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Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São
Pedro - CEP 30330-080
Belo Horizonte - MG - Brasil
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GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Narcio Rodrigues
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José
Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo
Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador
Presidente: João Francisco de Abreu
Membros: Afonso Henriques Borges, Anna Bárbara
de Freitas C. Proietti, Evaldo Ferreira Vilela, Francisco
Sales Dias Horta, Giana Marcellini, José Cláudio
Junqueira Ribeiro, José Luiz Resende Pereira, Magno
Antônio Patto Ramalho, Paulo César Gonçalves de
Almeida, Paulo Sérgio Lacerda Beirão,
Rodrigo Corrêa de Oliveira
Inovação
é a meta
No dicionário Aurélio, há dois significados para a palavra inovar: 1) renovar
e 2) introduzir novidade. Foi exatamente com base no significado de inovação, tão
familiar às atividades da FAPEMIG, que a equipe da Minas faz Ciência decidiu
rechear as páginas da revista de novidades. A partir desta edição, o leitor tem uma
publicação mais leve, moderna e cheia de boas novas.
Você vai conhecer a seção “Cinco perguntas para”, que apresenta entrevistas curtas e diretas com personalidades do meio científico. A última página trará
uma novidade a cada edição, revelando que a Ciência pode ser vista sob diversos
ângulos, como a arte e a literatura, por exemplo. Neste número, uma foto mostra a
harpia, a ave de rapina mais forte do mundo, encontrada nas florestas brasileiras.
A página de notas ganha o nome de “Curtas da Ciência”, com novo visual e textos
mais breves e diretos, e o leitor passa a acompanhar dicas de livros e filmes relacionados ao mundo científico, na seção “Leituras”.
No conteúdo, o leitor continua conferindo o que tem sido produzido de
melhor na Ciência, Tecnologia e Inovação em Minas Gerais, que é destaque no
âmbito nacional e importante representante do Brasil no cenário internacional.
Você poderá conferir, por exemplo, os avanços na pesquisa paleontológica, em
Uberaba, com sua mais recente descoberta: o Campinasuchus dinizi, um crocodilo pré-histórico, cujos fósseis foram descobertos por um fazendeiro da região.
Na entrevista com o renomado pesquisador e colunista da Folha de S. Paulo,
Marcelo Gleiser, o leitor vai acompanhar, entre outros assuntos, o debate sobre
a divulgação científica no País, o papel das novas tecnologias na atualidade e a
relação entre razão e mito, um dos temas do mais novo livro de Gleiser, lançado
em parceria com Frei Betto.
A Ciência no cinema, bem como a rica e forte relação entre os dois elementos ao longo da história, são discutidos em uma das reportagens, sob a ótica de
profissionais e especialistas da área. O leitor também vai conhecer um projeto
multidisciplinar que levantou os hábitos e a cultura de comunidades quilombolas
do Norte de Minas e se informar sobre trabalhos desenvolvidos em áreas como
segurança pública, mobilidade urbana, recursos hídricos e educação.
As novidades também ultrapassam as páginas da revista e chegam ao blog
(http://fapemig.wordpress.com) que acaba de ser lançado para ampliar o Programa de Divulgação Científica da FAPEMIG, que tem o mesmo nome da revista:
Minas faz Ciência. A partir de agora, o público poderá conferir na internet,
informações diversas e dicas do universo científico, além de assistir reportagens
do programa Ciência no ar e ouvir as pílulas de rádio do Ondas da Ciência.
Tudo isso, com uma identidade visual moderna e desenvolvida especialmente
para despertar no leitor a percepção da ciência como elemento do cotidiano.
Confira nas próximas páginas todas as novidades que preparamos. Você,
leitor, também é fundamental nesta mudança. Diga-nos o que achou, escreva seus
comentários no blog, envie suas sugestões. Queremos, mais que fazer ciência,
mostrar o quanto ela está próxima de todos e pode ser uma agradável companhia.
Ela te espera nas páginas seguintes!
AO LEI TO R
EX P ED I EN T E
MINAS FAZ CIÊNCIA
Assessora de Comunicação Social e Editora Geral:
Ariadne Lima (MG09211/JP)
Editor Executivo: Fabrício Marques
Assessora Editorial: Vanessa Fagundes
Redação: Ariadne Lima, Fabrício Marques, Vanessa
Fagundes, Juliana Saragá, Maurício Guilherme Silva Jr.,
Ana Flávia de Oliveira, Hely Costa Jr., Kátia Brito (Bolsista
de Iniciação Científica).
Ilustrações: Beto Paixão
Revisão: Glísia Rejane
Projeto gráfico: Hely Costa Jr.
Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: Lastro Editora
Tiragem: 20.000 exemplares
Fotos: Marcelo Focado/Gláucia Rodrigues
Capa: Hely Costa Jr., sobre ilustração de Rodolfo Nogueira
Í N D I CE
12
Engenharia
de Trânsito
06
Especial
35
Educação
40
Cinema e Ciência
Núcleo de Transportes da UFMG
busca alternativas viáveis para
melhoria da mobilidade urbana
em BH.
16
Paleontólogos descobrem
no Triângulo Mineiro fósseis
do crocodilo pré-histórico
Campinasuchus dinizi.
Tecnologias
florestais
Estudos para a preservação das
florestas brasileiras rendem
prêmio ao cientista José Roberto
Scolforo.
20
ENGENHARIA
DE ALIMENTOS
32
Sistema de gestão
desenvolvido na UFV
permite redução de resíduos
na indústria de laticínios
23
Violência
monitorada
28
Produto que higieniza jaleco
usado por profissionais da saúde
evita contaminações fora dos
hospitais.
39
Lembra dessa?
Solenidades no Centro
Administrativo e Assembléia
Legislativa do Estado marcam as
comemorações dos 25 anos da
FAPEMIG.
46
Quilombolas
Entrevista
48
Leituras
49
5 perguntas Para...
Polícia mineira trabalha em
conjunto para diminuir os índices
de violência no Estado.
26
Saúde
Projeto desenvolvido com
estudantes mineiros mostra
que os saberes científicos
cabem no salão de beleza.
Radiação eletromagnética
consegue prever o escurecimento
de batatas e auxiliar na
reprodução de animais.
História
O físico Marcelo Gleiser discute
as dimensões da Ciência e sua
capacidade de aproximar o
homem do universo.
Retrato de comunidade quilombola
do Norte de Minas revela traços
importantes da cultura negra.
Minas Faz Ciência indica os livros
“Superstições” e “Quântica para
iniciantes”.
Carlos Nobre, do Ministério da
Ciência e Tecnologia, que fala
sobre o clima e os desastres
naturais
A intensa relação entre os dois
campos ilumina a vida para muito
além do aconchegante escurinho
das salas de projeção.
Sou aluno de um curso preparatório para
vestiulares. Por meio dos professores
da escola conheci a revista MINAS FAZ
CIÊNCIA e me interessei muito pelos temas abordados. Também considero esta
publicação uma fonte confiável.
Hailton da Cruz Rocha
Estudante
Ibirité/MG
MINAS FAZ CIÊNCIA é importante, pois
traz os avanços científicos de Minas Gerais, o que é de fundamental importância
para o Centro Mineiro de Referência em
Resíduos (CMRR) e principalmente por
nos deixar em contato direto com as pesquisas que têm sido feitas no Estado.
Joicely
Centro Mineiro de Referência em Resíduos
Belo Horizonte/MG
Como mineiro graduado em Engenharia
Química na UFMG em 1982, posso dizer
com propriedade o “antes tarde do que
nunca”, pois só agora descobri a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, já na edição 43,
junto à outras publicações na sala de café
aqui da Faculdade de Engenharia Química
da Unicamp onde sou docente desde 1995.
Sou professora de Biologia da Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais e gostaria
muito de receber a MINAS FAZ CIÊNCIA.
Conheci um exemplar através de um amigo
e achei muito interessante, as minhas aulas
podem ficar muito mais ricas e atualizadas.
Priscilla Siqueira Paes
Professora
Porto Firme/MG
Sou aluna do segundo período do curso de
Enfermagem da UFVJM. A minha professora de Metodologia Científica falou muito
bem a respeito da MINAS FAZ CIÊNCIA
com a nossa turma, e eu gostaria de saber
se seria possível eu receber os exemplares em minha residência. Muito obrigada
desde já.
Daiana Aparecida Ribeiro Vieira
Estudante
Diamantina/MG
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tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é
permitida, desde que citada a fonte.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
5
CARTAS
Parabéns pela publicação e gostaria de
saber como faço para recebê-la aqui em
Campinas-SP.
Everson Alves Miranda
Professor
Campinas/SP
Olá, me chamo Ednei e sou aluno do curso de Biologia e Meio Ambiente na Escola Superior de Biologia e Meio Ambiente
(Esma) e tive a oportunidade de conhecer
a Revista Minas faz Ciência que possui um
ótimo conteúdo.
Ednei Lopes Camargos
Estudante
Iguatama/MG
Crédito da ilustração: Rodolfo Nogueira
A incrível aventura do
ESPECIAL
crocodilo
pré-histórico
Conheça a história do Campinasuchus dinizi, cujos fósseis
foram localizados no Triângulo Mineiro, tornando-se a mais
nova descoberta da paleontologia no Brasil
Fabrício Marques
No Triângulo Mineiro, em um dia do
ano de 2009, Amarildo Martins Queiroz
andava pela fazenda Três Antas, de sua
propriedade, observando o movimento do
gado, quando decidiu olhar para o chão
onde as vacas pastavam. Percebeu ali alguns ossos diferentes, algo que nunca tinha visto, distinto dos restos mortais dos
animais que conhecia. Lembrou-se que,
a 300 quilômetros de Campina Verde, no
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
distrito de Honorópolis, onde se localizava
a fazenda, havia Peirópolis, um bairro de
Uberaba, e, lá, o Museu dos Dinossauros.
Amarildo resolveu levar sua nova descoberta a alguém que pudesse auxiliá-lo a
desvendar o sentido daqueles ossos. Foi
então que procurou pelo geólogo Luiz Carlos Ribeiro, pesquisador da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e
responsável pelo museu em Peirópolis.
Ao se ver diante de um pedaço do
crânio de um animal até então desconhecido, Luiz Carlos exultou. Ele sabia que
não é raro que leigos encontrem fósseis, e
o fazendeiro Amarildo acabara de encontrar, na superfície do solo de sua fazenda, diversos fósseis que, inocentemente,
eram pisados pelo gado. Logo viu tratar-se de um crocodilo, que vivera naquela
região há milhões de anos.
De acordo com Ribeiro, o sítio paleontológico Três Antas pode ser considerado o mais novo “Lagerstatten” continental
brasileiro. Em outras palavras, Três Antas
apresenta alta concentração de fósseis
em bom estado de preservação, materiais
completos, articulados e que nos contam
detalhes da história biológica da vida durante o Cretáceo Superior nas áreas continentais do Brasil. A descoberta desse sítio
aponta para ambientes denotando uma
mortandade em massa provavelmente advinda de momentos de estresse térmico e
diminuição extrema ou escassez de água
em períodos de extrema aridez da bacia.
Quando ocorre uma descoberta
como essa, os pesquisadores comparam
esses fósseis com todas as espécies do
mundo, para ver se já existe alguma classificação do indivíduo pré-histórico. Feito
esse trabalho, partem para classificá-lo,
batizando-o em gênero e espécie. Foi o que
aconteceu em Campina Verde: o indivíduo
ali descoberto recebeu o nome científico
de Campinasuchus dinizi – o sobrenome
teve o intuito de homenagear um filho de
Amarildo que morreu ainda criança, Izonel
Queiroz Diniz Neto.
Em seguida, um artigo é publicado
em uma revista que seja referência na área,
sendo que a publicação é avalizada por
três pareceristas independentes. A descoberta de Campina Verde foi publicada na
Zootaxa, em maio de 2011, quase um ano e
meio depois que partes do Campinasuchus
dinizi foram identificadas.
Às vésperas do Natal de 2009, em
uma primeira expedição de reconhecimento, uma equipe de pesquisadores da UFTM
dirigiu-se à Campina Verde em busca de
melhor conhecer as ocorrências da Fazenda
Três Antas. Acompanhados pelo proprietário Amarildo Queiroz, os cientistas ficaram
surpresos face à riqueza e significância desse novo Sítio Paleontológico. Mais tarde, o
proprietário construiria uma cerca para proteger a área do pisoteio do gado, evitando
assim a destruição dos fósseis.
Mas somente em maio de 2010 é que
se realizou a primeira escavação sistemática
para efetivamente se conhecer o potencial
fossilífero daquela localidade. O paleontólogo Ismar de Souza Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
integrou esta equipe de campo, se mostrando muito impressionado com o novo jazigo
fossilífero datado de 90 milhões de anos, do
qual provém alguns dos mais impressionantes fósseis terrestres do Brasil.
Desde então, Ismar Carvalho e o
geólogo Luiz Carlos iniciaram os estudos
destes materiais. Não é por acaso que
geólogo e paleontólogo trabalham juntos
nessas expedições. “Mais do que um diálogo, eles são complementares”, explica
Ismar. E completa: “Muitos de nossos
paleontólogos têm uma formação inicial
como graduados em geologia, o que possibilita uma plena integração no processo
de estudo dos fósseis. O trabalho geológico mostra-se fundamental para a contextualização das ocorrências dos fósseis,
possibilitando assim a reconstituição dos
cenários de vida e o entendimento da
temporalidade representada pelos registros paleobiológicos”.
O trabalho geológico
mostra-se fundamental
para a contextualização das
ocorrências dos fósseis,
possibilitando assim a
reconstituição dos cenários
de vida e o entendimento
da temporalidade
representada pelos registros
paleobiológicos”.
Ismar de Souza Carvalho,
paleontólogo da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Foto: Arquivo Museu dos Dinossauros/UFTM
Amarildo Queiroz, na fazenda Três Antas,
local da descoberta do fóssil
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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Fotos: Arquivo Museu dos Dinossauros/UFTM
Na sequência de fotos: primeiro, equipe do Complexo de Peirópolis escava em buca de fóssil; fóssil é
examinado; equipe transporta esqueleto articulado protegido pelo gesso
Para Ismar Carvalho, a descoberta
de Campinasuchus encontra-se no contexto de uma “assembleia de morte”, na qual
muitos crocodilos foram preservados com
o esqueleto articulado e praticamente completos, possibilitando assim o entendimento detalhado de aspectos fisiológicos e da
dinâmica de vida dos crocodilos terrestres
que habitaram o interior de Minas Gerais
no passado geológico de nosso planeta. É
possivelmente o mais importante jazigo fossilífero encontrado no Brasil nos últimos 10
anos, e que representa uma verdadeira janela para o entendimento dos ecossistemas
terrestres há 90 milhões de anos.
“Os fósseis que têm sido descobertos
em Minas Gerais demonstram uma fauna
peculiar e distinta da encontrada no hemisfério norte, reforçando a concepção de uma
territorialidade da vida no decurso do tempo
e uma identidade para a Paleontologia brasileira”, observa o cientista da UFRJ.
Muito embora os fósseis de Campina Verde tenham sido descobertos pelo
fazendeiro, não se pode dizer que a maioria
das descobertas de fósseis se dá por populares, como alerta Ismar: “Muitos fósseis
resultam de um trabalho sistemático de
pesquisa, que geralmente se inicia com o
trabalho de mapeamento geológico. Devemos ressaltar que a paleontologia também
tem um vertente de estudo voltada para a
atividade industrial, como é o caso de sua
aplicação na prospecção de hidrocarbonetos. Neste caso muitos novos fósseis são
descobertos - os microfósseis - e o mérito
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é exclusivo dos geocientistas envolvidos
em tais estudos”.
Em novembro de 2010 novas escavações foram realizadas. Esqueletos articulados foram recuperados e engessados,
a fim de serem transportados até Peirópolis para se dar início à próxima etapa
que compõe a pesquisa paleontológica,
a preparação dos fósseis. Esse trabalho
acontece no laboratório, e em síntese
constitui-se da retirada do fóssil da rocha
matriz que o contém. A técnicas e os cuidados necessários para essa tarefa estão
a cargo do técnico João Ismael da Silva,
com 20 anos de experiência.
João Ismael observou o bloco sustentado pela fôrma de gesso e viu, em sua superfície, tal qual um iceberg, pedaços de um
fóssil. Até aquele momento, nem ele, nem
nenhum dos pesquisadores ainda sabia que
a descoberta remetia ao Campinasuchus
dinizi, da família Baurusuchidae, família
esta reconhecida pelo renomado Llewellyn
Ivor Price em 1945, o patriarca dos paleontólogos de Uberaba. Os baurusuquídeos
são Crocodyliformes terrestres predadores,
situados geologicamente na Bacia Bauru
(Grupo Bauru - Formação Adamantina),
com idade de 90 milhões de anos. Também
até aquele momento, só se conheciam os
seguintes baurusuquídeos do Brasil: Baurusuchus (B. pachecoi; B. salgadoensis; B.
albertoi) e Stratiotosuchus maxhechti, sendo que todos provêm do Grupo Bauru, Formação Adamantina, Cretáceo Superior de
São Paulo. Na Argentina, merecem registro
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
os baurusuquídeos Cynodontosuchus rothi
e Wargosuchus australis.
João Ismael divide Peirópolis em
A.M. e D.M., ou seja, Antes do Museu e
Depois do Museu do Dinossauro. O marco que colocou o bairro de 250 moradores no mapa da paleontologia nacional é
hoje conhecido como Complexo Cultural
e Científico de Peirópolis da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM),
instituição que encampou os esforços do
professor Luiz Carlos à fim de dar visibilidade ao patrimônio da região e incluir
os moradores da comunidade nos trabalhos do Complexo.
Luiz Carlos atribui a dois eventos o
fato de ter sua história pessoal ligada a Peirópolis: é que o primeiro dinossauro foi encontrado na Fazenda Mangabeira, de seu bisavô, em 1945. E, em segundo lugar, sendo
filho de fazendeiros dedicados ao agronegócio, preferiu seguir a sugestão de seu tio, um
dos mais importantes jornalistas brasileiros,
José Hamilton Ribeiro, que abriu os olhos
do sobrinho para a geologia. Luiz Carlos fez
o curso na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e voltou para sua terra natal,
em 1988. São, portanto, mais de duas décadas dedicadas a pesquisas e descobertas
de fósseis. Tanta dedicação foi recompensada: o maior dinossauro brasileiro leva seu
sobrenome, o Uberabatitan ribeiroi. Ele foi
um dos últimos do planeta, viveu até cerca
de 65 milhões de anos atrás, momento em
que uma grande extinção em massa dizimou
70% de toda vida existente na Terra.
“Neste caso em especial, o fóssil
transcende sua própria importância científica”, diz Ribeiro, numa manhã de 16
de junho deste ano. Enquanto dirige seu
carro a caminho do Complexo de Peirópolis, ele explica seu ponto de vista. “Em
Peirópolis os fósseis têm-se mostrado
como eficazes ferramentas de revitalização sócio-econômico-cultural. Através do
geoturismo, os moradores transformaram
suas realidades de vida. A Ciência deve
servir à sociedade e dentro do possível
ter a máxima aplicação para o bem estar
das pessoas”. Por conta disso, há todo
um empenho para que o potencial turístico seja cada vez mais potencializado a
partir da divulgação de cada nova descoberta. Uma busca no Google revela que a
pequena Peirópolis tem mais citações no
âmbito da paleontologia do que a cidade
que a abriga, Uberaba.
