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21º CONGRESO MUNDIAL DE CIENCIA POLÍTICA
Santiago de Chile, 12 – 16 de Julio 2009
Sesion temática:
CS16 – Citizenship and Social Capital – Ciudadanía y capital social
Coordinator: Marcello Baquero
Cultura política, cidadania e construção democrática no Brasil e Paraguai
Maria Salete Souza de Amorim 1
Resumo
A América Latina vivencia hoje processos de democratização associados a crescentes
desigualdades sociais, caracterizando uma democracia inercial tanto do ponto de vista político
como social. Tais processos ocorrem dentro de um contexto político-institucional complexo,
marcado pela institucionalização de regras e procedimentos democráticos e pela presença de
uma cultura patrimonialista ancorada em um quadro de pobreza e exclusão social. A proposta
deste artigo é examinar os níveis de confiança e de participação existentes no Brasil e no
Paraguai, países onde predomina uma tradição autoritária permeada por aspectos históricoestruturais como o personalismo, o populismo e o clientelismo, ou seja, práticas que
comprometem comportamentos favoráveis à participação, cooperação, confiança e apoio ao
regime democrático. Parte-se do pressuposto de que a confiança nas instituições e a
participação constituem elementos decisivos para o fortalecimento da democracia, pois
possibilita a inclusão da população nos processos políticos e propicia o exercício da
cidadania.
Palavras-chave: cultura política, cidadania, democracia, participação.
1
Doutora em Ciência Política, Professora Adjunta da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE,
BRASIL), Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Democracia e Desenvolvimento/UNIOESTE e do Grupo de
Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Sustentável na América Latina/UFRGS. E-mail:
[email protected]
Cultura política, cidadania e construção democrática no Brasil e Paraguai
Maria Salete Souza de Amorim
UNIOESTE, Brasil
Introdução
O processo de construção democrática na América Latina tem suscitado uma série de
pesquisas na área das Ciências Sociais que assinalam a importância da confiança e da
participação para a estabilidade dos sistemas políticos. Vários pesquisadores têm abordado
essa questão relacionando os baixos índices de confiança, encontrados na região, com um
quadro de crescentes desigualdades sociais e insatisfação dos cidadãos em relação ao regime
democrático. Pontualmente, o Brasil e o Paraguai estão entre os países com maior
desigualdade de renda da América Latina.
A situação de pobreza no Paraguai se agrava mediante o aumento do desemprego, má
distribuição de renda, degradação dos recursos naturais, aumento da corrupção e desvio de
recursos públicos. Historicamente, a ausência de um processo de industrialização e a
dependência da economia agro-exportadora gerou, no Paraguai, informalidade econômica
associada a uma baixa institucionalização do poder. Especialmente nas cidades fronteiriças, a
população convive com graves desigualdades sociais e com um sistema de comércio ilegal e
de contrabando na fronteira. No caso do Brasil, apesar de apresentar melhores indicadores
econômicos em relação ao Paraguai, a desigualdade de renda permanece elevada: 75% da
riqueza do país estão concentrados nas mãos dos 10% mais ricos (IPEA, 2007).
Nesse contexto, o objetivo do artigo é examinar os níveis de confiança e de
participação existentes no Brasil e Paraguai, a partir de dados obtidos junto ao
Latinobarômetro e Latin American Public Opinion Project (LAPOP). Num primeiro
momento, referencio pesquisas que abordam a confiança e a participação como variáveis
importantes na construção de uma cultura política democrática na América Latina. Em
seguida desenvolvo uma análise descritiva a respeito de tais variáveis no Brasil e Paraguai,
países que possuem em comum uma tradição autoritária, permeada de práticas que não têm
favorecem a participação, a cooperação e a confiança nas instituições democráticas. Nas
considerações finais são feitos alguns apontamentos sobre os desafios para a democracia na
América Latina.
1. Confiança e Participação Política na América Latina
No âmbito das Ciências Sociais, o conceito de cultura caracteriza-se por ser complexo
e polissêmico. Parte da literatura sustenta que fatores econômicos e institucionais são
suficientes para gerar uma explicação convincente da dinâmica das democracias, sem que seja
necessário recorrer à cultura. Constatam que traços culturais dominantes têm pouca
importância para analisar a durabilidade das democracias (PRZEWORSKI, CHEIBUB e
LIMONGI, 2003). Nessa perspectiva, a democracia seria um resultado do equilíbrio entre as
diferentes forças políticas, que aceitam o veredicto das urnas e as regras do jogo político. De
outro lado, há vasta literatura que sustenta que instituições e procedimentos não são
suficientes para se alcançar a estabilidade de um regime democrático, tendo em vista a
relevância das crenças e valores democráticos na consolidação da democracia (PUTNAM,
2002; BAQUERO, 2000; MOISÉS, 2005).
Nos últimos anos, cientistas sociais têm se dedicado a estudar o processo de
construção democrática na América Latina a partir dos pressupostos teóricos da cultura
política e da matriz histórico-cultural da região. Utilizando dados de pesquisa de opinião
pública os pesquisadores examinam as percepções e as atitudes dos cidadãos frente à
democracia, estabelecendo relações entre variáveis e testando hipóteses sobre o
comportamento político.
