O Nheuçuano - Nº30 Junho/Julho 2016

Transcrição

O Nheuçuano - Nº30 Junho/Julho 2016
TONY HOFFMANN
ANO 7 - NÚMERO 30 - ROQUE GONZALES, RS - JUNHO/JULHO 2016
ADÉLIA EINSFELDT I ALFREDO PÉREZ ALENCART I CÍCERO GALENO LOPES I DÉRCIO BRAÚNA I EMIR NUNES MOREIRA
ENÉAS ATHANÁZIO I INÊS HOFFMANN I JULIO RIBAS I NELSON HOFFMANN I MARIA DE LOURDES ALBA
MILTON IVAN HELLER I PAULO R. DERENGOSKI I PEDRO DU BOIS I RENATO SCHORR I RUY NEDEL I ZOOLER.ZOOLER
I 02 I
Ensaio/Especial
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----------------------------------------Magistral! O nheçuano é jornal ímpar. Muito obrigado por tudo. O jornal,
de fato, não paro de dizer, é extraordinário, todo ele.
Cícero Galeno Lopes
[email protected]
----------------------------------------O índio tornou-se, hoje, o que é, exclusivamente por culpa dos peles-brancas.
Karl May (1842-1912), in Winnetou, 2º vol., p. 253
Roque Gonzales: a força
da união de um povo
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Homo pré-histórico
na América do Sul
Grande parte dos municípios missioneiros
são da safra de 1965-66. Destes, olhando-se a
data de sua fundação com vistas à colonização
e povoamento, ver-se-á que Roque Gonzales é
o mais jovem de todos. Enquanto os demais
datam do início do século XX, ou antes, Roque
Gonzales recém aparece no segundo quartel,
em 1927.
Roque Gonzales é, também, o povoado
que mais rapidamente evoluiu. No mesmo ano
de 1927, foi elevado à categoria de Vila e, logo
depois, a 9º distrito de São Luiz Gonzaga. Com a
emancipação de Cerro Largo, em 1954, passou
a 2º distrito deste município. A partir de 1964,
partiu para a própria emancipação.
Existem muitas teorias que explicam a origem do índio sul-americano. Uma das mais
embasadas, sugere que as populações pré-históricas da América do Sul vêm da Ásia.
O mapa acima mostra a grande possibilidade de travessia do estreito de Bering.
Quando? À época da glaciação Donau que se iniciou há 2 milhões de anos e, portanto, dentro
do paleo-lítico inferior ocidental 2.500.000 a 300.000 a.C.
Tendo entrado na América do Norte por volta de 2.000.000 a.C., o homem da Pedra
Lascada ter-se-ia disseminado pela América do Sul durante o Mesolítico Ocidental (14.000 a
7.000 a.C.), na Glaciação Würms (110.000/10.000 a.C.) a última acontecida no planeta Terra.
O homem já estaria presente ao norte da América do Sul (área da atual Venezuela) lá por
14.000 a.C. Nos Andes, por volta do 9.000 a.C. No extremo sul (Patagônia), lá pelo 7.000 a.C.
As condições fisiográficas e biográficas do continente sul-americano condicionaram
a formação de corredores de migração norte-sul na cordilheira andina e, para leste, através
da Venezuela e Guianas atingindo a costa Atlântico. Por que estes corredores? Nestas regiões, as condições climáticas eram muito favoráveis à habitação do homem.
Seja qual tenha sido o rumo destas migrações humanas, elas acompanharam a cordilheira e são condicionadas à caça de animais de grande porte adaptados às zonas de grande
altitude.
A antropologia brasileira tem-se interessado preferencialmente por alguns tipos particulares de sítios arqueológicos, detendo-se inicialmente nas cavernas de Lagoa Santa, nos
sambaquis e nos cerâmicos de Marajó e de Santarém. Mais recentemente, tem tratado também, das manifestações culturais arqueológicas caracterizada pela cerâmica tupi-guarani na
região centro-sul do país.
Você e eu podemos abordar cada tipo de sítio em particular objetivando uma sinopse das populações e culturas indígenas do Brasil pré-colombiano.
Zooler.Zooler
[email protected]
*Em adaptação de POPULAÇÕES E CULTURAS PRÉ-HISTÓRICAS DO BRASIL publicado pela
Assessoria de Relações Públicas da Fundação Nacional do Índio - BSB, agosto de 1972, de
Marília de Mello e Alvim
Número 30 - junho/julho 2016
Editor, Redator e Diagramador: Marco Marques
Assistente de Redação: Marcela Santos
Foto de Capa: Tony Hoffamnn
Jornalista colaboradora: Andrea Fioravanti Reisdörfer
COLABORADORES:
ADÉLIA EINSFELDT, ALFREDO PÉREZ ALENCART, CÍCERO GALENO LOPES, DÉRCIO BRAÚNA, EMIR NUNES MOREIRA,
ENÉAS ATHANÁZIO, INÊS HOFFMANN, JULIO RIBAS, NELSON HOFFMANN, MARIA DE LOURDES ALBA,
MILTON IVAN HELLER, PAULO R. DERENGOSKI, PEDRO DU BOIS, RENATO SCHORR, RUY NEDEL, ZOOLER.ZOOLER
OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES
E NÃO REPRODUZEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO JORNAL
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Rua Independência, 841- sala 01 - centro - 97.970-000 - Roque Gonzales - RS - [email protected]
MUNICIPALISMO
O Rio Grande do Sul teve nos Sete Povos
das Missões seus primeiros núcleos organizados de povoamento. A iniciativa pioneira dos
padres jesuítas começou, em 1626, por São Nicolau. Seguiu-se a fundação de Candelária e,
em 1628, Assunção do Ijuí, no atual território
de Roque Gonzales.
Os povos missioneiros sofreram reveses,
os índios demandaram à margem direita do
rio Uruguai. Restaram alguns poucos, perdidos
e caçados por bandeirantes e aventureiros.
O Municipalismo, como entidade administrativa, teve início, no Rio Grande do Sul, em 17
de Julho de 1767, com a criação da Vila de Rio
Grande de São Pedro, por Provisão Real de Portugal. A Sede tinha por local o forte Jesus-Maria-José, fundado por José da Silva Paes, e os limites eram vagos.
A primeira divisão municipal do Estado
aconteceu em 1809, quando foram criados
quatro (04) municípios: Porto Alegre, Rio Grande, Santo Antônio da Patrulha e Rio Pardo. Esta
região missioneira pertenceu a Rio Pardo.
Em 1834, surgiu o Município de São Borja,
passando a região missioneira à sua jurisdição.
Em 1880, São Luiz Gonzaga emancipa-se e a
região da futura Colônia Salto Pirapó passa a
merecer atenção. Em 27 de Janeiro de 1927, é
fundada a “Sede Roque Gonzales”.
A EMANCIPAÇÃO
No início da década de 1960, Roque Gonzales não pensava emancipar-se. No entanto, a
efervescência emancipacionista que se verificava na região terminou contagiando a Comunidade. Até, de algum modo, terminou forçando a Comunidade a assumir-se como candidata
à emancipação.
Na época, o território do Município de
Cerro Largo, além do próprio, era composto pelos territórios dos atuais municípios de Porto
Xavier, São Paulo das Missões, Roque Gonzaes, São Pedro do Butiá e Salvador das Missões.
São Pedro do Butiá e Salvador das Missões são
municípios recentes, mas os outros três vêm
daquela ocasião.
Porto Xavier e São Paulo das Missões decidiram emancipar-se. São Pedro do Butiá, também. O território de Roque Gonzales ficaria
fraccionado entre os três.
Isto mexeu com os brios da Comunidade
Roque-Gonzalense, que não concordou e decidiu assumir-se. O fato prejudicou São Pedro do
Butiá, que viu sua pretensão gorada. Porto Xavier e São Paulo das Missões lograram êxito,
junto com Roque Gonzales. Em 1965-66.
A CAMPANHA
A primeira reunião comunitária, visando a
emancipação de Roque Gonzales, aconteceu no
dia 08 de Agosto de 1964, na sede social do
Clube 15 de Novembro. Da ata da reunião, destaca-se: 1) O orador maior foi Manoel de Lima
Proença, que explanou sobre vantagens e desvantagens de ser município autônomo; e 2) Foi
escolhida uma Comissão Prévia de Estudos, cuja diretoria ficou assim constituída:
Waldemar Becker, presidente; Leocádio
Ottmar Welter e José Evaldo Reichert, secretários; Pedro Canisius Horn e Beno Wilhelm,
tesoureiros; Mons. Luís Thiago Kreutz, Antônio
Fioravanti e Inocêncio Pereira de Brum, presidentes de honra.
Esta a diretoria dos estudos. A Comissão
total envolveu quase toda a Comunidade. Inclusive, foram escolhidas diversas subcomissões,
com a finalidade de contatar e visitar as localidades e povoações vizinhas, para sondar a
aquiescência ou não. Era um trabalho de união
de forças, tudo voltado para o bem comum de
Roque Gonzales.
Por fim, a definitiva Comissão Emancipacionista, conforme “Credenciais” exaradas por
Arno Mora, Diretor Geral da Assembleia Legislativa do Estado, em 28 de Agosto de 1964:
José Evaldo Reichert, presidente; João Ricardo Adolfo Kist e Silvino Froehlich, 1º e 2º
vice-presidentes; Aloysio Scherer e Antônio José Pauli, 1º e 2º secretários; e Eugênio Henzel e
Pedro Canisius Horn, 1º e 2º tesoureiros.
Estes nomes aglutinaram forças, uniram a
Comunidade e levaram a emancipação a bom
termo.
O MUNICÍPIO E SEU DIA
A lei que cria o Município de Roque Gonzales foi promulgada em 07 de Dezembro de
1965, leva o nº 5.134 e foi assinada por José
Sperb Sanseverino, então Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do
Sul. No dia 15 de Maio de 1966 foi oficialmente
instalado o novo Município. Face ao regime militar, não havia eleições e os cargos de chefes
dos executivos municipais eram preenchidos
por nomeação de interventores federais. Para
Roque Gonzales, foi nomeado o Cap. Arão de
Souza Antunes, do município de Estrela.
A questão da comemoração do “Dia do
Município” é uma questão de opção. Roque
Gonzales, desde o começo, optou por comemorar o dia de sua instalação oficial como o dia do
seu aniversário: 15 de Maio. Legislou sobre o
assunto e oficializou a data.
