Associação dos Geógrafos Brasileiros

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Associação dos Geógrafos Brasileiros
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Diretor:
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Vice-diretor:
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Tesoureiros:
Gilnei Machado
Paulo Jurado da Silva
CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA
29
ISSN 1413-4551
COMISSÃO DE PUBLICAÇÃO
Eliseu Savério Sposito
Alexandre Bergamin Vieira
Vitor Koiti Miyazaki
Indexação: Os artigos publicados no Caderno Prudentino de Geografia são
indexados por:
GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais
www.uem.br/dge
CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA Associação dos
Geógrafos Brasileiros. – vol.1, nº1, 1981 – Presidente Prudente, SP:
AGB. v.29: 22cm, il.
Associação dos Geógrafos Brasileiros
Seção Local Presidente Prudente
ISSN 1413-4551
1981-2006, 1-28
Periodicidade: Anual
1. Geografia – 2. Geografia Humana – 3. Geografia Física
Presidente Prudente-SP
Dezembro de 2007
CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA é editado pela Associação dos
Geógrafos Brasileiros, Seção Local Presidente Prudente – AGB-SLPP. Rua
Roberto Simonsen, 305 – CEP: 19.060-900, Presidente Prudente, SP, Brasil. Tel.:
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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA
EDITOR RESPONSÁVEL
Eliseu Savério Sposito, Vitor Koiti Miyazaki e Alexandre Bergamin Vieira
CONSELHO EDITORIAL
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Rodrigues (UNICAMP), Arthur Magon Whitacker (FCT/UNESP),
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Eliseu Savério Sposito (FCT/UNESP), Élson Luciano Silva
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Técnica de Lisboa - Portugal), João Lima Sant’Ana Neto (FCT/UNESP),
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CAPA
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DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO
Vitor Koiti Miyazaki
IMPRESSÃO
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 7
ARTIGOS
DETERMINISMO NATURAL: ORIGENS E
CONSEQÜÊNCIAS NA GEOGRAFIA
Roberto Schmidt de ALMEIDA 9
UM BREVE PANORAMA SOBRE O DESENVOLVIMENTO
DO TURISMO NAS PERIFERIAS DO CAPITALISMO 55
Helton Ricardo OURIQUES
CURSINHOS ALTERNATIVOS E POPULARES: ORIGENS,
DEMANDAS E POTENCIALIDADES
Clóves Alexandre de CASTRO 69
NEOLIBERALISMO E MERCADO DE TRABALHO NO
BRASIL – DESEMPREGO E PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHO NOS ANOS DE 1990 E
INSTABILIDADE/ALTA ROTATIVIDADE DO EMPREGO
FORMAL SOB O GOVERNO LULA
Nildo Aparecido de MELO 87
LOGÍSTICA: EM BUSCA DE UMA CONCEITUAÇÃO PARA
A GEOGRAFIA
Roberto França da SILVA JUNIOR 113
AS DISPUTAS POLITICAS NA GESTÃO DA SAÚDE EM
PRESIDENTE PRUDENTE
Eduardo Werneck RIBEIRO 103
CIDADES MÉDIAS E PEQUENAS: UMA LEITURA
GEOGRÁFICA
Alexandre Bergamin VIEIRA
Cláudia Marques ROMA
Vitor Koiti MIYAZAKI 135
PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: PODER E CONFLITO
NO PROJETO DE EXPANSÃO DO AEROPORTO DE
VIRACOPOS EM CAMPINAS
Eliseu Savério SPOSITO
Thiago Aparecido TRINDADE 157
RESENHAS
CHANG, Há-joon.
Chutando a escada. A estratégia do desenvolvimento em
perspectiva histórica. São Paulo: Unesp, 2004. 266p.
Leandro Bruno dos SANTOS 181
COMPÊNDIO 185
PARECERISTAS DESTA EDIÇÃO 201
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 202
APRESENTAÇÃO
Com este número, a Associação dos Geógrafos Brasileiros
(Seção Local Presidente Prudente) dá continuidade aos trabalhos realizados
ao longo dos últimos vinte e seis anos de história do Caderno Prudentino
de Geografia. Durante este período, o periódico constituiu-se em
importante veículo de divulgação de idéias, debates e discussões realizadas
não só no âmbito da Geografia, mas também de diversas áreas afins.
Este número apresenta aos leitores textos inéditos que tratam de
temas variados e relevantes para a Geografia.
Inicialmente, Roberto Schimidt Almeida traz importantes
elementos para o debate do determinismo natural no contexto da
Geografia. Em seguida, Helton Ricardo Ouriques discute a questão do
turismo no contexto atual e os impactos nas periferias do capitalismo. Já
Clóves Alexandre de Castro apresenta, em seu artigo, uma trajetória dos
movimentos territoriais que lutam pelo acesso ao ensino superior gratuito
no Brasil. A questão do trabalho é abordada por Nildo Aparecido de Melo,
que enfoca a análise no período posterior à implementação de um
conjunto de políticas neoliberais na economia brasileira. Roberto França da
Silva Júnior traz contribuições relevantes para o entendimento da
circulação na contemporaneidade, discutindo o conceito de logística. Uma
exposição sobre as mudanças na configuração da rede urbana a partir do
enfoque das cidades médias e pequenas é apresentada por Alexandre B.
Vieira, Cláudia M. Roma e Vitor K. Miyazaki. Por fim, Thiago A. Trindade
de Eliseu S. Sposito tratam das disputas pelo uso do território, analisando
os conflitos de poder em torno do projeto de expansão do Aeroporto
Internacional de Viracopos, em Campinas.
Dessa forma, os artigos abordam temáticas ligadas ao
determinismo ambiental, turismo, movimentos territoriais, trabalho,
logística, saúde e urbanização, a partir da visão de diferentes autores,
confirmando a diversidade do temário da Geografia.
Portanto, este número apresenta uma composição bem
heterogênea, convidando os leitores a explorarem a diversidade de suas
“múltiplas geografias”.
Comissão Editorial
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
DETERMINISMO NATURAL: ORIGENS E
CONSEQÜÊNCIAS NA GEOGRAFIA
Roberto Schmidt de ALMEIDA
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
Resumo:
Esse trabalho tem como objetivo, avaliar a força do determinismo natural,
considerada aqui como uma relação de causa e efeito entre os fenômenos
naturais e as atividades humanas, enfatizando suas conseqüências na
produção do saber geográfico, desde a antigüidade até o século XIX. Serão
focalizadas as contribuições de alguns pensadores, poetas e cientistas que
se utilizaram do determinismo natural para a construção de suas
respectivas áreas de conhecimento. No contexto da Antigüidade serão
analisadas as contribuições dos filósofos da natureza até Aristóteles, que
recebeu um tratamento em separado, em virtude de sua importância e
influência de seu sistema de pensamento nos séculos subseqüentes. As
idéias de Ptolomeu, Heródoto e Estrabão e suas concepções
deterministicas tomadas como base para as origens da Geografia, também
serão motivo de análise. A transição da Antigüidade para a Idade Média e o
desenrolar desse período serão revistos a partir da análise de dois grupos
de protagonistas, antagônicos em termos religiosos, mas altamente
complementares em termos de concepções científicas: os muçulmanos e os
cristãos. O determinismo com projeto divino será também motivo de
exame no contexto das obras geográficas de Alberto o Grande e Robert
Grosseteste. As repercussões desencadeadas pelo projeto das grandes
navegações iniciam o trajeto das ciências desde a Renascença aos tempos
modernos, em que as figuras de Galileu e Newton são destacadas. Os
conflitos e superações acontecidos durante esse período, serão analisados a
partir de ciências que apresentam forte correlação com a Geografia: a
Astronomia, a Geologia e a Biologia.
Palavras Chave: Determinismo, Determinismo Natural, Antigüidade,
Idade Média, Renascença, Muçulmanos, Cristianismo, Astronomia,
Geologia, Biologia.
Abstract:
This paper has as objective to evaluate the force of natural determinism,
considered here as a cause relationship and effect between the natural
phenomena and human activities, emphasizing your consequences in the
production of the geographical knowledge, from the ancient world to the
century XIX. The contributions will be focalized of some thinkers, poets
and scientists that were used of the natural determinism for the
construction of your respective knowledge areas. In the context of the
ancient world, the nature's philosophers contributions will be analyzed to
Aristotle, that received a treatment in separate, by virtue of your
importance and influence of your thought system in the subsequent
centuries. The ideas of Ptolemy, Herodotus and Strabo and yours
deterministic's conceptions take as base for the origins of the Geography,
they will also be analyzed. The transition of the ancient world to the
middle ages and uncoiling of that period will be reviewed starting from the
analysis of two groups of protagonists, antagonistic in terms religious, but
highly complemented in terns of scientific conceptions: the Muslims and
the Christians. The determinism with divine project will also be reason
exam in the context of the works of the Albert the Great and Robert
Grossetest. The repercussions unchained by the project of the great
navigations it begins the itinerary of the sciences from Renaissance at the
modern times, where the illustrations of Galileo and Newton are
outstanding. The conflicts and overcome happened during correlation's
whit the Geography and Astronomy, Geology and Biology.
Keywords: Determinism, Nature's determinism, Ancient World , Middle
Age, Renaissance, Muslims, Christians, Astronomy, Geology, Biology.
Introdução
Determinismo S. m. Filos. - Relação entre fenômenos pala qual estes estão
ligados de modo tão rigoroso que, a um dado momento, todo fenômeno está
completamente condicionado pelos que os precedem e acompanham e condiciona
com o mesmo rigor os que os sucedem. (Se relacionado a fenômenos naturais o
determinismo constitui o princípio da ciência experimental que fundamenta a
possibilidade de busca de relações constantes entre fenômenos; se refere a ações
humanas e a decisões da vontade, entra em conflito com a possibilidade da
liberdade). Novo Dicionário Aurélio, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1981,pp.468.
A investigação da natureza e a exploração de suas potencialidades
sempre foram atividades fundamentais dos seres humanos. A observação
do ambiente próximo ( quadro físico ) e do externo à Terra (astronomia)
estão sempre presentes nos fundamentos de conhecimento das
civilizações.
Em seu primeiro capítulo que trata sobre determinismo e ordem,
Bergevin (1992) alude sobre uma origem celeste do determinismo, usando
os quatro principais motivos definidos por André Boischot em seu verbete
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
(História da Astronomia) na Encyclopaedia Universalis (XVIII:721-722, 1985):
1-admiração ou temor que inspiram esses fenômenos. 2-a necessidade de
referenciais para elaborar um calendário de atividades do grupo. 3-o desejo
de antecipar os acontecimentos, de conhecer o futuro. 4-uma curiosidade
que incita à tentar compreender a regularidade dos movimentos
observados.
Esse trabalho terá como objetivo, avaliar a força dessa relação de
causa e efeito entre os fenômenos naturais e as atividades humanas,
enfatizando suas conseqüências no saber geográfico, desde a Antigüidade
até o século XIX. Serão focalizadas as contribuições de alguns pensadores,
poetas e cientistas que se utilizaram do determinismo natural para a
construção de suas áreas de conhecimento.
No contexto da Antigüidade serão analisadas as contribuições dos
Filósofos da Natureza até Aristóteles, que será analisado em separado, em
virtude da importância e influência de suas idéias nos séculos
subseqüentes. O poder das idéias de Ptolomeu, Heródoto e Estrabão nas
origens da geografia e nas concepções determinísticas, também será
comentado nesta seção.
A transição da Antigüidade para a Idade Média e o desenrolar deste
período, erroneamente conhecido como Idade das Trevas, serão revistos a
partir da análise de dois atores, aparentemente antagônicos, mas altamente
complementares em termos de concepções científicas: os muçulmanos e os
cristãos. O determinismo como projeto divino será também motivo de
exame no contexto das obras geográficas de Alberto o Grande e Robert
Grosseteste.
As enormes repercussões desencadeadas pelo projeto das grandes
navegações iniciam o trajeto das ciências desde a Renascença aos tempos
modernos. Os conflitos e superações acontecidos durante esse período,
serão analisados a partir de ciências que apresentam forte correlação com a
geografia: a astronomia, a geologia e a biologia. A importância da
observação dos fenômenos, suas relações de causa e efeito e o uso da
linguagem matemática, passam a ter enorme relevância e o determinismo
ambiental ganha uma legitimidade provisória até o advento da
contingência, que será tratada nas conclusões.
O Determinismo na Antigüidade
O Papel dos Filósofos da Natureza
As civilizações mais antigas a perceberem a importância das
linguagens, simbólica escrita e a cartográfica e a estruturar um corpo de
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Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
conhecimento astronômico, além do estabelecimento de tipologias para
vegetais e animais, foram os egípcios e os povos da Mesopotâmia
(Sumérios e Babilônicos), por volta de 3000 a.C. (Ronan, 1987, v.I: 31-38).
A primeira referência às relações entre a natureza e as atividades
humanas no campo da agricultura, foi uma espécie de almanaque do
agricultor em forma de poema, feito pelos Sumérios à mais ou menos 2500
a. C.”, chamado “Instruções de Suruppak.” (Lafer, 1991: 17 ).
Porém, foi Hesíodo no séc. VII a. C. na Grécia, que cria o trabalho
de referência para a ciência, com o poema Os Trabalhos e os Dias, aludindo
aos preceitos e regras que um agricultor deve ter, nas suas relações
cotidianas com a natureza.
A noção de relação de tempo entre fases de semeadura e de colheita,
com a posição dos astros, é um bom exemplo: “...quando as Plêiades, filhas
de Atlas, estão surgindo, comece a sua colheita, e a lavrar quando elas estão indo
embora. Elas estarão escondidas durante quarenta noites e dias, e aparecerão
novamente quando o ano se movimentar, quando você afiar pela primeira vez a
sua foice. Esta é a lei das planícies e dos que vivem perto do mar”. (Ronan, vol
I,1987: 67).
Se por um lado, o poema de Hesíodo pode ser classificado como
literatura sapiencial, pela preocupação em colecionar preceitos, conselhos e
regras práticas e morais, usando a observação da natureza. Por outro, a
contribuição dos filósofos da natureza foi o principal argumento para a
gradual separação entre o que era mito e religião e o que seria ciência.
É importante considerar que nesse estágio cultural da humanidade,
o domínio da doxa era preponderante, e que somente a partir do que se
convencionou chamar de período dos filósofos da natureza, foi que o
conceito de epistemé começa a se estruturar.
O mais antigo filósofo da natureza foi Tales de Mileto (624 - 547 a.C.),
e sua contribuição na vinculação entre entendimento de um fenômeno
natural e sua predição, é considerada como um dado importante na
questão do determinismo.
O episódio da previsão de um eclipse total do Sol em 28 de maio de
525a.C. feita por Tales e posteriormente historiado por Herodoto (484-425
a. C.), ainda é motivo de dúvidas quanto a data, porém a suposição de que
Tales tenha usado um ciclo de eclipses compilado pelos babilônios - o saros
- e tenha desenvolvido os cálculos de tempo, a ponto de poder arriscar um
prognóstico correto é o que conta nessa questão. (Moreira, 1995: 34) e
(Ronan, vol I, 1987: 69).
Outro ponto importante no pensamento de Tales de Mileto foi a
tentativa de definir que a água seria o elemento básico formador da terra.
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
Seu elaborado raciocínio sobre a origem dos terremotos, parte de um
ponto de vista, que pode parecer ingênuo para nós hoje, mas altamente
racional para o seu tempo, levando-se em consideração que ele era um
observador da natureza que conhecia grande parte do litoral mediterrâneo.
A Terra era um disco plano boiando na água. O encadeamento desse
raciocínio para a explicação dos terremotos é, para aquela época, bastante
lógico. As erupções de águas circundantes criavam os movimentos que
originavam os terremotos.
Outro
filósofo
da
natureza, Anaximandro (610-547),
contemporâneo de Tales, também via a água como o elemento básico para
a evolução biológica, pois defendia a origem dos animais a partir de
substâncias do mar, e do ser humano a partir do peixe (Casini,1975 : 25).
Anaximandro foi o primeiro pensador a conceber a noção de infinito
(apeiron), substância primitiva da qual derivavam todas as outras, à qual um
dia retornariam e pela qual seriam absorvidos, já rejeitando as teorias de
um só elemento. Além de apresentar uma cosmologia que, apesar de ser
estranha a nós agora, na visão de Glacken (1990: 8-9) representava uma
estrutura de universo ordenado, governada por uma lei geral. Também
desenhou um mapa do mundo conhecido e escreveu um livro sobre a
Terra e seus habitantes.
Na visão de Anaxímenes (550-526 a.C.), discípulo de Anaximandro,
o elemento primitivo básico era o ar, sendo que a água seria o ar
condensado em primeiro estágio, e a terra seria o ar altamente condensado,
o fogo seria o ar rarefeito. Para Anaxímenes, o ar era composto de
minúsculas partículas, que estavam em todos os lugares, penetrando em
tudo. Essa noção de partícula minúscula será desenvolvida por Leucipo e
Demócrito 130 anos depois, ao estabelecer os primeiros conceitos sobre o
atomismo.
Heráclito (576-480 a. C.) elegeu o fogo como o principal elemento
básico e argumentava que o universo era sustentado pelo equilíbrio de duas
forças opostas em tensão perpétua e em constante mutação (o fluxo) . A
escolha do fogo como elemento transformador dinâmico e o argumento da
fluidez, que modifica permanentemente todas as coisas, foram as sementes
dos sistemas dinâmicos de hoje.
Parmênides (544 -450 a.C.) criou o conceito de Ser, uma realidade que
estaria para além dos fenômenos naturais. Para ele o Ser era a essência de
tudo, tomava todo o espaço, e em vista disso, o universo deveria ser uno e
ilimitado. Note-se que tanto a noção de infinito (apeiron) de Anaximandro,
quanto a de Ser de Parmênides e a de fluxo de Heráclito, extrapolaram a
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Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
simples constatação dos fenômenos naturais, e de suas relações de causa e
efeito mais diretas, ampliando o pensamento humano para níveis mais
complexos, e criando novas possibilidades de argumentação.
Porém foi Empédocles (492 - 432 a. C.) de Acragas (atual Agrigento
na Sicília), o primeiro formulador da teoria dos quatro elementos (terra, ar,
água e fogo), que posteriormente seria desenvolvida por Aristóteles. Essa
teoria foi de grande significado para o pensamento científico e revelou-se
dominante por toda a Idade Média e, em alguns segmentos do
conhecimento, chegou a influenciar até o séc.XVIII. (Glacken, 1990: 9-10).
Empédocles foi um médico importante, citado por Galeno, o
grande cirurgião romano do séc. II, como fundador da escola de medicina
da Sicília. Possuía um agudo senso de observação dos elementos do clima,
e sabia tirar proveito disso para controlar a propagação de epidemias. Além
disso, foi também um importante pesquisador experimental, provando a
existência do ar atmosférico, através de experiências na água. Especulou
sobre a luz, chegando a conjeturar que ela possuía movimento e que
viajava pelo espaço, fato somente confirmado 2 000 anos mais tarde.
(Ronan, 1987, vol I: 81-83).
A cosmogonia de Empédocles conjugava os quatro elementos no
interior de um universo esférico, submetidos as forças de repulsão (ódio) e
de atração (amor) - luta entre opostos. Sua concepção de limite do
universo se dava através da forma geométrica da esfera e da composição da
esfera, cristal de rocha (único material de alta transparência conhecido na
época). O movimento dos astros ocorria em função do movimento da
esfera, já que as estrelas estavam fixadas no cristal. Apesar disso, afirmou
que a lua recebia e refletia a luz do sol e dava uma explicação convincente
para os eclipses.
Duas outras concepções importantes de Empédocles tratavam do
conhecimento biológico. A primeira dizia respeito à evolução do reino
animal, considerado por Empédocles como um dos estágios da evolução
do universo. Em sua visão, nos estágios primitivos, varias partes dos
animais foram reunidas sem muito critério, daí a criação de monstros
(conhecidos pelas lendas antigas), porém algumas espécies não se
adaptaram ao meio ambiente e desapareceram, enquanto outras se
mostraram adaptadas, procriaram e se desenvolveram. A semelhança com
a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin é tão forte que o
próprio Darwin fez uma citação a Empédocles no prefácio de sua principal
obra.
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
A segunda concepção foi o desenvolvimento da teoria dos humores,
a partir do conceito de fluxo, no caso, fluxo e refluxo do sangue, teoria
essa que seria mais tarde descrita detalhadamente por Hipócrates de Cós
(460-377) em sua obra Ares, Águas e Lugares.
A relação entre observação da natureza (seres vivos e meio
ambiente) e posterior estabelecimento de um encadeamento de
causalidades visando uma determinada explicação de um fenômeno pode
ser bem percebida na atividade médica, como nos casos de Empédocles e
Hipócrates na doutrina dos humores. O conhecimento precário de
anatomia podia ser substituído pela observação da excreta líquida do corpo
- os humores- e sua correlação com os sintomas mórbidos. Uma série de
observações sistemáticas conduzia à elaboração de uma doutrina (um corpo
teórico, bem ao gosto grego, que já não se satisfazia apenas com a simplicidade da doxa
(o senso comum), nem com a prática automatizada, sem um entendimento mais
profundo. Além disso, para os pensadores gregos, o afastamento dos mitos religiosos era
também fundamental para a estruturação da epistemé).
No exemplo do corpo doutrinário da teoria dos humores, a relação
entre catarro e resfriado, vômito e distúrbios estomacais, diarréia e
problemas intestinais, perda de sangue além do normal nas mulheres e
perturbações ginecológicas, eram entendidas como determinantes de
morbidez, por estar a pessoa em desequilíbrio entre seus quatro humores e suas
quatro qualidades - os humores eram: sangue, bílis negra, bílis amarela e catarro - as
qualidades: secura, umidade, calor e frio.
No século II, o cirurgião romano Galeno amplia a teoria com a
inclusão de mais quatro temperamentos que corresponderiam às atitudes
médias das pessoas e animais: sangüíneas (calorosas e agradáveis), fleumáticas
(calmas, apáticas), melancólicas ( tristes, deprimidas) e coléricas
(agressivas e
explosivas).
Além das questões relacionadas ao meio ambiente terrestre e suas
vinculações com a vida dos seres humanos, os estudos astronômicos
também foram altamente considerados, sendo a escola de Alexandria, o
seu principal ponto de referência. Essa escola concentrou os melhores
cérebros do norte da África e da Grécia em diversas especialidades, tais
como medicina, mecânica, matemática, astronomia e geografia.
No contexto geográfico, os principais nomes da Geografia
Matemática ou Astronômica de Alexandria foram Eratóstenes (276 - 195
a.C.), nascido em Cirene (atual Shahhat na Líbia) e Claudius Ptolomeu (100
- 170), nascido em Ptolemais Hermiou (Alto Egito).
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Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
Os trabalhos de Eratóstenes no campo da matemática incluíram
estudos geométricos visando a solução para a duplicação do cubo e os
cálculos aritméticos para a descoberta de números primos, através de um
método chamado “crivo de Eratóstenes” até hoje usado. No âmbito da
Geografia, Eratóstenes desenvolveu os estudos geodésicos que
aperfeiçoaram o que mais tarde foram chamadas de linhas de latitude e de
longitude.
Sua obra mais conhecida, Geografia foi considerada como trabalho
padrão até ser substituída pelo Almagesto de Ptolomeu. Era obra de
consulta constante dos imperadores romanos, principalmente Júlio César,
pois, dava informações sobre lugares e povos, como convinha a um
tratado geográfico da época. A Geografia de Eratóstenes foi o primeiro
livro a tentar dar aos estudos geográficos uma base matemática, referindose à Terra como um globo e dividindo-a em zonas. Eratóstenes descreveu
ainda alguns processos geomorfológicos, mas enfatizou a cartografia,
baseado principalmente nos estudos geodésicos que desenvolvia.
Como linha base para seu mapeamento, usou um paralelo que se
estendia de Gibraltar, pelo meio do Mediterrâneo, até o Himalaia. Com
isto, corrigiu os mapas anteriores, que tinham em Delfos o seu centro e
que careciam de maior precisão. Seu mapa mostrava um oceano circular
que envolvia toda a massa terrestre (argumento que Eratóstenes justificava
através de observações das semelhanças entre as marés do Oceano Índico
e do Mediterrâneo ), enquanto sua linha imaginária de base bipartia o
mundo então conhecido. Usando também informações de viajantes, criou
uma nova malha de paralelos e meridianos e, com base nelas, dividiu a
Terra em zonas frígida, temperada e tórrida. Seu trabalho de medição da
circunferência da Terra utilizando-se da mensuração das projeções de
sombras em latidudes diferentes na mesma hora, aumentou enormemente
a precisão dos estudos anteriores feitos por Aristóteles e por Arquimedes.
O trabalho do segundo geógrafo, Claudius Ptolomeu consolidou
uma corrente de estudos matemáticos com objetivos de precisão
cartográfica, através de seus compêndios: um matemático que chegou à
Idade Média com o nome árabe-latino de Almagest. Em grego, a obra foi
primeiramente denominada de Mathematike syntaxis (Compilação matemática)
,e depois, como He megiste syntaxis (A maior compilação), que os árabes
chamaram de Al Majisti; e outro, geográfico/cartográfico chamado
Geographike syntaxis.
Ptolomeu também escreveu sobre astrologia em outra obra
importantíssima, dividida em quatro seções ou livros, que ficou conhecido
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
como o Tetrabiblios, embora o título original grego fosse mais explícito
quanto ao tema : Apotelesmatika (Influências astrológicas). Glacken (1990: 111112) em sua seção Etnologia Ambiental e Astrológica nos fala sobre a
importância da Astrologia no pensamento ptolomáico e sobre as ligações
entre ambientalismo e teorias astrológicas. Prognoses e relações de causa e
efeito, são tratadas por Ptolomeu, em relação aos habitantes de diferentes
regiões do mundo conhecido em virtude das condições ambientais e das
influências astrológicas em seu Tetrabiblios.
O Almagest é uma obra que sintetiza o corpo de conhecimentos
sobre a astronomia grega anterior a Ptolomeu, e o autor acrescenta novos
resultados de seu trabalho original sobre a teoria dos movimentos
planetários, assim como um catálogo das posições das estrelas. Embora
mantendo a concepção aristotélica de geocentrismo, preocupa-se com o
desenvolvimento matemático das órbitas planetárias. Seu trabalho sobre o
movimento da lua foi considerado o mais completo da Antigüidade.
Baseado em dados babilônicos, Ptolomeu melhorou sensivelmente a teoria
de Hiparco e com isso, conseguiu calcular com muita precisão as datas de
futuros eclipses do Sol e da Lua. Neste contexto, o livro de Kuhn (1990)
sobre as conseqüências dos estudos de Nicolau Copérnico, mostra como a
influência de Ptolomeu na Astronomia se estendeu para além da Idade
Média.
Geographike syntaxis ou Geografia foi sua obra geográfica/cartográfica
mais valiosa (Ronan, vol I, 1987:129). Ptolomeu tentou mapear todo o
mundo conhecido, além de listar os lugares mais importantes, com suas
respectivas localizações determinadas em latitude e longitude, um sistema
de coordenadas que já existia desde os tempos de Eudoxio de Cnido (408330 a.C.), mas que nunca havia sido tão amplamente aplicado. Seu
mapeamento foi o mais completo da época (início da cristandade) e assim
como o Almagest, sua representatividade estendeu-se por toda a Idade
Média.
Determinismo e Geografia na Antigüidade
Assim como a observação do comportamento dos seres vivos criou
procedimentos intelectuais deterministas que chegaram até o séc. XVII,
como no caso da doutrina dos humores, também a observação do meio
ambiente legou concepções de causa e efeito, que persistem até hoje,
mesmo com todo o aparato teórico estatístico em constante avanço.
Para Vilá Valentí (1983: 64-66) os principais objetos de estudo dos
geógrafos da antigüidade eram: Cosmologia e Cosmogonia - que tratavam das
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Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
origens e dos processos formadores do universo (uma área com fortes
conotações mitológicas, mas também aberta a conjecturas e observações ).
Astronomia - observação das formas e movimentos dos astros, incluindo
entendimento de suas respectivas grandezas. Geografia Astronômica ou
Matemática - determinação dos cálculos dos movimentos dos astros, das
distâncias astronômicas e terrestres. Cartografia - confecção de mapas sobre
a superfície terrestre conhecida, com maior ou menor rigor matemático,
conforme o apoio de conhecimentos da área anterior. Geografia Física observações e especulações sobre determinados fatos que ocorrem na
superfície da Terra, principalmente relacionados com processos geológicos
e geomorfológicos, climáticos e ecológicos. Corografia - descrição de
lugares, com as respectivas anotações escritas ou cartografadas, geralmente
com comentários históricos, culturais, políticos e/ou econômicos.
O maior exemplo disso, foram as observações sobre o clima e suas
relações com as atividades humanas, relações essas, que preocupam os
seres humanos desde a antigüidade babilônica e egípcia, até os nossos dias,
culminando com as recentes pesquisas sobre o comportamento caótico da
atmosfera, a partir das pesquisas de Edward Lorentz sobre o fenômeno do
El niño, o efeito estufa e outros. (Pires & Costa, 1992:35). (meteorologista
americano, que em 1960, iniciou os estudos sobre o caos determinístico no
comportamento atmosférico), até os estudos ainda inconclusos sobre o
fenômeno.
Na antigüidade, o mais completo estudo sobre as relações entre o
clima e a saúde humana foi o tratado de Hipócrates de Cós chamado de
Ares, Águas e Lugares , que trata dos efeitos do clima e do meio ambiente
sobre as condições médicas, especialmente sobre a difusão de epidemias. A
qualidade da água e dos alimentos, condições de temperatura, umidade e
suas vinculações com as atividades humanas e a saúde foram estudadas por
Hipócrates e suas determinações são aceitas até hoje. (Glacken, 1990: 8288 e Ronan, vol I, 1987: 98-100).
No contexto da observação do meio ambiente e de suas relações
com as atividades humanas, pesquisadores com diferentes interesses
estruturaram um acervo de conhecimentos sobre a geologia, o clima, os
mares, a vegetação, os animais, a vida cultural e econômica das diversas
civilizações conhecidas, e subsidiaram os governos e chefes militares com
informações sobre os territórios conquistados ou ainda por conquistar.
Além dos exemplos já citados, de Tales de Mileto com a observação
dos terremotos e do mapa de Anaximandro, podemos lembrar também a
descrição geográfica de Hecateu (540-480 a.C.) sobre as terras próximas ao
18
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
Mediterrâneo, a percepção de Xenófanes (490-440 a.C.) pelos fósseis
marinhos encontrados nas montanhas (questão que nos séculos XVI e XVII
ainda causavam polêmicas quanto a sua origem - ver Rossi, 1992 : 21-25 ) e os
estudos de mineralogia, botânica e zoologia de Teofrasto (371- 327 a.C.) .
Na visão de Bergevin (1992), em sua obra sobre as relações entre o
determinismo e a Geografia, os estudos geográficos de Heródoto (484 425a.C.) e Estrabão (63a.C. - 24d.C.), são os marcos de referência da
concepção determinística na geografia da antigüidade.
Heródoto de Halicarnasso viveu durante a era de ouro da cultura
clássica helenística e Estrabão de Amaséia acompanhou o início das fases
da derrocada do Império Romano. Ambos foram geógrafos e
historiadores, pois conjugaram o conhecimento dos fenômenos naturais
aos movimentos políticos, militares e econômicos de seus respectivos
períodos de observação. Na época de Heródoto o poderio persa já detinha
o controle de todas as cidades gregas da Ásia e Halicarnasso era uma delas.
Para Bergevin, Heródoto era um exilado que pesquisava o mundo.
Suas pesquisas ao longo do Mediterrâneo e no interior do Egito
(Vale do Nilo) descrevem as condições naturais e explica os costumes
culturais dos povos. Em particular, o estudo climático e hidrológico do
Nilo é, para Bergevin:35-41 e Glacken :88-91, um referencial importante
no determinismo natural, em virtude do encadeamento coerente de causas
e efeitos, entre condições climáticas e volume d’água do grande rio
africano e dos costumes agrícolas e religiosos das populações ribeirinhas.
