Abílio Wolney Aires Neto

Transcrição

Abílio Wolney Aires Neto
Abílio Wolney Aires Neto
MOVIMENTO COMUNISTA
–LIGA CAMPONESA, 1962–
Dianópolis, 2006
Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Casualmente, duas crianças brincam na Rua, de frente à Loja Póvoa em Dianópolis, pichada com a
frase: Fora com Julião Mirim (A frase seria contra Gilvan Rocha, em referência indireta ao Dep.
Francisco Julião). Quem são os meninos: Wellington Filho e Tânia Lustosa ou Ary e Selma? (Revista
O Cruzeiro, ano XXXV, n. 11, 22.62)
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Abílio Wolney Aires Neto
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INTRODUÇÃO
Na solidão de um aposento simples, mas aconchegante,
decorado pela cultura de livros empoeirados, recorro a antigos jornais,
digitalizados,1 que trazem fatos protagonizados por um grupo de jovens
comunistas, que, como em outros pontos do País, se preparavam para uma
guerrilha, fruto da articulação das Ligas Camponesas no início dos anos
60, cujo foco ficava na Fazenda Catingueiro, então município de
Dianópolis e atual município de Rio da Conceição, no ponto fronteiriço
entre ambos.2
Aguçou-me o interesse em estudar Karl Marx3 mais a fundo,
porquanto dele nos eram conhecidos apenas fragmentos do seu
1
Na ocasião, o autor concluía as Memórias de João Rodrigues Leal e então teve a idéia de
transcrever os Jornais de época, que dariam entrecho a este livro. No primeiro semestre de
2005, em meio ao azáfama da magistratura, com o apêndice da Justiça Eleitoral e da
Diretoria do Foro da comarca, me sobravam as noites para ―descansar‖ escrevendo
modestos trabalhos de pesquisa histórica. Por ocasião das férias de julho do mesmo ano,
em Dianópolis, farto material de pesquisa me foi confiado pelo ex-Prefeito Dário
Rodrigues Leal. Cuidava-se de acervo que lhe fora repassado por volta de 1967, por seu
ilustre irmão, Dr. João Rodrigues Leal, agora posto em livro.
2
Antigo nordeste goiano, hoje sudeste do Tocantins.
3
No Mestrado, venho obtendo uma revisão geral do Positivismo (Augusto Comte e outros)
e das regras do Método Sociológico de Durkheim, Economia e Sociedade de Weber para
aprofundar no método dialético com Karl Marx, que publicou ―O Capital‖ em 31.03.1848.
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pensamento, em apostilas lidas no primeiro período da Faculdade de
Direito em Goiânia (1989-1993), onde não se respirava mais o ambiente
revolucionário dos anos 60, quando as idéias comunistas prosperavam,
com a ideologia da sua doutrina.
Passando da meia idade e com uma consciência religiosa bem
formada, depois de muita literatura espírita, suponho conhecer bem a
antítese do materialismo histórico do grande pensador alemão. Não me
convenceria mesmo a sua prospecção. Todavia, rendo-lhe respeito pela
ideologia que revolucionou boa parte do mundo e fez tantos seguidores,
especialmente no meio intelectual.
Surge esta tiragem (2011), quando estou novamente a estudar as
teorias sociais, como mestrando em Direito, Relações Internacionais e
Desenvolvimento pela PUC-GO, o que já vinha fazendo desde o ano
passado. Os professores são ótimos, o ambiente acadêmico sugere
empolgação, todavia a releitura dos clássicos do positivismo, com
destaque para Augusto Comte e da Sociologia, sempre com âncora em
Durkheim, Max Weber e apoteose em Karl Marx, me conduzem à
conclusão de que continuamos estacionados com os formuladores do
pragmatismo catedrático exclusivista.
Há um ciclo vicioso de teorias impraticáveis, ao sabor da própria
mentalidade, cultura e inclinações gestadas a partir do Século XIX,
olvidando que a partir de 1857 também surgiram as estruturas
concepcionistas do tríplice pensamento religioso, científico e filosófico
anotado pelo cientista francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, pedagogo
e poliglota, discípulo de Pestalozzi, que na codificação doutrinária passou
a subscrever como Allan Kardec.
Imagina-se o horror que acomete os teóricos da doutrina
socialista falar em religião, que remete para Deus e Cristo. A idade média,
com os seus abusos, criou a dicotomia entre ciência e religião. Demais,
Aulas e textos de livros sobre a Escola de Frankfurt (Martin Jay), passando pela dialética
do Esclarecimento (Adorno e Horkheimer). Só mais tarde a Revolução Bolchevista de
1917 teve sucesso na Rússia incendiando o horizonte pelo ideal marxista. Era a utopia da
reforma exterior, fazendo emergir ditadores impiedosos, como os da Rússia e da
Alemanha, em suas sinistras aventuras revolucionárias, como mostraram os fatos no
tempo.
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raramente nas rodas acadêmicas os estudiosos tem preparo suficiente – ou
entusiasmo – para trabalhar com material comprometido com a incômoda
realidade espiritual, como fazem os Centros de Estudos Espíritas ou aqui e
ali uma Faculdade que tangencia o assunto de modo científico, na cadeira
dos psicologistas.
Albert Einstein afirmava: ―A ciência sem a religião é paralítica.
A religião sem a ciência é cega...". A questão, simples, toma natureza
complexa, pois em regra os teóricos filiam-se à metodologia esperada dos
textos direcionados prioritariamente para o meio acadêmico especializado,
como se ficassem a corresponder uns com os outros, mais atentos à
preservação de seu status acadêmico do que ao labor de transferir uma
visão nítida do que escrevem.
Neste trabalho singelo, mero documentário em transcrição,
sobrou-me a tribuna desta Introdução e das citações que faço na Reflexão
final, mas vai aí o desabafo contra a pressão provinda do contexto
acadêmico, que induz os estudiosos a levarem em conta os interesses
culturais da Universidade. Comentários de erudição que, embora
esclarecedores e competentes, aduzem leitura personalizada dos temas, em
segunda mão, por falta de espaço para teorias como a kardequiana,
filosofia que chega com vigor teórico-prático ao portal do III Milênio.
Cumpre anotar que o socialismo científico tem sua matriz
racional delineada principalmente na obra O Capital, mas o fato é que
mostrou-se impraticável na URSS, na China e em Cuba, por exemplo.
Uma utopia univocamente maravilhosa, mas equivocadamente plasmada
na idéia da Revolução com a violência, na negação de Deus e na
suposição de que poderia igualar as pessoas com o comunismo, quando as
pessoas estão em faixas espirituais evolutivas diferentes, com pendores
diversos. Enquanto uns querem estudar, trabalhar, outros querem a ilusão,
a luxúria, a esbórnia. Há pobres do norte que vêm, lutam e vencem. Há
pobres do norte e do sul tão preguiçosos que são alcançados pela miséria.
Há também pobres – sabe-se – que o são porque não tiveram uma família,
educação, condições de sobrevivência, filhos de pais alcoólatras ou
lançados à orfandade, e estes são a maioria no Brasil. Outros doentes, mal
nutridos, vicejando em ambiente moral abjeto, com mil dificuldades. As
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casas de lonas pretas ou caixotes de tijolos com dois cômodos são bem o
retrato a insultar a crueldade do nosso egoísmo.
É fato que a miséria cresce. Apenas migrou da Europa para a
África, Ásia, América do Sul. Marx já dizia que uma das características
do capitalismo é a miséria crescente. No mundo já ultrapassam a casa de 1
bilhão e meio de miseráveis, sejam os viventes dos países ditos socialistas
ou das vítimas do capitalismo selvagem.
O século XX, que nos enriqueceu de tecnologia e de ciência,
ampliando os horizontes do infinito e penetrando nas micropartículas,
deixou-nos o legado individualista dos mais tormentosos, graças a cuja
presença ainda experimentamos a angústia, o deslocamento emocional, o
transtorno de conduta afetiva, as fugas pisocológicas, as incertezas.
Poderíamos recordar que o eminente Soren Kierkegaard, o admirável
teólogo dinamarquês, que abraça de alguma forma a filosofia pessimista,
ensejou a outros pensadores notáveis de antes da 2ª Guerra Mundial como
Émile Durkheim e depois John Paul Sartre, Madame de Beauvais, Albert
Cammy, a infeliz oportunidade de tentarem demonstrar que a vida não
tem sentido e que a criatura humana jornadeia em busca do próprio caos.
Essa herança pessimista, que se iria concretizar no dito capitalismo
selvagem ou que iria debandar no Socialismo perverso da antiga União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas, deixou em nossos sentimentos
profundas marcas, na área do comportamento sociológico, nas
manifestações psicológicas e nos relacionamentos sociais. Por essas
razões e outras tantas a nossa vida é feita de incertezas, somando-se ao
planeta que habitamos e que ainda se encontra numa fase de
desenvolvimento das suas potências.4
Então, fico pensando que a grande doutrina filosófica para a
humanidade há de ter fulcro no Evangelho do Homem de Nazaré,
enfeixando o maior tratado de humanidade a ser seguido na direção da
alteridade entre os povos, pois a Terra é um só País e os seres humanos
seus cidadão.5 Como dizia Martin Luter King, ―ou aprendemos a viver
como irmãos, ou vamos morrer juntos como idiotas‖.
4
Parágrafo construído com palavras de Divaldo Franco em palestra espírita.
5
Bahá‘u‘lláh.
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Auxiliemos o hipossuficiente, pois fora da caridade não há
verticalidade com o Criador, nem horizontalidade na regra do amor ao
próximo, e isso não é sectarismo religioso, senão regra para a convivência
pacífica entre as gentes. Não é de se apregoar que hajam miseráveis para
serem passivos da nossa esmola, pois esta às vezes queima a mão de quem
recebe. Trata-se da caridade integral, moral e material em forma de
remuneração, divisão, pois somos usufrutuários, depositários, não
proprietários daquilo que a Providência nos confiou. O universo, o sistema
gravitacional é muito bem organizado, demonstrando na criação, por
dedução óbvia, que há um criador, o grande maestro que rege essa imensa
orquestra.
Os governos do mundo já estiveram mais distantes de socorrer o
proletariado. Os governantes ainda praticam o assistencialismo, não por
amor, pois muitos o fazem com o anelo de obter votos na próxima eleição.
O capitalismo, está longe de equacionar o problema das diferenças, a base
social dos explorados e dos que sequer despertam interesse dos
exploradores, pois estão aquém disso.
Tenho visitado o ―presídio‖ de Anápolis e constato que muitos
dos presos do Brasil de hoje são egressos de regiões mais pobres do País,
que vieram para os grandes Centros. Se tornaram ―bandidos‖, seja pelo
padrão evolutivo espiritual, sem a necessária correção do meio e do País
onde nasceram, seja porque continuaram excluídos. Na cadeia adoecem,
se degradam, fazem motins, rebeliões, há os que morrem ou matam
policiais. Protrai-se a revolução da classe esmagada da pobreza. Ao serem
presos recebem o título de reeducandos, mas como se não foram educados
antes, se às vezes não tiveram acesso às coisas mínimas? O bandido
mesmo é diferente! Precisa ser preso para não se comprometer. Para não
nos roubar ou nos matar etc. Todavia, as nossas cadeias não recuperam
ninguém. São educandários do crime. E nos supomos impolutos...
O Estado brasileiro é protagonista de uma distribuição de rendas
injusta, com uma pirâmide tendo no topo os ricos e uma grande base
esmagada.
O egoísmo humano gerou o supérfluo, a introjeção de
necessidades que não possuímos, enquanto há pessoas abaixo da linha da
miséria. Esse quadro secularizado gerou a ideologia.
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O anarquista Kropotkine idealizou o comunismo como um
sistema sem governo. Feuerbach, seguidor de Hegel, contribuiu com tal
pensamento, embora acreditasse que a idéia socialista, mesmo no extremo,
não deveria se impor com a violência. Sonhava com a educação das
massas de base do extrato social, que levariam o povo ao poder.
Tolstoi, Gorki e Dostoievski já falavam dos direitos dos
camponeses e sustentavam a liberdade de consciência para todos,
independente da classe social ou cultural.
Posterior, a teoria marxista deu outros rumos, na retórica do
materialismo histórico e dialético, na perspectiva da mais-valia.
Recentemente, filósofos da Igreja Católica Romana combateram
o que consideravam os exageros de Marx, achando, mesmo assim, que
seria possível uma conciliação entre o comunismo e a doutrina social da
Igreja. Apoiados na Teologia da Libertação, militantes dissidentes do
clero terminaram por organizar as Comunidades Eclesiais de Base, com
destaque para o gênio do teólogo e antigo franciscano Leonardo Boff,
inclusive com seu discurso contra o fundamentalismo religioso e sua
memorável página que chamou de Sermão da Montanha do Corcovado:
Naqueles dias, o Cristo do Corcovado, na cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro, estremeceu e se reanimou. O que era cimento e pedra se
fez carne e sangue. Estendeu os braços, querendo abraçar a cidade e o
mundo, abriu a boca e disse:
―Sinto pena de vós, milhões e milhões de irmãs e irmãos, meus mais
pequeninos, expulsos das terras, solitários, embrenhados nas selvas,
amontoados nas periferias, caídos em tantos caminhos, sem nenhum
samaritano para vos socorrer.
Bem-aventurados sois todos vós, pobres, famintos, doentes e
desesperados. Importam pouco vossas virtudes ou vícios. Importa muito
o fato de serdes oprimidos, vítimas de uma sociedade perversa.
Meu Pai que é doador de vida vos tem em seu coração. Ele vai inaugurar
seu reino de vida, de justiça, de ternura e de liberdade começando por
vós. Vossas blasfêmias não são para mim blasfêmias. São súplicas
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lancinantes. Vosso individualismo não é para mim egoísmo. É vontade
ferrenha de sobreviver. Vossa paixão dolorosa tem mais estações que a
minha. Vós atualizais e perpetuais minha Paixão redentora pelos séculos
afora.
Ai de vós, donos do poder, que há mais de quinhentos anos sugais o
sangue dos trabalhadores. Vós os reduzistes a combustível barato para
vossas máquinas fabricarem riqueza injusta.
Até meu santo nome vós usastes para legitimar vossa ordem que é
desordem e não traz progresso para o povo.
Geração perversa, até quando provocais a paciência destes meus servos
sofredores? O juízo exterminador de Deus, que se realiza ainda nesta
história, pesa sobre vossas empresas.
Não serei eu nem será meu Pai que vos julgarão, mas as vítimas que
fizestes.
Olhai seus rostos! Guardai-lhes os traços. Eles serão vossos juízes.
Só há para vós um caminho de salvação, um único: solidarizar-vos com
as lutas dos oprimidos que visam pão, liberdade, ternura e beleza não só
para si, mas também para vós e para todos!
Assumam o projeto dos pobres, que é de transformação para haver mais
vida e liberdade para todos.
Bendita pátria grande latino-americana! Como que sejais no meio de
todos os povos, que são igualmente povos de Deus, a expressão de
minha hospitalidade, de minha jovialidade, de minha alegria de ser, de
minha abertura sem cálculo e da graça humanitária de meu e vosso Pai
celestial.
Olhai as matas e os cerrados, a gigantesca Cordilheira e o Amazonas
imenso, os rios caudalosos e os vales profundos, os animais selvagens e
os pássaros sem conta. Eles são todos vossos irmãos e irmãs.
Domesticais vossa ganância. Como meu Pais os cuida, cuida-os vós
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também. Os seres todos do cosmos também herdarão o Reino. Serão
transfigurados e existirão para sempre junto convosco, comigo e com o
Espírito de vida no Reino do Pai.[...]
Bem-aventurados os que lutam pela terra no campo para nela trabalhar e
fazer do chão a mesa posta para as fomes do mundo inteiro. Felizes os
que lutam pela terra na cidade para poder morar com a dignidade dos
filhos e filhas de Deus.
Maldito o latifúndio que rouba a terra que o Pai destinou a todos e que
assassina meus irmãos e irmãs posseiros. Em verdade vos digo: ainda em
vida sereis espoliados. Se não cuidardes, ficareis somente com a terra da
campa, que será pesada sobre vosso cadáver.
Bem-aventuradas sois vós mulheres do povo, que resistis contra toda
subjugação e que lutais por uma sociedade nova na qual homens e
mulheres juntos, com as diferenças, a reciprocidade, a
complementaridade e a solidariedade, inaugureis uma fraterna aliança.
Benditos sois vós, milhões de menores carentes e abandonados, meninos
e meninas de rua, vítimas de uma sociedade de exclusão que o Pai
abomina. Ele vos enxugará toda lágrima, vos apertará contra o peito e
brincará eternamente convosco porque Seu filho Jesus também foi um
dia criança, foi ameaçado de morte e teve de fugir para o Egito.[...]
Felizes os movimentos que buscam a libertação de todos, a começar
pelos oprimidos e marginalizados. Assumistes a mesma causa pela qual
vivi, sofri, fui crucificado e ressuscitei: gestar um mundo novo no qual a
luz tem mais direito que as trevas e a vida vale mais que os bens
materiais. Que ninguém vos calunie por não pertencerem ao meu grupo e
por não falarem de mim. Vós sois também meus discípulos e não estais
longe do meu Reino.
Bem-aventurados que buscam novos caminhos para a sobrevivência,
novas formas de produzir, de distribuir comunitariamente, de consumir
em partilha. Eu vos asseguro que caminharei convosco e achareis sempre
novas formas de convivência.
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Bem-aventurados os que esperam entre lágrimas a grande aurora da
libertação, fruto da graça divina e da luta humana, porque seu olhos
verão o sol da justiça raiar. Bem-aventurados os que guardam a boa
vontade, alimentam o fogo interior e sabem acreditar no sonho de um
mundo novo. [...]‖
Depois de dizer essas palavras de admoestação, de consolo e de
promessa, o Cristo voltou a ser novamente pedra, com os braços
estendidos e o coração para fora. Todos devem saber que são alcançados
por seus braços, para se sentirem livres e encerrados em seu coração
porque são ternamente amados. E assim foi ontem, é agora, será amanhã
no sol e na chuva, no vento e na noite, pelos séculos dos séculos
amém‖6.
Não se nega a sedução da filosofia socialista, no seu ideal de
igualdade entre todos. Todavia, é fato que, com a derrocada da União
Soviética, a queda do muro de Berlim e a ditadura em Cuba, a esquerda
política mergulhou nas conveniências políticas de centro para sobreviver,
negando a própria ideologia. É preocupante a extinção dos Partidos
Comunistas, pois, embora equivocados de fundo, a nosso ver, representam
uma oposição, uma crítica constante ao liberalismo sem fraternidade, à
globalização, ao imperialismo do capital que vigora mascarado na nossa
democracia de desiguais. Dizia Winston Churchil que a democracia é o
pior dos regimes políticos... excetuando todos os outros. Tinha
razão ao fazer esta afirmação. É que não há regimes ou sistemas perfeitos.
Há, certamente, uns que são maus, outros menos maus e um que, pela sua
própria natureza, procura a justiça tendo como base o respeito pela
vontade do povo e que, por isso, se designa de democracia.
A diferença entre este regime e todos os outros é que só este
garante o exercício dos direitos humanos, o respeito pela dignidade
humana e a prática da justiça e da liberdade. Mas não é um sistema
perfeito porque simplesmente regimes perfeitos ainda não existem no
mundo. Basta ver que o regime é democrático, mas o capitalismo levado a
6
BOFF, Leonardo. Ecologia, Munidialização e Espiritualidade.
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efeito é ditatorial, selvagem, dentro da lógica competitiva e não
cooperativa.
Os governos têm encontrado mecanismos legais para a
interferências nas leis do mercado, com algum controle do liberalismo,
mesclando o capitalismo com aspectos do socialismo, buscando o menos
grave em cada um para se fazer um amálgama das ideologias, ainda tão
distantes do ideal.
Como espírita, e portanto cristão, vejo as coisas sob outra ótica,
como ascenado. A ideologia que há de preponderar na humanidade
completa o seu sesquicentenário e não é uma utopia. Emmanuel7 nos faz
uma retrospectiva da história e nos aponta um caminho. Diz ele,
reportando-se ao surgimento do socialismo:
Grandes idéias florescem na mentalidade de então. Ressurgem, aí, as
antigas doutrinas da igualdade absoluta. Aparece o socialismo propondo
reformas viscerais e imediatas. Alguns idealistas tocam a Utopia de
Thomas More, ou a República perfeita, idealizada por Platão. Fundam-se
as alianças de anarquismo, as sociedades de caráter universal. Uma
revolução sociológica de conseqüências imprevisíveis ameaça a
estabilidade da própria civilização, condenando-a à destruição mais
completa. O fim do século que passou é o cenário vastíssimo dessas lutas
inglórias. Todas as ciências sociais são chamadas aos grandes debates
levados a efeito entre o capitalismo e o trabalho. Onde se encontram,
porém, as forças morais capazes de realizar o grande milagre da
elucidação de todos os espíritos? A Igreja Romana, que nutria a
civilização ocidental desde o seu berço, era, por força das circunstâncias,
a entidade indicada para resolver o grande problema. Todavia, após as
afirmativas do Sílabo e depois do famoso discurso do bispo Strossmayer,
em 1870, no Vaticano, quando Pio IX decretava a infalibilidade
pontifícia, semelhante equação era muito difícil por parte da Igreja.
Entretanto, Leão XIII vem ao campo da luta com a encíclica "Rerum
Novarum", tentando conciliar o braço e o capital, apontando a cada qual
os seus mais sagrados deveres. Se o efeito desse documento teve
considerável importância para as classes mais cultas do Velho e do Novo
7
Emmanuel, A Caminho da Luz, FEB. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
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Mundo, tanto não se deu com as classes mais desfavorecidas, fartas de
palavras. O Espiritismo vinha, desse modo, na hora psicológica das
grandes transformações, alentando o espírito humano para que se não
perdesse o fruto sagrado de quantos trabalharam e sofreram no esforço
penoso da civilização. Com as provas da sobrevivência, vinha reabilitar
o Cristianismo que a Igreja deturpara, semeando, de novo, os eternos
ensinamentos do Cristo no coração dos homens. Com as verdades da
reencarnação, veio explicar o absurdo das teorias igualitárias absolutas,
cooperando na restauração do verdadeiro caminho do progresso humano.
Enquadrando o socialismo nos postulados cristãos, não se ilude com as
reformas exteriores, para concluir que a única renovação apreciável é a
do homem intimo, célula viva do organismo social de todos os tempos,
pugnando pela intensificação dos movimentos educativos da criatura, à
luz eterna do Evangelho do Cristo. Ensinando a lei das compensações no
caminho da redenção e das provas do indivíduo e da coletividade,
estabelece o regime da responsabilidade, em que cada espírito deve
enriquecer a catalogação dos seus próprios valores. Não se engana com
as utopias da igualdade absoluta, em vista dos conhecimentos da lei do
esforço e do trabalho individual, e não se transforma em instrumento de
opressão dos magnatas da economia e do poder, por consciente dos
imperativos da solidariedade humana. Despreocupado de todas as
revoluções, porque somente a evolução é o seu campo de atividade e de
experiência, distante de todas as guerras pela compreensão dos laços
fraternos que reúnem a comunidade universal, ensina a fraternidade
legítima dos homens e das pátrias, das famílias e dos grupos, alargando
as concepções da justiça econômica e corrigindo o espírito exaltado das
ideologias extremistas. Nestes tempos dolorosos em que as mais penosas
transições se anunciam ao espírito do homem, só o Espiritismo pode
representar o valor moral onde se encontre o apoio necessário à
edificação do porvir. Enquanto os utopistas da reforma exterior se
entregam à tutela de ditadores impiedosos, como (foram) os da Rússia e
da Alemanha, em suas sinistras aventuras revolucionárias, prossegue ele,
o Espiritismo, a sua obra educativa junto das classes intelectuais e das
massas anônimas e sofredoras, preparando o mundo de amanhã comas
luzes imorredouras da lição do Cristo 8.
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Emmanuel, A Caminho da Luz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, editora FEB.
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De fato. A grande revolução não será com a violência dos que
impõem. Não se dará por decretos. Muito menos com a negação de Deus e
da religião, tachada por Karl Marx como o ―ópio do povo‖.
Do livro Zanoni9:
―Distribua toda a riqueza do mundo em partes iguais entre os
homens. Amanhã mesmo já teremos pobres...‖
Porque um multiplicará as dracmas. Outros, por pobreza de
iniciativa, a enterrarão. Outros, estróinas, as gastarão.
O verdadeiro socialismo é aquele deixado pelo filósofo da
Galiléia. O seu Movimento ―revolucionário‖ partirá das individualidades
para o todo, num caminho inverso do materialismo histórico, numa
dialética diametralmente oposta aos sistemas postos, onde a tese será a da
mudança interior de cada um, por misericórdia ou sob os aguilhões da
justiça; a antítese será o destaque das personalidades dos estetas, dos
pensadores, dos homens de bem, pois até pouco a humanidade vinha
sendo conduzida por Generais. Depois, os redivivos Evangelhos do Cristo
que são o Código doutrinário da Revolução da humanidade, porquanto
encerram a gloriosa síntese de toda a evolução terrestre, fermento divino
de todas as culturas, alma sublime de todo pensamento.10
Agora, vamos ao livro, um documentário.
Dianópolis/Goiânia, 2006-2011.
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Lutton, Edward Bulwer, Zanoni.
Emmanuel, Francisco Cândido Xavier.
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I
RIO DA CONCEIÇÃO
Por volta de 1933 passavam uns homens por Dianópolis, rumo
ao Rio da Conceição, procurando uma certa Cidade Subterrânea – mas
não era isso o que eles queriam. O povo achava que era alguém sondando
território para implantação de uma célula comunista.11
Em fevereiro de 1961 surgiu a Cia. de Investimentos do
Nordeste, que dizia ter vindo plantar milho no areão dos gerais do então
povoado de Rio da Conceição, mas fevereiro não era mês de chuvas.
Todavia, aguardariam a estação. Era gente do ativista, advogado e Dep.
Francisco Julião, que já era conhecido pela imprensa como o grande
fenômeno das Ligas Camponesas. Seu nome ganhava as manchetes de
jornais, causava temor nas elites e chagava aos ouvidos dos líderes da
revolução cubana. Ele havia apoiado o Movimento Revolucionário
Tiradentes – MRT envidando meios para uma guerrilha no Brasil, ao
modelo cubano.
Em Goiás havia vários focos de guerrilha. Este trabalho destaca
o da Fazenda Catingueiro, em Rio da Conceição.
O antigo povoado de Rio da Conceição, bem próximo à Fazenda
Catingueiro, onde os jovens ativistas das Ligas Camponesas fizeram seu
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Contou Dário R. Leal em 2005. Hoje, aos 93 anos, ainda é lúcido.
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núcleo, é hoje município emancipado, cuja área urbana é cortada pela
caudal do Rio Manoel Alves, com balneários formidáveis.
O município tem sua origem num aldeamento de índios ―Xerentes‖,
conhecido inicialmente como Rio das Éguas, por haver criação de animais
equinos. Conta-se que, em meados de 1870 a 1880, chegava em Rio da
Éguas, descendentes de índios Xerentes, formando então o aldeamento
―Xerente‖. A denominação inicial se deu em razão da eqüinocultuta
desenvolvida no lugar.
Em 1899 foram chegando povos de outros lugares e os índios
foram perdendo seu espaço. Os primeiros homens brancos chegaram ao
local por volta de 1902, fugindo da seca da Bahia.
Os fundadores de Rio da Éguas foram Manoel Ferreira de França
com sua esposa Joana de França e seus irmãos, que se instalaram e
constituíram família. Ao longo do tempo a população foi crescendo e
outras pessoas foram também imigrando para o Rio das Éguas.
O lugar somente recebeu o topônimo atual em razão do
recebimento de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, padroeira.
Os produtos agrícolas produzidos eram levados em carro de bois
para serem vendidos em Barreiras-BA e lá comprados os produtos
industrializados, o desenvolvimento foi chegando, aos poucos foram
surgindo as primeiras famílias, tendo como primeiro educador do lugar o
senhor Aurelino Rodrigues de Araújo.
Transcorria o fim da década de 1930, Dianópolis, novo nome do
velho Município de São José do Duro, ainda não soava legítimo aos
ouvidos da maioria dos seus habitantes, acomodados à vida pacata e
estática deste distante sertão goiano. São José do Duro, ou simplesmente
Duro, continuava sendo o nome mais usado pela população do Município
e da maioria absoluta dos que tinham tomado conhecimento de sua
existência através dos tristes acontecimentos que aqui se desenvolveram
no primeiro quartel do século XX.
Foi por volta de 1939 que a firma Póvoa e irmãos, recém
instalada na cidade, observando que o povoado do Rio da Conceição
oferecia perspectivas de progresso, com o aproveitamento do Rio que
atravessa o povoado e pelas matas abundantes e férteis que se estendiam
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
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por suas margens, decidiu levar àquele isolado núcleo populacional, sua
contribuição para o progresso do lugar.
A firma constituída de três sócios: Francisco Liberato Póvoa, o
mais velho, Benedito Costa Póvoa e Pery Costa Póvoa o mais novo dos
três. Os dois primeiros, por uns tempos transferiram-se com suas famílias
para àquele povoado, levando em carros de boi o necessário para o início
do seu empreendimento lá, e nas suas mentes a disposição de construir
naquele local uma usina de beneficiamento de arroz e algodão. Para isso
tornou-se necessário construir um canal com cerca de dois quilômetros de
comprimento, um metro de largura e profundidade variavam para
conseguir queda suficiente para a instalação de uma roda d‘água que
forneceria a força mecânica necessária ao movimento das duas máquinas.
Peri, o outro irmão, ficou cuidando dos interesses da firma, na sede do
Município.
Naquele lugar pobre, mas de rico potencial, destacavam-se, entre
os chefes principais, os irmãos Romão de Carvalho e Antônio Pedro de
Carvalho, além de Virgílio Ferreira de França, cujas famílias se
irmanavam a muitas outras do lugar. Uma grande parte das famílias ali
residentes eram de origem baiana, de Formosa do Rio Preto.
Nos quintais de quase todas as casas do povoado, havia muitas,
limeiras cujos doces frutos faziam a delícia dos raros visitantes que por ali
apareciam e as recém chegadas dos irmãos Póvoa, generosa e alegremente
escolhidas pelos moradores do lugar, foram fartamente presenteados com
dulcíssimos frutos das limeiras.
Com a chegada dessas famílias com muitas crianças e
adolescentes, foi necessário contratar um professor para transmitir os
primeiros ensinamentos a esses jovens que se somavam aos do povoado.
O professor Hermes Batista foi que por muito tempo, dois ou três anos
ensinou as primeiras noções de linguagem e de aritmética àquela
mocidade da qual eu fazia parte.
A principal dificuldade a vencer na abertura do canal para desviar
parte da água do rio, foram as grandes pedras encontradas no subsolo,
quebradas com pólvora fabricada por Peri Costa Póvoa.
As pedras eram furadas com brocas de aço de fabricação rústica e
marretas pequenas. Os buracos com cerca de 20 cm de profundidade e 3,5
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a 4 cm de diâmetro, eram carregados de pólvora, ficando de fora um
estopim de mais ou menos 30 cm, suficiente para dar tempo de se afastar
das proximidades, correndo, a pessoa encarregada do fogo.
Depois de cerca de um ano de trabalho, ficou pronto o canal, que
tinha início perto da cachoeira do Cavalo Queimado e terminava nas
vizinhanças das primeiras casas do povoado. Daquele local, perto de outra
cachoeira, que passou a ser conhecida como cachoeira da Usina, em
terreno muito pedregoso, o pedreiro mestre Elias começou a erguer do
prédio da Usina, que depois de estar com as paredes niveladas, caiu, por
causa das infiltrações provocadas pelo rigoroso inverno.
Com alicerces mais profundos e em tempo seco, o prédio foi
reerguido, coberto e concluído, ficando pronto para receber as máquinas
que pertenceram a Antônio Póvoa, irmão mais velho dos três e que
chegaram a funcionar por algum tempo na fazenda progresso, nos
primeiros anos da década de 1930, nas vizinhanças de Dianópiolis.
Um aqueduto conduzia a água desde o canal até o despejar sobre
a roda d‘água que foi construída por Benedito Costa Póvoa, que era
mecânico, marceneiro e contador. Depois de algum tempo de
funcionamento a roda d‘água foi substituída por uma turbina alemã,
trazida de Salvador.
A Usina entrou em funcionamento, a produção local de arroz
cresceu, porque havia comprador certo, assim como o algodão exportados
para Barreiras e Salvador.
Foi muito difícil a realização desse trabalho. No povoado, tudo
era difícil, até mesmo certos produtos de uso mais comum, como farinha
de mandioca, sal, querosene e café, que, periodicamente tinham que ser
trazidos de Dianópolis.
O algodão beneficiado era enfardado por meio de uma prensa de
madeira fabricada também por Benedito Póvoa. A prensa era constituída
em sua essência por uma forma de pranchões de madeira resistente, por
cuja parte superior era colocada o algodão em lã, no peso correspondente
ao do fardo (60kg). Essa forma era forrada de um tecido de algodão
resistente, para depois constituir a embalagem do algodão beneficiado.
Sobre a parte superior da fôrma por onde era colocado o algodão,
colocava-se uma prancha que servia de tampa da prensa, que descia sobre
19
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o algodão e em cujo centro se apoiava a extremidade inferior de um
grande parafuso de madeira que era movido manualmente com o auxílio
de dois braços laterais. O giro desse parafuso prensava o algodão até
chegar ao volume padrão (mais ou menos 60cmx70cmx30cm). Com as
naturais cautelas as pranchas iam sendo retiradas e o forro de tecido ia
sendo costurado até ficar pronto o fardo.
A Usina se localizava na margem esquerda do Rio e na mesma
margem ficava também a maior parte das casas do povoado.
Quando a Usina começou a funcionar, a firma Póvoa e Irmãos
montou uma pequena loja com sortimento variado de tecidos, armarinhos,
sal, café e querosene etc., que foi a primeira casa comercial do lugar, que
ficou sob a direção de Floriano Macêdo.
Naquele tempo, já nos primeiros anos da década de 1940,todas
as terras daquele região eram devolutas e os irmãos Póvoa, julgando que
os moradores e que deviam ser os donos daquelas terras, não cuidaram de
requerer sequer a área onde funcionava a Usina não pretendiam apenas
ganhar dinheiro com aquele empreendimento industrial, nem tornarem-se
proprietários de boas terras de cultura. Pretendiam, principalmente, levar
um pouco de progresso àquela parte do Município.
Foi com profunda decepção que aqueles irmãos tomaram
conhecimento de que a valorização das terras causadas por aquele
empreendimento industrial havia despertado a cobiça de outras pessoas,
movidas por outros propósitos, que sigilosamente requereram as melhores
áreas daquela região. Diante de tal desconsideração, os donos daquele
empreendimento suspenderam as atividades da Usina que acabou caindo
no esquecimento. O Rio da Conceição, por esse motivo, teve o seu
progresso muito prejudicado, perdendo uma promissora indústria.
Apesar desse transtorno, o trabalho que chegou a ser realizado
foi indiscutivelmente um grande salto que veio tirar do isolamento em que
vivia, a gente daquele povoado, onde, em 1950, foi construi a Igreja
Católica e a primeira missa foi celebrada pelo Padre Magalhães com os
festejos da padroeira, no dia 08 de dezembro, quando passou a se chamar
Rio da Conceição.
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Foi ainda Benedito Póvoa, quando exercia o segundo mandato
de Prefeito Municipal, iniciando em 1961, que estendeu as redes de
transmissão de energia elétrica a esse povoado e instalou o Distrito de
mesmo nome, construiu uma nova estrada e uma ponte sobre o Rio
Manoel Alvinho, ligando a sede do Município ao Distrito que teve como
primeiro subprefeito Otílio Alves de Carvalho sobrinho de Antonio Pedro
de Carvalho.12
Rio da Conceição foi Município de Natividade-TO, mais tarde
Município de Almas-TO, e Distrito de Dianópolis-TO, até o ano de 1990,
sendo emancipado em 1991 através da lei 251/91 de 20 de fevereiro de
1991, tendo como divisa o Rio Manoel Alvinho. Foi aos 03 (três) de
outubro de 1992 a primeira eleição para prefeitos e vereadores,
instalando-se oficialmente em 1º de janeiro de 1993, Valdo Viana
Barbosa e Vice-Prefeito Evanuir Rodrigues de França,
com os
respectivos Vereadores, sendo posteriormente mudada a sua nomenclatura
para Rio da Conceição, que desde 1988 passou a integrar o então criado
Estado do Tocantins.
É uma atividade que faz parte do Município de Rio da
Conceição, devido às suas belezas naturais é um dos mais promissores
pólos turísticos do Estado. Há excelentes balneários, onde os visitantes
ficam impressionados com a exuberância da fauna e flora, áreas de lazer,
com água limpa e cabanas que protegem os turistas do sol forte, campo de
futebol, quadra de volêi. No Rio, há ainda as Cataratas dos Pilões,
Cachoeira do Cavalo-Queimado, Cachoeira do Cipó Grosso, Barra do
Prata e o inesquecível e tradicional Córrego da Prata. possui belas
cachoeiras e rios de água límpida.
