O Novo Mandato de Barack Obama 07

Transcrição

O Novo Mandato de Barack Obama 07
ESPECIAL
Primavera
2013
53
07
O Novo Mandato
de Barack Obama
Study in Portugal:
Portugal como destino universitário
III Fórum Roosevelt no Faial:
O mar que nos protege
Livro Dabney: as relações transatlânticas
divulgadas por histórias de uma família
Fundação Luso­‑Americana
CONSELHO DIRECTIVO:
Teodora Cardoso (Presidente)
Embaixador dos EUA
Jorge Figueiredo Dias
Jorge Torgal
Luís Braga da Cruz
Luís Valente de Oliveira
Michael de Mello
Vasco Pereira da Costa
Vasco Graça Moura
“Belo céu azul [aqui em Nova Iorque]
que me leva a pensar que nós estamos
na mesma latitude de Lisboa,
o que tenho dificuldade em imaginar.”
Albert Camus, Cahier V (1946)
CONSELHO EXECUTIVO:
Maria de Lurdes Rodrigues (Presidente)
Charles Allen Buchanan, Jr
Mário Mesquita
SECRETÁRIO­‑GERAL: José Sá Carneiro
DIRECTORES: Fátima Fonseca, Miguel Vaz
SUBDIRECTOR: Rui Vallêra
ASSESSORES: João Silvério, Paula Vicente
Rua do Sacramento à Lapa, 21
1249­‑090 Lisboa | Portugal
Tel.: (+351) 21 393 5800 • Fax: (+351) 21 396 3358
Email: [email protected] • www.flad.pt
Paralelo
DIRECTORA: Maria de Lurdes Rodrigues
EDITORA: Sara Pina
COORDENADORA: Paula Vicente
COLABORAM NESTE NÚMERO: Alberto Pena,
Alexandre Soares, Ana Maria Silva, André
Sebastião, Bernardo Nunes, Bernardo Pires
de Lima, Carla Baptista, Bárbara Matias,
Charles Allen Buchanan Jr, Carla Martins, Carla
Pinto Caldeira, Cláudio Nóbrega, Filipe Caetano,
Germano Almeida, Gustavo Brito, Hannah
Kliot, Helena Barranha, João Silvério, Luís Pais
Bernardo, Maria de Lurdes Rodrigues, Maria João
Avillez, Marina Almeida, Mónica Velosa, Nuno
Costa Santos, Paulo Pena, Pedro Seabra, Ricardo
Alexandre, Rui Ochoa, Sara Pina, Sérgio Fazenda,
Sofia Branco, Sofia Lorena, Sónia Andrade, Tiago
Coelho, Viriato Queiroga
DESIGN: José Brandão | Susana Brito [Atelier B2]
REVISÃO: António Martins
TRADUÇÃO: AmeriConsulta
IMPRESSÃO: Gráfica Maiadouro
TIRAGEM: 3000 exemplares
NIF: 501 526 307
Nº DE REGISTO NA ERC: 125
PERIODICIDADE: semestral
563
[email protected]
Depósito legal: 269 114/07
ISSN 1646­‑883X
© Copyright: Fundação Luso­‑Americana
para o Desenvolvimento
Todos os direitos reservados
2
Caro leitor
O
início do ano foi marcado pela tomada de posse de Barack
Obama para um novo e último mandato enquanto Presidente
norte-americano. A campanha foi renhida mas a vitória foi, apesar de tudo, confortável.
A FLAD não podia deixar de acompanhar as presidenciais americanas e as
suas consequências para Portugal e a Europa e, por isso, preparou debates
abertos a toda a sociedade que resultaram num trabalho especial de relato
e antevisão do que será o novo ciclo político.
Vários projectos importantes desenvolvidos ou apoiados pela Fundação
são divulgados neste número: O Fórum Franklin D. Roosevelt; a iniciativa
“Study in Portugal”; o programa “José Rodrigues Miguéis”; o projecto
“Dabney”; o empreendedorismo social e vários outros, cujo cunho passa
sempre pelo reforço dos laços transatlânticos e o papel de Portugal, especificamente dos Açores, nesta relação especial.
Esta edição é um relato de todos esses elos que no último ano contribuíram para manter a ponte robusta entre os Estados Unidos e Portugal e o
quanto a distância encurta quando trabalhamos em paralelo. SARA PINA
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Primavera
2013
53
07
índice
04 |
Editorial de
Maria de Lurdes Rodrigues
DO EDITOR
Valorizar a língua portuguesa
nos EUA
[POLÍTICA]
CAPA
Tomada de Posse
de Barack Obama
(White House Photo
by Lawrence Jackson)
COMPLIMENTARY
COPY
ESPECIAL
OFERTA
O Novo Mandato
de Barack Obama
Study in Portugal:
Portugal como destino universitário
III Fórum Roosevelt no Faial:
O mar que nos protege
Livro Dabney: as relações transatlânticas
divulgadas por histórias de uma família
especial
BAMA ’12
06 | Portuguese Caucus:
Grupo de Congressistas
amigo de Portugal
12 | As eleições vistas de Washington
por Bernardo Pires de Lima
por Alexandre Soares
16 | Frustração e esperança: avaliações
dos partidos Republicano e Democrata
por Ricardo Alexandre
18 | Dois olhares de políticos
luso-descendentes sobre as eleições
nos EUA
por Ricardo Alexandre
[PORTUGAL/EUA]
28 | “Study in Portugal”
Portugal como destino
universitário de referência
por André Sebastião
35 | O arquipélago de
ponto de encontro global
Entrevista a Cynthia Koch
(Ex-directora da Biblioteca Roosevelt)
36 | O mar que nos protege
Entrevista a Michael Orbach (Duke University)
40 | “Franklin Roosevelt reconhecia
algo familiar nos Açores”
Entrevista a Delano Grant Jr.
[PORTUGAL/EUA]
Livro Dabney
47 | Uma família
que se (re)descobre
por Marina Almeida
50 | Cartas dos Dabney
fazem a ponte Portugal/EUA
por Marina Almeida
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
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EDITORIAL
Valorizar a língua
portuguesa nos EUA
MARIA DE LURDES RODRIGUES
O português é a terceira língua europeia mais
falada no mundo. São cerca de 250 milhões de
falantes de português e este número aumenta
quando se consideram as diásporas portuguesa,
brasileira e cabo-verdiana espalhadas pelo mundo.
Só nos EUA, estima-se que o número de falantes
de português seja superior a dois milhões. O principal e mais valioso activo da língua portuguesa
é justamente a sua presença numa enorme região
linguística, integrando vários povos do mundo.
Os EUA devem ser
um dos alvos prioritário da política de
valorização da língua
Nos EUA existem cerca de cem liceus
portuguesa. Ampliar e
que oferecem no currículo o português renovar o interesse
pela aprendizagem da
como língua estrangeira.
língua portuguesa nos
EUA é essencial no
quadro de uma estratégia de promoção externa
de uma imagem moderna do País, passível de
atrair investimento ou de gerar procura para os
produtos e os serviços portugueses, designadamente os serviços de ensino superior. A existência
de milhares de falantes de português, portugueses,
luso-americanos, brasileiros e cabo-verdianos, mas
também de milhares de falantes de castelhano,
justifica por si só essa prioridade e permite antecipar com segurança o retorno do investimento
que vier a ser feito.
A FLAD tem apoiado de forma sistemática e
bastante inovadora o desenvolvimento do departamento de estudos de língua e cultura portuguesa nalgumas das melhores universidades
norte-americanas. Os protocolos existentes entre
a FLAD e a Universidade de Brown, a Universidade
de Massachusetts, a Universidade de Chicago, a
Universidade de Berkeley, a Universidade de San
Jose, são apenas alguns exemplos. Porém este
esforço necessita agora de ser alargado em três
sentidos:
Em primeiro lugar, reforçar a dimensão cos-
‘
’
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mopolita da língua portuguesas, afirmado o seu
valor associado à região linguística da lusofonia
e ao potencial de riqueza e de desenvolvimento dos países onde o português é a língua oficial.
Neste sentido, exigem-se políticas de língua
portuguesa afirmando-a como um meio de
acesso à Europa, ao Brasil, a Moçambique, a
Angola, a Cabo Verde, a Timor e a Macau, como
um instrumento de acesso ao conhecimento de
diferentes culturas e povos em todo o mundo,
e associada a oportunidades de desenvolvimento profissional e ao futuro. As medidas e iniciativas de promoção da língua portuguesa devem
por isso procurar envolver os países da CPLP.
Em segundo lugar, dar atenção ao ensino do
português nos sistemas de ensino dos outros
países. Nos EUA existem cerca de cem liceus que
oferecem no currículo o português como língua
estrangeira, existindo milhares de alunos que
aprendem português. São necessárias iniciativas
de cooperação com os professores destas escolas, através de programas de mobilidade, estágios
de aperfeiçoamento e cursos intensivos de ensino de português como segunda língua, como
os que a FLAD tem promovido em colaboração
com a Universidade de Lisboa e a Universidade
dos Açores.
Em terceiro lugar, renovar a presença e a imagem do Instituto Camões no estrangeiro, em
particular nos EUA. O trabalho realizado pelos
leitores nas universidades norte-americanas é
insubstituível e necessário à formação de especialistas, professores e investigadores. Falta,
porém, na sociedade norte-americana, um espaço de ensino da língua aberto e orientado para
conquistar e responder às necessidades de outro
tipo de público, designadamente ligado à vida
económica e empresarial. A colaboração que tem
vindo a desenvolver-se entre o Instituto Camões,
a AICEP e a FLAD, visando este objectivo, pode vir
a ser decisivo para afirmar uma imagem moderna e cosmopolita da língua portuguesa.
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| PRIMAVERA 2013
REVISTA DE IMPRENSA
por Ana Maria Silva*
Estrategas da campanha
eleitoral em debate
Asas sobre
a América
“Escritores que leem escritores, portugueses que olham para a
América. Esta era a filosofia do ciclo de conferências ‘Asas sobre
a América’ que, em 2008, encheu o auditório da FLAD, em Lisboa.
É de saudar, por isso, a passagem a livro dessas inesquecíveis
intervenções, já que não só dão a conhecer alguns dos principais
vultos das letras norte-americanas, como revelam os modos de
ler de alguns dos nossos principais autores nacionais.”
“Tom McMahon e Christian Ferry cultivam uma rivalidade saudável, falando juntos a semana passada sobre as campanhas de
Barack Obama e Mitt Romney a mês e meio da ida às urnas.
A convite da FLAD em Lisboa, os estrategas – o primeiro democrata, o segundo republicano – sentaram-se com o i para duas
conversas curtas mas ricas. Os grandes temas: os Super PAC, o
comentário criticado de Romney sobre 47% dos eleitores serem
“penetras que não pagam impostos”, o futuro do partido republicano e o legado da primeira administração Obama.”
[ Jornal Letras, Artes & Ideias, 4 de Abril de 2012 ]
[ Jornal i, 1 de Outubro de 2012, Joana Azevedo Viana ]
Portugal
e o Holocausto
Admiração e amor
pelos Açores
“Maria Filomena Mónica […] confessa a sua admiração e amor
pelos Açores sem essa admiração não teríamos estes Dabney. E sem
Mário Mesquita, açoriano, que em 1981 publicou uma série de
artigos sobre a família no ‘Diário de Notícias’ (de que foi director)
não teríamos a história de uma obstinação que representa esta
edição, tanto a portuguesa como a americana.”
[ Expresso, 16 de Março de 2013, Clara Ferreira Alves ]
“A ‘imagem idílica’ do papel de Portugal no Holocausto, cultivada
pela historiografia salazarista e que se inscreveu na nossa memória
coletiva, corresponde apenas parcialmente à verdade histórica.
Avraham Milgram, académico do Yad Vashem (memorial de Israel
para evocar as vítimas da Shoah), numa sessão da conferência
‘Portugal e o Holocausto’, […] embora reconhecendo não existir
um sentimento antissemita no nosso País, lembrou decisões que
Salazar não tomou – e poderiam ter salvo muitos milhares de
judeus dos campos de extermínio.”
[ Diário de Notícias, 30 de Outubro de 2012, Fernando Madaíl ]
Ensino do português
nos EUA
“Um curso de verão ministrado em Lisboa para professores que
ensinam português nos Estados Unidos está a proporcionar uma
experiência extremamente rica e fundamental para a profissão.
[…] O curso de verão para professores de português nos Estados
Unidos é organizado pela Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento (FLAD) e tem como objetivo aprofundar os
conhecimentos da língua e da cultura portuguesa dos professores
de português do ensino básico, secundário e universitário nos
Estados Unidos.”
[ Lusa, 13 de Julho 2012 ]
Uma família americana
no Faial
“A fonte deste volume intitulado ‘The Dabneys – A Bostonian
Family in the Azores (1806-1871)’ são as milhares de cartas
originais da família, que se distribuem ao longo de três volumes
– demasiado longos à luz da nossa era apressada. Já houve
uma primeira versão curta em português, «Os Dabney, Uma
Família Americana no Faial»(2009, Tinta da China). Com este
livro em inglês, que tal como o anterior é editado pela FLAD –
Fundação Luso-Americana, vai ser possível chegar aos Dabney
contemporâneos. […] Nos potenciais leitores, Mário Mesquita,
administrador da FLAD e promotor destas edições, gosta de incluir
‘a população portuguesa e lusodescendente’.”
[ Diário de Notícias, 14 de Fevereiro de 2013, Marina Almeida ]
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| PRIMAVERA 2013
* LPM
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POLÍTICA
Portuguese Caucus:
a voz de Portugal em Washington
No Congresso americano há um grupo de congressistas que se assume
como amigo de Portugal e luta por melhores relações entre os dois países.
POR ALEXANDRE SOARES*
No dia 18 de Abril do ano passado,
o congressista Jim Costa entrou no seu
gabinete, o número 1314 do edifício
Longworth, em Washington, sentou­‑se,
pediu uma garrafa de vinho tinto da
Califórnia, três copos, e descansou de um
dia preenchido com votações no Capitólio.
Passados alguns minutos, o congressista
Dennis Cardoza chegou. Exactamente às
17h30, o embaixador de Portugal em
Washington, Nuno Brito, juntou­‑se aos
dois políticos. Os três começaram a discutir a redução da presença militar na Base
das Lajes, nos Açores.
A reunião entre os congressistas democratas e o diplomata português é uma das
actividades desenvolvidas pelo Portuguese
Caucus, o grupo de membros da Câmara
dos Representantes com ligação a Portugal.
Apesar de existir há vários anos, só em
Fevereiro de 2011 foi formalmente instituído. Muito por influência do Portuguese­
‑American Leadership Council of The
United States (PALCUS) e da National
Nuno Brito, embaixador de Portugal em Washington DC, entre Jim Costa e Dennis Cardoza, dois políticos luso-americanos.
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Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
POLÍTICA
Organization of Portuguese­‑Americans
(NOPA), os dois lóbis portugueses mais
activos na sociedade americana.
Os Caucus – que também assumem a
forma de grupos de trabalho ou coligações
– são grupos de congressistas unidos por
um interesse comum, que pode ser ideológico (como os New Democrats), étnico
(como o português ou o hispano) ou
geográfico (a maioria dos estados têm
um). Os membros reúnem­‑se regularmente, em privado, para definir prioridades,
fazer nomeações para certos cargos ou
delinear estratégias para uma mudança
legislativa.
Naquele fim de tarde luminoso, em que
os dois congressistas democratas trocavam
argumentos com o embaixador português,
o tema era a redução da presença militar
americana na Base das Lajes. “É um exemplo perfeito dos assuntos em que costumamos trabalhar”, diz Dennis Cardoza.
O ex-representante do 18.º distrito da
Califórnia, que se retirou da vida política
em Agosto do ano passado, participou em
várias reuniões sobre o tema desde que o
secretário da Defesa norte-americano, Leon
Panetta, informou o ministro da Defesa
português, José Pedro Aguiar-Branco,
da intenção norte-americana.
“Devido a problemas orçamentais, a
presença militar americana terá cortes em
todo o mundo”, explica. “O que estamos
a fazer é tentar minimizar os efeitos desse
corte nos Açores.” Jim Costa confirma os
esforços: “Tivemos uma série de reuniões
com o ministro português, o secretário
de Estado da Defesa americano e outras
autoridades. Há várias possibilidades na
mesa. Estamos a tentar chegar a um compromisso.”
No final de Março, o antigo presidente
do Governo dos Açores, Carlos César,
enviou cartas aos congressistas com maior
ligação ao arquipélago solicitando a sua
intervenção no caso. Costa e Cardoza –
bem como Barney Frank, Stephen Lynch,
David Cicilline e Jim Langevin – foram
alguns dos que receberam essa correspondência. “Essa é uma das vantagens dos
Caucus”, explica o representante do 20.º
distrito da Califórnia, Jim Costa. “Sinaliza
claramente quem tem interesses e em que
temas.”
Outro assunto em que estão envolvidos
é a passagem do processamento de vistos
de imigrante e da lotaria para a Embaixada
em Paris. Para Dennis Cardoza, a decisão
é “altamente ofensiva” – “Portugal foi o
segundo Estado a reconhecer os EUA quando nos tornámos um país”, conclui. “Não
sei se foi uma questão de orçamento, segurança ou logística. O que eles não perceParalelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
bem é que é muito caro para alguém dos
Açores, por exemplo, ir até França. É isso
que tentamos explicar.”
Estes dois temas são a primeira prova de
fogo do recém­‑formado Caucus. Mas, antes
da sua formalização em 2011, os seus
membros envolveram­‑se “em várias questões relacionadas com as pescas, a lavoura,
a imigração ou os acordos bilaterais entre
os dois países”, explica Costa.
A reforma da imigração já não é a maior
preocupação da comunidade portuguesa
– numa sondagem promovida no ano passado pelo PALCUS, surge em terceiro lugar,
depois do estado da economia e das oportunidades de trabalho –, mas foi o tema
que mais esforço exigiu aos congressistas.
A maior vitória foi a inclusão de Portugal
no Visa Waiver Program, que dispensa visto
de entrada no país aos cidadãos dos países
membros. Durante vários anos, Portugal
e a Grécia foram os únicos países da
Europa Ocidental excluídos do programa.
Uma campanha – que incluiu sessões de
esclarecimento, reuniões entre congressistas e intervenções no debate de Richard
Pombo, Barney Frank e Patrick J. Kennedy
– que acabou por conseguir que uma
mudança da lei fosse aprovada.
que “devia ter sido mais agressivo”. No
entanto, admite, “o momento é mau devido ao estado da economia” e tem “esperança de que Obama vá lidar com estas
questões, de forma efectiva, num segundo
mandato”.
MOTIVAÇÕES
Dois co-presidentes do Caucus, Jim Costa
e David Valadão, têm origens portuguesas.
Os pais de Valadão são da ilha Terceira,
bem como três avós de Costa. “Como muitos antes e muitos depois, vieram com a
roupa que tinham no corpo à procura de
uma vida melhor para si e para os seus
filhos”, explica Costa.
Ambos falam português e foram criados
num ambiente português. No escritório
de Costa, há uma fotografia com o antigo
presidente do Governo Regional dos
Açores, Mota Amaral. Antes de sair do
cargo, Dennis Cardoza exibia numa parede do seu gabinete os documentos de
quando os seus avós ficaram legais no país.
Richard Pombo, o grande promotor do
Portuguese Caucus, antes de ser derrotado
nas urnas em 2006, também era descendente de portugueses. Mas, com apenas
três luso­‑americanos
no Congresso, é evidente que a maioria
dos membros do
Caucus não tem sangue
A vantagem do Caucus é sinalizar
português.
claramente quem tem interesses
Cada congressista é
eleito
por uma zona
e em que temas.
geográfica e é obrigado
pela Constituição a
defender os interesses
Outro problema permanece com res- dos residentes dessa zona. Muitas vezes, a
posta adiada: a deportação. “A comuni- sua eleição depende desse compromisso.
dade portuguesa sente que não está a ser É por isso que Barney Frank e Patrick J.
tratada de forma justa”, admite Cardoza. Kennedy, ambos eleitos pelo estado de
Barney Frank chegou a ler a carta de um Massachusetts, sempre defenderam os inteportuguês de Massachusetts durante uma resses da comunidade. O mesmo acontece
sessão no Congresso, pedindo que o com David Cicilline, de origem italiana,
poder de decidir a deportação fosse que representa o 1.º distrito de Rhode
devolvido aos juízes, mas não teve qual- Island que é o terceiro co-presidente do
quer resultado.
Caucus.
Jim Costa diz que “o problema tem sido
Colleen Hanabusa, do 21.º distrito do
discutido inúmeras vezes” e que “é um Havai, foi convidada para se juntar­ao
assunto difícil, mas legítimo”. “Somos um Caucus quando descobriram o nome
país muito grande que desenha as suas leis do seu marido: John Souza. “És casada
com base na pior das situações. Tudo fica com um português?”, perguntaram­‑lhe.
comprometido devido ao México. “Então tens de te juntar ao Portuguese
É difícil dizer: não vamos deportar os Caucus”.
portugueses, mas vamos deportar
Hanabusa aceitou o desafio, mas tem
os mexicanos e colombianos”, explica outras motivações. “Uma grande percenCardoza.
tagem de havaianos tem origem portuO ex-congressista acha que o “Presidente guesa, como o meu marido. Muitos
Obama não cumpriu o seu compromisso” vieram no começo das plantações. Depois
com uma reforma das leis de imigração e montaram padarias, tornaram­‑se empre-
‘
’
7
POLÍTICA
‘
O que importa, como explica Jim Costa,
“é que os americanos de descendência portuguesa
percebam que há representantes que estão atentos
aos seus problemas e lutam por melhores relações
entre Portugal e os Estados Unidos.”
’
Mesmo que, durante algum tempo, as
intrigas dos corredores do poder se
tenham infiltrado no Portuguese Caucus,
o que importa, como explica Jim Costa,
“é que os americanos de descendência
portuguesa percebam que há representantes que estão atentos aos seus problemas
e lutam por melhores relações entre
Portugal e os Estados Unidos.
* Jornalista freelancer
sários. Muitas pessoas não conhecem a
influência portuguesa na nossa história”,
explica. Um tio do marido de Colleen
foi director de impostos do Estado; outro,
ainda durante a monarquia, teve a sua
cara numa moeda. As mal­‑assadas de São
Miguel, o bacalhau e o tempero de vinha­
­‑d’alhos tornaram­‑se parte da gastronomia do arquipélago.
A congressista pertence a vários Caucus,
como o Asian Pacific ou os New
Democrats. Nestas associações, reconhece a vantagem de “permitirem um contacto mais directo” com as populações.
“Com 435 pessoas no Congresso, podes
não encontrar quem te represente. Mas,
se eles pertencerem a estas organizações,
é fácil contactá­‑los.”
DIVISÃO
O Portuguese Caucus está aberto a
Democratas e Republicanos, mas durante
algum tempo só teve um republicano: o
representante do 13.º distrito de Nova
Iorque, Michael Grimm. A ausência mais
notada era a de Devin Nunes, congressista eleito pela Califórnia com origens na
ilha de São Jorge.
“Trabalhávamos juntos. Fomos a Portugal,
aos Açores. Tivemos uma relação muito
próxima durante quatro anos e meio.
A cada dois meses, tínhamos reuniões na
embaixada”, diz Costa. Encontravam-se tão
frequentemente na embaixada que, em
brincadeira, diziam que era o “club
house” do Portuguese Caucus.
Depois, com a formalização do Caucus,
em 2011, surgiu a divisão. Nunes garante que o Caucus “tornou-se partidário”
e preferiu defender os interesses de
Portugal fora do grupo. Agora, com a
entrada do republicano David Valadão
como um dos co-presidentes, a divisão
está ultrapassada. No dia 31 de Janeiro,
foi anunciada a adesão de Devin Nunes
ao Caucus.
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O Portuguese Caucus está aberto a democratas e republicanos, mas durante algum tempo
só teve um republicano.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
POLÍTICA
O caminho de Hillary Clinton
em prol da igualdade
Secretária de Estado aproveitou maior responsabilidade política
para colocar paridade entre mulheres e homens
no centro da política externa dos Estados Unidos.
POR SOFIA BRANCO*
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
tada por vários estudos credíveis – de que
a igualdade entre mulheres e homens tem
vantagens para a economia e pode até dar
lucros.
A dificuldade em incluir a igualdade de
género na agenda internacional persiste,
mas a presença de Hillary Clinton acabou
por garantir que o tema não fosse apenas
discutido numa sala pequena e entre meia
dúzia de peritos.
Com a colaboração da directora executiva da agência UN Women ( ONU
Mulheres) e antiga Presidente do Chile,
Michelle Bachelet, e da ministra para a
Igualdade de Género e a Família da Coreia
do Sul, Kum­‑lae Kim, a antiga secretária
de Estado dos EUA garantiu um tratamento ao mais alto nível – o tema entrou na
assembleia geral do fórum da OCDE e chegou ao discurso oficial de abertura do
DR
Quando tomou posse, em 2008, Hillary
Clinton prometeu colocar a igualdade de
género no centro da política externa dos
Estados Unidos e, independentemente dos
resultados, insistiu nesse ponto, a cada
passo que deu e a cada viagem que fez,
até ao final do seu mandato.
A defesa fervorosa da igualdade entre
mulheres e homens já era um dos traços
de Hillary Clinton antes de chegar à liderança da diplomacia dos Estados Unidos,
palanque que tem usado para dar maior
projecção a um assunto que lhe é caro
– e cuja ausência sai cara também.
Clinton apostou tudo em apontar algo
que muitos ainda parecem não querer ver:
a desigualdade entre mulheres e homens
tem custos económicos. E avultados.
Foi isso que foi dizer a Busan, a cidade
da Coreia do Sul que acolheu o quarto
fórum de alto nível sobre a eficácia da
ajuda ao desenvolvimento.
Clinton foi a primeira secretária de
Estado americana a participar naquele
fórum organizado pela Organização
para a Cooperação Económica e o
Desenvolvimento (OCDE) e dedicou grande parte do tempo passado em Busan a
falar das vantagens de existirem mulheres
mais participativas e com maior poder de
decisão. “A transformação do papel das
mulheres é o último e maior impedimento para o progresso universal”, disse
Clinton numa entrevista a Mark Landler,
do jornal The New York Times, publicada a 18
de Agosto de 2009.
Partilhou com os milhares de delegados
que, em nome de organizações multilaterais, Estados, doadores, bancos internacionais, organizações da sociedade civil e
empresas do sector privado, se deslocaram
a Busan, sendo a sua convicção – susten-
Hillary Clinton (à esquerda) prestou muita atenção à igualdade de género.
Nesta foto num encontro, enquanto secretária de Estado de Obama, com Aung Suu Kyi,
líder da oposição birmanesa (à direita).
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POLÍTICA
evento, que contou com dezenas de líderes mundiais.
Porém, nem a presença nem a convicção
da antiga secretária de Estado dos Estados
Unidos foram suficientes para que a comunicação social se interessasse grandemente
pelo assunto – das centenas de jornalistas
de todo o mundo que cobriam o evento
apenas duas dezenas assistiram à conferência de imprensa da embaixadora americana que acompanhava Clinton, Melanne
Verveer. As perguntas colocadas foram ainda
menos e poucos órgãos de comunicação
de âmbito geral destacaram o discurso de
Clinton em prol da igualdade.
“Há a percepção de que os assuntos de
género são marginais”, reconheceu, em
conversa com a Paralelo, a embaixadora
itinerante (ambassador­‑at­‑large) Melanne
Verveer, que chefia o Office of Global
Women’s Issues do Departamento de
Estado dos EUA.
O cargo e o gabinete foram criados por
Clinton em 2009 com o objectivo de
garantir que a igualdade de género será
sempre tida em conta na formulação e na
condução da política externa norte­
‑americana, na convicção de que os objectivos desta só serão plenamente atingidos
se a primeira existir.
“A democracia nada significa se metade
das pessoas não puderem votar, ou se o
seu voto não contar, ou se o seu nível de
literacia for tão baixo que ponha em causa
o exercício do seu voto. É por isso que,
quando viajo, organizo sempre iniciativas
com mulheres, falo dos direitos das
mulheres, encontro­‑me com mulheres
activistas, transmito as preocupações das
mulheres aos líderes com quem me
encontro”, disse Clinton na entrevista a
Mark Landler.
As questões de género têm tardado a ser
incluídas como assunto autónomo nas conferências internacionais, mas Clinton conseguiu que a sua proposta de plano de
acção comum para a igualdade e o desenvolvimento fosse assinada por todos os
actores reunidos em Busan, que, na nova
parceria global para um desenvolvimento
eficaz, reconhecem que a igualdade de
género é cada vez mais um ingrediente
necessário para a eficácia das políticas de
cooperação.
O plano de acção comum proposto por
Clinton uniformiza objectivos a atingir por
todos e estabelece a monitorização dos
progressos.
Todos os que firmaram o documento
reconhecem que acabar com as desigualdades entre mulheres e homens é,
para além de um fim geral, um pré­
10
‑requisito para um crescimento sustentável e inclusivo.
Antiga chefe de gabinete de Hillary
Clinton, quando esta era ‘apenas’ a mulher
do Presidente Bill Clinton, Melanne
Verveer sublinha que se tem verificado
“um reconhecimento crescente, ao mais
alto nível”, de que “falar de eficácia da
ajuda ao desenvolvimento implica falar de
investimento no desenvolvimento das
mulheres”.
Sobre a eficácia das estratégias de desenvolvimento que têm sido seguidas até
aqui, a embaixadora refere a importância
de envolver, no esforço de cooperação,
mais e mais actores. “Ainda estamos presos a velhas formas de fazer as coisas,
que não são eficazes”, reconhece.
O falhanço em atingir a igualdade é
comum a todos os países, mas “é fácil
ver aqueles que conseguem melhores
resultados” – os mais desenvolvidos.
“Mas quantas vezes
esses programas são
direccionados a
mulheres, ou as
incluem como indicador? As mulheres não
As mulheres não são só vítimas,
são só vítimas, são
actores de mudança.
são actores de mudança.
Elas são cruciais para
Elas são cruciais para a construção
a construção da paz e
para a estabilidade”,
da paz e para a estabilidade [...]
destaca.
Sabemos que as mulheres que lideram
Hillar y Clinton
“tem
prestado muita
pequenos e médios negócios são
atenção à igualdade
grandes aceleradores de crescimento.
de género” não porque fazê­‑lo seja “um
favor às mulheres”,
mas porque é melhor
para todos que elas
Os estudos têm tardado, mas “aumentou “possam fazer o que o seu potencial lhes
em muito” o número de fontes imparciais permite”, diz a embaixadora, recordando
que já reuniu estatísticas que relacionam o que, na conferência internacional de
desempenho da igualdade com o desem- Pequim, em 1995, Clinton iniciou o movipenho da economia – por exemplo, o mento “Os direitos das mulheres são direiFórum Económico Mundial, que, no seu tos humanos”.
relatório anual sobre desigualdade de géne“Para ela, não podemos ter os progresro, realça que os países onde homens e
sos que queremos e o mundo que desemulheres têm um menor hiato entre eles jamos se mantivermos as mulheres à
no acesso à saúde, à educação e à partici- margem. Ela acredita nisso profundamenpação económica e política são mais pro- te”, relata.
dutivos e mais competitivos.
Isso foi visível no discurso que Clinton
“Os dados já o mostram, nós é que ignoleu na cerimónia oficial de abertura do
ramos os números”, diz a embaixadora. fórum de Busan, partilhando com os
Ora, contrapõe, “a não ser que haja um restantes líderes mundiais o papel ceninvestimento na igualdade de género e no tral que os Estados Unidos atribuem ao
empoderamento das mulheres, não have- papel das mulheres e reconhecendo que,
rá desenvolvimento eficaz, são duas faces no seu país, também existem “limitada mesma moeda”.
ções” à igualdade: “Temos de poder
“Sabemos que as mulheres que lideram dizer que Busan fez a diferença, que
pequenos e médios negócios são grandes aprendemos com os nossos erros, que
aceleradores de crescimento”, refere discutimos os problemas mais difíceis,
Verveer, questionando de seguida: “Então, que nos comprometemos, todos sem
dada a preponderância de dados, o que excepção, com os mais elevados padrões
falta para fazermos os progressos que devía- e que cumprimos com os nossos commos? Ainda temos de lutar contra a forma promissos”, entre os quais, “a ideia de
como sempre se fizeram as coisas, menta- que cada pessoa, menino ou menina,
lidades que ainda são mais fechadas do que tem o direito a realizar o seu potencial”,
abertas. Mas estamos a progredir, e se não vincou.
aproveitarmos estas oportunidades ficare* Jornalista da Lusa
mos mais e mais para trás.”
‘
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
especial
BAMA ’12
Presidenciais americanas
em análise em Lisboa
Um conjunto de especialistas americanos e portugueses
reuniu-se na FLAD para discutir as presidenciais nos EUA.
Da campanha nas primárias à tomada de posse.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
“A Influência dos Debates Presidenciais”
foi, também, discutida nas vésperas do
último debate televisivo entre Mitt
Romney e Barack Obama. Mitchell Cohen,
politólogo, professor da City University
of New York (CUNY) e antigo co-editor
da Dissent, esteve ao lado de Pedro
Magalhães, especialista em sondagens e
professor do Instituto de Ciências Sociais
(ICS), para falar sobre a importância e o
impacto que os debates presidenciais têm
nos eleitores e na decisão final de voto.
O último debate analisou os “Desafios
do Novo Mandato de Barack Obama” e
trouxe à FLAD Michael Werz, membro do
Center for American Progress (CAP) e especialista em política externa e Nuno
Rogeiro, analista político.
Patrícia Fonseca, da Visão, Pedro Bicudo,
da RTP, Óscar Mascarenhas, provedor do
leitor do Diário de Notícias, e Sara Pina, da
FLAD, e coordenadora deste ciclo, moderaram as conferências que estiveram na
origem dos artigos que se seguem.
RUI OCHOA
A Fundação Luso-Americana (FLAD) promoveu o ciclo de conferências, por iniciativa de Mário Mesquita (administrador),
dedicado às eleições presidenciais nos
Estados Unidos, em parceria com a
Embaixada dos EUA em Lisboa e o
American Club.
Aberto ao público, o ciclo decorreu entre
Maio de 2012 a Janeiro de 2013, e trouxe a Lisboa um conjunto de especialistas
e profissionais ligados ao mundo político
internacional. Ao ciclo “As Presidenciais
Americanas na Perspectiva Europeia” assistiram alunos de várias universidades portuguesas que fizeram artigos sobre o tema
(dos quais publicamos dois textos nas
páginas que se seguem).
A primeira conferência do ciclo, intitulada “As Escolhas das Primárias e a
Campanha nos Media”, teve como convidados Pedro Adão e Silva, professor no
ISCTE e doutorado em Ciência Política e
comentador frequente em vários media
nacionais; e Pamela Rolfe, jornalista norte-americana freelancer, correspondente de
vários media britânicos e norte-americanos
em Madrid, nomeadamente o Washington
Post.
Com o tema “Análise da Campanha
Eleitoral”, a segunda conferência trouxe
a Portugal Christian Ferry, representante
do Partido Republicano e campaign manager
da candidatura McCain-Palin em 2008, e
Tom McMahon, representante do Partido
Democrata, estratega político, e antigo
director do Comité Nacional Democrático.
António ‘Tony’ Cabral, deputado estadual
em Bristol, 13.º distrito do Massachusetts,
pelo Partido Democrata, esteve frente-a­
‑frente com Devin Nunes, membro do
Congresso nor te-amer icano em
Washington D.C. pelo Partido Republicano,
e representante dos EUA no 21.º distrito
da Califórnia no encontro sobre “Políticos
Luso-Americanos”.
Tony Cabral, deputado estadual do Partido Democrata (direita), e Devin Nunes, membro do Congresso
pelo Partido Republicano (esquerda), com Sara Pina (coordenadora do ciclo) na conferência sobre
“Políticos Luso-Americanos”.
11
especial
BAMA ’12
As eleições vistas
de Washington
POR BERNARDO PIRES
DE LIMA*
‘
Esta indústria [think thanks] é tão competitiva
como profissionalmente exigente. Mas o facto
de este mercado ser tão competitivo nem sempre
traz qualidade associada. Muitas conferências
e debates são marcados por ideias e slogans
sem a profundidade necessária. Por vezes
parecem apenas testar as reacções da audiência
ou da imensa massa crítica que os alimentam.
’
Washington DC é a melhor torre de controlo sobre
eleições americanas. Enquanto a campanha percorre o país, universidades e think tanks debatem e
divergem, mostrando a qualidade dos seus recursos
e o manancial de ideias. Esta policy community, em
particular a da política externa, é uma influente
indústria de argumentação, egos, networking e alguns
sound bytes.
Mas vamos primeiro à campanha eleitoral, dividida em três fases. A primeira, entre as duas convenções
partidárias e o início dos debates televisivos. A concentração do GOP na Florida, mesmo lançando o
bem preparado Paul Ryan para vice, deu­‑se mais por
quererem derrotar Obama do que por acreditarem
em Romney, não produzindo um efeito extra de
empolgamento. A convenção democrata de Charlotte
passava por desmontar a agenda adversária e criar
uma narrativa semelhante à de 2008, definindo novas
metas para fazer coincidir o primeiro mandato com
metade do plano de recuperação da economia.
