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FRATERNIDADE E CONFLITO NA ANTROPOLOGIA
FILOSÓFICA DE ENRIQUE DEL PERCIO
Jairo Rivaldo da Silva1
RESUMO: O objetivo desse artigo é apresentar o entendimento do filósofo e jurista
argentino Enrique Del Percio sobre a fraternidade. Diferentemente dos estudiosos do
tema, tais como: Chiara Lubich e Antonio Maria Baggio, Del Percio sustenta que existe
um conflito inerente nas relações humanas, e que a fraternidade não seria
responsável por dirimir esse conflito; antes, ela seria responsável por desvelá-lo.
Assim, apresentaremos a teoria de Enrique no modo como ele a expõe no seu livro
Ineludible Fraternidad. Na última parte do artigo, faremos uma análise comparativa
entre o pensamento de Del Percio com o pensamento do filósofo inglês Thomas
Hobbes e do antropólogo francês René Girard.
Palavras-Chave: Fraternidade, Conflito, Realismo Político, Violência, Teoria
Mimética.
ABSTRACT: This paper aims to present the understanding of the philosopher and
Argentine lawyer Enrique Del Percio on fraternity. Unlike of scholars the theme, such
as Chiara Lubich and Antonio Maria Baggio, Del Percio maintains that there is an
inherent conflict in human relationships, and that fraternity would not be responsible
for resolving this conflict; rather, it would be responsible to unveil it. Thus, we present
the Enrique theory in the way he exposes in his book Ineludible Fraternidad. In the last
part of the article, we will make a comparative analysis of the thought of Del Percio
with the thought of the English philosopher Thomas Hobbes and the French
anthropologist René Girard.
Keywords: Fraternity, Conflict, Political Realism, Violence, Mimetic Theory.
1
Graduando em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru. Aluno bolsista
do núcleo de pesquisas da mesma instituição (Nupesq). E-mail: [email protected]
Contemporânea – Revista de Ética e Filosofia Política, Caruaru, v. 2, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2016. ISSN 2447-0961
INTRODUÇÃO
No âmago da compreensão do que seja a fraternidade estão às ideias de
irmandade, cumplicidade e cooperação mútua proposta por Chiara Lubich. A teoria de
Chiara talvez seja a primeira que, tendo a fraternidade como princípio norteador,
busca explicar as relações humanas através desse princípio. Após Chiara, os
seguidores do seu pensamento desenvolveram pesquisas e promoveram a sua
compreensão de fraternidade cristã.
O filósofo e jurista argentino Enrique Del Percio talvez seja o responsável pela
primeira abordagem antropológica e filosófica da ideia de fraternidade. No seu livro
Ineludible Fraternidad 2, publicado em agosto de 2014, Del Percio confronta o ideal
preestabelecido de fraternidade como unidade harmônica, com capacidade heurística
de sanar de forma sobrenatural todos os conflitos políticos, com o que ele chama de
“realismo político”.
O objetivo desse artigo será demonstrar qual é a compreensão de fraternidade
proposta por Enrique Del Percio, e o que essa compreensão pode realizar na política
e na sociedade. Num primeiro momento apresentaremos a teoria de Enrique no modo
como ele a expõe no seu livro Ineludible Fraternidad. Num segundo momento,
faremos uma analogia, devido às semelhanças de abordagens, do pensamento de
Del Percio com o pensamento do filósofo inglês Thomas Hobbes e do antropólogo
francês René Girard.
FRATERNIDADE COMO DESOCULTADORA DO CONFLITO
Ao contrário da função comumente dada à fraternidade que é a de irmandade
como sinônimo de unidade, Enrique afirma que “la fraternidad nos habla de la
radicalidad del conflicto como constitutivo de la vida social” (2014: 02). A visão
antagônica de Enrique no que diz respeito ao seu conceito de fraternidade como raiz
dos conflitos interpessoais e sociais, está embasada numa espécie de análise
empírica das relações familiares. De acordo com essa perspectiva, nas relações entre
2
Ainda sem tradução para o português, mas cuja tradução aproximada seria algo como: fraternidade
inescapável.
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pais e filhos existe um paradigma hierárquico representado na figura do pai, cuja
função principal é dirimir os conflitos entre os irmãos.