No que concerne a Estrabão, Bergevin o distingue como um grego
neo-estóico, descrevendo um mundo romano, preferindo os valores da
cultura latina aos da cultura grega, seduzido particularmente pelo senso
prático dos Romanos. Estrabão direciona seu trabalho para a descrição das
regiões habitadas do mundo, que em sua época, grande parte pertencia ao
Império Romano relacionando-as à características físicas da Terra, como
forma, condições meteorológicas e movimento dos astros (Estrabón, 1980:
22-25). Seu projeto filosófico estava associado à tradição estóica, através da
primazia dada às sensações e a intuição sobre o raciocínio, a crença que a
Providência governava a natureza como Poder Maior. Para Moreira
(1995:34) anteriormente, já no período helenístico, “os estóicos afirmavam um
determinismo rigoroso da natureza, enquanto os epicuristas rejeitavam o determinismo
estrito”.
Essas concepções deterministas afloram na obra de Estrabão, como
por exemplo, ao definir um esquema geral do mundo habitado a partir de
um critério climático baseado na incidência do sol, com uma zona
19
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
equatorial, zonas temperadas e glaciares (Estrabón,1980: XXXII). Os
trabalhos anteriores de medição da Terra feitos por Eratóstenes,
Possidônio e Hiparco que determinavam a circunferência do planeta,
foram suas bases de referência, (Glacken, 1990 : 51-54 e104-105).
No entanto, além de Estrabão, um outro estudioso, esse sim,
romano de nascimento, deve ser lembrado, Gaius Plinius Secundus (23-79)
ou somente Plínio (também chamado de Plínio o Velho). Clément Rosset
(1989: 259-265) nos faz uma importante avaliação da monumental obra de
Plínio Historia Naturalis e mostra que ele foi o primeiro a ter preocupações
ecológicas com a relação ser humano-terra. Sua obra, apesar de mostrar uma
grande preocupação com o inventariamento de todas as espécies naturais
conhecidas apresenta, nas palavras de Rosset...(rererência completa – ano
e página)(Rosset,1989:259-265) Já citado na terceira linha do parágrafo:
“um segundo elemento que dá às descrições de Plínio uma importância de ordem
filosófica: a angústia, constantemente repetida, diante da degradação da natureza, a
qual Plínio será o primeiro escritor conhecido a expressar com precisão. Plínio não
sabe e não procura determinar o que é a natureza- supostamente conhecida e
experimentada por todos os homens, mediante um “senso comum” que evoca
Rousseau e Kant ,porém está penetrado do sentimento de que esta natureza
caminha para a extinção.”
A preocupação de Plínio com o mantenimento da qualidade dos
solos para a agricultura, das águas, dos recursos minerais para a garantia da
sobrevivência dos seres humanos, pode ser sintetizada na frase “A natureza
é a Terra, porque a Terra é o ambiente mais propício ao homem: o domínio do homem,
como o céu é o domínio de Deus” (citado em Rosset: 263).
Pode-se, com Plínio, antever determinadas questões ligadas ao
determinismo natural que só viriam se estabelecer a partir dos séculos
XVI-XVII com Bodin , Montesquieu e Rousseau e desaguar nas querelas
ecológicas do final do século XX, como a hipótese de Gaia trabalhada por
Lovejoy.
Entretanto, não é possível atravessar os limites da Antigüidade para
a Idade Média sem nos deter no legado de Aristóteles, que constituiu o
pré-requisito básico para o desenvolvimento do pensamento científico da
Idade Média até a Renascença.
O Sistema Aristotélico: a natureza encarada como um processo integrado
Nas palavras de Alexandre Koyré (1991: 27), Aristóteles (384 - 322
a.C.) construiu uma obra que “forma uma verdadeira enciclopédia do saber
humano. Além da medicina e das matemáticas, ali se encontra de tudo: lógica - o que é
20
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
de importância capital - física, astronomia, metafísica, ciências naturais, psicologia, ética,
política...”
Aluno de Platão na Academia por vinte anos e, mais tarde,
estruturador do Liceu, escola e centro de pesquisas, no qual deu aulas por
mais treze anos até sua morte. O Liceu continuou sua obra sob a direção
de Teofrasto.
A obra de Aristóteles pode ser dividida em dois períodos : o da
Academia, sob influência de Platão e o do Liceu, onde se nota um estado
de espírito mais independente. Aristóteles foi o sistematizador dos
conhecimentos legados pelos filósofos da natureza, e tudo que se conhece
hoje sobre o trabalho desses pensadores, deve-se unicamente a ele.
Seus principais trabalhos foram: A Analítica Posterior, Física e
Metafísica que trataram de temas ligados à filosofia da ciência e aspectos do
método científico. .As principais linhas do pensamento de Aristóteles estão
ligadas: à prevalência dos sentidos, pois não existe nada na consciência que
já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos, à questão da forma
de uma coisa e da substância que a compõe. Para ele a forma de um objeto
ou ser, era tão ou mais importante do que a substância que o compunha.
Além disso, sua visão sobre as relações de causa e efeito na natureza levouo a conjeturar sobre a noção de causa final, finalidade ou propósito da natureza.
Propósito este, que estaria subjacente a todas as coisas, e que garantiria o
encadeamento dos processos naturais.
O método pelo qual esse encadeamento seria entendido era a lógica,
procedimentos de raciocínio que, por dedução, estabelecem a validade ou
não de uma proposição ou argumentação formal (silogismo). O trabalho
de Losee (1979: 15-21), dá uma boa mostra do que foi o método indutivodedutivo desenvolvido por Aristóteles.
A noção teleológica ou de finalidade acompanha o pensamento de
Aristóteles em seu projeto ordenador da natureza, quando separa as coisas
inanimadas, das criaturas vivas e quando admite um processo de
continuidade na escala da natureza que, evolutivamente, direciona as coisas
inanimadas à tornarem-se criaturas vivas (visão inicial da idéia da grande cadeia
do ser) , além de estabelecer uma classificação das criaturas vivas entre
animais e seres humanos (Glacken, 1990 : 46-48).
Seus estudos astronômicos e os de física, estão relacionados com a
teoria dos quatro elementos de Empédocles, que Aristóteles sistematizou e
ampliou. Questões como os movimentos regulares do astros,
determinação de distância, grandeza e forma, assim como o entendimento
do movimento dos objetos na Terra eram encarados por ele como um
21
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
grande campo de conhecimento. Aristóteles considerava o universo como
uma esfera finita, com a Terra no centro, estrelas e demais corpos celestes
moviam-se em órbitas circulares impulsionadas por uma força motriz que
dirigia todo o sistema (Casini,1975 : 47-48). No contexto terreno, a teoria
dos quatro elementos passava a vigorar, para que fosse explicado a questão
relativa aos movimentos dos corpos na Terra.
Para Aristóteles, não havia dúvida que a Terra era redonda, mas isso
só não explicava esses movimentos. A solução engenhosa foi a
argumentação de que tudo na Terra tinha o seu lugar natural. O dos
materiais sólidos era o centro da Terra, e quanto mais material sólido um
corpo contivesse, mais rápido ele tenderia a chegar lá. Com isso era
possível explicar a queda mais ou menos rápida de diferentes corpos na
superfície terrestre. O lugar natural da água era a superfície terrestre, por
isso as águas formavam os mares e lagos e os rios conduziam essas águas
de locais mais altos para os mais baixos. O local natural do elemento ar era
em torno da Terra, cobrindo-a como um véu e o lugar natural do fogo era
um nível um pouco acima de nossas cabeças e abaixo do ar. As chamas
queimavam para cima pois procuravam retornar ao seu lugar natural.
A doutrina de Aristóteles, na medida em que se preocupa com a
natureza dos seres, apresenta um encaminhamento qualitativo, não se
utilizando da abstração matemática. Seu objetivo é delimitar essa natureza,
entender a essência, pois é em função dela que os seres se comportam
dessa ou daquela maneira. A argumentação do lugar natural é
perfeitamente assimilada em sua época, e até bem depois. A gravidade fica
sendo um mecanismo interno aos corpos sólidos, que os conduz em
direção ao centro da Terra, seu lugar natural.
Para explicar os movimentos dos objetos, Aristóteles também se
utilizava de três espécies distintas de movimentos: natural, quando era
notado que um corpo caía em virtude de sua procura por seu lugar natural o
centro da Terra, ou por sua leveza, como a fumaça, procurando o lugar natural do ar.
O segundo movimento era o movimento forçado, causado por forças externas
e que interferia no movimento natural, como levantar um peso ou atirar
uma pedra. O terceiro era o movimento voluntário causado pelo movimento
das criaturas vivas.
Essa concepção era tão coerente em sua época, que só perdeu a
validade entre os séculos XVII e XVIII após os estudos de Isaac Newton.
Entretanto Koyré (1991:27 e 34), nos mostra que a viagem de
Aristóteles da Antigüidade até a Idade Média, não foi tão simples assim.
Aristóteles foi o único filosofo grego cuja obra completa foi traduzida para
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
o árabe e só, posteriormente, foi vertida para o latim. Nesse processo de
transliteração, o aristotelismo sofreu modificações e Koyré argumenta que
“..o aristotelismo, mesmo o de um Averróis ( seu tradutor) e, a fortiori, o de um
Avicena ou, para só falar dos filósofos da Idade Média ocidental, o aristotelismo
de Santo Alberto Magno, de Santo Tomás ou de Sigério Brabante, não era
tampouco, o de Aristóteles. Aliás, isso é normal. As doutrinas mudam e se
modificam no curso de sua existência histórica... O aristotelismo medieval não
podia ser o de Aristóteles, uma vez que vivia num mundo diferente: um mundo
que se “sabia” que havia e só podia haver um único Deus. Os escritos aristotélicos
chegam ao Ocidente-inicialmente através da Espanha, em traduções do árabe,
depois, em traduções diretas do grego - no decorrer do século XII. Talvez, mesmo
em fins do século XII. Com efeito, desde 1210 a autoridade eclesiástica proibiu a
leitura -vale dizer, o estudo - da física de Aristóteles. Prova cabal de que era obra
conhecida desde um tempo já suficientemente longo para que os efeitos nefastos
de seu ensino se fizessem sentir. A proibição quedou letra morta: a difusão de
Aristóteles caminha paralela à das escolas ou, mais exatamente, à das
universidades.”
A argumentação de Koyré é importante, pois foi na universidade
que o saber científico se fez presente na Idade Média. Além disso, a contrário
de Platão, que centrava sua filosofia na noção de alma, Aristóteles
centrava-se na natureza e, as questões sobre fatores naturais que ele
desenvolveu, garantiam um avanço na ciência da Idade Média.
O Determinismo na Idade Média
O Legado Árabe
Além de Koyré, também na visão de Ronan (1987, vol II: 83), o
legado da ciência Árabe foi muito mais importante para a ciência ocidental
da Idade Média, do que se imagina normalmente, pois além de traduzir as
obras gregas, combinou-as com as da Índia e China...
“Interpretaram a herança, comentaram-na e adicionaram análises valiosas de seu
conteúdo; e, acima de tudo, contribuíram significativamente com suas
observações. Na verdade, o mundo árabe produziu algumas mentes científicas
originais; educou-as e encorajou-as a darem suas próprias contribuições. Assim,
quando pensamos na dívida do Ocidente para com a cultura árabe, é importante
apreciar ambos os aspectos - tanto o trabalho original quanto as idéias transmitidas
em uma época anterior.”
Um fato importante nas relações entre estudiosos árabes e cristãos a criação da escola de Edessa - no sul da Turquia, no século V, mostra que
os contatos científicos e teológicos eram intensos e positivos entre sírios e
cristãos nestorianos - seguidores dos ensinamentos do patriarca de
Constantinopla, Nestório. O patriarca argumentava, que se deveria
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Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
distinguir em Cristo duas pessoas, assim como se distingue duas naturezas.
Suas argumentações foram rejeitadas pelos cristãos ortodoxos no Concílio
de Éfeso e, Nestório e seus seguidores foram considerados hereges. A
Igreja Cristã do Irã, no entanto aceitou a doutrina nestoriana e rejeitou a
ortodoxia de Éfeso. Com isso, Edessa foi transformada em centro de
estudos que combinava os saberes dos cristãos nestorianos com os dos
sírios. A importância dos nestorianos foi a de preservar a ciência grega e de
difundi-la para os árabes, traduzindo as principais obras do grego para o
siríaco (aramaico) e posteriormente para o Árabe.
Outro centro importante, foi a Casa da Sabedoria em Bagdá, criada
pelo califa Al-Ma’mum, que considerava que a fé muçulmana deveria ser
apoiada por argumentações racionais, como os faziam os filósofos gregos e
os de Alexandria. A criação da Bayt al - Hikmah (Casa da Sabedoria), foi a
sua maior obra cultural. O recrutamento de tradutores, filósofos e
astrônomos, muitos deles cristãos, criou um clima de bom relacionamento
entre cristãos e muçulmanos em torno das grandes obras gregas,
principalmente as de Aristóteles. O maior cientista da Casa da Sabedoria
foi Abu Yusuf al - Kindi, considerado o primeiro filósofo muçulmano.
Seus amplos conhecimentos das ciências naturais, matemáticas, filologia e
filosofia pura, criaram um legado importante para os cientistas ocidentais
da Idade Média.
Porém, a região muçulmana que melhor representou a relevância da
ciência árabe para o ocidente foi a Espanha entre 718 e 1492 ( data da
expulsão dos muçulmanos da Espanha para o norte da África). O contato
intelectual foi intenso entre cristãos, judeus (como Moisés Maimônides,
líder intelectual do judaísmo medieval e médico particular do sultão
Saladino do Egito) e muçulmanos como o astrônomo Al-Battani, que
corrigiu os cálculos angulares de Ptolomeu no Almagesto, Ibn Siná (
Avicena), Abu’l - Walid ibn Ruchd
(Averóis) médicos e filósofos
que traduziram e explicaram a filosofia de Aristóteles e que foram
considerados os verdadeiros divulgadores da ciência e filosofia grega na
Idade Média, além de Ibn Khaldun, o maior historiador e filósofo do
islamismo, conforme nos mostra Lacoste (1991).
No campo geográfico, a tradução da obra de Ptolomeu Geografia por
Al- Farghani e a edição do Livro da Forma da Terra escrito por AlKhwarizmi , que já corrigia o mapa de Ptolomeu, em função dos novos
cálculos de latitude e longitude levantados e guardados na Casa da
Sabedoria em Bagdá. Um outro tipo de trabalho geográfico de grande
importância para o planejamento administrativo e militar dos governos da
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
época era a descrição das terras, dos povos e dos meios de comunicação
entre eles, das atividades econômicas mais relevantes e rotas de comércio.
Alguns geógrafos muçulmanos tornaram-se especialistas em obras como o
Livro das Estradas e Províncias de Ibn Khurdadhbih e os estudos sobre as
comunidades judaicas na Europa de Leste, feito por Ibn Ya’qub Ibraim,
mercador judeu espanhol e diplomata de califas da Espanha muçulmana e
do Magreb. O próprio Ibn Kaldun escreveu sobre o comércio do ouro
entre o Sudão e o Magreb, e estudou a composição do poder social e
econômico das comunidades do Magreb, além de Ibn Batuta que percorreu
e descreveu com detalhes a geografia do norte da África.
O precursor do determinismo ambiental na geografia muçulmana
foi Abu’l-Hassan al-Mas’udi, que viajou por todo o mundo islâmico entre
915 e 950. Foi historiador e geógrafo e tinha uma grande preocupação com
os fatos da natureza, enfatizando o ponto de vista de que o meio ambiente
afetava fortemente a vida animal e vegetal de uma área. Possuía uma
perfeita noção de localização do mundo conhecido e não aceitava a noção
religiosa de que a Meca era o centro do mundo, tampouco aceitava a noção
de terra incógnita no sul do mapa de Ptolomeu e acatava as informações dos
navegadores que diziam não ter limites para o oceano após o
Mediterrâneo.
Foram os resultados desses contatos multi-raciais e religiosos que
ocorreram em terras espanholas (principalmente em Toledo) e no Magreb
norte-africano, que garantiram a continuidade da ciência grega (agora
incrementada pelos conhecimentos e revisões feitas pelos árabes, que se utilizaram
também dos conhecimentos indianos e chineses ) no mundo ocidental, no período
medieval.
A Ciência Cristã
Ao se levar em consideração que, tanto a religião muçulmana,
quanto a judaica e, por conseguinte, o cristianismo tinham como referência
principal a aceitação de um único Deus e que a natureza era a expressão
organizacional máxima desse Deus. Fica claro que a noção de finalidade (
teleologia ) e a idéia de desenho divino da natureza ( onde há lugar para
tudo e tudo está em seu devido lugar ), foram argumentos poderosos que
tinham de ser trabalhados para uma adaptação das idéias aristotélicas, que
foram concebidas em contexto muito diferente.
Os muçulmanos foram os primeiros a realizarem esses trabalhos e
Koyré (1991: 38-43), nos informa sobre os grandes choques de idéias que
ocorreram entre Avicena e Averóis ao traduzirem, com adaptações, as
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Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
idéias platônicas e aristotélicas para o árabe. No caso de Avicena, Koyré
traça uma linha de comparação com Santo Tomás, analisando a concepção
de eternidade ...
”Avicena não é, como Duns Scoto observa muito bem, um aristotélico de estrita
observância: Avicena é um crente. Além disso, Avicena - tanto quanto Aristóteles
- supõe expressamente um mundo eterno: é indispensável um motor infinito para
manter eternamente o movimento. Mas, se o mundo não é eterno e se é finito, um
motor finito é amplamente bastante...Enfim, mais lógico do que Avicena,
Aristóteles não faz de seu Deus Motor um Deus Criador. Avicena e, também
Santo Tomás, partem de um Deus Criador. É também por esse motivo que eles
chegam a isso: um, sendo muçulmano, e o outro, cristão, transformam,
conscientemente ou não, a verdadeira filosofia de Aristóteles.”
Entretanto, é de suma importância, entender que o primeiro filósofo
cristão que se preocupou com a importância da ciência para a glorificação
da obra divina, foi Santo Agostinho(354-430) . Considerado por Corbisier
(1974:60) como um dos precursores do existencialismo, ao dar relevância
ao aparecimento das noções de interioridade do espírito e subjetividade infinita,
Santo Agostinho “descobre a alma”, o mundo interior e faz a distinção
entre os dois reinos o de Cesar e o de Deus. Nas palavras de Corbisier,
Agostinho “não foi apenas um pensador, um grande filósofo e teólogo, mas um homem
que fez a experiência do pecado e da morte, da incredulidade e da conversão, e cuja
meditação sobre o tempo parece ter sido escrita nos dias que correm. No contexto
histórico do cristianismo, inaugura a linguagem dos pensadores existenciais, que não
separam a teoria da prática, a vida do pensamento”.
Santo Agostinho não escreveu nenhuma obra científica, nem
participou de experiências no campo das ciências, entretanto, suas obras
marcaram um estágio decisivo no desenvolvimento do pensamento
científico, que iria marcar fortemente a filosofia da ciência ocidental até o
século XIII. É com Aurélio Agostinho que se harmoniza o dogma, com a
razão. Para a ciência cristã, na visão de Agostinho, a razão se distingue da
fé, embora, em princípio, o testemunho de uma não deva contrariar o da
outra, na medida em que são ambas manifestações do mesmo Deus. É
reconhecida a relativa autonomia da razão, mas as imposições do dogma
continuam a ser as últimas instâncias da verdade. A teologia da Agostinho
é a tentativa do reconhecimento racional de Deus. Uma solução de
compromisso, em que a razão é utilizada como auxiliar da fé.
Sua teoria da natureza divina do conhecimento só começa a ser
rompida no século XIII, por João Duns Scot e Guilherme de Occam, que
separam a razão humana da Divina, colocando Deus em um patamar
muito superior de entendimento. Para eles, Deus, em seu ser infinito, era
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
incognoscível pela observação física e poderia, se quisesse, sobrepujar as
leis físicas e naturais. A única restrição, era que Deus não podia fazer coisa
alguma que fosse autocontraditória.
No contexto das primeiras fases da Idade Média, o desenvolvimento
científico cristão ocidental ficou restrito aos problemas de ordem prática,
pois as questões teóricas foram deixadas de lado e, somente os
muçulmanos lidavam com as antigas idéias gregas. Essas questões de
ordem prática garantiram a continuidade do determinismo ambiental nessa
época e os dois melhores exemplos foram os dois ingleses: Beda, o
Venerável (673-735) e Robert Grosseteste (1168-1253). Beda, monge que
se preocupou com os cálculos do calendário, foi o criador da data inicial da
era cristã, que usa como referência o nascimento de Cristo como Anno
Domini (ano do Senhor). No campo do determinismo ambiental, Beda
estudou detalhadamente o comportamento das marés (a região das cidades
de Jarrow e Wearmouth, onde se situava o mosteiro em que vivia o bispo,
a amplitude das marés eram acontecimento notável). As anotações de Beda
criaram técnicas de observação de amplitude das marés, que mesclavam
leis gerais com particularidades locais, e que mais tarde foram adotadas
como referência básica para a determinação do estabelecimento de um
porto marítimo em todo o mundo.
Robert Grosseteste (1168-1253) foi bispo da cidade de Lincoln e
professor em Oxford. Foi o maior incentivador cultural da ordem dos
franciscanos, enfatizando o estudo das ciências naturais. Seu conhecimento
dos trabalhos de Aristóteles, o estimulou a escrever sobre a sistemática da
pesquisa científica. As palavras de Ronan (1987, vol II: 139), nos dão uma
noção clara de suas concepções deterministicas.
“A ciência, dizia, começou com a experiência dos fenômenos pelo homem, que
era usualmente complexa. A finalidade da ciência era descobrir as razões para a
experiência - encontrar as sua causas. Então, tendo descoberto as causas - os
agentes causais - , o próximo passo seria analisá-las, selecionando-as em suas
partes ou princípios componentes. Depois disso, o fenômeno observado deveria
ser reconstruído a partir desses princípios, com base numa hipótese, e finalmente a
própria hipótese teria de ser testada e verificada - ou invalidada - pela observação.
Esses eram pontos de vista importantes, e o procedimento recomendado era
valioso, pois continha a base essencial de toda a ciência experimental. Ele fez
também uma análise dos agentes causais como ponto de partida de um
procedimento aristotélico, e a classificação das ciências para mostrar como
algumas eram dependentes de outras. Declarava também que a ótica e a
astronomia eram subordinadas à geometria, pois ambas usavam técnicas
geométricas para explicar o comportamento dos raios de luz refletidos por
espelhos ou refratados em vidro ou água, assim como o movimento dos corpos
27
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
celestes. Por outro lado, declarava que a própria matemática só poderia fornecer
um agente causal para um fenômeno, pois as causas materiais e, em termos de
Aristóteles, ‘eficientes’, só podiam ser fornecidas pelo próprio mundo físico.”
Colocações com essas no século XIII, só poderiam vir de religiosos
muito especiais - os professores universitários - aos quais Koyré fez
referência anteriormente. Esses homens foram os que iniciaram um
processo lento e gradual, porém irreversível, de separação das questões da
fé, dos conhecimentos adquiridos através do estudo das ciências naturais.
E nesse contexto, o determinismo ambiental foi um poderoso êmulo nesse
processo.
Outras figuras importantes do século XIII foram Alberto de
Lauingen ou Alberto o Grande ou ainda Alberto Magno (1193- 1280) e seu
aluno Tomás de Aquino (1227-1274), ambos da ordem dos dominicanos e
grandes lutadores por um avanço nas concepções religiosas da época,
avanço esse que significava a aceitação das idéias aristotélicas no ensino
universitário católico.
Para Bergevin (1992: 87) a figura de Alberto foi considerada como
um marco no desenvolvimento do determinismo na geografia, assim como
foram Heródoto, Strabão e Sebastião Münster. Glacken (1990: 265-270)
define que a principal obra de Alberto, De natura locorum foi a mais
importante e a mais elaborada discussão de um teoria geográfica
relacionada à cultura humana e ao meio ambiente desde o tratado de
Hipócrates Ares, Águas e Lugares.
Alberto o Grande foi um dos introdutores da ciência grega e
muçulmana nas universidades da Europa Ocidental, apesar da forte
oposição da alta hierarquia eclesiástica, que em 1210, já haviam condenado
os trabalhos científicos de Aristóteles, condenação que se prolongou até
1234. A partir de 1240 Alberto inicia os trabalhos de sua grande obra De
natura locorum, realizando um feito sem precedentes para a época, pois além
de explicar Aristóteles em toda a sua obra científica e filosófica, comentou
também os filósofos e cientistas árabes.
Suas observações da natureza cobriram a geologia, classificando
mais de cem minerais, zoologia, seu tratado Sobre os animais contém
algumas descrições de espécies imaginárias e de animais verdadeiros,
inclusive retificando alguns mitos de época. Observou o comportamento
dos insetos, peixes, mamíferos e aves, inclusive os mecanismos de
acasalamento. Teceu considerações sobre a relação entre cor dos pêlos dos
animais do extremo norte da Europa e a incidência de neve.
No campo da botânica, além do monumental trabalho de descrição,
também iniciou uma classificação sistemática segundo a forma da planta e
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
dos frutos. Além de ter sido o primeiro estudioso a observar e
correlacionar temperatura e luz no crescimento das árvores. Seu estudo
sobre enxertia, foi o que houve de mais importante no campo da botânica
da Idade Média.
Seus estudos sobre o clima convergem para uma teoria climática
que, implicitamente agrega a noção de esfericidade da Terra.
Ronan (1987, vol II:153) alude as dificuldades que os teólogos
cristãos se defrontaram para adaptar o conteúdo da filosofia grega ao
contexto religioso da Idade Média, pois esse pensamento tinha uma ...
“perspectiva pagã e era inimigo da religião revelada, pois fora nutrido numa
cultura em que se prestava a falsa reverência a deuses e deusas, sobre cuja
existência os intelectuais tinham reservas. Além do mais, havia muitos aspectos na
filosofia aristotélica que estavam em conflito com as Escrituras aceitas como
autênticas pela Igreja cristã, como Grosseteste já verificara”.
Neste ambiente conturbado, um aluno de Alberto em Paris
encampa a tarefa de amalgamar a doutrina cristã com o pensamento
aristotélico. Seu nome Tomás de Aquino (1225-1274). A tarefa de Tomás
foi colossal, pois mesmo não sendo um cientista, conseguiu modificar o
pensamento acadêmico da teologia vigente, separando razão e fé. A
consideração de que todo o conhecimento começa com a experiência
sensível, sobre a qual se desdobram vários graus de abstração, e que o
processo de conhecimento de Deus, também segue os caminhos da
experiência, pois Deus é conhecido a partir de seus efeitos, foi
fundamental no encaminhamento da reconciliação entre a ortodoxia cristã
e a ciência grega. Tomás pagou um alto preço por sua luta, pois foi duas
vezes condenado por seus escritos. De todas as sínteses escritas na Idade
Média sua Suma Teológica foi a mais importante obra da filosofia escolástica.
Morreu em 1274 sem ver os resultados de sua obra gigantesca. Cinqüenta
anos mais tarde, seus escritos tornam-se referência no pensamento
teológico e sua canonização em 1323, o recoloca como um dos principais
filósofos da época.
O trabalho de São Tomás de Aquino teve seguidores importantes:
João Duns Scot (1266-1308) e Guilherme de Occam (1286-1350). Ambos
iniciam uma corrente filosófica, definida por Corbisier (1974: 148) como
neotomismo, pois apesar de representar um “retorno ao platonismo
augustiniano” reforçam uma orientação de separação entre razão e fé e
encaminham a filosofia em direção às ciências naturais.
Duas profundas e eruditas análises de Maurice de Gandillac (1995:
81-90 e 91-134) mostram as principais áreas de confronto e adoção nos
pensamentos de Scot e Occam com os de São Tomás no campo filosófico.
29
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
No contexto das ciências naturais, John Losee (1979: 41-54) analisa os
diferentes padrões explicativos por que passou o pensamento aristotélico
na Idade Média, fazendo uma espécie de exposição comparativa dos
métodos de cinco grandes filósofos da ciência da época: Robert
Grosseteste(1168-1253), Roger Bacon (1214-1292), João Duns Scot (12661308), Guilherme de Occam (1286-1350) e Nicolau de Autrecourt (13001355). Questões sobre indução/dedução na ciência experimental, relações
de causa e efeito, comprovação/refutação, generalizações/particularizações
a partir de experiências são alguns dos temas que Losee compara, dando
uma boa visão do pensamento científico da Idade Média.
O Determinismo da Renascença aos Tempos Modernos
O Início de uma Era de Revoluções e Descobertas
No contexto geográfico, o personagem que melhor delimita a
fronteira entre a Idade Média e a Renascença foi Marco Polo (1254-1324),
considerado o maior viajante da época e também o último geógrafo do
lendário, através de sua obra O Livro das Maravilhas (1985), redigido por
Rusticiano de Pisa em 1298, a partir de um relato de Marco Polo.
A incrível aventura de Nicola e Mafeu Polo, respectivamente pai e
tio de Marco, inicia-se em 1260 com uma viagem partindo de Veneza em
direção a Ásia central, chegando a China em 1266 e retornando a Europa
em 1269, como embaixadores de Cublai Kan. Em 1272, os irmãos Polo
novamente põem-se em marcha, agora acompanhado de Marco Polo,
ainda um adolescente. Permanecem na China até 1291, quando retornam
por mar, contornando o litoral do sudeste asiático, atravessando o Índico
até a costa leste da Índia e bordejando seu litoral, seguem até a Arábia e daí
por terra até Veneza, chegando em 1295. (referências...) (Polo, 1985:10)
Em 1298, Marco Polo é aprisionado por genoveses, em função das
guerrilhas comuns que aconteciam entre venezianos e genoveses por conta
do controle de rotas comerciais. Durante prisão, Marco dita suas memórias
para Rusticiano, praticamente eliminando o pai e o tio da estrutura
narrativa e construindo uma nova geografia, completamente diferente do
padrão habitual da Idade Média, tanto em termos de quantidade de
novidades, quanto em qualidade dessas novidades. Para Stéphane
Yerasimos, que escreveu a introdução do livro de Polo (1985:17), ao
informar sobre pavimentação das ruas nas cidades chinesas ou comentar
sobre o carvão de pedra e sua utilização, Marco Polo inaugura um novo
enfoque de descrição geográfica, centrado no que é diferente, mas calcado
30
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
na realidade isto é, com pouco espaço para a fantasia. Nas palavras de
Yerasimos:
“Marco Polo não age como um geógrafo do legendário. Basta ler, por exemplo,
Mandeville, para compreender a diferença. Utiliza seu espírito crítico -positivopara refutar uma lenda, quando isto é possível. É o caso do amianto: com
informações que tem de fonte segura sobre a extração e a fabricação deste
produto, refuta suas origens animais a partir da legendária salamandra. Ou quando,
aplicando a definição legendária do unicórnio ao rinoceronte de Sumatra, ele
apercebe-se da diferença e constata que este nada tem a ver com o animal gracioso
seduzido por uma donzela” (p.26-27).
O contexto histórico da aventura da família Polo vincula-se a
derrocada dos empreendimentos de conquista dos cruzados europeus no
Oriente Médio que culminou com a perda da cidade de Acre para os
muçulmanos em 1291. Yerasimos (Polo,1985:12) argumenta que para os
católicos europeus do século XIII, o império mongol seria uma esperança
capaz de deter a marcha avassaladora do Islam. Esperança essa que não se
concretiza em termos políticos, mas que abre oportunidades para
comerciantes e navegadores e, mais tarde, missionários tomarem
conhecimento da Ásia e de suas potencialidades comerciais, culturais e
científicas.
Entretanto, a aventura de Marco Polo começa hoje a ser
questionada por estudiosos que contestam, além da inclusão de fatos
absurdos, a não inclusão de fatos reais como: a Muralha da China, os
caracteres da escrita chinesa, a deformação dos pés das mulheres como
característica de beleza e muitas outras. Para Frances Wood, chefe do
Departamento da China da British Library, provavelmente Polo não
chegou a ir além de Constantinopla.
Alfred W. Crosby, em seu livro Imperialismo Ecológico (1993: 71)
mostra que, da mesma forma, partir da tomada de Acre, os europeus
iniciaram outro projeto de conquista, agora por mar, rumo ao oeste e sul
pelo Oceano Atlântico, inaugurado pela aventura mortal dos irmãos
genoveses Vadino e Ugolino Vivaldi em 1291 ao navegarem para além do
estreito de Gibraltar e não mais retornando. Essa viagem inaugurou uma
nova rota de conquistas que se iniciou com as ilhas Canárias, Madeira,
Açores e Cabo Verde, estendeu-se pela África e alcançou a Ásia, mas
também as Américas entre os séculos XIV e XV.
