A problemática da Mutilação Genital Feminina

Transcrição

A problemática da Mutilação Genital Feminina
CENTRO UNIVERSITÁRIO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA –
IESB
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
KADIJA KALASSA SILVA LUCENA
DIREITOS HUMANOS
A Problemática da Mutilação Genital Feminina
Brasília - DF
2016
KADIJA KALASSA SILVA LUCENA
DIREITOS HUMANOS
A Problemática da Mutilação Genital Feminina
Trabalho de Conclusão apresentado ao curso
de Relações Internacionais do Centro
Universitário Instituto de Educação Superior
de Brasília – IESB, como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Relações
Internacionais.
Orientador: Prof. MSc. Fabrício Lopes Paula
Brasília – DF
2016
KADIJA KALASSA SILVA LUCENA
- 1221090019 –
DIREITOS HUMANOS
A Problemática da Mutilação Genital Feminina
Trabalho de Conclusão apresentado ao curso
de Relações Internacionais do Centro
Universitário Instituto de Educação Superior
de Brasília – IESB, como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Relações
Internacionais.
Brasília, 16 de maio de 2016.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Professor Orientador MSc. Fabrício Lopes Paula
(Orientador)
________________________________________
Prof. MSc.
(Membro)
________________________________________
Prof. MSc.
(Membro)
DEDICATÓRIA
A
Deus
por
me
conceder
uma
família
maravilhosa, que sempre me apoia e me
incentiva nas escolhas da vida.
Aos meus pais, que estão sempre comigo,
mesmo distante, com um exemplo de força,
coragem e determinação.
Ao meu namorado, que teve muito paciência
comigo em épocas de provas, aturando meus
estresses.
E ao meu orientador, que acreditou na minha
capacidade de projetar esse trabalho de
conclusão de curso, sempre sendo muito crítico
e sábio em suas palavras.
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer, em primeiro lugar, а Deus, pela força е coragem durante
toda esta longa caminhada.
Aos professores е coordenador do curso, pelo convívio, pelo apoio, pela
compreensão е pela amizade.
Ao professor Fabrício Lopes, por seus ensinamentos, paciência е confiança
ao longo das supervisões das minhas atividades para a conclusão desse trabalho. É
um prazer tê-lo na banca examinadora.
À minha família, por sua capacidade de acreditar em mim е investir em mim.
Mãe, seu cuidado е dedicação foi que deram, em alguns momentos, а esperança
para seguir. Pai, seu incentivo significou segurança е certeza de que não estava
sozinha nessa caminhada.
A todos aqueles que de alguma forma estiveram е estão próximos de mim,
fazendo esta vida valer cada vez mais а pena.
EPÍGRAFE
“Never let the fear of striking out keep you from
playing the game.”
Hilary Duff
RESUMO
A saúde, considerada um direito inerente do ser humano, busca atender as
exigências físicas e psicológicas do homem, com o intuito de sobrevivência e de seu
bem-estar. Dessa forma, a violação dos direitos humanos, acarretada pela violência,
torturas e agressões, é um grande desafio nos dias atuais. Buscando atender as
necessidades das mulheres que sofrem violência, levando em consideração a
importância de se enfrentar o preconceito e estigmas da exclusão das mulheres, o
presente Trabalho de Conclusão de Curso busca avaliar as agressões sofridas pelas
mulheres em tribos e comunidades orientais em que a prática da Mutilação Genital
Feminina é corriqueira. O objetivo geral da pesquisa visa identificar como é realizado
esse procedimento, porque é realizado e como as mulheres que são submetidas a
esse processo se sentem perante a imposição dos homens, com o foco nos direitos
humanos, direitos das mulheres, o direito a saúde e o empoderamento das
mulheres. A pesquisa também abordou os direitos das mulheres no Oriente Médio,
principalmente as mulheres mulçumanas. Para a obtenção dos resultados, utilizouse o método de pesquisa qualitativa, por meio de pesquisas bibliográficas,
englobando a pesquisa de livros e sites, relacionados aos direitos das mulheres,
mutilação genital feminina e tratados internacionais sobre saúde. Espera-se que este
trabalho venha contribuir, mesmo de forma singela, para o entendimento das
motivações da prática da mutilação genital feminina, reforçando a importância de se
incluir as mulheres no campo social, dando a elas o empoderamento que
necessitam para governarem suas vidas.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Mutilação Genital Feminina. Saúde.
Empoderamento.
RESUMEN
La salud es considerada como un derecho inherente al ser humano, busca satisfacer
las necesidades físicas y psicológicas del hombre con el fin de supervivencia y
bienestar. Por lo tanto, la violación de los derechos humanos provocada por la
violencia, tortura y agresión, últimamente, es un reto importante. Buscando
satisfacer las necesidades de las mujeres que sufren violencia, teniendo en cuenta
la importancia de la lucha contra los prejuicios y el estigma de la exclusión de las
mujeres, este proyecto, es la evaluación de las agresiones que sufren las mujeres en
las tribus orientales donde la práctica de La Mutilación Genital Femenina es un lugar
común. El objetivo general de este trabajo es identificar cómo se realiza este
procedimiento, porque es realizado y cómo las mujeres que son objeto de este
proceso se sienten con la imposición de los hombres, con un enfoque en los
derechos humanos, derechos de la mujer, el derecho a la salud y potenciación de la
mujer. El estudio también se dirigió a los derechos de las mujeres en el Oriente
Medio, en especial las mujeres musulmanas. Para obtener los resultados, se utilizó
el método de investigación cualitativa, a través de la investigación bibliográfica, que
abarca los libros de investigación y sitios web relacionados con los derechos de las
mujeres, la mutilación genital femenina y los tratados internacionales sobre la salud.
Se espera que este trabajo contribuye, de alguna manera que se pueda entender la
práctica de las motivaciones de la mutilación genital de la mujer, lo que refuerza la
importancia de incluir a las mujeres en el ámbito social, dándoles la autonomía que
necesitan para gobernar sus vidas.
PALABRAS CLAVE: Derechos Humanos, La Mutilación Genital Femenina, Salud,
Potenciación.
ABSTRACT
Our health condition, which is considered an inherent right of human being, looks
forward to attend to the physical and psychological needs of the humanity, focusing
on its survival and welfare. With that said, the violation of human’s rights, caused by
violence, torture and aggressions, becomes a huge challenge in nowadays. In order
to attend basic needs of women under violence situation, considering how important
is to fight the prejudice and social stigma of women exclusion, this essay aims to
assess the aggressions against women in eastern communities, where female genital
mutilation is very common. The general objective is to identify how these acts
proceed, why it happens and how women that have to go through this process feel
about men enforcement, focusing in human rights, women rights, the right to be
healthy and the empowerment of women. This research also featured Middle East
women rights, especially Muslim women. To get to these results, we applied a
qualitative method, using bibliographical research as source, going from books to
website texts related to our main goal. We hope that this essay contributes, even as
a simple vehicle of information, to the understanding about female genital mutilation
process and motivations, enhancing how important is to integrate women in society
and give them equality when it comes to the freedom of choice to conduce their lives
in their own way.
KEY WORDS:
Empowerment.
Human
Rights,
Female
Genital
Mutilation,
Health,
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa dos países onde a mutilação genital feminina é praticada.
Figura 2: Navalha utilizada em uma tribo, no Quênia, em um ritual de Mutilação
Genital Feminina.
Figura 3: Tipos de Mutilação Genital Feminina.
LISTA DE ABREVIATURAS
DAW - Divisão para o Avanço das Mulheres
INSTRAW - Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para o Progresso da
Mulher
MGF - Mutilação Genital Feminina
OMS - Organização Mundial da Saúde
OSAGI - Escritório de Assessoria Especial em Questões de Gênero
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a População
UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
2 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO GLOBAL ............................................. 16
2.1 O contexto Ocidental da questão dos direitos humanos ............................... 18
2.2 A construção dos direitos humanos no mundo Árabe .................................. 22
2.3 Teorias do universalismo e relativismo em face à cultura ............................. 24
3 AUTONOMIA DA MULHER NA SOCIEDADE ATUAL ....................................... 26
3.1 A mulher como sujeito de direito ................................................................... 27
3.2 O status quo da mulher na cultura oriental ................................................... 29
3.3 Políticas internacionais de empoderamento da mulher ................................ 31
4 DIREITO À SAÚDE DA MULHER E A PROBLEMÁTICA DA MUTILAÇÃO
GENITAL FEMININA.............................................................................................. 34
4.1 A Mutilação Genital Feminina a luz das terorias relativista e universalista ... 36
4.2 Tratados internacionais sobre saúde ............................................................ 41
4.3 Atuação da OMS nos casos de Mutilação Genital Feminina ....................... 42
5 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 44
6 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 47
13
1 INTRODUÇÃO
Os Direitos Humanos são intitulados direitos inerentes à condição humana,
sendo assim, são direitos e liberdades básicas dos indivíduos. A sua influência e
enfoque permite abordar conteúdos e argumentos relevantes nas Relações
Internacionais, como a intervenção em países que violam os Direitos Humanos, que
por sua vez, podem ser adeptos a práticas que depreciam a dignidade da pessoa
humana. Nesse significado, o presente trabalho de conclusão de curso terá como
fundamentação, a conjuntura das mulheres e meninas que são mutiladas por
questões culturais.
A violação dos Direitos Humanos origina uma discussão importante no plano
internacional. Apesar disso, temas relacionados com essa discussão não tem a
merecida atenção, como as comunidades onde a Mutilação Genital Feminina (MGF)
ainda é um procedimento “normal” frente aos seus moradores, e meninas e
mulheres ainda são subjugadas e obrigadas a obedecer aos homens, que nessas
comunidades são detentores do poder.