Em Peirópolis, juntou-se a nós o médico patologista Vicente de Paula Antunes
Teixeira, coordenador do Complexo desde
2009. Dali, nosso destino era a Caieira, também denominado Ponto 1 do Price, distante
2 km ao norte do bairro, localizado em uma
fazenda particular, onde uma equipe de escavação, composta de cinco funcionários –
todos da comunidade – se via às voltas com
marretas, ponteiros, pincéis e um martelete
com gerador (uma recente aquisição para
acelerar a procura dos fósseis).
Por volta de 11 horas da manhã, o
guia turístico Plínio Lopes dos Anjos conduzia 20 crianças de Patrocínio (município
que dista 200 quilômetros de Uberaba), em
excursão para conhecer as escavações. Ali,
eles podiam perceber os cinco trabalhadores na encosta, que há milhões de anos
constitui paisagem muito distinta de hoje,
o que os geólogos chamam de bacias sedimentares. Em um contexto do passado
representa ambientes geológicos formados
por sucessões de depósitos de rios que
drenavam a região e juntamente com os
sedimentos também eram arrastados os
restos dos animais pré-históricos que ali
viviam. Agora, o que se vê são rochas sedimentares onde a areia dos rios está cimentada com carbonato de cálcio que por vezes
constituem verdadeiros pacotes de calcário,
sedimentos estes formados de substâncias
químicas fundamentais para o processo de
fossilização. Todo este pacote de rochas
recebe o nome de Formação Marília, com
fósseis de 65 a 72 milhões de anos.
“Por que em Uberaba se acha mais
fóssil?”. Se algum desavisado pergunta, Luiz Carlos já tem a resposta pronta:
“Porque se escava mais”. E aponta para a
encosta, brilhando no céu claro de junho:
“daqui saíram três dinossauros, três crocodilos e em breve uma nova rã deverá
ser descrita. Desses, um pequeno dinossauro carnívoro pertencente ao grupo dos
Maniraptoriformes, dois dinossauros herbívoros titanossauros: Baurutitan britoi,
Trigonosaurus pricei, os crocodyliformes:
Peirosaurus tormini, Itasuchus jesuinoi e
Uberabasuchusus terrificus. Uma nova espécie de ovo de titanossauro também deverá ser apresentada em breve, proveniente
deste ponto: é muita relevância científica
para uma única localidade”.
“Em Peirópolis os fósseis
têm-se mostrado como
eficazes ferramentas
de revitalização sócioeconômico-cultural. Através
do geoturismo os moradores
transformaram suas realidades
de vida. A Ciência deve
servir à sociedade e dentro
do possível ter a máxima
aplicação para o bem estar
das pessoas”.
Luiz Carlos Ribeiro,
pesquisador da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM) e responsável pelo museu em Peirópolis.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
9
Fotos: Arquivo Museu dos Dinossauros/UFTM
Além da FAPEMIG, também apoiam a
pesquisa a Fundação Carlos Chagas Filho
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (Faperj), o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e a Henkel do Brasil.
Reconstituição
Em poucos meses, uma animação em
3D será apresentada no Rio de Janeiro para
divulgar como era e como vivia o Campinasuchus dinizi. Com os recursos dessa tecnologia, os espectadores poderão conhecer
melhor esse animal essencialmente terrestre comprovado pelos membros longos e
retos, olhos laterais, narinas frontais, cauda
cilíndrica e poucos osteodermos, o que o
tornava mais leve e ágil e cauda mais curta.
O fóssil de Campinasuchus foi encontrado com fragmentos de rochas em
sua porção abdominal, ou seja, gastrólitos
que ajudariam na trituração e digestão de
alimentos. Os membros anteriores e posteriores eram muito compridos, possivelmente adaptados para ter uma postura ereta, diferente aos jacarés atuais que apoiam
o peito no chão durante seu deslocamento. Possivelmente foi muito ágil e sua
principal fonte de alimento eram peixes,
tartarugas, assim como também pequenos
crocodyliformes e dinossauros herbívoros
de pequeno tamanho.
Quem trabalha nessa reconstituição é
o paleoartista Rodolfo Nogueira, de 24 anos,
contratado pela multinacional Henkel do Brasil, que há 15 anos é parceira do Museu dos
Dinossauros. Ele é formado em desenho industrial pela Unesp, de Bauru, e tinha 6 anos
quando o Museu em Peirópolis foi inaugurado. Com 12 anos, fez sua primeira paleoarte, e não parou mais. Na reconstrução, ele
trabalha com espuma floral, que é o material
usado para construir a réplica.
A exibição do minidocumentário em
3D é uma estratégia pensada também para
atrair novas gerações ao poder da paleontologia – do grego palaios = antigo –, a
ciência que estuda os fósseis.
É a mesma motivação que reúne um
grupo de bolsistas de iniciação científica em
torno do Complexo de Peirópolis, todos –
com exceção de Lívia – graduandos na UFTM:
a estudante de Engenharia Ambiental Patrícia
10
Acima, reconstituição do Campinasuchus, feita por Rodolfo Nogueira;
abaixo, o pesquisador Luiz Carlos examina peça do crocodilo
Fonseca Ferraz, 20 anos e a estudante de Biologia Isabella Cardoso Cunha, 21 participam
das pesquisas há quatro anos. O estudante de
Geografia Gabriel Cardoso Cunha, 23, e a enfermeira Lívia Ferreira Oliveira, 26, chegaram
há um ano. A doutora em Patologia Mara Lúcia
da Fonseca Ferraz, que chegou a Peirópolis na
mesma época que o professor Vicente, reconhece neles um grupo curioso e empolgado,
com muito trabalho pela frente: “Ainda há 80
mil anos de pesquisa”, comemora.
Gabriel, Isabella e Patrícia também
assinam o artigo na revista Zootaxa, e todos
eles, de uma forma ou de outra, têm boas
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
lembranças do dia da descoberta do Campinasuchus. Gabriel participou das escavações
dos fosséis do crocodilo e da preparação
para exposição. “Foi meu primeiro trabalho
de campo, já resultando em uma grande descoberta. Foram dias cansativos de trabalho
braçal, porém tudo foi muito recompensador,
pelo grupo em que estávamos, pelo local de
escavação (cheio de fósseis) e pelo motivo de
estarmos ali (uma nova espécie)”, afirma.
Isabella conta que conheceu o campo
de Campina Verde em 2010, na segunda
expedição ao local. “Conosco estava o professor Ismar de Souza Carvalho e alguns da
nossa equipe de Peirópolis, juntamente com
o argentino que nos auxilia na pesquisa,
Agustín Martinelli. O local é de extrema beleza, visto que, a cada passo encontrávamos
fósseis em todos os lados. Frágeis, tomávamos bastante cuidado, utilizando apenas um
pincel para separarmos a rocha do fóssil”.
Ela se recorda que, enquanto isso, outros
profissionais desbravavam um crocodilo
encontrado. “A imprensa também estava
presente e todos ficaram muito empolgados
com tudo o que poderíamos estudar daquele
local. Apesar da viagem ter sido cansativa,
voltamos com muitos planos em mente para
vários anos seguintes”.
O contato com a paleontologia modificou a visão de mundo de Isabella: “Hoje
posso dizer que levo comigo outra visão
sobre várias coisas no mundo. Uma rocha
deixou de se tornar uma pedra e um osso
se tornou uma expectativa para uma descoberta muito maior, o nosso passado. Uma
tartaruga simboliza pra mim, hoje, algo de
extrema beleza e de fundamental importância para compreendermos a nossa frágil
Cambaremys langertoni, dentre outros”.
EQUOTERAPIA
EM PEIRÓPOLIS
Com a estruturação do Polo de
Pesquisas e Centro de Equoterapia do
CCCP/UFTM de Peirópolis, a fisioterapeuta Ana Paula Espíndula pretende beneficiar, através das pesquisas
desenvolvidas, um número maior de
crianças, além de adultos. Atualmente,
o trabalho financiado pela FAPEMIG
beneficia, de forma indireta, em média
200 crianças com paralisia cerebral,
síndrome de Down e com atraso no desenvolvimento intelectual, atendidas na
Equoterapia da Apae de Uberaba. O trabalho teve início em novembro de 2009 e os dados coletados até
junho deste ano, por meio do eletromiógrafo - um equipamento que mensura
a contração muscular – permitiram verificar se a prática da Equoterapia é eficaz para o grupo de crianças estudadas
e qual o melhor tipo de material de montaria para as sessões dessas crianças.
Para a estudante, a paleontologia não é simplesmente uma cultura de sua cidade, ela
complementa a história perdida na Terra. Ela
diz que tem muito orgulho de fazer parte de
um estudo tão importante e de estar em uma
equipe tão preparada e amiga como a de
Peirópolis. “Espero não só continuar com a
minha bolsa de iniciação científica sobre paleontologia, como também me preparar para
meu campo de trabalho que tanto admiro”.
Tudo somado, o contato com a paleontologia parece criar um laço invisível
com a Infância da Terra. Talvez por isso,
o paleoartista Rodolfo Nogueira diga,
enquanto trabalha na reconstrução do
crocodilo pré-histórico: “ainda não saí
da fase de gostar de dinossauros”. Um
pensamento que o coordenador do Complexo de Peirópolis, o professor Vicente,
reconheceria, observando a equipe de
escavação procurando fósseis na Caeira,
e as crianças de Patrocínio se deliciando com suas descobertas, numa manhã
de junho - ao lembrar de uma frase do
romancista Tom Robbins: “Nunca é tarde
para ter uma infância feliz”.
Foto: Arquivo Museu dos Dinossauros/UFTM
O paleoartista Rodolfo
Nogueira examina o crânio
do crocodilo pré-histórico
PROJETOS DA FAPEMIG
Projeto: Museu dos dinossauros: Popularização e divulgação da Paleontologia na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia
Coordenador: Vicente de Paula Antunes Teixeira
Modalidade: Popularização da Ciência e Tecnologia
Valor: R$ 43.890
Projeto: Museu dos dinossauros – Ampliação e revitalização do Complexo Científico-Cultural de Peirópolis
Coordenador: Vicente de Paula Antunes Teixeira
Modalidade: Popularização da Ciência e Tecnologia
Valor: R$ 169.404
Projeto: Museu dos dinossauros: Paleontologia ao alcance de todos
Coordenador: Mara Lúcia da Fonseca Ferraz
Modalidade: Popularização da Ciência e Tecnologia
Valor: R$ 178.710 Projeto: Efeitos da Equoterapia em pessoas com paralisia cerebral espástica
Coordenador: Vicente de Paula Antunes Teixeira
Modalidade: Edital Universal
Valor: R$ 31.083
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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ENGENHARIA DE TRÂNSITO
Contra as buzinas
do apocalipse
Estudos do Núcleo de Transportes da Escola de Engenharia da UFMG
buscam discutir a mobilidade urbana e, consequentemente, melhorar a
qualidade de vida dos cidadãos
Maurício Guilherme Silva Jr.
Em Socráticas, seu livro póstumo, o
escritor, pensador e crítico literário José
Paulo Paes (1926-1998) publicou um poema que, à luz dos atuais acontecimentos,
poderia ser chamado de “premonitório”.
Para explicar o (novo) fim dos tempos, o
autor paulista vaticina, de modo irônico,
nos breves – mas profundos – versos de
Apocalipse: “O dia em que cada habitante da China tiver o seu Volkswagen”. Para
além de sua intensidade estética, o chiste
12
poético de Paes acaba por “fotografar” o
cenário que, dia a dia, parece estar mais
próximo das megalópoles e suas vastas populações: caso não se invista na
redução do número de veículos em vias
públicas, assim como na instauração de
produtos, princípios e projetos inovadores de mobilidade urbana, o crepúsculo
dos tempos parece não demorar.
Afora necessárias mudanças comportamentais, o antídoto à tenebrosa
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
predição realizada já na abertura desta
reportagem parece estar, com ênfase, no
investimento em pesquisas científicas
e tecnológicas. Trata-se, em suma, de
estudos capazes de não só diagnosticar
os problemas viários das gigantescas
cidades, como de apresentar criativas e
solidárias soluções para melhoria dos
fluxos de veículos e pedestres, o que, de
diversos modos, resultará em melhoria
da qualidade de vida dos cidadãos. “O
que se busca é a gerência de mobilidade,
por meio da redução da necessidade do
uso do automóvel. Para tal, é imprescindível que se invista em veículos como a
bicicleta e em melhoria do transporte público”, ressalta Heloisa Maria Barbosa,
professora do Departamento de Engenharia de Transporte e Geotecnia (ETG)
da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O comentário da pesquisadora vai
ao encontro dos princípios e metas dos
muitos projetos desenvolvidos há décadas
no ETG, por meio de seu Núcleo de Transportes (Nucletrans), com vistas à melhoria
das condições de mobilidade urbana em
diversas cidades brasileiras. Criado em
1995, o órgão é responsável por estudos
em torno de temáticas como acessibilidade, segurança e logística. Trata-se de investigações concebidas, muitas vezes, por
meio de convênios de cooperação técnica,
firmados com organismos governamentais
e empresas privadas, ou a partir de recursos provenientes do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e da FAPEMIG.
Ao longo dos anos, os pesquisadores do Nucletrans investiram em pesquisas
para execução de importantes projetos
relacionados ao transporte público e ao
tráfego da Região Metropolitana de Belo
Horizonte, a exemplo do estudo de viabilidade da extensão do trem metropolitano
até a região de Venda Nova. Outra proposta
do Núcleo resultou na inovadora iniciativa
Pesquisa BH, que busca identificar a opinião de moradores acerca da qualidade de
vida urbana nas diversas regiões da capital
mineira, além de realizar o raio-X das condições de acesso a locais de interesse.
Bicicletas e bicicletários
Tais projetos ressaltam, aliás, um dos
focos mais importantes das pesquisas, na
UFMG e outras instituições do País, que
pretendem diagnosticar e apresentar soluções aos atuais problemas de mobilidade
urbana: compreender os modos e razões de
uso do espaço público para, então, agir de
modo eficiente. Como exemplo da importância de cumprir tais etapas para implantação de propostas eficazes, pense o leitor
numa das mais discutidas alternativas ao
uso do carro nos grandes centros: a lúdica
e polêmica bicicleta. Para que tal veículo –
barato e nada poluente – torne-se realidade
no dia a dia das metrópoles, seria necessária apenas, a construção, por exemplo,
de ciclovias e bicicletários? Não há, claramente, como responder de forma simples a
tão complexa questão. Afinal, bem antes de
se concretizarem os “produtos”, há que se
investir, em primeiro lugar, na compreensão
das reais demandas da população.
Indícios interessantes sobre o quê
pensar acerca da questão foram apresentados em pesquisa desenvolvida no ETG
como Trabalho de Conclusão de Curso de
autoria da aluna Catarina Miranda Sampaio
e Castro – sob orientação da professora
Heloisa Maria Barbosa. O estudo revelou
números e análises qualitativas bastante
promissoras com relação ao uso de bicicletas por frequentadores da Estação BHBus de Integração Metrô-Ônibus Vilarinho,
em Belo Horizonte. “Buscava-se compreender os porquês de as pessoas usarem,
ou não, as bicicletas no cotidiano. Neste
sentido, o que faltaria para que passassem
a usufruir do veículo? Vias apropriadas?
Bicicletários?”, questiona a professora.
A partir de entrevistas realizadas com
os passageiros da Estação – feitas com
base em questionários de metodologia especial –, percebeu-se que a temática da segurança, em diversos sentidos, revelava-se
como elemento fundamental à discussão:
31% dos cidadãos abordados pelo estudo
não usariam bicicletas, de suas casas à
unidade do BHBus, em função, justamente,
dos problemas de insegurança pública e –
outro lado da mesma moeda – por conta
dos perigos inerentes ao circular no trânsito da capital mineira: “Foi possível perceber, a partir daí, que ações aparentemente
paralelas, como a melhoria do policiamento nas ruas ou a instalação de bicicletários
controlados, na Estação, seriam capazes de
estimular as pessoas ao uso da bicicleta”,
comenta a professora.
Os outros números da pesquisa, no
que tange às possíveis ações necessárias
à efetivação das bicicletas como meio de
transporte diário das pessoas, disseram
respeito a exigências como instalação de
“Foi possível perceber,
a partir daí, que ações
aparentemente paralelas,
como a melhoria do
policiamento nas ruas ou a
instalação de bicicletários
controlados, na Estação,
seriam capazes de
estimular as pessoas ao
uso da bicicleta”
Heloisa Maria Barbosa,
professora do Departamento de Engenharia de Transporte e
Geotecnia (ETG) da Escola de Engenharia da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG)
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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Foto: Marcelo Focado
ciclovias (28%) ou de bicicletários (26%)
e, por último, à possibilidade de os passageiros carregarem suas bikes no interior dos ônibus ou trens (15%). Por mais
que pareçam satisfatórias, contudo, tais
conclusões revelam apenas parte do que
buscam os pesquisadores, centrados no
objetivo de oferecer soluções de mobilidade urbana aos cidadãos.
Nesta mesma investigação do Nucletrans, descobriu-se, por exemplo, que
questões inocentemente óbvias precisam
ser levadas em conta, como fatores seminais aos fenômenos observados no tráfego
diário das cidades: no caso específico da
Estação Vilarinho, 30% dos entrevistados
disseram não ter bicicleta, enquanto 29%
revelaram morar longe demais do BHBus.
Por fim, 19% dos entrevistados pela pesquisa confessaram não ter preparo físico
necessário à atividade, pois que, na atualidade, definem-se como “sedentários”.
Barreiras
São múltiplos os desafios em busca
de soluções para problemas de mobilidade urbana. Tal complexidade, inerente ao
tema, faz com os pesquisadores da área
diversifiquem suas vertentes de estudo –
da experimentação de dispositivos físicos
para moderação do tráfego (redutores de
velocidade, semáforos, radares etc.) a investigações sobre “origem e destino” dos
transeuntes e cidadãos motorizados. “Precisamos lidar com inúmeras variáveis, que,
no cotidiano, afetam o comportamento de
pedestres e motoristas”, explica a professora Heloisa Maria Barbosa.
Imagine, por exemplo, a proposta
de reestruturação de uma grande avenida de Belo Horizonte, com o intuito de
estimular os automóveis a diminuir a
velocidade e, consequentemente, reduzir os riscos de acidentes. Tal tarefa de
moderação do tráfego acaba por exigir
diversas ações de investigação comportamental. Neste exemplo fictício, há de
se considerar tanto os detalhes, quanto o
que aqui será chamado de “macro-intervenções”. Em outras palavras, é preciso
estar atento, por exemplo, ao formato
das calçadas e ao modo como as pessoas caminham por elas: “É necessário
compreender o quê, exatamente, os pedestres acham importante nas calçadas
públicas”, ressalta Heloísa, ao comentar
a necessidade de estudos sobre a qualidade da travessia dos transeuntes por
uma via urbana.
Sob outro foco, também as pesquisas
de “origem e destino” – já realizadas pelo
Nucletrans em Belo Horizonte (1992) e
Teresina (1997) – são importantes por
revelar dados importantes a estudiosos e
gestores públicos: o que, afinal, pretendem
os cidadãos ao transitar pela cidade? De
que modo o fazem? E com que expectativa? As respostas a tais questões levam
os pesquisadores a gerar subsídios para
implantação, por exemplo, de modelos
eficientes, mais baratos e menos poluentes
de transporte público.
Tais estudos de “origem e destino” são
realizados com periodicidade de dez
anos e se revelam importantes para o
planejamento de transportes. As referidas
pesquisas realizadas em Belo Horizonte e
Teresina já tiveram seus desdobramentos.
Neste primeiro semestre de 2011, iniciaram-se os trabalhos da segunda investigação dessa natureza na capital mineira e
em sua Região Metropolitana.
