A Invisibilidade do Outro - Estudos e Pesquisas em Trabalho e
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A Invisibilidade do Outro - Estudos e Pesquisas em Trabalho e
Marcelo Lima A Invisibilidade do Outro Reflexões Sociopolíticas sobre Violência, Trabalho e Educação Autor Vitória 2016 1 Catalogação-na-publicação (CIP) L732h Lima, Marcelo A invisibilidade do Outro: reflexões sociopolíticas sobre Violência, Direito, Trabalho e Educação / Marcelo Lima. – Vitória: Autor , 2015 131 p. Formato A-5 Crônicas, Poesias e Textos didáticos e Artigos de Jornal. ISBN 1. Educação. 2. Trabalho. 3. Violência. 4. Sociologia Jurídica. I. Título. CDD: 374.010981 CDU: 377:331(81) 2 Dedico este livro ao meu irmão , Renato Lima (in memoriam). 3 Sumário Chuva de Lágrimas 07 Homem Pedaços, Pedaços de Homem 08 O Quadrado de 3 Lados 09 Eu Pai, Eu Filho 11 Maria Fortaleza 12 Manhã de Operario 13 Indecisão de todos os dias 14 Minha Revolta 15 120 e tantos Anos de Exclusão 16 Boa Aparência 19 Desigualdade Jurídica 20 Crime ou Castigo? 22 Passaporte para o Status 24 Criminalizar: solução ou problema? 26 Filé Mignon ou Celular? 28 Mira Laser com Miopia Ética 30 Exército Mercenário 32 A Pedagogia da Impunidade 34 Rede de Proteção 36 A Criminalidade Fluida 38 Desigualdade Ilegítima 40 O Leviatã sobe o Morro 43 A Verdade vos Libertará! 45 4 Eleitoral ou Eleitoreiro? 48 Quanto Mais Melhor! 50 Tributação Ilegítima 52 Corrupção e Obscenidade 54 Monólogo Ignorante 56 Entre a Cruz e a Espada 58 Mobilidade Profissional à Deriva 60 Profissional Nota 10? 62 Enganoterapia 64 Morte de um Ídolo 66 Concurso Público 68 Médicos ou Lixeiros? 70 Evento Gospel ou Carnaval? 72 Educação para a Paz: por uma escola ética e eficaz 74 Medo de Aluno 79 Novo Vestibular 81 Turnover: efeito sanfona da economia 83 O Mito da Qualificação 88 Big Brother Brasil: Brincando de Exclusão 90 Neoliberalismo e Barbárie 93 Produtividade Letal 116 Analfabetismo Ético 122 Obesos de Soberba – agruras do docente do ensino privado (Aluno Bolha) 130 5 CHUVA DE LÁGRIMAS Quando sussurra o vento lá em casa agente sente medo, pois a casa que eu tenho, não saiu do desenho, nem tem cimento como roupa; muito pelo contrário é totalmente nua, agente se culpa, a culpa é minha a culpa é sua. Ela é de tábua e tem o chão como assoalho, minha família é crua e tem o abrigo como desejo, o chão seco, o teto bonito... quando canta o vento, a chuva cai o medo aumenta o desespero consome o sorriso; meu filho, meu pai, um risco, agente nada num oceano que não amo, pois é feito ã chuvisco. Num frio intenso que se traduz em prantos, onde meu ente fica triste num grito doente, que vem e vai... toda vez que canta o vento sul... a angústia nasce em mim. Meu filho pergunta vai chover pai? queria dizer não, mas digo sim, não com palavras e sim com lágrimas, que nascem de nuvens dos meus olhos, que são abrolhos de um mar sem fim... 6 HOMEM PEDAÇOS, PEDAÇOS DE HOMEM Homem inteiro. Gente perfeita gente que tem muito dinheiro e por isso se ajeita, senta como come e trabalha como deita. Homem pedaço, pedaço de corpo pedaço de pão pedaço de almoço inteira desgraça inteiro trabalho seu corpo ê máquina, sua vida é retalho. Retalho de gente, não sei se é gente é gente que sente, que a vida é pedaços e o maior dos pedaços não fica pra gente... 7 O QUADRADO DE 3 LADOS Hoje olhei pro quadrado fiquei só olhando e o tempo passando passando apressado e eu só olhando, olhando o quadrado. O pão tá faltando bateram na porta tem gente cobrando e eu no quadrado. Tem gente explorando tem gente explorando e eu só olhando olhando o quadrado. E o mundo pior pior ao quadrado e o povo disperso morrendo esmagado A vida sem vida o povo calado e a dor mais doída e eu no quadrado. 8 Quadrado que explora e cega explorados quadrado que prende em seus quatro lados. O quarto lado sou eu o quarto lado ê você o quarto lado é a vida que deixamos morrer. Esse mundo é opressão esse mundo é dinheiro esse mundo não pára só podemos ter tele-internet-visão quando enxergarmos primeiro o que está na nossa cara. 9 EU PAI, EU FILHO Você que me fez, luta por tudo que fez, me fez na alegria ou me fez de repente, quando me viu ficou triste ou contente, porque não sabia que eu vinha, ou porque esse erro não cometeria. Você que está tão perto, está tão longe, vecê me vê,mas se esconde. Você me bate de cima prá baixo, porque assim fica mais fácil. Você de quem exijo isso ou aquilo, dinheiro e a amizade, não sei se ê verdade que sou seu amigo. Desse jeito, o trabalho, a vida não vai prá frente, se um lado cresce, o outro fica doente. A "surra", a surra ê a imposição de quem impoê uma posição, posição na comora do passe, da roupa, da comida, do abrigo; posição ruim de se vê, de você prá mim prá você, nunca de irmão prá irmão, nunca de amigo prá amigo, sempre de herói prá bandido. É, ê o preconceito, o culpado de tudo isso é a coisa mais viva entre pai e filho, viu meu pai! tenho dito. ...E você meu filho? você! você tudo bem, você numa boa, você e si mesmos são seus melhores amigos. 10 MARIA FORTALEZA Maria, só foi porque não ia... não dava, não podia, não era, mas ser ela queria. E uns matava e uns morria uns evitados, uns abortados apesar disso uns não era maioria, E o tempo passava, passava a noite, passava o dia Maria era nada, era nada Maria... Ela era nada, mas ser ela queria mas com Maria, só dava prá ser vítima da mais-valia... Quanto aos seus filhos? Por onde andavam ninguém sabia... Até que chega o dia que assombra burguesia, Maria vira a mesa toca à frente a rebeldia. Maria vive, Maria morre... Maria mulher, Maria é vida, é dor e agonia... 11 MANHÃ DE OPERÁRIO Manhã de operário é ... acordar sem ter café para cobrir, acordar sem ter cobertor para comer, acordar sem fé para acreditar, acordar sem ter comida para pagar a passagem, acordar sem segurança, mas estar sempre seguro... acordar sem ter dinheiro pra comprar a felicidade que não existe, mas existir; existir como gente e acordar para as injustiças e ser feliz um dia quem sabe? 12 INDECISÃO DE TODOS OS DIAS Pão ou passagem cachaça ou verdade roupa ou televisão. Greve ou fome medo ou coragem filho ou filhos e porque não terra,trabalho e liberdade. 13 MINHA REVOLTA A maior das desgraças é: que todas essas desgraças que atingem a esse meu povo desgraçado; por uma minoria que tem tudo de graça lhe é causado. Pior desgraça ainda é que "das graças" desgraçada se acostumou com todas essas desgraças, pensando assim fico triste e sem graça, mas vem a mim a lembrança desse meu povo, da massa, da minha raça; sendo assim então sei que não tarda certeza de que um dia é chegada a graça. A graça de que todas essas injustiças em "brancos" não passa e que nasce todo dia uma nova vida viva, verdadeira e mais humana. 14 120 e tantos Anos de Exclusão Tomados como instrumentos de trabalho, castigados, violados e submetidos por processos aviltantes de produção, a presença africana mudou (de uma vez por todas) a estética, a genética, religiosidade, a arte e, sobretudo, o trabalho no Brasil. Consumidos por práticas predatórias de trabalho e substituídos pelo imigrante europeu (logo que deixaram de ser rentáveis) os escravos, com a abolição se tornaram um estorvo para a sociedade que os abandonou à própria sorte. Hoje, 120 anos depois da abolição, vemos uma estrutura ocupacional que exclui, segrega, discrimina e estratifica os afrodescendentes do mercado de trabalho brasileiro. Essa mesma sociedade que foi capaz produzir a independência em 1822, a república em 1889, a constituição de 1988, persiste reproduzindo pelo alto (Fernandes) uma estrutura societal que combina insanamente tecnologia e atraso (Martins), demonstrando que no Brasil existe não só o atraso da vanguarda, mas também a vanguarda do atraso (Oliveira). Caminhamos para frente aferrados ao passado. Pelo menos é que demonstra a pesquisa Ethos / Ibope, segundo a qual nas 500 maiores empresas do Brasil, os negros não têm as mesmas oportunidades ocupacionais. De acordo com esse levantamento, embora pretos e pardos constituam 49,5 % da população, eles representam somente 3,5 %( para homens e menos de ,5 % para mulheres) do quadro dos executivos, 17% dos gerentes, 17,4% de seus supervisores e 25% dos demais funcionários, o que denota uma inserção extremamente desfavorável no setor produtivo daqueles que eram o sustentáculo da atividade produtivo no Brasil. Quadro este que se confirma na pesquisa 15 do Dieese, onde se demonstra que os negros, mesmo ocupando apenas 58% dos postos de trabalho, representam 40 % dos trabalhadores vulneráveis (sem carteira assinada), ocupam 1/3 dos postos de trabalho formais não qualificados, percebem em média R$ 512,00 por mês e 2,94 por hora trabalhada (cerca de metade do que recebem os não-negros), tendo além de tudo uma taxa de desemprego de 20% ( 40 % maior que a dos dos não-negros). Segundo Edigar Deddeca, pesquisador da Unicampi, essas diferenças se explicam, em parte, pela diferença de acesso à educação de qualidade. Isto é, por estarem menos qualificados e escolarizados os afrodescendente teriam menos acesso aos cargo de maior remuneração. Não é o que afirma as pesquisas, segundo o Dieese, os redimentos dos negros ( com a mesma educação de 11 a 13 anos de escolaridade dos não-brancos ) têm remuneração que não ultrapassa 80 % dos rendimentos dos não-afrodescendentes, e mesmo com o curso superior os negros, possuem uma taxa de desemprego 2,5% maior que a dos egressos não brancos das faculdades. Deste modo, no Brasil, mesmo em condições iguais de escolaridade os negros ficam em franca desvantagem ocupacional em relação aos não-negros, comprovando assim tanto a eficácia (quanto a invisibilidade) da discriminação racial. 16 Boa Aparência Mesmo sem auxílio das estatísticas ( Ethos,IBOPE, DIEESE e IPEA que comprovam que nestes 120 anos pós – abolição os negros estão fora dos principais empregos) percebemos no dia-a-dia que em determinados setores os negros são evidente e obscenamente discriminados. Setores ligados ao atendimento ao público, prestação de serviços, comércio e comunicação, possuem pouquíssimos negros. Em parte isso se deve a uma concepção de beleza que se se impõe como valor num mercado onde a imagem do vendedor, do recepcionista, do atendente e até do executivo (supostamente) influencia nos resultados da empresas. Quem não lembra das paquitas? Loiras, jovens, magras, tidas como belas, por assim dizer! Quem não gostaria de tê-las como vendedoras, recepcionistas ou num evento de negócios? Porque nunca houve uma mis universo negra? Por que as atrizes negras como Taís Araújo e Camila Pitanga, tidas como bonitas, têm nariz de branco e cabelo liso? Para compreender isto precisamos entender como um padrão estético se impõe e quais as suas consequências? O certo é que a padronização estética é uma construção histórico-social, resultante da interação humana e do papel social de cada etnia. Se os que realizam tarefas tidas como importantes têm uma especificidade estética, esta mesma importância se transfere para a mesma referência anato-fisionômica que passa a ser o perfil desejado gerando uma uniformização. Esta uniformização (que nasceu com o taylorismo aplicado à seleção de pessoal que estabeleceu que para todo posto de trabalho existe um perfil ideal) é extremamente excludente. Assim, naturalizou-se que gordos, deficientes, velhos e negros não condizem à determinadas 17 oportunidades ocupacionais. Também de outro jeito se estabeleceu uma identificação destes mesmos indivíduos alijados com grupos negativos. È o que demostra estudo realizado por Ramos e Mesumeci sobre os critérios utilizados pela PM - RJ para escolha de suspeitos (biotipo ideal = jovem negro). Segundo Nietzsche, há uma estética moral gerada pela cultura ocidental que a muito associou o belo com o bom e o mau com o feio, estabelecendo desde sempre uma identidade da estética da classe dominante (brancos europeus) com o que se tornou moralmente entendido como bom e que no seu reverso produziu uma identidade da estética da classe dominada (negros, árabes, amarelos) com o que se tornou moralmente entendido como mau. Os tidos como feios também sofrem a dor de serem considerados como piores. Deste modo, mais importante do que estabelecer uma estética que estabeleça que o negro seja tomado como belo, é mais importante dissociar o bom do belo e o mau do feio, haja vista a estética de Cristo tido como bom e belo e do diabo tido como mau e feio, pois a competência, o caráter, o compromisso e a produtividade no trabalho não tem nada a ver com a beleza e sim com a performance profissional, já que como (não) diria o poeta: beleza não é fundamental ! 18 Desigualdade Jurídica Nestes tempos em que as elites econômicas e políticas parecem cada vez mais inatingíveis pelos braços da lei, vale lembrar que no Brasil existem muitas contradições entre a população criminosa e a população punida. Muitos são os desencontros qualitativos e quantitativos entre os grupos de indivíduos que são processados e presos e aqueles que cometem delitos. Nossa capacidade de punir é limitada. Dos autores de homicídios dolosos ( que matam com intenção) apenas uma ínfima parte (cerca de 8%) são investigados e julgados no prazo de máximo de dois anos, o que demostra que a população punida é bem menor do que a população criminosa (Ver L E Soares). Ou seja - poderíamos perguntar - qual seria a população carcerária se o sistema jurídico-policial fizesse a sua parte, investigando e prendendo todos os criminosos sem exceção? Talvez não chegássemos aos 04 milhões de presos que existem nos EUA, mas de certo ultrapassaríamos os atuais meio milhão de encarcerados no Brasil. A maior diferença, no entanto, entre a população criminosa e a população punida no Brasil não é a quantidade (número de presos x criminosos impunes) e sim de qualidade étnico-econômico-socialcultural dos indivíduos presos e soltos. Isto é, ser rico ou ser pobre, ser branco ou ser negro, ser acadêmico ou ser des-escolarizado, ser favelado ou ser morador de condomínio, ser jovem ou ser velho, e até mesmo ser homem (465 mil presos) ou ser mulher ( 35 mil presas) faz toda a diferença nas chances de ser preso e condenado no Brasil. 19 Segundo estudo de Ramos & Musumeci sobre a PM carioca, no livro “elemento suspeito”, as abordagens dão preferência a investigar e prender jovens pretos e pardos moradores de zonas segregadas da cidade. Também a cultura jurídica de muitos magistrados, conforme Rolim (tese da UFF), exclui previamente estes mesmos grupos, estabelecendo um biotipo padrão de criminosos, em que bandido tem cara de bandido, cor de negro e endereço de pobre. Mas o principal fator de exclusão do estado democrático de direito que aproxima os pobres da máquina judicial e afasta os ricos de serem aprisionados é o acesso a defesa, ou o que podemos chamar de desigualdade jurídica, que uma vez ocorrendo por razões econômicas e culturais, dotam os ricos de uma defesa antecipada contra o aprisionamento e concede aos pobres uma condenação quase que inexorável. De modo, que se um indivíduo abastado é investigado pela polícia e tem contra si uma acusação, desde a abordagem, já pode contar com auxílio de um advogado constituído que fará de tudo desde o início para influenciar a composição do inquérito, revogando sempre que possível a prisão preventiva, sob argumentos de que: trata-se de pessoa com emprego e endereço fixo e que não representa ameaça à sociedade ou ao andamento do processo. Já o pobre que se vê investigado pela polícia pode ser imediatamente trancafiado sem chance de usar ou entender o que venha ser o famoso habeas corpus. 20 Crime ou Castigo? A prisão no Brasil é um paradoxo incomensurável. Da contenção do crime à reprodução da violência, assistimos solenemente a solução aumentar o problema e o absurdo se naturalizar de modo aparentemente irreversível. Diante da angustia desta problemática, só nos resta parodiar Fiodor Dostoievski para iluminarmos um pouco a tragédia nacional carcerária, cujas chagas estão sendo expostas obscenamente pela CPI do sistema carcerário. Crime ou Castigo? Para que punir? Segundo Cesare Beccaria, as penas deixaram, desde o século XIX, com a constituição do Estado Democrático de Direito de incidirem sobre o corpo para terem como alvo a consciência e por isso o encarceramento passou a forma de punição mais utilizada, pois caçando a liberdade do delituoso este sofreria, mas poderia reconstruir subjetivamente sua culpa e retornar à sociedade em condições de re-inserção. Com os objetivos de isolamento e re-socialização a prisão deveria permitir que a impunidade se extinguisse e que a sociedade pudesse se vingar racionalmente daqueles que agridem a convivência social. Nesta perspectiva, o ato anti-social visto como crime teria em função de sua gravidade um revide calculado em termos de anos de detenção, de sorte que furtos, roubos, assaltos, latrocínios, homicídios, tráfico e sequestros acumulam progressivamente anos de detenção, mas não autorizam a degradação física, a humilhação ou a morte como forma de punição. 21 Mas, em se tratando de uma sociedade de raízes Judaico-cristãs, como diria Nietzsche, muitas vezes vemos a idéia de pecado que subjacente a de crime, superá-la de modo nefasto e aí as consequências são gravíssimas...Ao pecado só o sofrimento é compatível, só o sangue do cordeiro imolado é capaz de lavar os pecados do mundo. Para redenção dos delitos, digo dos pecados...Os presídios se tornaram lugar de sofrimento e ranger de dentes. Nossa legislação penal, processual penal ou mesmo de execução penal são inócuas perante nossas tradições mais arraigadas de vingança. Aos pecadores o inferno. Nossa irracionalidade moral e religiosa submete nossos avanços mais jurídicos preciosos. Com execuções sumárias que chegam até 3 presos por dia, condenamos à morte anualmente 3 mil seres humanos dentre os 420 mil encarcerados. Vale lembrar que executamos anualmente mais que a soma dos executados anualmente na China e nos EUA. Com 1.250 mortos só no ano passado e gastando R$ 1,6 mil por mês por preso e um déficit de 185 mil vagas, geramos para aqueles que sobrevivem espaços que combinam corrupção, insalubridade e aprendizagem criminal. As altas taxas de reincidência em torno de 80% atestam o que Foucault diz sobre as prisões: quando elas dão errado é porque estão dando certo, pois cumprem o seu inconfessável papel estigmatizar de modo irreversível os pecadores de modo que não só a sociedade se lhes reconheça assim como criminosos permanentes como eles próprios se identifiquem assim como tais. 22 Passaporte para o Status Neste tempos de violência, nos perguntamos quais são as saídas? Muitas são as teorias que tentam explicar a situação de violência em que vivemos. Pobreza, desigualdade, ineficácia do Estado e impunidade estão na base das teses sobre as causas da criminalidade. Mas, hoje uma das novas teorias aponta como a juventude está intensamente relacionada com o aumento dos crimes, razão pela qual associa-se a onda demográfica jovem com mais crimes, ou seja, toda vez que temos mais jovens, provavelmente teremos mais delito. Sabemos que os jovens trazem em si a predisposição para a transgressão, a contestação, a crítica e a busca pela sua afirmação como sujeitos da história, de modo que nos anos 60 muitos se engajaram em lutas e ideologias diversas. Hoje porém temos uma juventude, super-conectada e antenada com tudo, mas extremamente consumista, individualista e imediatista. Nesta sociedade de consumo, o Ter é mais importante do que o Ser, de sorte que você só É é - se você Tem, se você não Tem - você não É!!! Para os jovens pobres isso ainda é mais grave, pois a sociedade lhes exige uma variedade e uma quantidade de objetos de consumo, sem os quais eles não se sentem parte da sociedade. O Tênis, o Relógio, o Celular, o Computador com INETERNET e as roupas em geral são uma espécie de ingresso para a vida social valorizada. Aos jovens, pobres, negros de baixa escolaridade que têm baixa autoestima e se sentem excluídos das possibilidades do emprego, do lazer e da interação social, resta uma sensação de invisibilidade gerada pelo medo e pela indiferença que a sociedade nutri por eles, que não por acaso compõem esses mesmos jovens a maioria das vítimas e dos autores dos crimes no Brasil. 