Em recente pesquisa, Rennó (2001) verificou que a confiança interpessoal afeta o
comportamento político em alguns contextos da América Latina. Os resultados indicam que,
onde ocorre esta associação, a confiança interpessoal afeta a percepção das pessoas sobre a
eficácia da obediência às leis e a confiança nas instituições políticas. “A ausência de
confiança parece afastar os indivíduos da busca por soluções institucionais para seus conflitos
diários de interação” (p. 55).
Nessa perspectiva, nas sociedades onde os cidadãos confiam uns nos outros e
trabalham cooperativamente em prol do bem comum, a legitimidade do regime democrático é
assegurada pelo estoque de capital social, definido como normas e sistemas de reciprocidade
que contribuem para aumentar a cooperação horizontal e a participação política (PUTNAM,
2002). Indicadores de participação, envolvimento das pessoas nas organizações sociais e
confiança entre os membros de uma comunidade, demonstram o potencial e a capacidade de
atuação dos cidadãos na esfera política.
Em artigo sobre a desconfiança nas instituições democráticas, José Álvaro Moisés
(2005) abordou o conceito de confiança sob as perspectivas da confiança interpessoal, social e
política. No tocante à confiança política, que se refere ao sentimento comum de pertencimento
dos cidadãos à comunidade política, a razão para confiar está relacionada aos princípios éticos
e normativos das instituições, ou seja, o cidadão avalia o desempenho das instituições e o
comportamento dos seus gestores políticos. Sem dúvida, o cidadão que se sente competente
para participar e influenciar na política, expressa adesão aos valores associados ao regime
democrático. Por outro lado, a desconfiança generalizada e continuada nas instituições
públicas pode evidenciar dificuldades de funcionamento do regime, e comprometer ações de
coordenação, cooperação e solidariedade entre os cidadãos (MOISÉS, 2005).
A literatura especializada distingue dois tipos de participação política: a tradicional ou
convencional, que inclui o ato de votar em eleições, plebiscitos e referendos, de participar de
campanhas políticas e de buscar resolução de problemas individuais através do contato direto
com representantes eleitos. Também é conhecida como participação política institucional, por
referir-se àquelas atividades integradas aos mecanismos governamentais de tomada de
decisões. Por sua vez, a participação política não convencional caracteriza-se por ações e
atividades fora dos canais formais e da arena institucional, que tem por objetivo exercer
pressão sobre as políticas governamentais. As manifestações e protestos, petições
encaminhadas a órgãos públicos, doação de dinheiro para ONG’s, participação em
movimentos feministas, ambientalistas e de defesa dos direitos humanos e boicotes de
produtos em supermercados são algumas das ações apontadas pela literatura como novas
formas de participação e de ativismo político (TEORELL; TORCAL; MONTERO, 2003;
NORRIS, 2004).
Os modos de participação política têm sido enfatizados sob diferentes aspectos
segundo o tipo de perspectiva adotado na compreensão da democracia. A perspectiva liberal
compreende a democracia não como uma forma de vida participativa, mas como um conjunto
de instituições e mecanismos que garantem aos indivíduos a possibilidade de realizar seus
interesses com a mínima interferência no processo político. Desse ponto de vista, os cidadãos
são apáticos, desinformados dos assuntos políticos e desmotivados a participar. Os autores
dessa corrente enfatizam a participação eleitoral como a forma mais convencional de
envolvimento cívico e argumentam que o equilíbrio entre a participação moderada e a apatia
produz governabilidade, ao passo que a participação política ampliada acarreta sobrecarga do
sistema político, gerando a sua instabilidade (CROZIER; HUNTINGTON; WATANUKI,
1975; DOWNS, 1999).
Outra perspectiva, de cunho democrático-participativo, compreende a democracia não
apenas como um conjunto de regras e instituições, mas como um conjunto de práticas
participativas que promovem a cidadania, a cooperação, a confiança e o desenvolvimento de
valores e hábitos democráticos. Os autores dessa corrente defendem que a competência cívica
e a eficácia política, conceitos que se referem ao sentimento de competência para influenciar e
participar no processo decisório são componentes chave do engajamento político (ALMOND;
VERBA, 1965; PUTNAM, 2002). Contudo, os partidos políticos que tradicionalmente se
apresentavam como organizações políticas catalizadoras da participação, estabelecendo uma
conexão entre cidadãos e sistema político, estão sendo confrontados com um rápido declínio
da identificação partidária em diversos países. Esta tendência antiparticipativa contribui para
debilitar a legitimidade dos partidos como canais de participação.
Parte da literatura argumenta que o declínio da participação e da confiança no governo
e na política não deveria ser visto como uma ameaça à estabilidade política, mas deveria ser
entendido como parte da transformação global e estrutural dos padrões dos valores nas
sociedades ocidentais (STOLLE; HOOGHE, 2004; INGLEHART, 2002). Para esses autores,
a institucionalização de valores pós-materialistas e a ampliação do repertório de participação
política desmistificam a participação nos canais tradicionais da política, como os partidos, por
exemplo. No caso da América Latina, o que tem colocado em risco a estabilidade do regime
democrático são os altos níveis de desigualdade, pobreza e exclusão social, combinados a uma
crescente descrença e insatisfação da população com o desempenho das instituições políticas.