Só assim poderiam pedir um novo.
O segundo momento diz respeito aos dezoito
dias entre o primeiro e o último debate televisivo.
Barack Obama tinha que gerir a sensação de vitó-
12
ria antecipada, uma garantia que podia desmobilizar a coligação de 2008: mulheres, jovens e
minorias étnicas. Se no primeiro debate Romney
superou as expectativas, os restantes encontros
revelaram prestações equilibradas. Romney fez de
moderado, desmentindo algumas propostas das
primárias, e Obama centrou­‑se na justiça fiscal,
cortes na defesa e “saúde” da economia: o desemprego baixava dos oito por cento pela primeira
vez no seu mandato e o PIB crescia há treze trimestres consecutivos.
Os motivos do desequilíbrio final constituem o
terceiro momento. Começou pela gestão política
do furacão Sandy, muito mais certeira em Obama;
passou pela entrada em cena de Bill Clinton, a maior
estrela do firmamento democrata, e que trouxe
horizonte temporal a Obama, lembrando a prescrição de sucesso contra a maleita da economia e
os anos do triunfalismo liberal da década de 1990;
e a errónea recta final de Romney, com o “binders
full of women”, o furacão Sandy e algumas apostas
geográficas de campanha. A 6 de Novembro, com
o Congresso repartido nas maiorias de 2010,
Obama vencia com mais de três milhões de votos
populares e 126 votos no colégio eleitoral.
Os EUA vivem um momento de polarização ideológica, intransigência com a diferença e desconfiança com a política feita em Washington. Esta
campanha, ao invés de acalmar o debate, promoveu
o ódio político, a intolerância e gastou seis mil
milhões de dólares com um traço de ataques negativos entre adversários que importa questionar.
Além disso, os resultados mostraram que Obama
perdeu seis por cento dos eleitores entre os 18 e
os 30 anos, quatro por cento entre as mulheres
brancas e três por cento entre os negros, mas conquistou quatro por cento do voto hispânico, o
eleitorado que demograficamente mais cresceu
desde 2008, decisivo tanto no Midwest como na
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
especial
BAMA ’12
Florida. Neste segmento, Obama bateu Romney por
71/27, muito fraco quando comparado com Bush
em 2004 (40 por cento) e McCain em 2008 (31
por cento). Ficou ainda demonstrado que não é
possível apagar as feridas de primárias tão intensas,
nem confiar só no eleitorado branco (72 por cento
do total).
A impressão de preponderância de Obama na
foreign policy community pode ser explicada pelo facto
de as suas principais instituições estarem mais próximas dos democratas, o que amplifica a sua presença nesta minha avaliação. Além disso, Obama
não tem sido um corpo estranho a muitos sectores
republicanos. Está confortável com o uso da força
(Bin Laden, drones, Líbia, Afeganistão), é prudente
nos impulsos messiânicos, o que o aproxima dos
kissingerianos, e tem uma visão para o Pacífico
para condicionar a China, o que também promove
a convergência.
É empolgante, motivador e desafiante trabalhar
nestes think tanks. A sua importância mede­‑se não só
pelos robustos orçamentos anuais – Brookings
(90 milhões de dólares), Center for Strategic and
International Studies (30), Council on Foreign
Relations (68), Carnegie Endowment for International
Peace (30), American Enterprise Institute (25),
German Marshall Fund (30), Center for American
Progress (35) – mas sobretudo pela capacidade de
gerar ideias, opções e soluções para os decisores nas
mais diversas políticas públicas.
No que toca à política externa, o resultado é cativante. Há um circuito oleado de recursos humanos
e ideias que parte dos institutos universitários,
(Georgetown, SAIS, George Washington), progride
pelos think tanks (Brookings, o CSIS, o Council on
Foreign Relations, o German Marshall Fund, o Cato
Institute, o Atlantic Council, o American Enterprise
Institute, a Foreign Policy Initiative ou o Center
for Transatlantic Relations) e conduz à entrada na
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
política com importantes cargos na Administração,
no Congresso, ou em departamentos de formulação
de decisões, como os policy plannings do Departamento
de Estado e do Pentágono ou no National Security
Council.
Esta indústria é tão competitiva como profissionalmente exigente. Mas o facto de este mercado
ser tão competitivo nem sempre traz qualidade
associada. Muitas conferências e debates são marcados por ideias e slogans sem a profundidade
necessária. Por vezes parecem apenas testar as
reacções da audiência ou da imensa massa crítica
que os alimentam. A partir daí, sim, o sound byte
pode fazer o seu percurso: aprofundar argumentos, desmontar uns quantos outros, entrar no
debate público através da imprensa, gerar o interesse de algum produtor de política externa, até
chegar ao topo da cadeia de decisão. Ou, simplesmente, não ter nenhum impacto, servir apenas de
linha de discussão e morrer uns tempos depois.
O que quer que o destino lhe reserve, de uma
coisa pode esta foreign policy community estar certa e
orgulhar­‑se: as ideias contam, as empatias também,
a network pesa. Debater, argumentar, publicar,
influenciar, decidir. É isto que no final conta.
Há massa crítica, há jornalismo que fiscaliza, ouve
e critica, há democracia e, felizmente, há dinheiro. Pode sofrer muitas vezes de etnocentrismo,
autoconsumir­‑se e transformar­‑se mesmo numa
bolha esgotante, mas ninguém fica indiferente à
efervescência política de Washington. Ainda por
cima olhando do alto da torre para uma campanha
presidencial. Assim, longa vida para a democracia
na América.
* Investigador do IPRI–UNL, Visiting Fellow no Center for Transatlantic
Relations, SAIS, Johns Hopkins University, com apoio da FLAD, e colunista
do Diário de Notícias. A versão original deste artigo foi publicada na
revista Relações Internacionais (n.º 36, Dezembro de 2012).
13
especial
BAMA ’12
A corrida solitária de Romney
Quatro anos depois de o mundo ter acompanhado de perto a luta
entre Hillary Clinton e Barack Obama por um lugar na corrida à Casa Branca,
assistimos a uma disputa menos empolgante no Partido Republicano,
com reflexos na atenção dada pelos media americanos.
POR CLÁUDIO NÓBREGA, FILIPE CAETANO E VIRIATO QUEIROGA*
14
A INFLUÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA
As eleições americanas são intensamente
cobertas pelos media, dos mais tradicionais,
como as televisões nacionais (ABC, NBC,
CNN, FOX News), às redes sociais e novos
meios, que recorrem a dispositivos tecnológicos que garantem o acesso ilimitado à informação através da internet. “Os
media têm grande capacidade de influenciar
a população na escolha dos candidatos”,
referiu Pamela Rolfe.
Existe a sensação de que os media têm,
efectivamente, capacidade de influenciar
os cidadãos na escolha dos candidados no
momento do acto eleitoral, mas torna­‑se
difícil prová­‑lo.
Para Pedro Adão e Silva, as primárias
contribuem para o acentuar das clivagens
político­‑ideológicas nos EUA e como este
processo é mediatizado pelos principais
canais de cabo que evoluíram para um
sistema de cobertura noticiosa monotemática, centrada nos temas dominantes.
Assim, têm tendência para penalizar os
candidatos que vão à frente e para favorecer os candidatos que vão atrás, uma
vez que fazem aumentar as expectativas
noticiosas.
* Alunos do Mestrado em Ciência Política do ISCTE – IUL
HUGO MANUEL CORREIA
A corrida à Casa Branca captou as atenções
do mundo durante o ano passado. Os
americanos, e o mundo, não se mostraram
tão empolgados. “As escolhas das primárias e a campanha nos media”, foi o tema
da primeira conferência do ciclo sobre as
eleições norte­‑americanas. Como oradores
convidados Pedro Adão e Silva (professor
do ISCTE – IUL e doutorado em Ciência
Política) e Pamela Rolfe (jornalista freelancer,
correspondente de media britânicos e americanos em Madrid).
Depois de ter perdido a corrida para John
McCain em 2008, Mitt Romney foi o
candidato presidencial escolhido pelos
republicanos, derrotando por larga margem os opositores do seu partido. Nunca
deixou de ser o nome mais forte, apesar
de Rick Santorum e Newt Gingrich terem
surgido como temíveis rivais numa corrida solitária. Pelo caminho foram caindo outras personalidades (quase todas
apoiadas pelo “Tea Party”).
Pressionado pelo eleitorado mais conservador e procurando diferenciar­‑se de
Obama, Romney virou decisivamente à
direita, assumindo o consenso republicano contra os impostos, renegando o apoio
de décadas ao direito ao aborto e erguendo como uma das suas bandeiras o ataque
ao aumento da despesa pública.
O foco da campanha republicana, e
nomeadamente de Romney, esteve sempre
centrado em Obama. Servindo­‑se do “braço armado” na Câmara dos Representantes,
com ataque constante do seu partido à
agenda doméstica do Presidente, o
ex­‑governador do Massachusetts chegou a
descrever o opositor democrata de “assassino de empregos” e culpado de “envenenar o verdadeiro espírito da América”.
As eleições americanas são intensamente cobertas pelos media, dos mais tradicionais às redes sociais.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
especial
BAMA ’12
Perspectivas de campanha
Com recurso a uma campanha fundada na esperança, Barack Obama materializou o
desejo colectivo americano de garantir a continuidade dos EUA, não só enquanto potência
incontornável nas relações internacionais, mas simultaneamente como um modelo capaz
de exportar a ideia do American dream e do self-made man.
Na corrida para as eleições presidenciais em
2008, Barack Obama construiu a sua campanha em torno do slogan de que “Washington
tinha de mudar”. Na verdade, ele próprio
representava o verdadeiro rosto da mudança, um modelo, uma inspiração para grande parte do eleitorado, sobretudo para os
mais jovens por intermédio da ideia inspiradora do “Yes we can”. Com recurso a uma
campanha fundada na esperança, Barack
Obama materializou o desejo colectivo americano de garantir a continuidade dos EUA,
não só enquanto potência incontornável nas
relações internacionais, mas simultaneamente como um modelo capaz de exportar a
ideia do American dream e do self­‑made man. Nesse
mesmo ano, Obama prometeu a criação de
um sistema universal de saúde, de condições
para a existência de pleno emprego, de uma
América mais sustentável do ponto de vista
energético e, acima de tudo, prometeu retirar a América da grave crise económica e
financeira em que havia mergulhado.
Hoje em dia, porém, muitas das promessas ficaram por cumprir e os efeitos
duradouros da crise colocaram em causa
o desejo e a mensagem de mudança que
o actual Presidente trouxe consigo para a
Casa Branca.
O confronto entre Mitt Romney e Barack
Obama girou em redor de uma questão
essencial: a dimensão, custo e papel do
governo federal em diversas áreas, como a
educação, a saúde e, fundamentalmente, a
economia. De cada lado da barricada, o eleitor foi confrontado com uma visão distinta
para o futuro dos Estados Unidos, com ferramentas e soluções diferentes para enfrentar os efeitos da crise, sobretudo o elevado
número de desempregados.
Do lado democrata, o actual Presidente
procurou convencer o eleitorado de que
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
SUSANA ANDRÉ
POR BÁRBARA MATIAS E TIAGO COELHO*
Obama defende um alargamento do volume do
Estado com a intenção de proteger os cidadãos.
herdou um fardo extremamente pesado da
Administração Bush. Para além da recessão
económica, Obama teve de lidar com duas
longas guerras que fizeram disparar o orçamento do Pentágono. Nesse sentido, Obama
pediu aos americanos mais tempo para concluir o seu projecto, traduzido no lema
“Move forward’’, por forma a deixar um
legado para as gerações futuras. Para isso,
os democratas propuseram soluções de cariz
keynesiano, defendendo que Washington
deveria ter um papel mais activo, nomeadamente através do aumento da carga fiscal,
regulação dos mercados e da despesa governamental, crucial para estimular o crescimento económico. Por outras palavras,
Obama defende um alargamento do volume
do Estado com a intenção de proteger os
cidadãos mais vulneráveis dos choques e da
volatilidade dos mercados financeiros.
Por outro lado, Mitt Romney propôs como
solução medidas de carácter neoliberal, à
semelhança daquilo que o Presidente Ronald
Reagan fez durante a década de 1980 para
responder ao elevado desemprego e favorecer o crescimento da economia. Isto quer
dizer que o principal objectivo republicano
é a redução do volume e peso do estado
federal na economia, sobretudo através da
redução do investimento público. Contudo,
estas medidas acarretariam restrições a programas e serviços nacionais, como a Planned
Parenthoood, o Medicare e a segurança
social, de que muitos americanos beneficiam. Para além do travão ao investimento
público, a redução da carga fiscal desejada
por Romney não só acentuaria as assimetrias
internas provenientes de uma redistribuição
precária da riqueza, como ainda colocaria
em causa uma das principais conquistas da
actual presidência, o Affordable Care Act,
com o qual Romney pretendia romper,
embora tenha criado um programa semelhante enquanto governador do
Massachusetts.
Relativamente a Mitt Romney e de acordo
com o que Christian Ferry – vice­‑director
nacional da campanha de John McCain em
2008 – disse, a sua maior desvantagem
prendeu­‑se com o distanciamento do eleitorado, ao contrário do seu adversário.
Todavia, Ferry salientou que Romney tinha
a possibilidade de inverter esta situação até
dia 6 de Novembro, caso conseguisse contornar algumas perturbações de que a sua
campanha foi alvo, tal como o vídeo dos 47
por Cento de Americanos Que Vivem à Custa do Estado,
e apresentar de forma clara os seus projectos
para o futuro da América. Aliás, em tom de
brincadeira, o especialista republicano convidado pela Fundação Luso­‑Americana,
mostrou­‑se surpreendido pelo facto de os
europeus considerarem os republicanos
pouco simpáticos, dizendo que ele próprio
é republicano e se achava simpático, acessível e até mesmo brincalhão.
* Alunos do Instituto de Estudos Políticos – UCP
15
especial
BAMA ’12
Frustração e esperança
O republicano Christian Ferry e o democrata Tom MacMahon
estiveram na FLAD a debater política americana num momento crucial da vida dos EUA.
A Paralelo conversou com eles.
POR RICARDO ALEXANDRE*
sobre as eleições nos EUA, ao lado do
democrata Tom MacMahon.
Ferry admitia que a derrota dos republicanos para Obama em 2008 tinha acontecido “num contexto economicamente
muito difícil”, mas sentia que era tempo
de nova viragem política na liderança do
país: “Quando a economia está mal, frequentemente os americanos começam a
procurar alternativas.”Os republicanos
RUI OCHOA
Christian Ferry, dirigente do Partido
Republicano, vice­‑director na campanha
de John McCain em 2008, era um homem
confiante na vitória de Mitt Romney quando veio à FLAD, para uma conferência
Christian Ferry (à esquerda), dirigente do Partido Republicano, vice-director na campanha de John McCain em 2008, era um homem confiante na vitória
de Mitt Romney quando veio à FLAD com o democrata Tom Macmahon (à direita).
16
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
especial
argumentam com os “mais 5,3 milhões de
milhões [triliões] de dólares de dívida acumulada durante os últimos quatro anos,
fazendo a dívida chegar aos 16 milhões de
milhões [triliões] de dólares”. Perante o
argumento avançado pela Paralelo de que a
Administração Obama tinha herdado um
fardo muito pesado, arguiu: “É verdade,
mas as políticas dele melhoraram as coisas?
São capazes de nos tirar do ponto em que
estamos, com 23 milhões de americanos
desempregados?” Ferry admite que, quando Obama concorreu em 2008, o slogan
“Esperança e Mudança” inspirou muitos
americanos, mas agora esse slogan
transformou­‑se em “Divisão e Conquista”
e esse “não é o caminho para libertar a
América da economia doente que está a
ameaçar a prosperidade”. Em matéria de
política económica, apesar de os republicanos serem frequentemente conotados
com o mercado livre e a ausência de regulação e intervenção do Estado para o crescimento económico, Ferry admite que “é
consensual que deve haver um papel do
Governo, a questão é saber qual o peso
desse papel”. “Acho que o Governo deve
sair da frente e deixar os empreendedores
assumirem riscos, investirem capital, construírem um novo país, darem trabalho às
pessoas, criarem emprego”, sustenta.
Defende a reforma fiscal como forma de
atrair investimento: “Se tem a oportunidade de começar um negócio nos EUA ou
na Irlanda, onde o peso fiscal é menor e
a taxa de juro é mais baixa, onde o faria?
É preciso uma reforma fiscal para encorajar as pessoas a investir e a fazer os seus
negócios na América.”
A Paralelo provocou o dirigente do
Partido Democrata, Tom MacMahon,
perguntando­‑lhe se o slogan “Yes, we can”
não se tinha transformado em “Yes, if
the Republicans let us”.
O apoiante de Barack Obama diz que o
Presidente tentou uma “cultura legislativa
mais inclusiva” e, após as eleições intercalares de 2010, “os republicanos entenderam que, se deixassem passar a
legislação do Presidente, ficariam mais
fracos a médio prazo, e, por isso,
tornaram­‑se num obstáculo”.
Os números conhecidos a um mês das
eleições de Novembro justificavam a pergunta: 8,1 por cento de taxa de desemprego é algo de que um democrata
americano se possa orgulhar? MacMahon
foi peremptório: “Não! Mas quando se
herda uma economia em que se perdiam
800 mil empregos por mês e agora se cria
emprego, as coisas ficam em perspectiva
e já parecem diferentes.”
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
RUI OCHOA
BAMA ’12
“O maior mérito” de Obama “foi a reforma da saúde, é inquestionável”,
disse MacMahon (à direita na foto) na discussão com o republicano Ferry.
‘
importava com isso e fazia
as coisas de uma forma
mais solitária. As pessoas
podem ter opiniões diferentes sobre qual a opção
a tomar, mas respeitarão
mais as decisões se tiverem sido chamadas a discutir o assunto e acho que
provavelmente essa é a
grande diferença entre Obama e Bush.” Já
a nível interno, “o maior mérito” de
Obama “foi a reforma da saúde, é inquestionável”.
Nem tudo foram rosas no primeiro mandato de Obama, mas MacMahon afirma
que “as pessoas entendem que ele colocou
em ordem muita coisa fundamental para
endireitar a economia nos próximos anos”
e que “pedir a alguém para mudar tudo
em quatro anos, era demasiado e, por isso,
vão dar­‑lhe o benefício da dúvida”.
E assim foi. E agora? Quais os maiores
desafios em material de política externa?
“Um dos maiores será o Irão. Conseguir
um consenso com a comunidade internacional em termos de sanções económicas.
Haverá também uma série de assuntos
relacionados com a China, sejam direitos
humanos ou comércio. A Coreia do Norte
também vai continuar nas nossas cabeças,
já que é uma situação imprevisível.”
E a Europa? Acordo de comércio livre à
vista? Obama dará a resposta.
Claro que vamos continuar
a fazer aquilo que entendemos
que está certo, mas há prioridades
e a economia é a prioridade.
MacMahon
Não tendo o Presidente conseguido
fazer aprovar legislação para legalizar
milhares de imigrantes nos EUA, essa será
uma prioridade para o segundo mandato. “O importante é conseguir um consenso para impedir que haja retrocessos,
o Presidente até emitiu um decreto, mas
não é o mesmo que se pode conseguir
com uma lei”, distingue.
Sobre outra promessa não cumprida, o
encerramento de Guantánamo, MacMahon
lembra que é um processo que “depende
do Congresso”, onde “não há consenso”.
E sublinhou: “Claro que vamos continuar
a fazer aquilo que entendemos que está
certo, mas há prioridades e a economia é
a prioridade.”
Para este alto quadro do Partido
Democrata, que trabalhou no gabinete do
vice Al Gore durante a Administração
Clinton, Obama trouxe uma mudança
fundamental para a política externa:
“Interage muito mais com os outros líderes mundiais em termos de explicações
sobre o que vai ser feito e porque vai ser
feito. Acho que o Presidente Bush não se
’
* Jornalista da Antena1
17
especial
BAMA ’12
Dois olhares portugueses
sobre as eleições nos EUA
Obama. Garantia que as sondagens não
reflectiam o que estava a acontecer on the
ground, no terreno. Mitt Romney tinha vencido claramente o primeiro debate?
Cabral discordava: “O Presidente Obama
não teve que atacar nem criticar”, dizendo que Romney se derrotava com as suas
próprias palavras.
A Paralelo procurou saber junto de Tony
Cabral como foi trabalhar com Mitt
Romney, no governo do Massachusetts:
“Trabalha­‑se bem... desde que se concorde com ele.”
‘
O Presidente “tem pouco
a corrigir, tem que insistir
mais naquelas medidas
que enunciou nos dois
primeiros anos”.
’
Tony Cabral
RUI OCHOA
Tony Cabral é um nome há muito associado ao prestígio alcançado por emigrantes portugueses nos EUA. Devin Nunes é
um nome em ascensão na política norte­
‑americana. O primeiro é democrata, o
segundo é republicano.
Quando veio a Portugal, poucas semanas
antes das eleições presidenciais americanas
de 6 de Novembro, a convite da FLAD, Tony
Cabral não se mostrava nada preocupado
com as sondagens que apontavam para um
empate técnico ou, no mínimo, uma clara
aproximação entre Mitt Romney e Barack
Devin Nunes (à esquerda) é um nome em ascensão na política norte‑americana e Tony Cabral (à direita)
o democrata que acreditou sempre na vitória de Obama. Dois políticos luso-americanos em conferência na FLAD.
18
Paralelo n.o 7
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especial
BAMA ’12
Para o segundo mandato de Obama,
sente que o Presidente “tem pouco a
corrigir, tem que insistir mais naquelas
medidas que enunciou nos dois primeiros anos” do anterior mandato, “quando
os democratas estavam em maioria nas
duas câmaras do Congresso” (Câmara dos
Representantes e Senado). Cabral lembra
que foram “4,6 milhões de empregos
criados em três anos, mais do que George
W. Bush em oito anos”. Consciente de
que “leva tempo para mudar uma economia e um país e criar um futuro”, diz
que não era possível “fazer em apenas
quatro anos o que Bush desfez em oito”,
atribuindo ao Presidente Obama o mérito de ter salvado a indústria automóvel
dos EUA.
Sendo um dos únicos políticos nascidos
em Portugal a fazer política nos Estados
Unidos, Cabral admite que “talvez tenha
uma maneira mais global de ver as coisas”, valorizando a importância das “relações transatlânticas, a necessidade de
manter as boas relações com Portugal,
importantes para ambos os países”.
Destaca a questão da Base das Lajes, nos
Açores (na altura da entrevista à Paralelo,
ainda não se tinha consumado a decisão
da Administração americana de reduzir
os efectivos), garantindo que a redefinição do papel da base militar na ilha
Terceira não poria em causa as relações
transatlânticas.
“Sempre soubemos que ia ser uma corrida apertada”, afirmava, na altura da
entrevista, o muito otimista republicano
Devin Nunes, impressionado com “o péssimo desempenho” de Barack Obama
(no primeiro debate): “Nunca na minha
vida vi algo assim e provavelmente também não verei outra vez.”
Romney perdeu a eleição mas não perde
pertinência o pensamento político deste
jovem congressista pelo estado da
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Califórnia, considerado um dos mais pro- curar uma win­‑ win solution, isto é, uma
missores políticos norte­‑americanos e uma solução em que ambas as partes saiam
voz respeitada pela ala do Partido a ganhar. “Como americanos, não podeRepublicano identificada como “Tea Party”. mos encarar este assunto de forma levia“Este movimento não é um partido na”, conclui.
Ao presidente que viesse a ser eleito,
político, é um movimento orgânico, que
Devin Nunes deixou uma mensagem:
se rebelou contra a forma de governação
em Washington, onde as leis não seguem “A principal prioridade deve ser a reforum processo e canais democráticos”, ma de programas sociais como
explica. Radica aí, na opinião do luso­ Medicare, Medicaid e segurança social,
‑descendente, a força de um movimento bem como a reforma da estrutura fiscal.
que conseguiu mobilizar “dezenas de Sem isso será difícil conseguir crescimilhares de jovens em todo o país”, não mento económico, bem como a estruporque todos convergissem em todos os tura dos nossos sistemas de defesa.
temas mas porque todos discordavam da O Presidente deve tomar medidas duras,
forma de governar os EUA. Perguntámos tais como as medidas difíceis que o
a Nunes sé é duro fazer política, enquanGoverno português está a tentar impleto republicano, num estado muito azul: mentar aqui.”
“Não é duro pelo partido,
mas é duro porque a economia da Califórnia secou
completamente. E é triste
de ver, porque, durante
muito tempo, a Califórnia
foi a oitava economia do
Precisamos de uma conversa
mundo e agora vemos as
de adultos neste país, algo
pessoas sucumbirem às
mãos das falhadas polítique não temos tido por parte
cas governamentais.”
da Administração Obama.
“Precisamos de uma conversa de adultos neste país,
Devin Nunes
algo que não temos tido
por parte da Administração
Obama”. reclama.
Cresceu, muito orgulhoso, com “a cultura açoriaTony Cabral e Devin Nunes identificam­‑se
na e portuguesa na Califórnia” e
manifestou sinais de preocupação com o com duas visões distintas de América, de
que poderia ser o futuro da Base das Lajes país, de mundo. Talvez as diferenças estejam
mais esbatidas num ponto: a necessidade de
e das “relações transatlânticas”.
Ciente das reduções de efectivos que preservar e, se possível, reforçar a excelência
os EUA se preparavam para levar a cabo, das relações entre Portugal e os Estados
não só nos Açores como em todas as Unidos da América.
bases espalhadas pelo mundo, Nunes
entende que o mais importante é pro- Ricardo Alexandre/Jornalista da RTP/Antena1
‘
’
19
especial
BAMA ’12
Mitchell Cohen:
à Esquerda de Obama
‘
Especialistas que estudaram os debates presidenciais,
afirmam que eles não são decisivos para o resultado
das eleições, embora acentuem tendências.
“Especialistas que estudaram os debates presidenciais (ao longo da História
dos EUA), afirmam que eles não são
’
decisivos para o resultado das eleições”,
embora “acentuem tendências que já se
verifiquem; são a confirmação ou reconRUI OCHOA
Mitchell Cohen, ensaísta político e antigo
co-editor da Dissent, uma das principais
publicações intelectuais dos EUA, professor
da City University of New York (CUNY),
esteve na FLAD antes das eleições presidenciais nos Estados Unidos. À Paralelo falou
sobre sondagens, debates televisivos, desafios e prioridades da Casa Branca para os
próximos quatro anos:
Pedro Magalhães (à esquerda) e Mitchell Cohen (à direita), ambos professores de Ciência Política, discutiram os debates presidenciais televisivos.
20
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
especial
BAMA ’12
firmação de certas atitudes”. Claro que
a História também é feita de nuances e
houve, de facto, debates televisivos que
acabaram por ser fundamentais para o
resultado eleitoral, “como a vitória de
John Fitzgerald Kennedy em 1960. Com
Reagan talvez possa ter sido assim, mas
Carter perdeu por muitas outras razões.
A eleição de 2012 destaca o carácter
fundamental das “questões económicas
e sobre a imigração”. Os Estados Unidos
estão a passar por “uma significativa
mudança demográfica”, com a crescente importância do “voto hispânico”, que
terá sido importante para a eleição de
Barack Obama. Mas chama a atenção
para o facto de ser um eleitorado com
características muito próprias, uma vez
que “é bastante diferente a forma como
cubano-americanos e mexicano-americanos se relacionam com o sistema político”. Se no Ohio terá pesado mais a
questão económica (“Obama literalmente salvou a indústria automóvel”), já na
Florida a questão da imigração é um
factor preponderante na eleição.
Considera, por outro lado, que “a religião ainda desempenha um papel muito
importante na política americana”. Por
hipótese, “se um candidato à presidência dos EUA dissesse que era ateu, não
teria hipóteses de vencer”, mas também
admite que o papel da religião tem
mudado de uma forma muito interessante: “a primeira vez que um católico
foi nomeado para a liderança de um
partido político e para candidato à presidência, foi Al Smith, governador de
Nova Iorque, em 1928; fizeram-lhe a
vida negra, foi uma campanha muito
suja. Em 1960 Kennedy vence, mas o
facto de ser católico foi importante e
ele teve de superar isso durante a campanha. O católico seguinte foi Kerry em
2004 e aí já não foi uma questão cenParalelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
tral.” Muitos bispos católicos apoiaram
Bush, o que dá uma certa ideia das
mudanças verificados no país, na opinião de Mitchell Cohen.
Para este especialista da Europa e do
Médio Oriente, apesar da política externa
não ter sido uma prioridade na última
campanha presidencial americana, há
vários assuntos que vão marcar a agenda
internacional: “um será o Médio Oriente,
como é óbvio, outro será a China, mas
também a Europa, não só por causa dos
laços entre a América e a Europa, mas
pelos profundos problemas económicos
que vocês enfrentam aqui, o que terá
certamente impacto na nossa própria
recuperação económica.” Por isso, conclui
entre a Administração Obama e o actual
Governo de Israel, uma coisa são governos, outra, bem diferente, é o país; e no
terreno tem havido muita cooperação”,
apesar das divergências com o governo de
Netanyahu.
Cohen, que se considera um “socialista liberal”, diz que ainda é um homem
de esquerda: “Nos Estados Unidos, ser
de esquerda é sempre uma situação
muito peculiar, já que as pessoas com a
minha visão política raramente chegam
ao poder”. Acredita na combinação entre
democracia e protecção social, em vez de
“tudo, como que por magia, funcionar
através dos mercados, simplesmente
ignorando o sofrimento de uma
significativa parte da
população”. Ser de
esquerda
não
significa partilhar de
uma certa desilusão
em relação à forma
Qualquer política externa inteligente
como decorreu o
deve manter os laços com a Europa
primeiro mandato
de Barack Obama?
como alta prioridade.
“Em alguns aspectos,
sim”, admite. “A
reforma da saúde foi
aprovada e ainda
que “qualquer política externa inteligen- bem, mas claro que eu teria preferido
te deve manter os laços com a Europa que fosse diferente, mais próxima do
como alta prioridade”, tendo como preo- modelo canadiano; gostava que Obama
cupação a evolução da situação económi- tivesse contribuído para fortalecer as
ca da Europa e o próprio “destino da organizações sindicais que estão em
União Europeia”. Os laços entre ambos
claro declínio nas últimas décadas, que
os blocos existem, mas “é importante tivesse havido mais apoio a forças que
reforçá-los em nome dos valores demo- pudessem ser um contrapeso aos bancos
cráticos no mundo”. Não acha que isso e forças sociais que nos trouxeram para
signifique negligenciar áreas como a esta trapalhada económica.” Mas Cohen
América Latina ou África, até pelas também é um “reformista” e por isso
“mudanças de regime, desde a Tunísia ao não deixa margem para dúvidas: “deve
Egipto, passando pela Líbia”. Em relação calcular em quem voto.”
ao diferendo israelo-palestiniano, reconhece que “na tensão que se tem verificado Ricardo Alexandre/Jornalista da RTP/Antena1.
‘
’
21
especial
BAMA ’12
O optimismo moderado
de Michael Werz
O ciclo de conferências que assinalou as
57.as eleições presidenciais americanas,
encerrou três dias antes da posse. “Desafios
do novo mandato de Barack Obama” foi
o tema da conferência que contou com a
participação de Michael Werz, do Center
for American Progress, para além do autor
e jornalista Nuno Rogeiro. Werz conversou
com a Paralelo.
Barack Obama iniciou o seu segundo
mandato como Presidente dos EUA numa
altura de profunda divisão política no
país. Mas Werz está confiante quanto ao
sucesso do próximo governo americano:
“Estou moderadamente optimista.
O Presidente conseguiu feitos legislativos e políticos substanciais nos primeiros dois anos do mandato, pelo que
penso que se nos próximos quatro, cinco
ou seis meses conseguir resolver a questão fiscal, aumentar o tecto da dívida e
chegar a um entendimento sobre como
estruturamos o nosso sistema de impostos, se houver um entendimento de que
precisamos de investimento em infra­
‑estruturas no país, se tudo isso for
alcançado, creio que haverá espaço para
a acção política. Estou bastante confiante de que vai haver acordo em relação
ao controlo de armas, estou mais optimista do que nunca de que uma significativa reforma da lei da imigração será
aprovada; e depois, e essa é a minha
esperança pessoal, o Presidente preocupa­
‑se bastante com as alterações climáticas,
pelo que creio que, ainda que não esteja no horizonte próximo, em 2014 ou
2015 teremos uma discussão sobre a
forma como os EUA participam no já
avançado debate global sobre as alterações climáticas.”
Werz, também professor adjunto na
Georgetown University, diz que Obama
não pode deixar cair em saco roto
a promessa de encerramento da base
22
resse americano que a Europa se mantenha unida”. Acredita que a Europa
deve assumir um papel mais proactivo
em termos de defesa europeia integrada,
nomeadamente em relação à vizinhança
no Mediterrâneo, “porque essa é sua
responsabilidade”, sendo que do ponto
de vista americano, “isso automaticamente revigorará a relação transatlântica”. “O futuro não incidirá tanto no
Atlântico mas sim no Mediterrâneo,
como no Índico, no Pacífico e, possivelmente, no mar do Sul da China”,
conclui.
A Síria é uma das preocupações no
momento, para os Estados Unidos como
para a comunidade internacional.
O Ocidente quer ver Bashar Al­‑Assad
fora do poder, mas parece também
recear o que possa acontecer no dia
seguinte. Michael Werz concorda com
esta análise e afirma que
“quem diga que sabe
como vai ser o desfecho, não está a dizer
a verdade”. Para o conObama não pode deixar
ferencista convidado
pela FLAD, “a situação é
cair em saco roto a promessa
muito complexa, com
de encerramento da base
diferentes facções religiosas e grupos polítide Guantánamo.
cos”; ao mesmo tempo,
“a Sír ia tem como
vizinhos o Líbano e a
É certamente mais estimulante hoje em Jordânia, para além do Iraque e do Irão:
dia olhar para alguns países asiáticos e há toda uma complexidade regional que
da América Latina, mas Michael Werz faz com que seja difícil encontrar uma
entende que o relacionamento com a solução. Não penso que seja ignorância
Europa não está em causa: “A Europa
ou falta de sentimentos para com as
conta muito, a NATO é a mais importante terríveis atrocidades que têm sido
parceria militar e estratégica de que os cometidas num conflito que já custou
eua são membros.” Mas não deixa de
a vida a 60 mil pessoas”. Tudo isso, aos
dizer que “o futuro das relações transa- olhos ocidentais, “é inaceitável”. “Mas
tlânticas está, essencialmente, na mão toda a gente sabe que a Síria não é a
dos europeus”, apesar de ser do “inte- Líbia”, refere, acrescentando que o regi-
de Guantánamo – “é politicamente
importante, para corrigir o papel dos
EUA no mundo” – necessitando contudo
de um acordo político no Congresso
para o poder fazer. “Não é do interesse
dos eua que Guantánamo seja uma instituição que faça parte da tradição do
país”, afirma.
Em relação à política externa, apesar da
prioridade dada ao investimento na região
da Ásia­‑Pacífico, uma estratégia já assumida no primeiro mandato de Obama,
Werz concorda com a ideia de que o
Médio Oriente não pode ser negligenciado: “Os EUA serão arrastados para os
conflitos existentes, pelo que continuará
a haver investimento americano nessa
região, desde o Norte de África ao
Paquistão, é uma região que requer elevados recursos económicos, diplomáticos
e de segurança.”
‘
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Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
especial
BAMA ’12
‘
O futuro não incidirá tanto no Atlântico mas sim
no Mediterrâneo, como no Índico, no Pacífico e,
possivelmente, no mar do Sul da China.
’
te funcional e, como você disse, ninguém sabe como a situação no terreno
Ricardo Alexandre/Jornalista da RTP/Antena1.
RUI OCHOA
me de Damasco ainda conta com “uma
forte defesa aérea, um exército bastan-
vai ser assim que o Presidente Assad
partir”. Dadas as experiências do
Afeganistão e do Iraque, “não é do interesse dos Estados Unidos envolverem­
‑se” em mais um conflito. Por muito
insatisfatório que possa ser, o conflito
na Síria “ainda vai levar algum tempo”
até que tudo esteja resolvido.
Da esquerda para a direita: Mário Mesquita (administrador da FLAD), Michael Werz (Center for American Progress), Sara Pina (FLAD),
Nuno Rogeiro (analista político) e Charles Buchanan (administrador da FLAD) debateram o futuro da nova Administração Obama.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
23
especial
BAMA ’12
Obama, Parte II
Continuidade, ou o resto?
POR NUNO ROGEIRO*
O que será o segundo mandato de Barack Obama?
Continuidade, recomeço, renovação ou prelúdio?
A continuidade seria, no fundo, a manutenção de
pessoas e políticas, ou o recrutamento de novo
pessoal para executar a mesma política.
O recomeço equivaleria a uma nova fundação, ao
zero no conta-quilómetros doutrinário, à reinvenção de tudo, incluindo o optimismo voluntarista
do “Yes we can”, espécie de anúncio de uma revolução de veludo.
A renovação implica mudança de caras e/ou de
políticas, mas não necessariamente alteração substancial das ideias-chave, das pulsões e dos projectos.