No entanto, no que diz respeito à relação direta entre os fratres (sejam eles
irmãos de sangue, membros do mesmo clã ou cidadãos do mundo) pontua Del Percio,
“esa jerarquía no existe y por eso el conflicto está siempre ahí, manifiesto o latente,
pero ahí” (Ibid: 03). Para fundamentar a ideia de realismo político que advém da
fraternidade, Del Percio busca nas mitologias, principalmente nos mitos fundadores
das cidades primitivas, a luta e o conflito entre irmãos.Segundo ele,
los hermanos más famosos de las mitologías, como Caín y Abel,
Rómulo y Remo, Jacob y Esaú, Atenea y Poseidón, o -en nuestra
América- los hermanos Ayar, cuesta entender que la fraternidad sirva
para fundamentar un tipo de discurso bien intencionado pero carente
de todo nexo con la realidad política y, por ende, de toda operatividad,
conforme al cual "para resolver nuestros problemas tenemos que
querernos todos y buscar siempre el bien común". Discurso que
generalmente continúa afirmando que necesitamos políticos que
privilegien la ética y la búsqueda del bien de la sociedad por sobre sus
apetencias personales, olvidando que todo político siempre tiende a
preferir un accionar éticamente responsable... en la medida en que ello
le depare algún beneficio. Beneficio que consiste primordialmente en
adquirir, conservar o extender su poder. Creo que esto bien podría
constituir el primer axioma del realismo político. (2014: 01).
Ao definir a fraternidade como desveladora do conflito, Enrique se opõe à ideia
de fraternidade como unidade. Podemos afirmar, que diferentemente da posição
chiariana, Del Percio entende que a fraternidade não é um dom divino que deve ser
exercido pelos homens; antes, trata-se de um fenômeno humano, para lembrar
Nietzsche, “demasiado humano”. Isso significa que num passado remoto o sentimento
fraterno surgiu com fins de preservação da espécie humana, contudo, apesar de uma
espécie de acordo tácito, o conflito permanece latente. E, isso não exclui, segundo
Del Percio, a presença da fraternidade, pois “entre los hermanos, puede haber
conflictos e incluso pueden llegar a ser gravísimos, pero no deja de haber fraternidad:
para no salirnos del mundo bíblico, más o menos conocido por todos, pensemos en
Caín y Abel, Jacob y Esaú o en José y sus hermanos (Ibid : 09).
A problematização do conceito hegemônico de fraternidade feita por Enrique é
resultado da sua recusa em aceitar ideias essencialistas. Antes dele a maioria dos
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pensadores via a fraternidade como um ideal a alcançar, caracterizado pela abertura
ao outro, à reciprocidade, à unidade, à generosidade e à comunhão. Ou seja, a
fraternidade já possuía um significado preestabelecido. Para ele, essa ideia de
fraternidade não passa de ficção, pois nega a realidade do conflito.
"en realidad" no somos hermanos. No somos hijos de la misma madre
como predicaba Aspasia. Yo soy hijo de mis padres, usted de los
suyos y Aspasia de los de ella. La fraternidad es, en rigor, una ficción:
igual que es una ficción el topos uranos de Platón, las dos ciudades
de San Agustín, la "persona pública" del Príncipe como lex animata en
Juan de Salisbury, la mano invisible de Adam Smith su argumentación,
la astucia de la razón de Hegel o el velo de la ignorancia de Rawls. O
como es una ficción el pacto o contrato social de Hobbes, Locke,
Rousseau, Puffendorf y otros. (2014 : 11).
A fraternidade no sentido realista atribuído por Enrique sempre nos revela o
conflito. Isso aponta para a dimensão política da fraternidade. A política é uma
característica puramente humana, e no dizer de Aristóteles o homem é um ζῶον
πολιτικόν “animal político”. Isso significa que a política está profundamente arraigada
em nossa condição humana, em nossa origem social, assim como a dimensão
fraterna. Segundo Del Percio, a própria origem da cidadania surge da dimensão
conflituosa e até mesmo violenta da fraternidade. Foi assim no mitológico assassinato
de Remo pelo seu irmão Rômulo que deu origem a cidade de Roma. Segundo
Enrique:
Este no es por cierto el único mito en el que el fratricidio está en el
origen de la ciudad. Entre otros, recordemos el de Caín, tras asesinar
a su hermano Abel, llegó hasta la tierra de Nod donde edificó Enoc, la
primera ciudad según el Génesis. Esto no significa que según la
mitología los fratricidas tengan una manía compulsiva por salir a
fundar ciudades, sino que nos habla de la presencia del conflicto en el
inicio mismo de la ciudad. (Ibid : 34).
