resultado CBSE compartimento delhi

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resultado CBSE compartimento delhi
CENÁRIOS URBANOS
RISCOS E VULNERABILIDADE NA GESTÃO TERRITORIAL
ORGANIZADORAS
Rosemeri Melo e Souza
Sindiany Suelen Caduda dos Santos
Eline Almeida Santos
Raquel Kohler
Criação Editora
Rosemeri Melo e Souza
Sindiany Suelen Caduda dos Santos
Eline Almeida Santos
Raquel Kohler
Organizadoras
CENÁRIOs URBANOS
Riscos e Vulnerabilidade na Gestão Territorial
Criação Editora
Aracaju, SE | 2016
EDITORA CRIAÇÃO
CONSELHO EDITORIAL
Fábio Alves dos Santos
Luiz Carlos da Silveira Fontes
José Eduardo Franco
Luiz Eduardo Oliveira Menezes
Jorge Carvalho do Nascimento
José Afonso do Nascimento
José Rodorval Ramalho
Justino Alves Lima
Martin Hadsell do Nascimento
Projeto gráfico:
Adilma Menezes
Capa:
Criação Editora
Cenários urbanos: riscos e vulnerabilidade na gestão territorial
Rosemeri Melo e Souza; Sindiany Suelen Caduda dos Santos; Eline
Almeida Santos; Raquel Kohler (organizadoras).- Aracaju: Criação, 2016.
ISBN 978-85-8413-094-8 (impresso)
ISBN 978-85-8413-098-6 (digital)
192 p.,il. 21 cm
1. Cenários urbanos 2.Territórios 3. Geografia
I. Título II.Rosemeri Melo e Souza (Org.) III. Assunto
CDU 711.4
Catalogação – Claudia Stocker – CRB 5/1202
Os autores são responsáveis pelas opiniões e conteúdos
respectivos artigos científicos.
emitidos em seus
APRESENTAÇÃO
Pela articulação entre perigosidade e vulnerabilidade, entre os
modos de funcionamento dos processos perigosos e o modo como
sociedade e territórios os recebem, lhes resistem e deles recuperam,
os riscos correspondem a um tema de estudo eminentemente geográfico. No caso dos riscos naturais, geomorfólogos, climatólogos,
hidrólogos e biogeógrafos estenderam os seus temas de trabalho
à Geografia Humana, estudando temas de Demografia, Geografia
Económica, Social e Cultural, Geografia Urbana e Geografia da Saúde para melhor compreender os efeitos dos processos perigosos sobre a sociedade, o ambiente e os territórios, ou seja para estudar os
complexos fenómenos de vulnerabilidade que, conjuntamente com
os processos de perigosidade, marcam os estudos sobre riscos.
Um outro factor que marca de firma decisiva a importância dos
riscos nos estudos de Geografia é a cartografia. Muitos dos trabalhos
sobre riscos assentam numa cartografia mais geral ou mais detalhada, conforme os objectivos, dos diferentes elementos que marcam
o funcionamento dos processos perigosos (susceptibilidade e probabilidade), mas também da vulnerabilidade social, da exposição de
pessoas e do valor dos bens potencialmente afectados. Quer dizer,
para tornar os estudos sobre riscos aplicáveis, seja em termos de
ordenamento do território, seja em termos da gestão do socorro e
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Lúcio Cunha
da emergência, a cartografia é um instrumento fundamental. Além
de mostrar o onde (onde há maior probabilidade de acontecerem
os desastres; onde as suas manifestações serão mais intensas; onde
a recuperação será mais ou menos difícil) ela responde também ao
como (apontando para os factores que condicionam e podem desencadear os processos perigosos) e mesmo ao porquê (mostrando
os problemas territoriais, ambientais e sociais que são responsáveis
pela ocorrência dos processos perigosos e pelas suas consequências. O quando, seguramente uma das respostas mais difíceis de
tratar cartograficamente, é o elemento que mais contribui para o
grau de incerteza associado aos estudos de riscos. Ainda assim, pelo
menos para alguns tipos de riscos naturais, como, por exemplo, as
inundações, os mapas de probabilidade podem dar um importante
contributo na preparação para esta incerteza e, consequentemente, para a sua gestão.
A Geografia é, por natureza, uma ciência interdisciplinar de
charneira entre os estudos sobre a natureza e sobre a sociedade.
No entanto, no que diz respeito aos estudos sobre riscos e, particularmente, sobre riscos naturais, a interdisciplinaridade tem de ir
mais longe. Ao procurar uma melhor compreensão dos processos
perigosos, a geologia, a física, a química, a meteorologia, a engenharia são fundamentais. O entendimento mais integral dos processos
económicos, sociais e culturais que controlam a vulnerabilidade é
muito ajudado pela economia, sociologia e antropologia. O desenvolvimento metodológico que conduz à produção de cartografia de
riscos é quase sempre muito apoiado pela matemática e, particularmente, pela Estatística. Se entrarmos no desenho dos processos de
mitigação e de gestão do risco, se entrarmos no estudo das fases
de gestão da emergência e do socorro, a medicina, a psicologia têm
garantidamente um papel a desempenhar… E por aí fora! Praticamente não há saberes formais ou informais, mais científicos ou mais
técnicos, mais naturais ou mais sociais, que não possam ser invocados para o estudo dos riscos, mesmo quando se trata de riscos na-
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turais. A interdisciplinaridade (ou formas mais avançadas de integração disciplinar, como a transdisciplinaridade) é um dos paradigmas
da ciência do século XXI. Mas, este conceito tem particular sentido
no estudo, mais teórico ou mais directamente aplicado, dos riscos.
A geografia física e a geografia humana têm um importante papel a
desempenhar neste contexto e a cartografia é muitas vezes, para
não dizer quase sempre, o principal veículo de interdisciplinaridade
que caracteriza o trabalho do geógrafo, que lhe serve de diálogo e
que mostra a importância dos estudos sobre o território no complexo processo dos estudos de riscos.
A questão dos riscos assume uma particular importância em
meios urbanos, por diferentes e várias razões. Em primeiro lugar,
porque devido à concentração urbana que afecta todos os países do
globo, as cidades não param de crescer, e muitas vezes, para não dizer quase sempre, fazem-no sem o necessário cuidado de termos de
ordenamento e gestão do território. Os processos construtivos de
edifícios e infra-estruturas desflorestam, transformam a topografia,
remexem terras, abrem taludes, criam aterros, aumentam as pressões sobre os solos, impermeabilizam-nos, criam “ilhas” de calor
urbano, ou sejam transformam de modo decisivo os modos de funcionamento dos sistemas naturais, expondo os territórios urbanos
a um conjunto de processos naturais perigosos, como inundações
progressivas ou rápidas, movimentos de vertente e ondas de calor,
para citar apenas os mais evidentes. Os exemplos serão muitos nas
várias partes do Mundo, em países do Norte e do Sul, em pequenas
cidades ou em grandes metrópoles. As cidades crescem muito rapidamente, muitas vezes de forma difusa e desordenada, alastrando
pelo espaço em forma “mancha de óleo”, ocupando progressivamente leitos de inundação, vertentes declivosas, espaços florestais.
Para além dos riscos ditos naturais, a cidade é hoje o palco principal
da vida comunitária, onde se manifestam todos os riscos tecnológicos próprios da vida urbana (incêndios, acidentes rodoviários ou
industriais, por exemplo) mas também riscos económicos (falências
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Lúcio Cunha
de empresas, especulação imobiliária, inflação), sociais (desemprego, conflitos sociais, insegurança) e ambientais (poluição e problemas sanitários).
Em síntese, pelas suas dimensões, características físicas, modo
de evolução e condições sociais, a cidade é, em regra, palco de um
aumento da probabilidade de ocorrência de processos potencialmente perigosos de todos os tipos. Mas, na cidade aumenta, sobretudo, a exposição de pessoas a este tipo de processos. Na cidade é,
também, mais nítida a diferenciação e mesmo a segregação social
e económica de algumas comunidades, com criação de territórios
urbanos de elevada vulnerabilidade social. Finalmente, na cidade o
valor dos bens potencialmente afectados (edifícios, infra-estruturas, bens patrimoniais) é muito maior. Quer dizer, em meios urbanos
aumenta, também, de forma significativa, a vulnerabilidade.
Os problemas da gestão do risco nas cidades apresentam também importantes elementos de diferenciação que têm sobretudo
a ver com o elevado número de pessoas em causa, com a sua forte
mobilidade, de acordo com a hora do dia, o dia da semana ou o mês
do ano, com a existência e necessidade de funcionamento de estruturas vitais como hospitais, quartéis, escolas.
A cidade apresenta, assim, características territorialmente diferenciadas, tanto no que diz respeito à ocorrência e modo de funcionamento dos processos potencialmente perigosos, como no
que diz respeito à vulnerabilidade das comunidades que nela vivem.
Também os modelos de gestão do risco (prevenção, socorro e recuperação) apresentam um recorte particular nas cidades. Por isso
muitos autores falam especificamente de riscos urbanos.
A importância do tema levou os promotores do III Ciclo de debates do GEOPLAN/UFS à publicação do livro Cenários urbanos:
riscos e vulnerabilidade na gestão territorial, a ser lançado durante o evento. Com ele se pretende contribuir para a discussão
deste importante, actual e útil tema geográfico, estudando os mecanismos envolvidos em casos concretos de riscos à escala loca e
Apresentação
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regional, ao mesmo tempo que se apontam algumas soluções que,
embora localizadas, podem servir de exemplo na boa gestão dos
riscos naturais urbanos.
O primeiro trabalho, da autoria de Cláudio Jorge Moura de Castilho, intitula-se “Reforço da urbanização capitalista e territórios
ameaçados: o Coque no âmbito do embate entre a racionalidade
técnico-instrumental neoliberal e a racionalidade ambiental”. Nele,
o autor discute as transformações ocorridas no Coque, uma Zona
Especial de Interesse Social (ZEIS) localizada em Recife, Nordeste
brasileiro. Apresenta-o como um território ameaçado pelo perverso
processo de urbanização atual, muito marcado por interesses especulativos. Através deste exemplo, indaga se a constituição das ZEIS
representará efetivamente uma conquista social para as classes subalternas ou se corresponde antes a um mecanismo “disfarçado”
para deixar os territórios-ZEIS como reserva de terrenos para serem
usados em momentos propícios, fazendo valer os interesses voltados, sobretudo, para a acumulação do grande capital.
Raquel Kohler aborda os “Aspectos físicos, legais e gestão da
arborização viária em Aracaju, Sergipe”. Através de consultas bibliográficas, estudo da legislação municipal, consulta às informações
sobre as práticas adotadas pela municipalidade em prol da arborização
pública, consulta aos resultados de estudos sobre arborização de
Aracaju e trabalho de campo em sete bairros da cidade, a autora
analisa o uso e ocupação do solo na capital sergipana, Aracaju, buscando identificar os problemas da arborização nas ruas, com atenção especial aos passeios públicos (calçadas).
A “Produção de áreas de risco geomorfológico no sítio urbano
de Garanhuns-PE” é o tema do trabalho de Felippe Pessoa de Melo
e Rosemeri Melo e Souza, que procuram analisar a produção do risco geomorfológico no sítio urbano de Garanhuns/PE, tendo como
marco temporal a década de 1960. Entendendo o risco como uma
construção social, os autores percorrem todo o processo de formação territorial do município pernambucano, salientando a evolução
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Lúcio Cunha
das ações antropogênicas na paisagem como forma de incremento
do risco geomorfológico.
As “Mudanças ambientais na zona costeira” tendo em consideração os processos perigosos, a vulnerabilidade e os riscos associados levaram Luana Santos Oliveira Mota e Rosemeri Melo e Souza
a estudar o litoral do Município de Aracaju, onde, à semelhança do
que acontece em todo o Brasil, a zona costeira se configura como
uma área de elevada fragilidade natural e que apresenta um contínuo aumento populacional. As autoras discutem as inter-relações
entre meio biofísico e as consequentes derivações antropogênicas
da paisagem, assim como o modo como se têm incrementado os
riscos, associados à ocupação desmedida e não planejada de grande
parte das unidades naturais no município.
As dunas costeiras de Sergipe e os riscos/hazards socioambientais e vulnerabilidades biofísicas associadas são o tema do trabalho
de Jailton de Jesus Costa e de Rosemeri Melo e Souza, em que são
avaliados os riscos socioambientais que contribuem para a vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares de todo o litoral sergipano,
a partir do uso de geoindicadores socioambientais, numa análise
diacrónica que compara dados de 2009 e 2016.
Geisedrielly Castro dos Santos e Rosemeri Melo e Souza estudam os “Manguezais do litoral centro e sul de Sergipe: vulnerabilidade a perda de vegetação associada aos tensores naturais e antropogénicos”. Apresentando como objeto de estudo os manguezais
desenvolvidos na margem direita das desembocaduras dos rios Sergipe (município de Aracaju, litoral centro de Sergipe) e Vaza Barris (município de Itaporanga D’Ájuda, litoral sul sergipano), as autoras procuram
analisar as modificações fitofisionômicas ocorridas nos manguezais,
que permitem explicar a perda da vegetação e justificar as possíveis
causas associadas aos tensores de origem natural (dinâmica costeira) e de origem antropogênica (crescimento urbano).
Finalmente, as “Complexidades da desertificação no Alto Sertão de Sergipe: Vegetação e clima” são o tema do estudo apresen-
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tado por Alberlene Ribeiro de Oliveira e Josefa Eliane Santana de
Siqueira Pinto, que procuram analisar os processos de degradação
ambiental relacionados, principalmente, com o desmatamento do
bioma caatinga no Alto Sertão de Sergipe, processos que interferem
diretamente no microclima, na biota e nos solos, gerando danos significativos para os ecossistemas e para a sociedade.
Este diversificado conjunto de textos constitui um livro importante e útil, que mostra distintos estudos de caso relacionados com
riscos urbanos. Analisam-se processos perigosos, estudam-se as
suas consequências e propõem-se soluções de gestão. Se no que
diz respeito ao desenvolvimento dos processos se obtêm algumas
certezas, muitas são também as dúvidas deixadas. Muitas certezas
técnicas tornam-se dúvidas científicas a que os autores tentam dar
resposta num processo analítico e interpretativo que enriquece e
valoriza socialmente a ciência geográfica.
Lúcio Cunha
Coordenador Científico do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território
Departamento de Geografia e Turismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
* Este texto mantém a escrita original da língua portuguesa utilizada em Portugal.
SUMÁRIO
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APRESENTAÇÃO
Lúcio Cunha
REFORÇO DA URBANIZAÇÃO CAPITALISTA E TERRITÓRIOS
AMEAÇADOS: O Coque no âmbito do embate entre
a racionalidade técnico-instrumental neoliberal e a
racionalidade ambiental
Cláudio Jorge Moura de Castilho
ASPECTOS FÍSICOS, LEGAIS E GESTÃO DA ARBORIZAÇÃO
VIÁRIA EM ARACAJU, SERGIPE
Raquel Kohler
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PRODUÇÃO DE ÁREAS DE RISCO GEOMORFOLÓGICO NO
SÍTIO URBANO DE GARANHUNS-PE
Felippe Pessoa de Melo
Rosemeri Melo e Souza
105
MUDANÇAS AMBIENTAIS NA ZONA COSTEIRA: Perigo,
Vulnerabilidade e Riscos Associados
Luana Santos Oliveira Mota
Rosemeri Melo e Souza
133
149
RISCOS/HAZARDS SOCIOAMBIENTAIS E VULNERABILIDADES
BIOFÍSICAS ASSOCIADAS ÀS DUNAS COSTEIRAS EM SERGIPE
Jailton de Jesus Costa
Rosemeri Melo e Souza
MANGUEZAIS DO LITORAL CENTRO E SUL DE SERGIPE:
Vulnerabilidade a Perda de Vegetação Associada aos
Tensores Naturais e Antropogênicos
Geisedrielly Castro dos Santos
Rosemeri Melo e Souza
DA DESERTIFICAÇÃO NO ALTO SERTÃO
169 COMPLEXIDADES
DE SERGIPE: Vegetação e Clima
Alberlene Ribeiro de Oliveira
Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
187
SOBRE OS ORGANIZADORAS
189 SOBRE OS AUTORES
REFORÇO DA URBANIZAÇÃO CAPITALISTA E
TERRITÓRIOS AMEAÇADOS:
O Coque no âmbito do embate entre a racionalidade
técnico-instrumental neoliberal e a racionalidade
ambiental
n Cláudio Jorge Moura de Castilho
INTRODUÇÃO
A teoria social crítica sobre o processo de urbanização no mundo moderno tem demonstrado que, no contexto do sistema capitalista de produção, o espaço urbano tem sido produzido (HARVEY,
2004, 2005, 2010; LEFEBVRE, 1999a, 1999b), predominantemente,
para garantir os interesses, articulados em torno do Complexo do
Mercado Imobiliário-Financeiro-Comercial (CMIFC), fundamentais à
acumulação de capital, sobretudo na atual expansão dos interesses
do neoliberalismo.
The production of space in general and of urbanisation in particular has bocome big business under capitalism. It is one of
the key ways in which the capital surplus is absorbed. A significant proportion of the total global labour force is emplo-
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
yed in building and maintaining the built environment. Large
amounts of associated capitals, usually mobilised in the form
of long-term loans, are set in motion in the process of urban
development. [...] The connections between urbanisation,
capital accumulation and crisis formation deserve careful
scrutiny.1 (HARVEY, 2010, p. 166)
Trata-se, em outros termos, da expansão territorial inerente
à lógica da racionalidade técnica instrumental, hoje neoliberal e
perversa, a qual tem acontecido, muitas vezes, em detrimento dos
interesses das classes subalternas, isto é, daquelas classes sociais
que vivem do trabalho sob os moldes da exploração do capitalismo.
Durante a história do processo de urbanização em Recife (Brasil),
cidade que nunca deixou de manter em sua paisagem as características
perversas inerentes à formação territorial do capitalismo no Brasil,
os interesses da acumulação de capital quase sempre conseguiram
sobrepor-se aos interesses da realização plena da vida humana
(CASTILHO, 2011), inclusive buscando produzir seus territórios em
detrimento dos territórios das classes sociais subalternas. Considerase aqui, território como espaço resultante:
[...] d’une action conduite par un acteur syntagmatique (acteur réalisant un programme) à quelque niveau que ce soit.
En s’appropriant concrètement ou abstraitement (par exemple, par la représentation) un espace, l’acteur ‘territorialise’
l’espace. Lefebvre exprime parfaitement le mécanisme pour
passer de l’espace au territoire: ‘La production d’un espace,
le territoire national, espace physique, balisé, modifié, trans1 “A produção do espaço em geral e da urbanização em particular têm-se tornado um grande
negócio sob o capitalismo. Isto é uma das maneiras chave através da qual a mais-valia é absorvida. Uma significativa proporção da força de trabalho global é empregada e mantida no ambiente da construção. Um amplo montante dos capitais associados, geralmente mobilizados
na forma de empréstimos a longo prazo, é colocado em movimento no processo do desenvolvimento urbano. [...] As conexões entre urbanização, acumulação de capital e formação de
crises merece um exame minucioso”. (Tradução livre realizada pelo autor)
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
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formé par les réseaux, circuits et flux qui s’y installent: routes,
canaux, chemin de fer, circuits commerciaux et bancaires,
autoroutes et routes aériennes, etc.’. [...] Le territoire, dans
cette perspective, est un espace dans lequel on a projété du
travail, soit de l’énergie et de l’information, et qui, par consequent, révèle des relations toutes marquées par le pouvoir.
L’espace est la ‘prison originelle’, le territoire est la prison
que les hommes se donnent.2 (RAFFESTIN, 1980, p.129)
Mesmo sendo a “prisão criada pelos homens”, o território
como espaço no qual o trabalho dos homens se projeta é vida. Portanto, quando se retira o território das classes sociais que os produzem, elas também perdem suas formas de existência e resistência,
problema que se agrava ainda mais quando não se lhes oferecem
alternativas concretas de vida na cidade. Esses territórios estão sendo ameaçados de maneira mais explícita pelos interesses capitalistas que, permanentemente, desejam expandir-se, pela sua própria
natureza, também sobre os territórios das classes subalternas, desconsiderando suas territorialidades. Procedendo de uma “problemática relacional”, a territorialidade inscreve-se
[...] dans le cadre de la production, de l’échange et de la
consommation des choses. [...] C’est toujours un rapport,
même s’il est différé, avec les autres acteurs. Toutes production du système territorial determine ou conditionne une
consommation de celui-ci. Maillages, nodosités et réseaux
2 “[...] de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator realizando um programa) em
qualquer nível. Em se aproximando concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação) de um espaço, o autor ‘territorializa’ o espaço. Lefebvre exprimiu perfeitamente o
mecanismo utilizado através do qual se passa do espaço ao território: ‘A produção de um
espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes,
circuitos e fluxos que nele se instalam: estradas, canais, ferrovias, circuitos comerciais e bancários, rodovias e rotas aéreas, etc.’. [...] O território, nesta perspectiva, é um espaço no qual a
sociedade projetou o trabalho, tanto em termos de energia quanto de informação, e que, por
conseguinte, revela relações intrínsecas de poder. O espaço é a ‘prisão original’, o território é
a prisão que os homens se dão a si mesmos”. (Tradução livre feita pelo autor)
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
créent des voisinages, des accès, des convergences, mais
aussi des disjonctions, des ruptures et des éloignements
que doivent assumer les individus et les groupes. Chaque
système territorial secrète sa propre territorialité que vivent
les individus et les sociétés. La territorialité se manifèstent
à toutes les échelles spatiales et sociales, elle est consubstantielle de tous les rapports et on pourrait dire qu’elle est
en quelque sorte la ‘face vécue’ de la ‘face agie’ du pouvoir.
3
(RAFFESTIN, 1980, p. 146)
No atual contexto de separação, ruptura e afastamento, diversas territorialidades, no mundo, vêm sendo ameaçadas no âmbito do
agravamento de fortes embates entre os interesses sociais vinculados ao processo permanente de produção capitalista do espaço urbano. Isso acontece, principalmente, quando elas estão vinculadas
a territórios localizados em áreas que se tornam estratégicas para a
realização dos interesses do processo global da urbanização capitalista, sujeitas, assim, a receberem os investimentos privados e públicos
de grande porte.
A este respeito, através da reflexão e argumentação realizadas
por Rolink (2015) acerca da colonização da terra e da moradia na
cidade na era das finanças, pode-se chegar à conclusão de que, para
atender seus propósitos, os interesses hegemônicos estão desrespeitando leis urbanísticas instituídas para garantir a manutenção
das territorialidades, hoje ameaçadas, das classes subalternas. O
que está ocorrendo através de práticas nitidamente urbanísticas higienistas que estimulam processos de gentrificação do espaço.
3 “[...] no quadro da produção, da troca e do consumo das coisas. [...] É sempre uma relação,
mesmo que diferenciada, com os outros atores. Toda produção do sistema territorial determina ou condiciona um consumo de território. Malhas, nós e redes criam vizinhanças, acessos,
convergências, mas também disjunções, rupturas e afastamentos relativos aos indivíduos ou
grupos. Cada sistema territorial guarda sua própria territorialidade manifestando-se em todas
as escalas espaciais e sociais. A territorialidade [...] é consubstanciada de todas as relações e
poder-se-ia dizer que ela é, de uma certa feita, a ‘face vivida’ da ‘face agida’ do poder’”. (Tradução livre realizada pelo autor)
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
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Tanto que não se está mais respeitando nem mesmo leis (como
a da institucionalização das Zonas Especiais de Interesse Social –
Zeis) e instrumentos urbanísticos (Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – Prezeis) que, desde os anos oitenta do século XX, foram instituídos para garantir o direito das classes
subalternas de permanecerem nos seus territórios historicamente
ocupados e produzidos. As Zeis são “[...] assentamentos habitacionais populares, surgidos espontaneamente a partir de ocupações
em áreas públicas e privadas, não dispondo de infraestrutura básica de urbanização e sem ter a sua situação fundiária regularizada”.
(CENDHEC, 1997, p.6).
O Coque, localizado em Recife (Figura 1), é um dos territórios
cuja territorialidade, historicamente tecida pelos seus moradores,
vem sendo, paulatinamente, ameaçada pelos interesses da lógica
da racionalidade técnica instrumental do capitalismo neoliberal,
pela qual se deseja conquistá-lo para produzi-lo de acordo com os
interesses da expansão das ações especulativas – sobretudo no âmbito do CMIFC – na área, muito embora este território seja uma Zeis,
desde 1983.
Contudo, uma vez que o Coque constitui um território historicamente ocupado, produzido e vivido, possuindo significativas territorialidades, ele também é uma rugosidade, ou seja, um conjunto
complexo de “heranças físico-territoriais, mas também [...] heranças
socioterritoriais ou sociogeográficas” (SANTOS, 1997, p.36), com
potencial para influir no tempo presente: experiência de mobilização social, valores de solidariedade e autonomia, etc. Como tal, não
é e não será fácil apagá-las, sem haver movimentos de oposição, os
quais, inclusive, acontecem hoje, por meio do uso das diversas redes
sociais e informacionais.
Fonte: Imagem do Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife, 2005, figura trabalhada por Katielle Susanne, pesquisadora do grupo de pesquisa Movimentos
Sociais e Espaço Urbano (MSEU).
Figura 1- Localização da Zeis Coque na cidade do Recife.
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
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O presente artigo pretende, portanto, contribuir para a discussão, retomada no Brasil, sobre o papel do atual processo de urbanização capitalista perverso que vem ameaçando territórios e territorialidades historicamente conquistados por setores das classes
sociais subalternas, a partir de uma experiência que aconteceu em
Recife, no âmbito do retorno de maneira mais intensa e célere da
postura urbanística higienista norteada pela lógica técnica instrumental neoliberal.
Do ponto de vista da metodologia, optou-se por uma abordagem
relacional mediante a qual a interdisciplinaridade é considerada como
caminho fundamental à apreensão e explicação do processo de urbanização capitalista como uma totalidade complexa. Ademais,
A la problématique morpho-fonctionnelle, il faut sinon substituer, du moins ajouter une problématique relationnelle dont
les résultats, s’il y en a, seront connotatifs de ceux issus de
la première. Quand nous disons ‘ajouter’ on pourrait croire
qu’il s’agit d’une évolution linéaire. En fait, il n’en est rien
puisque la problématique relationnelle aurait dû preceder la
problématique morpho-fonctionnelle, ele auraît dû se situer
en amont. La géographie humaine s’est constituée, entre autres, sur le príncipe de différentiation spatiale à partir duquel
certains tentent aujourd’hui de construire une axiomatique.4
(RAFFESTIN, 1980, p. 23)
Esta problemática aproxima-nos, por seu turno, de um dos fundamentos essenciais do paradigma da complexidade, o qual, de
4 A problemática morfo-funcional precisa ser substituída, ou ser acrescentada a uma problemática relacional cujos resultados, se existirem, também deverão ser relacionados a ela.
Quando nós dizemos ‘acrescentar’ poder-se-ia acreditar que se trataria de uma evolução linear. De fato, mas não é nada disso, visto que a problemática relacional deveria preceder
a problemática morfo-funcional, situando-se à montante. A geografia humana constituiu-se,
entre outras, sob o princípio da diferenciação espacial a partir do qual alguns tentam hoje
construir um axioma”. (Tradução livre feita pelo autor)
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
acordo com Morin (2011), refere-se ao fato de que o conhecimento
só pode ser socialmente pertinente quando situa seu objeto no contexto e, possivelmente, no sistema global do qual faz parte, criando estratégias que, ao mesmo tempo, sejam capazes de separar e
religar, analisar e sintetizar, abstrair e rearticular os elementos do
concreto.
Ademais, o mesmo autor indagou em que medida esse paradigma também pode ser interessante para explicar as concepções e ideologias estabelecidas em torno da ideia de progresso, as quais às vezes
possuem, segundo nossa visão, aspectos prejudiciais à manutenção
do equilíbrio entre as relações – de poder – sociedade-espaço. Isso,
principalmente, quando a ideia de progresso é reapresentada como
uma fábula para mascarar a perversidade da lógica inerente à racionalidade instrumental neoliberal do capitalismo. Nessa perspectiva:
Complexidade significa que a ideia de progresso, aqui empregada, comporta incerteza, comporta sua negação e sua degradação potencial e, ao mesmo tempo, a luta contra essa degradação. Em outras palavras, há que fazer um progresso na ideia
de progresso, que deve deixar de ser noção linear, simples,
segura e irreversível para tornar-se complexa e problemática.
A noção de progresso deve comportar autocrítica e reflexividade. (MORIN, 2000, p. 97-98)
Primeiramente, apresentar-se-á a natureza do processo de produção do espaço urbano em Recife (primeira seção); em seguida, discutir-se-á o processo atual dos movimentos sociais como práticas de conquista do espaço urbano também pelas classes subalternas (segunda
seção); depois, colocar-se-á o caso do Coque como um território ameaçado pelos interesses especulativos (terceira seção); e, por último,
indagar-se-á em que medida as Zeis constituíram efetivamente uma
conquista social para as classes subalternas ou se são um mecanismo
“disfarçado”, ou seja, uma concessão das classes hegemônicas para
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
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deixar os territórios-Zeis como reserva de terrenos para serem usados
em momentos propícios, fazendo valer os interesses voltados, sobretudo, para a acumulação de capital (quarta seção).
1. NATUREZA DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM RECIFE
“Apenas quando somos instruídos pela realidade
é que podemos muda-la”.
(Bertold Brecht, 1933)
A natureza do processo de produção do espaço geográfico no
Brasil reside, mormente, na primazia, segundo Castilho (2011), dos
interesses econômicos voltados, principalmente, para a acumulação
de capital em detrimento dos interesses voltados à realização plena
da vida humana. Isso está, por sua vez, perfeitamente de acordo
com a natureza da formação histórico-territorial do Brasil desde a
sua colonização, reforçando, segundo palavras de uma liderança do
movimento social Coque (R)Existe, a permanência de uma “lógica
predatória de construção das cidades brasileiras”.
Desde o início da sua formação urbana que as classes hegemônicas – a dos grandes produtores de commodities e dos comerciantes ligados ao comércio de exportação e importação que detêm os
instrumentos garantidores da sua hegemonia no processo de produção capitalista do espaço urbano – em Recife têm ocupado os
melhores terrenos do seu espaço. Melhores terrenos em cidades de
economia voltada para o exterior – com sítio urbano litorâneo, de
baixa altitude e sujeito a alagamentos constantes – significam aqueles de terra firme e de fácil acesso ao Porto e/ou às suas adjacências.
Após a ocupação de tais terrenos, produzindo seus espaços de
acordo com os interesses do CMIFC, as classes hegemônicas locais
passaram a cobiçar outros terrenos da cidade. Inclusive aqueles
que, antes por elas mesmas preteridos, foram ocupados e aterra-
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
dos pelas classes subalternas que não tinham acesso aos melhores
terrenos da cidade.
Portanto, sempre no sentido de conquistar espaços da cidade a
fim de expandirem suas possibilidades concretas de acumular capitais, as classes hegemônicas foram, progressivamente, ampliando o
processo permanente de produção dos seus espaços de existência.
Daí porque, sob os parâmetros de práticas urbanísticas contínuas
baseadas no higienismo, elas procuraram apropriar-se dos terrenos
aterrados pelas classes subalternas, afastando e/ou expulsando estas últimas, isto é, tentando apagar suas territorialidades.
O higienismo, ao nível do discurso dos governos como promotores do já referido progresso, procurou combater situações de insalubridade presentes no espaço urbano, ultrapassando o âmbito
das ações profiláticas e imediatistas. Nesse caso, a insalubridade da
cidade significava a presença da pobreza e de tudo o mais que possa
dificultar a realização dos grandes projetos concretizadores da urbanização capitalista. O seu objetivo maior é, portanto,
[...] limpar a cidade [...] como a expulsão dos mendigos das
pontes e do centro da cidade, a perseguição aos pequenos
comerciantes de rua, os protestos contra a degenerescência
da moral promovida pelas prostitutas e pelos bandos de desordenados. [...] Outro importante eixo de intervenção dos
médicos-higienistas consistiu na morada do pobre, do operário, do vagabundo, ou mesmo a casa operária passaram a ser
objeto de controle, a sofrer regulações, perseguições, notificações e de campanhas na imprensa. (MOREIRA, 1992, p. 197)
Enfim, o higienismo consiste em um conjunto de ações implementadas para tornar a cidade mais fluida para a urbanização capitalista, liberando-a dos seus obstáculos, isto é, das classes sociais
indesejadas, o que se faz ainda mais grave em países nos quais
o processo da cidadania ainda não se completou, estando parte
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
25
significativa da sua população vivendo sob condições, segundo
Schwarcz e Starling (2015), de “subcidadania”. A história urbana
tem mostrado que esse pensar e agir no espaço retorna de maneira cada vez mais intensa e célere cada vez que o processo de
urbanização é reforçado tal como recentemente ocorreu nas cidades brasileiras que se prepararam para sediar os jogos da Copa do
Mundo de Futebol 2014.
Fazendo parte da história urbana em Recife, o higienismo teve
seu início, ainda na segunda metade do século XVII, quando o interventor português Marquês de Montebello havia implementado uma
série de ações visando retirar pessoas indesejadas – os pobres – de
áreas da cidade que se valorizavam no curso do processo de urbanização em Recife, visando promover a “limpeza” destas áreas.