Pode ser, como no famoso slogan do marcelismo
(de gosto francês), “renovação na continuidade”.
Por fim, prelúdio, no sentido em que a reeleição
pode ser apenas a abertura de um capítulo que
outros escreverão.
Há, para já, três elementos que podem indiciar
qual dos caminhos será trilhado pela presidência.
O primeiro é a substância da campanha, acima das
proclamações do momento, incluindo nos debates
(que, como se reconhece, correram mal a Obama).
O segundo é o conjunto de nomeações para a nova
administração. O terceiro é feito das linhas e das
entrelinhas do discurso de posse.
Antes, porém, é preciso, quase em nota de rodapé, salientar a ainda relevância da ex dita “hiperpotência” nos assuntos internacionais, para provar que
o novo mandato Obama será influente muito além
das suas fronteiras. Desde logo porque é difícil
definir estes limites: da Europa ao Pacífico, do antigo territorial backyard latino-americano aos vulcões
da “revolta árabe”, há interesses americanos substanciais e permanentes.
Hoje em dia os EUA reconhecem os limites do
seu poder, e sabe-se que, de campanhas militares
recentes a iniciativas políticas, não podem agir
sozinhos.
24
QUE PRESIDENTE?
Seja como for, que chefe – ou condutor – terá esta
pós-(hiper)potência? Que Barack Hussein Obama
jurou perante o juiz John Roberts, presidente do
Supremo e seu “adversário ideológico”? Um
Presidente activista, ou um Presidente ausente?
A esse propósito vem à memória Clint Eastwood
e a cadeira vazia – simbolizando Obama – na convenção republicana que sagrou Mitt Romney.
E chega à cabeça a história de diversas presidências,
que mudaram de tom, de estilo, de acento tónico,
da primeira para a segunda experiência. Às vezes
confirmando indícios reveladores, outras vezes
fazendo marcha atrás, incluindo confissões e remorsos. Outras ainda lançando novos, maiores e mais
ambiciosos projectos.
O estudo das presidências residiu em grande
medida em monografias circunstanciais, semi-impressionistas, e não num grande mecanismo
comparado, que pudesse colocá-las numa tipologia.
Pelo menos até ao advento do cientista político e
sociólogo James David Barber. Com os hoje clássicos The Presidential Character (1980) e The Pulse of Politics
(1992), Barber, uma presença querida pelos media
americanos, devido ao seu estilo directo e cortante, propunha-se criar essa árvore tipológica.
Discerniu, ao longo da história constitucional
americana, presidências arquetípicas, quanto ao
conteúdo, e quanto ao perfil psicopolítico dos actores. Na primeira vertente, poderíamos falar de presidências de “conflito”, de “conciliação” e de
“consciência”, conforme a ruptura, a negociação
e os princípios guiam a carruagem executiva.
Na segunda dimensão, Barber criou o famoso
quadro de presidentes “activos” ou “passivos”,
conforme a sua disposição a tomar iniciativas e a
“transformar” a sociedade e a nação, que teria de
se combinar com a qualidade “negativa” ou “positiva”. Este eixo traduz a forma como os locatários
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
especial
WHITE HOUSE PHOTO BY LAWRENCE JACKSON
BAMA ’12
Obama II será mais flexível, na medida em que, como realista e bom entendedor das conjunturas,
sabe de nada valerem princípios que são inaplicáveis.
da Casa Branca encaram as suas funções, gostando
ou detestando o que fazem e o que têm de fazer,
sendo cépticos ou optimistas em relação às suas
capacidades, e aos efeitos das mesmas.
Os quadros de Barber combinam velhas noções de
filosofia política, por exemplo herdadas de Aristóteles
ou São Tomás, e dados emprestados pela psicometria,
pela sociologia e pelas doutrinas comportamentais.
O modelo Barber procurava, num estado óptimo,
prever ou antecipar o desempenho presidencial, e
criar assim bases “científicas” de análise.
E torna-se mais complexo, ao relacionar os problemas psicológicos inatos, ou socializados, com
os da mundividência e dos “princípios” de cada
presidente, o seu estilo e linguagem, as expectativas
à sua volta, os elementos que dependem e não
dependem de si, na acção executiva.
Optimista e inovador, apaixonado pela política (mas
desdenhoso face à politiquice), crente em que pode
fazer algo, mais do que aguardar a salvação ou o
dilúvio, Obama parece, em primeira linha, um pleno
“activo-positivo” movido pela “ruptura” e pela
“consciência”, no sentido barberiano.
Isto foi, no entanto, a mensagem e o legado do
primeiro mandato. Acusado de aristocratismo e recusa de compromissos, Obama é também apreciado
por isso, nos dois partidos. Onde alguns olham arrogância, outros descobrem estadismo. Onde alguns
zurzem a falta de consenso com o Congresso, há
quem entenda que não pode abdicar-se, quando
há uma violação de promessas e valores.
Na campanha, Obama reafirmou muito deste
espírito. Mas nalguns momentos finais, no discurso de vitória e no sermão inaugural, preferiu
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
pegar no tema da “união”, em torno, por exemplo, não de noções diversas de legitimidade, mas
da legalidade constitucional, o “mínimo ético” da
América de hoje.
Isto levaria à conclusão de que Obama II será mais
flexível, na medida em que, como realista e bom
entendedor das conjunturas, sabe de nada valerem
princípios que são – no mundo dos homens –
inaplicáveis.
Por outro lado, um jurista com a tarimba de
Harvard sabe a diferença entre o Ser e o Dever Ser.
Só o primeiro, consubstanciado nas leis, nos regulamentos, nas práticas, entra na história como elemento de mudança. O segundo é luminoso e nobre,
mas sem execução fica no reino do discurso e do
sonho. Um Abraham Lincoln eloquente, mas sem
poder nem ousar uma União livre da escravatura
(mesmo à custa de uma guerra), seria um poeta
na galeria dos presidentes. Ora Obama já mostrou
que não quer ser lembrado como o presidente que
queria, mas não podia.
A sua maior flexibilidade, no segundo consulado,
pode assim ser justificada pela necessidade de introduzir como lei ao menos parte da doutrina. Mas o
activo-positivo continuará a reinar. E o facto de não
ter de se candidatar outra vez retira-lhe a prudência dos moderados, que já olham além do horizonte. Será assim certamente activista porque quer,
porque pode e porque sabe.
Mas um activista lúcido, tão ciente dos limites do
seu poder como os EUA se tornaram conscientes
das fronteiras da sua vontade estratégica.
* Analista político
25
especial
BAMA ’12
O tempo da concretização
Há quatro anos, Barack Obama fez história e tornou-se no primeiro
Presidente negro da América. O desafio, no segundo mandato,
é ser um Presidente grande.
POR GERMANO ALMEIDA*
26
de reconciliação com a promessa americana, depois do declínio moral dos anos
Bush (Guantánamo, Abu Ghraib, Iraque,
colapso financeiro).
Há uma tendência para sobrevalorizar
os poderes do Presidente dos EUA, vulgarmente rotulado de “homem mais poderoso do Mundo”.
‘
Muitos acreditaram
que tinha chegado
o Messias. E Barack
Obama é apenas
um político.
’
Paralelo n.o 7
WHITE HOUSE PHOTO BY LAWRENCE JACKSON
Mais do que uma nação, a América é
uma ideia. De Liberdade, em primeiro
lugar, mas acima de tudo de excepcionalidade.
O extraordinário momento histórico que
o Mundo celebrou há quatro anos, com
a eleição do primeiro Presidente negro
dos EUA, ajudou­‑nos a sentir uma espécie
| PRIMAVERA 2013
especial
BAMA ’12
A frase até tem o seu glamour. O problema é que muitos acreditaram que tinha
chegado o Messias. E Barack Obama é
apenas um político.
Um político particularmente eloquente
(talvez o melhor orador americano dos últimos cinquenta anos, desde os irmãos Jack
e Bobby Kennedy e de Martin Luther King),
que foi capaz de gerar a maior onda de
excitação e expectativa das últimas décadas.
Mas é, convém voltar a lembrar, apenas
um político. Ele foi insistindo nessa lembrança, ainda em plena campanha de
2008, no auge do entusiasmo, avisando
que iria ser “um presidente imperfeito”.
cessor de ter duas guerras para resolver,
apesar de ter sido alvo de um clima de
impasse no Congresso ainda pior do que
se viveu na Administração Clinton nos
anos 1990, Barack Obama foi capaz de
convencer os americanos a darem­‑lhe uma
segunda oportunidade.
OS ARGUMENTOS DA REELEIÇÃO
Como é que isto se explica? Por vários
motivos, mas destacaria dois essenciais:
pelo argumento da recuperação e pela
vontade de cooperação.
Se é verdade que, em política, a memória é muito curta, também é verdade que,
nos momentos certos, os eleitores dão
mostras de saberem o que será melhor
para as suas vidas e para o seu futuro.
E o facto é que Barack Obama foi capaz
de estancar o pânico, travar o risco da
derrocada e iniciar o caminho da “longa
estrada da recuperação”.
Nos tempos que correm, essa poderia
ser uma estratégia suicida: podia ter­‑lhe
custado a reeleição.
DO PÂNICO À LONGA ESTRADA
DA RECUPERAÇÃO
O balanço dos primeiros quatro anos da
era Obama torna fácil a prova dessa tese
de imperfeição: a recuperação económica
foi demorada; a promessa de fechar
Guantánamo ficou na gaveta; a oposição
republicana levou a níveis quase insuportáveis no grau de crítica e mesmo aversão
a este Presidente; a Reforma
Financeira foi tímida e não
garantiu a blindagem de
O triunfo foi um pouco menos
regulação capaz de evitar
futuras crises, que Obama
impressivo nos números,
chegara a prometer.
mas talvez ainda mais significativo,
É certo que o primeiro
mandato presidencial de
na sua relevância política.
Barack Obama foi, em muitos
momentos, conturbado e
contraditório.
Mas se nos lembrarmos da quantidade
Mas uma clara maioria dos americanos
de certidões de óbito político que já foram
percebeu que os EUA estão há três anos
seguidos a criar emprego (de forma lenta,
passadas ao 44.º Presidente dos Estados
Unidos, então é forçoso concluirmos que mas sustentada), que os mercados estão a
recuperar confiança e que até no sector imoBarack Obama voltou a fazer história.
Há quatro anos, a sua eleição foi envol- biliário os preços das casas começam a subir.
A juntar­‑se ao trunfo da recuperação
vida em aspectos dificilmente repetíveis:
o primeiro negro a chegar à Casa Branca económica, temos a questão do ambiente
vencia com vantagem esmagadora, fruto político. Os republicanos foram demasiade uma improvável coligação de 96 por do longe no seu ódio a este Presidente.
cento de negros, 67 por cento de latinos, O clima malsão que se viveu em
66 por cento de jovens e 56 por cento Washington nos últimos quatro anos, com
uma oposição cega da maioria republicade mulheres.
na na Câmara dos Representantes a qualEm 2012, o triunfo foi um pouco menos
impressivo nos números (menos quatro quer iniciativa construtiva vinda dos
milhões de votos expressos que em 2008), democratas e da Casa Branca, não respeimas talvez ainda mais significativo, na sua tou a tradição bipartidária.
Essa tradição tem servido de base a conrelevância política.
Apesar de ter tomado posse com uma sensos políticos fundamentais para a América
América a dias de poder sofrer um colap- em temas como a segurança nacional, a
so financeiro que a levaria a uma Grande política externa ou o tecto da dívida.
Ao reelegerem Barack Obama, os ameDepressão equivalente à dos anos 1930,
apesar da tremenda herança do seu ante- ricanos deram um claro sinal de que pre-
‘
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
ferem a via da cooperação ao mantra da
paralisação. Ou os republicanos no
Congresso compreendem esse sinal ou
estão condenados a deixarem­‑se chantagear pelo ódio irracional do Tea Party ao
Presidente Obama.
QUATRO PRIORIDADES
No discurso de tomada de posse para
o segundo mandato, a 21 de Janeiro,
Barack Obama foi mais longe do que é
costume nas cerimónias de inauguração,
que são, sobretudo, momentos de celebração simbólica.
Sem tempo a perder, Obama enunciou
a sua agenda política, dando mostras de
que quer aproveitar o segundo mandato
para concretizar aquilo que, nos primeiros
anos, não teve condições para avançar.
Destacaria quatro grandes prioridades
na agenda de Obama até Janeiro de 2017:
imigração; gun control; independência energética e alterações climáticas; redução da
dívida e resolução da “Fiscal Cliff”.
DO ENTUSIASMO AO LEGADO
Passada a excitação do “Yes we can” em
2008, o forward de 2012 apontava para um
sinal político mais durável, mas talvez
mais poderoso: a palavra de ordem é avançar para uma América nova, diversa, que
Barack Obama soube compreender nas
suas contradições, abraçando a ideia unificadora de we are all in this together(estamos
nisto juntos).
Ultrapassado o fantasma da derrocada
financeira, Obama pretende deixar um legado: quer garantir que a Reforma da Saúde
não recuará e é mesmo para aplicar na sua
plenitude a partir de 2014; quer reforçar
garantias de igualdade de tratamento a quem
é diferente (“na América cabem todos”).
Houve quem visse na segunda tomada de
posse um Obama mais liberal e mais à
esquerda. Mas para lá de questões ideológicas, o 44.º Presidente dos EUA pretende ser
recordado como aquele que evitou a depressão e compreendeu os sinais de uma “nova
América”, pronta a continuar a liderar, mas
aberta às mudanças de um Mundo multipolar e cada vez mais tecnológico.
Volta a ser tarefa gigantesca.
* Germano Almeida é jornalista e autor do blogue “Casa
Branca”. Em 2010, publicou o livro Histórias da Casa
Branca, título que dá nome à rubrica que assina no TVI24.
pt. Integrou o grupo do programa “José Rodrigues Miguéis
2012” da FLAD.
27
PORTUGAL/EUA
“Study in Portugal”
– Divulgar Portugal como
destino universitário de referência
Colocar Portugal na rota dos estudantes universitários norte-americanos,
difundir a qualidade das instituições académicas nacionais e dos seus cursos
e centros de investigação, estimular a cooperação entre os dois países e estabelecer
Portugal como uma porta de entrada para a Europa e para os países lusófonos.
São estas as principais premissas do programa “Study in Portugal”,
que pretende publicitar as qualidades do nosso país a vários níveis,
para que cada vez mais estudantes norte-americanos olhem para Portugal
como uma oportunidade viável para progredir nas suas vidas e carreiras.
POR ANDRÉ SEBASTIÃO*
Lançado em 2011 pela Fundação Luso­
‑Americana ( FLAD) em parceria com a
Comissão Fulbright Portugal, o Conselho
de Reitores das Universidades Portuguesas
(CRUP), o Turismo de Portugal e a Agência
para o Investimento e Comércio Externo
de Portugal (AICEP), o programa “Study
in Portugal” compreende uma divulgação dinâmica e apelativa dos principais
factores de motivação que possam evidenciar Portugal como um destino europeu de referência.
Na última edição da revista Paralelo,
Maria de Lurdes Rodrigues escrevia
sobre a importância que tem para a
internacionalização das universidades
portuguesas o “número de alunos e professores estrangeiros que integram as
suas actividades”. O reconhecimento
deste elemento foi um dos factores que
fez com que tantas entidades de renome
abraçassem este projecto, pois, através
do crescente intercâmbio, o “Study in
Portugal” configura­‑se não só como uma
ferramenta de captação, mas também
como um factor de promoção e prestígio para o País.
Desde que o programa foi lançado, os
esforços dos parceiros convergiram no
sentido de criar condições para que se
28
realizasse a primeira participação portuguesa na NAFSA 2012, que decorreu
em Houston, Texas. A NAFSA – Association
of International Educator­– realiza todos
os anos nos Estados Unidos uma conferência sobre educação internacional que
reúne mais de oito mil participantes de
todo mundo. Apesar da longevidade do
evento, que terá este ano o seu sexagésimo quarto encontro, Portugal nunca
tinha, até à data, marcado presença no
certame. O programa “Study in Portugal”
veio inverter esta tendência, sendo que
em 2012 a FLAD e os seus parceiros conseguiram que Portugal estivesse presente pela primeira vez.
Fátima Fonseca, directora do programa
“Study in Portugal” para a FLAD, sublinha
o sucesso do cumprimento deste objectivo. “A participação correu muito bem,
estiveram praticamente todas as universidades presentes, através de representantes
ou do envio de materiais promocionais”,
afirmou, salientando que o sentimento de
positividade demonstrado por todos os
intervenientes se consolidou no “desejo
de repetição da iniciativa”, sendo que os
parceiros já estão a trabalhar no sentido
de levar as universidades portuguesas à
NAFSA 2013 a ser realizada no mês de
Maio, desta feita, em St. Louis, Missouri.
Teresa Botelheiro, representante do CRUP,
reafirma a importância da participação
portuguesa na NAFSA , recordando o
“aumento de contactos por parte de universidades internacionais” que ocorreram
após a participação no evento. “Fomos
contactados por diversas universidades
internacionais que queriam saber mais
sobre as nossas ofertas”, recorda, assinalando o interesse dessas entidades em
criar parcerias com algumas universidades nacionais. Os parceiros são unânimes
em relação ao reconhecimento dos benefícios que a presença da delegação portuguesa na NAFSA trouxe para o programa.
Fátima Fonseca afirma com satisfação que
as iniciativas levadas a cabo no âmbito
do “Study in Portugal” começaram desde
cedo a promover uma maior procura por
Portugal, enquanto destino universitário.
No que respeita diretamente à FLAD, a
directora realça a maior afluência de contactos de interessados em saber como
podem vir estudar para Portugal. “Temos
sido muito mais abordados por pessoas
que têm conhecimento deste programa,
e que querem saber como podem vir
estudar para Portugal”, refere, apontando
a participação na NAFSA 2012 como um
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
PORTUGAL/EUA
EUA Mobilidade de estudantes
Estudantes portugueses nos EUA
Estudantes dos EUA em Portugal
‘
O número de estudantes americanos em Portugal
cresceu de 198 para 291, aumentando 47 por cento
no ano lectivo de 2010-2011.
’
ponto de viragem. “Desde a participação
na NAFSA fomos contactados não só por
empresas que se encarregam da mobilidade de estudantes universitários, mas
também, directamente, por estudantes
interessados em vir estudar para o País”,
sublinha com satisfação. O relatório “Open Doors” sobre a
mobilidade académica internacional,
publicado em Novembro passado pelo
Institute of International Education, com
o apoio do Bureau of Educational and
Cultural Affairs do Departamento de
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Estado americano, refere que o número
de estudantes americanos em Portugal
cresceu de 198 para 291, aumentando
47 por cento no ano lectivo de 2010
‑2011 quando comparado com o anterior. Otília Reis, directora executiva
da Fulbright Portugal, acredita que estes
números podem ser fruto da repercussão
que o programa já estava a ter, na
altura, junto dos estudantes norte­
‑americanos.
Steven Snowden e Margarita Ramirez
são dois norte­‑americanos a desenvolver
projectos em Portugal desde o fim do
ano passado. Steven trabalha num projecto de investigação na Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto
(FEUP), na área da composição musical,
que tem como tema a transformação do
movimento em música. Margarita está
na Universidade dos Açores a investigar
o tema “Perspectivas dos Açorianos
sobre a América”. Ambos os estudantes
destacam que a sua opção por Portugal
teve necessariamente a ver com as
potencialidades que o País lhes pode
oferecer para o desenvolvimento dos
seus projectos. Steven encontrou na qualidade do trabalho de Carlos Guedes,
professor de Composição Musical da
FEUP, e nos seus estudantes de mestrado,
uma motivação para vir desenvolver
o seu projecto em solo português,
enquanto Margarita escolheu os Açores
exactamente pelo seu tema se centrar
no arquipélago.
Steven destaca como grande vantagem
o custo do ensino universitário em
Portugal. “Nos Estados Unidos o Estado
não dá tanto apoio financeiro às universidades como aqui, e isso faz com que
tenhamos propinas muito elevadas”,
refere.
29
PORTUGAL/EUA
‘
“Study in Portugal”,
quer mostrar à América
e ao mundo que Portugal
é uma opção apetecível
a considerar.
europeias estão”, e por isso, segundo a
estudante, os americanos podem não considerar a hipótese Portugal quando pensam em estudar no estrangeiro.
Em comparação com outros países europeus, “Portugal oferece a mesma riqueza
histórica, a mesma identidade, os locais, as
experiências e mais!”, exclama Margarita,
dando voz às máximas do programa “Study
in Portugal”, que quer mostrar à América
e ao mundo que Portugal é uma opção
apetecível a considerar.
* Jornalista freelancer
’
Tanto no Porto como nos Açores,
Steven e Margarita identificam características portuguesas que para eles se
traduzem em mais qualidade de vida.
“Os portugueses sabem apreciar os simples prazeres da vida”, afirma Steven,
espantado com a diferenciação que aqui
se faz entre trabalho e lazer. “É comum
os americanos almoçarem nas suas secretárias, e levarem trabalho para casa, mas
aqui as coisas são diferentes”, para
Steven este estilo de vida mais saudável
permite que o nível de produtividade
seja semelhante sem que exista uma
“abordagem tão workaholic”.
Allan J. Katz, embaixador dos Estados
Unidos em Portugal e presidente honorário da Comissão Fulbright sublinhava na
edição transacta da Paralelo a importância
da “pesquisa conjunta, da criação de laços
pessoais e intercâmbios entre estudantes
e professores” para fortalecer ainda mais
a relação entre Portugal e os Estados
Unidos. Posto isto, o “Study in Portugal”
surge como bandeira promocional de um
percurso de intercâmbio, que embora já
estivesse a ser traçado pela FLAD , a
Fulbright e os seus parceiros, sentiu necessidade de ganhar outra visibilidade para
poder expandir a sua oferta.
Para Steven, programas como o “Study
in Portugal” são imprescindíveis. O investigador destaca a qualidade da FEUP, dizendo que “é considerada uma das melhores
escolas de engenharia de toda a Europa”,
embora esse estatuto não chegue para que
“isso seja sabido nos Estados Unidos”.
Margarita aponta esta iniciativa como
essencial: “Portugal não está romanceado
nos filmes e na cultura popular americana da mesma forma que outras nações
30
O americano Steven Snowden e Margarita Ramirez são dois norte-americanos a desenvolver projectos
em Portugal desde o fim do ano passado. Steven trabalha num projecto de investigação
na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), na área da composição musical.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
PORTUGAL/EUA
Olhar o passado para viver o futuro
Portugal e o Holocausto em colóquio inédito
BERNARDO NUNES
POR CLARA PINTO CALDEIRA*
Os auditórios da Gulbenkian foram palco de memórias, reflexão e debate, com historiadores, jornalistas,
diplomatas, investigadores, professores, nacionais e internacionais, em torno do período do Holocausto.
Corria o ano de 1991 e acabara de deflagrar
a primeira guerra do Iraque. Em Israel,
tinham caído os primeiros Scuds. Pairava a
suspeita de que estes pudessem ter gás, e o
fantasma da guerra química acordava. Uma
jornalista portuguesa precisava chegar ao
local, mas o espaço aéreo israelita estava
fechado. Consegue então apanhar o único
voo autorizado naquelas circunstâncias, um
avião fretado que partia de Zurique, com
judeus europeus sobreviventes do
Holocausto. Idosos, abastados, espalhados
pelas nações europeias, não suportavam a
ideia de escapar novamente ao martírio do
seu povo. Deixaram a família para trás e
embarcaram dispostos a morrer. “No voo
para Telavive, ninguém pronunciou uma
palavra. É talvez a minha primeira grande
experiência do Holocausto, do peso da palavra e do peso da memória e do silêncio que
ela impõe”, contou Clara Ferreira Alves,
numa das mesas do colóquio “Portugal e o
Holocausto - Aprender com o Passado,
Ensinar para o Futuro”, uma organização
inédita da FLAD, Embaixada Americana e
Fundação Calouste Gulbenkian.
Durante dois dias, 29 e 30 de Outubro,
os auditórios da Gulbenkian foram palco de
memórias, reflexão e debate, com historiadores, jornalistas, diplomatas, investigadores,
professores, nacionais e internacionais, em
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
torno do período do Holocausto em
Portugal e do respectivo impacto na sociedade portuguesa, e no contexto europeu e
mundial.
Com coordenação científica de Isabel
Capeloa Gil e Irene Pimentel, vários painéis
discutiram as relações políticas e diplomáticas, o discurso cultural do Holocausto e as
questões identitárias. Tendo em conta o contexto português da época, foi debatida a
posição do Estado Novo face ao conflito
mundial, a relação híbrida de Salazar com
as potências em conflito e a inestimável
contribuição do país na recepção de milhares de refugiados, sobretudo devido ao papel
de diplomatas portugueses, hostilizados pelo
regime ditatorial, reconhecidos pela democracia e distinguidos por Israel como
homens justos entre as nações, com destaque
para Aristides de Sousa Mendes, Sampaio
Garrido e Teixeira Branquinho. Neste colóquio, foi ainda exibido o filme de Ester
Mucznick que reúne vários testemunhos de
sobreviventes.
Um olhar sobre o passado, fundamental
para o futuro, como sublinhou Maria de
Lurdes Rodrigues, presidente da FLAD, que
defendeu a actualidade do tema: “No nosso
presente, nesta nossa época, o passado ainda
está connosco. […] Os desafios de combater o medo do outro e o medo dos estran-
geiros e o medo das fronteiras abertas. Os
desafios da comunicação e do debate livre
das ideias, a necessidade de enfrentar os
problemas e os conflitos políticos e religiosos dentro dos Estados e fora deles. O desafio de lutar pela liberdade e pela igualdade
permanecem, neste nosso tempo, como
foram desafios centrais no século passado.”
Desafios assumidos pelas organizações
internacionais, como a Yad Vashen e a Shoa
Memorial Foundation, que marcaram presença neste colóquio num dia exclusivamente dedicado à educação, onde também houve
lugar para um encontro entre os embaixadores de Israel, Áustria e Alemanha, moderado pelo embaixador americano, Allan Katz.
E sobre o ensino do Holocausto em Portugal,
vários professores portugueses partilharam
o seu trabalho nas escolas, um papel fundamental e delicado, sublinhado por Maria de
Lurdes Rodrigues: “Provavelmente não há
uma boa maneira de falar sobre o indizível.
Mas, ainda assim, todos temos consciência
de que é preciso passar o testemunho às
novas gerações. É preciso falar em cima do
silêncio. E esse é o grande desafio dos professores, dos educadores, por peritos que se
dedicam, que têm principal missão transmitir às novas gerações as mensagens, as
lições que retiramos do passado.” Como
sintetizou Eduardo Marçal Grilo, citando um
título de Léon Wells: “Para que a Terra não
esqueça.”
* Jornalista freelancer
Prémio “Portugal
e o Holocausto”
Os prémios “Portugal e o Holocausto” para
trabalhos de estudantes, do ensino secun‑
dário e universitário, foram atribuídos a:
Sónia Sousa, da Escola Secundária 3 de
Alpendurada, Marco de Canaveses – 1.º
prémio; Teresa Biléu e Rita Guégues, da
Escola Secundária Gabriel Pereira, em
Évora – menção honrosa; e Sara Correia
do Instituto Superior de Ciências Sociais
e Políticas da Universidade Técnica de
Lisboa – menção honrosa.
31
SOCIEDADE
Europa, periferia e catolicismo:
novos caminhos de investigação
A relação entre religião e política é fértil e, ao longo da história,
entre guerras e uniões estratégicas, marcou a evolução das nossas sociedades.
POR LUÍS PAIS BERNARDO*
mento. Organizada em conjunto pelo
CESNOVA, da Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, pelo Nanovic Institute for
European Studies, da University of Notre
Dame, e pelo Instituto Português de
Relações Internacionais, a conferência,
intitulada “Religion and Politics in
the European Catholic Periphery,
1789­‑2000s”, teve o apoio financeiro
da Fundação Luso­‑Americana para o
Desenvolvimento e da Fundação Oriente.
Trata-se do culminar de uma série de
debates sobre religião e política ocorridos
entre Tiago Fernandes e Andrew Gould
durante a estada do primeiro no Kellogg
MÓNICA VELOSA
Daí o interesse de vários académicos, de
ambas as costas do Atlântico, num encontro de dois dias no Convento da Arrábida
para apresentar resultados de projectos
em curso e, acima de tudo, desbravar um
caminho da investigação em ciências
sociais que, de acordo com todos os
intervenientes, merece maior aprofunda-
A zona feminina do Muro das Lamentações. Do outro lado, a Mesquita Al-Aqsa e a Cúpula da Rocha.
Judeus e árabes tão próximos neste lugar sagrado para ambos e tão distantes em quase tudo o resto…
32
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
SOCIEDADE
Institute for International Studies da
University of Notre Dame, no biénio
2009-2011.
O título abrange uma multiplicidade de
contextos geográficos, culturais e temporais – a diversidade de dimensões analíticas, interesses científicos, pontos de
vista e comunicações apresentadas foi,
talvez, o principal factor do sucesso da
conferência, embora o dinamismo e a
pluralidade de posições também tenham
contribuído para um debate aceso e muitíssimo relevante, de acordo com todos
os participantes.
Branco discutiu as capacidades do Estado
e a sua relação com as instituições eclesiásticas – dos sistemas de intermediação
de interesses; António Costa Pinto apresentou uma comunicação sobre o corporativismo em contextos autoritários no
período 1919­‑1939, – e da sociedade
civil; – Tiago Fernandes apresentou uma
comunicação sobre as origens religiosas
da sociedade civil, focando a importância
das relações entre o Estado e a Igreja
Católica. Neste contexto, emergiu um
tema que interessou todos os participantes: a importância da comparação em
ciências sociais e, particularmente, neste
campo. As comunicações de Geneviève
Zubrzycki, que apresentou uma comunicação em torno das mitografias políticas na Polónia contemporânea, e de
Julián Casanova, cuja apresentação versou
o papel da Igreja Católica espanhola na
construção política do século XX, reforçaram a importância dos estudos de caso
aprofundados, que alguns participantes
apresentaram em ambos os dias. Depois
de um aceso debate metodológico, o
consenso em torno da importância dos
estudos históricos e comparativos acabou
por prevalecer.
UM CENÁRIO, OPINIÕES DIVERSAS
O Convento da Arrábida foi um cenário
escolhido com precisão. De facto, o convento de origem franciscana oferecia
uma beleza cénica e uma riqueza simbólica que permitiu, em concomitância,
um debate interdisciplinar e metodológico interessante e um conjunto de pausas que ajudou os participantes a
reforçar, em diálogo franco, a ideia de
que a religião, enquanto conceito e
experiência, está longe de ter perdido
toda a relevância no mundo contemporâneo e deve ser
objecto de investigação mais aprofundada no domínio das
ciências sociais e,
A diversidade de dimensões analíticas,
particularmente, no
âmbito dos estudos
interesses científicos, pontos de vista
políticos.
e comunicações apresentadas foi,
A conferência abordou a temática do
talvez, o principal factor do sucesso
catolicismo e da Igreja
da conferência.
Católica Apostólica
Romana dentro de
um escopo temporal
muito alargado. No
No segundo dia, as comunicações
primeiro dia, as comunicações centraram­
‑se na importância das relações entre o abordaram questões contemporâneas,
nomeadamente a importância do campo
Estado e a Igreja para a explicação e análise da construção institucional da religioso para a explicação de padrões
modernidade, em especial no que res- eleitorais. Jason Wittenberg apresentou
peita ao Estado e à sociedade civil. Com uma comunicação em torno dos padrões
um escopo temporal alargado, todas as de voto na Hungria contemporânea e a
comunicações procuraram reposicionar importância do voto religioso, ao passo
a importância da religião enquanto ins- que Michael Minkenberg efectuou uma
tituição social e as relações Estado­ comparação entre países pertencentes à
‑religião para a construção dos Estados chamada “monocultura católica” da
modernos – Madalena Resende apresen- periferia europeia, de modo a explicar
tou uma interessante comparação entre padrões eleitorais –, a regulação do
o papel da Igreja Católica Apostólica campo religioso; Andrew Gould apreRomana em dois processsos de transição sentou os resultados de uma comparação
entre Portugal, Espanha e Irlanda no que
democrática, o português e o polaco; Rui
‘
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
respeita à imposição de “sistemas de
liberdade religiosa”; Paulo Fontes focou
o papel e a configuração institucional
da Igreja Católica portuguesa no período democrático – e a intersecção entre
o campo religioso e a produção de políticas públicas –, tendo o autor desta peça
efectuado uma apresentação sobre o
papel das comunidades religiosas na
assistência religiosa em três hospitais
portugueses. As comunicações apresentadas tenderam a centrar­‑se em estudos
de caso, ainda que a Irlanda, enquanto
país periférico de maioria católica, tenha
sido introduzida, pela primeira vez na
conferência, por Andy Gould. Outra das
diferenças (menores), relativamente ao
primeiro dia, centrou­‑se no papel atribuído à Igreja Católica enquanto actor
institucional. A concluir, uma prelecção
sugestiva de Diogo Ramada Curto, director do CESNOVA, ofereceu uma abordagem historiográfica de grande erudição
e elegância.
NOVOS CAMINHOS PARA
A INVESTIGAÇÃO COMPARADA
EM RELIGIÃO E POLÍTICA
Na globalidade, os dois dias da conferência acabaram por palmilhar caminhos
convergentes, apesar de diversos.
A importância de refinar aparatos conceptuais e, particularmente, de alargar o
escopo geográfico e temporal em que,
por norma, se inserem os estudos sobre
a periferia europeia de maioria católica,
enfatizando a complementaridade entre
estudos de caso concentrados e estudos
comparativos, foi uma das conclusões
mais consensuais. Além disso, a necessidade de ligar a literatura académica em
torno da religião a domínios temáticos
com os quais tem tido menos contacto,
como a literatura em torno da construção
dos Estados modernos ou a literatura em
torno das transições para a democracia
ou da produção de políticas públicas,
também foi sublinhada. Assim, num cenário natural e histórico belíssimo e com
o excelente apoio da equipa do Convento
da Arrábida, uma conferência fértil em
convívio intelectual abriu novas perspectivas para o estudo da religião e da política em contextos que assumem cada vez
maior relevância científica.
* Doutorando em Sociologia pela Humboldt­‑Universität zu
Berlin e mestre em Política Comparada pelo Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
33
Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt nos Açores
Pontes transatlânticas
O primeiro fórum teve lugar em Ponta Delgada, em Julho de 2008, comemorando
os 90 anos da escala de Roosevelt nos Açores. A segunda edição decorreu na Terceira.
O III Fórum Roosevelt chegou ao Faial em Abril de 2012.
POR SARA PINA*
Para colocar os Açores no mapa dos debates sobre estratégia e política internacional foi fundado, em cooperação com o
Governo Regional dos Açores, o Fórum
Açoriano Franklin D. Roosevelt, com
periodicidade bienal. Uma homenagem
a Franklin D. Roosevelt e o seu papel
decisivo nas relações euro-atlânticas. O
primeiro fórum teve lugar em Ponta
Delgada, em Julho de 2008, comemorando os 90 anos da escala de Roosevelt
nos Açores (São Miguel e Faial), quando
viajou rumo à Europa na qualidade de
secretário da Marinha do Governo do
Presidente Wilson, em 1918. O tema
principal do I Fórum foi “As Relações
Transatlânticas na Opinião Pública
Europeia e Americana”.
A segunda edição decorreu na Terceira,
nos dias 14, 15 e 16 de Abril de 2010.
Tal como em 2008, o Fórum procurou
acolher múltiplas perspectivas e disciplinas, e debater não só questões prementes
na agenda transatlântica como também a
evolução histórica da relação Europa-EUA
e o papel geopolítico do Atlântico e dos
Açores ao longo do último século.
Num momento em que Estados Unidos
e Europa se confrontam com um realinhamento político e económico global e
a escassos meses da cimeira da NATO em
Portugal, o II Fórum abordou alguns dos
principais desafios da Aliança Atlântica e
o papel das potências emergentes do
Pacífico e do Atlântico Sul.
Na altura, Curtis Roosevelt, neto do
A cidade da Horta encheu-se de especialistas nacionais e internacionais que falaram
sobre um dos maiores e mais valiosos bens portugueses: o mar.
34
Presidente FDR, interveio no fórum, que
considerou “oportunidade de ouro para
indicar caminhos alternativos em termos
de condução da política externa” e, ainda,
reuniu com entidades do Governo
Regional e prestou esclarecimentos em
vários órgãos de comunicação social, ao
longo do fórum e durante a viagem que
fez na Região Autónoma.
O III Fórum Roosevelt chegou ao Faial
de 27 a 30 de Abril de 2012. A cidade
da Horta encheu-se de especialistas
nacionais e internacionais que falaram
sobre um dos maiores e mais valiosos
bens portugueses: o mar.
Carlos César, então presidente do
Governo Regional dos Açores, interveio
para salientar a forte convergência de valores e cooperação com a FLAD, louvando a
iniciativa e o papel que as várias edições
do fórum têm desempenhado nessa relação e parceria: “Através de realizações
como a deste encontro, em que os Açores
são referência incontornável, a FLAD dá
conteúdo aos seus fundamentos constitutivos e dá a devida ênfase ao principal
factor de cooperação concreta entre
Portugal e os EUA.”