Assim, 15 de Maio é o Dia do Município.
Em Roque Gonzales.
Nelson Hoffmann
[email protected]
(Publicado em “Igaçaba” nº 36, Maio/2000, p. 12)
I 03 I
Ensaio
Por que 19 de abril é o dia do índio?
Uma data que só não cai no esquecimento porque é lembrada aqui e ali pelos jornais, com entrevistas de antropólogos ou representantes de uma ONG supostamente defensora dos índios. Por vezes repetindo melancolicamente as mazelas do passado, raramente denunciando os crimes que continuam
sendo praticados e acobertados pela velha
impunidade de sempre. Não há o que comemorar mas há muito a lamentar. Por que raios
então esse dia do índio? Esta história começou em 1940 no México. Antropólogos, pesquisadores e curiosos reuniram-se na cidadezinha de Patzcuaro, no I Congresso Indigenista
Americano. Uma reunião que teve muito blabla-blá e pouquíssimos índios e que não decidiu nada, a não ser consagrar o 19 de abril como o dia anual do índio, sem que alguém se
lembrasse de avisar os povos da floresta. No
Brasil, a pedido do general Cândido Mariano
da Silva Rondon e por decreto de 2 de junho
de 1943, o presidente Getúlio Vargas decretou
que o 19 de abril fosse dedicado aos índios,
como nos demais países americanos.
O falado descobrimento do Brasil já foi
badalado de todas as maneiras. Poucos autores lembram que a chegada da frota de Pedro
Álvares Cabral representou parte da política
expansionista de Portugal, segundo a lógica
mercantilista de estabelecer e explorar colônias de além-mar. Para desgraça geral de todas as tribos, os portugueses consideravam os
indígenas como seres “sem alma” que deveriam ser cristianizados e trabalhar de graça para honra e glória da metrópole e dos comerciantes lusos. E os índios que viviam sem subordinação alguma e não conheciam o conceito de riquezas baseadas no acumulação e
rapina, viram-se constrangidos a trabalhos
forçados, até para substituir as bestas de carga
que na Terra de Sta. Cruz não existiam.
A exploração da colônia começou com
a exploração do índio, quase sempre com o
amparo da Igreja católica. Há estimativas divergentes e pouco confiáveis, mas acredita-se
que de três a cinco milhões de índios viviam
no Brasil, divididos em tribos maiores ou menores, com idiomas aparentados, em sua
maioria derivados da língua tupi-guarani.
Com o massacre iniciado logo após o desembarque dos marinheiros de Cabral e aventureiros que muito se admiraram da exuberância das matas de um país tropical e da higidez e
o asseio dos nativos que andavam nus e banhavam-se nos rios várias vezes ao dia, perderam-se mais de 1.200 dialetos e reduziu-se
drasticamente a população.
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A conquista dos povos pré-colombianos realizada pelas coroas de Portugal e da
Espanha foi uma das mais sangrentas da história da humanidade, referida pelo filósofo
Michel de Montaigne: “… quantas cidades arrasadas, quantas nações exterminadas, quantos milhões de povos passados a fio de espada. Nunca a ambição humana chegou a promover coisas tão horríveis e miseráveis”. Antes da chegada de Colombo as Américas eram
habitadas por enorme quantidade de povos,
cerca de 500 a 700 milhões de pessoas ou 20%
da população mundial em fins do século XV.
Principalmente na América Central e ao noroeste da América do Sul, além do México e do
Peru. Para alguns historiadores no restante do
continente parece ter existido um grande vazio, abrangendo a região platina, o Brasil, o
Caribe e praticamente toda a América do Norte. Porém estudos mais recentes vieram problematizar este quadro e as pesquisas feitas
na Amazônia brasileira indicam concentrações maiores de povos do que admitia nossa
vã sabedoria, cerca de cinco milhões de anos
atrás, ou em tempos ainda mais remotos. Há
controvérsias, mas predomina a hipótese de
que índios do Brasil e da América espanhola
chegaram a estas paragens através de grandes
migrações, desde a Sibéria e o Nordeste da
Ásia.
Persistem muitas dúvidas e isso se deve em grande parte ao nosso sistema educacional arcaico. Os livros didáticos ainda omitem questões importantes, relativas ao papel
dos povos pré-colombianos, a distribuição es-
Nessas noites xucras, o retinir de cordas é o repinicar de sentimentos! A gente se encolhe com o rigor
da invernia, então verte na memória, a saudade do
violão de Noel, que solene nos dizia, que nessa pampa,
não há elo com a hipocrisia. Noel Guarany e seu violão iniguais - em qualquer tempo!
As lembranças fazem gosto, as payadas afloram,
no seu teor filosófico, a universalidade do conteúdo, a
visão futurista, ainda que lastreado no passado de sua
gente e na sucessão da estirpe gaúcha, parecem produtos das fornalhas de São João Batista!
Belo legado, profunda saudação à querência
missioneira, reduto de Nheçu, onde Noel se refugiou
por alguns anos, num misto de exílio, talvez, para reentranhar-se na história de sua gente! De lá, na "voz" do
pala velho, fez do violão a sua espada e revolucionou a
América Latina. No seu xucro profetizar, tal um estandarte heroico, se antepôs ao colonialismo, feito uma
muralha intransponível!
O protagonista da vertente de musicalidade
tipicamente localizada.
pacial das populações, sua diversidade cultural, o nível de desenvolvimento tecnológico,
compreendendo desde a elaboração de calendários astronômicos que exigem cálculos
matemáticos avançados e o estudo do universo, até mentalidades animistas (a crença de
que todos os seres naturais possuem alma).
Assim como a presença de culturas que remetem ao período paleolítico, o mais antigo da
pré-história, o que não é o caso das tribos encontradas no Brasil que tinham suas leis (embora não escritas), praticavam a agricultura e
tinham habilidades manuais representadas
por suas armas, cestaria e cerâmica diversificadas, redes, enfeites, colares, braçadeiras e
utensílios de cozinha, armadilhas para pescar
e por aí vai. Dito isso fica evidente que povos
canibais e grupos coletores e caçadores conviviam com civilizações que possuíam conhecimentos científicos, desenvolvimento comercial, produção coletiva e técnicas de irrigação.
O confronto com os europeus foi dramático
para os indígenas que tiveram seus padrões
culturais transformados, em virtude da aculturação sofrida. A maioria dos povos simplesmente desapareceu, como os tupinambás da
costa brasileira. Outros mantiveram-se precariamente à custa de incessantes deslocamentos para fugir do homem branco, das doenças
que ele trazia e do trabalho forçado nas minas
e serviços gerais. Além dos ataques corriqueiros aos seus aldeamentos que resultavam em
mortes e aprisionamentos, e na separação entre pais e filhos. Os aventureiros que aqui chegavam em bandos vinham solteiros. Diz a len-
Noel
Guarany
da que as índias de grande beleza e sensualidade ofereciam-se para gerar os primeiros
mamelucos que tempos depois integrariam as
tropas de bandeirantes para chacinar e aprisionar índios de centenas de etnias em todo
país. Mas é certo que as mulheres que repudiavam o assédio dos lusitanos eram espancadas e estupradas.
Há exceções como os povos guaranis e
kaigangs que ora conformavam-se com os métodos dos conquistadores e dos colonos europeus que viriam mais tarde, ora resistiam disputando palmo a palmo as terras que haviam
sido concedidas aos europeus em léguas. Lutavam de peito aberto contra inimigos bem
armados e bem nutridos, ou desenvolviam tocaias e práticas de guerrilha que semeavam o
pânico entre os latifundiários, os colonos, os
jagunços e os militares destacados para exterminá-los.
Estes e outros episódios e fatos que
nos enchem de vergonha e repugnância são
relatados neste livro, com algumas revelações
surpreendentes. Entre elas a existência de um
número maior de indígenas entre Mato Grosso e o Rio Grande do Sul do que na Amazônia,
que permaneceu isolada e com precárias comunicações durante séculos, o que permitiu a
sobrevivência de povos que naqueles estados
foram exterminados. O Paraná foi um dos
mais castigados pela violência dos europeus,
registrando-se nada menos de cinco ciclos de
crimes hediondos contra os indígenas. Portugueses e espanhóis alternaram-se e aliaramse nesta empresa sinistra. Particularmente no
período em que Portugal foi subordinado à
coroa espanhola, entre 1580 e 1640, quando
se intensificou a caça aos índios, provocando
o esvaziamento demográfico de extensas áreas, não só no Paraná mas também em Santa
Catarina. Para isso tivemos que consultar uma
extensa bibliografia, recolhendo informações
com espírito crítico alerta. Embora discordemos aqui e ali de suas interpretações e conclusões, é obrigatório reconhecer a contribuição
de cada um, os esforços e pesquisas que realizaram para manter viva a tragédia dos índios
brasileiros. Lembrar e relembrar é preciso,
pois um povo que não tem memória não tem
história.
Milton Ivan Heller
Jornalista e Escritor
Prefácio próprio do livro do autor:
Os índios e seus algozes
[email protected]
Noel, um misto de mito, lenda, herói, vanguardeiro, um sinuelo, mas, antes de mais nada, um talento
autóctone. Autodidata, retratou as gentes, a história,
os desmandos, as desditas, a insensibilidade, a desumanidade.
O grande talento não fez fortuna, não construiu
patrimônio econômico, mas deixou um legado insuperável no campo artístico e cultural. E, preciso que se
diga, inalcançável no contexto musical. Os tinidos do
seu violão jamais alguém haverá de alcançar. Noel, um
estirpe da raça altiva que não se rendeu nem mesmo às
grandes gravadoras, ainda que lhe impusessem o isolamento. Retovado, fez o seu próprio isolar-se, para construir um monumento homérico, onde reinará soberano
para todo o sempre.
Renato Jacob Schorr
Escritor membro da Academia Santo-angelense de
Letras, autor de Garupa Gateada, entre outros.
[email protected]
I 04 I
Ensaio/Evento
Nos primeiros tempos, as reduções jesuíticas não atraíam os Guarani. Com o tempo
perceberam que elas se constituíam na melhor
proteção contra as sortidas escravagistas de
espanhóis e portugueses: Arcángel, San Tomé,
Los Reyes, Tapes e Yapeyú. Logo se tornou necessário que elas tivessem governo, tribunais
de justiça, milícias organizadas e até mesmo
sistemas de contabilidade. A formação das
reduções não se fez sem dificuldades: muitas
divergências surgiram e alguns missionários
foram sacrificados, como o padre Rodriguez,
que teve a cabeça aberta por um golpe de macaná desferido pelo cacique Niezú.