Os movimentos sociais nestes países apresentam-se como uma forma política alternativa de
intervenção social, uma vez que exigem maior transparência das ações governamentais.
Recentes estudos avaliam as experiências do ativismo político que incorporam novas
formas de expressão política, mobilização e envolvimento político. Pipa Norris (2004) destaca
duas dimensões do ativismo político: a dos repertórios de ação política e a das agências de
ativismo político. Com relação à primeira dimensão, existe distinção entre as ações cidadãs
orientadas, aquelas direcionadas para eleições e partidos, e os repertórios de causas
orientadas, cujo foco de atenção recai sobre questões específicas e interesses políticos. Os
novos movimentos sociais combinam ações estratégicas com repertórios tradicionais ao
lutarem por questões específicas dentro e fora da esfera institucional.
As agências de ativismo político são estruturas organizacionais através das quais
pessoas mobilizam-se para expressão política. Partidos políticos, igrejas, associações,
cooperativas e sindicatos podem ser classificados como agências tradicionais; e os
movimentos de mulheres, as ONG’s, os movimentos de defesa dos direitos humanos, os
movimentos ambientalistas são considerados agências modernas. Essas últimas são
caracterizadas pela rede descentralizada de comunicação entre coalizões horizontais e
verticais das estruturas organizacionais. De acordo com a autora, analisar a participação sob o
prisma apenas das agências tradicionais proporcionará uma perspectiva parcial do
envolvimento cívico e político dos cidadãos (NORRIS, 2004).
Os dados encontrados na pesquisa de Pipa Norris mostram que os indivíduos mais
engajados no repertório de causas orientadas são aqueles que dispõem de altos níveis
educacionais e de renda, além de um forte senso de eficácia política. Em termos de agência, a
pesquisa confirma dados de outros estudos a respeito dos baixos índices de participação
política e destaca as diferenças geracionais do comportamento político: de um lado a geração
dos mais velhos mostra-se propensa a participar das agências tradicionais, como associações
voluntárias, partidos políticos e igrejas; de outro lado, os mais jovens tendem a se engajar nos
novos movimentos sociais, especialmente aqueles relacionados com meio ambiente ou com
questões humanitárias. A autora argumenta que a falta de motivação e engajamento dos
jovens reflete um desencantamento com a democracia e com os canais formais de participação
(NORRIS, 2004).
As novas formas de participação caracterizam-se por abandonar as estruturas
organizacionais tradicionais em favor de estruturas mais flexíveis e horizontais e por
romperem a fronteira entre a esfera pública e a privada. As mobilizações como abaixoassinados, petições, participação em protestos, manifestações e boicotes ocorrem de maneira
espontânea e não movidas por estruturas ideológicas. Apesar de serem vistas como coletivas,
as ações possuem um caráter individualizado. No caso de petições ou boicotes, por exemplo,
os cidadãos podem desempenhar ações políticas em sua casa através da internet ou no
supermercado. Isso requer sofisticação intelectual, política e econômica dos participantes, o
que reduz as novas formas de participação a uma pequena parcela da população.
No caso da América Latina, embora os cidadãos tenham o direito formal de se
organizar, de expressar livremente suas opiniões e interesses, de participar das decisões
políticas, questiona-se a ausência de condições favoráveis para estimular e permitir tal
participação e questiona-se também a qualidade dessa parca participação. Avalia-se que os
cidadãos, por não se sentirem pertencentes ao sistema político, permanecem numa posição
reativa e/ou passiva, desenvolvendo suas atividades cotidianas à margem dos canais de
participação na vida pública, impossibilitando assim qualquer ação que possa vir a influenciar
a sociedade como um todo (COHN, 2000).
Nesse contexto, o que significa exercer a cidadania? Ser cidadão é ter direitos que
garantam a integridade física, igualdade perante a lei e liberdade de expressão; é ter direitos
que assegurem a participação política nos canais formais e informais da política; é ter direitos
sociais, como educação, saúde e trabalho, sem recorrer a práticas clientelistas. Isso significa
que a cidadania não se exerce no vazio. É fundamental que existam condições adequadas para
que os direitos civis, políticos e sociais sejam efetivamente garantidos a todos os segmentos
sociais.
A cidadania social, em sua essência, sempre esteve relacionada à garantia de direitos
e não com programas compensatórios. Ela pressupõe um pacto social realizado pela
sociedade como um todo, a partir do que se define que o Estado deve garantir uma
proteção social – por meio dos direitos sociais – a todos os cidadãos,
independentemente de sua renda, simplesmente pelo fato de serem cidadãos. A
cidadania social requer, desse modo, que exista um mínimo de solidariedade,
induzida pela necessidade de solução dos conflitos sociais, e um sentimento de
responsabilidade da sociedade para com a vida de cada um de seus membros (UGÁ,
2006).
