Santos-Dumont: criatividade e inovação

Transcrição

Santos-Dumont: criatividade e inovação
SUMÁRIO
PROPOSTA PEDAGÓGICA ................................................................................................ 03
Ildeu de Castro Moreira
PGM 1
O AVIÃO E A CIÊNCIA ......................................................................................................... 06
Santos-Dumont e a invenção do vôo
Henrique Lins de Barros
PGM 2
UM HOMEM DO SEU TEMPO ..............................................................................................19
Margarida Neves
PGM 3
SANTOS-DUMONT DESIGNER ...........................................................................................
22
Guto Lacaz
PGM 4
SANTOS-DUMONT NA ESCOLA: A FÍSICA DO VÔO ........................................................ 28
Glória Queiroz
PGM 5
A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS NA ESCOLA: O CONTEXTO DE SANTOS-DUMONT ....... 36
O uso da história das ciências na escola
Andréia Guerra, Marco Braga e José Claudio Reis
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
2 .
PROPOSTA PEDAGÓGICA
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
Ildeu de Castro Moreira1
O Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação a Distância/ TV Escola/
Programa Salto para o Futuro, apresenta a série Santos-Dumont: inovação e criatividade,
como parte das comemorações nacionais e mundiais do Centenário do vôo do 14 Bis. A
proposta da série é, ao homenagear Santos-Dumont, conhecer a vida e obra deste grande
inventor brasileiro e também compreender um pouco mais o contexto histórico e social de sua
época.
O objetivo primordial da série é “estimular a curiosidade, valorizar a criatividade e promover
a inovação em todos os setores da vida social. Um dos desafios atuais dos governos e da
sociedade brasileira é dar condições aos milhões de jovens brasileiros – um extraordinário
potencial humano – de terem uma educação de qualidade, em particular nos domínios das
ciências”2.
Temas que serão debatidos na série Santos-Dumont: criatividade e inovação,
que será apresentada no programa Salto para o Futuro/ TV Escola/ SEED/
MEC, de 07 a 11 de agosto:
PGM 1 - O avião e a ciência
O avião aparece no fim do século XIX como um desafio intransponível. Cientistas,
engenheiros e inventores procuram uma solução para o vôo do avião, sem sucesso. Somente
em 1906 Santos-Dumont consegue realizar o primeiro vôo de um avião. A história da
descoberta do vôo é um bom exemplo de como o homem inventa e de como o conhecimento
acumulado é importante para a inovação. A partir do trabalho de Santos-Dumont, podemos
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ver como a ciência e a técnica se desenvolvem e como é importante a divulgação dos
resultados para a sociedade como um todo. Estes e outros temas serão abordados no primeiro
programa da série.
PGM 2 - Um homem do seu tempo
Santos Dumont é visto como um homem à frente do tempo em que viveu. Foi um homem da
virada do século XIX para o século XX, um tempo cheio de novidades, em que o sonho do
progresso alimentava a esperança de todos os povos. E o brasileiro Santos Dumont, filho de
fazendeiro e comerciante de café que se tornou construtor de estradas de ferro, viveu,
intensamente, este sonho. Alguns aspectos da vida deste grande inventor, suas fantásticas
“máquinas voadoras” e as inovações de sua época são alguns temas trazidos para a discussão
no segundo programa da série.
PGM 3 - Santos-Dumont designer
Dos 25 aos 35 anos de idade, Santos-Dumont projetou, construiu e pilotou 22 aeronaves.
Aeronaves que se caracterizam por ousadia tecnológica e elegância de desenho. Sua obra
prima, o n° 20 – Demoiselle, foi o primeiro avião a ser produzido em série (200 unidades) e a
configuração que irá influenciar a aeronáutica. Este terceiro programa da série pretende
enfocar Santos-Dumont como o pioneiro do design no Brasil. Design, do latim designio:
destino, plano, projeto.
PGM 4 – Santos-Dumont na escola: a física do vôo
O programa 3 pretende apresentar o Projeto “Cem Anos do 14 BIS: Criatividade e Inovação”.
Este projeto propõe a contextualização do tema “A Física na conquista do vôo pelo homem”,
focalizando o desenvolvimento dos diferentes projetos que conduziram à invenção do avião.
As diferentes disciplinas podem se integrar, mostrando como os grandes inventores no campo
da aviação buscaram soluções para os problemas colocados diante do empreendimento de
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voar no início do século XX. Pretende-se discutir também como as ações pedagógicas
interdisciplinares contextualizadas tornam a forma de ensinar e de aprender algo prazeroso e
investigativo, trazendo motivação e alegria ao ambiente escolar e formando cidadãos mais
participativos na sociedade. Tais ações requerem professores assumindo a postura de práticos
reflexivos ao enfrentarem situações novas com soluções originais.
PGM 5: A história das ciências na escola: o contexto de Santos-Dumont
Tendo como tema a obra de Santos-Dumont, será apresentado o contexto da ciência e da
tecnologia em sua época no Brasil e na Europa. Isto será a motivação para se discutir e
analisar como a história das Ciência, da técnica e da tecnologia podem se constituir em um
interessante instrumento didático para o ensino das diversas ciências.
Notas:
1
Diretor de Popularização e Difusão de C&T do Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT) e professor da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Consultor desta série.
2
Como citado na apresentação do livro: Santos Dumont e a invenção do
avião, de Henrique Lins de Barros. Rio de Janeiro: CBPF, 2006
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PROGRAMA 1
O AVIÃO E A CIÊNCIA
Santos-Dumont e a invenção do vôo1
Henrique Lins de Barros 2
APRESENTAÇÃO3
Voar e controlar o vôo foram grandes desafios que mobilizaram cientistas, engenheiros,
inventores, visionários e aficionados por mais de dois séculos. As tímidas demonstrações do
pequeno balão de ar quente, realizadas pelo jesuíta brasileiro Bartolomeu de Gusmão, em
1709, mostraram que o sonho de voar poderia se transformar em realidade. Outro brasileiro, o
paraense Julio Cezar Ribeiro de Souza, conseguiu na década de 1880 dar um passo na direção
da dirigibilidade de balões. Mas foi somente em 19 de outubro de 1901, quando o dirigível 6
de Alberto Santos Dumont contornou a torre Eiffel, em Paris, que o vôo com controle ficou
comprovado. No entanto, foi a invenção do avião, em 1906, que produziu extraordinário
impacto no cenário mundial. O avião transformou-se no principal meio de transporte
transcontinental, alterando profundamente as relações internacionais e todos os aspectos da
vida moderna.
O trabalho do mineiro Alberto Santos Dumont no campo da aeronáutica é de uma
impressionante criatividade. Inventor do primeiro motor a explosão útil na aerostação e do
motor de cilindros opostos, inovador no uso de materiais até então ignorados, do relógio de
pulso prático, entre outras muitas contribuições, Santos Dumont culminou sua carreira ao
apresentar o primeiro avião, o 14bis, capaz de realizar um vôo completo na presença de uma
comissão de especialistas e do público, e ao inventar, pouco depois, o primeiro avião da
categoria ultraleve, o diminuto Demoiselle.
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O processo de criação de Santos Dumont é um raro exemplo no campo da inovação
tecnológica. Projetou, construiu, testou e demonstrou publicamente seus modelos, motivando
outros inventores a seguirem os caminhos descobertos por ele. Os vôos que realizou com seus
balões, seus dirigíveis e seus aviões forneceram elementos importantes para o
desenvolvimento subseqüente da aeronáutica. Santos Dumont teve condições familiares
particulares que permitiram com que estudasse e se dedicasse à sua vocação tecnológica;
grande parte de suas atividades inventivas foram realizadas na Europa, pois não havia
condições para o desenvolvimento tecnológico no Brasil naquela época.
O Ministério da Ciência e Tecnologia integra-se às comemorações nacionais e mundiais do
centenário do vôo do 14bis e promove a difusão, em colaboração com outras áreas de governo
e com a comunidade científica e tecnológica, de informações, materiais educativos e de
divulgação relativos ao acontecimento. É importante que todos os brasileiros, em particular os
jovens, tenham a possibilidade de conhecer melhor a vida e a obra deste grande compatriota,
discernir o impacto de seus inventos e entender um pouco da ciência e do entorno tecnológico
que possibilitou seu sucesso. Inspirados em seu exemplo, devemos estimular a curiosidade,
valorizar a criatividade e promover a inovação em todos os setores da vida social. Um dos
desafios atuais dos governos e da sociedade brasileira é dar condições aos milhões de jovens
brasileiros – um extraordinário potencial humano – de terem uma educação de qualidade, em
particular no domínio das ciências. Quando tivermos conseguido isto certamente teremos
muitos outros feitos científicos e tecnológicos a comemorar, como estamos fazendo agora,
com justo orgulho nacional, com Alberto Santos Dumont.
