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GAZETA DO POVO – Saúde
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Ensino
Pós & Carreira
João Gabriel Roderjan, que integra a
equipe de pesquisadores, demonstra o procedimento de descelularização
DESCELULARIZAÇÃO
PUC reduz rejeição em
transplante
Pesquisadores de universidade e da Santa Casa de Curitiba
desenvolvem método que diminui risco em cirurgias de válvulas
cardíacas
08/02/2010 | 00:11 | JENNIFER KOPPE
Parece ficção científica, mas não é. Graças aos avanços da medicina, a
autorregeneração de tecidos danificados por doenças ou simplesmente
pelo tempo já é uma realidade. A Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR), em conjunto com a Santa Casa de Misericórdia de
Curitiba, é pioneira no desenvolvimento de uma técnica de
descelularização de tecidos. No caso dos estudos paranaenses, a técnica é
usada
para
os
transplantes
de
válvulas
cardíacas.
Segundo o cirurgião cardiovascular Francisco Diniz Affonso da Costa, líder
da pesquisa e chefe do serviço de cirurgia cardíaca do hospital, as
experiências brasileiras com a descelularização de válvulas começaram há
15 anos, com a criação do Banco de Valvas Cardíacas Humanas da Santa
Casa, que até hoje é o único do país. Ele conta que, até então, o método
usado para a preservação dessas válvulas era a criopreservação, que
consiste em em congelá-las em um freezer de esfriamento programado, a
1ºC por minuto, até atingir 196ºC negativos, e mergulhá-las em uma
solução de nitrogênio líquido para só então realizar o transplante. “O
problema da criopreservação, entretanto, é que o organismo percebe que
a válvula, que é um tecido vivo repleto de células viáveis, não faz parte
dele”, explica. “Não é que exista uma rejeição aguda à válvula, mas as
suas células não são reconhecidas e morrem, o que significa que a válvula
terá de ser trocada no futuro.”
Descelularização
Com a nova técnica de descelularização, a válvula é dissecada por uma
solução de enzimas e detergentes. Todas as células são retiradas dela,
restando apenas o seu arcabouço. “Esta matriz inerte, por sua vez, não é
reconhecida como estranha pelo sistema imunológico, quando
transplantada no paciente, por estar vazia”, conta Costa. “As células do
organismo do receptor então migram e povoam o novo tecido,
transformando-o em uma válvula viva.”
Prótese natural
Enxerto sem células chega ao mercado neste semestre
Até a metade deste ano, a Tissue Regenix terá lançado no mercado o chamado
patch, espécie de enxerto de tecido descelularizado – chamado de homoenxerto –
que pode substituir partes do corpo danificadas por doenças, inflamações ou por
simples desgaste físico. Os patches podem ser usados para tratar de hérnias de
disco, entupimento de vasos e artérias, problemas em tendões, ligamentos,
meniscos, etc. “Os patches são como próteses, mas são feitos de tecidos que são
repovoados de células pelo próprio organismo, por isso não oferecem risco de
rejeição e duram muito mais, diferentemente das próteses de metal e de plástico,
que precisam ser substituídas com o tempo”, explica Dell. “O tecido descelularizado
é como se fosse uma tela em branco com capacidade de se regenerar sozinho.”
A técnica usada para criar os enxertos é diferente da usada com as válvulas
cardíacas, embora existam muitas semelhanças entre elas. “Queremos trabalhar
juntos justamente para aperfeiçoar essas técnicas e poder criar toda uma família de
produtos que envolva a regeneração de tecidos.”
O cardiologista Francisco Costa lembra que, além de aperfeiçoar cirurgias e
transplantes já existentes, a engenharia de tecidos também poderá tratar
problemas que até agora não tinham solução, caso dos tumores de bexiga.
“Dispositivos artificiais não são resistentes à infecções, pois o nosso sistema
imunológico não consegue atacar um material que é estranho a ele. Por isso o mais
fácil é retirar o tecido infectado e substituí-lo por um tecido novo”, explica.
Antony Dell confirma que, embora as técnicas sejam inovadoras, os produtos a
serem desenvolvidos não chegarão muito caros ao mercado. “Temos que oferecer
um preço justo, já que estaremos competindo com outros produtos não tão
avançados, mas também efetivos.”
Mais recentemente, o grupo de pesquisadores colocou em prática uma
evolução da técnica de descelularização, já que o método anterior fazia
apenas o repovoamento parcial do tecido. Neste caso, além de todas as
células serem retiradas da válvula do doador cadáver, retira-se do
paciente um segmento da veia safena da perna, de onde são isoladas
células endoteliais. Estas células são expandidas em laboratório até
chegar a 6 milhões de unidades e então, semeadas na válvula.
Intercâmbio
O desafio, segundo Francisco Costa, é desenvolver uma técnica que
permita o repovoamento “in vitro” da válvula descelularizada não só com
células endoteliais, mas com todos os outros elementos celulares
presentes em uma válvula normal. “A técnica não é perfeita”, admite.
“Ainda precisamos definir quais são os melhores tipos de célula e a
quantidade que deve ser injetada, por exemplo. Para aperfeiçoar os
nossos estudos, é fundamental promover a troca de experiências com
outras instituições.”
A Universidade de Leeds, na Inglaterra, desenvolveu uma tecnologia
semelhante à da PUCPR. Mas, de acordo com Costa, o Brasil está à frente.
“Há cinco
anos
estamos
conseguindo
implantar
as
válvulas
descelularizadas em humanos”, conta. “Os pacientes estão sendo
acompanhados e têm mostrado bons resultados.”
Mais de cem pacientes já foram operados, entre eles o auxiliar de
produção Breno Fernandes Nunes, que fez o transplante de válvula há
quatro anos, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “O médico propôs a
nova técnica e eu e minha família aceitamos já que, de acordo com o
médico, não terei de fazer a substituição da válvula”, explica. “Hoje, levo
uma vida normal, não tenho mais problemas.”
Em janeiro, a Tissue Regenix – empresa de engenharia de tecidos que
nasceu em 2006, a partir do grupo de pesquisa da Universidade de Leeds
–, veio a Curitiba conhecer de perto o projeto da instituição paranaense.
Segundo Antony Dell, diretor executivo da empresa, o objetivo é juntar
forças e investir na pesquisa para que se possa lançar um novo produto
para o mercado o mais rápido possível. “Até agora os resultados têm sido
impressionantes, excederam as nossas expectativas”, avalia.

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