O termo “mutilação” é utilizado para enfatizar a gravidade do ato. Nos
primeiros anos em que a prática foi discutida, era reconhecida como “circuncisão
feminina”, mas essa expressão faz uma analogia com a circuncisão masculina, que
é legalmente aceita e em alguns casos benéfica. Quando a expressão “mutilação” é
utilizada se pode identificar o viés a ser estudado e analisado.
A problemática deste trabalho respalda-se na falta ou quase inexistência de
importância que países do Oriente Médio, onde essa prática é mais usual, conferem
a essa temática, afirmando a ausência de ascensão cultural e a dificuldade de
respeitar a opção de escolha das mulheres e crianças que, nesse sentido, são
obrigadas a participarem do ritual. Nesse estudo de caso serão abordados,
principalmente, países que são adeptos a religião mulçumana, no entanto, essa
abordagem não simboliza que apenas países que seguem essa religião são
praticantes da Mutilação Genital Feminina. A prática desse procedimento não tem
ligação apenas religiosa, como também cultural.
Diversos conceitos são envolvidos nessa discussão, que cada vez se torna
mais amplo, fomentando a busca pelo amparo dos Direitos Humanos às mulheres
vítimas da MGF. Em contrapartida, a definição de cada conceito tem disparidades
circunstanciais, a consonância possui mais complexidade, gerando entraves para a
14
resolução de um desenvolvimento de proteção para essas mulheres. É nessa
constatação que a hipótese desta pesquisa se respalda, indicando que a
erradicação da Mutilação Genital Feminina, está no diálogo universalista,
estabelecendo regras de conduta para tratar dessa discussão, pois os direitos
conquistados são inerentes a todos os seres humanos, e a mutilação fere direitos
garantidos às mulheres e crianças.
Nessa conjuntura, esta pesquisa tem como objetivo geral, inserido no campo
das Relações Internacionais, cooperar para a compreensão por parte da
comunidade internacional da abundante exigência de reavaliar, atualizar e criar
propostas que possibilitem auxílio a essa minoria. Ela também tem como objetivos
específicos discutir a situação das mulheres e crianças que são submetidas a MGF,
frente aos Direitos Humanos, considerando o surgimento das feministas dentro de
uma nova categoria no cenário internacional, que buscam igualdade de gênero e
empoderamento; analisar como essa prática é maléfica a saúde das mulheres e uma
possível erradicação do procedimento e identificar a atuação da Organização
Mundial da Saúde (OMS) frente a essa perspectiva.
Para tal fim, no primeiro capítulo serão debatidos e apresentados os
importantes instrumentos que deram origem aos Direitos Humanos, considerando a
época em que emergiu todas as revoluções que auxiliaram na conquista dos direitos
que até a atualidade ainda são inerentes a todos os indivíduos; como os Direitos
Humanos influenciaram culturalmente o Ocidente e o Oriente e como a cultura árabe
se comporta frente aos Direitos Humanos. No último segmento do capítulo serão
apresentadas duas teorias (relativismo e universalismo) que estudam como analisar
técnicas culturais, relativizando ou universalizando normas de conduta.
No segundo capítulo, será destacada a relevância que a mulher
desempenha na sociedade atual, evidenciando a autonomia que foi conquistada ao
longo do tempo, mostrando como elas executam o papel de sujeito de direito,
buscando espaço em diversos níveis sociais e econômicos; como as mulheres
orientais podem ser comparadas as mulheres ocidentais, avaliando os direitos que
foram conquistados pelas feministas orientais, mesmo aquelas que são seguidoras
da religião mulçumana. Destaca também como o empoderamento das mulheres
propicia uma melhor interação das mulheres no campo econômico e político,
15
destacando como as políticas públicas são importantes para esse processo e como
a ONU Mulheres influencia na concretização dos direitos adquiridos.
O terceiro capítulo, por fim, tratará do direito à saúde da mulher e como a
problemática da Mutilação Genital Feminina causa problemas tanto psicológicos
como físicos, evidenciando a violência contra a mulher e abordando questões como
o imperialismo cultural. Será analisado também como a questão da MGF é abordada
pelas teorias relativistas e universalistas, entendendo o viés de cada teoria e suas
objeções. Nas duas últimas seções serão apresentados tratados internacionais
sobre saúde que visam erradicar toda violência que ainda é praticada contra
mulheres e crianças e também analisará a atuação dos organismos das Nações
Unidas, como a OMS, frente a essa problemática.
A
metodologia
de
pesquisa
aplicada
neste
trabalho
se
deu
por
meios bibliográficos, que englobam a leitura de livros, artigos e revistas que
mencionam os temas de Direitos Humanos, conquistas das mulheres no plano
internacional, direitos das mulheres na cultura oriental, tratados internacionais sobre
saúde, Mutilação Genital Feminina no oriente e estudo da teoria relativista e
universalista dos Direitos Humanos, bem como a leitura de documentos legais
internacionais relacionados aos temas.
Para explanar antecipadamente, é reconhecida nesse trabalho a expressão
“mutilação”, no entanto, a utilização desta não significa a interpretação do viés da
autora, ao contrário do que aparece na maioria dos textos sobre esse tema, também
cita os sujeitos tratados nessa análise e implica em um prisma embasado na busca
por uma proteção mais adequada para essa minoria. O termo “mutilação” será
utilizado conforme sentido afirmado na Declaração conjunta sobre a Mutilação
Genital Feminina da Organização Mundial da Saúde, Fundo das Nações Unidas
para a Infância e Fundo de População das Nações Unidas (1997), exprimindo a
posição dos movimentos feministas e de defesa dos Direitos Humanos, que
consideram a expressão “circuncisão” como uma aceitação do procedimento.
16
2 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO GLOBAL
Direitos e liberdades básicas dos indivíduos são denominados Direitos
Humanos. Esses direitos não podem ser negados pelo fato de serem direitos
inerentes à condição humana. Essa ideia também está associada ao conceito de
liberdade de pensamento, de expressão, igualdade perante a lei, direito à vida, à
cidadania, à saúde, à educação, ao trabalho, o direito de defesa e, até mesmo, de
não sermos tratados de forma cruel ou degradante. Os Direitos Humanos visam
preservar a integridade física e psicológica do indivíduo perante seus semelhantes e
perante o Estado em geral.
Para entender o contexto de formação do que compreendemos ser os
Direitos Humanos, deve-se conhecer os momentos marcantes na história de vários
povos da idade antiga e média.
A Carta Magna, de 1215, é um dos mais importantes instrumentos políticos
medievais. Protestos da nobreza e do clero contra arbitrariedades da monarquia
inglesa foram os motivos pelo qual ela foi escrita, para garantir ao indivíduo inglês,
direitos como liberdade, limitação do poder do rei e legitimação do Conselho do rei.
Comparato (2010, p. 91) afirma que, mais do que isso, a Carta Magna deixa
implícito pela primeira vez, na história medieval, que o rei se acha naturalmente
vinculado pelas próprias leis que edita.
A legitimidade dos direitos fundamentais que existiam na época medieval
não deve ser levada em consideração, uma vez que, eram conferidos por uma
autoridade real (Rei) e num contexto sócio econômico marcado pela desigualdade,
onde eram estimados os direitos de cunho estamental. Nesse contexto de injustiças,
o primeiro direito fundamental, surgido no início da idade moderna, ainda no século
XVI, foi o de liberdade religiosa, em que a Reforma Protestante foi de suma
importância para a evolução do nascimento dos direitos fundamentais.
Para Sarlet (2007, p. 48), também se pode ressaltar os documentos firmados
por ocasião da Paz de Augsburgo, em 1555, e da Paz de Westfália, em 1648, que
marcou o final da Guerra dos Trinta Anos.
Com a chegada do Renascimento, as ideias jusfilosóficas acerca da ética e
do direito civil se afloraram e os indivíduos começaram a buscar a realização da
justiça social e da liberdade, através de direitos.
17
As convicções Iluministas ajudaram na construção de um novo ideal, onde o
indivíduo pôde libertasse do tirânico (Rei), para que vivesse com autonomia para
decidir questões da vida privada. No entanto, somente em 1789, com a Revolução
Francesa, esses direitos propagaram-se em todo o mundo.
Para Comparato (2013, p. 144):
[...] a Revolução Francesa, desde logo, apresentou-se não como a
sucessora de um regime que desaparecia por morte natural, mas como a
destruidora voluntária do regime antigo por morte violenta. E essa violência,
doravante ligada quase que indissoluvelmente à ideia de revolução,
representou, sob muitos aspectos, ao longo da história, a negação dos
direitos humanos e da soberania popular, em cujo nome se abrira o
movimento revolucionário.
Fruto da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, elaborada em 1789, influenciou as constituições do século XIX. Segundo
Guerra (2014, p. 54) a Declaração promoveu o princípio da igualdade, da liberdade,
da legalidade, a presunção de inocência, a livre manifestação de pensamento.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com o lema “liberdade,
igualdade e fraternidade”, assegurou uma nova ordem jurídico-política, anulando a
velha monarquia e inaugurando a república. “A consciência de que a Revolução
Francesa inaugurava um mundo novo tomou conta dos espíritos desde as primeiras
jornadas revolucionárias” (COMPARATO, 2010, p. 142).