A FORMAÇÃO
Infância na fazenda. Alberto Santos Dumont nasceu em 20 de julho de 1873, em Minas
Gerais, no sítio de Cabangu, próximo à cidade que hoje leva seu nome. Logo, a família saiu
de Minas, e os Dumont fixaram-se, em 1879, na região de Ribeirão Preto (SP), onde o pai,
Henrique Dumont (1832-1892), iniciou uma bem-sucedida fazenda de café, batizada
‘Arindeúva’. A infância de Alberto foi na fazenda, familiarizando-se com as máquinas de
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preparo dos grãos de café e com as locomotivas, que facilitavam o transporte da produção,
uma inovação introduzida no Brasil escravagista por seu pai.
A mecânica é o futuro. O jovem Alberto estudou por um breve período em Campinas (SP),
no Colégio Culto à Ciência. Em 1892, iniciou um período de formação em Paris, com aulas
particulares. Seguia os conselhos de seu pai: “Em Paris, com o auxílio de nossos primos, você
procurará um especialista em Física, Química, Mecânica, Eletricidade etc.; estude essas
matérias e não se esqueça de que o futuro do mundo está na Mecânica. Você não precisa
pensar em ganhar a vida; eu lhe deixarei o necessário para viver”.
Gênio inventivo. Alberto nunca teve uma formação regular. Era um esportista, como relatou
um amigo desse período: “aluno pouco aplicado, ou melhor, nada estudioso para as ‘teorias’,
mas de admirável talento prático e mecânico e, desde aí, revelando-se, em tudo, de gênio
inventivo”.
A AEROSTAÇÃO E A FAMA
Brasil e os dirigíveis. Em 1897, Santos Dumont retornou à Paris e começou a se dedicar ao
problema da aerostação, a ciência que estuda os princípios básicos dos aeróstatos (balões e
dirigíveis). Aprendeu a arte do vôo livre e construiu, em 1898, seu próprio exemplar, o Brasil.
Foi um inovador, procurando soluções novas, utilizando materiais até então desprezados, para
obter o menor peso. O Brasil era o menor balão de hidrogênio, com 113 m3 de gás num
invólucro de seda de apenas 6 m de diâmetro.
Soluções inovadoras. Também em 1898, construiu um novo balão, o Amérique, capaz de
transportar alguns passageiros, bem como seu primeiro dirigível, que, no entanto, não
apresentava a rigidez necessária para voar. Esse aparelho, embora não tenha realizado um vôo
bem-sucedido – caiu duas vezes –, apresentou inovações revolucionárias. A mais importante
era o uso de um motor a combustão interna. Foi, de fato, o primeiro motor a gasolina da
aeronáutica. No ano seguinte, apresentando-se com seu segundo dirigível – quase igual ao
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primeiro –, sofreu um novo acidente. Nesse mesmo ano, conseguiu voar com sucesso em seu
terceiro dirigível, que apresentava novas soluções para o vôo.
Acidentes e prêmio. Em 1900, Santos Dumont estava disposto a tentar ganhar o prêmio
Deutsch, oferecido ao aeronauta que conseguisse realizar um vôo em circuito fechado de 11
km. O trajeto incluía sair de Saint Cloud, nos arredores de Paris, contornar a Torre Eiffel e
voltar ao ponto de partida. Tudo em menos de 30 minutos. Fez experiências com seu dirigível
4, mas abandonou o aparelho. Após introduzir nele novas soluções, partiu para a competição.
Dessa vez, com seu número 5, dirigível um pouco maior. Em 8 de agosto de 1901, caiu sobre
os telhados do Hotel Trocadero, num grave acidente. Em 22 dias, no entanto, construiu um
novo dirigível, o número 6, e, depois de realizar testes e sofrer novos acidentes, conseguiu,
em 19 de outubro de 1901, realizar o vôo em torno da Torre Eiffel, o que lhe garantiu o
prêmio Deutsch, apesar de alguns membros se manifestarem contrários.
Uma das facetas. Aqui, surge uma das outras facetas de Santos Dumont: a generosidade.
Antes de realizar o vôo, anuncia publicamente não ter interesse no prêmio de 100 mil francos
e que, se vier a ganhá-lo, doará metade dele para seus mecânicos e a outra metade será
entregue à Prefeitura de Paris, para ser distribuída entre os operários desempregados da
cidade.
MAIS PESADO QUE O AR
Critérios internacionais. Em 14 de outubro de 1905, a Federação Aeronáutica Internacional
(FAI) foi criada nos moldes do Comitê Olímpico Internacional. Sua criação surgiu da
necessidade de estabelecer critérios aceitos internacionalmente para se decidir se um aparelho
mais pesado que o ar era viável de fato. Os critérios eram:
a) o vôo deveria ser realizado na presença de um organismo oficial, habilitado para
homologá-lo;
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b) o vôo deveria se realizar em tempo calmo e sobre um terreno plano e devidamente
autenticado;
c) o avião deveria deixar o solo pelos próprios meios, em um ponto predeterminado, com um
homem a bordo;
d) o aparelho deveria carregar a bordo as fontes de energia necessárias;
e) o aparelho deveria voar em linha reta;
f) o aparelho deveria executar uma mudança de direção (viragem e círculo);
g) o aparelho deveria retornar ao ponto de partida.
Mais de 100 metros. Os membros da FAI sabiam que não se poderia esperar que, num
primeiro vôo, todos os critérios fossem satisfeitos. Assim, a federação estabeleceu um prêmio
para o que considerava o primeiro vôo homologado da história, ou seja, um prêmio em que se
mantinham os itens a) a e), deixando, para uma prova posterior, os outros dois itens. Além
disso, foi estabelecido que o vôo em linha reta deveria ultrapassar a marca de 100 metros. A
FAI analisou os relatos de vôos anteriores à sua criação e concluiu que nenhum deles
satisfazia os critérios.
Relatos anteriores. Muitos relatos já haviam sido feitos sobre vôos realizados por aviões. Na
década de 1890, o francês Clément Ader (1841-1926) realizou uma demonstração perante
oficiais do Exército francês com o seu Avion III. Embora o relatório oficial fosse sigiloso, o
meio aeronáutico tinha informações de que o ensaio não fora bem-sucedido. Na mesma época,
o alemão Otto Lilienthal (1848-1896), que vinha realizando vôos planados com segurança,
experimentou um modelo com um motor. Pulando do alto de uma colina, ele conseguiu
manter-se no ar, sem, contudo, melhorar seu desempenho. Abandonou a idéia e voltou ao
planador, até morrer num acidente.
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Vento e catapulta. Em 1901, o teuto-americano Gustave Whitehead (1874-1927) anunciou ter
conseguido decolar e voar em sua máquina. O feito de Whitehead foi presenciado por quase
20 testemunhas, mas nenhuma comissão especializada estava presente. Em 1903, os irmãos
norte-americanos Orville (1871-1948) e Wilbur (1867-1912) Wright anunciaram, por
telegrama, ter conseguido voar com o Flyer, saindo de um campo com uma inclinação de
cerca de nove graus e com um vento que beirava os 40 km/h. Nos dois anos seguintes,
anunciaram já estarem realizando mudanças de direção (viragens) e longos vôos em circuito
fechado, mas a máquina deles dependia de condições de vento ou do uso da catapulta para
alçar vôo. Outros relatos corriam, mas todos violavam alguns itens adotados pela FAI.
ALTERAÇÃO BRUSCA DE RACIOCÍNIO
Nenhum vôo real. As condições impostas pela FAI foram consideradas muito severas pelos
membros do Aeroclube da França. Seguindo a tradição da época, o francês Ernest Archdeacon
(1863-1950) estabeleceu um desafio menos rigoroso. Mantendo os cinco primeiros itens da
FAI, ele oferecia um prêmio para o inventor que conseguisse atingir a marca de 25 metros. Ao
mesmo tempo, Archdeacon e seu compatriota Deutsch de la Meurthe (1846-1919)
propuseram um prêmio para aquele que conseguisse realizar um vôo de 1 km em circuito
fechado. O quadro em 1905 era, portanto, muito claro: nenhum vôo real de um aparelho mais
pesado que o ar havia sido realizado até então.
Graves deficiências. Em Paris, Santos Dumont seguia as discussões e via que o rumo da
aeronáutica apontava para o aeroplano. Ele, que havia demonstrado a possibilidade de se
dirigir um balão, sabia que o dirigível não poderia competir com o avião. Apesar das
demonstrações com o dirigível 9, em 1903, terem paralisado o mundo, estava claro que os
aparelhos mais leves que o ar apresentavam graves deficiências.