12
Informações obtidas junto à Secretaria Municipal de Turismo de Rio da Conceição –
TO.
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Rio Manoel Alves – Local de rara beleza natural, neste trecho pode – se observar
as águas límpidas e o espaço do Balneário Municipal, ocupado todos os finais de
semana e feriados por turistas de Dianópolis, Porto Alegre, Almas e outras
localidades deste e de outros Estados; sua estrutura física conta com um Salão de
Eventos, Bar e Quiosques num total de 12 cada um com bancos de madeira para
comodidade dos turistas.
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Revista O Cruzeiro, ano XXXV, n. 11, 22.62
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II
MOVIMENTO COMUNISTA
As Ligas Camponesas constituíam uma entidade que
organizava os camponeses em torno da luta comunista pela reforma
agrária, inicialmente no sertão pernambucano, entrando por Goiás
com a proposta de organização popular de trabalhadores, exigindo direitos
trabalhistas elementares e terra para trabalhar. O movimento emergia em
pontos esquecidos do norte do Estado, com mínimas adesões nas cidades.
A movimentação dos trabalhadores rurais, entretanto, somava-se à
influencia da revolução cubana recém-vitoriosa, de modo que o Brasil era
tomado por uma onda de movimentos proletários, cada dia mais radicais.
Gilvan e um grupo de militantes do PCB exigiam da direção do partido
uma posição mais à esquerda, mais firme, chafurdando no movimento das
Ligas, idealizado pelo Deputado comunista Francisco Julião.
Os dissidentes rompem com o Partido e fundam o Movimento
Revolucionário Tirandentes – MRT. Dentre os militantes do MRT,
destacaram-se Gilvan Rocha13, Carlos Montorroyo, Cleto da Costa
13
Gilvan Queiroz da Rocha, também conhecido como Clovis Pinheiro, nos concedeu
breve entrevista pelo telefone, numa das ligação que fizemos a Fortaleza-CE em meados
de 2005. Educado e fiel à ideologia, mostrou-se firme nos seus objetivos. Sobre Gilva,
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Campelo Neto, Tarzan de Castro, Clodomir dos Santos Morais, Joaquim
Ferreira e outros. Fundam, com outros dissidentes do PCB o Movimento
Guerrilheiro do Norte de Goiás.
Narra Paulo Mamede14 que ―em 1962, dezenas de militantes do
MRT e organizações afins deixam a cidade e espalham-se pelo país, para
iniciar o que seriam ‗os focos guerrilheiros‘. Gilvan e companheiros eram
escalados para um foco no norte de Goiás. Treinavam táticas de guerrilha,
faziam trabalhos assistenciais ‗para ganhar a confiança do povo‘ e tinham
acesso a alguma literatura. A aventura, no entanto, não demorou muito.
Os erros infantis dos ‗guerrilheiros‘ fizeram com que a repressão militar
facilmente localizasse e desbaratasse o grupo. O episódio é bastante
explorado pelos conservadores que já avistavam o ‗perigo vermelho‘. A
revista ‗O Cruzeiro‘, de 11 de dezembro de 1962, dá ampla cobertura ao
caso, Gilvan é preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, em
pleno governo de João Goulart. A mesma facilidade encontrada pela
repressão para desbaratar os ‗guerrilheiros‘ Gilvan encontrou para fugir.
Com a ajuda de membros da maçonaria escapole para Brasília e – de lá –
volta para o Nordeste, onde articula, em Pernambuco e na Paraíba, a
vanguarda do grupo Leninista‖.
sabe-se ainda que ―em 1963, articulou em Pernambuco e na Paraíba o grupo Vanguarda
Leninista. A organização fez oposição ao governo de Miguel Arraes e passa a denunciar o
―reformismo do PCB‖. Alguns líderes foram presos durante o governo de Arraes. É ainda,
em 1963, que a Vanguarda Leninista conhece e adere ao trotskismo. O grupo alerta sobre a
iminência do golpe de 1964 e é visto pela esquerda monopolizada pelo PCB como
lunático. O golpe não pega o grupo de surpresa e com uma simples operação consegue
despistar a repressão ainda despreparada: os militantes de Pernambuco seguem para a
Paraíba e os da Paraíba para Pernambuco. O grupo só é apanhado pela repressão no final
de 64. Vários membros são presos, outros fogem na clandestinidade para outros Estados‖,
segundo narra Paulo Mamede, no livro Vermelho Cor de Esperança, pág. 5, de Gilvan
Rocha, editado pela Expressão Gráfica – Aldeota, Fortaleza—CE, 1996. Conheça o livro
Bye, Bye PT, do mesmo autor.
14
Veja o prefácio do livro Vermelho Cor de Esperança, de Gilvan Rocha.
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POR QUE A II GUERRA TERIA INFLUÍDO? 15
Observemos o seguinte: a II Guerra Mundial foi desfechada
contra a extrema-direita. A extrema-esquerda aderiu ao conflito como
tábua de salvação. Na época, o nazi-facismo consistia no dilema decisivo:
ou seria aniquilado ou imprimiria a derrota imediata das liberdades
humanas.
O comunismo internacional soube aproveitar a ocasião. No
Brasil, seus agentes procuraram, com sutilezas, desviar para o
integralismo batido em 1938 não apenas a ojeriza pela intentona de 1935,
como acrescentar uma aparência de arbítrio aos rumores que a
democracia renascente buscava, tonta com restos de sombras do Estado
Novo.
Concebeu-se, assim, a admissão de esquerdas perdoadas,
esquerdas para as quais correram, impunes e sem escrúpulos, tantos
homens da direita, favorecidos pela memória virgem de gerações
privadas de liberdade por cinco lustros.
Tratava-se de aproveitar o mercado de eleitores e, em nosso
país de tamanhos paradoxos, não faltou mais o de ser pregado um
socialismo justamente por figuras dos mais arraigados hábitos e
condições burguesas!
Tal coisa não deixou de atingir o então esquecido Goiás.
Ludovico quando lá, ainda interventor, proporcionava acolhida a
comunistas sem coragem de enfrentar os castigos da metrópole: depois,
aqui, já membro da Assembléia Constituinte, nutria esperança de ser
embaixador em Moscou, entusiasmando-se num contágio incontável, com
o livro do Deão de Canterbury, espécie de “linha saco” da literatura
socializante naquela quadra em que aliados podiam ser também inimigos
cordiais.
CUBA E O RESTO.
15
Jornal O Globo, de 26-01-65.
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Goiás foi palco de freqüentes episódios de retardamento
político, feudo de oligarquia demorada e extravagante. Estado
mediterrâneo, sacudiu-se nos seus alicerces, com a industrialização
florescente do após guerra. Para maior impacto sócio-econômicopolítico, a estrada que Brasília abriu compensou a perspectiva das verbas
diminuídas. Pela estrada, um revolucionário sistema de comunicações e
de vida se estabeleceu. E, nesse sistema, o caminhão encurtou para
quatro e até três dias o prazo de transporte dos cereais que antes
abarrotavam armazéns de Goiânia e de Anápolis, dependendo de uma
estrada de ferro absoleta que decidia da sobrevivência ou da morte dos
negociantes. Os vagões carregavam até por seis meses a mercadoria, e na
baldeação e na lerdeza registravam-se perdas que raro processo
indenizava, não se falando no agravamento dos custos.
Com válvulas de respiração econômica, o Estado nos últimos
quinze anos, experimentou saltos extraordinários: a situação energética
da ninharia de 12 mil kv, teve potencial bruscamente aproveitado,
sobretudo na Cachoeira Dourada, que já nas primeiras etapas da
previsão superior a 400.000 kv abasteceu Brasília e amparou, na
escalada, várias cidades ávidas do benefício. A demografia, acanhada em
umas oito centenas de milhares de almas, adquiriu outra feição
estatística, com quase dois milhões e meio de habitantes.
E em face dessa transformação, sem que se transformasse a
concepção do socialismo destorcido pelos aproveitadores da II Guerra,
olhos cúpidos enxergaram campo livre para batalhas políticopersonalistas.
Em Goiás, como em outros Estados, os comunistas em maioria
cumpriam missões quase românticas. Não exibiam violência, davam-se
com todos. O pior que faziam era acoitar, vez por outra, algum
correligionário corrido, como em Anápolis, Luís Carlos Prestes sempre
foi encontrar teto para sono tranqüilo.
O progresso, porém, alterou esse comportamento. E, sem se dar
conta da importância de uma mistura estimuladora. Jânio Quadros, em
sete meses, agiu na base da pirraça, animando com suas causas os efeitos
que Jango não soube distinguir para evitar.
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II
O MOVIMENTO É DESBARATADO. A IMPRENSA
NACIONAL ENTRA EM AÇÃO.
Era o dia 03 de dezembro de 1962. O sonho dos jovens
socialistas estava frustrado. As estratégias da guerrilha estavam
esmagadas pela repressão do aparelho do Estado. O Jornal o O Globo, no
Rio de Janeiro lançava a notícia:
NÚCLEO COMUNISTA EM GOIÁS TREINAVA PARA
GUERRILHAS16.
Três oficiais de gabinete do Governo Mauro Borges estão entre
os acusados de preparar guerrilheiros, segundo os métodos de “Che”
Guevara, no seu livro “Guerra de Guerrilhas”. São eles: João Neder,
contra o qual se executou mandado de prisão. Tarzan de Castro e Natal
Zacarioti. Os nomes dos demais envolvidos não foram revelados. Sabe-se
apenas que o Juiz João M. Marques decretou a prisão preventiva de todos
eles, enquanto se realiza inquérito.
16
Jornal O Globo, Rio de Janeiro, de 03.12.62.
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A polícia descobriu mais de 200 homens treinando com armas
modernas, no Município de Dianópolis, norte de Goiás, fronteira com a
Bahia. Apreendeu grande quantidade de metralhadoras portáteis e outras
armas de guerra. Trinta e seis elementos estão envolvidos na organização
do núcleo comunista e contra eles o Juiz João Marques expediu mandado
de prisão que ontem mesmo começou a ser executado. Informa-se também
que um elemento vindo de Pernambuco participava do treinamento dos
guerrilheiros. O inquérito policial está a cargo do Delegado Geraldo
Deusimar de Alencar.
OFENSIVA EM GOIÁS.
A terceira manifestação foi a invasão de uma das fazendas das
Ligas, em Dianópolis, Goiás, em 23 de novembro de 1962. mais uma vez
foram apreendidos planos de operações de guerrilhas. Foi decretada
prisão preventiva contra 26 membros das Ligas pelo Juiz Moreira
Marques. Entre esses 26 estavam Clodomir dos Santos Morais, Amaro
Luís de Carvalho e Joaquim Ferreira Filho, todos os quais haviam
freqüentado o curso de treinamento em Manágua. Além destes inclui-se
também outro companheiro de treinamento em Cuba: Clóvis José Esteves
de Sousa.
O Jornal O Estado de São Paulo, também noticiava, pelo
correspondente de Goiânia e da sucursal de Brasília:
DETERMINADA A PRISÃO DE 24 AGITADORES
COMUNISTAS17.
Apesar de as primeiras informações chegadas sábado à noite a
Goiânia afirmarem que eram 36 os mandados de prisão preventiva contra
os implicados no plano de agitação de Dianópolis, soube-se hoje que o
delegado Geraldo Deusimar de Alencar pediu 24 prisões preventivas
17
Jornal O Estado de São Paulo, de 04.12.62.
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para os seguintes comunistas: José Jaime, João Nader, Tarzan de Castro,
Benjamim Ferreira da Cunha, Clóvis José Esteve de Sousa, Gilvan
Queiroz de Rocha, Valter Rodrigues Coelho, Marcolino dos Santos,
Arlindo Alves de Sousa, Antonio Alves Dias, Luis Preto, Aiberê de Sá,
Francisco de Cruz Botelho, Edmar de Amorim, Geraldo José de Lima,
Antonio Jospe de Rocha, Leonardo Manuel Holanda Carneiro Cunha,
Clodomiro dos Santos Morais, Amaro Luis de Carvalho, Carlos
Montarroyos, Adauto Monteiro da Silva, João Meireles, Joaquim
Ferreira Filo e Luis Inácio de Sousa.
Clodomir dos Santos Morais, é o autor intelectual do plano.
Trata-se de ex-deputado comunista de Pernambuco. O líder do grupo era
Amaro Luis de Carvalho, conhecido agitador profissional no Nordeste.
Até agora, as autoridades policiais conseguiram efetuar prisão
apenas do sr. João Neder, que foi removido para um hospital desta
capital sob a alegação de que seu estado de saúde é precário.
Comentou-se ontem à tarde que a prisão de Tarzan de Castro
havia sido feita em Brasília, mas ainda ontem as autoridades policiais de
capital federal desmentiram a notícia.
A polícia não confirmou também a participação do sr. João
Batista Natal Zacarioti, oficial de Gabinete do sr. Mauro Borges, nas
atividades subversivas de Dianópolis.
O plano de agitação e subversão era organizado no lugar
denominado Boqueirão de Conceição, distante de Dianópolis, oito léguas
e só acessível a cavalo.
Os elementos foram inicialmente, dispersados pelo coronel José
Seixas, chefe do Serviço de Repressão ao Contrabando, setor de Goiás.
Logo depois elementos do Conselho de Segurança nacional chegaram ao
local, conseguindo apreender metralhadoras, mosquetões e grande
quantidade de balas, além de muitos homens em treino para guerrilha.
Informada da ocorrência a Polícia goiana mandou o delegado Geraldo
Deusipar de Alencar para presidir o inquérito pó determinação de
Secretaria de Segurança Pública.
O delegado encontrou alguns livros de ensinamentos de técnicas
de guerrilha, certa quantidade de munição e propaganda comunista que
comprometia seriamente os indiciados. A delegacia de Vigilância e
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Capturas está incumbida de capturar os agitadores cujas prisões
preventivas foram decretadas pelo Juiz de Dianópolis.
O Diretório do Partido Socialista Brasileiro encaminhou oficio
ao governador Mauro Borges “estranhando” a prisão do sr. João Neder,
que foi candidato a deputado estadual por seu partido e integra sua
comissão executiva regional.
FATOS PRINCIPAIS.
O Gabinete do Departamento Nacional de Segurança Pública
informou esta noite que há cerca de 20 dias, o cel. Nicolau Seixas
regressou de Dianópolis para onde fora enviado como observador
federal, fazendo um amplo e minucioso relatório onde faz sentir ao chefe
de polícia “a urgente necessidade de aquartelamento de tropa do
Exército na localidade”.
De tal fato o cel. Carlos Cairoli fez uma exposição ao Conselho
de Segurança Nacional e outra para o governador Mauro Borges, de
Goiás.
Do relatório apresentado – até agora mantido em sigilo – os
fatos principais podem ser assim relacionados:
a) quero terras, onde grileiros são armados por posseiros para
invasão permanente e respectiva garantia de posse;
b) infiltração esparsa de elementos estranhos ao meio rural que
exercem uma influência perigosa para uma luta de suposta reforma
agrária, com inspiração nordestina, de cuja região procedem os
responsáveis pelos movimentos;
c) mina de ouro, que provoca disputas entre os grupos armados
interessados na exploração de jazida e na grilagem de terras.
De todos esses fatos, “acrescidos de interesses ocultos de
poderosos que fizeram construir até campo de pouso para maior
facilidade na operação de descarga de arma, material, pessoal e
respectivo embarque, dos mineiros extraídos” – o cel. Seixas deu
conhecimento por meio de seu relatório ao chefe de polícia do DFSP, ao
governador Mauro Borges, cientificando-o de necessidade do envio
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urgente de tropas do Estado para manter a ordem, evitar a perigosa
infiltração de elementos havidos como comunistas, controlar e apurar a
origem das armas ali chegadas e, judicialmente, garantir as decisões do
juiz quanto à questão de terra.
Aliás, fora o juiz de Dianópolis que solicitara auxilio na Polícia
Federal e logo após as observações feitas dera ciência que o governador
de Goiás “estava interessado em liquidar os movimentos aparentemente
subversivos mas não dispunha de meios adequados”.
Tal fato fez com que o cel. Cairoli, chefe do DFSP, mandasse
outro relatório para o CSN, há menos de 15 dias, colocando-o a par das
observações efetuadas pelo enviado especial e das dificuldades do
governador Borges para enfrentar o “quisto em formação”.
Neste último relatório é então sugerida “a urgente necessidade
do envio de tropa federal preferencialmente do Exército, não só para
aquela região, como para outras, onde iguais movimentos estão surgindo
de origem desconhecida mas que afluíram no planalto goiano com
expansão para Mato Grosso e Bahia”.
TRAIÇÃO NAS MATAS18.
O juiz de Dianópolis decretou prisão preventiva de 36 elementos
responsáveis pelo treinamento e organização de guerrilhas na fronteira
de Goiás com Bahia. Eram cerca de 200 homens equipados,
praticamente, com metralhadoras e, teoricamente, com o livro
especializado de Che Guevara. E, o mais espantoso, é que, entre eles,
figuram dois oficiais de gabinete do governador Mauro Borges: os srs.
Tarzan de Castro e Natal Iscariotes. E foi, aliás, a própria polícia do
governador que desmontou o foco subversivo.
O mais curioso é que o próprio sr. Mauro Borges veio ao Rio a
fim de pedir a colaboração dos dólares de “Aliança para o Progresso”,
com o objetivo de fomentar a exploração de riquezas do seu Estado. E
18
Jornal Correio da manhã, terça-feira, Rio, de 04.12.62.
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nisso, provavelmente, reside o motivo de, seguindo o recente exemplo dos
soviéticos em Cuba, haver desmantelado os seus mísseis em miniatura.
Esperamos somente que, no caso de se efetivar a possível
gorilização chinesa no Caribe, o sr. Mauro Borges não volte a soltar os
srs. Tarzan e Iscariores pela mata a mongolizar o Brasil Central.
A IMPRENSA GOIANA ACUSA O GOVERNO DE
PROTEGER OS COMUNISTAS19.
GOIANIA: A imprensa deste Estado acusa o governador de
omitir-se ante a subversão da ordem no nordeste goiano, com a
constituição de guerrilhas permanentemente treinadas. Denunciam os
jornais ainda a infiltração de elementos reconhecidamente comunistas na
administração estadual.
“O Popular” em comentário intitulado “Ainda é tempo”, diz:
“Dois dos auxiliares do governo estão sendo buscados pela Justiça, como
incursos em crime contra a segurança nacional, ao tempo em que um
terceiro, o secretário do Trabalho, sai em peregrinação pelo Interior
levando a tiracolo um sacerdote que, apesar de sua batina, é um agitador
sem nenhuma consistência intelectual e que prega abertamente a
subversão de ordem constitucional”.
Informa o jornal que o sacerdote, padre Alípio, recebe ampla
cobertura do Estado, utilizando o Teatro de Emergência, do governo,
para suas pregações.
“O Popular” refere-se depois ao treinamento de guerrilheiros
em Dianópolis, ajuntando que “dois auxiliares diretos do governo, os srs.
João Neder (já preso) e Tarzan de Castro (que se encontra foragido)
estão envolvidos na sua direção”. Acusa ainda esses elementos, de alta
confiança do governo, pois foram oficiais de gabinete, de participarem de
tumultos em Jussara, “onde foram vistos distribuindo folhetos subversivos
em comícios de camponeses, que promoviam para usufruí-los”.
19
Jornal O Estado de São Paulo, quinta-feira, de 06.12.62.
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O jornal lamenta a atitude do sr. Costa Paranhos, presidente do
PSB, que protestou contra a prisão do sr. João Neder, “comunista
confesso”.
A “Folha de Goiás”, em “Apelo ao Chefe do Governo”,
confirma, em linhas gerais, as informações divulgadas por “O Popular”.
COMUNISTAS COMPRARAM FAZENDAS GOIANAS
PARA TREINAR GUERRILHEIROS20.
Dos enviados especiais.
DIANÓPOLIS, Estado de Goiás, 5 – Os dois mil moradores
desta cidade, pequeno núcleo do Nordeste goiano, na região amazônica,
já não comentam os acontecimentos de que já não comentam os
acontecimentos de que foi palco recente com a presença aqui de
agitadores comunistas, afinal expulsos pela ação de forças do Exército e
da Polícia.
A cidade tem 500 casas e em algumas delas se podem ler dizeres
hostis aos membros de Liga Camponesa que tentaram fundar as primeiras
bases de agitação no Interior de Goiás.
Afora esses dizeres, pintados com tinta branca, a cidade, que
teve um passado bastante tumultuoso, prefere agora ignorar que serviu de
centro de um plano previamente traçado, mas contra o qual soube residir.
O dispositivo de agitação, que se instalou em três fazendas deste
município, expandindo-se posteriormente para o município de Almas,
comandava suas atividades do local denominado “Catingueiro”, nas
proximidades do distrito de Rio de Conceição, a 40 quilômetros de sede
municipal.
As outras duas fazendas coordenavam o abastecimento e o
armamento. Todas elas, contudo, foram abandonadas pelos membros de
Liga, depois que, a pedido do juiz de Direito de Dianópolis, dr. J.
20
O Estado de São Paulo, quinta-feira, 06.12.62.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Moreira Marques, realizou-se no local uma diligência de segurança
nacional, sob o comando do tenente-coronel Nicolau José Seixas, chefe
do Serviço Federal de Prevenção e Repressão de Brasília.
A segunda e definitiva fuga deu-se um mês depois, a 23 de
novembro, após uma batida feita pela guarnição de combates de polícia
goiana.
Dos 26 implicados, contra os quais o Juiz Moreira Marques
decretou prisão preventiva (ver o “Estado” de ontem), apenas dois foram
detidos em Dianópolis; o processo foi instaurado no Foro local na fase de
interrogatórios, com a expedição de cartas precatórias e editais de
citação.
Os integrantes do “Dispositivo do Catingueiro” – como se
chama – ao que se sabe, após a segunda fuga, embrenharam-se nas
matas, apenas com a roupa de couro que vestiam, conseguindo alcançar
a cidade de Barreiras, na Bahia, após uma exaustiva viagem a pé.
De Barreiras, seguiram para Recife, numa perua “Rural”,
segundo informações das autoridades bahianas.
As duas intervenções militares contra o quartel-general do
dispositivo resultaram na apreensão de grande quantidade de livros
comunistas e obras de doutrina, algumas armas e outros apetrechos, além
de um jipe Willys, com placa 1-28-10, de Recife. Documentos pessoais de
identificação, fotografias, prospectos, manuscritos e anotações também
estão incluídos entre os materiais apreendidos.
Revelam tais documentos a tentativa de se constituir aqui um
núcleo de agitação vermelha que deveria depois estender-se por todo o
Estado de Goiás; os documentos revelam também certa ingenuidade de
seus autores, o que poderia fazer crer que se tratava de um grupo de
jovens, inclusive estudantes universitários, empenhados em mais uma
aventura.
Mais hpa certos fatos que destroem essa hipótese. Basta dizer
que o grupo, em pouco mais de um ano, gastou certa de sete milhões e
meio de cruzeiros num aglomerado de dez mil habitantes, que é a região
compreendida pelos municípios de Dianópolis e Almas.
O COMEÇO: CAMPANHA DE INVESTIMENTOS.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Os fundadores da Liga Camponesa de Dianópolis chegaram à
cidade em princípios do ano passado, dizendo-se representantes de
“grande e conceituada companhia de investimentos do Nordeste
brasileiro”.
Seu objetivo declarado: a compra de terras no município, para
cultura de cereais e criação de suínos.
Alegavam que era desejo de empresa aplicar grandes somas no
município, pois assim não pagariam quantias elevadas para o imposto de
rendas.
Inicialmente, a “Companhia Capitalista do Nordeste” adquiriu
a fazenda “Catingueiro” próxima ao povoado Rio de Conceição, distante
40 quilômetros de sede municipal de Dianópolis.
O local, de difícil acesso, fica a mil quilômetros de Brasília.
No “Catingueiro”, iniciaram os membros de suposta empresa
plantações de milho e feijão, oferecendo aos seus empregados salários
superiores aos vigentes na região, que recebiam também assistência
médica e dentária.
Posteriormente, o grupo adquiriu duas outras fazendas:
“Antônio Alves” e “Cascavel”, ambas nas proximidades de Catingueiro.
No “Catingueiro”, ponto central do “dispositivo”, em pouco
tempo as atividades agrícolas foram sendo relegadas a segundo plano.
Na fazenda “Antonio Alves”, diversas casas e outros
melhoramentos foram construídos e reservados para servir de futuro
arsenal.
Finalmente, “Cascavel” era a fazenda em que se localizava o
serviço de abastecimento, onde grandes quantidades de provisões eram
armazenadas. Os representantes da “Cia. Capitalista do Nordeste
Brasileiro”, que adquirira as terras, em nenhum momento revelaram
interesse pelos documentos de propriedade comuns em tais transações,
embora tivessem feito os pagamentos à vista.
Aos poucos, a companhia transformou-se em liga camponesa,
sob a designação de Associação Goiana do Trabalhador do Campo; seus
estatutos foram publicados a 9 de junho no “Diário Oficial de Goiás”.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Constituída a liga – que, por seus membros, era chamada de
“dispositivo de agitação” – passou-se à fase de pregação e propaganda e
de organização de planos de guerrilhas.
A Liga, depois de constituída, desenvolvia paralelamente as
suas atividades no Catingueiro um programa de assistência médica,
dentária e social aos seus associados. Quase diariamente, promovia
festas, com ênfase sobretudo nas datas comemorativas de revolução
cubana e de URSS.
O esbanjamento de dinheiro era corriqueiro entre os integrantes
de liga, que não se preocupavam com o vulto das despesas: era certo e
garantido o recebimento de novos recursos financeiros procedentes do
Recife.
Mas, em Dianópolis, as atividades da liga começaram a
encontrar a forte reação dos moradores; a isso juntaram-se as primeiras
providências de caráter preventivo adotadas pelas autoridades.
Isso forçou o desvio daquelas atividades, entre elas a promoção
de festas, para o município de Almas, mais propício.
Dianópolis, além de ostentar nível mais elevado de vida, guarda
na lembrança um passado sangrento; seus habitantes tem uma natural
aversão a qualquer tipo de agitação política.
A cidade surgiu em torno de uma mina de outro, com o nome de
Arraial de São José do Ouro, posteriormente mudado para São José do
Ouro.
Em 1919, [...] a polícia em represália executou reféns em praça
pública; amarrados a troncos, os nove foram mortos a facadas. Uma
inscrição, existente na pequena capela erguida no local das execuções,
qualifica-as como “chacina oficial”. Esse tenebroso acontecimento
provocou o êxodo da população de S. José do Duro, que procurou os
municípios vizinhos para nova morada. Só muitos anos depois,
começaram a voltar os habitantes, ainda desta vez atraídos pela
mineração de ouro (atividade até hoje existente no município); em 1938,
São José do Duro passou a chamar-se Dianópolis.
PROCESSO.
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As atividades do dispositivo passaram, posteriormente à
execução de um plano de agitação, no povoado de Rio da Conceição, com
instruções recebidas de Recife.
No Catingueiro, construíram os seus membros diversos postos
de vigia em elevações vizinhas para permitir segurança aos Exercícios de
guerrilhas. Esses postos foram destruídos pela força policial do Estado de
Goiás, em fins de novembro.
Após a primeira batida militar ao Catingueiro, o promotor
público de comarca de Dianópolis, sr. Antônio Alves França, ofereceu
denúncia o juiz de Direito, instaurando-se o inquérito, com a decretação
simultânea de prisão preventiva dos principais implicações, que são:
Clodomir dos Santos Morais, que seria o autor intelectual do plano de
agitação; Amaro Luís de Carvalho, chefe do grupo; Joaquim Ferreira;
Cleto de Costa Campelo; Leonardo Manoel Holanda Carneiro Cunha;
Gilvan Queiroz de Rocha; Walter Rodrigues Coelho; Marcelino Santos;
Luís Preto; Antônio Alves Dias; Luis Inácio Souza; Aybire Sá; Edmar
Amorim; Antônio José da Rocha; Adauto Monteiro da Silva; Geraldo
Jorge de Lima; Benjamim Ferreira Cunha Júnior, todos do Estado de
Pernambuco; João Meireles, do Rio Grande do Norte; Tarzan de Castro;
Horácio de Oliveira; Clóvis José Esteves Souza; José Jaime; João Neder
e Francisco da Cruz Botelho, todos de Goiás.
Deste, estão presos em Dianópolis Francisco da Cruz Botelho
(proprietário rural no município) e Horácio de Oliveira.
MATERIAL APREENDIDO.
O Serviço Federal de Prevenção e Repressão apreendeu no
Catingueiro, além de documentos de identidade e manuscritos, mais os
seguintes: 200 mil cruzeiros em dinheiro, um jipe “Willys” (licença de
Recife 1-28-10), livros diversos, uma espingarda calibre 22, dois rifles
calibre 44, três revolveres calibre 38, um revolver calibre 22, grande
quantidade de balas, um binóculo do Exército, dois aparelhos de
treinamento de telegrafia, rádios e malas.
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Entre os livros encontrados no acampamento citam-se:
“Declaração de Recife” e “ABC do Camponês”, de Francisco Julião, e
“A Guerra de Guerrilhas”, de “Che” Guevara.
PROGRAMA.
De acordo com alguns dos documentos apreendidos pelo
Exercito no Catingueiro, os responsáveis pelo dispositivo consideravam
suas três fazendas, “totalmente impraticáveis para qualquer treinamento
militar, dada a proximidade de vila e a afluência de pessoas estranhas.
Também impraticáveis para o desenvolvimento de guerrilhas pela
excessiva pobreza estratégica”.
PROGRAMA DE AGITACAO E PROPAGANDA.
No Catingueiro, as atividades do dispositivo obedeciam a dois
programas:
Um era denominado “Programa de Agitação e de
Propaganda”, que reúne oito artigos, a saber:
1. missa celebrada pela manhã;
2. realização de uma gincana e jogos;
3. churrasco e feijoada às 12 horas;
4. tarde esportiva;
5. apresentação teatral à noite;
6. baile às 22 horas;
7. viagens para muitos municípios goianos, levando
assistência médica, dentária e profilática;
8. criação de um círculo de amigos, principalmente em
Dianópolis.
PROGRAMA POLÍTICO.
O SEGUNDO, O POLÍTICO, É ESTE:
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1. duas horas diárias de estudos teóricos para cada esquadra,
estabelecida assim: num dia, aulas de politização e, no outro, aulas de
teoria milita, acrescentando-se que as esquadras farão estudos em
horários e turmas diferentes. Horários: Segundas, quartas e sextas,
politização; terças, quintas e sábados, guerras e guerrilhas.
2. intensificar nas três escolas da Vila a exploração sutil do
atraso nacional e regional, apontando as causa dos males do País,
dizendo das possibilidades que o povo tem de superar, pela luta, esses
males;
3. fundar uma sociedades de amigos em Rio de Conceição.
PERFEITA REDE DE ESPIONAGEM VIGIAVA TODOS OS
PASSOS DAS AUTORIDADES EM DIANÓPOLIS21.
DIANÓPOLIS, 6 – Nos cinco meses que se seguiram à criação
de Liga Camponesa de Dianópolis – surgida de primitiva Empresa
Capitalista Nordestina que adquiriu terras no município – a população de
cidade passou por momentos de inquietação, na iminência de um ataque
organizado no “Catingueiro”, sede do dispositivo de agitação.
Dianópolis tem de força policial apenas o delegado e um
soldado; são quase nulas as possibilidades de defesa. Em nenhum
momento, é verdade, os elementos do “Catingueiro” esboçaram qualquer
tentativa desse tipo mas, em contrapartida, puseram em ação um perfeito
sistema de espionagem, vigiando constantemente os passos das
autoridades do município.
A figura do juiz Moreira Marques era a mais visada pelos
agitadores, que acompanhavam todos os seus passos. A rede de
espionagem do “Catingueiro” estendia-se amplamente, a ponto de poder
oferecer todas as minúcias de uma viagem do magistrado a Brasília e
Goiânia, feita por via aérea. A riqueza de pormenores era
impressionante: o QG do “Catingueiro” soube até com precisão de
21
Jornal O Estado de São Paulo, de 7.12.62.
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horário, de substituição de bilhete de passagem na agência de “Cruzeiro
do Sul”, de todos os locais percorridos pelo juiz e os nomes das pessoas
com as quais teve contato.
Tudo isso deixa intranqüila a cidade mas, por outro lado,
constituiu-se no principal motivo da atitude de seus habitantes, que
reagiram aos objetivos de Liga.
FINANCIAMENTO.
Havia fortes motivos para o temor em Dianópolis: a 40
quilômetros de cidade, os agitadores ensaiavam ataques de guerrilhas e
procuravam armar-se e, ao mesmo tempo, com outras táticas, tentavam
infiltrar-se entre a população.
A cidade sabia que o dispositivo era financeiramente poderoso.
Freqüentemente, um de seus integrantes desembarcava de um avião da
“VASP” ou da “Cruzeiro”, procedente de Brasília ou de Barreiras, na
Bahia, conduzindo pesadas bolsas com dinheiro. Não procuravam
esconder o conteúdo de bolsa; pelo contrário, exibia-o.
A fonte financiadora ainda é desconhecida. Sabe-se que o
numerário procedia do Recife, mas se ignoram os fornecedores. Há quem
suspeite venha o dinheiro de Cuba, embora nenhuma prova concreta
existia até agora.
REGIMENTO.
Nas três propriedades do “dispositivo”, todas as atividades de
seus membros estavam subordinadas a um regimento interno:
1. fica expressamente proibido aos membros do “Dispositivo”
portarem armas de fogo, salvo:
a) em marchas e treinamentos; b) à noite, dentro do dispositivo;
c) à noite, em saídas para a Vila, quando deverão estar discretamente
armados; d) a qualquer hora, quando de mobilização geral do
dispositivo, obedecido um plano geral de ação.
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As armas deverão estar em lugar seguro e sempre ao alcance
dos membros do dispositivo.
2. fica expressamente proibido fazer disparo dentro do
dispositivo, salvo:
a) em casos de treinamento; b) quando de realização de
caçadas, desde que haja permissão do Comando; c) em casos atentatórios
à segurança do dispositivo ou à segurança individual dos seus membros,
não se enquadrando neste caso as rixas ou divergências de caráter
pessoal entre membros do dispositivo, ou com pessoas estranhas, casos
que deverão ser resolvidos pelo Comando ou pelo Comitê.
3. fica expressamente proibida a entrada de bebidas alcoólicas
no dispositivo, bem como fica expressamente proibindo o acesso às
mesmas, salvo:
a) nos casos excepcionais de festas, dentro ou fora do
dispositivo, quando deverão os membros observar uma estrita
moderação. Os casos excepcionais de entrada de bebidas no dispositivo
deverão ter a permissão do comando.
4. fica expressamente proibido aos membros do dispositivo
afastarem-se do mesmo sem permissão do comando, sem exceções.
5. os membros do dispositivos ficam obrigados a observar
estrita pontualidade nos horários de entrada e saída no dispositivo, salvo
em casos excepcionais, que deverão ser levados à aprovação do
comando.
6. os membros do dispositivo ficam obrigados a usar de
rigorosa reserva no falar e agir com pessoas estranhas ou na presença
das mesmas.
7. os membros do dispositivo não ficam proibidos de exercer
atividades externas, mesmo que estranhas à vida do grupo. Devem,
entretanto, usar de moderação, devendo sempre encarar tais atividades
como coisas secundárias, que não deverão influir em suas funções
normais do dispositivo.
8. as compras que desejarem efetuar os membros do dispositivo
só poderão ser realizadas mediante aviso aos encarregados do setor de
abastecimento, para os quais deverá ser enviada a respectiva nota de
compra, exceto nos casos urgentes, quando também não será dispensada
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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a referida nota de compra. Os casos de infração às normas estabelecidas
neste regimento serão julgados devidamente pelo Comando ou pelo
Comitê, de acordo com seu grau de gravidade, e são passiveis de:
a) crítica;
b) voto de confiança inserido entre as resoluções de reunião;
c) perda de mandato, comando e direito.
RELAÇÕES.
O dispositivo “Catingueiro” mantinha estreitas relações de
Pernambuco, de onde vieram os livros e o jipe “Willys” apreendidos pela
polícia. Acredita-se que o veículo fora comprado com destinação
específica para o grupo agitador de Dianópolis. Trata-se de um jipe novo,
modelo 1962, cujo painel de instrumento marcava pouco mais de 3.000
quilômetros, que é mais ou menos a distância, por rodovia, que separa
Recife do reduto dos comunistas.
Além das relações mantidas com Recife, havia recomendação do
comando do dispositivo para o estabelecimento de contatos com outras
regiões. Um dos documentos apreendidos continha recomendações dessa
natureza, indicando nomes de pessoas ou de entidades estudantis para as
quais deveria ser dirigida a correspondência.