É evidente que a política, desde o seu surgimento, é um campo de batalha. As
relações na polis são conflituosas e mesmo violentas, mas segundo Del Percio, ainda
que a fraternidade nos diga que sempre haverá um conflito, ao mesmo tempo ela pode
regular a lógica social e “puede canalizar esa energía en pos de un objetivo futuro
compartido, se trata de superar la violencia mimética que nos pone a jugar un juego
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de suma cero en el que por lo general no sólo nadie gana sino que todos pierden, para
pasar a un juego en el que todos ganan. El desafío es que dejemos de pelear por un
objeto y pasemos a luchar juntos por un objetivo”. (DEL PERCIO, 2010: 03). A esse
respeito, Baggio, pontua:
La vida en la ciudad, es decir la vida política, se presenta aquí como
una segunda posibilidad de vivir la fraternidad, ofrecida a quien ha
matado a su hermano: la política es la recuperación y el desarrollo del
lazo de fraternidad, vivido no ya a través de una relación directa e
inmediata (como hermanos de sangre), sino a través de la mediación
de la ley, es decir, como ciudadanos. (2009: 211).
Ainda de acordo com Baggio, cuja ideia de fraternidade leva em conta tanto
aspectos da teoria chiariana quanto pontos da teoria de Enrique, a fraternidade é
melhor compreendida como uma relação de responsabilidade. Isso pode ser
percebido no mito fundante de Caim e Abel.
El diálogo entre Caín y el Señor muestra el significado de lo que ha
sucedido. El Señor le pregunta: “¿Dónde está tu hermano?”. Con esta
pregunta el Señor muestra que presupone que, desde la óptica de
Creador y, por lo tanto, conocedor profundo de la naturaleza humana,
es específico de la condición de fraternidad ocuparse del otro; la
respuesta de Caín es dramática precisamente porque con ella rechaza
hacerse responsable de otro hombre. […] La relación de fraternidad
es una relación en la cual se asume una responsabilidad que se basa
en el reconocimiento de que el otro existe y en la aceptación de su
existencia en su diversidad. (2009: 209).
FRATERNIDADE COMO CATACRESE
Como já vimos, para Enrique Del Percio a fraternidade não possui um sentido
convencional. Isso não significa que ele negue as origens etimológicas do termo. No
entanto, sua percepção da fraternidade vai muito além das definições dos
dicionaristas. Segundo ele,
si vamos al diccionario de la Academia en busca de la definición de
fraternidad nos encontramos con esta: amistad o afecto entre
hermanos o entre quienes se tratan como tales. Por cierto no nos dice
mucho. Ocurre que, si bien en el derecho o en las ciencias físico
naturales podemos y debemos trabajar con definiciones precisas,
cuando hablamos de las personas y de las sociedades debemos
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abandonar ésta pretensión. Más todavía: definir implica poner fin,
poner límite, y en ese sentido la definición en filosofía y en ciencias
sociales siempre acarrea un peligro, pues el que define, el que pone
los límites, es el que tiene el poder de hacerlo. Por eso, en estos
campos, más importante que definir es indagar acerca de las
motivaciones políticas, los juegos de poder, que se dan por debajo de
cada definición. No hay definiciones ingenuas y cabe encender luces
de alerta cuando se nos quiere imponer una definición -siempre
funcional a algún interés- como la definición universal y necesaria.
(2014 : 06).
Del Percio se utiliza de uma figura de linguagem para tentar expressar o
significado da fraternidade. Trata-se da catacrese, cuja ocorrência se dá quando, por
falta de um termo específico para designar um conceito, toma-se outro emprestado.
Assim, passamos a empregar alguns termos fora de seu sentido original. Por exemplo,
falamos do “braço” da cadeira, da “maçã” do rosto ou da “asa” da xícara.
Al referirnos a la fraternidad como catacresis, se evidencia que ésta
no tiene por qué tener exactamente las características de la fraternidad
en sentido propio. Si bien no puede haber hermanos sin un padre o
una madre, sí puede haber fraternidad universal sin progenitores. (…)
No hay otro término que designe el hecho de que todos los seres
humanos estamos en condición de horizontalidad (…). (Ibid : 48).
De acordo com Ferraz, “entender a fraternidade desse modo permite defini-la
sem recorrer a um detalhamento mais extensivo, já que não há como fundamentar
uma antropologia do humano sem emaranhar-se na metafísica, ao mesmo tempo em
que a catacrese é utilizada como chave para entender o fenômeno político”. (FERRAZ,
2015: 10).
FRATERNIDADE E POLÍTICA
Para Enrique a fraternidade – devido ao seu caráter conflituoso – deve ser
encarada como categoria política. Isso significa que para ele a fraternidade “es un
instrumento útil para entender mejor procesos y situaciones y, a partir de allí, pensar
propuestas plausibles” (2014: 4). Segundo Del Percio, uma das propostas plausíveis
que a fraternidade pode fazer quando aplicada à esfera política, diz respeito à
superação das ideologias, principalmente das duas correntes principais do
pensamento político econômico, a saber: o liberalismo e o socialismo.
