hilda siri - Instituto Martius Staden

Transcrição

hilda siri - Instituto Martius Staden
1
LITERATURA BRASILEIRA DE EXPRESSÃO ALEMÃ
(Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa)
HILDA SIRI
1918-2007
(Celeste Ribeiro de Sousa)
2008
Resumos comentados
Hilda Siri está entre os mais profícuos escritores da literatura
brasileira de expressão alemã. Poetisa sensível, também produziu
bons contos, narrativas memorialistas, peças de teatro e ensaios,
além de traduções de obras da literatura brasileira para o alemão.
Nos últimos anos de vida, Hilda Siri dedicou-se a coligir a
própria produção literária, dispersa em jornais e “Kalender”, num
volume intitulado Die alte Truhe (O velho baú), título de um de seus
contos. Este volume obteve duas edições, uma em 1999 e outra em
2000.
•
Hilda Siri em 1999, aos 81 anos, por ocasião do lançamento de seu livro1
1
Fotografia do espólio da autora, gentilmente cedida por seu filho Marcus Zwanziger.
2
A última edição traz o seguinte prefácio do próprio punho da
escritora:
Sem que tivesse sido essa a intenção, as configurações
presentes tanto nas narrativas, quanto nos poemas,
fornecem uma imagem fiel do modo de viver, bem como da
história dos descendentes dos imigrantes alemães no Rio
Grande do Sul. A fantasia transfigurou a experiência.
Através da divisão em capítulos intitulados “floresta”,
“colônias”, “cidade” e “interior”, foram preservados o
desenvolvimento e a transformação dos hábitos e costumes
dos brasileiros-alemães dentro de um período de tempo de
cerca de cem anos.
A cidade grande não coube mais aqui, pois a miscigenação
racial, o progresso técnico, a globalização, o modus vivendi
das pessoas, não só no Brasil, experimentam uma incisiva e
duradoura generalização. Os hábitos e os costumes dos
descendentes de alemães alteraram-se de tal forma no final
do século XX, que só em grupos étnicos isolados ainda são
cultivados.2
Todavia, nem todos os textos da autora constam desse
volume, talvez porque ela mesma os tenha perdido, nas mudanças de
Ijuí para Lomba Grande, no Rio Grande do Sul, e/ou de Lomba
Grande para São Paulo. E ainda há os casos de discrepâncias entre o
registro das 1ªs publicações e o registro dessas mesmas narrativas na
coletânea citada. Como ilustração, cite-se o título da narrativa sobre
mascates, em que na primeira publicação, de 1956, o registro é
Musterreiter sind da! e na coletânea Die alte Truhe (O velho baú), de
2000, é Die Musterreiter sind da.
As produções, que ora estão colocadas on line neste seu “ebook”, contemplam todos os textos até agora encontrados.
2
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. “Ohne es darauf abgesehen zu haben, ergeben die Schilderungen in den
Geschichten sowohl in den Gedichten ein getreues Bild der Art und Lebensweise, wie auch Geschichte
der Nachkommen der deutschen Einwanderer in Rio Grande do Sul. Die Phantasie verarbeitete das
Erfahrene.
Durch die Einteilung in Urwald, Siedlung, Stadt und Land wurde die Entwicklung und Veränderung der
Sitten und Gebräuche der Deutschbrasilianer in einem Zeitabschnitt von über hundert Jahren festgehalten.
Die Großstadt kam nicht mehr hinzu, da durch die Rassenvermischung, den technischen Fortschritt, die
Globalisierung[,] die Lebensart der Menschen nicht nur in Brasilien eine einschneidende und
fortwährende Verallgemeinerung erfährt. Die Sitten und Gebräuche Deutschstämmiger haben sich Ende
des zwanzigsten Jahrhunderts so verändert, dass sie nur noch in vereinzelten ethnischen Gruppen gepflegt
werden”. In: Siri, Hilda. Die alte Truhe. Vorwort. Campinas, ed. particular da autora, 2000.
3
Como alude a autora no prefácio, a coletânea apresenta uma
determinada divisão temática:
Capítulo 1 – textos (poesia e prosa) em torno do tema “Dämmerung”
(lusco-fusco);
Capítulo 2 – textos (poesia e prosa) em torno do tema “Urwald”
(floresta virgem);
Capítulo 3 – textos (poesia e prosa) em torno do tema “Siedlung”
(colônias);
Capítulo 4 – textos (poesia e prosa) em torno
do tema “Stadt”
(cidade);
Capítulo 5 – textos (poesia e prosa) em torno do tema “Land”
(interior);
Capítulo 6 – textos (poesia e prosa) em torno do tema “Abenteuer”
(aventuras);
Capítulo 7 – textos em torno do tema “Bühne” (palco);
Acrescento aqui, no entanto:
Capítulo 8 –, em que caberiam seus inúmeros “ensaios” e artigos
publicados em jornal, e
Capítulo 9 –, que abarcaria as traduções de obras da literatura
brasileira para a língua alemã, efetuadas por Hilda Siri, a saber: O
saci, de Monteiro Lobato; “O tempo”, de Olvavo Bilac; Ressurreição,
de Machado de Assis; “As pombas”, de Raimundo Correia; O rico e o
pobre, de Coelho Netto; A festa no céu, de Luiz da Câmara Cascudo;
O mate do João Cardoso, de José Simões Lopes Neto. Além da
literatura brasileira, Hilda Siri também contemplou o poema “If”
(“Wenn”), de Rudyard Kipling, com uma tradução para o alemão.
Cada um dos seis primeiros capítulos, que compõem o livro da
escritora,
compreende
poemas,
textos
ficcionais
e
prosa
memorialista.
Por exemplo, os poemas e as narrativas do 1º capítulo giram
em torno da atmosfera da passagem da luz à penumbra (crepúsculo)
e da penumbra à luz (alvorada), que em alemão é traduzida por uma
4
única palavra “Dämmerung”, e para a qual a língua portuguesa
dispõe do vocábulo “lusco-fusco”. Os poemas são: “So einen Tag wie
heut”, “Erwachender Tag”, “Wenn du erwachst”, “Herbst am Lagoão”,
“Dämmerstunde”, “Feierabend”, “Der neue Tag” e “Liebesgedichte I –
VII”. E as narrativas são: Mein Städtchen erwacht, Abendstimmung
auf dem Kamp e Es reift.
O poema “So einen Tag wie heut” (Um dia assim como hoje),
composto de 2 sextetos, canta a proximidade do eu-lírico à natureza,
que é caracterizada através de elementos comuns ao topos do
paraíso: luz, cores, calor e sombras frescas, canto dos pássaros,
perfume das flores. O eu-lírico expande sua alma em bemaventurança. Não há sofrimento.
No poema “Erwachender Tag” (O dia que desponta), de 2
quadras e um sexteto, louva-se a luz do sol, que rasga a penumbra,
os véus, criados pelo nevoeiro e faz emergir em puro esplendor as
casas, a igreja, os prados, as árvores, as flores e as folhas
orvalhadas.
O poema “Wenn du erwachst” (Quando tu acordas), de 3
quadras, canta “o estar em processo” (das Werden), a benção do
sono que antecede sempre o nascimento de um novo dia pleno de
esperança, configurada pela luz dourada do sol, pelos botões prestes
a desabrocharem em flores perfumadas de árvores habitadas por
pássaros que pipilam o encanto da Natureza.
Na poesia “Herbst am Lagoão” (Outono no lagoão), de 4
quintetos, a visão da natureza apresenta-se tão extasiante que o eulírico deixa de conseguir fazer a diferença entre a realidade e o
sonho, entre o sonho e a experiência mística.
Em “Dämmerstunde” (Hora crepuscular), de 2 quadras, o eulírico refere-se à liberdade do coração em falar o que sente só no final
do dia de trabalho: as coisas não realizadas vêm à tona, as coisas
mantidas sob controle pela razão libertam-se e uma enorme nostalgia
toma conta da alma.
5
Em “Feierabend” (Descanso), um poema triste de 3 quadras, o
eu-lírico queixa-se do peso excessivo do trabalho diário, da solidão.
De bom sobra-lhe a possibilidade de de sonhar, guiado pela chama de
uma vela, por uma palavra boa, por um olhar amoroso.
Em “Der neue Tag” (O novo dia), composto
de 6 quadras, o
eu-lírico volta-se para os inacreditáveis e inesperados movimentos da
natureza: como é possível ao calor abrasador e à tempestade, que
tudo parecem aniquilar, sobrevir um belo dia?
“Liebesgedichte” (Poemas de amor) apresenta-se num conjunto
de 7 partes, assinaladas por números romanos. A primeira parte é
composta por 4 estrofes bastante irregulares: 1 sexteto, 1 estrofe de
18 versos e 1 estrofe de 7 versos (uma septilha). Aqui o eu-lírico
interroga um tu fortemente desejado, um tu de mãos fortes e
delicadas
que,
porém,
nunca
o
tocaram;
um
tu
de
braços
aconchegantes que nunca o abraçaram; um tu, cujo primeiro olhar o
deixou rendido. Sobressai um eu-lírico atônito ante a falta de
comunicação entre um eu que deseja e um tu que ignora. A segunda
parte, composta de uma estrofe de 11 versos, seguida de outra de 8
(um octástico), ocupa-se com as emoções experimentadas ante a
visão desse tu. A terceira parte, constituída de um octástico e de uma
septilha, dá notícia da consciência que eu-lírico possui da idealização
feita desse tu. Na quarta parte, formada por uma única estrofe de 13
versos, o eu-lírico protege-se de sua (desvairada) paixão, mantendo
o tu à distância, a uma distância segura, em que possa, porém,
contemplá-lo.
Na quinta parte, também composta de uma única
estrofe de 10 versos (um decástico), tenta justificar e entender a
situação em que se encontra: impossibilidade, incapacidade de se
declarar a esse tu, por timidez, orgulho, medo de não ser
compreendido. Na sexta parte, formada de 1 quadra seguida de um
octástico, o eu-lírico admite que a visão do tu não passa de uma
ilusão e, na sétima e última parte, composta de apenas um decástico,
6
volta-se esse eu-lírico para a natureza, evoca a passagem da noite ao
dia e imagina-se na manhã que virá, envolto num banho de sol.
A
narrativa
Mein
Städtchen
erwacht
(Minha
cidadezinha
desperta) começa por estabelecer um contraste entre o ambiente
externo, noite funda, quieta e silenciosa, e o eu-narrador, que está
acordado, vígil, mas por um problema prosaico: uma dor de dentes.
Ainda assim, o eu-narrador consegue escutar as vozes da noite,
todos os rumores que se sobressaem: o ladrado dos cães, o farfalhar
das folhas, o estridular dos grilos,
o pio das corujas, o ranger do
madeirame, o liga-desliga da geladeira, as vozes dos noctívagos,
como o vigia noturno e seu apito estridente, e sente-se protegido
nesta cidadezinha. E, dentro desta emoção, assomam a imagem da
praça a marcar o ponto central, em redor do qual se agrupam as
casas por cima de três colinas e dois vales, a imagem das duas
igrejas
principais,
das
lojas
e
dos
bancos
em
momentânea
hibernação, das ruas adormecidas e do orvalho umedecendo jardins e
árvores. Bons vizinhos ladeiam a casinha modesta do eu-narrador. Ali
estão o seu quarto de dormir, sua cama, a coberta de penas, que o
faz sentir-se confortado e agradecido. Oberva a seu lado o sono
profundo e ritmado do filho mais novo, e reparando na sequência
anárquica dos próprios pensamentos, ouve a voz da primeira
professora, nos tempos em que era permitido desejar coisas e viver
em castelos encantados, a voz das colegas nos trajes de então.
Tempos bem diferentes dos de hoje, em que a lista dos deveres é
interminável
e
a
dos
desejos
minúscula.