23 Para se proteger e não se a sociedade vem promovendo shows da desigualdade ou o que chamo de festas segregadoras. São eventos em que as pessoas estão uniformizadas com os chamados abadás. Bastante praticado no carnaval da Bahia e no (felizmente extinto) Vital, estas roupas evidenciam e explicitam, quase que obscenamente, quem é e quem não é, quem tem e quem não tem, rotulando os que fazem parte do evento do clube e, por conseguinte, joga na invisibilidade os que não vieram à caráter nesta sociedade. Na época da escravidão alguém que tivesse calos nas mãos e ou não usasse sapatos era quase que necessariamente negro e escravo e assim a formação de nossas elites oligárquicas traz em si a enorme necessidade de se distinguir social e de dar evidência as essas diferenças econômicas e de status, mas isso é extremamente perigoso, inclusive para sua segurança. Pelo menos é o que demonstra o fato ocorrido em que, em razão de uma destas festas do tipo ingresso uniformizado, um jovem pobre tentou tirar a força o abadá de um outro jovem morador da mata da praia por meio de um assalto que frustrado pela ação de um vigia do local, resultou na internação de ambos em hospitais da cidade, um baleado e outro surrado pelos colegas da vítima. 24 Criminalizar: solução ou problema? Criminalização – Solução ou Problema? Em geral a criminalização gera efeitos positivos, mas nem sempre...Às vezes ela é um remédio que mata o doente ao invés de curá-lo. Há casos em que o enquadramento de um ato humano como crime pode gerar mais males do que os que antes existiam, isto é, há situações em que a solução se mostra pior que o problema e, nesses termos, é preciso avaliar a relação causa – efeito e pena-delito. Resta, assim, saber se de fato a pena e sua aplicação foi possível e se ela produziu, ou não, a restrição da incidência do ato criminalizado. Podemos afirmar que existem três tipos de efeitos danosos dessa estratégia de controle social, que são a) o efeito reverso b) o efeito inócuo e o efeito colateral expandido. O efeito reverso diz respeito à aqueles contextos em que se aumenta o mal que se queria combater. E aí um exemplo esclarecedor é o da pena de morte que em casos de homicídio, em alguns estados dos EUA, acabou por aumentar número de vítimas, já que os homicídios simples tenderam a se transformarem em duplo ou triplo homicídios com a eliminação de testemunhas. Há também o efeito inócuo, caso em que por inviabilidade da fiscalização ou pouca atenção dos fiscalizadores, ou mesmo banalização da norma, a lei se torna sem efeito. Para este tipo de efeito, o exemplo mais óbvio é o do aborto no Brasil. Aqui onde o SUS (2005) noticia cerca de 238 mil curetagens pós-abortivas anualmente e se contabiliza, nos últimos dez anos, apenas 15 processos por aborto (ver Samantha Buglione), cabe a pergunta para que manter essa criminalização? O seu efeito real é a produção de 3 mil práticas 25 clandestinas que seguem impunes e que já se tornaram a 5ª maior causa de morte materna no país. Ou se punem as práticas ou se revoga a lei penal! Existe também o efeito colateral expandido em que o resultado é muito..muito pior do que o mal que se pretendia controlar. È o caso da criminalização do consumo e do comércio da droga, consenso internacional em dado momento, hoje é algo bem discutível. A insofismável guerra fatricida pelo domínio do tráfico transformou territórios onde residem pessoas inocentes em zonas de enfrentamento bélico aberto com número de vítimas só comparável às áreas de conflito como Palestina, Bagda, etc.(ver Maierovitch e Mir). Para todos esses exemplos, como afirma Miranda Rosa, autor da obra Sociologia do Direito, é necessário que a sociedade, sobretudo, os legisladores e juízes, avaliem sempre, não só a eficiência ( a lógica discursivo–hermenêutica ) da lei, mas seu efeito concreto no mundo real, isto é, sua eficácia, sua efetividade na restrição (ou produção) de delitos. Deste modo, assim como a lei seca tem produzido efeitos positivos, poderia não sê-lo, isto é, também cabe aos formuladores e aplicadores da lei o acompanhamento de seus efeitos, pois a lei não pode se congelar diante da dinâmica da sociedade, já que às vezes a emenda sai pior que o soneto. 26 Filé Mignon ou Celular? Da contenção do crime à reprodução da violência, assistimos solenemente a solução aumentar o problema e o absurdo se naturalizar na tragédia nacional carcerária, cujas chagas estão sendo expostas pela CPI do sistema carcerário. Mesmo gastando R$ 1,6 mil por mês por preso, condenamos à morte anualmente 1 mil seres humanos, dentre os 422 mil encarcerados e com um déficit de 185 mil vagas, geramos espaços que combinam corrupção, insalubridade e aprendizagem criminal. No entanto, vale lembrar, como afirma Cesare Beccaria, que as penas deixaram, desde o século XIX, de incidirem sobre o corpo para terem como alvo a consciência e por isso o encarceramento passou a forma de punição mais utilizada, pois caçando a liberdade do delituoso esse sofreria, mas poderia reconstruir subjetivamente sua culpa e retornar à sociedade em condições de re-inserção. Para tanto, o preso deve ser submetido a uma disciplina rigorosa: já na entrada no espaço de detenção ou reclusão deve ser submetido a uma triagem seletiva por delito, anos de pena e periculosidade além de ter hora para acordar, hora para comer, hora de tomar banho, hora para dormir, espaço individualizado, atividades obrigatórias e garantidas de escolarização e trabalho manual. Em livro inigualável sobre o tema Carlos E Coelho, demonstra a intima relação entre desocupação e reprodução da violência nos presídios, afirmando no seu livro “oficina do diabo” que todas as vezes em que Estado não cumpre o seu dever gerando ambientes saldáveis, seguros 27 e produtivos no interior dos presídios o poder público se obriga a ceder muito ao ponto de perder o controle e a autoridade sobre os presos. Um bom exemplo é a comida. Sabemos que muitas pessoas idôneas e livres não tem o que comer e isso nos traz um certo incômodo, pois os presos são um bando desocupados que vivem às custas dos contribuintes, de sorte que não nos incomoda saber por exemplo que presos em fortaleza são alimentados em sacos plásticos ou que presos durmam em chiqueiros com os porcos. Mostra disso são os corpos esquálidos dos presos que atestam as péssimas condições alimentares e sanitárias em que se encontram. Diante deste quadro as família dos detentos se mobilizam nos dias de visitas e fazem entrar toneladas inrevistáveis de comidas, permitindo assim a inserção de armas. drogas, dinheiro e celulares, estes últimos, para comandar quadrilhas e aterrorizar cidadãos de bem. Para reversão deste contexto propomos aquilo que as cadeias americanas, italianas e inglesas já praticam...Presos comem filé mighnon e não têm pertences pessoais. Não entra nada, roupa, comida, toalhas, lençóis, sabonetes, remédios, etc. O Estado dá tudo e assim as visitas não trocam objetos com os presos vigiados que são por guardas e esses últimos monitorados 24 horas por dia em tempo real por câmeras que impossibilitam que a corrupção prisional se alastre corroendo o sistema jurídico-prisional. 28 Mira Laser com Miopia Ética O Cinema Nacional por meio dos filmes “Cidade de Deus” de F. Meireles e “Tropa de Elite” de J. Padilha mostrou de modo emblemático as agruras e desvios do trabalho policial no Brasil. Os documentários “Ônibus 174” de J. Padilha, “História de uma Guerra Particular”de J. Salles e “Justiça”de M. A. Ramos, no entanto, demonstraram que os erros cotidianos da atuação policial são mais do que eventuais, fazem parte de uma cultura institucional. Muito antes, porém, pesquisadores como A. Zaluar, L. E. Soares, I. Cano e L Mir, já tinham revelado as enormes dificuldades de superação no curto ( e médio) prazo dos graves e históricos problemas de funcionamento das forças de segurança no Brasil. E mais que isso, num brilhante trabalho que compara a polícia brasileira com a polícia americana, o pesquisador C. A. Costa, informa, no seu livro “Entre a Lei e a Ordem”, que é possível cientificamente medir os desvios da polícia, baseando-se para tanto no que ele chama formas básicas de desvio de conduta, que são as detenções violentas, as mortes sob custódia e as mortes em confrontos. Nas quais se contabiliza no contraponto Rio de Janeiro X Chicago, Nova York e Tóquio proporções relativas da ordem de 5, 10 para 1, o que demonstra que nossos policiais matam, em média, 30 vezes mais e morrem também 10 vezes mais que nos países desenvolvidos. Hoje, diante de fatos bastante noticiados de mortes de crianças e mulheres em situações de confronto mal sucedidos da polícia em 29 que ficou explicitada ineficácia da segurança pública, o Estado sinaliza com mais e mais treinamentos. Mas o que precisamos não é demais exatidão nos tiros e sim mais critérios na decisão de atirar, de sorte que não basta treinar a pontaria de policial, pois muitas mortes não se revelam acidentais, ou seja, não são causadas por imperícia balística e sim por miopia ética. Portanto, não se trata desvio de projétil e sim de conduta, de sorte que, mais do que mira a laser, é preciso reinventar a instituição policial no Brasil, demolindo três idéias-força presentes na cultura da segurança pública: 1 -“bandido bom é bandido morto”, 2 - “pobre é ameaça à propriedade privada” e 3 – o pobre, negro, jovem, favelado e des-escolarizado ou tem, ou teve ou terá antecedente criminal. Além disso, é preciso estabelecer uma nova relação da polícia com as comunidades segregadas e com os direitos humanos, fazendo-a se submeter a um rígido e sistemático controle social (interno e externo) com punições exemplares e processos contínuos de valorização e de desenvolvimento profissional. Matar não deve ser objetivo nem método da polícia e sua ocorrência deve ser ocasional, residual e controlada, ou seja, o controle da criminalidade tem que se dar dentro da lei, pois sem a lei e a ética de valorização da vida, não conseguiremos preservar a integridade física dos policiais, dos criminosos e, principalmente, dos demais membros da sociedade. 30 Exército Mercenário Nas cidades européias durante a idade média os conflitos interpessoais eram resolvidos na base do duelo e da vingança individualizada. Era uma época que era possível contratar exércitos mercenários que se enfrentavam conforme os interesses dos contratantes. Houve um caso único na história em que dois principados haviam contratado mercenários de uma mesma nação e de mesma língua e o conflito acabou saindo do controle dos contratantes, o que demonstrou o risco da mercantilização da guerra. Até Júlio Cesar, que ampliou em muito soldo dos guerreiros, pelo mesmo motivo também se enfraqueceu posteriormente. Diante dessas experiências, as nações emergentes organizaram os chamados exércitos nacionais, buscando afirmar um comprometimento ideológico-nacionalista e não mercantil nos soldados. Para proteção interna dos territórios surgiram nos espaços urbanos as forças policiais que tomaram pra si a função de controle dos conflitos intra-territoriais. Para tanto, acabaram por caçar o direito dos indivíduos de revidar e punir, quando vitimados pela ação dos outros. E desde então, o Estado passou a monopolizar o poder de coerção, reservando para o ente público a autoridade de deter, julgar, punir, e proteger, de modo exclusivo, a vida em sociedade. No entanto, nos últimos 50 anos houve uma tendência mundial de des-estatização do serviço de segurança pública e surgimento de grupos especificamente remunerados para este fim. A característica, no entanto, mais distintiva deste serviço não está no simples fato de 31 ser remunerados como mercadoria, visto que se pode comprá-lo, mas porque não é algo que se disponibiliza para todos. De acordo com Maria C Chaves, a forte emergência das empresas de segurança privada na América Latina que ocorreu nos anos 80 e 90 está associada a um conjunto de fatores como a ineficiência das instituições e intensificação da criminalidade. E no Brasil, embora a Constituição (Arts 5º e 144º) afirme que o provimento da segurança é dever do Estado e direito dos cidadãos, após lei nº 9.017/ 95; o poder público conferiu legalidade e legitimidade ao funcionamento das empresas de segurança privada, obrigando, inclusive, as instituições bancárias a manter estes serviços. Em termos quantitativos, se considerarmos todos profissionais com registro de vigilantes, podemos chegar ao número 1 milhão e 100 mil agentes que se reunidos com um arsenal de mais de 100 mil armas poderiam colocar em cheque a própria capacidade de auto-defesa do Estado. Em atividade no país são oficialmente 431 600 vigilantes, sendo 140 mil em São Paulo, 46 mil no Rio de Janeiro e 14 mil no Espírito Santo. Esses números são muito superiores às forças policiais e militares, de sorte que, se nas ultimas greves do setor houvesse um confronto armado não estaríamos seguros de quem venceria. Assim sendo, ressaltamos os riscos e limites da mercantilização de alguns serviços essenciais à vida em sociedade. 32 A Pedagogia da Impunidade Por mais esforços que vemos as autoridades em coibir a criminalidade, ela vocifera como nunca espantando-nos a todos. No Espírito Santo chegam a morrer vitimados por mortes violentas mais de 05 pessoas por dia e de acordo com a Assimpol ( ver “a Gazeta” 17/6/2008 ) só nos 05 primeiros meses de 2008, já morreram 846 pessoas assassinadas, maior índice dos últimos 10 anos. A percepção corrente é a de que a impunidade está no núcleo deste problema, afirmação com a qual convergem vários pesquisadores e o senso comum da opinião pública, mas vale qualificar: de que impunidade estamos tratando? Muitos confundem a falta severidade penal com a impunidade, o que leva, em tempos de maior número de homicídios, ao surgimento de proposições de aumento do número anos para os crimes bem como a idéia de redução da maioridade penal para os menores infratores . Isto significa confundir (como diria Mao Tzé Tung) a contradição central com o central da contradição, o que leva acertar na flecha e errar no alvo. De acordo com Luis Eduardo Soares, nos anos 90 no Rio de janeiro foram elucidados no prazo de máximo de 2 anos apenas 6,4% dos homicídios dolosos, o que significa que quase totalidade dos crimes não geraram punição e na maioria dos casos sequer houve identificação da vítima quanto mais do autor. Como a maioria dos crimes ocorrem em bairros mais precários dada a sua ligação com o tráfico de drogas, isso torna as favelas numa terra de ninguém, onde a impunidade é ainda maior do que noutros bairros. Assim também se comporta a criminalidade no Espírito Santo, pelo menos é o que nos informa o professor Doutor da UFES Cláudio Zanotelli, quando afirma que os homicídios em terras capixabas acontecem em 70% dos casos na grande vitória e estes se concentram em apenas 14 bairros da GV. 33 A falta de averiguação, a subnotiificação, o sucateamento das perícias, a lentidão da justiça (etc...etc...) constituem a verdadeira impunidade que gera uma sensação de que haja uma permissividade imensa para com os delitos. De acordo com Carlos A T de Magalhães, uma maior presença da polícia em todos espaços urbanos, uma sociedade mais inclusiva e, sobretudo, uma justiça mais célere que conseguisse apurar, julgar, prender e manter presos os criminosos condenados produziria um efeito demonstrativo capaz de dissuadir àqueles que pretendem aderir às práticas criminosas a desistirem deste empreendimento. Mas em contrapartida, se a sociedade não pune na devida extensão, isto é, na quantidade devida os crimes praticados, ficando apenas com os casos alcançados pelos curtos braços da estrutura policial vigente, pedagogicamente se instala a chamada escolha racional. Nesta, os criminosos cientes da vantajosa relação de custo-benefício dos delitos acabam por optar pela vida criminosa por julgarem tacitamente que há um baixo risco de serem punidos pela estrutura juridico-penal do Estado. Ou seja, se a punição ensina, a impunidade é muito mais pedagógica! 34 Rede de Proteção A rede é um instrumento humano muito antigo, inventada muito antes da indústria, feita inicialmente para agarrar os peixes, simboliza ao mesmo tempo proteção e aprisionamento. A imagem da rede também nos remete à cerca e ao muro, instrumentos humanos que protegem e delimitam a propriedade, mas isolam pessoas e por vezes segregam povos e nações. Mas a rede não se configura apenas negativamente, além de simbolizar a preguiça e amparo, na comunicação humana, nos lembra a INTERNET, a interação, a superação das hierarquias. Usando esta metáfora da rede podemos enredar analiticamente casos recentes de violência: No caso Isabela Nardoni, a rede da janela de seu quarto tem papel imagético fortíssimo e contraditório. Feita para proteger da queda das crianças das janelas dos apartamentos, aquela rede, uma vez cortada, passou a ser o atestado de que a menina não se acidentou. Caso não existisse, a rede de proteção, provavelmente um suposto escorregão ou fuga de uma agressão poderia ter sido arguido pela defesa do casal suspeito de sua morte, o que confirma que a rede mesmo cortada ainda protege a criança de ter uma morte impune. A destruição da função da rede que antes protegia, deste modo, revela a intençãocionalidade de des-proteger e agredir. Assim também a violência com moradores de rua aqui no Espírito Santo (mortos em plena capital, provavelmente entre 4 e 5 de maio, quase todos com tiros na cabeça) e no Rio de Janeiro 35 queimados enquanto dormiam (além da chacina dos meninos da candelária, do índio Gaudino e dos mendigos em São Paulo no ano passado) se relacionam com a rede, isto é, neste caso, a falta dela. Como afirma, o autor de um dos mais importantes livros sobre a exclusão social Robert Castel, o que caracteriza a população de rua é a (des) filiação, o (des) pertencimento. Ou seja estão fora de todas as redes e isso os invisibiliza. O seu estado ( sujeira, desabrigo, fome e solidão ) bem como a violação que sofrem nesses casos homicídio, não só ocorrem por falta de uma rede de proteção social como também não permite que isso seja punido. Neste caso, ninguém sabe, ninguém viu, ninguém foi preso, justamente porque ninguém se importa ou ninguém protege. Mas eles não são bemvindos! Podemos dizer que, a utilização e ocupação dos espaços urbanos nas cidades por esses grupos agride a estética da cidade que em geral ao invés de re - tecer uma rede humana de solidariedade (seja pela das políticas públicas seja por inciativas pessoais ou religiosas) passa a desejar que se higienize os espaços poluídos com pobreza e com a miséria. Nestes termos, quando a vida está sob proteção e há uma agressão, aquilo que circunscreve e cerca, e que em princípio também aprisiona, uma vez ocorrida a violação como portas arrombadas, grades serradas e redes cortadas, dão prova da ação agressora. No entanto, onde há desproteção, a agressão e a violação se naturaliza, invisibilizando as vitimas. 36 A Criminalidade Fluida Nestes tempos de campanha da fraternidade por segurança pública e intensa criminalidade, mais do que nunca o tema vem à tona e nos impõe a todos, poderes públicos e sociedade, uma compreensão mais acurada de suas causas e funcionalidade. Já sabemos que a impunidade e a exclusão social são as causas mais indiscutíveis deste fenômeno, mas hoje é necessário entender também a dinâmica e tendências do crime. Sabe-se atualmente que existe um lócus privilegiado das mortes violentas no Brasil que são os espaços urbanos, haja vista que nas regiões metropolitanas - Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro e Recife - ocorrem mais de 75% dos homicídios. Neste contexto, passam a fazer parte do processo de controle da violência urbana os municípios que além de instituir as chamadas guardas municipais tem tido no vídeo-monitoramento uma de suas mais importantes estratégias, meios estes, implantados em cidades como Serra, Vitória e agora Vila Velha onde se noticia uma redução de 83% (de 18 para 03) as ocorrências policiais em comparação com o mesmo período do ano passado. Vale lembrar, no entanto, que além do comprometimento da privacidade das pessoas, essa metodologia de controle do crime tem lá suas limitações e implicações. Na Inglaterra, por exemplo, foram implantadas quatro milhões de câmeras, sendo meio milhão só em Londres ao custo de US$ 455 milhões. No entanto, um relatório encomendado pelo governo britânico para o período de 1998-2002 colocou sob suspeita os resultados esperados. 