No capítulo Ventos, Crosby (1993: 99) mostra que esse novo
projeto, só foi possível graças aos subsídios técnicos trazidos pelos
cruzados que tiveram oportunidade de conhecer técnicas e equipamentos
já utilizados pelos árabes e pelos asiáticos e descreve as diversas fases da
31
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
chamada era das grandes navegações em função das técnicas de domínio
dos ventos. Período que vai caracterizar a Renascença do século XV.
A descoberta dessas novas rotas e o aparecimento de um inesperado Novo
Mundo no hemisfério ocidental repercutiu profundamente no pensamento
europeu.
Clarence Glacken (1990: 358) explora muito bem a conotação
revolucionária desse novo tempo para a comunidade científica européia. A
descoberta da existência de antípodas, de climas e ambientes naturais
diferentes, e de outras concentrações humanas com características
fisionômicas estranhas aos europeus, adquiriu uma escala ainda
desconhecida no saber da época. Mas acabou criando uma nova
consciência de que era possível ao ser humano modificar o meio ambiente.
As bases para essa nova consciência eram sustentadas, de um lado, pelo
desenvolvimento científico que estava ocorrendo nas universidades
européias, e nas corporações de artesãos que criavam instrumentos que
ampliavam essa nova consciência, conforme alude Paolo Rossi (1989: 1719), por outro, pela imensidão das novas terras e pelas infinitas
possibilidades de se testar toda e qualquer idéia modificadora desse novo
ambiente. E isso foi avidamente tentado, apesar dos conflitos teológicos
que advieram.
Cientistas, religiosos, comerciantes, militares e minorias perseguidas
em vários contextos, tomaram os caminhos do oceano e foram vivenciar
esses novos tempos nas novas terras. Porém, as tradições e os dogmas
cristalizados nas instituições e na sociedade européia, ainda iriam causar
muitas querelas no desenvolvimento científico do ocidente. E é justamente
com a Renascença que acontece o surgimento das novas arenas de disputa
científica. E novos discursos são postos a prova, ou para romper com a
religião, pagando o preço, ou para criar soluções de compromisso.
Religiosos vão conhecer as novas terras e tentar adaptar os
ensinamentos da religião às novas realidades culturais. Um exemplo
interessante pode ser visto no livro de Jonathan Spence (1986), sobre a
viagem do jesuíta italiano Matteo Ricci à Índia e a China entre 1578 e 1610,
quando falece na cidade imperial de Pequim. Ricci era um erudito e foi
enviado à China para apresentar à elite chinesa a religião cristã e ao mesmo
tempo oferecer sua erudição e habilidades lingüísticas e de treinamento da
memória. Suas informações subsidiaram os europeus no processo de
entendimento de uma cultura antiga e de características muito diversas das
ocidentais. Mas podem-se citar outros como Frei Bartolomé de las Casas, o
primeiro religioso a condenar o processo de ocupação do novo mundo
32
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
levado a efeito pelos espanhóis na América Central, além de Antônio
Vieira e José de Anchieta, que também se envolveram em conflitos com os
objetivos materiais imediatos dos colonizadores portugueses no Brasil.
Crosby (1993) mostra os resultados da expansão da biota européia
nas novas terras, estudando um horizonte de tempo que vai do ano 900 ao
1900, mostrando que o papel dos animais, vegetais e doenças,
representaram uma verdadeira revolução no desenvolvimento científico
ocidental, pois as experiências estavam agora ocorrendo em um laboratório
vivo e de escala real. Foi nesse contexto, que os geógrafos da Renascença
deram sua contribuição para o entendimento e a ordenação desse novo
mundo, que começa a se modificar com uma velocidade nunca vista antes.
Um geógrafo que representou bem essa época foi Sebastian Münster
(1489-1552), teólogo, lingüista, filólogo e cosmógrafo de grande erudição,
além de produzir obras como uma Bíblia Hebraica (1534-1535), uma
gramática e dicionário armênio . Em 1544 escreveu a Cosmographia
Universalis, que foi considerada por Bergevin (1992: 119) como um
verdadeiro monumento editorial da Renascença, com inúmeras traduções
do alemão para o Latim (1550), Francês (1552), Inglês(1553), Tcheco
(1554) e Italiano (1558). Foi uma das primeiras obras a utilizar os
caracteres móveis de Gutemberg em suas mais de 1300 páginas. A obra de
Münster foi considerada na Alemanha, por mais de um século, um
verdadeiro tesouro da cultura germânica, uma espécie de bíblia laica que as
famílias católicas e protestantes consultavam e ensinavam seus filhos.
Na visão de Clarence Glacken (1990 : 364-366) a obra de Münster é
descritiva e não teórica, pois, para ele, conhecimento geográfico abarcava o
ensino, e a informação sobre os lugares, para subsidiar os negócios ou os
assuntos religiosos. Embora tenha sido publicada cinqüenta anos após a
descoberta de Colombo, o livro V que trata da Ásia e do Novo Mundo é
considerado por Glacken como pobre, em virtude das esparsas
informações sobre as viagens de Colombo e de Vespúcio e pela ausência
de informações sobre as conquistas do México e Peru.
O fervor religioso de Münster é explicado por Bergevin (1992 : 156163) quando trata da questão determinismo, alegando um determinismo a
serviço da fé. A realidade terrestre para o geógrafo alemão é determinada
pela realidade celeste e o sol tem um papel fundamental. É através dele que
Deus organiza a distribuição do calor e determina a vida. Portanto, é um
retorno a Estrabão (1980: XXXII), que colocava uma precedência da
Providência Divina sobre os processos naturais e que também elegia o sol
como a principal ferramenta divina de ordenação da natureza terrestre.
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Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
A Revolução Científica da Renascença aos Tempos Modernos: as
contribuições da Astronomia, Geologia e Biologia
A escolha dessas três áreas do saber para servir como base de
referência ao processo de desenvolvimento do pensamento científico da
Renascença, vincula-se à afinidade com que essas disciplinas tiveram com a
geografia durante esse período. O discurso sobre a ordem do mundo de que nos
fala Paulo Cesar Gomes (1996:342) está fortemente atrelado às mudanças
ocorridas nos campos da matemática e da física que trabalharam as
principais questões da astronomia, assim como as mudanças de escala
temporal nos estudos sobre a idade da terra, vincularam-se às descobertas
geológicas (Stephen Jay Gould, 1991: 15 cita Paolo Rossi ao tentar mostrar
essa violenta modificação no conceito de tempo geológico “Os homens no
tempo de Hooke tinham um passado de 6 000 anos; no tempo de Kant, estavam
conscientes de um passado de milhões de anos”); da mesma forma, é possível
perceber também outra forte vinculação entre os avanços das observações
nos mundos animal e vegetal, campo da biologia, com as novas
concepções integradoras entre natureza e cultura que se desenvolveram na
geografia do final da Renascença e alcançaram seu apogeu na Idade
Moderna.
Astronomia
Colin Ronan (1987, vol III: 64-65 ) nos informa que as verdadeiras
modificações que ocorreram no campo da astronomia, se deram após a
segunda metade do século XVI, mas que ainda no século XV, um teólogo
e filósofo alemão Nikolaus Krebs (1401-1464) ou Nicolau de Cusa (como
ficou conhecido) alicerçou as bases dessas modificações. Profundo
estudioso das obras de Platão, Aristóteles e de Averróis, Nicolau percebe a
inadequação da lógica de Aristóteles para lidar com idéias que deveriam
considerar o infinitamente grande e rejeita o sistema ptolomáicoaristotélico vigente, com a terra como centro de todas as coisas. Sua alusão
à possibilidade de vida em outros astros é, sem dúvida, um grande salto
para a época. Porém seus argumentos eram expressos em linguagem
teológica, com circulação altamente restrita e, por isso, não foram
devidamente discutidos em seu tempo. Maurice de Gandillac (1995: 183200) escreveu um ensaio altamente erudito sobre as diferenças de Nicolau
com os pensamentos de Platão e Aristóteles no contexto do século XV.
A mais importante revolução ocorrida no conhecimento
astronômico da Renascença deve-se a Nicolau Copérnico (1473-1543), que
no século XVI, derruba a concepção ptolomáica de geocentrismo e
inaugura uma nova visão do sistema planetário com o heliocentrismo. O
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
livro de Thomas Kuhn (1990) A Revolução Copernicana revela, com
muito detalhe, todo o processo de crítica ao antigo conceito ptolomáico do
universo de duas esferas. No capítulo sobre a astronomia que vigia na
época de Copérnico (pg.147), Kuhn mostra quão grandes eram as
modificações políticas, culturais e filosóficas que abalavam a Renascença...
”Inovações radicais na ciência têm acontecido repetidamente durante períodos de
convulsão nacional ou internacional, e a vida de Copérnico ocorre durante um
desses períodos. Mais uma vez, os Muçulmanos ameaçavam absorver vastas áreas
de uma Europa agora convulsionada por rivalidades dinásticas através das quais a
nação-Estado substituiu a monarquia feudal. Uma nova aristocracia comercial,
acompanhada por mudanças rápidas nas instituições econômicas e na tecnologia,
começou a rivalizar com as mais antigas aristocracias da Igreja, e com as nobrezas
rurais.”(pg.148)
Questões como as grandes navegações começaram a revelar os
problemas da geografia de Ptolomeu e os preparativos para a reforma do
calendário Juliano para o Gregoriano passaram a exigir reformas nos
conceitos astronômicos e Copérnico foi o grande empreendedor da tarefa
de preparar os cálculos para essa reforma que aconteceu em 1582.
Kuhn também alude uma certa conjunção de objetivos entre a
tradição humanista que existia fora das universidades ( que fazia críticas à
esta instituição durante a Idade Média) e o esforço de introdução de novas
idéias nos estudos científicos afetos à academia, que começou a ocorrer na
Renascença ...
”Em conseqüência, o primeiro efeito científico do dogma humanístico antiaristotélico foi facilitar para outros o corte com os conceitos de raiz da ciência de
Aristóteles. Um segundo efeito, mas mais importante foi a surpreendente
fertilização da ciência devido ao forte impulso para o exterior que caracterizava o
pensamento humanístico.”...”cientistas renascentistas, como Copérnico,Galileu e
Kepler, parece terem esboçado decididamente duas idéias não aristotélicas: uma
nova crença na possibilidade e importância da descoberta de regularidades
aritméticas e geométricas simples da natureza, e uma nova visão do Sol como
fonte de todos os princípios vitais e forças do universo.” (pg.151).
A teoria copernicana foi um produto típico da renascença, pois foi
um enfoque totalmente novo de se encarar a natureza. A observação vinha
em primeiro lugar, e sua resposta era mais forte que o dogma e estava
acima da autoridade. Ao abraçá-la, alguns cientistas da época pagaram um
alto preço por tal decisão, Giordano Bruno(1548-1600) foi queimado vivo
em Roma, após longo processo e mais tarde Galileu Galilei (1564-1642)
teve de se retratar perante a inquisição para não sofrer o mesmo destino.
O primado da observação emerge com todo o vigor nas relações
entre dois astrônomos que viveram a transição dos séculos XVI e XVII.
35
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
Tycho Brahe (1546-1601) e Johanes Kepler (1571-1630). O dinamarquês
Brahe foi o introdutor da precisão nas observações astronômicas, através
do projeto e construção de instrumentos de medição altamente precisos
para a época. Suas observações sobre a supernova de 1572 e do cometa de
1577 incrementa o processo de descrédito nas concepções aristotélicas das
esferas de Aristóteles que havia se iniciado com Copérnico. Tycho Brahe
trabalhou como principal astrônomo de Rodolfo II, sacro imperador
romano germânico em Praga, e seu principal assistente foi Johanes Kepler
um extraordinário matemático, que conviveu apenas um ano com Brahe
(1600 -1601) e que nesse período, ganhou a confiança e o respeito de seu
tutor, que lhe deixou um novo conjunto de tabelas sobre o movimentos
dos planetas.
O trabalho de Kepler sobre a órbita de Marte, a partir das tabelas de
Brahe e de suas próprias observações, começa a demonstrar que a teoria
planetária de Brahe não era aceitável. Kepler, em 1609 , lança sua nova
astronomia, concluindo que os planetas giram em torno do Sol e entre 1619
e 1621 completa seu trabalho sobre o movimento planetário com a
publicação de Epítome da Astronomia Copernicana.
Mas se Brahe e Kepler tiveram apoio institucional para suas
pesquisas, Galileu Galilei (1564-1642), assim como Bruno anteriormente,
sofreu pressões fortíssimas da Igreja católica, que era contra a divulgação
de tais pesquisas para o grande público, isto é, os de fora da academia.
Galileu era, como Kepler, um extraordinário matemático que se
dedicou ao estudo dos movimentos dos corpos. As técnicas matemáticas
utilizadas por Galileu nesses trabalhos eram tão inovadoras, que o que se
convencionou chamar de nova física, que iria despontar nos séculos XVII
e XVIII, somente teve segmento em função de seus estudos pioneiros e
por isso é conhecido como pai da física matemática. Estudiosos do
pensamento científico como Koyré (1991), Kuhn (1973 e 1990), Rossi
(1989 e 1992) e até críticos literários como Ítalo Calvino (1993) escreveram
sobre sua importância no processo de ruptura conceitual entre as
concepções aristotélicas-ptolomaicas e as novas teorias advindas da
observação, da experimentação e do apoio lógico-matemático que eram as
marcas registradas da Renascença.
O uso científico do telescópio, (não descoberto por ele) mais a base
matemática e as experimentações com pêndulos e demais corpos,
garantiram a Galileu um lugar de excepcional destaque na história da
ciência. Suas principais obras: O Ensaiador (Il Saggiatore) 1623, Diálogo sobre os
dois principais sistemas do mundo - o ptolomaico e o copernicano 1632 e Discursos
36
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
referentes a duas novas ciências 1638 são ainda hoje peças de referência nos
estudos de história da física (ver, por exemplo, Carneiro, 1989).
O contexto histórico do mundo de Galileu mostra uma inflexão em
direção à ciência experimental, e a ciência tornou-se experimental porque
os práticos (vide Rossi,1989) passaram a ocupar um lugar importante nesse
mundo, anteriormente ocupado por filósofos religiosos. A noção de
eficácia passa a dominar essa nova sociedade, que precisava de um outro
sistema de mundo, que não o da religião. A prova da eficácia era agora
mais importante e já não podia mais se satisfazer com o milagre sem
explicações ou somente com a fé. É nesse contexto que a importância de
Galileu melhor se apresenta, pelo seu gosto pela experiência e pela
aplicação da matemática.
A Revolução copernicana continuou seu curso pelo século XVII
com René Descartes (1596-1650) deduzindo outras leis do movimento dos
corpos, precursoras do conjunto de Leis da Inércia , definidas mais tarde
por Isaac Newton . Descartes apoiava a teoria copernicana e, em função de
seu prestígio, visitava muitas universidades e, em Cambridge, transmitiu
seus conhecimentos a um grupo de alunos, um dos quais era Isaac
Newton. Os estudos de Descartes sobre evolução dos planetas, cometas e
estrelas, mais tarde se revelaram equivocados, mas para o século XVII, a
filosofia cartesiana constituía uma doutrina revolucionária. Sua grande
aceitação foi incentivada mais pela sofisticação de seus escritos sobre o
método, do que pelos resultados práticos de suas experiências.
A relação entre método e experimentação atingiu níveis nunca
alcançados com a obra de Isaac Newton (1642-1727). Para ele, o processo
científico deveria incluir tanto um estágio indutivo quanto outro dedutivo,
que chamou de “método da análise e da síntese”. Suas habilidades manuais,
somadas ao seu enorme conhecimento matemático o auxiliaram na
confecção de numerosos instrumentos de experimentação e de medição
dos fenômenos, e essa combinação de habilidade com inteligência abriu
uma nova era nas ciências naturais, da qual a mecânica e a ótica são os
maiores marcos de referência.
O livro de Westfall (1995) detalha pormenorizadamente a vida de
Newton, desde suas pesquisas científicas até suas experiências com a
alquimia e seus estudos sobre a Arte Hermética, prática que ocorria
paralelamente com suas geniais descobertas, como a da gravitação
universal, a formulação das leis da inércia, da refração da luz, do cálculo
diferencial e integral (trabalhando independentemente de Leibniz, que
também criara um método equivalente).
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Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
A publicação do Philosophiae naturalis principia mathematica em 1687,
causou um impacto tão forte, que foi considerado o maior livro científico
de todos os tempos. Nas palavras de Ronan (1987: 99)...
“... Newton rescrevera toda a ciência dos corpos em movimento com uma incrível
precisão matemática. Ele completou o que os físicos do fim da Idade Média
haviam começado e Galileu tentara trazer à realidade; suas três leis do movimento
formam a base de todo o trabalho posterior. Newton tinha também resolvido um
problema astronômico de 2 000 anos- o do movimento dos planetas no espaço.
Com uma análise matemática que era assombrosa em perfeição, mostrou como
uma lei do inverso do quadrado resultava em um movimento em elipse e forçava
os planetas a obedecer às leis que Kepler tinha deduzido com tanto esmero a
partir das observações de Tycho Brahe.”
Geologia
Se na astronomia, o grande empecilho para o desenvolvimento das
idéias copernicanas e newtonianas foi a crença que a terra era a principal
referência na existência humana e que o ser humano, feito à imagem e
semelhança de Deus, não poderia habitar um mero planeta do sistema
solar. Na geologia do século XVII, os obstáculos eram outros, e estavam
vinculados às crenças da formação original e completa das espécies no
momento da Criação e do dilúvio como acontecimento histórico,
agregando a questão da preservação das espécies através de Noé e sua
Arca.
Gould (1991) em seu Seta do Tempo Ciclo do Tempo e Rossi (1992),
com Os Sinais do Tempo trataram brilhantemente dessas questões geológicas,
que abalaram os dogmas cristãos criacionistas entre os séculos XVII e
XVIII.
Gould nos mostra as tremendas dificuldades por que passaram os
cientistas que estudavam a crosta terrestre para aceitar a noção de tempo
profundo ou tempo geológico, na concepção entendida hoje. Em sua
explanação, o autor confessa-se paroquial, pois analisa tão somente o
exemplo inglês, através dos trabalhos de três pesquisadores: Thomas
Burnet (1623-1691), James Hutton (1726-1797) e Charles Lyell (17971875) o primeiro, encarado como vilão, e os outros dois como heróis. Nas
palavras de Gould (1991:16)...
”Brunet, vilão porque infectado de dogmatismo teológico, escreveu sua Sacred
theory of the Earth na década de 1680. O primeiro herói, James Hutton, trabalhou
exatamente cem anos mais tarde, escrevendo a versão inicial de Theory of the
Earth na década de 1780. Charles Lyell, o segundo herói e codificador da
modernidade, escreveu então o influentíssimo tratado Principles of Geology não
mais de cinqüenta anos depois, por volta de 1830. ( A ciência, afinal, parece
38
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
realmente avançar por aceleração, como sugere esta redução pela metade da
distância temporal).”
O pressuposto fundamental para Brunet era que sua fonte
documental - a Bíblia- não podia ser contestada. Com isso, questões como
a do dilúvio e a Arca de Noé e a infalibilidade de Deus ao criar todas as
coisas em um só momento, suscitaram argumentações que, claramente
ferem a lógica que geralmente acompanha a observação. No caso do
dilúvio, a determinação divina inundou todo o planeta de uma só vez, daí a
necessidade da Arca. Se assim não fosse, Noé poderia ter levado seus
animais para qualquer outra região seca, caso o dilúvio tivesse sido apenas
regionalizado. Mas em termos de ciência natural, o texto sagrado
conflitava-se com uma realidade, que era do conhecimento de Brunet: a
quantidade de chuva dos quarenta dias e quarentas noites, era muito aquém
da demanda necessária para inundar o planeta. A solução proposta foi
especular sobre uma camada subterrânea de água, que existiria abaixo da
superfície, proposta já colocada por Descartes em 1617 em Princípios de
filosofia.
Outro exemplo de conflito entre as escrituras, e o que Brunet
verifica, situa-se no dilema entre a imposição, pelas escrituras, de um vetor
de história que não aceita grandes modificações estruturais, pois seria
reconhecer um erro divino. Entretanto, a noção de ciclo era fundamental
para Brunet, e ele adapta uma explicação engenhosa alternando os ciclos da
água em primeiro e prevendo um futuro ciclo de fogo (Gould,1991: 55-58).
Essas soluções de compromisso seriam a marca registrada de inúmeros
trabalhos das ciências naturais nos séculos XVII e XVIII, principalmente
na geologia e na biologia (Glacken, 1990: 407-415). No caso da Geologia
gerou uma corrente de pensamento chamada de Catastrofismo. Uma
catástrofe divina era sempre empregada quando surgia um impasse que não
poderia ser resolvido por causas normais.
Cem anos mais tarde, o conceito de ciclo é recolocado por James
Hutton, não como sucessão de cataclismos determinados por Deus, e sim
através de uma concepção de machina mundi onde estava embutido um
contínuo processo de mudanças cíclicas. Nas palavras de Gould (1991: 7273)...
“A machina mundi auto-renovável de Hutton opera em um ciclo de três estágios
que se repetem eternamente. Primeiro, a topografia da Terra se decompõe à
medida que os rios e as ondas desagregam as rochas, formando solos nos
continentes e transportando os produtos da erosão para os oceanos. Segundo, os
fragmentos erodidos dos continentes antigos são depositados em estratos
horizontais nas bacias dos oceanos. À medida que os estratos vão se acumulando,
39
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
seu próprio peso gera calor e pressão suficientes para movimentar as camadas
inferiores. Terceiro, o calor de sedimentos em processo de liquefação e de intrusão
de magmas faz com que a matéria se expanda - com espantosa força -(1788,226),
produzindo extensos soerguimentos e gerando novos continentes onde antes
havia oceanos (enquanto as áreas erodidas dos antigos continentes se tornam
novos oceanos). Cada estágio provoca automaticamente o seguinte. O peso e o
acúmulo de sedimentos gera calor suficiente para consolidar, e em seguida
soerguer, os estratos; a topografia íngreme do levantamento irá então
forçosamente ser erodida sob a ação das ondas e dos rios. o ciclo do tempo rege a
machina mundi da erosão, deposição, consolidação e soerguimento; continentes e
oceanos trocam de lugar numa lenta coreografia que jamais poderá ter fim, nem
sequer envelhecer, enquanto poderes superiores mantiverem a atual ordem das leis
da natureza.”
James Hutton passou a ser considerado o pai da geologia, em
função de sua teoria sobre os processos formadores da terra e influenciou
muitas gerações de geólogos e de geomorfólogos, um exemplo importante
foi o geomorfólogo americano Willian M. Davis(1850-1934) e o seu
famoso ciclo geomórfico apresentado em seu livro The rivers and valleys of
Pennsylvania (1909). A diferença está apenas no ampliado conhecimento das
eras geólogicas, e no detalhamento das explicações sobre os processos de
peneplanização, mas na base, a machina mundi de Hutton sinaliza a
referência primeira ( Thornbury, 1966: 6-13 e 245-6).
Entretanto Rossi (1992: 335-363), em surpreendente ensaio, nos
apresenta ao conjunto revolucionário de idéias sobre os processos
geológicos desenvolvidos por um pesquisador italiano chamado Anton
Lazzaro Moro, que nas palavras de Rossi “era um fervoroso adepto de Newton”.
Suas teorias foram publicadas em 1740 na obra De’crostacei e degli altri corpi
marini che si truovano su’monti, portanto 48 anos antes de Hutton e
republicadas em lingua alemã em 1751(Leipzig) e 1765 (Bremen).
A questão de Moro era explicar o processo de aparecimento de...
“produções marinhas, aqueles peixes, crustáceos e os outros empedrados produtos do mar
que se encontram sobre os montes”. Suas respostas foram divididas em duas
negativas e numa terceira afirmação. A primeira rejeita o já tradicional
recurso do dilúvio universal para explicar esses fósseis, a segunda também
não aceita as teorias, até então vigentes, sobre o recobrimento total da
crosta pelo mar, e que por isso, tais fósseis teriam aparecido nas
montanhas. A terceira e surpreendente afirmação, aponta para um
processo de soerguimento da crosta, que teria se elevado “saindo do seio da
terra coberta de água se elevando àquelas alturas em que agora os vemos”.
Para Moro, não foi o mar que se elevou e sim as montanhas que
emergiram do leito marinho. É importante assinalar que Moro havia
40
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
pesquisado sobre a súbita emergência de uma ilha no mar Egeu (Néa
Kaiméni), que pertencia ao conjunto vulcânico de Santorini em 1707. Além
disso, faz uma investigação histórica sobre processos semelhantes como
em Pozzuoli, onde em 1538 ocorrera o soerguimento do monte Novo,
além das referências de Plinio e Estrabão ao aparecimento de novas ilhas
no Mediterrâneo ( Delos é um dos exemplos).
Considerações como essas, em meados do século XVIII, revelam-se
revolucionárias aos nossos olhos, particularmente se lembrarmos que as
questões sobre a geologia ainda eram um amálgama de dogmas e teorias
que envolviam... “a narração do Gênese, com temas cosmológicos da formação e da
destruição do Universo, com o milenarismo1 e o catastrofismo, com os grandes princípios
teológico-naturais da plenitude e da cadeia dos seres, com os problemas relativos ao
Dilúvio e a existência dos primeiros homens sobre a Terra”.
Rossi descreve com muitos detalhes as refutações de Moro às
teorias vigentes, e com isso, percebe-se que Moro trabalhou com uma
combinação entre observação e dedução. A não aceitação gradual de um
determinismo divino, para uma incorporação gradual de um determinismo
orientado por processos emanados dos próprios elementos da natureza. A
concepção newtoniana de Ordem, claramente, mostrava sua força treze
anos após sua morte.
No século XIX, mais precisamente 1830, outro personagem entra
em cena, para dar sua contribuição à noção de tempo geológico, Charles
Lyell publica sua obra Principles of Geology , lutando contra um contexto que
ainda trabalha com o catastrofismo, como solução para os inúmeros
problemas que a geologia se debatia. A noção de uniformidade trabalhada
por Lyell, consistia em quatro princípios básicos:
-Uniformidade das leis. As leis naturais são constantes no espaço e no tempo.
- Uniformidade dos processos. Se um fenômeno passado pode ser representado
como o resultado de um processo hoje atuante, não se deve inventar uma
causa extinta ou desconhecida para explica-lo.
- Uniformidade de grau. A taxa de mudança é geralmente lenta, constante e
gradual ( catástrofes ocorrem, mas são estritamente de escala local )
- Uniformidade de estado. As mudanças ocorrem, mas a Terra está em
equilíbrio dinâmico, portanto, não era possível aludir a uma teleologia em
termos geológicos.
Doutrina herética defendida por Joaquim de Flora (séc.XIII) e que desenvolveu-se ao
longo do Cristianismo e que determinava que a existência do mundo conhecido teria
apenas a duração de um milênio ou milenário, conforme a interpretação do Apocalipse de
São João.
1
41
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
É possível perceber a importância das colocações de Lyell, num
contexto em que as sagradas escrituras ainda tinham uma relativa força.
Sua concepção do ciclo imponente do tempo conforme nos fala Gould
(1991:145), pode não ser hoje totalmente aceita, em virtude do advento da
contingência de fatores externos, como no caso da extinção dos
dinossauros, ou mesmo quando nos reportamos à teoria da translação
continental de Alfred Wegener (1880-1930), mas para época em que foi
apresentada, representou uma ferramenta teórica importante para a
aceitação de uma escala de tempo de dimensão ainda não compreensível
pela maioria das pessoas.
Sua importância pode ser também medida pela influência que
causou em Darwin, que usou suas teorias para desenvolver sua teoria da
evolução.
Biologia
A expansão das ciências biológicas durante o período que vai da
Renascença aos tempos modernos foi considerável por duas razões: o
aperfeiçoamento dos instrumentos óticos como o microscópio e a incrível
ampliação do espaço de pesquisa na botânica e na zoologia, em função da
ocupação por europeus, de vastas áreas dos novos continentes. Com isso,
dois tipos de biólogos tomam posição de destaque nas ciências naturais: os
microbiologistas, que vão ampliar o desenvolvimento da medicina, auxiliando
os médicos no entendimento dos processos biológicos dos seres humanos
e dos animais e os naturalistas, que sistematizaram o mundo vegetal e
animal que se abriu, após o século XVI.
Clarence Glacken (1990), Numa Broc (1974) e Alfred W. Crosby
(1993), embora apresentando visões diferentes dessa epopéia científica de
reconhecimento da Terra, conseguem dar uma noção de escala razoável
desse empreendimento científico e das dificuldades enfrentadas pelos
naturalistas europeus no novo mundo e das querelas intelectuais
decorrentes das inúmeras possibilidades de avaliação desse material que
vinha do Novo Mundo.
Glacken trata dessa fase, na parte quatro de sua ciclópica obra, no
Ensaio Introdutório (501-503) e no cap. 14 A Época do Homem na
História da Natureza (655-705) ; Broc, principalmente, no livro III As
Grandes Revelações (101-150) e Crosby , ao analisar o caminho inverso: a
biota européia chegando ao Novo Mundo, as vantagens e catástrofes
ocorridas com essa invasão, nos capítulos: 6-Fácil de Alcançar, Difícil de
Agarar, 7- Ervas, 8- Animais e 9- Doenças.
42
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
A estreita relação entre os naturalistas, geólogos e cartógrafos no
trabalho de reconhecimento das novas terras acaba criando um
profissional eclético: o geógrafo explorador, diferente de Estrabão ou de
Ibn’Kaldun, em virtude de sua maior bagagem de conhecimentos
específicos, normalmente adquirida em grandes universidades européias.
Os dois melhores exemplos desse profissional foram Charles - Marie de La
Condamine (1701-1774) e Alexandre von Humboldt (1760 - 1859).
La Condamine participou de uma expedição de medição geodésica
sob a linha do equador na América do Sul e depois retornou a Europa,
cruzando latitudinalmente o continente através do Rio Amazonas até sua
foz, rumando para Caiena e de lá para Paris. O livro que derivou de seu
relatório Viagem pelo Amazonas: 1735-1745 ( La Condamine, 1992), em
particular a introdução histórica escrita por Hélène Minguet, que fez
também a seleção de textos, apresenta dois quadros bem interessantes,
Um do ambiente científico europeu no século XVIII, e outro, que mescla
de curiosidade científica, ganância e pretensões gerenciais dos europeus
que estavam conquistando esse mundo novo. O relatório de La
Condamine apresentado em 28 de abril de 1745 para a Academia de
Ciências da França mostra a extensão de seus interesses intelectuais:
cartografia, lingüística, botânica, antropologia, zoologia, mineralogia e
hidrologia.
Alexandre von Humboldt também viajou pela América do Sul no
período entre 1799 e 1804 e pela Ásia em 1829. Excelente botânico e
geomorfólogo, Humboldt, porém não sente nenhuma dificuldade em
escrever sobre as relações entre população e atividades agrárias em seu
Ensaio Político sobre o Reino de Nova Espanha (1811). Na visão de Mendoza,
Jiménez & Cantero (1982: 25-31), Humboldt foi muito mais do que um
geógrafo naturalista explorador, foi o sistematizador da relação entre
natureza e ocupação humana. Gomes (1996: 151) nos fala que, quem lê a
Viagem às regiões equinociais do novo continente, publicado em 1799...
“não deixa de ficar impressionado com a capacidade de Humboldt em ligar
diferentes fenômenos levando em conta aquilo que havia então de mais recente
nas ciências naturais, e isso a propósito de uma região muito pouco conhecida. Seu
olhar tinha por objeto os elementos mais variados do meio físico, mas não se
limitava a eles, Humboldt observava também a sociedade local. Cada observação
era analisada separadamente e em seguida recolocada em conexão com as outras, a
fim de resgatar uma verdadeira cadeia explicativa.”
Essa característica eclética de Humboldt chega a confundir seus
críticos, pois o cruzamento de idéias racionalistas com o romantismo
alemão, foi sempre motivo de incerteza quando da tentativa de enquadra-
43
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
lo em determinados padrões de pensamento. Entretanto, Gomes (1996:
155) coloca um fim nessa incerteza, conjeturando que o geógrafo
naturalista alemão, provavelmente, fosse realmente um racionalista e cita
um exemplo esclarecedor...
“quando Humboldt fazia estudos de botânica, no fim do século XVIII, ele se
mostrou bastante hesitante sobre a questão da análise das fibras nervosas: não
estava certo da escolha entre uma concepção racionalista e experimental e uma
outra vitalista, que acentuava a especificidade metafísica dos processos vitais. Só
alguns anos mais tarde, ele se pronunciou em favor do método experimental como
sendo o único verdadeiramente científico”.