Por
fim,
toma
um
comprimido e adormece nos braços da cidadezinha, fundada por
Augusto Pestana, como se fossem os de uma mãe.
Abendstimmung auf dem Kampe (Ao entardecer no pampa)
começa por anunciar uma viagem de moto, a dois, pelo campo
gaúcho ou pampa – estepes úmidas, regiões típicas do sul do Brasil,
verdadeiros tapetes verdes, forrados por leguminosas e gramíneas
nativas, que se estendem por mais de 200.000 km². O cair da noite
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faz-se anunciar pelo aumento da sombra dos viajantes projetada na
faixa vermelha da estrada de terra. As cores da paisagem são
variadas e ricas de nuances. O gado pastando forma pequenos pontos
e as colinas ao longe marcam a presença de pequenas florestas.
Fiapos
de
fumaça
assinalam
casebres.
De
repente,
tudo
se
transforma em cinza generalizado. E também a moto sofre uma
avaria, que é reparada à luz da lua. A paisagem se transforma e é
objeto de nova descrição.
Em Es reift (Cai geada), a narrativa, desenrolada no pretérito
imperfeito do indicativo, começa com um eu-narrador, acordando
atônito e perguntando-se, de dentro da personagem Elvira, por que
não o haviam despertado como de costume? Veste-se rapidamente,
dando nome aos tecidos e aos trajes a que deita mão (como que a
pontuar marcas de uma determinada época). A explicação vem da
avó, que alega, estar aquela manhã particularmente fria: lá fora uma
capa branca de geada cobre tudo e a água do balde está congelado à
superfície. Elvira toma o café da manhã, agarra a mochila e vai para
a escola, sem atender às recomendações da avó, que a quer
agasalhada e calçada. Descalça, a caminho da escola,
encontra
Irene, a filha do médico do lugar, que está com sapatos. Inicia-se,
então, um diálogo infantil entre “tira os sapatos”, “não, está frio”,
“não sabes o que é sentir a geada”, até que Irene, convencida,
também fica sem sapatos. As duas crianças encantam-se com a nova
experiência, a que outras vão aderindo. Na escola, que tem assoalho
de tábuas e uma espécie de lareira de ferro, mal sentem o frio. Nas
brasas, costumam assar “pinhões”, que passam de mão em mão,
para serem comidos e também para se aquecerem. Com este grupo
de crianças contrasta um recém-chegado, vindo da cidade grande,
chamado Günther. Ele calça sapatos e meias, veste muito bem e,
espantosamente, fala português com fluência! E, então, Elvira
confessa à amiga Irene sua atração por Günther, ao que esta replica,
não ser possível a um rapaz daquela estirpe estar interessado em
8
menina tão caipira. Este primeiro amor de Elvira derrete-se, então,
como a geada ao sol daquele dia.
O segundo capítulo do volume coligido por Hilda Siri, abarca
textos em torno do tema geral “Urwald” (floresta virgem). São eles:
os poemas “Den ersten Einwandern gewidmet” e “Im neuen Land”, e
as narrativas Erstes Weihnachtsfest in der neuen Kolonie, Geburt am
Rande des Urwalds, Die alte Truhe, Die Rache des Urwalds e Der Tod
der Onça.
O poema “Den ersten Einwandern gewidmet” (Dedicado aos
primeiros imigrantes) conheceu, pelo menos, sete republicações,
tanto em coletâneas, como em jornais (veja-se o capítulo “Dados
biobibliográficos” sobre a autora), o que atesta o seu enorme valor
dentro do grupo étnico de língua alemã no Brasil. Trata-se de uma
composição de 5 tercetos de rimas alternadas, um canto de gratidão
ao Brasil que acolheu todos os imigrantes antepassados e que lhes
deu a colheita que procuravam, apesar do trabalho duro da
sementeira.
“Im neuen Land” (Na nova terra) é uma composição que obteve
duas publicações: uma no jornal Serra-Post, em 24.07.1954, à
página p. 1, e outra na coletânea, que a própria autora coligiu. O
poema da coletânea apresenta 5 estrofes de 16, 8, 8, 8, 8 versos,
respectivamente. Embora assim esteja graficamente apresentado no
volume editado pela autora, não se pode deixar de perceber, que
talvez a primeira estrofe tenha inadvertidamente escapado sem
divisão e, em vez de 5 estrofes, sejam 6 de oito versos cada.
De fato, na publicação feita no jornal, a versão do poema é um
pouco diferente (e mais antiga), estando as pequenas diferenças
apontadas em azul na transcrição a seguir.
Im neuen Land
Auf kleiner Lichtung, mitten im Wald
9
sitzt eine Frau auf der Truhe.
Fernher ein Axtschlag herüberhallt
durch die mittägliche Ruhe.
Der Mann schlägt mühselig Pfahl um Pfahl
Zu Wänden und Dach einer Hütte.
Er baut sie am Bach im waldigen Tal
nach deutscher Einwanderer Sitte.
Die junge Frau erwartet den Mann
und hütet, die kostbare Habe.
Ihre Hände schützend umfassen kann
des Himmels gütige Gabe:
Das schlafende Kindlein im weichen Schoß,
den Knaben an ihrer Seite;
mit nackten Füßlein, die Ärmchen bloß
geht forschend sein Blick in die Weite.
Die Truhe birgt im eichenen Holz
Geschirr, Geräte und Linnen.
Der tüchtigen Hausfrau höchster Stolz,
auch Rocken und Rad zum Spinnen.
Auf allem, was sie ihr Eigen nennt,
ruht zärtlich die schwielige Hand.
Den einzigen Reichtum, den sie kennt,
bringt sie dem neuen Land.
Sie sitzt ganz stumm, ihr suchender Blick
stellt bangend die wehe Frage:
Das ist die Heimat, dies mein Geschick?
Kann ich das Los wohl ertragen,
In diesem wilden unheimlichen Wald
trotzend voll böser Gefahren,
ein Heim zu schaffen für jung und alt
in mühevollen Tagen und Jahren?
Mit Heimweh, das jetzt schon am Herzen nagt,
ausharren, schaffen und siegen?
Muss ich nicht schließlich verbraucht u. verzagt
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der furchtbaren Wildnis erliegen?
Der Hilfe fern gebären ein Kind
und wachen an Krankenlagern?
Um, wenn wir alt und müde dann sind
noch mit dem Schicksal zu hadern.
Die kräftige Frau mit dem stolzen Wuchs
wird nie im Kampfe erliegen!
Auf ihrem Antlitz steht der Entschluss
in zähem Fleiß zu siegen.
Der hoffende Glaube Gewissheit enthüllt,
ihr zagendes Herz belebt,
Dass künftig sich an den Kindern erfüllt,
was sie heute ersehnt und erstrebt.
Tanto uma versão, quanto outra, (as diferenças não afetam o
significado essencial do poema) conformam um hino de louvor à
mulher imigrante, que dá retaguarda ao marido que, num trabalho
pesado, abate árvores na floresta primeva, para construir o primeiro
casebre, que os há de acolher. É a mulher, que cuida deste homem,
que cuida das crianças já nascidas e das que virão, dos velhos e dos
doentes. É esta mulher, que tece roupas e faz todos os demais
serviços. É significativa a presença no poema do baú de madeira de
carvalho, trazido da pátria europeia com todos (poucos) haveres do
casal. Ele é a alegoria da velha pátria, que embora deixada para trás,
não deixa de se fazer presente, e constitui elemento de identidade.
Este baú aparecerá ainda em um conto da autora e como título da
coletânea. É, portanto, um motivo que carrega significado. Está, com
certeza, ligado ao baú real, hoje exposto no Museu de Ijuí, em que o
nome dos primeiros donos está gravado no interior da tampa.
Segundo informações colhidas no espólio da autora, trata-se de um
baú adquirido por um irmão de seu trisavô materno, que, por sua
11
vez, o presenteou ao irmão, C.F. Becker, quando este imigrou com
mulher e filho para o Brasil.
Foto do baú, que ainda hoje se encontra exposto no Museu de Ijuí.
Entre todos os poemas, gostaria de destacar um que tem o
título “Ein Tropfen Wasser”, com dois registros linguísticos diferentes.
Um poema construído sobre uma delicada metáfora, que enforma os
percalços da existência humana: a vida do ser humano em paralelo e
em entrecruzamento com a vida de uma gota de água.
A narrativa Erstes Weihnachtsfest in der neuen Kolonie
(Primeira festa de Natal na colônia) inicia-se com uma exclamação de
decepção! A mãe imigrante sente-se muito desconfortável, na
verdade sofre, durante as celebrações do Natal no novo país: “Isto
não é festa de Natal nenhuma!“3. As circunstâncias em que se
3
Trad. Maria António Hörster “Das ist doch kein Weihnachtsfest”. Siri, Hilda – Die alte Truhe. 2ª ed.
Campinas, 2000, p. 16.
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encontra são tão outras! Ocupada em confeitar as comidas natalinas
típicas, não dispõe dos ingredientes necessários: “Não há bolachinhas
com gengibre e canela, cravinho e noz-moscada, nem pão de mel
com especiarias, porque aqui faltam os ingredientes necessários. Só
há bolachinhas de farinha com cobertura de açúcar, do jeito que eles
aqui sempre fazem.”4 Também não há maçãs assadas. Também não
há neve, nem frio, nem um abeto para montar a árvore de Natal. Não
se ouve o repicar do sino, nem as canções de Natal! A colônia em que
vivem é uma ilha, cercada de floresta por todos os lados. Os vizinhos
mais próximos ficam a quilômetros de distância.
O marido retruca com uma visão da esperança no presente e no
futuro: eles têm terra própria, e colhem trigo e milho que lhes
assegura a comida diária. Há igualmente a possibilidade de assistirem
à missa do galo na igreja distante, embora não seja possível levar os
filhos, porque o caminho é longo.
Em casa, são as crianças que mais se mostram flexíveis,
adaptáveis, abertas ao novo: é delas a ideia de substituírem o abeto
por um pinheiro que vão cortar na floresta. São elas que o decoram
com as bolas coloridas, as pinhas prateadas, as nozes douradas e
outros enfeites natalinos que trouxeram da velha Alemanha. Um
vizinho ajuda a aclimatar o novo Natal, batendo-lhes à porta,
fantasiado
de
“Papai Noel”
(“Weihnachtsmann”
ou Papai Noel
/“Pelznickel” ou “Nickel das Peles”/“Nikolaus” ou “São Nicolau),
nomes que se sobrepõem na narrativa, e, ao visitar as crianças,
ajuda a construir as pontes entre a Europa e a América. Este mesmo
tema natalino obtém da autora uma versão para teatro, intitulada
Das Christbäumchen, cuja tradução já se encontra on line como A
arvorezinha de Natal.
Em Geburt am Rande des Urwalds (Nascimento na orla da
floresta), a narrativa começa pela descrição do espaço: um sol da
4
Trad. Maria António Hörster. “Es gibt keine Pfeffernüsse und keine Lebkuchen, denn dazu fehlen hier
die Zutaten. Es ist das Mehlgebäck mit Zuckerguß, wie sie es alle hier backen”. Siri, Hilda – Die alte
Truhe. 2ª ed. Campinas, 2000, p. 16.
13
tarde
abrasador,
apressando
o
amarelecimento
das
folhas
da
plantação de tabaco, colhidas por uma mulher, a sra. Korten,
protegida por calças masculinas sob o vestido e, na cabeça, por um
lenço e por um chapéu. Mesmo assim, o clima tem-lhe sido
implacável com a pele, deixando-a como couro. Chamada com
insistência e aflição por um cavaleiro que se aproxima, revela-se
também a parteira da vasta região: seu falecido marido havia sido
médico. Afinal, o cavaleiro saíra de casa há três quartos de hora.
