Quilombo Praia Grande - Itesp - Governo do Estado de São Paulo

Transcrição

Quilombo Praia Grande - Itesp - Governo do Estado de São Paulo
RELATÓRIO TÉCNICO-CIENTÍFICO
SOBRE OS REMANESCENTES DA
COMUNIDADE DE QUILOMBO DE
PRAIA GRANDE/IPORANGA-SP
MAIO/2002
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 03
2. A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE QUILOMBO: O PRIMADO DA IDENTIDADE
E DO TERRITÓRIO NAS DEFINIÇÕES TEÓRICAS .............................................................06
3. VALE DO RIBEIRA DE IGUAPE............................................................................................13
3.1 Histórico do Vale do Ribeira.......................................................................................................14
3.2 Iporanga: características do município e a história da ocupação................................................17
4. A COMUNIDADE DE PRAIA GRANDE................................................................................ 23
4.1. De quilombo a bairro rural negro: histórico da ocupação do território .....................................33
4.2. Modo de vida..............................................................................................................................45
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................57
6. BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................................60
7. ANEXO.........................................................................................................................................64
I. Memorial Descritivo e Planta da área para reconhecimento...................................................65
II. Croqui de uso e ocupação do solo da área da comunidade de Praia Grande...........................66
III. Genealogia da Comunidade de Praia Grande(1800 a 1995)....................................................67
IV. Mapa histórico da Comunidade de Praia Grande(1880 a 1930)............................................68
V. Documentos da comunidade de compra e venda de terras e impostos....................................69
VI. Massa de população de Iporanga(1812 e 1826).......................................................................70
VII. Registros do Livro de Terras de Iporanga(1855).....................................................................71
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
1. INTRODUÇÃO
Este Relatório Técnico-Científico1 é resultado de um trabalho de pesquisa
antropológica que objetivou verificar se o grupo populacional denominado
Comunidade de Praia Grande, situado no município de Iporanga, Estado de São
Paulo, se constitui como remanescente de comunidade de quilombo a fim de
adjudicar-lhe o direito previsto no artigo nº. 68 do Ato das Disposições Transitórias
da Constituição Federal de 1988, sob o enunciado: “Aos remanescentes das
comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos”. Esta verificação segue os
requisitos e critérios estabelecidos pelo Grupo de Trabalho e pelo Grupo Gestor,
em obediência ao referido artigo 68, bem como aos artigos 215 e 216 da
Constituição Federal e, ainda à legislação estadual: lei número 9757/97 e os
decretos 41.774/97 e 42.839/98.
A comunidade de Praia Grande ocupa as terras que reivindica pelo menos
desde 1863. Essas terras foram ocupadas por escravos fugidos dos garimpos de
Iporanga, que logo após o fim da escravidão, compraram essas terras, constituíram
família e organizaram um modo de vida camponês.
Os moradores da Comunidade de Praia Grande sofreram um processo de
titulação em 1969, pela PPI (Procuradoria do Patrimônio Imobiliário), que poderia
1
A criação desta categoria de investigação denominada Relatório Técnico Científico, bem como os
parâmetros que norteiam, são resultantes dos esforços do Grupo de Trabalho criado pelo Governo do Estado
de São Paulo por meio do decreto nº 40.723, de 21 de março de 1996, que tinha por objetivo fazer
proposições visando a plena aplicabilidade dos dispositivos constitucionais conferentes do direito de
propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos em território paulista. O Grupo foi composto
por representantes da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, Instituto de Terras do Estado de São Paulo
“José Gomes da Silva”, Secretaria do Meio Ambiente, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Governo e
Gestão Estratégica, Secretaria de Cultura, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico, Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Estado de São
Paulo, Subcomissão do Negro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil –
Secção São Paulo e Fórum Estadual de Entidades Negras. Os trabalhos deste Grupo levaram à criação: a) do
Programa de Cooperação Técnica e de ação conjunta para identificação, discriminação e legitimação de terras
devolutas do Estado ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos visando sua regularização
fundiária, implantando medidas sócio-econômicas, ambientais e culturais e b) de um Grupo Gestor para
implementação do Programa. O Programa e o Grupo Gestor forma criados por meio do decreto nº 41.774 de
13 de maio de 1997.
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ter ajudado a comunidade a regularizar a situação das terras que ocupam, como
normalmente ocorre com esse tipo de processo. Em Praia Grande, aconteceu
justamente o contrário, eles perderem boa parte do seu território ou em alguns
casos não receberam o título das terras onde residem. Essa Comunidade também
se vê ameaçada pela construção da Hidrelétrica do Funil que irá inundar a maior
parte do seu território. Esses fatores os levaram a lutar pela terra onde moram e a
solicitar junto ao ITESP o seu reconhecimento enquanto comunidade remanescente
de quilombo.
O presente relatório buscou analisar dados obtidos tanto da pesquisa direta
com a comunidade quanto de fontes secundárias levantadas por pesquisa
documental, a fim de retratar os aspectos etnológicos que possibilitaram a
reconstrução da história da comunidade e o resgate de sua origem étnica e da sua
identidade grupal, esta última fundamentada tanto pelas redes de sociabilidade
calcadas no parentesco e nas relações de trabalho e simbólicas que o grupo
mantém com a área que ocupa. Assim a reconstrução interpretativa do modo de
vida da comunidade nos possibilitou compreender como eles constroem
coletivamente sua vida sobre uma base geográfica, física e social formadora de
uma territorialidade negra. “Dentro dela elaboram-se formar específicas de ser e existir
enquanto camponês e negro” (GUSMÃO,1992:117).
Foi de grande importância para a elaboração desse relatório o Laudo
Antropológico sobre as comunidades de Ivaporunduva, São Pedro, Pilões, Maria
Rosa, Pedro Cubas, André Lopes, Nhunguara e Sapatu, realizado em 1998 pela
equipe de antropólogos do Ministério Público Federal – Adolfo Neves de Oliveira
Júnior, Deborah Stucchi, Miriam de Fátima Chagas e Sheila dos Santos Brasileiro,
publicado no caderno número 3 da Fundação ITESP. Lembramos que todos os
trechos extraídos do referido laudo para transcrição ou apenas como base de
dados mais genérica na leitura deste trabalho apresentam-se seguidos da
abreviatura LA-MPF, bem como da respectiva referência de página.
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Colaboraram na elaboração deste relatório Rose Leine Bertaco Giacomini e
Helena Maria Cesar Gonçalez.
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2. A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE QUILOMBO: O
PRIMADO DA IDENTIDADE E DO TERRITÓRIO NAS
DEFINIÇÕES TEÓRICAS *
O reconhecimento, por parte do Estado, da existência de comunidades
negras rurais como uma categoria social carente de demarcação e regularização
das terras que ocupam longevamente e às quais se convencionou denominar
comunidades remanescentes de quilombos, traz à tona a necessidade de
redimensionar o próprio conceito de quilombo, a fim de abarcar a gama variada de
situações de ocupação de terras por grupos negros e ultrapassar a binômia fugaresistência, instaurado no pensamento corrente quando se trata de caracterizar os
quilombos.
Em 1740, reportando-se ao rei de Portugal, o Conselho Ultramarino valeu-se
da seguinte definição de quilombo: “toda habitação de negros fugidos, que passem de
cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem
pilões nele”. Esta caracterização descritiva perpetuou-se como definição clássica do
conceito em questão e influenciou uma geração de estudiosos da temática
quilombola até meados dos anos 70, como Artur Ramos (1953), Edson Carneiro
(1957) e Clóvis Moura (1959). O traço marcadamente comum entre esses autores é
atribuir aos quilombos um tempo histórico passado, cristalizando sua existência no
período em que vigorou a escravidão no Brasil, além de caracterizarem-nos
exclusivamente como expressão da negação do sistema escravista, aparecendo
como espaços de resistência e de isolamento da população negra.
Embora o trabalho destes autores seja importante e legítimo, ele não abarca,
porém, a diversidade das relações entre escravos e sociedade escravocrata e nem as
diferentes formas pelas quais os grupos negros apropriaram-se da terra. Flávio dos
*
Este capítulo foi elaborado por Alessandra Schmitt e Maria Cecília Manzoli Turatti que gentilmente
autorizaram sua utilização neste relatório.
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Santos Gomes (1995:36), explicita tal diversidade ao forjar o conceito de “campo
negro”: “uma complexa rede social permeada por aspectos multifacetados que envolveu ,
em determinadas regiões do Brasil, inúmeros movimentos sociais e práticas econômicas com
interesses diversos” .
No entanto, foi a produção científica ainda atada a exegeses restritivas e
pouco plásticas que subsidiou a luta política em torno das reivindicações da
população rural negra que, sofrendo expropriações incessantes, se colocava como
um segmento específico no palco dos movimentos sociais. Desta forma, a
denominação quilombo se impôs no contexto da elaboração da constituição de
19882.
Esta visão reduzida que se tinha das comunidades rurais negras refletia, na
verdade, a “invisibilidade” produzida pela história oficial, cuja ideologia,
propositadamente, ignora os efeitos da escravidão na sociedade brasileira
(GUSMÃO:1996) e, especialmente, os efeitos da inexistência de uma política
governamental que regularizasse as posses de terras de grupos e/ou famílias
negras após a abolição, extremamente comuns à época, conforme comprovam os
estudos de CARDOSO (1987).
Ao fazer a crítica do conceito de quilombo estabelecido pelo Conselho
Ultramarino, ALMEIDA (1999:14-15) mostra que aquela definição constitui-se
basicamente de cinco elementos: 1) a fuga; 2) uma quantidade mínima de fugidos;
3) o isolamento geográfico, em locais de difícil acesso e mais próximos de uma
“natureza selvagem” que da chamada civilização; 4) moradia habitual, referida no
termo “rancho”; 5) autoconsumo e capacidade de reprodução, simbolizados na
imagem do pilão de arroz. Para ele, com os instrumentos da observação
etnográfica “se pode reinterpretar criticamente o conceito e asseverar que a situação de
quilombo existe onde há autonomia, existe onde há uma produção autônoma que não passa
pelo grande proprietário ou pelo senhor de escravos como mediador efetivo, embora
2
Sobre o fortalecimento da organização política dos grupos negros e a incorporação da questão quilombola ao
seu rol de reivindicações, v. Flávio dos Santos Gomes (1996:105).
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simbolicamente tal mediação possa ser estrategicamente mantida numa reapropriação do
mito do” bom senhor “, tal como se detecta hoje em algumas situações de aforamento” .
O autor exemplifica situações que contrariam esses cinco elementos da
definição, como o caso do quilombo Frechal, no Maranhão, localizado a cem
metros da casa grande, ou casos onde o quilombo esteve na própria senzala,
representado por formas de produção autônoma dos escravos que poderiam
ocorrer – e de fato ocorriam –, sobretudo em épocas de decadência de ciclos
econômicos, fossem agrícolas ou de mineração. Diversos trabalhos mais recentes a
respeito de comunidades negras com origem mais diretamente relacionada à
escravidão têm demonstrado que a economia interna desses grupos está longe de
representar um aspecto isolado em relação às economias regionais da Colônia, do
Império e da República.
Não obstante esta integração das formas mais ou menos autônomas de
atividades produtivas empreendidas pelos escravos à economia geral, é preciso
ressaltar que o trabalho livre sobre a terra não garantiu, de forma alguma, o acesso
dos ex-cativos a ela no momento posterior à Abolição. Ao contrário, a exclusão do
segmento
populacional
negro
em
relação
à
propriedade
da
terra
foi
peremptoriamente estabelecida por meio de uma série de atos do poder legislativo
ao longo do tempo. Ainda durante a escravidão, a Lei de Terras de 1850, veio
substituir o direito à terra calcado na posse por um direito auferido via registros
cartoriais que comprovassem o domínio de uma dada porção de terra. O direito
legítimo adquirido através da posse efetiva é uma noção do “direito costumeiro”3,
que até hoje regeu a relação do campesinato tradicional com a terra, incluindo os
grupos camponeses negros.
Como já foi assinalados por outros autores·, os grupos que hoje são
considerados remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram a
partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com
ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças, doações,
3
Conceito explicitado por Margarida Maria Moura (1988).
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recebimento de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples
permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes
propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema
escravocrata quanto após a sua extinção.
Dentro de uma visão ampliada, que considera as diversas origens e histórias
destes grupos, uma denominação também possível para estes agrupamentos
identificados como remanescentes de quilombo seria a de “terras de preto”, ou
“território negro”, tal como é utilizada por vários autores4, que enfatizam a sua
condição de coletividades camponesa, definida pelo compartilhamento de um
território e de uma identidade.
