A Invisibilidade do Outro - Estudos e Pesquisas em Trabalho e

Transcrição

A Invisibilidade do Outro - Estudos e Pesquisas em Trabalho e
Marcelo Lima
A Invisibilidade do Outro
Reflexões Sociopolíticas sobre Violência, Trabalho e
Educação
Autor
Vitória
2016
1
Catalogação-na-publicação (CIP)
L732h
Lima, Marcelo
A invisibilidade do Outro: reflexões sociopolíticas sobre Violência,
Direito, Trabalho e Educação / Marcelo Lima. – Vitória: Autor , 2015
131 p. Formato A-5
Crônicas, Poesias e Textos didáticos e Artigos de Jornal.
ISBN
1. Educação. 2. Trabalho. 3. Violência. 4. Sociologia Jurídica.
I. Título.
CDD: 374.010981 CDU: 377:331(81)
2
Dedico este livro ao meu irmão , Renato Lima (in memoriam).
3
Sumário
Chuva de Lágrimas
07
Homem Pedaços, Pedaços de Homem
08
O Quadrado de 3 Lados
09
Eu Pai, Eu Filho
11
Maria Fortaleza
12
Manhã de Operario
13
Indecisão de todos os dias
14
Minha Revolta
15
120 e tantos Anos de Exclusão
16
Boa Aparência
19
Desigualdade Jurídica
20
Crime ou Castigo?
22
Passaporte para o Status
24
Criminalizar: solução ou problema?
26
Filé Mignon ou Celular?
28
Mira Laser com Miopia Ética
30
Exército Mercenário
32
A Pedagogia da Impunidade
34
Rede de Proteção
36
A Criminalidade Fluida
38
Desigualdade Ilegítima
40
O Leviatã sobe o Morro
43
A Verdade vos Libertará!
45
4
Eleitoral ou Eleitoreiro?
48
Quanto Mais Melhor!
50
Tributação Ilegítima
52
Corrupção e Obscenidade
54
Monólogo Ignorante
56
Entre a Cruz e a Espada
58
Mobilidade Profissional à Deriva
60
Profissional Nota 10?
62
Enganoterapia
64
Morte de um Ídolo
66
Concurso Público
68
Médicos ou Lixeiros?
70
Evento Gospel ou Carnaval?
72
Educação para a Paz: por uma escola ética e eficaz
74
Medo de Aluno
79
Novo Vestibular
81
Turnover: efeito sanfona da economia
83
O Mito da Qualificação
88
Big Brother Brasil: Brincando de Exclusão
90
Neoliberalismo e Barbárie
93
Produtividade Letal
116
Analfabetismo Ético
122
Obesos de Soberba – agruras do docente do ensino privado (Aluno Bolha)
130
5
CHUVA DE LÁGRIMAS
Quando sussurra o vento lá em casa
agente sente medo, pois a casa que eu tenho,
não saiu do desenho, nem tem cimento como
roupa; muito pelo contrário é totalmente nua,
agente se culpa, a culpa é minha a culpa é sua.
Ela é de tábua e tem o chão como assoalho,
minha família é crua e tem o abrigo como
desejo, o chão seco, o teto bonito...
quando canta o vento, a chuva cai o medo
aumenta o desespero consome o sorriso; meu
filho, meu pai, um risco, agente nada num
oceano que não amo, pois é feito ã chuvisco.
Num frio intenso que se traduz em prantos,
onde meu ente fica triste num grito doente,
que vem e vai... toda vez que canta o vento
sul... a angústia nasce em mim. Meu filho
pergunta vai chover pai?
queria dizer não, mas digo sim,
não com palavras e sim com lágrimas,
que nascem de nuvens dos meus olhos,
que são abrolhos de um
mar sem fim...
6
HOMEM PEDAÇOS, PEDAÇOS DE HOMEM
Homem inteiro.
Gente perfeita
gente que tem muito dinheiro
e por isso se ajeita,
senta como come
e trabalha como deita.
Homem pedaço,
pedaço de corpo
pedaço de pão
pedaço de almoço
inteira desgraça
inteiro trabalho
seu corpo ê máquina,
sua vida é retalho.
Retalho de gente,
não sei se é gente
é gente que sente,
que a vida é pedaços
e o maior dos pedaços não fica pra gente...
7
O QUADRADO DE 3 LADOS
Hoje olhei pro quadrado
fiquei só olhando
e o tempo passando
passando apressado
e eu só olhando,
olhando o quadrado.
O pão tá faltando
bateram na porta
tem gente cobrando
e eu no quadrado.
Tem gente explorando
tem gente explorando
e eu só olhando
olhando o quadrado.
E o mundo pior
pior ao quadrado
e o povo disperso
morrendo esmagado
A vida sem vida
o povo calado
e a dor mais doída
e eu no quadrado.
8
Quadrado que explora
e cega explorados
quadrado que prende
em seus quatro lados.
O quarto lado sou eu
o quarto lado ê você
o quarto lado é a vida
que deixamos morrer.
Esse mundo é opressão
esse mundo é dinheiro
esse mundo não pára
só podemos ter tele-internet-visão
quando enxergarmos primeiro o que está na nossa cara.
9
EU PAI, EU FILHO
Você que me fez, luta por tudo
que fez, me fez na alegria ou me fez
de repente, quando me viu ficou triste
ou contente, porque não sabia que eu vinha,
ou porque esse erro não cometeria.
Você que está tão perto, está tão longe,
vecê me vê,mas se esconde. Você me bate
de cima prá baixo, porque assim fica mais
fácil. Você de quem exijo isso ou aquilo,
dinheiro e a amizade, não sei se ê verdade
que sou seu amigo. Desse jeito, o trabalho,
a vida não vai prá frente, se um lado cresce,
o outro fica doente. A "surra", a surra ê a
imposição de quem impoê uma posição, posição
na comora do passe, da roupa, da comida, do
abrigo; posição ruim de se vê, de você prá
mim prá você, nunca de irmão prá irmão, nunca
de amigo prá amigo, sempre de herói prá bandido.
É, ê o preconceito, o culpado de tudo
isso é a coisa mais viva entre pai e filho,
viu meu pai! tenho dito.
...E você meu filho? você! você tudo bem,
você numa boa, você e si mesmos são seus
melhores amigos.
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MARIA FORTALEZA
Maria,
só foi porque não ia...
não dava, não podia,
não era, mas ser ela queria.
E uns matava e uns morria
uns evitados, uns abortados
apesar disso uns não era maioria,
E o tempo passava, passava a noite,
passava o dia
Maria era nada, era nada Maria...
Ela era nada, mas ser ela queria
mas com Maria, só dava prá ser
vítima da mais-valia...
Quanto aos seus filhos? Por onde andavam ninguém sabia...
Até que chega o dia que assombra burguesia,
Maria vira a mesa toca à frente a rebeldia.
Maria vive, Maria morre...
Maria mulher, Maria é vida, é dor e agonia...
11
MANHÃ DE OPERÁRIO
Manhã de operário é ...
acordar sem ter café para cobrir,
acordar sem ter cobertor para comer,
acordar sem fé para acreditar,
acordar sem ter comida para pagar
a passagem, acordar sem segurança,
mas estar sempre seguro...
acordar sem ter dinheiro pra comprar
a felicidade que não existe, mas existir;
existir como gente e acordar para as injustiças
e ser feliz um dia quem sabe?
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INDECISÃO DE TODOS OS DIAS
Pão ou passagem
cachaça ou verdade
roupa ou televisão.
Greve ou fome
medo ou coragem
filho ou filhos
e porque não
terra,trabalho e liberdade.
13
MINHA REVOLTA
A maior das desgraças é:
que todas essas desgraças que atingem
a esse meu povo desgraçado; por uma
minoria que tem tudo de graça lhe é causado.
Pior desgraça ainda é que "das graças"
desgraçada se acostumou com todas essas desgraças,
pensando assim fico triste e sem graça, mas
vem a mim a lembrança desse meu povo, da
massa, da minha raça; sendo assim então
sei que não tarda certeza de que um dia é
chegada a graça. A graça de que todas essas
injustiças em "brancos" não passa e que nasce
todo dia uma nova vida viva, verdadeira e mais humana.
14
120 e tantos Anos de Exclusão
Tomados como instrumentos de trabalho, castigados, violados e
submetidos por processos aviltantes de produção, a presença africana
mudou (de uma vez por todas) a estética, a genética, religiosidade, a
arte e, sobretudo, o trabalho no Brasil. Consumidos por práticas
predatórias de trabalho e substituídos pelo imigrante europeu (logo
que deixaram de ser rentáveis) os escravos, com a abolição se
tornaram um estorvo para a sociedade que os abandonou à própria
sorte.
Hoje, 120 anos depois da abolição, vemos uma estrutura ocupacional
que exclui, segrega, discrimina e estratifica os afrodescendentes do
mercado de trabalho brasileiro. Essa mesma sociedade que foi capaz
produzir a independência em 1822, a república em 1889, a constituição
de 1988, persiste reproduzindo pelo alto (Fernandes) uma estrutura
societal que combina insanamente tecnologia e atraso (Martins),
demonstrando que no Brasil existe não só o atraso da vanguarda, mas
também a vanguarda do atraso (Oliveira).
Caminhamos para frente aferrados ao passado. Pelo menos é que
demonstra a pesquisa Ethos / Ibope, segundo a qual nas 500 maiores
empresas do Brasil, os negros não têm as mesmas oportunidades
ocupacionais. De acordo com esse levantamento, embora pretos e
pardos constituam 49,5 % da população, eles representam somente
3,5 %( para homens e menos de ,5 % para mulheres) do quadro dos
executivos, 17% dos gerentes, 17,4% de seus supervisores e 25% dos
demais funcionários, o que denota uma inserção extremamente
desfavorável no setor produtivo daqueles que eram o sustentáculo da
atividade produtivo no Brasil. Quadro este que se confirma na pesquisa
15
do Dieese, onde se demonstra que os negros, mesmo ocupando
apenas 58% dos postos de trabalho, representam 40 % dos
trabalhadores vulneráveis (sem carteira assinada), ocupam 1/3 dos
postos de trabalho formais não qualificados, percebem em média R$
512,00 por mês e 2,94 por hora trabalhada (cerca de metade do que
recebem os não-negros), tendo além de tudo uma taxa de desemprego
de 20% ( 40 % maior que a dos dos não-negros).
Segundo Edigar Deddeca, pesquisador da Unicampi, essas diferenças se
explicam, em parte, pela diferença de acesso à educação de qualidade.
Isto é, por estarem menos qualificados e escolarizados os
afrodescendente teriam menos acesso aos cargo de maior
remuneração. Não é o que afirma as pesquisas, segundo o Dieese, os
redimentos dos negros ( com a mesma educação de 11 a 13 anos de
escolaridade dos não-brancos ) têm remuneração que não ultrapassa
80 % dos rendimentos dos não-afrodescendentes, e mesmo com o
curso superior os negros, possuem uma taxa de desemprego 2,5%
maior que a dos egressos não brancos das faculdades. Deste modo, no
Brasil, mesmo em condições iguais de escolaridade os negros ficam em
franca desvantagem ocupacional em relação aos não-negros,
comprovando assim tanto a eficácia (quanto a invisibilidade) da
discriminação racial.
16
Boa Aparência
Mesmo sem auxílio das estatísticas ( Ethos,IBOPE, DIEESE e IPEA que
comprovam que nestes 120 anos pós – abolição os negros estão fora
dos principais empregos) percebemos no dia-a-dia que em
determinados setores os negros são evidente e obscenamente
discriminados. Setores ligados ao atendimento ao público, prestação
de serviços, comércio e comunicação, possuem pouquíssimos negros.
Em parte isso se deve a uma concepção de beleza que se se impõe
como valor num mercado onde a imagem do vendedor, do
recepcionista, do atendente e até do executivo (supostamente)
influencia nos resultados da empresas.
Quem não lembra das paquitas? Loiras, jovens, magras, tidas como
belas, por assim dizer! Quem não gostaria de tê-las como vendedoras,
recepcionistas ou num evento de negócios? Porque nunca houve uma
mis universo negra? Por que as atrizes negras como Taís Araújo e
Camila Pitanga, tidas como bonitas, têm nariz de branco e cabelo liso?
Para compreender isto precisamos entender como um padrão estético
se impõe e quais as suas consequências? O certo é que a padronização
estética é uma construção histórico-social, resultante da interação
humana e do papel social de cada etnia. Se os que realizam tarefas
tidas como importantes têm uma especificidade estética, esta mesma
importância se transfere para a mesma referência anato-fisionômica
que passa a ser o perfil desejado gerando uma uniformização. Esta
uniformização (que nasceu com o taylorismo aplicado à seleção de
pessoal que estabeleceu que para todo posto de trabalho existe um
perfil ideal) é extremamente excludente. Assim, naturalizou-se que
gordos, deficientes, velhos e negros não condizem à determinadas
17
oportunidades ocupacionais. Também de outro jeito se estabeleceu
uma identificação destes mesmos indivíduos alijados com grupos
negativos. È o que demostra estudo realizado por Ramos e Mesumeci
sobre os critérios utilizados pela PM - RJ para escolha de suspeitos
(biotipo ideal = jovem negro).
Segundo Nietzsche, há uma estética moral gerada pela cultura
ocidental que a muito associou o belo com o bom e o mau com o feio,
estabelecendo desde sempre uma identidade da estética da classe
dominante (brancos europeus) com o que se tornou moralmente
entendido como bom e que no seu reverso produziu uma identidade
da estética da classe dominada (negros, árabes, amarelos) com o que
se tornou moralmente entendido como mau. Os tidos como feios
também sofrem a dor de serem considerados como piores.
Deste modo, mais importante do que estabelecer uma estética que
estabeleça que o negro seja tomado como belo, é mais importante
dissociar o bom do belo e o mau do feio, haja vista a estética de Cristo
tido como bom e belo e do diabo tido como mau e feio, pois a
competência, o caráter, o compromisso e a produtividade no trabalho
não tem nada a ver com a beleza e sim com a performance
profissional, já que como (não) diria o poeta: beleza não é fundamental
!
18
Desigualdade Jurídica
Nestes tempos em que as elites econômicas e políticas parecem cada
vez mais inatingíveis pelos braços da lei, vale lembrar que no Brasil
existem muitas contradições entre a população criminosa e a
população punida. Muitos são os desencontros qualitativos e
quantitativos entre os grupos de indivíduos que são processados e
presos e aqueles que cometem delitos. Nossa capacidade de punir é
limitada. Dos autores de homicídios dolosos ( que matam com
intenção) apenas uma ínfima parte (cerca de 8%) são investigados e
julgados no prazo de máximo de dois anos, o que demostra que a
população punida é bem menor do que a população criminosa (Ver L E
Soares).
Ou seja - poderíamos perguntar - qual seria a população carcerária se o
sistema jurídico-policial fizesse a sua parte, investigando e prendendo
todos os criminosos sem exceção? Talvez não chegássemos aos 04
milhões de presos que existem nos EUA, mas de certo
ultrapassaríamos os atuais meio milhão de encarcerados no Brasil. A
maior diferença, no entanto, entre a população criminosa e a
população punida no Brasil não é a quantidade (número de presos x
criminosos impunes) e sim de qualidade étnico-econômico-socialcultural dos indivíduos presos e soltos.
Isto é, ser rico ou ser pobre, ser branco ou ser negro, ser acadêmico ou
ser des-escolarizado, ser favelado ou ser morador de condomínio, ser
jovem ou ser velho, e até mesmo ser homem (465 mil presos) ou ser
mulher ( 35 mil presas) faz toda a diferença nas chances de ser preso e
condenado no Brasil.
19
Segundo estudo de Ramos & Musumeci sobre a PM carioca, no livro
“elemento suspeito”, as abordagens dão preferência a investigar e
prender jovens pretos e pardos moradores de zonas segregadas da
cidade. Também a cultura jurídica de muitos magistrados, conforme
Rolim (tese da UFF), exclui previamente estes mesmos grupos,
estabelecendo um biotipo padrão de criminosos, em que bandido tem
cara de bandido, cor de negro e endereço de pobre.
Mas o principal fator de exclusão do estado democrático de direito que
aproxima os pobres da máquina judicial e afasta os ricos de serem
aprisionados é o acesso a defesa, ou o que podemos chamar de
desigualdade jurídica, que uma vez ocorrendo por razões econômicas e
culturais, dotam os ricos de uma defesa antecipada contra o
aprisionamento e concede aos pobres uma condenação quase que
inexorável. De modo, que se um indivíduo abastado é investigado pela
polícia e tem contra si uma acusação, desde a abordagem, já pode
contar com auxílio de um advogado constituído que fará de tudo desde
o início para influenciar a composição do inquérito, revogando sempre
que possível a prisão preventiva, sob argumentos de que: trata-se de
pessoa com emprego e endereço fixo e que não representa ameaça à
sociedade ou ao andamento do processo. Já o pobre que se vê
investigado pela polícia pode ser imediatamente trancafiado sem
chance de usar ou entender o que venha ser o famoso habeas corpus.
20
Crime ou Castigo?
A prisão no Brasil é um paradoxo incomensurável. Da contenção do
crime à reprodução da violência, assistimos solenemente a solução
aumentar o problema e o absurdo se naturalizar de modo
aparentemente irreversível. Diante da angustia desta problemática, só
nos resta parodiar Fiodor Dostoievski para iluminarmos um pouco a
tragédia nacional carcerária, cujas chagas estão sendo expostas
obscenamente pela CPI do sistema carcerário.
Crime ou Castigo? Para que punir? Segundo Cesare Beccaria, as penas
deixaram, desde o século XIX, com a constituição do Estado
Democrático de Direito de incidirem sobre o corpo para terem como
alvo a consciência e por isso o encarceramento passou a forma de
punição mais utilizada, pois caçando a liberdade do delituoso este
sofreria, mas poderia reconstruir subjetivamente sua culpa e retornar à
sociedade em condições de re-inserção.
Com os objetivos de isolamento e re-socialização a prisão deveria
permitir que a impunidade se extinguisse e que a sociedade pudesse se
vingar racionalmente daqueles que agridem a convivência social. Nesta
perspectiva, o ato anti-social visto como crime teria em função de sua
gravidade um revide calculado em termos de anos de detenção, de
sorte que furtos, roubos, assaltos, latrocínios, homicídios, tráfico e
sequestros acumulam progressivamente anos de detenção, mas não
autorizam a degradação física, a humilhação ou a morte como forma
de punição.
21
Mas, em se tratando de uma sociedade de raízes Judaico-cristãs, como
diria Nietzsche, muitas vezes vemos a idéia de pecado que subjacente a
de crime, superá-la de modo nefasto e aí as consequências são
gravíssimas...Ao pecado só o sofrimento é compatível, só o sangue do
cordeiro imolado é capaz de lavar os pecados do mundo. Para
redenção dos delitos, digo dos pecados...Os presídios se tornaram
lugar de sofrimento e ranger de dentes. Nossa legislação penal,
processual penal ou mesmo de execução penal são inócuas perante
nossas tradições mais arraigadas de vingança. Aos pecadores o inferno.
Nossa irracionalidade moral e religiosa submete nossos avanços mais
jurídicos preciosos.
Com execuções sumárias que chegam até 3 presos por dia,
condenamos à morte anualmente 3 mil seres humanos dentre os 420
mil encarcerados. Vale lembrar que executamos anualmente mais que
a soma dos executados anualmente na China e nos EUA. Com 1.250
mortos só no ano passado e gastando R$ 1,6 mil por mês por preso e
um déficit de 185 mil vagas, geramos para aqueles que sobrevivem
espaços que combinam corrupção, insalubridade e aprendizagem
criminal. As altas taxas de reincidência em torno de 80% atestam o que
Foucault diz sobre as prisões: quando elas dão errado é porque estão
dando certo, pois cumprem o seu inconfessável papel estigmatizar de
modo irreversível os pecadores de modo que não só a sociedade se lhes
reconheça assim como criminosos permanentes como eles próprios se
identifiquem assim como tais.
22
Passaporte para o Status
Neste tempos de violência, nos perguntamos quais são as saídas?
Muitas são as teorias que tentam explicar a situação de violência em
que vivemos. Pobreza, desigualdade, ineficácia do Estado e
impunidade estão na base das teses sobre as causas da criminalidade.
Mas, hoje uma das novas teorias aponta como a juventude está
intensamente relacionada com o aumento dos crimes, razão pela qual
associa-se a onda demográfica jovem com mais crimes, ou seja, toda
vez que temos mais jovens, provavelmente teremos mais delito.