37 Segundo a Socióloga M. Bullows, o uso de câmeras, no primeiro ano, reduziram em 12% os crimes onde estavam situadas, mas as ocorrências aumentaram em 7% nas áreas próximas fora do seu alcance. Isso demonstra que a criminalidade não é um objeto fixo e sim um alvo móvel, fluido por assim dizer, de sorte que às vezes não reduzimos a criminalidade, apenas a deslocamos de um lado para outro. Com isto ficou claro que esta estratégia altera mais os tipos de crimes e sua localização do que sua quantidade nos municípios onde são implantados. Portanto é preciso ver a cidade como um todo e acompanhar o deslocamento dos delitos com muita atenção, evitando que eles se concentrem nos bairros mais pobres, pois privilegiar áreas concentrando vigilância eletrônica e policiamento mais do que tornar certos espaço seguros pode tornar outros ainda mais violentos, o que reproduz a chamada segregação sócio-espacial que confina, como afirma C. Zanotelli, nos bairros mais pobres as maiores taxas de criminalidade, a exemplo dos bairros de Terra Vermelha, Planalto Serrano, Vila Nova de Colares e Nova Rosa Penha. Situação esta que está a exigir do poder público muito mais do que um “Big Brother” Municipal, pois sem um processo intenso de reurbanização as linhas que dividem os bairros pobres dos ricos permanecerão como os abismos sociais, verdadeiros enclaves, explosivos para alguns e intransponíveis para outros. 38 Desigualdade Ilegítima Por mais esforços que vemos as autoridades em coibir a criminalidade, ela vocifera como nunca espantando a todos. No Espírito Santo chegam a morrer vitimados por mortes violentas mais de 05 pessoas por dia demonstrando o clima de guerra civil que vivemos em nosso País. Todas as vezes que esses índices vêm à tona todos começamos a procurar a(s) causa(s) da violência. Será que as pessoas resolveram se agredir e se matar com esta frequência em que nos dão notícias os meios de comunicação? De certo trata-se de uma problemática extremamente complexa em que muitos fatores pesam e que frases de efeitos ou explicações reducionistas podem ser tão visíveis quanto inúteis. Em geral, atribui-se ora a impunidade ora a pobreza forças determinantes no grau de aprofundamento da criminalidade local e nacional. Nestas 02 linhas de argumentação a distribuição de renda e o aumento do efetivo policial são as demandas mais óbvias, mas nem sempre eficazes. De todo modo, analisemos as duas hipóteses. Em primeiro lugar, é fato notório que nas sociedades cujos índices de pobreza são irrisórios se verifica, na mesma proporção baixos índices de criminalidade. Mas como explicar os em que casos como o da Índia e de áreas rurais empobrecidas onde a miséria e a fome campeiam e mesmo assim não se encontra os mesmos níveis de violência que acometem nossas grandes cidades. E quanto ao aumento do efetivo policial, não basta aumentar a força policial é muito importante alterar a cultura belicista e preconceituosa das corporações para com os pobres e excluídos, incorporando uma 39 nova cultura jurídica que consiga punir com menos com truculência policial e mais precisão investigativa. Na verdade a precariedade de muitos e ausência de punição estão relacionados com a criminalidade, mas não de modo direto, pelo menos é que dizem os principais estudiosos da área, como Zaluar, Soares, Misse, Cano e Zanotelli, para citar aqui apenas alguns. Deste modo, deve-se recorrer a outros conceitos. Dentre muitos um nos parece mais esclarecedor do que os recorrentemente evidenciados, é o de Desigualdade Ilegítima. Segundo esta idéia, quando a desigualdade perde a sua legitimidade uma parte Ínfima, mas suficientemente danosa, dos mais precários ingressam no mundo do crime. Essa percepção dos mais precários ocorre de modo mais intenso nas grandes cidades, pois é nos espaços urbanos que a convivência não solidária entre classes muito assimétricas (próximas fisicamente e muito distantes economicamente) gera a dura competição por status e por reconhecimento social. Nestes contextos, onde a heterogeneidade econômica transforma as comunidades humanas em ilhas de miséria e de riqueza, polarizando a prosperidade de um lado e a carência do outro, cria-se um terreno extremamente fértil para a proliferação, sobretudo nos jovens, do uso de meios ilegais para se atender aos ditames da sociedade de consumo. Noutros termos, nos contextos de disparidades urbanas e humanas onde a aproximação geográfica não gera mutualidade, desenvolve-se um medo recíproco que alimenta um sentimento de injustiça, pois a desigualdade obscenamente exteriorizada gera revolta e humilhação aos que se encontram na condição de desvantagem de status. Todo este processo se verifica com maior funcionalidade onde o Estado se omite, pois quando o poder público deixa de corrigir as disparidades de infra-estrutura, de habitação e acaba por tratar com violência e 40 preconceito os habitantes das ilhas de miséria, a desigualdade característica da sociedade capitalista perde sua legitimidade e gera nos espaços segregados menos auto-estima e mais identificação de parte dos moradores (principalmente os jovens) com as práticas criminosas bem mais rentáveis que o trabalho duro e honesto. Uma vez reiteradas estas práticas, no contexto de intensificação do tráfico de drogas, seduz-se os indivíduos de formação ética e moral mais frágil ao restabelecimento de suas auto-estima por meio da recuperação violenta de seus status na comunidade. Este processo forma aquilo que C. Magalhães chama de sub-cultura violenta, aquela que é capaz de conquistar seres humanos como nós, mas que sem socialização primária adequada e sem acesso a oportunidades econômicas se apropriaram de normas e valores em que a virulência mortífera se torna uma habilidade necessária à retomada do amor próprio bem como para ascensão na carreira do crime. 41 O Leviatã sobe o Morro Estamos vivendo momentos inéditos na história brasileira. Assim como na passagem do feudalismo para modernidade, quando o liberalismo fez surgir o Estado Democrático de Direito, ente racional e instância de comando capaz de subsumir o poder teocrático da igreja e a capacidade bélica das monarquias decadentes na Europa na passagem dos séculos XVI, XVII e XVIII. Como explica Hobbes, para preservar os membros da sociedade da luta de todos contra todos, em nome da preservação da vida, da propriedade e da liberdade, ergue-se o Leviatã, figura mítica que se afirma na medida em que caça o direito dos indivíduos de resolverem por suas próprias iniciativas e pelo confronto direto, suas diferenças, suas desigualdades e suas discordâncias que passam a se submeterem apenas ao arbitramento da lei. De modo não tão semelhante, mas de maneira identicamente inédita para cada época, vivemos o alvorecer do Estado brasileiro, sobretudo em lugares onde lei não existia, onde a modernidade e o Estado Democrático de Direito jamais tinha ocorrido. Com moradias ilegais, comércios ilegais e relacionamentos sociais mediados pela força e pela territorialidade, milhões de brasileiros, sobretudo, cariocas viviam e ainda vivem em favelas: lugares de habitações subnormais onde a paz se conquista vez pela violência vez pela subordinação. Cidadãos brasileiros vivem há décadas sob o julgo dos meninossenhores feudais do tráfico que com sandálias de dedo, fuzis e roupas de marca obrigam, em cada comunidade, milhares de trabalhadores e pessoas de bem a se submeterem à seus caprichos ocupando suas casas, violentando suas filhas e irmãs e definindo como deva ser o cotidiano de horários e locais desses cidadãos pagadores de impostos 42 que precisam descer para o asfalto para verem funcionar a sagrada constituição brasileira que diz: a) todos são iguais perante a lei, b) todos tenho direito de ir vir e c) ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude da lei etc. Hoje vemos o Estado subir o morro para exercer uma antiga prerrogativa, como dizia Max Weber: o monopólio legítimo da força sobre a completude do território brasileiro e para a totalidade dos homens e das mulheres desse país, que desde a proclamação da república lhe era devido, por isso o caráter inédito de sua ação. Mas há ainda alguns riscos: essa ação além de ter que ser permanente não pode se render ao espetacular e ao imediato eleitoreiro e virar evento cênico e cínico de governantes que venham se vangloriar de fazer aquilo que há décadas deveriam ter feito. Outro risco é que no ímpeto hobbesiano, o leviatã venha agredir os direitos daqueles que não por escolha, mas por contingência, são vizinhos das bocas de fumo e de grupos criminosos e situam-se com filhos esposas e amigos num território de guerra e que podem vir a ter sua privacidade, sua intimidade e porque não sua propriedade e, sobretudo, sua segurança inviabilizada por quem deveria protegê-los. Por isso, a imprensa e o poder público devem conclamar os moradores dessas comunidades a abrirem voluntariamente suas casas em nome da pacificação, mas cabe lembrá-los que eles não são obrigados a isso. Ainda vale lembrar que tudo isso poderá ser em vão se não houver no país uma ação jurídica permanente e abrangente capaz de responsabilizar e punir outros beneficiários - tubarões da lavagem de dinheiro - que vivem ostentando uma riqueza incompatível com suas atividades profissionais. Ou seja, se pudermos obrigar todo cidadão a provar a origem de seu patrimônio, estenderemos o braço do leviatã 43 de Brasília ao complexo do alemão, passando pelos mega sonegadorescontrabandistas e importadores ilegais de armas que vivem nas favelas, mas também residem em muitos condomínios jamais visitados pelo BOPE. Agora José Padilha terá que fazer um filme brasileiro com happy end tropa de elite III: o Estado contra o crime, pois a realidade ultrapassou a ficção!!! 44 A Verdade vos Libertará! Nestes tempos de olimpíadas, muitos foram os elogios à organização e a performance do país anfitrião, a China, país extremamente complexo, cheio de marcas históricas, tanto para o bem quanto para o mal. Com mais de um bilhão de pessoas e com uma economia vigorosa vem impactando o ocidente tanto em termos econômicos, quanto políticos e ideológicos. Neste contexto de críticas e elogias a China, não por acaso, surge um debate sobre os erros e acertos do comunismo. Neste momento, surge uma discussão sobre uma suposta doutrinação ideológica que estaria se propagando pelas escolas brasileiras. O Senador Gerson Camata no senado federal vem se posicionando frontalmente contrário ao ensino (do que ele chama) de idéias do século XIX. Contrário a uma educação marxista, o senador da república rechaça a difusão de uma ideologia tida por ele como superada e ineficiente. Na mesma direção, o advogado Miguel Nagib, vem defendendo uma escola sem partido, o que aliás dá nome ao site dos que como ele buscam proteger os seus filhos de tal doutrinação. Interessante notar, porém, que os críticos do ensino do marxismo na escola parecem desconhecer a riqueza do método da dialética, que fora desenvolvido por Marx a partir das idéias de Hegel. Neste método a idéia – força é a força da contraposição das idéias. Para este método toda doutrina ou ideologia apresenta uma visão da realidade que não pode ser considerada nem como totalmente falsa nem verdadeira, mas essencialmente incompleta e parcial. Diferente da pseudo-verdade ou meia verdade, a da verdade que liberta é sempre multifacetada, 45 complexa não cabe nos reducionismos ideológicos ou doutrinários e exige uma educação que expõe as inúmeras contradições das visões mundo, mostrando que um ponto de vista é sempre uma visão a partir de um ponto. Vale lembrar, ainda, aos bem intencionados defensores de um certo purismo pedagógico que a escola já não determina assim as idéias dos nossos jovens. A INTERNET, a mídia em geral, os amigos, a família e até a religião, tem poderes muito superiores sobre a formação do caráter e da visão política dos nossos jovens, haja vista, que eles se interessam muito mais em participar da sociedade de consumo do que defender projetos revolucionários. Para eles, apesar das aulas de história, Che Guevara é muito mais um superstar do que um revolucionário, de modo que carregá-lo na camiseta não os vincula a nenhuma ideologia e sim a uma estética. Sendo assim, os defensores de uma escola sem partido, além de cair numa tautologia de criar o partido dos sem partido, parecem se digladiar como Dom Quixote com moinhos de vento como se estes fossem dragões comunistas. Acordem!!! Nossos jovens não têm nada de comunistas!!!, são extremamente egoístas, imediatistas, alienados, violentos e superficiais e neste sentido estão mais próximos da sociedade de consumo do que de um sonho revolução socialista. 46 Eleitoral ou Eleitoreiro? Desde o pós-guerra, com afirmação do direitos humanos expostos na declaração universal dos direitos humanos, os direitos sociais, além dos direitos civis e dos direitos políticos, foram se tornando uma pauta relevante no cenário das reivindicações e das políticas públicas dos Estados. O direito a vida e, sobretudo, o direito a dignidade humana, se tornou um bem jurídico a ser protegido pelo Estado nacional. No Brasil, país que demorou a abolir a escravidão e que convive à décadas com níveis profundos de pobreza, miséria e desigualdade, o cenário urbano com sua população em situação de rua se tornou cada vez mais motivo para evidenciar, por um lado, o incapacidade da sociedade em incluir a todos e, por outro, para apontar a ineficácia do Estado, o que, por sua vez, fez o poder público, inicialmente realizar práticas de segregação que retiravam dos núcleos valorizados das grandes cidades e/ou forçando a ampliação das políticas sociais. Desde que o processo de urbanização se aprofundou e a miséria urbana passou a ser um dos seus principais traços, o combate a fome passou a ser uma das estratégias da filantropia e mais recentemente das políticas assistenciais mais estabelecidas. Lembremos do Programa do Leite do Sarney de 1986 que distribuía a cerca de 10 milhões de crianças. Depois vieram os programas de distribuição de sextas básicas. Estas estratégias, porém, tinham enorme porosidade ético-eleitorais e permitiam, entre outros problemas, que recursos e produtos vazassem e que nem público alvo fosse devidamente atendido. Hoje temos o PBF (Programa Bolsa Família), que atende a mais de 11 milhões de famílias transferindo comida por fibra ótica a 47 um custo de quase R$6 bilhões de forma instantânea a cerca de 30 milhões de pessoas em todos os municípios brasileiros. Problemas logísticos e burocráticos na entrada e na permanência do programa foram superados e hoje chega-se ao ponto de se poder desligar automaticamente um beneficiário que não esteja mais apto a receber o PBF por ter arrumado emprego formal. Além do PBF, também FNDE fundo nacional de desenvolvimento da Educação permite que operações semelhantes transfiram R$ 467,6 milhões para as escolas de todo Brasil, recursos estes gastos com merenda escolar evitando desvios, superfaturamento etc. Todos esses programas apesar da aceitação social foram acusados de eleitoreiros, mas essa argumentação é irrisória, já que o uso eleitoral de qualquer ação pública é inescapável. Se o Serra criou o seguro desemprego, Azeredo criou lei do Air Bag, se o Lula implantou o Bolsa Família ou se o Cristovam a condicionou à frequência escolar, é algo pouco relevante, pois quando a política pública se torna um direito as pessoas passam a exigí-la como obrigação do Estado e não como favor dos políticos, do que decorre a superação do uso eleitoreiro para o uso eleitoral que reconhece a autoria dos projetos, mas não condicionam o seu acesso ao voto na urna. 48 Quanto Mais Melhor! Entre 1905 e 1917 a Rússia de uma lição ao mundo de como os oprimidos podem depor os seus opressores, tirando-lhes o poder a assumindo o papel de sujeito da história. Ali ficou demonstrado que os sonhos da revolução francesa e dos pensadores Rousseau e Toqueville poderia ser feito na prática muito para além das previsões Hobbesianas ou Marxistas. Foi nessa fase que o mundo viu pela primeira vez, depois das sociedades tribais e da Grécia antiga, a verdadeira participação popular emergir na forma dos sovietis, onde todos podiam dirigir e serem dirigidos, podiam eleger e serem eleitos. Depois...a revolução russa degenerou no partido único e numa ditadura do proletariado sanguinária e obtusa, mas essa experiência não perdeu seu brilho e seu ineditismo. Hoje temos uma pseudodemocracia representativa em que três poderes dividem em nível municipal, estadual e federal os espaços de poder, em que poucas pessoas decidem a vida de todos sem a participação direta e generalizada da população. Um modelo herdado da camara dos comuns da Inglaterra reduziu a poucas centenas o espaço onde se parla e se decide sobre o futuro da vida na pólis, excluindo quem financia o poder público e sofre as consequências de ver seus interesses e necessidades sub representados no jogo pessoal e fisiológicos de uma política pra poucos. Num país de quase 200 milhões de pessoas temos com parlamento, executivo e judiciário menos que mil iluminados decidindo em nível nacional a vida de todos. Numa cidade como Vitória, temos 15 vereadores representando mais de 300 mil pessoas. Essa 49 representação concentra muito poder, fazendo com que apenas àqueles que possuem capital econômico possam se eleger. Muitos como os deficientes, os negros, os homossexuais, os professores, os idosos, as mulheres, os desempregados, os jovens etc não se vêm representados nas esferas de poder. O político em geral é branco, homem, heterossexual, com renda média ou alta. No contexto em que o congresso rediscute o número de vereadores das cidades, não faltam aqueles que combatem á ampliação do número de eleitos com o argumento que isso tornaria o parlamento ainda mais corrupta e perdulária.Por incrível que pareça, quanto mais melhor! Assim como no modelo dos sovietis seria bastante inovador para o Brasil. uma camara de vereadores com um representante para cada cada mil habitantes. Em Vitória teríamos cerca de 300 pessoas na câmara. Bastaria que mantivéssemos o limite de 5% da arrecadação e revogássemos a auto-definição de salários que não haveria como colocar funcionários públicos que não tivessem sido eleitos na câmara. Neste caso, o caos aparente de uma democracia de massa eliminaria os caciques e a diversidade de opiniões restauraria o verdadeiro debate democrático. Também não sobraria espaço para assessores fantasmas e os parlamentares teriam que que se assessorar mutuamente num mutirão permanente pela resolução dos problemas da cidade. 