REFLEXÕES SOBRE O PESSIMISMO DISTÓPICO EM A
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REFLEXÕES SOBRE O PESSIMISMO DISTÓPICO EM A
REFLEXÕES SOBRE O PESSIMISMO DISTÓPICO EM A ESTRADA, DE CORMAC MCCARTHY Adolfo José de Souza Frota 1 Os lobos selecionam-se entre si, homem. Que outra criatura poderia? E a raça do homem por acaso não é ainda mais predadora? O destino do mundo é brotar e florir e morrer [...]. Cormac McCarthy – Meridiano sangrento Então o vento mudou de direção e só o que havia era o silêncio. Cormac McCarthy – A estrada Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o romance A estrada, de Cormac McCarthy observando como é construído o discurso distópico. Fazendo um breve estudo da utopia, enfatizaremos como ocorreu a construção do pensamento idealista na religião e na filosofia e como surgiu a distopia para se opor a essa idealização. A utopia, a partir do século XX, foi substituída pelo seu termo antagônico que se tornou uma força determinante. O romance de McCarthy ressalta essa tendência de visualizar um mundo pós-apocalíptico onde o caos predomina e modifica a paisagem futurista. Palavras-chave: utopia, distopia, idealização, pessimismo Abstract: This article aims to analyze Cormac McCarthy’s novel The Road taking into account the way the dystopic discourse is built. Making a brief research about utopia, we intend to emphasize how the construction of an idealist thought occurred in both religion and philosophy and how dystopia appeared to oppose this idealization. The utopia, from the 20th century on, was substituted by its antagonistic term that became a tendency. McCarthy’s novel emphasizes this tendency of visualizing a post-apocalyptical world where chaos predominates and modifies the futuristic landscape. Keywords: utopia, dystopia, idealization, pessimism O autor norte-americano Cormac McCarthy publicou, em 2006, o romance The Road, traduzido para o português no ano seguinte como A estrada. Trata-se de um romance em movimento, informação suposta pelo próprio título, seu principal paratexto2. Na literatura de McCarthy, existem outros romances em que o protagonista está em movimento: Meridiano 1 Doutorando em Letras - UFG Segundo o dicionário de termos literários do professor Carlos Ceia, disponível na página <http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/P/paratexto.htm>, o paratexto é “[a]quilo que rodeia ou acompanha marginalmente um texto e que tanto pode ser determinado pelo autor como pelo editor do texto original. O elemento paratextual mais antigo é a ilustração. Outros elementos paratextuais comuns são o índice, o prefácio, o posfácio, a dedicatória ou a bibliografia. O título de um texto é o seu elemento paratextual mais importante e mais visível, constituindo, como observou Roland Barthes, uma espécie de ‘marca comercial’ do texto”. 2 sangrento, Todos os belos cavalos, A travessia, Onde os velhos não têm vez. Portanto, é recorrente em seus romances as longas viagens das personagens e o desenvolvimento do enredo a partir de suas peregrinações. A sua mais recente narrativa, A estrada, continua apresentando uma história em que o protagonista está em deslocamento. O que diferencia essa narrativa de seus outros romances como Todos os belos cavalos, por exemplo, é a falta de expectativa da descoberta de um novo mundo. A estrada mostra um mundo completamente em ruínas e, como um paciente terminal, sem esperança de recuperação. Uma das grandes “personagens” de A estrada é a própria estrada, a única construção humana que resistiu à destruição em massa do mundo. Quase não há mais vida. Os últimos seres vivos são homens, mulheres e pouquíssimas crianças sobreviventes de uma catástrofe. A estrada é a testemunha dos encontros entre os últimos remanescentes da civilização recentemente de volta à barbárie, encontros nem sempre pacíficos. É ela também que testemunhará a extinção da vida e sobreviverá ao fim de tudo. Desses poucos sobreviventes, encontramos duas personagens anônimas, nomeadas pelo narrador de homem e menino, ou seja, pai e filho. Passamos as 234 páginas do romance acompanhando os dois indo em direção ao sul, provavelmente dos Estados Unidos, mas poderia ser em qualquer lugar, já que os países não mais existiam. William Kennedy, em “Left Behind” (2006) sugere que a história se passa no outono. O objetivo dos dois é ir para Gulf Coast em busca do calor cada vez mais escasso. É uma viagem inútil porque a vida está se extinguindo. Não há mais rios vivos, não há árvores verdes, os mares perderam suas cores, o céu não é mais azul, a terra não apresenta mais suas diversas colorações. Tudo é cinzento. Com exceção do vermelho sangue ou fogo, tudo, literalmente, é cinzento. E os poucos anônimos que percorrem a estrada têm que enfrentar uma horda de ladrões, assassinos e canibais. O homem e o menino iniciam a narrativa viajando a pé pela estrada, munidos apenas da roupa imunda, lenços para filtrar a fuligem escura do ar, um carrinho de supermercado, um revólver contendo duas balas, escassas provisões, resquícios de objetos pessoais e a esperança de sobrevivência nutrida apenas pelo menino, em uma clara manifestação de zelo paterno que tenta fazer com que a existência da criança seja menos difícil, pois nem para ele (o menino), pensa o pai, existirá esperança e o “fogo”, ou seja, as coisas boas. Mesmo diante de um cenário que corrobora o pessimismo, o pai tenta insuflar ânimo e otimismo ao garoto. A estrada não leva para lugar algum, ou leva para muitos lugares destruídos pela explosão ou por vandalismo desesperado daqueles que sobreviveram ao primeiro momento. Ela, na verdade, apenas prolonga o tempo de vida daqueles que certamente, mais adiante, irão encontrar a morte, seja por inanição, seja por doença ou mesmo assassinato. Não temos indícios textuais de como aconteceu a destruição, mas somos informados que ocorreu quando o homem estava em casa com a esposa. Apenas o horário em que tudo começou é detalhado: o relógio parou à 1h17: “Um longo clarão e depois uma série de pequenos abalos. O que foi? ela disse. Ele não respondeu. Foi até o banheiro e ligou o interruptor mas a energia já se fora. Um brilho opaco e rosado no vidro da janela” (MCCARTHY, 2007, p. 47). Não sabemos quantas explosões ocorreram, se foi bomba atômica ou de hidrogênio, ou se ocorreu um impacto de meteoro ou cometa. A única coisa certa é que não há esperança para os últimos sobreviventes, já que não há mais qualquer tipo de recurso natural. Se a explosão ocorreu por causa de bombas, o romance pós-apocalíptico de McCarthy pode servir como um reflexão sobre o fim do mundo provocado pela ação humana, visto que depois de Hiroshima e Nagasaki, a humanidade experimentou o poder de destruição produzida pelo próprio homem. A experiência de sobrevivência em um planeta desolado levou o homem a uma situação limite. Em A estrada, quando não há mais alimento, as pessoas começam a “predar” a própria espécie, voltando a um período de barbárie no futuro. Essa tendência autodestrutiva já era objeto de reflexão de outro título de McCarthy. Em Meridiano sangrento, a personagem Holden faz o seguinte comentário: [...] Se Deus pensasse em interferir na degeneração da humanidade não estaria fazendo isso até agora? Os lobos selecionam-se entre si, homem. Que outra criatura poderia? E a raça do homem por acaso não é ainda mais predadora? O destino do mundo é brotar e florir e morrer mas nos assuntos dos homens não há declínio e o meio-dia de sua expressão anuncia o início da noite. Seu espírito exauriu-se no ponto mais alto de suas realizações. O seu meio-dia é ao mesmo tempo seu ocaso e o anoitecer do seu dia. [...]