Sabemos que os jovens trazem em si a predisposição para a
transgressão, a contestação, a crítica e a busca pela sua afirmação
como sujeitos da história, de modo que nos anos 60 muitos se
engajaram em lutas e ideologias diversas. Hoje porém temos uma
juventude, super-conectada e antenada com tudo, mas extremamente
consumista, individualista e imediatista. Nesta sociedade de consumo,
o Ter é mais importante do que o Ser, de sorte que você só É é - se
você Tem, se você não Tem - você não É!!! Para os jovens pobres isso
ainda é mais grave, pois a sociedade lhes exige uma variedade e uma
quantidade de objetos de consumo, sem os quais eles não se sentem
parte da sociedade. O Tênis, o Relógio, o Celular, o Computador com
INETERNET e as roupas em geral são uma espécie de ingresso para a
vida social valorizada.
Aos jovens, pobres, negros de baixa escolaridade que têm baixa autoestima e se sentem excluídos das possibilidades do emprego, do lazer e
da interação social, resta uma sensação de invisibilidade gerada pelo
medo e pela indiferença que a sociedade nutri por eles, que não por
acaso compõem esses mesmos jovens a maioria das vítimas e dos
autores dos crimes no Brasil.
23
Para se proteger e não se a sociedade vem promovendo shows da
desigualdade ou o que chamo de festas segregadoras. São eventos em
que as pessoas estão uniformizadas com os chamados abadás.
Bastante praticado no carnaval da Bahia e no (felizmente extinto) Vital,
estas roupas evidenciam e explicitam, quase que obscenamente, quem
é e quem não é, quem tem e quem não tem, rotulando os que fazem
parte do evento do clube e, por conseguinte, joga na invisibilidade os
que não vieram à caráter nesta sociedade.
Na época da escravidão alguém que tivesse calos nas mãos e ou não
usasse sapatos era quase que necessariamente negro e escravo e assim
a formação de nossas elites oligárquicas traz em si a enorme
necessidade de se distinguir social e de dar evidência as essas
diferenças econômicas e de status, mas isso é extremamente perigoso,
inclusive para sua segurança. Pelo menos é o que demonstra o fato
ocorrido em que, em razão de uma destas festas do tipo ingresso
uniformizado, um jovem pobre tentou tirar a força o abadá de um
outro jovem morador da mata da praia por meio de um assalto que
frustrado pela ação de um vigia do local, resultou na internação de
ambos em hospitais da cidade, um baleado e outro surrado pelos
colegas da vítima.
24
Criminalizar: solução ou problema?
Criminalização – Solução ou Problema? Em geral a criminalização gera
efeitos positivos, mas nem sempre...Às vezes ela é um remédio que
mata o doente ao invés de curá-lo. Há casos em que o enquadramento
de um ato humano como crime pode gerar mais males do que os que
antes existiam, isto é, há situações em que a solução se mostra pior
que o problema e, nesses termos, é preciso avaliar a relação causa –
efeito e pena-delito. Resta, assim, saber se de fato a pena e sua
aplicação foi possível e se ela produziu, ou não, a restrição da
incidência do ato criminalizado.
Podemos afirmar que existem três tipos de efeitos danosos dessa
estratégia de controle social, que são a) o efeito reverso b) o efeito
inócuo e o efeito colateral expandido. O efeito reverso diz respeito à
aqueles contextos em que se aumenta o mal que se queria combater. E
aí um exemplo esclarecedor é o da pena de morte que em casos de
homicídio, em alguns estados dos EUA, acabou por aumentar número
de vítimas, já que os homicídios simples tenderam a se transformarem
em duplo ou triplo homicídios com a eliminação de testemunhas.
Há também o efeito inócuo, caso em que por inviabilidade da
fiscalização ou pouca atenção dos fiscalizadores, ou mesmo
banalização da norma, a lei se torna sem efeito. Para este tipo de
efeito, o exemplo mais óbvio é o do aborto no Brasil. Aqui onde o SUS
(2005) noticia cerca de 238 mil curetagens pós-abortivas anualmente e
se contabiliza, nos últimos dez anos, apenas 15 processos por aborto
(ver Samantha Buglione), cabe a pergunta para que manter essa
criminalização? O seu efeito real é a produção de 3 mil práticas
25
clandestinas que seguem impunes e que já se tornaram a 5ª maior
causa de morte materna no país. Ou se punem as práticas ou se revoga
a lei penal!
Existe também o efeito colateral expandido em que o resultado é
muito..muito pior do que o mal que se pretendia controlar. È o caso da
criminalização do consumo e do comércio da droga, consenso
internacional em dado momento, hoje é algo bem discutível. A
insofismável guerra fatricida pelo domínio do tráfico transformou
territórios onde residem pessoas inocentes em zonas de
enfrentamento bélico aberto com número de vítimas só comparável às
áreas de conflito como Palestina, Bagda, etc.(ver Maierovitch e Mir).
Para todos esses exemplos, como afirma Miranda Rosa, autor da obra
Sociologia do Direito, é necessário que a sociedade, sobretudo, os
legisladores e juízes, avaliem sempre, não só a eficiência ( a lógica
discursivo–hermenêutica ) da lei, mas seu efeito concreto no mundo
real, isto é, sua eficácia, sua efetividade na restrição (ou produção) de
delitos. Deste modo, assim como a lei seca tem produzido efeitos
positivos, poderia não sê-lo, isto é, também cabe aos formuladores e
aplicadores da lei o acompanhamento de seus efeitos, pois a lei não
pode se congelar diante da dinâmica da sociedade, já que às vezes a
emenda sai pior que o soneto.
26
Filé Mignon ou Celular?
Da contenção do crime à reprodução da violência, assistimos
solenemente a solução aumentar o problema e o absurdo se
naturalizar na tragédia nacional carcerária, cujas chagas estão sendo
expostas pela CPI do sistema carcerário. Mesmo gastando R$ 1,6 mil
por mês por preso, condenamos à morte anualmente 1 mil seres
humanos, dentre os 422 mil encarcerados e com um déficit de 185 mil
vagas, geramos espaços que combinam corrupção, insalubridade e
aprendizagem criminal.
No entanto, vale lembrar, como afirma Cesare Beccaria, que as penas
deixaram, desde o século XIX, de incidirem sobre o corpo para terem
como alvo a consciência e por isso o encarceramento passou a forma
de punição mais utilizada, pois caçando a liberdade do delituoso esse
sofreria, mas poderia reconstruir subjetivamente sua culpa e retornar à
sociedade em condições de re-inserção. Para tanto, o preso deve ser
submetido a uma disciplina rigorosa: já na entrada no espaço de
detenção ou reclusão deve ser submetido a uma triagem seletiva por
delito, anos de pena e periculosidade além de ter hora para acordar,
hora para comer, hora de tomar banho, hora para dormir, espaço
individualizado, atividades obrigatórias e garantidas de escolarização e
trabalho manual.
Em livro inigualável sobre o tema Carlos E Coelho, demonstra a intima
relação entre desocupação e reprodução da violência nos presídios,
afirmando no seu livro “oficina do diabo” que todas as vezes em que
Estado não cumpre o seu dever gerando ambientes saldáveis, seguros
27
e produtivos no interior dos presídios o poder público se obriga a ceder
muito ao ponto de perder o controle e a autoridade sobre os presos.
Um bom exemplo é a comida. Sabemos que muitas pessoas idôneas e
livres não tem o que comer e isso nos traz um certo incômodo, pois os
presos são um bando desocupados que vivem às custas dos
contribuintes, de sorte que não nos incomoda saber por exemplo que
presos em fortaleza são alimentados em sacos plásticos ou que presos
durmam em chiqueiros com os porcos. Mostra disso são os corpos
esquálidos dos presos que atestam as péssimas condições alimentares
e sanitárias em que se encontram. Diante deste quadro as família dos
detentos se mobilizam nos dias de visitas e fazem entrar toneladas inrevistáveis de comidas, permitindo assim a inserção de armas. drogas,
dinheiro e celulares, estes últimos, para comandar quadrilhas e
aterrorizar cidadãos de bem.
Para reversão deste contexto propomos aquilo que as cadeias
americanas, italianas e inglesas já praticam...Presos comem filé
mighnon e não têm pertences pessoais. Não entra nada, roupa,
comida, toalhas, lençóis, sabonetes, remédios, etc. O Estado dá tudo e
assim as visitas não trocam objetos com os presos vigiados que são por
guardas e esses últimos monitorados 24 horas por dia em tempo real
por câmeras que impossibilitam que a corrupção prisional se alastre
corroendo o sistema jurídico-prisional.
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Mira Laser com Miopia Ética
O Cinema Nacional por meio dos filmes “Cidade de Deus” de F.
Meireles e “Tropa de Elite” de J. Padilha mostrou de modo
emblemático as agruras e desvios do trabalho policial no Brasil.
Os documentários “Ônibus 174” de J. Padilha, “História de uma
Guerra Particular”de J. Salles e “Justiça”de M. A. Ramos, no
entanto, demonstraram que os erros cotidianos da atuação
policial são mais do que eventuais, fazem parte de uma cultura
institucional. Muito antes, porém, pesquisadores como A. Zaluar,
L. E. Soares, I. Cano e L Mir, já tinham revelado as enormes
dificuldades de superação no curto ( e médio) prazo dos graves e
históricos problemas de funcionamento das forças de segurança
no Brasil.
E mais que isso, num brilhante trabalho que compara a polícia
brasileira com a polícia americana, o pesquisador C. A. Costa,
informa, no seu livro “Entre a Lei e a Ordem”, que é possível
cientificamente medir os desvios da polícia, baseando-se para
tanto no que ele chama formas básicas de desvio de conduta, que
são as detenções violentas, as mortes sob custódia e as mortes
em confrontos. Nas quais se contabiliza no contraponto Rio de
Janeiro X Chicago, Nova York e Tóquio proporções relativas da
ordem de 5, 10 para 1, o que demonstra que nossos policiais
matam, em média, 30 vezes mais e morrem também 10 vezes
mais que nos países desenvolvidos.
Hoje, diante de fatos bastante noticiados de mortes de crianças e
mulheres em situações de confronto mal sucedidos da polícia em
29
que ficou explicitada ineficácia da segurança pública, o Estado
sinaliza com mais e mais treinamentos. Mas o que precisamos
não é demais exatidão nos tiros e sim mais critérios na decisão de
atirar, de sorte que não basta treinar a pontaria de policial, pois
muitas mortes não se revelam acidentais, ou seja, não são
causadas por imperícia balística e sim por miopia ética.
Portanto, não se trata desvio de projétil e sim de conduta, de
sorte que, mais do que mira a laser, é preciso reinventar a
instituição policial no Brasil, demolindo três idéias-força
presentes na cultura da segurança pública: 1 -“bandido bom é
bandido morto”, 2 - “pobre é ameaça à propriedade privada” e
3 – o pobre, negro, jovem, favelado e des-escolarizado ou tem,
ou teve ou terá antecedente criminal.
Além disso, é preciso estabelecer uma nova relação da polícia
com as comunidades segregadas e com os direitos humanos,
fazendo-a se submeter a um rígido e sistemático controle social
(interno e externo) com punições exemplares e processos
contínuos de valorização e de desenvolvimento profissional.
Matar não deve ser objetivo nem método da polícia e sua
ocorrência deve ser ocasional, residual e controlada, ou seja, o
controle da criminalidade tem que se dar dentro da lei, pois sem
a lei e a ética de valorização da vida, não conseguiremos
preservar a integridade física dos policiais, dos criminosos e,
principalmente, dos demais membros da sociedade.
30
Exército Mercenário
Nas cidades européias durante a idade média os conflitos
interpessoais eram resolvidos na base do duelo e da vingança
individualizada. Era uma época que era possível contratar exércitos
mercenários que se enfrentavam conforme os interesses dos
contratantes. Houve um caso único na história em que dois
principados haviam contratado mercenários de uma mesma nação e
de mesma língua e o conflito acabou saindo do controle dos
contratantes, o que demonstrou o risco da mercantilização da guerra.
Até Júlio Cesar, que ampliou em muito soldo dos guerreiros, pelo
mesmo motivo também se enfraqueceu posteriormente. Diante
dessas experiências, as nações emergentes organizaram os chamados
exércitos nacionais, buscando afirmar um comprometimento
ideológico-nacionalista e não mercantil nos soldados.
Para proteção interna dos territórios surgiram nos espaços urbanos as
forças policiais que tomaram pra si a função de controle dos conflitos
intra-territoriais. Para tanto, acabaram por caçar o direito dos
indivíduos de revidar e punir, quando vitimados pela ação dos outros.
E desde então, o Estado passou a monopolizar o poder de coerção,
reservando para o ente público a autoridade de deter, julgar, punir, e
proteger, de modo exclusivo, a vida em sociedade.
No entanto, nos últimos 50 anos houve uma tendência mundial de
des-estatização do serviço de segurança pública e surgimento de
grupos especificamente remunerados para este fim. A característica,
no entanto, mais distintiva deste serviço não está no simples fato de
31
ser remunerados como mercadoria, visto que se pode comprá-lo, mas
porque não é algo que se disponibiliza para todos.
De acordo com Maria C Chaves, a forte emergência das empresas de
segurança privada na América Latina que ocorreu nos anos 80 e 90
está associada a um conjunto de fatores como a ineficiência das
instituições e intensificação da criminalidade. E no Brasil, embora a
Constituição (Arts 5º e 144º) afirme que o provimento da segurança é
dever do Estado e direito dos cidadãos, após lei nº 9.017/ 95; o poder
público conferiu legalidade e legitimidade ao funcionamento das
empresas de segurança privada, obrigando, inclusive, as instituições
bancárias a manter estes serviços.
Em termos quantitativos, se considerarmos todos profissionais com
registro de vigilantes, podemos chegar ao número 1 milhão e 100 mil
agentes que se reunidos com um arsenal de mais de 100 mil armas
poderiam colocar em cheque a própria capacidade de auto-defesa do
Estado. Em atividade no país são oficialmente 431 600 vigilantes,
sendo 140 mil em São Paulo, 46 mil no Rio de Janeiro e 14 mil no
Espírito Santo. Esses números são muito superiores às forças policiais
e militares, de sorte que, se nas ultimas greves do setor houvesse um
confronto armado não estaríamos seguros de quem venceria. Assim
sendo, ressaltamos os riscos e limites da mercantilização de alguns
serviços essenciais à vida em sociedade.
32
A Pedagogia da Impunidade
Por mais esforços que vemos as autoridades em coibir a criminalidade,
ela vocifera como nunca espantando-nos a todos. No Espírito Santo
chegam a morrer vitimados por mortes violentas mais de 05 pessoas
por dia e de acordo com a Assimpol ( ver “a Gazeta” 17/6/2008 ) só nos
05 primeiros meses de 2008, já morreram 846 pessoas assassinadas,
maior índice dos últimos 10 anos.
A percepção corrente é a de que a impunidade está no núcleo deste
problema, afirmação com a qual convergem vários pesquisadores e o
senso comum da opinião pública, mas vale qualificar: de que
impunidade estamos tratando? Muitos confundem a falta severidade
penal com a impunidade, o que leva, em tempos de maior número de
homicídios, ao surgimento de proposições de aumento do número
anos para os crimes bem como a idéia de redução da maioridade penal
para os menores infratores . Isto significa confundir (como diria Mao
Tzé Tung) a contradição central com o central da contradição, o que
leva acertar na flecha e errar no alvo.
De acordo com Luis Eduardo Soares, nos anos 90 no Rio de janeiro
foram elucidados no prazo de máximo de 2 anos apenas 6,4% dos
homicídios dolosos, o que significa que quase totalidade dos crimes
não geraram punição e na maioria dos casos sequer houve
identificação da vítima quanto mais do autor. Como a maioria dos
crimes ocorrem em bairros mais precários dada a sua ligação com o
tráfico de drogas, isso torna as favelas numa terra de ninguém, onde a
impunidade é ainda maior do que noutros bairros. Assim também se
comporta a criminalidade no Espírito Santo, pelo menos é o que nos
informa o professor Doutor da UFES Cláudio Zanotelli, quando afirma
que os homicídios em terras capixabas acontecem em 70% dos casos
na grande vitória e estes se concentram em apenas 14 bairros da GV.
33
A falta de averiguação, a subnotiificação, o sucateamento das perícias,
a lentidão da justiça (etc...etc...) constituem a verdadeira impunidade
que gera uma sensação de que haja uma permissividade imensa para
com os delitos. De acordo com Carlos A T de Magalhães, uma maior
presença da polícia em todos espaços urbanos, uma sociedade mais
inclusiva e, sobretudo, uma justiça mais célere que conseguisse apurar,
julgar, prender e manter presos os criminosos condenados produziria
um efeito demonstrativo capaz de dissuadir àqueles que pretendem
aderir às práticas criminosas a desistirem deste empreendimento.
Mas em contrapartida, se a sociedade não pune na devida extensão,
isto é, na quantidade devida os crimes praticados, ficando apenas com
os casos alcançados pelos curtos braços da estrutura policial vigente,
pedagogicamente se instala a chamada escolha racional. Nesta, os
criminosos cientes da vantajosa relação de custo-benefício dos delitos
acabam por optar pela vida criminosa por julgarem tacitamente que há
um baixo risco de serem punidos pela estrutura juridico-penal do
Estado. Ou seja, se a punição ensina, a impunidade é muito mais
pedagógica!
34
Rede de Proteção
A rede é um instrumento humano muito antigo, inventada muito
antes da indústria, feita inicialmente para agarrar os peixes,
simboliza ao mesmo tempo proteção e aprisionamento. A
imagem da rede também nos remete à cerca e ao muro,
instrumentos humanos que protegem e delimitam a propriedade,
mas isolam pessoas e por vezes segregam povos e nações. Mas a
rede não se configura apenas negativamente, além de simbolizar
a preguiça e amparo, na comunicação humana, nos lembra a
INTERNET, a interação, a superação das hierarquias.
Usando esta metáfora da rede podemos enredar analiticamente
casos recentes de violência: No caso Isabela Nardoni, a rede da
janela de seu quarto tem papel imagético fortíssimo e
contraditório. Feita para proteger da queda das crianças das
janelas dos apartamentos, aquela rede, uma vez cortada, passou
a ser o atestado de que a menina não se acidentou. Caso não
existisse, a rede de proteção, provavelmente um suposto
escorregão ou fuga de uma agressão poderia ter sido arguido
pela defesa do casal suspeito de sua morte, o que confirma que a
rede mesmo cortada ainda protege a criança de ter uma morte
impune. A destruição da função da rede que antes protegia,
deste modo, revela a intençãocionalidade de des-proteger e
agredir.
Assim também a violência com moradores de rua aqui no Espírito
Santo (mortos em plena capital, provavelmente entre 4 e 5 de
maio, quase todos com tiros na cabeça) e no Rio de Janeiro
35
queimados enquanto dormiam (além da chacina dos meninos da
candelária, do índio Gaudino e dos mendigos em São Paulo no
ano passado) se relacionam com a rede, isto é, neste caso, a falta
dela.
Como afirma, o autor de um dos mais importantes livros sobre a
exclusão social Robert Castel, o que caracteriza a população de
rua é a (des) filiação, o (des) pertencimento. Ou seja estão fora
de todas as redes e isso os invisibiliza. O seu estado ( sujeira,
desabrigo, fome e solidão ) bem como a violação que sofrem
nesses casos homicídio, não só ocorrem por falta de uma rede de
proteção social como também não permite que isso seja punido.
Neste caso, ninguém sabe, ninguém viu, ninguém foi preso,
justamente porque ninguém se importa ou ninguém protege.
Mas eles não são bemvindos! Podemos dizer que, a utilização e
ocupação dos espaços urbanos nas cidades por esses grupos
agride a estética da cidade que em geral ao invés de re - tecer
uma rede humana de solidariedade (seja pela das políticas
públicas seja por inciativas pessoais ou religiosas) passa a desejar
que se higienize os espaços poluídos com pobreza e com a
miséria. Nestes termos, quando a vida está sob proteção e há
uma agressão, aquilo que circunscreve e cerca, e que em
princípio também aprisiona, uma vez ocorrida a violação como
portas arrombadas, grades serradas e redes cortadas, dão prova
da ação agressora. No entanto, onde há desproteção, a agressão
e a violação se naturaliza, invisibilizando as vitimas.
36
A Criminalidade Fluida
Nestes tempos de campanha da fraternidade por segurança pública e
intensa criminalidade, mais do que nunca o tema vem à tona e nos
impõe a todos, poderes públicos e sociedade, uma compreensão mais
acurada de suas causas e funcionalidade. Já sabemos que a
impunidade e a exclusão social são as causas mais indiscutíveis deste
fenômeno, mas hoje é necessário entender também a dinâmica e
tendências do crime. Sabe-se atualmente que existe um lócus
privilegiado das mortes violentas no Brasil que são os espaços urbanos,
haja vista que nas regiões metropolitanas - Porto Alegre, Belo
Horizonte, São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro e Recife - ocorrem mais
de 75% dos homicídios.