Enquanto o homem é aconselhado a voltar para casa e a ferver água,
Frau Korten abandona a plantação, limpa o suor do rosto, tira o
chapéu e o lenço da cabeça, dirige-se ao seu cavalo, coloca-lhe os
arreios, vai a casa, toma banho, troca as roupas e pega a sacola com
os utensílios para o parto. A parturiente encontra-se no meio das
dores, mordendo os lábios, numa casinha coberta de folhas de zinco
– um verdadeiro forno. Frau Korten tudo observa e escuta. A floresta
virgem ali pertinho do quintal da casa, está tranquila. A atmosfera de
aflição é criada pelo estabelecimento de dúvidas da jovem mãe que,
ora acredita que o parto correrá bem como todos os outros partos
ocorridos na colônia, ora pensa que, se tiver dificuldades, o hospital
ou médico mais próximos estarão a quilômetros de distância. As
frases são construídas de tal forma que uma ansiedade crescente vai
sendo elaborada, até que uma menina vem à luz, para decepção da
mãe, que queria um menino. Depois de deixar pais e filha tranquilos,
pega o cavalo de volta para casa, passa por uma vizinha, dá a boa
nova e pede um caldinho de galinha para a jovem mãe.
Em Der Tod der Onça (A morte da onça), a narrativa começa
com uma oposição entre o espaço doméstico e o espaço exterior: lá
fora está frio e venta, dentro o calor do forno e do vinho tornam a
vida agradável. À mesa há um “nós”, formado pelo tio Reinhold,
irmão da mãe do eu-narrador, e o próprio eu-narrador, o qual relata
ter-se tornado ultimamente costume trocar opiniões sobre coisas
ocultas e místicas, que desde sempre têm ocupado as fantasias
14
humanas. Naturalmente, as opiniões divergem, indo da crença nas
realidades accessíveis pelos cinco sentidos, da explicação de tudo
pelas leis da física e pelo intelecto, até a aceitação da reencarnação e
do contato com os mortos. Nenhum dos interlocutores, porém, tem
qualquer experiência mística ou afim. O tio Reinhold acabara de vir
das Missões, mais precisamente de uma colônia chamada Monte
Carlo às margens do Rio Paraná, na Argentina, para visitar a família
que deixara na “Serra” brasileira. Havia-se mudado com mulher e
filhos, junto com outros teuto-brasileiros (Deutschbrasilianer) e
mesmo alemães (Reichsdeutsche), para o país vizinho, quando o
diretor
de
colônias,
Culmeier,
traçou
os
limites
do
novo
assentamento. É ele quem inicia a narrativa (encaixada), que vai
desenrolar-se dentro de uma primeira (encaixante), que acabamos de
expor, uma estratégia literária típica do Realismo alemão do século
XIX. A “narrativa encaixada”, que se segue no diálogo das duas
personagens, passa-se no tempo da colheita de laranjas, ou seja, no
fim da primavera e começo do verão, num tempo impossível de
precisar, embora o segundo eu-narrador, o tio, garanta conservar a
lembrança fresca na memória. Sua casa pequena erguia-se bem no
meio do pomar. Os ajudantes estranhos à comunidade, contratados
para ajudar na colheita eram albergados em barracão, fora da casa.
Estava uma noite clara e estrelada, de sábado para domingo, os
ajudantes estavam de folga, mas dois deles haviam detectado
pegadas de uma onça por perto e, por isso, puseram-se à caça do
bicho antes do cair da noite, dirigindo-se à floresta que ficava a umas
boas três horas de distância. E, então,
[...] A folhagem lisa das laranjeiras brilhava, prateada, à luz
do luar. Eu saboreava o cair da tarde na varanda até que a
neblina começou a se formar no rio. Então, fui sentar-me ao
lado do rádio, sintonizei boa música de Buenos Aires e peguei
um livro para ler. Quando as pálpebras foram ficando
pesadas fui para a cama e logo cai em sono profundo, pois
havia tido um dia estafante.
15
E, então, tive um sonho singular [...].5
Aqui começa uma terceira narrativa, a do sonho, (encaixada na
encaixada) e esta estratégia poética vai adquirindo uma certa
complexidade formal e de conteúdo, a entrecruzar diferentes planos
de consciência e de subconsciência – os da memória e os do sonho.
No sonho, o tio Reinhold acordara e, no escuro, pareceu-lhe ouvir
passos furtivos. Soergueu-se à escuta. Os passos pareciam vir de seu
próprio quarto, no que ele distinguia a presença de duas pessoas ali
perto dele. Ouvia-as até respirar, mas não conseguia vê-las. Foi,
então, acometido por um medo animal, que o congelou. A morte
parecia-lhe iminente. Reagiu, disposto a se atracar com os invasores.
Então, a luz de uma lanterna se acendeu e ofuscou-lhe os olhos. Em
seguida, um raio relampejou e um estalido arrepiante cortou o ar,
atingindo-lhe o estômago e provocando uma dor lancinante. Sentiu o
sangue quente jorrar da ferida, e, enquanto desfalecia, reconheceu o
ajudante João, que ainda empunhava a arma fumegante. Acordou
banhado em suor. Nada no quarto se alterara. Volta-se, com isto, à
narrativa anterior – a do estado de vigília, enformado pela memória.
A personagem levanta-se, veste o poncho, pega o revólver e a
lanterna. Na cozinha, o relógio marca quatro horas e cinco minutos.
Revira a casa e o entorno: não encontra ninguém. Silêncio absoluto.
Volta à cama, mas não consegue voltar a adormecer. O curioso é
que, realmente, sente uma dorzinha na boca do estômago. Por fim,
acabe por adormecer e ao acordar já pensa no trabalho que tem pela
frente, apesar de ser domingo. Às nove horas chegam João e Luiz
com uma onça morta. Uma quarta narrativa se instala, agora, dentro
do primeiro diálogo encaixante, aquele que ocorre à mesa entre o tio
Reinhold e o sobrinho: Luiz, na selva úmida e fria, com o apoio da
5
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. “[...]Die glatten Blätter der Orangenbäume glitzerten silbern im
Mondlicht. Ich genoss den Abend auf der Veranda bis vom Fluss die Nebel aufzusteigen begannen. Dann
setzte ich mich ans Radio und stellte gute Musik aus Buenos Aires ein und las ein Buch. Als mir die
Augenlieder schwer wurden, ging ich zu Bett und lag bald im tiefen Schlummer, den ich hatte einen
anstrengenden Tag hinter mir.” Siri, Hilda – Der Tod der onça. In: Siri, Hilda – Die alte Truhe.
Campinas, edição particular, 2000, p. 35.
16
cachaça ingerida, numa situação descrita em minúcia, havia abatido
uma onça. Olhando para relógio, viu que havia atirado precisamente
às quatro e cinco! Havia acertado o seu relógio pelo da cozinha do tio
Reinhold. A bala atingira o estômago da fera! Como explicar as
coincidências? A pergunta foi deixada à mesa e aos interlocutores
da(s) narrativa(s) e aos leitores.
De todas as narrativas, destaco Die Rache des Urwalds e Die
alte Truhe.
Die Rache des Urwalds (A vingança da floresta virgem) é um
pequeno conto, em que o dia-a-dia de uma família imigrante é
configurado a partir da perspectiva íntima da mulher, de modo
econômico, concentrado, intenso e trágico. No meio de um dia de
labuta contra a floresta, na conquista do seu solo fértil, uma das
árvores, personificada, ao ser abatida, cai sobre a mãe, diante dos
olhos absolutamente espantados e impotentes do marido e de todos
os filhos, enquanto a narradora descreve a sua relação com a selva e
o processo de sua morte.
A narrativa Die alte Truhe (O velho baú) é de cunho
autobiográfico, mais elaborada do ponto de vista formal, uma das
melhores da autora. Trata-se de um texto, originalmente assinado
com o pseudônimo Valdívia, distinguido com o segundo prêmio no
âmbito de um certame instituído pela Editora Ulrich Löw.
17
Hilda Siri com 28 anos
O baú funciona como mola propulsora do desenvolvimento da
ação. Trata-se de uma narrativa que, através de um flash back,
projeta
no presente o tempo passado, na tentativa de oferecer
informações
sobre
a
vida
heróica
de
quatro
gerações
de
antepassados. É uma narrativa contada em primeira pessoa. Tem
início no momento em que a personagem principal, o eu-narrador, se
dirige ao baú antigo
[aquele ainda existente e em exposição no
Museu de Ijuí,] para procurar algumas roupas já usadas, destinadas
aos pobres. Ao pôr os olhos no baú, o eu-narrador esquece-se
momentaneamente de seu intento, interroga o baú, constrói-lhe as
respostas em presopopéia, e dá asas à imaginação, que, alimentada
18
pela memória, tece uma série de associações e preenche o tecido da
narrativa. A narrativa começa assim em 1677, quando o baú foi
talhado para seus primeiros donos. O eu-narrador “conversa” com o
baú, interrogando-o acerca da época de sua construção, dos
costumes de outrora, situando, deste modo,o trecho no século
dezessete. 1677 é a data gravada na tampa do baú.
Gravação no interior da tampa do baú
Assim, prosseguindo na criação do tempo narrativo, recorda o
protagonista-narrador a geração dos antepassados que adquiriram o
baú, narrando em seguida todo o percurso da relíquia no tempo e no
espaço até chegar ao Brasil, e, mais precisamente até sua casa.
O baú remanesce como testemunha viva de tudo o que o
protagonista-narrador imagina e recorda.
A narrativa desenvolve-se através de dois tipos de ação:uma
exterior que mal se esboça, e outra interior, bastante desenvolvida.
19
Ao momento do encontro entre o eu-narrador e o baú, seguem-se
instantesde recordações relativas à infância, e só em seguida se
delineam os contornos da narrativa propriamente dita, cujo começo
se
situano
passadoremoto.
A
partir
daqui,
a
ação
evolui
cronologicamente até o estabelecimento dos imigrantes em terras
brasileiras, suas realizações na nova pátria e, portanto, chega à
infância e à idade atual do eu-narrador [...].
Aproximando-se do baú, recorda-se o eu-narrador do medo que
a sua tampa lhe inspirara quando criança. Temia que aquela tampa
tão pesada lhe caísse na cabeça. Observa e descreve o baú e, logo
em seguida, lembra-se das histórias que a bisavó [Susanne –
elemento autobiográfico] lhe contava à noite, estando ele [ela-Iris
Zwanziger – elemento autobiográfico], criança ainda, sentado em
cima do baú. Vêm-lhe
ainda à mente o ordenhar das vacas e sua
alimentação, coisas que a bisavó fazia antes do jantar e antes de lhe
contar as histórias numa sala ao cair da noite. A ação externa dá
início aos acontecimentos, quando o eu-narrador se dirige ao velho
baú para retirar algumas roupas usadas, mas não se desenvolve.
Compreende apenas o movimento da personagem em direção à arca.
Ao observar o baú, vêm à lembrança do protagonista-narrador
reminiscências de sua infância associadas a esta velha peça do
mobiliário, reminiscências essas que dão início à ação interior,
passada ao nível da consciência – uma ação linear, mostrando todo o
itinerário do baú, desde o carvalho que forneceu a madeira para a
sua confecção e o bosque onde se encontrava, até a casa do eunarrador, evocando nesse percurso um imaginário castelo medieval,
fabulosas perucas e pós-de-arroz associados à „época romântica“, o
país do trisavô do eu-narrador na Europa, a viagem até o Brasil, os
trisavós no Brasil, a bisavó e a mãe do eu-narrador.
Com uma pergunta dirigida ao baú: “De onde vieste, velho
baú?”, o protagonista-narrador dá um salto gigantesco até épocas
remotas. Refere-se à árvore que viria a dar origem à arca. O
20
proprietário do bosque teria um dia ordenado a derrubada de
algumas árvores, e da madeira de um carvalho teria mandado
confeccionar um baú que iria abrigar o enxoval de sua filha.