Novamente, no início do século XX, essas práticas urbanísticas
tiveram a área do Porto do Recife como local do seu acontecer histórico. Desta vez com o suporte de ações inspiradas em lições do
Barão de Haussmann, visando reforçar a funcionalidade e modernização da área portuária, bem como a reprodução de um espaço que
representasse os ideais das classes hegemônicas locais que desejavam fazer de Recife uma “cidade europeia”. As avenidas Marquês
de Olinda, Rio Branco e Alfredo Lisboa, localizadas no bairro histórico Recife, são exemplos dessa experiência.
Entre o final dos anos trinta e início dos quarenta deste mesmo século, essas experiências urbanísticas foram ampliadas na cidade, sob a batuta do então interventor Agamenon Magalhães. Isso
aconteceu por meio de ações governamentais de erradicação dos
mocambos5, para o que se havia instituído a Liga Social Contra os
Mocambos. A avenida Agamenon Magalhães, hoje um dos principais eixos viários da cidade, que passa pertinho do território Coque,
é o principal exemplo desta outra experiência urbanística de caráter
higienista.
5 Mocambo é um termo local utilizado para se referir a um tipo de habitação popular construída com materiais rústicos pelos próprios moradores.
26
Cláudio Jorge Moura de Castilho
Posteriormente, durante os anos quarenta e setenta também
do século passado, outras experiências pontuais foram realizadas
na área central histórica da cidade, abrindo largas avenidas e destruindo territórios ocupados, principalmente, pelas classes subalternas. As avenidas Guararapes e Dantas Barreto são, respectivamente, dois exemplos desse período.
A busca da realização da acumulação de capital a todo custo
sempre representou de fato a natureza do processo perverso de urbanização capitalista no Brasil. Tanto é que, até o começo dos anos
oitenta do século XX, as classes subalternas não tinham direito legal
de permanecerem nos seus territórios historicamente construídos
no curso da sua existência na cidade.
Por outro lado, como o processo de produção capitalista do
espaço urbano é contraditório e conflituoso, ele sempre traz em
si suas próprias condições no sentido da mudança. Isso pode ser
constatado na medida em que, citando Engels, disse Lefebvre
(1999b, p. 27) que:
Os trabalhadores começam a sentir que eles constituem uma
classe na sua totalidade; eles tomam consciência de que, se
isoladamente são fracos, representam todos juntos uma força; a separação da burguesia, a elaboração de concepções
e idéias próprias dos trabalhadores e de sua situação, aceleram-se; a consciência que eles têm de serem oprimidos se
lhes impõe; os trabalhadores adquirem assim uma importância social e política. As grandes cidades são a sede do movimento operário; é aí que os operários começam a refletir
sobre sua situação e a sua luta; é aí que se manifesta primeiro
a oposição entre proletariado e burguesia [...].
Esse processo de tomada de consciência varia segundo especificidades históricas e geográficas inerentes a cada território. Contudo, mesmo não se tratando de um movimento operário basea-
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
27
do na concepção simplista de luta entre burguesia e proletariado,
a experiência tomada como exemplo neste texto refere-se a um
movimento social urbano que, baseado em um território, busca
a conquista dos direitos sociais “prometidos pela modernidade”.
Desse modo:
Se é necessário hoje retomar e ampliar o pensamento dos
grandes utopistas [...], não é porque eles sonharam o impossível, é porque esta sociedade traz ainda e sempre, nela, sua
utopia: a possível/impossível, o possível que ela torna impossível, últimas contradições, geradoras de situações revolucionárias que coincidem mais com aquelas que anunciou Marx;
tanto que não é mais suficiente para resolvê-las, um crescimento organizado (planejado) das forças produtivas! (LEFEBVRE, 1999b, p. 180)
Somente assim, e movidos por uma racionalidade diferente da
predominante, é que se poderá ousar em termos de movimentos
sociais capazes de, efetivamente, conquistar direitos no sentido de
produzir espaços urbanos em que justiça social e qualidade de vida
constituam valores de todas e todos.
2. MOVIMENTOS SOCIAIS E CONQUISTA DO DIREITO AO
ESPAÇO, ZEIS E PREZEIS
Diante do até aqui exposto, buscando o acesso – ao mesmo
tempo quantitativo e qualitativo – ao conjunto dos direitos fundamentais para a garantia da cidadania na cidade (HARVEY, 2004),
também diversos moradores pertencentes às classes subalternas,
nos espaços urbanos brasileiros, organizam-se e mobilizam-se para
mudar suas condições precárias de existência. Isso pode ser viabilizado a partir da produção do espaço do cidadão, pelo qual, vale a
pena reiterar que
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no
território. Seu valor vai mudando incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade
(tempo, frequência, preço), independentes de sua própria
condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma
formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente
segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são as
mesmas. Por isso, a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território
onde se está. Enquanto um lugar vem a ser condição da sua
pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhes são
teoricamente devidos, mas que, de fato, lhe faltam. (SANTOS, 1987, p. 81, grifos do autor)
A consciência da relevância do que se acabou de citar na vida
das pessoas pobres, por exemplo, levou as classes subalternas a
buscar prover seus territórios com o conjunto dos bens e serviços
fundamentais rumo à completude da sua cidadania. Graças, notadamente, à visibilidade dos movimentos sociais urbanos que saíam do
seu estado de latência, justamente a partir do final dos anos setenta
– quando da distensão e abertura política do período da ditadura
militar – e início dos oitenta do século XX com o processo da transição democrática, as classes subalternas foram reconquistando seus
direitos a partir da retomada do Movimento Nacional pela Reforma
Urbana (MNRU). Este movimento, que teve início, sobretudo, nos
anos cinquenta e sessenta do mesmo século, alicerçava-se em princípios de democratização da gestão da cidade com a criação de canais de participação, voltando-se para a defesa do redirecionamento
das políticas públicas para as populações historicamente mais espoliadas socioeconomicamente, ressaltando a importância da garantia
constitucional da função social da propriedade, regulamentada em
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
29
2001 pela lei que ficou conhecida como Estatuto da Cidade. Tratava-se enfim do esboço do que se passou a defender, posteriormente,
de maneira mais incisiva, como direito à moradia na cidade.
Do conjunto do processo de lutas sociais, engendraram-se muitas conquistas dentre as quais cita-se as seguintes: inclusão das Zeis
na Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1983, em Recife; institucionalização do Prezeis, que se ocuparia da regularização da posse dos
terrenos e dos processos de urbanização das áreas Zeis; inclusão de
dois artigos – 182 e 183 – na Constituição da República Federativa
Brasileira (CRFB) promulgada em 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, que regulamentaram as experiências anteriores dos
movimentos sociais em Recife; e maior influência da sociedade nos
processos da gestão urbana.
Desde então, graças a este conjunto de instrumentos legais e
urbanísticos socialmente conquistados, não se poderia mais expulsar as classes subalternas dos seus territórios historicamente produzidos por eles mesmos no curso da sua história existencial na cidade,
tal como se fazia antes. Mesmo que grande parte das Zeis (Figura 2)
se achasse situada em terrenos muito valorizados, por isto, tornaram-se bastante cobiçados pelos interesses do CMIFC inerentes às
classes hegemônicas em Recife.
Em 2001, instituiu-se, tal como já o dissemos acima, através da Lei
Federal nº 10257/01, o Estatuto da Cidade, que regulamentou os artigos 182 e 183 da CRFB, reforçando o estabelecimento de mecanismos
para a conquista do espaço do cidadão, condição fundamental para
se atingir o direito à cidade. Ao mesmo tempo, defendendo a gestão
democrática, a função social da propriedade e o direito à moradia, garantindo: a urbanização e legalização dos assentamentos; o combate
à especulação imobiliária; a distribuição mais justa dos serviços públicos no espaço urbano; a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária; soluções planejadas e articuladas para os problemas
das cidades; a participação da população na formulação e execução
das políticas públicas (Estatuto da Cidade, s/d).
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
Figura 2-Distribuição Espacial das ZEIS no Município do Recife/Brasil.
Nota: cada um dos polígonos que representa uma Zeis acha-se localizado em meio a extensas áreas pobres que ainda existem na cidade. Segundo informações obtidas recentemente junto a representantes do
Prezeis, hoje, existem cerca de setenta zeis. Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano do Recife, 2005.
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
31
Entretanto, na medida em que, na prática, esse avanço institucional não se concretizou tal como se devia no âmbito do vivido,
tais avanços representaram concessões para as classes subalternas,
com o propósito de manter a lógica dominante da gigantesca operação relativa ao processo de produção do espaço urbano, calcando-se na urbanização capitalista norteada pela lógica da racionalidade
técnica instrumental neoliberal. Nesse sentido:
O urbanismo encobre essa gigantesca operação. Ele dissimula
seus traços fundamentais, seu sentido e finalidade. Ele oculta,
sob aparência positiva, humanista, tecnológica, a estratégia
capitalista: o domínio do espaço, a luta contra a queda tendencial do lucro médio etc. Essa estratégia oprime o ‘usuário’, o
‘participante’, o simples ‘habitante’. (LEFEBVRE, 1999b, p.143)
Mas, cedo ou tarde, esta racionalidade técnica instrumental do
capitalismo neoliberal é percebida pelos “habitantes simples”, os
quais se remobilizam, principalmente, a fim de retomarem a continuidade da luta pelo espaço do cidadão e, por conseguinte, pelo
“direito à cidade”.
3. COQUE: UMA ZEIS AMEAÇADA PELOS INTERESSES
ESPECULATIVOS
Tal como afirma Harvey (2010), também faz parte da lógica
do sistema capitalista a continuidade do processo de expansão e reprodução do seu espaço, a fim de fazer-se presente em
todos os territórios. Para isso, nos anos recentes, os grandes
projetos urbanísticos de caráter “empresarial” vêm sendo utilizado como instrumentos de aceleração da urbanização sob
os moldes preponderantes dos interesses da acumulação de
capitais a exemplo do que vem ocorrendo em várias cidades
do mundo. Nesse sentido, esses
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
[...] projetos específicos a um determinado lugar também
têm o hábito de se tornarem de atenção pública e política
desviando a atenção e até recursos dos problemas mais amplos, que talvez afetem a região ou o território como um
todo. Normalmente o novo empreendedorismo urbano se
apoia na parceria público-privada, enfocando o investimento e o desenvolvimento econômico, por meio da construção
especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num
território específico, enquanto seu objetivo econômico imediato [...] (HARVEY, 2005, 174)
Os grandes projetos urbanísticos desconsideram, portanto, os
territórios e as territorialidades das classes subalternas, desterritorializando-as e, por conseguinte, enfraquecendo-as, pois quando
as pessoas são retiradas dos seus territórios elas perdem parte das
suas vidas. E esta é a situação atual sofrida pelos moradores da Zeis
Coque, como de outros tantos territórios semelhantes em Recife,
no Brasil e no mundo. Para esta área estava prevista a execução de
grandes projetos urbanísticos tendo em vista ampliação do sistema
viário, viabilização da mobilidade rápida do transporte público, retificação do Canal Ibiporã e urbanização das suas margens, construção de um polo jurídico, dentre outras, etc. (Figura 3).
Segundo o Coque Vive (2008), durante mais de cinquenta anos,
este território perdeu cerca de 51% da sua área, processo que vem
acontecendo de maneira paulatina e sutil. Militantes do Movimento
Coque (R) Existe alegam que: (a) em 1975, foi executado um projeto
de readequação urbanística na área, visando evitar as frequentes
cheias do rio, o que removeu muitas famílias para bairros distantes
como Ibura e Jordão (Recife) e Janga (Paulista); (b) em 1980, as
obras do metrô expulsaram cerca de setecentas famílias da área;
(c) em 1985, construiu-se o Fórum Rodolfo Aureliano em terreno
da área, dando início ao que hoje se está chamando de um futuro
polo jurídico; e (d) em 2012, ocorreu o alargamento da Estação
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
33
Joana Bezerra e do viaduto Capitão Temudo, que passa às suas
proximidades. Todas essas obras desapropriaram um número
significativo de famílias do território em epígrafe.
Figura 3-Intervenções urbanísticas previstas na ZEIS Coque.
Fonte: Direitos Urbanos, 2013. Trabalhado por Katielle Susanne, pesquisadora do MSEU
Nota: a execução de algumas dessas obras foi revista, pelos poderes públicos instituídos, em função de
pressão dos moradores locais, que se opuseram contra o processo de remoção que vem ocorrendo, há
décadas, também naquele território.
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
Neste mesmo ano, moradores do Canal Ibiporã, o qual se situa
no interior do território, receberam, sob ambiente de clara “tortura
psicológica”, ordens de despejo em troca de indenizações irrisórias,
ferindo o seu direito à moradia e passando por cima de leis e decisões públicas tomadas anteriormente, além é claro da legislação de
Zeis. A este respeito, ressalta-se que a Prefeitura do Recife já havia
aprovado, no Orçamento Participativo (OP) de 2002, a pavimentação e drenagem da rua que margeia o canal, bem como a construção
de um Conjunto Habitacional para as famílias que estavam vivendo
praticamente em cima do canal sob as condições mais precárias de
insalubridade. Porém, a atual gestão urbana do Recife não considerou essas conquistas quando encaminhou as ordens de despejo.
Se por um lado essa postura governamental que, no Brasil, vem
acontecendo em áreas situadas em todas as grandes cidades – São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, Fortaleza, etc. – aparece-nos como um conjunto de ações fragmentadas
e desarticuladas umas das outras; por outro lado, elas se tratam, na
verdade, de um conjunto de ações que obedecem à lógica única dos
interesses especulativos alienantes e, portanto, alheios às pessoas
do território, desrespeitando-as em todos os sentidos.
Entretanto, muitos moradores do Coque têm conseguido manter uma unidade de interesses comuns, apesar das adversidades enfrentadas para conseguirem mobilizar mais moradores na Zeis a fim
de participarem das assembleias e dos protestos contra a postura
governamental supramencionada. Portanto, em um dia da semana, eles conseguiam realizar assembleias nas quais se discutiam as
ameaças externas pela implementação dos grandes projetos “empresariais” que têm o Coque como alvo, assim como as estratégias
coletivas para responderem às ameaças ao seu território. Dessas assembleias, também, participam em uma perspectiva de rede, junto
aos moradores, pessoal da Universidade, de Organizações não Governamentais (ONGs), etc., reforçando sua luta. (Figura 4)
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
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Figura 4- Assembleias de moradores da ZEIS Coque, realizada nos meses de setembro e outubro do ano de 2013.
Fonte: Arquivo do Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Espaço Urbano (MSEU).
Seguindo os parâmetros atuais inerentes aos movimentos sociais no mundo, mas mantendo especificidades locais, os movimentos sociais urbanos no Brasil continuam possuindo como:
[...] verdadeiro objetivo [...] aumentar a consciência dos cidadãos em geral, qualificá-los pela participação nos próprios
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
movimentos e num amplo processo de deliberação sobre suas
vidas e seu país, e confiar em sua capacidade de tomar suas
próprias decisões em relação à classe política. [...] A derradeira
batalha pela mudança social é decidida na mente das pessoas,
e nesse sentido os movimentos sociais em rede têm feito grande progresso no plano internacional. (CASTELLS, 2013, p. 173)
No caso específico ora abordado, os movimentos sociais, como
os que ocorrem no e a partir do Coque (R) Existe, buscam, também
através do uso de novas tecnologias informacionais, atualizar suas
táticas – e estratégias – de mobilização, mantendo seu papel, segundo Castells (2013), de produtores de novos valores, consolidando o
espaço público e criando comunidades livres no espaço urbano.
Em suas assembleias, são reforçadas as experiências dos movimentos sociais na cidade de Recife e, em especial, no Coque. Isso
no sentido de mantê-los unidos e mobilizados até conseguirem fazer valer seus interesses e valores, mostrando que eles possuem um
“lugar forte”. Ressalta-se que, para Santos (1997, p.), engendrando-se da proximidade geográfica enquanto contiguidade física entre
pessoas capazes de criar solidariedades, laços culturais e identidade, lugar forte é:
[...] um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a
base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação
própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa com
o confronto entre organização e espontaneidade. O lugar é
o quadro de referência pragmática ao mundo, do qual lhe
vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas,
mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas,
responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade.
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
37
Criatividade que só pode ser aflorada a partir da escala local, visto que é neste nível do cotidiano que se acham os territórios/territorialidades das classes subalternas, justamente aquelas que criticam
e se mobilizam contra o processo homogeneizador dos interesses
globais do sistema capitalista. É aí onde estão os pobres, os quais, se
de um lado constituem, pela sua própria presença no espaço urbano
brasileiro, “obstáculo à difusão dos capitais novos” (SANTOS, 1997,
p. 259); por outro, sua presença
[...] aumenta e enriquece a diversidade socioespacial, que tanto se manifesta pela produção da materialidade em bairros e
sítios tão contrastantes, quanto pelas formas de trabalho e de
vida. Com isso, aliás, tanto se ampliam a necessidade e as formas da divisão do trabalho, como as possibilidades e as vias da
intersubjetividade e da interação. É por aí que a cidade encontra o seu caminho para o futuro. (Ibidem)
Nos anos 1980, saindo do seu estado de latência, o movimento
social local chegou a impedir a realização de dois projetos: a instalação de um estacionamento de grande dimensão para evitar que
os automóveis particulares se dirigissem até à área central histórica
da cidade; e a construção de um Shopping Center. Mesmo que as
propostas de tais projetos tenham chegado até os moradores do
Coque, mascaradas pelas conhecidas promessas de geração de empregos e rendas, as obras não foram executadas.
Mas as classes hegemônicas nunca desistem e sempre retornam com as mesmas propostas, mascaradas de novas envoltas na
fábula do progresso/desenvolvimento, até conseguirem saciar sua
permanente sede de expansão territorial. É o que acontece ainda
hoje, visto que o seu projeto de cidade continua o mesmo, isto é,
calcando-se no higienismo funcional de outrora sob a lógica técnica instrumental neoliberal, o que tem sido facilitado inclusive pelo
Estado.
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
A este respeito, ressalta-se que, em 2010, formalizou-se uma
proposta de instalação do Polo Jurídico na Ilha Joana Bezerra, incluindo a área do Coque. Disso, estabeleceu-se um projeto de Lei
nº 17645/10 de iniciativa da Prefeitura do Recife, segundo o qual se
aprovaria o plano da Operação Urbana Consorciada Joana Bezerra,
com o que se autoriza ações de desapropriação, desafetação de vias
públicas no perímetro de intervenção, definição de novos parâmetros construtivos permitindo a verticalização na área, etc., tudo isso
para segundo os interesses do CMIFC.
Contudo, o movimento social – desta vez liderado pelo Coque
(R) Existe – novamente conseguiu intervir nos planos dessa Operação, impondo novos contornos e arranjos ao processo de produção do espaço urbano local. Mais recentemente, em 2013, eles impediram a construção da sede da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) e do Ministério Público (MP), duas obras que reforçariam a
intenção, da parte dos interesses hegemônicos, da implantação do
já citado Polo Jurídico na área. Isso notadamente porque, em vez da
geração de empregos e rendas, os moradores do Coque perceberam que haveria mais desapropriações e, consequentemente, perda
de mais porções do seu território para os interesses especulativos
hegemônicos na cidade.
Também houve oposição contra a retirada, sem diálogo, das famílias que moravam às margens de trechos do canal Ibiporã, tanto
que, segundo lideranças locais do movimento Coque (R)Existe, as
indenizações tiveram aumentos significativos. Muito embora, para
nós, isto não tenha sido grande conquista uma vez que se deveriam
ter concretizado as decisões tomadas no OP anteriormente citadas,
garantindo a permanência dos moradores no território sob condições dignas de moradia e, por sua vez, a força do seu lugar de vida.
De qualquer maneira, tem-se visto que, no momento em que
moradores do Coque percebem que a lógica hegemônica vigente de
produção do espaço urbano ameaça o seu território, eles, também,
retomam seus processos de organização e mobilização para resisti-
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
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rem, fortalecendo-se enquanto movimento social. E o seu território
fortalece-se na medida em que, como disse Santos (1997, p. 258-59):
Nos tempos de hoje, a cidade grande é o espaço onde os fracos
podem subsistir. [...] E nesta, o próprio meio ambiente construído frequentemente constitui um obstáculo à difusão dos
capitais novos. Graças à sua configuração geográfica, a cidade,
sobretudo a grande, aparece como diversidade socioespacial a
comparar vantajosamente com a biodiversidade hoje tão prezada pelo movimento ecológico. Palco da atividade de todos
os capitais e de todos os trabalhos, ela pode atrair e acolher as
multidões de pobres expulsos do campo e das cidades médias
pela modernização da agricultura e dos serviços. E a presença
dos pobres aumenta e enriquece a diversidade socioespacial,
que tanto se manifesta pela produção da materialidade em
bairros e sítios tão contrastantes, quanto pelas formas de trabalho e de vida. Com isso, aliás, tanto se ampliam as necessidades e as formas da divisão do trabalho, como as possibilidades
e as vias da intersubjetividade e da interação. É por aí que a
cidade encontra o seu caminho para o futuro.
Com efeito, os moradores do Coque estão tentando, como podem, encontrar esse caminho com sua arma mais forte, isto é, a (r)
existência, cuja base se acha na força do seu lugar de existência.
Isto, sobretudo, quando percebem que não fazem parte do propósito global do atual projeto de cidade vigente em Recife. Contudo,
o que mais nos intriga é que o Coque, como se viu, é uma Zeis, isto
é, um território cuja posse da terra já deveria ter sido legalizada, e
toda a área já deveria ter sido urbanizada. Por que será, então, que a
completude destas conquistas não aconteceu até o momento atual,
a ponto dos moradores ainda se sentirem ameaçados e inseguros?
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Cláudio Jorge Moura de Castilho
4. ZEIS: CONQUISTA SOCIAL OU RESERVA DE TERRENOS
PARA O CAPITAL – TENTANDO CONCLUIR!
“Há homens que lutam um dia e são bons,
há outros que lutam um ano e são melhores,
há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”.
(Bertold Brecht, 1933)
Como todo processo social, a urbanização – higienista gentrificadora – também não acontece igualmente em todos os lugares.
Daí porque os embates entre os interesses especulativos do CMIFC
e os da realização plena da vida humana nas cidades brasileiras –
e nas de outros países ditos “subdesenvolvidos industrializados”,
“emergentes’, etc. – ainda apresentam fortes dificuldades no que
tange à sua superação.
Se por um lado, como ocorreu em outras cidades do Brasil, a
Prefeitura do Recife, em razão das pressões sociais dos moradores
do Coque, concedeu o status de Zeis ao seu território; por outro,
esse espaço foi, progressivamente, perdendo áreas para instituições vinculadas aos interesses da racionalidade técnica instrumental capitalista neoliberal que pretende transformar o espaço, como
tudo que abarca, em mercadoria visando ampliar as formas de acumulação de capitais.
O Coque ainda não perdeu mais áreas porque algumas vezes
seu movimento social ultrapassou seu estado de latência, tornando-se visível e ativo, na busca de fazer oposição contra as diversas
tentativas externas de ocupação territorial da parte das classes sociais hegemônicas locais que cobiçavam porções da sua área para
a fixação dos objetos espaciais garantidores dos seus interesses
econômicos.
Desse modo, talvez a Zeis tenha funcionado como uma estratégia dos poderes hegemônicos para atenuar as tensões sociais do
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
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ambiente urbano recifense dos anos oitenta do século passado e, ao
mesmo tempo, para ganhar tempo na medida em que esses territórios ficavam como que sob uma situação de reserva de terras para
serem utilizadas justamente em momentos de crescimento econômico como os que têm ocorrido recentemente.
O que se faz visível quando se evidencia que muitas Zeis como a
do Coque existem desde 1983, ano em que a lei de Zeis foi instituída
em Recife, e que ainda apresentam os mesmos problemas urbanos
que manifestavam naquele período – infraestrutura urbana precária, irregularidade quanto à posse do terreno, condições precárias
de existência, etc. Isso nos faz indagar em que medida a manutenção desse quadro de referências não foi proposital.
Ademais, basta uma conversa informal com algum morador
desses territórios para revelar-nos o quanto muitas das atuais lideranças do Prezeis mantêm-se afastadas dos problemas locais, reaparecendo somente em períodos de eleição. Por outro lado, a maioria
dos moradores sequer sabe o que são Zeis e Prezeis, fato que corrobora a ausência de vínculos entre o povo e estas duas instituições
que, na verdade, representam resultados efetivos de um tempo
diferente dos movimentos sociais em Recife. Ocorre também, para
quem já teve contato com o Prezeis, verdadeira aversão a certas
lideranças deste fórum, alegando que as lideranças tornaram-se pelegas6 e passaram a preocuparem-se mais com seus projetos individuais vinculados a “políticos profissionais” do que com os coletivos
do território.
O conjunto de problemas acima exposto deixou tais territórios
em uma situação de insegurança e vulnerabilidade com relação aos
interesses do CMIFC. Com efeito, atualmente, esses territórios – não
6 Este termo vem de pelego, que significa, de acordo com o Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, “Designação comum aos agentes mais ou menos disfarçados do Ministério do
Trabalho nos sindicados operários”, no Brasil. Guardando este significado, o uso deste termo
estendeu-se para qualquer manifestação de pessoas que se dizem estar ao lado dos movimentos sociais, mas que de fato acham-se vinculadas, principalmente, aos interesses dos “inimigos”, isto é, dos empresários, do Estado, etc.
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somente o do Coque – têm sido cobiçados pelos interesses imobiliários e financeiros da cidade, principalmente porque o espaço urbano
local tornou-se pequeno para tanta cobiça. Do ponto de vista da localização geográfica, o Coque está rodeado por espaços cujo metro
quadrado é dos mais caros de Recife, tais como os bairros Ilha do
Leite e Ilha Joana Bezerra.
Diante do exposto, reconhece-se que a Zeis constitui uma conquista social, mas, concomitantemente e por outro lado, uma estratégia de reserva de terra para o CMIFC da cidade, situando-se
no âmbito de um permanente embate entre os interesses da lógica
técnica instrumental do capitalismo neoliberal e a dos interesses da
realização plena da vida humana.
Para resolver a situação acima colocada, faz-se necessário que
os territórios das classes subalternas tornem-se lugares efetivamente fortes, para influir na construção de uma gestão urbana capaz de considerar a cidade, em teoria e prática, como uma totalidade complexa para todas e todos. Para que os poderes instituídos
devem aproximar-se efetivamente das classes subalternas, a fim
de que, no curso do tempo, tenha-se condições de contemplar as
necessidades e os desejos de todos.
Enfim, nota-se que experiências de movimentos sociais que
acontecem, simultaneamente, na escala “do bairro” e “para além
do bairro”, tal como colocado por Souza (2006), utilizando-se dos
novos meios informacionais (internet, facebook, twitter, etc.) e dos
meios tradicionais (assembleias, mobilizações no espaço, etc.) de
mobilização social, tornam-se fundamentais para a construção do
espaço do cidadão.
Se por um lado, isso lhe garantiu avanços significativos em termos de reforço dos valores de solidariedade, autonomia e construção de espaço público; por outro, ao mesmo tempo, problemas internos inerentes à sua própria lógica de organização e mobilização
impedem que se dê saltos mais significativos no sentido da cons-
Reforço da Urbanização Capitalista e Territórios Ameaçados
43
trução de algo efetivamente diferente em termos de produção do
espaço urbano, retornando ao impasse histórico dos movimentos
sociais no Brasil.
De qualquer maneira, reforça-se a necessidade permanente de
utilização do conjunto de meios presentes no território em que as
pessoas vivem e a partir do qual elas se organizam e se mobilizam,
reaproximando-se geograficamente no sentido do fortalecimento
do seu lugar; o que nos remete a uma perspectiva contínua, no tempo e no espaço, de luta social pela conquista do espaço do cidadão.
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ASPECTOS FÍSICOS, LEGAIS E GESTÃO DA
ARBORIZAÇÃO VIÁRIA EM ARACAJU, SERGIPE
n Raquel Kohler
INTRODUÇÃO
Este artigo discute do ponto de vista da organização de um contexto social e geográfico, a paisagem urbana como resultado das relações da sociedade e natureza. Moreira (2012), ressalta que a base
da dicotomia homem-meio nasce do pensamento moderno, onde a
natureza estabeleceu-se em uma relação de separação e externalidade com o homem. Há necessidade, no momento atual, de uma
revisão da tradicional estrutura natureza-homem-economia, até então estabelecida (MOREIRA, 2012).
Para Verdum (2012), a relação natureza e sociedade a partir da
análise da paisagem, é de extrema importância; consubstancia-se
como resultado da vida das pessoas, dos processos produtivos e da
transformação da natureza. Como parte do espaço geográfico, a natureza nas cidades, é incorporada e produzida na forma de objetos e
ideias (HENRIQUE, 2009).
Para Ortigoza (2015), a decodificação da paisagem materializada no espaço é resultado das relações entre sociedade e natureza,
sendo possível conhecer a realidade onde se vive. A interpretação
46
Raquel Kohler
geográfica da paisagem por sua vez, valoriza a apropriação do espaço pela sociedade, distinguindo-a de outras áreas do conhecimento
(ORTIGOZA, 2015).
Concorda-se com Sirkis (2005) apud Campanholo, Mielke, Oliveira (2015), quando afirma que a urbanização consiste em um fato
irreversível e a natureza, por sua vez, em muitos contextos urbanos,
permanece apenas com alguns vestígios em áreas verdes ou somente algumas árvores isoladas, caso da arborização viária.
Este artigo aborda aspectos do cenário urbano, especialmente
a rua, dada sua importância como propiciadora de múltiplas funcionalidades. Santos (1998), destaca que no Brasil, a negação da rua
vinculada às edificações lindeiras tornou-se comum nas propostas
arquitetônicas e urbanísticas. As ruas devem ser compreendidas
como complemento dos quarteirões e lotes em que se vinculam;
os traçados e dimensionamentos devem ser concebidos a partir da
ocupação e dos usos desejados para as diferentes categorias de vias
(SANTOS, 1998).
Observa-se, no entanto, que na cidade consolidada sem esses
princípios, a arborização das ruas fica vulnerável às pressões do uso
e ocupação do solo. Neste cenário, a arborização inserida sem os critérios necessários, apresenta dificuldades de adaptação, quer pela
falta de espaço adequado e usos conflitantes nos canteiros e calçadas, quer pela deficiência da legislação e da gestão municipal.
Os passeios públicos fazem parte do sistema viário e localizam-se nas laterais das ruas; regulam a disposição dos lotes e dos
quarteirões, interligando diferentes espaços da cidade. De uma
maneira geral, 20% a 30% do solo urbano são destinados às ruas
em suas diferentes categorias (LAMAS, 1997). Este percentual, no
caso brasileiro, tem origem na Lei Federal 6.766/1979, a qual estabelecia o percentual de 35% (mínimo) da gleba para áreas públicas,
sendo 10% para as Áreas Verdes de Lazer e Recreação, 5% para equipamentos públicos comunitários e o restante (20%) para o sistema
viário (BRASIL, 2016).
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
47
Substituída pela Lei nº 9.785/99, desapareceu a exigência do percentual mínimo, ficando a sob a jurisdição do município a definição
das áreas destinadas ao sistema viário, a implantação de equipamento urbano comunitário e espaços livres de uso público, proporcionais
à densidade de ocupação da zona em que se situem (BRASIL, 2016).
Como o sistema viário ocupa uma grande extensão da cidade,
entende-se que a arborização nas ruas é significativa para o esverdeamento das áreas urbanas. A vegetação é importante por muitos
benefícios que oferecem, como por exemplo: controle do microclima, da radiação solar, temperatura e umidade do ar, ação dos ventos e da chuva; manejo das águas pluviais; para amenizar a poluição
do ar, entre outros, contribuindo consequentemente para a melhoria do ambiente urbano (MASCARÓ, 2010, WATERMAN, 2010).
A impermeabilização do solo no leito das ruas, calçadas, quintais e edificações, cria condições que dificultam ou até mesmo impedem a existência da flora e da fauna. Como uma das consequências
negativas, destaca-se em muitas situações, a incapacidade de sobrevivência da vegetação, uma vez que o sistema urbano apresenta
condições geoecológicas que alteram as condições naturais. Quanto
maior for o afastamento das condições originais e mais destacadas
forem as artificiais, mais difícil é a sobrevivência da vegetação (TROPPMAIR, 2002). Dadas essas dificuldades, Troppmair (2002) salienta
a importância das áreas verdes, porque são especificamente nessas
áreas, onde é possível encontrar as condições ecológicas que mais
se aproximam das condições normais da natureza.
No Brasil, para o cálculo dos índices ou percentuais de cobertura arbórea ou áreas verdes urbanas, a arborização ao longo das
vias públicas não é considerada, por entender-se que desempenha
principalmente ou unicamente a função estética (SILVA, 1997) e
também pela sua descontinuidade no tecido urbano, enquadrada,
portanto na categoria de árvores isoladas.
O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,
2010 divulgou resultados sobre a existência de arborização ao lon-
48
Raquel Kohler
go do passeio público e ou em canteiro central que divide pistas de
uma mesma via. Na região Nordeste, nas capitais do Rio Grande do
Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia, o censo apontou que apenas 20,0 a
40,0% do total das vias públicas são arborizadas. Os resultados também assinalaram que a incidência de árvores no passeio público é
maior de acordo com o rendimento nominal mensal domiciliar per
capita revelando que a desigualdade social no país, abrange também os benefícios da arborização urbana (IBGE, 2016).
