a natureza do trabalho dos indígenas

Transcrição

a natureza do trabalho dos indígenas
I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS
INDÍGENAS NAS EMPRESAS MANTIDAS
PELOS JESUÍTAS
SUMÁRIO
INDICAÇÕES DE ORDEM GERAL
– Antônio Paim ....................................................... 3
PRINCIPAIS TEXTOS RELACIONADOS AO TEMA
NOTA INTRODUTÓRIA – Antônio Paim ................ 5
OS INCIDENTES DO MARANHÃO
REGISTRADOS PELOS PRÓPRIOS
JESUÍTAS – Antônio Paim ...................................... 15
TEXTO DE LÚCIO DE AZEVEDO (1855/1933) ...... 27
AS ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DA
COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
– Jorge Couto (Universidade Nova de Lisboa) .......... 63
ASPECTOS ECONÔMICOS DA EXPULSÃO
DOS JESUÍTAS DO BRASIL – Daurul Auden ......... 83
1
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INDICAÇÕES DE ORDEM GERAL
– Antônio Paim
A estrutura da historiografia brasileira foi
estabelecida em bases definitivas no século XIX, graças
à criação do Instituto Histórico, à adesão ao princípio da
valorização do documento – de que a obra de Varnhagen
seria o exemplo emblemático; o reconhecimento da
necessidade de proceder-se à fixação dos respectivos
períodos históricos e de identificar suas principais
fontes documentais; etc.
A preservação desse patrimônio não significa a
ausência de controvérsias. Apenas que sua identificação
subordina-se aos princípios básicos da historiografia.
Entre estes, o de que a história refere-se ao passado não
lhe competindo dizer como será (ou poderá ser) o
futuro. A esse propósito cabe lembrar a seguint e
advertência de Hegel, contida da Filosofia do Direito:
“Conhecer o que é, eis a tarefa da filosofia, pois o
que é equivale à razão. No se que refere ao indivíduo,
cada um é filho de seu tempo; a filosofia, do mesmo
modo, resume seu tempo no pensamento. Seria estúpido
imaginar que um filósofo qualquer ultrapasse o mundo
contemporâneo do mesmo modo que um indivíduo salte
por cima do seu tempo... Se uma teoria de fato ultra passa esses limites, se constrói um mundo tal qual deve
ser, este mundo existe somente em sua opinião,
elemento inconsistente que pode assumir não importa
que forma.”
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Essa advertência serve também para lembrar que
embora a cultura corresponda a uma totalidade, no seu
estudo somos obrigados – em nome do rigor e da
objetividade – a estabelecer determinados limites. Dizer
como será ou poderá ser o mundo é parte da política,
justamente a esfera da vida social em que vigora a
violência e a paixão. Portanto, nada tão distante das
exigências da objetividade histórica, pressupondo seu
estudo o que Max Weber designou como “neutralidade
axiológica”, isto é, a aceitação de que a valoração, que
terá presidido à escolha do fato a ser estudado, não
deverá ser objeto de disputa. O rigor e a consistência da
análise terá que ser avaliada, exclusivamente, no âmbito
abrangido pelo próprio fato.
Muitas questões passaram o crivo da historiografia antes de serem considerados controversos. Ao
hierarquizá-las, naturalmente, a preferência do
historiador pecará inevitavelmente pela subjetividade.
Assim, a escolha que efetivamos não se pretende
universalizável, contentando-nos com a evidência de
que sua natureza controversa seja plenamente
reconhecida.
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PRINCIPAIS TEXTOS RELACIONADOS AO TEMA
Nota introdutória – Antônio Paim
A principal controvérsia remanescente da
historiografia brasileira diz respeito ao papel dos
jesuítas. Varnhagen procurou registrar como se posi cionava diante daquela presença a sua própria época,
concluindo que “justo é reconhecer que a Ordem prestou
ao Brasil alguns serviços, bem como, por outro lado,
parcialismo ou demência fora negar, quando os fatos
evidenciam que, por vezes, pela ambição e orgulho de
seus membros, chegou a provocar no país não poucos
distúrbios” (1). O desdobramento desta hostilidade seria
a expulsão da Ordem de nosso país, não se podendo
perder de vista que o fenômeno ocorreu em outras
nações, culminando com a própria extinção, deter minada pelo Vaticano.
O problema central consiste no seguinte,
tomando-o aqui na maneira como o formularia o próprio
Varnhagen: “Na conversão dos índios prestaram um
grande serviço, na infância da colonização, desanimando os governadores a prosseguir sem escrúpulos o
sistema de os obrigar à força, em toda parte reconhecido
como o mais profícuo para sujeitar o homem que
desconhece o temor a Deus e a sujeição de si mesmo
pela lei. Entretanto, é lamentável que justamente se
apresentassem a sustentar o sistema contrário, quando
tiveram fazendas que granjear com o suor dos índios, ao
passo que os moradores da terra, comprando os escravos
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da África e arruinando-se com isso, não poderiam
competir com eles na cultura do açúcar, etc.”.
Como classificar o trabalho realizado pelos índios
nas Fazendas Jesuítas? Lamentavelmente não se dispõe
de um levantamento das dimensões que teriam assu mido. Preservaram-se indicações dispersas relacionadas
sobretudo às existentes no então chamado Estado do
Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com
Pombal assumiu ali nitidamente a feição de uma disputa
comercial.
O próprio Varnhagen deixou-nos a indicação de
que os jesuítas mantinham naquela região 20 aldeias e
22 grandes fazendas, de gado e cana-de-açúcar, que
rendiam anualmente 165 contos, equivalentes a 75% dos
rendimentos de 221 contos apurados pelas 56 fazendas
sustentadas por ordens religiosas (2).
Alguns desses estabelecimentos seriam efetivamente de muito grande porte. Kenneth Maxwell os
refere deste modo:
“Embora os inimigos dos jesuítas lhes
exagerassem a riqueza, esta não era despicienda. Os
jesuítas, em virtude do número e do valor de suas
propriedades, do governo temporal sobre as numerosas
aldeias das missões e da utilização da mão -de-obra de
muitos outros povoados indígenas, detinham um capital
e um poder havia muito cobiçado pelos colonizadores
portugueses do Grão-Pará e Maranhão. Somente na ilha
de Marajó os jesuítas administravam fazendas que
continham mais de cem mil cabeças de gado e
propriedades rurais produtoras de açúcar. Também
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comercializavam os frutos das expedições indígenas ao
interior da floresta amazônica em busca de drogas
nativas, cravo, cacau e canela, que, transportados por
frotas de canoas para o litoral do Atlântico, eram
recolhidos aos armazéns dos colégios jesuítas. Ali esses
produtos ficavam isentos de impostos e taxas
alfandegárias e eram colocados no mercado mediante
uma feira mantida enquanto a frota portuguesa estava no
porto. Em Belém, os produtos eram vendidos a capitães
de navios e comissários vindos de Portugal e uma
porção menor consignada à Metrópole em nome da
Companhia de Jesus e sob o seu selo. Como seus
colegas em todo o Brasil, os jesuítas, além das suas
atividades religiosas, administravam uma operação
comercial de considerável sofisticação que resulta va de
anos de acumulação de capital, reinvestimentos e
administração cuidadosa” (3).
Serafim Leite descreve as fazendas jesuítas e
explica o seu nascedouro como uma forma de assegurar
o abastecimento dos gêneros de que careciam tanto os
membros da Ordem como os índios aldeados. A
descrição considerada encontra-se, basicamente, nos
volumes IV e V de sua monumental História da
Companhia de Jesus no Brasil e também na Suma
Histórica da Companhia de Jesus no Brasil (Lisboa,
Junta de Investigações no Ultramar, 1905). Em que pese
aquela circunstância inicial, indica expressamente que,
com o correr do tempo, tornou-se uma atividade
comercial. Assim, manteve engenhos de açúcar, tanto no
Recôncavo da Bahia (que chegou, segundo refere a
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produzir 150 caixas de açúcar de mil libras cada uma,
em 1722), como em Sergipe, na capitania do Espírito
Santo, em Pernambuco (dois), no Maranhão e no Pará.
Serafim Leite trata com naturalidade a posse de
escravos negros pela Companhia de Jesus. Assim,
quando se refere à Fazenda de Santa Cruz, no Rio de
Janeiro, indica achar-se dotada das características de
grande estabelecimento agropecuário, ao que acrescenta
depois de mencionar os diversos bens produtivos de que
dispunha: “e só no núcleo central da povoação as
senzalas eram 232, onde as famílias viviam sobre si
mesmas, à parte se eram de prole numerosa”.
Talvez porque fossem muito numerosos, os
escravos negros dispunham de algumas regalias, como o
próprio gado para obtenção de carne e leite. O autor
explica a situação deste modo: “este gado dos escravos
era o que os padres lhes davam e proliferava por conta
dos mesmos escravos, pastando livremente nos campos
da fazenda, distinguindo-se do outro gado apenas pela
marca. Não só lhes concedia essa regalia, mas também
os tornavam participantes das suas pescarias, entre as
quais uma se denominava de “negros na ilha da senzala”
(História da Companhia, vol. VI, p. 59; Suma
histórica, p. 187).
O jovem promissor historiador português Jorge
Couto – que em sua dissertação de mestrado (1990)
cuidou do destino do patrimônio do Colégio dos Jesuítas
no Recife – teria oportunidade de assinalar divergências
na Ordem quanto à posse de escravos negros,
controvérsia que terminou com a vitória da corrente que
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denomina de pragmática, isto é, daqueles que preferiam
gerar os recursos requeridos para o seu sustento ao invés
de depender de incertas doações oficiais. A descri ção
dos desdobramentos dessa disputa é efetivada na
comunicação ao Congresso América 92 – Raízes e
Trajetórias, inserida no livro Confronto de culturas:
conquista, resistência, transformação (Rio de Janeiro,
Editora Expressão e Cultura; São Paulo, EDUSP, 1 997).
Quanto à natureza do trabalho indígena, Serafim
Leite não é explícito. Indica apenas que a estes
incumbia as pescarias registrando igualmente a sua
presença no recolhimento de madeira. A Companhia
mantinha serrarias e exportava madeiras. Quanto às
fazendas de gado, Serafim Leite indica que as maiores
encontravam-se em Campos de Goitacazes (com 16.580
cabeças), no Piauí (com 32 mil cabeças) e na Ilha de
Marajó com mais de 50 mil).
Lúcio de Azevedo é mais explícito embora os
seus levantametos digam respeito apenas às províncias
do Grão-Pará e do Maranh/ao (Os jesuítas no GrãoPará. Suas missões e a colonização. Lisboa, Tavares
Cardoso & Irmão, 1901). Segundo sua estimativa, no
século XVIII havia, na Província do Grão-Pará, cerca de
sessenta aldeamentos de índios aculturados (“mansos”,
como diz) com uma população de cinqüenta mil pessoas.
Não apresenta estimativas relativamente ao Maranhão.
Acerca do tema que os ocupa afirma ex pressamente o seguinte: “Usando dos mesmos processos
de cativeiro e domínio, aplicados pelos seculares, os
padres lograram acrescentar os seus estabelecimentos,
9
ao passo que os dos simples colonos minguavam, até a
extrema decadência. Escravos eram os índios em poder
destes, como no daqueles, e em ambas as partes o
trabalho violento. Não era talvez a menor tirania do
religioso na missão, que a do lavrador na fazenda. Mas o
desinteresse pessoal do sacerdote fazia a parte
divergente, de onde partiam os caminhos, aos quais um
levava a obra empreendida à existência vivaz, o outro a
conduzia ao marasmo, de que nenhum reagente
conseguia levantá-la. É que o missionário, forçando o
selvagem ao trabalho, aplicava o produto à manutenção
das aldeias; e a riqueza econômica, criada pelo braço
cativo, vinha incorporar-se nos próprios estabelecimentos onde havia brotado. O trabalho do que se achava
em poder da gente laical, esse era dissipado na vida
indolente dos colonos, ou transferido na bagagem dos
funcionários, para quem engrossar os cabedais era a
superior preocupação do ofício.
As missões enriqueciam portanto; e as dos
jesuítas sobrepujavam a todas em número e valor das
propriedades”. (p. 195-196).
Segundo indica, os jesuítas possuíam, na
capitania do Pará, nove fazendas rurais; no Maranhão,
seis de criação de gado e sete outros estabelecimentos
agrícolas “entre estes um engenho de açúcar produ zindo
mais de duas mil arrobas anuais de açúcar”.
Embora enfatize sobremaneira o fato da atividade
produtiva achar-se voltada para os aldeamentos, não
deixa de registrar as exportações (admitindo mesmo que
algumas ficavam de fora dos registros oficiais, por ele
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compulsados), isentas de dízimos e de direitos
alfandegários, o que, por seu turno, aumentava ainda
mais o ódio dos particulares contra a Companhia. (“A
isenção, odiosa aos habitantes da colônia, jus tificava-se
com serem tais valores aplicados no sustento das
missões”, pág. 127).
Lúcio Azevedo está longe de aprovar as medidas
tomadas contra os jesuítas, sob Pombal, e até procura
minimizar a presumível riqueza por eles acumulada. De
todos os modos, na documentação compulsada e que
registra, vê-se que funcionários da Metrópole, nos
começos do século e ainda sob D. João V, como escreve
“manifestam o quanto é desagradável ao monarca
verificar que religiosos empregam seu maior cuidado
nos negócios temporais”. De um documento que
encontrou na Biblioteca de Évora, com a data de 13 de
janeiro de 1723, em que se manda retirar das missões os
padres das Mercês e do Carmo, transcreve o seguinte:
“por certo (diz a Ordem Régia) se estão servindo dos
índios como escravos para suas grangerias e comércio”.
Trata-se de memorando da Corte encaminhado ao
governador.
No ensaio elaborado para a obra coletiva Conflict
and Continuity in Brazilian History (Columbia, SC,
1969; trad. brasileira, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1970), organizada por Henry H. Keith e S. F.
Edwards, sob a denominação de “Aspectos econômicos
da expulsão dos jesuítas do Brasil”, Daniel Alden
reconstitui a maneira pela qual a Companhia de Jesus
acumulou a riqueza de que estava de posse à época da
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expulsão. Além de doações da Coroa, herdou espólios e
também foram efetivadas compras diretas, tanto de
terras como de outros bens. O dimensionamento e
características de seus empreendimentos econômicos é
concluído com relativo sucesso.
Começa por indicar que as lavouras mais
importantes eram mandioca, arroz, algodão e tabaco.
Havia igualmente cultivos de legumes, frutas cítricas e
trigo. Destinando-se basicamente ao consumo próprio,
geravam contudo excedentes exportáveis, notadamente
no caso dos engenhos de açúcar. Acerca dessa última
atividade escreve:
“Embora tivessem começado a cultivar a cana
logo depois de terem chegado no Brasil, os jesuítas só
adquiriram seu primeiro bangüê em 1604, quando se
construiu o engenho Camamu na Bahia em local
escolhido pelo Padre Fernão Cardim. O engenho foi
destruído pelos holandeses em 1640, mas os padres
continuaram a adquirir outros grandes bangüês, por
doação (como no caso do famoso Sergipe do Condé) ou
por compra (por exemplo, o engenho Pitanga, também
na Bahia), até que cada um dos colégios mais
importantes pode retirar parte de sua renda de uma ou
mais plantações de cana. Pelos meus cálculos, os
jesuítas tinham ao todo dezessete canaviais, cada um
equipado com um ou mais engenhos, ao tempo de sua
expulsão. Essas instalações compreendiam não só
moendas e outros maquinismos relacionados com o fa brico de açúcar, mas também destilarias de aguardente,
forjas, tanoarias, olarias e oficinas de tecelagem, e, em
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alguns casos, estaleiros aptos para construir em barcações que, quanto ao tamanho, iam desde as canoas
amazônicas até às sumacas de navegação marítima”.
Quanto à atividade pecuária sua estimativa é a
seguinte: “Além das lavouras de subsistência e dos
canaviais, cada colégio também possuía muitas fazendas
de criação que produziam principalmente leite e gado
para o corte, afora cavalos, porcos, ovelhas, cabras e
aves de quintal. Ao tempo do confisco havia, por
exemplo, 16.580 cabeças de gado na fazenda do colégio
ao norte do Rio de Janeiro, um total avaliado em 32.000
cabeças distribuídas por trinta criatórios no Piauí, e
mais de 100.000 reses nos sete estabelecimentos da ilha
de Marajó”.
No que se refere à forma de gestão, indica que
“eram geridas por um ou dois padres que supervisionavam o trabalho dos negros escravos, como
acontecia nas lavouras de cana, ou dos índios, como nas
fazendas de criação do Amazonas. Dentre as insti tuições, a Companhia de Jesus era provavelmente a
maior proprietária de escravos do Brasil; seguramente
possuía o maior número de escravos existentes em uma
só fazenda em toda a América colonial”.
As posses dos jesuítas incluíam ainda muitos
prédios urbanos que eram alugados para renda (186
casas em Salvador; 70 no Rio de Janeiro; etc.) Os dados
mobilizados por Daniel Alden permitem-lhe avaliar em
mil contos de reis o patrimônio confiscado aos jesuítas.
O ensaio considerado descreve os conflitos em
que estiveram envolvidos, notadamente por razões
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comerciais nas províncias subordinadas ao Rio de
Janeiro como no tocante a mão-de-obra indígena no
Norte, detendo-se em especial na década de cinqüenta
do século XVIII, onde se originaram as causas imediatas
da expulsão. No caso da utilização do trabalho dos
indígenas, sem indicar expressamente em que elementos
se apóia para afirmá-lo, considera que a expulsão
“retirou aos índios amazônicos o já tradicional manto
protetor dos missionários, expondo o gentio à explo ração desenfreada posta em prática pelos rivais se culares dos padres, apesar de uma lei que no papel
deixava os indígenas em liberdade”. Como se v ê, a
questão da natureza do trabalho realizado pelos índios
nas fazendas dos jesuítas, está de fato marcada pela
controvérsia, sendo difícil na matéria conduzir as
análises com objetividade.
NOTAS
(1) História geral do Brasil, vol. II, tomo IV, 10ª edição integral,
Belo Horizonte, Itatiaia, 1981, p. 141.
(2) Além dos jesuítas, segundo a mesma fonte, mantinham essa
praxe, os carmelitas e os capuchinhos.
(3) Marquês de Pombal – paradoxo do iluminismo. Tradução
brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 199 6, p. 58-59.
(Transcrito de Momentos decisivos da história do Brasil . São
Paulo, Martins Fontes, 2000. págs. 35 -41).
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OS INCIDENTES DO MARANHÃO
REGISTRADOS PELOS PRÓPRIOS
JESUÍTAS
- Antônio Paim
A disparidade de situações, em matéria de ati vidade produtiva, entre os jesuítas e os colonizadores
portugueses, provocou muitos conflitos. Aqueles que ti veram lugar, na segunda metade do século XVII
(segundo da colonização) no Estado do Maranhão (tenha-se presente que abrangia grande parte do território ,
independente do Estado do Brasil, ambos ligados auto nomamente a Lisboa), foram registrados pelo padre
jesuíta João Filipe Bettendorff (Lintengen, Luxemburgo,
1625/Pará, 1698) em Crônica da Missão dos Padres da
Companhia de Jesus no Estado do Maranhão (editada
pelo Senado Federal em 2010), cuja cópia seria preservada na Torre do Tombo de Lisboa. Varnhagen dela teve
conhecimento e a situa entre “as fontes de maior
confiança a que recorreu para historiar os sucessos de
que foram teatro o Maranhão em fins do século XVII.”
Os jesuítas reivindicavam que lhes fosse atribu ído
o governo não apenas espiritual dos índios mas
igualmente o governo temporal. Esse privilégio veio a
ser-lhes concedido por D. João IV que reconquistara a
independência de Portugal em 1640 e reinou até o ano
de seu falecimento (1656). Não vem ao caso determo nos na crise de sua sucessão devido à condição de saúde
do herdeiro (mal podia andar), que chegou a ser
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formalmente coroado como Afonso VI. Registre-se
apenas que, na verdade, governou seu irmão, D. Pedro,
primeiro como Regente e após o falecimento de Afonso
VI em 1683, como D. Pedro II (reinado desde então até
1706, quando ascende ao trono D. João V).
O padre Antônio Vieira (1603/1697) obteve de D.
João IV, em 1655, a seguinte disposição: “Que as
aldeias e os índios de todo o Estado sejam governados e
estejam sob a disciplina dos religiosos da Companhia de
Jesus; e que o Padre Antônio Vieira, como superior de
todos, determine as missões, ordene as entradas ao
sertão e disponha os índios convertidos à fé pelos
lugares que julgar mais conveniente.” Na época, a
colonização abrangia o litoral do Maranhão e do Pará,
com entradas no rio Amazonas e outros cursos dágua. É
dessa fase o início da colonização da ilha de Marajó.
Essa primeira experiência de governo total dos
jesuítas praticamente sobre todos os povoados situados
fora de São Luís e Belém, acabou provocando a revolta
dos colonizadores portugueses que, à vista da atividade
produtiva desenvolvida pela Ordem, sofriam a sua
concorrência. Em maio de 1661, conseguiram, graças a
movimento popular, que os religiosos da Ordem fossem
presos e ordenada sua expulsão do Maranhão e do Pará.
A par disto, as Câmaras Municipais revogam os pri vilégios de que dispunham. Em setembro são devolvidos
a Lisboa. Mas o padre Vieira conseguiu revogar essa
disposição, mais uma vez por pouco tempo.
Provisão de outubro de 1663 fez cessar toda a
ingerência de religiosos no governo temporal dos índios.
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O cativeiro dos indígenas voltou a ser permitido em
determinadas circunstâncias (notadamente em se tratando da1queles que já estivessem escravizados, como
ocorria em decorrência de guerra entre tribos: os
derrotados perdiam a liberdade). A proibição de toda
espécie de escravização de indígenas é de 1680.
Em 1684, estoura nova revolta contra o direito
dos jesuítas de empregar a mão-de-obra indígena, o que
passou a ocorrer nos aldeamentos nos quais dispunha
também do governo temporal. Desta vez o movimento é
liderado por Manuel Beckeman (1630/1685), senhor de
engenho português. Contou com o apoio das autoridades
eclesiásticas e civis, bem como dos responsáveis pela
fora pública, o que lhe permitiu estruturar amplo
movimento popular. Achando-se ausente o governador,
além de efetivar a expulsão dos jesuítas, constituiu
governo. Essa última providência obrigou Lisboa a
intervir. Contudo, o movimento durou até maio de 1685,
quando a região é ocupada pela tropa portuguesa.
Restabelece-se a situação anterior (governo temporal e
espiritual dos jesuítas nos aldeamentos indígenas).
A descrição dos incidentes pelo padre Bettendorff
está longe de corresponder a relato direto e claro.
Certamente como não poderia deixar de ser, segue o
estilo geral da Crônica, onde o processo de ocupação,
de que participavam os prelados, numa terra estranh a ao
olhar europeu, tinha sempre algo curioso e inusitado a
registrar, entrecortanto a seqüência do relato.
No caso do incidente de 1661, o padre Betterdorff
primeiro o atribui a uma carta do padre Vieira enviada
17
aos superiores da Ordem, em Lisboa, que tendo sido
violada e do conhecimento das autoridades, as deixara
agastadas, Mas, ao mesmo tempo indica que a Câmara
encaminha “as queixas do povo sobre o governo
temporal dos índios”. Diante da exigência do Gover nador, ao subprior, de que “largasse Sua Paternidade
este governo”, respondeu (o padre Ricardo) que aquele
governo era concedido aos padres missionários da
Companhia de Jesus pela lei do ano de 1655, “passado
por el-rei D. João o 4º, de gloriosa memória, e que não
tocava a ele subprior da casa largá-lo, mas pertencia
esta deixação ao padre subprior de toda a missão, o
padre Antônio Vieira, o qual estava no Grão -Pará;
intimou-se logo esta resposta do padre Ricardo Careo ao
povo, o qual estando já a paz alterada pelos maus
conselhos de vários amigos de novidade e alterações, em
15 de maio de 1661, dia do Espírito Santo, se levantou
contra os padres e assanhados todos como feras bravas,
investiram à casa de N. S. da Luz, mandando e
obrigando todos que em ela estavam a saírem. Estavam
ali além do padre subprior Ricardo Carreo, o padre José
Soares, o padre Antônio Soares, o irmão João Fer nandes; o irmão João de Almeida com um secular
Manuel da Silva, que estava para se admitir no
noviciado.... (págs. 188 e 189 da edição do Senado”). E,
a partir daí, novamente o relato se perde (por exemplo:
ao mencionar o nome do administrador da Casa
residência dos jesuítas traça a história pela qual
enriqueceu) para então indicar que “presos os padres da
Casa, mandaram também vir da aldeia de São José o
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padre Antônio Ribeiro e o puseram com os mais. Todas
estas violências sacrílegas fizeram sem o Governador
Dom Pedro de Melo se opor a coisa alguma”. Indica
também que foi providenciada a ida de líderes dos
amotinados ao Grão-Pará (Belém) a fim de que se
efetivasse a prisão dos que ali se encontravam, inclusive
o padre Vieira.
Diz bem do estilo do padre Bettendorff que nessa
altura o relato se interrompe, seguindo -se um outro
capítulo dedicado à missão de que se incumbiu aos
índios Tapajós para então, somente no capítulo seguin te,
relatar os acontecimentos de Belém. Retomando o tema
da expulsão, afirma que ali também “foi -se o povo
amotinado ao colégio de Santo Alexandre e lá prendeu o
padre Antônio Vieira subprior e visitador das missões, e
o levou preso com grandes descortesias para a eremida
de S. João Batista, onde o tiveram com tanto aperto que
nem por uma necessidade estava livre...” (pág. 201).
Os prelados presos em Belém logo foram
embarcados para Lisboa, inclusive o padre Vieira.
Quanto aos de São Luís, entre os quais o próprio padre
Bettendorff, ao Ceará em embarcações precárias, o que
os obrigou a completar a pé o percurso, e somente dali
encaminhados a Lisboa.
Conforme foi referido, o padre Antônio Vieira,
chegado a Lisboa obteve a reconstituição do quadro
institucional anterior, sendo os prelados mandados de
volta ao Maranhão.
A revolta contra os jesuítas de 1884, liderada por
Manuel Beckman, será objeto dos primeiros capítulos do
19
Livro VII (págs. 405 à 440).
Na descrição do episódio, mais uma vez, procura
atribuir sua origem a outra causa que não os privilégios
dos jesuítas. Assim, começa tratando da indisposição
causada entre os colonizadores portugueses a decisão do
governo de monopolizar a comercialização dos produtos
oriundos dos empreendimentos locais, o que não afetava
os religiosos, isentos de tributos... “Em presença de
homens turbulentos para levar adiante qualquer ocasião
de tumultos”, prossegue, começam a aparecer panfletos
incitando-os à revolta. Até aí uma questão entre o
governo e o empresariado português. Contudo, logo
adiante que “para dar alguma cor de justiça a uma ação
tão prejudicial, fez o povo uma petição à Câmara em
que lhe representava “as misérias, por se não lhes darem
índios dos padres da Companhia, visto que eles, suposto
que tinham o governo dos índios, não tinham a
repartição deles, pois a tinha o sr. Bispo, eleito pela
mesma Câmara.”
Para dar resposta à petição, a Câmara convocou o
visitador da missão. Acompanhou-o o próprio Bettendorff. No encontro, enfatiza, evidenciou-se a indisposição da Câmara contra a Companhia de Jesus mas,
nessa ocasião, não houve outros desdobramentos.
Ainda assim, prossegue, “não faltou quem
atiçasse o figo dos ânimos alterados, entrando nisso não
só alguns clérigos do hábito de Cristo, mas também, que
pior é, religiosos das várias religiões...”
Mais adiante: “Os cabeças principais daquele
motim eram Manuel Beckeman, senhor de engenho da
20
Vera Cruz, sobre o rio Meari, e Jorge de Sampaio,
escrivão da Ouvidoria, que já se tinha achado noutro
motim, e o reverendo padre frei Inácio, o ventoso, por
alcunha, vigário provincial de Nossa Senhora do Carmo,
sem embargo das obrigações que tinha aos padres
missionários da serra, que lá o tinham agasalhado como
seu irmão, havia tempos com toda caridade e ajudado
para seguir sua viagem ao Brasil, como me contou o
mesmo Pero Pedroso, que por então era superior daquela
residência, tendo por companheiro seu o padre Gonçalo
de Veras”. (p. 408 da edição do Senado).
Indica então que o motim se inicia em fins de
janeiro de 1984, criando-se uma Junta que, entre outras
coisas, “no tocante aos padres da Companhia de Jesus,
que se lhes havia de tirar a jurisdição temporal sobre os
índios; mas não se concluiu se havia de botar fora do
Estado, nem se havia de negar obediência ao governador
Francisco de Sá, que então governava”.
A 23 de fevereiro de 1684, os amotinados
decidem prender o capitão-mor, convocando os jesuítas
para dar-lhes conhecimento da “resolução que tinham
tomado os três Estados, o do eclesiástico, da nobreza e
do povo”.
Indica adiante que, como procurador do povo e
cabeça do motim, Manuel Beckeman começou a falar
assim: “Reverendo padre reitor, eu, Manuel Beckeman,
como procurador eleito por aquele povo aqui presente,
venho intimar a vossa reverência, e mais religiosos as sistentes do Maranhão, como justamente alterado pelas
vexações que padece, por terem vossas paternidades o
21
governo temporal dos índios das aldeias, se tem
resolvido a lançá-los fora, assim do espiritual como do
temporal, e não por alguma falta ou mais exemplo da
vida, que por esta parte não tem de que se queixar de
vossas paternidades; portanto, notifico a vossa pater nidade e mais religiosos, por parte deste alterado povo,
que se deixem estar recolhidos ao Colégio, e que não
saiam para fora dele para evitar alterações e mortes, que
por aquela via se poderiam ocasionar; e entretanto
ponham vossas paternidades sobre seus bens e fazendas
para deixá-las em mãos de seus procuradores que lhes
forem dados, e estejam aparelhados para o todo tempo e
hora embarcarem para Pernambuco, em embarcações
que para este efeito lhes fossem concedidos.” (p. 410)
Coube ao padre Estevão Gandolfin a função de
responder-lhe. Resumindo, a alegação consiste em
afirmar que, de motu próprio, os jesuítas já haviam se
proposto deixar o governo temporal sob a condição de
que as autoridades o assumissem (naturalmente sem
imiscuir-se na gestão de suas atividades produtivas),
condição que, como diz, na ocasião não foi aceita.
Reiterando-a, não via motivo para insistir na expulsão.
Afirma nessa altura: “Bem viam eles a força da razão,
mas como nos motins prevalece a paixão sobre a mesma
razão, foram obstinados, e sem responder à proposta
foram diretos para a casa de Melânio Rodrigues,
estrangeiro, e tomando as fazendas em rol, as mandaram
fechar com ordem de não vender mais coisa alguma, e
acabado isso se foram para a Sé, tão satisfeitos como se
tivessem acabado uma obra de grande serviço de Deus,
22
em ação de graças pelo bom sucesso mandando cantar o
Te Deum Iandamos, como se Deus Nosso Senhor os
tivesse ajudado e não o Diabo, autor desse motim.”