Através de uma segunda pergunta dirigida ao baú: “Onde terás
estado, quando eras ainda completamente novo?”, o eu-narrador dá
mais um impulso ao desenvolvimento da ação interna. Desta forma, o
leitor é levado a imaginar um castelo onde vivia a jovem esposa do
senhor do castelo, usando saias longas, corpete justo e mangas
rocadas, que guardava no baú os preciosos linhos brancos, por ela
mesma tecidos e, bem lá no fundo, escondia alguma jóia.
A
seguir,
comentário:
não
“Quanta
mais
com
alegria,
uma
quanto
pergunta,
sofrimento
mas
com
deves
ter
um
já
presenciado em tua juventude!” , dá novo estímulo ao desenrolar da
ação. São recordados tempos de guerra entre castelos senhoriais.
Com outro comentário semelhante, o eu-narrador transporta-nos à
época em que o baú abrigava crinolinas e o pó de arroz de perucas
teria caído em sua tampa, isto é, ao tempo em que a família
possuidora da arca empobrece e a leva a leilão. A partir deste
momento, ocorre uma mudança na história da mesma. Depois de
pertencer a gente nobre e rica, passa a ser propriedade do tio do
bisavô do narrador, um camponês rude. É colocada entre móveis
toscos e guarda, agora, linhos grosseiros. Mais tarde, o novo dono
oferece-a a um irmão como presente a ser levado para o Brasil.
Atravessa o Atlântico e, nesta viagem, August, o filho do trisavô do
narrador
conhece
uma
moça
chamada
Suzana.
[Trata-se
de
elementos autobiográficos presentes da narrativa: C.F. Becker, o
terceiro dono do baú, emigrou com mulher e filho. Este filho seria o
futuro bisavô da autora. Susanne viajava no mesmo navio. Chegaram
todos ao Brasil – a Santa Cruz do Sul - em 1854. August Becker e
Susanne Gessinger casaram-se posteriormente.]
Logo depois é narrado o desenrolar da vida, das dificuldades e
do trabalho desses imigrantes no novo país que os acolhe. Precisam
21
desbravar a selva, a fim de poderem construir uma cabana e, para
tornarem o solo arável através de queimadas, têm de lutar contra as
cobras e outros animais selvagens. Logo no primeiro ano vem a
primeira colheita. Porém, nem todas as colheitas crescem sem
perigos. Muitas vezes são devastadas pelos macacos ou pelas
enchentes do rio Pardinho. Por causa deste trabalho árduo, muitas
lágrimas são derramadas. No entanto, a vida continua. August
desposa Suzana, a moça do navio. Trabalham muito. Suzana sentese dividida entre o Brasil e a Alemanha. O Brasil é sua segunda
pátria, aqui trabalha, é aqui que tem uma propriedade. A Alemanha,
por outro lado, faz-se sentir no seu modo de pensar, na língua que
fala, nos costumes.
Os trisavós [C.F.Becker e esposa] morrem e são sepultados no
jardim atrás da casa. Lágrimas e luto são as derradeiras homenagens
a essas pessoas exemplares que tanto fizeram pela nova pátria. O
bisavô do protagonista-narrador e Suzana têm dois filhos. A mulher
do segundo filho morre ao dar à luz uma menina. Esta menina, que
virá a se a mãe do eu-narrador, cresce e casa-se, indo morar na
Serra, ondeestabelece um pequeno negócio que prospera à custa de
muito trabalho e esforço. O eu-narrador é a terceira criança do casal.
Certo dia, a bisavó resolve morar com eles e leva o velho baú. É
assim
que,
aos
quatro
anos
de
idade,
o
eu-narrador
trava
conhecimento com ele, um baú misterioso, no qual imagina haver
algo muito antigo. [Trata-se aqui de mais elementos autobiográficos:
August Becker e Susanne (Gessinger) Becker têm dois filhos. Um
deles chama-se Rudolf. Rudolf Becker casa com Paulina Emmel.
Paulina, morre ao dar à luz uma menina, também chamada Paulina,
como a mãe. Ao ficar viúvo, casa uma segunda vez e imigra para a
Argentina, estabelecendo-se em Missiones. Quando Susanne enviúva,
de fato, muda-se para a casa da neta – a mãe de Hilda Siri. Consta
dos dados autobiográficos do espólio, que o afeto entre Susanne e
Hilda sempre foi muito intenso.]
22
A ação interna retorna ao ponto de partida. O protagonistanarrador volta a falar dos afazeres da bisavó em casa: cuida das
vacas, planta as flores e os legumes. Nos dias de chuva remenda
roupas ou faz toalhas dos sacos de farinha ou de açúcar. Apesar de
trabalhar bastante, consegue ainda dedicar alguns momentos ao
entretenimento dos bisnetos [Henrique, Ilse, Iris e Hildegard],
fazendo ela própria poesias, ou recitando de cor as baladas de
Schiller, que conhecia, para que eles a imitem, e transmitindo-lhes
textos dramáticos do mesmo autor, que eles dramatizam. Este
detalhe curioso que o eu-narrador inclui na inumeração dos afazeres
da bisavó não é comentado na narrativa, ficando o leitor sem
compreender de que forma a bisavó – que aprendeu a escrever só
aos setenta anos, conforme o texto, – teria tido acesso à obra de
Schiller. [Ao que parece, a bisavó sabia ler, mas não escrever]. [...]
[De qualquer forma, o eu-narrador alude à cultura da pátria alemã,
da qual até mesmo pessoas rudes partilham].
Ao morrer, a bisavó deixa ao protagonista-narrador o baú como
herança. Termina aqui o flash-back. O propósito do eu-narrador
consiste em oferecer uma visão épica de seus antepassados, exaltarlhes as virtudes, como podemos constatar pelo desenrolar dos
acontecimentos:
Que força de touro devem ter tido meus antepassados, para
te poderem transportar, velho e pesado baú, carregado de
trastes de uma época difícil, através das picadas quase
intransitáveis. E tudo tinha de ser carregado, as trouxas, as
crianças pequenas; não havia nenhum animal de carga à
disposição. E, então, lá estavas tu, velho baú, junto com teus
senhores, no meio da floresta virgem, sem um abrigo sobre a
cabeça, sem um fogão, frente a uma natureza inimiga.
Apenas machados, facas, foices e ancinhos estavam à
disposição e braços fortes, e o fogo. O fogo era o único aliado
na luta contra o ambiente selvagem, contra os horrores e os
animais selvagens. Tudo parecia desesperador, opressivo,
imponente, e, apesar disso, em muito pouco tempo vocês
tinham um telhado sobre a cabeça, embora fosse apenas o
de uma cabana. E, já depois de um ano, podiam teus
senhores alimentar-se com o produto da primeira colheita.
Da luta dos homens lá fora na selva não podes contar nada,
pois não os viste. Não viste as pessoas serem feridas ou
23
atingidas por árvores que caíam; não viste como os macacos
se precipitavam sobre a plantação nova e a arrasavam; - não
viste a inundação do rio Pardinho, normalmente tão
pequeno, que arrastou os poucos haveres de alguns colonos
nas suas [...] Tu viste só as lágrimas de saudade da pátria,
derramadas por minha bisavó, que acariciava com mãos
gastas pelo trabalho os preciosos bens da pátria que tu
abrigavas [...] Tu só viste como os homens à noite voltavam
para casa, sofridos e cansados, e tiravam do corpo a roupa
encharcada de suor. [...] Tudo era feito em casa: fiava-se,
tecia-se, tricotava-se, cozia-se pão, depenavam-se patos e
gansos, cujas penas enchiam os espessos acolchoados e as
cobertas [...] A mulher precisava ir à roça para plantar e
semear. Ela educava as crianças e de passagem executava
todos os trabalhos da casa, da fazenda e do jardim. Ela
alimentava as vacas e as ordenhava; ela ajudava a debulhar
os cereais e a descamisar o milho; o mel tinha de ser
extraído dos favos e os xaropes e as geléias tinham de ser
fervidos.6
É evidente a exaltação dos antepassados pelo trabalho e
sacrifícios que fizeram em prol de seus descendentes, e também em
favor da nova pátria onde se fixaram e viveram. O enaltecimento da
colonização alemã no Brasil é realçado pelo ritmo peculiar ao texto
citado, baseado no emprego do paralelismo estilístico. O eu-narrador
acumula as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes, procedendo ao
encadeamento de valores sintáticos idênticos. O efeito retórico, assim
6
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. “Was müssen meine Vorfahren für Barenkräfte besessen haben, dass
sie dich, alte schwere Truhe, angefüllt mit dem schweren Krempel einer schwerlebigen Zeit, durch die
fast weglosen Pikaden schleppen konnten. Und alles musste geschleppt werden, die Bündel, die kleinen
Kinder; kein Maultier stand zur Verfügung. Und dann standest du, alte Truhe, zusammen mit deinen
Herren, mitten im Urwald, ohne Dach über dem Kopf, ohne Feuerstatt, einer feindlichen Natur
gegenüber. Nur Äxte, Messer, Sicheln und Hacken standen zur Verfügung und starke Arme und – das
Feuer. Das Feuer war der einzige Verbündete im Kampf gegen die Wildnis, gegen die Schrecken und die
wilden Tiere. Alles schien hoffnungslos niederdrückend, überwältigend, und trotzdem hattet ihr nach
ganz kurzer Zeit ein Dach über dem Kopf, wenn auch nur das Dach einer Hütte. Und schon nach einem
Jahr konnten sich deine Herren vom Ertrag der ersten Ernte ernähren. Von dem Kampf der Männer
draussen in der Wildnis kannst du nichts erzählen, denn du hast ihn nicht gesehen. Du sahst nicht, wie die
Menschen von niederstürzenden Bäumen verletzt oder erschlagen wurden, du sahst nicht, wie die
Brüllaffen sich über die junge Pflanzung stürzten und sie verheerten. Du sahst nicht die
Überschwemmungen des sonst kleinen Flüsschens Rio Pardinho, das die wenige Habe einiger Siedler in
seinen Fluten fortriß, /…/ Du sahst nur die Tränen des Heimwehs meiner Urahne, welche die kostbaren
Güter der Heimat, die du bargst, mit den verarbeiteten Händen streichelte, /…/ Du sahst nur, wie die
Männer abends abgehärmt und müde nach Hause kamen und die schweißtriefende Kleidung vom Körper
streiften. /…/ Alles wurde im Hause gemacht, gesponnen, gewebt, gestrickt, Brot gebacken, Enten und
Gänse gerupft, deren Federn die dicken Unter- und Überbetten ausfüllten/…/. Die Frau musste in die
Roça zum Pflanzen und Säen. Sie zog die Kinder auf und verrichtete so nebenbei alle Arbeiten im Hause,
auf dem Hof und im Garten. Sie fütterte die Kühe und melkte sie; sie half das Korn dreschen und den
Mais abribbeln; der Honig musste geschleudert und Syrup und Marmeladen eingekocht werden”. Siri,
Hilda. Die Alte Truhe. In: Serra-Post-Kalender. Ijuí, Ulrich Löw, 1952, p. 84-88.
24
obtido, descamba para o melodramático, principalmente, quanto à
tripla repetição do sintagma negativo “tu não viste”, se contrapõe a
dupla repetição do sintagma, agora afirmativo, “tu viste só”, “tu viste
só”, porém de valor semântico negativo, que visa a enfatizar a
enumeração das desgraças.