Mário Mesquita, administrador da FLAD
e impulsionador desta iniciativa desde
o primeiro momento, fez a sua intervenção na sessão de encerramento do
fórum, assinalando o impacto positivo
desta iniciativa nos Açores, não só pelo
carácter dinâmico, em particular desta
edição, mas também pelo facto de o
Fórum Roosevelt se assumir hoje como
um espaço aberto ao debate político, em
particular entre todos aqueles para quem
a relação transatlântica é positiva e deve
ser preservada.
* FLAD com Hannah Kliot.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
O arquipélago de
ponto de encontro global
Cynthia Koch, historiadora e ex-directora da Biblioteca Presidencial Franklin
D. Roosevelt, esteve presente em todos os fóruns Roosevelt e partilhou com os presentes
muito do legado de Franklin D. Roosevelt que tinha uma ligação especial
com os Açores e admirava o seu posicionamento estratégico.
‘
Penso que os fóruns
devem continuar e que
seria bom se houvesse
mais envolvimento
americano.
’
[P] Que importância podem estes encontros nos
Açores ter para as relações transatlânticas?
[CK] Por todas as razões que apontei. Por
ser um ponto de encontro, um local ligado pelo mar é um local global.
Cynthia Koch a historiadora que tão bem conhece Franklin D. Roosevelt,
lado a lado os dois, nos Açores.
[Paralelo] Esteve presente nas três edições do
fórum. Qual é a sua avaliação?
[Cynthia Koch] Cada um tem sido muito
diferente dos outros. Com grupo de participantes completamente diferente em
cada fórum, o que é inteligente porque
mostra que a Fundação procura atingir
novas audiências. Gostei especialmente
deste último pela muita informação histórica e cultural.
[P] No que diz respeito a Roosevelt e à sua viagem aos Açores, diria que este arquipélago teve
importância na vida dele?
[CK] Sim. Acho que teve muita importância porque lhe lembrava uma especial
ligação que ele tinha, que toda a família
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
dele tinha, estavam muito ligados ao
mar. Penso, também, que ele ficou tocado com a ideia de cruzamentos que
estão posicionados aqui, no meio do
Atlântico. Lembro-me de uma fotografia
dele quando saiu da residência, onde
ficou instalado quando veio aos Açores,
e viu duas árvores lado a lado: um
pinheiro e uma palmeira. Para ele simbolizavam que os Açores eram uma
união entre diferentes sítios. Daí fizemos
a analogia dos diferentes continentes
que se reúnem aqui. Este é um lugar um
pouco de cruzamento mas, também, um
lugar que parece fazer parte de toda a
parte. Penso que Roosevelt ficou impressionado com isso.
[P] Terá sido por isso que Roosevelt pensou instalar nos Açores a sede das Nações Unidas?
[CK] Podem ter havido interesses pessoais
em jogo. Roosevelt tinha o plano de ter
os assuntos do dia-a-dia perto dele e
depois viajar para a Europa. Ele velejaria
para aqui – um dos seus lugares favoritos
na terra. Foi incrível. Mostra o quanto ele
gostava deste sítio, acho.
[P] Como diria que estes fóruns poderiam evoluir
no futuro?
[CK] Penso que devem continuar e que
seria bom se houvesse mais envolvimento americano.
[P] Passariam a ser um importante ponto de
encontro para discutir novas perspectivas e interesses transatlânticos comuns?
[CK] Sim. Isso mesmo. Quando fala em
transatlântico poderia ser mundial. Um
próximo passo natural seria trazer o Brasil.
Talvez para os luso-americanos uma conversa a três seja importante.
SARA PINA com Hannah Kliot.
35
O mar que nos protege
Michael Orbach, director do Coastal Environmental Management Program
da Duke University, há muito que trabalha com Portugal nos assuntos do mar,
com o apoio da FLAD. Entre os dois países têm-se desenvolvido parcerias,
cursos e projectos de investigação conjuntos.
O papel das ciências sociais no estudo do
mar e os perigos da sua exploração para
as populações, com especial interesse nos
Açores, são comentados por Orbach nesta
entrevista, no intervalo dos trabalhos do
fórum dedicado ao mar e com vista para
o Pico.
qual o impacto que vai causar. A consequência disto é que precisamos de saber
tanto sobre as pessoas como sobre os
oceanos para tomar as medidas certas. No
passado, a maior parte do trabalho com
atenção ao ambiente foi feito pelas ciências da natureza que são apenas metade
da história. A outra metade são as ciências
sociais acerca das pessoas – a economia,
as comunidades, as culturas…
DR
[Paralelo] Qual a importância e relação das ciências sociais com o mar?
[Michael Orbach] Em termos da importância
da política de oceanos e marítima todas
as decisões tomadas por razões de desenvolvimento ou populacionais afectam as
pessoas. Quando se fazem leis não estamos
a causar impacto na água ou nos peixes
mas nas pessoas. Portanto, é preciso saber
o que as pessoas pensam e sentem; quando se desenvolve uma política e quando
se consideram alternativas é preciso saber
Charles Buchanan (à esquerda), o administrador da FLAD responsável pela área do ambiente e do mar, e Michael Orbach no III Fórum Roosevelt.
36
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Estamos à beira de uma nova
era de exploração do oceano. (...)
Essencialmente, usámos toda
a parte terrestre do planeta
e agora viramo-nos para o mar.
[P] Com a crise e as preocupações com a economia desvalorizam-se as preocupações ambientais?
[MO] Estamos à beira de uma nova era
de exploração do oceano. No passado,
durante muitos séculos, usámos os oceanos para fins militares e comerciais, para
a navegação. Só de há 100 anos para cá
começámos a extrair grandes quantidades
de recursos naturais, principalmente
peixe. Recentemente, começou-se a
extrair minério do fundo do mar em
grande escala. Todas estas actividades têm
grandes consequências para os oceanos.
Na pesca houve uma exploração exagerada até conseguirmos alguma gestão.
Começamos a fixar regulamentos para a
pesca e ter maior protecção embora haja
ainda muito para resolver, especialmente
a nível internacional.
[P] Como se caracteriza a nova era de exploração
dos oceanos?
[MO] Pela extracção de minério e de
produtos para fins farmacêuticos. Fala-se
da utilização de algas como biomassa
para combustível. As algas crescem e são
colhidas nos oceanos. Fala-se de energia
eólica e das ondas tiradas do oceano.
Essencialmente, usámos toda a parte
terrestre do planeta e agora viramo-nos
para o mar.
O problema é que se corre o grave risco
de destruir o oceano. A boa notícia é que
sabemos o suficiente para fazer um bom
planeamento. Por isso é tão importante e
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
DR
‘
a Fundação Luso­
‑Americana tem interesse em dar ênfase aos
oceanos, especialmente em Portugal, que
tem uma grande tradição marítima.
’
[P] Como podem contribuir os intercâmbios entre
Portugal e os Estados
Unidos nesta matéria?
[MO] Estou satisfeito por termos podido
apoiar estudantes portugueses que vieram
estudar connosco. Diria que eles são muito
bons. O grupo que veio no ano passado
chegou ao meu laboratório, o laboratório
marítimo da Duke, passou o Verão lá e em
Charleston com os serviços costeiros e
prepararam um artigo que foi publicado
numa revista de topo: a Marine Policy.
Os progressos têm sido grandes e produtivos. Também é importante para os nossos estudantes virem à Europa e a Portugal
ver como se trabalha.
[P] Embora o mesmo tipo de desafios relativamente ao mar se coloque a Portugal e aos Estados
Unidos há desenvolvimentos muito diferentes.
Porquê?
[MO] Nos Estados Unidos não tivemos
nenhum sistema federal de gestão das
pescas até 1976. Ajudei a montar esse sistema em que se investiu muito. Uma das
coisas que se desenvolveu nos Estados
Unidos foi a relação entre as ciências
sociais e os oceanos. Isso não acontece na
Europa em geral.
[P] Os Açores têm condições especiais para o
estudo dos oceanos?
[MO] Por causa da jurisdição extraterritorial há uma grande área nos Açores
que precisa de ser planificada. Parte do
planeamento envolve situações que
decorrem há muito, como as pescas ou
"Precisamos de saber tanto sobre as pessoas
como sobre os oceanos para tomar as medidas
certas", diz Orbach.
o turismo… mergulho, observação de
baleias…
Alguns assuntos são controversos. Como
ouvimos na conferência há muito minério no fundo do mar dos Açores. A sua
exploração é controversa por causa dos
métodos utilizados que já foram usados
noutros locais com consequências disruptivas. A questão é saber como os Açores
vão gerir esta situação. Se têm boa informação para saberem o que devem permitir e como podem vigiar essas actividades
e os seus efeitos. Será preciso muito trabalho e dinheiro e dependerá das relações
entre os governos e a indústria.
SARA PINA com Hannah Kliot.
37
Gestão dos mares:
muita teoria e pouca prática
Com a crise as pessoas não se preocupam tanto com o ambiente.
É o que tem acontecido em Portugal. Mas Tom Malone acredita que à medida
que a situação melhore as preocupações com os recursos naturais voltarão.
Professor Emérito do Horn Point
Laboratory University of Maryland,
Center for Environmental Science,
Malone tem trabalhado com a FLAD na
gestão dos recursos marítimos em
Portugal. No Fórum discutiu a implementação das políticas para o oceano
na zona costeira europeia e americana.
Em Portugal diz haver muitas políticas
para o oceano mas má aplicação destas.
[Paralelo] Pode explicar em que consistem os
seus projectos com a FLAD?
[Tom Malone] Temos trabalhado juntos
há já alguns anos. Com base na perspectiva de que os oceanos vão ser
objecto de usos múltiplos que aumentarão nas próximas décadas. Quanto
maior a multiplicidade de usos e a
necessidade de maior segurança, maiores serão os conflitos. Quer falemos de
energia éolica, embarcações ou pescas… O objectivo premente é reduzir
os conflitos e optimizar o uso dos
recursos naturais sem os esgotar. Há
várias carências que devem ser colmatadas. Em Portugal há várias leis de
protecção do desenvolvimento sustentado, do ambiente e da manutenção dos
ecossistemas saudáveis mas trabalhamos
às cegas. Não temos a informação que
nos capacite de detectar com rapidez
mudanças, antecipá-las e perceber
como podem afectar o bem-estar das
populações. Por isso temos investido
em melhores ligações das políticas para
o mar, a sua implementação e a evolução das populações na costa e do oceano. O maior exemplo que posso dar é
38
‘
Em última análise o nosso bem-estar depende
dos ecossistemas. Por isso, quando começar a haver
melhoras começaremos a pensar mais no longo prazo
em contribuir para a qualidade de vida das nossas
crianças.
’
que temos muita legislação que não
está a ser bem aplicada. Estamos a tentar identificar meios para avaliar o
oceano de forma a implementar as
medidas de forma efectiva.
[P] Diria que os Estados Unidos estão mais
avançados nestas medidas para o mar?
[TM] Os Estados Unidos estão mais à
frente, foram divididos em várias
regiões em que cada uma desenvolve o
seu próprio sistema de observação.
Perceber a capacidade de um ecossistema para resistir, por exemplo, se o peixe
começa a diminuir tem de se mudar os
limites da apanha. Nesse sentido, os
Estados Unidos estão mais avançados.
Uma importante razão para isto tem a
ver com a recessão que atingiu fortemente Portugal. Mas neste momento
estamos a lançar as sementes para
Portugal que a FLAD deve catalisar.
[P] A recessão prejudicou a investigação e as
medidas para proteger o mar?
[TM] Quando o bem-estar das pessoas
é muito mau é com isso que as pessoas
se preocupam. Isto não quer dizer que
as pessoas não se estão a preocupar com
o ambiente, mas quando têm de tomar
medidas vão focar-se na própria família
e no seu bem-estar, antes do resto. Em
última análise o nosso bem-estar depende dos ecossistemas. Por isso, quando
começar a haver melhoras começaremos
a pensar mais no longo prazo em contribuir para a qualidade de vida das
nossas crianças.
[P] Como é que a FLAD pode ajudar a cultivar
este pensamento de longo prazo no que diz
respeito à gestão dos recursos marítimos?
[TM] Temos tentado desenvolver um
projecto importante: os quatro pilares
do desenvolvimento sustentado. O sistema de observação; a monitorização
dos indicadores que daí resultam; com
isso conhecer a situação dos ecossistemas; e agir, por exemplo, informando
a marinha. Estamos a trabalhar com o
Governo português no planeamento de
postos navais.
SARA PINA com Hannah Kliot
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Elogio dos emigrantes portugueses
na América
Barney Frank, o frontal congressista norte-americano
do Partido Democrata, viajou até aos Açores
para o Fórum.
Com um grande eleitorado português do
Massachusetts, Frank falou dos seus quase
quarenta anos de carreira e da sua vida
pessoal. Não perdendo oportunidade para
elogiar os luso­‑americanos.
[BF] Em geral fui muito bem tratado. Eu
não sou simplesmente homossexual sou,
também, judeu. Portanto, faço parte de uma
espécie de dupla minoria e sem menção a
isso tenho sido uma das mais bem-suce-
didas figuras políticas no que diz respeito
à conquista de votos por parte do eleitorado de descendência portuguesa.
SARA PINA com Hannah Kliot
DR
[Paralelo] Se voltasse há quarenta anos o
que teria feito diferente na sua carreira?
[Barney Frank] Nada de muito especial. Nas
votações no Congresso mudaria o sentido
de voto no pedido de George Bush para
ir para guerra com vista a retirar o Iraque
do Kuwait. Votei contra porque estava com
medo que ele exagerasse mas não o fez.
Para além disso, na minha vida pessoal,
em 1987 assumi que era homossexual, se
fosse agora teria feito isso alguns anos
mais cedo.
[P] Como caracteriza a comunidade portuguesa do Massachusetts?
[BF] São muito trabalhadores e, também,
muito generosos.
[P] Disse que os imigrantes eram
empreendedores. Os portugueses são?
[BF] Sim, absolutamente. O que a comunidade luso-americana fez é de grande
valor. Estão completamente integrados na
vida americana, são líderes, e, ao mesmo
tempo, preservam a sua cultura portuguesa e a dos Açores.
[P] Como é que o seu eleitorado português reagiu à assunção da sua homossexualidade?
"O que a comunidade luso-americana fez é de grande valor. Estão completamente integrados
na vida americana, são líderes, e, ao mesmo tempo, preservam a sua cultura" afirma Frank.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
39
“Franklin Roosevelt reconhecia
algo familiar nos Açores”
À semelhança dos fóruns anteriores, também a terceira edição contou com a presença e
participação de um familiar do antigo Presidente norte-americano, como forma de manter
vivo o seu legado, e de trazer ao encontro uma linha condutora sempre relacionada com a
passagem de Roosevelt pelos Açores e pela relevância que o mar assumiu no seu mandato.
DR
No fórum dedicado ao mar, Frederic
Delano Grant Jr. assumiu-se como um
dos grandes protagonistas desta iniciativa, ao partilhar com os presentes um
conjunto de curiosidades e perspectivas
“Os Delano [família da mãe de Roosevelt] estavam
ligados ao mar há muitos, muitos anos”, contou
Delano Grant Jr. um descendente desta família.
40
‘
A crise funciona como uma desculpa
conhecidas no seio da
família sobre os vários
para deixar de fazer o que os
destinos marítimos
interesses financeiros não querem
percorridos pelo antigo Presidente, em parfazer.
ticular, a sua relação
com os Açores e com
a ilha do Faial. Neste contexto específico, [FDG] A relação com Macau e Hong Kong
Grant Jr. recordou também algumas cita- é uma relação familiar. O avô de Franklin
ções de Roosevelt sobre a ilha, retiradas Roosevelt e o irmão do avô (o avô de
do seu diário de bordo: “Vista daqui (do Franklin Roosevelt é Warren II, o irmão
navio) a ilha do Faial parece encantado- do avô é Edward), estavam ambos a tentar
ra, inúmeras casinhas muito brancas estabelecer ligações comerciais com a
espalham-se pelas encostas e pelos China.
pequenos terrenos cultivados com esmero”. “Há uma opinião positiva consistente [P] No que diz respeito ao mar e ao ambiensobre os Açores”, afirmou, acrescentando: te, como avalia a posição dos Estados Unidos
“Franklin Roosevelt reconhecia algo fami- neste momento de crise económica?
liar nos Açores”.
[FDG] Numa única palavra: inadequada. Há
tanto para ser feito e a crise funciona como
[Paralelo] Diria que o Presidente Roosevelt uma desculpa para deixar de fazer o que os
tinha espírito de marinheiro?
interesses financeiros não querem fazer.
[Frank Delano Grant] Absolutamente.
[P] Franklin Delano Roosevelt tinha preocu[P] Pode contar-nos alguns episódios sobre a sua pações ambientais?
relação com o mar e as suas viagens?
[FDG] Sim, absolutamente. Uma das coi[FDG] Cynthia Koch explicou na apresen- sas a lembrar acerca de Roosevelt é que
tação que fez ao Fórum que havia pro- ele muito conscientemente constrói a sua
fundas tradições familiares com o mar. Os
carreira seguindo o exemplo da sua relaDelano [família da mãe de Roosevelt] ção próxima mas não chegada com
estavam ligados ao mar há muitos, muitos Theodore Roosevelt. Teddy Roosevelt foi
anos. A família tinha ligações próximas o grande campeão não só da legislação
com a Europa, particularmente com a de protecção do consumidor, mas, tamFrança e a Inglaterra. Roosevelt, enquanto bém, da conservação ambiental. Portanto,
criança, viajou para a Europa muito por Roosevelt segue estas tendências através
mar. Ele adorava viajar de barco no ocea- da admiração a Teddy Roosevelt. Foram
no Atlântico ou no Hudson. Era um mari- feitos importantes progressos durante o
nheiro experiente e hábil para quem longo mandato de Roosevelt – apenas
velejar era relaxante e de que ele gostava como um exemplo: o CCC, the Civilian
muitíssimo. Queriam vê-lo sorrir? Era com Conservation Core, uma das iniciativas
do New Deal.
isso que sorria.
[P] E a relação com Macau e Hong Kong?
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
O quadro de Roosevelt oferecido
à Região Autónoma dos Açores
Este quadro, pintado a óleo por Charles
Ruttan, mostra em primeiro plano o
destroyer USS Dyer, tendo como pano de
fundo a cidade de Ponta Delgada, correspondendo a uma réplica do original,
que Roosevelt mantinha “por detrás da
secretária onde trabalhava” na sua casa
de Verão em Hyde Park, e que pertence actualmente à Franklin D. Roosevelt
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Library (Cynthia Koch, antiga directora da biblioteca, à direita na foto).
A pedido da FLAD (Mário Mesquita,
administrador da Fundação à direita na
foto) esta biblioteca preparou a oferta
à Região Autónoma dos Açores, na pessoa do seu então presidente, Carlos
César e sua mulher Luísa César (à
esquerda na foto), um quadro repre-
sentativo da passagem de Franklin D.
Roosevelt pelos Açores.
Esta oferta assinala, de forma simbólica, as primeiras três edições do Fórum
Roosevelt nos Açores: a primeira edição
em 2008, em Ponta Delgada; a segunda edição em 2010, em Angra do
Heroísmo; e a terceira em 2012, na
Horta.
41
PORTUGAL/EUA
Seis anos que estão a mudar
o nosso jornalismo
Desde 2008, 10 jornalistas com menos de 40 anos frequentam, com o apoio da FLAD,
o curso do Committee of Concerned Journalists. Quinze dias para “parar e pensar”,
em Washington DC. E que já influenciaram os media portugueses.
POR PAULO PENA* E SOFIA LORENA**
formação do Committee of Concerned
Journalists (CCJ), uma associação de repórteres, editores, académicos e proprietários
de media, que esteve na origem de um dos
mais interessantes debates sobre o jornalismo ocorridos nos EUA. Foi a partir do
CCJ que nasceram as bases do Project for
Excellence in Journalism, que integra
actualmente o Pew Research Center,
e todo o trabalho que resultou no livro
Os Elementos do Jornalismo, de Bill Kovach e
Tom Rosenstiel, uma obra que redefiniu as
prioridades da profissão e lançou as bases
para uma discussão pública do método
jornalístico, envolvendo o público.
Graças à FLAD e ao seu Programa José
Rodrigues Miguéis, dirigido por Sara
Pina, o CCJ recebe, anualmente, desde
2008, um grupo de dez jornalistas portugueses, a meio da carreira, que têm
DR
Há experiências que passam de ano para
ano. Aquele bar dos Thievery Corporation,
na rua 18, é uma delas. Mas nem só as
noites na capital federal dos Estados
Unidos são memoráveis. Há também o
dedo indicador, em riste, de Walter Dean.
Wally, como gosta que o tratem, é um
jornalista com 35 anos de currículo, 14
dos quais na delegação de Washington da
estação televisiva CBS. É ele que dirige a
Em 2011, os jornalistas viajaram durante as celebrações dos 10 anos do 11 de Setembro. Entre as reuniões e visitas incluiu-se a CNN.
42
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
acesso a uma formação intensiva sobre
as melhores práticas norte­‑americanas. E
o que se passa, entre as nove da manhã
e as 17 horas da tarde, com uma curta
pausa para almoço, não fica, exclusivamente, em Washington DC. A experiência
tem enriquecido as redacções portuguesas, e o debate sobre o jornalismo em
Portugal. Os bolseiros do Programa
Rodrigues Miguéis encontram­‑se entre os
fundadores do Fórum de Jornalistas, integram o Projecto Jornalismo e Sociedade,
organizam debates e workshops em universidades, ensinam nas universidades e conquistam prémios de jornalismo.
Talvez o caso mais notório seja o de
Bárbara Reis, que assumiu a direcção do
jornal Público meses depois de ter frequentado o curso de 2009.
Das discussões na pequena sala do CCJ,
no National Press Building na baixa de
Washington, Bárbara guarda a memória
de “um tempo para se pensar sobre a
nossa profissão, sobre o ponto de chegada”. Com funções de editora há vários
anos, a agora directora de um diário, “sentia falta de pensar o jornalismo”, de “fazer
aquela reflexão permanente a que temos
de nos obrigar”.
À volta de uma mesa oval reúnem­‑se
os dez jornalistas portugueses. Walter
Dean está à cabeceira, junto ao painel de
projecção por onde passam vídeos e
powerpoints. Wally tem um portátil ligado.
Mas quase todo o seu trabalho visível
decorre à volta de grandes folhas de papel
de cenário que vai cortando, colando nas
paredes, e enchendo a traços de marcador
com reflexões – sempre fruto das discussões entre os jornalistas. No final do
curso, não há um centímetro vago nas
paredes da sala de reuniões do CCJ.
O método é o da autodescoberta. Os jornalistas são postos perante problemas,
dilemas, opções. A maneira como reagem
vai sendo anotada em público, nas folhas
da parede. Ao fim de cada dia há uma
discussão. A forma como se chegou à
resposta “certa” é sempre colectiva. Wally
nunca dirige as respostas. Apenas toma
nota, salienta, sublinha. Bárbara Reis
aponta nesse método uma virtude:
“O que é mais importante aqui é termos
alguém que teve exactamente a mesma
profissão que nós e depois passou anos
a pesquisar sobre questões aparentemente óbvias e que corremos o risco de termos deixado de questionar.”
Um dos primeiros exercícios passa por
fazer um alinhamento de telejornal, com
base em várias opções de notícias (que
vão das típicas breaking news ao mero fait­
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
DR
PORTUGAL/EUA
O grupo de 2009, que incluiu Bárbara Reis nomeada poucos meses depois directora do Público,
numa aula no National Press Building, sede do Committee of Concerned Journalists.
‑divers, passando por peças sobre questões foi através desse processo que aprendeu
relevantes mas que não parecem possibi- a tornar mais real, e menos “abstracto”,
litar um tratamento noticioso muito ape- o papel dos leitores. Para este jornalista
lativo). O exercício passa de ano para ano, da revista Notícias Magazine, o curso do CCJ
com os mesmos exemplos – e resultados foi fundamental para recentrar a ideia de
muito parecidos. Quase toda a gente escolhe “público”: “Diferenciar aquilo que tem
as notícias bombásticas. Não as mais relevantes. Aquelas que
parecem ser as mais
Os bolseiros do Programa Rodrigues
impactantes. As que
são mais fáceis de traMiguéis encontram-se entre os
tar através de imagens.
fundadores do Fórum de Jornalistas,
As que não correm o
risco de aborrecer, de
integram o Projecto Jornalismo
levar o telespectador a
e Sociedade, organizam debates
mudar de canal. No
final, perante o ar
e workshops em universidades,
desanimado dos gruensinam nas universidades e
pos, Wally repete que
“é muito comum” e
conquistam prémios de jornalismo.
que “90 por cento
das pessoas cometem
o mesmo erro”. Lição do dia: “Tudo tem interesse público daquilo que é apenas
a ver com as nossas escolhas e decisões.” interessante ou, como ouvíamos lá, tornar
Se é verdade que a maioria dos bolseiros interessante aquilo que é relevante.”
já concorreu por sentir necessidade de O sublinhar da responsabilidade dos jornaparar e poder dedicar uns dias a pensar, listas perante o esclarecimento da opinião
esta é a demonstração evidente de que pública é, para este repórter, entretanto tamtodos precisamos de reflectir sobre o bém professor na Universidade Lusófona, a
que fazemos diariamente, tantas vezes com grande mais­‑valia desta formação.
Maria João Guimarães, 35 anos, partilha
automatismos e vícios acumulados.
Às vezes, parar pode significar deixarmo­ esta opinião. Esta repórter do Público, que
‑nos surpreender. Em muitas ocasiões é fez parte do primeiro grupo de jornalistas
portugueses formados pelo CCJ, em 2008,
redescobrir ou até confirmar intuições.
Ricardo J. Rodrigues, que participou no ganhou recentemente o Prémio Europeu
mesmo curso de Bárbara Reis, lembra que Together Against Discrimination, com a
‘
’
43
DR
PORTUGAL/EUA
O grupo de 2012 (numa foto no Capitólio) viajou durante as eleições norte-americanas e até assistiu a um comício de Obama na Virginia.
A viagem esteve na origem de muitos trabalhos jornalísticos, por exemplo, um programa televisivo dos Nativos Digitais que pode ser consultado neste link:
http://www.youtube.com/watch?v=GLIPv-Di9Oc&feature=player_embedded
reportagem, “Vizinhos dos neonazis para
lutar contra eles”, sobre o casal Lohmeyer e a sua vida na aldeia alemã de Jamel.
Antes tinha visto a sua reportagem
“Eurodeputados: As leis deles mudam a
nossa vida” distinguida na III Edição do
Prémio de Jornalismo do Parlamento
Europeu. “Todos sabemos que a União
Europeia é importante mas é muito difícil escrever de uma forma que reflicta
essa importância. Talvez por causa do
curso tenha decidido não só ir à procura dos efeitos das decisões dos deputados,
mas também falar com as pessoas que
tinham sido directamente afectadas nas
suas vidas. Acrescenta assim tanto ir falar
com uma pessoa que por causa das garantias terem passado a ser de dois anos
tenha podido trocar um electrodoméstico? Em termos absolutos não, mas esse
44
trabalho torna mais fácil a identificação
do leitor.”
Desde que voltou dos EUA, Maria João
foi seleccionada para uma bolsa do
American Club para fazer um trabalho
sobre mentores de adolescentes em risco.
Em Washington, diz ter aprendido a não
valorizar tanto os extremos, as posições a
preto­e­branco, e a procurar a informação
que verdadeiramente interessa aos cidadãos.
Nesse mesmo ano fez uma reportagem, na
campanha para as eleições americanas de
2008, centrada nos indecisos… “Ficou­‑me
a ideia que nem sempre é bom ouvir os
extremos, que, às vezes, o mais importante é chegar ao meio-termo, que tem muitas
nuances. Pode ser mais difícil mas é o melhor
em muitos temas.”
“Este é um momento muitíssimo interessante para o jornalismo”, resume
Bárbara Reis. A profissão está ameaçada
de crises por todos os lados: há a crise
de confiança do público, há a crise económica que retira poder de compra aos
cidadãos, há a crise do modelo de negócio tradicional dos media e há redacções
ainda a tentarem conjugar o trabalho nos
suportes de sempre com a necessidade
de responder ao ritmo e à multiplicidade de oferta da internet, com as suas
notícias em tempo real, redes sociais, os
seus “cidadãos jornalistas”… O momento só ganha importância com as dificuldades. “Temos esta corrida, com uma
perna fazemos o sprint dos 100 metros,
com outra corremos a maratona”, descreve Bárbara Reis.
De tudo isto se fala na sala do CCJ. “A participação no CCJ foi muito importante pela ajuda na estruturação conceptual
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
PORTUGAL/EUA
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
consultivo que integra quatro ex­‑bol- tos políticos, o curso fornece abordagens
seiros do Programa Rodrigues Miguéis. para várias áreas. O conjunto, variável, de
Na reunião fundadora esteve presente convidados também é muito amplo:
Tom Rosenstiel, o fundador da associa- de Barry Sussman, o editor do Washington
ção dos EUA.
Post responsável pela cobertura do caso
O PJS está a repetir os passos dados pelo “Watergate”, até à provedora dos ouvintes
CCJ, em finais da década de 1990. Já reada NPR, ou a autores de blogues indivilizou uma dezena de fóruns, abertos à duais de sucesso e responsáveis de sítios
população, em todos os pólos universitá- como o “Político”, o CCJ tenta proporciorios de jornalismo no Continente. Está a nar várias abordagens aos problemas
actuais do jornalismo.
realizar um inquérito a jornalistas, universitários e público.
E conta ter uma carta
de princípios, tal
A participação no CCJ foi muito
como aquela que inspira o CCJ.
importante pela ajuda na estruturação
Por essa altura estaconceptual do que é e para que serve
rão escolhidos os
novos bolseiros do
o jornalismo numa sociedade onde
programa de 2012
nunca existiu tanta informação
(este ano excepcionalmente realizado no
pronta a consumir.
Outono, para coincidir
com as eleições presiA experiência dos bolseiros deste prodenciais dos EUA). O número de candidatos
tem vindo a duplicar, de ano para ano.
grama acabou por chamar a atenção do
As redacções mais assíduas nas candida- maior grupo de media português.
turas são as da Visão e do Público. Mas já A Impresa (proprietária da SIC, do Expresso
foram seleccionados jornalistas de todos e da Visão) convidou o CCJ a vir formar
os media: RTP, SIC, RDP, TSF, Lusa, Jornal de um grupo de 140 jornalistas da casa.
Negócios, Diário Económico, Expresso...
Das novas narrativas para o jornalismo * Jornalista da Visão
multiplataforma, à forma de cobrir assun- ** Jornalista do Público
‘
’
DR
do que é e para que serve o jornalismo
numa sociedade onde nunca existiu tanta
informação pronta­a­consumir nem tantos
consumidores ávidos por exercerem a sua
livre escolha”, refere Rui Peres Jorge, do
Jornal de Negócios. “Esta reflexão tem naturalmente uma dimensão muito pessoal
para a qual os Elementos do Jornalismo, e de
resto toda a formação, são instrumentos
valiosos. Mas a experiência em Washington,
ao ser partilhada com outros jornalistas,
ofereceu­‑me ainda outra ajuda: mostrou
que há mais ‘jornalistas preocupados’ do
que muitas vezes imaginamos.”
Em finais de 2011, Rui, que integrou o
grupo de 2010, foi um dos fundadores
do Fórum de Jornalistas, uma associação
de profissionais (quase todos com menos
de 40 anos), que quer promover uma
reflexão permanente sobre a profissão e
tem realizado estudos, organizado debates
e alimenta um blogue (forumjornalistas.
wordpress.com). Ao longo de vários sábados, a Casa da Imprensa encheu­‑se de
jornalistas para debater assuntos tão variados como a protecção do emprego, as
contas das empresas de media e a importância da ética profissional.
O Fórum realizou ainda um inquérito
às chefias sobre a sua percepção do
momento actual da profissão.
Na segunda conferência, em meados de
Abril, António Granado, Joaquim Vieira e
Paulo Querido foram convidados a debater “que desafios colocam os novos media
ao jornalismo e aos jornalistas”. A discussão foi aberta com uma entrevista feita
por Rui a Wally, via Skype. Na resposta à
última pergunta – o que podem e devem
os jornalistas guardar e trazer do “velho”
jornalismo para os desafios colocados
pelos “novos” media – Wally lembrou que
há que trazer tudo e nunca esquecer questões simples como “tentar ter sempre
noção de onde estamos”.
Rui não tem dúvidas: “Numa boa parte,
o meu empenho e confiança no sucesso
do Fórum de Jornalistas nasce nessa experiência em Washington. E o facto de tantos jornalistas, muitos que não passaram
pelo CCJ, terem acreditado no Fórum e
continuarem a oferecer­‑lhe tempo e energia, é a prova de que há muito a fazer
pelo jornalismo, e de que há pessoas disponíveis para ajudar.”
Mais ou menos em simultâneo, nascia
no ISCTE uma organização inspirada no
CCJ: o Projecto Jornalismo e Sociedade
(PJS), financiado, também, pela Fundação
Luso­‑Americana, entre outras instituições.
Liderado por uma equipa de investigadores universitários, tem um conselho
Nas visitas ao Pew Research Center há sempre uma sessão com Tom Rosenstiel,
o responsável pelo “Project for Excellence in Journalism”.
45
PORTUGAL/EUA
O jornalismo, os jornalistas e o
professor deles em Washington
Wally Dean, antigo jornalista da CBS e actual director do centro de formação
do Committe of Concerned Journalists (CCJ), uma associação de jornalistas sediada
em Washington que estuda e promove o jornalismo de qualidade nos Estados Unidos
e no resto do mundo, conversou com cerca de 20 jornalistas portugueses, participantes
em edições anteriores do Programa José Rodrigues Miguéis, financiado pela FLAD.
POR CARLA BAPTISTA*
por cento. “É a adopção da tecnologia mais
rápida de sempre e faz pensar que milhões
de pessoas irão ‘saltar’ uma etapa, passando
directamente para o digital”, disse Wally Dean.
Será que o ambiente multimédia é promissor
para as notícias? A internet é um ambiente
“rico” em informação e aberto a novas possibilidades narrativas mas o jornalismo
tornou­‑se um campo ultraperiférico dentro
da panóplia de conteúdos oferecido e, até
agora, ainda ninguém conseguiu fazer dinheiro com a venda de conteúdos jornalísticos.
Mesmo os top ten sítios noticiosos (ainda) não
são lucrativos para as empresas.
São os agregadores, como o Google, o
Facebook e a Apple, que dominam a dis-
VISÃO / GONÇALO ROSA DA SILVA
Foi um encontro entre amigos, para reavivar as memórias e as aprendizagens que
ficaram (para sempre) do mergulho de três
semanas no programa de formação do CCJ.
O tema foi o estado actual e futuro da profissão, um tópico que se tornou uma
“monomania”, nas palavras de Eduardo
Coelho, fundador do Diário de Notícias, em
1864, referindo­‑se à sua obsessão na criação de um órgão noticioso barato, informativo e desligado da política.
A internet e a passagem do jornalismo para
as plataformas digitais lançaram o mote para
a discussão. No continente africano, as estatísticas sobre o uso do telemóvel indicam um
crescimento anual na utilização superior a 70
“A internet é um ambiente ‘rico’ em informação e aberto a novas possibilidades...”
Os novos desafios do jornalismo são tema de uma conversa entre Wally Dean e antigos alunos.
46
tribuição, concentram todos os proventos,
desenvolvem projectos de marketing e publicidade extremamente personalizados e
“preocupantes”, do ponto de vista das
liberdades e do direito à privacidade, graças ao enorme volume de informações
pessoais fornecidas voluntariamente pelos
próprios utilizadores, e têm cada vez mais
capacidade de influenciar os conteúdos.
“A noção de que todo o capital intelectual deve ser grátis está a destruir a democracia participativa”, referiu Wally Dean.
O enfraquecimento da base económica do
jornalismo e a catadupa de consequências
provocadas pela crise, nomeadamente a
redução do número de profissionais nas
redacções, a eliminação de inúmeros lugares de correspondentes e o fecho de jornais, empurrou os jornalistas para uma
aldeia gaulesa que vai resistindo cada vez
com mais dificuldade. E, no entanto, a
sociedade parece mover­‑se melhor quando o jornalismo funciona bem.
O desafio de ‘popularizar’ o jornalismo
sem o ‘deteriorar’ permanece uma das
funções que só pode ser activada pelos
valores tradicionais da profissão. Wally
Dean relativizou o papel dos blogues
como substitutos do jornalismo: “A maioria está cheia de comentários, assentes em
opiniões e não em informação verificada
através de uma investigação credível.”
O jornalismo de qualidade, assente numa
investigação séria, centrado nas causas e
nas consequências dos problemas e “energizando” as pessoas para a necessidade de
encontrarem soluções, será sempre o core
business da profissão.
* Jornalista freelancer e membro do Programa José Rodrigues
Miguéis
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
PORTUGAL/EUA
Uma família
que se (re)descobre
A história dos Dabney nos Açores, ao longo de quase um século, foi contada
numa versão em livro para o grande público, primeiro em português, depois em inglês,
num projecto desenvolvido por Mário Mesquita (administrador da FLAD).