A promulgação da constituição e a necessidade de regulamentação do
Artigo 68 provocaram discussões de cunho técnico e acadêmico5 que levaram à
revisão dos conceitos clássicos que dominavam a historiografia sobre a escravidão,
instaurando a relativização e adequação dos critérios para se conceituar quilombo,
de modo que a maioria dos grupos que hoje, efetivamente, reivindicam a titulação
de suas terras, pudesse ser contemplada por esta categoria, uma vez demonstrada,
por meio de estudos científicos, a existência de uma identidade social e étnica por
eles compartilhada, bem como a antigüidade da ocupação de suas terras e, ainda,
suas “práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida
característicos num determinado lugar” 6.
Desta forma, o conceito de quilombo que norteia o trabalho desenvolvido
pela Fundação ITESP é aquele que foi produzido pela Associação Brasileira de
Antropologia (ABA) e ratificado pelo Grupo de Trabalho (vide nota de rodapé 1):
“toda a comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de
subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado”.
4
Ver Almeida (1997/1998), Gusmão (1996.), Andrade, (1988) e Acevedo Marin (1995).
Especialmente no III Encontro Nacional sobre Sítios Históricos e Monumentos Negros (Goiânia: 1992); na
Reunião do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais, da Associação Brasileira de Antropologia
(Rio de Janeiro, outubro de 1994), e na reunião técnica “Reconhecimento de Terras Quilombolas Incidentes
em Domínios Particulares e Áreas de Proteção Ambiental” (São Paulo, abril de 1997).
6
Cfe. João Pacheco de Oliveira e Eliane Cantarino O’Dwyer. ABA, 1994.
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Assim, em consonância com o moderno conceito antropológico aqui
disposto, a condição de remanescente de quilombo é também definida de forma
ampla e enfatiza os elementos identidade e território. Com efeito, o termo em
questão indica: “a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e
contextos e é utilizado para designar um legado, uma herança cultural e material que lhe
confere uma referência presencial no sentimento de ser e pertencer a um lugar específico”7.
Ainda segundo a Associação Brasileira de Antropologia “o termo não se refere a
resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica.
Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da
mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou
rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência
na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar
”8 .
Este sentimento de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma de
expressão da identidade étnica e da territorialidade, construídas sempre em
relação aos outros grupos com os quais se confrontam e se relacionam. Estes dois
conceitos são fundamentais e estão sempre inter-relacionados no caso das
comunidades negras rurais, pois “a presença e o interesse de brancos e negros sobre um
mesmo espaço físico e social revela, no dizer de Bandeira, aspectos encobertos das relações
raciais” (GUSMÃO,1996:14). Estes aspectos encobertos aos quais a autora se refere
são a submissão e a dependência dos grupos negros em relação à sociedade
inclusiva, na qual foram um dia escravo.
A identidade étnica é um processo de identificação de grupos em situações
de oposição a outros grupos. Frente a esta constatação, OLIVEIRA (1976) elaborou
a noção de identidade contrastiva para embasar as análises que têm como centro
interpretativo à identidade étnica de um grupo social. As situações de oposição
levam os grupos a elaborar os seus critérios de pertencimento e de exclusão.
Quando o confronto se estabelece entre um grupo minoritário e os brancos,
7
Garcia, José Milton, publicado em Quilombos em São Paulo: tradições, direitos e lutas, org. Tânia Andrade (1997:47).
8
Documento da ABA, 1994.
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temos uma situação de submissão e dominação, de hierarquia de status, a qual o
autor denominou “fricção interétnica”. São justamente estas relações interétnicas
que se estabelece no convívio/confronto das comunidades negras com a sociedade
abrangente.
Ademais, esta submissão é sustentada por representações sociais que
justificam a inferioridade estrutural do grupo minoritário, as quais podemos
identificar como sendo racistas. É um racismo recalcado, escondido atrás de “um
sistema de valores que [...] tanto inibe manifestações negativas na avaliação ‘do outro’ racial
como estimula a apologia da igualdade e da harmonia racial entre nós” (BORGES
PEREIRA, 1996:76). A ocultação do racismo na sociedade brasileira foi estimulada
pelo discurso da democracia racial, da qual Gilberto Freyre é um grande expoente,
na década de 30, e que só começou a ser contestado na década de 50 por Florestan
Fernandes e Oracy Nogueira.
Em tal situação de desigualdade, os grupos minoritários reforçam suas
particularidades culturais e suas relações coletivas como forma de ajustar-se às
pressões sofridas, e é neste contexto social que constroem sua relação com a terra,
tornando-a um território impregnado de significações relacionadas à resistência
cultural. Não é qualquer terra, mas a terra na qual mantiveram alguma autonomia
cultural, social e, conseqüentemente, a auto-estima. Siglia Zambrotti DÓRIA (1985)
salienta que a identidade de grupos rurais negros se constrói sempre numa
correlação profunda com o seu território e é precisamente esta relação que cria e
informa o seu direito a terra.
A maior parte destes grupos que hoje vem reivindicar seu direito
constitucional o faz como um último recurso na longa batalha para manterem-se
em suas terras, as quais são alvo de interesse de membros da sociedade
envolvente, em geral grandes proprietários e grileiros, cuja característica essencial
é tratar a terra apenas como mercadoria. José de Souza MARTINS (1991:43-60)
explicita as características dessa relação dos homens com a terra, mediada pelo
capital, em que esta passa a ser “terra de negócio” em oposição à “terra de
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trabalho”. Em conseqüência da cobiça que esta lógica de mercado despertou, os
camponeses foram pressionados com expedientes espúrios, tais como o auxílio do
aparato judicial e violência física direta, que agiram no sentido de negar-lhes o
direito de obter o registro legal de suas posses, invariavelmente muito mais antigas
do que o tempo mínimo requerido pela legislação para a sua transformação em
propriedades.
Portanto, não se deve imaginar que estes grupos camponeses negros tenham
resistido em suas terras até os dias de hoje porque ficaram isolados, à margem da
sociedade. Pelo contrário, sempre se relacionaram intensa e assimetricamente com
a sociedade brasileira, resistindo a várias formas de violência para permanecer em
seus territórios ou, ao menos, em parte deles9.
Finalmente, devemos salientar que é devido às considerações teóricas e às
constatações históricas aqui apresentadas que estudiosos das comunidades negras
rurais - e, particularmente, da legislação pertinente à questão quilombola – têm
buscado rediscutir e recaracterizar o conceito de quilombo. Tal intento, ainda em
curso, tende a aprimorar-se quanto mais os organismos responsáveis pela
identificação, reconhecimento e auxílio às comunidades quilombolas ampliem e
otimizem suas atividades, gerando mais dados que contribuam para o desvendar
científico das lacunas referentes a esta temática que marcam a historiografia
nacional.
9
Muitas das comunidades rurais negras já pré-identificadas no Estado de São Paulo mantêm uma pequena
parcela de seus territórios, estando o restante ocupado por fazendeiros ou posseiros, alguns destes últimos
com o consentimento dos próprios grupos quilombola; os primeiros, entretanto, invariavelmente chegaram às
terras em questão valendo-se da ingenuidade das comunidades ou mesmo da coerção física para apoderar-se
dos territórios negros.
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3. O VALE DO RIBEIRA DE IGUAPE
O Vale do Ribeira abrange parte da Bacia do rio Ribeira de Iguape, que
nasce no Estado do Paraná e deságua no Oceano Atlântico, estando o trecho mais
longo do seu curso dentro do Estado de São Paulo. Ocupa parte da Serra de
Paranapiacaba, Serraria do Ribeira área de Morraria Costeira e parte da Baixada
Litorânea (Secretaria do Meio Ambiente, 1996:15).
A região apresenta um dos mais baixos índices de desenvolvimento do
Estado de São Paulo, sendo a menos urbanizada, com uma população de 323.174
habitantes, tem uma das menores taxas de crescimento populacional do Estado.
Segundo HOGAN, CARMO, ALVES E RODRIGUES (2001) “razões históricas,
dificuldades de acesso e condições naturais adversas às atividades econômicas garantiram
até hoje um relativo isolamento do Vale e a preservação dos recursos naturais” (pg. 02). A
maior parte da sua população vive em áreas rurais desenvolvendo atividades
agrícolas de subsistência e extrativistas, como a agricultura (banana e chá),
mineração e o extrativismo vegetal (palmito).
Grande parte da região constitui-se de unidades de conservação, entre as
quais se incluem áreas de proteção ambiental (APAS), estações ecológicas e
parques estaduais que restringem o uso econômico a atividades limitadas. Isso
acaba gerando uma série de conflitos entre as populações que vivem da agricultura
e da extração de produtos da floresta, com as agências governamentais ambientais.
Um outro foco de conflito é a relação entre:
“ONGs e agências governamentais ambientais, de um lado, e
esforços desenvolvimentistas locais, de outro, continuam a
dificultar tanto a criação de emprego na região, quanto à
regulamentação da conservação das áreas protegidas. A situação
reproduz, no Estado de São Paulo, o típico confronto Norte-Sul em
torno
da
questão
do
desenvolvimento
sustentável”
(HOGAN,CARMO, ALVES E RODRIGUES, 2001:03).
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Outro foco de embates na região é a construção de barragens. “Seja como
hidrelétrica destinada a fornecer energia, seja como reservatório para o abastecimento de
água para a RMSP, ou seja como obras de controle de enchentes, as barragens provocam
polêmica entre as populações locais e os ambientalistas” (HOGAN, CARMO, ALVES E
RODRIGUES,2001:03).
As
comunidades
tradicionais
da
região,
como
Remanescentes de Quilombo, que organizaram toda sua cultura entrelaçada ao
meio ambiente e o espaço geográfico que ocuparam ao longo de séculos se vêem
ameaçados por essas barragens, tendo em alguns casos 97% do seu território
atingido (Campanili:2001). Essa população tem se organizado em movimentos
como MOAB (Movimento dos Ameaçados por Barragens) e MAB10 (Movimento
dos Atingidos por Barragens) que os levou a lutar pela regularização de suas terras
e acionar o governo para que cumprisse o Art. 68 da Constituição Federal.
3.1 Histórico do Vale do Ribeira
As primeiras referências da ocupação humana no Vale remontam do
período pré-colombiano, sendo essas populações compostas por ameríndios. “A
Região do Vale do Ribeira, apesar de ser atualmente a menos povoada do Estado, foi uma
das primeiras do Brasil a ser ocupada” (BRAGA, 1999:43). Os espanhóis antes dos
portugueses estiveram na região e fundaram Cananéia. O início da ocupação
portuguesa no Vale do Ribeira data de 1531, com a expedição de Martins Afonso
de Souza que teve como objetivo ocupar o território defendendo-o das invasões
estrangeiras e buscar ouro e prata.
A região atrai várias pessoas do Velho Mundo com os objetivos mais
diversos. Inicialmente são desenvolvidas lavouras de subsistência e a pesca. Nos
primeiros tempos os portugueses estabelecerem relações de troca com as
comunidades indígenas na região sul e sudeste da capitania. A falta de mão-de-
10
Apesar deles não terem sido atingidos, até o momento por barragens, eles participam desse movimento pois
podem vir a ser atingidos.
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obra fez com que os índios fossem usados como mão-de-obra escrava. Muitos
índios fugiram para as regiões de difícil acesso como ao longo do rio Pardo por ser
protegido por serras, cachoeiras, subidas penosas e demoradas. A presença
indígena se tornou referência para as comunidades do Vale, principalmente, as
populações negras que se apropriaram dos conhecimentos indígenas sobre relevo,
técnicas de pesca e agricultura itinerante.
Na primeira fase de ocupação o povoamento ficou restrito ao litoral tendo
maior destaque para os povoamentos de Cananéia e Iguape. De Cananéia partem
as primeiras expedições em busca de ouro e prata, porém era Iguape que detinha o
domínio da navegação do Ribeira devido à facilidade de comunicação com o
interior. Tornando-se centro de concentração de moradores e distribuição de
riquezas.
Na primeira metade do século XVII, foram encontradas minas de ouro em
Iguape, zona do médio Ribeira.
“Durante o `ciclo do ouro`, o povoamento, que anteriormente
limitava-se ao litoral, avançou para o interior, subindo o curso do
Ribeira, onde foram formados os primeiros núcleos coloniais da
retroterra, dos quais o mais importante foi o de Xiririca (atual
Eldorado). Muito embora a mineração tenha trazido alguma
riqueza para a região, seus efeitos desenvolvimentistas
restringiram-se a Iguape. Os núcleos do interior pouco se
desenvolveu e mesmo Xiririca, na principal zona garimpeira, só foi
elevado à categoria de município no século seguinte, já na fase
decadente da mineração” ( Braga, 1999:45).
Nesse período por conta da mineração, entra a mão-de-obra negra em São
Paulo a maior concentração de escravos era em Iguape, porém eles foram levados
a outras localidades situadas Ribeira acima. Segundo Carril (1995), os negros
vinham de algumas regiões da África como Angola, Moçambiqui e Guiné, sendo
considerados, uma mercadoria lucrativa. Sua maior concentração foi em Iguape
porém eles foram levados para outras localidades como Iporanga, Apiaí e
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Ivaporunduva, onde havia grande concentração de minas auríferas. Isso levou a
um fluxo de pessoas para essa localidade tendo como conseqüência o surgimento
de vários arraiais, como Ivaporunduva, Iporanga, Apiaí, Paranapanema e Xiririca.