A veneração do eu-narrador chega ao
auge no final da narrativa, que se concentra novamente no baú:
Agora serves à descendente de uma raça forte e
trabalhadora, cuja alegria e cujo sofrimento partilhaste
durante um século. Testemunhaste a ascenção de uma
família durante cinco gerações, que através de esforço
próprio conseguiu sair da pobreza e da carência e alcançar
prestígio e bem-estar. És para mim uma exortação e me
impões o dever de imitar o exemplo de meus avós.7
A recordação dos imigrantes alemães alcança, nesta narrativa,
foros de enaltecimento. As personagens da composição literária
estudada são vistas só pelo lado dignificante e, por conseguinte, são
idealizadas.8
O baú funciona como um verdadeiro totem da família.
ANEXO:
Exemplo de poema de Susanna Becker9, bisavó de Hilda Siri
Zur Einweihung des Friedhofes von Dona Josefa (1ª versão)
Friedlich, stille , festumschlossen
Schon der Friedhof fertig war.
Nur ihm fehlte noch das eine,
Der festlich, feierliche Tag.
7
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. “Du dienst jetzt der Nachfahrin eines starken, arbeitsamen
Geschlechtes, dessen Freude und Leid du ein Jahrhundert lang geteilt hast. Du hast den Aufstieg einer
Familie durch fünf Generationen hindurch erlebt, die durch eigenen Fleiss aus Armut und Besitzlosigkeit
zu Ansehen und Wohlstand gelangte. Du bist mir eine Mahnung und Verpflichtung, dem Beispiel meiner
Ahnen zu nachzueifern”. Siri, Hilda. Die Alte Truhe. In: Serra-Post-Kalender. Ijuí, Ulrich Löw, 1952, p.
92. Trad. da autora.
8
Estes comentários foram extraídos de: Sousa, Celeste H. M. Ribeiro de – A narrativa literária no
Anuário do Correio Serrano após 1948: temas. Boletim nº 28 (nova série). São Paulo, FFLCH da USP,
1980, p.49-54. (Esgotado).
9
Do espólio da autora, gentilmente franqueado por seu filho Marcus Zwanziger.
25
Kommet alle hier zusammen!
Jeder zeige sich als Mann!
Ein jeder ohne Unterschieddes Glaubens
Schliess sich heut der Feier an.
Ist es auch kein Ort der Freude.
Ein Ort der Fröhlichkeit und Lust.
Ein Ort ist´s, wo noch viel geweinet;
Wo mancher Seufzer entringt der Brust.
Ein Ort ist´s wo noch Tränen fliessen,
Wo mancher ruft ein Ach und Weh,
Wenn sich das Grab über seinem Liebsten schliesst,
Verzweifelt er daneben steht.
Doch davor scheuet keiner sich.
Den Weg muss ja ein jeder nehmen,
Da gibt´s kein Stillstand, kein Zurück.
Da gibt´s kein Stillstand. kein zurück.
Auch den eisenfesten Mann.
Ein Ort ist´s , wo noch beten lernet
Der auch nicht mehr beten kann.
Und doch ist es ein Ort des Friedens;
Und der sahren Einigkeit.
Denn friedlich ruht hier einst beisammen.
Was sich im Leben angefeindet.
Hier werden nebeneinander gebettet,
Was sich im Leben ferne stend,
Ohne Unterschied des Alters,
Ohne Unterschied des Stands.
Hier ruht einst Jugend neben Greisen.
Hier scheidet weder Schönheit, Gut noch Geld;
Wenn der Tot der Unerbitterliche
Grausam seine Ernte halt.
Auch der Fremdling, der Heimatlose
Der kommt auch an diesen Ort,
Wenn ihn Gott in unserer Gemeinde
Ruft von dieser Erde fort.
Hier wird ihm sein Grab gegraben,
Wenn ihn gleich auch niemand kennt.
Hier soll er sein Plätzchen haben,
Das er ganz sein Eigen nennt.
26
Als der Friedhofbau ward vorgeschlagen
Und keener da war, der sagt ¨Nein¨.
Doch ein mancher möchte fragen:
Wer wird wohl der erste sein?
Ein Kindlein war´s, das den Anfang machte.
Ist schon bestattet an diesem Ort.
¨Lasset die Kindlein zu mir kommen!¨
War ja stets des Herren Wort.
Nun gebt dem Werke seine Weihe!
Was die schwache Kraft vollbracht.
Die Stätte, die uns all vereinet,
Wenn uns umfängt die Tpdesnacht.
Susanna Becker, gedichtet 1855
Zur Einweihung des Friedhofs von Dona Josepha (2ª versão)
Friedlich, stille, fest umschlossen
Schon der Friedhof fertig war.
Nur ihm fehlte nur das eine:
Der festlich, feierliche Tag
Kommet alle hier zusammen!
Jeder zeiget sich als Mann!
Ein jeder, ohne Unterschied des Glaubens
Schließ sich heut der Feier an!
Ist es auch kein Ort der Freude,
Kein Ort der Festlichkeit und Lust.
Ein Ort ist’s, wo noch viel geweinet
Und mancher Seufzer entrinnt der Brust.
Ein Ort ist’s wo noch Tränen fließen,
Wo mancher ruft ein Ach und Weh..
Wenn sich das Grab über seinem Lieben schließt,
Verzweifelt er daneben seht.
Ja, es ist ein Ort der Tränen;
Doch davor schrecket keiner nicht!
Den Weg muss ja ein jeder nehmen,
Da gibt’s kein Widerstand und kein zurück.
Ein Ort ist’s, wo das Herz erweichet
Auch dem eisenfesten Mann.
Die Ein Ort ist’s, wo noch beten lernet,
Der schon nicht mehr beten kann.
Und doch ist es ein Ort des Friedens
Und der wahren Einigkeit,
Denn friedlich ruht hier einst besammen,
27
Was sich im Leben angefeind’t.
Hier werden nebeneinander gebettet,
Was sich im Leben ferne stand;
Ohne Unterschied des Alters,
Ohne Unterschied des Stands.
Hier ruht einst Jugend neben Greisen.
Hier scheidet weder Schönheit, Gut noch Geld.
Wenn der Tod, der unerbittliche,
Grausam seine Ernte hält.
Auch der Fremdling, der Heimatlose,
Der kommt auch an diesen Ort,
Wenn ihn Gott in unserer Gemeinde
Ruft von dieser Erde fort.
Hier wird ihm sein Grab gegraben
Ob ihn gleich auch niemand kennt.
Hier soll er sein Plätzchen haben,
Das er ganz sein Eigen nennt.
Als der Friedhofsbau ward vorgeschlagen
Und keiner da war, der sagt „Nein“,
Mochte wohl ein mancher fragen:
Wer wird wohl der erste sein?
Ein Kindlein war’s, das den Anfang machte.
Ist schon bestattet na diesem Ort.
„Lasset die Kindlein zur mir kommen!“
War ja stets des Herrn Wort.
Nun gebt dem Werke seine Weihe!
Was die schwache Kraft vollbracht:
Die Stätte, die uns all’ vereinet,
Wenn und umfängt die Todesnacht.
Gedichtet 1864 von Susanna Becker geb. Gessinger im Alter von 20
Jahren,
(Ihrer Urenkelin Iris Gressler diktiert, 1929.)
A temática explorada por Hilda Siri incide quase sempre sobre a
vida nas colônias, raramente transcende esses limites. Em Die Rache
des Urwalds e em Die alte Truhe talvez se pudesse vislumbrar um
modelo exemplar da existência imigrante de língua alemã no Brasil.
Outros exemplos de textos memorialistas são: Roman
Riesch, Die grosse Tour (A grande viagem).
28
Roman Riesch é o nome de um ator alemão, dono e diretor da
companhia de teatro (Heimattheater)10 que leva o seu nome, e de
cujo elenco Marquard Siegfried Zwanziger, futuro marido de Hilda
Siri, fazia parte. Roman Riesch tinha também uma segunda profissão:
pintar igrejas, ofício aprendido com o pai em Oberammergau, cidade
alemã, famosa pela encenação, de dez em dez anos, dos últimos
cinco dias da paixão de Jesus. Consta que a companhia de teatro
Riesch já tinha percorrido a América do Sul entre os anos de 1926 a
1936. No entanto, sua chegada ao Brasil, especificamente à cidade de
Ijuí, deu-se em 1935, no ano em que a Segunda Grande Guerra
rebentou. Era, então, uma Companhia em fuga da Alemanha. Mas, ao
contrário do esperado, a narrativa não cita nenhuma peça de teatro
levada à cena no Brasil, mas ilumina duas outras coisas: uma obra de
pintura e um gesto teatral. Trata-se do trabalho de pintura existente
atrás do altar da Catedral de Santa Cruz do Sul, posteriormente
Catedral de São João Batista (o maior templo católico em estilo neogótico da América Latina), conhecido como “Grupo da Cruz”,
terminado em 1936, o qual tem sua primeira execução pelos pincéis
de Arno Seer.
Cabe, porém, a Roman Riesch dar-lhe acabamento
com o processo de douramento. E, com esta lembrança, engata-se na
narrativa a criação da atmosfera triste da perseguição aos alemães,
que fica toda subentendida e densa no gesto de Roman Riesch. Na
cidadezinha de Ijuí, a sala da delegacia está apinhada de alemães, de
seus descendentes e de judeus. Para ali, também é levado Roman
Riesch, que já estivera no front durante a Primeira Guerra, pelo que
havia ganho a Cruz de Ferro. Riesch atravessa a sala da delegacia,
olha em volta, cumprimenta conhecidos, acha um degrau, sobe nele,
levanta as mãos e pede silêncio. Quando todos lhe prestam atenção,
exclama teatralmente: “Honrado público! A apresentação está com
10
Por “Heimattheater” entenda-se um teatro amador ou não, cujo repertório assenta em peças populares
de ambientação local.
29
uma boa assistência, mas o espaço, infelizmente, não se adequa a
espetáculos”. Os aplausos explodem.
Abre-se com este texto o campo para uma futura pesquisa,
uma investigação do repertório desta companhia de teatro, dos
lugares visitados, bem como da presença de outras companhias
alemãs de teatro e de seus repertórios, a alimentarem culturalmente
as colônias, dando sustenção ao seu sentimento de pertença étnica.