Trata-se de construir uma cidadania que favoreça a confiança no sistema político e
estimule atitudes e comportamentos participativos e democráticos. Contudo, para se alcançar
este tipo de cidadania é imperativo transformar as relações de poder que tem produzido
concentração de renda, de informação e de saber à custa da pobreza, da ignorância e da
exclusão social de milhares de pessoas. Parte da literatura propõe uma transformação que
privilegie o fortalecimento de organizações sociais e comunitárias, novos estilos de autogestão e de ação coletiva que propicie à população possibilidades de se pronunciar e de ser
incluída nos processos políticos. Dessa forma, na seção seguinte serão analisados aspectos da
cultura política presentes no Brasil e Paraguai, pontuando uma discussão sobre estes
elementos.
2. Aspectos da Cultura Política Latino-Americana
As pesquisas de opinião realizadas nos últimos anos fornecem importantes subsídios
sobre a cultura política latino-americana. Dados disponibilizados pelo Latinobarômetro e pelo
Latin American Public Opinion Project (LAPOP) permitem um estudo cada vez mais
sistemático e comparativo da cultura política em vários países do mundo e revelam uma
dinâmica a respeito dos determinantes de apoio ao sistema democrático, e uma relação entre o
desempenho do governo e as opiniões dos cidadãos acerca do sistema político 2 .
Tabela 1
Atitudes em relação à Democracia (%)
Democracia melhor sistema
de governo
86
Uruguai
83
Argentina
75
Brasil
49
Paraguai
Fonte: Latinobarômetro, 2007 – n = 4.804
Apoio à
democracia
75
63
43
33
Satisfação com a
democracia
66
33
30
9
Confiança na
democracia
77
67
44
34
Observa-se, nos dados apresentados na Tabela 1, uma inconsistência entre atitudes e
comportamentos democráticos nos quatro países do Mercosul. De um lado, verifica-se um
apoio normativo dos cidadãos, que afirmam preferir a democracia como melhor forma de
governo. Este apoio, sem dúvida, é essencial para a construção de normas democráticas
(EASTON, 1968). De outro lado, observa-se um fraco apoio específico, especialmente entre
os brasileiros e paraguaios no tocante ao apoio à democracia, que não chega a 50%, e em
relação à satisfação com o regime democrático, de apenas 9% no Paraguai e 30% no Brasil,
refletindo um forte descontentamento com a democracia.
Como explicar o baixo apoio à democracia em ambos os países? Esses indicadores de
desconfiança em relação às instituições democráticas podem ser explicados, em parte, pelas
avaliações negativas que os cidadãos fazem em relação ao desempenho sócio-econômico do
governo, e pelas crescentes denúncias de corrupção na política. A hipótese da corrupção vem
sendo trabalhada por diversos autores, que sustentam que os escândalos de corrupção e os
desvios de dinheiro público minam a confiança dos cidadãos (POWER; JAMISON, 2005). A
corrupção existe em todos os países do mundo, contudo, o Índice de Percepções de Corrupção
indica que a América do Sul é uma das regiões do mundo com maior incidência de práticas de
corrupção 3 .
A região convive com um hibridismo. Verifica-se a existência de uma base normativa
de apoio e uma certa adesão aos princípios democráticos, contudo, dentro de um clima de
insatisfação com o funcionamento da democracia e de descrédito nas instituições. Disso
decorre uma crise de governabilidade instalada nos governos latino-americanos nos últimos
anos (BAQUERO, 2000). Os dados do Gráfico 1 mostram esse clima de desconfiança nas
instituições políticos, no Brasil e Paraguai, confirmando as reflexões anteriores.
2
Coordenado por Marta Lagos, o Latinobarômetro é um survey nacional anual baseado em amostras por cotas de
idade e gênero das populações urbanas de 17 países latino-americanos. Coordenado por Mitchell Seligson, o
Latin American Public Opinion Project – LAPOP – desenvolve pesquisas em 27 países do hemisfério.
3
Relatório divulgado em 2002 no site da Transparência Internacional: http://www.transparency.org
Gráfico 1
Confiança nas Instituições Políticas (%)
Fonte: LAPOP – Vanderbilt University, 2008 / n= 1.465 / n= 1.160
Questão: Até que ponto o(a) sr(a) confia no:
Diante do quadro de desconfiança, cabe destacar indicadores de confiança e de
avaliação positiva feita ao presidente do Brasil. Cerca de 50% dos entrevistados afirmaram
confiar no presidente, corroborando com outros dados de pesquisas já divulgadas na
imprensa 4 . O índice de aprovação do governo Lula se mantém elevado, com algumas
oscilações, desde 2002. O Instituto mexicano Consulta Mitofsky realizou pesquisa em 2007
sobre dirigentes no continente americano. No ranking, o presidente Lula ocupou o 10% lugar,
com 48% de aprovação. Por sua vez, Nicanor Duarte, presidente do Paraguai, ocupou o
último lugar na pesquisa, com apenas 11% de aprovação, refletindo a insatisfação da
população com o governo paraguaio e apontando para o clima de mudanças, tema central nas
campanhas eleitorais de 2008. Nos dados do LAPOP, conforme Gráfico 1, os percentuais de
baixa confiança alcançam mais de 60% para o presidente do Paraguai.