A exploração de ouro entrou em decadência com a descoberta de novas
áreas de mineração em Minas Gerais. Porém a atividade mineradora perdurou até
as primeiras décadas do século XIX.
No final do século XVII, se registra uma expansão da agricultura, tendo
como principais produtos: arroz, madeira e cana. No século seguinte até meados
do século XIX, a agricultura comercial, especialmente o arroz, apresentou uma
expansão significativa tendo como base a mão-de-obra escrava e voltada para o
mercado europeu e latino americano. Esse período foi o de maior prosperidade
para o Vale.
“em 1836 a região concentrava 100 dos 109 engenhos de
beneficiamento de arroz instalados na província e em 1852 já eram
107 os engenhos instalados na região. Outra medida do
crescimento econômico da região era a quantidade de escravos
que, em 1836, representavam 28,9% da população total, um índice
superior à média da Província, que era de 26,6% de população
escrava” ( MULLER, 1980:36).
Porém, o crescimento econômico trazido pela rizicultura ficou limitado a
região de Iguape e Cananéia com exceção de Iporanga onde se plantou algum
arroz. O restante do Vale mergulhou em um período de estagnação econômica,
que durou até a década de 30.
Na segunda metade do século XIX a rizicultura escravista entrou num
processo de crise devido: encarecimento da mão-de-obra escrava11; procura de
brancos para o café; abertura do mercado para o arroz de outras regiões do país
(Minas Gerais e Rio de Janeiro). A baixada ficou a margem da rede ferroviária
implantada no Brasil e bem como a imigração estrangeira que se voltou para o
abastecimento da cafeicultura.
11
" Em 1850, com a proibição do tráfico de escravos ocorre a transferência de escravos dentro da própria
província das regiões menos dinâmicas para as mais dinâmicas economicamente” (LA-MPF,1998:65).
16
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
A população refluiu para a economia de subsistência a “caipirização” da
vida regional (MULLER,1980). Para BRANDÃO (1998):
“Os habitantes do Vale, tanto nativos como imigrantes,
marginalizando-se, passando a viver nas fímbrias mercantis do
grande tecido econômico-social nucleado no capital-café. Criaram
uma sociabilidade de sobreviventes que respirou através de um
sistema de trocas que mais se parecia ao escambo. A esta pobreza
organizada, produto residual da cafeicultura, designamos vida
caipira” (pg.04).
3.2. IPORANGA* : características do município e a história da
ocupação
O Município de Iporanga localiza-se no alto Ribeira, tendo como limítrofes
os municípios de Apiaí, Guapiara, Capão Bonito, Eldorado Paulista, Barra do
Turvo e o Estado do Paraná.
Vista da cidade de Iporanga/SP
*
Vocábulo da língua Tupi ou Nheenhatu. Iporanga: água ou rio bonito.
17
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
A base do releve é o calcário na parte alta e os filitos e xistos na parte baixa.
As falhas geológicas contribuem para esculpir o relevo, pois além de originar
depressões topográficas condicionaram vales de muitos rios. O relevo é acidentado
onde predominam colinas e morrotes que dificilmente ultrapassam os 120 metros
de altura12.
O município possuí uma área territorial de 1160 km com uma
população de 4.564 habitantes (CENSO 2000). A agricultura é a principal atividade
econômica do município, se destacando a produção de banana e em menor escala
de feijão, arroz e milho.
O solo de Iporanga é rico em ouro, prata, chumbo, estanho, ferro, pedra de
chisto, a calcárea, a pederneira, o cristal de rocha, o calcáreo branco, o
tasguatingua, o barro de olaria, etc. Sendo que o chumbo já vem sendo explorado
desde 1880. Sua mineração ilegal as margens do rio Ribeira de Iguape trouxe
problemas de contaminação para a população ribeirinha que se alimenta dos
peixes e se banham nos rios, atualmente as crianças são as mais atingidas13.
A região possui uma das maiores concentrações de cavernas do Brasil e um
dos principais remanescentes florestais de Mata Atlântica do Estado de São Paulo.
Esses fatos levaram a implantação de diversas unidades de conservação no
município como: área piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica14, as Áreas
de Proteção Ambiental APA da Serra do Mar (1984), Parque Estadual de
Jacupiranga (1969), Parques estaduais Turísticos do Alto Ribeira – PETAR (1958). O
PETAR somente foi implantado, em 1983, levando a um crescimento do turismo
espeleológico e recentemente o de esportes radicais. Porém apenas o bairro da
Serra em Iporanga e o município de Apiaí foram efetivamente beneficiados.
Como a principal atividade econômica do município é a agricultura e o
extrativismo o tombamento provocou um descontentamento de boa parte da
12
Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Atlas das unidades de conservação do Estado de São
Paulo, 15.
13
Um dos argumentos contra as barragens é justamente o risco de com a inundação das margens esses pontos
de mineração podem ser um foco de disseminação do chumbo pela região.
14
Foi recentemente reconhecido pela UNESCO.
18
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
população. E jogou para a ilegalidade a principal forma de sobrevivência da maior
parte dos moradores dos bairros rurais (Figueiredo, 2000).
Iporanga é um dos municípios que tem a maior quantidade de
Comunidades de Quilombos identificas entre elas a comunidade de Quilombo de
Praia Grande. A história desta comunidade e do próprio município de Iporanga
está ligada ao ciclo do ouro paulista.
Durante o século XVI, circulavam histórias em Iguape e Cananéia sobre a
existência de ouro na região de Eldorado e Iporanga que “que jorrava livremente e
abundante no leito de seus rios” da região. Essas histórias seduzem os aventureiros
que fazem uma expedição para encontrar o “Eldorado”. Em 1576, um grupo de
pessoas chefiadas por Garcia Rodrigues Paes, sobrinho do bandeirante Fernão Dias
Paes, Nuno Mendes Torres, Antonio Lino de Alvarenga e José de Moura Rolim
sobem o rio Ribeira de Iguape em busca de ouro. Eles chegam no dia 12 de junho,
véspera de Santo Antonio, a uma várzea localizada a oito quilômetros da foz do
Ribeirão de Iporanga. Resolvem se fixar neste local iniciando os preparativos para
a criação de um garimpo, assim, nascia o “Garimpo de Santo Antonio”. O garimpo
cresceu com a chegada de novos faiscadores que formaram um arraial que crescia
e prosperava. Esse novo povoado crescia em habitações e casas de comércio com o
dinheiro vindo dos garimpeiros da região. O trabalho nos garimpos era realizado
pelos escravos que escavavam o leito dos rios a procura de ouro, chegando a
alterar o seu curso como na foto abaixo do Ribeirão de Iporanga.
19
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
O trabalho dos escravos nos garimpos deixou marcar que podem ser
percebidas por nós hoje. Como a formação de amontoados de pedras deixados às
margens do Ribeirão de Iporanga. Muitos escravos garimpavam clandestinamente
e “escondiam o produto de seu trabalho em garrafas e gomos de bambu, visando
possivelmente a compra de sua liberdade junto a seus senhores.” (FIGUEIREDO,2001:02)
Nos livros de casamento e batismo da Igreja de Iporanga e no cartório da cidade
existem vários registros de escravos “libertos”15 e cartas de alforria que
provavelmente foram compradas dessa forma.
A partir de 1730, devido às dificuldades para se atingir o rio Ribeira pelo
ribeirão de Iporanga surgi um novo núcleo de habitações próximo ao rio Ribeira.
Esse novo povoado crescia em habitações e casas de comércio com o dinheiro
vindo da região.
“Em meados de 1776, inicio-se a arruamento mais planejado do
povoado que surgia naturalmente. Algumas famílias que não
vieram com o intuito de explorar o ouro e sim para cultivar de
terra, deslocaram-se tanto rio abaixo, como rio acima, onde se
estabeleceram plantando arroz, milho, mandioca e principalmente
cana de açúcar, proporcionado com isso, o surgimento de futuras
pequenas indústrias de rapadura aguardente e farinhas, que seriam
vendidas nos povoados vizinhos, ao mesmo tempo, construíam-se
15
Termo que aparece nos livros de registro de batismo e casamento da Igreja de Iporanga depois do nome de
ex-escravos.
20
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
grandes sobrados e ricas vivendas emprestando ao povoado um
aspecto senhorial.”
Com o declínio do ciclo do ouro e as dificuldades de acesso ao antigo arraial
dão início a um movimento para a construção de uma nova capela no novo arraial,
sendo liderado pelo Padre Bernardo de Moura Prado e o Capitão José de Moura
Rolim. O padre Bernardo consegue que Dona Escolástica Maria Carneiro doe um
terreno para a construção da Capela e a população faz um mutirão plantando arroz
para a levantar o dinheiro necessário. Assim se iniciam as obras de construção da
Capela que terminam em 1821.
Igreja Matriz de Nossa Senhora de Sant´Anna de
Iporanga
Iporanga crescia com o surgimento de novas indústrias de aguardente,
rapadura e beneficiamento de cereais intensificando seu intercâmbio comercial
com as povoações vizinhas. Seu porto se tornou:
21
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
“uma importante via de acesso, único porto fluvial de onde se
poderia partir em demanda, ao litoral, permitindo o intercâmbio
comercial das regiões vizinhas com o Planalto, através do
transporte de tropa até Iporanga e daí por intermédio de frotas de
embarcações (canoas) que desciam e subiam o Ribeira,
transportando as mercadorias transacionadas. Fazendo
intercâmbio comercial entre cidades importantes como Itapeva
(antiga Faxina), Itararé, Ibiúna, Itapetininga, Sorocaba e outras,
através de tropas de muares.”(FIGUEIREDO,2001:2).
Em 1830, o povoado foi elevado a categoria de Freguesia de Sant’ Anna de
Iporanga. Sendo, em 1873, elevado a Vila, com o nome de “Villa de Sant’Anna de
Iporanga”. No mesmo ano passou a Cidade de Iporanga.
A libertação dos escravos, em 1888, levou a diminuição da mão de obra na
região de Iporanga, pois boa parte da população local era composta por escravos.
“Os escravos, livres do julgo de seus senhores, internavam-se pelo sertão adentro
estabelecendo-se por sua própria conta e iniciando-se no ramo da agricultura
doméstica”(FIGUEIREDO,2001:02). Eles procuraram se instalar em locais já
ocupados por populações negras que fugiram durante a escravidão, dando origem
à formação de diversos povoados, entre eles, Nhunguara, Bombas, São Pedro, Poço
Grande, Praia Grande.
22
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
4. A Comunidade de Praia Grande
Chegada à Comunidade de Praia Grande
A comunidade de Praia grande era composta pelos bairros de Praia Grande
e João Surrá sendo que este último também foi apontado pela Igreja como
comunidade de quilombos. Segundo os moradores de Praia Grande eles eram
“uma coisa só” mas resolveram dividir a comunidade respeitando a organização
política do país já que João Surra encontra-se no estado do Paraná e Praia Grande
no estado de São Paulo. Porém, existem relações de parentesco, tradições e laços
econômicos que unem as duas comunidades. Segundo os moradores de Praia
Grande, quando resolveram organizar sua associação de quilombos decidiram
formar duas associações uma em Praia Grande e outra em João Surra. Neste
relatório utilizarei o termo “Praia Grande/João Surra” para contar a história do
bairro Praia Grande pois a história dos dois bairros esta profundamente
relacionada. Alguns membros da Comunidade de João Surra plantam nas terras de
Praia Grande devido a um acordo feito entre as duas comunidades.
23
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Essas pessoas a assistiram as reuniões que fizemos com a Comunidade de Praia
Grande para conhecer melhor o nosso trabalho1.
O Bairro de Praia Grande está subdividido em localidades que foram
nomeadas pelos moradores a partir de características geográficas. Estando
subdividido desta forma (ver mapa histórico):
- Aberta
- Martinho
- Praia Grande
- Bofe de Paca
- Poço Grande
- Amoras
Essas nomeações são muito antigas aparecendo no livro de registros de terras
de 1855 e continuam sendo usadas até os dias de hoje. O nome Praia Grande se
deve as praias de areia fina que se formam ao longo do rio Ribeira de Iguape
dentre as quais a de Praia Grande é uma das maiores.
Vista da principal praia do bairro de Praia Grande
1
Os moradores de João Surrá pediram ao ITESP para que fosse feito o trabalho de reconhecimento desta
comunidade com Remanescente de Comunidade de Quilombos chegando a figurar o nome desta nas nossas
listas de comunidade a serem trabalhadas. Porém, como ela se encontra no estado do Paraná não podemos
realizar tal tarefa.