Trinta anos levam as Missões para se consolidar como enorme território livre completamente independente das coroas de Europa,
enorme nação indígena onde o homem branco
nem sequer punha os pés. Até que os mamelucos paulistas, estes desbravadores de sertão
e alargadores de fronteiras naturais, sempre
destruindo tudo em busca de riquezas e “força
de trabalho”, caem como bestas-feras sobre as
Missões jesuíticas. Milhares de índios postos a
ferro e levados escravizados para os planaltos
dourados de Piratininga. Como “índio escravizado é índio morto”, posto que (ao contrário
dos negros de África), não se sujeita à escravidão, todo aquele esforço bélico resultava inútil.
Em 1725 Buenos Aires tinha uma população de cinco mil habitantes, enquanto algumas
reduções jesuíto-guaranis ultrapassavam vinte
mil almas. Na verdade os aglomerados de índios guarani eram grandes cidades, enquanto
as chamadas “grandes cidades” dos portugueses e espanhóis na América eram simples aglomerados. Os nascimentos entre os índios eram
intensamente estimulados pelos padres. Não
havia solteiros nos redutos e todos eram compelidos a casar cedo. O tempo para o sexo era
sagrado. Todos os dias em todas as Missões os
sinos soavam bastante tempo antes da hora de
sair das redes.
As cidades guaranis construídas sob a inspiração dos jesuítas eram todas semelhantes
entre si. As casas de pedra se agrupavam em
quarteirões espaçosos, as ruas retilíneas possuíam intensa arborização. Em todos os redutos havia pelo menos um hospital e um asilo
para velhos, as escolas sempre eram cercadas
por jardins floridos. No centro de cada cidade
indígena destacava-se a monumental praça
com bancos e árvores frutíferas. Em cada canto
da praça uma cruz de madeira trabalhada. Dominando tudo, a principal construção era a
Igreja de pedra, no interior da qual estavam as
imagens de santos feitas pelas próprias mãos
dos escultores indígenas. Ali não existiam os
becos e vielas sombrias que até hoje caracterizam aquilo que os europeus chamam de “cidades”.
Sangue Guarani
Paulo Ramos Derengoski
Jornalista e escritor
End.: Cx.Postal, 526 - CEP 88500-000 - LAGES - SC
GERMANO SCHÜÜR
Suaves e bem construídos canais de irrigação levavam água às terras que os jesuítas
haviam ensinado os guarani a cultivar e onde
floresciam grandes plantações de milho, trigo,
arroz, cana, algodão, fumo e cânhamo. O agrônomo chefe havia transmitido aos índios a arte
de cultivar pomares com frondosas laranjeiras,
pessegueiros e parreirais. Se não havia metal
faziam arados de madeira dura ou de osso. Trabalhava-se o algodão nos teares e o vinho era
exportado para as cidades do Prata. A principal
fonte de renda provinha das imensas plantações de erva-mate e do couro bovino. As estâncias de criação se perdiam na distância dos
horizontes. Não havia cercas, nem donos de
boiada. Só Yapeyú chegou a ter mais de quinhentas mil cabeças de gado!
A indústria guarani-jesuítica sofria com a
falta quase total de metais. Não existiam minas
nas Missões e a importação vinha das lonjuras
de Coquimbo, no Chile. Graças a isto puderam
ser fabricados canhões e sinos. Grandes pedreiras eram exploradas para servir de calçamento às ruas dos redutos e diversos estaleiros fluviais foram construídos nas margens
do rio Uruguai e no estuário do Prata. Enormes
olarias entraram em funcionamento e trinta e
oito teares funcionavam apenas em Yapeyú.
Em todas as reduções começaram a surgir pintores, escultores, marceneiros, serralheiros e
fundidores. Frei Charles Franck, um tirolês de
cabelos grisalhos, ensinou a fazer relógios
primitivos. A primeira oficina de impressão de
toda a América Latina foi instalada na República dos Guaranis. Aí foram impressos catecismos, dicionários, livros de canto e numerosos
trabalhos linguísticos. Tudo foi destruído pelos
civilizados.
Cada índio seguia determinada profissão
de acordo com a inclinação. A maioria dedicava-se à agricultura ou ao pastoreio. Os que tinham tendência artística cultivavam música,
através da harpa (instrumento ainda hoje preponderante no Paraguai), ou então de violões,
violinos, guitarras, tambores e pandeiros espanhóis. Os mesmos instrumentos que os árabes
haviam deixado como lembrança de suas incursões pela península ibérica. Suas igrejas
monumentais de pedra talhada e madeira ricamente esculpida também foram incendiadas.
A que mais tempo durou foi a de Santa Rosa, no
Paraguai, carbonizada apenas em 1883 quando seus ouropéis e pratarias foram roubados
por soldados que se diziam cristãos, às ordens
da coroa ibérica. Cada redução se especializava
mais do que as outras em determinado ramo
da criação artística. Em Loreto se faziam as melhores esculturas, em San Francisco Javier elaboravam-se os tapetes mais requintados. De
San Juan vinham os melhores instrumentos
musicais. Em Apóstoles fundiam-se os melhores sinos.
Os mamelucos, de cabelo encarapinhado, e nariz adunco, se dizem cristãos e no
entanto têm o coração mais cruel que o dos
bárbaros de Átila. Abençoados pelo Sacro
Colégio de Piratininga, eles calcam aos pés todas as leis do Cristo. Saqueiam, queimam e
matam tudo o que encontram pela frente. O
bravo cacique Curitá é apagado por um arcabuz quando tenta defender um padre jesuíta
espancado. Até o chefe Giraverá foi amarrado
pelo pescoço e conduzido para o cativeiro. Pelo
menos em duas ocasiões os Guarani vão inflingir derrotas humilhantes aos portugueses nas
portas da Colônia de Sacramento. Chegam a
fabricar pequenos canhões e organizam uma
rápida flotilha fluvial de barcos leves e canoas
que se torna absoluta em todos os grandes rios
da região da bacia do Prata. Excelentes remadores e nadadores, sobem os rios com presteza
e caem de surpresa sobre a retaguarda dos
acampamentos inimigos. Não descuidam a defesa de suas cidadelas. Profundos fossos e altas
muralhas são construídas em todas elas. Durante os tempos de paz, intensificam os treinamentos militares.
Os descendentes de Pizarro - gringos
malombentos que assaltaram o continente para saqueá-lo até o último grão de poeira - não
aceitariam facilmente a humilhação da derrota. O maquiavelismo da Corte dos Sifilíticos
acabaria por descobrir uma utilidade política
nas Missões. Pesados tributos passam a ser
cobrados dos indígenas e a cavalaria guarani
começa a ser utilizada contra outros irmãos índios. Em 1702 obrigam os charrua do Rio Grande a arrastar o nariz no pó. Atacam e aniquilam
a experiência revolucionária da Comuna de Assunção. Finalmente são reconhecidos pelo rei
de Espanha como a mais forte barreira à perpetração dos mamelucos. Os portugueses percebem o perigo e mandam guarnecer os campos de Serra Acima, em Santa Catarina, para
impedir que a penetração jesuítica chegue até
o norte. Índios caigangue e xokleng são utilizados pelos lusitanos para impedir que os guarani atravessem para a margem direita do rio
Pelotas. Os campos da vacaria jesuíta têm seu
limite máximo no Passo da Guarda. O Marquês
de Pombal e os pedreiros-livres bem sabem o
perigo que representa a comunidade guarani.
Vão cortá-la pela raiz, sangrá-la até a última gota para que dela não reste nem sinal.
De tudo isso a memória dos homens pode dar fé, embora muitos, como os exilados de
Comblença, nada aprendam com o fluir do
tempo. O veredicto da história, porém, será
implacável. Os índios guarani constituíam o
povo mais miserável da América, aos quais se
chegou a negar o direito de receber os sacramentos, sob o pretexto de que eram “desprovidos de razão”. No entanto, foi o povo americano que durante um largo período conseguiu
escapar à sanha do colonizador.
Autor de “A Saga dos Guarani” e “A Sangrenta
Guerra do Contestado”, entre outros.
Cavalgadas Nheçuanas Guarani
JANE BECKER/cavalgadasnhecuanasguarany/Facebook
Cavalarianos postados às margens do rio Ijuí. Há 4 séculos este território era
dominado por tribos guarani, lideradas pelo cacique e xamã Nheçu.
Foi realizada, dia 21 de maio, em trilhas
pelo interior do município de Roque Gonzales, a sexta edição da Cavalgada Nheçuana
Guarani. A cavalgada, que faz parte do Manifesto Nheçuano (evento oficial do município, não realizado no ano de 2015 por falta
de verba), busca percorrer os caminhos de
Nheçu - o grande líder Guarani, defensor do
seu povo, da sua cultura e sua terra - e seus
guerreiros quando eram donos deste chão.
A Cavalgada Nheçuana, organizada por
cavalarianos do CTN Querência de Nheçu,
tem por objetivo conscientizar acerca dos
fatos históricos vinculados à nossa origem.
Da mesma forma, alerta para a necessidade de preservação do que restou de nossas matas e rios, sacrificados para a cons- Salto Pirapó, Roque Gonzales, Terra e Sangue das Missões. Menino observa
trução de uma Usina Hidrelétrica.
a natureza privilegiada onde os guarani buscavam a subsistência e o lazer.
I 05 I
Ensaio/Resenha
Existe um viaduto denominado Obirici
em Porto Alegre. Localiza-se no Passo d'Areia.
Obirici é o nome duma índia lendária, que preferiu morrer a perder o amor esperado. No local
foi erguida uma estátua à heroína indígena.
O lugar se chama Passo d'Areia, exatamente porque Obirici chorou tanto pela impossibilidade da realização amorosa, que brotou no
chão um córrego de lágrimas sobre areia. No
tempo em que vivemos, no qual tudo deve ser
possível vender, atulhou-se o córrego, a fim de
que se pudessem construir prédios. É a conhecida loucura imobiliária devastadora. Por isso,
Passo d'Areia ficou sendo apenas um bairro,
sem córrego, sem passo, sem areia.