Neste contexto, passam a fazer parte do processo de controle da
violência urbana os municípios que além de instituir as chamadas
guardas municipais tem tido no vídeo-monitoramento uma de suas
mais importantes estratégias, meios estes, implantados em cidades
como Serra, Vitória e agora Vila Velha onde se noticia uma redução de
83% (de 18 para 03) as ocorrências policiais em comparação com o
mesmo período do ano passado.
Vale lembrar, no entanto, que além do comprometimento da
privacidade das pessoas, essa metodologia de controle do crime tem lá
suas limitações e implicações. Na Inglaterra, por exemplo, foram
implantadas quatro milhões de câmeras, sendo meio milhão só em
Londres ao custo de US$ 455 milhões. No entanto, um relatório
encomendado pelo governo britânico para o período de 1998-2002
colocou sob suspeita os resultados esperados.
37
Segundo a Socióloga M. Bullows, o uso de câmeras, no primeiro ano,
reduziram em 12% os crimes onde estavam situadas, mas as
ocorrências aumentaram em 7% nas áreas próximas fora do seu
alcance. Isso demonstra que a criminalidade não é um objeto fixo e sim
um alvo móvel, fluido por assim dizer, de sorte que às vezes não
reduzimos a criminalidade, apenas a deslocamos de um lado para
outro. Com isto ficou claro que esta estratégia altera mais os tipos de
crimes e sua localização do que sua quantidade nos municípios onde
são implantados.
Portanto é preciso ver a cidade como um todo e acompanhar o
deslocamento dos delitos com muita atenção, evitando que eles se
concentrem nos bairros mais pobres, pois privilegiar áreas
concentrando vigilância eletrônica e policiamento mais do que tornar
certos espaço seguros pode tornar outros ainda mais violentos, o que
reproduz a chamada segregação sócio-espacial que confina, como
afirma C. Zanotelli, nos bairros mais pobres as maiores taxas de
criminalidade, a exemplo dos bairros de Terra Vermelha, Planalto
Serrano, Vila Nova de Colares e Nova Rosa Penha. Situação esta que
está a exigir do poder público muito mais do que um “Big Brother”
Municipal, pois sem um processo intenso de reurbanização as linhas
que dividem os bairros pobres dos ricos permanecerão como os
abismos sociais, verdadeiros enclaves, explosivos para alguns e
intransponíveis para outros.
38
Desigualdade Ilegítima
Por mais esforços que vemos as autoridades em coibir a criminalidade,
ela vocifera como nunca espantando a todos. No Espírito Santo
chegam a morrer vitimados por mortes violentas mais de 05 pessoas
por dia demonstrando o clima de guerra civil que vivemos em nosso
País. Todas as vezes que esses índices vêm à tona todos começamos a
procurar a(s) causa(s) da violência. Será que as pessoas resolveram se
agredir e se matar com esta frequência em que nos dão notícias os
meios de comunicação? De certo trata-se de uma problemática
extremamente complexa em que muitos fatores pesam e que frases de
efeitos ou explicações reducionistas podem ser tão visíveis quanto
inúteis.
Em geral, atribui-se ora a impunidade ora a pobreza forças
determinantes no grau de aprofundamento da criminalidade local e
nacional. Nestas 02 linhas de argumentação a distribuição de renda e
o aumento do efetivo policial são as demandas mais óbvias, mas nem
sempre eficazes. De todo modo, analisemos as duas hipóteses. Em
primeiro lugar, é fato notório que nas sociedades cujos índices de
pobreza são irrisórios se verifica, na mesma proporção baixos índices
de criminalidade. Mas como explicar os em que casos como o da Índia
e de áreas rurais empobrecidas onde a miséria e a fome campeiam e
mesmo assim não se encontra os mesmos níveis de violência que
acometem nossas grandes cidades.
E quanto ao aumento do efetivo policial, não basta aumentar a força
policial é muito importante alterar a cultura belicista e preconceituosa
das corporações para com os pobres e excluídos, incorporando uma
39
nova cultura jurídica que consiga punir com menos com truculência
policial e mais precisão investigativa.
Na verdade a precariedade de muitos e ausência de punição estão
relacionados com a criminalidade, mas não de modo direto, pelo
menos é que dizem os principais estudiosos da área, como Zaluar,
Soares, Misse, Cano e Zanotelli, para citar aqui apenas alguns. Deste
modo, deve-se recorrer a outros conceitos. Dentre muitos um nos
parece mais esclarecedor do que os recorrentemente evidenciados, é o
de Desigualdade Ilegítima. Segundo esta idéia, quando a desigualdade
perde a sua legitimidade uma parte Ínfima, mas suficientemente
danosa, dos mais precários ingressam no mundo do crime.
Essa percepção dos mais precários ocorre de modo mais intenso nas
grandes cidades, pois é nos espaços urbanos que a convivência não
solidária entre classes muito assimétricas (próximas fisicamente e
muito distantes economicamente) gera a dura competição por status e
por reconhecimento social.
Nestes contextos, onde a heterogeneidade econômica transforma as
comunidades humanas em ilhas de miséria e de riqueza, polarizando a
prosperidade de um lado e a carência do outro, cria-se um terreno
extremamente fértil para a proliferação, sobretudo nos jovens, do uso
de meios ilegais para se atender aos ditames da sociedade de
consumo. Noutros termos, nos contextos de disparidades urbanas e
humanas onde a aproximação geográfica não gera mutualidade,
desenvolve-se um medo recíproco que alimenta um sentimento de
injustiça, pois a desigualdade obscenamente exteriorizada gera revolta
e humilhação aos que se encontram na condição de desvantagem de
status.
Todo este processo se verifica com maior funcionalidade onde o Estado
se omite, pois quando o poder público deixa de corrigir as disparidades
de infra-estrutura, de habitação e acaba por tratar com violência e
40
preconceito os habitantes das ilhas de miséria, a desigualdade
característica da sociedade capitalista perde sua legitimidade e gera
nos espaços segregados menos auto-estima e mais identificação de
parte dos moradores (principalmente os jovens) com as práticas
criminosas bem mais rentáveis que o trabalho duro e honesto. Uma
vez reiteradas estas práticas, no contexto de intensificação do tráfico
de drogas, seduz-se os indivíduos de formação ética e moral mais frágil
ao restabelecimento de suas auto-estima por meio da recuperação
violenta de seus status na comunidade. Este processo forma aquilo que
C. Magalhães chama de sub-cultura violenta, aquela que é capaz de
conquistar seres humanos como nós, mas que sem socialização
primária adequada e sem acesso a oportunidades econômicas se
apropriaram de normas e valores em que a virulência mortífera se
torna uma habilidade necessária à retomada do amor próprio bem
como para ascensão na carreira do crime.
41
O Leviatã sobe o Morro
Estamos vivendo momentos inéditos na história brasileira. Assim como
na passagem do feudalismo para modernidade, quando o liberalismo
fez surgir o Estado Democrático de Direito, ente racional e instância de
comando capaz de subsumir o poder teocrático da igreja e a
capacidade bélica das monarquias decadentes na Europa na passagem
dos séculos XVI, XVII e XVIII. Como explica Hobbes, para preservar os
membros da sociedade da luta de todos contra todos, em nome da
preservação da vida, da propriedade e da liberdade, ergue-se o Leviatã,
figura mítica que se afirma na medida em que caça o direito dos
indivíduos de resolverem por suas próprias iniciativas e pelo confronto
direto, suas diferenças, suas desigualdades e suas discordâncias que
passam a se submeterem apenas ao arbitramento da lei. De modo não
tão semelhante, mas de maneira identicamente inédita para cada
época, vivemos o alvorecer do Estado brasileiro, sobretudo em lugares
onde lei não existia, onde a modernidade e o Estado Democrático de
Direito jamais tinha ocorrido. Com moradias ilegais, comércios ilegais e
relacionamentos sociais mediados pela força e pela territorialidade,
milhões de brasileiros, sobretudo, cariocas viviam e ainda vivem em
favelas: lugares de habitações subnormais onde a paz se conquista vez
pela violência vez pela subordinação.
Cidadãos brasileiros vivem há décadas sob o julgo dos meninossenhores feudais do tráfico que com sandálias de dedo, fuzis e roupas
de marca obrigam, em cada comunidade, milhares de trabalhadores e
pessoas de bem a se submeterem à seus caprichos ocupando suas
casas, violentando suas filhas e irmãs e definindo como deva ser o
cotidiano de horários e locais desses cidadãos pagadores de impostos
42
que precisam descer para o asfalto para verem funcionar a sagrada
constituição brasileira que diz: a) todos são iguais perante a lei, b)
todos tenho direito de ir vir e c) ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer algo se não em virtude da lei etc.
Hoje vemos o Estado subir o morro para exercer uma antiga
prerrogativa, como dizia Max Weber: o monopólio legítimo da força
sobre a completude do território brasileiro e para a totalidade dos
homens e das mulheres desse país, que desde a proclamação da
república lhe era devido, por isso o caráter inédito de sua ação. Mas há
ainda alguns riscos: essa ação além de ter que ser permanente não
pode se render ao espetacular e ao imediato eleitoreiro e virar evento
cênico e cínico de governantes que venham se vangloriar de fazer
aquilo que há décadas deveriam ter feito.
Outro risco é que no ímpeto hobbesiano, o leviatã venha agredir os
direitos daqueles que não por escolha, mas por contingência, são
vizinhos das bocas de fumo e de grupos criminosos e situam-se com
filhos esposas e amigos num território de guerra e que podem vir a ter
sua privacidade, sua intimidade e porque não sua propriedade e,
sobretudo, sua segurança inviabilizada por quem deveria protegê-los.
Por isso, a imprensa e o poder público devem conclamar os moradores
dessas comunidades a abrirem voluntariamente suas casas em nome
da pacificação, mas cabe lembrá-los que eles não são obrigados a isso.
Ainda vale lembrar que tudo isso poderá ser em vão se não houver no
país uma ação jurídica permanente e abrangente capaz de
responsabilizar e punir outros beneficiários - tubarões da lavagem de
dinheiro - que vivem ostentando uma riqueza incompatível com suas
atividades profissionais. Ou seja, se pudermos obrigar todo cidadão a
provar a origem de seu patrimônio, estenderemos o braço do leviatã
43
de Brasília ao complexo do alemão, passando pelos mega sonegadorescontrabandistas e importadores ilegais de armas que vivem nas
favelas, mas também residem em muitos condomínios jamais visitados
pelo BOPE. Agora José Padilha terá que fazer um filme brasileiro com
happy end tropa de elite III: o Estado contra o crime, pois a realidade
ultrapassou a ficção!!!
44
A Verdade vos Libertará!
Nestes tempos de olimpíadas, muitos foram os elogios à organização e
a performance do país anfitrião, a China, país extremamente
complexo, cheio de marcas históricas, tanto para o bem quanto para o
mal. Com mais de um bilhão de pessoas e com uma economia vigorosa
vem impactando o ocidente tanto em termos econômicos, quanto
políticos e ideológicos.
Neste contexto de críticas e elogias a China, não por acaso, surge um
debate sobre os erros e acertos do comunismo. Neste momento, surge
uma discussão sobre uma suposta doutrinação ideológica que estaria
se propagando pelas escolas brasileiras. O Senador Gerson Camata no
senado federal vem se posicionando frontalmente contrário ao ensino
(do que ele chama) de idéias do século XIX. Contrário a uma educação
marxista, o senador da república rechaça a difusão de uma ideologia
tida por ele como superada e ineficiente. Na mesma direção, o
advogado Miguel Nagib, vem defendendo uma escola sem partido, o
que aliás dá nome ao site dos que como ele buscam proteger os seus
filhos de tal doutrinação.
Interessante notar, porém, que os críticos do ensino do marxismo na
escola parecem desconhecer a riqueza do método da dialética, que
fora desenvolvido por Marx a partir das idéias de Hegel. Neste método
a idéia – força é a força da contraposição das idéias. Para este método
toda doutrina ou ideologia apresenta uma visão da realidade que não
pode ser considerada nem como totalmente falsa nem verdadeira, mas
essencialmente incompleta e parcial. Diferente da pseudo-verdade ou
meia verdade, a da verdade que liberta é sempre multifacetada,
45
complexa não cabe nos reducionismos ideológicos ou doutrinários e
exige uma educação que expõe as inúmeras contradições das visões
mundo, mostrando que um ponto de vista é sempre uma visão a partir
de um ponto.
Vale lembrar, ainda, aos bem intencionados defensores de um certo
purismo pedagógico que a escola já não determina assim as idéias dos
nossos jovens. A INTERNET, a mídia em geral, os amigos, a família e até
a religião, tem poderes muito superiores sobre a formação do caráter e
da visão política dos nossos jovens, haja vista, que eles se interessam
muito mais em participar da sociedade de consumo do que defender
projetos revolucionários. Para eles, apesar das aulas de história, Che
Guevara é muito mais um superstar do que um revolucionário, de
modo que carregá-lo na camiseta não os vincula a nenhuma ideologia e
sim a uma estética.
Sendo assim, os defensores de uma escola sem partido, além de cair
numa tautologia de criar o partido dos sem partido, parecem se
digladiar como Dom Quixote com moinhos de vento como se estes
fossem dragões comunistas. Acordem!!! Nossos jovens não têm nada
de comunistas!!!, são extremamente egoístas, imediatistas, alienados,
violentos e superficiais e neste sentido estão mais próximos da
sociedade de consumo do que de um sonho revolução socialista.
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Eleitoral ou Eleitoreiro?
Desde o pós-guerra, com afirmação do direitos humanos expostos
na declaração universal dos direitos humanos, os direitos sociais,
além dos direitos civis e dos direitos políticos, foram se tornando
uma pauta relevante no cenário das reivindicações e das políticas
públicas dos Estados. O direito a vida e, sobretudo, o direito a
dignidade humana, se tornou um bem jurídico a ser protegido pelo
Estado nacional. No Brasil, país que demorou a abolir a escravidão e
que convive à décadas com níveis profundos de pobreza, miséria e
desigualdade, o cenário urbano com sua população em situação de
rua se tornou cada vez mais motivo para evidenciar, por um lado, o
incapacidade da sociedade em incluir a todos e, por outro, para
apontar a ineficácia do Estado, o que, por sua vez, fez o poder
público, inicialmente realizar práticas de segregação que retiravam
dos núcleos valorizados das grandes cidades e/ou forçando a
ampliação das políticas sociais.
Desde que o processo de urbanização se aprofundou e a miséria
urbana passou a ser um dos seus principais traços, o combate a fome
passou a ser uma das estratégias da filantropia e mais recentemente
das políticas assistenciais mais estabelecidas. Lembremos do
Programa do Leite do Sarney de 1986 que distribuía a cerca de 10
milhões de crianças. Depois vieram os programas de distribuição de
sextas básicas. Estas estratégias, porém, tinham enorme porosidade
ético-eleitorais e permitiam, entre outros problemas, que recursos e
produtos vazassem e que nem público alvo fosse devidamente
atendido. Hoje temos o PBF (Programa Bolsa Família), que atende a
mais de 11 milhões de famílias transferindo comida por fibra ótica a
47
um custo de quase R$6 bilhões de forma instantânea a cerca de 30
milhões de pessoas em todos os municípios brasileiros. Problemas
logísticos e burocráticos na entrada e na permanência do programa
foram superados e hoje chega-se ao ponto de se poder desligar
automaticamente um beneficiário que não esteja mais apto a
receber o PBF por ter arrumado emprego formal.
Além do PBF, também FNDE fundo nacional de desenvolvimento da
Educação permite que operações semelhantes transfiram R$ 467,6
milhões para as escolas de todo Brasil, recursos estes gastos com
merenda escolar evitando desvios, superfaturamento etc. Todos
esses programas apesar da aceitação social foram acusados de
eleitoreiros, mas essa argumentação é irrisória, já que o uso eleitoral
de qualquer ação pública é inescapável. Se o Serra criou o seguro
desemprego, Azeredo criou lei do Air Bag, se o Lula implantou o
Bolsa Família ou se o Cristovam a condicionou à frequência escolar, é
algo pouco relevante, pois quando a política pública se torna um
direito as pessoas passam a exigí-la como obrigação do Estado e não
como favor dos políticos, do que decorre a superação do uso
eleitoreiro para o uso eleitoral que reconhece a autoria dos projetos,
mas não condicionam o seu acesso ao voto na urna.
48
Quanto Mais Melhor!
Entre 1905 e 1917 a Rússia de uma lição ao mundo de como os
oprimidos podem depor os seus opressores, tirando-lhes o poder a
assumindo o papel de sujeito da história. Ali ficou demonstrado que os
sonhos da revolução francesa e dos pensadores Rousseau e Toqueville
poderia ser feito na prática muito para além das previsões Hobbesianas
ou Marxistas. Foi nessa fase que o mundo viu pela primeira vez, depois
das sociedades tribais e da Grécia antiga, a verdadeira participação
popular emergir na forma dos sovietis, onde todos podiam dirigir e
serem dirigidos, podiam eleger e serem eleitos. Depois...a revolução
russa degenerou no partido único e numa ditadura do proletariado
sanguinária e obtusa, mas essa experiência não perdeu seu brilho e seu
ineditismo.
Hoje temos uma pseudodemocracia representativa em que três
poderes dividem em nível municipal, estadual e federal os espaços de
poder, em que poucas pessoas decidem a vida de todos sem a
participação direta e generalizada da população. Um modelo herdado
da camara dos comuns da Inglaterra reduziu a poucas centenas o
espaço onde se parla e se decide sobre o futuro da vida na pólis,
excluindo quem financia o poder público e sofre as consequências de
ver seus interesses e necessidades sub representados no jogo pessoal e
fisiológicos de uma política pra poucos.
Num país de quase 200 milhões de pessoas temos com parlamento,
executivo e judiciário menos que mil iluminados decidindo em nível
nacional a vida de todos. Numa cidade como Vitória, temos 15
vereadores representando mais de 300 mil pessoas.
Essa
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representação concentra muito poder, fazendo com que apenas
àqueles que possuem capital econômico possam se eleger. Muitos
como os deficientes, os negros, os homossexuais, os professores, os
idosos, as mulheres, os desempregados, os jovens etc não se vêm
representados nas esferas de poder. O político em geral é branco,
homem, heterossexual, com renda média ou alta.
No contexto em que o congresso rediscute o número de vereadores
das cidades, não faltam aqueles que combatem á ampliação do
número de eleitos com o argumento que isso tornaria o parlamento
ainda mais corrupta e perdulária.Por incrível que pareça, quanto mais
melhor! Assim como no modelo dos sovietis seria bastante inovador
para o Brasil. uma camara de vereadores com um representante para
cada cada mil habitantes. Em Vitória teríamos cerca de 300 pessoas na
câmara. Bastaria que mantivéssemos o limite de 5% da arrecadação e
revogássemos a auto-definição de salários que não haveria como
colocar funcionários públicos que não tivessem sido eleitos na câmara.
Neste caso, o caos aparente de uma democracia de massa eliminaria os
caciques e a diversidade de opiniões restauraria o verdadeiro debate
democrático. Também não sobraria espaço para assessores fantasmas
e os parlamentares teriam que que se assessorar mutuamente num
mutirão permanente pela resolução dos problemas da cidade.
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Tributação Ilegítima
O Senado rejeitou no ano passado a prorrogação da contribuição
provisória sobre movimentação financeira, a CPMF, criada à época de
FHC para o financiamento da Saúde. Cabe perguntar quais foram as
condições políticas que deram legitimidade à criação deste imposto
provisório que ficou como permanente até bem pouco tempo? A saúde
definitivamente não está melhor do que antes e os problemas da
saúde pública são tão extremamente graves. Mesmo sendo uma fração
décimo-centesimal de 01 % da movimentação financeira, as cifras
resultantes de sua aplicação constituem valores astronômicos em
torno de dezenas de bilhões de reais. Além disso, o resultado
fiscalizador promovido pelo funcionamento do tributo no sistema
bancário, é reconhecidamente positivo. Alguns chegavam a propor que
este fosse o único imposto já prescindia de toda estrutura
extremamente corruptível do fisco brasileiro.
No entanto, como sabemos os reais advindos deste tributo nem
sempre se endereçaram para os hospitais, sendo, em parte,
consumidos pelos ralos da corrupção e da ineficácia pública e, em
parte, para constituir o já esquecido fundo social de emergência
compondo assim o superavit primário para o pagamento dos serviços
da dívida externa brasileira.