POR MARINA ALMEIDA
Fred Dabney (de pé) conversando com a responsável pela antologia, Maria Filomena Mónica
no lançamento da versão inglesa do livro nos EUA.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Fred Dabney tem tido “vários Natais”.
Tantos quantos os primos novos que foi
descobrindo nos últimos tempos. Eles
foram chegando por causa do interesse
dos portugueses na sua própria família,
ao mesmo tempo surpreendidos e curiosos. E eis como um livro facilita a leitura das cartas dos seus antepassados,
enquadradas com espaço e tempo e
numa língua que todos conseguem ler
– os Dabney se descobrem, no passado
e no presente.
“Estou extasiado” com o lançamento
do livro, dizia-nos Fred no Bristol
Community College, em Fall River. Aqui
encontrou John Howland, que se passeava com um dos três volumes originais
dos Anais da Família Dabney, fazendo a sua
própria ponte entre o passado e o presente. Médico, 59 anos, é bisneto de Rose
Dabney Forbes, filha do último cônsul
norte-americano no Faial. Faz questão de
mostrar o livro da família aos investigadores Paulo Silveira e Sousa e Maria
Filomena Mónica. É um dos objectos que
guarda dos antepassados. Tem a Bíblia da
família, publicada em 1860, “usada para
registar os casamentos, nascimentos e
mortes”, várias peças bordadas na técnica de crivo e o álbum de fotos de família de Rose Dabney. Não a conheceu, a
bisavó – “morreu seis anos antes de eu
nascer e a minha avó não falava muito
da mãe”. Já as histórias da avó Alice sobre
o Faial ficaram-lhe na memória. Não seria
para menos, visitou a ilha, numa daquelas viagens que muitos Dabney fazem,
em 1958 – o ano da erupção do vulcão
dos Capelinhos.
John ouviu falar muito do Faial mas con-
47
PORTUGAL/EUA
John Bass. “É maravilhoso este lançamento. Claro que tenho uma cópia do original, os três volumes, mas tenho que
admitir que não os li todos.” Está no
McMullen Museum of Arts, no Boston
College. Considera a edição “muito
atraente” e espera “que seja bem recebida”. Não tem filhos mas tem “muitos
primos” e já comprou vários exemplares
para lhes oferecer. “Acho que é maravilhoso, estamos orgulhosos”, diz.
Considera o novo livro, que torna mais
acessíveis as cartas originais da família,
pode juntar a família. “Os da Califórnia
não sabem da nossa história”, refere.
Com Fay estava a irmã, Bettina – com
quem visitou o Faial, em 1983 –, e o
filho desta, Thomas. Tem 22 anos e é
estudante universitário. O benjamim
Dabney teve curiosidade de ouvir falar
da família. É bisneto de Lewis Stackpole
Dabney. Conviveu com o retrato do bisavô durante anos em casa dos pais, mas
pouco sabe dele. Entusiasmado (mas também muito admirado com o interesse
destes estrangeiros na sua própria família), espera agora encontrar pistas para o
conhecer e perceber de que são feitas as
suas raízes. Nunca leu os Annais mas leu o
livro de Joe Abdo – On the Edge of History –,
No Verão uma comitiva de Dabney vai visitar
o Faial. Nesta foto, Sydney Tynan.
Arthur Lothrop criou o arquivo Dabney
do Luso-Center do Bristol Economy College.
fessa que nunca lá foi e apenas leu excertos dos Anais. Considera esta edição “muito
mais acessível que os Anais”, importante
para chegar a gerações mais novas. Casado,
tem dois filhos, mas não acredita que eles
estejam “muito interessados na história
da família nesta fase das suas vidas”.
Mesmo ele confessa alguma incredulidade
com este interesse da comunidade luso-americana. Está contente, sim, mas cauteloso: “Não sei sinceramente se há muita
gente interessada na história dos Dabney,
uma história que aconteceu há muitos
anos.”
John e Fay Dabney não se cruzaram. Ela
é uma das bisnetas do primeiro cônsul,
48
Os descendentes da família, de cônsules americanos, Dabney marcaram presença
no lançamento do livro. Nesta foto Fay e Fred Dabney.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
PORTUGAL/EUA
‘
tes aborrecidas. Tenho o
conjunto original de três
A história dos Dabney parece ser
volumes e li partes, quanmuito mais tentacular que a sua
do pesquisava sobre um
determinado evento ou
própria árvore genealógica.
pessoa”, diz. Tem 73 anos
e há décadas que luta pela
preservação da história da
sobre a família. Está na universidade a família. Doou muita documentação a
estudar Economia e Matemática e diz que bibliotecas, esteve no Faial em 1974 – por
quer preservar o legado de “significativos razões diferentes das de Alice, lembra-se
feitos e generosidade” da família Dabney. bem da visita e do ambiente da ilha na
Quando acabarem as aulas vai ler a nova época... Acaba de escrever um livro sobre
edição.
o bisavô, Frank (Francis) Dabney (1853Arthur Lothrop levou a filha, Julia, até 1934), neto de Charles William, o segunao “seu” Bristol Community College
(BCC). Tem 69 anos e dedicou grande
parte da sua vida a juntar documentos
sobre os Dabney. Foi quando leu o livro
Saudades da sua prima Frances S. Dabney
(que deixou o Faial em 1874 com 18
anos) que se entregou a esta tarefa. Dava­
‑lhe prazer imaginar a vida destes antepassados no meio do oceano. E foi assim
que criou o arquivo Dabney actualmente existente no Luso-Centro do BCC. Parte
deste espólio esteve exposto durante a
apresentação do novo livro. Outra parte
permanece dentro das gavetas e está a ser
cuidadosamente catalogada por Paulo
Silveira e Sousa, com o apoio da Fundação
Luso-Americana. Dois dos volumes originais dos Anais estão nesta colecção.
Arthur sorri e não esconde a alegria de
ter naquele dia de Fevereiro casa cheia
para ouvir falar dos Dabney. Gostava agora
de ver o Saudades republicado.
A história dos Dabney parece ser muito
mais tentacular que a sua própria árvoThomas Dabney Abe, o mais novo (22 anos).
re genealógica. Das histórias vão nascendo histórias, por enquanto ainda
apenas pela mão das gerações mais
velhas. Sidney Tynan, 92 anos, esteve no
Providence Atheneaum a contar-nos
como passou o Inverno em que completou 90 anos a escrever um livro.
“Juntei tudo o que pude para os meus
filhos nunca dizerem: gostava de saber
mais sobre a família.” Conta com uma
energia contagiante como usou o
Google, as bibliotecas e os documentos
da família para contar a história aos seus
quatro filhos e nove netos. A bisneta de
Emmeline Dabney (filha do primeiro
cônsul, John Bass, nascida no Faial em
1811) escreveu num Inverno Family Tales,
Facts and Fallacies.
Mas há mais. (Outros) compromissos
familiares impediram Sally Dabney de estar
nas apresentações do novo livro. Ficou
“triste” mas rapidamente tratou de o comprar e ler. “Acho que os autores fizeram
John Howland, médico.
imensa pesquisa e eliminaram muitas par-
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
do cônsul. “Chama-se Go West Young Man &
Grow Up With Your Country [Vai para Oeste
Jovem e Cresce com o teu País], título
emprestado de uma citação famosa na
época” escreve-nos na resposta do e-mail.
No Verão uma comitiva de Dabney vai
visitar o Faial, na peugada da história da
família, numa viagem organizada em
parceria entre o New Bedford Whaling
Museum e a Câmara de Comércio daquela cidade. Entre eles vai estar Fred Dabney,
a mulher e as três filhas. O casal já esteve nos Açores em 2007. Regressa agora
para mostrar as ilhas e o legado familiar
às gerações mais jovens. Fred, 67 anos
– sobrinho em terceiro grau de Charles
William, o segundo cônsul –, tem uma
estufa e dedica-se à horticultura. Os seus
antepassados introduziram novas espécies
na ilha e eram apaixonados por plantar
árvores. De tal maneira que têm uma
semente com o seu nome no banco de
sementes raras do Jardim Botânico do
Faial. Fred confessa que já as tentou multiplicar nos Estados Unidos mas “não
vingaram”. Regressa às ilhas a ver se
aprende mais.
O livro The Dabneys, a Bostonian Family in
the Azores, obra trabalhada por uma dupla
de investigadores portugueses a partir das
cartas compiladas por Roxanna Dabney,
parece ser o rastilho de um novo interesse nos antepassados, a chegar às gerações mais tenras e a preencher as mais
maduras.
* Jornalista do DN
The Dabneys,
a Bostonian Family
in the Azores
Versão resumida dos Anais da Família
Dabney (conjunto de cartas da família,
originalmente compiladas por Roxanna
Dabney, distribuído por três volumes, um
total de 1500 páginas), em edição inglesa.
Com prefácio de Maria Filomena Mónica,
selecção e notas de Paulo Silveira e Sousa,
o livro é fruto de uma parceria de edição
da Fundação Luso-Americana (FLAD) e do
Museu da Baleia de New Bedford. A FLAD
apadrinhou, em 2009, uma primeira versão
da antologia dos Anais em português,
editada pela Tinta-da-China. Esta nova
edição tem uma selecção mais adaptada
ao público norte-americano e luso-descen‑
dente.
Preço: 15 euros (à venda na loja online
do Museu da Baleia de New Bedford).
49
PORTUGAL/EUA
Cartas dos Dabney fazem a ponte
Portugal/EUA
A Bostonian Family in the Azores, fez renascer uma família no encontro
com os antepassados e renovou laços entre os dois países.
POR MARINA ALMEIDA*
A versão resumida das cartas da família
Dabney do Faial está, desde Fevereiro,
disponível em inglês. Nasceu, assim, um
livro para o grande público, The Dabneys,
A Bostonian Family in the Azores, fez renascer
uma família no encontro com os antepassados e renovou laços entre os dois
países. “Com esta nova antologia todos
os leitores interessados têm acesso à fascinante história desta família. O nosso
objectivo era tornar esta colecção de cartas próxima do público falante de inglês.
É difícil persuadir um leitor comum a
percorrer as mais de duas mil páginas dos
três volumes originais”, acentuou Mário
Mesquita, administrador da Fundação
Luso­‑Americana (FLAD).
Esta família de cônsules americanos que
viveu nos Açores no século xix, escreveu
centenas de cartas que um dia uma descen-
dente – Roxana – tratou de transformar num
conjunto de três livros de circulação restrita. Até que uma dupla de investigadores –
Maria Filomena Mónica e Paulo Silveira e
Sousa – instigados por Mário Mesquita,
tiraram da surdina familiar estas missivas.
Primeiro, em 2009, com uma versão resumida em português. E agora, nova selecção
mais adequada ao público luso­‑descendente
e norte­‑americano, em inglês.
“Com esta nova antologia todos os leitores interessados têm acesso à fascinante história desta família. O nosso objectivo era tornar esta colecção
de cartas próxima do público falante de inglês. É difícil percorrer os três volumes originais”, acentuou Mário Mesquita,
administrador da Fundação Luso-Americana (FLAD).
50
Paralelo n.o 7
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PORTUGAL/EUA
As apresentações do livro The Dabneys, A
Bostonian Family in the Azores, editado pela
FLAD em parceria com o New Bedford
Whaling Museum, realizaram­‑se em
Fevereiro nos EUA. Os “Dabney Days”
decorreram ao longo de uma semana e
juntaram centenas de pessoas em sessões
que tiveram lugar em New Bedford,
Providence, Fall River e Boston. O novo
volume tem 241 páginas, com cerca de
800 notas de rodapé que serviram para
traduzir frases e palavras em português,
francês e italiano, mas também para identificar muitos lugares, acontecimentos e
pessoas. “Porque o público americano – e
nisto não é uma excepção – conhece mal
a História de Portugal. Foi necessário fornecer elementos susceptíveis de ajudar o
leitor a entender não só o que se passava
nos mares durante o conflito, que eclodiu
em 1812, entre a Inglaterra, os EUA e a
França, mas sobretudo a guerra civil que
opôs os dois filhos do rei D. João VI, D.
Pedro e D. Miguel, entre 1828 e 1834”,
refere Maria Filomena Mónica.
James Russell, director do Museu da
Baleia de New Bedford, chama ao novo
livro “um abraço de cultura portuguesa.”
também o Bristol Community College, em
Fall River, o Museu da Baleia, em New
Bedford, e o McMullen Museum of Art,
do Boston College, receberam as apresentações da nova edição com um enorme
entusiasmo. Acorreram luso­‑descendentes,
estudantes de português nas universidades
locais, mas também americanos curiosos
e os descendentes da família.
OS DOIS “ALFAIATES”
Maria Filomena Mónica e Paulo Silveira e
Sousa deram forma a esta edição inglesa
de uma selecção de cartas dos Anais da
Família Dabney feita à medida do leitor americano. Tal como alfaiates, cortaram muito
dos textos originais. “Nós sabíamos que
um leitor contemporâneo dificilmente
teria tempo para ler as 1485 páginas de
um livro em três volumes, mas foi­‑nos
muito difícil cortar passagens que sabíamos ser interessantes. Roxana Dabney, a
autora de muitas páginas do diário aqui
transcrito e a compiladora dos papéis da
família, era uma mulher que escrevia bem
e que sabia descrever o que a rodeava. Daí
a pena que sentíamos quando, para cumprir a nossa missão, éramos forçados a cortar. Mas
cortar foi o que fizemos,
tentando conservar o tom
da obra e o relato dos facMaria Filomena Mónica e Paulo
tos mais significativos”,
Silveira e Sousa deram forma a esta
explica Maria Filomena
Mónica, historiadora poredição inglesa de uma selecção de
tuguesa e autora do prefácartas dos Anais da Família Dabney
cio da obra.
Das 1485 páginas elimifeita à medida do leitor americano.
naram “umas 945”, nas
contas do outro “alfaiate”.
Paulo Silveira e Sousa leva­
O irlandês que dirige o Museu da Baleia
‑nos de volta ao tempo dos Dabney e à
está perante uma plateia entusiasta no
importância da sua correspondência. “As
belíssimo Providence Atheneaum, numa cartas e diários não eram exactamente
sessão promovida pela Brown University. documentos pessoais. Pelo contrário, eram
Revela que esta odisseia de editar a anto- escritos para serem lidos por um grupo
logia dos Dabney em inglês começou “há
alargado de parentes e amigos e funcionadois anos”, em Boston depois do lançavam quase como um meio de comunicação.
mento da antologia em português. “É A mesma carta podia assim ter uma circuimpressionante a grande preocupação, lação muito maior, não se restringindo ao
amor e companheirismo e entusiasmo de destinatário do envelope”, aponta. “O seu
contar a história dos Dabney”, disse, alu- conteúdo era, por isso, mais formal, desdindo ao empenho da FLAD. “Os EUA estão critivo e menos intimista. Para percebermos
a olhar para Este, é uma relação estratégi- esta circulação, temos ainda que tentar
ca de que não devemos esquecer­‑nos: o imaginar um mundo vitoriano à luz da
entreposto que existia nos Açores da altu- vela, sem televisão ou internet, em que as
ra dos Dabney durante a II Guerra notícias do dia chegavam em navios através
Mundial, a guerra de 1812, a Guerra Fria de jornais atrasados, de cartas e diários
e hoje, olhando para a Terceira e a sua enviados por parentes e amigos.”
importância, é muito real”, sublinhou.
A autora terminou todas as suas apreTal como no Providence Atheneaum, sentações com uma frase de Roxana
‘
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Dabney sobre a vida da família no Faial:
“não seriamos mais felizes noutro lugar”.
Entre luso­‑descendentes saudosos, descendentes dos Dabney e filhos de portugueses que nunca foram aos Açores (mas
ficaram com vontade…), corre um sorriso, um arrepio. Todos parecem saber, de
uma forma ou de outra, do que fala.
O “ESPÍRITO DABNEY”
Talvez seja o “espírito Dabney”, a que se
referiu Jaime Gama, antigo presidente da
Assembleia da República e ex­‑ministro dos
Negócios Estrangeiros (1983­‑1985 e
1995­‑2002), na derradeira sessão dos
“Dabney Days”, no McMullen Museum of
Art. “Devemos manter o espírito Dabney
e ter a mente aberta, o que contribui para
estreitar fronteiras”, referiu. Este legado
“ainda hoje perdura no inegável cosmopolitismo da cidade da Horta e no seu
estilo náutico, sem paralelo em outros
pontos da costa portuguesa”.
Gama lembrou que “a ascensão e queda
dos Dabney está associada à mudança de
tecnologia nas rotas do Atlântico”. A sua
importância – sublinha – “é sem dúvida
o de uma enorme abertura ao comércio
internacional, com o que daí resulta para
a economia, a sociedade e a cultura locais,
em especial nas ilhas do Faial e do Pico”.
Açoriano de São Miguel, filho de um faialense, Gama conheceu cedo o legado destes americanos (e trabalhou para os
conhecer melhor). Realça os momentos
históricos a que a família, a partir daquele ponto crucial no meio do Atlântico,
esteve associada. E alerta: “Urge passar do
meritório trabalho em torno dos Anais para
a fixação de um roteiro Dabney, de indiscutível valor turístico­‑cultural. Tal desiderato muito beneficiará de uma boa
cooperação entre instâncias locais e regionais e a FLAD.”
O presidente da Câmara da Horta, que
participou nos “Dabney Days”, ofereceu
ao Museu da Baleia de New Bedford uma
cópia do documento municipal que cede
à família um talhão no Cemitério do
Carmo – onde ainda hoje estão sepultados
vários dos ilustres Dabney do Faial. “A
vereação entendeu depositar uma cópia
desse documento num espaço onde as
pessoas, neste lado do Atlântico, pudessem
usufruir e consultar, que é o Museu da
Baleia de New Bedford”, referiu João de
Castro. O autarca não perdeu a oportunidade de anunciar, precisamente, a criação
de um roteiro Dabney na Horta.
* Jornalista do DN
51
SOCIEDADE
Europa mediterrânica: entre a crise
do euro e a Revolução Árabe
POR SARAH SOUSA E SÁ*
a reunião teve como objectivo separar a
atenção mediática exagerada dos factos e,
ao mesmo tempo, explorar possíveis soluções e cenários futuros para a região.
A sessão de abertura lançou o debate,
colocando a Europa do Sul no centro da
turbulência que afeta a zona euro. Uma
vez que esta região foi a que mais sofreu
com a contracção económica na Europa,
a introdução de rigorosos planos de acção
económica foi necessária em vários países.
No entanto, a curto prazo, as medidas de
austeridade resultantes têm reforçado o
sentimento geral de incerteza, criando a
decepção e aumentando as dificuldades
entre os cidadãos. Os participantes reconheceram a necessidade de identificar
melhor as fontes da crise e as potenciais
consequências a nível social e político
das soluções propostas, se a União
Europeia (UE) pretende inverter o ciclo
de declínio.
De seguida, foi discutido o impacto do
movimento “Primavera Árabe” sobre a
estabilidade da Europa do Sul. O Norte de
África tem a tendência de sofrer mais com
a crise económica da Europa do que vice-versa; contudo, em termos políticos, as
2012 PHOTO COPYRIGHT EUROPEAN UNION
Cerca de 45 especialistas internacionais reuniram-se na Fundação Luso­
‑Americana (FLAD), em Lisboa, para a
edição de 2013 do “Mediterranean Strategy
Group”, um fórum de debate dedicado à
análise das questões mediterrânicas que é
liderado pelo German Marshall Fund dos
Estados Unidos (GMF). O tema da edição
deste ano foi “O Futuro da Europa
Mediterrânica: entre a Crise do Euro e a
Revolução Árabe”. Com a preocupação
gerada pela depressão económica e a volatilidade política que actualmente assolam
a Europa do Sul como pontos de partida,
O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, na inauguração de uma exposição sobre a “Primavera Árabe”.
52
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
SOCIEDADE
convulsões nos países árabes tiveram
repercussões colaterais, que se reflectiram
nas crescentes tensões sociais observadas
em todo o Sul da Europa. A prolongação
dos tumultos no Sul do Mediterrâneo
pode aumentar ainda mais essa volatilidade, cultivando o receio da imigração ilegal, o terrorismo e o islão político já
latente na Europa. Sendo a Europa vizinha
e principal parceiro comercial do Norte
de África, muitos participantes entenderam que a UE tem o dever de ajudar os
países árabes que se debatem com os desafios criados pela transição democrática. As
lições aprendidas pelas democracias mais
recentes do Sul da Europa podem ser particularmente úteis a este nível.
A sessão seguinte reflectiu sobre o tipo
de parceria que a Europa tem procurado
desenvolver com o Médio Oriente e o
Norte de África (MENA), através de quadros
de cooperação existentes como a UE e a
NATO. O início do Processo de Barcelona,​​
em 1995, assinalou o verdadeiro interesse por parte (do Sul) da Europa em participar mais activamente com os países
vizinhos árabes. A Parceria EuroMediterrânica (PEM) foi construída sobre
os princípios do diálogo multilateral e a
promoção de reformas, mas, apesar das
suas louváveis intenções, o projecto EuroMed tem pouco a mostrar quanto aos seus
esforços e revelou-se fraco a nível das respostas a dar face às revoltas árabes. A actual
reconfiguração da paisagem norte-africana deve encorajar a Europa a rever a PEM,
de acordo com as realidades emergentes
nos países parceiros. Uma abordagem mais
pragmática iria beneficiar de um nível
mais profundo de compromisso que promova o crescimento e desenvolvimento
com base nas necessidades expressas e
através da implementação de programas
eficientes.
A estratégia americana foi, também, analisada. A integração progressiva de novos
países na UE tem sido uma fonte de dividendos políticos e de segurança para
Washington, tendo reforçado a aliança
transatlântica defensiva. A recente crise
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
‘
teve éxito quanto ao
desenvolvimento dos
Estados-membros do Sul.
Contudo, também colocou
fortes exigências a países
que muitas vezes não
tinham os recursos, o know‑
-how nem a capacidade institucional para gerir com
êxito um progresso tão
rápido. A introdução da
moeda única numa zona
caracterizada por diversos
tipos e escalas de economias nacionais agravou a
carga que os mesmos países tiveram que
suportar, aumentando muitas das assimetrias já existentes – tendo finalmente alimentado a crescente divisão entre a Europa
do Norte e a sua congénere do Sul. Os
participantes chegaram à conclusão de
que, a fim de contrariar a dinâmica disruptiva em evidência, a UE terá de se reinventar, de acordo com as exigências
emergentes, através de uma abordagem
inovadora mais capaz na resposta às tendências sociais e económicas únicas de
cada membro. A União deve aproveitar-se
das capacidades comprovadas que tem
para mapear um roteiro para o futuro que
respeite os princípios básicos fundadores
do consenso, da solidariedade mútua e do
fair-play, mas que se distancie do passado,
estimulando uma melhor eficácia institucional, responsabilidade e comunicação
com os líderes políticos nacionais e os
próprios cidadãos europeus.
Muitas das perguntas complexas que surgiram durante esta reunião do Mediterranean
Strategy Group ficaram sem resposta. Porém,
as discussões conseguiram revelar o que se
encontrava por detrás da “narrativa da crise”
que agora domina o discurso político para
revelar as principais fontes de instabilidade,
questões de discórdia, e desafios a enfrentar,
tendo identificado medidas de acção possíveis que podem ainda levar a Europa a bom
porto.
Muitas das perguntas complexas que surgiram durante esta reunião
do Mediterranean Strategy Group
ficaram sem resposta. Porém,
as discussões conseguiram revelar
o que se encontrava por detrás
da “narrativa da crise” que agora
domina o discurso político.
’
interna da Europa forçou, no entanto, muitos Estados-membros do Sul a
reduzir as suas contribuições orçamentais
num momento em que os EUA estão cada
vez mais ansiosos que os seus aliados
europeus compartilhem ainda mais a responsabilidade militar. A recente mudança
estratégica da América em direcção à Ásia,
como tal, deve ser vista como um “reequilíbrio” em resposta aos acontecimentos
globais, e não como um abandono da
Europa, que é ainda considerada uma parceira fundamental na preservação da estabilidade global. O mundo árabe representa
uma peça-chave do puzzle geoestratégico,
razão pela qual a NATO criou o seu Diálogo
do Mediterrâneo em 2004. O formato
flexível adoptado contribuiu para uma
maior aproximação com os países MENA,
mas infelizmente, o projecto foi largamente criticado devido a desentendimentos
diplomáticos internos. Segundo alguns
observadores, tais falhas puseram em
questão a capacidade de a NATO agir como
enquadramento para relações multilaterais
além do domínio militar. Mas, apesar da
ainda emergente identidade política da
organização, a maioria ainda acredita na
relevância da NATO como uma aliança de
segurança regional.
A sessão final procurou olhar para além
do presente estado de emergência, reflectindo sobre o que pode ser feito para
romper o ciclo de declínio no Sul da
Europa. O projecto de alargamento da UE
* Mestre em Relações Internacionais / FLAD
53
SOCIEDADE
Galiza, Açores
e o sonho americano
POR ALBERTO PENA*
A Galiza e os Açores, regiões autónomas da Espanha
e de Portugal, são dois territórios atlânticos excepcionais, que estão unidos por características de
idiossincrasia social comum. Partilharam os mesmos
destinos ao longo da História, ainda que percorrendo caminhos diferentes.
A Galiza foi e continua a ser uma espécie de ilha
na Península Ibérica, cujos sinais culturais, como
os do povo açoriano, foram forjados na sua relação
com o oceano Atlântico, e cuja economia assenta
historicamente na pesca, na pecuária e na agricultura. As dificuldades de sobrevivência impulsionaram um espírito empreendor que levou os galegos
e açorianos a espalharem­‑se pelo mundo na procura de novas oportunidades, abrindo a sua cultura ao intercâmbio atlântico desde o Norte do
Canadá até aos confins da Terra do Fogo.
O fenómeno da emigração galega e açoriana tem,
portanto, muitas convergências, especialmente nos
Estados Unidos de América, onde os emigrantes
dos dois territórios encontraram um mundo novo
no qual lançaram novas raízes, sem esquecer as
velhas origens. Neste sentido, torna­‑se imprescindível resgatar a história desta experiência única de
duas culturas atlânticas lusófonas imbuídas do
sonho americano.
Foi assim que se decidiu iniciar um projecto de
colaboração entre várias instituições culturais portuguesas e galegas, que acharam necessário criar
uma ponte de intercâmbio cultural e académico
entre os Açores e a Galiza através da rota americana aberta pelos emigrantes açorianos e galegos.
Há muitas histórias da emigração portuguesa e
galega para os Estados Unidos da América que não
foram contadas e que precisam de um estudo aprofundado dos diferentes elementos que caracterizaram estas migrações. Só assim se poderá ter um
retrato fiel, não só do extraordinário fenómeno
migratório atlântico, mas também de uma realida-
54
de histórica que determinou e continua a influir
nas próprias marcas identitárias da Galiza e dos
Açores. Estamos, portanto, diante de um campo de
investigação inexplorado, que tem inúmeros aspectos desconhecidos ou pouco estudados a diferentes
níveis, especialmente de uma perspectiva comparatista.
Através de uma iniciativa que foi lançada pelo
professor Mário Mesquita, a Fundação Luso­
‑Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e o
Consello da Cultura Galega (CCG) decidiram, em
2009, desenhar um projecto de colaboração conjunta que ligou a instituições culturais atlânticas
com um mesmo objectivo comum, neste caso o
de estudar as causas e as consequências da emigração para a América, assim como as condições de
integração das comunidades emigrantes e as suas
manifestações sociais, culturais, políticas, demográficas, etc.
É preciso dizer que o CCG, presidido pelo professor Ramón Villares, ex­‑reitor da Universidade de
Santiago de Compostela (que está a prestar o seu
apoio pessoal ao projecto) é a instituição cultural
mais importante da Galiza, na qual estão representadas, para além das três universidades galegas
(Vigo, Coruña e Santiago), todas as suas fundações
culturais, a Real Academia Galega e outras academias especializadas, os museus e o próprio governo autónomo. Portanto, esta ligação especial entre
a FLAD, que é a organização de referência no intercâmbio cultural luso­‑americano, e o CCG, é uma
associação simbólica, mas também estratégica, para
avançar numa maior e mais extensa rede de colaboração entre os povos lusófonos atlânticos.
Esta ligação, a que se juntaram também outras
instituições relevantes, como a Universidade e o
Governo dos Açores, supõe uma oportunidade excelente para tentar consolidar uma ponte de intercâmbio entre os Açores e a Galiza, que está a ser
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
SOCIEDADE
construida com a ajuda de muitas pessoas, entre as
quais há que destacar, de maneira especial, o professor Mário Mesquita e a professora Gilberta
Rocha, do Centro de Estudos Sociais da Universidade
dos Açores, mas também o magnífico trabalho realizado na flad pela Dr.ª Paula Vicente, e pelos professores Marcelino Fernández e Xosé López,
respetivamente administrador e secretário do CCG.
Entre 14 e 16 de Outubro de 2009, realizou­‑se
na Horta (Faial) o primeiro colóquio intitulado
“Comunidades Euro­‑Atlânticas nos Estados Unidos
da América. Experiências da Emigração da Galiza e
dos Açores”, cujo livro de actas foi apresentado
recentemente por ocasião da organização de uma
nova actividade académica (agora realizada na
Galiza, na singular ilha de San Simón, na Ría de
Vigo) entre os dias 18 e 20 de Outubro sob o
título: “Emigración e Exílio nos Estados Unidos de
América”, com participação de investigadores,
diplomatas e profissionais da comunicação americanos, portugueses e galegos. Nesta nova edição
tentou­‑se fazer uma aproximação ao tema do exílio e o seu papel na diáspora, especialmente através
da presença dos intelectuais portugueses e galegos
nas instituições educativas americanas.
Na celebração deste novo congresso apresentou­
‑se o livro Galiza e Açores – A Rota Americana (FLAD –
Almedina, 2012) que reúne essencialmente os
conteúdos das comunicações que foram apresentadas no colóquio de Horta. Com dois textos introdutórios do Dr. Jorge Costa Pereira, vice­‑presidente
da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos
Açores, e do então Reitor da Universidade dos
Açores, o professor Avelino de Freitas de Meneses,
o estudo abrange o fenómeno migratório galego­
‑açoriano a partir de um ponto de vista completamente aberto, com abordagens que tratam assuntos
relacionados com os seguintes temas de interesse:
a história e a memória da emigração, os recursos
Paralelo n.o 7
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humanos e económicos, a comunicação pública dos
emigrantes, os projectos inovadores e os assuntos
diplomáticos.
Os professores Gilberta Rocha e Marcelino
Fernández explicam algumas das chaves mais relevantes para compreender quando, porquê, para quê
e em que condições emigraram os açorianos e os
galegos para os Estados Unidos. Esta visão geral é
completada com estudos mais específicos de outros
autores. O professor da Universidade dos Açores,
Ricardo Manuel Madruga da Costa, escreve sobre o
fenómeno migratório desde a ilha do Faial no século XIX, e o docente da mesma universidade, Eduardo
Ferreira, traça o perfil dos luso­‑americanos “nascidos
em Portugal”. Por seu lado, a professora da University
of Massachusetts Dartmouth, Maria Glória de Sá,
realiza uma radiografia actual sobre a situação demográfica, económica e social dos portugueses nos
Estados Unidos, e Luisa Muñoz Abeledo, da
Universidade de Santiago de Compostela, faz uma
aproximação ao modelo de emigração galega ao
território norte­‑americano. Quanto à comunicação
dos emigrantes, o ex-director do Portuguese Times,
Adelino Ferreira, faz um retrato geral sobre a imprensa portuguesa na costa leste dos EUA, e o professor
compostelano Xosé Lopez explica o sistema mediático dos galegos na América. Também José Maria
Lópes de Araújo e Ruben Rodrigues aportam a voz
da experiência no campo da comunicação para explicar a repercussão da emigração nos media. Tony
Goulart publica um texto que estuda as ocupações
laborais da comunidade açoriana na Califórnia. E,
finalmente, a Dr.ª Maria Amélia Paiva, antiga cônsul
de Portugal em Newark, descreve a realidade dos
emigrantes no Canadá, e, eu próprio, analiso alguns
aspectos sobre a influência pública dos emigrantes
galegos nos EUA.
*Professor da Universidade de Vigo-Galiza.
55
SOCIEDADE
ROBERT FISHMAN
Ver para além do curto prazo
“Portugal é a maior história de êxito na Europa, entre 1974 e 1999”, diz, citando
indicadores que fariam qualquer português abanar a cabeça, descrente.
A chuva miudinha não dá descanso.
Cai, sem intervalo. Robert Fishman é
pontual e está à porta da Estação do
Rossio, tentando evitar uma molha. O dia
é simbólico: 25 de Abril de 2012. Mas
nem por isso a Avenida da Liberdade está
cheia...
Robert passou a manhã na sessão solene do Parlamento. Ouviu os discursos das
galerias, como gosta de fazer sempre que
vem a Portugal. À tarde desfila, Avenida
abaixo, faça chuva ou faça sol. Para ele,
a manifestação tem algo de etnográfico,
de comemoração popular interclassista e
sem barreiras geracionais. E, nas longas
séries de dados que junta no seu gabinete, na Universidade de Notre Dame,
no Indiana, a data da revolução portuguesa é um marco.
“Portugal é a maior história de êxito
na Europa, entre 1974 e 1999”, diz,
citando indicadores que fariam qualquer
português abanar a cabeça, descrente:
“O consenso político entre os dois maiores partidos, PS e PSD, permitiu um avanço ímpar, em termos europeus, na
educação, na produtividade e no nível de
vida e cultural da população. Nenhum
outro país do Sul da Europa fez tanto
como Portugal, em tão pouco tempo.”
Por esta altura, já estamos abrigados da
chuva no muito apropriado Café Gelo – um
local onde o País se tentou olhar de outra
forma, fosse pelos olhos dos carbonários,
dos poetas da geração de Orpheu, dos surrealistas ou dos opositores democráticos
ao regime de Salazar. Robert Fishman olha
para Portugal com o distanciamento de um
académico, mas com a emotividade de
56
RUI OCHOA
POR PAULO PENA*
Robert Fishman olha para Portugal com o distanciamento de um académico,
mas com a emotividade de alguém que assiste a um “drama”.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
???????
SOCIEDADE
‘
alguém que assiste a
um “drama”.
É uma virtude dos portugueses serem
“O resgate português foi terrivelmenautocríticos. Mas não vale a pena
te injusto”, refere.
exagerar...
Esse é, aliás, o mote
da nossa conversa,
dado que Fishman,
investigador associado
do Instituto Kellogg,
havia escrito, em
2011, uma coluna de
opinião no New York
Times, criticando a insensibilidade do BCE do com uma imagem que viu nos notie das agências de rating ao que conside- ciários. O primeiro­‑ministro, Pedro
rava ser os sinais de resistência à crise da Passos Coelho, a dirigir­‑se a uma manieconomia portuguesa.
festação que o criticava para ouvir os seus
Mas aproveitamos a conversa de hoje críticos. “Em muitos países isso seria
para ir um pouco mais longe. Afinal, o impossível... Apesar de todas as dificulresgate já aconteceu. E, como garante dades, tanto os manifestantes como os
Fishman, “a tragédia portuguesa faz parte governantes sabem dialogar. Isso é muito
de uma tragédia maior”. A saber: o enfrapositivo e não é muito comum.”
quecimento da democracia à escala euroA comparação com Espanha é inevitável.
peia. “A democracia, tenho pena de o Robert Fishman é um dos grandes espedizer, está a diminuir na Europa. Os gover- cialistas norte­‑americanos na evolução
nos e as populações perderam a capaci- democrática dos países ibéricos. Acaba,
dade de tomar decisões democráticas. aliás, de publicar um trabalho sobre a
Na zona euro, os governos estão a ser crise espanhola, que se vem juntar à sua
impostos aos países, por razões tecnocrá- grande produção bibliográfica sobre os
ticas, para cumprirem metas políticas que dois vizinhos e a introdução do euro.
não foram decididas pelos eleitores, mas Em Espanha, defende, seria impossível
pela Comissão Europeia ou pelo BCE. Isso ver Zapatero, ou Rajoy, a dialogar com
é lamentável. Os países europeus ainda são manifestantes hostis.
democracias, mas são democracias com um
Profundo conhecedor da política interna
poder diminuído. O número de assuntos
dos dois países, Fishman revela que os
sobre os quais os eleitos têm espaço para dois maiores partidos portugueses são
tomar decisões está a diminuir.”
“plurais internamente”, mas que têm conMas este pessimismo dá lugar a um seguido manter um consenso importante
elogio a Portugal. Fishman ficou agrada- nas apostas de desenvolvimento, cujo
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
aspecto mais relevante, para si, é o da
política educativa. “Os dados que mais me
surpreenderam, quando comecei a estudar
Portugal no final da década de 70, foram
os da política educativa, que é frequentemente mal compreendida aqui... Isso
inclui a universalização do acesso, a elevação dos níveis de conhecimento e culturais e, como mostrou o último relatório
Pisa, tais realidades tornam Portugal no
país com o melhor desempenho na Europa
do Sul.”
Dias antes desta entrevista, Fishman estivera a dar uma conferência no Departamento
de Estudos Políticos da Universidade Nova
de Lisboa, a convite de um amigo com
quem trabalhou em Notre Dame. A audiência era composta por centenas de alunos
e um grupo de professores. Após a conferência, Robert Fishman pediu para que
lhe colocassem questões. Uma delas
apontava­‑lhe uma crítica: o seu discurso
sobre o passado recente do país seria,
talvez, desculpabilizador; não teria em
conta os erros próprios dos portugueses.