Helicóptero e monomotor. Em meados de 1906, Santos Dumont publicou o esquema de dois
aparelhos mais pesados que o ar: um helicóptero e um avião monoplano (monomotor). Num
movimento brusco, alterou seu raciocínio e, em julho de 1906, estava com o 14 bis
praticamente pronto para os primeiros testes.
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O PRIMEIRO VÔO HOMOLOGADO
220 metros no ar. Em 12 de novembro de 1906, já no fim da tarde, com o dia escurecendo, o
14 bis, de Santos Dumont, correu sobre a grama do campo de Bagatelle, no Bois de Boulogne,
em Paris. Percorreu alguns metros e alçou vôo. Atingiu a velocidade de 41,3 km/h, num vôo
de pouco mais de 82 metros de distância. Meia hora depois, Santos Dumont iniciou seu quarto
e último ensaio daquele dia. No ar, percorreu 220 metros, em 21 segundos, a uma velocidade
média de 37,4 km/h, deixando os observadores admirados com o que viam.
Emoção dos presentes. O relatório da comissão do Aeroclube da França, órgão responsável
pela homologação dos vôos, demonstra a emoção sentida pelos presentes:
“A quarta tentativa foi feita no sentido inverso das três anteriores. O aviador saiu contra o
vento. A partida deu-se às 4:45h, com o dia já terminado. O aparelho, favorecido pelo vento
de proa e também por uma leve inclinação, está quase que imediatamente em vôo. Desfila
apaixonadamente, surpreende os espectadores mais distantes que não se acomodaram a
tempo. Para evitar a multidão, Santos Dumont aumenta a velocidade e ultrapassa seis metros
de altura, mas no mesmo instante a velocidade diminui. Será que o valente experimentador
teve um instante de hesitação? O aparelho parecia menos equilibrado, certamente: ele esboça
uma volta para a direita. Santos, sempre admirável por seu sangue-frio e por sua agilidade,
corta o motor e volta ao solo. Mas a asa direita toca o chão antes das rodas e sofre pequenas
avarias. Felizmente Santos está ileso e é acolhido impetuosamente pela assistência
entusiasmada, que o ovaciona freneticamente, enquanto Jacques Fauré carrega em triunfo
sobre seus robustos ombros o herói dessa admirável proeza”.
Vôo completo. Pela primeira vez na história, um aparelho mais pesado que o ar conseguia
realizar um vôo completo, decolando, voando e pousando sem nenhum auxílio externo. Após
vários ensaios anteriores, Santos Dumont havia aprendido a equilibrar e a controlar sua
aeronave no ar. Um trabalho de extrema precisão, com testes e experimentos cuidadosamente
realizados e sempre em público. Ferdinand Ferber (1862-1909), capitão do Exército francês e
um dos mais importantes inventores no campo da aeronáutica, afirmou logo após o vôo de 12
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de novembro: “Santos Dumont avançou para a conquista do ar passo a passo, salto a salto,
vôo a vôo”.
OS VÔOS DO 14 BIS
Peso atenuado. O 14 bis foi construído rapidamente: em cerca de dois meses. Não se sabe
bem quando Santos Dumont iniciou o projeto. O certo é que, em fins do primeiro semestre de
1906, o aparelho já estava concluído. De fato, em 18 de julho daquele ano, Santos Dumont
inscreve-se no Aeroclube da França para disputar duas provas de aparelhos mais pesados que
o ar: a taça Archdeacon e o prêmio Aeroclube da França para o aparelho que realizasse um
vôo de mais de 100 metros. Logo realizou experimentos com seu protótipo ligado ao
invólucro do dirigível 14, criando um aparelho mais pesado que o ar, mas com o peso
atenuado devido à força ascensional do balão.
Diário de um valente experimentador. • 18 de julho de 1906: O aparelho concluído. • 19 a 29
de julho: Testes com o avião preso ao balão 14 e pendurado num cabo inclinado. • 21 de
agosto: Testes no campo de pólo. • 22 de agosto, 4h: O 14 bis chegou a se levantar do solo.
Santos Dumont verificou que o motor de 24 cavalos-vapor (CV) era insuficiente. • 3 de
setembro: Novo motor de 50 CV foi instalado. • 4 de setembro, Bagatelle, 5h: O 14 bis
correu, mas Santos Dumont não conseguiu manter o controle. • 7 de setembro, por volta das
17h: Atingiu uma altura de cerca de 2 m. Às 18h55: O 14bis deslizou no chão. Às 19h20:
Nova tentativa, sem sucesso. • 8 a 12 de setembro: Alterações no projeto. • 13 de setembro,
7h50: O 14bis correu 350 m no solo. Alterações no aparelho. • 8h40: Nova tentativa e
percorreu cerca de 7 m no ar. • 23 de outubro, 9h15: corre em Bagatelle. O 14bis havia sido
envernizado para aumentar a sustentação, e alterações foram feitas na carcaça da nacela
(espaço do piloto) para reduzir o peso. Às 16h45: O 14bis decola e percorre 60 m numa
altura de cerca de 3 m do solo. Santos Dumont ganha a taça Archdeacon. • 12 de novembro:
Santos Dumont instalou um aileron (dispositivo para controlar a inclinação lateral) octogonal.
Quatro ensaios, cada um com uma série de vôos: i) 10h: Voou cerca de 40 m; ii) 10h25: Dois
vôos, um de 40 m e o outro de 60 m. iii) 16h09: Dois vôos, um de 50 m e o outro de 82,6
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metros, em 7,2 s, com velocidade média de 41,3 km/h; iv) 16h45: 220 m percorridos em 21 s,
a uma velocidade de aproximadamente 37,4 km/h.
O último vôo. Santos Dumont fez alterações no 14 bis, depois dos vôos de 12 de novembro de
1906. A mais importante foi a mudança do aileron octogonal situado no meio das células
externas das asas. Ao mesmo tempo, construiu um novo avião, o invento de número 15,
alterando profundamente a configuração. Em 4 de abril de 1907, ocorre o último vôo do 14
bis, em Saint Cyr. Voou cerca de 50 m e caiu. Santos Dumont não tentou consertá-lo.
O DEMOISELLE
O invento número 19. Santos Dumont sabia que o 14 bis não era um avião prático. No
período de menos de um ano, idealizou, construiu e testou cinco novos inventos. Em
novembro de 1907, testou o primeiro Demoiselle, seu invento de número 19. O Demoiselle
tinha como fuselagem uma única haste de bambu. Embora tenha conseguido decolar e voar
cerca de 200 metros, era claro que esse novo modelo de avião tinha graves problemas
estruturais.
Decolagem e manobra. Em 13 de janeiro, o francês Henri Farman (1874-1958) conseguiu
realizar o primeiro vôo de 1 km em circuito fechado. As duas questões básicas – ou seja, a
decolagem e a capacidade de manobrar – estavam demonstradas. A primeira por Santos
Dumont, em 12 de novembro de 1906; a segunda, por Farman, em 13 de janeiro de 1908.
Grandes distâncias. Em meados de 1908, a questão básica do vôo havia mudado. Era preciso
demonstrar que era possível voar grandes distâncias. A decolagem caía para segundo plano. E
aí os irmãos Wright voltaram a voar. Só então divulgaram as fotos do vôo de 17 de dezembro
de 1903, as especificações de seus aparelhos e voaram publicamente na França e nos Estados
Unidos. De fato, o Flyer III, um aparelho muito diferente do de 1903, era capaz de atingir
marcas espantosas. Em fins de 1908, Wilbur, na França, realizou um vôo de 124 quilômetros.
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14 .
O primeiro ultraleve. Em 1909, outro francês, Louis Blériot (1872-1936), consegue
atravessar o Canal da Mancha, mostrando a importância militar dos aviões. Naquele ano,
Santos Dumont apresenta seu último invento aeronáutico: o Demoiselle 20 é o primeiro
ultraleve da história. Com apenas 115 kg, diminuto, envergadura de 5,50 m e comprimento de
5,55 m, era acionado por um motor de 24 CV.
Ás da 1a Guerra. Em 1910, Santos Dumont anunciou sua intenção de parar sua vida no
campo de provas. Estava cansado, exausto e debilitado. Provavelmente, começava a sentir os
sintomas da esclerose múltipla, que o perseguiria até o fim da vida. O Demoiselle foi vendido
para um aspirante de piloto que, mais tarde, seria uma dos maiores ases da Primeira Guerra
Mundial: Roland Garros (1882-1918).
Divulgador da aviação. Santos Dumont publicou os planos do Demoiselle 20 e permitiu que
ele fosse construído por algumas firmas. O aparelho foi copiado e tornou-se um modelo
popular. Após abandonar o campo de provas, Santos Dumont passou a se dedicar à
socialização do vôo, mostrando que este era seguro e que transformaria as relações entre
nações. Participou de conferências e alertou as nações americanas para a necessidade de se ter
uma frota de aviões voltada à defesa daquele continente. Estava preocupado com o papel dos
aviões na guerra.