50 Tributação Ilegítima O Senado rejeitou no ano passado a prorrogação da contribuição provisória sobre movimentação financeira, a CPMF, criada à época de FHC para o financiamento da Saúde. Cabe perguntar quais foram as condições políticas que deram legitimidade à criação deste imposto provisório que ficou como permanente até bem pouco tempo? A saúde definitivamente não está melhor do que antes e os problemas da saúde pública são tão extremamente graves. Mesmo sendo uma fração décimo-centesimal de 01 % da movimentação financeira, as cifras resultantes de sua aplicação constituem valores astronômicos em torno de dezenas de bilhões de reais. Além disso, o resultado fiscalizador promovido pelo funcionamento do tributo no sistema bancário, é reconhecidamente positivo. Alguns chegavam a propor que este fosse o único imposto já prescindia de toda estrutura extremamente corruptível do fisco brasileiro. No entanto, como sabemos os reais advindos deste tributo nem sempre se endereçaram para os hospitais, sendo, em parte, consumidos pelos ralos da corrupção e da ineficácia pública e, em parte, para constituir o já esquecido fundo social de emergência compondo assim o superavit primário para o pagamento dos serviços da dívida externa brasileira. Mas por que antes existia legitimidade e aceitação para a CPMF e agora não? Lembremos do confisco da poupança como que aceitamos tal proposição? Por que na Argentina não se aceitou o curralito, e destituiu vários membros do poder central? O que define a nossa 51 tolerância? É certo que quanto mais estamos perto do fundo do posso mais aceitamos fatos absurdos e intoleráveis. A criação de um imposto (e ainda por cima vinculado) poderia ser considerado um grande avanço no processo de socialização dos custos de serviços essenciais para a população (considerados pela economia como estruturalmente monopolistas, isto é extremamente caros para serem ofertados exclusivamente pelo setor privado). Entretanto, não vemos assim, somos uma nação onde a esfera pública ainda está em formação e hoje por estarmos com a cabeça pouco acima do mar da estagnação econômica em que nos encontrávamos a algum tempo atrás, começamos a enxergar um pouco mais longe e recusamos este tributo. È muito importante que a sociedade não se curve (nem hoje nem ontem nem amanhã) aos abusos tributários de um poder público que permite solenemente o mau uso do dinheiro dos contribuintes. Mas talvez rechaçar hoje a CSS, prove mais nosso egoísmo privatista do que nossa autonomia perante o afã gastador do governo atual. Uma sociedade em que boa parte dos serviços de saúde, segurança, habitação e educação (condições inestimáveis para ser realmente cidadão) se tornaram um produto a ser comprado no setor privado, como diz o professor Boaventura de Sousa Santos, é uma sociedade facista que exclui sem sentimento de culpa os demais seres humanos se isto tiver que custar décimos de 01 porcento de seus salários. 52 Corrupção e Obscenidade Segundo o Gênesis, Adão e Eva, quando viviam no Éden, e não tinham a noção de certo e errado, ficavam nus sem cobrirem suas partes íntimas já que não tinham a consciência de si mesmos. Mas após serem expulsos do paraíso passaram a cobrir suas partes íntimas, pois teriam conquistado depois do pecado original a noção de moralidade. Para Antropologia, no entanto, a estória da Adão e Eva é uma fábula, pois os indígenas a muito viviam (e em alguns casos ainda vivem) sem cobrir o corpo e nisso não há para eles nenhuma imoralidade, pois uma numa sociedade Ética e Igualitária não precisa de uma moral já que ninguém não tem nada a esconder, nem os bens, nem o corpo. Nas sociedades humanas modernas, ao contrário, a noção de moralidade, sobretudo na idade média, tornou-se bastante exacerbada e os indivíduos foram obrigados a cobrir mais e mais os seus corpos não só por conta da temperatura, mas principalmente por conta da moralidade de viés religioso, chegando a se configurar como delito a exposição de pequenas partes do corpo. Por essas razões além das roupas comuns surgiram as roupas íntimas que no começo cobriam quase todo corpo principalmente das mulheres. E, neste caso, as cenas históricas de banhos de mar no início do século XX mostram como eram ridículos e repressores os padrões morais. Com a revolução sexual, a moda, a sexualidade, as roupas íntimas tornaram-se minúsculas e, ao invés de esconderem as partes íntimas, passaram a ser uma nova forma de mostrar e de esconder. Nesse processo ganhou mais e mais força o culto ao corpo e a individualidade. Ainda assim , 53 mantiveram-se inexpugnáveis as partes dos indivíduos mesmo quando cobertas pelas roupas íntimas minúsculas da modernidade. Hoje a crise Ética da política brasileira com indivíduos que escondem o “viu pecúnia” em espécie (de “origem” pública) em partes cada vez mais íntimas, faz fundir e confundir o que tem de mais público (recurso do contribuinte) ao o que tem de mais privado e íntimo que são as partes íntimas (cobertas por meias, cuecas, etc). Essa práticas levadas a TV que são de uma uma obscenidade incontestável, expondo a chaga da impobridade administrativa, chocando-nos a todos. Mas é preciso que reflitamos sobre este tema, pois essa não é uma crise moral ou legal é uma crise ética e estética. As cenas muito repetidas inúmeras e inúmeras vezes vistas na intimidade de nossos lares podem banalizar o absurdo da promiscuidade política levando-nos a nos acostumarmos com essa pornografia institucional. Ou seja, corremos o risco de nos anestesiarmos com a recorrência dos fatos aponto de aceitarmos tudo como está. Deste modo, mais importante do que expor essa chaga televisiva é necessário ocupar a cena com a nossa indignação, cobrando do sistema jurídico penal brasileiro que tome a atitude de punir o flagrante e midiático delito, expedindo prisão preventiva sem direito a fiança. Depois da imprensa, só nos resta a polícia! 54 Monólogo Ignorante As sociedades humanas, gregárias por natureza, dependem muito para o seu perfeito funcionamento das capacidades coletivas de cooperação e de coesão social. Rapidamente o homem descobriu que o peso da linguagem e da comunicação era ao mesmo tempo inestimável e complexo, complementar e cheio de antagonismos. Os gregos descobriram a responsabilidade e a riqueza da existência de diferentes discursos cinco séculos antes de Cristo, quando inventaram a democracia [demo (povo) + Kratos (poder)]. Para eles o diálogo [ dia (mais que um) + logos (saberes)} era a forma mais adequada de se atingir a sabedoria e a verdade, portanto o conhecimento era sempre um produto do debate (de bater) de discursos e contra-discursos. Nas sociedades humanas mais recentes as contraposições dos vários discursos nem sempre encontraram espaços férteis e receptivos. Na idade média discordar do rei e da igreja equivalia blasfemar contra Deus, no entanto, quando Lutero trouxe as críticas aos abusos da igreja, não só a sociedade ocidental progrediu como a próprio igreja católica foi beneficiada pelo protesto do protestantes. Como afirma Michel Foucault, discurso é poder e quem está no poder tende a emudecer os discordantes, demonizando, desqualificando ou até mesmo eliminando os portadores de novas visões de mundo. Os regimes ditatoriais de 55 direita ou de esquerda no pós guerra foram unânimes em adotar tais métodos, causando a morte dupla tantos dos opositores quanto de suas idéias. De algum modo, podemos afirmar que as mortes de Rosa Luxemburgo, de Trotsky e de Guevara fizeram Lenin, Stalin e Fidel tão mais poderosos quanto ignorantes. Por mais que odiemos nosso opositores temos sempre algo a questionar de nosso pontos de vista, de sorte que tolerar e ouvir, é sempre aprender. É a dialética tese - antítese que permite a produção de novas sínteses. Foi assim que keynes criou o planejamento econômico em contraponto ao laisse-faire do mercado, que o capitalismo criou o welfare state em contraponto à estatização soviética, que o neoliberalismo radical (de FHC, Ménem e Pinochet) cedeu espaço ao neoestatismo ( de Lula , Chaves e Morales). Cada posição gera uma contraposição que reposiciona as ideologias, os partidos, os projetos e os políticos. Infelizmente vemos democracia atual (no Brasil e no Estado - tendo em vista a monopólio do poder trazido pela reeleição) transformar a discordância ideológica em cooptação fisiológica. Traz-se para debaixo da asa estatal todos os partidos (supostos concorrentes eleitorais) a fim de eliminar possíveis opositores. Calam-se previamente vozes discordantes que poderiam reeditar os discursos palacianos cada vez mais repetitivos e monolíticos, produzindo a esterilização da política, engendrando em si mesmo (perigosa e cinicamente) uma unanimidade tão burra (Nelson Rodrigues) quanto surda, incapaz de aprender com a crítica renovadora e estabelecendo um monólogo cego e ignorante. 56 Entre a Cruz e a Espada O tema da pesquisa com células-tronco embrionárias que volta a ser discutido pelo Supremo Tribunal Federal tem tomando no Brasil muito espaço na mídia nacional. Muitas posições se antagonizam sem o devido esclarecimento sobre o que venha ser a lei de biossegurança. Cabe informar que a lei nº11105 / 2005 não é uma lei permissiva, ela proíbe (desde já) a clonagem humana, a Eugenia ( engenharia genética) bem como a comercialização de tecidos, embriões ou células. E com a retomada da discussão na sociedade, as posições religiosas extremadas têm criado mais dúvidas do que esclarecimento. Em brilhante artigo publicado, o Prof. Dr. da UERJ Luis R. Barroso nos permite perceber, para além da superficialidade, as gravíssimas implicações que haveria caso o STF aceitasse a chamada ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) impetrada pela PGR anulando o disposto no artigo 5º da lei de biossegurança. Segundo Barroso, esta discussão pode significar grave risco às conquistas dos homens e mulheres deste país, pondo em cheque o direito à “eliminação“ de fetos anencefálicos e à fertilização in vitro, com consequências nefastas também para o transplante de órgãos de pessoas com morte encefálica. O eminente Livre Docente da UERJ, afirma que, em que pese discursos religiosos em contrário, o critério da vida humana é o funcionamento do cérebro, razão pela qual não se considera uma violação do direito à vida a retirada de partes do corpo de quem teve a morte encefálica, princípio este que também se aplica, de modo invertido, no caso da 57 terapia de abreviamento de gravidez de fetos anencefálicos, pois neste outro caso o cérebro não “morreu” simplesmente ele não se formou. No caso do uso de embriões, a sua utilização em pesquisa para produção de células e tecidos para fins do tratamento de pessoas portadoras de doenças graves (Atrofias, Escleroses, Paraplegia, Tetraplegia, Mal de Parkinson, Diabetes,etc) seria uma violação a vida e a dignidade da pessoa humana como argumenta o Procurador Geral da República? Estaria correta a ADIn Impetrada pela PGR ? Por esta lógica NÂO, pois se a vida no direito brasileiro tem como medida o funcionamento encefálico não se pode dizer que o embrião tenha cérebro já que este fora produzido numa etapa do seu desenvolvimento biológico situado entre o 5º e 14º dia da fertilização in vitro no qual ainda não se formou a chamada placa neural que dá origem ao cérebro e permitirá a vida encefálica. De todo modo, existe uma outra lógica a da fé que sustenta que a vida se inicia em outro momento e que manipular embriões (que não serão mais usados) seria imoral, ilegal e anti-ético. Sendo assim, entre a fé e a razão, entre a cruz e a espada deve prevalecer a coerência e a hierarquia do sistema legal, caso contrário, a decisão do STF acerca da referida ação direta de inconstitucionalidade consagraria não o racional e o razoável, e sim o dogmático e o teológico. 58 Mobilidade Profissional à Deriva Com a abertura econômica inciada ainda no governo Collor (decorrente da imposição dos ditames da globalização econômicofinanceira) se asseverou o deslocamento espacial de mão-de-obra nos mais variadas ocupações e distancias (cada vez mais trans -oceânicas e continentais). Na verdade, desde as grandes navegações no século XV, enormes contingentes de força de trabalho foram deslocados. Entre Colonizadores, Escravos, Soldados e até Religiosos, muitos foram os que cruzaram os oceanos atlântico, Pacífico e Índico acorrentados ou em busca de novas terras e de novas perspectivas. No Espírito Santo, a vocação para o comércio exterior e a privatização/internacionalização das Aracruz Celulose, Companhia Siderúrgica do Tubarão e Vale não só vem trazendo muitos profissionais de fora como também começam a localizar no exterior muitos profissionais capixabas. Neste momento então, passa-se exigir dos profissionais uma nova competência dentre as inúmeras que grandes empresas já exigem: a chamada mobilidade profissional. Logo aqueles que pretendem se inserir nas empresas que têm fornecedores, clientes (e até mesmo matrizes) fora do estado (e até do país) precisam ter muita disponibilidade para viajar e de se mudar para lugares cada vez mais distantes. Em princípio parece sedutor morar em outro lugar e trabalhar falando outra língua e ganhar em euros, mas existem onus a serem pagos pelo trabalhador que se submete a este deslocamento. Mesmo para os solteiros e sem filhos, há laços afetivos que podem se esgarçar com viagens e transferências, de sorte que ficar longe dos amigo(a)s, do(a) 59 namorado(a) pode comprometer a criatividade levando o profissional àquilo que os psicólogos do trabalho chamam de embotamento. Em livro bastante conhecido sobre o tema, intitulado “A corrosão do Caráter”, Richard Sennet, nos alerta sobre o desenraizamento pessoal dos altos executivos de multinacionais que ficam emocionalmente a deriva e por isso vêm suas contas bancárias crescerem na mesma proporção em que diminuem seu circulo de amigos e sua afetividade. Por esta razão, os trabalhadores ambiciosos que querem ter um emprego no exterior devem buscar fortalecer laços afetivos de onde saíram e também procurar criar novos laços para onde foram. As empresas, por sua vez, não devem subestimar o efeito à deriva que acomete o competidor solitário, sobretudo quando aquele alto funcionário fica ostentando um sorriso automático e um olhar arregalado, pro-ativo e muitas vezes infeliz. Para empresa não sofrer as consequências de ter um indivíduo colapsado emocionalmente talvez seja bom, trazer a família e/ou propiciar viagens, contatos permanentes pela internet e pelo telefone com àqueles que são emocionalmente importantes para o profissional, pois nenhuma competência resiste ao isolamento. Como diria aquela musica: pode-se estar longe dos olhos, mas perto coração!. 60 Profissional Nota 10? Algumas empresas para vencer a luta inter-capitalista e a disputa pelos mercados de consumo mais valorizados vem investindo muito nas pessoas com o fito de montar uma equipe com membros altamente qualificados que trabalhe ao mesmo tempo como uma família e um time vitorioso. Para isto as empresas mais competitivas, além de tentarem reduzir a rotatividade de seu pessoal, fortalecem os processo de seleção e recrutamento visando obter os melhores profissionais do mercado, os chamados profissionais nota 10. Mas qual seria o perfil do profissional nota 10? De certo, responder esta pergunta é uma busca não só empresarial, mas também se constitui numa informação extremamente importante para aqueles que estão à procura das melhores oportunidades no mercado de trabalho. Na verdade o profissional nota 10 seria o profissional completo, um indivíduo que possui equilibradamente três grandes grupos de capacidades: que são: as afetivo-sociais, as psicomotoras e as cognitivas, ou noutros termos, o profissional deve ter o que os gerentes de RH chamam de CHA: Conhecimento, Habilidade e Atitude, ou ainda, no dizer da UNESCO, o indivíduo deve saber ser (dimensão ética e axiológica), saber fazer (dimensão técnica e produtiva) e saber aprender (dimensão cognitiva e epistemológica). Eixos esses que podem ser traduzidos em termos de uma lista de atributos que são :criatividade, iniciativa, zelo, participação, senso de organização, empatia, liderança, tenacidade, conhecimento científico técnico e operacional, capacidade para resolver problemas, 61 identificação e engajamento com os objetivos da empresa, facilidade para adquirir novas qualificações, responsabilidade com a produção, raciocínio lógico, conhecimentos gerais, boa escolaridade, disciplina, boa relação com os diversos níveis hierárquicos, comunicação oral e escrita em inglês e português, aspiração profissional, concentração, conhecimento global da gestão, visão sistêmica, domínio das tecnologias da informação (hardwares e softwares), capacidade de decisão, responsabilidade, objetividade, abstração, dedução, espírito de equipe, criatividade, curiosidade, motivação, estabilidade, confiança, autonomia, capacidade de gerar e de se adaptar às mudanças, independência, cooperação, lealdade, e habilidade de negociação. No entanto, o profissional nota10 no sentido weberiano, seria um tipo ideal que praticamente não existe e trata-se de um modelo a partir do qual se procura avaliar as pessoas normais de carne, osso e não um uma formatação obrigatória em que todos tenham que se enquadrar. Pensando assim, as empresas mais avançadas em política de RH deixaram de requisitar obrigatoriamente todos os atributos de modo absoluto e passaram a dividi-los em competências profissionais obrigatórias, desejáveis e aquelas que a empresas tem que desenvolver, estabelecendo assim formas mais razoáveis de selecionar os melhores. 62 Enganoterapia Alguns profissionais da área de administração, economia, pedagogia, e principalmente, de psicologia que atuam (ou já atuaram) em grandes empresas como gestores (ou como consultores) que amealharam ao longo do tempo bastante experiência em processos de seleção e recrutamento, hoje prestam serviço dando palestras ou cursos para empresas, exercendo aquilo que se poderia chamar de empregoterapia (personal job). Em geral esses profissionais têm um trabalho que vai desde a) o repasse de dicas, macetes e informações-chave de como se passar numa seleção para o emprego ( como se vestir, como falar e sobretudo como se comportar nas entrevistas ou mesmo o que fazer ou não fazer em testes psicotécnicos) até b) um trabalho mais consistente de melhoria dos climas organizacionais da empresas (melhoria das relações interpessoais, aprimoramento da comunicação interna entre equipes e níveis hierárquicos, bem como tentam fazer com que novos ou atuais colaboradores participem da missão da empresa e se sintonizem com os objetivos estratégicos da organização). O personal job a ser escolhido precisa ter experiência prática na área de atividade da empresa e conhecimento teórico na área RH e se recomenda que a empresa promova palestra principalmente quanto estiver com o moral dos funcionários muito baixo, quando os sorrisos diminuem, quando as faltas e as licenças se acumulam, e, sobretudo, quando a empresa tem muito Rotatividade (Turnover). 63 No entanto, as pesquisam apontam que a motivação para o trabalho decorre muito mais de uma identificação do indivíduo com sua atividade profissional do que de estímulos externos efêmeros como as palestras. Um dos maiores especialistas neste campo, Dr. Marins, afirma que que motivar é dar motivos, de sorte que se a fala de um palestrante conseguir funcionar como uma bússola que orienta os funcionários de uma empresa (ou mesmo os desempregados) para identificação de novos motivos para produzir mais e melhor, pode ser que ela tenha gerado motivação. Mesmo assim, algumas empresas de consultoria e alguns Personal(s) Job insistem em vender pacotes atitudinais em que se oferece a chamada palestra “show”, com muitas músicas, dinâmicas de grupo, mensagens, mexendo com o emocional das pessoas, onde os funcionários choram, batem palmas, gritam, promovendo assim uma catarse (quase religiosa), uma espécie de “orgasmo” coletivo que pode gerar uma volátil distensão dos conflitos interpessoais acumulados, mas que se não resolvidos voltarão a se acumular. Razão pela qual as empresas acreditam que isso pode melhorar o clima e relacionamento entre as pessoas, pois permite-se que os funcionários adquiram novos conhecimentos, melhoram a interação longe dos problemas e dos conflitos da empresa. A repercussão dessas palestras na empresa sempre é positiva, mas se a empresa não tiver um consistente plano de cargos e salários que sinalize perspectivas ao funcionário esse efeito será de curto prazo. 