Editorial - Educação e Cultura em Geociências
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Editorial - Educação e Cultura em Geociências
boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) Editorial Este volume do BPG oferece um conjunto de contribuições muito especiais para a evolução conceitual das geociências no Brasil, por envolver diferentes abordagens sobre a geodiversidade. Com um time de autores que reflete o estado da arte em boa parte do território brasileiro e com exemplos de outros países, revela-se um panorama consolidado sobre novos rumos na pesquisa geocientífica, que se aproxima das ciências sociais, oferecendo este conhecimento como aporte cultural necessário à cidadania plena e à inclusão. São notórias as consequências sociais, para o Brasil, da descoberta do petróleo e sua possibilidade de extração abaixo da camada de sal das bacias sedimentares costeiras e, por isso, dificilmente este assunto é ignorado, atualmente, em escolas, na mídia ou pela comunidade em geral. O interesse despertado pela geologia, em função do potencial econômico, trouxe em seu bojo a importância da divulgação científica e a necessidade de aumento na massa crítica para questões ligadas ao substrato geológico. Não se pode conduzir um país ignorando-se a geologia no gerenciamento do território e esta geologia não possui somente um valor econômico, mas outros valores que podem estar sujeitos a risco. As ideias de patrimônio geológico ou de patrimônio mineiro são fruto de um amadurecimento científico e de uma consciência social que transcendeu os limites da ciência e abrange questões que tocam a todos os cidadãos deste século XXI. Inicialmente incentivado pela UNESCO, este novo segmento do pensamento geocientífico encontrou eco em vários países e vem se desenvolvendo no Brasil de forma vertiginosa. Não obstante as preocupações com conservação e divulgação da geodiversidade tenham exemplos mais antigos, foi no início dos anos 2000 que o chamado trinômio “geodiversidade-geoturismo-geoconservação” cravou suas raízes no Brasil. Desde então, houve uma difusão assombrosa deste novo paradigma entre geólogos, geógrafos e profissionais ligados ao meio-ambiente, turismo e órgãos de cultura. A geologia vem se tornando menos hermética para a população e participa mais incisivamente no processo de educação e inclusão social. Em sintonia com as rápidas mudanças que acontecem nestes novos tempos, o Boletim Paranaense de Geociências abre suas portas para a publicação de artigos neste novo segmento de pesquisa, mantendo o espírito que norteou o seu surgimento e sua história como importante periódico no panorama nacional. Esperamos que o conteúdo deste volume inspire novas contribuições e que possa subsidiar novas pesquisas e avanços nesta área e em outras. Antonio Liccardo Editor-associado boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 02 - 27 Iniciativas institucionais de valorização do patrimônio geológico do Brasil Institutional programs for the valuation of geological heritage of Brazil 1 2 2 KÁTIA LEITE MANSUR , ANTONIO JOSÉ DOURADO ROCHA , AUGUSTO PEDREIRA (in memoriam) , 2 3 4 5 CARLOS SCHOBBENHAUS , EDUARDO SALAMUNI , FLÁVIO DA COSTA ERTHAL , GIL PIEKARZ , 6 7 8 MANFREDO WINGE , MARCOS ANTÔNIO LEITE NASCIMENTO , ROGÉRIO RODRIGUES RIBEIRO . 1 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro - [email protected] Serviço Geológico do Brasil (CPRM) - [email protected] - [email protected] 3 Universidade Federal do Paraná - [email protected] 4 Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ) - [email protected] 5 Serviço Geológico do Paraná (MINEROPAR) - [email protected] 6 Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP) - [email protected] 7 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - [email protected] 8 Instituto Geológico de São Paulo (IG) - [email protected] Resumo O presente artigo tem como objetivo apresentar e discutir as iniciativas para divulgação e popularização do patrimônio geológico do Brasil. São apresentados casos de âmbito nacional, na forma das ações de inventário promovido pela SIGEP e dos projetos Geoparques e Banco de Dados de Geossítios do Brasil da CPRM. No âmbito estadual são apresentadas as experiências dos projetos Caminhos Geológicos do Estado do Rio de Janeiro desenvolvido DRM-RJ, Sítios Geológicos e Paleontológicos do Paraná da MINEROPAR, Caminhos Geológicos da Bahia da CPRM e Petrobras, dos Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte do IDEMA e dos Monumentos Geológicos de São Paulo do IG-SP. Os casos demonstram que existe um amplo espaço para desenvolvimento dos projetos de geoturismo e divulgação do patrimônio geológico para a sociedade e que este espaço vem sendo ocupado pelos serviços geológicos e entidades afins de âmbito estadual, onde a implantação de painéis interpretativos tem sido um dos principais instrumentos utilizados. Fica clara, ainda, a necessidade de que haja uma organização responsável pela implantação e manutenção dos painéis. Considera-se que estes tipos de projetos propiciam a participação comunitária e o desenvolvimento de projetos educacionais. Vislumbra-se que as unidades de conservação são lugares especiais para a implantação deste tipo de sinalização, propiciando a divulgação da geodiversidade em conjunto com a biodiversidade. Por fim, considera-se, ainda, que o maior obstáculo a ser superado é a comunicação com a sociedade. Para tanto, precisa-se avançar no conhecimento sobre o usuário dos painéis interpretativos. É necessária, portanto, a realização de pesquisas sobre o público-alvo e planejamento prévio da interpretação, ou seja, deve-se melhorar cada vez mais a comunicação para despertar o interesse do usuário / visitante. Palavras-chave: Patrimônio Geológico; Geoconservação; Geoturismo; Divulgação das Geociências. Abstract This paper aims to present and discuss the initiatives for interpretation and popularization of geological heritage of Brazil. National examples are presented in the form of inventory actions promoted by SIGEP and by CPRM projects: Geoparks and Database of Geosites of Brazil. At the State level are presented the experiences of the Geological Paths Project of the State of Rio de Janeiro developed by DRM-RJ; Geological and Paleontological Sites of Paraná by MINEROPAR; Geological Paths of Bahia by CPRM and Petrobras; Geological Monuments of Rio Grande do Norte by IDEMA; and the Geological Monuments of São Paulo by IG-SP. These cases demonstrate that there is a broad space for development of geotourism projects and popularization of geological heritage for society. This space has been occupied by the geological survey and related entities at the State level. The implementation of interpretative panels has been one of the main instruments used. It is clear, though, that is indispensable an organization be responsible for the implementation and maintenance of the panels. It is considered that these types of projects encourage community participation and the development of educational projects. Protected areas are special places for the implementation of this type of signage, enabling the dissemination of geodiversity in conjunction with biodiversity. Finally, it is considered that the biggest hurdle to be overcome is communication with the society. To do so, will need to advance in the knowledge of the user of the interpretative panels. It is necessary, therefore, to carry out research on the target audience and prior planning of interpretation, in other words, it should be increasingly improving communication to user interest. Keywords: Geological Heritage; Geoconservation; Geotourism; Disclosure of Geosciences. 02 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 1. INTRODUÇÃO 1.1. Histórico Iniciativas de divulgação da geologia para a sociedade no Brasil existem há décadas. Confirma esta afirmação a implantação, em 1988, de 17 marcos de concreto com descrição geológica de afloramentos ao longo da Rodovia SC-438, na Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina. Esta sinalização deu visibilidade pública à denominada Coluna White, ou seja, a coluna estratigráfica definida em 1908 no relatório do geólogo Israel White, sobre a borda sudeste da Bacia do Paraná, um representante clássico da história evolutiva do Gondwana (Orlandi Filho et al. 2002). Outros exemplos, como o Parque do Varvito, em Itu, e o Parque da Rocha Moutonnée, em Salto, ambos no Estado de São Paulo, fundados na década de 1990, promovem a informação geológica, por meio da ampla visitação que recebem (Rocha-Campos, 2002a; 2002b). A SIGEP - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos, criada em 1997 com a missão de organizar o banco de dados nacional, tornou disponível na internet as descrições de geossítios apresentadas pelos pesquisadores e avaliadas no mérito por representantes de instituições brasileiras relacionadas à Geologia. A SIGEP também vem fomentando descrições dos sítios em linguagem popular “com vistas à ampla divulgação das geociências e da mentalidade preservacionista com relação aos nossos monumentos geológicos, promovendo assim, simultaneamente, a popularização das geociências” conforme consta da apresentação da comissão no seu endereço eletrônico (http://sigep.cprm.gov.br/). Todavia, somente no início do século 21, projetos de divulgação geológica sistemática começaram a ser e s t r u t u ra d o s n o p a í s . E s t e s p ro j e t o s v ê m proporcionando uma abertura para a inserção da geologia nas comunidades, na sinalização de unidades de conservação e no desenvolvimento de programas educacionais locais. Quase todos baseiam suas iniciativas na confecção de painéis e folhetos interpretativos sobre a evolução geológica de monumentos de importância paisagística, científica e/ou turística e se estruturaram como projetos de âmbito estadual. 1.2. Popularização da Geologia e Valorização do Patrimônio Geológico: Compromissos e Desafios No Brasil, projetos de divulgação científica têm sido cada vez mais comuns, como pode ser avaliado nas edições da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, onde, a cada nova edição, ampliam-se as atividades e a participação popular. Ações relacionadas às áreas de popularização da Física, Medicina, Matemática, Astronomia, entre outras, vêm despertando grande atenção nos meios escolares o que certamente permitirá, em pouco tempo, seu fácil reconhecimento e entendimento. Um exemplo desta possibilidade de inserção pode ser tomado da Biologia, onde alguns dos seus termos técnicos já compõem o vocabulário do cidadão comum, dado o entendimento da importância do mundo biótico e da necessidade de se manter o planeta sadio. Da mesma forma, espera-se incluir o respeito e atenção ao planeta como um todo, para garantir o espaço de divulgação das Ciências da Terra no conjunto da população. Os grandes agentes de financiamento de pesquisa em C&T já possuem linhas para atendimento das demandas na área de popularização da ciência, desde o CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico até as FAPs – Fundações de Amparo a Pesquisa de âmbito estadual. Neste contexto, a popularização da geologia pode se desenvolver amplamente. A despeito da repercussão positiva dos projetos de disseminação do conhecimento geológico no Brasil, tanto no meio geológico quanto na sociedade em geral, um desafio tem sido colocado incessantemente para aqueles que trabalham com o tema: adequar a linguagem hermética praticada pelos geólogos para entendimento pelo cidadão comum. Os modelos de comunicação pública em ciências ainda promovem polêmicas entre os autores que, cada vez mais, buscam uma forma democrática e inclusiva para promover os temas de CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) para a população (Durant 1999; Moreira e Massarani 2002; Lewenstein & Brossard 2005; Moreira 2006; Navas et al. 2007; Navas 2008). O modelo mais tradicional, denominado Modelo de Déficit, parte do pressuposto que o cientista precisa aportar seu conhecimento para aqueles grupos que não o possuem, suprindo um déficit de conhecimento. Esta forma de comunicação vem sendo combatida por não levar em conta os saberes tradicionais. Posteriormente, surgiu o Modelo da Participação Pública que estimula a participação e manifestação do conhecimento popular pela participação em fóruns, debates e reuniões, onde público e cientistas têm papéis equivalentes. A principal forma de comunicação dos projetos de divulgação geológica sistemática no Brasil se dá por meio da implantação de painéis interpretativos (Nascimento et al. 2009). Esta técnica é utilizada em muitos países (Hose 1997, 2000, 2008; Dias et al. 2003; Carter 2001). A comunicação também pode ser feita utilizando-se de folhetos, cartazes, jogos, CDs / DVDs, páginas na internet, livros, instalações interativas, entre outros. Pode ser realizada ao ar livre, em museus, em escolas ou, mesmo, na própria residência do usuário, se utilizadas ferramentas que permitam a inclusão digital. 03 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 2. PROJETOS EM EXECUÇÃO NO BRASIL 2.1. Visão geral Um dos compromissos que necessita ser assumido pela comunidade geológica brasileira é o da união perante as ameaças sofridas pelo patrimônio geológico. Não são poucos os casos de denúncias e, mesmo, destruição de ambientes geológicos especiais como sítios paleontológicos e espeleológicos, dunas e outros ambientes costeiros, afloramentos únicos para a ciência e ensino. Segundo Cendrero Uceda (1996) e Brilha (2005) a divulgação é uma importante ferramenta a ser utilizada em programas de geoconservação, cuja essência é a gestão científica para a conservação do patrimônio. A gestão, por sua vez, pressupõe a formalização de um gestor e de um programa baseado no conhecimento geológico e planejamento de ações de controle, divulgação e monitoramento. Este é um ponto crítico para a geoconservação no Brasil: as organizações de gestão ambiental, em geral, ainda não incorporam a proteção da geodiversidade na sua missão. Por outro lado, a maioria das instituições estaduais de cunho geológico foi extinta entre os anos 1980 e 1990. Atualmente, apenas oito dos 26 estados brasileiros possuem instituições específicas voltadas para fomento da mineração e/ou conhecimento geológico. São eles: Bahia, Goiás, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins. Há, portanto, um descompasso entre o aumento do conhecimento geológico, com consequente geração de informação, e a capacidade de gestão do patrimônio identificado. Os dois mais antigos e prolíficos projetos de divulgação geológica do Brasil são gerenciados por serviços geológicos estaduais, DRM-RJ e MINEROPAR e, das oito instituições estaduais existentes, quatro delas, as de Goiás, Mato Grosso, Paraíba e Tocantins, ainda não iniciaram projeto de disseminação da geologia para a sociedade. Por outro lado, o Projeto Caminhos Geológicos da Bahia foi criado sem a coordenação da CBPM – Companhia Baiana de Pesquisa Mineral. Em 2006, o Rio Grande do Norte, apesar de não possuir uma organização pública com foco específico na geologia e mineração, por meio do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente, em convênio com a PETROBRAS, criou o Projeto Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte. Ainda, foi inaugurado um painel durante o Simpósio de Geologia do Sudeste, em 2007, pelo projeto Monumentos Geológicos de Minas Gerais (Figura 1), porém, não se tem notícias sobre perspectivas de sua continuidade. Figura 1 – Painel inaugurado em 2007 no Centro de Geologia Eschwege, em Diamantina, MG 04 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Já em São Paulo, a instituição pública estadual de geologia, o Instituto Geológico – IG, está vinculado à Secretaria de Meio Ambiente - SMA e criou o Projeto Monumentos Geológicos. Esta vinculação tem permitido a aplicação de instrumentos clássicos da gestão ambiental à proteção do patrimônio geológico, como a criação do Conselho Estadual de Monumentos Geológicos, em 2009, para apoiar o IG na elaboração do inventário e na geoconservação. O conselho é consultivo e seus membros são representantes do poder público (SMA) e convidados com reconhecida atuação nos temas relacionados direta ou indiretamente com geossítios / monumentos geológicos. 2.2. Ação da SIGEP A Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), criada em 1997, ocupou-se pela primeira vez no Brasil da identificação, avaliação, descrição e publicação de sítios do patrimônio geológico de forma sistêmica e com a participação essencial da comunidade geocientífica. Com suas atividades suspensas desde meados de 2012, por razões a seguir explicitadas, a SIGEP representou a mais importante e abrangente iniciativa no movimento pela conservação do patrimônio geológico nacional, seguida de algumas iniciativas em nível estadual. Essa iniciativa descreveu e avaliou sítios geológicos e paleontológicos de valor excepcional – os chamados geossítios, feições notáveis identificadas no contexto da extensa diversidade geológica do país que representam a memória geológica nacional - patrimônio geológico do Brasil. Os geossítios são assim locais-chaves para o entendimento da história da dinâmica da Terra e da história da vida, desde a sua formação, razão pela qual precisam ser preservados. Muitos deles possuem extraordinária beleza paisagística. O inventário do patrimônio geológico segue, sobretudo, critérios científicos, mas outros tipos de interesses são considerados, a exemplo do interesse educativo que é essencial para a formação de alunos e professores de todos os níveis de ensino ao serem colocados frente a frente com a realidade da geologia, representada no geossítio por rochas, minerais e feições geológicas, um verdadeiro arquivo da natureza. Por outro lado, o interesse turístico e cultural é importante na promoção da geologia junto ao público leigo e pode contribuir para o desenvolvimento sustentado das populações locais. A Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos - SIGEP, contou com representantes das seguintes instituições: Academia Brasileira de Ciências ABC, Associação Brasileira para Estudos do Quaternário ABEQUA, Departamento Nacional de Produção Mineral DNPM, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, Petróleo Brasileiro S/A - PETROBRAS, Serviço Geológico do Brasil - CPRM, Sociedade Brasileira de Espeleologia - SBE, Sociedade Brasileira de Geologia SBG, Sociedade Brasileira de Paleontologia - SBP e União da Geomorfologia Brasileira - UGB. A principal atribuição da SIGEP – de elencar os geossítios brasileiros – foi implementada com o gerenciamento de um banco de dados nacional e disponibilizado em site da internet (http://sigep.cprm.gov.br) na forma de artigos científicos bilíngues – inglês e português - elaborados por especialistas que trabalharam nas áreas dos geossítios aprovados. Desde o início, o processo seletivo dos geossítios seguiu a orientação da SIGEP de avaliação de cada sítio segundo sua tipologia principal (Astroblema; Espeleológico; Estratigráfico; Geomorfológico; Hidrogeológico - só casos especiais; História da Geologia, Mineração, Paleontologia; Ígneo; Marinho-submarino; Metamórfico; Metalogenético; Mineralógico; Paleoambiental; Paleontológico; Sedimentar; Tectonoestrutural; outro) e tendo como critérios: (i) sua singularidade na representação de sua tipologia ou categoria; (ii) importância na caracterização de processos geológicos-chave regionais ou globais, períodos geológicos e registros expressivos na história evolutiva da Terra; (iii) expressão cênica; (iv) bom estado de conservação; (v) acesso viável; e (vi) existência de mecanismos ou possibilidade de criação de mecanismos que lhe assegure conservação e consequente aproveitamento. Mesmo instituída e exercendo de fato as suas competências, a SIGEP não foi oficializada de direito no âmbito do Poder Público, o que lhe tirava a capacidade de adotar medidas legais para a preservação dos geossítios. Assim, em agosto de 2012, quinze anos depois de sua criação, a SIGEP, suspendeu o recebimento de novas propostas de geossítios em virtude da publicação de Portaria N0 170, de 20 de junho de 2012, da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia que instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial de Sítios Geológicos e Paleontológicos (GTI-SIGEP) com a responsabilidade de propor a institucionalização das atividades da SIGEP e a revisão dos procedimentos afetos à seleção de novos sítios geológicos e paleontológicos de natureza especial e ao gerenciamento e divulgação de tais informações, ou seja, com o objetivo de instituir o marco legal que permitirá impulsionar, de forma oficial, a identificação, a preservação, divulgação, valorização e uso de sítios re p re s e ntat i vo s d o p at r i m ô n i o ge o l ó g i co e paleontológico brasileiro. O GTI-SIGEP concluiu suas atividades em novembro de 2012 ao apresentar minuta de proposta de edição de decreto presidencial, objetivando a criação da 05 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Comissão do Patrimônio Geológico do Brasil, com as atribuições de identificar e reconhecer os bens que constituem o Patrimônio Geológico do Brasil e definir e encaminhar propostas de acautelamentos aos órgãos competentes. Sintetizando, pode-se dizer que a SIGEP, uma comissão multi-institucional, coordenou e promoveu entre 1997 e 2012, de mãos dadas com a comunidade geocientífica, o inventário parcial de sítios geológicos e paleontológicos do Brasil a serem preservados na forma de artigos científicos complementados por sugestões de medidas de proteção. A ampla divulgação na internet e em volumes impressos (livros) (Figura 2), atingindo não só os órgãos públicos - municipais, estaduais e federal, mas também o setor privado e a opinião pública em geral, certamente é da maior importância para propiciar a preservação e bom uso do patrimônio natural, através da necessária sinergia entre os vários órgãos públicos, empresas interessadas e comunidade, envolvidos na preser vação da geodiversidade. Números referentes à produção da SIGEP registrados no site ou publicados (Schobbenhaus et al. 2002, Winge et al. 2009, Winge et al. no prelo) são apresentados a seguir: l l l l l 116 geossítios publicados em 3 volumes e disponibilizados em PDF na internet (Figura 3); 51 geossítios aprovados, mas sem descrição disponível (Figura 4); 4 geossítios dos publicados em versão para leigos publicados na internet; 26 sugestões preliminares de geossítios não formalizadas; 26 propostas de geossítios canceladas (causas: pouca relevância, superposição com outras propostas, destruição). Figura 2 – Capas dos volumes I e II da SIGEP. Acessíveis em: http://sigep.cprm.gov.br 06 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 3 – Localização dos sítios aprovados pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP, publicados na forma de artigos científicos e complementados por sugestões de medidas de proteção. 07 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 SIGEP SÍTIOS GEOLÓGICOS E PALEONTOLÓGICOS NÃO PUBLICADOS Sítios 3 1 15 5 27 14 46 16 26 49 28 4 10 12 24 23 8 9 13 11 20 22 7 17 21 19 6 18 32 25 31 43 42 45 29 30 41 37 36 39 40 38 44 34 48 33 2 47 35 Nome UF 1 Dunas do Araçá AM 2 Canyon de Xingó SE/AL 3 Pico da Neblina AM 4 Raso da Catarina BA 5 Inselbergs de Quixadá CE 6 Morro de Penedo 7 Pães-de-açúcar de Pancas e Pedra Torta ES 8 Cachoeira do Rio das Almas GO 9 Cavernas da região de Guarani de Goiás e São Domingos GO 10 Córrego Alagadinho GO 11 Paraúna GO 12 Pilar de Goiás GO 13 Silexisto microfossilífero e estromatólitos da Fazenda Funil 14 Floresta Petrificada de Teresina 15 Lençóis Maranhenses e Dlta do Parnaíba 16 Vertebrados Permianos de Pastos Bons MA 17 Bacia do Gandarela MG 18 Gruta da Serra do Ibitipóca MG 19 Mina de Passagem MG 20 Pico do Itacolomy de Buritizeiro MG 21 Morraria do Urucum 22 Pedreira Saladeiro MS 23 Baías do Pantanal BR/BO 24 Chapada dos Guimarães MT 25 Geyseritos Permianos de Anhembi PA 26 Fósseis Invertebrados de Rancharia PE 27 Fauna Permiana de Mocambo 28 Pedra Furada/Serra da Capivara PI 29 Estrias Glaciais de Witmarsum PR 30 Icnofósseis Devonianos de São Luiz do Purunã PR 31 Dedo de Deus RJ 32 Pico das Agulhas Negras RJ 33 Armação dos Búzios 34 Restinga da Marambaia RJ 35 Parque das Dunas RN 36 Astroblema de Cerro do Jarau RS 37 Distrito Mineral do Alto Uruguai RS 38 Parque Guaritas e o litoral de Torres RS 39 Vulcanismo Rodeio Velho do Arroio Carajá 40 Furna Marinha de Sombrio 41 Mafra-Rio Negro 42 Lavas Almofadadas de Pirapora do Bom Jesus SP 43 Marundito do Pico Pelado SP 44 Paleolagunas na Estação Ecológica JurÚia-Itatins 45 Turfeira da Campina do Encantado SP 46 Sítio Espeleológico Serra do Martins RN 47 Marmitas do Rio Carnaúba RN 48 Maciço dos Três Picos RN 49 Dioritos Almofadados do Rio Espinharas RJ ES GO MA PI/MA MS PI RJ RS SC SC/PR SP Figura 4 – Localização dos sítios aprovados pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP, sem número de cadastro SIGEP e sem publicação disponível na forma de artigo científico. 2.3. Projetos do Serviço Geológico do Brasil - CPRM 2.3.1. Geoparques A CPRM tem como uma de suas missões precípuas a geração e a difusão de informações geológicas. Por ser o grande gerador e detentor do conhecimento geológico nacional, cabe ao Serviço Geológico do Brasil com o apoio da área acadêmica e dos serviços geológicos estaduais, realizar de forma sistemática o inventário dos sítios do patrimônio geológico do Brasil, tanto de importância internacional, quanto nacional ou regional/local. A CPRM promove a identificação, caracterização e avaliação, visando à conservação do patrimônio geológico brasileiro através do Projeto Geoparques. Os sítios geológicos ou geossítios cadastrados e quantificados pelo Projeto Geoparques são destinados a integrar um acervo para a preservação do patrimônio geológico. Também, como membro da SIGEP, a CPRM se ocupou nos últimos 15 anos da identificação, avaliação, descrição e publicação de geossítios. Um geoparque corresponde a uma área com limites bem definidos e com uma dimensão suficiente para que possa servir ao desenvolvimento econômico e cultural local (especialmente por meio do geoturismo) ( h t t p : / / w w w. u n e s c o . o r g / n e w / e n / n a t u r a l sciences/environment/earth-sciences/geoparks/globalgeoparks-network/). Os sítios devem ser importantes do ponto de vista da ciência, raridade, educação e / ou estética. Um geoparque é uma área onde geossítios fazem parte de um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. No entanto, o geoparque deve levar em conta o contexto da região e não unicamente incluir locais de significado geológico. A sinergia entre a biodiversidade, geodiversidade e cultura, além do patrimônio tangível e não tangível devem ser de tal ordem que temas não geológicos devem ser destacados como parte integrante do geoparque, especialmente quando a sua importância em relação à paisagem e geologia pode ser demonstrado aos visitantes. Por essa razão, é necessário também incluir e destacar locais de interesse ecológico, arqueológico, histórico e cultural dentro do geoparque (UNESCO 2010). O programa Geoparque vem suprir uma lacuna para reconhecimento internacional do patrimônio geológico de importância nacional ou regional. A iniciativa da UNESCO para apoiar os geoparques, bem sucedida em nível mundial, responde à forte demanda expressa por muitos países, que tem como objetivo, entre outros, constituir uma série global de sítios geológicos ou geossítios destinados a integrar um acervo para a preservação do patrimônio geológico. 08 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Nesse sentido, os geossítios são vistos como complementares à Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, possibilitando desenvolver um mecanismo adequado para o reconhecimento de locais de importância internacional, identificados a partir de inventários geológicos nacionais (UNESCO 2008; Eder & Patzak 2004). O Projeto Geoparques da CPRM representa importante papel indutor na proposição de geoparques no território nacional. Esse projeto tem como premissa básica a identificação, levantamento, descrição, diagnóstico e ampla divulgação de áreas com potencial para futuros geoparques no território nacional. Durante esse processo realiza-se o cadastro e quantificação de geossítios de diversas tipologias, dentro dos limites do proposto geoparque. Para esse trabalho concorre o acervo de levantamentos geológicos existentes no País e a experiência do corpo técnico da empresa, além do aporte de estudos e propostas da comunidade geocientífica. Em alguns casos, essa atividade indutora é feita em conjunção com universidades e outros órgãos ou entidades federais, estaduais ou municipais que tenham interesses comuns, em consonância com as comunidades locais. A ação catalisadora desenvolvida pela CPRM representa, entretanto, somente o passo inicial do futuro geoparque. As áreas propostas para os geoparques foram selecionadas por sua importância geológica, que em muitos casos associa-se a formas de relevo com excepcional valor estético ou beleza cênica. Nessa etapa inicial as áreas propostas pelo Projeto Geoparques constituem em primeira instância parques geológicos, que possibilitam conhecer a sua história geológica através dos geossítios, roteiros geológicos ou pela geomorfologia da paisagem. Para a transformação de um parque geológico em um geoparque, além dos atributos geológicos, outros atributos devem coexistir na área proposta e ambos deverão promover o desenvolvimento econômico sustentável e a geoconservação, comumente através do geoturismo/ecoturismo. Em praticamente todas as áreas selecionadas para os geoparques potenciais, já existe um fluxo turístico, em maior ou menor grau, no entanto, sem associação direta com a geologia. A criação de uma entidade de gestão e outras iniciativas complementares permitirá que o parque geológico seja transformado em um geoparque, cabendo-lhe promover o geoturismo. Alguns geoparques propostos coincidem em seus limites com unidades de conservação ou parques naturais, em especial por apresentarem rara beleza cênica. No entanto, os limites de um geoparque não coincidem necessariamente com os parques naturais ou outras áreas de reservas ambientais. Propostas de áreas com potencial de se transformarem em geoparques, objeto do Projeto Geoparques, estão indicadas na Figura 5. Figura 5 – Mapa de localização das propostas de geoparques concluídas (1 a 17), em execução e programadas do Projeto Geoparques da CPRM. 09 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Nos últimos cinco anos foram concluídos estudos de 17 propostas de geoparques pelo Projeto Geoparques cobrindo áreas de norte a sul do país. Dessas, 14 foram publicadas pela CPRM no primeiro volume do livro “Geoparques do Brasil-Propostas” (Schobbenhaus & Silva 2012). Diversas outras propostas estão em fase de avaliação ou serão avaliadas em etapas seguintes. Uma atividade essencial realizada pelo Projeto Geoparques é a identificação, cadastramento e valoração de geossítios ou sítios do patrimônio geológico na área do território proposto para o potencial geoparque. Até o momento foram cadastrados 376 geossítios nos 17 propostos geoparques. Esses geossítios apresentam diferentes pontos de interesse: científico, didático, turístico, cultural e outros. A sua importância varia de regional/local (59 %), nacional (31 %) a internacional (10 %). Dentro das áreas propostas para geoparques, cerca de 48% relacionam-se a geossítios do Pré-Cambriano, 24% do Paleozoico, 24% do Mesozoico e o restante do Cenozoico. Os litótipos mais comuns são de interesse geomorfológico, estratigráfico e paleoambiental, normalmente associados a geoformas de valor estético ou beleza cênica. Outros são paleontológicos, ígneos, petrológicos, metalogenéticos e espeleológicos. Outros ainda incluem importantes registros da história da mineração ou ainda tem importantes valores préhistóricos e histórico-culturais associados. 2.3.2. Geossit As atividades do Projeto Geoparques abrangem o cadastramento e a quantificação de geossítios, contemplando as metodologias de Brilha (2005) e GarciaCortés & Urquí (2009), adaptadas ao Brasil. Independentemente das futuras ações a serem tomadas com relação aos propostos geoparques, o cadastramento dos geossítios realizado será incorporado em uma atividade mais ampla de âmbito nacional: o Inventário de Sítios do Patrimônio Geológico do Brasil. Para permitir a alimentação de um banco de dados a CPRM desenvolveu um aplicativo web para cadastramento e quantificação automática de geossítios, denominado GEOSSIT (Lima et al. 2012). O aplicativo GEOSSIT é uma ferramenta para a padronização do cadastramento de geossítios do Brasil. É de livre consulta e será operado por meio de uma base de dados específica do Sistema GEOBANK do Serviço Geológico do Brasil - CPRM. O aplicativo web GEOSSIT é operado mediante utilização das seguintes ferramentas de software livre: linguagem de programação PHP 5.3 e banco de dados MySQL 5.1. As informações solicitadas (localização, caracterização geológica e geomorfológica, áreas de interesse, presença de unidades de conservação, etc.), seguidas da quantificação das características intrínsecas, do uso potencial e da necessidade de proteção, permitem classificar o geossítio como de interesse regional, nacional ou internacional (metodologia de Brilha 2005) e definir o valor relativo quanto ao interesse científico, didático e turístico (metodologia de GarciaCortés & Carcavilla 2009). A metodologia de Garcia-Cortés & Urquí (2009) permite também o cálculo da vulnerabilidade do geossítio cujo valor adicionado ao valor do interesse cientifico, didático ou turístico, permite estabelecer a urgência para que sejam adotadas medidas de proteção ao geossítio. Apesar de originalmente o GEOSSIT estar vinculado ao Projeto Geoparque, gradativamente foi ficando claro o potencial de sua utilização como ferramenta para alimentar um banco de dados nacional de geossítios. Desse modo, o GEOSSIT será integrado ao banco de dados da CPRM, denominado GEOBANK. Para acessar o aplicativo o endereço é www.cprm.gov.br/geossit, sendo que a visualização dos dados preenchidos pode ser efetuada clicando no nome do geossítio. O aplicativo possui o módulo de preenchimento (exige senha) e o módulo de visualização (acesso livre). 2.3.3. Sinalização Interpretativa no Quadrilátero Ferrífero Projeto financiado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e executado pelo Instituto Terra Brasilis, no contexto da proposta do Geoparque Quadrilátero Ferrífero. Em sua primeira etapa, o projeto teve como principal objetivo a elaboração, confecção e instalação de placas com informações geológicas em sítios do Quadrilátero Ferrífero, com linguagem acessível e bilíngue (português e inglês), aproximando o cidadão comum de seu patrimônio geológico e promovendo a geoconservação. Os sítios contemplados foram: Serra do Rola Moça, Serra da Piedade, Serra do Curral, Gnaisse de Cachoeira do Campo e Pico do Itacolomi. Os painéis de sinalização do Geopark Quadrilátero Ferrífero foram idealizados em modelo único no formato prancheta com ângulo de inclinação confortável à leitura. Levou-se em conta para isto as características dos locais sinalizados, em sua maioria, áreas de mirante, onde a disposição no formato prancheta favorece a apreciação da paisagem (Figura 6). Cada painel é composto por dois módulos, no módulo da esquerda são apresentadas as informações sobre o conceito de Geoparque e sobre a geologia do Quadrilátero Ferrífero. Já no módulo da direita são apresentadas as informações sobre o geossítio propriamente dito, focando suas peculiaridades e atrativos, contextualizando-o na proposta do Geoparque (Ruchkys et al. 2012). 10 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 importante evento brasileiro de geologia que, atualmente, já possui réplicas em muitos dos eventos regionais e temáticos. A comunicação com os não geólogos através da linguagem, escrita ou visual, sempre foi o grande desafio do projeto e, por este motivo, ele vem sendo construído a partir da interação com as comunidades onde os painéis são implantados. A metodologia básica de elaboração e localização dos painéis do Projeto Caminhos Geológicos do Estado do Rio de Janeiro foi publicada por Mansur & Nascimento (2007). Até abril de 2013 foram implantados 104 painéis em 31 municípios, cuja manutenção é um item importantíssimo a ser considerado (Figuras 7 e 8). Figura 6 – Exemplos de painéis de sinalização interpretativa na Serra do Caraça e Parque das Mangabeiras, Quadrilátero Ferrífero, MG. Fotos: Andreá Trevisol. 2.4. Caminhos Geológicos do Estado do Rio de Janeiro O projeto Caminhos Geológicos foi concebido em 2000 e inaugurado em 2001, pelo DRM-RJ – Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro. Seu objetivo geral é popularizar a geologia pela implantação de painéis interpretativos nos principais monumentos geológicos do Estado do Rio de Janeiro. Como decorrência, se transformou num projeto que tem um forte apelo na geoconservação. São objetivos específicos: (a) Reconhecer e preservar os monumentos geológicos do Estado do Rio de Janeiro; (b) Divulgar o conhecimento geológico entre as comunidades e também para profissionais e cidadãos em geral; (c) Incentivar o desenvolvimento socioeconômico relacionado com a geologia; e (d) Fortalecer o potencial turístico das regiões, criando novos circuitos de visitação a partir de uma proposta ecológica, científica e cultural. É um projeto que conta com a parceria fixa do Departamento de Estradas de Rodagem – DER-RJ e da Cia de Turismo do Estado - Turisrio. Tem nas universidades que estudam a geologia fluminense a base da parceria científica que confere credibilidade ao projeto. Recebe apoio de prefeituras, ONGs, empresas públicas e privadas e de agências de fomento, como a FAPERJ. Como foi o primeiro projeto de sinalização sistemática do Brasil, vem cumprindo um papel de indutor de experiências semelhantes em outros estados. Da mesma forma, teve participação decisiva na formatação do Simpósio sobre Monumentos Geológicos, no XLII Congresso Brasileiro de Geologia, em Araxá, em 2004, primeira experiência com esta temática no mais Figura 7 – Painel interpretativo implantado no Pão de Açúcar Figura 8 – Placa de estrada, indicativa de painel interpretativo. Seu desenvolvimento envolve ações que avançam além da colocação dos painéis interpretativos, consolidando-se na vertente educacional (Mansur 2009a) e outras. Assim, são realizadas ações: a) na comunidade escolar, envolvendo alunos e professores, trabalhos de campo e elaboração de material didático e paradidático próprio (Talarico 2004; Talarico et al. 2005, Mansur 2009a) (Figuras 9 e 10); 11 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 9 – Alunos de São José de Ubá, apontando seus desenhos no painel colocado em sua escola. Figura 12 – Treinamento sobre geologia para os funcionários do Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu c) na governança local, incluindo prefeituras, produtores rurais (Figura 13), APLs de base turística; Figura 10 – Alunos do Projeto Jovens Talentos para a Ciência em trabalho de campo em Santo Antônio de Pádua b) junto à sociedade civil organizada como ONGs, associações de moradores, comitês de bacia, conselhos gestores de Unidades de Conservação - UCs (Nascimento & Mansur 2008), gestores ambientais e coletivos educadores ambientais, como os livros do Projeto Conhecer para Preservar (Mansur et al. 2007a, 2007b) (Figuras 11 e 12); Figura 13 – Apresentação sobre geologia em praça pública para produtores rurais em Bom Jardim d) no meio acadêmico, apoiando e realizando conjuntamente pesquisas geológicas com Universidades, como UFF (Figueiredo Jr et al. 2004), UERJ (Schmitt et al. 2004, Valeriano 2006); UENF (Alves et al. 2009) e UFRJ e Museu Nacional (Mansur et al. 2009b) ou na orientação acadêmica de alunos; Figura 11 – Publicações sobre geologia de UCs, organizadas pelo Coletivo Educador Conhecer para Preservar. e) na parceria com museus, como o Museu da Geodiversidade da UFRJ (Carvalho et al. 2009), e outras entidades que trabalham na popularização da ciência, como a Casa da Ciência da UFRJ e o MCTI – Departamento de Divulgação e Popularização da Ciência, por meio do Projeto Caminhos de Darwin (Moreira et al. 2009, Mansur 2009d) (Figura 14); 12 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 escopo o cumprimento das seguintes metas: a) definir a política de administração do patrimônio geológico do Paraná, inserindo estas políticas nas comunidades locais, inclusive para sua conservação; b) inventariar e selecionar os principais sítios geológicos do Estado do Paraná, com o intuito de democratizar a informação e o conhecimento científico; c) integrar estas informações a programas de turismo ou geoturismo; Figura 14 – Painel do Projeto Caminhos de Darwin em Maricá f) na esfera patrimonial, atuando com o INEPAC (Schmitt et al. 2004) e IPHAN (Mansur et al. 2008), além das entidades municipais, no tombamento e preservação de bens de natureza geológica (Mansur et al. 2009b). Também, na expectativa de ampliar o horizonte de usuários (ou “visitantes”) do projeto, foi elaborada u m a p á g i n a d a i n t e r n e t (www.caminhosgeologicos.rj.gov.br) que apresenta informações teóricas e abordagens didáticopedagógicas, como jogos, quebra-cabeças e textos voltados para o público jovem. Possui um webmapa onde se pode acessar cada painel na íntegra, com fotos dos monumentos e possibilidade de envio de cartões-postais personalizados. Garcia et al. (2008) apresentam a ficha técnica do desenvolvimento da página, quase exclusivamente baseada em softwares livres. Porém, um dos mais importantes itens da página, que ainda está em alimentação, é o inventário dos monumentos geológicos do Estado do Rio de Janeiro, associado a um esquema de valoração dos bens (Mansur & Carvalho 2010). Em pesquisa de opinião realizada em locais onde estão localizados painéis do Projeto Caminhos Geológicos, em 2008, 89% dos entrevistados acreditam que eles são eficientes para a preservação dos patrimônios geológicos sinalizados (Mansur & Silva 2011). 2.5. Programa Sítios Geológicos e Paleontológicos do Estado do Paraná O programa Sítios Geológicos e Paleontológicos do Paraná da Mineropar vem ao encontro do movimento global sobre o inventário, conservação, valorização, divulgação e uso sustentável do patrimônio geológico no âmbito do Estado do Paraná. Levando-se em consideração que o patrimônio geológico é um patrimônio natural, as ações já desenvolvidas no programa, inserido em atuações de diversos órgãos governamentais e não governamentais, tiveram como d) formar e treinar guias e/ou condutores nas comunidades próximas aos sítios geológicos selecionados visando à geração de emprego e renda, bem como à sustentabilidade física e financeira dos sítios com o envolvimento da comunidade. Os trabalhos necessários para o desenvolvimento do projeto envolveram a confecção de um inventário inicial, onde foram cadastrados os sítios geológicos e paleontológicos de valor turístico mais relevante do estado. Posteriormente foram escolhidos alguns sítios, de notória relevância, como locais pilotos para a implantação de painéis e confecção de folhetos. O método está centrado em criar aparatos e materiais que estimulem o aprendizado a respeito do ambiente natural e sua formação e/ou evolução ao longo do tempo geológico. 2.5.1. Inventário O inventário do patrimônio geológico do Paraná foi realizado tendo por base dois enfoques principais: o primeiro apoia-se na identificação da demanda do geoturismo, contemplando-se as principais atrações paisagens, afloramentos, pontos geológicos, geomorfológicos e paleontológicos notáveis em unidades de conservação, municípios, paisagens com abrangência restrita e/ou em simples afloramentos, todos com significativa visitação e, portanto, com demandas por explicação geológica mais acurada. O segundo caminho, em contínuo desenvolvimento e aprimoramento, segue a confecção e o preenchimento de um banco de dados (Figura 15) com informações das características geológicas, geomorfológicas e paleontológicas, com informações acerca da identificação e da localização, além de informações sobre outras observações a respeito dos sítios selecionados. Esse banco de dados serve para a quantificação e a classificação dos geossítios paranaenses. Sua elaboração embasou o desenvolvimento de projetos de roteiros geoturísticos, especificamente os roteiros denominados de "Geoturismo na Rota dos Tropeiros", "Geoturismo em Curitiba" e "Geoturismo no Karst", os dois últimos na região metropolitana de Curitiba. 13 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 15 – Modelo de ficha eletrônica utilizada para alimentar o banco de dados que permite inventariar o patrimônio geológico e paleontológico do estado do Paraná Antes da definição de ações de conservação, no entanto, a Mineropar experimentou disseminar conhecimento, o que a permitiu entender que, em se tratando de monumentos naturais, membros de uma dada população instruídos e educados para a valoração de um monumento geológico adquirem rapidamente o sentido de sua preservação. Dessa maneira, para que servisse de elementos concretos para a própria disseminação do conhecimento, a Mineropar confeccionou e colocou à disposição de turistas e potenciais turistas, os seguintes produtos: (a) painéis geológicos; (b) folhetos geológicos e (c) roteiros geoturísticos, os quais foram disponibilizados tanto fisicamente quanto digitalmente. 2.5.2. Painéis e folhetos geológicos Os painéis e folhetos servem como material de distribuição local nos sítios geoturísticos, despertando a atenção de turistas para o patrimônio geológico e a necessidade de cuidados com sua preservação e conservação. O conteúdo dos painéis e folhetos fornece explicações geológicas que abrangem, por exemplo, áreas maiores como é o caso de todo o território do município de Tibagi (Sítio Geológico de Tibagi); de áreas mais restritas, que podem englobar porções de um ou mais municípios, por exemplo, o Parque Estadual de Vila Velha (Sítio Geológico Parque Estadual de Vila Velha), ou tão somente afloramentos notáveis, como, por exemplo, o Sítio Geológico Estrias Glaciais de Witmarsum e até uma paisagem específica, como a Serra do Mar. A observação continuada do programa permitiu concluir que os produtos gerados têm tido grande eficácia para a divulgação do patrimônio geológico e a disseminação da informação geocientífica. A implantação dos painéis seguiu a experiência do Projeto "Caminhos Geológicos" do DRM-RJ. No estado do Paraná foram implantados pela Mineropar 48 painéis em 21 diferentes geossítios, quase todos com dimensões de 200cm x 120cm (Figura 16). Nesses painéis, confeccionados com adesivo de alta aderência sobre chapa metálica, está descrita a geologia e a geomorfologia do local de interesse, bem como aspectos relevantes do ponto de vista turístico. 14 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 16 – Exemplo de Painel Geológico. Sítio geológico Cratera de Impacto de Vista Alegre, município de Coronel Vivida – PR. Por sua vez, os folhetos geológicos estão relacionados aos painéis, contendo as mesmas informações, ou seja, os folhetos permitem que o visitante tenha em mãos as informações do painel, permitindo que as leve após sua visita ao sítio. Por outro lado, o folheto tem servido como material que desperta a atenção de potenciais turistas que ainda não visitaram determinado sítio, nesse caso servindo inicialmente como elemento de propaganda e estímulo tanto quanto de informação. Na elaboração, tanto dos painéis quanto dos folhetos, foram tomados cuidados para o correto dimensionamento do volume de informações, para fazer com que o texto prenda a atenção do usuário. Para tanto foi necessário definir uma adequada densidade de informações, evitando-se o "didatismo" e que o conteúdo exposto apresente uma redução de conteúdo para torná-lo simples demais. 2.5.3. Roteiros Geoturísticos São roteiros geológicos direcionados para a educação e para o turismo. Devido a dificuldades em atrair o cidadão leigo em geociências diretamente para roteiros geológicos/geoturísticos específicos, uma boa alternativa é compor roteiros adaptados a roteiros turísticos já implantados e em funcionamento, como fator de agregação de valor. Tal estratégia foi assumida pela Mineropar que a considera eficiente, havendo inclusive a implantação de alguns roteiros para o atendimento de demandas de cursos de capacitação para um público bem diverso, como professores da rede de ensino médio e fundamental, guias e condutores de turismo e sociedade em geral. Um dos exemplos mais didáticos trata-se do "Roteiro Geoturístico de Curitiba" (Liccardo et al. 2008), publicado em forma livro guia, cujo conteúdo abrange diversos pontos turísticos notáveis da cidade onde a geologia e/ou a geomorfologia constituem fator determinante da visitação, como por exemplo antigas pedreiras transformadas em parques municipais, que constituem geossítios científicos importantes. Outros roteiros que podem ser mencionados, como importante experiência cognitiva e científica, são aqueles denominados de "Geoturismo na Rota dos Tropeiros" localizada na Bacia do Paraná e nos Campos Gerais no Paraná e que abrange um produto turístico consolidado no estado; "Geoturismo no karst paranaense", que se trata de um produto adaptado a três circuitos turísticos na região metropolitana de Curitiba e que, inclusive, aproveita para mostrar a problemática da ocupação urbana do karst, região reconhecidamente frágil do ponto de vista geotécnico. 2.5.4. Divulgação e Conservação A divulgação do patrimônio geológico para a sociedade, tanto em linguagem científica quanto mais popular, é decisiva para a sua valorização e conservação. Deste modo, a MINEROPAR tem colocado o geoturismo como um programa importante, pois é através dele que a instituição tem conseguido divulgar a geologia para a 15 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 sociedade em geral, sensibilizando-a para a importância da geoconservação. Ao mesmo tempo o programa aponta para a necessidade de cuidados adicionais com geossítios muito vulneráveis, como determinados afloramentos fossilíferos e de minerais, onde até a coleta, de forma descuidada ou errônea do material para pesquisa, poderia prejudicar de forma irremediável estes geossítios. Em função desse necessário cuidado e em atenção à necessidade de preservação e valorização de determinados geossítios, a MINEROPAR, em conjunto com prefeituras, encaminhou para o Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (CEPHA – PR), órgão vinculado à Secretaria de Estado da Cultura - PR três propostas para a política de tombamento. O primeiro geossítio tombado foi uma pedreira desativada no município de Coronel Vivida (PR) com área aproximada de 10.000m2, situada no centro da Cratera de Vista Alegre, astroblema com diâmetro de 9,5km, onde afloram estruturas que comprovam a colisão de um corpo celeste com a Terra (Crósta et al. 2011). Além da importância para a geoconservação, este tombamento causou a valorização do referido geossítio com a formalização de projetos de infraestrutura para receber visitantes. O outro geossítio tombado é um lajeado de arenito (Grupo Itararé) com 50 m2 (Figuras 17 e 18), onde estão impressas estrias glaciais formadas durante a glaciação permocarbonífera na Bacia do Paraná, denominada de “Estrias Glacias de Witmarsum”, já transformada em produto turístico e com medidas de geoconservação tomadas pela própria comunidade. O terceiro sítio tombado pelo CEPHA igualmente é um lajeado de arenito, pertencente à Formação Furnas (Bacia do Paraná) na região da serrinha de São Luiz do Purunã, onde estão impressos rastros de vermes (icnofósseis) bastante preservados e que possuem grande interesse paleontológico. Há um quarto geossítio paleontológico em processo de tombamento que é um importante afloramento de fósseis de pterossauros em Cruzeiro do Oeste - PR. Portanto, em geoconservação, o programa tem atuado na política convencional, ou seja, a dos processos de tombamento vinculados a instituições governamentais. A experiência mostrou que para os geossítios que não estejam em unidades de conservação o regime de tombamento é uma boa política de valorização e preservação do geossítio. Figura 17 – Estrias Glaciais de Witmarsum. Afloramento tombado pelo CEPHA – PR Figura 18 – Estrutura implantada para a conservação e divulgação do geossítio. 16 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 2.6. Caminhos Geológicos da Bahia O Projeto Caminhos Geológicos da Bahia foi o resultado de reuniões informais mantidas durante o ano de 2002 por geólogos da PETROBRAS e da CPRM - Serviço Geológico do Brasil. Uma vez que alguns desses geólogos eram sócios da Sociedade Brasileira de Geologia e mesmo membros da diretoria do Núcleo Bahia/Sergipe, esta Sociedade também passou a participar do projeto. O plano inicial do projeto era viabilizar a implantação de cerca de 30 painéis distribuídos ao longo das rodovias BR-324 (Salvador- Feira de Santana), BR101 (Conceição do Jacuípe - Alagoinhas), BR-110 (Simões Filho-Alagoinhas) e BA-093 (Entre Rios - Pojuca). Estas rodovias propiciariam a divulgação dos conhecimentos básicos sobre a Bacia Sedimentar do Recôncavo. Adicionalmente seriam colocadas cerca de 50 placas secundárias para sinalização dos painéis. Para a execução deste projeto, foi formada uma comissão composta de um coordenador geral, um conselho editorial com cinco membros e uma equipe de produção e apoio com três membros; os autores das informações a serem apresentadas nas placas seriam convidados de entidades externas ao projeto. Posteriormente o objetivo do projeto foi ampliado para a confecção de 36 placas a serem implantadas até o ano de 2009, em locais distribuídos por todo o estado da Bahia. A primeira placa foi inaugurada no dia 4 de abril de 2004, entre o Mercado Modelo e o Elevador Lacerda, em Salvador (Figuras 19 e 20). Figura 19 – Painel dedicado à falha de Salvador.. Figura 20 – Elevador Lacerda que liga os blocos alto e baixo da falha. Antes da inauguração uma equipe desceu de “rappel” o Elevador Lacerda. A CPRM- Serviço Geológico do Brasil produziu e distribuiu um folder resumindo as informações contidas no painel interpretativo. A segunda placa foi inaugurada alguns meses depois na fonte do Dique do Tororó. De acordo com o folder distribuído, as águas da fonte do Dique teriam sido utilizadas desde o século XVIII e a fonte seria de um tipo específico (fonte de vale). Os autores convidados para a elaboração desta placa foram professores do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia. Em abril de 2005 foram inauguradas mais duas placas: no Serrano, na cidade de Lençóis, e no Posto Pai Inácio em frente ao morro homônimo, no município de Palmeiras . As Figuras 21 e 22 reproduzem o folder distribuído na ocasião. Figura 21 – Frente do folder patrocinado pela CPRM e distribuído durante a inauguração da placa do Serrano, em Lençóis, Bahia. 1 Luiz Rogério Bastos Leal e Joana Angélica Luz A elaboração do texto da placa do Serrano contou com a colaboração da Prof. Marjorie C. Nolasco da Universidade Estadual de Feira de Santana e o da placa do Posto Pai Inácio foi redigido pelo geólogo Antonio Jorge Magalhães, da Petrobras, em colaboração com o geólogo Augusto J. Pedreira da CPRM. 2 17 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 22 – Verso do folder patrocinado pela CPRM e distribuído durante a inauguração da placa do Serrano, em Lençóis, Bahia. Finalmente, em junho de 2005, foi implantada uma última placa, dedicada à deriva continental. O local escolhido foi o Aeroclube Plaza Show, um “Shopping Center”, localizado à beira-mar na praia de Piatã (Salvador). As Figuras 23 e 24 mostram o folder distribuído na inauguração da placa. Apesar da assinatura de um memorando de entendimento entre os representantes da PETROBRAS, SBG e CPRM por ocasião da inauguração da primeira placa, o projeto não teve apoio institucional. Por causa disso, nunca houve contatos prévios com as comunidades onde as placas seriam instaladas. Em consequência, as placas foram sendo destruídas, removidas ou abandonadas: a placa da Falha de Salvador, já bastante deteriorada foi removida pela PETROBRAS para consertos; a placa do Dique do Tororó, simplesmente desapareceu; a placa do Serrano foi destruída pela comunidade; a do morro do Pai Inácio, derrubada por uma tempestade e não recolocada e, finalmente, a da deriva Continental, abandonada e destruída juntamente com o Aero Clube Plaza Show. O projeto tinha outros desdobramentos previstos, como a “Cidade da Geologia” e apoio à confecção de material de divulgação da geologia para ser utilizado durante o 43º Congresso Brasileiro de Geologia. Para o desenvolvimento do primeiro projeto foi escolhida a cidade de Jacobina, em 2002, por suas características regionais estratigráficas, sedimentológicas, estruturais, petrológicas, geoeconômicas e tradição mineira. Este projeto, sequer saiu do papel. Finalmente, o último projeto consistiu na preparação de papeis de bandeja para serem distribuídas nos “Shopping Centers” e outros estabelecimentos da cidade de Aracaju, durante a realização do 43º Congresso Brasileiro de Geologia. Foram preparados cinco modelos ilustrando fenômenos geológicos (Figura 25), e financiados por empresas privadas, com os seguintes temas: Terremoto, Tsunami, Vulcão, Petróleo e Gás e O Ciclo da Água. Figura 23 – Frente do folder, patrocinado pela CPRM e distribuído durante a inauguração da placa no Aeroclube Plaza Show. Figura 25 – Papel de bandeja / mini-toalha distribuído durante o 43º Congresso Brasileiro de Geologia, em Aracaju-SE. Figura 24 – Verso do folder, patrocinado pela CPRM e distribuído durante a inauguração da placa no Aeroclube Plaza Show. O Projeto Caminhos Geológicos da Bahia, mesmo antes da disseminação de conhecimentos acerca de patrimônio geológico, geodiversidade, geoconservação e geoturismo, foi pioneiro neste aspecto na região. Entretanto por falta de apoio federal, estadual ou municipal, foi paralisado, estando em estado latente. Havendo tal apoio ele poderá ser reativado, aproveitando 18 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 a extraordinária geodiversidade do estado da Bahia. 2.7. Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte O Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN - IDEMA/RN criou, no início de 2006, o projeto Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte e a partir daí firmou um convênio com a PETROBRAS/CEFET/FUNCERN, estabelecendo para a sua execução uma parceria em conjunto com a CPRM – Serviço Geológico do Brasil e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, no intuito de contar um pouco da história geológica potiguar através de painéis explicativos. A parceria com geólogos, professores e pesquisadores da UFRN, CPRM (Núcleo de Natal – NANA), PETROBRAS e CEFET (atual IFRN) permitiu o levantamento dos dados e a geração das informações científicas para a confecção dos painéis interpretativos úteis para levar a sociedade o entendimento acerca da evolução geológica do Rio Grande do Norte. O objetivo do projeto foi propiciar a divulgação das geociências, dos seus monumentos, para proporcionar uma série de fatores, como: i) reconhecer e preservar os monumentos geológicos do Estado; ii) divulgar o conhecimento geológico entre as comunidades; iii) fortalecer o potencial geoturístico da re g i ã o e i v ) i n c e nt i va r o d e s e nvo l v i m e nto socioeconômico relacionado com a geologia. Figura 26 – Exemplos de sítios geológicos escolhidos para sinalização geoturística no RN. Dunas de Jenipabu (em Extremoz). Fotos: Alenuska. Figura 27 – Exemplos de sítios geológicos escolhidos para sinalização geoturística no RN. Dunas do Rosado (em Porto do Mangue). Foto: IDEMA. Figura 28 – Exemplos de sítios geológicos escolhidos para sinalização geoturística no RN. Pico do Cabugi (em Angicos). Foto: Marcos Nascimento. Figura 29 – Exemplos de sítios geológicos escolhidos para sinalização geoturística no RN. Granito de Acari (em Acari). Foto: Marcos Nascimento. 19 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 A meta foi confeccionar painéis informativos com conteúdo didático sobre geologia, geomorfologia, petrologia, paleontologia, arqueologia e espeleologia, contendo nestes um título, mapa de localização, explicação em um texto em português de fácil entendimento (e uma versão resumida em inglês) e os aspectos da evolução geológica de cada ponto selecionado. No primeiro momento do projeto, foi selecionado em conjunto pelo IDEMA/RN, CPRM e UFRN, um total de 16 pontos de interesse geológico para colocação dos painéis. Os monumentos escolhidos foram: a) No Litoral: Morro do Careca, Parque das Dunas, Dunas de Jenipabu (Figura 26), Dunas do Rosado (Figura 27), Arenitos Praiais, Recifes de Corais e Falésias de Pipa; b) No Interior: Pico vulcânico do Cabugi (Figura 28), Caverna de Pedra de Martins, Granito de Acari (Figura 29), Lajedo de Serra Caiada, Lajedo de Soledade, Tanques Fossilíferos de São Rafael, Mina Brejuí, Pegmatitos de Parelhas e Poço 9-MO-13-RN (primeiro poço produtor de óleo na Bacia Potiguar). Paralela à implantação desses painéis foram também elaborados cartões-postais úteis para uma divulgação mais ampla desses monumentos geológicos. Essa iniciativa, pioneira no Brasil, está recebendo elogios de pessoas interessadas no assunto e coordenadores de projetos co-irmãos. Além disso, também foram elaborados os painéis itinerantes, contendo as mesmas informações e imagens dos painéis colocados ao lado dos monumentos geológicos. Estes servem para levar à sociedade todas as informações sobre cada monumento sendo muito utilizado em feiras e exposições pelo Estado do Rio Grande do Norte. Figura 30 – Outras formas de divulgação das geociências no âmbito do Projeto Monumentos Geológico do Rio Grande do Norte. Espaço Ecológico criado em um Shopping de Natal, expondo as diferentes ações realizadas pelo IDEMA no Estado, com destaque para a Exposição Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte e seus painéis itinerantes. Figura 31 – Outras formas de divulgação das geociências no âmbito do Projeto Monumentos Geológico do Rio Grande do Norte. Visitante admirando os diferentes cartões-postais com imagens da geodiversidade potiguar. Foto: Marcos Nascimento. A exemplo de estados como Rio de Janeiro, Paraná e Bahia, o Rio Grande do Norte tornou-se o quarto Estado brasileiro a criar um programa específico para proteção dos monumentos geológicos e divulgação destes para a sociedade. 2.8. Projeto Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo As primeiras ações bem sucedidas de sinalização/divulgação do patrimônio natural geológico no Estado de São Paulo ocorreram com a criação dos Parques Municipais “Rocha Moutonnée” (1991) e “Varvito de Itu” (1995), localizados respectivamente nas cidades paulistas de Salto e Itu. Após devidamente estudados (Rocha-Campos, 2 0 0 2 a , 2 0 0 2 b ) e co n s e r va d o s , a eta p a d e divulgação/sinalização desse patrimônio contou com a elaboração de painéis geológicos explicativos e com placas rodoviárias indicando a atração turística (Figuras 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 39). Atualmente, o Parque da Rocha Moutonneé passa por reformas que ampliarão seu potencial turístico e de divulgação da geodiversidade. Com recursos oriundos do Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias (DADE), da Secretaria Estadual de Turismo, estão previstas, entre outras melhorias, a adequação das normas de acessibilidade, construção de auditório, praça cívica, painéis museográficos, sinalização e totens explicativos das atrações, bem como a implantação de réplicas de dinossauros robotizados. Figura 32 – Sinalização/divulgação do Monumento Geológico Varvito de Itu: Painel Rodoviário (fonte: acervo IG/SMA – dez. 2009) 20 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 36 – Sinalização / divulgação do Monumento Geológico Rocha Mountonneé: Painel Rodoviário (fonte: acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 33 – Sinalização/divulgação do Monumento Geológico Varvito de Itu: Painéi geológico referente ao geossítio Varvito de Itu, existente no Parque Municipal do Varvito, Itu (SP) (Fonte: Acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 37 – Sinalização / divulgação do Monumento Geológico Rocha Mountonneé: Painel Rodoviário (fonte: acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 34 – Sinalização/divulgação do Monumento Geológico Varvito de Itu: Painéi geológico referente ao geossítio Varvito de Itu, existente no Parque Municipal do Varvito, Itu (SP) (Fonte: Acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 38 – Sinalização / divulgação do Monumento Geológico Rocha Mountonneé: Totem de entrada do Parque Municipal Rocha Mountonneé, Salto (SP), confeccionado com o famoso granito róseo de Itu. Figura 35 – Sinalização/divulgação do Monumento Geológico Varvito de Itu: Painéi geológico referente ao geossítio Varvito de Itu, existente no Parque Municipal do Varvito, Itu (SP) (Fonte: Acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 39 – Sinalização / divulgação do Monumento Geológico Rocha Mountonneé: Painéis geológicos (Fonte: Acervo IG/SMA – dez. 2009). 21 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 No governo do Estado, as primeiras políticas de divulgação do patrimônio geológico também datam da década de setenta, especialmente com a publicação do Decreto Estadual nº 11.138/78. Este documento colocava sob a égide da antiga Divisão de Proteção de Recursos Naturais (DPRN) e do Instituto Geológico (IG) as atribuições de manutenção dos “serviços de conservação de monumentos geológicos naturais para fins científicos culturais e turísticos” (artigo 436, VII – grifo nosso). Posteriormente, já na década de oitenta, as ações de divulgação do patrimônio foram reunidas e repassadas definitivamente ao Instituto Geológico, agora integrante da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA), por meio da criação da Seção de Monumentos Geológicos (Decretos Estaduais nº 24.931/86 [art. 10°, III] e n° 26.942/87 [art. 1°]). No âmbito da Seção de Monumentos Geológicos foi desenvolvido o Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo, importante instrumento criado para a divulgação do patrimônio geológico paulista. O projeto foi apresentado no dia 27 de março de 2009, na sede do IG, durante a celebração dos 123 anos de criação da Commissão Geographica e Geológica (CGG) da então Província de São Paulo. Nesta mesma data também se comemora o aniversário do IG, visto que o instituto é oriundo da referida Comissão. Ainda em andamento, este instrumento tem como principal objetivo promover o registro, o conhecimento, a conservação e a divulgação do patrimônio geológico do Estado de São Paulo, abordando a geodiversidade como arcabouço fundamental da biodiversidade. Alguns produtos deste projeto voltados especificamente para a divulgação/sinalização do patrimônio geológico são: a sua logomarca, os primeiros marcadores de página da série “Monumentos Geológicos de São Paulo", folderes, bloco de notas, cartões postais, etc. (Figuras 40, 41, 42, 43, 44 e 45). Figura 40 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Logomarca. Figura 41 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Marcadores de página. Figura 42 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Folder de divulgação Secretaria de Estado de Lazer e Turismo. 22 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 No final de 2012, foram lançados os primeiros painéis geoturísticos com o objetivo de divulgar o patrimônio geológico paulista. Trata-se de painéis autoexplicativos e didáticos que contam a origem geológica e geomorfológica do geossítio denominado “Morro do Diabo”, localizado no município paulista de Teodoro Sampaio (Figuras 46 e 47). Os painéis reuniram instituições públicas e universitárias paulistas para sua elaboração e implantação Figura 46 – Primeiros painéis elaborados no âmbito do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo referentes ao geossítio “Morro do Diabo”, sito no município de Teodoro Sampaio (SP). Figura 43 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Bloco de notas. Figura 44 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Cartão postal do Monumento Geológico Carste e Cavernas do PETAR. Figura 45 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Cartão postal do Monumento Geológico do Astroblema de Colônia. Figura 47 – Primeiros painéis elaborados no âmbito do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo referentes ao geossítio “Morro do Diabo”, sito no município de Teodoro Sampaio (SP). Em 2009 foi criado, por meio da Resolução SMA nº 076/2009, o Conselho Estadual de Monumentos Geológicos (CoMGeo-SP), junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente. O CoMGeo-SP, de caráter consultivo, tem com principal objetivo auxiliar, no âmbito da SMA, as ações e atividades que envolvam a pesquisa, conservação e divulgação dos Geossítios e Monumentos Geológicos de São Paulo (grifo nosso). É composto pelo Secretário do Meio Ambiente (que é seu presidente), pelo diretor do IG, pelo chefe da Seção de Monumentos Geológicos (que é o Secretário Executivo) e por outros 16 Conselheiros, reconhecidos pela atuação nos temas relacionados aos Geossítios e Monumentos Geológicos (Figura 48). Além do Varvito de Itu, e da Rocha Mountonnée, outros quatro geossítios compõe os seis monumentos geológicos declarados pelo CoMGeo-SP até abril de 2013: 23 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Carste e Caverna do PETAR, Cratera de Colônia, Geiseritos do Anhembi e Pedra do Baú. Figura 48 – Reunião Ordinária do CoMGeo-SP – Sede SMA/SP. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quanto aos aspectos metodológicos, entendese que: a) para gerar uma ação sistemática de conservação do patrimônio geológico de um território é necessário categorizar os sítios de interesse, apoiando-se no inventário realizado para, então, definir as medidas de conservação, que necessariamente devem seguir uma ordem sequencial. b) para o desenvolvimento de projetos desta natureza, o método ideal é a implantação dos painéis em decorrência da finalização do inventário do patrimônio geológico local, seja a área de um município ou de todo o estado. Apesar disto, geossítios notáveis no estado do Paraná, de grande relevância geológica e/ou paisagística já comprovada pelo histórico de demanda turística, foram contemplados com os painéis de forma concomitante à confecção do inventário. c) é fundamental a avaliação pedagógica do material dos painéis, buscando sua continua evolução. Para tanto, conclui-se pela necessidade de solicitar que, tanto leigos no conhecimento geológico quanto profissionais com experiência em redação em geociências, opinem sobre o conteúdo gráfico e textual do material. d) a disseminação do conhecimento por intermédio dos materiais produzidos são mais efetivos quando acompanhados por cursos de capacitação de monitores e/ou guias. Ou seja, tal ação deve estar prevista em todas as atividades anteriormente mencionadas, seja na elaboração de roteiros ou na simples implantação de painéis e folhetos em áreas que permitem a sua realização, como municípios ou unidades de conservação. Estes cursos multiplicaram a informação geológica para a sociedade local, amplificando ainda mais dois dos objetivos principais do programa, que é a educação e conservação do patrimônio geológico. De modo mais geral, fica claro que existe um amplo espaço para desenvolvimento dos projetos de geoturismo e divulgação do patrimônio geológico para a sociedade e que este espaço vem sendo ocupado pelos serviços geológicos e entidades afins de âmbito estadual. Os relatos apresentados demonstram esta tendência positiva. Acredita-se, pelas notícias que chegam a partir da participação nos diversos eventos realizados pelo país, que novos projetos estejam por despontar em breve. Por outro lado, o exemplo da Bahia demonstra a clara necessidade de que haja uma organização responsável pela implantação e manutenção dos painéis. Observa-se, também, que as unidades de conservação são lugares especiais para a implantação deste tipo de sinalização, propiciando a divulgação da geodiversidade em conjunto com a biodiversidade. Um aspecto a ser ainda mais discutido e considerado é que um projeto de sinalização sistemática possui um desdobramento muito maior do que a disponibilização de equipamentos de geoturismo. Ele também propicia a participação comunitária e certamente o desenvolvimento de projetos educacionais. Esta inserção necessita ser aproveitada ao máximo. Por fim, considera-se, ainda, que o maior obstáculo a ser superado é a comunicação com a sociedade. Para tanto, precisa-se avançar no conhecimento sobre o usuário dos painéis interpretativos. É necessária, portanto, a realização de pesquisas sobre o público-alvo e planejamento prévio da interpretação, ou seja, deve-se melhorar cada vez mais a comunicação para despertar o interesse do usuário / visitante. 24 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Referências bibliográficas ALVES, M.G. ; TEIXEIRA, S. ; MANSUR, K. L. Patrimônio Natural e Cultural de Campos dos Goytacazes. 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Manuscrito ID 31729 Submetido em abril de 2013 Aceito em julho de 2013 27 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 28 - 40 Valoración del patrimonio geológico en Europa Valuation of geoheritage in Europe LUIS CARCAVILLA1, ENRIQUE DÍAZ-MARTÍNEZ1 , LARS ERIKSTAD2 , ÁNGEL GARCÍA-CORTÉS1. 1 Instituto Geológico y Minero de España (IGME) - [email protected] - [email protected] - [email protected] 2 Norwegian Institute for Nature Research (NINA) - [email protected] Resumen Los orígenes del estudio del patrimonio geológico en Europa se sitúan en la segunda mitad del siglo XX, si bien mucho antes ya se habían puesto en marcha iniciativas para la protección de enclaves singulares de interés estético. Desde entonces, cada una de las 50 naciones europeas ha diseñado distintas estrategias y mecanismos para el estudio y conservación del patrimonio geológico, con diferente grado de desarrollo y avance. Este ha dependido generalmente de la iniciativa de los geocientíficos pero también del interés mostrado por las administraciones competentes en conservación del patrimonio natural, de manera que, aunque cada país tiene su problemática particular, hay muchas situaciones comunes. Algunos programas globales promovidos desde Europa, como la Red Global de Geoparques y Global Geosites, han impulsado el inventario y divulgación del patrimonio geológico, si bien a día de hoy no existe una directiva europea que promueva la conservación del patrimonio geológico, lo que sin duda impulsaría definitivamente la geoconservación en todos lo estados. Algunos países pueden servir de ejemplo al destacar en la elaboración de inventarios nacionales, en la legislación o en el diseño de metodologías para la geoconservación, pero en términos generales, el patrimonio geológico en Europa siempre ha ido a remolque de las iniciativas de conservación de la biodiversidad. Aún queda mucho camino por recorrer para desarrollar sistemas de valoración y estrategias de geoconservación en todos los países. Palabras clave: Europa; geodiversidad; geoconservación; patrimonio geológico. Abstract Although the origins of geoheritage studies in Europe date back to the second half of the 20th century, many initiatives had been implemented long time before but towards the protection of unique sites with aesthetic interest. Since then, each of the 50 European nations has designed and implemented different strategies and methodologies towards the study and conservation of geoheritage, but with different degrees of development and advance. This has generally relied on the geoscientists initiative, but also the interest shown by public administrations in the conservation of natural heritage, so that, even if each country has its own specific problems, there are also many common situations. Some global programs promoted from Europe, such as the Global Geopark Network and Global Geosites, have promoted inventories and public outreach on geoheritage. Nowadays, there is not a common European directive promoting the conservation of geoheritage, which would certainly promote geoconservation. Some countries may serve as examples of the implementation of national inventories, legislation or design of methodologies towards geoconservation, but in general terms, geoheritage in Europe has always gone behind biodiversity conservation initiatives. There is still much to be done in order to develop geoheritage assessment systems (valuing) and geoconservation strategies in all countries. Key words: Europe; geoconservation; geodiversity; geoheritage. 1. INTRODUCCIÓN Los orígenes del estudio del patrimonio geológico en Europa se sitúan en la segunda mitad del siglo XX, cuando tuvieron lugar diversas iniciativas puntuales, generalmente basadas en experiencias concretas de geoconservación en afloramientos emblemáticos realizadas incluso décadas antes. En cada una de las 50 naciones europeas se han diseñado distintas estrategias y mecanismos para el estudio y conservación del patrimonio geológico, con diferente grado de desarrollo y avance en función del interés mostrado por las administraciones competentes y de los recursos disponibles. Desde el continente europeo se han promovido diversas declaraciones, programas y recomendaciones con el ánimo de impulsar la conservación del patrimonio geológico y, aunque cada país tiene su problemática particular, sí hay muchas situaciones comunes. Algunos programas, como el de la Red Global de Geoparques (GGN, de sus siglas en inglés), sirven de impulso para el inventario, conservación y divulgación del patrimonio geológico, pero es a escala nacional donde más énfasis debería hacerse, ya que actualmente no existe una directiva europea que fomente la conservación del patrimonio geológico, como sí existe para la biodiversidad. Así que, en términos generales, y a pesar de lo mucho que se ha avanzado en esta materia, se puede seguir afirmando que la conservación del patrimonio geológico en Europa no está generalizada y que, a pesar de los importantes avances en las últimas décadas, aún queda mucho camino por 28 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 recorrer para implantar sistemas eficientes de valoración y de geoconservación. 2. ORÍGENES DEL ESTUDIO DEL PATRIMONIO GEOLÓGICO Y LA GEOCONSERVACIÓN EN EUROPA El estudio del patrimonio geológico figura entre las más recientes áreas de investigación incorporadas al ámbito de la Geología. Es el resultado de una nueva manera de entender los recursos geológicos como bienes con interés científico y cultural que deben ser protegidos y que pueden ofrecer interesantes posibilidades para el desarrollo local. Por ello, el estudio del patrimonio geológico es cada vez más multidisciplinar, incorporando en su gestión aspectos relacionados con la legislación, los espacios protegidos, el turismo o la economía. El objetivo final del estudio del patrimonio geológico es promover su conservación, más aún teniendo en cuenta que la mayoría de los enclaves de alto valor geológico son recursos no-renovables, por lo que su destrucción es irreversible. Por ello, desde hace unos años se habla de geoconservación, en referencia a las técnicas de conservación del patrimonio geológico, que a menudo difieren de las utilizadas en otros aspectos del medio natural. A pesar de los importantes avances realizados en Europa en las últimas décadas, todavía hay claras deficiencias en el desarrollo metodológico acerca del patrimonio geológico, su estudio sistemático, e incluso el reconocimiento general en el propio colectivo de estudiosos de las Ciencias de la Tierra. Se puede afirmar que el patrimonio geológico es el gran olvidado en la protección del medio ambiente en la actualidad. Incluso se lo sigue considerando como la “cenicienta” de las políticas de conservación de la naturaleza, pues es, a menudo, eclipsada por el interés suscitado por los aspectos bióticos del medio natural. A pesar de su innegable valor, es una constante en Europa que su protección ha ido siempre a remolque de los pasos dados en materia de conservación del medio biótico. Sin embargo, desde hace unas décadas, el panorama nacional e internacional está cambiando. Las principales entidades científicas geológicas se han ido haciendo eco de la necesidad de conservar el patrimonio geológico, e incluso han creado comisiones y grupos de trabajo ad hoc. Han surgido asociaciones específicas orientadas al estudio del patrimonio geológico, e incluso la atención al patrimonio geológico empieza a ser participativa y surge como iniciativa de entidades locales y de voluntarios. Y lo que es más importante, diversos países han impulsado los inventarios nacionales y han promulgado leyes específicas para la conservación del patrimonio geológico o con mención explícita dentro de leyes de patrimonio natural. El objetivo del presente trabajo es realizar un repaso a esta evolución y, sobre todo, a los conceptos y diversas interpretaciones sobre el patrimonio geológico. El estado de los estudios, especialmente en materia de conservación, muestra un avance desigual según los países. Hay casos en los que existe tradición en el estudio del patrimonio geológico, y otros donde su avance es muy reciente o escaso. Desde el impulso nacional se ha pasado al diseño de planes internacionales, e incluso existen notables experiencias de acciones participativas de asociaciones no gubernamentales y de voluntariado, cuyos resultados en materia de conservación empiezan a ser patentes. En muchos casos, los términos hasta ahora definidos se integran en una serie de programas nacionales o internacionales de patrimonio geológico, siendo denominados por siglas referidas al proyecto en el que se inscriben. Se trata, por tanto, de conceptos análogos, pero que son denominados de diferente manera en función del marco legal, administrativo o conceptual en el que se inscriban. Los trabajos sobre patrimonio geológico y geoconservación realizados en diversos países europeos dieron lugar a que en 1988 se reunieran geólogos de siete países (Austria, Dinamarca, Finlandia, Reino Unido, Irlanda, Noruega y Holanda) para poner en común sus ideas y problemáticas. Esta “primera reunión internacional de geoconservación” incluía entre sus temas fundamentales cómo afrontar el proceso de selección y clasificación del patrimonio geológico y su posterior gestión garantizando su conservación. Esta primera cita sirvió de base para que se realizaran varias reuniones más, entre las que destaca la que tuvo lugar en Digne (Francia) en 1991, y a la que acudieron más de un centenar de especialistas, incluyendo geólogos de otros países, como Suiza, Francia, España y Bélgica. Esta reunión se considera el germen de una verdadera conciencia geoconservacionista entre los geólogos europeos. Fruto del trabajo conjunto, surgió en 1991 la llamada Declaración de Digne (Martini, 1994), que establece las bases conceptuales y teórica en las que se basa la geoconservación. A pesar de que han pasado más de 20 años desde su redacción, sigue vigente y los principios en los que se inspira siguen siendo válidos. Uno de los efectos de esta reunión fue que tan sólo dos años más tarde, en 1993, se creó la Asociación Europea para la Conservación del Patrimonio Geológico (ProGEO), de la que hablaremos más adelante. 3. ALGUNAS CARACTERÍSTICAS DE LA GEOCONSERVACIÓN EN EUROPA Como ya se ha comentado, aunque cada nación europea ha llevado su propio camino a la hora de inventariar, proteger y divulgar su patrimonio geológico, hay una serie de características comunes que se repiten de manera sistemática. Cabe destacar que, en muchos países europeos, los primeros pasos de la geoconservación son realmente antiguos. Generalmente se trata de la protección de algunos afloramientos 29 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 geológicos singulares, gracias a la mediación de personajes de la nobleza y realeza de la época. Por ejemplo, uno de los antecedentes más antiguos es la emisión de un decreto con fines conservacionistas para controlar el acceso a la cueva Baumann (Alemania), emitido en 1668 por el Duque Rudolf August. También en Alemania, en 1832, se protegió el Drachenfels, cerca de Bonn, por iniciativa del Príncipe de la corona prusiana Friederich Wilhelm; en 1840, el rey de Bavaria promovió la protección de un corte en rocas jurásicas cerca de Weltenburg; y en 1844 fue protegida una roca granodirítica llamada Totentein en Sajonia (Röhling, 2012). Pero Alemania no es el único caso. Por ejemplo, en 1856, el conservador del Museo de Linz convenció a la Figura 1 – Fósil de Archaeopteryx encontrado en las canteras de caliza litográfica de Solnhofen (Alemania), un KonservatLagerstätte del Jurásico. Los primeros fósiles de Archaeopteryx se encontraron en estas canteras a finales del siglo XIX. Asociación Austriaca de Doctores y Científicos para que comprara un terreno con objeto de evitar que fueran explotados en cantera unos bloques exóticos de granito (Hofmann, 2012). También a mediados y finales del siglo XIX fueron encontrados interesantes ejemplares fósiles que formaron parte de colecciones de museos (fig.1). Así que parece que el origen de la preocupación por la conservación y valoración del patrimonio geológico surgió de la conciencia conservacionista iniciada en algunos países a finales del siglo XIX y principios del XX, que entendía que ciertos enclaves naturales poseen un notable valor por sí mismos y que, por lo tanto, deben ser protegidos y conservados. Dentro de estos iniciales movimientos conservacionistas del medio natural, fue la protección de ciertos elementos geológicos la que adquirió mayor relevancia, debido a su alto valor escénico. En relación con la protección de lugares amenazados, la declaración del primer parque nacional del mundo, el de Yellowstone en Estados Unidos en 1872, sin duda marcó un modelo de gestión basado en la declaración de áreas protegidas que tuvo reflejo en los países europeos. Así, Suecia fue el primer país europeo en declarar una ley de conservación de la naturaleza en 1909. Otros países se irían sumando posteriormente a este enfoque creando sus propias leyes de conservación de la naturaleza, como Noruega en 1910, Estonia en 1916 y España en 1917. Sin embargo, cabe destacar que, en 1837, el rey Leopold I de Bélgica ya había creado la Comisión Real de Monumentos y Paisajes con responsabilidad en la protección de monumentos naturales (Jacobs, 2012). Fruto de estas legislaciones conservacionistas del patrimonio natural, tuvo lugar una primera época de protección de lugares de interés geológico, generalmente enclaves paisajísticos emblemáticos. Así, en 1919 se protegió el fiordo de Oslo en Noruega y en 1923 varios bloques erráticos en el suroeste del país (Erikstad, 2012); en 1920 fueron protegidos en Holanda un afloramiento del Carbonífero y un acantilado costero sobre un till llamado Mirdunmmerklif (Ancker & Jungerius, 2012); y en 1924 se declaró el Parque Natural Alpino del Mt. Triglav en Eslovenia (Hlad, 2012). Por su parte, Polonia estableció en 1926 una comisión de protección de la naturaleza que dos años más tarde publicó el listado de Monumento Naturales Inanimados de la República Polaca (Malkowski, 1928; Alexandrowicz, 2012), mientras que en España se declararon en 1918 sus dos primeros parques nacionales, ambos con una gran significación geológica, y en 1927 diversos Sitios Naturales de Interés Nacional mediante los cuales se protegieron enclaves de gran significación geológica (Carcavilla et al., 2009) (fig.2). Por tanto, son muchos los países europeos que durante las primeras tres décadas del siglo XX protegieron enclaves geológicos singulares, en el marco de una política de protección de la naturaleza con un cierto aire romántico, dando prioridad a los paisajes emblemáticos, en una mezcla de emotividad y admiración por la naturaleza, más que con un verdadero criterio científico o de representatividad. La Primera Guerra Mundial (1914-1917) supuso un paréntesis en esta tendencia pero no una ruptura, como sí lo fue la Segunda Guerra Mundial, que dejó devastadas a gran parte de las naciones europeas. 