o advento da globalização econômica e da informação que circula de forma veloz, o adolescente passa a saber muito a respeito de assuntos que são do seu interesse, no entanto, podendo esse saber não ser adequadamente incorporado uma vez que a exposição à informação e uso que dela se faz pode variar em virtude das questões econômicas, sociais e de gênero (BRANDÃO, 2003). ALTERAÇÕES FÍSICAS E AFETIVAS No que tange às características físicas, a adolescência é marcada, do ponto de vista anatômico, por fenômenos como o crescimento acelerado, desenvolvimento do corpo, modificação da aparência, que obrigam a aquisição de uma nova consciência do corpo. Do ponto de vista fisiológico, as trocas hormonais próprias do período, provocam reações diversas, das quais a mais importante é o aparecimento do desejo sexual. Todas essas novidades relativas ao corpo são perturbadoras para o adolescente, sobretudo porque não ocorrem da mesma maneira ou na mesma idade com todos eles (PAPALIA e OLDS, 2006). As transformações físicas pelas quais passa o adolescente têm forte repercussão psíquica, que se revela em comportamentos típicos e transitórios. A consciência recentemente adquirida da masculinidade / feminilidade desperta a necessidade de auto-afirmação, que pode manifestar-se como desejo de libertação em relação à família; que durante a infância funcionou como fonte de segurança e agora se torna “incômoda”. No que se refere à afetividade, são comuns períodos de serenidade sucederem a outros de muita fragilidade emocional demonstrando instabilidade. Em relação ao adulto é comum perceber esta contradição quando em alguns momentos apresenta-se a estes com “superioridade” e em outros com total “dependência”(MIRANDA, 2002). Rousseau aborda a adolescência, embora não empregue o termo, como uma crise, um segundo nascimento, uma metamorfose dramática, assim descrevendo-a: Como o bramido do mar precede de longe a tempestade, esta tormentosa revolução anuncia-se através do murmúrio de paixões nascentes; uma fermentação surda adverte sobre a proximidade do perigo. Uma mudança no humor, arrebatamentos freqüentes, uma contínua agitação de espírito (1995, Livro IV, p.272). A adolescência aparece como um período caracterizado principalmente pela intensidade das emoções, marcado pelo surgimento das contestações e dos questionamentos. Os valores dos adultos já não são passivamente aceitos pelo adolescente, o mundo começa a ser visto sob uma nova ótica – a sua própria. De acordo com a Teoria Cognitiva (Jean Piaget), as intensas alterações decorrentes do amadurecimento psíquico e sexual do adolescente provocam um desequilíbrio provisório que conduz posteriormente a um equilíbrio superior. As estruturas intelectuais que comandam o conhecimento se tornam aptas ao raciocínio lógico e abstrato, sem necessidade de apoio na experiência e na ação. O adolescente é capaz de formular teorias e de desenvolver atitudes críticas e contestatórias, elaborando planos de vida através do pensamento abstrato recém-adquirido. A fantasia e a idealização se explicam pela intensa atividade reflexiva. A vida afetiva assume grande importância em conseqüência do afastamento da realidade pela abstração (PAPALIA e OLDS, 2006). Numa visão psicanalítica, o desenvolvimento da personalidade é vinculado à evolução da libido e à passagem progressiva do princípio do prazer ao princípio da realidade. As fases de evolução apresentam uma integração dinâmica. O final da infância é marcado por um estado de latência, devido às pressões da socialização. A adolescência é o período em que as fases pré-genitais da libido regridem para dar lugar à sexualidade genital madura. Enfatiza então, o conflito entre os impulsos instintivos e o estabelecimento de valores (MIRANDA, 2002). Aberastury (2000, p.16) considera a “adolescência como um momento crucial na vida do homem e constitui a etapa decisiva de um processo de desprendimento” e destaca esse período como de “contradições, confuso, doloroso” (Ibid, p.16). Esta fase é caracterizada por três perdas básicas: perda do corpo infantil, perda dos pais da infância e perda da identidade infantil.O processo de elaboração dos lutos provoca grande instabilidade no humor do adolescente: irritabilidade, nervosismo, tristeza ou alegria excessiva, apatia e choro fácil se revezam rapidamente. Em decorrências dessas perdas e ganhos, a adolescência é marcada por buscas e contestações, pois o jovem está procurando elaborar o seu próprio código de valores, o que é necessário para a construção da sua identidade adulta. ADOLESCÊNCIA NA ESCOLA Lawrence Kohlberg, apud Biaggio (2002, p.72), afirma que a consciência moral forma-se através de sucessivas adaptações do conhecimento às fases da aprendizagem social, e identifica três níveis de desenvolvimento moral. No nível pré-convencional (4 aos 10 anos), as normas sobre o que é bom ou ruim são respeitadas atendendo às suas conseqüências (prêmio ou castigo) e ao poder físico dos que as estabelecem. O nível convencional se situa entre 10 e 13 anos ; nesta fase manter as expectativas da família, do grupo é particularmente