(pág. 410, cit.)
Formalmente constitui-se governo. Tentaram
embarcar os jesuítas em canoas, o que foi recusado, em
face do que providenciou-se duas embarcações que ali
se encontravam. A expulsão consumou-se a 26 de março
de 1684. As peripécias da viagem acham-se minuciosamente descritas. A viagem para a Europa iniciou -se
a 4 de julho daquele mesmo ano.
Na sua estada em Lisboa, Bettendorff teve
oportunidade de avistar-se com o Rei D. Pedro II e dele
obter que incumbisse um de seus ministros de atendê-lo.
A este (Roque Monteiro) teria oportunidade de entregar
Memorial no qual apresenta as medidas em apoio ao
trabalho missionário que a Companhia de Jesus voltará a
desenvolver no Estado do Maranhão.
Neste Memorial (Capítulo X do mesmo Livro
VII, págs. 449-452) é explícito quanto à necessidade de
que suas prerrogativas sejam restituídas “pela mesma
forma que dantes estavam.” Não só se estabelece
claramente que os índios sob sua jurisdição destinam -se
ao serviço como a forma de pagamento (“duas varas de
pano cada mês”). A exclusividade também deverá ser
assegurada (“que se proibisse, sob graves penas, aos
brancos e mestiços irem às aldeias, sem especial licença,
para tirar índios ou comerciar com aguardente”).
No Memorial, o trabalho dos índios acha-se
diretamente associado ao sustento das missões (“visto
23
que os Colégios do Maranhão e Pará não terem com que
se sustentar, fosse Sua Majestade servido ao Colégio do
Maranhão a aldeia dos guajajaras, em Meari ... e ao
Colégio do Grão-Pará a aldeia de Guaçari).
Trata também das contribuições em dinheiro.
Nesse particular, espera receber os atrasados, em
decorrência dos grandes gastos acarretados pela
expulsão.
Bettendorff regressou ao Maranhão em agosto de
1687. Ainda em Lisboa, teve muitos contatos com
Gomes Freire de Andrade, nomeado governador do
Maranhão. a quem coube efetivar a ocupação militar e
restaurar a situação anterior.
A Crônica abrange até 1698, quando faleceu o
padre João Filipe Bettendorff. Na sua volta ao
Maranhão, foi reitor do Colégio e Comissário da
Inquisição (1688 a 1690), Superior da Missão (até
1693). Nesse ano começou a redigir a Crônica.
Nos aldeamentos jesuíticos, os índios praticavam
o extrativismo – cravo, castanha e canela – realizavam a
pesca, produziam essências medicinais, pelas artesanais,
construíam igrejas e residências dos missionários;
construíam e remavam canoas, etc. Além disto, os
jesuítas possuíam engenhos de açúcar e fazendas de
gado.
Para acolher a produção obtida nas aldeias,
existiam armazéns junto aos colégios e residências.
Além de dedicar-se à exportação, os jesuítas
participavam das feiras que se realizavam habitualmente
nas capitais.
24
O padre Vieira denunciou a existência, em outras
ordens, do que denominou de “religioso mercenário” ( ou
mercedário), cuja profissão consistia em reunir cativos.
Menciona expressamente o caso de um deles que trazia
índios como escravos e os vendia publicamente. Nessa
circunstância não deixa de causar espécie a naturalidade
com que os membros da Ordem passaram a escravizar os
índios, segundo se pode verificar da forma como
Bettendorff considerou o problema ao longo da sua
Crônica.
Essa perplexidade continua merecendo a atenção
de estudiosos atuais, como se pode ver da citação
adiante: “Quando encerrada a fase em que Antônio
Vieira esteve à frente dos jesuítas, defendendo com
profundo fervor a liberdade dos índios, instaurou -se um
período que Moreira Neto intitula de “fase empresarial
das missões jesuíticas”. O resultado final, segundo o
autor, foi a missão jesuítica ter tomado características
empresariais, tão comprometida com as operações de
produção, comércio e lucro de seus estabelecimentos
quanto qualquer outra agência econômica colonial.
Ironicamente, os jesuítas passaram a ser liderados, nessa
nova fase ou concepção no Brasil, por dois antigos
auxiliares de Vieira: os padres Jorge Benci, autor da
Economia Cristã dos Senhores no Governo dos
Escravos, editado em 1705, e João Antônio Andreoti, o
Antonil de Cultura e opulência do Brasil por suas
drogas e minas, de 1711.”
O texto de Moreira Neto, citado, consiste em “Os
principais grupos que atuaram na Amazônia brasileira”
25
in História da Igreja na Amazônia, Petrópolis, Vozes,
1992. O autor da citação e do trecho transcrito é James
O. Sousa – “Mão-de-obra indígena na Amazônia”. Em
tempo de histórias, nº 6, Brasília, UnB, 2002.
26
TEXTO DE LÚCIO DE AZEVEDO
(1855/1933)
CAPÍTULO XI
A EMANCIPAÇÃO DOS ÍNDIOS
I. A declaração das liberdades. Adiamento da
mesma para momento oportuno. A questão de limites.
Resistência dos missionários. Oposição em Espanha.
Irritação de Mendonça. II. Governo interino do bispo.
Desterro de quatro jesuítas para o Reino. III. A
criação da Companhia de Comércio acolhida em
sossego na colônia. Receios e suspeitas de Mendonça.
Fundação de Borba a Nova. A artilharia dos jesuítas.
IV. Regressa o capitão-general ao Pará. Proclama a
abolição do governo temporal dos missionários. Os da
Companhia de Jesus recusam entregar os bens
existentes nas aldeias. Retiram-se com o que podem
conduzir. Como procedem no Maranhão. Rebelião de
soldados no rio Negro. V. O breve Imme4nsa
Pastorum. Entra em execução a lei das liberdades. O
bispo publica o breve.
I
Meu irmão do coração. – Esta carta acompanha a
lei, que El-Rei Nosso Senhor estabeleceu, para restitui r
aos índios desse Estado a liberdade que lhes era devida,
e aos povos dele os operários, que até agora não
27
tiveram, para cultivarem os muitos e preciosos frutos,
em que abundam essas terras. Da mesma lei vereis que
nela se não contém novidade, porque toda consiste em
uma renovação das antigas e saudáveis leis, cuja
inobservância, reduziu o Pará e o Maranhão, à miséria a
que achastes reduzidas essas duas capitanias (1).
Com estas palavras principia a carta, em que
Sebastião José de Carvalho participa ao governador do
Grão-Pará expedir-lhe a lei das liberdades. Dependente,
em seu espírito, esta providência da instituição da
Companhia de Comércio, e do termo de regime até aí
adotado nas missões, foi promulgada na mesma data que
o estabelecimento daquela, assim como o decreto, que
retirava aos religiosos o governo dos índios, passado
este definitivamente ao poder civil.
A reforma, que tão profundamente abalava o
predomínio das ordens monásticas, e a que, alterando as
relações do indígena com o colono, era a igual tempo
transformação social e econômica, não permitiu a
prudência do governo saírem a público; mas, perma necendo secretas, ao arbítrio do capitão-general foi
encomendado pô-las em execução, quando chegasse o
momento oportuno.
Estas ordens não as recebeu ele na capital do seu
governo, pois saíra dela, em outubro do ano antecedente
para o rio Negro, onde devia encontrar-se com os
encarregados das demarcações por Castela. A comissão
que sobrepujava em importância qualquer outra das que
lhe incumbiam, era porventura também mais que elas
eriçada de escolhos. Sabemos que, do lado espanhol, a
28
convenção fora acolhida com desconfiança. Em Portugal
variavam as opiniões, podendo-se dizer que havia um
forte partido contrário. O Pará via somente prejuízos na
troca de territórios. João de Sousa de Azevedo, o
arrojado sertanejo que, viajando dali a Mato Grosso,
tantas vezes percorrera as regiões, por onde havia de
passar a fronteira, consultado pelo governador, res pondia parecer-lhe tal divisão uma traição formal; e o
próprio Mendonça chega a inferir, das informações que
recolhe, “que naquele contrato tiveram os outros
melhores procuradores que os portugueses” (2)
Aos obstáculos, que das prevenções de uma e
outra parte haviam de resultar, juntavam -se as dificuldades de ordem material. Já o antecessor de
Mendonça, em 1750, representara ao governo de Lisboa
quão difícil se tornaria grangear, no Estado, os recursos
indispensáveis à expedição. A epidemia diminuíra o
número de índios, faltando portanto as farinhas e a gente
do remo. Achando-se o ponto de encontro dos plenipotenciários, no rio Negro, em terreno longínqüo,
desabitado e inculto, indispensável se tornava depositar
ali, com antecedência, todo o necessário para o conve niente agasalho da numerosa população adventícia,
soldados, tripulações, e comissários de ambas as na cionalidades que compunham as expedições. Mas tal
dificuldade não era para desanimar o atual governador.
No seio do deserto havia agora de surgir uma cidade;
sobre mantimentos provia-se mandando plantar pelos
indígenas extensas roças, que fornecessem as farinhas; e
o Provincial dos jesuítas, e superiores dos outros
29
missionários, dariam, para os serviços de transporte,
lavoura e edificação, os índios que lhes fossem
requisitados.
Com isto se ateou a guerra, entre os religiosos e o
capitão-general. Às positivas determinações do governo,
confessando aliás o melhor desejo de cumpri -las retorquiam os missionários não terem nas aldeias tantos
índios disponíveis. Escasso como era o número dos que
se apresentavam para tomar parte na expedição, esses
mesmos depois se evadiam. Guarnecidas as embar cações, e disposto Mendonça a partir, desertavam; e
assim, de uma vez, forçado lhe foi dilatar a viagem.
Avisado destes fatos, o governo da metrópole não
hesita em proceder severamente contra os que, com
verossimilhança, julga delinqüentes. Extingue -se por
isso nas aldeias, a que pertencem os desertores, o poder
temporal dos missionários; manda substituir o religioso
em funções, por padre de outra Ordem, incumbido só
dos encargos espirituais; e comete a administração
política do povoado à autoridade civil, na forma que o
governador, em junta com o prelado diocesano e
magistrados, venha a resolver (3).
Em todo o tempo, e foram muitos meses, que
durou a expedição, o principal missionário português
teve de lutar com essa contrariedade. A fuga dos índios
não era caso novo, nem que unicamente a estranhas
sugestões se pudesse atribuir. A cada passo os
assalariados abandonavam quem os tinha ao serviço,
para se acolherem ao jugo mais brando dos regulares.
Pretendiam estes que quase sempre saudades da família,
30
de quem se viam apartados, impeliam os fugitivos. Era
também constante, entre as pessoas que com eles
lidavam, não lhes ser nenhuma imposição mais odiosa
que o serviço régio, às ordens de grosseiros soldados,
mais brutais e desumanos, se tal é possível, que o
comum dos moradores brancos.
Em circunstâncias normais, bastariam estas
considerações para justificar os missionários, acusados
de provocarem seus administrados à deserção; mas o
interesse, que evidentemente eles tinham em frust rar as
diligências do governador, depõe com suficiente clareza
contra a hipótese da sua não responsabilidade. Sem
aventurarmos, tão pouco, a de um acordo preexistente
com os jesuítas castelhanos, em que se fundavam as
alegações de Carvalho, é certo que uns e outros
simultaneamente trabalhavam contra o bom êxito do
tratado: os espanhóis por se verem despedidos de sete
aldeias, no Uruguai, além de outras no Guaporé; os
portugueses querendo fomentar o descrédito de um
governo, que ameaçava despojá-los da autoridade e
proventos, que por tantos anos havia fruído. Também no
sul do Brasil, a crueldade de que se usava com os
indígenas, expulsando uma população de trinta mil
almas das terras que hereditariamente possuíam, e
impondo-lhes um penoso êxodo, para sítios inóspitos e
desconhecidos, à farta justificava a revolta. De sorte que
ao será temeridade afirmar que os missionários não
somente animavam nos índios a idéia da reação, como
também lha incutiam; de modo que à Ordem se pode
atribuir o rebelarem-se uns de seus jurisdicionados no
31
Uruguai, assim como outros desertavam no Amazonas.
Em Madrid, agitavam-se os jesuítas. O procurador
geral do Paraguai levara ao rei uma representação, em
que se alegavam razões políticas contra o tratado, e
entre elas que, entregue aos portugueses o território das
missões, facilmente podiam estes penetrar, e os ingleses
seus aliados, no coração dos domínios castelhanos, ao
alcance das minas de ouro e prata, tão cobiçadas do
mundo inteiro. A representação, examinada em
conselho, não teve efeito; mas, se é verdade o que
referem os jesuítas, ao Marquês de Enseñada, que foi o
mais hábil ministro de Fernando VI, não lhe sofreu o
ânimo assistir tranqüilo à realização de um convênio,
prejudicial à sua pátria; e posto que, no conselho,
tivesse votado com os colegas, saindo dele, tudo
comunicou ao embaixador das Duas Sicílias, para que
prevenisse o rei, seu amo, presuntivo herdeiro da Coroa
espanhola. Ainda, se devemos fé ao escritor parcial dos
jesuítas, a quem seguimos, daí resultou fazer o rei das
Duas Sicílias um protesto; e, conhecidos os meneios de
Enseñada, cair este no régio desagrado, sem que
Fernando VI, dominado por sua mulher, deixasse de
prosseguir na execução do convênio (4). Qualquer que
seja a crença que esta anedota possa merecer-nos, o
abandono em que finalmente caiu o tratado, subindo ao
trono Carlos III, presta-lhe de certo modo
verossimilhança.
Lutando contra os obstáculos que, ao feliz
desempenho da sua comissão, opunha a má vontade dos
missionários, contra eles se vai acerando a inimizade de
32
Mendonça. Muitos parágrafos de suas cartas dão
testemunho dessa disposição de espírito: “Os regulares
(escrevia ele a Sebastião José) são o inimigo mais
poderoso do Estado, e, por isso mesmo que doméstico,
ainda mais poderoso e nocivo”. Ou então: “O cansado,
absoluto e prejudicialíssimo poder dos regulares, é a
total ruína do Estado, e há de obstar ao progresso de
quantos estabelecimentos nele se quiserem fazer”.
Instigado pelos embaraços, que a cada passo lhe
suscitam com réplicas, protestos, reclamações, promete
extinguir0lhes a arrogância, como fazia ao escalracho
das vinhas de Oeiras. E o excesso de irritação traduz-se
na frase, adotada entre os irmãos para exprimir os
rancores da família: Estas gentes são o meu Manuel
Pereira de Sampaio” (5).
Executando a parte de suas instruções, relativa
aos missionários, onde se via o influxo das queixas e
propostas, sobre as quais Paulo da Silva Nunes, em
tempos anteriores, tanto insistira, Mendonça, por si
próprio, indagara dos recursos das missões, dos bens
que as comunidades religiosas possuíam, do fundamento
com que se lhes imputava a ruína do Estado pelo
monopólio do comércio. Para esse fim, visitara os
aldeamentos e povoações vizinhas da capital; ouvira as
opiniões dos principais habitantes; e, procurando com
eles com debelar os males presentes, parecera-lhe o
alvitre da companhia para a introdução de negros o mais
adaptado ao propósito. Com ele enfraquecia as
comunidades suscitando-lhes um valente competidor no
tráfico do sertão. Mas isso não bastava: cumpria
33
arrancar-lhes de todo a opulência, e reduzi-las à
modéstia primordial.
Mandara o Conselho Ultramarino perguntar o
valor das fazendas rurais, pertencentes aos religiosos, e
se deveria a Coroa apossar-se delas, prestando aos
despojados os indispensáveis meios de subsistência. O
governador foi de parecer que a expropriação se fizesse.
Aumentar-se-ia, no Estado, a Fazenda Real, com o
produto dos dízimos, de cujo pagamento os regulares se
haviam desobrigado; e, privados estes de todo o pretexto
de negócios, cresceria a renda das alfândegas, pelos
direitos incidentes nos gêneros, até aí livres, como
propriedade das missões. E, acima de tudo isto, afir mava Mendonça, campearia a vantagem de se verem os
padres transformar “de feitores de fazendas em
missionários e conquistadores de almas para o céu” (6).
Esta proposta de espoliação tinha fundamento na
lei, e, além disso, não era então a primeira vez que se
punha em dúvida o direito dos regulares à posse das
terras. As representações de Paulo da Silva Nunes
haviam feito sair à tona particularidades interessantes.
Por efeito delas, verificou-se que não podiam as
comunidades, segundo as leis do reino, adquirir bens de
raiz, sem preceder licença régia; e as existentes no Pará
não a tinham. A providência era antiga, e já se acha
consignada nas primeiras Ordenações, de 1446(7).
Tivera por objeto impedir que os conventos con tinuassem absorvendo as melhores terras cultiváveis, em
detrimento da população rural. Judiciosa, no Reino, essa
praxe, pela escassez do terreno, não teria muita razão de
34
ser nas colônias, onde a extensão, pode-se dizer
ilimitada, do solo, requeria somente quem o fizesse
valer. Por isso, as aquisições dos regulares não tinham
em princípio levantado protestos, e o abuso fora
sancionado pela diuturna prática. Mas a lei era lei, e o
texto da ordenação positivo. Desperta a atenção dos
poderes do Estado, pronunciaram-se estes; e aconteceu,
por isso, serem os missionários demandados a juízo,
poucos anos havia, quando já nos tribunais superiores
do Reino fermentava latente a hostilidade, que breve mente ia romper.
Chamados a responder, os carmelitas e merce nários, ignorantes da lei, ostentosamente invocaram o
seu direito às propriedades, que haviam adquirido por
compras e heranças. Mais cautelosos, os jesuítas
confessaram a ilegalidade, e ardilosamente ofereceram
entregar todos os bens, uma vez que Sua Majestade lhes
desse as côngruas. Só desta maneira, asseguravam,
lograriam descanso em seus clautros. Mas o intento era
outro: de antemão sabiam eles que não ousaria o rei
agravar os cofres públicos com esse dispêndio. Agora,
porém, diferente era a situação. Mendonça enumerava as
conveniências do seqüestro; indicava se convertessem as
fazendas em povoações; propunha que todos os
escravos, existentes nelas, fossem declarados livres,
colocando-se em cada uma, como administrador, um
oficial de guerra. Está aqui todo o plano de
emancipação, realizada por Carvalho mais tarde. Além
disso, queria Mendonça que os religiosos se recolhessem aos conventos, e se lhes proibisse admitirem
35
noviços. A concluía, exprimindo a idéia, que daí por
diante foi a sua Delenda Carthago: “É impossível
restabelecer a propriedade do Estado, sem retirar aos
regulares todas as fazendas que possuem” (1). Os manes
de Berredo e Paulo da Silva Nunes deviam então
rejubilar na sepultura.
II
Na ausência do capitão-general, o bispo, D. frei
Miguel de Bulhões, foi investido no governo da colônia.
Confidente e turiferário de Mendonça, al imentava o
prelado, contra os missionários, animosidade igual à de
seus predecessores. Achava-se ainda pendente, aguardando solução de Lisboa, a questão das visitas. Em
favor das regalias episcopais, aparece, é verdade, em
1748, uma decisão, mandando pôr em prática, no
Estado, o mesmo que em 1731 se determinou para Goa,
isto é, que as aldeias se sujeitem à visita do Ordinário;
mas, ainda em face da direta intimação, as comunidades
recusam-se; e os jesuítas, mais altivos, e fiados nas
influências que os protegem, sustentam que será preciso
submeter o assunto a um definitório provincial, que em
derradeira instância decidirá. Ao mesmo tempo, le vantam a pretensão de serem as igrejas propriedade sua
particular, assistindo-lhe direito a indenização, no caso
de esbulho: flagrante contradição ao que sempre tinham
afirmado, justificando o seu comércio, a saber: que este
era dos índios, e aplicado, entre outros objetos, à
erecção e fábrica das igrejas (9). Não lhes bastando
36
repelirem, por este modo, a jurisdição episcopal,
procuravam ainda cercear as prerrogativas espirituais do
Ordinário. Por uma carta de Carvalho a seu irmão,
sabemos que o jesuíta Manuel de Azevedo alcançara do
pontífice um breve, para que os missionários da So ciedade pudessem, no Brasil, administrar o sacramento
da confirmação, em território fora das missões, isto é,
da exclusiva jurisdição dos bispos.
Com tantos agravos, o prelado, monge domínico,
e nessa qualidade inimigo natural dos jesuítas; doído,
como superior, de ver menosprezados seus privi légios;
interessado além disso em lisonjear os Carvalhos, de
quem espera adiantamentos; de bom grado se presta a
ser o braço direito da repressão. Antes mesmo de
assumir o governo, intriga e denuncia: assim vai
alhanando o caminho, para a mitra mais pingue , que
ambiciona na metrópole. Aos pés dos protetores, roja se em exageros de servilismo. Se faltarem os índios
para a viagem do capitão-general, ele mesmo tomará o
remo, que foi o primeiro ofício dos apóstolos. Assim
escreve a Carvalho; e esse excesso de fingimento, na
adulação, é a fotografia do seu caráter (10). à vista
disto se julgará como receberia a ordem, vinda da
corte, para a expulsão de alguns padres.
Por estes se deu princípio ao castigo, que breve
se estenderia a toda a Ordem. Carvalho mandava r etirar
do Estado, e recolher ao Reino, quatro missionários
“pelos atentados com que insultaram os ministros de
Sua Majestade, e contrabandos que fizeram e em que
continuam” (11). Não lhes foram declaradas as culpas,
37
nem delas tão pouco souberam os superior es. É
necessário recorrer à correspondência de Mendonça,
para as encontrar. Manuel Gonzaga era o missionário
que, no Piauí, havia lançado a excomunhão ao Ouvidor.
Sobre outro, Teodoro da Cruz, pesava o aleive de ter
ministrado peçonha a um clérigo; e, escrevendo ele ao
bispo que desejava uma satisfação pública de tamanha
injúria, fora a reclamação tomada por ofensa. Aos dois
restantes, padres António José Roque Hundertpfund,
missionários do rio Madeira, se argüia de instigarem ao
desprezo das régias ordens, que vedavam a
comunicação, por essa via, com Mato Grosso, e de
facilitarem o contrabando do ouro. Aos mesmos, a
Relação Abreviada, conhecido panfleto de Pombal,
acusa de terem, no tempo das demarcações, sublevado
os índios das vizinhanças do rio Negro, induzindo-os a
desertarem; e ao último incrimina mais de participar
em uma trama, cujo objeto era entregar a província aos
franceses de Caiena. As duas imputações são
igualmente caluniosas, e a apologia dos acusados saiu
cabal (12). Em setembro embarcaram os exilados,
chegando a Lisboa no dia imediato ao do terremoto.
Atravessando a custo do cais, por entre as ruínas da
cidade, mal sabiam eles quanto lhes fora propícia a
medonha catástrofe. O infinito pavor e as aflições do
momento não davam ao governo aso a cuidar em
negócios
mínimos.
Caíram
em
temporário
esquecimento as culpas dos jesuítas, e o padre
Hundertpfund pôde recolher-se imune à Alemanha, sua
pátria, evitando o cárcere, reservado aos companheiros
38
que, por
missões.
enquanto
poupados,
ficavam
ainda
nas
III
A erecção da Companhia de Comércio não
encontrou no Pará a hostilidade receada por Carvalho.
Os negociantes estabelecidos na terra, eram em pequeno
número. Pobres e humilhados pelo tratamento grosseiro
de Francisco Xavier; tendo visto frustrada e p unida a
soberbia do Ouvidor, em cuja devassa tinham dado
vazão ao desgosto; jamais lhes passaria pela mente
declararem-se em oposição a um governo tão forte,
como demonstrava ser o atual. Os jesuítas, atordoados
com o golpe, que tão inopinadamente os feria, do exílio
dos seus, e avisados do que sucedera na côrte, não
ousavam lançar-se em cometimentos novos de resistência, e punham em reserva as energias, para a decisiva
contenda, sobre o domínio das missões, que já próxima
se lhes antolhava. O resto da população era indiferente:
tudo suportaria, compreendendo que nada lhe podia ser
mais duro que permanecer no mesmo estado de
abatimento e penúria. Prometiam-lhe negros de África
em quantidade, e o milhão dos acionistas, a derramar -se
no tráfico, por multiplicados canais. Os missionários
iam perder as vantagens, que lhes dava a superioridade
do seu comércio, e porventura teriam de entregar mais
tarde os índios, de que faziam tão proveitoso uso. Da
mudança, algum bem havia de resultar.
No sertão, continuava Mendonça preocupado com
a falta de gente, para o serviço das embarcações, e
39
trabalho de preparar subsistências e alojamentos para a
numerosa comitiva dos demarcadores. As deserções
principiadas no Pará não cessavam; atribuindo ele, ao só
influxo dos missionários, o que em parte se poderia
imputar à instabilidade natural dos selvagens. Via
também meneios dos jesuítas na demora dos comissários
castelhanos que, hóspedes deles no Orinoco, não vinham
realizar a demarcação. E, com isto, crescia a sua
indignação contra os padres.
As novas que lhe chegavam de outras partes, quer
da sede do seu governo, em Belém, quer do sul do Brasil
ou da metrópole, todas lhe confirmavam as
desconfianças, que desde o princípio alimentava. Do
Pará o bispo continuava a pressagiar-lhe ciladas, e
descobria-lhe a suposta conjuração de Hundertpfund. O
que sabia da rebelião dos índios, no Paraguai, exagerado
por interessadas falsidades, como por efeito da
distância, e pela incerteza dos fatos, avivava -lhe
suspeitas, sugeria-lhe receios. De Lisboa, manifestavalhe seu irmão fiar pouco da lealdade castelhana. As
tropas, que deviam operar no Rio da Prata com as
portuguesas, tinham-se retirado a Buenos Aires,
deixando Gomes Freire a braços com a revolta; e as
escusas do gabinete de Madrid eram frouxas, a ponto de
parecerem capciosas. Temendo da banda do norte
alguma inesperada incursão, mandava o governo
estabelecer a nova capitania de S. José do rio Negro,
“para se povoar a fronteira ocidental do Amazonas e
defender as comunicações com Mato Grosso”; e
recomendava fossem expelidos os espanhóis, e
40
apreendidos os índios das aldeias, que se encontrassem
na margem portuguesa do Madeira. As instruções
acrescentavam: “Escuso de vos lembrar o muito que se
faz necessário separar os padres jesuítas (que já
claramente estão fazendo esta guerra) da fronteira de
Espanha... Também será bom que acheis meios para lhes
interromperdes as comunicações com os outros padres,
que residem nos domínios de Espanha, visto que, com
esta potência eclesiástica, nos achamos em tã o dura e
tão custosa guerra”. Desta arte via Mendonça o poder
dos jesuítas senhorear em Espanha, e ameaçar talvez a
integridade dos domínios portugueses. As noções que de
fora recebia, a interpretação dos fatos, à sua vista
presentes, davam-lhe a consciência de uma enorme
responsabilidade, e apontavam-lhe o inimigo, o mesmo
em toda a parte, que a todo o custo era preciso abater.
Seu espírito não fora talhado para longas dissimulações
e astutos planos; o subitâneo impulso a um ato violento
era a lei dele: expulsar os jesuítas da colônia pareceulhe então o meio salvador.
Não vindo os comissários espanhóis, aproveitou
Mendonça a delonga, para ir fundar nas margens do
Madeira a vila de Borba a Nova, em que, segundo as
instruções da corte, se convertia a aldeia jesuíta de
Trocano. O fato tem importância, por iniciar a abolição
do poder civil dos religiosos nas agremiações de
indígenas, e também por um incidente, que mais tarde
havia de ser explorado na campana anti-jesuítica: a
anedota famosa dos artilheiros disfarçados, que Pombal
fez correr mundo nas páginas da Relação Abreviada.
41
A criação da vila, embora fazendo parte do
plano, já concertado entre Carvalho e sei irmão, de
organizar, à feição de município, os povoados, até aí
regidos pelos missionários, tinha por aparente objeto
proporcionar um lugar de “refresco e descanso” aos
vassalos, que freqüentavam o caminho de Mato Grosso
(13). Apreciando, pelo que valiam, as judiciosas
considerações de Mendonça, o governo da metrópole
favorecia agora o que antes vedava com ciúme. Abaixo
deste lugar habitava João de Sousa de Azevedo, o
audacioso sertanejo que, desprezando as proibições,
mais do que ninguém contribuíra para abrir, pela banda
do norte, uma porta, a central e insulada região de
Mato Grosso; e, com tanto risco o fazia que, na última
viagem, se sujeitara à execução pela soma de nove mil
cruzados, fiança exigida, pelo governador, às pessoas
de quem suspeitava haveriam de romper a interdição.
Salvou-o da perda total de sua fazenda, em que o
arresto importaria, o bom senso de Mendonça, que
dispensando a culpa, reconheceu a utilidade do feito
(14). Era isso contra as suas instruções, par ticularmente instantes neste ponto. Em Lisboa,
receavam se despovoasse o Pará, pela sedução das
minas, e que as nações limítrofes, conhecendo a via,
corressem a apossar-se do valioso território. Mas o
governo da colônia, mais perspicaz que os anteriores,
demonstra a inanidade de tais raciocínios: bispo e
governador combatem os receios, e apontam o
impossível de transportar e prover, em país inimigo, e a
tão grande distância, quaisquer forças militares. A
42
teimosia de Azevedo, e as judiciosas considerações de
Mendonça, dão por fim em terra com a proibição, já
anteriormente revogada por lei, mas ainda efetiva (15).
À distância de um tiro de espingarda da missão,
achava-se estabelecido o posto fiscal. Um oficial e
poucos soldados vigiavam o rio, fazendo visita às
canoas que desciam. Quando algum mineiro transitava
com ouro, acompanhavam-no dois guardar à capital,
para lá se verificar o que trazia, e realizar o pagamento
do imposto.
Chegou o governador a Trocano em 20 de
Dezembro. Por espaço de alguns dias, conservou oculto
ao missionário, que era o alemão Anselmo Eckart, o
objeto da viagem. A 31, fazendo-lhe certa comunicação
por escrito, tratava-o ainda por missionário de
Trocano; mas, no dia imediato, convidando o religioso
para assistir à solene inauguração da vila, que nomeou
por Borba a Nova, omitiu qualquer referência àquele
título, de certo por considerar extinto o cargo.
Convocados os índios ao som das trombetas, fêz lhes um oficial da escolta de Mendonça, perito na
linguagem tupi, uma prática, insinuando -lhes que, para
o futuro, viveriam em outros costumes, outra disciplina
e outra lei. Em seguida, entraram os selvagens,
ajudados por soldados, de fazer uma grande derrubada,
e, no meio da clareira, em pouco tempo aberta, ele varam, à feição de coluna, um tosco madeiro: o pe lourinho, símbolo das franquias municipais. Alguns
vivas ao soberano, e os tiros de duas pequenas peças de
artilharia, existentes na missão, saudaram o levan 43
tamento desta à dignidade de vila. Restava só designar
quem havia de reger a povoação, e quais as suas leis,
para a obra ser completa.