14
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
Ações e equipamentos
O Nucletrans já realizou importantes projetos de moderação do tráfego e
reestruturação da circulação viária e do
transporte público em diversas cidades
mineiras e de outros estados do País.
Uma das investigações em andamento,
atualmente, trata dos modelos de previsão de acidentes. A iniciativa reúne
a UFMG e outras seis universidades
públicas do País e uma instituição de
ensino superior portuguesa. “Buscamos
analisar os números e a natureza dos
acidentes e correlacioná-los, por exemplo, ao volume do tráfego. Tais modelos
estatísticos são importantes para que
avaliemos o que tem acontecido nas vias
públicas e possamos direcionar ações
de segurança viária”, explica Heloisa
Maria Barbosa.
Como forma de compreender os
fatores que podem levar a acidentes, os
pesquisadores estudam elementos diversos, da sinalização ao formato da via,
do posicionamento e estrutura dos canteiros aos números de faixas de tráfego.
“Neste projeto, cada universidade tem
procurado compreender tais correlações
nas ruas de sua cidade”, explica Heloísa,
ao lembrar, contudo, que os principais
desafios dos estudiosos têm sido os
bancos de dados governamentais, que
apresentam muitas falhas e nem sempre
estão no formato adequado ao estudo.
“Em Belo Horizonte, por exemplo, começamos pela área central. Lá, os aparelhos contadores de volume de tráfego,
muitas vezes, param de funcionar. E nós
precisamos das informações de todos os
365 dias do ano”, completa.
Interessante ressaltar, por fim, a natureza dos equipamentos hoje disponíveis
aos pesquisadores de mobilidade urbana
e outras questões de tráfego. Há uma série de aparelhos capazes de auxiliá-los
no dia a dia das investigações. Com financiamento de instituições como CNPq
e FAPEMIG, os estudiosos da UFMG
adquiriram, por exemplo, radares de
mão aptos a medir, nas vias públicas, a
velocidade dos carros que por ali passam.
Outro “brinquedinho” bastante ágil e importante, uma espécie de “GPS rastreador
passivo” permite que dados diversos do
carro – não só velocidade, mas também
deslocamento e tempo de viagem – sejam
registrados com eficiência. Ao analisar
tais números e índices, é possível inferir uma série de prerrogativas acerca do
comportamento dos motoristas.
Atualmente, os pesquisadores do
Nucletrans têm buscado compreender
– com o auxílio de tais equipamentos
e, obviamente, apoiados no vasto know
how adquirido ao longo dos anos por
professores e alunos – a rede de fluxos
de carros e pedestres no próprio campus
Pampulha da UFMG. “Afinal, podemos
observá-lo como se estivéssemos numa
mini-cidade. Percorremos as vias internas e registramos, em softwares de simulação de tráfego, uma série de dados
reais importantes”, explica a professora,
ao lembrar que, a partir de tal “leitura de
cenário”, decisões importantes podem ser
tomadas para melhoria do tráfego na Instituição. Assim como há de ser feito nas
maiores cidades brasileiras.
“Em Belo Horizonte, por
exemplo, começamos pela
área central. Lá, os aparelhos
contadores de volume de
tráfego, muitas vezes, param
de funcionar. E nós precisamos
das informações de todos os
365 dias do ano”
UFMG SEDIARÁ
CONGRESSO
SOBRE TRANSPORTES
A professora Heloisa Maria Barbosa é presidente do comitê local responsável por organizar, de 7 a 11 de
novembro de 2011, o XXV Congresso de
Pesquisa e Ensino em Transportes (www.
xxvanpet.com.br) da Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (Anpet). Nesta edição comemorativa
dos 25 anos de existência da entidade,
a UFMG sediará o evento, realizado em
parceria com o Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia (ETG)
da Escola de Engenharia da UFMG e a
Secretaria de Transportes e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais.
Ao longo do Congresso, serão
discutidos temas de grande interesse
para os profissionais do setor, de modo
a possibilitar que todas as esferas ligadas às atividades dos transportes
– sejam acadêmicas, científicas, profissionais, privadas ou governamentais
– possam debater e apresentar problemas e soluções, além de refletir sobre
possíveis linhas de ação em ambiente
cooperativo e instrutivo.
O Encontro deve reunir cerca de
400 participantes para apresentação e
discussão de mais de 250 artigos técnicos e científicos relativos a transportes.
O evento abrigará também seminários,
conferências e mini-cursos, assim como
feira para empresas e instituições interessadas em divulgar os avanços científicos e tecnológicos do setor.
Heloisa Maria Barbosa
projeto: Transporte urbano sustentável
através da moderação de
projeto: Efeitos da moderação de tráfego
para o transporte não
tráfego e desenvolvimento tecnológico
motorizado e o desenvolvimento sustentável
Coordenador: Heloisa Maria Barbosa
Modalidade: Programa Pesquisador
Mineiro - PPM III
Valor: R$ 48.000
Coordenador: Heloisa Maria Barbosa
Modalidade: Programa de infra-estrutura
para jovens pesquisadores
Valor: R$ 11.022
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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Foto: José Roberto Scolforo/Acervo pessoal
MEIO AMBIENTE
O
senhor
das árvores
Anos de pesquisa dedicados às tecnologias florestais rendem
frutos ao professor José Roberto Scolforo, da Ufla, e sua equipe
Fabrício Marques
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
Foto: José Roberto Scolforo/Acervo pessoal
A Ciência Florestal ergueu cedo suas
raízes na vida do vice-reitor e pesquisador
da Universidade Federal de Lavras (Ufla),
José Roberto Soares Scolforo, o vencedor
da edição 2001 do prêmio Frederico de Menezes Veiga, promovido pela Embrapa. Ele
passou muito de sua infância na propriedade de seu avô paterno. Esse período, somado ao contato com pessoas de sua cidade
natal, Castelo, no Espírito Santo, que se
graduaram em Engenharia Florestal, o instigaram a conhecer mais a fundo esse curso.
Scolforo percebeu, desde essa época, que parecia bom aprender sobre sistemas de produção, sobre a ecologia das
espécies e dos fragmentos nativos, como
regular a produção florestal de plantações,
ou da vegetação nativa, como inventariar
os recursos florestais, como desenvolver
modelos matemáticos para prever o crescimento das florestas e das espécies nela
contidas e também como fazer o processamento da madeira, como utilizá-la de forma sustentável, ora conservando-as, ora
preservando-as. Assim, seguiu o mesmo
caminho de seus conterrâneos.
No entanto, o despertar de fato para a
Ciência Florestal se deu à medida que adquiria mais conhecimentos, o que ocorreu
durante a realização do curso de Engenharia e, posteriormente, com as oportunidades profissionais que teve, nas Universidades Federais da Paraíba e de Lavras em
especial, com empresas florestais e com
as Agências de Amparo a Pesquisa. “Nesse contexto, a FAPEMIG foi muito especial,
uma vez que, além de ter sido membro da
Câmara de Ciências Agrárias, tive também
o prazer de ser seu coordenador, além de,
ao longo da carreira, aprovar vários projetos nessa instituição”.
O prêmio da Embrapa foi conferido
pelo conjunto das pesquisas coordenadas
pelo professor na área de Tecnologias Florestais para Sustentabilidade dos Biomas.
Scolforo é um dos precursores, em florestas
nativas, da pesquisa em manejo para usos
múltiplos da vegetação do cerrado, nas pesquisas com candeia, além de atuar fortemente no manejo e modelagem de plantações.
Juntamente com a equipe de pesquisadores
do Laboratório de Estudos e Projetos em Manejo Florestal (Lemaf), e do ZEE, da Ufla, ele
desenvolveu, ao longo da carreira, diversos
projetos na área de manejo florestal. Dessa
experiência, Scolforo pode transmitir algumas lições importantes para novos pesquisadores. De acordo com ele, é fundamental
ter a mente aberta a novos conhecimentos.
“Muito há que se aprender sobre o potencial
para produção de madeira de várias espécies
nativas, assim como para fins medicinais,
para cosméticos, para licores, para doces,
sorvetes e muitos outros usos”.
Outro ponto importante, em sua opinião, é aprofundar os conhecimentos científicos, para que o “achismo” ou a intuição
passem a ser componentes secundários na
apropriação dessas espécies para fins comerciais ou de preservação. “É necessária a
realização de estudos objetivos a respeito de
crescimento, produção, manejo, ecologia,
melhoramento genético, nutrição, sistemas
silviculturais, Química, Física, Engenharia
de Alimentos, entre outros, que possibilitem
que as muitas centenas de espécies nativas possam vir a ter seu papel e potencial
compreendido, de maneira que a população
possa vir se apropriar delas”, diz.
E completa: “É também fundamental
que se tenha compromisso com a continuidade dos estudos, com a prática da
multidisciplinaridade dentro da academia, o
compromisso das equipes de pesquisadores com a geração de produtos, que incluam
desde novos conhecimentos até contribuições mais pragmáticas que promovam o
bem estar e as expectativas da sociedade.
Igualmente fundamental é o financiamento
de longo prazo de pesquisas dessa natureza
para que a continuidade dos estudos possa
ser viabilizada financeiramente”.
Ao refletir sobre a premiação da Embrapa, Scolforo faz questão de lembrar que,
embora os prêmios sejam conferidos individualmente, mas de fato são mais da família,
que se sacrifica, se doa e também lhe dá
apoio em todos os sentidos. “Todavia não
há como deixar de compartilhá-lo também
com a equipe de trabalho, que tenho o prazer de liderar, em especial os professores,
os técnicos e estudantes envolvidos nas
pesquisas desenvolvidas Lemaf. É de fato
um trabalho de grupo feito por muitas mãos,
muitos cérebros e muita dedicação”.
Dos diversos projetos conduzidos
pelo pesquisador, três são mais especiais:
o “Zoneamento Ecológico Econômico do
Estado de Minas Gerais (ZEE)”, de 2005 a
2008; o “Mapeamento e Inventário da Flora Nativa e dos Reflorestamentos de Minas
Gerais”, de 2003 a 2010; e o “Projeto Candeia”, de 2000 a 2010.
Sobre o Mapeamento e Inventário,
Scolforo observa: “Nesta pesquisa, tivemos
a oportunidade de desenvolver uma série de
ações integradas com o Estado de Minas
Gerais que propiciaram a geração de novos
conhecimentos e processos tecnológicos
Informações completas no Portal do
Inventário Florestal, de domínio público, contidas em aproximadamente
3.800 páginas de oito livros disponíveis em PDF:
http://inventarioflorestal.
meioambiente.mg.gov.br/
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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que credenciam o Estado a ter as mais modernas ferramentas de gestão do ambiente,
dentre todos estados da Federação”. O foco
do programa de geração de conhecimentos
ambientais em consonância com a produção resultante dos reflorestamentos foi centrada na geração da informação com qualidade, precisão e prioridade, e se tornou,
cada vez mais, uma importante ferramenta
para a definição de políticas públicas e de
estratégias para a aplicação dos instrumentos de comando e controle no que concerne
aos remanescentes florestais.
Por esse motivo, o Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (Semad), em conjunto com
instituições de pesquisa e organizações da
sociedade civil, vem, desde 2003, implantando um dos mais modernos sistemas de
informações georeferenciadas do país.
A elaboração do Inventário das Florestas de Minas, executado pela Ufla e publicado
em 2005, em 2008, e com novas publicações
sendo preparadas, propiciou uma série de
informações em relação à qualidade dos remanescentes florestais de Minas, inclusive
relacionadas à determinação do estoque de
carbono e ao acompanhamento contínuo do
desenvolvimento das florestas, por meio de
medições em mais de 4.400 parcelas permanentes de 1.000 metros quadrados de área
nas quais são avaliadas 780 mil árvores.
Dentre os oito volumes publicados até
então, contidos em mais de 3.800 páginas,
encontram-se informações taxonômicas e
sobre o hábito, a distribuição e o estado de
conservação de aproximadamente 2.500 espécies florestais. O trabalho ainda referencia
nomes regionais, aborda novas espécies
que foram descobertas e considera mais de
60 espécies cuja ocorrência ainda não havia
sido identificada pela comunidade científica,
em Minas. “Com mais esse importante instrumento, está sendo possível identificar e
determinar os principais atores e as principais causas que levam a alteração do uso do
solo mineiro e ao empobrecimento de sua diversidade biológica”, ressalta. Permitiu ainda a geração de informações ultra detalhadas
sobre a estrutura dos Biomas Cerrado, Caatinga e Floresta Atlântica em Minas Gerais.
A respeito do Projeto Candeia, Scolforo destaca o uso da candeia na indústria
de cosméticos, dos desenvolvimentos feitos
na academia, do benefício para os agricultores de áreas pouco férteis das áreas da
Mantiqueira e do Espinhaço e do seu uso
em programas de pagamento por serviços
ambientais. “Poderia ainda citar os projetos
com florestas plantadas, que incluem o desenvolvimento de modelos biométricos e o
seu manejo, sobre o desenvolvimento de um
modelo fitogeográfico para a revitalização
dos rios da Bacia do São Francisco, o projeto Manejo da Paisagem, para estabelecer
o equilíbrio entre as plantações florestais e
os fragmentos nativos, promovendo, assim a
busca do desenvolvimento sustentável.
Situação atual
das florestas
Depois de todas as pesquisas até agora, Scolforo afirma que a situação florestal
Foto: José Roberto Scolforo/Acervo pessoal
O professor Scolforo e sua equipe do Lemaf, da Universidade Federal de Lavras
18
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
de Minas, hoje, inspira cuidados permanentes e a necessidade de aprimoramento das
Políticas Públicas por parte do Estado.
Na questão dos reflorestamentos, comenta o pesquisador, é preciso ampliar a
área com plantações florestais, diversificar
o manejo a fim de que se possa produzir,
por exemplo, de biomassa para atender as
demandas integrais do parque siderúrgico,
e as demandas por energia, até madeira
grossa para fins de processamento mecânico com consequente uso na indústria moveleira, dentre outras. Também é preciso implantar povoamentos dentro do contexto do
manejo da paisagem, acentuar o programa
de extensão florestal para o pequeno produtor e estimular o empreendedorismo no
aproveitamento da madeira, através de sua
industrialização que permita agregação de
renda ao pequeno produtor. “Porém, não há
como deixar de destacar a evolução fantástica na silvicultura, no manejo e no cuidado
ambiental que as empresas consolidadas e
organizadas implementam atualmente”.
No caso da vegetação nativa, diz o
pesquisador, há um contingente de área
acima de 34% do território mineiro, o que,
em sua opinião, é muito bom. Porém, a
distribuição dessa vegetação nativa é desigual no Estado. “Há áreas com proporcionalmente menos cobertura da flora nativa,
como o caso do Triângulo Mineiro, Leste
de Minas e mesmo o Sul do Estado. Há
ainda uma certa heterogeneidade no estágio de conservação dessa vegetação, bem
como muitas áreas em ótimo estado de
conservação, além de outras muito sujeitas
à antropização, ou seja, à ação do homem.
Contudo, Minas tem criado um grande número de unidades de conservação de
proteção integral e no controle ao desmatamento, há ações que nenhum outro Estado
da Federação possui, como o monitoramento mensal de toda cobertura com vegetação
nativa e também o mapa da cobertura a cada
dois anos para fins de planejamento estratégico, com uma ação fantástica de campo
onde monitora o desenvolvimento de mais
de 780 mil árvores das diferentes fito-fisionomias existentes em Minas. Ainda nesse
tema desenvolve um arrojado programa de
revegetação da Mata Atlântica e de outros
biomas através de diferentes opções de recuperação de área.
Zoneamento
Ecológico Econômico
O Zoneamento Ecológico Econômico
do Estado de Minas Gerais (ZEE-MG) consiste na elaboração de um diagnóstico dos
meios geobiofísico e sócio-econômico-jurídico-institucional. Esse diagnóstico
gerou respectivamente dois documentos, a
carta de Vulnerabilidade Ambiental e a Carta de Potencialidade Social, que sobrepostas irão conceber áreas com características
próprias, determinando o Zoneamento
Ecológico-Econômico do Estado.
“O ZEE é a busca de uma regra clara
para que a sociedade civil e os empreendedores conheçam as vulnerabilidades e
potencialidades de cada local ou região,
as quais, ao serem fundidas, possibilitam
o estabelecimento de zonas de desenvolvimento que tenham como base a homogeneidades dos atributos naturais e sociais.
Neste contexto é uma regra clara para que
os empreendedores saibam de antemão as
peculiaridades e as exigências ambientais
para se instalarem num dado local.
Por outro lado, o ZEE possibilita que o Estado se aparelhe, utilizando
critérios essencialmente técnicos ao
estabelecer novos e impessoais procedimentos para análise de projetos. O
estabelecimento de novas e claras regras
de como os processos serão avaliados
permitirá aos empreendedores, pequeninos ou grandes, não serem surpreendidos por exigências de última hora, assim
como lhes cobrará o estabelecimento de
estratégias para instalação de seus empreendimentos, comprometidas com o
desenvolvimento sustentável.
Portanto, o ZEE, além de procurar
fornecer bases para o desenvolvimento
sustentável de cada local, município ou
região, também é um estímulo para que
os empreendedores busquem Minas para
ampliar seus negócios, gerando renda,
emprego e bem estar social, associados ao
uso sensato dos recursos naturais.
Na prática, o ZEE funciona da seguinte forma: todos os empreendimentos que
necessitam de licenciamento ambiental
para se instalar num dado local, precisam
considerar o aspecto locacional para sua
instalação. Desse modo, uma rodovia que
se pretenda construir deve considerar as
fragilidades do ambiente ali existente, observadas no ZEE. A partir disso, explica
Scolforo, o estudo de impacto ambiental
e o relatório de impacto ambiental devem
buscar entender como evitar que a área que
é frágil ambientalmente sofra qualquer tipo
de degradação, por exemplo, com melhores práticas de controle de erosão.
O pesquisador dá outro exemplo: “O
gestor de um município pode identificar, a
partir do ZEE, quais são as precariedades
socioeconômicas do seu município, e então
desenvolver ações para corrigi-las, ou mesmo reivindicar ao poder público, no caso o
governo estadual, ajuda para solucioná-las”.
Outra situação de uso claro do ZEE
é estabelecer políticas públicas para uma
zona situada em locais pouco frágeis e
com aspectos sociais favoráveis, diferente
daquela a ser estabelecida para zonas situadas em locais frágeis ambientalmente e
com muita precariedade social.
Scolforo afirma que o ZEE-MG consegue orientar a identificação temática
das fragilidades ambientais em frações
de área com 270 x 270 metros. Salienta
que na nova versão do ZEE avanços na
redução dessa área mínima para tomadas de decisão estão sendo buscados.
São pelo menos 70 mapas temáticos
para identificação dessas fragilidades.
Para entender melhor: quando consideramos o tema fauna há uma carta síntese
de vulnerabilidade. Entretanto, esse tema
pode ser subdividido em vários outros,
como carta síntese de vulnerabilidade
para mamíferos, outra para aves, outra
para peixes, outra para répteis e anfíbios
e outra para insetos. “Veja que uma coisa
é conhecer a vulnerabilidade da fauna. A
outra é conhecer a vulnerabilidade dos
temas que geram a vulnerabilidade da
fauna. Assim, cada empreendimento,
segundo suas peculiaridades, deverá
observar todas as cartas, mas colocando
o foco naquelas que mais afetam a sua
atividade para efetuar os estudos de impactos ambientais”, ressalta.