VIVENDO O CONFLITO
Líder dos pilotos. A partir da década de 1920, Santos Dumont está mudado. Aflige-se com os
acidentes e queixa-se de sua saúde. Homenageia aviadores intrépidos como os portugueses
Sacadura Cabral (1881-1924) e Gago Coutinho (1869-1959), que conseguem realizar a
primeira travessia aérea do Atlântico Sul, em 1922. É homenageado, pelos intrépidos pilotos,
como o líder de todos eles.
Deprimido e aflito. Santos Dumont, porém, sente-se doente, deprimido e aflito. Queixa-se aos
amigos. Provavelmente, vivia um quadro de depressão causado pela esclerose múltipla. Um
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quadro tão intenso e duradouro que, em 23 de julho de 1932, levou-o ao suicídio, aos 59 anos,
num quarto de hotel em Guarujá (SP).
CONCLUSÕES, INVENÇÕES E LENDAS
Contribuição de vários. O avião surgiu da contribuição de vários inventores. Contribuíram
para a invenção dele os vôos planados e as experiências incipientes de Lilienthal utilizando
motores; a invenção dos planadores de duas asas (biplanos) e de estruturas leves e rígidas,
ainda no final do século 19; o desenvolvimento dos planadores realizados por muitos, entre
eles Orville e Wilbur Wright. Ao mesmo tempo, foi preciso se entender o que era um aparelho
mais pesado que o ar e definir critérios que garantissem que um determinado invento
satisfazia as expectativas.
Primeiro avião do mundo. O primeiro avião do mundo – ou seja, o primeiro avião capaz de
realizar um vôo completo, incluindo a decolagem, o vôo propriamente dito e o pouso – foi o
14 bis, de Santos Dumont. Seu vôo de 12 de novembro de 1906, realizado em Bagatelle, às
16h45, quando seu avião atingiu a marca de 220 m, foi o primeiro vôo homologado da
história e é, ainda hoje, considerado pela FAI como o primeiro recorde de distância de um
aparelho mais pesado que o ar. Seu vôo anterior, quando atingiu a velocidade de 41,3 km/h, é
o primeiro recorde velocidade reconhecido pela FAI.
Mercado lucrativo. Em 1907, vários inventores já realizavam suas demonstrações e, no ano
seguinte, quando o avião já voava e fazia manobras no ar, houve uma transformação na idéia
do vôo. Se antes a decolagem pelos próprios meios, sem qualquer auxílio externo, era uma
condição essencial que provava que seria possível construir um avião, depois dos avanços
obtidos nesses primeiros anos o que passou a interessar foi a permanência no ar e a distância
alcançada. Aí apareceram no cenário os irmãos Wright, com o seu Flyer III, um avião
totalmente diferente do primeiro Flyer, de 1903, reivindicando a primazia. Mas aí outros
interesses estavam em jogo e, em particular, questões nacionalistas passaram a construir uma
nova versão dos fatos. Enfim, o avião abriu um lucrativo mercado.
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16 .
Relógio de pulso. Santos Dumont foi um gênio inventivo. Foi de uma conversa dele com o
dono de uma das mais importantes firmas de relógios, Louis Cartier (1875-1942), que surgiu a
idéia de se fazer o relógio de pulso para facilitar a medida do tempo de vôo. Não que antes já
não tivessem sido feitos relógios de pulso, mas o Cartier Santos, um modelo sofisticado,
usado por uma personalidade do porte de Santos Dumont, despertou o interesse de uma
sociedade ávida em novidades.
Degraus alternados. Sua casinha em Petrópolis, A Encantada, construída em 1918, é um
outro exemplo de sua capacidade de criar. A entrada se dá por uma escada muito íngreme,
mas confortável de se subir. Santos Dumont construiu-a com degraus alternados, facilitando a
subida. O primeiro degrau força o visitante a usar o pé direito. Terá feito isso
propositalmente? Vista com um olhar ingênuo, parece ser impossível alguém morar lá. Mas a
casa é o seu lugar de repouso e de retiro. Um espaço reservado. Do outro lado da rua do
Encanto, ainda existe a casa onde ficavam os seus serviçais.
Histórias e fantasias. Em torno de Santos Dumont existem histórias e fantasias. E fatos ainda
pouco falados, como as suas relações com as americanas Lurline Spreckels em 1903 ou Edna
Powers, que aparece como sua noiva no ano seguinte. Ou Yolanda Penteado... isso na década
de 1920.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA - Fontes:
LIVROS
BARROS, H. L. de. Santos Dumont. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003.
JORGE, F. As lutas, as glórias e o martírio de Santos Dumont. São Paulo, McGraw Hill
do Brasil, 1977.
SANTOS DUMONT. Os meus balões. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1973.
SANTOS DUMONT, A. O que eu vi e o que nós veremos. Rio de Janeiro, Edição do
autor, 1918.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
17 .
VILLARES, H. Dumont. Quem deu asas ao homem. Rio de Janeiro, MEC, 1957.
REVISTAS
L´Aerophile, 1900-1910
L’ illustration, 1890-1919
La Nature, 1870-1920
ACERVOS
Museu Aeroespacial do Campo dos Afonsos (Musal, Rio de Janeiro, RJ)
Museu Casa de Cabangu (MG)
Museu Paulista, da Universidade de São Paulo (Museu do Ipiranga, São Paulo)
Brigadeiro Lavenere-Wanderley/Sophia Helena Dodsworth Wanderley
Museu Casa de Santos Dumont - “A Encantada” (Petrópolis, RJ)
Notas:
1
Este texto foi publicado no livro Santos Dumont e a invenção do avião, de
Henrique Lins de Barros. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas - CBPF, 2006. Também está disponível, com as fotos e outras
imagens, em formato PDF na Internet: http://www.cbpf.br/publicacoes.html
2
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – CBPF.
3
Texto de Apresentação da obra citada acima, de autoria do Ministro da
Ciência e Tecnologia.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
18 .
PROGRAMA 2
UM HOMEM DO SEU TEMPO
Margarida Neves1
Os chineses têm um provérbio que diz que um homem parece mais com seu tempo do que
com seu pai e sua mãe. Isso pode ser verdade para Santos Dumont, que tantas vezes é visto
como um homem à frente do tempo em que viveu? Olhar a vida de uma pessoa e ver,
passando por dentro de sua vida, o tempo em que viveu é um exercício interessante, e é
possível fazê-lo mesmo, se pensarmos na vida desse homem, que deu asas aos sonhos de seu
tempo.
Alberto Santos Dumont nasceu em 1874 e morreu em 1932. Foi um homem da virada do
século XIX para o século XX, um tempo cheio de novidades, em que o sonho do progresso
alimentava a crença de que a história andava em linha reta, e fazia um caminho que levaria
todos os povos do atraso ao progresso, da barbárie à civilização. Na Europa, as Exposições
Internacionais, realizadas desde 1851, eram uma representação desse sonho.
No Brasil, as novidades do tempo também entusiasmavam aos que viviam o sonho do
progresso. Eram tempos de “vida vertiginosa”, como afirmou um cronista carioca chamado
Paulo Barreto, que assinava suas crônicas com o pseudônimo de João do Rio. Na vida
política, o país passou da Monarquia à República. No cenário social, da escravidão ao
trabalho livre. As cidades, em especial o Rio de Janeiro, viram sua população aumentar
muito. Viram também aparecer novidades na vida social: milhares de imigrantes europeus
vieram para o Brasil com o sonho de fazer a América; operários e empresários eram
personagens da vida das fábricas, outra das novidades do tempo; as mulheres, ainda
timidamente, já não viviam fechadas em casa e passavam a aparecer na vida pública; o trem
encurtava distâncias; o café, que continuava a ser a maior riqueza do país, mudou o cenário
de São Paulo e também mudou a forma de ser plantado, colhido, transportado e
comercializado. Milhares de novidades mudaram o cotidiano da vida urbana: a eletricidade, as
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
19 .
vacinas, o telégrafo, o fonógrafo, o cinematógrafo, o automóvel, a imprensa moderna, as
greves...
A reforma da capital federal, em 1904, deu ao centro do Rio de Janeiro ares parisienses, com
a grande Avenida Central. Muitos viviam com os olhos postos nas últimas modas francesas e
os que podiam não abriam mão de longas estadas em Paris.
Na vertigem das novidades do tempo, poucos percebiam que algumas coisas não mudavam.