24
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Os depoimentos recolhidos em Praia Grande, mapas antigos, registro de
terras e da paróquia de Iporanga nos possibilitaram reconstruir a trajetória deste
quilombo, evidenciando que o território em questão vem sendo ocupado por esta
comunidade, aproximadamente, desde 1863. O subdelegado de Iporanga, João
Paulo Dias, noticiava a presidência da província, em ofício de 28 de setembro de
1863, a existência de negros aquilombados nas proximidades do rio Pardo,
solicitando providências conforme transcrição integral do documento apresentado
no LA-MPF(1998) :
"Por informações dadas por alguns moradores do Rio Pardo do
Disctricto desta freguezia que, nos sertões de mesmo rio distante
d’ esta vinte e cinco léguas mais ou menos, sertões que divisam
com o da Província do Paraná, se achão aquilombados alguns
escravos fugidos do Norte desta Província he de necessidade
destrui-los pois que do contrario torna-se mais perigoso e graves
prejuízos, consta mais que para ali tem se dirigido alguns
criminosos que talvez estejão reunidos, e como esta subdelegacia
querendo ver se pode batel-os e não podendo o fazer algum
dispêndio não so pela distancia como pelo perigo da viagem do
Rio por ser caudaloso, embora os donos dos escravos tenhão de
pagar as despezas, não se pode fazer por já ter acontecido com
captura de alguns escravos nesta, os donos leval-os para
mandarem pagar e nunca mais se lebrão que he devido a não se
poder conserva-los na cadeia desta Freguezia por não offerecer
segurança e ia por mais de huma vez tenho representado para
remediar-se com esse melhoramento urgente que ate hoje tem sido
esquecido.
Tenho de fazer lembrar a Vossa Excelência que com gente do lugar
não pode fazer diligencia de tal natureza por ser perigoso e mesmo
alguns avisão aos que se pretende capturar; Vossa Excelência a ter
de mandar alguns permanentes para esse fim, antes que dessa sião
para esta tenha Vossa Excelência a bondade de participar-se para
desta dar os detalhes a fim de chegarem aqui desconhecidos.
Aproveito a occsião para fazer sciente a Vossa Excelência que os
permanentes que estão em Apiahy não devem por la ser muito
conhecido.
Tenho mais a levar ao conhecimento de Vossa Excelência que já
faz mezes que levei ao conhecimento do Senhor Doutor Chefe da
Polícia esta mesma participação porem pelo silincio que tem
havido julgo ter levado descaminho bem como outro mais officios
25
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
que ao mesmo tenho dirigido. Deos guarde Vossa Excelência por
muitos annos. Subdelegado de Policia de Iporanga, 28 de Setembro
de 1863 “ (pg: 98-99).
Esta carta é importante para compreender o processo de formação do Bairro
de Praia Grande. A descrição da região corresponde a atualmente aos bairros de
Praia Grande (SP) e João Surrá (PR).
Segundo os relatos de moradores, as
primeiras famílias que ocuparem a região eram de escravos fugidos que vieram em
parte dos garimpos de Iporanga e outra parte fugida do norte da província de São
Paulo para Iguape e depois seguia para Iporanga.
Segundo os moradores de Praia Grande as duas primeiras famílias a
chegarem na região são os Corimbas e os Mouras. Os Corimbas são todos os
membros das famílias de sobrenome Pereira de Souza e os Mouras são as famílias
de sobrenome Moura de Almeida e Pereira da Silva. Os moradores de Praia
Grande contam que essas denominações surgiram com a liberdade dos escravos
quando uma parte deles escolheram o nome do patrão como sobrenome e outro
grupo não aceitou esse sobrenome. Srº Benedito Celestino de Moura2 relata como
isso aconteceu.
(Patrícia) - É porque antigamente vocês recebiam o sobrenome do
patrão?
(Benedito) - É isso aí! Então ele não aceitava aquilo lá de Moura,
mas esse lado meu, que eu sou Moura, né. Me enterro até o cabelo,
por causa disso. Então correram todos esse tempo, quando houve a
libertação todo mundo fugiu, um foi pro lado, um vai pra outro, se
esconde. Faze uma (....) feito uma coloninha, esconder naquela
parte.
(Patrícia) - E ficaram?
(Benedito) - E firaram, né. Mas não tinha, aquela nação não tinha
nome. É a mesma coisa que você cria um porco, aquilo é porco, se
cria galinha, aquilo é galinha. Então quando fizeram aquela coisa
não punhava nome. ‘Vamo punha um nome no porco, ha vamo
punha Joaquim não sei que lá’. Essa nação de Moura, minha
nação, ficaram sem, mas só que não punharam nome assim e dava
outro nome e ficava. Então esse lado, desse homem o Joaquim de
Moura, esse homem foi que formou Iporanga, sabe disso.
2
Conhecido em Praia Grande como Mourinha.
26
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
(Patrícia) - Ha, Ha
(Benedito) - Então ele pegou e todo mundo falou “há nosso patrão
é tão bom pra nós e nenhum de nós saí com a assinatura.” “ Há eu
não, com a assinatura desse cabra, eu é?! Eu ponho o nome do cão
mas não ponho o nome desse cara”(...) “ Mas ele era tão bom pra
nós”. Por que se a gente gosta de uma pessoa, aí né, ponha lá não
sei que de Moura, outro lá a avó é não sei que de Moura. A donde
que ficou aquela Mouraiada.
Os Mouras vieram de Iporanga eram escravos do Capitão José de Moura
Rolim3. O termo nação utilizado pelo Srº Benedito para se referir, a agrupamentos
de escravos, é citado em relatos de moradores de outras Comunidades de
Quilombo, como Ivaporonduva. Segundo MIRALES (1998) os quilombos “foram
espaços construídos junto aos processos de resistência e que levaram à formação de núcleos,
que são chamados pela população local de nação. O que define cada nação é a diferenciação
dos grupos sociais originais internos as comunidade, que são identificados pelas famílias ”
(pg. 16). Na África a família é extensiva englobando uma vasta rede de relações de
parentesco sobre um determinado território que inclui os mortos (ancestral mítico
ou não). O nome de uma família é capaz de a localizar não só dentro do clã como
no espaço físico que ocupa. Sendo assim, a família de Benedito Celestino de Moura
não tinha nome, enquanto outras tinham, como é ocaso da família Corimba.
Segundo Srº Benedito uma parte de sua nação fugiu da fazenda do Capitão
Moura:
(Patrícia) - Fugiam então?
(Benedito) - Fugiam. Pois é!
(Patrícia) - Então antes da libertação eles fugiam?
(Benedito) - Antes da libertação eles fugiram, né. Por que eles
estão saindo já, porque estava a libertação. Eles estavam sabendo,
então quem não tinha medo ia saindo.
(Patrícia) - Então eles iam saindo, fugindo?
(Benedito) – Então, quando eles pegavam, ô panhava mesmo!
(Patrícia) - Hã...
3
O capitão José de Moura Rolim possuía várias extensões de terra em Iporanga, sendo que a família foi uma
das fundadoras da cidade de Iporanga. Em anexos temos a massa de população do Arquivo do Estado de São
Paulo onde se encontra a lista de escravos do capitão José de Moura Rolim Nesta lista figura o nome de um
escravo denominado Braz, sendo que esse mesmo escravo aparece com designação “ liberto” na frete do seu
nome nos arquivos da Igreja. Tudo
27
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
(Benedito) - Panhava que vou te falar. Então foi bom que eles
ficaram assim. Quando houve a libertação todo mundo ficou
reclamando porque o Capitão Moura nunca fez aquilo, né.
Mesmo antes da libertação muitos escravos fugiram para a região de Praia
Grande/João Surra reforçando a tese4 de que o quilombo existente na região pode
explicar a origem da comunidade. Esse é o caso de Belinda Moura de Almeida
irmã do avô de Benedito Celestino de Moura. Uma jovem que por volta de 1865 a
1870, vivia vagando pela região de Praia Grande, tudo indica fugida da fazenda do
Capitão Joaquim de Moura5. O seu neto Pedro Pereira da Silva6 conta como seu
avô a encontrou: “ ela veio de Iporanga, vivia na fazenda lá. Era moça pequena, nova e
conheceu o Joaquim. Ele não queria ir pra Guerra porque eles estavam pegando pessoas no
Bairro de Praia Grande pra ir pra a Guerra do Paraguai. Então, ele casou com a avó, pra
não ir pra Guerra”. Assim seu avô teria casado com sua avó, que era uma escrava
fugida das fazendas do Capitão Joaquim de Moura, para se livrar da Guerra do
Paraguai. O processo de recrutamento militar era violento se intensificando com a
Guerra do Paraguai (1865 a 1870). Segundo SOUZA (1996), muitos homens
solteiros procuravam no casamento uma forma de escapar da Guerra do Paraguai,
pois os casados, por lei estavam livres do recrutamento.
“Os estratagemas para fugir ao voluntarismo e, em alguns casos,
o descaro com que os desertores o faziam, atormentavam o
governo imperial. Em dado momento, o ministro Nabuco de
Araújo alertou o presidente da província do Rio de Janeiro que os
casamentos realizados posteriormente à data de convocação
seriam considerados atos de má-fé, visto que os casados estavam
isentos por lei”(pg. 61).
4
Essa tese foi apresenta no Laudo do Ministério Público. “O quilombo existente no Rio Pardo pode ser uma
importante indicação também para a compreensão do processo de formação das comunidades situadas
acima de Pilões e Maria Rosa, como João Surra, Cangume, Bombas, Claudia e Praia Grande, que não foram
contemplados pelo presente trabalho, embora situem-se no mesmo continuum histórico, econômico e social
representado pelo Vale do Ribeira.” (pg.102)
5
Pelos documentos da Paróquia de Iporanga ela era escrava do Capitão Joaquim de Moura
6
Conhecido em Praia Grande com Pedro Moura
28
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
O Marido de Belinda era branco descendente de espanhóis conhecido como
Joaquim Fogaça, sendo que, seu nome de batismo era Joaquim Pereira da Silva.
Segundo relato dos moradores ele vivia próximo a uma localidade conhecida como
Amoras do lado do estado do Paraná (ver mapa histórico).
Segundo Benedito Celestino de Moura antes de seus parentes chegarem a
Praia Grande eles viviam em uma faixa de terra próximo a Iporanga que não tinha
dono. Assim ele relata:
(Patrícia) - Ela era o que do seu avô?
(Benedito) - Ela parece que sobrinha do meu avô.
(Patrícia) - Sobrinha do seu avô, essa Mariquita? Escrava?
(Benedito) - É. Morava num sítio.
(Patrícia) - O senhor não lembra o nome do dono do sítio?
(Benedito) - Não lembro. Lá foi coisa que eles formaram lá,
quando eles escaparam formaram aquele negócio lá.
(Patrícia) - Há quando eles escaparam !
(Benedito) - Quando eles escaparam da escravidão, então fui que
pegaram aquela terra. Aí, ficaram lá, morando lá, naquele
trechinho, muito tempo lá. Formaram uma Igrejinha de palha de
Nossa Senhora do Livramento.
(Patrícia) - Em que lugar mais ou menos?
(Benedito) – Alí! Lá naquele Ribeirão de Iporanga. Lá tem uma
cruz, né. Então é lá.
......................................................................
(Patrícia) - Esse pessoal que fugiu e vivam perto do arraial de
Santo Antonio também eram Moura? Essa Mariquita também era
Moura?
(Benedito) - Tudo eram Moura só que ali eles trocaram a
assinatura, né, porque não quis ser escravo. Só que a minha
descendência essa não quis trocar.
Segue abaixo, fotografia do lugar onde, segundo Benedito Celestino de
Moura, sua família teria vivido antes de chegar a Praia Grande/João Surrá. Nesse
local os moradores de Iporanga se reúnem para rezar pelos mortos. Ninguém sabe
bem ao certo a origem desse costume.
29
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Bica Cunhal Canhambora localizada a uns 7 quilômetros de Iporanga.
Pelos relatos do Srº Benedito Celestino de Moura, e os registros da paróquia
de Iporanga o escravo Braz teria fugido da fazenda do capitão Moura e se
instalado nesse agrupamento7 de escravo, próximo a Iporanga, antes de mudar
para região de Praia Grande/João Surra. Esse escravo era tataravô do Srº Benedito
Celestino de Moura, sendo escravo do Capitão Moura. Ele figura na lista de
escravos da fazenda do Capitão Joaquim de Moura de 18128. Em 1836, aparece
batizando o filho Antonio ainda como escravo do Capitão. Antonio Moura de
Almeida é o pai da Belinda Moura de Almeida e do Benedito de Moura Rolim
Almeida, este último, avó de Benedito Celestino de Moura. Pelo relatado acima,
podemos entender que existia um quilombo nas proximidades de a Iporanga cerca
de 7 a 8 quilômetros, é de fundamental importância para entender a dinâmica de
ocupação de Praia Grande. Como já foi apontado pelo LA – MPF (1998):
“É forçoso concluir que as comunidades negras contemporâneas do
Vale do rio Ribeira do Iguape guardam um vínculo histórico com
antigos quilombos estabelecidos na região, uma vez gestadas a
partir daquele campo de relações peculiar, contando com a
participação de comunidade de escravos fugidos, que se constituiu
na condição de possibilidade mesma de sua existência, definindo
7
Eram terras sem dono que os escravos fugidos, libertos ou simplesmente abandonados pelos donos se
instalaram próximo à Cidade de Iporanga. Esse agrupamento era provavelmente um quilombo
8
Massa de População de Apiaí rol. 1 do Arquivo do Público Estado de São Paulo.