Sobre um e outro ponto havia o governador
antecipadamente disposto. Pôde, pois, recolher-se sem
demora ao rio Negro, a esperar os demarcadores, en quanto o missionário se retirava para uma aldeia vi zinha, a dos Abacaxis, pertencente também à sua Or dem. A administração dos índios e o governo da vila
ficaram a cargo de um oficial militar. A experiência daí
resultante, tinha de servir de molde à transformação
sucessiva das outras agremiações indígenas, dirigidas
pelos missionários.
Tão obscura ficaria na história a aldeia de
Trocano como o tem sido a vila, que lhe sucedeu, não
fôra o incidente dos canhões. Os que salvaram em
presença de Mendonça eram duas peças de pequeno
alcance, levadas para ali anos atrás, com assentimento
do governador João da Maia da Gama, não para defesa
material, mas afim de, com o estrondo, afugentarem os
selvagens, da nação hostil dos Muras. Subjugados estes
índios, inúteis jaziam no povoado as inocentes máquinas
de guerra, exceto nas ocasiões de público regozijo, em
que seus tiros acordavam os ecos da floresta. Nenhum
cabedal fizera Mendonça deste fato; seu irmão, porém,
mais ardiloso, não hesitou em divulgar que se achavam
os jesuítas, a exemplo do Paraguai, fortificados em
Trocano, sendo talvez os padres alemães, desta aldeia e
dos Abacaxis, disfarçados guerreiros. E assim o
descarado engano correu mundo (16).
44
IV
Enfastiado de aguardar no rio Begro os comis sários espanhóis, e convencido afinal de que não viriam;
cansado das privações inevitáveis em lugar tão remoto,
enfermo em razão delas e por efeito do clima; achou
Mendonça que era tempo de regressar à capital. Já a isso
o convidavam ordens da corte, que aliás não recebera
ainda, por irem em caminho; e seu irmão, dando -lhe
parte das instruções que lhe recomendavam se
recolhesse ao Pará, para tratar da saúde, fazia notar que
“com os amos não há cumprimento senão cega obediência” (17). Não obstante, deixava ele contrariado a
povoação, que ambicionava houvesse de ser, ao menos
por algum tempo, cidade populosa, e ficar célebre como
estância onde se firmariam perpétuas pazes entre duas
nações. Não fôra o sítio bem escolhido, nem se prestava
a magnificências. O terreno alagadiço mal se podia
trilhar a pés enxutos. Por espaço de dois anos, ali
trabalharam os índios da missão de carmelitas, existente
no lugar, com muitos outros arrebanhados de diversas
paragens. A rudeza dos obreiros não permitia esmeros
de arquitetura: de tábuas, palha e barro grosseiro se
construíram, ao jeito do sertão, as casas de morada e
quartéis da tropa; mas entre as modificações avultava a
que devia ser palácio das conferências, com du as largas
portas por onde haviam de entrar, cada um de seu lado,
e dispensando precedências, os dois grupos de
comissários. Caindo breve em ruínas as construções
toscas, feitas então, a vila de Barcelos, ainda hoje
45
insignificante, nada conserva que rememor e os planos,
relativamente grandiosos, do seu fundador.
Deixando esse lugar de Mariuá a 23 de novembro,
o governador chegou à capital aos 22 do mês seguinte,
disposto a publicar imediatamente a lei das liberdades,
com que, a um tempo, realizava os planos de seu irmão,
e satisfazia, por um golpe decisivo, a cólera que o
animava contra os missionários, especialmente os da
Companhia de Jesus. Não lhe permitiu contudo a doença
agir com a prontidão desejável. Temia ele que os
habitantes, sempre desafeiçoados ao regime novo, que
os sucessos anteriores deixavam entrever, se
abalançassem a algum ato de resistência formal; e,
reputando a sua presença indispensável para submetê -la,
foi adiando até que, recobradas as forças, se viu em
posse da sua energia habitual. Ainda assim usou de
precauções. Atendendo aos conselhos do bispo e
autoridades civis da capitania, começou por dar à
publicidade, em 5 de fevereiro, somente a lei que abolia
o governo temporal dos missionários, ainda assim
expungida das palavras relativas à emancipação,
complemento necessário dela. Convocada no colégio dos
jesuítas a junta de missões, e lido o diploma, resolveu se ficarem nas aldeias todos os bens existentes, posto
que os missionários alegassem direitos sobre eles; em
seguida se apregoou a lei, em bando pelas ruas.
Por mais preparados que estivessem os religiosos
para o golpe, certo é que, no primeiro instante, grande
foi o seu espanto e confusão. Nem mesmo, na pior das
imaginações, eles o esperavam tão fundo. Acharem -se
46
privados do governo das aldeias era situação que já de
há muito os ameaçava, e, não sendo nova, cuidariam de
acudir-lhe como das outras vezes; mas despojarem-nos
de propriedades, que julgavam suas e legitimamente
adquiridas; expulsarem-nos, de tudo despidos, e sem
compensação, como servos infiéis, parecia-lhes, além de
injúria, supremo escárnio. Mais esta vez entrava nas
dissenções dos jesuítas com o poder civil, o orgulho,
principal causa da sua perda.
Cinco dias passados, requereu o bispo nova junta,
a pedido dos missionários, que tinham de propôr certas
dúvidas. Perguntou primeiramente o vice-provincial da
Companhia se aos seus padres seria lícito tomarem
conta dos gêneros: cacau, salsa-parrilha, etc., guardados
nas aldeias, e cujo produto destinavam a solver
adiantamentos, feitos para benefícios das mesmas, e
salários aos índios livres. A resposta foi, como se devia
esperar, negativa; e a tal replicou o jesuíta com um
protesto, que infalivelmente o condenava. Era a
confissão implícita do caráter mercantil, que haviam
assumido as missões, até então sempre por eles
renegado. Deixando-se levar pela má compreensão de
seu direito, e por uma analogia infeliz de expressões, o
Provincial, tendo só em vista a conta corrente da sua
administração financeira, deu a entender que os
missionários eram caixeiros da Sociedade, trabalhando
como tais, e nesse caráter lhes cumpria reivindicar o que
não era propriedade sua individual, mas do acervo
comum. Pode-se calcular o júbilo de Mendonça ao ouvir
tão insensata declaração. Ordenando ficassem os
47
gêneros em depósito, deu parte ao governo do sucedido,
como a prova mais cabal de quanto no assunto havia
anteriormente asseverado (18).
Outro ponto, sobre que versou a consulta, foi a
posição em que se conservariam nas aldeias os
religiosos, privados da antiga autoridade; e aí se
levantou a tão debatida questão das visitas, reservada,
por indicação de Carvalho, para esse momento. Com o
sua astuciosa mansidão, e certo já de qual seria a
resposta dos jesuítas, declarou o bispo que estimaria
ficassem os missionários nas aldeias, exercendo funções
de párocos, sujeitos todavia à sua inspeção, consoante as
leis do reino. Único, entre os religiosos presentes, o
representante da Companhia se manifestou contra;
invocou argumentos antigos; declarou que por modo
algum os seus súditos haviam de sujeitar-se à jurisdição
episcopal. Com isto proferia a sentença dos seus.
Abandonando as aldeias e o trabalho de doutrinarem os
indígenas, que por mais de dois séculos fôra a sua
ocupação e razão de existência na América, que far iam
ainda ali? A resposta do governo de Lisboa foi a que o
desafio arrogante demandava. No ano seguinte – porque
era grande a demora em transmitir informações e
voltarem resolvidas as consultas – ordem expedida do
reino mandou suspender todas as côngruas, que aos
jesuítas do Pará e Maranhão fossem pagas a título de
missões, paróquias ou qualquer outro (19). Privados
assim desta renda, como o tinham sido já das vastas
propriedades; sem meios de subsistência, além dos que
podiam fornecer-lhes, de outra parte, os consórcios, o
48
que entrava nas praxes da Ordem; só lhes restava
abandonarem o campo. Mas, antes disso, outras im prudências vieram tornar-lhes mais penosa a situação, e
acarretaram sobre alguns, enquanto não chegava a
derrocada final, o efeito de tantas iras acumuladas e até
aí represas.
A recusa dos missionários aceitarem a jurisdição
episcopal tinha, como inevitável conseqüência, a sua
retirada das aldeias. É verdade que o superior propunha
ficarem eles exercendo funções de coadjutores, ao lado
e de acordo com os párocos, que o bispo elegesse; mas o
alvitre fôra prudentemente rejeitado, para evitar
conflitos, e impedir que, à sombra do cargo, conti nuassem os jesuítas a manter sobre os índios a mesma
indisputável influência. Vendo-se por esta parte coartado, e reconhecendo a impotência de seus meios, o
Provincial lançou-se em atos de represália, dos que
unicamente servem a revelar o desespero dos vencidos;
não refletindo que fazia assim o jogo de adversários,
ansiosos de verem a sociedade irremediavelmente
perdida. No seu arrebatamento passou aos religiosos
ordem de abandonarem as aldeias, trazendo o que
pudessem dos bens transportáveis. Assim se cumpriu em
toda a parte. Alfaias, imagens e paramentos, tudo os
sacerdotes carregavam em barcos, muitas vezes oculto
de maneira indecorosa, entre os gêneros de comércio,
resto das grangearias de que não queriam privar a
comunidade. Onde havia gados e canoas, isso vendiam,
a troco de gêneros. E, deslizando as embarcações, de
tantas partes, rio abaixo, a chapinhar com o peso das
49
cargas, mais pareciam voltar de predatórias incursões,
que recolher ao cenóbio de catequistas, só ocupados na
pregação do Evangelho.
Interrogado acerca de tais fatos, o prelado jesuíta
não ocultou que tudo se passara assim por ordem sua.
Sustentava, como sempre, que os bens existentes nas
aldeias pertenciam à sua religião; que, para havê -los,
contraíra esta grandes dívidas, de cujo valor teria direito
a indenização, sendo esbulhada. Com mais vigor
defendia ainda a propriedade de duas fazendas , na
vizinhança da cidade, depois vilas de Curuçá e Porto
Salvo; e não somente do terreno, com os produtos da
cultura, senão também dos índios que o trabalhavam,
escravos no dizer do jesuíta, transmudado do antigo
altruísmo, e objurgando já agora as liberdades. Ao rei e
à rainha, em lacrimosas súplicas, recorriam os padres,
por outra parte, das violências de Mendonça, as severando que tirar-lhes os escravos o mesmo era que
privá-los dos últimos meios de subsistência. E não se
pejavam, para comprovarem a sua boa fé, e a justiça
destes cativeiros, de invocar a recordação de antigos
tempos, em que padeciam, advogando o direito dos
índios (20).
Tal excesso de imprudência era sintoma da intima
dissolução, que minava o corpo da Sociedade, e em
pouco tempo a faria perecer. Cegos para tudo que não
fosse o próprio e imediato interesse, os jesuítas não
enxergavam a transformação, que ia dar-se; não
compreendiam que a era antiga, das escravidões,
terminara, e que nenhuma ocasião mais útil se lhes
50
poderia deparar de aplicarem o famoso oportunismo,
que, no espiritual como no mundano, fora sempre a
norma de sua política. Passados tantos anos, em lutas
incessantes, propugnando as liberdades; mal vistos e
combatidos pelos colonos, em toda a América lusitana,
de São Paulo ao Pará, só por fazerem obstáculo aos
cativeiros; pelo mesmo motivo, perseguidos no Maranhão, e duas vezes expulsos; renegavam a doutrina
tradicional, e passavam ao campo adverso, no próprio
momento em que apregoado objeto de seus esforços ia
enfim ser realidade. É certo que o subterfúgio dos lícitos
cativeiros, a que agora se pegavam, fora obra sua,
concessão por meio da qual, sem renegarem os prin cípios, transigiam com os interesses contrariados. Por
outro lado, a condição dos índios, denominados livres,
nas aldeias, sob o regime do obrigatório trabalho, da
estreita obediência, e dos castigos, não se diferenciava
do estado servil; se bem que podiam alegar ser essa
disciplina o meio único de manter, sujeitos aos encargos
da vida policiada, homens que o aguilhão das necessidades não compelia, e a quem a natureza pródiga, e o
exemplo dos congêneres, para não mencionarmos os
impulsos do atavismo, convidavam à fácil existência do
antepassado, indolente e nômade. Mas, sofismando
assim os princípios, a que se diziam fiéis, os missionários, se por uma parte ofendiam a lei moral, que
lhes exigia coerência, por outra chamavam sobre si as
iras de um governo obstinado nos seus projetos, e
implacável, como já havia mostrado, contra quem se a
eles opunha; mais ainda, qual se deve imaginar,
51
assumindo a resistência, como agora, o caráter de
desafio. Recorrer do governador para a corte, do
ministro para o rei, e ainda da presumível indiferença
deste para a benevolência da rainha, era desconhecer em
absoluto a transformação, que nos últimos anos se havia
dado nas altas regiões do poder. Os jesuítas do Pará
fiavam ainda muito da influência dos seus, no paço,
quando os ventos já sopravam francamente do lado
contrário. Desta forma, juntando a imprudência das
representações ao desvario das represálias, instigavam a
cólera do adversário, e davam-lhe o desejado pretexto
para os últimos golpes.
No Maranhão, não se mostraram os regulares
mais submissos; e faltando, para conter-lhes as
arrogâncias, a energia do irmão de Carvalho, irromperam em estrondosos protestos, nos quais, mal avi sados, tomaram parte outros religiosos, além dos
jesuítas. Não colhera estes ali de surpresa, como no
Pará, a nova ordem de coisas. Levou-lhes a notícia um
mensageiro, clandestinamente enviado pelos consórc ios,
enquanto o correio, portador da participação oficial ao
governo de S. Luís, era detido por dificuldades no
trânsito, habilmente preparadas pelos missionários.
Quando, pois, lhes foram intimadas as disposições,
prontos se achavam já a responder, com protestos e
requerimentos diversos, que deixaram perplexo o
governador subalterno. As igrejas existentes nas po voações eram, conforme entendiam, do padroado real; el rei, como grão-mestre da Ordem de Cristo, fizera mercê
delas à Companhia; portanto, não se julgavam obrigados
52
a entregá-las aos párocos, escolhidos pelo bispo, nem a
reconhecer a inteira jurisdição dele, consoante se lhes
exigia. “Todos estes requerimentos (dizia Mendonça) não
consistem em outra coisa mais que em forcejarem estes
religiosos por se sustentarem nas povoações que administravam e o grande comércio que nelas faziam” (21).
Outros sucessos, no rio Negro, fizeram crescer a
irritação dos governantes, e deram ensejo a poderem
eles divulgar, mais tarde, que uma vasta conspiração,
organizada pelos jesuítas, em todas as classes tinha
adeptos, e visava a semear a anarquia no Estado,
preparando elementos para uma aberta rebelião. A 11 de
março, revoltaram-se os soldados que tinha ficado de
guarnição no lugar onde deviam ser as conferên cias das
demarcações, roubaram os armazéns reais, e, embar cando-se em canoas, apossaram-se da fortaleza existente
na barra do rio Negro. Daí prosseguiram, águas do
Solimões acima, em direção à fronteira castelhana. Perto
dela, num posto militar, quis o comandante chamá-los à
obediência, mas seus próprios soldados se rebelaram,
juntando-se aos camaradas. O oficial, prisioneiro, foi
incumbido de levar ao capitão-general as condições em
que os revoltosos voltariam à disciplina. Cifravam estas
em pouco: que, como lhes fora prometido em Lisboa,
lhes pagassem os soldos por inteiro, sem injustas
deduções. Estes soldados faziam parte dos dois
regimentos, criados por Carvalho, quando seu irmão lhe
fez saber o estado indefeso da colônia, e a total
desorganização da força armada. Da correspondência do
ministro se vê que era seu intento dar aos comissários
53
espanhóis, quando chegassem, vantajosa idéia dos
elementos militares ali congregados (22). A esta
circunstância se prende a expedição de tropas, em 1753,
destinadas a guarnecer a fortaleza de Macapá, que então
se construía, e à defesa das fronteiras. Erram os mal
informados historiógrafos que nos dizem saíra
Mendonça de Lisboa com três regimentos, para
submeter os índios em revolta e reprimir os intentos
belicosos dos jesuítas. Tal asserto é uma das muitas
fábulas, envolta nas quais passou até nós a luta da
Ordem com o seu resoluto antagonista.
Não se descuidou ele próprio, em favor da sua
causa, de as inventar, torcendo a seu jeito os fatos. Na
Relação Abreviada, aparece o insignificante fato desta
sublevação, motivada por causas de descontentamento
naturais e vulgares, como sendo meneio de jesuítas. Já,
pelas mesmas queixas, houvera antes um princípio de
sedição no Pará, e os atos de indisciplina não deviam
causar estranheza em soldados, que eram a ralé dos
vagabundos da corte. Explicava o governador que entre
os revoltosos se encontravam cerca de vinte ladrões e
assassinos, “do que demonstrativamente se vê que os
viciosos costumes daqueles homens foi o que os fez
romper naqueles desatinos” (23). Com esta informação,
e sem mais fundamento que meras suspeitas, ou deli berada má fé, Carvalho afirma que os jesuítas “não
podendo obrar na honra e fidelidade dos oficiais das
tropas, obraram contudo nos soldados de menos obri gações” (24). E sobre tais bases se tem construído a histó ria desta, por tantos motivos, interessante contenda!
54
V
Antes do governo de Mendonça, quando o bispo
D. Miguel de Bulhões tomara o báculo, levara consigo o
breve Immensa pastorum, a cuja publicação, como
sabemos, conveniências do governo, ou influências
poderosas, se tinham oposto. O documento menciona
diligências, empregadas com D. João V, para que o
monarca desse às exportações do pastor o apoio da
autoridade civil; e o resultado foi a promessa, por ele
feita, de promover a fiel execução das leis, tantas vezes
promulgadas em favor dos selvícolas (25). Com efeito,
nos anos seguintes mais decisiva é a proteção que o
governo lhes outorga: anulam-se as licenças particulares
para os resgates, e põe-se termo aos que, por conta do
Estado, se faziam. Ao mesmo tempo, coincidência que
tem seu valor, manifesta-se nas decisões da Coroa uma
tal ou qual tendência a coartar os abusos dos
missionários. No entanto, ao condenatório diploma
pontifício não se alude. É lícito conjecturar, no caso, a
intervenção do padre Carbone, jesuíta, conselheiro
íntimo e amigo do rei, quase ministro pela autoridade e
mais do que isso pela influência, o qual não havia de
consentir se divulgasse escrito de tal ordem, e com que
os bons créditos da Sociedade padeciam. Bem desejaria
o bispo promulgar o breve, ao entrar na diocese, mas
atou-lhe as mãos o receio de cometer uma imprudência.
Ser-lhe-ia perigoso atrair a cólera do régio confidente, e
o amor das conveniências pessoais dominava nele o
ódio, aliás profundo, que tinha aos jesuítas.
55
Com o falecimento de D. João V, que a curto
espaço seguiu o do jesuíta, mudara a situação; mas o
novo governador, incumbido de estabelecer um regime,
tão oposto aos usos e preconceitos existentes, temia
sobressaltar o espírito público, se empregasse desde
logo meios radicais. Deu tempo a preparar os ânimos
para a reforma, entendendo que, afastado o temor da
repulsa, as letras pontifícias serviriam a conter a gente
da Igreja, e dar maior autoridade às ordens da Coroa.
Neste propósito o confirmara o assentimento do
ministro seu irmão. Mas chegou finalmente a época, em
que lhe era dado coroar, com as últimas resoluções, o
plano, que fazia agora a meta do seu governo. Passados
dois anos de hesitação e silêncio, vai-se por termo a
secular injustiça, e resgatar, num lance de generoso
altruísmo, as ignomínias passadas. A resistência dos
jesuítas facilitava-lhe a tarefa. Declarando-se em luta
com o poder civil, davam-lhe eles o melhor pretexto
para, de um golpe, arrebatar os índios à sua temida
influência, e estabelecer definitivamente nas aldeias o
regime novo, sem recorrer a subterfúgios, que pouco a
pouco fossem apartando delas os missionários. Escravos
da soberba, fiados no antigo poder e, sobretudo,
incônscios da situação, os filhos de Loiola tinham
abandonado o campo, simulando a retirada. Nada melhor
podiam fazer em benefício dos que tinham em mente
expulsá-los: frustrando-lhes a expectativa, em breve o
governador os substituiu nas missões por delegados
próprios.
A 21 de maio, houve junta em casa do bispo, para
56
se considerarem os impedimentos, que podia haver
ainda à execução da lei. Foi unânime parecer dos pre sentes que, da parte dos moradores, nenhuma resistência
surgiria. Havia seis anos que se lhes dava a entender
serem os índios livres. Tinha-se feito a repartição, no
regime dos salários, chegando a perto de dois mil os
serviçais distribuídos. Estavam portanto os seculares já
familiarizados com a idéia, e só era de temer alguma
oposição, suscitada pelos eclesiásticos nos púlpitos e
confessionários: mas a essa obviaria o breve de Bene dito XIV, até aí secreto, que se publicava com a lei.
Foi isso o que se fez, dando conhecimento da
mesma, primeiramente aos prelados das religiões, e
autoridades da capitania, em reunião no paço episcopal,
efetuada no dia 28; em seguida ao povo, nas ruas, por
bando, na forma costumada. No dia imediato, se afixou
o edital do bispo, com a cópia d breve.
Apesar de quanto haviam feito, em oposição à
reforma, e dos juízos contrários, que não deixavam de
manifestar, tão enraizada se achava, acerca dos jesuítas,
a idéia que tudo que se obrasse em favor das liberdades
era devido a esforços seus, que ainda desta vez, a
opinião pública lhes atribuiu o malefício. Não ousando
pronunciar-se contra o governo, os colonos, em seu
desabafo, lançavam à conta de seus antigos contendores
a inovação, que estes, tanto havendo trabalhado por ela,
no extremo da incoerência rejeitavam agora (26). Mas
tudo se passou sem abalo. Resignados os habitantes do
Pará-Maranhão volviam os olhos para a Companhia de
Comércio que com os negros vindos de África havia de
57
trazer-lhes a prosperidade. Com isso não mudavam de
norte: guardavam zelosos as mesmas esperanças, que a
mesma ilusão alimentava.
NOTAS
(1) Sebastião José de Carvalho a Francisco Xavier. Carta de 4 de
agosto de 1755. Biblioteca Nacional de Lisboa. Col. Pomb., Cód.
626.
(2) Ofício de 20 de janeiro de 1752. Biblioteca Nacional de
Lisboa. Col. Pomb.
(3) C. R. de 11 de março de 1755.
(4) Von der Schicksale der Jesuiten in Portugal: em Mürr, Journal
zur Kunstgeschichte und zur allgemeinen Litteratur, tomo 4.
(5) Carta de 18 de fevereiro de 1754. Biblioteca Nacional de
Lisboa. Sampaio tinha sido embaixador na corte de Roma, durante
a missão a Viena, e entre ele e Carvalho se levantou azeda
controvérsia, seguida de enredos perante os ministros em Lisboa.
Cf. supra, pág. 276.
(6) Carta a Sebastião José de Carvalho, 18 de fevereiro de 1754.
Biblioteca Nacional de Lisboa. Col. Pomb.
(7) Liv. 2º, tít. XI: “Q ue os clerigos e hordeés nom comprrem
beés de rrajz ssem autoridade delrrey”. Figueiredo, Synopsis
Chronologica, tomo 1.
(8) Carta a Sebastião José de Carvalho, 18 de fevereiro de 1754.
Biblioteca Nacional de Lisboa. Col. Pomb.
(9) Francisco Xavier a Sebastião de Carvalho: “... Do que se vê
que, no ano de 1729, o cabedal com que se faziam as igrejas era
dos índios, e não tinham os padres nelas mais que a admi 58
nistração; e, em 1749, são suas as igrejas e casas de residência,
fundadas a expensas próprias, e, se Sua Majestade quiser dar nova
forma, é preciso que lhas compre”. – Carta familiar, 25 de outubro
de 1752. Biblioteca Nacional de Lisboa. Col. Pomb.
(10) “Não terei mais remédio que ir eu mesmo, com todos os meus
familiares, suprir a falta dos índios; nem se poderá julgar
impróprio em um prelado o exercício de remar, atendendo que os
bispos são os legítimos sucessores dos apóstolos, os quais
largaram os remos para empunharem os báculos” – Carta a
Sebastião José de Carvalho, 8 de março de 1754. Bibliot eca
Nacional de Lisboa. Col. Pomb.
(11) Carta a Francisco Xavier de Mendonça, 14 de março de 1755.
Idem.
(12) “Flumina illa (Madeira e Negro) distant ab urbe Paraense
minimum 300 horis. Ego missionarius fui in flumine Madera ab
anno 1742 usque ad 1746 inclusive: deinceps vero ab anno 1747
fui socius Vem. P. Malagrida, et usque ad annum 1755, quo mihi
exsulandum omnino ex Maragninia fuit numquam amplius ad illa
flumina perveni, sed semper haesi in districtu Paraensi, in
distancia tantum 50 horarum ab urbe. Ergo jam anno 1746
debuissem inducere Indos fluminum Madera et Rio Negro ad
deferendas habitationes suas, ubi deinde impediretur expeditio
demarcationis limitum. A. 1754 faciendae”. – Carta do padre
Roque Hundertpfund em Mürr, Journal zur Kuntsgeschichte und
zur allgemeneinen Litteratur, tomo 4. Do crime de traição mandou
o bispo fazer a devassa, e os demais acusados remetidos para
Lisboa, permaneceram no cárcere, até que, mais humano,
Francisco Xavier intercedeu por eles. Deste caso refere o bispo D.
frei João de S. José, sucessor de Bulhões: “Dois clérigos de
péssima conduta delataram contra o pai de Lourenço Furtado,
dizendo era infiel à Coroa, e que meditava meios para entregar a
praça a Caiena... Pode tanto a calúnia que lhe acabou a vida, antes
que a apologia pudesse mostrar a inocência”. – Viagem de Visita
ao Sertão, na Revista do Instituto Historico Brasileiro, tomo 9. Da
co-participação do jesuíta não fala. Mendonça, porém, na mesma
ocasião em que solicita clemência para os presos, atribui -lhe o
papel de instigador, posto que de nenhum fato positivo houvesse
59
revelação na devassa. Ofício de 23 de novembro de 1757.
Arquivos do Pará.
(13) C. R. de 3 de março de 1755.
(14) “Do mal da desobediência deste homem tiramos o bem de
sabermos que em seis meses de tempo se pode ir desta cidade, e
vir, às minas de Mato Grosso”. – Ofício de 9 de março de 1754.
Arquivos do Pará.
(15) Resolução de 23 de outubro de 1752, baseada em parecer do
Conselho Ultramarino, autoriza as comunicações pelo Madeira,
vedando em absoluto a navegação do Tocantins.
(16) “Indo fundar-se no mês de janeiro de 1756 a vila de Borba a
Nova, na aldeia chamada de Troano, se achou nela o padre
Anselmo Eckart, alemão, que havia chegado poucos meses antes
como missionário, armado com duas peças de artilharia, e, unido
com outro padre, também alemão, chamado António Meisterburgo,
ambos praticaram naquele território desordens, que fizeram
verossímil a suspeita, de que em vez de religiosos, poderiam ser
dois disfarçados engenheiros”. – Relação abreviada da republica
que os jesuítas, etc.
(17) Carta de 2 de dezembro de 1756. Biblioteca Nacional de
Lisboa. Col. Pomb.
(18) Ofício de 27 de maio de 1757: “Sendo seis as comunidades
que aqui administram as aldeias, foram entre todos singulares os
religiosos da Companhia, em fazerem uma asserção tal como esta,
de dizerem que conservavam nestes sertões tantos caixeiros
quantos eram os missionários que tinham nas aldeias, os quais
todos trabalhavam em benefício do comum da sua religião, e em
total destruição dos povos de que se tinham encarregado”. –
Arquivos do Pará.
(19) Provisão de 14 de agosto de 1758.
(20) ... “Sendo nós os protetores das liberdades, por cujo respeito
temos padecido tanto neste Estado, não queríamos nem podíamos
60
possuir algum escravo, que não fosse legítimo; assim como
também não estamos para perder os que são verdadeiros, e que
possuímos com bom e seguro título, dando -os, como quer o
governador, por livres”. – Carta do padre Domingos António,
reitor do colégio do Pará à rainha. Ms. da Biblioteca de Évora.
(21) Ofício de 26 de maio de 1757. Arquivos do Pará.
(22) Carta de Sebastião José de Carvalho, de 6 de julho de 1752:
recomenda a Mendonça a organização das milícias... “e ainda que
vão outras tropas, para marcharem ou ficarem aí, se mpre é razão
que nessa cidade se conserve um corpo capaz de se ver, para que,
quando a ela voltarem os hóspedes, a não achem desguarnecida e
deserta, como até agora esteve, com a conseqüência de que esse
abandono os convide a eles, e aos mais vizinhos, a v irem
estabelecer-se nessa parte, sabendo que não têm quem lhes dispute
o país...”. Idem de 13 de maio de 1753: “... As tropas que levou
Gomes Freire para a sua guarda foram somente quatro companhias
de granadeiros, tais e tão faustosas e bem disciplinadas que
assombraram os castelhanos. Aí podeis praticar o mesmo, fazendo
armar com barretes de granadeiros mais duas companhias ligeiras,
e dispondo o mais com o possível luzimento...”. Biblioteca
Nacional de Lisboa. Col. Pomb.
(23) Ofício de 13 de junho de 1757. Arquivos do Pará.
(24) Relação Abreviada, etc.
(25) “Antes de tudo excitamos a exímia piedade, e nunca assás
compreendido zelo da propagação da fé católica, que
resplandecem no nosso caríssimo em Cristo filho João, rei
preclaríssimo de Portugal e dos Algarves:
qual pela filia,
reverência que nos professa, e a esta santa sede apostólica, nos
segurou logo, sem a menor dilação, que ordenaria a todos e cada
um dos ministros e oficiais dos seus domínios, que castigassem
com as gravíssimas penas estabelecidas pelas suas leis todos os
que fossem compreendidos na culpa de excederem com os
referidos índios a mansidão e caridade, que prescrevem os ditames
e os preceitos evangélicos”. – Coleção dos Breves pontifícios e
Leis régias, etc.
61
(26) “... Os tristes padres da Companhia, que de culpados na
promulgação da nova lei não tem mais que o que falsamente lhes
impõem os mal afetos...”. Morais, História da Companhia de
Jesus, liv. 5, cap. 1º.
(Transcrito de Os jesuítas no Grão-Pará. 2ª ed. revista. Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1930, págs. 304 -333).
62
AS ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DA
COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
Jorge Couto
(Universidade Nova de Lisboa)
Em 1548, D. João III decidiu criar o governogeral do Brasil, enviar uma importante expedição
colonizadora – comandada por Tomé de Sousa – e
fundar uma cidade da Capitania da Baía de Todos -osSantos, entretanto integrada na Coroa devido à morte de
seu titular, Francisco Pereira Coutinho, em combate com
os tupinambás. O monarca aproveitou a oportunidade
para solicitar aos jesuítas que enviassem missionários
para a Província de Santa Cruz, à semelhança do que já
acontecia com o Estado da Índia desde 1541.