Mas por que antes existia legitimidade e aceitação para a CPMF e
agora não? Lembremos do confisco da poupança como que aceitamos
tal proposição? Por que na Argentina não se aceitou o curralito, e
destituiu vários membros do poder central? O que define a nossa
51
tolerância? É certo que quanto mais estamos perto do fundo do posso
mais aceitamos fatos absurdos e intoleráveis.
A criação de um imposto (e ainda por cima vinculado) poderia ser
considerado um grande avanço no processo de socialização dos custos
de serviços essenciais para a população (considerados pela economia
como estruturalmente monopolistas, isto é extremamente caros para
serem ofertados exclusivamente pelo setor privado). Entretanto, não
vemos assim, somos uma nação onde a esfera pública ainda está em
formação e hoje por estarmos com a cabeça pouco acima do mar da
estagnação econômica em que nos encontrávamos a algum tempo
atrás, começamos a enxergar um pouco mais longe e recusamos este
tributo.
È muito importante que a sociedade não se curve (nem hoje nem
ontem nem amanhã) aos abusos tributários de um poder público que
permite solenemente o mau uso do dinheiro dos contribuintes. Mas
talvez rechaçar hoje a CSS, prove mais nosso egoísmo privatista do que
nossa autonomia perante o afã gastador do governo atual. Uma
sociedade em que boa parte dos serviços de saúde, segurança,
habitação e educação (condições inestimáveis para ser realmente
cidadão) se tornaram um produto a ser comprado no setor privado,
como diz o professor Boaventura de Sousa Santos, é uma sociedade
facista que exclui sem sentimento de culpa os demais seres humanos
se isto tiver que custar décimos de 01 porcento de seus salários.
52
Corrupção e Obscenidade
Segundo o Gênesis, Adão e Eva, quando viviam no Éden, e não tinham
a noção de certo e errado, ficavam nus sem cobrirem suas partes
íntimas já que não tinham a consciência de si mesmos. Mas após serem
expulsos do paraíso passaram a cobrir suas partes íntimas, pois teriam
conquistado depois do pecado original a noção de moralidade. Para
Antropologia, no entanto, a estória da Adão e Eva é uma fábula, pois os
indígenas a muito viviam (e em alguns casos ainda vivem) sem cobrir o
corpo e nisso não há para eles nenhuma imoralidade, pois uma numa
sociedade Ética e Igualitária não precisa de uma moral já que ninguém
não tem nada a esconder, nem os bens, nem o corpo.
Nas sociedades humanas modernas, ao contrário, a noção de
moralidade, sobretudo na idade média, tornou-se bastante exacerbada
e os indivíduos foram obrigados a cobrir mais e mais os seus corpos
não só por conta da temperatura, mas principalmente por conta da
moralidade de viés religioso, chegando a se configurar como delito a
exposição de pequenas partes do corpo. Por essas razões além das
roupas comuns surgiram as roupas íntimas que no começo cobriam
quase todo corpo principalmente das mulheres. E, neste caso, as cenas
históricas de banhos de mar no início do século XX mostram como
eram ridículos e repressores os padrões morais. Com a revolução
sexual, a moda, a sexualidade, as roupas íntimas tornaram-se
minúsculas e, ao invés de esconderem as partes íntimas, passaram a
ser uma nova forma de mostrar e de esconder. Nesse processo ganhou
mais e mais força o culto ao corpo e a individualidade. Ainda assim ,
53
mantiveram-se inexpugnáveis as partes dos indivíduos mesmo quando
cobertas pelas roupas íntimas minúsculas da modernidade.
Hoje a crise Ética da política brasileira com indivíduos que escondem o
“viu pecúnia” em espécie (de “origem” pública) em partes cada vez
mais íntimas, faz fundir e confundir o que tem de mais público (recurso
do contribuinte) ao o que tem de mais privado e íntimo que são as
partes íntimas (cobertas por meias, cuecas, etc). Essa práticas levadas a
TV que são de uma uma obscenidade incontestável, expondo a chaga
da impobridade administrativa, chocando-nos a todos. Mas é preciso
que reflitamos sobre este tema, pois essa não é uma crise moral ou
legal é uma crise ética e estética.
As cenas muito repetidas inúmeras e inúmeras vezes vistas na
intimidade de nossos lares podem banalizar o absurdo da
promiscuidade política levando-nos a nos acostumarmos com essa
pornografia institucional. Ou seja, corremos o risco de nos
anestesiarmos com a recorrência dos fatos aponto de aceitarmos tudo
como está. Deste modo, mais importante do que expor essa chaga
televisiva é necessário ocupar a cena com a nossa indignação,
cobrando do sistema jurídico penal brasileiro que tome a atitude de
punir o flagrante e midiático delito, expedindo prisão preventiva sem
direito a fiança. Depois da imprensa, só nos resta a polícia!
54
Monólogo Ignorante
As sociedades humanas, gregárias por natureza, dependem muito
para o seu perfeito funcionamento das capacidades coletivas de
cooperação e de coesão social. Rapidamente o homem descobriu
que o peso da linguagem e da comunicação era ao mesmo tempo
inestimável e complexo, complementar e cheio de antagonismos.
Os gregos descobriram a responsabilidade e a riqueza da existência
de diferentes discursos cinco séculos antes de Cristo, quando
inventaram a democracia [demo (povo) + Kratos (poder)]. Para eles
o diálogo [ dia (mais que um) + logos (saberes)} era a forma mais
adequada de se atingir a sabedoria e a verdade, portanto o
conhecimento era sempre um produto do debate (de bater) de
discursos e contra-discursos.
Nas sociedades humanas mais recentes as contraposições dos
vários discursos nem sempre encontraram espaços férteis e
receptivos. Na idade média discordar do rei e da igreja equivalia
blasfemar contra Deus, no entanto, quando Lutero trouxe as críticas
aos abusos da igreja, não só a sociedade ocidental progrediu como
a próprio igreja católica foi beneficiada pelo protesto do
protestantes. Como afirma Michel Foucault, discurso é poder e
quem está no poder tende a emudecer os discordantes,
demonizando, desqualificando ou até mesmo eliminando os
portadores de novas visões de mundo. Os regimes ditatoriais de
55
direita ou de esquerda no pós guerra foram unânimes em adotar
tais métodos, causando a morte dupla tantos dos opositores quanto
de suas idéias. De algum modo, podemos afirmar que as mortes de
Rosa Luxemburgo, de Trotsky e de Guevara fizeram Lenin, Stalin e
Fidel tão mais poderosos quanto ignorantes. Por mais que odiemos
nosso opositores temos sempre algo a questionar de nosso pontos
de vista, de sorte que tolerar e ouvir, é sempre aprender.
É a dialética tese - antítese que permite a produção de novas
sínteses. Foi assim que keynes criou o planejamento econômico em
contraponto ao laisse-faire do mercado, que o capitalismo criou o
welfare state em contraponto à estatização soviética, que o
neoliberalismo radical (de FHC, Ménem e Pinochet) cedeu espaço
ao neoestatismo ( de Lula , Chaves e Morales). Cada posição gera
uma contraposição que reposiciona as ideologias, os partidos, os
projetos e os políticos.
Infelizmente vemos democracia atual (no Brasil e no Estado - tendo
em vista a monopólio do poder trazido pela reeleição) transformar
a discordância ideológica em cooptação fisiológica. Traz-se para
debaixo da asa estatal todos os partidos (supostos concorrentes
eleitorais) a fim de eliminar possíveis opositores. Calam-se
previamente vozes discordantes que poderiam reeditar os discursos
palacianos cada vez mais repetitivos e monolíticos, produzindo a
esterilização da política, engendrando em si mesmo (perigosa e
cinicamente) uma unanimidade tão burra (Nelson Rodrigues)
quanto surda, incapaz de aprender com a crítica renovadora e
estabelecendo um monólogo cego e ignorante.
56
Entre a Cruz e a Espada
O tema da pesquisa com células-tronco embrionárias que volta a ser
discutido pelo Supremo Tribunal Federal tem tomando no Brasil muito
espaço na mídia nacional. Muitas posições se antagonizam sem o
devido esclarecimento sobre o que venha ser a lei de biossegurança.
Cabe informar que a lei nº11105 / 2005 não é uma lei permissiva, ela
proíbe (desde já) a clonagem humana, a Eugenia ( engenharia genética)
bem como a comercialização de tecidos, embriões ou células. E com a
retomada da discussão na sociedade, as posições religiosas extremadas
têm criado mais dúvidas do que esclarecimento.
Em brilhante artigo publicado, o Prof. Dr. da UERJ Luis R. Barroso nos
permite perceber, para além da superficialidade, as gravíssimas
implicações que haveria caso o STF aceitasse a chamada ação direta de
inconstitucionalidade (ADIn) impetrada pela PGR anulando o disposto
no artigo 5º da lei de biossegurança.
Segundo Barroso, esta discussão pode significar grave risco às
conquistas dos homens e mulheres deste país, pondo em cheque o
direito à “eliminação“ de fetos anencefálicos e à fertilização in vitro,
com consequências nefastas também para o transplante de órgãos de
pessoas com morte encefálica.
O eminente Livre Docente da UERJ, afirma que, em que pese discursos
religiosos em contrário, o critério da vida humana é o funcionamento
do cérebro, razão pela qual não se considera uma violação do direito à
vida a retirada de partes do corpo de quem teve a morte encefálica,
princípio este que também se aplica, de modo invertido, no caso da
57
terapia de abreviamento de gravidez de fetos anencefálicos, pois neste
outro caso o cérebro não “morreu” simplesmente ele não se formou.
No caso do uso de embriões, a sua utilização em pesquisa para
produção de células e tecidos para fins do tratamento de pessoas
portadoras de doenças graves (Atrofias, Escleroses, Paraplegia,
Tetraplegia, Mal de Parkinson, Diabetes,etc) seria uma violação a vida
e a dignidade da pessoa humana como argumenta o Procurador Geral
da República? Estaria correta a ADIn Impetrada pela PGR ? Por esta
lógica NÂO, pois se a vida no direito brasileiro tem como medida o
funcionamento encefálico não se pode dizer que o embrião tenha
cérebro já que este fora produzido numa etapa do seu
desenvolvimento biológico situado entre o 5º e 14º dia da fertilização
in vitro no qual ainda não se formou a chamada placa neural que dá
origem ao cérebro e permitirá a vida encefálica.
De todo modo, existe uma outra lógica a da fé que sustenta que a vida
se inicia em outro momento e que manipular embriões (que não serão
mais usados) seria imoral, ilegal e anti-ético. Sendo assim, entre a fé e
a razão, entre a cruz e a espada deve prevalecer a coerência e a
hierarquia do sistema legal, caso contrário, a decisão do STF acerca da
referida ação direta de inconstitucionalidade consagraria não o
racional e o razoável, e sim o dogmático e o teológico.
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Mobilidade Profissional à Deriva
Com a abertura econômica inciada ainda no governo Collor
(decorrente da imposição dos ditames da globalização econômicofinanceira) se asseverou o deslocamento espacial de mão-de-obra nos
mais variadas ocupações e distancias (cada vez mais trans -oceânicas e
continentais). Na verdade, desde as grandes navegações no século XV,
enormes contingentes de força de trabalho foram deslocados. Entre
Colonizadores, Escravos, Soldados e até Religiosos, muitos foram os
que cruzaram os oceanos atlântico, Pacífico e Índico acorrentados ou
em busca de novas terras e de novas perspectivas.
No Espírito Santo, a vocação para o comércio exterior e a
privatização/internacionalização das Aracruz Celulose, Companhia
Siderúrgica do Tubarão e Vale não só vem trazendo muitos
profissionais de fora como também começam a localizar no exterior
muitos profissionais capixabas. Neste momento então, passa-se exigir
dos profissionais uma nova competência dentre as inúmeras que
grandes empresas já exigem: a chamada mobilidade profissional. Logo
aqueles que pretendem se inserir nas empresas que têm fornecedores,
clientes (e até mesmo matrizes) fora do estado (e até do país) precisam
ter muita disponibilidade para viajar e de se mudar para lugares cada
vez mais distantes.
Em princípio parece sedutor morar em outro lugar e trabalhar falando
outra língua e ganhar em euros, mas existem onus a serem pagos pelo
trabalhador que se submete a este deslocamento. Mesmo para os
solteiros e sem filhos, há laços afetivos que podem se esgarçar com
viagens e transferências, de sorte que ficar longe dos amigo(a)s, do(a)
59
namorado(a) pode comprometer a criatividade levando o profissional
àquilo que os psicólogos do trabalho chamam de embotamento.
Em livro bastante conhecido sobre o tema, intitulado “A corrosão do
Caráter”, Richard Sennet, nos alerta sobre o desenraizamento pessoal
dos altos executivos de multinacionais que ficam emocionalmente a
deriva e por isso vêm suas contas bancárias crescerem na mesma
proporção em que diminuem seu circulo de amigos e sua afetividade.
Por esta razão, os trabalhadores ambiciosos que querem ter um
emprego no exterior devem buscar fortalecer laços afetivos de onde
saíram e também procurar criar novos laços para onde foram.
As empresas, por sua vez, não devem subestimar o efeito à deriva que
acomete o competidor solitário, sobretudo quando aquele alto
funcionário fica ostentando um sorriso automático e um olhar
arregalado, pro-ativo e muitas vezes infeliz. Para empresa não sofrer as
consequências de ter um indivíduo colapsado emocionalmente talvez
seja bom, trazer a família e/ou propiciar viagens, contatos
permanentes pela internet e pelo telefone com àqueles que são
emocionalmente importantes para o profissional, pois nenhuma
competência resiste ao isolamento. Como diria aquela musica: pode-se
estar longe dos olhos, mas perto coração!.
60
Profissional Nota 10?
Algumas empresas para vencer a luta inter-capitalista e a disputa pelos
mercados de consumo mais valorizados vem investindo muito nas
pessoas com o fito de montar uma equipe com membros altamente
qualificados que trabalhe ao mesmo tempo como uma família e um
time vitorioso. Para isto as empresas mais competitivas, além de
tentarem reduzir a rotatividade de seu pessoal, fortalecem os processo
de seleção e recrutamento visando obter os melhores profissionais do
mercado, os chamados profissionais nota 10.
Mas qual seria o perfil do profissional nota 10? De certo, responder
esta pergunta é uma busca não só empresarial, mas também se
constitui numa informação extremamente importante para aqueles
que estão à procura das melhores oportunidades no mercado de
trabalho.
Na verdade o profissional nota 10 seria o profissional completo, um
indivíduo que possui equilibradamente três grandes grupos de
capacidades: que são: as afetivo-sociais, as psicomotoras e as
cognitivas, ou noutros termos, o profissional deve ter o que os
gerentes de RH chamam de CHA: Conhecimento, Habilidade e Atitude,
ou ainda, no dizer da UNESCO, o indivíduo deve saber ser (dimensão
ética e axiológica), saber fazer (dimensão técnica e produtiva) e saber
aprender (dimensão cognitiva e epistemológica).
Eixos esses que podem ser traduzidos em termos de uma lista de
atributos que são :criatividade, iniciativa, zelo, participação, senso de
organização, empatia, liderança, tenacidade, conhecimento científico técnico e operacional, capacidade para resolver problemas,
61
identificação e engajamento com os objetivos da empresa, facilidade
para adquirir novas qualificações, responsabilidade com a produção,
raciocínio lógico, conhecimentos gerais, boa escolaridade, disciplina,
boa relação com os diversos níveis hierárquicos, comunicação oral e
escrita em inglês e português, aspiração profissional, concentração,
conhecimento global da gestão, visão sistêmica, domínio das
tecnologias da informação (hardwares e softwares), capacidade de
decisão, responsabilidade, objetividade, abstração, dedução, espírito
de equipe,
criatividade, curiosidade, motivação, estabilidade,
confiança, autonomia, capacidade de gerar e de se adaptar às
mudanças, independência, cooperação, lealdade, e habilidade de
negociação.
No entanto, o profissional nota10 no sentido weberiano, seria um tipo
ideal que praticamente não existe e trata-se de um modelo a partir do
qual se procura avaliar as pessoas normais de carne, osso e não um
uma formatação obrigatória em que todos tenham que se enquadrar.
Pensando assim, as empresas mais avançadas em política de RH
deixaram de requisitar obrigatoriamente todos os atributos de modo
absoluto e passaram a dividi-los em competências profissionais
obrigatórias, desejáveis e aquelas que a empresas tem que
desenvolver, estabelecendo assim formas mais razoáveis de selecionar
os melhores.
62
Enganoterapia
Alguns profissionais da área de administração, economia, pedagogia, e
principalmente, de psicologia que atuam (ou já atuaram) em grandes
empresas como gestores (ou como consultores) que amealharam ao
longo do tempo bastante experiência em processos de seleção e
recrutamento, hoje prestam serviço dando palestras ou cursos para
empresas, exercendo aquilo que se poderia chamar de empregoterapia
(personal job).
Em geral esses profissionais têm um trabalho que vai desde a) o
repasse de dicas, macetes e informações-chave de como se passar
numa seleção para o emprego ( como se vestir, como falar e sobretudo
como se comportar nas entrevistas ou mesmo o que fazer ou não fazer
em testes psicotécnicos) até b) um trabalho mais consistente de
melhoria dos climas organizacionais da empresas (melhoria das
relações interpessoais, aprimoramento da comunicação interna entre
equipes e níveis hierárquicos, bem como tentam fazer com que novos
ou atuais colaboradores participem da missão da empresa e se
sintonizem com os objetivos estratégicos da organização).
O personal job a ser escolhido precisa ter experiência prática na área
de atividade da empresa e conhecimento teórico na área RH e se
recomenda que a empresa promova palestra principalmente quanto
estiver com o moral dos funcionários muito baixo, quando os sorrisos
diminuem, quando as faltas e as licenças se acumulam, e, sobretudo,
quando a empresa tem muito Rotatividade (Turnover).
63
No entanto, as pesquisam apontam que a motivação para o trabalho
decorre muito mais de uma identificação do indivíduo com sua
atividade profissional do que de estímulos externos efêmeros como as
palestras. Um dos maiores especialistas neste campo, Dr. Marins,
afirma que que motivar é dar motivos, de sorte que se a fala de um
palestrante conseguir funcionar como uma bússola que orienta os
funcionários de uma empresa (ou mesmo os desempregados) para
identificação de novos motivos para produzir mais e melhor, pode ser
que ela tenha gerado motivação.
Mesmo assim, algumas empresas de consultoria e alguns Personal(s)
Job insistem em vender pacotes atitudinais em que se oferece a
chamada palestra “show”, com muitas músicas, dinâmicas de grupo,
mensagens, mexendo com o emocional das pessoas, onde os
funcionários choram, batem palmas, gritam, promovendo assim uma
catarse (quase religiosa), uma espécie de “orgasmo” coletivo que pode
gerar uma volátil distensão dos conflitos interpessoais acumulados,
mas que se não resolvidos voltarão a se acumular. Razão pela qual as
empresas acreditam que isso pode melhorar o clima e relacionamento
entre as pessoas, pois permite-se que os funcionários adquiram novos
conhecimentos, melhoram a interação longe dos problemas e dos
conflitos da empresa. A repercussão dessas palestras na empresa
sempre é positiva, mas se a empresa não tiver um consistente plano de
cargos e salários que sinalize perspectivas ao funcionário esse efeito
será de curto prazo.
64
Morte de um Ídolo
Morreu o astro da música Pop , Michel Jackson ! A notícia que
estarreceu a todos, tomou conta dos noticiários do mundo inteiro: da
internet aos bares da esquina, da imprensa escrita aos programas de
entretenimento de TV, não se fala em outra coisa. Até as notícias sobre
o grave acidente em que morreram mais de 200 pessoas perdeu sua
centralidade na mídia local e internacional, dando lugar a uma pauta
ao mesmo tempo dançante e fúnebre. Das lágrimas ao escândalo, da
admiração à repulsa, o sr. Jackson, nascido em 1958, sempre causou
sentimentos ambíguos. Superlativo em tudo, hipertrofiava e levava ao
extremo todas as suas qualidades, mas também os defeitos. Belo e
feio, terno e amendrontador, de “tryller” a “ABC”, comovia a todos
com sua voz de criança e dança inconfundíveis. Gerado pelo seu
tempo, se tornou uma espécie de produto hemafrodita e infantil que
nasceu no Soul americano, mas se rendeu à estética da Pop Music
internacional.