Um novo mundo se erguia, pois, através dessa revolução, os cidadãos
conquistaram inúmeros direitos que antes não eram reconhecidos, intitulados
Direitos Humanos, direitos do homem, direitos subjetivos públicos, liberdades
públicas,
direitos
individuais,
liberdades
fundamentais
e
direitos
humanos
fundamentais, entre outras expressões, essas são apenas as mais coloquiais. Em
contraponto, as mulheres não eram reconhecidas como sujeitos de direito, momento
no qual apenas os homens eram detentores de garantias e reconhecimento de suas
liberdades individuais.
Sarlet (2007, p. 34) afirma que a doutrina tem alertado para a
heterogeneidade, ambiguidade e ausência de um consenso na esfera conceitual e
terminológica, inclusive no que se diz com o significado e conteúdo de cada termo
utilizado. Independente da circunstância, diretos fundamentais são também Direitos
Humanos, pois sempre terá um ser humano envolvido, mesmo que seja
representando grupos, nações ou Estados.
18
No entanto, para Sarlet (2007, p. 35) Direitos Humanos e direitos
fundamentais mesmo sendo sinônimos, cada um têm a sua distinção, ou seja,
direitos fundamentais se aplicam para aqueles direitos do ser humano reconhecido e
positivado na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, no
entanto a expressão Direitos Humanos guardaria relação com os documentos de
direito internacional, por se tratar de posições jurídicas.
Cabe salientar que a história dos direitos fundamentais deu origem ao
surgimento ao Estado moderno constitucional, onde houve o reconhecimento da
importância da proteção da dignidade humana e dos direitos fundamentais do
homem. Sarlet (2007, p. 43) nos alerta para a problemática das chamadas gerações
ou dimensões dos direitos fundamentais, pois estas devem ser reconhecidas pelas
Constituições, uma vez que, esses direitos estão ligados às novas necessidades
básicas do ser humano.
Segundo Sarlet (2007, p. 43) a primeira geração ou dimensão dos direitos
fundamentais é justamente aquela que marcou o reconhecimento de seu status
constitucional material e formal.
No entanto, a constitucionalização dos direitos fundamentais só foi
estabelecida em 1789, com a Revolução Francesa, pois o que foi conquistado com a
Reforma protestante na época medieval foi uma argumentação dos direitos
fundamentais.
Nesse mundo construído sob a autoridade masculina, as mulheres tentavam
buscar igualdade nos direitos adquiridos. Conquanto as mulheres lutassem por
todos os direitos que lhes eram inerentes, de acordo com Almeida (2000, p. 6) as
mulheres acreditavam que tendo acesso à educação e ao conhecimento era o
caminho correto e sem tardar para alcançar a libertação feminista.
2.1 O contexto ocidental da evolução dos direitos humanos
Os direitos adquiridos após a Revolução Francesa representam a primeira
dimensão dos Direitos Humanos e retratam a existência dos direitos fundamentais
dos cidadãos. Para Bonavides (2008, p. 562) o lema revolucionário do século XVIII,
exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos
fundamentais: liberdade, igualdade e fraternidade.
19
Reportando-se a 1789, Bobbio (2004, p. 79) afirma que:
Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar
que este ato representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos
simbolicamente, que assinalam o fim de uma época e o início de outra, e,
portanto, indicam uma virada na história do gênero humano.
Esses direitos adquiridos foram conquistados em consequência do
pensamento liberal-burguês do século XVIII, onde sua base está na doutrina
iluminista. Piovesan (2011, p. 196) acredita que o discurso liberal se originou no seio
do movimento pelo constitucionalismo e da emergência do modelo de Estado liberal,
sob a atuação das ideias de Locke, Montesquieu e Rousseau. Esses pensadores
acreditavam na ideia de que os homens pudessem participar da vida política e terem
acesso a direitos como à vida, liberdade e bens materiais.
Apesar disso, Lafer (1988, apud SARLET, 2008, p. 54) afirma que esse
pensamento liberal burguês é marcado pelo cunho individualista, surgindo e
afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao estado, ou seja, como direitos de
defesa, demarcando a não intervenção do Estado e uma autonomia individual em
face de seu poder.
Os direitos de primeira dimensão são direitos de liberdade, os diretos à vida,
à igualdade perante a lei e à propriedade, que para Bonavides (2008, p. 563) são os
primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, isto é, direitos civis e
políticos, que correspondem à fase inaugural do constitucionalismo ocidental.
Entretanto, esse progresso conduzido pela liberdade, provocou um novo
conflito social, que antes era constituído por súdito-soberano e nesse momento
passou a ser operário-patrão; quanto à mulher, permanecia subjugada à submissão
do homem, não tendo alcançado nesse momento histórico sua liberdade e
autonomia. Tendo como força base a classe operária, o movimento comunista foi
uma das principais manifestações de revolta contra o Estado, pois a desigualdade
motivou uma nova reivindicação.
Segundo Sarlet (2007, p. 55):
O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos
que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a
consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu
efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos
movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos,
atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social.
20
Nesse período de conflito, marcado pela atuação do proletariado, os
indivíduos buscavam que o Estado interferisse nas relações privadas, garantindo-se
então proteção ao trabalhador. Segundo Sarlet (2007, p. 55) há uma transferência
das liberdades formais abstratas (direitos de primeira dimensão) para as liberdades
materiais concretas (direitos de segunda dimensão), que são caracterizados como
assistência social, saúde, educação, trabalho, entre outros.
Diante da necessidade de uma maior atuação estatal, em face da
constatação de que não bastam apenas igualdades e liberdades formais se não
forem implementados tais direitos, a fim de possibilitar a liberdade material, surgiram
os direitos de segunda dimensão, representados pelos direitos sociais, culturais,
econômicos.
No entanto, esses direitos de segunda dimensão só foram empregados nas
constituições do segundo pós-guerra, no século XX e também foram motivos de
pactos internacionais. Segundo Bonavides (2008, p. 564) os direitos de segunda
dimensão nasceram abraçados ao princípio da igualdade, onde os direitos de
primeira dimensão marcaram o século XIX e os direitos de segunda dimensão
dominam o século XX, portanto tendo origem na igualdade, não podem se separar,
pois este é o argumento que ampara e estimula os direitos de segunda dimensão.
Após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, foi criada a Organização das
Nações Unidas (ONU) com a finalidade de promover e manter a paz mundial, além
da cooperação entre os povos, do desenvolvimento econômico e social e da
promoção dos Direitos Humanos em todo o mundo.
Uma nova consciência internacional surge, a de que todo ser humano é igual
e que, independente de crença, nacionalidade, língua, posição política, cultura, raça
ou qualquer outra diferença, deve ser tratado com respeito, através da garantia de
direitos básicos, inalienáveis e universais. Essa nova consciência internacional,
como o professor Fabrício Lopes deixa explícito em suas aulas sobre Direitos
Humanos, tem o propósito de aconselhar os Estados em relação à forma de
tratamento aos seus cidadãos, para que não se repetissem as atrocidades ocorridas
durante a guerra.
De acordo com Bonavides (2008, p. 518):
[...] uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições
marxistas e também de maneira clássica no constitucionalismo da socialdemocracia, dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra.
21
Para Bonavides (2008, p. 522) após a Segunda Guerra Mundial o mundo
estava partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, busca-se então
outra dimensão dos direitos fundamentais, um direito que não almeja apenas a
proteção dos interesses de um indivíduo, mas que se caracteriza pela busca do
desenvolvimento e da paz, e tem temas relacionados ao meio ambiente, patrimônio
comum da humanidade, entre outros.
Apresenta-se na terceira dimensão dos direitos humanos, a necessidade de
proteção coletiva, visto que surgem direitos resultantes da fraternidade e da
solidariedade, destacando-se o também o direito à autodeterminação dos povos.
Direitos decorrentes de uma sociedade já modernamente organizada, relacionados à
vida em comunidade.
Mbaya (inédito apud BONAVIDES, 2008, p. 523) ressalta que, o direito ao
desenvolvimento é inerente tanto para Estados como para indivíduos, sendo assim,
os indivíduos têm direito à uma pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação
adequada.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos1 possui 30 artigos e abordam
vários assuntos, todos considerados essenciais à humanidade. Segundo o professor
Fabricio Lopes, em suas aulas sobre Direitos Humanos do curso de Relações
Internacionais, a Declaração foi responsável por organizar e sistematizar o regime
dos Direitos Humanos e foi instrumento essencial após a Segunda Guerra Mundial,
pois foi símbolo dos movimentos de proteção jusinternacionais de Direitos Humanos.
Da globalização econômica extrai-se a globalização neoliberal, que para
Bonavides (2008, p. 524) caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores,
porém não significa que não seja nítido o seu status quo de dominação.
Segundo Bonavides (2008, p. 525):
São direitos de quarta dimensão o direito à democracia, o direito à
informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da
sociedade aberta para o futuro, em sua dimensão de máxima
universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as
relações de convivência.
Para Bonavides (2008, p. 572) os direitos de quarta geração alcançam a
concretização dos direitos adquiridos anteriormente, podendo atingir o grau máximo
1
Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do
mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de
dezembro de 1948.
22
da eficácia normativa. Esses direitos norteiam o futuro da cidadania e o horizonte da
liberdade de todos os povos.
2.2 A construção dos direitos humanos no mundo Árabe
A Declaração dos Direitos do Homem de 1948 marca o início da
universalização dos direitos humanos, no entanto, a declaração é de adesão
voluntária e, portanto, apenas cinquenta e seis Estados Ocidentais a adotaram.
Apesar de ser considerada universal é conhecida como produto do Ocidente. “A
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, inaugurou a fase de
positivação e universalização dos direitos humanos” (AMARAL JR, 2011, p. 480).