64 Morte de um Ídolo Morreu o astro da música Pop , Michel Jackson ! A notícia que estarreceu a todos, tomou conta dos noticiários do mundo inteiro: da internet aos bares da esquina, da imprensa escrita aos programas de entretenimento de TV, não se fala em outra coisa. Até as notícias sobre o grave acidente em que morreram mais de 200 pessoas perdeu sua centralidade na mídia local e internacional, dando lugar a uma pauta ao mesmo tempo dançante e fúnebre. Das lágrimas ao escândalo, da admiração à repulsa, o sr. Jackson, nascido em 1958, sempre causou sentimentos ambíguos. Superlativo em tudo, hipertrofiava e levava ao extremo todas as suas qualidades, mas também os defeitos. Belo e feio, terno e amendrontador, de “tryller” a “ABC”, comovia a todos com sua voz de criança e dança inconfundíveis. Gerado pelo seu tempo, se tornou uma espécie de produto hemafrodita e infantil que nasceu no Soul americano, mas se rendeu à estética da Pop Music internacional. Meio homem, meio mulher, meio anjo, meio demônio, foi o primeiro ser da terra a vender tantos discos, cerca de 750 milhões de cópias. Não foi melhor que Elvis ou Beatles, só deu sorte de estar na hora e no momento certo em que a comunicação se massificava e a indústria fonográfica vivia seu ápice produtivo e mercantil. Hoje, Piratiado e baixado em downloads internet a fora, seria um fiasco daquilo que já foi. Interessante notar que este astro da música morre no mesmo ano em que se comemora 100 anos de nascimento de Carmem Miranda, primeira Pop Star do mundo, que como Elvis, Hendrix e outros, teve o seu fim determinado mais pela indústria químico - farmaçêutica do que 65 pela indústria do entretenimento. Escravo de uma estética branca e anglo-saxônica, metamorfoseou-se de uma criança negra meiga para um adulto albino de cabelos negros. Dominado sadicamente pelo pai, mesmo em carreira solo, continuou submetido pelo sucesso, servindo a um consumo que o transformou num sabonete bípede que hoje, por nossa tradição cristã, já se traduz numa espécie de santo liquidificado pela sociedade de consumo. Os Ídolos não podem morrer, pois como como Michel Jordan, Pelé e Bruce Lee, poderiam ser imortais para podermos eternamente contemplar suas genialidades...Outros ídolos, porém são mais adequados. Homens como Luther King, Albert Eisntein, Santos Dumont e Mahatma Gandi ficarão na história e ele talvez seja esquecido, mas, de todo modo, a morte de uma figura única como a do cantor americano, de muito talento e pouco juízo, nos enche de pesar e de perda já que parecemos mais pobres diante de suas ausências. e Eu fico aqui com nossas perdas mais nacionais...Lembro do idealismo de pessoas incansáveis que lutaram por seu país como Luis Carlos Prestes ou Herbert de Souza...E ainda, aqui mais perto no Espírito Santo, me recordo do sorriso sincero de Otaviano de Carvalho e da verbe incisiva de Paulo Cesar Vinha que nos ensinaram, nas suas despedidas não autorizadas, o quanto faz falta a perda de um ídolo. 66 Concurso Público Todos queremos um emprego estável, um bom salário e uma carreira promissora, Para isso, estamos dispostos a encarar processos seletivos dispendiosos e desgastantes. O sonho do status profissional de alguns cargos públicos seduzem muitos pretendentes aos empregos de maior qualidade. Com salários capazes de ultrapassar os 10 mil reais, cada vaga chega a ser disputada por 100...200...300 pessoas, estabelecendo, assim, uma luta de gladiadores pelos melhores cargos dos poderes executivo, legislativo e, sobretudo, judiciário. Em primeiro lugar, existe um embate do indivíduo com o conhecimento no qual é preciso mapear e organizar toda a bibliografia focando no assunto da prova, organizando horários diários de leitura e de resolução de problemas, quando for o caso. Para os cargos com mais de 50 candidatos por vaga, o melhor a fazer é se matricular num curso preparatório e estudar pelo menos 06 horas por dia. Os cursinhos funcionam porque eles sistematizam os assuntos a serem cobrados e ensinam assuntos desconhecidos, mas vale lembrar que eles reprovam mais do que aprovam. E, em segundo lugar, além de passar na prova é necessário se classificar, ou seja, para conseguir a vaga é preciso provar que além de ser bom consegui-se ser melhor que os outros. Aí que mora o perigo, porque nem sempre ser melhor que os outros é ser bom. Os concursos e os processos seletivos da empresas estão aí para provar que sua vitória ou sua derrota por vezes não depende de uma valoração absoluta e sim comparativa, isto é, mesmo que sejas bom talvez nunca seja o suficiente para se classificar e que mesmo que se classifiques 67 não significa que sejas realmente bom. O poder público está cheio de pessoas que são iguais ou piores que as pessoas comuns e que somente foram mais capazes de entender o que os testes queriam e se habituaram com o jogo de perguntas e repostas das provas. Mas passar não é fácil e ficar reprovado as vezes é doloroso, por isso alguns profissionais para protegerem sua auto-estima preferem não fazer os concursos públicos, pois fazer um concurso é se submeter a uma avaliação que pode explicitar o seu desconhecimento numa série de informações. Muitos que não passam e nem se classificam nos concursos atribuem aos processo seletivos falhas de natureza ética ou técnica, o que não resolve em absolutamente nada, pois, embora seja sempre um processo darwiniano, o concurso ainda é o processo mais idôneo de competição no mercado de trabalho. Portanto, o importante é não se estressar...Perder faz parte do jogo e para que você não seja derrotado, prepare-se e erre, erre, até acertar. Um vencedor sempre amargou muitas derrotas. Talvez uma boa dica seja fazer uma boa graduação que de base suficiente para competir, pois os cursinhos não substituem a faculdade. Outra é ler, ler, ler sempre...Ler um livro a cada 45 e não confiar no acaso, pois como diz Nietzsche: o homem sábio não confia na sorte. 68 Médicos ou Lixeiros? Nesta semana em que até o Los Angeles Times noticia a gravidade da epidemia brasileira de dengue no Brasil, parece que falta tudo: leitos, pessoal, equipamentos, e nisto se evidencia que a falta de médicos seria o mais grave. Ao que nos parece esta não é a questão, pelo menos é o que demonstra uma recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas em que se demonstra que Estados como Distrito Federal e Rio de Janeiro chegam a ter em média um médico para cada 295 habitantes. Mesmo assim mais médicos são transferidos para área de guerra e eles não só nos parecem insuficientes como também ineficazes. A incapacidade de resolver essa problemática ocorre porque a distribuição dos médicos não é homogênea, visto que nem nas especialidades ( déficit de pediatras e clínicos geral), nem nos setores ( menos no setor público e mais no setor privado) isso de fato acontece. Isto porque que a distribuição fosse volumosa e perfeita, outros fatores como condições de trabalho e remuneração também pesam na qualidade e eficácia do trabalho do médico. Sabe-se que o trabalho na Saúde, como de resto na sociedade, deve ser visto como um todo, todos os trabalhadores e, ao mesmo tempo, cada um em particular, têm enorme importância e neste particular se destacam os lixeiros, garis e profissionais encarregados da limpeza pública que se valorizados e providos em qualidade e quantidade adequadas poderiam fazer toda a diferença nessa guerra contra a dengue. Por que, então, não valorizamos estes profissionais ? Porque tendemos a valorizar apenas as profissões mais elitizadas de trabalho mais intelectual? Viveríamos sem o trabalho dos mais simples? Poderíamos até perguntar, quem é mais importante numa obra, 69 pedreiros ou engenheiros? E para a Saúde de todos quem é mais importante, médicos ou lixeiros? Sem dúvida nenhuma poderíamos afirmar que não se poderia viver numa sociedade sem médicos, mas poderíamos viver numa sociedade sem lixeiros! De certo numa sociedade sem lixeiros os médicos seriam tão importante quanto inúteis ! Isto parece óbvio, mas não é, pelo menos é o que revela uma pesquisa feita na USP pelo Psicólogo Fernando B Costa que revelou que os garis das cidades são tratados como extrema indiferença tidos como seres socialmente invisíveis. Mas quem é mais importante, os médicos ou lixeiros? Como diz a filosofia: pergunta errada – resposta errada. É claro que todos são indispensáveis. Com diz Beto Guedes naquela música: vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois. Nas sociedades humanas todos os membros exercem papeis intercomplementares entre si e essa teia de ações que permite a sobrevivência da espécie. Para saúde e para o bem comum, na luta contra essa e outras epidemias todas as pessoas são imprescindíveis, pois se todos fizéssemos, pelo menos uma vez por dia, o gesto repetidos às centenas de vezes pelos lixeiros que é o de limpar nossa cidade e nossas casas não haveria mais Dengue. 70 Evento Gospel ou Carnaval? Micareta ou show Gospel? Responda rápido! Se você tivesse que escolher entre ter próximo a sua casa o Vital e o Jesus Vida Verão, o que você escolheria? E se você fosse o prefeito ou membro de um grupo político majoritário, qual seria sua escolha? De certo, os moradores de Jardim Camburi que tiveram vilipendiados seu sossego e sua liberdade de ir e vir não iriam querer nenhum evento que impactasse seus cotidianos como outrora o fizera o famigerado Vital. Mas como responderiam os membros das igrejas evangélicas que lutaram contra o Vital? Interessante notar que havia na argumentação dos pentecostais contra a realização do Vital um quê de demonização da micareta. “O Vital é uma coisa do Diabo” “micareta é coisa do capeta” - diriam seus pastores mais exaltados a um rebanho que só faz crescer. No entanto, vale perguntar: os mesmos contrários ao Vital se oporiam hoje a realização do Jesus Vida Verão se realizado no “quintal” de suas casas? Argumentos dogmáticos à parte, o Vital infernizou a vida de todos, corroendo a tranquilidade dos moradores que ficaram expostos ao impacto de 700 mil foliões, consumidores de muito Sexo, Droga e Rock in Roll, (digo) Axé. Hoje vemos na Praia da Costa em Vila Velha, num lugar menos estruturado que Jardim Camburi (tanto em termos de espaço nas vias quanto em termos de largura da praia), realizar-se um evento que dura três finais de semana ( seis dias) e que atrai cerca de 60 mil pessoas para um lugar que nesta fase do ano está ainda mais ocupado. Tudo em nome da fé!!!. Parece absurdo, mas há uma similaridade entre o Vital e o Jesus Vida 71 Verão e essa decorre de uma perda do sentido do outro, de esvaziamento da alteridade, na qual se esvai a noção de empatia em relação aos ofendidos pelos nossos atos (digo, nosso barulho) ou seja, numa situação de poder, o poderoso não percebe o mal que causa ao mais fraco. Estariam os promotores deste evento trilhando o mesmo rumo de insensibilidade assumidos outrora pelo governo municipal de Vitória que criou o Vital? O fato é que a decisão político-teológica que mantém a realização deste evento gospel reiterado num espaço saturado ofende não só o bom senso, mas demonstra também uma contradição cristã que é a de agir com desprezo pelo próximo. Em outras palavras, a hegemonia pentecostal verificada em Vila Velha com a terceira eleição consecutiva de um representante dos evangélicos para o executivo municipal repete o mesmo erro do Vital: impor aos moradores locais a realização de um evento estrondoso e desproporcional ao espaço destinado. O Estado, por sua vez, que deveria ser laico, diferente do caso do Vital, permite a privatização teológica do espaço público sem propor soluções óbvias como: o deslocamento do evento para local apropriado (pavilhão de Carapina), redução do nº de dias do evento, a democratização do espaço para outras religiões, a diminuição do impacto sonoro e logístico via controle do público previsto, etc. 72 Educação para a Paz: por uma escola ética e eficaz A paz não é um estado de resignação e letargia. Nem tampouco se trata de uma condição de subordinação passiva. A paz é uma sensação de segurança, de justiça, de previsibilidade e continuidade da vida. Mas não existe minha paz em contraponto a ameaça aos outros. Ou seja, não existe paz individual, pois esta se constitui de maneira intersubjetiva e compartilhada, é, pois, um sentimento coletivo inerente a um ambiente social justo e fraterno. Nesse sentido, não existe paz onde há violência, mas também não existe paz onde há injustiça social, de sorte que a igualdade e a emancipação humana engendram o próprio conceito de paz. De certo modo, foi em nome da paz que se constituiu o Estado de direito como forma de mediação de conflitos e para que as disputas individuais não se transformassem na luta de todos contra todos. Não que o Estado substitua o conflito, mas que de alguma forma possibilita as disputas sem alimentar o ódio e o confronto. A educação joga nesse processo um papel relevante no sentido de propiciar formas democráticas de acesso á mobilidade e a inclusão social. A constituição Brasileira de 1988, ressalta este aspecto humanizador, pois destaca que ela visa inserir o indivíduo na sociedade propiciando a todos e cada um em particular, isto é sem nenhum tipo de discriminação, a formação para cidadania e para o mundo trabalho. Mas a educação não objetiva apenas socializar e informar o homem, ela também pretende mudar a própria sociedade como um todo. Em 73 outros termos o projeto educativo visa à emancipação humana e a transformação social. Admitindo as contradições do tecido social o Estado estabelece formas não mercantis de acesso a bens culturais e políticos. De modo que a educação é projeto ético que se fundamenta na universalidade do direito, onde todos são iguais. A ética no seu sentido clássico aristotélico, como afirma Chauí, é um projeto de vida feliz que passa pelo indivíduo, mas ganha sua substância no coletivo. Mas aqui o coletivo não se esgota no grupo ou na corporação. O sentido mais pleno do democrático e do ético está no público, portanto todas as práticas que segregam grupos ou favorecem projetos meramente corporativistas ou mercantilistas. Com o advento da modernidade e do Estado direito, o Estado tomou para si a ação estruturante de constituição desse empreendimento social, político e econômico. Não obstante, as concepções pedagógicas que orientam o projeto educativo republicano têm se materializado sob várias vertentes que em cada momento histórico assumiram características específicas que se afastaram, se aproximaram ou mesmo negaram a busca emancipatória e transformadora, o que, aliás, tem posto em questão a possibilidade da educação pública em materializar o projeto da modernidade que é o de romper com as práticas oligárquicas e segregadoras da sociedade medieval. Muitas concepções educacionais emergem do pensamento pedagógico brasileiro apontando alternativas à essas práticas sociais e educacionais, o que tem, historicamente, ajudado a problematizar a escola de ontem e de hoje. Não obstante, mesmo com os números de matrículas e de aprovação escolar terem se ampliado substancialmente na rede púbica nos últimos anos, ainda estamos muito aquém de nossas mais modestas esperanças. As novas teorias pedagógicas, 74 nesse movimento, têm focado sua crítica numa certa recusa ao projeto de modernidade da sociedade igualitária e democrática e para tanto apontam a crise das teorias racionalistas, criticistas, cientificistas, iluministas e salvacionistas. Mesmo comungando com um certo desencanto com as teorias pedagógicas, não acreditamos que os sinais de esgotamento de muitas teorias que pregavam a emancipação humana e a transformação social baseadas na razão instrumental signifiquem uma recusa completa ao projeto de modernidade. Acreditamos que a reprodução de uma sociedade estamental, ou seja pré-moderna, ainda muito real no Brasil, se vincula menos a uma crise teórica e mais a ineficácia do Estado brasileiro. A discriminação social, racial e de gênero gerada (ou mantida) pela prática social e educativa se localiza (muito mais) no âmbito da nossa incapacidade política de garantir uma escola eficaz. Uma escola eficaz é antes de tudo uma escola ética e portanto uma escola da paz. A ética para escola é princípio organizativo, conteúdo e método. Para se educar deve-se ter ética profissional, compromisso com emancipação dos alunos enquanto sujeitos e cidadãos. Não há escola ética, portanto, que produza indivíduos sem sonhos que obtêm sub- informação para um futuro de sub – emprego. Uma escola ética também não admite a corrosão do respeito ao outro, ao aluno, ao professor, aos membros da comunidade. Uma escola ética se baseia no coletivo, mas não se perde na democracia, vincula-se ferreamente ao público, ao serviço publico que deve ser transparente e igualizador. 75 Ou seja, uma escola ética é uma escola laica, única e republicana, visa incluir todos no trabalho e na vida social onde o conflito social não se confunde com a violência, porque distingue diferença de desigualdade. Para isso busca produzir igualdade de modo eficaz. Uma escola assim é uma escola onde os professores ensinam e os alunos aprendem, onde não falta professor, onde eles são assíduos, pontuais e comprometidos, é uma escola que não falta nem quadro, nem parede, nem merenda, nem material didático, nem projeto pedagógico, nem gestão profissional, nem organização, nem aquela vergonha na cara que nos impede conviver passivamente e cinicamente com os números improvisos típicos do cotidiano escolar que gera altos índices de evasão e repetência. Aqui, reitera-se o pensamento de Anísio Teixeira que a escola deve fazer bem o que pretende fazer. Para concretizar o pensamento anisiano é necessário que o sistema municipal na sua função de secretaria de educação do município de Vitória volte seu olhar para o chão da escola ou mais especificamente para a sala de aula e não se perca nas atividades - meio, perdendo assim essência básica de sua existência que é o de fazer a escolar funcionar e funcionar bem. Nesse sentido, ao garantir uma gestão democrática onde as teorias pedagógicas possam emergir dos projetos políticos pedagógicos de cada EMEF e de cada CEMEI, abrimos a possibilidade da materialização de projetos coletivos da comunidade escolar. Não obstante, é necessário perseguir a eficácia escolar como horizonte necessário de nossa ação sem o que nos perdemos nas catarses coletivas e nos debates evasivos que reduzem todo projeto ético-político a um discurso econômico corporativista. Também é necessário valorizar o servidor publico massacrado por anos de descaso, mas isso não implica numa recusa a nossa função primordial de educar. Educar para paz é o 76 projeto mais revolucionário que podemos ter, pois construir autodisciplina e tolerância é a forma mais substancial de mudar a história e a realidade. 77 Medo de Aluno Em 2005, adolescente de 15 anos entra com uma pistola na escola municipal Mauro Braga (Vitória). Neste ano, na escola estadual José Moysés (Cariacica), o ex-aluno Ioséias dá dois tiros na diretora Etevalda Sartório. Notícias como essas não param de reiterar um sentimento de medo que graça nas escolas. Segundo a confederação nacional de trabalhadores em educação, essa não é uma realidade local. Uma pesquisa identificou situações de violência nas escolas em todo o Brasil. Mas isso nem sempre foi assim, houve um tempo em que os alunos temiam os professores. Os profissionais da Educação tinham uma aura de poder e de autoridade que faziam tremer os estudantes. Sua respeitabilidade, sua importância econômica e social, seu reconhecimento público fazia com que todos se dirigissem aos professores (e principalmente aos diretores) com reverência e por que não dizer com medo. Numa época em que a autoridade de pai se transferia direta e naturalmente para o professor e a este era autorizado punir, castigar e reprovar, havia o chamado medo de aluno onde o aluno tinha medo. Hoje a frase medo de aluno está subvertida, quem sente medo é o professor. Tratados hoje como se fossem clientes, intocáveis nos seus palavrões e ofensas contra colegas e docentes, estudantes sociopatas, escudados no Estatuto de defesa da Criança e do Adolescente, seguem livres sem conhecer o medo que assusta, mas também educa. Desvencilhados da autoridade paterna (cada vez mais ausente) e / ou 78 materna, chegam na escola sem os elementos básicos de uma obediência que pudessem transferir para os professores. Frutos de um processo intenso de abandono, sem serem amados se tornam incapazes de amar, respeitar e até temer. Destemidos, olham desafiadoramente para os docentes como se deles inimigos fossem. Invisibilizados pela pobreza e pela segregação sócio-racial, buscam pela violência reconquistar o reconhecimento público e vêm nas armas um passaporte para o status social. É o que nos informa o antropólogo Luis Eduardo Soares no livro “Cabeça de porco”, em que afirma: os jovens tentam reconquistar sua auto estima e sua visibilidade por meio da violência. Por isso aqueles que sentem falta de segurança, afeto e futuro, portam armas com o fito de impor um respeito que nunca receberam ou nutriram por ninguém. É isso que fica nítido na expressão do aluno Ioséias no orkut onde exibe orgulhoso sua posição de poder com arma em punho. È necessário desarmar os jovens do ódio do abandono e resgatar a autoridade da escola. Muitas vezes professores são ofendidos, ameaçados, agredidos fisicamente, seus carros são riscados e isso se transforma num problema pessoal em que se procura o que o profissional teria feito para causar tal atitude. Ao invés de culpabilizarmos a vítima é necessário politizar o problema. Cada agressão deve ser discutida amplamente pela escola, autoridades e famílias de modo a responsabilizar os autores antes que seja tarde demais. 