Meio homem, meio mulher, meio anjo, meio demônio, foi o primeiro
ser da terra a vender tantos discos, cerca de 750 milhões de cópias.
Não foi melhor que Elvis ou Beatles, só deu sorte de estar na hora e no
momento certo em que a comunicação se massificava e a indústria
fonográfica vivia seu ápice produtivo e mercantil. Hoje, Piratiado e
baixado em downloads internet a fora, seria um fiasco daquilo que já
foi.
Interessante notar que este astro da música morre no mesmo ano em
que se comemora 100 anos de nascimento de Carmem Miranda,
primeira Pop Star do mundo, que como Elvis, Hendrix e outros, teve o
seu fim determinado mais pela indústria químico - farmaçêutica do que
65
pela indústria do entretenimento. Escravo de uma estética branca e
anglo-saxônica, metamorfoseou-se de uma criança negra meiga para
um adulto albino de cabelos negros. Dominado sadicamente pelo pai,
mesmo em carreira solo, continuou submetido pelo sucesso, servindo
a um consumo que o transformou num sabonete bípede que hoje, por
nossa tradição cristã, já se traduz numa espécie de santo liquidificado
pela sociedade de consumo.
Os Ídolos não podem morrer, pois como como Michel Jordan, Pelé e
Bruce Lee, poderiam ser imortais para podermos eternamente
contemplar suas genialidades...Outros ídolos, porém são mais
adequados. Homens como Luther King, Albert Eisntein, Santos Dumont
e Mahatma Gandi ficarão na história e ele talvez seja esquecido, mas,
de todo modo, a morte de uma figura única como a do cantor
americano, de muito talento e pouco juízo, nos enche de pesar e de
perda já que parecemos mais pobres diante de suas ausências. e Eu
fico aqui com nossas perdas mais nacionais...Lembro do idealismo de
pessoas incansáveis que lutaram por seu país como Luis Carlos Prestes
ou Herbert de Souza...E ainda, aqui mais perto no Espírito Santo, me
recordo do sorriso sincero de Otaviano de Carvalho e da verbe incisiva
de Paulo Cesar Vinha que nos ensinaram, nas suas despedidas não
autorizadas, o quanto faz falta a perda de um ídolo.
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Concurso Público
Todos queremos um emprego estável, um bom salário e uma carreira
promissora, Para isso, estamos dispostos a encarar processos seletivos
dispendiosos e desgastantes. O sonho do status profissional de alguns
cargos públicos seduzem muitos pretendentes aos empregos de maior
qualidade. Com salários capazes de ultrapassar os 10 mil reais, cada
vaga chega a ser disputada por 100...200...300 pessoas, estabelecendo,
assim, uma luta de gladiadores pelos melhores cargos dos poderes
executivo, legislativo e, sobretudo, judiciário.
Em primeiro lugar, existe um embate do indivíduo com o
conhecimento no qual é preciso mapear e organizar toda a bibliografia
focando no assunto da prova, organizando horários diários de leitura e
de resolução de problemas, quando for o caso. Para os cargos com
mais de 50 candidatos por vaga, o melhor a fazer é se matricular num
curso preparatório e estudar pelo menos 06 horas por dia. Os
cursinhos funcionam porque eles sistematizam os assuntos a serem
cobrados e ensinam assuntos desconhecidos, mas vale lembrar que
eles reprovam mais do que aprovam.
E, em segundo lugar, além de passar na prova é necessário se
classificar, ou seja, para conseguir a vaga é preciso provar que além de
ser bom consegui-se ser melhor que os outros. Aí que mora o perigo,
porque nem sempre ser melhor que os outros é ser bom. Os concursos
e os processos seletivos da empresas estão aí para provar que sua
vitória ou sua derrota por vezes não depende de uma valoração
absoluta e sim comparativa, isto é, mesmo que sejas bom talvez nunca
seja o suficiente para se classificar e que mesmo que se classifiques
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não significa que sejas realmente bom. O poder público está cheio de
pessoas que são iguais ou piores que as pessoas comuns e que
somente foram mais capazes de entender o que os testes queriam e se
habituaram com o jogo de perguntas e repostas das provas.
Mas passar não é fácil e ficar reprovado as vezes é doloroso, por isso
alguns profissionais para protegerem sua auto-estima preferem não
fazer os concursos públicos, pois fazer um concurso é se submeter a
uma avaliação que pode explicitar o seu desconhecimento numa série
de informações. Muitos que não passam e nem se classificam nos
concursos atribuem aos processo seletivos falhas de natureza ética ou
técnica, o que não resolve em absolutamente nada, pois, embora seja
sempre um processo darwiniano, o concurso ainda é o processo mais
idôneo de competição no mercado de trabalho.
Portanto, o importante é não se estressar...Perder faz parte do jogo e
para que você não seja derrotado, prepare-se e erre, erre, até acertar.
Um vencedor sempre amargou muitas derrotas. Talvez uma boa dica
seja fazer uma boa graduação que de base suficiente para competir,
pois os cursinhos não substituem a faculdade. Outra é ler, ler, ler
sempre...Ler um livro a cada 45 e não confiar no acaso, pois como diz
Nietzsche: o homem sábio não confia na sorte.
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Médicos ou Lixeiros?
Nesta semana em que até o Los Angeles Times noticia a gravidade da
epidemia brasileira de dengue no Brasil, parece que falta tudo: leitos,
pessoal, equipamentos, e nisto se evidencia que a falta de médicos
seria o mais grave. Ao que nos parece esta não é a questão, pelo
menos é o que demonstra uma recente pesquisa da Fundação Getúlio
Vargas em que se demonstra que Estados como Distrito Federal e Rio
de Janeiro chegam a ter em média um médico para cada 295
habitantes. Mesmo assim mais médicos são transferidos para área de
guerra e eles não só nos parecem insuficientes como também
ineficazes.
A incapacidade de resolver essa problemática ocorre porque a
distribuição dos médicos não é homogênea, visto que nem nas
especialidades ( déficit de pediatras e clínicos geral), nem nos setores (
menos no setor público e mais no setor privado) isso de fato acontece.
Isto porque que a distribuição fosse volumosa e perfeita, outros
fatores como condições de trabalho e remuneração também pesam na
qualidade e eficácia do trabalho do médico.
Sabe-se que o trabalho na Saúde, como de resto na sociedade, deve
ser visto como um todo, todos os trabalhadores e, ao mesmo tempo,
cada um em particular, têm enorme importância e neste particular se
destacam os lixeiros, garis e profissionais encarregados da limpeza
pública que se valorizados e providos em qualidade e quantidade
adequadas poderiam fazer toda a diferença nessa guerra contra a
dengue.
Por que, então, não valorizamos estes profissionais ? Porque
tendemos a valorizar apenas as profissões mais elitizadas de trabalho
mais intelectual? Viveríamos sem o trabalho dos mais simples?
Poderíamos até perguntar, quem é mais importante numa obra,
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pedreiros ou engenheiros? E para a Saúde de todos quem é mais
importante, médicos ou lixeiros? Sem dúvida nenhuma poderíamos
afirmar que não se poderia viver numa sociedade sem médicos, mas
poderíamos viver numa sociedade sem lixeiros!
De certo numa sociedade sem lixeiros os médicos seriam tão
importante quanto inúteis ! Isto parece óbvio, mas não é, pelo menos
é o que revela uma pesquisa feita na USP pelo Psicólogo Fernando B
Costa que revelou que os garis das cidades são tratados como extrema
indiferença tidos como seres socialmente invisíveis. Mas quem é mais
importante, os médicos ou lixeiros? Como diz a filosofia: pergunta
errada – resposta errada. É claro que todos são indispensáveis. Com diz
Beto Guedes naquela música: vamos precisar de todo mundo, um mais
um é sempre mais que dois.
Nas sociedades humanas todos os membros exercem papeis intercomplementares entre si e essa teia de ações que permite a
sobrevivência da espécie. Para saúde e para o bem comum, na luta
contra essa e outras epidemias todas as pessoas são imprescindíveis,
pois se todos fizéssemos, pelo menos uma vez por dia, o gesto
repetidos às centenas de vezes pelos lixeiros que é o de limpar nossa
cidade e nossas casas não haveria mais Dengue.
70
Evento Gospel ou Carnaval?
Micareta ou show Gospel? Responda rápido! Se você tivesse que
escolher entre ter próximo a sua casa o Vital e o Jesus Vida Verão, o
que você escolheria? E se você fosse o prefeito ou membro de um
grupo político majoritário, qual seria sua escolha? De certo, os
moradores de Jardim Camburi que tiveram vilipendiados seu sossego e
sua liberdade de ir e vir não iriam querer nenhum evento que
impactasse seus cotidianos como outrora o fizera o famigerado Vital.
Mas como responderiam os membros das igrejas evangélicas que
lutaram contra o Vital?
Interessante notar que havia na argumentação dos pentecostais contra
a realização do Vital um quê de demonização da micareta. “O Vital é
uma coisa do Diabo” “micareta é coisa do capeta” - diriam seus
pastores mais exaltados a um rebanho que só faz crescer. No entanto,
vale perguntar: os mesmos contrários ao Vital se oporiam hoje a
realização do Jesus Vida Verão se realizado no “quintal” de suas casas?
Argumentos dogmáticos à parte, o Vital infernizou a vida de todos,
corroendo a tranquilidade dos moradores que ficaram expostos ao
impacto de 700 mil foliões, consumidores de muito Sexo, Droga e Rock
in Roll, (digo) Axé.
Hoje vemos na Praia da Costa em Vila Velha, num lugar menos
estruturado que Jardim Camburi (tanto em termos de espaço nas vias
quanto em termos de largura da praia), realizar-se um evento que dura
três finais de semana ( seis dias) e que atrai cerca de 60 mil pessoas
para um lugar que nesta fase do ano está ainda mais ocupado. Tudo
em nome da fé!!!.
Parece absurdo, mas há uma similaridade entre o Vital e o Jesus Vida
71
Verão e essa decorre de uma perda do sentido do outro, de
esvaziamento da alteridade, na qual se esvai a noção de empatia em
relação aos ofendidos pelos nossos atos (digo, nosso barulho) ou seja,
numa situação de poder, o poderoso não percebe o mal que causa ao
mais fraco. Estariam os promotores deste evento trilhando o mesmo
rumo de insensibilidade assumidos outrora pelo governo municipal de
Vitória que criou o Vital?
O fato é que a decisão político-teológica que mantém a realização
deste evento gospel reiterado num espaço saturado ofende não só o
bom senso, mas demonstra também uma contradição cristã que é a de
agir com desprezo pelo próximo. Em outras palavras, a hegemonia
pentecostal verificada em Vila Velha com a terceira eleição consecutiva
de um representante dos evangélicos para o executivo municipal
repete o mesmo erro do Vital: impor aos moradores locais a realização
de um evento estrondoso e desproporcional ao espaço destinado.
O Estado, por sua vez, que deveria ser laico, diferente do caso do Vital,
permite a privatização teológica do espaço público sem propor
soluções óbvias como: o deslocamento do evento para local
apropriado (pavilhão de Carapina), redução do nº de dias do evento, a
democratização do espaço para outras religiões, a diminuição do
impacto sonoro e logístico via controle do público previsto, etc.
72
Educação para a Paz: por uma escola ética e eficaz
A paz não é um estado de resignação e letargia. Nem tampouco se
trata de uma condição de subordinação passiva. A paz é uma sensação
de segurança, de justiça, de previsibilidade e continuidade da vida.
Mas não existe minha paz em contraponto a ameaça aos outros. Ou
seja, não existe paz individual, pois esta se constitui de maneira
intersubjetiva e compartilhada, é, pois, um sentimento coletivo
inerente a um ambiente social justo e fraterno.
Nesse sentido, não existe paz onde há violência, mas também não
existe paz onde há injustiça social, de sorte que a igualdade e a
emancipação humana engendram o próprio conceito de paz. De certo
modo, foi em nome da paz que se constituiu o Estado de direito como
forma de mediação de conflitos e para que as disputas individuais não
se transformassem na luta de todos contra todos. Não que o Estado
substitua o conflito, mas que de alguma forma possibilita as disputas
sem alimentar o ódio e o confronto. A educação joga nesse processo
um papel relevante no sentido de propiciar formas democráticas de
acesso á mobilidade e a inclusão social. A constituição Brasileira de
1988, ressalta este aspecto humanizador, pois destaca que ela visa
inserir o indivíduo na sociedade propiciando a todos e cada um em
particular, isto é sem nenhum tipo de discriminação, a formação para
cidadania e para o mundo trabalho.
Mas a educação não objetiva apenas socializar e informar o homem,
ela também pretende mudar a própria sociedade como um todo. Em
73
outros termos o projeto educativo visa à emancipação humana e a
transformação social. Admitindo as contradições do tecido social o
Estado estabelece formas não mercantis de acesso a bens culturais e
políticos. De modo que a educação é projeto ético que se fundamenta
na universalidade do direito, onde todos são iguais. A ética no seu
sentido clássico aristotélico, como afirma Chauí, é um projeto de vida
feliz que passa pelo indivíduo, mas ganha sua substância no coletivo.
Mas aqui o coletivo não se esgota no grupo ou na corporação. O
sentido mais pleno do democrático e do ético está no público, portanto
todas as práticas que segregam grupos ou favorecem projetos
meramente corporativistas ou mercantilistas.
Com o advento da modernidade e do Estado direito, o Estado tomou
para si a ação estruturante de constituição desse empreendimento
social, político e econômico. Não obstante, as concepções pedagógicas
que orientam o projeto educativo republicano têm se materializado
sob várias vertentes que em cada momento histórico assumiram
características específicas que se afastaram, se aproximaram ou
mesmo negaram a busca emancipatória e transformadora, o que, aliás,
tem posto em questão a possibilidade da educação pública em
materializar o projeto da modernidade que é o de romper com as
práticas oligárquicas e segregadoras da sociedade medieval.
Muitas concepções educacionais emergem do pensamento pedagógico
brasileiro apontando alternativas à essas práticas sociais e
educacionais, o que tem, historicamente, ajudado a problematizar a
escola de ontem e de hoje. Não obstante, mesmo com os números de
matrículas e de aprovação escolar terem se ampliado substancialmente
na rede púbica nos últimos anos, ainda estamos muito aquém de
nossas mais modestas esperanças. As novas teorias pedagógicas,
74
nesse movimento, têm focado sua crítica numa certa recusa ao projeto
de modernidade da sociedade igualitária e democrática e para tanto
apontam a crise das teorias racionalistas, criticistas, cientificistas,
iluministas e salvacionistas.
Mesmo comungando com um certo desencanto com as teorias
pedagógicas, não acreditamos que os sinais de esgotamento de muitas
teorias que pregavam a emancipação humana e a transformação social
baseadas na razão instrumental signifiquem uma recusa completa ao
projeto de modernidade.
Acreditamos que a reprodução de uma sociedade estamental, ou seja
pré-moderna, ainda muito real no Brasil, se vincula menos a uma crise
teórica e mais a ineficácia do Estado brasileiro. A discriminação social,
racial e de gênero gerada (ou mantida) pela prática social e educativa
se localiza (muito mais) no âmbito da nossa incapacidade política de
garantir uma escola eficaz. Uma escola eficaz é antes de tudo uma
escola ética e portanto uma escola da paz. A ética para escola é
princípio organizativo, conteúdo e método. Para se educar deve-se ter
ética profissional, compromisso com emancipação dos alunos
enquanto sujeitos e cidadãos.
Não há escola ética, portanto, que produza indivíduos sem sonhos que
obtêm sub- informação para um futuro de sub – emprego. Uma escola
ética também não admite a corrosão do respeito ao outro, ao aluno, ao
professor, aos membros da comunidade. Uma escola ética se baseia
no coletivo, mas não se perde na democracia, vincula-se ferreamente
ao público, ao serviço publico que deve ser transparente e igualizador.
75
Ou seja, uma escola ética é uma escola laica, única e republicana, visa
incluir todos no trabalho e na vida social onde o conflito social não se
confunde com a violência, porque distingue diferença de desigualdade.
Para isso busca produzir igualdade de modo eficaz. Uma escola assim é
uma escola onde os professores ensinam e os alunos aprendem, onde
não falta professor, onde eles são assíduos, pontuais e comprometidos,
é uma escola que não falta nem quadro, nem parede, nem merenda,
nem material didático, nem projeto pedagógico, nem gestão
profissional, nem organização, nem aquela vergonha na cara que nos
impede conviver passivamente e cinicamente com os números
improvisos típicos do cotidiano escolar que gera altos índices de
evasão e repetência.
Aqui, reitera-se o pensamento de Anísio Teixeira que a escola deve
fazer bem o que pretende fazer. Para concretizar o pensamento
anisiano é necessário que o sistema municipal na sua função de
secretaria de educação do município de Vitória volte seu olhar para o
chão da escola ou mais especificamente para a sala de aula e não se
perca nas atividades - meio, perdendo assim essência básica de sua
existência que é o de fazer a escolar funcionar e funcionar bem. Nesse
sentido, ao garantir uma gestão democrática onde as teorias
pedagógicas possam emergir dos projetos políticos pedagógicos de
cada EMEF e de cada CEMEI, abrimos a possibilidade da materialização
de projetos coletivos da comunidade escolar. Não obstante, é
necessário perseguir a eficácia escolar como horizonte necessário de
nossa ação sem o que nos perdemos nas catarses coletivas e nos
debates evasivos que reduzem todo projeto ético-político a um
discurso econômico corporativista. Também é necessário valorizar o
servidor publico massacrado por anos de descaso, mas isso não implica
numa recusa a nossa função primordial de educar. Educar para paz é o
76
projeto mais revolucionário que podemos ter, pois construir
autodisciplina e tolerância é a forma mais substancial de mudar a
história e a realidade.
77
Medo de Aluno
Em 2005, adolescente de 15 anos entra com uma pistola na escola
municipal Mauro Braga (Vitória). Neste ano, na escola estadual José
Moysés (Cariacica), o ex-aluno Ioséias dá dois tiros na diretora Etevalda
Sartório. Notícias como essas não param de reiterar um sentimento de
medo que graça nas escolas. Segundo a confederação nacional de
trabalhadores em educação, essa não é uma realidade local. Uma
pesquisa identificou situações de violência nas escolas em todo o
Brasil.
Mas isso nem sempre foi assim, houve um tempo em que os alunos
temiam os professores. Os profissionais da Educação tinham uma aura
de poder e de autoridade que faziam tremer os estudantes. Sua
respeitabilidade, sua importância econômica e social, seu
reconhecimento público fazia com que todos se dirigissem aos
professores (e principalmente aos diretores) com reverência e por que
não dizer com medo. Numa época em que a autoridade de pai se
transferia direta e naturalmente para o professor e a este era
autorizado punir, castigar e reprovar, havia o chamado medo de aluno
onde o aluno tinha medo.
Hoje a frase medo de aluno está subvertida, quem sente medo é o
professor. Tratados hoje como se fossem clientes, intocáveis nos seus
palavrões e ofensas contra colegas e docentes, estudantes sociopatas,
escudados no Estatuto de defesa da Criança e do Adolescente, seguem
livres sem conhecer o medo que assusta, mas também educa.
Desvencilhados da autoridade paterna (cada vez mais ausente) e / ou
78
materna, chegam na escola sem os elementos básicos de uma
obediência que pudessem transferir para os professores.
Frutos de um processo intenso de abandono, sem serem amados se
tornam incapazes de amar, respeitar e até temer. Destemidos, olham
desafiadoramente para os docentes como se deles inimigos fossem.
Invisibilizados pela pobreza e pela segregação sócio-racial, buscam pela
violência reconquistar o reconhecimento público e vêm nas armas um
passaporte para o status social. É o que nos informa o antropólogo Luis
Eduardo Soares no livro “Cabeça de porco”, em que afirma: os jovens
tentam reconquistar sua auto estima e sua visibilidade por meio da
violência. Por isso aqueles que sentem falta de segurança, afeto e
futuro, portam armas com o fito de impor um respeito que nunca
receberam ou nutriram por ninguém. É isso que fica nítido na
expressão do aluno Ioséias no orkut onde exibe orgulhoso sua posição
de poder com arma em punho.
È necessário desarmar os jovens do ódio do abandono e resgatar a
autoridade da escola. Muitas vezes professores são ofendidos,
ameaçados, agredidos fisicamente, seus carros são riscados e isso se
transforma num problema pessoal em que se procura o que o
profissional teria feito para causar tal atitude. Ao invés de
culpabilizarmos a vítima é necessário politizar o problema. Cada
agressão deve ser discutida amplamente pela escola, autoridades e
famílias de modo a responsabilizar os autores antes que seja tarde
demais.