Fishman respondeu e rematou os seus argumentos com um toque de ironia: “É uma
virtude dos portugueses serem autocríticos. Mas não vale a pena exagerar...”
Hoje, insisto nesta enorme discrepância
entre aquilo que este sociólogo observa,
nos Estados Unidos, e a percepção generalizada, em Portugal, de um falhanço.
Voltamos ao início: “Em 1974, Portugal
era um país pobre e pouco alfabetizado.
Precisava de fazer investimentos no seu
futuro. E fê­‑lo. Foi sensato...”
* Jornalista da Visão
57
SOCIEDADE
Prémio Gazeta Revelação
Talento nacional premiado
Aos 25 anos, Alexandre Soares foi o vencedor do Prémio Gazeta Revelação 2011.
Um reconhecimento que motiva o jovem português, actualmente a viver nos Estados
Unidos, impulsionado com o apoio da FLAD e do Governo Regional dos Açores
a abraçar ainda mais o jornalismo e a arte da escrita.
[Paralelo] Foi o vencedor do Prémio Gazeta
Revelação 2011. O que significa este prémio?
[Alexandre Soares] É um reconhecimento
feito por pessoas com um percurso
inquestionável. Olho para a lista dos vencedores anteriores e fico muito orgulhoso
por pertencer a ela. Além disso, o dinheiro dá muito jeito.
[P] Em que consistiu o prémio, concretamente?
[AS] É um prémio monetário, no valor de
cinco mil euros, que foi entregue pelo
Presidente da República, numa cerimónia
pública, que teve lugar em Novembro.
[P] Como é que surgiu esta candidatura? Porque
decidiu concorrer e quais as expectativas?
[AS] Fui desafiado para concorrer por uma
amiga, também jornalista. Entendi que
tinha um conjunto de reportagens que me
dava algumas hipóteses, mas não criei
qualquer expectativa. Mandei a candidatura e nunca mais pensei no assunto.
[P] Porquê esta reportagem sobre uma fotografia,
e como é que esta imagem aparece na sua vida?
O que motivou este trabalho?
[AS] É uma reportagem que vem no seguimento do trabalho que estou a fazer junto
da comunidade portuguesa nos Estados
Unidos. Li a história de George Mendonsa
num jornal da comunidade portuguesa de
Massachusetts. Sabia que a história era
desconhecida em Portugal e acreditava que
merecia ser contada com mais pormenor.
Depois, percebi que havia muitos portugueses que tinham lutado nas Forças
Armadas Americanas e que as suas histórias também nunca tinham sido contadas.
[P] Como é que desenvolveu esta “história” do
emigrante português? Na sua opinião, porque foi
premiada?
58
[AS] Nunca pensei sobre isso, mas calculo que o júri tenha entendido que era a
melhor que tinham a concurso.
[P] Fale­‑nos um pouco sobre o protagonista desta
imagem, George Mendonsa…
[AS] George Mendonsa é um homem simples, mas com uma obsessão que o acompanha há décadas: provar que é o
marinheiro da fotografia “Kissing Sailor.”
Como ele me disse na conversa, o seu
sangue “ferve” sempre que outro homem
diz ser o marinheiro.
[P] Vive actualmente nos EUA. Porquê a decisão
de ir para os Estados Unidos?
[AS] Já trabalhava como jornalista quando,
em 2010, surgiu a hipótese de ir para os
Estados Unidos com uma bolsa do
Governo Regional dos Açores e apoio da
Fundação Luso­‑Americana. Na altura,
pareceu­‑me uma boa oportunidade. Decidi
aceitar.
[P] De que forma é que a experiência o fez querer ficar?
[AS] Depois de oito meses nos Estados
Unidos, ao longo dos quais vivi em três
estados diferentes (Massachusetts, Nova
Jérsia e Califórnia), percebi que podia
trabalhar como jornalista no país. Neste
momento, viver nos Estados Unidos
proporciona­‑me mais e melhores desafios
profissionais.
[P] Como tem sido o relacionamento com outros
jornalistas dos EUA? Acredita que isso é uma
mais­‑valia?
[AS] É uma óptima experiência. Aprende­
‑se muito. Trabalha­‑se de uma forma completamente diferente nos Estados Unidos.
Há, de facto, horários nas redacções. E são
cumpridos, à excepção de alguns casos
pontuais. Há uma relação muito mais profissional com o trabalho. Não há pausas
para fumar, tempo perdido no Facebook,
ou duas horas de almoço (come­‑se, quase
sempre, uma sandes ou uma salada em
frente ao computador). Em compensação,
caso não se esteja no piquete, às 18h00
os jornalistas de imprensa estão a sair das
redacções. Depois, o editor tem um papel
muito mais presente. Ajuda muito nos
trabalhos, questiona, sugere fontes e, se
necessário, manda reescrever todo o trabalho – mesmo aos jornalistas mais experientes. Essa colaboração entre redactor e
editor é fundamental no jornalismo americano – e uma das razões para ele ser, na
minha opinião, o melhor do mundo.
[P] Como foi acompanhar a campanha eleitoral
e a evolução das presidenciais? [AS] Foi a campanha mais ideológica dos
últimos anos, mas o lado “espectáculo”
da política americana permaneceu. Tive
oportunidade de falar com senadores,
congressistas e politólogos de várias ideologias e havia um sentimento comum: a
América está numa encruzilhada. No final,
enquanto assistia ao discurso de Barack
Obama, na baixa de Chicago, com milhares de americanos, tive a confirmação do
momento definitivo que o país atravessa.
[P] E como surgiu o projeto de um sítio sobre as
eleições americanas?
[AS] Foi uma iniciativa minha. Desenvolvi
o projecto, apresentei­‑o ao Sapo e à FLAD,
que decidiram apoiar, e a partir daí tive
de conseguir patrocínios. Foi um projecto a curto prazo em que tentei conquistar
dois públicos: as pessoas que se interessam
normalmente por estas eleições, e as que
não têm um particular interesse mas que
foram cativadas por um ângulo de inteParalelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
SOCIEDADE
resse nacional que tentei introduzir em
todos os trabalhos.
[P] Faz cobertura da área de política?
[AS] Sempre gostei de política, mas no
meu trabalho prefiro escrever sobre temas
sociais (imigração, direitos humanos,
justiça, saúde…). Claro que todas estas
áreas estão relacionadas, de uma forma
ou de outra, com a actividade política.
Pessoalmente, a política nacional não me
interessa. Os políticos que temos no activo são, salvo raríssimas excepções, medíocres – falo como jornalista, não como
eleitor (nessa qualidade, a minha avaliação é bem mais negativa).
[P] Quais os planos para o futuro?
No final do último ano, comecei a trabalhar com o Brasil e Angola. Quero aprofundar essas relações, mas continuar o
trabalho com a comunidade portuguesa.
[P] Apesar de ter apenas 25 anos, já se considera um “contador de histórias”?
[AS] Não. Não tenho qualquer visão romântica desta profissão. Tento fazer o meu trabalho bem feito, todos os dias. É só isso.
[P] Como surgiu o jornalismo e o gosto pela
escrita?
[AS] Até aos 18 anos, achei que ia ser biólogo. Quando terminei o secundário, percebi que, além de ciência, também gostava de
direito, política, relações internacionais e
muitas outras áreas e fiquei num impasse.
Passados uns dias, percebi que a única profissão onde podia adiar a decisão de me
especializar seria o jornalismo. O gosto pela
escrita não surgiu. Escrever não é algo que
faça de forma natural, nunca escrevi nada
que não fosse para a escola ou para o trabalho. O que me dá prazer é estar na rua,
conhecer as pessoas, o seu trabalho, as suas
histórias, e pensar na melhor forma de contar tudo isso. O processo de escrita em si é
quase mecânico: aprendi as regras, tento
usá­‑las da melhor forma. Quando as coisas
resultam bem, fico satisfeito, mas o sentimento não dura muito tempo. Há mais trabalhos à espera de serem feitos.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
O luso-americano George Mendonsa é um homem com uma obsessão:
provar que é o marinheiro da fotografia “Kissing Sailor”.
59
SOCIEDADE
Renascença portuguesa: uma década
de crescimento científico e cultural
Os pós­‑graduados portugueses a viver na América do Norte juntaram­‑se no Canadá
para reflectir sobre as mudanças dos últimos dez anos.
POR ALEXANDRE SOARES*
(IBMC) a recordar o seu primeiro dia de
trabalho em Portugal.
Cláudio chegou ao país em Agosto de
1987. No final da conversa com o
director do IPO de Lisboa, que o tinha
contratado, o responsável disse­‑lhe:
“Agora deve ir de férias. É Verão! Só no
fim de Setembro é que se começa a
trabalhar.” Cláudio, embora nascido no
Chile, tinha uma formação anglo­
‑saxónica. Ficou em choque. “Portugal
era assim”, diz.
Muito mudou desde então. Percorrer os
currículos dos associados da PAPS, que
desde 1998 reúne a comunidade de pós­
‑graduados portugueses nos EUA e no
Canadá, é uma viagem aos melhores estabelecimentos de ensino e centros de investigação do mundo, como o MIT, a School
of Visual Arts, Harvard, Smithsonian ou
???????????
O Sol já desaparecia do céu de Toronto,
no Canadá, quando Cláudio Sunkel decidiu contar uma história. Era dia 14 de
Abril e viviam­‑se os últimos momentos
do XII Fórum da Portuguese­‑American
Post­‑Graduate Society (PAPS). O tema do
encontro – “Renascença portuguesa: uma
década de crescimento científico e cultural” – levou o director do Instituto de
Biologia Molecular e Celular do Porto
Encontro de pós-graduados portugueses a viver na América do Norte – os PAPS.
60
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
SOCIEDADE
Yale. Alguns deles ficam a trabalhar nos EUA
ou partem para outros países europeus. Mas
muitos regressam a Portugal. E contaminam
o país com uma maneira diferente de fazer
ciência e pensar a cultura.
Durante dois dias, a porta do auditório
do St. Michael’s College, na Universidade
de Toronto, esteve fechada ao pessimismo.
Nos últimos anos, Portugal tornou­‑se um
país muito mais científico. É um facto.
Várias estatísticas, lembradas no encontro,
provam­‑no: em 1998 doutoravam­‑se 500
portugueses por ano, em 2010 foram
1600; a despesa do Orçamento do Estado
dedicada à ciência em 2011 é o dobro do
que era em 2005 e, no mesmo período
de tempo, a despesa em Investigação
e Desenvolvimento (I&D) passou de 0,81
por cento para 1,7 por cento (aproximando­
‑se dos 1,9 por cento de média da União
Europeia).
O embaixador de Portugal no Canadá,
Pedro Moitinho de Almeida, e o cônsul
português em Toronto, Júlio Vilela, estiveram presentes. Logo na abertura,
o embaixador disse que “a realização
do fórum é um exemplo de que os
portugueses podem fazer pós­‑graduações
nas melhores universidades e trabalhar
nas melhores multinacionais”.
FINANCIAR A CIÊNCIA
A primeira sessão foi dedicada ao tema
“Inovação: passos portugueses num mundo
global de ciência, engenharia e tecnologia”,
moderada pelo jornalista Vasco Trigo.
A abrir o painel, Cláudio Sunkel considerou
ingénuos os que acreditam que “se pode
sobreviver de contratos institucionais” e
defendeu que “é preciso criar um ecossistema de desenvolvimento financeiro” no
meio científico nacional. Mas, alertou, “só
sendo excelentes em investigação é que o
resto funciona”.
João Xavier, investigador principal do
Memorial Sloan­‑Kettering Cancer Center,
em Nova Iorque, desenvolveu o tema do
financiamento lembrando que 30 por
cento do dinheiro que faz funcionar o seu
centro vem de uma patente desenvolvida.
Xavier considerou “desejável uma maior
ligação entre a investigação e a indústria”
e recordou que, “devido à crise, as universidades têm de abrir­‑se às empresas”.
Questionado sobre o fim dos ministérios
da Cultura e da Ciência, Sunkel admitiu
tratar­‑se de “um problema sério” a nível
político. “Não há ninguém sentado no
conselho de ministros, o local onde se
tomam as decisões, a representar quer a
cultura, quer a ciência”, disse.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Pedro Reis vence prémio de liderança
Durante o XIII Fórum da PAPS, foi anuncia‑
do o vencedor do prémio PAPS­‑LBC
Leadership de 2011. Pedro Reis, atualmen‑
te professor assistente no MIT, foi o esco‑
lhido pelo júri.
O Leadership Award é uma iniciativa con‑
junta da PAPS com a Leadership Business
Consulting e todos os anos distingue um
projecto desenvolvido nos Estados Unidos
por um membro da PAPS. O objectivo é
distinguir projetos que “tiveram impacto
na área da ciência, empreendedorismo,
negócio ou economia” e “motivar uma
maior consciencialização em relação à
excelência e liderança”.
O vencedor deste ano, Pedro Reis, é
professor assistente do MIT na área da
engenharia mecânica e ambiental. O objec‑
tivo da sua investigação é “mudar o para‑
digma das instabilidades mecânicas,
normalmente associadas às falhas em
engenharia”.
INFORMAÇÃO EM REDE
João Xavier disse que encontrou nos EUA
tudo o que esperava – “recursos inigualáveis, a proximidade com os melhores
especialistas, apresentações regulares dos
líderes da investigação em várias áreas”
– mas houve algo que o surpreendeu:
a forma desprendida como se partilha
informação. “Dei por mim a conhecer
resultados de experiências em bares,
de copo na mão. Encontros, por vezes,
muito mais proveitosos do que um congresso ou ler um artigo.” A propósito,
Cláudio lembrou o desabafo de um colega estrangeiro: no laboratório americano
de onde viera, falavam de experiências
na cantina; no bar do IBMC, falam de
futebol.
A segunda sessão foi dedicada ao tema
“Empreendedorismo e liderança: adaptação a mercados em mudança que emergem de tecnologias disruptivas”.
painel, moderado pela professora Manuela
Marujo, da Universidade de Toronto.
Pedro Gadanho, desde Janeiro de 2012
curador do Departamento de Arquitectura
Contemporânea do MOMA, em Nova Iorque,
continuou com o mesmo tema. No início
da sua apresentação, mostrou uma notícia
do Arts & Letters Daily, o sítio de referência no
mundo da arquitectura e arte, com este título: “Vencedor do Prémio Pritzer Souto
Moura enfrenta desemprego?”.
O curador considerou a história lamentável (“até porque quem enfrenta o desemprego são os seus 60 ou 70 colaboradores”)
e disse que a peça realçava as dificuldades
de comunicação num mundo mediatizado.
Com o auxílio do jornalista Vasco Trigo
(para compensar as ausências de Clara
Pinto Correia e Manuel Lima, designer da
Microsoft), os dois debateram a forma
“como se compatibiliza a necessidade de
comunicar com os pares e com o grande
público”.
Para terminar o encontro, Cláudio Sunkel
fez uma última apresentação: “Mais de
uma década de desenvolvimento científico em Portugal: o passado, o presente e
um futuro incerto.”
Uma estatística, das várias que apresentou, mostra que o investimento em ciência está a ter tradução directa na criação
de riqueza para o país: o número de
empresas que nascem nas universidades
(spin­‑offs). De 2005 para 2011, esse valor
passou de cinco para 106 na Universidade
do Porto; de nove para 35 em Coimbra;
de zero para 28 em Aveiro; de seis para
43 no Minho; e de zero para nove em
Lisboa (no Instituto Superior Técnico foi
de zero para 37).
COMUNICAR NO SÉCULO XXI
Depois, chegou o caso de sucesso de
Wilson Teixeira. Aos 40 anos, Teixeira é
dono de várias companhias na área dos
transportes, comunicação e tecnologias.
Fundou a sua primeira empresa, a Able
Translations, com apenas 21 anos e,
admite, esteve dois anos e meio sem
salário. Hoje, tem um número de colaboradores superior a 3500 que funcionam em mais de 100 idiomas. O sistema
mais recente da empresa, e o que mostra com maior orgulho, é o Vicky, “um
sistema revolucionário” de serviços de
tradução em direto, através da internet.
“Arte, cultura e comunicação: a crescente presença portuguesa no panorama cultural mundial” foi o tema do terceiro
* Jornalista freelancer
61
SOCIEDADE
Os negócios sociais
Os negócios sociais são uma minoria de projectos sociais que têm condições para obter
a sustentabilidade via geração de receita numa lógica de mercado.
???????????
POR GUSTAVO BRITO*
O “Linhas sobre Rodas” presta um serviço de costura com recolha e entrega ao domicílio que nasce da identificação conjunta
de uma oportunidade comercial e de um desafio social ainda por resolver.
Os negócios sociais são uma minoria de
projectos sociais que têm condições para
obter a sustentabilidade via geração de
receita numa lógica de mercado (isto é,
colocando produtos e/ou serviços em
mercados concorrenciais, em que vendem
não por caridade mas porque os clientes
neles reconhecem, de facto, utilidade), e
segundo modelos em que a geração de
receita está intimamente ligada ao impacto social que se pretende atingir.
Os negócios sociais surgem por isso da
identificação de uma oportunidade social
62
(uma solução inovadora para um problema comunitário ainda por resolver) e de
uma oportunidade comercial (uma oferta inovadora para uma necessidade de
consumo não plenamente satisfeita), e em
que esses dois elementos, o social e o
comercial, nascem indissociáveis.
Estas características fazem com que os
negócios sociais possam ser geridos
segundo os mesmos princípios e ferramentas dos negócios ditos “normais”, o
que permite atingir elevados níveis de
eficácia e eficiência social.
Num negócio social, porque a geração
de receita está diretamente ligada ao
impacto que se pretende atingir, a procura contínua pela venda e pelo crescimento comercial é um factor de criação de
bem social. E porque é precisamente esse
o impacto que se procura maximizar
(e não o retorno dos accionistas), quando
existir, o lucro deve ser reinvestido na
prossecução desse objectivo.
É portanto uma questão de prioridades:
porque o negócio social tem uma missão
primeiro que tudo social, o retorno do
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
SOCIEDADE
investidor está limitado. Isto é, não há
lugar à distribuição de dividendos – apenas à devolução do capital investido, eventualmente a uma dada taxa de juro, alta o
suficiente para tornar o investimento
atractivo, mas limitada para não introduzir distorção de incentivos.
Há boas razões para se conceberem
negócios sociais capazes de “devolver” o
dinheiro neles investido.
Primeiro, porque se introduzirem distorções concorrências graves nos mercados
em que operam, os negócios sociais
podem acabar por causar dano social.
Devem por isso competir em pé de igualdade com os outros negócios “ditos” normais, nomeadamente no que às obrigações
legais e fiscais e à devolução de capital diz
respeito.
Segundo, porque a expectativa de devolução do investimento cria valor também
do lado do financiador: reforça­‑lhe o
incentivo para monitorizar o seu investimento mais de perto, e permite­‑lhe voltar
a investir o mesmo dinheiro mais tarde
noutro projecto, e assim perpetuar o
impacto social, com recursos limitados.
No contexto económico actual, e dadas
as transformações sociais que se avizinham, esta migração de um modelo mecenático para um modelo de verdadeiro
investimento social é da maior importância. Foi reconhecendo essa realidade que
a Fundação Luso­‑Americana, a Fundação
Calouste Gulbenkian e um particular (que
pretende manter o anonimato) quiseram
estar em Portugal no pelotão da frente
desta nova forma de financiamento da
inovação social, investindo na fase­‑piloto
do “Linhas sobre Rodas”.
“LINHAS SOBRE RODAS”:
UM NEGÓCIO SOCIAL NO SECTOR
DA COSTURA CO­‑CRIADO PELA
FUNDAÇÃO EDP E PELA AGÊNCIA
DE EMPREENDEDORES SOCIAIS
O “Linhas sobre Rodas” presta um serviço de costura com recolha e entrega ao
domicílio que nasce da identificação conjunta de uma oportunidade comercial e
de um desafio social ainda por resolver.
Por um lado, existe um segmento de
profissionais muito activos que, devido às
pressões crescentes sobre a vida familiar
e tempo livre, têm dificuldades em encontrar soluções comerciais ajustadas às suas
necessidades de confecção, arranjo e reparação de roupa.
Em resultado, a roupa por arranjar
acumula­‑se, entre outras tarefas domésticas para as quais se tem cada vez menos
tempo.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
‘
Por outro lado, exisNum negócio social, porque a geração
tem em Portugal cosde receita está diretamente ligada
tureiras experientes
em situação económiao impacto que se pretende atingir,
ca e social vulnerável.
a procura contínua pela venda
O seu desemprego
ou condição laboral
e pelo crescimento comercial é um
precária resulta muifactor de criação de bem social.
tas vezes, directa ou
indirectamente, das
transformações registadas no mercado têxtil nas últimas déca- ritório e na freguesia de Campolide.
das.
O objectivo desta primeira fase é validar
Procura­‑se resolver estes dois problemas o mérito social e comercial da iniciativa.
– a oferta sem clientes e os clientes sem Caso os resultados sejam positivos, será
oferta – pondo as costureiras “sobre rodas”. alvo de um reforço de investimento que
Ao deslocarem­‑se de mota ao local que for lhe permitirá operar em maior escala.
mais conveniente ao cliente, as costureiras
O crescimento a longo prazo do “Linhas
acedem a um mercado que antes lhes esta- sobre Rodas” residirá no alargamento da
va demasiado distante, e os clientes vêem base de costureiras recrutadas – através da
o seu problema de conveniência resolvido. criação de pólos de trabalho noutros terO “Linhas sobre Rodas” foi lançado em ritórios em Lisboa – e na expansão para
Novembro de 2012, numa versão­‑piloto outras cidades onde as mesmas necessie em escala reduzida, com operações dades estejam presentes.
sediadas na Mouraria, em Lisboa, e um
grupo de costureiras residentes nesse ter- * Responsável pelo Empreendedorismo Social /Fundação EDP
’
Ao deslocarem-se de mota ao local que for mais conveniente ao cliente,
as costureiras acedem a um mercado que antes lhes estava demasiado distante,
e os clientes vêem o seu problema de conveniência resolvido.
63
SOCIEDADE
A FLAD apoia
o empreendedorismo
e as startups
POR CHARLES BUCHANAN*
Desde o final dos anos 1990 que a FLAD tem vindo
a apoiar programas e acções para promover o
empreendedorismo em Portugal, com parcerias,
conferências e missões para os EUA. O objectivo é
aumentar o empreendedorismo e promover a sua
aprendizagem nas escolas secundárias portuguesas,
universidades e na comunidade empresarial e criar
novas empresas. Algumas acções foram direccionadas
para jovens de forma a transmitir os conceitos de
empreendedorismo e confiança, incentivar as jovens
mentes; outras acções foram destinadas a universidades para ajudar na inovação e na criação de novas
empresas. Fiquei convencido do grande potencial
para Portugal e tenho lutado para manter a FLAD
fortemente envolvida na promoção de iniciativas que
conectem a inovação e o espírito empresarial.
Existe em Portugal uma crescente consciencialização da importância da adopção de um pensamento empreendedor aplicado a todos os níveis de
ensino, de forma a incorporar os seus conceitos e
hábitos nos jovens, mas, neste campo, tem­‑se verificado que o país ainda não se encontra ao nível
de outras sociedades europeias. É certo que Portugal
tem feito grandes esforços para tornar a sua comunidade empresarial inovadora e competitiva. Assim,
o ensino do empreendedorismo pode revelar-se
uma jogada de mudança.
Nestes anos de recessão Portugal precisa urgentemente de promover a inovação, novas startups, empresários, PME, exportações e, sobretudo, emprego para
se tornar novamente competitivo e construir uma
sociedade com espírito empreendedor.
Os EUA têm criado uma cultura empresarial com
uma vasta experiência em todos estes aspectos, por
isso parece evidente que a FLAD deve fazer tudo o
que estiver ao seu alcance para tirar vantagem das
parcerias com os EUA. Isso criaria meios para trocas
profissionais, novos contactos comerciais, desenvolvimento do mercado das exportações, incluindo os
64
contactos críticos com capital de risco e capital de
investimento em ambos os países. Portugal tem dado
passos importantes, começando com a criação de
uma Secretaria de Estado para o Empreendedorismo,
Competitividade e Inovação. Durante os anos de
2012 e 2013, Portugal tem alargado o sistema de
apoio incubador e “acelerador” aos novos empresários e tem agora um “ecossistema” de apoio para
startups de sucesso.
Como os EUA são vistos, há muito tempo, como o
país mais forte a nível do empreendedorismo, desenvolvimento e educação, encontrei, ao longo destes
anos, muitos parceiros para que a FLAD possa construir uma forte cooperação transatlântica. Por exemplo, organizámos várias reuniões e encontros com
os responsáveis superiores da Fundação Kaufmann,
o maior activista nos EUA no estudo e na promoção
da educação para o empreendedorismo.
Também convidámos portugueses a visitar a
Fundação Kaufmann como a APBA – Associação
Portuguesa de Business Angels que também é líder
na organização da "Semana do Empreendedorismo"
que se realiza todos os anos em Novembro em
Portugal. É um evento global, que consiste numa
semana durante a qual decorrem inúmeras iniciativas de ensino do empreendedorismo em Portugal,
incluindo o conhecido Silicon Valley Comes to Lisbon,
apoiado também pela FLAD.
A FLAD também financiou durante vários anos a
Junior Achievement, uma ONG americana internacional
dedicada ao ensino de conceitos de empreendedorismo nas escolas secundárias. Este programa continua a ter um grande sucesso no que respeita ao
desenvolvimento de aptidões, iniciativa e confiança
nos jovens estudantes do 10.º ao 12.º ano.
Relativamente às universidades, há cerca de dez anos,
a FLAD iniciou uma parceria com a COTEC e a North
Carolina State University, para realizar, em Lisboa e
no Porto, programas com a duração de três meses
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
SOCIEDADE
Desde o final dos anos 1990 que a FLAD tem vindo a apoiar programas e acções para promover o empreendedorismo
em Portugal, com parcerias, conferências e missões para os EUA.
para analisar e seleccionar projectos aliciantes de investigação tecnológica de elevado potencial de crescimento. Este programa foi designado COHITEC e
tornou­‑se num dos programas mais emblemáticos da
FLAD, continuando até ao presente, sob a liderança e
experiência de Pedro Vilarinho. Este modelo único de
descoberta e promoção de melhores tecnologias tem­
‑se revelado extremamente bem­‑sucedido e obteve
resultados que se traduziram numa quantidade de
propostas de investimento de alto nível.
Passemos agora a alguma história menos conhecida. Durante muitos anos, a FLAD foi um parceiro
importante do EFC – European Foundation Centre
(Centro Europeu de Fundações) na área das relações
transatlânticas e no âmbito do programa de apoio à
sociedade civil dos cinco países do Norte de África.
Em 2005, a FLAD organizou em Lisboa um Fórum
para os Líderes da Educação do Norte de África, e
outro em 2006 com o US Council for Foreign
Relations (Conselho Norte-Americano de Relações
Externas), que teve lugar em Marrocos com o objectivo de comparar, na Universidade de Fez, os sistemas
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
de educação e reformas para a criação de emprego
olhando para o modelo da União Europeia (UE).
Estas iniciativas culminaram na realização de um
encontro, em 2007 na FLAD, com vista à promoção
do empreendedorismo e de novas redes de contacto entre líderes de programas de empreendedorismo portugueses e seus homólogos marroquinos.
Alguns anos mais tarde, a FLAD organizou, em
colaboração com o Centro Norte-Sul do Conselho
da Europa, a Embaixada de Marrocos em Portugal
e a APME – Associação Portuguesa de Mulheres
Empresárias, um Fór um para Mulheres
Empreendedoras no qual participaram líderes marroquinos e americanos.
Em 2010, o presidente da Comissão de Trabalho e
Segurança Social na Assembleia da República, António
Ramos Preto, organizou, juntamente com a FLAD e
o PEEP – Plataforma para a Educação do
Empreendedorismo em Portugal, um importante
fórum na A. República baseado no tema do empreendedorismo na educação, com participantes dos EUA
e de outros países da UE, com o objectivo de apoiar
65
SOCIEDADE
‘
Agora é o momento de Portugal tirar proveito das oportunidades
e recuperar o tempo perdido. A juventude deve ser ajudada
a liderar o caminho. A FLAD deve estar na vanguarda
deste processo.
’
os esforços para o desenvolvimento de uma estratégia nacional para a educação do empreendedorismo,
conforme recomendado pela Comissão Europeia. Este
fórum despertou muito interesse e vários parceiros
juntaram­‑se à FLAD para começar a trabalhar numa
estratégia de empreendedorismo nacional.
Simultaneamente, a FLAD e a Fundação Gulbenkian
uniram forças com o Ministério da Educação para
financiar uma avaliação de vários programas de aprendizagem do empreendedorismo que decorriam nas
escolas secundárias, e para determinar os seus impactos. A avaliação do Programa Nacional de
Empreendedorismo e Educação (PNEE) chegou à conclusão que os efeitos tinham sido excelentes e que as
escolas tinham ficado satisfeitas com os resultados.
Mais tarde, a FLAD apoiou os esforços para a criação da Plataforma para o Ensino do Empreendedorismo
em Portugal (PEEP), uma associação sem fins lucrativos, composta por pessoas, organizações educacionais, empresas, entidades governamentais e
organizações da sociedade civil. A missão da PEEP é
ajudar no desenvolvimento e na implementação do
programa nacional integrado de educação para o
empreendedorismo e formação através de projectos
de pesquisa, educação, formação e desenvolvimento
de políticas públicas.
A PEEP reúne entidades nacionais como a FLAD,
Universidade de Lisboa, Universidade Católica do
Porto, Universidade do Algarve e ISCTE­‑Audax –
Centro de Investigação e Apoio ao Empreendedorismo
e Empresas Familiares. Os parceiros dos EUA
incluem a Universidade de Berkeley, Califórnia, o
Centro de Empreendedorismo da Universidade do
Colorado, e o Consórcio de Universidades Americanas
para o Empreendedorismo. Em 2012, a PEEP ganhou
vários projectos de financiamento da Comissão
Europeia para apoiar actividades em Portugal.
Com os recursos orçamentais da FLAD em rápido
declínio nos últimos três anos e as suas prioridades
direccionadas para outras áreas, o programa de
desenvolvimento do empreendedorismo da FLAD
recebeu apoio limitado. No entanto, nos últimos
cinco anos, em Portugal, houve uma necessidade
crescente de especialistas em startups, “mentores” e
parcerias com centros de inovação dos EUA como o
66
Silicon Valley, à medida que cada vez mais programas
de empreendedorismo foram criados por ONG para
promover startups e novas empresas. A recessão fechou
muitas PME e criou uma elevada taxa de desemprego, mas é evidente que o futuro de Portugal depende da sua recuperação da recessão, do seu retorno
para uma economia competitiva e da criação de
oportunidades de emprego. Tudo isto assenta no
crescimento de práticas inovadoras, na criação de
novas empresas, de startups, no crescimento das PME,
do capital de risco e das exportações.
Em 2011 e 2012, a FLAD associou-se ao BES – Banco
Espírito Santo no financiamento de um programa
competitivo organizado pela Leadership Consulting
em Portugal que visa seleccionar duas das melhores
empresas tecnológicas para uma visita a Silicon Valley
durante três meses com o objectivo de conhecer a
sua rede de empresas e estabelecer novos contactos.
Este é um excelente exemplo para proporcionar a
empresas portuguesas a oportunidade de contactarem
parceiros nos EUA, adquirindo novos conhecimentos em matéria de inovação e no acesso ao financiamento de capital de risco.
Portugal não é diferente do resto da UE e dos EUA.
Todos estão empenhados em criar emprego e novas
empresas, mas alguns têm menos capacidades para
o fazer. Está tudo na mente e na intuição das pessoas
e muito poucos portugueses têm sido expostos a
ambientes inovadores, formados para conceber novas
ideias ou compartilhá­‑las com colegas. Acredito que
os EUA estão, na generalidade, mais qualificados nessas práticas.
Agora é o momento de Portugal tirar proveito das
oportunidades e recuperar o tempo perdido.
A juventude deve ser ajudada a liderar o caminho.
A FLAD deve estar na vanguarda deste processo com
um programa de financiamento sólido e abrangente para a formação de empresários portugueses e
iniciativas para as startups.
É esperado que a FLAD pondere o aumento deste
investimento inicial em 2013, mas sendo um investimento, este será apenas recuperado no futuro.
O tempo assim o dirá.
* Administrador da FLAD
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| PRIMAVERA 2013
CULTURA
28 entrevistas
a luso-descendentes
nos EUA
A vida e a história de 28 luso­‑descendentes
nos Estados Unidos da América contadas
por Margarida Marante, no último trabalho antes do seu falecimento, e fotografadas por Rui Ochoa. Um livro de edição
cuidada, prova material da vital ponte
humana que reduz a distância entre os
dois lados do Atlântico.
Contribuir para a imagem dos portugueses, do País e da da língua portuguesa na
América foram objectivos que estiveram
na base do livro de Margarida Marante e
Rui Ochoa, Portugueses da América, financiado
pela FLAD e publicado pela Tinta­‑da­‑China,
nas bancas desde o fim de 2012.
O livro foi o último grande empreendimento da jornalista Margarida Marante,
antes de falecer, para tornar públicos histórias e percursos de várias personalidades
de origem ou nacionalidade portuguesa
que se distinguiram em múltiplos campos
de actividade, desde a política, ao meio
académico, à investigação científica, ou
ao sector empresarial.
Foram entrevistados 28 luso­‑descendentes,
testemunhas da história, como diz António
Vitorino no prefácio do livro, para duas
leituras: “uma mais imediata, a partir das
narrativas individuais dos luso­‑descendentes
nos Estados Unidos e outra identificando
o fio condutor (per)seguido pela autora,
Margarida Marante, sobre as características
da diáspora lusófona no grande continente da América do Norte”.
Vitorino acrescenta no prefácio que “através de histórias e reflexões pessoais,
Margarida Marante coloca­‑nos em cheio na
essência do fenómeno migratório, que é a
dimensão humana dos seus protagonistas”.
“Este livro resulta de uma viagem, longa
em termos geográficos, intensa em termos
de experiências de vida” diz a autora,
acompanhada pelo fotojornalista Rui
Ochoa que, com as suas imagens, completa este trabalho, assim transformado,
segundo as palavras do prefaciador, num
“retrato vivo de uma inalienável dimensão
da nossa própria identidade como povo”.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
‘
Através de histórias e reflexões pessoais, Margarida
Marante coloca‑nos em cheio na essência do fenómeno
migratório, que é a dimensão humana dos seus
António Vitorino
protagonistas.
’
67
CULTURA
ANTÓNIO FRIAS
Empresário
“A quinta maior empresa de betão
dos EUA em 2009? António Frias
diz que sim, que foi uma revista
de engenharia que caucionou
a classificação (da sua empresa).”
Margarida Marante
Uma viagem deslumbrante por entre
pequenas estradas bordejadas de árvores
que ostentavam as célebres cores
do “Indian Sommer”, até Hudson,
Massachusetts. António Frias
esperava-me com o seu sorriso
e a sua boa disposição para ser
fotografado a preceito.
Rui Ochoa
FRANK DE SOUSA
Professor universitário
“ […] é um homem de fé,
perseverança e uma habilidade mágica
para contar as muitas histórias que
marcaram a sua infância na Fajã
dos Vimes, na ilha de S. Jorge,
e a sua partida para os Estados Unidos.”
Margarida Marante
Vive num local onde as referências aos
Açores são diversas, O mar e o ambiente
de pesca ficam-lhe quase na soleira
da porta. Frank de Sousa recebeu-me
na sua casa e, ali, juntamente com a sua
família, pudemos conversar e fotografar
numa sessão que durou horas.
Rui Ochoa
68
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
CULTURA
CRAIG DE MELLO
Premio Nobel da Medicina
“[…] emociona-se quando fala da filha,
diabética do tipo 2, a quem injecta
diariamente insulina. Foi seguramente
a pensar nela – e em muitos milhões
de pessoas com doenças incuráveis
– que trabalho durante dez anos
até descobrir uma espécie de ‘motor
de busca’ […] do genoma humano.”
Margarida Marante
Encontrei-o na Universidade de
Medicina de Massachusetts numa manhã
chuvosa. Afável, prestou-se às fotografias
com disponibilidade, não sem que antes
me oferecesse um cálice de Porto.
Rui Ochoa
DOMITÍLIA DOS SANTOS
Gestora de fortunas
“Corre maratonas como correu
a vida toda para contrariar um destino
que, na melhor das hipóteses, não lhe
permitiria ir além de escriturária.”
Margarida Marante
Domitília foi fotografada primeiro
no seu gabinete e no dia seguinte
nas salas e jardim do MOMA – Museu
de Arte Moderna em Nova Iorque.
Menos informal, as fotografias
da segunda sessão foram as escolhidas
por mim.
Rui Ochoa
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
69
CULTURA
ANTÓNIO HOMEM
Galerista
“Não tem idade definida,
moreno, alto, magro, um esteta
que se pressente à distância.”