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Enrique descreve o liberalismo como a preeminência do indivíduo sobre a
sociedade, e o socialismo como a preeminência da sociedade sobre o indivíduo.
Diante dessa querela hegeliana, cuja solução está longe de ser encontrada, a
fraternidade é erigida como uma espécie de síntese relacional.
[como] un modo de superación de la antinomia sociedad / individuo,
sino como una explicitación de esa tensión permanente. Las dos
posturas anteriores parten de una visión esencialista: o la esencia está
del lado del individuo y la sociedad es una mera agrupación de tales
esencias o la esencia está del lado de la sociedad y el individuo es tan
solo un componente de la misma. Pero si pensamos que la relación no
es una categoría de "segundo nivel" frente a la sustancia, sino que,
por el contrario, como bien entiende por ejemplo la filosofía andina (el
bosque no es un conjunto de árboles, sino que el árbol existe porque
es parte de un ecosistema) o la teología trinitaria tomista (la esencia
de Dios se deriva de la relación entre las tres personas divinas), la
relación es una categoría fundante de la realidad, entonces podemos
pensar que el individuo existe en tanto que es en relación con los
demás y con el cosmos, y que, por ende, también la sociedad existe
en tanto que es la articulación de esas relaciones.(2014: 21).
De acordo com Del Percio, somente a aplicação do princípio da fraternidade na
política é capaz de produzir justiça social, garantindo as liberdades individuais e ao
mesmo tempo não prescindindo das questões de interesse coletivo. Somente a
fraternidade, segundo ele, “puede devolver la posibilidad de pensar real y seriamente
la política, una política que no rehuye al conflicto pero que no se agota en él”. (2014:
23).
A defesa das vitimas e a política de reparação histórica também fazem parte
do entendimento que Enrique tem do que seja uma política fraterna. Segundo ele, “No
podemos hablar seriamente de fraternidad sin hacernos cargo de las injusticias
pasadas porque no entenderíamos la raíz de buena parte de los conflictos presentes,
como le acontece a las teorías de la justicia más difundidas desde los centros de
poder”. (2014: 15).
As vitimas fazem parte do que Del Percio denomina de relação antagônica que
está presente no campo político. Essa relação antagônica se dá quando determinado
grupo hegemônico procura derrotar e eliminar o outro. A solução proposta por Del
Percio é que as vítimas desse antagonismo se unam numa relação fraterna com o
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objetivo comum de lutar por seus direitos. Isso significa que “para poder enfrentar al
sector protagónico que sostiene la situación injusta es necesaria la articulación de
esos sectores a fin de generar una fuerza antagónica con el poder suficiente como
para instaurar un nuevo protagonismo”. (2014: 44).
De acordo com Enrique, essa defesa das vítimas se faz necessária para que
seja estabelecida uma verdadeira democracia.
Una concepción fraterna de la política exige que aquellos que pueden
ser escuchados oficien de traductores de los que tienen voz pero no
se los escucha. No es una exigencia ética (o no es sólo una exigencia
ética) sino que es una exigencia política (…), Mas para que haya
política democrática, hace falta algo más: una cierta relación de
igualdad entre las partes en conflicto. (2014: 45-46).
A partir dessa ótica, é possível, segundo Del Percio, pensar a fraternidade
desde um ponto de vista universal-situado. De acordo com Ferraz, “dessa forma, a
fraternidade permite pensar o universal a partir das particularidades de cada situação,
garantir a inclusão dos terceiros (que escapa a relação eu-tu), os outros, os excluídos”.
(FERRAZ, 2015: 11). Apesar de atingir as particularidades de cada situação, a
abordagem de Enrique não prescinde de aplicar universalmente a fraternidade. De
acordo com ele:
Sin universalidad se cae en las fraternidades excluyentes, ya sea en
las fraternidades de clase propias del siglo XIX, de las fraternidades
comunitaristas/particularistas notorias desde fines del siglo pasado o
de las fraternidades de sectas que son todos hermanos bajo la tutela
de algún líder carismático que funge de padre. Hablo de una
hermandad incluyente que -reitero- sin negar el conflicto, sino
asumiéndolo, tiene la pretensión de no dejar a nadie afuera, pues los
que quedan afuera son los que pueden hacer temblar los fundamentos
del sistema. (2014: 14).