79
Novo Vestibular
O acesso ao ensino superior no Brasil até um passado recente era
privilégio de uma pequena parte da sociedade composta por homens
brancos filhos de senhores de engenhos. Assim como Coimbra, as
antigas faculdades de Medicina e de Direito de Salvador e Recife eram
pra poucos que compunham uma elite mais rica do que inteligente.
Hoje o ensino superior brasileiro ampliou bastante sua capacidade de
absorver os jovens egressos do ensino médio, atingindo os
promissores, mas ainda pequenos, 10% da população de 18 a 25 anos.
Países mais adiantados como França e EUA chegam a ter 80% de sua
população nesta faixa etária nos bancos das faculdades, outros, porem,
com PIB menor que o nosso, diferente de nós, ultrapassaram os 30 %
da população jovem a exemplo do Chile e Argentina.
Marcado pela forte presença do setor privado, o ensino superior
brasileiro, sobretudo na sua vertente pública, segue sendo objeto de
desejo de muitos estudantes de todas as classes sociais. Além dos
vários anos de estudos, entre os muitos pretendentes ao diploma de
“doutor” e a academia se antepõe uma enorme e quase intransponível
barreira: o Vestibular. Criticado pela enorme ênfase na memorização e
por produzir uma intensa elitização do acesso ao antigo 3º Grau, o
vestibular acabou por se tornar um mal necessário de justificativa mais
aritmética do que pedagógica, pois onde têm mais gente e menos vaga
não há o que fazer, entra em cena a peneira do sucesso e o sucesso da
peneira.
Nas ultimas décadas, no entanto, vem surgindo novas alternativas de
avaliação que têm no ENEM seu melhor exemplo. Provas mais
80
interdisciplinares e que valorizam a capacidade de analise e de
elaboração dos candidatos são mais adequadas e aceitas por alunos e
professores de todo Brasil. Nestes termos, o governo federal
propondo melhorar o acesso ao Ensino Superior e por tabela o Ensino
Médio, está tentando fazer com que os vestibulares sejam substituídos
completamente pelo ENEM. Para o que, o Exame mudaria de modelo,
saltando das atuais 63 questões e redação para 200 questões divididas
em Linguagens, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Matemática e
Redação.
Dentre as inúmeras vantagens dessa empreitada federal podemos
citar: redução de custos para os alunos e para as universidades, maior
transparência nos exames, menos ênfase na memória e pegadinhas,
mais mobilidade dos melhores alunos para os melhores cursos, mais
pressão pela melhoria dos ensinos médios Brasil a fora etc.
Mas nem tudo são flores...O efeito sobre o ensino médio pode ser
danoso! Numa prova nacional haveria uma padronização que
impediria que as IFES nas provas de literatura, geografia e história, por
exemplo, utilizassem referências regionais. Ou seja, sem existir um
exame local, textos como os de Deni Gomes e de Bernadete Lyra já
utilizados pela UFES não seriam lidos pelos alunos do ensino médio
local. Neste caso, a uniformidade empobreceria os currículos
reduzindo a diversidade cultural a pó.
81
Turnover: efeito sanfona da economia
Assim como na Dieta o efeito sanfona na Economia denota mais
mudança do que efeito. Muitas vezes um fenômeno econômico
parece alterar tudo, mas tudo fica como está e às vezes o saldo é mais
negativo do que parece ser. Assim é o mercado de trabalho ele pode
esticar e retrair sem reter grandes resultados. A variação das
admissões e demissões no mercado de trabalho, a chamada
rotatividade, segue uma lógica parecida, e seus efeitos mesmo quando
resta um pequeno saldo positivo podem ser mais danosos que
evidentes. No Brasil a rotatividade é enorme, pelo menos é o que
afirma o IPEA que informa um turnover nacional de 40%.
Segundo o DIEESE , em 2007, 14,3 milhões de trabalhadores foram
admitidos, mas 12,7 milhões foram desligados (com saldo de 1,6
milhão) e se projeta para 2008 que sejam demitidos 9,7 milhão, o que
representará 1/3 do mercado formal brasileiro. Mesmo que o saldo
para esse ano seja, na melhor das hipóteses de 2 milhões de emprego,
os custos sociais desse estica-encolhe não são nada desprezíveis. De
acordo com a Fundação SEADE, das demissões ocorridas no ano
passado 60 % , cerca de 7,6 milhões de empregados demitidos, foram
desligamentos sem justa, o que implicou nos astronômicos 16,035
bilhões gastos entre seguro desemprego, aviso prévio, multa e saque
do FGTS. Além disso, como é do conhecimento de todos não só a
sociedade é prejudicada por que paga estes custos sociais os
trabalhadores também são prejudicados por praticas de rotatividade,
pois em geral os novos admitidos recebem até 1/3 menos que os
antigos funcionários.
82
Podemos, inclusive, afirmar que os próprios empregadores também
sofrem efeitos negativos desta cultura empregatícia, senão vejamos os
altos custos de qualificação, recrutamento, seleção, isto sem conta
com a multa do FGTS que é paga pelo empresariado ( em 2007 9,975
bilhões)..
Nas regiões metropolitanas esta questão do emprego se revela ainda
mais importante haja vista os graves problemas sociais. Segundo a
pesquisa de emprego e desemprego da fundação SEADE e DIEESE a
taxa de desemprego nas regiões metropolitanas brasileiras caiu em
7,7% de 2006 para 2007 (que foi de 15,2%). Para 2008 é possível que
que a queda seja bem maior reduzindo para em torno de 11,5%. No
entanto, esta medição só opera com o emprego formal e não
consideram a desocupação da PEA como um todo seguramente
ultrapassa 1/3 da população que tem 15 anos ou mais. Para uma
Região como a da GV que tem cerca de 1,5 milhão de pessoas, sendo
que dentre essas mais 120 mil estão desocupadas (pessoas
desempregadas com 15 anos ou mais) e mais de 300 mil recebem até
meio salário mínimo per capita e onde a taxa de homicídio é de 70 por
100 mil, é importante afirmar que este crescimento estupendo de 554
440 empregos no país e de 10 632 no estado não apenas se demonstra
insuficiente como também se evidencia pouco inclusivo da população
da GV.
Em Vitória isso não foi muito diferente, em recente relatório da Caged
/ MTE para o mês março a cidade de Vitória criou 2939 empregos e no
ES 10 632, mas o interessante que as contratações foram de 20 107
pessoas e as demissões de 17 168. O que fica demonstrado é que na
capital de cada 200 empregos gerados 170 são parte do Turnover e
apenas trinta são retidos no mercado. Neste caso na capital 85,3%
entraram em rotatividade e o crescimento positivo em relação ao
83
número total de empregos da cidade corresponde a um crescimento
de apenas 2,16%.
No que diz respeito ao ES e à GV que impacto teríamos com a redução
do circulo vicioso demissão X contratação ? Na região metropolitana
como demonstrou a CAGED do 1º trimestre o fenômeno da
rotatividade também se repete. Na Serra (15 939 admissões e 13 928
demissões 87% de turnover), Vila Velha (12 893 admissões e 11 285
demissões 87,5 % de turnover), Cariacica ( 5 989 admissões e 5 354
demissões 89,3 % de turnover), Viana ( 1 112 admissões e 901
demissões 81 % de turnover) e Guarapari ( 2 034 admissões e 2951
demissões 145 % de turnover) junto com Vitória criaram 6 276
empregos (crescimento de 2 a 3%), mas empregou 58 024 e demitiu 51
587, gerando uma rotatividade metropolitana de 89% daquilo que
poderia ser a totalidade dos empregos gerados. Neste caso para cada
10 admissões na GV pelo menos 7 foi em reposição de demissões e 3
de fatos foram empregos novos, o que representa apenas 2,5 % do
total de empregos reais da RMGV.
No ES algumas empresas ( a exemplo da Flexibrás, Sipolati e Carone)
vivem a dificuldade de manter os profissionais de RH, ocorrendo assim
uma contradição: o turnover do profissional anti turnover. Os
profissionais de RH sentem dificuldade de se manter me empresas que
só fazem recrutamento e seleção de pessoal e investem pouco em
desenvolvimento de pessoal. O turnover nem sempre é ruim: um
turnover 3% oxigena a empresa, mas um maior que 30 % asfixia, pois
pode comprometer qualquer política de treinamento e de qualificação
de médio e de longo prazo. Nos setores de serviços e comércio como
restaurantes, livrarias, hotéis, escolas privadas, lojas e postos de
gazolina, não é possível mais encontrar àquele bom funcionário que te
atendeu tão bem.
84
No Brasil, a questão da demissão nunca foi muito bem resolvida. Em
1923, teve início a lei Eloy Chaves (inicialmente só para os ferroviários)
que garantia estabilidade para os trabalhadores que tinham mais de 10
anos no emprego, direito este assegurado posteriormente na CLT, o
que vigorou até 1966 com a aprovação da lei 5107 que criou o FGTS.
Este sistema criou uma espécie de seguro contra a demissão, mas hoje
sua eficácia é basteante discutível, pelo menos é o demonstram
pesquisas da USP que apontam para o mau uso do FGTS com as falsas
demissões que denotam que o fundo criado para dar estabilidade pode
estar gerando instabilidade no emprego. Uma das formas de correção
desta lógica no curto prazo seria a redução do turnover. Para tanto, é
necessário uma mudanças de mentalidade que possam superar a
estratégias imediatistas que resultam na banalização das demissões e
no aumento dos custos de qualificação profissional.
Neste contexto, ganha força a discussão da convenção 158 da OIT que
restringe a demissão imotivada. Vale lembrar que isso não é uma
novidade, já em 1963 a OIT tinha a recomendação 119 que tematizava
a questão da demissão, recomendação esta convertida em 1982 na
convenção 158 que só se tornou internacional em 1985, tendo hoje
como signatários os países: França, Portugal, Espanha, Suécia,
Austrália, Finlândia, Turquia, Marrocos e Venezuela. Essa convenção
158 da OIT proíbe a a demissão de um trabalhador a menos que exista
uma causa justificada, relacionada ao comportamento do trabalhador
ou baseado em necessidades de funcionamento da empresa – motivos
econômicos / tecnológicos( artigo 4º), portanto exige-se a chamada
justificabilidade da dispensa. E se o trabalhador se sentir injustiçado
pode recorrer à arbitragem contra atitude do empregador.
Tendo em vista que a constituição federal no artigo 7º, Inciso I prevê
que a relação de emprego deve setar protegida contra a despedida
85
arbitrária, já em 1992 houve a ratificação cujo o registro ocorreu em
1995 no governo FHC, sendo esta alvo de uma ação de
inconstitucionalidade movida pela CNT. Deste processo resultou a
denúncia da convenção 158 que por meio do decreto 2100 de 1996
(des) aderiu o país como signatário. Retomando esta questão, em 14
de novembro de 2008 o presidente Lula encaminhou para apreciação
do congresso.
Quais seriam as vantagens dessa adesão a diretriz da OIT? De acordo
com o DIEESE, todos seriam beneficiados, não só para os
trabalhadores, mas também as empresas. Gastos hoje realizados
poderiam gerar mais empregos e humanizar as relações de trabalho.
Evidente que os empregadores devem ter a liberdade para contratar e
demitir, mas talvez certas praticas reiteradas no tempo se
autojustificam mais pela inércia do que pela a razão. Deste modo, se o
debate sobre a convenção 158 no congresso for capaz de gerar uma
nova legislação mais equitativa deixaremos de ver os gastos enormes
em qualificação serem corroídos por práticas trabalhistas equivocadas
e imediatistas.
86
O Mito da Qualificação
Segundo IPEA e o IBGE, os números de 2010 dão conta de que neste ano
devem ser criados no Brasil (02 milhões) mais que o dobro de vagas de
emprego do ano passado (995 mil). No ES, a mesma tendência se repete e
devemos gerar cerca de 36 mil novos postos de trabalho, também o dobro
das 18 949 de vagas criadas em 2009. Neste aspecto ganha destaque a
industria vem tendo uma expansão de 5,6% se comparado com dezembro e
de 48,5% em relação a janeiro de 2009.
Deste modo. o mercado local deve, segundo projeta o IBGE, gerar só no
Comércio 16 314 e no Turismo de 6 473 novas oportunidades de trabalho.
Mas ao que sinaliza Márcio Pochmann presidente do IPEA não haverá mal de
obra suficiente. Em alguns casos estima-se que faltará gente para trabalhar
em vários setores no Espírito Santo [com maior déficit nas áreas do comércio
- reparação onde devem faltar 9666 trabalhadores, seguindo de
alojamento/alimentação com - 5262, construção civil - 2069 e
educação/saúde/serviços sociais – 1 943] e no Brasil [com destaque para o
comércio/reparação - 187 580 trabalhadores]. Este contexto, pode nos levar,
porem, as mesma conclusões superficiais que ocorreram em 2008 quando o
Brasil gerou 2 milhões de postos de trabalho e o Espírito Santo chegou a
passar a casa das 40 mil admissões. À época, e hoje, o discurso se repete: tem
emprego, o que falta é gente qualificada. Verdade em parte!
Visto como problema, a falta de trabalhadores pode produzir por incrível que
pareça 04 efeitos sistêmicos muito interessantes: a) elevar a média salarial da
categoria mais demandada atraindo mais trabalhadores interessados em
ingressar na profissão (ex: pedreiro); b) reduzir a rotatividade predatória que
desqualifica os recursos humanos e demite os funcionários mais antigos ( ex:
vendedores); c) reduzir as exigências artificiais e exageradas dos
87
empregadores que superestimam os critérios de seleção ( ex:exigência de
ensino médio para trabalhar como gari) e d) produzir o deslocamento
geográfico-quantitativo de contingentes de certos tipos de trabalhadores
mais qualificados para regiões para as quais migrou a demanda ( ex:
metalúrgicos de MG e SP que vieram para a antiga CST). Deste modo,
dependendo do ponto de vista a falta ocasional de trabalhadores tem lá seus
efeitos positivos.
Por um lado, se é verdade que há trabalhadores qualificados desempregados
também é verdade que há muita vaga disponível para as quais tem pouca
oferta de trabalhadores qualificados e isso é grave e pode afetar o
crescimento do pais, mas, por outro, também há muita gente se formando
em áreas e em quantidades inadequadas, o que ocorre porque a escolha dos
estudantes e a oferta dos cursos não dependem diretamente do mercado de
trabalho e sim do “mercado” da formação profissional.
Portanto, vale perguntar: quem decide - quantos? onde? em que áreas? em
que níveis ? deverão formar (no curto, no médio e no longo prazo?) as
instituições de educação profissional (IFES, UFES, SENAI, SENAC e setores
públicos e privados da educação) ????
Ou seja, se não é possível planejar nos mínimos detalhes como será a
demanda por emprego (quantos?, como?, onde? ) será demandada?
Podemos dizer que é possível planejar a oferta de qualificação profissional a
ser empreendidas na sociedade. Caso contrário, continuaremos a ver
proliferar um “mercado” caótico e ineficaz de formação profissional que
gasta bilhões de reais dos governos e dos alunos no qual instituições
disputam entre si espaços congestionados de formação e negligenciam
outros estratégicos sem produzir o resultado adequado.
88
Big Brother Brasil: Brincando de Exclusão
Todo ano recomeça mais uma versão de um dos reality shows mais
vistos no mundo, o Big Brother Brasil. Numa alusão ao grande irmão
fascista que tudo vê e tudo controla, este programa constitui síntese da
nossa sociedade atual. Cênica, Cínica, promiscua, controladora e
excludente. Mais uma vez milhões de pessoas exercerão o prazer de ver
os cristãos brothers serem devorados nos paredões do coliseu da globo
(em troca de um milhão que supostamente poderia lhes sustentar por
toda eternidade).
Além da minha curiosidade alcoviteira de telespectador muitas
perguntas me vêm a mente. A primeira dela diz respeito aos critérios
de escolha dos participantes. Será que são escolhidos pelos seus corpos
sensuais e rostos lisos de juventude ou será que são selecionados por
suas mentes vazias e ambiciosas.
Apesar de nunca ter visto nenhum deficiente físico neste programa,
acredito mais nas últimas hipóteses do que nas primeiras, pois tendo
eles um mínimo de cognação ( ou formatação ética) não tolerariam as
provocações esgrimidas pelo adestrador de mamíferos de luxo* Pedro
Brial. Decerto este show de péssimo gosto televisivo possui muitas
contradições e dentre elas destaco inicialmente a mais óbvia que diz
respeito ao título. “Big Brother”. Ora, ali, ninguém é irmão de ninguém.
Nem grande nem pequeno. Nem por isso eles se matam dentro de
casa.
Muito ao contrário, vence nestas disputas quem têm mais saco ou
menos personalidade. Por isso, não obstante subjetivamente lutarem
uns contra os outros, os anti-irmãos riem uns para os outros o tempo
89
todo, ali não tem cara feia nem ninguém faz cara feia para ninguém.
Eles parecem um bando de gente sem nada para fazer numa espécie de
espetáculo do ócio. Parecem estar numa casa de praia onde todo
mundo come todo mundo sem remoço mantendo a amabilidade
recíproca nas fronteiras do cinismo. Até porque, como já dissemos, no
show da TV fica mais tempo quem faz de conta que é um big brother
de todo mundo.
Aparentemente, o big brother nada tem a ver com a gente anônima do
dia a dia de trabalho duro. Mas nós em nosso dia a dia não somos tão
diferentes deles. Num ambiente de trabalho temos de ser amigos de
todo mundo, rir para todo mundo porque se não as pessoas
inconscientemente “votam” na nossa saída. Como os pseudobrothers
somos competidores de um jogo egoísta onde a intriga e a inveja
orientam nossas estratégias. Como diz o historiador inglês Eric
Hobsbaw, nessa nova fase do capitalismo global, substituímos o Nós
pelo Eu. Disputamos num processo onde excluir é a regra. Antes ele do
que eu, é o lema do falso grande irmão que sorri e brinca com sua falsa
simpatia e seu amor prostituto. Por isso festejamos quando
permanecemos em cada etapa do programa ou da vida. Mas é
interessante notar que no caso dos big brothers, não obstante,
buscarem a todo custo o prêmio final, eles parecem sofrer ao terem
que eliminar algum irmão que com o tempo de ambiente produtivo
real, podemos observar muitas similitudes quando a demissão de
alguém preserva o nosso emprego ou quando ao passarmos no
vestibular a nossa vaga significa a não entrada de alguém na
universidade. Dói a responsabilidade de ser o vencedor do jogo da
exclusão e da desigualdade.
Mas nada como uma aula diária de egoísmo e sadismo. Na escola da TV
aprendemos didaticamente que a exclusão Faz Parte!** Talvez exista
neste reality show um grande mérito pedagógico. Talvez estejamos
90
brincando de exclusão para aceitarmos a dura realidade social do
desemprego tecnológico. Engraçado que é justamente a tecnologia das
câmeras e dos meios de comunicação que nos coloca em contato com
uma simbologia que nos faz aceitar prazerosamente e perversamente a
mesma tecnologia que progressivamente no processo de produção
capitalista exclui mais e mais pessoas do mercado de trabalho.
As lições de karl Marx e Frederic Jameson nos alertam, como em cada
fase a sociedade constrói os símbolos que lhe dão legitimidade. O que
fazer quando o ganhador leva tudo e aos perdedores sobra a
exclusão?Será que o deleite da torcida pela derrota de muitos e a
vitória de um faz parte???? Desligue a televisão ou mude de canal
antes que as brincadeiras televisivas se tornem tão lúdicas quanto
nocivas. Isso não vai mudar a realidade do mundo real, mas talvez
preservem a sua capacidade de indignação.
91
Neoliberalismo e Barbárie
As reformas neoliberais e suas conseqüências no campo da
privatização do espaço público colocam os instrumentos do contrato
social em xeque e substituem a idéia de res publica pela idéia de res
privatti. No espaço privado, a democracia segue a lógica mercantil,
segundo a qual a participação se restringe ao sufrágio dos acionistas e
às migalhas das políticas de equidade. Este conceito, bastante
discutido em Dalila Andrade Oliveira (2000), transforma as políticas
públicas em ações compensatórias e migalhas que são lançadas aos
excluídos e muito pobres.
Serviços públicos, que antes eram deliberados democraticamente por
todos quanto à sua tessitura, temporalidade e acesso, na perspectiva
da universalização de direito ou do Estado de direito, passam a seguir a
lógica flexível da demanda e da auto-sustentabilidade. Essa situação
molda ações públicas, conferindo-lhes um perfil ora explicitamente
comercializado, ora embebido numa perspectiva velada de
produtividade, de qualidade total e de lucratividade. A nosso ver, isso
toca diretamente na densidade, alcance e profundidade das ações
públicas, cujo aspecto, tomado como ponto de partida analítico
privilegiado no contexto deste trabalho, é a temporalidade. Logo uma
nova temporalidade impõe-se como necessária, como um tempo
socialmente necessário, embebendo o espaço público (privatizado ou
em processo de privatização) de descontinuidade, brevidade,
efemeridade, segmentação e flexibilidade em nome da qualidade.