30
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
um espaço territorial no qual a apropriação fundiária tradicional
negra, em suas várias formas, era tolerada ou pelo menos não
passível de repressão, seja por dificuldade material de realização
da mesma, seja pelo desinteresse nos territórios apropriados pelas
comunidades, seja pelo interesse na comercialização da produção
camponesa” (pg.180).
Esse quilombo próximo a Iporanga se instalou em terras devolutas e servia
de abrigo a escravos fugidos inclusive de outras regiões do estado que usavam o
lugar como base para descanso e alimentação, e depois seguiam viagem para
outras localidades como Praia Grande. Apontado no sentido da “formação de um
campo negro de relações sociais incluindo tanto negros em situação não-ilegal quanto
aqueles em situação de ilegalidade, como escravos fugidos e abandonados estes últimos
também sujeitos a apreensão e venda diretamente pelo Estado ”9 (LA –MPF,pg.180).
A existência dessas terras livres ocupadas por negros durante a escravidão
ajuda a explicar como outras famílias chegaram à região, como é o caso dos
Corimbas. Antonio Marmo Pereira de Souza10 afirma que descende dos Corimbas
relatando que seu avô José Cirineu de Souza veio fugido do Norte da província
para Iguape e de lá para Iporanga, ficando escondido nos arredores da cidade.
Nesse meio tempo, aparece uma diligência de Iguape com policiais na sua
perseguição. Ele se embrenhou pela mata margeando o rio Ribeira até chegar na
região de Praia Grande/João Surrá. Nessa fola vieram outros com ele como o
irmão Pedro Pereira de Souza11. Porém, José Cirineu de Souza havia se apaixonado
pela filha do seu patrão e após a libertação dos escravos voltou para buscá-la.
Segundo os relatos de seu neto Antonio Marmo Pereira de Souza sua avó era filha
(Joana Pereira de Souza) de um capitão Mor de Iguape, sendo que, ao morrer
deixou sua herança para a filha que teria comprado ou recebido como herança
9
Este campo negro inicia sua formação ainda no século XVIII, na decadência das lavras garimpeiras, e
consolida-se durante o século XIX, na decadência da lavoura comercial de arroz, definindo as características
atuais das comunidades atuais das comunidades negras do vale do rio Ribeira do Iguape(LA-MPF,1998).
10
Conhecido em Praia Grande como Antonio Corimba.
11
Pedro Pereira de Souza também é conhecido em Praia Grande com Pedro da Aberta. Uma referencia ao
nome da localidade onde ele morava no Bairro de Praia Grande.
31
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
terras em Praia Grande. Uma parte dessas terras corresponde, atualmente, a uma
área de terras devolutas, que segundo o Srº Antonio apenas uma parte foi titulada
em nome dos membros de sua família, em 1969. Ele entrou com um processo na
Procuradoria do Patrimônio Imobiliário de Apiaí, com o documento de partilha de
seu avô no qual consta que são herdeiros daquelas terras.
Com a libertação dos escravos a família dos Corimbas teve que adotar um
sobrenome. Era comum aos ex-escravos escolherem o sobrenome do patrão, de
uma pessoa ilustre da região ou do padrinho de seus filhos, etc. Depois da
libertação dos escravos, as famílias dos Corimbas adotaram o sobrenome Pereira
de Souza, porém usavam o sobrenome Corimba. Existem registros de casamento e
batismo na paróquia de Iporanga onde figura o nome de Pedro Corimba12 em 1909.
A origem desse nome Corimba tem várias versões, entre elas, a citada por Clotilde
Mariano Pereira uma das moradoras mais antigas de Praia Grande. Ela conta que
seus avós estavam na senzala ou paiol com um grupo de escravos. Um deles estava
contando um “causo” do Pai Corimba que nadava nos rios e andava por essas
matas. O fazendeiro ficou escutando o causo e quando terminou ele começou a
chamar o contador do causo de Pai Corimba. Então aquele grupo que estava
escutando o “causo” ficou conhecido como Corimba. Uma outra versão para o
nome Corimba seria o peixe de nome Corimba que existe atualmente no rio
Ribeira. Porém, pelo levantamento apresentado em um relatório de Carlos Rath de
185513, onde ele levanta toda a fauna e flora da região, ele não relaciona no quadro
de espécies da região esse peixe. Nas pesquisas que fiz sobre a palavra Corimba
encontrei referencia dela como o nome do bairro sede da província de Luanda em
Angola/África. Nos registros de massa de população existem muitas referencias a
escravos vindo da Nação de Luanda, como era conhecida essa ilha. Benedito
Celestino de Moura nos conta como as duas famílias chegaram ao Brasil.
(Benedito) - Quando foi o tempo dos escravos, ôôô sei que lá
Alves, foi lá no...como que é o nome?
12
13
Pedro Corimba é Pedro Pereira de Souza.
Carlos Rath. Descripão da Região Fluvial da Ribeira de Iguape, 1855-1857.
32
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
(Patrícia) - Alves, Alves quem era o Alves.
(Benedito) - Sei que lá de Alves.
(Patrícia) - Era uma fazenda de um cara chamado Alves
(Benedito) - Não sei, deixa eu lembrar. Ó ... Na África, foi lá que
comprou, naquele tempo trazia o pessoal de navio.
(Patrícia) - Há, esse Alves foi na África...
(Benedito) - É foi na África e comprou os escravos - Se vê, é coisa
que deixa meio revoltado a Nação raba, quer dizer rabeira fica até
meio revoltado...Então aquela família que veio de lá, daquela
parte, lá na África, então veio de lá e trouxeram. Então tinha um
tal de Capitão Moura que era um chefe daquela negrada. Era um
homem muito beleza né, muito bom e não maltratava os escravos
dele. Esse fulano Alves dividiu aquele monte de escravos com ele e
trouxe outro tanto pro Capitão Moura. Bom, o Capitão Moura
ficou com aquela turma ali, que ficou com ele, também comprava,
só que aquele nome naquele tempo. É como o cumprade Messias,
família Corimba, família não sei que lá é que aquele não aceitava
a descendência dele.
Nesse relato Benedito Celestino de Moura afirma que eles vieram da África.
A nação dele não tinha nome enquanto que a outra nação se chamava Corimba.
Dessa forma o nome Corimba, provavelmente, se refere ao lugarejo14 de Angola de
onde essas populações foram trazidas para o Brasil. Segundo CARRIL (1995), uma
parte dos escravos trazidos para o Brasil vieram de Angola. Luanda era um
importante ponto de comércio da África devido a sua geografia insular a maior
parte dos navios aportava na ilha para realizar suas transações comerciais. Os
escravos eram comprados em Luanda e de lá seguiam para o Brasil.
4.1. De Quilombo à Bairro Rural Negro: histórico da ocupação do
território da Comunidade de Praia Grande
O território ocupado historicamente por esta comunidade localiza-se à
sudoeste da cidade de Iporanga subindo o rio Ribeira de Iguape. Esse bairro à
Nordeste limita-se com Bairro do Funil, ao Norte pelo bairro Descalvado, à
14
Atualmente o bairro sede da província de Luanda na África
33
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Noroeste o bairro Cotia, a Oeste o bairro Barra do rio Pardo, à Sudeste com o rio
Pardo no estado do Paraná, ao Sul com o bairro João Surra (PR) e a leste com o
bairro Marrecas (PR). Para melhor caracterização da ocupação do território de
Praia Grande foi elaborado um mapa histórico da região15, referente ao final do
século XIX até o começo do século XX16.
As famílias dos Corimbas e os Mouras foram as duas primeiras a chegarem
na região de Praia Grande/João Surra (PR). Por volta de 1863, os escravos que
fugiram das fazendas de mineração da região procuraram se instalar em lugares de
difícil acesso longe das margens dos rios. Após a libertação dos escravos, foram
chegando novas levas de familiares, temendo que a escravidão voltasse
embrenharam-se nas matas fugindo para longe das terras de seus senhores. Assim,
a família Corimba foi ocupando a localidade conhecida como Praia Grande (ver
mapa histórico), próximo do leito do rio Ribeira de Iguape nos lugares conhecidos
como Aberta e Martinho (ver mapa histórico). Antonio Marmo Pereira de Souza
mostrou documentos (ver anexo) da compra e venda da localidade Martinho em
1891, pelos filhos de José Pereira de Souza e Joana Pereira de Souza17. O Srº
Antonio também afirma possuir os documentos de partilha de seus avós José
Pereira de Souza e Joana Pereira de Souza de outras terras localizadas em Praia
Grande18.
Os Mouras atravessaram o rio Pardo e se instalaram em João Surra. Foi por
meio do casamento que os Mouras foram vindo do bairro de João Surra, hoje
pertencente ao estado do Paraná, para Praia Grande/SP. Estabelecendo uma teia
15
Esse mapa foi elaborado por Rose Leine Bertacco Giacomini e Helena Maria Gonçalez a partir dos
depoimentos dos moradores mais antigos de Praia Grande e de um mapa da região elaborado por João Pedro
Cardoso em 1908,quando chefiou uma expedição no rio Ribeira de Iguape e rio Pardo, onde figuram os
nomes dos moradores que ele encontrou no seu caminho.
16
Durante esse período ocorreram deslocamentos de famílias de um lugar para outro, por isso, você pode
encontrar o mesmo nome em lugares diferentes. Além disso, existem casos de pessoas, por exemplo, que não
eram moradoras do local em 1880 e que em 1930 já haviam morrido.
Os doze irmãos são: Benedito Pereira de Souza, José Isaías Pereira, Joaquim Marinho Pereira, Maria Pereira
de Souza, Cecília Pereira de Souza,Virginia Pereira de Souza, Benedita Pereira de Souza Emanuel Pereira de
Souza (ver anexo). Eles comprara de Angosia de Pontes e Diogo Alves da Motta que herdaram essas terras do
sogro, que figura no livro de registro de terras de Iporanga como herdeiros dessas terras
17
18
Ele também nos mostrou o imposto pago por Pedro Pereira de Souza da localidade Aberta e Martinho de
1912, Manuel Francisco Pereira da localidade Praia Grande de 1928 e do Martinho em 1928.
34
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
de relações familiares amarradas pela forma de transmissão da terra por herança.
Segundo Antonio Marmo Pereira de Souza, antigamente, o pai que tinha grande
quantidade de terras doava pedaços de terras a seus filhos conforme eles fossem
casando, independentemente do sexo. Dessa forma, vários membros da família
Moura passaram a morar em Praia Grande com seu marido ou esposa. Como, por
exemplo, o caso de Benedito Celestino de Moura e Manuel Moura de Almeida dois
irmãos que eram de João Surra e casaram com duas moradoras de Praia Grande da
família Corimba. Como em João Surra existe conflito entre a comunidade e os
fazendeiros que estão invadindo as terras que tradicionalmente pertenciam a sua
família, esse conflito foi o principal motivo, pelo qual, tiveram que morar nas terras
da família da esposa. Com o tempo, também, trouxeram a irmã solteira que foi
expulsa das terras da família e que com a autorização da família Corimba pode
permanecer em Praia Grande.
Os casamentos também se deram com pessoas vindos de outros quilombos
situados rio abaixo, principalmente, da Comunidade de Pilões. Como é o caso de
Maria Paula Alves, uma das moradoras mais velhas de Praia Grande, relata que
seu pai veio de um quilombo. O avô era conhecido como Domingos “Coisa Ruim”.
Esse nome se deve ao fato dele ser muito corajoso19.
Além dessa família outras foram chegando à região por meio do casamento:
como os Freitas Pereira, os Pedrozo e os Florindo de Freitas. Uma outra forma de
entrada nessa comunidade muito curiosa foi por meio de adoção informal de
crianças órfãs ou que os pais não tinham condições de criar. Antonio Marmo
19
Ela conta uma das façanhas de seu avô:
(Patrícia) - Contaram uma história do Domingos Alves que era corajoso que andava de canoa?
(Benedito)-Vou contar uma história só que eu me a lembro. O pai dele era Domingos o coisa ruim.
(Patrícia) - O pai dele o que?
(Benedito) -O pai dele foi o Domingos coisa ruim porque era muito esperto pra faze as coisa. Aí tinha uma
cachoeira muito feia demais que ninguém passava, não passava canoa de jeito nenhum. Aí diz que tinha um
lenheiro pra baixo daquela cachoeira, aí aquela lenha eles trouxeram tudo em casa. Aí o filho estudou fez uma
facha de lenha tocou na cachoeira abaixo, desceu, passou uma corda muito grande foi puxando aquela corda
por terra. Ele desceu aquela cachoeira e embarcou na balsa chegou no fundo da casa do pai dele, chegou lá,
botou a lenha no fundo e falou assim: “Pai a lenha do senhor tá aqui. Há você (...) coisa ruim. Só mesmo
assim pra você tentar cruzar, porque sem o um você não passava nessa cachoeira.”Puseram isso de coisa ruim
no Domingos Alves, coisa ruim, coisa ruim.