valioso. A partir de então, sinaliza-se o nível pós-convencional. Na escola (Ensino Fundamental), o adolescente freqüenta o período que vai do sétimo ao nono ano. Num momento inicial desta busca convencional vem à tona a moralidade do bom garoto procurando manter as boas relações com os grupos sociais próximos ou com quem interage. No final desse nível emerge um indivíduo que respeita a autoridade e as normas do grupo. Apenas alguns adolescentes e adultos conseguem chegar ao nível pós-convencional, onde os princípios são aceitos conscientemente, independente da autoridade. O controle da conduta é interno. Para Freud (1937) apud Gutierra (2003), a educação carrega em si a marca da impossibilidade, pois atuando na direção de um ideal de perfeição, domínio e controle de resultados, depara-se necessariamente com resultados insatisfatórios. Esse ideal educativo é impossível, considerando a realidade do inconsciente – o que o aluno escuta é recortado, retalhado e absorvido conforme seu inconsciente determina e permite, assim como o que o educador fala, está fadado a escapar do seu controle egóico. Assim, o controle absoluto e a previsão de resultados são impossíveis. Beatriz Gutierra (2003) ressalta um segundo “(im)possível”, resultante da especificidade do trabalho psíquico em jogo na adolescência e seus reflexos na relação como professor e com o saber. Esse segundo (im)possível refere-se à especificidade da relação do adolescente com o educador, ou seja, o tipo específico de transferência vivenciada por um sujeito na adolescência. O adolescente está vivendo num tempo de constituição subjetiva que coloca em xeque o mundo adulto até então apresentado como o lugar onde a realização e a satisfação plena poderiam ser alcançadas. O educador de adolescentes fica numa posição delicada, pois por um lado pode ser tomado como alguém capaz de contribuir com a passagem adolescente, e por outro é provavelmente equivalente na transferência, às figuras parentais (mundo adulto), com quem a relação é freqüentemente pautada em desconfiança e afastamento. Isso porque, um dos trabalhos psíquicos realizados na puberdade é o afastamento gradativo das figuras parentais Para Souza (2003, p.46) “a juventude estaria associada a valores e estilos de vida e não propriamente a um grupo etário específico, transformou-se em modelo que todos querem adotar.” Desse modo, a mídia, anuncia a liberdade e a novidade como símbolos juvenis e os atributos característicos da juventude como fase de transição – incerteza, mudança, experimentação de diferentes “identidades” sociais, instabilidade – se tornaram modelos culturais que as pessoas assumem em diferentes estágios da vida. É importante ressaltar que não se pode falar da adolescência genericamente, uma vez que existem nesta categoria: feminino e masculino, estudantes e não estudantes, negros e brancos, trabalhadores e não trabalhadores, pobres e ricos, moradores de centros urbanos e comunidades rurais. A escola é um espaço para onde converge esta multiculturalidade. pessoas diferentes, valores divergentes, idades e experiências díspares ou distantes. Professor (adulto) e aluno (adolescente) se encontram neste lugar para construírem uma relação educativa. De acordo com Delors (2001, p.152) “a importância do papel do professor enquanto agente de mudança, nunca foi tão patente como hoje em dia. Este papel será ainda mais decisivo no século XXI... É por isso que são enormes as responsabilidades dos professores a quem cabe formar o caráter e o espírito das novas gerações.” O documento introdutório dos Parâmetros Curriculares Nacionais ressalta, que a relação do adolescente com o conhecimento é diretamente proporcional ao tipo de relação estabelecida por ele com o educador e a postura deste frente ao grupo. Alunos que gostam e vão bem em certa área porque o professor “é legal, é justo, é interessado, respeita os alunos, tem paciência para explicar, sabe encarar as brincadeiras, ouve os alunos e mantém ambiente propício para o trabalho escolar – nem permissividade nem autoritarismo. Ao mesmo tempo afirmam não gostar ou não ir bem em outras áreas exatamente porque os respectivos professores se apresentam diferentemente daquele acima abordado” (PCN, 1998, p.124). Numa concepção mais atual, o currículo é entendido como processo de seleção que se realiza no interior da cultura, ou seja, o currículo consiste na escolha das diferentes manifestações culturais consideradas importantes na educação das novas gerações. Assim, o jovem absorve na escola, na relação com seus professores, muitos conhecimentos que não são objeto específico do ensino, que configuram o chamado currículo oculto Ao abordar o currículo oculto, Silva argumenta que: Numa perspectiva mais ampla, aprendem-se através deste, atitudes e valores próprios de outras esferas sociais... aprende-se como ser homem ou mulher, como ser heterossexual ou homossexual, bem como a identificação com uma determinada raça ou etnia (SILVA, 2003, p.79). Na esteira deste pensamento o mesmo Tomás Tadeu Silva acrescenta: “uma das fontes do currículo oculto é