Crianças e Jovens Sobredotados
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Crianças e Jovens Sobredotados
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CRIANÇAS E JOVENS SOBREDOTADOS INTERVENÇÃO EDUCATIVA ENSINO BÁSICO Projecto, Elaboração e Organização: Jorge Senos Teresa Diniz Edição e Propriedade: Departamento de Educação Básica Execução Gráfica: Editorial do Ministério da Educação Tiragem: 15 000 exemplares Depósito Legal: 119553/98 Fevereiro, 1998 2 ÍNDICE Pág. NOTA DE ABERTURA 4 1. A CRIANÇA E O JOVEM SOBREDOTADO 5 1.1. Características das crianças e jovens sobredotados 6 2. INTERVENÇÃO EDUCATIVA COM ALUNOS SOBREDOTADOS 10 2.1. Identificação da sobredotação 11 2.2. Necessidades educativas dos alunos sobredotados 13 a) Necessidades psicológicas 16 b) Necessidades sociais 18 c) Necessidades cognitivas 19 2.3. Organização geral da intervenção educativa 21 2.3.1. Pistas processuais para o 1.°, 2.° e 3.° Ciclos de Escolaridade 22 3. INTERACÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA 29 3.1. Razões para que se estabeleça a cooperação entre a escola e a família 30 3.2. Estruturação da cooperação entre a escola e a família 30 CONCLUSÃO 33 3 NOTA DE ABERTURA Este documento, em versão original, foi publicado pela antiga DGEBS em 1992. Consideramos ser importante voltar novamente a publicá-lo em edição revista e alargada. Se a aposta deste Departamento é, conforme o Pacto Educativo para o Futuro, na escola como local privilegiado das políticas educativas, será na escola para todos, na escola inclusiva, que se devem colocar os problemas das crianças precoces e com capacidades acima da média. Todos temos direito a uma educação com qualidade, aferida às nossas capacidades individuais e colectivas, ao nosso ser único mas, também, solidário com outros seres. Todas as crianças e jovens têm direito a uma flexibilização das respostas educativas produzidas pela escola de maneira a respeitar as características individuais de cada criança, bem como o seu universo de relações e as circunstâncias próprias do seu desenvolvimento" (Maria de Lurdes Paixão). Jacques Delors, no relatório da UNESCO "Educação para o Século XXI" refere: "Os sistemas educativos formais são muitas vezes, acusados e com razão, de limitar o desenvolvimento pessoal, impondo a todas as crianças o mesmo modelo cultural e intelectual sem ter em conta a diversidade dos talentos individuais. Tendem cada vez mais, por exemplo, a privilegiar o desenvolvimento do conhecimento abstracto, em detrimento doutras qualidades humanas como a imaginação, a aptidão para comunicar, o gosto pela animação do trabalho em equipa, o sentido do belo, a dimensão espiritual e a destreza manual (pág. 48). " Penso que Delors aponta para alguns dos dilemas com que nos debatemos ao pensar numa educação de qualidade para as nossas crianças e jovens: ter em conta a diversidade dos talentos individuais mas, igualmente, ter em conta a diversidade dos meios de acesso ao conhecimento, de acordo com a multiplicidade de modelos culturais, sociais ou intelectuais das nossas sociedades. Assim, considero que todos aprendemos uns com os outros e todos nos podemos interpelar uns aos outros no sentido de irmos mais longe na nossa capacidade de conhecer e intervir activa e positivamente, como cidadãos, no mundo que nos rodeia. Com Delors, afirmo: "assim se escapará ao dilema que marcou profundamente as políticas de educação: seleccionar multiplicando o insucesso escolar e o risco de exclusão, ou nivelar por baixo, uniformizando os cursos em detrimento da formação dos talentos individuais (... ). Contribuiremos assim para que a escola se transforme em factor de coesão social e seja a instituição chave para a integração ou a reintegração, podendo assim a educação básica tornar-se passaporte para a vida para todas as crianças e jovens. " A Directora do Departamento da Educação Básica (Teresa Vasconcelos) 4 1. A CRIANÇA E O JOVEM SOBREDOTADO A problemática da sobredotação tem suscitado atenção e interesse ao longo dos tempos, particularmente no que respeita aos aspectos e episódios mais ou menos extraordinários das realizações de sobredotados célebres. A sedução que esses episódios sempre exerceram contribuiu para que se criassem e generalizassem ideias mais ou menos fantasiosas em torno da sobredotação sem que, todavia, fosse possível estabelecer uma definição consensual de sobredotação e, menos ainda, sem que fosse possível estabelecer um modelo de intervenção educativa geralmente aceite com reconhecida eficácia. De um modo geral, o sobredotado é visto como alguém que revela um desempenho saliente em todas as suas actividades, alguém que revela um talento especial para uma ou várias expressões artísticas (música, pintura, etc.) ou como alguém que, no domínio do seu desempenho académico, está sempre bem preparado para os exames, que é um estudante entusiasta e sem dificuldades, ou, enfim, à falta de melhor definição, alguém que possui uma inteligência superior devidamente atestada por resultados obtidos em testes de inteligência. Visto deste modo, não haveria razão para se tomar um cuidado particular relativamente à escolarização destes alunos. Dir-se-ia que estes alunos aprendem sempre bem, sejam quais forem as circunstancias, boas ou más, que compõem o seu ambiente de estudo. Todavia, entre os profissionais da educação, bem como na comunidade científica, sabese que isto não corresponde à realidade. Designadamente entre os professores, existe a convicção de que estas crianças experimentam dificuldades várias durante a sua escolaridade, pese embora a relevância das suas qualidades particulares. Por outro lado, múltiplos estudos têm demonstrado que existem crianças com potencialidades extraordinárias que passam totalmente despercebidas aos olhos dos professores e que, por vezes, são mesmo identificadas por estes como sendo alunos problemáticos, com dificuldades relacionadas com o seu comportamento nas aulas, atenção, interesse pelas tarefas escolares, desempenho social, etc. Torna-se, portanto, necessário procurar uma definição para a sobredotação que possibilite uma intervenção educativa bem sucedida, quer no que diz respeito à criação de condições para a expressão e desenvolvimento de qualidades excepcionais, quer para a resolução de eventuais situações educativas problemáticas relativamente a estes alunos. 5 1.1. Características das crianças e jovens sobredotados O desempenho em provas destinadas a determinar a inteligência (Q.I.), foi considerado no passado o indicador mais fiel da existência de qualidades excepcionais ou de sobredotação. De acordo com este critério, o sobredotado seria aquele que nos testes de inteligência obtinha, por referência a uma norma estatística, resultados significativamente acima da média. Assim, os sobredotados corresponderiam apenas a cerca de 2% de sujeitos com os resultados mais altos obtidos em provas de inteligência. Os modelos estatísticos utilizados para a identificação da sobredotação, a partir dos testes de Q.I., têm vindo a sofrer uma crescente contestação, sobretudo porque estes testes revelam uma evidente fragilidade para determinar o potencial desempenho dos sujeitos em áreas tradicionalmente consideradas relevantes na sobredotação como, designadamente, a criatividade, a persistência, a concentração nas tarefas. Com efeito, as características gerais destes testes tornam-nos pouco fiáveis relativamente à problemática da sobredotação, por duas razões fundamentais: a) Por um lado, estes testes são excessivamente permeáveis a aspectos culturais e linguísticos, permitindo que o nível sociocultural dos sujeitos interfira demasiado nos resultados obtidos. Desta forma, uma criança ou jovem potencialmente sobredotado de meios socioculturais desfavorecidos pode, muito simplesmente, não ser detectado através destes testes; b) Por outro lado, a pontuação obtida nos testes e que pretende traduzir um determinado nível intelectual, corresponde ao conjunto de respostas "certas" fornecidas pelos sujeitos, num determinado lapso de tempo: quando o teste define uma instrução está a antecipar uma resposta determinada. Assim, ao enfatizar a obtenção de respostas "correctas", rejeitam-se respostas que, por resultarem de pensamento ou associação de ideias divergente se revelam originais e criativas. Deste modo, um sujeito potencialmente sobredotado com, por exemplo, uma capacidade criativa excepcional, corre o risco de obter resultados muito baixos nestes testes. Em síntese, os resultados obtidos traduzem prioritariamente a capacidade de os sujeitos responderem a testes, ou de fornecerem respostas "desejáveis", reflectindo o seu nível sociocultural no resultado final obtido. Deste modo, os testes de Q.I., para além de não disponibilizarem informação relevante para a organização da intervenção educativa, nem sempre conseguem identificar a sobredotação, uma vez que não dão conta das características do desempenho e níveis de excelência intelectual dos sujeitos em múltiplas áreas da sua actividade não contempladas pelos testes. Por esta razão, procura-se hoje encontrar uma definição de sobredotação que seja mais compreensiva, isto é, que seja apoiada sobretudo nas características do desempenho manifestado pelos sujeitos nas situações da interacção que estabelecem com os outros, os objectos e os conceitos. 