Outro ponto importante na abordagem política da fraternidade proposta por Del
Percio diz respeito à resignificação da liberdade e da igualdade levada a cabo pela
fraternidade.Tomando como referencia a revolução francesa de 1789, Enrique afirma
que “al erigir a la fraternidad como principio revolucionario se buscaba igualar a todos
como hermanos, liberando del patriarcalismo a quienes estaban sometidos a
servidumbre política, económica o social incorporándolos a una sociedad de libres e
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iguales”. (DEL PERCIO, 2014: 65). Entretanto, ele aponta para o fato muitas vezes
escamoteado pelos historiadores do período, de que apesar do lema da revolução ter
sido mencionado por Robespierre no seu discurso na Assembleia Nacional em 05 de
Dezembro de 1790, “Vale aclarar que a pesar de todo esto habrá que esperar hasta
1848 para que retroactivamente se inscriba a la fraternidad en la bandera de la
Revolución Francesa”. (Ibid. 2014: 66). Isso significa que a fraternidade foi sempre
deixada em segundo plano.
Não obstante esse esquecimento, de acordo com Del Percio, é a fraternidade
[quem] assume a liberdade e a igualdade, mas as resignifica. Essa resignificação
potencializa os valores promovidos pela revolução francesa, de modo que a liberdade,
que sempre foi encarada como fim em si mesma, se transforme em libertação.
A história do pensamento ocidental mostra uma clara preocupação por
defender as liberdades individuais ante os poderes, em especial
religiosos e políticos (não tanto frente aos econômicos) chegando a
conceber implicitamente o poder como o oposto à liberdade.
Entretanto, desde a perspectiva que enunciamos aqui, o poder é o
contrário da impotência e a liberdade é fruto de um processo de
construção de poder (especialmente frente aos poderes econômicos)
e não um estado ou situação fixa: portanto, vista a partir do prisma da
fraternidade, a liberdade se torna liberação. (2015: 158).
Se na teoria de Del Percio, a liberdade é transfigurada em libertação, o mesmo
processo se dá com a igualdade, que a partir de agora deve se transformar numa
busca constante por justiça social. Nesse processo, Enrique enumera o que podemos
chamar de três dimensões de justiça social. Na primeira, que ele denomina de justiça
distributiva, são preparados os alicerces para que a justiça social seja efetivada. Del
percio acredita que a distribuição de renda igualitária, bem como a equidade dos
salários não é suficiente para que exista justiça social. De acordo com ele, precisamos
chegar à segunda dimensão que é a dimensão do reconhecimento. Aqui, as classes
reconhecidamente marginais, discriminadas, por exemplo: homossexuais, judeus,
negros, índios e lésbicas, mesmo que hipoteticamente tivessem a mesma condição
financeira que os demais grupos sociais, mas que fossem discriminados por sua
condição étnica, religiosa ou de preferência sexual, seriam vítimas de injustiça, e
somente com a garantia dos plenos direitos desses cidadãos estaríamos no caminho
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da justiça social. Por fim, a dimensão da justiça contributiva completaria o círculo.
Aqui, todos os profissionais e cidadãos em geral contribuiriam de forma positiva para
que houvesse uma espécie de justiça geral. Segundo Del Percio, existem cidadãos
que sabem da possibilidade deles contribuírem mais para a sociedade, no entanto,
esta não lhes dá oportunidade para fazê-lo.
FRATERNIDADE E VIOLÊNCIA ORIGINÁRIA: O QUE HÁ EM COMUM ENTRE DEL
PERCIO, HOBBES E GIRARD?
No cerne da teoria da fraternidade de Enrique Del Percio subjaz a ideia de um
conflito radical. Esse conflito se apresenta primordialmente nas relações fraternas que
envolvem consanguinidade e, posteriormente, estende-se a toda relação social,
estando presente especialmente no âmbito político. É especialmente o aspecto
conflituoso de sua teoria, cuja realidade é perfeitamente desnudada pelo filósofo
argentino, sem, contudo, aventurar-se numa tentativa de explicação da origem desse
conflito, que a nosso ver, tem uma relação de proximidade com o pensamento do
filósofo inglês Thomas Hobbes, bem como do antropólogo francês René Girard.
Se em Enrique podemos constatar a realidade do conflito nas relações
fraternas, em Hobbes temos, além da mesma constatação, uma tentativa de suprimir
ou até mesmo domesticar a violência e os conflitos através da criação do Estado. Já
em Girard, temos uma possível explicação das causas geradoras da violência e dos
conflitos. Entretanto, ao comparar esse aspecto do pensamento de Del Percio com as
ideias de Hobbes e Girard, não significa que ignoramos as diferenças existentes nas
teorias defendidas por esses pensadores. Nem tão pouco, que ao esboçarmos suas
ideias o faremos sempre de forma simétrica, ocultando as contradições e diferenças
entre eles.