A marca ocidental pode ser apontada claramente na declaração de 1948,
uma vez que foi formulada sem a maioria dos povos do mundo. “O fato é que tais
direitos humanos desagradavam, de um lado, os Estados Socialistas, pelo direito de
propriedade, os Estados Islâmicos, pelos direitos de igualdade, etc.” (LIMA, 2013).
Contudo, a Conferência de Viena, em 1993 marca a universalidade dos
Direitos Humanos, já que contava com a participação da maioria dos Estados do
mundo, debatendo sobre questões que abrangem diferenças culturais, sociais,
políticas e econômicas. Lima (2013) diz que a Conferência de Viena “Normatizou”,
então, no plano internacional, o caráter universal, indivisível e interdependente dos
humanos.
A teoria deve ser colocada em prática, porém a afirmação da universalidade
dos direitos humanos traz um novo desafio, que é harmonizar os Direitos Humanos
com as diversidades culturais, sociais, econômicas e políticas existentes no mundo.
De acordo com Lima (2013):
[...] com o passar do tempo, a dificuldade de colocar em prática direitos
advindos da cultura judaica-cristã-ocidental levou-se ao questionamento
sobre a verdadeira universalidade desses direitos, face ao multiculturalismo
existente no mundo, mesmo ante a globalização”.
O
Oriente
Médio
é
multicultural.
Existem
três
principais
religiões
monoteístas, o Islamismo, o Cristianismo e o Judaísmo, e 90% da população são
islâmicas. Os seguidores do islamismo são chamados de muçulmanos.
O Direito Muçulmano é diferente de tudo estudado até agora. Segundo
David (1996, p. 409) constitui apenas uma das faces da religião do islã, que por um
23
lado é uma teologia que define em que o muçulmano deve crer, e por outro o
chamado char’2 que designa o que os crentes devem ou não fazer. O Islã é a religião
da lei.
David (1996, p. 411) explica que o Corão é o fundamento do direito
muçulmano e é considerado a primeira fonte do direito. O corão é um livro sagrado
que contém revelações de Alá sobre o profeta Maomé.
No direito muçulmano não se identifica a legitimidade, pois segundo David
(1996, p. 412) não é preciso que um aglomerado de crentes represente o sentimento
geral dos membros da sociedade para que uma regra do direito seja admitida, basta
apenas a uniformidade das ideias das pessoas competentes, da qual a função é
destacar e revelar o direito, essas pessoas são os chamados jurisconsultos do islã.
Até o Século IV foram feitos grandes esforços para analisar a lei divina
muçulmana, no entanto essas possibilidades de análise foram sendo vetadas, a
legitimidade de novas pesquisas é negada. Então, a lei divina estava elaborada.
Para David (1996, p. 414) o muçulmano deve identificar a autoridade dos doutores
antigos; novas interpretações e desenvolvimentos não são permitidos, por isso há
séculos que as mesmas obras são referências para o direito muçulmano.
O Oriente Médio é marcado por guerras civis e conflitos étnicos, e esses são
fatores graves que põem em risco a dignidade humana e consequentemente os
Direitos Humanos. Sendo a dignidade humana um valor intrínseco ao ser humano, a
delimitação da violação dos Direitos Humanos pode propiciar conflitos, abrindo
diálogo para as teorias relativistas e universalistas dos direitos humanos, que serão
temas do próximo capítulo.
De acordo com Esse (2013), no Oriente Médio a criação de um sistema de
Direitos Humanos eficaz é um projeto que ainda não está materializado. Todavia,
países dessa região já estabeleceram entre si acordos internacionais para que a
criação desse sistema seja efetivo, duradouro e vantajoso para essa população que
necessita em tão alto grau.
Em 19 de setembro de 1981, foi proclamada a Declaração Islâmica dos
Direitos Humanos, pelo conselho islâmico em Paris. Para Esse (2013), essa
declaração tem grande semelhança com a declaração de 1948, no entanto constata-
2
“O caminho a seguir”, constitui o que se chama o Direito Muçulmano.
24
se que a declaração islâmica tende a preconizar os princípios da fé-islâmica, pois há
de ser de grande valia os moldes culturais, históricos e econômicos da região.
A Declaração Islâmica de Direitos Humanos não inclui a mulher como um
todo na sociedade, tanto é que na declaração é firmado o compromisso de defender
os direitos das mulheres casadas, que são considerados invioláveis e inalienáveis,
todos ordenados pelo Islã.
Barlas (2002, p. 130) afirma que há a urgência de um tratamento imparcial
entre homens e mulheres, pois no Corão, ou seja, perante Deus, homens e
mulheres são diferentes e a diferença não é sinônimo de desigualdade, como prega
os muçulmanos misóginos.
2.3 Teorias do Universalismo e Relativismo em face à cultura
Há duas aplicações de Direitos Humanos que encadeiam um debate
polêmico. O relativismo cultural compreende que não há normas universais de
Direitos Humanos, pois cada cultura, cada sociedade, cada povo ou civilização
designam os seus valores culturais e práticas sociais. Em contraponto, o
universalismo conceitua-se na teoria do direito natural, ou seja, as leis naturais
garantem aos indivíduos direitos inerentes, que como visto nesse capítulo, foram
conquistados e são heranças de todos os povos.
De acordo com Baldi (2004, p. 128) o debate entre universalistas e
relativistas é acirrado visto que o parecer universalista tenciona universalizar valores
e culturas; por outro lado na configuração do conceito relativista as diferenças são
absolutas e o risco de legitimar regimes totalitários aumenta.
Direitos humanos universais são direitos inerentes a todos os povos,
independente de raça, religião, sexo, nacionalidade ou qualquer outro estereótipo,
contudo para os relativistas tudo é relativo, ou seja, cada sociedade ou civilização
tem a sua cultura enraizada e essas diferenças tem que ser levadas em
consideração. Pérez (2011, apud GUERRA, 2014, p. 292) deixa claro que os
Direitos Humanos devem ser configurados de acordo com os valores de cada
Estado e não podem ser estabelecidos em escala global.
A teoria relativista busca, de inúmeras formas, salientar que não se podem
determinar padrões de costumes sociais universais, porém pode-se constatar
25
necessidades que são universais. Todavia há diferentes interpretações de tradições
culturais, que geram críticas a vários procedimentos culturais realizados em
sociedades patriarcais.
Para Piacentini (2007, p. 46) vários grupos excluídos invocam os direitos
humanos para lutar contra intolerâncias. Pode-se mencionar o caso da circuncisão
genital feminina, que ocorre em diversos países da África e Ásia, e que também há
casos na cultura muçulmana. A dimensão do descontentamento dessas mulheres e
crianças é desmedida, pois várias delas fogem para não se sujeitarem a tal conduta
cultural. Esse procedimento é enraizado na rotina desses povos, mas fere o direito
humano considerado inerente a todos os povos, o direito a integridade física.
De acordo com Piacentini (2007, p. 47) o comportamento relativista pode
perder a legitimidade para contrapor-se a certas formas de injustiças que tem
explicações e pretextos em práticas culturais específicas, como na casa da
mutilação, a mulher sendo considerado um ser inferior.
Em suma, os Direitos Humanos são universais, mas é fato que a diversidade
cultural tem sua magnitude. Não obstante, nem todas as práticas culturais, como a
Mutilação Genital Feminina, são legalmente aceitas, ou seja, ferem a liberdade e
dignidade humana. Mesmo que as mulheres tenham conquistado espaço no mundo
globalizado, ainda existe preconceito. O próximo capítulo abordará justamente a
autonomia da mulher na sociedade atual.
26
3 AUTONOMIA DA MULHER NA SOCIEDADE ATUAL
A mulher exerce cada vez mais o papel de protagonista na sociedade atual,
contudo ainda existem resquícios do sistema social patriarcal no cotidiano. Na
medida em que a mulher conquista seu espaço na sociedade, com o auxílio das
lutas feministas, ela deixa de ser o sexo frágil e passa a ser exemplo de
personalidade e persistência.
Considerava-se,
ainda
na
fase
de
desenvolvimento
dos
direitos
fundamentais, que a mulher era uma espectadora e pessoa admirada pelos homens
apenas como objeto de reprodução. Após muitos anos de luta, o feminismo surge
para batalhar pelos direitos das mulheres. Segundo Pinto (2010, p. 15) a chamada
primeira onda do feminismo eclodiu a partir das últimas décadas do século XIX,
quando na Inglaterra, mulheres se estruturaram para lutar por seus direitos, que a
princípio era o direito ao voto.
Para Gurgel (2010, p. 1) o feminismo desde a primeira expressão, em 1979,
na França, vem se fortalecendo como movimento social que se potencializa para
romper as desigualdades sociais e as condições de controle patriarcal capitalista na
contemporaneidade.
Pinto (2010, p 16) afirma que:
O feminismo aparece como um movimento libertário, que não quer só
espaço para a mulher – no trabalho, na vida pública, na educação –, mas
que luta, sim, por uma nova forma de relacionamento entre homens e
mulheres, em que esta última tenha liberdade e autonomia para decidir
sobre sua vida e seu corpo.
Existem muitos anos de avanços a serem conquistados pelas mulheres.
Uma das adversidades que ainda é discussão no campo social é o constante
crescimento da violência contra a mulher. Segundo Pinto (2010, p. 17) a partir do
século XX, uma das principais questões abordadas pelas feministas, era a luta
contra a violência, especialmente a violência doméstica. Embora as leis estejam
favorecendo cada vez mais essa classe, as atrocidades contra o sexo feminino
estão cada vez mais evidentes. A cultura machista, enraizada no corpo social, é
considerada uma das causas dessa violência.