constituída pelas relações sociais na escola... a organização do espaço escolar é outro dos componentes estruturais através dos quais os jovens aprendem certos comportamentos” (SILVA, 2003, p.79). Dessa forma, o currículo oculto constitui-se das aprendizagens ou dos efeitos de aprendizagens de diferentes tipos, abrangendo conteúdos, valores atitudes, interesses aprendidos na escola e que não foram intencionalmente trabalhados pelo professor. São conhecimentos, valores e atitudes que não foram colocados como foco de trabalho pedagógico, mas que de forma sutil e, geralmente, não intencional terminam sendo transmitidos aos estudantes. Pode-se afirmar que não existe o adolescente padrão, portanto é necessário ao educador, estar atento às particularidades sociais e culturais e buscar uma interlocução autêntica com esses sujeitos, compreender sua cultura e sua forma específica de lidar com a realidade. Uma maneira de compreender esses adolescentes que chegam à escola e com eles estabelecer uma relação pedagógica positiva é apreendê-los como sujeitos sócio-culturais. Essa perspectiva implica em superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno, dando-lhe outro significado. Trata de compreendê-lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade com visões de mundo, valores, sentimentos, emoções, desejos, com lógicas de comportamento e hábitos que lhe são próprios; sem, contudo esquecer que cabe ao educador, auxiliar o adolescente na “passagem” para a vida adulta e isso requer confronto, contraponto, discussão dos limites e possibilidades. CONCLUSÃO Embora esteja clara a idéia de que não existe adolescente padrão, o advento da globalização, a mídia, a automatização e a velocidade das transformações características da chamada era tecnológica criam um estado de constante desejo e a expectativa de rápida satisfação do mesmo. O adolescente vive permanentemente a tentativa de ser contemporâneo: ler a última revista, ouvir o último CD ou calçar o tênis mais recentemente lançado. Como as mudanças da sociedade contemporânea atingem a estrutura familiar e interferem na quantidade/qualidade de tempo disponível dos pais para convivência com os filhos, transfere-se para a escola, cada vez mais, a função de agente formador, para além da transmissão de informações ou da construção do conhecimento. Pode-se afirmar que pelo tempo que os adolescentes passam na escola, bem como pela especificidade do seu papel ou função social, esta instituição tem grande potencial para ser um espaço no qual os alunos vejam seus dilemas e realidades contemplados, de modo a ampliar o campo onde constroem seus projetos e identidades, considerando as experiências/vivências neste espaço. Através da revisão bibliográfica, é possível constatar que a adolescência pode ser entendida como uma fase da vida que se caracteriza pela busca da autonomia. O que leva a pensar na postura dos adultos em relação a estes sujeitos no que diz respeito ao limite, à referência, à condução para o mundo adulto. Entende-se assim, que há algo que responsabilidade desta e nesta condução. compete ao educador na A autoridade (diferente do autoritarismo) estará mais presente quanto maior for a capacidade de problematizar continuamente o processo educativo, de lançar um novo olhar sobre a adolescência, para além do rótulo, porque quando se ignora os dilemas de um ser acaba-se por não reconhecê-lo como pessoa. REFERÊNCIAS ABERASTURY A. e KNOBEL M. A adolescência normal: um enfoque psicanalítico. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000 ABRAMO, Helena Wendel. Juventude em debate. São Paulo: Cortez, 2002. BIAGGIO, Ângela Maria Brasil. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São Paulo: Moderna, 2002 BRANDÃO, E.R. O debate contemporâneo sobre a juventude. Rio de Janeiro: UERJ, 2003. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental – Introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998. ______, Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal 8.069/90. Brasília, DF, 1990. CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000. CARMO, Paulo Sérgio. Culturas da Rebeldia: A Juventude em questão. São Paulo: SENAC, 2001. DELORS, Jacques. Educação Um tesouro a Descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez, 2001 GUTIERRA, Beatriz Cauduro Cruz. Adolescência, Psicanálise e Educação. São Paulo: Avercamp, 2003 LEVI, Giovanni e SCHIMITT, Jean-Claude. História dos jovens. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. vol 1. MIRANDA, Margarete Parreira. Adolescência na escola: soltar a corda e segurar a ponta. Belo Horizonte: Formato, 2002. NASCIMENTO, Angelina Bulcão. Trajetória da juventude brasileira. Salvador: EDUFBA, 2002. NOVAES, Regina e VANNUCHI, Paulo (org). Juventude e sociedade. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004 PAPALIA, Diane E. ; OLDS, Sally. Desenvolvimento Humano. 8. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2006. SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. SOUZA, Regina Magalhães. Escola e juventude – o aprender a aprender. São Paulo: Paulus, 2003.