Entre elas figuram o Centro Acadêmico de Faculdade de Direito
de Goiânia e a União Brasiliense dos Estudantes Secundaristas.
“São aliados nossos” – dizia o documento, acrescentando:
“Tarefa: influenciar o movimento estudantil”.
AUTOCRÍTICA.
No relatório elaborado pelo comando dos agitadores em que se
recomenda a transferência do centro de suas atividades para outra região
mais favorável, é feita uma autocrítica sobre o comportamento do
dispositivo estabelecido no município de Dianópolis. O documento é este:
“Fazendo-se um balanço do tempo e do dinheiro gastos, chegase logo à conclusão de que a produtividade dos trabalhos não vem
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
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correspondendo, resultando num inconteste prejuízo para o processo, o
que obriga a examinar as razoes e descobrirmos as soluções, a fim de
impedir esses descalabros e danos.
A maneira pela qual foi fundado esse dispositivo, isto é, a
Companhia Capitalista, veio despertar nos moradores de região o desejo
de tirar o máximo de lucros, todas as vezes que alguém se fizer necessário
a referida Companhia.
Tomando um caráter excessivamente filantrópico (dentista,
remédios, festas, presentes etc.) sem o mínimo de preparo político dos
beneficiados, a Companhia ganhou caráter de instituição pública.
O desmedido interesse em beneficiar os moradores da região
veio despertar nos camponeses a idéia de que somos os únicos
beneficiados e que temos segundas intenções (cego desconfia de esmola
grande).
A transformação de Companhia para Liga Camponesa veio
fazer-nos desmerecedores da confiança dos moradores da confiança dos
moradores locais, mesmo porque, quando ainda éramos Companhia
defendiamo-nos renhidamente de acusação de que éramos Ligas
Camponesas.
Os elementos que constituem este dispositivo, além do baixo
nível político, não tiveram o mínimo de assistência nesse sentido, sendo
levados mesmo a distanciar-se do almejado, dada a maneira como foram
dirigidos, orientados, assim como o falso conceito de igualdade que leva
os companheiros à vaidade e ao liberalismo.
Os novos companheiros, recrutados nesta região, não sofrem a
influência desta mesma orientação, sendo levados a incorrerem nos
mesmos erros, o que vem resultar em dificuldades ao bom andamento dos
trabalhos.
A falta de disciplina e a falha de visão, tanto no comando como
nos comandados, que é o reflexo do passado, produziram o descontrole
do dispositivo, repletindo no estouro do orçamento.
Considerando tudo isso, achamos por bem adotar as mais
imediatas e enérgicas medidas, no sentido de corrigir a todos os erros sob
pena de permanecermos desta maneira, que é indubitavelmente
prejudicial ao processo e a conseqüente contra-revolução.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
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SOLUÇÕES:
1. eliminar por completo qualquer benefício que não seja
prestado por intermédio de Liga, ou seja, que não tenha caráter coletivo
(dentista, remédios, cooperativa, etc.)
2. fazer sempre sentir os camponeses, por intermédio de
panfletos, palestras ou comícios que o processo lhes pertence.
3. mudanças das atividades para outro local, menos afetado
pelo esbanjamento de dinheiro, assim como pelo impacto de
transformação de Companhia em Liga Camponesa.
4.palestras, discussões e leituras obrigatórias para todos os
elementos que constituem o dispositivo, assim como a transferência de
companheiros.
5. fazer funcionar o regimento interno, submetendo a punições
dos companheiros que venham a desobedecer alguns itens do mesmo.
6. substituir as despesas, que em grande parte são suplerfulas,
até mesmo prejudiciais, por materiais políticos, panfletos e jornais.
7. criar as devidas condições para que os companheiros
desenvolvam melhor os trabalhos e não sejam emergidos na inércia que é
peculiar aos dias atuais.”
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III
A VERSÃO DOS FATOS POR QUEM FOI
PROTAGONISTA
Num depoimento em livro de sua autoria22, o militante e escritor
Gilvan Rocha dá a versão de quem foi protagonista dos fatos:
“Em um dia qualquer, princípio de janeiro de 1962, um fato
inesperado veio mudar substancialmente a minha vida. Em encontro
casual o companheiro Carlos Montarroyos, me disse: “tenho um assunto
muito sério a falar contigo, seríssimo. Espere-me, amanhã, em frente ao
edifício Sul América para tratarmos desse assunto.”
Conhecia muito bem o Carlos Montarroyos: jovem do meu
bairro tinha como hábito maior estudar a fundo as questões políticas.
Não raras vezes ele me alertou da necessidade imperiosa de estudar o
socialismo, mas o ativismo e o volume de tarefas não permitiam. Afinal,
sabíamos o “essencial”: nossos inimigos eram os restos feudais e o
22
Do livro Meio Século de Caminhada Socialista, de Gilvan Rocha, Ed. Expressão
Gráfica-Fortaleza-CE, 2008.
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imperialismo ianque, como repetidas vezes foi dito e isso parecia nos
bastar em matéria de conhecimento político.
Fiquei bastante curioso com o encontro proposto. Estava
convencido de que se devia tratar de algo realmente muito sério, tendo
em conta a personalidade do companheiro Carlos Montarroyos.
No dia, local e hora combinamos, lá estava eu à espera do
companheiro. Aliás, a ansiedade não me deixou chegar à hora
combinada, senão bem antes do horário acertado. Montarroyos primou
pela pontualidade, como sempre foi de seu costume.
No início de breve conversa, ele perguntou se eu havia
falado do encontro com mais alguém ao que lhe respondi taxativamente
que não. Feitos os esclarecimentos iniciais, por exemplo de que não se
podia repassar as informações recebidas, ele falou: “os cubanos estão
muito insatisfeitos com o velho PCB e se voltaram para Francisco Julião
e as Ligas Camponesas. A partir disso, Julião tornou-se o homem de
Cuba e ficou acordado que fossem montados alguns focos de guerrilha,
no Brasil, espalhados por diversas regiões e que eles seriam acionados
sob um só comando e, assim, iniciaríamos o processo de guerra civil, pois
o caminho da institucionalidade é uma fraude, uma armadilha para a
nossa causa”.
Chamava-se o projeto cubano de “revolucionário”, pois
tudo se definiria pela simples opção de luta armada, ficando em segundo
plano a formulação do programa da teoria socialista e a avaliação das
condições objetivas e subjetivas.
Fiquei profundamente sensibilizado com as informações
fornecidas pelo companheiro Carlos Montarroyos, sob a jura de mantêlas no mais absoluto segredo. Ao final, ele me advertiu mais um vez de
que se mantivesse o mais rigoroso sigilo, e mais: “ponha-se pronto e
atento, desde que você concorde com o planejado e se disponha a
participar. Dentro de poucos dias você deverá ser chamado para viajar e
isso será o mais rápido possível. Com certeza você será avisado em
tempo”. Desse modo terminou o nosso histórico encontro com mil
recomendações, sobretudo de sigilo o que cuidei de cumprir com o maior
rigor.
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Discretamente e com todo cuidado, comecei então os
preparativos para a grande e histórica viagem. Aproveitei as relações
estremecida entre mim e familiares e com uma história inventada (nada
convincente) disse-lhes que eu iria viajar à revelia de todos para
trabalhar e estudar em lugar bem longe de casa. Escrevi longa carta a
respeito dessa decisão e aproveitei o episódio para fazer uma bela
chantagem emocional: “sei que ninguém me estima” quando, na verdade,
o que eles não estimavam eram minhas idéias revolucionárias e
procuravam exercer uma desmedida pressão para que as abandonasse e
entrasse nos “eixos” de uma vidinha pequeno-burguesa, por certo
promissora e segura.
Foi com bastante ansiedade que fiquei aguardando o dia da
viagem para local em que não fazia a menor idéia.
Era princípio de fevereiro, e lá estava eu no Aeroporto
Internacional dos Guararapes, no Recife, pronto para viajar. Minha
atitude implicava rompimento unilateral com o Partido Comunista
Brasileiro, na medida em que imaginava romper com suas postulações
reformistas e pacificas. Não houve, entretanto, rompimento formal e sim
de fato, posteriormente, referendado pelo partido em nota divulgada nas
páginas do jornal oficioso “Novos Rumos”, que nos desautorizava,
citando nominalmente, a falar em nome dos “comunistas” brasileiros.
No comando da viagem rumo às guerrilhas, estava o
advogado e economista, um dos fundadores da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, Joaquim Ferreira Filho. Os
comandados eram: Cleto Campêlo, Leonardo Carneiro da Cunha e eu.
Cleto, como eu, militante dissidente do PCB. Leonardo, o conheci na
militância das Ligas Camponesas, jovem dotado de vontade férrea e
seriedade sem limites. Aliás, seriedade e bons propósitos não nos
faltavam. Joaquim Ferreira, com seus respeitáveis trinta anos e na
condição de diretor da SUDENE, infundia-nos respeito como “veterano”
e um dos dirigentes maiores das Ligas Camponesas.
Em um avião DC-3, rumamos para Brasília. Era minha
primeira viagem de avião e não posso deixar de registrar o fascínio. Em
Brasília, em modestíssimo hotel, fizemos compras com orientação do
comandante Ferreirinha: calças e camisas “faroeste”. Leonardo fez
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Abílio Wolney Aires Neto
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providencial reparo dos dentes. Compramos também instrumentos
musicais com o propósito de organizar um conjunto para a juventude e, é
claro, não poderíamos esquecer duas ou três bolas de futebol e um se
número de balas calibre 38,22 e 44, para treinamentos militares.
Ficamos três dias na lamacenta Brasília e, no final, em avião
DC-3, rumamos à cidade de Dianópolis, Norte de Goiás, hoje pertencente
ao estado de Tocantins.
[...]
Cidade perdida dos campos gerais, Dianópolis, cidade das
Dianas, nos surpreendeu pela energia elétrica 24 hs por dia, por conta de
pequena cachoeira engenhosamente aproveitada. Outra característica
marcante era a amabilidade do seu humilde povo.
Em Dianópólis, passamos só um dia. Hospedamo-nos em
modesto e único hotel, do senhor Gustavo Macedo, baiano e antigo
garimpeiro. No dia seguinte, em jipe alugado, viajamos 40 Km por
tortuosas e precárias estradas até o povoado do Rio da Conceição onde
fomos festivamente recebidos por companheiros que lá já se encontravam.
Instalamos-nos nesse povoado, distrito de Dianópolis,
apoiados numa história fantástica: dizíamos ser da Companhia de
Colonização que desenvolveria grande projeto agrícola na região.
Contávamos essa história fantasiosa sem preocupação com questões
óbvias, como a ausência de estradas para escoamento de hipotética
produção. A ilusória história deixava as pessoas mais avisadas “com a
pulga atrás da orelha”.
O movimento guerrilheiro havia comprado, na região, pela
Companhia de Colonização, três propriedades rurais, a preços módicos.
A catingueira, muito próxima ao povoado de Ria da Conceição e outras
duas mais distantes, josé alves e o Boqueirão de Cascavel. Logo deixamos
de morar no povoado e fomos para Catingueira. Sistematicamente
visitávamos as outras duas propriedades onde fazíamos treinamento
militar. Além de duras caminhadas, aprendia-se a manejar armas e
melhorar a pontaria, tendo em vista sempre o desfecho da luta armada.
Na região, fui apresentado como enfermeiro, uma vez que
era filho de um oficial de farmácia, treinado em aplicação de injeções, a
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tratar alguns ferimentos e remediar algumas doenças. Leonardo foi
apresentado como técnico agrícola, mesmo padecendo da mais completa
ignorância sobre o assunto. Cleto, dissemos que era técnico em
contabilidade.
Os jovens recém chegados, Leonardo, Clero e eu,
serviríamos, aos negócios da “Companhia de Colonização”. Nada mais
natural a desconfiança da população quanto a nossa presença. Corria na
cidade a conversa de que tínhamos grande quantidade de armas e as
pressões foram tantas que, por orientação nacional do Movimento
Revolucionário Tiradentes – MRT, ao qual pertencíamos resolvemos dizer
que éramos das Ligas Camponesas e estávamos ali para organizar os
“roceiros”.
O povo mais letrado questionava: “ora, vocês chegaram
aqui e disseram que iam montar uma companhia de colonização e essa
conversa não era verdadeira como desconfiávamos. Como podemos,
agora acreditar nos propósitos pacíficos que vocês dizem ter?”
Ao questionamento, mais do que pertinente, respondíamos de
forma na da convincente, enquanto acelerávamos os passos para maior
aproximação com o povão, particularmente com roceiros que, a bem da
verdade, pouco entendiam dos nossos propósitos.
Próximo a Dianópolis, existia outra cidade que fazia jus ao
nome: Almas, por parecer um povoado fantasma, para onde fui mandado
com o objetivo de organizar as Ligas Camponesas.
Devido às carências da população, a cada dia, crescia o
número de doentes para serem atendidos, tamanha a falta de assistência
médica na região. Além de enfermeiro tornei-me dentista. Adquiri
seringas, boticões, alavancas, anestesias e, após receber noções do
odontólogo Wilson Póvoa, de quem fui auxiliar, passei a extrair dentes se
a sua aquiescência como era natural. Aqui e ali, havia que imobilizar
braço ou perna fraturados e eu me aventurava a enfaixá-los por absoluta
fato de quem o fizesse de forma minimamente competente.
Dada a tarefa de fazer trabalho político, na cidade de
Almas, levei nos meus alforjes, cordéis da Ligas Camponesas e meu
indispensável jogo de ferramentas de dentista como instrumento de
aglutinação. Num momento, era atender a fila, e noutro fazer uma roda
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Abílio Wolney Aires Neto
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de homens e mulheres para proceder a leitura do cordel das Ligas
Camponesas [...].
Um fato muito importante na nossa vida de pretensos
guerrilheiros, foi que, além de exercício de tiro, caminhadas,
acampamentos nas matas, houve a grande oportunidade de conhecer uma
literatura que ia bem além da literatura nacional-reformista que tanto
conhecíamos. Para a leitura e estudo do socialismo, contamos com a
indispensável orientação do companheiro Carlos Montarroyos que veio
da cidade para se juntar ao nosso grupo, no Rio da Conceição.
A biblioteca que dispúnhamos era sofrível. Além dos livros
específicos de guerrilha, como era o caso do manual básico do coronel
Bayo, treinador dos primeiros guerrilheiros cubanos no México, tínhamos
o manual de guerrilha de Che Guevara e muitos outros do gênero, como
as obras de Mao Tsé Tung. Havia empenho, sim, no sentido de conhecer
algumas técnicas de guerrilha. Ao mesmo tempo, estipulados por Carlos
Montarroyos, mergulhávamos na literatura política de caráter socialista,
até então praticamente desconhecida por nós.
Ao lado de outros livros que abriam nossos horizontes,
impressionou-nos livro do francês George Politzer, “Curso Básico de
Filosofia”. Hoje, temos consciência das distorções que representam esses
manuais mas, naquele momento, o “Curso Básico de filosofia”, apesar do
esquematismo, parecia-nos obra de grande valor. Entretanto, é bom
salientar a diferença substancial entre esse livro citado e o produzido
pelo stalinismo ortodoxo, sob o título “Princípios Fundamentais de
Filosofia”, obra de total perversão político-ideológica.
Outro livro, este sim, que serviu muito para nossa formação,
foi “O Estado e a Revolução” de Vladimir Lenine. Aí desvendamos o
caráter de classe do Estado e isso bania por completo as ilusões quanto a
um propalado “estado de direito” quando o que realmente existe no
capitalismo é o Estado de Direita como força política para resguardar os
interesses de uma classe social, no caso, a burguesia.
Lenine nos ensinava que não deveríamos deixar pedra sobre
pedra do Estado burguês e sobre seus escombros deveríamos construir
algo qualitativamente diferente, ou seja, o Estado operário como forma
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transitória para construção do mundo sem classes sociais, sem Estado e
essa era uma lição essencial para um socialista de verdade.
Outra questão que ficou clara para mim, lendo Vladimir
Lenine naquele frutífero ano de guerrilha, foi a de que na Europa
Ocidental, particularmente na Alemanha e na França, os socialistas, na
véspera da Primeira Grande Guerra, curvavam-se diante do rolo
compressor do discurso burguês e renegaram o conceito de Estado de
classe, pondo-se ao lado da burguesia para levar avante a guerra
imperialista, apesar dos protestos de uma minoria revolucionária que,
desesperadamente, clamava contra a capitulação, contra a postura
social-patriota dos que abandonaram os princípios revolucionários.
O social-patriotismo foi o caminho da negação dos
princípios do socialismo científico e causa maior do fracasso da
revolução mundial com todas as consequências desastrosas que, até hoje,
no levam a viver uma situação profundamente contraditória, qual seja, a
de ter um capitalismo esgotado, exaurindo, sumamente predatório,
porém, politicamente hegemônico ao lado da ausência de movimentos
populares capazes de dar resposta a essa situação de tamanha gravidade.
Retornemos, então, à nossa vida de guerrilheiro. Dianópolis,
como vimos, tinha uma séria e justa desconfiança de nós. Não chegava a
ter atitudes de hostilidade, mas discreta rejeição ao nosso
comportamento, particularmente aquele de desfilar pelas ruas da cidade
portanto armas, ostensivamente, como costumavam fazer nossos
camaradas. Tratava-se, sem dúvida, de uma conduta antipática,
desrespeitosa, acintosa, desnecessária. Tudo, no entanto, não se reduzia a
uma simples antipatia. Existia uma reprovação em face da forte
desconfiança de que pretendíamos levar adiante alguma forma de luta
armada e a cidade tinha, como já foi dito, a sua história marcada por
muitos e efetivos episódios de violência.
Quanto a nós, existiam muitas interrogações que nos
atormentavam. Nos vários livros de apologia a Cuba, ressaltava-se o feito
revolucionário como obra de um dúzia de barbudos da Sierra Maestra.
Tomando Cuba como modelo, tínhamos dois grandes problemas: por
conta da nossa pouca idade, éramos imberbes e, por sua vez, onde
estávamos não havia nenhuma serra. Sem serra e sem barba, ficávamos
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distantes do modelo revolucionário cubano. Essas “deficiências”, porém,
eram compensadas pela nossa desmedida e ardente vontade em tocar o
projeto revolucionário à frente. Assim, tivemos a preocupação de
procurar um serra e, nas andanças pelo município de Almas, pude
observar que, um pouco além dali, havia uma serra, chamada Serra
Negra que bem poderia se prestar a ser nossa Sierra Maestra.
Nas constantes viagens ao município de Almas, não só
descobrimos a Serra Maestra como, também, a existência de um cidadão
que se enquadrava perfeitamente no nosso projeto de guerrilha. Era um
excelente andarilho e excepcional atirador. Além desses predicados, ele
havia conhecido e participado da Aliança Nacional Libertadora – ANL,
no levante comunista de 1935. Era, enfim, para os nossos parâmetros,
homem bastante politizado. Chamava-se José Meireles.
Assim, em caráter rigorosamente sigiloso, informamos a
José Meireles o motivo de estarmos ali e dos nossos propósitos
insurrecionais, pedindo a sua efetiva adesão à nossa causa. Depois de
poucos dias de convivência e de um provável processo de reflexão,
Meireles terminou por aceitar o nosso convite. Tratava-se de um
guerrilheiro nato, como costumávamos dizer. Atirava excelentemente
bem, suportava longas caminhadas, tinha um excelente senso de direção,
além de tudo, acalentava ódio mortal ao imperialismo ianque e
admiração sem limites ao “camarada” Stalin. Esta, na sua cabeça,
patrono da luta armada e exemplo inconteste de revolucionário.
Meireles esta morado naqueles confins do mundo em
decorrência de um drama pessoal. A sua mulher o havia traído e ele a
matara e ao seu amante com o objetivo de “lavar sua honra” e, por essa
razão, vivia confinado, levando uma vida discreta e cautelosa.
Meireles nos levou a conhecer o baiano Joel, médico
proprietário rural e exímio marceneiro. Na condição de proprietário
rural dava guarida a alguns pistoleiros do Nordeste que buscavam a sua
proteção. Joel era compadre de Meireles e este o tinha na conta de um
dos nossos, assim como o seu irmão Vavá. Havia um outro cidadão,
Francisco Botelho, que era latifundiário e dono de um rebanho razoável
para os padrões da época. Apesar de sua condição social, Botelho era
administrador confesso da Revolução Cubana. Então, Joel, Vavá,
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Botelho, Meireles e um certo cidadão chamado Clóvis, que se sustentava
como curandeiro, passaram a constituir um núcleo unido em torno da
simpatia pela revolução e do ódio incontido que moviam contra o prefeito
de Almas, Ari Pereira Borges, apelidado de Tapuio. Tapuio era um
homem enorme, grandalhão, falastrão e nutria por Joel e seu grupo,
indisfarçável ódio, um tanto impotente.
Essa contradição local entre o grupo de Joel e grupo de
Tapuio nos favorecia. Além dessas animosidades, minha leitura
emocionada e emocionante do discurso de Fidel, “A Segunda Declaração
de Havana”, comovia os nossos aliados, notadamente Chico Botelho
também dispensava admiração pelo arrojo e pelas posições do Leonel
Brizola desde a Cadeia da Legalidade da qual devemos nos lembrar.
A “Segunda Declaração de Havana”, proferida por Fidel
Castro eram sempre lida e relida, dando-se maior destaque aquele trecho
que dizia: “Não é revolucionário aquele que espera ver o cadáver do
imperialismo passar, sentado na soleira de sua porta”. Esse trecho era
um convite à ação armada e uma critica implícita aos Partidos
Comunistas, em especial aos Partidos Comunistas dos países latino
americanos que se negavam à luta armada, fieis que eram aos interesses
de Moscou. Ao contrário desses partidos, estávamos ali, no então norte de
Goiás, para cumprir os desejos políticos de Fidel e não ficar sentado nas
soleiras de nossas portas.
Tapuio, ou seja, Ari Pereira Borges, prefeito de Almas,
indignava-se com minha presença, sobretudo, com as reuniões que
fazíamos com os roceiros. Certo dia, o Sr. Tapuio arranjou um caminhão,
um pequeno motor com gerador de luz que se prestava a fornecer energia
necessária a um serviço de som, convidou o atabalhoado promotor de
justiça da Comarca de Dianópolis, Dr. Antônio França e promoveu
grande comício cujo propósito seria o de me declarar “persona non
grata”da cidade.
Joel, Meireles, Vavá e Chico Botelho ficaram furiosos com
iniciativa do Tapuio, reacionário confesso, e armaram o seguinte plano:
O “compadre” Clóvis, pessoa de toda confiança do Joel e mais ainda do
Meireles, foi orientado a se inscrever como orador no dito comício.
Depois de alguns discursos raivosos contra a figura “perigosa” que eu
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era, chegou a vez do compadre Clóvis que, em eloquente discurso, disse
achar muito estranha aquelas acusações que me eram feitas, afinal dizia
ele: “tratava-se de um rapaz que trouxe benefícios à população, tratando
dos enfermos, extraindo dentes e prestando tantos outros obséquios”.
Clóvis não pôde prosseguir: O grandalhão Tapuio
arrebatou-lhe o microfone das mãos, cassando-lhe a palavra. Foi o
bastante para que o temível José Meireles, de arma em punho, gritasse:
“quem tocar num fio de cabelo do compadre Clóvis, vai morrer agora!”
Joel acompanhou Meireles e a turma do Tapuio recuou, cedeu,
“amarelou”.
O comício, que contava com a presença de quase todos os
moradores da cidade, pois era uma festa, acabou e lodo Joel convidou o
povo para um arrasta-pé regado a muito restilo, uma aguardente da
região. Foi uma animação total. Parece que já existia um sanfoneiro de
plantão e, de repente, tudo começou: lamparinas, faróis e música se
juntaram à festa improvisada(?). Depois do incidente, os amigos
recomendaram-me mais cautela, para não me expor em fazer longas
viagens, sozinho, em lombo de burros nossa condução frequente ou, às
vezes, a pé, como sempre acontecia no trecho Rio da Conceição e
Dianópolis numa distância aproximadamente de quarenta quilômetros.
Com essas recomendações, José Meireles tornou-se uma
espécie de meu anjo da guarda. Somente a presença dele já afastava os
mal-fazejos, visto que os inimigos iriam pensar muitas vezes antes de nos
atacar, pois Meireles era exímio atirador e, além do mais, calmo e
destemido, o que assustava por completo os nossos desafetos.
Na cidade das Dianas, Dianópolis, o tratamento era sempre
cortês. Um dos chefes políticos, o senhor Zeca Póvoa, fazia questão de
nos tratar com toda amabilidade. Da minha parte fiz amizade com
algumas pessoas especialmente com um grupo de maçons, gente muito
interessante e de agradável conversa, detre os quais um meceeiro de
nome Geraldo Farias, um pernambucano que veio parar em Dianópolis.
Sua mercearia era sortidíssima. Ele era um apaixonado indisfarçável pela
maçonaria. Entre os maçons da cidade existia, também, a figura tranquila
e amiga do senhor Cantídio de Sena Moura, o Cantú, Tabelião do único
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cartório de Dianópolis. Também conheci o agente da Cruzeiro do Sul,
Benedito Póvoa, notável por uma inconfundível gentileza.
Por outro lado, não sei se por sectarismo de minha parte ou
do padre João Magalhães Cavalcante, pároco da cidade, nós não nos
falávamos. Talvez fosse só por preconceito, afinal, era ele padre e eu
comunista, ateu.
Em Dianópolis, tive a satisfação de conhecer o
respeitadíssimo e lendário Zeca Piauí de quem me tornei afetuoso amigo.
A propósito, foi ele que fez o meu contato com o Meireles. Zeca Piauí
tinha quatro filhos: Hagaús Araújo e seus irmãos Wilson, Antônio e Vilar
e a filha Guiomar.
Não sabia a história desse senhor quando conheci Guiomar,
na movimentada sorveteria do Efraim, ponto de encontro da juventude
local. Aproximei-me dele e iniciando uma animada conversa. Perto de 21
h, Guiomar me avisou que estava no horário de ir para casa e eu disse
que iria levá-la até lá. Ela, espantada, perguntou: “você vai até a minha
casa?” Respondi: “Claro, quero conhecer a sua família”. E assim fui
parar na casa do austero e temido Sr. Zeca Piauí. Ele estava sentado
numa cadeira de balanço e aos seus pés dormia um preguiçoso cão.
Cheguei, cumprimentei a todos e a convite sentei-me um pouco para
depois despedir-me da Guiomar com um sonoro “até amanhã”. Seu Zeca
deve ter me julgado muito atrevido. O suposto atrevimento, porém, se
coadunava muito bem com sua cultura machista e assim ficamos bons
amigos.
Quanto aos demais habitantes de Dianópolis, tínhamos boas
relações, com exceção das freiras que, praticamente, não saiam de seu
espaço que era o colégio onde estudavam as moças de Dianópolis e de
outras cidades. Existia, porém, um tipo que fazia parte da nossa
pequeníssima lista de desafetos: o pseudojornalista Milton Canto.
Indivíduo totalmente desacreditado, com quem tive um bate-boca, ou
melhor, disse-lhe merecidos desaforos. Para revidar, o covarde do Milton
Canto, na calada da noite, pintou os muros da cidade com o dístico:
“Fora o Julião Mirim”. Em alusão a mim.
É digna de menção a figura do Flávio, jovem senhor, pacato
e gentil que, por brincadeira, o chamávamos “Barão da Pedra Amarela”.
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Sua Conduta era totalmente diferente do sogro, Milton Canto, diga-se de
passagem.
O Sr. Francisco Ribeiro, que exercia as funções de advogado
na cidade também era uma pessoa sumamente tratável. Digno de
lembrança era o Sr. Gustavo Macedo, dono do pequenino hotel onde nos
hospedávamos quando íamos para Dianópolis. Homem de fala mansa,
gestos polidos e muito discreto.
Está bem viva na minha mente, a figura gentil do Professor
Osvaldo Póvoa que nos contestava de forma cordial e muito elegante.
Fazia, a seu modo, uma pequena campanha anticomunista, sobretudo
anticastrista por nos identificar como agentes do “perigo vermelho”.
Ele não observa que éramos, a rigor, apenas nacionalistas e
reformistas e o nosso objetivo era um governo popular que promovesse as
Reformas de Base e implantasse uma política de independência nacional.
O documento teórico que líamos e relíamos, era a Segunda Declaração
de Havana e nele não havia nada que extrapolasse as fronteiras do
nacionalismo. Não tínhamos compreensão disso, mas a verdade é que não
íamos além de meros sociais-patriotas em busca da luta armada, embora
todos (inclusive eu), insistissem em nos chamar de comunistas sem que
houvesse razão consistente para isso, pois, não bastava torcer pelo êxito
da URSS na tresloucada corrida pelo espaço sideral para justificar essa
pretensão. Comunistas ou socialistas, seríamos de fato se encetássemos
uma clara e objetiva campanha contra o capitalismo, o que não ocorria,
muito pelo contrário, o que existia era o mais profundo silêncio a esse
respeito, ficando tudo reduzido a um sonoro “Pátria ou morte
venceremos”, não fossem as posteriores leituras.
A disposição do professor Osvaldo Póvoa de nos enfrentar,
na tentativa de desmontar nosso discurso, deu ensejo para que ao
convidá-lo para um debate público, ele de pronto aceitasse. Desde então,
passamos a fazer discussões bastante animadas, dia numa casa, outro dia
em outra. Certa feita, aproveitei a presença do delegado de polícia da
cidade e sugeri que se fizesse mais um debate em sua própria casa, e logo
foi aceita a sugestão. Isso nos dava a nítida impressão de um trabalho
dentro da legalidade, na medida em que não nos escondíamos e
estávamos dispostos a confrontar nossos pontos de vista, publicamente.
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No entanto, essa presumida legalidade era, de nossa parte,
meia verdade, vez que continuávamos conspirando para levar à frente o
nosso projeto de luta armada. Saíamos sempre muito bem dos debates,
por estarmos preparados e com uma razoável capacidade de
argumentação.
“Um dia na vida do Brasilino”, “A Miséria é Nossa”,
“Senhor Deus dos Desgraçados”, “Estudos Nacionalistas”, “O acordo
de Roboré”, “A Ilusão Americana” e outros livros de conteúdo
semelhante, davam sustentação ao nosso discurso nacional reformista.
Ainda éramos bastante equivocados e repetíamos o discurso que a velha
escola do PCB havia nos induzido com tanta eficácia.
O caráter nacionalista e reformista do nosso discurso
agradava de certa forma os participantes dos debates, mas havia o temor
de que, por trás de nossas palavras, houvesse o propósito de seguir no
rumo da união das Repúblicas Socialistas Soviéticas, da China ou de
Cuba Revolucionária, apontadas, sem que fosse inverdades, como estados
policiais, ditatoriais e onde não havia a menor sombra de liberdade
democrática. Diziam alguns que éramos como melancia: vede e amarelo
por fora e vermelho por dentro, o que era uma desmedida calúnia, visto
estarmos ali com o firme propósito de morrer pela pátria, se preciso
fosse, contanto que se libertasse o Brasil das garras do imperialismo
ianque e os sertões dos restos feudais.
É bem verdade que as incipientes leituras das obras de
Lenine, Engels, Plekhánov começavam a mexer com nossas cabeças.
Começávamos a perceber que a contradição maior e inconciliável era a
existente entre classes sociais com objetivos históricos diametralmente
opostos, a contradição inconciliável entre os interesses da burguesia e o
dos trabalhadores. A burguesia tem a tarefa de manter de pé o
capitalismo o que ela vem fazendo com admirável competência, apesar do
caráter sinistro dessa tarefa. Enquanto isso, a outra classe – a classe dos
trabalhadores – teria outro projeto histórico: o de desmontar o sistema
capitalista e construir outro sistema sócio econômico – socialismo. Em
outras palavras, começava a ficar claro para alguns de nós que a
contradição principal era classe opressora versus classe oprimida e
nunca nações opressoras versus nações oprimidas como nos dizia o velho
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Partido Comunista Brasileiro. Infelizmente, esse novo aprendizado davase a partir de um processo muito lento.
Outro “ponto quente” de nossos amistosos debates era a
questão da luta armada. A esse respeito dizia o professor Osvaldo Póvoa:
“Vocês, das Ligas Camponesas, são partidários de Fidel Castro e Che
Guevara e eles pregam a luta armada”. Respondíamos, sem muita
convicção que, no Brasil, a situação era diferente. Aqui tínhamos toda
liberdade política, enquanto o povo cubano, antes de Fidel, amargava sob
o tacão da sanguinária ditadura de Fulgêncio Batista. Em Cuba, só
restava o caminho da luta armada. No Brasil, diferentemente, tínhamos o
Presidente João Goulart comprometido com o Programa das Reformas de
Base e com uma política de independência nacional. Assim, o nosso
caminho seria pacífico, argumentávamos.
Tudo levava a crer que os nossos argumentos não lhes eram
convincentes. Havia uma profunda desconfiança de todos. Os fortes
indícios de que havia uma trama, alimentavam essas desconfianças e os
nossos seguidos esforços em tentar desfazê-las não eram suficientes: o
único jeito era conviver amistosamente com essa realidade e procurar
ganhar tempo.
Um Plano Conspirativo
Já falei que, para nossos propósitos, nos faltavam barbas e,
além disso, a Serra. Falei, também, que a Serra Negra, além da cidade de
Almas, poderia prestar-se aos nossos propósitos guerrilheiros. José
Meireles conhecia muito bem a região e dizia que a Serra Negra só tinha
duas vias de acesso facilmente bloqueáveis. Nela seria fácil nos manter,
por conta de suas matas, das águas que eram fartas, além de muita caça.
Assim sendo armou-se um minucioso plano conspirativo. Era setembro
de1962.
A direção do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT)
formada, pelo ex-deputado estadual de Pernambuco e ex-componente do
PCB, Clodomir Moraes e Francisco Julião, vinha se mostrando vacilante
e confusa, deixando como única alternativa, o rompimento com essa
direção, a fim de que pudéssemos iniciar o nosso processo de guerrilha. A
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nosso juízo, outros guerrilheiros já montados seriam, assim, impedidos a
acompanhar jornada insurrecional.
O plano conspirativo que deveríamos executar havia sido
objeto de muitas reflexões e iniciativas. As armas disponíveis deveriam
ser transportadas para a Serra Negra depois de visitada pelos camaradas
Meireles e Geraldão. Transferidas as armas para a serra, faríamos a
transferência do pessoal e isso seria precedido de duas ações militares:
uma contra a delegacia de polícia e a agência dos Correios e Telégrafos
de Dianópolis, cujo agente era um discreto simpatizante da nossa causa,
o companheiro Elizeu Cavalcante e a outra na cidade de Alma. Nessa
ocasião, anunciaríamos ao povo de Dianópolis o nosso projeto
“libertador”. Simultaneamente faríamos um assalto à cidade de Almas
onde confiscaríamos as armas anunciando nossos propósitos nacionalreformista.
Esse plano conspirativo contava com pleno apoio de nosso
“assistente”, o goiano Tarzan de Castro que mantinha a ligação entre
nosso “dispositivo militar” e a direção central do MRT, organização que
agregava os guerrilheiros do campo e os militares urbanos, dirigida por
Francisco Julião e Clodomir Moraes, seu inconteste orientador político.
Em outubro de 1962, houve eleições em todo o Brasil para
renovação do Parlamento e, em alguns Estados, essas eleições eram
também para a escolha de governador, como foi o caso de Pernambuco,
quando foi eleito o velho companheiro Miguel Arraes.
Logo que passou o processo eleitoral, aceleramos mais
ainda o nosso projeto de transferência para a Serra Negra. Eis, porém,
que fomos surpreendidos com a chegada do Sr. Luiz Amaro de Carvalho,
ao invés da tão esperada visita de Tarzan de Castro, conforme havíamos
combinado.
Luiz Amaro de Carvalho era um stalinista ortodoxo,
intrigante e conspirador contumaz. Depois do golpe de 1964, sob o
pseudônimo de Capivara, integrou-se ao Partido Comunista
Revolucionário – PCR e promoveu algumas ações clandestinas no campo.
Preso, Capivara negou-se a conviver com os outros presos políticos. Na
prisão, foi estupidamente assassinado por um preso comum e nunca
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ficaram claras as razões de sua morte, uma vez que era bastante
encrenqueiro.
Carlos Montarroyos havia participado de encontro com
Francisco Julião quando denunciou o comportamento irresponsável e
leviano de Clodomir Moraes, ao que Julião lhe teria respondido com toda
ênfase dizendo ser Clodomir o sol e nós, os denunciantes, meros
pirilampos. A verdade é que Clodomir Moraes nunca passou de um
envolvente charlatão, não podendo sequer ser considerado um
submarxista.