Enquanto o tempo nas cidades parecia um furacão que transformava tudo à sua passagem, no
interior do país, onde as alianças políticas das oligarquias pautavam a República, o tempo
parecia não passar e tudo continuava na mesma. O Brasil continuava a ser um país que
exportava gêneros agrícolas – sobretudo café – e importava produtos manufaturados,
continuava a ser um país dependente e periférico, e continuava a excluir dos benefícios do
progresso a maior parte de sua população. Mas isso era difícil de ver das calçadas da Avenida
Central, dos salões iluminados das mansões, das lojas elegantes com nomes franceses.
Santos Dumont, filho de fazendeiro e comerciante de café que se tornou construtor de estradas
de ferro, viveu, intensamente, o sonho do Progresso. Mais ainda: fez o sonho do Brasil voar
mais alto e, quando o 14bis levantou vôo, a Europa curvou-se ante o Brasil, como canta a
marchinha de Carnaval. Na sua vida pessoal era um dândi, como eram chamados os elegantes
da época: adorava os automóveis; viveu longos anos em Paris, num apartamento na avenida
mais chique da cidade e assombrava os franceses com seus vôos em dirigíveis, no 14bis ou no
Hirondelle. Em Petrópolis, cidade na serra onde os elegantes do Rio de Janeiro passavam o
verão, construiu uma casa muito especial, que ele batizou de A Encantada, cheia de invenções
suas e que hoje é uma das atrações da cidade.
Quando viu os aviões que inventara para serem um instrumento do progresso usados como
arma de guerra para brasileiros matarem brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932,
Santos Dumont, já deprimido porque vira que os sonhos do progresso não traziam a
felicidade, preferiu morrer. O tempo em que viveu, com seus sonhos e decepções, passa por
dentro de sua vida.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
20 .
Nota:
Professora no Departamento de História da PUC-Rio.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
21 .
PROGRAMA 3
SANTOS-DUMONT DESIGNER
Guto Lacaz1
A palavra designer é recente na Língua Portuguesa. É uma palavra de uso internacional e que,
na década de 80, foi instituída para designar o que antes se chamava desenhista ou projetista.
Eram os artistas gráficos, comunicadores visuais e desenhistas industriais. A palavra design
vem do Latim – designio e quer dizer: destino, plano, projeto. Assim, design é a atividade e
designer, o profissional. Hoje temos muitos tipos de designer: gráfico, de produto, de luz, de
interiores, de moda, etc. Um bom produto realizado por um designer deve apresentar inovação
tecnológica e desenho original. Alguns exemplos são o Ford modelo T, o Volkswagen, o
avião Concorde, a câmera fotográfica Leica, a escada Ultmate lader, o walk man, o Ipod, etc.
Há mais de 20 anos estudo a vida e a obra de Alberto Santos-Dumont. Tudo começou quando
ganhei de meu amigo Amaro Moraes o livro Os meus balões, escrito por Santos-Dumont. Um
misto de vergonha e contentamento me trouxe esta edição: vergonha por desconhecer por
completo a sua inacreditável trajetória e contentamento por ter diante de mim um maravilhoso
assunto para estudo e projetos culturais.
Em 1997, a editora de arte da revista Arc Design, Fernanda Sarmento, pediu-me um artigo
para a Arc Design n.º 3 e, na hora, eu propus “Santos-Dumont designer”.
Fernanda gostou tanto que nos deu 8 páginas. Para escrever comigo este artigo, convidei meu
amigo, o poeta Duda Machado. Era a primeira vez que Santos-Dumont seria apresentado
como um designer, uma vez que o rótulo que a história lhe concedeu era de “o pai da aviação”
ou “inventor” – rótulos nobres, mas pouco esclarecedores.
Ao enfocarmos Santos-Dumont como o pioneiro do design no Brasil, vamos chamar a atenção
para os mais de 22 projetos aeronáuticos que realizou dos 25 aos 35 anos de idade, projetos
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
22 .
que se caracterizam por inovação e ousadia tecnológica, assim como elegância e eficiência de
desenho.
Para reforçar ainda mais esta designação, salientamos que sua obra-prima, o n.º 20, conhecido
pelo simpático apelido de Demoiselle (senhorita ou Libélula) foi o primeiro avião a ser
produzido em série, chegando a mais de 200 unidades, e também o desenho de aeronave que
influenciou o desenho das demais aeronaves que deram início à história da aviação.
Já em seu primeiro projeto, o balão Brasil, Santos-Dumont inova, desafiando seus colegas.
Encomenda um balão com 113 m3, quando o convencional seria 250 m3. Ele o havia projetado
para seu tamanho e peso (fig. 1). O Brasil atravessou Paris como uma linda bolha de sabão,
diz ele em Os meus Balões. Concentrado agora em conquistar a dirigibilidade, estuda os
projetos de seus antecessores Henry Giffard, Albert Tissandier, Renard e Krebs e outros.
Identifica que o fracasso de tais tentativas se deveu ao uso do motor elétrico ou a vapor,
ambos muito pesados e com baixo rendimento. Novamente desafiando seus colegas, propõe o
motor a gasolina como solução. Para provar esta teoria, faz o inusitado teste do triciclo a
petróleo dependurado na árvore (fig. 2). Diz ele: “Neste dia, começou minha vida de
inventor”.
Figura 1
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
23 .
Figura 2
Provada a teoria, projeta o dirigível n.º 1. O sucesso do n.º 1 o faz seguir adiante. Projeta,
constrói e pilota os n.º 2 e n.º 3. No n.º 4, Santos-Dumont nos surpreende resumindo todo o
conjunto mecânico e posição do piloto a uma única haste horizontal, exemplo de síntese e de
radicalidade de desenho. Neste modelo, coloca a hélice à frente, tornando este modelo ainda
mais original (fig. 3).
Figura 3
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
24 .
Em 1901, é lançado o Prêmio Deutsch para o aeronauta que conseguisse sair de Saint Cloud,
contornar na torre Eiffel e retornar em 30 minutos. Este estímulo leva Santos-Dumont a
projetar um dirigível de corrida, o n.º 5. Um alongado e elegante dirigível com as condições
para conquistar este importante prêmio. Um acidente quase fatal, ao retornar de um treino, faz
com que Santos-Dumont redesenhe esta aeronave e em 22 dias apresente o n.º 6, muito
semelhante ao n.º 5, porém mais leve (fig. 4).
Figura 4
No dia 19 de outubro de 1901, o n.º 6 conquista o prêmio Deutsch! Vemos até aqui a
quantidade de projetos realizados, cada qual com uma solução de desenho, cada qual trazendo
novos conhecimentos sobre o desempenho de soluções para aeronaves.
Segue-se o n.º 7 com duas hélices, uma à frente e outra atrás. Dizem alguns autores que, por
ter o n.º 5 se acidentado no dia 8 de agosto de 1901, Santos-Dumont cria uma superstição e
não faz o projeto n.º 8. Decide fazer o n.º 9, seu dirigível de passeio, apelidado de Baladeuse,
seu mais compacto e sintético dirigível. Uma aeronave que impressiona por ser tão bem
resolvida e proporcionada.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
25 .
Seguem-se outros projetos, o dirigível n.º 10, o bimotor n.º 11 não finalizado, o helicóptero n.º
12 não finalizado, o balão n.º 13 e os dirigíveis n.º 14 e n.º 14 modificado, cada qual uma
especulação diferente, um novo desenho, um novo aprendizado sobre o ar.
Resolvidos os problemas da dirigibilidade dos balões, os mais leves que o ar, o desafio que
agora se apresenta é a solução do vôo do mais pesado que o ar.
Santos-Dumont apresenta, em 1906, seu mais excêntrico projeto, o 14bis. É impressionante
como já em seu primeiro projeto de avião ele obtém sucesso. É impressionante como, não
tendo feito nenhum projeto de planador, ele acerta na configuração do 14bis. Realiza dois
vôos históricos em 1906 – 23 de outubro (60 m a 3 m de altura) e 12 de novembro (220 m a 6
m de altura) – entrando para a história como sendo a primeira aeronave a decolar, voar e
pousar com a própria força.
Por muito tempo, olhei o 14bis sem aceitá-lo como uma aeronave elegante, como uma obra
digna da qualidade do desenho de Santos-Dumont. Eu o achava avolumado e
desproporcionado. Só neste ano de 2006, quando comemoramos o centenário de seu vôo,
vendo-o voar, através da réplica de Alan Calassa, vejo quão maravilhoso ele é!