30 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 Figura 3 – Reserva Natural de las Aiguilles Rouges (Francia), un espacio protegido declarado en la década de 1970 por su flora y fauna, aunque también incluye elementos geológicos de gran valor. Figura 2 – Ciudad Encantada de Cuenca (España), un relieve kárstico que fue protegido en 1929 con objeto de representar la diversidad geológica española. En la década de los años 60 y 70 del siglo XX resurgió en Europa una filosofía conservacionista de que la actualmente somos herederos. En muchos países se actualizaron las antiguas leyes de conservación de la naturaleza y se declararon numerosos espacios protegidos. Amparados bajo esas leyes, numerosos lugares de interés geológico fueron protegidos, pero en casi todos lo casos se trataba de leyes que orientaban sus acciones a la preservación de la flora y fauna. La geología y los elementos geológicos perdieron el escaso protagonismo que habían tenido hasta entonces, quedando relegados a un segundo plano y siendo considerados exclusivamente por su aspecto estético o escénico (fig.3). Si bien la conservación de la biodiversidad recibió un importante impulso, el patrimonio geológico, salvo honrosas excepciones como en Gran Bretaña, fue completamente olvidado. Tanto fue así, que los modernos esfuerzos por impulsar la geoconservación en Europa que se han tomado entre los años 90 y la actualidad, en muchos casos han tenido en los propios colectivos y entidades de conservación de la naturaleza su mayor enemigo, pues no entendían que la geología podía formar parte del patrimonio natural. Sea por convencimiento, por la intensa labor de difusión promovida por neocientíficos o por saturación de espacios naturales de flora y fauna, el caso es que en las últimas dos décadas el panorama ha ido cambiando, aunque de manera muy desigual en cada país. Hoy en día se considera que la gestión del patrimonio geológico debe basarse en 4 acciones: 1) realizar inventarios, 2) establecer un marco legal que apoye la protección del patrimonio geológico, 3) puesta en marcha de medidas de geoconservación, y 4) divulgación, difusión y promoción de los valores del patrimonio geológico (Carcavilla et al., 2007). Y aquí es donde vienen las mayores diferencias entre los países europeos, pues cada uno de ellos ha afrontado con desigual intensidad y eficacia cada una de estas acciones. Es cierto que prácticamente todos los países cuentan con un inventario, aunque sea preliminar, de lugares de interés geológico. Pero son muy distintas las entidades que los han promovido y, sobre todo, el rango legal que tienen los lugares incluidos en dichos inventarios. El espectro varía entre países con inventarios “informales” promovidos por asociaciones de geocientíficos pero sin ningún apoyo legal, y entre países que cuentan con catálogos aprobados por leyes que otorgan una protección estricta a un número importante de lugares de interés geológico. Por ejemplo, Bulgaria hizo su primer inventario nacional el año 1964 con la identificación de 55 lugares de interés geológico, y países como Gran Bretaña y España dieron sus primeros pasos en la década de los años 70 del siglo XX, aunque en este último caso no llegaría a ser completado por motivos presupuestarios. Por el contrario, otros países han afrontado dichos inventario en épocas muy recientes. El caso es que numerosos países cuentan con inventarios más o menos completos, como Albania que tiene inventariados cerca de 350 lugares de interés geológico (Serjani, 2012), Bulgaria que tiene más de 200 lugares de interés geológico inventariados y cartografiados con criterios uniformes (Todorov, 2012), Dinamarca que cuenta con un inventario de cerca de 400 lugares (Holm, 2012), Eslovaquia con casi 500 (Liscak, 2012) y Rumanía con más de 200 (Andrasanu, 2012). 31 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 Una singularidad de los inventarios realizados por los diferentes países es que en la clasificación de los lugares de interés geológico incluidos se han seguido diferentes sistemas. Si bien en casi todos ellos la clasificación se ha realizado identificando una serie de categorías temáticas, existen muchas diferentes. Así, países con una alta geodiversidad han identificado del orden de 10 categorías de lugares asociadas a disciplinas de Ciencias de la Tierra, como estratigrafía, sedimentología, paleontología, petrología, mineralogía, tectónica, hidrogeología, históricos, cosmogénicos, etc. Este es el caso de los inventarios de países como Rusia, España, Rumanía, Portugal, Italia, Francia o Gran Bretaña. Por el contrario, en otros países geológicamente menos diversos, las clasificaciones son más específicas, como en el caso de Islandia, que define rasgos geomorfológicos del Pleistoceno, elementos del sustrato (volcánicos, estratigráficos, petrológicos, mineralógicos y paleontológicos) y elementos geológicos del Holoceno (Ásbjörnsdóttir et al., 2012) (fig.4); Holanda incluye sobre todo formas del terreno, procesos y sedimentos del Pleistoceno y Holoceno (Ancker & Jungerius, 2012) y Lituania algo similar, pero vinculados a las glaciaciones Figura 4 – Zona termal de Geysir (Islandia), sin duda uno de los lugares de Europa con mayor interés geológico debido a la combinación de fenómenos volcánicos y tectónicos activos, unidos al glaciarismo. cuaternarias (Satkunas et al., 2012). Por otro lado, en algunos países, algunos rasgos geológicos adquieren especial protagonismo, por lo que son objeto de una especial atención. Es el caso de los rasgos kársticos, especialmente las cavidades, en Eslovaquia, Eslovenia, Hungría y Croacia (fig.5). Como ya se ha comentado, la declaración (protección mediante legislación) de espacios protegidos es la principal estrategia utilizada para la protección de elementos geológicos singulares. Este ha sido el mecanismo utilizado en casi todos los países europeos, ya que la protección se refiere a un territorio concreto donde se estipulan una serie de usos permitidos o prohibidos orientados a garantizar la conservación del lugar. Las figuras utilizadas con mayor frecuencia son las de parque nacional, monumento natural, parque natural o reserva natural, con sus consiguientes modalidades nacionales. Pero una característica común en la mayoría de los países europeos es que el hecho de que un elemento geológico esté incluido dentro de un espacio protegido no siempre garantiza su conservación, ya que no siempre los gestores están al corriente de su existencia e importancia. El patrimonio geológico va al remolque de la conservación de la biodiversidad y no ha alcanzado un protagonismo similar. Por otro lado, si se revisan los porcentajes nacionales de territorio protegido en cada país se puede apreciar que hay notables diferencias. Hay naciones como Finlandia que sólo cuentan con un 8% de su superficie protegida (Kananoja et al., 2012), lo que contrasta con el 42% de Austria (Hofmann, 2012). En cualquier caso, estos porcentajes sólo aportan una información parcial, ya que la presión sobre el territorio y el porcentaje de suelo ocupado es muy desigual en los diferentes países, así que un índice de protección bajo no es necesariamente sinónimo de una gran presión sobre el medio natural. Una particularidad es que diversos países europeos incluyen en sus territorios nacionales regiones de ultramar, diversificando su red de espacios protegidos de carácter geológico al incluir elementos de contextos geológicos muy diferentes (fig.6). Figura 6 – Conos y coladas recientes en el Piton de la Fournaise, en la Isla Reunión, una de las regiones de ultramar francesas, declarada Parque Nacional y World Heritage. Figura 5 – Isla de Rab (Croacia), con morfologías exokársticas de muy diverso tipo. 32 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 Con respecto a la gestión del patrimonio geológico, en muchos de los países europeos hay tres niveles de gobierno: nacional (de todo el país), estatal (de una región o comunidad) y local (de una comarca, provincia o municipio). Generalmente, el gobierno nacional o federal establece una legislación de referencia y luego los gobiernos estatales pueden adaptarla a su territorio manteniéndola como está o volviéndola más restrictiva. Sin embargo, en otros países, la competencia en materia de conservación de la naturaleza no es nacional sino sólo estatal, mediante organismos o agencias específicas. Uno u otro sistema de gestión tienen sus correspondientes ventajas e inconvenientes en relación con la geoconservación, ya que la sensibilidad y predisposición de cada uno de los gobiernos puede ser muy variable. Por otro lado, los servicios geológicos europeos también han mostrado una atención desigual al patrimonio geológico, existiendo ejemplos de alta implicación, como en el caso del Bureau de Recherches Géologiques et Minières (BRGM) francés o el Instituto Geológico y Minero de España (IGME), frente a otros que no han atendido este tema. El papel de los servicios geológicos ha consistido en impulsar inventarios, desarrollar metodologías de inventario, promover normas legales que amparen la geoconservación, potenciar actividades de divulgación y promoción del patrimonio geológico, y participar en programas como el de geoparques. 4. DOS PROYECTOS EUROPEOS DE DIMENSIÓN INTERNACIONAL: GLOBAL GEOSITES Y GEOPARKS Desde diversas naciones europeas se han promovido en las últimas décadas dos iniciativas globales para el conocimiento, conservación y divulgación del patrimonio geológico: los proyectos Global Geosites y Geoparks. Si bien el primero fue abandonado y no se llegó a completar, sí ha servido de estímulo a diversos países para plantear un inventario nacional de lugares de interés geológico de relevancia internacional, como más adelante se describirá. Por su parte, los geoparques surgieron como una iniciativa europea, pero han sobrepasado este ámbito y son una propuesta global, bajo los auspicios de la UNESCO, en clara expansión y con una gran proyección de futuro. A ellos habría que añadir el programa World Heritage de la UNESCO, que incluye entre sus bienes aquellos enclaves que poseen características excepcionales que los convierten en los ejemplos mundiales en su categoría. Bajo esta figura se han declarado elementos geológicos tan singulares como el Volcán Teide (España), la Calzada de los Gigantes (Irlanda) (fig.7), los travertinos de Plitvice (Croacia) o el yacimiento paleontológico de Messel (Alemania). Figura 7 – Calzada de los Gigantes (Irlanda), lugar de interés geológico declarado Patrimonio Mundial por la UNESCO y que recibe al año más de 500.000 visitantes. El proyecto Global Geosites fue puesto en marcha en 1995 por la Unión Internacional de las Ciencias Geológicas (IUGS) con el co-patrocinio de la UNESCO. Se basaba en la idea de que las estrategias de protección del patrimonio geológico a nivel internacional requieren un inventario previo. Resulta sencillo comprender la dificultad de establecer un inventario mundial de los elementos más sobresalientes del patrimonio geológico del Planeta, teniendo en cuenta la complejidad del registro geológico de la tierra y la gran diversidad de litologías, eventos, paleoambientes, etc, registrados no solo durante los tiempos geológicos, sino también a todo lo largo y ancho del mundo. Por ello, se diseñó una metodología de trabajo que no se dirigía directamente a la selección de los puntos de interés geológico, sino que planteaba un paso previo: elegir en cada país unos contextos geológicos (frameworks) en base a su especial significado en el registro geológico mundial. En una fase posterior, para cada uno de estos contextos geológicos, se seleccionan los puntos de interés más representativos e ilustrativos del mismo. Este concepto de contexto es clave y se refiere a cualquier elemento geológico de escala regional, evento tectónico, metalogenético o de cualquier otra naturaleza, serie estratigráfica, asociación paleobiológica, etc. Los puntos de interés geológico o “geositios” (geosites) no son, por tanto, seleccionados de forma aislada sino en el marco de un contexto previamente escogido por su relevancia internacional. De este modo la selección de los puntos de interés geológico se ve orientada y facilitada por su representatividad dentro del contexto geológico abordado y en comparación con otros en el resto del mundo. El objetivo era seleccionar eventos, áreas y características fundamentales para comprender la historia geológica del Planeta y crear una base de datos asociada a nivel global. No se trata de identificar ejemplos concretos representativos de la geología de un país o lugar, sino contextos geológicos que sean fundamentales para entender la evolución del Planeta, como registros 33 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 sedimentarios, fases tectónicas, sistemas morfogenéticos, etc. Cada país debe identificar sus contextos, para luego comparar con los seleccionados en los países vecinos. Así se seleccionan los contextos de valor supranacional y global. Siguiendo esta metodología, diversos países realizaron sus listados, como Polonia, Bulgaria, España, Reino Unido y Portugal. Como se ha mencionado anteriormente, el proyecto a escala global fue abandonado, pero esta metodología sirvió a diversos países para realizar un listado homogéneo de los lugares de interés geológico de relevancia internacional contenidos en su territorio, constituyendo una valiosa herramienta para la realización de inventarios nacionales. Actualmente, ProGEO ha vuelto sobre la idea y ha empezado a promover la continuación del proyecto y que éste sea retomado por la IUGS; habiendo conseguido ya que la Unión Internacional para la Conservación de la Naturaleza (UICN) lo adopte en una resolución (Res 5.048 de 2012). Por su parte, los Geoparques surgieron a principios de la década de los 90 en Europa, siendo Francia, Alemania, Grecia y España los socios fundadores (fig.8). Desde entonces, su número ha ido en aumento y ya es una iniciativa global. Un geoparque (Geopark o parque geológico) es un territorio que presenta un patrimonio geológico notable y que lleva a cabo un proyecto de desarrollo basado en su promoción turística, de manera que debe tener unos objetivos económicos y de desarrollo claros. La declaración de un geoparque se basa en tres principios: 1) la existencia de un patrimonio geológico que sirva de protagonista y eje conductor, 2) la puesta en marcha de iniciativas de geoconservación y divulgación, y 3) favorecer el desarrollo socioeconómico y cultural a escala local. Así que tres son los pilares que sustentan la creación y funcionamiento de un geoparque: patrimonio geológico, geoconservación y desarrollo local. Por ello, los geoparques deben tener unos límites claramente definidos y una extensión adecuada para asegurar el desarrollo económico de la zona, pudiendo incluir áreas terrestres, marítimas o subterráneas. En Europa existen ya más de 50 geoparques en casi una veintena de países. Italia, España y Reino Unido son los países que por el momento más geoparques aportan a la Red Europea. En estos países, los geoparques se han afianzado como iniciativas para promover el uso y conservación del patrimonio geológico. Es importante dejar claro que los geoparques no son espacios naturales protegidos en sentido estricto (aunque pueden coincidir en espacio y tiempo), sino un territorio con una estrategia de gestión orientada a los tres principios indicados anteriormente. Figura 8 – Bosque Petrificado de Lesvos (Grecia), uno de los cuatro lugares fundadores de la iniciativa geoparques a finales de los años 90. 5. ALGUNOS EJEMPLOS SINGULARES Dentro del contexto europeo, hay muchos ejemplos de buenas prácticas relacionadas con el patrimonio geológico y la geoconservación. Pero entre todas ellas se pueden elegir unos ejemplos que muestran enfoques particulares a una misma problemática y que han mostrado ser eficaces, y pueden servir de ejemplo o estímulo a otros países. 5.1. Inventarios nacionales: Reino Unido En relación con los inventarios, destaca el caso del Reino Unido, donde el estudio del patrimonio geológico se inició en 1949, aunque el estudio sistemático en realidad comenzó en 1977 y se dio por concluido en 1990. Este inventario poseía una clara vocación conservacionista, ya que estaba acompañado de un mecanismo legal de protección de los LIGs. Esto último es lo que da un especial valor a dicho inventario, y la prueba es que, a pesar del paso del tiempo, existen en la actualidad pocos inventarios europeos que contemplen dicho aspecto. En este contexto están los Geological Conservation Review sites de Gran Bretaña (GCR sites). Estos lugares de interés fueron descritos dentro del marco del proyecto Geological Conservation Review, que consistió en un inventario nacional de lugares de interés geológico que inició su búsqueda de lugares en 1977 y finalizó en 1990, auspiciado por el Joint Nature Conservation Committee (JNCC). No obstante, las labores de selección de enclaves puntuales ya se habían iniciado a finales de la década de los 40. Dentro de este proyecto se incluía un ambicioso plan de documentación sobre la geología del país y la consulta a numerosos especialistas de diferentes especialidades geológicas. El resultado fue la publicación de 44 volúmenes temáticos de la geología del Reino Unido, denominados Geological Conservation Review Series (Ellis, 2005). 34 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 El equivalente en Irlanda del Norte se denominó Earth Science Conservation Review (ESCR). De los más de tres mil GCR sites identificados se seleccionaron los más importantes (por su relevancia internacional y nacional) para que gozaran de una protección legal (Joint Nature Conservation Committee, 2005). De esta manera surgieron los cerca de 1.400 Sites of Special Scientific Interest (SSSI) que constituyen una red de lugares importantes para el “pasado, presente y futuro desarrollo de la geología en Reino Unido”, de manera que representan lo más significativo de la geología de ese país, reflejando la diversidad de su historia geológica. Su declaración se basa en la Wildlife and Countryside Act de 1981, aunque recientemente en el año 2000 una nueva normativa denominada Countryside and Rights of Way Act 2000 (CROW Act) actualizó y aumentó el régimen de protección. Es muy importante recalcar que los SSSI gozan de un sistema de protección legal y un amplio reconocimiento a escala nacional, lo que hace que la conservación del patrimonio geológico en Gran Bretaña sea de las más avanzadas de Europa. La equivalencia en Irlanda del Norte de los SSSI se denominan Areas of Scientific Interest (ASSI), y en Gales se denominan Site of Importance for Nature Conservation (SINC). Otro ejemplo de la manera de trabajar en el inventario y conservación del patrimonio geológico en Reino Unido es el de los Regionally Important Geological/Geomorphological Sites (RIGS). También fueron establecidos en Gran Bretaña en 1990 por el Nature Conservancy Council (NCC) y consiste en un programa desarrollado por iniciativas voluntarias de asociaciones locales no gubernamentales (RIGS groups) que cuentan con la aprobación informal de las autoridades locales. Frente a los SSSI y los GCR sites, que son propuestas institucionales, los RIGS son iniciativas voluntarias de carácter particular que no poseen ningún reconocimiento legal oficial. Los RIGS groups definen los County Geological Sites (CGS), también llamados RIGS sites cuando el propietario del terreno permite el acceso. Ambos sirven de complemento a los SSSI y son puestos en conocimiento de las autoridades y tenidos en cuenta en la planificación. En la actualidad existen más de 50 RIGS Groups en Reino Unido, formados mayoritariamente por museos y asociaciones ecologistas, y en menor medida, por sociedades geológicas y universidades. 5.2. Inventario nacional e internacional en el marco del proyecto Global Geosites: Portugal Algunos países han desarrollado la metodología del proyecto Global Geosites como sistema para iniciar o completar su inventario nacional. Dos de los casos más sobresalientes son los de Portugal y España, que incluso han colaborado para aplicar una metodología común que les permita complementar la información de cada país. En el caso de España, el proyecto se desarrolló entre 1999 y 2008 liderado por el IGME, que hace las veces de Servicio Geológico Nacional. En una primera fase se identificaron 20 contextos geológicos españoles de relevancia internacional (frameworks) que fueron presentados en el 31 Congreso Geológico Internacional de Río de Janeiro en el año 2000. A partir de entonces, se empezaron a definir los lugares de interés geológico que representaban esos contextos, que fueron 148 repartidos en 216 recintos. Actualmente España cuenta con una cartografía precisa de esos enclaves y con una base de datos de los lugares de interés geológico que, como más adelante se explicará, tienen reflejo en el marco legal de conservación del patrimonio natural nacional. Portugal inició las labores del proyecto Global Geosites más tarde que España. Pero supo aprovechar la experiencia de su país vecino para identificar sus contextos de una manera rápida y eficaz. En el año 2000 se creó el grupo portugués de ProGeo y en el año 2004 se propuso una primera lista con 14 contextos de relevancia internacional (Brilha et al., 2005), varios de los cuales tenían una clara conexión con contextos definidos en España. Posteriormente, fueron definidos otros contextos con la idea de representar la geodiversidad portuguesa, de manera que se definieron un total de 29 contextos y 326 lugares de interés geológico. Algunos de los contextos definidos previamente fueron redefinidos y/o englobados en nuevas denominaciones, más amplias y que daban cabida a otros lugares de interés relacionados (Brilha et al., 2009). En ellos se ha estimado su valor intrínseco y su vulnerabilidad para orientar su gestión a las autoridades competentes. De esta manera, la metodología del proyecto Global Geosites ha sido utilizada en Portugal para definir 15 contextos de relevancia internacional y otros 14 de relevancia nacional o regional, completando de una manera muy eficaz un inventario nacional que combina la singularidad con la representatividad. 5.3. Legislación para la geoconservación: el caso de España Para que la conservación del patrimonio geológico sea realmente eficaz es necesario contar con un marco legal que ampare su preservación y protección. En la mayoría de los países europeos la protección se realiza en el marco de leyes de conservación del patrimonio natural, definiendo figuras de protección que pueden englobar o proteger elementos geológicos, como parques nacionales o naturales, monumentos naturales, etc. En algunos países la legislación para la conservación del patrimonio natural pone especial atención en el patrimonio geológico, como ocurre en el caso de España. Durante el año 2007, tres nuevas leyes supusieron un cambio radical en lo referente a la legislación para la geoconservación en España. 35 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 La primera de estas leyes fue la Ley 42/2007 de Patrimonio Natural y Biodiversidad, en la que tuvieron una activa participación el IGME, el Colegio Profesional de Geólogos (ICOG) y la Sociedad Geológica de España (SGE). La receptividad del Ministerio de Medio Ambiente tuvo como resultado que, desde primera vez desde los comienzos de la geoconservación en España, una Ley tuviera entre sus principios inspiradores la conservación de la geodiversidad. Las principales aportaciones de la Ley son de tres tipos: 1) menciones expresas en sus artículos a la geología, patrimonio geológico, geoparques y geodiversidad; 2) crea un inventario nacional de patrimonio natural que tendrá un inventario de lugares de interés geológico; 3) adopta medidas de conservación del patrimonio geológico y la geodiversidad; y 4) amplia los bienes que pueden ser protegidos, haciendo mención concreta a los elementos geológicos como parte de los monumentos, parques y reservas naturales. Además, esta Ley dice explícitamente que el Ministerio de Medio Ambiente, con la colaboración de las comunidades autónomas y de las instituciones y organizaciones de carácter científico, elaborará un Inventario Español del Patrimonio Natural y de la Biodiversidad, que incluirá un inventario de Lugares de Interés Geológico representativo de, al menos, las unidades y contextos geológicos (frameworks) del proyecto Global Geosites y otros ocho sistemas geológicos representativos de la geodiversidad española (fig.9). También estipula que se llevará a cabo un Plan Estratégico Estatal del Patrimonio Natural y de la Biodiversidad que incluirá, a su vez, un diagnóstico anual de la situación y de la evolución del patrimonio natural y la biodiversidad y geodiversidad. menciona de manera explícita el turismo geológico y minero (geoturismo) y propone aprovechar los recursos geológicos para potenciar el desarrollo sostenible en el medio rural, dando prioridad a la conservación del medio ambiente, el paisaje y el patrimonio natural y cultural, algo que va en clara sintonía con la declaración de Geoparques, de los cuales existen 9 en España (año 2013) (fig.10). Como se puede ver, el nuevo marco normativo pone solución (teóricamente) a algunos de los problemas esenciales de la geoconservación en España, como eran la ausencia de un marco legal adecuado, la ausencia de inventario o la inadecuada definición de las figuras de protección. Los retos para los próximos años serán aprovechar la oportunidad que ofrecen estas nuevas leyes y seguir implantando los programas internacionales (fundamentalmente Geoparks y Global Geosites) para, desde la perspectiva nacional y la internacional, dar el impulso definitivo a la geoconservación en España. Figura 10 – Geoparque de Sobrarbe (España), uno de los más de 50 pertenecientes a la Red Europea de Geoparques. 5.4. La geoconservación integrada en un marco holístico: Noruega Figura 9 – Límite Cretácico-Terciario en Zumaya (España), uno de los lugares de interés geológico de relevancia internacional identificados en el proyecto Global Geosites. L a s e g u n d a l e y i m p o r t a n t e p a ra l a geoconservación en España es la Ley de Parques Nacionales, que incluye en un anexo los sistemas naturales españoles que deben estar representados en la Red de Parques Nacionales, entre los que se encuentra una decena de sistemas geológicos. Por su parte, la Ley (45/2007) para el Desarrollo Sostenible en el Medio Rural Noruega es un país europeo pero no pertenece a la Unión Europea. Como algunos otros países, recientemente ha promulgado leyes relacionadas con la conservación de la naturaleza incorporando referencias a la geoconservación. La Ley de Diversidad Natural del año 2009 establece como uno de sus principios proteger la diversidad biológica y geológica a través de la conservación y el uso sostenible. Ya se mencionó con anterioridad que la geoconservación tiene raíces muy antiguas en Noruega, con una primera ley de conservación de la naturaleza promulgada en 1910 (Erikstad, 2012). Aunque el patrimonio geológico no era mencionado de manera específica como justificación para la adopción de medidas de conservación en la legislación, la realidad es que sí ha formado parte del sistema de protección noruego entre 1954 y 2009. Especialmente en el periodo comprendido entre 1970 y la década de los 90, cuando fueron realizados numerosos inventarios y fueron 36 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 declarados numerosas áreas protegidas en forma de reservas, monumentos y paisajes naturales protegidos. Con posteridad, la geología quedó relegada a un segundo plano, como ocurrió en muchos otros países europeos, quedando la geoconservación eclipsada por la protección de la biodiversidad. Sin embargo, la nueva legislación ofrece numerosas posibilidades a la geoconservación y la integra dentro de la gestión natural. Noruega contaba con 2.759 áreas protegidas en enero de 2012, cubriendo un 17% de su superficie. Aproximadamente 200 de ellas están etiquetadas como áreas de conservación geológica, ya que en ellas dominan los aspectos geológicos o la conservación geológica está integrada en su plan de gestión. Muchas de ellas son realmente pequeñas, pero las de gran tamaño (como parques nacionales o paisajes protegidos) contienen valores geológicos de gran extensión integrados en el paisaje. Una clara tendencia dentro de los parques nacionales es incluir la conservación de los elementos geológicos entre sus objetivos, y aún en los casos donde no se refleja de manera expresa, está protegido desde una perspectiva general como elemento constitutivo del paisaje y de la naturaleza. Las islas árticas de Svalvard tienen su propia legislación medioambiental, estando protegido un 60% de su territorio. La amplitud de miras de la nueva legislación, que incluye la conservación y el uso sostenible como principios, proporciona la oportunidad de incluir el patrimonio geológico y la geodiversidad en la gestión ambiental. Además, ofrece oportunidades para la geoconservación al margen de la declaración de áreas protegidas, integrándola en la planificación territorial, evaluaciones de impacto ambiental y estrategias del paisaje. También incluye elementos geológicos dentro de los sistemas naturales del país, que incluyen hábitats y paisajes, y empiezan a incorporarse en los inventarios locales y en la lista nacional de sistemas naturales amenazados (Erikstad, in press). La geoconservación en Noruega aún está por detrás de la preservación ecológica, ambiental y del patrimonio cultural, pero esta legislación de enfoque holístico puede favorecer y beneficiar a la biodiversidad, a la geodiversidad y al paisaje. 6. DIRECTIVAS COMUNITARIAS COMO APOYO A LA GEOCONSERVACIÓN Los países de la Unión Europea deben sumar a su marco normativo nacional una serie de recomendaciones y directivas de ámbito europeo, siendo optativo en las primeras de ellas y obligatorio en las segundas traspasarlas a su legislación. En la actualidad no existe ninguna directiva europea referida al patrimonio geológico, pero sí hay varias que pueden ayudar o suponer un apoyo a la geoconservación. En el año 2004 el Consejo de Ministros de la Unión Europea (Council of Europe, 2004) aprobó las recomendaciones para la conservación del patrimonio geológico y de áreas de interés geológico (Rec, 2004). Entre estas recomendaciones se encontraban las de promover y realizar inventarios, reforzar los mecanismos legales para proteger áreas de interés geológico o asignar recursos presupuestarios para financiar las iniciativas expuestas anteriormente. A pesar de que suponían un excelente marco para el impulso de políticas nacionales de geoconservación, al ser únicamente recomendaciones, los diferentes países las aplicaron de manera muy desigual y no hubo un seguimiento tras el plazo de 5 años que establecía. Por desgracia, estas recomendaciones no vinieron seguidas de una directiva de geoconservación, que habría sido la herramienta de impulsarla definitivamente en la Unión. Por su parte, en el año 2000 fue adoptada la Convención Europea del Paisaje, que fue puesta en marcha en 2004. Se trata de la primera convención que aborda el multidisciplinar asunto del paisaje con el objetivo de promover su protección. Parte de la idea de que cada paisaje está formado por diferentes componentes y estructuras, entre las cuales la geología Figura 11 – Algunos de los hábitats incluidos en la Directiva Hábitats de la red Natura 2000 de la Unión Europea tienen una clara componente geológica, como las cavidades kársticas, por lo que muchas de ellas gozan de una protección al menos indirecta. Cueva de Vallgornera (España). es una de ellas. Por ello, aunque la directiva no centra su atención en el patrimonio geológico, puede servir como herramienta para la geoconservación de aquellos elementos geológicos que formen parte importante de paisajes singulares y/o representativos. Algo parecido ocurre con la Directiva de Hábitats, creada con objeto de proteger los hábitats más singulares de la Unión Europea. Aunque esta directiva está diseñada con un marcado carácter fitosociológico, varios de los hábitats incluidos en su listado como de protección especial son elementos geológicos, como tobas calcáreas, cavidades o sistemas de dunas (fig.11). Por ello, puede suponer una i n te re s a n te h e r ra m i e n ta p a ra p ro m o ve r l a geoconservación en esos sistemas. Su adopción como 37 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 una directiva sería una gran paso hacia delante, aunque el esfuerzo de reconocer la geoconservación con su propio derecho dentro del sistema de conservación de la naturaleza (la directiva de hábitats y la red NATURA 2000) debe ser establecido en el trabajo práctico del día a día (Erikstad, en prensa). Como se ha comentado con anterioridad, en Europa la legislación y la forma de actuar de cada uno de los países en materia de geoconservación es muy desigual (Wimbledon & Smith-Meyer, 2012; Erikstad, 2008). La perspectiva internacional no proporciona grandes ventajas porque la geoconservación no está contemplada en ninguna directiva de la Unión Europea, de manera que no existe ninguna imposición para afrontarla. Se propuso su integración como parte de la Estrategia Europea del Suelo, que aspira a convertirse en una directiva. En ella, el patrimonio geológico sería integrado como una de las funciones del suelo a proteger, entendido el suelo en su sentido más amplio ya que puede contener o constituir ese tipo de patrimonio. En caso de que fuera aceptada, constituiría un importante paso adelante, aunque dicha directiva ha sido retrasada (o incluso detenida) por los numerosos desacuerdos entre los países miembros. El resultado es que la geoconservación no goza del mismo reconocimiento que la conservación de otros elementos del patrimonio natural. Por otro lado, en Europa se definió la primera convención internacional dedicada exclusivamente al paisaje. Se integra dentro del programa de Medio Ambiente del Consejo de Europa y Naciones Unidas denominado “Estrategia pan-europea para la diversidad biológica y del paisaje”, que fue aprobada por los ministros de medio ambiente de los 55 países implicados en Sofía (Bulgaria) en 1995. La acción 4 del Plan de Acción para 1996-2000 se denominó “Conservación de los paisajes” y entre los objetivos formulados para ser alcanzados en el año 2000 figuraba “prevenir futuros deterioros de los paisajes y del patrimonio geológico y cultural a ellos asociados y preservar su belleza e identidad. Corregir la ausencia de percepción integral de los paisajes como un mosaico de rasgos culturales, naturales y geológicos y establecer una mayor conciencia pública y por parte de las administraciones y mejorar su protección en toda Europa" (Council of Europe, 2006). La convención del paisaje aporta una visión muy amplia englobando todos los elementos que le confieren calidad y singularidad, por lo que puede ser una buena herramienta para la geoconservación en Europa. Además, hace especial énfasis en cómo la gente percibe el paisaje y en la importancia de la participación e implicación local. 7. EL PAPEL DE PROGEO ProGEO es la Asociación Europea para la Conservación del Patrimonio Geológico. Se trata de una asociación abierta a todo tipo de profesionales e instituciones que trabajan hacia ese objetivo, y cuenta con miembros de la mayoría de las naciones europeas. ProGEO trabaja para promover la protección de los paisajes y lugares de interés geológico representativos y más importantes de Europa, así como las múltiples formas en que se muestran los fenómenos geológicos y sus resultados, analizando su valor y destacando sobre todo su interés científico e importancia cultural para definirlo como patrimonio y que sea protegido como tal. ProGEO intenta dar a la conservación del patrimonio geológico y la geodiversidad una voz más fuerte en Europa, y servir como foro de discusión sobre estos temas, asesorando y tratando de influenciar en las políticas y la administración del patrimonio (Fig.12). Figura 12 – ProGEO participa activamente en la integración de la geoconservación en diferentes foros, por ejemplo asistiendo a las dos últimas reuniones de la Unión Internacional de Conservación de la Naturaleza (UICN) en 2008 y 2012. ProGEO es un marco de referencia actual a nivel no solo europeo sino también internacional para la conservación y estudio del patrimonio geológico. El objetivo principal de esta asociación es dar a la geoconservación un mayor protagonismo y relevancia, para que sea tenida en cuenta en las decisiones sobre conservación del patrimonio natural. ProGEO organiza reuniones periódicas y trabaja mediante subcomisiones regionales que agrupan países por criterios geográficos y culturales. La web actual es: http://www.progeo.se 8. PERSPECTIVAS DE FUTURO Como se ha visto con anterioridad, no existe una política común para abordar la valoración, estudio y conservación del patrimonio geológico en Europa. Los diferentes países han abordado el tema según la receptividad de las administraciones y el dinamismo de los propios geólogos, dando como resultado diversos modelos que tienen sus particularidades. A pesar de que se asume que el mayor campo de acción para la geoconservación se sitúa en el ámbito local, sin el impulso de leyes nacionales o directivas transnacionales 38 Carcavilla et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 28-40 es difícil que se alcancen objetivos realmente ambiciosos. Actualmente, y a pesar de que se han hecho muchos avances para el diseño de directivas europeas, la geoconservación está en un claro segundo plano frente a la conservación de la biodiversidad. La promulgación de leyes específicas para la conservación del patrimonio geológico solucionaría este asunto, pero es poco probable que las administraciones redacten este tipo de normas legales. Por ello, son también muy interesantes las normas legales de carácter holístico, que pueden constituir una buena aproximación porque permiten vincular al patrimonio geológico con otros elementos del medio natural. Por otro lado, es interesante cómo, a falta de directivas europeas, diferentes instituciones con ProGEO a la cabeza promueven trabajos trasnacionales, como retomar las labores de inventario del proyecto Global Geosites en aquellos lugares donde los trabajos nacionales están más avanzados, como Europa suroccidental o la región báltica. Por su parte, los geoparques, que van en aumento, también juegan un importante papel, sobre todo para mostrar cómo el patrimonio geológico puede constituir un importante motor para el desarrollo de la economía local. Sin duda, la concienciación y la educación son las armas para el futuro, por lo que la divulgación no sólo es un recurso interesante, sino una garantía para la geoconservación a largo plazo. Mientras tanto, es esencial trabajar en elaborar inventarios, redactar leyes y asegurar la preservación de los lugares de interés geológico más amenazados. Referencias ALEXANDROWICZ, Z. 2012. Poland. In: WIMBLEDON, W.A.P. & SMITH-MEYERS, S. (eds) Geoheritage in Europe and its conservation. ProGEO, Oslo, 254-263. ANCKER, J.A.M. & JUNGERIUS, P.D. 2012. The Netherlands. In: WIMBLEDON, W.A.P. & SMITHMEYERS, S. (eds) Geoheritage in Europe and its conservation. ProGEO, Oslo, 246-253. ANDRASANU, A. Romania. In: WIMBLEDON, W.A.P. & SMITH-MEYERS, S. (eds) Geoheritage in Europe and its conservation. ProGEO, Oslo, 274-287. ÁSBJÖRNSDÓTTIR, L., EINARSSON, S & JÓNASSON, K. 2012. Iceland. In: WIMBLEDON, W.A.P. & SMITHMEYERS, S. (eds) Geoheritage in Europe and its conservation. ProGEO, Oslo, 170-179. BRILHA J., BARRIGA F., CACHAO M, COUTO M.H., DIAS R., HENRIQUES M.H., KULLBERG J.C., MEDINA J., MOURA D., NUNES J.C., PEREIRA D., PEREIRA P., PRADA S. & SÁA. 2009. 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Manuscrito ID 31501 Submetido em abril de 2013 Aceito em julho de 2013 40 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 41 - 52 A valorização cultural do patrimônio geológico-mineiro do Paraná Cultural enhancement of the earth and mining heritage of the state of Paraná GILSON BURIGO GUIMARÃES1, ANTONIO LICCARDO1 , GIL FRANCISCO PIEKARZ2. 1 Universidade Estadual de Ponta Grossa - [email protected] - [email protected] 2 Minerais do Paraná S.A. - [email protected] Resumo O estado do Paraná apresenta características geológicas peculiares em função de sua clara compartimentação espaço-temporal, tendo recebido um aporte de pesquisas desde o século XIX com escopo essencialmente prospectivo para a mineração e desenvolvimento geocientífico. Com base no conhecimento acumulado e com um novo paradigma científico que aponta a valorização de aspectos não necessariamente extrativistas da geologia, este trabalho propõe uma discussão preliminar sobre os pontos que constituem o patrimônio geológico e mineiro do estado e seu aproveitamento para fins diferentes da mineração. São apresentados os resultados de iniciativas ligadas ao patrimônio geológico no Paraná, tais como o Programa SIGEP (nacional) e da Mineropar, além de uma relação preliminar dos geossítios e áreas representativas do patrimônio geológico do estado. A sensibilização da comunidade científica para algumas questões de geoconservação aponta para dois pontos-chave: a necessidade do maior envolvimento científico dos geólogos na valorização do patrimônio e a transposição didática do conhecimento geológico para leigos. Estes desafios constituem um novo paradigma em que tão importante quanto desenvolver o conhecimento geocientífico é comunicá-lo à sociedade, de modo a aumentar a massa crítica e permitir melhores tomadas de decisão no planejamento por parte do poder público e da iniciativa privada. Palavras-chave: patrimônio geológico; patrimônio mineiro; geodiversidade; estado do Paraná Abstract The state of Paraná shows a peculiar set of geological features, closely related to its spatial and temporal framework, which has been researched since the nineteenth century, mainly for mining and geoscientific purposes. Based on the accumulated knowledge and a new scientific paradigm, that points to valuing aspects not necessarily linked to economic geology, this paper proposes a preliminary discussion of the geosites that make up the earth and mining heritage of the state and its use other than to mineral exploration and mining activities. Earth heritage initiatives are presented, such as the SIGEP Program (Brazilian Commission of Geological and Palaeobiological Sites) and from Mineropar (State of Paraná Geological Survey), with a preliminary list of the geosites and representative areas of the earth heritage of the state of Paraná. The awareness of the scientific community for geoconservation issues leads to two key points: the need for greater scientific involvement of geologists in the valuation process of the heritage, and the didactic transposition of geological knowledge to lay person. These challenges constitute a new paradigm, where as important as developing the geoscientific knowledge is bring it to the society, increasing the critical mass and enabling wise decisions at the planning-level by the government and the private sector. Key words: earth heritage; mining heritage; geodiversity; state of Paraná. 1. INTRODUÇÃO As rochas e os minerais, assim como outros objetos do estudo geológico (geomorfologia, solos...), representam importante fonte de informações tradicionalmente ligada à potencialidade de uso que podem apresentar. A prospecção mineral ou a capacidade agrícola dos terrenos impulsionaram a evolução da sociedade e trouxeram um valioso aprendizado sobre várias facetas da geodiversidade. Entretanto, preocupações ligadas ao meio ambiente, assim como os processos de valorização da memória coletiva, conduziram ao surgimento de novos conceitos sobre patrimônio, que vão além dos aspectos puramente econômicos. Não obstante a geodiversidade brasileira ser normalmente tratada como mercadoria, ou seja, materiais que possam ser produzidos e quantificados em unidades monetárias por tonelada, existem outros aspectos que passaram a ser valorizados nos últimos anos e que indicam uma mudança conceitual no uso da informação geológica. As geociências apresentaram profundo progresso nas últimas décadas, amparado não somente pela tecnologia, mas também por um amadurecimento científico e cultural traduzido em responsabilidade e consciência ambiental. Todo o conhecimento gerado inicialmente para a busca de minérios hoje se reflete também em outras interfaces com a sociedade, como estudos de áreas de risco, 41 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 de poluição, geoturismo ou mesmo questões culturais. O próprio resultado da atividade de mineração é um conjunto cultural valioso para o entendimento da evolução social, denominado hoje como patrimônio mineiro, e que apresenta forte correlação com a Arqueologia Industrial. Desde 1972, a UNESCO promove a evolução do significado de patrimônio, inicialmente dividido em natural e cultural, mas que depois recebeu um maior aporte intelectual para a definição de patrimônio imaterial. Mais recentemente discute-se internacionalmente o conceito de patrimônio geológico (ver Gray, 2004; Brilha, 2005; dentre outros), discussão esta que não pode prescindir do conhecimento acumulado por geólogos, mas que também não deve ser exclusividade destes profissionais. O Paraná é um dos estados brasileiros que apresenta uma história de aprimoramento do conhecimento geológico que remonta aos tempos do Brasil colonial, com relatórios técnicos tais como os de José Bonifácio e Martim Francisco (Andrada, 1847), movidos pela exploração mineral de ouro e diamante, ou os trabalhos de White (republicados em 2008) pelos recursos energéticos (carvão). O capital científicocultural acumulado com todos os levantamentos já realizados neste território, seja pelos próprios autores ou disponível em outros trabalhos, permite hoje a possibilidade de discussão a respeito de um patrimônio geológico do estado, tema que este artigo se propõe a apresentar à comunidade geológica, considerando especialmente sua geodiversidade como fator cultural e voltado à possível educação científica em vários níveis, além do potencial econômico. Alicerçado em um volume de pesquisas da ordem de milhares de monografias, mapas, artigos, livros, teses, relatórios técnicos, desde os estudos pioneiros do século XIX, pode-se afirmar com segurança que o Paraná é um estado com uma expressiva geodiversidade, no sentido defendido por Gray (2004). Do Paleoproterozoico (eventualmente desde o Arqueano) ao Holoceno encontra-se um amplo espectro de produtos magmáticos, sedimentares e metamórficos, em diferentes ambientes geotectônicos, controlando uma variada gama de tipos de solos, formas de relevo e mineralizações. Uma parte deste conteúdo constitui o que vem sendo denominado Patrimônio Geológico. O histórico de utilização extrativista conduz à possibilidade de se considerar a mineração em certos pontos como parte de um Patrimônio Mineiro (Liccardo & Cava, 2006). 2. PATRIMÔNIO GEOLÓGICO E MINEIRO O conjunto dos geossítios de um lugar que apresentem valor singular do ponto de vista científico, didático, cultural, turístico, econômico ou funcional, compõe seu o Patrimônio Geológico, conforme Brilha (2005). Ponciano et al. (2011) propõem, ainda, uma subclassificação em patrimônio geológico in situ (o acima citado) e ex situ (como as coleções científicas, museus – aquele que foi retirado de seu lugar de origem). Dado o caráter preliminar dos levantamentos, este trabalho discute apenas o primeiro caso, não obstante a importância do segundo para a educação. Nos últimos anos diversos autores têm contribuído para um entendimento geral deste conceito e para sua aplicação específica à geodiversidade (Sharples, 2002; Gray, 2004; Brilha, 2005; Carcavilla et al., 2007; Nascimento et al., 2008; Mochiutti, 2013), com uma forte tendência em se selecionar geossítios de destacada importância científica para compor o Patrimônio Geológico de uma dada região. Porém, ao considerar que um dos desafios atuais da comunidade geocientífica é o de alcançar a sociedade em geral, a apresentação das áreas de destaque da geodiversidade do estado não pode enfatizar apenas aquelas de valor científico-acadêmico. O ponto-chave é que há várias frentes de atuação, das quais a educação (formal, não formal e informal) em todos os níveis deve ser privilegiada. É preciso considerar um patrimônio geológico que seja reconhecido por parte expressiva da sociedade e que não tenha apenas um caráter “corporativo”. É igualmente importante aos locais com valor científico que apresentem também outros valores da geodiversidade, como os culturais, didáticos ou estéticos, por exemplo. Zelar pela integridade de locais que somente uma minoria (geólogos) consegue percebêlos como especiais é tão relevante quanto ampliar a parcela da população em condições de entender e apreciar a geologia e seus segredos. Ambas as linhas de intervenção necessitam da participação direta dos profissionais de geociências, o que implica num compromisso de aumentar seus esforços para traduzir à comunidade o significado de rochas, minerais, fósseis, formas de relevo, solos e os processos que os geram. Um inventário do Patrimônio Geológico do Paraná embasado em procedimentos metodológicos cientificamente debatidos (Brilha, 2005; Lima, 2008), ainda está por ser realizado. O estabelecimento de uma hierarquia e classes deverá levar em conta as múltiplas variantes da geologia (estratigrafia; petrologia; geologia estrutural / geotectônica; mineração; mineralogia; geomorfologia; paleontologia; geologia ambiental; sedimentologia, etc.) e os grandes domínios tectônicotemporais responsáveis pela geodiversidade paranaense (rochas e estruturas pré-brasilianas e brasilianas; sequências sedimentares da Bacia do Paraná; produtos magmáticos, sedimentares e estruturais ligados ao processo de abertura do Oceano Atlântico; etc.). Uma vez que se pretenda ampliar o alcance do conceito de patrimônio geológico, este inventário deverá também contemplar elementos da geodiversidade com valores culturais, estéticos, didáticos e funcionais (Gray, 2004), em consonância com o entendimento de 42 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 patrimônio apregoado pela UNESCO. A história da mineração tem sido usada em muitos países como um fator de resgate cultural para comunidades que se desenvolveram em áreas de extração intensa. Na Europa verificam-se vestígios de mineração dos tempos do Império Romano ou anteriores, os quais têm sido preservados e resgatados como um aspecto da memória e patrimônio cultural dos lugares trabalhados. O conteúdo material relacionado (ruínas, pedreiras, equipamentos...), assim como os aspectos intangíveis (cultura, memória, miscigenação...) são hoje considerados Patrimônio Mineiro, vertente da discussão em torno do Patrimônio Geológico. Num país como o Brasil, de histórico fortemente ligado à mineração, estes patrimônios podem convergir facilmente. 3. INICIATIVAS DE VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO E MINEIRO DO PARANÁ Curitiba, capital precursora no Brasil em vários aspectos urbanísticos, foi pioneira na valorização do Patrimônio Mineiro, mesmo que não tenha sido esta a intenção inicial, no começo da década de 1990. Num planejamento ousado, que rendeu grande visibilidade ao município, várias frentes de lavra desativadas foram transformadas em parques e áreas de lazer público, o que hoje fornece ao turismo a maior parte de seu atrativo na cidade. Não obstante as informações geológicas terem sido esquecidas, por exemplo, na divulgação do Parque Tanguá, Pedreira Paulo Leminski, Universidade Livre do Meio Ambiente e Zoológico Municipal, estes pontos considerados entre os principais atrativos turísticos colocam o visitante em contato com um resgate da história de mineração de Curitiba. Liccardo et al. (2008) apresentaram esta correlação entre a geologia e história da mineração nos parques com os aspectos culturais atualmente divulgados, buscando uma associação com o uso turístico (geoturismo). Em vários casos ainda é possível encontrar importantes vestígios da atividade, como britadores e outros equipamentos no Parque Tanguá. Somente a partir de 2003 o Patrimônio Geológico passou a ser discutido no Paraná e isto aconteceu dentro de três grandes movimentos em prol de sua valorização e conservação. O primeiro coube à Mineropar, o Serviço Geológico do Paraná, através do projeto Sítios Geológicos e Paleontológicos do Paraná tendo como um de seus principais resultados a implantação de 48 painéis, presentes em 20 pontos de leste a oeste do Paraná (Figura 1). No âmbito deste projeto ainda foram editados dois livros (Geoturismo em Curitiba e Geoturismo no Karst) com a seleção de geossítios do município de Curitiba e mais três municípios vizinhos à capital paranaense, estando um terceiro programado para 2013 (Geoturismo em Tibagi). Outro movimento ligado a esta temática aconteceu com a participação na lista brasileira de sítios geológicos e paleobiológicos, a SIGEP. Nela o Paraná está representado com 13 áreas, entre geossítios publicados e propostas (Figura 1). Há uma evidente distribuição desigual ao longo do território, pois nove dos geossítios se situam no contexto dos Campos Gerais do Paraná, borda leste do Segundo Planalto Paranaense. No projeto da Mineropar, mesmo com uma distribuição mais ampla que os geossítios da SIGEP, também existe uma concentração de intervenções na área dos Campos Gerais. Assim, não é surpresa o fato de inúmeras instituições de ensino, do nível fundamental ao superior, do próprio estado ou não, elegerem esta região como um de seus destinos preferenciais para trabalhos de campo e visitas técnicas de diversas disciplinas das geociências (Guimarães et al., 2006; Melo et al., 2007; Guimarães et al., 2009; Melo e Guimarães, 2012). Estas duas iniciativas valorizam e divulgam aspectos da geodiversidade estadual, inclusive com sobreposição de temas, sendo concebidas para públicos diferentes (especializado para o SIGEP e mais genérico nos painéis da Mineropar). A divulgação e o alcance resultantes também foram distintos, seja por publicação de livros e pela internet (SIGEP) ou diretamente pela visita aos geossítios (painéis). O conjunto, entretanto, está longe de constituir um panorama pleno do patrimônio geológico existente no Paraná. A terceira estratégia, menor em quantidade de geossítios, porém de extrema importância para a geoconservação, foi uma consequência dos movimentos anteriores. Foi o processo de tombamento de quatro geossítios (Estrias de Witmarsum, Icnofósseis de São Luiz do Purunã, Cratera de Impacto em Coronel Vivida e Sítio Fossilífero de Pterossauros em Cruzeiro do Oeste) junto à Secretaria da Cultura do Paraná, tornando-os parte integrante do patrimônio natural do Paraná de acordo com seu valor cultural. O tombamento destes geossítios não obedeceu a uma estratégia pré-concebida, o que seria mais adequado, mas sim a necessidades imediatas de preservação de sítios que se encontravam sob o risco iminente de perda de sua integridade. No Paraná a política de tombamento pode se configurar numa importante ferramenta legal para a preservação e conservação do patrimônio geológico (Piekarz et al, 2012). 4. LISTA PRELIMINAR DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO PARANAENSE Mesmo com a carência atual de levantamentos que ponderem a relevância científica de geossítios no estado do Paraná, as ações anteriores fornecem subsídios para a proposição de um conjunto preliminar representativo de seu Patrimônio Geológico-Mineiro (Tabela 1), o qual traduz os principais acontecimentos da história da Terra presentes no território paranaense (figuras 2 a 15) e que ajudaram a construir a 43 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 Plataforma Sul-Americana, com destaque para produtos do Ciclo Brasiliano, supersequências paleozoicas e mesozoicas da principal sinéclise desta plataforma (Bacia do Paraná), fenômenos associados à abertura do Oceano Atlântico-Sul e à deriva da Placa Sul-Americana, além do modelado cenozoico do relevo. São incluídos locais com diferentes níveis de atratividade e acessibilidade, mas que permitem interpretar geoprocessos que não sejam demasiadamente complexos com relativa facilidade de transposição didática. Alguns deles já apresentam estruturas diretamente ligadas ao geoturismo, e que têm servido também como ferramenta de educação não formal e combinam valores científicos, didáticos, culturais, estéticos e funcionais. Pa ra u m a p r i m e i ra a p rox i m a ç ã o d a geodiversidade do Paraná (por exemplo, para alunos de ensino médio e fundamental e geoturistas), o conjunto de geossítios A a G (Tabela 1) permite reconhecer as grandes unidades de relevo e a maior parte dos principais episódios da história geológica do estado. Estes se situam em unidades de conservação públicas, ou seja, parques municipais (geossítio C) e estaduais (geossítios A, B, E), um parque nacional (geossítio G) e áreas de proteção ambiental (geossítios D, F), o que facilita o reconhecimento de conexões com a biodiversidade (valor funcional), viabilizando uma percepção integral de aspectos diversos do patrimônio natural estadual. Figura 1 – Mapa geológico simplificado do Estado do Paraná com indicação dos geossítios cadastrados no SIGEP e dos painéis instalados pela Mineropar. Fonte: Mineropar. 44 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 Tabela 1 – Lista preliminar de geossítios representativos do patrimônio geológico do Paraná. Geosítio Nome Localização Contexto Geológico A Ilha do Mel Litoral Rochas do Ciclo Brasiliano, Magmatismo Serra Geral, abertura do Oceano Atlântico, transgressões-regressões quaternárias, dinâmica litorânea B Complexo Marumbi Serra do Mar Magmatismo granítico brasiliano, Sistema de Riftes Cenozoicos do Sudeste do Brasil, evolução do relevo, movimentos de massa e áreas de risco C Grutas de Bacaetava e Lagoa Verde Primeiro Planalto Paranaense Sedimentação carbonática da Formação Capiru, faixa de dobramentos brasiliana, recursos minerais (rochas carbonáticas), relevo e aquífero cárstico, riscos geológicos D Mirante do Cristo/São Luiz do Purunã Escarpa Devoniana E Parque Estadual de Vila Velha Segundo Planalto Paranaense F Mirante do Morungava/Serra da Esperança Contato Bacia do Paraná-Embasamento, faixa de dobramentos brasiliana (Formação Votuverava), Sequência Paraná da Bacia do Paraná, contraste geológico-geomorfológico do 1º e 2º planaltos Sequências Paraná e Gondwana I (base), relevo ruiniforme, carste em arenitos Topo da Sequência Gondwana I (formações Rio do Rasto Escarpa da Serra Geral e Piramboia), Gondwana III, contraste geológicogeomorfológico do 2º e 3º planaltos, área de recarga do Aquífero Guarani G Parque Nacional do Iguaçu Terceiro Planalto Paranaense H Pico Paraná Serra do Mar I Parque Municipal Aníbal Khury Primeiro Planalto Paranaense Faixa de dobramentos brasiliana, sedimentação carbonática da Formação Capiru Formação Guabirotuba (Cidade Industrial de Curitiba) Primeiro Planalto Paranaense Sedimentação plio / pleistocênica da Bacia de Curitiba, mudanças climáticas globais, fósseis de vertebrados, contato com embasamento Parques-pedreiras de Curitiba Mina da Plumbum em Adrianópolis Primeiro Planalto Paranaense Primeiro Planalto Paranaense Rochas meso a paleoproterozoicas retrabalhadas no Ciclo Brasiliano Mineração de chumbo e zinco, faixa de dobramentos brasiliana, sedimentação carbonática M Estrias de Witmarsum Segundo Planalto Paranaense Sequências Paraná e Gondwana I, Glaciação Permocarbonífera, deriva continental, mudanças climáticas globais N Monumento da Pedra Caída em Rio Negro Segundo Planalto Paranaense Sequência Gondwana I, Glaciação Permocarbonífera, fósseis Segundo Planalto Paranaense Em diversos geossítios (Buraco do Padre, Furnas Gêmeas, Cachoeira de Santa Bárbara, etc.): magmatismo granítico brasiliano, sequências Rio Ivaí e Paraná, estruturas do Arco de Ponta Grossa, contraste geológico-geomorfológico do 1º e 2º planaltos, carste em arenitos, Aquífero Furnas J K L O Parque Nacional dos Campos Gerais Magmatismo Serra Geral, Cataratas do Iguaçu (Patrimônio da Humanidade), principal rio eminentemente paranaense (rio Iguaçu) Magmatismo granítico brasiliano, Sistema de Riftes Cenozoicos do Sudeste do Brasil, evolução do relevo, movimentos de massa e áreas de risco, ponto culminante do Paraná e da região sul do país 45 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 Bacias molássicas tardibrasilianas (Grupo Castro), sequências Rio Ivaí e Paraná, diques do Magmatismo Serra Geral, estruturas do Arco de Ponta Grossa, contraste geológico-geomorfológico do 1º e 2º planaltos, drenagens antecedentes (canyon do rio Iapó), carste em arenitos P Parque Estadual do Guartelá Segundo Planalto Paranaense Q Diamante do Rio Tibagi Segundo Planalto Paranaense Sequências Paraná e Gondwana I (base), diques do Magmatismo Serra Geral, recursos minerais (diamante e ouro), geomorfologia fluvial R Carvão de Figueira Segundo Planalto Paranaense S Folhelho betuminoso de São Mateus do Sul Segundo Planalto Paranaense Sequência Gondwana I (Formação Rio Bonito), Flora Glossopteris, deriva continental, recursos minerais (carvão, urânio e água) Sequência Gondwana I (Formação Irati), fósseis, deriva continental, recursos minerais (óleo, gás, enxofre, argila) Em diversos geossítios (saltos São Francisco, São João, Barão do Rio Branco, etc.): topo da Sequência Gondwana I (formações Teresina, Rio do Rasto e Piramboia), Gondwana III, soleiras do Magmatismo Serra Geral, contraste geológico-geomorfológico do 2º e 3º planaltos, maior cachoeira do sul do Brasil (Salto São Francisco), área de recarga do Aquífero Guarani T Cachoeiras de Prudentópolis Segundo e Terceiro Planaltos Paranaenses U Astroblema de Vista Alegre Terceiro Planalto Paranaense Sequência Gondwana III, feições de impacto meteorítico, formas especiais de relevo, eventos singulares e seus efeitos Mina de Ametista em Chopinzinho Terceiro Planalto Paranaense Magmatismo Serra Geral e mineralização de quartzo violeta em geodos V Figura 2 – Ilha do Mel, geossítio representativo do patrimônio geológico do Litoral (acervo Mineropar). Figura 3 – Pico do Paraná, geossítio representativo do patrimônio geológico na transição Litoral/Primeiro Planalto Paranaense (Serra do Mar). 46 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 Figura 4 – Parque Tanguá (Curitiba), geossítio representativo do patrimônio geológico-mineiro do Primeiro Planalto Paranaense. Figura 5 – Gruta Bacaetava (Colombo), geossítio representativo do patrimônio geológico do Primeiro Planalto Paranaense. Figura 6 – Estrias Glaciais de Witmarsum (Palmeira), geossítio representativo do patrimônio geológico do Segundo Planalto Paranaense. Figura 7 – Buraco do Padre (Ponta Grossa), geossítio representativo do patrimônio geológico do Segundo Planalto Paranaense. Figura 8 – Parque Estadual de Vila Velha (Ponta Grossa), geossítio representativo do patrimônio geológico do Segundo Planalto Paranaense. Figura 9 – Canyon do Guartelá (Castro/Tibagi), geossítio representativo do patrimônio geológico do Segundo Planalto Paranaense. 47 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 Figura 10 – Extração de geodos de ametista no basalto (Chopinzinho), geossítio representativo do patrimônio geológico-mineiro do Terceiro Planalto Paranaense. Figura 11 – Parque Nacional do Iguaçu (Foz do Iguaçu), geossítio representativo do patrimônio geológico do Terceiro Planalto Paranaense. Figura 12 – Vestígios da mineração de ouro em Timbotuva (Campo Largo), imagem representativa da história da mineração no Paraná. Figura 13 – Extração de diamantes por mergulho com escafandros (Tibagi/1935). Figura 14 – Mina de carvão em Ortigueira, ativa até a década de 1970. Figura 15 – Extração de folhelho pirobetuminoso (São Mateus do Sul). 48 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 5. VALORIZAÇÃO E PROMOÇÃO DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO PARANAENSE A história do Planeta Terra deixou capítulos interessantes e variados no que hoje é o estado do Paraná e este é um acervo sobre as memórias do território paranaense difundido ainda de modo precário e certamente insuficiente. Carneiro et al. (2004) expõem com propriedade os motivos de se incluir temas geológicos na educação básica, necessários para a formação de cidadãos responsáveis e consequentes. Os autores destacam os desafios de se levar o mundo real para a sala de aula e vice-versa, a atenção para a geoconservação das áreas especiais para a compreensão do passado geológico, preferencialmente tomando-se o cuidado de realizar a oferta cultural do patrimônio geológico local. Exemplos concretos e com resultados estimulantes, no Paraná e em estados vizinhos (Carneiro, 2007; Bruczkovski e Guimarães, 2011; Alencar et al., 2012), demonstram o potencial didático de elementos da geodiversidade na fixação de conteúdos de Ciências e Geografia do ensino fundamental e médio, tomando-se por base exemplos locais. Outra maneira de aproximar o patrimônio geológico da comunidade em geral é através de museus e exposições. O Centro de Informações Minerais Professor Riad Salamuni e a Exposição de Minerais e Rochas Orville Derby, ambos situados na Mineropar, receberam visitas da ordem de 12.000 estudantes no ano de 2012 (PARANÁ, 2012). A externalização do acervo do laboratório didático de Geologia da Universidade Estadual de Ponta Grossa em corredores, saguões e área exterior de um de seus blocos didáticos, além da reprodução de quase todo o conjunto de painéis geológicos da Mineropar, trouxe a oportunidade de tanto a comunidade universitária como a de visitantes ocasionais tomarem conhecimento de elementos da geodiversidade em geral, e do patrimônio geológico paranaense em particular (Liccardo et al., 2012). Museus, centros de divulgação e exposições acabam sendo, muitas vezes, a melhor forma de levar à população dois componentes da geodiversidade que, por questões de escala, fragilidade e/ou valor científico, normalmente não podem ser vistos em seus locais originais de coleta: fósseis e minerais. O estado do Paraná é uma referência nacional quando o assunto são os fósseis de invertebrados marinhos do Devoniano, a Fauna Malvinocáfrica. Apesar de serem conhecidos diversos afloramentos fossilíferos da Formação Ponta Grossa (Sequência Paraná), principalmente nos municípios de Ponta Grossa, Tibagi e Jaguariaíva (inclusive integrando a SIGEP; Bolzon et al., 2002), não há muito sentido em indicá-los para uma lista dos geossítios que divulguem à população em geral o patrimônio geológico paranaense, seja pela dificuldade de pronta observação dos fósseis, da necessidade de conservação de material de interesse científico ou restrições de acesso, conservação e segurança de alguns destes locais (como é o caso do Sítio SIGEP 65, em Jaguariaíva). O “conjunto básico” de geossítios (A a G na Tabela 1) para contato com o patrimônio geológico do Paraná encontra-se, como já destacado, em unidades de conservação. Estas, em maior ou menor proporção, contam com mecanismos de proteção e divulgação (infelizmente excessivamente dirigidos à biodiversidade), algumas delas com equipamentos e pessoal voltados à exploração turística. Deve-se ressaltar que na lei federal que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC; Brasil, 2000), onde são listados seus objetivos, estão explícitas as missões tanto de proteger como de permitir o acesso da população a elementos ímpares da natureza brasileira, os quais claramente incluem o patrimônio geológico: (...) VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica; VII - proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural; VIII - proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos; (...) X - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental; (...) XII - favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico (artigo 4 da Lei Federal 9.985, 2000). Alguns dos principais destinos turísticos do Paraná possuem sua atratividade estreitamente vinculada à geodiversidade (Cataratas do Iguaçu, Ilha do Mel, Parque Estadual de Vila Velha), apesar dos operadores turísticos e gestores das unidades de conservação subestimarem o componente abiótico destes locais. Esforços têm ocorrido para superar esta deficiência, com a implantação de painéis explicativos, treinamentos de guias e condutores, elaboração de roteiros geoturísticos e participação nos conselhos consultivos das unidades de conservação (Melo, 2006; Guimarães et al., 2006; Letenski et al. 2009; Moreira, 2008, 2011), mas ainda há espaço para muito progresso (Melo et al., 2004; Guimarães et al., 2008). Recentemente tem havido intensos debates sobre uma definição para geoturismo (Hose, 2011; Martini et al., 2012). Mas um consenso entre os teóricos desta vertente turística está no acréscimo de conhecimento a quem dele usufrui, o que implica a promoção de um ganho cultural. Portanto o geoturismo representa ao mesmo tempo uma ferramenta de conservação do patrimônio geológico, geração de renda e valorização e divulgação científico-cultural. I n st r u m e nto s q u e p o d e m a u x i l i a r a 49 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 disseminação do conhecimento sobre o patrimônio geológico, tanto no campo do geoturismo como da educação (formal, informal e não-formal), são os roteiros e guias geológicos. Há décadas a comunidade de geocientistas tem lançado mão do recurso da elaboração de roteiros para divulgar as peculiaridades da geodiversidade nacional, com ótimos exemplos no estado do Paraná (de Mendes, 1968 a Matsumura, 2010), inclusive culminando na realização do 1º Simpósio de Roteiros Geológicos do Paraná em 2002 (Fernandes et al., 2002). Estes roteiros, frequentemente voltados a um público especializado (mineralizações de F, Pb e Ag: Lima e Silva, 1987; geologia e paleontologia da Bacia do Paraná: Zalán et al., 1987, Rösler et al., 2000; icnopaleontologia do Grupo Paraná: Tognoli et al., 2002; geologia do petróleo na Bacia do Paraná: Milani et al., 2006), também acabam por auxiliar novas gerações de professores universitários que buscam alternativas para seus trabalhos de campo. Apenas recentemente tem se percebido a publicação de roteiros que buscam atender profissionais das geociências que não diretamente geólogos, ou mesmo que pretendam mediar a transmissão de conhecimentos específicos para condutores de turismo e o público em geral (Letenski et al., 2009; Augusto & Lama, 2010). Seja porque possuam alcance restrito, muitas vezes acompanhando boletins de resumos ou atas de eventos científicos, ou pela linguagem excessivamente técnica, os roteiros atendem apenas parcialmente o papel de divulgação do patrimônio geológico. Folhetos, mapas e guias geoturísticos dirigidos ao público em geral, de uso consagrado no exterior, têm começado a ocupar este espaço no Paraná, complementando as funções exercidas por painéis, museus e condutores. A coleção de folhetos explicativos produzidos pela Mineropar (disponíveis em www.mineropar.pr.gov.br), os guias geoturísticos de Curitiba (Liccardo et al., 2008) e do carste na região metropolitana de Curitiba (Piekarz, 2011), o mapa geoturístico de Tibagi (Liccardo et al., 2010) e o mapa/folheto do patrimônio espeleológico de Ponta Grossa (GUPE, 2013) são exemplos que deveriam ser estendidos às demais áreas ilustrativas do patrimônio geológico do Paraná. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos últimos anos a sociedade brasileira tem visto, nos grandes veículos de divulgação em massa, um número cada vez maior de notícias relacionadas ao mundo profissional dos geólogos. As “descobertas do pré-sal”, desastres naturais no Brasil (por exemplo, movimentos de massa em Santa Catarina, Rio de Janeiro e na região litorânea do Paraná) e no exterior (terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas), novidades científicas no campo paleontológico ou astronômico (por exemplo, explicações sobre as missões norte-americanas em Marte) têm trazido geólogos aos programas de televisão, revistas, jornais, etc. Também com frequência aparecem notícias destacando a necessidade do país em formar um número maior de geólogos. Isto tem levado a Geologia a ser apontada como uma das melhores opções profissionais, em publicações voltadas para estudantes do ensino básico, com garantias de inserção imediata no mercado de trabalho. Por outro lado a constatação cotidiana indica que a sociedade em geral, como regra, possui uma enorme lacuna na compreensão de elementos básicos das geociências. Isto se revela no contato com alunos de disciplinas de Geologia Geral (e equivalentes) das séries iniciais do ensino superior (cursos de Engenharia, Agronomia, Geografia, Biologia). Também esta situação ocorre com profissionais de diferentes órgãos da administração pública, inclusive aqueles responsáveis pela prevenção de situações de risco a desastres naturais ou das políticas de uso e ocupação do solo. No estado do Paraná há atualmente apenas um curso de graduação em Geologia, mas diversos cursos com disciplinas básicas das geociências em cursos de Geografia, Ciências Biológicas, Agronomia, Engenharia Civil, Química, dentre outros. No primeiro caso seria recomendável a oferta de disciplinas, aos futuros geólogos, que contemplassem estratégias de identificação, proteção e divulgação do patrimônio geológico, tais como Geoconservação e Geoturismo. No que diz respeito à graduação de profissionais de outras áreas existe uma dupla missão. “Alfabetizar” geologicamente futuros bacharéis (biólogos, geógrafos, turismólogos, engenheiros etc.) e preparar para a tarefa de transmissão de conhecimento geocientífico aqueles que atuarão como professores do ensino fundamental e médio (principalmente professores de Geografia e Ciências). Auxiliar a sociedade a perceber-se como elemento indissociável e integrante do mundo geológico é uma ação cultural que não deveria se resumir às universidades e bancos escolares, necessitando ser abraçada por indivíduos, associações e órgãos que congreguem profissionais das geociências. Em todas estas situações acredita-se que os exemplos do patrimônio geológico paranaense facilitarão o entendimento de aspectos básicos das geociências e suas implicações para a população em geral. Agradecimentos: Os resultados e discussões aqui apresentados são oriundos, em parte, de projetos financiados pela Fundação Araucária e pela Mineropar, aos quais estendemos nossos agradecimentos. Os créditos das imagens deste artigo, quando não discriminados, pertencem aos autores. 50 Guimarães et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 41-52 Referências bibliográficas ALENCAR R., NASCIMENTO R. S., GUIMARÃES G. B. 2012. Geociências no Ensino Fundamental: Ciências ou Geografia? Da história da Terra à paisagem local através da geodiversidade da Ilha de Santa Catarina. In: III Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia, Ponta Grossa/PR. Anais. UTFPr, Ponta Grossa, 12 p. ANDRADA M. F. R. 1847. Diário de uma viagem mineralógica pela Província de S. Paulo no Anno de 1805. 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SBG PR/SBG RS-SC, Curitiba, 80-86 p. Manuscrito ID 32439 Submetido em junho de 2013 Aceito em junho de 2013 52 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 53 - 76 Patrimônio geológico no estado de São Paulo Geological heritage in the the state of São Paulo VIRGINIO MANTESSO-NETO , ROGÉRIO RODRIGUES RIBEIRO , MARIA DA GLÓRIA MOTTA GARCIA , ELIANE APARECIDA DEL LAMA , ANTONIO THEODOROVICZ . ¹Conselho de Monumentos Geológicos / SP - [email protected] ²Instituto Geológico de São Paulo - [email protected] ³Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo - [email protected] - [email protected] 4 CPRM / SP - [email protected] Resumo O Estado de São Paulo tem cerca de 250.000km² e 41 milhões de habitantes, com uma taxa de urbanização que ultrapassa 95%. Sua geologia é constituída de cerca de 30% de embasamento cristalino, cerca de 70% de Bacia do Paraná e pequenas bacias terciárias e quaternárias; sua geomorfologia reflete essencialmente a base geológica. Seu patrimônio geológico natural é rico e variado, cobrindo quase toda a história terrestre, múltiplas litologias, e uma grande variedade de cavernas, incluindo um dos maiores portais calcários do mundo; o patrimônio geológico construído é também muito abrangente, incluindo o uso de rochas locais e importadas. A história da mineração no seu território abrange algumas das primeiras minas do Brasil e tem importância continental. O estado criou o primeiro Conselho de Monumentos Geológicos do país, tem geossítios de valor científico internacional e está desenvolvendo seu inventário. Tem potencial para pelo menos um geoparque. Conta com muitas instituições de ensino e pesquisa nas geociências, e diversos museus. Por tudo isso, a perspectiva para o bom uso do seu patrimônio geológico, com a preservação adequada, é uma possibilidade real e um dos objetivos de sua comunidade geocientífica. Palabras clave: São Paulo; patrimônio geológico natural; patrimônio geológico construído; geoparque; geoturismo. Abstract The State of São Paulo has an area of 250.000km² (97.000sq.mi.) and a population of 41 million inhabitants, of which over 95% in urban areas. Its geology is made up of about 30% of crystalline basement terrains, about 30% of Paraná Basin terrains and minor tertiary and quaternary basins; its geomorphology clearly reflects its geological basis. Its natural geological heritage is rich and varied, covering most of the Earth's history, multiple lithologies, and a large variety of caves, including one of the largest limestone portals in the world. Its built geological heritage is also quite meaningful, including the use of both domestic and imported dimension stones. The history of mining in its territory includes some of the oldest mines in Brazil and has continent-wide meaning. This state created the first Council of Geologic Monuments in the country, has geosites of international significance, and is developing its inventory of geosites. It has the potential for at least one geopark. It has many geoscience researching and teaching institutions, which host a number of museums. For all of these reasons, the perspective for the proper use of its geological heritage, with adequate preservation, is a real one, and one of the goals of its geoscientific community. Key words: Sao Paulo; natural geological heritage; built geological heritage; geopark; geotourism. 1. INTRODUÇÃO O Estado de São Paulo tem 248.223 km²; está dividido em 14 regiões administrativas, com 645 municípios e 4 regiões metropolitanas; sua população em 2013 é de 42,3 milhões de habitantes, dos quais 20,1 milhões na Região Metropolitana da Capital. A taxa de urbanização é muito alta, e era, em 2010, acima de 95,9%. (SEADE, 2013). Neste trabalho apresentamos uma visão geral e abrangente sobre o patrimônio geológico no estado, tentando cobrir as várias facetas do tema, e suas interfaces com outras áreas das geociências e mesmo outras ciências, inclusive humanas. Dividimos o Patrimônio Geológico em dois grandes grupos: o natural e o construído. O patrimônio natural é constituído por geossítios, onde o aspecto de interesse apresenta-se essencialmente em seu estado original, e a intervenção humana, se houve, teve efeito mínimo. O patrimônio construído abrange todos os elementos da geodiversidade que, por intervenção humana, tornaram-se itens de valor patrimonial. No Brasil começou a ser recentemente constatado o resultado já conhecido em outros países de que roteiros geoturísticos são muito úteis na divulgação e disseminação do conhecimento geocientífico, além de contribuir para a preservação do patrimônio geológico. Assim, esperamos que esse artigo, sem ser um guia, possa eventualmente ser usado como tal, estimulando o usufruto e o estudo dessa rica herança geológica e cultural. 2. ESBOÇOS DA GEOLOGIA E GEOMORFOLOGIA Em grandes linhas, quase 30% do território paulista correspondem ao Embasamento Cristalino (com 53 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 idades entre Arqueano e Proterozoico Superior) e quase 70% à Bacia do Paraná (do Devoniano ao Cretáceo), ocorrendo ainda pequenas áreas com coberturas cenozoicas, incluindo bacias (intracontinentais e costeiras) terciárias e pacotes sedimentares litorâneos (também intracontinentais e costeiros) quaternários (Figura 1). Figura 1 – Esboço Geológico do Estado de São Paulo, segundo Santos (2004). As características geomorfológicas são fortemente condicionadas pela estrutura geológica; são reconhecíveis, por critérios morfoesculturais, as seguintes grandes unidades geomorfológicas: Província Costeira, Planalto Atlântico, Depressão Periférica, Cuestas Basálticas e Planalto Ocidental (Figura 2). Figura 2 – Esboço Geomorfológico do Estado de São Paulo, baseado no conceito de morfoesculturas (Estado de Sao Paulo images, s/d). 54 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Como se nota no esboço geológico da Figura 1, as duas unidades principais do estado são a Bacia do Paraná, a noroeste, e o embasamento cristalino, a sudeste. Um roteiro que tenha início no extremo noroeste (p. ex. em Ilha Solteira) até o extremo sudeste (p. ex. em Santos) mostrará inicialmente rochas jurocretáceas do topo da Bacia do Paraná pertencentes aos g r u p o s B a u r u e S ã o B e n t o , d e a m b i e n t e predominantemente continental, seguidas de litotipos permo-triássicos do Grupo Passa Dois, de ambiente continental eólico e, em seguida, rochas de ambientes glácio-marinhos do Grupo Itararé (Carbonífero /Permiano). Localmente, a sudeste, ocorrem também depósitos fluviais a costeiros devonianos do Grupo Paraná, que constituem a base da sequência sedimentar que compõe a bacia no estado. O conjunto todo repousa sobre uma faixa alongada orientada na direção nordestesudoeste composta na sua maior parte por rochas metamórficas de baixo a alto grau cortadas por corpos granitoides de diferentes idades. Esseembasamento cristalino tem idades desde arqueanas (~ 3 Ga) até proterozoicas superiores (chegando, pontualmente, a cambrianas, ~ 500 Ma) e foi afetado por inúmeros eventos tectônicos. Numerosas falhas e zonas de cisalhamento transcorrentes geradas como resultado de colisões continentais registram os episódios de aglutinação do Supercontinente Gondwana, no Neoproterozoico, que corresponde ao último grande evento termo-tectônico que afetou a região – o Brasiliano/Pan-Africano. No Cretáceo teve início a fragmentação do Gondwana e a abertura do Oceano Atlântico Sul, durante a qual o desenho atual da linha de costa do Continente Sul-Americano começou a ser delineado. Subprodutos tardios destes movimentos extensionais, tais como as bacias cenozoicas (Taubaté, São Paulo, etc.) distribuídas ao longo de um rifte orientado paralelamente à costa e a Serra do Mar, uma das mais espetaculares feições do sul-sudeste do Brasil, também foram gerados, além de planícies litorâneas e bacias costeiras, como a de Santos. Em razão desta grande diversidade de rochas, estruturas, paisagens e processos geológicos construídos ao longo de quase toda a história do planeta, o Estado de São Paulo, detém, em seu território, geossítios de valor inestimável, seja pela relevância geocientífica, beleza cênica ou importância histórica. Vários destes geossítios já se constituem em (ou estão bastante próximos de) locais de turismo convencional ou de turismo de aventura. Alguns já estão disponíveis como locais de visitação geoturística e possuem projetos de divulgação e proteção. A maioria deles, entretanto, carece de ações que promovam a interface entre o patrimônio natural e as comunidades, uma situação que representa um grande desafio para o poder público, a comunidade científica e a sociedade. 3. HISTÓRICO DO RECONHECIMENTO E GESTÃO DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO As primeiras ações governamentais visando a gestão do patrimônio natural geológico no Estado de São Paulo tiveram início na década de 1970, com o tombamento parcial da de uma antiga pedreira de varvito no município de Itu, em 1974, pela Secretaria Estadual da Cultura. Outras ações governamentais visando a gestão do patrimônio natural geológico iniciaram-se com a publicação do Decreto Estadual nº 11.138/78. Este documento colocava sob a égide da antiga Divisão de Proteção de Recursos Naturais (DPRN) e do Instituto Geológico (IG), então órgãos da Secretaria de Estado da Agricultura (SAA), a elaboração de normas técnicas que visavam o uso racional, a salvaguarda e o serviço de conservação dos Monumentos Geológicos para fins científicos e culturais, bem como a perpetuidade de monumentos naturais por meio de regimes especiais de proteção (arts. 368, IX e X; 423, IX). Posteriormente, já na década de 1980, boa parte dessas atribuições foram reunidas e repassadas definitivamente ao Instituto Geológico, por meio da criação da Seção de Monumentos Geológicos, quando da expedição do Decreto Estadual nº 24.931/86 (art. 10°, III). No ano de 1987, o IG se desacoplou da Secretaria da Agricultura e foi transferido para a recém-criada Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA) (Decreto nº 26.942/87, artº 1º). Na transição dessas duas décadas a gestão do patrimônio geológico ganhou outro aliado, a Secretaria de Estado da Cultura, por meio do Decreto Estadual n° 13.426/79. Neste documento, observa-se um estímulo à valorização cultural e à proteção desse patrimônio, ao ser preconizada a necessidade da defesa dos monumentos naturais paisagísticos por meio do tombamento (arts. 3° e 140, § 1°). Finalmente, em 1989, a promulgação da atual Constituição Paulista ratificou a valorização do patrimônio geológico como bem natural a ser tombado, ao incluir como patrimônio cultural a ser protegido “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (art. 260). Na década de 1990, duas importantes ações do poder público local foram a criação do Parque Municipal da Rocha Moutonneé, em 1991, em Salto, e do Parque Municipal Varvito de Itu, em 1995. O Instituto Geológico, por meio da Seção de Monumentos Geológicos, teve forte atuação na gestão do patrimônio natural geológico paulista até meados da década de 1990, quando iniciou contatos com as prefeituras do estado solicitando indicações ou sugestões de ocorrência de lugares com interesse geológico em seu território, que merecessem um estudo técnico. Entretanto, por falta de pesquisadores e de pessoal técnico, esta Seção ficou praticamente inoperante até 2007, quando foi reativada com a 55 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 inserção, via concurso público, de novos pesquisadores científicos e com o lançamento dos projetos "Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo" e "Monumentos Geológicos da Região de Rio Claro”. Em 2009 foi criado, por meio da Resolução SMA nº 076/2009, o Conselho Estadual de Monumentos Geológicos (CoMGeo-SP), junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente. O CoMGeo-SP, de caráter consultivo, tem como principal objetivo auxiliar, no âmbito da SMA, as ações e atividades que envolvam a pesquisa, conservação e divulgação dos Geossítios e Monumentos Geológicos de São Paulo. É composto pelo Secretário do Meio Ambiente (seu presidente), pelo diretor do IG, pelo chefe da Seção de Monumentos Geológicos (seu Secretário Executivo) e por outros 16 Conselheiros, vindos de diversas áreas de atuação e conhecimento, e reconhecidos por sua atuação nos temas relacionados aos Geossítios e Monumentos Geológicos. No âmbito acadêmico, duas iniciativas pioneiras podem ser citadas dentro do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo: 1) A criação, em 2011, do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geot ur ismo d a Uni versi dad e de S ão Paul o (GeoHereditas), com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. O núcleo tem como objetivos principais promover a pesquisa, a geoconservação e a divulgação do patrimônio geológico no Estado de São Paulo e em outros estados, tendo como alicerces a Geologia Básica, a divulgação das Geociências e a melhoria da qualidade de vida das comunidades envolvidas. 