Em 2013, a Campanha Calçadas do Brasil, realizada pelo Mobilize, primeiro portal brasileiro dedicado ao tema da mobilidade
urbana sustentável, avaliou 228 ruas e avenidas em 39 cidades de
todas as regiões do país. A avaliação considerou oito quesitos, entre os quais o paisagismo para proteção e conforto ambiental. A média nacional atribuída pelos avaliadores ficou muito abaixo do que
foi considerado como uma calçada aceitável. A pesquisa revelou
que em geral há pouca proteção arbórea ao longo das ruas e avenidas, sendo muito comum encontrar calçadas muito estreitas e
também a inexistência de calçadas (nas periferias), nas cidades
analisadas (MOBILIZE, 2016).
O plantio de árvores no meio urbano requer planejamento, a
partir de uma análise detalhada das espécies a serem implementadas, para evitar problemas com a pavimentação, fiação elétrica aérea, tubulação de água e esgoto, muros, edificações, entre outros.
Estes problemas tão comuns nas cidades brasileiras, contribuem
para o manejo inadequado e prejudicial às árvores (LAERA, 2016).
Neste contexto, o objetivo desse artigo é apresentar um panorama geral do uso e ocupação do solo urbano de Aracaju e especialmente detectar os problemas da arborização nas ruas, com atenção
especial aos passeios públicos (calçadas). Para dar suporte e alcançar esse objetivo, adotou-se os seguintes procedimentos metodológicos: consulta a referências bibliográficas para o embasamento
teórico; estudo da legislação municipal mais significativa no contexto desse estudo; consulta às informações sobre as práticas adota-
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
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das pela municipalidade em prol da arborização pública, disponibilizadas no portal da Prefeitura Municipal; consulta aos resultados de
estudos sobre arborização de Aracaju, realizados nos últimos cinco
anos, por pesquisadores de diferentes instituições e visitas in loco
em sete bairros da cidade, selecionados a partir dos resultados das
pesquisas consultadas, para realização de registros fotográficos dos
aspectos mais relevantes.
1. A CIDADE DE ARACAJU, SERGIPE
Aracaju está localizada no litoral sergipano, estendendo-se
longitudinalmente e paralelamente ao Oceano Atlântico (Figura 1),
cujas coordenadas geográficas são: latitude 10° 54’ 40’’ S e longitude
37º 04’ 18” W. O clima é subúmido e pertence ao bioma Mata Atlântica (SERGIPE, 2016). As áreas mais baixas e de ocupação inicial, localizam-se em terrenos de antigos manguezais, viveiros de peixes e
restingas; possui algumas elevações com solos argilosos nas zonas
norte e oeste da cidade (LIMA, 2016).
Segundo o censo demográfico do IBGE, em 2010, Aracaju possuía 571.149 habitantes e a estimativa para 2015, era de 632.744 habitantes; distribuída em uma superfície de 181,85km2, incluindo os
vazios urbanos (IBGE, 2016). Pode-se deduzir, portanto, que o sistema viário ocupa aproximadamente 36,00km2 (se considerado 20%
da superfície total).
Fonte: Adaptado de Microsoft Corporation, 2016.
Figura 1- Localização de Aracaju em Sergipe
50
Raquel Kohler
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
51
Nos últimos dez anos observou-se uma crescente verticalização
em alguns bairros de Aracaju. Essa verticalização provocou rápidas
transformações na cidade (Figura 2) e comprometeu as relações socioespaciais em vários espaços públicos, quer pelas dimensões reduzidas das calçadas, que dificultam a incorporação da arborização
e mobiliário urbano, quer pelo dimensionamento, aquém das necessidades, provocadas pelo adensamento, das pistas de rolamento
para os veículos (ARACAJU, 2016).
Figura 2- Vista parcial da recente verticalização nos bairros Atalaia e Jabotiana
Fonte: Próprio autor, Ptrucio Argolo, 2016.
Genericamente, o resultado encontrado na cidade corresponde
às calçadas delimitadas diretamente pelas edificações (especialmente nas áreas mais centrais e bairros populares) e nos demais bairros,
a predominância de muros altos e ou grades, em algumas situações
52
Raquel Kohler
com grandes extensões, como é o caso dos condomínios; associado
a isso, a dimensão mínima adotada nas calçadas, inviabilizou em vários bairros, o plantio de árvores (Figura 3).
Figura 3- Exemplos de calçadas estreitas, sem arborização, em bairros de Aracaju
Fonte: Próprio autor, 2016.
2. ARBORIZAÇÃO VIÁRIA NAS RUAS DE ARACAJU
2.1 Legislação urbana e práticas adotadas pela municipalidade
Após a planificação de 1855, a cidade recebeu planos somente quando os problemas urbanos mostraram-se mais significativos, no decorrer
dos anos sessenta (VARGAS, 2016). O Código de Urbanismo (Lei nº 19, de
10.06/1966), não fazia menção a arborização pública, dado o momento
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
53
histórico em que foi implementado; apenas estabeleceu alguns critérios a serem adotados no sistema viário, como por exemplo: passeios
públicos de 1,0m (um metro), para ruas com 6,0m de largura, ficando
a definição da largura dos passeios para as ruas com 15m, 20m e 25m
a cargo do Departamento de Urbanismo (ARACAJU, 2016). Dada sua
longa vigência (trinta e quatro anos), pode-se entender que a materialização do sistema viário local tenha se consolidado sem critérios claros
quanto à largura dos passeios públicos e arborização nestes espaços.
Em 1992, no Código de Proteção Ambiental do município de Aracaju (Lei nº 17/01/1992), há uma preocupação quanto à arborização,
quando menciona que a fiscalização sobre a proteção e preservação
da flora e da fauna deve ser realizada pela Prefeitura, a qual estimulará a plantação de árvores no âmbito municipal; que as podas,
remoção das árvores, entre outras práticas, devem ser executadas
pela Empresa Municipal de Serviços Urbanos-EMSURB; proíbe a utilização das árvores públicas para a colocação de cartazes ou outras
finalidades; considera imune de corte, qualquer árvore ou planta
pela sua originalidade, idade, localização, beleza, interesse histórico, ou utilização como porta sementes, observadas as disposições
do Código Florestal Brasileiro (ARACAJU, 2016).
Em 2000, o Código de Urbanismo foi substituído pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju - PDDU (Lei Complementar nº 042, 04/10/2000), o qual se encontra ainda em vigência.
Nesta lei observa-se preocupação em relação aos passeios públicos
quando define que nos novos loteamentos, as calçadas devem obedecer à largura mínima de 2,00m (dois metros); estabelece que a arborização das vias públicas, por sua vez, deverá ser efetuada a partir
de um projeto de paisagismo, que deverá ser submetido e aprovado
pelo órgão responsável pela instalação da rede elétrica. O PDDU estabelece dimensionamento dos canteiros centrais das avenidas para
o plantio de árvores (um metro quadrado de área) e espaçamentos
mínimos de 7,00m ou 10,00m entre as árvores, dependendo do porte e 5,00m, entre postes e árvores (ARACAJU, 2016).
54
Raquel Kohler
Em 2010 foi apresentado um Projeto de Lei Complementar, denominado de Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável
do município de Aracaju, como proposta de atualização do PDDU
(não aprovado pelo legislativo municipal). Neste documento observa-se preocupação em relação à arborização das vias públicas,
destacando-se alguns aspectos: a Arborização das vias públicas deverá ser efetuada a partir de projeto de paisagismo, aprovado pelo
órgão responsável pela instalação da rede elétrica; o Município deve
estimular e contribuir para a recuperação da vegetação e plantio de
árvores; o horto florestal do município deverá manter o acervo de
mudas de espécies da flora local; proibição de utilização das árvores
públicas para a colocação de cartazes ou outras finalidades; o planejamento da arborização pública deve considerar o aspecto visual e
espacial, as limitações que o local impõe ao crescimento das árvores, o microclima e as condições ambientais, de saúde e segurança
da vegetação (ARACAJU, 2016).
A questão ambiental, no entanto, teve maior atenção por parte
do município apenas em 2013, quando foi criada a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Sema), a qual, em 2014, elaborou o Plano
Municipal de Arborização Urbana (PMARB), cujo objetivo principal
foi embasar tecnicamente decisões sobre os aspectos relacionados
à arborização urbana, associando os aspectos fisiográficos, arquitetônicos, climáticos e culturais da cidade (ARACAJU, 2015).
Essa iniciativa assumiu o desafio perante a sociedade aracajuana, de aumentar o índice de área verde, considerado abaixo
dos níveis indicados pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana - SBAU, que recomenda 15m² de área verde por habitante
(ARACAJU, 2015). As ações da Sema partiram do entendimento
de que para a efetiva implementação do plano há primeiramente
a necessidade de inventariar o patrimônio arbóreo, o qual deverá ter as seguintes informações: composição florística; espécies
adaptadas; espécies inadequadas para o uso na arborização;
quais são os bairros com deficiência arbórea; a quantificação dos
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
55
custos com o manejo da arborização; a ocorrência de podas drásticas; o estado fitossanitário das árvores com a identificação das
ocorrências de pragas, doenças e a necessidade de podas ou de
substituição (ARACAJU, 2015).
O PMARB destaca que além dos aspectos físicos, da substituição de indivíduos e técnicas adequadas para o manejo, deve ser
levado em consideração a condição especial relacionada ao perfil
dos solos de Aracaju, que em muitas áreas são rasos em virtude da
superficialidade do lençol freático, o que pode ocasionar o afloramento das raízes, nas áreas pavimentadas (ARACAJU, 2015).
O Plano de Arborização destaca que diariamente chegam à prefeitura de Aracaju solicitações para a supressão de árvores, por danificação do passeio público, construção ou ampliação de residências,
sujeira provocada pela queda de folhas, conflitos com redes de esgoto e eletricidade, risco de queda, entre outros. Os técnicos do setor concluem que esses problemas têm tornado a relação entre as
árvores e a população conflituosa devido às falhas no planejamento
da arborização e da própria configuração da cidade (ARACAJU, 2016).
Neste sentido, o Plano de Arborização dá ênfase aos programas
de educação ambiental, dada sua importância na orientação da população sobre a conservação da arborização urbana, entendendo
que esses programas são fundamentais para o processo de reabilitação da arborização de Aracaju (ARACAJU, 2015).
A Sema desenvolveu em 2013, uma programação intensa, com
o objetivo de levar à população informações sobre a necessidade
de preservar a flora remanescente da capital, bem como de proteger a fauna que sobrevive nestes ecossistemas, em especial nas
áreas de manguezais e restingas; retratou a relevância da existência dos exemplares da mata atlântica existentes nos arredores de
Aracaju; informou ainda sobre os crimes ambientais registrados e
apresentou as ações de fiscalização e vistoria que a Secretaria vinha
realizando, desde sua criação (março 2013). Nesta ocasião foram distribuídas centenas de mudas de árvores frutíferas e de exemplares
56
Raquel Kohler
nativos da Mata Atlântica, com material informativo sobre o plantio
e a manutenção das espécies vegetais, para estimular a população
a plantar as árvores, a fim de melhorar as condições ambientais da
cidade (ARACAJU, 2016).
Em maio de 2016, a Sema iniciou a primeira etapa do processo
de plantio do Plano de Arborização de Aracaju. O canteiro central da
Avenida Delmiro Gouveia, localizada no Bairro Coroa do Meio, foi o
primeiro a receber as mudas de árvores floríferas, de várias colorações, de espécies florestais nativas da Mata Atlântica, com o intuito
de embelezamento da paisagem. A informação é que o próximo local que receberá a arborização com espécies nativas será a Avenida
Santos Dumont, no Bairro Atalaia. A meta da Secretaria para 2016, é
plantar 40 mil mudas em toda capital (ARACAJU, 2016).
A Sema propõe também a realização do inventário georreferenciado até 2017; a gradativa substituição dos indivíduos que se
encontram em falência fisiológica ou aspecto fitossanitário comprometido; o plantio de 100.000 árvores ao longo dos próximos
15 anos; recomenda o limite de 10 a 15% do total da quantidade de
árvores de mesma espécie por bairro ou região e equilíbrio entre
o número indivíduos de espécies nativas e exóticas. A Secretaria
estabelece que os canteiros centrais das vias públicas devem ter
largura mínima de 1,0m (um metro) e árvores de pequeno porte;
quando a largura for superior a 2,0m (dois metros), árvores de médio e grande porte; espaçamento entre árvores: pequeno porte
de 3,0 a 5,0m; médio porte 8,0m e grande porte de 10,0m a 12,0m
(ARACAJU, 2015).
Em 2015, iniciaram os debates para a nova proposta de atualização do PDDU, a qual ainda se encontra em elaboração. O documento inicial desse processo destaca que Plano Diretor deverá estimular
a formação de infraestrutura de calçadas seguras, contínuas, com
acessibilidade universal e adequadas à classificação viária; deverá incluir diretriz de incentivo a arborização urbana, a ser implementada
por particulares e propõe a institucionalização do Plano Diretor de
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
57
Arborização Urbana (ARACAJU, 2015). Nas conclusões desse documento é ressaltado que o PDDU atual é genérico, fato comum nas
propostas de planos diretores de várias cidades brasileiras. Destaca-se que um Plano Diretor deve especificamente tratar dos problemas locais e propor as soluções mais adequadas para cada situação
específica (ARACAJU, 2016).
O Comitê Consultivo de Arborização do Município de Aracaju (criado em 2011), apresentou sugestões para ampliação e conservação da massa arbórea da cidade. Encaminhou à Sema, uma
lista provisória de vegetação para auxiliar na escolha de espécies
com potencial de adaptação para que faça parte do Plano Diretor
de Arborização. Além disso, foi elaborado um mapa, com um zoneamento (cinco zonas urbanas) por tipo de solo e indicadas 600
espécies mais adequadas por zona, a partir da aptidão tropical de
cada espécie e suas características como: porte, diâmetro de tronco, origem e situação ecológica, atributos ornamentais e nomenclatura (LIMA, RANGEL, 2016).
2.2 Pesquisas realizadas sobre arborização de Aracaju
Conforme informado pela Sema, no Plano de Arborização, o
município ainda não realizou nenhum inventário ou diagnóstico sobre a arborização de Aracaju (ARACAJU, 2015). Existem, no entanto,
estudos e pesquisas que apontam como deficiências da arborização
local: uso de espécies exóticas inadequadas; número expressivo de
árvores senescentes; uso intenso de uma única espécie na arborização de vias; podas drásticas; baixo índice de área verde por habitante; existência de bairros pouco arborizados; falta de manutenção da
arborização; alto índice de mortalidade das mudas em campo e a necessidade de revitalização da arborização das praças (SANTOS, 2016;
GOIS, FIGUEIREDO e MELO e SOUZA, 2015; SANTOS et al., 2016).
No período de 2009 a 2010 foi realizado um inventário florístico, por Santos et al. (2016) em 25 vias públicas (total de 54,14km),
58
Raquel Kohler
onde foram avaliados 3.595 indivíduos, divididos em 66 espécies
(identificadas 58), distribuídas em 21 famílias botânicas e 8 (oito)
não identificadas. Deste total, apenas 33,33% eram de espécies nativas; as demais (66,67%) de espécies exóticas, muitas inadequadas
ao local. Os pesquisadores também constataram que a maioria das
árvores (46%) apresentava um estado geral regular de qualidade; os
principais problemas observados foram a poda drástica (31,2%); necessidade de poda de limpeza (32,2%) e necessidade de substituição
de indivíduos velhos e debilitados (10,8%).
A pesquisa realizada por Gois, Figueiredo e Melo e Souza (2015),
realizada em diversas praças de Aracaju foi importante, porque
constatou que a vegetação arbórea está distribuída desigualmente e diretamente relacionada à renda média da população, sendo o
Estado, o elo configurador do novo padrão de apropriação da natureza no espaço urbano da capital sergipana. Os resultados também
apontaram que a população percebe de modo distinto as áreas verdes, tanto do ponto de vista da espacialidade, como da funcionalidade. Essa pesquisa demonstrou que em Aracaju existem problemas
semelhantes aos apontados especialmente pelo IBGE e também
pelo levantamento apresentado pelo Mobilize em outras cidades
brasileiras (IBGE, 2016, MOBILIZE, 2016).
Segundo Santos (2015), o percentual de áreas verdes na cidade,
em 2012 era de 8,9%, variando de 1,37% a 25, 09% (com a contribuição das áreas protegidas, com fins de conservação ambiental); neste caso as piores situações foram encontradas na área central. Se
consideradas apenas as áreas ocupadas com infraestrutura urbana,
os percentuais decresceram significativamente, variando de 0,08% a
8,59%; neste caso, o centro da cidade, foi o espaço que apresentou
maiores índices de cobertura vegetal, provavelmente pela contribuição das praças públicas ali existentes.
Segundo essa pesquisa os passeios públicos não fazem parte
do cálculo percentual das áreas verdes; estes, foram considerados
como áreas públicas com valor social comprometido, por apresen-
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
59
tarem-se impermeabilizados e sem cobertura arbórea efetiva; foi
considerada área verde do sistema viário apenas a arborização dos
canteiros centrais, das rótulas e rotatórias (SANTOS, 2015).
Oliveira, em 2013, realizou um levantamento no Horto da Empresa Municipal de Serviços Urbanos – EMSURB e observou que a
qualidade de mudas de espécies arbóreas destinadas à arborização
urbana e prontas para expedição, apresentavam vários problemas:
falta de podas de condução (elevada porcentagem de mudas emitindo brotações laterais); em menor escala, mas igualmente importante, o baixo monitoramento de raízes expostas, injúrias mecânicas e
aspectos fitossanitários (deve ser realizado diariamente no viveiro,
para não comprometer os aspectos morfológicos e fisiológicos das
mudas); apenas 4,07% das mudas expedidas apresentavam uma altura mínima igual ou superior a 1,80m (recomendada pela SBAU). A
pesquisa também apontou o vandalismo, como a principal limitação
de crescimento das mudas nas vias públicas, seguido pelos problemas fitossanitários. Nesse aspecto, o monitoramento das mudas
plantadas deve ocorrer de forma sistemática, associado as ações de
educação ambiental (OLIVEIRA, 2016).
3. RESULTADOS DO TRABALHO DE CAMPO
Nas visitas in loco nos bairros selecionados, observou-se que a
arborização das vias públicas, de acordo com os resultados apresentados por Santos et al. (2016), predomina nas avenidas com canteiro central. Nos canteiros arborizados, observa-se várias situações:
uso de indivíduos arbóreos de espécie apenas com finalidade estética (Bairro Atalaia); mescla de árvores e arbustos (Bairro Treze de
Julho); espécies arbóreas prejudicadas pela ação do vento (Bairro
Centro); árvores com crescimento e desenvolvimento comprometido pela falta de espaço e infraestrutura do canal de drenagem
à ceu aberto (Bairro Centro) e canteiros com árvores de mesma
espécie, em grande extensão (Bairro São José). Destaca-se tam-
60
Raquel Kohler
bém a implementação de nova avenida sem arborização, onde o
canal de drenagem foi encapsulado, como é o caso do Bairro Inácio
Barbosa (Figura 4).
Figura 4- Vistas parciais dos canteiros centrais nos bairros Atalaia (a), Treze de Julho
(b), Centro (c), São José (d) e Inácio Barboza (e)
Fonte: Próprio autor, 2016.
Observa-se que nos passeios públicos, a ausência ou inadequação da arborização, justifica-se pelos mesmos serem estreitos, sem
o espaço livre para a implementação da faixa de serviços (espaço
destinado para colocação de árvores e mobiliário urbano). Nos bairros Coroa do Meio e Atalaia, existem várias ruas com árvores e ou
arbustos nas calçadas, no entanto, verifica-se que a delimitação das
calçadas com os lotes por muros altos, a alta taxa de impermeabi-
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
61
lização e o uso da vegetação de forma inadequada nas calçadas,
impedem o desenvolvimento saudável de algumas espécies, bem
como impedem o livre fluxo dos pedestres (Figura 5).
Figura 5- Exemplos de calçadas estreitas e com vegetação de forma inadequada nos bairros
Coroa do Meio e Atalaia
Fonte: Próprio autor, 2016.
A inexistência de podas ou podas inadequadas, foram observadas nos sete bairros visitados. Destaca-se e ilustra-se, os problemas
verificados nos bairros Centro e Atalaia (Figura 6), onde podem ser
facilmente encontradas árvores com podas irregulares para liberar
espaço aéreo para sinalização viária e especialmente para a fiação
da rede elétrica.
62
Raquel Kohler
Figura 6- Exemplos de falta de podas, ou podas inadequadas das árvores das calçadas nos
bairros Centro e Atalaia
Fonte: Próprio autor, 2016.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelos dados apresentados, constata-se que os problemas verificados no uso e ocupação intensiva do solo são conhecidos da administração pública, no entanto, verifica-se pela configuração estabelecida, que o mercado imobiliário exerce influência neste processo.
Esta dinâmica de crescimento acarreta problemas de diferentes
grandezas. O poder executivo, através do trabalho das secretarias,
Aspectos Físicos, Legais e Gestão da Arborização Viária em Aracaju, Sergipe
63
especialmente da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e órgãos
municipais específicos têm ciência dos benefícios da presença de
árvores na área urbana de Aracaju, bem como dos problemas da arborização existente.
Pelos resultados das pesquisas apresentadas pode-se afirmar
que os principais problemas da arborização viária de Aracaju referem-se à inadequação do porte das árvores em relação à fiação elétrica aérea, maus tratos culturais em relação à poda de manutenção,
ruptura de pavimento tendo como causa o sistema radicular das
espécies arbóreas e a não observância de dimensionamento e área
mínima das calçadas para implantação da arborização.
Considera-se de extrema relevância a realização do inventário
arbóreo proposto pela Sema e a participação da população para o
efetivo êxito do Plano de Arborização Urbana de Aracaju, pois é a
população que está diariamente em contato com a arborização, especialmente a das calçadas; sua colaboração é imprescindível para
a manutenção e controle dessa vegetação. Entretanto, percebe-se
que essa aproximação com a população é pontual e ainda não gera
os resultados esperados pela municipalidade. Para ser efetiva, deve
ser permanente, sistemática e de abordagem ampla, isto é, deve
contemplar além do esclarecimento sobre plantio, manejo e cuidados, escutar as dificuldades encontradas pela população nas diferentes situações do cotidiano.
Entende-se por fim, que a arborização deve ser serviço público
essencial e, neste sentido é preciso que o planejamento adote uma
postura regenerativa na tentativa de aumentar o número de indivíduos arbóreos adequados, especialmente nos passeios públicos,
considerando suas especificidades nas diferentes situações observadas em Aracaju.
64
Raquel Kohler
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Raquel Kohler
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PRODUÇÃO DE ÁREAS DE RISCO
GEOMORFOLÓGICO NO SÍTIO URBANO DE
GARANHUNS-PE
n Felippe Pessoa de Melo
n Rosemeri Melo e Souza
INTRODUÇÃO
É da natureza humana realizar modificações na paisagem para
que ela venha lhe proporcionar mais conforto e/ou recursos de forma menos dispendiosa, mais eficazes e em intervalos temporais
compatíveis com as necessidades vigentes. Mas, com o transcorrer
dos tempos, essa capacidade de intervenção na natureza foi ficando
cada vez mais latente e fugaz, ao passo que o tempo de recuperação do ambiente explorado não foi levado em consideração, desencadeando e/ou intensificando processos como: degradação dos
solos, lixiviamento, movimentos de massas, maximização do poder
erosivo das águas, queimadas, remoção da flora, minimização da
fauna, perda de produtividade dos solos, eutrofização, entre outros.
Certos processos ambientais, como lixiviação, erosão, movimentos de massas e cheias, podem ocorrer com ou sem
a intervenção humana. Dessa forma, ao se caracterizar pro-
68
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
cessos físicos, como degradação ambiental, deve-se levar em
consideração critérios sociais que relacionam a terra com o
seu uso, ou pelo menos, com o potencial de diversos tipos de
uso. (CUNHA; GUERRA, 2012, p.342)
Um divisor de águas nesse modelo de uso e ocupação do solo
foi a Revolução Industrial, a qual promoveu uma ruptura na então
lógica de produção, acelerando o referido processo de forma incisiva. Tendo como consequência direta a intensificação dos processos
de exploração dos recursos naturais, desencadeando inúmeras e
imensuráveis consequências socioambientais. Devido à magnitude
espacial e temporal da problemática, é no mínimo complexo abordar a vastidão de resultantes e suas inter-relações, de maneira que
não venha apenas a desenvolver uma análise simplista e/ou reducionista dessa temática. Sendo assim, o presente trabalho tem como
objetivo analisar a produção do risco geomorfológico no sítio urbano de Garanhuns, tendo como marco temporal a década de 1965.
Logo nessa data a dinâmica socioespacial e econômica do município
sofre um revés, devido à implantação da política nacional de erradicação do café em áreas consideradas com baixa produtividade, pelo
então Instituto Brasileiro do Café (IBC).
O processo de compreensão do risco geomorfológico não pode
ficar desconectado das ações antropogênicas na paisagem, logo iria
de encontro à concepção do fenômeno.
O risco é uma construção social. A percepção que os atores
têm de algo que representa um perigo para eles próprios,
para outros e seus bens, contribui para construir o risco que
não depende unicamente de fatos ou processos objetivos.
(VEYRET, 2013, p.23)
A materialização desse fenômeno no sítio urbano de Garanhuns
tem suas origens propriamente ditas com a ruptura do modelo eco-
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
69
nômico, ou seja, com a substituição da monocultura da cafeicultura
pela implantação da pecuária leiteira extensiva. A primeira atividade
tinha como característica primordial a utilização de grandes quantidades de mão de obra, pois era realizada de maneira quase artesanal. Já a segunda, além de precisar de quantidades menores de
trabalhadores necessitava de um novo perfil, surgindo e sobrepondo-se a figura do vaqueiro em relação à do agricultor.
Esse contexto desencadeou fluxos migratórios em direção
a áreas urbanas, porém não devido a fenômenos naturais como
a seca, mas sim por causa de políticas públicas de ordenamento
territorial, provocando um crescimento do contingente urbano de
forma repentina e consequentemente o processo de fixação de
novas moradias.
Adicionado a essa dinâmica um modelado marcado por elevadas amplitudes topográficas e índices pluviométricos que excedem
as séries climáticas históricas da região, materializa-se um cenário
de risco geomorfológico com ênfase para movimentos de massas.
Conforme Ubirajara (2001), com as indenizações fornecidas
pelo IBC, os até então agricultores investiram na pecuária leiteira.
Esse novo modelo agrário foi responsável por grandes movimentos
migratórios em direção as áreas urbanas; uma vez que a pecuária
leiteira não exigia grandes quantidades de mão de obra, como a atividade anterior; aumento das áreas desmatadas, para maximização
dos pastos; início do processo de assoreamento nos cursos d’água,
devido à remoção da mata ciliar, para facilitar o acesso do gado.
Porém, essa nova atividade trouxe suas benesses, o gado leiteiro
adaptou-se rapidamente a região, e passou a apresentar uma ótima
produtividade e a um baixo custo, pois o gado tinha no pasto sua
alimentação necessária.
70
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
1. BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO TERRITORIAL
Segundo IBGE (2014), o processo de uso e ocupação do espaço
geográfico de Garanhuns por indivíduos estrangeiros, remonta ao
século XVII. Por apresentar uma topografia de difícil acesso, tornou-se um local atrativo para os africanos que conseguiam escapar do
jugo europeu.
São muitos os fatores locais que explicam esse papel de obstáculo interposto pelo altiplano garanhuense. Em primeiro lugar o
maior afastamento do mar, nesse trecho, da Borborema, fez crescer as dificuldades de penetração através de uma mais larga faixa
da Zona da Mata. Também a altitude superior à cota dos 900 m
colocando esse relevo entre os níveis mais elevados do Nordeste brasileiro, tornou-se, desse modo, mais difícil de ser atingido.
Ainda a presença de espessa vegetação de mata, então a cobrir
essa porção do território pernambucano, completou, por muito
tempo, um quadro hostil à ocupação humana. (SETTE, 1956, p.45)
De acordo com Barbalho (1982), o nome Garanhuns viria a surgir pela primeira vez durante o processo de penetração dos escravos no Agreste, área a ser alvo de inúmeras expedições militares.
Todas tendo como objetivo principal garantir o domínio/controle do
território, visto que era um local de conflitos acirrados entre os quilombolas e os europeus.
Segundo Sette (1956), a ocupação mais latente, começa a ocorrer com a invasão holandesa em Pernambuco em 1630, dando início
a chamada guerra do açúcar. Evento que acarretou na desestruturação do cotidiano dos engenhos da Capitania de Pernambuco, tendo
repercussão imediata, queda de produção nos engenhos, e enfraquecimento da disciplina aplicada aos escravos. Mesmo com o fim
da ocupação holandesa, em 1654, os portugueses não conseguiram
reestabelecer o antigo rigor da disciplina.
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
71
Durante o jugo holandês os escravos fugitivos tiveram tempo
suficiente para se organizar em quilombos e traçarem estratégias
de fuga para seus condescendentes. Dos quais muitos se instalaram
sobre os contrafortes orientais da Borborema, na Serra da Barriga,
formando o famoso Quilombo dos Palmares, o qual teve seu auge
na segunda metade do século XVII, tornando-se o mais emblemático
dos quilombos do período colonial, ocupando uma área que se estendia do Cabo de Santo Agostinho ao rio São Francisco. Sendo alvo
de inúmeras incursões portuguesas, que tinham como único objetivo a aniquilação do quilombo. Mesmo sofrendo perdas territoriais,
ao longo das décadas, resistiu até 1694. Dentre os seus líderes destacaram-se: Ganga-Zumba e Zumbi. Após quatro anos do término da
invasão holandesa, ou seja, em 1658, e vivendo um processo histórico de formação e fortalecimento dos quilombos, no qual a região de
Garanhuns estava incluída, surgiu a necessidade de garantir o domínio desse território frente a essa ameaça. A área em questão também era reduto de escravos fugitivos, problema que os portugueses
queriam resolver o mais rápido possível, pois a formação de mais
um quilombo organizado geraria ônus para coroa e ainda incitaria a
formação de outras frentes de resistência.
Como nos engenhos do litoral/mata não havia folga para escravos, ao menor cochilo dos brancos e seus feitores, disso se
aproveitavam os negros mais ousados para fuga em direção
ao interior, subindo os vales dos grandes rios, atravessando
a Serra das Russas, refugiando-se onde os brancos sentiam
medo de morar, no pleno Agreste de Pernambuco, em cujas
vastidões territoriais poderia haver a ferocidade dos tapuias-cariris ou mesmo a de animais selvagens, ambas, contudo,
não tão malignas quanto o trato dos brancos litorâneos em
relação aos africanos cativos. Para estes o Agreste representava uma Canaã, era a terra da liberdade plena e da vida
digna, muito diferente da podridão moral e social de lá de
72
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
baixo, onde a nobreza não passava de apelido destituído de
fundamento e muito parecido com safadeza e nada mais. No
Agreste, os negros se aquilombavam, fundavam mocambos
diversos, reproduziam-se através das índias ou até mesmo
de brancas e mulatas raptadas nas fazendas circunvizinhas.
(BARBALHO, 1982 apud UBIRAJARA, 2001, p.110).
O Governador da Capitania Pernambuco concedeu a Nicolau
Aranha Pacheco, Cosmo de Brito Cação, Antônio Fernandes Aranha
e Ambrósio Aranha de Farias, uma sesmaria de 20 léguas, nos campos Garanhuns e Panema. Na sesmaria Garanhuns, fundou-se o sítio
Garcia, atualmente esse local corresponde a sede do município. Em
1699, foi expedida uma carta régia que tornava Garanhuns sede da
Capitania do Sertão do Ararobá. Em 1762, foi criada a vila de Cimbres. Com isso, Garanhuns passa a ser sede da Freguesia de Santo
Antônio de Garanhuns. Devido ao seu notável desenvolvimento, foi
elevada a sede de Vicariato em 1796.
Conforme o IBGE (2014), setenta e oito anos após sua última
elevação a sede, e novamente elevada, sendo que agora a categoria
de vila, pela carta régia de 10/03/1811, sendo instalada em 17/12/1813.
A lei provincial n° 204, de 04/02/1848, criou o distrito de Correntes
e o anexou a Garanhuns, a qual passou a ser cidade em 04/02/1874,
pela lei provincial n° 1.309. Em 1879, Correntes é desmembrada de
Garanhuns e elevada a cidade.
Dando continuidade a esse fenômeno territorial ao longo das
décadas o município de Garanhuns foi tendo porções do seu território transformadas em distritos e os mesmos, no transcorrer dos
anos, foram se emancipando.
1.1 Constituição dos Primeiros Bairros
O processo de ocupação de Garanhuns remonta a
importantes fatos históricos ocorridos no estado de
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
73
Pernambuco. No tempo da colonização, Garanhuns, ou
Capitania do Ararobá, como era denominada, foi palco
de inúmeras perseguições aos silvícolas Tupinambás,
antigos habitantes da região, e posteriormente aos negros
integrantes do Quilombo dos Palmares, massacrados
em 1694. “A princípio, tais fatos, concorreram para o
descobrimento e povoamento da região Garanhuense.”