De modo geral, os dados do Gráfico 1 exprimem níveis generalizados de desconfiança
em todos os tipos de instituições políticas. Os partidos políticos, considerados agentes
importantes na formação das atitudes políticas dos cidadãos, receberam os maiores
percentuais de desconfiança, chegando a 51% no Paraguai e 33% no Brasil. As gradações 2 a
4 (confia pouco) reforçam o desprestígio dessas instituições entre os entrevistados. O
Congresso, associado diretamente aos partidos políticos, é a segunda instituição que desperta
desconfiança em 41% dos entrevistados no Paraguai e 26% no Brasil.
A crescente desmoralização dos partidos políticos, a proliferação de legendas e a
desconfiança dos eleitores em relação à política e às instituições democráticas tornam cada
vez mais distante a institucionalização do voto partidário e ideológico nesses países.
A análise de Mainwaring (2001) sobre o sistema partidário brasileiro mostra-se
bastante pessimista. Argumenta que a migração e a baixa fidelidade partidária, conjugadas
com alta autonomia dos políticos, não contribuem para a institucionalização das organizações
partidárias. Segundo o autor, esse quadro favorece o surgimento de partidos descentralizados,
indisciplinados e individualistas, do tipo “catch-all”, que não criam raízes na sociedade e
nem favorecem uma identificação partidária sólida e estável. O autor afirma que o declínio da
identificação partidária e o crescimento da volatilidade eleitoral são elementos que influem
diretamente na instabilidade do sistema partidário. Mesmo manifestando preferências
4
Pesquisas do CNT/Sensus mostram que a aprovação de Lula, iniciada com 84% chegou aos 62%, em 2008.
partidárias durante o processo eleitoral, não se pode afirmar que o eleitorado criou raízes
estáveis com os partidos.
Na conjuntura política recente, verifica-se uma ascensão de partidos de esquerda ou
centro-esquerda na presidência da República. Trata-se de lideranças que participaram da luta
pelo restabelecimento da democracia. Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente
do Brasil pelo Partido dos Trabalhadores, com a coligação “A Força do Povo”
(PT/PCdoB/PL/PMN/PCB), e reeleito em 2006 com 58 milhões de votos. No Paraguai,
Fernando Lugo venceu as eleições presidenciais, em abril de 2008, pela “Aliança Patriótica
para a Mudança”, coalizão que agregou diversos partidos políticos de esquerda e movimentos
de oposição, rompendo com a hegemonia do Partido Colorado e das forças políticas
tradicionais há anos no poder (AMORIM, 2008).
Desde a transição democrática, o Paraguai enfrentou ausência de alternância no poder,
tentativas de golpes militares, processo de impeachment contra o presidente Luis González
Macchi e o assassinato do vice-presidente, Luis Maria Argaña. As eleições presidenciais que
ocorreram em abril de 2008 mobilizou cerca de 2,9 milhões de eleitores nos 17 departamentos
de todo o país. Apesar da maioria dos paraguaios expressarem preferência partidária pelo
Partido Colorado (41%), esse fato não reverteu em votos para Blanca Ovelar, candidata
apoiada pelo Movimento Progressista Colorado (MPC). A Tabela 2 mostra os resultados do
pleito eleitoral no Paraguai.
Tabela 2
Eleições Presidenciais – Paraguai 2008
Candidatos
Fernando Lugo – presidente (PDC)
Federico Franco – vice (PLRA)
Blanca Ovelar – presidente
Carlos María Santacruz - vice
General Lino Oviedo – presidente
Nicolas Luthold - vice
Brancos e Nulos
Total
Partido Político/Aliança
Aliança Patriótica para a Mudança
Associação Nacional Republicana
(Partido Colorado)
Partido União Nacional de Cidadãos
Éticos (UNACE) /
% de votos
41
32
22
5
100
Fonte: Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (www.tsje.gov.py)
Observa-se na Tabela 2 a vitória de Fernando Lugo, com 41% dos votos válidos,
seguido de Blanca Ovelar (32%). Chama a atenção o significativo percentual de votos para o
General Lino Oviedo (22%), que havia sido condenado à prisão por tentativa de golpe de
1996 e acusado de cumplicidade no assassinato do vice-presidente, Luis Maria Argaña, mas
que recuperou seus direitos políticos recentemente.
Com relação ao Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva participou como candidato em todas
as eleições para Presidente da República desde 1989. Finalmente em 2002, quando o Partido
dos Trabalhadores (PT) fez coligação com duas forças políticas opostas no espectro
ideológico: Partido Liberal (PL), localizado à direita e Partido Comunista do Brasil (PCdoB),
localizado à esquerda, Lula obteve sucesso eleitoral. Em 2006, manteve a mesma estratégia
eleitoral e pragmática, coligando-se com o Partido Republicano Brasileiro (PRB) e o PCdoB,
foi reeleito com 58 milhões de votos, como mostra a Tabela 3.