35
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Pereira de Souza nos conta que seu pai Manoel Francisco Pereira quando andava
pela região e via uma criança barriguda, de pé no chão e doente ele pedia para mãe
se não queria dar aquela criança para ele criar. Em outros casos, quando os pais
haviam morrido20 sem deixar parentes que pudessem ou quisessem cuidar da
criança. Assim os Guedes, Pontes, Motta, Matos e Ribeiro passaram a ocupar o
território de Praia Grande.
A população do Bairro, com o passar dos anos, foi aumentando. A família
Corimba constrói um engenho de cana e uma olaria na localidade conhecida como
Praia Grande (ver mapa histórico). Cornélio Schimidt, em Exploração do Rio Ribeira
de Iguape, de 190821, relata ter encontrado um lugar próximo à cachoeira de Praia
Grande chamado Curimbá onde passou à noite.
“Depois de atravessar as corredeiras do Travessio cachoeira
Grande, a barra do rio Betary, na margem esquerda, a corredeira
do Vianna, a do Isidio, a de S. João, a do Mandú, a da Nhanhola,
as do Funil de baixo e de cima, a da Praia Grande, chegou ao logar
conhecido por Curimbá, onde pousou, em um engenho, propriedade
de uns negros dos quaes um d’ elles era alienado” (pg. 02)
Segundo Clotilde Mariano Pereira, a família Corimba tinha uma casa nesse
local onde todos moravam juntos e tinha um engenho que produzia rapaduras e
melaço que eram vendidos em Iporanga. Rio acima em uma localidade conhecida
como Aberta (ver mapa histórico) existia uma olaria de propriedade de Sebastião
Pereira da Silva (família Moura) Manoel Francisco Pereira (família Corimba) e
Pedro Pereira de Souza. No mapa feito por João P. Cardoso de 190822, figura o
nome de Pedro Corimba morando na localidade conhecida como Aberta do lado
do rio Ribeira de Iguape. Pedro Corimba era o nome pelo qual era conhecido Pedro
Pereira de Souza membro da família Corimba. Na próxima página apresentamos
uma cópia do mapa original elaborado por João P. Cardoso e publicado em 1914
no livro Exploração do rio Ribeira de Iguape.
20
A malária dizimou boa parte da população de Praia Grande. Figura na memória coletiva do grupo a
lembrança de uma noite em que morreram famílias inteiras devido à malária.
21
Essa é a data da expedição sendo que usei uma publicação de 1914. Esse livro foi escrito por vários
pesquisadores e coordenado por João P. Cardoso.
22
João P. Cardoso foi coordenador da expedição da qual fez parte Cornélio Schimidt.
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
PLANTA DO RIO RIBEIRA DE IGUAPE E SEUS AFLUENTES(1908): Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo. Chefe
João P. Cardoso. ESCALA 1:50000.
37
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Subindo o rio em uma localidade conhecida como Martinho também existia
um cemitério e uma outra olaria. Segundo os moradores de Praia Grande essa
olaria fornecia telhas para Iporanga.
O cemitério era muito antigo. Lá eram
enterradas as pessoas que morriam em conflitos com os índios. Posteriormente, ele
foi usado para enterrar crianças que nasciam mortas e em meados de 1940, foi
abandonado. Ali também eram enterrados índios mortos nas batalhas. A presença
indígena era muito forte na região e os conflitos com índios muito comuns. Alguns
moradores de Praia Grande afirmam que sua bisavó era índia, sendo “pega a laço”.
No rio Ribeira de Iguape na sua margem direita encontra-se uma localidade
conhecida como Praia Grande limitando-se à Nordeste pelo Bairro do Funil, ao
Norte pelo bairro Descalvado, à Noroeste o bairro Cotia e a Oeste o bairro Braço do
rio Pardo. Nesse lugar viviam muitas famílias que plantavam arroz, feijão, milho,
mandioca e cana de açúcar além da criação de pequenos animais para consumo
doméstico como galinhas e porcos. No local também existia uma olaria de
propriedade da família Corimba.
Subindo o rio Ribeira até a Barra do rio Pardo, do lado de Praia Grande que
faz divisa com o estado do Paraná existiam inúmeras famílias que se dedicavam à
plantação de arroz, feijão, cana de açúcar, mandioca, frutas como a jaboticaba,
banana e o abacaxi. Eles tinham engenhos e produziam a rapadura e o açúcar
”amarelo” (açúcar mascavo). Schmidt, em 1908, relata a presença de uma
população, no rio Pardo divisa com o Paraná. Segundo ele: “as suas margens são
habitadas por lavradores que tiram vantajosos resultados dos trabalhos (pg. 97).” Esses
lavradores comercializavam com Curitiba por ser mais fácil o acesso.
Para os moradores de Praia Grande o período de 1920 a 1940 foi o auge do
desenvolvimento para a comunidade devido ao crescimento demográfico e a
comercialização de seus produtos na cidade de Iporanga, Apiaí e também no
38
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
estado do Paraná1. Segundo Srº Antonio Marmo Pereira de Souza2, em 1940, Praia
Grande era maior que Iporanga em número de habitantes.
Em 1969, a PPI (Procuradoria do Patrimônio Imobiliárioa) do estado de São
Paulo promoveu a titulação das terras na localidade de Praia Grande. Segundo os
moradores durante o processo ocorreram vários problemas. O Srº Antonio Marmo
Pereira, Clotilde Mariano Pereira e Messias Pereira de Freitas descrevem o
processo de titulação:
(Clotilde) – Nesse terreno aí, desde córrego pra cima até quase a
barra do rio Pardo e ali pra cima no córrego da Aberta. Ali tudo
era, tudo nós tinha folha de partilha desse terreno
(Antonio) – Tudo da Curimbada.
(Clotilde) - Da Curimbada tudo. Depois que veio esse negócio de
terra cada um vai ser titulado no lugar onde ficava cada um tirava
um pouco de terra. Daí um tirava, outro tirava um pouco. Daí
aquele que sobrava, porque o compadre Laurindo quando foi tirar
o pedaço dele (...) eles não deixaram.
(Rose) – Você ficou sem pedaço?
(Laurindo) - É!
(Antonio) – Quando Benedito Mario que era meu primo, então
deram pra ele, sendo que ele mora aqui. Então o topógrafo pra
deixar uma dessas áreas livre. Pegou o título de Benedito Mario,
que morreu, jogou lá em baixo, porque depois ficar fácil pra depois
compra do Benedito Mario. É certo, com certeza, eu não tinha pra
quem falar isso mas era comprado. Chega aqui “Ah! Se ficar com
mais de dez alqueires você vai pagar um imposto danado”.
Amedrontado todo mundo “Ah você não vai poder paga”. Ou
então você passava o direito da roça pra o fulano. Por que o
topógrafo chamava-se (...) esse camarada, entendeu. Com o
propósito de deixar a terra pra esses, pra essa máfia que ta aí até
hoje. Área que tem suspeita de ter minério, que está totalmente
coberta de mata pra poder tirar título para poder tirar dinheiro no
lá banco para outros afins.
(Messias) – Mesmo o título da minha mãe. Nós somos três filhos,
então no termo nós merecemos, né. Se fosse nessa documentação,
1
Por causa da proximidade física e fácil acesso.
Ele também conta que em 1932, seu pai Manuel Francisco Pereira escondeu em Praia Grande
revolucionários paulistas que lutavam contra Getúlio Vargas. Como não podia levar mantimentos de Iporanga
para Praia Grande pois o rio estava sendo vigiado. Tinha que escondê-los no fundo da canoa chegando em um
determinado ponto mergulhava no rio e usando um bambu para respirar atravessa o trecho vigiado pelo
inimigo. Seu pai chegou a esconder armas dos revolucionários em sua casa que tiveram que ser enterras com
sal no fundo da casa em Iporanga para se deteriorarem mais rápido.
2
39
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
errada, tinha que ter pelo menos oito alqueires de terra cada um.
No título da minha mãe não consta nem sete alqueires.
(Antonio) – O! seu Benedito Celestino de Moura teve acho que o
local o área maior tem. Uma das melhores porque. Dera pra ele
exatamente pelo motivo de dar o título pra ele e comprar dele de
volta. Graças a Deus ele teve cabeça, entendeu, igual compraram
de Benedito Florindo.Deram depois falavam “não tem condição de
pagar a terra”. Não foi isso compadre? Apesar que ele ficou
também, num momento falaram alguma coisa.
(Clotilde) – O fulano, né. Ele alega que ele comprou de Joana
Corimba.
(Rose) - É fala isso!?
(Clotilde) – Fala.
(Antonio) – Tá na documentação dele. Ele não tem mas ta lá. Ele
comprou uma posse, né. Donde através de cartório, lá, falsificaram
um recibo de Joana Corimba.
(Rose) – Está que ele morava aqui?
(Clotilde) – Hem?
(Rose) – Mostrava que ele residia, então, ele tinha direito em ter o
título?
(Antonio) –Ele tava morando lá.
(Rose) – Dizendo que tinha alguma coisa que ele mostrasse que ali
era a terra dele.
(Antonio) – Ele dizia que tinha comprado de Joana Corimba.
Agora pergunta pra ela quem era Joana Corimba?Ela é mais velha
do que eu.
(Clotilde) – Era minha vó. Nem eu conheci minha vó.
Clotilde Mariano Pereira tem 76 anos. Sua avó Joana Pereira de Souza
nasceu aproximadamente em 1860. Quando Srª Clotilde nasceu sua avó já havia
morrido. Portanto, em 1969, quando foi realizada a titulação em Praia Grande,
Joana Pereira de Souza já estava morta. Durante o processo de titulação a família
Corimba perdeu parte de suas terras, pois diminuíram o terreno que seus avós
haviam comprado e em alguns casos das terras localizadas em frete ao núcleo de
Praia Grande. No título aparece o nome de João Francisco dos Santos e Outros.
Como o Srº Antonio Marmo Pereira de Souza foi a PPI e conversou comum juiz
que, segundo ele, para não criar mas confusão colocou no título de João Francisco
40
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
dos Santos o termo “ e Outros” que quer dizer que os demais moradores de Praia
Grande que foram titulados também têm direitos sobre aquelas terras.
Além dos casos citados acima, existem outros que nos ajudam a entender a
ocupação atual do território de Praia Grande. Algumas pessoas de fora da
comunidade que se diziam amigos das famílias da comunidade levaram os
documentos para registrar o título em nome dos moradores e acabavam
registravam em seu nome ou simplesmente não registrando o título. Outro caso,
foi de pessoas da comunidade que não tinham registro civil e conseguiram o título.
E, logo em seguida, venderem suas terras para grandes fazendeiros da região. Um
outro caso peculiar foi o de Gregório Pereira da Silva que comprou as terras onde
vive atualmente, de Luiz Neves de Ayres de Alencar por meio de um contrato de
compra e venda sem registro em cartório. Luiz Neves de Alencar se comprometeu
em passar o título para o SrºGregório chegando a levar seus documentos com o
pretexto de tirar seu título. Porém, quando Gregório procurou o cartório nada
havia sido feito. O mesmo aconteceu com Antonio Ramalho, irmão de Ana
Ramalho que vive, atualmente, na terra.
Todos esses casos nos ajudam a entender como pessoas que não pertencem à
comunidade de Praia Grande entraram no território e hoje tem título dessas terras.
Após a titulação, nas décadas de 70 e 80, esses grupos de fora da comunidade
começaram a ocupar suas áreas usando membros da comunidade para derrubar a
mata, vender a madeira e fazer um pasto para o gado. Pelas fotos aéreas de 19853,
nota-se que as matas nativas foram destruídas nas áreas que pertencem aos
fazendeiros de fora da comunidade. Fato interessante é que ao percorrer o
território durante o trabalho de campo para elaboração do R.T.C pudemos
perceber que os lugares que os fazendeiros abandonaram a mata se regenerou.
Segundo os moradores de Praia Grande, várias nascentes de água haviam secado
devido ao desmatamento desordenado. Laurindo Gomes, que já foi Presidente da
Associação de Quilombo de Praia Grande, cita um caso de uma nascente que havia
3
Essas fotos aéreas do Vale do Ribeira foram realizadas pela Fundação ITESP em 1987, folhas n. 05 e 12.