O padre Simão Rodrigues, Provincial de Portugal
e co-fundador da Companhia de Jesus com Inácio de
Loiola, Francisco Xavier e outros companheiros, decidiu
inicialmente dirigir ele próprio a missão ao Brasil, mas
devido ao falecimento do seu presuntivo sucessos e ás
reticências do primeiro Geral, acabou por designar o
padre Manuel da Nóbrega, bacharel em cânones pela
Universidade de Coimbra e comendador de Sanfins do
Minho, para chefiar o primeiro grupo de inacianos
destinado à América. Os seis religiosos, quatro padres
(Nóbrega, Leonardo Nunes, António Pires e João de
Azpilcueta Navarro) e dois irmãos (Vicente Rodrigues e
63
Diogo Jácome), partiram de Lisboa em fevereiro de
1549, a bordo de um navio pertencente António Car doso de Barros que se integrou, pouco depois, na
armada do primeiro governador-geral, desembarcando
na Baía a 29 de março seguinte.
As
primeiras
preocupações
de
Nóbrega
centraram-se na imposição de normas de conduta aos
colonos, nomeadamente através da persuasão individual
e de críticas do púlpito às situações de poligamia em
que incorriam muitos dos moradores da Vila do Pereira.
Outra das suas prioridades consistiu em instruir os
missionários na língua utilizada pelos índios, pelo que
incumbiu o padre João de Azpilcueta de a aprender. Por
outro lado, encarregou o irmão Vicente Rodrigues de
ministrar a doutrina cristã aos filhos dos indígenas e de
assegurar o funcionamento de uma escola de ler e
escrever destinada tanto aos descendentes dos colonos
como aos dos índios. Enquanto não dominavam o tupi,
os inacianos pregaram, doutrinaram e confessaram com
recurso a intérpretes, utilizando, designadamen te, os
serviços de Diogo Álvares, o Caramuru.
Em 1550, Nóbrega enviou Leonardo Nunes e
Diogo Jácome em missão às capitanias de Ilhéus e Porto
Seguro. Tomou, ainda, a iniciativa de solicitar ao
provincial de Portugal que mandasse mais jesuítas para
o Brasil e que desenvolvesse diligências junto do rei no
sentido de ser nomeado um bispo ou, pelo menos, um
vigário-geral para a cidade do Salvador, de modo a
disciplinar o comportamento do clero secular, pouco
conforme com as normas da moral cristã e com o
64
espírito da Contra-Reforma, bem como a impulsionar a
obra de cristianização dos indígenas. Apelou, também,
para que fossem transferidas órfãs para terras brasílicas,
a fim de permitir aos colonos constituir legalmente
família.
A 22 de junho de 1552 aportou à Baía a esquadra
que transportava o bispo D. Pero Fernandes Sardinha.
De fato, D. João III tinha conseguido obter do papa
Júlio III (1550-1555) a criação da diocese de Salvador,
através da bula Super specula de 25 de fevereiro de
1551. A chegada do prelado e de alguns membros do seu
cabido libertou o superior dos jesuítas de muitas das
funções pastorais que até então desempenhava
informalmente, pelo que ficou mais disponível para se
dedicar ao seu objetivo principal: a conversão do gentio.
Aproveitando a circunstância de Tomé de Sousa
pretender inspecionar as capitanias situadas ao sul da
Baía, Nóbrega embarcou na armada do governador-geral
e visitou Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, baía da
Guanabara, São Vicente e o planalto de Piratininga,
pregando, criando aldeias de índios cristianizados e
fundando estabelecimentos da Companhia de Jesus em
algumas dessas regiões.
A missão do Brasil da Companhia de Jesus foi
elevada à categoria de província por decisão de Inácio
de Loiola anterior a 6 de abril de 1553. Por cartapatente de 9 de julho seguinte, o preposto geral nomeou
o padre Manuel da Nóbrega para o cargo de provincial
dos Índios do Brasil (1).
65
No decurso do período inicial de permanência dos
jesuítas em terras brasílias, o custeamento das suas ati vidades foi garantido pela Província de Portugal, pela
Coroa, que consignava a verba mensal de um cruzado
para o sustento de cada missionário, fornecia víveres
(mandioca e arroz) e apoiava a construção de templos,
residências e colégios, pelo apoio oficial e par ticular do
governador-geral e pela generosidade de alguns colonos.
No entanto, essa fórmula de financiamento desagradava
a Nóbrega, porque, por um lado, tornava a Companhia
demasiadamente dependente da vontade e das dispo nibilidades das autoridades régias e, por outro, não
fornecia os recursos necessários a uma rápida expansão
das atividades evangelizadoras que constituíam o cerne
das suas preocupações.
A solução encontrada para custear as enormes
somas necessárias para construir e apetrechar igrejas,
colégios e residências, para sustentar os meninos órfãos
e para prover as aldeias de índios cristianizados de
vestuário, artigos metálicos (machados, enxadas, facas e
tesouras) e de outros bens consistiu em aceitar terras
cedidas pela Coroa, responsabilizando-se os padres da
Companhia pelo seu arroteamento e, com a venda dos
produtos excedentes, designadamente mandioca e gado,
obter, desse modo, recursos adicionais para financiar as
suas atividades religiosas, educativas e culturais.
Foi com o objetivo de pôr em prática essa forma
de apoio aos missionários jesuítas que Tomé de Sousa
concedeu, por instrumento jurídico datado de 21 de
outubro de 1550, uma propriedade ao Colégio da Baía,
66
que ficou conhecida por sesmaria da Água dos Meninos,
doação confirmada pelo terceiro governador-geral, Mem
de Sá (1558-1572), a 30 de setembro de 1569.
A posse de terras por parte da Companhia de
Jesus colocava um importante problema ao nível da
mão-de-obra. Como os padres e irmãos eram em número
extremamente reduzido (somente 10 até 1553) não se
podiam dedicar pessoalmente aos trabalhos agrícolas e
pecuários; por outro lado, não existiam homens livres
que pudessem ser contratados para executar esses
trabalhos. Restava o recurso ao trabalho escravo, so lução que levantava escrúpulos de natureza moral, mas
que o provincial do Brasil decidiu ultrapassar, con siderando que essa era a única forma de obter os
recursos necessários à evangelização do gentio.
A 14 de setembro de 1551, Nóbrega, através de
carta redigida em Olinda, solicitou ao rei D. João III que
mandasse: “dar alguns escravos de Guiné há casa pera
fazerem mantimentos, porque a terra hé tam fertil, que
facilmente se manterão e vestirão muitos meninos, se
tiverem alguns escravos que fação roças de mantimentos
e algodoais...” (2).
Já na Baía, o primeiro provincial do Brasil
retomava o assunto em carta dirigida ao padre Simão
Rodrigues, datada de 10 de julho de 1552, na qual
informava que: “Ho mantimento e vestiaria que nos El Rei dá todo lho damos a elles, e nós vivemos de esmola s
e comemos pollas casas com os criados desta gente
principal, ho que fazemos por que se não escandalizem
67
de fazeremos roças e termos escravos, e pera saberem
que tudo hé dos meninos” (3).
Como tinha adquirido a crédito três escravos
negros e diverso gado leiteiro, Nóbrega pediu, na
mesma ocasião, ao provincial de Portugal que obtivesse
uma doação régia daqueles bens, uma vez que não se
encontrava em condições de satisfazer os compromissos
assumidos:
“Já tenho escrito sobre os escravos que se
tomarão, dos quais um morreo logo, como morrerão
outros muitos que vinhão já doentes do mar. Tão bem
tomei doze vaquinhas pera criação e pera os meninos
terem leite, que hé grande mantimento. Em toda a
maneira este anno tragão os Padres provisão de el -Rei
assi dos escravos como destas doze vaquas, porque
tenho dado fiador pera dentro de hum anno as pagar a
El-Rei, e será grande fortuna se deste anno passar. Nas
vaquas se montarão pouquo mais de trinta mil reis. [...]
Se El-Rei favorcer [o Colégio da Baía] e lhe fizer igreja
e cassas, e mandar dar os escravos que digo (e me dizem
que mandão mais escravos a esta terra, de Guiné; se assi
for podia logo vir provisão pera mais tres ou quatro
alem dos que a casa tem), antes de hum anno se
sustentaram cem meninos e mais, porque assi como ella
está agora mantem a trinta pessoas; e mais agora mando
fazer algodoais pera mandar lá muito algodão pera que
mandem pannos de que se vistão os meninos, e não será
necessario que ho collegio de Coimbra quá nos ajude
68
senão com oraçõis, antes de quá lhe seremos boons em
alguma cousa” (4).
Os pedidos do provincial do Brasil foram
atendidos pela Coroa que, através de provisões datadas,
respectivamente, de 25 de outubro de 1552 e de 17 de
abril de 1553, “mandou fazer esmola aos Padres da
Companhia de Jhesu que residem na Cidade do Salvador
da Baya de Todoslos Santos” de três escravos de São
Tomé e de doze vacas (5).
A 13 de julho de 1553 aportou à Baía a esquadra
do segundo governador-geral, D. Duarte da Costa (15531557), que transportava a terceira expedição de jesuítas
(três padres e quatro irmãos), entre os quais se contavam
o padre Luís da Grã e o irmão de Anchieta.
O padre Grã (1523-1609), antigo reitor do
Colégio de Coimbra (1547-1550), foi nomeado, logo em
1553, adjunto do provincial. Possuía idéias bastante
diferentes e, em alguns casos, opostas às do seu superior
hierárquico: não considerava útil a existência de
colégios de meninos órfãos, reprovava o fato da
Companhia possuir bens de raiz, dedicar-se a atividades
agrícolas e utilizar mão-de-obra escrava e não era
adepto de um ritmo demasiado rápido de evangelização
e batismo dos índios. Professava, em suma, ideais de
rigor, ascetismo e pobreza.
A sua chegada ao Brasil refletiu-se na estratégia
de missionação e expansão adorada pela Companh ia de
Jesus, verificando-se uma inflexão nos métodos até
então adotados. Nóbrega acolheu, durante um certo
69
período de tempo, as observações e as reflexões de
ordem ética, moral e espiritual levantadas pelo seu
colateral.
De acordo com esta nova orientação e para evitar
a aquisição de escravos destinados a cultivar as terras
que eram doadas à Companhia de Jesus, o primeiro
provincial do Brasil pediu, através de carta datada de
maio de 1556, ao padre doutor Miguel de Torres,
provincial de Portugal e confessor da rainha D. Catarna
de Austria desde setembro de 1555, que intercedesse
junto de D. João III no sentido de que o apoio à Coroa
às atividades dos inacianos nas paragens americanas
fosse facultado em dízimos e não através da concessão
de terras, cujo aproveitamento implicava o recurso a
mão-de-obra (6).
Esta posição do padre Manuel da Nóbrega
resultou de pressões exercidas pelo padre Luís da Grã
para que os jesuítas não aceitassem do rei terras nem
escravos para granjearia. No entanto, as dificuldades
financeiras da Coroa não permitiam adotar outras
fórmulas de auxílio além das já concedidas.
Os padres da Companhia no Brasil tiveram que
optar entre expandir o ritmo da atividade missionária, o
que implicava a aceitação de propriedades e a utilização
de escravos, ou recusar essa via e, por conseguinte,
abdicar dos objetivos de alargamento do seu âmbito de
atuação. A maioria dos jesuítas pronunciou-se a favor da
primeira alternativa, defendida por Nóbrega e combatida
por Luís da Grã.
70
O apoio de muitos companheiros às teses de
Nóbrega, levou-o a comunicar ao provincial de Portugal,
em 2 de setembro de 1557 que, com o parecer favorável
dos padres do Colégio da Baía, tinha decidido aceitar
todas as doações feitas à Companhia, “até palhas”.
Pedia, em seguida, uma “boa dada de terras” e escravos
da Guiné, uma vez que não era conveniente ter escravos
da terra. Os negros cultivariam as terras, criariam gado,
pescariam, colheriam vegetais e frutos e obteriam água e
lenha para abastecer os colégios, libertando os irmãos
dessas tarefas e tornando-os disponíveis para outras
atividades mais diretamente relacionadas com a
missionação (7).
Estruturam-se, assim, duas correntes no seio dos
jesuítas da Província do Brasil. Uma, encabeçada pelo
padre Manuel da Nóbrega, adotava uma atitude
pragmática e considerava que a expansão da Companhia
implicava a posse de bens e a utilização de escravos;
outra, cuja figura mais representativa era o padre Luís
da Grã, privilegiava a pobreza e o ascetismo, recusando,
assim, a possibilidade da Companhia aceitar bens de
raiz e recorrer à utilização de escravos. Somente admitia
que, em caso de grande necessidade, se contratassem
trabalhadores e nunca que se comprassem escravos (8).
Em meados de 1559, o padre Manuel da Nóbrega,
de acordo com instruções recebidas de Lisboa, abriu a
primeira via de sucessão para o cargo de provincial. A
nomeação recaiu no padre Luís da Grã, seu colateral e
antigo reitor do Colégio de Olinda (9). Nos primeiros
dias de janeiro do ano seguinte, Nóbrega entregou o
71
governo da Província do Brasil ao seu sucessor e partiu
para São Vicente, na companhia do terceiro governador geral, Mem de Sá (10).
Como era de prever, a orientação imprimida pelo
segundo provincial (1559-1571) divergia substancialmente daquela que até então tinha sido delineada pelo
fundador da Província do Brasil. Em carta datada de 12
de junho de 1561, redigida na vida de São Vicente,
Nóbrega expunha ao padre Diego Laínez (1558-1565),
segundo geral da Companhia, as suas divergências de
opinião com o novo provincial, relacionadas sobretudo
com a posse de bens de raiz e com o uso de escravos:
“O Padre Luís da Grã parece querer levar isto por
outro espírito muito diferente e quer edificar a gente
portuguesa destas partes, por via de pobreza, e converter
esta gente da mesma maneira que S. Pedro e os
Apóstolos fizeram e como S. Francisco ganhou muitos
por penitência e exemplo de pobreza, e esta opinião me
persuadia sempre, quando eu tinha o cargo, e ainda
agora desejava introduzi-lo quanto fosse possível, e
sempre teve escrúpulos, porque é ele muito zelador da
santa pobreza, a qual queria ver em não possuirmos nós
nada, nem haver granjearias, nem escravos, pois éramos
poucos, e sem isso com as esmolas mendigadas nos
podíamos sustentar, repartidos por muitas partes e
desejava casas pobrezinhas. E isto foi causa que,
partindo eu desta Capitania para a Baía, e deixando
escravos e escravas entregues a um homem, com
mantimentos para os Irmãos, alcançando de mim licença
para fazer o que lhe parecesse, se concertou com aquele
72
homem, deixando-lhe tudo, com lhe dar certo
mantimento, tirando os escravos muito necessários para
o serviço da casa, o qual acabado ficasse a casa sem
escravos e sem mantimentos e sem criação, exceto das
vacas. O mesmo propósito levara para fazer agora a
Baía, onde ficou muito mantimento feito assim para os
nossos como para os meninos, e alguns escravos, de que
um homem tinha o cargo, porque tem ele por melhor
comprar o mantimento, que ter quem o faça. Bem creio
que os Padres da Baía lhe irão à mão, senão mudarem
sua opinião, conformando-se com a do seu provincial.
Também me deixou mandado agora, partindo para
a Baía, que eu não mercasse escravos, nem mesmo para
trabalhar nas obras do Colégio, que ele deixava
mandado que se fizesse, mas que se alugassem, qu e é
coisa muito custosa, e requer muita renda, e não há
cousa dessa maneira, que baste. Tem também o Padre
por grande inconveniente ter muitos escravos, os quais
ainda que sejam todos casados, multiplicação tanto, que
será cousa vergonhosa para religiosos, multiplicando
muito sua geração, além da pouca edificação dos
cristãos. Essa razão não me conclui muito, porque como
um homem leigo os tem a cargo, sem nós entendermos
com eles, por mais inconvenientes tenho ter dous ou três
necessários para o serviço da casa, de que a casa tenha
cuidado, que ter muitos mais, se nós entendermos com
eles, porque todos confessamos não se poder viver sem
alguns que busquem a lenha e água, e façam cada dia o
pão, que se come, e outros serviços, que não é possível
poderem se fazer pelos Irmãos, sobretudo sendo tão
73
poucos, que seria necessário deixar as confissões e tudo
o mais.
Esta opinião do Padre me fez muito tempo não
firmar bem o pé nestas cousas, até que me resolvi e sou
de opinião (salva sempre a determinação da santa
obediência) de tudo o contrário, e me parece que a
Companhia deve ter e adquirir justamente por meios,
que as Constituições permitem, quanto puder para
nossos Colégios e Casas de Rapazes; e, por muito que
tenham, farta pobreza ficará aos que discorrerem por
diversas partes. E não devemos de querer que sempre
El-Rei nos proveja, que não sabemos quanto isto durará,
mas por todas as vias se perpetue a Companhia nestas
partes, de tal maneira, que os operários cresçam e não
minguem.
E até se fosse tanto, não teria por desacertado
adquirir-se para Casa de Meninas dos gentios, de que
tivessem cargo mulheres virtuosas, com as quais depois
casassem estes moços que doutrinássemos. E temo que
fosse esta grande invenção do inimigo vestir -se da santa
pobreza para impedir a salvação de muitas almas.
Estamos em terra tão pobre e miserável, que nada
se ganha com ela, porque é a gente tão pobre, que, por
mais pobres que sejamos, somos mais ricos que eles.
Não é poderosa toda a gente do Brasil a sustentar -nos
aos da Companhia de vestido, ainda que seja mais vil
que frades de S. Francisco, e se adoece um da
Companhia se não tem remédio de Portugal, na terra não
há quem lho dê, antes o esperam todos de nós, e não
somente gentios, mas também cristãos. Aqui não há
74
trigo, nem vinho, nem azeite, nem vinagre, nem carnes,
senão por milagre; o que há pela terra, que é pescado e
mantimento de raízes, por muito que se tenha, não
deixaremos de ser pobres, e mesmo isto não o temos se
não se trabalha, porque nem disto há esmolas, que
bastem. Quem aqui há de trabalhar na vinha do Senhor,
precisa de sustentar o sujeito, porque os trabalhos são
muito maiores que em outras partes, e os mantimentos
são muito fracos, e, posto que a caridade e juventude
façam não se sentirem tanto, todavia deve-se ter respeito
a conservar-lhes a saúde, e é grande perca perder um da
Companhia a vida e saúde com que muito se serve
Nosso Senhor” (11).
Em resposta à exposição de Nóbrega, o padre
Diego Laínez aprovou as medidas tomadas pelo primeiro
provincial do Brasil e reconheceu a utilidade da
Companhia possuir bens de raiz e desenvolver
atividades econômicas, designadamente a criação de
gado, como forma de assegurar o sustento dos meninos
índios e mamelucos do colégios, além dos padres,
irmãos e escravos (12).
Relativamente à questão dos colégios possuírem
escravos, face às divergências existentes, o geral da
Companhia, através de carta datada de 25 de março de
1563 e subscrita pelo padre Juan de Polanco delegou ao
provincial de Portugal, padre Gonçalo Vaz de Melo
(1561-1563), a resolução do assunto, devendo
comunicar aos padres Nóbrega e Grã a posição adotada
75
(13). Apesar desta iniciativa, a disputa permaneceu sem
solução.
A posição adotada pelo geral Laínez foi posta em
causa pelo seu sucessor, Francisco de Borja (1565 -1572)
que, em cartas datadas de 30 de junho e 22 de setembro
de 1567, dirigidas ao visitador da Província do Brasil,
padre Inácio de Azevedo (1566-1568), determinou “que
se não criasse gado para vender [...] e que vissem no
Brasil se era possível passar sem tais encargos” (14).
As dificuldades que a aplicação das orientações
preconizadas pelo novo geral criariam à manutenção e
desenvolvimento das atividades missionárias e educa tivas exercidas pela Companhia de Jesus na Província de
Santa Cruz levou à convocação de uma congregação
provincial em 1568. O conclave elaborou um postulado
em que se reafirmava a necessidade vital dos colégios
possuírem fazendas para a criação de gado como forma
de garantir a prossecução das tarefas evangelizadoras
em terras brasílicas. A assembléia provincial deliberou,
ainda, autorizar os superiores dos seus estabelecimentos
a adquirirem os escravos necessários, se não houvesse
outro meio de garantir o funcionamento das suas
atividades.
A Província do Brasil incumbiu o visitador In ácio
de Azevedo de expor os seus pontos de vista ao geral da
Companhia, fazendo-lhe notar os inconvenientes que
resultariam da aplicação estrita das suas ordens.
Pressionado pelos seus companheiros da Terra de Santa
Cruz e pelo parecer de Azevedo, Francisc o de Borja
acabou por ceder e dar o seu assentimento para que os
76
colégios brasílicos pudessem ter o gado que fosse
necessário para o seu sustento (15). Segundo a opinião
do padre José de Anchieta, que desempenhou o cargo de
provincial do Brasil entre 1577 e 1587, sem terras e sem
criação de gado seria impossível assegurar a subsis tência dos padres da Companhia (16).
Em 1576, a congregação provincial decidiu
revogar a proibição imposta pelo geral Francisco de
Borja dos colégios possuírem escravos índios (1 7).
A aquisição de escravos pela Companhia levantava o problema de se saber se a privação da liberdade
resultara de guerra justa. Ora, no caso dos negros essa
averiguação era impraticável, foi, pois, decidido seguir
o parecer da Junta de Burgos que, em 1511, para
facilitar e legitimar a entrada de negros na América
Espanhola adotou o pressuposto de que “todos os
africanos traficados já eram escravos em seus países de
origem” (18). Ao serem transportados para outro
continente apenas mudavam de senhores.
Opinião frontalmente contrária perfilhava o
jesuíta Miguel Garcia. Para este sacerdote, nenhum
escravo oriundo de África ou do Brasil era justamente
cativo, pelo que se recusava a confessar todos os
possuidores de escravos, incluindo alguns padres do
colégio da Baía. Em carta datada de 26 de janeiro de
1583, Miguel Garcia comunicava ao quinto geral,
Cláudio Aquaviva (1581-1615), que a Companhia
possuía uma multidão de escravos na Província do
Brasil – particularmente no colégio da Baía – circunstância que ele de forma alguma podia aceitar, por
77
não estar profundamente convencido de que tinham sido
licitamente capturados. Acrescentava, ainda, que aquele
colégio tinha setenta pessoas oriundas da Guiné e um
grande número de escravos da terra, entre certos e
duvidosos, fato que lhe provocava muitos escrúpulos
(19).
Outro jesuíta que contestou a escravatura foi o
padre Gonçalo Leite, primeiro professor de artes no
Brasil. As suas tomadas de posição face aos colonos e
aos seus próprios companheiros originaram hostilid ades
para com a Companhia, bem como a inquietação no
interior das comunidades de jesuítas. A solução
encontrara acabou por ser idêntica à adotada no caso do
padre Garcia, ou seja, a ordem para regressar à
metrópole por inadaptação (20).
O melindre desta questão, devido aos casos de
consciência que levantava, justificou que sobre ela se
debruçassem os teólogos e jurisconsultos jesuítas. Nos
finais de Quinhentos, Luís de Molina (1535-1600),
antigo professor das universidades de Coimbra e de
Évora e uma das glórias intelectuais da Companhia,
publicou o primeiro tomo do seu tratado, em seus
volumes, De Iustitia et Iure (Veneza, 1594). Nesta obra,
o pensador jesuíta ocupa-se, entre outros problemas, da
questão da escravatura. Na Disputa 32 do Tratado 2º
analisa a legitimidade da instituição, concluindo que a
escravidão era lícita e justa se os títulos fossem
legítimos, o que era manifesto pela opinião comum dos
doutores, pelo Direito Civil e Canônico e também pela
Sagrada Escritura. Nas Disputas 34 e 35, pronuncia -se
78
sobre a origem dos escravos (da guerra ou do comércio)
bem como sobre a natureza das várias guerras,
considerando algumas justas e, por conseguinte,
legítimos os escravos delas resultantes, pelo que os
mercadores e compradores não tinham obrigação de
consciência de se informarem sobre os títulos dos
escravos (21).
A longa convivência da Igreja com a escravatura,
cuja legitimidade – em certas condições – acabou por
ser teorizada pelos seus doutores (22); a percepção de
que a oposição à introdução de escravos negros no
Brasil contribuiria para intensificar as operações de
escravização dos índios; a consciência de que a
importação de mão-de-obra escrava constituía uma
necessidade vital para o funcionamento da economia da
colônia e o entendimento de que a sobrevivência das
atividades de missionação dependiam do recurso a mão de-obra escrava acabaram por convencer definitivamente a esmagadora maioria dos inacianos e aceitar a
utilização de escravos, sobretudo negros, nas suas casas
e unidades produtivas, consagrando, por conseguinte, a
vitória dos defensores da corrente pragmática, face aos
puristas da corrente ascética.
Em 1590, devido às diligências desenvolvidas
pelo colégio da Bahia, o geral da Companhia autorizou
que, além da criação de gado, os colégios pudessem
construir engenhos e dedicar-se à produção de açúcar.
A opção efetuada pela Companhia de Jesus de se
integrar no sistema produtivo da América portuguesa,
como forma de financiar autonomamente as suas
79
atividades missionárias e, também, com o objet ivo de
assegurar uma estratégia de expansão que garantisse a
auto-suficiênca econômica de cada colégio, refletiu -se,
naturalmente, no tipo de patrimônio acumulado ao longo
de cerca de dois séculos.
A partir de doações reais e de contributos dos
fiéis, os jesuítas adotaram a política de investir parte
significativa das disponibilidades monetárias na
aquisição de prédios rústicos e urbanos. A Província do
Brasil da Companhia de Jesus acumulou, no decurso de
cerca de 210 anos (1549-1759), um imenso, diversificado e lucrativo patrimônio (engenhos, canaviais,
fazendas de criação de gado, lavouras de subsistência,
prédios rústicos, imóveis urbanos, olarias etc.),
tornando-se, sem margem para dúvidas, na “ordem
religiosa mais rica do Brasil”. De acordo com os
cálculos de um historiador norte-americano, “uma
estimativa aproximada da riqueza total dos jesuítas em
1759” aponta para “uma cifra total que passa de mil
contos” (24). A título de exemplo, refira -se que, em
1759, somente o “patrimônio do Colégio do recife va lia
mais de noventa contos de réis” (25).
NOTAS
(1) Cf. Serafim Leite, Breve Itinerário para uma Biografia do
Padre Manuel da Nóbrega, Fundador da Província do Brasil e da
Cidade de São Paulo (1517-1570), Lisboa-Rio de Janeiro, 1955,
pp. 110-111.
80
(2) Cartas do Brasil e Mais Escritos do Padre Manuel da Nóbrega
(Opera Omnia), introd. e notas históricas e críticas de Serafim
Leite, Coimbra, 1955, p. 101.
(3) Idem, p. 121.
(4) Idem, pp. 121-123.
(5) Cf. Idem, p. 122.
(6) Cf. Idem, pp. 207-215.
(7) Cf. Idem, pp. 260-276.
(8) Cf. Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil,
vol. II, Lisboa-Rio de Janeiro, 1938, p. 348.
(9) Cf. Idem, pp. 271-475.
(10) Cf. Idem, p. 470.
(11) Cartas do Brasil..., pp. 391-394.
(12) Cf. Serafim Leite, op. cit., vol. I, p. 176.
(13) veja-se a carta do “P. Juan de Polanco por Comissão do P.
Geral Diego Laynes ao P. Gonçalo Vaz de Melo, Provincial de
Portugal”, pub. in Monumenta Brasiliae, dir. por Serafim Leite,
vol. III (1558-1563), Roma, 1958, p. 543.
(14) Pub. Por Serafim Leite, op. cit., vol. I, p. 176.
(15) Idem, ibidem.
(16) Idem, ibidem.
(17) Cf. Serafim Leite, op. cit., vol. II, pp. 349-350.
(18) Evaristo de Moraes, A Escravidão Africana no Brasil (Das
Origens à Extinção), 2ª ed., Brasília, 1986, p. 18.
81
(19) Cit. por Serafim Leite, op. cit., Vol. II, pp. 227-228.
(20) Idem, ibidem.
(21) Cf. Idem, “A Companhia de Jesus e os Pretos do Brasil”,
Brotéria, 68, Lisboa, 1959, pp. 134 -135.
(22) Cf. Fernando Cristóvão, A Abolição da Escravatura e a Obra
Precursora do Pe. Manuel Ribeiro Rocha, comunicação
apresentada à Academia das Ciências de Lisboa em 14 de maio de
1992.
(23) Cf. Serafim Leite, op. cit., Vol. I, pp. 147-148.
(24) Daril Alden, “Aspectos Econômicos da Expulsão dos Jesuítas
do Brasil: Notícia Preliminar”, in Conflito e Continuidade na
Sociedade Brasileira, org. de Henry M. Keith e S. F. Edwards,
trad. port., São Paulo, 1970, p. 37.
(25) Jorge Couto, O Colégio dos Jesuítas do Recife e o Destino do
seu Patrimônio (1759-1777), dissertação de mestrado apresentada
à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vol. I, Lisboa,
1990, p. 417.
(Transcrito de Confronto de Culturas: conquista, resistência,
transformação. Rio de Janeiro/São Paulo: Ed. Expressa e
Cultura/Edusp. 1997, págs. 187 -198).
82
ASPECTOS ECONÔMICOS DA EXPULSÃO
DOS JESUÍTAS DO BRASIL:
Notícia Preliminar (*)
Dauril Alden
A primeira colônia do Novo Mundo a receber
membros da recém-fundada Companhia de Jesus (1540)
foi o Brasil, onde o contingente inicial de loyolistas
desembarcou em 1549; a primeira colônia do Novo
Mundo de onde a companhia foi expulsa, duzentos e dez
anos depois, foi também o Brasil. No transcurso desses
dois séculos os jesuítas fizeram sentir sua presença na
colônia através de uma notável diversidade de apt idões
– como destacados missionários e combativos defen sores dos direitos dos índios, como conselheiros das
principais autoridades administrativas, como educadores
de quase toda a pequena parcela da juventude colonial
letrada, como construtores das maiores bibliotecas da
colônia, como exploradores dos sertões, e como lingüistas, historiadores, antropólogos, botânicos, farmacêuti cos, médicos, arquitetos e artesãos dos mais diversos
tipos. Tais atividades têm sido examinadas por
numerosos escritores (1), entre os quais o mais
abalizado é Serafim Leite, S. J., autor da monumental e
acreditada História da companhia de Jesus no Brasil
83
(2). Espalhadas pelos dez grossos volumes do Padre
Leite, encontram-se também referências aos jesuítas
como horticultores, criadores de gado, superintendentes
de fazendas e administradores de imóveis urbanos. De
vez em quando ele ainda fornece informações sobre o
valor e a extensão das propriedades da ordem no Brasil.