Como vimos, na teoria de Enrique Del Percio, a ausência de hierarquia
personalizada na figura paterna, lança os fratres numa relação de igualdade de onde
nasce o conflito e a violência, pois “entre padres e hijos la diferencia es jerárquica y
mientras se mantiene así el conflicto es muy difícil (...). En cambio, entre hermanos
esa jerarquía no existe y por eso el conflicto está siempre ahí, manifiesto o latente,
pero ahí”. (DEL PERCIO, 2014: 03).
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Numa primeira analogia com o pensamento de Thomas Hobbes, podemos
afirmar que antes de Enrique, o filósofo britânico havia chegado à mesma
constatação. No capítulo XIII do Leviatã, Hobbes descreve a condição natural dos
homens antes do advento do Estado moderno de direito. Ele o classifica como estado
de guerra, devido, primordialmente, à condição de igualdade em que todos estão
lançados.
Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à
esperança de atingirmos os nossos fins. Portanto, se dois homens
desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser
gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para o seu
fim (que é principalmente a sua própria conservação, e às vezes
apenas o seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao
outro. E disto se segue que, quando um invasor nada mais tem a
recear do que o poder de um único outro homem, se alguém planta,
semeia, constrói ou possui um lugar cômodo, espera-se que
provavelmente outros venham preparados com forças conjugadas,
para o desapossar e privar, não apenas do fruto do seu trabalho, mas
também da sua vida ou da sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficará
no mesmo perigo em relação aos outros. (HOBBES, 2003: 107).
Na obra De Cive (Do Cidadão), onde toda filosofia política de Hobbes é
resumida, o filósofo inglês afirma que o desejo de ferir o outro advém justamente da
nossa condição natural de igualdade. Hobbes destaca ainda que “não há guerras que
sejam travadas com tanta ferocidade quanto as que opõem seitas da mesma religião,
e facções da mesma república” (HOBBES, 2002: 30). Perspectiva semelhante pode
ser encontrada na antropologia de René Girard. Segundo o antropólogo francês:
A guerra primitiva desenrola-se segundo toda a evidência entre grupos
bem vizinhos, ou seja, entre homens que não se distinguem por nada
de objetivo no plano da raça, da linguagem, dos hábitos culturais.
Entre o “fora” inimigo e o “dentro” amigo, não há diferença real, e é
difícil entender como montagens instintivas poderiam dar conta da
diferença de comportamento. (GIRARD, 2008: 110).
É importante notar, porém, que na antropologia de Girard o que desencadeia,
em última instancia a violência e o conflito, é o que ele denomina de “desejo mimético”.
Esse desejo é despertado nos indivíduos não como na teoria de Hobbes, onde os
sujeitos entram em luta por desejarem o mesmo objeto, mas de acordo com Girard,
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ele é despertado sempre pelo desejo do outro. De modo que a natureza imitativa do
desejo leva ao conflito. Como explica Vinolo (2012: 29), “tanto quanto os objetos é o
mimetismo dos desejos o que engendra a violência. Assim, o objeto não será a causa
de violência, porém sua consequência”. Isso significa que assim como na teoria de
Enrique, a fonte de todos os conflitos não está situada na alteridade, mas nas relações
de identidade, ou seja, no que estamos chamando de igualdade. E aqui, “o que Girard
permite pensar é que quanto mais estou próximo de alguém, mais a violência,
paradoxalmente, ameaça” (Ibid, 2012: 35). Como não enxergar aqui o que Enrique
nomeia como “fraternidade antagonista”? O mesmo pode ser dito sobre a proximidade
da teoria de Girard com o pensamento de Hobbes exposto no Leviatã. Como já havia
observado Stéphane Vinolo:
Com relação à condição do homem natural ou dos hominídeos, Girard
é aqui bastante próximo das concepções de Thomas Hobbes no
Leviatã. A especificidade humana vem do fato de que, ao contrário do
animal, cada homem é bastante potente, pelo desenvolvimento da
técnica e da estratégia, para matar qualquer outro homem, e isso
funda uma igualdade natural essencial entre os homens (...). (Ibid.
2012: 80).
Mais importante do que constatar a realidade da violência e do conflito é, antes
de tudo, entender como cada um desses pensadores propõe uma solução para que
os conflitos sejam pelo menos “domesticados”, tendo em vista que falar em extinção
da violência e dos conflitos seja, talvez, falar contra a própria constituição do humano.