Se a história de Obirici é simultaneamente comovente e significativa, como atestam
a estátua que lhe dedicaram e o nome que lhe
tentam perpetuar num viaduto, em Porto Alegre, há mais que ler a respeito da fidelidade
amorosa ameríndia.
A segunda reflexão sobre o assunto recai sobre Lindoia. Lindoia nos chegou no poema
O Uraguai (1769), que salvou também o nome
de Sepé Tiaraju do esquecimento. Lindoia foi vítima missioneira dos exércitos lusitano e espanhol, por força do Tratado de Madri, escrito (naturalmente) pelos europeus, sem participação
dos guarani.
Na época, século 18, discutia-se se os
ameríndios tinham ou não alma (essa entidade
dual ao corpo, segundo filosofias e crenças). O
objetivo de lhes negar a dignidade que os europeus se davam e da qual se vangloriavam, a esse
respeito, se justificava pelo objetivo de escravizá-los como animais.
Os guarani das denominadas Missões
jesuíticas do rio Uruguai ou o próprio poema
que nos trouxe o nome de Lindoia fizeram dela
um lindo mito pela defesa dos ameríndios. Lindoia se nega a casar-se com quem lhe determinam e escolhe o suicídio, já que tinham previamente lhe assassinado o noivo e exigiam que se
casasse por interesse de poderes dominantes.
O episódio conhecido como A morte de
Lindoia tem sido o mais lido e reproduzido em
antologias, entre os vários do poema de Basílio
da Gama.
Lindoia é nome de bairro e de instituições comerciais em Porto Alegre. No estado de
São Paulo, há um município denominado Águas
de Lindoia.
Obirici, Lindoia, Moema, ou
o mito da morte por amor
Além de Obirici e Lindoia, índias mitolendárias do Rio Grande do Sul, que se fixaram
como representantes de valores e sentimentos
ameríndios, há um terceiro nome a considerar:
Moema, outra índia brasileira.
Moema nos chegou através do poema
Caramuru (1781), de José Durão. O Uruguai e
Caramuru são poemas do nosso Arcadismo.
A marca mais surpreendente que as
identifica, além de outras várias, é a morte por
amor. Obirici pediu a Tupã que a levasse, porque
não poderia realizar o amor que votava, uma
vez que o homem escolhido já amava outra. Lindoia optou pela morte, porque lhe haviam assassinado o noivo e queriam que se casasse com
outro, à alheia escolha.
Moema apaixona-se pelo navegador
português Diogo Correia, náufrago nas costas
da Bahia. Salvou-se o homem com o arcabuz
que o acompanhava. Em terra, depois que os tupinambás se aproximaram, ele disparou a arma.
O estrondo e a fumaça amedrontaram os índios,
porque tal instrumento era ali desconhecido.
Em virtude disso, por mágico ou divino, passou
a ser chamado de Caramuru e aceito na taba.
Foram-lhe oferecidas duas esposas, Guaibimpará, mais conhecida como Paraguaçu, e Moema. Ele optou por Paraguaçu e partiu com ela de
volta à Europa. Lá foi batizada com o nome de
Catarina. Moema nadou atrás do navio até afogar-se e morrer. É, pois, a terceira ameríndia
(nesta sequência reflexiva sobre esse tema) que
se mostra inteiramente fiel ao sentimento de
amor, a ponto de optar pelo suicídio (como Obirici e Lindoia), na impossibilidade da realização
amorosa.
Denominam-se Moema um distrito e
um bairro do município de São Paulo. No estado
de Minas Gerais há um município com o mesmo
nome.
A seguir, vão transcritos três poemas
saídos em Palavra que sim (Porto Alegre: Movimento, 2013). O primeiro se refere a Obirici; o
segundo, a Lindoia; o terceiro, a Moema.
No volume “100 Anos do Contestado Memória, história e
patrimônio”, reunindo os trabalhos de seminário organizado e
promovido pelo Ministério Público Estadual, em agosto de
2012, encontrei dois ensaios a respeito do monge João Maria,
santificado pelo povo, e que é venerado em grande parte do
Estado e até mesmo nos Estados vizinhos. Trata-se de “João
Maria de Agostini: o monge da monarquia brasileira e das repúblicas americanas”, de autoria de Alexandre Karsburg, professor da Universidade Federal de Pelotas, e “Encantado no
meio do povo. A presença do profeta São João Maria em Santa
Catarina”, de Tânia Welter, professora da Universidade Federal
da Fronteira Sul. Ambos merecem um comentário.
O primeiro ensaio, fundamentado em pesquisas inéditas,
pretende esboçar, tanto quanto possível, uma biografia do referido monge e rastrear seus passos nas longas jornadas por
ele empreendidas ao longo da vida. Começa lembrando que
muitos indivíduos se apresentaram sob o nome João Maria,
embora a crença popular acredite ter havido apenas um. (Numa pesquisa a esse respeito, Nilson Thomé concluiu que o imaginário popular unificou o monge numa só pessoa.) O autor
deste ensaio recorda que três foram os monges que se destacaram no panorama do Planalto, cuja memória ficou perenizada. O primeiro foi o monge italiano João Maria de Agostini, o
segundo, sob inspiração do primeiro, foi João Maria de Jesus, e
o terceiro foi o monge José Maria de Santo Agostinho, o único
que teve atuação na Guerra do Contestado. Observo que o
segundo monge, conforme alguns pesquisadores, seria o sírio
Anastas Marcaf, e o terceiro, o “monge de guerra”, seria Miguel Lucena de Boaventura, embora pareça que hoje esses dados sejam considerados duvidosos e, por isso, foram substituídos ou abandonados.
Obirici
Chorou tanto, que seu corpo se desfez em
lágrimas e formou um riacho sobre a areia.
Da lenda Obirici.
Doce paixão levou meu peito a declarar
a irresistível linda luz que Tupã
pusera neste malfadado coração.
O coração era Cacambo, e o mataram.
Em prevista troca, Baldeta lhe impuseram,
a consolidar o poder que não tiveram.
Víbora a enlaça... e Lindoia não volta.
Escolheu a morte, onde a aguarda o noivo,
Porque na vida sem ele era estar morta.
Moema
Ele, assombrado do conflito que lhe impus,
porque seu coração já de outra tinha a luz,
propôs a escolha em flechas...
e eu perdi a disputa.
Supliquei então ao meu Tupã luminoso
que me levasse ao país misterioso,
pago de maravilhas, em que não há dor.
Pedi ao calor do primeiro sol me guiar
e à pluma maciez materna do luar...
Olhos nenhuns nunca mais me viram na taba.
Na terra do ontem ficou ibicuiretã
Sobre a areia córrego de lágrimas
que os homens brancos sob pedras sepultaram.
Talvez também chorosos pelo que fizeram,
os homens de barba ergueram, em matéria
Resistente, a imagem que de mim tiveram.
Lindoia
Tanto era bela no seu rosto a morte!
J Basílio da Gama. O Uraguai.
Onde andará Lindoia, em que reduto,
em que oca, em que recanto deste mato,
assim pronta, assim vestida de noivado?
Correm todos a saber, temendo o pior...
nem Tanajura viu seu vulto muito amado...
sai Caitutu, irmão, pelo bosque a buscá-la.
Homem
embriagado
de Deus
Enéas Athanázio
Jurista e escritor, autor de “Mundo Índio”, entre outros
[email protected]
João Maria de Agostini, segundo o ensaísta, era italiano do
Piemonte, nascido por volta de 1800, e chegou ao Brasil em
1844, declarando-se “solitário eremita”. Percorreu ampla região do país, desde Sorocaba até Santa Maria. Segundo documentos, foi registrada a sua presença em Sorocaba, vindo da
província do Pará e desembarcando no Rio de Janeiro do navio
“Imperatriz”. Nessa oportunidade o escrivão o descreveu como “Frei João Maria” e traçou um perfil de sua aparência física,
ressaltando ser “aleijado dos três dedos da mão esquerda”.
Prosseguindo em incansáveis buscas, descobriu o ensaísta
que um eremita de nome Juan Maria de Agostini, nascido em
Piemonte, em 1801, havia peregrinado “por desertos e montanhas do sul dos Estados Unidos”, tendo antes passado por vários países, como Brasil, Argentina, Peru, e México. Acabou
sendo assassinado em circunstâncias não conhecidas no Novo
México, deixando uma série de pertences. Na Vila de Melilla,
Entre as salsas escumas desce ao fundo,
Mas na onda do mar, que irado freme,
Tornando a aparecer desde o profundo,
Ah Diogo cruel! disse com mágoa,
E sem mais vista ser, sorveu-se n'água.”
José de S R Durão. Caramuru.
Nessa onda feroz que ruge poderosa
Soprada ao vento em rendas de alvas plumas
Que na praia vês enrolada em densa espuma,
Agita-se vivo o corpo de Moema,
De Caramuru traída em fuga odiosa,
Que em puro delírio de amor morrendo acena.
Vindo do mar, ao mar voltando, entre gentes
Estranhas de obscuras falas, fera e corisco,
Manejador do raio, no barco arisco
Foge, por não vê-la pedir-lhe o amor negado,
Que ainda nada agarrada ao leme
E prefere o fim no mar ao desprezo adiado.
Que mundo este, há de pensar ela, onde esteja
Em tantos peixes, caracóis e cavalinhos,
Que ainda a despreza nos seus irmãos de sina,
Contra quem ruge o raio de diogos poderosos,
Que expulsam, matam e destroçam a quem seja
Que seus não sejam e que tenham vida honrosa.
Porto Alegre, 16/4/2015.
Cícero Galeno Lopes
Professor, doutor em Letras, ensaísta, poeta
www.cicerogalenolopes.com
naquele Estado americano, existem uma placa no local onde o
monge faleceu e uma lápide no cemitério em sua memória.
Suspeita-se de que tenha sido vítima de índios selvagens.
João Maria viveu no Brasil durante cerca de dez anos
(1843/1852), inclusive em Santa Catarina, onde sua memória
permaneceu para sempre. Expulso do Rio Grande do Sul, exilou-se na Ilha do Arvoredo, no litoral de Florianópolis. “Ao buscar solidão na ilha, - escreve o autor - deparou-se com nova
aglomeração, atraindo a atenção de pessoas como o pároco de
Desterro, Joaquim Gomes de Oliveira e Paiva”. José Boiteux,
num de seus contos, relata a presença do monge naquela ilha.