Uma pequena amostra dessa capacidade de Humboldt em
sistematizar idéias com um nível de erudição elevado, pode ser apreciada
na antologia de textos selecionados por Mendoza, Jimenez & Cantero
(1982: 159-167) no fragmento de Cosmos. Ensayo de una Descripcion Fisica del
Mundo (1862).
Enquanto alguns naturalistas pesquisavam nas novas terras, outros,
na Europa analisavam os novos dados e criavam um corpo de teorias de
ciências naturais que, em algumas escalas, correlacionavam-se com outros
vetores do conhecimento: filosofia, ciência política, direito, antropologia e
geografia.
Alguns desses cientistas / filósofos criaram relações
importantes entre as ciências naturais e as ciências humanas sob vários
aspectos: Montesquieu
(Charles de Secondat, Baron de La Brède et de
Montesquieu 1689-1755), formulador de teorias que ampliaram o escopo
do determinismo ambiental, ao correlacionar os diferentes climas da Terra
com as diferentes culturas conhecidas, para explicar os diferentes tipos de
legislações que foram comparadas com as européias em seu trabalho De
L’espirit des Lois 1748.
Sobre a importância do pensamento de
Montesquieu e seus efeitos no corpo de concepções filosóficas de sua
época, Pierre Bourdieu (1980) escreveu um ensaio muito interessante sobre
as origens míticas de suas idéias.
Outro cientista e filósofo foi Buffon ( Georges Louis Leclerc,
Comte de Buffon 1767-1788) o mais importante naturalista francês do
século XVIII. A vastidão de seus interesses intelectuais é impressionante,
porém, mais impressionante ainda, foi sua contribuição inovadora em
diferentes ramos das ciências naturais. Na geologia, Buffon em sua Teoria
da Terra, atribuiu ao nosso planeta a idade de 74.000 anos, em
contraposição aos 6.000 que a Igreja ainda admitia. Foi também o
precursor do evolucionismo, juntamente com o enciclopedista e botânico
Denis Diderot ( 1713-1784 ), suas idéias iniciais sobre transformismo e
adaptação, influenciaram os trabalhos de Lamarck (Jean-Batiste Pierre
44
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
Antoaine de Monet Chevalier de Lamarck 1744 - 1829 ) e mais tarde,
Charles Darwin.
Na botânica, Buffon foi o criador do maior jardim botânico da
europa no século XVIII, o Jardin du Roi em Paris, e figura extremamente
influente na Academia de Ciências francesa (as carreiras de La Condamine,
Lamarck, Cuvier e Saint-Hilaire foram impulsionadas por Buffon) Sua
principal obra foi Histoire Naturelle, Génerále et Particuliére (1749) e lá estão
suas principais contribuições ao pensamento científico da época, como a
crítica a Lineu por sua classificação botânica, a noção da grande cadeia do ser
(que vai do mais simples ao mais complexo organismo), a noção de ser
humano como agente modificador do ambiente, comparável a outros
agentes naturais e o monogenismo, que estabelece uma única origem à
todas as raças (as modificações ocorrem por influência de fatores
climáticos e por mestiçagem). Por tudo isso, a obra de Buffon cristalizouse como uma referência obrigatória nos estudos das ciências naturais pós
século XVIII.
Porém, as contribuições de Buffon foram apenas o início de uma
nova era de grandes impactos na concepção histórica da Terra e de seus
habitantes. Paolo Rossi em seu livro Os Sinais do Tempo (1992), oferece um
bom panorama da fase anterior a Buffon. Clarence Glackem (1990) e
Numa Broc (1974) cobrem detalhadamente o período da influência de
Buffon, e L. Jordanova (1984), Denis Buican (1990) e Stephen Jay Gould
(1990) apresentam essa nova era pós Buffon,
conhecida por
evolucionismo.
As figuras de Jean-Batiste Lamarck (1744-1829) e Charles Darwin
(1809-1882) foram os atores centrais desse drama intelectual que ocupou
as mentes dos cientistas naturais, geógrafos, historiadores da ciência,
sociólogos e teólogos entre os séculos XVIII , XIX e XX.
A constatação da ampliação do número e variedade de tipos de
organismos em função das descobertas de novas terras incentivou um
esforço intelectual em busca de uma teoria biológica que explicasse o
processo de ocupação da Terra pelos seres vivos. Os trabalhos de Lamarck
(na França) e do avô de Charles, Erasmus Darwin (na Inglaterra) entre
1790 e 1815 tentaram uma explicação, recorrendo a uma longa seqüência
de transformações e modificações, no bojo de uma antiga concepção de
vida como uma “grande cadeia do ser”, idéia perfeitamente aceita no
século XVIII e que inicialmente contava com um ingrediente teleológico
de origem divina, pois ia da matéria bruta simples, passando para a
45
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
biológica até alcançar Deus, o ápice da complexidade. Nas palavras de
Jordanova (1984: 32)...
“Na segunda metade do século XVIII, os naturalistas foram ignorando cada vez
mais a parte sobrenatural da série, porém as idéias de hierarquia e continuidade
entre formas associadas com a grande cadeia do ser garantiram uma influência
considerável no estudo dos seres vivos.”
Para Gould (1990: 84-93), em seu ensaio Sombras de Lamarck , a
vinculação automática da hereditariedade dos caracteres adquiridos a uma
teoria lamarckiana é de certa forma um reducionismo, pois “esta não era
certamente a peça central da sua teoria evolucionista, nem sequer uma idéia original
sua”. A argumentação de Lamarck que a vida é urdida por uma força que
tende necessariamente à complexidade, esbarra nos constrangimentos
ambientais locais. É um mecanismo que garante aos filhos algumas
modificações de forma que os pais adquiriram, porém isso só não garante
o processo evolutivo. Na ótica de Gould...
“A teoria da seleção natural de Darwin é mais complexa que o lamarckismo
porque requer dois processos separados, em vez de uma força única. Ambas as
teorias tem raízes no conceito de adaptação - a idéia de que organismos
respondem às mudanças ambientais desenvolvendo uma forma, função ou
comportamento mais adequado às novas circunstâncias. Assim, em ambas as
teorias, a informação do ambiente tem de ser transmitida ao organismo. No
lamarckismo, a transmissão é direta. Um organismo dá-se conta da mudança
ambiental, responde-lhe da maneira certa e passa diretamente à descendência a sua
reação apropriada. O darwinismo, por outro lado, é um processo em duas fases,
sendo diferentes as forças responsáveis pela variação e direção. Os darwinistas
falam do primeiro passo, a variação genética, como acontecendo ao acaso. Esse
termo é infeliz porque não queremos dizer acaso no sentido matemático de
igualmente provável em todas as direções. Simplesmente, entendemos que a
variação ocorre sem orientação preferida nas direções adaptativas.”
A obra mais importante de Charles Darwin A Origem das Espécies
1859 foi o resultado de mais de vinte anos de acumulação de dados e
experimentações em animais e vegetais e seus principais argumentos
podem ser listados da seguinte maneira:
- Superprodução de jovens que na maioria dos casos morrem nas primeiras
fases de vida;
- Luta pela existência através da competição entre os seres por alimentação
e espaço;
- Variação e seleção natural através da sobrevivência dos mais aptos;
- Transmissão hereditária dos caracteres através dos sobreviventes mais
aptos;
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
- Formação de novas espécies a partir da transmissão hereditária e por
seleção sexual.
O somatório de suas análises à atividade de observador da natureza
da Terra através de sua viagem no Beagle entre 1828-1831 garante a
Darwin um lugar de destaque entre os cientistas que tiveram ao seu dispor
a observação direta, a experimentação e o trabalho intelectual de expor
suas idéias numa arena científica. O impacto de suas teorias nas ciências foi
o que de mais importante aconteceu no final do século XIX.
No contexto geográfico, D. R. Stodart (1972: 52-76) em artigo que
já se tornou clássico, analisa a influência de Charles Darwin no
pensamento geográfico através de quatro temas constantes na obra do
naturalista inglês:
- A idéia de transformação através do tempo;
- A idéia de organização;
- A idéia de luta e seleção;
- O caráter contingente das variações na natureza.
Na idéia de transformação através do tempo o principal influenciado
é o geomorfólogo americano Willian Moris Davies (1850-1934) autor dos
estudos sobre os ciclos de erosão. A relação estreita das obras dos
geólogos Hutton e Lyell com a de Darwin encaixa-se perfeitamente nos
trabalhos de Davies.
A idéia de organização influenciou os sociólogos e geógrafos da
escola de ecologia humana como R. E. Park , R.D. Mackenzie e o geógrafo
H. H. Barrows. Além de influir decisivamente nos trabalhos de geografia
física e política do alemão F. Ratzel e nas idéias organicistas do francês
Camile Vallaux.
A concepção de luta e seleção influenciou fortemente a geografia
política de Ratzel, Kjellen e do russo Kropotkin e criou uma escola de
pensamento denominada Darwinismo Social e garantiu as bases do
moderno determinismo geográfico.
Quanto ao caráter contingente dos fatos, a influência de Darwin
inicia timidamente sua influência através dos trabalhos dos geógrafos
estatísticos que estão tentando operacionalizar processos estocásticos em
geografia como T. Hägerstrand e R.L. Morrill. Neste mesmo campo vemos
hoje muitos debates sobre contingência e determinismo principalmente na
física e na matemática ( Pomian K., 1990, Speyer E., 1993 e Moreira
I.,1996).
Essa visão panorâmica de Stoddart mostrou como foi e, ainda é,
poderosa a influência das idéias de Darwin na história das ciências.
47
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
Vimos que o processo evolucionário constituiu-se na multiplicação
das espécies, e que este fenômeno foi condicionado principalmente pelo
fracionamento de espécies mais antigas. Além disso, as informações
obtidas pelos estudos de geologia e paleontologia mostram que o processo
ocorreu em períodos de tempo de escala geológica. É Gould (1990: 328),
quem nos diz que...
“É importante ressaltar também, que a evolução é necessariamente um princípio
subjacente à ordem da vida porque nenhuma outra explicação é capaz de
coordenar os diversos dados relativos à embriologia, à biogeografia, ao registro
fóssil, aos órgãos vestigiais, aos relacionamentos taxonômicos e assim por diante.
Darwin rejeitou de modo explícito a idéia ingênua porém bastante aceita de que
uma causa precisa ser diretamente observada a fim de que se possa qualificar como
uma explicação científica”.
Conclusões
Determinismo x Contingência: as conseqüências possíveis
Os desdobramentos do esquema determinista que se cristalizou após
a síntese newtoniana criaram variados tipos de determinismo nas ciências,
entre eles o mecanicismo que foi transposto da física para as demais
ciências naturais e posteriormente para as ciências sociais. Paulo César
Gomes (1996: 177) nos mostra que ...
“A ciência em sua forma determinística se propõe a tudo explicar sobre um base
lógica e o que não pode ainda figurar neste plano explicativo deve ser considerado
como um desafio a alcançar. Na base desta concepção, está a hipótese da ordem
global e racional que se exprime pelas regularidades fenomenais e que pode ser
compreendida pela ciência”.
Neste contexto, a noção de leis naturais, que organizam a ordem do
mundo a partir de uma sucessão de causas e efeitos, foi perfeitamente
absorvida pelas ciências como um modelo a ser seguido. Muito embora,
como veremos mais adiante, várias controvérsias, como as vinculadas às
noções que envolvem a teoria quântica, como as de probabilidade,
contingência, variações escalares, enfim tudo que foge ao senso comum
estão atualmente em grande ebulição, tanto na física, quanto na matemática
e nas ciências naturais.
No ambiente geográfico, em virtude de ser um ramo do
conhecimento que opera simultaneamente com os quadros físico e social,
tal aceitação não aconteceu sem polêmicas. De um modo geral, os
geógrafos que trabalharam com o quadro físico, adaptaram-se melhor ao
determinismo ambiental, pois na escala de observação desses fenômenos,
uma relação de causa e efeito é normalmente bem visível. No campo das
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
relações sociais, o avanço do determinismo foi mais lento e com muito
mais conflitos. Paulo César Gomes (1996: 180-185) fez uma análise desses
conflitos e afirma que o embate entre determinismo e possibilismo
ocorrido no início do século XX entre a escola alemã de Ratzel e a escola
francesa de Vidal de La Blache, restringe-se:
“a um único gênero de determinismo, a saber, aquele preconizado por Ratzel,
associado ao aspecto mesológico, e o debate é considerado encerrado desde os
anos vinte deste século. Essa visão um pouco caricatural corresponde, todavia, a
um aparente consenso em torno da questão do determinismo na
geografia.”(pg.181).
Uma singela defesa de Friedrich Ratzel foi feita
contemporaneamente por Luciana de Lima Martins (1992), no sentido de
romper com o preconceito classificatório e de alertar para a importância de
sua leitura sistemática, para que se possa ter uma avaliação mais isenta de
seu papel para a Geografia.
Apesar do aparente encerramento dos debates nos anos vinte, a
questão do determinismo na geografia está inconclusa. No final dos anos
sessenta o biólogo alemão Ludwig von Bertalanffy edita sua Teoria Geral
dos Sistemas, obra que, embora pouco comentada, provocou grandes
modificações na metodologia e no tratamento dos dados no âmbito das
ciências da terra. As concepções de sistema fechado e aberto e todo o
arsenal estatístico para tratar com essas entidades criaram novos níveis de
conflitos entre os geógrafos físicos e humanos. Os geógrafos físicos, bem
mais treinados nas técnicas estatísticas usadas corriqueiramente no
ambiente laboratorial que sempre os cercou, acolheram sem reservas a
TGS. A maior dificuldade era de cunho operacional, pois os computadores
ainda eram equipamentos caros e de pouca eficiência para a massa de
dados demandada.
O advento, nos anos setenta, do movimento chamado de Nova
Geografia, que preconizava a utilização de modelos, uma vinculação à
lógica matemática e a um uso cada vez mais intenso de técnicas estatísticas
na Geografia Humana, veio tentar uma equalização com a geografia física,
que já estava mergulhada nesse processo.
A invocação do recurso da observação sistemática das regularidades
que acontecem nas atividades humanas é o passaporte para a geografia
passar para o ambiente das ciências naturais modernas. Gomes (1996: 258),
mostra como Ian Burton encarava a recusa dos velhos geógrafos em pagar
essa passagem...
“resistência da comunidade geográfica, frente à ciência moderna, é interpretada
por ele como estando ligada à tradição possibilista. Na medida em que o
49
Roberto Schmidt de Almeida – Determinismo natural: origens e conseqüências...
possibilismo afirmava o livre arbítrio e a impossibilidade de se prever
cientificamente os fenômenos, contrariava diretamente os fundamentos da ciência
moderna.”
Portanto, é com esse pano de fundo, de cunho fortemente
determinista, que se deve avaliar a evolução do pensamento geográfico
moderno. O cenário alternativo, que se poderia chamar de antagônico ao
determinismo preconizado pela Nova Geografia, mostrou-se tão
determinista quanto. Novamente Gomes (1996: 283) nos oferece as
pistas...
“No plano teórico, a ciência inspirada no marxismo busca as determinações
atuantes sobre os elementos ou, em outras palavras, as regras do movimento geral
do sistema social: a lei da acumulação lei da composição orgânica do capital, a lei
dos rendimentos decrescentes, as leis da renda diferencial,etc.,e através delas,
podem ser gerados modelos abstratos prospectivos”.
Não é preciso mais que uma rápida observação para detectar-se que
as sombras do determinismo na geografia não foram dissipadas nos anos
vinte deste século.
No entanto, em outras ciências, um conflito entre determinismo e
contingência começa a se configurar. Na física, o livro de Edward Speyer (
Seis caminhos a Partir de Newton, 1995) aponta para novas possibilidades da
mecânica quântica e do caos determinístico. A descrição de um evento
macroscópico desencadeado por um evento de escala atômica (o gato de
Schrödinger) é um bom exemplo dos paradoxos da física atual. Expressões
como indeterminismo preditivo ou determinismo estocástico, podem ser lidas nos
artigos de física contemporânea. Conclui-se que a mecânica quântica é
indeterminística mas permite predições, contrastando com as situações do
caos determinista da mecânica de Newton, em que certas soluções não
podem ser previstas em função de se tornarem totalmente estranhas às
condições iniciais do processo.
No campo da História Natural (área do conhecimento que cobre
setores da biologia, geologia, paleontologia, ecologia e outras) os trabalhos
de divulgação da ampliação dos horizontes do conhecimento escritos por
Stephen Jay Gould, também apontam para a questão da contingência no
processo de ocupação dos seres vivos no planeta Terra. A redescoberta e a
reclassificação dos fósseis do Cambriano de Burgess Shale por Harry
Whittington, Simon Conway Moris e Derek Brigss e a teoria do impacto de
Luie Alvarez, que relaciona a extinção de grande parte da fauna do
Cretáceo com o choque de meteoros na superfície da terra (na Península
do Yucatan). São provavelmente os eventos mais intrigantes para quem
50
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 9-54
estuda a evolução dos seres vivos. As palavras de Gould dão uma noção da
importância desses eventos para o entendimento da existência humana...
“Em minha opinião, essas são as duas descobertas paleontológicas mais
importantes dos últimos vinte anos. Penso que elas são igualmente importantes e
que ambas contam basicamente a mesma história (enquanto exemplos da extrema
incerteza e contingência da história da vida: dizime de forma diferente os animais
de Burgess e nossa própria espécie jamais chegaria a ser produzida pela evolução;
desvie aqueles meteoros para órbitas inofensivas e os dinossauros ainda
dominariam a Terra, impedindo o surgimento dos grandes mamíferos, inclusive o
homem). Em minha opinião, as duas descobertas estão hoje bem documentadas, a
revisão de Burgess provavelmente com mais segurança do que a afirmação de
Alvarez.”
Apesar desses avanços, a conclusão essencial em relação ao
determinismo na geografia é que esta perspectiva ainda hoje é
perfeitamente considerada no dia a dia de uma grande parte dos geógrafos,
pois como disse com muita propriedade, Paulo Cesar Gomes (1996:
175)...
“O determinismo é talvez tão antigo quanto a faculdade de refletir”.
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54
Helton Ricardo Ouriques – Um breve panorama sobre o desenvolvimento do...
UM BREVE PANORAMA SOBRE O
DESENVOLVIMENTO DO TURISMO NAS PERIFERIAS
DO CAPITALISMO1
Helton Ricardo OURIQUES2
Departamento de Ciências Econômicas - UFSC
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar uma visão panorâmica e crítica sobre o
desenvolvimento do turismo nas periferias do capitalismo, destacando
aspectos relacionados à situação dos trabalhadores ocupados no setor
turístico. O argumento central do texto repousa na tese de que o
desenvolvimento turístico é incapaz de alterar a condição periférica. Mas,
ao mesmo tempo, a atividade turística será mostrada como um elemento
decisivo da modernização contemporânea, isto é, como fator de
introdução de relações sociais tipicamente capitalistas.
Palavras-chave: periferia, turismo, relações sociais.
Abstract
The purpose of this article is to present a panoramic and critical view
about the development of the tourism in the countries peripheries of the
capitalism. The article points out the situation of workers in the touristic
sector of economy. The main argument of this article is based on the thesis
that the touristic development is incapable to change the peripherical
condition. But, at the same time, the touristic activity will be seen both as a
key element for the capitalism contemporany modernization, as well a
factor of introduction of the capitalist social relationships.
Key words: periphery, tourism, social relationships.
Este texto é uma versão substancialmente modificada e ampliada de artigo publicado na
Revista Eletrônica Espaço Acadêmico, que inclui também uma atualização (dos dados
estatísticos) e alterações textuais de uma parte de um capítulo da tese de doutoramento
defendida pelo autor em 2003 junto ao programa de pós-graduação em Geografia da
UNESP de Presidente Prudente (OURIQUES, 2003).
2 Doutor em Geografia pela UNESP de Presidente Prudente e Professor do Departamento
de Ciências Econômicas da UFSC. Correio: [email protected]
1. Introdução3
Diante das disparidades regionais causadas pelo desigual
desenvolvimento capitalista, tanto no espaço quanto ao longo do tempo,
em muitas localidades periféricas o turismo acabou sendo disseminado por
poderosos mecanismos ideológicos, notadamente os meios de
comunicação. Tal disseminação, inicialmente, é feita tanto pelo meio
político quanto pelo meio empresarial. Posteriormente, quando a ideologia
do desenvolvimento turístico está arraigada, até mesmo o mais humilde
dos cidadãos passa a acreditar que o turismo é uma atividade benéfica,
capaz de proporcionar o desenvolvimento das localidades atrasadas ou
mesmo que enfrentam dificuldades econômicas locais.
Com muita freqüência, é apresentada a maneira mais adequada de
promoção do desenvolvimento do turismo, já que a notável expansão
desta atividade em escala mundial acaba atraindo lugares da periferia que
lidam com problemas relativos ao crescimento. Melhor dizendo, com
males relativos à carência desse crescimento! Assistimos assim, nas zonas
periféricas, à competição entre regiões e lugares para que sejam receptoras
dos grandes projetos e empreendimentos turísticos.
Mas essa prática não seria possível se já não fosse socialmente
aceita a crença de que o turismo se configura como uma grande fonte de
oportunidades de emprego e renda para as populações locais. Ao mesmo
tempo, atribui-se ao turismo a capacidade de incrementar as receitas
municipais. Tendo, portanto, impacto positivo sobre a distribuição de
renda, já que cidades com mais arrecadação de impostos teoricamente têm
mais recursos para investir nos meios de consumo coletivo. Por fim, é
difundida também a idéia de que o turismo é uma atividade econômica não
poluidora, capaz de promover um desenvolvimento ecologicamente
sustentável.
Enfim, em linhas gerais, é esse o conjunto de argumentos que
sustentam a defesa da atividade turística. Ora, que questões merecem ser
destacadas em uma análise crítica sobre o desenvolvimento turístico e que
não são tratadas de forma adequada pelo pensamento dominante? Tais
questões serão apresentadas a seguir.
1
3 Registre-se que a apreciação aqui efetuada pretende pontuar as tendências mais gerais,
utilizando exemplos apenas e tão comente como ilustrações, quando for o caso.
56
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 55-67
2. Uma perspectiva crítica sobre o desenvolvimento turístico
De início, é necessário destacar que, em regiões periféricas, a
introdução da atividade turística tem, inicialmente, um efeito
desestabilizador, de desestruturação da economia pré-existente. São
inúmeros os relatos de processos de decadência e mesmo de
desaparecimento das atividades econômicas tradicionais a partir do
advento do turismo. Esse processo é comum em comunidades litorâneas,
que sempre viveram da pesca e demais atividades artesanais, que aos
poucos vão abandonando seu sustento tradicional. Mas não por escolha!
De um lado, pela concorrência promovida pela pesca industrial (algo que já
aconteceu em várias partes do litoral brasileiro, aliás). De outro lado, pelo
processo de aquisição dos terrenos e expulsão dos pescadores e suas
famílias da orla marítima, promovido pelas atividades imobiliárias
especulativas, ligadas direta ou indiretamente ao turismo, como destacado
no artigo de BURSZTYN (2003) sobre o litoral cearense. Situações
similares ocorrem com comunidades que vivem próximas a rios e lagos,
inclusive. Temos assim uma desestruturação inicial da economia local,
aliada a um processo de mudança no uso e ocupação dos melhores espaços
à beira dos mares, lagoas e rios4.
Além disso, uma nova estruturação da economia local aflora, com
o surgimento de uma rede hoteleira, de restaurantes, de atividades de
comércio etc. Parte dos excluídos pelo processo anterior até encontra
ocupação nessas novas atividades econômicas, mas parece que o essencial,
isto é, o padrão de vida dessa população, não se altera significativamente.
No litoral do Nordeste brasileiro, que há duas décadas vem crescendo de
forma espantosa do ponto de vista turístico, por exemplo, os homens e
mulheres que agora trabalham na indústria do turismo ainda sobrevivem
nos mesmos bairros precários, com as mesmas condições precárias de
habitação e saneamento de suas residências. E, principalmente, com níveis
salariais muito baixos. Aliás, essa é a tônica geral em toda a periferia do
capitalismo: - as atividades do turismo remuneram muito mal. A própria
Organização Mundial do Turismo (2001) reconheceu as características
básicas da ocupação no turismo: sazonalidade, precariedade, baixos
salários. Some-se a isso a informalidade, característica marcante dos
4
Há inúmeros relatos na literatura internacional sobre esse tipo de situações. Para uma
compreensão inicial sobre os efeitos (de um ponto de vista crítico) da globalização turística
sobre os povos indígenas ver PERA, Lee e McLAREN, Deborah (2001), CHÁVEZ (1999),
PLEUMARON (1999) e VARGAS (1999).
57
Helton Ricardo Ouriques – Um breve panorama sobre o desenvolvimento do...
mercados de trabalho nas economias periféricas, e tem-se um quadro nada
agradável a caracterizar o turismo, sob essa ótica. É por essa razão que
CASTELLS (1999), ao redigir sua trilogia sobre a sociedade em rede,
sentenciou o seguinte em relação ao turismo internacional:
...a globalização das atividades econômicas oferece a oportunidade de ganhos
substanciais ao se empregarem crianças, obtidos a partir das diferenças entre o
custo da mão de obra infantil nos países em desenvolvimento e o preço dos bens
e serviços cobrados nos mercados mais abastados. Esse é, claramente, o caso do
setor de turismo internacional. Os serviços de luxo dos quais os turistas de uma
renda média podem usufruir em muitos “paraísos tropicais” dependem, em
grande medida, da superexploração da mão de obra local, inclusive de um
número significativo de crianças. (p. 182)
Com a clareza que não se vê nos livros e artigos de muitos
pesquisadores do turismo, a Organização Mundial de Turismo (OMT)
explicitou os mecanismos capitalistas de exploração que regem o setor, ao
enumerar as dez principais características do mercado de trabalho turístico
mundial:
- elevada porcentagem de trabalhadores em meio período;
- elevada porcentagem de trabalhadores temporários e ocasionais;
- importante presença de mulheres com contratos de meio período em hotelaria e
restaurantes, maior do que em outros setores econômicos;
- escasso número de mulheres em cargos de maior responsabilidade;
- presença importante de trabalhadores estrangeiros com contratos de meio
período. Nos países em desenvolvimento, os estrangeiros geralmente ocupam os
cargos de responsabilidade;
- também na hotelaria e alimentação se observa uma importante presença de
jovens com escassa qualificação ou estudantes empregados no setor
esporadicamente;
- grande número de trabalhadores clandestinos;
- menor retribuição que em outros setores econômicos;
- maior número de horas semanais trabalhadas para os empregados do setor, com
horário e turnos de trabalho especiais;
- grau de sindicalização inferior a outros setores (OMT, 2001:352-3).
Em terceiro lugar, o turismo se inscreve no contexto maior da
transformação mercantil de todos os aspectos da vida social. O turismo
aparece assim como um veículo da mercantilização de tudo, desde um
lugar ao sol até a transformação do folclore em espetáculo programado
para os turistas. Afinal de contas, já existem muitos lugares à beira-mar
privatizados, nas quais o acesso é exclusivo. Em algumas praias nas
periferias do mundo, inclusive, não é sequer permitido o acesso dos
“nativos”. Ao mesmo tempo, esses “nativos” são objetos de fotografias
58
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 55-67
quando dançam suas danças típicas, quando praticam seus “rituais
bárbaros” ou se vestem de “forma primitiva”, como descrito por
CANCLINI (1983), KRIPPENDORF (1989) e TURNER & ASH (1991).
O fato é que, nos países e regiões periféricas, todos os esforços
vêm sendo feitos no sentido de desenvolver o turismo. Depois dos
sucessivos fracassos dos processos de modernização, o turismo apareceu,
especificamente a partir da década de cinqüenta do último século, como a
alternativa de desenvolvimento.
É inegável que a introdução do turismo na periferia acabou por
gerar várias “ilhas de prosperidade”, criando um circuito privilegiado de
consumo e produção. Mas essa prosperidade restringiu-se a poucos. Para
os trabalhadores, significou apenas a diminuição e/ou substituição de
atividades econômicas tradicionais por outras, direta e indiretamente
turísticas, como guias, garçons, cozinheiros, faxineiros, etc. Ao mesmo
tempo, as condições estruturais de vida pouco se modificaram, como
apontado por TURNER & ASH (1991), BOUHDIBA (1981) e SAAL
(1987). Isto é, de modo geral os residentes não se beneficiaram e não se
beneficiam do “progresso” que o turismo promete.
E mesmo todo o esforço empreendido pelas elites periféricas
(isenções, incentivos, doações de terra, etc.), durante mais de cinqüenta
anos, foram incapazes de alterar a estrutura mundial da economia turística.
Ao analisarmos os números apresentados pela Organização Mundial do
Turismo, que cobrem o período 1990 – 2004, podemos ter uma apreensão
mínima sobre como os mecanismos de manutenção da estratificação da
economia mundial também se manifestam para o caso do turismo, como
evidenciam os fluxos de turistas e receitas cambiais das Tabelas 1 e 2.
TABELA I
CHEGADA DE TURISTAS POR REGIÃO DO MUNDO (EM %)
Região
Europa
Eua + Canadá
México + Am. Central
Caribe
América do Sul
Ásia + Oceania
África
Oriente Médio
Total
1990
60,45
12,42
4,35
2,59
1,76
12,77
3,47
2,19
100,00
1995
58,24
11,17
4,22
2,59
2,17
15,30
3,78
2,53
100,00
2000
57,55
10,30
3,63
2,48
2,21
16,19
4,11
3,52
100,00
2004
55,38
8,51
3,44
2,36
2,09
18,98
4,50
4,73
100,00
Fonte: Organização Mundial do Turismo, 2006. Elaboração própria.
59
Helton Ricardo Ouriques – Um breve panorama sobre o desenvolvimento do...
Do ponto de vista da evolução do número de turistas, os dados
mostram que, mesmo com uma ligeira queda relativa, a Europa concentra
os fluxos mundiais (55,38% em 2004, o que significou aproximadamente
425 390 milhões de turistas), seguida pelos conjuntos Ásia/Oceania, com
18,98% (pouco mais de 145 milhões de turistas) e Estados
Unidos/Canadá, com 8,51% (65 milhões de turistas, aproximadamente)5.
O fato é que os países europeus, os Estados Unidos e o Canadá
concentraram, em 2004, 63,89% do fluxo turístico mundial. A tabela
também evidencia a evolução do conjunto representado pela Ásia e
Oceania, que se deve, principalmente, à notável expansão do turismo na
China6. Isso pode ter duas razões: de um lado, a abertura política e
econômica promovida pelo país ao longo dos anos 1980, que diminuiu as
restrições à presença de estrangeiros; de outro, o câmbio favorável aos
turistas.
A situação do conjunto composto pelo México, Caribe e as
Américas Central e do Sul, é que pouco se alterou no período. Do ponto
de vista do movimento de turistas, embora tenham obtido incrementos
absolutos no número de visitantes (de 38,2 milhões em 1990 para pouco
mais de 60 milhões em 2004), a participação relativa desse conjunto de
países teve uma pequena redução, já que era de 8,7% em 1990 e passou a
ser de 7,89% em 2004. Do ponto de vista das receitas turísticas (Tabela 2),
a situação manteve-se estável, porque, em termos relativos, era de 7,43%
em 1990, passando para 7,41% em 2004. Quer dizer, o incremento no
número de visitantes não foi suficiente para aumentar a participação desse
conjunto de países na apropriação das receitas oriundas do turismo
mundial.
Por outro lado, o conjunto composto pela África e Oriente Médio
apresentou pequenos incrementos relativos tanto no fluxo de visitantes
quanto na participação nas receitas cambiais turísticas. Quanto ao primeiro
aspecto, a participação passou de 5,66% em 1990 para 9,23% em 2004. Em
É importante destacar que a significativa redução de fluxo turístico para o conjunto
EUA/Canadá em 2004 deve-se, provavelmente, aos reflexos dos acontecimentos de
11.09.2001.
6
Em 1990 a China recebeu 10,5 milhões de visitantes. Esse número chegou a quase 42
milhões em 2004. Em termos percentuais, a China passou de 2,38% do total do turismo
receptivo em 1990 para 5,44% em 2004. Caso sejam agregados Hong Kong e Macau, esse
total, para 2004, chega a 8,31% do turismo receptivo mundial (Fonte: Organização Mundial
do Turismo, 2006).