2) Uma nova linha de pesquisa, denominada “Patrimônio Geológico natural e construído e Geoconservação”, foi incluída, em 2012, no Programa de Pós-Graduação em Mineralogia e Petrologia do IGc/USP. Monumentos Geológicos, os primeiros marcadores de página da série “Monumentos Geológicos de São Paulo” e painéis geológicos (Figuras 3 a 6), além da ficha de proposta de criação de Monumento Geológico, folders e bloco de notas. Figura 3 – Imagem ilustrativa da Logo do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo. 4. INICIATIVAS NA ÁREA DE PATRIMÔNIO GEOLÓGICO No estado, há várias instituições com programas ligados a aspectos do movimento pela valorização do patrimônio geológico. Os principais programas e iniciativas são: Figura 4 – Imagem ilustrativa do Inventário Preliminar de Geossítios e Monumentos Geológicos Paulistas do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo. 4.1. MONUMENTOS GEOLÓGICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO O já mencionado Projeto “Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo” tem como principal objetivo promover o registro, conhecimento, conservação e divulgação do Patrimônio Geológico estadual, abordando a geodiversidade como arcabouço fundamental da biodiversidade. Visa também preencher uma lacuna na gestão do patrimônio natural geológico, permitindo que o Estado de São Paulo coloque-se em posição compatível com as ações já existentes em esfera mundial e em outros estados do Brasil. Alguns produtos deste Projeto são a sua logomarca, o Inventário Paulista (Preliminar) dos Figura 5 – Imagem ilustrativa do marcador de página (frente e verso) do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo. 56 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Foram identificados onze locais com ocorrência de elementos da geodiversidade apresentando significativo valor científico. Segundo a metodologia utilizada para inventário e quantificação desses onze geossítios, quatro apresentaram também valor científico em nível internacional. A próxima fase será o encaminhamento desses geossítios para apreciação por parte do Conselho de Monumentos Geológicos (CoMGeo-SP). Figura 6 – Imagem ilustrativa do Painel Geológico do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo. Dos cerca de trinta geossítios identificados no território paulista (pela SIGEP ‒ ver item 4.6 ‒ e por instituições de pesquisa), até meados de 2013, seis apresentaram as condições mínimas para uma gestão adequada e foram declarados como Monumentos Geológicos Paulistas pelo CoMGeo-SP. São eles: O Carste e as Cavernas do Parque Estadual Turístico Alto do Ribeira (PETAR); a Rocha Moutonnée; o Varvito de Itu; a Cratera de Colônia; os Geyseritos de Anhembi; e a Pedra do Baú. Os demais sítios deverão ser paulatinamente apreciados pelo mesmo fórum. 4.2. MONUMENTOS GEOLÓGICOS DA REGIÃO DE RIO CLARO Figura 7 – Elemento da área coberta pelo Projeto Monumentos Geológicos da Região de Rio Claro: o Cuscuzeiro de Analândia, morro-testemunho constituído por arenitos da Formação Botucatu (Bacia do Paraná, idade jurássica), localmente “cozidos” e silicificados pelo basalto da Formação Serra Geral (Foto: Virginio Mantesso-Neto). De 2007 até 2012 foi desenvolvido o Projeto “Monumentos Geológicos da Região de Rio Claro” (Figuras 7 e 8). Essa região é composta pelos municípios de Analândia, Charqueada, Corumbataí, Ipeúna, Itirapina, São Pedro, Rio Claro, Limeira e Santa Gertrudes. É conhecida por apresentar um patrimônio natural bastante diverso, e já conta com trabalhos de levantamento do patrimônio geológico elaborados por Zaine & Perinotto (1996), Perinotto (2009), Zaine & Zaine (2009) e Perinotto & Mantesso-Neto (2013a, 2013b), com importantes considerações sobre o potencial turístico da área e propostas de educação ambiental. Foram objetivos deste projeto: a) contribuir para o registro, o conhecimento e a divulgação do Patrimônio Geológico do Estado de São Paulo; b) identificar, selecionar e caracterizar o patrimônio geológico de excepcional valor científico existente na região, como forma de suportar iniciativas de geoconservação; c) contribuir com o Inventário Paulista dos Monumentos Geológicos (Ribeiro et al., 2012). Figura 8 – Elemento da área coberta pelo Projeto Monumentos Geológicos da Região de Rio Claro: Formação Irati (Bacia do Paraná, idade permiana), da qual se origina esta placa de calcário, notável por apresentar 9 fósseis de mesossaurídeos, todos com o crânio preservado, e indícios de que um deles seja de uma fêmea prenha. Museu de Geociências IGc/USP. Escala 5cm. (Foto: Virginio Mantesso- Neto). 57 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 4.3. VALE DO RIBEIRA - PARQUES E GEOPARQUE Consequência de uma longa e complexa história geológica que, do Arqueano ao Fanerozoico, envolveu a superposição de vários eventos tectônicos de abertura e fechamento de mares e oceanos, e consequentes colisões de massas continentais e intensa granitogênese associada, a região sul-paulista, limítrofe com o estado do Paraná, conhecida como Vale do Ribeira, se caracteriza por ser uma das mais complexas e variadas na geologia do Brasil. É um geoambiente especial em vários sentidos. Notadamente na sua porção mais montanhosa, conhecida como Alto Vale do Ribeira, apresenta um rico e diversificado patrimônio geológico, ambiental, paisagístico e mineral, com destaque para uma das maiores concentrações das mais belas e impressionantes cavernas do mundo (cerca de 300 conhecidas), muitas das quai s com fei çõ es úni ca s e em pleno desenvolvimento (Figuras 9 a 12). O estado de São Paulo criou, pelo Decreto nº 32.283 de 19/05/1958, o Parque Estadual e Turístico do Alto Ribeira – PETAR (www.petaronline.com.br), com a finalidade de resguardar e proteger o patrimônio espeleológico e a rica biodiversidade aí presentes; a SIGEP (ver item 4.6) reconheceu a região como um dos importantes patrimônios espeleológicos do Brasil, registrando esse s i stemadecavernascomoSítio043 (sigep.cprm.gov.br/sitio043/sitio043.htm). Figura 10 – Caverna Teminina, travertinos em formação. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 11 – Caverna Teminina, jato d´água saindo do teto da caverna como uma grande ducha. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 9 – Caverna Teminina, salão conhecido como Jardim Suspenso. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 12 – Caverna Teminina, jato d´água saindo do teto da caverna como uma grande ducha. Tomada do painel existente no Núcleo Caboclos. Foto: Antonio Theodorovicz. 58 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Protegem e também aproveitam turisticamente o extraordinário patrimônio geológico e ambiental da região outras grandes áreas de preservação ambiental da categoria Parques do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, os parques estaduais Intervales ‒ PEI e Caverna do Diabo, e o Parque Municipal Morro do Ouro de Apiaí (www.apiai.sp.gov.br), este último criado com o intuito de proteger e aproveitar uma antiga mineração de ouro primário. A l é m d o ex t r a o r d i n á r i o p a t r i m ô n i o espeleológico concentrado nas áreas dos parques, existem outros patrimônios naturais importantes, distribuídos por uma região bem mais abrangente do que a de domínio das áreas de conservação. Esses atributos, em seu conjunto, tornam essa região de alto potencial geoturístico também um didático laboratório a céu aberto para o estudo dos mais diversos temas da bio e geodiversidade. Parte desse patrimônio não está sendo preservado, sofrendo degradação pelo avanço desordenado das pastagens e dos reflorestamentos com espécies exóticas, que pouco a pouco homogeneízam a vegetação com todos seus impactos ambientais e cênicos negativos. Infelizmente, causa também impacto negativo a constatação de que, contrastando com seu ricopatrimônio natural, a região é historicamenteconhecidapor ser uma das mais pobresdo estado, estando aí localizados alguns de seus municípios de menores IDHs. Essa contradição leva a concluir que não se está sabendo aproveitar adequadamente o que a região tem de melhor ‒ seu patrimônio natural ‒ como fator de melhoria das condições socioeconômicas da população. Muito se tem falado em mudar essa realidade através do ecoturismo. Projetos governamentais com esse intuito são muitos e antigos. No entanto, as iniciativas até o momento tomadas são tímidas e se concentram basicamente no incentivo à visitação às áreas dos parques. Preocupa mais ainda o equivocado conceito que tem boa parte da população que não se beneficia economicamente do turismo praticado nos parques de que eles são um dos limitadores do desenvolvimento socioeconômico da região. Esse conceito leva essa população a rechaçar qualquer proposta de criação de novas unidades de preservação ambiental da categoria parques do SNUC. Essa postura, por sua vez, aumenta ainda mais o risco de degradação desse patrimônio. É com essa preocupação que o Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM), através do seu Projeto Geoparques(www.cprm.gov.br/publique/cgi/cgilua.ex / sys/start.htm?sid=134) achou por bem selecionar, dentre outras do Brasil, uma área de cerca de 2.500 km² no Alto Vale do Ribeira (www.cprm.gov.br/Geo_Site/), que envolve partes de municípios paulistas de Apiaí, Iporanga, Ribeira, Barra do Turvo, Eldorado Paulista e Itaoca e do vizinho município paranaense de Adrianópolis, como adequada para aplicar uma novidade de uso e ocupação do solo que são os Geoparques termo criado pela UNESCO, para distinguir áreas do mundo onde o patrimônio geológico é preservado e, através do geoturismo, é aproveitado como indutor de crescimento econômico, de cultura e de educação ambiental. É, portanto, um conceito de preservação totalmente distinto dos parques do SNUC, uma vez que um Geoparque não é cercado; não é necessário que seja uma figura jurídica; não envolve desapropriações; não exige a saída dos moradores; não proíbe nenhuma forma de uso e ocupação, nem mesmo da mineração (que pode até ser aproveitada como um atrativo turístico). É uma concepção de desenvolvimento sustentável que tem por objetivo melhorar as condições de vida da população e fazer com que ela passe a preservar e a ter orgulho do meio em que vive. Um Geoparque tem também por finalidade permitir que o turista ao visitá-lo se divirta, que possa, ao mesmo tempo, adquirir conhecimentos sobre a sua história e a sua importância geológica. Esse conhecimento é repassado principalmente por meio de painéis interpretativos montados em locais estrategicamente selecionados, denominados de Geossítios. Geossítio é o termo empregado para caracterizar um local onde existe uma singularidade qualquer da geodiversidade que mereça ser preservada e visitada, seja pela sua exclusividade, ou pela sua importância para o entendimento da evolução geológica em nível local, regional ou global, ou seja, ainda, por qualquer outro aspecto ligado às ciências da Terra ‒ inclusive aspectos culturais ou históricos. A cada geossítio está normalmente associado um painel explicativo, que tem não apenas o objetivo de passar informações, mas também o de fazer o turista refletir sobre a geologia e o meio ambiente, e conscientizar-se da necessidade da preservação do seu entorno. Muitas vezes, particularmente em regiões onde a paisagem ‒ ou, em última análise, a geomorfologia ‒ é um atrativo, o geossítio, além de suas outras características, é também um local de onde se pode admirar uma bela vista (Figuras 13 e 14). 59 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Figura 13 – Imagem tirada do mirante sobre o vale do rio Betari, exemplo de geossítio de interesse geológico, geomorfológico e turístico. O vale foi condicionado por duas histórias geológicas distintas, distantes no tempo geológico: a tectônica colisional Brasiliana, responsável pela deformação das sequências marinhas do Grupo Lajeado, e, no Fanerozoico, a abertura do Atlântico. A paisagem resultante ‒ ou seja, a geomorfologia hoje visível ‒ é um forte atrativo cênico. (Ver também Figura 14, tirada do mesmo local). Foto: Antonio Theodorovicz. Se uma entidade está situada numa região que apresenta características geológicas e outros atributos adequados, dispõe de infraestrutura receptiva e administrativa já em operação compatível com a filosofia de um Geoparque, e apresenta um dossier de candidatura, ela pode vir a receber da UNESCO um selo de aval e passar a integrar a Rede Global de Geoparques (Global Geoparks Network ‒ www.globalgeopark.org). Essa rede busca manter, por um sistema de orientação, partilha e colaboração entre seus membros, uma plataforma de ações com o intuito de proteger e aproveitar o patrimônio geológico como indutor de educação, entretenimento e desenvolvimento sustentável. Justificativas para tornar realidade um projeto de Geoparque na região, segundo os pressupostos da UNESCO, existem muitas. Dentre elas, salientam-se: i) o excepcional patrimônio espeleológico e geológico (Figuras 13 a 22), em grande parte bem protegido nas áreas dos parques, porém também existentes em outros domínios, que necessitam ser preservados e podem ser mais bem aproveitados turisticamente que hoje são – o que seria importante para melhor socializar as benesses econômicas advindas do turismo, reconhecidamente gerador de muitos empregos; ii) a excelente infraestrutura receptiva e educacional oferecida pelos parques, e à qual, para ficar adequada à filosofia turística de um Geoparque, falta apenas a sinalização geológica; Figura 14 – Imagem tirada do mirante sobre o vale do rio Betari, exemplo de geossítio de interesse geológico, geomorfológico e turístico. O vale foi condicionado por duas histórias geológicas distintas, distantes no tempo geológico: a tectônica colisional Brasiliana, responsável pela deformação das sequências marinhas do Grupo Lajeado, e, no Fanerozoico, a abertura do Atlântico. A paisagem resultante ‒ ou seja, a geomorfologia hoje visível ‒ é um forte atrativo cênico. (Ver também Figura 13, tirada do mesmo local). Foto: Antonio Theodorovicz. Essa filosofia de uso do solo sob o formato de Geoparque coaduna-se perfeitamente com a realidade socioeconômica e ambiental da região, e também vem ao encontro dos projetos governamentais idealizados para o Vale do Ribeira, que têm como metas promover o seu desenvolvimento, enfatizado no ecoturismo. A aplicação desse conceito na região pode também ser uma ferramenta disciplinadora de práticas negativas de uso e ocupação e de convencimento da população de que é muito mais vantajoso economicamente aproveitar o patrimônio natural com o turismo do que depredá-lo com formas inadequadas de uso do solo. iii) a existência de afloramentos de rochas representativas de boa parte da história geológica das regiões Sul e Sudeste do Brasil, em especial do Proterozoico e do Fanerozoico. O Proterozoico é constituído, principalmente, pelas sequências metavulcanossedimentares e metassedimentares marinhas do Supergrupo Açungui (Figura 17), que, na região, agrega, por justaposição tectônica colisional Brasiliana, unidades geológicas das mais diferentes origens e idades. O Fanerozoico é espacialmente pouco extenso, porém, não menos importante, uma vez que é representado por diques de diabásio, relacionados à tectônica de abertura do Oceano Atlântico Sul, fato que desperta bastante curiosidade do turista; iv) os vestígios da histórica atividade de mineração, que deixou um interessante legado arqueológico (Figura 18), arquitetônico e cultural, incluindo quilômetros de galerias subterrâneas (Figura 19), onde chumbo, prata e ouro foram, por muito tempo, explorados; essas galerias já são parcialmente aproveitadas em empreendimentos turísticos (Figura 20) e continuam sendo importantes para estudos geológicos e metalogenéticos; 60 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 v) por toda a região o relevo é montanhoso, arquitetado com belas e curiosas formas e drenado por um denso e complexo sistema de cristalinos cursos d´água, muitos dos quais escorrendo sobre substrato rochoso formando corredeiras, cachoeiras e piscinas naturais (Figuras 21 e 22), constituindo um atrativo para o turismo contemplativo e para a prática de esportes radicais; vi) a ocorrência de áreas contínuas e bem preservadas do pouco que resta neste estado da Mata Atlântica e ecossistemas associados (Figuras 23 e 24), de extraordinário valor turístico, botânico e ambiental, considerada pela UNESCO como Reserva da Biosfera ‒ variável que ganha cada vez mais proeminência no cenário turístico mundial atual e soma muitos pontos positivos na proposição de um Geoparque; Figura 16 – Exemplo de um local onde o turista pode observar os efeitos da deformação colisional Brasiliana sobre rocha calcária do Grupo Lajeado ‒ um geossítio de interesse geológico, paleoambiental e turístico. Exposições desse tipo são raras no Brasil. Foto: Antonio Theodorovicz. vii) - os aspectos culturais da típica tradição cabocla e das várias comunidades quilombolas; incluindo a produção da cerâmica artesanal com motivos zoomórficos e antropozoomórficos, única no Brasil; viii) - o patrimônio arquitetônico da época do Brasil colônia, pequeno, porém bastante representativo. Figura 17 – Bloco de metamorfito dolomítico cinza do Grupo Açungui, comumente chamado “mármore de Apiaí”, no qual a erosão diferencial formou figuras curiosas e surpreendentes. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 15 – Portal da caverna Casa de Pedra. Esculpido em um paredão calcário dobrado, com 219m de altura, é um dos maiores portais do mundo. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 18 – Estrutura em pedra deixada pelas primeiras atividades garimpeiras de ouro aluvionar no Brasil, vestígio da ocupação da região desde meados do século XVI. Foto: Antonio Theodorovicz. 61 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Figura 19 – O Parque Morro do Ouro, em Apiaí, é um bom exemplo de aproveitamento turístico relacionado à história da mineração. Entrada do Parque, com estátua de garimpeiro. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 22 – Riachos de águas limpas e cachoeiras convidam o turista para uma caminhada. Cachoeira das Andorinhas. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 20 – O Parque Morro do Ouro, em Apiaí, é um bom exemplo de aproveitamento turístico relacionado à história da mineração. Uma das várias bocas de galeria da época da mineração de chumbo na Mina do Lageado, em Iporanga. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 21 – Riachos de águas limpas e cachoeiras convidam o turista para uma caminhada. Rio Betari. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 23 – Exemplo da exuberante vegetação da região, classificada pela UNESCO como Reserva da Biosfera. Foto: Antonio Theodorovicz. Figura 24 – Exemplo da exuberante vegetação da região, classificada pela UNESCO como Reserva da Biosfera. Foto: Antonio Theodorovicz. 62 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Pelo descrito, analisado à luz do conceito de geoparque e comparado com geoparques existentes em várias regiões do mundo, constata-se que a região tem condições para ser transformada em um Geoparque. Se esse conceito for bem aplicado, será uma maneira eficiente de preservar e melhor aproveitar economicamente esse extraordinário patrimônio natural. A decisão de transformar a proposta em realidade depende exclusivamente da vontade da população e de ações conjuntas entre os poderes municipal, estadual e federal. Ao SGB/CPRM, através de seu Projeto Geoparques, cabem os papeis de divulgador e indutor do processo, e de apoiador técnico, notadamente no que se refere às questões relacionadas ao tema geodiversidade. científico não ficar limitado a instituições acadêmicas, bem como proporcionar melhores condições de vida para as comunidades locais, são as principais bases do Geoturismo. Em meados de 2013, três dissertações de Mestrado (respectivamente nas regiões de Ubatuba, São Sebastião e Ilhabela) e uma tese de Doutorado (na região de Caraguatatuba) estão em andamento. Estas pesquisas têm como enfoque principal o inventário dos geossítios de acordo com critérios de relevância e potencial científicos e educacionais, mas locais onde a geodiversidade já constitui um atrativo turístico tradicional não foram descartados. Cerca de trinta geossítios, organizados em função da história geológica da região, foram definidos até o momento. Alguns deles são mostrados nas Figuras 25 a 28. 4.4. PATRIMÔNIO GEOLÓGICO DO LITORAL PAULISTA Este projeto está vinculado ao GeoHereditas, do IGc/USP e teve início em 2010 com um trabalho voltado à avaliação da potencialidade de trilhas nas Unidades de Conservação do Litoral Norte como geossítios. Como base inicial do trabalho, foram utilizadas as trilhas cadastradas no Passaporte de Trilhas de São Paulo, publicado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado. A escolha da região levou em consideração não apenas sua grande beleza natural, mas principalmente sua história geológica, que inclui registros da fusão, do desenvolvimento e da fragmentação do supercontinente Gondwana ao longo do Neoproterozoico-Paleógeno (Garcia et al., 2011; Garcia, 2012). Além disso, a região detém o maior segmento contínuo preservado da Mata Atlântica no Brasil, a maioria dos quais incluídos no Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), que faz parte do Projeto de Preservação da Mata Atlântica (PPMA), o que aumenta sua importância como zona protegida. Embora essas unidades tenham sido criadas principalmente para preservar a biodiversidade, a região tem um grande potencial de geoturismo, pelos afloramentos rochosos e paisagens em diferentes estágios de evolução geológica. Grande parte dos atrativos turísticos presentes na região está relacionada a formações rochosas, a processos de sedimentação costeiros ou à dinâmica da paisagem, mas pouco é divulgado sobre a origem, idade ou processos que levaram à sua formação, bem como sobre as ameaças a que estão sujeitas. A estes aspectos físicos somam-se registros de uma história de ocupação humana que remonta a 2.500 anos, além de inúmeras construções do período colonial que contam uma história de desafios entre os povos nativos e os conquistadores. O conjunto destes aspectos deu origem a uma cultura rica, caracterizada pela mistura de costumes de populações tradicionais diversas e que delinearam os valores culturais atuais. Neste sentido, o apoio à integração da população costeira e/ou geração de emprego e renda por estas atividades estão entre os principais focos do projeto, pois fazer o conhecimento Na Praia de Camburizinho, a sul de São Sebastião, um belíssimo afloramento de gnaisses ortoderivados registra diferentes estágios dos eventos relacionados à amalgamação e separação do Gondwana desde o Neoproterozoico até o Mesozoico - dobras que evoluem para uma foliação regional transposta, paleodiques organizados como boudins de anfibolito com deformação interna e diques basáticos. Na Ilha Anchieta, em Ubatuba, um monzogranito datado em 500 Ma (Azevedo Sobrinho et al., 2011), representa um dos registros mais setentrionais do último evento orogênico antes da abertura do Atlântico Sul. O costão rochoso da Ponta da Sela, no sul de Ilhabela, registra exemplos de diques de composições, tamanhos e relações de intrusão variadas que, no conjunto, constituem uma feição onipresente no sudeste brasileiro e representam os estágios de fragmentação do Gondwana. Finalmente, a história geológica pós-fragmentação do Gondwana pode ser observada do Morro do Santo Antônio, em Caraguatatuba, de onde é possível ver a linha de costa, a planície sedimentar homônima, parte de São Sebastião e Ilhabela. Ao fundo, com seu relevo em blocos, destaca-se a feição morfológica mais relevante do litoral da região sudeste: a Serra do Mar. Figura 25 – Geossítio selecionado do Litoral Norte Paulista. Gnaisse ortoderivado com boudins anfibolíticos no Ilhote de Camburizinho, São Sebastião. Foto: Maria da Glória Motta Garcia. 63 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 geológica da região, além de conhecimento geológico básico, tem sido disseminada aos monitores ambientais das unidades de conservação envolvidas por meio de um projeto de Interpretação Geológica em Trilhas (Figuras 29 a 31). Experiências anteriores sugerem que o conhecimento da importância dos monumentos naturais e das paisagens é um passo imprescindível para que a população passe a valorizá-los e protegê-los. Ao tornarem-se agentes de disseminação do conhecimento, os monitores aprendem a valorizar não só a flora e a fauna, mas também a história da paisagem que os cerca, desenvolvendo o seu senso de pertencimento e de valorização do meio ambiente. Figura 26 – Geossítio selecionado do Litoral Norte Paulista. Monzogranito Ilha Anchieta (500 Ma), Ubatuba. Foto: Maria da Glória Motta Garcia. Figura 27 – Geossítio selecionado do Litoral Norte Paulista. Diques máficos e lamprófiros intrusivos em rochas do embasamento, Ilhabela. Foto: Maria da Glória Motta Garcia. Figura 29 – Exemplo de roteiro geodidático confeccionado com base em técnicas de interpretação ambiental e utilizado em curso ministrado a monitores ambientais no Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar, em Ubatuba. Mapa da Trilha da Brava da Almada, uma das mais percorridas do parque. Fotos: Maria da Glória Motta Garcia. Figura 28 – Geossítio selecionado do Litoral Norte Paulista. Panorama visto do mirante do Morro de Santo Antonio, mostrando a planície costeira, a linha de costa e a Serra do Mar. Caraguatatuba. Foto: Eliane Aparecida Del Lama. O inventário do patrimônio geológico do litoral central e sul do estado também está em andamento. A gestão destes geossítios está em fase preliminar e inclui a confecção de um amplo plano geoturístico que envolva também os aspectos históricos e culturais e sirva de base para o desenvolvimento de um turismo sustentável na região. Além disso, a história Figura 30 – Exemplo de roteiro geodidático confeccionado com base em técnicas de interpretação ambiental e utilizado em curso ministrado a monitores ambientais no Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar, em Ubatuba. Um de seus pontos de interpretação geológica. Fotos: Maria da Glória Motta Garcia. 64 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Figura 31 – Exemplo de roteiro geodidático confeccionado com base em técnicas de interpretação ambiental e utilizado em curso ministrado a monitores ambientais no Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar, em Ubatuba. Um de seus pontos de interpretação geológica. Fotos: Maria da Glória Motta Garcia. Figura 32 – Painel informativo em Pirapora do Bom Jesus (LiGEA/IGc-USP), de autoria de E. G. Nakashima. Foto: André Bonacin. 4.5. AS “PILLOW-LAVAS” DE PIRAPORA DO BOM JESUS 4.6. SIGEP e GEOSSIT Outra iniciativa que merece destaque está sendo realizada em Pirapora do Bom Jesus, pequena cidade que fazia parte da antiga rota dos Bandeirantes. Além de outros atrativos, a região apresenta potencial para desenvolvimento do geoturismo, com destaque para as exposições de rochas ígneas de composição basáltica com estruturas almofadadas (“pillow-lavas”), de grande interesse para os geocientistas. Segundo Boggiani (2010), o projeto de preservação foi organizado por alunos e professores do LiGEA/Instituto de Geociências-USP e resultou numa Praça Geológica onde foi instalado um painel explicando, em linguagem adequada a um público leigo, essa feição geológica incomum (Figura 32). A SIGEP (Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos) foi a iniciativa pioneira na identificação e catalogação de sítios do patrimônio geológico numa escala nacional; hoje está sob a administração da CPRM. Já publicou dois volumes impressos, e o terceiro está em preparo. A versão online é um portal dinâmico, cujas informações atualizadas podem ser a qualquer momento conhecidas no site sigep.cprm.gov.br/. Esses projetos cobrem todo o país, mas a Tabela I mostra apenas a situação dos sítios catalogados no Estado de São Paulo até o mês de junho de 2013, apresentando a respectiva etapa de catalogação e divulgação nos Volumes I e II (já impressos), na versão pré-print do Volume III, e online. 65 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Sítio Nº 013 Título SIGEP (Nome do sítio) Icnofósseis da Usina Porto Primavera Subtítulo SIGEP Situação em Endereço da (Descrição sucinta) junho de 2013 Informação online Rastros de dinossauros e de mamíferos em rochas do Vol. II - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio013/sitio013.pdf deserto neocretáceo Caiuá 021 Rocha Moutonnée de Salto Típico registro de abrasão glacial do Neopaleozoico Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio021/sitio021.htm 032 Sítio Fossilífero de Pirapozinho Extraordinário depósito de quelônios do Cretáceo Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio032/sitio032.htm 035 Pavimento Estriado Guaraú, Salto Marcas de geleira neopaleozoica no sudeste brasileiro Vol. II - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio035/sitio035.pdf 043 Carste e Cavernas do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) Sistemas de cavernas com paisagens subterrâneas únicas Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio043/sitio043.htm 049 Estromatólitos de Nova Campina e Itapeva Primeiros estromatólitos descritos na América do Sul Vol. III - pré-print sigep.cprm.gov.br/sitio049/sitio049.pdf 053 Répteis Fósseis de General Salgado Registro de transformações ambientais na Bacia Bauru Vol. III - pré-print sigep.cprm.gov.br/sitio053/sitio053.pdf durante o Cretáceo 055 Pedra do Baú, São Bento do Sapucaí Imponente relevo residual na superfície de erosão Vol. III - pré-print sigep.cprm.gov.br/sitio055/sitio055.pdf Gondwana 062 Varvito de Itu Registro clássico da glaciação neopaleozoica Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio062/sitio062.htm 078 Fazenda Santa Fé (Tremembé) A maior associação de fósseis do Terciário brasileiro Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio078/sitio078.htm 079 Jazigo Icnofossilífero do Ouro (Araraquara) Ricas pistas de tetrápodes do Jurássico Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio079/sitio079.htm 080 Escarpamento Estrutural Furnas Raro sítio geomorfológico brasileiro Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio080/sitio080.htm 087 Jazigo Rodovia Quiririm-Campos do Jordão, km 11 (Tremembé) Macrofósseis vegetais do Terciário Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio087/sitio087.htm 098 Cavas de Ouro Históricas do Jaraguá Os primórdios da mineração no Brasil Vol. I - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio098/sitio098.htm 66 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Sítio Nº Título SIGEP (Nome do sítio) 116 Cratera de Colônia 125 Campo de Estromatólitos Gigantes de Santa Rosa de Viterbo - Subtítulo SIGEP (Descrição sucinta) Provável astroblema com registros do paleoclima quaternário na Grande São Paulo Excelente registro do litoral do mar permiano Irati, Bacia do Paraná Situação em junho de 2013 Endereço da Informação online Vol. II - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio116/sitio116.pdf Vol. II - impresso sigep.cprm.gov.br/sitio125/sitio125.pdf Não tem (N.A.: são milhares Cones de de cones silicosos ao meio sigep.cprm.gov.br/propostas/Geyseritos hidrotermalito silicoso Minuta - Revisão de sedimentos finos e PermianosAnhembiSP.htm de Anhembi margosos do Permiano da Bacia do Paraná) - Lavas Almofadadas de Piraporado Bom Jesus, SP Evidência de atividade vulcânica formadora de crosta oceânica às margens do Rio Tietê - Marundito do Pico Pelado, Guarulhos Vestígios de mineralizações de ouro em mar mesoproterozoico - Paleolagunas na Estação Ecológica Juréia-Itatins Não tem (N.A.: Sítio de interesse paleoambiental, sedimentar, estratigráfico e geomorfológico, com vestígios arqueológicos) - Turfeira da Campina do Encantado, Pariquera-Açu Não tem (N.A.: Sítio de interesse paleoambiental, sedimentar, estratigráfico e paleontológico, com vestígios arqueológicos) Proposta aprovada sigep.cprm.gov.br/propostas/Lavas_ almofadadas_Pirapora_Bom_Jesus_SP. htm Proposta aprovada sigep.cprm.gov.br/propostas/Marundito _Pico_Pelado_Guarulhos_SP.htm Proposta aprovada sigep.cprm.gov.br/propostas/Estacao_ Ecologica_Jureia_Itatins.htm Proposta aprovada sigep.cprm.gov.br/propostas/Turfeira_ Campina_Encantado_SP.htm Tabela 1 – Situação dos sítios do Estado de São Paulo catalogados no SIGEP até junho de 2013, apresentando a etapa da respectiva catalogação e divulgação nos Volumes I e II, já impressos, na versão pré-print do Volume III, e online. O GEOSSIT (Sistema de Cadastramento e Quantificação de Geossítios) é um aplicativo inovador, recém-disponibilizado online pela CPRM, de livre consulta, destinado ao inventário, qualificação e valoração quantitativa de geossítios. Com o passar do tempo, os geossítios paulistas serão inseridos nesse sistema. Seu site é www.cprm.gov.br/geossit/. 5. PERSPECTIVAS DE INVENTÁRIO DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO NATURAL PAULISTA A inexistência de uma estratégia de conservação do patrimônio geológico definida para o Estado de São Paulo dificulta os trabalhos de identificação, inventário e quantificação dos geossítios, e consequentemente a implantação de novas políticas públicas voltadas à conservação do patrimônio natural geológico. Tal deficiência é recorrente em nível nacional e as iniciativas existentes são geralmente frutos de esforço pessoal, de caráter localizado. Lima (2008) apresentou uma proposta para a sistematização do inventário do patrimônio geológico brasileiro. Esta proposta, que pode ser livremente adotada, de maneira voluntária, pelos estados, requer destes entes federativos os seguintes passos: a) definição do objetivo do inventário; b) organização de grupos de trabalho; c) revisão bibliográfica; d) identificação e caracterização dos contextos 67 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 geológicos; e) identificação dos geossítios para cada contexto geológico; f) caracterização dos geossítios. Apesar de ter sido o primeiro estado a criar um conselho para gerir o patrimônio geológico, São Paulo ainda carece de uma articulação satisfatória que envolva instituições de pesquisa e ensino, equipe de especialistas e recursos para realizar o inventário sistemático de todo o seu território, fundamental para embasar diversas políticas públicas voltadas para a gestão desse patrimônio. Esse quadro, entretanto, pode mudar com o recém lançado Projeto “Inventário do Patrimônio Geológico Paulista”, organizado pelo Instituto de Geociências da USP em parceria com a Universidade do Minho, Portugal e com o apoio do Programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal (MEC/CAPES/CNPq). O projeto tem como objetivo realizar o inventário sistemático do patrimônio geológico do Estado, utilizando para isso as bases da metodologia aplicada em Portugal, com as devidas adaptações ao nosso território. Com isso, São Paulo poderá vir a ser o primeiro estado brasileiro a contar com um inventário de seu patrimônio. 6. PATRIMÔNIO GEOLÓGICO CONSTRUÍDO E MUSEALIZADO As discussões sobre patrimônio e particularmente a abrangência do conceito de “Patrimônio Geológico” são parte do momento atual do meio geocientífico brasileiro, e portanto é conveniente explicar como esses termos serão aqui utilizados. Por analogia com alguns conceitos das áreas de estudos do patrimônio e de museologia (ver, entre outros, Lima, 2012 e vários itens de sua lista de referências), serão aqui adotadas duas expressões ainda não muito comuns no meio geocientífico ‒ salvo, e mesmo assim não com muita frequencia, na comunidade dedicada exatamente ao tema do patrimônio geológico. A expressão “patrimônio geológico construído” será usada em referência a elementos da geodiversidade, de qualquer origem, que tenham sido incorporados, seja como base, componente estrutural ou componente decorativo, a construções e produtos de vários tipos ‒ na maioria dos casos imóveis, monumentos, túmulos ou estátuas. A expressão “patrimônio geológico musealizado”, designará elementos da geodiversidade colocados sob a tutela de um museu, lembrando que isso pode ocorrer seja pela remoção do elemento de sua localização original e transporte ao espaço físico do museu (por exemplo, a placa de calcário da Figura 8), seja pela manutenção do elemento na sua localização original, à qual se aplicará a tutela do museu, constituindo-se a musealização in situ (prática comum em arqueologia, mas no estado de São Paulo ainda muito incipiente na paleontologia e inexistente para a preservação de outros elementos do patrimônio geológico). O patrimônio geológico construído e o musealizado podem apresentar-se sob diversas formas, e estão com mais frequência associados a ambientes urbanos. Apesar de meio urbano ser na maioria dos casos dissociado da geologia tradicional, vários autores (e.g. Stern et al., 2006; Liccardo et al, 2008; Del Lama et al, 2009; Liccardo et al., 2012) defendem que, pelas facilidades oferecidas ‒ em particular a proximidade e as facilidades de acesso a baixo custo, que estimulam a visitação por turistas e estudantes ‒ esse é um caminho privilegiado para aproximar o público da geologia. Os elementos possíveis de serem enquadrados como patri môni o geo lóg ico const ruí do são potencialmente muito variados e incluem principalmente: elementos geológicos in situ porém retrabalhados por obras, como áreas de antigas pedreiras; e rochas utilizadas na construção civil, em monumentos, estatuária e em cemitérios. Um tipo particular de patrimônio geológico construído ‒ e que na maior parte dos casos está fora do ambiente urbano ‒ é o ligado a atividades de mineração, indo desde o local de minas até eventuais instalações e equipamentos conservados. No estado de São Paulo, até o momento, o patrimônio geológico musealizado limita-se a espécimes (rochas, minerais e fósseis) expostos em museus. O estudo do patrimônio geológico construído normalmente inclui a aproximação com outras áreas de conhecimento, particularmente a Arquitetura e a História. Essa interligação trabalha nos dois sentidos, enriquecendo o conhecimento integrado; esse é um excelente caminho de divulgação das geociências, e particularmente da geologia, a qual é reconhecida como uma ciência ainda distante da sociedade (Martini et al., 2012, pg. 187). Conceitualmente, o turismo geológico pode ser entendido como um tipo de turismo cultural, pois, segundo o ICOMOS (1996), “turismo cultural é o tipo de turismo cujo objetivo é, entre outros, a descoberta de monumentos e sítios.” No Estado de São Paulo, há duas cidades com estudos e publicações sobre aspectos do patrimônio geológico construído: a Capital e a cidade de Rio Claro. Um guia com aspectos do geoturismo e de locais históricos das cidades de Santos e São Vicente, impresso na forma de folheto, foi apresentado e distribuído no 46º Congresso Brasileiro de Geologia, em 2012 (MantessoNeto et al., 2012). 6.1. PATRIMÔNIO GEOLÓGICO CONSTRUÍDO NA CIDADE DE SÃO PAULO, AO AR LIVRE Roteiros geoturísticos para o chamado “centro velho” de São Paulo já foram propostos por Stern et al. (2006), Augusto & Del Lama (2011), e Rodrigues (2012). 68 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 praticamente toda a cidade ‒ na realidade, pouco mais do que uma vila, com suas construções em taipa, e raros imóveis tendo mais de dois pisos. Nessa época, com a riqueza proporcionada pelo café, inicia-se a transformação em uma cidade moderna, com o uso de novos materiais ‒ e inicia-se exatamente por essa região, atualmente chamada de “Centro Velho”, explicando-se assim a concentração nessa área de inúmeros monumentos e edifícios nos quais a pedra entra como elemento de construção ou decoração. Apesar de muitas das rochas utilizadas serem importadas, principalmente da Itália e de Portugal, há também muitas rochas brasileiras, particularmente paulistas. Entre essas, destacam-se o Granito Itaquera e o Granito Cinza Mauá, o primeiro mais usado no começo do século XX e o segundo, a partir da década de 40 desse mesmo século (Del Lama et al., 2009). Num percurso pelos principais edifícios e monumentos históricos que compõem o Centro Velho podem ser visualizadas as seguintes rochas: Granito Itaquera, Granito Cinza Mauá, Granito Rosa Itupeva, Granito Verde Ubatuba, Granito Preto Piracaia, Granito Azul Bahia, Calcário Sete Lagoas, Arenito Itararé, Cipollino, Porfido Rosso Antico, microbialito, travertino, conglomerado, calcário fossilífero, serpentinito, mármore e sienito. No cômputo geral, as rochas ígneas, principalmente os granitos, foram as preferidas. O Obelisco da Memória (Figura 33), construído em 1814, o monumento mais antigo da cidade, é lavrado em Granito Itaquera, uma das rochas que veio a ser mais utilizada, sendo observada em vários monumentos e edifícios. Figura 33 – O monumento mais antigo da cidade de São Paulo ‒ Obelisco da Memória (1814). É constituído pelo Granito Itaquera, e a escadaria implantada no século XX é constituída pelo Granito Cinza Mauá. Foto: Lauro Kazumi Dehira. O Granito Cinza Mauá foi, e ainda é, muito utilizado em São Paulo, como pode ser visto em boa parte do revestimento do piso do Centro Velho e em muitas estações do metrô. Apesar de estar localizado um pouco distante do Centro Velho, um dos cartões postais da cidade, o Monumento às Bandeiras, é constituído por este granito (Figura 34). Figura 34 – O Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, esculpido em Granito Cinza Mauá, levou 6 anos para ser finalizado e foi implantado em 1953, para as comemorações do IV Centenário da cidade (25 de janeiro de 1954). Foto: Lauro Kazumi Dehira. Rochas sedimentares foram pouco utilizadas nas construções do Centro Velho. Destacamos aqui a fachada do Teatro Municipal e a Prefeitura Municipal de São Paulo. O teatro (Figura 35) é constituído pelo Arenito Itararé, proveniente da área da atual Flona (Floresta Nacional) de Ipanema. O atual prédio da Prefeitura, em estilo neoclássico de inspiração fascista, foi concluído em 1938/39, para ser a sede do então poderoso grupo Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo; sua fachada é revestida, segundo consta (Folha de S. Paulo, 2004) por 170.000 placas de travertino italiano (Figura 36). O mesmo tipo de rocha também é encontrada em vários edifícios comerciais e residenciais do Centro Velho. Figura 35 – Teatro Municipal de São Paulo (inaugurado em 1911), fachada frontal em Arenito Itararé e base de Granito Itaquera. Foto: Lauro Kazumi Dehira. 69 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 locais do mundo. Como parte também de um programa de recuperação social da área central da cidade, foi estabelecida na praça uma base de policiamento da Guarda Civil Metropolitana (Figura 37). Figura 36 – Prefeitura do Município de São Paulo (prédio de 1938), imóvel revestido por travertino italiano. Foto: Lauro Kazumi Dehira. As rochas metamórficas foram mais utilizadas em interiores e em monumentos, sendo a mais destacada o mármore, particularmente o que é considerado o mais “nobre” deles para fins de estatuária, o de Carrara, que ocorre em grande parte das fontes e monumentos da cidade. 6.2. PROBLEMAS E PROTEÇÃO DE MONUMENTOS NA CIDADE DE SÃO PAULO Infelizmente, o que se constata é que o estado de conservação da maioria dos monumentos de São Paulo não é bom. Como são relativamente recentes, a alteração intempérica teve pouca influência na sua degradação. Sem dúvida, o principal fator de degradação dos monumentos é o vandalismo: pichações, quebras, roubo de partes, uso inadequado. Um triste exemplo dos desafios encontrados é a fonte situada na Praça Júlio de Mesquita. Inaugurada em 1927, em plena euforia do café, como marco de modernismo da cidade, enfrentou as últimas décadas em um clima de degradação urbana, incluindo queda de atividades comerciais, queda do valor e eventual estado de abandono de imóveis, presença constante de uma população de moradores em situação de rua, tráfico de drogas, e uso da base da fonte como, praticamente, banheiro público. Originalmente a fonte tinha entre seus elementos de decoração 4 faces mitológicas femininas e várias lagostas de bronze, cada peça com cerca de 1m de altura, que foram quase todas roubadas. O mármore foi acentuadamente atacado pela urina humana e de animais de companhia. Num projeto de preservação, a Prefeitura concluiu em meados de 2013 um trabalho de restauro da fonte, recolocou ‒ agora feitas de fibra de vidro ‒ as faces femininas e as lagostas (localmente muitas vezes chamadas de “aranhas” ou “caranguejos”) e instalou ao seu redor uma estrutura de pilares de metal e painéis de vidro, formando uma espécie de “aquário”. Esta solução não é uma invenção local; é usada para proteger monumentos, e mesmo geossítios, em diversos Figura 37 – Fonte Monumental, instalada em 1927, na Praça Júlio de Mesquita. Confeccionada em mármore de Carrara, com elementos decorativos originalmente em bronze, hoje em fibra de vidro. Proteção tipo “aquário” instalada em meados de 2013, após restauro ou substituição de todos os elementos da fonte. Notar, à esquerda, veículo da Guarda Civil Metropolitana, em plantão permanente. Foto: Virginio Mantesso-Neto. Existem outros exemplos de monumentos esculpidos em rocha, e vários imóveis com fachadas em rocha, partes de um patrimônio geológico construído, em lastimável situação de (falta de) preservação. Há também outros casos de cercamento de monumentos, como o da Amizade Sírio-Libanesa, do Duque de Caxias e o de Camões. Este não deveria ser um padrão para a conservação de monumentos mas infelizmente é uma opção até que se consiga tornar realidade um trabalho de educação patrimonial mostrando a importância destas obras para a preservação da história da cidade, e que diversos outros desafios sociais sejam superados. 6.3. HISTÓRIA GEOLÓGICA DO CENTRO DE RIO CLARO Além dos resultados do projeto descrito no item 4.2, Perinotto (2009) publicou um excelente trabalho aproximando geologia, história, e vida cotidiana, fazendo uma “demonstração de como as paisagens se sucederam ao longo do tempo geológico na cidade de Rio Claro e região” (pg. 187). Após uma breve introdução de conceitos geológicos (tempo geológico, estratigrafia, evolução biológica, coluna estratigráfica, descrição das unidades, etc.), o trabalho foca-se no centro da cidade (Praça da Liberdade) e ilustra, com fotos de ambientes atuais similares, o que seria o aspecto do seu entorno ao tempo da deposição de cada unidade da coluna estratigráfica local, concluindo com o período da história humana. Esse tipo de trabalho de divulgação científica pode ser um elemento auxiliar na formação de futuras 70 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 gerações com maior consciência preservacionista, componente cada vez mais protagonista de uma cidadania plena e responsável. Uma contextualização mais ampla desse potencial é discutida por Perinotto & Mantesso-Neto (2013a e 2013b). 6.4. SHOPPING CENTERS COMO ELEMENTOS DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO CONSTRUÍDO A proliferação de shopping centers, tanto na Capital quanto nas cidades do interior do estado, é uma tendência comercial e urbanística absolutamente estabelecida. A ABRASCE, Associação Brasileira de Shopping Centers, estima que atualmente existam 165 no estado, sendo 54 na Capital; em outras palavras, 2/3 deles estão no interior (ABRASCE, 2013). Nos shoppings centers as rochas ornamentais são muito utilizadas, tanto nas áreas comuns, quanto nas unidades comerciais. As áreas são em geral muito amplas, e a escolha frequentemente recai sobre a combinação de diversos tipos de rocha, que permitem soluções estéticas interessantes, pelo uso de rochas com estruturas bastante vistosas, contraste de cores e formação de desenhos com padrões muito variados. Por esses vários motivos, os shoppings centers têm potencial para tornar-se locais de destaque dentro da já mencionada possibilidade de usar elementos urbanos como fatores de aproximação do público leigo às geociências; sobre essa possibilidade, ver, por exemplo, Sallun Filho & Fairchild (2005). 6.5. ARTE CEMITERIAL, OU FUNERÁRIA, OU TUMULAR Em várias cidades do mundo os cemitérios são incluídos nas listas de atrações turísticas, inclusive com visitas guiadas que em alguns deles são muito frequentadas. Osman & Ribeiro (2007, p. 3) atestam que o cemitério é “um ponto turístico consolidado nos mais diferentes países do mundo”. Entre nós, esse patrimônio só recentemente começou a ser valorizado, e os mais interessantes são aqueles datados de um período que vai desde aproximadamente meados do século XIX até meados do século XX. Além do valor histórico e de veneração à memória de personalidades importantes, no estado de São Paulo muitos deles são quase que verdadeiros museus a céu aberto, com acervos importantes principalmente de pequenas obras arquitetônicas e de esculturas. Parte destas é em bronze, mas boa parte é de esculturas em rochas. As rochas presentes podem ser da própria região, ou vir praticamente de qualquer lugar do mundo; uma altamente valorizada é o mármore de Carrara. A arte tumular pode ser utilizada para geoturismo de diversas maneiras. As rochas utilizadas são muito variadas, e podem apresentar superfícies de fratura bruta, ou superfícies polidas (às vezes ambas, combinadas em diferentes partes do túmulo), e apresentar cantos (triedros), permitindo boa visualização tridimensional de algumas características. O estado atual dela pode permitir observações interessantes sobre a questão do intemperismo, com a vantagem de apresentar uma data inicial desse processo; já existem estudos sobre esse tema, por exemplo os de Kuzmickas & Del Lama (2008 e 2009). Indo para o universo de outros saberes, pode-se associar os túmulos, as estátuas e o material utilizado a questões de moda, de demonstração de riqueza e de poder, ao estilo artístico do escultor, às maneiras como a morte foi encarada em diferentes momentos e por diferentes grupos sociais, às diferenças na composição étnica da camada mais rica da sociedade paulistana. Na cidade de São Paulo quatro cemitérios são particularmente ricos em esculturas pétreas. O da Consolação, primeiro cemitério civil da cidade, inaugurado em 1858, o do Araçá, inaugurado em 1887, e o São Paulo, de 1926, estavam entre os preferidos pela classe econômica mais alta. O Cemitério do Brás (Quarta Parada), inaugurado em 1893, é o segundo maior em área dentre os inaugurados no século XIX; apesar do nível econômico das famílias sepultadas ser inferior aos três outros citados, tem a peculiaridade de ter servido à maior comunidade de imigrantes da cidade, a italiana. Como os cemitérios na Itália costumavam ter muitas estátuas e a quase totalidade dos escultores de estátuas em São Paulo era constituída de italianos (Giovannetti Neto, 1992, passim), esse cemitério tem um acervo muito grande de estátuas, apesar destas serem, no geral, menores que nos outros três. Para o Cemitério da Consolação há um Roteiro Geológico (Kuzmickas & Del Lama, 2011). Um estudo bastante aprofundado sobre as rochas ornamentais utilizadas no Cemitério da Consolação, suas diversas formas de alteração e recomendação para a conservação dos jazigos pode ser encontrado em Kuzmickas (2013). No interior do estado, há diversos cemitérios interessantes, principalmente ao longo dos eixos ferroviários que caracterizaram o ciclo do café, favorecidos pela combinação da riqueza gerada pelo “ouro verde” com a presença de imigrantes italianos, que, no cômputo geral, constituem o maior conjunto de escultores que atuaram também no âmbito geográfico do estado. Alguns exemplos, sobre os quais há estudos em dissertações de mestrado e teses de doutoramento, livros publicados ou sites na Internet, são os de Campinas (Saudade), Jundiaí (Nossa Senhora do Desterro), Ribeirão Preto (Saudade), Piracicaba (Saudade), Rio Claro (São João Batista), São João da Boa Vista (São João Batista) e Santos (Paquetá). 6.6. MUSEUS GEOLÓGICOS Os museus, particularmente os especializados (geológicos, mineralógicos ou paleontológicos) são uma 71 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 componente importante de preservação do patrimônio geológico. Existem diversos deles no estado de São Paulo. Além do acervo específico de minerais, rochas e fósseis, alguns ampliam sua atratividade incluindo seções de espeleologia, de gemologia, de arqueologia, e atrações como esqueletos de dinossauros, loja de souvenirs com venda de livros, minerais e réplicas de fósseis. A maior parte deles oferece, mediante agendamento, visitas guiadas específicas para diversas faixas etárias, ou para grupos de escolares, associações, e outros. Os principais museus paulistas que abrigam itens do patrimônio geológico são: Museu Geológico Valdemar Lefèvre, do Instituto Geológico, e Museu de Geociências do Instituto de Geociências da USP, na Capital; Museu de Minerais e Rochas “Heinz Ebert”, e Museu de Paleontologia e Estratigrafia “Prof. Dr. Paulo Milton Barbosa Landim”, ambos do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, em Rio Claro; Museu de Paleontologia de Monte Alto; e Museu de História Natural de Taubaté. Azevedo (2013) discorre sobre a conservação de coleções geológicas, abordando mais especificamente os minerais, usando como referência o Museu do Instituto de Geociências da USP. 7. PATRIMÔNIO MINEIRO São relativamente poucos os itens ligados ao patrimônio mineiro no estado de São Paulo, mas alguns têm grande importância histórica. No Vale do Ribeira existem as galerias de minas de chumbo e o Parque Morro do Ouro, já mencionados no item 4.3. Em Araçariguama, nas proximidades da Capital, existe uma das mais antigas minas de ouro horizontais do Brasil, a Mina do Cantagalo, com uma galeria visitável e um pequeno museu. Também sobre o ouro, deve-se destacar o Geoparque Ciclo do Ouro (Pérez-Aguilar et al., 2012 e 2013), em Guarulhos, que faz parte do livro recém publicado “Geoparques do Brasil – Propostas” (Schobbenhaus & Silva, 2012, pg. 543-582). A área do geoparque, criado em 2008, inclui regiões das serras da Cantareira e Mantiqueira onde afloram rochas metavulcanossedimentares mesoproterozoicas do Grupo Serra do Itaberaba. Devido às mineralizações de ouro primário ocorrem muitas estruturas arqueológicas relacionadas à história mineira do primeiro Ciclo do Ouro no Brasil (Figura 38). Diversos links indicados nas Referências Bibliográficas trazem mais detalhes. Figura 38 – Geoparque Ciclo do Ouro, Guarulhos - Afloramento de margarita-coríndon xisto (marundito) e topázio xisto (topazito) cuja gênese está associada a processos hidrotermais/metassomáticos que geraram zonas de alteração hidrotermal, as quais foram posteriormente metamorfisadas na fácies anfibolito. Por seus minerais constituintes (margarita, coríndon, topázio e rutilo), pela raridade das rochas e, por estarem vinculadas à gênese de mineralizações de ouro na região, apresentam um grande interesse científico e educacional, sendo mais um elemento de atração do Geoparque Ciclo do Ouro (Pérez-Aguilar et al., 2012). Uma outra importante pesquisa está em andamento nas proximidades da Capital. Nos arredores do Pico do Jaraguá foram identificadas com segurança cinco cavas de mineração de ouro (Carneiro, 2000) que, ao que tudo indica, foram exploradas pela família Sardinha a partir da década de 1580. Em 1810 o inglês John Mawe visitou-as e encontrou-as em atividade, descrevendo minuciosamente o processo de lavagem do solo para separação do ouro (Mawe, 1812, p. 77-79). Nesse mesmo livro (entre as pg. 78 e 79) ele apresenta uma imagem muito interessante da “escada” usada para essa lavagem (Figura 39). Figura 39 – Gravura publicada por Mawe (1812) das escadas de lavagem do ouro, constituindo a única representação gráfica até hoje encontrada das atividades mineiras na região do Pico do Jaraguá. Estão em curso pesquisas visando a identificação exata desse local. 72 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 A pesquisa para identificar a localização tanto quanto possível precisa dessa escada está em progresso, havendo no momento vários locais selecionados como bons candidatos (Silva, 2013). Em 1820 José Bonifácio de Andrada e Silva, então recentemente chegado de Portugal, realizou, acompanhado pelo irmão Martim Francisco, uma “Viagem mineralógica na província de São Paulo”, e no seu relato refere-se às “antigas minas de ouro”, nos arredores do Jaraguá, citando nominalmente cinco delas (Silva, 1963, Vol. I, pg. 510), e descrevendo aspectos de sua geologia e técnicas de retirada do ouro. Ele menciona também a existência, nas proximidades, de outras “muitas e boas minas de ouro, que estão presentemente abandonadas”, sempre apresentando dados geológicos. As “minas”, ou mais precisamente as cavas, eram todas trabalhadas no solo de alteração, e o ouro ocorria também em guapiaras (cascalheiras superficiais) e em diversos riachos. José Bonifácio reconheceu a associação do ouro in situ a veios de quartzo, e nos depósitos aluviais a diversos minerais (hoje genericamente chamados de “satélites”), mas não menciona nenhum trabalho de mineração nas rochas metamórficas sãs. Outros pesquisadores também falam dessas minas, como Eschwege, Calógeras, Derby, Oliveira (Prefeitura, pg. originais 6-8). Apesar da área ter sido bastante descaracterizada (principalmente por urbanização, industrialização, abertura de estradas e obras de terraplanagem) três das cavas já identificadas estão sob um processo que visa o estabelecimento de um futuro parque, e está em andamento um pedido de tombamento pelo IPHAN. As pesquisas prosseguem, mas a geologia local sugere que trata-se da mesma mineralização presente no Geoparque Ciclo do Ouro, e também em Araçariguama. Já foram também encontradas outras áreas que preliminarmente parecem ser outras cavas similares. N a q u e s t ã o d a m i n e r ç ã o d o fe r r o , importantíssima por sua utilidade desde o início da presença dos portugueses no Brasil, situa-se na cidade de Iperó a antiga Fazenda Ipanema. Nesse local o pai e filho Afonso Sardinha (homônimos) estabeleceram em 1591 os dois primeiros fornos siderúrgicos do país, criando um foco de irradiação para a colonização de áreas próximas. Com altos e baixos, essas minas foram sempre uma referência e uma esperança nacionais, sendo objeto de estudos e tentativas de melhor aproveitamento, entre outros, por Varnhagen e por José Bonifácio, no final do período colonial. Durante o Segundo Reinado, a Fazenda Ipanema atingiu proporções consideráveis (Figura 40). Hoje, é sede de uma unidade de preservação ambiental (Flona Ipanema) e um dos maiores complexos industriais antigos preservados no estado. Figura 40 – A Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema (nome oficial) em funcionamento em 1884, durante seu período de auge, que durou aproximadamente de 1865 a 1965. (Foto: Júlio Durski, Coleção Princesa Isabel; fonte: www.cidadedeipero.com.br/ipanema.html). Com todos esses estudos, os dois conjuntos – antigos locais de mineração de ouro, e fornos de produção de ferro em Ipanema – tornam-se, tanto pela antiguidade dos sítios quanto pelo conhecimento acumulado, importantes referências do patrimônio geológico e mineiro não só do Estado de São Paulo, mas do Brasil e da própria América do Sul. 8. CONCLUSÃO: OUTROS DESAFIOS, NOVAS FRENTES E INTERFACES Além das iniciativas aqui listadas, deve ser destacado o crescente interesse de professores e alunos não só das áreas de geociências, mas também das áreas de turismo, de história, e outras, nas questões de patrimônio geológico, geoturismo e afins. Por outro lado, em regiões onde o geoturismo já tem maior tradição – particularmente na Europa ‒ a experiência demonstra que, com raríssimas exceções, o geoturismo por si só é economicamente insustentável. “Geoturismo, como qualquer outro tipo de turismo, é uma atividade econômica. Isto significa que espera-se que essa atividade gere dinheiro que garanta uma renda sólida para investidores e trabalhadores. ... Porém, as geociências não são populares para a população em geral. ... O número de pessoas interessadas em viajar e gastar dinheiro apenas para uma atividade de turismo geológico é inquestionavelmente baixo. Naturalmente essas atividades são muito benvindas por geocientistas e por quem tem algum tipo de formação nessa área, mas a quantidade de tais pessoas é baixa demais para garantir a sustentabilidade econômica de muitas companhias de geoturismo. A ampliação do conceito de geoturismo aumentará o numero de turistas potenciais, uma tendência essencial para atingir o sucesso dessa atividade econômica” (Martini et al 2012, pg. 187). 73 Neto et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 53-76 Para ser feita de maneira conscienciosa, a etapa inicial de todo esse processo de desenvolvimento do geoturismo deve iniciar-se pelo preparo do inventário, estudos, classificação, etc., dos geossítios e dos locais de patrimônio geológico construído, e da aplicação das medidas de segurança e proteção eventualmente necessárias. Nos momentos adequados, há três importantes caminhos práticos que podem ajudar a aumentar o volume de geoturistas: 1) investir no inventário, caracterização, proteção e divulgação do patrimônio geológico; 2) facilitar o acesso à informação e, após promover a respectiva proteção onde necessário, o acesso físico aos geossítios e aos locais de patrimônio geológico construído; 3) associar um grande número de locais de geoturismo a atividades turísticas convencionais. Deve ser sempre lembrado que o geossítio, e mesmo os locais de patrimônio geológico construído, se caracterizam por uma total imobilidade física ‒ ninguém consegue transportar um afloramento para colocá-lo mais perto do turista. Assim, só o terceiro caminho ‒ que por sua vez só pode ser atingido através do primeiro e depois do segundo ‒ permitirá a formação do que o segmento turístico chama de “clusters” (em tradução literal “cachos”), que são aglomerações de atrações turísticas relativamente próximas umas das outras, permitindo que se aproveite a presença física do turista “convencional” nas região para oferecer-lhe também, como adicional, programas e atividades geoturísticas. Esse provavelmente será o caminho para tornar economicamente viável (ainda que, no início, apenas minimamente) a prática sistemática do geoturismo, uma ferramenta que, se bem aplicada, possibilita o bom uso do patrimônio geológico, sua fruição no presente e a sua concomitante preservação para o futuro. Referencias ABRASCE. 2013. Números do setor. Disponível em http://www.portaldoshopping.com.br/numeros dosetor/ grandes-numeros, passim, acesso em 28 agosto 2013. AUGUSTO, W.C.B.; DEL LAMA, E.A. 2011. 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Manuscrito ID 32741 Submetido em julho de 2013 Aceito em setembro de 2013 76 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 120 - 136 Patrimônio geológico e mineiro do Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais – Caracterização e iniciativas de uso para educação e geoturismo Geological and mining heritage of iron quadrangle, Minas Gerais - Characterization and strategies for education and geotourism ÚRSULA AZEVEDO RUCHKYS, MARIA MÁRCIA MAGELA MACHADO Universidade Federal de Minas Gerais - [email protected] - [email protected] Resumo O Quadrilátero Ferrífero - QF é internacionalmente reconhecido como uma das maiores províncias minerais do planeta. Constituído por rochas que contam parte da história da Terra associada ao Arqueano e Paleoproterozoico e com vestígios de mais de 300 anos de exploração mineral contínua, especialmente de ouro e ferro, esta região se destaca por seu significativo patrimônio geológico e mineiro. Este trabalho apresenta inicialmente aspectos da geologia e da história da mineração do Quadrilátero Ferrífero. Em seguida, são descritos quinze sítios representativos da história geológica do QF que justificam a relevância de seu contexto geológico e evolução tectônica para a compreensão da história geológica da Terra. Na sequência, é descrito parte do patrimônio mineiro desta região por meio do detalhamento de onze sítios que compõem parte significativa da história da mineração no Brasil. Finalmente, são apresentadas iniciativas de educação e geoturismo realizadas na região. Palavras-chave: Quadrilátero Ferrífero; patrimônio geológico; patrimônio mineiro; história da mineração no Brasil; geoturismo. Abstract The Quadrilátero Ferrífero (Iron Quadrangle) - Minas Gerais/Brazil is well-known worldwide as one of the world's largest mineral province. The region consists of rocks that show part of Earth's history associated with the Archean and Paleoproterozoic, together with remains of more than 300 years of continuous mining, particularly gold and iron. The paper initially presents a general characterization of the Iron Quadrangle, considering its geology and mining history. Then, it describes thirteen sites representatives of the geological history, highlighting the relevance of its geological context and tectonic evolution for understanding of the Earth's history. The mining heritage is also described, detailing eleven sites that compose a significant part of the mining history of in Brazil. Finally, initiatives of geotourism and education initiatives developed in the region are presented. Key words: Iron Quadrangle; geological heritage; mining heritage; history of mining in Brazil; geotourism. 1. INTRODUÇÃO O Quadrilátero Ferrífero (QF) localiza-se na porção centro-sudeste do Estado de Minas Gerais. Com área de cerca de 7.000 km², abrange parte dos municípios de Bom Jesus do Amparo, São Gonçalo do Rio Abaixo, Barão de Cocais, Santa Bárbara, Catas Altas, Alvinópolis, Mariana, Ouro Preto, Ouro Branco, Congonhas, Jeceaba, Belo Vale, Moeda, Itabirito, Rio Acima, Brumadinho, Mario Campos, Sarzedo, Ibirité, Nova Lima, Raposos, Sabará, Caeté, Belo Horizonte e Santa Luzia (Figura 1). Constituído por rochas que contam parte da história da Terra associada ao Arqueano e Paleoproterozoico e com vestígios de mais de 300 anos de exploração mineral que compõe grande parte a história da mineração no Brasil, esta região se destaca por seu significativo patrimônio geológico e mineiro. Suas riquezas minerais e as consequentes atividades mineiras desenvolvidas, inegavelmente, desempenharam papel fundamental na ocupação do interior do Brasil. As buscas por metais preciosos no interland brasileiro, que se sucederam pelos séculos XVI e XVII, estão amplamente ligadas ao impacto causado pelas notícias dos enormes tesouros encontrados na América pelos espanhóis, sobretudo pela descoberta das ricas minas de prata de Cerro Potosí, em 1545. As descobertas de ouro no atual território mineiro vieram das entradas paulistanas cada vez mais freqüentes e atentas aos cascalhos e areias dos ribeirões pela experiência nas lavras do litoral. A notícia dos primeiros descobrimentos, por volta de 1690, fez aumentar o número de expedições de exploração e os achados proliferaram rapidamente causando o primeiro grande rush minerador da história mundial. Inicialmente na região de Ouro Preto e Mariana, as famosas “Minas Gerais dos Cataguás” que incluíam jazidas como as de Itaverava, Itatiaia, Antônio Dias, Padre 120 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 Faria, Bento Rodrigues, Ribeirão do Carmo, e logo se expandiram para Inficcionado (Santa Rita Durão), Furquim, São Caetano (Monsenhor Horta), Ouro Branco, Casa Branca, Itabira do Campo (Itabirito), Catas Altas da Noruega e muitas outras. A região de Sabará caracterizou um novo grupo conhecido como “Minas do Rio das Velhas” e incluía entre outras as ricas jazidas de Congonhas do Sabará (Nova Lima), Raposos, Santo Antônio do Rio Acima (Rio Acima). As “Minas do Caeté” incluíam as famosas lavras de Cuiabá e Morro Vermelho. E eram tantas as minas que, em 1720, foi criada a Capitania de Minas Gerais. Ao fim das primeiras décadas do século XVIII praticamente todo o território das Minas Gerais estava ocupado, havia uma profusão de cidades e vilas em função da disseminação das lavras auríferas (Machado 2009). Figura 1 – Mapa de localização com os municípios que integram o Quadrilátero Ferrífero. Segundo Machado (2009), depois de aproximadamente 100 anos de atividades mineiras em profusão, o declínio acentuado da extração de ouro nas últimas décadas do século XVIII trouxe as primeiras pesquisas científicas e contribuições sobre a constituição geológica dos terrenos tendo como objetivo a descoberta de novos recursos minerais. Durante todo o século XIX a região foi palco do que havia de mais recente em termos de ciência na Europa, ao receber em seus terrenos, renomados pesquisadores estrangeiros. As observações geológicas desses naturalistas se referem, basicamente, aos mesmos lugares por força de um itinerário de interesse comum, que passava obrigatoriamente pelas famosas minas de topázio nos arredores de Ouro Preto e minas de ouro, então exploradas por companhias inglesas. Alguns desses estrageiros, com formação mais específica em Geologia, como o Barão de Eschwege, Peter Claussen, Virgil von Helmreichen, além do detalhamento das formações, produziram mapas geológicos da região, estando entre estes as primeiras representações da geologia do Brasil. Na primeira década do século XX, a descoberta das enormes reservas de manganês e ferro colocou mais uma vez a região em evidência no cenário internacional e impulsionou novamente as atividades mineiras. Em função dessas reservas e dos limites da área bem marcados pelo relevo, a designação Quadrilátero Ferrífero foi introduzida na literatura, em 1952, numa comunicação apresentada no XVIII Congresso Internacional de Geologia. A partir daí foi disseminada de tal forma que, rapidamente, extrapolou a comunidade geológica e hoje é amplamente reconhecida e utilizada, indiscriminadamente, para citar ou se referir à região (Machado 2009). O interesse pela área permanece até os dias atuais, não apenas pelas grandiosas reservas de minério de ferro e outras riquezas minerais existentes, como o ouro ainda explorado, mas também por serem sua 121 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 geologia, mineralogia e geodinâmica uma das mais fascinantes do mundo. Um reconhecimento recente está associado ao seu significativo patrimônio geológico constituído por numerosos afloramentos de rochas de excepcional interesse científico e pedagógico que permitem a compreensão dos processos de evolução da história geológica da Terra. Liccardo (2007) salienta a importância de Minas Gerais em termos de características geológicas ligadas à história da mineração, destacando para a região do Quadrilátero Ferrífero os municípios de Ouro Preto e Mariana cuja história e turismo se confundem com a mineração e a geologia. Segundo Cesar-Mendes (2003), nestes municípios ainda pode ser visto importante patrimônio geológico/mineiro, sendo sua preservação primordial para as gerações futuras. Outros autores também registram o valor patrimonial do Quadrilátero Ferrífero, como Ruchkys et al. (2006); Silva (2007); Ruchkys (2007); Ruchkys (2009); Ruchkys et al.(2009); Machado (2009); Castro et al. (2011); Ostanello (2012) e Ruchkys et al. (2012). Este importante patrimônio geológico e mineiro revela grande potencial para uso turístico, conforme Ruchkys (2007) e pode integrar planos de desenvolvimento regional agregando valor a produtos típicos tradicionais já existentes. Uma estratégia interessante é a proposta de criação do Geopark Quadrilátero Ferrífero apresentada pelo Governo do Estado à UNESCO, em 2009. O QF reúne os requisitos básicos de um geoparque: é uma área com longa história de exploração mineral, geologia complexa com afloramentos privilegiados, enorme biodiversidade, belas paisagens, sendo um território propício para ações baseadas na geoconservação e geoturismo. 2 . PAT R I M Ô N I O G E O L Ó G I C O - M I N E I R O , GEOCONSERVAÇÃO E GEOTURISMO A palavra patrimônio está associada à herança, aquilo que é transmitido de geração para geração. Segundo Choay (2001) esta palavra foi requalificada por diversos adjetivos como genético, natural, cultural, entre outros, que fizeram dela um conceito nômade (Ruchkys 2007). Gallego e García (1996) definem o patrimônio geológico como o conjunto de recursos naturais não renováveis de valor científico, cultural e educativo, incluindo as formações, estruturas geológicas, formas do terreno, os jazimentos paleontológicos e mineralógicos, que permitem reconhecer, estudar e interpretar a evolução da história geológica da Terra e os processos que tem modelado. Para Riart (2000), o patrimônio mineiro é algo mais complexo de se definir, já que em alguns casos está associado ao patrimônio geológico, mas também se relaciona com o patrimônio cultural (arquitetônico, arqueológico, arqueológico-industrial, etc.). O mesmo é colocado por Rodrigues et al. (2011) ao afirmarem que o patrimônio mineiro nem sempre tem tido um posicionamento claro perante ao patrimônio geológico, sendo habitualmente integrado ao patrimônio industrial. Seguindo o conceito proposto por Cordeiro (2010), o patrimônio mineiro se relaciona ao patrimônio geológico por incluir os vestígios materiais e imateriais relacionados com a atividade mineira, assim como os aspectos geológicos que promovem a exploração. A necessidade de proteger o patrimônio geológico e mineiro tem levado ao desenvolvimento de estratégias que incluem a criação de leis para proteção deste patrimônio e iniciativas de valorização e divulgação. Cabe salientar que alguns países, principalmente europeus, dispõem de legislação específica para a proteção do patrimônio geológico. No Brasil este patrimônio vem sendo protegido de forma indireta pela criação de unidades de conservação que tem respaldo em diversos instrumentos legais relacionados às políticas públicas para a conservação da biodiversidade. Além disso, existem referências legais específicas para determinados tipos de patrimônio que integram o patrimônio geológico. Abaíde (2012), por exemplo, destaca o Art. 216 da Constituição Federal de 1988, onde no rol dos bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro estão incluídos os sítios paleontológicos. No caso de iniciativas envolvendo valorização e divulgação merece destaque o geoturismo, que tem como uma de suas preocupações a de tornar o patrimônio geológico e mineiro acessível ao grande público, recorrendo para isso ao artifício de traduzir o significado deste patrimônio para uma linguagem comum. O termo geoturismo passou a ser comumente utilizado a partir de meados da década de 90 depois que uma primeira definição, cunhada por Hose (1995), foi amplamente divulgada numa revista profissional de interpretação. Posteriormente, o próprio Hose (2000) definiu geoturismo como sendo: “A provisão de facilidades interpretativas e serviços para promover o valor e os benefícios sociais de lugares e materiais geológicos e geomorfológicos e assegurar sua conservação, para uso de estudantes, turistas e outras pessoas com interesse recreativo ou de lazer.” (Hose 2000) Uma definição brasileira de geoturismo foi dada por Ruchkys (2007) que apresentou a atividade como um segmento do turismo que tem o patrimônio geológico como seu principal atrativo e busca sua proteção por meio da sensibilização do turista, utilizando para isto a interpretação para torná-lo acessível ao público leigo, além de promover sua divulgação e o desenvolvimento das ciências da Terra. 122 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 3. ASPECTOS DA GEOLOGIA DO QUADRILÁTERO FERRÍFERO Para Ruchkys et al. (2006), o geoturismo oferece oportunidade para uma aproximação da geologia com o público, além de ser um novo produto de turismo direcionado a pessoas motivadas por sede conhecimento intelectual e por atividades que envolvam exploração, descoberta e imaginação. A necessidade de prover conhecimento faz a interpretação, meio eficaz de informar em linguagem acessível, ter um papel preponderante no aumento do interesse pela geologia e geoconservação, além de promover sua divulgação. O contexto geológico do Quadrilátero Ferrífero é caracterizado por três grandes associações de litotipos: duas de idade arqueana representadas por terrenos granito-gnáissicos e por uma unidade do tipo greenstone belt (Supergrupo Rio das Velhas), e a terceira composta por uma sequência metassedimentar paleoproterozoica contendo formações ferríferas bandadas do tipo lagosuperior (Supergrupo Minas) (Figura 2). Encontram-se no Quadrilátero Ferrífero elementos geológicos representativos de parcela considerável da evolução PréCambriana. Figura 2 – Mapa geológico simplificado do Quadrilátero Ferrífero. Fonte: Alkmin & Marshak (1998) Os terrenos granito-gnáissicos correspondem ao embasamento cristalino e representam as rochas mais antigas da região (Ca. 2800Ma). Estas rochas distribuemse ao redor e na parte central do Quadrilátero Ferrífero, e, geralmente, apresentam estrutura dômica. Suas principais ocorrências são os complexos do Bação, Belo Horizonte, Caeté, Bonfim e Florestal (Renger et al. 1994). O Supergrupo Rio das Velhas (aproximadamente 2700Ma) corresponde a uma seqüência de rochas de origem vulcânica intercaladas com rochas de origem sedimentar e abrange os Grupos Nova Lima e Maquiné. No Grupo Nova Lima estão concentradas as ocorrências e maiores jazidas de ouro no Quadrilátero Ferrífero, responsáveis pela designação do estado como “Minas Gerais”. O Supergrupo Minas (de 2500 a 2100Ma) está dividido nos Grupos: Caraça; Itabira e Piracicaba. O Grupo Caraça apresenta as Formações Moeda e Batatal, sendo os quartzitos da Formação Moeda responsáveis pela sustentação do relevo de algumas serras do QF (como a Serra da Moeda). O Grupo Itabira apresenta as Formações Cauê e Gandarela. Na Formação Cauê estão os principais depósitos de ferro do QF. O Grupo Piracicaba é formado pelas formações Cercadinho; Fecho do Funil; Taboões e Barreiro. Ocorrem ainda no QF os Grupos Sabará e Itacolomi. O Grupo Itacolomi, cuja 123 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 deposição se deu entre, aproximadamente, 2100 a 1750Ma, é composto principalmente por quartzitos que estão presentes no Pico de Itacolomi, em Ouro Preto, e na Serra de Ouro Branco, em Ouro Branco. No contexto geológico regional do Quadrilátero Ferrífero, além da sequência estratigráfica descrita anteriormente, destaca-se também a presença de rochas básicas e metabásicas intrusivas que cortam as sequências supracrustais e os terrenos granitognáissicos especialmente a oeste de Belo Horizonte e na Serra do Caraça (Alkmim & Noce 2006). O Fanerozoico encontra-se restrito a pequenas bacias intramontanas cenozóicas, como a bacia do Gandarela, sendo representado essencialmente por rochas pelíticas, linhitos da Formação Fonseca (Castro et al. 2001) e conglomerados compostos por clastos de itabiritos da Formação Chapada de Canga (Santana et al. 1997). Sobre a evolução tectônica do complexo padrão do Quadrilátero Ferrífero, destaca-se o modelo proposto por Alkmin & Marshak (1998) no qual os autores distinguem quatro fases de deformação ocorridas no QF dentro do seguinte processo de evolução: 1) Formação dos terrenos granito-greenstone arqueanos: rochas cristalinas mais antigas 3200Ma e deposição do SGRV entre 2800Ma-2700Ma; 2) Formação da bacia Minas: entre 2600-2400Ma (evento extensional); 3) Evento Transamazônico: aproximadamente em 2100Ma, a região foi envolvida por um cinturão de dobramentos e cavalgamentos com vergência noroeste; 4) Colapso orogênico transamazônico: entre 2095-2051Ma: regime extensional com desenvolvimento de terrenos em quilhas e domos; 5) Rift Espinhaço: reflexo no QF do desenvolvimento da bacia Espinhaço com a intrusão de diques de diabásio em torno de 1750Ma; 6) Brasiliano: segundo evento contracional, ocorreu entre 700-430Ma e criou um cinturão de dobramentos e cavalgamentos para oeste que reativou antigas estruturas do QF. 4. A MINERAÇÃO NO QUADRILÁTERO FERRÍFERO Os recursos minerais, por constituirem insumos essenciais a praticamente todos os ramos do setor industrial e terem distribuição irregular na crosta terrestre, tem ao mesmo tempo uma enorme dimensão econômica e caráter internacional. Assim, é natural o interesse governamental em pesquisa, exploração e regulação do setor mineral. No caso específico do ouro, desde a antiguidade, esse metal adquiriu status diferenciado entre produtos comercializados. É o único metal precioso que une à facilidade para ser trabalhado, resistência à corrosão, características estéticas como beleza e brilho e ainda raridade. Estas propriedades fizeram com que o ouro começasse a ser usado na cunhagem de moedas e na produção de jóias e artefatos ainda nos primeiros séculos da antiguidade. Suas propriedades físicas, químicas e bioquímicas garantem-lhe hoje aplicações nas indústrias eletrônica, química, de perfumaria, textil, de impressão, papel, plásticos, produtos alimentícios, laminação de vidros, construção civil, na odontologia na medicina, entre outras (Nery & Silva 2001). Entretanto, é basicamente a sua capacidade de reserva de valor que o tornou tão especial. Sobretudo, para Portugal em meados do século XVII profundamente enfraquecido em termos políticos e econômicos logo após a separação da Espanha. A nação apresentava uma balança de comércio deficitária advinda dos altos custos para a reinstalação do Reino, da retração dos mercados consumidores, particularmente o do açúcar em função da concorrência da produção antilhana e da escassez de metal (Martins 1984). O ouro brasileiro viria como remédio para esses males. Tanto que as atividades de mineração desenvolvidas no período de aproximadamente 100 anos, entre a descoberta do ouro e a exaustão do minério de fácil extração no Quadrilátero Ferrífero, têm características bem definidas em função da política mercantilista portuguesa – exploração das riquezas coloniais visando somente o abastecimento da metrópole. A lavra no Ciclo do Ouro era baseada na experiência e na observação e não em conhecimento científico, se caracterizando unicamente pela aplicação e aprimoramento de técnicas de mineração. Lavrava-se sem planejamento, produzindo montanhas de estéreis que eram depositadas muitas vezes sobre camadas ricas inviabilizando seu aproveitamento. Primeiramente foram descobertos e minerados os depósitos nos leitos dos rios, os aluviões, onde o ouro era encontrado misturado aos seixos, areia, argila. A crescente escassez dos cascalhos ricos, facilmente acessíveis, alterou não só os trabalhos nos leitos dos rios como levou os mineiros a buscar os depósitos de aluvião nas margens ou “tabuleiros”, e sob uma camada não muito espessa de terra nas encostas dos morros, as “grupiaras”. Nas encostas era usado o método conhecido como “talho aberto”. A mineração subterrânea só acontecia diante da impossibilidade de exploração do filão rico a céu aberto, uma vez que o serviço era muito penoso e arriscado. As galerias eram estreitas e sinuosas, escavadas acompanhando a formação do veio, e chegavam a atingir centenas de metros, somente nas partes mais ricas eram alargadas. Os morros eram perfurados de um lado para o outro sem o menor planejamento ou controle, assim aconteceu em Ouro Preto, Mariana e outros localidades. A sede de enriquecimento rápido, o total despreparo com relação ao conhecimento da estrutura das jazidas, aliada a falta de orientação ou fiscalização por parte da metrópole, pelo contrário, a imposição do oneroso quinto sobre o ouro fizeram com que o modo de minerar no ciclo do ouro funcionasse como algoz da mina. A exploração do ouro entrou em acentuado declínio a partir dos anos 60 do século XVIII. 124 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 Logo depois da independência, aproveitando a legislação brasileira favorável à entrada de capital estrangeiro para o desenvolvimento da atividade de mineração, começaram a chegar os ingleses. Nos anos 1820 e 1830 foram formadas na Inglaterra seis companhias para explorar ouro em Minas Gerais. As Companhias inglesas trouxeram mudanças significativas em todos os estágios de produção de ouro, introduziram o emprego da pólvora e mais tarde da dinamite, amalgamação por mercúrio e a utilização generalizada de força hidráulica nas operações de drenagem, ventilação e transporte (com vagonetes e caçambas movidos por roda d'água), e engenhos hidráulicos de redução do minério os quais foram responsáveis pelos maiores ganhos de produtividade. Apesar de terem obtido o controle das melhores jazidas, as companhias inglesas suavizaram o ritmo, mas não reverteram a tendência de queda do setor aurífero, pelo menos em termos de quantidade produzida até 1860. A produção anual média que havia sido 1.884 Kg em 1801/1820, caiu para 1.602 Kg em 1820/1860, dos quais, aproximadamente, 52% foram extraídos em Gongo Soco, Morro Velho e Cata Branca (Martins 1989). Em fins do século XIX começaram a aparecer os reflexos do apelo capitalista por minerais industriais como carvão, petróleo, ferro e manganês. Com a intensificação e diversificação do processo de industrialização pós-Primeira Guerra e consequente aumento da demanda por combustível e matéria-prima, as riquezas minerais do Quadrilátero Ferrífero se tornaram, mais uma vez, o centro das atenções, desta feita, o manganês e o ferro. No início dos 1900 o interesse dos países produtores de aço, principalmente a Inglaterra, pelas jazidas de manganês e ferro de Minas Gerais já era patente. Entre 1905 e 1920 houve uma intensa aquisição de jazidas de minério de ferro por estrangeiros. A constituição republicana de 1891 havia aberto esta prerrogativa. No que se refere ao direito de propriedade das minas, o chamado sistema dominial vigente durante o Império, no qual o subsolo pertence à nação, foi substituído pelo sistema norte-americano, submetendo a propriedade das minas à da superfície (Machado 2009). Na década de 30, com as mudanças introduzidas pela promulgação do Código de Minas do país, entre elas a necessidade de autorização do governo da União para pesquisa e lavra e somente para cidadãos brasileiros ou empresas organizadas no Brasil, as companhias estrangeiras que exploravam o minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero, passaram por um processo de nacionalização. Em 1946, por ordem constitucional, a mineração em território brasileiro foi reaberta à participação de capital estrangeiro, em 1988 foram restabelecidas as restrições e, finalmente, em 1995, os impedimentos ao capital externo foram novamente suprimidos. Hoje o Quadrilátero Ferrífero é responsável por cerca de 60% do minério de ferro exportado pelo Brasil que, em 2011, atingiu a marca de 331 milhões de toneladas de uma produção da ordem de 390 milhões. De acordo com a Secretaria do Comércio Exterior - SECEX, do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior, em 2011, o minério de ferro permaneceu liderando a pauta das exportações nacionais. A Companhia Vale do Rio Doce é, destacadamente ,a principal exportadora brasileira de minério de ferro, com 79% do total das exportações (Sinferbase 2011). Existem ainda no Quadrilátero Ferrífero ocorrências de urânio, prata, arsênio, enxofre, bário, topázio imperial, talco, serpentina, agalmatolito, calcário, dolomito, quartzo, caulim, grafita, rochas ornamentais, areia, argilas, entre outras. 5. PATRIMÔNIO GEOLÓGICO DO QUADRILÁTERO FERRÍFERO As rochas que afloram no Quadrilátero Ferrífero datam do Arqueano e Paleoproterozoico que, juntamente com o Hadeano (intervalo que marca os primórdios de formação do planeta), ocupam cerca de 8/10 da história da evolução da Terra. Nesta época a Terra esteve submetida a diversos eventos como vulcanismo, tectonismo, mudanças na atmosfera, hidrosfera, biosfera e nos sistemas de sedimentação. Registros destes eventos estão preservados nos diferentes conjuntos de rocha do Quadrilátero Ferrífero: complexos metamórficos de rochas cristalinas arqueanas; sequências do tipo greenstone belts arqueana representada pelo Supergrupo Rio das Velhas e sequências metassedimentares paleo e mesoproterozoicas representadas pelo Supergrupo Minas, Grupo Sabará e Grupo Itacolomi. Assim, para apresentação desse patrimônio geológico foram selecionados sítios de diferentes unidades geológicas com base nas descrições de Ruchkys et al. (2006); Ruchkys (2007); Ruchkys (2009); Ruchkys et al. (2009) e Ruchkys et al. (2012). 