Ao sair desse reunião, Montarroyos me telegrafou: “não
aceite ordens do Carvalho, estamos rompidos”. Ocorreu, entretanto, que,
ao chegar a Dianópolis, Luiz Amaro de Carvalho foi até a mercearia do
Geraldo Farias que, por cortesia, se prestava a receber e repassar nossas
correspondências. Apanhou o telegrama que Carlos Montarroyo havia
me destinado e o leu sem que eu tivesse tomado conhecimento do seu
conteúdo.
Tinha eu acabado de chegar da cidade de Almas quando
encontrei, em Dianópolis, o Carvalho acompanhado de dois outros
companheiros, o José Dias, pintor e escultor e o outro de nome Adauto.
Depois de alguns entendimentos rumamos para o Rio da Conceição, ou
melhor, para a Fazenda Catingueiro, onde estávamos instalados. No dia
seguinte à nossa chegada ao Rio da Conceição, Carvalho nos convocou
para uma reunião. Nesse momento, ele falou em nome da direção
nacional do Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT e nos
comunicou que o “dispositivo militar” de Dianópolis, ou melhor, do Rio
da Conceição, deveria ser desativado e que todos nós nos preparássemos
para viajar de volta às nossas origens.
José Marcelino, Inácio e Luiz Preto, todos ex-militantes do
Partido Comunista Brasileiro, foram os primeiros a viajar. Quando
estávamos executando o plano de desmonte, Carvalho, estranhamente,
pediu nossas armas de uso pessoal, quando, nos consultamos se
deveríamos entregá-las ou não. Não entregar seria não acatar o comando
nacional ali representado pelo Carvalho. Assim, optamos,
disciplinadamente, por entregá-las.
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Carvalho convocou uma nova reunião do coletivo e, quando
estávamos reunidos, ouvimos tiros de metralhadoras. Inicialmente
julgamos se tratar de algum companheiro em treinamento, mas logo
Miguel, um companheiro alagoano, integrante do grupo, vLeio correndo
avisar que era um destacamento da polícia.
Naquelas circunstâncias só nos restava fugir. Guerrilheiros
treinados para surpreender o inimigo, nós é que fomos completamente
surpreendidos. Eis uma subversão completa da lógica. A guerrilha, por
definição, nutre-se da surpresa que impinge ao inimigo, mas, conosco
ocorreu o oposto. Fomos tomados de total surpresa e não sabíamos
sequer quem estava nos atacando. Pensávamos equivocadamente que era
a polícia do Estado de Goiás. Somente depois é que fomos saber que se
tratava de gente do Exército.
A verdade é que corremos todos, mas não o fizemos de forma
desordenada. Seguimos o mesmo rumo que, por sinal, era o único que nos
restava para evitar o cerco completo. Corremos para um rio e o
atravessamos às pressas. Depois da surpresa, Carvalho ficou possesso e,
aos berros, dizia que aquilo era um absurdo, pois éramos simplesmente
organizadores das Ligas Camponesas e elas eram uma instituição legal.
Depois de uma rápida conversa, ficou decidido que eu iria voltar e
enfrentar a “polícia”. Segundo a instrução dada pelo falastrão-Luis
Amaro de Carvalho, eu deveria dizer ao chefe de polícia que estava fora
e, de volta, havia encontrado tudo destroçado e devendo exigir com
veemência uma explicação para tamanha truculência, desmando e
arbitrariedade.
Cheguei a mostrar que estava com a camisa manchada de
sangue em decorrência de um corte que sofrera ao me chocar com um
galho seco. Logo foi providenciada a troca da camisa e eu voltei para a
fazenda Catingueira, local onde tínhamos sido surpreendidos. Não
encontrei ninguém lá. Os militares tinham ido para o povoado do Rio da
Conceição. Para lá marchei. Não foi difícil encontrá-los acampados e
tomei chegada. O guia deles, um pedreiro e dedo duro chamado
Pernambuco, tremia todo com minha aproximação e balbuciava: “estou
debaixo de ordem , fale com o coronel”, mas o coronel não ouvia a sua
voz trêmula, e então, obedecendo a orientação recebido, resolvi gritar:
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“Sou das Ligas Camponesas e que saber o que está acontecendo”. Foi aí
que se apresentou o coronel acompanhado de seus subalternos e em voz
firme disse: “Primeiro, fale baixo! Segundo, o senhor está preso!”.
Continuei argumentando que aquilo era uma ilegalidade, um
ato de truculência contra as Ligas Camponesas, mas o coronel retirou-se
e me deixou cercado de soldados sob o comando furioso do tenente Raul
que gritava: “Vocês são uns frouxos, não deram um só tiro; vim aqui
para brigar e vocês fogem. São três horas da tarde e não comi ainda hoje,
desde cedo que me encontro pelos matos, mas você vai falar onde estão os
outros e onde estão as armas. Olhe que eu já fiz mudo fazer discurso!”.
Devo confessar que fiquei muito receoso com a fúria do tenente. Passei a
fazer um grande esforço para manter uma aparência tranquila e segura.
Essa minha postura de aparente coragem causou muita impressão ao
tenente e aos seus subordinados, como também aos habitantes do Rio da
Conceição que assistiram ao entrevero.
Quando a temperatura ficou mais amena, o tenente Raul
chegou-se a mim e perguntou: “menino, tu tens coragem de brigar?”
Estufei o peito e lhe respondi com um bravata: “é só o senhor dividir as
armas e a gente experimenta”. Diante da minha resposta ele deu uma
risada e, depois disso, ficou bem mais tratável, menos furioso. O coronel,
José Nicolau Seixas, voltou e me perguntou se eu sabia dirigir automóvel.
Eu lhe respondi que sabia e ele me pediu que dirigisse um jipe ia eu
dirigindo e um soldado sentado ao meu lado com uma metralhadora e
outro, também armado, acomodado no banco traseiro. A recomendação
era para eu dirigir devagar e com cuidado, pois eles temiam que os
nossos guerrilheiros montassem uma emboscada no meio do caminho.
A esperada emboscada não aconteceu e quando chegamos à
cidade de Dianópolis, havia uma verdadeira multidão nas calçadas. Era
toda a gente da cidade. Entrei dando a mão para todos, o que deixou o
povo daquele lugar muito admirado pelo fato de não estar abatido com a
derrota. Era mais uma das táticas minha que dava certo, pois esse
respeito e essa simpatia que eu desfrutava no meio da população seriam
muito importantes para o desfecho daquele episódio.
Quando chegou a hora do coronel José Nicolau Seixas falar
comigo, ele fez questão de dizer que não era um torturador e nem
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Abílio Wolney Aires Neto
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forjador de vítimas como era o Sr. Carlos Lacerda, líder a extrema direita
e então Governador de Estado da Guanabara. Mandou que eu tomasse
um banho e que trocasse a camisa novamente manchada de sangue.
Então não sei de onde me surgiu uma camisa limpa e engomada.
Ordenou-me, ainda, o coronel que, após o banho, eu me recolhesse a um
determinado aposento do pequeno hotel do nosso já conhecido Sr.
Gustavo Macedo.
Banho tomado, camisa limpa, estava preparado para o
jantar quando se ouviu um barulho entre soldados que montavam guarda
na frente do hotel. O barulho era de uma comissão de estudantes que
queria me visitar. O coronel foi informado do impasse e ordenou a
entrada da comissão e isso levou a que eu recebesse contínuas visitas até
altas horas da noite. Muitos dos visitantes vinham por solidariedade,
alguns por mera curiosidade. Do Colégio das Freiras, recebi bilhetes das
internas dizendo que haviam rezado “um terço para mim”. O tenente
raivoso chegou junto a mim e disse “você deve ser um cara muito legal.
Todos falam bem de você, até o padre”. A partir daí, o tenente Raul,
assim como sargentos, cabos e soldados passaram a ter comigo um
tratamento ameno e, às vezes, até muito gentil.
Era pelas altas horas da noite que o coronel José Nicolau
Seixas gostava de me fazer seus interrogatórios que giravam em torno de
uma só pergunta: “onde estão as armas?” Invariavelmente respondia:
não sei. Algumas vezes eu fingia estar irritado e dizia: “eu já disse que
não sei, eu nunca vi armas que não fossem cinco rifles calibre 22, uma
dúzia de revólveres e algumas espingardas de cartucho, nada mais”.
Mesmo assim, o coronel continuava a perguntar pelas armas e os
interrogatórios pareciam intermináveis.
Confesso que não sofri nenhuma violência física e quanto a
uma presumida violência psicológica não ia além dos limites do
suportável. O máximo que acontecia era o coronel irrita-se e levantar a
voz com a ameaça de me entregar à polícia do Estado de Goiás, famosa
pelos métodos truculentos, mas tudo não passava de ameaças.
No centro de Dianópolis, havia uma mina de outro explorada
por um certo senhor a quem chamavam de Dr. Macedo . Esse senhor
tornou-se muito amigo do coronel e dizia-lhe que éramos apenas um
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Abílio Wolney Aires Neto
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grupo de jovens imberbes e românticos e que não representávamos
nenhum perigo à “nossa querida República”. Essas conversas do Dr.
Macedo com o coronel José Nicolau Seixas ajudavam muito e ele já não
me interrogava com tanta frequencia como fazia dantes. Estava muito
mais sereno e calmo.
Certo dia, o coronel Seixas me falou que seu trabalho estava
terminando e ele me entregaria aos cuidados do Juiz de Direito da
Comarca de Dianópolis., Dr. Marques e ao delegado de polícia cujo
nome não me recordo, enquanto chegasse o pessoal da polícia política de
Goiânia ou mais precisamente, o pessoal do Departamento de Ordem
Política e Social – DOPS.
Houve um momento de despedida entre o coronel Nicolau
Seixas e as autoridades locais, dentre elas, o Dr. Marques que, também,
era informante da polícia. Nessa despedida, também estava presente um
comerciante do Rio da Conceição, de nome Floriano, conhecido
popularmente como Flori. A pretexto da recomendação que,
paternalmente, me fazia o coronel Nicolau Seixas, indicando-me o uso de
camisas “americanas”, então na moda, o Sr. Flori, bajulador emérito,
virou-se para o militar e disse, referindo-se a mim: “ele não gosta de
americanos, ou melhor, ele detesta americanos”. À essa provocação
quem respondeu foi o zangado tenente Raul dizendo: “eu também detesto
americanos e tenho raiva de quem gosta”. Pairou um silêncio
embaraçoso cortador por iniciativa do sempre subserviente Dr. Marques
em contar uma leve piada para desanuviar o ambiente que se tornara
tenso, sobretudo, constrangedor.
Depois da pertinente despedida, lá se foram o coronel e seus
comandos. O tenente Raul, conforme havia me prometido, levou o “dedoduro” Pernambuco até a estrada e lá aplicou-se bela surra, em
testemunho de que os delatores não são bem vistos, pois são inconfiáveis.
À saída dos militares, sob o comando do coronel Nicolau Seixas, o Dr.
Marques dirigiu-se a mim e disse que poderia me mandar para o xadrez
da cidade, mas, por “generosidade”, não ia fazer isso. Eu ficaria apenas
proibido de me ausentar da cidade sem a sua permissão.
Fugir? Mas como? Praticamente só existia uma saída que
seria por avião, pois as estradas eram fáceis de serem controladas visto
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Abílio Wolney Aires Neto
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que eram poucas e de péssima qualidade. Aventurar-me em fugir a pé,
sem ter dinheiro, era uma empreitada fora de cogitação e, assim, resolvi
apostar todas as fichas na sorte e ficar ligado ao desenrolar dos
acontecimentos.
Não demorou muito e aterrisou, em Dianópolis, um avião do
Estado de Goiás trazendo o delegado do Departamento da Ordem
Política e Social – DOPS e o escrivão que bem me lembro chamar-se
Sílvio.
Então, tudo que havia feito o coronel foi considerado em vão
pelo DOPS. Tudo teria que recomeçar. Instauraram outro inquérito e o
Sr. Francisco Ribeiro foi nomeado meu curador por ser eu menor de 21
anos. Fizeram-me as mesmas perguntas: de onde era o grupo, quando
chegamos, se havia algum plano de luta armada e, por fim, onde estavam
as armas.
Naturalmente, as respostas foram as mesmas: éramos de
Pernambuco, havíamos escolhido o norte de Goiás para organizar as
Ligas Camponesas e quanto às armas respondia desconhecer a sua
existência. O escrivão tomava, cuidadosamente, nota das minhas
respostas tentando formalizar o inquérito.
Não sei por que razão os interrogatórios tomaram uns três
ou quatro dias. Talvez pelo excesso de formalidades e pela lista de
testemunhas que foram chamadas a depor. A verdade é que eu achava
tudo aquilo muito maçante e totalmente sem graça. De que qualquer
forma causava-me impressão a sisudez daqueles senhores: juiz, promotor,
delegado, escrivão e do meu atencioso curador.
A Fuga
O último dia do interrogatório foi uma sexta-feira. No
sábado, o Juiz de Direito, Promotor, Delegado e Escrivão se
confraternizariam por ocasião de uma festa de casamento, para a qual
todos eles foram convidados. Na mesma noite da sexta-feira, um portador
pediu-me para ir até a casa do médico mineiro, radicado em Dianópolis,
Dr. Augusto Pena, emérito boêmio e excelente profissional. Quando
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Abílio Wolney Aires Neto
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cheguei à residência do Dr. Augusto, depois dos devidos cumprimentos,
circunspecto, ele disse-me: “Tenho conversado bastante com o doutor
Deusdeth, delegado do DOPS e com o juiz, Dr. Marques. O juiz disse-me
que, segunda-feira, vai decretar sua prisão preventiva e o doutor
Deusdeth irá lhe conduzir preso para Goiânia”.
“Sim, doutor, mas o que eu posso fazer?”
Ele replicou: “Você, meu jovem deve fugir”.
“Mas como? Se Dianópolis praticamente assimelha-se auma
ilha donde só se pode sair de avião?”
“Isso mesmo!” exclamou aquele senhor. “Você já tem a
passagem para um avião que, às seis horas da manhã está vindo da
cidade de Porto Nacional. Você embarca nesse avião. A gente vai
facilitar o seu embarque para Brasília e de lá você se manda. E escute
bem: Faltando quinze minutos para as seis horas da manhã esteja na
esquina do mercado para pegar o jipe do Hagaús. Não leve nenhuma
bagagem. Tem que viajar com a roupa do corpo para não chamar a
atenção do pessoal do mercado”.
Depois desse breve diálogo entre mim e o Dr. Augusto Pena,
ele tratou de me deseja felicidades e fazer muitas recomendações, porém,
nenhuma delas de caráter político, nada que se parecesse com um “tome
juízo”.
Na noite do sábado recolhi-me mais cedo. A festa do
casamento estava acontecendo. Eu esperava que o delegado do DOPS e o
escrivão bebessem muito e virassem a noite acordados para que, quando
despertassem, eu estivesse longe. Sem pregar olhos, aguardei a hora
aprazada e, em quinze minutos para as seis horas, eu tomava o jipe rumo
ao aeroporto. Embarquei sem nenhum problema. Até parecia que todos
eram cúmplices da fuga, inclusive o piloto.
Quando cheguei a Brasília, quis ser o primeiro a
desembarcar. Apressadamente, dirigi-me para um ponto de táxi e pedi
para ser conduzido até a Rodoviária. É que eu tinha um pouco de
dinheiro entregue pelo Dr. Augusto Pena em nome do “nosso pessoal”.
Quando cheguei na Rodoviária, procurei passagem para
Goiânia e deparei-me com o tenente Raul que tinha vindo deixar uma
filha para viajar. Ele abraçou-me efusivamente e perguntou: “e como foi
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lá?” Respondi-lhe que tinha ido a Dianópolis um advogado da Ligas
Camponesas e ele havia impetrado um “habes corpus” em nosso favor.
Eu estava completamente livre. Diante do que falei, ele comentou: “Eu
estava completamente livre. Diante do que falei ele comentou: “eu sabia
que aquilo não ia dar em nada, agora tome juízo” e despediu-se
desejando-me felicidades.
Ufa! Passado o susto, fui tomar o ônibus para Goiânia. Lá
chegando, procurei o único endereço que dispunha. Era de um
companheiro do MRT, um advogado de no Reginaldo que morava na
Alameda dos Buritis, nº 66. Quando cheguei ao endereço que tinha
memorizado, fui informado de que o Dr. Reginaldo tinha viajado, no dia
anterior, para o Rio de Janeiro e só voltaria terça ou quarta-feira da
semana vindoura.
Estava com pouco dinheiro e nenhum documento. Desolado,
sentei-me no banco da praça do centro da cidade, sem saber, imediato, o
que fazer quando passou em marcha lenta um jipe que de repente parou.
Esta preste a correr quando ouvi uma voz me chamando:
“Companheiro”, “companheiro”! Aproximei-me e logo reconheci o
jornalista Djalma Lustosa que havia passado por Dianópolis no dia da
eleição onde nos conhecemos. Ele também era do Movimento
Revolucionário Tiradentes, MRT. De forma sucinta e objetiva coloquei-o
a par dos acontecimentos. Ele me mandou entrar no carro para
procurarmos outros companheiros. Fomos à casa do “Gaúcho” que era,
também, do MRT. Lá, um companheiro, José Jaime, conhecido como
Bacoroco, fez comigo um troca espetacular: trocou as minhas impróprias
botas de sertanejo por um confortável sapato de camurça. Depois de um
ligeiro bate-papo, ficou acertado que eu iria para a União Goiana dos
Estudantes Secundaristas – UGES, que tinha hospedagem e restaurante
para estudantes.
Fiquei uns três dias na UGES que mais me parecia um
formigueiro. Havia uma intimidade muito grande entre essa entidade e o
Movimento Popular. Naquele ano de 1962, o Presidente da UGES era o
Hélio Cabral que me dispensou o mais gentil e solidário tratamento.
Após passar esses poucos dias na UGES, fui transferido para
a casa de um companheiro, em Anápolis. Ali, só demorei dois ou três dias
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por não suportar, a todo o momento, ser criticado pelo meu anfitrião que
era do Partido Comunista Brasileiro – PCB. Ele não se cansava de nos
acusar de aventureiros e divisionistas. Defendia com sofreguidão o
discurso da coexintência pacífica de Nikita Kruschev tornando
impraticável nossa convivência. Voltei a Goiânia e fiquei novamente na
União Goiana dos Estudantes Securitarista – UGES.
Consegui entrar em contato com Tarzan de Castro que
estava em Brasília e combinamos que eu iria para lá e ele estaria me
esperando junto com o companheiro Deodato Rivera. Chegndo em
Brasília, Rivera levou-me a um apartamento do seu irmão, onde fiquei
devidamente escondido.
A essa altura, no seio do Movimento Revolucionário
Tiradentes – MRT, tratava-se uma discussão muito acirrada. Os
militantes da cidade acusavam Francisco Julião e, principalmente,
Clodomir Moraes de estarem passando falsas informações sobre os
preparativos da luta armada.
O padre Alípio de Freitas, destacado dirigente do MRT, iria
reuni-se com o pessoal de Brasília e Deodato combinou a minha ida à
reunião para denunciar a fraude da luta armada. Foi muito duro e, com
certeza, o padre Alípio não merecia tamanha crueldade. Ele mal
terminara de dar um informe otimista e fantasioso dos “dispositivos
militares” e o Deodato disse: “Padre, com todo o respeito, mas eu tenho
aqui um dos nossos guerrilheiros. Vamos ouvir o seu depoimento”.
Foi aí que expus os equívocos e o patético desfecho da
experiência em Dianópolis. Terminei o meu depoimento “bomba” e um
profundo silêncio se abateu sobre todos. Esse silêncio foi quebrado com a
provocação de alguém que disse: “e aí, padre, como é que ficamos?”.
Acossado, o reverendo balbuciou algumas desculpas, enquanto repetia
que havia falado tão somente das informações que lhe haviam passado.
Além de Deodato Rivera, lembro bem o quanto revoltado
ficou um companheiro paulista, radicado em Brasília, Horaci, que
sonhava com a sublevação iminente e acabava de se dar conta de que
tudo não ia além da fantasia, apesar da seriedade e sacrifício de muitos.
Outro que falou em tom de revolta, de forma pausada porém contundente,
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foi o jornalista Almir Gajardone, importante militante do núcleo
brasiliense do Movimento Revolucionário Tiradentes-MRT.
Julião e Clodomir foram informados do que aconteceu em
Brasília e passaram a nutrir ódio pelo grupo brasiliense e por mim, em
particular, pois eu desempenhava um papel de destaque na campanha
interna que estava em marcha denunciando a fraude da luta armada
conduzida por esses dois senhores.
Não demorou muito para que o episódio de Dianópolis
ocupasse as manchetes dos jornais. A revista “O Cruzeiro”, de 22 de
dezembro de 1962, estampou em sua capa: “Goiás, viveiro de guerrilha”
referindo-se detalhadamente ao fracasso acontecimento. Os lacerdistas,
ou seja, a extrema direita, encontraram ai um pretexto para dizer que a
República estava ameaçada pelo perigo comunista, o que era absoluta
mentira.
Ainda escondido em Brasília, tive a oportunidade de receber
a visita do então Ministro do Trabalho- Deputado Almino Afonso, que foi
até meu esconderijo prestar solidariedade e a um guerrilheiro caçado e
dar-lhe algumas informações consideradas preciosas, entre elas a de que
seríamos enquadrados na LSN, Lei de Segurança Nacional.
Dias depois da visita, fui com Deodato Rivera para o Rio de
Janeiro. Lá, refugiei-me na casa da minha avó, em Madureira. Com
minha avó, morava minha prima, Odete Queiroz que trabalhava na
revista “ O Cruzeiro”. Ela me falou que o nosso primo Zeferino, que
também trabalhava lá, queria me ver. Fui até ele muito assustado porque
os jornais não deixavam de falar da guerrilha e dos implicados, citando
sempre o meu nome Gilvan de Tal, perigoso “agitador”.
Zeferino falou que o autor da reportagem da revista “O
Cruzeiro”, o jornalista Ubiratan de Lemos, queria muito falar comigo e
combinou para aquela tarde um encontro. Zeferino e eu chegamos
primeiro e logo depois o jornalista. Passamos alguns minutos de
conversa, Ubiratan Lemos perguntou: “sim, Zeferino, onde está o nosso
guerrilheiro?” e Zeferino disse apontando-me: “eis ele aqui!”. O
jornalista enorme, gordo e bonachão, não conseguiu evitar uma gostosa
gargalhada acompanhada de uma cruel observação: “mas esses jovens,
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quase meninos... Eu pensava em encontrar um homenzarrão, no entanto,
o que vejo é um rapazinho franzino que sequer tem barbas”.
Confesso que me senti muito humilhado, com os ombros nos
calcanhares, diante das observações do famoso repórter, mas soube
conter meu estado de ânimo e me propus a responder suas perguntas.
Disse-lhe que tudo era fantasia do Lacerda e da extrema direita, que nós
não tínhamos mais armas do que aquelas que foram fotografadas pela
reportagem da revista. Ele fingiu acreditar na minha versão e depois se
foi, enquanto voltei à minha condição de clandestino.
Para complicar mais ainda a situação, ocorreu a prisão de
Glodomir Moraes e da secretária Célia, pela política do Governador
Carlos Lacerda. Além disso, para conturbar o cenário, o Presidente João
Goulart, cedendo às histerias do bando lacerdista, resolveu, como já nos
informara o ministro petebista Almino Afonso, nos enquadrar na Lei de
Segurança Nacional – LSN.
A prisão do Clodomir no Rio de Janeiro, seguida de torturas,
prisão preventiva e Lei de Segurança Nacional, foram fatos que
concorreram para que eu colocasse o orgulho de lado e entrasse em
contato com meu pai que me mandou dinheiro como o qual comprei uma
passagem aérea pela companhia PANAIR, a fim de retornar a Recife, o
que fiz na noite de 31 de dezembro de 1962.
Cabelo penteado para o lado e uma Bíblia Sagrada colada
ao peito com aparência de um bom evangélico, tomei o avião no
aeroporto Santos Dumont e cheguei ao Recife faltando poucos minutos
para a virada do ano. Foi com muito sacrifício que consegui um taxi,
mas, ao invés de ir direto à casa dos meus pais, fui rever velhas amigas,
as irmãs Ruth e Maria Helena de Albuquerque Barros, onde eu
comemoraria a já passada do ano. Estava amanhecendo o dia quando
cheguei em minha casa. Lá encontrei apenas meu pai, visto que o restante
da família, minha mãe e meus irmãos encontravam-se no sertão da
Paraíba, na longínqua cidade de Tacima, hoje chama de Campos de
Santana, fronteira com Rio Grande do Norte.
As esperanças de meu pai eram que eu me afastasse da
militância política. Imaginava ele que minha frustrante e dolorosa
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experiência de guerrilheiro tivesse sido determinante para o desânimo e
consequente desistência da luta, o que não ocorreu.
Estava disposto a reiniciar um trabalho conforme havíamos
combinado no Rio de Janeiro. Deodato Rivera faria um trabalho em
Brasília e na Guanabara; Carlos Paixão Araújo e o Valter Bilro no Rio
Grande do Sul. Ao Tarzan de Castro caberia a tarefa de organizar em
Goiás. Carlos Montarroyos e eu ficamos a incumbência de trabalhar em
Pernambuco e na Paraíba.
Contudo, muita coisa havia acontecido nesse ano de 1962.
Enquanto na brenhas do Norte de Goiás estávamos fazendo proselitismo e
conspirando, em Pernambuco avançara o velho projeto do Partido
Comunista Brasileiro-PCB que elegera Miguel Arrais ao Governo do
Estado [...]”23
INFORMAÇÕES
DE
AGENTE
COINCIDEM COM RELATÓRIO MILITAR24.
FIDELISTA
As informações contidas nos papéis do agente fidelista
apreendidas na mala do sr. Raul Bonilla, delegado castrista morto no
acidente com o avião da Varig nas proximidades de Lima, são
extremamente coincidentes com os fatos narrados no relatório militar
sigiloso ao Conselho de Segurança Nacional brasileiro. Publicamos hoje,
em primeira mão, esse relatório. Esclareça-se em itens:
1. O relatório foi apresentado em 11 de novembro de 1962 pelo
tenente-coronel Nicolau José Seixas, oficial de inteligência, agindo por
ordem superior, sobre a infiltração fidelista e os acampamentos
guerrilheiros no Brasil.
2. Tal documento, dada a sua gravidade, ficou em sigilo até
hoje. Apenas uma notícia de Brasília deu o seu autor como – desapontado
– em face de o governo federal haver minimizado sua denúncia.
23
24
Idem.
Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, quarta-feira, 30 de Janeiro de 1963.
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______________________________________________________________
3. O relatório consta de quatro páginas datilografadas, espaço
um, com dezesseis anexos, onde o oficial estuda a organização militar dos
acampamentos e relata diligências do próprio coronel Seixas naquela
área.
4. Não deixa dúvidas sobre a participação organizada (e não
desorganizada como pretende o Itamarati) de agentes fidelistas cubanos e
brasileiros.
5. Foi organizado, preparado e apresentado antes (e isto é
importante) da própria data dos documentos mais tarde remetidos pelo
governo peruano e que acabaram confirmando o coronel Seixas.
6. Dizer-se que os documentos transportados pelo sr. Raul
Bonilla são falsos significa negar a importância ou a veracidade do
próprio relatório militar brasileiro, o que não é possível, de vez que ele se
baseou em fatos autênticos e apurados em diligência na região.
7. O IV Exército, por sua vez, já investigava as Ligas
Camponesas e pusera a descoberto, em outro relatório, essas atividades
subversivas.
8. O advogado Clodomir dos Santos é o mesmo preso pela
polícia da Guanabara, quando conduzia armas para o Nordeste e um
bilhete do adido soviético endereçado ao sr. Julião.
9. Os nomes dos srs. Tarzan de Castro e Montarroyos figuram
também nos documentos apreendidos no Peru.
RELATÓRIO MILITAR FAZ LEVANTAMENTO DE
LIGAS E MOSTRA INFILTRAÇÃO COMUNISTA25.
O Relatório do Tenente-Coronel Nicolau José de Seixas
sobre a infiltração fidelista e os acampamentos de guerrilhas, que
pela sua gravidade ficou em sigilo até hoje, está assim redigido:
25
Relatório da manhã de quinta-feira, 30 de Janeiro de 1963.
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“Secreto. Ligas camponesas de Goiás (Dianópolis, Almas e
Natividade).
“SECRETO,
LIGAS CAMPONESAS DE GOIÁS (DIANÓPOLIS,
ALMAS E NATIVIDADE)
1. GENERALIDADES.
1.1. As Ligas Camponesas da região NE do Estado de Goiás, na
transversal rodoviária Dianópolis e Almas – Natividade e ao norte de
mesma, devem sua origem, criação e instalação às suas congêneres do
Estado de Pernambuco, criadas, diretamente, pelo então deputado
estadual Francisco Julião, bacharel em Direito, advogado de Recife,
comunista de linha marxista chinesa (de Mao-Tsé-Tung) e cubana (de
Fidel Castro, Ernesto “Che” Guevara).
1.2. Foram inicialmente reconhecidas para posterior instalação
pelo dr. Clodomir dos Santos Morais, advogado de Juiz de Fora, MG, e
lugar-tenente de Francisco (Chico) Julião. Era até os últimos dias do mês
de outubro do corrente ano vice-presidente de Comissão Nacional de
Movimento Radical Tiradentes, do Conselho Nacional das Ligas
Camponesas de Francisco Julião. Julião foi demitido sumariamente dessa
Comissão, da qual era presidente, por Clodomir dos Santos Morais
(conhecido por Santos) assim como o Tarzan de Castro (estudante
goiano) e Carlos Monteiro Montarroyos. Esse Santos, a partir de então,
assumiu todos os poderes e iniciou uma limpeza (expurgo) dentro do
organismo que passou a seguir a orientação do Partido Comunista
(facção de João Amazonas) – Anexo n° 1 – Cópias de Telegramas. O dr.
Santos quando chegou pela primeira vez na cidade de Dianópolis, visitou
todas as autoridades locais, o padre, as freiras e as pessoas mais
importantes, dizendo que iria fundar uma Companhia Agropecuária. Daí
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Abílio Wolney Aires Neto
______________________________________________________________
a razão do povo ainda chamar a organização das Ligas Camponesas de
Companhia.
1.3. Após os entendimentos do dr. Clodomir dos Santos Morais
para a instalação da “Companhia” com caráter capitalista (isto é, de
acordo com os Códigos Civil e Comercial) chegaram a Dianópolis os
primeiros comunistas. Todos procedentes de Recife, estudantes
secundaristas ou mesmo de curso superior. Foram recrutados pelo dr.
Santos e por um professor da Universidade de Recife, dr. Lucena,
engenheiro, para serem os primeiros elementos de um campo de
treinamento de guerrilhas (de acordo com a doutrina de Estratégia
Guerrilheira e Tática Guerrilheira – Capítulo I – nºs. 2 e 3 de “A Guerra
de Guerrilhas”, de Ernesto “Che” Guevara”.
(Livro apreendido pelas autoridades militares como subversivo
– nota de redação.)
1.4. No início apareceram sete homens, todos “janistas”
apaixonados sob as ordens do dr. Joaquim Ferreira, assessor de Celso
Furtado na SUDENE. Após a saída do Ferreira, assumiu o comando
Amaro Luiz de Carvalho, que ainda se encontra à frente do Dispositivo
Militar do Campo de Treinamento de Guerrilhas da Vila Rio de
Conceição (região do Catingueiro). Os membros da “Companhia” não
tocavam em política ou ideologia e não gostavam que lhes chamassem de
membros das Ligas Camponesas ou de comunistas.
1.5. Continuou a chegada de elementos após maio do corrente
ano que vinham de avião ou por terra, passando por Barreiras – BA.
Houve muitas substituições de pessoal, o que dava a impressão de que o
contingente de comunistas já era inumerável. Todos os membros viviam
mais ou menos na clandestinidade (com exceção de alguns encarregados
de propaganda e agitação) e conduziam-se como ascetas – (“O
revolucionário que vive na clandestinidade, preparando-se para uma
guerra, precisa ser um perfeito asceta...” – Capítulo IV – n°. 1 de “A
Guerra de Guerrilhas”).
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______________________________________________________________
1.6. Com o registro de criação da “Associação Goiana de
Trabalhadores do Campo – AGTC”, cujo extrato e estatutos foram
publicadas à pág. 4 do DO n°. 122, de 9-6-62, do Estado de Goiás, os
“Diretores de Companhia” solicitaram ao juiz da Comarca de
Dianópolis registro de 17 (dezessete) delegacias da AGTC, pedido este
até o presente não atendido pelo referido juiz.
1.7. Há uns dois meses, os antigos membros da famigerada
“Companhia” e das delegacias da AGTC passaram a dizer às claras ao
povo que eram das Ligas Camponesas e começaram formar os Círculos
de Amigos das mesmas (anexo n°. 2). Não ficaram nisso – passaram a
coagir e a intimidar os sertanejos e outras populações pobres para
entrarem nas Ligas Camponesas. Um programa de agitação e
propaganda foi utilizado para atenuar a coação (anexo n°. 3).
1.8. Posteriormente, redigiram o “Regimento Interno no
Dispositivo Revolucionário das Ligas Camponesas” dentro da doutrina
de “A Guerra de Guerrilhas” de “Che” Guevara (Cap. I). O prefácio
desse regimento está assim redigido: “Prezados companheiros da
Direção Nacional – Saudações fraternais – O presente documento não
revela nenhuma negação de nossa parte à grande tarefa que fomos
chamados a cumprir: destruir pela luta armada o governo burguês
decadente e criar o governo revolucionário”. (Anexo n°. 3)
2. O anexo n°. 4 trata de uma autocrítica dos membros das
Ligas Camponesas, em revelação às atividades desenvolvidas pelos
comunistas feitas pelo Comitê de Organização com 8 (oito) razões
negativas prejudiciais ao processo revolucionário, bem como 7 (sete)
conclusões, sendo que uma delas faz referência à mudança do local do
Dispositivo de Catingueiro (Vila Rio de Conceição) para outra região.
3. O anexo n°. 5 é um estudo, do “Ponto de Vista Militar” no
“Ponto de Vista Político” e da “Análise Interna” com suas
conseqüências conclusões em caráter militar, político etc., visando a
mudança do local do Dispositivo bem como a estratégia e tática política.
E terminando com uma “exigência”: “Exigimos por à nossa disposição
todo o material bélico que nos cabe”. Sem comentários...
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4. Os anexos n°s. 6 e 7 tratam, respectivamente, de cópias de
documentos encontrados durante a diligência realizada e referem-se
também à doutrina de “Che” Guevara – Cap. I – n°s 3 e Cap. III de “A
Guerra de Guerrilhas”, bem como de um código de Liga Camponesa com
um elemento comunista do Rio de Janeiro – GB.
5. O anexo n°. 8 trata de um estudo sobre as Ligas Camponesas
em geral com fundamento em informações obtidas de dois membros:
Gilvan Queiroz da Rocha e Leonardo Carneiro de Cunha, que foram
presos durante a diligencia realizada em Catingueiro no dia 23-10-62 e
de dados encontrados em um mapa de Atlantic que se encontra em meu
poder na escala de 1:2.500.000.
6. Os anexos nºs. 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 dizem respeito a
estudos feitos por mim, informes e informações colhidas antes, durante e
depois da “batida” realizada na madrugada de 23-10-62 pela equipe sob
o meu comando, verdadeiro comando antiguerrilha, contra a sede e as
instalações do Dispositivo Militar do Processo Revolucionário do Campo
de Treinamento de Guerrilhas de Vila Rio da Conceição. No dispositivo,
a instalação mais importante é de um posto de observação (PC) numa
elevação e dentro de mata com dois pavimentos, com campo de visita que
divisa qualquer movimento para o interior do Dispositivo, a uma
distância de 2,5 léguas.
7. DIVERSOS.
7.1. Informes e informações sobre armamento.
7.1.1. Um dos membros da Liga que foi preso por nós, Leonardo
Carneiro de Cunha, informou-nos, no dia 26-10-62, que era de seu
conhecimento existir no Dispositivo do Catingueiro, que engloba as
demais Ligas Camponesas, 4 (quatro) fuzis 7mm, 2 (duas) “Flaubet”
calibre 22, 18 (dezoito) carabinas calibre 44, 2 (dois) revólveres calibre
32, 1 (hum) revolver calibre 38 e 400 (quatrocentas) balas de fuzil.
7.1.2. Uma carta do sr. Sólon, residente na cidade de
Dianópolis e muito conhecido, dirigida ao sr. Flori (Floriano Machado
da Vila Rio da Conceição) que está em meu poder, autoriza ao sr. Flori à
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Abílio Wolney Aires Neto
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venda de um mosquetão tipo militar aos comunistas. O negócio foi
realizado.
7.1.3. O sr. Guilherme Mota Diniz, vulgo Pernambuco,
residente na cidade de Dianópolis e que trabalhou durante 4 meses nas
obras das Ligas Camponesas na Vila Rio da Conceição, declarou-nos, na
noite do dia 22-10-62, que chegou a ver com os comunistas 5 (cinco)
metralhadoras de mão com carregadores, na região de Antônio Alves, e
uma caixa comprida com alças que tinha no seu material muito pesado,
na região de Catingueiro, junto ao PO do Dispositivo.