Na concepção do pesquisador da
Ufla, muitas vezes serão tantos os temas
que apresentarão fragilidade ambiental
que a adoção de medidas que não gerem
danos ao ambiente será tão dispendioso
que inviabilizará a instalação do empreen-
dimento naquele local. “O ZEE não proíbe,
porém indica as fragilidades do ambiente
naquele local nos mais diferentes temas. A
partir desse contexto, efetuados os estudos
de impacto ambiental, as medidas propostas para corrigir os danos ambientais que
poderão advir do empreendimento podem
ficar tão caras, que talvez valha a pena mudar o local onde se deseja empreender. O
mesmo ocorre com as questões sociais,
onde são observadas 244 diferentes variáveis e indicadores.
Fotos: José Roberto Scolforo/Acervo pessoal
Com estudantes de graduação, mestrado e doutorado,
em Baependi, dentro de uma candeal
O ZEE-MG tem a coordenação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, participação de todas as Secretarias de Estado de Minas, de outras entidades e
da sociedade civil. Saiba mais no site
http://www.zee.mg.gov.br
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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ENGENHARIA DE ALIMENTOS
Salvando o
leite derramado
Sistema de
gestão ambiental
da UFV permite
construção de
indústria de
laticínios mais
competitiva e
sustentável
Fabrício Marques
20
Em todo o mundo, a preocupação com
o consumo de água e a geração de efluentes
tem sido cada vez mais constante. Grandes
e pequenas empresas tentam se adaptar a
esse cenário. Essas questões levaram o engenheiro de alimentos Danilo José Pereira da
Silva, da Universidade Federal de Viçosa, a
desenvolver uma pesquisa na área de Ciência
e Tecnologia de Alimentos. Recentemente,
Danilo defendeu sua tese de doutorado intitulada “Sistema de Gestão Ambiental para a
Indústria de Laticínios”, sob a orientação do
professor Frederico José Vieira Passos.
De acordo com o engenheiro, um dos
principais objetivos e desafios da pesquisa
era mostrar para o empresário que o caminho mais viável e sustentável para fazer o
controle ambiental é a prevenção da geração dos resíduos. E para que isso ocorra
com eficiência é necessário focar no processo produtivo. Só uma gestão adequada
do processo permite evitar a geração dos
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
resíduos, e quando isso não for possível, é
necessário buscar alternativas viáveis para
reutilizar ou reciclar os resíduos gerados
reduzindo os custos do tratamento e disposição final desses resíduos. “Dessa forma decidimos trabalhar com os princípios
de um sistema de gestão ambiental que
incluem a seguinte hierarquia: Prevenção,
Reciclagem, Reuso, Tratamento e Disposição Final e Ações Corretivas, sendo que
os dois primeiros estão fundamentados na
gestão do processo”. No entanto, o grande
desafio que ainda existe é conscientizar o
empresário e os colaboradores da indústria
a aplicar os princípios da prevenção e da
reciclagem e reuso. “Para isso, decidimos
elaborar duas ferramentas: um sistema
multimídia com cinco módulos instrucionais de treinamento e conscientização direcionado a dois públicos diferentes, o empresário e os colaboradores; e um software
de diagnóstico ambiental do processo e si-
mulação de diferentes cenários de controle
ambiental com análise de custo”, explica.
Quando se fala em um sistema de gestão ambiental, Danilo considera que cinco
expressões são capazes de resumir tudo:
Conscientização, Mudança de Comportamento, Responsabilidade Coletiva, Prevenção e Soluções Sustentáveis. “O nosso
desafio era desenvolver um sistema que levasse essa cultura para os micro, pequenos
e médios laticínios, e é isso que o sistema
desenvolvido propõe. Uma das maiores
conquistas é que conseguimos desenvolver
um software capaz de quantificar o custo da
geração dos resíduos e os ganhos financeiros que se pode obter com o controle preventivo”, diz. Com o software o empresário
pode quantificar o custo ambiental do seu
processo e consegue identificar a soluções
para redução desse custo. Isso sem considerar os benefícios indiretos que a empresa
pode obter, como a abertura de novos mercados nacionais e até mesmo no exterior.
Com a implantação do modelo de
gestão ambiental proposto e orientado pelas
duas ferramentas (o sistema multimídia e o
software), Danilo considera que a indústria
de laticínios irá obter ganhos de competitividade que serão provenientes de três resultados alcançados: aumento da eficiência dos
processos pela redução de falhas, redução
de perdas de matéria-prima, insumos, subprodutos e produtos acabados, o que promove uma redução dos custos de produção;
redução do consumo de água, produtos químicos e da geração de resíduos, com consequente redução dos custos de tratamento e
disposição final dos resíduos; e preparação
das empresas para certificação ambiental e
conquista de novos mercados.
As duas ferramentas (sistema multimídia e o software) foram avaliadas por dois
grupos, um formado por profissionais e professores da UFV, que atuam na área ambiental ou no setor lácteo, e outro, representado o
público-alvo, composto de proprietários, gerentes e colaboradores da indústria de laticínios. “A avaliação das duas ferramentas pelos
dois públicos foi excelente, sendo identificado
um grande potencial para aplicá-las como suporte de apoio na implantação de um sistema
de gestão ambiental na indústria de laticínios.
A próxima etapa da pesquisa é escolher um
grupo de empresas para aplicar as ferramen-
tas e avaliar os resultados obtidos”, ressalta.
A ideia de desenvolver um sistema
de gestão ambiental para a indústria de
laticínios nasceu há sete anos, quando foi
feito um diagnóstico ambiental em alguns
laticínios de pequeno porte. “Identificamos
uma grande dificuldade dessas empresas
para fazer o controle ambiental, agravado,
principalmente, pela ausência de informações sobre o assunto e uma mão de obra
pouco qualificada. Mas ao mesmo tempo
identificamos uma grande potencial, uma
vez que procedimentos simples seriam
suficientes para obter bons resultados e
construir uma indústria mais sustentável”,
afirma Danilo, que também é sócio diretor
da empresa Gestão Láctea e atua como
consultor na área de gestão ambiental.
Durante seu mestrado, participou de
um estudo detalhado dos processos de um
pequeno laticínio, que identificou os principais aspectos ambientais de sete linhas de
processamento, chegando ao surpreendente
resultado que conduzia a um cenário de redução de até 70% no consumo de água e na
geração de águas residuárias, mais conhecidas como efluentes industriais. “Diante do
desafio de contribuir para o desenvolvimento de uma indústria de laticínios mais sustentável, e considerando que só no Estado
de Minas Gerais são cerca de mil laticínios
formalmente constituídos e que 90% são
micro, pequenas e médias empresas, não
faltaram motivos para levar a ideia em frente”, observa o pesquisador.
Sistema integrado
Atualmente, as empresas têm buscado
um sistema de gestão integrado. De acordo
com Danilo, o princípio de um sistema dessa
natureza é a gestão do processo com uma
visão sistêmica, o que permite uma redução
dos esforços comparada quando se faz uma
gestão isolada por áreas. Ou seja, a gestão
da qualidade, a gestão ambiental, a gestão da
saúde e segurança ocupacional e a responsabilidade social compartilham os mesmos
princípios. Sendo assim, a integração desses sistemas produz resultados satisfatórios
em menor tempo. “O grande diferencial do
sistema proposto é a gestão integrada dos
processos, com soluções que envolvem
mudanças de tecnologias, aproveitamento
de subprodutos e reuso de água. O controle
ambiental deixa de ser tratado como um sistema isolado da indústria e passa a receber
soluções integradas, construídas a partir de
uma visão sistêmica dos processos”, afirma.
Outra novidade que a pesquisa conduzida por Danilo apresenta é mostrar que o
foco do controle ambiental tem se deslocado do controle final para o controle do proFoto: Arquivo pessoal/Danilo Silva
Parte da equipe que participou da elaboração das imagens e edição dos vídeos: da esquerda para
a direita, jornalista José Timóteo Júnior e o responsável pelas imagens e edição, Márcio de Souza
Veríssimo (ambos da Cead/UFV), o idealizador do projeto, Danilo Silva, e o graduando em Engenharia
de Alimentos e estagiário Breno Regis
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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subprodutos e aspectos de higienização.
Ao processar essas informações o
usuário pode acessar o módulo “relatório” e
obter as informações sobre os aspectos ambientais de cada linha. Esse módulo, além de
fornecer o relatório completo de cada linha e
uma avaliação global dos aspectos ambientais da indústria, fornece também sugestões
de ações corretivas, que podem ser aplicadas
em cada linha de processamento, visando à
redução dos impactos ambientais.
O módulo “dimensionamento” permite ao usuário simular as dimensões e o custo para implantação de diferentes sistemas
de tratamento de efluentes, considerando a
situação atual da indústria ou diferentes cenários. Nesse módulo o usuário pode adotar
as sugestões de ações corretivas geradas no
relatório, como alternativas de alterações no
processo, e simular um novo cenário, com
a avaliação dos impactos dessas mudanças
nos aspectos ambientais relacionados à
carga de poluição de cada linha de processamento. Além disso, com as simulações
o usuário pode avaliar os impactos que as
mudanças no processo irão proporcionar.
O grande benefício do software para o
empresário é a possibilidade de identificar as
melhores práticas de gestão ambiental para
o seu processo, e também a possibilidade
de quantificar os ganhos ambientais e financeiros que se pode obter com a implantação
dessas práticas. É uma oportunidade inédita
do empresário conhecer o custo ambiental do
seu processo e aplicar soluções sustentáveis
que irão reduzir o seu custo de produção.
de resíduo das 11 linhas avaliadas e compõem o banco de dados do software.
Danilo também afirma que é fundamental que a indústria de equipamentos incorpore as preocupações com os aspectos
ambientais no layout dos equipamentos, de
forma a facilitar a coleta e o aproveitamento
dos subprodutos e os procedimentos de higienização, reduzindo, assim, o consumo de
água e energia e a geração de resíduos. “Essa
conscientização pode ser efetivada a começar
por uma mudança cultural, uma mudança de
comportamento e, na minha opinião, deve
partir dos dois lados, do empresário da indústria de laticínios e do empresário da indústria de equipamentos. No entanto, basta
o proprietário da indústria de laticínios se
conscientizar dessa importância que automaticamente a indústria de equipamentos terá
que se adequar. Vejo isso como uma grande
oportunidade de diferenciação para os dois
elos da cadeia produtiva. É importante ressaltar que para isso é necessário conhecer bem
as reais necessidades da indústria”.
Procedimento de gestão ambiental adotado no laticínio Cocatrel, em Três Pontas (MG), em que 100% do
soro é coletado e vendido para a indústria de secagem
Foto: Arquivo pessoal/Danilo Silva
cesso. Isso acontece porque, durante algum
tempo, as indústrias se concentraram no
controle final de tubo, ou seja, após a geração dos resíduos, com o objetivo único de
tratar e fazer a disposição dos resíduos gerados de acordo com as normas da legislação
vigente. No entanto, esse processo é muito
oneroso. Sendo assim, a solução mais viável é a prevenção e o reuso e reciclagem
dos resíduos gerados. Essa mudança deve
iniciar com a definição de uma política de
gestão ambiental onde se prioriza a gestão
do processo. “É fundamental”, frisa o engenheiro da UFV, “que a alta gerência forneça
os subsídios necessários para as mudanças
que envolvem adequações no setor produtivo e capacitação dos recursos humanos”.
A pesquisa também permite a seguinte pergunta: de que forma pode ser útil para
a agroindústria o software, proposto por Danilo e sua equipe, para diagnóstico ambiental e simulação de alterações no processo
com avaliação dos impactos ambientais e
financeiros? O engenheiro responde: o software tem como finalidade auxiliar os proprietários, técnicos e gerentes na avaliação
dos aspectos ambientais e na identificação
e aplicação das alternativas de melhoria,
constituindo-se numa ferramenta de suporte na tomada de decisão em relação à gestão
ambiental da indústria de laticínios. Para a
facilidade do usuário, o software apresenta
quatro módulos: empresa, produto, relatório
e dimensionamento, além da página inicial,
onde o usuário deve fazer o cadastro para ter
acesso aos demais módulos e do módulo
tutorial, que auxilia no uso do programa.
No módulo “empresa” o usuário
deve cadastrar os dados característicos
da empresa, que incluem razão social, volume de leite processado, dias e horas de
funcionamento, produtos processados, volume de água consumido, volume e carga
do efluente gerado. Após processar esses
dados, o programa permite o acesso ao módulo produto, em que o usuário pode fazer
um diagnóstico ambiental da sua empresa,
fornecendo as informações solicitadas sobre cada linha de processamento. Para realização do diagnóstico são consideradas
informações relacionadas ao volume de
leite destinado a cada produto, tecnologia
empregada no processo, alternativas adotadas para recuperação e aproveitamento dos
Conscientização
da indústria
Para o diagnóstico ambiental foram
avaliados sete laticínios de Minas e um da
Bahia. São laticínios de diferentes portes,
desde micro empresas até empresas de médio porte, que produzem leite pasteurizado,
queijo mussarela, queijo Minas Frescal,
queijo Minas Padrão, queijo Prato, requeijão, ricota, manteiga, iogurte, bebida láctea e
doce. Segundo Danilo, essa escolha se baseou na necessidade de conhecer diferentes
realidades em relação à escala de produção
e tecnologias empregadas no processo. Os
dados levantados em cada linha de processamento desses laticínios foram utilizados
para definição dos coeficientes de geração
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
Projeto: Desenvolvimento de sistema
multimídia como suporte na tomada de decisão
para gerenciamento de resíduos e redução do
consumo de água na indústria de laticínios
Coordenador: Frederico José Vieira Passos
Modalidade: Programa Pesquisador Mineiro
Valor: R$ 48.000
SEGURANÇA PÚBLICA
Violência
sob vigilância
Integração das polícias e implantação de programas sociais
ajudam a reduzir índices de criminalidade em Belo Horizonte
Foto: arquivo Ascom Seds
Ana Flávia de Oliveira
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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violência
Jovens do Centro de Prevenção
à Criminalidade do Cabana
apresentando oficina de capoeira
em evento na Praça Raul Soares
Alguns locais
onde existem
unidades do Fica Vivo
Belo Horizonte (Morro das Pedras,
Pedreira Prado Lopes e Santa Lúcia)
Região Metropolitana (Betim, Contagem
e Ribeirão das Neves)
Interior (Ipatinga, Governador Valadares,
Uberaba, Uberlândia e Montes Claros)
24
Dados da Fundação João Pinheiro
revelam que, em 2004, Belo Horizonte registrou 42.134 crimes violentos. Em 2009,
foram 25.000, uma redução de 45%. O
mesmo aconteceu no Estado. Há sete anos,
foram constatados 102.562 crimes violentos em Minas. Já em 2009, 59.478, uma
queda de 58% nas ocorrências.
Segundo o coordenador do Centro
de Estudos de Criminalidade e Segurança
Pública (Crisp) da Universidade Federal de
Minas Gerais, Cláudio Beato, a melhora nos
números se deve a dois fatores. “A integração das polícias e a introdução de programas sociais, como o Fica Vivo, contribuíram
para a redução dessas ocorrências”, explica.
Quanto aos crimes contra o patrimônio
também houve diminuição. Em 2004, Belo
Horizonte registrava 1.600 ocorrências anuais.
Em 2010, no mesmo período, o índice passou
para 650. Uma redução de mais de 50%.
Para Beato, que desenvolveu um estudo sobre o tema, com o financiamento da
FAPEMIG, a integração das polícias Civil e
Militar, por exemplo, proporciona um incremento da qualidade do controle da violência
na cidade, sobretudo em locais mais vulneráveis. De acordo com o pesquisador, para
esse tipo de trabalho ser bem sucedido é
importante que haja uma compreensão sobre os tipos de ocorrências que predominam
em cada localidade. “Por exemplo, crimes
contra a pessoa demonstram uma deterioração socioeconômica, a ausência institucional da Justiça ou da polícia. Já os roubos a
transeuntes querem dizer que é necessário
melhorar os mecanismos de vigilância nas
ruas, como o Fica Vivo”, esclarece.
O sociólogo explica que em cidades
pequenas, por exemplo, a quantidade de crimes é menor porque todos se conhecem e, se
acontece alguma irregularidade, fica mais fácil
identificar quem foi o autor, principalmente se
o ato for cometido por alguém que não pertence àquele grupo. Já nas sociedades mais
complexas, há um enfraquecimento nos laços
de vigilância. Um caminho para se conseguir a
queda nos índices de criminalidade pode ser
a adoção de projetos sociais com crianças e
adolescentes de comunidades carentes.
Fica Vivo
Criado pelo Crisp em 2003, o Fica
Vivo tem como objetivo fazer o controle de
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
homicídios em regiões carentes. Dois anos
depois, o projeto foi aprovado pelo Estado
como Política Pública e, hoje, está instalado nos locais considerados áreas de risco,
tanto na capital quanto no interior. Desde
que as atividades começaram, 13.379 jovens já participaram do Fica Vivo.
Minas Gerais adotou o programa, que
tem como público-alvo jovens de 12 a 24
anos em situação de risco social e residentes nas áreas com maior índice de criminalidade, reduzindo as taxas de homicídios.
O primeiro local a receber o projeto, ainda
na sua versão piloto, foi a região do Morro
das Pedras, na época, uma das áreas mais
violentas de Belo Horizonte. Nos primeiros
cinco meses de atuação, apresentou uma
redução de 50% na taxa de homicídios, tentativas de homicídios, roubos e assaltos a
padarias e supermercados. Atualmente, são
27 núcleos no Estado – onze na capital, dez
na região metropolitana e seis no interior.
Os critérios que determinam a instalação do Fica Vivo são o conhecimento do
número de jovens na comunidade, os números sobre criminalidade na área e quais
os principais problemas do local. Essa análise é feita a partir de dados da Fundação
João Pinheiro. Em seguida, a sociedade é
convidada a participar de um colegiado, que
define onde deverá ser implantado o projeto,
em busca de uma solução que mude aquela realidade. “Durante a avaliação do local,
procuramos conhecer o que já estava sendo
feito na região. Se já existia uma oficina bem
sucedida, damos continuidade a esse trabalho, mas com o novo foco de público, capacitando o oficineiro”, explica Naiara Nápoli,
coordenadora do programa.
Além das oficinas, acontecem outras
atividades, como reuniões e grupos de discussões sobre assuntos de interesses dos
participantes do projeto. “Falamos sobre o
prejuízo que o uso de drogas provoca, temas relativos à sexualidade, como gravidez
na adolescência, entre outros assuntos que
estão presentes nas vidas deles naquele momento”, esclarece a coordenadora.
Muitas vezes os assistidos são encaminhados para trabalhar ou fazer cursos em
instituições, como o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai) e Câmara
de Dirigentes Lojistas (CDL).
As equipes realizam ações em parceria com a Polícia Militar. De acordo com
Naiara Nápoli, o policial passa a ser visto
como parceiro e não como um inimigo.
“Os moradores relatam que nas áreas onde
o projeto foi implantado, elas têm maior
liberdade para circular nas ruas, principalmente os jovens e idosos”, conta.
Segundo a coordenação do Fica Vivo,
existe uma integração entre as unidades
participantes do programa com o objetivo
de promover a circulação em vários espaços. Todos os núcleos se encontram quando
são realizadas as olimpíadas, mostras culturais e exposições de grafite. Essas exposições acontecem em espaços tradicionais de
Belo Horizonte, como o Palácio das Artes e
o Museu de Artes e Ofícios.
Integração das polícias
Em meados dos anos 1990, o Estado de
Minas Gerais viveu uma alta expressiva nas taxas de criminalidade. Os índices de crimes violentos, por exemplo, aumentaram 400% entre
o início dos anos 1990 e início dos anos 2000.