Mas apesar de ter indicado a necessidade de um estudo
pormenorizado do papel econômico da Companhia da
Colônia (3), o Padre leite não publicou tal trabalho (4),
e aqueles que escreveram sobre a história econômica da
colônia ignoraram o assunto (5).
Talvez o preenchimento dessa importante lacuna
em nossos conhecimentos exceda as aptidões e energias
de um investigador isolado. Seja como for, tenho em
mente um objetivo mais limitado: ver até que ponto a
decisão da Coroa de expulsar os jesuítas de seus
domínios foi economicamente motivada, e avaliar as
conseqüências econômicas daquele ato (6). Quando há
vários anos iniciei a minha pesquisa, comecei pelas
seguintes indagações: (a) como chegou a Companhia de
Jesus a ser grande proprietária de bens urbanos e rurais,
incluindo escravos negros, no Brasil? (b) em que medida
suas atividades econômicas provocaram queixas da parte
dos interesses econômicos concorrentes na colônia e que
influência exerceram tais críticas sobre a política da
Coroa? (c) qual era a extensão e o valor das
propriedades jesuíticas no Brasil no momento do
seqüestro? e (d) que destino lhes deu a Coroa após o
confisco? É evidente que a busca de respostas a estas e
outras questões afins terá de estender-se pelos arquivos
84
brasileiros e portugueses, e muito provavelmente pros seguir também nos repositórios existentes em Roma. Por
enquanto, nas seções seguintes apresento os resultados
das pesquisas que fiz até agora com relação às três
primeiras indagações.
I. As fontes da riqueza jesuítica no Brasil
Ao tempo de sua expulsão havia 474 jesuítas na
Província do Brasil e outros 155 na Vice-província do
Maranhão (7). Os padres, seus noviços e seus pupilos
indígenas achavam-se largamente espalhados pelas
instituições educativas, espirituais, agrícolas, pastoris,
recreativas e hospitalares da companhia, que se
estendiam do alto Amazonas ao Paraná e Santa Catarina,
no sul. Tais instituições abrangiam dezenove colégios,
cinco seminários, diversos hospitais, mais de cinqüenta
missões (aldeias) e grande número de estabelecimentos
de instrução, noviciarias e retiros (8).
A construção e manutenção dessas instalações e
o cuidado com o bem-estar dos auxiliares naturalmente
exigiam recursos substanciais. Esses recursos pro vinham de várias fontes. A princípio contaram os
padres com as esmolas dadas pelos colonos fundadores
da Bahia, mas tais donativos e as pensões para comida
e roupa que a Coroa fornecia não eram suficientes para
sustentar as ambiciosas empresas missioneiras e edu cativas dos jesuítas (9). Essas operações fixaram -se
num alicerce mais firma em 1550, quando a companh ia
85
recebeu sua primeira doação territorial ( sesmaria) no
Brasil (10). Em parte destinava-se essa concessão a
ajudar no estabelecimento do primeiro colégio da
ordem em Salvador. Em décadas posteriores ao século
XVI novos colégios foram fundados no Rio de Ja neiro
e em Pernambuco. Estes também receberam sesmarias
(11) e foram contemplados com receitas deduzidas dos
dízimos. O montante de tais dotações dependia a
princípio do número de padres indicados para cada
distrito do colégio, mas embora o número de padre s
naqueles distritos continuasse a crescer durante os
séculos XVII e XVIII, as dotações mantiveram -se
inalteradas depois de 1575 (12). Quando a companhia
levou as suas atividades à área amazônica no século
XVII e criou-se ali uma vice-província, a Coroa
também favoreceu as missões setentrionais, embora em
escala menor do que o fizera na Província do Brasil
(13).
Essas concessões territoriais e dotações re presentavam a amplitude da assistência econômica direta
da Coroa aos jesuítas (14). Com o correr do tempo, em
fins do século XVII pelo menos, a importância dessa
ajuda foi em muito ultrapassada pelo nível de
beneficência particular e pela quantidade de capital que
os jesuítas podiam produzir com o número cada vez
maior de suas propriedades. Passados os pri meiros anos
de sua chegada no Brasil tornaram-se os jesuítas
recipiendários de terras incultas e rebanhos, que lhes
foram dados por vultos notáveis como Brás Cubas e
Diogo Álvares (mais conhecido pelo nome de Cara86
muru), mas as doações testamentárias de grandes
porções de terrenos agrícolas cultivados e imóveis
urbanos, incluindo canaviais, criatórios, mansões cita dinas e escritórios comerciais, parecem datar do segun do decênio do século XVII (15). O tamanho desses
legados e as condições neles estipuladas variavam
muito. Comumente os testadores determinavam que
parte dos cabedais transmitidos à Companhia fosse
reservada para missas por suas almas e pelas dos seus
familiares. Excepcional foi o caso de Domingo Afonso
Certão, o célebre co-fundador das pastagens do Piauí,
que em seu curiosíssimo testamento mandou que se
dissessem cinco missas diárias por sua alma na igreja do
colégio de Salvador, mais uma missa semanal cantada
na igreja da noviciaria da mesma cidade, “até o fim do
mundo” (16). Muitos doadores davam instruções aos
padres curadores para que vendessem parte dos bens
deixados e pagassem as dívidas do espólio, fizessem a
partilha entre os herdeiros e aplicassem o restante em
obras pias, tais como donativos anuais aos pobres,
missas especiais ou benfeitorias nos templos onde haviam feito suas devoções. Alguns doavam à Companhia
dinheiro de contado para ser invertido em empréstimos a
juros ou em prédios para alugar. Outros recomendavam
que se empregasse a maior parte de seus bens na criação
de novos colégios ou de outros tipos de estabelecimentos educacionais. Uns simplesmente deixavam
seus haveres para os reitores dos colégios, a quem
facultavam o direito de os conservar para a ordem ou
deles dispor como melhor lhes aprouvesse. Uma vez que
87
esses testamentos eram de ordinário preparados com a
assistência dos próprios jesuítas, eram inevitáveis as
acusações de que os padres usavam de coação com os
moribundos a fim de assegurar a posse de quinhões
particularmente valiosos do patrimônio dos seus benfeitores, mas não seria fácil hoje achar prova convin cente
de tais alegações (17).
Além das dádivas da Coroa e de particulares, os
jesuítas também adquiriam propriedades mediante
compras diretas (18). Sempre que possível, ampliavam
suas fazendas mais promissoras a fim de garantir acesso
a melhor transporte aquático ou a facilidade de
irrigação, maior área para plantar cana ou criar gado, e
para outros fins. Foi em conseqüência de muitas
aquisições, doações e ações judiciais levadas a cabo
durante mais de um século que eles conseguiram
aumentar a célebre fazenda de Santa Cruz, na Capitania
do Rio de Janeiro, até vir ela a medir mais de 100 léguas
quadradas e tornar-se o domicílio de mais de mil
pessoas, em sua maioria escravos negros (19). Os padres
também compravam lotes desaproveitados e casas de um
e de muitos andares nas cidades coloniais, na
expectativa de suas futuras necessidades de expansão e
tendo em vista a renda que daí adviria para as
instalações existentes (20). Todas as vezes que
determinadas propriedades deixavam de encaixar-se em
seus planos, os jesuítas vendiam-nas a outras ordens ou
a particulares (21).
Os jesuítas utilizavam seus bens de vários modos.
Em suas fazendas cultivavam uma ampla variedade de
88
lavouras indígenas e européias. Entre aquelas, as mais
importantes eram mandioca, arroz, algodão e tabaco;
entre as últimas estava diversos tipos de legumes, frutas
cítricas e trigo. A produção destinava-se principalmente
ao sustento dos padres e seus pupilos, mas os
excedentes eram vendidos a pessoas estranhas à ordem.
O mercado primário para a lavoura mais lucrativa dos
jesuítas, a cana-de-açúcar, era naturalmente o reino.
Embora tivessem começado a cultivar a cana logo
depois de terem chegado no Brasil, os jesuítas só
adquiriram seu primeiro bangüê em 1604, quando se
construiu o engenho Camamu na Bahia em local
escolhido pelo Padre Fernão Cardim. O engenho foi
destruído pelos holandeses em 1640, mas os padres
continuaram a adquirir outros grandes bangüês, por
doação (como no caso do famoso Sergipe do Condé) ou
por compra (por exemplo, o engenho Pitanga, também
na Bahia), até que cada um dos colégios mais
importantes pôde retirar parte de sua renda de uma ou
mais plantações de cana. Pelos meus cálculos, os
jesuítas tinham ao todo dezessete canaviais, cada um
equipado com um ou mais engenhos, ao tempo de sua
expulsão (22). Essas instalações compreendiam não só
moendas e outros maquinismos relacionados com o
fabrico de açúcar mas também destilarias de aguardente,
forjas, tanoarias, olarias e oficinas de tecelagem, e, em
alguns
casos,
estaleiros
aptos
para
construir
embarcações que, quanto ao tamanho, iam desde as
canoas amazônicas até às sumacas de navegação
marítima. Além das lavouras de subsistência e dos
89
canaviais, cada colégio também possuía muitas faz endas
de criação que produziam principalmente leite e gado
para o corte, afora cavalos, porcos, ovelhas, cabras e
aves de quintal. Ao tempo do confisco havia, por
exemplo, 16.580 cabeças de gado na fazenda do colégio
ao norte do Rio de Janeiro, um total av aliado em 32.000
cabeças distribuídas por trinta criatórios no Piauí, e
mais de 100.000 reses nos sete estabelecimentos da ilha
de Marajó (23).
As propriedades exploradas pelos próprios
jesuítas eram geridas por um ou dois padres que
supervisionavam o trabalho dos negros escravos, como
acontecia nas lavouras de cana, ou dos índios, como nas
fazendas de criação do Amazonas. Dentre as
instituições, a Companhia de Jesus era provavelmente a
maior proprietária de escravos do Brasil; seguramente
possuía o maior número de escravos existentes em uma
só fazenda em toda a América colonial. (24).
Os jesuítas também davam em arrendamento e de
aluguel pastagens e terras de cultivo, embora a renda
que percebiam de tais propriedades fosse bem menor do
que a auferida dos prédios urbanos (25). Seu maior
conjunto de imóveis urbanos localizava-se na cidade de
Salvador (Bahia), onde à época da expulsão (1759 -1760)
possuíam 186 casas no valor de 162.165.000 réis, que
produziam uma renda anual de 10.918.160 réis (26).
Uma relação preparada duas décadas antes revela que na
cidade do Rio de Janeiro, onde a ordem rinha seu
segundo grande conjunto de prédios urbanos (setenta),
recebia ela 5.824.280 réis de aluguéis anuais.
90
Contrastando com isso, no mesmo ano os dois colégios
de São Paulo possuíam apenas seis propriedades urbanas
que lhes davam uma renda anual de 980.000 réis (27).
Outro inventário da década de 1740 mostra que os dois
colégios de Pernambuco possuíam quarenta prédios
urbanos dados em arrendamento que produziam uma
receita de 751.000 réis (28). De acordo com os cálculos
do Padre leite, as propriedades urbanas da Companhia
em Salvador e Recife eram sua mais lucrativa fonte de
renda na época do confisco (29).
Quando foram expulsos, os jesuítas eram
indiscutivelmente a ordem religiosa mais rica do Brasil
(30). Além das doações régias e particulares e dos
ganhos provenientes da exploração direta e da locação
de imóveis rurais e urbanos, provinha aquela riqueza das
inversões em empréstimos a juros (sobre os quais não
tenho informações) (31), e das vendas das chamadas
especiarias amazônicas, que abrangiam cacau, cravo,
canela, pimenta, salsaparrilha, matérias corantes e até
manteiga de tartaruga. Enquanto não forem concluídas
outras pesquisas arquivais, será impossível apresentar
mais do que uma estimativa aproximada da riqueza total
dos jesuítas em 1759. Os dados de que dispomos,
compreendendo inventários de alguns dos maiores
engenhos de açúcar dos jesuítas, relações de suas
propriedades urbanas mais importantes à época do
confisco, e notícias referentes às vendas de algumas
dessas propriedades, indicam uma cifra total que passa
de 1.000 contos (32).
91
II. Conflitos entre os jesuítas e seus rivais antes de
1722
Considerando as extensas propriedades dos
jesuítas no Brasil, os privilégios econômicos de que
gozavam de direito ou que se arrogavam (adiante
trataremos disso mais detidamente), a especial
benevolência com que desde muito eram tratados pelos
soberanos de Portugal e pelas altas autoridades da
colônia, como os membros da família Sá, e os esforços
que faziam constantemente para defender os ameríndios
contra os leigos predatórios, não é de surpreender que os
padres da Companhia se vissem sob os ataques de
determinados grupos de interesses rivais. Tais ataques
começaram logo depois que os jesuítas chegaram na
colônia. Muito antes de surgirem as questões
relacionadas com suas atividades econômicas, os
jesuítas opuseram-se aos leigos no tocante ao controle
dos índios. Os colonos queriam estes últimos
concentrados em aldeias nas proximidades de suas
lavouras a fim de os explorar como força de trabalho.
Os missionários, desejando proteger os índios contra a
exploração e facilitar a iniciação deles nos preceitos do
cristianismo, isolavam-nos o mais possível dos colonos
e insistiam em servir de intermediários entre os
indígenas e os fazendeiros em questões de trabalho e
comércio. Nas diretrizes gerais e em legislação especial,
a partir de 1570, a Coroa apoiou as tentativas jesuíticas
de defender os índios até a década de 1750. Apesar
disso, em fins do século XVI os silvícolas tinham sido
92
virtualmente eliminados de muitas partes da costa
oriental, destruídos que foram pela escravização e pelo
contacto com doenças européias e africanas, ou
afugentados para o interior, onde eles e seus primos
eram perseguidos pelos missionários e seus rivais (33).
A perseguição intensificou-se durante o século
XVII, quando os portugueses expandiram suas con quistas ao sul e ao norte. No sul, os bandeirantes
paulistas caçadores de escravos internaram-se no
sudoeste de São Paulo, e entre 1628 e 1641 invadiram e
destruíram dois aldeamentos recém-fundados pelos
jesuítas sediados no Paraguai espanhol, e só foram
impedidos de praticar novas devastações quando os
padres armaram seus pupilos (34). Em 1640, tão logo os
jesuítas tornaram público um breve pontifício que
condenava todas as formas de escravização dos ame ríndios, a população rebelou-se e expulsou-os da
Capitania. E seus irmãos do Rio de Janeiro por pouco
não tiveram o mesmo destino (35).
Como na mesma época os portugueses avançavam
em direção ao Amazonas, a disputa entre os colonos e os
padres da Companhia pelos corpos e almas dos índios
criou novas tensões entre os jesuítas e seus rivais. O
resultado em duas ocasiões (1661-1662 e 1684) foi a
expulsão dos loyolistas do Estado do Maranhão. Se da
primeira vez a Coroa contentou-se com a reintegração
dos padres e a proclamação de um perdão geral aos
responsáveis pelo banimento, mostrou-se ela menos
clemente da segunda vez, quando três chefes do tumulto
93
foram enforcados e vários outros receberam sentenças
menos severas (36).
À segunda reintegração dos jesuítas no Estado do
Maranhão seguiu-se a adoção de um conjunto de normas
(o regimento de 1686) que iria governar as relações
entre os loyolistas e as outras ordens atuantes na região
amazônica (principalmente os franciscanos, carmelitas e
mercedários), os silvícolas e os colonos, pelo espaço de
setenta anos. As regras básicas desse documento são
dignas de nota, uma vez que se tornaram questões vitais
durante a década de 1750, a mais atribulada para os
loyolistas. O regimento conferiu aos missionários pode res espirituais, políticos e temporais dentro das aldeias
por eles administrados, vedando a entrada a todos os
colonos. A cada um dos colégios dos jesuítas em São
Luís e Belém coube uma aldeia de trabalhadores indí genas dedicados ao serviço exclusivo do estabele cimento. Além disso, cada residência da Companhia
situada a uma distância de trinta léguas ou mais de
algum dos colégios, estava autorizada a empregar vinte
e cinco índios (mais tarde vinte e cinco famílias, por ter
sido assim interpretado o disposto no regimento), nas
tarefas da missão. Todos os funcionários públicos,
inclusive os governadores reais e os conselhos muni cipais, incumbidos de regular as relações entre o gentio
e o colono, tais como o descimento de índios de resgate
apanhados no longínquo interior, a distribuição de
trabalhadores indígenas e a determinação de seus
salários e períodos de serviço, eram obrigados a ouvir os
missionários antes de agir (37).
94
Essas normas eram mais favoráveis aos jesuítas
do que a qualquer outra ordem religiosa e refletem as
relações intimas que existiam entre a Companhia e o
governo de Pedro II (1683-1706). Temos outro reflexo
disso na renovação em 1684 de um alvará pass ado
originalmente no reinado de D. Sebastião (1557 -1578),
isentando os jesuítas do pagamento de todos os direitos
alfandegários sobre as mercadorias que eles importavam
e exportavam do Brasil (38). No curso da mesma déc ada
a Coroa mais do que duplicou o estipêndio dos
loyolistas designados para o Maranhão, censurou
energicamente um governador que perguntou se os
jesuítas tinham direito a certas aldeias e fez -lhe ver que
o Rei esperava que seus governadores prestassem toda a
assistência e proteção possível aos padres, de modo a
lhes facilitar os esforços (39).
Entretanto, foi durante o reinado de Pedro II e o
de seu predecessor imediato, João IV (1640 -1656), que
a Coroa começou a levar a sério as queixas coloniais
quanto à excessiva riqueza dos jesuítas e de outras
ordens religiosas. Essas queixas remontam pelo menos a
1603, quando a câmara de Goa advertiu que se se viesse
a perder o Estado da Índia, isto se daria por culpa dos
Padres da Companhia [de Jesus], que, com permissão de
Vossa Majestade descreveremos e provaremos, têm (...)
tão grande receita neste Estado que equivale à metade
das receitas do real Tesouro. Eles são senhores
absolutos da maior parte desta Ilha, e compram tudo, de
sorte que inevitavelmente dentro de dez anos não haverá
uma casa ou um bosque de palmeiras que não lhes
95
pertença. Os cidadãos estão sendo despojados de tudo
quanto possuem, razão por que este Estado é tão pobre
(40).
Grifei a última parte dessa queixa porque a
alegação de que a propalada prosperidade das ordens,
especialmente a dos jesuítas, era responsável pela
pobreza e miséria dos súditos do rei, veio a ser um
estribilho comuníssimo, embora nunca satisfatoriamente
documentado, nos memoriais e mensagens dos adver sários dos jesuítas em épocas posteriores.
Umas quatro décadas depois que os vereadores de
Goa fizeram essa advertência, a câmara do Rio de
Janeiro repeliu os esforços de seu governador, Salvador
de Sá, no sentido de persuadir o conselho a votar verbas
suplementares para as defesas locais, salientando que a
cidade já contribuíra largamente para aquele fim e que
os loyolistas “são muito ricos e donos das melhores
propriedades desta terra e da metade (2 partes) dos
chãos e do gado que há nela” (41). Esse protesto
encontrou eco dezesseis anos depois no conselho
municipal de Salvador, que lamentou: “As Ordens
Religiosas, que nesta capitania possuem muitos bens de
raiz e muito engenhos de açúcar, herdades, fazendas,
casas, gado e escravos, recusam-se a dar qualquer
contribuição para as despesas da guerra [a luta de
Portugal para se libertar da Espanha, 1640-1668], de
modo que o resto da população está sobrecarregada e os
pobres sofrem contínua opressão.”
96
A tais denúncias Francisco Barreto, o prestigioso
governador-geral do Estado do Brasil, acrescentou outra
quando escreveu à Coroa criticando as ordens religiosas,
mormente os jesuítas, por se negarem a pagar os dízi mos de suas numerosas e prósperas propriedades (42).
O conflito entre os funcionários da Coroa e
cobradores dos dízimos de um lado, e as ordens
religiosas, sobretudo os jesuítas, do outro, concernente
ao pagamento do dízimo, é familiar aos estudiosos da
América colonial espanhola e não deve causar surpresa
o ter sido, segundo todas as aparências, interminável no
Brasil também (43). Pela bula Super specula (1551), a
arrecadação dos dízimos no Brasil cabia aos soberanos
de Portugal na qualidade de Grão-Mestres da Ordem de
Cristo, a qual era teoricamente responsável pela Igreja
colonial (44). No ano seguinte os funcionários da Coroa
tentaram pela primeira vez impor o dízimo às
propriedades dos jesuítas no Brasil mas foram repelidos
pelo padre Manoel da Nóbrega, primeiro Vice Provincial da Companhia no Brasil, que asseverou estar
a sua ordem isenta de tais pagamentos (45). Talvez o
padre se reportasse à bula Licet debitum de Paulo III (18
de outubro de 1549), o primeiro de muitos rescritos
papais de que se socorreriam os jesuítas para justificar a
recusa a pagar os dízimos. O que seus defensores jamais
esclareceram foi se tal legislação recebeu algum dia a
sanção da Coroa, de modo a ser aplicável à Igreja no
Brasil (46).
O que é indiscutível é que os jesuítas e as outras
ordens missionárias do Brasil se negaram pertinazmente
97
a acatar as determinações da Coroa e pagar os dízimos
de suas propriedades. Em 1614 Filipe III (1598-1621)
notou com desprazer a incapacidade de seus predecessores para infundir nas ordens o dever de contribuir
para os fundos dos dízimos, e deu a entender que seu
governo estava resolvido a corrigir essa situação (47).
No entanto, como já observamos, o Governador-Geral
Barreto declarou em 1661 que as ordens continuavam
recusando-se a pagar dízimos. Que resposta deu a Coroa
a essa queixa não sabemos. Não há dúvida que os
governos de Pedro II e João V (1706-1750) envidaram
esforços, repetidas vezes, para compelir as ordens a
pagarem os dízimos, e ameaçaram privá-las de suas
propriedades, excetuando as concessões iniciais para
novos colégios, se elas não atendessem. Em 1711 a
Coroa decidiu que, para evitar “prejuízos” ulteriores,
todas as futuras doações de terras aos colonos conteriam
como condição para que fossem aceitas o compromisso
de que não seriam mais tarde transferidas à ordens, a
não ser com a cláusula de que os possuidores
concordariam sempre em pagar os dízimos (48).
Os primeiros reis bragantinos também procuraram
considerar uma outra queixa de seus colonos, a saber,
que as ordens religiosas, especialmente os jesuítas,
possuíam terra em demasia. Em 1642, quando o Padre
Luís Figueira foi a Lisboa pedir permissão para instalar
missões jesuíticas no Amazonas, D. João IV aquiesceu
mas “deixou claro que os jesuítas não teriam licença de
adquirir bens sem o consentimento da Coroa” (49). Tal
condição era em tudo coerente com a legislação real do
98
tempo do Código Afonsino (1446), que proibia rigorosamente as ordens religiosas de adquirir propriedade
se não contassem com autorização régia para fazê-lo
(50). A inclusão desse princípio nos códigos subse qüentes, nas ordenações manuelinas de 1521 e nas
filipinas de 1603, além da promulgação de leis
complementares sobre o mesmo assunto, indica que tais
preceitos se notabilizavam mais pelas violações que pela
observância (51). Em 1690 e novamente em 1711 a
Coroa determinou que nem os conventos nem os
mosteiros do Brasil “podem ou devem adquirir terras e
retê-las, exceto aquelas que lhes foram doadas para sua
fundação, por causa das conseqüências perniciosas que
resultam de semelhantes aquisições e das desordens [que
causam] entre os vassalos daqueles estados [i. e., das
capitanias] ...” (52) Sete anos depois, quand o o Conselho Ultramarino ordenou ao governador do Rio de
Janeiro que lhe desse informações acerca das
propriedades que possuíam na Capitania as três ordens
não-mendicantes (beneditinos, carmelitas e jesuítas), o
Governador comunicou que os superiores daquelas
ordens tinham respondido com evasivas ao pedido de
informações, ao mesmo tempo que a câmara do Rio de
Janeiro se queixava dos “embaraços” que tais pro priedades causavam à Coroa e seus vassalos, uma vez
que tinham sido acumuladas ao arrepio das leis d o reino.
O Conselho então admoestou severamente os superiores
a cumprirem o que se lhes determinava. O resultado foi
possivelmente o primeiro levantamento pormenorizado
dos bens possuídos pelas ordens naquela capitania (53).
99
Resta descobrir se se fizeram inventários análogos em
outras capitanias na mesma época. A verdade é que isto
não parece ter provocado mudança alguma na política
do reino. Quatro anos depois, porém, viram-se pela
primeira vez os jesuítas diante de um dos seus inimigos
mais obstinados e intratáveis, o famoso Paulo da Silva
Nunes, porta-voz populista da Amazônia.
III. A campanha de Paulo da Silva Nunes contra os
jesuítas: 1722-1746
Na Amazônia realizaram os loyolistas alguns de
seus maiores feitos e conheceram algumas de suas mais
amargas tristezas. Em 1693, quando a Coroa deliberou
pôr termo às tradicionais rivalidades entre as quatro
ordens religiosas que procuravam levar a fé aos
primitivos ameríndios do Amazonas, e com esse intuito
repartiu entre elas aquela área imensa, os jesuítas
asseguraram a posse do território mais vasto e mais
vantajoso (54). Se estavam satisfeitos com aquela
adjudicação e com os termos do regimento de 1686, não
o estavam com a decisão da Coroa de revogar um
estatuto mais antigo e novamente tornar lícita em cert as
condições a captura de escravos indígenas. A nova lei de
1688 autorizou as campanhas ofensivas contra índios
hostis e pagãos, desde que a natureza dessa hostilidade
fosse primeiro confirmada por escrito por missionários
franciscanos e jesuítas que deviam acompanhar as
expedições de resgates. Por motivos compreensíveis,
100
não quiseram os loyolistas participar de um negócio tão
sórdido e parece que tentaram anular a nova lei
declinando de tomar parte nos resgates (55). Isso não
impediu que escravistas inescrupulosos encontrassem
meios de conseguir mão-de-obra cativa, muitas vezes
com a conivência de governadores reais (56).
Foi após a demissão de um desses governadores,
o célebre cronista Bernardo Pereira de Berredo (57), que
Paulo da Silva Nunes fez seus primeiros esforços
públicos no sentido de banir os jesuítas do Amazonas
(58). Levando-se em conta sua importância, é muito
pouco o que sabemos do passado de Silva Nunes ou das
razões específicas da intensidade do seu ódio aos
jesuítas. De origem evidentemente peninsular, ele
apareceu no Pará como soldado durante a guerra da
sucessão espanhola (1702-1713). Em Belém ligou-se ao
círculo do Capitão-general Cristóvão da Costa Freire
(1707-1716), ou na qualidade de seu secretário (como
ele mesmo dizia) ou de seu barbeiro (como afirmaram
mais tarde os jesuítas). Valendo-se de seus contatos
palacianos, Silva Nunes tornou-se governador de duas
cidadezinhas do baixo Amazonas (Vigia e Icatu),
superintendente de fortificações e capitão de uma
companhia de milícia colonial. Esta última distinção
garantiu-lhe o ingresso na aristocracia local, se assim
podemos chamá-la, casando-se Silva Nunes com uma
descendente de um dos mais famosos avoengos dessa
aristocracia, o guerreiro-explorador seiscentista Pedro
Teixeira (59).
101
Quando um desembargador que acompanhou o
sucessor de Berredo, João da Maia da Gama (1722 1728), a Belém iniciou uma devassa sobre o tratamento
dispensado aos índios cativos, ficou constatada a culpa
de numerosos colonos que haviam tomado parte em
expedições ilícitas de resgate. Tais acusações produziram intranqüilidade geral em todo o Pará. Pasquins
apareceram denunciando os loyolistas, a quem indigita vam como instigadores da devassa, e exigindo que
fossem expulsos da capitania (60). Numa sessão do
conselho municipal de Belém, Paulo da Silva Nunes leu
um enfadonho arrazoado em que defendia os colonos e
atacava os jesuítas por terem neutralizado as diretrizes
da Coroa concernentes ao suprimento de trabalhadores
indígenas para os fazendeiros, por se terem trans formado em senhores absolutos dos aborígenes, e por
engajarem-se no comércio das especiarias amazônicas
em prejuízo do tesouro real (61). Não se deixando
impressionar por essas acusações e persuadido pelo
visitador jesuíta de que Silva Nunes era o cabeça do
movimento dos colonos contra os loyolistas, Maia da
Gama deu ordem para que o detivessem e encarcerassem
temporariamente numa fortaleza. Essa medida, que
parecia sufocar a agitação, apenas marcou o início da
implacável campanha de Silva Nunes visando a
desacreditar os jesuítas e bani-los permanentemente do
Amazonas.
Logo que foi solto, Silva Nunes fugiu para Lisboa
levando um longo memorial assinado por paraenses
descontentes, que externavam suas queixas contra o
102
Capitão-general e os missionários. Nessa petição, a
primeira das muitas que iria preparar no curso das duas
décadas seguintes em que serviria de procurador dos
colonos residentes no Estado do Maranhãoi, Silva Nunes
alegava que os padres eram a fonte de todas as
discórdias naquele Estado. Eram os padres acusados de
exercer influência ilimitada e despótica sobre os
funcionários da Coroa, os colonos brancos e os índios,
incitar os escravos negros a abandonarem os senhores e
fornecer aos silvícolas as armas de fogo com que estes
haviam assassinado moradores brancos. Afirmava Silva
Nunes que no interior de algumas das missões os padres
mantinham cárceres onde até transgressores brancos
tinham sido postos a ferros. Além disso, dizia, as
missões e colégios assemelhavam-se mais a enormes
alfândegas, onde se realizava escandaloso comércio
ilícito, do que a lugares de oração. Pior ainda, os
jesuítas eram acusados de estabelecer relações
traiçoeiras com os vizinhos de Portugal na região
amazônica: holandeses, franceses e espanhóis. O
memorial terminava pela inevitável afirmação de que o
Estado do Maranhão tinha possibilidade de se tornar
extraordinariamente próspero mas estava à beira da
ruína econômica e seria destruído se Sua Majestade não
ministrasse os remédios imediatos e eficazes.
Que remédios tinha em mente o procurador?
Primeiro, que se retirasse aos religiosos a faculdade de
exercerem autoridade temporal, política ou econômica
dento das aldeias. Segundo, que se lhes proibisse
continuar a instruir os ameríndios na língua geral,
103
impondo-se-lhes, ao invés, o dever de ensinar português
ao gentio (62). Terceiro, que fossem os missionários
obrigados a admitir em seus estabelecimentos inspetores
encarregados de lhes examinar o comportamento. E
quarto, que a Coroa tomasse providências no sentido de
enviar cada ano cinqüenta famílias de suas ilhas
atlânticas para a região amazônica a fim de povoar os
sertões e ajudar no desenvolvimento econômico do
território.
Mal cegou em Lisboa, Silva Nunes arranjou um
aliado importante na pessoa do ex-capitão-general
Berredo, que saíra de Belém desacreditado e estava sem
dúvida ansioso por denegrir a reputação de seu sucessor.