7.2. O Pernambuco acima referido ajudou-nos muito, prestando
muitas informações sobre o terreno e guiou-nos na ação antiguerrilha
realizada por nós na incursão e desbarramento do Dispositivo Militar das
Ligas Camponesas do Catingueiro. É um ótimo elemento, corajoso e fiel.
Os comunistas nunca conseguiram a sua adesão e tudo fizeram para
conquista-los, inclusive, colocando seu nome no jornal “O Semanário”,
para ver se ele se entusiasmava pelas Ligas Camponesas.
7.3. A região de Catingueiro, sede do quartel revolucionário do
Dispositivo das Ligas Camponesas fica próximo de hidráulica de
Dianópolis (barragem do Rio Manoel Alves).
7.4. Inúmeras pessoas de região da Dianópolis e Almas foram
convidadas a visitar Cuba por meio das Ligas Camponesas; não
aceitaram. Um dos que foi insistentemente convidado foi o sr. Hagahús
Araújo e Silva, da Fundação do Instituto Agropecuário de Dianópolis.
7.5. Comunicando a ação realizada por nós contra o
Dispositivo Revolucionário do Campo de Treinamento de Guerrilhas de
Catingueiro, remeti telegramas informativos ao Exmo. Sr. Governador
Mauro Borges, chefe do Departamento Federal de Segurança Pública,
ten.-cel. Carlos Molinari Cairoli e secretário de Segurança de Goiás, dr.
Rivadávia Xavier Nunes, nos quais solicitava providências diversas, que
dizem respeito aos interesses de Segurança Nacional e de Ordem Pública.
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7.6. Só deixamos a cidade de Dianópolis depois de iniciado o
inquérito policial pelo delegado de Polícia Municipal da cidade,
orientando o MM. Dr. Juiz da Comarca (anexos n°s. 17 e 18).
8. CONCLUSOES.
8.1. As Ligas Camponesas dos Municípios de Dianópolis e
Almas organizaram um campo de treinamento de guerrilhas do tipo
recomendado pela doutrina “A Guerra de Guerrilhas” de “Che”
Guevara (Cap. II – n°. 5), que desejavam ser as “Sierras Maestras” do
Processo Revolucionário Marxista do Brasil pela linha dura, a estilo
chinês e cubano, dentro de ortodoxia marxista-leninista.
8.2. Os comunistas aproveitaram-se da ignorância, de miséria,
da fome e dos homens sem terra, acenando com uma reforma agrária
radical, ponto de partida para o processo revolucionário. Usaram, no
começo, os métodos burgueses para a sua infiltração. Posteriormente,
após se consideraram donos da situação, começaram a agir pela coação,
pela intimidação, lançando pânico nas populações das cidades, das vilas,
dos povoados, dos sertões, etc.
8.3. Os dirigentes utilizavam-se, particularmente, de jovens
estudantes de Recife, politizados e doutrinados pela filosofia dialética de
Marx, Engels, Politzer etc., aproveitando-se desta juventude idealista,
patriótica e desajustada para realizar, imprudentemente, treinamentos em
campos de guerrilhas e logo após lançarem-se à luta revolucionária
contra os poderes constituídos de República.
8.4. As Ligas Camponesas não receberam apoio do povo em
geral, porém influíram na resistência democrática das pessoas mais
corajosas e destemidas (anexo n°. 12).
8.5. As Ligas Camponesas jamais receberam apoio do Exmo. Sr.
Governador Mauro Borges e Exmo. Sr. presidente de República, dr. João
Goulart. Foi o que ficou constatado por todas as nossas diligências.
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8.6. As Ligas Camponesas são organizações que ferem a
Constituição Federal e o Código Civil pois pregam a guerra, a derrubada
violenta das instituições com fundamento marxismo.
Brasília, DF, 11 de novembro de 1962. – (a) Ten. Cel. Nicolau
José de Seixas, chefe do SFPR – Seção de Brasília.”
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Revista O Cruzeiro, ano XXXV, n. 11, 22.62
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IV
A IMPRENSA CONTINUA
METRALHADORA
E
FUZIS
APREENDIDAS A CAMINHO DE GOIÁS26.
DAS
LIGAS
Um carregamento de armas de guerra e munições, peças de
barracas para acampamentos e publicações subversivas foi apreendido
ontem pela madrugada, por policiais da Subseção de Vigilância de
Olaria, numa Rural Willys, verde-pérola, (SP 16-06-56), perto da estação
de Parada de Lucas. A carga e o veículo, ao que foi constatado pelas
autoridades, pertencem às Ligas Camponesas, vieram de Recife e se
destinavam a Dianópolis, em Goiás, município em que As Ligas,
recentemente, insuflaram homens do campo a invadir terras, formando
acampamentos de muitas barracas e exigindo a intervenção de forças do
Exército para restabelecimento da ordem.
26
O Globo, Rio, 14.12.6, ano XXXVII, nº. 11.231.
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No carro se encontravam, além do motorista, José Francisco da
Silva, o Sr. Clodomir Santos de Morais, advogado das Ligas Camponesas
e que se diz jornalista, e Célia Lima, sua amante, os três foram detidos em
flagrante, conduzidos para a delegacia de Olaria e, depois, para a
Divisão de Polícia Política e Social.
A APREENSÃO.
Possibilitou a ação dos policiais Aladino Pereira, que chefiava
a turma de ronda, José dos Santos Fernandes e Antônio Coutinho
Guimarães, haver o motorista da camioneta se enganado no caminho:
dirigindo-se inicialmente a Belo Horizonte deveria seguir a Rio –
Petrópolis e ganhar a BR – 3, mas, em vez disso, entrou pela Rio – São
Paulo. E quando se aprontava para retroceder, a ronda, que por
coincidência passava, resolveu interrogar as três pessoas – dois homens e
a mulher, ela de calças compridas – que estavam, mostrando-se
assustados, ao lado do veículo.
Ao acercar-se, o detetive Aladino notou vários volumes na
camioneta e, de relance, observou objetos que lhe pereceram armas, para
num exame mais rigoroso, constatar que não se enganara: havia,
dissimulados em aniagem seis fuzis, uma metralhadora MP – 40, uma
pistola Luger, uma faca peixeira; em outros volumes encontrou 234 peças
de “nylon”, com ilhozes, destinadas a barracas, munições e dois
panfletos intitulados “Manifesto à Nação – O Movimento Camponês face
à situação Nacional”.
Ao revistar os detidos, os policiais encontraram com Clodomir
um revólver Taurus, calibre 38, carregado e mais 17 balas, e, com o
motorista, um revólver Smith and Wesson, do mesmo calibre, também
municiado.
LIGAÇÃO COM OS RUSSOS.
Segundo informaram as autoridades, da DPPS foi apreendido
em poder de Clodomir Santos de Morais, um cartao de Anatole M.
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Chadrin, chefe da seção consular da Embaixada da URSS (Rua São
Clemente, 253), endereçado ao Deputado Francisco Julião. O cartão é
nos seguintes termos: “Sinto muito não houver (sic) entrevistado com
você (sic), mas espero que terei essa possibilidade no futuro! Com mais
elevada consideração e os mais amistosos sentimentos. Anatole.”
Afirma o Delegado Cecil Borer, titular da DPPS, que o cartão
vem provar a articulação das Ligas Camponesas nitidamente comunistas,
com a URSS. E informou que, no relatório a ser enviado ao Governador
Carlos Lacerda, pedirá que envie um enérgico protesto ao Governo
Federal, alertando-o mais uma vez da ligação agora provada de
comunistas brasileiros e russos.
DEPOIMENTO DO ADVOGADO.
Ao ser interrogado, Clodomir Santos de Morais, após confirmar
ser advogado das Ligas, declarou que, há uns quinze dias, recebeu
comunicado da chegada da camioneta com as armas, vindas de Recife e
enviadas pelo líder camponês de Dianópolis, em Goiás, de nome
Palmeira. A carga deveria ser transportada por Clodomir para o
município goiano, mas ele pretendia ir só até Belo Horizonte, onde reside
(Rua Magnólia, 463), e ali ensinar o caminho ao motorista.
Anteontem à noite foi apanhado na casa onde se hospedava pelo
advogado, Sinval Palmeira (não é o líder de Goiás) e Célia Lima já se
encontrava no carro; o motorista foi o último a ser apanhado, assumindo
imediatamente a direção, tendo Sinval deixado o carro e eles encetado a
viagem, que correu normalmente até o engano de estrada.
Clodomir admitiu que a passagem das armas pela Guanabara
tenha sido para evitar inspeção de tropas do Exército, em Brasília ou em
Dianópolis, pois, após as recentes agitações no município, ainda são
mantidos soldados ali, e as cargas procedentes do Nordeste são mais
rigorosamente fiscalizadas.
AS ARMAS.
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No auto de flagrante da apreensão constam os seguintes
detalhes, que caracterizam as armas: um fuzil usado, marca “I-3404”;
um fuzil nº 13.30; um fuzil com o número ilegivel, tendo gravadas as
Armas da República; um fuzil nº “C-316”; um fuzil sem marca nem
número; um fuzil nº “C-4922”; uma pistola tipo Luger, nº 1.842; uma
metralhadora “MP-40”, nº 1.061; uma faca peixeira, com bainha de
couro; o revolver “Taurus”, apreendido em poder de Clodomir, tem o nº
89.514 e o “Smith” encontrado com o motorista, o número 698.708;
como os portadores não possuíssem porte de armas, foram autuados
também por esse crime, além do flagrante sobre tráfico de armas de
guerra.
O que está sendo denunciado, com insistência, pelos homens de
consciência democrática, como uma vasta conspiração contra a
Democracia no Brasil, já vai um pouco além das simples palavras. Em
Dianópolis, no Estado de Goiás, como em muitos outros pontos de nosso
território, treinam-se guerrilheiros e trabalha-se, objetivamente, pela
implantação de “um governo popular revolucionária”, moldado à
semelhança do regime dos Castros e Guevaras. É uma conspiração que se
arma, com os característicos de uma sublevação rural. O caso de
Dianópolis mostra que Sierra Maestra está de mudança para o sertão
brasileiro.
POLÍCIA DO EXÉRCITO CAÇA “TREINADORES DE
GUERRILHAS27”.
DIANÓPOLIS, 14 (Meridional) – Enquanto prosseguem em
Dianópolis as investigações promovidas pelo Exército para chegar à raiz
do movimento subversivo organizado por comunistas pernambucanos. O
repórter “Associado”Luiz de Ccarvalho da “Folha de Goiás”, vem
revelando numa série de reportagens para seu jornal os episódios
ocorridos antes, durante e depois de intervenção de justiça e do Exército
27
Correio Brasiliense, de 15 de dezembro de 1962.
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para desbaratar o movimento de guerrilhas destinado a envolver todo o
Estado de Goiás.
Conhecidos os documentos, alguns dos quais que motivaram a
decretação de prisão dos chamados “Treinadores de Guerrilhas” e já
mandados para os leitores de “Folha de Goiás”, aluguei um jipe e me
dispus a ir até a Vila da Conceição – onde moravam os rebeldes –
conhecer o lugar e ouvir seus moradores. Não é empresa fácil chegar ao
Rio da Conceição. Terreno pedregulho, por onde nunca passou um
patrol, menos um trator. O jipe gemeu por seis horas seguidas com a
reduzida nas quatro rodas, grande parte do terreno. Quem não tem
negócios não vai por lá – terra onde Judas perdeu as botas.
Os homens e mulheres de lá tem medo de comentar qualquer
coisa a respeito de presença dos meninos por ali. A polícia tem feito
muita malvadeza da qual darei notícia logo mais. Conversa vai, conversa
vem, consegui alguma coisa. Em homenagem ao povo, ao medo do povo
de lá, não darei nome a ninguém. O Carvalho, o Gilvan, o Tarzan e os
outros eram boas pessoas. Desde que chegaram para ali há cerca de um
ano, nunca deixaram o pobre sofrer muito. Davam dinheiro. Contrataram
os serviços de roça a preço bom. Chegaram mesmo a mandar doentes
para hospitais do Rio por conta deles.
Não encontrei um só morador que falasse mal deles. Também
ninguém me disse que eles tivessem pregado qualquer rebelião e, disse
nunca – segundo eles – falaram a ninguém. “Se tinham esse ideal, não
revelaram para nós”. E mais, “eram pessoas distintas. Homens, finos,
educados. Homens assim deviam ficar por aqui”.
“Uma roça, que estava produzindo bom feijão. Uma casa,
grande, onde viviam juntos. Tinham uma empregada para os serviços
domésticos. A Polícia queimou a casa, destruindo, quem sabe, outros
documentos não apanhados pelo Exército e entregues ao Juiz de
Dianópolis. Tinham eles, também, uma segunda casa, que o povo de Rio
da Conceição chama de “Torre de Observação”. Era uma casa de cinco
metros de diâmetro, parece que quadrada, com um primeiro andar. Lá em
cima, segundo os moradores, há uns aparelhos onde eles observam o
mundo. Outros dizem que eram grandes binóculos. Esse material, porém,
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Abílio Wolney Aires Neto
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não foi encontrado porque também a Polícia goiana quando ali chegou
atirou fogo em tudo, destruindo essa segunda casa ou a torre”.
A Polícia não queimou um jipe dos pernambucanos com chapa
do Recife, que eles deixaram no Rio da Conceição. O veículo está também
apreendido em Dianópolis.
“Ao que me contaram em Rio da Conceição e aqui em
Dianópolis inclusive o próprio Juiz. Eles tinham espiões. Teriam sabido
de aproximação do Exército e momentos antes dos militares atacaram,
correram, embrenhando-se na mata. Soube-se depois que alguns tomaram
avião em Barreiras e outros fretaram ali uma camioneta seguindo rumo a
Pernambuco. Quando a Polícia cerco Rio da Conceição não encontrou
mais rebelde algum, mas, mesmo assim, para não perdem a viagem e
saciar a vontade de matar, fez das suas, batendo, prendendo, furtando,
saqueando e ainda fazendo fogo uns contra os outros, tendo saído um
sargento, atirado por um soldado, com uma perna inutilizada.”.
“DN” DENUNCIOU A SUBVERSÃO DOS CAMPONESES.
Há tempos, o “Diário de Notícias” publicou uma série de
reportagens denunciando a existência de um vasto plano subversivo e
localizando o seu cérebro na capital cubana. As atividades de Francisco
Julião e de Clodomir Santos de Morais, desconhecido, então, de própria
Polícia, foram analisadas em todos os seus ângulos, sobretudo entre os
posseiros do Estado do Rio. Agora, as autoridades confirmaram tudo
quanto publicamos, acrescentando que as armas de Clodomir vieram de
Alemanha Ocidental.
“DN” DENUNCIOU PLANO SUBVERSIVO DE CLODOMIR28.
A prisão do advogado Clodomir Santos de Morais, conduzindo
um carregamento de armas para camponeses goianos, veio confirmar a
série de reportagens publicadas pelo “Diário de Notícias”, onde foi
28
Jornal Diário de Notícias de 19.12.62.
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denunciada a existência de um plano subversivo no país e apontados
elementos implicados num esquema revolucionário arquitetado em
Havana. Foram, também, reveladas ali as atividades subversivas do
deputado Francisco Julião e Clodomir (seu lugar-tenete), que
incentivaram o movimento dos posseiros no Estado do Rio.
Ontem, a Divisão de Polícia Política e Social revelou que as
armas apreendidas em poder de Clodomir podiam ser utilizadas, com real
proveito, numa guerra de guerrilhas. Eram fuzis, uma metralhadora,
revólveres e pistolas. Os materiais de barracas, que, como o armamento,
foram submetidos a exame pela DPS, são, segundo o perito Cassemiro, de
procedência estrangeira. Embora mantido em sigilo o resultado do
exame, soube-se, de fonte ligada ao Instituto de Criminalística, que essas
barracas são de fabricação da Alemanha Oriental.
ÁGUA FOI PRIMEIRA META.
A primeira grande investida dos agentes comunistas foi contra
os mananciais que abastecem de água o Estado de Guanabara, crime por
nós denunciado. Os posseiros liderados por Simplício Rodrigues Rosa,
haviam ameaçado envenenar a água do rio, caso fossem molestados pelas
autoridades. Devido à gravidade do fato, nossa denúncia foi desmentida
por alguns órgãos de informação mas logo depois confirmada pelas
próprias autoridades guanabarianas.
Após esse episódio, seguiu-se uma série de outros
acontecimentos, inclusive sangrentas lutas no interior do Estado do Rio, e
as reportagens que publicamos, a respeito deu origem a inquérito militar.
ROTEIRO DE DENUNCIA.
De nossa série de reportagens apresentamos esta síntese:
22.2.62: Sob o título Políticos incentivam posseiros a impedir
abastecimento do Rio, denunciamos a ameaça dos posseiros de envenenar
os mananciais que abastecem de água a Guanabara. Os posseiros eram
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liderados por Simplício Rodrigues Rosa e contavam com o apoio de
vários políticos fluminenses que mantinham células eleitorais em Tinguá,
Xerém e Dio d‟Ouro.
23.6.62: Celso Peçanha é acusado de conivente com os
posseiros, foi o título de reportagem em que nos referimos à omissão `do
então governador fluminense nas questões de terra.
24.6.62: Nesse dia publicamos a seguinte reportagem: Guerra
de água é tentativa de subversão na Guanabara. Autoridades do
Ministério da Agricultura dispunham, inclusive, de provas que a invasão
das reservas florestais de Tinguá, Xerém e Rio D‟Ouro fazia parte de um
plano subversivo, orientado por agentes estrangeiros.
26.6.62: Sob o título “Posseiros tomam Lições de guerrilha:
Exército atento”, complementamos nossas denuncias sobre a ação
subversiva no Brasil. Todas as informações contidas nessa reportagem
estão sendo agora confirmadas. Apresentamos os pontos estratégicos já
em poder dos posseiros: Angra dos Reis, Mangaratiba, Itaguaí, Piraí,
Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Cachoeiras do Macaco, Rio Bonito, São
João da Barra, Cabo Frio, Rio Claro, Parati e, no Estado de São Paulo,
Bananal e Cunha. Apresentamos, também, os principais elementos
implicados no plano de perturbações no Estado do Rio: José Correia,
dirigente da Sociedade Civil de Proteção aos Lavradores, com sede em
Nova Iguaçu, na av. Governador Amaral Peixoto, 143, 2º andar;
Clodomir Santos de Morais, lugar-tenente de Julião e agora preso no Rio,
acusado de conduzir armas para Goiás; Mariano Beser, francês de
nascimento e radicado no Brasil, atualmente presidente de União das
Ligas Camponesas do Estado do Rio; e, ainda, José Salvador, Francisco
de Assis e Francisco Cabral, todos filtrados à Federação dos Lavradores
do Estado do Rio e que contavam com o apoio do sr. Irênio de Matos,
executor do Plano de Reforma Agrária do Estado do Rio.
27.6.63: Denunciamos a invasão da fazenda Paraíso por um
grupo de 150 homens armados.
28.6.62: Publicamos a reportagem: “Invasão de terras tem o
comando de Julião”. Clodomir de Morais havia sido incumbido de
organizar o movimento no Estado do Rio.
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CONFIRMAÇÃO.
Outras denúncias foram feitas noutra série de reportagens. O
Ministro de Guerra, enviou então um oficial do I Exército às regiões de
Tinguá, Xerém e Rio D‟Ouro, para fazer um levantamento de situação.
Ainda nessa ocasião, nossas reportagens foram confirmadas e agora,
estamos seguramente informados de que o Conselho de Segurança
Nacional tem em seu poder um relatório secreto elaborado pelo Serviço
Federal de Prevenção e Repressão sobre a ação subversiva no país. O
relatório aponta o dispositivo de agitação de Dianópolis e regiões
vizinhas de subversão e de preparo para a guerra revolucionária contra
os poderes constituídos de nação.
FINANCIADORES.
A DPS anunciou, ontem, que está procedendo as investigações
para identificar órgãos ou entidades que estariam financiando a
subversão nos meios camponeses. Revelou saber que, só na instalação de
um campo de treinamento, em Dianópolis, Goiás, foram aplicados Cr$ 10
milhões, e que as viaturas utilizadas para contrabando de armas foram
compradas à vista.
Sem citar nomes, as autoridades daquela divisão anunciaram
diligência para apreensão de armas em casas de político importante. A
diligência teria sido prejudicada pela prisão de Clodomir. Afirmam,
contudo, que vão apreender mais armas. Por outro lado, fontes ligadas
àquelas autoridades disseram à nossa reportagem que documentos
importantes foram encontrados num cemitério de cidade.
Clodomir, que será ouvido hoje, deverá ser removido para a
Polícia Militar, uma vez que, como advogado, tem direito a prisão
especial.
ESPOSA VISITOU.
A esposa de Clodomir, sra. Maria de Morais, esteve ontem na
Polícia Central, onde obteve permissão para ver o marido, com quem
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palestrou durante trinta minutos. Maria não quis falar à imprensa nem
dar notícias de moça presa em companhia de Clodomir (Célia Lima),
recolhida numa sala ao lado. Disse, somente, que não via o esposo há
quatro meses, pois ele viaja muito, e que nada sabe quanto às suas
atividades ou ideologias políticas.
SEM ÊXITO A PROCURA DE ARMAS E MATERIAL
SUBVERSIVO DAS LIGAS29.
Não teve êxito, ontem, a diligência determinada pela Divisão de
Polícia Política e Social, destinada, como fora noticiado, a apreender
armas, documentos e material de propaganda vermelha, empregados no
plano de subversão através das Ligas Camponesas. Agentes da DPPS
vasculharam o local onde presumiam fosse o depósito, mas nada foi
encontrado, admitindo as autoridades que o fracasso da diligência
decorra do noticiário sobre a prisão do advogado Clodomir Santos de
Morais.
Este, advogado das Ligas detido e autuado quando conduzia
armas para lavradores em Goiás, também não foi ouvido ontem, como
era esperado, sendo o interrogatório para hoje.
OUTRO DEPOIMENTO.
O delegado Cecil Borer pretende tomar depoimento, também,
da advogada Regina de Albuquerque. Como se recorda há três meses,
fora ela envolvida no inquérito instaurado para apurar atividades das
Ligas na Guanabara. Ontem, Regina de Albuquerque acompanhou a Sra.
Maria de Morais, esposa de Clodomir, na visita de uma hora por ela feita
ao marido, na Polícia Central.
Abordada na ocasião, a Sra. Maria Morais limitou-se a dizer
que há quatro meses não via o marido, o qual viaja muito, esclarecendo
desconhecer as atividades comunistas de Clodomir.
29
Jornal O Globo de 19-12-62.
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ATUAÇÃO VERMELHA.
Na verdade, a atuação vermelha do advogado não é recente. De
acordo com os registros da Secretaria de Segurança de Pernambuco, em
19.04.52 Clodomir se iniciava no comunismo, tendo lançado o livro
“Aspectos de atividade do Comunismo em Pernambuco”.
O livro constitui uma confissão do autor, relatando aspectos de
sua formação doutrinária. Revela, por exemplo, que se tornou comunista
após ler a biografia de Marx, na História da Filosofia, de Willian
Durand, depois de outras leituras, como “Origem da prosperidade da
Família e do Estado”, de Engels, e de absorver ensinamentos de Spencer,
Lamarck e Hegel. Atuou ainda como estudante, em São Paulo, Salvador e
no Recife.
Diz, também, que em 1948, forçado por dificuldades
financeiras, foi obrigado a se empregar, tendo entrado em março na Ford
Motor C°., oficina de montagem, onde tomou parte na organização de
uma greve, em protesto por demissões de operários, sob a alegação, de
falta de pecas para montagem. Contudo, ao que afirma Clodomir, diante
da traição de um companheiro, o movimento não foi deflagrado.
OUTRAS ATIVIDADES.
O advogado, no livro, conta também que em 1949 começou a
trabalhar no jornal “A Hora”, tendo sido detido uma semana depois,
quando fazia cobertura do empastelamento de “O Popular”, jornal que
sucedeu o “Hoje”. Afirma Clodomir que, nessa manhã, ele e os então
vereadores Jânio Quadros e Cid Franco e o fotógrafo Antônio Lúcio, de
“A Hora”, foram agredidos.
Faz alarde, também, de sua prisão, em 1950, na porta do
Quartel General da 2ª Região Militar, por estar doutrinando,
semanalmente, dentro do próprio quartel, o sargento Óton Cícero de
Lima. E revela: “Dois anos depois, os jornais noticiaram o
desaparecimento, ali, de um documento importante, sobre o „Acordo
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Militar Brasil-EUA‟, publicado no jornal “Hoje”. Óton foi transferido
para o interior.
Clodomir cita, ainda, atividades em cidades pernambucanas,
sempre ligadas a problemas dos camponeses, que afirmam abandonados.
E após declarar ter escrito, em 1950, um livro de poesia, que não teve
repercussão, mas era cheio de poesia social e de ataque ao imperialismo
e à burguesia, o advogado conclui: “Não fora o pedido de Paulo
Cavalcanti, e eu não teria o menor prazer em dizer o que tenho feito pela
causa comunista”.
ARMAS.
BELO HORIZONTE, 19 (Sucursal) – Enquanto o governo
distribui nota tranqüilizando o povo ante as falas notícias de rebelião o
fiscal aduaneiro Dermeval Ladeira apreendeu, na Pampulha, mala cheia
de armas, munições e propaganda subversiva das “Ligas Camponesas”.
Ao tomar conhecimento da apreensão, o dono da mala, que chegava de
avião procedente de Alemanha, fugiu, às pressas, não sendo mais
encontrado. O fato foi comunicado ao DOPS e a mala entregue aos
policiais David Hazan e Tarcir Omar Menezes. Verificou-se, então, que o
homem que fugiu esquecera a carteira de identidade e outros documentos
no interior de mala, além de talão de cheques do Banco do Brasil,
agência de Belo Horizonte, evidenciando-se pelo troco que grandes
somas foram sacadas nos dias anteriores à sua prisão.
A apreensão ocorreu a cerca de dois meses e até hoje o DOPS
vinha guardando absoluto sigilo em torno do fato, a despeito de sua
gravidade, agora revelado com a prisão, no Rio de Janeiro, do advogado
das “Ligas Camponesas”, Clodomir Santos de Morais. Além do material
em poder do DOPS, diversas outras malas de revistas comunistas e
material subversivo já foram apreendidas em Belo Horizonte, todas
procedentes do nordeste do País e destinadas a fomentar o movimento
que se deflagrou no interior de Goiás.
93
Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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A PALAVRA TRANQUILIZADORA DO GOVERNO30.
O PRIMEIRO MINISTRO Hermes Lima, depois de ouvir o
Conselho, julgou-se autorizado a emitir nota declarando carecerem de
fundamento as notícias sobre um plano subversivo, que estaria sendo
preparado para eclosão em janeiro.
Folgamos, evidentemente, com a convicção ministerial. Nós,
como toda a imensa maioria democrática desta Nação, não desejamos
subversão de espécie alguma. Queremos, bem ao contrário, que as
Instituições sejam respeitadas e se fortaleçam, inclusive pelo bom
funcionamento dos órgãos governamentais.
Quando divulgamos, porém – como a totalidade de Imprensa
independência do País –, as informações relativas ao plano subversivo,
não podíamos deixar de dar-lhes importância, visto coincidirem com a
pregação revolucionária de certos demagogos semi-oficiais e com a
apreensão de armas de guerra transportadas para Goiás por elementos
que servem ao notório agitador Francisco Julião.
Cumprimos, portanto, o nosso dever, mencionando o que nem
sequer é feito às ocultas, pois os elementos subversivos são conhecidos e
fazem questão de aparecer como tais. Menos mal se essa escandalosa
franquia de que gozam para agitar a Nação e atacar o regime é mais
aparente do que real, estando atento o Governo, que não se aflige porque
se considera “em condições de garantir a ordem pública, assegurando o
funcionamento normal das Instituições e as liberdades individuais”.
Certamente para manter a sua fleuma e conservar tanta certeza,
disporá o Governo, a respeito de subversão programada e do alcance e
de capacidade dos inimigos da democracia, dados e informações que só
ele conhece. Daí a sua tranqüilidade. Quem é obrigado a considerar,
apenas, os fatos revelados, a audácia dos irresponsáveis à solta pelo
território nacional e a infiltração dos agitadores em determinados setores
(o sindical, por exemplo) não pode deixar de ficar preocupado. Não veja
nisto, porém, o Conselho de Ministros, qualquer intuito alarmista.
30
O Globo, de 21.12.62.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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O alarma só pode interessar aos que aproveitam com a
intranqüilidade e a insegurança. Nunca àqueles que, como nós, acreditam
que só em clima de paz e segurança, pelo trabalho e pela produção,
encontraremos a solução para os graves problemas que estão ai,
desafiando a capacidade dos que se incumbiram de conduzir os destinos
da Nação.
Esperamos, também, que, após o referendo de 6 de janeiro,
normalize-se a vida institucional brasileira, para que o Governo, enfim,
consiga dar início à obra administrativa que o povo reclama,
recuperando as finanças públicas e restaurando a nossa economia,
devastada por longa série de erros e sandices. Se isto acontecer, como
ardentemente desejamos, então já não causarão temores as notícias sobre
planos subversivos ou sobre o desmoronamento das instituições, uma vez
que a Nação será atendida em seus justos ensejos de ordem e bem-estar
social, não havendo margem para os que exploram contra o regime as
atuais e terríveis dificuldades do País.
ADVOGADA CONFESSA NA POLÍCIA QUE É DE
DIREÇÃO DAS LIGAS CAMPONESAS31.
Depondo ontem na Delegacia de Segurança Social, perante o
delegado Denizar Correia, a advogada Regina Coeli Castro de
Albuquerque confessou pertencer ao Conselho das Ligas Camponesas do
Estado do Rio, com sede em Campos, e estar incumbida de organizar a
sede do movimento na Guanabara.
Informou que é amiga íntima do Deputado Francisco Julião e
de sua esposa, aos quais hospeda, quando vem ao Rio. Acrescentou que
Julião lhe envia, às vezes, importâncias que são distribuídas de acordo
com as instruções do deputado. E que recebia também dinheiro remetido
por Clodomir Morais.
ORIGEM DO INQUÉRITO.
31
O Globo, de 21.12.62.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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O inquérito em que está envolvida Regina de Albuquerque foi
instaurado quando de prisão dos comunistas Ataualpa Alves de Lima,
José Bartolomeu de Sousa e Rivadávia Brás de Oliveira, no apartamento
803 de Rua do Russel, 496, que era alugado às Ligas Camponesas por
intermédio de Paulo Bezerra de Andrade, funcionário do jornal “Liga”,
de propriedade do movimento e que funciona na Rua Alcindo Guanabara,
15.
A prisão dos comunistas ocorreu em agosto. A advogada disse
que os conhece, adiantando que o apartamento se destinava aos
companheiros de outros Estados que vinham ao Rio. Afirmou que não é
comunista, não recebe vencimentos das Ligas Camponesas nem do jornal,
embora seja repórter dele. Tem renda própria e dá sua colaboração por
idealismo.
A SEDE NA GUANABARA.
Regina de Albuquerque, frisando que na Guanabara não existe
massa camponesa, justificou a organização de sede das Ligas no Rio com
o fato de ser a Guanabara o principal centro político do País e abrigar
considerável massa operária, que necessita de assistência médica social e
jurídica.
Declarou que não atendeu a diversas intimações para depor
logo após a instauração do inquérito, porque estava na TchecoEslováquia, a convite do movimento Cooperativista Tcheco. Desconhece
o tráfico de armas pelas Ligas.
RELATÓRIO.
O delegado Cecil Borer deverá entregar ao Governador Carlos
Lacerda, por estes dias, o relatório sobre o movimento comunista que se
articulava na Guanabara e em outros Estados. O delegado disse a O
GLOBO que Regina de Albuquerque é peça importante nas Ligas
Camponesas, das quais é tesoureira e elemento de mais absoluta
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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confiança de Francisco Julião. O movimento é fartamente financiado, já
sendo conhecida a origem do financiamento.
Acrescentou Sr. Cecil Borer que Clodomir Morais gastou 10
milhões de cruzeiros só na instalação do núcleo de Dianópolis, em Goiás.
Referiu-se ao relatório do general Albino Silva sobre Cuba – quando o
chefe do Gabinete Militar de Presidência esteve naquele país -,
considerando o documento como de grande importância.
NADA CONTRA O SINDICATO.
O delegado Cecil Borer disse ainda a O GLOBO que não fez
qualquer declaração envolvendo o Sindicato dos Trabalhadores em
Serviços Telefônicos.
EUA ACUSAM CUBA DE FOMENTAR REVOLUÇÕES
NA AMÉRICA LATINA32.
WASHINGTON, 20 – Em nota dirigida aos dezenove países que
integram a OEA, os Estados Unidos acusam hoje as altas autoridades
cubanas de instigar bandos rebeldes da América Latina a derrubarem
seus governos pela força.
Juntamente com a nota, foi entregue um registro em fita
magnética do discurso pronunciado a 21 de novembro do último pelo
ministro cubano Hart, na Universidade de Havana, bem como o texto de
uma entrevista exclusiva concedida por Guevara ao correspondente do
“London Daily Worker”. Este chegou a afirmar que bando de
guerrilheiros estão atuando na Venezuela, Guatemala, Paraguai e
Colômbia, acrescentando: “Não há outra solução possível nestes países”.
ALÇADA.
32
Correio de Manha, de 21.12.62
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Esta é primeira nota que o governo americano envia à
Organização dos Estados Americanos sobre a questão cubana nos
últimos meses. O delegado Ward Allen, dos EUA, diz no documento que
as declarações cubanas “caem dentro de responsabilidade de OEA, uma
vez que contêm uma aberta defesa de violência para a derrocada de
governos estabelecidos em outras repúblicas americanas”.
PREGAÇÃO.
Disse Guevara, entre outras coisas: “Cuba demonstrou que
pequenos grupos de guerrilheiros bem dirigidos e situados em lugareschaves podem atuar como catalizadores para as massas, levantando-as à
luta por meio de ação.
O ministro Hart, que juntamente com Guevara lutou em Sierra
Maestra, declarou em seu discurso na Universidade de Havana que a
ação cubana “constitui um exemplo que deve ser seguido pelo resto da
América Latina”. Expressou que Castro ensinou o caminho para lograr
“o poder revolucionário” mediante, “a insurreição armada nas classes
proletárias e camponesas”.
PROVAS.
O governo de Venezuela demonstrou que os agitadores
comunistas realizaram seus atos de sabotagem nos campos petrolíferos de
Maracaibo, em outubro último, alentados pelas autoridades cubanas.
A OEA busca nesse momento provas das atividades subversivas
em execução ou planejadas na América Latina, a fim de reduzir tais atos,
mediante controle de viagens para Cuba e outras medidas,
FIDEL.
HAVANA, 20 – Fidel Castro falará à nação no próximo dia 2 de
janeiro, quarto aniversário de Revolução Cubana, segundo anúncio do
98
Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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matutino “Hoy”. Indica que a alocução será precedida de “um grande
desfile militar” e diversos atos comemorativos.
MUNDO POLÍTICO33.
COMUNISTAS IMPACIENTAM GOULART.
O presidente da República tem manifestado, nas últimas horas,
a pessoas que lhe são mais chegadas, certa impaciência em face do
noticiário que tem surgido ultimamente na imprensa em torno de eventual
agitação comunista.
O sr. João Goulart começa classificando de improcedentes tais
alegações, pois se considera bem informado em matéria de movimentação
política seja de que natureza for. Não acredita, assim, o presidente, na
existência de tais movimentos nos termos em que estão sendo apregoados
de uma ameaça em potencial às instituições.
O sr. João Goulart declara que não chega ao ponto de afirmar a
inexistência de atividades ou de manobras politiqueiras dos comunistas,
pois estas sempre existiram mesmo quando o PCB vivia, como ainda
agora, na ilegalidade.
ARMADO PARA ENFRENTAR SUBVERSÃO.
O que o presidente de República contesta é que esteja havendo
articulações ou manobras em profundidade, com o objetivo de manter sob
ameaça a paz social que, apesar dos pesares a nação desfruta, pois o sr.
João Goulart se nega a distinguir, em movimentos paredistas ou
reinvidicatórios de classes, ações diretas ou estratégicas de comunistas
visando a outros fins.
Ao acentuar que tais movimentações não chegam a
amendontrar o governo, frisa o sr. Goulart, nessas conversas
33
Correio da Manha, de 21.12.62.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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confidenciais, que não teme qualquer ação subversiva, porque o próprio
governo está preparado para enfrentá-la.
CONTRA OS ALARMISTAS TEM O “DISPOSITIVO”.
O chefe de Estado identifica o noticiário que ele considera
“alarmante”, como mais uma jogada de seus adversários políticos,
objetivando criar clima propício ao esvaziamento do plebiscito. De outro
modo não consegue interpretar as sutilezas das notícias.