. Isto que estão vendo aqui, estas ruínas destruídas por bandos de selvagens, não acham que isto acontecerá de novo? Sim. E de novo. Com outra gente, com outros filhos (MCCARTHY, 1991, p. 144). Em A estrada, McCarthy cria um mundo sombrio, sem vida, caótico, em que os poucos resquícios de sentimento são materializados na relação entre pai e filho, que lutam pela sobrevivência física e pela sobrevivência da esperança e das coisas boas. Um mundo tipicamente de romance pessimista, que vai de encontro à idéia utópica da representação de uma sociedade futurista (ou do passado) melhor do que a atual, pois a filosofia e a religião foram as grandes responsáveis pela idealização de um mundo em que reina a igualdade de direitos, a felicidade e a liberdade, algo que até agora não foi possível. A configuração do discurso utópico é remetida sempre ao passado distante da humanidade ou ao futuro, nunca ao presente. Quando se remete ao passado, há sempre um tom de descontentamento pela ação humana que levou o homem a perder a felicidade plena. Quando menciona o futuro, denuncia sempre uma nuance otimista. Ao se referir ao presente, a filosofia 3 pode demonstrar, teoricamente, como pode ser uma sociedade ideal desde que ela siga determinadas regras. Entretanto, apenas tem um tom sugestivo de mudança que reconhece, no momento, ser impossível. Além disso, é importante ressaltar que a idéia utópica, se comparada com o nosso sistema de valoração atual, apresenta pontos de conflito com aquilo que acreditamos ser o direito e a liberdade. De acordo com o que alcançamos no entendimento de igualdade, fraternidade, paz e harmonia, o discurso utópico pode ser, em si, distópico por violar o nosso entendimento do que seja o mundo ideal, apesar de seus principais autores (Platão, More) se basearem na idéia de que estão promovendo, supostamente, a melhoria social. Ou seja, quando Platão cria a república ideal ou quando Thomas More imagina uma ilha perfeita, algumas violações de liberdade são implementadas para a preservação da “ordem social”. Outro ponto fundamental da utopia se refere a sua amplitude discursiva, já que acreditamos poder observar ecos da idealização da sociedade perfeita não apenas na representação da ação do homem. Existe, consequentemente, a idéia da maior proximidade com o divino. Nesse caso, a religião tem papel fundamental na construção da utopia enquanto instrumento que estimula a reflexão do comportamento do ser humano. Por outro lado, ela nos alerta que, quanto mais distante da força cósmica, mais a humanidade é assolada por todo tipo de mazela, das ações perniciosas do próprio homem aos efeitos imediatos desse distanciamento. Definir o significado de utopia é uma tarefa difícil. O próprio caráter de representação inibe qualquer possibilidade de uma única definição: “[...] À medida que a história satura o pensamento histórico, nem uma única definição pode determinar sua essência” (2007, p. 10), é o que aponta o professor Russel Jacoby, em Imagem imperfeita: pensamento utópico para uma época antiutópica. Propomos, nesse artigo, fazer algumas reflexões sobre o romance A estrada levando em consideração o discurso distópico dessa narrativa ao prescrever o destino sombrio da humanidade, por fome, suicídio ou canibalismo e o fim de todas as formas de vida da terra. Em um futuro não muito distante, algo destrói o mundo e os poucos sobreviventes acabarão se autodestruindo. O quadro da natureza e do comportamento humano é o pior possível, visto que o homem voltou ao tempo da barbárie. Não há amizade. Os clãs se reúnem apenas para serem melhores caçadores ou mais fortes que os outros. Contudo, é só o prolongamento de 3 O conceito da filosofia utópica será estudado no próximo capítulo a partir de Platão e Thomas More. uma vida de sofrimentos, já que a extinção é certa. Não se caçam animais e sim seres humanos. Esse é o quadro pessimista pintado por McCarthy para o final dos tempos, algo que configura o discurso distópico. Do discurso utópico à reação distópica: percursos e autores Falar de distopia implica discorrer sobre o termo que lhe deu origem e que lhe é contrário. O termo “utopia”, como é sabido, foi cunhado pelo filósofo inglês Thomas More quando este publicou A utopia, livro que consagrou para falar de um continente imaginado que, na verdade, não existe. A palavra ganhou um sentido pejorativo. Por esse motivo, é comum chamarmos de utopia algo inexistente. De acordo com Marilena Chauí, em “Notas sobre utopia” (2010) 4, o significado negativo atribuído ao termo utopia indica seu traço definidor, ou seja, o do não-lugar “que nada tem em comum com o lugar em que vivemos, a descoberta do absolutamente outro, o encontro com a alteridade absoluta”. A ilha imaginada por More assimila a idealização humana de um lugar onde todos os homens são iguais, onde não existe pobreza. O bem é coletivo, dividido democraticamente entre todos, sem distinção e privilégio. Há no país a escolha de seus representantes que não se diferenciam dos demais cidadãos, pois não há pobreza e nem riqueza, apenas o bem-estar de todos. O dinheiro também não existe por a economia ser baseada no sistema de trocas. O ouro é artigo comum e sem grande valor. Cada clã é responsável pela confecção ou produção de determinado bem compartilhado por todos. Todas as decisões também são coletivas More não foi o primeiro autor a imaginar o mundo perfeito. Há uma busca incessante, no pensamento humano, seja ele na religião ou filosofia, da sociedade ideal. Um dos livros mais importantes para a religiosidade ocidental, a Bíblia, apresenta, pelo menos, dois momentos em que existiu ou existirá um lugar onde a felicidade foi ou será reinante: o primeiro concerne ao passado, o segundo, ao futuro. A partir desse dado, trabalharemos com a hipótese de que o homem concebe a utopia, ou seja, a idéia ambiciosa da existência do mundo perfeito, em dois momentos distintos: o passado e o futuro. Quando se trata do discurso religioso, é tido como verdade o passado ou o futuro utópico. Não há, em nossa concepção, qualquer evidência da existência de uma sociedade utópica no presente. Quando algo se refere ao momento atual (e aqui estamos nos referindo ao momento do autor), percebemos apenas a 4 Artigo disponível online. Vide referências. projeção de um anseio ou de uma necessidade filosófica. Assim, ao se referir ao presente, o texto utópico ganha a função didática por funcionar como um modelo ideal a ser implantado. O passado religioso será aqui encarado apenas como um mito da origem dos tempos, visto que, em nossa opinião, funciona apenas para a reflexão