Na teoria de Del Percio a fraternidade embora desoculte o conflito,
paradoxalmente ela carrega consigo uma capacidade heurística, de maneira que para
Enrique (2014: 23) “la fraternidad es lo que nos puede devolver la posibilidad de
pensar real y seriamente la política, una política que no rehuye al conflicto pero que
no se agota en él”. A fraternidade possui assim um papel de mediadora no que diz
respeito aos conflitos ideológicos que permeiam a esfera política. É a fraternidade,
que segundo Del Percio, supera a oposição histórica entre socialismo e
neoliberalismo. É a fraternidade que domestica os impulsos descontrolados de uma
liberdade inconsequente e de uma igualdade totalizante.
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Para Hobbes, apenas a criação do Estado é capaz de controlar a potência
violenta dos homens. Para isso, é necessário, como ele expõe no Leviatã, que os
homens transfiram os direitos naturais que possuem – com exceção do direito de
autodefesa – para uma instituição que os represente. De acordo com ele, essa
instituição é
A causa final, finalidade e desígnio dos homens (que amam
naturalmente a liberdade e o domínio sobre outros), ao introduzir
aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver em
repúblicas, é a precaução com a sua própria conservação e com uma
vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera
condição de guerra, que é a consequência necessária (conforme se
mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder
visível capaz de os manter em respeito e os forçar, por medo do
castigo, ao cumprimento dos seus pactos e à observância das leis de
natureza (...). (HOBBES, 2003: 143).
Assim, para Hobbes, apenas a criação do Estado seria capaz de manter a paz
entre os homens. De outra sorte se destruiriam no estado de guerra. Nessa criação,
é necessário que todos os homens se unam no propósito de transferir o seu direito a
um monarca ou a um conselho que os represente. De acordo com Hobbes,
isso não se pode fazer, a menos que cada um de tal modo submeta
sua vontade a algum outro (seja este um só ou um conselho) que tudo
o que for vontade deste, naquelas coisas que são necessárias para a
paz comum, seja havido como sendo vontade de todos em geral, e de
cada um em particular.(HOBBES, 2002: 96).
No pensamento do antropólogo René Girard, o controle da violência e dos
conflitos também depende de uma espécie de decisão coletiva. No entanto, Girard
rejeita a pedra de toque do contratualismo, de “que a passagem de um estado présocial [violento] a um estado social, repousa sobre uma decisão, sobre um acordo
racional estabelecido entre indivíduos que compreenderam que o seu interesse
egoísta está na cooperação e não na violência”. (VINOLO, 2012: 77). Como bem
observa Oswaldo Giacoia,
René Girard ressalta o papel seminal da violência ritualizada no
sacrifício propiciatório como o assassinato fundador da sociedade e
elemento fundamental de conservação e fortalecimento de vínculos
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comunitários. A vítima emissária, o sacrifício sangrento do bode
expiatório, sustenta Girard, é o rito (ato) sagrado de que a sociedade
carece para desviar para controlar e neutralizar a sempre presente
(mesmo que em estado de latência) agressão intragrupal; uma
violência intestina sempre à espreita, que, em razão de seu explosivo
potencial de reprodução mimética, pode irromper e multiplicar
tendências hostis, gerando as crises que ameaçam dissolver uma
comunidade na guerra de todos contra todos. (GIACOIA JR, 2013:39).
Para Girard, sem uma vítima propiciatória sacrificada nos rituais de grande
parte das religiões primitivas, a autodestruição das sociedades seria inevitável, se os
homens não se reconciliassem para linchar um bode expiatório. Nessa sublimação da
violência mimética, “o sacrifício oferece ao apetite da violência, o que a vontade
ascética não consegue saciar, um alívio sem dúvida momentâneo, mas
indefinidamente renovável, cuja eficácia é tão sobejamente reconhecida que não
podemos deixar de levá-la em conta” (GIRARD, 1990, p. 32).
Em conclusão, uma última analogia que poderia ser esboçada tendo como
horizonte o pensamento desses três pensadores, diz respeito à presença da
coletividade como fator decisivo no processo de arrefecimento dos conflitos e da
violência intestina presente no homem desde os primórdios. Em Del percio (2014: 45)
temos a união das vítimas que se unem numa relação fraterna com o objetivo comum
de lutar por seus direitos.
los
subalternizados
(negros,
indígenas,
discapacitados,
desempleados y otras víctimas) directamente no son escuchados; no
es que no tengan voz, sino que además de invisibilizados son
"inaudibilizados". Los negros esclavos lucharon desde el inicio mismo
de la esclavitud para liberarse, sin embargo ni siquiera conocemos esa
parte de la historia.
Isso significa que existe uma cooperação de um determinado grupo, vitimado
pela violência ideológica de um grupo majoritário, que reúne esforços para tentar
equilibrar as desigualdades e promover a justiça social. Na união desse grupo, bem
como no centro do conflito entre as classes dominantes e os que estão numa condição
de subalternos, está pressuposta, segundo Enrique, a ideia de fraternidade.