79 Novo Vestibular O acesso ao ensino superior no Brasil até um passado recente era privilégio de uma pequena parte da sociedade composta por homens brancos filhos de senhores de engenhos. Assim como Coimbra, as antigas faculdades de Medicina e de Direito de Salvador e Recife eram pra poucos que compunham uma elite mais rica do que inteligente. Hoje o ensino superior brasileiro ampliou bastante sua capacidade de absorver os jovens egressos do ensino médio, atingindo os promissores, mas ainda pequenos, 10% da população de 18 a 25 anos. Países mais adiantados como França e EUA chegam a ter 80% de sua população nesta faixa etária nos bancos das faculdades, outros, porem, com PIB menor que o nosso, diferente de nós, ultrapassaram os 30 % da população jovem a exemplo do Chile e Argentina. Marcado pela forte presença do setor privado, o ensino superior brasileiro, sobretudo na sua vertente pública, segue sendo objeto de desejo de muitos estudantes de todas as classes sociais. Além dos vários anos de estudos, entre os muitos pretendentes ao diploma de “doutor” e a academia se antepõe uma enorme e quase intransponível barreira: o Vestibular. Criticado pela enorme ênfase na memorização e por produzir uma intensa elitização do acesso ao antigo 3º Grau, o vestibular acabou por se tornar um mal necessário de justificativa mais aritmética do que pedagógica, pois onde têm mais gente e menos vaga não há o que fazer, entra em cena a peneira do sucesso e o sucesso da peneira. Nas ultimas décadas, no entanto, vem surgindo novas alternativas de avaliação que têm no ENEM seu melhor exemplo. Provas mais 80 interdisciplinares e que valorizam a capacidade de analise e de elaboração dos candidatos são mais adequadas e aceitas por alunos e professores de todo Brasil. Nestes termos, o governo federal propondo melhorar o acesso ao Ensino Superior e por tabela o Ensino Médio, está tentando fazer com que os vestibulares sejam substituídos completamente pelo ENEM. Para o que, o Exame mudaria de modelo, saltando das atuais 63 questões e redação para 200 questões divididas em Linguagens, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Matemática e Redação. Dentre as inúmeras vantagens dessa empreitada federal podemos citar: redução de custos para os alunos e para as universidades, maior transparência nos exames, menos ênfase na memória e pegadinhas, mais mobilidade dos melhores alunos para os melhores cursos, mais pressão pela melhoria dos ensinos médios Brasil a fora etc. Mas nem tudo são flores...O efeito sobre o ensino médio pode ser danoso! Numa prova nacional haveria uma padronização que impediria que as IFES nas provas de literatura, geografia e história, por exemplo, utilizassem referências regionais. Ou seja, sem existir um exame local, textos como os de Deni Gomes e de Bernadete Lyra já utilizados pela UFES não seriam lidos pelos alunos do ensino médio local. Neste caso, a uniformidade empobreceria os currículos reduzindo a diversidade cultural a pó. 81 Turnover: efeito sanfona da economia Assim como na Dieta o efeito sanfona na Economia denota mais mudança do que efeito. Muitas vezes um fenômeno econômico parece alterar tudo, mas tudo fica como está e às vezes o saldo é mais negativo do que parece ser. Assim é o mercado de trabalho ele pode esticar e retrair sem reter grandes resultados. A variação das admissões e demissões no mercado de trabalho, a chamada rotatividade, segue uma lógica parecida, e seus efeitos mesmo quando resta um pequeno saldo positivo podem ser mais danosos que evidentes. No Brasil a rotatividade é enorme, pelo menos é o que afirma o IPEA que informa um turnover nacional de 40%. Segundo o DIEESE , em 2007, 14,3 milhões de trabalhadores foram admitidos, mas 12,7 milhões foram desligados (com saldo de 1,6 milhão) e se projeta para 2008 que sejam demitidos 9,7 milhão, o que representará 1/3 do mercado formal brasileiro. Mesmo que o saldo para esse ano seja, na melhor das hipóteses de 2 milhões de emprego, os custos sociais desse estica-encolhe não são nada desprezíveis. De acordo com a Fundação SEADE, das demissões ocorridas no ano passado 60 % , cerca de 7,6 milhões de empregados demitidos, foram desligamentos sem justa, o que implicou nos astronômicos 16,035 bilhões gastos entre seguro desemprego, aviso prévio, multa e saque do FGTS. Além disso, como é do conhecimento de todos não só a sociedade é prejudicada por que paga estes custos sociais os trabalhadores também são prejudicados por praticas de rotatividade, pois em geral os novos admitidos recebem até 1/3 menos que os antigos funcionários. 82 Podemos, inclusive, afirmar que os próprios empregadores também sofrem efeitos negativos desta cultura empregatícia, senão vejamos os altos custos de qualificação, recrutamento, seleção, isto sem conta com a multa do FGTS que é paga pelo empresariado ( em 2007 9,975 bilhões).. Nas regiões metropolitanas esta questão do emprego se revela ainda mais importante haja vista os graves problemas sociais. Segundo a pesquisa de emprego e desemprego da fundação SEADE e DIEESE a taxa de desemprego nas regiões metropolitanas brasileiras caiu em 7,7% de 2006 para 2007 (que foi de 15,2%). Para 2008 é possível que que a queda seja bem maior reduzindo para em torno de 11,5%. No entanto, esta medição só opera com o emprego formal e não consideram a desocupação da PEA como um todo seguramente ultrapassa 1/3 da população que tem 15 anos ou mais. Para uma Região como a da GV que tem cerca de 1,5 milhão de pessoas, sendo que dentre essas mais 120 mil estão desocupadas (pessoas desempregadas com 15 anos ou mais) e mais de 300 mil recebem até meio salário mínimo per capita e onde a taxa de homicídio é de 70 por 100 mil, é importante afirmar que este crescimento estupendo de 554 440 empregos no país e de 10 632 no estado não apenas se demonstra insuficiente como também se evidencia pouco inclusivo da população da GV. Em Vitória isso não foi muito diferente, em recente relatório da Caged / MTE para o mês março a cidade de Vitória criou 2939 empregos e no ES 10 632, mas o interessante que as contratações foram de 20 107 pessoas e as demissões de 17 168. O que fica demonstrado é que na capital de cada 200 empregos gerados 170 são parte do Turnover e apenas trinta são retidos no mercado. Neste caso na capital 85,3% entraram em rotatividade e o crescimento positivo em relação ao 83 número total de empregos da cidade corresponde a um crescimento de apenas 2,16%. No que diz respeito ao ES e à GV que impacto teríamos com a redução do circulo vicioso demissão X contratação ? Na região metropolitana como demonstrou a CAGED do 1º trimestre o fenômeno da rotatividade também se repete. Na Serra (15 939 admissões e 13 928 demissões 87% de turnover), Vila Velha (12 893 admissões e 11 285 demissões 87,5 % de turnover), Cariacica ( 5 989 admissões e 5 354 demissões 89,3 % de turnover), Viana ( 1 112 admissões e 901 demissões 81 % de turnover) e Guarapari ( 2 034 admissões e 2951 demissões 145 % de turnover) junto com Vitória criaram 6 276 empregos (crescimento de 2 a 3%), mas empregou 58 024 e demitiu 51 587, gerando uma rotatividade metropolitana de 89% daquilo que poderia ser a totalidade dos empregos gerados. Neste caso para cada 10 admissões na GV pelo menos 7 foi em reposição de demissões e 3 de fatos foram empregos novos, o que representa apenas 2,5 % do total de empregos reais da RMGV. No ES algumas empresas ( a exemplo da Flexibrás, Sipolati e Carone) vivem a dificuldade de manter os profissionais de RH, ocorrendo assim uma contradição: o turnover do profissional anti turnover. Os profissionais de RH sentem dificuldade de se manter me empresas que só fazem recrutamento e seleção de pessoal e investem pouco em desenvolvimento de pessoal. O turnover nem sempre é ruim: um turnover 3% oxigena a empresa, mas um maior que 30 % asfixia, pois pode comprometer qualquer política de treinamento e de qualificação de médio e de longo prazo. Nos setores de serviços e comércio como restaurantes, livrarias, hotéis, escolas privadas, lojas e postos de gazolina, não é possível mais encontrar àquele bom funcionário que te atendeu tão bem. 84 No Brasil, a questão da demissão nunca foi muito bem resolvida. Em 1923, teve início a lei Eloy Chaves (inicialmente só para os ferroviários) que garantia estabilidade para os trabalhadores que tinham mais de 10 anos no emprego, direito este assegurado posteriormente na CLT, o que vigorou até 1966 com a aprovação da lei 5107 que criou o FGTS. Este sistema criou uma espécie de seguro contra a demissão, mas hoje sua eficácia é basteante discutível, pelo menos é o demonstram pesquisas da USP que apontam para o mau uso do FGTS com as falsas demissões que denotam que o fundo criado para dar estabilidade pode estar gerando instabilidade no emprego. Uma das formas de correção desta lógica no curto prazo seria a redução do turnover. Para tanto, é necessário uma mudanças de mentalidade que possam superar a estratégias imediatistas que resultam na banalização das demissões e no aumento dos custos de qualificação profissional. Neste contexto, ganha força a discussão da convenção 158 da OIT que restringe a demissão imotivada. Vale lembrar que isso não é uma novidade, já em 1963 a OIT tinha a recomendação 119 que tematizava a questão da demissão, recomendação esta convertida em 1982 na convenção 158 que só se tornou internacional em 1985, tendo hoje como signatários os países: França, Portugal, Espanha, Suécia, Austrália, Finlândia, Turquia, Marrocos e Venezuela. Essa convenção 158 da OIT proíbe a a demissão de um trabalhador a menos que exista uma causa justificada, relacionada ao comportamento do trabalhador ou baseado em necessidades de funcionamento da empresa – motivos econômicos / tecnológicos( artigo 4º), portanto exige-se a chamada justificabilidade da dispensa. E se o trabalhador se sentir injustiçado pode recorrer à arbitragem contra atitude do empregador. Tendo em vista que a constituição federal no artigo 7º, Inciso I prevê que a relação de emprego deve setar protegida contra a despedida 85 arbitrária, já em 1992 houve a ratificação cujo o registro ocorreu em 1995 no governo FHC, sendo esta alvo de uma ação de inconstitucionalidade movida pela CNT. Deste processo resultou a denúncia da convenção 158 que por meio do decreto 2100 de 1996 (des) aderiu o país como signatário. Retomando esta questão, em 14 de novembro de 2008 o presidente Lula encaminhou para apreciação do congresso. Quais seriam as vantagens dessa adesão a diretriz da OIT? De acordo com o DIEESE, todos seriam beneficiados, não só para os trabalhadores, mas também as empresas. Gastos hoje realizados poderiam gerar mais empregos e humanizar as relações de trabalho. Evidente que os empregadores devem ter a liberdade para contratar e demitir, mas talvez certas praticas reiteradas no tempo se autojustificam mais pela inércia do que pela a razão. Deste modo, se o debate sobre a convenção 158 no congresso for capaz de gerar uma nova legislação mais equitativa deixaremos de ver os gastos enormes em qualificação serem corroídos por práticas trabalhistas equivocadas e imediatistas. 86 O Mito da Qualificação Segundo IPEA e o IBGE, os números de 2010 dão conta de que neste ano devem ser criados no Brasil (02 milhões) mais que o dobro de vagas de emprego do ano passado (995 mil). No ES, a mesma tendência se repete e devemos gerar cerca de 36 mil novos postos de trabalho, também o dobro das 18 949 de vagas criadas em 2009. Neste aspecto ganha destaque a industria vem tendo uma expansão de 5,6% se comparado com dezembro e de 48,5% em relação a janeiro de 2009. Deste modo. o mercado local deve, segundo projeta o IBGE, gerar só no Comércio 16 314 e no Turismo de 6 473 novas oportunidades de trabalho. Mas ao que sinaliza Márcio Pochmann presidente do IPEA não haverá mal de obra suficiente. Em alguns casos estima-se que faltará gente para trabalhar em vários setores no Espírito Santo [com maior déficit nas áreas do comércio - reparação onde devem faltar 9666 trabalhadores, seguindo de alojamento/alimentação com - 5262, construção civil - 2069 e educação/saúde/serviços sociais – 1 943] e no Brasil [com destaque para o comércio/reparação - 187 580 trabalhadores]. Este contexto, pode nos levar, porem, as mesma conclusões superficiais que ocorreram em 2008 quando o Brasil gerou 2 milhões de postos de trabalho e o Espírito Santo chegou a passar a casa das 40 mil admissões. À época, e hoje, o discurso se repete: tem emprego, o que falta é gente qualificada. Verdade em parte! Visto como problema, a falta de trabalhadores pode produzir por incrível que pareça 04 efeitos sistêmicos muito interessantes: a) elevar a média salarial da categoria mais demandada atraindo mais trabalhadores interessados em ingressar na profissão (ex: pedreiro); b) reduzir a rotatividade predatória que desqualifica os recursos humanos e demite os funcionários mais antigos ( ex: vendedores); c) reduzir as exigências artificiais e exageradas dos 87 empregadores que superestimam os critérios de seleção ( ex:exigência de ensino médio para trabalhar como gari) e d) produzir o deslocamento geográfico-quantitativo de contingentes de certos tipos de trabalhadores mais qualificados para regiões para as quais migrou a demanda ( ex: metalúrgicos de MG e SP que vieram para a antiga CST). Deste modo, dependendo do ponto de vista a falta ocasional de trabalhadores tem lá seus efeitos positivos. Por um lado, se é verdade que há trabalhadores qualificados desempregados também é verdade que há muita vaga disponível para as quais tem pouca oferta de trabalhadores qualificados e isso é grave e pode afetar o crescimento do pais, mas, por outro, também há muita gente se formando em áreas e em quantidades inadequadas, o que ocorre porque a escolha dos estudantes e a oferta dos cursos não dependem diretamente do mercado de trabalho e sim do “mercado” da formação profissional. Portanto, vale perguntar: quem decide - quantos? onde? em que áreas? em que níveis ? deverão formar (no curto, no médio e no longo prazo?) as instituições de educação profissional (IFES, UFES, SENAI, SENAC e setores públicos e privados da educação) ???? Ou seja, se não é possível planejar nos mínimos detalhes como será a demanda por emprego (quantos?, como?, onde? ) será demandada? Podemos dizer que é possível planejar a oferta de qualificação profissional a ser empreendidas na sociedade. Caso contrário, continuaremos a ver proliferar um “mercado” caótico e ineficaz de formação profissional que gasta bilhões de reais dos governos e dos alunos no qual instituições disputam entre si espaços congestionados de formação e negligenciam outros estratégicos sem produzir o resultado adequado. 88 Big Brother Brasil: Brincando de Exclusão Todo ano recomeça mais uma versão de um dos reality shows mais vistos no mundo, o Big Brother Brasil. Numa alusão ao grande irmão fascista que tudo vê e tudo controla, este programa constitui síntese da nossa sociedade atual. Cênica, Cínica, promiscua, controladora e excludente. Mais uma vez milhões de pessoas exercerão o prazer de ver os cristãos brothers serem devorados nos paredões do coliseu da globo (em troca de um milhão que supostamente poderia lhes sustentar por toda eternidade). Além da minha curiosidade alcoviteira de telespectador muitas perguntas me vêm a mente. A primeira dela diz respeito aos critérios de escolha dos participantes. Será que são escolhidos pelos seus corpos sensuais e rostos lisos de juventude ou será que são selecionados por suas mentes vazias e ambiciosas. Apesar de nunca ter visto nenhum deficiente físico neste programa, acredito mais nas últimas hipóteses do que nas primeiras, pois tendo eles um mínimo de cognação ( ou formatação ética) não tolerariam as provocações esgrimidas pelo adestrador de mamíferos de luxo* Pedro Brial. Decerto este show de péssimo gosto televisivo possui muitas contradições e dentre elas destaco inicialmente a mais óbvia que diz respeito ao título. “Big Brother”. Ora, ali, ninguém é irmão de ninguém. Nem grande nem pequeno. Nem por isso eles se matam dentro de casa. Muito ao contrário, vence nestas disputas quem têm mais saco ou menos personalidade. Por isso, não obstante subjetivamente lutarem uns contra os outros, os anti-irmãos riem uns para os outros o tempo 89 todo, ali não tem cara feia nem ninguém faz cara feia para ninguém. Eles parecem um bando de gente sem nada para fazer numa espécie de espetáculo do ócio. Parecem estar numa casa de praia onde todo mundo come todo mundo sem remoço mantendo a amabilidade recíproca nas fronteiras do cinismo. Até porque, como já dissemos, no show da TV fica mais tempo quem faz de conta que é um big brother de todo mundo. Aparentemente, o big brother nada tem a ver com a gente anônima do dia a dia de trabalho duro. Mas nós em nosso dia a dia não somos tão diferentes deles. Num ambiente de trabalho temos de ser amigos de todo mundo, rir para todo mundo porque se não as pessoas inconscientemente “votam” na nossa saída. Como os pseudobrothers somos competidores de um jogo egoísta onde a intriga e a inveja orientam nossas estratégias. Como diz o historiador inglês Eric Hobsbaw, nessa nova fase do capitalismo global, substituímos o Nós pelo Eu. Disputamos num processo onde excluir é a regra. Antes ele do que eu, é o lema do falso grande irmão que sorri e brinca com sua falsa simpatia e seu amor prostituto. Por isso festejamos quando permanecemos em cada etapa do programa ou da vida. Mas é interessante notar que no caso dos big brothers, não obstante, buscarem a todo custo o prêmio final, eles parecem sofrer ao terem que eliminar algum irmão que com o tempo de ambiente produtivo real, podemos observar muitas similitudes quando a demissão de alguém preserva o nosso emprego ou quando ao passarmos no vestibular a nossa vaga significa a não entrada de alguém na universidade. Dói a responsabilidade de ser o vencedor do jogo da exclusão e da desigualdade. Mas nada como uma aula diária de egoísmo e sadismo. Na escola da TV aprendemos didaticamente que a exclusão Faz Parte!** Talvez exista neste reality show um grande mérito pedagógico. Talvez estejamos 90 brincando de exclusão para aceitarmos a dura realidade social do desemprego tecnológico. Engraçado que é justamente a tecnologia das câmeras e dos meios de comunicação que nos coloca em contato com uma simbologia que nos faz aceitar prazerosamente e perversamente a mesma tecnologia que progressivamente no processo de produção capitalista exclui mais e mais pessoas do mercado de trabalho. As lições de karl Marx e Frederic Jameson nos alertam, como em cada fase a sociedade constrói os símbolos que lhe dão legitimidade. O que fazer quando o ganhador leva tudo e aos perdedores sobra a exclusão?Será que o deleite da torcida pela derrota de muitos e a vitória de um faz parte???? Desligue a televisão ou mude de canal antes que as brincadeiras televisivas se tornem tão lúdicas quanto nocivas. Isso não vai mudar a realidade do mundo real, mas talvez preservem a sua capacidade de indignação. 