A integração das polícias faz parte de
um conjunto de ações de Políticas Públicas
aplicadas em Minas desde 2003. Hoje, cobre mais de 600 municípios, com previsão
de atingir todo o Estado até o final do ano.
Também em 2003 foi criada a Secretaria de
Estado de Defesa Social (SEDS), em substituição às Secretarias de Estado de Segurança
Pública e de Justiça. O objetivo era reduzir a
criminalidade e devolver ao cidadão a sensação de segurança. Após a criação da nova
secretaria, algumas medidas foram adotadas,
dentre elas se destacando o Plano Emergencial de Segurança Pública, o Plano Prisional
de Minas Gerais, a integração das ações policiais e a divulgação das estatísticas criminais
do Estado. “Com a integração das polícias
foram estabelecidos objetivos comuns e desenvolvidas maneiras de elas trabalharem em
harmonia”, explica a sub-secretária de Promoção da Qualidade e Integração do Sistema
de Defesa Social, Geórgia Ribeiro Rocha.
Esse novo modelo de gestão criou um
Colegiado de Integração de Defesa Social,
formado pela direção de cada corporação que
compõe o sistema de defesa social (Polícia
Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiro,
Defensoria Pública e SEDS). O objetivo era
discutir, planejar e deliberar sobre as Políticas
Públicas de prevenção e combate à criminalidade e à violência. “São eleitos focos de atuação, e, em seguida, as áreas são estudadas
para se entender o que acontece. Com esse
diagnóstico nós atuamos sobre as causas
dos problemas. Quando chega a acontecer
alguma ação, podemos reprimir com mais
qualidade,” afirma Geórgia Ribeiro Rocha.
O Sistema Integração em Gestão de
Segurança Pública (Igesp) foi inspirado
numa experiência bem sucedida realizada
em New York (Estados Unidos) e em Bogotá (Colômbia). O sistema baseia-se em
modernas metodologias de policiamento
orientado para a solução de problemas. O
modelo se pauta pela centralidade da gestão de informações na análise da dinâmica
criminal e na definição e avaliação de estratégias de prevenção e combate à criminalidade pelas organizações policiais.
O programa foi implantado inicialmente em 2005 como um projeto piloto em Belo
Horizonte e cresceu. Segundo estimativas da
SEDS, após a implantação do Igesp houve
uma redução entre 24% e 53% na taxa de
crimes violentos contra o patrimônio; entre
13% e 21% na taxa de crimes violentos contra a pessoa; e queda entre 9% a 22% na taxa
de homicídios no período de um ano. A implantação da integração está associada a uma
maior eficiência na ação policial, levando,
nos primeiros anos de implantação do programa, a um aumento proporcional no número de prisões e no número de apreensões
de armas por crime registrado. “A segurança
pública passa a ser vista dentro de uma nova
lógica. Ela está voltada para os resultados e a
solução de problemas. Por isso, age preventivamente”, comenta a sub-secretária.
Projeto: Padrões espaciais e temporais
da criminalidade e seus deteminantes
sócioeconômicos em Belo Horizonte
Modalidade: Edital de Demanda Universal
Coordenador: Cláudio Chaves
Beato Filho
Valor: R$ 50.659
Fotos: Marcelo Focado
Policiamento na capital leva segurança às ruas e aproxima PMs da população
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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HISTÓRIA
Dedicação à
inovação e à Ciência
Solenidades na Cidade Administrativa e na Assembleia Legislativa de Minas
Gerais marcam início das comemorações pelos 25 anos da FAPEMIG
Maurício Guilherme Silva Jr.
“O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade”. Eternizada no
início dos anos 1980, a célebre frase do
ex-presidente Tancredo de Almeida Neves ganhou novos e intensos contornos
na manhã do dia 30 de maio de 2011. Na
ocasião, décadas depois de seu uso original, a máxima do político mineiro foi
responsável por sintetizar os múltiplos
significados da efeméride que então se
comemorava, em cerimônia realizada na
Cidade Administrativa e presidida pelo
governador Antonio Anastasia: o Jubileu de Prata da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG), hoje uma das mais importantes FAPs do País. Dessa vez pronunciada por Mario Neto Borges, presidente
da FAPEMIG, a expressão de Tancredo
moldou-se à descrição do maior compromisso da Instituição nestes 25 anos
de trajetória. Afinal, como bem destacou
Borges: “Liberdade só se conquista com
prioridade política em Educação, Ciência e Tecnologia”.
Em seu pronunciamento durante a
solenidade, Antonio Anastasia destacou,
em primeiro lugar, o relevante papel desempenhado pela FAPEMIG: “Esta é uma
comemoração muito feliz, pois são 25
anos de uma instituição que deu certo, por
apostar em Ciência e Tecnologia, desenvolvimento e inclusão, o que é fundamental neste século 21, o chamado ‘século do
conhecimento’”. O governador ressaltou,
ainda, a consolidação das obrigações
do Estado com a Fundação. “Desde o
26
Governo Aécio Neves, conseguimos honrar com 1% do ICMS líquido repassado à
FAPEMIG. É um compromisso fundamental, que se iniciou em 2007 e que vamos
manter. Isso gera, a médio e longo prazo,
um retorno muito importante para o Estado, pois passamos a ter empresas de alta
tecnologia”.
Parcerias
Ao longo do evento de celebração
de seus 25 anos, a FAPEMIG também
firmou parcerias para realização de uma
série de novas pesquisas científicas no
Estado. Trata-se de convênios com três
instituições – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Companhia
Energética de Minas Gerais (Cemig) e
Polícia Militar –, que, juntos, ultrapassarão o montante de R$ 130 milhões. “Tais
convênios são exemplos de uma integração governamental que se torna visceral
para todos nós”, ressaltou Anastasia. A partir do convênio assinado entre
a FAPEMIG e o BDMG, R$ 100 milhões
serão destinados ao Programa de Apoio
às Empresas em Parques Tecnológicos
(Propitec) e ao Programa de Apoio à
Inovação nas Empresas (Pró-inovação).
Já a parceria com a Polícia Militar, cuja
viabilização requer cerca de R$ 250 mil,
pretende investir na qualificação de profissionais na área de Tecnologia, para que
possam atuar no policiamento preventivo
durante a Copa das Confederações de
2013 e a Copa do Mundo de 2014. Fotos: Netun Lima
O governador Antonio Anastasia e o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
Por fim, FAPEMIG e Cemig lançaram edital, no valor de R$ 30 milhões,
para financiar pesquisas em áreas como
meio ambiente, fontes alternativas de
energia, planejamento elétrico e energético, operação e manutenção de sistemas
elétricos. O edital é parte de uma parceria,
anunciada em janeiro, que prevê investimentos de R$ 150 milhões em pesquisas
ao longo de cinco anos.
Dedicação à Ciência
é condecorada
Os 25 anos de dedicação da FAPEMIG ao desenvolvimento da Ciência,
da Tecnologia e da Inovação no Estado
também foram comemorados, no dia 16
de maio, durante Reunião Especial no
Plenário da Assembleia Legislativa do
Estado de Minas Gerais, presidida pelo 1º
secretário da Casa, deputado Dilzon Melo
(PTB). Durante a condecoração, fruto de
requerimento do deputado Rômulo Viegas (PSDB), o presidente da Fundação,
Mario Neto Borges, recebeu placa comemorativa em alusão ao Jubileu de Prata.
Primeiro a se pronunciar, o deputado
Rômulo Viegas ressaltou sua satisfação em
comemorar as Bodas de Prata da “jovem
e eficiente” FAPEMIG, instituição que, ao
longo de tão breve existência, foi responsável, em Minas Gerais, pelo apoio a mais
de dez mil importantes projetos de Pesquisa, Tecnologia e Inovação, além do financiamento de aproximadamente seis mil
bolsas de estudo. “Isso é fruto do trabalho
de 180 funcionários competentes e muito
bem gerenciados”, ressaltou Viegas.
Um dos ícones da luta contra o preconceito racial nos Estados Unidos foi a
inspiração de Mario Neto Borges para o
início de seu pronunciamento: “Martin
Luther King dizia: ‘I have a dream’. Pois
Há quatro anos, o Governo de Minas repassa, à FAPEMIG, 1% da receita orçamentária corrente do Estado, em atendimento à
Constituição Estadual. Entre 2007 e 2010,
a Fundação trabalhou com orçamento de
R$ 932 milhões, destinados a projetos de
pesquisa nas áreas de ciência e tecnologia.
Só no ano passado, a entidade recebeu R$
284 milhões, sendo R$ 233 milhões em recursos do Tesouro do Estado.
eu digo que também a FAPEMIG tem
um sonho: transformar Ciência, Tecnologia e Inovação em desenvolvimento
socioeconômico sustentável”, afirmou,
ao ressaltar que, ao longo de 25 anos,
a Instituição converteu desafios e obstáculos em estímulo para o crescimento:
“Superadas as dificuldades, a Fundação
transformou-se em modelo de desenvolvimento. Hoje, trata-se de uma das mais
importantes FAPs do País”.
Por fim, em seu depoimento, o
primeiro secretário da Assembléia Legislativa, deputado Dilzon Melo, recorreu a Monteiro Lobato para comentar a
relevância do financiamento à Pesquisa:
“O escritor dizia que um país se constrói com homens e livros. Digo que
hoje, além de homens e livros, um país
se constrói com Ciência e Pesquisa de
ponta. O Brasil precisa de educação mais
ampla e de melhor qualidade”. Segundo Melo, a Instituição tem se destacado,
entre outras coisas, por aproximar tecnologia do setor industrial. “Ao confiar
na FAPEMIG, apostamos no desenvolvimento sustentável e com tecnologia
limpa. Que os próximos 25 anos sejam
ainda mais férteis e promissores”.
E o que vem por aí?
As homenagens à FAPEMIG na
Cidade Administrativa e na Assembleia
Legislativa foram algumas das ações
comemorativas previstas para o ano do
Jubileu de Prata da Instituição. Ao longo
de 2011, além de solenidade comemorativa oficial dos 25 anos, estão previstas
diversas atividades de divulgação científica. Há, ainda, novidades importantes,
como o início das construções da nova
sede da Fundação em Belo Horizonte,
numa região que, por reunir instituições
representativas da CT&I no Estado, tem
sido chamada de “Cidade da Ciência”, e
a implantação dos novos estatuto e estrutura administrativa da entidade.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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ENTREVISTA
O conhecimento
que nos define
Em entrevista, o físico Marcelo Gleiser discute algumas das mil facetas
da Ciência, esta fascinante “ponte entre o homem e o universo”
Maurício Guilherme Silva Jr.
Físico, astrônomo, professor, escritor, colunista semanal, apresentador
de TV e roteirista. Além de confirmar a
múltipla capacidade de Marcelo Gleiser
em desempenhar papéis os mais diversos, tais ofícios – por ele exercidos
simultaneamente – são reveladores do
modo como este (também) renomado pesquisador carioca compreende e
traduz a intensa paixão do homem pelo
saber: “Na busca pelo conhecimento,
nos definimos e, ao nos definir, definimos também nossa visão de mundo e
nossa busca por significado”.
Duas vezes vencedor do prêmio
Jabuti – em 1998, por A dança do universo, e em 2002, por O fim da Terra e
do Céu –, Gleiser é professor do Dartmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos, e há décadas dedica-se à
divulgação científica, prática importantíssima que, segundo ele, foi realizada,
ao longo dos séculos, por gênios como
Galileu, Einstein, Linus Pauling e Carl Sagan. Nesta entrevista, o físico fala sobre
novas tecnologias, percepção pública da
Ciência e desenvolvimento da Pesquisa
no Brasil, entre outros assuntos.
Como o senhor analisa, hoje, o mito social em torno da Ciência? Nesta primeira
década do novo milênio, mudou a percepção das pessoas em relação às “belezas e mazelas” da prática científica?
Acho que “mazelas” é a palavra errada.
Na verdade, não há dúvida de que jorna-
28
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
listas científicos são vítimas de pressões
corporativas, que, às vezes, os forçam a
criar notícia onde não existe notícia alguma. Como exemplo, cito os tais dos
“agroglifos”, que chegaram até a inspirar
o filme “Sinais” (em inglês, Signs): misteriosas figuras aparecem em plantações
de trigo, com imagens estranhas e até o
rosto de alienígenas. Milhões de pessoas
acreditaram nisso, documentários sensacionalistas foram feitos, e mesmo após a
confissão dos dois responsáveis, a coisa
ainda continua. Portanto, diria que um
jornalismo científico eticamente correto
seria o que retratasse de forma mais concreta e adequada as descobertas científicas sem tecer mitos duvidáveis.
Falar em Ciência é falar em “crise
permanente”, visto que a Pesquisa se
alimenta da eterna dúvida sobre tudo.
Hoje, a seu ver, vivemos em que estágio deste status crítico?
A crise existe sempre e, como você disse,
é muito positiva. Quanto mais aprendemos
sobre o mundo, mais temos o que aprender.
O conhecimento não é um círculo que se
fecha, mas, ao contrário, que está sempre
se abrindo. Se, hoje, parecem existir mais
questões e dúvidas é porque existem também mais descobertas e respostas.
Em texto sobre a relação dos indivíduos com a Ciência, Jacob Bronowski
chama a atenção para o fato de a Tecnologia transformar-se “na nova magia
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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Foto: Claudia Kamergorodski/Divulgação
do homem moderno”. Neste sentido, e
também tendo como base as discussões do livro Conversa sobre fé e a
Ciência, no qual o senhor debate com
Frei Betto as relações entre razão e
mito, não poderíamos pensar na internet – e suas múltiplas possibilidades
– como uma das “novas magias” de
culto da civilização?
Não vejo a internet dessa forma. Vejo-a
como um novo instrumento de descoberta
e exploração social e cultural. Toda nova
tecnologia parece ter um lado mágico,
especialmente quando comparada ao que
havia antes. Quem hoje pode viver sem
um celular? Mas quem imaginava, há,
digamos, 15 anos, que todo mundo ia ter
um telefone privado que carrega no bolso
e que pode se comunicar com qualquer
pessoa no mundo? Quando foi descoberto, o rádio era “mágico” também, ondas
se transportando no vazio... Acho que as
novas tecnologias deveriam ser celebradas
pelo que são, um grande feito da mente
humana, e não transformadas em mitos
pseudo-científicos.
“As coisas melhoraram muito
no Brasil, especialmente após
a implantação de fomentos
estaduais como FAPESP,
FAPEMG etc. Mas falta muito
ainda, especialmente no
acoplamento da iniciativa
privada com o amparo à
Pesquisa. É necessária a
criação de fomentos fiscais
para que isso ocorra. As
universidades não podem
depender de fomento federal e
estadual apenas.”
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Novamente em relação às novas tecnologias, como o senhor analisa os nichos
de sociabilidade resultantes do uso,
cotidiano, de recursos como as mídias
sociais? E o que dizer da relação dos
cientistas com tais ferramentas?
Vale dizer que a WWW foi inventada por
físicos no CERN, o laboratório europeu
de física de altas energias. Seu propósito
inicial era justamente facilitar a comunicação entre milhares de físicos trabalhando
em projetos coletivos. As mídias sociais,
que tanta gente critica mas que todo mundo usa, são, a meu ver, uma força social
revolucionária. Claro, como tudo o que
existe, elas têm também o seu lado sombra. Mas vejo jovens engajados, trocando
ideias, se comunicando, criando formatos
e imagens, crescendo através delas e até se
mobilizando politicamente e socialmente.
Acho isso fantástico. Como ferramenta de
divulgação científica, a internet é imbatível;
mas a coisa tem que ser feita direito, pois
existe muita besteira também. Para saber
discernir, a educação é fundamental.
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
Como o senhor analisa as atuais fontes de financiamento à Pesquisa no
Brasil do século XXI? Estamos no caminho certo?
As coisas melhoraram muito no Brasil,
especialmente após a implantação de
fomentos estaduais como FAPESP, FAPEMIG etc. Mas falta muito ainda, especialmente no acoplamento da iniciativa
privada com o amparo à Pesquisa. É
necessária a criação de fomentos fiscais
para que isso ocorra. As universidades
não podem depender de fomento federal
e estadual apenas.
Nas últimas décadas, cresceu significativamente o número de citações
a pesquisas e pesquisadores brasileiros no exterior. Além disso, temos
ampliado os índices de registros
oficiais de patentes, principalmente
em áreas de ponta, como genética
e nanotecnologia. Neste cenário de
desenvolvimento, o que significaria,
para o Brasil, a possibilidade de receber um Prêmio Nobel?
Estamos progredindo, mas ainda temos
muito pela frente. Das entidades listadas
nas 1000 com maior número de patentes
do mundo, apenas duas são brasileiras: a
Whirlpool (em SP) e a UFMG (858º lugar).
O Brasil fica em 24º lugar no mundo, com
480 patentes em 2009. Só a Toyota registrou mais de mil. Seria, claro, maravilhoso
se um ou uma cientista brasileira recebesse um prêmio mundial como o Nobel.
A pessoa se transformaria imediatamente
em símbolo nacional, inspirando milhares
de jovens a seguir a carreira científica. No
meio tempo, fazemos o possível para isso,
mesmo sem o Nobel.
Como o senhor analisa o atual estágio
da divulgação científica no País? Os
jornais, revistas, sites e meios audiovisuais realizam bons trabalhos na área?
Diria que o número de veículos impressos, especialmente as revistas e jornais,
estão aumentando. Os blogs dedicados
à Ciência também. Mas falta ainda espaço maior na mídia, especialmente na
TV. Temos canais como Discovery e NatGeo, mas esses são canais internacio-
Foto: Claudia Kamergorodski/Divulgação
nais, mesmo que se esforcem para criar
conteúdo nacional ou com pessoas daí.
Eu mesmo fiz já vários trabalhos com a
Discovery e tenho um saindo ainda esse
ano com a NatGeo. Mas falta ainda muito,
especialmente na TV aberta. Por exemplo,
as pessoas gostaram muito das séries
que fiz para o Fantástico, mas não vemos
nada parecido sendo feito depois delas.
Infelizmente, muito da mídia dedicada à
Ciência acaba se distorcendo para o lado
da pseudo-ciência, do esoterismo e do
sensacionalismo. E não há necessidade
disso, pois o universo é mágico o suficiente. Basta contar a história direito.
Também com relação à divulgação
científica, o que dizer de tal trabalho
realizado em nossas universidades?
Tomando-se como pressuposto a importância de aproximar os jovens da
Ciência, com vistas à construção de
vocações, as instituições de ensino superior não vivem, ainda, numa espécie
de “redoma de vidro”?
Pois é, existe sim esta visão “dinossáurica” da divulgação científica, de que
cientista sério não “perde tempo” com
essas coisas. Grande besteira. Mesmo
historicamente, grandes cientistas, a começar por Galileu, foram divulgadores
de Ciência. Pense em Einstein, Richard
Feynman, Linus Pauling, no Carl Sagan
e, mais recentemente, Stephen Hawking e
Steven Weinberg! Uma coisa não exclui a
outra: pelo contrário, diria que meu trabalho como divulgador informa minha pesquisa em Ciência e vice-versa. Dividir as
descobertas da Ciência com o público deveria ser um mandato para todos os cientistas; afinal, o dinheiro que fomenta as
suas pesquisas vêm do público, que tem
o direito de saber porque devem pagar
pesquisas em Microbiologia, Geologia ou
Astrofísica. Fora isso, a Ciência faz parte
da nossa cultura, definindo, em grande
parte, quem somos. Portanto, negar a
Ciência ao público é querer mantê-lo na
ignorância, exatamente o oposto do que
um educador deveria fazer. Educar não se
restringe apenas à sala de aula!
O senhor mantém coluna semanal em
jornais e há bastante tempo conversa
“diretamente” com um público leigo. O
que dizer dessa experiência?