sobre os problemas advindos do distanciamento entre o homem e o divino. É uma forma, também, de mostrar para a humanidade que houve um momento feliz, que somos culpados pelo que está acontecendo, que perdemos o paraíso, mas que este ainda pode ser recuperado. A utopia que se refere ao presente é apenas sugestiva. A utopia do futuro é a esperança para o mar de aflições que assola a humanidade. Já a distopia reage à idéia utópica do futuro, sem qualquer resquício de idealização e otimismo. O quadro pintado pelos romances distópicos é assustador e, temerariamente, possível. Antes de More (A utopia foi escrita em 1516) ou mesmo Platão (A república, escrito no século IV a. C., foi um texto que contribuiu para o pensamento utópico, conforme será observado mais adiante), a Bíblia5 já vinha demonstrando como era o lugar utópico ao se referir ao Paraíso adâmico. Moisés, ao escrever sobre a origem da humanidade, pregava que Deus havia criado o Jardim do Éden onde o primeiro homem e a primeira mulher habitavam até serem seduzidos pela aquisição do conhecimento científico. Em uma das nascentes do rio edênico havia ouro e ônix. Existia, também, abundância de frutas. O homem não precisava trabalhar, já que as árvores foram semeadas por Deus e produziam, livremente, todos os frutos que o casal adâmico necessitava (BÍBLIA SAGRADA, 2003, p. 3-4). Entretanto, o estado idílico e feliz não durou muito por causa da Serpente que, na tradição patriarcal, convenceu Eva a comer e a dar o fruto da ciência para o marido. Não é objetivo aqui discutir o que levou o primeiro casal a desagradar Deus, mas analisar como fomos alimentados por uma idealização primordial da humanidade, que foi, cada vez mais, se afastando do seu Criador. Permitiu-se o estado idílico apenas aos nossos ancestrais que preferiram alcançar a mesma condição intelectual divina. A impressão é que existe um germe no ser humano que o impede de alcançar a felicidade plena. Talvez a grande lição desse mito inicial seja fazer o homem refletir sobre o poder que ele tem para construir o destino, visto que Eva foi ludibriada pelos argumentos convincentes da Serpente. John Milton (1960, p. 282), em Paraíso perdido, sugere que a queda de Adão foi opcional, um ato de nobreza daquele que prefere a dor do 5 A Bíblia Sagrada é composta de duas partes. Ambas referindo-se a épocas diferentes. Não há apenas um, mas diversos autores que escreveram o livro mais importante do cristianismo. O Antigo Testamento, remonta aos séculos XX e II a. C., aproximadamente, e o Novo Testamento, aproximadamente, ao século I d. C. O primeiro autor, Moisés, nasceu no ano 1592 a. C. (Fonte: Bíblia Sagrada. Vide referências). Historicamente, o mito adâmico presente no Gênesis é anterior a Platão e o Apocalipse, escrito por São João, posterior. trabalho e da mortalidade do que viver na eterna adoração de Deus sabendo que a companheira passaria, sozinha, pelo sofrimento da vida fora do jardim. A idealização da sociedade perfeita, na Bíblia, alcança os dois extremos da existência humana. Se Moisés retratou o paraíso adâmico, o início de tudo, São João Evangelista, por outro lado, descreveu como será a cidade prometida para todos aqueles eleitos por Deus, com suas fundações em pedras preciosas e abundância em ouro. Um dos maiores bens está não na preciosidade das jóias ou da riqueza, mas no significado religioso atribuído à água, a fonte da vida, que sai do trono de Deus. Na Nova Jerusalém, “[...] nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira [...]. Nunca mais haverá maldição. Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro [...]” (BÍBLIA SAGRADA, 2003, p. 213). A promessa de uma nova realidade serve de conforto para aqueles que no tempo de São João, eram perseguidos por professarem uma nova fé. Ela serve também como um excelente mecanismo de aceitação do sofrimento terrestre em vista de um futuro mais promissor. Funciona como o prêmio pelo sofrimento resignado daqueles que optam pela crença de que receberão a permissão de habitar a Nova Jerusalém. Evidentemente, a Nova Jerusalém serviu de inspiração para a visão idealizada da sociedade perfeita. William Blake (2010), no poema “And Did Those Feet in Ancient Time”, evoca a cidade de ouro como exemplo para o reerguimento da Inglaterra: “I will not cease from mental fight, / Nor shall my sword sleep in my hand, / Till we have built Jerusalem / In England's green and pleasant land”. O passado idealizado surge como uma força primordial para alertar a humanidade o quanto esta se afastou do paraíso terreno e, consequentemente, da proximidade com o divino. O poeta Hesíodo, fundamental para a eternização dos deuses gregos, também discutiu sobre a queda do homem em Os trabalhos e os dias, o livro que fala sobre a decadência da humanidade. Segundo Hesíodo (2006, p. 29-33), a história do homem está dividida em cinco etapas, sendo que a última é o momento em que o poeta vive. A primeira, chamada por ele de época de ouro, os homens viviam como deuses protegidos da dor e da miséria. Eles não envelheciam ou tinham necessidade do trabalho. Mas essa raça desapareceu e foi logo substituída pela de prata, que era inferior. A segunda raça chegou até a adolescência, quando sucumbiu pela insensatez da violência e da falta de culto aos deuses. Irritado, Zeus destruiu-a para produzir a terceira raça: a de bronze que também se tornou violenta. A quarta raça era a dos heróis e semideuses. Os heróis formavam dois escalões: aqueles que não respeitavam os deuses e foram punidos e aqueles outros que seguiam suas ordens. Em seguida, Zeus fez a quinta raça, a de ferro, obrigada ao trabalho duro e árduo, a dor e o sofrimento, a falta de amor. Nesse período, os malfeitores triunfam. O poder faz a lei e o pudor desaparecer porque está concentrada nas mãos de poucos que também estão mais distantes dos deuses. Para Hesíodo, o mundo heróico pertencia à outra era, bem distante, no tempo, de sua época. A idade do ouro estava sob o domínio de Cronos. Com as sucessivas idades, o homem foi se distanciando cada vez mais do sagrado. Segundo Werner Jaeger, em Paidéia (2001, p. 89-95), Hesíodo concebeu uma explicação mitológica (o roubo do fogo por Prometeu) para o problema do sofrimento da vida humana. Como castigo, Zeus criou a primeira mulher (Pandora), cuja caixa, quando foi aberta, libertou os demônios da doença, da velhice e de todos os males que povoam a terra. A história das cinco idades do mundo, que reflete a eterna nostalgia do homem por melhores tempos, vem logo em seguida à história de Prometeu. Ela indicava, segundo Jaeger (2001, p. 96), “que os homens eram originariamente melhores que hoje e viviam sem trabalho nem dor”. Os motivos que levaram a humanidade ao sofrimento foram “o aumento da irreflexão, o desaparecimento do temor aos deuses, a guerra e a violência. Na quinta idade, a do ferro, em que o poeta lamenta ser forçado a viver, domina só o direito do mais forte”. Parte das admoestações presentes em Os trabalhos e os dias são endereçadas ao irmão de Hesíodo, Perses, conforme aponta Werner Jaeger (2001, p. 89) e Russel Jacoby (2007, p. 75). Entretanto, é