Proclama o sr. João Goulart não só a solidez mas também a
clarividência do dispositivo militar que foi aos poucos instalando, fato
que o presidente reputa como garantidor de sua tranqüilidade e de
improcedência das alegações.
Se tivessem ocorrendo articulações subversivas, o governo,
segundo o sr. João Goulart, estaria sendo informado a cada passo e não
se deixaria surpreender.
BODE VERMELHO – NOTÍCIA: DOCUMENTOS
SUBVERSIVOS.
Por trás de notícia: Publico a seguir outros pormenores inéditos
sobre os documentos encaminhados pela Chancelaria do Peru ao governo
do Brasil, depois de encontrados na mala do sr. Raul Bonilla, emissário
especial do sr. Fidel Castro. O sr. Bonilla regressava do Rio a bordo do
avião acidentado em Lima. Entre os papéis e não são todos, existem: 1 –
Relatório de outubro de 1962, sobre a situação das Ligas Camponesas
aqui; 2 – Cópia de “carta de um guerrilheiro” do acampamento do Rio
de Conceição “aos seus companheiros no Nordeste”. 3 – Relatório de 20
de outubro de 20 de outubro de 1962 sobre “as possibilidades militares e
estratégicos dos atuais acampamentos das „Ligas‟ e a recomendação de
mudança do centro militar de treinamento”; 4 – Parte deste último
documento (5 itens), divulgada numa notícia publicada em São Paulo. Os
relatórios são de “Gerardo” para “Petrônio”. Acredita-se que
“Gerardo” seja um diplomata cubano que visitou Goiás, pois, no
100
Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Documento I, há referência a tal visita. Um trecho: “Visitei Goiás, a
convite do Instituto Cultural Brasil-Cuba e dos estudantes daquele
Estado. Nessa oportunidade, travei conhecimento com o chefe estadual
das Ligas Camponesas, sr. Tarzan de Castro e com o sr. Carlos
Montarroyoss.”
E ainda um parágrafo em que se escreve: “A mulher de C. que é
tcheca, acaba de separar-se dele”.
A POLÍCIA DESCOBRE PLANO DE REBELIÃO EM
TODO O PAÍS MARCADO PARA JANEIRO34.
O Delegado Borer recomendou às Polícias de quase todos os
Estados a Prisão de 30 homens-chaves emissários do Nordeste, entre eles
Clodomir Morais, advogado das Ligas Camponesas, insuflavam os
agricultores e trabalhadores rurais contra os donos de terra – centros de
Instrução Militar em Goiás – Diplomata Soviético Envolvido (10ª pág.)
A POLÍCIA DESCOBRE PLANO DE REBELIÃO EM
TODO O PAÍS MARCADO PARA JANEIRO.
COMPROVAÇÃO.
A prisão do advogado Clodomir Morais foi apenas mais um
dado comprobatório de que um dispositivo de inquietação está montado
em Goiás, tendo como pontos principais as localidades de Dianópolis,
Tromba, Taguatinga, Natividade, Porto Nacional, Tocantínia e Miracema
do Norte, onde agitadores profissionais, na maioria procedentes de
Pernambuco e cumprindo instruções do Deputado Francisco Julião,
fundaram núcleos das Ligas Camponesas e centros de treinamento de
guerrilhas e doutrinação comunista, nos moldes preconizados nos livros
de Ernesto “Che” Guevara e Mao Tse-Tung.
34
O Globo, ano XXXVII – Rio, terça- feira, 18 de Dezembro de 1962 – Nº. 11.234.
101
Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Todas as localidades são de fácil acesso. Dianópolis,
Taguatinga, Natividade e Miracema do Norte são servidas normalmente
por aviões da linha comercial; Tocantínia e Porto Nacional são portos
fluviais e Tromba fica à margem de rodovia BR-14 a Belém-Brasília, nas
fraldas de Serra Dourada.
As autoridades que estão investigando as atividades subversivas
no País chamaram a atenção para o fato de os agitadores haverem
escolhido aquela região para suas atividades. Trata-se de uma zona
considerada estrategicamente favorável, não só pelas condições de
miséria em que vivem seus habitantes como pelas fáceis condições de
penetração ali existentes, como campos de aviação, que permitem o pouso
de grandes aviões, e onde há grandes estoques de combustíveis para
reabastecimento dos aparelhos das linhas comerciais. Os rios de região
também podem ser utilizados para a descida de hidroaviões.
PRIMEIRA DESCOBERTA.
Autoridades brasileiras descobriram recentemente um dos
centros de treinamento que funcionam em Goiás: estava situado em
Dianópolis, onde foi apreendida grande quantidade de armas de guerra,
munição, farto material de propaganda comunista e cerca de 200 mil
cruzeiros. Várias prisões foram então efetuadas. A diligencia teve o
comando do Coronel Nicolau Joaquim de Seixas, do Serviço de
Repressão ao contrabando. Conseguiram escapar Clodomir Morais –
chefe do centro – e alguns dos seus auxiliares. Chegando o fato ao
conhecimento da Justiça, o Sr. Moreira Marques, Juiz de Dianópolis,
decretou a prisão preventiva de Clodomir Morais, Luís Inácio de Sousa,
João Meireles, Joaquim Ferreira Filho, Adauto Monteiro de Silva,
Antônio José da Rocha, Francisco de Cruz Botelho, Luís Presto, Antônio
Alves de Sousa, Gilvan Queirós da Rocha, José Jaime, Clóvis Esteves,
Valter Coelho, João Nader e outros, cujos nomes estão em poder das
autoridades militares de Brasília. Mas até agora somente Clodomir e
Gilvan foram presos.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
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A PRIMEIRA PISTA.
A primeira pista para a descoberta do campo de treinamento e
guerrilhas de Dianópolis foi fornecida aos setores militares através de um
relatório das autoridades de localidade em fevereiro. Informava-se que
há algum tempo chegara ali, de avião, um grupo de homens que diziam ir
estudar a natureza do terreno, para instalação de uma colônia agrícola.
Eram aproximadamente sete, com aparência de nordestinos.
Descarregaram volumosa e pesada bagagem e depois, de jipe, rumaram
para os lados do Rio da Conceição.
JULIÃO
AMEAÇA
ARMAR
CAMPONESES OPERÁRIOS DO PAÍS35.
TODOS
OS
Recife, 18 (O GLOBO) – O Deputado Francisco Julião, falando
ontem na Assembléia Legislativa, sobre a prisão do advogado Clodomir
Morais pela Polícia de Guanabara, disse que o fato, nas circunstâncias
em que se verificou, “não passou de uma farsa de Polícia da Guanabara,
sob a inspiração do Sr. Lacerda”. E prosseguiu:
- Se aquele advogado destemido tivesse sido preso num antro de
jogatina ou de prostituição, traficando com maconha ou cacaína, ou nos
confins do Brasil contrabandeando automóveis ou pedras preciosas, não
tenho a menor dúvida de que esses delitos mereceriam, quando muito, um
canto de página policial nos grandes diários brasileiros. Declaro, em alto
e bom som, que, se vier a depender de mim, todos os camponeses e
operários do Brasil serão armados para não morrerem, como
passarinhos, nas mãos covardes dos capangas, grileiros e capitães de
mato, de que o País anda infestado.
35
O Globo de 19-12-62.
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Concluiu o Deputado das Ligas Camponesas dizendo que 35 mil
militares norte-americanos estão operando no Brasil e que “não
vacilaremos em pegar em armas para tangê-los.”
LOBO MAU CHEGA SOB PELE DE CORDEIRO.36
Vai para um ano que 26 guerrilheiros chegaram a Dianópolis
(Goiás), procedentes do chão fermentado de Pernambuco. Eram exroceiros, estudantes, gente de classe média. Sabiam na ponta de língua
Marx, Engels, Lenine, Bukarin e os últimos informes de Krutchev. Tinha
modelos de guerrilhas, importados de Cuba.
Dianópolis de hoje é a antiga São José do Ouro, depois S. José
do Duro. É cidadezinha pacata, de 2.000 habitantes, sua igreja, seu
mercado, seu juiz, seu promotor, seu delegado. Não tem representação
bancária. As ruas são de chão e grama. As casas de feitio municipal doce.
Tem o Correio, a seção do IBGE e um departamento do Serviço Especial
de Saúde Pública (SESP). Fica quase na fronteira da Bahia, a 300 km de
Barreiras, no nordeste de Goiás. 600 e poucos km separam Dianópolis de
Brasília. É a única cidade do Brasil que possui mina de ouro (autêntica)
na praça principal. A gente de lá é ordeira. Vive de algum gado e de
lavra de feijão, arroz e milho. Há 20 anos que não havia ilícitos penais
em Dianópolis. Os Póvoa (ou Póvoas) representam a família dominante.
A metade do município é dos Póvoas. Eis Dianópolis, em poucas
palavras, território palmilhado pelos 26 guerrilheiros comunistas.
Eles não chegaram a Dianópolis na qualidade de guerrilheiros
ou comunistas. Diziam-se da Companhia de Investimentos do Nordeste
Brasileiro. Chegaram em começos de 61, muito faladores,
comunicadores, e com 10 milhões de cruzeiros nos bolsos. Compraram,
desde logo, duas grandes fazendas, as de nome Catingueiro e Antônio
Alves. Depois ocuparam terras devolutas da área conhecida como
Cascavel. Ficaram, desse modo, com 3 propriedades extensas, com
distância aproximada entre elas até 50 km.
Dos primeiros aos últimos contatos que tiveram com o povo do
lugar foi um nunca acabar de distribuir dinheiro. Instalaram serviço
36
Revista O Cruzeiro, de 22 de dezembro de 1962.
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eficiente de assistência social. Para cada doente, um vidro de remédio.
Contrataram dentista, enfermeiros, e iam assim penetrando na amizade
dos roceiros. Estava serviço do desenvolvimento do município. Iam
promover grandes plantações, criar gado à beça, levar a fartura para
Dianópolis. Eram capitalistas, essa a sua apresentação. E como usavam
de simpatia para todos – sorriso e dinheiro, boa camaradagem – eram
por isso bem acatados, até que resolveram mostrar a face oculta. Mas só
retiraram a máscara depois que se sentiram donos de situação, como
salvadores do povo abandonado. Aí, então, Dianópolis retirou o seu
aperto de mão aos 26 guerrilheiros. Começaram as legendas nas paredes
de cidade: “Abaixo os comunistas, abaixo os agitadores”. O Promotor
Antônio Alves França escreveu relatório às autoridades militares
denunciando o grupo. Não teve sucesso. Ninguém levava a sério a sua
denúncia. Ficou teimando, insistindo, foi a Brasília fazer a denúncia ao
vivo. Também o Juiz Moreira Marques tomou posição a favor da
democracia. Ambos receberam ameaça de morte, mas não desistiram de
denunciar o bando de agitadores.
Enquanto isso, os guerrilheiros trabalhavam. Faziam comícios,
doutrinação marxista individual, promoviam festas, churrascadas
populares. Pintavam com a sua mão generosa, através da distribuição de
presentes e dinheiro em espécie, o quadro do céu vermelho, da
socialização das roças de Goiás.
O que faziam nas suas fazendas – que compraram sem a
exigência das escrituras – ninguém sabia. Era o grande segredo. Não
permitiam a ninguém, a não ser aos agricultores já conquistados para a
“causa”, visitar essas fazendas. A coisa continuava nesse pé, quando a
Polícia Militar goiana e tropas do Exército, estas sob o comando do
Coronel José Nicolau de Seixas, resolveram ver o problema de perto.
Diligências foram feitas nas fazendas do grupo da tal Companhia de
Investimentos do Nordeste Brasileiro. E então surgiu a verdade
estarrecedora. Os capitalistas que iam desenvolver o município, e que
davam polpudos empregos aos roceiros, eram comunistas convictos,
revolucionários profissionais. Vasta bagagem de propaganda
revolucionária foi apreendida, como relatórios secretos do bando. Numa
de suas fazendas, de difícil acesso entre serras virgens, havia trincheiras,
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postos de observação no estilo militar, tudo como manda o figurino da
guerrilha cubana.
Descobriram-se os objetivos privados do grupo. Tinha ele, por
atribuição do PCB, a tarefa de doutrinar o povo, prepará-lo
politicamente para a revolução, e instalar o dispositivo militar de
guerrilhas. Há 15 dias, o grupo trouxera um “jeep”, chapa de
Pernambuco (1-28-10), dentro do qual havia dois caixotes pesados
contendo metralhadoras, fuzis e muita munição. Tão pesados eram os
caixotes que se partiu o diferencial do “jeep”. Tal armamento, entretanto,
foi enterrado em local secreto, que as autoridades estão tentando
localizar.
PRISÃO
APREENDIDA.37
DO
GRUPO
E
DOCUMENTACAO
Fez-se, afinal, a prisão do grupo. Eram eles Clodomiro dos
Santos Morais, Amaro Luiz de Carvalho, Joaquim Ferreira (este
advogado e economista de Paraíba), Carlos Montarroyo, Cleto de Costa
Campelo Neto, Leonardo Holanda Carneiro da Cunha, Gilvan Queiros de
Rocha, Tarzan de Castro (ex-funcionário do governo goiano), Walter
Rodrigues Coelho, o “Birro”, Marcelino Santos, Luiz Preto, Antônio
Alves Dias, Luiz Inácio de Sousa, Aibirê Sá, Edmar Amorim, Antônio José
de Rocha, Adauto Monteiro da Silva, Geraldo Jorge de Lima, Benjamin
Ferreira de Cunha Júnior, João Meireles (autor de duplo homicídio em
Araguari), Horácio de Oliveira (escrivão crime), Clóvis José Esteves de
Souza, Arlindo Alves de Sousa, José Jaime (irmão secretário do
presidente do Tribunal de Justiça de Goiás), João Neder (advogado,
economista, candidato a deputado estadual por Goiás) e Francisco de
Cruz Botelho.
Os chefes eram Clodomiro Amaro, Joaquim Cleto, Gilvan e
Carlos. Foram eles os primeiros a chegar a Dianópolis. Eram os mais
versados em marxismo, os doutrinadores, os de maior confiança do PCB.
37
Idem.
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Se alguma dúvida pudesse subsistir quanto à índole subversiva
do grupo, a documentação apreendida e que compõem as 472 páginas do
processo (3 volumes) bastaria para afirmar a marca revolucionária.
Passemos revista em algumas peças processuais.
No informe assinado por Cleto está escrito “que as eleições de 7
de outubro serviram para desmascarar as classes dominantes. E que o
povo viu as promessas vãs dos demagogos...”. Todas as expressões-frases
desses informes, longos demais para serem transcritos, são de
terminologia marxista de Prestes.
Gilvan escreveu uma autocrítica do “dispositivo” (eis o nome
técnico de operação revolucionária), que é uma das peças mais
importantes do processo. Vejam alguns tópicos: a) a idéia de
aparecermos como capitalistas, para não causar suspeitas, não foi feliz.
Pois o povo procurou tirar o máximo de nós. Queria benefícios, e não
entendeu, por isso, as razões profundas do processo; b) demos dentista,
remédios, festas, presentes, churrascadas a um povo sem preparo político
necessário; c) não foi acertada a idéia dos benefícios exagerados, porque
de esmola grande, pobre desconfia; d) a mudança do nome de Companhia
de Investimentos do Nordeste Brasileiro para o de Liga Camponesa
causou sério desastre. Devíamos ter começado mesmo com o nome de
Liga Camponesa; e) muitos elementos do dispositivo não tinham
instrução suficiente, e os elementos recrutados no campo não assimilaram
o processo revolucionário; f) houve, também, falta de disciplina, em
alguns setores do dispositivo, o que causou o estouro do nosso
orçamento.
Gilvan encerrou a sua autocrítica, escrita de seu próprio punho,
apresentando sugestões. Algumas: só promover os benefícios diretamente
através da Liga, e em caráter marcadamente coletivo; fixar na mente do
camponês a idéia de que o processo histórico lhe pertence, convencê-lo
da grandeza de “causa”; mudar a Liga de Dianópolis para Almas (termo
da Comarca de Dianópolis), trocando os nomes do grupo e contando com
elementos novos, não desgastados em Dianópolis, e, finalmente,
intensificar a doutrinação em massa.
Sob o rótulo de “plano de guerrilhas” foi encontrado
manuscrito com o seguinte esquema: “Esquadra Tiradentes – Leonardo,
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Edmar e Luiz Preto. Esquadra Guararapes – Rocha, Gilvan, Inácio,
Arlindo e Geraldo: Grupo de Intendência – Inácio e Luiz”. Havia também
instruções para instalação de subgrupos de guerrilhas nas cercanias das
fazendas dos guerrilheiros.
Noutro documento, sob o título de “dispositivo militar”, havia
uma análise de situação estratégica das 3 fazendas. O documento,
firmado por Cleto, acentua que a fazenda de Catingueira não se prestava
para o “serviço militar”, nem a de Antônio Alves, e sim a de Cascavel.
Textualmente: “Só será possível o treinamento militar em Cascavel,
valendo salientar que é cercada por um raio de 50 km de campos gerais,
área totalmente despovoada e excelente para o desenvolvimento de
guerrilhas”.
A biblioteca do grupo – toda ela apreendida – era
irrecusavelmente comunista. Leiam os títulos de algumas obras: o ABC
do Comunismo (Burkarin), Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo
(Lenine), As Instruções de Guerrilhas de “Che” Guevara, Como Ser um
Bom Comunista (Mao Tse-Tung) e vários metros de volumes do marxismo
clássico, Interpretações de História do Brasil à Luz do Materialismo
Histórico (livros de Caio Prado Jr.) etc.
Alguns guerrilheiros chegaram a prestar depoimentos. Gilvan
afirmou que as armas estavam sob a responsabilidade de Geraldo. E que
nenhum deles conhecia o segredo do outro, isto porque no caso de a
Polícia os prender seria impossível a delação.
Todos conseguiram fugir dentro de noite escura. Saíram a
cavalo, rumo de Barreiras. Perseguidos de perto, pelas tropas do
Exército, abandonaram os cavalos e penetraram no mato a pé.
Alcançaram o Rio São Francisco e conseguiram motor de popa de canoa.
Assim chegaram ao sertão Pernambuco, livres para começar outra vez.
As armas apreendidas foram poucas, inexpressivas. O grosso do
armamento – que é nacional, tais como metralhadoras e fuzis, e não
cubano ou russo, como se pensou a princípio – continua enterrado em
local ignorado das autoridades. 200 mil cruzeiros foram encontrados em
poder dos guerrilheiros. Quem financiaria as guerrilhas? Para essa
pergunta, o processo instaurado em Dianópolis não obteve resposta.
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***
Um dos ativistas do movimento, o jovem Gilvan Rocha, teria
escrito a seguinte carta aberta aos camponeses, cujo manuscrito foi
também publicado na Revista O Cruzeiro, de 22.12.62, ipsis verbis:
ESCUTA ROCCEIRO.
Companheiro, tua situação é a de fome, de doença, de
analfabetismo e de desprezo. Tu que trabalhas roçando roça, limpando
mato, plantando mato, plantando e colhendo não tens a menor ajuda.
Passas fome, tua mulher falta vestido e calçado, tua alimentação é canja
de arroz quase sem sal, teu rancho é coberto de palha e de chão batido,
teu cobertor é fogueira, teu filho vive descalço, quase nu e com o bucho
cheio de verme, tu nasceste e tu criaste trabalhando e nada tens, e se não
reages teu filho terá talvez o mesmo destino.
Para que trabalha o roceiro? Para ter o que ele necessita. De
que necessita o roceiro? De boa alimentação para recuperar o suor gasto
durante todo um dia de trabalho, de remédio para se curar das doenças
que lhe persegue, de roupa para andar vestido, de calçado para proteger
os pés, de escola para seus filhos, de maternidade para sua mulher, que
dá a luz, como uma vaca dá cria a um bezerro, de uma casa que dê-lhe
abrigo o conforto, de meios para viver como cristão e não como bichos do
mato.
E por que o roceiro trabalha tanto e não tem nada disso?
Porque companheiro existe alguém beneficiado com a miséria do roceiro.
O tubarão companheiro, que não planta nada mas tem tudo em sua casa:
arroz, feijão, carne, leite, queijo, filhos na escola, remédio, tudo. E como
ele ganha da miséria do roceiro? Presta atenção companheiro eu vou te
explicar: quando o roceiro vive em situação de fome, não possui nada
senão sua vida, ele se vê abrigado a ir um pequeno tubarão [...].
Os ativistas das Ligas Camponesas em Catingueiro, trouxeram
alguns benefícios para os residentes no então povoado de Rio da
Conceição, hoje belo município. Por exemplo, o menino Misson, de 7
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anos, foi socorrido por Gilvan e outros que o levaram para Goiânia em
avião da Panair, onde ficou 3 meses para tratar de uma ferida purulenta na
perna, consequente de uma forte dor no osso da canela. O menino vivia
deitado para suportar a dor. Infelizmente não obteve êxito no tratamento
na capital do Estado e 90 dias depois retornava engessado e infeccionado,
como saiu do Rio da Conceição. O avião trouxe uma caixa grande de
antibióticos, mas nada. Misson não sabe se foi curado com os remédios ou
com raizada.
AGENTES DE FIDEL RELATAM ATIVIDADES E
PEDEM RECURSOS PARA FAZER SUBVERSÃO38.
Três importantes documentos encontrados em poder do sr. Raul
Bonila, delegado do governo cubano à conferencia da FAO, no Rio,
quando do desastre do avião de Varig, perto de Lima, demonstraram à
sociedade, que um plano de subversão estava sendo orientado e
subvencionado pelo partido do sr. Fidel Castro.
Em primeira mão: damos a seguir a íntegra desses documentos.
Recrutamento.
O anexo n°. 1, do Informe Especial, redigido de maneira
apressada e em alguns pontos sem clareza, diz o seguinte:
De: Gerardo
A: Petrônio
Assunto: Tradução da carta.
Rio de Concepción, 29 de setembro de 1962.
Estimados companheiros:
Escrevo esta para expressar os meus pensamentos e agradecer
ao companheiro Clodomir Morais.
38
Correio da Manhã, de terça-feira, 29 de janeiro de 1963.
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Companheiros: quando nos recrutou, o fez por meio de um
encerramento, esse companheiro que nos tem aqui como rebelde, mas eu
tirei a conclusão de que mais rebelde é o processo por dentro,
companheiros: se eu estou aqui é por uma causa que não é dele, nem é
minha, porque é do povo. O companheiro agiu comigo de maneira pior do
que os capitalistas, com aquela história de ir buscar a mulher. Eu agora
faria uma pergunta ao companheiro: O que aconteceu ao cubano? Onde
está a floresta? Onde estão os mil e tantos porcos que já tinha? Onde está
o rebanho de vacas que já possuía? Onde está o grande oficial de
treinamento que nos prepararia? Onde está a escola que tinha para que
nós treinássemos em tanques de guerra? Companheiro: considero isso
como um meio de induzir-nos a fazer uma coisa que não queremos, uma
traição. Se o companheiro quer mostrar bravura em sua terra de
nascimento, ele mesmo que venha lutar e comandar. Assim como o
companheiro quer mostrar raça em sua terra, nós também podemos
mostrá-la na nossa e se o companheiro acredita que com essa coação,
colocando-nos na ponta, através das eleições, vai fazer uma revolução
que traga Julião para a luta no campo. Esse companheiro quis colocar, e
colocou, a gente na Revolução e o que fez foi nos colocar num abismo,
como no caso do companheiro Valter e do companheiro Léo, que tanta
ajuda davam à cidade aos quais prejudicou. Eu fiquei indignado com o
companheiro Clodomir, porque em vez de enviar companheiros que já
estavam nos dispositivos militares há quase dez meses, conhecendo o
problema, manda uns boêmios de cidade para treinarem em guerrilhas
em Cuba. Isto é traição, como no caso do companheiro Carlos, que ele
afastou, fazendo-lhe acusações injustas. Agora vos explicarei,
companheiros, porque o chamo de traidor. Chamo-o de traidor porque
vive com a traição, no caso da companheira Severina quando Carvalho
veio aqui busca-la dizendo que iria para reunir-se ao seu marido, e sem
dúvida, a levou para o Rio e depois para Recife como ela fosse um
lolusco, traidor o chamo porque no caso do companheiro Rocha, que veio
para cá deixando a mulher e oito filhos e ele os deixou abandonados à
sorte na montanha; traidor porque trouxe para a montanha um
companheiro como Valdemar, que tem oito filhos e depois o mandou
regressar dando-lhe uma esmola de cinco mil cruzeiros (Valdemar não
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
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teve que pedir esmolas porque tinha família aqui); traidor porque trouxe
o companheiro Marcelino para cá, um homem de 40 anos, com
responsabilidades e filhos, e depois o deixou abandonado; traidor porque
trouxe o companheiro Walter, abandonando-o depois, tendo Walter
deixando sua mãe viúva e havendo roubado munições do Exército.
Eu não confio mais neste treinamento dele. Prefiro agora ir
para casa, mas não vou cruzar os braços, não; aonde está, estará
trabalhando (durante um ano que passamos aqui nunca tivemos direito a
nada, e hoje, como vem gente nova, esses boêmios de cidade, que já
chegam até em jipe) e ao sair daqui não vou pedir esmola, porque tudo o
que eu tinha dei ao processo e houve é o processo que me vai dar alguma
coisa e ainda os enquadrará em medidas de segurança, e se não me
mandam eu mesmo apelarei, usando o que tenho na fazenda, porque se
estão com medo, aqui há um punhado de homens conscientes, muito
diferentes desses boêmios de cidade (e não sou eu somente quem diz isso,
mas todos os demais companheiros também). Espero que esta carta não
fique trancada em sua mão, mas que circule entre todos os companheiros
daí.
E se eu não tiver possibilidades de começar por aqui irei a
Pernambuco e a Sapé e começarei com os companheiros de lá, sem estar
temendo nenhuma reação do sr. Clodomir. Estamos dispostos à revolução
e mais nada.
Agora vos apresento a minha sugestão de maneira que fomos
recrutados e qual o caminho deste desenvolvimento: 1 – trazer os homens
de montanha não deve continuar de maneira que até agora tem sido feito.
Deverá vir primeiro um companheiro conhecedor do terreno que
procurará uma fazenda, tendo possibilidades para compra-la. Então,
regressará para voltar com os homens, não despertando reação. Sem
dúvida, se chegar com um grupo de pessoas procurando “terra para
trabalhar”, a partir daí começaram os primeiros passos errados. O que
se tem que fazer é procurar os mais conscientes e conduzi-los à floresta e
educá-los durante três meses; depois esses regressariam e viria uma nova
remessa; assim se poderia agir sem despertar nenhuma reação, sem
manter esses homens preguiçosos, com o risco de torná-los depravados
por falta do que fazer. Assim como vos digo, em três meses esses homens
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regressaram com o pretexto de ver suas famílias, sem despertar reação.
Então, observe, como vão exigir disciplina se o companheiro Clodomir
chegou fazendo mil promessas, oferecendo três vezes em dinheiro o que se
paga ao trabalhador nessa zona? Companheiros: não podemos recrutar
ninguém, consciente ou inconsciente, por meio de promessas. Eu e todos
os meus companheiros sentimos isto de perto, quero que os companheiros
tomem isso em consideração, porque nós não somos traidores de
revolução, mas peço ao companheiro vir para a cidade, mas não para
cruzar os braços. Darei todas as minhas atenções e quando fizer um mês
ou coisa assim estaremos prontos para qualquer luta.
Porém nós não podemos, companheiros, seguir “fechados” aqui
cometendo erros. Nós não estamos no poder e não podemos dar de tudo
ao povo da região nem aos recrutados. Quando quiserem, mande um
homem só para a compra de fazenda, para que ele conheça o terreno e
depois mande o restante para lá. Só assim a reação de nada suspeitará.
No regime que nós temos, não poderemos entrar em nenhum
lugar como socialistas, mas para o inimigo como pertencentes à
“burguesia” e, enquanto isso, iremos desenvolvendo nosso processo.
Companheiros: eu não estou me voltando contra a Revolução, mas contra
os prejuízos que estamos causando à Revolução, e é este só o modo de
recuperarmos; vamos enfrentar nosso processo sem causar prejuízo, pois
esse processo é nosso e somos nós que vamos defendê-lo.
Assina.
ATIVIDADES SUBVERSIVAS.
Outubro de 1962
De: Gerardo
A: Petrônio.
Assunto: Informe especial sobre as Ligas.
É necessário que se compreenda bem o conteúdo e a razão deste
informe. Creio ser meu dever de revolucionário fazer chegar às suas
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mãos esses informes, que me chegarem de forma que descrevo mais
abaixo.
Quando visitei Goiás, convidado pelo Instituto Cultural BrasilCuba e pelos estudantes deste Estado, conheci os dirigentes estadual das
Ligas Camponesas, sr. Tarzan de Castro. Nessa oportunidade comentou
comigo uma série de problemas que vinha defrontando e os enviei para
essa direção. Desde então, nada sabia a respeito do dirigente das Ligas
Camponesas.
Há dias atrás, nas primeiras horas de manhã, o citado
dirigente, então acompanhado pelo sr. Carlos Montarroyoss, visitou o
nosso local de trabalho. Segundo eles mesmos me informaram, Tarzan de
Castro, além de responsabilidade estadual das Ligas é assistente do
dispositivo militar de Goiás e membro do secretário do Movimento
Tiradentes. Anteriormente, Carlos foi comandante daquele dispositivo e
atualmente é o elemento de contato entre as Ligas Camponesas e os
sargentos.
Esses visitantes disseram que tinham vindo ao Rio com o
objetivo de reunir em Goiás todos os comandantes do Brasil e o pessoal
responsável pelos dispositivos militares, dada a situação desastrosa em
que se encontram atualmente assim como a sua orientação geral.
O motivo da visita foi, segundo eles, para que os companheiros
cubanos saibam da realidade do dispositivo militar e que nesse momento
está pondo em perigo a Revolução no Brasil, senão ainda de estar
gastando as mãos cheias o dinheiro que Cuba está distribuindo a
revolucionários do Brasil que o aplicam de forma irresponsável e
mentirosa.
Nessa entrevista nós nos limitamos a ouvir, sem fazer qualquer
comentário.
DISPOSITIVOS MILITARES.
Assinalam que o estado atual dos dispositivos militares,
separadamente é o seguinte:
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Atualmente, existem dispositivos em Goiás, Maranhão, Mato
Grosso, Estado do Rio, Bahia e, em preparação no Rio Grande do Sul. A
situação de um engano generalizado.
Vejamos: dizem que o recrutamento para os dispositivos se
realiza dizendo-se aos futuros guerrilheiros que quando chegarem ao
acampamento, viria um instrutor cubano que daria as instruções
militares; que haveria um instrutor político para o desenvolvimento dos
combates e que existia uma direção nacional militar que era chefiada por
um cubano, assim como uma direção política nacional. Quanto ao
problema do dinheiro, não teriam que preocupar-se, porque Cuba estava
presente e daria o suficiente para fazer a Revolução no Brasil. Essa
orientação foi dada aos companheiros mencionados pelo sr. Clodomir
Moraes, e aqueles, por sua vez, a transmitiram a outros companheiros
que estavam sendo recrutados. No total, dizem haver recrutado para fins
militares cerca de trinta homens, entre os quais se encontra um irmão de
Tarzan. Esses homens foram para Mato Groso e para Goiás. Carlos é
pernambucano e vive no Recife.
ACAMPAMENTOS.
Quando os homens chegavam aos acampamentos se apercebiam
de que não existiam esses acampamentos e que aquele companheiro era
um queimador de dinheiro. Compravam-se as fazendas sem nenhum
critério político ou militar. Isso se comprova. Essas fazendas eram
compradas às vezes até por três vezes o seu valor. Contratavam-se
camponeses da região e se pagava até cinco vezes o salário daquela área.
Não se fazia nada. Nada se treinava. Quando compravam essas fazendas,
saíam pela zona e adquiriam armas velhas que pertenciam a caciques
políticos ou “coronéis” latifundiários, por valor três vezes maior do que
os das armas, as quais, depois de cinco tiros, paravam de funcionar
porque esquentavam demasiado.
Como é natural, esses políticos denunciavam a venda e a
Polícia se punha a par da transação. Com a compra de fazenda superior
a seu valor, com a aquisição dessas armas, com a contratação de
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camponeses pagando-se acima do salário vigente, com o não trabalho de
terra – era natural que chamaria atenção imediata não só da Polícia
como de todos os vizinhos. Logo, se começava a falar de uma fazenda de
guerrilheiros. Como não se fazia nenhum trabalho político na região,
passavam por inimigos aos moradores.
IMORALIDADE.
Isto se desviava do plano original das direções políticas e
militares. Como é natural, começaram os protestos. Continuaram
informando os camaradas que o sr. Clodomir dizia que aquilo tinha que
ser assim, porque eram ordens do Cubano. Este cubano estava informado
de tudo. Quando se comentava que as fazendas não eram próprias para
esse trabalho, não era Clodomir o responsável, senão que eram ordens do
Cubano e teriam que aceita-las, por isso que eram um grupo militar e não
de rapazes. Em coisas militares, tinham que obedecer sem se queixar.
De mesma maneira, continuaram dizendo: o sr. Clodomir
colocava à frente dos dispositivos elementos conhecidos pela sua
imoralidade mas incondicionalmente ligados à si, como por exemplo o sr.
Adauto Freire, que foi expulso da Cooperativa de Sapé porque converteu
essa entidade num centro de orgia, jogo, etc. Como foi tão escandaloso o
estado em que transformou o dispositivo, foi mandado para a Paraíba,
onde hoje está gastando o dinheiro do movimento e vivendo com uma
prostituta. Atualmente, acaba de realizar uma campanha política na qual
ofereceu dois milhões de cruzeiros ao chefe do Partido Comunista
Brasileiro, Assis Lemos para que apoiasse sua candidatura. É um
elemento conhecido por seus poucos escrúpulos e poucos sentimentos
revolucionários.
EM GOIÁS.
Em Goiás, juntou-se a um tal Carvalho e também foi necessário
gastar porque estava convertendo vizinhos inimigos. Trabalhava à base
de dinheiro e tudo resolvia com dinheiro. Atualmente, não pode visitar a
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zona com perigo de ser morto, não só pelos vizinhos como também pelos
próprios elementos que estão no dispositivo.
O dispositivo que existe em Goiás está na zona de Dianópolis.
Quando Carvalho saiu deste dispositivo, foi nomeado comandante o sr.
Carlos Montarroyos (um dos informantes) que se deparou com um estado
total não só de abandono, senão de insegurança. Ele, que vinha da
Paraíba e não conhecia bem a zona, rapidamente percebeu que aquele
local era uma loucura e começou a procurar outros lugares. Tratava de
falar com Clodomir e era sempre impossível. Então, dirigiu-se a Juan e
este lhe manifestou que o trabalho não era dele e sim de Clodomir. Ele
não conhecia nada daquilo e tinha confiança no outro.
De todas as formas eles acreditavam que havia alguns erros
nesse dispositivo e que no mais tudo ia bem. Haviam proibido que
estabelecessem contato com outros dispositivos. Tarzan tinha alguns
homens recrutados em Mato Grosso, e em conversas descobriu que lá era
pior. Um irmão de Tarzan que se preparava no Paraná, teve que
abandonar o lugar por causa de morte de um companheiro.
EM MINAS.
Em Minas Gerais, a Polícia visitou a fazenda e perguntou quem
era o chefe daquele campo, ao que respondeu um camponês que era Hélio
Cabran. Depois que o militar falou com o companheiro, o convidou a
almoçar e então lhe disse: vocês devem abandonar essas idéias, nós
sabemos o que vocês estão fazendo. Não devem prosseguir com essa
coisa. A resposta de Clodomir foi para se mudar o campo para a Bahia,
onde está atualmente, também, com o conhecimento de todo mundo.
Por outro lado, o sr. Pedro Motta visitou a América Latina com
um relatório falso das Ligas Camponesas. O mesmo Motta o manifestou
aos informantes.
DORTICÓS.
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Em outra parte desse episódio se disse que havia uma estação
de rádio que estava em mãos espertas, comprovando-se, mais tarde, que
era falso. Quando o presidente Dorticós passou por São Paulo rumo a
Punta Del Este, Clodomir disse a Tarzan que enviara 250 homens do
departamento de segurança ao Aeroporto para garantir o mandatário
cubano. Também se soube que isto era falso.
Quando os problemas eram maiores ele desaparecia e ninguém
o conseguia encontrar. Então, numa conversa entre ... e T... aquele lhe
manifestou que ele não podia fazer nada porque eram ordens que Fidel
Castro e um tal Franco lhe haviam dado. Os lugares onde estavam as
fazendas, o trabalho que estava sendo realizado era aprovado por Fidel.
UMA REUNIÃO.