Entendo que a dificuldade que tinha em compreender seu estranho desenho se dava ao
compará-lo com a leveza de seu projeto n.º 19, o Demoiselle, e com as aeronaves atuais. Mas,
se observarmos que, logo após o dirigível n.º 14, ainda não se conhecia a solução da
configuração de um avião, Santos-Dumont nos aparece com este estranho objeto. Uma
aeronave que voa ao contrário, com o leme à frente, com asas e motor atrás (configuração
Canard). O n.º 15 se assemelha ao 14bis, mas apresenta alterações conceituais marcantes: a
hélice fica na frente sobre o assento do piloto. No 14bis, Santos-Dumont pilotava em pé, no
interior de um cesto, seguindo a tradição dos dirigíveis. No n.º 15, ele revê esta condição e
desenha um assento no interior da fuselagem. Esta aeronave não consegue voar, mas traz estas
contribuições aos projetos que se seguirão.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
26 .
No n.º 16, Santos-Dumont propõe um híbrido, meio balão, meio avião. Volta a utilizar um
balão, mas desta vez bem menor que o necessário para um dirigível. A hélice ocupa um lugar
radical, no meio do comprimento do balão, coincidindo com a altura do triângulo estrutural da
aeronave. Este projeto não consegue êxito. Vem o n.º 17, que se assemelha ao n.º 15, mas
com o trem de aterrissagem bem elevado. O n.º 17 também não consegue voar. Vem o
desafio de seu amigo Charron, para quem atingisse 100 km/h na água. Santos-Dumont nos
surpreende novamente com sua resposta.
O hidroplano n.º 18 é seu projeto mais arrojado e futurista. O n.º 18 antecipa o que viria a ser
o desenho dos jatos, anos mais tarde. Esta curiosa passagem pela água vai dar a SantosDumont as condições de catalisar todo seu conhecimento adquirido em seu último e definitivo
projeto aeronáutico, os n.º 19 e n.º 20, os Demoiselles. Os Demoiselles tiveram muitas
alterações, buscando maior desempenho. Destacamos, no n.º 19, o motor abaixo, em frente ao
piloto, com uma transmissão para o eixo da hélice acima, assim como a fuselagem feita de
apenas uma haste de bambu. Já no n.º 20, um motor de dois cilindros, desenhado por SantosDumont especialmente para esta aeronave, tem a hélice diretamente em seu eixo, deixando o
piloto livre abaixo. A haste de bambu da fuselagem é substituída por uma estrutura treliçada
que irá consagrar a configuração.
O sucesso do Demoiselle leva Santos-Dumont a aceitar, em 1910, o convite da revista
Popular Mechanics para publicar o projeto para quem o desejasse construir. O n.º 20 desafia
hoje os engenheiros aeronáuticos que o reconstruíram para vôo. Equipes de especialistas o
estudam e todos se surpreendem com seu desenho e soluções. Santos-Dumont se revela um
verdadeiro gênio ao nos apresentar o conjunto de sua obra. Se apenas tivesse resolvido a
dirigibilidade dos balões, cuja solução já estava enunciada mas não comprovada, diríamos que
ele era apenas ousado e elegante mas, ao vermos que ele resolveu também o vôo do avião, o
admiramos muito mais, entendendo que este brasileiro, como ele mesmo diz, nasceu para a
aviação e que a aviação nasceu com ele.
Nota:
Arquiteto. Autor da concepção e montagem da exposição Santos-Dumont
designer no Museu da Casa Brasileira em São Paulo.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
27 .
PROGRAMA 4
SANTOS-DUMONT NA ESCOLA: A FÍSICA DO VÔO
Glória Queiroz 1
Introdução
A Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social do Ministério de Ciência e
Tecnologia – MCT deu início aos preparativos para a III Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia, convidando escolas e instituições científicas e educacionais a participarem da sua
realização em outubro de 2006, propondo que dessa vez os projetos e atividades se
articulassem com as comemorações nacionais do centenário do primeiro vôo de um veículo
‘mais pesado que o ar’, o ‘14bis’, avião projetado e pilotado pelo ilustre brasileiro Alberto
Santos-Dumont (1873-1932).
Professores em serviço na escola básica ou em formação nas universidades, interessados em
explorar a capacidade inovadora e criativa de Santos-Dumont, despertando a de seus alunos,
ao tomarem conhecimento desse incentivo que está sendo dado à divulgação científica no
país, devem se aprofundar na vida e na significativa obra desse pioneiro dos ares, de modo a
desenvolverem projetos escolares interdisciplinares.
A meta atual da pedagogia de projetos de Educação em Ciências é a alfabetização científica
de todos os cidadãos brasileiros, independentemente da área profissional que os atuais
estudantes venham a seguir no futuro. A participação em projetos escolares relacionados ao
tema do vôo e os desafios enfrentados pelos primeiros construtores de artefatos voadores,
entre os quais se destaca o brasileiro, favorece a ampliação da auto-estima dos alunos e
professores envolvidos e até mesmo a nacional, quase sempre colocada em segundo plano
diante de outros povos. Porém, muitos se perguntam: como participar de projetos além de dar
as aulas, se os currículos são tão extensos e presos a tradições disciplinares
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
28 .
superconservadoras, com tantas restrições impostas ao trabalho dos professores? O que fazer
diante de um programa a cumprir, do vestibular, etc. ? No entanto, o tema do vôo atrai tanto
na atualidade como atraiu na virada do século XX para o XXI, mostrando-se adequado a um
trabalho coletivo na escola, indicado pelas novas orientações oficiais (Parâmetros Curriculares
Nacionais) para a escola básica, como forma de integração entre Ciência e Cultura,
Humanismo e Tecnologia.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro tem consolidado uma nova cultura de formação
no âmbito de seu curso de Licenciatura em Física. Futuros professores, alunos do curso, são
inseridos numa cultura de projetos pedagógicos capaz de ampliar a visão geral de mundo e a
visão pedagógica com que ingressam na universidade, por meio de atividades teórico-práticas
nas disciplinas Instrumentação para o Ensino de Física, Ensino e Evolução das Idéias da
Física, Linguagem e Ensino de Física, Física do Cotidiano ou através do ciclo Seminários de
Licenciatura, preparando-se para negociar o desenvolvimento de projetos similares aos
propostos a cada ano pelos professores formadores na universidade com seus tutores nas
escolas em que atuam como estagiários. Ao aceitarem o convite, os professores que os
orientam e seus alunos dão novo formato ao projeto criado na universidade, introduzindo
novos interesses e idéias próprias que então retornam aos formadores, criando-se uma via de
mão dupla escola – universidade para a formação inicial e continuada de professores.
Justificativa para interdisciplinaridade
Uma abordagem pedagógica interdisciplinar é indispensável para a construção de uma visão
de mundo integrada, formada por crenças, valores e conceitos que permitem a compreensão e
a ação numa rede de conexões de complexidade crescente, que nos insere no mundo em que
vivemos. O trabalho via projetos escolares pode contribuir para que se alcance tal visão,
evitando-se a fragmentação dos atuais currículos e a sua conseqüente simplificação excessiva.
A força das ações pedagógicas contextualizadas e interdisciplinares, que buscam estabelecer
relações entre os diferentes conteúdos e entre esses e a vida dos estudantes, fica evidente pela
motivação intrínseca que essas ações geram, dando alegria ao ato de aprender na escola,
perpetuando ao longo da vida a vontade de conhecer cada vez mais.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
29 .
No corrente ano de 2006, o projeto Santos-Dumont na escola está sendo contextualizado no
resgate da vida e da obra de Santos-Dumont, destacando a sua criatividade nos diferentes
projetos que conduziu ao longo do domínio da dirigibilidade em aparelhos mais leves do que
o ar – os dirigíveis – da invenção do avião e de toda a inovação associada a esses e a outros
projetos desenvolvidos paralelamente. Conhecer as relações históricas entre Ciência e
Tecnologia à época de Santos-Dumont, em seus detalhes, propicia uma nova visão de
currículo escolar como redes de saberes e fazeres dos sujeitos que vivenciam múltiplos
espaços e tempos nas escolas (Ferraço, 2006), levando os participantes a construírem uma
visão de mundo alicerçada na Ciência e na Tecnologia e a se expressarem sobre um
conhecimento significativo do ponto de vista pessoal e também de importância crescente para
a humanidade a partir do século XX.
O que importa em relação ao currículo não é o seu tamanho, mas sim a forma e a qualidade
com que ele é trabalhado com os alunos, tendo-se como meta aprendizagens de todos os
conteúdos de forma significativa, criando-se elos com o que eles já sabem e entre áreas
disciplinares diferentes, levando-os a serem participantes ativos da construção de um
conhecimento que os ajude a lidar com a complexidade das situações-problema a serem
enfrentadas no dia-a-dia.
A fragmentação das disciplinas cria uma barreira ao melhor aprendizado dos alunos que,
lidando com muitos conteúdos diferentes e sem integração, apresentam desempenho escolar
muito baixo. Ações pedagógicas contextualizadas e interdisciplinares tornam a forma de
ensinar e aprender algo prazeroso, trazendo motivação e alegria ao ambiente escolar. Por
outro lado, o professor, assumindo como Santos-Dumont a postura de prático reflexivo,
consegue se adaptar a situações novas, concebendo soluções originais típicas de um
profissional inovador.