(CAVALCANTI, 1983 apud AZAMBUJA, 2007, p.80)
No intrínseco dos anos de 1700 e 1800 o processo de ocupação
das terras se deu, de modo excepcionalmente lento, pela atividade
pecuária extensiva desenvolvida desde então. Mesmo assim, o arruamento começava a tomar forma, através de uma rede incipiente
de caminhos que se confrontavam diretamente com a Igreja Matriz
(AZAMBUJA, 2007).
Em 4 de fevereiro de 1879, é sancionada a Lei n° 1.309 que eleva
a Vila de Santo Antônio de Garanhuns a categoria de cidade. A decisão coincidiu com o projeto de construção da Ferrovia São Francisco, com Terminal Ferroviário em Garanhuns. A sua inauguração
no ano de 1887, se estabeleceu com grande efeito, benefícios comerciais e sociais para a região. Sua ligação direta com a Praça do
Recife atraiu grande número de forasteiros, que ao adquirirem terras pertencentes a latifúndios, passaram a produzir intensamente,
contribuindo para o crescimento do município (CAVALCANTI, 1983
apud AZAMBUJA, 2007, p.80).
O modelado ondulado em forma de colinas dificultou o processo de expansão urbana. O bairro Boa Vista teve seu começo
de ocupação com a construção de uma igreja para homenagear o
santo São Miguel da Boa Vista. Sua inauguração ocorreu em 1922,
provocando um fenômeno espacial idêntico ao que ocorreu na
porção central da cidade, quanto mais próximo o imóvel ou terreno estivesse de uma igreja católica maior seria o valor imobiliário
dessa propriedade.
74
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
A topografia de altas declividades, diretamente ao sul da área
foco de urbanização, não inibiu o movimento de expansão. O
bairro da Boa Vista teve seu início de ocupação com a idealização da construção de uma igreja em homenagem a São
Miguel da Boa Vista. Suas obras foram interrompidas por
longo período e somente foi inaugurada em 1922, A partir de
então, o bairro recebeu outros tipos de infraestrutura como a
construção de um hospital e de importantes serviços sociais.
(CAVALCANTI, 1983 apud AZAMBUJA, 2007, p.81)
A ocupação do bairro Magano ocorreu paralela ao da Boa Vista,
mas devido à ausência de uma igreja católica no bairro, as propriedades não apresentavam grande valor imobiliário. Essa localidade
só iria contar com a presença da igreja católica em 1941 com a inauguração da paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, e o chamado Cristo do Magano inaugurado em 1954. Em ambos os bairros se
nota que não ocorreu o devido planejamento urbano, a lógica de
ocupação do espaço geográfico era a localização mais próxima dos
centros religiosos católicos.
O bairro São José só veio a ter essa nomenclatura depois que o
senhor José Ferreira de Assis construiu cerca de cento e cinquenta
casas populares nessa localidade, servindo de estímulo para expansão residencial dessa área (CAVALCANTI, 1983).
Em contraposição ao crescimento urbano desordenado, surgiu o
bairro Heliópolis, que apresentava uma proposta de crescimento urbano mais ordenado em uma porção do modelado que apresentava
uma topografia privilegiada, ou seja, com feições topográficas mais
aplainadas. Mas novamente com grande influência religiosa, nesse
caso o fixo difusor e reestruturador dessa paisagem foi à igreja Evangélica Presbiteriana, área atualmente ocupada pelo colégio evangélico XV de Novembro, Instituto Presbiteriano do Norte e mediações.
Conforme AZAMBUJA (2007), a configuração do bairro de Heliópolis representou um marco fundamental na expansão ordenada
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
75
e planejada. Embora, sua manutenção e crescimento não tenham
seguido o mesmo padrão.
Ao notar a topografia privilegiada da área, o então prefeito
Euclides Dourado intensificou o processo urbanístico, através da
criação de novos loteamentos, nesse espaço e nas suas proximidades, encaminhando o crescimento urbano em direção as encostas
do modelado. Atualmente essa porção do espaço geográfico garanhuense é chamada de Heliópolis, considerada a área nobre da
cidade. No que diz respeito à igreja católica, a mesma passou a ter
representatividade física através do seminário São José, inaugurado
em 1953, sob a supervisão dos padres diocesanos e da Igreja Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, construída entre 1957 e 1962 e administrada pelos padres redentoristas.
1.2 Erradicação do Café
Devido à implantação da política de erradicação do café implantada pelo IBC, nas áreas consideradas com baixa produtividade pelo
novo modelo de produção do espaço agrário, priorizava a redução
das áreas destinadas às lavouras em detrimento da pecuária extensiva (Tabela 01), ao passo que a população municipal aumentava
(Gráfico 01). Pois, essa nova atividade não necessitava de grandes
contingentes populacionais, antítese ao modelo anterior. Tendo
como consequência o êxodo rural, entretanto, diferente dos anteriores em que eram causados pela seca, e ao término da mesma o
fluxo era reverso, sendo na ocasião de caráter permanente. Desprovidos de renda para aquisição de lotes em áreas apropriadas para
moradia, os oriundos do campo passaram a fixar suas moradias nas
encostas dos vales.
76
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
Tabela 01 - Dinâmica da paisagem
Área - ha
Anos
Propriedades
Rurais
Exploradas
Lavouras
Pastagens
Vegetação
1940
98.605
60.920
34.856
15.400
10.664
1950
100.445
72.718
38.675
23.391
10.652
1960
113.965
86.833
48.478
27.783
10.572
1970
113.590
93.892
38.318
47.767
7.807
1975
107.547
89.491
32.845
53.084
3.562
Fonte: SALES; TEREZA (1982 apud UBIRAJARA, 2001, p.131).
Décadas do Recenseamento
Gráfico 01 - Dinâmica populacional
Fonte: IBGE, 2014.
Assim o espaço urbano passa a ser ocupado de forma distinta por dois grupos sociais, um assentado e estabelecido de forma
paulatina, com a finalidade principal de fixação residencial; e um segundo que, além dessa característica, utilizava os recôncavos das
moradias para atividades agrícolas de subsistência. Para o desenvolvimento dessa atividade foi removida a cobertura vegetal original,
aumentando a susceptibilidade natural da área aos agentes erosivos. No caso do descarte dos resíduos residenciais, ambos os grupos sociais realizavam essa atividade nas encostas.
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
77
O processo de urbanização brasileira, caracterizado pela
apropriação do mercado imobiliário das melhores áreas das
cidades e pela ausência, quase completa, de áreas urbanizadas destinadas à moradia popular, levou a população de
baixa renda a buscar alternativas de moradia, ocupando as
áreas vazias, desprezadas pelo mercado imobiliário, nesse
caso áreas ambientalmente frágeis, como margens de rios,
mangues e encostas íngremes. A precariedade da ocupação
(aterros instáveis, taludes de corte em encostas íngremes,
palafitas, ausência de redes de abastecimento de água e coleta de esgoto) aumenta a vulnerabilidade das áreas já naturalmente frágeis. (GUERRA et al., 2011, p.119)
A priori esse fenômeno socioespacial foi visto como um efeito secundário do processo de modernização do campo. De forma
a não chamar atenção do ponto de vista geoambiental, passando
quase despercebido até o início da década de 80. Nesse momento,
as áreas mais susceptíveis a ocupação urbana ficam cada vez mais
escassas, sendo assim começa a consolidar-se uma expansão da poligonal urbana no sentido das encostas, a priori eram ocupadas por
populações de baixa renda.
2. SÍNTESE FISIOGRÁFICA
2.1 Localização da Área
O território pernambucano está inserido na região Nordeste do
Brasil, a qual possui uma área de 1.561.092 km2, estando distribuída pelos estados de Alagoas (27.807,3 km2 - 1,78%), Bahia (566.355
km2 - 36,27%), Ceará (148.853 km2 - 9,53%), Maranhão (335.861 km2
- 21,51%), Paraíba (56.524,2 km2 - 3,62%), Pernambuco (98.192,3 km2
- 6,28%), Piauí (252.718 km2 - 16,18%), Rio Grande do Norte (52.867,1
km2 - 3,38%) e Sergipe (21.914,2 km2 1,4%). Pernambuco está subdivi-
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Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
dido em cinco mesorregiões denominadas de Sertão (37.937,5 km²
- 38,63%), São Francisco (24.447,3 km2 - 24,89%), Agreste (24.580,6
km2 - 25,03%), Mata (8.429,2 km2 - 8,58%) e Metropolitana de Recife
(2.798,1 km2 - 2,84%).
A mesorregião do Agreste desmembra-se nas microrregiões do
Alto Capibaribe (1.783,11 km2 - 7,25%), Brejo Pernambucano (2.552,66
km2 - 10,38%), Garanhuns (5.184,7 km2 - 21,09%), Médio Capibaribe
(1.763,53 km2 - 7,17%), Vale do Ipanema (5.397,34 km2 - 21,95%) e Vale
do Ipojuca (7.899,25 km2 - 32,13%).
O município de Garanhuns possui uma área de 458,55 km². Delimita-se pelas coordenadas geográficas -8° 51’ 37” / -8° 55’ 40” e -36°
26’ 06” / -36° 30’ 52”. A cidade faz divisa com 11 municípios (Figura
01). Ao norte, com Capoeiras (7,3 km), Jucati (5,4 km); ao sul, Correntes (12,7 km), Lagoa do Ouro (2,3 km), Brejão (38,97 km), Terezinha (4,25 km); a leste, São João (25,8 km), Palmeirina (3,4 km); a
oeste Saloá (8,31 km), Paranatama (9,36 km), Caetés (25,16 km).
A referida cidade tem duas rotas principais para capital pernambucana. A primeira pela BR 101, percorrendo um trecho de 242 km;
e a segunda passando por duas BRs 423/232, transcorrendo 80,6 km
pela 423 até São Caetano - PE, mais 151,4 km na 232 até Recife-PE,
totalizando uma rota de 232 km. Optar pela primeira rota implica
em uma redução de 10 km na viagem, passando por uma paisagem
marcada por uma vegetação de ambientes quentes e úmidos; já o
segundo percurso, possibilita o contato com Caruaru-PE, importante polo comercial a nível regional, e a apreciação de paisagens distintas, desde as hiperxerófilas as perenifólias.
Figura 01 - Localização da área de estudo
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
79
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Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
2.2 Geologia
De acordo com a CPRM (2014), o município de Garanhuns-PE
encontra-se situado nos domínios das unidades geológicas de Belém do São Francisco; Cabrobó 2, 3 e 4; e por um pequeno grupo de
granitóides indiscriminados. O primeiro é formado pelos litotipos,
anfibolito, migmatito, metadiorito, ortognaisse granodiorítico, ortognaisse tonalítico; estando sob os domínios dos complexos gnaisse-migmatíticos e granulitos; tendo uma textura predominantemente argilo-síltico-arenoso; com porosidade de 0 a 15%; tendo um
relevo predominantemente de colinas dissecadas e morros baixos.
Já o complexo Cabrobó, na unidade 2, é composto por litotipos,
biotita e ou muscovita xisto gnaisse, leucognaisse, metagrauvaca,
migmatito e níveis de quartzito, anfibolito e mármore; ficando nos
domínios das sequências vulcanossedimentares proterozóicas dobradas, metamorfizadas de baixo a alto grau; com a textura, porosidade e relevo iguais a unidade geológica de Belém do São Francisco.
A unidade 3 é formada por litotipos, cianita-granada metagrauvaca
turbidítica; estando no domínio das sequências sedimentares proterozóicas dobradas, metamorfizadas de baixo a alto grau; tendo textura e porosidade iguais a formação supracitada 2; com o relevo de
chapadas e platôs; o quarto grupo é composto de litotipos, quartzitos micáceos, quartzitos-feldspáticos e metarcósios bandados com
intercalações de rochas calcissilicáticas; apresentando domínio, textura, porosidade, em conformidade com a unidade 3, seu relevo é
montanhoso.
A estrutura geológica formada por granitóides indiscriminados
possui litotipos, monzogranitos, sienogranitos, granodioritos, tonalitos e sienitos predominantemente inequigranulares finos a médios
e, localmente exibem foliação magmática; estando sob os domínios
dos complexos granitoides intensamente deformados (ortognaisses); com textura e porosidade idênticas a da unidade anterior; e
relevo composto por chapadas e platôs.
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
81
Salienta-se que a CPRM (2014), considera existirem colinas no
complexo Cabrobó, unidade 2. Entretanto, ocorre de fato relevo em
forma de colinas, observando-se que a localização da área no Planalto da Borborema. Em relação às chapadas dentro dos limites da
poligonal municipal, as mesmas não ocorrem. Mas, existe a presença de estruturas com topos tubuliformes, resultantes de processos
erosivos, destacando-se as erosões eólica, devido às elevadas altitudes, média de 850 m; e hídrica por causa do elevado índice pluviométrico.
CPRM (2014), em relação aos minerais de relevante interesse
comercial, o município apresenta cinco áreas. Tendo como substrato principal: água mineral em um reservatório subterrâneo que
transcende os limites municipais (278,3 km² - área total), mas sua
maior porção está situada no perímetro do município (-8° 50’ 10’’
/ -8° 58’ 30” e -36° 26’ 02” / -36° 37’ 46’’); caulim, na fazenda Serra
Branca (-8° 53’ 28” / -36° 31’ 41”); ferro, ainda não explorado (-8° 49’
52” / -36° 31’ 3”) e quartzo (-8° 48’ 59” / -36° 31’ 3”), ambos situados
na propriedade Belmonte; rochas ornamentais, na fazenda Aline (-8°
48’ 29” / -36° 27’ 38”) e na propriedade Ferreira Costa (-8° 48’ 40” /
-36° 27’ 15”).
2.3 Geomorfologia
Tomando como base os limites da poligonal da província da
Borborema, e usando a escala de 1: 2.500.000 para análise das unidades geomorfológicas, destacam-se: as depressões Sertaneja e do
São Francisco, a primeira ao norte e a segunda ao sul; a chapada do
Araripe, a oeste; serra dos Cariris Velhos, a és-nordeste; planalto da
Borborema, a és-sudeste; platôs residuais no transcorrer da unidade
(Figura 02).
82
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
Figura 02 - Unidades geomorfológicas da poligonal da província da Borborema.
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
83
Compreende-se como sendo parte do planalto da Borborema,
todo o setor de terras altas, isolinhas acima de 200 m, situado a norte do rio São Francisco, estruturado nos diversos litotipos cristalinos
correspondentes aos maciços arqueanos remobilizados, sistemas
de dobramentos brasilianos e intrusões ígneas neoproterozóicas
sin-tardie pós-orogênicas. O limite oriental do planalto é genericamente definido pela ruptura de gradiente existente entre a encosta
e os patamares rebaixados do piemonte em direção à costa. A depressão sertaneja, a oeste, define o limite ocidental como um semicírculo de terras baixas semiáridas, separado do topo do planalto
por uma escarpa, que ressalta os controles litológicos e estruturais
(CORRÊA et al., 2010).
No Planalto da Borborema, Nordeste do Brasil, as marcantes diferenças climáticas existentes entre as suas escarpas
orientais, expostas às precipitações orográficas advindas da
umidade trazida pelos ventos úmidos dos setores E-SE, e a
vertente norte-ocidental, submetida ao clima semiárido tropical, com larga estação seca e precipitações espasmódicas
de verão-outono, exacerbado pelo efeito da sombra pluvial,
resultam em domínios morfoesculturais distintos. A leste, as
escarpas são recobertas por espessos mantos de alteração; a
oeste, faz-se notável a distinção litológica dos modelados de
dissecação diferencial, degraus de soerguimento tectônico
e extensas paleosuperfícies regionais de gênese complexa.
(CORRÊA et al., 2010, p.3)
Para CPRM (2008), o planalto da Borborema abrange a porção
central dos estados de AL, PB, PE e RN. Apresenta cotas altimétricas
a partir de 500 m de altitude, caracterizando-se por extensas áreas
aplainadas e por colinas amplas e suaves, delimitadas por escarpamentos ou degraus, nas bordas leste e oeste. A primeira drena para
Zona da Mata Nordestina e é constituída por colinas, tabuleiros e
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Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
planícies costeiras que ocupam o litoral oriental do Nordeste, entre Aracaju e Natal. Trata-se de uma área úmida situada na vertente
a barlavento da Borborema. Devido a essa barreira orográfica, os
ventos alísios do leste (massa equatorial atlântica) são impedidos a
galgar o planalto, promovendo uma intensa pluviosidade, principalmente no inverno. Já a segunda constitui-se de vastas superfícies
aplainadas, drenando para depressão Sertaneja. Trata-se de uma
área semiárida situada na vertente sotavento da Borborema. Nesse
caso os ventos ultrapassam o planalto da Borborema sem umidade,
o que explica a falta de chuvas no interior e a presença da caatinga
como vegetação dominante.
Segundo Oliveira (2008), o planalto da Borborema possui uma
forma elíptica alongada na direção NNE/SSW, com extremidade
mais larga limitada pelo rio São Francisco a SSW, e a extremidade
afinada apontando para Touros-RN, a NNE. O comprimento maior é
de 470 km e a largura oscila de 330 a 70 km. As maiores altitudes, entre 1.000 e 1.200 m, ocorrem na parte central e no flanco oeste, onde
um conjunto de cumeeiras delimita a depressão Sertaneja. O flanco
leste é limitado por gradientes mais suaves, em transição para os
tabuleiros costeiros. Sua porção sul apresenta suave transição para
o vale do Baixo São Francisco. A extremidade NNE aponta para região de encontro das margens costeira leste e equatorial, no alto
tectônico de Touros.
Para CPRM (2014), o processo de orogênese Brasiliana-Pan-Africana agregou grandes áreas do Brasil e África, originando o
supercontinente Gondwana, quando as cadeias de montanhas brasilianas passaram a ser erodidas e todo o território nordestino passou a se comportar como uma vasta sinéclise até o início do Mesozóico. De forma a ocorrer a deposição de sedimentos marinhos
e continentais, hoje preservados nas bacias de Jatobá e Araripe
e em pequenas bacias interiores. Nessas bacias formaram-se pequenas concentrações de linhito, ferro e fosfato uranífero, sendo
ainda as formações Tacaratu e Inajá importantes reservatórios de
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
85
água subterrânea. No Triássico e no Jurássico iniciou-se um novo
ciclo de deposição de sedimentos, que a partir do Cretáceo, desencadeou a fragmentação do Gondwana e a abertura do oceano Atlântico, com a formação de bacias sedimentares similares de
cada lado do Atlântico.
Essas bacias abrangem rochas e estruturas que refletem os diferentes estágios da quebra do Gondwana (estágios pré-rifte e rifte
- respectivamente, pré-quebra e quebra), presentes nas bacias interiores e de margem passiva (sequências do golfo e do oceano), hoje
preservadas na costa do Brasil e representadas no estado de Pernambuco pelas bacias de Pernambuco e da Paraíba. Desse modo,
formaram-se importantes concentrações de gipsita, calcário e fosfato. A partir do Paleógeno, o Nordeste comportou-se como terra
emersa, ocorrendo apenas a formação de pequenas bacias interiores e litorâneas continentais, em resposta à erosão do relevo nordestino e à sua sucessiva pediplanização, que resultou na formação
do planalto da Borborema.
Entre as latitudes de 10 e 19° S a região entre o vale do
São Francisco e a costa oriental do Brasil apresenta uma
disposição essencialmente regular. Como pode ser observado nos mapas geomorfológicos, os poucos remanescentes das superfícies Gondwana e post-Gondwana acham-se
distribuídos principalmente ao longo da Serra Geral, que
constituiu anteriormente um importante divisor de águas
que separava os cursos d’água que atingiram diretamente o mar, de uma drenagem que corria para o interior e
provavelmente atingia a costa norte do Brasil. Esta antiga
disposição da drenagem foi profundamente alterada por
movimentos tectônicos que ocorreram no Terciário superior, incluindo a incisão do vale de afundamento do São
Francisco através da superfície, em época plio-pleistocênica. (KING, 1956, p.210)
86
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
O município de Garanhuns encontra-se totalmente inserido nos
domínios do planalto da Borborema, na borda oriental. Com cotas topográficas que oscilam de 511 a 1.030 m. No primeiro caso, destacam-se os patamares erosivos mais rebaixados e afastados das superfícies
de cimeira, formando superfícies aplainadas aluviais; no segundo, a
estrutura somital do morro do Magano, localizada a -8° 52’ 42” / -36°
31’ 6”, com o topo levemente aplainado, sua encosta leste serve de
acesso principal, por apresentar uma declividade mais suave.
Segundo Azambuja (2007), as estruturas geneticamente homogêneas apresentam como elementos denunciais:
- Topos - Compartimento tabular, no qual se situa a área urbana, fica estruturado sobre altitudes que variam entre 800
a 950 m. Possuem ruptura de declividade ora convexa ora
retilínea, apresentando dissecações que variam de 50 a 100
m entre topo e fundo de vale. Frequentemente, este tipo de
relevo apresenta-se fortemente dissecado sobre as unidades
de encostas com registro extensivo de paleo-escarificacões
estabilizadas pela cobertura vegetal;
- Encostas ou Vertentes - São encontradas com frequência três
tipos de rupturas de declividade (retilíneas, côncavas e convexas).
A referida ainda salienta que em relação aos elementos de acumulação sobressaem:
- Rampas de Colúvio - As vertentes são consideradas como
elemento de acumulação sub-recente. Formas assaz comuns
sobre a transição entre encostas íngremes e terraços fluviais.
Sua origem deve-se a sucessivos processos morfogenéticos
pontuais, responsáveis pela remobilização do regolito a jusante de tais encostas. São rampas de ondulação suave que
adquirem destaque pela coalescência de vários depósitos
coluviais. Devido à heterogeneidade dos seus sedimentos,
muitas vezes estes locais configuram-se como instáveis, po-
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
87
dendo em certos estágios se transformar em nova área fonte
de sedimentos, quando fortemente erodidas;
- Plaino Aluvial - Este compartimento ocorre em áreas baixas
e planas ao longo dos tributários e do próprio riacho da rua
Nova a SSE do perímetro urbano e ao longo do vale do riacho
São Vicente a NNE. Frequentemente são limitados por encostas de rampas de colúvio que formam truncamento sobre as
áreas de terraços propriamente ditas;
- Terraços - Encontram-se preenchidos por material aluvio-coluvionar cortado pela drenagem intermitente, correspondente ao ciclo Paraguaçu de King. São locais extensamente ocupados pela agricultura de gêneros alimentícios.
2.4 Hidrografia
O estado de Pernambuco encontra-se sob os domínios das bacias do Atlântico Norte/Nordeste e do São Francisco. A primeira,
com uma área de 1.068.670 km², dos quais 34.474,2 km² encontram-se localizados no território pernambucano; a segunda, com 625.756
km², estando 63.501,6 km² situados em PE. Sendo que, o município
de Garanhuns fica totalmente inserido na bacia hidrográfica do
Atlântico Norte/Nordeste (ANA, 2010).
A folha Garanhuns, por se localizar na superfície cimeira,
se constitui num divisor de bacias hidrográficas. A região é
cortada pelos rios Una, Mundaú e Canhoto. O Rio Una é um dos
principais rios de Pernambuco, nascendo na região de Caetés
e desaguando no Oceano Atlântico próximo a Barreiros. Tem
como afluente, que também corta a região em foco, o Rio da
Chata, que nasce em Calçado. O Rio Mundaú nasce próximo
à cidade de Garanhuns e drena toda a região a sudeste e sul
de Garanhuns através de seus afluentes, destacando-se o
Inhaúma. O Rio Canhoto nasce nas proximidades de Caetés,
88
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
passando por Itacatú, Canhotinho, Paquevira, Serra Grande,
já no estado de Alagoas. (CPRM, 2008, p.3-4)
Analisando esse sistema hidrográfico em escala regional, o município está inserido na bacia hidrográfica do Mundaú. Uma de suas
nascentes fica inserida nas imediações do Parque Ruber Van Der
Linden, popularmente denominado de Pau Pombo, no bairro Santo
Antônio. Mais precisamente nas coordenadas geográficas de -8° 53’
33” e -36° 29’ 27”.
Essa rede hidrográfica fica localizada nos estados de PE e AL,
abrangendo uma área de 4.090,39 km² dos quais 2.154,26 km² estão em Pernambuco, correspondendo a 2,19% de sua área. A porção
compreendida no território pernambucano encontra-se delimitada
pelos paralelos -8º 41’ 34” / -9º 14’ 00” e pelos meridianos de -36º 03’
36” / -36º 37’ 27”. Limitando-se com a bacia hidrográfica do rio Una
(N, L e O), no estado de Alagoas, e a um grupo de rios secundários
(S). O rio Mundaú nasce em Garanhuns, sendo os seus principais
afluentes os riachos Conceição e Salgado, e rios Correntes, Mundauzinho e Canhoto (SRHE, 2011).
Segundo Marcuzzo et al. (2011), mesmo apresentando baixa
densidade de drenagem, a bacia hidrográfica do rio Mundaú possui
em seu histórico alagamentos recorrentes que têm grande relação
com o relevo cujas terras apresentam elevada amplitude altimétrica, o que favorece a rápida concentração das águas de chuva. Possui
considerável variação de sua área, proporcionada pela linearidade
da bacia e por fatores geofísicos. Apresentando as seguintes características hidromorfológicas: relação de bifurcação média (4,21),
índice de sinuosidade elevado (81,46%), comprimento do canal principal é de 158,27 km e gradiente de 861 m, equivalente vetorial de
113,24 km, área da bacia de 4.457,87 km², perímetro de 382,68 km,
forma triangular, comprimento dos canais de 1.029,17 km, amplitude
altimétrica de 1.018 m, coeficiente orográfico 0,06 e 4,43 de índice
de rugosidade.
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
89
Faz-se necessário ressaltar que a remoção da mata ciliar (originalmente formada por mata atlântica) é um problema complexo ao
longo do percurso do rio Mundaú, sendo de fácil identificação fenômenos como deslizamentos de suas margens. Com a implantação
do sistema Mundaú II ou barragem do Cajueiro II, o fluxo natural
ficou comprometido, ficando a vasão desse ponto em diante (-9° 40’
51” / -36° 24’ 39”) condicionada ao nível de água do reservatório.
Problemática essa que já traz consequências visíveis para dinâmica
socioambiental, destacando-se a construção de pequenos diques
no leito do rio para a manutenção das atividades agrárias pretéritas
a implantação da barragem.
2.5 Sistema Climático
Conforme Jatobá (2014), existem diversas classificações
climáticas, uma delas de baixo grau de complexidade, não
pela falta de informações e sim pela simplicidade de como são
repassadas, é a de Wilhelm Köppen que representa as zonas
climáticas através das cinco primeiras letras do alfabeto, estando assim sistematizadas:
- (1ª - Grupo): A, quentes; B, secos; C, mesotérmicos úmidos; D,
microtérmicos úmidos; E, polares e de grandes altitudes;
- (2ª - Tipo): s, estepe, precipitação anual fica entre 380 e
760 mm; w, desértico, precipitação anual total média <
250 mm; f, úmido, ocorrência de precipitação em todos os
meses do ano; w, chuvas de verão; s, chuvas de inverno; w’,
chuvas de verão/outono; s’, chuvas de inverno/outono; m,
monção, precipitação anual > 1.500 mm; T, temperatura do
ar no mês mais quente compreendida entre 0 e 10°C; F, temperatura do mês mais quente < 0°C; M, chuvas abundantes,
inverno pouco rigoroso;
- (3ª - Subtipo): a, verão quente, mês mais quente ≥ 22°C; b,
verão temperado, mês mais quente < 22°C; c, verão curto e
90
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
fresco, mês mais quente < 22°C e mais frio -38°C; d, inverno
muito frio, mês mais frio < -38°C; h, seco e quente, temperatura anual > 18°C; k, seco e frio, temperaturas < 18°C.
Os dados climáticos supramencionados são baseados em médias anuais ou mensais, ou seja, podem apresentar flexibilidades em
suas variáveis.
O Governo Federal tem uma nova nomenclatura e poligonal
para área que concerne o fenômeno climático da seca na região
Nordeste, denominada de Região Semiárida, com uma área de
982.563,3 km2, estando distribuídas (municípios/estados): 127 - PI,
150 - CE, 147 - RN, 170 - PB, 122 - PE, 38 - AL, 29 - SE, 265 - BA e 85 - MG
(BRASIL, 2005).
Para Jatobá e Bindes (2014), diversos sistemas atmosféricos
atuam sobre o Nordeste brasileiro. São eles os responsáveis diretos
pela diversidade de regimes pluviométricos. Sendo assim, uma das
regiões que possuem um dos mais complexos quadros climáticos do
planeta. Nela agem sistemas atmosféricos equatoriais, tropicais e
extratropicais, estando estruturados da seguinte maneira:
- Chuvas de Verão - Carreta-se pala diástole de uma massa de
ar continental, que se origina sobre a Amazônia, trata-se da
massa Equatorial Continental (mEC). Esse sistema provoca pesados aguaceiros convectivos, mas de curta duração, no oeste
de Pernambuco, sul do Piauí e oeste da Bahia. Tem-se assim, no
grupo climático BSh o subtipo BShw (clima semiárido com verões chuvosos). A EC é um ar quente e nevoento que adquire
grande quantidade de umidade que lhe é fornecida pela Floresta Latifoliada Perenifólia Amazônica e pelos fluxos de ar úmido
que se formam no Atlântico e penetram no vale do Amazonas.
Essa massa tem como região de origem o Alto Solimões;
- Chuvas de Verão Retardadas para o Outono - Esse regime é
produzido pelas incursões de um sistema atmosférico de baixas pressões, convectivo que se forma no talvegue das bai-
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
91
xas pressões da faixa equatorial, ou seja, pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Ela migra para o sul durante o
verão e outono (dezembro a maio), mas de forma descontínua. Acarretam pesados e rápidos aguaceiros convectivos
no Sertão dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco e Alagoas. A ZCIT, determina o regime
de chuva dos climas Aw’ e BShw’;
- Chuvas de Outono/Inverno - O regime de chuvas de outono-inverno que se instala, sobretudo, na parte oriental do
Nordeste, mas também no semiárido, é provocado por um
sistema extratropical, a Frente Polar Atlântica (FPA), e as Ondas de Leste. A Frente Polar Atlântica (FPA) provoca pesados
aguaceiros frontais na Zona da Mata nordestina, particularmente nos estados de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Contudo, penetra pelos vales fluviais que têm uma direção geral
NO/SE e E/O e atinge o semiárido (Agreste pernambucano,
sobretudo) e determina o clima BShs’;
- A massa de Ar Tépida Kalahariana (TK) - Não provoca nenhum regime de chuvas, e sim a semiaridez do Nordeste brasileiro. Ao contrário do que ficou “consagrado” em muitos
livros didáticos brasileiros, a presença do semiárido no território nordestino não é determinado exclusivamente pelo
planalto da Borborema. A Borborema age secundariamente.
A causa principal desse clima semiárido (BSh) reside na instalação permanente, sobre a região dessa massa de ar que é
estável, de altas pressões e de baixa umidade. A TK forma-se
na parte oriental do Anticiclone Semifixo do Atlântico, sobre
os desertos do Kalahari e Namíbia, no sudoeste do continente africano. Ela migra seca e estável, portanto, em direção
à faixa das baixas pressões equatoriais e se instala sobre o
interior do Nordeste. No inverno, ela atinge até a periferia
oriental da Amazônia. Na verdade, o domínio das caatingas é
uma decorrência da projeção do ar Kalahariano no Brasil.
92
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
Trazendo esse cenário para o âmbito da pesquisa, observa-se
que apesar de Garanhuns ficar situado sob os domínios do clima semiárido, e inclusive inserido oficialmente pelo Governo Federal tanto no antigo Polígono das Secas como na então Região Semiárida,
configura-se como uma área de exceção. Apresentando um clima
Mesotérmico Tropical de Altitude. Aplicando a classificação climática de Köppen, seria designado como Cs’a.
Segundo Andrade (1972 apud Ubirajara 2001, p.79), por se situar na porção mais meridional do Agreste pernambucano, num
dos retalhos da superfície da Borborema, na vizinhança do rebordo sul do planalto, a menos de -9° de latitude e com uma distância
(em linha reta) inferior a 150 km para o Atlântico. Configura-se
com uma variedade climática regional no Brasil. Tratando-se de
um clima quase mediterrâneo ou Cs’a. Tal vocação é possível porque Garanhuns encontra-se o ano inteiro sob a influência da massa de ar TK, além de receber no inverno as frentes frias que escalam a costa sul/oriental da Borborema. As médias térmicas de
julho a agosto mal chegam a 18°C, com precipitação média anual
superior a 80 mm.
3. CRESCIMENTO URBANO
Devido à implantação da política de erradicação do café implantada pelo IBC nas áreas consideradas com baixa produtividade pelo
novo modelo de produção do espaço agrário, o qual priorizava a
redução das áreas destinadas às lavouras em detrimento da pecuária extensiva (Tabela 02), ao passo que a população municipal aumentava (Gráfico 02). Pois, essa nova atividade não necessitava de
grandes contingentes populacionais, antítese ao modelo anterior.