Não quero prosseguir contando maiores detalhes porque seria
muito extenso. Por todas essas coisas que estavam acontecendo nos
vários dispositivos, foi convocada por parte de seus comandantes numa
reunião no Rio, em que se exigiu a presença de Juan. Como este estava no
Norte, T. viajou para lá representando todos os outros reunidos. Ali, se
combinou que a reunião seria realizada dentro de quarto dias em Recife.
Os que estavam no Rio se transportaram para lá. Entretanto por
intermédio de Regina, Clodomir soube da reunião que havia sido feita à
sua revelia. Então, viajou para onde estava Juan e começou a contar sua
história. Resultado: na entrevista de Tarzan com Juan, este deu a
impressão de nada conhecer sobre o que passava. Ao inteirar-se dirigiuse a um rincão da localidade e dava até a impressão de estar chorando.
Em quatro dias de reunião com todos os comandantes, disse que quem
não estivesse de acordo com os métodos de C. o que devia fazer era
abandonar o movimento. Argumentou-se que esse não era o problema,
senão fazer-se uma autocrítica e realizar a reorganização. Se antes C.
havia dito que existiam direções militares e políticas e elas não
funcionavam, havia então que fazê-lo. Havia que trabalhar os vizinhos
dos acampamentos, deixar de comprar fazendas sem utilidade, de
comprar cavalos a preços elevadíssimos, etc. Impunha-se reiniciar o
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movimento. Havia que deixar de acusar de comunista aos que
protestavam dos métodos, etc.
COMISSÕES.
Então foram organizadas as comissões política e militar. A
primeira ficou assim composta: Ferreira, Rivadávia, Juan e C...; a
segunda por Adauto Freias, Pedro Motta (o mesmo que viajou para
América Latina) Armando Luiz de Carvalho, C... e Juan. Essa comissão
foi organizada por C..., já que é dono absoluto da organização
clandestina. Ele tem o direito de vetar qualquer membro de direção.
De todas as formas, se acreditou que seria uma nova etapa.
Nada disso aconteceu. Passaram-se vários meses e a orientação continua
sendo a mesma. Juan aparentemente nada sabe dessas coisas. Sempre que
se lhe diz alguma coisa, transfere para C...
AINDA GOIÁS.
Apesar do número de homens dos distintos dispositivos não
chegar a 50, não tem sabido dar nem orientação nem instrução, muito
menos atenção. C... nunca visita um acampamento. O dispositivo de
Dianópolis, em Goiás que atualmente já conta com três fazendas, tem 10
homens, todos dispostos a fazer a revolução, mas não sabem o que
realizar, apesar de estarem ali há quase um ano. Alguns casados,
abandonaram a mulher e os filhos para viver lá, e todavia não sabem o
que fazer. Planejam regressar para as suas terras pois lá seriam mais
úteis quando fosse necessário incorporar-se. Naquele lugar se acreditava
que depois das eleições a Polícia interviria e só não o haviam feito antes
por causa do problema eleitoral. Quando Carlos manifestou isso a C...,
este respondeu que não podia ser verdade que deveriam escolher entre a
sua orientação e a do Exército. Por outro lado, atualmente não dispõe de
dinheiro e foram obrigados a trabalhar em fazendas vizinhas porque
estavam comendo era toucinho com farinha.
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Por outro lado, receiam os mistérios que envolvem o sr. C... Sua
esposa, tcheca, acaba de deixa-lo por este motivo. Em certa oportunidade
mandou um amigo que alugasse um apartamento em frente ao que habita,
em Belo Horizonte e desde então, passou a tirar fotografias de sua casa
para meter medos aos familiares. Aparentemente, era membro de Polícia,
quando na realidade tratava-se de seus amigos. Em outra oportunidade,
mandou que um amigo seu visitasse para ter cuidado consigo, porque era
um dos dirigentes revolucionários do país, etc., o qual atualmente não se
sabia onde vivia nem onde se podia localizar.
2ª REUNIAO.
Com a situação, à exceção dos membros da direção militar
subordinados a C..., tem inicio a segunda reunião e se manifesta a
necessidade que esteja presente Juan. Eles desejam que ninguém
abandone o movimento mas eles iniciaram com a idéia de que
trabalhavam com C... Este, nos últimos meses, não se deixa encontrar, já
que a situação atual é tão desastrosa que não lhe querem dar o comando.
Vários dirigentes, como Wanderley, Araújo, Deodato, etc.,
estarão presentes. Todos estão com Juan contra C... Acusam ele como
responsável pela situação atual, de abandono total, desorientação,
insegurança, mentiras, etc. Há coisas que dizem respeito ao campo
pessoal, mas que eles também anotam como políticas. Em certa
oportunidade, quando a sogra dele veio da Tcheco-Eslováquia, somente
de excesso de peso nas malas teve que pagar na Alfândega 300 mil
cruzeiros, e esse dinheiro era do movimento.
Por tudo isso, eles pleiteiam: 1) que se reestruture o trabalho;
2) que diga quem é o responsável por tais erros (se Juan conhece os
problemas que os diga); 3) C... deve sair da direção por ser incapaz e
intrigante; 4) que se deva dar conhecimento a Cuba dos problemas
internos da primeira organização. Como é natural, eu falo de todo este
problema com Vicente, altamente alarmado, já que se trata de pessoa que
os conhece bem. Também aproveitando a sua viagem, só que necessitarei
de resposta a estes problemas para orientar-me num melhor trabalho.
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Várias cartas me chegaram com este propósito mas há uma de
um camponês de Goiás, que fala por si só e, em proveito da discussão,
será apresentada à reunião do Rio.Gerardo”
RECURSOS E ORIENTAÇÃO.
Novembro de 1962
De: Gerardo
A: Petrônio.
Assunto: Congresso de Solidariedade.
O Partido Comunista Brasileiro pleiteia que se deva propor
ambos os congressos porque já muitas dificuldade Que ambos os
congressos, o nacional e o continental, devam ser em janeiro.
[...]
Tudo isso constitui ajuda. Numa carta posterior detalharei
estes trabalhos, que podem assegurar que existem verdadeiros heróis
empenhados nessa tarefa.
Agora, o que temos que saber é: 1) deve manter orientação para
janeiro; 2) mando pedir 10.000 (que não chega) mas de qualquer forma
estamos em condições de ajuda-lo (o que desejamos). Gerardo”.
P.S.: Por outro lado, todos os trabalhos combinados
prosseguem corretamente; o PCB do Brasil, estudantes etc., seguem as
orientações.
Quando o emissário chegar, enviarei os informes
correspondentes. Por hora seguem esses fragmentos, por necessidade
urgente de obter orientação. Gerardo.”
Recrutamento de guerrilheiros.
Convém frisar que a investigação do coronel Seixas é anterior à
data do encontro da mala do delegado cubano Bonilla nas proximidades
do avião, em cujo acidente ele morreu em Lima. Mais precisamente – ela
é de 23.10.62, bem antes do próprio acidente com o aparelho de Varig.
No relatório há mais o seguinte: “No início apareceram sete homens
todos janistas (no original, entre aspas – nota de MCL) apaixonados, sob
as ordens do sr. Joaquim Ferreira, assessor do sr. Celso Furtado na
SUDENE.”. Outro trecho: “Houve muitas substituições de pessoal, o que
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fava a impressão de que o contingente de comunistas já era inumerável.”
Ainda outro assinala a remessa, pelo coronel Carlos Cairoli, até
recentemente subsecretário da segurança nacional.” Por fim: “Foram
recrutados pelo sr. Clodomir dos Santos Morais (preso e acusado de
contrabandear armas – nota de MCL) e por um professor da
Universidade do Recife, sr. Lucena, engenheiro, para serem os primeiros
elementos de um campo de treinamento de guerrilhas.”
O diabo.
POSTA-RESTANTE
DENÚNCIA DO EMBAIXADOR LEITÃO DA CUNHA.
Nos arquivos do Itamarati, existe, em código e em tradução
comunicação que o embaixador Vasco Leitão de Cunha, então em Cuba,
enviou ao governo federal a propósito da infiltração cubana, já em 1960.
Nesse telegrama, o senhor Leitão de Cunha em 20.10.60, informa ter
sabido que o governo cubano espera que, no Brasil, antes de 3 de
outubro, se produzirá uma revolução inspirada pela de Cuba, com o fito
de evitar eleições”. Revolução, afinal frustrada, porém com base de
operações, conforme o mesmo comunicado diplomático, em São Paulo,
Sul de Minas e Rio de Janeiro.
Detalhe: O embaixador entendia conveniente informar “com
toda a urgência” o presidente da República e “todos os candidatos à
Presidência”.
MAIS UM.
RELATÓRIO DO GENERAL JAIR DANTAS.
Agora o mais curioso: em 9.11.60, o general Jair Dantas
Ribeiro, hoje no comando do II Exército no Rio Grande do Sul, dirigiu em
caráter secreto, relatório ao então presidente Kubitschek sobre a
“articulação de uma revolução social como início de guerra civil”. Desta
vez, cinco páginas, acompanhadas de um cartão de próprio punho.
Pontos capitais: 1 – escuta de radioamadores em idioma espanhol,
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funcionando no interior do Brasil. 2 – chegada de estrangeiros suspeitos
disfarçados de pastores protestantes, a regiões ermas. 3 – estranhas
conversas radiofônicas entre eles e também Chile e Venezuela. 4 – como
intróito das emissões de radioamador, doutrinação ideológica. 5 –“Há
certeza de um comando-central comunista no interior do Brasil.”. 6 –
continuo citando, entre aspas, o general: “O soviete Supremo da América
do Sul está instalado e funciona no centro do Brasil. No mesmo local,
funciona também o grande Executivo Brasileiro”. 7 – “Quem comanda
toda a América do Sul e especialmente o Brasil é um europeu, letão de
nascimento, com 76 anos de idade, aparentando uns sessenta mais ou
menos, o mesmo que, em 1916 montou e dirigiu a revolução russa no
Transval. Oculta-se sob profissão religiosa, protestante, na cidade de
Água Clara, Mato Grosso, num seminário.”
E vai por ai.
REVELADA PELOS PAPÉIS
SUBVERSÃO DE FIDEL NO BRASIL39.
DO
AVIÃO
A
O CORREIO DA MANHÃ publica hoje, na 11ª página, em
primeira mão e na integra, três dos documentos apreendidos pelo
governo peruano entre os destroços do avião da Varig, sinistrado perto
de Lima, na mala do sr. Raul Bonilla, delegado fidelista ao Congresso da
FAO reunido no Rio em fins do ano passodo. É uma documentação
impressionante, a propósito da qual cumpre desde logo acrescentar
pormenores; a história não é tão simples como pretende o Itamarati.
Vamos por itens:
1. O Itamarati, ao saber da existência dessa documentação que
o Peru se dispunha a entregar ao Brasil, ameaçou o governo peruano de
um protesto formal e enérgico, se ela fosse entregue também à
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Organização dos Estados Americanos e às Forças Armadas brasileiras,
como era intenção da Chancelaria peruana ao comunicar o encontro à
Chancelaria brasileira.
2. Mais propriamente, o Itamarati mandou dizer-lhe que
consideraria isso ato inamistoso e hostil.
3. Os documentos chegaram então ao Rio consignados ao
Itamarati, mas, em lugar de provocar qualquer intervenção diplomática
junto ao governo cubano (os documentos são relatórios encaminhados
por agentes fidelistas à Chancelaria cubana) de um lado e, de outro,
providências junto às autoridades militares do Brasil para conter a
infiltração castrista, foram para os arquivos do nosso Ministério do
Exterior.
4. Os documentos, em seu todo, não reproduzem apenas
suposições. Revelam nomes de brasileiro envolvidos em treinamento de
guerrilheiros com dinheiro cubano; contam roubo de armas aos
Exércitos; aludem às áreas onde se acham esses acampamentos; pedem
dez mil dólares de ajuda; confirmam em síntese relatórios sigilosos das
Forças Armadas brasileiras ao governo federal sobre as atividades
fidelistas no Brasil e do “dispositivo militar revolucionário”, como temos
noticiado.
5. Em alguns papéis aparece o nome – Gerardo. É como se
assina o agente fidelista que confiou os seus relatórios ao sr. Raul
Bonilla, homem forte de Fidel Castro. As autoridades militares do Brasil
(o impacto dessa documentação, divulgada muito parceladamente pelo sr.
Armando Falcão, foi enorme nas Forças Armadas) estão propensas a
acreditar que se trata do adido cultural de Embaixada Cubana no Rio.
Motivo: ele esteve na mesma época em visita justamente às regiões
citadas por Gerardo, e conferenciou com os comunistas do estado-maior
do sr. Julião, também referidos, inclusive o sr. Tarzan de Castro.
6. “O sr. Clodomir”, citado pelo agente fidelista, é o advogado
das ligas. Clodomir Santos Morais, foi preso recentemente na GB
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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conduzindo armas de guerra e um bilhete do adido cultural da
Embaixada soviética, bilhete endereçado ao sr. Francisco Julião.
7. O sr. Raul Bonilla morreu no acidente com o avião da Varig
nas proximidades de Lima, com os demais componentes da delegação
8. O Serviço de Inteligência dos Estados Unidos tem em seu
poder cópias autênticas de toda a documentação, cuja autenticidade
comprovou.
9. O IV Exército, muito antes do acidente, já fizera ao governo
federal relatório-denúncia sobre os acampamentos de guerrilheiros e a
infiltração fidelista no Brasil, relatório que coincidem inteiramente com
os fatos contidos na documentação cubana apreendida pelo Peru.
ITAMARATI ANUNCIA IDA DE FUZILEIROS A
CUBA E MARINHA NÂO CONFIRMA.
Seguiram ontem para Havana, à meia-noite, segundo
informação do Itamarati, os 21 fuzileiros navais que vão constituir o
corpo de segurança da Embaixada do Brasil em Cuba. O avião da FAB
em que viajam fará escalas em Belém e Port-of-Spain, devendo chegar
quarta-feira à noite em Havana. Os militares viajam à paisana e darão
guarda dia e noite na Embaixada do Brasil, também em trajes civis; mas
só estarão em serviço após, a chegada do embaixador Câmara Canto,
que partiu domingo para aquele país, chefiando missão especial do
governo brasileiro. Os fuzileiros navais tem por missão a manutenção da
ordem entre os asilados cubanos (em número de 70) que estão abrigados
em nossa Embaixada.
Enquanto o Itamarati tornava público que os fuzileiros estavam
prontos para embarcar, o Ministério da Marinha mantinha sigilo sobre o
fato. Não havia qualquer ordem para apresentação do cap-ten. Alberto
Esteves d‟Orsy, que comandaria os praças, nem estes foram
encaminhados ao Itamarati, para as providências de praxe.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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CONFUSÃO.
Informava o Serviço de Relações Públicas da Marinha que o
assunto dizia respeito exclusivamente ao Ministério das Relações
Exteriores. Ainda durante a tarde, cerca de vinte policiais, identificados
como do Departamento Federal de Segurança Pública, apresentaram-se
à Delegacia especializada para a obtenção de passaportes especiais.
“ADIDOS” DA EMBAIXADA DE CUBA E OS
“DUROS”
DO
PCB
PARTICIPAM
DOS
PLANOS
SUBVERSIVOS DE JULIÃO40.
Em janeiro de 1962, o Exército Brasileiro descobriu que armas
fabricadas na Tcheco-Eslováquia estavam entrando no país para
distribuição, possivelmente, às Ligas Camponesas.
Em 22 de abril de 1962 Julião emitiu um manifesto das suas
convicções na sua “Declaração de Ouro Preto”, na qual disse que os
brasileiros devem aspirar dar a vida pela criação de uma nova sociedade,
a qual será “como a aurora”.
ADESÃO DO GRUPO GRAIBOS.
Em 30 de abril de 1962 os comunistas João Amazonas de Souza
Pedroso e Maurício Graibos, expulsos do PCB por serem partidários da
luta armada, chegaram a Havana para participar ostensivamente das
comemorações do feriado cubano do Dia do Trabalho, mas tudo não
passava de um pretexto para encobrir a verdadeira finalidade de cada
um. Ambos fizeram um curso de guerra de guerrilhas. Em meados de
agosto de 1962, Carlos Danielli e Ângelo Arroyo, outra dupla de
comunistas, viajaram a Cuba para fazerem o mesmo curso.
CONEXÃO COM OUTROS PAÍSES.
40
O Jornal, do Rio, de 30-01-1963
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Em fins de maio de 1962, Pedro Mota de Barros, outros
membros das Ligas que acompanhara Morais ao campo de treinamento
de Manágua, em Cuba, partiu do Brasil numa viagem a fim de estabelecer
elos entre Julião e revolucionários congêneres em outros países da
América Latina. Ele percorreu o Chile. Peru, Bolívia, Equador e a
Venezuela encontrando-se com outros revolucionários com os quais
treinou em Cuba. Em várias de suas paradas ele lhes perguntou sobre que
tipo de apoio poderiam dar às Ligas e vice-versa.
PRISÕES.
Em agosto de 1962 começou a se manifestar o esquema
revolucionário das Ligas Camponesas que começaram a ser divulgados
pela imprensa. O primeiro incidente teve lugar em Pernambuco quando
Joel Arruda Câmara e Manuel Tertuliano, irmão de Julião e mais doze
membros das Ligas foram aprisionados pelo IV Exército Brasileiro. Ao
serem presos, os membros das Ligas tinham em seu poder documentos
que haviam preparado contendo planos de guerrilha contra propriedades
rurais, em cerca de 30 municípios de Pernambuco. Julião reagiu dizendo
que a prisão e os documentos faziam parte de um embuste criado pelos
reacionários contra as Ligas e enviou um telegrama ao presidente
Goulart protestando contra a ação do Exército.
A segunda manifestação teve lugar também em agosto quando
Rivadavia Braz de Oliveira, o mesmo que freqüentou o curso de
treinamento em Manágua, mais Atualpa Alves de Lima e José Bartolomeu
de Sousa receberam voz de prisão num escritório das Ligas no Rio de
Janeiro, situado à rua Russel 496, apartamento 803, que havia sido
alugado por Paulo Bezerra de Andrade, um empregado do jornal das
Ligas, “A Liga”. Nessa ocasião uma quantidade de literatura comunista
foi encontrada no escritório.
PARTICIPAÇÃO DA EMBAIXADA.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
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Durante o desenvolvimento das Ligas Camponesas, a
embaixada de Cuba no Rio dirigia e orientava constantemente suas
atividades. O funcionário da embaixada cubana primordialmente
responsável pelas operações das Ligas era Miguel Burgueras Del Valle,
oficial do Serviço Secreto Cubano no Brasil, tendo como pretexto o título
de “Conselheiro Cultural” da embaixada cubana. Brugueras tinha
algumas vezes como assistentes outros dois cubanos, Felix Pita “adido
Cultural”, e Arturo Garcia Rodrigues, “adido”. Eles mantinham
constante contato com Morais e ocasionalmente com Julião. Arold Wall,
representante da “Prensa Latina” no Rio, também ajudou Brugueras nos
seus contatos com as Ligas. Brugueras dirigiu as operações subversivas
cubanas que envolviam organizações comunistas brasileiras por
intermédio de tão bem conhecidos trotskistas-comunistas como Muniz
Bandeira, João Amazonas e Maurício Grabois. Em julho de 1962 ele
acompanhou um grupo de brasileiros que viajou a Cuba para assistir as
comemoracoes do dia 26 de julho. Em 24 de agosto de 1962, Brugueras
acompanhou o embaixador cubano Joaquim Hernandez Armas a Goiânia,
onde o embaixador fez um discurso na Faculdade de Direito. Nesta
ocasião Brugueras encontrou-se com Tarzan de Castro, chefe do conselho
deliberativo das Ligas Camponesas de Goiás. O encontro havido entre
Brugueras e Castro está referido num dos documentos encontrados no
local do acidente do jato, em Lima. Brugueras e Castro mantiveram
encontros freqüentes para discutir o comportamento de Morais, com o
qual estavam satisfeitos. Posteriormente, Brugueras e Castro
encontraram-se freqüentemente para discutir sobre a desarmonia que se
instalou dentro das Ligas no último semestre de 1962. Brugeras escreveu
dois despachos ao seu superior (Petrônio) no governo cubano em outubro
de 1962, explicando a situação então existente nas Ligas e assinou-os
com seu pseudônimo “Gerardo”. Ele deu os dois despachos e a cópia de
uma carta na qual se queixava das atividades de Clodomir Morais a Raul
Cepero Bonilla, ministro do comércio de Cuba, que chefiou a delegação
da FAO, realizado no Copacabana Place Hotel, pouco antes da
delegação partir para a sua viagem fatal.
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DOCUMENTOS CUBANOS.
Segundo a impressão dos técnicos militares brasileiros e isto o
Correio da Manhã apurou ontem, o que há de mais grave nos documentos
apreendidos pelo governo peruano é a confissão de larga subvenção
cubana ao movimento de guerrilhas. Também se considera que as queixas
do agente fidelista Gerardo contra o sr. Clodomir Morais, como C no
relatório ao governo cubano, visa a conseguir autorização para o afastar
definitivamente. Admite-se que os seus próprios adversários comunistas
de linha russa o hajam denunciado, por via transversa, à Polícia de GB, a
qual o capturou.
A impressionante coincidência de situação dos acampamentos e
de corrupção, reinante entre certos dirigentes do movimento comunista
no Brasil, com o relato do coronel Seixas, não deve passar despercebida.
Também digno de nota o fato de que certos acampamentos não
receberam ainda armas que já chegaram a outros.
ARMAS APREENDIDAS.
Curiosamente, enquanto o agente fidelista no documento que
ontem publicamos acusava o advogado Clodomir de inépcia, a Polícia de
GB apreendida em seu poder várias armas de guerra, dias antes de a
Polícia de São Paulo haver encontrado moderníssimas metralhadoras e
mosquetões russos enterrados numa estrada.
De um modo geral, as queixas refletem a dissenção entre os
comunistas obedientes a Moscou, que querem empolgar as Ligas, e os
orientados por Cuba e Pequim, que já as instruem.
HERMES DIZ QUE JÁ CONHECIA A TRAMA
CASTRISTA41.
RIO, 30 (ESTADO) – Em entrevista coletiva que concedeu hoje
à imprensa no Itamarati, o ministro Hermes Lima confirmou a existência
41
O Estado de São Paulo, de 31-01-1963.
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dos documentos subversivos encontrados nos destroços do avião que caiu
perto de Lima, mas ressaltou que “muito antes de apreensão desses
documentos as autoridades brasileiras estavam a par de trama subversiva
que inutilmente se quis montar”.
Disse mais o ministro que “por sorte nossa e por má sorte dos
comunistas, escapou dos destroços uma pasta na qual estavam
encerrados esses documentos. Digo por sorte nossa porque tivemos
noticias, traves de um relatório de um comunista, do péssimo estado em
que se acham as condições organizatórias do Partido.”.
Afirmou ainda que o que se depreende de tudo isso é que
continua, no exterior e no Pais “o esforço antinacional e anti-patriótico
de apresentar o governo brasileiro como de tendência ideológica
suspeita, a fim de contra ele levantar a opinião continental.”.
DIANÓPOLIS.
Mas as autoridades brasileiras, muito antes da apreensão
desses documentos, estavam a par de trama subversiva que inutilmente se
quis montar. Assim é que, a região de Dianópolis, apontada como um dos
focos da organização subversiva, fora visitada em 23 de outubro, muito
antes do desastre do avião, portanto, pelo coronel Seixas, em missão do
Departamento Federal de Segurança Publica. Portanto, o governo
brasileiro não se achava inativo, mas, ao contrário, informado de todas
as ocorrências. Contrariamente ao que se quer fazer crer o armamento
apreendido nessa missão do coronel Seixas a Dianópolis, Goiás, é
ridículo pela quantidade e qualidade. Segundo o relatório do Conselho de
Segurança Nacional, essas armas são as seguintes:
Uma espingarda calibre 22; dois revolveres “Taurus” 38; um
revolver “Smith & Wesson”, calibre 38; 4 facões de mato; duas facas tipo
escoteiro; 4 coldres para revolver e uma faca pequena.
Munição: 7 cartuchos de fuzil; 19 balas cal. 7,65mm e onze
balas diversas.
Artefatos Militares – duas capas “Brenner”, tipo militar; uma
barraca militar; uma calça verde-oliva; uma escola de espingarda; uma
platina, laço húngaro de capitão.
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O mais importante desse material, mas insignificante em si
mesmo, são dois aparelhos de telégrafo Morse para treinamento e uma
faixa de tecido com dísticos das Ligas Camponesas e uma pequena
quantidade de livros e documentos de propaganda.
Quer dizer: antes que se verificasse o acidente de aviação já as
autoridades brasileiras estavam vigilantes na área mencionada pelos
documentos.
Mais: “O Estado de São Paulo” em 4 de dezembro de 1962,
publicou correspondência de Goiânia em que o delegado de Dianópolis
pedia a prisão preventiva de 24 pessoas tidas como comunistas. Assim, o
que esses documentos revelam não constituiu surpresa para o governo
brasileiro, que já tinha tomado as devidas providencias e estava
inteiramente informado das ocorrências de Dianópolis. Essas ocorrências
foram até noticiadas pelo jornal comunista “Novos Rumos”, que
ridicularizara a missão Seixas. De modo que não corresponde à realidade
o que se quer agora apresentar como uma trama comunista em face de
qual o governo brasileiro estaria omisso.
Não sabemos se os documentos enviados pelo governo peruano
são os originais ou cópias. Sabemos que esses textos foram enviados a
pelo menos duas embaixadas estrangeiras.
Quer-se ligar também no esforço para caracterizar a existência
de perigo comunista no Brasil o fato de terem sido encontradas armas em
Taubaté, São Paulo, por denuncia em carta anônima à Polícia de São
Paulo. Aqui é necessário dizer que a polícia avisou tardiamente a 2ª
Secção do Exército, a qual só chegou depois da diligência. Dentro de
caixotes de pinho acharam-se as seguintes armas: um fuzil-metralhadora
de 1926; quatro mosquetões igualmente em estado de conservação.”.
MISSÃO DO FMI.
Passou então o Chanceler a falar sobre a presença de uma
missão do Fundo Monetário Internacional no Brasil, que disse ser ato de
rotina, não devendo causar espanto:
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“Os seus membros são bem-vindos. Não estão aqui para impor,
mas para conversar e conhecer das autoridades brasileiras, os assuntos
financeiros que nos interessam. Esperamos que o FMI passe a mostrar
maior compreensão, em face das medidas tomadas pelo governo
brasileiro para a normalização de situação financeira do país.”
Sobre a contestação do Embaixador Lincoln Gordon à nota da
Embaixada do Brasil em Washington, o Ministro declarou que “a nota de
Embaixada é muito segura. As observações do Embaixador Gordon
podem representar uma contribuição importante para a fixação rigorosa
das duas posições.”.
ASILADOS CUBANOS.
Inquirido sobre qual seria a atitude brasileira na hipótese de o
governo cubano recusar salvo-conduto para os asilados em nossa
Embaixada, o Chanceler declarou que seria um caso a estudar, pois não
tinha atitude preconcebida. Disse ele que o Embaixador Câmara Canto
fora a Havana para “desentulhar a embaixada”, que já prestou e
continua a prestar enormes serviços aos asilados. Frisou que “muitos
asilados ouvem vozes que vêm de Miami e do Rio e tomam atitude
agressiva contra o Brasil.” E salientou:
“Há, no momento, em nossa Missão, cerca de 70 asilados. O
Brasil não os abandonará mas não pode permitir que continuem com a
atitude impertinente e agressiva que mantém dentro de mesma.
Desejamos conversar com o governo cubano para solucionar a situação
desses homens, de modo que nossa Embaixada fique livre deles.”
E concluiu fazendo elogio do Embaixador Bastian Pinto, cuja
atuação o Itamarati considera exemplar e dentro das melhores tradições
de diplomacia brasileira.
VIGILÂNCIA.
Os fatos, porém, afirmam que só serviram para comprar a
própria vigilância do governo brasileiro, pois, exatamente um mês antes
do acidente, foi enviada para a localidade de Dianópolis citada nos
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documentos como foco revolucionário, uma missão do Departamento
Federal de Segurança Pública, chefiada pelo coronel Seixas, para
comprovar denúncias de movimentos subversivos.
Disse o ministro Hermes Lima que a infiltração comunista nos
índices que querem fazer crer não existe. “Mas aquelas campanhas –
frisou – apesar de desmoralizadas pelos fatos, continuam porque o
sectarismo, o personalismo, o ódio político, o horror às reformas
constituem o tempero ideológico dessa linha antinacional, que procura
perturbar nossas relações com outros países, principalmente os Estados
Unidos, e lançam a inquietação na vida brasileira”.
GATO ESCONDIDO.
Notícia: crítica do agente fidelista (documentos cubanos) ao
recrutador das Ligas.
Por trás de notícia: Ninguém a não ser os iniciados nas
dissenções subterrâneas do marxismo, terá captado o sentido do ataque
violentíssimo (traidor para baixo) feito pelo agente fidelista nos
documentos apreendidos no Peru, contra o sr. Clodomir dos Santos
Morais, advogado e recrutador das Ligas Camponesas. Claro que para os
assessores governamentais de caixa de xarão vermelho não há mistério
nenhum na coisa; mas todos sabem que tais assessores são
suficientemente espertos para se recolherem à sua insignificância e até
fingir que estão apenas flanando por ai. Ora, trata-se de um reflexo de
luta intestina travada, com crescente azedume, inclusive nesta Nação,
entre os comunistas de linha cubana e do sr. Mao Tse e os de linha-justa
do sr. Kruchev, ou, pelo menos, de linha de anzol pescador de burgueses
progressistas e corruptos de adesex. Dissidência agravada desde que, no
plano internacional, o senhor K retirou os seus foguetes de ilha sob
imposição dos EUA. O agente fidelista, aliás adido à Embaixada de Cuba
no Rio a acreditar-se nos técnicos militares, pertence, evidentemente, ao
Partido Comunista Cubano, que, por idêntico motivo, anda às turras com
o sr. Fidel Castro. Denuncia o sr. Clodomir como corrupto, traidor e
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esbanjador dos “dinheiros de Cuba”, entregues por seu intermédio “a
revolucionários que aplicam de forma irresponsável e mentirosa.”. A
intenção é conseguir declarar o sr. Clodomir persona não grata, para
colocar em seu lugar, à frente das Ligas Camponesas, comunistas do
autêntico PCB. E não terá sido à toa que o sr. Clodomir – o senhor “C”
dos documentos – pode ser preso, por denuncia de um dos seus próprios
lugares-tenentes, pela polícia de GB, no justo minuto em que partia daqui
com uma camioneta cheia de armas.
Mas continuem lendo, que a história é curiosa.
GUERRILHA.
Comunistas dissidentes empolgam Ligas.
No momento, as Ligas Camponesas estão debaixo da orientação
dos comunistas dissidentes do préstimo, que jamais discorda de Moscou
seja lá quem for o dono eventual do comunismo russo. Assim, por
exemplo, temos nas LC o sr. João Amazonas e o seu grupo, expulsos do
PCB pelo sr. Luiz Carlos Prestes sob acusação de serem “agentes
provocadores dos americanos”, mas na verdade porque se insurgiram
contra a “subserviência prestista” ao sr. Kruchev e contra o abandono de
memória do sr. Stalin, caído em desgraça depois de morto (vivo, ninguém
seria besta). Esses comunistas ortodoxos mantém no Rio o jornal “Classe
Operária” para compensar a existência do jornal “Novos Rumos”,
linotipo do PCB. Foram eles que, com o sr. Julião e o sr. Clodomir
afastaram das Ligas os partidários do sr. Prestes; e eis como também se
explica que, pela boca do PTB e por entre os dentes próprios, o PCB os
chame a ambos de “divisionistas, lacaios do jogo imperialista” e por aí
avante. Diferença fundamental entre a linha e a entrelinha do
comunismo: os do sr. Kruchev entendem que a etapa é de infiltração pura
e simples, e bem simples, no governo federal e de apoio a JG; não é a
etapa da evolução, que virá depois; os do sr. Mao insistem em que é esta,
sim, a etapa da revolução ou ela não virá nunca. Em suma: os primeiros
pretendem a revolução comunista de cima para baixo com JG servindo de
pára-queda e o dispositivo militar-sindical bancando o escoteiro; os
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segundos, divisam-na de baixo para cima. E o Itamarati ainda se sai das
suas a dizer que os documentos apreendidos são despidos de importância
e que “o que há é uma campanha para desacreditar o Brasil no exterior”.
Não quer seguramente desacreditar o Brasil na Rússia. Embora se
empenhe em desacreditar os documentos das Forças Armadas Brasileiras
sobre a infiltração.
Um dia acaba perdendo as pernas.
DOCUMENTOS CUBANOS.
Segundo a impressão dos técnicos militares brasileiros, o que
há de mais grave nos documentos apreendidos pelo governo peruano é a
confissão de larga subvenção cubana ao movimento de guerrilhas.
Também se considera que as queixas do agende fidelista Geraldo contra
o sr. Clodomir Morais, dado como C no relatório ao governo cubano,
visa a conseguir autorização para o afastar definitivamente de direção
dos acampamentos. Admite-se que os seus próprios adversários
comunistas de linha russa o hajam denunciado, por via transversa, à
Polícia de GB, a qual o capturou.
A impressionante coincidência de situação dos acampamentos e
da corrupção, reinante entre certos dirigentes do movimento do
movimento comunista no Brasil, com o relato do coronel Seixas, não deve
passar despercebida.
Também digno de nota, o fato de que certos acampamentos não
receberam ainda armas que já chegaram a outros.
ARMAS APREENDIDAS.
Curiosamente, enquanto o agente fidelista no documentos que
ontem publicamos acusava o advogado Clodomir de inépcia, a Polícia de
GB apreendida em seu poder várias armas de guerra, dias antes de a
Polícia de São Paulo haver encontrado moderníssimas metralhadoras e
mosquetões russos enterrados numa estrada.
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De um modo geral, as queixas refletem a dissensão entre os
comunistas obedientes a Moscou, que querem empolgar as Ligas, e os
orientados por Cuba e Pequim, que já as instruem.
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REVISTA ―O CRUZEIRO‖, ano XXXV, n. 11, 22.62.
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Jornal O Estado de São Paulo, 07.12.61
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V
RETROSPECTIVA E REFLEXÃO
V.1. OLGA BENÁRIO
A alemã/judia Olga Benário foi uma das figuras do movimento
comunista no Brasil. Quem não se emocionou ao assistir ao filme ―Olga –
Muitas Paixões Numa só Vida‖42? Comove-se com a firmeza de ideal dos
sonhadores socialistas e sente-se fundamente a covardia da repressão, pois
a liberdade de expressão e pensamento político ou religioso faz parte da
civilização, é um direito da humanidade.
Fascinada pela doutrina marxista e conspirando contra o
fascismo, Olga, filha única, pais ricos, podendo viver tranquilamente,
enfeitada de adornos caros, que matariam a fome de tantos e supondo que
nada estivesse errado no mundo já lhe seria uma intranqüilidade, dada a
sua vocação inata, visionária. Ela se questiona e ao mundo. Mas alguém a
adverte:
– A maior loucura de um ser humano é querer modificar o
mundo.
Entretanto:
– As jóias dos ricos poderiam matar a fome dos pobres – dizia.
42
Filme de Jayme Monjardim, baseado no livro “Olga”, de Fernando Morais, produzido
por Rita Buzzar.
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Era preciso organizar os operários e nisso Olga fora acusada
bem cedo pelo tribunal alemão de trair a Pátria. Foge, deixando os pais e a
Alemanha, tomando a direção da Rússia. Por ali encontra-se com o
brasileiro Carlos Prestes, que teria se auto-exilado em 1926, depois do
fantástico giro da Coluna que teve o seu nome.
O encontro, todavia, parece ter ocorrido no início dos anos 40,
no calor da 2ª Guerra Mundial.
Havia várias guarnições militares dispostas à Revolução no
Brasil.
Encomendada para seguir o Major Prestes de volta ao Brasil,
simulando estarem casados e escondendo algo da identidade dele,
terminam sendo pegos no governo de Getúlio Vargas. O que era um
simulacro de casamento, de fato passa a uma avassaladora paixão entre os
jovens idealistas, que se casam.
Havia um forte movimento de esquerda no Brasil, como no resto
do mundo A aliança Nacional Libertadora cogitava derrubar Getúlio
Vargas? Era uma ameaça. Desde da Revolução russa havia um clima de
conspiração no ar.
Vargas manda Prestes para o exílio e simplesmente deporta Olga
para a Alemanha de Hitler, onde termina num campo de concentração
nazista. Antes, na prisão brasileira, havia percebido estar grávida da filha
de Prestes, à qual dariam o nome de Anita, que veio a nascer numa prisão
alemã. A criança foi enviada para um orfanato na Alemanha, ou melhor,
para um possível crematório... Mas abriram-lhe uma exceção. Anita passa
a ser amamentada até mais de 6 meses, quando é tomada da mãe Olga,
que fica nas grades do campo de concentração em Berlim. Na prisão, no
momento em que lhe arrebatam a filha, Olga se desespera ao extremo,
como quem se entrega, desiste de viver:
– Eu não quero mais ter forças. Eu não quero mais ter coragem.