Gurgel (2010, p, 3) afirma que o feminismo do século XIX é marcado pelo
fortalecimento do capitalismo e o recente progresso da industrialização que causou
transformações na ordem social, política e econômica, e afetaram diretamente os
27
indivíduos, no entanto as mulheres permaneceram privadas de praticar seus direitos
civis e políticos.
“A partir de meados da década de 1980 houve uma forte inciativa dos
governos na incorporação da categoria das relações sociais de gênero, como base
ou como tema transversal nas políticas públicas”. (GURGEL, 2010, p, 7)
Provêm dessa ordem a formação das organizações não governamentais e a
integração política dos movimentos sociais, que para Gurgel (2010, p. 7) indica o
momento do apetecimento da autonomia feminista.
As mulheres sempre foram consideradas frágeis, contudo, com todas essas
conquistas ao longo do tempo, essa ideia de mulher fraca e incapaz foi alterada.
Para Guerra (2014, p. 232) é fato que as conquistas das mulheres se formularam de
forma gradativa, todavia, atualmente é indiscutível a relevância do seu papel na
sociedade.
3.1 A mulher como sujeito de direito
No âmago da luta das mulheres por seus direitos, a primeira denotação da
mulher como sujeito de direito foi na Revolução Francesa, que para Gurgel (2010, p,
1) além do esforço para manter o poder popular acima do poder burguês, as
mulheres começaram um debate histórico objetivando participação na vida pública
social.
No V Encontro Internacional da Marcha Mundial de Mulheres3 foi divulgado a
Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, onde deixa claro todos os objetivos
do movimento A Marcha Mundial das Mulheres (MMM).
Propomos construir um outro mundo onde a exploração, a opressão, a
intolerância e a exclusão não existem mais; onde a integridade, a
diversidade, os direitos e as liberdades de todas e de todos são respeitadas.
Esta carta baseia-se nos valores da igualdade, de liberdade, de
solidariedade, de justiça e de paz. (Carta Mundial das Mulheres para a
Humanidade, 2004)
A mulher se torna sujeito de direito quando ela começa a usufruir de todos
os direitos fundamentais que foram conquistados.
Anteriormente ao êxito conquistado nas lutas feministas, a conjuntura
jurídica da mulher era deplorável e essa condição ainda é vista em alguns países,
3
Realizado em 10 de dezembro de 2004, em Ruanda.
28
como por exemplo, países do Oriente Médio e na maior parte deles os que seguem
a religião islâmica.
Guerra (2014, p. 231) afirma que em alguns países orientais a mulher era
apenas instrumento de deleite dos homens e que mesmo com a intervenção das
Nações Unidas, vários desses problemas antigos ainda perduram nessa região.
Segundo (SELEM; RODRIGUES, 2006) a Organização das Nações Unidas
(ONU) proclamou o período de 1975 a 1985 como a década da mulher. Durante
essa época maiores esforços foram percebidos de várias partes do mundo, visto que
feministas se organizaram para articular propostas para instituições e organizações
não governamentais, almejando inserir temas relacionados à mulher.
Conforme (SELEM; RODRIGUES, 2006):
Nessa época foram realizadas grandes conferências promovidas pela ONU,
entre elas a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em Viena, no
ano de 1993 e a Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994. Essas Conferências
contaram com a participação de mulheres organizadas em suas
reivindicações e resultaram em alguns avanços, como a explicitação da
Conferência de Viena, em seu parágrafo 18, que “os direitos humanos das
mulheres e das meninas são parte inalienável, integral e indivisível dos
direitos humanos universais”.
A respeito da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher4, Guerra (2014, p. 231) é preciso ao indagar que se
tratou de um importante reconhecimento de valorização da dignidade da mulher e
que essa Convenção Internacional assinalou a inquietação sobre a insistência de a
mulher ser vítima de abusos e discriminações. Piovesan (2011, p. 256) afirma que
até março de 2010, a Convenção tinha adesão de 186 Estados-partes.
Henkin (1999, apud PIOVESAN, 2011, p. 257) reitera que alguns países,
como por exemplo, Bangladesh e Egito, responsabilizaram o Comitê sobre a
Eliminação da Discriminação contra a Mulher a exercer “imperialismo cultural e
intolerância religiosa”, ao estabelecer um viés de igualdade entre os gêneros, assim
como na família.
A conduta dos países do Oriente Médio enfatiza que os direitos das
mulheres ou das minorias, apesar de estarem sendo cada vez mais disseminados
pelo mundo, ainda tem resistência, tanto cultural como religiosa.
4
“Adotada em 1979, essa Convenção estabelece que a discriminação à mulher viola
princípios de igualdade de direitos e a dignidade humana” (SELEM; RODRIGUES, 2006).
29
3.2 O status quo da mulher na cultura oriental
As mulheres sempre sofreram discriminações em diversas áreas de suas
vidas e as que fazem parte da cultura oriental não são diferentes, no entanto, esse
processo de luta no Oriente Médio aconteceu de forma tardia. Para Hajjami (2008, p,
107) a conjuntura inferior e precária em que a mulher oriental está inserida,
evidencia o predomínio de uma sociedade patriarcal que utiliza a compreensão da
religião islâmica para ratificar cenários de dominação e violência contra as mulheres.
Aja visto no Capítulo I deste trabalho, “a Declaração dos Direitos Humanos
afirma que os seres humanos nascem iguais em direitos e igualdade, mas sabe-se
que de fato não é assim que vivem” (ESPINOLA, 2000, p. 2).
Em algumas culturas, as mulheres necessitam de informação, assim como
outros grupos minoritários. Segundo Espinola (2000, p. 2) na Arábia Saudita,
mulheres ainda são obrigadas pelos homens a cobrir o copo inteiro e são proibidas
de dirigir. No Egito a prática da MGF é proibida desde 2008, no entanto esse
procedimento ainda é realizado no país.
Boros (2013) afirma que após a Primavera Árabe, o assédio sexual, altas
taxas de corte genital feminino e uma onda de violência e sentimento islâmico se
afloraram, fazendo com que o Egito se tornasse o pior país árabe para mulheres,
levando em conta o direito das mulheres no mundo árabe. Leis discriminatórias e o
crescente número de casos de tráfico de mulheres também influenciaram para o
aumento dessa estatística.
Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância5 (UNICEF) (2013, p. 26)
pesquisas recentes demonstram que no Egito práticas que denigrem a imagem da
mulher, como a Mutilação Genital Feminina, é uma prática quase universal, com
prevalência de 90%.
Mulheres árabes também são exemplos de determinação e persistência.
Segundo Fachin et al. (2012, p. 223) Waris Dirie está entre as milhares de mulheres
africanas que foram submetidas à prática da Mutilação Genital Feminina. Dirie foi
mutilada e aos treze anos conseguiu fugir de um casamento arranjado. Waris Dirie
luta contra a circuncisão genital e é embaixadora da ONU contra a mutilação.
5
Criado em 1946, a UNICEF tem a missão de assegurar que cada criança e cada adolescente
tenham seus direitos humanos integralmente cumpridos, respeitados e protegidos.
30
Autores feministas afirmam que segundo o Alcorão a mulher não é
considerada submissa. Para Hajjami (2008, p. 113) o profeta Maomé utiliza de suas
palavras e realidade habitual, para reiterar as relações entre os gêneros,
contrapondo-os igualmente: “as mulheres são as irmãs uterinas dos homens diante
das leis” afirma o profeta num hadith6.
Em muitas tribos árabes a fidelidade da mulher era que determinava a honra
do homem. O próprio profeta Maomé, disseminador do Islã, não nega no Alcorão a
importância de suas mulheres, principalmente Khadija7, em sua vida e na formulação
dessa religião. Segundo Espinola (2000, p. 12) escrituras deixadas por Maomé
descrevem que homens e mulheres devem usufruir do casamento.
Sendo a submissão uma questão cultural, algumas mulheres se sentem bem
e acreditam que estão fazendo o que deve ser feito, obedecendo a seus pais e
maridos, e se submetendo a torturas e agressões, por entenderem que mulheres
não têm os mesmos direitos que os homens. No caso da Mutilação Genital
Feminina, quem realiza o procedimento nas crianças e jovens são as mulheres mais
velhas das comunidades, com o consentimento das próprias mães.
Para os ocidentais, essas mulheres que são subalternas dos homens são
alienadas, no entanto, elas estão apenas fazendo o que acham certo, o que
aprenderam desde crianças, o que suas mães e avós lhe ensinaram. Elas devem
ser respeitadas e deveriam ter a liberdade de escolha, pois algumas delas, tanto
crianças como também jovens, com a globalização e as mudanças ocorridas no
mundo, querem ter o direito de controlar o que pode ou não ser determinado para
suas vidas.
Conforme Espinola (2000, p. 2):
Portanto o mundo ocidental com todos os seus pressupostos, de igualdade,
liberdade e democracia também não resolveu seus problemas de pobreza e
mazelas sociais. A violência, corrupção, tráfico e a violência e opressão
femininas não são privilégios das mulheres dos países pobres ou das
mulheres muçulmanas, tão evidenciadas pela mídia: a violação dos direitos
humanos está em todos os lugares.
Segundo Piacentini (2004, p. 144) na atualidade se tem um conhecimento
que nossos pais não tinham, e no caso particular da circuncisão genital feminina,
provavelmente era normal a mulher se submeter a certos procedimentos culturais.
6
O Hadith é o registro dos preceitos do profeta Maomé, ações de vida.
Khadija foi a primeira mulher do profeta. Era uma viúva rica de 40 anos, e seu apoio foi
indispensável para que Maomé lograsse êxito na sua investidura.
7
31
Contudo, a questão cultural é um argumento ineficaz, pois as culturais não são
intactas, elas podem mudar com o tempo.