Tendo como consequência o êxodo rural, entretanto, diferente dos
anteriores em que eram causados pela seca, e ao término da mesma
o fluxo era reverso, sendo agora de caráter permanente. Desprovidos de renda para aquisição de lotes em áreas apropriadas para
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
93
moradia, os oriundos do campo passaram a fixar suas moradias nas
encostas dos vales.
Tabela 02 - Dinâmica da paisagem.
Área – há
Anos
Propriedades
Rurais
Exploradas
Lavouras
Pastagens
Vegetação
1940
98.605
60.920
34.856
15.400
10.664
1950
100.445
72.718
38.675
23.391
10.652
1960
113.965
86.833
48.478
27.783
10.572
1970
113.590
93.892
38.318
47.767
7.807
1975
107.547
89.491
32.845
53.084
3.562
Fonte: SALES; TEREZA (1982 apud UBIRAJARA 2001, p.131).
Décadas do Recenseamento
Gráfico 02 - Dinâmica populacional.
Fonte: IBGE, 2014.
Assim o espaço urbano passa a ser ocupado de forma distinta por dois grupos sociais, um assentado e estabelecido de forma
paulatina, com a finalidade principal de fixação residencial; e um segundo que além dessa característica, utilizavam os recôncavos das
moradias para atividades agrícolas de subsistência. Para o desenvol-
94
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
vimento dessa atividade foi removida a cobertura vegetal original,
aumentando a susceptibilidade natural da área, aos agentes erosivos. No caso do descarte dos resíduos residenciais, ambos os grupos sociais realizavam essa atividade nas encostas.
A priori esse fenômeno socioespacial, foi visto como um efeito
secundário, do processo de modernização do campo. De forma que
não chamou atenção, do ponto de vista geoambiental, passando
quase despercebido até o início da década de 80. Nesse momento
as áreas mais susceptíveis a ocupação urbana, ficam cada vez mais
escassas, sendo assim começa a consolidar-se uma expansão da poligonal urbana no sentido das encostas, que a princípio eram ocupadas por populações de baixa renda.
Em 1982, o perímetro urbano tinha uma área de 9,1 km², alongando-se no sentido latitudinal; dos quais 0,37 km² localizados a
SSO, constituindo uma poligonal fechada, ligada ao sítio urbano
primário por segmentos vicinais. Ao norte, a porção urbana que
transcendia a BR 423 era modesta, devido a sua distância do centro
comercial, 0,97 km em linha reta, tomando como base o transepto
latitudinal: Sede da Prefeitura Municipal (-8° 53’ 45” / -36° 29’ 36”) e
a BR 423 (-8° 52’ 47” / 36° 29’ 36”). A leste, a mancha urbana já se
estendia até os limites municipais. Ao passo que se afastava do centroide comercial, diminuía-se a concentração residencial, mas com
a presença de lotes/imobiliários bem definidos. Ao sul, destaca-se
alongamento urbano no sentido das encostas, visto que, o setor
comercial desenvolveu-se nas proximidades de vales, com encostas
abruptas. A oeste, a mancha urbana estende-se margeando as superfícies de cimeiras e os limites dos vales.
Essa configuração geoespacial por si só já materializa um cenário propício a riscos geoambientais, adicionando a esse contexto um
modelo inadequado de descarte dos resíduos residenciais, o risco
foi dinamizado. As encostas dos vales eram utilizadas como lixões
públicos municipais oficiais e local de descartes dos esgotos. No primeiro caso, sobressaem os lixões situados na intersecção das ruas
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
95
Cônego Benigno Lira e Olavo Bilac e o da comunidade da Liberdade,
chamado pelos habitantes locais de Buracão da Raposa. À medida
que os resíduos residenciais eram despejados nas vertentes, formava-se uma base de dejetos compactada, a qual com o transcorrer
do tempo alcançava o nível de base das casas, em seguida eram
recobertas com restos de materiais oriundos da construção civil, e
novamente compactada, utilizando água e instrumentos artesanais
para apiloamento por soque, posteriormente essa nova área servia
para expansão das residências preexistentes ou construção de novas moradias.
No segundo caso, os fluxos hídricos residenciais e provenientes
das chuvas, foram direcionados para as vertentes dos vales. Tendo
em vista que eles proporcionavam um fácil descarte e de baixo custo, desconsiderando a saturação permanente das encostas, aumentando sua susceptibilidade natural a movimentos de massas (deslizamentos e desmoronamentos), situação agravada nos períodos
de chuvas mais concentradas. Nesse caso, os corpos d’águas atuam
de duas formas distintas, porém associadas, sendo elas os intemperismos: químico, com liquefação/dissolução dos solos; e do físico,
deslocamento de material das encostas e dos fundos dos vales, através da força de arrasto das águas, no caso em questão, ampliadas
devido às grandes amplitudes topográficas.
Perpassados 13 anos do intervalo temporal que serviu de marco
para o presente trabalho, ou seja, em 1995, a urbanização apresenta-se de forma mais intensiva; ocorrendo a maximização do adensamento residencial no perímetro urbano, redução de lotes/terrenos
vazios; expansão de 5,6 km² dos seus domínios/limites.
Ao norte, expande-se 1,14 km² o que representa 20,35% do assentamento urbano, sendo 0,66 km² nas vertentes do vale localizado ao norte da BR 423; 2,44 km², 0,24 a oeste da BR 424 e 2,44 km² no
bairro do Magano, de forma que 0,17 km² a NO e 0,07 a SE. A oeste,
amplia-se 1,48 km², dos quais 0,51 km² estão situados nas imediações
do vale a oeste da rua Araci de Almeida - bairro Severiano Moraes
96
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
Filho. A porção sul é a que apresenta os maiores índices: 2,97 km²,
o que corresponde a 53,03%. Sendo assim, o assentamento urbano
de 1982 – 1995 cresce 61,53%, aumentando ainda mais a descarga
de resíduos residenciais nas vertentes dos vales, comprometendo a
estabilidade das encostas.
Desencadeado esse modelo de uso e ocupação do solo, torna-se
difícil/complexo contê-lo, uma vez que uma ordenação urbana implica
em ônus para os cofres públicos e morosos impasses judicias (para
desapropriações). Sendo mais complexa a questão, pois o município
possui peculiaridades topográficas e climáticas, conforme foi explicitado anteriormente que limitam as áreas de ocupação antrópica.
Considerando a inexistência de intensões públicas municipais que almejem e possam arcar com a reestruturação do cenário urbanístico
do município, deve-se pensar de imediato em pelo menos conter os
avanços urbanísticos nas encostas, evitar futuras ocupações nos fundos dos vales e estruturar seus sistemas de descartes de resíduos.
O perímetro urbano entre o intervalo temporal de 1995 a 2010
ampliou-se 6,13 km², ou seja, 41,70%. A porção ao norte da BR 424
maximiza-se 2,48 km²; sendo 1,55 km² as suas margens; 0,92 km² nos
transversos da BR 423 (0,68 km² a leste e 0,24 a oeste). Ao leste,
teve um incremento de 0,71 km², ocorrendo o primeiro contato contínuo do sítio urbano nos limites municipais. Ao sul, aumentou 2,35
km², tendo como característica principal a formação de extensões
urbanas contínuas. A porção oeste apresenta um ritmo de crescimento mais modesto (0,58 km²), devido à topografia local (900 m
- média) e por já estar densamente ocupada.
3.1 Risco Geomorfológico
Os danos e destruições infligidas à natureza já não se realizam
apenas na esfera inverificável das cadeias de efeitos químicos, físicos
e biológicos. Mas aguilhoam de modo cada vez mais pungente os
olhos, o nariz e os ouvidos (BECK, 2010).
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
97
A categoria de análise denominada de risco envolve variáveis
sociais, ambientais, econômicas, entre outras. E para cada uma
delas ainda existe a questão temporal, pois uma determinada variável pode apresentar distintos graus de risco com o transcorrer
do(s) dia(s), semana(s), mês(eses), ano(s), década(s). Para elucidar
a explanação basta pensar em uma encosta com elevada amplitude
topográfica e com residências assentadas, o risco de movimentos
de massas é constante no decorrer do dia, mas ao passo que o dia
transcorre e os dejetos residências são lançados nela, a probabilidade de fenômenos é maximizada.
Entretanto, o referido trabalho tem como âmago os riscos
geomorfológicos relacionados a movimentos de massas. O perímetro em questão naturalmente já possuía uma susceptibilidade natural para esses fenômenos, a qual foi ampliada de forma
significativa com a maximização das atividades antropogênicas
nas encostas e fundos de vales. Deve-se reforçar de que quando
se aborda a temática movimentos de massas em áreas que possuem residências fixadas, a problemática não se limita a análises
físicas, mas também a socioespacial, pois os agentes antrópicos e
fisiográficos envolvidos podem desencadear uma dinâmica espacial
que pode vir a resultar em degradação ambiental, perdas de vidas
humanas e prejuízos econômicos.
Dinâmica que inclui múltiplas competências da ciência
geográfica, porém com uma especificidade: a geografia analisa os
fenômenos espaciais não apenas do ponto de vista de uma variável
e sim de maneira interligada e sempre refletindo de que forma esses
fenômenos podem vir a interferir no homem.
Nesse contexto de risco no sítio urbano destacam-se as porções
do modelado que apresentam elevada amplitude topográfica, remoção de cobertura vegetal, intensa pressão antrópica para fixação
de moradias, descarte inadequado de resíduos residenciais líquidos
e/ou sólidos, prática de atividades agrárias de subsistência e pontos
de concentração de fluxo hídrico superficial. Para analisar o referi-
98
Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
do fenômeno de forma vertical faz-se necessária à compreensão de
que o risco é oriundo de um processo de construção social, sendo
assim ele nada mais é do que um dos múltiplos resultantes de processos de uso e ocupação do solo incompatíveis com as especificidades do ambiente, no que concerne à sua capacidade de absorção
perante as pressões impostas.
Balizado pelas concepções supramencionadas desenvolveu-se
um modelo de estimativa do risco relacionado a movimentos de
massas (Figura 03), o qual foi ordenado em três graus de probabilidade (baixo, médio e elevado). Sendo constatado que 10 Km² do
sítio urbano (48%) apresenta baixa viabilidade para sofrer de forma
direta com esse fenômeno, 7,22 km² (34,66%) possui média possibilidade e 3,61 (17,34%) apresenta baixa expectativa.
Figura 03 - Modelo do grau de susceptibilidade a movimentos de massas e/ou seus efeitos
diretos.
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
99
Mesmo à classe de risco de baixa viabilidade sofre de maneira direta com os movimentos de massas (deslizamentos, desmoronamentos e soterramentos). Apresentar os menores índices não
significa que o ambiente está seguro. Logo, a referida área tem um
elevado contingente populacional, com dois perfis socioeconômicos distintos (tempos de resposta) conforme já foi explanado no
referido trabalho. Existindo ainda a questão da área se configurar
como uma zona de latente expansão residencial, característica essa
que pode vir a contribuir ainda mais com desfechos catastróficos
para a sociedade garanhuense, sejam eles de forma direta através
dos processos erosivos e/ou de degradação do solo, ou de maneira
indireta pela contaminação dos corpos d’águas devido a doenças
de veiculação hídrica. Nesse caso, atuando em duas frentes. Contaminação direta a partir da ingestão e indireta através do consumo
indireto proveniente da deglutição de produtos agrários e/ou carne
de animais que utilizam esse recurso como fonte de abastecimento.
É latente a necessidade de readequação do modelo de uso e
ocupação do solo para o perímetro urbano. Dentre as medidas para
mitigação dessa problemática recomenda-se: recomposição da cobertura vegetal com flora nativa; ruptura do modelo de descarte dos
resíduos residenciais (líquidos), o qual realiza sua descarga (sem tratamento) no topo das vertentes, transformando-as em cachoeiras
antrópicas e maximizando o poder de erosão dos corpos hídricos;
preservação dos fundos dos vales, os quais já começam a evidenciar
processos de fixação de residências; leves desvios no padrões da
drenagem dos corpos hídricos provenientes das chuvas, de forma
que o processo de escoamento não ocorra de maneira concentrada.
A sociedade tem como uma de suas características, no que concerne as suas inter-relações com a natureza, utilizar e/ou gerir seus
recursos como se eles fossem infinitos e/ou tivessem um elevado
poder de recuperação frente às modificações a eles impostas. Entretanto esse pensamento começa a dar sinais de mudanças, devido aos avisos/respostas que o meio físico vem dando ao homem.
100 Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
Não sendo incomum, os noticiários informarem cada vez com mais
frequência fenômenos nos centros urbanos como: deslizamentos,
desmoronamentos, soterramentos, enchentes, contaminação hídrica, degradação dos solos, queimadas, formação de ilhas de calor,
assoreamento dos corpos d’águas, doenças de veiculação hídrica,
redução na vazão dos rios e rebaixamento/reacomodação do solo
devido seu uso intensivo.
Nesse viés dentre os doze bairros garanhuenses destacam-se:
Dom Helder Câmara, Dom Thiago Póstma, José Maria Dourado,
Magano, Santo Antônio, Heliópolis, Francisco Figueira e Severiano
Morais Filho. Estando as porções situadas nas proximidades das encostas que são zona de transição para os vales as porções mais susceptíveis a fenômenos relacionados a movimentos de massas.
Com base nos dados explicitados, observa-se que os impactos
antropogênicos são alarmantes em 66,66% dos bairros. Entretanto
as porções mais impactadas dessas áreas são as que estão passando por processo de maximização de sua área residencial e/ou realizando atividades agrárias (subsistência e/ou extensiva). Deixando
evidente que o modelo de uso e ocupação do solo é incompatível
com as especificidades do ambiente. Comprometendo de forma síncrona os recursos naturais e a seguridade socioespacial.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O homem vem realizado modificações na paisagem para os
mais diversos fins, sem levar em consideração a capacidade de recuperação da paisagem frente ao que lhe é imposto. Fenômeno
esse que compromete o equilíbrio dos ambientes em múltiplas
escalas. Os reflexos da assincronia dessa dinâmica são cada vez
mais fáceis de visualizar no transcorrer das paisagens. Não sendo
incomum os meios de comunicações noticiarem de forma latente notícias relacionadas a deslizamentos, soterramentos, desmoronamentos, enchentes, assoreamento de cursos d’águas, entre
Produção de Áreas de Risco Geomorfológico no Sítio Urbano de Garanhuns-Pe
101
outras. Nas quais quase sempre envolvem prejuízos financeiros e/
ou perdas de vidas humanas.
Após esses ocorridos, geralmente são tomadas medidas
mitigadoras do problema, porém em escala local. Característica
que não surte o efeito desejado, pois a paisagem é um geossistema
integrado, o qual transcende os limites territoriais criados pelas
sociedades ao longo dos tempos. Outra característica bem
marcante desse modelo de intervenção (posterior ao fenômeno) é
incapacidade e/ou desconsideração de compreensão dos processos
geo-históricos que culminaram para a materialização do fenômeno.
De forma que os profissionais tendem a realizarem leituras/
interpretações assíncronas e direcionais do ocorrido, desconsiderando a conjuntura socioespacial ou apenas a considerando
em detrimento do meio físico. Em ambos os casos resultam de
análises superficiais da problemática, tendo como resultantes
medidas ineficazes.
O ambiente social, independentemente de sua origem geo-histórica, tem seu assentamento em um ambiente físico e o meio físico
mesmo que anteceda ao surgimento do homem sofre suas influências diretas e indiretas, as quais cada vez são incisivas e fugazes.
Sendo assim, a análise e interpretação das paisagens e de suas dinâmicas não pode ser realizada sem levar em consideração as interações entre o dito cenário físico e as interferências antropogênicas.
Questão que aparentemente tem uma resolução simples: a composição de equipes multidisciplinares para realização das análises e interpretações no que concerne à problemática.
Caminho que já começa a ser trilhado de maneira bem singela.
Em alguns estudos têm se demonstrado mais eficazes que o atual
modelo. Entretanto, não totalmente eficazes. Primeiro, porque o
homem é incapaz de compreender a natureza e as inter-relações
entre os seus mais distintos elementos, inclusive ele (o homem). Segundo, porque após os estudos/análises, a fase que sucede, ou seja,
a implantação do projeto fica subordinada à mercê de políticos que
102 Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
nem sempre possuem maturidade intelectual e/ou interesse na resolução da problemática, culminando em modificações incisivas nas
recomendações das esquipes e tendo como consequência direta a
ineficácia das ações.
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104 Felippe Pessoa de Melo; Rosemeri Melo e Souza
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homem como agressor e vítima do meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013.
MUDANÇAS AMBIENTAIS NA
ZONA COSTEIRA: Perigo, Vulnerabilidade e Riscos
Associados
n Luana Santos Oliveira Mota
n Rosemeri Melo e Souza
INTRODUÇÃO
Nas mais diversas obras envolvendo a temática paisagem litorânea, é frequente deparar-se com a designação da zona costeira
enquanto espaço de atração e elevada concentração populacional
nos mais diversos países, estados e municípios. Este ambiente está
associado a usos múltiplos, desde o habitual veraneio, perpassando
pelas moradias fixas até os variados propósitos econômicos.
No Brasil, a apropriação do espaço litorâneo deu-se por razões
diferenciadas ao longo da história. À época das grandes navegações
e colonização do país, a importância da fixação na zona costeira dava-se pela posição estratégica (defesas do território), assim como
pela importância econômica (atividade portuária). Ressalta-se que,
não obstante tal característica, a zona costeira também se constituía, contraditoriamente, como área de repulsa em razão das difíceis condições de habitabilidade que muitas destas apresentavam.
A mudança de cenário no litoral brasileiro está vinculada a histó-
106 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
ria mais recente do país, principalmente durante o século XX. Neste
período há uma ressignificação da ocupação do ambiente costeiro,
em que se abandona o valor puramente estratégico e/ou de função
portuária, passando a preponderar o apelo paisagístico oferecido
pelas belezas naturais típicas dos espaços praianos. É dentro desta
perspectiva que a frente litorânea das cidades que se desenvolveram nas proximidades da costa, passou a ser valorizada economicamente e, consequentemente, em sua grande maioria, ocupada
pelas classes de maior poder aquisitivo.
No que concerne aos estruturantes naturais, a zona costeira caracteriza-se como um ambiente de interface entre o oceano, continente e atmosfera e, por esta razão, está sujeita a ação de diversos
agentes transformadores da paisagem. Dentre os elementos físicos
que modelam este ambiente, destacam-se a ação das ondas, das
correntes costeiras, da variação das marés e dos ventos (DAVIS; FITZGERALD, 2004; ESTEVES, 2003; STIVE et al, 2002). Adicionalmente,
enfatiza-se a própria dinâmica de unidades naturais, a exemplo das
dunas, lagoas e manguezais. De tal modo, a atuação dos agentes
físicos modifica constantemente a zona costeira, dando-lhe uma dinamicidade própria, e transformando-a em uma das paisagens mais
sujeitas a alterações em curtas escalas temporais.
Apesar da elevada variabilidade natural atribuída ao referido
ambiente, há uma grande valorização e consequente exploração
da orla marítima, associado ao apelo paisagístico, os quais têm
resultado na crescente ocupação da faixa litorânea. De tal modo
a zona costeira é fisicamente modificada em consonância com as
diferentes demandas sociais, resultando em diferentes padrões de
uso e ocupação.
A partir do momento que o homem se especializa na paisagem
há um processo de modificação das estruturas preexistentes, muitas vezes danoso ao ambiente, pois este tem suas funções modificadas a ponto de não conseguir absorver os efeitos de determinados
eventos. Assim, quando o ambiente perde tal capacidade, também
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
107
é suprimida a sua propensão a responder a eventos de ordem natural e, por conseguinte, recobrar-se destes (RODRIGUEZ; SILVA;
CAVALCANTI, 2004). É neste estágio que há o surgimento ou potencialização dos riscos, tendo em vista que paisagens intensamente
antropizadas perdem a capacidade de resiliência, e tornam-se muito
mais suscetíveis aos mais diversos fenômenos.
Diante do exposto, destaca-se a paisagem costeira do município de Aracaju, composta por feições geomorfológicas costeiras
extremamente frágeis, a exemplo do terraço marinho, dos cordões
litorâneos, das dunas e áreas interdunares, dos manguezais e das
lagoas. Acrescenta-se ainda a este ambiente, a dinâmica das desembocaduras do rio Sergipe e Vaza-Barris, localizadas ao Norte e ao Sul
do município, respectivamente.
É sobre essa base biofísica, cuja análise revela elevada fragilidade natural, que está ocorrendo o contínuo aumento populacional.
Este complexo conjunto de inter-relações entre meio biofísico e as
consequentes derivações antropogênicas da paisagem tem alargado consideravelmente os riscos, associados à ocupação desmedida
e não planejada de grande parte das unidades naturais, fato que é
diagnosticado na análise do município de Aracaju.
1. RISCO: CONCEITUALIZAÇÃO E TIPOLOGIAS
O risco tende a ser incessantemente adjetivado em função dos
atores preponderantes na sua produção ou no seu desencadeamento. Desta forma, há uma gama de variáveis: riscos ambientais, riscos
naturais, riscos geológicos, riscos geomorfológicos, riscos sociais,
riscos tecnológicos, riscos biológicos, etc. A despeito das inúmeras
adjetivações, todas as categorias de riscos englobam os componentes da probabilidade/incerteza e um resultado que implica em algum
tipo de perda.
Em uma breve análise sobre a modificação dos tipos de risco
ao longo da evolução da sociedade, percebe-se que houve trans-
108 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
formações na forma como o risco é produzido, e, principalmente,
compreendido e sentido. Com o advento da modernidade, vários
riscos foram extintos, a despeito de outros terem surgido, contraditoriamente, do mesmo processo (ANAES DE CASTRO, 2000;
BECK, 2011; GIDDENS, 1991). É nesse sentido que Smith; Petley
(1991) e Veyret (2013) apontam para a existência de uma situação
paradoxal entre o implacável progresso humano e o aumento do
sentimento de insegurança, e, consequente aumento da vulnerabilidade das sociedades modernas. Isto porque o crescimento econômico e os riscos estão enraizados no mesmo processo de mudança
que está em curso.
Veyret (2013), particularmente, identifica que atualmente a sociedade é muito mais sensível a alterações de ordem natural, seja
na escala local ou global, em função de atividades econômicas desenvolvidas, como turismo e agricultura, das quais inúmeros países
dependem. Enchentes, nevascas ou secas prolongadas geram hoje
prejuízos econômicos muito maiores do que os causados à sociedade pré-moderna, uma vez que os componentes “perdas e prejuízos”
são infinitamente maiores.
Atentando-se para a definição do risco, observa-se que há uma
série de autores que têm se dedicado recentemente ao estudo dessa temática. Identificam-se inúmeras conceitualizações e elevadas
quantidades de métodos para sua mensuração, conquanto esta
multiplicidade gere, por vezes, algumas imprecisões na composição
do supracitado conceito. No quadro 1 é trazido algumas das principais conceitualizações do risco.
Constata-se que as diversas definições para risco, apesar de
partirem de abordagens diferenciadas, centralizam o conceito em
torno do ideário de incerteza, probabilidade, perdas e prejuízos. A
partir das definições expostas, percebe-se ainda que o conceito de
risco transcende a escala espacial, permeando a escala temporal,
uma vez que entremeia não apenas a concretude de perdas e prejuízos, mas também, a previsibilidade de determinados acontecimen-
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
109
tos que podem levar a tais circunstâncias. Assim, a definição de risco
tem intrínseca a ela o elemento passado e presente para a realização de diagnósticos, e, está carregado de futuro, ao necessitar de
prognósticos para sua mensuração.
Quadro 1 – Conceitualização do Risco
Conceitos
Risk is the perception of an individual or group of individuals in the likelihood of a potentially hazardous and damage-causing event. (Risco
é a percepção de um indivíduo ou um grupo de indivíduos a respeito
da probabilidade de um evento potencialmente perigoso e causador
de danos).
Percepção de um perigo possível, mais ou menos previsível por um
grupo social ou por um indivíduo que tenha sido exposto a ele.
Representação de um perigo que afetam os alvos e que constituem
indicadores de vulnerabilidade.
É a tradução de uma ameaça, de um perigo para aquele que está
sujeito a ele e o percebe como tal.
Possibilidade de ocorrência de um acidente.
Corresponde à probabilidade de acontecimento de um evento perigoso como prejuízo para o ser humano, a sociedade e o ambiente.
Refere-se à probabilidade de ocorrência de processos no tempo e no
espaço, não constantes e não determinados, e à maneira como estes
processos afetam (direta ou indiretamente) a vida humana.
Grande perda prevista devido a um determinado fenômeno natural
e em função tanto de um perigo natural quanto da vulnerabilidade.
A probabilidade de ocorrência de um perigo.
A probabilidade de ocorrer consequências danosas ou perdas esperadas (mortos, feridos, edificações destruídas e danificadas, etc.)
como resultado de interações entre um perigo natural e as condições de vulnerabilidade local.
Uma medida de probabilidade e severidade de um efeito adverso
para a saúde, propriedade ou ambiente. Risco é geralmente estimado pelo produto entre a probabilidade e as consequências. Entretanto, a interpretação mais genérica de risco envolve a comparação da
probabilidade e consequências, não utilizando o produto matemático entre estes dois termos para expressar os níveis de risco.
Measure of the expected losses due to a hazard event occurring in a
given area over a specific time period. Risk is a function of the probability of particular hazardous event and the losses each would cause.
(Medida das perdas esperadas devido a um evento de risco que
ocorre em uma determinada área durante um período de tempo
específico. Risco é uma relação da probabilidade de determinado
evento de risco e as perdas que cada um pode causar).
Organização: autoras, 2016.
Autores
Almeida (2014)
Veyret (2013)
Cerri; Amaral (1998)
Cunha; Ramos
(2013)
Castro, et al (2005)
Nações Unidades,
1984. p. 80.
Anaeas de Castro
(2000)
UNDP, 2004.
Augusto Filho
(2001)
CBSE, 2006.
110 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
Dentre as classificações do risco, sobressai-se o risco ambiental.
Este é tido por vários autores, das vertentes geográfica, geológica
e ciências afins, como o conceito que engloba todas as outras dimensões do risco. Egler (1996) classifica o risco ambiental em três
categorias básicas: risco natural, risco tecnológico e risco social. Em
uma mesma linha de pensamento, Veyret (2013, p. 63) define o risco
ambiental como “a associação entre os riscos naturais e os riscos
decorrentes de processos naturais agravados pela atividade humana e pela ocupação do território”. Inserido na vertente dos riscos
ambientais, encontra-se o risco natural. Considera-se que ao tratar
de riscos é impossível dissociá-lo da presença do homem, assim o
termo “natural” diz respeito ao processo que pode desencadear o
risco, seja este geológico, atmosférico, etc.
Tal como a conceitualização, a mensuração do risco envolve
uma gama de variáveis e cálculos distintos, em que se destaca a não
existência de uma fórmula única capaz de integrar todos os componentes do risco, nas suas diversas acepções. Nesse sentido observa-se nas mais diversas literaturas que a mensuração varia conforme a
tipologia do risco e o enfoque que se deseja dar a pesquisa.
2. PERIGO (HAZARD): COMPONENTE NO ESTUDO DO
RISCO
É de suma importância destacar que à medida que se discute o
risco, há outros conceitos que são complementares a exemplo do
perigo (hazard) e da vulnerabilidade. Esses são intrínsecos a concepção de risco, uma vez que este existe em função de um perigo, pode
ter a possibilidade de ocorrência alargada pelo grau de vulnerabilidade de um dado ambiente e população e, ao sair do campo da
probabilidade e se concretizar, pode resultar em um desastre.
Com a proposta de distinguir os conceitos de risco, perigo e desastre, fundamental na análise dos riscos, Anaeas de Castro (2000)
propõe analisar a relação entre estes três conceitos. Para a autora
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
111
a ideia de perigo está relacionada à existência de um fenômeno em
potencial, o qual pode vir a ocorrer, e no caso de geração de danos,
configurar-se como um desastre. É por esta razão que no cerne do
risco, está imbricada a probabilidade de ocorrência de um perigo,
que pode vir a provocar alguma situação negativa, em maiores ou
menores proporções, a depender da vulnerabilidade natural e social
de um dado ambiente.
Smith; Petley (1991) consideram que o risco, por vezes, pode
ser tomado enquanto sinônimo de perigo, no entanto, há uma dissemelhança ao considerar que o perigo é a melhor visualização de
como ocorrências naturais ou processos induzidos pela ação humana, com potencial para gerar perdas, ou seja, uma fonte de futuros
desastres. Já o risco é a exposição real de algo de valor humano a um
perigo e muitas vezes é medido como o produto da probabilidade
e da perda. Em suma, o perigo é a causa, o risco é a provável consequência. Diante do exposto, constata-se que o estudo do perigo é
tão importante quanto o risco, dado que não há situações de riscos
que não sejam precedidas por um perigo.
Ao analisar uma situação de perigo e, consequentemente, de
risco, sempre há a propensão clara de observá-lo tendo em vista o
viés humano, afinal o risco se concretiza diante da probabilidade da
geração de algum dano àquele. Exemplos clássicos, muito utilizados
nos estudos, são os casos das enchentes ou fenômenos atmosféricos (a exemplo dos ciclones). Enchentes em áreas de planície de
inundação e ciclones em regiões tropicais são apenas fenômenos
naturais intrínsecos às características biofísicas destes ambientes,
só possuem a denotação de “perigo” quando da sua ocorrência em
áreas antropizadas. Assim, os perigos naturais não são puramente
fenômenos físicos fora da sociedade, pois podem também estar ligados às incontáveis decisões individuais (SMITH; PETLEY, 1991).
A colocação de White (1974, p.03) corrobora essa elucidação
“by definition, no natural hazards exists apart from human adjustament to it. It always involves human initiative or choice. Floods would
112 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
not be hazards were not man tempted to occupy floodplains1”. O mesmo se aplica aos riscos, ainda mais fortemente, uma vez que o risco
em todos os termos está associado à presença humana.
Muito embora alguns autores considerarem que o perigo está
atrelado a uma decisão individual de ocupar áreas propensas à ocorrência de eventos perigosos, é importante salientar que muitos dos
desastres testemunhados atualmente não podem ser justificados
somente pela escolha humana de ocupar ou não uma área suscetível a eventos perigosos. O advento da modernidade trouxe em
seu âmago a evolução da técnica, contudo, esta não atingiu a todos
com singularidade. Seja na escala local ou global, observa-se que
situações socioeconômicas distintas geram diferentes formas de
ocupação do espaço. É neste fato que reside a justificativa de grande parte dos desastres que têm ocorrido, uma vez que, indivíduos
menos abastados tendem a ocupar áreas periféricas, geralmente
associadas a áreas de encostas, planícies de inundação, etc., naturalmente mais sensíveis a determinados eventos. Tal circunstância
decorre muito mais em razão da precariedade econômica, fruto
da desigualdade social, do que necessariamente em razão de uma
escolha individual. Não significa dizer, todavia, que áreas ocupadas
por indivíduos com melhor situação econômica não sejam também
suscetíveis a tais eventos, no entanto, a capacidade de resiliência
desta população é infinitamente maior, o que pode amenizar os
efeitos de uma possível tragédia.
No sentido de distinguir o perigo (hazard) quanto a sua origem,
Smith; Petley (1991) trazem importante contribuição ao estudo do
perigo – a conceitualização dos perigos ambientais (environmental
hazards), que extrapola o entendimento dos perigos naturais (natural hazards). Aquele é utilizado para denotar as ameaças que pesam sobre a sociedade humana por eventos que se originam ou são
1 Por definição, não há perigo natural para além do ajuste humano a ele. Este sempre envolve
iniciativa ou escolha humana. Inundações não seriam considerados perigos, se o homem não
ocupasse as áreas de várzeas.
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
113
transmitidos através do meio ambiente. Assim, a classificação do
perigo (hazard) apenas como natural já caiu no descrédito diante da
complexa relação entre natureza e o homem (JONES, 1993; SMITH;
PETLEY, 1991; WHITE, 1974). Afinal, poucos são os eventos naturais
que não repercutem sobre as atividades humanas, para além do
fato da ação humana ter contribuído sobremaneira para a criação
de hazards.
O contexto discutido aponta para a seguinte premissa: o perigo
e o risco só existem em função da existência do homem, tendo suas
origens atreladas a fatores naturais, a fatores humanos, ou ainda, a
ação conjunta destes fatores.
É nesse sentido que Anaeas de Castro (2000) considera a existência de três tipos de perigo, qualificados quanto ao agente desencadeador: o perigo natural (quando a origem do fenômeno que
produz o dano tem sua origem na natureza); o perigo antrópico
(quando o fenômeno que produz a perda tem sua origem em ações
humanas) e; o perigo ambiental (quando o evento que causa o prejuízo tem causas combinadas). A autora ainda considera que perigos
naturais podem ser agravados pela ação humana, e os perigos antrópicos podem ser agravados pela ação natural.
Ante o exposto, verifica-se a importância da análise simultânea
dos agentes naturais e sociais no estudo do perigo, e consequentemente do risco. Como afirma Smith; Petley (1991) os perigos e desastres são os dois lados de uma mesma moeda, por conseguinte, não
podem ser entendidos, tão pouco explicados tendo por ponto de
partida apenas um viés de análise, ou por premissas exclusivas das
ciências sociais ou das ciências naturais.