Assim sendo, a superação do sistema taylorista-fordista-keynesiano,
sinaliza que estamos passando de uma sociedade contratual (no caso
da periferia do capital ainda não consolidada) para uma sociedade na
qual apodrecem as bases do contrato social que embora erguido na
tensão dialética entre reprodução da desigualdade e emancipação
92
social expunha da sociabilidade contemporânea sua faceta ainda
civilizatória.
Abandonar este estágio em nome da acumulação, já na sua etapa
financeirizada (nos termos de Arrigui) estabelece uma espécie de
fascismo societal (SANTOS, 1999) que se manifesta numa espécie de
apartheid que segrega os excluídos, de sorte que uma nova cartografia
urbana se impõe, criando abismos sociais e físicos explícitos que
dividem as cidades em zonas selvagens e em zonas civilizadas, o que se
revela nos castelos neo-feudais, com seus enclaves indecentemente
visualizáveis nas cidades privadas, que são os shoppings centers e os
condomínios fechados. Santos (1999) afirma a emergência de um
regime sociocivilizacional onde se privatizam os serviços de saúde,
educação e previdência, que, ao exaurirem as suas possibilidades,
instauram o medo e a insegurança, revelando a face mais intensa e
mais dissimulada do fascismo societal.
Embora essa parte do trabalho (e muito menos ele como um todo) não
se proponha, nem de longe, esgotar, nem o debate marxista sobre a
questão do Estado e nem mesmo resolver o grande problema da
filosofia política que é gerar o bem comum sem perda da liberdade,
passamos analisar que alternativas de Estado contratualista podemos
ter.
Acreditamos como Chauí (2003), que a essência do Estado de direito
ou da democracia deva ser o interesse público e que sua antítese situase no campo do privado e que toda forma de tirania e facismo se
expressa pela identificação do interesse individual ou particular como
sendo o interesse geral ou coletivo. Embora concordemos com Marx e
Rousseau de que o Estado possui uma característica de classe, não
conseguimos perceber outra possibilidade de da sociabilidade se
manter nos marcos da liberdade individual, sem a existência do Estado
de Direito e da institucionalidade. Apesar das ressalvas de Tocqueville,
segundo o qual, não existe liberdade sem igualdade e mesmo
percebendo as inúmeras precariedades da alternativa keynesiana e os
riscos da alternativa soviético-burocrática, tentando não incorrer na
93
Estatolatria1, como Gramsci e Hegel acreditamos que só um projeto de
Estado ético, ainda que teoricamente incompleto, mas historicamente
hegemônico poderemos construir uma sociabilidade mais humana.
A estratégia das classes dominantes inseridos nas estruturas de poder
é de substituir de prioridade do combate ao defict social pela do
combate ao defict publico, instaurando crescentemente uma paradoxal
“democracia sem cidadãos”, direitos políticos formalmente
reconhecidos, com recortes substanciais nos seus direitos sociais, onde
se corrói a base material em que se apoiaria o processo de socialização,
da massa da população através das relações formais de trabalho,
fragmentando todo o tecido social e produzindo indivíduos vivendo em
condições precárias, inseguras e atomizados como cidadãos –
portanto, como não –cidadãos (Sader, 2003, p317).
Isso tudo se viabilizou e se viabiliza pelo modus operanti de produção
de consenso que acabou por travar a formação e o desenvolvimento
de formas mais politizadas de consciências, em benefício de formas
econômico-corporativas ou de atitudes mentais, consumistas,
individualistas, medíocres, indiferentes à vida comum (Nogueira: 2003,
p 218).
A única saída para além da guerra de movimento, seria então a
construção de uma contra-hegemonia ou a guerra de posição, que
nucleada na sociedade civil (como afirma Gramsci) ou nucleada na
sociedade política (como afirma Poulantzas), produziria a construção
de uma nova sociabilidade e um novo pacto entre as classes.
Mas o que ocorre é bem pior : O Estado se desfacela e se esvazia de
uma forma aparentemente irreversível e a sociedade civil cresce,
incha, se transforma e se multifaceta.
Muito embora a sociedade civil se amplie, não vê aumentada sua
unidade, pois sua diversidade não demonstra sinais de força, mas de
perda de coesão. Essa fica congestionada de ações e movimentos, mas
não consegue se por como espaço de verificação e agregação,
1
Tendência de supervalorizar o Estado como lócus único de transformação social que
restringe a luta de classes às disputas da sociedade política (ver Gramsci e Coutinho
em textos diversos).
94
tornando-se desunida e impotente já que não se estrutura como base
de avanços sociais sustentáveis nem consegue funcionar como fator de
garantia de políticas públicas democráticas. Sua fragmentação, em
conseqüência, fragiliza as bases de contestação, bloqueia a democracia
(Nogueira: 2003, p 220).
Esse quadro nos coloca mais do que uma questão política, mais do que
uma questão educacional, mais do que uma questão tecnológica ou
econômica, mas, sobretudo, põe uma questão sobre nossa civilidade e
nossa capacidade de gerar uma sociabilidade mínima que nos permita
viver em sociedade, de sorte que acreditamos que não é só a questão
da luta de classes está posta, mas a própria viabilidade do tecido social.
O fato é que com a desagregação política da formação capitalista atual,
inrrompe-se uma espécie de não-Estado (Fausto, 2003, p 295) que
conservando alguns traços de formalismo e meios violentos só faz
instaurar a fragmentação.
Desorganizar, fragmentar, reforçar o privado, buscar a passividade e
despolitização das massas e disseminar um sentimento de
inevitabilidade diante dos abismos sociais (Camprone, 2003, p 59).
Essa situação não potencializa nem a guerra de posição nem a guerra
de movimento, ao contrário ao retirar as classes subalternas da luta
pela manutenção e ampliação da esfera pública cria-se apatia política
que permite avançar rumo à utopia do “Estado mínimo” ou “estado
modesto” fisicamente menos custoso e imunizado contra o perigo de
abrigar organizações propensas a se tornar anti-capitalista ou pelo
menos perturbar a lógica de acumulação.
A nosso ver e expressão desse movimento pode ser percebido nas
temporalidades assumidas pelas políticas públicas que no seu
esvaziamento
reduzem
permanentemente
sua
densidade,
profundidade, extensão, universalidade e duração, o que sinaliza a
existência de articulações entre os conceitos de Tempo e de Estado.
95
Produtividade Letal
O domínio do fogo, da física, da química e da metalurgia permitiu ao
homem a extensão da mão humana dando-lhe mais força e a precisão.
Além de poder deslocar uma flecha com força e velocidade com a
tecnologia de um arco, uma ponta de metal permitiu ao homem
mesmo sem estar próximo a um animal rasgar a sua carne, dilareçerarlhe as entranhas e abater sua vida. Também, assim, um pedaço de
metal encapsulado num tubo cônico acondicionado num tambor com
uma carga de pólvora uma vez detonada, desloca-se supersonicamente
por um cano que se devidamente direcionado, pode remover os
movimentos, as respiração, a pulsação e o calor de qualquer ser vivo.
Por isso ter e obter um instrumento desses tornou-se para o homem
antigo e contemporâneo instrumento de poder e de auto-proteção.
Mas à medida que esse instrumento tornou-se mais produtivo, mas
automático, mais eficaz a capacidade humana de perceber, de sentir,
de escutar, de cheirar a irrupção do corpo daquele que é atingido pela
ação de um objeto físico-dilacerante cortante-perfurante tornou-se
cada vez menor e mais suportável para aquele que o aciona. De jeito
semelhante, mesmo tendo inventado a pistola alemã capaz de cortar o
corpo de quatro homens enfileirados, foi necessário ao exército nazista
recorrer ao uso do gás não só porque ele era mais produtivo, mas
também porque os soldados ficavam abatidos ao fuzilarem dezenas de
judeus por dia. Outra alternativa, foi a tática de bombardeio, técnica
covarde de quem joga uma bomba e sai correndo sem ver a dor do
outro. Nessa mesma direção a bomba atômica, top de linha de nossa
capacidade destrutiva, despedaça e flamba milhares de corpos
simultaneamente à distância por atacado.
96
Cada morte violenta de cada pessoa humana é única e suficientemente
cruel, pois a vida esvai arrancada do corpo antes do tempo natural
destruindo a paz dos vivos e esgarçando as almas de parentes e
amigos. Mesmo assim, mais cruel do que máquinas que conseguem
matar muitos em pouco tempo são as máquinas que produzem estas
de modo cada vez mais eficaz. Quais seriam o prazer e o rendimento
de quem desenvolve máquinas mais eficientes para produzir mais
revolveres, mas mísseis, mais fuzis? E o inventor daquele instrumento
que possibilitou ao assassino de crianças Wellington de Oliveira de
recarregar rapidamente as maquininhas de tirar vidas: seus dois
revolveres calibre 32 e 38 que disparam mais de 50 tiros, como se
sente? Não deveríamos criminalizar a produção de certos instrumentos
nocivos a convivência humana ou no limite restringir e sobretaxar de
maneira corajosa a produção, o comércio e o consumo, assim como
fazemos com as drogas e os cigarros?
O fato é que a sociedade está infestada de armas por todo canto.
Chega-se dizer que temos só no Brasil cerca de 26 milhões de armas de
fogo. Dados da Amnesty International e Oxfam International, por meio
do documento “Vidas Despedaçadas: As armas estão fora de controle”
de 2003, dão conta que: a) “mais de 500.000 civis em média morram
por ano em conseqüência do mau uso de armas convencionais: uma
pessoa a cada minuto”; b) “A violência organizada e generalizada pode
custar tantas vidas quanto um conflito armado explícito”; c) “Nos
últimos 14 anos, quase 4.000 pessoas com menos de 18 anos foram
mortas por revólveres no estado do Rio de Janeiro, Brasil”; d) “Um
terço dos países gasta mais com seu exército do que em serviços de
atendimento de saúde”; e) “Os gastos em serviços de saúde para
atender os efeitos da violência chegaram a 1,3% do produto interno
bruto no México, 1,9% no Brasil, 4,3% em El Salvador e 5% na
Colômbia”; f) “O número de armas pertencentes a civis ultrapassa
facilmente o de armas em mãos oficiais”; g) “Quase oito milhões de
novas armas de pequeno porte são fabricadas a cada ano, a maioria
97
indo parar nas mãos de civis – como uma torneira aberta ao máximo,
despejando novas armas na poça mundial”; h) “As armas matam, em
média, mais de meio milhão de homens, mulheres e crianças a cada
ano”; i) “Nos últimos 10 anos, 300.000 pessoas foram assassinadas no
Brasil, muitas em conseqüência da violência urbana e da proliferação
generalizada de revólveres e armas de pequeno porte, que respondem
por 63% de todos os homicídios no país”; j) “Muitas armas são
fabricadas no Brasil, mas revólveres também são importados (pela
ordem de importância: EUA, Espanha, Bélgica, Alemanha, Itália,
República Checa, Áustria e França)”; l) “Calcula-se que existam em
circulação 640 milhões de armas ligeiras a que se adicionam em cada
ano 8 milhões entretanto fabricadas, de todas estas armas 40 por
cento são ilegais”; m) “Em cada ano, entre 200 a 270 mil pessoas
morrem por ação de armas ligeiras ou por conflitos entre Estados”; n)
“O comércio legal de armas ligeiras cifra-se em 4 mil milhões de
dólares por ano e o ilegal chega já a um quarto daquele montante”.
No contexto dos últimos fatos de nossa sociedade temos que lembrar
como fizera Padre Saverio Paolillo (Pe. Xavier) da Pastoral do Menor da
Arquidiocese de Vitória – ES, a chacina do dia 07 de abril, na Escola em
Realengo não é a primeira no Brasil, pois a dezoito anos atrás, um
grupo de extermínio abriu o fogo contra 70 crianças e adolescentes na
Igreja da Candelária matando oito pessoas. Como afirma Padre Saverio
Paolillo (Pe. Xavier), “as duas chacinas têm algo em comum: a idade de
suas vítimas, entre 11 e 17 anos, e o fato de terem sido mortas com
armas de fogo sem chance de defesa”. “Na Candelária morreram Paulo
Roberto de Oliveira, de 11 anos; Anderson de Oliveira Pereira, de 13
anos: Marcelo Cândido de Jesus, de 14 anos: Valdevino Miguel de
Almeida, de 14 anos; "Gambazinho", de 17 anos e Leandro Santos da
Conceição, de 17 anos”. No Realengo faleceram Milena dos Santos
Nascimento, de 14 anos; Mariana Rocha de Souza, de 12 anos; Larissa
dos Santos Atanásio, de 13 anos; Bianca Rocha Tavares, de 13 anos;
Luiza Paula da Silveira Machado, de 14 anos; Laryssa Silva Martins, de
13 anos; Géssica Guedes Pereira, de idade não divulgada; Samira Pires
98
Ribeiro, de 13 anos; Ana Carolina Pacheco da Silva, de 13 anos e Igor
Moraes da Silva, de 13 anos.
Explicar tais eventos nos foge completamente. um suposto bulyng
sofrido por welingtom na mesma escola ou as péssimas condições de
trabalho policial no Rio de Janeiro nos parecem migalhas de
argumentos diante da obviedade do problema sistêmico da epidemia
das armas no Brasil e no Mundo. Neste momento só me vem a
indignação diante da gana capitalsita dos produtores de armas e no
limite de minha razão prorporia a morte das méquinas que fabricam a
morte, ressucinato o movimento luddista.
Certa vez, no ano de 1812, há quase dois séculos atrás, Mr.Smith, um
dono de uma tecelagem no distrito de Huddersfild, no leste da
Inglaterra, recebeu uma estranha carta assinada por um tal de
"General Ludd". Continha pesadas ameaças. A sua fábrica em breve
seria invadida e as máquinas destruídas, caso ele não se desfizesse
delas. Um incêndio devoraria o edifício e até a sua casa, se ele tentasse
reagir. O nome Ludd era conhecido nos meios fabris desde que um
maluco chamado Ned Ludd, uns trinta anos antes, em 1779, invadira
uma oficina para desengonçar as máquinas a marteladas. A mensagem
ameaçadora não era brincadeira. Uns meses antes, nos finais de 1811,
uma onda de assaltos aos estabelecimentos mecânicos espalhara-se
pela região de Nottingamshire, uma antiga área ligada à criação de
ovelhas e que desde o século 17 vira crescer por lá, espalhadas,
pequenas empresas de fiação e tecelagem. A revolução industrial, com
a rápida disseminação da máquina a vapor, como era de esperar,
provocou ali uma radical mutação socio-econômica. Por todo lado
novos teares e máquinas tricotadeiras, embaladas pela nova tecnologia
da energia a vapor, substituíram os antigos procedimentos das rocas
de
fiar.
As
reações
não
demoraram
(http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2006/03/13/000.htm
<acesso em 13/04/2011 13:49).
99
A carta do General Ludd
"Possuímos informações de que você é um dos proprietários que
têm um desses detestáveis teares mecânicos e meus homens me
encarregaram de escrever-lhe, fazendo uma advertência para
que você se desfazer deles...atente para que se eles não forem
despachados até o final da próxima semana enviarei um dos
meus lugar-tenentes com uns 300 homens para destruí-los, e,
além, disso, tome nota de que se você nos causar problemas
aumentaremos o seu infortúnio queimando o seu edifício
reduzindo-o a cinzas; se você tiver o atrevimento de disparar
contra os meus homens, eles têm ordem de assassiná-lo e de
queimar a sua casa. Assim você terá a bondade de informar aos
seus vizinhos de que esperem o mesmo destino se os seus
tricotadores não sejam rapidamente desativados..." "Sua obra
de destruição não se atém a método nenhum/ O fogo e a água
serve-lhe para destruir/ pois os elementos ajudam no seu
designo.../ ele destruirá tudo de dia ou à noite/ e nada poderá
escapar da sua sentença" ( General Ludd’s Triumph, 1812 apud
(http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2006/03/13/00
0.htm <acesso em 13/04/2011 13:49).
Que empresas dessas poderia ter que idenizar as famílias pela
letalidade de sua produção?
Agner (Dinamarca); AMT - Arcadia Machine & Tools (EUA);
Arminius (Alemanha); Arms Moravia (Rep.Tcheca); Artax (Italia);
Astra (Espanha); Auto-Ordinance Corporation (EUA); Accuracy
International (Inglaterra); Bajkal (Russia); Bayardy (Espanha);
Benelli (Italia); Beretta (Italia); Bersa (Argentina); Boito (Brasil);
Briley (EUA); Browning (EUA); Bul Transmark (Irsael); BSA
(Inglaterra); Barrett(Estados Unidos); Colt (EUA); Coonan (EUA);
CZ (Rep.Tcheca); CBC (Brasil); Daewoo (Coreia do Sul); Daly
100
(EUA); Dan Wesson (EUA); Domino / FAS (Italia); DruLov
(Rep.Tcheca); EAA - European American Armory (EUA); Erma
(Alemanha); Fég (Hungria); Feinwerkbau (Alemanha); Freedom
Arms (EUA); FN Herstal (belgica); Gamba (Italia); Gaucher Armes
(Italia); Glock (Austria); Grizzly (EUA); Hämmerli (Suiça);
Harrington & Richardson / New England Firearms (EUA); HK Heckler & Koch (Alemanha); High Standard (EUA); IAI - Israel
Arms International (Israel); IMI - Israel Military Industries
(Israel); Imbel (Brasil); Janz (Alemanha); Kahr Arms (EUA); KelTec (EUA); Kimber (EUA); Kora Brno (Rep.Tcheca); Korriphila
(Alemanha); Korth (Alemanha); Llama (Espanha); Les Baer (EUA);
Manurhin (França); Mauser (Alemanha); Norinco (China); NAA North American Arms (EUA); Para Ordinance (Canada); Pardini
(Italia); Pedersoli (Italia); Peters Stahl (Alemanha); Pietta / Navy
Arms (Italia); Remington (EUA); Rossi (Brasil); Ruger (EUA); Safari
Arms (EUA); Sako (Finlandia); Sarsilmaz (Turquia); Sauer (
Alemanha); SIG / SIG Sauer (Suiça); Smith & Wesson (EUA);
Sphinx (Suiça); Springfield Armory (EUA); SPS DC Custom
(Espanha); Star (Espanha); Steyr (Alemanha); Stoeger (EUA);
Strayer-Voigt (EUA); Tanfoglio (Italia); Taurus (Brasil); Thompson
Center Arms (EUA); Truvelo Armory (Africa do Sul); Unique
(França); URKO (BRASIL); Valtro (Italia); Vektor (Africa do Sul);
Walther (Alemanha); Wildley (Suiça); Winchester (EUA).
Imaginemos a seguinte cena: parentes de vítimas de armas de fogo
ivadem a fábirca da Taurus no Rio Grande do sul e destroem as
máquinas. Logo aparecerão os defensores dos empregos e dos
impostos arrecadados com produção de revolveres e munições. Claro
que isso não passa de um delírio de indignação e assim como não
podemos desligar e sepultar a usina de nuclear de angra ou fukushima
a industria bélica segue intocada. Mas e as vítimas??
As Vítimas da covardia, do acessoa às armas, da tecnologia humana
que trucida vidas ainda no seu início, crinças e suas famílias precisam
de uma resposta. Assim como somos capazes de desenvolver
intrumentos bélicos sofisticados, temos que ser também eficazes na
criação de barreiras à produtividade letal de uma economia bélica
101
capitalsita que nos impõe uma estética cinematográfica da violência
que a um só tempo nos diverte, nos sadisa e nos anestesia.
102
Analfabetismo Ético
Ser cidadão para pobres, incultos e mulheres com o poder de votar e
de ser votado veio de um trajeto longo que irrompe toda idade
medieval e moderna, consolidando-se mais contemporaneamente,
mas o voto do mais simples nunca foi automático e o sufrágio
universal: uma cabeça um voto, ainda no pós-guerra na áfrica do sul,
por exemplo, era algo aparentemente inalcançável.
Em 1887 nem analfabeto nem os pobres podiam votar e o número de
eleitores no Brasil era de cerca de 220.000, 1,5% da população total.
Em 1960, os pobres podiam votar, mas os analfabetos não e os
eleitores chegavam a 15.543.481, 25% da população de todo o país.