Diria que o que me surpreende mais é a
enorme curiosidade que as pessoas têm
com relação à Ciência. Especialmente
quando se trata de questões mais fundamentais, relacionadas com origens, ou
questões de impacto ambiental ou político,
existe um grande interesse por parte das
pessoas. Vejo como um privilégio poder
trocar ideias com o público, ter esse papel
no Brasil atual. Claro, nem todo o mundo
concorda com o que tenho a dizer. Mas sei
respeitar opiniões opostas e críticas, e tento aprender com elas.
Com base em sua própria vivência,
o que dizer do significado da Ciência
para o homem?
A Ciência é uma ponte entre o homem e o
universo, uma grande narrativa que construímos para compreender quem somos,
quais as nossas origens, como podemos
melhorar nossa qualidade de vida. Vejo
nela um caminho não só concreto, levando
a descobertas e tecnologias, mas também
um caminho espiritual, aproximando o homem da Natureza. Na busca pelo conhecimento, nos definimos e, ao nos definir,
definimos também nossa visão de mundo
e nossa busca por significado.
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Foto: Marcelo Focado
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O jaleco é uma peça de proteção
individual usado por profissionais que
trabalham com materiais contaminantes,
tóxicos ou nocivos. Porém, quem atua
na área da saúde tem dificuldades para
transportá-lo de casa para o trabalho
em segurança. Isso acontece porque o
transporte inadequado provoca a contaminação cruzada, ou seja, agentes contaminantes da área hospitalar vão para
fora desse ambiente, como restaurantes,
ônibus, carros, residências e vice-versa.
Por isso, até uma visita, aparentemente inofensiva, a um amigo ou parente
que está internado, pode colocar a saúde
de várias pessoas em risco. Isso acontece
porque o ambiente hospitalar está repleto
de bactérias, vírus e protozoários nocivos
aos seres humanos.
Um estudo realizado pelo professor
Marco Antônio Miguel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou que
alguns tipos de bactérias conservam-se vivas
nas roupas por dois meses. E cerca de 90%
delas resistem no tecido por até 12 horas.
Em Minas, a vereadora Maria Lúcia
Scarpelli (PCdoB) criou a Lei do Jaleco,
que entrou em vigor no dia 19 de julho
deste ano. Para ela, é uma obrigação do
poder público cuidar da saúde da população. “Antes da lei, era comum ver médicos
e outros profissionais da área da saúde
vestidos com os jalecos e até roupas de
centros cirúrgicos em restaurantes e lanchonetes. E isso provocava um mal-estar
e a reclamação dos clientes. Mas os donos dos estabelecimentos tinham receio de
comentar com os médicos e perder essa
clientela”, argumenta.
A lei não seria necessária, já que no
código de ética dos médicos existe a orientação de não se usar a roupa de trabalho
em outros ambientes, porém, a regra não
é cumprida, de acordo com a vereadora.
Profissionais de outras áreas, como dentistas, por exemplo, não têm esse hábito. A
vereadora lembra que isso é uma questão
cultural e que a lei também tem a função de
quebrar esse paradigma. “Nós não vemos
as professoras, que também usam jaleco,
ou o juiz de toga na rua, por que médico é
diferente?”, questiona.
O texto original da lei previa multa de R$ 500. Porém, o prefeito de Belo
Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), vetou
a punição financeira sob o argumento
de que seria difícil fiscalizar e a Câmara
manteve a decisão. Mas a vereadora enfatiza que, independentemente do efeito
da lei no bolso dos infratores, o assunto
virou tema de debates na sociedade. “Nós
percebemos que, mesmo sem a aplicação
da multa, reduziu sensivelmente o número de pessoas com os jalecos nas ruas.
O assunto foi amplamente discutido e a
opinião pública nos apoiou. A lei educou
a população”, destaca Scarpelli.
O técnico em radiologia médica e
ex-secretário do Conselho Regional de Radiologia, Tarcísio Pereira, questiona a lei.
Ele acredita que a intenção foi boa, entretanto, a aplicabilidade é contestável porque
pune o funcionário, enquanto a instituição
fica isenta de responsabilidades. “O ideal
é que o hospital forneça um uniforme para
os funcionários. Uma vez que ele oferece,
pode exigir que os funcionários trabalhem
vestidos assim e só saiam às ruas com
roupa comum”, ressalta.
Outra preocupação que o técnico levanta é em relação à transmissão de bactérias: “A lei está restrita ao jaleco, mas e
quem usa uniforme branco, pode entrar
nos estabelecimentos? E quem trabalha
sem o uniforme, com roupa comum? Está
carregando bactérias do hospital para a rua
e vice-versa, colocando todos em risco da
mesma forma”.
Para ele, uma opção, além do fornecimento da roupa específica, seria a esterilização adequada das vestimentas usadas
pelos funcionários dentro do ambiente
hospitalar. “O mais correto, do meu ponto de vista, é que as instituições de saúde
lavem os uniformes porque eles têm estrutura para isso. É usada água em alta temperatura e produtos químicos específicos
para fazer a esterilização”, sugere.
O advogado Antônio Carlos Teodoro
tem opinião semelhante à do técnico. Jurista especializado em causas relacionadas
a erros e omissões médicas e presidente da
organização não-governamental, SOS Vida,
Antônio Carlos considera a lei sem valor. “O
que faltou nesse caso foi chamar as entidades
“Nós percebemos que,
mesmo sem a aplicação da
multa, reduziu sensivelmente
o número de pessoas com os
jalecos nas ruas. O assunto
foi amplamente discutido e a
opinião pública nos apoiou.
A lei educou a população”.
Maria Lúcia Scarpelli
Vereadora em Minas criadora da Lei do Jaleco
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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Foto: Marcelo Focado
responsáveis, profissionais da área e pessoas que entendam do assunto para debater o
tema e só depois criar uma lei”, comenta.
Ele acredita que a lei deveria falar
sobre as normas de transporte para as
roupas usadas em hospitais, que saem
contaminadas e materiais que façam essa
esterilização de modo adequado. “É uma
lei sem valor, assim como a lei seca, que
dá ao cidadão a opção de escolher se quer
soprar o bafômetro ou não”, dispara.
Descontaminando
roupas e uniformes
Com o objetivo de acabar, ou pelo
menos, reduzir a contaminação das roupas e equipamentos usados em clínicas
e hospitais, um grupo formado por quatro
pesquisadores da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM), desenvolveu
um produto. O Clean Coat, como foi batizado pelos cientistas, é uma bolsa com
um agente microbicida na parte interna que
gera um microambiente para a descontaminação de materiais durante seu transporte.
Porém a equipe alerta que essa bolsa não
substitui a lavagem e a descontaminação
regular que esses materiais devem ter.
Segundo um dos integrantes da equipe,
o mestrando do curso de pós-graduação
em Bioquímica, Thiago Salem, apesar
de o foco primário ser materiais médicos
como jalecos, estetoscópio e termômetro,
por exemplo, a bolsa também pode ser
usada para o transporte de materiais de
higiene pessoal, roupas em geral e objetos pessoais como celulares e canetas. “O
principal agente contaminante identificado
nos jalecos são os Staphylococcus aureus,
responsáveis por infecções do tipo foliculite, gastroenterite e choque anafilático. Há
relatos científicos de jalecos de médicos
estarem contaminados por bactérias da
espécie Acinetobacter que podem causar
infecções da pele, meningite, infecções
nasocomiais (infecção hospitalar) e pneumonia”, explica.
Os pesquisadores encontraram maior
índice de contaminação nas bordas das
mangas e os bolsos dos jalecos. Nas mangas o problema não se deve apenas pela
proximidade da mão, mas também pelo
contato que acaba tendo com superfícies
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
contaminadas. Os bolsos, além de abrigar
as mãos, também abrigam materiais contaminados como canetas, papéis e materiais
médicos como estetoscópio e termômetro.
De acordo com a equipe, todo material, por menor tempo que fique em contato
com outro material contaminado, acaba se
infectando: “A contaminação se dá, principalmente, pelo contato direto com o paciente e materiais contaminados como roupas
de cama, cadeiras, maçanetas etc. Mas também pode ocorrer pelo ar, já que algumas
bactérias podem estar em suspensão”.
Tanto o visitante quanto os funcionários de clínicas e hospitais devem tomar
cuidado especial com o transporte e limpeza das roupas. “Essas peças devem ser
lavadas separadamente das não-contaminadas. Se possível, usar solução com água
sanitária na lavagem. O ato de passar as
roupas usando altas temperaturas auxilia
na descontaminação”, observa Salem.
O grupo acredita que o ideal seria que
os hospitais fornecessem um vestiário no
local de trabalho e que, ao chegar, o funcionário trocasse a roupa em uso por uma
específica, como o avental ou jaleco. Ao fim
do expediente, trocasse novamente a roupa
e que a utilizada durante o trabalho fosse lavada no próprio local. “Como poucos hospitais oferecem essa possibilidade, o ideal é
transportar jalecos e aventais em ambiente
isolado (bolsas ou sacolas) e lavá-los separadamente das demais roupas”, comenta.
Inovatec
Em outubro de 2010, a equipe participou da Inovatec, Feira de Inovação Tecnológica, realizada em Belo Horizonte, que tem o
objetivo de mostrar e premiar Planos de Inovação. “Foi, ao mesmo tempo, desafiador e
inovador. Pudemos perceber a opinião de
diversas pessoas a respeito do nosso produto e recebemos sugestões e críticas, que
contribuíram para o crescimento do grupo e
para o aumento da nossa crença na nossa
inovação. Acreditamos que todos os cursos
(graduação ou pós-graduação) deveriam ter
disciplinas para trabalhar e desenvolver o
conceito de inovação”, opina.
EDUCAÇÃO
Ciência
no salão
de beleza
Projeto mostra o quanto
o saber científico está
presente no cotidiano das
pessoas, especificamente
nos cuidados estéticos com o
cabelo, a pele e as unhas
Juliana Saragá
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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Você já se perguntou por que os cabelos ficam brancos? Ou por que ficam com
pontas duplas? O que causa estria e celulite? Como se formam os cravos e espinhas?
O que faz a unha crescer? Será que tirar a
cutícula faz mal? Talvez não tenha pensado
nessas questões de uma forma científica,
mas aprender mais sobre Ciência através da
estética parece bem atrativo. E é. Pelo menos
é o que demonstra a professora e pesquisadora Mônica Meyer, da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), coordenadora do
projeto “A Ciência no Salão de Beleza”, cuja
intenção é divulgar a Ciência e apresentar
um material educativo sobre o corpo humano, com “pé e cabeça”. “Tivemos a ideia
de montar um salão de beleza e lançar um
almanaque sobre o tema durante a Semana
Nacional de Ciência e Tecnologia. Em dois
meses mergulhamos até a raiz do cabelo
para realizar o projeto” conta a pesquisadora.
O Almanaque “Cabelo, Pele, Unha” foi
lançado durante a Semana Nacional de C&T
em 2009, junto com o vagão “A Ciência no
Salão de Beleza”, uma exposição que ocupou uma plataforma da Estação de Metrô
Vilarinho, em Belo Horizonte, simulando
um vagão de trem, onde foi montado o salão
de beleza temático, oferecendo gratuitamente os serviços de manicure, cabeleireiro,
massagista e maquiagem. Os visitantes
puderam observar cortes reais de cabelo,
pele e unha ao microscópio ótico e diversas
imagens de microscopia eletrônica mostradas em uma TV de plasma, além de modelos
tridimensionais das camadas da pele. Havia
também quebra-cabeças com ilustrações
ampliadas de cabelo, pele e unha e espaço
“Meu cabelo é tudo
na minha vida”
(Caroline, 16 anos)
“Unha é a
beleza da mão”
(Caroline, 16 anos)
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
para desenhar. Uma seleção de imagens e
músicas relacionadas ao tema, como “Cabelo”, de Jorge Ben Jor, e ainda revistas-álbuns especialmente confeccionadas com
os desenhos e textos dos alunos integrantes
do projeto compunham o ambiente desse
salão de beleza “científico”.
Ciência na sala de aula
O Almanaque “Cabelo, Pele, Unha”,
produzido com o apoio da FAPEMIG, é o
desdobramento da participação de alunos
de graduação em Ciências Biológicas da
UFMG no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) da
Capes, cujo objetivo principal é incentivar
estudantes universitários à docência e integrar universidade e escola. “É um contato precoce que estimula o compromisso
com a Educação vivenciando situações do
cotidiano escolar”, explica Mônica Meyer,
supervisora dos alunos no Programa.
O projeto foi realizado em duas escolas da capital mineira. A primeira etapa
foi resgatar a trajetória escolar do ensino
de Biologia para os alunos de graduação,
escutando, integrando e relatando as experiências que tiveram em relação ao ensino
da Ciência. Isso fez com que percebessem o
quanto é importante relacioná-la ao cotidiano. Depois, os graduandos caracterizaram
o perfil da instituição registrando os relatos
dos alunos em um diário de campo. O resultado apontou uma desmotivação geral do
aprendizado escolar. A partir dessa aproximação, os alunos integrantes do Programa
identificaram uma demanda por um ensino
que abordasse temas mais ligados ao cotidiano das crianças e adolescentes.
O projeto “A Ciência no Salão de Beleza” surgiu dessa necessidade de aproximação entre o saber científico e o dia a dia dos
jovens de forma mais atrativa e dinâmica. O
tema foi escolhido por se tratar de um assunto importante na rotina dos estudantes - e da
população em geral - mas que recebe pouca atenção nos livros didáticos e nas salas
de aula. Assim, o projeto buscou mostrar o
quanto a Ciência está presente no cotidiano
das pessoas, especificamente nos cuidados
com o cabelo, a pele e as unhas. “A experiência em sala de aula mostrou que o cuidado
com a aparência é um assunto recorrente
“A cutícula, na hora
de uma briga, é uma
proteção da unha”
(Gabriela, 16 anos)
De cima para baixo: no salão de beleza
temático os visitantes podem observar cortes
reais de cabelo, pele e unha ao microscópio;
o salão oferece gratuitamente serviços
de cabeleireiro, massagista, manicure e
maquiagem; no espaço há quebra-cabeças
com ilustrações ampliadas de cabelo, pele e
unha e espaço para desenhar
entre os jovens e, mais do que isso, é uma
forma de expressar a própria identidade. Os
diferentes cortes e cores de cabelo, as unhas
multicoloridas, o uso da maquiagem e a preocupação com acne são típicos da adolescência, porém esse assunto tão significativo
para os jovens é tratado nos currículos e nos
livros didáticos de Biologia de forma bem
distante”, relata a pesquisadora.
Primeiro, foi realizada uma pesquisa com os estudantes do ensino médio
das escolas estaduais Governador Milton
Campos (Estadual Central) e Instituto de
Educação de Minas Gerais (Iemg) sobre
suas dúvidas e curiosidades sobre o tema.
“Pedimos aos alunos que montassem um
questionário com perguntas sobre cabelo,
pele e unha, o que resultou em um total de
quatrocentas questões. Também pedimos
que eles entrevistassem seus familiares e
amigos e que desenhassem suas fisionomias, destacando os cabelos, pele e unhas
no passado, presente e futuro. Recebemos
cerca de cem desenhos e entrevistas. Muitos nos chamaram muita atenção, como
uma aluna que disse “Meu cabelo é tudo
na minha vida!”, reforçando a importância
do tema para esses jovens”, relata.
Após a análise do material, as perguntas mais frequentes foram selecionadas
e a equipe se envolveu em uma extensa
pesquisa sobre os aspectos biológicos e
culturais acerca do assunto. Nessa etapa
do trabalho surgiu a ideia de produzir um
almanaque para divulgar os resultados da
pesquisa. O almanaque foi escolhido por
permitir a apresentação do tema sob diferentes olhares - cultural, científico, histórico - de forma lúdica e interativa.
O Almanaque “Cabelo, Pele, Unha”
foi elaborado com base no material produzido pelos alunos do ensino médio e nas
pesquisas realizadas pela equipe do projeto. Cerca de oitenta questões colocadas
pelos alunos foram respondidas, das quais
vinte foram selecionadas. Além de responder às perguntas, o Almanaque focaliza aspectos sociais, étnicos, lúdicos e culturais.
Assim, traduz uma dimensão humana na
compreensão do corpo através de músicas,
brincadeiras, histórias, textos, provérbios,
piadas, desenhos e depoimentos de professores, alunos, artistas e autores.
“A realização do projeto também foi
extremamente positiva e construtiva para a
equipe, pois estimulou a reflexão e o desenvolvimento de estratégias alternativas para a
divulgação científica, além do diálogo entre
alunos do ensino médio, alunos da graduação e professores das escolas estaduais e
da UFMG”, conta a pesquisadora. Mais de
dez mil exemplares foram distribuídos em
eventos diversos, contribuindo para transformar a prática pedagógica em um exercício de aprendizagem prazeroso. “A Ciência
no Salão de Beleza é uma oportunidade para
sentirmos na própria pele a importância da
educação”, orgulha-se.
“O cabelo liso fica
mais bonito, por isso
eu faço escova”
(Ana Caroline, 12 anos)
“Lembro do meu
cabelo quando as
meninas passavam
a mão nele e
gostavam”
(Guilherme,13 anos)
Projeto: A Ciência no Salão de Beleza
Coordenadora: Mônica Meyer
Modalidade: Popularização da Ciência
Valor: R$ 49.087
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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Bom Exemplo 2011
A FAPEMIG participou de 11 a 15 de
julho da ExpoT&C, feira de Ciência,
Tecnologia e Inovação que compõe a
programação da 63ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. É o terceiro ano consecutivo que
a Fundação participa do evento, que é
um dos maiores do País na área. A cada
ano, a Reunião acontece em uma cidade
diferente. Em 2011, foi a vez de Goiânia
receber pesquisadores, acadêmicos e
estudantes de todo o País.
Prêmio
CURTAS DA CIÊNCIA
FAPEMIG na SBPC 2011
Foram cinco dias de evento, com o tema
central “Cerrado: água, alimento e energia”. O estande da FAPEMIG recebeu
diariamente centenas de pessoas interessadas nos programas da Fundação.
Durante o evento, foram distribuídos
mais de 2 mil exemplares da revista
MINAS FAZ CIÊNCIA. Paralelamente,
aconteceram a SBPC Jovem, com
programação voltada para estudantes do
ensino básico e a SBPC Cultural, com
atividades artísticas regionais.
A FAPEMIG recebeu no último dia 20 de junho o Prêmio Bom
Exemplo 2011, na categoria Ciência. O Prêmio, promovido pela
Rede Globo e a Fundação Dom Cabral, tem o objetivo de valorizar
o esforço, a pesquisa, o trabalho e a realização de pessoas e organizações. O presidente da FAPEMIG recebeu o prêmio das mãos
do Reitor da UFMG, Clélio Campolina, autor da indicação. Em
seu discurso, Borges agradeceu o reconhecimento do Governador
Antonio Anastasia e do Senador Aécio Neves, quando Governador
do Estado, pelo apoio constante e fundamental para o presente
sucesso da Fundação. O presidente também dedicou o prêmio a
todos os funcionários da FAPEMIG, pelo trabalho e empenho.
Os agraciados foram escolhidos pelo júri entre 49 indicados. Na
categoria Cidadania, o vencedor, Jorge de Morais Júnior, foi escolhido por voto popular. Morais Júnior é fotógrafo e foi escolhido
por ensinar fotografia a crianças carentes e pelo trabalho no projeto
“Olhar Coletivo”, que ensina a crianças do Aglomerado Santa
Lúcia, em Belo Horizonte, técnicas de desenho e pintura.