5.1. GNAISSE DE CACHOEIRA DO CAMPO É um sítio de interesse regional do ponto de vista científico e educativo e está localizado no distrito de Cachoeira do Campo. O embasamento cristalino granitognáissico-migmatítico de composição tonalitotrondhjemito-granodiorito (TTG) corresponde às rochas mais antigas do Quadrilátero Ferrífero, sendo a base de todas as unidades geológicas desta região. Os gnaisses de composição TTG, juntamente com sequências do tipo greenstone belt, são os constituintes mais característicos dos crátons arqueanos. As primeiras crostas continentais da Terra e os primeiros núcleos protocratônicos que começaram a se formar em quatro bilhões de anos eram compostos por gnaisses desse tipo. No Quadrilátero 125 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 Ferrífero o embasamento cristalino é dividido em complexos que recebem denominações locais diferentes: Complexo Bação; Complexo Bonfim; Complexo Belo Horizonte; Complexo Caeté; Complexo Santa Bárbara. O sítio do gnaisse de Cachoeira do Campo (Figura 3) encontra-se no Complexo Bação. 5.3. META-ARENITOS DA SERRA DO ANDAIME Sítio de interesse regional do ponto de vista científico e educativo. Este sítio está localizado no município de Itabirito na Serra do Andaime e está relacionado ao Grupo Maquiné e o Supergrupo Rio das Velhas. Os meta-arenitos da Serra do Andaime são interpretados por Pedreira (1995) e Baltazar & Pedreira (2000) como uma associação litorânea originados em ambiente marinho raso no Arqueano, sendo, portanto, o registro de uma das primeiras praias do Brasil. Os afloramentos indicam as litofácies desse ambiente: água rasa com influência de maré e dunas costeiras (Figura 5). Figura 3 – Visão geral do gnaisse de Cachoeira do Campo no Complexo Bação. Fonte: acervo CPRM 5.2. METAVULCÂNICAS DO SUPERGRUPO RIO DAS VELHAS É um sítio de interesse regional do ponto de vista científico e educativo. Trata-se de rocha metaultramáfica serpentinizada e xistificada da base do Supergrupo Rio das Velhas, representado por sucessões sedimentares e de rochas vulcânicas depositadas no Quadrilátero Ferrífero entre 2800-2700 Ma que contém importantes depósitos de ouro (Figura 4). O desenvolvimento do Supergrupo Rio das Velhas caracterizou um evento de crescimento da crosta continental formando uma plataforma relativamente grande. Figura 4 – Afloramento de rocha metaultramáfica serpentinizada da base do Supergrupo Rio das Velhas. Fonte: Dionisio Tadeu de Azevedo Figura 5 – Detalhe de marcas de onda nos meta-arenitos da Serra do Andaime. Fonte: Dionisio Tadeu de Azevedo. 5.4. QUARTZITOS E CONGLOMERADO BASAL DA FORMAÇÃO MOEDA – SERRA DA MOEDA Sítio de interesse nacional do ponto de vista científico, educativo, estético, cultural e turístico. O sítio está localizado na Serra da Moeda, cerca de 20 km ao sul de Belo Horizonte. Em um contexto de relativa quiescência global e existência de uma plataforma arqueana recém-consolidada, foi implantada a protobacia Minas com sedimentação inicialmente continental e posteriormente marinha. O Supergrupo Minas começou a se depositar em aproximadamente 2500Ma, ao longo de uma bacia de margem passiva desenvolvida na plataforma continental preexistente. O primeiro registro da abertura dessa bacia é marcado pelos metaconglomerados auríferos e uraniníferos que se encontram na parte basal da Formação Moeda. A sequência é constituída ainda por quartzito que sustenta a Serra da Moeda (Figura 6). 126 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 5.6. SERRA DA PIEDADE Figura 6 – Afloramento de quartzito da Formação Moeda na serra homônima. 5.5. SANTUÁRIO DA SERRA DO CARAÇA Sítio de interesse internacional do ponto de vista científico, educativo, estético, cultural, religioso, histórico e turístico, reconhecido pelo SIGEP como patrimônio geológico do Brasil. Serra do Caraça é o nome genérico para um conjunto de montanhas que abriga as maiores altitudes do Quadrilátero Ferrífero, com Pico do Sol atingindo 2.072 metros de altitude (Figura 7). É composta essencialmente por quartzitos da Formação Moeda do Grupo Caraça, com ocorrência de cavernas entre as quais se destaca a Gruta do Centenário, a maior do mundo nesta litologia. Seus condutos formam uma rede labiríntica quadrática atingindo 481m de desnível e 3.790 m de projeção horizontal (4.700m de desenvolvimento linear). Hoje, o Caraça é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Sítio de interesse internacional do ponto de vista científico, educativo, estético, cultural, religioso, histórico e turístico. Com expressivos afloramentos de BIF's (Banded Iron Formation) regionalmente conhecidas como itabiritos (Figura 8), a Serra da Piedade foi reconhecida pelo SIGEP como patrimônio geológico e paleontológico do Brasil, descrita por Ruchkys et al. (2009). Além da importância geoecológica para compreensão dos fenômenos que levaram à evolução da vida dos oceanos e da atmosfera no Pré-Cambriano, os itabiritos apresentam grande importância econômica. No Quadrilátero Ferrífero, há várias minas de ferro hospedadas dentro de formações ferríferas bandadas onde a lixiviação de minerais de ganga (principalmente quartzo e dolomita) promoveu o enriquecimento residual de ferro na rocha. Figura 8 – Afloramento de itabirito dobrado na Serra da piedade. Foto: Dionisio Tadeu de Azevedo. 5.7. SERRA DO CURRAL Figura 7 – Vista geral da Serra do Caraça. Foto: Dionisio Tadeu de Azevedo. Sítio de interesse nacional do ponto de vista científico, educativo, estético, cultural, histórico e turístico. A serra do Curral corresponde a um homoclinal, cujo eixo se orienta, em linhas gerais, de NE para SW, constituindo o limite norte do Quadrilátero Ferrífero. Afloram na Serra do Curral parte da seqüência metassedimentar do Supergrupo Minas: grupos Caraça, Itabira e Piracicaba. Essas unidades apresentam inversão estratigráfica ocasionada pela tectônica e caracterizam uma diversidade litoestrutural e morfológica e um relevo acidentado. A Serra do Curral tem seu nome associado ao antigo Curral Del Rey, arraial que se desenvolveu em sua base e que daria lugar a atual cidade Belo Horizonte. 127 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 5.8. SINCLINAL DO GANDARELA 5.10. PICO DO ITACOLOMI Sítio de interesse regional do ponto de vista científico e educativo. Caracterizado pela ocorrência de carbonatos, um dos indícios da mudança paleoambiental - a dissolução dos gases atmosféricos nas águas conduz à formação do ácido carbônico (H2CO3) que é fixado sob a forma de carbonato de cálcio ou de magnésio (Figura 9). Sítio de interesse internacional do ponto de vista científico, educativo, estético, cultural, religioso, histórico e turístico (Figura 11). O Grupo Itacolomi tem sua importância global associada ao registro do ciclo orogênico no Quadrilátero Ferrífero, fase extencional do Evento Transamazônico. Representa uma deposição típica de ambiente fluvial entrelaçado e leques aluviais em bacias intermontanas estreitas. Os leques aluviais são feições deposicionais que ocorrem tipicamente adjacentes às áreas montanhosas. Figura 9 – Visão geral de afloramento de mármore da Formação Gandarela. Foto: Úrsula Ruchkys. 5.9. PEDREIRA DO CUMBI Figura 11 – Vista geral do pico do Itacolomi a partir da cidade de Ouro Preto. Foto: Dionisio Tadeu de Azevedo. Sítio de interesse regional do ponto de vista científico e educativo. Carbonato rico em estruturas sedimentares resultantes da atividade de cianobactérias – os estromatólitos (Figura 10). Os estramatólitos précambrianos, além de ser a evidência indireta mais antiga de vida, constituem um importante registro de mudanças climáticas, paleogeográficas e ambientais. 5.11. SERRA DE OURO BRANCO Figura 10 – Detalhe dos estromatólitos preservados na Pedreira do Cumbi. Foto: Dionisio Tadeu de Azevedo. Sítio de interesse regional do ponto de vista científico, educativo, estético, cultural, histórico e turístico, tendo sido tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA. A Serra de Ouro Branco, a exemplo do Pico do Itacolomi, tem sua importância associada ao ciclo orogênico. A evolução do QF proporcionou uma estruturação dômica marcada por diversos sinclinais e anticlinais distribuídos pelos compartimentos que o constituem tornando possível a observação, em campo, de contrastes muito bruscos na topografia, principalmente em trechos onde m o v i m e n t o s t e c t ô n i c o s p r o v o c a ra m fo r t e s desnivelamentos. A Serra de Ouro Branco permite o entendimento desta relação entre as cotas altimétricas e as características litológicas e estruturais da região assim como disponibiliza excepcionais afloramentos de quartzitos do Grupo Itacolomi. É um marco paisagístico que materializa o limite meridional do QF no sentido W-E, tendo sido descrito sob o nome de Serra do Deus-TeLivre, invariavelmente, por todos os naturalistas estrangeiros que estiveram na região nos três primeiros quartéis do século XIX (Figura 12). É formada por um paredão com cerca de 20 km de extensão, tendo em seu topo um planalto cuja altitude varia entre 1.250 e 1.568 metros. Possui belos mirantes e muitas cachoeiras. 128 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 Figura 12 – Vista geral da Serra de Ouro Branco suportada por quartzitos do Grupo Itacolomi. Foto: Maria Márcia Magela Machado. 5.12. SÍTIO PALEONTOLÓGICO DE FONSECA Sítio de interesse nacional do ponto de vista científico. A bacia de Fonseca, descrita por Mello et al. (2002), foi reconhecida pelo SIGEP como patrimônio geológico e paleontológico do Brasil. Constitui um clássico exemplo de sedimentos paleógenos, tendo despertado o interesse de vários pesquisadores, desde a segunda metade do século passado, por conter depósitos de “canga”, linhito e sedimentos fossilíferos. O registro fossilífero da Formação Fonseca é caracterizado por uma grande variedade de famílias de Angiospermas, sendo as famílias Melastomataceae e Mimosaceae as mais abundantes. O fóssil mais notável pertence à Família Bombacaea – uma flor, relativamente bem conservada, apresentando a impressão das pétalas e androceu (órgão reprodutor masculino). Figura 13 – Exposição de canga na Serra do Rola Moça. Foto: Dionisio Tadeu de Azevedo. 6. PATRIMÔNIO MINEIRO DO QUADRILÁTERO FERRÍFERO Com cerca de trezentos anos de atividade extrativa mineral contínua, o Quadrilátero Ferrífero possui um importante espólio mineiro advindo principalmente da exploração do ouro e do ferro. A mineração deixou também um importante legado patrimonial imaterial ligado à identidade e a memória das populações mineras. Parte do patrimônio mineiro do QF é descrito a seguir, com base em Ruchkys et al.(2006); Ruchkys (2007); Ruchkys (2009) e Ruchkys et al. (2012) e Machado (2009), a partir de sítios representativos de diferentes períodos da história da mineração. 6.1. RUÍNAS DA CASA DE FUNDIÇÃO CLANDESTINA DE OURO 5.13. SERRA DO ROLA MOÇA Sítio de interesse internacional do ponto de vista científico, educativo, estético, cultural, histórico e turístico. O Parque Estadual da Serra do Rola Moça apresenta boas exposições de carapaça laterítica ferruginosa, regionalmente conhecida como canga, cuja formação se deve ao processo de intemperismo do itabirito (Figura 13). Os processos de laterização e a conseqüente formação de canga são relativamente recentes, estando comumente relacionados a processos de aplainamento do relevo gerados pela atuação de processos erosivos. No caso das cangas do Quadrilátero Ferrífero, vários autores associam a formação de lateritas ao desenvolvimento da superfície de aplainamento SulAmericana, considerada Paleógena por King (1956). Sítio de interesse regional do ponto de vista histórico, educativo e turístico. O sítio da falsa casa de fundição do Paraopeba é de extrema importância para história da mineração, sendo um exemplo dos descaminhos do ouro no Período Colonial. A fundição clandestina de ouro é um exemplo das múltiplas táticas de fraude desenvolvidas no Período Colonial, principalmente no período do estabelecimento das primeiras Casas de Fundição oficiais entre 1724 e 1735. Montada por Inácio de Souza Ferreira, juntamente com Manuel Francisco e outros cúmplices, em um sítio estratégicamente posicionado, esta fundição cladestina produzia barras de ouro e moedas com cunhos legítimos, furtados das casas de fundição e dados como inutilizados (Figura 14). 129 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 6.3. MINA DE MORRO VELHO Figura 14 – Ruínas da casa de fundição clandestina no vale do Paraopeba. Foto: Úrsula Ruchkys de Azevedo. 6.2. FÁBRICA PATRIÓTICA Sítio de interesse nacional do ponto de vista histórico, científico e educativo. Assim como a mineração, a siderurgia também marca a vocação da região do Quadrilátero Ferrífero. O ferro era produzido no Brasil, desde o início da colonização, em pequenas forjas que produziam por métodos primitivos e, quase que exclusivamente, por força braçal. Com a necessidade de suprir as demandas da mineração um decreto baixado em 1801 revogou o Alvará de 1785 que proibia a existência de fábricas na colônia, liberando a fabricação de ferro em escala industrial. Entretanto, o impulso para criação de fábricas de ferro só veio em 1808 com a elevação do Brasil a sede do Reino. A “Fábrica Patriótica”, instalada pelo alemão Barão de Eschwege em Congonhas do Campo, produziu ferro pela primeira vez em 12 de dezembro de 1812 e funcionou até por volta de 1822. Foi o primeiro estabelecimento a produzir ferro em escala industrial no Brasil. O conjunto das ruínas da Fábrica Patriótica é preservado pelo IPHAN como testemunho histórico da indústria siderúrgica do Brasil (Figura 15). Sítio de interesse internacional do ponto de vista científico, educativo, cultural, histórico e turístico. Em Morro Velho, antiga freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Congonhas (hoje Nova Lima), a exploração do ouro remonta ao período colonial, tendo se iniciado por volta de 1725. A mina, ao longo de sua existência, experimentou a evolução nas técnicas de mineração do ouro e foi nos anos 1920 a mina mais profunda do mundo e a mais produtiva do Brasil tornando-se um referencial para a história da mineração. A mina foi paralisada em outubro de 2003 e está atualmente no processo de descomissionamento. A administração mantém, desde 1994, o Centro de Memória Morro Velho, aberto ao público, onde é resgatada a história da mineração do século XIX com grande acervo de peças e documentos históricos. 6.4. HONÓRIO BICALHO Sítio de interesse regional do ponto de vista educativo, cultural e histórico. A descoberta do ouro no Rio das Velhas e no Ribeirão de Macacos levou ao desenvolvimento de Honório Bicalho, atual distrito de Nova Lima. A localidade experimentou grande prosperidade até fins dos 1700, quando a fadiga da mineração do ouro, impôs à região uma decadência que só começou a ser revertida depois de praticamente um século com a entrada de capital estrangeiro. Depois das tentativas fracassadas de exploração por parte da Societé de Mines D'or de Faria, de capital francês, e da inglesa Faria Gold Mining Company of Brazil Limited, em 1908 a empresa inglesa Saint Jonh Del Rey Mining Company adquiriu o espólio da mina do Faria, filão mais rico, e a região voltou a se desenvolver (Figura 16). A localidade passou a ser conhecida pelo nome da estação ferrroviária – Honório Bicalho, inaugurada em 1890, assim batizada em homenagem ao engenheiro responsável pela construção do trecho. Figura 16 – Entrada da mina de ouro do Faria atualmente desativa em Honório Bicalho. Foto: Úrsula Ruchkys de Azevedo. Figura 15 – Ruínas da Fábrica Patriótica. Foto: Úrsula Ruchkys de Azevedo. 130 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 6.5. MORRO DA QUEIMADA 6.7. MINA DE PASSAGEM Sítio de interesse nacional do ponto de vista histórico, científico e turístico, onde são encontrados construções e galerias de minas relacionadas à extração de ouro. O Morro da Queimada abrigou um dos primeiros núcleos populacionais de Vila Rica, hoje cidade de Ouro Preto. Passou a ser chamado de Morro da Queimada após ser incendiado a mando do então governador, Conde de Assumar, em represália à revolta liderada por Felipe dos Santos contra a proibição de circulação de ouro em pó e a criação das casas de fundição para arrecadação do quinto do ouro em 1720. Hoje, a região do Morro da Queimada está sendo transformada em um parque arqueológico, sendo responsável por essa iniciativa o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Sítio de interesse nacional do ponto de vista científico, educativo, cultural, histórico e turístico. Entre 1729 e 1819, vários mineiros obtiveram concessões para explorar a propriedade mineral de Passagem até que, em 1819, ela foi adquirida, junto com algumas concessões vizinhas, pelo Barão de Eschwege que criou a primeira companhia mineradora do País de capital privado, com o nome de Sociedade Mineralógica da Passagem. Eschwege modernizou o processo de lavagem e beneficiamento do minério aurífero com a instalação de um engenho com nove pilões e moinhos para pedras, até então desconhecidos no Brasil e estabeleceu o primeiro plano de lavra subterrânea. A Mina da Passagem, atualmente desativada, pertence à Companhia de Minas de Passagem - CMP e está aberta a visitação. A descida para as galerias subterrâneas se faz de através de um trolley, em um plano inclinado que chega a 315m de extensão e 120m de profundidade (Figura 18). 6.6. MINA DE CHICO REI Sítio de interesse internacional do ponto de vista científico, educativo, cultural, histórico e turístico. A Mina de Chico Rei é uma escavação artesanal subterrânea que se estende sob a cidade de Ouro Preto por aproximadamente 11.500 metros, distribuídos em vários níveis (Figura 17). Seus primeiros 50 metros, que seguem até o chamado salão de cristais, um átrio a partir do qual sai um tunel mais elevado, estão iluminados e abertos à visitação turística. O nome tem origem na história de Chico Rei, personagem real que segundo a tradição oral, foi trazido do Congo como escravo e trabalhou na exploração do ouro até comprar sua carta de alforria e, depois, sua própria mina. Atualmente a mina está sendo mapeada por estudantes de geologia. Figura 18 – Entrada da mina da Passagem. Foto: Dionisio Tadeu de Azevedo. 6.8. MINA DE GONGO SOCO Figura 17 – Entrada da mina de Chico Rei aberta a visitação. Foto: Úrsula Ruchkys de Azevedo. Sítio de interesse nacional do ponto de vista educativo, cultural, histórico e turístico. No século XIX a Mina de Gongo Soco viveu seu apogeu com a mineração aurífera subterrânea, mecanizada e industrializada. A mina foi explorada por ingleses da Cornuália, entre 1826 a 1856, que lá criaram uma autêntica vila inglesa, com hospital, capela e cemitério particular (IEPHA, 1995). As ruínas, tombadas pelo IEPHA/MG em 1995, estão localizadas no município de Barão de Cocais, a 76 quilômetros de Belo Horizonte. Com a escassez do rico mineral, a mina ficou paralizada durante muito tempo e, em 1986, a extração do ouro foi substituída pela do ferro, atividade ainda existente no local (Figura 19). 131 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 Figura 20 – Vista geral da mina de Capão do Lana. Foto: Maria Márcia Magela Machado. Figura 19 – Ruínas da mina de Gongo Soco. Foto: Acervo CPRM. 6.9. CAPÃO DO LANA Sítio de interesse internacional do ponto de vista científico, turístico e histórico. No Brasil, o topázio amarelo foi descoberto por volta de 1760 na região de Ouro Preto, provavelmente em aluviões lavados em busca de ouro. A descoberta de topázios no morro da Saramenha, em 1772, atraiu grande número de mineiros para o local. No século XIX as viagens científicas realizadas por naturalistas europeus no sudeste brasileiro incluiam, invariavelmente, as minas de topázio nos arredores de Ouro Preto, em função do interesse que despertavam. As lavras de topázio do Capão do Lana, na região de Rodrigo Silva, são objeto de observações geológicas no relato da viagem por Minas Gerais, em 1818, de Spix e Martius e também de Francis de la Porte, o Conde de Castelnau, que lá esteve em 1843 (Machado 2009). A Topázio Imperial Mineração iniciou sua operação em Capão do Lana em 1971, chegando a empregar 80 pessoas. Realizou levantamentos geológicos e pesquisas de seu subsolo, cumprindo todos os requisitos legais. Opera de acordo com planos de lavra aprovados, acompanhados e fiscalizados pelos órgãos oficiais de mineração (Figura 20). Atualmente, com ritmo modesto de produção continua a abastecer grandes indústrias joalheiras. 6.10. PONTE DO BIQUINHA Sítio de interesse nacional do ponto de vista cultural, histórico e turístico. Para evitar o descaminho do ouro entre as minas e o Rio de Janeiro, o governo português determinou que apenas o Caminho Velho e, depois, o Caminho Novo, aberto como alternativa para evitar a rota marítima entre Paraty e o Rio de Janeiro, poderiam ser utilizados para transporte desse bem. Estes caminhos oficiais receberam o nome de Estrada Real. No trecho Ouro Branco - Ouro Preto existem ainda vários vestígios arqueológicos como pontes, bueiros, galerias fluviais e pluviais, contenções, muros de arrimo e restos de piso e é um dos trechos originais mais bem preservados da Estrada Real em Minas Gerais. A Ponte do Biquinha é um destes remanescentes, feita em pedra de cantaria, arco pleno ou romano e parapeitos incompletos do século XIX (Figura 21). Figura 21 – Vista da ponte do Biquinha em trecho preservado da Estrada Real. Foto: Úrsula Ruchkys de Azevedo. 132 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 6.11. FAZENDA PÉ DO MORRO A Fazenda Pé do Morro foi construída no século XVIII, com todas as paredes em pedras, nas proximidades da Serra de Ouro Branco, daí o seu nome. Serviu como hospedagem para visitantes, atividade que, com o tempo, parece ter ganhado muito importância. Em meados do século XIX teve um acréscimo de pau a pique e sofreu algumas modificações (Figura 22). A origem da fazenda está relacionada à necessidade de abastecimento das sociedades fundadas na base econômica da mineração que se preocuparam muito pouco com a produção de gêneros alimentícios, fato que resultou em várias crises de abastecimento durante o ciclo do ouro. Atualmente é tombada pelo Patrimônio Histórico e funciona como Hotel Fazenda sendo um exemplo vivo de uma imensa riqueza histórica. Figura 22 – Vista da Fazenda Pé do Morro. Foto: Úrsula Ruchkys de Azevedo. Figura 23 – Aqueduto Bicame de Pedra exibindo portal em arco romano. Foto: Acervo CPRM. 6.13. PICO DE ITABIRITO Sítio de interesse internacional do ponto de vista científico, educativo, estético, cultural, histórico e turístico. Trata-se de um corpo verticalizado de minério de ferro compacto, constituído de óxidos de ferro (hematita e magnetita), de origem hidrotermal, formado durante o evento termotectônico denominado Transamazônico, de idade paleoproterozóica e está inserido na Formação Cauê, Grupo Itabira do Supergrupo Minas (Rosière et al. 2005). O Pico de Itabirito é uma referência histórica e geográfica. Localizado junto à rodovia que liga Belo Horizonte a Ouro Preto, na borda do Sinclinal Moeda, serviu como marco geográfico para os bandeirantes e exploradores do território mineiro nos século XVI e XVII e para os naturalistas viajantes no século XVIII (Figura 24). 6.12. BICAME DE PEDRAS O Bicame de Pedra foi construído em 1792 por Manoel Ferreira Pinto para fornecimento de água para mina de ouro na Serra de Boa Vista. Constitui atração turística da Estrada Real e oferece uma linda vista do Caraça. O muro tem 4 metros de altura com portal em forma de arco romano sobre o qual a água era conduzida para ser utilizada na lavagem de cascalho para lavra de ouro nos séculos XVIII e XIX. Sua construção custou uma arroba (cerca de 15 Kg) de ouro (Figura 23). Figura 24 – Vista geral do Pico de Itabirito. Foto: Dionisio Tadeu de Azevedo. 133 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 7. EXEMPLOS E PROPOSTAS DE VALORIZAÇÃO PATRIMONIAL NO QUADRILÁTERO FERRÍFERO O Quadrilátero Ferrífero já foi e é alvo de projetos e propostas de valorização de seu patrimônio geológico e mineiro, sendo neste artigo apresentadas, como exemplos, seis destas propostas: 1) Valorização por percursos geoturísticos-culturais, proposto por Ruchkys et al. (2006); 2) Criação de um Geopark a ser integrado na GGN/UNESCO proposto por Ruchkys (2007); 3) Excursão virtual pelo Quadrilátero Ferrífero, proposto pela CPRM (2007); 4) Descomissionamento da Mina de Gongo Soco, proposto por Neto (2008); 5) Painéis interpretativos de sítios geológicos em um projeto conjunto desenvolvido, em 2012, pela CPRM/UFMG; 6) Valorização pelo geoturismo do Parque Estadual do Itacolomi, proposto por Ostanello (2012). Ruchkys et al. (2006) propõem a valorização patrimonial do Quadrilátero Ferrífero por meio de três percursos geoturísticos apresentando quatorze pontos de interesse que contemplam os diferentes aspectos que caracterizam esta que é uma das regiões geologicamente e historicamente mais importantes de Minas Gerais. A definição dos percursos geoturísticos buscou organizar e integrar as potencialidades do Quadrilátero Ferrífero. Os percursos auxiliam na organização de segmentos específicos, para atender às demandas também específicas. Ruchkys (2007) mostra o potencial do Quadrilátero Ferrífero para a criação de um geoparque, a partir da análise dos critérios operacionais da UNESCO para reconhecimento de áreas como geoparques descritos no documento Operational Guideline for National Geoparks seeking UNESCO´s assistance. Para isso faz uma seleção de sítios geológicos do Quadrilátero Ferrífero representativos de sua história geoecológica e da história da mineração. A seleção desses sítios está baseada em critérios internacionais e sua descrição segue a recomendação da UNESCO e do SIGEP. Com base nessas recomendações os sítios são descritos mostrando sua importância em termos globais e/ou regionais e são propostas medidas de proteção. A análise dos sítios e dos critérios da UNESCO mostra que a idéia de criação de um geoparque reconhecido pela UNESCO pode ser aplicada ao Quadrilátero Ferrífero, constituindo um instrumento de divulgação e conservação de um exemplo significativo do patrimônio geológico pré-cambriano da Terra e do patrimônio associado à história da mineração do Brasil. A CPRM disponibilizou em 2007 no site http://www.cprm.gov.br/estrada_real/ o Projeto “Excursão Virtual pela Estrada Real no Quadrilátero Ferrífero. Aspectos geológicos, históricos e turísticos”. O projeto teve como objetivo proporcionar a sinergia do conhecimento geocientífico com a história, a economia, a sociologia e o turismo de uma região que surgiu para o país como o berço da própria cidadania nacional desde meados do século XVII. A excursão apresenta um mapa do roteiro com a descrição de pontos de interesse geológico e cultural. Neto (2008) com base em uma avaliação mínero-geoambiental apresenta como uma das alternativas de plano de fechamento para a mina de Gongo Soco (cuja expansão está projetada para até 2014) uma valorização para uso exclusivo voltado à conservação. Neste contexto o autor sugere a criação de uma unidade de conservação com vistas à implantação de estrutura de pesquisa, divulgação, visitação e educação. Para esta valorização Neto (2008) salienta a importância do resgate do passado e a apropriação da história local pelas antigas e atuais comunidades mineras. Tais proposições poderiam contribuir para o desenvolvimento local, por meio de projetos de conservação, restauro e uso turístico e educativo de antigas minas e demais elementos do patrimônio mineiro, a exemplo do que ocorre em muitas regiões mineiras de diversos países. Sobre o geoturismo merece destaque o Projeto de Sinalização Interpretativa financiado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em parceira com a Universidade Federal de Minas Gerais e executado pelo Instituto Terra Brasilis. O projeto teve como principal objetivo elaborar e instalar placas com informações geológicas em sítios do Quadrilátero Ferrífero com linguagem acessível, aproximando o cidadão comum de seu patrimônio geológico e promovendo a geoconservação. Na primeira etapa do projeto os sítios contemplados foram: Serra do Rola Moça, Serra da Piedade, Serra do Curral, Gnaisse de Cachoeira do Campo e Pico do Itacolomi. Além de focar a geologia específica de cada sítio geológico as placas também trazem uma informação geral sobre a evolução geológica do Quadrilátero Ferrífero. Ostanello (2012) faz um reconhecimento e descrição de feições geológicas localizadas ao longo de trilhas do Parque Estadual do Itacolomi e demonstra sua potencialidade geoturística. Como contribuições da pesquisa, foram feitas considerações sobre a inclusão do geoturismo às ações de uso público do Parque. A autora sugere também a inserção dos resultados de sua pesquisa no contexto do Geopark Aspirante Quadrilátero Ferrífero, contribuindo com seus objetivos de divulgação da geologia e desenvolvimento social. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Quadrilátero Ferrífero é uma província mineral rica em geossítios e lugares mineiros. O esgotamento dos recursos e consequente encerramento da atividade extrativa no Quadrilátero Ferrífero podem levar a um processo de declínio social, desertificação humana, degradação patrimonial e ambiental como já ocorrido em outras fases da história da mineração neste mesmo território e há muitos exemplos em outros lugares. Neste contexto, propostas associadas à 134 Machado & Ruchkys/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 120-136 valorização do patrimônio geológico e mineiro devem ser desenvolvidas e fomentadas tais como a constituição de circuitos geo-mineiros que valorizam o território como herdeiro de uma história extrativa secular e que promovam as geociências junto ao grande público. Salienta-se ainda que valores patrimoniais na interface entre a geologia e a mineração, cujas atividades se desenvolvem na região desde o ciclo do ouro no Brasil colonial, devem ser também valorizados incluindo o patrimônio imaterial associado. Alguns projetos e propostas já vêm sendo desenvolvidos com este fim e nos últimos anos tem avançado com o inventário do patrimônio geológico e mineiro. No entanto, é importante um levantamento ainda mais detalhado não somente em nível de território - Quadrilátero Ferrífero, mas incluindo um inventário do patrimônio geológico e mineiro de cada município. 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Manuscrito ID 31541 Submetido em abril de 2013 Aceito em junho de 2013 136 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 77 - 86 Consideraciones sobre el patrimonio minero desde la perspectiva de un servicio geológico nacional Mining heritage considerations from the standpoint of a national geological survey CARMEN MARCHÁN, ALEJANDRO SÁNCHEZ. Instituto Geológico y Minero de España (IGME) - [email protected] - [email protected] Resumen Se examina el concepto de patrimonio minero como materia de estudio para diversas especialidades de la arqueología, la historia y la etnografía. Se hace una sucinta revisión de los elementos constitutivos de este patrimonio y su posible puesta en valor, con fines científicos, didácticos y turísticos. Por otro lado, se analiza la importancia de la labor de apoyo que pueden brindar los servicios geológicos nacionales, a la variada gama de entidades comprometidas en la preservación de dicho patrimonio. Se exponen algunas ideas y dos manuales sobre métodos de identificación y valoración de sus posibles elementos constitutivos. Finalmente, se revisan las principales organizaciones internacionales, de ámbitos diversos, que contemplan entre sus cometidos la protección del patrimonio minero. Palabras clave: Organismos internacionales; patrimonio minero; servicios geológicos; valoración; valorización. Abstract We examine the concept of mining heritage from the archaeological, historical and ethnographic point of view. We also make a brief review of the elements which constitute this patrimony and their potential assessment, for scientific, educational or tourist purposes. Moreover, we look at the support provided by national geological surveys to the varied range of organizations involved in the preservation of mining heritage. Several ideas and two manuals about identification methods, analysis and assessment of potential mining heritage sites are also explained. Lastly, we review the main international organizations from several fields, which include mining heritage protection as one of their scopes. Key words: Assessment; geological surveys, international organizations; mining heritage; valuation. 1. INTRODUCCIÓN 1.1. Definición El concepto de patrimonio histórico minero comprende a todos los vestigios de las actividades mineras del pasado, reciente o lejano, a las que un grupo social atribuye valores históricos, culturales o sociales (Puche Riart et al. 1994). Es decir, puede tratarse tanto de estructuras muebles e inmuebles, como de objetos, documentos y elementos inmateriales. De este enunciado tan generalista se deduce que los elementos constitutivos del patrimonio minero pueden formar parte del patrimonio histórico, arqueológico, industrial, paisajístico cultural, etnográfico o incluso geológico y por lo tanto pueden ser objeto de estudio para la arqueología, la historia de la tecnología, la historia económica y la historia social (Sánchez, 2011). 1.2. Valor histórico y social En la segunda mitad del siglo XIX, cuando los avances tecnológicos aportados por la primera revolución industrial permitieron la intensificación y profundización de las explotaciones, se despertó el interés por los restos de utensilios y artefactos, de edad incierta, descubiertos a medida que se recuperaban labores antiguas y que se incorporaban a las colecciones museísticas, puesto que en aquella época la geología, la arqueología y la prehistoria se consideraban disciplinas científicas muy afines. Hasta los años 60 del siglo XX la noción de patrimonio histórico minero aludía a los restos de las explotaciones mineras de los periodos preindustrial y protoindustrial, es decir anteriores a la primera revolución industrial, y se circunscribía casi exclusivamente al campo de la arqueología (Figura 1). Conviene recordar que la primera revolución industrial aportó a la minería la máquina de vapor y otros ingenios complementarios que facilitaron enormemente, entre otras, las tareas del desagüe y del transporte y al mismo tiempo las instalaciones se volvieron más complejas. De esta manera el patrimonio minero pasa a ser considerado como una subdivisión del patrimonio industrial (Guiollard, 2005). 77 Marchan & Sánchez/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 77-86 Tras el cierre y abandono de las explotaciones de un distrito minero, entre la población asentada suele producirse una toma de posiciones antagónicas: solamente los que allí trabajaron se sienten partícipes de la cultura minera y manifiestan un orgullo de clase profesional y entre el resto de la población, por el contrario, se incrementan las actitudes desfavorables hacia el pasado minero, considerándolo como algo ominoso. Tras el transcurso de dos o más generaciones, las posiciones contrarias se matizan, por lo general, y renace el interés por recuperar la memoria y los vestigios de aquel pasado. Figura 1 – Minas romanas de oro. Las Médulas (España). Patrimonio arqueológico. A partir de esos años se inició el desarrollo de la arqueología industrial, como una nueva especialidad de la historia, y del patrimonio industrial, como concepto derivado (Parejo, 2010), en el que se abría la posibilidad de incluir aquellas explotaciones mineras de la época contemporánea, que reuniesen determinados valores. En las explotaciones mineras de largo recorrido histórico, los restos del periodo industrial se encuentran frecuentemente superpuestos a los de etapas previas. Su valor histórico, en este caso, puede proceder de la doble consideración de los vestigios arqueológicos y de los restos calificables como patrimonio industrial (Figura 2). Figura 2 – Minas de Río Tinto (España). Patrimonio industrial minero superpuesto. En ámbitos regionales y locales, el patrimonio minero de época contemporánea significa la memoria física de un pasado, y su recuperación, el restablecimiento de los vínculos que existieron entre los habitantes de la zona y los recursos minerales de su subsuelo. Pero igualmente puede conllevar las opiniones negativas respecto a la minería, como actividad industrial explotadora de los trabajadores, contaminante del medio ambiente y destructora del paisaje. 2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DEL PATRIMONIO MINERO La explotación de las minas tiene algunas peculiaridades respecto a otras ramas de la industria. Su ubicación está condicionada por la del yacimiento mineral y esto, aunque parezca una obviedad, determina el carácter autosuficiente de un buen número de instalaciones mineras en regiones apartadas, sobre todo en el pasado, hasta tal punto que además de las instalaciones directamente relacionadas con el laboreo y el beneficio de los minerales, se les dota de un amplio panel de instalaciones auxiliares, urbanizaciones, infraestructuras de transporte, plantas de energía, etcétera. El propio desarrollo de la explotación comporta una evolución continua de los tajos, desde su apertura hasta el cierre definitivo, y la adaptación, modificación o destrucción de las instalaciones ante los avances técnicos. Los yacimientos se explotan hasta su agotamiento o hasta su pérdida de rentabilidad, quedando las labores, instalaciones e infraestructuras abandonadas y arruinadas, y así ha sido al menos hasta la denominada era ecológica. El resultado es un heterogéneo conjunto de elementos susceptibles de constituir un legado patrimonial de la minería (Pérez de Perceval Verde, 2010), clasificables, tal y como se expone en la introducción, en elementos inmuebles y muebles, documentos, herencia inmaterial y paisaje cultural. Veamos, de forma sucinta, los elementos que pueden incluirse en cada una de estas categorías: 2.1. Patrimonio inmueble En el patrimonio inmueble se incluyen habitualmente instalaciones de grandes dimensiones que sin embargo, en determinadas circunstancias, son susceptibles de traslado y reubicación, como son las estructuras metálicas, o de madera, para carga y transporte (Figuras 3, 4, 5). 78 Marchan & Sánchez/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 77-86 ? Infraestructuras, instalaciones y edificaciones para la carga en la periferia de la plaza. ? Infraestructuras hidráulicas. Figura 3 – Corta Atalaya, minas de Río Tinto (España). ? ? Labores y obras, subterráneas y a cielo abierto. ? Instalaciones y edificaciones para las operaciones de arranque, carga, transporte vertical y transporte horizontal, en la plaza de la mina. Figura 5 – Hornos de reducción, Pontenova (Lugo, España). 2.2. Patrimonio mueble La lista de los elementos muebles puede ser inacabable y contener tanto a las máquinas específicas de las operaciones mineras como a otras de uso más extendido, herramientas manuales propias del trabajo minero, sistemas de iluminación, sistemas de protección e incluso utensilios domésticos, documentos particulares, fotografías y películas (Figuras 6, 7). Un elemento documental de características singulares lo constituyen los testigos de los sondeos, ordenados y clasificados. Figura 4 – Casa de máquinas tipo Cornish, mina Santa Catalina, Berlanga (Badajoz, España). ? Instalaciones y edificaciones para la generación de energía. ? Instalaciones mineralúrgicas, metalúrgicas y siderúrgicas, plantas químicas y edificaciones anexas. ? Edificios administrativos. ? Urbanizaciones y edificaciones auxiliares de carácter social. ? Escombreras y escoriales. ? Infraestructuras, instalaciones y edificaciones para el transporte en la periferia de la plaza. Figura 6 – Máquina de vapor locomóvil, minas de Vilanova (Orense, España). 79 Marchan & Sánchez/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 77-86 2.4. Patrimonio inmaterial Constituido por la superposición de elementos sociales, económicos y culturales a lo largo de los diversos periodos de actividad de las explotaciones. Igualmente, se incluyen la destreza en los diversos oficios propios del sector minero y su adaptación a las innovaciones de la técnica y la memoria viva de la vida cotidiana y de la actividad laboral en los diversos estamentos de las compañías. Se puede hablar de una cultura minera como simbiosis de las actividades meramente productivas y de los usos, comportamientos sociales y folclore aportados por la mano de obra de muy diversa procedencia, cultura que puede permanecer tras el abandono de las explotaciones e incluso ser reivindicada por la población que ocupa actualmente los antiguos poblados mineros (Pérez de Perceval Verde, 2010) (Figura 9). Figura 7 – Teodolito. Museo Geominero. Instituto Geológico y Minero de España. 2.3. Archivos documentales Por lo común se trata de documentos del periodo industrial, porque los de épocas anteriores, si existieran, deberían encontrarse en los archivos históricos nacionales. Constituyen la memoria de las compañías y son un elemento esencial para el estudio de la historia de las explotaciones abandonadas y de la evolución de las cuencas y distritos (Pérez de Perceval Verde, 2010). Sin embargo, su fragilidad intrínseca, incluso durante las etapas de actividad de las empresas, los hace a menudo irrecuperables (Guiollard, 2005). De ordinario, la documentación se distribuye en tres o cuatro secciones, tales como: dirección, administración, técnica y comercial (Figura 8). Figura 8 – Acción de la Compañía Minera de Linares. Archivo histórico de la Sociedad Minero Metalúrgica de Peñarroya (S.S.M.Peñarroya)-España (IGME). Figura 9 – Barrenero en la mina Los Guindos, 1936 (Jaén, España). 2.5. Paisaje cultural minero Según la Convención del Patrimonio Mundial de la UNESCO, el paisaje cultural refleja la influencia del desarrollo de actividades humanas, de índole diversa, sobre un determinado territorio, interviniendo en él componentes naturales y culturales, tanto tangibles como intangibles (Figura 10). En nuestro caso, es el resultado de la interacción de las operaciones mineras con el medio natural y lo forman la combinación de los huecos de las explotaciones, las escombreras, y otros acopìos diversos, y los restos de las instalaciones, y construcciones, con las alteraciones morfológicas y geoquímicas del terreno derivadas de las explotaciones. Figura 10 – El Cerco, Peñarroya (Córdoba, España). Paisaje cultural industrial y minero. 80 Marchan & Sánchez/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 77-86 Se trata del elemento patrimonial más controvertido, puesto que para los detractores de la minería es la constatación de la destrucción y perturbación del medio natural, provocadas por la explotación «desmedida» de los recursos geológicos. Sin embargo, el paisaje minero puede comportar un valor intrínseco cultural (IGME, 2012) e incluso aportar impactos positivos al medio, como el afloramiento de elementos del patrimonio geológico o la generación de nuevos ecosistemas en los huecos de las explotaciones y en las instalaciones abandonadas. 3. VALORIZACIÓN DEL PATRIMONIO MINERO La valorización, como puesta en valor o incremento de valor, del patrimonio minero es la consecuencia del interés en recuperar el legado de la pasada actividad minera de una región, o de una localidad, promovido por iniciativas muy diversas y que surgió inicialmente, a finales de los años sesenta del pasado siglo, en los países desarrollados con una fuerte tradición minera. Guiollard (2005) plantea cuatro cuestiones fundamentales, independientemente de la entidad que se proponga llevar a cabo esa tarea: ¿Por qué valorizar?, ¿quién valoriza?, ¿con qué objetivos? y ¿con qué medios?. Las actuaciones más habituales, con objetivos científicos, didácticos o turísticos, se traducen en la creación de museos y archivos mineros, labores mineras inactivas visitables, parques mineros, paisajes culturales, espacios naturales con vestigios mineros, etcétera. En situaciones de abandono reciente de las explotaciones, la valorización del patrimonio puede constituir una posible alternativa, con la creación de empleos directos y desarrollo turístico, para resolver problemas de tipo socioeconómico, pero es fundamental planificar los proyectos teniendo presente las características de la población residente y sus inquietudes sociales y económicas (Pérez de Perceval Verde, 2010). La puesta en valor de una antigua explotación minera, o de un grupo de explotaciones, no puede ser una intervención aislada, sino un proyecto que precisa definición y análisis para un plazo medio-largo, no sólo para evitar el fracaso económico, sino igualmente los daños que pudieran ocasionarse a los vestigios que se pretendía proteger (Sánchez, 2011). 4. EL PATRIMONIO MINERO EN EL ÁMBITO DE LOS SERVICIOS GEOLÓGICOS NACIONALES Entre las misiones que tienen encomendadas la mayor parte de los servicios geológicos nacionales, bien que adaptadas a las circunstancias de cada país, figuran las de crear una infraestructura de conocimiento en el ámbito de las ciencias y las tecnologías de la Tierra y prestar asistencia técnico-científica, e informar, en ese ámbito, a las entidades públicas, privadas y a la sociedad en general. Por otra parte, los servicios geológicos cuentan con fondos documentales en los que está recogida buena parte de la información generada en el estudio de los yacimientos minerales del territorio nacional, por la propia administración estatal y por los titulares de derechos mineros. Los estudios sobre los vestigios mineros de los periodos preindustrial y protoindustrial se enmarcan de forma mayoritaria, como ya hemos dicho, en el campo de la arqueología, constituyendo una especialización que desde sus inicios ha sabido utilizar la información infraestructural que, de ordinario, proporciona un servicio geológico. Por el contrario, las actuaciones para preservar y valorizar el patrimonio minero industrial parten de iniciativas promovidas desde una gama muy amplia de entidades, desde asociaciones locales de los propios habitantes de los distritos mineros, hasta organismos de las diversas administraciones estatales, pasando por entidades culturales de ámbito diverso, incluso dentro del «amateurismo», y por último desde las propias compañías mineras. Y salvo en ese último caso, por lo general se aprecia una exigüidad en las propuestas de los aspectos científicos y técnicos de la geología y la minería. Así, los datos históricos, sociales, tecnológicos o económicos se presentan desvinculados de la caracterización del yacimiento, aun tratándose de un recurso geológico sobre el que generaciones pasadas desarrollaron una industria. Por lo tanto, vemos la necesidad de contar con el apoyo de una institución técnica experta en la investigación, gestión y aprovechamiento de los recursos minerales y con amplios conocimientos sobre la geología y la metalogenia del país, que desarrolle un programa encaminado a estudiar, inventariar y valorar el patrimonio minero, a instancias tanto de las administraciones estatales como de otras entidades y asociaciones (Féraud et al., 2001). De esta manera se proporciona a la sociedad, en general, una información de carácter infraestructural indispensable a la hora de llevar a cabo investigaciones científicas acerca del pasado económico, social y tecnológico de un determinado distrito minero, así como para cualquier tipo de programa de actividades didácticas o turísticas relacionadas con el medio natural. Evidentemente, la colaboración de un servicio geológico nacional no puede extenderse al estudio de todas las categorías de elementos patrimoniales expuestas más arriba. Las competencias están muy claras en el caso de los elementos inmuebles, una buena parte de los muebles, los documentos y los componentes antrópicos del paisaje cultural minero. Po r o t ra p a r te , co nv i e n e i n c i d i r e n determinados aspectos de la protección de elementos del legado minero en los que esta colaboración es fundamental: el rescate y la conservación de los archivos 81 Marchan & Sánchez/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 77-86 documentales, ante su abandono por parte de las propias compañías, y la preservación ocasional, por representar algún valor científico, didáctico o turístico, de labores mineras abandonadas frente a las disposiciones legales de seguridad minera, que obligarían a su destrucción. En el primer caso, los servicios geológicos cuentan con probada experiencia en la gestión de sus archivos de documentación geológica-minera y más aún teniendo en cuenta la casi certeza de que ya existan datos, en esos archivos, sobre las minas abandonadas que se pretende valorar, puesto que la mayor parte de las legislaciones mineras nacionales atribuyen a los servicios geológicos la misión de receptores de la información generada en los trabajos de investigación desarrollados por las empresas públicas o privadas, sobre las distintas categorías de derechos mineros. En la hipotética situación de que un proyecto de valorización, con la aquiescencia del organismo de cultura pertinente, aconsejara respetar determinadas labores mineras que por imperativos de seguridad debieran estar destruidas y cegadas, el servicio geológico nacional puede jugar el papel de mediador legal y técnico, entre las administraciones y las entidades promotoras del estudio (Féraud. et al., 2001). 5. IDENTIFICACIÓN Y VALORACIÓN DEL PATRIMONIO MINERO Parafraseando a Luis Carcavilla en su formulación sobre el patrimonio geológico (Carcavilla et al., 2007), podemos decir que cualquier resto de una actividad minera no es, a priori, patrimonio minero. La calificación y la valoración de los vestigios de las explotaciones como integrantes de un patrimonio minero comportan habitualmente una fuerte carga de subjetividad, y además no es fácil separar los criterios de identificación de los de valoración. La identificación de un elemento ya comporta una valoración, a priori. El atribuir valor patrimonial a una determinada explotación minera puede ser fruto de una opinión generalizada, de un grupo de ámbito regional o local, o de un investigador independiente (Pearson & McGowan, 2000). Dada la gran variedad tipológica de los elementos susceptibles de ser clasificados como integrantes de un patrimonio minero inmueble, es aconsejable llevar a cabo la valoración por un panel de expertos que, al menos, comprenda las siguientes especialidades: minería, historia de la tecnología, arqueología, arquitectura, metalurgia y geografía. A día de hoy, no existe unanimidad, ni tan siquiera a un nivel primordial, en el procedimiento para abordar la identificación y valoración de los diversos elementos del patrimonio minero, ni tampoco se dispone de suficiente información publicada al respecto. De lo que conocemos, vamos a exponer de forma resumida la guía del Instituto Geológico y Minero de España (IGME) y a hacer una breve referencia a los manuales del Australian Council of National Trusts and Australian Heritage Commission. En la normativa del IGME (IGME, 2009, 2012), para identificar y valorar el patrimonio minero, se recomienda un planteamiento interdisciplinario, que recoge técnicas de la exploración minera y de la prospección arqueológica. De la primera toma el procedimiento utilizado habitualmente en la descripción de las características del yacimiento mineral, las labores mineras que sirvieron para su explotación, así como las instalaciones anejas. De la prospección arqueológica, sigue el método del reconocimiento superficial, sin remoción del terreno, para tratar de interpretar las funciones de las estructuras visibles. En cada distrito se hace una selección previa de los indicios de interés potencial, mediante encuestas entre los conocedores de la zona y análisis de la documentación existente. El estudio de cada enclave comporta una nueva revisión de la documentación y un reconocimiento sobre el terreno. Todos los datos quedarán reseñados en una ficha-informe ad hoc, que además contendrá las conclusiones sobre la valoración preliminar de los restos examinados. Para la fase de valoración se establecen unos valores intrínsecos y de uso. Inicialmente las características se puntúan de 0 a 4 y por el carácter subjetivo de la calificación, como ya se ha indicado, lo recomendable es la valoración múltiple promediada, por un grupo de expertos. Los intrínsecos se distribuyen según tres criterios o aspectos, que pueden presentarse tanto aislados como combinados: arqueológico industrial, arqueológico e histórico, y paisajístico cultural (tabla 1). Además de esos tres valores intrínsecos se considera un factor de vulnerabilidad. El valor de uso representa la posible rentabilidad económica y social derivada de la utilización, del bien de que se trate, con fines científicos, didácticos y recreativos o turísticos, de forma independiente o combinada. 82 Marchan & Sánchez/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 77-86 Tabla I - Valores intrínsecos Valor Elementos Características a valorar Estado de conservación1 Grado de conocimiento científico previo2 Instalaciones y edificaciones de la plaza Representatividad3 Relevancia tecnológica4 Instalaciones y edificaciones de la Relevancia arquitectónica5 periferia Singularidad6 Relevancia histórica, económica y social7 Labores Arqueológico industrial Estado de conservación Grado de conocimiento científico previo Representatividad Instalaciones y edificaciones de la plaza Relevancia tecnológica Relevancia arquitectónica Singularidad Instalaciones y edificaciones de la Relevancia histórica, económica y social periferia Relación con yacimientos arqueológicos8 Labores Histórico y arqueológico Paisajístico cultural Grado de transformación9 Impactos visuales positivos de labores, Grado de evolución10 instalaciones y edificaciones Extensión11 Espectacularidad o belleza12 1 Se refiere a su estado en el momento de llevar a cabo los reconocimientos sobre el terreno. Indica si los restos han sido objeto de estudios científicos y su alcance. 3 Informa sobre la calidad como arquetipo del elemento en cuestión. 4 Informa sobre el grado de innovación y eficiencia que pudieron alcanzar las labores e instalaciones de las que aún quedan restos. 5 Informa sobre la singularidad constructiva o representatividad de un género arquitectónico en las instalaciones y edificios y anexos. 6 Informa sobre las circunstancias que permiten clasificar a uno o más de los diversos restos como peculiares o poco frecuentes, a escala nacional o regional. 7 Informa sobre la importancia histórica, económica y social que pudieron tener, a cualquier escala territorial, las explotaciones, los materiales extraídos y sus usos. 8 Informa sobre la posible relación con yacimientos arqueológicos, situados en un radio predeterminado, en los que aparezcan vestigios de actividades mineras y metalúrgicas. 9 Se refiere al estado final tras el cierre o abandono de la explotación o explotaciones. 10 Se refiere al estado actual por implantación de actividades ajenas a la minería. 11 Admite una valoración doble. Por un lado se puede considerar la extensión como un valor intrínseco del paisaje y por otro la vulnerabilidad disminuye en razón inversa a la extensión. 12 De las alteraciones morfológicas generadas por las actividades mineras. 2 El «Mining Heritage Places Assessment Manual» se editó en 2000 (Pearson & McGowan), tras unas publicaciones previas iniciadas en 1995, con el objetivo de facilitar el registro, análisis y valoración de enclaves de posible patrimonio minero. Está organizado con una estructura sencilla, de tal manera que pueda ser utilizado por personas no expertas en minería o en patrimonio, y que sin embargo puedan tomar decisiones básicas sobre valores patrimoniales. Se compone de seis guías, las tres primeras son para el registro, análisis, identificación y valoración de los elementos que puedan considerarse patrimonio minero, dentro de cada complejo minero. Las otras tres contienen ayudas e informaciones complementarias. Además se incluye un apéndice con información sobre las tipologías y las morfologías de yacimientos minerales más frecuentes en Australia. 6. EL PATRIMONIO MINERO Y LAS ORGANIZACIONES INTERNACIONALES Las organizaciones internacionales del ámbito de la cultura comenzaron a tomar conciencia, a finales de los años 60 del pasado siglo, de la necesidad de preservar los restos de instalaciones industriales abandonadas que pudieran tener un valor histórico, tecnológico o científico. 6.1. Unión Europea El marco normativo europeo en materia de patrimonio industrial se limita a un conjunto de recomendaciones (Rec), propuestas metodológicas y códigos de buenas prácticas encaminadas a su identificación, protección, conservación y difusión, entre 83 Marchan & Sánchez/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 77-86 las que podemos destacar: la Rec(1979)872, relativa a la arqueología industrial; la dedicada a las ciudades industriales europeas, orientada a la revitalización de zonas tradicionalmente industriales y en declive, Rec(1987)24 y la relativa a la protección y a la conservación del patrimonio técnico, industrial y de obras de arte en Europa, en la que se pone de manifiesto la especificidad del patrimonio industrial y el propósito de su protección y conservación, proponiendo a los países miembros la realización de inventarios y la adopción de medidas jurídicas protectoras, Rec(1990)20. Además de estas recomendaciones, la Unión Europea ha promovido numerosos programas de financiación para la puesta en valor y conservación del patrimonio industrial; entre ellos, podemos destacar: ? El programa de Itinerarios Culturales en el que se inscribe la «Ruta del hierro» en los Pirineos (2004) que conecta distintos asentamientos a lo largo de un recorrido transfronterizo vinculado a la explotación de dicho metal. Dentro del mismo programa se encuentra también el proyecto sobre la “Ruta del wolframio. Memoria de los Hombres y Patrimonio Industrial”(2012). ? Dentro de los Programas Interreg, financiados con fondos FEDER se están llevando a cabo proyectos de patrimonio minero como fue el proyecto Green Mines, cuya segunda fase es el proyecto ATLANTERRA (20102013), sobre puesta en valor de puntos de interés minero en la Zona Atlántica Europea. ? El programa Central Europe, también de la Unión Europea, promueve la cooperación entre países de la Europa Central para mejorar la innovación, accesibilidad y el medio ambiente, y aumentar la competitividad y atractivo de sus ciudades y regiones. El objetivo principal del grupo de trabajo es reunir conceptos sostenibles de uso innovador del patrimonio cultural tras el cierre de minas (Resource-CE.EU, 2013). Por último, hay que mencionar el Convenio Europeo del Paisaje (Florencia, 20 de octubre de 2000) auspiciado por el Consejo de Europa y ratificado por España el 26 de noviembre de 2007, que constituye un punto de referencia para la consideración del espacio minero como paisaje cultural. La Estrategia Territorial Europea (ETE) incluye los paisajes culturales como integrantes del patrimonio cultural de la Unión Europea, y los considera un factor económico de importancia creciente para el desarrollo sostenible. Actualmente se está llevando a cabo un Plan Nacional de Paisajes Culturales para el período 2012-2016 con el objeto de salvaguardar aquellos más relevantes. 6.2. Unesco La UNESCO reconoce el valor del patrimonio industrial con la incorporación a la lista de Lugares Patrimonio de la Humanidad de numerosos restos industriales, muchos de ellos derivados de actividades mineras y metalúrgicas. Es necesario destacar que la UNESCO asigna al concepto de patrimonio industrial un significado extenso al no establecer límites cronológicos. El Consejo Internacional de Monumentos y Sitios Histórico-Artísticos (ICOMOS), fundado en 1965, en Polonia, es la única organización internacional no gubernamental cuyo cometido es promover la teoría, metodología y tecnología aplicadas a la conservación, realce y apreciación de los monumentos, los conjuntos y los referidos sitios. Como tal, forma parte del Comité de Patrimonio Mundial. En 1981 se estableció la red ICOMOS-ICOMUNESCO, creándose la base de datos bibliográficos «ICOMOS» y la conexión directa con la UNESCO. Por otra parte, el Comité Internacional para la Conservación del Patrimonio Industrial (TICCIH), es la organización mundial encargada del patrimonio industrial y como tal es asesor especial de ICOMOS en cuestiones de dicho patrimonio. Es precisamente en la Carta de Nizhny Tagil, resultado del XII Congreso Internacional TICCIH, en 2003, donde se concretan exactamente las definiciones de patrimonio industrial y arqueología industrial. También se establece el periodo histórico en el que se puede hablar de patrimonio industrial, que se extiende desde el principio de la Revolución Industrial, la segunda mitad del siglo XVIII, hasta la actualidad, si bien se estudian sus raíces preindustriales y protoindustriales anteriores. La UNESCO auspicia también la Red Global de Geoparques. El patrimonio minero ha servido, en algunos casos, como criterio fundamental para la declaración de geoparques en Europa, como es el caso de Copper Coast (Irlanda) y Rocca di Cerere (Sicilia) y el Parque Geológico y Minero de Cerdeña, ambos en Italia. Otros organismos: Con objetivos o fines ligados a la geología y la minería, pero que también incluyen líneas de actuación relacionadas con el patrimonio minero: conservación, rehabilitación, puesta en valor para un desarrollo sostenible: L o s s e r v i c i o s ge o l ó g i co s n a c i o n a l e s , individualmente y dentro de la organización Eurogeosurveys (The Geological Surveys of Europe) que agrupa a 33 de ellos, entre sus objetivos tienen el de preservar el patrimonio minero como parte de la evolución cultural en Europa, así como promover el desarrollo de instalaciones, lugares y exposiciones que mejoren el conocimiento y valoración de la minería, la exploración minera y la geología, en tanto contribuyen al turismo y al potencial económico. El patrimonio minero supone un registro de parte de nuestra historia cultural y tecnológica; proporciona la oportunidad de gran variedad de experiencias educativas y puede jugar un importante papel dentro del turismo cultural, lo que contribuye al 84 Marchan & Sánchez/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 77-86 desarrollo de las economías locales. Así mismo, la Asociación europea de industrias mineras, menas metálicas y minerales industriales (EUROMINES), que funciona como red para la cooperación e intercambio de información del sector en Europa y con la comunidad minera mundial, realiza actuaciones sobre el papel que la recuperación del patrimonio minero puede suponer para el desarrollo regional (Euromines, 2013). Finalmente, debe mencionarse el Programa Iberoamericano de Ciencia y Tecnología para el Desarrollo (CYTED), que trata de impulsar la recuperación y reutilización de las zonas mineras tras el cese de la actividad extractiva, articulando políticas y estrategias para la protección del medio ambiente, con una planificación y gestión del territorio que deberá incluir aquéllas que abordan la protección del patrimonio minero. Entre sus objetivos específicos está: «En el caso de sitios mineros de valor patrimonial promover la puesta en valor de su legado y la instalación de usos culturales (de turismo cultural de patrimonio minero) y educativos, como factor que contribuya a dinamizar la economía, al mismo tiempo que preservar la identidad local». 7. CONSIDERACIONES FINALES La protección y el estudio del patrimonio minero, tanto si se refiere a una rama del patrimonio industrial, como al que se considera patrimonio histórico o arqueológico, es hoy día una cuestión de creciente interés en ámbitos geográficos y sociales muy diversos. Los servicios geológicos nacionales, expertos en la exploración y explotación de los recursos minerales pueden desempeñar una labor importante como asesores de las múltiples entidades que se ocupan del patrimonio minero. Pero también es aconsejable que adquieran un papel más activo que el de simples consultores y, aprovechando su experiencia, medios humanos y técnicos, aborden programas de inventario del patrimonio minero de los principales distritos del país. Otra cuestión de capital importancia, en la que los servicios geológicos deberían tener más protagonismo, es la recuperación, ordenación y puesta en consulta de los archivos históricos de las compañías mineras extinguidas. En lo que concierne a la metodología, o más bien a su ausencia, parece recomendable que las diversas asociaciones o federaciones continentales de servicios geológicos consideraran este asunto en alguna de sus comisiones, con el propósito de adoptar unas normas básicas, o guía general, para la identificación y valoración de este patrimonio. Pueden contribuir a alcanzar acuerdos las recomendaciones y programas de las diversas organizaciones internacionales, del ámbito de la cultura, la minería y la geología, que incluyen entre sus cometidos la protección del patrimonio minero. Referencias CARCAVILLA, L., LÓPEZ-MARTÍNEZ, J. and DURÁN, J.J. 2007. Patrimonio geológico y geodiversidad: investigación, conservación, gestión y relación con los espacios naturales protegidos. Instituto Geológico y Minero de España. Serie Cuadernos del Museo Geominero, nº 7. Madrid. 360 p. FÉRAUD, J.; MARTINS, L.; PHILIPPON, J and BARGE, H. 2001. 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No obstante, dentro de este campo, el concepto más específico de patrimonio geológico es relativamente nuevo. Su tratamiento más integral comenzó a partir del inicio de la década del 90, momento en el cual, instituciones y profesionales de diversos ámbitos, abordaron el interés por la temática. Muchos han sido los esfuerzos individuales, pero en la actualidad se torna necesario un trabajo conjunto, con continuidad en tiempo y bajo un marco legal adecuado. La presente contribución constituye una puesta al día de algunas acciones realizadas, otras que se están llevando a cabo y el ensayo de algunas reflexiones acerca del futuro en este contexto. Palabras clave: Patrimonio geológico; Geología; Argentina. Abstract The Republic of Argentina has a long history in what concerns natural heritage protection. However, the more specific concept of geological heritage is relatively new. Its comprehensive treatment began in early 90s, when some institutions and professionals from various domains developed an interest for this topic. Many have been individual efforts but today it is necessary to work together with continuity in time and under a proper legal framework. This contribution presents an update of some actions done in recent years and others being presently carried out. Finally, some thoughts about the future of geoconservation in Argentina are presented. Key words: Geological heritage; Geology; Argentina. 2. LOS ANTECEDENTES EN ARGENTINA 1. INTRODUCCIÓN La República Argentina se extiende desde los Andes hasta la cuenca del Plata y la plataforma submarina, y desde la llanura chaqueña y la altiplanicie de la Puna hasta la Antártida. La amplia extensión en latitud y longitud y su ubicación geográfica en el hemisferio austral, le otorga, dentro del ámbito de América del Sur, una gran variedad de geografías y climas y la posibilidad de transitar y admirar escenarios naturales imponentes. Este abanico de paisajes es el resultado de diferentes procesos geológicos que han actuado a lo largo de millones de años y que han dejado testimonio de épocas que abarcan desde los primeros tiempos del Proterozoico hasta eventos geológicos recientes. Muchos de estos paisajes son majestuosos, pero muchos de ellos también son frágiles en extremo. Algunos de ellos albergan o constituyen en sí mismos sitios de interés geológico, entendiendo por tales a aquellos cuya exposición y contenido son especialmente adecuados para reconocer e interpretar las características y la evolución de los procesos geológicos que han modelado nuestro planeta. Estos sitios forman parte del conjunto de recursos naturales de valor científico, cultural, educativo y recreativo que aunamos bajo la idea de patrimonio geológico. Así como el concepto de patrimonio se ha impuesto de modo evidente tanto en la vida cultural como en las políticas públicas mundiales de los últimos decenios, en el caso de la República Argentina puede decirse que la protección del patrimonio natural cuenta con una larga historia. Ya en el año 1913, la sanción de la ley 9.080 fue un hito interesante. Esta ley, aunque nunca fue realmente aplicada y hoy en día ha sido superada, fue la primera en declarar como propiedad de la Nación las ruinas y yacimientos arqueológicos y paleontológicos de interés científico (Endere & Podgorny 1997). Para esa época también comenzaban a sumarse las inquietudes de naturalistas y profesionales geólogos por la conservación de los espacios naturales. En este sentido, cabe mencionar como ejemplo al Dr. Juan José Nágera, uno de los primeros geólogos argentinos, que en 1932, en ocasión de la publicación de la carta geológica de Tandilia (provincia de Buenos Aires), menciona como una necesidad la creación de Parques Naturales en esa región en bien de la comunidad. En sus propias palabras dice Nágera: “...deberá conservarse la naturaleza original facilitándose en toda forma el paseo por los mismos. Deberán publicarse además guías que expliquen su historia natural...” (Cingolani 2008). Actualmente la región de Tandilia es considerada un geositio de 87 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 importancia nacional ya que allí se encuentran las rocas y fósiles más antiguos del país. Sin duda uno de los acontecimientos más importantes en el sentido de protección del patrimonio natural fue la sanción de la ley 12.103 (9 de octubre de 1934) por la cual se creó la Dirección de Parques Nacionales. Esta permitió la creación de los Parques Nacionales Nahuel Huapi e Iguazú, convirtiendo a la Argentina en el primer país de Latinoamérica y tercero en el mundo en crear Parques Nacionales, luego de los Estados Unidos (Parque Yellowstone, 1872) y Canadá (Parque Banff, 1885). Un detalle de interés para la época, es la aparición de la guía geológica del Parque Nacional Nahuel Huapi (Primo 1951) cuyo estilo de escritura está dirigido al público en general (Figura 1). Figura 1 – Detalle de la tapa de la Guía Geológica del Parque Nacional Nahuel Huapi (Primo 1951). Dentro del campo del patrimonio natural, el concepto más específico de patrimonio geológico es relativamente nuevo en Argentina. No obstante, al incluir en él al patrimonio minero y al paleontológico, vemos que este último contó con leyes de protección desde 1913: ley 9.080 y a partir del año 2003 con la nueva ley 25.743. Más allá de esta salvedad, el tratamiento del patrimonio geológico en su integridad comenzó mas exhaustivamente a partir de la década de los años 90, momento en el cual, instituciones y profesionales de diversos ámbitos, abordaron el interés y compartieron una preocupación por la conservación de esta herencia. En particular, el Servicio Geológico Minero Argentino (SEGEMAR) a partir de la promulgación en 1993 de la Ley 24224, que establece en su Capítulo I “De las Cartas Geológicas” la necesidad de realizar la investigación geológica regional sistemática del país a través de un Programa Nacional de Cartas Geológicas, incorpora en cada Hoja Geológica un capítulo exclusivo sobre Sitios de Interés Geológico (SIG), definidos éstos como recursos no renovables de índole cultural, cuya exposición y contenido resultan óptimos para reconocer e interpretar el diseño de los procesos geológicos que han modelado nuestro planeta. Además, en la normativa establecida para la ejecución de las Hojas, se señala que su conjunto conforma el patrimonio geológico de cada región y del país, destacando incluso que la importancia de algunas singularidades geológicas puede ser de valor supranacional (SEGEMAR-IGRM, 1994). Agrega también que su desaparición o tratamiento inadecuado constituye un gran daño al patrimonio de la humanidad, daño que la mayoría de las veces es irreversible. Con posterioridad, y como anexo de la normativa, se incorporaron y modificaron fichas descriptivas para el relevamiento y catalogación de los sitios (SEGEMAR-IGRM, 1997). Esto permitió que la Institución reuniera gran cantidad de información acerca de estos lugares y hasta el momento lleva inventariados más de trescientos cincuenta sitios de interés. Como mencionáramos anteriormente, la idea de patrimonio geológico es relativamente reciente en Argentina y ha surgido (o si se quiere resurgido) a partir de las nuevas tendencias europeas, y en simultaneidad con trabajos y proyectos realizados en escenarios latinoamericanos. Esto ha fomentado, durante los últimos años, la aparición de trabajos de carácter local en diversas ramas de la temática, tales como sitios de interés geológico, geoturismo y parques geológicos, entre otros. Dentro de los antecedentes vinculados al patrimonio geológico y su conservación, uno de los casos destacables es sin duda el vinculado al aspecto patrimonial y de geoconservación del Monumento Natural Puente del Inca, merecedor de un simposio especial dentro del XII Congreso Geológico Argentino y II Congreso de Exploración de Hidrocarburos llevados a cabo en la provincia de Mendoza en el año 1993. Enmarcado en el ámbito de la Cordillera Principal de Mendoza, el denominado Puente del Inca, uno de los caprichos naturales más famosos de la República Argentina (Figura 2), es una compleja estructura natural en forma de puente en arco, cuyo origen y perdurabilidad se debe, entre otras condiciones, a la presencia de aguas termales en el área (Ramos 1993, Rubio et al. 1993, Aguirre Urreta & Ramos 1996, Ramos et al. 2008). Hasta la construcción del hotel y estación de baños termales que funcionara hasta 1965, el puente constituía un sistema natural en equilibrio. La captación de las aguas termales hacia el establecimiento para los baños y el empleo de zanjas de desvío para la confección de artesanías mermaron la irrigación natural sobre el puente, provocando el desecamiento y agrietamiento de su parte superior. Simultáneamente, el tránsito de animales y vehículos aceleró su erosión e inició el 88 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 paulatino deterioro de su estructura, poniendo al puente en una situación de inestabilidad. En 1991 el gobierno provincial declaró al monumento natural “zona intangible” mediante decreto 2291/91. Es interesante destacar la valorización que se hace de este monumento en el decreto de referencia, el cual plantea:”…la necesidad de solucionar en forma inmediata el problema suscitado por el deterioro que presenta la estructura geológica del puente natural existente en la localidad cordillerana de Puente del Inca, monumento provincial, nacional y universal, objeto de admiración generalizada y fuente de recursos turísticos del patrimonio de la Provincia de Mendoza”. Por intermedio de tal decreto se restringió el paso de animales y vehículos, procediendo luego, entre otras obras, al relleno de grietas con sales provenientes del agua termal, la eliminación de bloques rocosos del lecho del río y la reactivación del drenaje natural de las aguas termales sobre la estructura del puente (Rimoldi 1993), algo que podríamos considerar como caso de “Geo-restauración” del patrimonio geológico. Figura 2 – Monumento natural Puente del Inca, provincia de Mendoza. A una altura de 2.719 metros sobre el nivel del mar, las aguas termales y esta curiosa formación natural de puente en arco ya eran conocidas desde tiempos precolombinos por quienes habitaban el imperio incaico. Muchos fueron los viajeros, naturalistas e investigadores -entre ellos Charles Darwin- que dedicaron páginas a este singular paisaje. La cobertura del puente está compuesta por sustancias minerales y costras algáceas. Si bien las hipótesis sobre el origen de este puente son variadas, todas señalan a las sales contenidas en las aguas termales como partícipes necesarios en su formación y perdurabilidad (Fotografía por Luis Fauqué). 3. LEGISLACIÓN Varios son los autores que señalan que en Argentina la información disponible y las propuestas para la conservación del patrimonio natural se refieren predominantemente a aspectos biológicos, no recibiendo la misma atención los recursos relacionados con los paisajes y sus formas, los procesos y rocas, a excepción de aquellos que han quedado dentro de áreas protegidas o que se consideran Monumentos Naturales (Ley Nacional 22.351/80 “Parques Nacionales, Monumentos Naturales y Reservas Nacionales”) (Ibáñez Palacios et al. 2012). En la actualidad, no hay herramientas legales del ámbito nacional directa y estrictamente vinculadas al patrimonio geológico, pero sí algunas que pueden ayudar a su inclusión. En este sentido, la Ley Nacional 25.675/02, Ley General del Ambiente, sancionada el 6 de noviembre de 2002 y promulgada parcialmente el 27 de Noviembre de ese año, persigue entre otros objetivos: Asegurar la p res er vació n , co n s er vació n , recu p eració n y mejoramiento de la calidad de los recursos ambientales, tanto naturales como culturales, en la realización de las diferentes actividades antrópicas (art 2° inciso a.). La Ley Nacional 25743/03 de “Protección del patrimonio arqueológico y paleontológico”, promulgada en junio de 2003, establece en su articulo 1° que su objeto es la preservación, protección y tutela del Patrimonio Arqueológico y Paleontológico como parte integrante del Patrimonio Cultural de la Nación y el aprovechamiento científico y cultural del mismo. En su artículo 2° aclara que: forman parte del Patrimonio Arqueológico las cosas muebles e inmuebles o vestigios de cualquier naturaleza que se encuentren en la superficie, subsuelo o sumergidos en aguas jurisdiccionales, que puedan proporcionar información sobre los grupos socioculturales que habitaron el país desde épocas precolombinas hasta épocas históricas recientes, y en relación al Patrimonio Paleontológico los organismos o parte de organismos o indicios de la actividad vital de organismos que vivieron en el pasado geológico y toda concentración natural de fósiles en un cuerpo de roca o sedimentos expuestos en la superficie o situados en el subsuelo o bajo las aguas jurisdiccionales. En tal sentido, entre las facultades señaladas en su artículo 4° se encuentra que será exclusividad del Estado Nacional: ejercer la tutela del Patrimonio Arqueológico y Paleontológico. En orden a ello deberá adoptar las medidas tendientes a su preservación, investigación y a fomentar la divulgación. Medina (2012) analiza la presencia del término “geología” en las leyes de Áreas Protegidas provinciales con el fin de resaltar la importancia de la presencia o ausencia de este término dentro de una ley, de manera que la misma no resulte ambigua. Así este autor señala términos como el de “formaciones geológicas y geomorfológicas” como objetos a preservar (provincias de Buenos Aires, Córdoba, Chaco, Chubut, La Pampa, Mendoza, Neuquén, Rio Negro, Salta, San Juan y San Luis); “formaciones fisiográficas” (provincias de Catamarca, Entre Ríos, Jujuy, La Rioja y Tierra del Fuego, donde también se utilizó la denominación subjetiva de paisaje de gran valor escénico). Y encuentra una tercera situación en las leyes de las provincias de Formosa Ley 1335/00, Misiones Ley 2932/92 y Tucumán Ley 6292 donde no se incluyen términos geológicos ni tampoco sobre aspectos 89 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 escénicos del paisaje. 4. EL PATRIMONIO GEOLÓGICO Y LA COMUNIDAD GEOLÓGICA La aparición de la temática de sitios de interés geológico durante un Congreso Geológico Argentino se dio por primera vez en la XV edición de esa reunión científica, en el año 2002, en la provincia de Santa Cruz. El Relatorio o compendio de la geología de la provincia anfitriona del evento, incluyó un extenso trabajo en referencia a 127 sitios de interés geológico distribuidos en todo el territorio provincial. Los sitios seleccionados surgieron de los incluidos en las hojas geológicas a escala 1:250.000 del SEGEMAR y de la contribución y orientación de profesionales con experiencia en la región. El trabajo se desarrolló bajo el criterio de itinerarios que recorrían grupos de sitios (Ardolino et al. 2002). En ocasión de esa reunión también tuvo lugar el I Simposio de Patrimonio Geológico y Aspectos Geológicos y Ambientales de la Espeleología. Los trabajos allí presentados abordaron diferentes temas. Entre ellos: el inventario y caracterización de 28 puntos de interés geológico del territorio de la provincia de Córdoba -junto a propuestas para su aprovechamiento y su protección(Leynaud 2002); una propuesta de valoración turística recreativa de recursos geológicos, paleontológicos y paisajísticos en la ciudad de Neuquén para el proyecto (no concretado) Monumento Natural Parque de los Dinosaurios (Vejsbjerg et al. 2002); el relevamiento de áreas de valor científico, cultural y estético en riesgo ante la realización de obras de infraestructura en la localidad de Nogolí, provincia de San Luis (Lacreu et al. 2002) y el análisis de la potencialidad y posibilidades de desarrollo de los georecursos del Parque Nacional Talampaya (Caselli 2002) (Figura 3). Figura 3 – El Parque Nacional Talampaya, en el sudoeste de la provincia de La Rioja, es una extraordinaria reserva paleontológica y uno de los pocos yacimientos en el mundo que contiene un interesante y completo registro de vertebrados fósiles que permite explicar su evolución y el desarrollo de la vida en la región durante todo el período Triásico. Tal contenido, junto a un interesante conjunto de geoformas de inconmensurable belleza lo posicionó como Patrimonio Natural de la Humanidad de UNESCO (Caselli 2008) (Fotografía por Fernando Miranda). Ya en el año 2005, el XVI Congreso Geológico Argentino (La Plata, provincia de Buenos Aires), incorpora la temática de Sitios de Interés Geológico. En el encuentro surgen trabajos vinculados al inventario de 44 sitios de interés en la provincia de Entre Ríos (Bertolini et al. 2005) y otros 30 en la provincia de San Juan. Estos últimos, seleccionados en el marco del Proyecto “Identificación y Valoración del Patrimonio Geológico de la Provincia de San Juan, su Proyección Científica, Cultural, Educativa y Turística” 2003 – 2005 (Baraldo et al. 2005). Contrariamente a lo esperado, para el año 2008 la edición del XVII Congreso Geológico Argentino (en la provincia de Jujuy) no incluyó el capítulo Sitios de Interés Geológico o alguno equivalente. A pesar de ello, trabajos relacionados participaron en el Simposio de Enseñanza de la Geología, encuentro durante el cual se presentaron propuestas para la implementación de circuitos de interés geológico en la Cuenca Carbonífera de Río Turbio, en la provincia de Santa Cruz (Tello & Defago 2008), experiencias vinculadas al trabajo social y la transferencia de conocimientos geológicos a comunidades locales en la provincia de San Juan (Vallecillo et al. 2008), y un proyecto piloto de implementación de paneles temáticos in situ en la Reserva Laguna del Diamante, provincia de Mendoza (Miranda & Sáenz 2008). No obstante la ausencia de un simposio especifico en el Congreso, durante su desarrollo se presentó la obra “Sitios de Interés Geológico de la República Argentina – Los geólogos nos cuentan…” editado por el SEGEMAR y al cual nos referimos mas adelante en mayor detalle. Simultáneamente a la aparición del Patrimonio Geológico como tema de congresos y reuniones científicas, varias universidades nacionales comenzaron a abordar esta materia. A modo de ejemplo, la provincia de San Luis incorpora capítulos de geositios en los Atlas de Recursos Geoambientales de las localidades de Potrero de Funes y Juana Koslay, (Ojeda et al. 2007, 2008). También la Universidad Nacional de La Plata, a través de publicaciones de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, abordó la propuesta y necesidad de realización de un inventario de patrimonio geológico nacional (Martínez 2008). Para el año 2011, el XVIII Congreso Geológico Argentino, realizado en la provincia de Neuquén, volvió a presentar la temática de patrimonio, geositios, geoturismo y geoparques. Es así que en el Relatorio de la provincia se incorporó un capitulo exclusivo dedicado a la descripción de un total de 32 sitios o áreas provinciales destacadas desde el punto de vista geológico-patrimonial (Danieli et al. 2011). A su vez, durante el desarrollo del Congreso, el Simposio (S9) -Patrimonio natural y Cultural en su Contexto Geológico- reunió un interesante conjunto de trabajos. Entre ellos: propuestas de incorporación de atractivos geológicos a circuitos turísticos tradicionales, como en el caso del cerro San 90 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 Bernardo en la provincia de Salta (Barrientos Ginés & Moya 2011), varios vinculados a la dupla e interacción entre arqueología y geología (Brandán et al. 2011, Tchilinguirian et al. 2011, Vattuone Sampietro et al. 2011), propuestas de rutas geoturísticas (Ermili & Martínez 2011, Guido & Sesma 2011), reflexiones acerca de cuestiones de patrimonio geológico, paisaje natural y el rol profesional en este tipo de cuestiones (Kulemeyer 2011, Neder & Ríos 2011), propuestas de geositios específicos, como Rosario de La Frontera en la provincia de Salta y el rol del termalismo del área vinculado al desarrollo histórico de la región (Ríos & Neder 2011), inventario y evaluación de geositios en la Quebrada del Portugués, provincia de Tucumán (Palacios et al. 2011), la relación entre afloramientos rocosos específicos y especies vegetales amenazadas (Cantero et al. 2011), casos de estudio y recomendaciones para el manejo y gestión del patrimonio geológico y paleontológico (Iparraguirre & Oliva 2011, Goso et al. 2011) y el trabajo social a partir de la geología en La Cienaga de Huaco, provincia de San Juan (Vallecillo & Caballero 2011), lugar declarado como Área Natural Protegida por la Cámara de Diputados de la provincia en el año 2005 (ley 7.640). En este último caso el área protegida, de unas 9.600 hectáreas, tiene por objeto preservar el valor geológico y arqueológico, el equilibrio ecológico y el patrimonio autóctono del lugar. En el sitio pueden observarse formaciones geológicas de gran interés sedimentológico y fósiles de edad ordovícica. Trabajos más recientes incluyen la presentación del primer circuito de geoturismo en la provincia de Córdoba, y primero con carácter oficial en el país; iniciativa coordinada entre la Dirección de Geología de la Secretaría de Minería de Córdoba y la Agencia Córdoba Turismo (Sfragulla et al. 2010). El circuito se desarrolla a lo largo de 120 km sobre la Ruta Provincial Nº 28, entre las localidades de Tanti y Chancaní. Posee una dirección general este-oeste que atraviesa las principales unidades geológicas aflorantes en ese sector de las Sierras Pampeanas de Córdoba y cuenta con 14 puntos de interés geológico y/o paisajístico con paneles informativos sobre los aspectos geológicos del lugar. Entre ellos: el Batolito de Achala, intrusión granítica de edad devónica (principal unidad geológica de la región); yacimientos pegmatíticos ricos en minerales de colección; el contacto del Batolito con rocas metamórficas de edad cámbrica inferior; el Complejo Volcánico de Pocho, compuesto por traquiandesitas neógenas y uno de los lugares panorámicos mas espectaculares de la Sierra de Córdoba, conocido como Los Túneles, que como su nombre lo indica resultan en una serie de túneles excavados en rocas metamórficas de la Sierra de Pocho (Sapp et al. 2008). Otro nuevo aporte es el inventario preliminar relacionado con criogeoformas cuaternarias de la región del Parque Nacional Campo de Los Alisos (Sierra del Aconquija) en las provincias de Tucumán y Catamarca cuyo objetivo, además de divulgar y contribuir a la preservación de ese patrimonio geológico, plantea la posibilidad de generar recursos para la actividad turística (Ibáñez Palacios et al. 2012). Una de las contribuciones más recientes corresponde a un trabajo integral que abarca propuestas de geoconservación aplicables a la República Argentina -tomando como base las prácticas de esta temática en España, Portugal y el Reino Unido- e ideas para la realización del inventario sistemático del patrimonio geológico argentino y su respectiva evaluación cuantitativa (Medina 2012). 