Tabela 3
Eleições Presidenciais – Brasil 2006 (2º turno) %
Candidatos
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
José Alencar (PRB)
Geraldo Alckmin (PSDB)
José Jorge (PFL)
Partido Político/Coligação
A Força do Povo (PT-PCdoB-PRB)
Votos Válidos
61
Por um Brasil Decente (PSDB-PFL)
39
Total
100
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (www.tse.gov.br )
A vitória eleitoral de lideranças políticas de orientação esquerdista na América Latina,
apoiados por movimentos sociais de oposição e por forças políticas tradicionais e
conservadoras revela dois elementos. Primeiro, é uma maneira de a população expressar seu
descontentamento frente à situação econômica, à incapacidade dos governos em responderem
aos problemas sociais e à impunidade frente à corrupção generalizada 5 . Segundo, as chances
de vitória das organizações de esquerda são maiores quando buscam apoio de forma mais
pragmática e menos ideológica. Miguel e Machado (2007) traçam a seguinte argumentação:
a perspectiva ideológica julga que a coligação é um instrumento que permite que
partidos que se encontram próximos uns dos outros no espectro esquerda-direita
ampliem suas chances de vitória contra adversários situados em posição oposta. Já a
perspectiva pragmática acredita que os competidores com chances reais na disputa
buscam o maior número possível de apoios, não importa de onde venham, a fim de
garantir a máxima vantagem sobre seus adversários. Nas eleições presidenciais, o
PT, que em 1989, 1994 e 1998 se coligou com PCdo B, PSB, PPS, PSTU, PV, PDT
e PCB, assumindo a primeira perspectiva, teria passado à segunda em 2002 e 2006,
ao se aliar aos direitistas PL e PRB.
Entre esses elementos apontados pelos autores, como inserir a discussão sobre os
critérios utilizados pela população na decisão do voto? A população avalia, de fato, a
diferenciação entre os partidos no espectro esquerda-direita? Analisando dados do Estudo
Eleitoral Brasileiro (ESEB) e do LAPOP, verifica-se uma baixa identificação partidária e um
declínio da preferência do eleitorado em relação aos partidos no Brasil e no Paraguai, quando
comparados os períodos entre 2002 e 2006.
Brasil
PT
PMDB
PSDB
PFL
Outros
NS/NR
2002
26
7
5
3
7
52
Tabela 4
Preferência Partidária (%)
2006
Paraguai
22
Partido Colorado
3
PLRA
4
UNACE
1
Pátria Querida
3
Outros
67
Nenhum
2002
29
16
13
4
6
32
2006
41
21
7
5
6
20
Fontes: ESEB, 2002 e 2006 – n = 2.513 / n = 1.000 - “Qual o partido que o(a) Sr(a) gosta?”
LAPOP, 2002 e 2006 – n = 1.155 / n = 1.165 - “¿Entre los partidos y movimientos políticos existentes,
a usted le gusta más o siente mayor simpatía por?”
5
Dados do LAPOP (2006) indicam o desemprego, a pobreza e a corrupção como os principais problemas
apontados pelos brasileiros e paraguaios.
De acordo com a Tabela 4, observa-se no Paraguai um percentual significativo de
preferência pelo Partido Colorado: 29% em 2002 e 41% em 2006. Contudo, essa preferência
não reverteu em votos para Blanca Ovelar, em 2008. Por sua vez, o partido de filiação
partidária de Fernando Lugo, o Partido Democrata Cristão (PDC) nem aparece na preferência
dos entrevistados. Analisando as novas configurações partidárias nas Câmaras dos Senadores
e dos Deputados, verifica-se que o Partido Colorado conquistou 45 cadeiras (15 no Senado e
30 na Câmara), apresentando uma perda de 16 membros. O Partido Liberal Radical Autêntico
(PLRA) posiciona-se como o segundo maior partido em representação política. Aumentou sua
bancada de 33 para 41 membros e o Partido da União Nacional dos Cidadãos Éticos
(UNACE) dobrou o número de representantes de 10 para 24, o que não condiz com os dados
sobre o declínio da preferência pela UNACE, de 13% para 7%, conforme Tabela 4.
Confrontando a preferência partidária com a composição da Câmara dos Deputados no
Brasil, verificam-se algumas inconsistências entre identificação partidária e voto, mas
também algumas tendências. Na legislatura 2002-2006, a maior bancada era do Partido dos
Trabalhadores (PT), com 90 deputados. Nas eleições de 2006, o PT perdeu 7 cadeiras,
elegendo 83 deputados. Por sua vez, o PMDB aumentou sua bancada de 69 para 90
deputados, e o PSDB praticamente manteve seus 64 deputados. O PFL (atual Democratas)
perdeu 13 cadeiras, elegendo 62 deputados em 2006.
Diante dessas informações, verifica-se um predomínio do voto personalista e de
preferências pragmáticas e não programáticas. Pesquisas revelam que na América Latina,
cerca de 70% dos eleitores votam na pessoa do candidato, não se baseando em critérios
partidários, ideológicos ou programáticos. A identificação partidária, portanto, ocorre muito
mais em função da relação que se estabelece entre candidatos e eleitores do que propriamente
de uma identificação com propostas dos partidos (BAQUERO, 2000).
O personalismo e o clientelismo fazem parte daquele círculo vicioso comentado
anteriormente. Apoio à democracia de um lado, e desconfiança nas instituições políticas e
insatisfação com o desempenho do regime, de outro lado. Há um esforço entre os cientistas
políticos para explicar as causas da desconfiança que tem afetado as percepções dos cidadãos
em relação à política de modo geral. Moisés e Carneiro (2008), utilizando dados do
Latinobarômetro, verificam que quanto maior é o percentual de desconfiança nas instituições
políticas e maior a insatisfação com a democracia, maiores são os percentuais de apoio a uma
democracia sem partidos políticos e sem Congresso.