6 Esta nova perspectiva de abordagem tem vindo a produzir dois efeitos que importa sublinhar: O primeiro diz respeito ao entendimento que hoje é feito da sobredotação. Independentemente dos factores genéticos que possam influenciar o desempenho dos sujeitos, entende-se hoje que a sobredotação constitui a expressão de um conjunto de factores interactuantes que resultam na manifestação de um desempenho saliente. Deste modo, o ambiente educativo em que se processa o desenvolvimento das crianças e, particularmente, a escola, joga um papel decisivo na sobredotação, cabendo-lhe a responsabilidade de criar oportunidades e experiências de aprendizagem favoráveis ao desenvolvimento e expressão de sobredotação; Por outro lado, tem sido possível identificar, a partir desta perspectiva, um conjunto de factores relevantes para a orientação dos educadores relativamente à organização das respostas educativas mais ajustadas e que os testes de Q.I. não possibilitam. No quadro desta abordagem mais compreensiva, destaca-se o contributo de Joseph Renzulli (Instituto de Investigação para a Educação de Alunos Sobredotados, Universidade de Connecticut, USA). Para este autor, existe um conjunto básico de características que distingue os sujeitos sobredotados. Assim, estas crianças e jovens revelam: 1. Uma capacidade intelectual superior à média, ainda que não tenham forçosamente que ser extraordinariamente inteligentes. Aquilo que os distingue, neste aspecto, é sobretudo • a facilidade com que obtêm êxito em determinadas matérias, ou • a facilidade que revelam na aquisição de determinados conhecimentos ou competências em áreas específicas. 2. Uma grande capacidade de trabalho, dedicando uma invulgar quantidade de energia à resolução de problemas concretos ou de uma actividade específica. A extraordinária perseverança na resolução de uma tarefa tem sido apontada como a mais incontroversa característica no conjunto das tentativas de definição da sobredotação. Sublinha-se, no entanto, que esta característica está intimamente associada à natureza dos interesses desenvolvidos pela criança ou jovem e à motivação que a tarefa ou problema específico lhe suscitam. 3. Níveis superiores de criatividade, manifestada na frequência e na natureza das perguntas, jogos e associações de conceitos que produzem. Esta característica torna estes alunos frequentemente desconcertantes, surpreendendo os adultos com a qualidade das suas produções, quando o ambiente educativo é facilitador da expressão de pensamento divergente e inovador. 7 Na sequência dos trabalhos de Renzulli, é possível estabelecer um conjunto de características comportamentais dos alunos sobredotados ou potencialmente sobredotados, facilitando deste modo a sua identificação no contexto de realização escolar, bem como a organização da intervenção educativa com estas crianças e jovens. CARACTERÍSTICAS GERAIS DE COMPORTAMENCTO DAS CRIANÇAS E JOVENS SOBREDOTADOS CARACTERÍSTICAS NO PLANO DAS APRENDIZAGENS a) Vocabulário avançado para a idade e para o nível escolar; b) Hábitos de leitura independente (por iniciativa própria); preferência por livros que normalmente interessam a crianças ou jovens mais velhos; c) Domínio rápido da informação e facilidade na evocação de factos; d) Fácil compreensão de princípios subjacentes; capacidade para generalizar conhecimentos, ideias, soluções; e) Resultados e/ou conhecimentos excepcionais numa ou mais áreas de actividade ou de conhecimento. CARACTERÍSTICAS MOTIVACIONAIS a) Tendência a iniciar as suas próprias actividades; b) Persistência na realizarão c finalização elas tarefas; c) Busca da perfeição; d) Aborrecimento face a tarefas de rotina. CARACTERÍSTICAS NO PLANO DA CRIATIVIDADE a) Curiosidade elevada perante um grande número de coisas; b) Originalidade na resolução de problemas e relacionamento de ideias; c) Pouso interesse pelas situações de conformismo. CARACTERÍSTICAS DE LIDERANÇA a) Autoconfiança e sucesso com os pares; b) Tendência a assumir a responsabilidade nas situações; c) Fácil adaptação às situações novas e às mudanças de rotina. CARACTERÍSTICAS NOS PLANOS SOCIAL E DO JUÍZO MORAL a) Interesse e preocupação pelos problemas do mundo; b) Ideias e ambições muito elevadas; c) Juízo crítico face às suas capacidades e às dos outros; d) Interesse marcado para se relacionarem com indivíduos mais velhos e/ou adultos. 8 Chama-se a atenção para o facto de estas características serem apenas identificativas e, por isso, formuladas de maneira geral e bastante aberta. Na próxima secção, veremos como estas características deverão ser tidas em conta no quadro da intervenção educativa com crianças e jovens sobredotados. 9 2. INTERVENCÃO EDUCATIVA COM ALUNOS SOBREDOTADOS De uma maneira geral, as investigações realizadas com alunos sobredotados concluíram que estes alunos são mais auto-confiantes, mais perseverantes nos seus esforços, revelam maior autonomia e uma maior prudência nas relações sociais que estabelecem. No entanto, estas características não constituem nenhum dado adquirido à partida, pelo contrário, revelam-se sempre na dependência da natureza da organização ambiente e das oportunidades educativas que lhes são proporcionadas. Com efeito, muitos alunos que em determinados ambientes revelam características de sobredotação, podem manifestar dificuldades no seu desempenho escolar, em resultado de falta de motivação e desencanto perante as tarefas que a escola lhes propõe. Regra geral, estes alunos chegam à escola desejosos de novas experiências, conhecimentos e desafios, prontos para progredir e para desenvolver rapidamente aquisições importantes se lhes forem proporcionadas oportunidades de desempenho ajustadas. Quando isso não acontece, sentem-se frustradas, aborrecidas e desinteressadas das actividades escolares. Estes resultados da investigação permitiram concluir que estas crianças e jovens passam frequentemente despercebidos ou revelam mesmo dificuldades, em ambientes educativos que enfatizam a realização de tarefas excessivamente dirigidas pelo professor, rotineiras, apoiadas na memória e no pensamento convergente (reprodutivo mais do que criativo), ao mesmo tempo que secundarizam o pensamento divergente (criação de novas ideias, conceitos e relações originais entre ideias e conceitos apoiados na descoberta e na experimentação), a tomada de iniciativa e a partilha de responsabilidades. A organização de uma intervenção educativa eficaz exige portanto que o professor: • possa identificar as crianças e jovens potencialmente sobredotados, a partir de determinados indicadores comportamentais, simultaneamente, • conheça as suas necessidades educativas, • adeqúe as suas praticas a essas necessidades e, • avalie se as metodologias escolhidas contribuem para o "crescimento" efectivo destes alunos. No ponto seguinte será descrito um modelo organizador da observação do comportamento orientado para a identificação das características assinaladas por Renzulli (inteligência, criatividade e dedicação ao trabalho), como constituindo indicadores da sobredotação. 