41
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
secado, depois que o fazendeiro desmatou a área para fazer pasto, devido às
restrições das leis ambientais, ele abandonou a área e a mata voltou a crescer, e
com ela a água voltou a brotar. As questões ambientais têm preocupado a
comunidade, aflorando conflitos, porque percebeu-se que muitas pessoas de fora
da comunidade invadem seu território para pescar na época da piracema, matam
pacas para vender sua carne até a caça esportiva dos macacos bugiu existe no
lugar. No território de Praia Grande existe uma fauna e flora diversificada que é
motivo de orgulho para seus moradores que procuram preservá-la contra a ação de
intrusos. Segundo Antonio Marmo Pereira de Souza: “Tinha um pessoal trilhando pra
matar Jacú. Eu fiz um esparramo com eles”. O pai de Antonio Manuel Francisco
Pereira de Souza, antes de morrer, pediu para que ele preservasse a fauna do lugar
e, não deixasse ninguém derrubar a mata. A área situada na margem esquerda do
rio Ribeira de Iguape em frente ao núcleo de Praia Grande foi um dos lugares que
o pai do Srº Antonio pediu para que fosse preservada.
Mata em regeneração da “Reserva Florestal” de Praia Grande
A Comunidade de Praia Grande chama o lugar de “Reserva Florestal” e o
reivindica como pertencente ao território tradicional da comunidade já que muitos
42
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
moradores já falecidos viviam naquele local. Porém, eles não querem que a
cobertura vegetal da área seja destruída utilizando o local como uma reserva
sustentável. Alguns tipos de cipó utilizados pelos moradores para a confecção de
peças de artesanato, de utensílios domésticos e para o trabalho na roça crescem
somente nesse lugar, como o Timbopeva e Embu, Taquara de Lixa e Taquara de
Poça é usada na confecção de peneiras de arroz e feijão, vassouras, cestos para
armazenar e transportar produtos da roça, etc.
A maior parte dessas terras estão nas mãos de dois fazendeiros da região João
Francisco dos Santos e Núcio Roberto Chieffi. Segundo os moradores eles estão
interessados em transformar a área em pasto. Além disso, essa área é rica em
minérios como o chumbo.
Após a titulação alguns membros da comunidade que obtiveram o título
venderam suas terras, mas a maioria das famílias permanece no território de seus
antepassados à aproximadamente 140 anos. Uma parte da comunidade está
situada em terras tituladas de membros da comunidade que residem em São
Paulo. Outro grupo tem título, mas suas casas e plantações estão em terras de
pessoas que não pertencem à comunidade. É o caso de Maria da Paixão e seu neto
Décio Ribeiro. O irmão de Maria da Paixão vendeu metade de suas terras para um
fazendeiro de fora da comunidade, porém a venda não foi firmada no papel. As
terras de Maria da Paixão estão situadas ao lado das terras do irmão (João Pontes
Pacífico). Sua casa está construída na parte das terras que o irmão não tinha
vendido ao fazendeiro. Mas, o fazendeiro questiona isso alegando que é o dono de
todo o lote. Esse fato já levou a alguns conflitos entre Maria da Paixão e o
fazendeiro Geremias de Oliveira Franco que chegou a soltar seu gado nas
plantações de Maria da Paixão. Um outro caso parecido é o de Pedro Pereira da
Silva que tem sua casa construída nas terras, pelos documentos apresentados, de
Silvio Pereira de Souza. Segundo Pedro Pereira da Silva o topógrafo quando mediu
suas terras colocou a divisa em lugar errado. A terras de Silvio Pereira de Souza é
menor do que está registrado no título.
43
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Os únicos moradores da comunidade que são titulados e moram em suas
terras são Clotilde Mariano Pereira e Carlos Guedes. Uma boa parte das terras
tituladas está nas mãos de fazendeiros que não pertencem à comunidade. Segundo
os moradores essas terras são as melhores para o plantio, porém estão sendo
usadas como pasto para o gado.
No perímetro 40º de Apiaí existe uma faixa de terra devoluta onde residem
algumas famílias da comunidade e dois moradores de João Surrá plantam nessas
terras com autorização da Comunidade de Praia Grande. Além disso, tem uma
fazenda de um posseiro conhecido como “João” que não pertence à comunidade
mas, seu caseiro que reside na área pertence à comunidade de Praia Grande.
Durante os anos 90 a comunidade de Praia Grande começou a viver ameaça
representada pela construção da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, projetada pela
Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim que suscitou a
emergência e a visibilidade do segmento negro no campo.
“Uma vez que as barragens determinariam o alagamento de parte
de seus territórios. A organização de um movimento social
centrado no reconhecimento do caráter peculiar da ocupação
territorial negra imemorial do vale tomou contorno contra a
construção de barragens no curso do rio Ribeira de Iguape ou em
outros que interferissem no curso normal do rio” (LA-MPF, 1998,
112).
O território de Praia Grande será na sua grande maioria inundado pela
barragem da Usina Hidrelétrica do Funil que é a próxima da lista após a
construção da Hidrelétrica do Tijuco Alto. Algumas projeções4 chegam a afirmar
que 97% do território de Praia Grande seria atingido. A luta contra as barragens
apoiada pela Igreja Católica da região tem levado essas populações a discutirem
sua condição de donos da terra e o processo de titulação ocorrido em 1969.
Levando-os a lutar pelo território tradicionalmente ocupado pelos seus
antepassados.
4
Maura Campananili. Tijuco Alto volta a preocupar quilombolas, pg. 02
44
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
4.2. MODO DE VIDA
A comunidade de Praia Grande está situada em uma região de difícil acesso
devido ao relevo acidentado, formado por morrarias sendo que a maior parte do
território está circundado pelos rios Ribeira de Iguape e Pardo. Esses aspectos
geográficos
propiciaram
a
construção
de
um
modo
de
vida
próprio
profundamente relacionado com o território que ocupam. Seus moradores se
enquadram na definição de Rinaldo Arruda (1999) para “populações tradicionais”, ou
seja,
“daquelas que apresentam um modelo de ocupação do espaço e uso
dos recursos naturais voltados principalmente para a
subsistência, com fraca articulação com o mercado, baseado em
uso intensivo da mão de obra familiar, tecnologia de baixo
impacto derivada de conhecimentos patrimoniais e, normalmente,
de base sustentável” (pg. 80).
A vida da comunidade é marcada pelo trabalho duro na roça, o medo
freqüente das enchentes, a dificuldade de acesso à cidade de Iporanga e a devoção
aos santos da fé católica, como São Gonçalo, São Sebastião e Nossa Senhora de
Aparecida.
Atualmente, o único acesso da comunidade à cidade de Iporanga é realizado
pelo rio em um percurso de cerca de 35km de barco ou canoa . Uma outra opção é
pegar uma carona de carro ou perua escolar da Cidade de Iporanga até o
Descalvado, depois seguir a pé até chegar em frente ao núcleo de Praia Grande e
atravessar o rio de canoa.
45
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
A canoa é o principal meio de transporte da Comunidade
O percurso de canoa, que é o principal meio de transporte da maioria dos
moradores, leva quatro horas para subir o rio e duas para descer. Além disso, o
percurso é perigo devido às corredeiras espalhadas por todo rio Ribeira.
Corredeira do Funil no rio Ribeira de Iguape. Neste local acontecem acidentes
freqüentes com embarcações.
46
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
A maioria das famílias da comunidade já perderam um parente que morreu
afogado no rio. Atualmente, a principal reivindicação da comunidade é a
construção de uma estrada da cidade de Iporanga até Praia Grande.
As crianças só podem cursar até o quarto ano do ensino fundamental, em
Praia Grande, depois disso, ou ficam sem estudar ou tem que morar com um
parente em Iporanga para terminar os estudos, somente visitando a família nos
finais de semana e férias escolares deixando de ajudar a família na “lida” na roça.
As pessoas com doenças mais graves são deslocadas com muita dificuldade pelo
rio até Iporanga para receber atendimento de emergência, pois o hospital mais
próximo fica em Pariquera-Açu.
Um outro fato que assusta a comunidade são as enchentes do rio Ribeira
que levou algumas famílias a perderem suas casas.
Registro de uma enchente no rio Ribeira de Iguape
O bairro possui um agrupamento central onde se encontra a capela de
Nossa Senhora de Aparecida, o Posto de Saúde, a Escola Estadual de 1ª à 4ª séries
47
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
do ensino fundamental e um Centro Comunitário onde são realizadas reuniões e
festas, além de quatro famílias que residem no local. O Posto de Saúde não possui
nenhum equipamento para exames, nem médico fixo . Ele funciona com um agente
comunitário que é o encarregado da distribuição de remédios para os moradores
do bairro e transporte de pacientes até a cidade de Iporanga para consultas
médicas. O Posto possui um telefone comunitário que foi instalado pelo PSF
(Programa de Saúde da Família) que funciona precariamente. Sendo sua
manutenção responsabilidade do município.
Vista parcial do núcleo da Comunidade Praia Grande
A Comunidade possui um total de 26 famílias dispersas pelo seu território.
Suas casas são de taipas cobertas com telhas de barro ou sapê não possuindo rede
de água e esgoto.
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
A água consumida pelos moradores vem de nascentes situadas no topo dos
morros. Eles não têm luz elétrica mas tem um sistema de luz solar que faz
funcionar uma lâmpada na casa durante algumas horas por dia.
Os moradores de Praia Grande são basicamente agricultores familiares que
produzem para o autoconsumo. O excedente é trocado com os vizinhos e em
alguns casos comercializado em Iporanga. Eles plantam arroz, feijão, mandioca,
cana-de-açúcar, milho, café e frutas como amora, jaboticaba, abacaxi, banana,
mamão, etc. Além, das hortas de quintal onde se cultivam plantas medicinais,
verduras e legumes que são utilizados como complemento para alimentação
familiar. Alguns produtos como a farinha de mandioca, o arroz e feijão são
comercializados em Iporanga, a jaboticaba vendida no Paraná. Eles também, criam
alguns animais para o consumo doméstico como galinha, porcos e algumas cabeças
de gado. Um dos alimentos mais consumidos é o peixe, que até alguns anos atrás
era abundante na região. Um dado importante a destacar é a contaminação desses
peixes por chumbo que se deposita no fundo do rio onde peixes como o corimba5,
cascudo, bagre e lambari se alimentam de plantas do fundo do rio. Esse problema
foi mencionado por um dos moradores de Praia Grande. Em uma conversa com
5
O peixe corimba que existem hoje no rio, segundo os moradores, escaparam de tanques durante as
enchentes.
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Antonio Ribeiro nós fizemos um comentário sobre a beleza de Praia Grande e que
ali era o Paraíso. Ele nos respondeu que “para quem é de fora é fácil dizer que aqui é o
paraíso . Que não tem problemas”. E continuou: “eu não conheço São Paulo pra dizer algo
a respeito. Porém, aqui em Praia Grande nos temos problemas sim. O rio está cheio de
chumbo.”
Recentemente a Associação de Quilombos de Praia Grande vem
organizando uma roça comunitária de cana-de-açúcar para fazer melaço para
comercializar em Iporanga. A maioria dos moradores possui moendas de cana-deaçúcar, construídas artesanalmente bem como farinheiras ou casas de farinha.
Casa de farinha de Praia Grande
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Moenda de cana-de-açúcar de Praia Grande
O sistema de plantio é realizado por meio da coivara6 que vem sendo
utilizados a gerações por essas populações. Os moradores de Praia Grande sabem
os locais onde sua família já plantou e que pode ser roçado novamente.Porém, os
plantios das roças obedecem a limites tradicionais de ocupação do território. O que
tem levados alguns moradores de Praia Grande a plantarem em terras que não
foram tituladas em nome de pessoas de fora da Comunidade gerando conflitos
entre os atuais donos e moradores de Praia Grande. Outros são obrigados a
caminhar horas para chegar a um local bom para plantar, pois as terras próximas e
boas para o plantio estão nas mãos de pessoas de fora da comunidade. Ana
Ramalho, moradora de Praia Grande, afirma que o fazendeiro conhecido como
Tiquinho de Peter soltou gado na sua roça de arroz e não pagou o prejuízo. Maria
da Paixão também teve um problema semelhante com um fazendeiro conhecido
como Geremias.
6
A utilização do fogo para preparar do solo para o plantio. “A queima da vegetação posta para secar...nutre
a terra de componentes de rápida absorção, ao passo que os troncos deixados para apodrecer lentamente nas
roças... abastecem o solo de nutrientes que são absorvidos aos poucos, ao mesmo tempo em que as espécies
plantadas crescem” (LA-MPF,1998:130). Após uns três anos as roças são abandonadas com o objetivo de
preservar trechos de território durante períodos de tempo necessários à recuperação de seus recursos naturais
renováveis.
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Segundo o relato dos moradores o método de plantio tem mudado muitos
pouco ao longo dos anos. Cada família tem sua roça independente das outras,
porém em época de colheita ou quando alguém quer aumentar sua plantação são
realizadas as reunidas ou mutirão e as trocas de dia. Nas reunidas a comunidade
ou parte dela é convidada para ajudar no roçado e em contrapartida o dono da
roça se responsabiliza pela alimentação, de todos, e em alguns casos pelo baile que
acontece durante a noite. Atualmente, esses bailes não são muitos freqüentes.