Como Silva Nunes, também ele não era amigo dos
jesuítas. Foi Berredo quem convenceu a câmara de
Belém a contribuir para as despesas de Silva Nunes, e
foi ele quem custeou do próprio bolso a cabala
administrativa quando o procurador estava sem recursos
(64). Foi ele provavelmente quem abriu portas que de
outro modo teriam continuado fechadas para o
procurador (65), sobretudo as de pessoas influentes no
reino que partilhavam da sua hostilidade aos loyolistas.
Dos meados para o fim da década de 1720, Silva
Nunes continuou a redigir longos memoriais escorados
em citações de autores clássicos, de juristas eruditos
como Solérzano Pereira, e da anterior legislação régia,
tentando sublinhar a bestialidade dos indígenas e ao
mesmo tempo apresentar as motivações dos colonos sob
o melhor dos prismas. Sustentava que os selvagens, de
quem dizia que talvez fossem descendentes dos judeus,
104
“não eram verdadeiros homens mas brutos arbóreos
incapazes de participarem da fé católica”. Eram
“selvagens imundos, ferozes, e tão vis” que quase não
tinham nada de humanos. E perguntava: “Se os etíopes
podem ser feitos cativos, por que não os índios do
Maranhão?” Na realidade, assegurava ele à Corte, os
brancos não pretendiam, em absoluto, escravizar os
índios; desejavam apenas empregá-los nas plantações e
engenhos, pagando-lhes salários, alimentando-os,
vestindo-os e ensinando-lhes a doutrina cristã e os bons
costumes. Sugeria que se nomeassem os cabos brancos
casados para substituir os missionários como
administradores das aldeias a fim de que, entre outras
coisas, pudessem minorar as aflições físicas dos
indígenas (66).
Durante vários anos parece que os memoriais de
Silva Nunes não foram oficialmente levados em
consideração, ainda que muitas de suas alegações
fossem corroboradas pelos relatórios enviados ao
Conselho Ultramarino pelas câmaras do Maranhão e do
Rio de Janeiro (67), e por Alexandre de Sousa Freire,
Capitão-general do Maranhão (1728-1732), amigo
íntimo de Berredo e patrão de Silva Nunes, que lhe
representava os interesses na Corte (68). Mas ao fim da
década essa massa crescente de críticas aos jesuítas
começou a produzir resultados. Um deles foi o anúncio
feito pelo Conselho Ultramarino (em 1728) de uma nova
lei referente ao descimento de índios do interior.
Expedições oficiais (mas não particulares) de resgate
foram novamente autorizadas a fim de suprirem os
105
fazendeiros de trabalhadores, mas os índios deveriam
continuar livres ao invés de se tornarem escravos (69).
Uma carta régia de 1729 também reiterou a insistência
da Coroa em que a propriedade originalmente concedida
aos particulares não fosse transferida para as ordens
religiosas, a menos que tais transferências ressalvassem
expressamente o direito da Coroa a cobrar os dízimos.
Ainda outra determinação régia desses anos instava com
os jesuítas para que apresentassem uma relação dos bens
adquiridos por eles no Pará em conseqüência de legados
e outros ajustes (70).
Diante do visível endurecimento da política da
Coroa em relação aos loyolistas, dois vultos
preeminentes saíram em defesa deles. Um foi o Padre
Jacinto de Carvalho, outrora missionário no Amazonas e
mais recentemente confessor de Maia da Gama e Sousa
Freire. Em 1729 pegou ele da pena como recémnomeado procurador das missões jesuíticas no Maranhão
e redigiu uma prolixa contestação às acusações de Silva
Nunes (71). O outro foi o ex-Capitão-general Maia
Gama, que em 1730, atendendo à solicitação do
Conselho Ultramarino para que desse parecer sobre os
memoriais de Silva Nunes, declarou-os totalmente
infundados e nascidos do velho ódio pessoal do
politiqueiro aos loyolistas (72).
Em 1734 a Coroa passou quase toda essa massa
de testemunhos conflitantes para as mãos de um
magistrado superior, o desembargador Francisco Duarte
dos Santos, e mandou-o ao Maranhão verificar até onde
eram procedentes as acusações contra os jesuítas e
106
recomendar as modificações que lhe parecessem
necessárias nas diretrizes régias concernentes aos índio s
e aos missionários (73). Os jesuítas saíram indenes da
investigação. Após colher depoimentos orais e escritos
durante um ano e empreender viagens a lugares
apropriados com o fito de averiguar as alegações e
contra-alegações, o desembargador encaminhou um
lúcido relatório em que formulou suas conclusões
enérgica e inequivocamente. Primeiro: não encontrou
prova confirmadoras das queixas contínuas dos colonos,
segundo as quais eram obrigados a viver na maior
miséria, sem trabalhadores suficientes, por causa das
atividades dos missionários. Ressaltou que os colonos
possuíam muitas casas suntuosas de construção recente
em Belém, que se davam ao luxo de usar roupas feitas
de tecidos de boa qualidade importados da França e da
Itália, e que muitas de suas propriedades continham de
cinqüenta a mais de duzentos escravos, índios em sua
maioria, quase todos obviamente não adquiridos pelas
vias legais já que não estavam registrados. Segundo:
pouco do que havia apurado endossava a afirmação dos
colonos de que as campanhas ofensivas contra os
indígenas eram necessárias como medida de proteção
das propriedades contra as incursões de selvagens
turbulentos. Terceiro: estava convencido de que se se
pusesse em prática a repisadíssima proposta de Silva
Nunes no sentido de se transferir dos missionários para
oficiais brancos casados a autoridade temporal, política
e econômica sobre as missões, ao cabo de alguns anos
“as aldeias seriam apenas uma lembrança”. Por con 107
seguinte, “Sou de opinião que os missionários [con tinuem a] administrar as aldeias em questões tanto
espirituais quanto temporais, como no passado.” Quarto:
absolveu os jesuítas da acusação de negociarem em
larga escala e ilicitamente em produtos coloniais e
europeus. Era verdade, admitiu, que suas fazendas eram
prósperas, mas as mercadorias por eles produzidas eram
utilizadas primordialmente na manutenção das missões,
e os excedentes vendidos aos colonos eram mercadejados a pedido destes e a preços antes módicos que
escorchantes. Também era verdade que grandes
quantidades de especiarias desciam o rio das barcaças
dos jesuítas, mas não havia razão para os colonos não
poderem emular os missionários na extração dos
recursos das florestas exceto o preferirem encher as
canoas com carregamentos ilegais de escravos indí genas. Por outro lado – e esta foi a segunda recomendação importante do magistrado – não era favorável
ao continuado engajamento dos missionários em
atividades comerciais, presumivelmente porque se dava
conta de ser este o principal motivo de queixa dos
colonos contra eles, e portanto aconselhava firmemente
a Coroa a dar suficiente apoio financeiro aos mis sionários para que estes pudessem abandonar suas
operações comerciais (74).
A reação do Conselho Ultramarino ao relatório do
desembargador foi ambígua. Implicitamente, pelo
menos, seguiu-lhe a recomendação de que não se
modificasse a autoridade dos missionários sobre suas
aldeias. Mas a conselho dos funcionários do tesouro,
108
votou contra a proposta de aumento do auxílio
financeiro da Coroa às missões (75).
No momento mesmo em que o desembargador
rejeitava muitas das denúncias de Paulo da Silva Nunes,
qualificando-as de meras “fantasias”, aquele implacável
jesuitófobo redigia novos memoriais. Em 1734, pre cisamente o ano em que o real investigador foi mandado
a Belém, Silva Nunes compôs mais uma diatribe contra
os jesuítas, na qual remoeu velhas acusações e
acrescentou outras novas. Entre as últimas figurava a
afirmação de existir, contra os direitos da Coroa e dos
colonos, uma conspiração jesuítica que se estendia às
próprias salas do Conselho Ultramarino, onde a
Companhia vivia a tecer intrigas contra as autoridades
coloniais que se opunham às suas atividades. Também
preveniu que os jesuítas continuavam a afrontar as
ordens da Coroa, recusando-se a ensinar aos catecúmenos a língua portuguesa e a pagar os dízimos de
suas propriedades, com grande prejuízo para o comércio
lícito. Por motivos não conhecidos, quando entregou
esse memorial ao Conselho Ultramarino em 1735, Silva
Nunes moderou o tom e abreviou o tamanho. Mas ao
mesmo tempo adicionou um apêndice em que enumerava
as propriedades e as alegadas rendas das ordens
religiosas que atuavam no Amazonas. Três anos depois
o infatigável peticionário escreveu sua suma final contra
os loyolistas, simplesmente repetindo a ntigas afirmações. Então, carregado de dívidas e abandonado pelos
amigos, foi parar na cadeia, de onde saiu oito anos
depois (1746) para ser enterrado (76).
109
Seria fácil menosprezar Paulo da Silva Nunes,
tachá-lo de maníaco e fracassado, mas julgá-lo desse
modo seria subestimar grosseiramente a sua impor tância. Ele era indiscutivelmente um homem inteligente,
embora mal orientado, mas não se pode saber agora até
que ponto o material informativo que acompanhava seus
memoriais era fruto de pesquisas pessoais ou contribuição de pessoas desconhecidas para quem ele servia
de porta-voz. É verdade que Silva Nunes não viveu o
suficiente para ver atingida sua meta principal, mas sua
influência, imediata e a longo prazo, não foi de maneira
alguma insignificante. Embora não se possa estabelecer
a esta altura um nexo causal direto, não é improvável
que seus últimos memoriais tenham influído sobre a
decisão da Coroa de reavivar a questão do dízimo com
as ordens religiosas em fins da década de 1720 e
novamente na de 1730 (77). Nem é improvável que
tenham instigado a Coroa a determinar no princípio da
década de 1740 que as autoridades coloniais
investigassem o montante dos bens que as ordens
possuíam no Brasil e que infringiam as ordenações do
reino (78). É verdade que essas medidas não redundaram
em mudança relevantes na política régia em toda a
década de 1740, mas elas e os memoriais que Silva
Nunes escreveu ajudaram a preparar o caminho para os
golpes decisivos que desabaram sobre a Companhia de
Jesus no decurso do fatal decênio de 1750. Foi então
que as autoridades maiores do reino repetiram Silva
Nunes com aprovação, e foi no meado daquela década
decisiva que o governo português reuniu e publicou a
110
última série dos memoriais sob o título de
Terribilidades jesuíticas no governo d’el-rei d. João V
(Lisboa, 1755) (79). Assim, no fim de contas,
parafraseando o Prof. Boxer, as venenosas sementes que
Paulo da Silva Nunes plantara nas décadas de 1720 e
1730 produziram frutos amargos para os loyolistas (80).
IV. O clímax da jesuitofobia portuguesa: a funesta
década de 50
A catastrófica série de acontecimentos da década
de 1750, cujo ponto culminante foi a decisão do governo
português de expulsar a Companhia de Jesus de todos os
seus domínios, deve ser estudada em três – muito
provavelmente quatro – teatros: as terras das missões do
que veio a ser o Estado do Rio Grande do Sul, o Estado
do Maranhão, o reino e presumivelmente Roma também.
Aqui só disponho de espaço para examinar em detalhe a
segunda dessas loci contentiones.
As tribulações dos jesuítas nessa década decisiva
começaram quando da assinatura do Tratado de Limites
(1750) entre Espanha e Portugal. Esse acordo, que
substituiu o antigo e impraticável Tratado de Torde silhas (1494), visava a pôr fim às seculares disputas
territoriais entre as duas potências ibéricas na América
do Sul. Uma de suas cláusulas fundamentais exigia a
permuta do entreposto de contrabando português da
Colônia do Sacramento pelas terras das chamadas Sete
Missões situadas a leste do rio Uruguai na região
111
ocidental do Rio Grande do Sul. Essas missões, e as
florescentes fazendas de criação de gado ligadas a elas,
tinham sido mantidas desde os começos do século pelos
chamados jesuítas espanhóis para a manutenção dos seus
catecúmenos guaranis. Por motivos compreensíveis, esses loyolistas não desejavam abandonar um campo tão
promissor e usaram de todos os meios a seu alcance para
persuadir as autoridades espanholas a que não cum prissem as condições da permuta estipulada. Mas foi
tudo inútil. No começo de 1753, quando uma comissão
mista ibérica da inspeção chegou à fazenda de Santa
Tecla, viu-se impedida de prosseguir por um grupo de
guerreiros guaranis armados e foi obrigada a voltar.
Como as negociações subseqüentes não lograram
convencer os índios a cessarem a resistência, foi esta
rompida pela força após uma decepcionante campanha
de dois anos (1754-1756) em que os soldados espanhóis
e portugueses, normalmente inconciliáveis, lutaram
juntos contra as tropas heterogêneas dos guerreiros
guaranis cujo defesa – disso se convenceram os europeus – era organizada e dirigida pelos jesuítas (81).
Embora os loyolistas da Província do Brasil e da
Vice-Província do Maranhão não estivessem diretamente
envolvidos na guerra, a oposição da ordem ao tratado de
1750 e seu propalado papel na guerra guaranítica
bastaram para lançar suspeitas sobre os intuitos de todos
os jesuítas domiciliados em terras portuguesas e
serviram para dar crédito às alegações que um de seus
mais terríveis antagonistas, Francisco Xavier de
112
Mendonça Furtado, apresentou contra eles. Sendo um
dos dois irmãos mais moços de Sebastião José de
Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de
Pombal, Mendonça Furtado foi enviado a Belém em
1751 com dois encargos: servir como o principal
membro português da comissão mista de demarcação da
fronteira setentrional e ocupar os postos de Governador
e Capitão-general do Estado do Maranhão. Ex-oficial de
marinha, Mendonça Furtado era autoritário, impetuoso,
cru, violento de gênio, ambicioso, ainda que intei ramente leal ao irmão mais velho, piedoso à moda do
Velho Testamento, simplório mas desconfiado dos
intuitos de toda a gente, em particular daqueles que
tinha na conta de inferiores e que sustentavam opiniões
contrárias à sua; era portanto totalmente inflexível (8 2).
Mendonça Furtado chegou a seu posto em
setembro de 1751, cerca de um ano depois que seu
irmão mais velho assumiu a chefia do gabinete e deu
início ao domínio de vinte e sete anos sobre Portugal. Se
a missão primordial de Mendonça Furtado no Brasil era
auxiliar o irmão na destruição da Companhia de Jesus, é
um ponto ainda discutido. Os que negam a existência
dessa conspiração dos dois irmãos ressaltam que as
instruções do Capitão-general falavam favoravelmente
do tratamento caridoso dispensado aos índios pelos
jesuítas (83). Mas devem também levar em consideração
dois dos chamados artigos secretos daquelas instruções,
os quais, apesar de não mencionarem explicitamente os
jesuítas, foram escritos evidentemente com o
pensamento voltado antes de tudo para eles. O artigo 13
113
avisava que se os regulares, termo que os autores
portugueses da época usavam frequentemente como
sinônimo de jesuítas, fizessem oposição às diretrizes da
Coroa, caberia informá-los de que o Rei esperava que
fossem eles os primeiros a obedecer a essas ordens, em
especial “porque as fazendas que possuem são
inteiramente ou pela maior parte contrárias à (...) lei do
reino”, e que o Rei poderia aplicar tal legislação se as
sociedades religiosas continuassem a ser negligentes ou
insubordinadas. O artigo 14 era igualmente ameaçador:
Como à minha real notícia tem chegado o ex cessivo poder que tem nesse Estado os eclesiá sticos,
principalmente no domínio temporal nas suas aldeias,
tomareis as informações necessárias, aconselhando -vos
com o bispo do Pará, que vos instrua com a verdade (84)
(...) para me informardes se será mais conveniente
ficarem os eclesiásticos somente com o domínio
espiritual, dando-se côngruas por conta da minha real
fazenda, para cujo fim deve-se considerar o haver quem
cultive as mesmas terras, de que fareis todo o exame
para um informardes, averiguando também a verdade do
fato a respeito do (...) poder excessivo e grandes
cabedais dos regulares; em tudo isso deveis proceder
com grande cautela, circunspecção e prudência (85).
Qualquer que tenha sido no passado a pre disposição do novo Capitão-general em relação aos jesuítas
(86), aquelas instruções, que reacenderam muitos dos
debates travados durante o reinado precedente acerca
114
das atividades dos loyolistas, decerto condici onaram a
atitude tornou-se evidente quando Mendonça Furtado
anotou algumas de suas primeiras impressões sobre as
condições do Estado, menos de dois meses depois de lá
ter chegado. As terras eram muito ricas, escreveu ao
irmão, e um dos seus recursos mais importantes eram os
índios, em suas maioria inteligentes e dóceis, mas
horrivelmente maltratados pelos missionários, que
exerciam completo domínio sobre eles, não só sobre os
que viviam dentro do recinto das missões, mas também
sobre “toda aquela infinidade de infelizes que nasceram
nestes sertões”. As aldeias, prosseguia ele, eram
praticamente repúblicas isoladas. Dentro delas o nome
do rei era desconhecido e o mesmo se podia dizer da
língua portuguesa; dentro delas os índios gozavam
escandalosamente da liberdade de associar em seu
espírito o panteão de seus próprios deuses com o Deus e
os santos cristãos; dentro delas os missionários
empunhavam despoticamente o açoite, do qual não havia
apelação salvo para seus próprios superiores, que até
arranjavam os casamentos dos silvícolas e os vendiam
para a escravidão. Em virtude do controle dos
missionários sobre a vida dos índios e de sua recusa a
pagar os impostos devidos por todos os colonos,
continuava ele, os religiosos estavam mono polizando o
lucrativo comércio de especiarias do interior e
dominavam os mercados de peixe e carne das cidades.
Além disso, os conventos eram verdadeiras fábricas,
produzindo toda sorte de mercadorias para os de fora
assim como para seus próprios estabelecimentos, e os
115
lucros auferidos eram depositados em caixas-fortes ao
invés de circularem no Estado. A conclusão do Capitão general era inevitável: as atividades econômicas dos
missionários, mormente dos jesuítas, prejudicavam
seriamente o Estado e arruinavam os colonos, que se
viam reduzidos aos “derradeiros estágios de pobreza e
miséria” (87).
Paulo da Silva Nunes, cujos memoriais Mendonça
Furtado citou com aprovação mais de uma vez (88), não
poderia ter defendido melhor a causa. Mas havia uma
diferença enorme entre a dose de influência que aquele
politiqueiro obscuro, exilado e manifestamente imbuído
de preconceitos podia pôr em ação, e a de um dos
funcionários coloniais mais categorizados de Sua
Majestade, cujas impressões eram novas e tidas na conta
de objetivas, e cujas mensagens eram dirigidas aos
ministros das colônias e ao primeiro-ministro de facto
de Portugal, que era seu irmão.
Em todo o início da década de 1750 Mendonça
Furtado, expoente pré-actoniano (Relativo ao Barão de
Acton, John Emerich Edward Dalberg-Acton (18341902), historiador inglês) da sentença que diz que “o
poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe de
modo absoluto”, continuou a desancar os jesuítas, que,
insistia ele, haviam destruído a antiga prosperidade do
Estado (89) e o impediam de recuperar-se. Consideravam-se, acrescentava, “soberanos e independentes” de
toda autoridade régia. No interior de seus definitórios
decidiam que leis atendiam melhor aos seus interesses e
deviam ser cumpridas, e que outras lhes eram pre 116
judiciais e deviam ser desconsideradas, embora estivessem sempre prontos a defender a rigorosa aplicação
da legislação que restringia as oportunidades dos
colonos. O comportamento dos eclesiásticos não era
verdadeiramente religioso, pois a religião se tornara um
simples pretexto para eles, “como é na maioria das
nações do Norte”. Isso não acontecia só aos jesuítas,
dizia ele, mas a todos os que lhes seguiam o exemplo,
franciscanos (Capuchos), mercedários e carmelitas, que
na América haviam perdido aquele senso de dedicação
espiritual que os distinguira no reino e adquirido uma
mentalidade mercenária, que os fazia ciosos de
privilégios e rebelados contra os oficiais do rei. Insistiu
em que fossem removidos do Amazonas os missionários
mais “arrogantes e incômodos” e que os superiores em
Lisboa fossem avisados das escandalosas atividades
comerciais de seus subordinados (90).
Em fevereiro de 1754 Mendonça Furtado fez
importantes recomendações concernentes à futura con dição dos jesuítas na Região Amazônica. Para atender a
um pedido de informações do Conselho Ultramarino
acerca do rendimento e do valor dos bens dos jesuítas,
realizou uma inspeção pessoal nas vizinhanças da
capital, pretextando “simples curiosidade e diversão”.
Baseado nesse passeio encaminhou um relatório geral
em que descreveu os tipos de atividades a que se
entregava cada fazenda, e declarou, sem dar nenhuma
prova específica, que todas eram prósperas (91). Depois
voltou-se para a questão apresentada pelo artigo 14 de
suas instruções, isto é, se as propriedades dos
117
missionários deviam continuar nas mãos deles ou ser
encampadas pela Coroa em troca de subsídios fornecidos pelo rei. Sem vacilar, Mendonça Furtado
afirmou que a Coroa devia assumir o controle das
propriedades e passou a explicar por que. Primeiro: tal
providência aplicaria um sério golpe nas pretensões da
“mais poderosa inimiga do Estado”, ou seja, a
Companhia de Jesus. Segundo: nas mãos dos vassalos do
rei aquelas propriedades renderiam muito mais do que o
preço dos subsídios, uma vez que os novos donos
pagariam os dízimos e os direitos alfandegários.
Terceiro: o “grande número” de escravos indígenas que
os jesuítas empregavam no cultivo das terras ficaria em
liberdade, e seus escravos negros poderiam ser leiloados
com grande proveito para Sua Majestade. Quarto: os
jesuítas seriam portanto “convertidos de administradores
de fazendas em missionários e conquistadores de
almas”, raison d’être de sua presença na colônia. O
Capitão-general fez ainda suas outras recomendações:
primeira, que o número de missionários indicad os para
cada colégio ou mosteiro fosse limitado de acordo com
o montante de subsídios que o Rei pudesse conceder;
segundo, que, privados os jesuítas de suas fazendas, ser lhes-ia “totalmente inútil e infrutífero” continuar a reter
a autoridade temporal sobre as missões. E não podendo
contar com os trabalhadores indígenas, deixariam de ser
“senhores de todas as preciosas especiarias do sertão”.
Em suma, escreveu ele, ou Sua Majestade queria
restabelecer a prosperidade do Estado, ou devia
consentir que este permanecesse na ruinosa situação em
118
que se encontrava. Se o Rei pretendia alcançar o
primeiro objetivo, ele, Mendonça Furtado, estava con vencido de que suas propostas ofereciam o melhor meio
de fazê-lo (92).
Logo após concluir essa importante mensagem,
Mendonça Furtado iniciou sua árdua, exasperadora e
decepcionante subida do Amazonas até o Rio negro, onde
esperava encontrar o delegado espanhol da demarcação a
fim de superintender os primeiros passos do traçado da
nova linha divisória entre os dois impérios no norte.
Enquanto aguardava em vão a chegada dos espanhóis, o
Capitão-general visitou diversas missões jesuíticas e
meteu-se em inúmeras polêmicas com os loyolistas sobre
a quantidade de rações e os contingentes de índios que
eles lhe forneciam (93). A escassez de umas e outros, e
mais os inexplicáveis atrasos dos espanhóis, os
testemunhos não confirmados que os antigos empregados
dos loyolistas prestaram contra os padres, os periódicos
acessos de doença do próprio Capitão-general e as
notícias vindas de Lisboa a respeito das dificuldades que
a comissão da fronteira meridional vinha tendo com os
guarani, tudo isso serviu para convencer Mendonça
Furtado que a Companhia de Jesus estava empenhada
numa vasta conspiração em todo o continente, visando a
impedir que as potências ibéricas pusessem em execução
o Tratado de Madri (94). De bom grado, escreveu ele,
trocaria de lugar com Gomes Freire de Andrada, o alto
comissário português no sul, pois pelo menos os
adversários deste eram visíveis e não lhe faltavam meios
de os derrotar, ao passo que os seus próprios inimigos se
119
ocultavam e lhe moviam a “guerra mais cruel que se
possa imaginar” (95).
Foi numa dessas visitas ao acampamento do
“inimigo” que o Capitão-general ficou ainda mais
convencido da baixeza e dos traiçoeiros intuitos dos
jesuítas que atuavam no Amazonas. Em outubro de 1755
dirigiu-se ele à aldeia de Trocano à margem do rio
Madeira a fim de presidir à sua reintegração como vila
portuguesa, rebatizada com o nome de Borba a Nova
(96). Ao entrar numa grande habitação coberta de palha,
que servia de residência do padre encarregado da aldeia
e de capela da missão, a primeira coisa a lhe atrair a
atenção foi o altar com as Sagradas Escrituras em cima.
E a menos de um metro (vara) estava uma balança
grande, do tipo que os jesuítas usavam para pesar as
especiarias compradas aos índios que moravam fora da
missão. A chocante justaposição desses dois objetos
lembrou ao Capitão-general a cena em que Jesus
expulsou os cambistas do templo (97). Que melhor
prova era necessária para mostrar como se tinham
tornado mercenários os loyolistas?
E enquanto se encontrava na mesma missão
assistiu Mendonça Furtado a uma alarmante demons tração da potência de fogo dos jesuítas. Décadas antes o
Capitão-general Maia da Gama autorizara os loyolistas a
montarem dois canhões de pequeno calibre na missão a
fim de afugentar os grupos de índios selvagens que
faziam incursões à aldeia. Os padres alemães que viviam
na missão quando Mendonça Furtado lá esteve, ambos
descritos mais tarde por Carvalho como “engenheiros
120
disfarçados”, estavam muito orgulhosos de sua artilharia
e descarregaram-na em várias ocasiões festivas durante
a estada do Capitão-general. Associado às notícias da
artilharia jesuítica no Paraguai, isto provou a Mendonça
Furtado – e a seu irmão – que os loyolistas constituíam
uma ameaça armada (98). Por sua audácia, os padres
Anselmo Eckart e Antônio Maisterburg figuraram entre
os vinte e um jesuítas que por “crimes” análogos foram
expulsos do Estado do Maranhão em 1757 e 1758 e
encarcerados pelas duas décadas seguintes nas prisões
do reino (99).
Em dezembro de 1756 Francisco Xavier de
Mendonça Furtado regressou a Belém, depois de perder
a esperança de se reunir com o delegado espanhol da
comissão demarcadora e tendo assuntos urgentes que
reclamavam sua presença na capital (100). Dentre esses
assuntos, os mais importantes diziam respeito à
execução de duas leis novas que, ligadas à recente
criação da companhia régia de monopólio para o de senvolvimento econômico do Maranhão e do Pará
(1775), traziam sérias ameaças ao futuro econômico dos
jesuítas na região amazônica. A primeira foi a chamada
lei das liberdades dos índios, que determinou a
aplicação da bula Immensa pastorum (1741), de há
muito negligenciada, em que Benedito XIV categoricamente condenou a escravização dos índios por
seculares ou eclesiásticos, “inclusive jesuítas”, sob
quaisquer pretextos (101). A segunda aboliu o poder
temporal dos missionários sobre os índios no Estado do
maranhão e ordenou a conversão das aldeia s em comu121
nidades civis (102), adotando assim uma antiga proposta
de Paulo da Silva Nunes e uma mais recentemente
apresentada por Mendonça Furtado, como Carvalho
prontamente reconheceu (103). Essas duas importantes
leis atingiram naturalmente todas as ordens atuantes na
região amazônica, mas eram dirigidas primariamente
contra os loyolistas, e, prevendo a oposição dos padres
da Companhia, Carvalho aconselhou o irmão a con servar em segredo os textos até achar um momento
propício para os divulgar (104).
No começo de fevereiro de 1757, pouco depois do
regresso à capital, Mendonça Furtado convocou uma
reunião especial da junta das missões, no curso da qual
revelou o teor da lei de 7 de junho de 1755, que
secularizou as aldeias (105). Embora reagissem à de cisão da Coroa com aparente equanimidade, logo se
viram os jesuítas embrulhados numa série de con trovérsias que exacerbaram mais ainda as relações entre
eles e os agentes da Coroa e que redundaram finalmente
no confisco de seus bens no Estado do Maranhão e em
outras partes da colônia. Uma daquelas controvérsias
surgiu em outra reunião da junta das missões, realizada
ainda em fevereiro, quando Dom Frei Miguel de
Bulhões, bispo do Pará, inopinadamente exigiu que
todos os missionários que continuavam a viver nas
antigas aldeias se submetessem dali por diante ao seu
controle. O problema da inspeção episcopal com relação
aos membros do ramo regular do clero era velho no
Brasil, como o era na América espanhola (106), e o fato
de Bulhões ter decidido insistir na questão nesse
122
momento dá a entender que ele sabia que semelhante
poder fora concedido aos bispos de Goa desde 1731, e
pressentia que naquele estado de espírito a Coroa estava
disposta a lhe dar todo o apoio no Maranhão. Os chefes
de três das ordens religiosas devem ter percebido isso
também, pois, apesar de relutantes, cederam à insis tência do Bispo, mas o Vice-provincial dos jesuítas
respondeu, como sempre haviam feito seus predecessores em casos análogos, que seria contrário aos
Institutos da Companhia aceitar a supervisão episcopal.
Em vez disso, propôs que os loyolistas que continuavam
a atender às necessidades espirituais dos índios nas
antigas aldeias fossem considerados como coadjuvantes
do Bispo mas permanecessem livres de seu controle
(107). Tal solução, porém, era inaceitável para Bulhões,
e a controvérsia prosseguiu a fogo lento até a expulsão
definitiva.
Outras disputas entre os loyolistas e seus
adversários diziam respeito às questões econômicas. Em
abril de 1757 o Vice-provincial endereçou uma petição
ao Capitão-general solicitando que fosse permitido aos
loyolistas continuarem a trazer especiarias do interior a
fim de saldar as dívidas das aldeias para com os
colégios ou, se tal não fosse possível, que a Coroa
tomasse outra providência para liquidar aquelas
obrigações. Pediu licença também para que os jesuítas
continuassem a utilizar os escravos indígenas a que
tinham sido legalmente autorizados antes da nova lei
que aboliu a escravidão dos silvícolas. O Capitão general indeferiu rudemente esses pedidos, alegando que
123
os jesuítas não tinham débitos legítimos a receber no
Estado e que apenas desejavam continuar a monopolizar
o comércio, explorar os índios e sobrecarregar o tesouro
régio (108).
Diante dessa recusa, os loyolistas, instruídos pelo
Vice-provincial, começaram a retirar das aldeias os
objetos religiosos, o gado, as canoas e outros artigos.