Marco
legal
O presidente da FAPEMIG e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais
de Amparo à Pesquisa (Confap), Mario
Neto Borges, esteve no estande da
Fundação na SBPC e, durante a Reunião, foi um dos debatedores da mesa
redonda “Marco Legal para C&T&I”,
na qual foram apresentadas propostas
de mudanças para o marco legal de
Ciência, Tecnologia e Inovação. Além
de Borges, participaram da mesa
o deputado federal Sibá Machado
(PT-AC) e o secretário estadual de
Ciência e Tecnologia do Amazonas e
presidente do Conselho Nacional de
Secretários Estaduais para Assuntos
de CT&I (Consecti), Odenildo Sena. O
Confap e o Consecti defendem a criação de um arcabouço legal específico
para a área de Ciência, Tecnologia e
Inovação. Para Borges, a simplificação
da legislação vigente é essencial para
que ela se adeque às necessidades
da Ciência e Tecnologia. Um Grupo
de Trabalho formado por juristas de
instituições ligadas ao Consecti e ao
Confap vai elaborar uma proposta para
apresentar ao Congresso, com sugestões de mudanças nas Leis que regem
CT&I no País, com base nas principais
reivindicações dos pesquisadores.
Blog Minas Faz Ciência
Já está no ar, no endereço www.fapemig.wordpress.com, o blog Minas Faz Ciência, lançado para ampliar o Programa de Divulgação Científica da FAPEMIG. A proposta do blog é divulgar informações, incentivar o debate e mostrar que falar de ciência,
tecnologia e inovação (CT&I) não é apenas importante, mas também prazeroso.
O blog é o mais novo componente de um projeto de divulgação científica que já
tem mais de dez anos. Mantido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais (FAPEMIG), o projeto MINAS FAZ CIÊNCIA também conta com uma
revista de mesmo nome, trimestral e gratuita; com os podcasts Ondas da Ciência;
e com as pílulas de TV Ciência no Ar. Todo esse material pode ser encontrado no
blog, um espaço aberto para todos os internautas. Leia, participe, comente!
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
LEMBRA DESSA?
À luz do laser
Radiação eletromagnética consegue prever o escurecimento
de batatas e auxiliar na reprodução de animais
computador, como elemento de aquisição de
dados, que puderam ser utilizados por nós
em testes de movimentos do mouse, na tela
do computador, por simulação de pessoas,
com apenas movimentos dos olhos. Esta
mesma tecnologia pode ser usada para o
monitoramento da variação da artéria radial,
um dos ramos da principal artéria do braço
humano”, afirma.
Novas frentes de Pesquisa estão em
aprimoramento e em fase de testes com busca de aplicações bem como desenvolvimento
da técnica. Uma nova área que já tem estudos
em andamento é a Medicina (Medicina Veterinária), entretanto não é possível divulgar resultados por causa do processo de proteção
intelectual. “Algumas patentes desenvolvidas
pelo grupo já estão em processo avançado
e prontas para uma transferência, como é o
caso do medidor de motilidade em sêmen
animal ou o do medidor de atividade de
água em folha de cafeeiro. Outras proteções,
porém, ainda estão em aperfeiçoamento, o
que obrigaria um processo de transferência
que envolvesse desenvolvimento conjunto”,
acrescenta Braga.
“Temos resultados de
aplicações publicados em
raízes, frutos, biofilmes, folhas
de café, além daqueles que
estão em desenvolvimento
e proteção, como na área de
Medicina Veterinária. Já em
fertilidade animal temos um
protótipo funcionando na Ufla
a fim de ser transferido para a
iniciativa privada”
Roberto Braga,
coordenador do Centro de Desenvolvimento de
Instrumentação aplicada à Agropecuária
Foto: Arquivo / Cedia
Uma luz monocromática, coerente
e altamente direcional é capaz de mostrar
mais que os olhos apurados de um cientista
podem ver: a predição de danos mecânicos em batatas antes de seu escurecimento
(bruising). Essa facilidade, que só é possível com o laser, se aplicada na agropecuária
pode evitar gastos extras e prejuízos para o
bolso dos agricultores.
A observação do material biológico,
denominada biospeckle laser, foi tema de reportagem publicada na edição nº 16 da MINAS
FAZ CIÊNCIA. Na ocasião, a pesquisa avaliava
a aplicação da tecnologia em sementes e reprodução bovinas, equinas e ovinas e a Universidade Federal de Lavras (Ufla) havia conquistado a patente de co-titularidade do estudo
em parceria com a FAPEMIG.
Oito anos se passaram, novas aplicabilidades foram descobertas e a Universidade
conseguiu por meio de financiamento público construir o Centro de Desenvolvimento de
Instrumentação aplicada à Agropecuária (Cedia). Segundo Roberto Braga, coordenador
do Centro, o grupo do Cedia (que conta com
a participação direta e indireta de mais de 50
pessoas entre estudantes, pesquisadores da
Ufla e do exterior) tem se empenhado em
aprimorar o uso do laser e realizar testes em
outros materiais orgânicos, e agora também
em materiais não biológicos. “Temos resultados de aplicações publicados em raízes, frutos, biofilmes, folhas de café, além daqueles
que estão em desenvolvimento e proteção,
como na área de Medicina Veterinária. Já em
fertilidade animal temos um protótipo funcionando na Ufla a fim de ser transferido para a
iniciativa privada”, explica.
Outros avanços obtidos por meio do
laser e que estão prontos para uso de empresas é o mouse óptico que faz parte de
um conjunto de métodos chamado de portabilidade. “Apresentamos recentemente uma
proposta portátil de uso de mouse óptico de
Centro de Desenvolvimento de Instrumentação Aplicada à Agropecuária
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
39
CULTURA
Uma
câmera
na mão e o
Universo
na cabeça
A intensa
relação entre
Ciência e cinema
ilumina a vida para
muito além do aconchegante
escurinho das salas de projeção
Fabrício Marques e Maurício Guilherme Silva Jr.
40
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
Criado em 1999, o Grupo de
Teoria e História da Ciência (Scientia)
funciona na Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas (Fafich) da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). É composto por professores
e alunos da UFMG e busca desenvolver e estimular atividades transdisciplinares de ensino, pesquisa e extensão em História e Filosofia da Ciência
e da Tecnologia. Em 2005, foi criado o
selo Scientia/ UFMG para as publicações do grupo.
No ano de 1874, o astrônomo parisiense Pierre Jules César Janssen (18241907) conseguiu capturar imagens sequenciais da passagem de Vênus em torno
do Sol. Para tal, utilizou-se de revólver
fotográfico que – de modo automático e
sem a necessidade de intervenção humana
– captava uma série de retratos seguidos.
Além de ter contribuído para o avanço das
pesquisas acerca dos astros, as experiências do pesquisador francês revelam hoje
que, antes mesmo da clássica cena de trabalhadores a deixar a fábrica, imortalizadas
pelas lentes dos irmãos Lumière em 1895,
a possibilidade de captação da vida em
movimento unia, numa mesma e instigante
seara, as maravilhas da chamada “sétima
arte” e os pressupostos do saber científico
e tecnológico.
Em outras palavras, o surgimento e a
consolidação dos laços entre Ciência e cinema, duas das mais importantes criações
do homem sobre a Terra, remonta ao próprio desenvolvimento – técnico e experimental – de ambas as atividades. Segundo
o professor Bernardo Jefferson de Oliveira,
pós-doutor em História da Ciência pelo
MIT e um dos integrantes, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do
grupo Scientia, tal profícua “vinculação”
é bastante antiga. O pesquisador conta
que, inspirado nas experiências de Pierre
Jansen – e também antes dos Lumière –,
o fotógrafo inglês Edward Muybridge montou uma “incrível sequência de fotografias
da corrida de um cavalo, reproduzindo seu
movimento em detalhes. Isso foi logo percebido como grande recurso para o estudo
da fisiologia do movimento”, afirma.
Em formato de arma, a câmara usada por Muybridge seria aprimorada pelo
fisiólogo francês Etienne-Jules Marey, de
modo a permitir, sem dificuldade, a mira e o
acompanhamento de diversos movimentos,
como o de uma ave em pleno voo. “Étude
de la locomotion animale par la chrono-photographie, de Marey, foi publicado em
1887, a partir das análises propiciadas por
este novo instrumento de pesquisa. Cientistas de outras áreas não tardaram a perceber
as vantagens desse recurso e utilizá-lo.
Algumas dessas experiências com ‘rolos
de cronofotografias’ foram mostradas na
Academia de Ciências da França, no final da
década de 1880”, completa.
O professor Gabriel Cid de Garcia,
coordenador do projeto Ciência em foco
– ciclo permanente de palestras promovida pela Casa da Ciência da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos
mais fascinantes temas para discussão
diz respeito, justamente, aos limites e às
tensões entre o cinema como técnica e
como arte, ou espetáculo. “De que modo
essa continuidade se insinua, e que descontinuidades ela pressupõe? O aparato do
cinematógrafo é uma invenção que sintetizou, de fato, diversas ideias que já traziam
em si um certo pensamento em torno do
que era o cinema”, comenta.
Muitos estudiosos, segundo ressalta
o pesquisador, situam como célebre – anteriormente à ação dos cientistas – a passagem da República de Platão em que é
desenvolvida a “alegoria da caverna”. Para
Gabriel Cid, “o cinema nada mais é que uma
espécie de caverna onde se projetam sombras que se confundem com o mundo. Precisaríamos supor uma realidade para além
da caverna? Gosto desta imagem, pois nos
remete, de saída, à relação do cinema com
o pensamento. Os princípios da ótica que
possibilitaram a câmera obscura, aliados à
química da impressão fotográfica, permitiram aos cientistas um meio de captar o movimento de modo objetivo, como na técnica
da cronofotografia, que impulsionava experimentos de Marey e Muybridge em torno
da decomposição e análise do movimento
de animais ou o estudo das fotografias que
registravam as crises histéricas, de Albert
Lande e Charcot”.
Arte do espetáculo
Afora as questões científicas, importante ressaltar que, ao longo do século
XX, o cinema desenvolveu-se como grande
ferramenta de entretenimento e, conforme
ressalta Bernardo Oliveira, ganhou status de
gênero artístico próprio, ao receber a alcunha de sétima arte. “Apesar disso, o registro
cinematográfico continuou a servir como
instrumento científico. Afinal, possibilitava
vários tipos de experimentos e o registro de
ocorrências em condições inóspitas ou não
discerníveis a olho nu, permitindo observa-
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
41
Imagens: divulgação
ções repetidas e análises detalhadas, com a
separação de instantes”, ressalta.
Na opinião de Gabriel Cid, apesar de
muitos cientistas terem atuado ativamente,
em suas áreas específicas, com pesquisas
que colaboraram para a invenção do cinematógrafo, o interessante é pensar que o
cinema não se configura como mero produto de laboratório. “Sua gênese deve-se,
sobretudo, à contribuição determinante de
outras camadas da sociedade, que desde
muito se dedicaram às técnicas da ilusão do
movimento, como os mágicos ilusionistas,
artesãos e pessoas ligadas ao mundo do espetáculo”, afirma. Como exemplo, o coordenador do projeto Ciência em foco comenta
a apropriação do invento de homens de ciência, como Kirchner e Huygens – a lanterna mágica – para os truques envolvendo a
projeção de imagens, a fantasmagoria. “Do
mesmo modo, o cineasta francês Georges
Méliès inventou diversos truques e efeitos
especiais que apelavam para o imaginário,
distanciando-se da objetividade almejada
pela Ciência”, completa.
Do laboratório à telona
Logo da Mostra de La Coruña e imagem de “Três semanas depois”, de José Luis Torres Leiva,
ganhador edição do ano passado; o filme é uma meditação visual sobre a paisagem depois do abalo
sísmico de fevereiro de 2010, no Chile, e faz parte do projeto 8,8, do artista chileno Fernando Prats
42
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
Além do uso de técnicas e equipamentos cinematográficos como suporte à
incansável busca dos pesquisadores pelo
saber, é imprescindível considerar outra
importante faceta da relação entre as duas
áreas: há mais de um século, os cientistas
– e suas dúvidas, desafios e descobertas
– transmutaram-se em protagonistas de
milhares de películas, da ficção científica
ao drama, do documentarismo à comédia,
do suspense ao terror. De 2001 – Uma
odisséia no espaço a Blade runner, de O
ponto de mutação a O óleo de Lorenzo,
muitas foram as histórias que emocionaram milhões de cinéfilos, assim como lhes
proporcionaram novas reflexões quanto ao
papel e às responsabilidades da Ciência.
Nas telonas, aliás, as peripécias do
homem em busca do conhecimento e do
domínio da natureza já apresentaram contornos os mais diversos. Apesar disso,
tais filmes não ganharam o que se pode
chamar de um gênero próprio: “Em geral
pensamos em ‘ficções científicas’ porque
ali a perspectiva científica é diretamente tematizada. Como na ópera os acontecimen-
tos são pretextos para o canto, nas ficções
científicas quase tudo remete a uma explicação ou hipótese científica. Mas não creio
que haja um gênero de filme mais adequado para se tratar da ciência”, comenta o
professor Bernardo Oliveira.
“As ciências sempre movimentaram
a criação cinematográfica e, certamente,
continuarão movimentando, constituindo-se numa verdadeira matéria-prima para
os cineastas - entendendo matéria-prima
como aquilo que permite a entrada num
certo sistema, que cria uma brecha para
experimentação, neste caso, uma abertura
em sistemas de pensamento, funcionamento, produção e criação científicos”,
observa Susana Dias, coordenadora do
Mestrado em Divulgação Científica do
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e Instituto de Estudos da
Linguagem (IEL) da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp).
Susana ressalta que, pensado como
obra de arte, o cinema não tem propriamente a intenção de divulgação/comunicação
científica. Talvez tenha forte intenção de divagação científica e daí decorre sua potência
para a divulgação, a comunicação e educação de/em ciências. “Exatamente porque o
cinema propõe um levar as ciências para
além dos seus limites, de suas determinações históricas, sociais, econômicas, culturais, para além dos clichês e das representações”, afirma a coordenadora. E completa:
“Trata-se, para o cinema, de potencializar
a criação junto às ciências, com elas, a partir
delas, nelas. Não para criar novas ciências,
mas para recolocar em jogo o que é Ciência,
o que é conhecimento, o que é o humano, o
que é a vida”.
Nesse contexto, pode-se perguntar:
afinal, de que forma a Ciência é, digamos
assim, retratada nos filmes? “De muitos modos distintos, mas há sempre algo inquietante e perturbador nesse retrato, porque a
Ciência retratada no cinema não apresenta
uma correspondência direta com as ciências
de laboratórios, as ciências das universidades, dos papers, dos projetos de pesquisa,
dos produtos tecnológicos”, comenta Susana. Em seu ponto de vista, é importante
pensar que quando se trata de Ciência e
cinema não se trata de um olhar-se ao espe-
lho, mas um adentrar o espelho. “Como em
Alice no País das Maravilhas. O cinema expõe a Ciência como Cultura, mergulhada
numa trama de relações em que estão sempre em jogo as oposições entre real-ficção,
humano-não-humano,
natureza-cultura,
espaço-tempo, passado-futuro etc.”
Nesse sentido, a pesquisadora entende que vale a pena destacar que, quando se fala em ciência e cinema em geral,
excluem-se as ciências humanas, dando
ênfase às ciências exatas e naturais. “Mas
uma das potencialidades do cinema é expor
situações, problemas, acontecimentos cujas
arestas tocam em diferentes áreas do conhecimento. Vemos explodir na tela questões
híbridas e mutantes, conhecimentos cujos
corpos são monstruosos”, frisa.
Para o professor Gabriel Cid, a Ciência revela-se, assim como a Arte, uma
forma de pensamento. “E quando a arte
dialoga mais diretamente com ela, temos
um momento importante, no qual ambas se
pensam a partir deste diálogo. Por motivos
culturais que dizem respeito à própria lógica
da atividade científica, determinados filmes
sempre trouxeram a imagem do cientista
associada aos anseios e ideias que se projetavam sobre ele, normalmente como uma
figura que exerce um domínio sobre a natureza e uma autoridade sobre outros discursos, geralmente deslocada, estranha, alheia
aos assuntos cotidianos”, comenta.
Apesar disso, como fruto das mudanças e revoluções culturais, tal imagem
sofreu modificações importantes. Para
Cid, é comum a realização de filmes que
retratam os cientistas como pessoas que
alcançaram um “domínio divino e interditado aos homens, e por isso precisam
pagar o preço”. O pesquisador ressalta
que, a partir da segunda metade do século XX, e na produção dos últimos anos, é
possível perceber maior problematização
do “lugar hegemônico dos discursos de
autoridade e, dentre eles, o do discurso
científico, com questionamentos envolvendo suas práticas em relação com os
indivíduos e a sociedade. Discussões
éticas envolvendo o corpo e a tecnologia,
assim como tensões econômicas embutidas nas práticas científicas, são maneiras
pelas quais se pode relativizar a ideia de
Imagens: reprodução
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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Imagens: reprodução
progresso e balançar certos pilares até
então tidos como sólidos ou naturais. Por
isso, a importância das ciências humanas
e das perspectivas que integrem olhares
críticos em suas abordagens”, completa.
No Brasil e no mundo
“Deste modo, as Mostras de
Ciência e Cinema querem
propiciar um contato
diferenciado com os filmes,
em que a experiência do batepapo, do debate, da palestra,
torna-se parte da experiência
de assistir ao filme. Cria-se
uma oportunidade de se pensar,
além do que já mencionei, a
linguagem cinematográfica, as
imagens, sons e palavras que
desfilam nas telas e seus efeitos
junto ao público”
Susana Dias,
coordenadora do Mestrado em Divulgação Científica do
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor)
e Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp)
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
Muitas são as iniciativas que buscam discutir cinema e Ciência. Para início
de conversa, deve-se destacar “a enorme
produção do Instituto Nacional do Cinema
Educativo nos anos 1930 e 1940, com centenas de filmes produzidos por Roquete-Pinto e Humberto Mauro”, como chama a
atenção Bernardo de Oliveira. Na opinião
dele, esse interesse e o reconhecimento
da importância de utilização desse veículo
para a formação e discussão sobre a Ciência tem crescido nos últimos anos.
A Casa da Ciência/UFRJ organiza um
cineclube mensal em que exibe um filme
que dialoga com Ciência, seguido de um
debate com um pesquisador. A mostra Ver
Ciência reúne filmes sobre esse tema. O
Labjor da Unicamp também já organizou
mostras sobre o assunto.
“Exatamente porque no cinema a
ciência aparece em meio à vida, à cultura, ao mundo, penso que os filmes se
constituem em artefatos de divulgação-divagação científica que permitem ter
acesso às ciências de modo contaminado, impuro”, diz Susana, do Labjor. Para
ela, as mostras de ciência e cinema se
constituem em espaços de experimentação desse afetar-se com a ciência quando ela vira cinema e torna-se outra coisa.
Nas Mostras de Ciência e Cinema, em
geral, não apenas é feita a exibição de
filmes, mas costuma existir uma proposta de um bate-papo, de conversas com
cientistas, com cineastas, debates com
profissionais da mídia, palestras com
estudiosos do cinema etc.
“Deste modo, as Mostras de Ciência
e Cinema querem propiciar um contato diferenciado com os filmes, em que a
experiência do bate-papo, do debate, da
palestra, torna-se parte da experiência de
assistir ao filme. Cria-se uma oportunidade
de se pensar, além do que já mencionei,
a linguagem cinematográfica, as imagens,
sons e palavras que desfilam nas telas e
seus efeitos junto ao público”, avalia a coordenadora.