5
60
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 55-67
relação às receitas turísticas, a África teve um insignificante crescimento em
sua participação (de 2,37% em 1990 para 3,15% em 2004) e o Oriente
Médio passou de 1,90% em 1990 para 4,04% em 2004. De qualquer forma,
os números do conjunto citado também são modestos e as condições
sociais e econômicas atuais não parecem indicar que essas regiões venham
a se tornar dinâmicas na economia mundial em geral e na economia
turística, em particular.
TABELA 2
RECEITA TURÍSTICA INTERNACIONAL POR REGIÃO DE
DESTINO (EM %)
Região
1990
1995
2000
2004
Europa
52,89
51,66
48,28
51,01
Eua + Canadá
18,83
17,74
19,70
16,08
México + Am. Central
2,37
1,93
2,40
2,58
Caribe
3,23
2,98
3,56
2,99
América do Sul
1,83
1,75
1,91
1,84
Ásia + Oceania
17,20
19,65
18,73
20,62
África
2,37
2,07
2,18
3,15
Oriente Médio
1,90
2,66
3,65
4,04
Total
100
100
100
100
Fonte: Organização Mundial do Turismo, 2006. Elaboração própria.
A Tabela 2, que trata da receita turística internacional, acaba
complementando a Tabela 1. Nela enxerga-se, claramente, que a Europa,
os Estados Unidos e o Canadá, juntos, concentravam 71,16% das receitas
mundiais em 1990 e passaram para 64,96% em 20047. Apesar dessa
redução, é inegável a concentração das riquezas do setor nesses países. Já o
conjunto composto pela Ásia e pela Oceania apresentou importante
desempenho no mesmo período, passando de 17,20% para 20,62% das
receitas turísticas. Isso pode ser explicado pela conjugação do processo de
Helton Ricardo Ouriques – Um breve panorama sobre o desenvolvimento do...
desvalorização das moedas locais com o aumento do número de visitantes,
o que fez com que entrassem mais dólares nessas economias.
Aliás, o fator cambial parece ter sido o principal mecanismo de
incremento turístico dos países da periferia ao longo do período. Quando
o câmbio é desfavorável (isto é, quando a moeda nacional é valorizada
frente ao dólar), o país tende a se tornar emissor líquido de turistas (ou
seja, o número de residentes que viajam é superior ao de visitantes)8.
Ora, é necessário assinalar novamente que o desempenho
aparentemente impressionante do conjunto composto Ásia e Oceania foi
puxado pela China, que vem tendo significativos índices de crescimento
econômico há quase duas décadas. Na verdade, essa é uma evidência de
que não é o turismo que, por si só, leva ao desenvolvimento, mas é o
desenvolvimento econômico, como processo de expansão geral de uma
dada economia (isto é, expansão da indústria, da agricultura, dos
serviços...), que proporciona as condições para que o turismo se
desenvolva.
Voltando ao tema da concentração das riquezas mundiais no setor
turístico, é preciso mencionar que até mesmos autores pró-turismo (como
os abaixo citados) reconhecem essa situação: “as receitas do turismo
contemplam essencialmente o mundo desenvolvido, onde se localizam as
principais agências de viagem” (ROBINSON, 1999:22). Isso também já
foi ressaltado por CAZES (1996), que destacou a crescente dependência
dos países do Sul em relação ao sistema turístico multinacional, através de
dois movimentos complementares:
De um lado, no quadro da irreprimível evolução mundial em vista da
liberalização e da privatização, que só poderia atingir também o turismo, por um
processo geral e acelerado de desengajamento do Estado que, em numerosos
países do Sul, retrocede ao setor privado: companhias aéreas e outros transportes,
hotéis e resorts, cassinos, centros de convenção, marinas, complexos turísticos,
mesmo centrais de aprivisionamento, agências e escritórios de turismo, escolas de
formação profissional...
Por outro lado, e simultaneamente, a constituição ou reforço de uma rede
turística transnacional de algumas firmas mundiais levadas, segundo as
oportunidades, nas operações de controle vertical (transporte-produção e
distribuição de viagens, hospedagem turística, etc; ilustrada na França por
Nouvelles-Frontières, na Alemanha pelo primeiro operador do mundo, TUI) ou do
7
Os números absolutos da evolução das receitas internacionais turísticas indicam a
expansão da Ásia, da Oceania e do Oriente Médio. Em termos de países, na Ásia destacamse a China (que passou de 2,2 bilhões de dólares em 1990 para mais ou menos 29,3 bilhões
de dólares em 2004); a Tailândia (que passou de 4,3 bilhões de dólares em 1990 para 10,1
bilhões de dólares em 2004) e a Índia (que passou de 1,5 bilhões de dólares em 1990, para
7,3 bilhões de dólares em 2004). Na Oceania, destaca-se a Austrália (que passou de 4,2
bilhões de dólares em 1990 para 16,8 bilhões de dólares em 2004). No Oriente Médio,
menciona-se aqui o Egito (que passou de 1,1 bilhões de dólares em 1990 para 6,8 bilhões
de dólares em 2004). (Fonte: Organização Mundial do Turismo, 2006).
61
8 Esse foi o caso do Brasil, por exemplo, que implantou em 1994 uma política monetária de
valorização cambial que refletiu no saldo negativo da conta turismo do balanço de
pagamentos.
62
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 55-67
desenvolvimento horizontal (como a constituição de megagrupos hoteleleiros
(...). Como nos outros setores econômicos, as modalidades de intervenção destas
firmas multinacionais nos países do Sul modificaram-se; suas implicações e seus
investimentos diretos deixaram lugar a formas mais sutis, menos onerosas, sem
ser menos constrangedoras: franchisings hoteleiros e comerciais, aportes
tecnológicos e profissionais diversos. (p. 82)
Particularmente o primeiro movimento, de privatização e
desregulamentação, aparece em publicação recente da Organização
Mundial do Turismo (2001) como crucial para o “desenvolvimento” do
turismo na periferia. A OMT está defendendo abertamente os princípios
da Organização Mundial do Comércio, que apregoa a abertura total das
economias nacionais, especificamente para as atividades de serviços, que
contemplam o setor turismo. Abertura esta traduzida na eliminação de
restrições à entrada de capitais estrangeiros, controle de recursos naturais e
acesso ao crédito e às isenções locais.
Em outras palavras, a OMT prescreve para o turismo a mesma
receita genérica de abertura total e indiscriminada de mercados, relativa a
outros setores da economia, que significa a capitulação final das políticas
nacionais de desenvolvimento da periferia, substituídas pela dominação
pura e simples dos grandes grupos industriais e financeiros internacionais.
Contrariando os mitos ideologicamente estabelecidos, afirma-se
aqui que, na periferia do capitalismo, o turismo não se constitui em “motor
do desenvolvimento”. Por isso, registre-se a concordância com ARCHER
& COOPER (2001), que afirmaram: “nos casos mais extremos o turismo
internacional impôs aos países emergentes uma forma de desenvolvimento
de tipo neocolonial. Esse neocolonialismo retira poder dos níveis local e
regional e o concentra nas mãos das companhias multinacionais” (p. 91).
E mesmo o aporte de divisas estrangeiras àqueles países pequenos
que têm no turismo sua principal atividade econômica, acaba não
beneficiando a maioria de suas populações. É isso o que também diz
CAZES (1996):
...muitos países frágeis e pouco diversificados economicamente devem importar o
essencial dos equipamentos e dos produtos exigidos pelos visitantes
estrangeiros... Um cálculo minucioso das contas exteriores do turismo, levando
em consideração o conjunto das entradas e das saídas financeiras produzidas pela
recepção do turismo internacional, conduz o mais freqüentemente, a confirmar o
pensamento pessimista de François Ascher: não é o turismo que permite o
desenvolvimento, mas é o desenvolvimento geral de um país que torna o
turismo rentável (grifos nossos) (p. 80).
63
Helton Ricardo Ouriques – Um breve panorama sobre o desenvolvimento do...
Quando é analisado o que acontece em vários locais do planeta,
onde as canalizações de água e esgoto que servem a hotéis luxuosos
passam por bairros pobres sem ser a elas ligadas; onde a eletricidade que
ilumina e aquece o banho dos turistas não chega até as comunidades locais;
onde o asfalto que passa pelos roteiros turísticos contrasta com as ruelas
esburacadas e enlameadas dos bairros pobres, muitas vezes a poucos
metros da modernidade automobilística, pode-se concluir que a
especificidade do desenvolvimento pelo turismo, para a imensa maioria
dos habitantes do mundo periférico, não passa de uma ilusão.
Ao mesmo tempo, parece claro que o turismo está mudando a
geografia do mundo, inserindo nos circuitos econômicos globais
localidades, regiões e países da periferia capitalista. A questão que se
coloca, nesse sentido, relaciona-se com as potencialidades do turismo em
transformar a história de subdesenvolvimentos em uma inserção ativa,
dinâmica, que modifique essas economias no sentido de promover um
desenvolvimento endógeno, capaz de diminuir os males oriundos do atraso
econômico.
Ora, o turismo não é, por si só, mais indutor do desenvolvimento
do que as atividades agrícolas ou industriais. E tem se mostrado incapaz de
reduzir a enorme distância que separa o centro da periferia. Passados mais
de cinqüenta anos de distintos projetos de desenvolvimento turístico nos
países e regiões periféricos, alguém poderia afirmar que o Egito, a região
do Caribe ou as Ilhas Maldivas, para ficar somente nesses exemplos, saíram
da condição periférica? Algum dos principais destinos turísticos da
periferia efetivamente alcançou o desenvolvimento?
3. Considerações finais
O que se pode concluir acerca da discussão precedente? Em
primeiro lugar, evidencia-se que o turismo é um veículo da modernização
capitalista. Talvez seja essa sua principal função na globalização
contemporânea: introduzir as relações sociais especificamente capitalistas,
subordinando e mesmo extinguindo, muitas vezes, as formas sociais
arcaicas, tradicionais. A jornalista Naomi KLEIN (2005), ao discutir a
relação entre o Tsunami e o capitalismo, diretamente tocou no assunto,
quando comentou:
Ahora el Banco Mundial esta usando el tsunami del 26 de diciembre para empujar
sus políticas cortantes. Los países mas devastados que casi no ha visto alivio de su
deuda y la mayor parte de la ayuda de emergencia del Banco Mundial ha ido en
64
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 55-67
forma de prestamos, no a fondo perdido. Mas que enfatizar la necesidad de
ayudar a las pequeñas comunidades pesqueras – mas de 80% de las víctimas de
las olas – el banco esta empujando la expansión del sector turístico y granjas
piscícolas industriales. Para las infraestructuras públicas dañadas, como carreteras
y colegios, los documentos del banco reconocen que reconstruirlos “podría
pensionar las finanzas públicas” y sugiere que los gobiernos consideren las
privatizaciones (si, solo tienen una idea). “Para ciertas inversiones”, según se
dicen en el plan de respuesta al tsunami del banco, “podría ser apropriado utilizar
financiación privada” (p. 3-4).
De acordo com a jornalista citada, a Secretária de Estado dos
EUA, Condoleezza Rice, provocou uma pequena controvérsia quando
descreveu o Tsunami como “uma maravillosa oportunidad que ha pagado grandes
dividendos para nosotros” (idem). Qual o sentido dessa declaração? É que o
desastre natural literalmente varreu das zonas costeiras populações inteiras,
facilitando a acumulação de capital turístico. Por isso, diz a autora, citando
uma entidade ligada à reconstrução local da Tailândia (Thailand Tsunami
Survivors and Supporters), “para los políticos negociantes, el tsunami era la
respuesta a sus oraciones, ya que literalmente barrió estas áreas costeras de las
comunidades que habían previamente paralizado sus planes turísticos, hoteles, casinos y
sus granjas de gambas. Para ellos, todo esta área costera era ahora tierra abierta!”
(idem). Assim, enquanto os povos pescadores estão sendo forçados a
viver no interior, nas barracas de estilo militar, “los gobiernos, las corporaciones
y los donantes extranjeros se están agrupando para reconstruirla como a ellos les gustaria
que fuera: playas como campos de juegos para turistas, los oceanos como minas de água
para flotas pesqueras corporativas, servidos por aeropuertos privatizados y carreteras
construidas con el dinero prestado” (idem). Trata-se, nesse caso, do
aproveitamento de uma oportunidade oriunda de um desastre natural para
instituir rapidamente a lógica das relações capitalistas, alterando a forma de
propriedade e levando a parte da população que voltará à costa litorânea
modificada a inserir-se nas relações assalariadas de trabalho. Em síntese, eis
uma forma acelerada de modernização turística.
Em segundo lugar, o turismo é um poderoso agente de
transformações sociais e espaciais. Menciona-se isso porque as atividades
ligadas ao turismo são “consumidoras” de espaço, através da criação das
infra-estruturas hoteleiras, de alimentação, de comércio e de especulação
imobiliária (o leitor deve ter em mente os grandes prédios que surgem na
paisagem das orlas marítimas) e mesmo das infra-estruturas públicas, como
rodovias pavimentadas. É por isso que, para retomar as afirmações feitas
no início desse texto, o turismo desponta nas regiões periféricas como a
mais recente promessa de desenvolvimento e, em alguns discursos
65
Helton Ricardo Ouriques – Um breve panorama sobre o desenvolvimento do...
(inclusive acadêmicos), como a única chance de se alcançar o tão almejado
desenvolvimento.
Finalmente, cabe uma observação de caráter político. Pensar que
uma nação possa realmente galgar melhorias econômicas e sociais somente
com a preponderância de atividades servis – que caracterizam a economia
turística – é desejar muito pouco para o futuro. Mesmo porque os
principais centros turísticos do mundo, que não por acaso são os países
centrais, só alcançaram esse estágio por conta da diversidade de atividades
econômicas, notadamente as industriais. Limitar-se à venda das paisagens
ou da beleza plástica do povo é condenar esse povo a existir como “museu
vivo” do turismo internacional. É continuar reproduzindo o colonialismo
através da existência dos habitantes locais exclusivamente como servidores
do turismo, como fontes de deleite sexual (o turismo sexual) ou como
seres exóticos que existem como temas de fotografias e filmagens.
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67
Cloves Alexandre de Castro – Cursinhos alternativos e populares: origens...
CURSINHOS ALTERNATIVOS E POPULARES:
ORIGENS, DEMANDAS E POTENCIALIDADES
Cloves Alexandre de CASTRO1
Resumo: O presente texto é uma introdução e ao mesmo tempo, reflexão
referente à nossa dissertação de mestrado defendida em dezembro de 2005 sob
orientação do professor Jayro Gonçalves Melo. Versa sobre a trajetória dos
movimentos territoriais que têm em suas pautas a luta pelo acesso ao ensino
superior gratuito no Brasil para as camadas mais pauperizadas da sociedade.
Inicialmente fizemos um breve histórico dos eventos que constituíram tais
movimentos com o intuito de reafirmarmos a importância da história no processo
de compreensão dos fenômenos e na construção das identidades de movimentos
que assumem, por meio de novas nuances, pautas sociais há tempos negadas à
maioria da população. Em seguida tratamos da questão dos movimentos sociais
no interior das análises geográficas e os esforços pela busca de abordagens
particulares desses fenômenos pelos geógrafos através da construção de conceitos
geográficos para análise desses movimentos.
Palavras chaves: Cursinhos Alternativos e populares; Estado; hegemonia; escala
geográfica; movimento territorial.
ALTERNATIVE AND POPULAR PREPARATORY COURSES: origin,
contest and possibility
Abstract: The present text is an introduction and, at the same time, reflection
related to our master’s tesis oriented to by teacher Jayro Gonçalves Melo,
presented in December 2005. Refers to trajectory of the territorial movements
which has in its basis the struggle for the access to free higher education in Brazil
by the poorest layers of the society. At first, we did a brief background of the
events which constituted such movements with the intention of reassuring the
importance of history in the process of understanding the phenomenos and
building the identity of movements which assume, though new paths, social issues
neglected in past by the most of the people. Then, we treated the issues about the
social movements within the geographic analysis and the efforts towards private
copproaches of such phenomenos made by geographers who have built
geographical concepts to analyse these movements..
Word-Key: Alternative and popular preparatory courses; State; hegemony;
geographical scales; territorial movement.
INTRODUÇÃO
Este texto aborda os Cursinhos Alternativos e Populares no Brasil a
partir de suas origens. Trabalhamos as trajetórias de diversas experiências
dos pré-vestibulares alternativos e populares para ser possível compreendelos enquanto movimentos sociais, e, em nossa análise geográfica, de
movimentos territoriais.
Os eventos que possibilitaram o surgimento dos movimentos
territoriais de luta pela democratização do acesso ao ensino superior
público no Brasil datam por volta dos anos de 1950. Eles estão
relacionados com pelo menos três experiências distintas que produziram
diferentes práticas políticas e que tiveram como questão central a inclusão
social através da educação.
Entre os esforços que procuraram contribuir para o acesso ao
ensino superior, vale frisar o pioneirismo de duas experiências oriundas no
interior das universidades públicas por meio da iniciativa das entidades de
representação estudantil. Trata-se do Cursinho da Poli (USP) e do
Cursinho do Centro Acadêmico Armando Sales de Oliveira (CAASO), na
USP de São Carlos.
O primeiro foi fundado pelo Grêmio da Politécnica da USP em
1950, associação dos alunos dos cursos de Engenharia da Universidade de
São Paulo. Segundo Fábio Sato, um dos atuais coordenadores do Cursinho
da Poli, não há muitas informações daquela experiência que perdurou até o
ano de 1982. Isso porque não se teve o cuidado em preservar os
documentos guardados no prédio do Grêmio (antiga moradia dos
estudantes da USP), nem o interesse de tentar reconstituir tal história por
meio de depoimentos dos atores2 que construíram aquela experiência
(CASTRO 2005).
O segundo surgiu em 1957 por iniciativa dos alunos do Centro
Acadêmico Armando Sales de Oliveira (CAASO), na USP de São Carlos.
Tais alunos perceberam que os calouros estavam chegando à universidade
carente das formações necessárias para dar continuidade aos estudos na
chamada área de exatas. Decidiram então criar um Cursinho Pré-Vestibular
Embora tenhamos usado na dissertação o conceito de atores sociais, após reflexões
compreendi se tratar de um conceito incompatível com nossa opção metodológica, pois os
atores desempenham papéis determinados na sociedade; Já os sujeitos caracterizam-se pela
autonomia, além de a noção de sujeito ter surgido no Brasil a partir dos discursos dos
movimentos e comunidades de bases durante os anos de 1970, onde os Cursinhos
Populares encontraram férteis terrenos na construção de suas identidades.
2
Doutorando em Geografia no Instituto de Geociências da Universidade Estadual de
Campinas-UNICAMP. Professor de Geografia no ensino fundamental do município de
Descalvado - SP.
1
70
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 69-86
para atender a uma população de menor poder aquisitivo e possibilitar
àquelas pessoas ingressarem na universidade pública com uma boa base
nos conteúdos.
O desenvolvimento do capitalismo industrial no Brasil, efetivado
através das transferências de capitais oriundos da produção cafeeira e dos
investimentos de capitais externos, e o movimento migratório para as
grandes cidades da região sudeste, desencadearam na explosão do processo
de urbanização brasileira e exigiram a ampliação e diferenciação das
estruturas educacionais oferecidas até o momento em questão
(LEFEBVRE, 2004).
Enquanto a chamada “burguesia nacionalista”, associada aos setores
médios e aos representantes de trabalhadores e comunistas, enxergavam a
educação como meio para um desenvolvimento capitalista que atenuasse a
miséria e desenvolvesse as forças produtivas, uma outra fração burguesa,
muito mais conservadora e com forte influência na máquina estatal,
considerava a escolarização popular apenas como uma forma de
transmissões dos conhecimentos básicos para que os trabalhadores fossem
capazes de operarem os instrumentos relativos à produção de mercadorias
que o momento exigia. Sobre essa política, que resultou na expansão oficial
do ensino no Estado de São Paulo, o professor Celso Rui Beisiegel afirma:
[...] a constituição de um certo modo de produção de bens e
serviços, que se faz dominante, no Estado de São Paulo , nesse
período, explica a emergência e generalização de aspirações
educacionais voltadas para a realização de expectativas de ascensão
social vertical, despertadas pelas mudanças do mercado de trabalho.
Com a abertura do processo político, após a queda do Estado
Novo, essas aspirações encontram canais de expressão e provocam
o alargamento da oferta de oportunidades escolares. A das
oportunidades e a transformação qualitativa deste ramo de ensino
encontram, assim, no crescimento e procura de vagas, um elemento
explicativo e privilegiado: o desenvolvimento social fomenta a
emergência e a generalização da procura; esta, por sua vez, conduz
às progressivas alterações introduzidas na organização e no
funcionamento de todo o ensino de nível médio (BEISIEGEL,
1989, p. 3).
Podemos dizer que as progressivas alterações introduzidas na
organização e funcionamento do ensino de nível médio apontadas por
Beisiegel (1989) marcaram o início do processo histórico de sucateamento
que o ensino público no Brasil tem experimentado justamente por causa da
71
Cloves Alexandre de Castro – Cursinhos alternativos e populares: origens...
“emergência e generalização da procura” por vagas. Não que a procura e a
expansão do ensino seja a causadora da deterioração do ensino público;
longe disso. Mas tem sido uma estratégia de gestores públicos o constante
esvaziamento, principalmente no quesito investimentos, dos serviços
públicos de educação nos níveis fundamental e médio na medida em que
as classes abastadas vão trocando tais serviços públicos pelas organizações
educacionais privadas.
Tal processo se iniciou justamente no período histórico
anteriormente relatado, ou seja, a diferenciação dos “serviços de educação”
oferecidos pelo Estado se deu a partir do instante em que as classes
populares passam a ter acesso a tal serviço público usufruído
anteriormente apenas pela classe abastada. Mas a procura e a generalização
das vagas causaram mais que simples emergência do serviço público de
educação: causaram a diferenciação do ensino destinada às classes sociais, e
com isso, o avanço do ensino privado e a concepção cada vez mais
corrente de que a educação está no campo dos serviços (sem aspas), o que
faz dela uma mercadoria (CHAUÍ, 2001).
Esse é apenas mais um exemplo das contradições produzidas pelo
modo de produção capitalista que também na educação, ao expandir o
ensino público, por conta da diferenciação e preconceito de classe,
automaticamente contribui para expansão do ensino privado. Essas
contradições podem se dar primeiramente pelo fato dos agentes que têm
operado os interesses do ensino privado serem os mesmos que
hegemonizam a Sociedade (Estado) brasileira e comandam o aparelho de
Estado. Por isso, na medida em que há “pressões” ou necessidades para
expandir determinado grau do ensino público, o setor privado avança sob
o mesmo grau de ensino e também para o grau superior, pois a classe
social que usufruía daquele serviço “público” se abstém da convivência
com as chamadas classes “inferiores”. Com a ausência da classe dominante
naquele espaço público, não há razão para manter nem ampliar os
investimentos existentes naquelas instituições. Enquanto isso, tais
investimentos são compensados cada vez mais nas facilidades adquiridas
pelo setor privado da educação nos seus mais diversos campos de atuação.
A radicalização da sociedade brasileira nos idos do ano de 1950 e o
descolamento dos movimentos populares do populismo tradicional
permitiram o surgimento de novas e ricas experiências que tiveram no
centro de suas ações a emancipação das classes trabalhadoras. Enquanto
isso, no campo, as Ligas Camponesas se organizavam e chamaram os
trabalhadores rurais a resistirem às violências dos latifundiários que, por
72
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 69-86
meio de ações criminosas, contribuíram para o êxodo rural, o aumento das
pastagens e as monoculturas, visando apenas o mercado externo.
Entre as cidades, a experiência de Recife acontecia como uma das
mais importantes, senão a mais importante experiência educacional
vivenciada pelas classes trabalhadoras ao longo da história do Brasil. Tratase, pois, do método de alfabetização que ficou conhecido como “método
Paulo Freire” onde a alfabetização emerge como sinônimo de libertação, e
a educação, como prática de liberdade. Não com o professor no comando
de tal processo, como detentor unívoco do conhecimento, mas num
processo dialógico de ensinar e apre(e)nder o povo e com o povo e que se
resume na afirmação do professor Freire(1970): “ninguém liberta
ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em
comunhão”.
Essa experiência se espalhou pelo país por meio dos movimentos
sindicais, populares e principalmente clericais e estudantis os quais
participaram das campanhas de alfabetização utilizando métodos
inovadores e propondo a “conscientização” dos pobres e dos deserdados
do mundo. O Centro Popular de Cultura da União Nacional dos
Estudantes (CPC-UNE) contribuiu de forma expressiva para a difusão de
tais práticas que em breve fariam coro com as inovações no teatro e
cinema; estes passariam a expor a realidade cotidiana da maioria da
população em seus trabalhos.
A partir do ano de 1966 começaram a se reproduzir com força os
cursinhos pré-vestibulares nas faculdades de várias universidades a
exemplo dos que já existiam na Politécnica da USP e o do CAASO, USP
de São Carlos. Dentre as novas experiências produzidas, a mais expressiva
foi a do Cursinho da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (USP). Essa
expressividade se deu porque o Cursinho foi construído na luta cotidiana
dos estudantes daquela faculdade durante os difíceis anos do regime militar
na década de1960. Tais eventos marcaram a história do Brasil e fizeram do
prédio onde se localizava a FFCL-USP, na Rua Maria Antônia, um
patrimônio histórico cultural.
A conjuntura política vivida no Brasil durante o final dos anos 1960
exigiu posturas difíceis de todos os que, de alguma forma, haviam se
posicionado contra o regime autoritário. Tais posturas também influíram
no rumo que tomaria o Cursinho da FFCL-USP. Entre mantê-lo sob a
gestão do Centro Acadêmico que sofreria em breve uma intervenção e
fechamento por meio de decreto-lei do regime militar, ou preservá-lo,
73
Cloves Alexandre de Castro – Cursinhos alternativos e populares: origens...
ampliando as experiências construídas até aquele momento, mesmo que
fosse sob as asas da iniciativa privada, prevaleceu a segunda alternativa.
E assim, do Cursinho da Faculdade de Filosofia surgiu o Colégio
Equipe, importante alternativa educacional aos desmandos do regime
autoritário. Seus métodos inovadores e professores qualificados estavam
voltados para um público social e financeiramente seleto.
Dando continuidade à tarefa de reconstituição dos processos que
contribuíram para a ação dos cursinhos alternativos e populares a partir
dos anos 1990, não poderíamos deixar de situar o papel dos movimentos
populares, principalmente no Município e Grande São Paulo a partir da
metade dos anos 1970. Diante do fato de a Igreja Católica ter sido o único
espaço institucional “respeitado” pelo regime militar, coube a sua ala
progressista o papel de contribuir para a construção de um canal em que o
povo expressasse suas demandas (SADER, 1988). Por meio do diálogo
com outras demandas semelhantes, constituíram-se alternativas para
problemas locais do cotidiano daqueles que estavam oprimidos pelo custo
de vida, pela ausência de creches, moradia, saúde, educação e por um
intenso aparelho repressivo que intimidava qualquer possibilidade de
contestação.
Tais diálogos se deram majoritariamente nos espaços da Igreja e
foram preparados pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Elas
transformaram os territórios das Igrejas nas periferias do Município de São
Paulo e Região Metropolitana em verdadeiros espaços de socialização
política (FERNANDES, 1997). Segundo Sader (1988, p. 144), para que
isso tenha sido possível, foi importante a reconstituição das matrizes
discursivas das instituições em crises que abriram espaços para novas
elaborações. Cada uma delas experimentou a crise sob a forma de um
deslocamento de seu público. Setores da Igreja Católica que perderam a
influência junto ao povo construíram as comunidades de base; dos grupos
de esquerda desarticulados por uma derrota política, surgem buscas por
“novas formas de integração com os trabalhadores”; e, da estrutura sindical
esvaziada por falta de funções, surge um “novo sindicalismo”. Hoje, já
velho.
Sader acentua, entre várias características dos movimentos sociais
emergidos na segunda metade dos anos de 1970, a importância do
cotidiano enquanto espaço de resistência. Tal debate continua atual e
transcendeu o campo da Sociologia, ocupando hoje espaços nos debates
produzidos pelos geógrafos nos últimos trinta anos.
74
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 69-86
Durante os anos de 1980, tendo como referência o Cursinho da
Poli, emergiram novas experiências de pré-vestibulares não comerciais nos
campi das universidades públicas brasileiras. Mas é a partir de 1990 que os
estudantes de vários campi de diversas universidades resolveram repensar
suas práticas no interior do movimento estudantil. Passaram a
contribuírem para a construção do movimento em seus campi e a
viabilizarem o ingresso na universidade pública de novos atores sociais
que, presentes nos discursos e manifestos, não estavam presentes nas
políticas públicas governamentais e muito menos nos cursos das
universidades públicas.
É nessa conjuntura que emerge a experiência do Cursinho do DCEUNICAMP/Gestão Identidade. Em meio às manifestações pelo “Fora
Collor”, os estudantes da UNICAMP se organizaram e construíram a
primeira experiência de pré-vestibular alternativo no município de
Campinas. Essa trajetória é relatada por Custódio (1999) e a nosso ver,
com as assimilações das experiências que estavam por vir, foi um dos
precursores do Movimento dos Sem Universidade - MSU3.
Os Centros Acadêmicos da Universidade de São Paulo não
deixaram por menos, principalmente depois da perspectiva democrática no
43º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1993, na
capital do Estado de Goiás, ter sido derrotada. Foi uma grande frente que
se articulava em torno da chapa “Movimento UNE Democrática”
(MUDE). Tinham como princípios reverem as práticas dos dirigentes do
movimento estudantil que ainda se encontravam encantados com o “ovo
da serpente” representado pela gestão dos milhões de reais providos das
carteiras estudantis que “garantem” o pagamento de meia-entrada em
eventos culturais aos que as possuem independente da forma, infelizmente.
A ausência de perspectivas com a entidade nacional de
representação estudantil permitiu que centros e diretórios acadêmicos dos
diversos cantões do país rediscutissem suas pautas e incluíssem nelas,
alternativas para inserção nas listas dos aprovados nos exames vestibulares
das universidades públicas do país um outro ator social, presente apenas
nas estatísticas dos piores indicadores sociais e nos discursos de políticos
demagogos. Para tanto, a tática escolhida foi o exemplo das experiências
históricas (Cursinho da Poli, CAASO e da Filosofia) e das que iniciaram
naquela conjuntura, no caso, o Cursinho do DCE-UNICAMP, criado na
gestão IDENTIDADE, em 1992, e o Pré-Vestibular Para Negros e
3
Falaremos mais adiante sobre o MSU.
75
Cloves Alexandre de Castro – Cursinhos alternativos e populares: origens...
Carentes (PVNC) criado em 1993 na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro,
por religiosos, estudantes e lideranças populares locais. Esse processo
incentivou outras experiências de Pré-Vestibulares Alternativos a partir da
nova práxis de um setor do movimento estudantil e possibilitou que
atualmente, praticamente todos os campi da UNESP tenha um PréVestibular Alternativo voltado (pelo menos em tese) às comunidades mais
pobres das cidades e regiões em que essa universidade é abrigada.4.
Fora do campo do movimento estudantil, mas articulado no interior
da universidade pública, surgiu o Cursinho da Consciência Negra,
organizado pelo Núcleo da Consciência Negra da USP. Ele foi criado a
partir da necessidade de se discutir os porquês (?) da majoritária ausência
do negro na universidade pública, ou quando sua presença se torna visível,
é na realização de trabalhos “desprestigiados” socialmente.
Assim, em 1987, uma articulação das entidades de representação da
comunidade uspiana (DCE, SINTUSP e ADUSP) fundou o Núcleo da
Consciência Negra da USP com o objetivo de ampliar a discussão sobre a
questão do negro no espaço da Universidade de São Paulo. Quase dez
anos depois, em 1996, o mesmo grupo criou o Cursinho do Núcleo da
Consciência Negra, cujo objetivo central é contribuir na preparação de
afro-brasileiros e egressos das escolas públicas que não tenham condições
de custear um pré-vestibular comercial para o exame vestibular das
universidades públicas.
Continuando a trajetória dos pré-vestibulares alternativos e
populares que se constituíram fora do espaço da universidade pública,
temos a experiência da Educação para Negros e Carentes (EDUCAFRO);
Ela se encontra como uma das mais bem sucedidas práticas de Cursinhos
Alternativos associadas ao movimento popular.
Foi na campanha da fraternidade promovida anualmente pela Igreja
Católica, em 1988, com o tema do centenário da abolição da escravatura
que surgiu a idéia de formar um pré-vestibular para negros e pobres em
geral. A Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB) passou a
incentivar a formação de agentes de pastoral negros. Nessa discussão
apareceu a questão do acesso à universidade e da representação da
comunidade negra nos bancos das universidades públicas do país
(CASTRO, 2005, p. 49).