4.1 Patrimonio Minero Dentro del contexto de patrimonio geológico es importante destacar la realización de trabajos y proyectos que rescatan al patrimonio de origen minero. Entre ellos, el vinculado a las posibilidades de desarrollo de un turismo sustentable basado en el patrimonio geológico-minero e industrial en la región sudeste de la provincia de Buenos Aires (Fernández & Ramos 2007), donde la enorme disponibilidad de rocas de aplicación, posibilitó el desarrollo de una actividad minera pujante. Trabajos posteriores condujeron a propuestas para la creación de rutas turísticas y para la dinamización de espacios basados en el patrimonio geológico-minero del Sistema de Tandilla (Fernández et al. 2008). Hoy en día, una importante área de Tandil que incluye las sierras como recurso natural y con potencial turístico está declarada como paisaje protegido (Ley Provincial 14.126, marzo de 2010, Congreso de la Provincia de Buenos Aires). Esto promovió trabajos de inventario (localización y evaluación del estado actual) de áreas con pasivos ambientales mineros en la localidad de Tandil que permitieron su valorización y el análisis de su inserción territorial y valor patrimonial como parte de una alternativa de uso recreativo sostenible (Fernández et al. 2012). Otras propuestas han tratado el tema de las oportunidades y obstáculos para transformar el patrimonio geológico-minero en productos turísticos en diferentes provincias del país -particularmente donde la actividad minera ha desaparecido- las políticas orientadas al turismo minero y su potencialidad para incrementar las posibilidades de estas regiones (Fernández et al. 2009). Una de estas iniciativas fue el denominado Programa Nacional de Turismo Geológico Minero (2001/2002), convenio entre el Ministerio de Turismo y la Secretaria de Minería de la Nación, cuyo fin fue el de promover los sitios que por sus características geológico – mineras pudiesen atraer el interés y generar ingresos económicos a través de la actividad turística. Acciones similares y más recientes ha tomado la provincia de Catamarca a través de su Secretaría de Turismo provincial. Esta dependencia se encuentra estudiando las factibilidades para la creación de un circuito de turismo minero en la zona, no sólo con el 91 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 objetivo de difundir la actividad minera y mejorar la actividad y oferta turística catamarqueña, sino también pensando en los posibles beneficios que estos circuitos brinden a las comunidades aledañas a las minas. La idea es comenzar con experiencias piloto y entre las áreas bajo consideración se encuentran el complejo Muschaca, en Andalgalá, las ruinas de las minas de oro de Incahuasi (Monumento Histórico Nacional, Decreto N° 16.482 del 17/12/1943) ubicadas en Antofagasta de la Sierra, y otras como Yampa, Farallón Negro y la Alumbrera (Diarios “Andalgala Hoy”, Catamarca, 12/10/12 y La Unión Digital”, Catamarca, 13/09/12). Existen otros varios emprendimientos en los que el patrimonio minero es parte fundamental de la propuesta turística y del patrimonio del lugar, entre ellos Mina La Carolina, en la provincia de San Luis, el famoso cablecarril de la mina la Mejicana en la provincia de la Rioja (Figura 4) declarado Monumento Histórico Nacional por decreto Nº 999 del 25/10/1982 (Marcos 2008) o las geodas de Minas de Wanda-Libertad, en la provincia de Misiones (Ávila et al. 2008) sólo para mencionar algunos. reserva natural de más de 250 hectáreas se remonta a 1993, siendo la primera en su tipo de toda Sudamérica. Operado por el Museo Paleontológico Egidio Feruglio (MEF) con sede en Trelew, el geoparque ofrece un recorrido por el pasado natural de este rincón de la Patagonia. Allí se pueden observar fósiles parcialmente expuestos (Figura 5) testigos de una historia de cambios geológicos y climáticos que afectaron la región durante los últimos 40 millones de años, desde mediados del periodo Paleógeno a la actualidad. El geoparque ofrece excursiones diurnas y nocturnas, con guías profesionales y programas vinculados a paleontología, botánica y astronomía (Cúneo 2008). Figura 5 – Protecciones vidriadas en los sitios con restos fósiles (Fotografía Fernando Miranda). Figura 4 – Estación Nº 1 del Cablecarril de la mina La Mejicana en Chilecito. Allí el museo "Dr. Santiago Bazán" exhibe maquinarias, herramientas y elementos diversos utilizados en la época de funcionamiento del cable (Fotografía por Fernando Miranda). 5. LOS PARQUES GEOLÓGICOS Y LOS GEOPARQUES Otra de las modalidades en la conservación y valoración del patrimonio geológico es la que aborda el concepto de parques geológicos y geoparques. Argentina cuenta con varios parques geológicos o reservas que contemplan, principalmente, contenidos paleontológicos, pero también geológicos y mineros. Si bien no se trata de geoparques miembros de la Red Global de Geoparques (GGN) amparados bajo la tutela de la UNESCO, comparten objetivos similares: conservación, educación y desarrollo sustentable. El Geoparque Bryn Gwyn (que en galés significa “Loma Blanca”) se localiza en el noreste de la provincia del Chubut, sobre la margen sur del río homónimo y a 8 kilómetros de la localidad de Gaiman. El origen de esta El Parque Geológico Sanagasta, en la provincia de La Rioja, fue creado por decreto Nº 115 del 7 de Marzo del 2001 y ratificado por Ley Provincial Nº 7093. Se trata de un área de poco más de 800 hectáreas ubicada próxima a la Villa Sanagasta. El hallazgo de un gran número de nidos y abundantes cáscaras de huevos de dinosaurios significó un cambio en el esquema geocronológico de la región, trasladando al Cretácico Superior estratos considerados hasta entonces terciarios (Hünicken 2005, Tauber 2007). Debido a las excelentes exposiciones de rocas graníticas del basamento y de la secuencia sedimentaria, con buenos contactos y contrastes de colores que hacen de la geomorfología un recurso paisajístico, se propuso al Gobierno de la Provincia de La Rioja la creación del Parque Geológico Sanagasta. El Decreto de creación adjudica al Centro Regional de Investigaciones Científicas y Transferencia Tecnológica (CRILAR) el control científico y académico de este parque geológico. El parque ha tomado gran impulso durante estos últimos años, convirtiéndose en un gran atractivo desde el punto de vista ambiental, ecológico, educativo y turístico. La Reserva natural Divisadero Largo, en la provincia de Mendoza, comprende 492 hectáreas, ubicadas en el pedemonte de la precordillera, 8 kilómetros al oeste de la ciudad de Mendoza, capital de la provincia. Fue declarada Área Protegida en 1983 y su 92 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 nombre hace referencia al Cerro Divisadero, desde el cual los nativos avistaban el tránsito de las manadas de guanacos y otros animales para darles cacería. Más allá de la belleza natural del área, se destaca en la Reserva una evidente falla geológica cuyo desplazamiento ha permitido el afloramiento de diferentes niveles de rocas sedimentarias que representan un intervalo de tiempo mayor de 200 millones de años. El principal propósito de la creación de la Reserva lo constituye la protección del conjunto de afloramientos de rocas sedimentarias fosilíferas (Figura 6). Figura 6 – Panorama desde el Mirador Geológico de la Reserva Natural Divisadero Largo (Fotografía por Cecilia Iglesias). La provincia de Neuquén ha adquirido gran significado a nivel paleontológico debido a sus numerosos e importantes hallazgos de sitios fosilíferos y por esta razón hoy se la conoce como “Tierra de Dinosaurios”. El Centro Paleontológico Lago Barreales (CePaLB), comprende un yacimiento que posee gran cantidad de restos fósiles del período Cretácico: peces, plantas, tortugas, cocodrilos, pterosaurios, dinosaurios herbívoros de diversos grupos y dinosaurios carnívoros como Unenlagia paynemili y Megaraptor namunhuaiquii. En síntesis un ecosistema casi completo de un lapso de la Era Mesozoica. El Centro (Figura 7) depende de la Universidad Nacional del Comahue, que resguarda esta pequeña parte del suelo neuquino. Con el apoyo de empresas y del gobierno provincial, se cuenta con instalaciones adecuadas, que garantizan tanto la protección del patrimonio natural y cultural del área, como las condiciones de seguridad del equipo de trabajo permanente, de los estudiantes y del público visitante. El sitio ha tomado trascendencia internacional ya que se ha convertido en la única excavación de dinosaurios en el mundo, abierta al público todo el año. El CePaLB tiene como finalidad la educación en geología y paleontología a través de las vivencias personales que obtienen los visitantes en las excavaciones, senderos interpretativos y miradores panorámicos, así como en las visitas al centro de interpretación con proyección de videos, a la sala de exhibición paleontológica con servicio de guías y al laboratorio, donde el visitante puede interiorizarse de las técnicas de trabajo para la preparación de piezas fósiles para su exposición (Calvo et al. 2008). Figura 7 – El Centro se encuentra enmarcado por un paisaje natural en el que se desarrollan actividades educativas y culturales para todos los grupos que visitan el sitio, para todos los niveles, incluso el universitario. Se muestran todas las etapas en el rescate de restos de dinosaurios, desde la extracción hasta su estudio científico final y puesta en exhibición de las piezas rescatadas (Fotografía Jorge Calvo). También cabe destacar acciones tendientes a la preservación del patrimonio a través de la interacción entre el Estado y la actividad privada. Un ejemplo de ello es el de la protección y puesta en valor turístico del Bosque Petrificado “Florentino Ameghino” bajo la figura jurídica de Custodio Rural (Lech & Reinoso 2008, Reinoso & Lech 2010). Esta área situada en el valle inferior del Río Chubut, departamento Gaiman, provincia del Chubut, es un recurso natural no renovable y al mismo tiempo un objeto del patrimonio cultural-paleontológico. La experiencia en esta área concilia actividades científicoacadémicas, de protección patrimonial, empresarialturística privada, junto a un programa de actividades educativas. El plan de manejo contempla aporte científico, desarrollo turístico, inversión empresarial privada en infraestructura y servicios y, sobre todo, la coordinación y contralor del Estado como el responsable primario de la preservación del patrimonio. El Bosque Petrificado “Florentino Ameghino” (Figura 8) se encuentra en un terreno privado, con los derechos inalienables que ello conlleva; no obstante el dominio de ese elemento patrimonial es exclusivo del Estado Provincial. Figura 8 – El Bosque petrificado “Florentino Ameghino" es el primer Custodio Rural de la Provincia del Chubut y único en la República. El Bosque forma parte de la Formación Salamanca, y los troncos petrificados corresponderían a árboles que formaban parte de un extenso bosque de lauráceas y fagáceas que existió hace 60 millones de años. 93 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 La Reserva Natural Pehuen Co-Monte Hermoso, en la costa atlántica del sudeste de la provincia de Buenos Aires, alberga, en una extensión de más de 3 kilómetros a lo largo de la playa, rocas sedimentarias del Pleistoceno tardío en las que se pueden observar numerosas huellas fósiles. Se trata de un yacimiento paleoicnológico donde se conservan pisadas de fauna y megafauna (megaterios y gliptodontes) de 12.000 años de antigüedad. La cantidad y calidad de improntas fósiles lo convierten en un lugar único. En el área de la Reserva se encuentra a su vez uno de los dos puntos de mayor importancia paleontológica descubiertos por Darwin en el transcurso de su viaje a bordo del Beagle (1832 y 1833), la Barranca Monte Hermoso. Otro de los sectores de la Reserva conserva el testimonio de huellas de aborígenes de 7.000 años de antigüedad. En diciembre de 2005, la Cámara de Diputados de la provincia de Buenos Aires promulgó la ley 13.394 que lo declara Reserva Geológica y Paleontológica Provincial, aunque aún no ha sido reglamentada ni puesta en práctica (Manera, 2008). 6. EL PROYECTO SITIOS DE INTERÉS GEOLÓGICO DE LA REPÚBLICA ARGENTINA El Servicio Geológico Minero Argentino (SEGEMAR) es el organismo a quien incumbe, entre otras funciones, el relevamiento geológico y temático del Territorio Nacional, aportando la investigación de base necesaria para el desarrollo productivo, y debiendo atender asimismo a la difusión de sus resultados y a la protección del patrimonio natural. En este escenario, y consciente de la importancia que tiene la identificación de los Sitios de Interés Geológico (SIG), el SEGEMAR inició a fines del año 2004 -en oportunidad de conmemorar 100 años de su creación -el proyecto Sitios de Interés Geológico de la República Argentina. A fin de alcanzar algunos de sus objetivos y llevar a cabo otras tareas especificas, el Instituto de Geología y Recursos Minerales (IGRM) del SEGEMAR creó el Grupo de Trabajo de Sitios de Interés Geológico, cuya función es dar a conocer a la comunidad en general los sitios de interés geológico, difundir el conocimiento geológico y brindar información que sirva de base para la realización de otras actividades vinculadas con el medio natural (Lema & grupo CSIGA, 2007). El proyecto se orientó fundamentalmente a satisfacer una demanda cada vez más creciente del público en general, proporcionando datos, características y explicaciones que en forma comprensible permitan al público acceder al conocimiento geológico de áreas emblemáticas del país. Para una mejor valoración y comprensión del patrimonio, este proyecto requirió del trabajo conjunto con instituciones locales, provinciales y municipales, constituyéndose de este modo en una fuente de información útil para pobladores, escuelas y organizaciones vinculadas al turismo. 7. ALGUNAS ACCIONES DE DIVULGACIÓN DEL PATRIMONIO GEOLÓGICO En una primera etapa el Grupo de Trabajo se abocó a la edición del libro “Sitios de interés geológico de la República Argentina, los geólogos nos cuentan…” (CSIGA 2008). Esta publicación fue el resultado del esfuerzo conjunto del SEGEMAR y más de 120 autores representantes de 40 instituciones públicas y privadas, así como de organizaciones no gubernamentales. La obra se organizó en dos volúmenes que corresponden al norte y sur del país y se ocupa de los “cómo, cuándo y por qué” de 72 sitios de interés - entre los que se incluyen lugares famosos por sus paisajes - y en los que se tratan diversos temas tales como vulcanismo, geomorfología, paleontología, hidrogeología, tectónica, peligrosidad geológica y estratigrafía, entre otros. Los capítulos fueron editados por la Comisión de Sitios de Interés Geológico de la República Argentina (CSIGA) con el objeto de llegar a un público no especializado, por lo que cada sitio está descrito con lenguaje ameno e ilustrado con mapas, fotografías, esquemas y cuadros cronológicos que facilitan la comprensión de los diferentes procesos y temas geológicos. Algunos capítulos sugieren medidas de protección y, donde éstas ya están en vigencia, otras nuevas son puestas a consideración. Las conexiones entre geología y antropología, así como referencias históricas sobre la actividad minera y las exploraciones e investigaciones científicas pioneras, enriquecen algunos de los capítulos, además de menciones especiales sobre flora y fauna. Al especial interés geológico de la gran mayoría de los SIG escogidos, se contempló la accesibilidad, buen estado de preservación y gran belleza y expresividad escénica. Los volúmenes están escritos en idioma español y cada sitio cuenta con un breve resumen introductorio en inglés. La obra tiene el propósito de difundir el conocimiento geológico, contribuir a la transmisión del pensamiento científico y estimular actividades educativas, y de esta manera promover la protección del patrimonio (Miranda & grupo CSIGA, 2009, 2010; Echeverría et al. 2010). Figura 9 – Sitios de Interés Geológico de la República Argentina. Volumen I (Norte) y Volumen II (Sur). 94 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 Tanto el proyecto, como la obra, han sido galardonados con sendos premios: el VII premio Convenio Andrés Bello “Somos Patrimonio” en el año 2008 y el Premio Especial Bicentenario otorgado en 2010 por Gaea, Sociedad de Estudios Geográficos de la República Argentina en virtud del carácter divulgativo de la obra. Para el público en general, el patrimonio geológico y la geología como ciencia son muy poco conocidos, a pesar de las interrelaciones entre el entorno geológico, los demás elementos del ecosistema y el medio socio-cultural. Sin embargo, en estas últimas décadas, el interés por los aspectos geológicos del territorio muestra un marcado crecimiento (Voth 2008). Teniendo en cuenta esta consideración y con el objetivo de identificar actividades e inquietudes de los lectores y potenciales interesados en la temática de la publicación, y a fin de establecer futuras líneas de trabajo, se procedió a la elaboración de una breve encuesta permanente en la que se consultaba acerca del motivo de interés en el libro (Miranda 2011). Sin ponderar a aquellos profesionales vinculados específicamente con las Ciencias Geológicas, los resultados arrojaron que la población interesada correspondía a personas con estudios universitarios completos o en curso y de variadas profesiones: administración, agronomía, biología, comunicación social, contabilidad, docencia, geografía, guardaparques, informática, ingeniería, medicina y turismo. También se recibieron consultas por parte de estudiantes, tiendas de venta de libros y puestos de regalos o recuerdos en museos, ONGs y fundaciones. Por los intereses e inquietudes planteados puede señalarse que: el 31 % se vinculaba con el área de educación; al turismo le correspondió el 14%: agencias u operadores, y particulares que manifestaron su deseo de conocer más sobre los lugares que visitarían o habían visitado; un 15 % lo requirió como material de consulta: solicitudes de bibliotecas, fundaciones, organizaciones no gubernamentales y otras instituciones; el 8% para cultura general -interés por las áreas naturales o por las ciencias geológicas; un 7% agrupó a quienes consultaron por la posibilidad de reventa, tanto en tiendas comerciales como en tiendas de museos y el 1 % correspondió a otros motivos. Un 23 % no respondió la encuesta, pero de los datos recabados surgió claramente la fuerte atracción que en general despiertan los temas geológicos. La divulgación científica admite muy variadas formas, tales como conferencias, muestras, museos interactivos, charlas, libros, revistas y folletos, entre otros (Gallardo 2005). Muchas son las personas que visitan un área en particular atraídas por su paisaje. Allí, la información a través de paneles temáticos in situ de aquello que se contempla en forma directa resulta de gran efectividad y una buena oportunidad de acercar al público en general a aspectos concernientes a las ciencias de la Tierra. En este sentido, en enero de 2007, se realizó una experiencia piloto (Figura 10) en la Reserva Natural Laguna Diamante, provincia de Mendoza, que contó con financiamiento privado y estatal (Miranda & Sáenz 2008). El área en cuestión se encuentra a unos 3.500 metros de altura sobre el nivel del mar en la cordillera de los Andes y a escasos kilómetros del límite argentino-chileno. A pesar del difícil acceso, el área recibe durante la temporada estival numerosos visitantes, locales y extranjeros, que desarrollan diferentes actividades, entre ellas, pesca deportiva, andinismo o “simplemente” turismo. Si bien la reserva contaba en su haber con cuantiosa información sobre flora y fauna, aquella relacionada a la geología del área y al paisaje -que es lo que el público percibe en forma instantánea- resultaba escasa o confusa. En el ámbito de la reserva se destaca la imponente figura del Volcán Maipo, de 5.323 metros de altura, inmerso en una estructura oval de 20 por 16 kilómetros denominada Caldera Diamante, cuyas paredes, constituidas por rocas sedimentarias y volcánicas más antiguas, rodean al volcán. La historia más “reciente” del área, científicamente documentada (Sruoga et al. 2005), se remonta a la súbita erupción de unos 350 kilómetros cúbicos de cenizas incandescentes o ignimbritas unos 450.000 años atrás. Esto y el posterior desarrollo del volcán Maipo durante los últimos 100.000 años, permiten acercar al público en general a uno de los aspectos más espectaculares de las ciencias de la Tierra, el volcanismo. El éxito de esta primera prueba indujo a continuar con la tarea en otros lugares del país Figura 10 – El cartel, de 200 por 70 centímetros, consta de un texto principal en el que se describen los estadios evolutivos del centro eruptivo volcán Maipo – caldera del Diamante, textos secundarios vinculados al paisaje actual, historia eruptiva y peligrosidad, vistas panorámicas explicativas y fotografías de diferentes sectores del área, imagen satelital y texto resumido en inglés. 95 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 La ejecución de los paneles, financiados con fondos otorgados por el Convenio Andrés Bello (Miranda y grupo CSIGA 2009) está a cargo de la Comisión de Sitios de Interés Geológico de Argentina del SEGEMAR. La tarea comienza con sitios propuestos por los potenciales interesados (Municipio, ONG´s, etc), que en la medida de las posibilidades, son examinados en el terreno para evaluar su interés geológico, accesibilidad, infraestructura disponible (prevención de actos vandálicos) y ubicación espacial para el diseño de los paneles. Atendiendo a las sugerencias y necesidades de los receptores locales, los temas son seleccionados y presentados con el soporte de artículos científicos actualizados y con la participación activa de profesionales que desarrollan tareas en el área, garantizando un óptimo nivel de información. Trabajos de esta índole se han realizado en la Reserva Natural Urbana General San Martín en la provincia de Córdoba (Gaido et al. 2010); en La Reserva Natural Urbana Parque del Este, Baradero y en diferentes áreas de San Pedro, ambas localidades de la provincia de Buenos Aires (Voglino 2008, Miranda et al. 2011); en el área del Monumento Histórico Nacional y Patrimonio Cultural de la Humanidad de la UNESCO (1999) Cueva de las Manos, en la provincia de Santa Cruz (Geuna & Escosteguy 2008), en el Parque provincial Aconcagua en la Provincia de Mendoza (Cegarra y Ramos 2008); en el área del Lago Buenos Aires, localidad de Los Antiguos, provincia de Santa Cruz (Escosteguy & Geuna 2008), y se proyecta continuar con estas tareas en el ámbito de Parques Nacionales, por ejemplo en el parque Nacional Monte León en la Provincia de Santa Cruz (Sacomani et al. 2008). Todos estos paneles abordan los contenidos geológicos que el visitante puede contemplar (Figuras 11 a 18). Figura 11 – Paneles temáticos instalados en el marco del proyecto Sitios de Interés Geológico del SEGEMAR. Reserva Natural Laguna del Diamante, provincia de Mendoza. Figura 12 – Paneles temáticos instalados en el marco del proyecto Sitios de Interés Geológico del SEGEMAR. Reserva Natural Urbana Geral. San Martin, provincia de Córdoba. Figura 13 – Paneles temáticos instalados en el marco del proyecto Sitios de Interés Geológico del SEGEMAR. Monumento Histórico Nacional y Patrimonio de la Humanidad. Cueva de Las Manos, provincia de Santa Cruz. Figura 14 – Paneles temáticos instalados en el marco del proyecto Sitios de Interés Geológico del SEGEMAR. Reserva Natural Urbana Parque del Este, provincia de Buenos Aires. 96 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 Figura 15 – Paneles temáticos instalados en el marco del proyecto Sitios de Interés Geológico del SEGEMAR. Reserva Natural Vuelta de Obligado, provincia de Buenos Aires. Figura 18 – Paneles temáticos instalados en el marco del proyecto Sitios de Interés Geológico del SEGEMAR. Los Antiguos, provincia de Santa Cruz. Figura 16 – Paneles temáticos instalados en el marco del proyecto Sitios de Interés Geológico del SEGEMAR. Parque Provincial Aconcagua, provincia de Mendoza. Durante el año 2012 otras acciones relacionadas con paneles temáticos -desde otros organismos- fueron la puesta en valor del patrimonio paisajístico y la implementación de miradores interpretativos en la provincia de Jujuy. Esto fue llevado a cabo a través de un Programa Nacional de Inversiones Turísticas y de Señalización Turística de la Provincia de Jujuy, encarado por la Secretaría de Turismo y Cultura de la provincia con el apoyo del Ministerio de Turismo de La Nación. Los miradores y los paneles (Figura 19) brindan información sobre paisajes icónicos de la provincia y muestran en muchos casos una breve descripción de las formaciones geológicas, con textos en idioma español, inglés y portugués. Están ubicados a la vera de rutas nacionales y provinciales. Entre los puntos seleccionados se encuentran las Salinas Grandes, la Cuesta de Lipán, la Paleta del Pintor, las Huellas de Dinosaurios, las Termas de Reyes, el Dique La Ciénaga, la Laguna Desaguadero (en Yala) y el Parque Nacional Calilegua. Figura 17 – Paneles temáticos instalados en el marco del proyecto Sitios de Interés Geológico del SEGEMAR. Puente del Inca, provincia de Mendoza. Figura 19 – El primer mirador geológico de Jujuy fue habilitado en la localidad de Purmamarca, con vista al Cerro Siete Colores (Fotografía por Fernando Miranda). 97 Miranda & Lema/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 87-102 4) Continuidad de los programas en el tiempo. 6. REFLEXIONES FINALES El concepto de patrimonio geológico es relativamente nuevo en nuestro país. No obstante, de los párrafos anteriores se desprende que no han sido ni son pocos los profesionales e instituciones interesados en la materia. Cabe aclarar aquí que solo hemos hecho mención de algunas acciones, siendo conscientes de la existencia de trabajos vinculados al tema en otras diferentes áreas del país. Sin embargo, más allá de los muchos esfuerzos individuales se torna necesario un trabajo conjunto y con continuidad en el tiempo. Es entonces cuando surgen cuestiones acerca de ¿Cómo lograr éxito en el desarrollo de los programas, especialmente cuando muchas veces los recursos económicos no son los adecuados? ¿Cómo evitar la superposición de tareas a nivel de Instituciones? ¿De qué manera conservar el entusiasmo de proyectos que se inician?... Cada pregunta tendrá su particular respuesta, pero sin duda hay premisas fundamentales que cumplir, y las siguientes son algunas: 1) Inventario, catalogación y confección de un listado sistemático de los bienes que integran el patrimonio geológico, a escala local, provincial o regional y nacional. 2) Designación de un organismo de nivel nacional que sea referente y a la vez formador en el tema, encargado de articular el accionar de los distintos actores intervinientes. 3) Formulación de una política de divulgación y protección del patrimonio geológico, con adjudicación de recursos adecuados. La identificación, descripción, divulgación y protección del patrimonio geológico es de vital importancia pues su degradación casi siempre es irreversible. Los sitios de interés geológico deben ser considerados como un elemento más del patrimonio, e incluidos en una correcta gestión del territorio, puesto que, siendo los sitios construcciones naturales, desde el momento en que se los conceptualiza y se brinda conocimiento sobre ellos se transforman en una parte fundamental del patrimonio natural y cultural de las personas, paso indispensable para promover a su protección. Debe insistirse en que el patrimonio geológico abarca múltiples aspectos que a menudo se olvidan. Como ejemplo vaya el resguardo y mantenimiento de colecciones centenarias de rocas, minerales y fósiles que han soportado décadas de abandono. Dada su particularidad, es necesario evaluar - en el contexto de normas generales - medidas de protección concretas para el patrimonio geológico, entendiendo como parte de esto el desarrollo de legislación específica. En la actualidad, tanto los destinos turísticos más conocidos como aquellos menos tradicionales, pero que también son visitados por gran cantidad de personas, requieren como valor agregado la información geológica como parte de las actividades recreativas y turísticas que promueven la apreciación del medio natural. Estos paisajes son inmejorables aliados para introducir a terceros en el tema del patrimonio geológico. Los resultados de cualquier estrategia de prevención sólo se ven a largo plazo; el tiempo urge y se debe asumir esta tarea como un compromiso. Referencias AGUIRRE Urreta, M. B., RAMOS, V. A. 1996. Áreas de Interés. En: Ramos, V. A. (Ed.): Geología de la Región del Aconcagua. Provincias de San Juan y Mendoza, República Argentina. Dirección Nacional del Servicio Geológico, Subsecretaría de Minería de La Nación. Anales 24 (18): 471-480. Buenos Aires. ARDOLINO A., BUSTEROS, A., LEMA H. 2002. Sitios de Interés Geológico. En Haller M. (Ed.) 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Los geoparques y el geoturismo: nuevos conceptos de valorización de recursos patrimoniales y desarrollo regional. En: Galve Martín, A. (Ed) XI Coloquio Ibérico de Geografía, Alcalá de Henares. Manuscrito ID 31555 Submetido em abril de 2013 Aceito em julho de 2013 102 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 103 - 119 Patrimônio geológico e mineiro no nordeste do Brasil Geological and mining heritage in northeastern Brazil MARCOS ANTONIO LEITE DO NASCIMENTO*, ANTONIO JOSÉ DOURADO ROCHA**, MARJORIE CSEKO NOLASCO***. *Universidade Federal do Rio Grande do Norte - [email protected] **Serviço Geológico do Brasil (CPRM) - [email protected] ***Universidade Estadual de Feira de Santana - [email protected] Resumo O Nordeste brasileiro apresenta uma diversidade geológica ímpar e que faz parte do patrimônio geológico nacional. Esta região, em termos de minerais, rochas, fósseis, paisagens (relevo), além de outros elementos da geodiversidade, apresenta exemplos dos mais didáticos e completos, indo desde rochas antigas do embasamento cristalino (> 3 bilhões de anos) até as coberturas de dunas (< 5 mil anos) e sedimentos recentes em seus leitos de rios, lagos e lagunas. Muitos desses exemplos constituem potenciais monumentos que vêm atualmente despertando, além do interesse científico-didático, também turístico, histórico e cultural. No momento temos ao todos 164 geossítios cadastrados, espalhados em diferentes bases, constituindo 14 categorias temáticas, com destaque para a sedimentologia, paleontologia e geomorfologia. São inúmeros os exemplos de patrimônio geológico-mineiro identificados, porém convém lembrar, que esses são apenas uma pequena amostra do que o Nordeste possui. Conhecer melhor este patrimônio e protegê-lo é de suma importância, haja vista que ele possui a particularidade de ser único e irrecuperável: uma vez deteriorado estará perdido para sempre! Palavras-chave: Patrimônio Geológico; Patrimônio Mineiro; Nordeste. Abstract The Brazilian Northeast has a unique geological diversity and is part of the national geological heritage. This region, in terms of minerals, rocks, fossils, landscapes (relief), and other elements of geodiversity, presents examples of the most instructive and comprehensive, ranging from ancient rocks of the crystalline basement (> 3 billion years) until the coverage dunes (<5000 years) and recent sediments in their beds of rivers, lakes and lagoons. Many of these examples are potential monuments, which are now awakening, as well as scientific interest-didactic, too touristic, historical and cultural. At the moment we have all 164 geosites, scattered in different bases, constituting 14 thematic categories, with emphasis on sedimentology, paleontology and geomorphology. There are countless examples of geologicalmining heritage identified but it should be remembered that these are only a small sample of what the Northeast has. Better understand this heritage and protecting it is importance, given that it has the particularity of being unique and irretrievable: once decayed is lost forever! Key words: Geological Heritage; Mining Heritage; Northeast. 1. INTRODUÇÃO Recursos Naturais são todas as partes componentes da natureza, exceto o homem e os seus produtos, que possam ser pelo mesmo aproveitadas de diferentes formas. Assim a palavra recurso natural esta vinculada a uso e não envolve valor intrínseco dado a natureza ou as divisões nela estabelecidas pelo homem. Os recursos dividem-se em bióticos e abióticos, em grandes termos. Os primeiros são em sua maioria renováveis se respeitados os seus ciclos geracionais e os segundos envolvem recursos similares conduzidos por ciclos puramente geoquímicos como a água e o ar (autolimpantes) e não renováveis, ou seja, de uso não retornável ao meio, a exemplo dos minerais, rochas, recursos energéticos (carvão mineral, hulha, óleo) cujo uso pelo homem implica na sua supressão da natureza. Aqui vale apontar que estes últimos podem sofrer, depois da retirada e primeiro uso, reciclagem, reutilização, reduzindo a necessidade de retirada primária, como todos os demais recursos. Mas não podem ser criados, plantados, ou ter seu ciclo de reconstituição respeitado, pois não apresentam tal processo, exceto no tempo geológico, ao qual o homem e suas necessidades não pode se submeter ou esperar. Dentro destes recursos ditos energéticos ou minerais fósseis estão alguns cujo uso o homem não consegue mais abrir mão, apesar de conseguir reduzir seu volume de retirada primária, pois apresentam importância hoje similar a água, ar e energia. Como exemplo pode-se citar: o vidro (sílica ou quartzo), os plásticos (petróleo), diversos metais como o ferro, chumbo, alumínio; os materiais de construção como blocos, tijolos, filtros e telhas (argilas) areia, fragmento de rocha, o cimento (calcário); os minerais de usos tecnológicos como terras raras, titânio, ouro, diamante; entre muitos outros. Eles atendem no dia a dia, na saúde, na habitação, na escola, no avanço da ciência e da cultura. Como se pode perceber a relação entre o homem e os minerais e rochas é intensa e antiga e deste longo aprendizado tem resultado toda(s) a(s) 103 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 civilização(ões) humana(s), conclui-se o homem é minero-dependente! Deve se destacar que a configuração geológica define a própria escolha de locais de fixação e urbanização, ou colonização e dominação, pela disponibilidade de recursos. Por isto mesmo o desenho da ocupação ou urbis denuncia, ainda hoje, os dois mais importantes deles: a conformação da paisagem no quesito acesso e segurança e a presença da água- um recurso necessário a vida e de múltiplos usos, ao longo da qual se extende toda a civilização, para não adentrar na conquista do fogo. A maioria dos recursos citados tem origem direta ou indireta na mineração, assim sendo a mina é a expressão do uso dos recursos abióticos, a mais clara e uma das mais antigas marcas da relação entre a sociedade e a geodiversidade e da dependência geológica da humanidade. Patrimônio diz de herança, daquilo que fala sobre a identidade de um grupo, de um local, região, do mundo! Algo relevante, marcante em cada nível ou em todos eles, para o Homem. Pode ter várias tipologias, como o recurso, as mais amplas delas são material e imaterial, além de natural ou cultural que podem se mesclar com os anteriores. Em ambas as divisões, os primeiros grupos (material e cultural) são fartamente conhecidos e trabalhados, como em edificações, tombamento de monumentos, prédios, moveis, esculturas e mesmo em alguns raros casos, em áreas mineiras especialmente de ouro. Já os termos Patrimônio Natural e Imaterial são menos difundidos, refere-se o primeiro a paisagens, artes rupestres pré-históricas e outros sítios arqueológicos e, o segundo, a memória no seu aspecto não documental e ao que não é tocável, mas relaciona-se a manifestações culturais e sociais, como festejos e costumes, a música, as históricas contadas e ao artesanato. Contextualizado os conceitos e suas definições, será que as minas e a mineração fazem parte da memória, ou mais amplamente da herança de um povo? Deve-se registrar que é mais comum e usual o reconhecimento do rural no agropecuário, no extrativismo animal e vegetal como atividades de povos tradicionais. Talvez, por desconhecimento ou um silêncio pouco esclarecido, ou ainda por não serem os povos mineiros dados a conversas ou aparições, o extrativismo mineral, a atividade minera ou ainda mais longe garimpeira, não é reconhecida formalmente. Entretanto, em diversos países da Europa e America Latina, especialmente de influência espanhola, já se reconhece e indica a existência de um patrimônio mineiro. Uma mina expõe o patrimônio geológico de uma região como poucos pontos do planeta, permitindo a formação de profissionais diversos e o entendimento do funcionamento da “nossa casa” Terra, assim ela guarda patrimônio dito natural, do tipo geológico. Também guarda toda a memória das técnicas e das dificuldades dos povos das minas, para o bem e para o mal, a forma como lidamos e nos apropriamos dos recursos, implicando patrimônio imaterial e material. Seja no alto dos Andes, nos Pirineus, na Chapada Diamantina ou em Diamantina, ou mesmo em Carajás. Da prata ao sal, do diamante ao ferro, a história da evolução humana, dos domínios entre os povos, e da tecnologia, esta marcada e conduzida pelo fazer mineiro e seu desenvolvimento. O povo que trabalha dentro da Terra, ou é herdeiro destes, compreende ou aprende como poucos a entendê-la, a reverenciá-la, a respeitá-la como força que cria trabalho e possibilidades e também que mata! Uma noção que assusta outros grupos profissionais e populações não mineiras. Sua forma de ser, suas histórias, suas músicas, seus “causos” são moldados pela sua relação com a rocha, o minério, a paisagem, configurando arraigados vínculos com a mineração e patrimônio imaterial. Não é possível entender em separado este patrimônio. O patrimônio mineiro é um patrimônio misto: material no que diz respeito ao natural que é geológico e paisagístico, histórico no que se traduz industrial e arquitetônico, tecnológico e documental e imaterial tanto cultural como também histórico centrado na memória, na cultura, nas artes e no trabalho, ou seja, na natureza da relação dos grupamentos mineiros e garimpeiros com as rochas. Assim, apresentar o patrimônio geológicomineiro do Nordeste do Brasil é o objetivo principal desse artigo. Conhecê-lo é de suma importância para protegêlo, pois só se cuida daquilo que se conhece! 2. PATRIMÔNIO GEOLÓGICO E MINEIRO O patrimônio pode ser considerado como bem ou conjunto de bens culturais ou naturais, de valor reconhecido para determinada localidade, região ou país, ou para a humanidade, e que, ao se tornar(em) protegido(s), como por exemplo, pelo tombamento, deve(m) ser protegido(s) para o usufruto de todos os cidadãos. Portanto, o conceito de patrimônio é muito amplo e está associado a uma herança comum, que tem importância para uma dada região, um dado país ou mesmo para toda a humanidade. Os bens culturais e naturais, saberes e modos de fazer pertencem a todos e, portanto, devem ser cuidados para que não se percam. Integra o patrimônio natural, o patrimônio geológico, que é constituído pelos geossítios (sítios geológicos ou locais de interesse geológico) que registram a memória da história da Terra, num período que alcança milhares, milhões e até bilhões de anos e que incluem (i) afloramentos de rochas; (ii) minerais; (iii) fósseis; (iv) conjuntos de valor paisagístico: serras, montanhas, picos, vales; e (v) coleções de museus de geociências ou de história natural. Porém, quando esses 104 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 elementos da geodiversidade se encontram em um espaço territorial compreendido por atividades de extração, a esse conjunto é dado o nome de patrimônio mineiro. Assim é inegável a forte associação entre esses dois tipos de patrimônios, o geológico e o mineiro, mesmo os mesmos sendo considerados tipos de patrimônios distintos. Para Brilha (2005), dada a diferença de conceitos e metodologias, esses dois termos devem ser mantidos separados. Um geossítio é considerado a “ocorrência de um ou mais elementos da geodiversidade (aflorantes quer por resultado da ação de processos naturais, quer devido à intervenção do homem), bem delimitado geograficamente e que apresenta valor singular do ponto de vista científico, educativo, cultural, turístico ou outro” (Brilha, 2005). O conceito de patrimônio geológico está estreitamente relacionado à geodiversidade, contudo este patrimônio não deve ser encarado como sinônimo de geodiversidade, esta sendo a variedade de ambientes geológicos, fenômenos e processos ativos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte para a vida na Terra. O patrimônio geológico é apenas uma pequena parcela da geodiversidade, que apresenta características especiais e, por conseguinte, merece/necessita ser conservado. Assim, o patrimônio geológico é definido como “o conjunto de geossítios inventariados, caracterizados e bem delimitados geograficamente, em uma dada área ou região, onde ocorrem um ou mais elementos da geodiversidade com elevado valor científico, pedagógico, cultural, turístico e outro” (Brilha, 2005; Nascimento et al. 2008). De acordo com Cortés (1996) esse patrimônio pode ser classificado pelo seu conteúdo em E s t r a t i g r á f i c o , P a l e o n t o l ó g i c o , Te c t ô n i c o , Hidrogeológico, Petrológico, Geotécnico, Mineiro, Mineralógico, Geomorfológico, Geofísico, Geoquímico e Museus e coleções, entre outros. Vale ressaltar aqui que este autor credita o “mineiro” como um tipo de patrimônio geológico. 3. OS DIFERENTES TIPOS DE PATRIMÔNIO GEOLÓGICO Uma das primeiras providências para se desenvolver qualquer atividade ligada a geodiversidade (e, consequentemente, ao seu patrimônio geológicomineiro) é a identificação de aspectos geológicos com particular valor científico, educativo ou turístico. Neste último caso, no nordeste brasileiro, por exemplo, sem dúvida, muitos locais de interesse geológico já eram atrações turísticas antes de os geocientistas os terem estudados. Alguns são verdadeiros cartões-postais, que servem, inclusive, para atrair turistas do exterior, com destaque para Lençóis Maranhenses (MA); Jericoacara e Canoa Quebrada no litoral cearense (CE); Cânion do Rio São Francisco (Al/SE); Morro do Careca e Dunas de Jenipabu (RN), entre muitos outros. O Nordeste, por sua geodiversidade, é detentor de inúmeras feições geológicas que possuem características de patrimônio. A seguir, serão apresentados exemplos de geossítios nas diversas categorias em que o patrimônio geológico pode ser classificado: geomorfológico, paleontológico, espeleológico, sedimentológico, paleoambiental, marinho e tectônico; acrescentando ao final o patrimônio mineiro, este sempre intimamente ligado ao patrimônio geológico. 3.1. PATRIMÔNIO GEOMORFOLÓGICO No Nordeste brasileiro, o relevo se destaca proporcionando paisagens de grande beleza cênica com mirantes que permitem a contemplação dessas áreas, formadas por chapadas, serras, picos, morros e cachoeiras, cujos melhores exemplos são: Chapada Diamantina (BA), Serra da Capivara e Sete Cidades (PI); pico vulcânico do Cabugi (RN), dentre muitos outros. De forma geral, nesse relevo destacam-se duas categorias de altos topográficos, ambas com sua base constituída por rochas cristalinas (metamórficas e/ou ígneas). Uma categoria possui no topo coberturas sedimentares identificadas pelo topo plano (as conhecidas chapadas). Estas estão representadas pelas serras de Santana, dos Martins e Portalegre (ambas no RN) e pelas chapadas sustentadas por rochas sedimentares, no caso Chapada do Araripe (CE/PE/PB), Chapada do Apodi (RN/CE), Chapada da Ibiapaba (CE/PI) e Chapada Diamantina (BA) (Figuras 1 a 6). Aquelas constituídas unicamente por rochas cristalinas, portanto formadas por litologias ígneas e/ou metamórficas, mostram-se com topo pontiagudo ou irregular. Na constituição desse relevo, destacam-se as serras, os picos e afloramentos de rochas cujos melhores exemplos são as serras/picos do Cabugi e do Totoró (RN), do Jabre (PB), entre outras. Essas serras e picos são formados principalmente por granitos, basaltos, mármores e gnaisses. Locais como o Morro do Pai Inácio-BA (Pedreira & Bomfim, 2002), o Parque Nacional de Sete Cidades-PI (Della Favera, 2002), os Eolinitos de Flecheiras/MundaúCE (Carvalho et al. 2009) e a Ponta de Jericoacara-CE (Julio et al. 2012) fazem parte do cadastro de geossítios da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP). 105 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 Figura 1 – Exemplo de feições geomorfológicas identificado no Nordeste. Morro do Pai Inácio, Chapada Diamantina (BA). Figura 4 – Exemplo de feições geomorfológicas identificado no Nordeste. Serra de Portalagre (RN). Figura 2 – Exemplo de feições geomorfológicas identificado no Nordeste. Chapada do Araripe (CE). Figura 5 – Exemplo de feições geomorfológicas identificado no Nordeste. Pico do Totoró (RN). Figura 3 – Exemplo de feições geomorfológicas identificado no Nordeste. Pedra da Tartaruga, Parque Nacional Sete Cidades (PI). Figura 6 – Exemplo de feições geomorfológicas identificado no Nordeste. Pico do Cabugi (RN). 106 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 A atuação dos processos erosivos, com predomínio de erosão diferencial, juntamente com a atuação dos processos de intemperismo, proporcionam o desgaste da rocha, com a conseqüente formação do cenário atual. No litoral do Nordeste do Brasil, a paisagem se destaca pela presença de falésias, escarpas costeiras abruptas, muitas vezes não cobertas por vegetação, que se localizam na linha de contato entre a terra e o mar, sendo do tipo ativa ou inativa, especialmente entre os estados do Ceará e da Bahia. A associação desse patrimônio com o patrimônio sedimentológico é bem evidente, em geral, essas paisagens são formadas por arenitos e conglomerados, principalmente da Formação Barreiras. Como alguns exemplos de destaque, têm-se as falésias de Pipa (RN), Ponta Grossa (CE) e Porto Seguro (BA). Outros atrativos paisagísticos do litoral nordestino são as dunas geradas por acumulação de areia depositada pela ação do vento, podendo ser fixas ou móveis. Muitas dessas dunas são consideradas cartõespostais dos lugares onde ocorrem. É o caso das dunas dos Lençóis Maranhenses (MA), do Morro do Careca (RN) e da área da Lagoa do Abaeté em Salvador (BA) (Figuras 7 a 10). Destacam-se ainda os cordões de arenitos encontrados em boa parte do litoral nordestino, descritos como beachrocks (ou arenitos praiais) que servem como substrato rochoso para acúmulos de diferentes tipos de corais. Locais como o Campo de Dunas inativas do médio Rio São Francisco-BA (Barreto et al. 2002), a Costa do Descobrimento do Brasil-BA (Dominguez et al. 2002), o Cânion do Rio Sergi-BA (Pedreira 2002) e os Arrecifes-PE (Barreto et al. 2010) fazem parte do cadastro de geossítios da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP). Figura 7 – Exemplo de feições geomorfológicas litorâneas observado no Nordeste. Falésias da Praia de Pipa (RN). Figura 8 – Exemplo de feições geomorfológicas litorâneas observado no Nordeste. Falésias da Praia de Ponta Grossa (CE). Figura 9 – Exemplo de feições geomorfológicas litorâneas observado no Nordeste. Dunas dos Lençóis Maranhenses (MA). Figura 10 – Exemplo de feições geomorfológicas litorâneas observado no Nordeste. Dunas do Morro do Careca (RN). 107 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 A intenção de utilizar a paisagem (e seu relevo) como atração geoturística, por exemplo, vem da necessidade de cobrir uma lacuna do ponto de vista da informação. A idéia é permitir que o observador (um turista, por exemplo) não só contemple aquelas paisagens, mas também entenda algo sobre os processos geológicos responsáveis por sua formação, o que acarretaria maior valorização do cenário. 3.2. PATRIMÔNIO PALEONTOLÓGICO O fascínio em saber algo sobre o passado da vida na Terra faz com que os locais onde existem esses registros sejam hoje sítios paleontológicos bastante visitados. No Nordeste, são inúmeros os sítios paleontológicos, destacando-se a Chapada do Araripe (CE-PE), o Vale dos Dinossauros (PB), a rica fauna pleistocênica da Serra da Capivara (PI), os estromatólitos das fazendas Cristal e Arrecife (BA), o Lajedo do Apodi (RN), os tanques fossilíferos de Itapipoca (CE) e São Rafael (RN), entre muitos outros (Figuras 11 a 14). O principal interesse em um sítio paleontológico é a presença de fósseis, que compreendem restos ou vestígios deixados nas rochas por animais e/ou plantas no passado geológico. Figura 12 – Exemplo de patrimônio paleontológico no Nordeste. Pegada de dinossauro no Vale dos Dinossauros em Sousa (PB). Figura 13 – Exemplo de patrimônio paleontológico no Nordeste. Estromatólito na Fazenda Arrecife (BA). Figura 11 – Exemplo de patrimônio paleontológico no Nordeste. Fóssil de inseto libélula (símbolo do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, CE). Figura 14 – Exemplo de patrimônio paleontológico no Nordeste. Fóssil de megafauna no Lajedo de Soledade (RN). 108 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 Um excelente exemplo de sítios paleontológicos no Nordeste brasileiro está no Geoparque Araripe, primeiro geoparque nacional com reconhecimento da Rede Global de Geoparques sob os auspícios da UNESCO. Provavelmente, a região é a mais rica em depósitos de vertebrados fósseis do Brasil e um dos mais importantes do mundo, chamando a atenção pelo excelente estado de preservação. É de lá a origem dos milhares de fósseis de peixes encontrados nas feiras e lojas por todo o Brasil – vale salientar que o comércio de fósseis é crime. No geoparque, ocorrem fósseis de dinossauros (mais raros), bem como de peixes, tartarugas, crocodilianos, pterossauros, foraminíferos, crustáceos, gastrópodes, ostracóides, bivalves e equinóides. A região oferece uma possibilidade única para se compreender parte importante do passado geológico e da vida na Terra. Em muitos sítios paleontológicos são encontradas também artes rupestres (pinturas e gravuras) representando aspectos do dia-a-dia, danças, ritos e cerimônias dos antigos habitantes da região, além de figuras de animais, alguns já extintos. Essas artes préhistóricas, com idades que variam de 2 a 12 mil anos, estão gravadas em paredões de rochas. Vale salientar que, muitas vezes, as artes rupestres fazem parte dos sítios paleontológicos; todavia, estas são consideradas patrimônio cultural e protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e, portanto, enquadram-se no patrimônio cultural. Outros sítios paleontológicos do nordeste estão cadastrados junto a Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), são eles: Fazendo Cristal-BA (Srivastava & Rocha 2002a), Fazendo ArrecifeBA (Srivastava & Rocha 2002b), Icnofósseis da Bacia do Rio do Peixe-PB (Leonardi & Carvalho 2002), Membro Crato da Formação Santana-CE (Viana & Neumann 2002), Membro Romualdo da Formação Santana (Kellner 2002), Toca da Janela da Barra do Antonião-PI (Guerin et al. 2002), Lajedo de Soledade-RN (Porpino et al. 2009), Tanques Fossilíferos de Itapipoca-CE (Ximenes 2009) e Afloramento Fossilífero de Oiti-PI (Pociano et al. 2010). 16,3 km de extensão – terceira maior caverna descoberta no país. As principais cavernas de interesse ocorrem na região da Chapada Diamantina, com várias de grande extensão e beleza, como a Lapa Doce. Registra-se, ainda, a região de Campo Formoso, que apresenta as duas maiores cavernas do país: Toca da Boa Vista (Auler & Smart, 2002) e Toca da Barriguda, com 105 km e 32 km de extensão, respectivamente. No município de Morro do Chapéu existem a Gruta dos Brejões com 7 km de extensão, com grande diversidade de espeleotemas, e a caverna do Cristal, com cerca 4 km de extensão, praticamente desprovida de espeleotemas, embora com potencial paleontológico (Figuras 15 e 16). Figura 15 – Exemplo de patrimônio espeleológico no Nordeste. Gruta dos Brejões (BA), formada em calcários. 3.3. PATRIMÔNIO ESPELEOLÓGICO Esse tipo de patrimônio se refere às cavernas que se desenvolvem, principalmente, em calcários e mármores, embora ocorram também em formações ferríferas bandadas, arenitos, quartzitos e granitos. Esse tipo de relevo apresenta um conjunto de feições muito características que, além das próprias cavernas, configuram uma grande beleza cênica, como maciços rochosos expostos, paredões ou escarpas, vales, torres, depressões, dolinas, lagoas, além dos espeleotemas (estalactites, estalagmites, bolo de noiva, etc). Segundo Auler & Zogbi (2005), o Nordeste é uma região favorável à descoberta de novas grutas. Na Bahia, por exemplo, destaca-se a Gruta do Padre, com Figura 16 – Exemplo de patrimônio espeleológico no Nordeste. Casa de Pedra de Martins (RN), formada em mármore. 109 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 No Ceará, uma das mais conhecidas é a Gruta de Ubajara, um dos parques nacionais mais antigos do Brasil. No Rio Grande do Norte, a região entre Felipe Guerra e Apodi concentra a maior quantidade de cavernas, com destaque para a Casa de Pedra de Martins, considerada a segunda maior caverna em mármore do Brasil. Muitas cavernas no Nordeste já são consideradas de uso turístico. Esse tipo de geoturismo, também denominado “turismo espeleológico” (ou espeleoturismo), é a prática puramente esportiva e recreativa de visitação às cavernas, mas que deve ser realizada com o auxílio de especialistas. Para Auler & Zogbi (2005), a abertura de uma caverna para o turismo em massa provoca uma série de intervenções que podem vir a alterar ou mesmo danificar permanentemente a caverna. A instalação de luz artificial, por exemplo, pode levar à alteração da temperatura e da umidade da caverna. Uma das cavernas mais impactadas pela adaptação para o turismo é a Furna dos Morcegos (SE), próxima a Paulo Afonso (BA). Nessa gruta, a escavação de um elevador na rocha e a construção de um enorme chafariz descaracterizaram irreversivelmente o ambiente da caverna. Na lista dos sítios espeleológicos cadastrados na Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP) estão a Toca da Boa Vista-BA (Auler & Smart 2002), as Grutas de Iraquara-BA (Laureano & Cruz Jr. 2002), a Lapa dos Brejões-BA (Berbert-Born & Karmann 2002) e o Poço Encantado-BA (Karmann et al. 2002). Figura 17 – Exemplo de patrimônio paleoambiental no Nordeste. Calcários da Pedreira Poty (PE) onde ocorre registro do limite K-T. 3.4. PATRIMÔNIO PALEOAMBIENTAL Os paleoambientes correspondem aos ambientes antigos em que ocorreu a formação das rochas. A reconstituição dos paleoambientes exige o estudo das fácies, características litológicas e paleontológicas das formações geológicas, que permitem compreender e interpretar o ambiente existente quando o estrato sedimentar se formou. No Nordeste brasileiro alguns geossítios, inclusive cadastrados na Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), são considerados patrimônio paleoambiental, como é o caso das serras do Tombador (Pedreira & Rocha 2002) e do Sincorá (Pedreira 2002), ambas na Chapada Diamantina (BA), sendo a primeira um belo registro de um deserto antigo e, a segunda, exemplo de paleopláceres de diamante com beleza paisagística. Os calcários da Pedreira Poty (PE) (Albertão & Martins Jr. 2009) mostram evidências de um evento catastrófico no primeiro registro do limite K-T descrito na América do Sul, enquanto na região de Brejo do Piauí (PI) são descritos pavimentos estriados (Caputo & Ponciano 2010), registrando geleiras continentais com cerca de 360 milhões de anos (Figuras 17 e 18). Figura 18 – Exemplo de patrimônio paleoambiental no Nordeste. Pavimentos estriados na região de Brejo do Piauí (PI) evidenciando antiga geleira. 3.5. PATRIMÔNIO TECTÔNICO Esse tipo de patrimônio está ligado a qualquer processo geológico em que se tem movimentação ou deslocamento de massas rochosas, construindo ou reorganizando a estrutura terrestre devido a tensões crustais, por exemplo, orogênese, epirogênese, falhamentos, diapirismo, etc. Assim, feições estruturais ímpares impressas sobre as rochas podem ser identificadas como patrimônio, a exemplo das importantes deformações tectônicas cenozóicas observadas em rochas sedimentares da Formação Barreiras nas falésias na Praia de Ponta Grossa (CE) (Sousa et al. 2009), já cadastrada na lista da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), bem como a Falha Geológica de Salvador (BA), esta caracterizando o desnível existente entra a Cidade Alta e a Cidade Baixa da capital da Bahia. Olhando em direção ao Elevador Lacerda, observa-se 110 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 ao fundo um paredão de rocha. Essa escarpa que une a Cidade Alta e a Cidade Baixa - incluindo toda a faixa esverdeada pela vegetação - define o Plano da Falha Geológica de Salvador (Figuras 19 e 20). nordeste chegou-se a 164 geossítios identificados, embora vários ainda não possuam a respectiva descrição e, inclusive, em alguns casos as coordenadas não estejam disponíveis (Figura 21). Para tal levantamento lançou-se mão de fontes bibliográficas (Figura 22), descritas abaixo: ? 19 geossítios - Schobbenhaus et al 2002; ? 08 geossítios - Winge et al 2009; ? 03 geossítios - Wing et al (no prelo); ? 14 geossítios - Já aprovados pela SIGEP; ? 47 geossítios - Cadastrados no aplicativo GEOSSIT desenvolvido pela CPRM; ? 25 geossítios Dsiponibilidados na Tese de Doutorado de Pereira (2010); Figura 19 – Exemplo de patrimônio tectônico no Nordeste. Falésias na Praia de Ponta Grossa (CE). Figura 20 – Exemplo de patrimônio tectônico no Nordeste. Escarpa de Falha na cidade de Salvador (BA). ? 48 geossítios - Schobbenhaus & Silva 2012. Figura 21 – Total de geossítios identificados na região nordeste (dados de Abril de 2013). 4. ESTÁGIO ATUAL DE IDENTIFICAÇÃO DE GEOSSÍTIOS NO NORDESTE A região nordeste do Brasil possui uma grande diversificação litológica, com ampla distribuição ao longo da escala de tempo geológico. Este fato implica em uma responsabilidade da comunidade local com a preservação dos geossítios que constituem patrimônio geológico desta região. Essa responsabilidade deve ser compartilhada pelos geólogos e demais profissionais que atuam na área, entidades de classe, órgãos públicos e empresas particulares, além das universidades. Neste sentido, o passo inicial seria decidir o que deve ser protegido. Essa decisão exige a realização de um inventário amplo (estadual, por exemplo) sistemático de geossítios, que poderia ser desenvolvido tendo como base as unidade litológicas, na escala 1:250.000, que constam do GEOBANK (Banco de Dados) da CPRM. Em um levantamento realizado para a região Figura 22 – Fontes consultadas para identificação dos geossítios na região nordeste. 111 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 A análise por estados mostra a Bahia com o maior número de geossítios identificados (Figuras 23 e 24). No outro extremo está o estado de Alagoas, com um geossítio identificado. Esta situação decorre, provavelmente, no primeiro caso da presença de universidade, unidade regional da CPRM, órgão estadual com atuação no setor mineral ou tradição de pesquisa em algum campo da geologia, a exemplo da paleontologia. E, no segundo caso do fato de não existir um curso de geologia no estado, nem a presença de uma Superintendência ou Núcleo da CPRM em Maceió. De uma maneira geral o atual cenário de identificação de geossítios reflete também a ação individual de alguns pesquisadores, bem como o fato de que algumas instituições já se mostram receptivas ao assunto. Figura 23 – Distribuição da quantidade de geossítios por estados no nordeste. Figura 24 – Distribuição dos geossítios por estados no nordeste. 112 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 Os geossítios identificados estão distribuídos em 14 categorias temáticas, com destaque para a sedimentologia, paleontologia e geomorfologia (Figura 25). Figura 25 – Classificação temática para os geossítios encontrados no nordeste. O cenário atual relativo ao número de geossítios, distribuição por estados e número de classes temáticas, deverá ter alterações profundas, na medida em que sejam implementados os cadastramentos estaduais. Esse cadastramento pode ser conduzido pelos estados, de acordo com uma sistemática a ser estabelecida, ou mesmo venha ser realizado pela CPRM. Neste último caso teríamos 3 cenários distintos (Tabela 1): Projetos Características do Geossítio Vantagens Desvantagens Em desenvolvimento Ao final dos trabalhos o chefe do projeto indica os geossítios. Baixo custo. Respostas a curto e/ou médio prazo. -------------------------------- O geólogo que foi o chefe do projeto indica os geossítios. Baixo custo. Respostas a curto e/ou médio prazo. A equipe do projeto pode não mais pertencer aos quadros da empresa. Ao final dos trabalhos o chefe do projeto indica os geossítios. Respostas a médio/longo prazo. Não é possível prever a data de conclusão do projeto. Concluído A ser iniciado Tabela 1 – Sistemática envolvida no cadastramento de geossítios. 113 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 Em face do tamanho e do grau de dificuldade da tarefa, seguramente a CPRM deverá buscar parceiras, preferencialmente com as universidades, que inclusive já desenvolvem o cadastro em alguns estados do Nordeste. 5. PATRIMÔNIO MINEIRO A mineração apresenta um potencial enorme na divulgação dos elementos da geodiversidade. Essa atividade já é bastante difundida em outros países e, no Nordeste, tem forte potencial ainda a ser explorado. A Mina Brejuí (Currais Novos – RN), localizada a cerca de 180 km de Natal (RN), na região do Seridó Potiguar, é um exemplo de sucesso no que se refere à adaptação de uma mina para desenvolvimento de atividade geoturística. Ela foi uma das maiores produtoras de scheelita (minério rico em tungstênio) da América do Sul, com sua exploração iniciada em 1943 e tendo seu apogeu durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1996, essa mina teve suas atividades paralisadas, retornando a elas no ano de 2005. No entanto, já a partir de 2000, as atividades voltadas ao turismo começaram a ser implantadas. Hoje, a mina Brejuí é considerada o maior parque temático do Rio Grande do Norte, sendo visitada diariamente por turistas e estudantes oriundos de todas as regiões do Brasil e do exterior, contabilizando-se mais de 30.000 turistas em visita à mina. Os turistas e estudantes podem desfrutar das riquezas históricas e culturais da mina por meio da visitação aos túneis e galerias, dunas de rejeito, museu mineral e outras atrações (Figura 26 a 29). Figura 26 – Exemplo do patrimônio mineiro encontrado na Mina Brejuí (Currais Novos, RN). Entrada com Parque Temático. Figura 27 – Exemplo do patrimônio mineiro encontrado na Mina Brejuí (Currais Novos, RN). Entrada do túnel preparado para visitação (Galeria Fernando, nível 3378). Figura 28 – Exemplo do patrimônio mineiro encontrado na Mina Brejuí (Currais Novos, RN). Bica e vagonete utilizados para descida e retirada do minério. Figura 29 – Exemplo do patrimônio mineiro encontrado na Mina Brejuí (Currais Novos, RN). Um dos salões visitados dentro da Mina Brejuí. 114 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 Outra estratégia importante é criar roteiros que integrem minas e garimpos, assim valorizando e preservando esse rico patrimônio mineiro. Um exemplo desse tipo de roteiro foi publicado por Liccardo & Nascimento (2008) sendo definido como “Roteiro de Turismo Mineral no Nordeste” (Figuras 30 a 32). Neste, o passado e o presente registram a história, a identidade e a cultura da região associada aos diferentes recursos minerais encontrados em minas e garimpos. O conhecimento geocientífico disponibilizado neste roteiro valoriza o patrimônio geológico-mineiro, tornando-o acessível às comunidades locais e aos visitantes. Esse roteiro é apresentado em consonância com atrativos turísticos tradicionais, unindo quatro estados do Nordeste e dois pólos de entrada do turismo internacional (Natal/RN e Fortaleza/CE). Integra ainda produção com potenciais consumidores. O trajeto proposto parte de Natal/RN e termina em Fortaleza/CE, mas pode ser utilizado em ambos os sentidos. Ao longo desta rota são considerados os principais pólos com as seguintes localidades: Natal/RN; Lajes Pintadas/RN com produção de água-marinha e esmeralda, além de minerais de coleção ligados aos pegmatitos e pedrasabão; Currais Novos/RN com a famosa Mina Brejuí (scheelita), já transformada em atração turística, e um núcleo de artesanato mineral e lapidação; Carnaúba dos Dantas/RN com quartzo rosa, espessartita e berilo; Parelhas/RN com turmalinas verdes, azuis e vermelhas, água-marinha, heliodoro e outros; Equador/RN com raríssimos euclásios azuis; Junco do Seridó/PB com a única produção mundial de turmalina-da-Paraíba, material que alcança preços de até 100 mil dólares por grama e uma profusão de rochas ornamentais; Campina Grande/PB com o Centro Gemológico do Nordeste; Souza/PB, importante sítio paleontológico/arqueológico dentro do trajeto, com as pegadas de dinossauros; Tenente Ananias/RN com água-marinha e esmeralda; Solonópole/CE com turmalina e água-marinha; Quixeramobim/CE que produz berilo em seu entorno e é um pólo de desenvolvimento de joalheria e aproveitamento de materiais; Pedro II/PI com a segunda maior produção mundial de opala nobre, associada à Bacia Sedimentar do Parnaíba, e um forte núcleo de artesanato mineral e joalheria; Buriti dos Montes/PI que apresenta produção inicial de opala-de-fogo, também ligada às rochas sedimentares. Este roteiro apresenta uma série de atrativos geoturísticos ligados à paisagem do sertão, propondo uma verdadeira interação do intenso turismo que acontece no litoral com o interior destes estados. Figura 30 – Uso de minas e garimpos em roteiro de turismo mineral. Mapa do Roteiro de Turismo Mineral no Nordeste. 115 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 recursos bióticos) até as grandes minas, que são uma forma elaborada de coleta (extração). Pode se observar desde a pré-história exemplos desta dependência em três linhas básicas que conduzem ao avanço cultural e tecnológico: 1. Os registros do homem feito em pedras e com insumos minerais, evoluindo para as tintas, o uso do grafite e o laser. 2. As habitações que inicialmente usam a própria paisagem em forma de grutas, lapas e cavernas, seguida da moldagem de barro em varas, evoluindo até o vidro e as ligas metálicas. Figura 31 – Uso de minas e garimpos em roteiro de turismo mineral. Fluorescência em scheelita da Mina Brejuí (RN). Figura 32 – Uso de minas e garimpos em roteiro de turismo mineral. Opala nobre produzida em Pedro II (PI). 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Há poucos anos as pesquisas em geologia, que eram voltadas quase exclusivamente para a prospecção mineral, incorporaram a discussão do meio ambiente ao ensino e à pesquisa, sintonizando rapidamente com as exigências de uma conscientização mundial sobre as relações do homem com seu habitat. As inúmeras linhas de pesquisa, teses e publicações que surgiram deram novo corpo ao estudo da geologia, inclusive aprimorando e adaptando a extração mineral para minimização de impactos. A dependência do homem com relação a extração/uso mineral evoluiu da coleta (como os 3. A saúde e a guerra, que se confundem e se complementam, indo do bastão as pontas de flechas e facas de pedra, da pólvora e das armas de metal e ogivas nucleares as agulhas e bisturis a laser e equipamentos de radioterapias. Algo semelhante acontece hoje quanto à inclusão da geodiversidade na ampla compreensão ambiental. Encarar certos aspectos da geodiversidade como algo valioso – Patrimônio no seu sentido mais nobre – traz à tona uma mudança de paradigma, uma nova conscientização do profissional em geociências. Incluir o meio abiótico e fazer com que a sociedade compreenda o estreito vínculo da biodiversidade com a geodiversidade são hoje necessidades prementes. A visão segmentada do meio ambiente dos anos passados não serve mais num mundo globalizado de hoje, que acompanha os processos naturais de transformação do planeta – terremotos, tsunamis, furacões, vulcões - em tempo real. Assim, conhecer essa parte do patrimônio natural, relacionado ao meio abiótico é de suma importância e o nordeste brasileiro tem uma diversidade geológica ímpar e que faz parte do patrimônio geológico nacional. Percebe-se, por fim, que a região nordeste do Brasil, em termos de minerais, rochas, fósseis, paisagens (relevo) e outros elementos da geodiversidade, apresenta exemplos dos mais didáticos e completos, indo desde rochas antigas do embasamento cristalino (> 3 bilhões de anos) até as coberturas de dunas (< 5 mil anos) e sedimentos recentes em seus leitos de rios, lagos e lagunas. Muitos desses exemplos constituem potenciais monumentos, que vêm atualmente despertando, além do interesse científico-didático, também interesses turístico, histórico e cultural. Tão importante quanto, é o potencial nordestino em termos de patrimônio mineiro. 116 Nascimento/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 103-119 Referencias ALBERTÃO G.A., MARTINS JR. P.P. 2009. Estratos calcários da Pedreira Poty (Paulista), PE: evidências de evento catastrófico no primeiro registro do limite K-T descrito na América do Sul. 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Brasília: DNPM/CPRM – Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), v. 2, p. 465-478. Manuscrito ID 31446 Submetido em abril de 2013 Aceito em julho de 2013 119 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 137 - 155 Conservação e restauro do patrimônio geológico e sua relevância para a geoconservação Conservation and restoration of geological heritage and its relevance to geoconservation KÁTIA LEITE MANSUR, LUIZA CORRAL MARTINS DE OLIVEIRA PONCIANO, ALINE ROCHA DE SOUZA FERREIRA DE CASTRO, ISMAR DE SOUZA CARVALHO Universidade Federal do Rio de Janeiro - [email protected] - [email protected] - [email protected] [email protected] Resumo O desenvolvimento e adaptação de metodologias e diretrizes específicas para a conservação e o restauro do patrimônio geológico in situ e ex situ são temas relevantes para as ações voltadas para a Geoconservação. A fim de contribuir para o desenvolvimento desta área, foram analisadas intervenções em monumentos e geossítios brasileiros e internacionais, visando sua preservação frente às ameaças naturais ou antrópicas. Algumas medidas de conservação e restauro podem deteriorar o valor científico, didático e estético dos geossítios, quando não é realizado um planejamento adequado e análise crítica prévia. São sugeridas algumas ações práticas para o controle da erosão e outros efeitos do intemperismo, o restauro de geossítios danificados por vandalismo e a realização de projetos de educação patrimonial, incluindo a participação de profissionais de diversas áreas para consolidar novos métodos de preservação do patrimônio geológico. Palavras-chave: Geoconservação, Restauro, Educação Patrimonial, Patrimônio Geológico. Abstract This paper aims to highlight the necessity to develop and adapt methodologies and guidelines to conservation and restoration of the in situ and ex situ geological heritage. At the moment, these issues have been superficially discussed in the available literature on Geoconservation in Brazil. The interventions in national and international monuments and geosites were analyzed in form to contribute to their preservation against natural and anthropogenic threats. Some conservation and restoration technics can damage the aesthetic, scientific and didactic value of the geosites, if the responsible for its protection doesn´t make planning and critical analysis of the interventions. It is suggested practical actions to erosion control and other weathering effects, to the restoration of geosites damaged by vandalism and to the implementation of projects of heritage education. It is important too, the participation of professionals of several knowledge areas to consolidate news approaches to the preservation of geological heritage. Key words: Geoconservation, Restoration, Heritage Education, Geoheritage. 1. INTRODUÇÃO Com base na análise das várias formas de proteção do patrimônio cultural, Flores (2005) define Preservação como todas as ações que beneficiam a manutenção do bem cultural, incorporando, inclusive, a legislação. Conservação é o conjunto de medidas destinado a conter as deteriorações de um objeto ou resguardá-lo de danos. Restauração é o trabalho de recuperação feito em construção ou em objeto parcialmente destruído ou é a intervenção que se realiza num objeto com a finalidade de recompô-lo. Para Flores (2011) a conservação visa interromper os processos de deterioração, conferindo estabilidade à obra, enquanto a restauração atua sobre um objeto para não apenas conferir-lhe estabilidade, mas recuperar, ao máximo possível, as informações nele contidas. Todas estas definições foram apropriadas de análises sobre os bens culturais e conclui-se que a preservação envolve a conservação (prevenção ou manutenção) e a restauração (recuperação) (Mansur 2011). A compreensão destes conceitos pode variar de acordo com a área em que são utilizados. Para o patrimônio geológico, no entanto, parecem perfeitamente aplicáveis. Destaca-se que o patrimônio paleontológico está incluso nesta análise. O patrimônio cultural conta com a preocupação sistemática para sua proteção desde a Revolução Francesa, com a tomada de consciência após a destruição de bens artístico- culturais e a decisão de restaurá-los, além da expropriação dos bens do clero, dos imigrados e da monarquia, o que configura, inclusive, o valor público do patrimônio (Choay 2001). Segundo Gonçalves (2002), é a distância espacial ou temporal em relação àquilo que os bens significam que os faz desejáveis e, consequentemente, alvo das práticas de apropriação, restauração e preservação. Enquanto significantes, esses objetos são usados para significar uma realidade que jamais poderá ser trazida por eles, uma realidade que será, como todo objeto de desejo, para sempre ausente. As práticas de apropriação, restauração e preservação desses objetos 137 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 são estruturalmente articuladas por um desejo "permanente e insaciável" pela autenticidade, que é o efeito de sua própria perda. O restauro possui uma Carta Patrimonial específica (Cury 2000), a Carta de Veneza, de 1964, sobre a conservação e a restauração de monumentos e sítios, embora o tema seja tratado desde a Carta de Atenas, de 1931, que foi a primeira a ser instituída no âmbito da Sociedade das Nações, organismo internacional que antecedeu à Organização das Nações Unidas – ONU. Merece menção a Carta de Paris, de 1962, relativa à salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e sítios e também se destaca a importância do Parque Nacional de Yellowstone. Criado em 1872, nos Estados Unidos, foi o primeiro parque a ser preservado nos moldes atuais, sem a presença humana (Bensusan 2006). Para Choay (2001) a Itália foi a primeira nação a se preocupar com a conservação in situ dos seus monumentos, ainda no século XIX. No caso do patrimônio construído, antigamente os reparos eram feitos substituindo-se toda a rocha degradada por um material novo similar, o que destruía a originalidade do monumento. Há, desta forma, que se fazer uma discussão sobre os aspectos éticos e estéticos da restauração (Fernandes 2008). Serão apresentadas a seguir algumas tentativas isoladas de proteção contra as ameaças naturais e antrópicas, como a instalação de coberturas e até mesmo o soterramento dos geossítios, que podem deteriorar o valor científico, didático e estético destas localidades, quando não é realizado um planejamento adequado e análise crítica prévia. Este trabalho tem ainda como objetivo enfatizar a necessidade do desenvolvimento e adaptação de metodologias específicas para a conservação e o restauro do patrimônio geológico. Assim sendo, são sugeridas linhas de ação para o controle da erosão, restauro de geossítios danificados e projetos de educação patrimonial, incluindo a participação de profissionais de diversas áreas para consolidar novos métodos de preservação do patrimônio geológico brasileiro. Portanto, a fim de contribuir com a conservação in situ dos geossítios e com a conservação ex situ das amostras retiradas destas localidades (depositadas em coleções científicas) e de seus registros associados, optou-se por utilizar a separação proposta por Ponciano et al. (2011) de elementos in situ e ex situ do patrimônio geológico, a fim de aprofundar a discussão sobre as metodologias mais adequadas para a conservação e restauração dos elementos considerados como patrimônio em seu lugar de origem ou fora dele. O componente in situ do patrimônio geológico é claramente identificado pela maioria dos geocientistas, estando ainda em processo de reconhecimento pela sociedade em geral. De outro modo, a caracterização do componente ex situ é complexa até mesmo entre a comunidade científica, ainda estando em debate quais elementos podem ser incluídos e, mesmo, se os elementos ex situ podem ser classificados como patrimônio geológico. Segundo Ponciano et al. (2011), acompanhando o conceito de Brilha (2005), patrimônio geológico in situ corresponde ao conjunto de depósitos minerais ou fossilíferos (aflorantes ou não), paisagens e solos de uma determinada região, bem delimitados geograficamente, onde ocorrem elementos da geodiversidade com singular valor do ponto de vista científico, didático, cultural, estético, entre outros. Os mesmos autores definem patrimônio geológico ex situ como os exemplares da geodiversidade retirados do seu sítio de origem para integrarem coleções científicas de instituições de pesquisa e os registros relacionados à coleta, guarda e estudo deste material e de outros elementos da geodiversidade que apresentem conspícuo valor científico, didático, cultural, estético, histórico entre outros. Citam como exemplos: (1) as coleções científicas de rochas, minerais, fósseis e solos em museus, universidades e outros institutos de pesquisa; (2) as publicações científicas raras ou históricas (livros e artigos em periódicos); (3) os dados científicos não publicados e com valor associado a aspectos da história da ciência ou sobre descobertas científicas (monografias, dissertações, teses, cadernetas de campo, fotografias, filmes, ilustrações, mapas, perfis estratigráficos, entre outros); (4) as reproduções (réplicas, esculturas, desenhos e pinturas) de fósseis, rochas e minerais e as reconstituições anatômicas, biomecânicas, paleoambientais, paleoecológicas e paleogeográficas realizadas com técnicas, métodos e conhecimentos vigentes em época pretérita; e (5) os instrumentos científicos e laboratórios antigos utilizados no desenvolvimento de estudos geológicos, paleontológicos e em áreas relacionadas. 2. MARCO CONCEITUAL A deterioração das rochas pode ocorrer lentamente para a escala humana, entretanto alguns tipos são alterados com maior facilidade devido às suas características intrínsecas e à ação antrópica. Vandalismos e outros fatores, como a poluição atmosférica e hídrica, aceleram o processo intempérico (Reys et al. 2008). A degradação natural das rochas pode ocorrer por processos químicos e físicos, que podem ser acelerados por agentes biológicos, devido (1) às reações que se processam na superfície e nas descontinuidades das rochas, com a formação de minerais secundários; (2) aos fenômenos de expansão e contração dos minerais, provocados por variações térmicas, abalos físicos de várias origens, e por expansões decorrentes da geração de minerais secundários (hidratação de minerais argilosos expansivos, ação da tensão superficial da água no decurso de processos naturais de saturação e secagem, e ação das forças de cristalização de sais); e (3) 138 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 ao crescimento de micro-organismos e vegetais sobre as rochas, além dos detritos fecais de diversos tipos de animais, como pássaros, morcegos e roedores (AiresBarros 1991). Em cavernas, por exemplo, a simples presença de visitantes pode aumentar a umidade relativa do ambiente, o que pode danificar espeleotemas e outros elementos do geossítio. Isto, quando não são depredadas por visitantes, como vem ocorrendo desde com as cavernas mais conhecidas do país, como a Gruta de Maquiné, até outras de menores dimensões (Figuras 1 e 2). da preservação do seu valor intrínseco. Por esta razão, antes da intervenção, é necessário definir uma metodologia adequada às características de cada geossítio: documentar e registrar todas as ações realizadas durante a restauração, a metodologia, os materiais e as análises empregadas (modificado de Reys et al. 2008). Um bom exemplo a ser citado é o estudo para restauração de rochas no sítio arqueológico do Vale do Côa, em Portugal, onde ensaios e experiências foram realizados por empresas que utilizaram técnicas e abordagens diversas, com o intuito de preservar pinturas rupestres em xisto, ameaçadas por intemperismo e erosão (Fernandes 2008). No Brasil, sítios arqueológicos de alta relevância, sofrem com deterioração natural e depredação antrópica (Figura 3 a 6). Figura 1 – Espeleotemas danificados por depredação. Gruta de Maquiné, MG, uma das mais importantes e famosas do Brasil (Fotografia: Kátia Mansur, 2007). Figura 3 – Deterioração natural em sítios arqueológicos. Crescimento de líquen e vegetação sobre parte da exposição in situ do Sambaqui da Tarioba, em Rio das Ostras, RJ. Em 2012 este sítio foi fechado temporariamente à visitação para que fosse feita manutenção e higienização do afloramento (Fotografia: Kátia Mansur, 2010). Figura 2 – Espeleotemas danificados por depredação. Caverna da Pedra Santa, em Cantagalo – RJ, uma das poucas cavernas calcárias mapeadas no estado foi fechada para a visitação porque seus espeleotemas vêm sendo destruídos (Fotografia: IBAMA Nova Friburgo). Por outro lado, deve-se destacar que intervenções efetuadas com o objetivo de conservação e restauro do patrimônio não devem ultrapassar o limiar Figura 4 – Deterioração natural em sítios arqueológicos. Eflorescência salina em painel de pinturas da Serra da Capivara, Piauí (Fotografia: Ismar de Souza Carvalho, 2010). 139 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Figura 5 – Depredação em sítios arqueológicos. Pintura rupestre usada como alvo de tiros na Serra da Lua, Pará (Fotografia: Marcela Nogueira de Andrade). Figura 6 – Depredação em sítios arqueológicos. Pichação sobre pintura rupestre na Pedra do Castelo, Piauí (Fotografia:hyperlinK"http://www.restaurabr.org/siterestaura br/ARC_Vol_3/CONSERVACAODEARTERUPESTRENONORDEST EDOBRASILluiscavalcante.pdf"http://www.restaurabr.org/site restaurabr/ARC_Vol_3/CONSERVACAO%20DE%20ARTE%20R UPESTRE%20NO%20NORDESTE%20DO%20BRASIL%)uis%)20c avalcante.pdf). Os métodos hoje utilizados para restauro são cada vez mais eficientes e consideram o aspecto final do bem restaurado de formas variadas, de acordo com a abordagem teórica escolhida. Desde o século XIX, duas correntes se destacaram como tendências antagônicas no ocidente, lideradas por Viollet-le-Duc, na França, e John Ruskin, na Inglaterra. A tendência francesa é mais intervencionista e defende o retorno, o mais próximo possível, à aparência original do bem. Já a inglesa defende a postura de que as intervenções sejam realizadas apenas para a consolidação do monumento, descartando as questões estéticas (Braga 2003). A evolução desses conceitos resulta na teoria do restauro crítico criada por Cesari Brandi na década de 1930, na Itália. Brandi estabelece critérios para intervenções de restauro, onde são considerados tanto valores estéticos quanto históricos. Reintegrações são permitidas desde que preservando a autenticidade da obra. O tratamento das lacunas deve ser reconhecível quando visto de perto, buscando a unidade potencial da obra. Dois princípios básicos foram estabelecidos: o de utilização de materiais reversíveis e o da mínima intervenção. Quando não é possível o uso de materiais reversíveis, deve-se procurar por aqueles que aceitem novos tratamentos, o que foi denominado como terceiro princípio, o da compatibilidade (Brandi 2000). A princípio, pode-se analisar o conceito de patrimônio por sua origem etimológica, como sendo algo de valor que é passado ou herdado por uma nova geração (Gonçalves 2002; Assunção 2003). Na atualidade, segundo Grunberg (2000), o significado permanece, e pode ser também atribuído a um bem cultural, ou seja, àquilo através do qual se pode compreender e identificar uma determinada cultura, situado em um determinado local e tempo. Um bem cultural ou um patrimônio constituem uma evidência concreta de experiência do passado. Se isso não ocorrer, não há sentido na sua preservação (Grunberg 2000). O próprio conceito de Patrimônio remete à ideia de valor, o que nos permite lembrar o seu caráter de signo. É uma poderosa construção sígnica, constituída e instituída a partir de percepções identitárias e integralmente vinculada ao sentimento de pertença, a partir do qual se reflete em todos os jogos da memória e se expressa em todas as representações sociais. Em outras palavras, expressa as relações que cada grupo social estabelece com a natureza ou com sua produção cultural, estando diretamente influenciado pelas maneiras sob as quais cada sociedade compreende Natureza e Cultura (Scheiner 2006). Um patrimônio pode ser dividido em bens tangíveis e intangíveis. O primeiro reúne qualquer evidência material, como construções e documentos. O segundo corresponde aos elementos que não se materializam, ocorrem em um determinado tempo, mas não se perpetuam, como o modo de fazer, as danças, as receitas culinárias, entre outros. Estes se preservam 140 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 através da tradição e da sua prática (Grunberg 2000). No que tange ao patrimônio geológico, pode-se encontrar estas duas formas. As técnicas de coleta, preparação, métodos de lavra e outros modos de fazer são partes do patrimônio intangível, enquanto que os afloramentos, paisagens e amostras, por exemplo, são tangíveis. Para Fonseca (2005), o patrimônio situa-se entre dois pontos, o primeiro correspondente às identidades coletivas, envolvendo questões como memória e tradição, e o segundo envolvendo a sua utilização como meio de legitimar a ideia de nação. Em ambos os casos, o que muda é o valor simbólico atribuído ao bem cultural. Ressalta-se que há o entendimento que os bens naturais podem ser compreendidos como culturais, uma vez que estão diretamente associados às apropriações e atribuições de valor, produtos da ação humana. Um objeto, uma paisagem, uma área, um documento, ou até uma dança ou procissão, enquanto estão apenas com a sua atribuição de funcionalidade, não são patrimônio. A diferença está na interpretação que autoridades legítimas realizam ao atribuir um valor simbólico de excepcionalidade perante os demais (Lima 1997). A reinterpretação que se faz do produto cultural ao qualificá-lo na categoria de bem cultural é uma atribuição de valor, um juízo elaborado pelo campo cultural que o consigna como elemento possuidor de caráter diferencial, que o distingue, tornando-o especial e em posição de destaque perante os demais objetos da natureza (Lima 1999). De modo diverso do patrimônio construído, as metodologias de conservação e restauração do patrimônio geológico são tratadas de modo disperso e superficial na literatura. A maioria dos trabalhos existentes aborda outras etapas das medidas necessárias para a promoção da geoconservação, conforme indicado por Brilha (2005). de desenvolvimento sustentável no local na forma de projetos de geoturismo e educação patrimonial. Contudo, a continuidade das pesquisas científicas pode ser afetada dependendo do tipo de estratégia de conservação aplicada ao patrimônio in situ. Se o tombamento for escolhido para um determinado geossítio, as pesquisas que dependem de coleta de material poderiam de ser interrompidas, por exemplo, se isto não estiver previsto no ato normativo do tombamento. Caso o sítio possua elementos muito frágeis e mesmo assim seja divulgado para receber turistas antes da instalação de estruturas de proteção, o patrimônio pode acabar sendo rapidamente depredado (Ponciano et al. 2011; Souza et al. 2007). Para que a conservação do patrimônio in situ seja efetiva é necessária uma estrutura de fiscalização eficiente e a integração com outras políticas de conservação, a fim de evitar vandalismos ou furtos nos geossítios. Estes atos geralmente estão relacionados com a ação de “paleo-piratas” ou “geovândalos”, grupos que além de furtarem fósseis também destroem afloramentos e seu entorno (Fedonkin et al. 2009). Porém, alguns geocientistas (formados ou em formação) também são responsáveis por diversos tipos de depredação, seja por ignorância ou omissão. Marcações de símbolos e números feitas em tinta permanente, por exemplo, não deixam de ser pichações só porque foram feitas por pesquisadores. Afloramentos históricos e muito utilizados para fins científicos, didáticos e turísticos deveriam ter ao menos suas partes principais conservadas do melhor modo possível. 