O segundo texto é mais longo (41 páginas), intitulado Die große
Tour. Trata-se de uma narrativa de viagem, mas de uma viagem não
experimentada pela autora, mas sim ouvida ao companheiro Willi
Fick, ele sim um dos viajantes, uma narrativa que mostra a marcante
presença alemã na região brasileira. Willi (Guilherme Hugo) Fick era
um dos dirigentes do Grupo Escoteiro de Porto Alegre, fundado em
1912 por Georg Black, professor de ginástica (e hoje ainda existente
e conhecido por Grupo Escoteiro Georg Black o mais antigo do Brasil),
e a viagem empreendida pelo Grupo começa em 27 de dezembro de
1914, em Porto Alegre, e termina em Blumenau um mês depois,
tendo se desdobrado em dezesseis etapas e tendo sido organizada
por Black, de Porto Alegre, por Köpke, de Florianópolis, e por Köhler,
de Blumenau. Cada etapa empresta título aos capítulos: “Der Tag
zuvor” (O dia anterior), “Von Porto Alegre nach Taquara” (De Porto
Alegre a Taquara), “Von São Francisco de Paula nach Salto Grande”
(De São Francisco de Paula a Salto),
“Von Tainhas nach Azulegas”
(De Tainhas a Azulegas), “Von Azulegas nach Taimbezinho” (De
Azulegas a Itaimbezinho), “Vom Taimbezinho nach Praia Grande” (De
Taimbezinho a Praia Grande), “Von Praia Grande nach Torres” (De
Praia Grande a Torres), “Torres”, “Von Torres bis Araranguá” (De
Torres a Araranguá), “Von Gamacho nach Laguna” (De Gamacho a
Laguna),
“Von
Laguna
nach
Florianópolis”
(De
Laguna
a
Florianópolis), “Florianópolis”, “Von Florianópolis nach Itajaí” (De
Florianópolis a Itajaí), “Von Itajaí nach Blumenau” (De Itajaí a
Blumenau), „Blumenau“, “Von Blumenau nach Porto Alegre” (De
30
Blumenau a Porto Alegre). O texto, que contém as memórias de Willi
Fick, é, assim, registrado pela pena de Siri. Não se sabe, se as
palavras do texto escrito correspondem às palavras orais ouvidas,
mas muito provavelmente há alterações, pois é sabido que o discurso
oral difere do escrito. Isto significa que, de uma forma ou de outra, o
imaginário de hilda Siri está imiscuído no texto registrado. O texto
oral, por sua vez, ditado por Willi Fick dista bastante tempo do
momento do registro. Trata-se de acontecimentos que remontam a
dezembro de 1914 e janeiro de 1915, quando a autora nem nascida
era. Portanto, o imaginário deWilli Fick também deve estar muito
presente e a memória já se encarregou de guardar determinados
fatos e esquecido outros tantos do total experimentado. O texto que
nos chega oferece ao leitor uma verdadeira topografia não só da
cidade de Porto Alegre à época, como também da viagem encetada
pelo grupo escoteiro até Blumenau, em que
são descritas as
paisagens, a culinária e, sobretudo, a rede de intercâmbio existente
entre os alemães do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, todos
eles enriquecidos e bem de vida. Basta dizer que quem recebeu os
escoteiros com todas as honras e abastança em Blumenau foi o dono
do jornal Der Urwaldsbote, G. A. Koehler. A narrativa também mostra
o esforço de manutenção da identidade étnica do grupo, em que
muitos dos utensílios usados tinham sido comprados na Alemanha, as
marchas que cantavam durante a viagem eram alemãs (“Das
Wandern ist des Müllers Lust”, “Ade Du mein lieb Heimatland” e
“Muss i denn, muss i denn zum Städtle hinaus”). Entretanto, também
fica evidente a apropriação de muitos termos brasileiros (bolacha
Maria, mandioca, gasosa, tarrafas, botos, guará, tropeiros, rapadura,
charque,
arroz-carreteiro,
ford-bigode)
e
a
explicação
para
fenômenos vários, como, por exemplo, o surgimento do movimento
escoteiro, ou a importância da fundação da cidade de Blumenau pelo
Dr. Blumenau.
31
O
primeiro
capítulo
chama
a
atenção
pelos
cuidados
dispensados ao grupo, examinado por um médico e por um pofessor
de ginástica, também eles participantes, e vacinado contra a varíola.
Depois os cuidados com as noções das necessidades básicas. O
uniforme era verde caqui, feito de tecido comprado na Casa Carvalho
de Porto Alegre. Alguns tinham agasalhos e muitos dos utensílios
comprados na Alemanha. No segundo capítulo, a voz de um “nós”
assume a narrativa com a descrição pinturesca e metafórica do
entorno e das personagens: no ar áspero da madrugada, quando a
coluna já estava em marcha a caminho da estação do trem, cantando
“Das Wandern ist des Müllers Lust”, o único bulício na cidade era o
das carroças dos leiteiros, dos padeiros, dos verdureiros, de suas
vozes apregoadores, através das ruas de Porto Alegre, e com isso
vai-se processando uma verdadeira topografia da cidade de então. O
trem, com um vagão para a primeira classe de bancos de couro e
dois de bancos de madeira para a segunda, onde viajavam os
trabalhadores e o povo pobre, um para o correio,
já estava na
estação soltando fumaça. Cheirava a urina e à gordura dos alimentos
ali oferecidos em cestos cobertos por panos brancos por vendores
ambulantes. Um negro colocava sem cessar madeira na “goela” da
locomotiva. O chefe da estação tocou o sino, apitou duas vezes, e o
trem põe-se em movimento, trepidando e bufando. À esquerda, o rio
Guaíba e a Ilha do Pavão ainda encobertos pela neblina, bancos de
areia, o estaleiro Mabilde e algumas choupanas. À direita, haviamais
para ver: jardins, pomares, residências, fábricas – a aciaria de
Kappel, a fábrica de limonada de Fischel, a cervejaria de Ritter, a
fábrica de móveis de Gerdau, a fábrica de fogões Wallig, a fábrica de
chocolate
Neugebauer.
telegráfos.Para
monumental
na
igreja
Depois,
estação
dos
os
postes
Navegantes,
Navegantes.
de
Logo
das
linhas
dos
onde
se
avista
a
galga
as
próximas
estações: Gravataí, Canoas e Esteio, Sapucaia e São Leopoldo. Às
vezes os trilhos eram margeados por água coberta de aguapés.
32
Outras por campos de pastagens. Nas estações os ambulantes
ofereciam pasteis de carne, espigas de milho cozidas, rapadura, doce
de leite e frutas da época que eram agora uvas e melão. Em Sapucaia
ainda havia o beijú, que o eu-narrador se imcumbe de explicitar.
Digno de nota é também a ponte sobre o rio Gravataí e, em Esteio, a
grande figueira, a maior do Rio Grande do Sul. E assim continuam,
deliciosas, as descrições paisagísticas urbanas e rurais, passando por
Neustadt, Neu-Hamburg, Alt-Hamburg, pedacinhos transplantados da
Alemanha Almoçaram todos na casa do Dr. Tschermak em Taquaral,
onde o seu novo automóvel foi objeto de admiração. Ali dormiram em
barracões e seguiram a pé, cantando, em direção á serra envolta em
neblina nas primeiras horas damanhã, pelas ruas cortadas pelas
rodas dos carros de bois, pelas paisagens de pastos misturadas com
rochas pelos pinhais. Na subida, o nevoeiro transformou-se em
chuva, trovões e ralâmpagos que obrigaram a procurar abrigo numa
cabana abandonada. Continuaram subindo até o hotel de madeira, do
sr.
Hampel
na
Encosta,
cercado
por
pinheiros,
jantaram
e
pernoitaram. Todos são conhecidos e se cumprimentam com um
„Hallo“. Acordam no outro dia com o canto do galo e colocam a roupa
para secar ao sol. Descobrem um lago e uma cachoeira de água
gelada nas redondezas, onde se banham. Voltam para almoçar carne
de porco assada, frango, salada de batata, arroz e feijão preto. De
sobremesa, queijo serrano e goiabada. À tarde, desbravando as
belezas naturais do lugar. No dia seguinte, prosseguem até o alto da
serra, 1.200m, onde fica a pequenina São Francisco de Paula. Era um
acontecimento ver uma coluna de escoteiros em marcha, cantando!
Abastecem-se numa pequena venda de salsichas, arroz, charque,
rapadura e bolachas e começam a descida.
Agora a paisagem modificava-se. A floresta espessa deu
lugar ao campo. Pastos a perder de vista, interrompidos aqui
e ali por grupos de árvores ou pequenas matas e por muitas
quedas d’água. [...] Grandes pássaros levantavam vôo em
bandos, quando nos aproximávamos, mudando-se de uma
33
mata para outra.
ensurdecedor.[...] Por
muares, rebanhos de
para onde quer que se
Assustavám-nos com um alarido
toda a parte, gado bravo, cavalos e
ovelhas.[...] Nenhuma casa, vivalma
olhasse.11
À tarde estavam em Salto, a visitar a represa do rio Santa Cruz
e a usina, de onde desde o início do século XX sai a energia para São
Leopoldo e Lomba Grande, graças ao trabalho de Theodomiro Porto e
Coronel Gölzer, conhecido como o imperador de São Leopoldo.
Pertenceu-lhe o primeiro “Ford-bigode” do Rio Grande do Sul e com
ele viajou de sua fazenda em Santa Maria dos Caboclos até São
Leopoldo. A subida da serra continuou até 1.800m. Aqui montaram
barracas vindas da Alemanha e procederam aos rituais escoteiros da
arrumação, do preparo das refeições, do fogo do conselho.. No dia
seguinte, levantaram acampamento prosseguiram até o rio tainhas.
Almoçaram schmarren e, ao que parece, ficou ruim, pois a delícia da
alta bavária não dispunha dos ingedientes alemães para ser feita. À
tardinha, chegaram a Azulegas, uma minúscula povoação com uma
venda, que servia os tropeiros. Ali acamparam e se abasteceram. Na
serra ressentiam-seda falta de frutas e verduras. Dali, prosseguiram
até Taimbezinho. De singular neste trajeto, acharam um corno de boi
transformado em garrafa com cachaça que algum tropeiro havia
perdido e o cânion
de 5,8 km extensão, com uma largura e uma
altura máxima de cerca de 700 m, sendo percorrido pelo arroio
Perdizes, onde experimentaram os efeitos do eco. Consta da
descrição do cânion, o seguinte texto:
11
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. “Nun veränderte sich die Landschaft. Der dichte Wald wich dem
Kamp. Weideland, so weit das Auge schaute, unterbrochen von Baumgruppen oder Wäldchen, besonders
an Wasserläufen. [...] Große Spechte flogen in Schwärmen auf, wenn wir uns näherten und flogen von
einem Wäldchen zum anderen. Sie erschreckten uns mit ihrem ohrenbetäubenden Gekreische. [...] Überall
weidete wildes Vieh, Pferde und Maultiere, auch Schafherden waren zu sehen”. In: Siri, Hilda – Die alte
Truhe. Campinas, edição particular, 2000, p. 199-200.
34
Vista do cânion do Itaimbezinho no Rio Grande do Sul. Foto extraída
da net.
O Taimbezinho é uma garganta profunda, de mais ou menos
200m de profundidade, lavada por um rio pouco caudaloso,
mas impaciente. Tem três cachoeiras. A água despenca em
direção ao fundo num fio fino e ciciante, abafando o embate
com vapor branco, por sobre o qual se forma frequentemente
um arco-íris.12
Armaram as barracas na região (1800 m altura), e ali
pernoitaram e apreciaram o entorno deslumbrante. Na manhã
seguinte, iniciou-se a descida até a Praia Grande já em Santa
Catarina. Fazem menção a um lobo guará e ao fachinal, como explica
o texto, uma áspera e estreita vereda, usada por tropeiros desde
tempos imemoriais, o único caminho a ligar a serra ao litoral. Aqui,
deram passagem a uma tropa de mulas. Já era noite quando
atingiram Praia Grande. Logo atravessaram o rio Mampituba, a
12
- Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. “Der Taimbezinho ist eine ungefähr 200m tiefe Schlucht,
ausgewaschen durch einen kleinen, aber reißenden Fluss. Er hat drei verschiedene Wasserfälle. Das
Wasser ztürzt in dünnen zischenden Strahl in die Tiefe und verhüllt den Aufprall mit weißem Dampf,
über dem häufig ein Regenbogen steht.” Siri, Hilda – Die große Tour. In: Siri, Hilda – Die alte Truhe.
Campinas, edição particular, 2000, p. 203.
35
fronteira
e seguiram para Torres, onde ficaram no hotel “Picoral”,
também de madeira. Muitos dos escoteiros viam o m mar pela
primeira
vez.
A
paisagem
voltou
a
se
alterar:
região
mais
densamente povoada, pomares de laranjas e plantações de abacaxis
e hortas. Torres era o balneário preferido dos Portoalegrenses ricos.