Mas as mostras, claro, não se restringem ao Brasil. Em La Coruña, na Espanha, por exemplo, acontece em outubro
a 4ª Mostra Internacional de Cinema e
Ciência. O programador do evento, Óscar
Sánchez, conta que a Mostra quer ser um
ponto de encontro para todas as pessoas
que estejam interessadas pela divulgação
da ciência. “De maneira singular, a Mostra
esforça-se em abolir a fronteira arbitrária
das ‘duas culturas’, a das artes e a das ciências, e estabelece contatos entre criadores e pesquisadores dos dois campos com
a intenção de explorar as relações entre
ambos os mundos.
“Nestes três primeiros anos fomos
definindo linhas de trabalho na Mostra”,
explica Óscar. Elas podem ser assim resumidas: a revisão de clássicos do cinema
para encontrar as “origens” do documentário científico; a celebração de atos que
procuram conexões entre a Ciência e outros âmbitos da criação, como a Poesia e
a Música; finalmente, a aposta clara pelos
valores cinematográficos. “Nesse sentido, fugimos das produções ‘televisivas’
e procuramos cada vez mais obras com
qualidade fílmica, que assumem riscos artísticos. De fato, boa parte dos filmes que
programamos passaram antes por festivais
de cinema de enorme prestígio mundial,
como os de Veneza e Berlim”.
Esses espaços, afinal, parecem
apontar para o seguinte fato, lembrado
por Susana Dias: “o cinema se apresenta
como possibilidade potente para a divulgação científica quando não está ajustado
e em perfeita conformidade com as ciências, quando não se propõe a expor ‘ideias
justas, mas, justo, ideias’, como diz um
filósofo que gosto muito, Gilles Deleuze ao
pensar junto com o cineasta Godard”.
@
Leia no blog
entrevistas na íntegra
com os especialistas
citados na reportagem.
http://fapemig.wordpress.com
A ciência vai ao cinema
A pedido da reportagem, Bernardo de Oliveira, Susana Dias, Gabriel Cid de Garcia e Óscar Sánchez listaram, sem uma ordem hierárquica, filmes fundamentais, quando o assunto é Ciência.
Olhos atentos e bom filme!
A LISTA DE BERNARDO DE OLIVEIRA
A vida continua (1993), de Roger Spottiswoode
Dr. Fantástico ou como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba (1964), de
Stanley Kubrick
O ponto de mutação (1990), de Bernt Capra
Galileu (1974), de Joseph Losey
Freud além da alma (1962), de John Huston
Gattaca (1997), de Andrew Niccol
As palmas do Mr. Schultz Mauvais sang (1986), de Leos Carax
O óleo de Lorenzo (1992), de George Miller
Kaspar Hauser, de Werner Herzog
A LISTA DE SUSANA DIAS
“Posso citar alguns filmes, não necessariamente SOBRE ciência, mas que fazem proliferar possibilidades de pensar, sentir, ser afetado pelas ciências e pelo que se cria quando a ciência VIRA cinema”: O homem-elefante (1980), de David Lynch
Blade Runner- o caçador de androides (1982), de Ridley Scott
A mosca (1986), de David Cronenberg
PI (1998), de Darren Aronofsky
Matrix (1999), de Andy Wachowski e Lana Wachowski
Tudo sobre minha mãe (1999), de Pedro Almodóvar
X-Men (o primeiro, lançado em 2000), de Bryan Singer
Shrek, de Andrew Adamson e Vicky Jenson (2001)
A origem, de Christopher Nolan (2010)
Wallace & Gromit - A Batalha dos Vegetais, de Nick Park e Steve Box (2005)
A LISTA DE GABRIEL CID DE GARCIA
Gattaca (1997), de Andrew Niccol
Frankenstein (1931), de James Whale
A mosca (1986), de David Cronenberg
Contato (1997), de Robert Zemeckis
Blade Runner- o caçador de androides, de Ridley Scott (1982),
PI (1998), de Darren Aronofsky
Síndrome da China (1979) de James Bridges
Kenoma (1998), de Eliane Caffé
O homem-elefante (1980), de David Lynch
Os doze macacos (1995), de Terry Gilliam
A LISTA DE ÓSCAR SÁNCHEZ
Metrópolis (1926) e Uma mulher na lua (1929), de Fritz Lang
O dia em que a terra parou (1951), de Robert Wise
O enigma de Andrômeda (1970) e Sem rumo no espaço (Marooned, 1969), de John Sturges
Gattaca (1997), de Andrew Niccol
Microcosmos (1996) e Genesis (2004), de Marie Perennou e Claude Nuridsany
The cave of forgotten dreams (2010), Encounters at the end of the world (2007), The
wild blue yonder (2005), O homem urso (Grizzly man, 2005), The white diamond (2004),
La soufriere (1977), de Werner Herzog
L’hippocampe (1934) e Le vampire (1945), de Jean Painlevé
Rivers of sand (1974) e Forest of bliss (1985), de Robert Gardner
Nostalgia de la luz (2010), de Patricio Guzmán
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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SOCIEDADE
A cultura negra
no Norte de Minas
Grupo de pesquisa faz o raio-x de uma comunidade quilombola na
região Norte do Estado e descobre as particularidades de um povo
Ana Flávia de Oliveira
Em 2006, 28 integrantes do Grupo
de Pesquisa em Cultura dos Processos
Sociais do Sertão chegaram à comunidade
quilombola de Agreste, que fica entre os
municípios de Montes Claros e Janaúba,
no Norte de Minas.
O estudo é um dos que fazem parte do
Grupo, criado há sete anos. “Foi um trabalho
multidisciplinar com pessoas das áreas de
Antropologia, Sociologia, Pedagogia, História e Artes Cênicas que trabalharam com
aqueles moradores e a partir daí, 12 estão no
mestrado desenvolvendo dissertações dentro
desse tema, inspirado nesse trabalho”, conta.
Foram pesquisados os hábitos e
as percepções sociais de 113 famílias
ao longo de três anos. As avaliações
realizadas foram nos campos da cultura, identidade e educação étnica. O que
chamou a atenção dos pesquisadores foi
a unicidade daquele povo. Nossas pesquisas foram baseadas nos princípios
antropológicos de Geertz, que acredita
que a sociedade não funciona sem uma
cultura. “É como se a sociedade fosse
um hardware e a cultura, um software.
Sozinhos não funcionam”, revela o coordenador. Os trabalhos apontaram que
todas as ações da comunidade têm o objetivo de manter o grupo coeso.
Há alguns anos, a comunidade passou por expropriação territorial. Após a expulsão de suas terras, se reuniram no entorno da Igreja de Santo Antônio, o padroeiro
local. Quem antes vivia em uma área de 20
alqueires, depois do acontecido teve que se
contentar com um espaço de apenas dois
alqueires, 90% menor. Economicamente,
todos passaram a depender de trabalho
nas fazendas da região para sobreviver. “As
áreas são tão pequenas, que não tem jardim
e nem quintal nas casas, porém como são
todos unidos e organizados, mesmo com a
miséria de algumas famílias, é possível ver a
organização estética na fachada das casas”,
comenta o coordenador.
A comunidade é reconhecida como
quilombola pelo Governo Federal e por
isso recebem ajuda financeira da União.
Como resultado dessa parceria, os pesquisadores notaram ainda a qualidade do
ensino oferecido na escola e no posto de
saúde da comunidade.
Outra característica do grupo é
manter as relações sociais existentes e
criar novos vínculos. Eles não deixam as
tradições de lado, mas se adéquam as noFotos: Arquivo pessoal
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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
vas realidades. “Depois que perderam a
independência financeira, a festa de Santo Antônio passou de 13 dias para dois
porque atualmente são patrocinadas pelos
fazendeiros e/ou políticos”, esclarece João
Batista Costa.
História e
cultura em Agreste
A comunidade foi fundada por três irmãos. Eles casaram-se fora, voltaram com
as mulheres para a região e lá formaram
uma vila. Hoje, todos os moradores pertencem a esse tronco familiar.
Em Agreste, a cultura também guarda
particularidades. O batuque é diferente das
outras comunidades porque o som (feito
por tambores de lata e não de madeira) tem
por finalidade estabelecer uma ligação com
os antepassados.
A identidade dos moradores também tem traços interessantes. Segundo
os pesquisadores, eles buscam a autoafirmação e os contrastes frente a outros grupos locais. Se consideram negros “domesticados” (civilizados) ao contrário dos
seus antepassados. “Se percebem como
trabalhadores em contraste a comunidade vizinha de Vereda Viana, distante dez
quilômetros, onde os moradores só plantam o que precisam para viver já que não
dependem de patrão. Eles se consideram
ainda um povo pacífico porque em outra
comunidade (Quem Quem, em Janaúba)
o índice de violência é alto por causa do
uso de drogas”, explica Costa.
Porém, depois que o grupo de pesquisa passou a atuar na região, algumas
coisas mudaram. Antes, os estudiosos
constataram uma dominação simbólica
do branco sobre o negro. A intenção, de
acordo com o professor, não é negar a
raça, mas sim, demonstrar a dominação
simbólica e viver em harmonia. “Quando
chegamos à escola, os cartazes todos tinham fotografias de pessoas brancas. As
crianças não se reconheciam como negras. Ser negro era um xingamento. Trabalhamos isso com eles e tivemos bons
resultados”, afirma.
Ainda na área de educação, o grupo
treinou os professores e criou um novo
Projeto Político Pedagógico para que a escola tivesse a cara da comunidade.
ficha técnica
Projeto: “Negros do Norte de Minas:
cultura, identidade e educação étnica”
Coordenador: João Batista Almeida Costa
Edital:
Valor: R$
A união dos grupos se confirma nos encontros periódicos em que discutem as rotinas das
comunidades. Os moradores de Agreste pertencem ao mesmo núcleo familiar composto por três
irmãos que fundaram a comunidade
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
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“Superstição LEITURAS
Crenças na Era da Ciência”
As crenças supersticiosas também podem ser
consideradas um distúrbio natural da infância. Como
a aprendizagem é tão importante para a sobrevivência, o cérebro da criança é extremamente receptivo. O
cérebro é, em grande medida, uma tábula rasa, uma
folha em branco, particularmente receptivo à linguagem, porém também vulnerável a explicações supersticiosas acerca do mundo. Mas por que algumas
pessoas conseguem livrar-se das superstições após
a puberdade de uma maneira bem mais fácil do que
outras? Será que a resposta se encontra no genoma
humano?
O professor de física na Universidade de
Maryland, Robert L. Park quase morreu ao ser
atingido por um imenso carvalho-vermelho, em
uma floresta dos Estados Unidos. Tempos depois, aos 70 anos, ele se encontrou no mesmo
local com dois padres católicos, que se tornaram seus amigos. As conversas de Park, ateu,
com os religiosos deram início ao processo intelectual que levou à produção de “Superstição
– Crenças na Era da Ciência”.
O ponto central do livro é tentar entender que as crenças supersticiosas dos seres
humanos com frequência estão enraizadas em
nossos primeiros anos de existência, ao período em que estamos aprendendo nossa primeira
língua. Como cientista que é, Park passeia por
diversos temas, sempre tentando encontrar
fatos, evidências e nexo entre causa e efeito
para sustentar qualquer tese. Assim, aborda a
contradição entre termos da existência de cientistas de fé, a força da teoria da evolução por
seleção natural de Darwin em contraponto ao
mito da criação, fé em milagres e na oração, a
procura pela alma, vida após a morte, o Deus
vingador que não impede que tsunamis façam
inocentes sofrerem, seitas como a Nova Era,
o misticismo quântico, corpos que curam a si
próprios, o efeito placebo, e, finalmente, o fato
de que a diferença entre o certo e o errado se
dá por instinto.
Park mostra, com muitos exemplos,
como se dá, pelos que misturam poder, política
e religião, a caçada ideológica para conquistar
corações e mentes, e demonstra passear com
segurança em diversos campos do saber. A seu
modo, faz a sua profissão de fé na Ciência, “o
único modo de conhecimento – todo o resto é
meramente superstição”.
Livro: “Superstição – Crenças na Era da Ciência”
Autor: Robert L. Park
Tradução: Beth Honorato
Editora: Unicamp
Título original: Superstition: Belief in the Age
of Science
Páginas: 312
Ano: 2011
“Quântica para iniciantes”
Um marco na história da iluminação é a invenção da lâmpada elétrica incandescente, que converte
energia elétrica em duas outras formas de energia – a
térmica e a luminosa. Essa invenção ocorreu na década de 1840, quando se descobriu que um filamento
de algodão carbonizado, percorrido por uma corrente
elétrica, se aquecia até o ponto de emitir luz.
A lâmpada incandescente só foi difundida a
partir de 1879. Nesse ano, Thomas Edson aperfeiçoou a lâmpada, ao retirar o gás oxigênio do interior
do bulbo de vidro da lâmpada, a fim de evitar que o
filamento se queimasse na presença de ar.
48
A proposta deste livro é investigar a luz
emitida por diversas fontes, além de explorar,
na prática, materiais semicondutores e suas
aplicações. Nesse contexto, procura responder
questões como, por exemplo: como funciona
uma lâmpada fluorescente? Como é possível
que materiais brilhem no escuro sem estar conectados a uma fonte de energia aparente?
A estrutura do livro permite que possa
ser usado por professores e alunos de Ciências, em sala de aula, como material paradidático e fonte de referência para projetos de
Feiras de Ciência, entre outros usos. Ricamente
ilustrado, é um bom instrumento para o ensino
da Física Quântica e da Química Quântica na
Educação Básica. A proximidade entre essas
duas Ciências é destacada no livro, que oferece
ainda atividades do tipo “mão na massa”.
“Quântica para iniciantes” nasceu de um
trabalho iniciado em 2007, com a produção de
uma série de atividades a fim de que estudantes
da Educação Básica pudessem conhecer dispositivos que compõem aparelhos eletrônicos
MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2011
utilizados em seu dia a dia, cujo funcionamento
envolve a compreensão de conceitos e teorias
da Física Quântica. Atualmente, integra o projeto responsável pelo portal Pontociência, voltado para a produção e à divulgação de atividades
práticas de Química, Física e Biologia para os
Ensinos Fundamental e Médio.
O leitor encontrará, no livro, diversas atividades de investigação relacionadas a semicondutores, textos e ilustrações que explicam fenômenos observados nessas investigações e, ainda, a
proposta de seis projetos que utilizam materiais
amplamente disponíveis e de baixo custo.
Livro: “Quântica para iniciantes: investigação e
projetos”
Autor: Helder F. Paula, Esdras Garcia Alves e
Alfredo Luis Mateus
Editora: UFMG
Páginas: 204
Ano: 2011
Carlos Afonso Nobre é secretário de Políticas e Programas de Pesquisa
e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia, pesquisador
titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro
titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). A participação
de Nobre é um dos destaques da Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia, que acontecerá de 17 a 23 de outubro de 2011, com o
tema “Mudanças climáticas, desastres naturais e prevenção de riscos”.
Qual o desastre natural mais preocupante do Brasil atualmente? O que
pode ser feito para contê-lo?
O tipo de desastre natural que provoca o
maior número de vítimas fatais no Brasil são
os deslizamentos de massa em encostas.
Representam cerca de 11% do total de desastres naturais com vítimas, mas respondem por mais de 70% das mortes. Diminuir
o número de vítimas dos deslizamentos requer ações de várias naturezas. Em primeiro
lugar, impedindo a expansão urbana em áreas de encosta com risco de deslizamentos.
Em segundo lugar, removendo populações
de áreas com risco acentuado, e, onde possível, realizar obras de contenção de encostas e urbanização. Por último e não menos
importante, implantar um sistema eficiente
de alertas de risco iminente de deslizamentos de modo a permitir que as pessoas deixem as áreas de risco e se dirijam a locais
seguros, prevenindo mortes.
1
Em desastres como o ocorrido na Região Serrana do Rio de Janeiros, em 11
e 12 de janeiro de 2010, qual a parcela
de “culpa” da natureza - se podemos
colocar assim?
Eventos extremos de chuvas, como esse, fazem parte da variabilidade natural do clima. O
aquecimento global de origem antropogênica
de modo geral pode causar a intensificação
das chuvas pelo fato de que atmosfera mais
aquecida consegue carregar mais vapor
d›água, que é o “combustível” das chuvas.
Entretanto, não é possível debitar ao aquecimento global a severidade de eventos individuais de chuvas intensas. A longo prazo,
devemos esperar um número maior de tais
2
eventos. É importante notar que, de modo
geral, deslizamentos em encostas fazem parte
de processos naturais geodinâmicos. Porém,
ações humanas - como desmatamentos de
encostas, ocupação de topos de morros, estradas e mudanças das rotas naturais de escoamento das águas -tornam tais fenômenos
muito mais frequentes e devastadores.
Em relação à meteorologia, quais os
principais avanços nessa área que se
podem constatar no Brasil?
A meteorologia brasileira avançou muito nas
últimas duas décadas, principalmente na sua
capacidade de previsões de tempo com índices de acerto não muito diferentes daqueles
observados em países desenvolvidos para
previsões com alguns dias de antecedência.
O elemento estrutural da modernização da
meteorologia brasileira foi a criação do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), no âmbito do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais. Este centro introduziu a moderna ciência meteorológica no país.
Avançamos algo menos na modernização
dos sistemas de observação das variáveis
meteorológicas, que são importante elemento para boas previsões de tempo. Há muito a
ser feito neste aspecto, onde os investimentos são vultosos para dotar o país de redes de
observação adequadas.
3
O que é modelagem climática? O senhor pode dar um exemplo prático de
uma pesquisa nesta área da qual tenha participado?
Modelagem climática é a capacidade de
desenvolver modelos computacionais que
4
representem o funcionamento do sistema
climático global ou regional. O Brasil vem
desenvolvendo um grande esforço para desenvolver um modelo climático global que
represente o estado-da-arte mundial no
assunto. Trata-se do Modelo Brasileiro do
Sistema Climático Global (MBSCG), projeto coordenado pelo Centro de Ciência do
Sistema Terrestre, do Inpe. Em 2012, este
modelo estará à disposição da comunidade científica brasileira e internacional para
realizar estudos sobre cenários futuros de
mudanças climáticas de interesse nacional. Por exemplo, será possível estabelecer
como os fatores deflagradores de desastres
naturais, como chuvas intensas ou secas
severas, irão se modificar em resposta ao
aquecimento global.
É possível fazer alguma previsão sobre
as mudanças climáticas que devem
ocorrer no país mais significativas, que
tenham relação antropófica (ou seja,
com a ação do homem)?
Projeções de mudanças climáticas ainda
encerram incerteza quando aplicadas em
escala regional. Outra fonte intrínseca de
incerteza advém de não sabermos como
serão as trajetórias futuras de emissões
de gases de efeito estufa, que são a principal causa do aquecimento global antropogênico. Feitas tais ressalvas, podemos
dizer que os cenários climáticos futuros
para o território brasileiro indicam um aumento acentuado das temperaturas entre
2,5 a 5 Co até o final do século, sendo o
aumento maior no interior do continente,
especialmente na Amazônia.
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5 perguntas para...
Carlos Nobre
oferecem forquilhas com tamanho suficiente para sustentar estruturas que podem chegar a 3m de diâmetro. Floresta Nacional de Carajás, Pará
A harpia constrói seus ninhos em árvores emergentes, com alturas entre 35 e 50 m. As maiores árvores
varal
O fotógrafo mineiro João Marcos Rosa lançou em 2010 o livro de arte “Harpia” (Vale/Nitro). Esta foto, inédita, foi cedida especialmente para a MINAS FAZ CIÊNCIA.
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