114 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
3. VULNERABILIDADE: A OUTRA FACE DOS ESTUDOS DO
RISCO
O conceito de vulnerabilidade é bastante discutido entre os autores, não obstante a maioria desses a considerarem como um potencial para perda em função da maior ou menor fragilidade de uma
área ou de uma população. Destarte, os estudos de vulnerabilidade
tendem a realizar uma intersecção entre a exposição ao perigo e
a propensão, este entendido como as circunstâncias que levam ao
aumento ou redução da capacidade do ambiente em se recuperar
de determinado evento (CUTTER, 2012).
Cutter (1996) enquadrou os mais diversos conceitos de vulnerabilidade em três vertentes: (a) vulnerabilidade como exposição
ao risco/perigo; (b) vulnerabilidade social; (c) vulnerabilidade dos
lugares. A primeira classificação refere-se basicamente à vulnerabilidade biofísica de um ambiente, ou seja, as condições naturais que
o fazem ser mais frágeis ou menos frágeis frente a um determinado evento. A segunda classificação, a vulnerabilidade social, inclui a
suscetibilidade dos grupos sociais a perdas potenciais em função de
eventos perigosos ou desastres. Já a terceira classificação refere -se
à união entre as duas anteriores, no qual é considerada a vulnerabilidade biofísica e a vulnerabilidade social dos ambientes.
A vulnerabilidade constitui um dos principais elementos no estudo do risco, ainda que, as diferenciadas formas de mensuração, tal
como as distintas formas de entendimento acerca do conceito, possam gerar imprecisão na delimitação do risco. De tal modo, a classificação da vulnerabilidade, e, consequentemente, do risco, está em
demasiado sujeita ao objeto de estudo de cada pesquisador.
Para o caso da vulnerabilidade biofísica, é considerado o conjunto de fatores naturais componentes de uma dada paisagem, a
exemplo do solo, geologia, parâmetros climáticos, geomorfologia
e vegetação. A sobreposição desses fatores determina a fragilidade
do ambiente frente a determinados processos, além de explicitar a
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
115
capacidade deste em suportar e se recuperar de eventos extremos.
Já a vulnerabilidade ambiental inclui a análise dos fatores biofísicos
agregados à intervenção antrópica no ambiente, mensurados segundo o uso e tipo de ocupação do solo.
No que concerne à vulnerabilidade social, autores como Cutter
(1996, 2003, 2011), Wisner et al (2004), Hufschimdt, Crozier, Glade
(2005), Mendes et al (2011) e Cunha (2013), consideram essa como
fundamental para dimensionar o risco. Esta vertente de análise
da vulnerabilidade prima por um estudo voltado essencialmente
para a exposição e a capacidade de recuperação das comunidades,
frente a situações de perigos, sejam eles de origem natural, antrópica ou ambos.
Para Cunha (2013) a vulnerabilidade social deve ser apreciada
com suporte em uma fórmula ou índice que consiga expressar as
complexas relações econômicas, sociais e culturais que se dão em
um determinado espaço. O objetivo é conhecer o suporte territorial
de uma comunidade frente à manifestação de processos perigosos.
Assim, é precípuo que se conheça a vulnerabilidade dos indivíduos,
das comunidades e dos territórios, a fim de que as políticas públicas
adotadas, para prevenção e mitigação do risco, sejam condizentes
com a realidade da comunidade.
Tendo a vulnerabilidade vertentes diferenciadas de análise, que
poderão implicar em resultados distintos na mensuração do risco,
há de se considerar a necessidade de intersecção entre os diferentes vieses de estudo, a fim de abarcar a dimensão social e natural do
espaço.
4. PERIGO, VULNERABILIDADE E RISCOS ASSOCIADOS
AO AMBIENTE COSTEIRO
Os elementos que compõem o estudo dos riscos associados a
sistemas complexos, tais como a zona costeira, requerem análises
bastante aprofundadas em função da maior fragilidade das unidades
116 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
que a compõe, da grande exposição destas a determinados eventos
e, sobretudo, dos elevados níveis de derivações antropogênicas.
O ambiente costeiro vem sendo submetido a excessivas modificações ambientais, relacionadas aos diversos tipos de intervenção antrópica, a exemplo: da supressão e/ou alteração da estruturação natural
das unidades costeiras (dunas, manguezais, lagoas, cordões litorâneos,
etc.), a retirada da vegetação natural, aterros, poluição dos corpos hídricos superficiais e subterrâneos, ocupações irregulares, entre outros.
Somado aos altos índices de derivações antrópicas, comuns a grande parcela da costa brasileira, há de se considerar os perigos intrínsecos
ao ambiente costeiro. Como discutido anteriormente, este conceito é
uma construção social e remete a existência de um fenômeno de origens múltiplas, que pode vir a desencadear algum tipo de perda. Para
o caso da paisagem costeira, os perigos variam a partir dos próprios
condicionantes físicos e que agem e transformam tais paisagens.
Em razão da diversidade das feições geomorfológicas os perigos
podem estar associados as mais diversas origens, não obstante, para
o caso da costa brasileira, a maior parte destes estarem relacionados
à confluência dos eventos de origem natural – fenômenos climáticos,
geológico-geomorfológicos e a própria dinâmica costeira, conjunto
às ações antrópicas, classificados, assim, como perigos ambientais.
Para a efetividade do estudo dos riscos, é primordial que além
da individualização dos tipos de perigo, considere-se o ambiente e a
população sobre os quais estes incidem, a fim de elucidar a resposta
e a capacidade de recuperação frente a eventos perigosos. É nesse
contexto que a análise da vulnerabilidade se torna crucial na definição e mensuração do risco, dado que revela o potencial para perda
de um ambiente ou de uma população, tendo por premissa a análise
do poder de resiliência de cada um destes.
As particularidades que constituem a zona costeira suscitam
a compreensão do complexo perigo-vulnerabilidade-risco em vertentes diferenciadas do uso e mensuração habituais. O fato deste
ambiente ser apontado corriqueiramente como de elevada vulne-
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
117
rabilidade biofísica, não exime a necessidade de mensuração desta.
Mesmo constituindo-se como uma paisagem de elevada fragilidade
ambiental, diante dos diversos fenômenos de ordem natural e antrópica, a zona costeira é composta por diferentes feições geomorfológicas com estruturas e funções distintas dentro da paisagem.
Diante desse fato, têm-se variações no valor da vulnerabilidade
biofísica, afinal, um campo de dunas e uma planície de maré, apesar de constituírem-se como ambientes de elevada vulnerabilidade
natural, reagem e possuem capacidade de resiliência diferenciadas
frente a um mesmo fenômeno. Eventos pluviométricos intensos,
por exemplo, têm efeitos distintos sobre áreas de terraços marinhos e as áreas de escarpas dos tabuleiros costeiros, mesmo diante
do fato de ambas as unidades serem enquadradas como ambientalmente frágeis. Em escala de detalhes, dentro de uma única unidade costeira têm-se também diversos índices de vulnerabilidade
biofísica. O próprio Terraço Marinho, composto por sequências de
cordões litorâneos, entremeados por baixios úmidos e lagoas pode
apresentar diferentes respostas a um mesmo evento, como o dado
exemplo dos excessos pluviométricos.
Diante de tal circunstância, é fundamental mensurar a partir de
características como geologia, geomorfologia, pedologia, cobertura vegetal e características climáticas, o valor da vulnerabilidade
de tais feições, tendo em vista que qualquer alteração no índice de
vulnerabilidade é crucial para a mensuração do risco, e consequentemente, para o ordenamento da ocupação.
Além da vulnerabilidade natural, o que vai definir o risco, associado ao perigo o qual a paisagem está sujeita, é o tipo e o nível de
ocupação presente ao longo da costa. É nesse sentido que se destaca o papel da vulnerabilidade social.
Os padrões de ocupação ao longo da frente litorânea são diversos, e por vezes se contrapõem à estruturação natural das unidades, o que consequentemente eleva a vulnerabilidade da população
frente à ocorrência de determinados eventos. Além da densidade
118 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
das estruturas antrópicas, a vulnerabilidade social leva em consideração, primordialmente, a população que reside no dado ambiente.
Como à zona costeira é conferida uma gama de atividades econômicas, perpassando pelo extrativismo vegetal e a pesca até atividades
turísticas e imobiliárias, os padrões de uso e ocupação estão associados a diversas classes econômicas.
De tal modo, a análise da vulnerabilidade social avalia o poder de
resiliência da população frente a determinados eventos. O fenômeno
da erosão costeira, por exemplo, é um processo natural e inerente às
praias, resultando apenas em variações do posicionamento da linha
de costa. Quando da sua ocorrência em ambientes antropizados, os
resultados relacionam-se à destruição de infraestrutura e consequentes prejuízos socioeconômicos, tornando-se, nesse momento, um perigo. O cerne do estudo da vulnerabilidade social está na forma como
tais prejuízos serão sentidos pelas populações afetadas. A depender
do poder aquisitivo destas, a recuperação diante destes eventos será
rápida ou extremamente morosa. É nessa conjunção que o risco diferencia-se não apenas em função dos estruturantes e fenômenos naturais, mas também em razão das distintas condições socioeconômicas
e da densidade de estruturas antrópicas.
A fim de elucidar a interligação entre perigo, risco e vulnerabilidade associados à zona costeira, destaca-se a figura 1.
Elaboração: autoras, 2016.
Figura 1 – Componentes do estudo dos riscos associados à Zona Costeira
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
119
120 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
5. ESTUDO DE CASO: A PLANÍCIE COSTEIRA DE ARACAJU/SE
A paisagem costeira em destaque está localizada no litoral central do estado de Sergipe, compreendida entre as desembocaduras
do rio Sergipe (ao Norte) e Vaza-Barris (ao Sul) (Figura 2).
A planície costeira de Aracaju, disposta externamente à Formação Barreiras, é composta por depósitos holocênicos do Quaternário, individualizados em (BITTENCOURT et al, 1983): Depósitos Marinhos (compreendem os terraços marinhos holocênicos); Depósitos
de Mangue (compreendem as áreas de Planície de Maré e seus subambientes) e; os Depósitos Eólicos (constituem as dunas fixas, semifixas e móveis, que bordejam toda a costa).
A análise das formas e funções das unidades e subunidades que
estruturam a paisagem costeira do município estudado revelam elevada fragilidade em razão da dinâmica intrínseca a estas unidades,
associada aos diversos agentes de ordem natural atuantes, típicos
destes ambientes.
A despeito da fragilidade, a frente litorânea do referido município tem sido alvo da intensa especulação imobiliária, fato que está
provocando um reordenamento da ocupação, em que se destaca o
maior fluxo em direção à costa. Aliado a este processo, vem ocorrendo de maneira vertiginosa, a continua substituição das unidades
naturais, a exemplo de dunas, cordões litorâneos, lagoas e manguezais, por áreas intensamente antropizadas.
Diante de tal circunstância, manifesta-se um cenário de perigos
associados a alteração da estruturação da paisagem, em razão da
potencialização dos efeitos de determinados eventos de ordem
natural. Estes perigos, classificados como ambientais em razão das
origens múltiplas, perfazem basicamente os processos de sedimentação associados à frente litorânea e aos eventos pluviométricos
intensos. Como dito anteriormente, perigos só são assim considerados em razão da sua ocorrência em áreas antropizadas, tendo em
vista que os eventos pluviométricos intensos, típicos das regiões
Organização: autoras, 2016.
Figura 2 – Localização da Área de Estudo
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
121
122 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
inseridas no clima tropical úmido, só são assimilados enquanto perigo, quando da possibilidade de ocasionar algum tipo de perda.
A julgar pelo intenso processo de ocupação, é eminente a preocupação com a capacidade do ambiente costeiro em suportar tal
intervenção, assim como recobrar-se diante dos eventos perigosos
aos quais está sujeito. Tal apreensão advém do fato da elevada vulnerabilidade biofísica das unidades que compõem a planície costeira
de Aracaju, diante dos perigos elencados.
Deste modo, as modificações ambientais derivadas da intervenção antrópica resultaram no surgimento e potencialização dos
riscos, associados à ocupação desmedida e não planejada. Dentre
os principais riscos associados à planície costeira destacam-se: os
alagamentos e a erosão costeira (Quadro 2).
No que se refere aos riscos a alagamentos, sobreleva-se a influência antrópica como principal indutora, a partir dos seguintes
processos: aterramento de lagoas, impermeabilização do solo e
transformação dos canais de maré em esgotamento.
No tocante ao aterramento de lagoas e baixios úmidos, destaca-se como principal cenário de ocorrência deste processo, a Zona
de Expansão de Aracaju. Esta concentra unidades costeiras como
lagoas, dunas e manguezais, caracterizadas pela elevada vulnerabilidade biofísica. Em períodos de maior concentração pluviométrica,
entre os meses março e agosto, os baixios úmidos ficam completamente encharcados, as lagoas permanentes aumentam de área e
as lagoas temporárias aparecem. Além disso, estes subambientes
exercem a função de drenar os excessos pluviais, tal como abastecer os lençóis freáticos, muito próximos à superfície nesta área. A
figura 3 demonstra, com ênfase para a Zona de Expansão, os baixios
úmidos e lagoas que entremeiam a sequência de cordões litorâneos
em períodos chuvosos e secos.
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
123
Quadro 2 – Riscos associados a Planície Costeira de Aracaju/SE
Modificações
Antrópicas na
Paisagem
Efeitos e
consequências
Riscos
associados
Lagoas/Baixios Úmidos
Aterro e retirada
da vegetação
Interrupção da drenagem
natural dos excessos
pluviais
Alagamentos
Área Interdunar associada a áreas
úmidas
Aterro
Interrupção da drenagem
natural dos excessos
pluviais
Alagamentos
Unidades e Subunidades
Costeiras
Terraço
Marinho
Campo de
Dunas
Dunas Móveis
(frontais)
Manguezais
Planície
de Maré
Interrupção
por rodovias e
Desmontes
Retirada de vegetação, aterro,
poluição
Alteração/Interrupção do
transporte bidirecional
Erosão
de sedimentos entre as
Costeira
dunas e o ambiente praial
adjacente
Mudança nos processos
de sedimentação e
comprometimento da
Alagamentos/
função de molhe hidráulico
Erosão
(atua amortecendo
Costeira
a energia das ondas
incidentes)
Canais de
Maré
Impermeabilização das margens,
Transbordo dos canais
supressão das
durante períodos de
áreas de planície
Alagamentos
excessos pluviométricos e
de inundação e
transformação marés enchentes de sizígia.
em canais de
esgotamento
Praia/Pós-Praia
Estruturas de
contenção, construção de bares e
restaurantes
Alteração da
morfodinâmica praial
Erosão
Costeira
Desembocaduras Fluviais
Ocupação irregular e estruturas
de contenção
(espigões)
Alteração da
morfodinâmica praial e
da modificação natural de
posicionamento da linha
de costa
Erosão
Costeira
Ambiente
Praial
Organização: autoras, 2016.
A despeito destas condições naturais e das importantes funções ecológicas realizadas pelas unidades, a Zona de Expansão tem
recebido nos últimos anos grande contingente populacional, o que
124 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
tem resultado no contínuo aumento de área ocupada, e consequente supressão de determinadas feições. O problema reside no fato
de que o aumento da ocupação tem ocasionado a impermeabilização do solo, associados aos constantes aterros dos baixios úmidos e
das lagoas, sem a construção de infraestrutura de macrodrenagem
adequada para suportar tal intervenção. Diante dessa conjuntura,
a função natural das lagoas tem sido alterada, e o resultado são os
contínuos alagamentos nos períodos chuvosos.
Por conseguinte, além de constituir-se como área de vulnerabilidade biofísica diante dos eventos pluviométricos, grande parte da
Zona de Expansão enquadra-se também como área de risco a alagamentos, tendo em vista a perda da capacidade do ambiente de
recobrar-se naturalmente destes eventos.
Figura 3 – Baixios Úmidos e Lagoas em períodos secos e chuvosos
Fonte: Elaboração das autoras, 2016.
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
125
Os alagamentos em Aracaju também são oriundos de outros fatores, a exemplo da transformação dos canais de maré em canais de
esgotamento pluvial, que atualmente caracterizam-se como redes
de esgotamento sanitário. A figura 4 aponta para as derivações antropogênicas dos canais de maré, visualizados em sua forma natural
ainda na década de 1960, os quais vieram a ser canalizados entre as
décadas de 1970 e 1980. Essa canalização resultou, evidentemente,
na supressão da planície de inundação dos canais de maré, áreas
que serviam de zona de espraiamento para o fluxo pluvial excessivo
e variações da maré. Vale destacar que estes canais desembocam no
estuário do Rio Sergipe, sem nenhum tipo de tratamento.
Figura 4 – Derivações antrópicas dos canais de maré da planície costeira de Aracaju
Organização: autoras, 2016.
126 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
Em razão desse processo, as áreas que bordejam estes e outros canais são consideradas pontos críticos de alagamento. Nos
períodos de maior concentração pluviométrica os canais e bueiros
transbordam aumentando o risco a alagamentos, para além da contaminação, tendo em vista que a água que percola nesses canais é
poluída. Tais riscos têm se intensificado em razão do aumento de
área impermeabilizada, retirada de áreas de cobertura vegetal natural e incremento populacional, sem a devida implementação de
projetos de macrodrenagem que comportem tal crescimento.
Somado a esta problemática, outro fator que tem potencializado os riscos a alagamentos nessa porção da planície costeira é a
alteração da dinâmica sedimentar no estuário do rio Sergipe. A ação
das marés sobre a avenida Beira-Mar estava resultando no solapamento da base desta. Em razão desse processo, o poder público municipal realizou obra de contenção (molhes hidráulicos) no ano de
2015 a fim de redirecionar o fluxo do canal e reduzir a força com que
as ondas, oriundas das variações das marés, atingiam esta avenida.
Além dos molhes de contenção, sucedeu-se o aterro de uma porção
de aproximadamente 500 m de extensão e cerca de 40 m de largura,
para fins de construção de uma orla.
Após a conclusão destas obras, os alagamentos nos bairros circunjacentes tornaram-se mais constantes, e o principal, não decorrem mais apenas dos períodos de maior concentração pluviométrica. Estes têm ocorrido principalmente quando do período das marés
de sizígia, cuja amplitude varia entre 0 m e 2,5 m na área estudada.
A figura 5 aponta para as alterações relatadas. Nela é possível
verificar as mudanças na morfologia da área, bem como perceber as
implicações do aterro e molhes na dinâmica sedimentar. Observa-se, por exemplo, que a área de despejo do canal de esgotamento,
pela qual este fluía, foi estreitado. Tal processo pode estar causando
o afunilamento do fluxo água, que durante o pico das marés adentra
o canal com mais força, resultando no transbordo dos canais e bueiros, e consequentes alagamentos.
Organização: autoras, 2016.
Figura 5 – Modificações antrópicas na dinâmica sedimentar do estuário do rio Sergipe
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
127
128 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
Outra problemática relacionado à planície costeira aracajuana
é o risco associado à erosão costeira. Grande parte da ocupação
da frente litorânea do município concentra-se na proximidade da
margem direita da desembocadura do rio Sergipe, nos bairros da
Atalaia e Coroa do Meio. Como as desembocaduras caracterizam-se
pela elevada variabilidade morfodinâmica, oriunda da confluência
dos agentes fluviais e marinhos, apresentam elevada vulnerabilidade biofísica, e portanto, quando ocupadas, tornam-se áreas de risco.
Em razão dessa elevada dinamicidade e das constantes intervenções nas margens da desembocadura do rio Sergipe, processos
erosivos resultaram na destruição de aparatos turísticos, bares e
restaurantes entre os anos de 2007 e 2008, causando prejuízos socioeconômicos. A desembocadura do rio Vaza-Barris também passou por processos erosivos severos no mesmo período, acarretando
na destruição de uma rodovia. Como esta área apresenta menor índice de ocupação, os prejuízos foram de menor intensidade.
Além das construções nas proximidades da desembocadura, enfatiza-se a supressão das dunas frontais como agente desencadeador dos processos erosivos. Uma vez que estas feições apresentam
relação direta com o ambiente praial, a partir da troca bidirecional
de sedimentos, qualquer alteração pode resultar em uma dinâmica
diferenciada. Para o caso de Aracaju, o campo de dunas frontais e
fixas foram interrompidas pela construção de uma rodovia litorânea
– José Sarney, que cessou, em alguns pontos, a troca sedimentar entre as unidades. Esse processo tem causado déficit sedimentar em
algumas praias, o que tem ocasionado processo erosivos, e elevado
os riscos associados à ocupação nas proximidades da linha de costa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O risco está na interface entre um perigo e a concretude de um
desastre. O fato de um evento perigoso intercorrer não implica, necessariamente, na materialidade de um infortúnio, tendo em vista
Mudanças Ambientais na Zona Costeira
129
que o elemento desencadeador deste é o ambiente sobre o qual o
perigo incide. Por esta razão, conjectura-se que a medida do risco
é a vulnerabilidade biofísica e social de um local. Dado que o risco
é uma probabilidade, essa gama de elementos que envolve o seu
estudo requer a análise de múltiplos fatores, a fim de que a mensuração deste revele um cenário o mais próximo da realidade factível.
Já que o risco precede a ocorrência de um desastre, sua avaliação é de fundamental importância para o planejamento e ordenamento da ocupação, principalmente quando se trata de ambientes
complexos, tal como a zona costeira.
Dentro desta perspectiva, observou-se para o município de Aracaju/SE os impactos resultantes da intervenção antrópica na planície
costeira, em razão da supressão e modificação das unidades naturais
que a compõe. O rápido crescimento urbano em direção à frente litorânea não foi precedido de planejamento e estudos que visassem
aos impactos provenientes de tal intervenção, fato comum a grande
parte das cidades litorâneas brasileiras. Para o caso do município em
destaque, a ocupação deu-se basicamente sobre o terraço marinho
e manguezal, cuja principal característica era a presença de baixios
úmidos, áreas alagadas e canais de maré. Esse processo culminou
no surgimento e potencialização dos riscos associados à ocupação,
principalmente no que concerne aos alagamentos.
Na área de ocupação mais recente do município, a Zona de
Expansão, o processo está ocorrendo da mesma maneira tal qual
aconteceu na área de urbanização consolidada, mesmo diante dos
evidentes impactos originários de uma intervenção sem planejamento. Assim, a continua supressão de lagoas, aterramentos dos
baixios úmidos e impermeabilização do solo tem potencializado os
riscos associados a alagamentos.
Além dos riscos já mencionados, destaca-se também os problemas associados à erosão costeira, fruto da ocupação nas adjacências
das desembocaduras fluviais, e às alterações na morfologia dunar.
Destarte, observa-se que a avaliação do perigo, da vulnerabili-
130 Luana Santos Oliveira Mota; Rosemeri Melo e Souza
dade e dos riscos são relegados dentro do planejamento urbano das
cidades litorâneas. Em razão da contínua exploração econômica da
orla marítima, seja na vertente imobiliária, extrativista ou turística,
não há a consideração das fragilidades destes ambientes e dos riscos decorrentes desta intervenção. De tal modo, em vez do planejamento prévio, associado à manutenção da estruturação natural de
unidades cruciais e ordenamento da ocupação, opta-se pelas medidas de mitigação do desastre, quando este poderia ser evitado ou
minimizado a partir da avaliação dos riscos.
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RISCOS/HAZARDS SOCIOAMBIENTAIS E
VULNERABILIDADES BIOFÍSICAS ASSOCIADAS ÀS
DUNAS COSTEIRAS EM SERGIPE
n Jailton de Jesus Costa
n Rosemeri Melo e Souza
INTRODUÇÃO
O risco (hazard) socioambiental (natural e antrópico) deve ser
considerado na perspectiva de uma situação de normalidade de uso/
ocupação de um sistema ambiental, não se restringindo apenas aos
eventos isolados como a seca, enchentes, tempestades, tsunamis,
geadas, ressacas, deslizamentos, entre outros.
O conceito de risco aqui desenvolvido, considera os elementos antropogênicos e a noção de possibilidade de perigo, de acordo com Monteiro (1991). O autor argumenta que risco está ligado
aos termos latinos risicu e riscu, ligados por sua vez a resecare, que
significa ‘cortar’ /’ romper’ o equilíbrio reinante a partir das condições biofísicas.
As condições biofísicas (solos, clima, cobertura vegetal, depósitos geológicos, dentre outros) de um sistema, por si só, revelam um
quadro de riscos para as diferentes formas de uso e ocupação do
solo. Tal quadro de riscos confere certos graus de vulnerabilidade
134 Jailton de Jesus Costa; Rosemeri Melo e Souza
aos sistemas ambientais, diretamente dependente da quantidade
de riscos presentes (Figura 01).
Figura 01 – Definição de Vulnerabilidade Socioambiental
Organização: Jailton de Jesus Costa, 2016.
Nesta perspectiva, Brum Ferreira (1993) define risco ambiental
como o produto da frequência e da magnitude dos fatores de risco
naturais e antrópicos pela vulnerabilidade a esse mesmo risco.
Talvez os primeiros a trazerem a vulnerabilidade para o debate
ambiental relacionado aos estudos sobre o risco sejam os geógrafos.
Estes têm colocado em relevo estas categorias no contexto de uma
linha de investigação que se ocupa do estudo dos natural hazards (riscos naturais – grifo nosso) (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2004a).
De acordo com Egler (1996), a vulnerabilidade dos sistemas
naturais, compreendida como o patamar entre a estabilidade dos
processos biofísicos e situações instáveis, onde existem perdas
substantivas de produtividade primária, é um dos critérios básicos
que servem de metodologia para a avaliação do risco ambiental, a
exemplo dos geoindicadores socioambientais.
Geoindicadores socioambientais que condicionam os sistemas
dunares a um estado de vulnerabilidade provocado pela alteração
no equilíbrio dinâmico de tais ambientes podem se referir tanto
Riscos/Hazards Socioambientais e Vulnerabilidades Biofísicas
Associadas às Dunas Costeiras em Sergipe
135
à situação dos componentes biofísicos como a interferências de
ordem antrópica.
Por serem caracterizados como os mais impactantes, os danos
derivados de atividades antrópicas remontam a uma situação de
alerta quanto à manutenção da integridade biofísica dos sistemas
dunares litorâneos.
Além dos riscos e da vulnerabilidade nesses ambientes, há ainda
que se destacar a resiliência que, segundo o IPCC (2007) é entendida
como a “capacidade de um sistema de absorver perturbações mantendo seu funcionamento normal”.
A proposta desse estudo foi avaliar os riscos socioambientais
contribuintes à vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares em
todo o litoral sergipano, a partir do uso geoindicadores socioambientais, comparando dados de 2009 e 2016.
Nesse contexto, os indicadores de vulnerabilidades traduzem
os riscos de um sistema ambiental que pode ser afetado pela perda
do equilíbrio natural, rompendo a sua capacidade de resiliência, ou
seja, de voltar às condições anteriores, após sofrer algum impacto.
1. METODOLOGIA
Para atingir o objetivo proposto e concluir o estudo, os procedimentos metodológicos aplicados acompanharam o método de
abordagem, nesse caso, o modelo GTP – Geossistema/Território/
Paisagem.
Foram adotadas três etapas: documental, trabalho de campo e
síntese.
A etapa documental foi construída a partir da coleta de dados
(bibliográficos, cartográficos e imagéticos) preliminares, analógicos
e digitais, em fontes diversas disponibilizadas em órgãos da administração pública direta e indireta. O objetivo desta etapa foi construir
a revisão teórico-metodológica do presente estudo, além de caracterizar, mesmo que sumariamente, suas abrangências.
136 Jailton de Jesus Costa; Rosemeri Melo e Souza
A etapa trabalho de campo compreendeu visitas à área de
estudo, realizadas entre 2009, na ocasião da realização do curso de Bacharelado em Geografia do primeiro autor, sob orientação da segunda autora e 2016 para atualização e comparação
da vulnerabilidade biofísica nos sistemas dunares, além da coleta de informações e o mapeamento das áreas. Utilizou-se o mapeamento da EMBRAPA, de autoria de Pereira; et al. (2010) com
ortofocartas com resolução espacial de 60cm e o levantamento
aerofotogramétrico desenvolvido pela Secretaria de Planejamento de Sergipe (2007). Nessa etapa, foram utilizadas as seguintes
técnicas: observação empírica; registro fotográfico; esboços da
paisagem; referenciais de orientações e localização e registro em
cadernetas de campo.
Foram escolhidos 3 (três) hotspots, ou seja, 3 áreas de alta diversidade biológica e sob alta pressão antrópica, a saber: Litoral
Norte (Praia do Jatobá – Município de Barra dos Coqueiros); Litoral
Centro (Praia de Aruanda – Município de Aracaju) e Litoral Sul (Praia
do Saco – Município de Estância).
Na etapa síntese foram analisados e tabulados os resultados,
além da escrita final do artigo.
A elaboração de listas de controle de campo (field check lists) a
fim de avaliar as condições que produzem uma aceleração do ritmo
da degradação dunar costeira em Sergipe define-se como instrumento metodológico principal.
A vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares litorâneos foi
avaliada a partir da listagem das variáveis que mais contribuem para
situação de risco das dunas e da categorização dos resultados em
graus distintos de vulnerabilidade pré-estabelecidos.
Tais listas de controle ao serem compostas por variáveis quantitativas e qualitativas categorizadas em níveis de vulnerabilidade estabelecidos segundo a adaptação do Programa ELOISE/DUNES (Environmental Long-term Interactive Changes on South Atlantic Coasts
and Estuarine Envi­ronments) da União Europeia, são consideradas
Riscos/Hazards Socioambientais e Vulnerabilidades Biofísicas
Associadas às Dunas Costeiras em Sergipe
137
instrumentos de medição dos fenômenos envolvidos na estruturação da dinâmica dunar.
Nesse sentido, as checklists foram organizadas com base na seleção de 46 variáveis, todas elas divididas em categorias de informação. São cinco as seções que compreendem informações quanto ao
sítio e morfologia dunar, às características da praia, às características da superfície dunar nos primeiros 200 metros, às pressões de
uso e às medidas de proteção recente.
Cada variável abrange três a cinco possibilidades de caracterização
sendo que cada alternativa corresponde a uma pontuação de 0 a 4. Assim, quanto maior o valor determinado, maior o grau de vulnerabilidade; ou seja, maior é a situação de risco das dunas. No caso das medidas
de proteção recentes, o oposto acontece, maior é o grau de controle e
proteção apontados pelas variáveis nos sistemas dunares em estudo.
Dessa forma, no tocante as seções A, B e C, o significado dos
valores de 0 a 4 será representado por tabelas numéricas relacionadas aos níveis de vulnera­bilidade propostos, já as seções D e E serão
explicadas a partir de quadros qualitativos baseados em variações
nos tons de cinza em que quanto menor a intensidade da cor, menor
o grau de vulnerabilidade.
2. RESULTADOS E DISCUSSÕES
2.1 A Importância dos Sistemas Dunares
Por constituir ambientes de formação geológica recente e de
grande variabilidade ambiental, a zona costeira apresenta ecossistemas em geral fisicamente inconsolidados e ecologicamente imaturos e complexos. Essas circunstâncias lhe conferem características de vulnerabilidade às alterações das variáveis ambientais. Essa é
decorrente de diversos fatores que atuam isolados ou em conjunto,
com grau de interação entre eles variando em função de sua natureza e constituindo a paisagem (COSTA, 2009).
138 Jailton de Jesus Costa; Rosemeri Melo e Souza
Os impactos ambientais induzidos pela pressão humana são extremamente significativos nas áreas costeiras, trazendo sérios problemas, sendo, muitas vezes, superiores à capacidade do limiar de
resiliência dos sistemas naturais, exercendo pressões no ambiente
ou produzindo vários impactos negativos sobre as unidades de paisagem, como as dunas costeiras, praias, planícies fluviais, marinhas
e lacustres, tabuleiros costeiros, entre outros.
Dentre as unidades de paisagem temos as formações dunares
que, segundo o artigo 12, inciso XVI da lei 5.858 de 22 de março de
2006, é a unidade geomorfológica de constituição predominantemente arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida pela
ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou não, por vegetação.
De acordo com o parecer técnico nº 02000.009040/2001-31 datado de 07.08.2003 (CONAMA), além da importância das dunas como
elemento estruturante da dinâmica costeira, outros importantes
serviços ambientais foram elencados no parecer citado, constando
abaixo os de maior significância, a saber:
a) Recreio e ao turismo: “a paisagem dunar é usada pelas comunidades tradicionais, veranistas e os agentes econômicos,
através do desenvolvimento de atividades como campismo,
passeios, ecoturismo, turismo comunitário”;
b) Expansão do ecossistema manguezal: “uma complexa interação fundamentada pelo fornecimento de sedimentos para
origem dos bancos de areia, apicuns e restingas; incremento
de áreas para pouso de aves migratórias e de alimento e refúgio para a fauna estuarina”;
c) Atrativo para investimentos socioambientais e econômicos: “as dunas costeiras móveis e fixas proporcionam um
conjunto de atrativos (paisagem, ecodinâmica, biodiversidade) que atuam como base na tomada de decisão para a
implantação de complexos turísticos sustentáveis, levando em conta a manutenção de suas funções na dinâmica
Riscos/Hazards Socioambientais e Vulnerabilidades Biofísicas
Associadas às Dunas Costeiras em Sergipe
139
costeira e recursos naturais para o suporte dos investimentos”;
d) Fonte de inspiração artística e suporte de valores culturais,
espirituais e religiosos para a sociedade.
e) Irreversibilidade das reações ambientais: “a proteção das dunas fundamentará a continuidade dos processos evolutivos
naturais do sistema costeiro, pois, a nível continental, estão
conectadas pelos diferentes padrões climáticos, agentes
morfogenéticos (ventos, hidrodinâmica fluvial e flúvio-marinha, ondas, marés e correntes marinhas) e biodiversidade”.