10 2.1. Identificação da sobredotação A observação do comportamento dos alunos relativamente à forma como a actividade da sala de aula é gerida, constitui uma componente fundamental da avaliação formativa, permitindo identificar os efeitos e a eficácia das estratégias e metodologias utilizadas pelo professor na dinamização do espaço de interacção educativa. A identificação de alunos sobredotados ou potencialmente sobredotados poderá beneficiar de uma observação conduzida a partir dos seguintes indicadores: 1. A utilização da linguagem: amplitude do vocabulário, precisão na sua utilização, complexidade da estrutura das frases A observação deste indicador só é possível quando aos alunos é facultada a oportunidade de produzir enunciados verbais não determinados, isto é, quando se organiza o clima de participação dos alunos a partir das suas vivências e interesses, permitindo-lhes contar experiências, discutir planos de trabalho diário e estratégias de resolução de tarefas, partilhar desejos, etc. A prática regular e frequentemente utilizada por muitos professores que consiste, no início de cada dia de aulas, discutir com a turma o plano de trabalho diário, combinar tarefas, acordar regras, inventariar necessidades para a concretização de actividades, etc., constitui um momento privilegiado para a realização da observação deste indicador. 2. A natureza das perguntas formuladas pelos alunos: se são inusitadas, oportunas, etc. A observação deste item requer um clima favorável à participação dos alunos. Um clima de participação que, por exemplo, apenas permita colocar perguntas para esclarecer instruções, não facilita, obviamente, a observação compreensiva deste item. Por outro lado, um clima de participação que facilite a expressão da curiosidade, da perplexidade e da investigação sobre os múltiplos objectos de conhecimento e sobre os múltiplos modos de fazer, constituirá certamente um meio de observação rigoroso desta questão, pelo que deverá ser objecto particularmente cuidado do esforço de organização da actividade pedagógica. 3. Utilização de materiais A realização de tarefas, que façam apelo a múltiplos materiais e permitam soluções diversas, constitui uma estratégia educativa particularmente eficaz para a detecção de crianças e jovens sobredotados ou potencialmente sobredotados. A forma como o aluno estabelece estratégias de resolução das tarefas, selecciona materiais e os utiliza, constitui um indicador orientado no sentido da criatividade tal como Renzulli a entende. Desta forma, é desejável que a instrução fornecida sobre a tarefa seja pensada de 11 maneira a não excluir opções quer ao nível das estratégias de resolução, quer ao nível dos materiais que poderão ser utilizados. 4. Conhecimentos: profundidade dos conhecimentos destes alunos em diversas áreas A valorização de experiências e conhecimentos exteriores à escola constitui uma forma de valorização do universo de significações do aluno e uma importante estratégia de motivação, sustentando actividades a realizar na sala de aula integradas nesse universo. Invariavelmente esta iniciativa pedagógica produz um efeito facilitador da expressão e participação dos alunos, fornecendo importantes indicadores do conhecimento (natureza e extensão), adquirido pela criança e jovem fora da escola, sobre as diferentes áreas que formam os seus interesses. 5. Persistência A observação deste item requer que aos alunos seja facultado o tempo necessário para que concluam as tarefas em que se envolvem. A definição antecipada de um limite temporal para a realização de uma determinada actividade, encerra riscos de viciamento sobre os processos que conduzem à sua execução, nomeadamente no que respeita ao rigor e ao modo de conclusão. Por falta de tempo, um aluno poderá ser compelido a acabar precipitadamente uma tarefa, sacrificando a qualidade do trabalho. Por outro lado, o investimento num maior rigor, poderá fazer com que o aluno sinta que não concluiu o seu trabalho. Esta interrupção súbita da actividade do aluno, determinada por uma gestão do tempo que lhe é totalmente exterior, poderá criar-lhe a ilusão de incapacidade para realizar o trabalho que lhe é distribuído, com efeitos negativos sobre a sua motivação e participação futuras. Num e noutro caso, não será possível observar até onde um aluno persiste na concretização de uma tarefa, correndo-se ainda o risco deste seleccionar estratégias de resolução que, embora mais ajustadas ao tempo de que antecipadamente dispõe, poderão ocultar a capacidade de o aluno elaborar estratégias mais eficazes, eventualmente mais exigentes e demoradas. Neste sentido, é desejável que o professor organize a sua intervenção educativa de maneira a permitir que cada aluno disponha do tempo necessário, até que dê por concluída (com ou sem sucesso objectivo) cada tarefa e exprima livremente a forma mais ou menos persistente com que se envolve na resolução do seu trabalho. 6. Juízo crítico A forma como o aluno se critica poderá ser um indicador de sobredotação, designadamente quando essa crítica é realizada de maneira exigente e rigorosa consigo mesmo. Naturalmente, a observação deste item requer a criação regular de espaços de 12 auto-avaliação e auto-responsabilização, cujo sentido é determinado pelo grau de participação e decisão permitido ao aluno durante a actividade escolar. Em situações educativas excessivamente dirigidas ou estruturadas pelo professor, será mais difícil para o aluno, apreciar a qualidade da sua participação e emitir juízos críticos sobre si mesmo. 7. Preferências por actividades Regra geral, os alunos sobredotados tendem a preferir actividades complexas, novas e mais difíceis. A observação deste critério apoia-se numa organização do trabalho escolar que, naturalmente permite espaços de livre escolha de actividades, ainda que, por vezes, estas actividades possam parecer de certa maneira marginais ao trabalho escolar regular e exijam um maior esforço do professor para conseguir a sua integração no quadro do desenvolvimento curricular. 2.2. Necessidades educativas dos alunos sobredotados Tal como foi referido, a intervenção educativa com crianças e jovens sobredotados ou potencialmente sobredotados deverá ter em conta as suas necessidades específicas, de maneira a que seja possível o desenvolvimento das suas competências e se evitem situações de subaproveitamento, desinteresse ou dificuldades relativamente à actividade escolar. Estas situações caracterizam-se pela emergência de um conjunto de características comportamentais frequentemente perturbadoras da acção educativa. Do mesmo modo que a natureza do envolvimento educativo poderá fazer surgir e desenvolver um conjunto de características comportamentais tipicamente associadas à sobredotação (altos níveis de desempenho cognitivo, criatividade, capacidade de trabalho e de concentração excepcionais), também é verdade que, na dependência de um envolvimento educativo que não valorize as necessidades educativas destes alunos, poderá surgir um conjunto de comportamentos marcados pela resistência à participação produtiva no trabalho escolar. É neste sentido que a literatura refere com alguma frequência, quando procura fazer o inventário de características de sobredotação, aspectos potencialmente facilitadores, ao lado de aspectos potencialmente inibidores do trabalho educativo. Assim, Martinson1 bem como o projecto ACCORD2 procuram dar conta simultaneamente das características facilitadoras do desenvolvimento no contexto escolar e dos aspectos que poderão constituir inibições ao desempenho das crianças e jovens sobredotados. 1 Martinson, R. A. (1981). The identification of the gifted and talented. The Council for Excepcional Children. Association Drive, Reston Virginia 22 091. 2 Able Children: Clwyd and Oxfordshire Research and Development. A development project looking at appropriate classroom provision for more able children in key stage 1, May 1991, Oxfordshire Conty Council. 13 Estes aspectos inibidores concorrem frequentemente para que, tal como é referido pela literatura especializada, muitos alunos sobredotados passem despercebidos aos olhos dos professores e constituam, por vezes, casos problemáticos. EXEMPLOS DE CARACTERÍSTICAS POTENCIAIS DO ALUNO SOBRE DOTADO (Martinson) CARACTERÍSTICAS POTENCIAIS CARACTERÍSTICAS POTENCIAIS FACILITADORAS INIBIDORAS Aprecia os conceitos abstractos, resolve os Mostra grande resistência às instruções seus próprios problemas e tem uma forma dos outros. Pode ser bastante de pensar muito independente. desobediente. Revela muito interesse nas relações entre Dificuldade em aceitar o que não é lógico conceitos. aos seus olhos. É muito crítico consigo mesmo e com os Exige demasiado de si e dos outros. Pode outros. estar sempre insatisteito. Gosta de criar e inventar novas formas Absorve-se a criar e a descobrir coisas por para realizar alguma coisa. si mesmo, recusando os procedimentos habitualmente aceites. Tem uma grande capacidade de Resiste fortemente a ser interrompido. concentração, alheando-se dos outros quando está ocupado nas suas tarefas. É persistente na prossecução dos seus Pode ser muito rígido e inflexível. objectivos. É enérgico e activo. Sente-se frustrado com a inactividade e a falta de progressos. 