João Maria foi santificado pelo povo e sua memória é venerada até hoje. Suas pregações, práticas e crenças são conhecidas e transmitidas pelas gerações. É impressionante a extensão de suas andanças pelas três Américas e o grande mérito
deste ensaio consiste em ter demonstrado, através de pesquisas inéditas e criativas, que se tratava da mesma pessoa. É um
trabalho deveras revelador sobre o qual esboçamos apenas
breves notas, sendo impossível resumir aqui os inumeráveis
detalhes abordados pelo autor.
Quanto ao segundo ensaio, acima referido, aborda as marcas da presença do monge no Planalto catarinense. É pena que
ao abordar aspectos populares, como as crenças, rituais religiosos, instalação de cruzes, benzimentos etc. tenha optado
por um linguajar encruado e, às vezes, pedante que torna a
leitura cansativa. A forma não combina com o conteúdo. Creio
também que há exagero quando afirma que parte do povo
considera João Maria uma divindade. Não chega a tanto. No
conjunto, porém, traz contribuições importantes.
Mas, como afirmou Jacques Lacarrière, João Maria foi um
homem embriagado de Deus.
I 06 I
Entrevista
Silvério da Costa
SILVÉRIO RIBEIRO DA COSTA, nascido em Portugal, praticante de
Atletismo, combatente na Guerra de Angola-África, intelectual,
migrado para o Brasil, Cidadão de Chapecó-SC, Professor, Poeta,
Escritor, Jornalista, Ativista Cultural, um Incansável Homem de
Letras, um luso-brasileiro para o mundo.
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
Nasci e cresci na pequena aldeia de Valbom, próximo à cidade do Porto, no Norte de Portugal. Ali passei parte da minha infância. A adolescência, vivi-a na cidade do Porto. Vim para o Brasil em 1963, depois de lutar na guerra da Angola, durante
26 meses. Sou brasileiro naturalizado. Moro em Chapecó há 50 anos. Sou casado e tenho um filho. Sou aposentado desde
1996 e já publiquei doze livros (oito de poesia e três infantis): Retalhos da Existência - 1989; Retratos - 1991; Sinfonias do
Corpo - 1993; Percalços da Vida e outras Chatices Gostosas - 1995; Fogueiracesa - 1999; Poemas líricos e outros poemas, em
parceria com Torres Pereira e Agostinho Duarte - 2000; Utensíliopoesia - 2000 (poesia infantil); Rapsódia de Espantos - 2005;
O Gato que sabia latir - 2006 (prosa infantil); Trilhos Cruzados - 2010; Memorial do Medo (Vivência de um ex-combatente) 2013 e a participação em mais de sete dezenas de antologias poéticas.
Faço parte de diversas instituições e entidades culturais no Brasil e no exterior, entre elas a Internacional Writers Association, com sede em OHIO - E.U.A.
Tenho trabalhos traduzidos para o Espanhol, Francês, Inglês, Italiano, Esperanto. Grego, Russo e Chinês, publicados
em diversos países do mundo. Conquistei inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Fui Presidente da ACHE- Associação
Chapecoense de Escritores, em duas gestões; Presidente do Conselho Municipal de Cultura de Chapecó, segundo vicepresidente da UBE - União Brasileira de Escritores, secção Santa Catarina, com sede em Florianópolis. E diretor de Turismo de
Chapecó (1982-1988).
Por Nelson Hoffmann I [email protected]
Literariamente, o seu nome é mais
conhecido como Silvério da Costa. Há ciência
de que é Português de nascimento, veio ao
Brasil e naturalizou-se Brasileiro. São informes
assim, como dizer?, meio desconhecidos por
nossos leitores, que o conhecem como Poeta.
Mas sabe-se de sua origem lusitana. Contenos, então, pra começar, dessa origem e terra
portuguesa, família, sociedade, formação etc.
Fale de vivências, sonhos e ambições familiares e sociais… Como era aquele mundo em
que viveu, quando criança? Lembre-se que
nós, leitores, não estivemos lá e nem fomos
seus colegas de infância. Como foi?
É verdade. Eu sou português, da cidade de Porto, ou melhor, de uma aldeiazita chamada Valbon, que fica 5 km de Porto, onde vivi
dos 8 até os meus 21 anos, quando saí para servir o Exército Português, na cidade de Lisboa.
Naturalizei-me brasileiro com a finalidade de
concorrer, por insistência de alguns amigos, a
uma vaga de vereador, no Legislativo Chapecoense, em 1972. Nem seria preciso, já que o cidadão português tem a seu favor a “Lei da reciprocidade” (o português aqui é considerado brasileiro, e o brasileiro, lá, é considerado português). Vim de uma família pobre. Não conheci
meu pai, que morreu quando eu tinha apenas
alguns meses de idade. Vivi, a partir dos 7 ou 8
anos de idade, com um padrasto que me cagava
de pau todos os dias, com razão ou sem ela! Ele
tirou-me, inclusive, da escola quando frequentava o 1° ano do primário, para aprender com
ele a profissão de sapateiro, e ser, assim, escravizado. A minha ambição era ser mecânico de
automóveis… Concluí o primário, alguns anos
depois, e foi só. Quando cheguei a Chapecó, em
1965, é que fiz o ginásio, o contador e parte do
curso de Pedagogia, na FUNDESTE, em Chapecó. Sou, portanto um autodidata, que ficou, paralelamente às suas atividades normais, 32
anos em sala de aula, como professor de Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira.
Depois, em sua vida e ao que sabemos, veio a
Guerra de Angola. Como foi parar nessa guerra? Adiante falaremos desse livro pungente
Memorial do Medo (Vivências de um excombatente). Por enquanto, deixe-o de lado.
Por agora, conte-nos como surgiu isso de ir à
guerra, em família e companhia? Foi convocado, foi voluntário, como aconteceu?
Servia o Exército Português, quando,
em 1961, eclodiu a guerra nas então colônias
(chamadas, eufemisticamente, de Províncias
Ultramarinas) portuguesas. Daí a ser convocado para a dita cuja, foi só um passo a mais. Nós
éramos governados por um ditador chamado
António de Oliveira Salazar, que se recusava a
dialogar com os líderes nacionalistas angolanos, que queriam a sua independência, preferindo sacrificar duas ou três gerações de jovens
numa guerra fratricida e inglória, que custou a
vida de milhares de pessoas! Estávamos na metade do século XX. Não se justificava mais o colonialismo. As grandes potências já haviam dado a independência às suas colônias. Era, portanto, uma questão de tempo.
E essa sua vinda ao Brasil e naturalização? Por quê? E este é um enorme Porquê?
Por que mesmo? Veio só, isto é, solteiro, ou
com família? Veio com mais gente ou por decisão solitária? Formou família aqui? Realizouse na profissão? A gente se pergunta e admira,
mas não sabe as condições e móveis. Foi logo
depois de sua participação na Guerra de Angola? Algum preparo para a troca de país? Algum
medo, alguma fuga, alguma visão de futuro?
Mais: na vinda para cá, a vinda foi direta para
Chapecó, SC? Se foi, por quê? Se não, por onde
passou antes? Veja o monte de perguntas muito humanas, nossas e de tantas pessoas que o
admiram. Esteja à vontade.
Quando servia o Exército Português,
numa pequena vila chamada de Tancos, onde
só havia uma base aérea, um batalhão de paraquedistas e um batalhão de engenharia, o único divertimento existente para os soldados era
um cinema, além de uma prostituta que aparecia ali nos fins de semana. Coitada! Era uma
farra, tendo como cenário o motel todas as estrelas do universo. A mim me aprazia, também,
a correspondência com moças interessadas.
Numa roda de amigos, quando comentava sobre meu interesse e sonhava com a possibilidade de conseguir uma brasileira, já que
tinha algumas portuguesas e espanholas, alguém do grupo me deu o endereço de uma brasileira que, por acaso era chapecoense… Escrevi-lhe e ela me respondeu de imediato, dando
início a uma correspondência de durou quase 4
anos, e que culminou no nosso casamento,que
dura há mais de 50 anos. Eu era radiotelegrafista, especialidade essa que tirei quando servia
no exército. Quando vim para o Brasil, em 1963,
passei a morar no Rio de Janeiro, com uns tios.
Isso aconteceu logo após ter passado à disponibilidade. Depois de quase dois anos, tirei umas
férias para conhecer a minha correspondente,
Helena Gisi. Chapecó era uma cidade pequena.
Não havia o que fazer. Passava o tempo, enquanto esperava retornar ao Rio, onde tinha a
minha vida, tomando chimarrão e conversando
com os parentes da Helena. Um certo dia, um
irmão dela me convidou para conhecer um frigorífico, onde havia sido diretor. Ao chegar lá vi
que estavam levantando uma grande antena.
Aproximei-me… e soube que estavam substituindo o rádio amador, sistema de comunicação muito em voga, na época, para se comunicar com as filiais, em São Paulo e Rio, por um
sistema mais eficiente, que era a telegrafia.
Quando me anunciei como radiotelegrafista, vi
no rosto do diretor, que cuidava da instalação, o
espanto, acompanhado da seguinte frase: Não é que caiu do céu! Foi o que bastou para ser
contratado e não voltar mais para o Rio. Virei
chapecoense e um ano depois nos casamos e
tivemos um filho, que é músico clássico. Mais
tarde eu me naturalizei e desempenhei diversas atividades e exerci alguns cargos de relevância, como por exemplo: Relações Públicas, nessa mesma empresa que me contratou como telegrafista, alguns anos antes; Diretor de Turismo de Chapecó, na gestão pública de 19821988; Gerente do Eston Hotel, um dos mais
conceituados da Região; Presidente do
Conselho Municipal de Cultura; Presidente da
ACHE (Associação Chapecoense de Escritores),
Com Marina
Colasanti, na
1a. Feira
Nacional
do Livro de
Chapecó, SC,
em 1999
em duas gestões; 2° Vice-presidente da UBE (União Brasileira de Escritores), em duas gestões;
2º Vice-presidente da UBE (União Brasileira de
Escritores, secção Santa Catarina); Professor de
Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, durante 32 anos, sempre paralelo às minhas atividades profissionais, exercidas durante o dia.
Tudo isso, além de poeta, com 12 livros publicados.
Nesses anos todos, de tanta peregrinação mundana e vivência trágica, onde e
quando a Literatura entrou em sua vida? Lá na
infância poderia ser, no meio da guerra seria
possível? A vinda ao Brasil teria levado a tanto?