3. CONSERVAÇÃO DE SÍTIOS GEOLÓGICOS E PALEONTOLÓGICOS IN SITU A geoconservação, ou conservação do patrimônio geológico, pressupõe a adoção de medidas como inventário, quantificação, proteção legal, divulgação, conservação e monitoramento de geossítios (Brilha 2005). Existem diversas publicações tratando de algumas destas medidas. No entanto, pouco material encontra-se disponível sobre a conservação in situ do patrimônio geológico na forma de geossítios ameaçados pela ação antrópica ou natural. A conservação de ao menos uma parte do patrimônio geológico in situ poderia ser viabilizada adaptando-se a metodologia da Arqueologia de manutenção de blocos testemunhos (Delphim 2004), assegurando assim que ao menos uma parte dos sítios seja preservada para pesquisas futuras. Além da questão científica, a conservação do patrimônio geológico in situ também é relevante pela manutenção da potencialidade Figura 7 – Amostra coletada na pista de pegadas de dinossauros em Sousa, Paraíba, danificou a integridade do geossítio. 141 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Figura 8 – Afloramento de diamictito da Formação Bebedouro, na Chapada Diamantina, onde a extração de amostras do clasto de gnaisse causou danos ao afloramento (Fonte: Mansur, 2009). Devido à maior exposição ao intemperismo, o patrimônio geológico in situ deve ser constantemente monitorado, pois, mesmo em locais com baixo impacto antrópico, os processos naturais também causam a destruição de exemplares da geodiversidade ou inviabilizam o acesso aos afloramentos. Um exemplo de conservação in situ integrada com o componente ex situ é o do Museu “Phu Kum Khao Dinosaur Site”, na Tailândia (Boonchai et al. 2009) e Geoparque Lesvos, na Grécia. No Brasil, alguns exemplos de conservação in situ combinada com musealização de sítios arqueológicos também são conhecidos, como sambaquis no Rio de Janeiro e petroglifos em Santa Catarina (Figuras 9 a 14). Assim, com o objetivo de reduzir os efeitos da exposição contínua às alterações naturais, diversos tipos de estruturas de proteção são construídos, como coberturas para sombreamento ou isolamento do material, andaimes para controlar e facilitar o acesso dos visitantes e barreiras para escoramento ou desvio de águas superficiais. Contudo, estas interferências podem ser exageradas ou equivocadas, ocasionando até mesmo o desinteresse dos visitantes pelos geossítios. A instalação de estruturas deve ser bem planejada, de preferência por uma equipe multidisciplinar, com base em uma ampla análise das características dos geossítios e do clima local, para orientar a escolha dos melhores tipos de materiais e metodologias. A implantação de barreiras físicas, como coberturas, muros, grades e cercas, também pode ser empregada para impedir a aproximação dos visitantes de elementos mais vulneráveis, porém não pode obstruir a visualização dos objetos de interesse (Mansur & Nascimento 2007; Ponciano et al. 2011). Figura 9 – Exemplo da união dos dois modos de conservação. Museu “Phu Kum Khao Dinosaur Site” construído ao redor de um geossítios com os fósseis in situ, na Tailândia (extraída de Boonchai et al. 2009). O clima úmido local é um sério problema para a conservação do afloramento e, em 1999, um prédio permanente foi construído cobrindo o afloramento. Figura 10 – Afloramento do Geoparque de Lesvos (Grécia), onde uma estrutura foi construída para proteger in situ os troncos fossilizados. O resultado estético desta intervenção é inadequado (fotografia extraída de apresentação de José Brilha). Figura 11 – Musealização in situ no Sambaqui da Tarioba, em Rio das Ostras, RJ (Fotografia: Kátia Mansur, 2010). 142 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Figura 12 – Musealização in situ no Sambaqui da Beirada, em Saquarema, RJ (Fotografia: Felipe Medeiros, 2006). Talvez por falta de tradição na área de conservação e restauro de sítios geológicos in situ, observa-se que, na tentativa de conservar um geossítio, às vezes são utilizados métodos que podem colocá-lo em maior risco ou comprometer seu caráter estético. A Figuras 15 a 19 ilustram alguns sítios geológicos, paleontológicos e arqueológicos ameaçados por ação natural ou antrópica que sofreram intervenções com objetivo de conservação e restauração. Um caso exemplar para a discussão de conservação in situ no Brasil é o dos pavimentos com pegadas de dinossauro em Sousa, na Paraíba, conhecido como o Vale dos Dinossauros. A erosão fluvial, o intemperismo e as inundações vêm colocando em risco este que é um dos sítios paleontológicos e arqueológicos (representados pelos petroglifos associados aos icnofósseis) mais importantes do Brasil. Figura 13 – Estrutura construída para proteção dos petroglifos no Costão do Santinho, Florianópolis, SC. Fotografia: http://trilhasemfronteiras.blogspot.com.br/2009/06/sitioarqueologico-no-costao-do.html. Figura 15 – Sítio de Laetoli, na Tanzânia: são as mais antigas pegadas de humanoides (3,7 milhões de anos), impressas sobre cinza vulcânica. O geossítio foi recoberto por solo para impedir a erosão e destruição antrópica. Posteriormente, sementes presentes no solo utilizado neste processo brotaram e colocaram a área em risco de destruição ainda maior. Discutese, inclusive, a retirada das placas com as pegadas para sua realocação em um museu (Fotografia: http://www.africanarchaeology.net/news/news.html). Vista do sítio recoberto por rochas em 2011. Importante ressaltar a ineficiência do uso turístico, didático ou científico do sítio enquanto permanecer esta condição, mas a sua integridade deve vir em primeiro lugar. Figura 14 – Costão do Santinho, Florianópolis: petroglifo sofrendo intemperismo que produz esfoliação na rocha ( I C O M O S , 2 0 0 8 ) . F o t o g r a f i a : http://trilhasemfronteiras.blogspot.com.br/2009/06/sitioarqueologico-no-costao-do.html. 143 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Figura 20 – Destruição de afloramento fossilífero da Formação Pimenteira, na entrada da cidade de Picos (PI). Toda a área plana da fotografia era a continuação do morro visto ao fundo. Este afloramento, rico em icnofósseis e concreções fossilíferas, foi removido entre 2009 e 2011 para aterrar o buritizal da figura 21, visando a construção de um estacionamento (Fotografias: Luiza Ponciano, 2012). Figura 18 – Sousa, PB: erosão fluvial no pavimento que contém as pegadas de dinossauros (Fotografia: Ismar Carvalho, 2010). Figura 16 – Espanha: afloramento de depósito glacial com dropstones, no Parque Alto Tajo, protegido com grades para evitar geovandalismo. Infelizmente as grades também causam um efeito secundário negativo junto aos visitantes (Fotografia: Luis Carcavilla). Figura 19 – Rio Piranhas, Parque Vale dos Dinossauros, Sousa, Paraíba - Foi construído um muro que, infelizmente, não consegue deter as águas durante o período chuvoso (Fotografia: Aline Castro, 2012). Figura 17 – Volta Redonda, RJ: construção de praça na tentativa de conter a erosão em afloramento de depósitos sedimentares com evidências de neotectônica, onde se conseguiu evitar o revestimento do afloramento por grama após explicar a importância didática do local para os moradores (Fotografia: Luiza Ponciano, 2007). Por vezes é o crescimento das cidades que provoca a destruição de geossítios. Este é o caso da cidade de Picos (Piauí), onde os afloramentos fossilíferos são sistematicamente removidos para serem utilizados em aterros de rios e áreas alagáveis (como os buritizais) visando à construção de casas no centro da cidade. Os afloramentos que ainda resistem e são acessíveis não recebem qualquer tipo de proteção ou indicação de existência. Algumas localidades fossilíferas citadas na literatura já não podem mais ser encontradas, pois os pontos de referência utilizados desapareceram (Souza 2006; Ponciano et al. 2010, 2012). 144 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Araripe, através da criação do Geossítio Pedra Cariri, num trecho de uma pedreira abandonada. Neste geossítio é possível obter informações sobre a geologia e os fósseis encontrados ali, assim como o seu processo de extração. No entanto, este exemplo também demonstra que ainda é necessária uma maior discussão sobre a musealização de geossítios, principalmente quando os fósseis não estão expostos. Figura 21 – Buritizal em Picos (PI), citado na figura 20 (Fotografia: Luiza Ponciano, 2012). Ta i s p ro b l e m a s s ã o a g rava d o s p e l o desconhecimento da importância destes geossítios pela população do entorno, que ainda necessita ser apresentada e conscientizada sobre o significado dos fósseis que podem ser encontrados nos quintais de suas casas em Picos. A retirada dos fósseis sem a preocupação com a educação e conscientização da comunidade gera ameaças ao patrimônio geológico, pois quando os pesquisadores saem dos sítios os moradores podem acabar depredando o local na busca por materiais de valor econômico. Cita-se o exemplo dos clastos facetados incrustados em pavimentos estriados no sul do Piauí (Caputo & Ponciano 2010) que foram parcialmente arrancados pela população local após verem pesquisadores fotografando e tomando medidas na localidade. A falta de comunicação com os moradores pode chegar a originar conflitos, e a comunidade pode tentar impedir o acesso dos pesquisadores aos afloramentos. Situação similar ocorre com os afloramentos do Membro Crato, da Formação Santana da Bacia do Araripe, entre os municípios de Santana do Cariri e Nova Olinda, Ceará. A maior parte dos geossítios são pedreiras em atividade, onde a extração do calcário laminado não é legalizada (Figuras 22 e 23). Estas pedreiras representam uma das poucas oportunidades de emprego nesta região, porém provocam impactos ambientais relevantes como remoção da cobertura de solo, retirada da mata úmida, destruição dos corpos hídricos e disposição inadequada de rejeitos. Os fósseis encontrados nestes afloramentos possuem inegável valor científico, tanto pela diversidade de organismos, quanto pela qualidade da preservação que apresentam. Nesta conjuntura, a grande dificuldade que envolve a conservação do geossítios da região é conseguir conciliar os interesses econômicos, científicos e sociais. As iniciativas de educação não formal podem ser uma boa opção. Nas Figuras 24 e 25 podemos verificar um projeto de divulgação e educação realizado pelo Geoparque Figura 22 – Bacia do Araripe: Mina Pedra Branca, onde as lajes de calcário laminado (ou pedra cariri) são extraídas. Através desta atividade, fósseis são encontrados diariamente. (Fotografia: Aline Castro, 2012). Figura 23 – Bacia do Araripe: trabalhador manejando as lajes. Esta atividade apresenta-se como alternativa de emprego e movimenta a economia da região (Fotografia: Aline Castro, 2012). 145 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Figura 24 – Geoparque Araripe: geossítio Pedra Cariri, com destaque para os painéis interpretativos. (Fotografia: Aline Figura 25 – Bacia do Araripe: alunos da rede pública que fazem parte do Programa Jovens Talentos, coordenado pelo Geopark Araripe. O programa consiste na conscientização dos trabalhadores das pedreiras e no recolhimento de fósseis doados para o Museu de Paleontologia de Santana do Cariri (Fotografia: Aline Castro, 2012). 4. CONSERVAÇÃO DOS ELEMENTOS EX SITU DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO O patrimônio geológico ex situ, sob a forma de coleções científicas, é resultado da coleta dos fósseis em locais com risco de degradação, incorporando-os a um ambiente controlado. Idealmente, diversos fatores como a umidade, temperatura, sujidades e acesso de pessoal teriam de ser constantemente monitorados. Este ambiente representa uma área de segurança, onde o acervo é registrado, documentado, sofre intervenções (quando necessário) e é acondicionado em mobiliário adequado (Ponciano et al. 2011, Souza et al. 2007). Além da guarda das cadernetas de campo, as informações mais relevantes sobre a coleta do material também devem ser registradas em fichas catalográficas, no período mais breve possível após o recebimento das amostras e de preferência com a participação dos próprios coletores. O controle terminológico de tais fichas deve ser padronizado, pois auxiliará na posterior recuperação da informação. Ao serem inseridos no acervo, os fósseis, rochas e outros elementos da geodiversidade devem ser acondicionados e documentados corretamente por profissionais experientes contratados especialmente para este fim, os curadores. Estes são responsáveis pela conservação, guarda, manutenção, seleção de acervo e dos sistemas de documentação da coleção. Os sistemas de documentação são tão importantes quanto os próprios acervos, pois neles está registrada a memória de cada exemplar. Por isso, o correto acondicionamento da documentação, bem como sua automação e disponibilização do banco de dados via Internet são medidas de segurança consideradas essenciais (Souza et al. 2007). Ainda referente à importância da documentação, destaca-se o trabalho do Comitê de Documentação do Conselho Internacional de Museus (ICOM), o CIDOC. O Comitê recomenda algumas diretrizes para museus ou instituições de pesquisa que queiram realizar um tratamento museológico sobre o seu acervo. As diretrizes são extensas e, por isso, serão destacadas apenas aquelas consideradas mais importantes pelas autoras. Todas as demais informações podem ser consultadas no sítio do CIDOC (http://icom.museum/the-committees/). A documentação do acervo sempre deve ser a mais completa possível e a ficha catalográfica deve conter inúmeros campos, mesmo que nem sempre estes sejam preenchidos. Estas fichas devem conter informações que conectam a ficha ao objeto, ou seja, o registro de uma numeração que remeta ao local onde o acervo está depositado (gaveta ou armário) e ao próprio acervo (lastro). Outras informações, além das classificações taxonômicas e litoestratigráficas usuais em acervos geopaleontológicos, devem integrar a ficha. Esses campos devem remeter (1) à forma de aquisição do acervo e nomes dos coletores; (2) à integridade do objeto (conservação), (3) ao número e se possível identificação dos espécimes da amostra; (4) às suas medidas e outras características, com descrição por escrito; (5) à instituição de guarda e informações dos curadores, entre muitos outros. Informações que registram a memória do acervo (como fotografias do objeto e do local de proveniência, mapas de localização e as cadernetas com as informações dos trabalhos de campo) também são muito importantes, sendo raras as instituições que efetuam tal registro. Também integram a memória do objeto os dados de empréstimo, participações em exposições, figuração em artigos, os números de tombo recebidos anteriormente (como os do livro de entrada ou de outras coleções), entre outras possibilidades. O processo de musealização e patrimonialização adotado para os fósseis, rochas e 146 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 minerais também pode ser utilizado, com algumas adaptações, para a guarda de suas reproduções e informações relacionadas. Aconselha-se inclusive a inserção de réplicas, esculturas, desenhos, pinturas e instrumentos antigos nas coleções dos museus, universidades e outros institutos de pesquisa brasileiros, desde que (re)significados como patrimônio. A conservação das publicações científicas raras e/ou históricas e dos dados científicos não publicados possibilita a recuperação de valiosas informações sobre sítios que já foram destruídos pelo crescimento das cidades ou exploração comercial. A digitalização dos acervos pelas bibliotecas tem sido importante aliado nesta tarefa. Numa outra vertente, a conservação das cadernetas de campo, além do valor histórico, também auxilia na reconstituição do contexto geológico de amostras depositadas em museus e universidades, que, posteriormente, podem vir a ser estudadas por pesquisadores que não acompanharam o processo original de coleta e mapeamento. Um bom exemplo de patrimônio geológico ex situ são as cartas, mapas, cadernetas de campo e Fotografias do paleontólogo Kenneth Edward Caster, da Universidade de Cincinnati (Ohio, EUA), que realizou diversos trabalhos de campo no Brasil na década de 1940 (Ponciano 2013). Estes documentos representam um importante registro dos primórdios da paleontologia e geologia no Brasil. As cadernetas de campo de K.E. Caster já possibilitaram, em agosto de 2012, a descoberta de horizontes com concreções ferruginosas in situ da Formação Pimenteira na cidade de Picos. Infelizmente, o principal ponto de coleta de concreções fossilíferas de K.E. Caster é um morro localizado no centro de Picos, hoje em dia completamente ocupado por construções. Como este afloramento não é mais acessível para coleta de material e novas pesquisas (Figura 26), as informações sobre esta localidade só podem ser recuperadas a partir destas antigas cadernetas de campo, o que destaca a importância da conservação dos elementos ex situ do patrimônio geológico (Ponciano 2013). Figura 26 – Afloramento fossilífero da Formação Pimenteira estudado em 1947 por K.E. Caster, em Picos (PI), atualmente inacessível para novas pesquisas in situ. 5. RESTAURO DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO Pelo exposto, fica claro que são necessárias análises prévias sobre os métodos de preservação dos geossítios contra o intemperismo, como a contenção de erosão, controle do fluxo de águas superficiais, consolidação de rochas, preenchimento de fraturas e fissuras, entre outros, antes da execução do restauro dos geossítios e elementos ex situ do patrimônio geológico. Neste contexto de restauro do patrimônio geológico, entendido como as intervenções realizadas com a finalidade de recomposição sem descaracterização do valor intrínseco dos objetos, uma linha de pesquisa que deve ser desenvolvida é a de estudos sobre adequação dos métodos de restauro do patrimônio construído que possam ser aplicados aos geossítios. Processos de restauro executados indevidamente podem piorar o estado de deterioração da superfície exposta das rochas, modificando ou danificando seu aspecto estético, pela perda de brilho e manchamentos, devido à interação das características intrínsecas das rochas com os agentes do meio ambiente e os procedimentos de fixação, limpeza e manutenção (Frascá 2003). Cada caso deve ter sua análise e solução própria. Isto fica muito evidente quando se observa a Pedra do Índio, em Niterói, RJ (Figuras 27 e 28). Este monumento natural foi tombado como patrimônio estadual e encontra-se em franco processo de erosão. Uma decisão urgente a ser tomada é quanto à realização de uma intervenção para contenção do processo erosivo do mar ou, então, observar seu desabamento. 147 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 crescimento de vegetação nestas fraturas e moldes, que além de dificultarem a visibilidade, aceleram o processo de destruição destes icnofósseis pelo intemperismo. Figura 27 – Pedra do Índio em Niterói, tombada pelo Estado, por parecer do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC. Imagem de 1894 (acervo do Museu Histórico Nacional). Figura 29 – Exemplos de restauração do patrimônio geológico. Restauro de patrimônio construído – Partenon de Atenas (Grécia), onde é nítida a diferença do mármore original e a restauração atual. O processo de restauração tem sido mais cuidadoso que as intervenções anteriores, que resultaram na intensificação das fissuras e fraturas e consequente destruição dos blocos originais de mármore. Atualmente as novas peças de mármore são fixadas com grampos de titânio e um tipo de cimento solúvel, metodologia que também poderia ser aplicada em geossítios (Fotografia: Luiza Ponciano, 2010). Figura 28 – Pedra do Índio em Niterói. Imagem de 2008 (Fotografia: Kátia Mansur). O uso de escoras ou o preenchimento das fraturas podem ser soluções a serem consideradas. Em casos onde é necessária a contenção da erosão, um dos fatores a ser considerado é a composição da argamassa ou resina que poderia ser utilizada no preenchimento das áreas fraturadas, pois ela deve ser compatível com o tipo de rocha. Por exemplo, em uma rocha porosa, a utilização de argamassa inadequada pode levar à percolação de águas pluviais. Rachaduras, quebras, manchas e lascas também podem ser originadas pela cristalização de sais introduzidos na rocha pelo cimento utilizado nas argamassas (Smith 1999). As empresas de conservação que trabalham com patrimônio construído geralmente utilizam argamassas à base de cal hidráulica, que é um produto que endurece tanto no ar quanto na água. O preenchimento de fraturas e fissuras seria particularmente útil em um geossítio como o de Souza (Figuras 29 a 33), onde a ameaça aos icnofósseis e petroglifos é iminente. Outra ocorrência recorrente é o Figura 30 – Uso de argamassa como solução para preenchimento de fraturas: fraturas em rocha do sítio arqueológico de arte rupestre do Vale do Côa, em Portugal (fotografia extraída de Fernandes, 2008). 148 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Figura 31 – Uso de argamassa como solução para preenchimento de fraturas: uso em sítio paleontológico em Aliaga, Espanha (Fotografia de Kátia Mansur, 2009). Figura 33 – Possível uso de argamassa como solução para preenchimento de fraturas: algumas pegadas em Sousa não estão dentro do território protegido pelo Parque dos Dinossauros, o que agrava ainda mais a situação dos geossítios. Estas amostras afloram em terreno particular e os proprietários não recebem incentivos para preservá-las. A pegada e o petroglifo atravessados pelas fraturas poderão ser facilmente destruídos pela erosão se não for realizada uma intervenção no local (Fotografia: Aline Castro, 2012). Figura 32 – Uso de argamassa como solução para preenchimento de fraturas: uso em sítio paleontológico em Aliaga, Espanha . É possível ver os detalhes do preenchimento com argamassa, além do contorno acentuado das pegadas, que causou um impacto desnecessário ao afloramento (Fotografia: José Brilha). O preenchimento de furos originados pela coleta de testemunhos também é outro método de restauro em geossítios, onde poderiam ser utilizados diferentes tipos de argamassa. Uma metodologia sugerida por MacFadyen (2011) é primeiramente preencher o espaço com outro testemunho de diâmetro ligeiramente menor ou com pequenos fragmentos da rocha, retirados de blocos rolados do mesmo tipo de rocha (nunca de material in situ). O espaço restante deve ser preenchido com argamassa e/ou resina adequadas para o tipo da rocha que está sendo restaurada. A parte superior do furo deve ser recoberta com o pedaço quebrado do testemunho que foi extraído, ou deve ser reproduzida a textura da superfície da rocha trabalhando a argamassa ou resina. No caso do uso de fragmentos de rocha, eles devem ser reduzidos para um tamanho pequeno e misturados à argamassa ou resina antes da aplicação no furo, para que o espaço seja completamente preenchido. 149 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 A tentativa de restauração apresentada a seguir demonstra uma intervenção efetuada incorretamente (Figuras 34 e 35). Foi solicitado que o grupo de pesquisadores responsável pela coleta dos testemunhos em um geossítio clássico na costa oeste da Escócia retornasse ao local para restaurar a parte danificada. Além de não terem sido completamente preenchidos, os furos foram recobertos com um material de textura e coloração diferentes, que não foi resistente ao intemperismo em curto período de tempo. Como agravante, os fragmentos de rocha no interior dos furos foram coletados de calcários in situ, situados na zona de contato com a intrusão de onde foram removidos os testemunhos (MacFadyen 2011). Outro geossítio do Reino Unido (Wales) constitui um exemplo muito interessante de restauração de um afloramento modificado por ações antrópicas, visando conter o processo de erosão costeira e enchentes (Figuras 36 e 37). As autoridades locais constataram em 2006 a construção ilegal de um muro gabião de 110 metros de extensão, que cobriu cerca de 50 metros de um geossítio de especial interesse científico. Após uma longa disputa, em 2011 foi realizado o processo de restauração, quando as rochas do muro foram removidas e enterradas na praia, após acordo entre as autoridades locais e o dono da terra. As rochas foram enterradas na esperança de auxiliar a conter o processo erosivo, motivo da construção do muro pelo dono da terra (Roberts 2011). Figura 36 – Aparência do geossítio em 2011, após a remoção do muro gabião que estava cobrindo parte de um geossítio onde afloram tilitos que marcam um importante contato Pleistoceno/Quaternário. Figura 34 – Tentativa de restauração efetuada incorretamente em um geossítio clássico na costa oeste da Escócia (MacFadyen 2011). Figura 37 – A situação do local antes do processo de restauração, em 2006 (Roberts 2011). Figura 35 – Tentativa de restauração efetuada incorretamente em um geossítio clássico na costa oeste da Escócia (MacFadyen 2011). Nos casos de restauro, uma importante questão a ser discutida é a reversibilidade das intervenções, conforme mencionado na proposta de Brandi (2002). Apesar dos materiais utilizados atualmente nestes tipos de procedimentos serem considerados reversíveis, todas as intervenções alteram os objetos enfocados. Mesmo que os vestígios materiais possam ser removidos após algum tempo, os efeitos da interação entre eles e o objeto não serão totalmente reversíveis. O intervalo de tempo em que terá de ser realizada a manutenção das intervenções e a quantidade de recursos alocados 150 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 também devem ser considerados, para que seja viável manter as intervenções efetuadas do modo como foram originalmente planejadas (Fernandes, 2008). A erosão é, sem dúvida, o processo natural que mais põe em risco o patrimônio geológico. Curiosamente, ela é responsável pela construção da maioria dos geomorfossítios porque tem papel central na escultura do relevo. Em alguns sítios onde a atuação da erosão é intensa assume-se a perda da paisagem, porque o processo é inexorável e a escala da intervenção necessária é muito grande (Mansur et al. 2012). A perda da paisagem antiga pode ser entendida como o ganho de uma nova paisagem. Este é o caso observado na Ilha do Francês, no Arquipélago de Sant'Anna, em Macaé. Nos lineamentos associados a falhas (brechas tectônicas), há uma intensificação do intemperismo que favorece a infiltração de água e a consequente instabilidade da encosta (Figuras 38 a 41). A praia teria se formado pelo recuo da encosta por movimentos de massa sucessivos no tempo. Este processo levará à divisão da ilha, uma vez que a erosão na vertente leste apresenta processo idêntico. Figura 39 – Ilha do Francês, Arquipélago de Santana em Macaé, RJ. Vista da praia na porção A da Ilha (Figura 38). Figura 40 – Ilha do Francês, Arquipélago de Santana em Macaé, RJ. Movimento de massa no ponto A e B (esquerda e direita Figura 38). Figura 38 – Ilha do Francês, Arquipélago de Santana em Macaé, RJ. Imagem Google Earth com os lineamentos. A e B, representam vistas das praias. Figura 41 – Ilha do Francês, Arquipélago de Santana em Macaé, RJ. Movimento de massa no ponto A e B (esquerda e direita Figura 38). 151 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 A Ilha do Francês é um exemplo de construção da paisagem, onde se constata que a atuação de processos erosivos considerados como visualmente desagradáveis podem condicionar a formação de locais de grande beleza cênica. A beleza do processo geológico se destaca, apesar da aparente feiúra da cicatriz na encosta (Mansur et al. 2012). Vale, ainda, destacar o uso geoturístico, científico e educacional que pode ser dado a sítios degradados pela mineração, sem que restauro seja realizado. Exemplos como os de Ametista do Sul (RS) e o Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, RJ devem ser destacados (Figuras 42 e 43). Figura 42 – Usos para áreas degradadas. Ametista do Sul, RS: área de visitação geoturística com apresentação de materiais e processos utilizados na lavra (Fotografia: Ismar Carvalho, 2010). Figura 43 – Usos para áreas degradadas. Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, RJ: com o fim da vida útil da jazida, a área foi abandonada pela empresa mineradora. Hoje, um novo uso está sendo viabilizado para a área na forma de geoturismo (Fotografia: Kátia Mansur, 2012). 6. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL A Educação Patrimonial é uma ferramenta pedagógica desenvolvida pela área cultural, mas que é perfeitamente adaptável como proposta de trabalho nas localidades onde ocorrem os geossítios, no intuito de complementar a grade de ensino e as atividades geoturísticas (Castro & Machado 2011). Entende-se por Educação Patrimonial o processo permanente e sistemático de trabalho educacional enfocando o patrimônio como fonte primária de conhecimento e de enriquecimento individual e coletivo, utilizando objetos e/ou expressões como ponto de partida para desenvolver atividades pedagógicas, observando-os, questionando-os e explorando nos aspectos possíveis e traduzindo-os em conceitos e conhecimento (Grunberg 2000). Esse processo é muito útil para a preservação do patrimônio geológico por dois principais motivos. O primeiro deles é o investimento na sua salvaguarda. Uma vez que a população local passa a se identificar e a compreender a importância daqueles elementos da geodiversidade como patrimônio, ela irá desejar e incentivar a sua proteção. Na ausência do poder público, depredações e vandalismos poderão ser coibidos pela população local. O segundo motivo é o compromisso social que todos os cientistas devem ter. Com a proposta da educação patrimonial há um retorno para a comunidade, transmitindo o conhecimento que foi construído através dos geossítios (Souza 2006; Castro & Machado 2011). Nesta linha, destacam-se alguns projetos sistemáticos de popularização da geologia que têm sido instituídos no Brasil, como os Caminhos Geológicos do Rio de Janeiro (2001), Sítios Geológicos e Paleontológicos do Paraná (2003), Caminhos Geológicos da Bahia (2003), Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte (2006) e Monumentos Geológicos de São Paulo (2009). Em geral, baseiam-se em iniciativas ligadas ao Geoturismo e Geoconservação, especialmente por meio de implantação de painéis interpretativos (Piekarz & Liccardo 2006; Cunha et al. 2006, Nascimento et al. 2007; Mansur & Nascimento 2007). Estas iniciativas podem inverter a tendência geral ainda vigente em nosso país de tentar retirar a maior quantidade possível de elementos da geodiversidade de seu lugar de origem, com o objetivo de salvá-los da destruição em lugares ermos e com uma população que desconhece a sua importância científica, didática e patrimonial. Um projeto que pode auxiliar na conservação in situ dos geossítios é o GEOSSIT, um banco de dados da CPRM destinado ao inventário, qualificação e valoração quantitativa de geossítios brasileiros (http://www.cprm.gov.br/geossit/geossitios), sendo livre consulta e operado por meio de uma base de dados específica do Sistema GEOBANK da CPRM. Também são muito relevantes os trabalhos publicados pela SIGEP (Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e 152 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Paleobiológicos: http://sigep.cprm.gov.br/sitios.htm) e o p r o j e t o G e o p a r q u e s : http://www.cprm.gov.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/st art.htm?sid=134). Atualmente, a necessidade de um retorno do conhecimento científico para a população do local onde são coletados os fósseis é cada vez mais difundida. Acredita-se que somente através da inclusão da comunidade local em projetos de educação patrimonial e geoturismo (com a instalação de museus, parques, centros de pesquisa e outras formas de geração de trabalho e renda), a conservação do patrimônio geológico in situ poderá ser concretizada em um país com as dimensões e problemas sociais do tamanho do Brasil (Ponciano et al. 2011). A realização de programas de educação patrimonial também é fundamental para combater ameaças como o geovandalismo e outros danos antrópicos ao patrimônio. Em locais de visitação turística, um projeto especial de interpretação do geossítio deve ser elaborado para buscar uma melhor relação entre o visitante e a preservação do patrimônio. Entende-se que os aspectos funcionais e estéticos de um sítio devem ser desenvolvidos em toda a sua potencialidade, portanto diversos profissionais devem ser envolvidos nos projetos, como engenheiros, geógrafos, arquitetos, biólogos, museólogos e turismólogos, além de geólogos e paleontólogos, obviamente. A inclusão da disciplina de geoconservação nos cursos universitários que formam os profissionais citados acima também contribuiria para a difusão da importância da conservação do patrimônio geológico. 7. COMENTÁRIOS FINAIS A análise preliminar dos estudos de caso apresentados indica que devem ser direcionados mais esforços na proposição e experimentação de materiais e técnicas de conservação e restauração voltadas para o patrimônio geológico, assim como para a compreensão de tudo o que está associado com as intervenções, como as causas e efeitos dos processos naturais e antrópicos que interferem no local. Por exemplo, alguns trabalhos de arqueologia realizam um monitoramento topográfico dos afloramentos e das vertentes onde estes se encontram, além da análise detalhada de fatores sísmicos, geomorfológicos e climáticos da região. A efetividade da conservação do patrimônio geológico in situ dependerá da implantação eficaz de uma ampla estrutura de fiscalização, manutenção e de atividades didáticas e recreativas contínuas, que devem ser reavaliadas e adaptadas segundo os tipos e graus de problemas da área e de participação da população do entorno e visitantes dos geossítios. As atividades didáticas e recreativas e o monitoramento das instalações e da infraestrutura devem ser frequentes para evitar o abandono dos sítios pela comunidade e pelos visitantes, pois se o local não estiver em boas condições de visitação (afloramento visível aos visitantes, com os acessos e infraestrutura limpos e bem conservados, por exemplo) as pessoas irão se deslocar para outras regiões. O restrito conhecimento geológico e paleontológico da maioria da população brasileira, derivado da precária educação formal e informal na área das geociências, tem relação direta com a carência de medidas de conservação e restauração do patrimônio geológico. Grande parte dos professores dos diferentes níveis de ensino não foi apresentada nem aos conteúdos básicos de geologia e paleontologia durante mais de uma década e meia de ensino formal. Enquanto estas disciplinas não são incluídas nos currículos escolares em todos os níveis de educação formal, projetos de educação patrimonial nas comunidades próximas aos sítios paleontológicos, exposições em museus, publicação de textos de divulgação em sites e revistas, palestras e cursos professores são alternativas para auxiliar na divulgação das geociências para a sociedade. Finalmente, é muito importante o desenvolvimento de uma visão patrimonial em todos aqueles que trabalham direta ou indiretamente com os geossítios brasileiros, independentemente de sua formação acadêmica. O nosso patrimônio geológico está sujeito a diversos tipos de ameaças, e em muitos casos os próprios geocientistas são os responsáveis por sua destruição. Portanto, sugere-se que antes da realização da coleta de material em trabalhos de campo, a distribuição e o modo de ocorrência das concentrações fossilíferas e de outros elementos da geodiversidade sejam avaliadas de acordo com as peculiaridades dos depósitos e os objetivos dos estudos, a fim de evitar a retirada excessiva de material in situ dos geossítios. Acredita-se que a conservação dos geossítios in situ poderia ser mais difundida e aprimorada através da elaboração de um código de conduta para trabalhos de campo em Geologia e Paleontologia no Brasil. 153 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 137-155 Referências AIRES-BARROS, L. 1991. Alteração e alterabilidade de rochas. Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa, 384p. ASSUNÇÃO, P. de. 2003. Patrimônio. Edições Loyola, São Paulo, 108p. BENSUSAN, N. 2006. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Editora FGV, Rio de Janeiro, 176p. 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Manuscrito ID 31871 Submetido em maio de 2013 Aceito em julho de 2013 155 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 156 - 165 Conservação do patrimônio paleontológico do Geopark Araripe (Brasil): enquadramento, estratégias e condicionantes Conservation of geological heritage of Geopark Araripe (Brazil): framework, strategies and constraints MARIANA VILAS BOAS*, JOSÉ BERNARDO R. BRILHA*, FLAVIA FERNANDA DE LIMA** *Universidade do Minho, Portugal - [email protected] - [email protected] **Geopark Araripe - [email protected] Resumo O reconhecimento da importância geológica do Geopark Araripe é, em grande parte, fruto da sua riqueza paleontológica, destacando-se a bacia sedimentar do Araripe que contém, à escala mundial, uma das mais importantes associações fossilíferas do Cretáceo Inferior. Infelizmente, apesar do impedimento legal, continua a se verificar o comércio ilegal de fósseis da bacia do Araripe e a saída de muitos deles do país. Os mais raros e com melhor grau de preservação, que adquirem deste modo um excepcional valor científico, são os alvos privilegiados deste comércio. São várias as causas para esta situação, que está documentada há décadas, mas que tarda em se encontrar uma solução. Com este trabalho pretende-se promover ações que integram uma estratégia de educação formal e informal, no sentido de consolidar a prática da geoconservação do patrimônio paleontológico do Geopark Araripe. Embora se reconheça que os resultados e efeitos concretos destas propostas não sejam imediatos, são iniciativas que podem ser utilizadas numa estratégia de geoconservação. Estas ações são aplicáveis no Geopark Araripe, assim como em outras áreas fossilíferas do Brasil e do mundo. Palavras-chave: patrimônio paleontológico, fósseis, geoconservação, Geopark Araripe. Abstract The geological recognition of the importance of the Araripe Geopark is mainly due to palaeontological features, with emphasis on the Araripe sedimentary basin that contains one of the most important fossil associations of the world for Lower Cretaceous rocks. Unfortunately, despite the existent legal framework, the illegal trade of fossils of the Araripe basin is still active with the consequent smuggling of many fossils out of the country. The main targets for this trade are the rarest fossils with perfect preservation conditions, which acquire an exceptional scientific value. There are several causes for this situation that is documented for decades but with no efficient solution implemented so far. This work intends to promote and disseminate several activities that may integrate a formal and informal education strategy in order to consolidate the geoconservation of the palaeontological heritage in the Araripe Geopark. As any other educational plan, the expected results will not be immediate but, even so, these proposals can be applied in the geoconservation strategy of the Araripe Geopark or in any other fossil areas of Brazil and of the world. Key words: palaeontological heritage, fossils, geoconservation, Araripe Geopark. 1. INTRODUÇÃO A geoconservação tem como objetivo a conservação e gestão do patrimônio geológico, materializado pelo “conjunto de todos os geossítios inventariados e caracterizados numa dada área ou região” (Brilha 2005). De acordo com este autor, uma estratégia de geoconservação pretende manter a integridade física dos geossítios, assegurando um adequado uso científico, educativo ou turístico. As iniciativas de gestão de geossítios devem ser adaptadas ao tipo de elemento geológico que interessa salvaguardar. A conservação de um geossítio geomorfológico, por exemplo, pode não ser conseguida usando as mesmas estratégias que são aplicadas a um geossítio mineralógico ou paleontológico. O patrimônio paleontológico possui diversas especificidades face a outros tipos de patrimônio geológico. Concretamente, deve ter-se em consideração que a conservação de geossítios paleontológicos não se restringe à conservação exclusiva dos fósseis, uma vez que o seu contexto geológico também deve ser valorizado (Henriques 2007). No entanto, em algumas situações, este objetivo pode não ser o mais apropriado, e pode até mesmo ser impossível de alcançar, havendo a necessidade de enveredar por uma gestão equilibrada do local, onde muitas vezes a preservação de um sítio ou de um espécime in situ pode não ser o melhor interesse para a ciência (Besterman 1988). Em muitas situações, a melhor maneira de preservar fósseis consiste no seu resgate e transporte para instituições que possam 156 Vilas Boas et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 156-165 assegurar a sua proteção. Ao contrário de outros elementos da geodiversidade, a conservação do patrimônio paleontológico ex-situ pode manter o seu valor científico, educativo e turístico. As coleções museológicas, desde que bem geridas e colocadas à disposição de todos, são usadas para pesquisas científicas por paleontólogos (valor científico), são visitadas por estudantes de diversos graus de ensino (valor educativo) e são admiradas pelo público em geral (valor turístico). O patrimônio geológico está sujeito a diversos tipos de ameaças (Gray 2004; Brilha 2005), a grande parte delas de origem antrópica. Algumas destas ameaças são particularmente fortes sobre os bens paleontológicos, em particular. O elevado valor econômico de alguns fósseis, em resultado de fatores como raridade, qualidade de preservação, valor estético, etc., dão origem a um comércio que, em grande parte dos países, é ilegal, colocando em risco muitas jazidas paleontológicas, em especial em países com níveis socioeconômicos mais débeis. Segundo Carvalho & DaRosa (2008), a questão da preservação do patrimônio paleontológico brasileiro é bastante complexa. O contrabando nacional e internacional de fósseis, bem como as atividades de exploração mineral, são fatores que limitam a adoção de estratégias de conservação, em comunidades onde as jazidas fossilíferas representam uma fonte de rendimento para as populações. O aumento da pesquisa científica, desde a década de 70 do século XX, destacou a alta diversidade e qualidade do registro paleontológico da bacia do Araripe, no nordeste brasileiro. Porém, este aumento de visibilidade contribuiu para um incremento do interesse generalizado deste registro, que associado a poucas medidas efetivas para a sua conservação, originou um maior risco de perda dos fósseis, em especial devido ao comércio ilegal (Kellner 2002; Viana & Neumann 2002; Viana 2002; Martill 2011; Vilas-Boas 2012). Além disso, nesta região, a conservação dos elementos paleontológicos está em permanente conflito com a mineração, atividade de grande relevância econômica e social que suporta uma percentagem significativa da população. A criação do Geopark Araripe, que pretende promover o desenvolvimento sustentável dos municípios constituintes do seu território e a melhoria das condições de vida dos seus habitantes, constitui uma estratégia que pode contribuir para a conservação do patrimônio paleontológico local sujeito a uma depredação já documentada. Este trabalho pretende elencar as razões que explicam as ameaças ao patrimônio paleontológico no Araripe e propor programas, projetos e ações de cunho educativo, que podem ser implementados pelo Geopark Araripe, para apoiar a conservação deste notável patrimônio paleontológico brasileiro e mundial. 2. ENQUADRAMENTO LEGAL PARA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO PALEONTOLÓGICO BRASILEIRO De acordo com a legislação brasileira, existe uma base legal para a proteção do patrimônio paleontológico. Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, embora alvo de várias interpretações, os fósseis são definidos como bens integrantes do patrimônio cultural (artigo 216º da Constituição Federal CF), com natureza de bem de domínio público (nos termos do artigo 20º da CF). Os fósseis são também regidos pelo Decreto-lei nº 4.146/42 onde se refere que “os depósitos fossilíferos são propriedade da Nação, e, como tais, a extração de espécimes fósseis depende da autorização prévia do Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério da Agricultura” (atualmente o Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, vincula-se ao Ministério de Minas e Energia). Porém, a conservação do patrimônio paleontológico no Brasil ainda está longe de atingir os resultados preconizados pela respectiva legislação. O conjunto das leis brasileiras apresenta subjetividade no que respeita à sua aplicação, de forma a possibilitar a preservação de jazidas fossilíferas, enquanto patrimônio cultural da sociedade brasileira, como também parece ser insuficiente para assegurar a proteção destes bens, enquanto propriedade da União (Abaide 2009). Em função das peculiaridades do material fóssil, previsivelmente existe uma contraposição na fixação de competências para a gestão do património paleontológico. Como o património paleontológico é considerado património cultural por determinação legal (artigo 216.º da CF), o IPHAN (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional) deve zelar por medidas de proteção a esse património (Dresh 2006). Mas por outro lado, devido ao Decreto-lei 4.146/42, o DNPM tem a responsabilidade de fiscalizar e controlar o exercício das atividades relacionadas ao património fossilífero (colheita, transporte, entre outras) de modo a assegurar a sua proteção. Para além da questão legal, parece haver alguma dificuldade de atuação do DNPM no que respeita à proteção e conservação do patrimônio paleontológico brasileiro, em especial pelo fato de existirem extensas e numerosas áreas de mineração sob a fiscalização de um reduzido número de técnicos. 3. GEOPARK ARARIPE O Geopark Araripe foi criado a partir da iniciativa da Universidade Regional do Cariri (URCA) em parceria com o Governo do Estado do Ceará. Foi aceito, em 2006, na Rede Global de Geoparques, sendo até hoje o único geoparque da América do Sul a integrar esta estrutura internacional, reconhecida pela UNESCO. O geoparque localiza-se no sul do estado do Ceará, na região nordeste do Brasil (Figura 1) e integra os municípios de Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão 157 Vilas Boas et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 156-165 Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, totalizando uma área de 3796 km². A gestão do geoparque é atribuição da URCA e possui um grupo amplo de apoio institucional: uma coordenação executiva; um conselho de gestão formado por representantes de instituições do terceiro setor, poder público municipal, estadual e federal, e iniciativa privada; um comitê científico formado por investigadores da URCA e outras instituições de pesquisa do território; e uma equipe técnica com profissionais de diferentes formações acadêmicas. Além disso, a estrutura do Geopark Araripe também compreende o Museu de Paleontologia da URCA, em Santana do Cariri. A estratégia adotada para o Geopark Araripe é a promoção do desenvolvimento territorial sustentável da região, tendo como mote principal o fortalecimento de atividades científicas, culturais, turísticas e econômicas, com ênfase na história evolutiva da Terra e da Vida. O campo de atuação do Geopark Araripe abrange atividades no âmbito do patrimônio geológico, biológico, arqueológico e cultural, como também da educação ambiental. O Museu de Paleontologia da URCA promove a aproximação entre o conhecimento paleontológico e as escolas públicas e particulares da região do Cariri, possibilitando a visitação de alunos e professores. Na pesquisa científica, destaca-se a realização de escavações paleontológicas, dentro do geossítio Parque dos Pterossauros, e também o projeto “Jovens Paleontólogos” desenvolvido pelo Geopark Araripe em parceria com o museu e escritório do DNPM no Crato. Neste projeto, jovens do ensino médio do município de Santana do Cariri, são capacitados nas temáticas de geologia e paleontologia, visando o levantamento de dados e a coleta de materiais paleontológicos nas explorações de calcário da região. O Centro de Interpretação e Educação Ambiental do Geopark Araripe, localizado no município do Crato, constitui outro importante ponto de apoio para a recepção de escolas e visitantes. Possui um espaço de exposição e interpretação dos principais elementos naturais e culturais do geoparque, onde também têm lugar oficinas lúdicas, no âmbito da educação ambiental, com o objetivo envolver a comunidade, em especial as escolas. Todas as atividades estão relacionadas com os propósitos do geoparque, nomeadamente oficinas de réplicas de fósseis, teatro de bonecos, reutilização de materiais recicláveis, entre outras. Tem-se verificado uma expressiva consolidação da proposta de geoparque no território desde 2009, em especial ao nível da educação ambiental, da geoconservação, da comunicação e promoção do geoturismo e do aumento da efetivação de parcerias com os diversos atores do território. Contudo, é notório o forte sistema burocrático adotado, que dificulta a tomada de decisões em tempo útil. Muitas das atividades desenvolvidas pelo Geopark Araripe apresentam um caráter pontual, sem continuidade temporal, o que diminui a sua eficácia quanto aos resultados esperados e possíveis de alcançar. Figura 1 – Mapa de localização do geoparque no Brasil e no estado do Ceará. Sede dos municípios do Geopark Araripe: *1– Santana do Cariri; *2 - Nova Olinda; *3 - Crato; *4 - Juazeiro do Norte; *5 – Barbalha; *6 - Missão Velha (adaptado de Geopark Araripe 2010). 158 Vilas Boas et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 156-165 A evidência morfoestrutural mais significativa na área do Geopark Araripe é representada pela Chapada do Araripe, um planalto que apresenta altitudes médias que variam entre 700 e 1000 metros (Geopark Araripe 2010). Quanto ao enquadramento geológico geral, o geoparque insere-se na área da bacia sedimentar do Araripe, que se estende pelos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. É a mais extensa das bacias interiores do nordeste do Brasil, sendo que a sua ocorrência engloba a Chapada do Araripe e o Vale do Cariri (Assine 1992). A bacia sedimentar do Araripe apresenta uma complexa história geológica, constituída por sequências estratigráficas, limitadas por discordâncias regionais, que representam o registo fragmentário da formação de bacias em ambientes tectônicos distintos (Assine 2007). A bacia está estreitamente ligada aos períodos Jurássico e Cretáceo, quando os continentes da América do Sul e da África eram parte do antigo continente Gondwana, que lentamente se separou com a abertura do oceano Atlântico Sul (Herzog et al. 2008). Entre as várias formações da bacia do Araripe, a Formação Santana é estratigraficamente a mais complexa e também a mais estudada, não só pelas extensas jazidas de gipsita, mas principalmente por constituir o principal depósito fossilífero brasileiro (Assine 1992). Na verdade, o Geopark Araripe insere-se numa região conhecida internacionalmente pelo importante registro geológico do Período Cretáceo, com particular destaque para o seu conteúdo paleontológico, que apresenta um excepcional estado de preservação e uma enorme diversidade biológica dos fósseis. 4. O PATRIMÔNIO PALEONTOLÓGICO DO GEOPARK ARARIPE O reconhecimento nacional e internacional do Geopark Araripe é, em grande parte, fruto da sua riqueza paleontológica associada à bacia sedimentar do Araripe que contém, à escala mundial, uma das mais importantes associações fossilíferas do Cretáceo Inferior. A notória diversidade de fósseis da bacia sugere a existência de um ambiente pretérito favorável à vida, associado a condições especiais de pós-morte que favoreceram a fossilização. A distinção de Konservat-Lagerstätten é aplicada à Formação Santana pois esta apresenta fósseis com um grau de preservação extraordinário. Segundo Assine (2007), a Formação Santana é constituída pelas Camadas Ipubi (gipsita) e pelos Membros Crato e Romualdo, dois dos principais depósitos fossilíferos do Brasil e do mundo desta idade (Figura 2). Figura 2 – Alguns exemplares da riqueza fossilífera da Formação Santana. Membro Crato: A, Brachyphyllum obesum Heer, 1881; B, Cordulagomphus fenestratus Carle & Wighton, 1990; C, Arariphrynus placidoi Leal & Brito, 2006. Membro Romualdo: D, Araripemys barretoi Price, 1973; E, Neoproscinetes penalvai Figueiredo & Silva Santos, 1987; F, Cladocyclus gardnery Agassiz, 1841 (a nomenclatura dos fósseis foi obtida em Moura et al. 2006 e em Saraiva et al. 2010). 159 Vilas Boas et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 156-165 O Membro Crato representa a sequência inferior da Formação Santana e possui origem lacustrina. Apesar da maioria dos estudos paleontológicos deste membro ter início na década de 1980, em pouco mais de 20 anos foram descobertas e descritas mais de 200 novas espécies a partir das rochas do Membro Crato (Martill & Bechly 2007). Este registro fossilífero destaca-se pela diversidade, abundância e qualidade de preservação de fósseis, nomeadamente fósseis de algas, vegetais, artrópodes, moluscos, peixes, anfíbios, pterossauros e penas de aves (Carvalho & Santos 2005). Esta diversidade de grupos zoológicos e botânicos justifica que a comunidade científica direcione esforços para o reconhecimento geológico e caracterização da paleobiota, colocando os afloramentos desta formação entre os mais importantes sítios paleontológicos mundiais (Lima 1979; Barreto et al. 2000; Barreto et al. 2012). Destaca-se ainda a grande abundância e diversidade de espécies representantes da classe Insecta, que corresponde a cerca de 80% das espécies descritas para este membro (Moura et al. 2006). A preservação dos exemplares fósseis do Membro Romualdo, que representa a sequência estuarina, é, na maioria dos casos, excepcional o que tornou este material paleontológico conhecido em nível nacional e internacional (Kellner 2002). Este membro apresenta uma biota diversificada, com exemplares fósseis de vegetais, artrópodes, moluscos, equinoides, peixes, dinossauros terópodes, além de uma grande variedade de pterossauros (Carvalho & Santos 2005). A ictiofauna constitui o grupo de organismos mais abundantes, sendo composta por mais de 19 gêneros pertencentes a várias famílias (Wenz et al. 1993; Maisey 2000 apud Fara et al. 2005). Os fósseis são encontrados principalmente em nódulos e concreções calcárias, sendo comum a preservação tridimensional sem exibir sinais de compactação (Kellner 2002). É ainda frequente a ocorrência de espécimes totalmente articulados e fósseis de vertebrados e invertebrados com elevada qualidade de preservação dos tecidos moles (Martill 1988; Kellner 1996; Kellner & Campos 1998; Smith 1999 apud Fara et al. 2005). Na região do Geopark Araripe, este patrimônio paleontológico está acessível no Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri, no município de Santana do Cariri (que reúne uma coleção superior a 3 mil exemplares) e no Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe (CPCA) vinculado ao DNPM, no município do Crato (Carvalho & Da-Rosa, 2008). 5. AMEAÇAS AO PATRIMÔNIO PALEONTOLÓGICO DO GEOPARK ARARIPE São várias as ameaças que afetam a conservação do patrimônio paleontológico do Geopark Araripe e, de modo geral, de toda a região da bacia do Araripe. O comércio de fósseis ao longo das últimas décadas tem representado uma verdadeira ameaça ao patrimônio paleontológico da região do Araripe e do país, apesar de ser ilegal no Brasil. As inúmeras descobertas de novos exemplares de grande qualidade fez com que estes fósseis começassem a ser mais valorizados por cientistas, museus, colecionadores e paleontólogos amadores, aumentando a demanda por novas amostras. Como em qualquer relação comercial, o comércio de fósseis está baseado numa relação entre a “oferta” e a “procura” (Tabela 1). Por um lado, a “oferta” é sustentada por uma população inserida numa região com uma situação socioeconômica desfavorecida, que não reconhece nem valoriza os fósseis enquanto patrimônio de todos. Por outro lado, a relevância científica e estética dos fósseis, que lhes confere um elevado valor econômico, contribui para a existência de uma “procura” diversificada. O excelente grau de preservação, a sua beleza, o fato de serem exemplares representativos do seu tempo geológico e até mesmo todo o imaginário criado à sua volta, fazem destes fósseis um objeto de contemplação pelo cidadão comum e um precioso bem científico, desejado pela comunidade científica paleontológica. 160 Vilas Boas et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 156-165 Comércio ilegal de fósseis no Araripe OFERTA Fatores - Vasta ocorrência de fósseis, em parte resultado da atividade extrativa; PROCURA Fatores - Relevância científica dos fósseis; - Relevância estética dos fósseis; - Baixo nível salarial dos trabalhadores das pedreiras que encaram a venda de fósseis como complemento de renda; confere - Elevado valor econômico aos fósseis. - Deficiente fiscalização e controle por parte do DNPM e das forças policiais; - Reduzida conscientização social sobre o real significado e valor patrimonial dos fósseis. Atores Atores - Trabalhadores das pedreiras; - Palentólogos profissionais e amadores; - Coletores amadores; - Público em geral; - Intermediários. - Instituições como museus, universidades, etc. Tabela 1 – Fatores e atores que dominam a relação entre a “oferta” e a “procura” e que enquadra o comércio ilegal de fósseis no Araripe. A vasta ocorrência de fósseis na região da bacia do Araripe é, em parte, resultado da atividade de exploração mineral, onde os trabalhadores apresentam baixo nível salarial e encaram a venda de fósseis como um complemento de renda. Infelizmente, são poucos os proprietários das pedreiras que estabelecem procedimentos rigorosos para os trabalhadores não recolherem os fósseis para posterior venda. Para a extração da gipsita (Camadas Ipubi da Formação Santana), normalmente as pedreiras removem toda a camada de rochas que está sobrejacente. Esta é a camada correspondente ao Membro Romualdo, uma das mais fossilíferas da Formação Santana. Como resultado desta atividade, o nível de concreções fossilíferas exposto é, comumente, depositado nas enormes acumulações de “rejeitos”. Apesar da exploração de gipsita ser essencialmente na parte sudoeste da Chapada do Araripe (Pernambuco), a maior parte dos registros da recolha ilegal de fósseis centra-se no Ceará, sendo apenas alguma em Pernambuco (Vidal & Castro 2009). No Piauí, como não existe exploração de gipsita, as concreções calcárias são encontradas em menor quantidade. Para além desta ocorrência de concreções fossilíferas, típicas do Membro Romualdo, na exploração do calcário laminado ocorre um número surpreendentemente elevado de fósseis de alta qualidade do Membro Crato (Martill & Bechly 2007). No lado leste da Chapada do Araripe, coincidente com a área do Geopark Araripe, existe a indústria da “Pedra Cariri”, para produção de rochas ornamentais (pedras de pavimentação e revestimento) e também de cimento. Devido à informalidade e alta rotatividade dos produtores é difícil ter um controle do material fossilífero que tem origem nas áreas de mineração, para fins comerciais. Apesar de ser um ato ilegal, sabe-se que parte da venda dos fósseis da bacia do Araripe está associada às explorações de calcário laminado. Os destinatários desta venda são vários, desde revendedores conhecidos na região, colecionadores particulares e até pesquisadores ligados às universidades. Além destes fatores, a falta de fiscalização eficaz e a existência de legislação com caráter subjetivo no que respeita ao patrimônio paleontológico, têm contribuído para o comércio ilegal de fósseis. As leis, apesar de terem sido criadas para proteger os fósseis muito raros e cientificamente importantes, determinam de forma muito confusa quem tem competência para avaliar e preservar o patrimônio paleontológico. A única regulação sobre fósseis não está enquadrada no Código de Mineração, nem na lei de patrimônio cultural, mas sim numa lei especial (Decreto Lei 4.146/42) que não estabelece nenhum regime para além de definir a competência do órgão responsável pelo setor mineiro nacional para fiscalizar e autorizar a extração de fósseis com fins científicos. Segundo o Decreto-Lei 4.146/42, os fósseis estão sob fiscalização do DNPM, uma vez que estes integram os bens e riquezas do solo que compõem 161 Vilas Boas et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 156-165 o domínio da União mas, ao mesmo tempo, são considerados como bens integrantes do patrimônio cultural, onde a lei confere a fiscalização ao órgão da cultura (IPHAN). antecedido de um outro onde seriam ministrados conhecimentos básicos de paleontologia, geologia sedimentar e tempo geológico. 6.2. AÇÕES EDUCATIVAS INFORMAIS 6. ESTRATÉGIAS PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO PALEONTOLÓGICO DO GEOPARK ARARIPE A solução para reduzir, ou mesmo eliminar, as ameaças ao patrimônio paleontológico do Geopark Araripe não é simples uma vez que estas são sustentadas por fatores diversos. Alguns desses fatores estão relacionados com a raridade e qualidade de preservação e outros são de tal amplitude que não permitem a implementação de medidas que dependem apenas do Geopark Araripe, mas sim de várias instituições em nível federal e estadual. No entanto, o geoparque pode fazer um importante trabalho com as comunidades locais, especialmente no que se refere à educação. A promoção da educação é essencial em qualquer programa de desenvolvimento sustentável, particularmente numa estratégia de geoconservação em geoparques. Com efeito, práticas cotidianas de co n s e r va çã o d o p at r i m ô n i o p a l e o nto l ó g i co, protagonizadas pelos cidadãos, só se efetivam se estes compreenderem o caráter excepcional da fossilização e a relevância do registro fóssil para o conhecimento da história da vida na Terra e para a antevisão do futuro do planeta (Henriques 2007). Assim, é proposta uma estratégia educativa com várias ações de âmbito formal e informal que visam consolidar a prática da conservação do patrimônio paleontológico no Geopark Araripe. Esta estratégia educativa foi planejada de forma a atingir o máximo da população do geoparque e tanto é aplicável neste território, como noutras áreas fossilíferas do Brasil e até mesmo de outros países, com eventuais adaptações a outras realidades. 6.1. AÇÕES EDUCATIVAS FORMAIS As ações educativas de caráter formal têm como finalidade difundir o conhecimento sobre o patrimônio paleontológico do Geopark Araripe e alertar a comunidade escolar sobre a importância da prática da geoconservação, assim como disponibilizar novas ferramentas educativas aos professores. É proposto um curso de formação para professores que lecionam Ciências e Geografia no nível de ensino médio, com a duração de 2 dias. O curso contemplaria uma parte teórica, onde seriam discutidos conceitos de geoconservação e apresentado o patrimônio paleontológico do Geopark Araripe. Na parte prática são propostas aulas de campo, as quais proporcionariam aos professores uma forma mais estimulante de abordagem sobre o geoparque e o seu patrimônio paleontológico. No caso dos professores não possuírem uma formação científica mínima sobre geociências, este curso deve ser A educação informal do público em geral é um aspecto muito relevante na perspectiva da sustentabilidade de um geoparque. O entendimento dos conceitos da conservação do patrimônio natural e cultural e o respeito pela identidade regional são essenciais para um padrão de desenvolvimento diferenciado, como é entendido pelo conceito de geoparque (Baci et al. 2009). Neste sentido, são propostas várias ações educativas de caráter informal, dirigidas ao público em geral, nomeadamente à população local, trabalhadores das pedreiras e turistas. Estas ações foram planejadas tendo em conta as características socioeconômicas da população local, mas também a promoção de um turismo sustentável. 6.2.1. Exposição itinerante de fósseis do Araripe Com esta ação pretende-se divulgar o patrimônio paleontológico do Geopark Araripe, em que o seu público-alvo é constituído pelos estudantes e o público em geral. Consiste na organização de uma exposição itinerante com fósseis da bacia do Araripe e que deverá percorrer os seis municípios que integram o Geopark Araripe. Esta exposição deverá ser exibida em locais que possam atrair o maior número possível de visitantes, assim como em todas as escolas do geoparque. 6.2.2. Concurso: O fóssil do ano O concurso é dirigido à população local, e em particular aos trabalhadores das pedreiras. O principal objetivo desta iniciativa é distinguir cidadãos residentes no território do Geopark Araripe que doam fósseis por eles resgatados. Também tem como finalidade contribuir para a salvaguarda de mais e melhores fósseis e sensibilizar a sociedade para a importância do patrimônio paleontológico da região. Este concurso deverá ser promovido pelo Geopark Araripe, com o apoio do Museu de Paleontologia da URCA e do DNPM, escritório regional do Crato. Todos os anos, um júri avalia as ofertas que forem feitas e atribui um certificado a quem resgatar e entregar o exemplar fóssil com maior valor científico/educativo. Este fóssil deverá integrar a coleção do Museu de Paleontologia, com reconhecimento público expresso ao seu doador. 6.2.3. Fóssil Quiz Com esta iniciativa pretendemos divulgar 162 Vilas Boas et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 156-165 informações sobre o patrimônio paleontológico do Araripe, para o público em geral. Esta ação consiste em colocar questões diversas, na página do geoparque na internete, sobre o patrimônio paleontológico local e que podem ser respondidas pelo público. Todos os meses será elaborada uma nova questão e será selecionada a pessoa que der a resposta correta no mês anterior (terá de haver um sorteio, no caso de haver várias respostas corretas). Ao vencedor seria atribuído um prêmio simbólico alusivo ao Geopark Araripe. período de férias escolares, os jovens efetuariam trabalhos com fósseis nas lajes calcárias extraídas nas pedreiras da região. Fariam também uma primeira seleção e tratamento dos exemplares recolhidos, sob a orientação de um professor ou responsável pela atividade. Alguns dos fósseis encontrados pelos estudantes seriam doados às respectivas escolas, com a ficha técnica completa e identificação do aluno que o resgatou. Esta atividade deve decorrer sempre sob a supervisão do DNPM. 6.2.4. Ser paleontólogo por dois dias 6.2.6. Empresa amiga do fóssil Esta é uma ação para candidatos a paleontólogo amador, que tem como público-alvo os turistas e o público em geral. Pretende-se proporcionar a experiência de ser paleontólogo promovendo, em simultâneo, o contato do geoparque com as pedreiras locais. O programa desta atividade seria distribuído por dois dias, mas poderia ser dada oportunidade de participar apenas no primeiro dia. Depois de uma breve apresentação sobre o patrimônio paleontológico do Araripe, o participante seria convidado a recolher fósseis que ocorrem nas lajes calcárias extraídas nas explorações de “Pedra Cariri”. Também seria ministrado um rápido treinamento sobre como proceder numa primeira seleção e tratamento dos exemplares recolhidos, recorrendo a um kit de paleontólogo fornecido aos participantes (martelo de bico chato, pincel, lupa, talhadeira e papel para embrulhar as amostras). Durante o segundo dia seria realizado o tratamento dos exemplares selecionados anteriormente. Dependendo do estado do material, seriam facultadas técnicas de preparação mecânica e limpeza das amostras. Numa fase posterior, estas amostras poderiam ser colocadas na exposição do próprio museu, como também poderiam ser aproveitadas para outras exposições, por exemplo naquelas propostas na ação “Exposição itinerante dos fósseis do Araripe”. Durante toda a atividade os participantes devem ser acompanhados por um paleontólogo, ou responsável do geoparque com formação adequada. Destaca-se também que, durante o recolhimento dos fósseis nas mineradoras, os participantes estarão sempre sob a orientação do DNPM e de um trabalhador da empresa destacado para o efeito. Esta ação é dirigida especialmente às empresas mineradoras e tem com objetivo principal criar uma parceria entre o geoparque e as empresas, de forma a promover a conservação dos fósseis e destacar o importante papel das mineradoras no resgate dos mesmos. Propõe-se a atribuição, por parte do geoparque, de um selo “empresa amiga do fóssil” para as mineradoras que colaborarem com as atividades desenvolvidas pelo geoparque e que doarem os fósseis que vão sendo encontrados durante a atividade de mineração. Esta ação deverá ter o apoio do Museu de Paleontologia da URCA e do DNPM. 6.2.5. Escavação paleontológica para estudantes Os estudantes do ensino médio são público-alvo desta ação, que pretende que estes vivenciem as atividades de coleta e preparação de fósseis, promovendo o envolvimento das pedreiras locais no geoparque. Os estudantes (máximo 10) do ensino médio de diferentes escolas da região seriam convidados a participar numa semana de coleta de fósseis. Durante o 7. CONCLUSÕES No Geopark Araripe, dentre os vários tipos de patrimônio geológico, o paleontológico é dos que mais se encontra sujeito a pressões antrópicas que podem contribuir para a sua perda irreparável. Toda a região da bacia do Araripe enfrenta o grande problema do comércio ilegal de fósseis. Este é resultado de um conjunto de fatores interligados, que materializam várias ameaças à integridade do patrimônio paleontológico. Atualmente, apesar do aumento de condicionantes legais e das políticas de fiscalização, esta prática persiste de uma forma mais comedida, mas não menos alarmante. Existe uma “procura” pela qualidade e não pela quantidade, isto é, a procura pelos fósseis é menos intensa mas, no entanto, seletiva na medida em que os fósseis mais raros e com maior valor científico, continuam a sair da região e até mesmo do território brasileiro. Mediante a magnitude dos vários fatores que afetam diretamente a conservação do patrimônio paleontológico, entende-se que o campo de atuação do Geopark Araripe deverá estar próximo da população. É proposto que o geoparque tenha como alvo os “atores” intervenientes na perda deste patrimônio paleontológico de relevância mundial, ou seja, as pessoas que de forma, direta ou indireta, podem influenciar o destino dos fósseis da região. O Geopark Araripe está inserido numa região economicamente desfavorecida, onde a população enfrenta vários problemas de ordem social e educativa. 163 Vilas Boas et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 156-165 Como consequência, esta população denota um baixo reconhecimento da importância do patrimônio paleontológico local. Este fato está na base das razões que levam à existência de uma “oferta” de fósseis que alimenta o comércio ilegal, obviamente complementado pela sua vasta ocorrência na região e uma deficiente fiscalização e controle por parte do poder público. Por outro lado, a “procura” pelos fósseis é sustentada por pessoas que os valorizam pela sua importância científica e até mesmo pela sua beleza, e que também estão disponíveis para os comprar, características que aumentam ainda mais a valoração econômica deste patrimônio. Apesar de ser necessário encontrar uma rápida e definitiva solução para a conservação do patrimônio paleontológico do Araripe, destaca-se que a estratégia educativa proposta, para ser implementada pelos gestores do Geopark Araripe, dificilmente irá produzir resultados duradouros a curto prazo. No entanto, tendo em conta a dimensão e variedade dos fatores que propiciam a depredação do patrimônio paleontológico, as ações educativas concebidas são uma contribuição no combate ao comércio dos fósseis. Em complemento a esta estratégia educativa, o incremento da fiscalização e a consequente aplicação das leis vigentes no país, ambos fora das competências do Geopark Araripe, poderiam dar um importante sinal aos compradores que, de alguma forma, incentivam a coleta de fósseis por parte de uma população ainda pouco esclarecida. É sobre os compradores que as medidas fiscalizadoras e repressivas devem ser mais incisivas, uma vez que a redução de seu número certamente conduzirá a uma diminuição da coleta de fósseis desincentivando, deste modo, o comércio de patrimônio paleontológico. Terminar com o comércio ilegal de fósseis pode parecer uma pretensão ingênua. Desde que haja um fóssil com valor econômico e um potencial comprador, existem condições para que este bem seja negociado. No entanto, os geoparques, enquanto instrumentos de desenvolvimento territorial, possuem a obrigação de criar estratégias que promovam a conscientização da sociedade e a necessária mudança de mentalidades que, inevitavelmente, vão contribuir para o tão almejado desenvolvimento sustentável. Referências ABAIDE J.P. 2009. Fósseis. Riqueza do Subsolo ou Bem Ambiental? 2ª Ed., Curitiba: Juruá, 348p. AASSINE M. L. 1992. Análise estratigráfica da Bacia do Araripe, nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Geociências 22 (3): 289-300. ASSINE M.L. 2007. Bacia do Araripe. Boletim. Geoci. Petrobras, Rio de Janeiro, 15 (2): 371-389. BACCI D. de La C., PIRANHA J. M., BOGGIANI P.C. LAMA E.A. & TEIXEIRA W. 2009. Geoparque: estratégia de geoconservação e projetos educacionais. Revista do Instituto de Geociências da USP. Publicação especial. São Paulo. V.5, 7-15. BARRETO A.M.F., BERNARDES-DE-OLIVEIRA M.E.C., DILCHER D., MANDARIM-DE-LACERDA A.F. & VIANA M.S.S. 2000. 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Manuscrito ID 31418 Submetido em abril de 2013 Aceito em junho de 2013 165 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 166 - 179 A extração de diamantes na história geológica e mineral no Paraná Diamond extraction in mining and geolocical history of Paraná ANTONIO LICCARDO*, LUIZ ANTONIO CHIEREGATI** *Universidade Estadual de Ponta Grossa - [email protected] **Serviço Geológico do Brasil (CPRM) - [email protected] Resumo O início da extração de diamantes no Paraná remonta à segunda metade do século XVIII, poucas décadas depois da descoberta deste mineral em Diamantina (MG). Pouco conhecido em seus aspectos de gênese, depósitos e reservas, este diamante retirado da Bacia do Rio Tibagi e adjacências é estudado há muito tempo e teve vários ciclos de maior ou menor importância econômica. Os depósitos de origem secundária, minerados durante muitos anos por garimpeiros e mergulhadores em pesados escafandros, proporcionam intensos debates quanto à compreensão de sua gênese e alimentam o folclore e a cultura locais. Ao longo da evolução da ciência geológica no Paraná o entendimento sobre estes diamantes recebeu um expressivo aporte de informações, sem que, no entanto, isto resultasse em controles prospectivos ou modelos geológicos mais precisos. Rochas kimberlíticas ou lamproíticas nunca foram localizadas na região, assim como não há indícios de minerais mantélicos que pudessem ser ligados à sua gênese. A associação com as rochas sedimentares glaciogênicas do Grupo Itararé parece ser a melhor possibilidade de fonte, sem maiores comprovações, entretanto. Considerados de importância menor no panorama de produção diamantífera do Brasil, estes depósitos apresentam um contexto histórico especial de cunho científico, socioeconômico e cultural que começa a ser tratado como patrimônio na ótica da valorização da geodiversidade que ocorre em escala mundial. A correlação do conteúdo geocientífico e da história mineral com os aspectos socioculturais é o caminho para que as várias facetas deste contexto ímpar da região de Tibagi sejam devidamente consideradas. Este artigo propõe o aporte da informação geológica para o fortalecimento e valorização do patrimônio imaterial constituído pela memória da extração de diamantes no Paraná. Palavras-chave: diamante; patrimônio mineiro; história da mineração. Abstract The beginning of diamond extraction in Paraná goes back to the second half of 18th century, a few decades after the discovery of this mineral in Diamantina, Minas Gerais. Little known on the aspects of its genesis, deposits and reserves, this diamond from of the Tibagi River basin and vicinity have been studied from long time and had several cycles of greater or lesser economic importance. The secondary source deposits, mined for many years by divers in heavy helmets provide intense debates as to the understanding of its genesis and feed on the folklore and local culture. The efforts to identify huge deposits and/or the primary sources of these diamonds led to a significant amount of geological information about this region, without however, resulting in prospective controls or more accurate geological models. Kimberlitic or lamproitic rocks have never been found in the region, as well as there is no evidence of mantelic minerals that could be linked to its genesis. The connection with the glacio-sedimentary rocks of Itararé Group appears to be the best possible source, however with no further evidence,. Considered to be of minor importance in diamond production of Brazil, these deposits have a historical context of scientific, socio-economic and cultural nature that begins to be treated as equity in the context of global geodiversity discussion. The correlation of scientific content and mineral history with social and cultural aspects is the path for the development of this unique context. This paper proposes the connection between geological data and cultural heritage constituted by the memory of diamond extraction in Paraná. Key words: diamond; mining heritage; mining history. 1. INTRODUÇÃO Entre 1725 e 1866, a maior parte dos diamantes nas cortes europeias era proveniente do Brasil e teve um papel extraordinário na economia e cultura de Portugal. A importância dos diamantes nesta época refletiu-se em toda a Colônia de várias maneiras, inclusive nos desconhecidos depósitos do rio Tibagi, no atual território do Estado do Paraná, segunda ocorrência encontrada até então na América Portuguesa. Descobertos em 1754, esses sempre foram pouco conhecidos quanto ao seu potencial de produção ou reservas, situação que persiste até hoje. Mesmo sem o controle oficial e produzindo clandestinamente, os depósitos no Paraná participaram da produção brasileira do período áureo (séculos 18 e 19) e sofreram as influências da conjuntura político-econômica. Contudo, algumas diferenças levaram esta região a um contexto socioeconômico menos dependente da mineração, mas sujeita à sua influência por mais de dois séculos. O aspecto cíclico é uma característica da 166 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 produção no rio Tibagi, com picos de extração em certas épocas que podem ser correlacionados com circunstâncias econômicas e sociais do Brasil, como a migração de garimpeiros baianos no início do século 20 (Liccardo et al., 2012). Condicionantes ligadas à geologia dos depósitos e às características mineralógicas podem ter sido fatores determinantes para este contexto de produção mineral peculiar e fazem destes depósitos um conjunto único em termos científicos e culturais. As Figuras 01 e 02 mostram um típico garimpeiro da região utilizando as mesmas técnicas de prospecção que se utilizava há 200 anos e um mergulhador da década de 1980, ainda utilizando escafandros alimentados por bombeamento manual. Figura 1 – Aspectos típicos das técnicas de recuperação de diamantes do leito ativo no Rio Tibagi: garimpeiro trabalhando manualmente depósitos de cascalho. Foto A. Liccardo, 2008. Figura 2 – Aspectos típicos das técnicas de recuperação de diamantes do leito ativo no Rio Tibagi: mergulhador com escafandro para trabalhos mecanizados no fundo do rio. Foto D. Mesquita, 1985. 167 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 Os depósitos encontram-se predominantemente em leito ativo de rios e córregos, com eventuais paleocascalheiras em depósitos de colúvio e elúvio. Com distribuição aparentemente errática, as ocorrências estendem-se por boa parte do Segundo Planalto Paranaense, com uma forte concentração no rio Tibagi entre a cidade homônima e o município de Telêmaco Borba, não obstante algumas manchas de extração ao norte e ao sul (Figura 03). Figura 3 – Mapa de distribuição dos depósitos diamantíferos sobre o Segundo Planalto Paranaense. A mancha entre Tibagi e Telêmaco Borba é a mais significativa, onde a extração se concentrou. Modificado de Mineropar (2006). 168 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 Uma revisão dos dados conhecidos e a possibilidade de correlação com análises socioculturais da região são as propostas deste artigo e podem trazer o aporte da informação geológica ao âmbito da discussão cultural. Este conjunto aponta a atividade de extração de diamantes no Paraná como um tipo de patrimônio imaterial que requer levantamentos mais específicos para a sua eventual preservação. 2. DA DESCOBERTA AO SÉCULO 19 O viajante francês Saint-Hilaire (1820), ao passar pelo Paraná, mencionou a existência de contrabandistas de diamante, próximo à Jaguariaíva, e cogitou que este já poderia ser conhecido dos primeiros bandeirantes, no século XVI. O primeiro registro escrito, no entanto, sobre a presença de diamante nesta região é de 1754, por Ângelo Pedroso Lima, quando seu escravo de nome Anselmo, faiscando os córregos em busca de ouro se deparou com uma “pedra cristalina e lustrosa” (sic). Esta foi colocada na coroa de Nossa Senhora da Penha e, posteriormente, entregue ao governador da vila de Santos, Inácio Elói de Madureira (Lopes, 2002). Em 1802, Martim Francisco de Andrada (irmão de José Bonifácio), então diretor geral das Minas de Prata, Ouro e Ferro da capitania de São Paulo, esteve na região em expedição científica examinando os córregos Monjolo, Faisqueira, Fortaleza, São Domingos, Santa Rosa, Borges e quase todos os braços do Tibagi em ambas as margens. Seu relatório é bastante extenso e detalhado, incluindo uma descrição dos diamantes encontrados. Segundo ele, “...uns cor de aguardente do reino, outros brancos, cor de prata, e alguns cor de aços cristais brancos e amarelos de ouro...”. O mineralogista especula, ainda, sobre as fontes deste mineral: “...os diamantes foram achados em caldeirões tendo sido transportados pelas águas que com as grandes chuvas, rasgando as formações poudinguiças, lavaram-nas e consigo os trouxeram. Quanto porém aos tirados das ditas formações não permanentes, que de riquezas se não deveria esperar quando estas se descobrissem?” Outros famosos viajantes também mencionaram a existência de diamantes neste território, que se estende pelos Campos Gerais do Paraná, a exemplo de Eschwege (1833) que cita o rio Tibagi como sendo o mais rico da região. O engenheiro inglês BiggWither (1878) em sua passagem pelo Paraná apontou o recrutamento forçado de homens para a Guerra do Paraguai (1864-1870) como um fator desestimulante para a mineração na região Sul. Sugeriu, ainda, que a decadência da mineração do diamante só ocorreu por ausência de uma companhia importante, tendo a região sido explorada apenas superficialmente. De fato os garimpos de diamante no Sul nunca dispuseram da grande quantidade de escravos utilizados em Minas Gerais, já que a média de escravos naquela região mais pobre, de economia mais ligada à pecuária, era de um escravo por propriedade menor que 100 ha (Gutierrez, 2006). Bigg-Wither (1878) citou fatos curiosos em seus diários, que ajudam a dimensionar a produção na época, como a troca de um escravo ao preço de 100 libras por uma xícara de diamantes, ou que o preço usual de um diamante de “pura água” (incolor), pesando um quarto de oitava (1g), era de 50 libras. Relatou, também, o contato com Herbert Mercer sobre uma malograda tentativa de mineração pelos ingleses. Descendentes deste engenheiro publicaram mais tarde importantes relatos sobre os garimpos de Tibagi (Mercer & Mercer, 1934). Possivelmente graças à interpretação dos relatos positivistas de Bigg-Wither (1878), disseminou-se a ideia de que por baixo da cidade de Tibagi estende-se um “rico lençol de diamantes”, já que o inglês especulou sobre a extensão das paleocascalheiras lavradas a cerca de 5 km do município. De fato, ainda hoje, nessa localidade conhecida como Lavra dos Ingleses, são produzidos pequenos diamantes. Ainda em finais de século XIX, intensificou-se o estudo sobre a geologia no Brasil, com os trabalhos de Hartt (1870) que fez referência ao diamante do Tibagi em seus levantamentos e especialmente Derby (1878), que publicou o primeiro estudo detalhado sobre a geologia da província diamantífera do Paraná. Orville Derby, considerado o pai da geologia paranaense, sugeriu que a possível fonte dos diamantes seriam os arenitos da Formação Furnas (Devoniano) que uma vez trabalhados pelos rios dispersariam estes minerais nos sedimentos do leito. 3. O CONHECIMENTO E A EXTRAÇÃO A PARTIR DO SÉCULO 20 3.1. PRIMEIRA METADE DO SÉCULO Por volta de 1912, os garimpos que se encontravam em quase total abandono começaram a receber afluência de garimpeiros vindos de Minas Gerais e Bahia, que se fixaram na região, influenciando a economia e a cultura locais. Com a explosão econômica do diamante entre os anos 20 e 40, outros pesquisadores desenvolveram estudos sobre este mineral e sua geologia. Oliveira (1927), no detalhamento do primeiro mapa geológico do Paraná, escreveu uma nota sobre o diamante, concordando com a origem aventada por Derby (1878), e Bastos (1936) e Oliveira (1937) o relataram mais minuciosamente para o Serviço Geológico Mineralógico. ¹ Termo do português arcaico provavelmente proveniente do inglês puddingstone, ou conglomerado. 169 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 As informações mais completas, no entanto, são devidas a Oppenheim (1936), do antigo Serviço de Fomento da Produção Mineral, que descreveu os garimpos, enumerou as ocorrências (Tabela 1) e discorreu sobre a geologia e possível gênese deste mineral. Oppenheim (1936) contrapôs-se às ideias sugeridas por Derby e atribuiu a dispersão de diamantes ao desgaste de rochas ácidas do embasamento (pegmatitos), conforme as teorias predominantes em sua época, defendidas principalmente para os diamantes de Minas Gerais por Djalma Guimarães (1933). No entanto o autor apontou como “rocha matriz secundária” no Tibagi sequências glaciais conglomeráticas do Permiano Inferior (atual Grupo Itararé) e descartou qualquer participação das inúmeras intrusões básicas presentes na região. As Figuras 04 a 07 mostram os perfis do rio Tibagi em três pontos distintos, enfatizando as características geomorfológicas dos depósitos diamantíferos, conforme a interpretação de Oppenheim (1936). 