Vale esclarecer que os Cursinhos “da” UNESP estão institucionais, o que não significa
estar fora do raciocínio histórico da trajetória dos Cursinhos Alternativos e Populares.
Trata-se, pois da prática de uma das atividades fins da universidade pública, ou seja,
extensão universitária.
4
76
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 69-86
Cloves Alexandre de Castro – Cursinhos alternativos e populares: origens...
Estava posto o desafio da construção de um projeto de educação
popular que viabilizasse o acesso da comunidade negra e de outros setores
de baixa renda ao ensino superior gratuito: um projeto que apontasse para
a superação das desigualdades e contribuísse para a aquisição de capitais
culturais suficientes para a aprovação nos exames vestibulares. Tal
perspectiva materializou-se na EDUCAFRO, que surgiu na Baixada
Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, em meio ao mesmo processo do
Pré-Vestibular Para Negros e Carentes (PVNC).
Na cidade de São Paulo, a EDUCAFRO encontrou terreno fértil na
tradição dos movimentos sociais ligados à Igreja e no Movimento Negro
Paulistano. A partir de 1994, a organização foi acolhida pelos frades
franciscanos que, na fala de Frei David, coordenador geral da
EDUCAFRO, “foi um gesto político de solidariedade e opção pelos
excluídos do sistema público de ensino” (DAVID, 2004). Atualmente, os
núcleos da EDUCAFRO encontram-se territorializados em todas as
regiões da grande São Paulo. O mapa a seguir expressa a receptividade das
comunidades mais empobrecidas do município de São Paulo em acolher os
diálogos que podem pôr fim, ou ao menos amenizar suas histórias de
exclusões sociais.
Percebe-se que os núcleos da EDUCAFRO se encontram
majoritariamente na periférica da cidade e nos bairros que compõem o
centro da cidade e se tornaram lugares insalubres devido à ausência de
políticas de reestruturação urbana.
A transmissão das experiências vividas nos cursinhos dos diversos
campi das universidades públicas do país contribuiu para que tais vivências
fossem reconstruídas fora dos muros daquelas universidades. Isso foi
possível com a colaboração de atores que usufruíram dos projetos
desenvolvidos pelo movimento estudantil e pelas extensões universitárias e
que ingressaram na universidade pública. Posteriormente, levaram para
seus espaços do cotidiano a alternativa de se construir um pré-vestibular
popular e ao mesmo tempo, se transformaram em sujeitos sociais e agentes
locais.
Assim, o lugar da luta pelo acesso ao ensino superior gratuito chega
pela primeira vez na história do Brasil à periferia dos grandes centros
urbanos do país. Em Campinas, isso se transformou em realidade na
Associação dos Moradores da Vila União, onde foi criado o Cursinho
Hebert de Souza, a partir das experiências dos Cursinhos do DCE da
UNICAMP e da Moradia Estudantil da UNICAMP (CUSTÓDIO, 1999).
77
78
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 69-86
Em Presidente Prudente, os dois projetos populares de prévestibular estão associados ao pioneirismo do Cursinho “Ideal” da
UNESP5, e com as práticas dos estudantes da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da UNESP (FCT-UNESP) e lideranças populares ligadas à
Igreja Católica. O primeiro, surgiu em 2003 e foi resultado de pelo menos
dois anos de diálogos entre atores ligados a UNESP (alunos e professores),
gestores da UNESP e lideranças da Comunidade São Pedro, na Vila Líder,
Presidente Prudente; funcionou apenas durante o segundo semestre do
ano em que foi criado e teve uma boa aceitação e participação popular. No
entanto, faltaram empenho e vontade política das lideranças locais para que
o projeto continuasse no ano seguinte.
Em 2004, calouros da FCT-UNESP se empenharam num processo
de rearticulação do movimento estudantil local. Eram majoritariamente
alunos do curso de Geografia, mas o fato mais interessante foi que a maior
parte daqueles atores se prepararam para o exame vestibular em Cursinhos
Alternativos e Populares e levaram para o espaço da FCT a voz e a pauta
da periferia. A primeira por meio do Rapp e Hip-Hopp; a segunda, por
meio de eventos que há tempos não estavam na pauta do movimento
estudantil local, como por exemplo, a questão racial e a aglutinação de
pessoas por meio da criação de um cineclube.
Durante o ano seguinte, o tal grupo se consolidou e em parceria
com o Movimento Negro e a Cúria Diocesana do município construíram
um projeto político, até agora, o mais importante da atual geração dos
estudantes da FCT-UNESP. Trata-se do Cursinho Popular Rosa
Luxemburgo, que desenvolve suas atividades em uma sala cedida na Cúria
Diocesana de Presidente Prudente.
Foi durante o ano de 2001 que despontou no cenário político
nacional o Movimento dos Sem Universidade – MSU. É originário do
acúmulo de pelo menos dez anos dos atores que militam no campo dos
Cursinhos Alternativos e Populares. No entanto, suas práticas superam e
muito as dos milhares de Cursinhos deste campo. Sua intensa relação com
os movimentos populares e a clareza com que afirma ser os Cursinhos
apenas um meio para aglutinar os descontentes com as regras de acesso ao
ensino superior e, não um fim para por abaixo as “cercas” das instituições
públicas de ensino superior6 que impedem a universidade pública de ser
uma instituição verdadeiramente democrática. Sua inspiração é oriunda da
5
Sobre o Cursinho Ideal da UNESP, ver CASTRO, 2002.
6
Para saber mais sobre o Movimento dos Sem Universidade ver Castro, 2005. Acesse
também www. msu.org.br.
79
Cloves Alexandre de Castro – Cursinhos alternativos e populares: origens...
atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST. O nome que
carrega é uma alusão à fala do Bispo de São Felix do Araguaia-MT quando
homenageado com o título de doutor honóris causa na Universidade de
Campinas. Durante o evento, D. Pedro convocou os despossuidos do
Brasil à luta para acabar com esse Brasil “dos Sem Terras, Sem Tetos, Sem
Universidades...”.
O MSU está entre os grandes movimentos sociais do Brasil. A
riqueza e legitimidade da sua pauta e a coerência com que a reivindica, o
lançou no cenário nacional. Protagonista do lema “menos presídios e mais
universidades”, o MSU comandou a luta pela construção da universidade
popular de São Paulo no espaço onde funcionava o pavilhão nove do
presídio do Carandiru. Para o movimento, uma universidade naquele lugar
tinha um valor simbólico, pois seria a possibilidade de plantar esperança
num lugar em que a desesperança e a falta de perspectiva reinaram durante
décadas. No mais, a luta contra a implosão do pavilhão nove, se tratou de
uma luta pela inclusão social e ao mesmo tempo pela preservação da
memória da cidade e deram ao MSU espaço em noticiários internacionais.
Por último, também é justo debitar na conta do MSU a política de
bolsas públicas nas universidades privadas, o PROUNI. Em meados do
ano de 2003, o MSU comandou uma manifestação que teve como título:
“Filantropia ou Pilantropia? O povo quer saber”. Foi a primeira vez que se
contestou publicamente o status de filantropia das organizações
particulares de ensino superior. Segundo a Constituição Federal elas devem
reverter 30% do valor dos impostos federais não-pagos, em razão da
filantropia, em benefícios sociais; isso nunca aconteceu. Ao mesmo tempo
não há força política suficiente que permita rever aquela lei. Posto isso, o
MSU sugeriu ao governo uma política para transformar os valores não
revertidos em benefícios sociais pelas universidades privadas, exigido pela
lei da filantropia, em bolsas públicas nas faculdades e universidades
privadas. Portanto, ao contrário do discurso que se viu corrente,
principalmente no interior das universidades públicas, o PROUNI se
diferencia e muito do que foi o PROER. Enquanto o primeiro, por meio
de uma engenharia política, resgata o fundo público surrupiado por detrás
de leis caducas e incluí milhares no ensino superior, o segundo onerou os
cofres públicos liberando milhões de dólares para alimentar o sistema
financeiro nacional e internacional..
Outra importante trincheira ocupada pelo MSU é uma antiga
reivindicação do movimento negro e dos estudantes da escola pública.
Trata-se das cotas nas instituições de ensino superior pública para afro-
80
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 69-86
brasileiros e estudantes de escolas públicas. Esse debate tem sido travado
com muita intensidade nos últimos cinco anos no Brasil e foi assumido
pela EDUCAFRO, pelo PVNC e pelo MSU. No entanto, o mais
importante é que o debate sobre as cotas foi recolocado de forma
qualitativa na pauta da sociedade brasileira justamente pela ação dos
movimentos sociais de luta pelo acesso ao ensino superior. Eles souberam
transformar em ação os anseios da imensa massa que, nos últimos quinze
anos, fez parte das estatísticas da universalização do ensino médio e se
encontra ansiosa por uma vaga na universidade pública...
2 - A QUESTÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA GEOGRAFIA
Há quase três décadas se consolidava o mais importante e radical
movimento que a Geografia brasileira construiu até o momento.
Importante, pois colocou o Homem (ser social) no centro de suas
preocupações. Radical, no sentido etimológico do termo e que nos remete
novamente à questão da centralidade do homem como objeto em qualquer
atividade que produza conhecimento, seja científico ou não, mas ao se
tratar de conhecimento científico (que é conhecimento humano), há o
recorte que diferencia uma ciência das outras, permitindo análises
particulares sobre os mesmos objetos. No caso da Geografia esse recorte é
o espacial.
A preocupação da Geografia brasileira com os estudos dos
movimentos sociais é um fato recente. Suas causas datam em torno de
aproximadamente trinta anos, e foi fruto do processo que culminou na
renovação da Geografia brasileira iniciada em meados dos anos de 1970.
Segundo Bernardo Mançano Fernandes:
“[...] uma referência é o trabalho de Oliveira (1991, p.9), que
registra os estudos de Orlando Valverde e Manuel Correa de
Andrade a respeito da questão agrária e dos movimentos
camponeses nas décadas de 1950 e 60. Ainda assim, desde a
década de 1980 vem crescendo o número de estudos geográficos a
respeito dos movimentos sociais. São várias teses e dissertações em
Geografia referentes a esse tema” (Fernandes, 2000, p. 60 e 2001,
p.50).
Isso talvez justifique a interpretação de Pedon (2004) sobre a
posição do filósofo François Dosse em seu livro “A história do
estruturalismo”, no segundo volume, expressa no título do capítulo
81
Cloves Alexandre de Castro – Cursinhos alternativos e populares: origens...
dedicado à Geografia: “A Geografia, essa convidada de última hora”
(SPOSITO, 2004, p. 9). Para Pedon (2004, p. 99), o fato que “enquanto as
outras ciências estão preocupadas com as correções epistemológicas,
buscando se atrelar às atualizações teóricas, a Geografia reluta em
incorporar novas formulações e perspectivas”, e em seguida, afirma: “sim,
seu pescoço estaria sempre voltado para trás” (PEDON, 2004, p. 100).
Embora o tema dos movimentos sociais tenha passado a
incomodar os geógrafos brasileiros nos idos dos anos de 1970, seria
coerente associar a crítica de Dosse ao recente interesse da Geografia pela
análise dos movimentos sociais como sugere Pedon? Se a resposta for
afirmativa, também não estariam os pescoços voltados para trás as
ciências sociais que não conseguem incorporar em suas análises a
problemática do espaço, indissociável da categoria tempo? Na verdade,
em nosso modo de ver, a contribuição de Dosse se refere muito mais às
diferentes temporalidades e peculiaridades da aquisição do status
científico das disciplinas a que às opções de investigações que estão
sempre postas nos espaços e tempos dos homens, visíveis ou não às
lentes dos pesquisadores. Por isso, enxergamos com ressalvas a
abordagem de Pedon (2004) por compreender ser fruto dos que
reproduzem e aceitam passivamente o mito da superioridade entre as
ciências por meio do estabelecimento de supostas hierarquias ou
“atrasos”. Ora, o tempo das coisas é desigual e o conhecimento,
acumulativo.
O conhecimento acumulado sobre os movimentos sociais por meio
das diversas análises de diferentes campos do saber foram os ombros
onde pesquisadores da Geografia se apoiaram para construírem análises
geográficas sobre os movimentos sociais e ousarem nos esforços para
produzirem conceitos, e por que não, categorias geográficas que permitam
abordagens particulares sobre o tema em questão.
A produção desses conceitos e categorias tem como ponto de
partida as análises dos movimentos sociais a partir do significado do que o
espaço e o território representam enquanto elementos particulares para a
pesquisa em Geografia e ao mesmo tempo como expressões do significado
que eles têm (ou passam a ter) para os sujeitos que operam e atuam nos
movimentos sociais.
Dentro dessas perspectivas surgiram vários trabalhos que
abordaram os movimentos sociais através da Geografia. Muitos deles,
analisando a ação dos movimentos sociais que lutam pelo acesso a terra e
82
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 69-86
pela reforma agrária no Brasil, entre os quais, destaca-se o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST).
Bernardo Mançano Fernandes estudou a formação do MST no
Brasil por meio da análise de dois processos geográficos: o de
espacialização e o de territorialização7. Tal reflexão suscitou no
amadurecimento de questões já “ensaiadas” nos meados dos anos de 1990,
publicada por Jean-Yves Martin em 1997. Naquele trabalho, o autor
propõe o conceito de movimentos sócio-espaciais para aqueles
movimentos que tem o espaço como trunfo:
Contudo, mais do que um abstrato “espaço de cidadania”, o ponto
comum desses movimentos é, simplesmente, a luta pelo direito ao
espaço concreto: espaço de vida/ou que é sempre a sua base e seu
trunfo, a atividade fundamental desses movimentos. É por esse fato
que eles não são somente sociais, mas também espaciais, que
podem ser denominados de movimentos sócio-espaciais
(MARTIN, 1997, p. 32).
Já no ano de 2002, Jean-Yves Martin chama de movimentos sócioespaciais “[...] todas as organizações, como partidos políticos e os
sindicatos tradicionais, mais ou menos burocratizados [...]”, e de
movimento sócio-territorial “[...] uma organização que tem a vontade e cria
as capacidades de introduzir no espaço [...] verdadeiras mutações
territoriais [...]”.
Em outra publicação, Fernandes aponta para a necessidade de os
geógrafos produzirem conceitos e categorias para a análise dos
movimentos sociais sugerindo o conceito de movimento sócio-territorial
aos movimentos que têm como trunfo o território (2001, p.52).
Maria Franco García, na introdução da sua tese de doutorado, parte
para uma instigante polêmica relativa à noção de movimento sócioterritorial proposta por Fernandes:
“[...]parece-nos uma contradição em termos utilizar o conceito
“movimento sócio-territorial”, já que, acaso o território não é uma
entidade social? Se bem que nem todo movimento social é
territorial, como por exemplo o antigo Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais (MMTR), hoje Movimento de Mulheres
Camponesas do Brasil (MCM-Brasil) entre outros, mas todo
movimento territorial é social” (García, 2004, p. 16).
7
Cloves Alexandre de Castro – Cursinhos alternativos e populares: origens...
Num primeiro momento, pensamos que nos cabe aqui uma
pergunta fundamental: Qual o sentido de se pensar o espaço ou o território
como um trunfo na analise dos movimentos sociais? Creio que ao pensálos como trunfos, atribuímos a eles importâncias fundamentais para as
conquistas dos objetivos que estimulam a organização dos movimentos
sociais, ou seja, significa que são primordiais para a vitória do movimento
social. Nesse sentido, acaso existe movimentos sociais, lutas ou contramovimentos que não tenham no espaço ou no território os meios que
possibilitam consolidar suas estratégias? Milton Santos (2005, p. 21) nos
lembra que historicamente a geografia se interou mais pela forma do que
pela formação das coisas, e em seguida adverte:
Se a Geografia deseja interpretar o espaço humano como o fato
histórico que ele é, somente a história da sociedade mundial aliada à
sociedade local pode servir como fundamento da compreensão da
realidade espacial e permitir a sua transformação a serviço do
homem. Pois a História não se escreve fora do espaço e não há
sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social (SANTOS,
2005, p. 22).
Os Cursinhos Alternativos e Populares, as organizações que
surgiram dessas vivências, como a EDUCAFRO, o MSU e o PVNC, são
movimentos sociais de luta pelo acesso ao ensino superior público no
Brasil, pois por meio de organização e luta produziram espaços
viabilizadores de contestações às formas atuais de acesso às universidades
públicas e à organização social na forma que a tem sido, e ao mesmo
tempo e lugar, articulam a preparação das comunidades pobres para o
exame vestibular nos moldes que o próprio movimento critica.
Atualmente, apenas na Grande São Paulo, existe mais de 300 prévestibulares popular. Cada um deles com suas espacialidades acumuladas
pelas suas histórias próprias e dos lugares onde se localizam. No entanto,
as agendas do acesso ao ensino superior os unificam seja em torno do
Fórum dos Cursinhos do Município de São Paulo, da EDUCAFRO, e/ou
do MSU. Estes operam o movimento articulando as escalas produzidas em
cada uma das experiências vividas, partilhadas entre os pré-vestibulares
populares, e também, produzem escalas políticas no momento em que
operam as táticas para viabilizar a agenda do movimento nos níveis do
poder. E isso, os fazem movimentos territoriais.
Ver Fernandes, 2000.
83
84
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 69-86
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86
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
NEOLIBERALISMO E MERCADO DE TRABALHO NO
BRASIL – DESEMPREGO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
NOS ANOS DE 1990 E INSTABILIDADE/ALTA
ROTATIVIDADE DO EMPREGO FORMAL SOB O GOVERNO
LULA
Nildo Aparecido de MELO.
Aluno do mestrado da FCT/UNESP-Presidente Prudente.
[email protected]
Resumo:
Com a implementação de um amplo conjunto de políticas neoliberais na
economia brasileira, a partir da década de 1990, sob o governo Collor e nos
dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, chegou ao fim
o movimento histórico de formalização das relações de trabalho no Brasil,
além do desencadeamento de transformações profundas na estrutura
produtiva e econômica nacional. Num contexto de abertura comercial e
financeira indiscriminada, de altas taxas de juros, de valorização das
importações, de desmonte do Estado Nacional e de manutenção do
câmbio sobrevalorizado, assistiu-se a explosão do desemprego sem
precedentes na história do país, da precarização das condições e relações e
trabalho e da informalidade do trabalho. Mesmo com a posse de um
governo dito “popular”, sob a liderança do Presidente Luís Inácio Lula da
Silva, com a continuidade do processo de assalariamento verificado a partir
do ano 2000, permaneceram os problemas históricos do mercado de
trabalho nacional, apontando para a emergência de transformações na luta
e na representatividade sindical e política dos trabalhadores, além da
necessidade de criação de novas formas de (re) inserção e permanência no
mercado de trabalho para amplas camadas de trabalhadores diante da
adoção dos preceitos da reestruturação produtiva do capital no Brasil.
Palavras-chave: Desemprego; informalidade; precarização do trabalho;
instabilidade do emprego formal.
NEOLIBERALISMO AND MARKET OF WORK IN BRAZIL
UNEMPLOYMENT AND PRECARIOUSNESS
OF THE WORK IN THE YEARS OF 1990 AND HIGH
INSTABILITY ROTATION
OF THE FORMAL JOB UNDER THE LULA GOVERNMENT.
Abstract:
With the implementation of an ample neoliberal set of politics in the
Brazilian economy, from the decade of 1990, under the Collor government
and in the two mandates of president Fernando Henrique Cardoso, arrived
the end of the historical movement of formalizes of the relations of work
in Brazil, beyond the desencadeamento of deep transformations in national
the productive and economic structure. In a context of indiscriminate
commercial and financial opening, high taxes of interests, valuation of
importing, of dismounting of the national state and maintenance of the
sobrevalorizado exchange, attended explosion to it of the unemployment
without precedent in the history of the country, of precariousness of the
conditions and relation of work and of the informality work the same with
the ownership of a said government " popular ", under the leadership of
the president Ignacio Luis Lula Silva, with the continuity of the process of
assalariamento verified from not the 2000, had remained the historical
problems of the market of national work, pointed with respect to the
emergency of transformations in the fight and the syndicalism
representation and politics of the workers, beyond the necessity of creation
of new forms of (reverse speed) insertion and permanence in the work
market with respect to ample layers of workers ahead of the adoption of
the rules of productive reorganization of the Brazil capital.
Key words: unemployment; informality; precariousness of the work;
instability of the formal job.
Introdução
A década de 1990, no bojo de uma ampla abertura comercial e
financeira indiscriminada, da manutenção artificial do câmbio, de taxas de
juros elevadas e de um movimento de desmonte do Estado nacional,
segundo os preceitos do Consenso de Washington, além de uma política
de valorização das importações, foi marcada pelo redirecionamento da
base produtiva e econômica nacional (estruturada desde a década de 1930,
com base na industrialização substitutiva de importações e conformada por
políticas desenvolvimentistas estatais) e pelo processo de desestruturação
do mercado de trabalho brasileiro, que já sofrerá transformações
significativas com as oscilações econômicas da década de 1980,
apresentando elevação das taxas de desemprego, precarização das
condições e relações de trabalho e altas taxas de informalidade do trabalho.
88
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
Com a adoção do receituário neoliberal, implementado pelo
governo de Fernando Collor de Mello e aprofundado nos dois governos
do Presidente Fernando Henrique Cardoso, principalmente com a criação
e aplicação do Plano Real, em 1994, as transformações estruturais do
capital, iniciadas a partir da crise do fordismo na década de 1970
(permeadas pela retomada da globalização econômica e financeira, pela
consolidação das políticas neoliberais diante da crise do Estado-de-bemestar-social e pela aplicação dos preceitos da Terceira Revolução
Tecnológica na produção, ensejando a adoção de métodos flexíveis de
acumulação de capital) foram desencadeadas na economia brasileira,
configurando também a crise do mundo do trabalho no Brasil, com a
explosão do desemprego e da informalidade do trabalho.
Não obstante verificar-se a recuperação do assalariamento formal
no mercado de trabalho brasileiro a partir de 2000, resultado de mudanças
no regime cambial e da retomada das exportações vinculadas ao setor
primário da economia, permaneceram os problemas históricos do mercado
de trabalho formal no Brasil, mesmo com a posse do Governo do
Presidente Luís Inácio Lula da Silva, tendo como referência a formação de
um governo popular, com a manutenção de altas taxas de desemprego, da
precarização das condições e relações de trabalho, da informalidade do
trabalho e da instabilidade para os trabalhadores formais, colocando
desafios para a classe trabalhadora, tais como a necessidade de renovação
nas formas de luta e representatividade sindical e da necessidade de criação
de novas formas de (re) inserção e permanência no mercado de trabalho
tornado mais competitivo ainda neste início de século XXI.
Governo Collor e FHC – neoliberalismo e desestruturação do
mercado de trabalho brasileiro ao longo da década de 1990.
O processo de desestruturação do mercado de trabalho ao longo da
década de 1990 e parte da década de 1980 deixaram marcas profundas na
estrutura social do país, aprofundando os problemas sociais históricos:
bastou pouco mais de uma década para se destruir toda uma história de
estruturação e formalização das relações de trabalho no Brasil,
constituindo-se um cenário caracterizado pela explosão do desemprego em
massa e pela informalização das relações de trabalho, além do surgimento
de formas precárias de ocupação e da ampliação das desigualdades de
rendimento entre os trabalhadores, mesmo diante da recuperação do
89
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
assalariamento formal verificado nos dois últimos anos do segundo
Governo Fernando Henrique Cardoso.
Dessa forma, a partir do Governo do Presidente Fernando Collor
de Mello, no bojo do processo de redemocratização política no Brasil e das
primeiras eleições presidenciais diretas, foi posto em marcha um conjunto
de medidas liberalizantes para dar conta da crise econômica dos anos de
1980 (quando se tentou, sem sucesso, um ajuste pelo viés da modificação
do nível de remuneração do trabalhador, já representando sinais de
precarização do trabalho e de aumento dos índices de desemprego),
subjacente ao discurso direcionado para a necessidade da modernização da
economia brasileira como forma de inserção do país no grupo dos países
desenvolvidos. Nesse sentido optou-se por um ajuste macroeconômico
pelo viés do mercado, através da redução da intervenção estatal na
economia e pelo estabelecimento da livre-concorrência como principio
norteador das relações sociais e econômicas, permeadas pela adoção do
ideário neoliberal, expresso na desregulação da concorrência no mercado
mundial e na globalização financeira internacional.
Com base num conjunto de propostas elaboradas pelo Banco
Mundial em Washington (o Consenso de Washington) e direcionadas aos
países periféricos do capitalismo mundial, a partir de um amplo conjunto
de medidas macroeconômicas tais como a redução do Estado, a
liberalização de mercados e a desregulamentação financeira, Collor
promoveu a abertura comercial e financeira indiscriminada da economia
brasileira, com a eliminação das barreiras não-tarifárias, a abolição das
restrições à importação de determinados bens e a rápida redução de tarifas,
além da ampliação da mobilidade dos fluxos de capitais no mercado
financeiro, conformando uma reestruturação do padrão de crescimento
econômico iniciado na década de 1930 e engendrando a desestruturação do
mercado de trabalho brasileiro, que já apresentava forte estagnação do
emprego formal, ampliação das taxas de desemprego e aumento da
informalidade, desencadeadas durante as oscilações nos ciclos econômicos
da década de 1980.
Como resultado da aplicação desse conjunto de políticas
macroeconômicas, por um lado, aprofundou-se o comportamento
negativo da economia e verificou-se o início de uma forte recessão
econômica, com a redução do PIB em torno de 4% no ano de 1990, além
do desempenho negativo do setor industrial, que apresentou redução de
7,4% do PIB no ano de 1990, mantendo-se estagnado no ano seguinte
(DEDECCA; BRANDÃO, 1993). Nesse cenário recessivo, as taxas de
90
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
desemprego passaram a apresentar ampliações significativas e o tempo de
procura por trabalho aumentou consideravelmente, tornando ainda mais
difícil a possibilidade de reemprego (estabelecida com a recuperação
econômica a partir de 1984) para amplas camadas de trabalhadores ao
longo da década.
Por outro lado, assistiu-se a deterioração dos rendimentos dos
trabalhadores, engendrada pela política salarial adotada pelo governo
Collor, pelas reduções expressivas nos níveis de emprego formal, com a
perda de combatividade dos sindicatos nas negociações salariais (setoriais
ou por empresas) e, pela adoção, por parte das empresas, de “processos de
reorganização de suas estruturas ocupacionais e salariais, derivados de uma
reestruturação produtiva provocada pela recessão e/ou pelos novos
padrões tecnológico e organizacional, associados ao processo de gestação
de uma nova divisão internacional do trabalho” (DEDECCA;
BRANDÃO, 1993, p. 336).
Além da liberação comercial e da desregulação financeira, num
cenário caracterizado pela recessão econômica, a reforma do Estado foi
desencadeada a partir do governo Collor (como parte substancial do
receituário neoliberal implementado no país), através do encolhimento do
setor público com as privatizações e o fechamento de empresas,
consubstanciando a demissão de milhares de funcionários públicos,
paralelamente a destruição de postos de trabalho no setor formal da
economia, que “contabilizou o corte de 2,2 milhões de postos regulares
somente nos anos de 1990/92 em todo o país” (POCHMANN, 1999, p.
88).
Esse conjunto de políticas neoliberais implementadas no Governo
Collor, segundo Alves (2000), além de determinar um cenário econômico
nacional caracterizado pela recessão, pelo crescente desemprego na
indústria e pelo predomínio da racionalização predatória de custos nas
empresas, principalmente através da redução de custos com a mão-de-obra
empregada, criaram as condições macroeconômicas para o sucesso do
plano de estabilização monetária do Governo Fernando Henrique Cardoso
e para a consolidação do processo de reestruturação produtiva do capital
no Brasil.
Com a crise política que se abateu sobre o Governo do Presidente
Fernando Collor de Mello, houve um relativo refluxo no processo de
reestruturação produtiva do capital no Brasil, sendo revigorado com a
aplicação do Plano Real, em 1994, no primeiro Governo de Fernando
Henrique Cardoso, através da consolidação da abertura comercial e
91
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
financeira, articulada a adoção de um conjunto de políticas econômicas
permeadas, principalmente, pela sobrevalorização cambial e a ancoragem
do real ao dólar (como forma de financiar a economia brasileira, num
contexto de liquidez financeira internacional) e pelos juros elevados (para
atrair o capital financeiro internacional, altamente especulativo e volátil),
tendo como corolário uma profunda desestruturação produtiva, com
sucessivos desequilíbrios nas contas públicas nacionais, além do aumento
do déficit comercial e do saldo negativo em transações correntes, já que de
um superávit de cerca de 10,5 bilhões de dólares no final de 1994, passou-se
para um déficit acima de 6 bilhões de dólares no final da década de 1990
(MATTOSO, 2000), devido sobretudo ao aumento das importações que já
apresentavam significativo crescimento nos governos Collor e Itamar
Franco.
Com a implantação do Plano de Estabilização Monetária pelo
Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, as transformações
neoliberais foram aprofundadas principalmente através da intensificação da
reforma do Estado iniciada por Collor, conformada pela ampliação das
privatizações, das concessões públicas ao capital privado e pelas reformas
institucionais, tais como a Reforma da Previdência Social e a Reforma
Administrativa.
Não obstante a alienação de aproximadamente 75% do patrimônio
público nacional, segundo Biondi (1999) e do discurso político que
afirmava que as privatizações seriam necessárias para a geração de divisas
para o pagamento dos juros e para a redução da dívida pública externa e
interna (ressalte-se as privatizações da Companhia Vale do Rio Doce, da
Companhia Siderúrgica Nacional, de importantes bancos públicos
estaduais, tais como o Banespa e o Banerj, do sistema de telefonia fixa e
móvel nacional e da Embratel, da indústria aeronáutica brasileira Embraer
e as concessões de rodovias ao capital privado, com a instalação de
pedágios que se espalharam pelo país, como marcas do aprofundamento
do desmonte do Estado nacional), houve uma ampliação do
endividamento estatal e um significativo aumento da dívida liquida do
setor público, derivadas da política de juros elevados e do baixo
crescimento econômico brasileiro. Dessa forma, a relação dívida/PIB, que
era de aproximadamente 29%, no final de 1994, chegou a um patamar de
41% em 1998, atingindo cerca de 50% em meados de 1999 (MATTOSO,
2000). Com isso:
(...) Supostamente para combater seu crescimento, mas
efetivamente para assegurar o pagamento dos juros, o
governo FHC lançou-se em sucessivos ajustes fiscais, cujo
92
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
único resultado foi o agravamento do desmonte do Estado
nacional, com a deterioração dos serviços públicos e de sua
capacidade de investimento, geração de emprego e
crescimento (MATTOSO, 2000, p. 28).
Para Biondi (1999), numa crítica ao processo de privatização do
patrimônio público nacional desencadeado no primeiro Governo
Fernando Henrique Cardoso, representando o desmonte do Estado
nacional, as privatizações não contribuíram para a redução da dívida
pública brasileira, pelo contrário, até contribuíram para aumentá-la (como
demonstrado anteriormente), já que no processo de privatização o governo
ficou com as dívidas das estatais privatizadas que deveriam ser pagas pelos
compradores, como no caso da Companhia Siderúrgica Paulista, com o
governo assumindo uma dívida de 1,5 bilhões de reais e da Companhia
Siderúrgica Nacional que transferiu uma dívida de 1 bilhão de reais para o
governo brasileiro, além de investir maciçamente nas empresas estatais
antes das privatizações (nas empresas telefônicas o investimento foi de 21
bilhões de reais em dois anos e meio, por exemplo) e reajustar as tarifas e
preços dos serviços públicos (para o autor esses reajustes variaram de
100% a até 500% antes das privatizações, com reajustes de última hora,
como no caso das contas de energia elétrica no Rio de Janeiro que
sofreram um aumento de 58% antes do leilão da estatal de energia Light).
Houve também a transferência de compromissos financeiros dos fundos
de pensão e de aposentadorias para o governo, como no caso da Fepasa,
com o governo assumindo a responsabilidade pela folha de pagamento de
aproximadamente 50 mil ferroviários aposentados.
Com a venda das estatais o governo ficou com as dívidas e sem as
fontes de lucros para pagá-las, dificultando dessa forma o equilíbrio das
contas do Tesouro Nacional, pois as estatais sempre foram utilizadas para
cobrir os rombos nas contas do governo e para financiar o
desenvolvimento da economia nacional.