Segundo Clotilde Mariano Pereira, antigamente, existia mais bailes. Os mais
famosos eram na casa de Isabel Pontes que morava em frente da localidade de
Praia Grande. Segundo ela “Reunida para roçar. Fazia o baile para dançar. O dono da
roça ficava com o serviço quando não tinha baile tinha que pagar.” A troca de dias é a
mais utilizada atualmente quando alguém precisa de ajuda na roça convida
algumas pessoas para “a lida” e se compromete a pagar esse trabalho ajudando os
nas suas roças. Raramente essa ajuda nas roças é paga em dinheiro. A maior parte
dos moradores vivem da lavoura e do salário mínimo das aposentadorias7. O fato
dos moradores de Praia Grande conseguirem sobreviver do que produzem é
motivo de grande orgulho para a comunidade. Segundo o Benedito Celestino de
Moura:
(Benedito) - Eu gosto da minha luta, viu. Então, eu acho que um cabra não quer
trabalhar fica aí encolhido, sem trabalhar e tá na boa, né. Ô meu Deus do céu,
deixa essa bendita cesta, não dê essa cesta. Dê terra pra plantar.
(Rose) - Dê ajuda de outra forma, né.
(Benedito) - Dê ajuda e rencomenda, pode rencomenda. Não desmata a cabeceira
da água, né. Não desmata as cabeceiras das águas. Deixa as cabeceiras da água na
sombra, roça pro um lado roça pra outro e deixa ela assim a beleza, né. E faz o que
ele quizer. Eu acho que não é defeito, isso aí. Não é? Não é defeito. E pega essa
cesta e deixa lá. Aqueles homens que estão debaixo da ponte que não tem nada
disso pra nada, pra vive, de pra lá, né.
(Patrícia) - Não tem meios pra plantar.
(Benedito) - Não tem meios de sair, né. Não tem modo. Não tem meios de sair,
então dê essa cesta. Não pra um cara aqui do mato que tá, agüenta se virá tem de
tudo, que é isso? É ou não é?
7
Existe um caso de um casal de Antonio Peniche de Matos e Ana Rosa Miranda Pedrozo de Matos que
trabalham para um posseiro de fora da comunidade.
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Assim, eles não vêem com bons olhos os programas de cesta básica providos
pelo governo, sendo considerando uma ofensa. O fato de serem auto-suficientes na
produção de alimentos é reconhecido até por outras comunidades negras do Vale e
pelos moradores de Iporanga que fazem uma certa diferenciação entre os
moradores de Praia Grande e de outras comunidades de quilombo do município.
A maior parte da comunidade é composta por católicos8. Sendo a capela do
bairro consagrada a Nossa Senhora de Aparecida. Onde acontece uma grande festa
no dia 12 de outubro em sua homenagem. Atual capela foi construída em 1981.
Antes dela, existia a “Casa de São Sebastião” (ver localização no mapa histórico) feita
de taipas onde a população do lugar se reunia para rezar.
9
A devoção a São
Sebastião é comum no bairro sendo, esse santo, o protetor dos desamparados. No
dia 20 de janeiro a comunidade comemora o dia de São Sebastião, nas terras de
Nhá Paula, no lugar onde existia uma antiga casa da família que foi levada pela
enchente. O lugar é enfeitado por flores e bandeirinhas de papel, reze-se o terço.
Após a reza tem café com “mistura” (bolo de tipos variados e biju). Também é
grande a devoção a São Gonçalo de Amarantes. Santo português cujo culto foi
permitido pelo Papa Julio III em 1551. Ele é padroeiro dos violeiros, protetor contra
as enchentes, enfermidades e casamenteiro.
Em Praia Grande, é comum a
promessa feita para São Gonçalo, paga com a Romaria ou Dança de São Gonçalo
que pode ser realizada no dia que for mais conveniente para o devoto. No
momento de necessidade o devoto pede: “Deus de potência para São Gonçalo me
ajudar”.
A Romaria de São Gonçalo é realizada no maior cômodo da casa onde os
móveis são retirados só ficando o altar que é enfeitado com os materiais mais
8
A Igreja Católica teve e tem um papel importante na luta das comunidades negras do Vale do Ribeira pela
terra e Praia Grande não é uma exceção. Ela tem orientado e impulsionado a comunidade de Praia Grande a
lutar contra as barragens e os orientando a buscarem seus direito como remanescentes de comunidade de
quilombo.
9
Neste local também eram administradas aulas de alfabetização para adultos e crianças.
53
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
diversos como bexigas, flores e bandeirinhas de papel de seda e crepom. A
Romaria é tocada por um mestre de cerimônia e um contra mestre. São feitas duas
filas o mestre canta a entoada e puxa sua fila para um lado e o contramestre toca a
viola e puxa sua fila em sentido contrario. Ela é realizada à noite só quando a
promessa é para um defunto que a Romaria tem de ser de dia. As Romarias de São
Gonçalo, terços, bem como, as festas são espaços de socialização para moradores
do bairro de Praia Grande onde os velhos podem contar suas histórias relembrar o
passado, encontros amoroso são possíveis, as mulheres, que são um grupo muito
unido em Praia Grande, trocam experiências.
Altar enfeitado para a Romaria de São Gonçalo
Os moradores de Praia Grande utilizam no seu dia a dia vários tipos de
remédios caseiros para os mais diferentes males. A Quina que é extraída da casca
de uma árvore local serve para dor de barriga, dor de cabeça, gripe e pressão alta.
Benedito Celestino de Moura nos deu a receita de como utilizar essa planta:
1 colher de mandioca (goma)
1 pitada de sal
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ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Raspa de Quina (1 colher)
Limão
Uma outra planta muito usada é o Tranchai como chá para dor de garganta,
também pode ser usada a ampicilina em folha. Além dessas, temos:
-
esmalina : dor de estômago;
-
casca de jataí : é vitamina, fortalece o sangue;
-
aroeira: para ferida, banho e pó;
-
quebra pedra: rim;
-
pata de vaca: diabete e coluna;
-
sete sangria: pressão alta e afina o sangue;
-
espinheira santa: estômago, queimação e calmante;
-
pariparol: fígado
-
chapel de couro: coluna e dor no corpo;
-
cabriúva: chá com ovo e pinga é um fortificante.
Uma prática muito comum é a utilização da banha do lagarto para curar picada
de cobra. Segundo Laurindo Gomes, as pessoas costumam ter a banha do lagarto
em casa, em um vidro. A banha é tirada do lagarto, esquenta-se ao fogo para
derreter e toma-se em seguida, ou passa-se no local da picada de cobra, esse
método é utilizado em animais e seres humanos.
Os casamentos se dão com freqüência com os parentes (entre primos) do Bairro
de João Surra, porém isso não é uma regra. Segundo os moradores de Praia Grande
os casamentos entre primos acontecem devido ao isolamento do bairro em relação
às cidades mais próximas Existem também casamentos com pessoas vindas de
outras comunidades como Pilões ou do município de Barra do Turvo. As relações
de parentesco são importantes para se entender a dinâmica da ocupação do
território. É por meio do casamento ou adoção que muitas pessoas entraram no
território e passaram a fazer parte da comunidade. Uma outra maneira é a
55
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
permissão formal de alguém da comunidade que tenha terras que não estejam
sendo ocupadas.
Em uma conversa com Antonio Marmo Pereira de Souza, fiz algumas
perguntas sobre parentes dele que não estavam morando no território de Praia
Grande. Ele negou que fossem seus parentes, porém diante da minha insistência,
explicou que pode acontecer de ter “desligado o parentesco”. Isso se dá, segundo ele,
quando um parente trapaceia o outro, não presta um favor a um parente, bebe
demais, etc. E ele completa “tem o mesmo sangue, mas às vezes não tem relações”. De
uma forma ou outra as relações de parentesco funcionam como mediadoras do
acesso a terra e da inclusão ou exclusão do grupo. Assim, essa comunidade
construiu um espaço social marcado pela terra e pelo parentesco estabelecendo as
regras e as práticas próprias referentes ao uso da terra bem como ao direito à
mesma.
56
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a elabora deste relatório foram levantadas algumas questões
ligadas à história e aos atuais problemas enfrentados pela Comunidade de Praia
Grande que devem ser encaminhadas para devida providencia, são elas:
- A Comunidade de João Surrá que faz divisa com Praia Grande e tem sua
história profundamente ligada a de Praia Grande tem passados por muitas
dificuldades com os fazendeiros que querem expulsá-los da terra onde vivem.
Recentemente, membros da Igreja Católica que atuam na região entraram em
contato com a Fundação ITESP para que fosse feito o trabalho de reconhecimento
desta Comunidade como Remanescente de Quilombo. Porém, nada pudemos fazer
pois a Comunidade de João Surrá se encontra no estado do Paraná. Dessa foram, se
faz necessário o encaminhamento da questão para a Fundação Palmares para as
dividas providências;
- A Comunidade de Praia Grande sofreu em 1969, um processo de titulação
que os levou a perder parte de seu território ou a não conseguir receber o título das
terras onde residem. Assim se faz necessário uma investigação dos títulos obtidos
em 1969, pelo processo de titulação realizado pela PPI (Procuradoria do
Patrimônio Imobiliário) do Estado de São Paulo. Para que essa comunidade possa
ter assegura a posse efetiva de todo o território historicamente ocupado pela
mesma.
Com base no estudo técnico-científico da Comunidade de Praia Grande
considero que os trabalhos antropológicos não deixam dúvidas sobre a origem
quilombola da mesma. Essa Comunidade ocupa o mesmo território a pelo menos
140 anos. Sua origem remonta à história da mineração na região que corresponde,
atualmente, ao município de Iporanga. Escravos fugitivos ou libertos e seus
descendentes se instalaram em uma localidade próxima a Iporanga, em terras
devolutas ou simplesmente abandonadas pelos seus donos. Posteriormente,
57
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
subiram o rio chegando à Praia Grande. Após a abolição da escravidão compraram
as terras onde residiam. Nesse local, eles desenvolveram um modo de vida próprio
articulado a sociedade mais ampla. Possuindo semelhanças estruturais com as
demais populações rurais da região, que Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973)
chama de bairros rurais. Contudo, o que os diferenciam das outras comunidades
de quilombos da região é o fato de serem autosuficiente na produção de alimentos
para o autoconsumo fato de orgulho para a comunidade.
Dessa forma, à posse efetiva da terra é de fundamental importância para a
manutenção de seu modo de vida e a garantia de sua existência ao longo do tempo.
Tal como enunciado pelo Grupo de Trabalho:
“Isto quer dizer que o território, em todo seu perímetro, necessário
à reprodução física e cultural de cada grupo étnico/tradicional só
pode ser dimensionado à luz da interpretação antropológica e em
face da capacidade suporte do meio ambiente circundante tendo
em vista a necessidade de garantir a melhoria de qualidade de vida
de seus habitantes, através da implementação de projetos
econômicos adequados, conservando-se os recursos naturais para
as gerações vindouras” (pg. 24).
Atualmente, a maior ameaça enfrentada pela Comunidade de Praia Grande
é a construção da usina hidrelétrica do Funil projetada com uma barragem de 70
metros de altura, formando um reservatório de cerca de 34 Km2 , inundando mais
de 97% do seu território10. Foi o engajamento do grupo na luta contra as barragens
que os impulsionou a buscarem o reconhecimento, assegurado pela lei, como
Comunidade de Quilombos assim a luta contra a barragem nunca foi dissociada da
luta pela terra. Dessa forma, o reconhecimento tornou se um argumento a mais na
luta contra a construção das barragens.
10
Maura Campanili. Tijuco Alto volta a preocupar quilombolas, 2001.
58
ITESP/R.T.C. – Quilombo Praia Grande (Scalli, 2002).
Concluímos:
-
que os membros da comunidade Praia Grande são remanescentes de
comunidade de quilombos, de acordo com as definições que embasam os
critérios oficiais de reconhecimento adotados pelo Estado de São Paulo, e
devem, portanto, gozar dos direitos de tal identificação lhes assegura.
-
que se faz urgente à regularização fundiária do território quilombola aqui
demonstrado, de área 1.584,8341 ha.
____________________________________________
PATRICIA SCALLI DOS SANTOS
Antropóloga
59
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63
7. ANEXO
64
I. Memorial Descritivo e Planta da Área para
Reconhecimento
65
II. Croqui de Uso e Ocupação do Solo da Área da Comunidade de
Praia Grande
66
III. Genealogia da Comunidade de Praia Grande (1800 a 1995)
67
IV. Mapa Histórico da Comunidade de Praia Grande (1880 a 1930)
68
V. Documentos da Comunidade de Compra e Venda de Terras em
Praia Grande (1912, 1917 e 1974)
Imposto de Terras pagos pelos membros da família Pereira de Souza
de Praia Grande
(1912 e 1928)
69
VI. Massa de População de Iporanga (1813 e 1826)
70
VII. Registros do Livro de terras de Iporanga (1855)
71