Tiraram quase tudo de mim.
Mas não tiraram-lhe as idéias marxistas.
Eugênie Benário, mãe de Olga, foi morta no Campo de
Concentração nazista em 1943, por ser judia. Hitler havia declarado a
perda da nacionalidade alemã aos judeus, assim como o direito de se
defenderem. Olga, judia, teve o mesmo fim da mãe nas câmaras de gás do
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Führer, o monstro assassino que horrorizou o mundo. Deixou-nos a frase
em que acreditava:
―Lutei pelo justo, pelo bem, pelo melhor do mundo‖.
Anos mais tarde, Prestes e a filha Anita receberiam,
postumamente, a carta escrita por Olga no campo de concentração nazista.
D. Leocádia, mãe de Prestes, faleceu em 1943, sem nunca ter voltado a
ver seu filho Luiz Carlos Prestes. Prestes foi um dos primeiros presos
políticos libertados em 1945 e só então recebeu a notícia de que sua
mulher estava morta. Getúlio Vargas, eleito pela segunda vez Presidente
do Brasil, suicidou-se em 1954.
A bebê Anita Leocádia Prestes havia sido entregue à mãe de
Carlos Prestes, salvando-se do crematório nazista. Cresceu a salvo e vive
hoje com sua tia Lígia Prestes no Rio de Janeiro, onde é Professora
Universitária.
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V.2. CHE GUEVARA
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A Revista Veja43 desmantela o mito de Ernesto Che Guevara,
que há 40 anos foi executado pelos americanos na Sierra Maestra-Bolívia.
É verdade que os dados têm que ser rolados, examinados em busca da
43
Revista Veja, Edição 1018, de 03 de outubro de 2007.
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veracidade. Enquanto isso, a pesquisa parece séria e mostra um Che sem
ternura nos bastidores de Cuba, onde manda e executa seres humanos que
não pensavam como ele e Fidel.
Há 40 anos, tratava-se de criar focos de guerrilha afrontando as
forças armadas das ditaduras e governos corruptos do Terceiro Mundo,
até forçar a máquina de guerra norte-americana a bombardear muitos
países, confiando na vitória dos exércitos populares que se formariam na
resistência a essa agressão imperialista.
Entretanto, o comunismo no poder mostrou-se muito mais cruel.
Lênin, Stalin, Trotsky, Fidel... A União Soviética escravizou o seu povo na
história e atrasou a evolução de uma nação por décadas. Cuba é a boca
da desgraça na ditadura de Fidel Castro. Pobres, sem carros, sem
direitos, sem liberdade de imprensa, executados no paredão. Os médicos
cubanos têm que sustentar os “charutos” de Fidel, pagando meio mundo
do que ganham no Brasil em suas profissões. A ex-Alemanha comunista
foi um atraso, que a outra Alemanha teve que tomar conta. Anos a fio,
décadas para igualar aquela a esta. Esta foi atrofiada pelos ditadores
“comunistas”.
Especial
Che
Às Vésperas do Golpe - Che em Caballete de Casas, em Cuba, em 1958
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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"Não disparem. Sou
Che. Valho mais vivo do que
morto." Há quarenta anos, no
dia 8 de outubro de 1967, essa
frase foi gritada por um
guerrilheiro maltrapilho e sujo
metido em uma grota nos confins
da Bolívia. Nunca mais foi
lembrada. Seu esquecimento
deve-se ao fato de que o pedido
de misericórdia, o apelo
desesperado pela própria vida e
o reconhecimento sem disfarce
da derrota não combinam com a aura mitológica criada em torno de tudo
o que se refere à vida e à morte de Ernesto Guevara Lynch de la Serna,
argentino de Rosário.
Essa é a realidade esquecida. No mito, sempre lembrado, ecoam
as palavras ditas ao tenente boliviano Mário Terán, encarregado de sua
execução, e que parecia hesitar em apertar o gatilho: "Você vai matar um
homem". Essas, sim, servem de corolário perfeito a um guerreiro disposto
ao sacrifício em nome de ideais que valem mais que a própria vida.
Ambas as frases foram relatadas por várias testemunhas e
meticulosamente anotadas pelo capitão Gary Prado Salmón, do Exército
boliviano, responsável pela captura de Che. Provenientes das mesmas
fontes, merecem, portanto, idêntica credibilidade. O esquecimento de uma
frase e a perpetuação da outra resumem o sucesso da máquina de
propaganda marxista na elaboração de seu maior e até então intocado
mito. Che tem um apelo que beira a lenda entre os jovens dos cinco
continentes. Como homem de carne e osso, com suas fraquezas, sua
maníaca necessidade de matar pessoas, sua crença inabalável na
violência política e a busca incessante da morte gloriosa, foi um ser
equivocado. "Ele era adepto do totalitarismo até o último pêlo do corpo",
escreveu sobre ele o jornalista francês Régis Debray, que por alguns
meses conviveu com Che na Bolívia.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Por suas convicções ideológicas, Che tem seu lugar assegurado
no mesmo lugar onde a história já arremessou há tempos outros teóricos
e práticos do comunismo, como Lenin, Stalin, Trotsky, Mao e Fidel
Castro. Entre a captura e a execução de Che na Bolívia, passaram-se 24
horas. Nesse período, o governo boliviano e os americanos da CIA que
ajudaram na operação decidiram entre si o destino de Guevara.
Execução sumária? Não para os padrões de Che. Centenas de homens
que ele fuzilou em Cuba tiveram sua sorte selada em ritos sumários cujas
deliberações muitas vezes não passavam de dez minutos.
VEJA conversou com historiadores, biógrafos, antigos
companheiros de Che na guerrilha e no governo cubano na tentativa de
entender como o rosto de um apologista da violência, voluntarioso e
autoritário, foi parar no biquíni de Gisele Bündchen, no braço de
Maradona, na barriga de Mike Tyson, em pôsteres e camisetas. Seu
retrato clássico – feito pelo fotógrafo cubano Alberto Korda em 1960 – é
a fotografia mais reproduzida de todos os tempos. O mito é
particularmente enganoso por se sustentar no avesso do que o homem foi,
pensou e realizou durante sua existência. Incapaz de compreender a vida
em uma sociedade aberta e sempre disposto a eliminar a tiros os
adversários – mesmo os que vestiam a mesma farda que ele –, Che é,
paradoxalmente, visto como um símbolo da luta pela liberdade. Guevara
é responsável direto pela morte de 49 jovens inexperientes recrutas que
faziam o serviço militar obrigatório na Bolívia. Eles foram mobilizados
para defender a soberania de sua pátria e expulsar os invasores cubanos,
sob cujo fogo pereceram. Tendo ajudado a estabelecer um sistema de
penúria em Cuba, Che agora é apresentado como um símbolo de justiça
social. Politicamente dogmático, aferrado com unhas e dentes à rigidez
do marxismo-leninismo em sua vertente mais totalitária, passa por livrepensador.
O regime policialesco de Fidel Castro não permite que
aqueles que conviveram com Che e permanecem em Cuba possam
ir além da cinzenta ladainha oficial. Por isso, apesar do rancor
149
The New York Times
A "MALDIÇÃO DE SATURNO"
Com Fidel em Havana, em 1959: "Que
esta revolução não devore seus próprios
filhos", dizia Fidel. Ele fez o contrário.
As últimas transmissões de rádio de Che
na Bolívia foram ignoradas em Havana
Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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que
pode apimentar suas lembranças, os
exilados cubanos são vozes de maior credibilidade. O movimento
que derrubou o ditador Fulgêncio Batista, em 1959, não foi uma
ação de comunistas, como pretende Fidel Castro. Boa parte da
liderança revolucionária e dos comandantes guerrilheiros tinha por
objetivo a instauração da democracia em Cuba. Mas foi
surpreendida por um golpe comunista dentro da revolução.
Acabaram presos, fuzilados ou deportados. Desde o início, Che
representou a linha dura pró-soviética, ao lado do irmão de Fidel,
Raul Castro. Na versão mitológica, Che era dono de um talento
militar excepcional. Seus ex-companheiros, no entan
to, lembram-se dele como um
comandante imprudente, irascível, rápido em ordenar execuções e
mais rápido ainda em liderar seus camaradas para a morte, em
guerras sem futuro no Congo e na Bolívia.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Huber Matos, que lutou sob as ordens do argentino em Cuba,
falou a VEJA sobre o fracasso de Che como comandante: "A luta foi
difícil na primavera de 1958. A frente de comportamento mais desastroso
foi a de Che. Mas isso não o afetou, porque era o favorito de Fidel, que
nos impedia de discutir abertamente o trabalho pífio de seu protegido
como guerrilheiro". Pouco depois do triunfo da guerrilha, ao perceber os
primeiros sinais de tirania, Huber renunciou a seu posto no governo
revolucionário e informou que voltaria a ser professor. Preso dois dias
depois, passou vinte anos na cadeia. Vive hoje em Miami. À moda
soviética, sua imagem foi removida das fotos feitas durante a entrada
solene em Havana, em que aparecia ao lado de Fidel e Camilo
Cienfuegos, outro comandante não comunista desaparecido em
circunstâncias misteriosas nos primórdios da revolução.
Nomeado comandante da fortaleza La Cabaña, para onde eram
levados presos políticos, Che Guevara a converteu em campo de
extermínio. Nos seis meses sob seu comando, duas centenas de desafetos
foram fuzilados, sendo que apenas uma minoria era formada por
torturadores e outros agentes violentos do regime de Batista. A maioria
era apenas gente incômoda.
Napoleon Vilaboa, membro do Movimento 26 de Julho e assessor
de Che em La Cabaña, conta agora ter levado ao gabinete do chefe um
detido chamado José Castaño, oficial de inteligência do Exército de
Batista. Sobre Castaño não pesava nenhuma acusação que pudesse
produzir uma sentença de morte. Fidel chegou a ligar para Che para
depor a favor de Castaño. Tarde demais. Enquanto dava voltas em torno
de sua mesa e da cadeira onde estava o militar, Che sacou a pistola 45 e
o matou ali mesmo com balaços na cabeça. Em outra ocasião, Che foi
procurado por uma mãe desesperada, que implorou pela soltura do filho,
um menino de 15 anos preso por pichar muros com inscrições contra
Fidel. Um soldado informou a Che que o jovem seria fuzilado dali a
alguns dias. O comandante, então, ordenou que fosse executado
imediatamente, "para que a senhora não passasse pela angústia de uma
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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espera mais longa".
Em seu diário da campanha em Sierra Maestra, Che antecipa o
seu comportamento em La Cabaña. Ele descreve com naturalidade como
executou Eutímio Guerra, um rebelde acusado de colaborar com os
soldados de Batista: "Acabei com o problema dando-lhe um tiro com uma
pistola calibre 32 no lado direito do crânio, com o orifício de saída no
lobo temporal direito. Ele arquejou um pouco e estava morto. Seus bens
agora me pertenciam". Em outro momento, Che decidiu executar dois
guerrilheiros acusados de ser informantes de Batista. Ele disse: "Essa
gente, como é colaboradora da ditadura, tem de ser castigada com a
morte". Como não havia provas contra a dupla, os outros rebeldes
presentes se opuseram à decisão de Che. Sem lhes dar ouvidos, ele
executou os dois com a própria pistola. Essa frieza e a crueldade
sumiram atrás da moldura romântica que lhe emprestaram, construída
pelos mesmos ideólogos que atribuíram a ele a frase famosa – "Hay que
endurecerse, pero sin perder la ternura jamás". Frase criada pela
propaganda esquerdista.
Como o jovem aventureiro que excursionou de motocicleta pelas
Américas se tornou um assassino cruel e maníaco? O jornalista
americano Jon Lee Anderson, autor da mais completa biografia de Che,
escreveu que ele era um fatalista – e esse fatalismo aguçou-se depois que
se juntou aos guerrilheiros cubanos. "Para ele, a realidade era apenas
uma questão de preto e branco. Despertava toda manhã com a
perspectiva de matar ou morrer pela causa", afirma Anderson.
Ernesto Guevara Lynch de la Serna nasceu em 14 de maio de
1928, em uma família de esquerdistas ricos na Argentina. Sofreu de asma
a vida inteira. Antes de se formar em medicina, profissão que nunca
exerceu de fato, viajou pela América do Sul durante oito meses. Depois de
terminada a faculdade, saiu da Argentina para nunca mais voltar.
Encontrou-se com Fidel Castro no México, em 1955, onde aprendeu
técnicas de guerrilha. No ano seguinte, participou do desembarque em
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Cuba do pequeno contingente de revolucionários. Depois de dois anos de
combates na Sierra Maestra, Fidel tomou o poder em Havana. Che
ocupou-se primeiro dos fuzilamentos e, depois, da economia, assunto do
qual nada entendia. José Illan, que foi vice-ministro de Finanças antes de
fugir de Cuba, contou a VEJA que o argentino "desprezava os técnicos e
tratava a nós, os jovens cubanos, com prepotência". No comando do
Banco Central e depois do Ministério da Indústria, Che começou a
nacionalizar a indústria e foi o principal defensor do controle estatal das
fábricas. "Che era um utópico que acreditava que as coisas podiam ser
feitas usando-se apenas a força de vontade", diz o historiador Pedro
Corzo, do Instituto da Memória Histórica Cubana, em Miami. Como
resultado de sua "força de vontade", a produção agrícola caiu pela
metade e a indústria açucareira, o principal produto de exportação de
Cuba, entrou em colapso. Em 1963, em estado de penúria, a ilha passou a
viver da mesada enviada pela então União Soviética.
AFP
Che com sua segunda mulher, Aleida March, no dia de seu casamento,
em Havana, em 1959.
Não havia mais o que Che pudesse fazer em Cuba. Era ministro
da Indústria, mas divergia de Fidel em questões relativas ao
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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desenvolvimento econômico. De maneira simplista, ele acreditava que
incentivos morais tinham maiores probabilidades de estimular o trabalho.
Che também se tornou crítico feroz da União Soviética, da qual o regime
cubano dependia para sobreviver. Não por discordar do Kremlin, mas
porque julgava os soviéticos tímidos na promoção da revolução armada
no Terceiro Mundo. Para se livrar dele, Fidel o mandou como delegado à
Assembléia-Geral das Nações Unidas em 1964. No ano seguinte, Che foi
secretamente combater no Congo, à frente de soldados cubanos. Ali,
paralisado por incompreensíveis rivalidades tribais, derrotado no campo
de batalha e abatido pela diarréia, Che propôs a seus comandados lutar
até a morte. Mas foi demovido do propósito pela soldadesca, que não
aceitou o sacrifício numa guerra sem sentido.
Daí em diante o argentino tornou-se uma figura patética. Em
Havana, Fidel divulgara a carta em que ele renunciava à cidadania
cubana e anunciava sua disposição de levar a guerra revolucionária a
outras plagas. Pego de surpresa pela leitura prematura do documento,
Che ficou no limbo, sem ter para onde voltar. "Sua vida foi uma
seqüência de fracassos", disse a VEJA o historiador cubano Jaime
Suchlicki, da Universidade de Miami. "Como médico, nunca exerceu a
profissão. Como ministro e embaixador, não conseguiu o que queria.
Como guerrilheiro, foi eficiente apenas em matar por causas sem futuro."
Na falta de opções, Che escolheu a Bolívia para sua nova aventura
guerrilheira. Ele lutaria em território montanhoso e inóspito, imerso na
selva, sem falar o dialeto indígena dos camponeses bolivianos. O plano
original era adentrar, pela fronteira, a província argentina de Salta. Mas
um contigente exploratório foi aniquilado rapidamente pelo exército
daquele país. A missão boliviana era, de todos os pontos de vista, suicida.
Ainda assim, Fidel a apoiou, a ponto de designar alguns soldados de seu
exército para o destacamento guerrilheiro. O ditador cubano também
equipou e financiou a expedição, com a qual manteve contato até que seu
fracasso se tornou evidente.
Além da falta de apoio do povo boliviano, que tratou os cubanos
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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chefiados por Che como um bando de salteadores, a expedição fracassou
também pela traição do Partido Comunista Boliviano. VEJA perguntou a
um de seus mais altos dirigentes dos anos 60, Juan Coronel Quiroga: "O
PCB traiu Che Guevara?". Resposta de Quiroga: "Sim". A explicação?
"Nosso partido era afinado com Moscou, onde a estratégia de abrir focos
de guerrilha como a de Che estava há muito desacreditada." Quiroga era
amigo pessoal do então ministro da Defesa da Bolívia e conseguiu que as
mãos do cadáver de Che Guevara fossem decepadas, mantidas em formol
e entregues a ele. "Por anos guardei as mãos de Che debaixo da minha
cama em um grande pote de vidro. Um dia meu filho deparou com aquilo
e quase entrou em pânico", conta Quiroga. Anos mais tarde, coube a
Quiroga a missão de entregar o lúgubre pote com as mãos de Guevara à
Embaixada de Cuba em Moscou.
A morte de Che foi central para a estabilização do regime cubano
nos anos 60, de acordo com o polonês naturalizado americano Tad Szulc,
na sua celebrada biografia de Fidel. O fim do guerrilheiro argentino
ajudou o ditador a pacificar suas relações com Moscou e ainda lhe
forneceu um ícone de aceitação mais ampla que a própria revolução. O
esforço de construção do mito foi facilitado por vários fatores. Quando
morreu, Che era uma celebridade internacional. Boa-pinta, saía ótimo
nas fotografias. A foto do pôster que enfeita quartos de milhões de jovens
foi tirada num funeral em Havana, ao qual compareceram o filósofo
francês Jean-Paul Sartre – que exaltou Che como "o mais completo ser
humano de nossa era" – e sua mulher, a escritora Simone de Beauvoir. A
foto de 1960 só ganhou divulgação mundial sete anos depois, nas páginas
da revista Paris Match. Dois meses mais tarde, Che foi morto na selva
boliviana e Fidel fez um comício à frente de uma enorme reprodução da
imagem, que preenchia toda a fachada de um prédio público cubano.
Nascia o pôster.
Três fatos ajudaram a consolidar o mito. O primeiro foi a morte
prematura de Che, que eternizou sua imagem jovem. Aos 39 anos, ele
estava longe de ser um adolescente quando foi abatido, mas a pinta de
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galã lhe garantia um aspecto juvenil. O fim precoce também o salvou de
ser associado à agonia do comunismo. A decadência física e política de
Fidel Castro, desmoralizado pela responsabilidade no isolamento e no
atraso econômico que afligem o povo cubano, dá uma idéia do que
poderia ter acontecido com Che, que era apenas dois anos mais jovem
que o ditador.
Reuters
O segundo fato foi a ajuda involuntária de seus algozes.
Preocupados em reunir provas convincentes de que o guerrilheiro célebre
estava morto, os militares bolivianos mandaram lavar o corpo e aparar e
pentear sua barba e seu cabelo. Também resolveram trocar sua roupa
imunda. Tudo isso para poder tirar fotos em que ele fosse facilmente
identificado. O resultado é um retrato com espantosa semelhança com as
pinturas barrocas do Cristo morto de expressão beatificada. A terceira
contribuição recebida pelos esquerdistas na construção do mito veio do
contexto histórico. Che morreu às vésperas dos grandes protestos em
defesa dos direitos civis, da agitação dos movimentos estudantis e da
revolução de costumes da contracultura – turbulências que marcaram o
ano de 1968. Era um personagem perfeito para ser símbolo da juventude
de então, que se definia pela "determinação exacerbada e narcisista de
conseguir tudo aqui e agora", como escreveu o mexicano Jorge
Castañeda, em sua biografia de Che. A história, no entanto, mostra que o
homem era muito diferente do mito. Mas quem resiste? Neste mês, nos
Estados Unidos, o cubano Gustavo Villoldo, chefe da equipe da CIA que
participou da captura do guerrilheiro, vai leiloar uma mecha de cabelo
de Che.
Se houve um ganhador da Guerra Fria, foi Che Guevara. Ele
morreu e foi santificado antes que seu narcisismo suicida e os crimes que
decorreram dele pudessem ser julgados com distanciamento, sob uma luz
mais civilizada, que faria aflorar sua brutalidade com nitidez. Pobre
Fidel Castro. Enquanto Che foi cristalizado na foto hipnótica de Alberto
Korda, ele próprio, o supremo comandante, aparece cada dia mais roto,
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macilento, caduco, enquanto se desmancha lentamente dentro de um
ridículo agasalho esportivo diante das lentes das câmeras da televisão
estatal cubana. O método de luta política que Guevara adotou já era
errado em seu tempo. No rastro de suas concepções de revolução pela
revolução, a América Latina foi lançada em um banho de sangue e uma
onda de destruição ainda não inteiramente avaliada e, pior, não
totalmente assentada. O mito em torno de Che constitui-se numa muralha
que impediu até agora a correta observação de alguns dos mais
desastrosos eventos da história contemporânea das Américas. Está
passando da hora de essa muralha cair.
A FRASE MAIS FAMOSA ATRIBUÍDA A GUEVARA É...
"Há que endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura."
...OUTRAS MENOS CONHECIDAS REVELAM UM OUTRO
LADO:
"Estou na selva cubana, vivo e sedento de sangue."
Carta à esposa, Hilda Gadea, em janeiro de 1957. (Keystone/Getty
Images)
"Fuzilamos e seguiremos fuzilando enquanto for necessário. Nossa luta é
uma luta até a morte." (Discurso na Assembléia-Geral da ONU, em 11 de
dezembro de 1964)
"O ódio intransigente ao inimigo (...) converte (o combatente) em uma
efetiva, seletiva e fria máquina de matar. Nossos soldados têm de ser
assim." (Revista cubana Tricontinental, em maio de 1967).
O mundo tomou outro rumo...
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Abílio Wolney Aires Neto
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CUBA
Apesar de tentar exportar sua revolução, a ilha tornou-se a vitrine de seu
fracasso. Sem liberdade política nem econômica, o país é um museu de
prédios, carros e dirigentes decrépitos, onde comida, combustíveis e
energia são racionados.
BOLÍVIA
O foco guerrilheiro de Guevara foi derrotado pela população pobre da
Bolívia, que negou ajuda e ainda delatou o grupo.
CONGO
Guevara e um contingente de cubanos lutaram ao lado do chefe tribal
Laurent Kabila contra o coronel Mobutu. Em 1997 Kabila finalmente
derrubou Mobuto, mas foi assassinado em 2001. Em seu curto governo, 3
milhões de pessoas foram mortas em guerras tribais.
CHINA
A ideologia de Mao Tsé-tung, que Guevara citava como modelo de
comunismo, foi sepultada pelos chineses. A China, hoje, é uma ditadura
capitalista.
COMUNISMO
Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989 a ideologia será lembrada
sobretudo como a responsável pela morte de 100 milhões de pessoas.
VIETNÃ
Na frase famosa, Guevara propôs criar "dois, três, muitos Vietnãs".
Acertou. A globalização da economia está criando Vietnãs pelo mundo –
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países adeptos da economia de mercado, com rápido crescimento
econômico [...].
O ÚLTIMO DIA DO GUERRILHEIRO. A COVARDIA NORTE
AMERICANA.
Maltrapilho e sujo, Guevara posa com os
soldados que o capturaram na vila de La
Higuera, onde seria morto. A seu lado,
assinalado, está o agente da CIA Felix
Rodríguez.
Felix Rodríguez foi uma das últimas pessoas a conversar com Che
Guevara. Mais do que isso, foi ele quem recebeu e transmitiu a ordem
para que o guerrilheiro fosse executado. Cubano exilado nos Estados
Unidos, ele era o operador de rádio enviado à Bolívia pela CIA para
auxiliar na caçada e, também, para ajudar a identificar Guevara.
Veterano da fracassada invasão da Baía dos Porcos, em 1961, Rodríguez
vive hoje em Miami, aos 66 anos. Ele falou ao repórter Duda Teixeira.
COMO
CHEGOU
A
ORDEM
PARA
MATAR
CHE?
As instruções que recebi nos Estados Unidos eram para poupar sua vida.
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Abílio Wolney Aires Neto
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A CIA sabia da divergência de idéias entre Che e Fidel e acreditava que,
a longo prazo, ele poderia cooperar com a agência. A ordem para sua
execução veio por rádio, de uma alta autoridade boliviana. Era uma
mensagem em código: "500, 600". O primeiro número, 500, significava
Guevara. O segundo, que ele deveria ser morto. Tentei em vão convencer
os militares bolivianos a permitir que ele fosse levado para ser
interrogado no Panamá. Eles negaram meu pedido e me deram um prazo.
Eu deveria entregar o corpo de Guevara até as 2 horas da tarde. Perto
das 11h30, uma senhora aproximou-se de mim e perguntou quando
iríamos matá-lo, pois ouvira no rádio que Che havia morrido em
combate. Naquele momento compreendi que a decisão de executá-lo era
irrevogável.
COMO
FOI
SUA
ÚLTIMA
CONVERSA
COM
ELE?
Fui até o local de seu cativeiro e disse a ele que lamentava, mas eram
ordens superiores. Che ficou branco como um papel. "É melhor assim. Eu
nunca deveria ter sido capturado vivo", falou. Tirou o cachimbo da boca
e me pediu para que o desse a um dos soldados. Ofereci-me para
transmitir mensagens à sua família. "Diga a Fidel que esse fracasso não
significa o fim da revolução, que logo ela triunfará em alguma parte da
América Latina", ele falou em tom sarcástico. Aí lembrou da esposa.
"Diga a minha senhora que se case outra vez e trate de ser feliz." Foram
suas últimas palavras. Apertou a minha mão e me deu um abraço, como
se pensasse que eu seria o carrasco. Saí dali e avisei a um tenente
armado com uma carabina M2, automática, que a ordem já tinha sido
dada. Recomendei a ele que atirasse da barba para baixo, porque se
supunha que Che havia morrido em combate. Eram 13h10 quando escutei
o barulho de tiros. Che Guevara tinha sido morto.
COMO FOI O SEU PRIMEIRO CONTATO COM CHE
GUEVARA?
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Cheguei a La Higuera de helicóptero em 9 de outubro, um dia depois da
captura de Che Guevara. Eu o encontrei com os pés e as mãos
amarrados, ao lado dos corpos de dois cubanos. Sangrava de uma ferida
na perna. Era um homem totalmente arrasado. Parecia um mendigo.
COMO FORAM SUAS CONVERSAS COM CHE?
Nós nos tratamos com respeito. Eu o chamava de comandante. Falamos
de Cuba e de outras coisas, mas ele permanecia calado quando as
perguntas eram de interesse estratégico. Houve momentos em que não
consegui prestar atenção ao que ele dizia. Ao olhar aquele homem
derrotado, vinha-me à mente sua imagem no passado, sempre altiva e
arrogante.
COMO FORAM AS RELAÇÕES
POPULAÇÃO NA BOLÍVIA?
DE
CHE
COM
A
Para sobreviver, é essencial que uma força guerrilheira conte com o
apoio da população local. A aventura de Che na Bolívia foi um caso
único em que uma guerrilha não conseguiu recrutar um único morador
da área onde atuou. Só um agricultor ganhou a confiança dos
guerrilheiros, e mesmo esse acabou por passar informações que
permitiram ao Exército armar uma emboscada. Os poucos bolivianos que
participaram da guerrilha eram dissidentes do Partido Comunista.
Nenhum camponês.
POR QUE O SENHOR FOI ENVIADO À BOLÍVIA?
O Exército boliviano estava totalmente despreparado para enfrentar uma
guerrilha. A maior parte dos soldados trabalhava na construção de
estradas e provavelmente jamais dera um tiro de fuzil. Nos primeiros
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Abílio Wolney Aires Neto
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embates, os guerrilheiros aprisionavam os soldados, tiravam suas roupas
e os soltavam. Foi então que o governo boliviano pediu ajuda aos Estados
Unidos.
No dia de sua morte, amarrado ao esqui de um helicóptero militar, Che
Guevara foi levado do local da execução para um vilarejo chamado
Vallegrande. A brasileira Helle Alves, repórter, e o fotógrafo Antonio
Moura, então trabalhando para o Diário da Noite, de São Paulo, viram a
chegada do corpo, que foi levado para a lavanderia do hospital local
(acima). Ali, Moura foi o único jornalista a fotografar o corpo de
Guevara ainda sujo, vestido de trapos e calçado com o que sobrou de
uma botina artesanal de couro (abaixo). Moura conseguiu fotografar o
corpo antes da limpeza e da arrumação. "Che usava um calço em um dos
calcanhares, provavelmente para corrigir uma diferença de tamanho
entre uma perna e outra", lembra Helle. Ela contou pelo menos dez
marcas de tiro no corpo do argentino. "Os moradores tinham raiva dele e
invadiram a lavanderia, mas, quando viram o corpo, passaram a dizer
que ele parecia Jesus Cristo”. Começava o mito.
A história revelou com Mahatma Ghandi que a não violência
derruba regimes, como derrubou o colonialismo britânico na Índia.
Mohandas Ghandi conduziu não apenas o seu povo, mas também os sulafricanos a seu tempo, a iniciarem o processo de resistência pacífica
contra a ocupação inglesa. Einstein diria que as gerações futuras não
acreditariam que tal homem de carne e osso um dia andou sobre esta terra.
Já a doutrina de Karl Marx vê na ação revolucionária métodos
pragmáticos, como por exemplo armas, para derrubar os governos
imperialistas. O imperialismo tem que ser vencido. Todavia, violência
gera violência. Nas palavras de Emmanuel, ―a vitória da força é uma
claridade de fogos de artifício‖. Quem mata pelo poder, no poder continua
matando, como se viu na prática dos países que se proclamaram
socialistas.
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Fato é que até agora os que tentaram levar a efeito a prática
marxista não passaram de pseudo-intelectuais ou ―generais‖ que se
aboletaram no camarote cômodo do poder – em Cuba vitalício – com
nuances de monarquia e absolutismo.
DISTRIBUIÇÃO DAS RIQUEZAS. A VISÃO NO
ASPECTO FILOSÓFICO
Desigualdade das riquezas
Vamos ao Evangelho Segundo o Espiritismo:
A desigualdade das riquezas é um dos problemas que inutilmente
se procurará resolver, desde que se considere apenas a vida atual.
A primeira questão que se apresenta é esta: Por que não são
igualmente ricos todos os homens? Não o são por uma razão
muito simples: por não serem igualmente inteligentes, ativos e
laboriosos para adquirir, nem sóbrios e previdentes para
conservar. E, aliás, ponto matematicamente demonstrado que a
riqueza, repartida com igualdade, a cada um daria uma parcela
mínima e insuficiente; que, supondo efetuada essa repartição, o
equilíbrio em pouco tempo estaria desfeito, pela diversidade dos
caracteres e das aptidões; que, supondo-a possível e durável,
tendo cada um somente com que viver, o resultado seria o
aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para
o progresso e para o bem-estar da Humanidade; que, admitido
desse ela a cada um o necessário, já não haveria o aguilhão que
impele os homens às grandes descobertas e aos empreendimentos
úteis. Se Deus a concentra em certos pontos, é para que daí se
expanda em quantidade suficiente, de acordo com as
necessidades. Admitido isso, pergunta-se por que Deus a concede
a pessoas incapazes de fazê-la frutificar para o bem de todos.
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Ainda aí está uma prova da sabedoria e da bondade de Deus.
Dando-lhe o livre-arbítrio, quis ele que o homem chegasse, por
experiência própria, a distinguir o bem do mal e que a prática do
primeiro resultasse de seus esforços e da sua vontade. Não deve o
homem ser conduzido fatalmente ao bem, nem ao mal, sem o que
não mais fora senão instrumento passivo e irresponsável como os
animais. A riqueza é um meio de o experimentar moralmente.
Mas, como, ao mesmo tempo, é poderoso meio de ação para o
progresso, não quer Deus que ela permaneça longo tempo
improdutiva, pelo que incessantemente a desloca. Cada um tem de
possuí-la, para se exercitar em utilizá-la e demonstrar que uso
sabe fazer dela. Sendo, no entanto, materialmente impossível que
todos a possuam ao mesmo tempo, e acontecendo, além disso,
que, se todos a possuíssem, ninguém trabalharia, com o que o
melhoramento do planeta ficaria comprometido, cada um a possui
por sua vez. Assim, um que não na tem hoje, já a teve ou terá
noutra existência; outro, que agora a tem, talvez não na tenha
amanhã. Há ricos e pobres, porque sendo Deus justo, como é, a
cada um prescreve trabalhar a seu turno. A pobreza é, para os que
a sofrem, a prova da paciência e da resignação; a riqueza é, para
os outros, a prova da caridade e da abnegação. Deploram-se, com
razão, o péssimo uso que alguns fazem das suas riquezas, as
ignóbeis paixões que a cobiça provoca, e pergunta-se: Deus será
justo, dando-as a tais criaturas? E exato que, se o homem só
tivesse uma única existência, nada justificaria semelhante
repartição dos bens da Terra; se, entretanto, não tivermos em vista
apenas a vida atual e, ao contrário, considerarmos o conjunto das
existências, veremos que tudo se equilibra com justiça. Carece,
pois, o pobre de motivo assim para acusar a Providência, como
para invejar os ricos e estes para se glorificarem do que possuem.
Se abusam, não será com decretos ou leis suntuárias que se
remediará o mal. As leis podem, de momento, mudar o exterior,
mas não logram mudar o coração; daí vem serem elas de duração
efêmera e quase sempre seguidas de uma reação mais
desenfreada. A origem do mal reside no egoísmo e no orgulho: os
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abusos de toda espécie cessarão quando os homens se regerem
pela lei da caridade. 44
Flui do ESE a idéia de que ―não é com leis que se decretam
a caridade e a fraternidade. Se elas não estiverem no coração do
homem, o egoísmo imperará sempre. Cabe ao Espiritismo (que é o
Cristianismo redivivo) fazê-las penetrar nele.
BIBLIOGRAFIA
EMMANUEL. Xavier, Francisco Cândido(médium). A Caminho da Luz. FEB, 22ª edição
(do 219º ao 243º milheiro), Rio de Janeiro-RJ, 1996.
JORNAIS DE ÉPOCA, com fontes citadas em rodapé.
REVISTA ―O CRUZEIRO‖, ano XXXV, n. 11, 22.62.
REVISTA VEJA, Edição 1018, de 03 de outubro de 2007.
ROCHA, Gilvan. Vermelho Cor de Esperança, pág. 5, Expressão Gráfica – Aldeota,
Fortaleza-CE, 1996.
_______, Meio Século de Caminhada Socialista. Fortaleza, CE : Expressão Gráfica, 2008.
44
O Evangelho (de Jesus) Segundo o Espiritismo, Cap. 25, item 8, final.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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BOFF, Leonardo. Ecologia Mundialização Espiritualidade, Editora Ática – São Paulo-SP,
1996.
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Movimento Comunista - Liga Camponesa, 1962
Abílio Wolney Aires Neto
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Contou-me Dário Leal:
João Leal era assessor parlamentar desde os tempos em que a
Capital da Republica era o Rio de Janeiro. De lá havia mandado recado a
H e Chico Ribeiro de que os seus nomes estavam com um ponto em
vermelho, sinalizando-os como subversivos, simplesmente porque
receberam na região uns 26 homens, que vieram sob a fachada da
Companhia de Abastecimento do Nordeste, para prestar serviços sociais,
caritativos, ao sertanejo pobre, instalando-se no Catingueiro, povoado
interposto entre Dianópolis e o Rio da Conceição. Os primeiros
beneficiados com a Companhia foram os habitantes de Rio da Conceição,
povoado que pertencia ao município de Dianópolis. Em meados de 60,
depois de 64, 7 aviões vieram buscar Hagahús, que tinha processo no SNI
e Goiânia (Das Ligas/?) As freiras e o Pe. Magalhães intercederam.
Hagahús teria ficado uma noite em poder dos policiais.
No Comunismo, o erro está na raiz, quando diz: - Por necessidade
natural vamos nos preocupar com o outro como conosco mesmo. O amor
não será à pessoa e sim à espécie. Cresce-se por instinto – diz ele. A
natureza humana nunca será preocupada com o bem estar do outro;
somos por natureza egoísticos; só por instinto e não por virtude
mudaremos. A igreja prega que se muda por virtude, caridade e renúncia,
amor ao próximo na medida que renuncio a mim – diz o Pe.. No
comunismo a natureza dividirá tudo entre os homens, num processo
histórico. Mas os homens do Egito em 7.000 anos nada mudaram (?) – diz
o Pe. Luiz. Acredito, entanto, que muita coisa mudou e mudará com o
Evangelho do Cristo.
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Alguém disse que ―o cangaço tinha as características do
‗necessário‘ banditismo social. Seria diferente do crime organizado, pois o
cangaço não visava lucro‖.
O crime organizado – num discurso socialista – seria o
reprimido pelo sistema (os excluídos, pobres, contra o capitalismo).
Quando o valor do ser passa a ser o valor do ter..
A Academia é o espaço do debate, da discórdia, das
contradições salutares.
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