1 São Francisco 21 Pocinho 41 Cachoeira Feia 2 Poço de Carranca 22 Limeira 42 Salto Aparado 3 Cachoeira dos Pampas 23 Barreirinho 43 Poço do Gique 4 Cachoeira dos Pinheiros 24 Caldeirões 44 Salto dos Alemães 5 Mato bom 25 Saltinho 45 Cachoeirinha 6 Cachoeira das Cavernas 26 Mandasaia 46 Chupador 7 Cachoeira do Bonifácio 27 Imbauzinho 47 Cachoeira dos Quizamba 8 Cachoeira da Usina 28 Pedra Grossa 48 Barra Grande 9 Cachoeira de Tibagy 29 Anta Magra 49 Caldeirão 10 Salto Peludo 30 Arroio Grande 50 Ilha dos Cavalos 11 Santa Rosa 31 Drummond 51 Cachoeira dos Porcos 12 Cascalho duro 32 Cachoeira do Tigre 52 Cachoeirinha 13 Barra da Conceição 33 Cachoeirinha 53 Cachoeirão 14 Poço do Assombro 34 Vira Panela 54 Cachoeira do Horácio 15 Rio Imbaú 35 Estreito 55 Poço do Tigre 16 Saltinho 36 Ilha das Formigas 56 Cachoeira Grande 17 Cachoeira dos Ingleses 37 Ilha Fechada 57 Jaguatirica 18 Lambedor 38 Cachoeira dos Pupos 58 Areado 19 Varanol 39 Barra do Lageado 59 Salto Mauá 20 Cachoeira da Mortandade 40 Cachoeira Grande Tabela 1 – Ocorrências de diamante cadastradas por Oppenheim em 1936. Figura 4 – Perfil transversal do rio Tibagi, num dos garimpos conhecido como Mato Bom acima do município de Tibagi, ilustrando o entendimento, à época, das armadilhas de relevo para os depósitos diamantíferos (baseado em Oppenheim, 1936). 170 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 Figura 5 – Perfil longitudinal do rio Tibagi, num dos garimpos conhecido como Mato Bom a montante do município de Tibagi, ilustrando o entendimento, à época, das armadilhas de relevo para os depósitos diamantíferos (baseado em Oppenheim, 1936). Figura 6 – Perfil transversal mostrando as cascalheiras e sua concentração em certos trechos, nos garimpos de Cascalho Duro, já no município de Telêmaco Borba (baseado em Oppenheim, 1936). Figura 7 – Perfil transversal mostrando as cascalheiras e sua concentração em certos trechos, nos garimpos de Salto dos Alemães, já no município de Telêmaco Borba (baseado em Oppenheim, 1936). 171 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 Passado este período de intensa garimpagem, Maack (1968) publicou uma comunicação sumária em que afirmou ter extraído diamante das rochas glaciais da região. Este fato, contudo, ainda não foi confirmado por nenhum outro autor e sobre o local exato desta possível extração se perdeu com a morte de Maack. Na década de 1980, um novo surto de mineração ocorreu no Tibagi e empresas como a CPRM e a Mineropar implantaram grandes projetos de pesquisa e prospecção na região, incluindo uma lavra experimental (Mineropar) em Campina dos Pupos, no município de Telêmaco Borba. Neste período, Svisero (1979) teve a oportunidade de analisar a mineralogia e as inclusões destes diamantes e Chieregati (1989), em dissertação de mestrado posterior, realizou um extenso panorama sobre a geologia dos depósitos, baseado em numerosos levantamentos de campo da CPRM. Mais tarde alguns dados foram complementados por Perdoncini (1997), também em dissertação de mestrado. Vários trabalhos sobre o diamante de Tibagi foram ainda apresentados em 2010, por ocasião do Simpósio Brasileiro de Geologia do Diamante que aconteceu pela primeira vez em Tibagi, reaquecendo as discussões sobre o tema. 3.2. LAVRA EXPERIMENTAL DA MINEROPAR Entre 1982 e 1987 a Mineropar, à época uma empresa estatal dedicada à pesquisa, prospecção e fomento da mineração, realizou atividades de pesquisa e extração de diamante e ouro na bacia do rio Tibagi em várias localidades, entre elas Ilha dos Cavalos, Barra Grande e Campina dos Pupos, no âmbito do Projeto Diamante. Na localidade conhecida como Campina dos Pupos foi implantada uma lavra experimental que permitiu um detalhamento geológico da morfologia do leito do rio, com seu característico trapeamento. Esta lavra foi realizada em uma parceria da Mineropar com a cooperativa de garimpeiros existente à época, que contava com 55 associados, e com o geólogo detentor dos direitos minerários, Atamon Domingues de Oliveira, sobre um antigo garimpo, caracterizado por cascalheiras que formam ilhas em trechos do rio. As atividades envolveram o desvio das águas por bombeamento contínuo e a construção de uma barragem para secagem do leito, a dragagem para a retirada do cascalho mineralizado transportado por meio de vagonetes e guinchos (ver Figura 08) e a posterior lavagem e separação com uso de jig em local seco, para a recuperação do diamante (Liccardo & Mesquita, 2010). Figura 8 – Imagem da geomorfologia do fundo do rio Tibagi, obtida na época da construção da barragem e desvio das águas. Em alguns trechos a profundidade do rio pode alcançar 30m e ficam evidentes as inúmeras armadilhas para concentração de diamante. Atualmente este local, Campina dos Pupos, inclusive o muro, foram cobertos pelas águas, graças à construção da hidrelétrica em Salto Mauá, a jusante. Foto D. Mesquita, 1985. Registros mantidos desta época indicam a retirada de 6.741 pedras (1.836,96 ct) em três grandes lotes: o primeiro, com 1.628 pedras, pesando 456,11ct, o segundo com 3.206 pedras que totalizavam 848,90ct (ver Figura 09) e o terceiro lote que se compunha de 1.907 pedras que pesavam 531,96ct. Esses dados permitiram a inferência de algumas características gerais sobre os diamantes produzidos nesta localidade com bastante representatividade, já que os trabalhos eram controlados sistematicamente pelas três partes interessadas e representam, possivelmente, o melhor controle estatístico já realizado em populações de diamantes desta região em mais de 250 anos de extração (considerando a quantidade de espécimes). Das 6.741 pedras (1836,96 quilates) retiradas em poucos meses de extração descontínua por problemas com chuvas, percebe-se o tamanho pequeno em média (0,27ct). Ainda conforme estes registros, o maior destes diamantes pesava 9,10ct (avaliado em US$ 2.180,00 em novembro de 1985), sendo muito pouco comum nos lotes a presença de pedras com mais de 3ct. O material recuperado nesta lavra experimental foi classificado como tipo gema (41%), tipo “lasca” (parcialmente aproveitável em lapidação - 19%) e tipo indústria (40%). As Figuras 10 a 12 mostram a distribuição dos indivíduos conforme esta classificação e o peso para diferentes lotes (Liccardo & Mesquita, 2010). Não obstante as dificuldades para a construção da barragem, que foi interrompida inúmeras vezes em função da grande variação do nível do rio pelas chuvas, e independentemente dos resultados econômicos obtidos, as informações sobre o leito do rio Tibagi nesta época e esta significativa população de diamantes trouxeram novas ideias sobre as características dos depósitos e dos diamantes. 172 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 Figura 9 – Parte do segundo lote produzido em 1985 pela lavra experimental na Campina dos Pupos, município de Telêmaco Borba, mostrando as principais características dos diamantes de Tibagi, como a predominância de cristais inteiros por exemplo. Foto: Mineropar, 1985. Figura 10 – Distribuição da quantidade de indivíduos (barras à esquerda) e peso dos diamantes (barras à direita) nos intervalos de tamanho entre menores que 0,17ct e maiores que 2ct, numa população de 646 indivíduos classificados como “gema”. Baseado nos dados de produção da Mineropar em 1985. Liccardo e Mesquita, 2010. Figura 11 – Distribuição da quantidade de indivíduos (barras à esquerda) e peso dos diamantes (barras à direita) nos intervalos de tamanho entre menores que 0,17ct e maiores que 2ct, numa população de 285 indivíduos classificados como “lasca”. Baseado nos dados de produção da Mineropar em 1985. Liccardo e Mesquita, 2010. Figura 12 – Distribuição da quantidade de indivíduos (barras à esquerda) e peso dos diamantes (barras à direita) nos intervalos de tamanho entre menores que 0,17ct e maiores que 2ct, numa população de 695 indivíduos classificados como “indústria”. Baseado nos dados de produção da Mineropar em 1985. Liccardo e Mesquita, 2010. 173 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 3.3. SITUAÇÃO NO SÉCULO 21 Mais recentemente, em 2005-2006, houve uma retomada na produção, com dezenas de dragas atuando ao longo do rio, entre Tibagi e Telêmaco Borba. Este fenômeno de aquecimento do mercado se explica parcialmente pela entrada do Brasil, nesta época, no sistema internacional de certificação de procedência de diamantes, conhecido como Processo Kimberley. Em 2006 a Mineropar editou um histórico da mineração no Paraná, onde os diamantes receberam papel destacado (Liccardo & Cava, 2006). Irregularidades legais na mineração, problemas ambientais e a crise econômica internacional em 2009 levaram a um novo período de retração, situação que parece perdurar até o momento. Períodos de grande produtividade intercalados com p e r í o d o s d e g ra n d e re c e s s ã o, s o m a d o s a o desconhecimento da origem geológica ainda hoje parecem confirmar a história cíclica de extração de diamantes em Tibagi. O maior rigor na fiscalização de impactos ambientais em leitos de rio, nos últimos anos, levou a grandes dificuldades na legalização de garimpos e na definição de áreas de extração. A recente construção de barragens para hidrelétricas sobre as áreas mais produtivas também gerou dificuldades para a extração, o que aponta para uma possível extinção desta atividade na região nos próximos anos. Liccardo et al. (2012) propuseram uma abordagem como patrimônio cultural para todo o contexto do diamante em Tibagi e adjacências, discutindo a correlação entre as características dos garimpos, do diamante e sua gênese com a história local e o desenvolvimento peculiar que aconteceu nesta parte do Brasil. Em 2013, o governo estadual prepara uma legislação adequada para eventuais registros e tombamentos de patrimônios cultural e imaterial, onde possivelmente este conjunto de fatores possa vir a se enquadrar. 4. DISCUSSÃO GEOLÓGICA Os garimpos de diamante da bacia hidrográfica do rio Tibagi (PR) e áreas adjacentes vêm sendo explorados desde o século dezoito, em cascalheiras do leito ativo dos rios, em aluviões antigos e recentes, bem como em colúvios. Estas ocorrências estão posicionadas sobre rochas da Formação Furnas (Devoniano) e do Subgrupo Itararé (Permo-Carbonífero), na porção sudeste da Bacia do Paraná e os depósitos são, em geral, de pequenas dimensões, tendo havido em alguns locais trabalhos mecanizados de lavra e de beneficiamento. O teor em diamante é baixo, oscilando entre 0,04 a 0,80 ct/m3 nos níveis mais ricos. No decorrer dos anos oitenta, a produção dos garimpos oscilou entre 400 a 1.000 ct/ano (Chieregati & Svisero, 1990). Svisero (1979) mostrou, por meio de análises em microssonda eletrônica, que inclusões de granada, espinélio e olivina contidas nestes diamantes, possuem características químicas típicas de diamantes peridotíticos, apontando uma derivação a partir de fontes essencialmente kimberlíticas. No decorrer de 1984, a CPRM e a Mineropar realizaram pesquisas de avaliação dos garimpos da região, ocasião em que foram classificados e avaliados os tipos de depósitos, tendo sido ressaltado o teor baixo das ocorrências (CPRM 1984,1986). A partir da década de 1980 houve uma intensa busca por kimberlitos no Brasil, como o Projeto Kimberlitos (Mineropar, 1986), mas a localização das fontes dispersoras destes diamantes do Paraná, contudo, ainda permanece desconhecida. Chieregati et al. (1987) apresentaram um estudo prospectivo baseado no rastreamento de minerais pesados, a partir de uma amostragem regional realizada em garimpos dos rios Verde, Itararé, Jaguariaíva, Cinzas, Laranjinhas e Tibagi, cobrindo uma área de aproximadamente 200x150km. Os resultados indicaram a presença de magnetita, ilmenita, cromita, jacobsita, limonita, granada, turmalina, epidoto, hornblenda, rutilo, monazita, xenotímio, apatita, zircão, estaurolita, cianita, anatásio, coríndon, cassiterita, sulfetos, ouro e diamante, com algumas variações de frequência nas áreas amostradas. Os minerais de interesse prospectivo, como a granada e a ilmenita, foram analisados com microssonda eletrônica e as análises químicas indicaram granada rica em FeO (25,55-34,68%), que corresponde ao termo almandina, derivada provavelmente de rochas do embasamento cristalino. Da mesma forma, os cristais de ilmenita são isentos de MgO e Cr2O3, impurezas típicas de ilmenitas kimberlíticas, tendo sido relacionadas também a rochas do embasamento (Chieregati & Svisero, 1990). A ausência dos indicadores tradicionais de kimberlitos (piropo cromífero, ilmenita magnesiana, cromita magnesiana e diopsídio cromífero), constituem uma situação geológica diferente daquela observada em outras regiões, como em Coromandel, Minas Gerais (Svisero et al., 2005), o que sugere que o diamante da região do Tibagi esteja relacionado a ciclos erosivos antigos. Outras evidências relativas ao diamante e à geologia da região reforçam essa possibilidade, como por exemplo: a) diamantes de granulometria baixa e qualidade gemológica alta (% de gemas entre 60 a 70%), sugerindo transporte prolongado (Liccardo et al., 2010); b) associação dos depósitos a unidades permocarboníferas da Bacia do Paraná, onde estão presentes litotipos derivados de glaciação (diamictitos); c) presença de pavimentos estriados por ação de geleiras em rochas da região (Chieregati 1989, RochaCampos et al. 2008). 174 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 As direções de paleocorrentes registradas nos litotipos (sedimentos do Grupo Itararé e rochas do embasamento) indicam transporte (pré ruptura do continente Gondwana) de S para N e NW (Santos et al., 1996). A associação desses fatos sugere que os diamantes da região do Tibagi foram transportados por processos glaciogênicos durante a deposição dos sedimentos permocarboníferos da Bacia do Paraná. As fontes dispersoras estariam situadas a sul dos depósitos atuais, possivelmente no continente africano em uma época anterior a fragmentação do Gondwana. Chieregati et al. (2010) apresentaram nova interpretação dos dados que confirmam a proveniência do diamante dos depósitos de origem glacial do Grupo Itararé. Não há evidências geoquímicas ou mineralógicas, ou mesmo datações dos diamantes até o momento, que pudessem corroborar algum destes modelos genéticos. A história geológica destes diamantes apresenta pontos de especial fascínio e remetem a um amplo entendimento dos processos naturais que o planeta passou em termos temporais e espaciais. Esta história devidamente adaptada a outras linguagens pode ser utilizada como fator de cultura e educação científica, conforme os critérios preconizados pela UNESCO nas últimas décadas. Em termos de geologia regional, as características enigmáticas dos processos de deposição, desde a intemperização da rocha portadora (kimberlito) até as armadilhas de relevo fluvial, determinaram o tipo de mineração e a sua continuidade desde sua descoberta, há mais de 200 anos, até os dias de hoje, influenciando diretamente nos aspectos socioeconômicos locais. 5. CARACTERÍSTICAS DOS DIAMANTES Conforme ressaltado por diversos autores, o diamante da região de Tibagi caracteriza-se pela predominância de pedras pequenas com peso médio variando entre 0,1 e 0,3ct. Chieregati (1989) estudou a distribuição do peso de diamantes de garimpos de Telêmaco Borba e de Tibagi a partir de um lote de 219 pedras, obtendo uma moda predominante em torno de 0,10ct. Liccardo & Mesquita (2010), descreveram um lote de 6.741 pedras com tamanho médio de 0,27ct, não obstante eventuais espécimes com até 10ct. Alguns relatos citam pedras de 107ct, mas sem maior comprovação. Historicamente, não são conhecidas ocorrências de grandes diamantes na área de Tibagi, como aquelas registradas na região de Coromandel (MG), onde são frequentes pedras com dezenas ou mesmo centenas de quilates (Reis, 1959). Chieregati (1989) caracterizou a morfologia a partir de vários lotes obtidos no leito ativo do rio Tibagi em 1985, num total de 2.210 pedras. O exame individual dos exemplares permitiu identificar os principais hábitos cristalinos, estando presente por ordem de frequência decrescente: 61,0% de rombododecaedros, 16,0% de octarrombododecaedros, 10,3% de cristais irregulares, 5,7% de fragmentos de clivagem, 4,3% de octaedros, 1% de geminados, 1% de cristais cúbicos e 0,5% de agregados cristalinos. De modo geral, os diamantes são bem formados, euédricos, sendo pequeno o número de fragmentos de clivagem, como mostra a Figura 13. Figura 13 – Imagem parcial de um lote de 102 diamantes retirados de um colúvio (Lavra dos Ingleses, em Tibagi) em 2012. Os cristais enquadram-se perfeitamente em todas as descrições já realizadas desde o século XIX, mostrando considerável constância nas características físicas, como a predominância de formas de transição, como rombododecaedros ou hexatetraedros. Foto Liccardo, 2012. O mesmo autor levantou as características de cor do diamante da região a partir de lotes de garimpos das regiões de Telêmaco Borba (130 pedras), Ortigueira (115 pedras), Rio Santa Rosa (21 pedras), e Campina dos Pupos (1.605 pedras), perfazendo um total de 2.115 exemplares. A análise do conjunto indicou a presença por ordem decrescente de 56,5% de cristais incolores, 23,6% de castanhos claros, 9,7% de castanhos escuros, 6,4% de amarelos e 3,6% de verdes. Apesar dos diamantes apresentarem dimensões pequenas comparadas com outras áreas garimpeiras, eles se destacam pela presença de pedras coloridas (fancy colors), atualmente de grande valor no mercado. Barelli (1973) identificou, por meio de difração de raios X, inclusões de olivina, enstatita e granada no interior de diamantes de garimpos do rio Tibagi. Meyer & Svisero (1975) analisaram, por meio da microssonda eletrônica, cristais de piropo cromífero contendo até 17,5% de Cr2O3 e de espinélio rico na molécula cromita. Svisero (1979) apresentou análises, também por microssonda, de olivina (forsterita), piroxênio (enstatita) e espinélio (cromita) e as características químicas destas inclusões indicam uma paragênese típica de diamantes peridotíticos. Barelli (op.cit.) estudou um lote de 27 cristais por espectroscopia no infravermelho, onde constatou a predominância do tipo Ia, ou seja, diamantes contendo impurezas de nitrogênio. Liccardo et al. (2010) 175 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 analisando um lote de 11 amostras de cores variadas, verificaram tratar-se de diamantes do tipo IaAB. Este tipo de diamante é o mais comum na natureza e nele o nitrogênio ocorre na forma de agregados A, B e em grupos de três átomos conhecidos como N3. Estes centros absorvem parcialmente a luz causando colorações pálidas entre o amarelo e o castanho, e graus variados de fluorescência. Ainda segundo os referidos autores, os diamantes incolores apresentam os centros A e B em proporções semelhantes. Nos diamantes castanhos predominam os centros B e nos amarelos e verdes os centros A. Uma das características marcantes dos diamantes da região de Tibagi é a predominância dos tipos gemológicos sobre os do tipo indústria, na proporção de 65/35%, respectivamente. Outra qualidade gemológica de destaque é a presença de diamantes coloridos (fancy). Com relação à cor, a análise de um lote de 120 pedras baseada nos critérios do Gemological Institute of America (GIA), indicou a presença de 50% de diamantes incolores (categorias D a G), seguidos por 30 a 40% de cristais de cor castanha (categorias Q a R) e menos de 5% de diamante verde ou amarelo intenso (Liccardo et al., 2010). Embora não existam dados estatísticos em relação ao grau de pureza (clarity) dos diamantes de Tibagi, a prática comercial tem evidenciado a predominância de cristais com poucas inclusões e de bom aproveitamento na lapidação. Além disso, o predomínio de cristais euédricos em relação a fragmentos de clivagem (lascas) e agregados cristalinos é outro fator positivo no aproveitamento destes diamantes. 6. INFLUÊNCIA SOCIOCULTURAL DA MINERAÇÃO Entre 1730 e 1733, o preço do diamante na Europa “despencou” pelo excesso de diamantes no mercado (Azevedo, 1988) e, a partir de 1740, a extração no Brasil passou a ser totalmente controlada pela Coroa Portuguesa, com direitos exclusivos para a compra dos diamantes produzidos. Esta situação perdurou até a independência em 1822 quando, então, volta a ser livre a procura por esta gema. A mineração plena de diamante só veio a se desenvolver no Brasil com a chegada do século XIX, revelando grandes jazidas (Lins et al., 2000). Apesar de notícias sobre a existência de diamantes na Bahia (e no Paraná), a produção até então se concentrou em Minas Gerais. Segundo Martins et al. (1989), entre 1830 e 1865 houve a maior produção de diamantes no Brasil, superada logo depois pela descoberta dos riquíssimos depósitos na África. A maior parte dos autores atribui a decadência na mineração à perda de valor econômico no mercado internacional em função das pedras que chegavam das minas africanas. Apesar do papel periférico da mineração em Tibagi, o conhecimento da população sobre a existência do diamante remonta ao século XVIII, o que diferencia culturalmente esta região de qualquer outra do Paraná e até mesmo do sul do Brasil. A articulação entre exploração mineral e as práticas culturais costuma se refletir nas características singulares dos lugares de ocorrência, neste caso o município de Tibagi, principalmente, e outros nos arredores, como Telêmaco Borba, Ortigueira ou Jaguariaíva. A cultura de mineração esteve desde o início arraigada aos primeiros desbravadores (brancos) do território e teve grande impulso no século XX, com a vinda dos mineradores de Minas Gerais e Bahia, negros e mulatos em sua maioria. A miscigenação da população, desde então, causou um enriquecimento cultural que se reflete hoje no folclore, músicas e no imaginário dos habitantes da região. Tibagi tem hoje uma das maiores populações negras do Paraná. Boa parte da história econômica de Tibagi também está relacionada aos aquecimentos (e rupturas) da economia da mineração, assim como às flutuações populacionais com levas de mineradores que iam e vinham conforme as épocas de maior ou menor produção (Liccardo et al., 2012). Diversamente de outras áreas diamantíferas no Brasil, onde grandes achados fizeram fortunas imediatas e trouxeram, como consequência, o aumento de violência e o extremo contraste social, em Tibagi há uma tendência para a produção de pedras pequenas, o que possivelmente causou um impacto menor e determinou a extração paulatina, sem grandes surtos. Não obstante, a participação desta extração mineral na economia local apresentou inúmeros reflexos, entre eles o assentamento de boa parte dos garimpeiros que vieram a compor a população da região. O Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer, também chamado Museu do Garimpo, é conhecido como um dos mais importantes acervos do Paraná. Criado em 1985 com a proposta de manutenção cultural da história do município, destacou-se pelo conteúdo ligado ao garimpo, sendo sua principal sala de exposições o único local da região Sul do Brasil a apresentar os objetos, imagens e textos sobre o tema da mineração. Dos museus diretamente ligados à história do diamante no Brasil, o museu de Tibagi figura entre os mais completos e bem documentados, além de constituir atualmente um atrativo turístico obrigatório do município. Uma das salas do museu também é dedicada à participação dos negros na formação da identidade cultural do município (Liccardo et al., 2012). 7. CONTEXTO DO DIAMANTE COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial e, também, ao estabelecer outras formas de preservação - como o Registro e o Inventário - 176 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 além do Tombamento, instituído pelo Decreto-Lei nº. 25, de 30/11/1937, que é adequado, principalmente, à proteção de edificações, paisagens e conjuntos históricos urbanos (IPHAN, 2013). Os Bens Culturais de Natureza Imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares, como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define como Patrimônio Cultural Imaterial: "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural". Esta definição está de acordo com a Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo Brasil em março de 2006 (IPHAN, 2013). Como patrimônio cultural ou imaterial estão compreendidas, então, as possibilidades de utilização dos recursos naturais para os mais variados fins, bem como as práticas cotidianas relacionadas ao modo de vida, organizado no que se pode chamar de experiências vividas. O patrimônio cultural, representado tanto pela cultura erudita quanto pela cultura popular, pode ser identificado nas manifestações sociais atuais, e mais do que isso, pode ser considerado elemento importante na formação sociocultural das populações que lhe são recorrentes. Desde a década de 1970, a relação da sociedade com as práticas cotidianas passou a receber atenção e valorização, sendo considerada como patrimônio imaterial, uma memória que contribui com o entendimento da ordenação social, espacial e econômica, como, aliás, pode ser encontrado nos municípios do Paraná ligados à extração de diamante. O patrimônio cultural torna-se incorporado à sociedade quando, associada a ele, a memória social é fixada através de elementos que possuem significado para a vida coletiva, e a importância deste patrimônio está diretamente relacionada à carga simbólica que ele representa, assim como ao poder de pertencimento que ele proporciona (Monastirsky, 2005). A história do diamante em Tibagi refere-se a esta carga de simbolismo e certamente exerce papel fundamental na cultura local. Tibagi e Telêmaco Borba, os principais municípios produtores de diamante, apresentaram uma evolução socioeconômica diferente da maioria dos municípios da região, como Castro, por exemplo, cuja influência da pecuária e do tropeirismo no século XIX impregnou culturalmente de maneira diversa do que a prática garimpeira. Mesmo o número de escravos ligadosà mineração foi muito inferior aos utilizados nas fazendas ligadas à pecuária e, mais ainda, sem comparação com áreas mineradoras de Minas Gerais ou Bahia. Certamente a extração de diamante no sul do país não recebeu a mesma ênfase de outras áreas e por isso seus ciclos de altos e baixos não tiveram impacto negativo tão profundo. Esta característica, por si só, faz desta história de extração algo diferente de outros lugares do Brasil e permitiu a longevidade desta atividade de maneira artesanal. As grandes cheias do rio Tibagi tornam inviáveis os trabalhos em certas épocas do ano, obrigando à sazonalidade na atividade extrativa e impondo atividades paralelas de subsistência aos garimpeiros (como a agricultura, por exemplo). Diamantes grandes são extremamente raros e, na maior parte dos casos, o tamanho pequeno das pedras limita os ganhos, não obstante serem de ótima qualidade gemológica. O desconhecimento de sua origem geológica ou, mais especificamente, de sua rocha-fonte dificulta projetos racionais que proponham um planejamento nos moldes de uma mineração moderna. Esta conjuntura faz com que a atividade de mineração seja de pequeno porte e com tendência a utilizar técnicas tradicionais de trabalho artesanal. Possivelmente os aspectos histórico-culturais deste processo representem maior valor para a comunidade que o aspecto econômico ligado a esta atividade, no caso desta região. Com a construção de barragens para hidrelétricas no rio Tibagi é possível que a garimpagem, nos moldes em que é praticada atualmente, seja extinta. A proposta desta discussão é que se busquem mecanismos de preservação e valorização do conteúdo histórico-cultural e sejam avaliados seus impactos sobre a sociedade e a memória local. O conhecimento e as reflexões geológicas devem ser considerados um importante instrumento para alicerçar este processo, por apresentar dados consistentes e registros de alta confiabilidade. Assim como estes dados costumam balizar pesquisas de prospecção geológica, podem ser utilizados também para balizar o registro como patrimônio imaterial do Paraná. 177 Liccardo & Chieregati/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 166-179 Referencias ANDRADA M. F. R. 1847. Diário de uma Viagem Mineralógica pela Província de S. Paulo no Anno de 1805. Revista do IHGSP, Tomo IX, pp. 527–548. AZEVEDO J. L. 1988. Épocas de Portugal Económico – Clássica Editora, Lisboa. 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Manuscrito ID 31655 Submetido em maio de 2013 Aceito em julho de 2013 179 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 180-189 Mina do Morro do Ouro, Apiaí, SP – A transformação em parque Morro do Ouro Gold Mine, Apiaí, SP – Transformation into a park HÉLIO SHIMADA Instituto Geológico – SMA, São Paulo - [email protected] Resumo A extração de ouro em depósitos secundários em Apiaí, no sul do Estado de São Paulo, foi iniciada na segunda metade do século 17, sendo realizada de maneira descontínua até meados do século 19. A mineração subterrânea na mina do Morro do Ouro foi iniciada em 1889, funcionando de maneira intermitente até 1942, quando foi paralisada compulsoriamente, e não mais voltou a operar. Em 1998, após longo tempo de abandono, foi transformada em área de utilidade pública por meio de lei municipal. Em 2002, foi elaborada proposta para a conversão da mina abandonada em atrativo turístico, aproveitando as galerias ainda preservadas e as ruínas do beneficiamento. A proposta foi aceita pelo município, que iniciou a efetiva implantação do parque em 2003. Em 2004, foi oficialmente criado o Parque Natural Municipal do Morro do Ouro, caracterizando a conversão de um passivo ambiental em sítio geoturístico. Palavras-chave: Morro do Ouro; Apiaí; mina de ouro; geoturismo; parque natural. Abstract The exploitation of gold in secondary deposits started in Apiaí in the second half of the 17th century, and was discontinuously performed until the end of the 19th century. The underground mining was initiated in 1889 in the Morro do Ouro mine and operated intermittently until 1942, when it was compulsorily closed, not operating since them. In 1998, after being abandoned for a long time, it turned into an area of public interest by a municipal law. In 2002, a proposal to turn the former mine into a geotouristic attraction was accepted by the municipality wich started the effective set up of the park in 2003. In 2004, the Parque Natural Municipal do Morro do Ouro was officially created, characterizing the conversion of an environmental liability into a geotouristic site. Keywords: Morro do Ouro; Apiai; gold mine; geotourism; nature park 1. Introdução O presente texto apresenta o Parque Natural Municipal do Morro do Ouro (PNMMO), em Apiaí, SP, criado numa mina abandonada de ouro, convertendo um passivo ambiental em importante sítio geoturístico. São abordados o contexto geológico da mineralização aurífera, o histórico da mineração no Morro do Ouro, o processo de criação do PNMMO e as considerações sobre seu futuro e as possibilidades de outras iniciativas similares na região. 2. Localização O acesso, partindo de São Paulo, pode ser feito pelo seguinte roteiro: rodovia Castelo Branco (SP-280) até Tatuí; rodovia Tatuí – Itapetininga (SP-127), e rodovia Itapetinga – Apiaí (SP-250). Uma outra opção de acesso, a partir de São Paulo, é a rodovia Regis Bittencourt (BR116) até Jacupiranga; rodovia Jacupiranga – Eldorado (SP193); e rodovia Eldorado – Apiaí (SP-165) passando por Iporanga, com o trecho até Apiaí ainda não pavimentado. Partindo de Curitiba, o roteiro de acesso é: rodovia Curitiba – Adrianópolis (PR-476) e rodovia Ribeira – Apiaí (SP-250). Opcionalmente, há o acesso via Jacupiranga, como acima descrito. O PNMMO localiza-se imediatamente a leste da zona urbana de Apiaí (Figuras 1 e 2), no divisor de águas das bacias dos rios Ribeira de Iguape e Paranapanema. 180 Shimada/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 180-189 Figura 1 – Localização do Parque Natural Municipal do Morro do Ouro. Figura 2 – O Parque Natural Municipal do Morro do Ouro em imagem do Google Earth. 181 Shimada/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 180-189 3. Contexto geológico da mina do Morro do Ouro A região da mina do Morro do Ouro está situada no alto Vale do Ribeira, no largo segmento crustal denominado Cinturão Ribeira, com cerca de 2.500 km de extensão e constituindo parte do Sistema Orogênico Mantiqueira (Brito Neves et al., 1999). O Cinturão Ribeira, paralelo à linha da costa sudeste, é cortado por um sistema de zonas de cisalhamentos transcorrentes dextrais, relacionado às colisões oblíquas entre os crátons São Francisco, Congo, Luís Alves e Paranapanema durante o Neoproterozóico (Campanha & Sadowski, 1999; Faleiros et al., 2011). No Neoproterozóico, durante a Orogenia Brasiliano/Pan-Africana, esse segmento crustal foi amalgamado, deformado e metamorfizado (Heilbron et al., 2004; Faleiros et al., 2011; Siga Junior et al., 2009, 2011; Campanha et al. 2008a, b). Vários autores realizaram trabalhos de caráter regional no Vale do Ribeira, entre os quais podem ser citados Campanha (1991), Daitx (1996), Fassbinder (1996) e Faleiros (2008). A porção sul do Cinturão Ribeira abrange, de norte para sul, os terrenos compostos Apiaí, Curitiba e Luís Alves, delimitados pelas zonas de cisalhamento Lancinha e Serra do Azeite. O Terreno Apiaí, onde está situado o Morro do Ouro (Figura 3), é composto por sequências de rochas supracrustais de baixo a médio grau metamórfico, originalmente designadas como Grupo Açungui, posteriormente elevado à categoria de Supergrupo (Campanha, 1991; Campanha & Sadowski, 1999). A região foi também objeto de vários projetos de mapeamento geológico e trabalhos avulsos como os executados pela CPRM (1981) e Chiodi Filho (1984). Figura 3 – Contexto geológico da região de Apiaí. 182 Shimada/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 180-189 No Morro do Ouro, predominam as rochas metamórficas de baixo grau da Formação Água Clara (Figura 5), com a predominância de xistos variados com intercalações de calcários, filitos, dolomitos, rochas calciossilicáticas e quartzitos. As mineralizações auríferas do Morro do Ouro ocorrem em dois tipos de minério: veios de quartzo escuro (Figura 4) cortando rochas metassedimentares de fácies xisto verde da Formação Água Clara (ca. 1450 - 1500 Ma; Weber et al., 2004) e m i n é r i o l i m o n í t i co, fo r m a d o p o r q u a r z t i to (possivelmente chert recristalizado) enriquecido em óxidos de ferro e intercalado com níveis de limonita (Paiva e Morgental, 1980) (Figura 6). Nos veios, o ouro está contido nas estruturas cristalinas dos sulfetos metálicos de ferro e cobre que, quando oxidados, apresentam o ouro na forma livre, em partículas de dimensões variadas. No minério limonítico, o ouro livre está associado aos óxidos presentes. Figura 4 – Veio de quartzo aurífero no teto do túnel T-15. Faleiros (2012) estudou os regimes de fluidos hidrotermais e a formação dos veios de quartzo aurífero do Morro do Ouro, identificando dois sistemas: veios NW extensionais subverticais e veios NE subverticais paralelos aos planos axiais de dobras apertadas. Os primeiros foram formados sob pressão de fluidos litostática a supralitostática (110 - 225 MPa a 225º C), e os últimos foram formados sob pressão de fluidos próxima a valores hidrostáticos (55- 80 MPa e a 225º C). Os dois tipos de veios apresentam inclusões fluidas dos sistemas CO2-CH4 e H2O-CO2-CH4-NaCl-CaCl2, com salinidades variando de 4 a 67% em peso de NaCl equivalente. A mesma autora sugere que os veios mineralizados podem estar relacionados à falha do Carumbé, transcorrente dextral de direção NE, adjacente ao Morro do Ouro, que teria atuado como falha-válvula. Os fluidos hidrotermais em interação com as rochas encaixantes foram, provavelmente, enriquecidos em ouro nelas contido, ocorrendo a posterior precipitação devido às alterações nas condições físico-químicas dos fluidos. Tais variações ocorreram como consequência de flutuações cíclicas na pressão dos fluidos e do regime tectônico associado a episódios de atividades sísmicas relacionadas à falha. 183 Shimada/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 180-189 Figura 5 – Mapa geológico simplificado da área do Morro do Ouro. 184 Shimada/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 180-189 Figura 6 – Perfil geológico esquemático A-B (NW-SE) da área do Morro do Ouro. 4. Breve histórico da mina do Morro do Ouro As mineralizações auríferas do Morro do Ouro são conhecidas, segundo Calazans (1996), desde a segunda metade do século 17, quando aventureiros em busca de ouro, partindo de Iguape, subiram o rio Ribeira de Iguape até o local então denominado Porto de Apiahy, a jusante de Itaóca. Sánchez (1984) cita como possível a descoberta no ano de 1675. Desse local, alcançaram os ribeirões com cascalho aurífero nos arredores da cidade atual. O número de garimpeiros aumentou rapidamente, instalando-se o povoado em Vila Velha do Peão, a norte do Morro do Ouro. Este passou a ser vasculhado pelos mineradores por volta do ano de 1770, em busca de minérios coluviais e eluviais. Na área a oeste do morro surgiu o povoado de Santo Antonio das Minas de Apiahy, elevado à categoria de vila em 14 de agosto de 1771. Foi o 19º povoado paulista a se tornar município; porém, sua emancipação consolidou-se somente em 6 de agosto de 1797, sendo elevado a comarca em 7 de janeiro de 1937. Após a exaustão das reservas de minério secundário superficial, foi iniciada a lavra subterrânea do minério primário no Morro do Ouro, que funcionou de maneira intermitente entre 1889 e 1942. Neste ano, foi paralisada de maneira compulsória pelo governo federal devido ao fato de a mina ser operada por uma empresa japonesa, permanecendo a mina paralisada e abandonada até o início dos anos 2000. Paiva e Morgental (1980) sintetizaram cronologicamente os fatos relevantes relacionados à mina do Morro do Ouro: 1885 - A empresa Resende & Cia. incumbiu o Eng. Gonzaga de Campos a realizar pesquisa na zona de Apiaí, tendo sido a propriedade do Morro do Ouro, considerada a mais importante entre as estudadas. 1889 - José de Souza organizou uma sociedade, instalando pilões de madeira com sapatas de aço para trituração do minério, construindo também uma estrada de carros de boi subindo o morro. 1902 - Antonio Carlos Melchert constituiu, com alguns amigos, a empresa Antonio Melchert & Cia., montando 185 Shimada/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 180-189 um sistema de dez pilões e completo equipamento para amalgamação e cianetação. A iniciativa não produziu os resultados esperados, sendo paralisada em 1904, limitando-se os trabalhos às pesquisas em pequena escala até o ano de 1910. 1910 - David Carlos MacKnight, Frank Edward Krug e Walter Charnley obtiveram uma opção para estudar a jazida e oportunamente constituir uma empresa mineradora. Planejando operações conjuntas com as instalações de Melchert, encomendaram um moinho com capacidade de 50 toneladas diárias; porém, a morte súbita do último motivou o fracasso do empreendimento. O maquinário ficou depositado em Itapeva (então Faxina) até 1922. 1922 - MacKnight e seus sócios adquiriram as propriedades do Morro do Ouro e Água Limpa. No mesmo ano, um incêndio destruiu as instalações de Melchert. Mesmo assim, o grupo continuou a lavra do minério, abrindo 1.600 m de galerias e recuperando 6,5 kg de ouro através de amalgamação até o ano de 1924. O metal recuperado tinha 76% de ouro e 24% de prata. 1939 - Com o advento do Código de Minas, em 1934, MacKnight, Krug e Charnley conseguiram o Manifesto de Mina sob registro no 399, em 20 de abril de 1939. A mina e seus imóveis estavam então arrendados, desde 16 de março de 1939, à Cia. de Mineração de Apiaí, com participação de capital japonês, pelo prazo de 15 anos com opção para outros 15. A atividade dessa empresa foi autorizada pelo Decreto no 5.021 de 13 de dezembro de 1939, dando-se início imediato aos trabalhos. No prazo de um ano, foram abertos 2.500 m de galerias, das quais saíram cerca de 10.000 t de minério a um teor médio de 5 g/t. Na época, as reservas da jazida foram estimadas em 100.000 toneladas de minério. O tratamento do minério consistia em britagem, moagem, e recuperação do ouro grosso por amalgamação com mercúrio. O ouro fino era recuperado por cianetação, onde o metal era dissolvido em solução de cianeto de sódio e, após filtragem, recuperado por precipitação com adição de zinco. 1942 - Com o início da segunda guerra mundial, a mina foi paralisada por força do Decreto Lei no 4.166, que determinou o confisco dos bens dos súditos do Eixo Alemanha - Itália - Japão, sendo nomeados interventores. 1945 - Ordem de liquidação extra-judicial da empresa. 1960 - A União reconhece que os legítimos donos da empresa não eram súditos do Eixo, devolvendo o remanescente do empreendimento à Cia. de Mineração de Apiaí. Porém, a longa paralisação havia provocado o colapso no sistema subterrâneo de galerias, inviabilizando o reinício da lavra conforme o plano original. Somando-se a isso as condições desfavoráveis do mercado do ouro na época, a empresa considerou inviável um novo planejamento de lavra. Paiva e Morgental (1980) estimaram a reserva remanescente de minério, para os dois tipos citados e acima da cota 860 m, em 1.040.000 t de minério, com teor médio ponderado de 2,58 g/t de ouro. A estimativa admitiu a extensão do minério ao Morro da Água Limpa. 5. A criação do Parque Natural Municipal do Morro do Ouro Em 28 de maio de 1998, a lei municipal de autoria do então vereador Donizetti Borges Barbosa transformou o Morro do Ouro em área de utilidade pública, inicialmente visando apenas preservar os mananciais da cidade. Shimada (2002) observou que as ruínas das instalações de beneficiamento poderiam ser recuperadas e algumas galerias ainda permitem acesso seguro, exibindo as mineralizações auríferas, e propôs à prefeitura de Apiaí o aproveitamento geoturístico da mina do Morro do Ouro, nos moldes de iniciativas similares que conheceu no exterior. A proposta foi aceita pela prefeitura, decidindose pela criação de um parque natural municipal. Na época, a propriedade do terreno ainda era privada, constituindo obstáculo para o projeto. Em 2003, a empresa Camargo Corrêa Cimentos, que opera fábrica na cidade, adquiriu o terreno, doando-o à prefeitura. Assim, teve início a efetiva implantação do parque, oficializada pelo Decreto Municipal 003/2004. Atualmente, o Parque Natural Municipal do Morro do Ouro, em área de cerca de 450 hectares, recebe constantes melhorias na infraestrutura e conta também com trilhas de caminhada e um Centro de Informações Turísticas que funciona 24 horas/dia, todos os dias da semana, inclusive feriados (Figura 7), transformando-se em destacado atrativo geoturístico e de educação ambiental da região, descrito por Shimada (2008). Figura 7 – CIT - Centro de Informações Turísticas do PNMMO O PNMMO constitui o primeiro dos atrativos relacionados à história da mineração na região, cujo início remonta ao século 17, mas tem sido pouco valorizado. Nesse contexto, Silva & Shimada (1997) e Shimada et al. (1998) já haviam estudado as minas abandonadas de chumbo e prata da região, propondo a recuperação e aproveitamento geoturístico desses sítios, compondo o "Roteiro das Minas" regional. Os variados atrativos naturais da região, aliados a esse roteiro, resgatariam a rica história da mineração e seria mais uma 186 Shimada/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 180-189 interessante opção para os visitantes. No PNMMO, complementando a infraestrutura externa de recepção de visitantes e da recuperação das instalações de beneficiamento (Figura 9), foi proposta a melhoria das condições do túnel T-15 (Figura 8), o mais bem preservado, onde é possível implantar um roteiro de visitação que permite a observação das mineralizações. Para tanto, foi contratada a consultoria de um Engenheiro de Minas, que elaborou relatório propondo medidas de segurança nas galerias (Figura 10), como interdições de trechos perigosos, aberturas de saídas de emergência e escoramentos localizados. Figura 10 – Proposta de adequaçãodo túnel T-15 da mina do Morro de Ouro ao geoturismo. O acesso seguro às galerias da antiga mina não proporcionaria apenas atrativo para os turistas, mas também de pesquisadores interessados em estudos da mineralização aurífera, como os realizados por Faleiros (2012). 6. Considerações finais Figura 8 – Uma das entradas do túnel T-15 Figura 9 – Ruínas das instalações de beneficiamento, próximas ao CIT Paralelamente, foi proposto o mapeamento detalhado dos demais túneis do Morro do Ouro, para seleção daqueles mais adequados para potencial aproveitamento geoturístico. O Parque Natural Municipal do Morro do Ouro é uma iniciativa pioneira na região do alto Vale do Ribeira/alto Paranapanema, e tem atraído numerosos visitantes, principalmente dos municípios vizinhos, incluindo excursões didáticas das escolas. No entanto, a criação do Parque Natural Municipal do Morro do Ouro pode ser considerada apenas parcialmente bem sucedida porque, apesar de regularmente visitado, ainda demanda medidas essenciais para a sua completa implantação. Considera-se adequada a infraestrutura externa de recepção; mas, as medidas propostas para a o túnel T-15 ainda não foram executadas devido à indisponibilidade de recursos, comprometendo a preservação do patrimônio geológico nele contido. Também não foi realizado o mapeamento dos demais túneis para possível aproveitamento geoturístico. C o n s i d e ra - s e a l t a m e n t e re l e va n t e a preservação dos atrativos geoturísticos do PNMMO e das outras minas antigas da região, visto que a região é sabidamente carente de opções de renda. O aporte de recursos pelos turistas certamente contribuiria para o desenvolvimento sustentável e valorizaria a história da mineração. 187 Shimada/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 180-189 Agradecimentos: O autor agradece a Secretaria de Turismo, Cultura e Meio Ambiente que, nas pessoas de sua Secretária, Milena Alencar, da Diretora de Meio Ambiente Paula Daniel Fogaça e do Diretor do PNMMO, Francisco de Assis Ferrenha Junior, forneceram informações importantes para este artigo. Referências bibliográficas BRITO Neves, B.B.; CAMPOS Neto. M.C.; Fick, R.A. 1999. From Rodinia toWestern Gondwana: an approach to the Braziliano-Pan African cycle and orogenic collage. Episodes 22, 155-166. CALAZANS, R. L. 1996. Santo Antonio das Minas de Apiahy. Gráfica Regional. São Paulo, 1996, 226 p. CAMPANHA, G.A.C & SADOWSKI, G.R. 1999. Tectonics of the Southern Portion of the Ribeira Belt (Apiaí Domain). Precambrian Research, 98:31-51. CAMPANHA, G.A.C. 1991. 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Manuscrito ID 30970 Submetido em fevereiro de 2013 Aceito em junho de 2013 189 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 190 - 199 Cavernas como patrimônio geológico Caves as geological heritage HEROS AUGUSTO SANTOS LOBO*, PAULO CESAR BOGGIANI** *Universidade Federal de São Carlos - [email protected] **Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo - [email protected] Resumo Cavernas são feições geológicas que apresentam também aspectos bióticos e abióticos, além dos geológicos, que possibilitam enquadrálas em diferentes categorias do patrimônio natural. Se forem considerados ainda aspectos históricos e culturais, outras formas de enquadramento como patrimônio são possíveis, além do paisagístico, no qual a maioria das cavernas do Brasil vem sendo enquadradas, quando caracterizadas como patrimônio. No presente texto pretende-se discutir a relação entre cavernas e patrimônio geológico, entendendo-se como patrimônio geológico apenas as feições geológicas de excepcional valor científico. Partindo-se desse pressuposto, raras são as cavernas que podem ser enquadradas desta forma. Para subsidiar trabalhos futuros no enquadramento de cavernas como patrimônio geológico, o que somente deverá ser feito após a realização de inventário e categorização de valores, é apresentado um panorama geral sobre as cavernas no Brasil, com destaque para as que apresentam feições geológicas notáveis, juntamente com discussão sobre as formas de acesso da sociedade a esse patrimônio e sua proteção. Palavras-chave: Patrimônio Geológico; Cavernas; Carste; Geoturismo; Espeleoturismo. Abstract Caves show not only geological features, but also biotic and abiotic characteristics, everything which allows them to be classified as natural heritage sites. Caves can be classified as sites of historic and cultural heritage, in addtion of landscape heritage value, by which the most Brazilian caves are classified. In this text, there is a discussion about the relationship between caves and geological heritage, keeping in mind that only which is remarkable in terms of geological record is considered as a heritage. Under this definition, not all caves can be considered as Geological Heritage. An overview of Brazilian caves is shown with the subject to begin the discussion, because only after a complete inventory will be possible to list the caves which can be regarded as geological heritage, along with a discussion on the visitation and the conservation of Brazilian caves. Key words: Geological Heritage; Caves; Karst; Geotourism; Speleotourism. 1. INTRODUÇÃO Cavernas são mais conhecidas pela beleza de seus espeleotemas ou dimensões de seus portais e salões subterrâneos. Geralmente são esses atributos os primeiros a serem utilizados para justificar a importância e necessidade de sua preservação. No entanto, cavernas não apresentam apenas valores cênicos e paisagísticos. Apresentam um rico conjunto de elementos bióticos, climáticos, paleontológicos e geológicos por vezes atípicos, o que justifica enquadrá-las com patrimônio natural. Podem também, conforme o caso, serem consideradas patrimônio cultural, histórico e arqueológico, dada a diversidade de características naturais, históricas e culturais que apresentam. No presente texto, é apresentada discussão sobre o enquadramento específico de cavernas como patrimônio geológico, entendendo-se este, a princípio, como as feições geológicas raras e excepcionais que auxiliam na interpretação da evolução geológica do Planeta. Ao seguir esse direcionamento, raras serão as cavernas a serem enquadradas como patrimônio geológico, o que não exclui, naturalmente, a classificação em outras categorias patrimoniais. Apenas após um inventário detalhado e o mais completo possível das cavernas brasileiras é que seria possível listar as que poderiam vir a ser considerada exclusivamente como patrimônio geológico. No sentido de subsidiar essa discussão é apresentado diagnóstico preliminar, em parte no que já foi proposto para a Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP. Definidas as cavernas a se enquadrarem como patrimônio geológico, o próximo passo é dar acesso a esse patrimônio para a sociedade. Apesar de muitas cavernas no Brasil encontrarem-se em franca atividade turística, pouco ou nada é divulgado a respeito do conhecimento geológico e raras são as regiões onde as comunidades envolvidas se beneficiam desta atividade turística. 190 Lobo & Boggiani/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 190-199 2. CAVERNAS COMO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO Uma caverna pode vir a ser considerada patrimônio geológico se ela, por si só, possibilitar interpretação paleoambiental ou paleoclimática, ou mesmo apresentar registro geológico atípico. A ausência de preservação destas feições implica em prejuízo para as ciências geológicas no sentido de não ser mais possível entender o processo que ali ocorria. Levando-se em consideração que para se classificar como patrimônio, nas mais diferentes categorias, a excepcionalidade e raridade é um dos principais critérios, nem toda caverna se enquadra como patrimônio geológico, assim como nem toda edificação, documento ou bem cultural é considerado patrimônio arquitetônico, histórico ou cultural. Uma caverna pode vir a ser considerada como patrimônio paisagístico, em função da excepcional beleza, mas isso não implica que essa caverna venha a ser um patrimônio geológico. Pode também vir a ser inserida como patrimônio histórico, se ela foi palco de algum ato passado de importância histórica, ou cultural, como algumas utilizadas para eventos religiosos. Da mesma forma que pode ser considerada como patrimônio paleontológico ou arqueológico, em função da preservação de fósseis e vestígios humanos pretéritos. Uma caverna pode, então, ser enquadrada como patrimônio paisagístico, histórico, cultural, paleontológico ou arqueológico, mas a questão que se pretende levantar é como uma caverna pode ser considerada patrimônio geológico, no seu sentido exclusivo, ou seja, relacionado a feição ou processo geológico raro e excepcional que seja fundamental para o entendimento da evolução geológica da área onde se encontra ou da evolução cárstica em geral. A Associação Européia para Conservação do Patrimônio Geológico (ProGEO) apresentou protocolo e princípios de geoconservação (ProGEO 2011) onde patrimônio geológico é definido como as localidades (geossítios) e objetos (espécies in situ e em museus) que fornecem percepções especiais para a evolução orgânica e inorgânica da Terra desde sua formação, há 4,5 bilhões de anos atrás. Pela definição acima, fica claro que nem toda feição geológica ou paleontológica pode ser caracterizada como patrimônio geológico. A excepcionalidade do patrimônio geológico, assim como em outras formas de patrimônio, já havia sido destacada na definição apresentada por Brilha (2005), segundo a qual, esse tipo de patrimônio envolve o conjunto de ocorrências in-situ (geossítios) e ex-situs (coleções museológicas), onde elementos da geodiversidade têm um excepcional valor científico. A diferença é que o citado autor considera também as feições que apresentam valores educativos e turísticos associados. No processo de definição das feições geológicas e amostras que venham a ser consideradas como patrimônio é necessário definir a valoração destas ocorrências, o que acaba sendo algo subejtivo, como apresentado por Brilha (2005), o que torna difícil e complicado o processo de categorização e definição do que venha a ser considerado patrimônio geológico. Algumas cavernas no Brasil já são consideradas patrimônio e tombadas pelo Iphan – Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional, tendo como base os valores paisagísticos. As grutas do Lago Azul e Nossa Senhora Aparecida, localizadas em Bonito-MS, foram registradas no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico deste órgão em função de seu valor paisagístico e a gruta da Mangabeira, na Bahia, pelo seu valor cultural. Cabe ressaltar que na instrução para o tombamento destas cavernas, nenhum aspecto explícito da geologia foi considerado (Delphim 2009). São raras, portanto, as cavernas que possam vir a ser considerada exclusivamente como patrimônio geológico. Se uma caverna apresenta dimensões extremas, esta pode ser enquadrada como patrimônio paisagístico, bem como quando apresenta espeleotemas com formas, arranjos e cores inusitados, mas não exclusivamente geológico. Seria geológico se apresentase ocorrência mineralógica rara, independente da beleza dos espeleotemas. Em função do potencial de uma caverna para registros paleoambientais, principalmente a partir de estudos geoquímicos de espeleotemas, este pode vir a ser um critério significativo para definir uma cavidade como patrimônio geológico. Os estudos paleoclimáticos a partir de espeleotemas são realizados a partir da investigação do registro de razões isotópicas de oxigênio, juntamente com datações das variações desses registros pelo método U/Th. O Brasil tem se mostrado uma região importante para esse tipo de estudo, em função da distribuição geográfica das cavernas por diferentes latitudes, o que possibilita comparações das variações climáticas registradas no mesmo intervalo de tempo (Auler et al. 2009, Cruz Jr et al. 2009). Uma caverna pode apresentar fenômeno geológico atípico no processo de sua formação ou de geração de determinado espeleotema raro. Exemplo seria a toca da Boa Vista na Bahia, considerada a maior caverna no Hemisfério Sul, onde interpreta-se que sua origem estaria relacionada a raro processo de oxidação de sulfetos (Auler & Smart 2002). Na Serra da Bodoquena, em Mato Grosso do Sul, o processo de formação de tufas calcárias é tão intenso ao ponto de formar cavidades com dezenas de metros de desenvolvimento. Ao contrário das demais cavernas, essas cavidades originam-se pelo crescimento de tufa ao redor redor do espaço e não por dissolução, como a maioria das cavernas, sendo assim cavernas acrescionais (Sallun Filho et al. 2009). Exemplo deste atípico processo 191 Lobo & Boggiani/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 190-199 de formação de caverna em tufas foi descrito também no Vale do Ribeira - caverna do Rio Fria - no Estado de São Paulo (Sallun Filho et al. 2011). Outra forma de uma caverna vir a ser considerada como patrimônio geológico seria a presença, em seu interior, de exposição de feição excepcional da rocha encaixante, mas nesse caso, a caverna teria sua importância apenas em função de possibilitar o acesso e observação desta feição e não pela sua característica geoespeleológica intrínseca. 3. PANORAMA DAS CAVERNAS NO BRASIL E POTENCIAIS SÍTIOS GEOLÓGICOS As cavernas apresentam dimensão variada e são formadas principalmente em rochas carbonática, podendo se desenvolver também em arenitos, quartzitos e formações ferríferas. Neste vasto cenário espeleológico, torna-se impossível obter uma estimativa real sobre a quantidade de cavernas que existem no mundo. No Brasil, as estimativas variam bastante, chegando em 300.000 c av i d a d e s ( P i l ó & A u l e r 2 0 1 1 ) , d a s q u a i s aproximadamente 10.220 já foram cadastradas, segundo dados do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (Jansen et al. 2012). Grande parte das cavernas conhecidas encontra-se nas extensas áreas de exposição de rochas carbonáticas do Brasil Central (MG, GO, DF, BA), no vale do Ribeira (SP/PR) e na Serra da Bodoquena (MS), bem como em áreas em franca expansão de lavra de minério de ferro, como a Serra dos Carajás, no Pará. Se quantitativamente as comparações perdem sentido na vastidão de cavernas existentes no país e no mundo, qualitativamente elas ganham escopo a partir dos critérios tradicionalmente estabelecidos, como grandezas, variedades litológicas, fenômenos raros ou mesmo contextos paisagísticos diferenciados. A começar pelas grandezas, e com base nos dados do Cadastro Nacional de Cavernas (CNC) da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE 2013) e da National Speleological Society (NSS 2013), a mais extensa caverna do mundo já conhecida é a Mammoth Cave, nos Estados Unidos da América, com aproximadamente 643 km já mapeados. No Brasil, a mais extensa é a Toca da Boa Vista, em Campo Formoso, BA, que já tem 107 km explorados e mapeados, sendo a 21ª na lista mundial. A mais profunda de todas é o abismo Voronya (também conhecido como Krubera), na Geórgia, na fronteira entre Europa e Ásia, com 2.197 m de profundidade. No Brasil, o abismo Guy Collet, em Barcelos, no Estado do Amazonas, é o maior desnível já registrado, com 670 m. Além disso, trata-se do mais profundo abismo em quartzito do mundo. Ainda no campo das grandezas, está em território brasileiro a caverna que provavelmente possui o maior pórtico de entrada do mundo, a gruta Casa de Pedra, no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), em Iporanga, SP, cujo registro oficial é de 215 m de altura. Sem conotação de grandeza mundial, mas também com dimensão notável em sua categoria, o lago do Cruzeiro, no interior do Buraco do Inferno da Lagoa do Cemitério, em São Desidério, BA, possui área de 12.860 m2, sendo o maior lago subterrâneo conhecido no país. A gruta das Bromélias, no Parque Estadual de Ibitipoca, Minas Gerais, com 2.342 m de desenvolvimento, está entre as cinco mais extensas do mundo nas litologias arenito/quartzito – apesar de não estar oficialmente listada pela NSS (2013). Uma última menção interessante na escala das grandezas é a gruta Riacho Subterrâneo, em Itu, SP. Com 1.291 m já topografados, trata-se da mais extensa caverna em granito no manto de alteração dessa rocha do Brasil e, embora também não conste na lista da NSS (2013), se posiciona na atualidade como a terceira mais extensa do mundo para tal litologia. No campo dos fenômenos naturais raros, talvez o caso mais notável no Brasil seja o sifão de ciclo intermitente no interior da dolina do João Baio, em São Desidério, BA. Trata-se de uma das ressurgências do rio João Rodrigues, por meio da gruta do João Baio I, no fundo da dolina homônima. Em um período cíclico de poucos minutos, pode-se observar a variação do nível do rio na saída da caverna, que oscila entre 30 cm e 100 cm, conforme a época do ano (Figuras 1 a 4). Trata-se de um registro único no país, e um dos poucos já descritos no mundo. 192 Lobo & Boggiani/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 190-199 Figura 1 – Primeiro estágio de variação do nível d'água na ressurgência da gruta do João Baio, em São Desidério-BA. O nível d'água apresenta o seu volume mínimo habitual. (Fotografia de Alexandre Lobo). Figura 2 – Estágio intermediário de variação do nível d'água na ressurgência da gruta do João Baio, em São Desidério-BA. (Fotografia de Alexandre Lobo). Figura 3 – Estágio intermediário de variação do nível d'água na ressurgência da gruta do João Baio, em São Desidério-BA. (Fotografia de Alexandre Lobo). Figura 4 – Quarto estágio de variação do nível d'água na ressurgência da gruta do João Baio, em São Desidério-BA. O nível d'água apresenta o seu volume máximo. O ciclo completo ocorre em menos de 5 min (fotografias de Alexandre Lobo). A análise das cavernas que constam da na lista da Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP na categoria de sítios espeleológicos (Tabela 1) demonstra que parte são apresentadas em conjunto e integradas ao carste onde se desenvolvem ou isoladas, mas em ambos os casos foram propostas principalmente com base no valor paisagístico, e não apenas no geológico. 193 Lobo & Boggiani/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 190-199 Sítio Localização Categoria de proteção Carste e Cavernas do Parque Estadual Iporanga e Apiaí, SP Parque Estadual. Turístico do Alto Ribeira, SP Vespasiano, Pedro Leopoldo, Área de Proteção Ambiental - APA Federal, Carste de Lagoa Santa, MG Confins, Lagoa Santa, Matozinhos, Parque Estadual e Monumentos Naturais Funilândia e Prudente de Morais, Estaduais. MG Gruta do Centenário, Pico do Inficionado Mariana e Catas Altas, MG Reserva de Patrimônio Natural Privada – (Serra do Caraça), MG RPPN. Toca da Boa Vista, BA Campo Formoso, BA Localizado em área particular, sem proteção formal específica. Cavernas do Vale do Rio Peruaçu, MG Januária e Itacarambi, MG Grutas de Iraquara, BA Iraquara, Seara e Palmeiras, BA Parque Nacional. Parcialmente em Parque Nacional. Grande parte das cavernas se encontra em áreas particulares, sem proteção formal específica. Lapa dos Brejões - Vereda Romão São Gabriel, João Dourado e Morro Gramacho, Chapada Diamantina, BA do Chapéu, BA (Berbert-Born & APA Estadual. Karmann 2012) Caverna Aroe Jari, Chapada dos Guimarães, Chapada dos Guimarães, MT Localizado em área particular, sem MT proteção formal específica. Poço Encantado, Chapada Diamantina Itaetê, BA Localizado em área particular, sem (Itaetê), BA proteção formal específica. Furna do Buraco do Padre, PR Ponta Grossa, PR APA Estadual e Parque Nacional. Gruta do Lago Azul, MS Bonito, MS Patrimônio tombado pelo Iphan e Monumento Natural Estadual. Tabela 1 – Sítios espeleológicos descritos no SIGEP - Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos e estado atual de proteção. Fonte: Dados do SIGEP (2013), complementado pelos autores. Existe ainda no SIGEP outros dezesseis sítios espeleológicos indicados e mais oito sugestões preliminares, como a gruta de Maquiné, MG e as grutas do Parque Nacional de Ubajara, CE. Embora a lista seja considerável, não esgota em representatividade a variedade espeleológica nacional. Exemplos como a gruta Guy Collet, em Barcelos, AM, ou mesmo o carste de São Desidério, BA, estão entre aqueles que merecem destaque no âmbito nacional e mundial, e demonstram que a lista dos sítios geológicos no SIGEP, na categoria de cavernas, necessita ser complementada. No âmbito mundial, a questão do patrimônio espeleológico e cárstico vem sendo tratada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), sob os auspícios da UNESCO. A primeira tentativa de obtenção de uma lista mundial, publicada por Williams (2008), aponta para um total de 45 sítios ao redor do mundo, que são listados como bens do patrimônio m u n d i a l c o m fe i ç õ e s c á rs t i c a s e c av e r n a s internacionalmente significativas. Em sua maioria, estão localizados em regiões temperadas úmidas (13 sítios) e tropicais úmidas (7 sítios). Em termos geopolíticos, destacam-se a Austrália, China (5 sítios cada), Cuba e Estados Unidos (3 sítios cada). Além desta lista, uma segunda acompanha a publicação, com locais que representam tentativas para a inclusão na lista, com 30 sítios. Nesta lista aparece a única menção ao Brasil, com o canyon do rio Peruaçu, localizado no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, entre Januária e Itacarambi, MG (Figuras 5 a 8). Segundo Williams (2008), sua inclusão se justifica por se tratar, possivelmente, do mais longo canyon formado por colapso em área cárstica registrado, acompanhado de uma caverna com excepcional decoração de espeleotemas, percorridos por um rio com significativa variação no nível d'água. Além disso, outras feições chamam a atenção ao autor, como as enormes dolinas de colapso, pontes naturais, nascentes e rios e feições cársticas típicas. 194 Lobo & Boggiani/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 190-199 Figura 5 – Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no Norte de Minas Gerais. Gruta do Janelão. (Fotografia de Heros A. S. Lobo). Figura 8 – Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no Norte de Minas Gerais. Sítio arqueológico escavado na lapa do Boquete, onde foram encontrados vestígios datados em 12.000 BP (Fotografia de Heros A. S. Lobo). Por outro lado, cabe ressaltar que a inclusão de um sítio na lista de patrimônios naturais mundiais depende de critérios já estabelecidos pela UNESCO, sendo a lista de áreas cársticas e cavernas uma primeira tentativa de enquadramento. Em síntese, os critérios que justificam a inclusão de um sítio como patrimônio natural mundial são, conforme Williams (2008): - abrigar fenômenos naturais superlativos, ou áreas de excepcional beleza natural ou importância estética; Figura 6 – Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no Norte de Minas Gerais. Painel de pinturas rupestres no paredão ao lado da lapa dos Desenhos. (Fotografia de Heros A. S. Lobo). - apresentar exemplos marcantes dos estágios da história da terra, incluindo registros da vida, processos geológicos e de desenvolvimento do relevo, ou mesmo características geomórficas ou fisiográficas significativas; - apresentar exemplos marcantes de processos ecológicos e biológicos evolutivos, de ecossistemas terrestres, aquáticos, costeiros e marinhos; - abrigar hábitats importantes para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles que contêm espécies ameaçadas de marcante valor universal, sob a ótica da ciência ou da conservação. Figura 7 – Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no Norte de Minas Gerais. Feições do carste local, na trilha da lapa do Carlúcio. (Fotografia de Heros A. S. Lobo). Do ponto de vista técnico, uma área pode ser considerada como patrimônio natural da humanidade ao atender a um dos requisitos acima. No caso específico das cavernas e áreas cársticas, Williams (2008) cita também que a localização no hemisfério sul é um critério importante a ser considerado, uma vez que a maioria dos sítios formalmente reconhecidos se localiza no hemisfério norte, o que aumenta a importância deste tipo de estudo no Brasil. 195 Lobo & Boggiani/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 190-199 4. USO TURÍSTICO DAS ÁREAS CÁRSTICAS E CAVERNAS O turismo no Brasil em área cársticas e cavernas ainda é subexplorado, em relação ao seu potencial de aproveitamento. Aproximadamente 200 cavernas apresentam algum tipo de visitação no país (Lobo et al. 2008) seja de forma turística tradicional - como contemplativo, educacional, religiosos e de aventura - ou com visitação esporádica. Poucas são as cavernas com fluxo constante de visitação e com infra-estrutura adequada. As cavernas mais visitadas têm recebido fluxos anuais da ordem de 50.000 visitantes, como é o caso das grutas do Lago Azul (Bonito-MS) e de Maquiné (Cordisburgo-MG). Algumas podem receber ordem de grandeza semelhante, mas devido a não apresentarem controle de número de visitas fica difícil precisar, como seriam algumas cavernas da Chapada Diamantina na Bahia. No PETAR, o conjunto de cavernas recebe por volta de 20 000 visitas por ano. Também é notável o fluxo de visitação em cavernas que recebem romarias, como o santuário de Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Nos últimos anos, a visitação desta caverna, com seu interior transformado em igreja, tem se aproximado da casa de 1 milhão de visitantes, entre romeiros e turistas. Trata-se de uma forma diferenciada de visitação, motivada pela religiosidade. Dentre os casos citados, exemplos como a gruta de Maquiné ou as cavernas do PETAR são emblemáticos, por despontarem como destinos evidentemente espeleoturísticos, com alto grau de dependência do desenvolvimento do turismo em função das cavernas. Como consequência, observa-se o desenvolvimento da cadeia produtiva do turismo em função destes atrativos, com maior grau de especialização e formação das comunidades locais para atender especificamente a estas demandas, gerando centenas de empregos diretos e indiretos e permitindo ampliar o desenvolvimento local. Por outro lado, ações como o fechamento das cavernas ocorrido em 2008 no PETAR, por falta de licença ambiental dos empreendimentos turísticos ali realizados, geraram situações que contradizem os princípios sociais do Ecoturismo e mesmo do Espeleoturismo (sensu Lobo et al. 2010). Isto porque o fluxo de visitantes à região, no período de fechamento das cavernas, chegou praticamente a zero (Lobo 2008), gerando prejuízos temporários para as comunidades locais dependentes do turismo e mesmo para a imagem do destino, os quais ainda não são plenamente conhecidos. Alia-se a isso o fato de que, passados cinco anos, as cavernas ainda não têm um instrumento legal de gestão implantado, funcionando em caráter precário e sem um procedimento adequado de limites de uso e gestão do fluxo de visitantes, prejudicando a imagem do destino e afastando os turistas da região. Em outro contexto, a gruta do Lago Azul, em Bonito-MS, embora seja a caverna com maior número de visitas anuais no Brasil nos últimos anos, não pode ser co n s i d e ra d a co m o u m d e st i n o t i p i ca m e nte espeleoturístico. A exposição massiva na mídia faz com que os turistas que visitam Bonito necessariamente queiram ir à gruta, mas é necessário ressaltar que a gruta não é o único atrativo a atrair turistas à região, procurada pelos rios e nascentes de águas límpidas com formações de tufas calcárias na forma de cachoeiras e barragens naturais associadas ao relevo cárstico. A existência destes atrativos se deve à sua localização em um terreno cárstico, o qual por suas características geológicas e hidrogeológicas, gera formas de relevo inusitadas e visualmente atraentes. Bonito, em suma, é um destino de turismo cárstico, termo pouco usado no Brasil, mas comum no exterior, tendo como exemplos clássicos o Kras Turizen esloveno, o Plitvice Jezera, na Croácia ou mesmo os parques cársticos chineses. Nestes casos, a abordagem é voltada para aspectos gerais da paisagem, mais próximo ao Geoturismo, como recentemente vem sendo recentemente desenvolvido no Brasil. Todavia, a região de Bonito ainda aproveita de forma incompleta este contexto paisagístico cárstico, deixando de considerar um potencial latente de educação e informação ao visitante, principalmente relacionado ao excepcional conjunto de tufas calcárias em suas drenagens. Projeto em curso para implantação do Geopark Bodoquena - Pantanal pode contribuir para o início da reversão deste cenário. 5. MEDIDAS FORMAIS DE PROTEÇÃO DO CARSTE E DAS CAVERNAS O Brasil é deficiente de legislação específica para a proteção de suas áreas cársticas e cavernas. Diversas tentativas de proposição de uma legislação para tal já foram realizadas, com notável enfoque nas cavernas (como elementos isolados) e, em perspectivas mais amplas, com alguma abordagem sistêmica. A falta de articulação específica da sociedade civil, aliada à baixa prioridade que notoriamente é dada no âmbito político para a questão ambiental, culminaram recentemente na promulgação do Decreto 6.640, de 7 de novembro de 2008. Este, segundo seu caput, tem por objetivo dispor “sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional”. Na prática tal instrumento vem sendo questionado pela sociedade civil e em comunicações científicas (e.g. Berbert-Born 2010; Trajano & Bichuette 2010; Figueiredo et al. 2010), sobretudo em função da tentativa de classificação das cavernas segundo graus de relevância. De um modo geral, argumenta-se que o caminho de classificação da relevância abre possibilidades para definir uma caverna como irrelevante, sob critérios ainda não consolidados e 196 Lobo & Boggiani/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 190-199 e desproporcionais em relação aos diversos estudos ambientais necessários. Por outro lado, na prática, os estudos de análise de relevância têm apontado para resultados que inviabilizam o desenvolvimento de algumas atividades de mineração na área onde as cavernas ocorrem, o que demonstra que o mencionado decreto e seus mecanismos posteriores não atendem de forma satisfatória nem os aspectos da conservação e nem aqueles do desenvolvimento econômico. Deve-se considerar que a atividade turística em caverna, necessária para acesso da Sociedade a esse bem e para o desenvolvimento de projetos educacionais, se não realizada com os cuidados e planejamento específicos pode gerar danos até irreversíveis (Cigna & Burri 2000; Lobo 2006). No Brasil, tem sido empregado o Plano de Manejo Espeleológico (PME) como instrumento para compor ou até mesmo substituir o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos turísticos, embora não haja consenso sobre ser este o formato mais adequado para tal (Boggiani et al. 2007). Os resultados práticos destes instrumentos têm demonstrado que o enfoque dos estudos muitas vezes é equivocado, pois concentra-se na descrição e caracterização geral do ambiente, mas sem considerar de modo adequado a escala, intensidade e frequência do vetor de pressão representado pelo turismo. Assim, muitos dos PMEs produzidos no país são amplos em seus diagnósticos ambientais – e, portanto, custosos – e superficiais em aspectos fundamentais, como o manejo do Espeleoturismo e a avaliação do impacto das infraestruturas internas e externas necessárias à visitação. Talvez o maior problema neste caso seja fato de que os PMEs das poucas cavernas brasileiras que possuem este estudo não são implantados como propostos originalmente. Os PMEs vêm se tornando apenas um instrumento formal para fins de cumprimento da legislação ou para precaução do órgão gestor em caso de implicações legais – por exemplo, quando da ocorrência de acidentes fatais. Desta forma, não há sequer como discutir a eficácia do PME, já que exemplos concretos de seu funcionamento ainda são raros no Brasil. Outro aspecto a ser considerado no âmbito da conservação do carste e das cavernas do Brasil é a sua relação com o desenvolvimento agrícola. Instrumentos como os providos por meio do Decreto 6.640 são normalmente aplicados nos casos de atividades de mineração e de hidrelétricas, onde existe a evidente possibilidade de supressão ou destruição total de uma área, carecendo de estudos que autorizem estes procedimentos. Para as atividades de turismo, prevê-se a elaboração de Planos de Manejo Espeleológico, através do qual tem-se por objetivo promover a visitação turística com o mínimo de impacto ambiental. No entanto, observa-se que as atividades agrícolas não têm sido objeto de análise por nenhum diploma legal que relacione as suas práticas à conservação do carste e das cavernas. Trata-se de um caso delicado e de necessidade de resolução urgente, já que tais atividades, muitas vezes, não promovem a supressão direta do recurso ambiental, mas podem causar danos irreversíveis principalmente na rede hidrológica superficial e subterrânea, além da aceleração dos processos erosivos e também pelo uso de defensivos agrícolas. Como exemplo, é comum a ocorrência de cavernas assoreadas quase que por completo, quando da existência de propriedades agrícolas à montante dos cursos d'água que as alimentam. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sendo possível enquadrar cavernas nas diversas formas de patrimônio, na sua maioria pelo valor paisagístico, raras são as que podem vir a ser enquadradas exclusivamente como patrimônio geológico. Para tal, deve-se considerar apenas aquelas que apresentam fenômeno geológico raro, ou então registro paleoambiental ou climático. De uma certa forma, as dimensões excepcionias de galerias, portais e desenvolvimento total, poderiam justificar a inclusão na categoria de patrimônio geológico, e não apenas paisagístico, uma vez que encontram-se relacionadas a processos geológicos também excepcionais. Com a expansão da atividade minerária, discussões vêm sendo realizadas sobre a relevância de uma caverna. Diante desta situação, a definição de quais se enquadram como patrimônio geológico é necessária. Definidas as cavernas que representam patrimônio geológico, formas para sua conservação devem ser implantadas. Para tanto, o recurso de tombamento, ou o enquadramento na modalidade de Unidade de Conservação de categoria Monumento Natural, têm se mostrado satisfatórios. Outra medida a ser tomada é o amplo acesso da sociedade a esse patrimônio, através do Geoturismo e do Espeleoturismo, com ênfase nos projetos educacionais e de divulgação científica. Tendo em mente que essas formas de turismo, como modalidades derivadas do ecoturismo, implicam no benefício das comunidade locais. Desta forma, as cavernas cumpririam sua função social, vindo a ser não mais um problema para a expansão econômica, e sim uma possível solução sustentável para regiões sem opções de emprego e renda. 197 Lobo & Boggiani/Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 190-199 Referencias AULER, A. S. ; SMART, P.L. 2002. Toca da Boa Vista (Campo Formoso), BA. A maior caverna do Hemisfério Sul. In: Schobbenhaus, C.; Campos, D.A.; Winge, M.; Berbert-Born, M.. (Org.). Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Brasília: DNPM/CPRM, p. 443-451. AULER, A. S. ; SMART, P.L. ; WANG, X. ; PILÓ, L. B. ; EDWARDS, R. L. ; CHENG, H. 2009. Cyclic sedimentation in Brazilian caves: Mechanisms and palaeoenvironmental significance. Geomorphology (Amstrerdam), 106:142-153. BERBERT-BORN, M. 2010. 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Manuscrito ID 31698 Submetido em abril de 2013 Aceito em agosto de 2013 199 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 200 - 208 Knickpoint Finder: ferramenta para a busca de geossítios de relevante interesse para o geoturismo Knickpoint Finder: tool for searching geosites of relevant interest for geotourism EDUARDO SALAMUNI, EDENILSON ROBERTO DO NASCIMENTO, PEDRO AUGUSTO HAUCK DA SILVA, GUSTAVO LOPES QUEIROZ, GRACIANY DA SILVA Universidade Federal do Paraná - [email protected] Resumo O trabalho objetiva mostrar a aplicação no geoturismo de uma nova ferramenta computacional de análise morfométrica da rede de drenagem baseada nos métodos de Hack (1957, 1973) e Etchebehere (2004), para aplicação em estudos de enfoque neotectônico. A rotina criada trabalha a partir de um modelo digital de elevação (MDE) de modo a gerar um mapa de pontos de ruptura de declive de drenagem e/ou quebra de relevo (knickpoints) e foi programada em Python para uso acoplado ao software de sistemas de informação geográfica ArcGIS®, denominada de Knickpoint Finder.Uma área de estudo foi selecionada de maneira a testar e avaliar a capacidade do software na análise e identificação de knickpoints a partir do estudo da morfologia de um recorte geográfico na Serra do Mar no estado do Paraná, com o objetivo de determinar possíveis geossítios com interesse geoturístico. Após a aplicação da ferramenta na área de estudo constatou-se que os dados de knickpoints obtidos podem caracterizar com rapidez e eficácia pontos de interesse relevante à pesquisa geoturística inicial, principalmente no que tange ao inventário de pontos de beleza cênica relevante em se tratando de corredeiras, cachoeiras ou cascatas. Para que a análise regional possa ser realizada a contento é necessário o emprego de técnicas de representação espacial de dados que podem ser realizadas pelo próprio ArcGIS®, imediatamente após o processamento do Knickpoint Finder. Os resultados da técnica mostraram-se satisfatórios na correlação da maior ocorrência de knickpoints com a probabilidade do encontro de geossítios em áreas de grande amplitude, constatando-se ganho de velocidade de delimitação dos mesmos. Desta forma pode-se considerar a ferramenta virtual obtida como satisfatório recurso de auxílio na análise morfométrica voltada ao geoturismo, podendo ser aplicada em qualquer área onde haja cobertura de modelos digitais de elevação. Palavras-chave: Geoturismo; geossítios; MDE; knickpoint; software. Abstract The study aims to illustrate the geotourism application of a new computational tool for morphometric analysis of the drainage network that is based on Hack (1957, 1973) and Etchebehere (2004), for application in studies of neotectonic approach. The computational routine works starting from a digital elevation model (DEM) to generate a map of drainage-slope breaking points and/or relief break (knickpoints) and was programmed in Python for use coupled to the geographical information systems software ArcGIS®, and has been named Knickpoint Finder. An area of study was selected in order to test and evaluate the software's ability to analyze and identify knickpoints from the study of the morphology of a geographical cutout in the Serra do Mar in the state of Paraná, in order to determine possible geosites with geotouristic interest. After application of the tool in the area of study, it was verified that the knickpoint data obtained can characterize quickly and effectively points of interest relevant to the initial geotouristic research, especially in regard to the inventory of relevant points of scenic beauty when it comes to rapids, waterfalls or cascades. To ensure that the regional analysis can be done successfully it is necessary to employ spatial data representation techniques which can be performed directly in ArcGIS, immediately after the processing of Knickpoint Finder. The results of the technique where satisfactory in the correlation of the highest occurrence of knickpoints with the probability of finding geosites in extensive areas, which demonstrated the speed gain in delimiting these sites. Thus, the obtained virtual tool is considered a satisfactory feature in assisting morphometric analysis focused on geotourism, which can be applied in any area where there is coverage of digital elevation models. Key words: Geotourism; geosites; DEM; knickpoint; software. 1. INTRODUÇÃO De acordo com Hose (1995), o turista que visita um patrimônio natural, ao adquirir conhecimento a respeito da geologia e/ou geomorfologia de um sítio, deixa de ser apenas um espectador da estética da paisagem. Assim, o geoturismo passa a ter também por missão agregar conhecimento técnico e/ou científico ao valor estético, que sendo subjetivo, pode valorizar ainda mais a paisagem, inclusive para que estas sejam preservadas como patrimônios naturais ou culturais. Segundo Moreira (2011) o geoturismo é uma tendência mundial que vem propiciando uma atividade educativa, além de acrescentar "uma nova dimensão e diversidade ao produto turístico oferecido". Liccardo et al. (2008) ressaltam que o geoturismo fundamenta-se nos conceitos de geodiversidade, patrimônio geológico e 200 Salamuni et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 200-208 geoconservação. Assim sendo, sítios geológicos (ou geossítios) são locais de relevante interesse para o estudo geológico ou geomorfológico, importante sob o ponto de vista geocientífico, que necessitam possuir apelo didático e/ou turístico, fundamentalmente devido à singularidade das formações geológicas tais como afloramentos especiais, artefatos naturais, por exemplo, uma cratera de impacto de meteorito ou o próprio meteorito, grandes bombas vulcânicas - camadas ou formações fossilíferas, ou sítios geomorfológicos marcantes pela sua beleza estética natural e/ou pela sua história evolutiva, fazem parte do universo da geodiversidade que pode servir aos propósitos do geoturismo. Grandes exposições artificiais tais como pedreiras, apesar de sua ausência de apelo cênico natural, podem ser úteis aos estudos da geodiversidade local. A determinação de elementos geomorfológicos ou morfoestruturais notáveis, que constituem um dos tipos de geossítios, a partir de imagens de abrangência regional, traz uma complexidade inerente devido à dificuldade de se realizar a análise visual ponto a ponto. Em razão dessas limitações, foi confeccionada uma rotina automática, ou seja, um software que funciona de maneira acoplada ao ArcGIS®, denominado de Knickpoint Finder, cuja finalidade é a de buscar locais onde há quebras de relevo em segmentos de drenagens, perenes ou intermitentes, denominados de knickpoints. Segundo Crosby & Whipple (2006) knickpoints são quebras ou rupturas de declive, que criam anomalias de relevo no perfil longitudinal do canal de um rio. De acordo com esses autores e outros pesquisadores, tais como Gardner (1983), Whipple (2004), Bishop et al. (2005) e Harbor et al. (2005), são várias as causas desse desequilíbrio mas as principais estão ligadas à natureza dos litotipos envolvidos, sua erosão diferencial e a brusca mudança de nível de base, inclusive pelas estruturas tectônicas herdadas de ciclos anteriores ou ainda pela neotectônica local. Geralmente, os knickpoints são anomalias, geradas a partir da ampliação do gradiente topográfico, que formam corredeiras e cachoeiras. Portanto, a determinação de knickpoints é um dos caminhos para se identificar cachoeiras que podem ser consideradas como bons geossítios, posto que, quase sempre, estão associados à formação e modificação da paisagem a ser considerada como atrativa ao geoturismo. O objetivo do presente trabalho é explanar genericamente o funcionamento do software Knickpoint Finder, bem como abordar sua aplicabilidade no geoturismo por meio da apresentação de um estudo de caso, ou seja, o Salto Morato localizado na Serra do Mar paranaense e classificado como geossítio relevante, ligado a uma quebra de relevo, que por sua vez configura uma anomalia de drenagem. 2. MÉTODO O trabalho basicamente foi desenvolvido a partir de testes laboratoriais por meio de geoprocessamento e observação de resultados em imagens orbitais, as quais foram comparadas com fotografias reais de geoformas notáveis. Como necessárias para o desenvolvimento do trabalho foram utilizadas as seguintes ferramentas: o software Knickpoint Finder para a busca de anomalias de relevo em drenagem; o algoritmo denominado de River Merge desenvolvido para unificar segmentos de drenagem; o software de geoprocessamento ArcGIS v.10.1® para o sistema básico de integração de informação e plataforma de funcionamento do Knickpoint Finder; as imagens raster do Shuttle Radar Topography Mission (SRTM® - NASA), processadas - via interpolação pelo método de convolução cúbica - pelo Projeto Topodata e com resolução espacial de 30m. Para a busca dos knickpoints identificados foram visualizadas as imagens do Google Earth®, onde foram localizadas as referências espaciais dos pontos de interesse turístico. Os equipamentos de informática utilizados são computadores simples de mesa, com capacidade de processamento mediana a boa, e funcionamento de dois monitores simultâneos. A plataforma na qual foi desenvolvido o software é o Windows®, todavia o algoritmo pode ser adaptado para programas de GIS desenvolvidos para o Linux, porém isso depende do trabalho de adaptação de um usuário mais especializado. 