3.3 Políticas internacionais de empoderamento da mulher
No plano internacional, a mulher vem desenvolvendo passo a passo a sua
importância. Desde o segundo pós-guerra, se pôde enxergar na história pequenas
medidas para o enquadramento da mulher na sociedade e conquista de seus
direitos. Para Lisboa (2008, p. 3-4) para que o empoderamento seja realizado de
forma eficaz devem-se criar políticas públicas que façam a inserção dessas classes
minoritárias, como as mulheres, formalizando seus direitos legais.
Após a criação do dia Internacional da Mulher8, acreditava-se que a mulher
teria uma maior participação social, no entanto, essa data não teve um significado
esperado para o direito da mulher. Elas ainda eram discriminadas por serem
mulheres, por isso ao longo do tempo políticas internacionais foram sendo
elaboradas. “As políticas macroeconômicas e o estabelecimento de políticas
públicas podem resultar em impulso à igualdade de género” (ONU Mulheres, 2013).
Segundo a ONU Mulheres (2013) existem inúmeros obstáculos que
dificultam o acesso das mulheres as atividades socioeconômicas. A discriminação
limita o acesso das mulheres a bens econômicos, particularmente terra e
empréstimos, e estreita a participação delas na resolução das políticas econômicas
e sociais.
A ONU tem uma função eficaz nesse processo de inserção da mulher no
plano internacional. A Divisão para o Avanço das Mulheres (DAW) foi criada em
1946; o Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para a Promoção da
Mulher
(INSTRAW)
foi
desenvolvido
no
mesmo
ano
que
o
Fundo
de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) em 1976; e o
Escritório de Assessoria Especial em Questões de Gênero (OSAGI) foi formulado
em 1997. Segundo a ONU BR (2010) a unificação dessas entidades resultou na
criação da ONU Mulheres9.
8
Em 1911, quando mais de 100 operárias morreram em um incêndio na Triangle Shirtwaist, em
Nova Iorque, foi estabelecido que 8 de março seria o dia internacional da mulher.
9
Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das
Mulheres.
32
Atrelado a ONU Mulheres foi criado também o chamado “Princípios de
empoderamento das mulheres”. São sete princípios que apresentam para as
empresas e as comunidades como é importante à imagem da mulher na sociedade.
A ONU Mulheres destaque a relevância desse projeto:
Os Princípios são um conjunto de considerações que ajudam a comunidade
empresarial a incorporar em seus negócios valores e práticas que visem à
equidade de gênero e ao empoderamento de mulheres.
Para a ONU Mulheres (2010) empoderar as mulheres, conduz a economia
para o crescimento, incentivando a produtividade. No entanto, as mulheres
necessitam de diversos outros planos de inserção e a ONU mulheres entende que
além de introduzir a mulher no plano econômico mundial, ela também objetiva saúde
e educação, bem como assistência contra a violência e a discriminação.
A igualdade de gênero é uma das formas de empoderar as mulheres e fazer
com que a sociedade inclua as mulheres nas atividades políticas e sociais, tendo em
vista o desenvolvimento social e sustentável. A agenda 2030 de desenvolvimento
sustentável10 da ONU visa transformar o mundo em nome dos povos e dos planetas.
Essa agenda é bem definida e conta com dezessete objetivos, sendo um deles
voltado para a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres. Segundo a
ONU (2015) esses dezessete objetivos foram formulados com a intenção de garantir
as necessidades básicas das pessoas, tanto nos países desenvolvidos como nos
países em desenvolvimento.
Para a ONU (2015):
Os Objetivos de Desenvolvimentos Sustentáveis (ODS) foram pensados a
partir do sucesso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM),
entre 2000 e 2015, e pretendem ir mais longe para acabar com todas as
formas de pobreza.
Dos dezessete objetivos formulados, o quinto tem a função de desenvolver e
alcançar à igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres. Segundo a ONU
(2015) esses objetivos devem ser concretizadas até 2030 e visam acabar com todas
as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas; eliminar todas as
formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e
privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos; eliminar todas as
10
Essa agenda aborda várias dimensões do desenvolvimento sustentável (social,
económico, ambiental) e que promove a paz, a justiça e instituições eficazes.
33
práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e envolvendo crianças,
bem como as Mutilações Genitais Femininas; aumentar o uso de tecnologias de
base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o
empoderamento das mulheres; entre outras.
A ONU conta com a ajuda e o empenho de órgãos para a concretização
desses objetivos, como a ONU mulheres, que também tem a finalidade de
empoderar as mulheres e diminuir todas as formas de violência, inclusive a MGF.
34
4 DIREITO À SAÚDE DA MULHER E A PROBLEMÁTICA DA MUTILAÇÃO
GENITAL FEMININA
Na declaração de Direitos Humanos de 1948 está nítido que o direito a
saúde é inerente a todos os seres humanos, pois o direito à saúde é a forma de
objetivar uma melhor qualidade de vida, e não exclusivamente pela inexistência de
doenças, o direito a saúde designa-se como um bem-estar físico, mental e social.
Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar, a si e à
sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle. (Artigo XXV da Declaração Universal de Direitos Humanos de
1948)
Quando a prática de algum tipo de violência é realizada sob qualquer ser
humano, essa prática fere o seu direito a saúde e a vida. Para os Direitos Humanos
a violência é considerada uma questão social. Práticas culturais e tradicionais são
utilizadas como justificativa para a violação dos Direitos Humanos, como por
exemplo, a Mutilação Genital Feminina, que é realizada em alguns países do oriente
e também muçulmanos, prática essa que fere o direito á saúde de mulheres e
crianças.
Conforme OMS (2011, p, 3) existem condições de saúde que somente as
mulheres vivenciam, pois elas passam por situações diferentes quando comparadas
aos homens.
A violência contra a mulher é visível em várias partes do mundo. A violência
retratada não é apenas física. As mulheres ainda sofrem preconceito e também não
tem direito de escolha, em alguns países nem mesmo sobre o próprio corpo, como
por exemplo, que roupas vestir, quando sair de casa e até mesmo a escolha do seu
futuro. Em algumas culturas, meninas se submetem a práticas desumanas para
serem consideradas mulheres e conseguirem ingressar na sociedade ou ter a
chance de se casar e ter uma família.
A Mutilação Genital Feminina é uma dessas práticas citadas, que para
Piacentini (2007, p. 137) é uma pratica cultural, utilizada pelo homem,
provavelmente detentor do poder, para manter a mulher sob sua dominação.
35
Conforme Palhares e Squinca (2013, p. 433):
Essa prática é apenas um modelo de atitude, dentre vários outros, que as
sociedades em geral impõem contra os direitos das mulheres na saúde,
educação, trabalho e salários...
A MGF viola os direitos das mulheres e também viola a maioria dos direitos
delineados na Declaração Universal de Direitos Humanos, como o direito das
crianças, pois elas têm em média seis anos quando são submetidas a essa prática, o
direito à saúde, o direito de escolha, entre outros. O direito de escolha também é
violado, pois as mulheres têm a competência de decidir e controlar o que deve ou não
ser feito no seu corpo, e a mutilação muitas vezes é um método imposto por uma
sociedade patriarcal, tradicional e antiga.
O imperialismo cultural se difunde à medida que sociedades que não aprovam
a mutilação genital interferem na cultura oriental onde essa prática é realizada, pelo
fato de serem executadas com o consentimento dos pais e dos familiares a mutilação
não era considerada um tema a ser discutido pelos direitos humanos, e também por
ser uma realidade na maioria das culturas orientais. A mudança cultural tem que partir
de dentro para fora.
O direito à saúde da mulher tem construído um componente fundamental
para os direitos humanos, visão retratada em documentos elaborados nas
conferências internacionais das Nações Unidas, como a Convenção Sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher em 197911 e a
criação da ONU Mulheres em 2010.
A Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra a Mulher (1979) afirma que:
Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a
mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e
que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento,
gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com
base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e
civil ou em qualquer outro campo. (Parte I, Artigo 1º)
11
Adotada pela Resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 18.12.1979
- ratificada pelo Brasil em 01.02.1984.
36
4.1 A Mutilação Genital Feminina a luz das teorias relativista e universalista
A prática de mutilar a genitália feminina é muito antiga. Vale ressaltar que
não se trata de um ritual religioso. As culturas aderem a essa prática, usando a
justificativa que só assim a mulher irá ser purificada ou aceita em determinados
grupos, sendo considerada a identidade da criança.
De acordo com OMS (2006) embora não haja uma opinião harmônica sobre o
começo da execução deste procedimento, existem informações que asseguram a sua
execução há 5000 mil anos atrás na antiga civilização Egípcia, ocorrendo antes da
ascensão da religião Islâmica.
A dignidade humana é um dos pontos principais a serem discutidos quando
falamos de Mutilação Genital Feminina. A MGF viola integralmente a dignidade da
mulher, pois tira parte do seu corpo, fazendo com que ela sinta dor para o resto de
sua vida, no parto ou no ato sexual.
Segundo a BBC Brasil (2016) não se sabe ao certo como as sobreviventes
que são submetidas à MGF encaram as sequelas deixadas pelo procedimento, pois
os prognósticos não são abordados livremente.
Segundo Piacentini (2007, p. 125):
Considerando o contexto em que se dá a MGF, isto é, aquele das
sociedades patriarcais, onde a mulher tem de subjugar-se ao domínio do
homem, é fácil perceber que ainda mais características suas constituintes
da dignidade humana deixarão de se desenvolver, como é o caso de sua
capacidade de escolha, uma vez que normalmente os homens da família é
que escolherão o destino das mulheres.