válido ressaltar o tom de crítica também endereçada à sociedade grega da época do poeta. Jacoby, em comentário aos autores utópicos gregos, afirma que [...] as utopias literárias não se limitam a conclamar os cidadãos a levar uma vida correta. Ao preverem um outro mundo, as utopias gregas implicitamente criticam o estado da sociedade. Quanto e com que finalidade? Esse é o enigma básico da tradição utópica. Em que medida os sonhos utópicos são um ataque ao aqui e agora, à realidade medíocre e não-utópica, e em que medida eles são imaginações de um futuro? (2007, p. 75). Ainda na Grécia a.C., podemos encontrar um dos mais importantes livros de filosofia utópica: A república, de Platão. A obra determinante para o filosofia praticada no Ocidente acabou influenciando A utopia, de Thomas More na composição de uma sociedade ideal. Através de Sócrates, a personagem principal, Platão defende um ponto de vista polêmico para a construção dessa sociedade: a presença de filósofos no poder por serem estes capazes de governar, com justiça, a república. O livro traz uma série de soluções para o aprimoramento da sociedade. Porém, um exame não muito minucioso, encontrará vários conceitos de organização dessa sociedade que desrespeitam conquistas tardias do ser humano, mesmo que essas conquistas possam parecer utópicas. Sócrates defende a tese do infanticídio como forma de controle de natalidade e meio de fornecer a cidade uma prole sadia e vigorosa. Os guerreiros mais fortes têm papel de destaque, pois estes poderão ter quantas mulheres quiserem e poderão espalhar seus descendentes. Já aos cidadãos “medíocres” poderão ter filhos apenas através de sorteios. De qualquer forma, homens e mulheres serão designados para cuidar dos recém nascidos, cortando qualquer vínculo afetivo familiar. Caso alguma criança nasça com deformidade, terá como destino um paradeiro desconhecido (PLATÃO, 2004, p. 163). As famílias serão extintas. As mulheres e filhos, bens coletivos (PLATÃO, 2004, p. 160) e trabalharão apenas em prol da cidade. A educação musical será permitida (PLATÃO, 2004, p. 95), enquanto que a poesia imitativa é mentirosa e maléfica (PLATÃO, 2004, p. 65). Assim, Homero e os outros poetas estarão fora da república.(?????) Os doentes, possivelmente aqueles com doenças graves, deverão ser abandonados. Os criminosos, condenados à morte (PLATÃO, 2004, p. 105). Ao contrário do que poderíamos imaginar, a sociedade perfeita platônica aboliria qualquer indício de igualdade pela existência de uma nítida pirâmide social. Além disso, os administradores omitiriam algumas informações vitais: Sócrates – De acordo com os nossos princípios, é necessário tornar as relações muito frequentes entre os homens e as mulheres de elite, e, ao contrário, bastante raras entre os indivíduos inferiores de um e outro sexo; além do mais, é necessário educar os filhos dos primeiros, e não os dos segundos, se quisermos que o rebanho atinja a mais elevada perfeição; e todas estas medidas deverão manter-se secretas, salvo para os magistrados, a fim de que, tanto quanto possível, a discórdia não se insinue entre os guerreiros (PLATÃO, 2004, p. 162). Hierarquicamente, apenas os guerreiros estarão abaixo dos filósofos, os mais adequados administradores. Enquanto que os filósofos implantariam uma nova forma de educação, os guerreiros seriam responsáveis por mantê-la. Platão reconhece que o plano para o desenvolvimento dessa cidade é ilusório, algo improvável de acontecer (2004, p. 150-151). No final do livro IX, Glauco, um dos ouvintes da palestra de Sócrates, comenta não saber da existência de um sistema de governo moldado a partir dessa filosofia: “Compreendo. Tu falas da cidade cujo plano traçamos e que se fundamenta apenas nos nossos discursos, visto que, tanto quanto sei, não existem em parte alguma da terra” (PLATÃO, 2004, p. 319). O livro de Platão foi determinante para a criação de A utopia, que deu origem e significado pejorativo ao vocábulo. É provável que A república tenha inspirado Thomas More. Já o professor Russel Jacoby (2007, p. 79), cita o livro História verdadeira, de Luciano, como a fonte de inspiração para A utopia, enfatizando o tom satírico e de comédia presente no texto. O livro de More traz como personagem principal, Rafael Hitlodeu, que narra suas experiências na ilha de Utopia. Rafael assegura não ter conhecido civilização mais perfeita que a de Utopia, a cidade onde as casas não possuem fechaduras (MORE, 2005, p. 54). A ilha do rei Utopos não emprega o comércio a partir de dinheiro, e sim por permutas (MORE, 2005, p. 65). As leis, sendo justas e bem empregadas, excluem a necessidade de advogados e procuradores. As roupas são coletivamente iguais sem distinção entre a nobreza e a plebe (MORE, 2005, p. 89-90). Todas as religiões são permitidas (MORE, 2005, p. 100-101). Mesmo que o cristianismo seja a religião oficial, não é admitido o desprezo das outras. Caso algum cristão diga que sua religião é superior, é punido imediatamente (MORE, 2005, p. 101102). A maior demonstração de liberdade religiosa está no fato de que todos os membros da comunidade, de diferentes religiões, utilizam o mesmo templo, em horários diferentes. É importante ressaltar que a idealização renascentista, à maneira da idealização da filosofia grega, não significa ser o nosso modelo de “perfeição”. Podemos perceber que a administração da cidade de More também violava algumas conquistas da humanidade. Na cidade de Utopia, existe a escravidão (MORE, 2005, p. 54), a pena de morte (MORE, 2005, p. 58), o controle de natalidade (MORE, 2005, p. 64), a falta de liberdade de ir e vir (MORE, 2005, p. 69), a proibição de que os suicidas sejam enterrados (MORE, 2005, p. 87). Acreditamos que estas são em si transgressões da idealização de felicidade e igualdade entre os homens. Entretanto, é o modelo de perfeição, de acordo com o filósofo inglês. Fato curioso e que se repete em A utopia é o reconhecimento de que a realização desse sistema filosófico seja improvável: “[...] sou obrigado a reconhecer que há, na república da Utopia, muitas coisas que eu desejaria para os nossos países, considerando-se ainda que a minha expectativa vai além da minha esperança de o conseguir” (MORE, 2005, p. 113), explica More. Russel Jacoby (2007, p. 79), ao discutir o significado de utopia (lugar nenhum), ressalta outra curiosidade em relação ao livro de Thomas More: o nome da personagem Rafael Hitlodeu pode ser chamado, em uma tradução mais literal, Rafael Nonsense. Porém, o que mais nos chamou atenção foi a informação sobre a vida do autor de A utopia. De acordo com Jacoby (2007, p. 81-85), More tem um histórico de perseguição contra os protestantes, principalmente Martinho Lutero, e foi o responsável pela execução de inúmeros “hereges”, algo que viola o princípio da liberdade religiosa defendido em seu livro. Jacoby comenta que em um de seus tratados, Thomas More chegou, inclusive, muito perto do repúdio à obra que o consagrou. O livro de Russel Jacoby não deixa bem claro se realmente More, em alguma época, imaginou uma sociedade ideal ou se desde o início, A utopia não passou de um