14 As características identificadas pelo projecto ACCORD complementam o quadro elaborado a partir dos trabalhos de Martinson. CARACTERÍSTICAS POTENCIAIS DO ALUNO SOBREDOTADO (Projecto ACCORD) 1. Pode mostrar superiores. capacidades artísticas ou intelectuais 2. Pode mostrar um elevado nível de curiosidade 3. Pode preferir trabalhar autonomamente. 4. É capaz de se concentrar por longos períodos de tempo. POSITIVAS 5. É capaz de resolução. trabalhar sobre problemas até à sua 6. É criativo ou inventivo. 7. É capaz de generalizar ideias através de um conjunto de circunstâncias. 8. Aprecia jogos de palavras e "puzzles". 9. Pode mostrar qualidades de chefia 1. Pode mostrar-se intolerante, para com os outros. 2. Pode mostrar um comportamento irregular - facilmente perturbável. 3. Pode manifestar dificuldades em integrar-se com os outros. NEGATIVAS 4. Pode manifestar desinteresse na realização de tarefas escritas. 5. Pode parecer aborrecido. 6. Pode exigir muito tempo de atenção ao professor. 7. Pode revelar-se dominador na relação com os colegas O conjunto de características inibidoras listadas nos quadros anteriores permite identificar com facilidade a possibilidade de, em determinados ambientes educativos, estes alunos virem a experimentar importantes dificuldades na sua escolarização. O facto destes alunos poderem revelar, na sala de aula, comportamentos problemáticos como, por exemplo, má relação com os companheiros, desatenção, desobediência, etc., 15 deverá chamar a atenção para a necessidade de, relativamente a todos os alunos, se procurar cuidadosamente as causas de tais comportamentos, no quadro das iniciativas de gestão pedagógica seleccionadas pelo professor. Esta é, de resto, uma função fundamental da avaliação formativa. De acordo com estas características potenciais, torna-se possível definir um conjunto de necessidades educativas dos alunos sobredotados, agrupadas em necessidades psicológicas, sociais e cognitivas. a) Necessidades psicológicas 1. Sentimento geral de sucesso num ambiente intelectual estimulante Uma primeira e insubstituível condição de sucesso de todos os alunos prende-se com o facto de os professores deverem traduzir nas suas práticas e nas interacções que estabelecem, uma convicção de sucesso. Todos os alunos necessitam de um ambiente educativo positivo, onde o sucesso constitua a consequência natural da sua presença na escola, isto é, em que o professor acredite que todos os alunos são capazes de obter sucesso e lhes faça sentir essa convicção. Esta convicção de sucesso exprime-se no quadro da intervenção pedagógica do professor, na medida em que valoriza positivamente todos (pequenos e grandes) ganhos conseguidos na construção do conhecimento e das experiências de aprendizagem. Afirma-se no pressuposto pedagógico de que a concretização de cada tarefa não constitui um fim em si mesma, mas antes, um momento de um percurso de aprendizagem, cuja valorização indicará ao aluno uma medida da sua capacidade para aprender novos motivos de interesse e motivação para futuras tarefas de aprendizagem. Os alunos sobredotados não constituem, neste caso, excepção. A experimentação sistemática de situações de sucesso é condição indispensável de motivação e progresso de todos os alunos. Por outro lado, a grande exigência e capacidade crítica que, como vimos, são características destes alunos, tornam por vezes difícil o auto-reconhecimento de sucesso nas tarefas que desenvolvem, particularmente quando a concretização dessas tarefas não traduz, do seu ponto de vista, ganhos significativos. Cada tarefa que a criança ou jovem sobredotado concretiza é considerada, por si, como estando resolvida com sucesso quando percepciona progressos reais. O exercício repetitivo e rotineiro de determinadas tarefas de aperfeiçoamento técnico (da leitura, por exemplo) é sentido por estes alunos de uma forma penosa e desmotivante. Aquilo que estes alunos procuram, neste caso, na leitura, não é tanto a correcção técnica, mas a correcção na descodificação do escrito, que lhes permita obter informações pertinentes para a construção de conhecimentos gratificantes e significativos. 16 2. Flexibilidade nos tempos atribuídos para a realização das tarefas A dedicação em esforço e concentração, que os alunos sobredotados dispensam às tarefas em que se envolvem, conforma-se mal com uma gestão pedagógica em que a distribuição do tempo de realização é pré-determinada. Tal como já foi referido, as interrupções obrigatórias, sem razão aceitável para o aluno, podem provocar interferências ao seu envolvimento em tarefas posteriores. A frustração provocada pelo impedimento à conclusão de uma tarefa, que o aluno considera inacabada, tem por vezes um impacto negativo sobre a auto-confiança do aluno, podendo esta interrupção injustificada ser ressentida como indicador de incapacidade e dar origem a comportamentos de rejeição e desmotivação relativamente a novas propostas de trabalho. Embora a flexibilização dos tempos atribuídos às tarefas possa constituir uma dificuldade acrescida para o professor na gestão da sala de aula, é sempre desejável evitar situações do tipo "acaba de fazer o texto, está na hora da matemática" ou "faltam 5 minutos para acabar esse trabalho". Sempre que possível, deve permitir-se ao aluno que continue o seu trabalho numa determinada tarefa até que se sinta satisfeito e consciente de que acabou, de facto, com sucesso o seu trabalho. 3. Clima de participação e partilha de responsabilidades Em conformidade com as características anteriormente identificadas nos alunos sobredotados, a possibilidade de assumir responsabilidades e participar na planificação do trabalho constituem dois factores fundamentais de motivação e de sustentação das aprendizagens. Sempre que possível, o professor deverá permitir e estimular a intervenção dos alunos na organização da actividade da sala de aula e na planificação e avaliação do seu próprio trabalho, partilhando deste modo a responsabilidade necessária a uma cuidada utilização de materiais, respeito por regras sociais no espaço escolar e cumprimento autónomo de tarefas. 4. Suporte emocional para o fracasso O facto de estes alunos mostrarem, regra geral, um desempenho satisfatório nas actividades que realizam, cria por vezes uma pressão excessiva sobre eles, para quem o insucesso na concretização de uma determinada tarefa pode constituir uma grave ameaça. Esta pressão é sentida pelo aluno através das altas expectativas que se organizam em torno do seu desempenho. Deste modo, o insucesso pode representar, para estes alunos, um risco de perda da confiança e do afecto dos outros, bem como de diminuição da sua auto-confiança básica. Não poderemos esperar que os alunos sobredotados mantenham o mesmo nível de desempenho de maneira constante e em todas as tarefas, devendo evitar-se comentários 17 do tipo "mas o que é isto!?...", "não sei o que é que se passa hoje contigo que estás tão mal comportado" ou "vá lá, eu sei que consegues fazer isso num instante". Este tipo de expressões, embora não possua nenhum vínculo de causa-efeito determinado, poderá gerar no aluno uma ansiedade excessiva perante a possibilidade do fracasso, e manter uma pressão emocionalmente perturbadora traduzida no receio em desapontar o professor. É sempre preferível ter uma atitude positiva perante o erro/insucesso, ou seja, descentrando-o do aluno, analisando a sua natureza bem como discutindo as formas para o eliminar. Uma boa estratégia consistirá em elogiar de forma ajustada, sublinhando as aprendizagens positivas, tendo sempre presente que o elogio é uma fonte imprescindível para reforçar a auto-estima e auto-confiança de todos os alunos. Apesar destes alunos nos surgirem, por vezes extraordinariamente pertinentes, responsáveis, informados, etc., deverá sempre ter-se em conta a faixa etária a que pertencem e não nos esquecermos que são crianças e jovens como os outros, com equilíbrios emocionais delicados e próprios da idade. Deve-se ter sempre presente que os