A MGF é praticada principalmente em sociedades patriarcais, onda há
desigualdades de gênero e as mulheres não tem voz ativa. Desde cedo as crianças
são ensinadas a obedecer aos homens e a se submeter a humilhações para agradar
ao pai, irmãos ou marido.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008, p. 1) estima-se que
entre 100 e 140 milhões de meninas e mulheres em todo o mundo tenham sido
sujeitadas a circuncisão e que, anualmente, três milhões de meninas corram o risco
de sofrer uma mutilação genital.
Para a OMS (2008, p. 1) a prática de mutilar a genitália é comum em países
da África e em alguns países do Oriente Médio, além de acontecer em comunidades
de imigrantes em regiões da Ásia, Pacífico, Europa e América.
37
Figura1: Mapa dos países onde a mutilação genital feminina é praticada
Fonte: Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/internacional/mutilacao-genital-feminina-conhecaa-origem-dessa-pratica-brutal/ Acesso em: 04 maio 2016.
Países onde essa prática não é comum e abrigam um grande número de
imigrantes dos países praticantes do ato, tiveram um choque de cultura. Segundo
Smith (1995, apud SOW, 2004, p. 3), a Itália, pela magnitude das comunidades
originárias, sobretudo da Somália, Etiópia, Sudão e Senegal, aceitou que a mutilação
fosse praticada em hospitais, a fim de evitar os riscos à saúde.
Contudo, os efeitos causados na mulher quando ela é submetida a esse
processo varia de acordo com as características de como a prática foi realizada.
Segundo Piacentini (2007, p. 118) na maioria das vezes o órgão genital feminino é
cortado parcial ou totalmente, com um vidro quebrado, navalhas ou tesouras. No
entanto, o procedimento varia de acordo com a cultura do país. Em algumas, são
usadas técnicas para adormecer a genitália, como sentar em água gelada ou aplicar
um anestésico, porém o mais comum é que essas técnicas não sejam executadas.
38
Figura 2: Navalha utilizada em uma tribo, no Quênia, em um ritual de Mutilação Genital Feminina.
Fonte: Disponível em: http://noticias.r7.com/internacional/fotos/fotografo-registra-dor-e-lagrimas-demeninas-em-cerimonia-de-mutilacao-genital-feminina-no-quenia-26122014#!/foto/5 Acesso em: 04
maio 2016.
A Mutilação Genital Feminina pode ser praticada de diversas formas,
contudo os organismos internacionais dividiram esse conjunto de práticas em quatro
tipos, que para Piacentini (2007, p. 119) o primeiro, classificado como tipo I, consiste
na remoção parcial ou total do clitóris; a segunda classificação baseia-se na
remoção parcial ou total do clitóris e dos pequenos lábios, podendo haver um corte
dos grandes lábios (também chamado ‘excisão’); a terceira, ou tipo III, se
fundamenta no estreitamento do orifício vaginal com uma membrana selante, pelo
corte e suturação dos pequenos e/ou grandes lábios, com ou sem excisão do clitóris
(também chamado ‘infibulação); o tipo IV se resume em outras intervenções sobre
os órgãos genitais femininos por razões não médicas.
39
Figura 3: Tipos de Mutilação Genital Feminina
Fonte: Disponível em: http://www.youthkiawaaz.com/2016/02/female-genital-mutilation-consequences/
Acesso em: 04 maio 2016.
Piacentini (2007, p. 118) afirma que o exercício dessa prática causa efeitos
físicos e psicológicos, como por exemplo, dor, hemorragia, infecções, infertilidade,
trauma e a lembrança de ter sido torturada.
Em algumas comunidades, mulheres que se recusam a serem mutiladas são
discriminadas e rejeitadas pelos homens, não se casam e são excluídas e
desprezadas por seus grupos sociais.
A religião, a cultura, questões de gênero, entre outros motivos, são
apresentados como “justificativa” para tal procedimento. Segundo Piacentini (2007,
p. 118) a mutilação determina quem pertence ao grupo, sendo assim, parte da
identidade.
“Em algumas sociedades, consideram-se as mulheres não-mutiladas como
pouco limpas e não lhes é permitido manipular alimentos ou água” (PIACENTINI,
2007, p. 120).
40
Piacentini (2007, p. 130) afirma que por ser fruto de tradição e cultura, para o
relativismo a MGF é uma prática indiscutível, pois o relativismo cultural prega que
cada sociedade institui seus valores e princípios. No entanto, há a ameaça de
aceitação de diversas formas de violência contra a humanidade, como sacrifícios,
torturas e trabalhos escravos.
Com o contato frequente que as culturas têm na atualidade, elas sofrem um
constante processo de desconstrução e reconstrução. Apesar disso, esses povos
antigos são muito ligados e obedientes aos seus antepassados. Acreditam que os
costumes são um dos bens mais preciosos deixados pelos ancestrais.
Segundo Piacentini (2007, p. 49) a teoria universalista ao querer transformar
os universais de uma cultura iguais para todos, acaba distanciando a diversidade
cultural.
A MGF fere todas as dimensões dos Direitos Humanos, abordados no
Capitulo I. A liberdade é lesada quando essas mulheres são coagidas para a
realização do procedimento. Nesse caso os direitos civis e políticos, considerados de
primeira dimensão são abalados. A má higienização durante o procedimento fere o
direito de segunda geração, o direito à saúde, trazendo danos à vitalidade da mulher.
Panikkar (1996, apud PIACENTINI, 2007, p. 144) menciona que os seres
humanos têm a consciência de que certas culturas ferem a dignidade da pessoa
humana, e que essa consciência pode até obrigar-nos a combatê-las, no entanto não
podemos distinguir culturas como certas ou erradas, e elevar a “certa” ao nível de
padrão universal.
De acordo com Piacentini (2007, p. 144) a premissa a ser feita sobre a
Mutilação Genital Feminina deve ser a de respeito cultural, pois somente assim o
diálogo poderá ser incorporado nessa cultura. E com esse diálogo pode ser que os
praticantes desse procedimento entendam que a mutilação pode até ter sido comum
quando seus antepassados a faziam, mas nos últimos anos os Direitos Humanos
estão cada vez mais empenhados em garantir a igualdade de gênero e os direitos
inerentes aos seres humanos.
Para que esses direitos sejam assegurados a todos os indivíduos, após a
Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU, também surgiram os tratados
internacionais de Direitos Humanos, dando responsabilidades e obrigações para os
41
Estados. Tratados internacionais de Direitos Humanos foram formulados como
solução frente às atrocidades acorridas na Segunda Guerra Mundial.
4.2 Tratados internacionais sobre saúde
Os tratados internacionais de Direitos Humanos têm como procedência o
Direito Internacional de Direitos Humanos, que para Piovesan (2011, p. 131) é o
Direito do pós-guerra, nascido como resposta às atrocidades e aos horrores
cometidos pelo nazismo.
Segundo Piovesan (2011, p. 132) com o consentimento da Declaração
Universal de 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos fortaleceu-se
através da adesão de tratados internacionais para a proteção dos direitos
fundamentais.
Em 1969, foi celebrada na cidade de Viena, na Áustria, A Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados. Segundo (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2011, p.
215):
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) aponta o “papel
fundamenta dos tratados, na história das relações internacionais”,
reconhece a importância, cada vez maior, dos tratados, como fonte de
direito internacional, e como meio de desenvolver a cooperação pacífica
entre as nações, quaisquer que sejam os seus sistemas constitucionais e
sociais.
Para a OMS (2008, p. 36) os principais tratados internacionais de Direitos
Humanos sobre saúde, que protegem e salvaguardam contra a mutilação genital
feminina são: A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; Convenção
Relativa ao Estatuto dos Refugiados; Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos; Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;
Convenção para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres; Convenção
contra a Tortura e outras penas ou Tratamentos Cruéis Desumanos ou Degradantes;
Convenção sobre os Direitos da Criança; Comitê para Eliminação da Discriminação
contra as Mulheres; Comitê dos Direitos do Homem, entre outros.
Os tratados internacionais são articulados entre Estados. Antes da inserção
de um tratado, os Estados analisam o que pretendem de uma organização
internacional e quais propósitos desejam alcançar. O objetivo das organizações
internacionais é harmonizar interesses universais entre os Estados.
42
A OMS é uma dessas organizações internacionais, com sede em Genebra.
A OMS foi criada após a segunda guerra mundial. No entanto, essa organização deu
continuidade ao trabalho do Escritório Internacional de Higiene Pública, criado em
Roma, em 1907. Seitenfus (2006, p. 116) afirma que o propósito da OMS é
empenhar-se para que todos os povos obtenham o mais alto grau de saúde.
O fato de estar à legislação a favor das mulheres em relação à proteção dos
seus direitos, não exprime que os praticantes da Mutilação Genital não o façam. É o
que deixa claro Piacentini (2007, p. 145):
Como mencionado anteriormente, importantes mudanças nas legislações
nacional e internacional em prol da erradicação desta prática cruel têm
acontecido. Por certo, este é apenas um dos primeiros passos e a alteração
na lei não garante o sucesso do feito.
4.3 Atuação da OMS nos casos de Mutilação Genital Feminina
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008), quando a prática
da Mutilação Genital foi analisada nos primeiros anos nas sociedades praticantes,
era usualmente nomeada como “circuncisão genital”, no entanto, essa locução faz
uma analogia com o termo “circuncisão masculina”, que é uma prática legal e
benéfica.
A expressão “mutilação” foi adotada durante a terceira conferência do
Comitê Inter-Africano sobre Práticas Prejudiciais a Saúde das Mulheres e
Crianças12. A adoção do termo “mutilação” reforça que essa prática viola os direitos
das meninas e mulheres que são submetidas a tal procedimento.