texto satírico e uma contundente crítica social. Em comentário ao sentido da palavra utopia, o filósofo Paul Ricoeur, em Ideologia y utopía (1989, p. 221) afirma que a utopia configura um ambiente social situado para além do contexto sócio-histórico e do espaço, quer dizer, a idéia utópica desloca a ação para um futuro promissor e idealizado, sem indicação de quando ou onde ocorrerá a mudança. Sua principal função é a da projeção imaginativa que não situa o lugar onde irá ocorrer. A única certeza está no tempo da mudança: o futuro. A utopia, evidentemente, propõe uma sociedade diferente. Sua função é subversiva. Ela busca alternativas imaginárias que substituirão a política e a organização da sociedade, funcionando como uma crítica ao poder que tenta subverter. O pensamento utópico sugere uma forma diferente de uso do poder. Sua intenção é propor a mudança da realidade, não a do presente, e sim a do futuro. É através da imaginação que as mudanças ocorrem. A imaginação pode promover o progresso. No pensamento utópico, ela funciona como a geradora de diferentes possibilidades sociais. Por seu caráter inovador, a utopia tenta criar um sistema também inovador de representações que não está em conformidade alguma com o sistema estabelecido (RICOEUR, 1989, p. 285). Ainda com Ricoeur, a utopia é uma representação simbólica que pode ser aplicada apenas a um outro tempo e lugar, de forma alguma ao tempo e lugar presente. As primeiras utopias aspiravam uma vida melhor, idealizada. Já as ficções utópicas (como News from Nowhere, de William Morris) ganham uma dimensão especial pelo fato de se situarem entre o que é realizável e o que é impossível. Elas buscam dar uma nova forma à realidade. Sendo assim, a imaginação, que faz parte do pensamento utópico, nos conduz da realidade constituída a uma realidade constituinte. Ela, por conseguinte, nos faz olhar para uma realidade existente e nos oferece novas possibilidades sociais que transcendem a realidade presente (RICOEUR, 1989, p. 319). A utopia, para Paul Ricoeur (1989, p. 58) permite a reflexão sobre a realidade presente. Ela representa a possibilidade imaginativa de uma sociedade exteriorizada em nulle part (nenhum lugar), quer dizer, fora da história. Essa reflexão assume uma posição crítica em relação à sociedade presente, sugerindo, assim, uma projeção perfeita da sociedade, para um tempo e lugar futuros, numa ordem diferente da estabelecida. De acordo com Marilena Chauí (2010), ao projetar a perfeição da sociedade imaginada, a utopia propõe uma ruptura com a “totalidade da sociedade existente”, sugerindo outra organização social. É comum o projeto utópico negar completamente a sociedade existente, ou então, visando uma sociedade futura melhorada, retirar-lhes os elementos negativos, como a opressão, a exploração, a dominação, a desigualdade e a injustiça. O que é fundamental, segundo Marilena Chauí (2010), é que em qualquer desses sentidos (ruptura ou desenvolvimento das potencialidades de uma sociedade existente), a utopia se concretiza apenas quando se considera possível uma sociedade inteiramente nova, diferente da anterior. A utopia que caracterizou o século XIX passou de um jogo intelectual para um projeto político. Se antes, conforme aponta Chauí (2010), a utopia “deixa de ser a narrativa de grandes feitos e de acontecimentos contingentes para ser concebida como ciência do encadeamento causal necessário dos fatos e das instituições humanas”, a partir daquele século o plano utópico foi retirado das teorias sociais e científicas. Influenciado pela ciência social e pelo pensamento de que a história marcha para o progresso, o discurso utópico se torna um projeto realista e pragmático. Encurtou-se a distância entre a cidade imaginária e a real, entre a história desejada e a vivida. Conforme aponta o teórico Bronislaw Baczko (apud CHAUÍ, 2010), “há uma cientifização da utopia, que se torna um projeto de reforma global como ciência aplicada, e o futuro é arrastado para as fronteiras do presente, ou seja, a utopia surge como possibilidade objetiva, inscrita na marcha progressiva da história. Engels e Marx criticavam esse novo contexto, o do socialismo utópico. Segundo eles, a utopia era um pressentimento de um saber social que o marxismo resgataria na ciência da história. Da mesma forma que o conhecimento da astrologia se tornou astronomia, a alquimia virou química, o socialismo utópico passaria para o socialismo científico. Se, por um lado, o socialismo utópico se caracteriza como uma sabedoria afetiva e parcial, o socialismo científico aponta como uma forma “racional do saber utópico dos dominados e o amadurecimento racional de sua prática política” (apud CHAUÍ, 2010). Quando pensamos em literatura engajada com o social escrita no século XX, alguns dos títulos mais conhecidos assumem uma posição negativa a qualquer idealização da sociedade. A imaginação, agora, está a serviço do pessimismo, e não mais da busca por alternativas de melhoria social. O século passado trouxe algumas das obras distópicas mais contundentes do Ocidente: A revolução dos bichos, 1984, de George Orwell, Nós, de Evgueny Zamiatin e Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, por exemplo. Se a utopia foi cunhada por More, ela respirava a possibilidade de um novo mundo, associada à descoberta das Américas (JACOBY, 2007, p. 32). Por outro lado, a distopia (ou antiutopia) surge como o oposto de utopia, da idealização de uma sociedade perfeita. Há duas fontes que defendem momentos históricos diferentes para o surgimento do termo distopia. O Online Ethimology Dictionary, ao se referir ao verbete “dystopia”, nos informa que a palavra foi criada pelo membro do parlamento inglês John Stuart Mill, em 1868. Já Russel Jacoby (2007, p. 32-34), afirma que essa palavra pertence ao século XX, quando J. Max Patrick, coeditor de uma antologia de obras utópicas, criou a palavra distopia como o contrário de utopia. Russel Jacoby (2007, p. 33), descarta qualquer idéia de oposição entre distopia e utopia, pois, segundo ele, Patrick se referia a uma utopia satírica. O prefixo “dis-”, de forma alguma, tem o mesmo significado de “anti-”. Como exemplo, Jacoby demonstra que as palavras com o prefixo “dis-”, quando derivadas de uma raiz grega e que significa doença ou imperfeição, são formas distorcidas de algo que é desejável ou saudável. Como exemplo, ele toma a palavra dislexia, ou seja, a dificuldade de leitura e escrita. De forma alguma, a dislexia sugere que devamos deixar de ler. A mesma coisa acontece com a oposição utopia e distopia: “As distopias são habitualmente vistas não como o oposto das utopias, mas como o seu complemento lógico”, ressalta o autor. Para Jacoby (2007, p. 34-37), os romances Admirável mundo novo e 1984 não são antiutópicos, nem seus autores foram, já que a distopia é, na verdade, uma reflexão direta da ação humana, e não a oposição direta, como acontece com a antiutopia. Enquanto que Huxley temia um futuro tecnológico e americanizado, Orwell não deixou de ser socialista e acreditar nessa filosofia, mesmo atacando o modelo praticado na União Soviética. Ainda com Jacoby (2007, p. 39-40), aqui reside a diferença entre utopia e distopia: “[...] as utopias buscam a emancipação ao visualizar um mundo baseado em idéias novas, negligenciadas ou rejeitadas; as distopias buscam o assombro, ao acentuar tendências contemporâneas que ameaçam a liberdade”. Em nossa opinião, não há distinção entre as palavras antiutopia e distopia. Por mais que sejam relevantes os argumentos de Jacoby, não está clara a diferença entre os termos, visto que é a ação/imaginação humana a responsável tanto pela implantação de um modelo utópico quanto pela opressão a qualquer um que a idealize. Ademais, os modelos sociais dos romances de Huxley e Orwell são visões pessimistas do avanço tecnológico na sociedade humana, do impacto da tecnologia que deixou a sociedade mecanizada e fria, e da má utilização da filosofia socialista ou de sua interpretação distorcida com um objetivo determinado e egoísta. A distopia (com ou sem diferenciação de antiutopia) pode ser vista sempre como uma visão pessimista do futuro da sociedade em que as condições de vida são sempre miseráveis, caracterizadas pela opressão, guerra, violência e terror, e tendo como consequência imediata o sofrimento, a dor e a infelicidade das personagens. Dentro desse quadro pessimista, nos perguntamos: o que levou o homem se opor à idealização utópica? Por que ela assumiu um termo pejorativo, significando ilusão, fantasia, algo irrealizável? Por que há proliferação de romances e cinema distópicos no século XX e início do XXI? Ao vislumbrar esses dois períodos, Russel Jacoby (2007, p. 30-31), aponta três motivos que foram os responsáveis pela morte do pensamento utópico: o colapso iniciado em 1989 com o fim da URSS, a convicção de que não há distinção entre utópicos e totalitaristas e o empobrecimento da imaginação ocidental. Desses três fatores, gostaríamos de enfatizar o fim da imaginação como motivo de enfraquecimento da utopia. Jacoby (2007, p. 52) parte da idéia de que a imaginação nutre o utopismo. Aquela, por sua vez, é uma característica infantil: “A imaginação provavelmente depende da infância – e, de modo inverso, a infância depende da imaginação” (JACOBY, 2007, p. 53-54). Com o declínio do número de filhos, a educação compulsória, o trabalho infantil, as brincadeiras sendo padronizadas e oficializadas nas escolas, o maior tempo gasto na frente da televisão e computador, os brinquedos produzidos por adultos etc., são alguns fatores responsáveis pelo empobrecimento da imaginação. A partir do século XX, a criança foi cada vez menos estimulada na invenção de suas brincadeiras (JACOBY, 2007, p. 55-62). A utopia gera o seu oposto não apenas como uma resposta psicológica à idealização, mas, como “uma réplica política ao projeto político de realização da utopia”. Conforme Jacoby (2007, p. 127), é difícil demonstrar otimismo em um século que passou por duas guerras mundiais, teve inúmeros países com ditadores, passou pela constante ameaça de uma guerra nuclear e viu milhões de pessoas serem dizimadas por causa de ideologias preconceituosas como a da raça superior ariana. O fim da União Soviética não trouxe “alívio” para o mundo, pois os Estados Unidos, a Rússia (antiga União Soviética) e vários outros países, continuam produzindo armas de destruição em massa. Se no século passado, a guerra era contra o comunismo, hoje, depois de 11 de setembro, iniciou-se uma nova guerra contra o terrorismo. Com um cenário cada vez mais pessimista, é justificável a presença da literatura pósapocalíptica no início do século XXI, já que as mudanças climáticas são os efeitos mais sensíveis e o prenúncio de que estamos vivendo numa provável era apocalíptica. O pessimismo distópico em A estrada A estrada é um romance ímpar na substancial carreira de Cormac McCarthy apesar de a temática ser algo recorrente. Romances apocalípticos e pós-apocalípticos começaram a ser produzidos desde o século XIX. O último homem, de Mary Shelley, traduzido no Brasil apenas em 2007, foi o primeiro romance que descreveu o futuro e o fim da humanidade. Perguntaríamos o que motivou um autor que se consolidou com narrativas como Todos os belos cavalos, Cidades da planície e Onde os velhos não têm vez, a escrever sobre o fim do mundo? Em uma recente e rara entrevista dada para a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey 6, McCarthy revelou que a idéia para A estrada surgiu quando estava hospedado num hotel em El Paso, Texas, com o filho John. O autor se perguntou como seria o mundo daqui há 50 ou 100 anos e ficou imaginando as montanhas pegando fogo. Quatro anos depois, na Irlanda, ele percebeu que aquela imagem era um romance sobre a morte de um homem e de um garoto. Mais do que a morte de um homem ou de um garoto, A estrada é sobre o extermínio de toda e qualquer forma de vida. E para aqueles poucos que ainda sobrevivem, a fome, os perigos de serem capturados, as doenças, a escuridão e a solidão são manifestações infernais que assombram suas vidas. Os dois protagonistas, o menino e o homem, filho e pai, fogem de uma atmosfera sufocante que os obriga a usar máscara para filtrar a fuligem do ar. Sem expectativa de encontrar víveres, a viagem pela estrada se torna a última alternativa para o prolongamento da vida. O futuro da terra é caracterizado com adjetivos que nos remetem a um cenário de guerra: Do outro lado do vale do rio a estrada atravessava uma região completamente queimada. Troncos de árvores carbonizados e sem galhos estendendo-se de cada lado. Fumaça movendo-se sobre a estrada e as pontas arqueadas de fios elétricos presos aos postes de luz enegrecidos assobiando baixinho no vento. Uma casa queimada numa clareira e atrás dela uma extensão de pradaria desolada e cinzenta e uma faixa de terra enlameada e vermelha onde um canteiro de obras de estrada jazia abandonado. Mais adiante havia outdoors anunciado motéis. Tudo como havia sido antes, mas desbotado pelo tempo (MCCARTHY, 2007, p. 11). 6 Trechos da entrevista podem ser acessados através do site www.youtube.com. O futuro pós-apocalíptico desse romance distópico se caracteriza pelo retorno ao primitivismo, já que não havia mais energia elétrica. Os homens começaram a se juntar em clãs para serem mais fortes. Além disso, eram canibais e alguns chegavam a estocar escravos para garantir as reservas de comida. É uma forma de progressão pessimista das eras. Se Hesíodo estava na era de ferro, a época de A estrada é a das cinzas. Diante desse cenário aterrorizante, o homem busca, inconscientemente, uma alternativa para fugir do sofrimento. Constantemente ele sonha, principalmente com sua vida antes da catástrofe. O início da narrativa aponta para essa tendência: “[...] No sonho do qual acordara ele andava a esmo numa caverna onde a criança o levava pela mão. A luz deles brincando sobre as paredes úmidas de rocha calcária [...]” (MCCARTHY, 2007, p. 9). Se o sonho é uma alternativa de fuga da realidade, o homem percebe que a existência nesse ambiente surreal é mais seguro para ele e para o filho. É uma forma invertida do significado alegórico da caverna de Platão. Enquanto que na caverna do filósofo grego, a realidade