alunos sobredotados, não têm uma idade diferente. b) Necessidades sociais Os desempenhos excepcionais destes alunos, bem como a natureza das suas características comportamentais, poderão resultar, como vimos anteriormente, na preferência pelo trabalho individual, numa participação social desajeitada com os pares, parecendo por vezes intolerantes e dominadores. Estas características poderão convergir para uma situação de isolamento social a que o professor deverá estar particularmente atento, no sentido de facilitar as trocas sociais e a construção de um sentimento de pertença ao grupo. Neste sentido, o professor poderá: • ajudar o aluno a perceber o efeito social de determinadas atitudes e comportamentos; • estimular a participação em tarefas de grupo; • clarificar e discutir regras de conduta e as consequências da sua violação; • estimular a prática da auto-crítica bem como de exercícios de dinâmica de grupos, do tipo "ganhar-ganhar". Por exemplo com crianças, pode-se pedir para que cada uma escreva "uma coisa boa" sobre cada um dos seus colegas, oferecendo-a ao respectivo destinatário. Já com os jovens, poder-se-à estimular a cooperação, dentro ou fora da sala de aula, entre um aluno que saiba determinada matéria e outro que não esteja tão seguro e vice-versa, de modo a que os dois ganhem estabelecida; 18 quer cognitivamente, quer na relação • recorrer a jogos de expressão dramática sobre aspectos da vida social do grupo turma, que ajude o professor a percepcionar melhor o estatuto social do aluno sobredotado e a descobrir soluções educativas integradoras. c) Necessidades cognitivas As características dos alunos sobredotados anteriormente assinaladas traduzem-se, no plano da intervenção educativa, num conjunto de necessidades cognitivas, cuja inventariação, ainda que sumária e a título meramente indicativo, poderá ajudar a estruturar o conhecimento que o professor tem destes alunos e, consequentemente, ajudar à estruturação das oportunidades educativas. De um modo geral, sublinha-se que estes alunos necessitam que: se lhes permita um ensino individualizado nos conteúdos específicos que melhor dominam, devendo para isso usar-se da flexibilidade dos novos programas para os adaptar a ritmos de aprendizagem mais rápidos, para estruturar tarefas especiais ou opções alternativas; se lhes facilite o acesso a recursos adicionais de informação, designadamente em áreas de conhecimento que definem o seu universo de interesses. Uma das características destes alunos diz respeito ao interesse inusitado que desenvolvem sobre várias áreas de conhecimento e a que os conteúdos regulares não respondem. Um esforço da escola, no sentido da disponibilização de recursos adicionais, contribuirá seguramente para manter o aluno interessado na actividade escolar, bem como para ajudar à expressão e desenvolvimento das características potenciais destes alunos. Neste sentido, a organização de trabalhos de projecto contextualizados no quadro dos objectivos curriculares e situados na comunidade educativa, poderá revelar-se extremamente útil. No âmbito destes trabalhos, poderão proporcionar-se a visita e consulta a bibliotecas, visitas a instituições recreativas e culturais, exposições, etc., envolvendo-se, sempre que possível, outros agentes educativos da comunidade; se lhes dê a oportunidade de desenvolver e partilhar com os outros os seus interesses e competências. Como vimos, estes alunos têm tendência a isolar-se no cumprimento das suas tarefas, revelando-se, por vezes, bastante desajeitados socialmente. A oportunidade de construir socialmente o conhecimento contribuirá não só para promover o seu desenvolvimento, mas também para o desenvolvimento dos outros alunos; se lhes proporcione estímulos para a expressão criativa, nomeadamente através da facilitação das comunicações livres nas aulas e da expressão de ideias e projectos diferentes e pouco comuns. A organização de momentos, em que todos os alunos participam na planificação de tarefas, propicia a expressão de ideias e projectos em torno de temas de aprendizagem. As diferentes alternativas deverão ser, sempre que 19 possível, estimuladas e ajustadas pelo professor, de acordo com critérios de exequibilidade e de respeito pela dimensão criativa original; se lhes dê oportunidades para utilizarem as suas competências na resolução de problemas e efectuar investigações. A realização de experiências de aprendizagem activas e orientadas no sentido da resolução de problemas, constitui um factor determinante e insubstituível no percurso de aprendizagem e de desenvolvimento global. De uma maneira complementar Van Tassel (1980) propõe um inventário de necessidades educativas de alunos sobredotados que, pela sua natureza marcadamente orientada no sentido da clarificação das oportunidades educativas facilitadoras de desenvolvimento, valerá a pena registar: OS ALUNOS SOBREDOTADOS NECESSITAM DE OPORTUNIDADES EDUCATIVAS QUE LHES PERMITAM • pensar a níveis conceptuais elaborados; • produzir trabalhos diferentes do habitual; • trabalhar em equipa; • apreciar e discutir questões de natureza moral e ética; • realizar tarefas específicas nas suas áreas de maior esforço e interesse; • estudar temas novos, dentro e fora do programa escolar habitual; • aplicar as suas competências na resolução de problemas estruturados a partir da vida real. 20 2.3. Organização geral da intervenção educativa Regra geral, na literatura especializada sobre a escolarização de alunos sobredotados, são identificados três tipos de soluções ou de programas educativos, designados por aceleração, grupos de competência ou de nível e enriquecimento. a) Aceleração Esta solução traduz-se na possibilidade de permitir às crianças iniciar precocemente, ou cumprir em menos tempo, o programa de um determinado ciclo de estudos. Em Portugal esta medida foi tornada possível no 1.° ciclo do ensino básico no quadro normativo estabelecido conjuntamente pelo Despacho n.° 6/SERE/88 de 6 de Abril, pelo Dec. Lei n.° 319/91, de 23/8 e pelo Despacho n.° 173/ME/91 de 23 de Outubro, prevendo-se a possibilidade de cumprimento acelerado do programa do 1.° Ciclo, assim como o ingresso no 1.° ano do ensino básico a crianças que completem 5 anos até ao início do ano escolar e cuja avaliação psico-pedagógica conclua pela existência de precocidade excepcional a nível do desenvolvimento global. b) Grupos de Competência Consiste em constituir turmas, ou mesmo escolas, só para alunos sobredotados. Esta solução, que pretende obviar quer ao desfasamento verificado relativamente ao desenvolvimento cognitivo da criança sobredotada integrada numa turma do seu grupo etário, quer sobredotada ao desfasamento integrada numa quanto turma de ao desenvolvimento alunos mais velhos, afectivo da tem vindo criança a ser progressivamente abandonada com fundamento nos riscos de estigmatização social e exclusão, inerentes à formação de espaços educativos segregados. De resto, a ideia de formação de grupos de competência homogéneos só encontra expressão na realidade artificial constituída pelos testes de inteligência. Excluído o indicador fornecido pelos testes de Q.1. que, como se sabe, não permite determinar por si só procedimentos de natureza pedagógica, todas as crianças são diferentes, revelando interesses, capacidades e desempenhos diferenciados, facto que torna virtualmente impossível, no plano pedagógico, organizar grupos de competência homogéneos. Neste sentido, a solução definida pela formação de "grupos de competência" revelou-se, além de perigosa no plano do desenvolvimento social e emocional dos alunos, falaciosa no plano da intervenção pedagógica. c) Enriquecimento Consiste na integração da criança sobredotada no sistema regular de ensino, operando alterações nas oportunidades educativas devidas à especificidade das suas necessidades. 21 Esta solução é, de longe, a mais comum e que envolve menos riscos, recorrendo-se sobretudo à adaptação dos conteúdos curriculares e à mobilização de recursos educativos orientados para a diversificação da oferta de oportunidades educativas no contexto da sala de aula regular. 2.3.1. Pistas processuais para o 1.°, 2.° e 3.° Ciclos de Escolaridade Ao longo deste texto foram fornecidos alguns exemplos de intervenção educativa cujo principal propósito era tornar mais clara a natureza das características e necessidades educativas das crianças e jovens sobredotados. Neste ponto será feita uma síntese de orientações educativas bem como algumas actividades adequadas ao l.