O grande responsável pelos meus rabiscos literários foi um comerciante português
chamado José Gonçalves de Moura. Ele era vizinho e tinha o hábito, depois de fechar a sua bodega (armazém que vendia de tudo, desde feijão até tecidos) de convidar a garotada das redondezas para nos contar histórias e nos emprestava livros, explicando para nós, depois, tudo aquilo que não havíamos entendido. Foi assim que aprendi a gostar de livros e, por consequência, de ler. Com 10 anos, eu já havia lido o
consagrado Os Miseráveis, de Víctor Hugo. Daí
para a escrita, foi um pulinho, mas só em Chapecó é que me dediquei, profundamente, à nobre Arte das Letras.
Um sujeito vivido, sofrido e, hoje,
admirado como Poeta, Ativista Cultural e Memorialista, deve ter influências anteriores, em
si, no fazer Arte. Somos sequência humana, o
I 07 I
Entrevista
“Memorial do Medo”, romance, 2013
passado em nós comparece. Na terra brasileira, os clássicos de Portugal ainda influenciam.
E outros, do mundo. Traz alguma força ancestral? Tem alguma preferência particular?
Eu li (a) tudo e mais alguma coisa.
Inicialmente, os portugueses (Eça de Queirós,
Camilo Castelo Branco, Júlio Diniz, Almeida
Garrett, Fernando Pessoa, Fernando Namora,
Florbela Espanca, Bocage, Camões, Cesário
Verde, José Saramago; Machado de Assis, Érico
Veríssimo, Clarice Lispector, Graciliano Ramos,
Euclides da Cunha, Jorge Amado, e tantos outros). Os meus preferidos são: na poesia, Fernando Pessoa; na prosa, Dostoievski e Saramago.
Pelo que conhecemos, sua obra supera bem uma dezena de títulos. O que temos
em mãos são livros de poesia… com uma exceção. Os títulos poéticos já chamam a atenção
pela estranheza, e quiçá, clareza dos títulos.
Por exemplo: Fogueiracesa, Rapsódia de Espantos, Trilhos Cruzados… Os títulos nos denunciam ansiedades, perplexidades; a leitura
dos poemas nos leva a um mundo de intensa
sensualidade, angústia e preocupação social.
Estamos no caminho? O que nos diz de sua alma poética?
Eu publiquei 12 livros, 9 de poesia,
sendo um infantil, e 3 em prosa, sendo dois infantis. Tenho mais uma dúzia no forno. É só
uma questão de patrocínio. Talvez 2016 saia
mais algum. O que me apraz, mesmo, é a poesia. É nela que eu me vejo retratado, é por intermédio dela que eu expresso todas as minhas
inquietudes. Eu escrevo todos os dias, no mínimo, um poema. Não acredito em inspiração.
No lançamento do livro infantil “O Gato Que Sabia Latir”, 2006
Valho-me da percepção e da transpiração, já
que poesia é, para mim, o reflexo daquilo que
nos rodeia. E como o poeta não tem que dar
satisfação para ninguém, muito menos explicar
ou mudar o que quer que seja, no contexto panorâmico que está aí, o jeito é incomodar, perturbar, externar as perplexidades que incomodam e me angustiam: e, como ninguém é de
ferro, não posso deixar de lado o erótico-sensual e até mesmo, por que não, o pornográfico,
em determinadas circunstâncias.
O seu último livro que nos chegou é
Memorial do Medo (Vivências de um excombatente). O livro nos mergulhou em dores, revoltas e sofrimento… Vivemos momentos de Recordações da Casa dos Mortos, de
Dostoievski, embora em dimensões bem diferentes. Deixemos o medo de lado e conte-nos,
sem medo, sobre a trajetória desse seu livro.
Lembre-se: a distribuição de livros no Brasil é
calamitosa, quanto leitor de nosso jornal teve
acesso ao livro? Por favor!
Memorial do Medo (Vivências de um
ex-combatente) é o meu último livro e o único
romance, de minha autoria, já que a poesia é
que faz o meu gênero. Nesse livro, eu narro a
história da minha vida, que eu costumo chamar
de "Minhas Guerras", porque a minha existência sempre teve esse viés. O caro amigo lembrou bem a similitude com Recordações da Casa dos Mortos, de Dostoiesvski, Dostoiesvski é
o meu guru. Tenho toda a obra dele. É natural,
portanto, que, embora em circunstâncias e
tempos diferentes, as dores, os sofrimentos e
as revoltas sejam frutos dos mesmos despautérios! Dos mesmos absurdos! Dos mesmos
tresloucamentos! A distribuição do livro, por
questões óbvias, é restrita a amigos, escritores,
críticos, bibliotecas, enfim, aos mesmos de
sempre. Quem sabe alguma grande editora
ainda se interesse por ele e venha a ter uma
distribuição que contemple todos os leitores
interessados. A crítica ensaística tem falado
bem do livro! Os elogios têm sido muitos! E
parecem ser sinceros! Estou na expectativa!
Quem sabe o NHEÇUANO não promove essa
ponte?!...
Por muito tempo, uma das melhores
coisas literárias que aconteciam neste país,
aconteciam justamente aqui, no Sul. Definindo: em Chapecó, SC. Ali era redigido, produzido e espalhado ao mundo, o querido
"Fronte Cultural". Redator, produtor e distribuidor, Silvério Ribeiro da Costa, um português naturalizado brasileiro. Já houve o "Jornal do Enéas", já houve... Aqui, no RS, idem,
esforços parecidos. Todos sumiram. Como enxerga tudo isso, o que pode nos dizer?
O "Fronte Cultural" teve curta (2 anos)
duração. Foram, se não me engano, 22 números, um por mês. Era direcionado a todos os interessados e não visava lucro. O patrocínio vinha de alguns mecenas que tinham, em contrapartida, o rodapé das páginas à disposição
para difundir as suas empresas. Com o decorrer do tempo, foi faltando o patrocínio (eles
preferem gastar milhões para difundir o esporte, a pagar uma merrequinha para divulgar a
cultura) e só me restou amargar a saudade que
sinto desse período tão profícuo da minha trajetória literária, como incentivador da cultura.
O "Fronte Cultural" continua, mas em forma de
coluna, semanal, no conceituado jornal local
"Sul Brasil." Uma forma de manter acesa a cha-
FOTO SANDRA LOPES
Com Moacyr Scliar, em Chapecó (1999)
ma, fazendo-a chegar aos meus amigos escritores, difundindo, ainda que de forma restrita, os seus trabalhos.
Somos do Sul. Peleamos por aqui e
existem companheiros lá adiante, no Nordeste e Norte. O Centro nos ignora. Como vê isso?
Sa-bemos, é complexo, muito mais do que se
imagina, os valores hoje são monetários. Com
sua vivência internacional, tem algo a nos
dizer, aconselhar, orientar?
É comum se dizer que fora do eixo Rio São Paulo, poucos subsistem, quando se fala
de Literatura. Em parte, é verdade! Residem
nessa área muitos companheiros de Letras que
dão de mil a zero nos ditos medalhões, sem
que tenham o reconhecimento que merecem!
No interior do Brasil, leia-se fora do referido
eixo. Está parte da nata que escreve neste país
e sequer é citada pela grande imprensa, muito
menos pelos críticos e ensaístas! O que fazer?
É chover molhado, quando se fala em persistência, mas é, ainda, a orientação mais lógica e
coerente com os meus propósitos, que posso
dar a todos aqueles que gostam da coisa! Mas
sem esperar muito do poder público e dos homens públicos. O interesse deles é outro!… Entenderam?
Como sempre, em final de entrevista, a palavra fica à disposição. Total.
Para finalizar, resta-me agradecer a
oportunidade que o conceituado NHEÇUANO,
esse esteio de Cultura Brasileira, me deu, e seguir em frente com a caravana. Os cães que
fiquem latindo!, rosnando!, Babando!…
N
Uma visita mui ilustre
Esta foto é do recente dia 21 de maio, um sábado frio com tardinha
enfarruscada, quando o escritor José Antônio Urroz Lopes, também
conhecido pelo pseudônimo Vasco de Sant'Anna, acompanhado da
esposa Sandra, visitou Nelson Hoffmann e a filha Inês Hoffmann, em
Roque Gonzales, RS. Lopes vinha de Curitiba, PR, em trânsito para
Uruguaiana, RS, sua cidade natal. Junto, o onipresente Ruy Nedel,
amigo de todos. Todos escritores, poetas, intelectuais. Lopes, dentre
outros livros, tem destaque especial com Innocens Manibus; Inês é a
Revelação da Poesia Lírica Brasileira de 2006 com seu livro Parto;
Hoffmann, de muitos livros, é aplaudido por seu último romance A
Mulher do Neves; e Ruy Nedel, polígrafo incansável, acaba de fechar
um ciclo dourado com sua trilogia Memoriando a História do Sul. Podese ver, foi encontro de amizade, fraternidade, cultura.
No registro feito por Sandra (esq-dir): José Antônio U. Lopes, Inês
Hoffmann, Nelson Hoffman e Ruy Nedel.
I 08 I
História
Cultura Guarani
“Yvy Pÿtu Weá é o suspiro da terra. O índio quer ficar num lugar como este aqui. Quanto mais ter contato com a natureza,
quanto mais Yvyra Jakué, mais ele pede, mais ele é atendido. Se viver como o branco, ele vai podar o contato com a natureza.
Quem não quer uma casa bonita? Eu não, quero é morar assim”.
Gwarapá Mirindju, ancião da aldeia Piaçaguera
Djaroypy Djiwy Nhanémoã Nhanderekó Tupi Guarani
Resgatando a medicina tradicional Tupi-Guarani
Fonte: Cartilha folhas e raízes - Luan Elísio Apyká - Dhevan Pacheco
Ainda Sonhando
Na última edição coloquei uma possível alternativa para a realização do Manifesto e Canto Nheçuano para o final de 2016. Não recebi, não vi, não
vislumbrei nenhum movimento para que isto venha
acontecer. Sabemos das dificuldades de cada um, da
crise que envolve o mundo, enfim, está difícil para
todos.
Mas acredito que um pouquinho de cada um
é mais uma tentativa para não deixar voltar ao esquecimento uma história que, com muito custo e
trabalho, conseguimos trazer à luz. E digo com certeza, muitos ficaram surpresos e interessados com
esta “história”. Portanto, agora não é a hora de simplesmente virarmos as costas. Vamos nos unir, tentar
resolver, todos temos a ganhar com isto.