Preparando o professor na sua disciplina para a interdisciplinaridade
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
30 .
Projetos de ciências nas escolas costumam gerar atividades coletivas sobre o tema abordado,
resultando em feiras de ciências para toda a comunidade, concursos de redação, competições
de artefatos, até participação na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Para que a
culminância do projeto não seja apenas festiva, professores das diferentes disciplinas devem
levar para suas salas de aula o tema do projeto de forma clara e construtivista, tecendo os elos
interdisciplinares pertinentes.
Apesar da boa receptividade do projeto sobre Santos-Dumont, motivada pelo grande destaque
dado à sua vida e à sua obra pela mídia, sabemos que a inserção dos professores em algum
projeto pedagógico exige inovação no tratamento dos temas consensualmente considerados
curriculares, não podendo se limitar à simples adição de novos conteúdos aos já enormes
programas. Por esse motivo, este projeto Santos-Dumont se apresenta aos alunos inicialmente
por meio de situações-problema tais como: Quem foi Santos-Dumont? O que é voar? Como
as coisas voam? A partir daí, os conteúdos escolares surgem, só que de forma aplicada, com
alto potencial significativo para os alunos. Atividades experimentais usadas de forma
interativa na educação não-formal de Ciências se mostram imprescindíveis para inovações
educacionais trazidas pela introdução da cultura de projetos na escola.
As respostas dos alunos, apesar de não serem completas do ponto de vista da ciência,
demonstram que algumas peças para a explicação do voar já estão presentes. Alguns
experimentos conhecidos sobre pressão do ar são realizados, procurando-se transferir os
resultados sobre as conseqüências da diferença de velocidade do ar que passa em dois lados
de um mesmo objeto (uma folha de papel por exemplo) para explicar a força de sustentação
do avião.
Além da Física, que estuda as diferentes formas de voar, as forças presentes no vôo e as
relações entre elas, as demais disciplinas também participam na construção integrada desse
conhecimento de tanta relevância para a vida. A História apresenta o contexto da virada do
século XIX para XX, pesquisando as outras novidades introduzidas na época e que também
completaram ou estão completando 100 anos; a Biologia estuda elementos da fauna e da flora
que serviram de inspiração para os primeiros modelos de avião, além de analisar o próprio
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
31 .
conceito de célula, usando-o em um contexto diferente daquele no qual foi criado, o dos
modelos aeronáuticos iniciais, podendo ainda relacionar o vôo a formas mais adaptadas na
evolução animal; a Química estuda os combustíveis para os motores desenvolvidos
especialmente para o vôo e o poder de combustão de cada um deles, os mais ou menos
adequados às reações que ocorrem nos motores de combustão interna de propulsão usados na
época; a Filosofia e a Sociologia discutem as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade,
entre teorias e modelos e sua relação com os experimentos; a Geografia pesquisa as relações
econômicas entre os principais países envolvidos na apresentação da novidade do avião para o
mundo e as conseqüências da aviação comercial e militar para o mundo contemporâneo; a
Língua Portuguesa e as Línguas estrangeiras cuidam dos textos da época, bem como do
material produzido nos trabalhos dos alunos; as Artes analisam a estética de Santos-Dumont
como forma de aperfeiçoamento de réplicas e miniaturas dos modelos construídos pelos
alunos, podendo ainda analisar canções que homenagearam Santos-Dumont no início do
século e nas comemorações do centenário do 14bis. A Matemática faz parceria direta com a
Física em todos os momentos oportunos: no estudo das funções envolvidas, na decomposição
de vetores, mostrando-se fundamental para o equacionamento do vôo.
No Laboratório de Instrumentação para o ensino da Física, na UERJ, com a ajuda dos
técnicos Adelino Carlos Ferreira de Souza e Rodrigo da Silva Costa, os estudantes em
formação inicial, futuros professores, enquanto resolvem as mesmas situações-problema que
levarão para seus estágios, desenvolvem protótipos de planadores de papel e de isopor que se
juntarão aos produzidos pelos alunos da escola básica. Na Escola Municipal Orsina da
Fonseca, os estudantes da UERJ Otávio Marques da Silva Júnior e Luciana Maria Azevedo
desenvolveram atividades com a orientação local da professora de Ciências Solange de
Almeida Cardozo, estimulando todos os alunos a formularem novas questões, buscarem novas
informações, construírem conhecimento significativo e, assim, ampliarem sua visão de mundo
a partir do desenvolvimento do projeto na escola.
Bibliografia
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
32 .
Caros Amigos Especial. Santos-Dumont - O primeiro vôo do homem faz cem anos,
2006. Disponível em http://www.carosamigos.com.br
Ferraço, C. E. Possibilidades para entender o currículo escolar. Pátio Revista
Pedagógica, fevereiro-abril, 2006.
Lins de Barros, H. Como o avião se mantém estável durante o vôo? O que é estabilidade
longitudinal da aeronave? Ciência Hoje. Rio de Janeiro, novembro, 1998.
Lins de Barros, H. Santos-Dumont e a invenção do vôo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2003.
Sites na INTERNET:
•
http://www.santosdumont.14bis.mil.br/
Página oficial da Comissão Interministerial para planejar, coordenar e estabelecer ações
destinadas às celebrações alusivas ao Centenário do Vôo do 14-Bis, a ser comemorado em
2006.
•
http://www.cabangu.com.br
Ótimo site, trazendo reportagens, curiosidades e imagens sobre a vida e obra de Alberto
Santos-Dumont, desde a fazenda em Cabangu onde nasceu.
•
http://inventabrasilnet.t5.com.br/yaerona.htm
Este site traz artigos muito interessantes sobre Alberto Santos-Dumont e sobre o padre jesuíta
Bartolomeu Lourenço de Gusmão, entre outros.
•
http://www.musal.aer.mil.br
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
33 .
Site do Museu Aeroespacial, no qual se encontram algumas informações sobre o 14bis, bem
como sobre o Demoiselle n.º 20. Para maiores informações visite o museu.
•
http://www.recortecole.com.br
Neste site se encontram modelos para montar miniaturas de diversos aviões, entre eles o
14bis.
•
http://cienciahoje.uol.com.br
Neste site encontram-se os artigos “O homem que roubou o coração de Santos-Dumont”,
“Alberto Santos-Dumont Voando com destino certo” e “Cem anos do primeiro vôo em Paris”.
•
http://pt.wikipedia.org/wiki/Santos_Dumont
Enciclopédia eletrônica, neste site você encontrará a biografia de Santos-Dumont, como
também a história da aviação.
•
http://sambas.letras.terra.com.br/letras/430607
Este site traz a letra do samba-enredo (2006) da Escola de Samba Unidos do Peruche
homenageado Alberto Santos-Dumont.
•
http://mcb.sp.gov.br e http://www.santosdumontdesigner.com.br
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
34 .
Os dois sites mostram a exposição montada no Museu da Cultura Brasileira, em São Paulo,
trazendo um enfoque inédito para Santos-Dumont, como um designer completo, pioneiro
nessa atividade no Brasil.
•
http://www.av8n.com
Site com explicações físicas e simulações de túnel de vento, incluindo um livro completo
sobre como voa um avião.
•
http://www.ctie.monash.edu.au
Site Antologia sobre os pioneiros da aviação, com as biografias dos pais da aviação,
desenhos e fotos de seus inventos
•
http://www.santos-dumont.net
Site que inclui uma cronologia de Santos-Dumont, incluindo muitas fotos de seus modelos
Nota:
Professora no Instituto de Física da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro - UERJ.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
35 .
PROGRAMA 5
A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS NA ESCOLA: O CONTEXTO DE
SANTOS-DUMONT
Uso da história das ciências na escola
Andréia Guerra 1
Marco Braga 2
José Cláudio Reis 3
“O objetivo de nossa argumentação é enfatizar que toda experiência, seja na ciência, na
filosofia, ou na arte, que possa ser útil à humanidade, deve ser passível de comunicação por
meio da expressão humana, e é baseado nisso que devemos abordar a questão da unidade de
conhecimento.” Niels Bohr
Para que serve estudar ciências na escola? A resposta a essa pergunta parece óbvia: para
aprender ciência. E para que serve aprender ciência? Novamente a resposta surge
imediatamente: para compreender como o mundo funciona. De um modo geral, de tão óbvios,
esses questionamentos não são feitos pelos professores e uma análise mais profunda se faz
necessária para que possamos dar ao ensino das Ciências maior significado, tanto para os
alunos como para nós próprios, professores.