desejada reside fora das trevas e da ilusão, a caverna onírica se torna o lugar mais seguro, idealizado e desejado exatamente por refletir, unicamente, a sombra dos dois. O mundo externo é sem cor, cinzento e, acima de tudo, perigoso. A caverna do sonho ganha um significado de intimidade, proteção e conforto, especialmente se considerarmos o perigo que os dois correm quando perambulam: o de serem capturados. Outro fator importante para a valorização do sonho é a possibilidade de experimentar sensações que a realidade não mais oferece. Uma delas se refere à época em que a esposa estava viva: “Em sonhos sua pálida noiva vinha em sua direção surgindo de um dossel verde e frondoso (MCCARTHY, 2007, p. 19). Outras correspondem às lembranças das sensações, dos sabores e das cores. Esse conjunto de sensações e lembranças misturadas são fantasmas que se manifestam apenas na dor e na saudade de quem já as experimentou: Sonhava que caminhava num bosque florido onde pássaros voavam diante deles ele o menino e o céu era de um azul dolorido mas ele estava aprendendo a despertar de mundos de sereia como esse. Deitado ali no escuro com o fantástico gosto de um pêssego de algum pomar fantasma desaparecendo da boca (MCCARTHY, 2007, p. 19). Enquanto o homem sofre pela perda de suas experiências, da visão de como era o mundo antes da catástrofe, o garoto tem outro tipo de sofrimento, daquele que ouve as histórias do pai e não reconhece o mesmo sentimento que assalta as narrativas paternas por ser ele um filho da geração pós-apocalíptica. Quando o pai, em certo momento, olhava um quintal e se lembrava de como era sua infância, o filho o observava: “Observava formas que o solicitavam e que ele não podia ver” (MCCARTHY, 2007, p. 26). Os lugares observados, mesmo sendo eles familiares, não possuem o mesmo significado para os dois. A sensação que temos quando retornamos para algum lugar em que estivemos em nossa infância, a saudade que se aloja na alma, essa experiência particular, não tem o mesmo alcance para a geração do menino, pois ele não guarda nenhuma boa lembrança de algum lugar agradável. Ele nem sequer sabe o que foi o mundo: Às vezes o menino lhe fazia perguntas sobre o mundo que para ele não era sequer uma lembrança. Ele achava difícil responder. Não há passado do que você gostaria? Mas parou de inventar coisas porque essas coisas também não eram verdadeiras e contá-las fazia com que ele se sentisse mal. O menino tinha suas próprias fantasias. Como as coisas seriam no sul. Outras crianças. Ele tentava refreá-lo mas seu coração não estava presente nessa tentativa. Será que o coração de alguém estaria? (MCCARTHY, 2007, p. 48). Enquanto que para o pai o sofrimento residia na ausência das coisas, sensações, experiências e pessoas que ele conhecia, mas estavam perdidas “para sempre”, o garoto, por outro lado, sofre por não ter conhecimento de tudo aquilo que o pai experimentou antes da explosão. Sendo assim, a descoberta de algo que pertença ao passado provoca surpresa e encantamento no garoto. Em um raro momento de tranqüilidade e alegria, o menino se encanta com a visão de uma cachoeira. Ele “[n]ão conseguia tirar os olhos dali” (MCCARTHY, 2007, p. 35). A dor do homem se torna mais marcante por perceber que, além da vida estar se extinguindo, a memória das coisas verdadeiras, dos nomes, dos animais, das comidas, enfim, de tudo aquilo que ele conhecia e que era o mundo estava se perdendo, estava caindo no esquecimento à medida que as pessoas de sua geração morriam: Ele tentou pensar em algo para dizer mas não conseguia. Já tinha tido esse pensamento antes, para além do torpor e do desespero embotado. O mundo encolhendo em torno de um núcleo cru de entidades analisáveis. Os nomes das coisas lentamente seguindo essas coisas rumo ao esquecimento. Cores. Os nomes dos pássaros. Coisas para comer. Finalmente os nomes das coisas que se acreditava serem verdadeiras. Mais frágeis do que ele teria pensado. Quanto já tinham desaparecido? O idioma sagrado cortado dos referenciais e portanto da realidade. Recolhendo-se como alguma coisa tentando preservar o calor. No momento de oscilar e se perder para sempre (MCCARTHY, 2007, p. 76). O esquecimento ocorrerá quando não houver mais nenhuma voz para falar sobre o passado, quando o último homem que nasceu antes da catástrofe ficar em silêncio. A memória individual e coletiva será arrastada pelo vento para um lugar distante, inalcançável, vazio. Quando o narrador comenta: “Então o vento mudou de direção e só o que havia era o silêncio” (MCCARTHY, 2007, p. 19), percebemos que a afirmação vai além da constatação de que não existia mais nada ali. O silêncio é a ausência do som, mas aqui significa a ausência da vida que está desaparecendo. A terra está cada vez mais silenciosa e sem história. O homem percebe que há um abismo entre ele e o filho por pertencerem a gerações diferentes, como se ele fosse um alienígena, um ser de um outro planeta que não existe mais. O abismo em questão não foi provocado simplesmente pelas diferenças evidentes entre gerações. É algo maior. É o choque que significa a ausência de uma memória para a prole nascida após a catástrofe. A reconstrução mnemotécnica do mundo inexistente provocava, na criança, a sensação de prazer pela referência às coisas boas. Mas, para o pai, somente a dor pela perda e certeza de que nada será como foi antes: “Ele não tinha como construir para o prazer da criança o mundo que tinha perdido sem construir também a perda e achava que talvez o menino soubesse disso melhor do que ele” (MCCARTHY, 2007, p. 128). Além disso, o extinto de sobrevivência do mais forte acaba sobrepujando qualquer conformação ética. A geração atual, a do homem, não será substituída pela do menino. Esta será aniquilada pela outra, ou servirá de alimento, se necessário, é o que percebem pai e filho quando chegam a uma cidade e vêem uma criança sendo assada por um grupo de adultos. A esposa do homem se suicida depois da explosão, abandonando ele e o menino. Ela não resistiu à idéia de ser uma “morta-viva”, de estar viva em um planeta morto e de ser potencialmente uma vítima de assassinato e estupro. A morte para ela é um amante irresistível e a garantia de fuga. Ela foi seduzida pela idéia do suicídio como melhor alternativa para o enfrentamento da realidade: “Não me importo. Não quer dizer nada. Pode pensar que eu sou uma puta infiel se quiser. Tenho um novo amante. Ele me dá o que você não consegue me dar. / A morte não é um amante. / Ah é sim” (MCCARTHY, 2007, p. 51). É comum a imagem da morte como um(a) amante irresistível, visto que o ser humano é mortal e terá um inevitável encontro com ela. A morte é sedutora porque não há como escapar de seu abraço eterno. Ela é como a poetisa norte-americana Emily Dickinson descreveu em “Because I Could Not Stop for Death”. Nesse poema, um cavalheiro chega em uma carruagem para levar o eu-lírico para a viagem fatal, algo que não pode ser adiado e está fora de nosso poder evitar o encontro. Se o eu-lírico não podia parar para a morte, “[...] He kindly stopped for me; / The carriage held but just ourselves / And