°, 2.° e 3.° Ciclos de escolaridade, que poderão contribuir para ajudar os professores de crianças e jovens sobredotados, a organizar um espaço educativo facilitador da expressão e progressão do desempenho destes alunos. Esta síntese, inspirada nas conclusões do projecto ACCORD anteriormente citado, constitui, na realidade um conjunto de regras básicas de procedimento educativo cuja aplicação deverá, naturalmente conformar-se às condições reais em que se desenrola o trabalho pedagógico. Pretende-se, assim, fornecer um quadro de pistas processuais de utilização flexível que, em todo o caso, deverão merecer a cuidada reflexão de cada professor. 1. Aceitar que as crianças e jovens são capazes de exprimir competências específicas excepcionais e proporcionar um clima de sala de aula que traduza expectativas favoráveis de sucesso A valorização das produções dos alunos e de diferentes formas de excelência constitui o factor preponderante na definição pedagógica de um clima facilitador. Inversamente, uma excessiva orientação da actividade educativa no sentido da reprodução de respostas conformistas, respostas "certas", relativamente a um padrão pré-estabelecido de conhecimentos, poderá limitar severamente as possibilidades de desempenho excepcional. Poder-se-ia dizer que é necessário que o professor mantenha em aberto a possibilidade de se deixar surpreender com o desempenho dos seus alunos, à semelhança, de resto, com o que habitualmente acontece relativamente a todas as crianças, familiares ou não, fora do contexto da sala de aula. Regra geral, todos os adultos que se relacionam de perto com crianças, conhecem alguns episódios de desempenho surpreendente (perguntas originais, observações, jogos de palavras, invenções, etc.) que, estranhamente, parecem bastante mais raros no contexto da sala de aula. É esta valorização, através da procura e estimulação activa de caminhos alternativos, ideias diferentes e soluções originais, que mais contribui para gerar um espaço propício à expressão e desenvolvimento de qualidades excepcionais. 22 Uma estratégia fundamental para a montagem das várias actividades possíveis, é a de fomentar na sala de aula um espaço aberto, para que as ideias surjam, criando um clima onde os alunos sintam que podem correr riscos, partilhar e desenvolver novas ideias, sem que sejam inibidos ou se sintam ridicularizados. Com os alunos do 1.° ciclo, uma vez que as crianças destas idades têm preferência por actividades curtas, variadas e que envolvam algum tipo de movimento, o professor poderá desenvolver na sala de aula, situações de jogo dramático e cooperativo a propósito das matérias escolares, em que a criança depois de ter adquirido alguns conhecimentos, possa expressar a sua opinião, ou desenvolver novas ideias. É importante que neste processo o professor deixe fluir as várias produções da criança, sem as corrigir e depois com o que surge, lance o debate acerca da sua pertinência ou não. Já com os alunos mais velhos (2.° e 3.° ciclos), os professores podem criar situações de debate e brainstorm, podem também pedir aos jovens que vejam um filme, ligado ao conteúdo programático do momento, e apelar para os seu espírito crítico sobre o mesmo, criando posteriormente um momento dentro da sala de aula onde os alunos partilhem as suas ideias sobre o filme. Em regra, as crianças e jovens sobredotados ou não, interessam-se mais pelas aprendizagens escolares, se elas tiverem uma ligação ao seu quotidiano. Com alunos do 1.° ciclo, o professor poderá sempre que possível aproveitar as produções dos alunos. Por exemplo para trabalhar as questões da leitura e da escrita, seria interessante partir do relato que as crianças fazem de um acontecimento importante na sua família (casamento, baptizado, nascimento), de como passou o seu domingo, ou mesmo partindo da descrição do bairro onde moram. Também ao trabalhar as competências para a resolução de problemas estruturados, podem montar-se actividades neste domínio que se "encaixem" na vida real. Por exemplo organizar uma ida à praça do bairro para fazer compras e a partir dela, trabalhar os problemas matemáticos. Esta é uma forma de os alunos contextualizarem no seu dia a dia, as aprendizagens que fazem na escola. Já com jovens do 2.° e 3.° ciclos, o professor de cada disciplina e de acordo com o conteúdo programático em estudo, poderá proporcionar a ida de profissionais às turmas para fazer a ponte de ligação entre as aprendizagens escolares e a vida activa, contribuindo assim, para que os jovens desde cedo, além de interiorizarem o papel da escola, possam ir construindo o seu próprio projecto de carreira e de vida. Ainda na sequência do que atrás foi referido, sobre a valorização do aluno, na expressão e desenvolvimento de qualidades excepcionais através da abertura, por parte da escola, a caminhos alternativos, ideias diferentes, etc., sabe-se que as crianças e jovens sentem-se mais motivados e entusiasmados a desenvolver os seus trabalhos, se estes puderem ser dirigidos para uma audiência que não só o professor ou os colegas da turma, mas que possam os seus sucessos e progressos ser partilhados com outras pessoas. 23 Assim, seguem-se uma série de pistas que podem ser adaptadas a qualquer dos três ciclos de ensino e que favorecem não só a aprendizagem, mas a motivação para o trabalho escolar e desenvolvimento de novas ideias: ler uma história na biblioteca da escola ou na sala de aula, numa sessão organizada para o efeito, aberta a todos os alunos do mesmo ano (alunos do 1.° ciclo); gravação feita pelos alunos, em cassetes áudio, de excertos de obras de autores que fazem parte dos programas, para ficarem disponíveis ao uso de alunos e professores (alunos do 2.° e 3.° ciclos); escrever cartas a jornais para serem publicadas em espaços de opinião abertos a leitores (todos os ciclos de ensino); escrever artigos sobre temas específicos, bem como inventar passatempos matemáticos para o jornal da escola ou jornais locais (todos os ciclos de ensino); exposição de trabalhos artísticos ou temáticos, no centro comercial do bairro ou na Junta de Freguesia (todos os ciclos de ensino); organização de debates na escola com intervenções de elementos da comunidade local - Presidente da Junta de Freguesia, empresário, elemento da Associação de pais, etc. - (alunos do 3.° ciclo). 2. Construir um clima de sala de aula no qual as crianças e jovens sintam que podem manifestar as suas diferentes capacidades Complementar ao ponto anterior, esta ideia remete fundamentalmente para a gestão dos procedimentos de avaliação. A inibição sentida em manifestar as suas capacidades, conhecimentos, ideias, opiniões, resulta muitas vezes de uma precipitada sanção avaliativa que destaca o erro, deixando cair as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento que o "erro" pode encerrar. Desta maneira, aquilo que poderia constituir um ponto de partida para a construção de novas aprendizagens e reajustamento de metodologias e técnicas pedagógicas, constitui um fim irremediável com consequências graves sobre a capacidade de participação e empenhamento nas actividades da sala de aula. Um aluno a quem uma opinião, por exemplo, foi reprovada poderá sentir-se inseguro em manifestar-se posteriormente. Do mesmo modo, um aluno que, ao tentar resolver uma tarefa utiliza por sua iniciativa uma estratégia inapropriada, poderá não compreender a avaliação de fracasso que lhe é atribuída, inibindo a sua iniciativa futura para o trabalho independente. A iniciativa do aluno deve ser sempre valorizada quer o produto seja positivo ou negativo. Naturalmente, estes exemplos apenas pretendem chamar a atenção para a necessidade de fazer compreender (partilhar) aos alunos, os procedimentos de avaliação, para que se sintam seguros na abordagem que fazem às propostas de trabalho na sala de aula. Os procedimentos e regras de avaliação devem ser claras para os alunos desde o início do ano e sempre que possível, principalmente os alunos do 2.° e 3.° ciclos, devem ter um papel activo no seu estabelecimento. Os professores podem com estes alunos encetar um debate, ficando abertos a sugestões e ideias que surjam por parte dos alunos acerca da avaliação, incentivando também deste modo a que elas sejam ajustadas à realidade, bem como possam os alunos sentir-se responsáveis pelo seu processo avaliativo, desmistificando a ideia de que a avaliação é uma "arma" do professor, mas pelo contrário uma ferramenta útil para o desenvolvimento do processo de aprendizagem do aluno. 