Margarida Marante
António Homem esperava-me na sua
galeria Sonnabend localizada na zona
sul de Nova Iorque. Foi uma sessão
fácil, pois, como homem das artes,
facilitou-me a missão, sugerindo-me
os melhores locais para tomada
de imagens.
Rui Ochoa
RIGO (Ricardo Gouveia)
Artista plástico
“[…] é um activista, um idealista no
sentido mais literal do termo, de alma
revolucionária e coração à esquerda.”
Margarida Marante
Comecei a fotografar Rigo logo
no primeiro dia em que chegamos
a São Francisco. Foi num pequeno
bar do bas-fond da cidade que
aí o encontrei convivendo com
porto-riquenhos, cubanos e artistas
de outras nacionalidades em particular
da América do Sul.
Rui Ochoa
70
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
CULTURA
DONZELINA BARROSO
Gestora de organizações não lucrativas
“Finalmente, num magnífico restaurante
mexicano de Manhattan, fiquei a
conhecer bem a acutilância de espírito
desta nova-iorquina, moderna, muito
aberta a novas tendências […].”
Margarida Marante
O seu escritório fica junto ao célebre
edifício nova-iorquino Rockefeller
Center e é junto à sua famosa pista
de patinagem que a fotografo.
Foi uma sessão rápida e bem-disposta.
Rui Ochoa
DANIELA RUAH
Actriz
“As novelas portuguesas da TVI
foram o pretexto para o despertar
de um sonho muito mais exigente.
Daniela Ruah sabia que era na
representação que o seu futuro se
jogava, e no deslumbramento da
adolescência estabeleceu como objectivo
a conquista de um Óscar de
Hollywood.”
Margarida Marante
O mau tempo não deu tréguas
em Los Angeles e o dia em que fizemos
a sessão de fotografias num restaurante
perto de Hollywood, não foi excepção.
Quando cheguei já me esperava
na companhia da cadela Roxy.
Rui Ochoa
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
71
CULTURA
O fado
É hoje considerado Património Oral e Imaterial da Humanidade mas nasceu
como canção menor, património de marginais e boémios que ecoavam pelas ruas
da Mouraria a sua triste vida. Mas está o destino traçado à nascença,
ou pode um homem mudar o seu próprio fado?
POR SÓNIA ANDRADE*
Barack Obama foi o primeiro afro­‑americano
a ser eleito Presidente dos Estados Unidos
da América (EUA). Traçou o seu próprio
destino, e abriu portas à concretização do
que até aí parecia um sonho.
No cartoon de André Carrilho o Presidente
surge inserido no contexto do famoso
quadro do pintor português José Malhoa
intitulado O Fado. “Inserir Obama no quadro do Malhoa pareceu­‑me uma boa
maneira de juntar dois mundos, a política internacional com o povo português”,
diz o ilustrador. O cartoon levanta então
uma pergunta: O que é que o destino de
Obama tem a ver com O Fado pintado por
José Malhoa?
“Yes, we can” foi o slogan da campanha
do 44.º Presidente dos EUA, com a mensagem de que as pessoas querendo, e unidas, são capazes de mudar a sua vida ou,
até, o mundo. Querer é poder.
Na tomada de posse em 2009, Obama
segurou a Bíblia de Abraham Lincoln (1809
‑1865), o 16.° Presidente dos EUA que liderou o país entre 1861 e 1865, durante a
Guerra Civil Americana. Conseguiu preservar a união do país e abolir a escravatura, o
que considerou ser “Um novo nascimento
da liberdade”. Lincoln tornou­‑se um
Presidente icónico mas teve como triste fado
ser o primeiro presidente americano a morrer assassinado. E o novo nascimento da
liberdade, não foi imediato, a escravatura
acabou mas a segregação racial não.
“WE CANNOT TURN BACK”
Nos anos 60, no século XX, surgiu um
homem que não se resignou ao destino
de, por ser negro, ser discriminado. Em
defesa da igualdade e liberdade, Martin
Luther King (1929­‑1968) liderou um
movimento pacífico, apelando à não­
‑violência e ao amor ao próximo, reivindicando direitos civis para todos, indepen-
72
“Inserir Obama no quadro do Malhoa pareceu-me uma boa maneira de juntar dois mundos, a política
internacional com o povo português”, comentou o ilustrador André Carrilho.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
CULTURA
dentemente da sua cor. “I have a dream”
é um dos mais fortes discursos da História,
feito a partir dos degraus do Lincoln
Memorial em Washington DC, em 1963,
frente a uma plateia com mais de 200 mil
pessoas. Foi um momento decisivo na
história do Movimento Americano pelos
Direitos Civis. “We cannot walk alone.
[…] We cannot turn back”, afirmou
Luther King. Em 1964, recebeu o Prémio
Nobel da Paz pelo combate à desigualdade racial através da não­‑violência. “Tenho
o sonho de que os meus quatro pequenos
filhos viverão um dia numa nação onde
não serão julgados pela cor da sua pele,
mas pelo conteúdo de seu carácter.” A
pressão do movimento de Martin Luther
King acabou por gerar frutos e Lyndon B.
Johnson, sucessor do Presidente John F.
Kennedy (que havia sido assassinado em
Dallas), conseguiu que o “Civil Rights Act
of 1964” (Acto dos Direitos Civis de
1964) fosse aprovado pelo Congresso,
seguido do “1965 Voting Rights Act” (Acto
dos Direitos do Voto de 1965).
Questionado sobre o tempo que faltaria
para um negro chegar à presidência dos
EUA, Luther King terá feito uma estimativa de vinte e cinco anos, ou seja, em 1990.
Barack Obama chegou à Casa Branca dezanove anos depois da estimativa de King,
que não viveu para ver esse dia, pois, tal
como Lincoln, foi assassinado.
“YES WE CAN”
A luta pelos direitos civis, a paz, a igualdade e a dignidade humana foram as principais bandeiras de Obama. Uma das suas
mais importantes vitórias foi o programa
de serviço nacional de saúde ao alcance
de todos os cidadãos, que ficou conhecido por Obamacare. Em defesa da paz
retirou, como prometera, as tropas norte­
‑americanas do Iraque, e tem por objecParalelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
‘
como uma canção
menor, mas também
uma classe baixa
marginalizada da
sociedade portuguesa
que ganha dignidade
na tela.
O reconhecimento
da obra veio primeiro
do exterior. O quadro
foi mal recebido pela crítica portuguesa,
precisamente por retratar uma realidade
e uma música “menor”. Foi exposto pela
primeira vez em 1910 na Exposição
Internacional de Arte do Centenário da
República da Argentina, em Buenos Aires,
onde ganhou a Medalha de Ouro. Dois
anos depois, O Fado foi apresentado em
Portugal, na cidade do Porto. Daí seguiu
para o Salão de Paris e, posteriormente,
para Liverpool. Em 1915 obteve o Grand
Prize, na Panama – Pacific International
Exposition, realizada em São Francisco,
na abertura do canal do Panamá.
Finalmente, em 1917, foi apresentado em
Lisboa na 14.ª Exposição da Sociedade
Nacional de Belas­‑Artes. A autarquia
adquiriu a obra que foi colocada no Salão
Nobre dos Paços do Concelho, depois
integrada na exposição permanente do
Museu da Cidade, estando, de momento,
no Museu do Fado. O fado, entretanto,
ganhou estatuto e foi classificado, pela
Unesco, Património Oral e Imaterial da
Humanidade em 2011.
Lincoln, Luther King, Obama, Malhoa,
Amâncio e Adelaide são exemplos de que
um homem ou mulher livre, igual ao próximo, digno, pode mudar o seu destino
e o mundo para melhor, independentemente de ter nascido em Honolulu,
Atlanta, Hodgenville, nas Caldas da Rainha
ou na Mouraria.
Lincoln, Luther King, Obama, Malhoa,
Amâncio e Adelaide são exemplos de
que um homem ou mulher livre, igual
ao próximo, digno, pode mudar o seu
destino e o mundo para melhor.
tivo retirar até 2014 a presença militar no
Afeganistão.
Tal como Martin Luther King, foi agraciado com o Nobel da Paz em 2009, e
obteve, desde o primeiro mandato, o
apoio da Europa.
Conseguiu ser reeleito em 2012. Na
tomada de posse segurou na mão as
bíblias de Abraham Lincoln e de Luther
King e assumiu a regulação da imigração,
a igualdade de direitos civis para os
homossexuais e o fim do acesso facilitado
e generalizado da população às armas.
Obama tem quatro anos para provar que
sim, que pode traçar um destino diferente para a América e para o mundo. Poderá,
é certo, fracassar e acabar o seu mandato
a cantar um fado menor. Mas, tal como
Lincoln e Luther King, já mudou o destino dos que eram e são marginalizados.
Também José Malhoa conseguiu tal façanha com o quadro O Fado. Como?
Em 1910 o pintor convenceu Amâncio
e a sua companheira Adelaide “da facada”
(conhecida assim por ter uma cicatriz na
face esquerda), dois fadistas do bairro da
Mouraria, onde terá nascido o fado, a
servirem de modelo para o quadro. Nesse
tempo fadista era sinónimo de marginal.
Malhoa pintou os dois modelos no seu
ambiente, numa casa humilde na Rua do
Capelão, na Mouraria, um bairro que
ainda hoje é reduto de imigrantes e desfavorecidos. O quadro ilustra de forma
expressionista, não apenas o fado, tido
’
* Jornalista freelancer
73
CULTURA
Disquiet / um desassossego
literário luso-americano
Pelo segundo ano consecutivo, o projecto “Disquiet” instalou-se em Lisboa, reunindo
escritores portugueses, americanos e luso-americanos, com o objectivo de promover a
cultura literária e o intercâmbio cultural. Uma iniciativa da Dzanc Books, uma editora
americana sem fins lucrativos, que conta em Portugal com o apoio do Centro Nacional
de Cultura, da Universidade Nova de Lisboa, da Universidade de Lisboa e da FLAD.
POR CLARA PINTO CALDEIRA*
A primeira vez que tantos escritores luso-americanos se conheceram foi no “Disquiet”.
74
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
CULTURA
UMA DUPLA À PROCURA DO MUNDO
tores, apercebeu­‑se da vitalidade das
Jeff Parker, 38 anos, e Scott Laughlin, 42, novas gerações e viu a luz da cidade.
partilham a aventura da Dzanc Books e Ao voltar, falou com Jeff, e concordaram
são a alma de “Disquiet”. Ambos editores, que Lisboa seria o próximo destino de
Jeff é também professor de Escrita um programa literário internacional.
Criativa na Universidade de Tampa e Scott Com as parcerias estabelecidas, 2011 foi
é professor de Literatura num liceu o ano de arranque.
de São Francisco.
Encontrámo­‑los em
Lisboa, no final da
segunda edição deste
programa. A pergunta impõe­‑se: porquê
“Disquiet”? Palavra
inglesa para “desasA ideia de “desassossegar”
sossego”, é em priuma comunidade desligada
meiro lugar uma
homenagem ao livro
– escritores americanos
de Bernardo Soares,
e portugueses e luso-descendentes
um dos heterónimos
de Pessoa. Mas é
– surgiu naturalmente.
mais do que isso:
traduz o espírito da
iniciativa de Jeff e
Scott, que acreditam
que temos de sair
da nossa rua para
encontrar o mundo, descobrir o desco- JUNTAR PARA MULTIPLICAR
nhecido e, na quietude da leitura, encon- “A primeira vez que tantos escritores luso­
trar a inquietação da escrita.
‑americanos se conheceram foi no
A ideia de “desassossegar” uma comu- ‘Disquiet’, o ano passado”, diz Jeff. Oona
nidade desligada – escritores americanos Patrick, foi uma das participantes e voltou
e portugueses e luso­‑descendentes – sur- este ano. Luso­‑descendente de quinta geragiu naturalmente. Jeff, neto de um ção, Oona cresceu em Provincetown, “uma
lisboeta, já tinha tido a experiência cidade muito portuguesa”, com cerca de
de dirigir, entre 2000 e 2008, a progra- três mil habitantes. Desde cedo que tentou
mação de um Seminário Literário descobrir mais sobre as suas origens, e fê­‑lo
Internacional em São Petersburgo que através da escrita e da leitura: Saramago,
pretendia fazer a ponte entre a Rússia e Lobo Antunes, sempre estiveram entre as
a América, onde conheceu Scott. Scott, suas preferências, e agora acrescentou
por sua vez, descobriu Portugal na Gonçalo M. Tavares. Escritores luso­
Universidade de Boston, quando foi ‑descendentes, só conhecia Frank Gaspar e
aluno de Alberto de Lacerda. Pela mão Katherine Vaz. Até encontrar Jeff em São
do poeta que nasceu em Moçambique, Petersburgo e perceber que havia uma
conheceu Pessoa, numa edição antiga a
enorme comunidade invisível. Hoje tamdesfazer­‑se, e muitos outros autores por- bém integra a Dzanca Books e a experiêntugueses. Foi também através de Alberto ca, repetida, do “Disquiet”, em Lisboa,
de Lacerda que Scott se encontrou pes- mudou a sua vida: “Apercebi­‑me de que
soalmente com Paula Rego, de quem havia muita gente com histórias semelhanguarda dois desenhos. “Um luxo, sim, tes, quando comecei a escrever pensei que
eu sei!”, diz, grato pela influência de era a única. Percebi que a experiência da
Alberto de Lacerda na sua vida. “Foi uma
discriminação sobre as origens portuguesas,
descoberta de alguém com tantas ligações o esquecimento, a prevalência dos estereóe com uma obra fascinante, achei que tipos, o sentimento de isolamento aconteestava a encontrar o mundo.”
cia também a outras pessoas, noutros locais
Quando Alberto de Lacerda morreu, em e comunidades.” As suas origens estavam
2007, Scott acompanhou o processo
presentes na sua vida, mas eram desconhecomplexo de trazer para Lisboa o espólio
cidas, e isso entristecia­‑a, sobretudo porque
imenso no apartamento londrino do as pessoas que sabiam as histórias estavam
escritor e professor – 150 mil livros que a morrer.
foram entregues à Fundação Mário
Com obra publicada no género creative
Soares. Em Lisboa, Scott conheceu escri- non ficion, ou seja, narrativas a partir da
‘
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
realidade e da memória, Oona Patrick
identifica uma mudança na sua escrita,
depois do “Disquiet”: “Dantes escrevia
sobre Provence Town, agora escrevo sobre
Portugal.”
Segundo Jeff, que se orgulha de reunir
uma enorme comunidade com tanto em
comum, as achas que lançam fazem
fogueiras, sobre as quais já não têm responsabilidade: “Apenas fazemos os contactos e trazemo­‑los aqui. Os resultados?
Quatro deles têm livros a sair, nos Estados
Unidos.”
PORTUGAL – PERSONAGEM
Na segunda edição do “Disquiet”, que
decorreu entre 1 e 14 de Julho de 2012,
vieram dos Estados Unidos 50 jovens
escritores e dez escritores consagrados,
entre os quais Kim Addonizio, Frank
Sousa, Josip Novakovich, Deb Olin
Unferth, Robert Wilson e Frank Gaspar.
Aqui, reuniram­‑se em tertúlias, leituras,
visitas por Lisboa e Cascais, com Rui
Zink, Onésimo Teotónio de Almeida,
Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto,
Patrícia Reis e Patrícia Portela, entre
outros.
Um encontro com efeitos profundos
numa cultura hegemónica como a americana, segundo Scott: “Viver nos Estados
Unidos, numa cultura que, para o bem
ou para o mal, é dominante, e onde há
forças dominantes no mercado editorial
que ditam o gosto de leitura, isso cria
um isolamento, talvez oiçam falar de
escritores franceses, ingleses, espanhóis,
mas há todo um mundo literário aqui
que não é só do passado.”
* Jornalista freelancer
Efeitos colaterais
do “Disquiet”
Alguns dos partipantes da primeira edição
do “Disquiet” criaram um grupo no
Facebook chamado Presence/Presença
( h t t p : / / w w w. f a c e b o o k . c o m / g r o u p s /
PresencePresenca/), que funciona como
uma rede de apoio para oportunidades de
publicação e participação em eventos,
nomeadamente a participação significativa
deste grupo na conferência da Association
of Writers and Writings Programmes (AWP)
que reúne mais de dez mil pessoas.
75
CULTURA
Descobrir caminhos
Promovido pelo Conselho Nacional de Educação, com o apoio da FLAD, surgiu um
projecto que pôs alunos e professores a palmilhar quilómetros de trilhos da paisagem
açoriana. Ferramentas: olho vivo, pé ligeiro e... uma máquina fotográfica.
POR CARLA MAIA DE ALMEIDA*
As riquezas naturais dos Açores não se
revelam a turistas e caminhantes apressados. Muitos desconhecem, por exemplo, que a madeira do cedro­‑do­‑mato,
árvore dominante em altitudes acima
dos 500 metros, foi em tempos usada
para fabricar galochas, colheres e fechaduras, entre outros fins. Que, com a baga
de louro, cujas folhas andam sempre nas
nossas cozinhas, se apurou óleo destinado à iluminação e a tratamentos medicinais. Que as sebes de azevinho,
características do Natal, ainda abrigam
pastores e servem de alimento ao gado.
Que a uva­‑da­‑serra se presta à confecção
de compotas, aguardente e vinagre.
‘
Desenvolver nos jovens,
bem como na escola,
condições para que
as pessoas adquiram
uma identidade regional
Ana Maria Bettencourt
e local.
’
As riquezas naturais dos Açores reveladas pelo projecto “Cidadania e Sustentabilidades para o Século XXI.
Caminhos para Uma Comunidade Sustentável nos Açores.”
76
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
CULTURA
São apenas alguns exemplos dos saberes guardados pela vegetação endémica
dos Açores, entre as mais exuberantes
do território português. Qual o melhor
lugar para se conhecer esta extraordinária biodiversidade? Na própria natureza,
é claro. Foi o que fizeram mais de quatro centenas de alunos de escolas do
ensino básico e secundário da Terceira,
Faial e Pico, apostados em percorrer
alguns dos trilhos mais bonitos das suas
ilhas, com a ajuda dos professores e a
máquina fotográfica a tiracolo. Este ano
lectivo, outros colegas das escolas de São
Miguel seguir­‑lhes­‑ão o exemplo.
O projecto “Cidadania e Sustentabilidades
para o Século XXI. Caminhos para Uma
Comunidade Sustentável nos Açores” foi
iniciado em 2009, sob a inspiração da
Unesco e da sua perspectiva educativa para
o desenvolvimento sustentável. A valorização do património herdado, a promoção
de estilos de vida saudáveis e a formação
de cidadãos mais implicados na defesa do
planeta são alguns dos objectivos, a que
se junta um outro: “Desenvolver nos
jovens, bem como na escola, condições
para que as pessoas adquiram uma identidade regional e local.” Palavras de Ana
Maria Bettencourt, professora e presidente do Conselho Nacional de Educação, que
promoveu e planificou o projecto, juntamente com Manuel Gomes, assessor deste
organismo.
Em termos de experiência pedagógica
e educativa, trata­‑se de algo inédito a
nível nacional: “Este projecto surge no
Currículo Regional do Ensino Básico, o
que é uma inovação. A ideia é que possa
ser um instrumento para que as escolas
da Região Autónoma encontrem as suas
estratégias de educação para o desenvolvimento sustentável e para o reforço da
identidade regional.”
“Normalmente”, prossegue Ana Maria
Bettencourt, em entrevista à Paralelo, “a
escola está muito fechada ao meio e tem
pouco espaço, fora do Currículo Nacional, para tudo o que não seja a aprendizagem intelectual. O que nós fizemos
foi uma pesquisa sobre como se pode
trabalhar com os professores e outras
entidades que produzem vários tipos de
conhecimento”. Assim, além dos alunos
e professores de diversas disciplinas, o
projecto integrou formadores e consultores, bem como trinta parceiros que
incluem instituições governamentais e
não­‑governamentais – entre as quais a
Fundação Luso­‑Americana para o
Desenvolvimento e a Agência Ciência
Viva.
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
Neste Verão, o Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, acolheu a exposição itinerante
“no terreno.açores”.
‘
Em termos de experiência pedagógica e educativa,
trata-se de algo inédito a nível nacional.
Neste Verão, o Pavilhão do Conhecimento,
em Lisboa, acolheu a exposição itinerante “no terreno.açores”, que registou alguns
dos momentos mais significativos do trabalho de campo. A fotografia foi o instrumento privilegiado para “construir novos
olhares” sobre as paisagens, captando
nuances de luz, cor e texturas que escapam
a um olhar mais superficial. Para isso, foi
indispensável o contributo de Rita Castro
Neves, fotógrafa e professora de fotografia, que ministrou o seu saber junto de
alunos e professores em formações que
acompanharam todo o desenvolvimento
do projecto.
“As crianças adoraram o desafio de descobrir caminhos e houve logo um grande
entusiasmo”, afirma Ana Maria Bettencourt.
“Outro aspecto muito importante foi os
’
alunos irem às assembleias municipais e
fazerem uma intervenção enquanto cidadãos, propondo a classificação de trilhos
ou a melhoria de certos aspectos.”
Esse envolvimento ficou bem explícito
nas chamadas “autobiografias ambientais”, em que os alunos foram convidados a descrever a sua relação pessoal
com os lugares, as paisagens e o ambiente em que cresceram. “O local onde eu
fui deita fumo e havia algumas poças de
lama. Eu é que dei uma ideia para arranjar maneira de passar por cima da lama”,
escreveu um aluno do 6.º ano. Outras
boas ideias esperam para ser descobertas e partilhadas entre todos. Sempre
com um olhar no terreno.
* Jornalista freelancer
77
CULTURA
A família portuguesa
da Brown University
POR SARAH ASHBY*
Para um transeunte que passeie pelas avenidas
folhosas de East Side Providence a casa localizada
em George Street 159 é necessariamente motivo
para uma pausa. Conhecida como a Casa Meiklejohn,
sede do venerável Departamento de Estudos
Portugueses e Brasileiros da Brown University, esta
casa colonial afasta-se timidamente da rua, com a
sua fachada em tijolo vermelho coberta por sinuosas heras.
O exterior modesto contradiz a função da Casa
Meiklejohn – basta subir as escadas de pedra e
atravessar o limiar do edifício para entrar numa
atmosfera vibrante, onde uma cacofonia de português, falado com variadas entoações e cadências,
se mistura com risos animados e ecoa nas escadas
de madeira. É um microcosmo da cultura lusófona
no meio de uma universidade americana, onde as
estantes exibem nomes de gigantes literários provenientes de ambos os lados do Atlântico e onde
se encontram frequentemente pastéis de nata, juntamente com outras confecções pecaminosas de
uma padaria portuguesa, na sala de conferências.
Como estudante do primeiro ano no Departamento
de Estudos Portugueses e Brasileiros, esta casa animada tornou-se o verdadeiro centro da minha carreira estudantil, ainda no início; o portal para um
nicho do mundo académico que rapidamente se
tornou o meu próprio.
Sou incapaz de identificar em que momento da
vida decidi dedicar a minha educação aos estudos
lusófonos. Longe de ser uma decisão premeditada,
esta nova fase parecia-me o culminar lógico de um
encanto pessoal com tudo o que é “luso’’. Eu tinha
crescido a ouvir os meus pais contarem as suas
memórias afectuosas sobre os seus anos enquanto
jovem casal na ilha Terceira, e passei uma parte da
minha própria adolescência nessa mesma ilha, a
estabelecer raízes no ambiente de um crescimento
excepcionalmente itinerante. Após a minha forma-
78
tura em Middlebury College e ainda intimamente
envolvida no mundo equestre português, também
colaborava em projectos de pesquisa sobre a linguística portuguesa, trabalhava como tradutora de
português e espanhol para uma empresa de software,
e tinha espontaneamente decidido viver tanto
tempo quanto possível com um visto de viagem
no Sul do Brasil.
Quando decidi traduzir esta minha paixão num
grau de ensino superior, não havia dúvida onde iria
apresentar a minha candidatura. Como estudante
prospectiva, visitei o website da Brown University tão
frequentemente que definitivamente o tornei a
minha página inicial. Li e reli as biografias do corpo
docente do Departamento – Dr. Luiz Valente,
Dr. Nelson Vieira, Dr. Onésimo Almeida, Dr.ª Leonor
Simas-Almeida e Dr.ª Patrícia Sobral – tantas vezes,
que as fotos acompanhando as suas biografias adquiriram certa familiaridade reconfortante, como se
fossem fotos de velhos amigos.
Luiz Valente, chefe do Departamento, costuma
dizer que o seu departamento é como uma família.
E de facto somos: um pequeno grupo de estudiosos de diversas origens, com um interesse académico unificador que nos permite fazer amizades e
estabelecer colaborações profundas. Os meus colegas e eu somos constantemente desafiados nos
nossos cursos com Luiz, Nelson, Onésimo e Leonor
a pensar profunda e criticamente, e a emular a
qualidade da sua erudição notável enquanto desenvolvemos os nossos próprios nichos de investigação.
Quando reflicto no meu primeiro ano no programa de pós-graduação, lembro-me daquilo que Eça
de Queirós escreveu uma vez sobre o seu amigo e
contemporâneo Antero de Quental: “lia muito, lia
sempre e lia tudo’’.
Patrícia Sobral preside aos cursos de Português
para o programa de graduação, os quais integram
os alunos de pós-graduação, dando-lhes a oportuParalelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
CULTURA
Como estudante do primeiro ano no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, esta casa animada tornou-se
o verdadeiro centro da minha carreira estudantil na Brown University
nidade de compartilhar o seu conhecimento da
língua portuguesa e literatura lusófona com os
estudantes de graduação e garantindo a transformação de futuros formados de Brown em verdadeiros lusófilos. O dinamismo do programa de
Patrícia é celebrado duas vezes por ano com um
show de talento, durante o qual os estudantes de
graduação assumem o palco para exibir o seu domínio da língua portuguesa através de maneiras mais
criativas. O ano passado destacou-se um duo que
dançou samba no pé, baladas de bossa nova, e uma
rapariga especialmente audaciosa que fazia malabarismo enquanto recitava trechos de Pedagogia do
Oprimido, de Paulo Freire.
Uma das coisas mais inspiradoras do meu primeiro ano como estudante de pós-graduação foi a variedade infinita de oportunidades de colaboração
académica que a Brown me forneceu. Desde almoçar com o Dr. Mário Mesquita e o Dr. Miguel Vaz da
Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento,
cuja parceria com a Brown enriquece a vida de todo
o estudante e nos envia professores talentosos como
o Dr. Miguel Jerónimo, até coordenar e efectuar uma
visita dos comandantes militares da base da Força
Aérea americana das Lajes, percebi que a rede de
influência da Brown abrange o mundo inteiro.
Há dois dias, o meu telemóvel tocou aqui na ilha
Terceira quando eu estava a sair do estábulo de cavalos após um passeio à tarde. “Olá, Sarah, está tudo
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
bem? É o Onésimo, e estou com a Leonor aqui no
Hotel Angra Garden...”, disse a voz familiar no outro
lado da linha. Uma hora mais tarde, também eu
estava acolhida numa grande cadeira no saguão do
Hotel Angra Garden. Em qualquer outro caso a situação podia parecer improvável: lá estávamos nós no
centro histórico de Angra do Heroísmo, a compartilhar recomendações de livros e planos de viagem
no meio de uma reunião de um grupo de colegas
do Seminário de Onésimo. Mas o facto é que a situação não era nada estranha – Onésimo e Leonor
tinham-se transformado de biografias e fotos de um
website, em mentores e amigos, que compartilharam
o meu vínculo visceral com este pequeno pedaço
de Portugal no meio do oceano Atlântico. Ao reflectir mais tarde naquela noite sobre o encontro, percebi quanto profundamente eu estava integrada no
Departamento, e como ele se havia tornado uma
parte essencial da pessoa que sou.
No ano passado, o Departamento de Estudos
Portugueses e Brasileiros da Brown University
comemorou o seu vigésimo ano como um departamento académico independente. Estou ansiosa por
celebrar mais momentos históricos com o
Departamento, que continua a deixar a sua marca
como uma instituição inovadora e uma referência
de qualidade no país e no exterior.
*Bolseira da FLAD
79
CULTURA
As sete vidas de uma
luso­‑descendente: um livro
que revela o percurso invulgar
de Patrícia Joyce
Foi na Casa dos Açores em Lisboa que se apresentou o livro, editado pela FLAD,
Quantas Vidas Tem Um Gato? Quantas Vidas Tem Patrícia?,
o resultado de uma longa entrevista de Manuel Carvalho Gomes a Patrícia Joyce Fontes.
Ou “apenas” uma conversa entre amigos. Apresentado por Ana Mesquita,
que tem em comum com a entrevistada a formação base em Psicologia,
este livro é uma história de vida e de muitos afectos.
RUI OCHOA
POR CLARA PINTO CALDEIRA*
Patrícia Joyce Fontes foi professora, madre
superiora, fez investigação, construiu casas
e cultivou legumes – assim resumiu Ana
Medina Mesquita a diversidade da vida
“conversada” neste livro – todos papéis
sociais com impacto nos outros e marcados
pelo espírito da partilha.
Filha de pais micaelenses, emigrados
para os Estados Unidos no início do
século XX , Patrícia Joyce nasce já no
então país das oportunidades, a sétima
de dez irmãos. Ana Medina Mesquita,
psicóloga especialista em aconselhamento profissional para adultos com base na
narrativa, comentou que esta narrativa
original de Patrícia Joyce, que se assume
como “portuguesa na maneira americana de ser portuguesa”, comportava já o
desafio da afirmação da identidade e o
combate ao estigma sobre a emigração.
Desafios cumpridos, como destaca José
Medeiros Ferreira no texto introdutório
do livro, ao afirmar que Patrícia Joyce
“sobressai pela construção do próprio
destino, pela procura constante de
aprendizagem, pela abertura permanente a novas experiências”, revelando­‑se
um modelo inspirador para a emigração,
ao afirmar­‑se de forma atípica, esquiva
aos modelos de sucesso material ou
político. Um longo caminho, caracterizado por perseverança e tranquilidade,
ou teria tombado perante o episódio de
infância em que uma professora lhe diz
80
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
CULTURA
que todos os meninos conseguem aprender, até os portugueses...
“NAVEGAR É PRECISO, VIVER NÃO”
Em East Providence, foi para a escola e
aderiu ao escutismo. Católica, sentia na
sua comunidade a diferença cultural em
relação aos protestantes, mas vivida de
forma pacífica. Na sua conversa com
Manuel Carvalho Gomes, recorda, com
humor, um episódio exemplar, quando
no dia de São Patrício a comunidade
irlandesa se vestia de verde e os católicos,
por oposição, de laranja, desconhecendo
que essa é precisamente a cor dos protestantes na Irlanda.
A sua irmã mais velha, hoje com 89
anos, foi a primeira mulher licenciada
da vila. Patrícia seguiu­‑lhe o exemplo,
graças à adbicação de outra irmã, que
fica em casa a cuidar da família. Segue
então para Boston, sozinha, com as suas
galochas, que lhe valiam a etiqueta de
“saloia”... Não se deixou intimidar:
termina o curso e volta para junto da
família licenciada em Psicologia.
Entretanto, é convidada a integrar uma
congregação e torna­‑se madre superiora
aos 25 anos, experiência que abandona
por contestar a falta de autonomia das
freiras e a distribuição classista das tarefas.
Doutorou­‑se em Psicologia da Educação,
trabalhou em várias faculdades americanas e viveu o clima anti­‑Guerra do
Vietname, no qual se envolveu activamente. Por não querer pagar impostos americanos, como forma de protesto, decidiu
sair do país.
Um livro que também é a
Manuel Carvalho Gomes formou­‑se em
Geografia e fez o mestrado em Geografia
Física e Ambiente no domínio da educação
ambiental, em 1995. Leccionou Geografia
no ensino básico e secundário, e repre‑
sentou o Ministério da Educação nas
Direcções­‑Gerais do Ambiente e do
Consumo da Comissão Europeia. Escreveu
vários artigos e participou em grupos de
trabalho internacionais na área do
Ambiente. É actualmente assessor do CNE
e presidente da Associação CIDAADS
(Centro de Informação, Divulgação e Acção
para o Ambiente e o Conhecimento).
Conheceu Patrícia Joyce em 1998 numa
conferência de educação e informação para
Aos 46 anos trabalhava no Centro de lho de vários investigadores que é publiInvestigaçao e Educação do Saint Patrick’s cado em 1998.
Regressou aos EUA em 2004, onde vive
College, na Irlanda, mas tinha a vontade
antiga de viver em Portugal e finalmen- num bosque a três horas de Nova Iorque,
te aprender a língua. Candidatou­‑se, e sem conhecer os limites da sua propriedaem 1982 desenvolveu, na Faculdade de de, e com o desejo de deixar o seu patriPsicologia do Porto, estudos sobre as mónio a uma instituição de conservação
diferenças dos testes de inteligência entre da natureza.
crianças irlandesas,
americanas e portuguesas e também
sobre os níveis de leitura – um exemplo da
sua visão universalisA permanência em Portugal,
ta, marca da sua perque já visitara várias vezes,
sonalidade.
Ao regressar aos
é o princípio de uma das fases mais
Estados Unidos,
marcantes da vida de Patrícia Joyce.
Margarida Rosa, filha
da escritora Ilse Rosa,
fala­‑lhe numa amiga,
bolseira da Fulbright
e pede para recebê­‑la. Patrícia encara com DA ESCOLA PARA A COMUNIDADE
alegria a excelente oportunidade de trei- Patrícia Joyce tem hoje 76 anos, a enernar a língua e conviver com portugueses. gia e a simpatia de uma jovem ainda
Era a poeta Ana Maria Amaral, que devol- expectante, o mesmo sorriso generoso
ve a hospitalidade e a recebe, mais tarde, da sua sobrinha­‑neta Lilly, de sete anos,
com quem se apresentou. Continua a
no Porto.
A permanência em Portugal, que já visi- desafiar convenções, com alegria e seretara várias vezes, é o princípio de uma nidade. Como comenta Ana Mesquita,
das fases mais marcantes da vida de que associou sempre a protagonista desPatrícia Joyce que, neste país, desenvol- tas páginas ao nome Joy(CE), significanve trabalho pioneiro na área da educação do alegria, e não Patrícia, a leitura deste
ambiental e educação para o desenvol- livro transmite sobretudo jovialidade e
entusiasmo.
vimento sustentável, associada à
E lembra ainda a apresentadora deste
Universidade do Minho, com o projecto
“Investigação, Visão, Acção, Mudança livro: na horta comunitária onde Patrícia
faz trabalho voluntário, e cuja produção se
(IVAM)” e o estudo “As Crianças como
Agentes de Mudança Ambiental”, traba- destina aos mais desfavorecidos, encarrega­
‑se dos espinafres, o legume da força.
Apenas um dos trabalhos comunitários em
que se empenha. Também já construiu casas
sociais e colabora com ONG ambientalistas.
história de uma amizade Viajou até à Palestina e associou­‑se a um
grupo de activistas a favor de soluções não
as questões ambientais, em Matosinhos:
violentas para o conflito israelo­‑árabe.
“No primeiro encontro, percebi logo que
Actualmente, Patrícia Joyce vê em curso
estava perante uma grande mulher, apesar
a realização de um sonho antigo: é conda aparência frágil, e desde esse momen‑
sultora num programa de intercâmbio entre
to fiquei interessado em descobrir a mulher
escolas açorianas e americanas, “Projeto
que ela era verdadeiramente, além da pro‑
Cidadania e Sustentabilidades para o Séc.
fessora que me abordou em português com
XXI. Caminhos para Uma Comunidade
uma pronúncia americana sobre formas de
Sustentável nos Açores”, coordenado pelo
financiar publicações e conferências por
Conselho Nacional de Educação (CNE) e
parte do Ministério da Educação.” A partir
co­‑financiado pela FLAD.
daí, desenvolveu­‑se uma amizade que deu
Quantas Vidas Tem Um Gato? Quantas Vidas Tem
uma conversa que deu um livro. Sobre
Patrícia?, em edição bilingue, conta a históesta sua quase­‑biografia conversada,
ria de alguém que se resume a si própria
Patricia Joyce afirma: “Eu sou uma pessoa
desta forma: “Tive a sorte de encontrar
que teve a grande sorte de encontrar um
diversas situções onde posso ser eu.”
‘
’
amigo como o Manuel.”
* Jornalista freelancer
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81
CULTURA
A América de João Medina
A Minha América é assinado por João Medina e apresenta,
sem academismos nem pudores, uma perspectiva particularíssima daquele país,
que vai da literatura ao cinema, passando pela história, pelas ruas
e as gentes da América que marca o intelectual português.
É o primeiro volume da colecção “Rio
Atlântico”, editada pela Opera Omnia, e
dirigida por Onésimo Teotónio de Almeida,
com o apoio da FLAD, e foi lançado na sua
sede, em Lisboa.
UMA AMÉRICA QUE COMEÇA EM...