Alguns foram vendidos; outros foram armazenados nos
colégios e residências. Quando soube da ordem do Vice provincial, o Capitão-general ficou furioso, pois sustentava que todos os bens das missões pertenciam em
verdade às novas comunidades e que a remoção deles
era mais uma demonstração da arrogância, da conduta
despótica e da determinação dos jesuítas de desacatar a
vontade da Coroa (109). Como os jesuítas insistissem
em que os artigos retirados eram bens industriais com
que haviam contribuído para a organização das aldeias e
que de direito lhes pertenciam, Mendonça Furtado
exasperou-se ao ponto de redigir um extenso documento, contendo cem parágrafos numerados, em que
formulou uma crítica geral às atividades econômicas dos
loyolistas no Estado do Maranhão (110). Declarou em
primeiro lugar que as atividades comerciais dos padres
eram contrárias ao direito canônico e portanto ilegais;
os bens consignados às missões em conseqüência de tais
atividades não podiam, por conseguinte, pertencer à
Companhia e, uma vez que foram adquiridos à custa da
exploração dos índios, a estes pertenciam legiti mamente. Em segundo lugar, afirmou que tal comércio
nunca fora necessário para auxiliar a missão espiritual
124
da Companhia. A seguir examinou a alegação dos
jesuítas, segundo a qual as antigas aldeias estavam
carregadas de dívidas para com os colégios, e asseverou
que tais obrigações foram artificiosamente inventadas.
A Companhia não podia absolutamente estar endividada,
afirmou, porque era coisa sabida de todos que o colégio
de Belém possuía “grandes almoxarifados” em que os
padres armazenavam os produtos do vasto comércio que
mantinham ilicitamente no interior com tribos selva gens
e até com povoados espanhóis. E era também do
conhecimento geral, prosseguiu, que as fazendas dos
jesuítas continham amplas oficinas onde os artífices
trabalhavam continuamente, dia e noite, domingo e até
dias santos, produzindo artigos que eram vendi dos à
comunidade acima do dobro dos preços cobrados em
Lisboa por mercadorias similares. Em comparação com
os imensos lucros que os loyolistas auferiam dessas
empresas, concluiu o Capitão-general suas despesas
eram bastante modestas. Foi um documento impressionante, quer tenha sido preparado de conformidade
com instruções vindas de Lisboa, quer tenha sido feito
por iniciativa do próprio Capitão-general e com a
assistência de alguém que não conhecemos. Convém
assinalar que, embora tenha reforçado suas razões com
citações do direito canônico, das coletâneas de editos
papais e até da Política indiana de Solórzano y Pereira,
deixou Mendonça Furtado de fornecer o tipo específico
de dados estatísticos indispensáveis para tornar
convincentes as suas asserções. Não importa; as
autoridades de Lisboa foram persuadidas pela lógica da
125
argumentação e em julho de 1757 decretaram a expulsão
dos jesuítas dos sertões amazônicos (111).
Restava definir o destino das fazendas dos jesuítas na ilha de Marajó e no continente fron teiro. Em
junho de 1757 manifestou-se o Capitão-general sobre
uma proposta feita pela Coroa um ano antes no sentido
de despojar as ordens religiosas do excedente de suas
propriedades, embora se lhes permitisse reter algumas
das fazendas para a sua manutenção, desde que concordassem em pagar prontamente os dízimos de tais
bens. Coerente com os pontos de vista que havia ex ternado três anos antes, Mendonça Furtado pronunciou -se
energicamente contra a adoção do plano, entre outras
razões porque estava convencido de que as ordens logo
tratariam de expandir as posses e solicitar novas
dispensas das restrições impostas pela Coroa, e assim
“dentro de alguns anos ver-nos-íamos novamente diante
do mesmo mal que desejamos evitar”, a saber, o
domínio da economia do Estado pelos religiosos. Voltou
a argumentar que seria muito melhor seqüestrar todos os
bens das ordens, reduzir o número de seus membros no
Maranhão e pagar-lhes estipêndios do tesouro. Então
eles deixariam de ser mercadores públicos e tornar -seiam, em vez disso, chefes espirituais. Como já o fizera
em 1754, Mendonça Furtado previu que nas mãos de se culares as propriedades confiscadas contribuiriam deci sivamente para o aumento da prosperidade do Estado e
portanto para o aumento das receitas da Coroa (11 2).
Antes que a Coroa tivesse tempo de considerar
essas reflexões, Dom Francisco volveu a atenção para a
126
irritante questão do dízimo. Já em 1751 frisara que
tendo os carmelitas concordado em pagar ao donatário
da ilha de Marajó a redízima (i.e., uma cota feudal
equivalente a 1% do dízimo devido por um determinado
trato de terra), não podiam logicamente esquivar -se ao
pagamento dos dízimos. Observou que três ordens,
mercedários, jesuítas e carmelitas, possuíam enormes
rebanhos na ilha e de fossem obrigadas a pagar o dízimo
de tais animais, as receitas seriam substanciais (113).
Em 1756, enquanto Mendonça Furtado estava ainda no
Amazonas, a Coroa deu instruções ao Bispo Bulhões,
que o substituía temporariamente, para que investigasse
os numerosos roubos de gado selvagem (gado do vento)
na ilha, lembrando-lhe que de acordo com um edito real
de 1728 todo esse gado pertencia à Coroa. Assim, o
bispo publicou um bando nesse sentido e nomeou um
rendeyro do vento para arrebanhar o gado. Esta
providência atingiu especialmente as ordens religiosas,
que eram as principais donas de fazendas da ilha, e em
1757 todas, à exceção dos jesuítas, apresentaram uma
contraproposta. Reconhecendo que o gado do vento
pertencia ao rei, pediram permissão para continuar a
explorar esses animais, prometendo em troca pagar um
dízimo extraordinário no valor de 14%, mais um terço
dos couros de bois selvagens que fossem abatidos. A
princípio os jesuítas recusaram associar -se a essa
proposta, mas depois cederam, e, em outubro daquele
ano, Mendonça Furtado relatou com evidente satisfação
a assinatura do acordo (114).
Em agosto do ano seguinte o ministro das
127
colônias aprovou esse acordo. Mas ao mesmo tempo
determinou que fosse exigida dos “cúpidos” jesuítas a
apresentação de provas de propriedade das fazendas que
ocupavam em Marajó, e também das licenças régias que
os isentavam das antigas ordenações que proibiam à
Igreja possuir propriedade fundiária. Se não apresen tassem tais licenças, disse o ministro, seriam
confiscados os bens (115). Agindo de acordo com essa
diretriz, o Capitão-general criou uma junta especial, da
qual, além dele, faziam parte seu sucessor, o bispo, e
três magistrados, e exigiu que os jesuítas exibissem
documentos comprovadores de que possuíam suas
fazendas legitimamente e com o consentimento régio.
Ao examinar os papéis fornecidos pelos loyolistas, a
junta não encontrou as necessárias isenções, e em fe vereiro de 1759 foram as fazendas confiscadas junta mente com mais de 130.000, de gado (116).
Duas semanas depois, em 3 de março, Francisco
Xavier de Mendonça Furtado passou a um sucessor as
responsabilidades do cargo e preparou-se para regressar
à pátria, onde seria recompensado por seus serviços no
Brasil com a nomeação para a chefia do ministério das
colônias, posto que ocupou até morrer em 1769. Se
durante seus últimos dias no Pará, Dom Francisco
recapitulou mentalmente o que conseguira realizar no
curso daqueles momentosos sete anos e meio, não se
sabe; se chegou a fazê-lo, há de ter ficado satisfeito com
essas meditações. Fossem quais fossem as outras
proezas que podiam tê-lo impressionado, ele certamente
se deu conta de haver desempenhado importante papel
128
na tarefa de convencer as mais altas autoridades régias,
sobretudo seu irmão, que em breve seria Conde de
Oeiras, de que os jesuítas não eram mais úteis à Coroa e
se tinham transformado em séria ameaça a ela. Foi em
boa parte graças a seus informes tendenciosos que a
Coroa retirou aos índios amazônicos o já tradicional
manto protetor dos missionários, expondo o gentio à
exploração desenfreada, posta em prática pelos rivais
seculares dos padres, apesar de uma lei que no papel
deixava os indígenas em liberdade. Mendonça Furtado
saíra vitorioso onde o infatigável Paulo da Silva Nunes
tinha fracassado: levara a Coroa a crer que a s atividades
comerciais dos jesuítas punham em grave perigo as
possibilidades do desenvolvimento econômico do Brasil
setentrional e privavam o rei de vastas receitas. E foi em
reação a suas críticas, enfadonhas mas persuasivas, da
função econômico dos jesuítas, que a Coroa invocou
velhas leis inoperantes para justificar o confisco das
propriedades jesuíticas no Amazonas e também em
outras partes do Brasil nos anos que precederam
imediatamente a expulsão da Companhia (117). Mas
embora tenha tido a satisfação de ver os jesuítas
enxotados das aldeias e fazendas e individualmente
expulsos do Maranhão, Mendonça Furtado não estava
presente na colônia quando chegou a ordem régia que
baniu os loyolistas do Império Português, ainda que
deva tê-la previsto. Foi assinada exatamente seis meses
depois que ele deixou o posto.
A carta régia de 3 de setembro de 1759, que
exilou definitivamente os jesuítas de todos os domínios
129
portugueses, marcou o clímax da crescente deterioração
das relações entre a Companhia de Jesus e a C oroa de
Portugal, ou melhor, seu agente motor, Sebastião José
de Carvalho e Melo, no decurso da década de 1750 e em
especial depois de 1755 (118). Tenham razão ou não os
historiadores jesuítas, e outros, que partilham a mesma
opinião, quando dizem que Carvalho deveu sua
nomeação para o gabinete à influência jesuítica (119),
não resta dúvida que o resoluto, operoso, suspicaz e
intolerante ministro português mostrou-se decidido a
extirpar todos os vestígios da influência jesuítica em
terras portuguesas. No desenrolar daquela que veio a ser
indiscutivelmente uma campanha premeditada contra os
loyolistas, ainda que, na verdade não tenha começado
como tal, Carvalho fez extenso uso do “testemunho” de
seu irmão, Mendonça Furtado, de Gomes Freire de
Andrada, capitão-mor do Rio de Janeiro e principal
membro português da comissão demarcadora da fron teira do Sul, e de outros funcionários coloniais, para
provar a existência de uma conspiração jesuítica contra
a Coroa e a necessidade de promover uma reforma
radical da Companhia ou a sua extinção.
Como escreveu João Lúcio de Azevedo, a lenta e
abafada pendência ente os jesuítas e Carvalho tornou -se
ostensiva pela primeira vez com o sermão do Padre
Manoel Ballester que, menos de um mês depois da
criação da Companhia de Comércio do Maranhão
(1775), preveniu que aqueles que investissem na
companhia “não seriam membros da Companhia de
Cristo”. Embora o padre tentasse depois atenuar por
130
meio de explicações o sentido de sua advertência, esta
não passou despercebida a Carvalho, que o exilou da
Corte e em seguida mandou prender o procurador-geral
da Vice-província do Maranhão, Padre Bento da Fonseca (120). No ano seguinte, Carvalho, já de posse de
um grande número de mensagens de seu irmão, cheias
de depoimentos adversos aos jesuítas do Maranhão,
informou ao núncio papal que era mister tomar-se
alguma providência acerca da conduta dos loyolistas que
no Amazonas estavam utilizando seus poderes para mal tratar os índios e desacatar os funcionários do rei (121).
Novas advertências foram feitas em 1757, em
seguida à revolta dos produtores de vinho do Porto,
levante que o governo disse ter sido fomentado pelos
jesuítas. Em conseqüência disso, viram-se os loyolistas
impedidos de aparecer na Corte ou pregar na catedral.
Carvalho explicou ao núncio que tais medidas eram
necessárias por causa da rebelião dos jesuítas no Estado
do Maranhão, e tornou a declarar que os padres
desafiavam as leis do reino e os editos dos papas,
negando liberdade aos índios, apropriando-se dos bens
deles e entregando-se a atividades comerciais proibidas.
Assegurou ao núncio que tinha provas de tais crimes e
avisou que caso não fossem castigados de imediato, ao
fim de dez anos seriam os jesuítas tão poderosos que
todos os exércitos da Europa não conseguiriam desalojá los do vasto território que ocupavam no coração da
América do Sul, onde mantinham centenas de milhares
de escravos em fortificações preparadas por engenheiros
europeus disfarçados de padres. As mesmas acusações
131
foram repetidas em Roma pelo emissário português, que
insistiu com o Papa para que tomasse medidas eficazes a
fim de reformar a corrupta Companhia (122).
Tal exigência foi reiterada no ano seguinte,
quando o emissário apresentou como parte das provas de
seu governo a famosa “Relação Abreviada da Repú blica
fundada pelos Jesuítas nos Domínios Ultramarinos de
Espanha e Portugal”, manifesto impresso inicialmente
sob a forma de panfleto e escrito por Carvalho ou sob
sua supervisão. Nele o governo rememorou os esforços
de seus agentes para tomar posse das t erras das missões,
descreveu o que chamou de levante guaranítico dirigido
pelos jesuítas, e a rebelião dos loyolistas contra o alto
comissário português no Amazonas, e afirmou que os
padres continuavam a fazer pouco caso das leis do reino
e da Igreja, uma vez que escravizavam os índios,
apropriavam-se de sua agricultura e comércio, e
entregavam-se a “sediciosas maquinações” contra a
Coroa (123). O enviado informou a Benedito XIV que
seu governo insistia na reforma radical ou na abolição
da Companhia (124). Com relutância, em 1 de abril de
1758 o Papa designou o Cardeal Francisco Saldanha,
parente de Carvalho e a quem ele próprio e a família
deviam muitos favores (125), para reformador e
visitador dos jesuítas em Portugal, com instruções para
investigar as acusações do governo acerca das más
ações da Companhia, em especial no tocante aos
empreendimentos comerciais que se dizia serem
contrários à política da Igreja e responsáveis pela perda
de enorme parcela das receitas régias (126).
132
Os jesuítas foram presos antes de terem sido
julgados. Embora só iniciasse as investigações em 31 de
maio, o Cardeal lançou uma proclamação uma semana
depois, em que dizia ter informações precisas de que se
realizavam operações bancárias e comerciais em todos
os colégios, residências, noviciarias e outros estabelecimentos jesuítas, em desrespeito aos cânones e bulas
papais. Ameaçando-os com a excomunhão, o Cardeal
ordenou aos loyolistas que cessassem tais atividades
imediatamente e lhe entregassem todos os livros de
escrituração mercantil. É interessante notar que apesar
de só ter sido publicada em 7 de junho, a proclamação
tinha a data de 15 de maio (127). Dois dias depois dessa
publicação, o Patriarca de Lisboa anunciou que todos os
jesuítas de sua jurisdição estavam impedidos de pregar
ou ouvir confissões, “por causas justas, para a glória de
Deus e o benefício do povo cristão” (128). Novas
provações não se fariam esperar.
Em 3 de setembro de 1758 José I, Rei de
Portugal, foi alvo de um atentado misterioso e
malogrado quando rumava para o palácio após um
encontro noturno com a amante. O curioso é que
somente no dia 13 de dezembro foram detidos os
primeiros suspeitos, membros todos da alta nobreza e
íntimos dos jesuítas. Na mesma noite todos os jesuítas
que moravam na capital acharam-se confinados numa
espécie de prisão domiciliar, medida necessária, disse
Carvalho, para os proteger da plebe que estava
convencida da participação deles na fracassada
conspiração regicida. Um mês depois, dez eminentes
133
loyolistas, entre eles o Provincial de Portugal e o santo
asceta, missionário e pregador Gabriel Malagrida, foram
acusados de serem os instigadores da conspiração. Em
19 de janeiro de 1759 o Rei assinou uma ordem
confiscando todos os bens dos jesuítas no reino, sob o
pretexto de que os padres haviam insuflado a guerra
guaranítica e o atentado contra a sua pessoa (129).
Entraram então os soldados nas residências da
Companhia em todo o reino e levaram a cabo uma
frenética mas infrutífera busco dos tesouros que,
segundo se propalava desde muito, os padres haviam
acumulado. Tais minas não foram encontradas, mas a
busca iria repetir-se em muitas partes do mundo ibérico
nos meses e anos seguintes. O decreto final de expulsão,
que exigiu o confisco do resto do patrimônio jesuítico
em todo o império, assinou-o o Rei no primeiro
aniversário de seu salvamento acidental das mãos dos
pretensos assassinos (130). Se bem que aquele decreto
fosse em certo sentido anticlimático, em face das
medidas anteriores da Coroa contra os loyolistas, foi,
não obstante, um passo essencial do ponto de vista dos
adversários dos jesuítas, pois marcou o triunfo
definitivo de longa e inexorável campanha contra a
Companhia de Jesus.
V. CONCLUSÃO
Seria um equívoco atribuir a expulsão dos jesuítas
de Portugal e do império a um unico fator. É óbvio que a
134
decisão da Coroa foi produto de muitas influências.
Como ocorreu na subseqüente expulsão da Companhia de
Jesus de territórios franceses e espanhóis (respectivamente em 1764 e 1767), o regalismo desem penhou
importantíssimo papel (131). O governo do futuro
Marquês de Pombal, agisse ou não sob o influxo das
doutrinas jansenistas ou das heresias britânicas, como
sustentaram alguns autores, simplesmente não tolerava a
existência na sociedade de nenhum elemento que lhe
criticasse as diretrizes e não se mostrasse totalmente
subserviente à vontade do rei, tal como a interpretavam
os ministros. Embora fossem os jesuítas o alvo primeiro
do anticlericalismo daquele governo, convém não
esquecer que este era hostil também a outras ordens
missionárias no Brasil e que várias delas foram expulsas
da colônia nos anos seguintes (132). A convicção do
governo português de que existia uma “conspiração”
jesuítica contra as coroas de Portugal e Espanha era
também uma expressão de sua orientação regalista,
porque, como escreveu há pouco Magnus Mörner, “Do
ponto de vista do regalismo, o pior de todos os pecados
era qualquer indício de ação eclesiástica bem organizada
e coordenada em oposição à política da Coroa” (133). A
sistemática e persistente recusa dos loyolistas de ambos
os impérios a pagar os dízimos, sua relutância em
submeter-se à disciplina episcopal, seu antagonismo ao
Tratado de Madri, e a resistência dos indos, influenciados
pelos jesuítas, às condições daquele acordo, tudo isso,
visto por um prisma regalista, parecia evidenciar a
existência de tal conspiração.
135
Pode ser também que o governo português, que
era suficientemente sensível ao que na época passava
por “opinião pública” para tentar modelar as atitudes de
outros governos europeus para com os jesuítas, mediante a publicação de uma série de informes oficiais
contra os loyolistas, tenha pressentido que a década de
1750 era o momento propício para banir os jesuítas de
seus domínios, aproveitando o declínio da popularidade
dos padres. Apesar de suas inúmeras qualidades
admiráveis, os padres tinham uma capacidade notável
para fazer inimigos figadais, fora e dentro da Igreja,
entre outros motivos porque eram extremamente ciosos
de suas prerrogativas, legalistas até a chicana, fari saicos, sobranceiros para com os adversários e tão
intransigentes como seus rivais. Entre esses rivais
estavam não só os colonos e os funcionários régios mas
também os membros de outras ordens missionárias e o
episcopado. É evidente que houve, dentro de ambos os
grupos de eclesiásticos, aqueles que colaboraram
intimamente com a Coroa para por termo à estada dos
jesuítas no Brasil, e que o episcopado e outras ordens
figuraram entre os beneficiários da expulsão dos
loyolistas. É difícil determinar que “opinião pública”
concernente aos jesuítas havia realmente no Brasil do
século XVIII, em parte por falta de meios adequados de
expressão e também porque o que sabemos das opiniões
dos colonos nos vem principalmente da pena de
funcionários régios quase nunca imparciais. Entr etanto,
parece significativo que, ao espalhar-se na colônia a
notícia do banimento dos loyolistas, não se tenha
136
registrado um só tumulto de protesto contra a medida da
Coroa, como houve em Nova Espanha.
Os clérigos não foram, naturalmente, os únicos ou
sequer os principais beneficiários dos infortúnios que
sucederam aos jesuítas, pois tanto a Coroa como os
interesses privados, inclusive fazendeiros, criadores de
gado, rendeiros e mercadores, obtiveram vantagens
consideráveis. Isto me conduz à tese principal deste
trabalho: minha convicção de que a expulsão dos
jesuítas do Brasil foi ditada sobretudo por considerações
econômicas. Tais considerações abrangiam as previsões
otimistas dos críticos dos jesuítas, segundo as quais a
Coroa asseguraria a posse de vastas riquezas através do
confisco dos bens da Companhia. Mas suspeito que o
que impressionou ainda mais esses críticos foi a certeza
de que era essencial eliminar o papel econômico de uma
instituição influente, que gozava de isenção de impostos
ou pelo menos não os pagava, e cujas atividades – disso
eles estavam persuadidos – impediam o desenvolvimento econômico do Brasil e privavam a Coroa de
enormes receitas. Esses foram os pontos que Mendonça
Furtado salientou repetidas vezes em suas longas
mensagens, ainda que em verdade quase todos os
argumentos que formulou contra os jesuítas se
encontravam nos escritos de Paulo da Silva Nunes,
aquele vulto ainda indistinto que precisamos conhecer
mais e melhor. Ao contrário, porém, dos ministros de
João V, os de José I sabiam perfeitamente que a Coroa
tinha necessidade premente de rendas adicionais e
mostravam-se portanto especialmente receptivos às
137
acusações que Mendonça Furtado reiterava, muito
embora faltassem a elas as provas elementares que a
nosso ver deveriam sustentá-las.
Mas não basta identificar e pesar os inúmeros
fatores que conduziram ao clímax a prolongada luta
entre os jesuítas e seus adversários. É próprio do
historiador emitir julgamentos, coisa que bem poucos
dentre nós costumam fazer, sobre a solidez das
acusações e contestações feitas pelos críticos dos
jesuítas e pelos próprios loyolistas. Ainda não estamos
em condições de fazer esse julgamento. Por exemplo,
enquanto não tivermos analisado os registros que
mostram como os loyolistas realmente adminis travam
suas múltiplas empresas econômicas e não tivermos
explicado suas rendas e investigado suas despesas, não
poderemos falar com autoridade acerca da rentabilidade
de seus numerosos empreendimentos, e muito menos
calcular se tais atividades eram excessivamente onerosas
para a economia colonial ou o rei. E enquanto não
tivermos oportunidade de examinar os relatórios que os
padres enviavam regularmente aos superiores sobre a
gestão dos bens da Companhia, não poderemos dizer se
os inventários que os agentes do rei fizeram desses bens
após o confisco representaram estimativas corretas,
inflacionadas ou depreciadas de seu valor. E enquanto
não tivermos à mão um maior número de escritos dos
próprios jesuítas datados da década de 1750, não
poderemos ajuizar do verdadeiro mérito das acusações
que seus inimigos lhes dirigiram durante aqueles anos
cruciais.
138
A expulsão dos jesuítas do Brasil resolveu uma
série de problemas espinhosos, mas suscitou bom
número de outros – entre estes o de saber se a Coroa
devia administrar, ela mesma, os bens seqüestrados, ou
aliená-los a particulares. Os argumentos apresentados
pró e contra, e a solução finalmente adotada, formam
uma história interessante e complexa, mas que terá de
ficar para outra ocasião.
NOTAS
(1) Serafim Leite, Artes e ofícios dos Jesuítas no Brasil (1549 1760) (Rio de Janeiro, 1953); John Bury, “Jesuit Architecture in
Brazil”, The Month, mês não especificado, IV (1950), 385 -408;
Lúcio Costa, “A arquitetura dos Jesuítas no Brasil”, Revista do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Rio de
Janeiro), V (1941), 1-100; Alfred Métraux, “The Contribution of
the Jesuits to the Exploration and Anthropology of South
America”, Mid-America, XXVI (Julho, 1944), 183-92; E. Bradford
Burns, “Introduction to the Brazilian Jesuit Letters”, ibid., XLIV
(Julho, 1962), 172-86; e Manoel Xavier de Vasconcelos Pedrosa,
“O exercício da medicina nos séculos XVI -XVII e na primeira
metade do século XVIII no Brasil colonial”, IV Congresso de
História Nacional, Anais (Rio de Janeiro), VIII (1951), 268-74.
(2) 10 vols.; Rio de Janeiro-Lisboa, 1938-1950; citada daqui por
diante como HCJB.
(3) Ver ibid., IV, 209, nota 2, e I, 75.
(4) Para uma biografia dos trabalhos do Padre Leite veja -se
Miquel Batllori, comp., Bibliografia de Serafim Leite, S. J.
(Roma, 1962).
139
(5) Roberto C. Simonsen, História econômica do Brasil (1500 1820) (3ª ed., São Paulo, 1957); Caio Prado Júnior, História
Econômica do Brasil (8ª ed.; [São Paulo], 1963); e Celso Furtado,
The Economic Growth of Brazil: A S urvey from Colonial to
Modern Times, trad. de Ricardo W. de Aguiar e Eric C. Drysdale
(Berkeley, 1963).
(6) O único trabalho em inglês sobre a expulsão dos jesuítas do
império português é o de Alfred Weld, S. J., The Suppression of
the Society of Jesus in the Portuguese Dominions (Londres, 1877),
estudo baseado em fontes insuficientes, e que é fatalmente
incorreto. É ao mesmo tempo uma veemente condenação do
Marquês de Pombal, pela responsabilidade que teve na expulsão, e
uma combativa defesa da inocência da Companhia e de seus
membros. Em parte alguma o autor trata das bases econômicas da
ordem no Brasil, e não toma conhecimento dos aspectos
econômicos da expulsão. Consultei um exemplar existente na
biblioteca de Alma College, Alma, Cal.
(7) HCJB, VII, 240. Em toda a extensão deste ensaio empreguei
“Maranhão” para significar Estado do Maranhão e não apenas a
capitania geral daquele nome.
(8) Serafim Leite, Suma histórica da companhia de Jesus no
Brasil ... 1549-1760 (Lisboa, 1965), Apêndice IV.
(9) D. Alden, “The Early History of Bahia, 1501 -1553” (tese de
licenciatura, inédita, Universidade da Califórnia, Berkeley, 1952),
p. 197, e fontes contemporâneas lá citadas.
(10) Sobre a sesmaria de “Água dos meninos”, cocnedida por
Tomé de Souza a Manoel da Nóbrega em 21 de outubro de 1550,
ver Serafim Leite, ed. crit., Monumenta brasiliae, I (1538-1553)
(Roma, 1956), 194-96.
(11) Serafim Leite, “Terras que deu Estácio de Sá ao colégio do
Rio de Janeiro. A famosa sesmaria dos Jesuítas. Documento
inédito quinhentista”, Brotéria, XX (1935), 90-108; reimpresso
em Monumenta brasiliae, IV (1960), 219-39. Não vi o texto da
doação original ao colégio de Recife.
140
(12) Leite, Suma histórica, p. 177.
(13) Veja-se “Livro grosso do Maranhão”, Anais da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro (daqui por diante citados como
ABNRJ), LXVI (1948), 56-57, 77-78 e 91-92.
(14) Destaquei a assistência direta porque a Coroa também
proporcionava à companhia outros tipos de ajuda econômica,
como sejam: isentar-lhe os bens dos lançamentos de direitos
alfandegários e, no Amazonas, designar grupos de índios para o
trabalho nas propriedades da ordem. Além disso, os padres
alegavam que tinham direito ao que representava outra forma de
subsídio concedido pela Coroa, isto é, isenção do pagamento dos
dízimos devidos por suas propriedades. Q. v. a explanação mais
adiante.
(15) “Relação dos bens sequestrados aos regulares proscriptos, e
expulsos da companhia... de Jesvs onerados com encargos pios,
com declaraçaó dos nomes dos instituidores, dos títu los por que
disposeraó das obras pias, que ordenaraó, dos bens e rendas, que
para este effeito deixaraó, e do que estes annualmente produzem
em rendimentos certos, e incertos, ...” Bahia, 1 de outubro de
1761, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa (doravan te citado
como AHU), Documentos da Bahia, nº 5586; “Relações dos bens
appreendidos e confiscados aos Jesuítas da capitania de S.
Paulo...”, Arquivo do Estado de São Paulo; Publicação official de
documentos interessantes para a história e costumes de São Pa ulo
(doravante citados como DI), XLIV, 337-78.
(16) “Testamento de Domingos Afonso Certão, descobridor do
Piauhy”, Bahia, 12 de maio de 1711, Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (doravante citada como
RIHGB), XX (1857), 140-50.
(17) Sobre um caso bastante suspeito que, contudo, diz respeito a
uma doação testamentária feita em Angola e não no Brasil, veja -se
a carta régia de 15 de fevereiro de 1625, em Antônio Brásio, ed.
crit., Monumenta missionaria africana, 1ª serie, África ocidental
141
(1611-1621), VII (Lisboa, 1955), 394 -95. Devo esta referência ao
Professor Engel Sluiter da Universidade da Califórnia, Berkeley.
(18) E. g., Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Documentos
históricos, LXII (1943), 140 e ss.; LXIII (1944); passim; e LXIV
(1944), 3-112. Não incluí nesta seção as propriedades que os
jesuítas podem ter adquirido em conseqüência de execuções de
hipotecas, uma vez que não disponho de informação capaz de
indicar a importância dessa prática como fonte de aquisição.
(19) “Treslado do autto de inventário da real fazenda de Santa
Crus e bens que nella se acharam...”, 6 de maio de 1768, A. J.
Melo Morais Filho, ed. crit., Archivo do Districto Federal: revista
de documentos para a história da cidade do Rio de Janeiro
(doravante citada como RADF), I (1894), 73-77, 124, 182-92, 217,
333-39, 418-25.
(20) Alguns desses exemplos encontram-se no fim da relação
baiana de 1761 citada na nota 15 supra.
(21) Como exemplo de uma venda de terra feita pelos jesuítas aos
carmelitas, à vista, veja-se “Regizto de hum documento de venda
que fizeraó oz padrez da companhia, ao convento do Carmo dezta
cidade... anno de 1595”, RADF, III (1896), 251.
(22) Este cálculo baseia-se em diversas fontes da época e mais
recentes, achando-se entre as últimas a HCJB, passim. O número
de fazendas dos jesuítas dedicadas principalmente ao cultivo da
cana-de-açúcar variava de um período para outro à medida que
novas fazendas eram adquiridas e algumas das mais antigas davam
sinais de diminuição da fertilidade e passavam ter outros usos.
Assim, a fazenda Muribeca (Espírito Santo) tornou -se criatório e a
maior parte do Engenho Velho (Rio de Janeiro) foi dividida em
lotes para arrendamento.
(23) Leite, Suma histórica, Cap. XI. Ver também nota 115.
(24) O inventário incompleto de Santa Cruz (ver nota 19) sugere
que o total de escravos naquela fazenda em 1759 talvez chegasse a
1.600 ou 1.700. Segundo Alberto Lamego, havia 1.435 escravos
142
na “fazenda do colégio” no norte do Rio de Janeiro no momento
em que foi confiscada: A terra Goytacá à luz de documentos
inéditos, III (Bruxelas-Paris, 1925), 163. Em contraste com isso,
sabe-se que o maior número de escravos pertencentes a um único
senhor nas colônias continentais britânicas à época da Guerra da
Independência americana eram 49 0. Louis Morton, Robert Carter
of Nomini Hall.. (Williamsburg, 1945), p. 101, nota 43. Os dados
que pude reunir acerca da posse de escravos na América espanhola
setecentista indicam que as concentrações de escravos nas
fazendas não eram tão grandes como ne ssas duas dos jesuítas.