3. DESENVOLVIMENTO 3.1 RELAÇÕES GEOMÓRFICAS E GEOTURÍSTICAS Em qualquer região é possível encontrar locais com características do meio físico que, pela sua natureza, possam ser consideradas como patrimônio geológico. Em geral são paisagens que apresentam uma rica geodiversidade, seja pela sua formação original seja pela transformação da mesma, via intemperização, nesse caso o conjunto Pão de Açúcar e Corcovado; ou deformação estrutural, nesse caso a impressionante Zona de Falha Além Paraíba. Ambos os casos, localizados no estado do Rio de Janeiro, podem ser denominados de geossítio sem qualquer restrição. Tais geossítios são passíveis de receber a visita de turistas, leigos ou profissionais das geociências, cujo olhar diferenciado, proporcionado pelo conhecimento geológico e morfoestrutural já levantado, pode impactar positivamente a atividade geoturística. Tal disseminação do conhecimento comprovadamente valoriza o ambiente do entorno como um todo, já que inibe sua degradação por meio de impactos antrópicos negativos e, consequentemente, tem o viés de contribuir para o desenvolvimento econômico local, por meio da atividade 201 Salamuni et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 200-208 turística sustentável. De acordo com Rodrigues (2009), o Patrimônio Geológico não pode ser visto exclusivamente do ponto de vista do conhecimento científico mas além disso, deve ter condições de ser transmitido ao público por meio de ações de divulgação de Geologia que se encaixam na própria perspectiva geoturística, que se desenvolve em torno de um geossítio ou geotopo. Os geossítios podem ser pontos ou áreas naturais de notável beleza cênica e que possuem formações de interesse geocientífico, tanto no que concerne à sua formação ou à sua esculturação. Em geral ali se confunde a natureza geológica do substrato ou do elemento cênico com sua evolução geológico intrínsecas da região em foco, bem como sua evolução geomorfológica, essencialmente ligada a processos morfotectônicas, (Nascimento et al. 2008, Silva 2008). Nesse contexto, a quebra de relevo, como elemento geomórfico, é um tipo de modificação na paisagem, indicativas de relevantes estruturas (morfoestruturas) que possibilitam a predição ou a definição de eventuais geossítios, passíveis de preservação e/ou uso para o geoturismo (Piekarz 2011), ou seja, são intrinsicamente relevantes como Patrimônio Geológico. A determinação de uma área ou local (geoforma) como geossítio ou geotopo, de maneira geral, independe da sua escala de abrangência, posto que a grandeza escalar não determina, a princípio, sua importância geocientífica. Igualmente, um geossítio independe de sua importância do ponto de vista econômico.Tanto no primeiro quanto no segundo caso deve-se considerar que tanto as Cataratas do Iguaçu quanto o Salto Santa Rosa na região central dos Campos Gerais (Tibagi-PR) devem ser reconhecidos como importantes sítios geológicos/geomorfológicos. No entanto, é necessário considerar que o geoturismo como atividade, depende, em parte, de uma vertente econômica. O conhecimento atual das geoformas que podem ser caracterizadas como importantes geossítios ainda é baixo no Paraná (Lima et al. 2010), posto que a preocupação em catalogar tais elementos naturais é bastante recente, como mostram documentos técnicos internos da Minerais do Paraná S.A. (MINEROPAR). A dificuldade está centrada na complexidade da localização e da avaliação in situ de um dado elemento geomórfico, necessária à sua consideração como geossítio relevante, tanto do ponto de vista de sua beleza cênica quanto do interesse geológico-científico que desperta em estudiosos e/ou visitantes. Em função disso é interessante considerar que a utilização de ferramentas automáticas e/ou digitais de visualização em forma de imagens de satélite, modelos digitais de elevação, mapas hipsométricos, fotografias aéreas, entre outros pode ampliar, em muito, o inventário de geossítios. Os softwares de visualização automáticos estão disponíveis em vários ambientes, desde os mais sofisticados de GIS até os populares Google Earth®e BingMaps®. Todavia, esquadrinhar uma imagem em busca de um desconhecido elemento geomórfico de real interesse ao geoturismo é um trabalho manual bastante cansativo e, na maior parte das vezes, pouco eficaz. O software Knickpoint Finder, acoplado ao ArcGIS, busca pontos que caracterizariam rupturas no terreno, que recebem o nome técnico de knickpoints, e que em síntese, estando localizados em um rio podem revelar a existência de uma cascata ou cachoeira e eventualmente poderiam ser considerados geossítios ou geotopos. A busca se realiza de forma automática, a partir de imagens que possuam dados altimétricos, independente da escala de levantamento e abrangência regional e diminui em muito e até anula a complexidade inerente à identificação manual de locais onde há tais rupturas de relevo. Em geral, tais anomalias não são facilmente identificáveis em imagens de satélite ou fotografias aéreas, pois o caráter bidimensional comum à maioria das imagens impede a identificação e mensuração dos knickpoints. Sendo assim, é necessária a utilização de imagens com dados topográficos para caracterizar cachoeiras, cascatas, corredeiras, enfim locais com mudanças abruptas de relevo, a partir de um perfil longitudinal, ou um trecho do perfil de um rio ou do curso de uma drenagem intermitente. É importante ressaltar que os estudos de deformação de superfície ou de paisagens mostram que rios ou canais de drenagem naturais são bastante sensíveis às modificações da cota do terreno, ou níveis geodésicos de referência, ainda mais quando ocorrem com rapidez em resposta a sistemas tectônicos ativos (Keller& Pinter 1996). Tal consideração tem sido abordada por diversos autores que estudam processos de mudanças morfológicas do terreno em áreas sujeitas a sismos a partir de processos tectônicos ativos (Volkov et al. 1967, Burnett & Schumm 1983, Rodriguez & Suguio 1992, Merrits & Hesterberg 1994). Ou seja, rios são excelentes elementos geomórficos com possibilidade de mostrar estruturas, ao nível de superfície do terreno, criadas a partir de processos tectônicos (morfotectônica). A quebra de relevo é uma das características mais notáveis na superfície e pode ser caracterizada por importantes anomalias de drenagem (nesse caso traduzidas por cachoeiras ou cascatas) e, em geral, são representados pelos knickpoints, os quais, dependendo da diferença da cota da quebra de relevo, bem como do volume de água e acréscimo de energia propiciam efeitos paisagísticos notáveis. Nesse caso poderiam ser considerados como alvo inicial para considerá-los como geossítios. O software Knickpoint Finder tem por foco acelerar o processo da análise geomórfica e m o r fo m é t r i ca n o co ntex to ge o m o r fo l ó g i co, possibilitando um bom grau de precisão e detalhe na 202 Salamuni et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 200-208 busca desses pontos paisagísticos, que a depender de outros fatores, como por exemplo sua importância geocientífica e sua facilidade de acesso, podem se constituir excelentes pontos geoturísticos. 3.2 MÉTODOS O software Knickpoint Finder se baseia no parâmetro morfométrico proposto por Hack (1973), denominado de índice StreamLenght-Gradient (SL) - ou Índice de Hack - e refere-se a perfis longitudinais de rios ou de segmentos de drenagem, que indicam anomalias locais (Martinez et al. 2011). Esse parâmetroé obtido pelo cálculo da declividade do segmento da drenagem multiplicada pela distância entre o segmento considerado e a nascente do rio. Etchebehere et al. (2004) propuseram uma derivação do Índice de Hack, denominando-o de RDE (Relação Declividade-Extensão), que leva em consideração o aumento da energia da corrente em determinado segmento da drenagem, utilizando como variável a declividade da superfície do canal. O índice RDE para um segmento (RDEs) pode ser calculado da seguinte maneira (figura 1): RDEs = (ΔH / ΔL) . L (Eq. 1) ΔH = diferença altimétrica entre as duas extremidades de um segmento ao longo de um rio; ΔL = extensão do trecho em planta; L = distância entre a extremidade inferior desse trecho e a nascente do rio. Figura 1 – Perfil longitudinal de um canal, mostrando como o índice RDEs é medido para um segmento de comprimento Δl, diferença altimétrica de Δh, e distância da nascente do rio de L. A variante RDE total (RDEt), que se refere à extensão total de um rio, leva em consideração a declividade total entre a nascente e a foz, e o logaritmo natural de toda a sua extensão (Seeber & Gornitz 1983, Etchebehere 2006). O cálculo é feito da seguinte forma: RDEt = (ΔH / ΔL) .ln(L) (Eq. 2) O objetivo final, após medir os índices RDEs de diversos segmentos e os índices RDEt de suas respectivas drenagens, é compará-los para determinar quais segmentos possuem declividade anômala. As anomalias mais significativas determinam os knickpoints de interesse de estudos morfotectônicos ou morfoestruturais. Keller & Pinter (1996) estudaram o índice SL da San Gabriel Mountains, Sul da Califórnia, e perceberam que ali os valores mostram-se anormalmente altos, o que possibilitou a geração de knickpoints ligados a altas taxas ascensionais de terreno. O índice RDE, proposto por Etchebehere et al. (2004), foi utilizado para criar o algoritmo que identifica knickpoints que, por sua vez, embasou a confecção do Knickpoint Finder para operar em conjunto com o software ArcGIS®, como uma toolbox. O algoritmo desta ferramenta utiliza imagens raster com dados altimétricos, de onde a drenagem tridimensional é obtida para a análise de RDEs e RDEt, cujos cálculos necessitam da confecção dos perfis longitudinais completos de todos os rios que estão sendo estudados. Desta forma, é necessário unificar todos os segmentos em cada uma das linhas de drenagem para que seja reconhecida como uma feição única, da cabeceira à foz. Para este processo como não existe ferramenta específica no ArcGIS®, foi criado um algoritmo exclusivo denominado de River Merge. Após a unificação dos segmentos de drenagem, a ferramenta transforma as linhas 2D da rede de drenagens em linhas 3D, adicionando o valor de altitude (Z), obtido da imagem que contém os dados altimétricos, utilizando-se, no caso do ArcGIS®, da ferramenta InterpolateShape. Após esta etapa cada nó (vértice) de cada linha possuirá os valores de altitude (Z), além de coordenadas X e Y. Ao final do processo é feita a medição dos índices RDE e marcado automaticamente um ponto no mapa (knickpoint). O banco de dados dos pontos gerados guardam, além das coordenadas X e Y e do grau de anomalia, os valores de RDEs, RDEt e RDEs/RDEt do segmento. Há uma relação de escala de trabalho, que é uma variável fornecida pelo usuário, ou seja, quanto menor o valor da equidistância altimétrica fornecida pelo usuário, maior será o número de dados (pontos) no resultado final. Assim, o resultado final da ferramenta Knickpoint Finder é uma malha de pontos, cuja densidade dependeda escala de trabalho e do valor escolhido para as curvas de nível virtuais (equidistância altimétrica fornecida pelo usuário). 4. DESENVOLVIMENTO E DISCUSSÃO Para testar a ferramenta desenvolvida, o KnickpointFinder foi aplicado ao recorte geográfico da Serra do Mar paranaense, com o intuito de obter os knickpoints (figuras 3 e 4), os quais foram analisados à luz dos dados geológicos (figura 2). 203 Salamuni et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 200-208 Por meio das figuras 3 e 4, é possível observar que há uma grande quantidade de knickpoints no fronte da escarpa da serra, nos segmentos de rios que formam a bacia hidrográfica litorânea. Isso faz sentido exatamente pelo fato de ali haver importante sequência de quebras de relevo, geradas fundamentalmente por rupturas dos terrenos, nesse caso pela ocorrência de falhas geológicas com direção NE-SW, bem como por alinhamentos estruturais como diques de diabásio com direção NW-SE. Assim, é possível que as rupturas de terreno, geradas pelas reativações de planos de falhas de direção NSW e também estruturas menores de direção NW, nas quais se acomodam trechos de rios, apresentem boadensidade de knickpoints. Todavia, não se pode descartar que há knickpoints gerados por processos erosivos e/ou intempéricos que agem de forma diversa em litotipos variados, devido às diferenças de resistência entre rochas de natureza diversificadas. A seleção de áreas com prováveis locais que apresentam pontos geomórficos de beleza cênica relevante, representam os alvos preferenciais para a pesquisa facilitando a busca por pontos de real interesse. É possível traçar um paralelo, dessa forma, com os métodos de exploração mineral e a busca por alvos de interesse econômico. Figura 2 – Mapa geológico simplificado da região da Serra do Mar paranaense (Fonte: Nascimento 2013) 204 Salamuni et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 200-208 Partindo-se desse princípio, o método permite que o aumento da escala da imagem aproxime, por sua vez, o objeto de análise e a busca visual restrita a áreas onde o adensamento de knickpoints é maior, permitindo que se possibilite ampliar a identificação dos pontos de interesse. Na figura 4, por exemplo, há três áreas de interesse, a sul, no centro da área e a norte. São nessas áreas que a busca de knickpoints deve se concentrar para que se aumente a chance de encontrar geossítios com potencial vocação geoturística ou até mesmo voltada ao turismo de aventura. Optando-se por uma dessas concentrações, verifica-se em imagens de satélite do Google Earth o ponto exato onde o Knickpoint, representado por uma cascata/cachoeira, está posicionado. A partir desse ponto é possível determinar se o local encontrado é, de fato, compatível com os critérios intrínsecos a um geossítio. Figura 3 – Modelo digital de elevação mostrando os principais knickpoints identificados na área de estudo, a partir dos valores de RDEs. 205 Salamuni et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 200-208 Figura 4 – Mapa de estimativa de densidade de knickpoints identificados na área de estudo. 206 Salamuni et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 200-208 A figura 5 mostra a sequência utilizada para a busca de um sítio relevante para o desenvolvimento geoturísitico local. Nesse caso o geossítio é representado pela cachoeira de Salto Morato de cerca de 160 m de queda de água, já conhecida, cujas coordenadas geográficas de latitude é 25°09'50”S e de longitude é 48°17'54”O. A figura 6 mostra que foi possível encontrar o Salto Morato e muitos outros pontos de grande beleza natural utilizando-se da técnica de busca simples a partir de imagens de satélite e dos pontos de knickpoints mais marcantes encontrados pelo software. Para a definição de que esse ponto, de fato, constituiria um geossítio seria necessário o levantamento de sua relevância geocientífica, por exemplo ressaltando que nesse caso, caracterizaria a evolução morfotecônica de sua região de abrangência. No caso em tela, o ponto encontrado constitui um excelente referencial para o entendimento da evolução geomorfológica e geológica-estrutural do fronte da escarpa da Serra do Mar. Como já se conhece, de antemão, sua vocação turística, principalmente o turismo de aventura, é possível classificá-lo como um geossítio. 6. CONCLUSÃO Figura 5 – Sequência de etapas necessárias para se identificar um geossítio a partir de um modelo digital de elevação utilizando-se o software Knickpoint Finder. Figura 6 – Esquema de identificação de um ponto geoturístico, neste caso o Salto Morato, a partir de análise multi-escala de imagens de satélite do Google Earth®. O relevo apresenta exagero vertical de 3 vezes (escalas indefinidas) O software Knickpoint Finder funciona acoplado ao ArcGIS®. Um dos ganhos fundamentais no processo automático de identificação de knickpoints é a rapidez da busca desse tipo de anomalia, ou elemento morfométrico, em imagens que deve necessariamente estar em formato raster e possuir dados altimétricos. O aumento na velocidade e na facilidade de busca de dados morfométricos, no caso os knickpoints, torna a ferramenta eficaz e eficiente na identificação de prováveis geossítios de interesse geoturístico, em se tratando de rupturas de relevo em perfis longitudinais de rios ou segmentos de drenagem. Os knickpoints necessariamente precisam passar por uma avaliação visual em ferramentas virtuais do tipo Google Earth® e Bing® e para que possam ser considerados geossítios de interesse geoturístico p re c i s a m , p o ste r i o r m e nte , p a s s a r p o r u m a caracterização e avaliação focadas nessa meta. Tal avaliação deve incluir os critérios que têm sido propostos e apresentados em vários trabalhos de pesquisa sobre geoturismo como, por exemplo, a síntese mostrada por Nascimento et al. (2008). O Knickpoint Finder é um software de código aberto à comunidade e está disponível na forma de arquivo digital no sítio eletrônico do Grupo de Pesquisa em Neotectônica da Universidade Federal do Paraná (http://www.neotectonica.ufpr.br). A partir do código aberto, eventuais interessados podem adaptá-lo em outros programas ou pacote voltados a GIS, necessitando para isso que o algoritmo seja modificado de acordo com as especificações do programa de geoprocessamento. 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Manuscrito ID 32797 Submetido em julho de 2013 Aceito em setembro de 2013 208 boletim paranaense de geociências volume 70 (2013) 02 - 27 Iniciativas institucionais de valorização do patrimônio geológico do Brasil Institutional programs for the valuation of geological heritage of Brazil 1 2 2 KÁTIA LEITE MANSUR , ANTONIO JOSÉ DOURADO ROCHA , AUGUSTO PEDREIRA (in memoriam) , 2 3 4 5 CARLOS SCHOBBENHAUS , EDUARDO SALAMUNI , FLÁVIO DA COSTA ERTHAL , GIL PIEKARZ , 6 7 8 MANFREDO WINGE , MARCOS ANTÔNIO LEITE NASCIMENTO , ROGÉRIO RODRIGUES RIBEIRO . 1 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro - [email protected] Serviço Geológico do Brasil (CPRM) - [email protected] - [email protected] 3 Universidade Federal do Paraná - [email protected] 4 Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ) - [email protected] 5 Serviço Geológico do Paraná (MINEROPAR) - [email protected] 6 Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP) - [email protected] 7 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - [email protected] 8 Instituto Geológico de São Paulo (IG) - [email protected] Resumo O presente artigo tem como objetivo apresentar e discutir as iniciativas para divulgação e popularização do patrimônio geológico do Brasil. São apresentados casos de âmbito nacional, na forma das ações de inventário promovido pela SIGEP e dos projetos Geoparques e Banco de Dados de Geossítios do Brasil da CPRM. No âmbito estadual são apresentadas as experiências dos projetos Caminhos Geológicos do Estado do Rio de Janeiro desenvolvido DRM-RJ, Sítios Geológicos e Paleontológicos do Paraná da MINEROPAR, Caminhos Geológicos da Bahia da CPRM e Petrobras, dos Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte do IDEMA e dos Monumentos Geológicos de São Paulo do IG-SP. Os casos demonstram que existe um amplo espaço para desenvolvimento dos projetos de geoturismo e divulgação do patrimônio geológico para a sociedade e que este espaço vem sendo ocupado pelos serviços geológicos e entidades afins de âmbito estadual, onde a implantação de painéis interpretativos tem sido um dos principais instrumentos utilizados. Fica clara, ainda, a necessidade de que haja uma organização responsável pela implantação e manutenção dos painéis. Considera-se que estes tipos de projetos propiciam a participação comunitária e o desenvolvimento de projetos educacionais. Vislumbra-se que as unidades de conservação são lugares especiais para a implantação deste tipo de sinalização, propiciando a divulgação da geodiversidade em conjunto com a biodiversidade. Por fim, considera-se, ainda, que o maior obstáculo a ser superado é a comunicação com a sociedade. Para tanto, precisa-se avançar no conhecimento sobre o usuário dos painéis interpretativos. É necessária, portanto, a realização de pesquisas sobre o público-alvo e planejamento prévio da interpretação, ou seja, deve-se melhorar cada vez mais a comunicação para despertar o interesse do usuário / visitante. Palavras-chave: Patrimônio Geológico; Geoconservação; Geoturismo; Divulgação das Geociências. Abstract This paper aims to present and discuss the initiatives for interpretation and popularization of geological heritage of Brazil. National examples are presented in the form of inventory actions promoted by SIGEP and by CPRM projects: Geoparks and Database of Geosites of Brazil. At the State level are presented the experiences of the Geological Paths Project of the State of Rio de Janeiro developed by DRM-RJ; Geological and Paleontological Sites of Paraná by MINEROPAR; Geological Paths of Bahia by CPRM and Petrobras; Geological Monuments of Rio Grande do Norte by IDEMA; and the Geological Monuments of São Paulo by IG-SP. These cases demonstrate that there is a broad space for development of geotourism projects and popularization of geological heritage for society. This space has been occupied by the geological survey and related entities at the State level. The implementation of interpretative panels has been one of the main instruments used. It is clear, though, that is indispensable an organization be responsible for the implementation and maintenance of the panels. It is considered that these types of projects encourage community participation and the development of educational projects. Protected areas are special places for the implementation of this type of signage, enabling the dissemination of geodiversity in conjunction with biodiversity. Finally, it is considered that the biggest hurdle to be overcome is communication with the society. To do so, will need to advance in the knowledge of the user of the interpretative panels. It is necessary, therefore, to carry out research on the target audience and prior planning of interpretation, in other words, it should be increasingly improving communication to user interest. Keywords: Geological Heritage; Geoconservation; Geotourism; Disclosure of Geosciences. 02 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 1. INTRODUÇÃO 1.1. Histórico Iniciativas de divulgação da geologia para a sociedade no Brasil existem há décadas. Confirma esta afirmação a implantação, em 1988, de 17 marcos de concreto com descrição geológica de afloramentos ao longo da Rodovia SC-438, na Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina. Esta sinalização deu visibilidade pública à denominada Coluna White, ou seja, a coluna estratigráfica definida em 1908 no relatório do geólogo Israel White, sobre a borda sudeste da Bacia do Paraná, um representante clássico da história evolutiva do Gondwana (Orlandi Filho et al. 2002). Outros exemplos, como o Parque do Varvito, em Itu, e o Parque da Rocha Moutonnée, em Salto, ambos no Estado de São Paulo, fundados na década de 1990, promovem a informação geológica, por meio da ampla visitação que recebem (Rocha-Campos, 2002a; 2002b). A SIGEP - Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos, criada em 1997 com a missão de organizar o banco de dados nacional, tornou disponível na internet as descrições de geossítios apresentadas pelos pesquisadores e avaliadas no mérito por representantes de instituições brasileiras relacionadas à Geologia. A SIGEP também vem fomentando descrições dos sítios em linguagem popular “com vistas à ampla divulgação das geociências e da mentalidade preservacionista com relação aos nossos monumentos geológicos, promovendo assim, simultaneamente, a popularização das geociências” conforme consta da apresentação da comissão no seu endereço eletrônico (http://sigep.cprm.gov.br/). Todavia, somente no início do século 21, projetos de divulgação geológica sistemática começaram a ser e s t r u t u ra d o s n o p a í s . E s t e s p ro j e t o s v ê m proporcionando uma abertura para a inserção da geologia nas comunidades, na sinalização de unidades de conservação e no desenvolvimento de programas educacionais locais. Quase todos baseiam suas iniciativas na confecção de painéis e folhetos interpretativos sobre a evolução geológica de monumentos de importância paisagística, científica e/ou turística e se estruturaram como projetos de âmbito estadual. 1.2. Popularização da Geologia e Valorização do Patrimônio Geológico: Compromissos e Desafios No Brasil, projetos de divulgação científica têm sido cada vez mais comuns, como pode ser avaliado nas edições da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, onde, a cada nova edição, ampliam-se as atividades e a participação popular. Ações relacionadas às áreas de popularização da Física, Medicina, Matemática, Astronomia, entre outras, vêm despertando grande atenção nos meios escolares o que certamente permitirá, em pouco tempo, seu fácil reconhecimento e entendimento. Um exemplo desta possibilidade de inserção pode ser tomado da Biologia, onde alguns dos seus termos técnicos já compõem o vocabulário do cidadão comum, dado o entendimento da importância do mundo biótico e da necessidade de se manter o planeta sadio. Da mesma forma, espera-se incluir o respeito e atenção ao planeta como um todo, para garantir o espaço de divulgação das Ciências da Terra no conjunto da população. Os grandes agentes de financiamento de pesquisa em C&T já possuem linhas para atendimento das demandas na área de popularização da ciência, desde o CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico até as FAPs – Fundações de Amparo a Pesquisa de âmbito estadual. Neste contexto, a popularização da geologia pode se desenvolver amplamente. A despeito da repercussão positiva dos projetos de disseminação do conhecimento geológico no Brasil, tanto no meio geológico quanto na sociedade em geral, um desafio tem sido colocado incessantemente para aqueles que trabalham com o tema: adequar a linguagem hermética praticada pelos geólogos para entendimento pelo cidadão comum. Os modelos de comunicação pública em ciências ainda promovem polêmicas entre os autores que, cada vez mais, buscam uma forma democrática e inclusiva para promover os temas de CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) para a população (Durant 1999; Moreira e Massarani 2002; Lewenstein & Brossard 2005; Moreira 2006; Navas et al. 2007; Navas 2008). O modelo mais tradicional, denominado Modelo de Déficit, parte do pressuposto que o cientista precisa aportar seu conhecimento para aqueles grupos que não o possuem, suprindo um déficit de conhecimento. Esta forma de comunicação vem sendo combatida por não levar em conta os saberes tradicionais. Posteriormente, surgiu o Modelo da Participação Pública que estimula a participação e manifestação do conhecimento popular pela participação em fóruns, debates e reuniões, onde público e cientistas têm papéis equivalentes. A principal forma de comunicação dos projetos de divulgação geológica sistemática no Brasil se dá por meio da implantação de painéis interpretativos (Nascimento et al. 2009). Esta técnica é utilizada em muitos países (Hose 1997, 2000, 2008; Dias et al. 2003; Carter 2001). A comunicação também pode ser feita utilizando-se de folhetos, cartazes, jogos, CDs / DVDs, páginas na internet, livros, instalações interativas, entre outros. Pode ser realizada ao ar livre, em museus, em escolas ou, mesmo, na própria residência do usuário, se utilizadas ferramentas que permitam a inclusão digital. 03 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 2. PROJETOS EM EXECUÇÃO NO BRASIL 2.1. Visão geral Um dos compromissos que necessita ser assumido pela comunidade geológica brasileira é o da união perante as ameaças sofridas pelo patrimônio geológico. Não são poucos os casos de denúncias e, mesmo, destruição de ambientes geológicos especiais como sítios paleontológicos e espeleológicos, dunas e outros ambientes costeiros, afloramentos únicos para a ciência e ensino. Segundo Cendrero Uceda (1996) e Brilha (2005) a divulgação é uma importante ferramenta a ser utilizada em programas de geoconservação, cuja essência é a gestão científica para a conservação do patrimônio. A gestão, por sua vez, pressupõe a formalização de um gestor e de um programa baseado no conhecimento geológico e planejamento de ações de controle, divulgação e monitoramento. Este é um ponto crítico para a geoconservação no Brasil: as organizações de gestão ambiental, em geral, ainda não incorporam a proteção da geodiversidade na sua missão. Por outro lado, a maioria das instituições estaduais de cunho geológico foi extinta entre os anos 1980 e 1990. Atualmente, apenas oito dos 26 estados brasileiros possuem instituições específicas voltadas para fomento da mineração e/ou conhecimento geológico. São eles: Bahia, Goiás, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins. Há, portanto, um descompasso entre o aumento do conhecimento geológico, com consequente geração de informação, e a capacidade de gestão do patrimônio identificado. Os dois mais antigos e prolíficos projetos de divulgação geológica do Brasil são gerenciados por serviços geológicos estaduais, DRM-RJ e MINEROPAR e, das oito instituições estaduais existentes, quatro delas, as de Goiás, Mato Grosso, Paraíba e Tocantins, ainda não iniciaram projeto de disseminação da geologia para a sociedade. Por outro lado, o Projeto Caminhos Geológicos da Bahia foi criado sem a coordenação da CBPM – Companhia Baiana de Pesquisa Mineral. Em 2006, o Rio Grande do Norte, apesar de não possuir uma organização pública com foco específico na geologia e mineração, por meio do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente, em convênio com a PETROBRAS, criou o Projeto Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte. Ainda, foi inaugurado um painel durante o Simpósio de Geologia do Sudeste, em 2007, pelo projeto Monumentos Geológicos de Minas Gerais (Figura 1), porém, não se tem notícias sobre perspectivas de sua continuidade. Figura 1 – Painel inaugurado em 2007 no Centro de Geologia Eschwege, em Diamantina, MG 04 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Já em São Paulo, a instituição pública estadual de geologia, o Instituto Geológico – IG, está vinculado à Secretaria de Meio Ambiente - SMA e criou o Projeto Monumentos Geológicos. Esta vinculação tem permitido a aplicação de instrumentos clássicos da gestão ambiental à proteção do patrimônio geológico, como a criação do Conselho Estadual de Monumentos Geológicos, em 2009, para apoiar o IG na elaboração do inventário e na geoconservação. O conselho é consultivo e seus membros são representantes do poder público (SMA) e convidados com reconhecida atuação nos temas relacionados direta ou indiretamente com geossítios / monumentos geológicos. 2.2. Ação da SIGEP A Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), criada em 1997, ocupou-se pela primeira vez no Brasil da identificação, avaliação, descrição e publicação de sítios do patrimônio geológico de forma sistêmica e com a participação essencial da comunidade geocientífica. Com suas atividades suspensas desde meados de 2012, por razões a seguir explicitadas, a SIGEP representou a mais importante e abrangente iniciativa no movimento pela conservação do patrimônio geológico nacional, seguida de algumas iniciativas em nível estadual. Essa iniciativa descreveu e avaliou sítios geológicos e paleontológicos de valor excepcional – os chamados geossítios, feições notáveis identificadas no contexto da extensa diversidade geológica do país que representam a memória geológica nacional - patrimônio geológico do Brasil. Os geossítios são assim locais-chaves para o entendimento da história da dinâmica da Terra e da história da vida, desde a sua formação, razão pela qual precisam ser preservados. Muitos deles possuem extraordinária beleza paisagística. O inventário do patrimônio geológico segue, sobretudo, critérios científicos, mas outros tipos de interesses são considerados, a exemplo do interesse educativo que é essencial para a formação de alunos e professores de todos os níveis de ensino ao serem colocados frente a frente com a realidade da geologia, representada no geossítio por rochas, minerais e feições geológicas, um verdadeiro arquivo da natureza. Por outro lado, o interesse turístico e cultural é importante na promoção da geologia junto ao público leigo e pode contribuir para o desenvolvimento sustentado das populações locais. A Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos - SIGEP, contou com representantes das seguintes instituições: Academia Brasileira de Ciências ABC, Associação Brasileira para Estudos do Quaternário ABEQUA, Departamento Nacional de Produção Mineral DNPM, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, Petróleo Brasileiro S/A - PETROBRAS, Serviço Geológico do Brasil - CPRM, Sociedade Brasileira de Espeleologia - SBE, Sociedade Brasileira de Geologia SBG, Sociedade Brasileira de Paleontologia - SBP e União da Geomorfologia Brasileira - UGB. A principal atribuição da SIGEP – de elencar os geossítios brasileiros – foi implementada com o gerenciamento de um banco de dados nacional e disponibilizado em site da internet (http://sigep.cprm.gov.br) na forma de artigos científicos bilíngues – inglês e português - elaborados por especialistas que trabalharam nas áreas dos geossítios aprovados. Desde o início, o processo seletivo dos geossítios seguiu a orientação da SIGEP de avaliação de cada sítio segundo sua tipologia principal (Astroblema; Espeleológico; Estratigráfico; Geomorfológico; Hidrogeológico - só casos especiais; História da Geologia, Mineração, Paleontologia; Ígneo; Marinho-submarino; Metamórfico; Metalogenético; Mineralógico; Paleoambiental; Paleontológico; Sedimentar; Tectonoestrutural; outro) e tendo como critérios: (i) sua singularidade na representação de sua tipologia ou categoria; (ii) importância na caracterização de processos geológicos-chave regionais ou globais, períodos geológicos e registros expressivos na história evolutiva da Terra; (iii) expressão cênica; (iv) bom estado de conservação; (v) acesso viável; e (vi) existência de mecanismos ou possibilidade de criação de mecanismos que lhe assegure conservação e consequente aproveitamento. Mesmo instituída e exercendo de fato as suas competências, a SIGEP não foi oficializada de direito no âmbito do Poder Público, o que lhe tirava a capacidade de adotar medidas legais para a preservação dos geossítios. Assim, em agosto de 2012, quinze anos depois de sua criação, a SIGEP, suspendeu o recebimento de novas propostas de geossítios em virtude da publicação de Portaria N0 170, de 20 de junho de 2012, da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia que instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial de Sítios Geológicos e Paleontológicos (GTI-SIGEP) com a responsabilidade de propor a institucionalização das atividades da SIGEP e a revisão dos procedimentos afetos à seleção de novos sítios geológicos e paleontológicos de natureza especial e ao gerenciamento e divulgação de tais informações, ou seja, com o objetivo de instituir o marco legal que permitirá impulsionar, de forma oficial, a identificação, a preservação, divulgação, valorização e uso de sítios re p re s e ntat i vo s d o p at r i m ô n i o ge o l ó g i co e paleontológico brasileiro. O GTI-SIGEP concluiu suas atividades em novembro de 2012 ao apresentar minuta de proposta de edição de decreto presidencial, objetivando a criação da 05 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Comissão do Patrimônio Geológico do Brasil, com as atribuições de identificar e reconhecer os bens que constituem o Patrimônio Geológico do Brasil e definir e encaminhar propostas de acautelamentos aos órgãos competentes. Sintetizando, pode-se dizer que a SIGEP, uma comissão multi-institucional, coordenou e promoveu entre 1997 e 2012, de mãos dadas com a comunidade geocientífica, o inventário parcial de sítios geológicos e paleontológicos do Brasil a serem preservados na forma de artigos científicos complementados por sugestões de medidas de proteção. A ampla divulgação na internet e em volumes impressos (livros) (Figura 2), atingindo não só os órgãos públicos - municipais, estaduais e federal, mas também o setor privado e a opinião pública em geral, certamente é da maior importância para propiciar a preservação e bom uso do patrimônio natural, através da necessária sinergia entre os vários órgãos públicos, empresas interessadas e comunidade, envolvidos na preser vação da geodiversidade. Números referentes à produção da SIGEP registrados no site ou publicados (Schobbenhaus et al. 2002, Winge et al. 2009, Winge et al. no prelo) são apresentados a seguir: l l l l l 116 geossítios publicados em 3 volumes e disponibilizados em PDF na internet (Figura 3); 51 geossítios aprovados, mas sem descrição disponível (Figura 4); 4 geossítios dos publicados em versão para leigos publicados na internet; 26 sugestões preliminares de geossítios não formalizadas; 26 propostas de geossítios canceladas (causas: pouca relevância, superposição com outras propostas, destruição). Figura 2 – Capas dos volumes I e II da SIGEP. Acessíveis em: http://sigep.cprm.gov.br 06 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 3 – Localização dos sítios aprovados pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP, publicados na forma de artigos científicos e complementados por sugestões de medidas de proteção. 07 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 SIGEP SÍTIOS GEOLÓGICOS E PALEONTOLÓGICOS NÃO PUBLICADOS Sítios 3 1 15 5 27 14 46 16 26 49 28 4 10 12 24 23 8 9 13 11 20 22 7 17 21 19 6 18 32 25 31 43 42 45 29 30 41 37 36 39 40 38 44 34 48 33 2 47 35 Nome UF 1 Dunas do Araçá AM 2 Canyon de Xingó SE/AL 3 Pico da Neblina AM 4 Raso da Catarina BA 5 Inselbergs de Quixadá CE 6 Morro de Penedo 7 Pães-de-açúcar de Pancas e Pedra Torta ES 8 Cachoeira do Rio das Almas GO 9 Cavernas da região de Guarani de Goiás e São Domingos GO 10 Córrego Alagadinho GO 11 Paraúna GO 12 Pilar de Goiás GO 13 Silexisto microfossilífero e estromatólitos da Fazenda Funil 14 Floresta Petrificada de Teresina 15 Lençóis Maranhenses e Dlta do Parnaíba 16 Vertebrados Permianos de Pastos Bons MA 17 Bacia do Gandarela MG 18 Gruta da Serra do Ibitipóca MG 19 Mina de Passagem MG 20 Pico do Itacolomy de Buritizeiro MG 21 Morraria do Urucum 22 Pedreira Saladeiro MS 23 Baías do Pantanal BR/BO 24 Chapada dos Guimarães MT 25 Geyseritos Permianos de Anhembi PA 26 Fósseis Invertebrados de Rancharia PE 27 Fauna Permiana de Mocambo 28 Pedra Furada/Serra da Capivara PI 29 Estrias Glaciais de Witmarsum PR 30 Icnofósseis Devonianos de São Luiz do Purunã PR 31 Dedo de Deus RJ 32 Pico das Agulhas Negras RJ 33 Armação dos Búzios 34 Restinga da Marambaia RJ 35 Parque das Dunas RN 36 Astroblema de Cerro do Jarau RS 37 Distrito Mineral do Alto Uruguai RS 38 Parque Guaritas e o litoral de Torres RS 39 Vulcanismo Rodeio Velho do Arroio Carajá 40 Furna Marinha de Sombrio 41 Mafra-Rio Negro 42 Lavas Almofadadas de Pirapora do Bom Jesus SP 43 Marundito do Pico Pelado SP 44 Paleolagunas na Estação Ecológica JurÚia-Itatins 45 Turfeira da Campina do Encantado SP 46 Sítio Espeleológico Serra do Martins RN 47 Marmitas do Rio Carnaúba RN 48 Maciço dos Três Picos RN 49 Dioritos Almofadados do Rio Espinharas RJ ES GO MA PI/MA MS PI RJ RS SC SC/PR SP Figura 4 – Localização dos sítios aprovados pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos – SIGEP, sem número de cadastro SIGEP e sem publicação disponível na forma de artigo científico. 2.3. Projetos do Serviço Geológico do Brasil - CPRM 2.3.1. Geoparques A CPRM tem como uma de suas missões precípuas a geração e a difusão de informações geológicas. Por ser o grande gerador e detentor do conhecimento geológico nacional, cabe ao Serviço Geológico do Brasil com o apoio da área acadêmica e dos serviços geológicos estaduais, realizar de forma sistemática o inventário dos sítios do patrimônio geológico do Brasil, tanto de importância internacional, quanto nacional ou regional/local. A CPRM promove a identificação, caracterização e avaliação, visando à conservação do patrimônio geológico brasileiro através do Projeto Geoparques. Os sítios geológicos ou geossítios cadastrados e quantificados pelo Projeto Geoparques são destinados a integrar um acervo para a preservação do patrimônio geológico. Também, como membro da SIGEP, a CPRM se ocupou nos últimos 15 anos da identificação, avaliação, descrição e publicação de geossítios. Um geoparque corresponde a uma área com limites bem definidos e com uma dimensão suficiente para que possa servir ao desenvolvimento econômico e cultural local (especialmente por meio do geoturismo) ( h t t p : / / w w w. u n e s c o . o r g / n e w / e n / n a t u r a l sciences/environment/earth-sciences/geoparks/globalgeoparks-network/). Os sítios devem ser importantes do ponto de vista da ciência, raridade, educação e / ou estética. Um geoparque é uma área onde geossítios fazem parte de um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. No entanto, o geoparque deve levar em conta o contexto da região e não unicamente incluir locais de significado geológico. A sinergia entre a biodiversidade, geodiversidade e cultura, além do patrimônio tangível e não tangível devem ser de tal ordem que temas não geológicos devem ser destacados como parte integrante do geoparque, especialmente quando a sua importância em relação à paisagem e geologia pode ser demonstrado aos visitantes. Por essa razão, é necessário também incluir e destacar locais de interesse ecológico, arqueológico, histórico e cultural dentro do geoparque (UNESCO 2010). O programa Geoparque vem suprir uma lacuna para reconhecimento internacional do patrimônio geológico de importância nacional ou regional. A iniciativa da UNESCO para apoiar os geoparques, bem sucedida em nível mundial, responde à forte demanda expressa por muitos países, que tem como objetivo, entre outros, constituir uma série global de sítios geológicos ou geossítios destinados a integrar um acervo para a preservação do patrimônio geológico. 08 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Nesse sentido, os geossítios são vistos como complementares à Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, possibilitando desenvolver um mecanismo adequado para o reconhecimento de locais de importância internacional, identificados a partir de inventários geológicos nacionais (UNESCO 2008; Eder & Patzak 2004). O Projeto Geoparques da CPRM representa importante papel indutor na proposição de geoparques no território nacional. Esse projeto tem como premissa básica a identificação, levantamento, descrição, diagnóstico e ampla divulgação de áreas com potencial para futuros geoparques no território nacional. Durante esse processo realiza-se o cadastro e quantificação de geossítios de diversas tipologias, dentro dos limites do proposto geoparque. Para esse trabalho concorre o acervo de levantamentos geológicos existentes no País e a experiência do corpo técnico da empresa, além do aporte de estudos e propostas da comunidade geocientífica. Em alguns casos, essa atividade indutora é feita em conjunção com universidades e outros órgãos ou entidades federais, estaduais ou municipais que tenham interesses comuns, em consonância com as comunidades locais. A ação catalisadora desenvolvida pela CPRM representa, entretanto, somente o passo inicial do futuro geoparque. As áreas propostas para os geoparques foram selecionadas por sua importância geológica, que em muitos casos associa-se a formas de relevo com excepcional valor estético ou beleza cênica. Nessa etapa inicial as áreas propostas pelo Projeto Geoparques constituem em primeira instância parques geológicos, que possibilitam conhecer a sua história geológica através dos geossítios, roteiros geológicos ou pela geomorfologia da paisagem. Para a transformação de um parque geológico em um geoparque, além dos atributos geológicos, outros atributos devem coexistir na área proposta e ambos deverão promover o desenvolvimento econômico sustentável e a geoconservação, comumente através do geoturismo/ecoturismo. Em praticamente todas as áreas selecionadas para os geoparques potenciais, já existe um fluxo turístico, em maior ou menor grau, no entanto, sem associação direta com a geologia. A criação de uma entidade de gestão e outras iniciativas complementares permitirá que o parque geológico seja transformado em um geoparque, cabendo-lhe promover o geoturismo. Alguns geoparques propostos coincidem em seus limites com unidades de conservação ou parques naturais, em especial por apresentarem rara beleza cênica. No entanto, os limites de um geoparque não coincidem necessariamente com os parques naturais ou outras áreas de reservas ambientais. Propostas de áreas com potencial de se transformarem em geoparques, objeto do Projeto Geoparques, estão indicadas na Figura 5. Figura 5 – Mapa de localização das propostas de geoparques concluídas (1 a 17), em execução e programadas do Projeto Geoparques da CPRM. 09 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Nos últimos cinco anos foram concluídos estudos de 17 propostas de geoparques pelo Projeto Geoparques cobrindo áreas de norte a sul do país. Dessas, 14 foram publicadas pela CPRM no primeiro volume do livro “Geoparques do Brasil-Propostas” (Schobbenhaus & Silva 2012). Diversas outras propostas estão em fase de avaliação ou serão avaliadas em etapas seguintes. Uma atividade essencial realizada pelo Projeto Geoparques é a identificação, cadastramento e valoração de geossítios ou sítios do patrimônio geológico na área do território proposto para o potencial geoparque. Até o momento foram cadastrados 376 geossítios nos 17 propostos geoparques. Esses geossítios apresentam diferentes pontos de interesse: científico, didático, turístico, cultural e outros. A sua importância varia de regional/local (59 %), nacional (31 %) a internacional (10 %). Dentro das áreas propostas para geoparques, cerca de 48% relacionam-se a geossítios do Pré-Cambriano, 24% do Paleozoico, 24% do Mesozoico e o restante do Cenozoico. Os litótipos mais comuns são de interesse geomorfológico, estratigráfico e paleoambiental, normalmente associados a geoformas de valor estético ou beleza cênica. Outros são paleontológicos, ígneos, petrológicos, metalogenéticos e espeleológicos. Outros ainda incluem importantes registros da história da mineração ou ainda tem importantes valores préhistóricos e histórico-culturais associados. 2.3.2. Geossit As atividades do Projeto Geoparques abrangem o cadastramento e a quantificação de geossítios, contemplando as metodologias de Brilha (2005) e GarciaCortés & Urquí (2009), adaptadas ao Brasil. Independentemente das futuras ações a serem tomadas com relação aos propostos geoparques, o cadastramento dos geossítios realizado será incorporado em uma atividade mais ampla de âmbito nacional: o Inventário de Sítios do Patrimônio Geológico do Brasil. Para permitir a alimentação de um banco de dados a CPRM desenvolveu um aplicativo web para cadastramento e quantificação automática de geossítios, denominado GEOSSIT (Lima et al. 2012). O aplicativo GEOSSIT é uma ferramenta para a padronização do cadastramento de geossítios do Brasil. É de livre consulta e será operado por meio de uma base de dados específica do Sistema GEOBANK do Serviço Geológico do Brasil - CPRM. O aplicativo web GEOSSIT é operado mediante utilização das seguintes ferramentas de software livre: linguagem de programação PHP 5.3 e banco de dados MySQL 5.1. As informações solicitadas (localização, caracterização geológica e geomorfológica, áreas de interesse, presença de unidades de conservação, etc.), seguidas da quantificação das características intrínsecas, do uso potencial e da necessidade de proteção, permitem classificar o geossítio como de interesse regional, nacional ou internacional (metodologia de Brilha 2005) e definir o valor relativo quanto ao interesse científico, didático e turístico (metodologia de GarciaCortés & Carcavilla 2009). A metodologia de Garcia-Cortés & Urquí (2009) permite também o cálculo da vulnerabilidade do geossítio cujo valor adicionado ao valor do interesse cientifico, didático ou turístico, permite estabelecer a urgência para que sejam adotadas medidas de proteção ao geossítio. Apesar de originalmente o GEOSSIT estar vinculado ao Projeto Geoparque, gradativamente foi ficando claro o potencial de sua utilização como ferramenta para alimentar um banco de dados nacional de geossítios. Desse modo, o GEOSSIT será integrado ao banco de dados da CPRM, denominado GEOBANK. Para acessar o aplicativo o endereço é www.cprm.gov.br/geossit, sendo que a visualização dos dados preenchidos pode ser efetuada clicando no nome do geossítio. O aplicativo possui o módulo de preenchimento (exige senha) e o módulo de visualização (acesso livre). 2.3.3. Sinalização Interpretativa no Quadrilátero Ferrífero Projeto financiado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e executado pelo Instituto Terra Brasilis, no contexto da proposta do Geoparque Quadrilátero Ferrífero. Em sua primeira etapa, o projeto teve como principal objetivo a elaboração, confecção e instalação de placas com informações geológicas em sítios do Quadrilátero Ferrífero, com linguagem acessível e bilíngue (português e inglês), aproximando o cidadão comum de seu patrimônio geológico e promovendo a geoconservação. Os sítios contemplados foram: Serra do Rola Moça, Serra da Piedade, Serra do Curral, Gnaisse de Cachoeira do Campo e Pico do Itacolomi. Os painéis de sinalização do Geopark Quadrilátero Ferrífero foram idealizados em modelo único no formato prancheta com ângulo de inclinação confortável à leitura. Levou-se em conta para isto as características dos locais sinalizados, em sua maioria, áreas de mirante, onde a disposição no formato prancheta favorece a apreciação da paisagem (Figura 6). Cada painel é composto por dois módulos, no módulo da esquerda são apresentadas as informações sobre o conceito de Geoparque e sobre a geologia do Quadrilátero Ferrífero. Já no módulo da direita são apresentadas as informações sobre o geossítio propriamente dito, focando suas peculiaridades e atrativos, contextualizando-o na proposta do Geoparque (Ruchkys et al. 2012). 10 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 importante evento brasileiro de geologia que, atualmente, já possui réplicas em muitos dos eventos regionais e temáticos. A comunicação com os não geólogos através da linguagem, escrita ou visual, sempre foi o grande desafio do projeto e, por este motivo, ele vem sendo construído a partir da interação com as comunidades onde os painéis são implantados. A metodologia básica de elaboração e localização dos painéis do Projeto Caminhos Geológicos do Estado do Rio de Janeiro foi publicada por Mansur & Nascimento (2007). Até abril de 2013 foram implantados 104 painéis em 31 municípios, cuja manutenção é um item importantíssimo a ser considerado (Figuras 7 e 8). Figura 6 – Exemplos de painéis de sinalização interpretativa na Serra do Caraça e Parque das Mangabeiras, Quadrilátero Ferrífero, MG. Fotos: Andreá Trevisol. 2.4. Caminhos Geológicos do Estado do Rio de Janeiro O projeto Caminhos Geológicos foi concebido em 2000 e inaugurado em 2001, pelo DRM-RJ – Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro. Seu objetivo geral é popularizar a geologia pela implantação de painéis interpretativos nos principais monumentos geológicos do Estado do Rio de Janeiro. Como decorrência, se transformou num projeto que tem um forte apelo na geoconservação. São objetivos específicos: (a) Reconhecer e preservar os monumentos geológicos do Estado do Rio de Janeiro; (b) Divulgar o conhecimento geológico entre as comunidades e também para profissionais e cidadãos em geral; (c) Incentivar o desenvolvimento socioeconômico relacionado com a geologia; e (d) Fortalecer o potencial turístico das regiões, criando novos circuitos de visitação a partir de uma proposta ecológica, científica e cultural. É um projeto que conta com a parceria fixa do Departamento de Estradas de Rodagem – DER-RJ e da Cia de Turismo do Estado - Turisrio. Tem nas universidades que estudam a geologia fluminense a base da parceria científica que confere credibilidade ao projeto. Recebe apoio de prefeituras, ONGs, empresas públicas e privadas e de agências de fomento, como a FAPERJ. Como foi o primeiro projeto de sinalização sistemática do Brasil, vem cumprindo um papel de indutor de experiências semelhantes em outros estados. Da mesma forma, teve participação decisiva na formatação do Simpósio sobre Monumentos Geológicos, no XLII Congresso Brasileiro de Geologia, em Araxá, em 2004, primeira experiência com esta temática no mais Figura 7 – Painel interpretativo implantado no Pão de Açúcar Figura 8 – Placa de estrada, indicativa de painel interpretativo. Seu desenvolvimento envolve ações que avançam além da colocação dos painéis interpretativos, consolidando-se na vertente educacional (Mansur 2009a) e outras. Assim, são realizadas ações: a) na comunidade escolar, envolvendo alunos e professores, trabalhos de campo e elaboração de material didático e paradidático próprio (Talarico 2004; Talarico et al. 2005, Mansur 2009a) (Figuras 9 e 10); 11 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 9 – Alunos de São José de Ubá, apontando seus desenhos no painel colocado em sua escola. Figura 12 – Treinamento sobre geologia para os funcionários do Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu c) na governança local, incluindo prefeituras, produtores rurais (Figura 13), APLs de base turística; Figura 10 – Alunos do Projeto Jovens Talentos para a Ciência em trabalho de campo em Santo Antônio de Pádua b) junto à sociedade civil organizada como ONGs, associações de moradores, comitês de bacia, conselhos gestores de Unidades de Conservação - UCs (Nascimento & Mansur 2008), gestores ambientais e coletivos educadores ambientais, como os livros do Projeto Conhecer para Preservar (Mansur et al. 2007a, 2007b) (Figuras 11 e 12); Figura 13 – Apresentação sobre geologia em praça pública para produtores rurais em Bom Jardim d) no meio acadêmico, apoiando e realizando conjuntamente pesquisas geológicas com Universidades, como UFF (Figueiredo Jr et al. 2004), UERJ (Schmitt et al. 2004, Valeriano 2006); UENF (Alves et al. 2009) e UFRJ e Museu Nacional (Mansur et al. 2009b) ou na orientação acadêmica de alunos; Figura 11 – Publicações sobre geologia de UCs, organizadas pelo Coletivo Educador Conhecer para Preservar. e) na parceria com museus, como o Museu da Geodiversidade da UFRJ (Carvalho et al. 2009), e outras entidades que trabalham na popularização da ciência, como a Casa da Ciência da UFRJ e o MCTI – Departamento de Divulgação e Popularização da Ciência, por meio do Projeto Caminhos de Darwin (Moreira et al. 2009, Mansur 2009d) (Figura 14); 12 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 escopo o cumprimento das seguintes metas: a) definir a política de administração do patrimônio geológico do Paraná, inserindo estas políticas nas comunidades locais, inclusive para sua conservação; b) inventariar e selecionar os principais sítios geológicos do Estado do Paraná, com o intuito de democratizar a informação e o conhecimento científico; c) integrar estas informações a programas de turismo ou geoturismo; Figura 14 – Painel do Projeto Caminhos de Darwin em Maricá f) na esfera patrimonial, atuando com o INEPAC (Schmitt et al. 2004) e IPHAN (Mansur et al. 2008), além das entidades municipais, no tombamento e preservação de bens de natureza geológica (Mansur et al. 2009b). Também, na expectativa de ampliar o horizonte de usuários (ou “visitantes”) do projeto, foi elaborada u m a p á g i n a d a i n t e r n e t (www.caminhosgeologicos.rj.gov.br) que apresenta informações teóricas e abordagens didáticopedagógicas, como jogos, quebra-cabeças e textos voltados para o público jovem. Possui um webmapa onde se pode acessar cada painel na íntegra, com fotos dos monumentos e possibilidade de envio de cartões-postais personalizados. Garcia et al. (2008) apresentam a ficha técnica do desenvolvimento da página, quase exclusivamente baseada em softwares livres. Porém, um dos mais importantes itens da página, que ainda está em alimentação, é o inventário dos monumentos geológicos do Estado do Rio de Janeiro, associado a um esquema de valoração dos bens (Mansur & Carvalho 2010). Em pesquisa de opinião realizada em locais onde estão localizados painéis do Projeto Caminhos Geológicos, em 2008, 89% dos entrevistados acreditam que eles são eficientes para a preservação dos patrimônios geológicos sinalizados (Mansur & Silva 2011). 2.5. Programa Sítios Geológicos e Paleontológicos do Estado do Paraná O programa Sítios Geológicos e Paleontológicos do Paraná da Mineropar vem ao encontro do movimento global sobre o inventário, conservação, valorização, divulgação e uso sustentável do patrimônio geológico no âmbito do Estado do Paraná. Levando-se em consideração que o patrimônio geológico é um patrimônio natural, as ações já desenvolvidas no programa, inserido em atuações de diversos órgãos governamentais e não governamentais, tiveram como d) formar e treinar guias e/ou condutores nas comunidades próximas aos sítios geológicos selecionados visando à geração de emprego e renda, bem como à sustentabilidade física e financeira dos sítios com o envolvimento da comunidade. Os trabalhos necessários para o desenvolvimento do projeto envolveram a confecção de um inventário inicial, onde foram cadastrados os sítios geológicos e paleontológicos de valor turístico mais relevante do estado. Posteriormente foram escolhidos alguns sítios, de notória relevância, como locais pilotos para a implantação de painéis e confecção de folhetos. O método está centrado em criar aparatos e materiais que estimulem o aprendizado a respeito do ambiente natural e sua formação e/ou evolução ao longo do tempo geológico. 2.5.1. Inventário O inventário do patrimônio geológico do Paraná foi realizado tendo por base dois enfoques principais: o primeiro apoia-se na identificação da demanda do geoturismo, contemplando-se as principais atrações paisagens, afloramentos, pontos geológicos, geomorfológicos e paleontológicos notáveis em unidades de conservação, municípios, paisagens com abrangência restrita e/ou em simples afloramentos, todos com significativa visitação e, portanto, com demandas por explicação geológica mais acurada. O segundo caminho, em contínuo desenvolvimento e aprimoramento, segue a confecção e o preenchimento de um banco de dados (Figura 15) com informações das características geológicas, geomorfológicas e paleontológicas, com informações acerca da identificação e da localização, além de informações sobre outras observações a respeito dos sítios selecionados. Esse banco de dados serve para a quantificação e a classificação dos geossítios paranaenses. Sua elaboração embasou o desenvolvimento de projetos de roteiros geoturísticos, especificamente os roteiros denominados de "Geoturismo na Rota dos Tropeiros", "Geoturismo em Curitiba" e "Geoturismo no Karst", os dois últimos na região metropolitana de Curitiba. 13 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 15 – Modelo de ficha eletrônica utilizada para alimentar o banco de dados que permite inventariar o patrimônio geológico e paleontológico do estado do Paraná Antes da definição de ações de conservação, no entanto, a Mineropar experimentou disseminar conhecimento, o que a permitiu entender que, em se tratando de monumentos naturais, membros de uma dada população instruídos e educados para a valoração de um monumento geológico adquirem rapidamente o sentido de sua preservação. Dessa maneira, para que servisse de elementos concretos para a própria disseminação do conhecimento, a Mineropar confeccionou e colocou à disposição de turistas e potenciais turistas, os seguintes produtos: (a) painéis geológicos; (b) folhetos geológicos e (c) roteiros geoturísticos, os quais foram disponibilizados tanto fisicamente quanto digitalmente. 2.5.2. Painéis e folhetos geológicos Os painéis e folhetos servem como material de distribuição local nos sítios geoturísticos, despertando a atenção de turistas para o patrimônio geológico e a necessidade de cuidados com sua preservação e conservação. O conteúdo dos painéis e folhetos fornece explicações geológicas que abrangem, por exemplo, áreas maiores como é o caso de todo o território do município de Tibagi (Sítio Geológico de Tibagi); de áreas mais restritas, que podem englobar porções de um ou mais municípios, por exemplo, o Parque Estadual de Vila Velha (Sítio Geológico Parque Estadual de Vila Velha), ou tão somente afloramentos notáveis, como, por exemplo, o Sítio Geológico Estrias Glaciais de Witmarsum e até uma paisagem específica, como a Serra do Mar. A observação continuada do programa permitiu concluir que os produtos gerados têm tido grande eficácia para a divulgação do patrimônio geológico e a disseminação da informação geocientífica. A implantação dos painéis seguiu a experiência do Projeto "Caminhos Geológicos" do DRM-RJ. No estado do Paraná foram implantados pela Mineropar 48 painéis em 21 diferentes geossítios, quase todos com dimensões de 200cm x 120cm (Figura 16). Nesses painéis, confeccionados com adesivo de alta aderência sobre chapa metálica, está descrita a geologia e a geomorfologia do local de interesse, bem como aspectos relevantes do ponto de vista turístico. 14 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 16 – Exemplo de Painel Geológico. Sítio geológico Cratera de Impacto de Vista Alegre, município de Coronel Vivida – PR. Por sua vez, os folhetos geológicos estão relacionados aos painéis, contendo as mesmas informações, ou seja, os folhetos permitem que o visitante tenha em mãos as informações do painel, permitindo que as leve após sua visita ao sítio. Por outro lado, o folheto tem servido como material que desperta a atenção de potenciais turistas que ainda não visitaram determinado sítio, nesse caso servindo inicialmente como elemento de propaganda e estímulo tanto quanto de informação. Na elaboração, tanto dos painéis quanto dos folhetos, foram tomados cuidados para o correto dimensionamento do volume de informações, para fazer com que o texto prenda a atenção do usuário. Para tanto foi necessário definir uma adequada densidade de informações, evitando-se o "didatismo" e que o conteúdo exposto apresente uma redução de conteúdo para torná-lo simples demais. 2.5.3. Roteiros Geoturísticos São roteiros geológicos direcionados para a educação e para o turismo. Devido a dificuldades em atrair o cidadão leigo em geociências diretamente para roteiros geológicos/geoturísticos específicos, uma boa alternativa é compor roteiros adaptados a roteiros turísticos já implantados e em funcionamento, como fator de agregação de valor. Tal estratégia foi assumida pela Mineropar que a considera eficiente, havendo inclusive a implantação de alguns roteiros para o atendimento de demandas de cursos de capacitação para um público bem diverso, como professores da rede de ensino médio e fundamental, guias e condutores de turismo e sociedade em geral. Um dos exemplos mais didáticos trata-se do "Roteiro Geoturístico de Curitiba" (Liccardo et al. 2008), publicado em forma livro guia, cujo conteúdo abrange diversos pontos turísticos notáveis da cidade onde a geologia e/ou a geomorfologia constituem fator determinante da visitação, como por exemplo antigas pedreiras transformadas em parques municipais, que constituem geossítios científicos importantes. Outros roteiros que podem ser mencionados, como importante experiência cognitiva e científica, são aqueles denominados de "Geoturismo na Rota dos Tropeiros" localizada na Bacia do Paraná e nos Campos Gerais no Paraná e que abrange um produto turístico consolidado no estado; "Geoturismo no karst paranaense", que se trata de um produto adaptado a três circuitos turísticos na região metropolitana de Curitiba e que, inclusive, aproveita para mostrar a problemática da ocupação urbana do karst, região reconhecidamente frágil do ponto de vista geotécnico. 2.5.4. Divulgação e Conservação A divulgação do patrimônio geológico para a sociedade, tanto em linguagem científica quanto mais popular, é decisiva para a sua valorização e conservação. Deste modo, a MINEROPAR tem colocado o geoturismo como um programa importante, pois é através dele que a instituição tem conseguido divulgar a geologia para a 15 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 sociedade em geral, sensibilizando-a para a importância da geoconservação. Ao mesmo tempo o programa aponta para a necessidade de cuidados adicionais com geossítios muito vulneráveis, como determinados afloramentos fossilíferos e de minerais, onde até a coleta, de forma descuidada ou errônea do material para pesquisa, poderia prejudicar de forma irremediável estes geossítios. Em função desse necessário cuidado e em atenção à necessidade de preservação e valorização de determinados geossítios, a MINEROPAR, em conjunto com prefeituras, encaminhou para o Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (CEPHA – PR), órgão vinculado à Secretaria de Estado da Cultura - PR três propostas para a política de tombamento. O primeiro geossítio tombado foi uma pedreira desativada no município de Coronel Vivida (PR) com área aproximada de 10.000m2, situada no centro da Cratera de Vista Alegre, astroblema com diâmetro de 9,5km, onde afloram estruturas que comprovam a colisão de um corpo celeste com a Terra (Crósta et al. 2011). Além da importância para a geoconservação, este tombamento causou a valorização do referido geossítio com a formalização de projetos de infraestrutura para receber visitantes. O outro geossítio tombado é um lajeado de arenito (Grupo Itararé) com 50 m2 (Figuras 17 e 18), onde estão impressas estrias glaciais formadas durante a glaciação permocarbonífera na Bacia do Paraná, denominada de “Estrias Glacias de Witmarsum”, já transformada em produto turístico e com medidas de geoconservação tomadas pela própria comunidade. O terceiro sítio tombado pelo CEPHA igualmente é um lajeado de arenito, pertencente à Formação Furnas (Bacia do Paraná) na região da serrinha de São Luiz do Purunã, onde estão impressos rastros de vermes (icnofósseis) bastante preservados e que possuem grande interesse paleontológico. Há um quarto geossítio paleontológico em processo de tombamento que é um importante afloramento de fósseis de pterossauros em Cruzeiro do Oeste - PR. Portanto, em geoconservação, o programa tem atuado na política convencional, ou seja, a dos processos de tombamento vinculados a instituições governamentais. A experiência mostrou que para os geossítios que não estejam em unidades de conservação o regime de tombamento é uma boa política de valorização e preservação do geossítio. Figura 17 – Estrias Glaciais de Witmarsum. Afloramento tombado pelo CEPHA – PR Figura 18 – Estrutura implantada para a conservação e divulgação do geossítio. 16 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 2.6. Caminhos Geológicos da Bahia O Projeto Caminhos Geológicos da Bahia foi o resultado de reuniões informais mantidas durante o ano de 2002 por geólogos da PETROBRAS e da CPRM - Serviço Geológico do Brasil. Uma vez que alguns desses geólogos eram sócios da Sociedade Brasileira de Geologia e mesmo membros da diretoria do Núcleo Bahia/Sergipe, esta Sociedade também passou a participar do projeto. O plano inicial do projeto era viabilizar a implantação de cerca de 30 painéis distribuídos ao longo das rodovias BR-324 (Salvador- Feira de Santana), BR101 (Conceição do Jacuípe - Alagoinhas), BR-110 (Simões Filho-Alagoinhas) e BA-093 (Entre Rios - Pojuca). Estas rodovias propiciariam a divulgação dos conhecimentos básicos sobre a Bacia Sedimentar do Recôncavo. Adicionalmente seriam colocadas cerca de 50 placas secundárias para sinalização dos painéis. Para a execução deste projeto, foi formada uma comissão composta de um coordenador geral, um conselho editorial com cinco membros e uma equipe de produção e apoio com três membros; os autores das informações a serem apresentadas nas placas seriam convidados de entidades externas ao projeto. Posteriormente o objetivo do projeto foi ampliado para a confecção de 36 placas a serem implantadas até o ano de 2009, em locais distribuídos por todo o estado da Bahia. A primeira placa foi inaugurada no dia 4 de abril de 2004, entre o Mercado Modelo e o Elevador Lacerda, em Salvador (Figuras 19 e 20). Figura 19 – Painel dedicado à falha de Salvador.. Figura 20 – Elevador Lacerda que liga os blocos alto e baixo da falha. Antes da inauguração uma equipe desceu de “rappel” o Elevador Lacerda. A CPRM- Serviço Geológico do Brasil produziu e distribuiu um folder resumindo as informações contidas no painel interpretativo. A segunda placa foi inaugurada alguns meses depois na fonte do Dique do Tororó. De acordo com o folder distribuído, as águas da fonte do Dique teriam sido utilizadas desde o século XVIII e a fonte seria de um tipo específico (fonte de vale). Os autores convidados para a elaboração desta placa foram professores do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia. Em abril de 2005 foram inauguradas mais duas placas: no Serrano, na cidade de Lençóis, e no Posto Pai Inácio em frente ao morro homônimo, no município de Palmeiras . As Figuras 21 e 22 reproduzem o folder distribuído na ocasião. Figura 21 – Frente do folder patrocinado pela CPRM e distribuído durante a inauguração da placa do Serrano, em Lençóis, Bahia. 1 Luiz Rogério Bastos Leal e Joana Angélica Luz A elaboração do texto da placa do Serrano contou com a colaboração da Prof. Marjorie C. Nolasco da Universidade Estadual de Feira de Santana e o da placa do Posto Pai Inácio foi redigido pelo geólogo Antonio Jorge Magalhães, da Petrobras, em colaboração com o geólogo Augusto J. Pedreira da CPRM. 2 17 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 22 – Verso do folder patrocinado pela CPRM e distribuído durante a inauguração da placa do Serrano, em Lençóis, Bahia. Finalmente, em junho de 2005, foi implantada uma última placa, dedicada à deriva continental. O local escolhido foi o Aeroclube Plaza Show, um “Shopping Center”, localizado à beira-mar na praia de Piatã (Salvador). As Figuras 23 e 24 mostram o folder distribuído na inauguração da placa. Apesar da assinatura de um memorando de entendimento entre os representantes da PETROBRAS, SBG e CPRM por ocasião da inauguração da primeira placa, o projeto não teve apoio institucional. Por causa disso, nunca houve contatos prévios com as comunidades onde as placas seriam instaladas. Em consequência, as placas foram sendo destruídas, removidas ou abandonadas: a placa da Falha de Salvador, já bastante deteriorada foi removida pela PETROBRAS para consertos; a placa do Dique do Tororó, simplesmente desapareceu; a placa do Serrano foi destruída pela comunidade; a do morro do Pai Inácio, derrubada por uma tempestade e não recolocada e, finalmente, a da deriva Continental, abandonada e destruída juntamente com o Aero Clube Plaza Show. O projeto tinha outros desdobramentos previstos, como a “Cidade da Geologia” e apoio à confecção de material de divulgação da geologia para ser utilizado durante o 43º Congresso Brasileiro de Geologia. Para o desenvolvimento do primeiro projeto foi escolhida a cidade de Jacobina, em 2002, por suas características regionais estratigráficas, sedimentológicas, estruturais, petrológicas, geoeconômicas e tradição mineira. Este projeto, sequer saiu do papel. Finalmente, o último projeto consistiu na preparação de papeis de bandeja para serem distribuídas nos “Shopping Centers” e outros estabelecimentos da cidade de Aracaju, durante a realização do 43º Congresso Brasileiro de Geologia. Foram preparados cinco modelos ilustrando fenômenos geológicos (Figura 25), e financiados por empresas privadas, com os seguintes temas: Terremoto, Tsunami, Vulcão, Petróleo e Gás e O Ciclo da Água. Figura 23 – Frente do folder, patrocinado pela CPRM e distribuído durante a inauguração da placa no Aeroclube Plaza Show. Figura 25 – Papel de bandeja / mini-toalha distribuído durante o 43º Congresso Brasileiro de Geologia, em Aracaju-SE. Figura 24 – Verso do folder, patrocinado pela CPRM e distribuído durante a inauguração da placa no Aeroclube Plaza Show. O Projeto Caminhos Geológicos da Bahia, mesmo antes da disseminação de conhecimentos acerca de patrimônio geológico, geodiversidade, geoconservação e geoturismo, foi pioneiro neste aspecto na região. Entretanto por falta de apoio federal, estadual ou municipal, foi paralisado, estando em estado latente. Havendo tal apoio ele poderá ser reativado, aproveitando 18 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 a extraordinária geodiversidade do estado da Bahia. 2.7. Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte O Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN - IDEMA/RN criou, no início de 2006, o projeto Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte e a partir daí firmou um convênio com a PETROBRAS/CEFET/FUNCERN, estabelecendo para a sua execução uma parceria em conjunto com a CPRM – Serviço Geológico do Brasil e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, no intuito de contar um pouco da história geológica potiguar através de painéis explicativos. A parceria com geólogos, professores e pesquisadores da UFRN, CPRM (Núcleo de Natal – NANA), PETROBRAS e CEFET (atual IFRN) permitiu o levantamento dos dados e a geração das informações científicas para a confecção dos painéis interpretativos úteis para levar a sociedade o entendimento acerca da evolução geológica do Rio Grande do Norte. O objetivo do projeto foi propiciar a divulgação das geociências, dos seus monumentos, para proporcionar uma série de fatores, como: i) reconhecer e preservar os monumentos geológicos do Estado; ii) divulgar o conhecimento geológico entre as comunidades; iii) fortalecer o potencial geoturístico da re g i ã o e i v ) i n c e nt i va r o d e s e nvo l v i m e nto socioeconômico relacionado com a geologia. Figura 26 – Exemplos de sítios geológicos escolhidos para sinalização geoturística no RN. Dunas de Jenipabu (em Extremoz). Fotos: Alenuska. Figura 27 – Exemplos de sítios geológicos escolhidos para sinalização geoturística no RN. Dunas do Rosado (em Porto do Mangue). Foto: IDEMA. Figura 28 – Exemplos de sítios geológicos escolhidos para sinalização geoturística no RN. Pico do Cabugi (em Angicos). Foto: Marcos Nascimento. Figura 29 – Exemplos de sítios geológicos escolhidos para sinalização geoturística no RN. Granito de Acari (em Acari). Foto: Marcos Nascimento. 19 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 A meta foi confeccionar painéis informativos com conteúdo didático sobre geologia, geomorfologia, petrologia, paleontologia, arqueologia e espeleologia, contendo nestes um título, mapa de localização, explicação em um texto em português de fácil entendimento (e uma versão resumida em inglês) e os aspectos da evolução geológica de cada ponto selecionado. No primeiro momento do projeto, foi selecionado em conjunto pelo IDEMA/RN, CPRM e UFRN, um total de 16 pontos de interesse geológico para colocação dos painéis. Os monumentos escolhidos foram: a) No Litoral: Morro do Careca, Parque das Dunas, Dunas de Jenipabu (Figura 26), Dunas do Rosado (Figura 27), Arenitos Praiais, Recifes de Corais e Falésias de Pipa; b) No Interior: Pico vulcânico do Cabugi (Figura 28), Caverna de Pedra de Martins, Granito de Acari (Figura 29), Lajedo de Serra Caiada, Lajedo de Soledade, Tanques Fossilíferos de São Rafael, Mina Brejuí, Pegmatitos de Parelhas e Poço 9-MO-13-RN (primeiro poço produtor de óleo na Bacia Potiguar). Paralela à implantação desses painéis foram também elaborados cartões-postais úteis para uma divulgação mais ampla desses monumentos geológicos. Essa iniciativa, pioneira no Brasil, está recebendo elogios de pessoas interessadas no assunto e coordenadores de projetos co-irmãos. Além disso, também foram elaborados os painéis itinerantes, contendo as mesmas informações e imagens dos painéis colocados ao lado dos monumentos geológicos. Estes servem para levar à sociedade todas as informações sobre cada monumento sendo muito utilizado em feiras e exposições pelo Estado do Rio Grande do Norte. Figura 30 – Outras formas de divulgação das geociências no âmbito do Projeto Monumentos Geológico do Rio Grande do Norte. Espaço Ecológico criado em um Shopping de Natal, expondo as diferentes ações realizadas pelo IDEMA no Estado, com destaque para a Exposição Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte e seus painéis itinerantes. Figura 31 – Outras formas de divulgação das geociências no âmbito do Projeto Monumentos Geológico do Rio Grande do Norte. Visitante admirando os diferentes cartões-postais com imagens da geodiversidade potiguar. Foto: Marcos Nascimento. A exemplo de estados como Rio de Janeiro, Paraná e Bahia, o Rio Grande do Norte tornou-se o quarto Estado brasileiro a criar um programa específico para proteção dos monumentos geológicos e divulgação destes para a sociedade. 2.8. Projeto Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo As primeiras ações bem sucedidas de sinalização/divulgação do patrimônio natural geológico no Estado de São Paulo ocorreram com a criação dos Parques Municipais “Rocha Moutonnée” (1991) e “Varvito de Itu” (1995), localizados respectivamente nas cidades paulistas de Salto e Itu. Após devidamente estudados (Rocha-Campos, 2 0 0 2 a , 2 0 0 2 b ) e co n s e r va d o s , a eta p a d e divulgação/sinalização desse patrimônio contou com a elaboração de painéis geológicos explicativos e com placas rodoviárias indicando a atração turística (Figuras 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 39). Atualmente, o Parque da Rocha Moutonneé passa por reformas que ampliarão seu potencial turístico e de divulgação da geodiversidade. Com recursos oriundos do Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias (DADE), da Secretaria Estadual de Turismo, estão previstas, entre outras melhorias, a adequação das normas de acessibilidade, construção de auditório, praça cívica, painéis museográficos, sinalização e totens explicativos das atrações, bem como a implantação de réplicas de dinossauros robotizados. Figura 32 – Sinalização/divulgação do Monumento Geológico Varvito de Itu: Painel Rodoviário (fonte: acervo IG/SMA – dez. 2009) 20 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Figura 36 – Sinalização / divulgação do Monumento Geológico Rocha Mountonneé: Painel Rodoviário (fonte: acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 33 – Sinalização/divulgação do Monumento Geológico Varvito de Itu: Painéi geológico referente ao geossítio Varvito de Itu, existente no Parque Municipal do Varvito, Itu (SP) (Fonte: Acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 37 – Sinalização / divulgação do Monumento Geológico Rocha Mountonneé: Painel Rodoviário (fonte: acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 34 – Sinalização/divulgação do Monumento Geológico Varvito de Itu: Painéi geológico referente ao geossítio Varvito de Itu, existente no Parque Municipal do Varvito, Itu (SP) (Fonte: Acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 38 – Sinalização / divulgação do Monumento Geológico Rocha Mountonneé: Totem de entrada do Parque Municipal Rocha Mountonneé, Salto (SP), confeccionado com o famoso granito róseo de Itu. Figura 35 – Sinalização/divulgação do Monumento Geológico Varvito de Itu: Painéi geológico referente ao geossítio Varvito de Itu, existente no Parque Municipal do Varvito, Itu (SP) (Fonte: Acervo IG/SMA – dez. 2009). Figura 39 – Sinalização / divulgação do Monumento Geológico Rocha Mountonneé: Painéis geológicos (Fonte: Acervo IG/SMA – dez. 2009). 21 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 No governo do Estado, as primeiras políticas de divulgação do patrimônio geológico também datam da década de setenta, especialmente com a publicação do Decreto Estadual nº 11.138/78. Este documento colocava sob a égide da antiga Divisão de Proteção de Recursos Naturais (DPRN) e do Instituto Geológico (IG) as atribuições de manutenção dos “serviços de conservação de monumentos geológicos naturais para fins científicos culturais e turísticos” (artigo 436, VII – grifo nosso). Posteriormente, já na década de oitenta, as ações de divulgação do patrimônio foram reunidas e repassadas definitivamente ao Instituto Geológico, agora integrante da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA), por meio da criação da Seção de Monumentos Geológicos (Decretos Estaduais nº 24.931/86 [art. 10°, III] e n° 26.942/87 [art. 1°]). No âmbito da Seção de Monumentos Geológicos foi desenvolvido o Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo, importante instrumento criado para a divulgação do patrimônio geológico paulista. O projeto foi apresentado no dia 27 de março de 2009, na sede do IG, durante a celebração dos 123 anos de criação da Commissão Geographica e Geológica (CGG) da então Província de São Paulo. Nesta mesma data também se comemora o aniversário do IG, visto que o instituto é oriundo da referida Comissão. Ainda em andamento, este instrumento tem como principal objetivo promover o registro, o conhecimento, a conservação e a divulgação do patrimônio geológico do Estado de São Paulo, abordando a geodiversidade como arcabouço fundamental da biodiversidade. Alguns produtos deste projeto voltados especificamente para a divulgação/sinalização do patrimônio geológico são: a sua logomarca, os primeiros marcadores de página da série “Monumentos Geológicos de São Paulo", folderes, bloco de notas, cartões postais, etc. (Figuras 40, 41, 42, 43, 44 e 45). Figura 40 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Logomarca. Figura 41 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Marcadores de página. Figura 42 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Folder de divulgação Secretaria de Estado de Lazer e Turismo. 22 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 No final de 2012, foram lançados os primeiros painéis geoturísticos com o objetivo de divulgar o patrimônio geológico paulista. Trata-se de painéis autoexplicativos e didáticos que contam a origem geológica e geomorfológica do geossítio denominado “Morro do Diabo”, localizado no município paulista de Teodoro Sampaio (Figuras 46 e 47). Os painéis reuniram instituições públicas e universitárias paulistas para sua elaboração e implantação Figura 46 – Primeiros painéis elaborados no âmbito do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo referentes ao geossítio “Morro do Diabo”, sito no município de Teodoro Sampaio (SP). Figura 43 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Bloco de notas. Figura 44 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Cartão postal do Monumento Geológico Carste e Cavernas do PETAR. Figura 45 – Primeiros produtos do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo: Cartão postal do Monumento Geológico do Astroblema de Colônia. Figura 47 – Primeiros painéis elaborados no âmbito do Projeto Monumentos Geológicos de São Paulo referentes ao geossítio “Morro do Diabo”, sito no município de Teodoro Sampaio (SP). Em 2009 foi criado, por meio da Resolução SMA nº 076/2009, o Conselho Estadual de Monumentos Geológicos (CoMGeo-SP), junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente. O CoMGeo-SP, de caráter consultivo, tem com principal objetivo auxiliar, no âmbito da SMA, as ações e atividades que envolvam a pesquisa, conservação e divulgação dos Geossítios e Monumentos Geológicos de São Paulo (grifo nosso). É composto pelo Secretário do Meio Ambiente (que é seu presidente), pelo diretor do IG, pelo chefe da Seção de Monumentos Geológicos (que é o Secretário Executivo) e por outros 16 Conselheiros, reconhecidos pela atuação nos temas relacionados aos Geossítios e Monumentos Geológicos (Figura 48). Além do Varvito de Itu, e da Rocha Mountonnée, outros quatro geossítios compõe os seis monumentos geológicos declarados pelo CoMGeo-SP até abril de 2013: 23 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Carste e Caverna do PETAR, Cratera de Colônia, Geiseritos do Anhembi e Pedra do Baú. Figura 48 – Reunião Ordinária do CoMGeo-SP – Sede SMA/SP. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quanto aos aspectos metodológicos, entendese que: a) para gerar uma ação sistemática de conservação do patrimônio geológico de um território é necessário categorizar os sítios de interesse, apoiando-se no inventário realizado para, então, definir as medidas de conservação, que necessariamente devem seguir uma ordem sequencial. b) para o desenvolvimento de projetos desta natureza, o método ideal é a implantação dos painéis em decorrência da finalização do inventário do patrimônio geológico local, seja a área de um município ou de todo o estado. Apesar disto, geossítios notáveis no estado do Paraná, de grande relevância geológica e/ou paisagística já comprovada pelo histórico de demanda turística, foram contemplados com os painéis de forma concomitante à confecção do inventário. c) é fundamental a avaliação pedagógica do material dos painéis, buscando sua continua evolução. Para tanto, conclui-se pela necessidade de solicitar que, tanto leigos no conhecimento geológico quanto profissionais com experiência em redação em geociências, opinem sobre o conteúdo gráfico e textual do material. d) a disseminação do conhecimento por intermédio dos materiais produzidos são mais efetivos quando acompanhados por cursos de capacitação de monitores e/ou guias. Ou seja, tal ação deve estar prevista em todas as atividades anteriormente mencionadas, seja na elaboração de roteiros ou na simples implantação de painéis e folhetos em áreas que permitem a sua realização, como municípios ou unidades de conservação. Estes cursos multiplicaram a informação geológica para a sociedade local, amplificando ainda mais dois dos objetivos principais do programa, que é a educação e conservação do patrimônio geológico. De modo mais geral, fica claro que existe um amplo espaço para desenvolvimento dos projetos de geoturismo e divulgação do patrimônio geológico para a sociedade e que este espaço vem sendo ocupado pelos serviços geológicos e entidades afins de âmbito estadual. Os relatos apresentados demonstram esta tendência positiva. Acredita-se, pelas notícias que chegam a partir da participação nos diversos eventos realizados pelo país, que novos projetos estejam por despontar em breve. Por outro lado, o exemplo da Bahia demonstra a clara necessidade de que haja uma organização responsável pela implantação e manutenção dos painéis. Observa-se, também, que as unidades de conservação são lugares especiais para a implantação deste tipo de sinalização, propiciando a divulgação da geodiversidade em conjunto com a biodiversidade. Um aspecto a ser ainda mais discutido e considerado é que um projeto de sinalização sistemática possui um desdobramento muito maior do que a disponibilização de equipamentos de geoturismo. Ele também propicia a participação comunitária e certamente o desenvolvimento de projetos educacionais. Esta inserção necessita ser aproveitada ao máximo. Por fim, considera-se, ainda, que o maior obstáculo a ser superado é a comunicação com a sociedade. Para tanto, precisa-se avançar no conhecimento sobre o usuário dos painéis interpretativos. É necessária, portanto, a realização de pesquisas sobre o público-alvo e planejamento prévio da interpretação, ou seja, deve-se melhorar cada vez mais a comunicação para despertar o interesse do usuário / visitante. 24 Mansur et al./Boletim Paranaense de Geociências 70 (2013) 02-27 Referências bibliográficas ALVES, M.G. ; TEIXEIRA, S. ; MANSUR, K. L. Patrimônio Natural e Cultural de Campos dos Goytacazes. 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