Precisamos de um empenho maior de nossa
diretoria, tentar buscar recursos no comércio local. E
mostrar o quanto é importante para o município a
manutenção do Manifesto Nheçuano, que discute
fatos determinantes do início da ocupação da atual
região missioneira e do Estado do Rio Grande do Sul.
Tomei a liberdade de criar o e-mail:
[email protected]. Envie sua sugestão ou colaboração, diga como pode nos ajudar. Com
certeza será muito bem aproveitada.
Quem sabe o rumo que buscamos para o nosso evento venha através de sua ajuda!
Julio Ribas
Professor
I 09 I
Poesia
O Mensageiro da Paz
Simples dizer
Escrever
Aqui viemos
com este pouco
que somos
Evito escrever verdades
veleidades
aleivosias
Aqui estamos
com este nada
que é tudo
(abismado em águas descobertas
receio o eco inebriado da letra
estrangulada)
Cabelos ao vento e mil ideias também,
Qual andejo errante, brilhante e capaz,
A tua missão é tão somente o bem,
Figura intrigante, mensageiro da paz!
Aqui seguimos
enquanto
não é depois.
reviro mentiras
no lado desproporcionado
em cantos: calo o verbo.
Nas suas andanças é pólen precioso,
Uma abelha profícua a gerar emoção,
Visão definida de um profeta zeloso
E compromisso fiel com a educação!
Dércio Braúna
*Do livro Aridez lavrada pela carne disto
Av. Simão de Góis, 1475
CEP 62823-000 - Jaguaruana - CE
Para Nelson Hoffmann
Visão imponente, encharcado no branco,
Cavaleiro andante das rotas do Sul,
Sorriso aberto, tão puro e tão franco,
E um olhar penetrante banhado no azul!
Missão tão linda, é um raio de luz,
Sigas em frente com fé e destemor,
Que seja leve e suave a tua cruz,
Tua mensagem é um ato de amor.
Levanto bandeiras
em punhais enviesados.
Verdades na indiferença
anotada no canto da folha
jogada ao chão dos outonos.
Pedro Du Bois
*Do livro O livro infindável e
outros poemas
[email protected]
Virtudes que pulsam e te enobrecem,
São dotes raros, valiosos e só teus,
Os que te escutam jamais te esquecem,
Mensageiro da paz e arauto de Deus!
****
*Melbourne, 19 de dezembro de 2015
(Data do aniversário do homenageado)
Vestígios de Paredes
Doze sinos badalam
De hora em hora
São mecânicas canções
Em sinfonia de orquestras.
Cinco mil almas
Respiram castiçais.
Emir Nunes Moreira
[email protected]
Canhões cospem fogo,
Badalam chumbo,
Perfuram alma e coração
Sucumbem vidas preciosas!
Porque não trouxeram carinho
Amor e fraternidade?
Não sou eu
O instante que apaga
a vertigem do tempo
não sou eu
quem abandona
na madrugada
a lua desamparada
e sonolenta revela
imagens ocultas
não sou eu
quem encobre a face
na penumbra
lágrimas vertidas
no silêncio que angustia
não sou eu:
sou eu, sim
Arte: www.1papacaio.com.br
Sangue
Os córregos transbordam
Em sangue
Que pinga do suor
Do trabalhador
Contracapa da história
Brilham tesouros,
Vitrais guaranis.
Reluz o ouro do tempo
Nas tumbas sem cruzes, sem nomes...
Marcas de quem tombou!
Que sonha ser um vencedor
Bom pagador
Homem de bem
Ventos uivam triunfantes
Sobre carnais ilusórios!
Os ventos uivantes
Aguçam o imaginário dos passantes!
Seriam os ventos presságios
De tempos de esperança!?
O sangue escorre
Calçadas abaixo
Aos córregos escorrem
Transbordam
Nas velhas paredes
Não badalam sinos, nem sonhos...
Pousam os olhos dos poetas
São olhares de repúdio à covardia!
quem busca encontrar
respostas
quando a insônia do tempo
acorda a lua.
sangue
em
Adélia Einsfeldt
Porto Alegre
[email protected]
Maria de Lourdes Alba
*Do livro Voos da manhã
[email protected]
Em vã filosofia, as velhas pérolas
São hinos de paz e melodia.
sangue
Renato Jacob Schorr
escritor membro da Academia
Santo-angelense de Letras
[email protected]
I 10 I
Literatura
[email protected]
[email protected]
Rua Pe. Anchieta, 439
97970.000 - Roque Gonzales - RS
Inês Hoffmann e
Nelson Hoffmann
Nasci em Roque Gonzales. Tenho setenta e seis anos de idade, caminho para os setenta e sete. Chegarei? É outra
história. Dizem que apareci num domingo. Calculei e parece verdade. Sei lá, não importa! Roque Gonzales tinha doze
anos de idade. Criei-me no meio do mato, à beira da água, numa serraria. Frequentei escola com o professor Schuh, em
Poço Preto. Fui seminarista, rodei por nada menos que quatro seminários, cursei Direito e Contabilidade em Porto
Alegre, andarilhei por aí. Mas meu corpo e alma nunca me deixaram em paz, sempre me empurravam de volta: Roque
Gonzales era minha terra, ali corria meu sangue. Voltei.
Há cinquenta anos - cinquentenário - para começar o Município. Em 15 de maio de 1966. N. H.
Sânzio de Azevedo, um dos maiores pesquisadores e historiadores da Literatura Brasileira, apresenta-nos um livro de
valor inestimável, verdadeiro tesouro de arqueologia literária, produto de uma pesquisa e busca de mais de 40 anos:
Atas da Padaria Espiritual. Para quem possa estranhar o
título ou desconhecer o que seja a tal “Padaria Espiritual”,
uma pequena explicação. Surgida no Ceará, em fins do século XIX, era uma sociedade de rapazes
de Letras e Artes, com objetivo bem determinado: Fornecer pão de espírito aos sócios em particular e aos povos em geral. Daí seguia-se que o presidente era o “Padeiro-Mor”, os secretários
eram “Forneiros”, o tesoureiro era o “Gaveta”… Os sócios eram os “Padeiros”. As reuniões eram as
“Fornadas” e o local era o “Forno”. Tudo num humor contagiante e muito original. E dela participavam figuras destacadas de nossa história literária como Adolfo Caminha, Antônio Sales, Lívio Barreto… Ao contrário do que possa parecer, a leitura é gostosa, instrutiva, enriquecedora. Afinal,
fazer Literatura neste país, não é mesmo tarefa que só persiste com gente de muito bom-humor?
E-mail: [email protected]
Margarete Solange Moraes nos é encaminhada pela
ed. Sarau das Letras, em pacote de três livros diferentes: Santa Fé, Fazenda Solidão e Contos reunidos.
Potiguar, funcionária pública e professora universitária,
leciona Literatura e Teoria Literária. Com boa obra publicada, chega-nos impressionando. Vê-se logo, é escritora tarimbada, senhora do ofício, e que nos era desconhecida por estes nossos pagos
gaúchos, missioneiros e fronteiriços. Desajeitamo-nos com o nosso desconhecimento. Os
dois primeiros livros são romances e o terceiro o título revela. O conteúdo, em todos os livros,
inclusive em cada conto, é profundamente humano, sem nunca desvincular o personagem do
meio em que vive. Além disso, a ligação entre conteúdo e forma é de presença rara entre nós,
escritores. A escrita de Margarete nos remete ao clássico Graciliano Ramos. Com leve nuança:
é mais suave.
E-mail: [email protected]
------------------------------------------------------------------------------------------Cláudia Brino e Vieira Vivo nos enviam um livro bem curioso: Encaixe. Não, curioso por alguma idiossincrasia
estapafúrdia, não, de jeito nenhum. O livro é de poemas,
sempre de primeira linha como são os versos da dupla individualizados, deixe-se claro - mas diferente pelo que
acontece em cada texto. Cada autor escreveu o seu poema. Depois, um se meteu no poema do outro e “encaixou” algo. O “encaixe” aparece em itálico. E a leitura se
torna prazerosa e, sobretudo, criativa, fazendo o leitor
querendo “encaixar-se” também.
E-mail: [email protected]
Jorgelita Tonera Favaretto organizou o livro Luz na oficina, que nos foi presenteado por Enéas Athanázio. O livro
é uma realização inédita, curiosa, sui generis e de valor.
Produto de uma oficina literária, tem detalhe muito especial: os participantes eram todos de curso superior, advogados e promotores conceituados e vividos, querendo
realizar-se como escritores, em completude pessoal. O
curso abordou conto, crônica, ensaio e poesia. Quatro gêneros literários que são criação, Arte, busca de plenitude.
Escrever é realizar-se.
E-mail: [email protected]
--------------------------------------------------------===R E C E B E M O S===
Ricardo Guilherme Dicke é escritor que virou lenda. Em vida. Desconhecido do grande
público, e assim continua, teve seu livro Deus de Caim reeditado pela editora LetraSelvagem, que nos remeteu um exemplar por gentileza do editor Nicodemos Sena.
Dicke vinha do Mato Grosso, passou pelo Rio de Janeiro, voltou para o Mato Grosso,
recolheu-se em si. Sem os arruídos da imprensa hegemônica e monopolista dos grandes centros, seguiu publicando por pequenas editoras de seu estado, … E hoje? Deus
de Caim nos mostra o eterno conflito bíblico de Caim e Abel, nos cria um mundo novo,
Pasmoso, nos remete aos ambientes de Macondo, de Gabriel García Marques, nos tortura com os conflitos de Yoknapatawpha, de William Faulkner. Silencioso em seu canto, escondido em Mato Grosso, Dicke realizou obra para a eternidade.
E-mail: [email protected]
-------------------------------------------------------Lourenço Cazarré é gaúcho de Pelotas e reside em Brasília. Autor de grande bibliografia, encaminha-nos Três cavaleiros. O livro integra uma coleção de clássicos juvenis
- temática em que o autor é mestre - e contém dois textos famosos - Rei Artur, de Thomas Malory, e Ivanhoé, de Walter Scott - mais O guerreiro dos cabelos de fogo, de autoria do próprio. Os dois primeiros são adaptações, para o público juvenil, feitas pelo
autor. A história de O guerreiro… é original sua e aborda a nossa questão gaúcha e missioneira, na segunda fase das Missões Jesuíticas. Leitura juvenil e agradável, o autor
narra as aventuras do jovem Guilherme Kugelfest, nascido na Alemanha, por volta de
1700, e que vem parar aqui, tornando-se herói lendário nas Missões.