Em 1998, com o agravamento da crise internacional e a redução dos
fluxos de capitais no mercado financeiro internacional, derivado da
volatilidade e do caráter especulativo desse tipo de capital, o governo
assegurou a valorização artificial do real, garantindo a vitória nas eleições
presidenciais e um segundo mandato para o Presidente Fernando Henrique
Cardoso, direcionando o desempenho produtivo nacional para um baixo
crescimento econômico que se transformaria em recessão econômica, com
o PIB apresentando um dos piores desempenhos da década, com uma
queda de 0,12%, menor apenas que o desempenho do PIB no período
93
recessivo de 1992, fazendo com que a década de 1990 apresentasse o pior
resultado em termos de crescimento econômico do século XX.
Nível real de atividade econômica - Brasil - Século XX
10
8,8
9
8
7,3
7
5,7
6
5 4,5
em %
4,3
4
4,3
3,7
5,1
7,1
6,1
5,3
2,9
3
2,2
2
1,5
1
0
1900-49
0
10
20
30
40 50-98 50-79 80-99 50
.60
70
80
90
Fonte: Dados 1900-1947, série Haddad; 1949-1999, dados IBGE; em 1999
considerou-se uma queda de 1% apud MATTOSO, 2000, p. 21.
Num cenário macroeconômico caracterizado pela recessão, pela
abertura comercial e financeira indiscriminada, sem a proteção de políticas
industriais e agrícolas no mercado interno, com sobrevalorização cambial e
juros elevados, além da reforma e da redução do papel do Estado nacional
na formulação de políticas de desenvolvimento e do aumento da
concorrência com produtos estrangeiros, através da importação de bens e
serviços, conformou-se um baixo desempenho da economia nacional, com
baixo investimento e sem a geração de empregos suficientes para assegurar
a incorporação de cerca de 2 milhões de trabalhadores que ingressam todos
os anos na População Economicamente Ativa (POCHMANN, 2006),
representando também a ampliação do desemprego e a precarização das
condições e relações de trabalho.
Ao longo dos anos de 1990, sobretudo no período compreendido
entre os anos de 1995 e 1998, houve redução na geração de empregos
94
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
formais em praticamente todos os anos, com uma concentração
significativa na indústria de transformação e na construção civil. No total,
foram destruídos cerca de 3,3 milhões de postos de trabalho na década,
sendo 1,8 milhões a partir de 1995 (MATTOSO, 2000), após a
implementação do Plano Real pelo Governo de Fernando Henrique
Cardoso.
(....) Até maio de 1999 a indústria de transformação reduziu
seus empregos formais na década em cerca de 1,6 milhões
(cerca de 73% do que dispunha em 1989) e os subsetores
mais atingidos foram os das indústrias têxtil (- 214 mil),
metalúrgica (- 293 mil), mecânica (- 214 mil), química e
produtos farmacêuticos (- 204 mil) e material de transporte (92 mil). A construção civil viu desaparecem cerca de 322 mil
empregos formais. O comércio também foi duramente
atingido (-294 mil). O setor financeiro reduziu sua mão-deobra em cerca de 354 mil. Apenas apresentou um
comportamento positivo o heterogêneo subsetor Serviços,
compreendido por alojamento, alimentação, reparação e
diversos (cerca de 160mil) (MATTOSO, 2000, p. 18).
A partir de 1999, como forma de gerar saldos comerciais positivos,
houve um redirecionamento do regime cambial brasileiro, representando o
aumento das exportações e uma redução significativa das importações.
Entretanto, as modificações observadas no comércio externo foram
direcionadas por uma especialização econômica e produtiva vinculada ao
setor primário (papel e celulose, agrobusiness, siderurgia, processamento
mineral e alumínio), com baixo valor agregado, pouco conteúdo
tecnológico e não intensivo em mão-de-obra, não sendo suficiente para
reverter o quadro de desemprego elevado e de redirecionar a base
produtiva nacional para a recuperação dos empregos formais destruídos ao
longo dos anos de 1990 (os resultados dessa modificação no regime
cambial brasileiro seriam sentidos somente a partir de meados do ano
2000, com a relativa recuperação do assalariamento formal, como será
destacado adiante).
Dessa forma, na década de 1990, configurou-se a mais grave crise
do emprego no mercado de trabalho nacional e a constituição do
desemprego em massa, sem precedentes na história do Brasil, colocando o
país, a partir de 1994, na quarta posição mundial em número de
desempregados, atrás somente da Índia, Indonésia e Rússia
(POCHMANN, 2006). Em maio de 1999, segundo pesquisa publicada
pelo Datafolha, o desemprego atingia cerca de 10 milhões de trabalhadores
95
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
no país. No período compreendido entre os anos de 1992 e 2002, por
exemplo, o índice de desemprego passou de 6,7% para 9,3% da PEA
nacional, representando um aumento relativo de aproximadamente 40% na
taxa de desemprego no mercado de trabalho brasileiro.
Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e
utilizando-se de outra metodologia, o IBGE divulgou, no ano de 2003, a
taxa de desemprego aberto abrangendo cerca de 8,5 milhões de
trabalhadores no Brasil, ou 4,8 vezes a taxa de desemprego observada em
1985, sendo que de cada cem trabalhadores que ingressaram no mercado
de trabalho no período entre 1985 e 2005, apenas 82 conseguiram
ocupação formal, portanto 18 ficaram desempregados.
Para Pochmann (2006), a explicação para a ampliação e a
generalização do desemprego para praticamente todos os segmentos
sociais, estaria no baixo crescimento da economia brasileira nas últimas
décadas do século XX, associada à adoção de medidas de cunho neoliberal,
implementadas a partir de 1990 sob o governo Collor e, aprofundadas
durante os dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, pois
o avanço tecnológico no Brasil ficou circunscrito às grandes empresas
internacionalizadas e sempre articulado a adoção de métodos de
reorganização produtiva e do trabalho, tais como a reengenharia, a
terceirização dos contratos e subcontratação de trabalhadores, a
implementação da gestão participativa e da remuneração variável, entre
outros exemplos de medidas reestruturantes nas grandes empresas
localizadas no país.
Acrescente-se ao conjunto das grandes empresas, o incremento
tecnológico de base microeletrônica e informática, articuladas a processos
de reorganização produtiva e do trabalho (tais como a instituição de
programas de qualidade total, da remuneração variável do trabalhador, da
contratação por tarefas e da terceirização de atividades), no setor
financeiro, principalmente nos bancos, através da substituição do
atendimento nas agências bancárias para o atendimento eletrônico, com a
difusão dos caixas automáticos, das centrais telefônicas de atendimento, do
telemarkenting na venda de produtos bancários (cartão de crédito,
consórcios, empréstimos com desconto em folha, etc.), da Internet, da
interligação do sistema bancário ao computador do cliente e da
substituição do tradicional papel-dinheiro pelo cartão magnético,
permitindo saques, depósitos, transferência de valores, pagamento de
contas diretamente nos caixas automáticos, entre outras tarefas realizadas
pelo próprio usuário, representando a redução do número de trabalhadores
96
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
bancários no país, que passou de aproximadamente 812 mil trabalhadores
em janeiro de 1989, para 497 mil bancários em dezembro de 1996
(Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados do Ministério do
Trabalho apud www.dieese.org.br) e, a precarização das condições e
relações de trabalho nos bancos, com a fragilização dos sindicatos da
categoria e a redução do número de greves em todo o país.
Ressalte-se também o enorme potencial de incorporação de novas
tecnologias em inúmeros ramos associados ao heterogêneo setor de
serviços e o enorme impacto que isso representaria sobre o mercado de
trabalho e a eliminação de empregos formais, tais como o auto-serviço nos
postos de combustível (reduzindo o número de frentistas empregados), a
utilização de catracas eletrônicas no transporte coletivo urbano (com a
possível eliminação do cobrador) ou a venda de passagens on-line no
transporte rodoviário interestadual e no transporte aéreo, o sistema de
compras on-line nas grandes redes de supermercados ou a adoção do
sistema de auto-serviço, através da ampliação do uso do código de barras,
entre outros exemplos da considerável possibilidade de incorporação
tecnológica no setor produtivo de serviços e o potencial de desemprego
subjacente.
O aumento do desemprego no Brasil, por um lado, deve ser
creditado, além das causas delineadas anteriormente, também a forma
subordinada e passiva de inserção do país no processo de globalização
econômica e financeira em curso, através da ampliação das importações de
produtos e serviços que representou a exportação de cerca de 1,2 milhões
de empregos, somente no setor industrial, nos anos de 1990, “dessa forma,
a aquisição de bens e serviços importados contribuiu para a destruição de
parcela significativa dos empregos internos e criação de parte dos postos
de trabalho no exterior (Estados Unidos, Argentina, China, entre outros)”
(POCHMANN, 2006, p. 70).
As importações de equipamentos foram intensificadas, segundo
Biondi (1999), sobretudo pelas privatizações das estatais brasileiras, já que
as multinacionais passaram a controlar grande parte do patrimônio dessas
empresas e a remeter dólares para suas matrizes no exterior ou passaram a
utilizar equipamentos e componentes importados, agravando o movimento
de saída de dólares do país, desequilibrando a balança de pagamentos e
aumentando a dívida pública brasileira. Nesse sentido, alguns
equipamentos de telefonia “chegaram a utilizar 97% de peças e
componentes importados – e aparelhos celulares de algumas marcas
chegaram a utilizar de 85% a 100% de peças vindas do exterior; isto é, são
97
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
apenas montados no país” (BIONDI, 1999, p. 16). Também se verificou o
aumento do peso das telecomunicações no saldo negativo da balança
comercial brasileira, no período de 1993 a 1998, já que “as compras da área
de telecomunicações no exterior aumentaram dez vezes, 1.000%, de 280
milhões de dólares para 2,8 bilhões de dólares, deixando um déficit setorial
de 2,5 bilhões de dólares” (BIONDI, 1999, p.17).
Ressalte-se que a participação do capital estrangeiro na aquisição de
estatais brasileiras foi possibilitada pela publicação do decreto presidencial
de 24 de maio de 1997 que alterou a legislação que proibia o BNDES de
financiar empresas estrangeiras na compra de estatais nacionais, pois até
então ao Banco de Desenvolvimento cabia o financiamento de empresas
nacionais através de um conjunto de políticas industriais de fomento a
produção interna. Com isso, o capital estrangeiro passou a controlar
grande parte das ações das ex-estatais, tais como o Grupo Santander no
Banespa e a espanhola Telefonica em substituição a Telesp, em São Paulo.
Como corolário dessa política de “estímulo” as privatizações e as
importações, o faturamento de fabricantes brasileiros recuou, empresas
nacionais quebraram e o desemprego aumentou devido ao saldo negativo
na balança comercial e a ausência de políticas industriais de
desenvolvimento econômico nacional e de proteção aos produtores
internos.
Por outro lado, as mudanças permeadas pela reforma do Estado e a
redução de sua participação na formulação de políticas públicas de
desenvolvimento econômico sustentável, com geração de emprego e
renda, contribuíram para o aumento das taxas de desemprego, através da
adoção de programas de demissão voluntária nas esferas públicas federais,
estaduais e municipais, a demissão de funcionários públicos não estáveis, o
fechamento e a privatização de empresas estatais, representando um saldo
negativo de 2,5 milhões de postos de trabalho durante a primeira metade
dos anos de 1990, no setor público, diante de um saldo positivo de 1,6
milhões de empregos públicos na década de 1980 (BIONDI, 1999).
Ressalte-se também a não realização de concursos públicos para suprir a
demanda por trabalhadores em vários setores estatais, diante das demissões
voluntárias e das aposentadorias, com a deterioração dos serviços
prestados à população, principalmente nas áreas de saúde, previdência
social, segurança pública e educação.
A estruturação de um cenário econômico marcado por forte
ampliação do desemprego no mercado de trabalho brasileiro, apontou para
a constituição do desemprego estrutural no período compreendido entre
98
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
os anos de 1993 e 1997, pois mesmo com a recuperação econômica da
produção interna em torno de 23,4%, não houve a geração de empregos
formais no período. Pelo contrário, observou-se a eliminação de empregos
assalariados com carteira assinada (redução de 1,4%) e o aumento do
desemprego em torno de 18,5% (POCHMANN, 2006), apontando para
um cenário macroeconômico caracterizado pela possibilidade de
crescimento econômico sem a correspondente geração de empregos na
economia nacional.
Na segunda metade do segundo Governo Fernando Henrique
Cardoso, observou-se uma relativa recuperação do assalariamento formal,
com todos os setores econômicos apresentando ampliação de empregos
formais (no total foram 2.287.638 empregos criados no período ou uma
variação relativa positiva de 11% no estoque total de empregos formais),
com exceção da construção civil, que reduziu o estoque de empregos em
64.456 postos de trabalho ou uma redução relativa de 5,6% no estoque do
setor. A recuperação do emprego formal foi alavancada principalmente
pelo setor de serviços, com a criação de 1.182.396 empregos formais no
período analisado, isto é, praticamente metade dos postos de trabalho
criados entre janeiro de 2000 e dezembro de 2002, sendo que a maior
variação relativa foi verificada no setor de comércio (16,4%), seguido pelos
serviços (12,9%) e pela indústria (8,7%).
Evolução e dinâmica do mercado de trabalho formal - Brasil janeiro de 2000 a dezembro de 2002.
Indústria
Comércio
Serviços
C. Civil
Agrop.
Out. Ign
Totais
Admitidos
6.476.326
6.636.845
10.806.426
3.201.951
2.695.613
14.993
29.832.154
Demitidos
6.015.201
5.968.307
9.624.030
3.266.407
2.662.367
8.204
27.544.516
Total
461.125
668.538
1.182.396
- 64.456
33.246
6.789
2.287.638
8,7%
16,4%
12,9%
- 5,6%
3,32%
-
11%
5.754.460
4.733.945
10.307.200
1.081.646
1.034.013
-945
22.910.319
Variação
relativa
Estoque
dez/2002
Fonte: CAGED 2000-2002 disponível em http://www.mte.gov.br acesso em
06/2007. Elaboração e organização do autor.
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
regime cambial efetuadas em 1999, num contexto de crise de liquidez
internacional e de fuga de capitais, fazendo com que o governo brasileiro
tivesse de recorrer aos empréstimos do Fundo Monetário Internacional
nos anos de 1999, 2001 e 2003. Vale destacar que esses capitais
especulativos e altamente voláteis financiavam o déficit externo e em conta
corrente do Brasil desde 1994, com a implantação do Plano Real no
primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso.
Esse processo de desvalorização da moeda nacional provocou
alterações na política de comércio exterior, visando à geração de saldos
comerciais, sobrevalorizando os setores exportadores, principalmente o
agronegócio em expansão nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte do
país (a soja e o milho são os produtos em destaque, representando cerca de
80% da produção de grãos no país). Com isso, o saldo comercial externo
brasileiro, voltou a ser positivo em 2001, mantendo-se crescente nos anos
seguintes, em virtude principalmente do envio de recursos internos para o
exterior.
Segundo Delgado (2005) esse movimento de recuperação da
economia brasileira e do mercado de trabalho formal, foram financiados
pela agricultura capitalista moderna (denominada de agronegócio pelos
estudiosos da questão fundiária brasileira), já que, “sob o impulso da
demanda externa, o produto agrícola tem crescido 4,8% entre 2000 e 2003,
bem à frente do PIB geral que só cresceu 1,8%” (DELGADO, 2005, p.
48), ou seja, observa-se um crescimento econômico do agronegócio e de
outros setores exportadores, sem encadeamento à demanda interna e sem a
generalização do crescimento para todo o conjunto da economia, pois os
outros setores produtivos são mantidos na recessão, buscando-se com isso
assegurar metas inflacionárias, de acordo com os preceitos
macroeconômicos adotados desde 1994, com a implantação do Plano Real.
Mesmo com a recuperação da economia nacional e a ampliação dos
empregos formais, entretanto, os problemas estruturais do mercado de
trabalho foram mantidos, tais como a alta rotatividade da mão-de-obra
empregada, os elevados índices de desemprego, a precarização das
condições e relações de trabalho, a desigualdade de rendimentos entre os
trabalhadores e a informalidade, como estratégia de sobrevivência dos
trabalhadores diante da crise do emprego formal estabelecida no início da
década de 1990, com a aplicação do receituário neoliberal pelo governo do
Presidente Fernando Collor de Mello.
A relativa recuperação do assalariamento formal no mercado de
trabalho nacional entre os anos de 2000 e 2002, refletiu as modificações no
99
100
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
Governo Lula, trabalho e emprego – o desemprego e a rotatividade
da mão-de-obra como fatores de ajuste estrutural do capitalismo
brasileiro.
Com a posse do novo Governo do Presidente Luis Inácio Lula da
Silva, tendo como referencial a formação de um governo “popular”,
configurou-se um conjunto de propostas de investimentos na área social,
articuladas a manutenção do controle inflacionário e do plano de
estabilização monetária do governo anterior. Com isso, tornou-se possível
identificar um processo caracterizado por continuidades e
descontinuidades no novo governo a partir de 2003.
Descontinuidades, já que houve modificações significativas na
condução da política externa e na área de comércio exterior, com a busca
de novos parceiros comerciais (Índia, África do Sul e China), o
fortalecimento do Mercosul e a reformulação dos termos em torno da
implementação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), além da
exigência de abertura comercial dos mercados agrícolas dos países
desenvolvidos como salvaguarda para uma maior abertura da economia
brasileira para os produtos manufaturados das economias avançadas,
principalmente da União Européia.
No que concerne à condução da política interna, o novo governo
direcionou esforços para a implementação de medidas de cunho social, tais
como as políticas sociais de combate à pobreza (o Programa Fome Zero) e
a ampliação do Programa Bolsa Família para todo o país. Também,
verificou-se a formulação de uma política de não-privatização do aparato
estatal (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobrás) e de
recuperação do serviço público, com a realização de concursos para suprir
as carências de servidores públicos em diversas áreas do governo federal.
Continuidades, pois a política de estímulo às exportações foi
mantida e até aprofundada pelo novo governo, através da forte
desvalorização cambial, além da manutenção de taxas de juros elevadas
(mesmo com o movimento gradual de queda dos juros básicos da
economia, os juros reais permaneceram os mais altos do mundo) e de
metas inflacionárias anuais, como forma de manter a estabilização
monetária da economia brasileira.
A manutenção de um superávit primário em torno de 4,25% do PIB
constituiu-se um elemento imprescindível da política econômica do
Governo do Presidente Lula, assegurando o pagamento dos juros da dívida
pública brasileira e apontando para um cenário de baixo crescimento
101
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
econômico, com pouco investimento em infra-estrutura (modernização
dos portos, aeroportos e recuperação da malha rodoviária federal), além do
aumento da carga tributária (onerando a produção e, consequentemente
inibindo o crescimento econômico e a geração de empregos) e da ausência
de reformas estruturais no aparato estatal, como forma de assegurar o
crescimento sustentado da economia brasileira.
Portanto, o Governo Lula tem se caracterizado como um governo
contraditório, apresentando um pólo de poder mais ligado a elaboração e
aplicação de políticas de cunho social e um outro pólo de poder
(hegemônico e dominante na condução das políticas mais significativas do
governo Lula) articulado ao sistema financeiro internacional, promovendo
a manutenção da política macro-econômica ditada pelo mercado e pelos
institutos financeiros internacionais sediados em Washington (Fundo
Monetário Internacional e Banco Mundial) e inaugurada pela
implementação do Plano Real em 1994. Com isso, nos dizeres de
Chossudovsky (1999), fazendo-se um paralelo com a realidade política
brasileira, “nenhuma política alternativa é oferecida para os eleitores.
Como em um Estado monopartidário, os resultados das urnas não têm
virtualmente qualquer impacto sobre a real conduta da política econômica
e social do Estado” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 21), ou seja, as
mudanças econômicas e sociais ficaram somente nas promessas de
campanha e a busca pelo controle inflacionário, pelo ajuste fiscal e pela
manutenção das políticas monetaristas, conformadas pelo ideário
neoliberal, dá o tom do governo do Partido dos Trabalhadores desde 2003,
em detrimento de um projeto de desenvolvimento econômico nacional
independente, com geração de empregos e renda e da construção de um
país mais justo e igualitário.
Sader (2003), numa análise sobre o distanciamento do Partido dos
Trabalhadores em relação à produção teórica e a intelectualidade nacional,
rumo à institucionalização partidária (através da formulação de posições
mais em função do debate político do que da produção teórica
propriamente dita), ressalta que a vitória eleitoral de Lula em 2002
representou o fracasso das políticas de governo de Fernando Henrique
Cardoso e da crise do bloco no poder.
(....) Porém, o triunfo eleitoral de 2002 não foi resultante nem
de um grande ciclo de mobilizações populares, nem de
grandes construções teóricas ou políticas. Tanto que o
Partido dos Trabalhadores chega ao governo sem dispor de
uma alternativa para sair das políticas neoliberais – como Lula
se havia proposto ( SADER, 2003, p. 16).
102
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
Nesse contexto, de continuidade política do ideário neoliberal na
economia nacional, com algumas variações pouco significativas de
investimentos na área social, o processo de recuperação do assalariamento
formal, iniciado nos últimos anos do governo Fernando Henrique
Cardoso, teve continuidade no novo governo, apresentando um saldo
positivo de pouco mais de três milhões de empregos formais no período
compreendido entre janeiro de 2003 e junho de 2006, com o setor de
serviços mais uma vez gerando quase metade dos postos de trabalho,
acompanhado da variação relativa positiva do setor agropecuário (em
torno de 25%) e do comércio (16,7% a mais no estoque de empregos
formais do setor).
Evolução e dinâmica do mercado de trabalho formal – Brasil
janeiro de 2003 a junho de 2006.
Indústria
Admitidos
Demitidos
Total
7.978.178
7.085.247
892.931
Comércio
Serviços
C. Civil
Agrop.
Out.
Ign
Totais
8.174.623
12.776.339
3.320.692
3.680.423
1.361
35.931.616
7.381.675
11.283.084
3.190.040
3.415.361
426
32.355.833
792.948
1.493.255
130.652
265.062
935
3.575.783
14.7%
Variação
relativa
15,5%
16,7%
14,4%
12%
25,6%
-
Estoque
Junho/06
6.647.391
5.526.893
11.800.455
1.212.298
1.299.075
-10
26.486.102
Fonte: CAGED 2003–2006 disponível em http://www.mte.gov.br acesso em
06/2007. Elaboração e organização do autor.
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
Em primeiro lugar, as taxas de desemprego permaneceram elevadas,
mesmo com a geração crescente de empregos formais no mercado de
trabalho brasileiro, devido, sobretudo ao fato de os postos de trabalho
criados não serem suficientes para suprir os empregos destruídos nas
décadas anteriores e para absorver os quase 2 milhões de trabalhadores que
passam a fazer parte da PEA todos os anos (POCHMANN, 2006).
Com isso, em segundo lugar, a informalidade representa uma das
poucas formas de inserção no mercado de trabalho para aproximadamente
53% dos trabalhadores ativos do Brasil, segundo o IBGE, configurando a
precarização das condições de trabalho na economia nacional. Observa-se
o aumento crescente do setor informal, principalmente através da
ampliação do número de camelôs ou da criação e consolidação dos
denominados “camelódromos”, que se espalharam pelas principais cidades
brasileiras, sendo característica marcante mesmo de municípios pequenos e
médios do interior do país.
Em terceiro lugar se observa a continuidade do processo histórico
de desigualdade de rendimento entre os trabalhadores, no tocante as
relações de gênero e as diferenças de níveis de escolaridade. Assim, a
remuneração do trabalhador aumenta de acordo com a elevação da
escolaridade, configurando, no entanto, por mais paradoxal que seja uma
maior diferenciação de rendimento entre os homens e as mulheres
conforme aumenta o nível de escolaridade, pois no nível de escolaridade
compreendido pelos analfabetos, as mulheres recebem em média 18%
menos que os homens ou uma diferença salarial de R$ 84,93 centavos,
sendo que essa diferença aumenta para 32% para as trabalhadoras com 8ª
série completa, chegando a 35% no nível de escolaridade compreendido
pelo grau superior completo de instrução ou uma diferença de
remuneração de R$ 1.111,43 centavos entre ambos os sexos, segundo a
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS – séries históricas) do
Ministério do Trabalho.
Todavia, mesmo com o aumento relativo de 14,7% no estoque total
de empregos formais no período analisado, permaneceram os problemas
estruturais e históricos do mercado de trabalho brasileiro, aprofundados ao
longo das oscilações econômicas da década de 1980 e da implantação do
neoliberalismo na década de 1990, tais como o desemprego elevado, a
informalidade nas relações de trabalho, a precarização e a instabilidade no
mercado de trabalho, a alta rotatividade da mão-de-obra empregada e as
desigualdades de rendimentos entre os trabalhadores, no que tange as
relações de gênero e ao grau de instrução da classe trabalhadora.
103
104
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
rotatividade é mais elevada no setor agropecuário (74,3%), seguido da
construção civil (64,2%) e do comércio (31%), conforme pode ser
observado no gráfico a seguir.
Remuneração média, segundo gênero e grau de
instrução - Brasil 2005
3500
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
Rotatividade dos trabalhadores por setor produtivo - Brasil 2004
3.243,25
3000
80,0%
2500
2.131,82
2000
1.877,67
1500
500
808,53 776,30
772,82
468,25 632,19 730,58 733,07
495,51 505,38 562,42 573,58
474,83
383,32
64%
50,0%
40,0%
0
30,0%
o
leta
leto
l e ta
leta
leto
l e ta
leto
leto
bet
mp comp comp comp comp comp comp comp
alfa
o
n
c
n
n
A
i
in
u
ie
ie
ior
u in
ie i
8ª
gra
sé r
sé r
rior uper
gra
sé r
2º
8ª
4ª
pe
S
2º
4ª
Su
Masculino
70,0%
60,0%
1.140,20 1.164,02
1000
74%
31,0%
25,3%
29,0%
22%
20,0%
10,0%
Feminino
Fonte: RAIS/2005 – MTE disponível em http://www.mte.gov.br acesso em
09/2007.
Por fim, se de um lado a precarização das relações de trabalho se
configura como uma marca indissolúvel dos trabalhadores informais, por
outro lado, a instabilidade no emprego se constitui como característica
marcante do mercado de trabalho formal no Brasil após o ajuste neoliberal
da década de 1990, através da alta rotatividade da mão-de-obra empregada.
Dessa forma, através da comparação da média de desligamentos (já que
nem todos os trabalhadores são demitidos, sendo que muitos se
aposentam, rescindem o contrato por conta própria ou até falecem no
período que são empregados de determinada empresa) e admissões em
relação ao estoque total de empregos formais, observa-se que a cada doze
meses, de cada 100 trabalhadores empregados, pelo menos 29 trocaram de
emprego ou ficaram desempregados no Brasil, no ano de 2004. Se
compararmos o número de trabalhadores admitidos em relação aos
trabalhadores desligados, no acumulado do ano, a rotatividade aumenta
significativamente, representando cerca de 80% de instabilidade nos
contratos de trabalho formais. No que concerne aos setores produtivos, a
105
0,0%
Indústria Comércio Serviços
C. Civil
Agrop.
Total
Fonte: CAGED 2003 – junho de 2006 – disponível em http://www.mte.gov.br
acesso em 09/2007. Elaboração e organização do autor.
O mês de dezembro tem se tornado o símbolo da instabilidade e da
rotatividade dos trabalhadores no mercado de trabalho brasileiro,
apresentando saldos negativos elevados entre contratados e desligados
(mesmo com o saldo positivo ao longo dos outros meses do ano), com a
destruição de postos de trabalho em praticamente todos os setores de
atividade, em todos os anos analisados, salvo exceção do comércio, devido,
sobretudo a sazonalidade característica desse setor, com relação às festas
de final de ano.
Destarte, a elevada rotatividade da mão-de-obra empregada, tem se
configurado como o principal instrumento de ajuste do capital diante da
não flexibilização legal do trabalho no Brasil. Constituiu-se, dessa forma
uma flexibilização real e brutal para amplas camadas de trabalhadores que
ficam a mercê da lógica seletiva do mercado e sem proteção e estabilidade
106
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
no emprego, principalmente ao final de cada ano de atividade produtiva e
de ajuste estrutural do capital.
Se nas economias avanças do capitalismo mundial, esse ajuste
estrutural se dá pela incorporação tecnológica ao processo produtivo e
pelas modificações organizacionais na gestão da mão-de-obra empregada,
permeadas pela adoção do sistema de acumulação flexível do ideário
japonês, no Brasil, esse ajuste estrutural ocorre pela manutenção de altas
taxas de desemprego e pela instabilidade no mercado de trabalho formal
em amplos segmentos produtivos, através da alta rotatividade estabelecida
para os trabalhadores empregados.
Considerações finais
Com a manutenção da crise do emprego formal, do desemprego
elevado, da informalidade e da instabilidade no mercado de trabalho
formal no Brasil, permeada pela alta rotatividade da mão-de-obra
empregada, novos desafios são colocados para os trabalhadores, tais como
a necessidade de formulação de novas formas de (re) inserção no mercado
de trabalho formal ou a constante atualização e (re) qualificação
profissional, diante da fluidez e da complexidade do mundo do trabalho
atualmente, além do redirecionamento das formas de representatividade
política e a formulação de novos instrumentos de luta diante do capital
reestruturado e da competição brutal estabelecida no mercado de trabalho
brasileiro nas últimas décadas.
Em primeiro lugar, a atual estrutura sindical está em descompasso
com as transformações produtivas do capital e com a crise do mundo do
trabalho, salvaguardando as especificidades brasileiras relativas à
formalização das relações de trabalho no país. É preciso e necessário
representar todos os trabalhadores, independentemente do tipo de vínculo
empregatício que eles tenham, reformulando também o conceito de classe
trabalhadora, como faz Antunes (2001) ao propor uma luta englobando
toda a classe-que-vive-do-trabalho.
Em segundo lugar, torna-se fundamental a organização dos
trabalhadores antes da inserção dos mesmos no mercado de trabalho e não
somente depois que eles estão empregados, através de um sindicalismo do
tipo cooperativista e solidário, antecipando-se ao capital com a formação
de cooperativas sindicais de trabalhadores, resgatando, assim os laços de
pertencimento de classe e a união coletiva dos trabalhadores.
107
Nildo Aparecido de Melo – Neoliberalismo e mercado de trabalho no Brasil...
A renovação das formas de luta dos trabalhadores, como terceiro
ponto da discussão, se configura como condição sine qua non para o
enfrentamento dos desafios colocados a classe trabalhadora nesse início de
século XXI, com o estabelecimento de novas formas de greve, por
exemplo, com a paralisação de setores públicos e privados essenciais para a
acumulação de capital, com a exigência de mais e melhores empregos, a
redução da jornada de trabalho, o retorno da estabilidade no emprego, etc.,
além da exploração das potencialidades da informática como nova forma
de luta e de comunicação classista. O capital se tornou mais dinâmico e
mais complexo nas últimas décadas e as formas de representatividade e de
luta dos trabalhadores não foram renovadas, permanecendo os mesmos
instrumentos de luta e organização do século passado.
Em quarto lugar, é preciso incluir os trabalhadores informais na
representatividade política e sindical. Ressalte-se que já existe um sindicato
dos informais no Estado de São de Paulo, ligado à Central Única dos
Trabalhadores (CUT). Não é isso o que se propõe aqui. Mais uma vez, não
basta apenas organizar os trabalhadores, mas sim incluí-los na luta
juntamente com os demais trabalhadores desempregados e,
fundamentalmente, com os trabalhadores inseridos no mercado de
trabalho formal, como forma de resgatar os sentimentos de pertencimento
de classe social e da luta coletiva dos trabalhadores.
No que concerne ao papel do Estado no processo de superação e
resolução dos problemas sociais e econômicos relacionados ao
desemprego que assola o país, a retomada da capacidade de investimento
produtivo e infra-estrutural se faz necessária e urgente, no sentido de
restabelecer a posição estratégica e essencial do Estado brasileiro na
elaboração e liderança de um projeto de desenvolvimento econômico
sustentável para a nação, com geração de emprego e distribuição de renda
para toda a população brasileira, no bojo da substituição de um conjunto
de políticas de cunho monetaristas para a reorientação das políticas
públicas para um projeto desenvolvimentista e nacionalista para o Brasil.