De um modo geral, os dados parecem confirmar que as experiências dos cidadãos
influenciam as atitudes sobre a confiança política, sugerindo que ela está associada
com a vivência de regras, normas e procedimentos que decorrem do princípio de
igualdade de todos perante a lei. Mas eles também sugerem que a atitude dos
cidadãos com relação à política democrática depende do impacto do funcionamento
concreto tanto das instituições como de governos (MOISÉS; CARNEIRO, 2008:38).
Na mesma linha de argumentação, Power e Jamison (2005) explicam as causas e as
conseqüências da desconfiança nos políticos da América Latina a partir de três fatores: pelo
desempenho sócio-econômico, pelos elevados índices de corrupção e pelo uso instrumental
das instituições políticas.
Em relação ao primeiro fator, os autores argumentam que a transição política se deu
em um contexto de grave crise econômica, marcada pela recessão e aumento da pobreza. Nos
anos 1990 houve uma série de reformas econômicas na tentativa de retomada do crescimento,
mas não foi acompanhado pela redistribuição de renda. Um dos principais problemas
encontrados no Brasil e no Paraguai são as desigualdades de renda, que cria obstáculos ao
crescimento econômico e gera descontentamento social. A democracia social está longe de ser
uma realidade na região.
Sobre o segundo fator, destacam que no período de redemocratização, a América
Latina foi acometida por escândalos de corrupção na política. Diversos presidentes da
República como, por exemplo, Fernando Collor de Mello (Brasil), Carlos Andrés Pérez
(Venezuela), Alberto Fujimori (Peru) e Sanchez Losada (Bolívia), foram destituídos do poder.
Além dos fatos históricos, pesquisas revelam que a percepção das pessoas sobre a corrupção
deveu-se à maior exposição dos fatos na mídia. O Índice de Percepção da Corrupção pela
Transparência Internacional possibilitou aos estudiosos estabelecer relações com os índices de
confiança nas instituições políticas, e a alcançar resultados de pesquisa mais afinados com a
realidade.
Segundo Power e Jamison (2005: 85), os altos índices de desconfiança dos cidadãos na
política e nos políticos, endossa a percepção de que os políticos profissionais e os partidos são
dispensáveis na democracia. Os políticos, como contraponto, evitam a identificação com os
partidos, reforçando sua imagem e sua personalidade. Na “tentativa de escapar da
identificação com a classe política, com os partidos tradicionais ou com rótulos ideológicos,
muitos políticos escolhem atacar as instituições de representação. Abandonam os partidos;
candidatos criam continuamente novas agremiações; abundam movimentos personalistas”,
como atesta os autores citados.
Nesse contexto, os latino-americanos mostram-se insatisfeitos com o funcionamento
da democracia e com a atuação dos partidos políticos. Verifica-se um ceticismo em relação às
instituições políticas, que não é exclusivo desses países (ALCÂNTARA SAEZ, 2001). Dados
da Pesquisa Mundial de Valores (World Values Survey), coordenada por Ronald Inglehart,
evidenciam o sistemático declínio dos partidos políticos, o descrédito e a desconfiança nas
instituições democráticas em diversas democracias ocidentais. Mas, em contrapartida, cresce
o interesse dos cidadãos pelos direitos humanos, pela questão ambiental e pela qualidade de
vida, confirmando uma mudança efetiva nos padrões de participação política, expressa pela
adesão e apoio aos novos movimentos sociais (INGLEHART, 2002). No entanto, o que
ocorre nas democracias latino-americanas é o afastamento dos cidadãos da esfera política,
tanto do nível formal como informal, devido ao déficit democrático entendido aqui como a
queda da qualidade de vida e a negligência com a dimensão social.
Como referenciado no item anterior, a confiança política não é a única forma de
confiança a ser avaliada na análise do comportamento político. A confiança interpessoal
também se revela baixa entre os latino-americanos, como mostram alguns pesquisadores.
Segundo Rennó (2001), em alguns países a confiança associa-se diretamente ao
comportamento político. Nesse caso, os cidadãos tendem a confiar mais nas pessoas e nas
instituições quando acreditam que as políticas estão sendo funcionais e eficazes. Quando
indagados sobre a confiança nas pessoas, os latino-americanos revelam-se céticos, como
mostra o Gráfico 2.
Gráfico 2
Confiança Interpessoal (%)
Fonte: Latinobarômetro, 2007 – n = 4.804
P. Hablando en general, ¿Diría Ud. que se puede confiar en la mayoría de las personas o
que uno nunca es lo suficientemente cuidadoso en el trato con los demás? *Aquí solo ‘Se
puede confiar en la mayoría de lãs personas’
Conforme dados apresentados no Gráfico 2, a confiança interpessoal é baixa nos
quatro países vizinhos, mas chama atenção o baixíssimo percentual apresentado pelo Brasil e
Paraguai, de apenas 6%. O contexto político e cultural é fundamental para explicar essa
situação. Numa sociedade onde as leis são obedecidas, os níveis de violência são baixos e as
decisões políticas oferecem soluções concretas aos problemas sociais, certamente haverá
maiores laços de confiança e de solidariedade social. “Os cidadãos que acreditam que os
outros são pessoas decentes e honradas estão mais inclinados a confiar em estranhos”, aponta
Rennó (2001), sugerindo que a percepção do outro como um cidadão honesto é fundamental
para o crescimento da confiança.