Lá estavam as residências, todas de madeira, de Herbert Müller,
Krahe, Reiniger e de muitas outras famílias alemãs. Em Torres, os
pontos visitados foram: o Morro das Furnas, a praiada Guarita, o farol
e o cemitério, que chamou a atenção pelo grande número de nomes
alemães inscritos nas lápides, e depois a Ilha dos Lobos (marinhos) e
a Praia de Itapeva. Como foi explicado, na época da primeira onda
imigratória entre 1824 e 1850, um grande veleiro com colonos havia
encalhado nas proximidades da povoação, pelo que os colonos já se
estabeleceram ali. Os escoteiros também ouviam muitas histórias
contadas pelos chefes, inclusive, a história do póprio escotismo. Na
manhã seguinte, seguiram para Araranguá, ao lono da praia,
descalçõs pela areia, cantando “Ade Du mein lieb Heimatland“, como
se na Alemanha estivessem. Almoçaram na areia da praia e houve
areia na comida. O chefe cozinheiro passou mal, tomou gotas de
Opium que, por serem mal contadas, o fizeram dormir longamente
eacordar
mal,
deixando
os
escoteiros
preocupados,
pois
nas
redondezas não havia vivalma. Por fim, puseram-se a caminho até
Araranguá, onde chegaram à noite. Esta foi a maior distância
percorrida num dia. Todos estavam muito cansados. Na manhã
seguinte: céu azul sem nuvens, dunas amarelas, sol quente e mar;
na areia conchas e moluscos. Só ao cair da noite ouviram um latido,
o que sinalizava a proximidade de gente, finalmente, uma aldeia de
pescadores chamada Gamacho. Os pescadores tinham acabado de
puxar uma rede e preparavam o peixe – tainhas - para secar. Os
escoteiros conseguiram tainhas frescas para assar e nunca peixe
algum tinha sido mais saboroso. Por seu lado, os pescadores
divertiram-se observando os rituais dos escoteiros. A próxima cidade
36
era Laguna, que, para ser atingida foi preciso alugar uma canoa a um
pescador. Chegados à praça central, o prefeito permitiu que, ali,
acampassem. Mas uma tempestade de água inundou todas as
barracas,pelo que o prefeito condoído com os meninos lhes ofereceu
a cocheira de sua casa para pernoitarem. Nessa noite,um deles
começou a ter dores de barriga.: foi tratado com calor na barriga e
chá preto com cachaça. No dia seguinte, passearam pela cidade de
arquitetura portuguesa, passaram pelo Museu Anita Garibaldi. Só no
dia seguinte, partiram para Florianópolis, cantando e bordeando o
litoral entre o mar e a Serra do Mar, de onde se avistavam plantações
de bananeiras, milho, mandioca, muitas casinhas, aldeotas de
pescadores Nas proximidades de Imbituba, uma ciadezinha portuária,
de escoamento do carvão de Santa Catarina acamparam. Depois, a
paisagem passou a oferecer dificuldades: “A Serra do Mar debruçavase agora sobre o oceano, apoiada em rochedos íngremes e, em parte,
descalvados. Ilhas e recifes alcantilados, rochas abaixo do nível do
mar dificultavam aqui, ameaçando mesmo, a travessia dos barcos.
Alguns já haviam afundado lá.”13 Levaram três dias de marcha difícil
até Florianópolis. Era grande o cansaço e os machucados do corpo, e
todos se tornaram psicológicamente muito vulneráveis. Os mosquitos
também não davam trégua. Até que, por fim, como numa miragem,
avistaram os pilares da ponte anterior à Hercílio Luz, que liga a Ilha
Santa Catarina, que outrora chamou-se do desterro, por abrigar
prisioneiros, ao continente. Ainda na ponte foram recebidos por uma
comissão de outros jovens. E levados em triunfo até o centro da
Florianópolis, aplaudidos pelos transeuntes nas ruas. Atravessar
aquela ponte era um acontecimento: era um verdadeiro monumento
da modernidade: 200m de comprimento, aseentados sobre pilares
colossais de aço, amarrados a torres de 20m de altura, com cordas
13
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa “Die Serra do Mar zog sich jetzt mit steilen, teils kahlen Felsen an der
Küste längs bis ins Meer hinein. Inseln und steile Riffe, auch Felsen unter dem Meeresspiegel
erschwerten hier die Schiffahrt und gefährdeten die Schiffe. Manches Schiff ist hier gesunken.” Id. ibid.,
p.215.
37
de aço mais grossas que um braço. Em baixo, só água, em cima o
céu azul. Dirigiram-se à casa do sr. Köpke, que era agente de uma
companhia de navegação, pertencente à Hamburg-Süd, cerca de 50
anos era um homem alto de traços enérgicos e amigáveis. Foram
levados a uma casa magnífica rodeada por grande parque. Já havia
mandado reservar nos estábulos um espaço para vários colchões e
havia providenciado mantas. Os escoteiros armaram barracas à
sombra das árvores, enquanto os mosquitos não davam trégua.
Alimentaram-se como cães famintos. As roupas e os utensílios, tanto
quanto os corpos e a alma, estavam esgarçadas. Recuperadas as
forças, foram visitar um vapor alemão, o Pontius, ancorado na baía,
que os encantou e de onde avistaram os muitos faróis na costa
brasileira. A Europa estava em guerra (1ª GuerraMundial que
começou em 28 de julho de 1914), mas o Brasil ainda estava de fora.
O vapor aguardava o desfecho do que se pensava ser uma breve
guerra. Pertencia o vapor à Hamburg-Süd e costumava transportar
cereais, couro e outras matérias primas e também gado. Voltaram à
magnífica resdidência do sr. Köpke, onde receberam alimentos de
maneira
bastante
sofisticada.
Despediram-se
de
tão
excelente
hospedagem cantando “Muss i denn, muss i denn zum Städtle
hinaus”. E, então, prosseguiram até Itajaí a bordo do vapor Max.
Tudo ia bem até o momento em que o vapor alcançou mar aberto e
começou a balançar violentamente com as ondas, mareando todos.
Aos poucos, tudo voltou à normalidade, o sono veio e, quando
acordaram já era manhã e estavam em Itajaí. É aqui que o rio ItajaíAçu desagua no mar. Faltavam 33 km para alcançar a pé o final da
viagem até Blumenau. O grupo recobrou a animação perdida, já
cantava a marcha bávara e a paisagem também se torna mais
acolhedora: campos semeados e prados onde vacas pastavam,
casinhas de treliça pintadas, cortinas e flores nas janelas de colonos e
suas adjacências com estábulos, currais, pocilgas e galinheiros,
estradas cuidadas, plantações de cana-de-açúcar, bananas e tabaco,
38
milho, mandioca, verduras e frutas. Os pinhais haviam ficado para
trás. Agora apareciam cedros, caneleiras, palmeiras, coqueiros,
palmitos. Viam-se pelo rio Itajaí pequenos vapores, barcos, canoas,
meios de transporte para gente, animais, mercadorias e produtos da
colônias. Também aqui foram recebidos por uma comissão, enviada
pelo sr. Köhler, dono e redator do jornal Urwaldsbote, e levados em
triunfo até o centro, à sede do jornal. A população ficava animada
com a novidade, já anunciada pelo jornal, que a recebera de Itajaí
por telégrafo. O sr. Köhler, ele próprio chefe criador de um grupo
escoteiro local providenciou alojamentos. Willi ficou hospedado na
casa da família Schachtleben, gente rica, donos de um cortume. E,
depois de um bom banho e alimentação e barbeiro, teve de contar a
sua aventura para os membros da família. Em troca recebeu
informações sobre a cidade e sobre seu fundador, o Dr. Blumenau.
Ficaram 3 dias em Blumenau. O ponto de encontro era a sede do
jornal, de onde o grupo partia para várias visitas a fábricas, à
tecelagem Hering, fábrica de conservas, cervejaria, fábrica de tijolos.
Também visitaram uma fábrica de porcelana em Pomerode. No
quarto dia, cedo, pegaram um vapor Ita e regressaram a Porto
Alegre,levando como presente da cidade um cacho de bananas cada
um. O chefe escoteiro, sr. Black, ganhou uma cobra, enrolada numa
caixa. O capitão só concordou em transportar os escoteiros sem
pagar na condição de que eles se mantivessem no deck e não se
misturassem com os passageiros. A viagem foi tranquila, na
companhia de gaivotas e botos.e peixes voadores, e durou dois dias,
um deles percorrendo a Lagoa dos Patos, perigosa, porque o canal
navegável é muito estreito e assinalado por bóias. Nas margens da
lagoa gigante, avistavam-se patos bravos, corças e um montão de
outros pássaros. Curioso observar como a água doce ao penetrar na
água salgada vai deixando um rastro vermelho longo e largo. À vista
de Porto Alegre, deitaram fora últimas bananas. No molhe foram
recebidos pela família e pelos amigos, mas dirigiram-se em marcha e
39
cantando até a sede do grupo e só lá cada um foi para sua casa. A
viagem tinha durado quase um mês.
Avultam nesta narrativa em língua alemã a flora e a fauna
brasileiras, as gentes alemãs fortemente marcadas pela identidade
étnica. A reação dos escoteiros é de espanto e de admiração ao
compartilharem uma culinária híbrida. Por exemplo, a schmarren...
não tinha saído boa por falta dos ingredientes alemães.
Despontam nestes e em muitos outros textos os hibridismos
linguísticos, que aos poucos se foram instalando no idioma alemão
falado nas colônias, hibridismos estes criados, tanto a partir da
matriz brasileira, quanto da alemã, e mesmo os empréstimos puros e
simples.
O capítulo 7 do livro, dedicado ao palco, oferece duas peças
de teatro: Mucker und Spötter (Muckers e caçoadores) e Die Bremer
Stadtmusikanten (Os músicos cantores de Bremen). Mas, a estas
duas peças eu acrescento mais duas: Das Christbäumchen (A
arvorezinha de Natal) e Die Auflehnung (A sublevação).
Na primeira peça o tema é o episódio histórico, passado no fim
do século XIX, no interior do Rio Grande do Sul, envolvendo uma
família de imigrantes de língua alemã, em que Jacobina sentindo-se
chamada por Deus, resolve fundar uma seita religiosa. Tal fato levou
os protestantes e os católicos a acusarem a nova comunidade de
criminosa, até que esta acaba aniquilada pelas forças do governo. A
segunda peça leva ao palco a lenda do mesmo nome e que serviu de
pano de fundo para a composição Os saltimbancos, de Chico Buarque
de Holanda. A terceira peça tematiza as emoções da exótica
celebração da festa de Natal, em meio ao calor dos trópicos. E Die
Auflehnung configura o abandono das colônias por parte dos
imigrantes, rumo à cidade grande.
A prosa ensaística de Hilda Siri é de vária espécie. No geral,
trata-se de textos que têm o objetivo precípuo de ajudar as
mulheres,
com
conselhos
domésticos
sobre
jardins
e
hortas,
40
explicações científicas sobre doenças, resenhas de livros, receitas
culinárias que barateiam o orçamento doméstico, etiqueta, no que a
autora se releva uma feminista no contexto da colônia. São pequenos
textos, geralmente ilustrados por uma epígrafe, em que Hilda Siri
oferece poemas da literatura alemã. Por exemplo, na apresentação
do artigo intitulado “Zum Gedenken an eine mütterliche Freundin
[Julia Löw]” (À memória de uma amiga maternal), publicado no jornal
Die Serra-Post, de 4 de dezembro de 1954, à página 3, há o seguinte
poema de Richard Dehmel (1863- 1920), que se articula com a
matéria da articulista:
Nachglanz (Brilho póstumo)
Einst geliebte Seele,
immer noch empfundne,
sternklar weist die Nacht mir Weiten,
die auch dich umschließen,
du entschwundne.
Gütig glänzen wieder
alle Lichter oben,
die uns je zu gleicher Andacht
von der trüben Erde
auferhoben.
Einsamkeit und Dunkel
sind nun nicht mehr Qualen.
Dankbar betet Seel in Seele:
Sterne, all ihr Sterne,
helft uns strahlen!
Sobre este artigo, há nesse mesmo jornal, de 18 de dezembro
de 1954, à página 3, o seguinte comentário de uma leitora:
Senhora Hilda Siri!