91 Neoliberalismo e Barbárie As reformas neoliberais e suas conseqüências no campo da privatização do espaço público colocam os instrumentos do contrato social em xeque e substituem a idéia de res publica pela idéia de res privatti. No espaço privado, a democracia segue a lógica mercantil, segundo a qual a participação se restringe ao sufrágio dos acionistas e às migalhas das políticas de equidade. Este conceito, bastante discutido em Dalila Andrade Oliveira (2000), transforma as políticas públicas em ações compensatórias e migalhas que são lançadas aos excluídos e muito pobres. Serviços públicos, que antes eram deliberados democraticamente por todos quanto à sua tessitura, temporalidade e acesso, na perspectiva da universalização de direito ou do Estado de direito, passam a seguir a lógica flexível da demanda e da auto-sustentabilidade. Essa situação molda ações públicas, conferindo-lhes um perfil ora explicitamente comercializado, ora embebido numa perspectiva velada de produtividade, de qualidade total e de lucratividade. A nosso ver, isso toca diretamente na densidade, alcance e profundidade das ações públicas, cujo aspecto, tomado como ponto de partida analítico privilegiado no contexto deste trabalho, é a temporalidade. Logo uma nova temporalidade impõe-se como necessária, como um tempo socialmente necessário, embebendo o espaço público (privatizado ou em processo de privatização) de descontinuidade, brevidade, efemeridade, segmentação e flexibilidade em nome da qualidade. Assim sendo, a superação do sistema taylorista-fordista-keynesiano, sinaliza que estamos passando de uma sociedade contratual (no caso da periferia do capital ainda não consolidada) para uma sociedade na qual apodrecem as bases do contrato social que embora erguido na tensão dialética entre reprodução da desigualdade e emancipação 92 social expunha da sociabilidade contemporânea sua faceta ainda civilizatória. Abandonar este estágio em nome da acumulação, já na sua etapa financeirizada (nos termos de Arrigui) estabelece uma espécie de fascismo societal (SANTOS, 1999) que se manifesta numa espécie de apartheid que segrega os excluídos, de sorte que uma nova cartografia urbana se impõe, criando abismos sociais e físicos explícitos que dividem as cidades em zonas selvagens e em zonas civilizadas, o que se revela nos castelos neo-feudais, com seus enclaves indecentemente visualizáveis nas cidades privadas, que são os shoppings centers e os condomínios fechados. Santos (1999) afirma a emergência de um regime sociocivilizacional onde se privatizam os serviços de saúde, educação e previdência, que, ao exaurirem as suas possibilidades, instauram o medo e a insegurança, revelando a face mais intensa e mais dissimulada do fascismo societal. Embora essa parte do trabalho (e muito menos ele como um todo) não se proponha, nem de longe, esgotar, nem o debate marxista sobre a questão do Estado e nem mesmo resolver o grande problema da filosofia política que é gerar o bem comum sem perda da liberdade, passamos analisar que alternativas de Estado contratualista podemos ter. Acreditamos como Chauí (2003), que a essência do Estado de direito ou da democracia deva ser o interesse público e que sua antítese situase no campo do privado e que toda forma de tirania e facismo se expressa pela identificação do interesse individual ou particular como sendo o interesse geral ou coletivo. Embora concordemos com Marx e Rousseau de que o Estado possui uma característica de classe, não conseguimos perceber outra possibilidade de da sociabilidade se manter nos marcos da liberdade individual, sem a existência do Estado de Direito e da institucionalidade. Apesar das ressalvas de Tocqueville, segundo o qual, não existe liberdade sem igualdade e mesmo percebendo as inúmeras precariedades da alternativa keynesiana e os riscos da alternativa soviético-burocrática, tentando não incorrer na 93 Estatolatria1, como Gramsci e Hegel acreditamos que só um projeto de Estado ético, ainda que teoricamente incompleto, mas historicamente hegemônico poderemos construir uma sociabilidade mais humana. A estratégia das classes dominantes inseridos nas estruturas de poder é de substituir de prioridade do combate ao defict social pela do combate ao defict publico, instaurando crescentemente uma paradoxal “democracia sem cidadãos”, direitos políticos formalmente reconhecidos, com recortes substanciais nos seus direitos sociais, onde se corrói a base material em que se apoiaria o processo de socialização, da massa da população através das relações formais de trabalho, fragmentando todo o tecido social e produzindo indivíduos vivendo em condições precárias, inseguras e atomizados como cidadãos – portanto, como não –cidadãos (Sader, 2003, p317). Isso tudo se viabilizou e se viabiliza pelo modus operanti de produção de consenso que acabou por travar a formação e o desenvolvimento de formas mais politizadas de consciências, em benefício de formas econômico-corporativas ou de atitudes mentais, consumistas, individualistas, medíocres, indiferentes à vida comum (Nogueira: 2003, p 218). A única saída para além da guerra de movimento, seria então a construção de uma contra-hegemonia ou a guerra de posição, que nucleada na sociedade civil (como afirma Gramsci) ou nucleada na sociedade política (como afirma Poulantzas), produziria a construção de uma nova sociabilidade e um novo pacto entre as classes. Mas o que ocorre é bem pior : O Estado se desfacela e se esvazia de uma forma aparentemente irreversível e a sociedade civil cresce, incha, se transforma e se multifaceta. Muito embora a sociedade civil se amplie, não vê aumentada sua unidade, pois sua diversidade não demonstra sinais de força, mas de perda de coesão. Essa fica congestionada de ações e movimentos, mas não consegue se por como espaço de verificação e agregação, 1 Tendência de supervalorizar o Estado como lócus único de transformação social que restringe a luta de classes às disputas da sociedade política (ver Gramsci e Coutinho em textos diversos). 94 tornando-se desunida e impotente já que não se estrutura como base de avanços sociais sustentáveis nem consegue funcionar como fator de garantia de políticas públicas democráticas. Sua fragmentação, em conseqüência, fragiliza as bases de contestação, bloqueia a democracia (Nogueira: 2003, p 220). Esse quadro nos coloca mais do que uma questão política, mais do que uma questão educacional, mais do que uma questão tecnológica ou econômica, mas, sobretudo, põe uma questão sobre nossa civilidade e nossa capacidade de gerar uma sociabilidade mínima que nos permita viver em sociedade, de sorte que acreditamos que não é só a questão da luta de classes está posta, mas a própria viabilidade do tecido social. O fato é que com a desagregação política da formação capitalista atual, inrrompe-se uma espécie de não-Estado (Fausto, 2003, p 295) que conservando alguns traços de formalismo e meios violentos só faz instaurar a fragmentação. Desorganizar, fragmentar, reforçar o privado, buscar a passividade e despolitização das massas e disseminar um sentimento de inevitabilidade diante dos abismos sociais (Camprone, 2003, p 59). Essa situação não potencializa nem a guerra de posição nem a guerra de movimento, ao contrário ao retirar as classes subalternas da luta pela manutenção e ampliação da esfera pública cria-se apatia política que permite avançar rumo à utopia do “Estado mínimo” ou “estado modesto” fisicamente menos custoso e imunizado contra o perigo de abrigar organizações propensas a se tornar anti-capitalista ou pelo menos perturbar a lógica de acumulação. A nosso ver e expressão desse movimento pode ser percebido nas temporalidades assumidas pelas políticas públicas que no seu esvaziamento reduzem permanentemente sua densidade, profundidade, extensão, universalidade e duração, o que sinaliza a existência de articulações entre os conceitos de Tempo e de Estado. 95 Produtividade Letal O domínio do fogo, da física, da química e da metalurgia permitiu ao homem a extensão da mão humana dando-lhe mais força e a precisão. Além de poder deslocar uma flecha com força e velocidade com a tecnologia de um arco, uma ponta de metal permitiu ao homem mesmo sem estar próximo a um animal rasgar a sua carne, dilareçerarlhe as entranhas e abater sua vida. Também, assim, um pedaço de metal encapsulado num tubo cônico acondicionado num tambor com uma carga de pólvora uma vez detonada, desloca-se supersonicamente por um cano que se devidamente direcionado, pode remover os movimentos, as respiração, a pulsação e o calor de qualquer ser vivo. Por isso ter e obter um instrumento desses tornou-se para o homem antigo e contemporâneo instrumento de poder e de auto-proteção. Mas à medida que esse instrumento tornou-se mais produtivo, mas automático, mais eficaz a capacidade humana de perceber, de sentir, de escutar, de cheirar a irrupção do corpo daquele que é atingido pela ação de um objeto físico-dilacerante cortante-perfurante tornou-se cada vez menor e mais suportável para aquele que o aciona. De jeito semelhante, mesmo tendo inventado a pistola alemã capaz de cortar o corpo de quatro homens enfileirados, foi necessário ao exército nazista recorrer ao uso do gás não só porque ele era mais produtivo, mas também porque os soldados ficavam abatidos ao fuzilarem dezenas de judeus por dia. Outra alternativa, foi a tática de bombardeio, técnica covarde de quem joga uma bomba e sai correndo sem ver a dor do outro. Nessa mesma direção a bomba atômica, top de linha de nossa capacidade destrutiva, despedaça e flamba milhares de corpos simultaneamente à distância por atacado. 96 Cada morte violenta de cada pessoa humana é única e suficientemente cruel, pois a vida esvai arrancada do corpo antes do tempo natural destruindo a paz dos vivos e esgarçando as almas de parentes e amigos. Mesmo assim, mais cruel do que máquinas que conseguem matar muitos em pouco tempo são as máquinas que produzem estas de modo cada vez mais eficaz. Quais seriam o prazer e o rendimento de quem desenvolve máquinas mais eficientes para produzir mais revolveres, mas mísseis, mais fuzis? E o inventor daquele instrumento que possibilitou ao assassino de crianças Wellington de Oliveira de recarregar rapidamente as maquininhas de tirar vidas: seus dois revolveres calibre 32 e 38 que disparam mais de 50 tiros, como se sente? Não deveríamos criminalizar a produção de certos instrumentos nocivos a convivência humana ou no limite restringir e sobretaxar de maneira corajosa a produção, o comércio e o consumo, assim como fazemos com as drogas e os cigarros? O fato é que a sociedade está infestada de armas por todo canto. Chega-se dizer que temos só no Brasil cerca de 26 milhões de armas de fogo. Dados da Amnesty International e Oxfam International, por meio do documento “Vidas Despedaçadas: As armas estão fora de controle” de 2003, dão conta que: a) “mais de 500.000 civis em média morram por ano em conseqüência do mau uso de armas convencionais: uma pessoa a cada minuto”; b) “A violência organizada e generalizada pode custar tantas vidas quanto um conflito armado explícito”; c) “Nos últimos 14 anos, quase 4.000 pessoas com menos de 18 anos foram mortas por revólveres no estado do Rio de Janeiro, Brasil”; d) “Um terço dos países gasta mais com seu exército do que em serviços de atendimento de saúde”; e) “Os gastos em serviços de saúde para atender os efeitos da violência chegaram a 1,3% do produto interno bruto no México, 1,9% no Brasil, 4,3% em El Salvador e 5% na Colômbia”; f) “O número de armas pertencentes a civis ultrapassa facilmente o de armas em mãos oficiais”; g) “Quase oito milhões de novas armas de pequeno porte são fabricadas a cada ano, a maioria 97 indo parar nas mãos de civis – como uma torneira aberta ao máximo, despejando novas armas na poça mundial”; h) “As armas matam, em média, mais de meio milhão de homens, mulheres e crianças a cada ano”; i) “Nos últimos 10 anos, 300.000 pessoas foram assassinadas no Brasil, muitas em conseqüência da violência urbana e da proliferação generalizada de revólveres e armas de pequeno porte, que respondem por 63% de todos os homicídios no país”; j) “Muitas armas são fabricadas no Brasil, mas revólveres também são importados (pela ordem de importância: EUA, Espanha, Bélgica, Alemanha, Itália, República Checa, Áustria e França)”; l) “Calcula-se que existam em circulação 640 milhões de armas ligeiras a que se adicionam em cada ano 8 milhões entretanto fabricadas, de todas estas armas 40 por cento são ilegais”; m) “Em cada ano, entre 200 a 270 mil pessoas morrem por ação de armas ligeiras ou por conflitos entre Estados”; n) “O comércio legal de armas ligeiras cifra-se em 4 mil milhões de dólares por ano e o ilegal chega já a um quarto daquele montante”. No contexto dos últimos fatos de nossa sociedade temos que lembrar como fizera Padre Saverio Paolillo (Pe. Xavier) da Pastoral do Menor da Arquidiocese de Vitória – ES, a chacina do dia 07 de abril, na Escola em Realengo não é a primeira no Brasil, pois a dezoito anos atrás, um grupo de extermínio abriu o fogo contra 70 crianças e adolescentes na Igreja da Candelária matando oito pessoas. Como afirma Padre Saverio Paolillo (Pe. Xavier), “as duas chacinas têm algo em comum: a idade de suas vítimas, entre 11 e 17 anos, e o fato de terem sido mortas com armas de fogo sem chance de defesa”. “Na Candelária morreram Paulo Roberto de Oliveira, de 11 anos; Anderson de Oliveira Pereira, de 13 anos: Marcelo Cândido de Jesus, de 14 anos: Valdevino Miguel de Almeida, de 14 anos; "Gambazinho", de 17 anos e Leandro Santos da Conceição, de 17 anos”. No Realengo faleceram Milena dos Santos Nascimento, de 14 anos; Mariana Rocha de Souza, de 12 anos; Larissa dos Santos Atanásio, de 13 anos; Bianca Rocha Tavares, de 13 anos; Luiza Paula da Silveira Machado, de 14 anos; Laryssa Silva Martins, de 13 anos; Géssica Guedes Pereira, de idade não divulgada; Samira Pires 98 Ribeiro, de 13 anos; Ana Carolina Pacheco da Silva, de 13 anos e Igor Moraes da Silva, de 13 anos. Explicar tais eventos nos foge completamente. um suposto bulyng sofrido por welingtom na mesma escola ou as péssimas condições de trabalho policial no Rio de Janeiro nos parecem migalhas de argumentos diante da obviedade do problema sistêmico da epidemia das armas no Brasil e no Mundo. Neste momento só me vem a indignação diante da gana capitalsita dos produtores de armas e no limite de minha razão prorporia a morte das méquinas que fabricam a morte, ressucinato o movimento luddista. Certa vez, no ano de 1812, há quase dois séculos atrás, Mr.Smith, um dono de uma tecelagem no distrito de Huddersfild, no leste da Inglaterra, recebeu uma estranha carta assinada por um tal de "General Ludd". Continha pesadas ameaças. A sua fábrica em breve seria invadida e as máquinas destruídas, caso ele não se desfizesse delas. Um incêndio devoraria o edifício e até a sua casa, se ele tentasse reagir. O nome Ludd era conhecido nos meios fabris desde que um maluco chamado Ned Ludd, uns trinta anos antes, em 1779, invadira uma oficina para desengonçar as máquinas a marteladas. A mensagem ameaçadora não era brincadeira. Uns meses antes, nos finais de 1811, uma onda de assaltos aos estabelecimentos mecânicos espalhara-se pela região de Nottingamshire, uma antiga área ligada à criação de ovelhas e que desde o século 17 vira crescer por lá, espalhadas, pequenas empresas de fiação e tecelagem. A revolução industrial, com a rápida disseminação da máquina a vapor, como era de esperar, provocou ali uma radical mutação socio-econômica. Por todo lado novos teares e máquinas tricotadeiras, embaladas pela nova tecnologia da energia a vapor, substituíram os antigos procedimentos das rocas de fiar. As reações não demoraram (http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2006/03/13/000.htm <acesso em 13/04/2011 13:49). 99 A carta do General Ludd "Possuímos informações de que você é um dos proprietários que têm um desses detestáveis teares mecânicos e meus homens me encarregaram de escrever-lhe, fazendo uma advertência para que você se desfazer deles...atente para que se eles não forem despachados até o final da próxima semana enviarei um dos meus lugar-tenentes com uns 300 homens para destruí-los, e, além, disso, tome nota de que se você nos causar problemas aumentaremos o seu infortúnio queimando o seu edifício reduzindo-o a cinzas; se você tiver o atrevimento de disparar contra os meus homens, eles têm ordem de assassiná-lo e de queimar a sua casa. Assim você terá a bondade de informar aos seus vizinhos de que esperem o mesmo destino se os seus tricotadores não sejam rapidamente desativados..." "Sua obra de destruição não se atém a método nenhum/ O fogo e a água serve-lhe para destruir/ pois os elementos ajudam no seu designo.../ ele destruirá tudo de dia ou à noite/ e nada poderá escapar da sua sentença" ( General Ludd’s Triumph, 1812 apud (http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2006/03/13/00 0.htm <acesso em 13/04/2011 13:49). Que empresas dessas poderia ter que idenizar as famílias pela letalidade de sua produção? Agner (Dinamarca); AMT - Arcadia Machine & Tools (EUA); Arminius (Alemanha); Arms Moravia (Rep.Tcheca); Artax (Italia); Astra (Espanha); Auto-Ordinance Corporation (EUA); Accuracy International (Inglaterra); Bajkal (Russia); Bayardy (Espanha); Benelli (Italia); Beretta (Italia); Bersa (Argentina); Boito (Brasil); Briley (EUA); Browning (EUA); Bul Transmark (Irsael); BSA (Inglaterra); Barrett(Estados Unidos); Colt (EUA); Coonan (EUA); CZ (Rep.Tcheca); CBC (Brasil); Daewoo (Coreia do Sul); Daly 100 (EUA); Dan Wesson (EUA); Domino / FAS (Italia); DruLov (Rep.Tcheca); EAA - European American Armory (EUA); Erma (Alemanha); Fég (Hungria); Feinwerkbau (Alemanha); Freedom Arms (EUA); FN Herstal (belgica); Gamba (Italia); Gaucher Armes (Italia); Glock (Austria); Grizzly (EUA); Hämmerli (Suiça); Harrington & Richardson / New England Firearms (EUA); HK Heckler & Koch (Alemanha); High Standard (EUA); IAI - Israel Arms International (Israel); IMI - Israel Military Industries (Israel); Imbel (Brasil); Janz (Alemanha); Kahr Arms (EUA); KelTec (EUA); Kimber (EUA); Kora Brno (Rep.Tcheca); Korriphila (Alemanha); Korth (Alemanha); Llama (Espanha); Les Baer (EUA); Manurhin (França); Mauser (Alemanha); Norinco (China); NAA North American Arms (EUA); Para Ordinance (Canada); Pardini (Italia); Pedersoli (Italia); Peters Stahl (Alemanha); Pietta / Navy Arms (Italia); Remington (EUA); Rossi (Brasil); Ruger (EUA); Safari Arms (EUA); Sako (Finlandia); Sarsilmaz (Turquia); Sauer ( Alemanha); SIG / SIG Sauer (Suiça); Smith & Wesson (EUA); Sphinx (Suiça); Springfield Armory (EUA); SPS DC Custom (Espanha); Star (Espanha); Steyr (Alemanha); Stoeger (EUA); Strayer-Voigt (EUA); Tanfoglio (Italia); Taurus (Brasil); Thompson Center Arms (EUA); Truvelo Armory (Africa do Sul); Unique (França); URKO (BRASIL); Valtro (Italia); Vektor (Africa do Sul); Walther (Alemanha); Wildley (Suiça); Winchester (EUA). Imaginemos a seguinte cena: parentes de vítimas de armas de fogo ivadem a fábirca da Taurus no Rio Grande do sul e destroem as máquinas. Logo aparecerão os defensores dos empregos e dos impostos arrecadados com produção de revolveres e munições. Claro que isso não passa de um delírio de indignação e assim como não podemos desligar e sepultar a usina de nuclear de angra ou fukushima a industria bélica segue intocada. Mas e as vítimas?? As Vítimas da covardia, do acessoa às armas, da tecnologia humana que trucida vidas ainda no seu início, crinças e suas famílias precisam de uma resposta. Assim como somos capazes de desenvolver intrumentos bélicos sofisticados, temos que ser também eficazes na criação de barreiras à produtividade letal de uma economia bélica 101 capitalsita que nos impõe uma estética cinematográfica da violência que a um só tempo nos diverte, nos sadisa e nos anestesia. 