Immortality” (DICKINSON, 2009). Se a morte é representada como um gentleman no poema de Dickinson, em A estrada ela funciona como um arquétipo da inutilidade do mundo pós-apocalíptico porque logo perderá a sua função de manter o equilíbrio do ciclo natural. Há um desequilíbrio, evidentemente, provocado pela catástrofe que alterou a ordem das coisas. Há mais mortes do que nascimento. Quando o fim de tudo chegar, a morte perderá sua função, ficará tão inútil quanto é a luta pela sobrevivência ou a lembrança de um passado que não existe mais. Tal reflexão é fruto do pessimismo de Ely, a única personagem nominada no romance e que o homem interage amistosamente: Quando todos tivermos morrido pelo menos não haverá ninguém aqui além da morte e seus dias estarão contados também. Ela vai estar aqui na estrada sem nada para fazer e sem ninguém a quem fazer. Ela vai dizer. Para onde foi todo mundo? E é assim que vai ser. O que há de errado com isso? (MCCARTHY 2007, p. 143). Ely, o velho e doente filósofo do pessimismo, tem um diagnóstico contundente para a vida que nos remete ao pensamento de Nietzsche quando declara que Deus não existe. O diálogo travado com o homem ressalta a idéia de que o ser humano está ligado com o outro mesmo nos momentos desfavoráveis: Como você saberia se fosse o último homem na terra? ele [o homem] disse. Acho que você não saberia. Simplesmente seria. Ninguém saberia. Não faria diferença alguma. Quando você morre é como se o resto do mundo morresse também. Acho que Deus saberia. É isso? Deus não existe. Não? Deus não existe e nós somos seus profetas (MCCARTHY, 2007, 140). A idéia de Ely, de que os homens estão de alguma forma ligados, remete ao pensamento do poeta inglês John Donne quando este escreve o Meditation XVII, comumente citado como o poema “No Man is an Island”. No referido “poema”, o eu-lírico afirma: “Each man's death diminishes me, / For I am involved in mankind” (DONNE, 2009). Se em Meditation XVII, há a idéia da integração dos homens em um todo chamado humanidade, a idéia do velho associa a integração do homem com a humanidade, porém em seus momentos finais, pois não haverá renovação. Ely, o profeta de nome falso e do deus inexistente, que foi encontrado e abandonado na estrada, reconhece a inutilidade do pensamento metafísico em um momento de grande transformação mundial. Se não podemos mais viver na terra, os deuses também não mais poderão viver, pois os deuses são criações humanas que perambulam enquanto existir alguém que acredite neles. Sabemos que os deuses também morrerão, já que a morte é um recurso vulgarizado. A nova ordem mundial pós-apocalíptica retorna para o tempo da barbárie, para uma época que talvez seja até pior do que a barbárie porque os homens se tornaram canibais: A essa altura todas as vendas de comida tinham se esgotado e os assassinatos estavam em toda parte sobre a terra. O mundo prestes a ser povoado por homens capazes de comer seus filhos diante dos seus olhos e as cidades em si tomadas por bandos de saqueadores enegrecidos que abriam túneis em meio às ruínas e se arrastavam subindo em meio ao entulho com dentes e olhos brancos trazendo latas de comida carbonizadas e anônimas em redes de náilon como compradores nos armazéns do inferno (MCCARTHY, 2007, p. 149-150). O menino funciona como o último suspiro de humanidade e, acima de tudo, das coisas boas mesmo nas adversidades. É ele quem insiste que o pai dê comida para o mendigo Ely. É ele quem encontra uma criança faminta numa cidade. Forçado a não ajudá-lo, o garoto lamenta para o pai e se queixa de que eles selaram o destino dela quando se recusaram a procurá-la. Mais do que a relação de pai e filho, há um sentimento de nobreza que a praticidade do espírito de sobrevivência do homem foi obrigado a abandonar. O menino é o elo que o mantém vivo e ligado a uma condição idílica experimentada quando o mundo ainda existia. É um tipo de idílio doloroso o fato de ele ser pai em uma época desfavorável para qualquer tipo de laço afetivo. A esperança já o abandonara. A luta pela sobrevivência denuncia apenas o zelo paterno pela vida do garoto. A única bala que consta no revólver do homem servirá para que a criança tenha uma morte sem dor, sem violência, caso ambos sejam pegos, pois ele não terá coragem de matar o filho. O homem tomba dizimado pela desnutrição e doença. O menino é obrigado a seguir adiante. Mesmo assim, o pai tenta encorajá-lo a continuar a jornada e a ter esperança representada pelo fogo, a fonte de calor, conforto e vida: “Não posso ir com você”, confessa o homem já sem forças. O menino retruca: Quero ficar com você. [...] Você não pode. Você tem que levar o fogo. Não sei como fazer isso. Sabe sim. Ele é real? O fogo? É sim. Onde ele está? Não sei onde ele está. Sabe sim. Está dentro de você. Sempre esteve aí. Posso ver (MCCARTHY, 2007, p. 227). O homem morre. O menino deseja ficar com ele. Está sozinho. Acaba dizendo o nome do pai, alcunha que se perderá para o mundo. O narrador não nos informa qual o nome dele. Talvez isso não seja nem importante para um mundo que está chegando ao fim. O filho promete que seu nome jamais será esquecido, visto que o pai é a única lembrança de um mundo que para ele, o menino, nunca existiu, a não ser através das narrativas orais. Ao voltar para a estrada, o fogo também retorna quando o menino encontra um grupo de viajantes que o aceita na jornada. A história é interrompida aí. Não sabemos como será o fim, se de fato haverá um fim. A imagem do fogo inventada pelo pai é um suspiro utópico de alguém moldado por circunstâncias distópicas. Isso não significa que ele alimente um discurso otimista como sustentava Cândido, no conto homônimo de Voltaire, quando a personagem, por mais que sofresse, mantinha o otimismo de que vivia no melhor mundo possível. O homem sabe que a idéia do fogo (a esperança e as coisas boas) é apenas uma forma de amenizar o sofrimento do filho que foi obrigado a amadurecer, anacronicamente. É uma sugestão de utopia para uma criança que nunca experimentou uma situação idílica e só conhece momentos de felicidade através das histórias do pai. O drama vivido por essas e pelas demais personagens anônimas de A estrada reflete a posição distópica assumida pelo pensamento, desenvolvido principalmente no século passado. Ao invés de um paraíso futurista ou uma Jerusalém celestial, o mundo vive um perene pós-apocalipse que terminará somente com o fim de tudo. A natureza está extinta. Os homens são induzidos a protagonizarem um espetáculo sangrento e sem limites. Como um romance distópico, A estrada foca no extremo da experiência humana, nesse caso, vislumbrando a desordem da aniquilação global. O caos é representado tanto pela nova configuração paisagística do mundo quanto pelas atitudes dos últimos sobreviventes que estão se auto-aniquilando. O tom pessimista faz parte do discurso distópico exatamente por ser uma contraposição intrínseca que molda a narrativa, uma reflexão sobre o futuro a partir da observação do presente Referências: BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 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