A OMS juntamente com outras agências das Nações Unidas, como por
exemplo, O Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e o Fundo das
Nações Unidas para a População (UNFPA), formularam uma declaração conjunta 13,
quando, a partir de então, aumentou-se a preocupação com a eliminação da prática
da mutilação genital feminina.
12
Comitê realizado em 1990, em Addis-Abeba, Etiópia, onde o termo Mutilação Genital Feminina foi
amplamente adotado.
13
A Declaração Conjunta sobre a Mutilação Genital Feminina foi emitida em 1997 e apresenta as
consequências da prática da mutilação genital feminina para a saúde, declarando o repúdio ao seu exercício.
43
Posteriormente, uma nova declaração conjunta14, foi desenvolvida por um
grupo maior de organismos das Nações Unidas, visto que, o apoio para a eliminação
da prática era necessário. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008),
essa declaração se fundamenta em novos indícios e na experiência acumulada ao
longo da última década.
O Relatório Mundial sobre violência e saúde, da Organização Mundial da
Saúde (OMS, 2002), evidencia que a cultura e as tradições são usadas como
justificativas para que práticas de coação contra minorias, como mulheres e
crianças, perdurem, no entanto, aconselha os profissionais da saúde a não
praticarem a Mutilação Genital Feminina.
Na última década muitos esforços foram realizados pela OMS e também por
agências
não
governamentais,
como
a
criação
da
Organização
Sinim Mira Nasseque (SMN)15, para a erradicação da mutilação feminina; no
entanto, ainda é preciso ampliar as informações e potencializar políticas que
permitam clarificar as sociedades praticantes, para que tenham o entendimento que
essa prática cultural é maléfica as mulheres e crianças.
Segundo OMS (2008, p. 24):
A experiência demonstra que é particularmente importante garantir que
governos e organizações não governamentais trabalhem em cooperação
com as comunidades praticantes na formulação e implementação dos
programas. Isso aplica-se tanto aos países de origem como naqueles em
que a mutilação genital feminina é praticada por comunidades imigrantes.
Desde 1970, a OMS se esforça para eliminar a Mutilação Genital Feminina.
A atuação da OMS juntamente com outros organismos das Nações Unidas e
também organizações não governamentais, inclui reunir informação sobre o
procedimento, como por exemplo, seus malefícios ou benefícios â saúde,
desenvolver políticas relevantes, estratégias e programas que conduzam a
erradicação.
14
A nova Declaração Conjunta sobre a Mutilação Genital Feminina foi emitida em 2008, e é um apelo a todos
os Estados, organizações nacionais e internacionais, à sociedade civil e às comunidades para que defendam os
direitos de meninas e mulheres.
15
Organização não governamental guineense que combate as práticas nefastas que afetam as mulheres e as
crianças da Guiné-Bissau.
44
5 CONCLUSÃO
Lamentavelmente as mulheres e crianças que sofrem com a prática da
Mutilação Genital não tem uma legislação específica que as resguardem ou
protejam quanto a esse assunto. No entanto, inúmeros documentos e convenções
das Nações Unidas abordam essa temática para tentar erradicar esse procedimento
cultural, como a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
contra a mulher (1979). Isso pode ser explicado pela falta de denúncias que
deveriam partir principalmente das mulheres sujeitadas a essa prática cultural,
porém pelo motivo da mutilação ser imposta e habitual, essas mulheres acreditam
que não tem os mesmos direitos que os homens e se submeter a torturas e
agressões são a forma de obediência aos seus pais e maridos.
O problema da violação dos Direitos Humanos não fica restrito ao meio em
que ocorrem; não é um problema específico. Ele passa a envolver outras pessoas,
grupos, Estados e a comunidade internacional. Com a ausência de instrumentos
jurídicos específicos sobre a MGF, os Estados onde essa prática ocorre não atuam
de forma eficaz para a erradicação do ato e quando outros Estados se envolvem
nesse processo, eles os acusam de exercer o imperialismo cultural.
Uma solução identificada para essa problemática aponta para a direção de
um diálogo cultural, tendo em vista que a prática da Mutilação Genital Feminina, que
viola os direitos das mulheres e meninas que são muitas vezes obrigadas a
realizarem o procedimento, é cultural, no entanto não se pode utilizar esse
argumento como uma justificativa para realizá-lo. Nessa circunstância, percebe-se a
urgência de sistematizar uma regulamentação internacional específica que
possibilite a assistência às mulheres vítimas da Mutilação Genital.
Nesse sentido considera-se a hipótese como falsa, ao considerar que o
diálogo intercultural será o caminho mais apropriado para a erradicação da
Mutilação Genital Feminina, incitando os organismos internacionais a promoveram
políticas públicas que estampem nesses países que a mulher também é um sujeito
de direito e que ela também tem poder de escolha. Considerando que o imperialismo
cultural não deve prevalecer sobre culturas e tradições, que a mudança desses atos
culturais e religiosos deve partir “de dentro para fora”, ou seja, essas comunidades
praticantes precisam reconhecer que esses procedimentos que agridem a saúde da
45
mulher, não são benéficos. Deve-se considerar também que, a teoria universalista
ao acreditar na universalidade dos direitos humanos prega o imperialismo cultural.
Os objetivos específicos desse trabalho foram alcançados, na medida em
que foi discutida a situação das mulheres e crianças que são submetidas ao
procedimento da Mutilação Genital Feminina, o surgimento de feministas que lutam
pelos
direitos
das
mulheres,
principalmente,
o
direito
de
escolha
e
o
empoderamento, visto que as mulheres têm direitos assegurados frente aos Direitos
Humanos. A partir da análise da atuação feita pela Organização Mundial da Saúde,
verificou-se a possibilidade de criação de uma normativa específica voltada para
mulheres mutiladas.
Diante disso, o objetivo geral proposto por este trabalho foi alcançado e se
deu pela busca de contribuir para a compreensão do motivo pelo qual ocorre a
Mutilação Genital Feminina, e dos desafios, em diversos âmbitos, enfrentados pelas
feministas e outros grupos, que buscam fazer com que os Direitos Humanos sejam
garantidos para essa minoria, apontando para a premissa de criação de
instrumentos legais que possibilitem o auxilio para esse grupo.
O caso estudado no segundo capítulo caracteriza que a alguns casos de
mutilação genital realizada, principalmente em mulheres do oriente médio, é com o
consenso das mesmas, pois a submissão sendo uma questão cultural dessa região,
faz com que as mulheres se sintam bem e acreditam que estão fazendo o “certo”,
conformando-se com as agressões a seus corpos e também obedecendo aos
homens (maridos, pais e até mesmo filhos), visto que foram ensinadas que as
mulheres não têm os mesmo direitos que os homens. Tanto é que, as mães e as
avós são quem solicitam o ritual de “purificação” e que quem as mutila são as
mulheres mais velhas das comunidades.
As mulheres, principalmente as mulheres orientais, já enfrentam muitos
desafios nos âmbitos sociais, econômicos e políticos. Muitos desses desafios estão
ligados às ameaças de violação de Direitos Humanos, como a violência contra as
mulheres, inclusive o estigma de que a mulher é frágil, delicada e temerosa,
colocando a prova a questão da confiabilidade da mulher e também a sua
capacidade de interação na área econômica e de negócios. Por essas razões, vê-se
a necessidade de empoderar as mulheres, fazer com que elas sejam peças de suma
importância na macroeconomia.
46
A exclusão da mulher como sujeito de direito e seu tênue papel na
sociedade civil não afetam apenas a elas mesmas, mas também aos que estão ao
seu redor, maridos, filhos; afeta o desempenho no trabalho, o relacionamento com
as pessoas. Essa adversidade gera a depreciação da mulher. No entanto, as
mulheres foram se introduzindo no corpo social, com a colaboração e o esforço das
feministas, que sempre lutaram para garantir direitos, que antes lhes eram negados.
No presente trabalho, portanto, enfatizou-se a necessidade de incluir as
mulheres nos campos sociais, para que elas constatem que podem ser
independentes, que não precisam fazer o que os outros (homens) querem, que elas
têm o direito de escolher o que fazer e quando fazer, sem ter que obedecer aos
homens, que acham que são detentores do poder. Empoderar as mulheres é dar a
elas essa autonomia. Se as mulheres, depois de entenderem que a mutilação genital
provoca inúmeras fraquezas, distúrbios e problemas para o corpo, ainda acharem
que devem ser mutiladas, que sejam. As mulheres têm que ter a autonomia de
decidirem o que deve ou não ser feito em suas vidas.
Um dos maiores desafios dos organismos das Nações Unidas no século 21
será criar uma Convenção nesses termos, que trate especificamente a questão das
mulheres mutiladas, reconhecendo seus desejos e motivações. Tudo isso em
consonância com os direitos universais das mulheres. Afinal, o problema maior não
é proibir que essas mulheres fôsseis mutiladas, pois como já exemplificado, algumas
delas acreditam que esse procedimento deve ser realizado, e sim prestar assistência
e proteger as mulheres que se submetem ao ato devido a fatores culturais, fazendo
o uso de políticas que lidam com todas as verdadeiras causas da mutilação. Esse é
um dos caminhos para alcançar a erradicação dessa prática.
Espera-se por fim, que este trabalho possa contribuir para a identificação da
legislação existente que faz referência às mulheres e para direcionar o olhar a uma
perspectiva de busca e afirmação de princípios e normas que possam garantir o
direito dessas mulheres e crianças que são mutiladas, no que se diz respeito o
direito das mulheres.
47
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