24 A experimentação de situações de fracasso, não têm que constituir-se fatalmente numa experiência frustrante, ameaçadora e desmotivante, mesmo para os alunos excepcionais, desde que se assegurem condições de aprendizagem de estratégias de resolução do fracasso, apoiadas numa relação construtiva com o erro. Sempre que o erro/fracasso surjam, pode o professor (em todos os ciclos de ensino) incentivar grupos heterogéneos de cooperação dentro da sala de aula em que os alunos criam um clima de inter-ajuda para superar as dificuldades uns dos outros, transformando assim, um momento frustrante num momento de enriquecimento e construção de sucesso para todos os alunos, bem como num treino das regras e funcionamento em grupo. 3. Ter em conta que todos os alunos, incluindo os sobredotados, têm necessidade de momentos de jogo e de lazer É hoje um lugar comum afirmar-se a importância que a definição de espaços "confortáveis" e "aprazíveis" têm sobre a qualidade das aprendizagens. Hoje ninguém contesta com seriedade a necessidade de conferir à escola um estatuto de local onde se goste de estar, para que os alunos aprendam e desenvolvam as suas potencialidades. Neste sentido, o clima da sala de aula beneficiará significativamente da possibilidade de se realizarem actividades que, sendo ainda de aprendizagem, não são tão claramente expostas à pressão de programas e de avaliação. De acordo com esta ideia, é desejável que se organizem, conjuntamente com os alunos, outros agentes educativos e até com a comunidade envolvente, actividades culturais e lúdicas que, constituindo oportunidades educativas importantes, contribuem para transformar a escola num espaço mais atraente, não só para os alunos como para toda a comunidade educativa, com repercussões importantes sobre a qualidade da participação de todos. Dessas actividades destacam-se os jogos, as exposições de temáticas pelas quais os alunos se interessem e feiras abertas à comunidade local, entre outras. Hoje em dia muitas das nossas escolas já se mobilizam para a constituição de clubes, que além de poderem tornar algumas aprendizagens mais atraentes e identificar áreas em que os alunos sobredotados sejam excepcionais, desenvolvem nestes alunos competências facilitadoras da vida em grupo e de partilha de um espaço. Essencialmente com os alunos do 3.° ciclo podem formar-se clubes ou espaços lúdicos, com características distintas, onde os alunos se sintam bem, tenham uma certa autonomia e se possam inserir de acordo com as suas potencialidades e áreas de interesse. São exemplo disso: os clubes de matemática, onde os alunos podem ter acesso a jogos matemáticos, concursos e campeonatos, resolução de problemas, utilização de computador para ensino assistido, criação de passatempos de matemática, etc.; clubes de informática, onde os alunos além de aprenderem a integrar as novas tecnologias de informação nas suas aprendizagens, aprendem a "navegar" na Internet e a utilizá-la como um instrumento poderoso de pesquisa; clubes culturais para os alunos que tenham potencialidades nas áreas mais artísticas e literárias; clubes ligados ao desporto e à exploração da natureza, onde os alunos podem além de organizar e participar em encontros desportivos inter escolas, possam também praticar desportos fora da escola do 25 tipo canoagem, vela, escalada, orientação etc.; outros clubes temáticos pelos quais os alunos mostrem interesse; dinamização de jornais de escola e/ou jornais de parede, etc. 26 4. Criar condições para a produção de respostas ajustadas a questões que exigem procedimentos de pesquisa Uma das tarefas potencialmente mais ricas do ponto de vista educativo, consiste na definição de problemas a partir de perguntas dos alunos, na concepção cooperativa de estratégias de resolução, na identificação e disponibilização de recursos e na planificação da investigação apropriada. É este tipo de actividade, que frequentemente envolve de uma maneira mais ampla a comunidade educativa, que melhor concretiza a ideia de aprender a aprender, subjacente à filosofia educativa dos novos programas, reunindo as condições que melhor respondem às características e necessidades educativas de todas as crianças e jovens, incluindo os alunos acima referidos. Incentivar os alunos a pesquisar e a tratarem a informação recolhida para posteriormente a apresentarem aos colegas, ou mesmo montar uma exposição para toda a escola, é sem dúvida uma forma de aprendizagem activa e desencadeadora de competências fundamentais para o "aprender a aprender". A biblioteca da escola é regra geral um local para os alunos (principalmente os mais novos) iniciarem as suas pesquisas. Com todos os ciclos de ensino, o professor poderá organizar visitas a bibliotecas fora da escola, explicando aos alunos a sua organização e funcionamento, incentivando-os a requisitar o material disponível. Sempre que possível, o professor poderá utilizar livros especializados em referências e organizar trabalhos de grupo ou individuais dentro ou fora da sala de aula e, conforme o ciclo de ensino, apelar para a pesquisa em: antologias, biografias, atlas, catálogos, dicionários, índices, enciclopédias, periódicos, anuários, etc. É fundamental incentivar os alunos a utilizar outras fontes de informação além dos livros, como por exemplo cassetes áudio e vídeo, gráficos, mapas e plantas, jornais e revistas, quadros, o rádio e a televisão, Internet, etc. Tassel (1980) sublinha a importância de facilitar oportunidades educativas aos alunos, para que eles apliquem as suas competências na resolução de problemas estruturados a partir da vida real, para tal, poderá o professor com os alunos mais velhos (3.° Ciclo), sobre um conteúdo programático específico motivar para a pesquisa em instituições fora da escola tais como: escritórios, universidades, galerias de arte e museus, embaixadas, organizações profissionais, centros científicos, agencias de viagem, hipermercados, etc. No levantamento de informações em locais como estes, os alunos tomam contacto com a vida activa e trabalham elementos retirados da realidade, o que se torna mais motivante para o empenhamento e gosto pelas aprendizagens. Os depoimentos de profissionais são fontes ricas, para pesquisas sobre vários temas e também uma boa forma do jovem contactar com as diversas profissões e assim, tomar consciência da necessidade em construir o seu próprio projecto de carreira e de vida. 27 5. Ter em atenção que os alunos sobredotados apreciam o reconhecimento e o elogio como todas as crianças e jovens Por vezes, os alunos sobredotados criam nos outros uma ideia ilusória de auto-suficiência e eficácia que dispensa o elogio pelos resultados obtidos. Esta ilusão decorre frequentemente da expressão da sua capacidade de apreciação crítica associada a desempenhos destacados. Chama-se a atenção, no entanto, para que as crianças e jovens sobredotados exercem de uma forma particularmente fina a sua capacidade crítica, não só sobre o resultado obtido como também sobre a natureza das apreciações (elogiosas) que o professor lhe fornece. Desta maneira, estes alunos têm tendência a reconhecer um elogio despropositado, integrando-o, por vezes, como depreciação da sua capacidade. O elogio atribuído à concretização de uma tarefa considerada fácil pela criança ou jovem suscita, regra geral, auto-inferências de falta de capacidade, gerando uma sensação de insegurança no aluno. 6. Assegurar uma boa relação entre a escola e o meio familiar A concretização deste objectivo produz ganhos importantes na qualidade das oportunidades educativas facultadas aos alunos, exigindo, no entanto, um esforço suplementar na estruturação da interacção estabelecida com o meio familiar dos seus alunos. Os pais, são os primeiros agentes educativos dos alunos e os que melhor conhecem as suas características e potencialidades, devendo por isso ser aliados da escola na construção do processo educativo do aluno. Esta questão é, pela importância de que se reveste, desenvolvida no quadro do ponto seguinte desta publicação. 