A atual realidade do ensino de Ciências no Ensino Fundamental e Médio necessita de uma
profunda modificação, visto que não tem sido possível construir práticas que possibilitem aos
estudantes utilizarem a ciência para melhor compreender a sociedade em que estão inseridos.
Mas como isso é possível? O caminho que nos parece mais interessante é a utilização da
história das ciências como forma de levar os estudantes a uma reflexão sobre a construção do
conhecimento com o qual ele toma contato na escola, seja ele científico ou não.
Nossa preocupação não deve ser formar cientistas, mas sim cidadãos que possam, a partir do
conhecimento da ciência, compreender melhor as relações do mundo em que vivem. A
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
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história da ciência é importante para a construção de uma abordagem que privilegie a
compreensão da realidade e não a mera acumulação de fatos e fórmulas e colabore na
formação de um cidadão crítico e participativo.
Um novo conceito de educação científica deve ser implantado e seu ponto central é a
formação da cidadania. Logo, um tipo de formação como essa coloca o aluno o mais próximo
possível da realidade de seu dia-a-dia, do mundo micro e macro social em que ele vive. O
aprendizado das ciências deve permitir uma leitura do mundo visando a uma participação
mais ativa na condução dos destinos da sociedade.
O mundo contemporâneo é regido pela ciência e pela tecnologia, na medida em que temos à
nossa disposição uma infinidade de máquinas que realizam as mais diferentes tarefas. Mas
como isso surgiu? Foi um processo natural de desenvolvimento da ciência e da técnica?
Realmente os aparatos tecnológicos estão à nossa disposição? Para conseguirmos as respostas
a essas questões, será fundamental recorrermos à história da construção dos conhecimentos
científicos que possibilitaram a construção do mundo como o conhecemos hoje. A primeira
coisa que precisamos compreender é que o conhecimento científico não se construiu à
margem do desenvolvimento histórico-cultural das sociedades, ele é fruto dos processos
políticos, econômicos, sociais e culturais ocorridos ao longo da história da humanidade. A
ciência deve ser entendida como um dos agentes construtores da sociedade em que é
produzida. Essa compreensão deve estar presente no aprendizado dos conteúdos científicos. A
história e a filosofia das ciências mostram-se como uma importante área que permitirá o
encaminhamento de um projeto de formação científica e cidadã. Dessa forma, podemos
ultrapassar o ensino instrumental, que predomina na maioria das escolas. Devemos passar a
entender a ciência como parte da cultura. Isso é fundamental para se problematizar a ciência e
a tecnologia como entidades superiores, que estão acima dos homens, como se fossem
produzidas por seres também superiores.
Por que o ensino da ciência omitia diversos processos de construção do conhecimento
científico, priorizando apenas os produtos da ciência, isto é, as teorias prontas e acabadas,
como se fossem o resultado de descobertas certas e confirmadas? Esses produtos, muitas
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vezes apresentados na forma de funções matemáticas, não são passíveis de questionamentos,
porque são apenas relações entre fenômenos, enquanto as teorias são construções históricas.
Dessa forma, afastamos os estudantes das ciências, pois a sua compreensão parece ser apenas
possível para os eleitos, os gênios. Além disso, quando consegue superar esses problemas, o
estudante acumulou uma quantidade enorme de conhecimento sem grande significado para
sua inserção no mundo.
Entender o processo de construção de qualquer conhecimento é fundamental para
problematizar o conhecimento e aproximar-se dele. Os estudantes têm, de um modo geral,
dois tipos de postura em relação às ciências. Ou acham que aprender ciências não serve para
nada, pois seus interesses são outros, ou acreditam que, ao se apropriarem do conhecimento
científico, estão de posse de uma verdade inquestionável.
A história e a filosofia das ciências poderão aproximar os estudantes do Ensino Fundamental
e Médio de uma ciência mais viva e significativa, em que os conteúdos da Biologia, da
Química, da Física e da Matemática serão compreendidos dentro de uma visão de mundo mais
ampla.
É fundamental que os alunos compreendam que a teoria da evolução, a tabela
periódica ou as leis da mecânica, por exemplo, não foram fruto de um homem, seja ele
Darwin, Mendeleiev ou Newton, mas foram resultantes de um longo processo histórico, em
que fatores extra-científicos estiveram presentes.
O estudo do processo de construção do conhecimento é o elemento chave para o diálogo
efetivo entre as diferentes disciplinas. Ou seja, a partir de uma abordagem histórico-filosófica
das ciências, podemos implementar uma concepção interdisciplinar na escola, não uma
abordagem temática, em que diferentes disciplinas têm que se encaixar forçosamente num
único tema, mas uma interdisciplinaridade que une os conhecimentos através do diálogo que
eles travaram ao longo da história. Dessa forma, o conhecimento ganha uma dimensão mais
ampla, pois podemos, por exemplo, falar de Revolução Industrial e do desenvolvimento da
física térmica, dando à história e à ciência uma complementaridade fundamental para a
construção, por parte dos alunos, de um painel de época mais completo e significativo.
Poderemos ver, também, que as artes plásticas, a literatura e outras manifestações artísticas
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estiveram refletindo o espírito científico da época em que foram produzidas. Quando lemos
H. G. Wells, Julio Verne ou apreciamos obras de pintores como Goya, Blake, os
impressionistas do século XIX e tantos outros, podemos perceber que esses artistas estavam
representando um mundo como também a ciência estava fazendo na mesma época, só que os
primeiros através da linguagem cotidiana ou das cores, enquanto o segundo grupo através da
linguagem matemática, tão cara à ciência.
Certamente a compreensão do mundo contemporâneo passa pelo entendimento da ciência,
mas isso não significa que teremos que saber todo o detalhamento técnico de leis e aplicações
da ciência. É fundamental que conheçamos como esse mundo foi engendrado e como se
sustenta. Para isso, devemos conhecer como a ciência se construiu ao longo da história e
como ela construiu essa mesma história. Não tem nenhum significado estudar, por exemplo,
máquinas térmicas e as leis da termodinâmica sem abordar esse assunto no contexto da
Revolução Industrial, ou ainda falar do conceito de vida sem discutir as teorias sobre geração
espontânea.
Enquanto professores do Ensino Fundamental e Médio, devemos nos valer da possibilidade
de discutir uma abordagem menos técnica e especializada, para que possamos construir uma
prática educacional para o ensino de ciências que produza uma reflexão sobre a condição
humana. Para isso, a abordagem interdisciplinar, a partir da história e da filosofia das
ciências, é bastante apropriada.
Os cursos de Ciências no Ensino Fundamental e Médio devem procurar explicitar mais o
aspecto das relações entre o ensino escolar das ciências e as possibilidades de entendimento
do mundo que está à nossa volta. Certamente a história da ciência é um caminho privilegiado
para que essa reflexão seja feita, entretanto os alunos devem ser levados a refletir sobre o
papel da ciência hoje, fora das aplicações tecnológicas imediatas. Devemos fazer com que os
alunos reflitam sobre como a ciência serve para legitimar uma estrutura de exploração do
planeta que produz uma elevadíssima exploração dos próprios seres humanos.
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
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Dessa forma, estaremos resgatando, inclusive, o próprio espaço escolar como um espaço de
reflexão sobre o mundo que nos cerca. Servindo o saber escolar para compreender tanto o que
está próximo como o que está distante do nosso cotidiano, temporal e/ou espacialmente.
Um último ponto a ser destacado é a necessidade de que a escola de Ensino Fundamental e
Médio se transforme num espaço efetivo de reflexão sobre o conhecimento, pois só assim
poderemos alcançar transformações efetivas na realidade educacional brasileira.
Para começar um estudo em história e filosofia da ciência e para trabalhar com os alunos
recomendamos alguns títulos de fácil obtenção.
Thuillier, Pierre. De Arquimedes a Einstein. Jorge Zahar Editor.
Ronan, Colin. História Ilustrada da Ciência (4 volumes). Jorge Zahar Editor.
Grupo Teknê. Coleção Ciência no Tempo (7 volumes). Atual editora.
Grupo Teknê. Coleção Breve Historia da Ciência Moderna (3 volumes). Jorge Zahar Editor.
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Presidência da República
Ministério da Educação - MEC
Secretaria de Educação a Distância - SEED
TV ESCOLA/SALTO PARA O FUTURO
Diretoria do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a Distância
Coordenação Geral de Produção e Programação
Coordenação Geral de Capacitação
Supervisora Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Coordenadoras de Utilização e Avaliação
Mônica Mufarrej e Leila Atta Abrahão
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa
Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultor especialmente convidado
Ildeu de Castro Moreira
Email: [email protected]
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto
Av. Gomes Freire, 474, sala 105. Centro.
CEP: 20231-011 – Rio de Janeiro (RJ)
Agosto 2006
SANTOS-DUMONT: CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO
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