Cada vez que eu leio o Cantinho Feminino no CorreioSerrano, sinto que tenho de lhe agradecer. Por que isso já
não aconteceu, não saberia dizer-lhe; acho que faltou
coragem.
Aproveito agora o artigo “À memória de uma amiga
maternal” para lhe apresentar o meu muito obrigada.
Também lhe peço: continue sempre a escrever os artigos
para o Cantinho Feminino, mesmo que colha poucos louros.
Muitas de suas receitas culinárias – à exceção daquelas para
as quais me faltam os ingredientes necessários – já as
experimentei
e recomendo-as de bom
grado.
Eu
41
simplesmente recorto o Cantinho Feminino para tê-lo sempre
à mão.
Também sempre lamento que o Cantinho Feminino não seja
semanal, pois muitos de seus artigos falam-me ao coração.
E, certamente, ao de muitas outras leitoras; críticas também
não devem faltar.14
Pelo menos um dos artigos, veiculados nesse “Frauenecke”
(Cantinho feminino), em 13 de setembro de 1952, à página 3,
tornou-se alvo de polêmica. Trata-se de um texto, de tom anunciado
pelo poema de Ludwig Uhland (1787–1862) “Frühlingsglaube” (Fé na
primavera), em epígrafe, e que tem o seguinte título provocativo: “An
die Herren der Schöpfung” (Aos senhores do universo). Assim começa
o texto de Siri:
Meus caros Senhores do Universo, sabem os senhores
realmente o que significa ser dona de casa? “Claro”, haverão
de dizer, “na qualidade de maridos já possuímos um
conceito”. É possível e, no entanto, conhecem tão pouco a
realidade nua e crua da rotina cotidiana das donas de casa
[...]15
No artigo “Wem der Schuh passt ...” (A quem serve a
carapuça...), de 27 de setembro de 1952, também à página 3, temse acesso às reações provocadas pelo texto atrás citado. Depois da
seguinte epígrafe “’Nun!” sprach die Frau – ‘das kann wohl mal
passieren. Hast Du mich lieb, so wird´s Dich nicht genieren!’”,
14
Tradução de Celeste Ribeiro de Sousa
“Frau Hilda Siri!
Jedesmal, wenn ich die Frauenecke in der Serra-Post lese, habe ich das Beduerfnis, Ihnen zu danken.
Warum es aber nicht schon laengst geschah, kann ich Ihnen gar nicht sagen, es fehlte mir wohl der Mut.
Anlaesslich des Artikels “Zum Gedenken an eine mütterliche Freundin” will ich Ihnen nun meinen Dank
zum Ausdruck bringen. Auch ich bitte Sie: schreiben Sie die Artikel fuer die Frauenecke ruhig weiter,
auch wenn Sie wenig Lorbeeren ernten. Viele Ihrer Backrezepte – mit Ausnahme solcher, für die mir die
Zutaten fehlten – probierte ich schon und kann sie sehr gut empfehlen. Ich schneide einfach die
“Frauenecke” heraus, damit ich´s immer zur Hand habe.
Auch bedaure ich immer wieder, dass nicht woechentlich die “Frauenecke” zu lesen ist, den gar mancher
Ihrer Artikel sprach mir aus dem Herzen. So haben sie ganz bestimmt noch mehrere stille
Anhaengerinnen, an Kritikern wird es wohl auch nicht fehlen.“
15
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. “Wissen Sie eigentlich, lieben Herren der Schoepfung, was es heisst,
Hausfrau zu sein? ‘Natuerlich’, werden Sie sagen, ‘als Ehemann hat man schon einen Begriff davon’.
Moeglich, und doch ist Ihnen die rauhe Wirklichkeit der alltaeglichen Hausfrauenpflichten nur wenig
bekannt. […].”
42
retirada do diálogo satírico “Die Brille”, de
Wilhelm Busch (1832-
1908), escreve Hilda Siri ironicamente:
Que bom que o último artigo “Aos Senhores do Universo”
encontrou algum eco também no mundo dos homens. Um
desses leitores chegou a expressar-se por escrito e, porque
ele apresenta em sua carta algumas talvez legítimas
reivindicações para o “modelo de esposa”, eu não gostaria de
omiti-la de nossas leitoras. Uma troca de impressões aberta
só pode contribuir para o entendimento de ambas as partes.
[...]16
E, ainda num outro artigo, intitulado “Was uns an den Männern
nicht gefällt” (O que nos homens não nos agrada), a escritora volta à
carga, depois da epígrafe, extraída de Justinus Kerner (1786-1862):
Getragen hat mein Weib mich nicht,
Aber ertragen!
Das ist, Weiss Gott, ein weit schwereres Gewicht,
Als ich mag sagen.
Entretanto,
destaco
o
ensaio
Bodenständiges
Schrifttum.
Betrachtungen einer Dichterin. (Letras localistas. Considerações de
uma poetisa)17, em que Hilda Siri reflete sobre a natureza da
literatura teuto-brasileira e, nele, a autora aponta as circunstâncias e
as condições de vida das comunidades teuto-brasileiras, quer
geográficas, quer sociais e culturais, para explicar a falta de
expoentes literários, sobretudo, para os críticos alemães. Esta
observação também surge na forma da IV estrofe do poema,
intitulado “Kleinigkeiten”:
Caros teuto-brasileiros,
Por acaso, já refletiram,
No que um Wolfgang Goethe
Teria na selva realizado?
Quem falaria hoje do gênio,
16
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. Der letzte Artikel: ‘An die Herren der Schoepfung’ fand
erfreudlicherweise auch in der Maennerwelt einigen Widerhall. Eine der ‘angesprochenen’ Leser
aeusserte sich sogar schriftlich dazu, und da er in seinem Brief einige, vielleicht berechtigte Ansprueche
an eine ‘Mustergattin’ stellt, moechte ich ihn unseren Leserinnen nicht vorenthalten. Eine offene
Aussprache kann nur zum beiderseitigen Verstehen beitragen. […]”
17
In: Brasil-Post, São Paulo, 24.10. 1959, p. 1. Tanto o original quanto a tradução encontram-se on line.
43
Tivesse ele em Ijuí nascido.18
No ensaio acima mencionado, a autora também se refere a um
certo “dirigismo” no âmbito das editoras, que facilitava e incentivava
o registro de memórias. Diz o texto:
Quem hoje quiser ver o seu trabalho literário impresso - e
qual escritor não gostaria de vê-lo? - precisa escrever
exatamente o que os senhores editores ou as instituições
fomentadoras da cultura germânica (Deutschtum) desejam
do escritor. O mais fácil de publicar ainda são os “poemas e
histórias localistas”, que se referem à imigração e ao destino
dos imigrantes.19
Hilda Siri publica entre os anos de 1951 e 2001, no mesmo
período que Alfred Reitz, por exemplo, (outro autor contemplado por
este projeto).
Para se perceber o que há de genuíno e de localista na
literatura produzida por Hilda Siri, basta olhar para o espaço de
cultura alemã e para o Brasil durante o mesmo período. Os países de
língua
alemã
conhecem
vários
movimentos
literários,
que
se
articulam com as circunstâncias, com a História de seu tempo, tais
como: a Literatura da década de 50 (Heinrich Böll, Alfred
Andersch, Günter Grass, Marie Luise Kaschnitz, Paul Celan, Hans
Magnus Enzensberger, Rose Ausländer, Ingeborg Bachmann, Eugen
Gomringer, Siegfried Lenz Wolfgang Koeppen, Ernst Jünger, Max
Frisch, Uwe Johnson), a Literatura da década de 60 (Peter Weiss,
Hans Magnus Enzensberger, Martin Walser, Günter Grass, Heinrich
Böll, Peter Schneider, Gabriele Wohmann, Bernward Vesper, Siegfried
Lenz, Peter Härtling, Franz Xaver Kroetz, Max Frisch, Friedrich
18
Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. “Ihr lieben Bras-Teutonen/habt ihr schon überdacht,/was wohl ein
Wolfgang Goethe/im Urwald hätt‘ vollbracht?/Wer spräche heut‘ von dem Genie,/Wär‘ er geboren in
Ijuí”. In: Siri, Hilda. “Kleinigkeiten”. Die alte Truhe. Campinas, ed. particular da autora, 2000, 141.
19
Trad. Luana Camargo. In: “Literatura brasileira de expressão alemã”: www.martiusstaden.org.br. “Hilda
Siri. Letras localistas”.
“Wer heute seine schriftstellerische Arbeit gedruckt sehen will (und welcher Schreibende möchte das
nicht?), muss das schreiben, was die Herren Verleger oder die das Deutschtum pflegenden Institutionen
gerade von ihm wünschen. Am leichtesten sind noch die ‚bodenständigen Gedichte und Geschichten‘, die
sich auf die Einwanderung und die Einwanderer-Schicksale beziehen, unterzubringen.”
44
Dürrenmatt, Peter Handke, Elias Canetti Günter Wallraff, Helmut
Heißenbüttel, Ernst Jandl Erich Fried, a Literatura da década de 70
(Max Frisch, Peter Handke, Elias Canetti, Hubert Fichte, Nicolas Born,
Verena Stefan,Karin Struck, Christa Reinig, Ingeborg Bachmann,
Peter Schneider, Bernward Vesper, Peter Rühmkorf, Karl Krolow, a
Literatura da década de 80 (Yoko Tawada, Rafik Schami, Patrick
Süskind, Anne Duden, Brigitte Kronauer, Christa Wolf, Elfriede
Jelinek, Sarah Kirsch, Michael Krüger, Guntram Vesper, Ulla Hahn,
Hans Magnus Enzensberger Christoph Meckel, Alfred Andersch, Helga
Novak, Tankred Dorst, Botho Strauß, Thomas Bernhard, Heinrich Böll
Martin Walser, Uwe Johnson,Alfred Muschgel, Peter Bichsel, Peter
Handke, Friederike Mayröcker, a Literatura da década de 90 ou
literatura
alemã-alemã
(Ulrich
Peltzer,
Durs
Grünbein,
Raoul
Schrott, Ulrich Beil, Marcel Beyer, Thomas Kling e Brigitte Oleschinski,
Thomas Kling, Franz Josef Czernin, Brigitte Oleschinski, Ingo Schultze,
Günter Grass, Thomas Hettche, Wolfgang Hilbich, Monika Maron,
Christoph
Hein,
Oswald
Wiener,
Hans
Wollschläger,
Christoph
Ransmayr, Walter Moers, Marlene Streeruwitz, W. G. Sebald, Feridun
Zaimoglu, Wladimir Kaminer, Rafik Schami, Thomas Brussig, Dietmar
Dath, Daniel Kehlmann
Martin Mosebach, Ulrich Peltzer, Ingo
Schulze, Uwe Tellkamp, Albert Ostermaier, Moritz Rinke, Roland
Schimmelpfennig.
No Brasil, esses mesmos anos pertencem ao Modernismo em
toda a sua extensão. Escrevem Carlos Drummond de Andrade, Mário
e Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo, Murilo Mendes, Vinicius de
Moraes, Cecília Meireles, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge
Amado, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, João Guimarães
Rosa, Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Geir Campos, Fausto Cunha,
Milton Dias Heitor Marçal, João Antônio, Ignácio de Loyola Brandão,
Fernando Gabeira, Vilma Guimarães Rosa, Maria Cecília Caldeira,
Ariano Suassuna, Rui Mourão, Esdras do Nascimento, José Cândido
de Carvalho, Murilo Rubião, Osman Lins, Orides Fontela, os escritores
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da chamada prosa intimista: Lygia Fagundes Telles, Osman Lins
Autran Dourado Nélida Piñon, Hilda Hilst, os chamados autores da
prosa memorialista ou autobiográfica Pedro Nava e Érico Veríssimo, e
tantos outros.

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