102 Analfabetismo Ético Ser cidadão para pobres, incultos e mulheres com o poder de votar e de ser votado veio de um trajeto longo que irrompe toda idade medieval e moderna, consolidando-se mais contemporaneamente, mas o voto do mais simples nunca foi automático e o sufrágio universal: uma cabeça um voto, ainda no pós-guerra na áfrica do sul, por exemplo, era algo aparentemente inalcançável. Em 1887 nem analfabeto nem os pobres podiam votar e o número de eleitores no Brasil era de cerca de 220.000, 1,5% da população total. Em 1960, os pobres podiam votar, mas os analfabetos não e os eleitores chegavam a 15.543.481, 25% da população de todo o país. Ainda nesta década, num dos seus últimos gestos antes de sua retirada do poder, em 15/03/1964, Goulart defendia o voto do analfabeto em sua última mensagem ao Congresso. Mas, ainda em 1976, havia no Brasil1 15.644.700 analfabetos acima de 15 anos, 24,3% da população que estavam excluídos do voto (UNESCO -1980). Outras proposições contrárias a este fato surgiram como os projetos de emenda constitucional nessa direção (B. Farah (6/56), A. Falcão (15/57), R. Ramos (19/59), F. Ferrari (27/61) ,R. Barcelar (15/77), J. Ribeiro (73/80) e J. Costa (80). Alguns mantiveram suas posições contra o voto do analfabeto argumentando que a alfabetização progressiva da população brasileira eliminaria este problema. Mas a alfabetização não pode ser imposta aos cidadãos como pré-condição de serem cidadãos, pois a cidadania que produz a alfabetização e não a alfabetização que produz a cidadania. Nesse sentido, Paulo Freire, ao alfabetizar sempre admitiu como ponto de partida indispensável a capacidade dos não letrados de lerem o mundo e de terem consciência política. E o que dizer da destruição cultural e lingüística imposta aos imigrantes, escravos e 103 indígenas com alfabetização e a escolarização obrigatória em língua portuguesa? E os portadores de deficiência visual ou cognitiva só seriam cidadãos se passassem a ler? Além disso como afirma Aleixo (1989), Embora a taxa de analfabetismo no Brasil tenha diminuído, o número absoluto dos analfabetos ainda é muito alto , em 1900 os analfabetos com 15 anos ou mais no Brasil era de 6.348.869 (65,3%), 1920, 11.401.715 (64,9 %); em 1940, 13.269.381 (56,1%); em 1950, 15.272.632 (50,6%); em 1960, 15.815.903 (39,48%). Portanto, mesmo com a redução do analfabetismo mais ( e não menos) cidadãos foram sendo excluídos de escolher seus representante (Apud R. Inf. legisl. Brasília a.18 n.71 jul./Set. 1981 Universidade de Brasília). Concluindo, então, sobre a conquista do voto pelo analfabeto, Aleixo (1989) ao descrever o debate da reforma eleitoral de 1981, lista os argumentos mais conclusivos em favor dos analfabetos: l - A extensão do voto ao analfabeto - medida muito consentânea com o primeiro artigo da Constituição brasileira, segundo o qual "todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido". 0 analfabeto é povo. Foi excluído do eleitotorado sem seu prévio consentimento. Tem o direito de participar na escolha de seus governantes e representantes. 2 - A igualdade de todos perante a lei é dificilmente compatível com a proibição de alistamento eleitoral imposta ao analfabeto. Segundo o art. 176 da Constituição, "a educação é um direito de todos e um dever do Estado... O ensino primário é abrigatório para todos dos sete aos quatorze anos". Geralmente um analfabeto é tal sem culpa própria. Encontra-se já em situação de desigualdade perante os demais e com menos recursos para defender seus ideais e interesses. Privá-lo do sufrágio é multiplicar desigualdades e debilitar a democracia. 3 - 0 analfabeto não é um incapaz no Código Civil. Terminada a menoridade, está apto "para todos os atos da vida civil". Pode comprar ou alienar bens, pagar impostos, prestar serviço militar 104 e combater em guerra, constituir família etc. Por que não poder escolher seus governantes? 4 - A informação é importante para bem votar. Mas hoje a palavra escrita perdeu grande parte de sua importância relativa como veículo de análise. Os meios de comunicação audiovisuais, tais como cinema, rádio e televisão, proporcionam valiosos subsídios para o conhecimento da realidade nacional. 5 - A instrução escolar em todos os níveis é muito importante, mas dificilmente se demonstrará correlação necessária entre mais leitura e melhor comportamento cívico. O suborno, a fraude e a corrupção são compatíveis com altos títulos universitários. 0 procedimento dos cidadãos - influenciado por inúmeras variáveis individuais, familiares e sociais. A vida pode ser em si mesma uma grande escola. Há inúmeros exemplos de analfabetos com discernimento. 6 - Atualmente a legislação eleitoral da maioria dos países reconhece ao analfabeto o direito de voto. São exemplos Alemanha, Argentina, Equador, Índia, Itália, Nigéria, Portugal, Venezuela. 0 índice de analfabetismo nestes países varia de mínimo a muito alto. 7 - Conforme o 2° do art. 39 da atual Constituição do Brasil, o número de deputados por Estado será estabelecido pela Justiça Eleitoral para cada legislatura, proporcionalmente à população. Ora esta população inclui obviamente os analfabetos. Os deputados são representantes da população. Sendo assim, muito lógico que também os iletrados participem da escolha dos seus representantes. Do contrário, os analfabetos estariam na condição de "tutelados". Acontece, porém, que muitas vezes os tutores não defendem os legítimos direitos e interesses de "seus" tutelados. (R. Inf. legisl. Brasília a.18 n.71 jul./Set. 1981 Universidade de Brasília). apud Aleixo, 1989). Finalmente em 1985, a emenda constitucional nº 25 veio resgatar esse direito e superar esta questão, mas vale notar que mesmo antes disso, a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 reconhecia ao analfabeto não só o direito de votar, mas também de ser votado nas eleições para a formação das diretorias dos seus sindicatos. Mas foi na constituição de 1988 que tal entendimento se consolidou e em seu art.14, inciso II, alínea "a)" do parágrafo primeiro, ficou postulado que é facultativo ao 105 analfabeto o alistamento eleitoral e o direito de voto. No entanto, a constituição de 1988, afirmou no Título II dos Direitos e Garantias Fundamentais, capítulo IV nos Direitos Políticos em seu art. 14, afirma que “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”, mas no § 4º que “São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos” , instalando um mecanismo elitista e contraditório que permite o analfabeto de votar, mas não de ser votado, o que mais de 10 anos após sua promulgação em 2009, excluía, aproximadamente 14 milhões de brasileiros de 15 anos ou mais, transformando 9,7% da população brasileira em cidadãos pela metade. Recentemente enorme polêmica se bateu sobre os formadores de opinião com repercussão na imprensa internacional (blog "Americas", revista britânica "The Economist", Washington Post", rede televisiva americana "CBS", BBC e o jornal argentino 'Clarín') quando da eleição do humorista Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, para deputado federal com 1,35 milhão, tido como analfabeto e descolarizado. Além de estranharem que uma democracia tão reconhecida como brasileira, que entre outros, utiliza tecnologia de ponta tão copiada como a urna eletrônica possa admitir tão insanidade. Nesse moti quando não mais de repente, um juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo aceitando a denúncia do Ministério Público Eleitoral de São Paulo denuncia discrepância de grafias na carta que o candidato apresentara a justiça eleitoral para provar que era alfabetizado, levantando dúvida sobre a real autoria do documento apresentado. Posteriormente, o mesmo juiz rejeitou um pedido de um promotor que queria fazer um teste de escrita e leitura com o candidato, o que mais a frente foi usado para aferir a condição de alfabetizado de Francisco Everardo, a partir do qual com um texto breve e simples a candidatura foi validada. 106 Segundo Grispino (2011), o Ministério Público Eleitoral (MPE) do Ceará, pressupondo a existência de candidatos analfabetos a prefeito, vice-prefeito e vereador, pediu à justiça a impugnação do registro de 826 candidatos, sendo mais da metade pela condição de analfabetos. Esses candidatos deveriam fazer um teste simples de conhecimento de leitura e escrita ou contestar o Ministério Público Eleitoral, apresentando um documento que comprovasse a escolaridade mínima exigida, qual seja o término do ensino fundamental. Na falta desse comprovante, haveria, ainda, a opção de redigir, de próprio punho, uma declaração provando que sabe escrever. Tem ocorrido o absurdo da declaração do candidato não ser redigida por ele mesmo, quando a declaração não é feita na presença dos juízes eleitorais. Por isso, a importância do teste. O MPE apóia-se no artigo 14 da Constituição, que diz que analfabetos podem votar, mas não são elegíveis. O prazo para recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) vai até 4 de setembro e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 28 do mesmo mês. Para as provas, não há um padrão a ser seguido. Elas são aplicadas em sessão pública e agendadas pelos juízes dos municípios. Pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o teste deve ser compatível com o ambiente cultural, social e econômico do município. Testes para comprovar se os candidatos sabem ler e escrever vêm sendo aplicados em diversos Estados, como Alagoas, Bahia, São Paulo, Paraná, Ceará, Mato Grosso do Sul, Piauí e Minas Gerais. Em Aracati, no Ceará, a juíza eleitoral aplicou a prova em 18 dos 20 candidatos convocados. Eles tiveram que ler um trecho do livro infantil “O menino mágico”, de Rachel de Queirós. Dos 18 candidatos, 3 não conseguiram fazer a prova, alegando estar nervosos, e a juíza marcou-lhes outra data para um novo teste. Em São Gabriel do Oeste (MS), 22 candidatos fizeram uma prova de uma hora, para escrever 20 palavras de um ditado, fazer as 4 operações matemáticas e interpretar um texto simples. Apenas metade foi aprovada, 11 reprovados, tendo alguns tirado nota zero. No ditado das palavras, houve erros chocantes como “demogracia (democracia) “senvergonhise” (sem-vergonhice). Na interpretação de texto, respostas sem nenhuma ligação com o 107 texto e nas operações matemáticas, o absurdo de respostas como esta: 1.218+29 = 1.546. A decisão de aplicar o teste dos juízes eleitorais tem amparo na resolução 21.606 do TSE, mas tem criado polêmica entre partidos, candidatos e especialistas em legislação (http://izabelsadallagrispino.com.br/index.php?option=com_co ntent&view=article&id=1281:o-analfabetismo-rondando-apolitica&catid=103:artigos-educacionais&Itemid=456 <<Acesso em 14/04/2011 9:00>>). Será que a leitura é realmente imprescindível para exercer um cargo político. Ou ainda, como um teste que afere um conhecimento tão frágil que na verdade só prova que um indivíduo é semi-analfabeto pode ser válido? E o que dizer do prefeito da cidade mineira de Dom Cavati, Jair Vieira Campos do DEM, que disse em vídeo que é analfabeto e que comprou seu diploma, mas que sabe trabalhar. Talvez pudéssemos arrogar o discurso de Bertolt Brecht de que pior que político analfabeto é o analfabeto político, pois para Bertold, “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”. E daí defendermos que as pessoas alienadas estão alienadas da realidade social e da participação política, independente de sua escolaridade, estariam mais despreparadas para votar do que os analfabetos que lutam contra a desigualdade e contra a miséria por que tem fome de justiça. Neste caso, como diziam na grécia antiga os idiotes são os os ignobes e sim os indivíduos que não participam da polis, pois apenas se dedicam ao próprio umbigo e a vida privada. 108 Mas, um pouco além da abordagem Bertoldiana, passamos a considerar de modo mais prático se saber ler de fato é indispensável para vida parlamentar ou para exercer mandatos no executivo? Lembremos aqui alguns fatos que po~e em xeque tal perspectiva. Em recente polêmica criada pelo programa “CQC” da rede bandeirante de televisão, vários deputados alfabetizados assinaram uma virtual PEC que introduziria na cesta básica garrafas de Cachaça e o fizeram porque simplesmente não leram o conteúdo da emenda. Segundo Rodrigo Álvares e Carolina Freitas no site “Estado.com”, na semana passada, o PT entregou à Justiça Eleitoral documento aprovado pelo Congresso do partido com medidas polêmicas, como o controle social da mídia e a taxação de grandes fortunas. O texto não correspondia ao programa de governo de Dilma. Mesmo assim, ela rubricou, sem ler, todas as páginas do programa errado. Na ocasião, Dilma disse que assinar sem ler poderia acontecer "com qualquer pessoa e com qualquer partido". "Não somos perfeitos, nós erramos. Não me consta que o partido adversário não erre. Até porque, em matéria de erros, acho que eles cometeram muito mais até agora", disse a petista na última quarta-feira. Para o povo “Escreveu não leu o pau comeu”. Logo se alguém disse que escreveu e não leu? Não pode ter escrito, portanto, mente, engana, não merece confiança e nele o pau deve comer. Nesse caso, o dito popular revela tanto a necessidade e a importância da alfabetização quanto da integridade, enunciando ser esta uma questão não só escolar, mas também ética. De algum modo, os homens éticos nos parecem educados, escolarizados, bem formados e quase que automaticamente alfabetizados, de sorte que acabamos por juntar na mesma vala comum incultos, analfabetos, imorais e criminosos. Nessa lógica, muitos foram e são os argumentos, desde a Grécia antiga, para excluir os que não se nivelavam em esclarecimento com os cidadãos da ágora ateniense como escravos e artesãos. Mas se scola era sinônimo de ócio, escravos não poderiam possuir o esclarecimento e não 109 possuindo tais características mantinham-se como tais, espécie de parias políticos, no dizer de Santos: “deficientes cívicos”. De todo modo, os americanos percussores da democracia burguesa representativa no mundo seguem escolhendo os membros da elite intelectual de seu país para conduzir os rumos da nação, razão pela qual seus presidentes são egressos de suas mais excelentes universidades (Princenton, California Institute of Technology, Yale, Berkeley, Stanford, Massachusetts Institute of Technology e Harvard). Apesar disto, este mesmo país foi capaz de eleger um homem negro para presidente, mas para isto ele teve que conquistar o seu espaço nestes centros intelectuais. Enquanto os membros do povo não ascendem a nossas melhores universidades temos que enfrentar o fato de que pessoas com muito pouca escolaridade ou semi-analfabetas podem e conseguem não só se eleger como advogam ter uma competência adquirida facilmente constatável quando contrastamos a ótima gestão de um ex-operário na presidência da república em relação aos presidentes Collor e Sarney (este último membro da academia brasileira de letras) e que deixaram o país numa inflação galopante e jogaram a nação no caos e na estagnação. A nosso ver, todo este debate hoje está enviesado. Se lula pode ser presidente tiririca pode ser deputado. Muitos reis eram analfabetos e suas decisões não foram melhores ou piores por causa disto. Líderes indígenas e militantes do MST sobram em debates políticos sobre questões políticas, ambientais e fundiárias. A questão não é ser ou não analfabeto. Nem mesmo a contraposição: analfabeto político contra político analfabeto, nos é suficiente. A questão está no binômio: analfabetismo ético com erudição maquiavélica. Neste sentido, tiririca e outros bem escolarizados, manifestam desonestidade ao falsificarem documentos, se preocuparem com o que assinam, cumprirem o que subescrevem, pois a sociedade deles espera mais que erudição compromisso com o bem comum. 110 Obesos de Soberba – agruras de um professor do ensino privado (Aluno Bolha) Ser aluno é um privilégio. Estar aprendendo é uma dádiva, pois quem não aprende (sempre) estaciona-se, estagna-se. Mas para ser aluno é necessário admitir-se incompleto, é abrir-se para o mundo em busca de maturidade, de formação profissional e de liberdade intelectual. Como pretendente a ser pensante autônomo, deve, como diz a UNESCO, o aluno aprender a saber, aprender a fazer, aprender a ser, mas sobretudo, aprender a aprender. Para tanto, antes de tudo, é necessário admitir o que se ignora. Antes do penso, logo existo. Admito que não sei, logo posso saber. Aos abertos ao conhecimento à fertilidade do saber, de sorte que deve o educando, hoje cada vez mais deseducado, retomar a gênese do teu próprio nome: alumno - palavra latina que significa ser sem luz. Em certo sentido, o aluno não é, mas deveria se vir como aquele indivíduo cego, incapaz de vencer a escuridão e o labirinto revolto dos mares por ele não navegados, mas que ao admitir certa cegueira pode vir a enxergar muito, muito mais longe. Mas os alunos hoje são seres cheios de pseudo-certezas, em geral superficiais, de curto alcance e imediatistas. Como na caverna de Platão certos alumnos desconfiam dos que apontam novos caminhos. Obesos de soberba que não lhes permite antever por onde seguem, almejam carros importados e salivam por carreiras de sucesso, mas não percebem que para terem futuros brilhantes é preciso que diferenciem de onde a luz nasce de onde ela morre. Não distinguem a 111 luz de um espelho que a reflete, o sábio de um saber, o ser o e o próprio ego. Querem ser vitoriosos e famosos, mas querem atalhos, saltos, túneis, resumos. Não admitem que para enxergar longe é necessário escalar palmo a palmo os ombros de gigantes como disse Isaac Newton ao referir-se à Giordano Bruno, Galileu e Copérnico. Não criam nada, copiam tudo, são medíocres. Plagiam textos acadêmicos, traficam palavras, frases, monografias e teses, mas são incapazes de escrever parágrafo claro, honesto e opinativo. Reduzem o trabalho do professor ao de checagem de autoria e não avaliação dos conteúdos. Esperam dos professores animação e entretenimento, mas se calam diante de uma questão séria e comprometedora. Odeiam o silêncio, a reflexão e confundem a serenidade com a depressão. Querem ser diferentes, mas são exatamente iguais como parafusos produzidos em série. Perfuram suas peles com aço, pintam seus corpos com tatuagens, mas não imprimem em suas almas valores densos e limites nítidos. Tem todo tempo do mundo, mas só gastam seu tempo com o que não os permita perceber que o tempo passa como a diversão e a preguiça. Transpiram nas academias, mas para aprenderem exigem o ar condicionado ligado no máximo. Investem mais energia e os seus recursos em suas estéticas do que em suas inteligências. São efêmeros em tudo. Não amam, apenas gozam. Não se apaixonam, apenas ficam. São seres insaciáveis e infelizes. Estão sempre, num misto de covardia e sadismo, rindo de algo que não entendem ou de alguém que não são eles mesmos. Vivem num mundo à parte. Não se envergonham de parasitar o alheio ou mesmo seus pais ou o Estado. Valoram mais a sorte que o trabalho, sentem-se espertos pelos louros que conquistam sem a vivência do esforço e do empenho. 112 Transportam-se em vãs como criancinhas indefesas na ida para préescolas. Trafegam em redomas sobre rodas que lhes adiantam o passo e lhes protegem a vida e do contato com a dura e rica realidade da diversidade cultural e diferença social. Vão, em geral, da casa pra faculdade, da faculdade para o shoping, do shoping para o clube, do clube para casa. Vivem no útero dos condomínios fechados sem aprender com risco da convivência e da interação social. Vem o mundo por meio de uma bolha de vidro blindado que lhes protegem da violência e da morte. Interagem sem toque, conectam, teclam-se entre si por meio de tecnologias assépticas que comunicam sem suor e sem alma. Contactam-se, mas não se tocam e por isso são insensíveis. São como crianças frias, medrosas, viciadas em proteção, incapazes de se engajar anonimamente numa causa pela causa. Querem passar porque pagam. Consomem o fácil e não digerem o denso. Matérias e professores mais exigentes, repugnam. Não toleram ter que terem iniciativa. Padecem de passividade e déficit de atenção, só conseguem ouvir uma explicação que dure o tempo do intervalo televisivo, teleguiados que são pelo plim plim. São como bolhas de sabão: brilhantes, vazias e efêmeras. Se você não quer ser um aluno bolha. Leia mais, veja menos TV, repare e problematize as diferenças sociais de seu país, mas sobretudo, saia da casca, de sua casa de cercas eletrificadas, desça do carro, ande de ônibus, sinta as pessoas, olhe no olho de seu semelhante. È possível que você encontre-se nele. Faça isso antes que a dura realidade do mundo arranque você de dentro de seu casulo e te jogue na guerra da desigualdade e da segregação. Não morra você também é importante, você pode melhorar o mundo, mas faça isso já. 113