LOURENÇO MARQUES
“Ninguém deveria visitar a América pela
primeira vez” – João Medina cumpre a
tirada de John Kenneth Galbraith, citada
por Onésimo Teotónio de Almeida na apresentação de A Minha América. É que antes
de lá ir, João Medina visitou a literatura,
o cinema, os ícones e a história americana diversas vezes: uma viagem que começou num momento muito particular da
sua vida, como o próprio confessa no
prefácio, após concluir o Colégio Militar
e regressar à sua terra de origem, Lourenço
Marques. Aqui, numa colónia menos sujeita ao obscurantismo da metrópole, entre
1954 e 1956, fez as primeiras descobertas
de um percurso de explorador que não
tem fim à vista. Muitas são, ao longo destas páginas, as referências às suas vivências
precoces de um país onde viria muito
mais tarde a permanecer longos períodos,
dedicado à docência, na Johns Hopkins e
na Brown University.
Mas, neste livro, não é o professor catedrático que se dirige ao leitor, como também
não deixa por esclarecer: “Assumidamente
subjectivista e pessoalíssimo, ele valerá o que
valer, mas não pretende de maneira nenhu-
Este é sem dúvida um livro sobre a América
de João Medina. Como o próprio assume.
82
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| PRIMAVERA 2013
CULTURA
ma constituir­‑se como manual para instruir
educar ou leccionar quem quer que seja.”
o lado alguns leitores por não aguentarem
o ritmo intenso da pedalada.”
Uma pedalada que não percorre apenas
os caminhos do deslumbramento e trilha
também as contradições da nação que se
afirma pelo princípio da liberdade, ao
abordar o estereótipo de Uncle Sam, a questão das lutas pelos direitos cívicos ameri-
OS PRIMEIROS AMORES
E A LUCIDEZ DE UM AMOR MADURO
Autoproclamado “espécie de lusitano
rebelde sem causa”, não é casual que um
dos primeiros amores
americanos de João
Medina seja o filme
de Nicholas Ray Fúria
de Viver, em que a sua
identificação com a
Não só de livros é feita esta viagem.
personagem de James
Dean é confessa. Mas
Os filmes americanos, “a máquina de
da juventude vem
fazer sonhar ou o sonho de celulóide”
também o encontro
com Walt Whitman,
ocupam extensas páginas
poeta da sua eleição,
deste livro.
“estentórico cantor
da esperança ianque,
do entusiasmo de ser
partícipe duma aventura nova na história
dos homens, pioneiros todos de uma Nova canos e uma sociedade desigual e com
Arrancada do género humano”.
momentos opressivos, de que a obra
Mas não só de livros é feita esta viagem. Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, é bem a
Os filmes americanos, “a máquina de fazer expressão de um pensamento crítico
sonhar ou o sonho de celulóide” ocupam incontornável.
extensas páginas deste livro, em que João
Medina fala dos seus realizadores e filmes
preferidos, onde inclui os contemporâneos A AMÉRICA REAL
irmãos Cohen, mas também todos os
Este é sem dúvida um livro sobre a
estrangeiros que ali ancoraram a sua pro- América de João Medina. Como o próprio
dução da sétima arte, como Fritz Lang, assume, de viva voz, deu­‑se a liberdade
Otto Preminger ou Alfred Hitchcock. João de privilegiar a Nova Inglaterra, trata mal
Medina dedica ainda capítulos às suas a Califórnia, não gostou de Baltimore, mas
divas, Shirley MacLaine, Kim Novak e encantou­‑se com Nova Orleães. Nova
Marilyn Monroe e a outras grandes figu- Iorque é referida pontualmente, a propóras do cinema americano, como Orson sito da Estátua da Liberdade, celebrada
Welles ou Paul Newman.
como “mãe dos exilados” nos versos graComo afirmou na apresentação Onésimo
vados na pedra da poeta judia descentenTeotónio de Almeida: “João Medina te de portugueses, Emma Lazarus.
apresenta­‑se em mangas de camisa e
Um livro de empatias e não só: “A diamantém­‑se assim ao longo de mais de
léctica de uma amizade muitas vezes pro400 páginas sem nunca perder o fôlego, duz obras”, declarou o autor à audiência
apenas correndo o risco de fazer cair para que o escutava no auditório da FLAD. Falava
‘
’
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de Onésimo Teotónio de Almeida, que o
recebeu e acompanhou em muitas das
visitas a um país já tão seu conhecido.
“Na verdade”, concluiu Onésimo
Teotónio de Almeida na apresentação,
“este é um livro que, exibindo embora
um entusiasmo que só os jovens têm
perante o novo, é obra de maturidade na
medida em que João Medina se espraia
sem barreiras nem complexos a dizer precisamente o que sente e o que lhe dá na
real gana, desdenhando o politicamente
correcto ou para o que um europeu­‑que­
‑se­‑preza deve ou não dizer sobre os
Estados Unidos”.
Um livro que levou o seu tempo (quatro
anos de redacção e organização) e dele
guarda as suas marcas, nas linhas escritas
e nas apagadas: quando João Medina
começou a escrever o primeiro prefácio,
Barack Obama consagrava­‑se o primeiro
presidente negro dos Estados Unidos da
América.
Clara Pinto Caldeira/Jornalista freelancer
Uma colecção
entre margens
Como disse Mário Mesquita, administrador
da FLAD, e figura fundamental no apoio
deste primeiro volume, o editor José
Manuel Costa, como açoriano, “tem uma
compreensão mais efectiva do que é não
estar no centro”. A colecção “Rio
Atlântico”, da sua editora Opera Omnia,
inicialmente pensada para divulgar auto‑
res açorianos no continente, abriu a sua
vocação. Nas palavras do seu coordena‑
dor, “ela abrir-se-á a esse espaço imenso
e indefinido das entre margens, que se
estendem até à Califórnia, onde os Açores
se prolongam”.
83
CULTURA
Itinerância da Colecção de Arte
Contemporânea nos Açores
POR JOÃO SILVÉRIO* E SÉRGIO FAZENDA**
O programa de exposições iniciado no
Museu Francisco Lacerda (São Jorge) é o
primeiro passo de uma itinerância que
se prolongou por outros quatro museus
do arquipélago dos Açores: Museu dos
Baleeiros (nas Lajes do Pico), Museu de
Santa Maria, Museu da Graciosa e Museu
das Flores.
Esta iniciativa conjunta da Fundação
Luso­‑Americana para o Desenvolvimento
(FLAD) e da Direcção Regional da Cultura
do Governo dos Açores (DRaC) resulta de
um protocolo assinado entre estas duas
instituições que visa dar a ver as obras
da Colecção de Arte Contemporânea da
flad em contextos descentralizados. Este
projecto itinerante foi precedido de um
outro programa expositivo mais alargado,
realizado nos anos de 2007­‑2008,
em que foram realizadas três exposições
da coleção da FLAD no Museu Carlos
Machado, Museu de Angra do Heroísmo,
no Museu da Horta e na Biblioteca
Pública desta cidade por ocasião da sua
inauguração pública.
O projecto, com curadoria de João
Silvério (FLAD) e Sérgio Fazenda Rodrigues
(DRaC), teve como objectivo principal dar
continuidade a este processo de divulgação da arte contemporânea portuguesa e
Inauguração no Museu da Graciosa. Da esquerda para a direita, João Silvério, curador da FLAD; Sérgio Fazenda Rodrigues, curador da DRaC; Ricardo Ramalho,
deputado à Assembleia Regional dos Açores; Conceição Cordeiro, vice-presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa; Jorge Paulus Bruno, director
regional da Cultura do Governo Regional dos Açores e Jorge Cunha, director do Museu da Graciosa, Santa Cruz, Graciosa.
84
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CULTURA
‘
A exposição itinerante, que contabilizou mais
de quatro mil visitantes, foi acompanhada
pela edição de um catálogo bilingue.
’
apresentou um formato mais concentrado que culminou com a selecção de obras
do pintor João Queiroz incidindo sobre
o trabalho que o autor desenvolve na
prática do desenho e na sua reflexão
sobre a paisagem como uma ideia, ou
um instrumento, de representação. As
obras escolhidas, um conjunto de desenhos intitulado O Ecrã no Peito (1999), e
duas pinturas, Sem título, de 1998, constituem uma possibilidade para ir ao encontro de questões sobre a representação, a
imagem e o corpo como possibilidade de
relação com a paisagem enquanto mode-
lo fragmentado do mundo e a forma como
se constitui para nós como um sistema de
relações.
A exposição itinerante, que contabilizou
mais de quatro mil visitantes, foi acompanhada pela edição de um catálogo
bilingue, pensado a partir de um formato económico, mas sem perder de vista
a boa reprodução das obras de arte e a
qualidade dos textos para um público
mais alargado.
O catálogo inclui textos de Carlos César,
na altura presidente do Governo Regional
dos Açores, Mário Mesquita, administrador da Fundação Luso­‑Americana para o
Desenvolvimento, um texto conjunto dos
curadores da exposição, e um texto inédito da autoria de Delfim Sardo escrito
especificamente sobre a obra de João
Queiroz, O Ecrã no Peito.
* FLAD; **DRaC
Vista da exposição na Igreja de Nossa Senhora da Vitória – Museu de Santa Maria, Vila do Porto, Santa Maria.
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CULTURA
Vista da exposição na Igreja de São Boaventura, monumento do século XVII integrado no Museu das Flores, Santa Cruz, Flores.
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CULTURA
Inauguração da exposição no Museu das Flores.
Da esquerda para a direita, Sérgio Fazenda Rodrigues, curador da DRaC; o artista João Queiroz; João Silvério, curador da FLAD; Mário Mesquita, administrador
da FLAD; e Jorge Paulus Bruno, director regional da Cultura do Governo Regional dos Açores, no Museu das Flores, Santa Cruz, Flores.
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CULTURA
Vista da inauguração no Museu Francisco de Lacerda, na Calheta, São Jorge.
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CULTURA
Inauguração no Museu Regional do Pico – Museu dos Baleeiros, Lajes do Pico, Pico.
Ao centro, João Silvério, curador da FLAD, e Jorge Paulus Bruno, director regional da Cultura do Governo Regional dos Açores.
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LIVROS
‘
Aqui chegamos a uma
dimensão essencial do livro:
o seu comprometimento.
O comprometimento
de quem ama.
Nas Duas Margens:
da Literatura
Norte‑Americana e Açoriana
’
Adelaide Freitas
Linhas e Círculos
Entre a espera
e a promessa
POR NUNO COSTA SANTOS*
Adelaide Freitas (n. 1949) é uma das vozes
que, situando­‑se entre os territórios nem
sempre dialogantes da academia e da produção literária, mais têm contribuído para
a definição de um pensamento estruturado
e rico – fundador de sentidos – sobre a
identidade açoriana. Se quisermos, uma das
originalidades da autora está na confluência do discurso de várias linguagens: a
académica, a crítica, a narrativa e a poética.
Usando uma formulação, podemos dizer
que, ao lermos os textos de Adelaide sobre
os Açores, a literatura açoriana ou a identidade feminina, percebemos e sentimos
que estamos perante a prosa de uma artista. De alguém que transformou o conhecimento acumulado de uma forma única,
irrepetível, filha de uma sensibilidade criadora e criativa.
Essa dimensão fecunda está muito presente nesta colectânea de textos, Nas Duas
Margens: da Literatura Norte­‑Americana e Açoriana,
apresentada emocionadamente numa nota
inicial pelo seu marido e companheiro de
navegações várias, Vamberto Freitas, também ele figura central na elaboração teórica sobre o imaginário da escrita açoriana,
como “o último livro da Adelaide […],
ensaios e escritos que ela (afectada por uma
doença) queria deixar nesta precisa sequência”. Em feliz hora foi editado este volume,
diga­‑se – assim puderam ficar fixados num
único livro alguns dos ensaios mais importantes da autora (entre 1989 e 2003), desta
forma mais facilmente acessíveis às novas
gerações de leitores e pensadores interessados nas temáticas literárias açorianas. E,
é claro, nas pontes que, pela escrita e pela
90
vida, têm sido construídas entre o arquipélago (um lugar não só geográfico como
também simbólico) e outros territórios.
Este é um livro de refrões. De passagens
que se repetem, assumidamente (a autora
fala disso no prefácio), como quem espalha
lembretes identitários pelos textos. Notas
que nos remetem para um desenho próprio
do arquipélago, um lugar que nos aparece
nas suas múltiplas dimensões: como um
lugar de solidão mas também de reencontro, um reduto ao mesmo tempo de esquecimento e de confluência de mundos, onde
convivem o sentimento de orfandade, o
naufrágio e a possibilidade de redenção.
Um lugar raro e misterioso, apresentado
pela prosa de quem o conhece em profundidade, além da superfície dos postais e
dos anúncios: “Requerem as ilhas ‘o profano’, enquanto vulcanicamente protegem
e amparam a casa dos deuses. São ilhas
infalivelmente imprevisíveis e eternamente provocadoras.”
Aqui chegamos a uma dimensão essencial
do livro: o seu comprometimento. O comprometimento de quem ama. Tudo parte,
naturalmente, de um grande amor à terra.
Que por vezes se transforma em admiração
ou em respeito – o respeito pelo seu lado
oculto, pelos segredos que encerra, pelos
sonhos que alimenta. Um amor maior que
incide sobre um território conhecido e
compreendido na sua profundidade e nos
seus humores pela autora: “Está ainda num
céu sempre incerto, irrequieto e feiticeiro
de constantes alternâncias de luz e de sombra, num jogo permanente que apaga,
esbate e distancia montanhas e desfiladeiros, para logo as desocultar, aproximar e
revelar­‑lhes o pormenor e a espessura.”
O comprometimento afectivo revela­‑se
também na reivindicação de uma autonomia literária – necessária para a afirmação
de uma identidade própria. Um conjunto
de vozes das ilhas ou à volta das ilhas que
não as tornem dependentes dos olhares
exteriores. É neste contexto que surgem
tantos nomes e autores – alguns deles “de
fora” mas cuja respiração é a de quem está
dentro. Sim, também estamos perante um
livro sobre autores. Os autores que partilham um mesmo imaginário: o imaginário
açoriano, ao longo das últimas décadas
tantas vezes evocado e tantas vezes refutado. Gente que escreve nas ilhas e fora delas.
Portugueses e estrangeiros. Escritores discretos e nomes sonantes. Gaspar Frutuoso,
Vitorino Nemésio, Raul Brandão, Daniel
de Sá, Urbano Bettencourt, Eduardo
Bettencourt Pinto, Onésimo Teotónio
Almeida, Rui Machado, Antonio Tabucchi,
Romana Petri, Katherine Vaz. Adelaide põe
todos à conversa – talento seu – e nomeia­
‑os como quem nomeia membros de uma
mesma família.
E há a baleia, lembrada em vários instantes e recuperada no último capítulo (um
dos mais belos do conjunto), que vem
clamar pelo fim do esquecimento do
Atlântico e das ilhas que nele habitam.
O bicho que com o seu canto chama o
continente para uma realidade que teima
em ignorar, numa “atlanticidade desde há
muito adiada” – para que o mar, vital,
necessário e desafiador, não se transforme
no “deserto de água” lamentado pelo poeta
florentino Roberto de Mesquita. A baleia,
com o seu melancólico lamento a apelar
ao reencontro da humanidade no espaço
privilegiado da ilha e para a necessidade
maior de apurar os sentidos, raros e necessários, “da escuta e da espera”.
* Jornalista freelancer
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
LIVROS
Seduzir ou Informar?
– A Capa de Newsmagazine
como Dispositivo
de Comunicação
Carla Rodrigues Cardoso
MinervaCoimbra
169 páginas
A capa como
elemento mutante
entre o jornalismo
e a publicidade
POR CARLA MARTINS
Quando a Visão de 25 de Fevereiro de 2010
publicou na capa a fotografia do corpo de
um homem vitimado pelas cheias da
Madeira a ser resgatado da lama, com o
título “Tragédia anunciada”, dezenas de
leitores da revista insurgiram­‑se contra o
que descreveram como escolha chocante e
sensacionalista. A 10 de Agosto do mesmo
ano, a já extinta versão portuguesa da revista Focus exibia, sob o título “Os segredos
da mulher brasileira”, a imagem de um
corpo feminino, de costas, com grande
plano das nádegas, vestindo um reduzido
biquíni de tons amarelo e verde, as cores
da bandeira do Brasil. A Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género queixou­
‑se ao regulador dos media pela alegada
difusão de estereótipos de género e de
nacionalidade. Nos Estados Unidos, algumas das capas mais controversas da norte­
‑americana Time, a pioneira mundial do
género newsmagazine, fundada em 1923,
suscitaram milhares de cartas de protesto
e cancelamentos de assinaturas.
Este tipo de reacções revela o poder de
impressividade das capas das revistas de
informação geral ou newsmagazines, ao ponto
de estes dispositivos possuírem “leitura”
autónoma, independentemente do desenvolvimento, no interior da publicação, dos
temas destacados. Este é o objecto empíriParalelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
‘
co central da investigação de mestrado de
Carla Rodrigues Cardoso, agora publicada
em livro pela MinervaCoimbra.
Deverá desde logo salientar­‑se que a obra
representa um importante contributo para
a praticamente inexistente bibliografia
nacional sobre as revistas de informação
geral, um terreno a desbravar nos estudos
de media e jornalismo, inclusivamente no
plano da sua cartografia histórica, que a
autora esboça, sem pretensões de exaustividade, na primeira parte, de contextualização e teorização.
A interrogação disjuntiva do título, Seduzir
ou Informar?, sintetiza – diríamos, provocatoriamente, como um bom título jornalístico – o objectivo de “demonstrar e
procurar compreender as lógicas de criação
da capa das newsmagazines, partindo da análise do rosto das publicações” (p. 20).
O título joga com a duplicidade de funções
e de territórios das capas destes títulos.
Como dispositivo de comunicação, situam­
‑se no campo jornalístico e na missão de
informar e de satisfazer necessidades cognitivas; por outro, são configuradas como
objecto de desejo e de atracção, deixando­‑se
permeabilizar pela linguagem do marketing.
A capa é a “montra”, o “anúncio mais
importante da revista”, usando uma expressão de Linda McLouglin. Nas palavras de
Carla Cardoso, constituem­‑se como “elemento híbrido, mutante, a meio caminho
entre o jornalismo e a publicidade” (p. 147).
Na decomposição de textualidade, imagem, cor e design, indaga­‑se qual destas
lógicas prevalece, pressupondo­‑se, como
princípio genérico, que a capa das newsma‑
gazine é “pecadora”, tem “uma alma aparentemente mais próxima do marketing do
que do jornalismo” (p. 44). O corpus de
análise procurou diversidade, transnacionalidade e transcontinentalidade, sendo
seleccionadas as edições dos primeiros três
meses de 1999 da Visão – a mais antiga e
com maior tiragem revista de informação
geral portuguesa –, da francesa L’Express, da
norte­‑americana Newsweek e da brasileira Veja.
A abordagem metodológica baseou­‑se na
combinação da análise de conteúdo com
uma mais restritiva análise semiológica.
Os resultados são expostos na segunda
parte do livro, “Newsmagazines: dispositivos
padronizados?”, onde se identificam como
traços comuns às quatro publicações a
aposta em contrastes gráficos e cromáticos,
o predomínio da imagem sobre o texto,
A obra representa um importante
contributo para a praticamente
inexistente bibliografia nacional
sobre as revistas de informação
geral.
’
os títulos expressivos, a personificação
elitista (as capas destacam sobretudo figuras do poder no masculino, caucasianas e
de estatuto socioeconómico elevado),
a ancoragem nos grandes temas de actualidade. Foram também detectadas diferenças, que organizam os títulos em dois
grupos – a L’Express e a Newsweek, de um
lado, a Veja e a Visão, do outro.
A Visão – o benjamim do corpus, então
completando seis anos – é qualificada como
newsmagazine light, “sem a mesma densidade
das congéneres na escolha e abordagem
dos temas de capa e, consequentemente,
na construção do seu dispositivo de comunicação” (p. 155). A revista nacional aparentava estar ainda à procura de uma
identidade, não sendo indiferente o facto
de nesse período ter sido adquirida pela
Impresa.
A data das edições seleccionada – correspondente ao timing em que a própria
investigação académica decorreu – abre,
segundo a autora, possibilidades de pesquisas comparativas futuras, apresentando
a vantagem de olhar para as capas das
newsmagazines antes de 11 de Setembro de
2001.
91
LIVROS
Os Estados Unidos
e a Descolonização
de Angola
Tiago Moreira de Sá
D. Quixote
O xadrez da
descolonização
de Angola
POR PEDRO SEABRA*
Com Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola,
Tiago Moreira de Sá retoma, uma vez mais,
o estudo profundo e cuidadoso sobre o
papel crucial que os EUA desempenharam
em momentos­‑chave da história contemporânea de Portugal e do mundo lusófono.
Desta feita, o autor procura demonstrar
como a precipitação de desenvolvimentos
em Angola no período pós­‑25 de Abril,
assim como nos momentos imediatos após
a independência, se deveu a uma complexa confluência de factores e actores que
acabaram por contribuir para o despoletar
de guerra civil que seguiu.
Tirando partido do acesso a documentação norte­‑americana desclassificada e
tratamento exaustivo de bibliografia especializada, a obra visa, acima de tudo, proporcionar um olhar compreensivo sobre
um verdadeiro tabuleiro de xadrez, onde
todas as peças relevantes se posicionaram
para alcançarem os seus respectivos objectivos em Angola.
Numa altura em que a détente da Guerra
Fria ameaçava desmoronar­‑se, Angola viu­‑se
basicamente à mercê das flutuações dos
interesses das duas superpotências. No caso
dos EUA, o chamado efeito “Vietname invertido” alimentava a necessidade de não perder mais nenhuma ‘frente de batalha’ para
o campo soviético enquanto que, para a
URSS, as novas incursões da China no
Terceiro Mundo representavam um desafio
impossível de ignorar. Para complicar ainda
mais este puzzle, a instabilidade política em
Portugal no pós­‑25 de Abril – com todas
92
as suas implicações sobre como melhor
conduzir e apoiar a descolonização de
Angola – bem como o papel de spoilers
regionais, tais como o Zaire ou a África do
Sul, ou mesmo extra­‑regionais, como Cuba,
implicavam níveis adicionais de dificuldade no tratamento desta questão.
Por outro lado, não deixa de ser interessante notar como a própria formulação de
estratégias e respostas oficiais se baseou
nesta altura em percepções erróneas ou em
escassa informação sobre o que de facto se
passava no terreno. A obra é particularmente bem­‑sucedida ao demonstrar a política
de reacção dos EUA nos primeiros momentos da descolonização angolana face ao
crescente apoio material da URSS ao MPLA
que, para todos os efeitos, veio a alterar as
regras do jogo de forma decisiva.
Dez anos após o fim do conflito que
devastou o país, compreender e reconhecer os erros do passado que conduziram
Angola a tal caminho, continua a ser tão
necessário como antes. Nesse sentido,
Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola
revela­‑se uma obra absolutamente instrumental e incontornável para uma melhor
compreensão da génese da independência
angolana.
* Doutorando em Ciência Política no Instituto de Ciências
Sociais, Universidade de Lisboa.
‘
A obra visa, acima de tudo, proporcionar um olhar compreensivo
sobre um verdadeiro tabuleiro de xadrez, onde todas as peças
relevantes se posicionaram para alcançarem os seus respectivos
objectivos em Angola.
’
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
LIVROS
Luso-American Literature:
Writings by
Portuguese-Speaking
Authors in North America
ed. Henry Moser e António L. A. Tosta
(New Brunswick, New Jersey: Rutgers
University Press, 2011)
Vozes portuguesas
na América
POR TERESA F. A. ALVES*
A antologia de textos literários editada e
apresentada por Robert Henry Moser e
António Luciano de Andrade Tosta em 2011
é uma aposta bem-sucedida no desafio de
dar visibilidade à produção cultural de um
grupo cuja etiqueta é, conforme citação da
contracapa, a de “minoria invisível”.
Prefaciado por George Monteiro, referência incontornável para quem se ocupa da
matéria constante desta obra, a recolha de
textos aparece organizada em função de três
pólos culturais dominantes, o português, o
brasileiro e o cabo-verdiano, entre si ligados
por um denominador comum – “a língua
partilhada de Portugal” (p. IX). O critério
pode parecer algo controverso, uma vez que
alguns dos autores escolhidos, embora descendentes de emigrantes portugueses, já não
falam e muito menos escrevem em português. E, apesar disso, a ligação da singularidade luso-americana à língua portuguesa
é de tal modo importante que Monteiro
inaugura o seu texto com uma interrogação
pedida de empréstimo a um filme de
Manuel de Oliveira sobre a emigração e a
perda da língua materna:“Porque é que ele
não fala a nossa fala?”
Também os editores da antologia, numa
introdução extensa e bem documentada,
defendem a noção de que “a língua continua a ser o elo mais forte entre as comunidades lusófonas da América do Norte”
(p. xxv). Não nos atenhamos, pois, a uma
interpretação meramente literal, quer do
título, quer do subtítulo da antologia, mas
entendamo-los de um ponto de vista mais
abrangente como uma idealidade que carece de ser analisado em função de contextos
de ordem vária, essencialmente definidos
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
pela circunstância histórica tal como esta se
formula e reformula no encontro da experiência concreta do presente com a herança
do passado. A designação “luso-americana”
é, ainda, justificada pela experiência da imigração portuguesa, localizada na América
do Norte, a que os editores atribuem um
estatuto paradigmático pela dimensão, e até
pela cronologia, e, posteriormente, abrange
a cabo-verdiana bem como a brasileira de
data mais recente, integrando-as numa
“construção” identitária marcada pela diversidade das suas componentes culturais.
Torna-se, assim, inevitável ser entendida
enquanto um caso tão singular como o da
cultura hispânica nos EUA, ou seja, assente
na convergência de múltiplas culturas unidas por um legado comum, de que é testemunho eloquente a presente recolha.
A par de informativa tábua cronológica
documentando a antiguidade da presença
“lusa” em terras americanas, a primeira e
a segunda partes da antologia aparecem
estruturadas em função de núcleos que
chamam a atenção para a variedade de traços específicos que em cruzamento com a
cultura americana a vão diversificando e se
diversificam, nesse processo contribuindo
para aquilo que Lawrence W. Levine descreveu como sendo a pedra angular de uma
identidade cultural em perpétua mudança1.
A inauguração da primeira parte e a posterior emergência de excertos de autobiografia ao correr da obra evidenciam a
sensibilidade dos editores à modulação
literária porventura mais porosa ao diálogo
entre a cultura de acolhimento e a do imigrante, ainda que, numa antologia desta
dimensão, se faça sentir a falta de uma voz
feminina oferecida, por exemplo, no testemunho de vida de Laurinda C. Andrade.
Mas o registo da diferença, o que pode
ser considerado como alteridade étnica em
relação à cultura dominante da América,
sobressai no modo como Charles Peters,
John Philip Sousa, Francisco C. Fagundes
e Charles Reis Felix contam a sua vida; ou
no olhar humorístico com que Onésimo
Almeida compõe “crônicas” recheadas de
saborosas histórias. Sobressai, ainda, na
temática ficcional percorrida por imigrantes como José Rodrigues Miguéis e pelas
gerações que já nasceram nos EUA, como
é o caso de Katherine Vaz, Julian Silva ou
Brian Sousa, e de Erika de Vasconcelos ou
Anthony de Sá, naturais do Canadá.
Sobressai, por fim, no lirismo poético de
Jorge de Sena, Alfred Lewis ou Eduardo
Bettencourt Pinto e de todos os outros
que, apesar de nascidos na América, como
Olga Cabral, Frank X. Gaspar ou Thomas
J. Braga, frequentemente regressam ao
legado dos antepassados “lusos”. E cultivam-no de modos muito variáveis como
atestam os registos de autores que, à
excepção de Johnny Lorenz, são oriundos
do Brasil, ou o de autores de Cabo Verde,
maioritariamente nascidos neste arquipélago, ainda que Belmira Nunes Lopes e
Kurt José Ayau sejam já naturais dos EUA
e desenhem situação paralela à dos descendentes de imigrantes portugueses de
outras origens.
A memória a todos assegura uma herança originária enriquecida por vivências e
testemunhos literários com ampla escala
de variações entre o deslumbramento da
pertença ao Novo Mundo e o sentimento
de exílio e indefinível saudade. Ao correr
desses contraditórios sentimentos se institui um feixe de criatividade tão rica
como as culturas de onde emergem os
autores e autoras em boa hora reunidos
pelos editores desta antologia, em representação de muitas outras vozes que, igualmente, garantem a visibilidade da cultura
luso-americana na América do Norte.
The Opening of the American Mind: Canons, Culture and
History, Boston, Beacon Press, 1990, p. 173.
1
* Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa
93
COLECÇÃO FLAD
Rui Toscano
São Paulo 24 Set 01
Alguma coisa acontece quando se fixa, demoradamente, sempre presente e sempre excessivo, e nem a fuga do olhar para
o olhar sobre uma grande cidade.
um ponto mais distante pode dissipar esse excesso: daqui até ao
Em São Paulo 24 Set 01, Rui Toscano detém­‑se num plano fixo, fundo, a mesma silhueta repete­‑se em intermináveis variantes,
numa única imagem da maior metrópole da América Latina. sem pausas e sem tréguas, “o avesso, do avesso, do avesso” infiElevando o olhar em perspectiva aérea, a imagem enquadra uma nitamente recortado sobre um céu indefinido, abstracto, estéril.
parte da cidade como se mostrasse toda a sua extensão, ou como
Numa primeira impressão, esta imagem poderia confundir­‑se
se fosse possível, nesse enquadramento, ilustrar um conceito com uma reprodução directa e realista da imensa metrópole braabstracto de metrópole. No entanto, a eloquência da sinédoque sileira; porém, algo diferente tende a acontecer quando o olhar
é aqui contrariada pela manifesta impossibilidade de avistar os se detém demoradamente: a revelação poética da artificialidade e
limites da cidade, criando­‑se, assim, uma tensão entre o poder a descoberta de um improvável fascínio por uma paisagem hostil
de um ponto de vista superior e a sensação esmagadora de um evocam, afinal, o espírito romântico da pintura oitocentista.
horizonte inacessível. E é precisamente através desse confronto
A ausência de som alia­‑se à aparente inexistência de movimenque a imagem se (con)funde com a realidade, potenciando a to; o carácter estático da imagem é apenas interrompido, num
imersão do observador na paisagem urbana, marcada, desde o plano secundário, pela circulação automóvel ao longo de uma
primeiro instante, pela expectativa de que algo aconteça.
via rápida, paralela ao ecrã e ao olhar do observador. O trânsito
À máxima profusão de acontecimentos que a cidade simboliza, automóvel é também o único indício da passagem do tempo e
Rui Toscano contrapõe a hipótese de reduzir a
acção a um mínimo subtil, quase imperceptível.
Num exercício de deliberada contenção de
meios expressivos, característica da sua obra, o
Rui Toscano nasceu em 1970, em Portugal como no estrangeiro, Rui
artista propõe uma interpretação contemporânea
de um dos principais temas na história da arte
Lisboa, onde actualmente vive e Toscano tem desenvolvido diversos
ocidental – a paisagem – suscitando, ao mesmo
trabalha.
projectos performativos e multi‑
tempo, um questionamento sobre as fronteiras
entre a pintura, a fotografia e o vídeo.
A sua formação artística iniciou­‑se média em colaboração com outros
Tal como Rio 09 Mai 01 (2002), que resultou
no Ar.Co – Centro de Arte e Comu‑ artistas (Tone Scientists, Dub Vídeo
da mesma viagem ao Brasil, em 2001, o vídeo
São Paulo 24 Set 01 confirma o quotidiano como
nicação Visual, onde frequentou Connection, Houseware Experience,
tema central no trabalho de Rui Toscano que
o curso de Pintura (1988­‑1990), Houselab).
encontra, na cidade, o território preferencial para
o cruzamento de referências culturais populares
tendo prosseguido os estudos de Em 2001, recebeu o Prémio de Artes
e eruditas. O artista regressará, de resto, a São
Pintura e Escultura na Faculdade Plásticas União Latina. A sua obra
Paulo noutros vídeos, como Infinity (2002) ou
To The Mountain Top (2004), assim como numa
de Belas­‑Artes da Universidade de encontra­‑se representada em várias
extensa série de desenhos que integra, entre
Lisboa (1989­‑1997). O seu percurso colecções institucionais e particula‑
outros, Cidade Escape (2003) e Copan Skyline (2003),
apresentada em 2004, sob o título Sampa Works,
multidireccional cedo ultrapassou res, como sucede com a Colecção
na Galeria Distrito 4, em Madrid.
o campo das artes visuais, para da Fundação Luso­‑Americana para
Em São Paulo 24 Set 01 a imagem é construída
como a própria realidade urbana que repreexplorar outras possibilidades cria‑ o Desenvolvimento, os acervos da
senta: numa esquadria árida, sem concessões
tivas, nomeadamente no domínio Fundação de Serralves e da Caixa
estéticas e sem linha do horizonte, pondo em
evidência “a dura poesia concreta” das esquinas
da música. Para além de expor Geral de Depósitos ou a Colecção
e avenidas que a música de Caetano Veloso
regularmente, desde 1993, tanto em António Cachola.
consagrou. Em todas as direcções, ergue­‑se o
betão armado, mais alto ou mais baixo, mas
94
Paralelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
COLECÇÃO FLAD
“Le plan est comme le mouvement qui ne cesse d’assurer la conversion, la circulation.
Il divise et subdivise la durée d’après les objets qui composent l’ensemble,
il réunit des objets et les ensembles en une seule et même durée. Il ne cesse de diviser
la durée en sous-durées elles-mêmes hétérogènes, et de réunir celles-ci dans une durée
immanente au tout de l’univers.” Gilles Deleuze, Cinéma 1: L’image mouvement, 1983
São Paulo 24 Set 01, 2001
Vídeo DVpal transferido para DVD, cor, sem som, 30’26’’ (loop), medidas de projecção variáveis
o principal factor de ambiguidade, na identificação desta obra
como fotografia ou filme. Uma ambiguidade sublinhada pela
repetição, em loop, que impede uma duração específica: não existe princípio, meio ou fim, apenas suspensão e retorno, cíclico
e cadenciado.
Essa tensão latente entre presente, passado e futuro próximo,
que alimenta a expectativa do observador em testemunhar alguma
coisa, é alimentada pela inscrição, no título do vídeo, de uma data
que remete para uma outra, ligeiramente anterior. O filme
autolocaliza­‑se, deste modo, no seguimento do 11 de Setembro,
embora a relação entre as duas datas seja alheia à intencionalidade do artista, que pretendia apenas fornecer ao observador informação objectiva sobre o momento da filmagem, enquadrando a
paisagem urbana num segmento temporal tão claramente definido como o plano fixo. Ainda assim, o paralelismo entre os dois
momentos parece inevitável, na medida em que, a partir dos atentados de Nova Iorque, as vistas aéreas se converteram, por via de
um drama globalmente partilhado, num aspecto central da iconografia urbana, espécie de forma simbólica da sociedade conParalelo n.o 7
| PRIMAVERA 2013
temporânea. Desde então, tornou­‑se estranhamente invulgar
assumir uma perspectiva superior de uma grande cidade como
uma imagem parada. Neste novo imaginário colectivo, as fotografias panorâmicas de metrópoles como Nova Iorque ou São Paulo
tendem a transformar­‑se, virtualmente, em sequências de imagens,
em instantâneos ou fragmentos de um acontecimento, como se
o movimento estivesse sempre subjacente.
E há um sentido trágico e romântico em tudo isto, que ultrapassa qualquer memória ou acontecimento específico. Mesmo que
sejam apenas edifícios desinteressantes e anónimos, recortados em
incontáveis variantes sobre um fundo indefinido; mesmo que seja
somente mais um viaduto de betão, repetidamente percorrido por
automóveis idênticos; mesmo que a repetição e a cadência dissolvam qualquer singularidade na monotonia do conjunto; mesmo
assim, o olhar demora­‑se na imagem, porque a paisagem urbana
abre sempre um campo ilimitado de expectativas.
Na realidade, como na imagem, alguma coisa está sempre prestes a acontecer.
Helena Barranha
95
Transatlantic Trends
Transatlantic Trends é um inquérito anual sobre a opinião pública
nos eua e na Europa. Este estudo é um projecto do German Marshall
Fund of the United States (gmf) e da Compagnia di San Paolo
(Turim, Itália) que em Portugal funciona com o apoio da Fundação
Luso-Americana.
Em 2012, foram estudadas as relações transatlânticas e o primeiro
mandato de Obama; as últimas eleições americanas; a segurança
transatlântica; as relações com a Rússia, Turquia e Ásia; e a economia e
crise do euro.
Relativamente a esta última, na União Europeia, 65 por cento
afirmam ter sido pessoalmente afectados pela crise económica (um
aumento face a 61 por cento em 2011), e 79 por cento registados que
dizem o mesmo nos eua. Em Portugal, 89 por cento dos inquiridos
dizem ter sido pessoalmente afectados pela crise económica. Neste
contexto, a maioria dos americanos (52 por cento) diz não aprovar a
gestão económica de Obama. Por sua vez, 56 por cento dos inquiridos na ue também desaprovam a gestão dos seus governos, um sentimento que é mais acentuado nas economias periféricas e mais
problemáticas da Europa: Espanha (73 por cento), Itália (66 por
cento) e Portugal (65 por cento). A Rússia mostra-se dividida quanto
à gestão das questões económicas pelo seu governo (46 por cento
aprovam, 46 por cento reprovam).
Mais informações em
www.transatlantictrends.org

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