Atrelado a este último serviço, é indispensável ressaltar como
importância ambiental a regularização da linha de costa pela proteção da costa contra ventos, retenção da água nos aquíferos costeiros pelo aumento da superfície de captação de água pluvial.
Porém, a destruição dessas funções ambientais obriga a sociedade a pagar muito caro por sua recriação artificial, sob a forma de
amuradas, muros de contenção, enrroncamentos e de obras emergenciais quando da ocorrência de progradação das marés por efeitos de tempestades (DIEGUES, 1991, p. 86).
Em nível global, o problema da erosão na região costeira também vem sendo associado a todos os fatores de degradação e extinção das dunas, aliado à subida do nível relativo médio do mar e
mudanças do clima.
O uso descontrolado dos recursos naturais promove altos níveis de degradação ambiental. As pressões exercidas sobre o meio
ambiente, em virtude tanto de atividades socioeconômicas como
daquelas resultantes dos fatores ecológicos, acarretam transformações na dinâmica dos ecossistemas.
Os ecossistemas atuais são o resultado de mudanças nos sistemas naturais que aconteceram ao longo de milhões de anos e afetaram a totalidade dos elementos bióticos – plantas e animais – e
abióticos – relevo, rochas. Essas mudanças estão se multiplicando
140 Jailton de Jesus Costa; Rosemeri Melo e Souza
no presente e não afetam somente o conhecimento da história e
evolução dos ecossistemas: colocam em risco a sobrevivência da população da Terra pela destruição de recursos básicos, em particular
na zona tropical (COLTRINARI, 1999).
Em outras palavras, Odum (1971) salienta que um ecossistema
compreende a comunidade natural e seu meio ambiente abiótico,
tratados conjuntamente como um sistema funcional de relações
complementares, nas quais há transferências e circulação de energia e matéria.
2.2 Riscos Socioambientais nos Sistemas Dunares
Através dos trabalhos de campo realizados no recorte temporal
da pesquisa (2009 – 2016), verificou-se, na área de estudo, os seguintes riscos socioambientais de acordo com o quadro 01 a seguir:
Quadro 01 – Riscos Socioambientais presentes na área de estudo
Risco Ambiental Consequências
Geológico
Climático
Hidrogeológico
A Geologia da área é essencialmente formada por materiais de origem
sedimentar, ou seja, inconsolidados, frágeis e de elevado risco ambiental
no tocante aos diversos usos e ocupações. Diante da pressão exercida,
verificam-se variações do nível freático e subsidência; fenômenos associados à variação da linha de costa, erosão costeira, migração de dunas
e de cordões dunares; e assoreamento de rios e lagoas e paleolagunas.
Em condições de grande pluviosidade, as características biofísicas das dunas são alteradas em virtude da capacidade de infiltração da água no solo
visto a composição ser predominantemente arenosa.
O regime pluvial atua na compactação das areias, porque o aumento da umidade une as partículas de areias preenchendo os macroporos, com isso diminui
a competência dos ventos sobre os sedimentos, que por sua vez, terão que
agir com mais intensidade para arrastá-los, o que geralmente não acontece e
contribui para a redução da dimensão do campo dunar, dificultando assim, a
mobilidade das dunas.
Devido à elevada condutividade hidráulica dada pela permeabilidade dos
sedimentos arenosos, via percolação, há um elevado armazenamento de
água nos aquíferos dunares que alimenta os recursos hídricos dos mangues e lagoas localizadas nas áreas de tabuleiro e da Planície Litorânea.
A ausência de fiscalização ambiental e a consequente deposição de resíduos sólidos (hospitalares, residenciais, comerciais, dentre outros), acabam poluindo esses importantes aquíferos.
Riscos/Hazards Socioambientais e Vulnerabilidades Biofísicas
Associadas às Dunas Costeiras em Sergipe
141
Continuação
O desmonte das dunas, por conta da ocupação indevida, na zona de praia,
facilita a invasão das águas do mar, uma vez que, a destruição das feições
dunares (enquanto barreiras naturais) interfere no processo natural de
acumulação dos sedimentos, acarretando assim em efeitos erosivos que
contribuem para alteração no perfil litorâneo, num processo de resistasia.
Geomorfológico
O impedimento da deposição dos sedimentos no seu facie originário acarreta a acumulação em outro ponto. Passa a haver uma reorientação de
deriva, o que ocasiona uma progradação dos bancos arenosos. É nesse
sentido que se percebe na Praia do Saco (Litoral Sul) um rebatimento na
ampliação da faixa de restingas (bancos arenosos).
Risco Ambiental Consequências
As feições dunares se prolongam em zonas desnudas (corredores de deflação eólica) de vegetação onde a ação do vento provoca o arraste das
areias. Quando existe uma formação vegetal mais densa com indivíduos
de porte arbustivo e quase sem brechas, observa-se, neste caso, uma
tentativa dos processos biofísicos de reconstituição do sistema por conta das feições existentes. A vegetação assume, nesse sentido, um papel
importante que é o de propiciar através das raízes a fixação das areias
criando uma barreira natural.
O processo de fixação dunar, pela vegetação, vai interferir negativamente no dimensionamento e evolução do campo dunar.
Há ainda a introdução de espécies exóticas que pode ocorrer de forma
intencional, acidental ou invasora, as quais resultam em comunidades toFlora
talmente diferentes das originais, ocasionando profundas alterações na
sua estrutura. Adicionalmente, outros fatores antrópicos relacionados
às atividades portuárias e paisagísticas têm proporcionado, ao longo do
tempo, a introdução de espécies exóticas, além disso, ocorre também a
deposição de galhos resultantes da poda e/ou jardinagem sobre as dunas
para retenção de areia. A presença dessa palhagem serve como um obstáculo ao transporte de areia, o que acarreta numa maior acumulação de
areia), entretanto sem a fixação da mesma, uma vez que a real fixação de
areia só ocorre quando na presença de espécies psamófilas (RANWELL;
BOAR, 1986). Além disto, esta acumulação de areia pode reduzir a presença de espécies pouco tolerantes à movimentação de areia, pelo aumento
da compactação e pela diminuição da área fotossintética ativa das plantas (CORDAZZO, 2007).
A fauna é um pouco escassa neste ambiente, devido às altas taxas de salinidade, baixas taxas de umidade, instabilidade térmica; sendo assim, poucos animais são adaptados a este hábitat. Mas os que ali vivem, a exemplo
de aves migratórias, tartarugas marinhas, dezenas de animais invertebrados como escorpiões, baratas, entre outros, tem invadido as residências
Fauna
e estabelecimentos comerciais pela própria destruição de seu habitat
natural, uma vez que os bares/casas são construídos no campo dunar. A
ocupação do solo, a intensificação da sua erodibilidade, a alteração dos
corpos d’água e o aumento do fluxo turístico causam perda de habitats
para a fauna, especialmente aquela não adaptada ao convívio humano.
142 Jailton de Jesus Costa; Rosemeri Melo e Souza
Continuação
Risco Antrópico Consequências
A construção de estruturas fixas sobre as dunas e praias constitui a maior
agressão ao equilíbrio das dunas: as estruturas fixas caracterizam-se por
barrar a movimentação constante das areias e o ciclo natural de deposição e transporte de areias. As construções que implicam arrasamento
das dunas provocam o término de uma barreira de proteção ao interior,
Ocupação
ficando essa zona mais frágil; e, indiretamente, criam a necessidade de
construção de estruturas pesadas de defesa costeira – esporões e molhes. Assim os efeitos antrópicos exercem interferência muito expressiva,
já que as construções ao longo impedem a contribuição regular dos sedimentos de origem continental.
Destacam-se também como grande ameaça aos sistemas dunares instalações comerciais voltadas ao lazer, situadas à beira-mar. Na área mais
visitada por banhistas presenciam-se bares voltados para o turismo de
Lazer
lazer, porém com precárias instalações, a exemplo do litoral Norte e Sul,
uma vez que uma revitalização dos pontos comerciais na Praia de Aruanda (litoral centro).
O pisoteio das dunas por pessoas e pelo gado e o tráfego de veículos
causa o deslizamento de variadas quantidades de areia e a destruição da
cobertura vegetal. A presença de brechas provocadas por ação eólica,
Pastagem /
além de caminhos abertos de acesso à praia que com frequência de pisoPisoteio
teios conduz à multiplicação de brechas, comprometendo a permanência
da vegetação principalmente no setor de antedunas. O pisoteio do gado
contribui para a degradação, pois as patas dos animais compactam as
areias dificultando sua absorção das águas da chuva.
É utilizada de maneira ilegal para construção civil, servido como aterros
para obras. Nota-se que nas últimas décadas, a vegetação das dunas vem
Extração
sendo descaracterizada pela intensiva extração de areia para diferentes
Mineral
usos e implantação de loteamentos, o que torna difícil saber qual era a
vegetação original deste sistema ambiental, principalmente no litoral
Norte e Sul.
É importante mencionar que o problema do destino dos resíduos sólidos, que, muitas vezes, é deixado na praia por turistas ou usuários
deste ambiente, e pela comunidade local provoca um efeito negativo
sobre este ecossistema. Atualmente, o lixo deixou de ser apenas um
Deposição
problema sanitário em zonas urbanas e tornou-se um dos principais
de Resíduos
grupos de poluentes em ecossistemas costeiros, inclusive em áreas
Sólidos
não urbanizadas. O lixo jogado propicia o aumento de insetos e roedores, contamina o solo e o lençol freático, além da morte de animais
e surgimento de doenças para a população como hepatite e leptospirose.
Fonte: Trabalho de Campo.
Elaboração: Jailton de Jesus Costa, 2016.
Como exposto no quadro 01, percebe-se que os elementos biofísicos e antrópicos estão tão relacionados que causa até certa dificuldade na construção de um quadro seccionado.
Riscos/Hazards Socioambientais e Vulnerabilidades Biofísicas
Associadas às Dunas Costeiras em Sergipe
143
Faz-se necessária a geração de conhecimentos que estimulem
a conscientização ambiental da população para a proteção deste e
dos demais sistemas ambientais.
2.3 Vulnerabilidades Biofísicas nos Sistemas Dunares
A vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares litorâneos foi
avaliada em períodos secos e chuvosos, a partir da listagem das variáveis que mais contribuem para situação de risco das dunas e do
ordenamento das mesmas conforme os graus distintos de vulnerabilidade pré-estabelecidos (Quadro 02).
Quadro 02 – Níveis de Vulnerabilidade Biofísica Dunar
NÍVEL 0
0 – 20%
NÍVEL 1
> 20 –40%
NÍVEL 2
> 40-60%
NÍVEL 3
> 60 –80%
NÍVEL 4
>80-100%
Nível de vulnerabilidade em que o grau de transformação do sistema dunar
não põe em risco a sua capacidade de auto-regeneração; o grau de vulnerabilidade está compreendido entre 0 a 20%; estado de degradação das feições
não ultrapassa o limiar de resilência; sensibilidade baixa.
Nível de vulnerabilidade em que já se percebem sinais de mudanças no conjunto do sistema; a sensibilidade de baixa passa a se acentuar; o nível 1 compreende o intervalo de valores maiores que 20% até 40%.
Percebem-se sinais de degradação significativa, já se faz necessária uma certa
restrição a uma maior utilização. As feições dunares se posicionam sobre o
limiar de resilência. Considerável nível de degradação dos sistemas. Valores
maiores que 40% até 60% estão compreendidos neste intervalo.
Observam-se mecanismos de pressão muito significativa; as feições dunares
não apresentam mecanismos de re­sistência aos efeitos negativos; a sensibilidade é elevada; são maiores que 60% e chegando a 80% os valores percentuais
do nível 3.
Evidenciam-se efeitos de degradação severa e generalizada. Nível de degradação extremamente elevado compro­metendo o caráter das geoformas. Limiar de resiliência ultrapassado. Nível de maior caráter impactante que com­
preende o intervalo de valores maiores que 80% até 100% de vulnerabilidade.
Fonte: Adaptado e Modificado de Laranjeira, 1997
Com base no fruto da aplicação das field chek lists em 2009 e da
nova aplicação em maio de 2016, chegou-se nos seguintes resultados:
a)Litoral Norte: nesta porção do litoral houve um acréscimo de
18% no período (2009 – 2016) levando a situação do nível 1
para o nível 2 de vulnerabilidade (Figura 02).
144 Jailton de Jesus Costa; Rosemeri Melo e Souza
Figura 02 – Vulnerabilidade Biofísica para o Litoral Norte
Organização: Jailton de Jesus Costa, 2016.
Durante a aplicação da metodologia, percebeu-se que foram
construídos novos bares/restaurantes na zona de praia, além da
grande quantidade de condomínios residenciais que se instalaram
no município após a construção da Ponte Construtor João Alves.
Alguns moradores e proprietários de bares/restaurantes atribuem o cenário ambiental atual à Lei Seca, uma vez que no passado,
grande parte dos moradores se deslocava para as praias de Aracaju,
o que contribuía para uma melhor preservação do local. Com o incremento da população a partir da construção dos condomínios, o
que aumenta a pressão exercida pelos diversos utilizadores e com
a falta de medidas de proteção recentes, percebe-se a mudança no
ambiente dunar e de praia em Jatobá.
É consenso entre estes atores sociais, o aumento frequente de
resíduos sólidos jogados nas dunas, a queima da vegetação, a retirada de areias para a construção, dentre outros impactos.
b)Litoral Centro: nesta porção do litoral sergipano, houve
acréscimo de 15%, também com mudança de nível, saindo
do 3 e indo para o último nível de vulnerabilidade, onde evidenciam-se efeitos de degradação severa e generalizada
Riscos/Hazards Socioambientais e Vulnerabilidades Biofísicas
Associadas às Dunas Costeiras em Sergipe
145
(Figura 03). Nível de degradação extremamente elevado
compro­metendo o caráter das geoformas. Limiar de resiliência ultrapassado.
Figura 03 – Vulnerabilidade Biofísica para o Litoral Centro
Organização: Jailton de Jesus Costa, 2016.
É notório perceber que além do campo dunar que está protegido pela PETROBRAS, não existe mais feições dunares. As que foram
verificadas em 2009, deram lugar a dezenas de condomínios, bares
e outras construções.
Não se identificou nenhuma medida de proteção recente, apenas o aumento significativo da pressão exercida pelos diversos utilizadores.
c)Litoral Sul: É nessa porção do litoral que se deu o maior acréscimo no índice de vulnerabilidade, chegando a 20% quando
comparado ao estudo de 2009. Houve a mudança do nível 2
para o nível 03 de vulnerabilidade, conforme a figura 04.
146 Jailton de Jesus Costa; Rosemeri Melo e Souza
Figura 04 – Vulnerabilidade Biofísica para o Litoral Sul
Organização: Jailton de Jesus Costa, 2016.
Percebe-se que as construções civis (bares, condomínios, residências) foram as maiores responsáveis pelo incremento da vulnerabilidade.
Não foram encontradas as medidas de proteção que haviam em
2009, a exemplo de placas e outdoors voltadas à Educação Ambiental.
Alguns moradores que estavam presentes no momento da aplicação, atribuem que as condições pioraram depois da inauguração
das duas pontes no litoral sul, a saber: Ponte Gilberto Amado sobre
o Rio Piauí, entre os municípios de Indiaroba e Estância e a Ponte
Joel Silveira sobre o rio Vaza Barris, que liga Aracaju ao município de
Itaporanga D’Ajuda.
3. CONCLUSÕES
Após a comparação entre o estudo de 2009 e 2016, percebe-se
o aumento da degradação severa dos sistemas dunares sergipanos.
As dunas costeiras de Sergipe apresentam-se descaracterizadas
em virtude tanto de formas de uso e ocupação humana como por
geoindicadores que se referem à situação dos componentes biofísi-
Riscos/Hazards Socioambientais e Vulnerabilidades Biofísicas
Associadas às Dunas Costeiras em Sergipe
147
cos definindo, assim, um quadro delicado quanto à permanência das
características naturais responsáveis pela manutenção do equilíbrio
dinâmico dos sistemas.
Os principais vetores de ocupação da zona costeira, responsáveis pelas pressões exercidas sobre os sistemas dunares, são retratados pelo avanço das edificações e construções sobre a linha de
costa e na zona de acumulação praial; pela prática agrícola; por atividades de turismo e lazer; além de outros fatores que acarretam
efeitos negativos de grande amplitude nestes ambientes.
O Litoral norte que antes se caracterizava por condições de estabilidade, atualmente percebe-se condições de degradação.
Conclui-se que se o poder público não aplicar a legislação vigente que protege esse sistema ambiental, num futuro próximo não se
encontrará tais feições nas áreas estudadas.
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MANGUEZAIS DO LITORAL CENTRO E SUL DE
SERGIPE: Vulnerabilidade a Perda de Vegetação
Associada aos Tensores Naturais e Antropogênicos
n Geisedrielly Castro dos Santos
n Rosemeri Melo e Souza
INTRODUÇÃO
Os ambientes de sedimentação costeira tiveram seus processos
de formação associados às oscilações do nível do mar durante o período Quaternário, as formas mais recentes surgiram no Holoceno,
a menos de 10.000 A.P. (MARTIN; SUGUIO; FLEXOR, 1993). Um dos
exemplos desses ambientes são as planícies de marés, já investigadas em várias partes do mundo e com estimativas do tempo de deposição do pacote sedimentar relacionadas às transgressões e regressões marinhas (WOODROFFE, 1982; BITTENCOURT et al, 1983).
As planícies de marés ocorrem em todo o mundo, em geral nas
reentrâncias costeiras localizadas em zonas estuarinas, determinadas por condições únicas dos componentes geomórficos, geofísicos
e biológicos (THOM, 1982). Quando esses ambientes de sedimentação (ou substratos lamosos) ocorrem em associação com vegetações do tipo halófitas conhecidas como mangues, tem-se a formação de ecossistemas manguezais. Para a existência de manguezais
150 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza
é necessário de acordo com Chapman (1975) que ocorram sete requisitos básicos: temperatura do ar preferencialmente entre 20ºC
e 5ºC; correntes marítimas mais quentes; áreas protegidas da ação
mecânica das ondas como lagunas e baías costeiras; água salgada;
regime de marés e substrato lamoso.
Mesmo reconhecendo que a maioria das planícies de marés se
originou ao longo do Quaternário é possível verificar a formação
desses ambientes em um período mais recente, em escala de médio
prazo (cerca de décadas) sendo determinadas, portanto, pela disponibilidade de sedimentos e pelas condições estuarinas locais.
Da mesma forma que a feição geomorfológica planície de maré
se forma em curto prazo, o manguezal também se desenvolve. Mesmo em face do seu rápido desenvolvimento, os manguezais possuem elevada resistência e resiliência. A resistência corresponde
ao tempo que o ambiente leva para mudar em resposta a um dado
distúrbio na paisagem, já a resiliência corresponde ao tempo que o
componente ambiental leva para se recuperar de uma mudança na
paisagem (SHAEFFER-NOVELLI; CITRÓN-MOLERO; SOARES, 2002).
A área de estudo do presente artigo corresponde aos manguezais desenvolvidos na margem direita das desembocaduras
dos rios Sergipe (município de Aracaju, litoral centro de Sergipe), e
Vaza Barris (município de Itaporanga D’Ájuda, litoral sul sergipano)
- Figura 11. O processo de formação das referidas desembocaduras
justifica o desenvolvimento recente dos manguezais, sendo esses
explicados por diversos autores.
Para a margem direita da desembocadura do rio Sergipe a análise evolutiva das cartas náuticas a partir do ano de 1891 até o ano
de 1924 demonstrou a existência de duas coroas arenosas. Essas
coroas arenosas possuíam inúmeros canais de maré, sendo divididas por três canais principais (Norte, Central e Sul), por onde o rio
Sergipe entrava em contato com o Oceano Atlântico. Devido à di1 Manguezais existentes na margem direita das desembocaduras dos rios Sergipe (município
de Aracaju) e Vaza Barris (município de Itaporanga D’Ajuda).
Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe
151
nâmica fluviomarinha no local, emergiram de forma gradativa nas
coroas alguns pontais arenosos, sendo estes os responsáveis pela
consolidação das duas coroas e posterior ligação ao município de
Aracaju pela restinga existente no bairro Atalaia (chamado à época
de Pontal Sul). A consolidação das coroas arenosas permitiu o alargamento do canal Norte, fechando o canal Central e isolando o canal Sul (MONTEIRO, 1963; WANDERLEY, 2006; SANTOS, 2012; SANTOS, 2014). Esse processo evolutivo é compatível com a proposição
de FitzGerald; Kraus & Hands (2000) para o modelo de transpasse
de sedimentos denominado rompimento do delta de maré vazante
(ebb-tidal delta breaching).
A margem direita da desembocadura do rio Vaza Barris foi
analisada por Oliveira & Melo e Souza (2015). De acordo com as
autoras a formação da área de estudo segue o modelo de quebra
da plataforma do pontal arenoso (Spit Plataforma breaching). Este
modelo ocorre em canais migratórios, onde a formação de um
canal secundário na desembocadura promove o rompimento na
plataforma do pontal arenoso, sendo que este novamente sofre
acresção a partir do fornecimento de sedimentos existentes nos
deltas de maré vazante e promovem a contínua migração do canal.
Com a erosão do Pontal arenoso a Updrift (barlamar do sentido
da deriva litorânea, equivalente à margem esquerda da desembocadura) os sedimentos acumularam-se dando origem ao pontal
arenoso a Downdrift (sotamar do sentido da deriva, equivalente a
margem direita da desembocadura).
Tendo em vista o processo evolutivo das zonas estuarinas que
compõem a área de estudo, o presente capítulo tem por objetivo
analisar as modificações fitofisionômicas ocorridas nos manguezais,
no sentido da perda da vegetação, e suas possíveis causas associadas aos tensores de origem natural (dinâmica costeira) e aos tensores de origem antropogênica (crescimento urbano).
Figura 1 – Localização da área de estudo
Elaboração: autores, 2016.
152 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza
Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe
153
1. RESISTÊNCIA E RESILIÊNCIA DOS MANGUEZAIS
Fisiograficamente, Citrón; Lugo; Martinez (1985) revisaram a
classificação elaborada por Snedaker & Lugo (1974) e dividiram os
manguezais em três tipos: Florestas Ribeirinhas, Florestas em Franjas e Florestas de Bacias.
As Florestas Ribeirinhas desenvolvem-se nas bordas dos rios,
com melhor crescimento no baixo curso estuarino. Possui como
principal influência um fluxo de água doce variando de moderado a alto, com alta carga de nutrientes. A salinidade nesse tipo de
manguezal varia da ordem de 10.000 a 20.000 ppm ou menos, as
concentrações de sais são baixas durante as estações secas e altas durante as estações chuvosas. Com relação à distribuição de
energia sobre o ambiente, nesses tipos de manguezais a mesma
ocorre sobre toda sua superfície. O gênero Rhizophora é predominante nesse tipo de manguezal, com ocorrência em menor escala
de florestas mistas dos gêneros Laguncularia e Avicennia (CITRÓN;
LUGO; MARTINEZ, 1985) – Figura 2.
As Florestas em Franjas ocorrem nas bordas estuarinas na
direção do mar, protegendo a linha de costa e/ou entorno de
ilhas sobrelavadas. A distribuição de energia sobre esse ambiente ocorre sobre sua área frontal, se concentrando em pequenas
áreas. Em direção ao interior desses tipos de manguezais a diminuição do fluxo de água promove alta concentração de salinidade. Gêneros de Rhizophora e Avicennia predominam sobre esses
ambientes, o primeiro localiza-se na área de maior concentração
energética e o segundo no interior desses ambientes (CITRÓN;
LUGO; MARTINEZ, 1985).
As Florestas de Bacias são manguezais que se desenvolvem
nas bacias interiores das planícies de maré influenciados pela
água salgada. Contudo, recebem maior fluxo de água doce e
possuem menor concentração de salinidade sendo o ambiente
favorável à dominância dos gêneros Laguncularia e Avicennia. A
154 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza
Avicennia domina florestas de Bacia onde a salinidade é de cerca
de 50.000 ppm, já a Laguncularia ocorre nas áreas de Bacias com
salinidade intermediária entre 30.000 e 40.000 ppm (CITRÓN;
LUGO; MARTINEZ, 1985).
Figura 2 – Espécies de vegetação arbórea que formam os manguezais.
A- Rhizophora mangle L.; B – Avicennia schauerianna L.; C – Laguncularia racemosa L.
Fonte: Fotografias A e B de Sindianny Caduda (2016) e C de Luana Oliveira (2016).
Os manguezais podem ocorrer em variados tipos de ambientes
costeiros, as suas estruturas e comportamentos variam de acordo
com a dominância dos rios, do regime de marés e da energia das ondas atuantes (THOM, 1982). Contudo, o seu desenvolvimento estrutural recebe maior influência dos fatores ambientais que compõem
a sua assinatura energética (ODUM, 1967). A assinatura energética
corresponde aos fatores que operam sobre um sistema ambiental e
influenciam suas funções, sendo eles: energia solar, temperatura do
ar, precipitação, fornecimento de água fluvial, regime de marés e nu-
Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe
155
trientes. Os tensores naturais e antrópicos atuam como dissipadores
de energia dentro do sistema ambiental podendo promover declínio no desenvolvimento estrutural dos manguezais (ODUM, 1967).
A assinatura energética determina o desenvolvimento da estrutura dos manguezais, contudo a resistência e a resiliência dos manguezais variam de acordo com o tipo de manguezal em associação
aos condicionantes geomórficos.
Shaeffer-Novelli; Citrón-Molero; Soares (2002) associaram as
séries ambientais geomórficas e a resistência e a resiliência dos
manguezais a mudanças do nível do mar e mudanças em nível de
paisagem local e esquematizaram suas conclusões conforme descrito no quadro 1.
Quadro 1 – Resistência e Resiliência das séries ambientais a mudanças
Configurações ambientais (THOM, 1982).
Resistência a
Resiliência em
mudanças. nível de paisagem.
Alta Sedimentação e marés baixas (Série I).
Alta
Alta
Alta Sedimentação e marés altas (Série II).
Alta
Alta
Alta Sedimentação e Alta energia das ondas (Série III).
Baixa
Baixa - Média
Alto fluxo de água doce e Alta energia das ondas (Série IV).
Média
Média - Alta
Vales afogados.
Alta
Alta
Plataformas carbonáticas.
Baixa
Baixa
Fonte: Modificado de Shaeffer-Novelli; Citrón-Molero; Soares, 2002.
Tendo em vista sua capacidade de resistir às mudanças e se
adaptar a novas condições ambientais impostas a sua sobrevivência, os manguezais são considerados ótimos indicadores de mudanças costeiras ocorridas por oscilações do nível do mar.
Mesmo em face da sua extrema capacidade em se adaptar às
mudanças ambientais, os manguezais não conseguem resistir por
todo o tempo às ações antrópicas que insistem em descaracterizar
e degradar esses ecossistemas em benefício da expansão do crescimento urbano, ignorando funções importantes desempenhadas
para o ambiente e manutenção da biodiversidade costeira.
156 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza
2. VULNERABILIDADE DOS MANGUEZAIS DO LITORAL
CENTRO E SUL DE SERGIPE AOS TENSORES NATURAIS E
ANTROPOGÊNICOS.
Dentro das séries ambientais geomorfológicas idealizadas por
Thom (1982) a área de estudo pode ser enquadrada em dois modelos:
- Desembocadura do Rio Sergipe – Ambiente dominado por ondas (Figura 3): De acordo com Thom (1982) nos ambientes dominados por ondas ocorrem elevada energia das ondas e pouca descarga
fluvial. Ilhas barreiras e/ou baías barreiras são características desses
ambientes. Existe um variável grau de modificações das formas de
relevo pela maré. As halófitas (mangues) ocorrem nas margens das
lagunas formadas nessas costas.
Figura 3 - Ambiente dominado por ondas
Fonte: Woodroffe, 1982 apud VALE, 2004.
- Desembocadura do rio Vaza Barris - Ambiente dominado por
ondas e rio (Figura 4): Na proposta de Thom (1982) esses ambientes
são caracterizados por elevadas energias das ondas e descarga fluvial. Os sedimentos transportados pelos rios são rapidamente redistribuídos ao longo da planície costeira. A colonização por mangue
ocorre ao longo dos canais distributários abandonados em áreas
próximas à foz e nas lagunas adjacentes.
Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe
157
Figura 4 - Ambiente dominado por ondas e rio
Fonte: Woodroffe, 1982 apud VALE, 2004.
Conforme sua constituição geomorfológica e dinâmica fluviomarinha, os manguezais da área de estudo possuem como tensores
naturais: a descarga fluvial e a energia das ondas, estas constituem
uma ameaça a sua estabilidade, tendo em vista que esses elementos
possuem a capacidade de remover os sedimentos que compõem o
substrato (ou a planície de maré) assim desestabilizando a vegetação fixada. Outro impacto produzido pela energia das ondas e
descarga fluvial é o assoreamento das planícies de marés pela deposição de areia, o que também pode ser um fator nocivo para a
vegetação de mangue.
Os manguezais da área de estudo evoluíram em um período
relativamente recente, cerca de 50 anos, a partir do momento em
que as desembocaduras fluviais permitiram a formação de ambientes lagunares abrigando as planícies de marés da ação mecânica da
energia das ondas e da descarga fluvial (Figura 5). Contudo, os manguezais foram afetados de formas diferenciadas em cada uma das
desembocaduras. No Vaza Barris o tensor ambiental determinante
para a perda de vegetação de mangue foi à dinâmica fluviomarinha,
já no rio Sergipe a degradação do manguezal foi provocada por tensores antropogênicos oriundos da expansão urbana de Aracaju.
Elaboração: autoras, 2016.
Figura 5 – Evolução das planícies de marés e manguezais nas desembocaduras dos rios Sergipe e Vaza Barris
158 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza
Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe
159
Na margem direita da desembocadura do rio Vaza Barris, os
manguezais localizam-se ao longo de uma laguna. A planície de
maré existente foi afetada pela migração do canal fluvial e intensificada pela energia das ondas, conforme pode ser verificado no esquema evolutivo B da figura 5. O recuo da linha de costa promoveu
o assoreamento da planície de maré pela deposição arenosa, o que
promoveu a morte da vegetação de mangue do gênero Laguncularia, como pode ser verificado na figura 6.
Figura 6 – Assoreamento pelo recuo de linha de costa e morte da vegetação de mangue na
desembocadura do rio Vaza Barris2
Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos, 2016.
O recuo de linha costa na margem direita do rio Vaza Barris
pode ainda ser evidenciado pela existência de escarpas erosivas na
praia da Caueira e pela exposição da vegetação de mangue morta
remobilizada pela ação marinha, conforme se identifica na figura 7.
2 Na imagem da esquerda ao fundo a vegetação de mangue morta pelo assoreamento e o
registro da maré mais alta ocorrida no dia 08 de abril de 2016. Na imagem da direita o mangue
morto em meio à vegetação fixadora de dunas frontais de formação mais recente.
160 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza
Figura 7 – Evidências de erosão na praia da Caueira - desembocadura do rio Vaza Barris3
Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos (2016).
Na desembocadura do rio Sergipe, os manguezais se localizam
atualmente ao longo da laguna conhecida por Maré do Apicum no
bairro Coroa do Meio (Figura 8). O processo de degradação do manguezal foi verificado por Santos (2012) como sendo originado a partir das intervenções antrópicas, conforme é apresentado no mapa
evolutivo da figura 5 - A.
A descaracterização do manguezal começou a se processar a
partir da constituição do bairro Coroa do Meio no início da década de 1970. O aumento populacional na cidade de Aracaju-SE fez
com que a prefeitura reivindicasse junto a União a posse da área
que corresponde ao bairro Coroa do Meio que até então fazia parte
dos Terrenos de Marinha, com isso foram iniciados os projetos de
urbanização do bairro e os primeiros aterramentos da planície de
maré. Santos (2012) ainda analisou que no período subsequente até
o início da década de 1990, a área de estudo passou por novas transformações com a estruturação do bairro pela prefeitura e também
com diversas moradias precárias sobre o manguezal pertencentes
3 Na imagem à esquerda evidências de escarpas erosivas sobre a pós-praia, sendo esta formada por dunas frontais que margeiam a planície de maré. Na imagem da direita vegetação
morta remobilizada pela ação marinha.
Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe
161
à população mais carente que migrou dos interiores da Bahia e Alagoas e também do próprio estado de Sergipe.
Figura 8 – Manguezal existente na Maré do Apicum – desembocadura do rio Sergipe4
Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos (2012).
Até o início de 2000 essas moradias precárias permaneciam sobre a área de manguezal conjuntamente com todas as transformações efetuadas no bairro com o intuito de urbanizá-lo. Todas essas
ações antrópicas sobre a planície de maré e sobre o ecossistema
manguezal foram determinantes para a sua degradação.