End.: SHCGN, 716-Bl. I C/ 47-Brasília-DF/70770.739
* P. J. Ribeiro: Kiki, a coelhinha festeira, prosa
ilustrada;
* Maria Dona: A Dona do jardim, versos;
* Elaine Pauvolid e Outros (via Ricardo Alfaya):
Quadrigrafias, versos;
* Manoel Onofre Jr.: Humor no conto potiguar e
Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras, prosa;
* Sérgio Venturini: Inhacurutum e os guaranis no
Território Missões, prosa;
* Ivan Saraiva: Esperança viva: Uma escolha inteligente, prosa;
* Cláudia Brino e Vieira Vivo: Amor, revista lítero-temática;
* Oreny Júnior: Fórceps, versos;
* Guilherme Queiroz de Macedo (via Enéas Athanázio): Enéas Athanázio, de leitor a escritor, prosa;
* Humberto Del Maestro: Lícia na terra da imaginação e Haicais e tercetos, prosa e verso;
* Neu Volpato: Ad semines, versos;
* Emir Nunes Moreira (Austrália): A história dos
mártires e das missões guaranis, de Pe. Avelino ten
Caten SJ, prosa; e
* Rolando Kegler: Junta de estudios históricos de
Misiones, prosa.
I 11 I
Literatura
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[email protected]
Rua Pe. Anchieta, 439
97970.000 - Roque Gonzales - RS
Inês Hoffmann e
Nelson Hoffmann
DESTAQUE
ARQUIVO PESSOAL
David de Medeiros Leite nasceu em Mossoró-RN (1966). É professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Mestrado e Doutorado em Direito pela USAL - Universidade de Salamanca - Espanha.
Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte IHG-RN e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar ICOP; sóciocorrespondente da Academia Apodiense de Letras - AAPOL, além de pertencer à Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Norte
AMLERN e Academia Mossoroense de Letras AMOL.
Divide com o também escritor Clauder Arcanjo, a coordenação da Editora da Sarau das Letras, que neste ano de 2015 completou 10 anos
de atuação, atingindo a marca de 130 títulos publicados.
David Leite publicou os seguintes livros: Companheiro Góis - Dez Anos de Saudades. Coleção Mossoroense, 2001; Os Carmelitas em
Mossoró (em coautoria com Gildson Souza Bezerra e José Lima Dias Junior). Coleção Mossoroense, 2002; Ombudsman Mossoroense. Sebo
Vermelho, 2003; Duarte Filho: Exemplo de Dignidade na Vida e na Política (em coautoria com Lupércio Luiz de Azevedo). Sarau das Letras,
2005; Incerto Caminhar (Premiado no II Concurso de Poesia em Língua Portuguesa, promovido pela Universidade de Salamanca - USAL e pela
Escola Oficial de Idiomas de Salamanca - Espanha). Sarau das Letras, 2009; Cartas de Salamanca. Sarau das Letras, 2011; Presupuesto participativo en municipios brasileños: aspectos jurídicos y administrativos. Editorial Académica Española, 2012; Casa das Lâmpadas. Sarau das Letras, 2013; Mossoró e Tibau em
Versos - Antologia Poética (em coautoria com Edilson Segundo). Sarau das Letras, 2014;
Ruminar - Rumiar (edição bilíngue português -espanhol, em coedição com a Trilce Ediciones de Salamanca, Espanha), Sarau das Letras, 2015.
Fábulas e verdades de David Leite
1.
Que as aparências não te confundam,
pois tudo aquilo que se entende pode ser
passível de comparação mais além do
que teus olhos vislumbram: o homem e
suas condutas não esquecidas, as que
transcendem fronteiras, aquelas que
persistem em fazer distinções, não somente entre os seres humanos, mas também quanto à dignidade que lhes resta
ou apenas por sua condição social.
De longe vem, na literatura, essa metamorfose: recordem-se - entre outros precedentes a Apuleio de Madaura e seu
Asno de ouro, onde um feitiço transforma Lúcio em asno, mas sem que ele venha a perder suas faculdades intelectuais. Esta novela imaginativa, carregada
de humor, também contém outras doses
de séria reflexão sobre a condição humana e sua coexistência em sociedade. Após
diversas aventuras, Isis lhe restitui a forma humana, como agora o faz David de
Medeiros Leite em sua interessante nova
entrega, intitulada 'Ruminar': primeiro
quem fala é o gado; depois, o vaqueiro
que cuida do rebanho.
2.
Duas partes de um todo que está perfeitamente ordenado: bastaria ler o primeiro texto e o último, para darmos conta de que, desde a aparente ingenuidade,
o que quer dizer o poeta nordestino
transcende sua paisagem rural e até bucólica, apesar de ser terra de secas, pretexto indispensável para logo triturar aflições, maturar pensamentos ou mastigar
ilusões: o ruminar fazendo a digestão serve como lançadeira para colocar sobre a
mesa antigas recordações em lenta maceração. O próprio poeta, desde logo, esclarece: a descrição que faz a partir da
ótica do boi ou da vaca é simplesmente
uma escusa para tratar temas mais profundos.
Por acaso não é autenticamente “revolucionário” o poema Despertar?Se trocássemos de personagens e fizéssemos
uma leitura como se mulheres desesperadas falassem, por não poder alimentar
seus filhos apesar de semear ou produzir
alimentos em fartura, decerto teríamos
outra percepção do, aparentemente, elementar poema, que diz assim:
Ingurgitados
nossos úberes
desadormecem
alimentando o mundo.
A avidez
com que os sugam
põe em risco
o desjejum
de nossos filhotes
que, pacientes, esperam.
3.
Contudo, estas fábulas líricas (recordem-se de que Sócrates passou seus últimos dias pondo em verso as fábulas de
Esopo) não têm, no íntimo, uma lição
moralizadora. Diz o boi: “Solto o berro/sem saber que destino terá/ sem aquilatar seu eco/sem a ninguém querer laçar”.
Em princípio, não há essa intenção,
mas quem lê e entende, sabe que a solução está em despertar, em descer os
pensamentos das nuvens, em não permitir que se apague o resíduo solidário.
Que ninguém explique a fome ao faminto mas que lhe abra o caminho da
dignidade!
Uma dignidade que muitas vezes segue sendo quase uma utopia por cona
das separações que imperam nos estratos sociais. Como no poema Destinos,
onde o boi aprecia e cisma:
Na pradaria,
entre escaramuças e carreiras,
brincam e coexistem
- em (quase) confraria os filhos do vaqueiro e nossas
crias.
Olho-os com exultação,
e certamente inquieto:
O porvir
para ambos,
será leve?
E assim poderíamos seguir, comentando sobre A ferro e fogo, por exemplo…
4.
Na segunda seção, os papéis se invertem. O personagem central é o vaqueiro
ruminando suas tarefas cotidianas, valiosos lugares entranhados em sua memória e também certas superstições (aparições, quero dizer) de sua região. Entretanto o miolo está no dardo que acerta o
centro do alvo, quando revela: “Para confidências/ elegi a vaca Estrela./ Com ela,
meu desabafo diário/ em regozijos e dissabores.// E como sou compreendido!”.
Às vezes em meio à multidão estamos
sozinhos. Às vezes preferimos falar a uma
vaca, a uma tela ou a uma parede, porque a dificuldade de comunicar-se é crescente neste mundo intercomunicado.
Às vezes, vendo algum exemplo de
liberdade, almejamos ocupar o lugar do
outro, como sucede ao vaqueiro:
Inveja
Por não obedecer
comandos
por não suportar
cercas,
por não permitir
laços,
ao intrépido novilho
chamam-no
“barbatão”.
Barbatão
no mundo
sonho sê-lo.
5.
Mesmo sendo na Mesopotâmia, há
cinco mil anos ou agora na cidade brasileira de Mossoró, umas fábulas líricas
repletas de verdade despertam nosso interesse, porque, seguindo o conselho de
Terêncio, ao homem, nada que é humano lhe deve ser estranho.
Que as aparências não te confundam.
E menos este livro de David de Medeiros Leite, com singelos poemas de impactante força.
Alfredo Pérez Alencart
Julho e em Tejares (2015)
Faculda de Derecho - USAL
Campus Miguel de Unamuno
37007 - SALAMANCA - ESPANHA
*tradução espanhol- português:
Leonam Cunha
Lamento Guarani Missioneiro
Que queres do índio,
Afora a extinção?
Não há uma forma
De darmos a mão?!
Te demos o abraço
De boas-vindas;
O maior pedaço
Das terras infindas!
Mostrei-te os caminhos
Pra todos os lados
Ignorei os vizinhos
Aqui radicados
Ruy Nedel
Autor da trilogia Memoriando a História do Sul - Avaliação
Crítica (Os Jesuítas e as Missões / Revolução e Guerra dos
Farrapos / O Imigrante)
End.: Rua Sete de Setembro, 495 - Centro
Cerro Largo - RS - CEP 97.900-000
“Índio Guarani”, tela de ELON BRASIL
Fiz tudo por ti,
Assim que pediste.
Por que a lança em riste
Contra o guarani?!
Não quis ser escravo
Tu assim aceitaste.
Eu sempre fui bravo
Quando me chamaste.
Quando eras tão fraco
Fui tua muralha.
Agora que és forte
Me deixas a sorte
De ver-te um canalha.
Tudo te dei:
A terra, o ouro,
A crença,
Memória.
Roubaste-me a História,
Mulheres sem doença
Às pencas, em grei;
Vida natural,
Não via algum mal.
Pra ti as prostituí.
Agora, absorto,
Não entendo tua sanha
Me queres bem morto.
Pra que essa façanha?
Português ou espanhol,
Essa briga foi só tua.
Para nós, verdade crua,
Era de um lugar ao sol!
O padre me enviaste.
Eu não o pedi.
Depois o expulsaste
E órfão me senti.
* Do livro do Autor: Missões.
rede
rmer
supe
s
cado
BREMM
SUPERMERCADO
ROQUE GONZALES - F: 3365-1150
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E-mail: [email protected] Site: www.nhecuanos.com.br Blog: http://nhecuanos.blogspot.com