28 3. INTERACÇAO ESCOLA-FAMÍLIA O envolvimento das famílias no processo de escolarização dos alunos tem sido visto como uma forma de contribuir para a produção efectiva de condições facilitadoras da igualdade de oportunidades. Em termos genéricos, os professores sempre manifestaram interesse em mobilizar a cooperação dos pais e encarregados de educação dos seus alunos, atribuindo frequentemente uma parte de responsabilidade de insucesso ao alheamento das famílias. Todavia, os termos desta cooperação nem sempre têm sido definidos com sucesso e de maneira satisfatória para ambas as partes, sendo comum ouvirem-se críticas e ressentimentos recíprocos. Os professores sentem, por vezes, que os pais são tentados a pronunciar-se sobre aspectos que os professores reclamam da sua especialidade técnica, designadamente no plano da organização e gestão dos conteúdos da aprendizagem e dos procedimentos avaliativos. Por seu lado, os pais elaboram, por vezes, representações desfocadas sobre o trabalho dos professores, considerando que a escola dos nossos dias não cumpre, "como antigamente" a função de instrução, acusando os professores, na maioria das vezes injustamente, de falta de dedicação ou de competência. Nesta secção procura-se delimitar as áreas de intervenção e os termos de uma cooperação frutuosa entre a escola e a família, indicando-se alguns procedimentos que o professor poderá adoptar na construção desta cooperação. 29 3.1. Razões para que se estabeleça a cooperação entre a escola e a família As razões enunciadas centram-se sobretudo nas famílias das crianças e jovens sobredotados, sendo naturalmente extensíveis às famílias de todas as crianças e jovens. OS PAIS E OS PROFESSORES DEVERÃO DESENVOLVER ESFORÇOS DE COOPERAÇÃO PORQUE: • Os pais encontram-se em melhores condições para identificar comportamentos característicos da sobredotação nos filhos, enquanto que a escola pode não se aperceber tão rapidamente quanto seria desejável dessas características; • A escola pode não se aperceber igualmente das competências e conhecimentos não escolares da criança ou jovem, que permitem sustentar de forma integrada e mais significativa a selecção de actividades, estratégias e recursos utilizados na sala de aula; • Os país conhecem bem as necessidades e interesses dos seus filhos. podendo partilhar essa informação com o professor, sempre na perspectiva de enriquecimento da qualidade das oportunidades educativas da escola; • O envolvimento dos pais na planificação e concretização de projectos geridos pela escola cria um envolvimento das famílias com repercussões favoráveis sobre as atitudes, representações, expectativas e níveis de aspiração dos alunos; • Muitos pais podem ter acesso e disponibilizar conhecimentos e recursos existentes na Comunidade que facilitem o desenvolvimento da qualidade das respostas educativas fornecidas pela escola. 3.2. Estruturação da cooperação entre a escola e a família Como foi referido, a cooperação entre a escola e a família tem-se processado por vezes de maneira equívoca e tem sido marcada por alguma crispação. Esta situação pode ser substancialmente alterada com a definição de algumas pistas orientadoras, no sentido de disciplinar ou estruturar os termos do envolvimento das famílias. Assim, é importante: 30 • Explicar aos pais. em reuniões convocadas para o efeito, o que se pretende fazer, o projecto educativo da escola. eventuais alterações sou adaptações dos conteúdos programáticos e modalidades de participação dos pais (recursos que podem disponibilizar, projectos específicos em que darão apoio directo, etc.); • Partilhar com os pais os resultados da observação e/ou avaliação formal e informal registados sobre o aluno, apresentando e discutindo com eles planos de intervenção subsequente; • Requerer a participação dos pais na inventariação e definição das áreas de interesse, hábitos e rotinas, particularidades emocionais e sociais dos filhos; • Comunicar à família projectos alternativos decididos relativamente aos alunos, inventariando aspectos em que os pais poderão colaborar; • Solicitar a participação directa dos pais nas actividades de enriquecimento e soluções educativas alternativas propostas, sempre que tal seja possível e se revelar desejável; • Incentivar a colaboração pais/professor, com a finalidade de enriquecer e diversificar actividades dentro da sala de aula, pedindo aos pais ou a outro familiar significativo (irmão mais velho, avó, etc.) que venham à sala de aula contar uma história, ensinar uma canção. ensinar a fazer um bolo. falar sobre a sua profissão ou ensinar a fazer algo relativo a ela, mostrar uma tradição/costume da sua cultura ou família bem como falar do seu país de origem, colaborar na elaboração de fatos para participação em actividades na escola (Carnaval, marchas, teatro, etc.), ensinar a fazer barro, etc.; • Manter os pais informados dos progressos realizados em todas as áreas e das dificuldades eventualmente sentidas; • Sugerir- aos pais a realização de actividades exteriores à escola. Não se trata de prescrever trabalho para casa, mas "trabalho em casa": ida a museus, espectáculos, exposições, etc. disponibilizando informação precisa, ainda que, breve, que ajude os filhos a progredir nos seus interesses e competências; • Finalmente, dar aos pais a oportunidade para se pronunciarem abertamente sobre a forma como vêem o trabalho da escola. A criação de um espaço de troca de opiniões, de uma forma franca, contribui para reforçar a confiança mútua entre a escola e a família, dando ainda oportunidade ao professor para esclarecer eventuais equívocos detectados nas representações dos pais que, de outro modo se manteriam. 31 Para além desta colaboração directa no enriquecimento da qualidade das oportunidades educativas disponibilizadas pela escola, a família desempenha um papel fundamental oportunidades (não na organização escolares) de e disponibilização desenvolvimento continuada dos seus de filhos, designadamente no que diz respeito à ajuda que poderão prestar no sentido de: Disciplinar e priorizar os investimentos de tempo dispensado pelos seus filhos em diversas actividades do seu interesse. Como foi referido, estas crianças e jovens desenvolvem investimentos muito prolongados, descurando por vezes o cumprimento de outras tarefas igualmente necessárias; Proporcionar oportunidades de contacto social com outras crianças e jovens. A tendência ao isolamento, que por vezes estes alunos manifestam, repercute-se de maneira perturbadora no desempenho social, dentro e fora da escola; Ajudar a criança ou o jovem a manter uma atitude equilibrada relativamente às actividades escolares e às actividades recreativas. Regra geral, estes alunos tendem a assumir responsabilidade excessiva, gerindo mal a ansiedade decorrente da pressão que essa responsabilidade impõe, necessitando, por isso, do apoio dos pais na construção de uma atitude mais equilibrada de gestão das responsabilidades; Ajudar a criança ou o jovem a relacionar-se de maneira mais confortável (menos frustrante) com as situações de fracasso, ajudando-o a encontrar soluções alternativas e a relativizar a importância dos acontecimentos que traduzem insucesso. 32 CONCLUSÃO Nesta publicação não se pretende visar outros objectivos que não seja a sensibilização dos professores para a problemática da sobredotação, contribuindo desse modo para um maior conhecimento das características e das necessidades das crianças e jovens sobredotados em idade escolar, bem como para o conhecimento de algumas pistas processuais e soluções educativas mais ajustadas àquelas características e necessidades. Neste sentido, tendo em conta as limitações próprias de uma publicação desta natureza, procurou-se evitar uma ênfase excessiva sobre aspectos teóricos decorrentes da investigação realizada até ao momento neste domínio. Insistiu-se antes na definição, tanto quanto possível, de conceitos com valor operacional, susceptíveis de contribuir para a estruturação de uma intervenção educativa mais gratificante. Uma última palavra para sublinhar a flexibilidade das propostas de trabalho aqui apresentadas que, embora visando fundamentalmente o ajustamento da qualidade das respostas educativas produzidas pela escola relativamente aos alunos sobredotados, poderão contribuir para a construção de uma prática pedagógica mais centrada nas particularidades psicológicas, sociais e cognitivas que fazem de cada criança e jovem um sujeito único, cujo direito à diferença e à valorização das suas potencialidades e competências deverá constituir a finalidade central do sistema educativo. 33