Ainda nesta década, num dos seus últimos gestos antes de sua retirada
do poder, em 15/03/1964, Goulart defendia o voto do analfabeto em
sua última mensagem ao Congresso. Mas, ainda em 1976, havia no
Brasil1 15.644.700 analfabetos acima de 15 anos, 24,3% da população
que estavam excluídos do voto (UNESCO -1980). Outras proposições
contrárias a este fato surgiram como os projetos de emenda
constitucional nessa direção (B. Farah (6/56), A. Falcão (15/57), R.
Ramos (19/59), F. Ferrari (27/61) ,R. Barcelar (15/77), J. Ribeiro (73/80)
e J. Costa (80).
Alguns mantiveram suas posições contra o voto do analfabeto
argumentando que a alfabetização progressiva da população brasileira
eliminaria este problema. Mas a alfabetização não pode ser imposta
aos cidadãos como pré-condição de serem cidadãos, pois a cidadania
que produz a alfabetização e não a alfabetização que produz a
cidadania. Nesse sentido, Paulo Freire, ao alfabetizar sempre admitiu
como ponto de partida indispensável a capacidade dos não letrados de
lerem o mundo e de terem consciência política. E o que dizer da
destruição cultural e lingüística imposta aos imigrantes, escravos e
103
indígenas com alfabetização e a escolarização obrigatória em língua
portuguesa? E os portadores de deficiência visual ou cognitiva só
seriam cidadãos se passassem a ler?
Além disso como afirma Aleixo (1989),
Embora a taxa de analfabetismo no Brasil tenha diminuído, o
número absoluto dos analfabetos ainda é muito alto , em 1900
os analfabetos com 15 anos ou mais no Brasil era de 6.348.869
(65,3%), 1920, 11.401.715 (64,9 %); em 1940, 13.269.381
(56,1%); em 1950, 15.272.632 (50,6%); em 1960, 15.815.903
(39,48%). Portanto, mesmo com a redução do analfabetismo
mais ( e não menos) cidadãos foram sendo excluídos de escolher
seus representante (Apud R. Inf. legisl. Brasília a.18 n.71 jul./Set.
1981 Universidade de Brasília).
Concluindo, então, sobre a conquista do voto pelo analfabeto, Aleixo
(1989) ao descrever o debate da reforma eleitoral de 1981, lista os
argumentos mais conclusivos em favor dos analfabetos:
l - A extensão do voto ao analfabeto - medida muito
consentânea com o primeiro artigo da Constituição brasileira,
segundo o qual "todo o poder emana do povo e em seu nome
será exercido". 0 analfabeto é povo. Foi excluído do eleitotorado
sem seu prévio consentimento. Tem o direito de participar na
escolha de seus governantes e representantes.
2 - A igualdade de todos perante a lei é dificilmente compatível
com a proibição de alistamento eleitoral imposta ao analfabeto.
Segundo o art. 176 da Constituição, "a educação é um direito de
todos e um dever do Estado... O ensino primário é abrigatório
para todos dos sete aos quatorze anos". Geralmente um
analfabeto é tal sem culpa própria. Encontra-se já em situação
de desigualdade perante os demais e com menos recursos para
defender seus ideais e interesses. Privá-lo do sufrágio é
multiplicar desigualdades e debilitar a democracia.
3 - 0 analfabeto não é um incapaz no Código Civil. Terminada a
menoridade, está apto "para todos os atos da vida civil". Pode
comprar ou alienar bens, pagar impostos, prestar serviço militar
104
e combater em guerra, constituir família etc. Por que não poder
escolher seus governantes?
4 - A informação é importante para bem votar. Mas hoje a
palavra escrita perdeu grande parte de sua importância relativa
como veículo de análise. Os meios de comunicação audiovisuais,
tais como cinema, rádio e televisão, proporcionam valiosos
subsídios para o conhecimento da realidade nacional.
5 - A instrução escolar em todos os níveis é muito importante,
mas dificilmente se demonstrará correlação necessária entre
mais leitura e melhor comportamento cívico. O suborno, a
fraude e a corrupção são compatíveis com altos títulos
universitários. 0 procedimento dos cidadãos - influenciado por
inúmeras variáveis individuais, familiares e sociais. A vida pode
ser em si mesma uma grande escola. Há inúmeros exemplos de
analfabetos com discernimento.
6 - Atualmente a legislação eleitoral da maioria dos países
reconhece ao analfabeto o direito de voto. São exemplos
Alemanha, Argentina, Equador, Índia, Itália, Nigéria, Portugal,
Venezuela. 0 índice de analfabetismo nestes países varia de
mínimo a muito alto.
7 - Conforme o 2° do art. 39 da atual Constituição do Brasil, o
número de deputados por Estado será estabelecido pela Justiça
Eleitoral para cada legislatura, proporcionalmente à população.
Ora esta população inclui obviamente os analfabetos. Os
deputados são representantes da população. Sendo assim,
muito lógico que também os iletrados participem da escolha dos
seus representantes. Do contrário, os analfabetos estariam na
condição de "tutelados". Acontece, porém, que muitas vezes os
tutores não defendem os legítimos direitos e interesses de
"seus" tutelados. (R. Inf. legisl. Brasília a.18 n.71 jul./Set. 1981
Universidade de Brasília).
apud Aleixo, 1989).
Finalmente em 1985, a emenda constitucional nº 25 veio resgatar esse
direito e superar esta questão, mas vale notar que mesmo antes disso,
a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 reconhecia ao analfabeto
não só o direito de votar, mas também de ser votado nas eleições para
a formação das diretorias dos seus sindicatos. Mas foi na constituição
de 1988 que tal entendimento se consolidou e em seu art.14, inciso II,
alínea "a)" do parágrafo primeiro, ficou postulado que é facultativo ao
105
analfabeto o alistamento eleitoral e o direito de voto. No entanto, a
constituição de 1988, afirmou no Título II dos Direitos e Garantias
Fundamentais, capítulo IV nos Direitos Políticos em seu art. 14, afirma
que “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos”, mas no § 4º que
“São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos” , instalando um
mecanismo elitista e contraditório que permite o analfabeto de votar,
mas não de ser votado, o que mais de 10 anos após sua promulgação
em 2009, excluía, aproximadamente 14 milhões de brasileiros de 15
anos ou mais, transformando 9,7% da população brasileira em
cidadãos pela metade.
Recentemente enorme polêmica se bateu sobre os formadores de
opinião com repercussão na imprensa internacional (blog "Americas",
revista britânica "The Economist", Washington Post", rede televisiva
americana "CBS", BBC e o jornal argentino 'Clarín') quando da eleição
do humorista Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, para
deputado federal com 1,35 milhão, tido como analfabeto e
descolarizado. Além de estranharem que uma democracia tão
reconhecida como brasileira, que entre outros, utiliza tecnologia de
ponta tão copiada como a urna eletrônica possa admitir tão
insanidade.
Nesse moti quando não mais de repente, um juiz da 1ª Zona Eleitoral
de São Paulo aceitando a denúncia do Ministério Público Eleitoral de
São Paulo denuncia discrepância de grafias na carta que o candidato
apresentara a justiça eleitoral para provar que era alfabetizado,
levantando dúvida sobre a real autoria do documento apresentado.
Posteriormente, o mesmo juiz rejeitou um pedido de um promotor que
queria fazer um teste de escrita e leitura com o candidato, o que mais
a frente foi usado para aferir a condição de alfabetizado de Francisco
Everardo, a partir do qual com um texto breve e simples a candidatura
foi validada.
106
Segundo Grispino (2011),
o Ministério Público Eleitoral (MPE) do Ceará, pressupondo a
existência de candidatos analfabetos a prefeito, vice-prefeito e
vereador, pediu à justiça a impugnação do registro de 826
candidatos, sendo mais da metade pela condição de
analfabetos. Esses candidatos deveriam fazer um teste simples
de conhecimento de leitura e escrita ou contestar o Ministério
Público Eleitoral, apresentando um documento que
comprovasse a escolaridade mínima exigida, qual seja o término
do ensino fundamental. Na falta desse comprovante, haveria,
ainda, a opção de redigir, de próprio punho, uma declaração
provando que sabe escrever. Tem ocorrido o absurdo da
declaração do candidato não ser redigida por ele mesmo,
quando a declaração não é feita na presença dos juízes
eleitorais. Por isso, a importância do teste. O MPE apóia-se no
artigo 14 da Constituição, que diz que analfabetos podem votar,
mas não são elegíveis. O prazo para recorrer ao Tribunal
Regional Eleitoral (TRE) vai até 4 de setembro e ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) até 28 do mesmo mês. Para as provas,
não há um padrão a ser seguido. Elas são aplicadas em sessão
pública e agendadas pelos juízes dos municípios. Pela
jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o teste deve
ser compatível com o ambiente cultural, social e econômico do
município. Testes para comprovar se os candidatos sabem ler e
escrever vêm sendo aplicados em diversos Estados, como
Alagoas, Bahia, São Paulo, Paraná, Ceará, Mato Grosso do Sul,
Piauí e Minas Gerais. Em Aracati, no Ceará, a juíza eleitoral
aplicou a prova em 18 dos 20 candidatos convocados. Eles
tiveram que ler um trecho do livro infantil “O menino mágico”,
de Rachel de Queirós. Dos 18 candidatos, 3 não conseguiram
fazer a prova, alegando estar nervosos, e a juíza marcou-lhes
outra data para um novo teste. Em São Gabriel do Oeste (MS),
22 candidatos fizeram uma prova de uma hora, para escrever 20
palavras de um ditado, fazer as 4 operações matemáticas e
interpretar um texto simples. Apenas metade foi aprovada, 11
reprovados, tendo alguns tirado nota zero. No ditado das
palavras, houve erros chocantes como “demogracia
(democracia)
“senvergonhise”
(sem-vergonhice).
Na
interpretação de texto, respostas sem nenhuma ligação com o
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texto e nas operações matemáticas, o absurdo de respostas
como esta: 1.218+29 = 1.546. A decisão de aplicar o teste dos
juízes eleitorais tem amparo na resolução 21.606 do TSE, mas
tem criado polêmica entre partidos, candidatos e especialistas
em
legislação
(http://izabelsadallagrispino.com.br/index.php?option=com_co
ntent&view=article&id=1281:o-analfabetismo-rondando-apolitica&catid=103:artigos-educacionais&Itemid=456 <<Acesso
em 14/04/2011 9:00>>).
Será que a leitura é realmente imprescindível para exercer um cargo
político. Ou ainda, como um teste que afere um conhecimento tão
frágil que na verdade só prova que um indivíduo é semi-analfabeto
pode ser válido? E o que dizer do prefeito da cidade mineira de Dom
Cavati, Jair Vieira Campos do DEM, que disse em vídeo que é
analfabeto e que comprou seu diploma, mas que sabe trabalhar. Talvez
pudéssemos arrogar o discurso de Bertolt Brecht de que pior que
político analfabeto é o analfabeto político, pois para Bertold,
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não
fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o
custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel,
do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O
analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito
dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua
ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o
pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra,
corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.
E daí defendermos que as pessoas alienadas estão alienadas da
realidade social e da participação política, independente de sua
escolaridade, estariam mais despreparadas para votar do que os
analfabetos que lutam contra a desigualdade e contra a miséria por
que tem fome de justiça. Neste caso, como diziam na grécia antiga os
idiotes são os os ignobes e sim os indivíduos que não participam da
polis, pois apenas se dedicam ao próprio umbigo e a vida privada.
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Mas, um pouco além da abordagem Bertoldiana, passamos a
considerar de modo mais prático se saber ler de fato é indispensável
para vida parlamentar ou para exercer mandatos no executivo?
Lembremos aqui alguns fatos que po~e em xeque tal perspectiva. Em
recente polêmica criada pelo programa “CQC” da rede bandeirante de
televisão, vários deputados alfabetizados assinaram uma virtual PEC
que introduziria na cesta básica garrafas de Cachaça e o fizeram
porque simplesmente não leram o conteúdo da emenda. Segundo
Rodrigo Álvares e Carolina Freitas no site “Estado.com”, na semana
passada, o PT entregou à Justiça Eleitoral documento aprovado pelo
Congresso do partido com medidas polêmicas, como o controle social
da mídia e a taxação de grandes fortunas. O texto não correspondia ao
programa de governo de Dilma. Mesmo assim, ela rubricou, sem ler,
todas as páginas do programa errado. Na ocasião, Dilma disse que
assinar sem ler poderia acontecer "com qualquer pessoa e com
qualquer partido". "Não somos perfeitos, nós erramos. Não me consta
que o partido adversário não erre. Até porque, em matéria de erros,
acho que eles cometeram muito mais até agora", disse a petista na
última quarta-feira.
Para o povo “Escreveu não leu o pau comeu”. Logo se alguém disse
que escreveu e não leu? Não pode ter escrito, portanto, mente,
engana, não merece confiança e nele o pau deve comer. Nesse caso, o
dito popular revela tanto a necessidade e a importância da
alfabetização quanto da integridade, enunciando ser esta uma questão
não só escolar, mas também ética. De algum modo, os homens éticos
nos parecem educados, escolarizados, bem formados e quase que
automaticamente alfabetizados, de sorte que acabamos por juntar na
mesma vala comum incultos, analfabetos, imorais e criminosos. Nessa
lógica, muitos foram e são os argumentos, desde a Grécia antiga, para
excluir os que não se nivelavam em esclarecimento com os cidadãos da
ágora ateniense como escravos e artesãos. Mas se scola era sinônimo
de ócio, escravos não poderiam possuir o esclarecimento e não
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possuindo tais características mantinham-se como tais, espécie de
parias políticos, no dizer de Santos: “deficientes cívicos”.
De todo modo, os americanos percussores da democracia burguesa
representativa no mundo seguem escolhendo os membros da elite
intelectual de seu país para conduzir os rumos da nação, razão pela
qual seus presidentes são egressos de suas mais excelentes
universidades (Princenton, California Institute of Technology, Yale,
Berkeley, Stanford, Massachusetts Institute of Technology e Harvard).
Apesar disto, este mesmo país foi capaz de eleger um homem negro
para presidente, mas para isto ele teve que conquistar o seu espaço
nestes centros intelectuais. Enquanto os membros do povo não
ascendem a nossas melhores universidades temos que enfrentar o fato
de que pessoas com muito pouca escolaridade ou semi-analfabetas
podem e conseguem não só se eleger como advogam ter uma
competência adquirida facilmente constatável quando contrastamos a
ótima gestão de um ex-operário na presidência da república em
relação aos presidentes Collor e Sarney (este último membro da
academia brasileira de letras) e que deixaram o país numa inflação
galopante e jogaram a nação no caos e na estagnação.
A nosso ver, todo este debate hoje está enviesado. Se lula pode ser
presidente tiririca pode ser deputado. Muitos reis eram analfabetos e
suas decisões não foram melhores ou piores por causa disto. Líderes
indígenas e militantes do MST sobram em debates políticos sobre
questões políticas, ambientais e fundiárias. A questão não é ser ou não
analfabeto. Nem mesmo a contraposição: analfabeto político contra
político analfabeto, nos é suficiente. A questão está no binômio:
analfabetismo ético com erudição maquiavélica. Neste sentido, tiririca
e outros bem escolarizados, manifestam desonestidade ao falsificarem
documentos, se preocuparem com o que assinam, cumprirem o que
subescrevem, pois a sociedade deles espera mais que erudição
compromisso com o bem comum.
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Obesos de Soberba – agruras de um professor do ensino
privado (Aluno Bolha)
Ser aluno é um privilégio. Estar aprendendo é uma dádiva, pois quem
não aprende (sempre) estaciona-se, estagna-se. Mas para ser aluno é
necessário admitir-se incompleto, é abrir-se para o mundo em busca
de maturidade, de formação profissional e de liberdade intelectual.
Como pretendente a ser pensante autônomo, deve, como diz a
UNESCO, o aluno aprender a saber, aprender a fazer, aprender a ser,
mas sobretudo, aprender a aprender. Para tanto, antes de tudo, é
necessário admitir o que se ignora. Antes do penso, logo existo. Admito
que não sei, logo posso saber. Aos abertos ao conhecimento à
fertilidade do saber, de sorte que deve o educando, hoje cada vez mais
deseducado, retomar a gênese do teu próprio nome: alumno - palavra
latina que significa ser sem luz. Em certo sentido, o aluno não é, mas
deveria se vir como aquele indivíduo cego, incapaz de vencer a
escuridão e o labirinto revolto dos mares por ele não navegados, mas
que ao admitir certa cegueira pode vir a enxergar muito, muito mais
longe.
Mas os alunos hoje são seres cheios de pseudo-certezas, em geral
superficiais, de curto alcance e imediatistas. Como na caverna de
Platão certos alumnos desconfiam dos que apontam novos caminhos.
Obesos de soberba que não lhes permite antever por onde seguem,
almejam carros importados e salivam por carreiras de sucesso, mas
não percebem que para terem futuros brilhantes é preciso que
diferenciem de onde a luz nasce de onde ela morre. Não distinguem a
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luz de um espelho que a reflete, o sábio de um saber, o ser o e o
próprio ego. Querem ser vitoriosos e famosos, mas querem atalhos,
saltos, túneis, resumos. Não admitem que para enxergar longe é
necessário escalar palmo a palmo os ombros de gigantes como disse
Isaac Newton ao referir-se à Giordano Bruno, Galileu e Copérnico.
Não criam nada, copiam tudo, são medíocres. Plagiam textos
acadêmicos, traficam palavras, frases, monografias e teses, mas são
incapazes de escrever parágrafo claro, honesto e opinativo. Reduzem o
trabalho do professor ao de checagem de autoria e não avaliação dos
conteúdos. Esperam dos professores animação e entretenimento, mas
se calam diante de uma questão séria e comprometedora. Odeiam o
silêncio, a reflexão e confundem a serenidade com a depressão.
Querem ser diferentes, mas são exatamente iguais como parafusos
produzidos em série. Perfuram suas peles com aço, pintam seus corpos
com tatuagens, mas não imprimem em suas almas valores densos e
limites nítidos. Tem todo tempo do mundo, mas só gastam seu tempo
com o que não os permita perceber que o tempo passa como a
diversão e a preguiça.
Transpiram nas academias, mas para aprenderem exigem o ar
condicionado ligado no máximo. Investem mais energia e os seus
recursos em suas estéticas do que em suas inteligências. São efêmeros
em tudo. Não amam, apenas gozam. Não se apaixonam, apenas ficam.
São seres insaciáveis e infelizes. Estão sempre, num misto de covardia
e sadismo, rindo de algo que não entendem ou de alguém que não são
eles mesmos. Vivem num mundo à parte. Não se envergonham de
parasitar o alheio ou mesmo seus pais ou o Estado. Valoram mais a
sorte que o trabalho, sentem-se espertos pelos louros que conquistam
sem a vivência do esforço e do empenho.
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Transportam-se em vãs como criancinhas indefesas na ida para préescolas. Trafegam em redomas sobre rodas que lhes adiantam o passo
e lhes protegem a vida e do contato com a dura e rica realidade da
diversidade cultural e diferença social. Vão, em geral, da casa pra
faculdade, da faculdade para o shoping, do shoping para o clube, do
clube para casa. Vivem no útero dos condomínios fechados sem
aprender com risco da convivência e da interação social.
Vem o mundo por meio de uma bolha de vidro blindado que lhes
protegem da violência e da morte. Interagem sem toque, conectam,
teclam-se entre si por meio de tecnologias assépticas que comunicam
sem suor e sem alma. Contactam-se, mas não se tocam e por isso são
insensíveis. São como crianças frias, medrosas, viciadas em proteção,
incapazes de se engajar anonimamente numa causa pela causa.
Querem passar porque pagam. Consomem o fácil e não digerem o
denso. Matérias e professores mais exigentes, repugnam. Não toleram
ter que terem iniciativa. Padecem de passividade e déficit de atenção,
só conseguem ouvir uma explicação que dure o tempo do intervalo
televisivo, teleguiados que são pelo plim plim. São como bolhas de
sabão: brilhantes, vazias e efêmeras.
Se você não quer ser um aluno bolha. Leia mais, veja menos TV, repare
e problematize as diferenças sociais de seu país, mas sobretudo, saia
da casca, de sua casa de cercas eletrificadas, desça do carro, ande de
ônibus, sinta as pessoas, olhe no olho de seu semelhante. È possível
que você encontre-se nele. Faça isso antes que a dura realidade do
mundo arranque você de dentro de seu casulo e te jogue na guerra da
desigualdade e da segregação. Não morra você também é importante,
você pode melhorar o mundo, mas faça isso já.
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