A partir dos anos 2000 foram realizadas ações governamentais
com o intuito de retirar as moradias precárias que existiam sobre o
Manguezal além de dar uma melhor qualidade de vida à população
(FRANÇA & CRUZ, 2005). Essas ações retiraram a ocupação direta
sobre o manguezal, mas não se preocuparam com a recuperação e/
ou conservação do ecossistema, como resultado as ações predatórias persistiram com o incremento do lançamento do esgotamento
sanitário da cidade (Figura 9). Os principais tensores antropogênicos e os impactos sobre o manguezal da desembocadura do rio Sergipe estão descritos no quadro 2.
4 Na imagem da esquerda ao norte da Maré do Apicum algumas plântulas do gênero Laguncularia e Avicennia. Na imagem da direita na direção sul da laguna parte do substrato exposto
e plântulas do gênero Laguncularia.
162 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza
Figura 9 – Despejo de resíduos oriundos de esgotamento sanitário sobre o manguezal entre
2012 e 2016
Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos.
Quadro 2 – Tensores antropogênicos atuantes na área de estudo
Ano/
Período
Tensores antropogênicos
1965 a 2003
Aterramentos;
Arruamentos e construção de ponte;
Edificações;
Moradias do tipo palafitas.
Assoreamento do substrato;
Morte do Mangue;
Morte da fauna associada;
Poluição das águas.
2003 a 2014
Retiradas das Palafitas
Expansão do crescimento urbano.
Assoreamento do substrato;
Morte do Mangue;
Morte da fauna associada;
Poluição das águas.
2014 a 2016
Assoreamento do substrato;
Expansão do crescimento urbano;
Morte do Mangue;
Despejo de resíd0uos oriundos de esMorte da fauna associada;
gotamento sanitário.
Poluição das águas.
Principais impactos
sobre o manguezal
Elaboração: autoras, 2016.
O fato das pressões antrópicas serem os principais condicionantes responsáveis pela degradação da planície de maré na desembo-
Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe
163
cadura do rio Sergipe, não significa que a área de estudo também
não sofra a influência do recuo de linha de costa (e com isso da erosão costeira) como foi identificada na desembocadura do rio Vaza
Barris. Trabalhos realizados por Rodrigues (2008); Santos (2012)
apontaram que toda a margem direita da desembocadura sofreu
com processos erosivos em médio prazo devido a mudanças na direção do talvegue do rio Sergipe associadas à dinâmica dos deltas
de maré vazantes, grande parte desses processos erosivos foram
intensificados devido à degradação de parte da planície de maré
que possuía a função de molhe hidráulico protegendo a linha de
costa da Coroa do Meio (Figura 10). Bittencourt; Dominguez; Oliveira (2006) ressaltaram que as duas desembocaduras analisadas
neste trabalho correspondem ao setor costeiro considerado como
de elevada variabilidade.
Figura 10 – Escarpa erosiva expondo obra de contenção a erosão costeira na praia dos Artistas na Coroa do Meio – desembocadura do rio Sergipe
Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos (2012).
164 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os manguezais exercem muitas funções ambientais dentre elas
podem ser destacadas sua importância como principal fonte de
matéria orgânica para as regiões estuarinas; berçário de diversas
espécies de peixes e aves e proteção da linha de costa, a partir do
extenso sistema de raízes que reforça o processo de captura dos sedimentos transportados em suspensão pelo fluxo fluvial e marinho
retardando as forças da erosão ao longo da linha de costa.
Esses ecossistemas além de possuírem inúmeras funções ambientais também são extremamente resistentes a mudanças na paisagem
e possuem boa capacidade de adaptação as transformações ambientais, a depender do tempo de interferência e de sua magnitude. Contudo, a influência de tensores de origem natural e antropogênica são
capazes de alterar drasticamente a estrutura desses ecossistemas.
Os manguezais que compõem a área de estudo, representado
pelas zonas estuarinas associadas à desembocadura do rio Sergipe
e a desembocadura do rio Vaza Barris, sofreram transformações
na estrutura de seus manguezais associados aos tensores ambientais. A desembocadura do rio Sergipe foi afetada por tensores de
natureza antropogênica representados pelo crescimento urbano da
capital sergipana Aracaju, sendo que estes se processaram sobre a
paisagem desde a década de 1960 até os dias atuais, promovendo
a degradação do manguezal e consequente diminuição na área de
distribuição desse ecossistema na região estuarina. A desembocadura do rio Vaza Barris foi afetada por tensores de origem natural
associado a dinâmica fluviomarinha, representada pela migração do
canal fluvial e intensificada pela energia das ondas. Estes promoveram o recuo de linha de costa e assoreamento da planície de maré
causando a morte da vegetação de mangue.
As desembocaduras fluviais analisadas são consideradas como
zonas de elevada variabilidade em decorrência da dinâmica fluviomarinha existente, resultante da atuação da descarga fluvial em
Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe
165
contraposição a energia das ondas que incidem sobre o setor costeiro analisado.
Nas situações exemplificadas no presente capítulo a vulnerabilidade a perda de vegetação é representada pela atuação da dinâmica fluviomarinha e pelo crescimento urbano, identificadas com
maior intensidade na desembocadura do rio Sergipe e com menor
intensidade na desembocadura do rio Vaza Barris. Contudo, tensores antropogênicos podem vir a constituir outro fator de interferência sobre os manguezais da zona estuarina do Vaza Barris tendo em
vista o adensamento populacional já existente na praia da Caueira e
que pode avançar ao longo da margem direita da desembocadura
do rio Vaza Barris.
Os dados e as reflexões apresentadas neste capítulo têm por finalidade atrair a atenção da sociedade como um todo para a importância da conservação dos manguezais tanto para a manutenção da
biodiversidade do planeta quanto para as consequências imediatas
sobre o ambiente resultantes da sua degradação, como o exemplo
da erosão costeira em áreas urbanas.
A pesquisa a qual está vinculado os dados aqui apresentados recebe financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – CAPES através de bolsa de estudos de doutorado.
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COMPLEXIDADES DA DESERTIFICAÇÃO
NO ALTO SERTÃO DE SERGIPE:
Vegetação e Clima
n Alberlene Ribeiro de Oliveira
n Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
INTRODUÇÃO
A relação sociedade-natureza é conflituosa, pois provoca crises
socioambientais e pode desencadear a degradação e/ou desertificação nos espaços. Por sua vez, a desertificação constitui processo e,
portanto, dinamismo, associado aos fatores naturais e pelas derivações antropogênicas que promovem o desequilíbrio dos meios físico, químico, biológico e socioeconômico. Entender a desertificação
é compreender suas complexidades no que se refere as condições
naturais, resultado de mudanças climáticas, determinadas sobremaneira da pressão de atividades humanas sobre ecossistemas frágeis.
Nesse sentido, a desertificação é complexa e afeta a estrutura
e o funcionamento dos sistemas ambientais que resulta em perda
da capacidade produtiva dos ecossistemas, a salinização e ablação
dos solos, assoreamento dos cursos fluviais, retiradas da cobertura
vegetal, variabilidade climática, migração, dentre outros problemas
que desestabiliza o equilíbrio da natureza e dos processos sociais.
170 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
A desertificação repercute em todo sistema socioambiental e
em diversas partes do mundo, como países da América, Europa,
Ásia, África e Oceania. Incide sobre 33% da superfície da terra, onde
vivem aproximadamente 2,6 bilhões de pessoas, ou 42% da população mundial. São agravados na região subsaariana, com mais de 200
milhões de habitantes, representando 20 a 50% das terras degradadas. Não obstante, na Ásia e na América Latina, por exemplo, a degradação dos solos é austera. Para o Brasil, de acordo com os dados
oficiais, a área susceptível a ocorrência da desertificação abrange
1.338.076 km² e 1.482 municípios, sendo habitada por mais de 30 milhões de pessoas (BRASIL, 2004).
No estado de Sergipe, os municípios do Alto Sertão Sergipano,
objeto de estudo, estão inseridos nas áreas susceptíveis à desertificação do semiárido brasileiro. A tabela 1 mostra as áreas susceptíveis à desertificação (ASD’s) por estados brasileiros e números de
seus respectivos municípios.
Tabela 1-Áreas susceptíveis a desertificação (asd’s) por estado brasileiro
Estado
Alagoas
Bahia
Ceará
Maranhão
Paraíba
Pernambuco
Piauí
Rio Grande do Norte
Sergipe
Espírito Santo
Minas Gerais
Áreas
semiáridas
33
159
105
150
90
96
143
6
22
Número de municípios das ASD’s
Áreas
Áreas de
subúmidas
entorno
secas
13
7
107
23
41
38
1
26
47
11
39
6
48
71
12
3
28
14
23
61
59
Total das
ASD’s
53
289
184
27
208
135
215
158
48
23
142
Fonte: Brasil, 2004.
Nesta tabela utilizaram-se como critério as áreas semiáridas,
subúmidas secas e do entorno em que o estado de Sergipe possui
Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe
171
quarenta e oito áreas susceptíveis à desertificação (BRASIL, 2004).
É importante destacar que são necessários além da dinâmica climática, outros elementos naturais e sociais envolvidos neste processo,
como enfatiza Monteiro (1988, p.08) o estudo da desertificação no
Nordeste do Brasil é um grande desafio, em virtude das implicações
climáticas e antropogênicas nunca darão um visão compreensiva se
elas forem tomadas separadamente.
A intensa exploração dos recursos naturais, desmatamento indiscriminado, extrativismo mineral e agropecuária extensiva, vêm
ultrapassando o limite de utilização destes recursos, promovendo a
degradação física, química e biológica do solo; a perda da cobertura vegetal nativa e a redução da disponibilidade de água. Assim, os
solos desnudos de vegetação são relativamente mais susceptíveis
aos processos de escoamento superficial (ravinas, voçorocas), que
refletem as condições de uso insustentável dos solos, da vegetação,
dos recursos hídricos e da biodiversidade. Essas atividades, associadas às alterações na periodicidade da sazonalidade climática, atuam
como significativas para potencializar manifestação do processo de
degradação/desertificação.
Este artigo tem como objetivo analisar os processos de degradação ambiental relacionados principalmente ao desmatamento do
bioma caatinga no Alto Sertão de Sergipe, que interferem diretamente no microclima, na biota e nos solos e que gera danos para os
ecossistemas e para a sociedade.
Nesse sentido, buscou-se estruturar o trabalho da seguinte forma: Na primeira seção fez-se uma explanação sobre a vegetação e
o clima, suas dinâmicas e transformações ambientais no Alto Sertão
de Sergipe; na segunda seção foi explicitado sobre a metodologia
utilizada no trabalho; a terceira seção, os resultados e discussões
por meio da literatura e trabalho de campo, e por fim, as considerações finais acerca do objeto de estudo pesquisado.
172 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
1. ASSOCIAÇÃO VEGETAÇÃO E CLIMA NO ALTO SERTÃO
DE SERGIPE
A caatinga é um ecossistema exclusivamente brasileiro e o
principal do nordeste ocupando 54% desta região e 10% do território nacional estabelecida nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande
do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas
Gerais totalizando em uma extensão areal próxima a 900.000 km2
(ANDRADE et al. 2005; MMA, 2011). Além disso, é uma unidade fitogeográfica endêmica que ocorre no Nordeste do Brasil (NASCIMENTO, 2006, p.127).
No Alto Sertão de Sergipe, apresentam-se dois tipos deste bioma, a caatinga hipoxerófila e hiperxerófila. A caatinga hipoxerófila é
adaptada ao período de seca, inferior a sete meses, principalmente
nos municípios de Gararu, Porto da Folha, Nossa Senhora da Glória
e Monte Alegre de Sergipe, e a caatinga hiperxerófila é mais resistente à chuva, onde a escassez dura acima de sete meses e ocorrem
nos municípios de Poço Redondo, Canindé de São Francisco, Porto
da Folha, Gararu e Monte Alegre de Sergipe.
Há quem classifique cinco tipos de Caatinga: seca não arbórea,
seca arbórea, arbustiva densa, de relevo mais acentuado e as de
Chapadão do Moxotó (CONTI; FURLAN, 2005).
A variedade de aspecto está, em grande parte, relacionada às
condições do relevo e suas consequências climáticas na escala local. Nas áreas deprimidas, de médias pluviométricas mais
reduzidas, a caatinga se apresenta áspera e com maior ocorrência de cactáceas, ao passo que nas altitudes mais expressivas (chapadas e serras), é mais densa, com predominância
de espécies arbóreas (CONTI, 2008, p. 331).
A vegetação é um elemento importante para a proteção do
solo, visto que reduz a intensidade de sulcos, ravinas e voçoro-
Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe
173
cas. Assim, Souza (2008) elucida que a retirada da vegetação é a
ação mais comum que pode desencadear o processo de desertificação, em decorrência do aumento da erosão e seus efeitos na
fertilidade do solo.
No entanto, a vegetação nativa sergipana, ao longo do tempo,
foi substituída pela pecuária extensiva e pela agricultura. Esta alteração teve início com a colonização semiárida do nordeste brasileiro e repercute nos dias atuais com novas formas de apropriação,
diversificação da agropecuária, com técnicas modernas, sistema de
irrigação, extração mineral, novas relações de trabalho e de produção e urbanização.
O mosaico fisionômico da vegetação da caatinga no Alto Sertão
de Sergipe é decorrente do clima e da formação dos solos da área.
São plantas típicas de clima semiárido, adaptadas ao calor e a ausência de chuvas; Possuem troncos tortuosos, folhas caducas e pode-se
apresentar rala ou fechada, baixa ou alta (FRANÇA & CRUZ, 2007).
O regime pluviométrico do Estado é associado às condições
atmosféricas e sistemas sinóticos que atuam no leste do Nordeste
do Brasil (NEB) e possuem uma característica própria diferente dos
demais regimes do NEB, apresentando uma grande variabilidade sazonal (SEMARH, 2011). Sergipe encontra-se situado na porção oriental da região Nordeste, sob a influência das massas de ar Tropical
Atlântica (mTa) e Equatorial Atlântica (mEa) e de sistemas frontológicos que se individualizam na Frente Polar Atlântica (FPA) e nas
Correntes Perturbadas de Leste (Ondas de Leste), as quais são decisivas na manutenção de um regime pluviométrico caracterizado por
chuvas mais abundantes no período outono/inverno (CARVALHO &
FONTES, 2006).
As variações sazonais e anuais do clima apresentam significativa contribuição da variabilidade de precipitação, configurando alguns anos extremamente secos e outros chuvosos que se devem à
atuação de distintos mecanismos dinâmicos que interagem entre si
e são responsáveis pela distribuição de chuvas, alteração da paisa-
174 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
gem, provoca transtornos na economia e consequentemente existência de conflitos socioambientais em escala temporoespacial. A
variabilidade espacial da precipitação caracteriza-se por três faixas
climáticas distintas, a subúmida, abrangendo o litoral sergipano; a
faixa de transição, denominada de Agreste; e o Sertão que engloba
os municípios do Alto Sertão Sergipano (SEMARH, 2010).
Segundo a Convenção Mundial de Combate à Desertificação
(UNCCD ou CCD) o Estado de Sergipe foi classificado como área frágil, sendo que do litoral para o interior tem-se uma estreita faixa litorânea, sem risco de desertificação. Uma faixa central que abrange
todo o Estado, no sentido N-S, considerada subúmida, já com riscos
de ocorrência de áreas em processo de desertificação. E uma faixa
do sertão considerada semiárida, com riscos elevados de desertificar-se (Figura 1).
Problemas relacionados à degradação ambiental, associados ao
clima e à vegetação, estão entre os mais preocupantes. A desertificação, como uma de suas implicações, merece atenção peculiar pela
intensidade da deterioração do substrato do solo que repercute na diminuição da capacidade produtiva, sobretudo de alimentos que gera
vulnerabilidade socioambiental, constituindo-se em ação de risco.
Nesse sentido, Veyret (2007, p.11-30) afirma que:
O risco, objeto social, define-se como a percepção do perigo,
da catástrofe possível. Ele existe apenas em relação a um indivíduo e a um grupo social ou profissional, uma comunidade,
uma sociedade que o aprende por meio de representações
mentais e com ele convive por meio de práticas específicas
[...] Esta é sentida pelos indivíduos e pode provocar, ao se
manifestar, prejuízos às pessoas, aos bens e à organização do
território. À luz dos acontecimentos que podem desencadear
uma crise, a análise dos prejuízos remete ao que se denomina
vulnerabilidade.
Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe
175
Figura 1- Áreas susceptíveis à desertificação no estado de Sergipe
Fonte: Atlas da SRH (2012)
Elaboração: OLIVEIRA, A. R.; MELO, F.F.
O risco não se trata de abordá-los de um ponto de vista apenas natural ou social, ainda que se possa fazê-lo, mas de buscar
evidenciar sua expressão geográfica tendo por base a imbricação
direta dos diferentes elementos componentes do espaço geográfico (MENDONÇA, 2010). Desse modo, é relevante compreender a dinâmica da natureza-sociedade, pois ambos refletem no ambiente e
interfere na qualidade de vida, seja de forma positiva e/ou negativa.
Por sua vez, a vulnerabilidade surge em diferentes escalas nos
territórios e podem ser afetados de modos distintos, com capacida-
176 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
des e respostas desiguais perante problemas semelhantes. Gallopin
et al (2007) afirma que a vulnerabilidade é um atributo de um sistema (e portanto, podem-se distinguir áreas que são vulneráveis de
áreas que não são), que se mantém exposto a uma perturbação e
ainda assinalam que um sistema pode ser vulnerável a uma determinada perturbação, e não sendo vulneráveis a outros.
Neste contexto, o Alto Sertão de Sergipe apresenta cenários de
riscos ambientais e vulnerabilidade social, resultado de uso inadequado do solo através das atividades agropecuárias e do avanço do
desmatamento da caatinga.
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O Alto Sertão de Sergipe (Figura 2) abrange uma área de
4.908,20 km², composto por sete municípios, Canindé de São Francisco, Monte Alegre de Sergipe, Poço Redondo, Porto da Folha, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora de Lourdes e Gararu.
Estes municípios estão inseridos nas áreas susceptíveis à Desertificação (ASD) do Semiárido Brasileiro. Essa delimitação foi publicada, em 2004, pelo Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de
Recursos Hídricos no Programa de Ação Nacional de Combate à
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil), e nele
consta-se a relação de municípios, por estados da Federação participantes das ASD (BRASIL, 2004).
A elaboração do trabalho foi estabelecida a partir de levantamento bibliográfico e realização de trabalho de campo nos municípios do Alto Sertão de Sergipe, nos dias sete a onze de dezembro de
2015, onde foram observadas sistematicamente as prováveis degradações ambientais relacionadas ao uso e ocupação do solo. A partir
das observações foi criado o quadro síntese para avaliação. Como
apoio ao trabalho de campo foi utilizado câmara digital para realizar
os registros fotográficos.
Fonte: Atlas da SRH (2012)
Elaboração: OLIVEIRA, A. R.; MELO, F.F.
Figura 2- Localização do Alto Sertão de Sergipe
Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe
177
178 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
Também foram confeccionados mapas de localização da área
de estudo e das áreas susceptíveis à desertificação no estado de
Sergipe. Para tanto, foi utilizada a base cartográfica do Atlas Digital sobre Recursos Hídricos do Estado de Sergipe/SEPLAN/SRH-2012,
assim como o Sistema de Processamento de Informações Georreferenciadas na versão do ArcGis 10.2.1 e suas extensões para geração
do banco de dados digitais georreferenciados.
Ademais, foi elaborado o climograma. Para construí-lo foi utilizada série histórica de precipitação do período de 1976 a 2008 disponibilizada pelo Centro de Meteorologia da SEMARH/SRH em Aracaju/SE (2015). Os dados foram armazenados no software Excel 2010
e a média mensal foi tabulada para posterior construção de gráficos
e análise da área em estudo.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O Alto Sertão de Sergipe apresenta áreas com riscos de degradação ambiental (Figura 3), com presença de formação de sulcos,
ravinas e voçorocas, provocados pela dinâmica natural dos sistemas
e pelas derivações antropogênicas1.
1 Termo usado por Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (1978), em palestra intitulada:
Derivações Antropogênicas dos Geossistemas Terrestres no Brasil e Alterações Climáticas:
perspectivas urbanas e agrárias ao problema de elaboração de modelos de avaliação, apresentado no Simpósio sobre comunidade vegetal como comunidade biológica, faunística e
econômica. Para MONTEIRO, as derivações e/ou alterações antropogênicas nos sistemas ambientais podem ocorrer tanto positivamente, quanto negativamente.
Fonte: Atlas da SRH (2012) e Trabalho de campo, 2015.
Elaboração: OLIVEIRA, A. R.; MELO, F.F.
Figura 3- Alto Sertão de Sergipe: Municípios e indicadores de degradação do solo
Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe
179
180 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
As atividades como a agricultura, a pecuária e a mineração estão presentes no Alto Sertão de Sergipe. Estas, quando realizadas
de forma inadequada, poderão suscitar processos de desertificação.
A expansão do desmatamento do bioma caatinga é um dos fatores
complexos que modifica o sistema ambiental e provoca a supressão
da microfauna no solo, redução de matéria orgânica, perda de solo,
áreas improdutivas e o processo de migração. Essas transformações
proporcionam conflitos socioambientais e criam novas dinâmicas na
paisagem e nas apropriações da natureza e da sociedade.
A caatinga é o terceiro bioma mais degradado do Brasil, perdendo apenas para a Floresta Atlântica e o Cerrado (MYERS et al,
2000). Estima-se que 80% da vegetação encontra-se completamente
modificada, devido ao extrativismo e à agropecuária, que apresenta na maioria dessas áreas em estádios iniciais ou intermediários de
sucessão ecológica (ARAÚJO FILHO, 1996). Segundo Silva (2012), a
área natural de Sergipe encontra-se praticamente devastada, sendo
que 87% da vegetação deram lugar a novas paisagens, e o que restou está representado por remanescentes florestais desconectados
do ponto de vista da ecologia da paisagem.
A expansão do desmatamento é visível em áreas de dissecação
homogênea e de superfície de dissecação diferencial nos municípios
do Alto Sertão Sergipano (Figura 4), são consequências principalmente de fatores externos, sobretudo daqueles relacionados às atividades agropecuárias.
Com os desmatamentos, há intensificação da evaporação, diminui a infiltração e disponibilidade de água na superfície, desencadeia
irregularidade nas chuvas, provoca lixiviação dos solos e assoreamento dos rios, modificações no ciclo do carbono na atmosfera e
diminuição da produção agrícola com a perda de nutrientes ao longo do tempo. Significa consequentemente destruição da flora e da
fauna, repercutindo em alterações socioambientais como um todo,
em escalas diversas.
Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe
181
Figura 4 – Desmatamento em áreas de dissecação homogênea e diferencial nos municípios
de Monte Alegre de Sergipe (à esquerda) e Nossa Senhora de Lourdes (à direita)
Fonte dos dados: Trabalho de campo, 2015.
Organização: OLIVEIRA, A.R.
Nesse sentido, o solo desprotegido ou desnudo promove a formação de uma crosta superficial decorrente do impacto direto das
gotas de chuva (efeito splash), o que reduz a infiltração da água e
aumenta o escoamento superficial (runoff), diminuindo as possibilidades de estabelecimento da cobertura vegetal. Os solos descobertos são susceptíveis à erosão hídrica e eólica, causando uma remoção líquida de nutrientes das áreas degradadas levando ao seu
empobrecimento (GUTIÉRREZ & SQUEO, 2004).
Os processos naturais (relevo, solo, vegetação, clima e recursos
hídricos) estão inter-relacionados formando um ciclo contínuo no
sistema, pois quando há alteração entre os elementos compromete a funcionalidade e quebra o seu estado de equilíbrio dinâmico
(SPORL & ROSS, 2004).
Pinto & Netto (2008, p. 136) corroboram com estudiosos e pesquisadores ao definir que a derrubada da mata faz diminuir também o volume
de pólens em suspensão na baixa troposfera, elementos que desempenhariam o papel de núcleos higroscópicos e estimulariam o processo de
formação de nuvens, com reflexo para a atmosfera e para a superfície.
O clima é uma das variáveis relevantes na discussão dos problemas
que suscitam a degradação ambiental e a possível desertificação no es-
182 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
paço semiárido do Alto Sertão Sergipano. Outros elementos naturais
como o solo e a vegetação, bem como a influência da ação humana, a
partir das atividades desenvolvidas no solo de forma inadequada também contribuem para que ocorram desequilíbrios nos sistemas.
As chuvas no semiárido sergipano ocorrem de forma irregular
em seus totais e em sua distribuição ao longo do ano, tendo um período seco de primavera-verão e um período chuvoso de outono-inverno, entre abril e agosto. A estação seca é de sete a oito meses e a
chuvosa de cerca de quatro meses, o que contribui com a fragilidade
dos sistemas naturais e socioeconômico. As precipitações pluviométricas médias anuais variam entre 368 mm e 630 mm. A irregularidade de pluviosidade de um ano para o outro, o baixo índice de precipitação e a má distribuição durante o ano são características comuns
da região. A figura 5 representa um climograma dos totais de chuvas
do período de 1970 a 2008 dos municípios do Alto Sertão de Sergipe.
Figura 5- Climograma dos municípios do Alto Sertão de Sergipe.
Fonte: Centro de Meteorologia da SEMARH, 1976-2008
Elaboração: OLIVEIRA, A. R.
Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe
183
Ao analisar a figura 5, pode-se destacar que nesta série histórica
de 1976 a 2008 os totais de chuvas dos municípios do Alto Sertão de
Sergipe apresentam máximos pluviais nos meses de abril, maio, junho e julho, pois nestes períodos acontece a realização dos cultivos
agrícolas. Em Canindé de São Francisco e Poço Redondo existem o
perímetro irrigado Jacaré-Curituba e Nova Califórnia e que não são
dependentes dos elementos climáticos para a realização da lavoura,
no entanto, não beneficia a todos igualmente. Os meses mais secos
ocorrem entre agosto e março. É conveniente lembrar que tal comportamento é médio, devendo haver irregularidades na sua distribuição cronológica em períodos não muito bem definidos.
O quadro síntese abaixo foi elaborado a partir das observações
em campo na área de estudo e revela os entrelaçamentos entre os
fatores naturais (solo, chuva e vegetação) e antrópicos (cultivos, pecuária e estradas) e as respostas do sistema ambiente.
Tensores
NATURAIS
ANTRÓPICOS
Impacto Ambiental / Respostas do Sistema Ambiental
Erosão do solo
Ganho e perda do solo;
Chuva
Assoreamento de rios e reservatórios;
Formação de sulcos, ravinas e voçorocas.
Vegetação
Desmatamentos;
Aumento da erosão edáfica;
Desequilíbrio da fauna.
Cultivos
Uso de agrotóxico, poluição do solo, da água e do ar.
Pecuária
Compactação do solo
Mineração
Aceleração dos processos erosivos.
Fonte: Trabalho de campo, 2014.
Elaboração: OLIVEIRA, A. R.
O desmatamento é um dos indicadores para a aceleração dos
processos erosivos, pois com a retirada da vegetação para a realização das atividades agropecuárias e mineração, o solo começa a
erodir e pode provocar impactos ambientais, como formação de
sulcos, ravinas e voçorocas; carreamento de sedimentos para cursos d’água; assoreamento de rios e reservatórios; desequilíbrio da
184 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto
fauna. Além disso, a utilização de agrotóxicos nos cultivos agrícolas
agride não somente o solo, mas também a água e o ar, pois é um
sistema de imputs e outputs que influencia em todos os processos,
seja natural, social e econômico.
Outro exemplo são as gotículas de chuvas em solos desnudos
durante um evento chuvoso, quando parte da água cai diretamente no solo, o processo de drenagem ocorre de forma mais rápida e
apresenta uma perda considerável da superfície do solo, justificando assim, a formação de ravinas e voçorocas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desmatamento acelerado do bioma caatinga no Alto Sertão
Sergipano vem modificando as paisagens, as relações de produção,
por vezes, irreversíveis, evidenciada nos eco-geossistemas da área
de estudos, em conexão entre sociedade-natureza, visto que o processo de uso da terra tornou-se mais intenso e degradante que evidenciou área de risco ambiental e vulnerabilidade social.
Deste modo, a degradação da natureza, é fruto do capitalismo,
modernidade, urbanização e industrialização. À medida que o sistema econômico capitalista avança na conquista e na ocupação do território, este se constitui no principal agente produtor do ambiente.
Estudos individualizados e soluções diferenciadas são necessários devido à diversidade dos ambientes naturais e dos fatores socioeconômicos de cada território para assim evitar ou minimizar os
riscos e vulnerabilidades associados a esta problemática no Alto Sertão de Sergipe. O reflorestamento e diminuição de pressão sobre a
vegetação e o solo são intervenções relevantes para impedir que
prejudiquem mais ainda o sistema socioambiental. Além disso, práticas sustentáveis devem ser incentivadas nos ambientes de clima
seco para que possa ser evitada a criação e a expansão dos processos de desertificação.
Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe
185
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SOBRE AS ORGANIZADORAS
ROSEMERI MELO E SOUZA
Geógrafa, Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela UNB, com
Pós-Doutorado em Biogeografia (GPEM, Austrália). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e Líder do GEOPLAN, nas áreas de
Geografia Física e Ordenamento/Planejamento Territorial, Legislação,
Gestão e Monitoramento Ambiental. Professora Associada do Departamento de Engenharia Ambiental da UFS. E-mail: [email protected]
SINDIANY SUELEN CADUDA DOS SANTOS
Bióloga, Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFS.
Pesquisadora do GEOPLAN, atuando em Fitogeografia de Mangue,
com ênfase em Morfometria Geométrica, Comunidades Tradicionais
e Educação Ambiental. Professora Assistente Substituta do DBI/
UFS. E-mail: [email protected]
ELINE ALMEIDA SANTOS
Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela UFS. Bolsista
FAPITEC/SE e Membro do GEOPLAN, desenvolvendo pesquisas na
linha de Dinâmica e Avaliação Ambiental, atuando principalmente
nos seguintes temas: Pesca/ Dinâmica Ambiental, Gênero, Educação
Ambiental e Turismo. Professora da Educação Básica em Indiaroba.
E-mail: [email protected]
188 Cenários Urbanos
RAQUEL KOHLER
Arquiteta, Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional
pela UFRGS e Doutoranda em Geografia pela UFS. Membro do GEOPLAN e Laboratório da Cidade, desenvolvendo pesquisas na linha de
Dinâmica e Avaliação Ambiental. Professora Assistente do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFS. E-mail: kohler.raquel@
gmail.com
SOBRE OS AUTORES
ALBERLENE RIBEIRO DE OLIVEIRA
Pedagoga, Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela
UFS. Membro do GEOPLAN, atuando em Geografia Física, com ênfase em Climatologia, Biogeografia e Educação Ambiental. Professora da Educação Básica em Poço Verde. E-mail: alberlenegeo@
hotmail.com
CLÁUDIO JORGE MOURA DE CASTILHO
Geógrafo, Doutor em Geografia, Ordenamento Territorial, Urbanismo pela Université de Paris III (Sorbonne-Nouvelle), com Pós-doutorado na Università Ca Foscari di Venezia. Coordena o MSEU e atua
em Geografia Urbana com ênfase em Serviços Sociais, Políticas Públicas, Trabalho e Desenvolvimento Territorial.
Professor Associado da UFPE. E-mail: [email protected]
FELIPPE PESSOA DE MELO
Geógrafo, Mestre em Geociências e Análise de Bacias Sedimentares,
e Doutorando em Geografia pela UFS. Membro do GEOPLAN, desenvolvendo pesquisas na linha de Dinâmica e Avaliação Ambiental.
Professor da Educação Básica de Alagoas e Pernambuco. E-mail: [email protected]
190 Cenários Urbanos
GEISEDRIELLY CASTRO DOS SANTOS
Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela UFS. Bolsista CAPES e Membro do GEOPLAN, desenvolvendo pesquisas na linha de
Dinâmica e Avaliação Ambiental, atuando em Geografia Física com
ênfase em Geomorfologia Costeira. Professora Assistente Substituta do DGEI/UFS. E-mail: [email protected]
JAILTON DE JESUS COSTA
Geógrafo, Doutor em Geografia pela UFS. Pesquisador do GEOPLAN
e do GPEA, atuando nas áreas de Biogeografia/Fitogeografia, Climatologia Geográfica, Geografia Física, Geologia e Geomorfologia. Professor Adjunto 4 da UFS, lotado no CODAP. E-mail: [email protected]
JOSEFA ELIANE SANTANA DE SIQUEIRA PINTO
Geógrafa e Doutora em Geografia pela UNESP. Vice-coordenadora
do PPGEO/UFS e pesquisadora do GEOPLAN, atuando em Climatologia Geográfica com ênfase em clima, semiárido, recursos hídricos,
dinâmica ambiental, bacia hidrográfica, análise socioambiental, clima socioambiental urbano e agricultura. Professora Associada do
Departamento de Geografia da UFS. E-mail: [email protected]
LUANA SANTOS OLIVEIRA MOTA
Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela UFS. Membro
do GEOPLAN, desenvolvendo pesquisas na linha de Dinâmica e Avaliação Ambiental, atuando em Geografia Física com ênfase em Geomorfologia Costeira e Planejamento Ambiental. Professora da Educação Básica de Sergipe. E-mail: [email protected]
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193