Em Hobbes temos a união das vontades inicialmente contrárias e autônomas,
que renunciam seus direitos naturais em nome da preservação e da paz social quando
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transferem seus direitos naturais a um soberano ou a um conselho. Para que isso
aconteça, explica Hobbes, é necessária a submissão de todos.
Essa submissão das vontades de todos à de um homem ou conselho
se produz quando cada um deles se obriga, por contrato, ante cada
um dos demais, a não resistir à vontade do indivíduo (ou conselho) a
quem se submeteu; isto é, a não lhe recusar o uso de sua riqueza e
força contra quaisquer outros (pois supõe-se que ainda conserve um
direito a defender-se contra a violência); e isso se chama união. (2002:
96).
A união das vontades produziu, de acordo com Hobbes, o ato político originário,
tendo em vista que na transferência dos direitos naturais o grupo passa a depender –
no que diz respeito à sua preservação – quase totalmente do Estado. Como bem
observa Giorgio Agamben (2002: 113), “em Hobbes, o fundamento do poder soberano
não deve ser buscado na cessão livre, da parte dos súditos, do seu direito natural,
mas, sobretudo, na conservação, da parte do soberano, de seu direito natural de fazer
qualquer coisa em relação a qualquer um, que se apresenta então como direito de
punir”.
Em Girard temos a união de um grupo em torno de uma vítima, cuja morte ou
expulsão da comunidade resultará na preservação do grupo. A essa união Girard
denominou de mecanismo do bode expiatório. De acordo a teoria do antropólogo
francês, esse mecanismo é usado sempre quando o processo de violência mimética
chega ao seu clímax. No mimetismo girardiano, o conflito se inicia não porque dois
antagonistas desejam o mesmo objeto, mas porque ao ver o outro desejando
determinado objeto, mimeticamente o imito. Nesse processo, há, em primeiro lugar,
uma relação de proximidade entre os antagonistas, de maneira que um dos
antagonistas deseje ser como o outro. Entretanto, à medida que se percebe que os
objetos disponíveis são singulares, se instaura o conflito. E, segundo Girard, esse
conflito seria repetido mimeticamente até se extinguirem os últimos antagonistas.
O milagre do sacrifício é a formidável “economia” de violência que se
realiza. Ele polariza contra uma única vítima toda a violência que, um
pouco antes, ameaçava a comunidade inteira. Essa liberação parece
ainda mais milagrosa por intervir sempre in extremis, no momento em
que tudo parece perdido. (2011: 63).
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De maneira que se Del Percio se preocupa com os conflitos gerados no
ambiente político após o seu estabelecimento, “com efeito, nos textos de Hobbes,
como nos de René Girard, e é nesse sentido que eles por vezes se aproximam, jamais
a unidade de um ‘todos’ pode existir antes de um movimento transcendente do
reconhecimento de uma autoridade exterior ao grupo” (VINOLO, 2012: 83), ou seja,
“há um primeiro movimento de constituição de um grupo, do reconhecimento de algo
como um ‘todos’ que, em seguida, daria lugar à designação do político que
estabilizaria o grupo”. (2012: 84).
CONCLUSÃO
Na teoria de Del Percio, como pudemos observar, a fraternidade teve o seu
sentido hegemônico problematizado. Além disso, Enrique esvazia o termo de um
sentido absoluto e essencialista. O fato é que, se o termo fraternidade é apenas um
recurso da linguagem, uma catacrese, como pontua Enrique, podemos falar de um
uso multidisciplinar ou multissocial do que chamamos fraternidade. A antropologia
pode se referir a ela como um recurso utilizado pelos primeiros hominídeos com fins
de preservação da espécie. E ainda que Girard não contemple o termo fraternidade
na sua teoria, ele claramente demonstra que as relações de antagonismo entre os
irmãos carregam também um elemento de proximidade e de unidade.
No que diz respeito à filosofia política, como vimos, o contrato pressupõe uma
espécie de amizade entre os homens, ainda que o conflito sempre permaneça latente.
Essa “amizade”, ou união na linguagem de Hobbes, foi o que deu origem ao Estado.
Assim, a fraternidade, como um fenômeno humano (seja da sua linguagem, seja das
suas relações), tem relação com todas as esferas sociais, especialmente, no que diz
respeito ao campo político, cuja função é lidar com o todo da sociedade e tentar
estabelecer a melhor convivência possível.
REFERÊNCIAS
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Horizonte, MG: Editora UFMG.
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GIACOIA, Oswaldo. (2013). Nietzsche: o humano como memória e como
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