Tradicionalmente, a confiabilidade e a segurança permanecem restritas ao âmbito
privado e familiar. A erosão das normas de convivência, que destituem a arena pública de
qualquer caráter positivo, caracteriza um verdadeiro estado de natureza, sem lei nem ordem.
Segundo Wanderley Guilherme dos Santos (1993), essa desconfiança generalizada e ausência
de solidariedade e cooperação se devem à existência de uma cultura política autoritária, de
natureza hobbesiana e predatória, geradora de comportamentos individualistas, hostis e pouco
democráticos.
O conjunto de dados examinados evidencia que a indiferença e a desconfiança em
relação às instituições políticas refletem a decepção dos cidadãos frente aos graves problemas
sociais, ao aumento da pobreza, à má qualidade dos serviços públicos, à ineficácia dos
partidos e dos governos em responderem às demandas sociais e ao aumento da corrupção. Sair
desse círculo vicioso para entrar num círculo virtuoso, no qual a credibilidade nas instituições
políticas e o sentimento de eficácia política favoreçam o aumento da participação política, é o
grande desafio da democracia brasileira.
Compreender as relações de confiança entre as pessoas e a confiança que elas
depositam nas instituições políticas é fundamental para entender os baixos indicadores de vida
associativa e a baixa participação política, especialmente no contexto latino-americano, como
mostra o Gráfico 3.
Gráfico 3
Freqüência da Participação Social
Nunca (%)
Fonte: LAPOP – Vanderbilt University, 2008 / n= 1.485 / n= 1.146
Questão: Com que freqüência participa de: (1) Uma vez por semana; (2) Uma ou duas vezes ao
mês (3) Uma ou duas vezes ao ano; (4) Nunca.
A participação política caracteriza-se pelas ações coletivas ou individuais, de apoio ou
de pressão, direcionadas a selecionar governos e a influenciar as decisões tomadas por eles.
Há uma ênfase na participação eleitoral, avaliada pela disposição dos cidadãos em participar
de eleições e referendos. A participação mais ampliada, que consiste na participação em
partidos, sindicatos, movimentos ou associações, não chega a 20% no Brasil e no Paraguai,
como mostra o Gráfico 3.
Pontualmente, no Brasil, os movimentos e organizações sociais apresentam-se como
uma nova forma de intervenção social, desde os anos 1980. Possuem o papel de promover a
inclusão social, a cidadania e a transformação de práticas arraigadas na sociedade que
impedem a afirmação e o reconhecimento dos direitos. As novas formas de participação
caracterizam-se por serem mais flexíveis e horizontais e por exigirem maior eficácia e
transparência das ações governamentais. Na medida em que buscam contemplar os interesses
sociais diversos, contribuem para a criação de uma nova gramática social e política, capaz de
mudar as relações de gênero, de raça e de etnia. De acordo com o Latinobarômetro, os índices
desse tipo de participação não alcançam 25% tanto no Brasil como no Paraguai.
Teóricos da cultura política argumentam que os cidadãos mostram-se mais dispostos a
participar quando acreditam que suas ações e seus objetivos serão alcançados. Trata-se do
sentimento de eficácia política ou competência política subjetiva, aquele que os indivíduos
acreditam que podem influenciar nas decisões políticas (ALMOND; POWELL JR, 1972). O
reconhecimento de que a participação popular sintetiza valores da cultura política democrática
e da cidadania ativa nos conduz a continuar a investigação sobre diferentes canais de
participação existentes, o grau de interesse e de ocupação desses espaços nos países latinoamericanos e a qualidade dessa participação política.
Considerações finais
Este trabalho buscou identificar a maneira como as pessoas percebem, atuam e se
comportam em relação ao funcionamento da democracia. Foi possível observar que a despeito
da existência de instituições políticas democráticas no Brasil e no Paraguai, a expansão da
pobreza e das desigualdades sociais, o ceticismo e o afastamento dos cidadãos da esfera da
política se colocam como desafios à democracia, pois comprometem comportamentos
favoráveis à participação, à confiança política e de apoio ao regime democrático.
No âmbito formal, a participação dos cidadãos em eleições, e, em alguma medida, em
conselhos gestores, orçamento participativo e audiências públicas demonstram a possibilidade
de construção de uma cultura política democrática dentro de um contexto tradicional de
práticas clientelistas, personalistas, autoritárias e corruptas. Contudo, os baixos níveis de
participação encontrados nestes países não têm contribuído para consolidar valores e práticas
mais democráticas na América Latina.
Estas reflexões pretendem contribuir para ampliar os estudos de cultura política
latinoamericana, tendo em vista a importância de analisar contextos regionais. O próximo
passo é analisar os espaços de participação institucional existentes em ambos os países,
verificando como se dá o exercício dessa participação nas esferas de poder local. A proposta
será sondar a percepção dos agentes políticos sobre a democracia e sobre os mecanismos
formais de participação previstos nas legislações federais e municipais no Brasil e no
Paraguai.
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