Quando se tornarem conhecidos os inventários completos das
propriedades da Companhia da Bahia, é provável que revelem
populações servis pelo menos tão numerosas como as de Santa
Cruz.
(25) Na década de 1750 os jesuítas tinham 273 r endeiros nos lotes
do Engenho Velho no Rio de Janeiro, RADF, I (1894) 73n. Como
exemplo das condições de privilégios de pasto que eles concediam
na mesma fazenda, veja-se ibid., 427. Exemplos de seus acordos
de locação acam-se ibid., 426-27, 455-60, 550-62, e II (1895), 917, 62. Na Bahia, à época da expulsão, 58 lotes pequenos que os
padres davam em arrendamento produziam uma receita anual
avaliada em 300.000 réis. Ver nota 26.
(26) Cálculos baseados no inventário intitulado “Termo das
declaraçoens e valiaçoens que fizerao os avaliadores do conselho
e mestres das obras da cidade [do Salvador]”, 26 de março de
1760, AHU, Docs., nº 4952. O inventário compreende não só as
propriedades urbanas como as habitações a elas incorporadas
como também um cais pertencente à ordem (valor estimado em
3.600.000 réis). “Çitioz que occupaváo os Padres” que podiam ser
arrendados, outros que tinham essas propriedades foi calculado
em 190.886.000 réis, e sua renda anual em 1.141.520 réis. Essas
estimativas talvez tenham sido exageradas. O Padre Leite cita uma
fonte coeva que indica que o colégio de Salvador recebeu 888.000
réis de suas propriedades urbanas em 1757. HCJB, V, 579, nº 1.
(27) “Relação de todas as casas, foros e chãos que há nesta cidade
pertencentes aos padres da companhia nas ruas que abaixo se
declara”, 8 de julho de 1740, RADF, II (1895), 366-71.
143
(28) “Relação de todos os conventos e hospícios que há dentro do
destricto d’este governo de Pernambuco com o número de
religiozos e rendas, que tem cada um”, s.d., circa década de 1740,
ABNRJ, XXVII (1906), 416.
(29) HCJB, V, 479, 579, nº 1.
(30) Cf. os relatórios dos superiores das ordens dos beneditinos,
carmelitas e franciscanos, enviados à Coroa sobre suas pro priedades e rendimentos no Brasil em 1764 -1765, e, quanto à capitania do Rio de Janeiro, o valor dos bens das mesmas ordens,
segundo informação do Conde de Rezende (Vice -rei do Brasil) em
1797, RIHGB, LXV:1 (1902), 118-65; ibid., XLVI:1 (1883), 18788.
(31) O provincial dos beneditinos, por exemplo, comu nicou à
Coroa que o mosteiro de São Paulo concedera empréstimos no
valor de 3.468.865 réis, mas que 1.116.000 réis eram considerados
incobráveis por causa de falências e da morte de devedores que
não deixaram bens recuperáveis. Frei Francisco de São José a
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 12 de maio de 1765,
RIHGB, LXVI:1 (1904-1905), 137-65, Apêndice G.
(32) Estimativa aproximada que espero aperfeiçoar quando tiver
ensejo de analisar uma quantidade maior dos inventários que
reuni.
(33) Sobre os começos do conflito entre os jesuítas e os colonos
acerca da situação dos índios, as obras autorizadas são ainda as de
Alexander Marchant, From Barter to Slavery: The Economic
Relations of Portuguese and Indians in the Settlement of Brazil,
1500-1580 (reimpressão; Gloucester, Mas., 1966), e Mathias C.
Kiemen, The Indian Policy of Portugal in the Amazon Region,
1614-1693 (Washington, D.C., 1954); ver também Charles R.
Boxer, Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola,
1602-1686(Londres, 1952), pp. 124-25.
144
(34) Como introdução à literatura dedicada aos bandeirantes, vejase Richard M. Morse, comp., The Bandeirantes: The Historical
Role of the Brazilian Pathfinders (New York, 1965).
(35) Para detalhes, ver Boxer, Salvador de Sá, pp. 129-37, e
HCJB, VI, 252-65, 416-21.
(36) Kiemen, Indian Policy of Portugal, pp. 115-16, 146 e ss.
Sobre o perdão real de 1663, ver provisão de 12 de setembro de
1663, “Livro grosso do Maranhão”, I, 31-32.
(37) Kiemen, Indian Policy of Portugal, pp. 158-62; HCJB, IV,
369-74.
(38) Carta régia de 4 de novembro de 1684 (renovando alvar á
datado erroneamente de 4 de maio de 1543 [ sic em vez de 1573]),
José Justino de Andrade e Silva, comp., Collecção chronológica
da legislação portuguêsa..., X (Lisboa, 1859), 22-23.
(39) Cartas régias, 4 de janeiro de 1687 e 23 de março de 1688
(duas mensagens), Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará
(doravante AAP), (Belém, 1902), 90-93, 95-96.
(40) Charles R. Boxer, Portuguese Society in the Tropics: The
Municipal Councils of Gôa, Macao, Bahia, and Luanda, 1500 1800 (Madison, Wis., 1965), p. 17.
(41) Resposta da câmara a um requerimento de Sá, 16 de
novembro de 1641, Eduardo de Castro e Almeida, comp.,
Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no
Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisbôa, VII (Rio de Janeiro,
1934), 16-17.
(42) Boxer, Municipal Councils, p. 89, de onde também foi
extraída a citação. Não sei qual foi o volume das contribuições
fiscais dos jesuítas para as guerras de Portugal no século XVII,
mas note-se que a Companhia ocupou o quarto lugar entre os que
mais contribuíram para o fundo de resgate exigido da cidade do
Rio de Janeiro pelo corsário francês Duguay -Trouin em 1711.
“Relação das pessoas, e das quantias com que contribuirão para o
145
resgate desta cidade, rendida pelos francezes em 11 de setembro
de 1711”, em Antonio Duarte Nunes, “Almanac histórico da
cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro” (1799), RIHGB, XXI
(1858), 31.
(43) Sobre o conflito gerado pela recusa da ordem a pagar dízimos
nas colônias espanholas, vejam-se Lilian Estelle Fisher, Viceregal
Administration in the Spanish American Colonies (Berkeley,
1926), pp. 199-200; Guadalupe Navarro, Los diezmos em Mexico
durante el tiempo de la colonia (Roma, 1936), Cap. V; e
Woodrow Borah, “Tithe Collection in the Bishopric of Oaxaca,,
1601-1867”, Hispanic American Historical Review, XXI (1941),
386 e ss.
(44) O estudo básico ainda é o de Oscar de Oliveira, Os dízimos
eclesiásticos do Brasil nos períodos da colônia e do império (Juiz
de Fora, 1940).
(45) Nóbrega a Simão Rodrigues, agosto [?], 1552, Afrânio
Peixoto, ec. crit., Cartas do Brasil 1549-1560 (Rio de Janeiro,
1931), p. 139.
(46) Ver Oliveira, Dízimos eclesiásticos, p. 70.
(47) Ibid., p. 90.
(48) Provisão de 2 de novembro de 1692 (referente a uma
provisão anterior, de 17 de janeiro de 1685, que não vi). “Livro
grosso do Maranhão”, I, 130-131; do rei ao provedor da fazenda
(Pará), 11 de janeiro de 1701, ibid., 203-204; idem a Christovão
da Costa Freire (capitão-general do Maranhão), 4 de abril de
1709, e idem a idem, 27 de junho de 1711, ibid., II, 37-38, e 88.
Como prova da preocupação da Companhia com os esforços da
Coroa no sentido de a obrigar a pagar o dízimo, veja -se a
instrução de Michael Angelus Tamburinus (geral) ao Padre
Ignacio Ferreira (superior da Vice-Província do Maranhão), 22 de
outubro de 1712, em João Lúcio de Azevedo, Os Jesuítas no
Grão-Pará: Suas missões e a colonização... (1ª ed., Lisboa,
1901), pp. 332-33.
146
(49) Kiemen, Indian Policy of Portugal, p. 52.
(50) Ordenações do Senhor Rey d. Affonso V (Coimbra, 1792).
Liv. II, tits. XIII e XIV.
(51) Código philippino ou ordenações e leis do reino de Portutal
recompiladas por mandado d’el-rey d. Philippe I, ed. crit.,
Cândido Mendes de Almeida (14ª ed.; Rio de Janeiro, 1870), Liv .
II, tit. XVIII, que abrange referências a seções apropriadas das
Manuelinas.
(52) Citado numa petição sem data ( circa 1740) de Manuel
Ferreira Feital e Antônio de Alvarenga; Castro e Almeida,
Inventário, VII, 384-85.
(53) Conselho Ultramarino a Antônio Brito de Menezes
(governador do Rio de Janeiro), 22 de setembro de 1718, RADF,
III (1896), 186-88: “Lista das propriedades que possuem os padres
da companhia do Rio de Janeiro e parte dos da comarca the o anno
de mil e sette centos e dezoito”, ibid., UU (1895), 370-72;
“Registro das listas das terras dos padres da companhia, de S.
Bento e do Carmo, sitas no districto de Cabo Frio, que remetterão
os officiaes da câmara ao corregedor (i. e., ouvidor) da comarca”,
26 de dezembro de 1719, ABNRJ, LXXI (1951), 44-46.
(54) Kiemen, Indian Policy of Portugal, pp. 176-78.
(55) Ibid., pp. 164-66.
(56) Azevedo, Os Jesuitas, pp. 160-63.
(57) Capitão-general do Maranhão, 1718-1722, autor dos tediosos
mas importantes Anais históricos do Maranhão (Lisboa, 1749), e
anos depois soldado notável no norte da África.
(58) A opinião tradicional acha que a hostilidade de Silva Nunes
data de 1722, quando ele foi preso por ter feito comentários
satíricos contra os jesuítas, mas João da Maia da Gama, sucessor
de Berredo e conhecido jesuitófilo, sustentou que essa hostilidade
se fazia notar antes daquela data. Ver nota 72.
147
(59) Azevedo, Os Jesuítas, pp. 167-68.
(60) Pasquins análogos circularam em Belém em 1688. Kiemen,
Indian Policy of Portugal, p. 169.
(61) Jão da Maia da Gama à Coroa, 28 de agosto de 1722 (duas
mensagens), em Alexandre João Melo Moraes, Corographia... do
império do Brasil, IV (Rio de Janeiro, 1860), 291n. -294n.
(62) A língua geral era uma espécie de dialeto comum por meio
do qual os jesuítas (e outros familia rizados com ele) podiam
comunicar-se com índios de idiomas os mais diversos. Em 1689 a
câmara de Belém queixou-se ao Rei que os padres não faziam caso
da ordem de ensinar a língua geral aos jovens portugueses, o que
era essencial, porquanto estes substituí am os pais como
supervisores do trabalho indígena nas plantações. Kiemen, Indian
Policy of Portutgal, p. 170. No tempo de Silva Nunes, porém, os
jesuítas eram criticados pela razão oposta. A carta régia de 12 de
setembro de 1727 ordenou de fato aos jesuíta s que cuidassem de
ensinar mais aos seus pupilos o português. AAP, II, 190-91. Mas
quanto a alguns dos problemas práticos implícitos nessa questçao
veja-se a defesa dos jesuítas feita por Maia (citada na nota 72).
(63) Azevedo, Os jesuítas, pp. 168, 178.
(64) Berredo à câmara de Belém, 6 de abril de 1726, Melo
Moraes, Corographia, IV, 291n.
(65) Em 1726, por exemplo, Silva Nunes declarou que já tivera
duas auspiciosas conferências reservadas com um ministro de
Estado cujo nome não informou. Silva Nunes à câmara de São
Luís do Maranhão, 31 de março de 1726, ibid., 288.
(66) Azevedo, Os jesuítas, pp. 168, 178.
(67) “Representação dos senhores de engenho e lavradores de
canna de Marepicu, freguezia de N. Sª da Conceição e districto do
Rio de Janeiro, contra as usurpações de terrenos que lhes tinham
feito os padres da Companhia de Jesus e os religiosos de N. Sª do
148
Carmo” (1730), Castro e Almeida, Inventário, VII, 62; câmara do
Rio de Janeiro ao rei, 12 de agosto de 1731. RADF, II (1895),
281-84 (queixando-se do comércio ilícito dos beneditinos e da
preferência deles mais pelos recrutas peninsulares do que pelos
nascidos na colônia).
(68) Azevedo, Os jesuítas, p. 174. Ver cartas régias de 28 de julho
e 1 de agosto de 1729, e de 11 de janeiro de 1731, AAP, IV
(1905), 55, 57-58 e 66-67, referentes à alegação de Sousa Freire
de que os jesuítas estavam usando os índios da missão para
plantar tabaco e açúcar e trabalhar nos engenhos da companhia,
contrariando assim as instruções por ele baixadas.
(69) Carta régia de 13 de abril de 1728, “Livro grosso do
Maranhão”, II, 223-24; ver Azevedo, Os Jesuítas, pp. 175-77 para
uma análise e comparação com a de 1718, que foi mais favorável
aos interesses dos colonos.
(70) Carta régia de 24 de janeiro de 1729, DI, XVIII (1896), 26768; HCJB, IV, 202.
(71) “Papel que o padre Jacinto de Carvalho... apresentou a el -rei
para se juntar aos dous requerimentos do procurador das câmaras
do Maranhão e Pará”, 16 de dezembro de 1729, Melo Moraes,
Corographia, IV, 305n.-330n. Para um esboço biográfico e uma
lista anotada dos escritos do procurador, ver HCJB, VII, 149-53.
(72) “Parecer de João da Maia da Gama... sobre os requerimentos
que a el-rei apresentou Paulo da Silva Nunes, contra os mis sionários”, 22 de fevereiro de 1730, Melo Mo raes, Corographia,
IV, 258n.-274n.
(73) Alvará de 13 de abril de 1734, ibid., 253n.-254n.
(74) “Informação e parecer do desembargador Francisco Duarte
dos Santos...”, 15 de julho de 1735, ibid., 123n.-150n. (Este é o
segundo de dois longos documentos que correm ao pé dessas
páginas e está impresso em tipo menor do que o primeiro).
149
(75) Azevedo, Os jesuítas, p. 183, onde infelizmente não consta
nenhuma fonte. Presumivelmente os funcionários do tesouro
sabiam que a Coroa desde muitos anos não pagava côngru as aos
missionários do maranhão (ver a segunda carta de Maia da Gama,
28 de agosto de 1722 [citada na nota 61], p. 293) nem estava em
condições de pagar somas ainda maiores.
(76) Azevedo, Os jesuítas, pp. 184-87.
(77) Oliveira, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, p. 73, cita uma
instrução de 21 de fevereiro de 1739, do geral da ordem ao vice provincial do Maranhão, avisando -o de que ainda havia
esperanças de que a questão se resolvesse favoravelmente para a
Companhia, mas que, se tal não ocorresse, um nov o decreto real
mandando que as ordens pagassem os dízimos seria obedecido
pelos jesuítas enquanto não fossem julgados os apelas ulteriores.
Nesse ínterim era necessário observar grande prudência para
evitar “males mais graves”.
(78) Cartas régias de 9 de julho de 1740 e 21 de janeiro de 1743,
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Documentos Historicos, I
(1928), 398-99, 440-41; ver também as resoluções de 31 de maio
de 1740 e 25 de maio de 1741, do Conselho Ultramarino, citadas
no início da relação mencionada na nota 27.
(79) Não vi este volume, mas é citado em Azevedo, Os Jesuítas,
p. 187.
(80) Charles R. Boxer, The Golden Age of Brazil... (Berkeley,
1962), p. 289.
(81) Examinei um pouco mais detalhadamente a guerra guaran ítica
em meu livro Royal Government in Colonial Brazil (Berkeley,
1968), Cap. IV, seção 2.
(82) Estas impressões baseiam-se em grande parte na leitura que
fiz da correspondência do Capitão -general (ver nota 87). Para um
sumário das opiniões de historiadores coevos e subseqüentes, ver
[João] Lúcio de Azevedo, Estudos de história paraense (Pará,
1893), pp. 13-17.
150
(83) Este é o ponto de vista de Azevedo ( ibid., pp. 20-26, e Os
Jesuítas, p. 238) e dos que o seguem, e. g. Marcus Cheke,
Dictator of Portugal: A Life of the Marquis of Pombal 16 99-1782
(Lomdrss, 1938) p. 56; cf. HCJB, VII, 338-339.
(84) Isto é, Dom Frei Miguel de Bulhões e Sousa, beneditino que
mostrou não ser amigo dos loyolistas.
(85) As instruções, datadas de 31 de maio de 1751, foram
publicadas pela primeira vez por Azevedo , Os Jesuítas, pp. 34856.
(86) Assunto curioso e importante que, pelo que sei, nenhum autor
examinou convenientemente.
(87) [Mendonça Furtado] a [Sebastião José de Carvalho e Melo],
21 de novembro de 1751, A Amazônia na era pombalina:
Correspondência inédita do governador e capitão -general do
estado do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, 1751-1759, ed. crit., Marcos Carneiro de Mendonça (3
vols.; Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
s.d. (circa, 1964), I, 63-78 (doravante citado como C/FXMF). O
grosso dos documentos incluídos nessa inestimável mas des concertante coleção compõe -se de mensagens enviadas por
Mendonça Furtado à Coroa entre 1751 e 1757 (apesar do título); a
maior parte provém de arquivos existent es no Museu Britânico,
mas (ainda apesar do título) algumas vêm da conhecida série dos
AAP. O editor crítico, cujas notas são às vezes úteis mas não tão
numerosas ou esclarecedoras como deviam ser, parece achar que
essa correspondência explica por que se j ustificou plenamente a
expulsão definitiva dos jesuítas, mas não se dá conta de que falta
à sua coleção o outro lado da história: as cartas escritas pelos
próprios jesuítas. Além disso, muitas das mensagens nela pu blicadas relacionam-se com importantes anexos não encontrados
nos arquivos de Belém ou de Londres. Aos compulsadores dessa
coleção avisamos que o índice do Vol. III não arrola as últimas
oitenta e uma páginas do mesmo volume, nas quais se encontra um
conjunto de documentos diversos.
151
(88) Mendonça Furtado de Carvalho e Melo, 25 de outubro de
1752, C/FXMF, I, 254; idem a Tomé Joaquim da Costa Corte Real,
circa 23 de maio de 1757, ibid., III, 955.
(89) Em sua mensagem de 29 de dezembro de 1751, o Capitão general afirmou que “este Estado se fundou, floresceu e nele se
estabeleceram infinitos engenhos e plantações, enquanto as
Religiões não tiveram este alto e absoluto poder”, mas não
indicou precisamente quando existiu esse período de tanta
prosperidade.
(90) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 29 d e dezembro de
1751, 2 de janeiro e 25 de outubro de 1752, e 26 de janeiro de
1754, C/FXMF, I, 143-48, 155-57, 252-55, e II, 465-70.
(91) “Memória das fazendas que até agora tenho podido averiguar
que têm os padres da companhia nesta capitania do Pará, e d as
notícias que até agora achei delas”, 8 de fevereiro de 1754. ibid.,
II, 485-89.
(92) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 18 de fevereiro de
1754, ibid., 498-505.
(93) Em 1753 a Coroa ordenou aos superiores das ordens dos je suítas, carmelitas, mercedários e franciscanos que pusessem à
disposição do comissário português as provisões e os traba lhadores indígenas que ele solicitasse das missões, prometendo
compensação adequada a tais serviços. Ordem geral de 18 de maio
de 1753, Museu Britânico, mss. sup. 20987 (Coleção de Microfilmes da Biblioteca Bancroft, Universidade da Califórnia,
Berkeley).
(94) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 7 e 9 de julho, e 20 de
novembro de 1755, C/FXMF, II, 714-21, 738-39; II, 870-71; idem
a Luís da Cunha [Manoel], 12 de outubro de 1756, ibid., III, 948;
Diogo de Mendonça Corte Real (ministro das colônicas) a
Mendonça Furtado, 1 de maio de 1755, Jaime Cortesão, ec. crit. e
comp. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri (1750), V (Rio
de Janeiro, 1963), 431 (expressando a e sperança de que Mendonça
Furtado não encontrasse as grandes dificuldades que a resistência
152
guaranítica chefiada pelos jesuítas criava no momento para a
comissão demarcadora dos limites meridionais).
(95) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 7 de julho de 1 755,
C/FXMF, II, 714.
(96) Esta foi a primeira missão jesuítica na Amazônica a ser
secularizada. A razão aparente da medida foi a necessidade de
fundar uma pousada para os que viajavam entre o Amazonas e
Mato Grosso, mas o verdadeiro intuito foi o de erig ir uma barreira
para impedir o propalado fluxo de contrabando do interior
produtor de ouro para a costa. Carvalho e Melo a Mendonça
Furtado, 14 de março de 1755, ibid., 661.
(97) Mateus 21: 12-13; marcos 11: 15-17; Lucas 19: 45-46; ou
João 2: 14-16. A fonte (nota 98) não esclarece qual destas
passagens o Capitão -general tinha em mente.
(98) Azevedo, Estudos, pp. 127-29.
(99) Entre os vinte e um achavam-se o cronista e o viceprovincial do Maranhão e os reitores dos colégios do maranhão e
do Pará. HCJB, VII, 352.
(100) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 14 de outubro de
1756, C/FXMF, III, 992-93. Sobre a impossibilidade do
comissário espanhol de entrar em contacto com seu colega
português em virtude de problemas de navegação e da alegada
falta de cooperação dos jesuítas, ver Demétrio Ramos Pérez, El
tratado de limites de 1750 y la expedicion de Iturriaga al Orinoco
(Madri, 1946), pp. 197 e ss. e 214 e ss.
(101) Lei de 6 de junho de 1755, Colecção dos breves pontificios
e leys régias, que forão expedidos e publicadas desde o anno de
1741, sobre a liberdade das pessoas, bens, e commércio dos
Índios do Brasil; ... (Lisboa, 1760), nº II. O texto da bula forma o
nº I desta coleção, um dos numerosos informes oficiais que o
governo português pôs em circulação, a lguns traduzidos, durante o
decênio de 1757-1767, a fim de angariar apoio para a campanha
contra os jesuítas.
153
(102) Lei de 7 de junho de 1755, ibid., nº III.
(103) Carvalho e Melo a Mendonça Furtado, 14 de março de 1755,
C/FXMF, II, 660.
(104) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 12 de novembro de
1755, ibid., 821.
(105) [Idem à Coroa], 8 de abril de 1757, AAP, IV (1905), 182-84.
A junta das missões do Estado do Maranhão, uma das várias
juntas desse tipo que existiam nas mais diversas partes do império
português, foi criada em 1680. Dela participavam o Capitão general, muitos outros funcionários da Coroa, o Bispo (nessa
época do Pará), e os superiores das várias ordens missionárias
atuantes na região.
(106) Ver Robert C. Padden, “The Ordenanza del Patro nazgo,
1574: An Interpretative Essay”, The Americas, XII (abril, 1956),
333-54.
(107) [Mendonça Furtado à Coroa], 8 de abril de 1757, citada na
nota 105; requerimento de Francisco de Toledo (vice -provincial),
circa 10 de fevereiro de 1757, AAP, IV (1905), 207-209.
(108) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 25 de abril de 1757,
C/FXMF, III. 1034-38.
(109) Idem a Idem, 2 de maio de 1757, ibid., 1039-40; também
publicada em AAP, IV (1905), 209-12. Este foi na verdade o
segundo round da disputa do Capitão -general com os jesuítas em
torno da posse dos pertences das antigas missões. O primeiro
começou por uma pendência a respeito da alegada pilhagem da ex aldeia de Trocano, transformada na comunidade de Borba a Nova.
Ver idem, ao Padre Anselmo Eckart, Borba a No va, 31 de
dezembro de 1755, C/FXMF, III, 890, e idem a Carvalho e Melo,
13 de outubro de 1756, ibid., 949-54. À última mensagem
mencionada o Capitão-general anexou uma declaração assinada
por um missionário carmelita reconhecendo que todos os
pertences das missões eram de propriedade destas e não da ordem.
154
(110) Idem a Tomé Joaquim da Costa Corte Real, circa 23 de
maio de 1757, ibid., 955-76. O documento, que nesta edição não
está datado mas leva o título de “Papel... no qual se mostra que o
negócio que os padres fazem nem é lícito, nem necessário, nem,
em conseqüência dele, há bens industriais, e que os que adquirem
nas aldeias são para o comum delas”, foi enviado a Lisboa em
duas partes. Veja p. 970n. A segunda parte do memorial, que traz
a data, o remetente e o destinatário dados aqui, também está
publicada em AAP, IV (1905), 212-20.
(111) Decreto de 10 de julho de 1757, mencionado sem citação da
fonte por Ernesto Cruz, “Seqüestro dos bens dos regulares da
Companhia de Jesus no Pará, Maranhão e Piauí”, I nstituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Anais do Congresso Comemorativo
do Bicentenário da Transferência da Sede do Governo do Brasil
(1963), II (Rio de Janeiro, 1967), 14.
(112) [Mendonça Furtado] a Carvalho e Melo, 16 de junho de
1757, C/FXMF, III, 1098-1104.
(113) Idem a Diogo de Mendonça Corte Real, 23 de dezembro de
1751, ibid., I, 131-32.
(114) Idem a Tomé Joaquim da Costa Corte Real, 7 de junho, 8 e
18 de outubro de 1757, AAP, V, 215-301; VI (1907) 44-46.
(115) Tomé Joaquim da Costa Corte Real a Mendonça Furtado, 2
de agosto de 1758, C/FXMF, III, 1187; também publicada em
Ernesto Cruz, “O Pará dos séculos XVII e XVIII”, IV Congresso
de História Nacional, Anais, III (Rio de Janeiro, 1950), 26n., onde
a data é dada erroneamente como sendo 1753.
(116) Mendonça Furtado a T, J, da Costa Corte Real, 22 de
fevereiro de 1759, AAP, VIII (1913), 215-27. Um inventário
realizado poucos meses depois revelou que os jesuítas tinham
possuído 134.465 reses e bestas em quatro fazendas grandes e três
menores na ilha de Marajó. [Manoel Bernardo de Melo e Castro] a
idem, 30 de julho de 1759, ibid., 56 -59; também publicada ibid.,
II (1902), 152-53, nota 2.
155
(117) Na primavera de 1758 a Coroa despachou para a Bahia uma
junta especial, composta de três magistrados d a prestigiosa Casa
de Suplicação, com instruções para apreender todos os bens dos
jesuítas naquela capitania -geral, caso os padres não apresentassem
as licenças que os autorizavam a possuir tais bens. O Rei a
Manoel Estevão de Almeida de Vasconcelos Barber ino, 8 de maio
de 1758, Castro e Almeida, Inventário, I, 332-33. Ordens
idênticas foram enviadas aos capitães -generais do Rio de Janeiro e
Pernambuco em 21 de julho e 23 de agosto de 1759. Conde de
Bobadela ao desembargador Manoel da Fonseca Brandão, 2 de
novembro de 1759, RADF, I (1894), 288-89; carta régia a Luiz
Diogo Lôbo da Silva, 23 de agosto de 1759, Revista do Instituto
Archeológico, Histórico e Geográfico Pernambucano , nº 43
(1893), 34-38. Em outra ocasião espero analisar as atividades da
junta da Bahia, à base de extensas fontes manuscritas que coligi.
(118) É vasta a literatura referente à acidentada luta entre o futuro
Marquês de Pombal e os jesuítas, e até aqui só pude examinar uma
pequena parte dela. No preparo desta seção foram -me
particularmente úteis as obras de João Lúcio de Azevedo. O
Marquês de Pombal e a sua época (2ª ed.; Lisboa, 1922),
Capítulos 4-6; Ludwig, Freiherr von Pastor, The History of the
Popes from the Close of the Middle Ages, trad. E. F. Peeler,
XXXVI (St. Louis, Mo., 1950), 8-23, 294-343; e Christoph
Gottlieb von Murr, História dos Jesuítas no ministério do
marquêz de Pombal, trad e notas de J. B. Hafkemeyer, S. J.,
publicada como Vol. III da Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, 1903). Escrito
por um protestante alemão à base de materiais fornecidos por ex jesuítas e publicado originalmente em Nuremburg em dois
volumes em 1787-1788, é este o mais antigo trabalho bem
documentado sobre a expulsão dos jesuítas do império português.
(119) Cf. Weld, The Supression of the Society of Jesus, pp. 8 e ss.
e Lamego, A terra Goytacá, III, 84 e ss.
(120) Azevedo, Estudos, pp. 62-63.
(121) Pastor, History of the Popes, XXXVI, 10.
156
(122) Ibid., pp. 10-12, 16.
(123) Publicada originalmente em 17 57, a “Relação abreviada” foi
reimpressa várias vezes em forma de panfleto e incluída entre as
“provas” que acompanharam o principal informe oficial do
governo português contra os jesuítas, a Deducção chronológica,
editara em três volumes em 1768. Ver Provas da parte primeira
da deducção chronológica e analytica, e petição de recurso do
doutor Joseph de Seabra da Sylva. I (Lisboa, 1768), 336-72.
(124) Pastor, History of the Popes, XXXVI, 18.
(125) Ibid., 295.
(126) Ibid., 22-23.
(127) Mandamento do Cardeal Francisco Saldanha, 15 de maio de
1758, Col. dos breves pontifícios, nº 8; também publicado em
Melo Moraes, Corographia, IV, 542-48.
(128) Citado em Pastor, History of the Popes, XXXVI, 296; ver
também seu comentário na p. 298 acerca da legalidade da medida
do patriarca.
(129) Ver Muss, História dos Jesuítas, Cap. XIII, onde se
encontra um exame bastante singular do confisco e venda dos bens
dos jesuítas em Portugal.
(130) Sobre o texto, que repete na essência e na linguagem as
principais acusações dirigidas pelo governo português aos jesuítas
nos últimos anos da década de 1750, veja -se Antônio Delgado da
Silva, Collecção da legislação portuguesa de 1750 a [1820], I
(Lisboa, 1830), 713-16.
(131) Para uma recente reafirmação da importância do regalism o
na expulsão da Companhia dos domínios espanhóis, ver Magnus
Mörner, “The Expulsion of the Jesuits fromSpain and Epanish
America in 1767 in Light of Eighteenth -Century Regalism”, The
Americas, XXIII (outubro, 1966), 156-64. Embora o professor
157
Mörner reconheça a importância de outros fatores na motivação da
expulsão (p. 163), não leva em conta o papel das influências
econômicas.
(132) Assim, em conseqüência da recomendação de Mendonça
Furtado, os Capuchos e os religiosos da Conceição da Beira e
Minho foram proscritos do Pará em 1758. Cruz, “O Pará dos
séculos XVII e XVIII”, p. 32. Em 1794 os mercedários foram
também banidos do Amazonas e tiveram suas propriedades
seqüestradas. Domingos Antônio Raiol (Barão de Guajará),
“Catechese de índios no Pará”, AAP, II, 153-54.
(133) “The Expulsion of the Jesuits”, p. 158.
(Transcrito de Conflito e continuidade na sociedade brasileira –
Ensaios. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1970, p. 31 -78).
158

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