A redução das taxas de juros básicas da economia, a desvinculação
da política econômica nacional das amarras das metas de controle
inflacionário e do superávit primário para saldar os compromissos com os
juros da dívida externa brasileira, além de uma ampla reforma no sistema
tributário brasileiro, como forma de “desfinanceirizar” a economia e
estimular o investimento produtivo, tornam-se urgentes para a retomada
do desenvolvimento econômico e social, com geração de empregos, com
registro em carteira e com todas as proteções que a legislação trabalhista
108
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 87-111
proporciona aos trabalhadores e para a superação da informalidade e da
precarização das condições e relações de trabalho no mercado de trabalho
brasileiro.
Por fim, se deve estimular a formação de cooperativas solidárias de
trabalhadores, explorando as potencialidades produtivas, turísticas e
agrícolas locais e regionais, como forma de (re) inserção no mercado de
trabalho,
diante
de
taxas
elevadas
de
desemprego,
da
instabilidade/precarização e da informalidade estabelecidas no mercado de
trabalho brasileiro nas últimas décadas do século XX e neste início de
século XXI.
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111
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
LOGÍSTICA: EM BUSCA DE UMA CONCEITUAÇÃO
PARA A GEOGRAFIA
Roberto França da SILVA JUNIOR1
Resumo:
Este ensaio visa fornecer uma contribuição preliminar para
entendimento da circulação na contemporaneidade, através
conceituação de logística, tendo nesta, uma referência para
movimentação de mercadorias, conseqüentemente para a dinâmica
fluxos no sentido da fluidez.
Palavras-chaves: logística, competitividade, circulação, transportes.
o
da
a
de
Logistics: Searching a Conception for a Geography
Abstract:
This assay aims at to supply a preliminary contribution to understanding of
the circulation in the present time, through the conceptualization of
logistics. With that, it will also be a reference to the movements of goods,
consequently for the dynamics of flows in the direction of the fluidity.
Keywords: logistics, competitiveness, circulation, transports.
1. Introdução
Tudo se passa como se a economia dominante devesse,
incansavelmente, entregar-se a uma busca desatinada de
fluidez. Aqueles que reúnem as condições para subsistir,
num mundo marcado por uma inovação galopante e uma
concorrência selvagem são os mais velozes. Daí essa
vontade de suprimir todo obstáculo à livre circulação das
mercadorias, da informação e do dinheiro, a pretexto de
garantir a livre-concorrência e assegurar a primazia do
mercado, tornado um mercado global. (MILTON
SANTOS, 1996, p.219).
Nunca se falou tanto em logística no Brasil como na última década.
Esta situação pode ser constatada pelo fato de empresas de setores
Professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste do
Paraná, campus de Irati, líder do GESTER (Grupo de Estudos e Pesquisas para a Gestão
Territorial) e Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da
UNESP de Presidente Prudente, orientando do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito. Endereço:
R. Nereu Ramos, 23. CEP: 84500-000. Irati-PR. E-mail: [email protected].
1
relacionadas ao movimento de mercadorias se adaptarem ao imperativo da
fluidez do mundo contemporâneo e também por empresas multinacionais
do ramo se instalarem no país. Além desses fatores, existe uma maior
consciência de que a precária infra-estrutura dificulta cada vez mais o
escoamento de grãos, resultando no dito “Custo Brasil”.
A intensificação das trocas e o aumento da circulação decorrem do
processo de mundialização do capital em todo seu estatuto econômico,
político e social, bem como do progresso das tecnologias, sobretudo
àquelas que dotam a circulação de maior velocidade, como é o caso das
tecnologias da informação e das comunicações (TIC).
Com isso, há a possibilidade da existência de novos conteúdos nas
relações de produção e de troca em relação aos períodos anteriores, em
que as comunicações eram realizadas sem o aparato da informática. O
aumento da capacidade informacional favorece o surgimento de um novo
conteúdo técnico. Esta forma de atuação no espaço geográfico corrobora
com as idéias de Raffestin em seu clássico “Por uma Geografia do Poder”
(1993): “o ideal do poder é agir em tempo real”.
O conteúdo da logística se modificou significativamente com o
implemento das tecnologias da informação, fazendo dela, um elemento
essencial para as empresas para a reprodução do capital e para a
manutenção da competitividade. A logística praticamente submeteu o setor
da produção a operar conforme a sua dinâmica sistemática, complexa e
veloz.
É fundamental pensar a logística como conseqüência do
desenvolvimento técnico e científico, pois ela é uma técnica pensada
cientificamente (em universidades e outras instituições de pesquisas). É
uma técnica de planejamento vital para as empresas, todavia, a sua
compreensão ainda é um tanto obscura a maioria dos geógrafos. Estes, por
suas vezes, têm a visão de que a logística se resume ao planejamento da
infra-estrutura de transportes e aos processos de reestruturação produtiva.
A logística também é mais caracterizada por ser estudada
principalmente por profissionais que visam à otimização das empresas a
partir da criação de novas formas e novos métodos de organização
empresarial, como é o caso principalmente dos profissionais em
administração de empresas e engenheiros de produção, além de outros
especialistas em logística.
Nesse sentido é que se faz necessária uma definição de logística para
a Geografia, para que esta possa colaborar no entendimento crítico das
114
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
novas formas de atuação no espaço geográfico pelas empresas, bem como
as conseqüências desta atuação no mundo da mercadoria.
Este artigo foi escrito a partir da dissertação de mestrado intitulada
“Geografia de redes e da logística no transporte rodoviário de cargas:
fluxos e mobilidade geográfica da capital”, portanto, maiores detalhes estão
aí incluídos, tais como mapas, gráficos, tabelas, figuras e fotos2.
2. Logística: da arte da guerra à circulação do capital
A logística possui uma etimologia muito interessante e o seu resgate
visa o seu melhor desenvolvimento teórico. O intento também objetiva
contribuir para uma Geografia da Circulação e dos Transportes e deixar
inteligível em que esta pode contribuir para a discussão sobre a logística.
O conceito surge para fins militares. Etimologicamente, buscou-se o
étimo logis que em francês significa ‘alojamento’ e loger que significa ‘alojar,
aquartelar, abarracar’, apesar de outros etimólogos verem no conceito, uma
extensão do sentido original, ou seja, o sentido numérico dos cálculos,
estimativas, estatísticas e antevisões quantitativas que a técnica militar
requeria3.
Segundo consta na Enciclopédia Mirador (1987, p.6983), “a primeira
tentativa séria” de definição de logística foi elaborada pelo Barão Antoine
Henri Jomini, principal teórico militar da primeira metade do século XIX, na
obra intitulada Précis de l’art de la guerre, 1836. Nesta obra, o autor dividia a
arte da guerra em cinco ramos: estratégia, grande tática, logística,
engenharia e pequena tática. Segundo Jomini, logística era a “arte prática de
movimentar os exércitos”4, abrangendo não somente as questões de
transporte, mas também o trabalho de estado-maior, medidas
administrativas e atividades de reconhecimento e de informação
necessários para o deslocamento e a manutenção de forças militares
organizadas. O vocábulo logística era derivado do posto de maréchal de logis,
existente no exército francês nos séculos XVII e XVIII e ao qual
correspondia, no exército prussiano, título de Quartermeister, competindo, a
ambos, as atividades administrativas relativas aos deslocamentos das tropas
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
em campanha.
O vocábulo logistics foi introduzido nos Estados Unidos pelo
almirante Alfred Mahan somente na década de 1880, designando ainda o
seu aspecto militar.
Posterior a consolidação do vocábulo logística e seu conceito para
utilização militar, várias foram as adaptações do termo para a circulação do
capital elaboradas por acadêmicos. Para citar alguns dos mais importantes
fatos:




2.1. O contexto de formação e formulação da logística científica e
industrial
O Pós-Segunda Guerra Mundial (1946-1973) foi um momento de
grande crescimento do capitalismo e da idéia de eficácia para o sistema
produtor de mercadorias. Esta é a era, denominada por Ernst Mandel
(1982, p.188) de capitalismo tardio. Para o autor:
A era do capitalismo tardio, com sua inovação
tecnológica acelerada e a extensão maciça e
concomitante
do
trabalho
intelectualmente
qualificado, conduz a contradição básica do modo de
produção capitalista a seu mais alto grau. A
socialização do trabalho é levada a sua mais extrema
dimensão na medida em que o resultado total
acumulado do desenvolvimento científico e técnico
do conjunto da sociedade e da humanidade se torna
cada vez mais a pré-condição imediata para cada
Disp. em: <www.biblioteca.unesp.br/bibliotecadigital/document/?did=2526>
A Mirador (1987, p.6983) aponta ainda, que há autores que lhe indicam como origem a
palavra latina logista (grego), ‘recebedor, cobrador’, e que teria sido título designativo do
encarregado dos assuntos administrativos nos exércitos romano e bizantino.
4 Grifo nosso. O termo ‘movimentação’ tem importância fundamental para a discussão
conceitual sobre a logística e a Geografia.
2
3
115
1901 - A logística é examinada pela primeira vez sob o prisma
acadêmico no início do século XX através de um artigo de John
Crowell, no artigo Report of the Industrial Commission on the
Distribution of Farm Products, tratando dos custos e fatores que
afetavam a distribuição dos produtos agrícolas;
1912 - Arch Shaw em seu artigo An Approach to Business Problems
aborda os aspectos estratégicos da logística; no mesmo ano,
L.D.H. Weld introduziu os conceitos de utilidade de marketing
(momento, lugar, posse) e de canais de distribuição.
1927 - Ralph Borsodi, em sua obra The Distribution Age define o
termo logística conforme utilizado hoje.
1956 - artigo publicado pela Harvard Business School introduz o
conceito de análise de custo total na área de logística.
116
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
processo particular de produção em cada esfera
particular de produção.
Tendo em vista a tese de Mandel, entende-se, neste artigo, que a
logística emerge como condição necessária ao processo de produção. No
início dos anos 1960 surge como disciplina científica com a implantação
dos primeiros cursos de graduação em Logística nos Estados Unidos (na
Universidade do Estado de Michigan e na Universidade do Estado de
Ohio). Os cursos visavam a formação de "logisticians”. No mesmo período
houve a criação do National Council of Physical Distribution Management, mais
tarde mudado para Council of Logistics Management, primeira organização a
congregar profissionais de logística em todas as áreas com o propósito de
educação e treinamento.
Esses fatos corroboram a tese de Ernst Mandel, pela logística se
tratar também, de um elemento que bule um fator do sistema produtor de
mercadorias: a competitividade. Com a implantação da logística (logistics em
inglês) como disciplina acadêmica, a já encarniçada competitividade
atinente ao capitalismo5 acabava de se tornar “sinônimo de guerra”, com
estratégias específicas para a movimentação de mercadorias com uma
gestão “em separado” da gestão da indústria.
Ballou (1993, p.28) afirma que a prática moderna da logística
configura nova disciplina. Isto não significa que não havia planejamento
mínimo acerca das atividades essenciais de transporte, controle de estoques
e processamento de pedidos, todavia, apenas recentemente passou a haver
uma “filosofia integrativa” para estes processos6. Segundo o autor, até
1950 não havia nenhuma tendência em gerir a logística, cujas atividades
chaves eram fragmentadas, ou seja, o transporte era encontrado
freqüentemente sob a gerência da produção; os estoques ficavam por conta
do marketing, produção ou finanças e o processamento de pedidos era
controlado por finanças ou vendas, resultando em conflito de “objetivos e
responsabilidades” para as atividades logísticas.
Ballou (1993) destaca ainda, que o grande vulto das atividades
logísticas militares da Segunda Guerra Mundial influenciou muito na
formulação de muitos conceitos logísticos empresariais no período. Por
volta de 1945, algumas empresas já haviam posto transporte e
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
armazenagem de produtos acabados sob um único gerente. As indústrias
alimentícias foram pioneiras neste aspecto.
Já no período de 1950 a 1970, segundo Ballou (1993), além das
condições econômicas e tecnológicas do período, quatro “condiçõeschave” foram identificadas: alterações nos padrões e atitudes da demanda
dos consumidores, pressão pela redução de custos nas indústrias, avanços
na tecnologia da informação e influências da logística militar.
Tomando o caso dos Estados Unidos, alterações nos padrões e
atitudes da demanda dos consumidores se deram em função do
crescimento e de uma maior concentração populacional nos grandes
centros urbanos. Segundo Ballou (1993, p.30)
Houve migração das áreas rurais com direção aos
centros urbanos já estabelecidos. Isto em si poderia
reduzir a distribuição pelo incremento de volumes
movimentados para uma menor quantidade de
centros de demanda. Ao mesmo tempo, populações
começaram a migrar do centro das cidades para os
subúrbios circundantes. Varejistas seguiram a
população para os subúrbios com ponto de vendas
adicionais. Servir com entregas uma maior área
metropolitana e manter maiores estoques totais
requeridos pelas filiais adicionais incrementaram o
custo da distribuição.
Além destes fatores, uma maior variedade de produtos passou a ser
ofertada. “Os produtos proliferaram de poucos milhares de itens para
12000 nos grandes supermercados. Automóveis eram oferecidos em
diversas cores, motores e tamanhos”.
Variedade constitui maiores custos para o controle de estoques. “Se
um produto é substituído por três para atender a mesma demanda, o nível
de estoque para todos os produtos pode aumentar até 60%”.
Segundo o autor (1993, p.30):
Os padrões de distribuição em si começavam a
mudar. Onde antes o varejista tipicamente carregava
estoques substanciais – por exemplo, num bem
estocado depósito (sic) nos fundos de uma mercearia
– ele passou a manutenção do estoque para seu
fornecedor ou para centrais de distribuição mais
especializadas e, portanto, passou a demandar
entregas mais freqüentes para ressuprimento. Isto
aumentou a importância da distribuição, pois
Sobre a competitividade e seu discurso ver Petrella (1996) que apresenta uma discussão
mais aprofundada sobre o assunto.
6 Nesse sentido, entende-se, assim como Kobayashi (2000, p.17), a logística como sendo
uma técnica e ao mesmo tempo uma ciência.
5
117
118
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
maiores níveis de inventário deviam ser
administrados e, ao mesmo tempo, maior
disponibilidade de estoque e entregas mais velozes
deviam ser providenciadas.
Nos Estados Unidos, por volta dos anos 1950, havia um ambiente
econômico interessante para o fomento da logística. Segundo o autor
(1993, p.31), houve um crescimento econômico substancial após a Segunda
Guerra Mundial, seguido de recessão, que “tipicamente” forçam os
capitalistas a procurar maneiras de melhorar a produtividade.
Esta afirmação do autor é problemática, pois, é por demais
reconhecido que o ano em que é marcada a entrada de uma forte recessão
no capitalismo é 1973 (data simbólica). Dos anos 1950 aos anos recessivos
da década de 1970 se foram pelo menos 20 anos, sendo que os anos 1960
foram os “anos dourados” do capitalismo. O autor se equivoca também, ao
dizer que a recessão força os capitalistas a procurar maneiras de melhorar a
produtividade, quando na realidade, muito pelo contrário, a recessão pode
prejudicar a produtividade e o nível de inovação técnica e tecnológica.
Uma hipótese razoável para o fomento da logística apreendemos em
Rezende (1997, p.239), que afirma que o crescimento tecnológico que a
Segunda Guerra Mundial incitou e a reorganização que sustentou, ligado à
diminuição da eficácia do capital fixo, levou a um grande aumento da
produção industrial que foi mais elevada que a capacidade global de
consumo, o que requereu o estabelecimento de “sistemas de planejamento
meticuloso e a longo prazo, e à emergência de novas técnicas de marketing
e publicidade, a fim de aumentar a elasticidade da curva do consumo, com
a predominância do setor de bens e serviços sobre a atividade econômica
como um todo”. Assim, vemos que a diversificação de atividades e o
abrupto crescimento do setor terciário, muito favoreceram o
desenvolvimento da logística.
Na análise do “capitalismo tardio”, Mandel (1982, p.182) elabora a
tese de que a atividade científica somente é força produtiva se for
incorporada à produção material. “No modo de produção capitalista isso
significa: se fluir para a atividade de produção de mercadorias”. Assim, o
autor analisa as relações entre educação, ciência e desenvolvimento
tecnológico que ocorreu de forma acelerada entre os anos 1940 e início dos
anos 1970, quando houve o desenvolvimento da microeletrônica, da
informática e das tecnologias da informação de uma forma geral. O veloz
crescimento de P&D gerou uma ampliação da demanda por força de
trabalho intelectual altamente qualificada. A partir deste fato, é que o autor
119
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
utiliza o termo “explosão da universidade”. A universidade vem
acompanhada por uma grande oferta de candidatos à força de trabalho
intelectualmente capacitada.
O padrão distintivo desse crescimento do trabalho
intelectual científico – obtido a partir do crescimento
cumulativo do conhecimento científico, da pesquisa
e do desenvolvimento e determinado em última
análise pela inovação tecnológica acelerada – é a
reunificação em larga medida das atividades
intelectual e produtiva e o ingresso do trabalho
intelectual na esfera da produção. Uma vez que esse
reintrodução do trabalho intelectual no processo de
produção, corresponde às necessidades imediatas da
tecnologia do capitalismo tardio, a educação dos
trabalhadores intelectuais deve, analogamente,
subordinar-se de maneira estrita a essas necessidades.
(...). A tarefa primordial da universidade não é mais a
produção de homens “educados”, de discernimento
e de qualificações – ideal que correspondia às
necessidades do capitalismo de livre concorrência –
mas da produção e circulação de mercadorias.
(MANDEL, 1982, p.183)
Já com relação à pressão por redução de custos nas indústrias,
Ballou (1993, p.31) diz que os setores de produção já haviam sido bastante
investigados e que estas atividades já encontravam limites à produtividade.
A administração podia olhar para a logística como “a última fronteira para
redução de custos nas empresas americanas”.
Como incentivo adicional, começou-se a reconhecer
que os custos logísticos eram substanciais. Em
meados dos anos 50 [anos 1950], poucas firmas
tinham uma idéia clara de quanto eram seus custos
logísticos. Quando analistas iniciaram suas pesquisas,
os níveis de custo mostraram-se surpreendentes.
Se for considerada a economia como um todo (nos Estados
Unidos), os custos logísticos podem ser estimados como 15% do produto
nacional bruto. Se for retirado o valor do setor de serviços do PNB, estes
seriam cerca de 23% do PNB entre produtos tangíveis. Destes custos, o
transporte totaliza aproximadamente dois terços e o controle e
manutenção de estoques toma o terço restante. Foi estimado por volta de
120
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
1973 que cerca de 19% da riqueza nacional estava investida em atividades
logísticas.
Com relação às empresas avalia que os custos logísticos variam de
empresa para empresa. Assim, os custos logísticos para as seguintes
indústrias são: petróleo, 43%; químicos, 39%; produção de alimentos e
varejo em geral, 36%; papel, 30%; madeira, 26%; automóveis e materiais de
construção, 20%; metalúrgica, 18%; utensílios, 17%; farmacêutica, 16%;
máquinas, 12%; borracha, 11%; equipamentos elétricos e têxteis, 10%;
vestuário, móveis e fumo, 8% e todas indústrias, 22,5%.
Nota-se que os custos logísticos são substanciais, entretanto, como
vimos enfocando, este reconhecimento começou a elevar-se durante as
décadas de 1950 e 1960. Segundo Magee (1977, p.16):
Em meados da década de 60, os administradores
perceberam que a produção não é a única medida de
progresso econômico, nem o único ingrediente
necessário. É necessário que existam os sistemas e as
instituições para levar o produto – tanto o agrícola
como o industrial – às pessoas. Reconhece-se hoje
que o sistema de distribuição, inclusive distribuição
física, é um elemento básico para o desenvolvimento
econômico.
O período posterior a 1970, Ballou (1993, p.34) chama de “os anos
de crescimento” e afirma que a logística adentra essa década em estágio de
“semimaturidade”.
Os princípios básicos estavam estabelecidos e
algumas firmas estavam começando a colher os
benefícios do seu uso. Retrospectivamente, a
aceitação do campo transcorria vagarosamente, pois
as empresas pareciam estar mais preocupadas com a
geração de lucros do que com o controle de custos.
Expansão de mercado muitas vezes mascara
ineficiências tanto na produção quanto na
distribuição. Entretanto, forças de mudança se
acumulavam pouco antes desta década. A
competição mundial nos bens manufaturados
começou a crescer, ao mesmo tempo que falta
matérias-primas de boa qualidade passou a ocorrer.
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
estagflação, controle de custos, produtividade e controle de qualidade
passaram a ser cada vez mais interessantes, contudo, as funções logísticas
foram mais afetadas do que as outras áreas das empresas.
Os preços do petróleo afetaram diretamente os
custos de transporte, ao mesmo tempo que a inflação
e forças competitivas impulsionaram os custos de
capital para cima e, portanto, os custos de
manutenção de estoques. Com custos de
combustíveis crescendo de 2 a 4% acima do custo de
vida e juros preferenciais variando entre 10 e 20%,
os assuntos logísticos tornaram-se relevantes para a
alta administração.
O autor afirma que desde então, os princípios e conceitos
formulados durante anos de desenvolvimento passaram a ser utilizados
amplamente até hoje.
3. Em busca do conceito de logística: da administração para a
Geografia.
Uma busca conceitual da logística não é usual na Geografia, desta
forma, estabeleceremos uma proposta a partir das obras de autores ligados
a outras áreas do conhecimento.
Na obra intitulada “Logística Empresarial. Transportes, administração de
materiais e distribuição física”, Ballou (1993, p.15) nos fornece pistas para o
entendimento da logística, que para ele trata da “administração dos fluxos
de bens e serviços”. Na mesma linha de raciocínio, Magee (1977, p.1)
define logística industrial como sendo “a arte de administrar o fluxo de
materiais e produtos, da fonte ao usuário”.
Isto é muito significativo para o entendimento de que os fluxos não
são apenas produzidos ou “criados” como estabeleceu Milton Santos
(1996), mas também são controlados. Feita a consideração inicial,
passemos às definições.
Segundo Ballou (1993, p.24) a logística:
Trata de todas as atividades de movimentação e
armazenagem, que facilitam o fluxo de produtos
desde o ponto de aquisição da matéria-prima até o
ponto de consumo final, assim como dos fluxos de
informação que colocam os produtos em
movimento, com o propósito de providenciar níveis
Ballou (1993, p.35) cita o choque do petróleo em 1973 como um
evento fundamental, um teste para a logística. Assim, com o período de
121
122
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
de serviço adequados aos clientes a um custo
razoável.
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
responsabilidade na organização”. Diante disso, o autor procurou
distinguir os termos:
Segundo o Council of Logistics Management (citado por Kobayashi
2000, p.18):
1.
É o processo de planejar, implementar e controlar
eficientemente, ao custo correto, o fluxo e
armazenagem de matérias-primas e estoque durante a
produção e produtos acabados, e as informações
relativas a estas atividades, desde o ponto de origem
até o ponto de consumo, visando atender aos
requisitos do cliente.
2.
Para Christopher (citado por Kobayashi 2000, p.18):
É o processo com o qual se dirige de maneira
estratégica a transferência e a armazenagem de
materiais, componentes e produtos acabados,
começando dos fornecedores, passando através das
empresas, até chegar aos consumidores.
3.
Já Uelze (1974, p.X) afirma que:
4.
Logística empresarial, ou distribuição física, é o
termo empregado para descrever o largo espectro de
atividades relativas à movimentação eficiente de
produtos acabados do final da linha de montagem de
produção ao consumidor e, em alguns casos, inclui a
movimentação da fonte de suprimentos de matériaprima até a linha de produção.
Nota-se nas três primeiras definições uma idéia essencial, ou seja, a
idéia de movimentação de matérias-primas até o lugar da produção e a de
produtos acabados até os consumidores. A diferença fica por conta da
conceituação de Uelze (1974), onde comparece também o termo
distribuição física, ou seja, para o referido autor, logística e distribuição
física são sinônimos.
Magee (1977, p.1) traz uma contribuição sobre a discussão do
conceito de sistema logístico. Para o autor, as atividades relacionadas à
logística são freqüentemente designadas de outros modos, tais como
distribuição, distribuição física e administração de materiais, assim sendo,
“às vezes, estes termos são usados para definir uma posição ou
123
5.
Distribuição. Refere-se à combinação de atividades e
instituições ligadas à propaganda, venda e
transferência física de produtos ou serviços. Diz
respeito, portanto, a assuntos mais amplos do que
apenas a logística.
Logística. Como já foi mencionado, refere-se à arte
de administrar o fluxo de materiais e produtos, da
fonte ao usuário. O sistema logístico inclui o fluxo
total de materiais, desde a aquisição da matériaprima até a entrega dos produtos acabados aos
usuários finais, apesar de, tradicionalmente, as
empresas isoladas controlarem, diretamente,
somente uma parte do sistema total de distribuição
física de seu produto.
Distribuição física. Refere-se à parte de um sistema
logístico que diz respeito à movimentação externa
dos produtos, do vendedor ao cliente ou
consumidor.
Suprimento físico. Refere-se à parte de um sistema
logístico no tocante à movimentação interna de
materiais ou produtos, das fontes ao comprador.
Planejamento e controle da produção. Diz respeito aos
fluxos de materiais, desde o recebimento da matéria,
passando pelas etapas de fabricação e
processamento, até o estoque de produtos acabados.
Assim sendo, o autor atribui à logística, um conceito mais amplo
que o de distribuição física (não sendo sinônimos como quer Uelze), mas
não tão abrangente quanto o conceito de distribuição. Entretanto, o autor
esclarece que o seu objetivo, ao fazer as distinções, não é o de tornar a
logística tão ampla que possa tudo conter, mas enfatiza que se faz
necessário diferenciar os conceitos, pois se dá muita atenção aos sistemas
de distribuição física.
Quando se pensa em distribuição física, é
importante, senão vital, compreender os objetivos e
interesses de suprimento dos consumidores, uma vez
que o sistema de distribuição física de um é o sistema
de suprimento do outro.
124
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
Segundo Magee (1977, p.3) “normalmente associa-se transporte com
logística e, às vezes, o transporte é erroneamente equiparado ao processo
total de distribuição física”. 7
No sentido de esclarecer melhor a atmosfera logística, Magee (1977)
continua e descreve os componentes que formam o sistema logístico que
são:
 Estoque de produtos – os estoques são elementos reguladores
entre as atividades de transporte, fabricação e processamento;
 Aquisição e controle da matéria-prima;
 Meios de transporte e de entrega local – o transporte inclui
além do transporte da fábrica ao armazém e de armazém a
armazém, o transporte do armazém ao consumidor;
 Capacidade de produção e conversão – Os componentes de
produção do sistema logístico devem ter capacidade, “não só
de produzir os requisitos médios, mas também de enfrentar as
flutuações da procura total e as variações da procura entre os
produtos”;
 Armazéns;
 Comunicações e controle;
 Recursos humanos
Nota-se na apresentação da discussão conceitual sobre a logística, a
presença do vocábulo “movimentação”. Entendemos que este termo tem
importância fundamental para uma leitura geográfica da logística. A
movimentação vai compreender os processos de produção do espaço,
produção de escalas e T-D-R (territorialização, desterritorialização e
reterritorialização).
Entendemos, portanto, a logística como sendo um dos elementos
fundamentais responsáveis pela circulação de mercadorias e se define
como sendo um conjunto de técnicas e tecnologias utilizadas com a
finalidade de proporcionar fluidez a partir da aceleração da circulação,
obtida com a realização de operações mais velozes e racionais.
Em ampla escala temporal, entendemos que a logística é a
organização técnica do capital baseado em infra-estrutura fixa de
transportes (como rodovias, ferrovias e hidrovias), meios de transportes
(como por exemplo, trens e caminhões) e nas tecnologias da informação e
7
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
comunicações, tendo como objetivo proporcionar a otimização dos
processos produtivos. Na base desses processos, está a redução dos custos
sempre com aumento da fluidez.
A partir da Revolução Industrial, a separação física entre os lugares
de produção e de consumo final se tornou realidade, fazendo com que
capitalistas passassem a exigir dos governos uma logística eficiente,
integrada em sua organização e se necessário, articulada
internacionalmente, necessitando inclusive de diplomacia.
3.1. Analisando o exemplo das transportadoras de cargas fracionadas
atuantes no Estado de São Paulo: Fluxos e escalas de atuação – do
empírico ao teórico.
A logística carrega consigo uma manifestação territorial que se dá
pelo controle e uso do território. Constatamos a situação através de uma
investigação sobre o transporte, sua atividade mais fundamental.
Realizamos uma pesquisa tendo como foco as empresas de transporte
rodoviário de cargas fracionadas em três cidades médias do interior
paulista: Bauru, São José do Rio Preto e Presidente Prudente.
A organização dessas empresas se dá pelo uso estratégico do
território, diferentemente do que geralmente se pensa sobre o transporte
rodoviário de cargas. A imagem é de um caminhão carregado de
mercadorias em determinada origem que segue diretamente para o seu
destino final sem outras intermediações, todavia, a existência de uma
transportadora de cargas fracionadas depende, necessariamente, da
existência de pelo menos dois terminais de cargas. Através da instalação de
terminais de cargas (seja franquia, filial ou representante), as
transportadoras podem promover a distribuição física fracionada e
pulverizada. Esta relação faz com que haja a formação de redes com
grande complexidade.
Os fluxos criados são resultados diretos da relação existente entre
transportadoras e seus clientes (embarcadores) e resultados indiretos da
relação entre embarcadores e seus clientes (comércio, indústrias e
prestadores de serviços). De forma mais ampla, os fluxos são resultados da
relação existente entre produtores e consumidores, sempre mediatizado
pelas transportadoras.
Tendo os fluxos como elementos importantes para explicar
determinada situação (SANTOS, 1996), neste caso, os fluxos de
mercadorias que circulam e o papel direto exercido pelo transporte
Kobayashi (2000) e Ballou (1993) também mencionam este equívoco.
125
126
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
rodoviário de cargas nas economias locais, entendemos, que se faz
necessário primeiro, uma apresentação pontual dos fluxos criados pelas
transportadoras para em seguida prosseguir no esforço de ensaiar uma
generalização.
Além do espaço nos veículos e da mudança de lugar (fluxos), as
transportadoras também oferecem como serviço a ser vendido, as escalas
de atuação, mantendo como base, uma lógica de coleta/entrega (de
mercadorias) – transferência (de mercadorias) – coleta/entrega (de
mercadorias).
Deste esquema, decorre o mais freqüente tipo de fluxo, que
denominamos de pendular. O nível de atuação escalar de uma
transportadora que funciona somente dessa maneira, não passa de uma
área com raio aproximado de 100 km.
As outras escalas de atuação identificadas foram a escala estadual e a
escala interestadual. Nessas escalas, atuam principalmente as empresas
padrão, semi-padronizadas e grandes não-padronizadas, existindo a
necessidade de se manter um ponto de transbordo. A lógica de
funcionamento dessas duas escalas é a mesma. O transbordo concentra as
mercadorias procedentes de diversas regiões e estados para serem
direcionadas para outras regiões e estados em fluxo permanente.
Este ponto pode ser mais bem explorado a partir de exemplos
extraídos da realidade, discorrendo topicamente, sobre a especificidade de
rotas selecionadas das transportadoras estudadas.
A Viação Motta e a Empresa de Transporte Andorinha, ambas
transportadoras prudentinas possuem transbordo em Presidente Prudente.
Suas rotas mais importantes tem ligação com o Mato Grosso do Sul, Norte
do Paraná, São Paulo capital e interior. As empresas também têm
importante ligação com Rio de Janeiro, Minas Gerais, restante do CentroOeste e com Rondônia.
A Braspress, empresa paulistana, vem apresentando um forte
crescimento. Em 2000, a transportadora atuava em três Estados (São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro); em 2001 passou a atuar também na
região Sul, Centro-Oeste e no Espírito Santo (concorrendo com grandes
transportadoras do Sul, como a Translovato, a Tegon Valenti e a Mercúrio,
além da Expresso Araçatuba no Centro-Oeste); em 2002 passou a atuar
também no Nordeste (concorrendo com a Itapemirim e a Rapidão
Cometa); e finalmente em 2003 passa a operar no Norte (concorrendo
com a Expresso Araçatuba). Hoje, a BTI (Brasil Transporte Intermodal /
Braspress é o nome fantasia) é a única transportadora que atua em todo
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
território brasileiro sem a necessidade de complemento de operações com
outras transportadoras. Diante desta situação, clientes podem embarcar
mercadorias para qualquer lugar do Brasil com a mesma transportadora,
sem necessariamente ter que apelar para outra.
Vemos que um grande problema da transportadora Braspress é
possuir dois transbordos na cidade de São Paulo, sendo que um recebe e
distribui mercadorias para o Estado de São Paulo e outro que recebe e
distribui mercadorias para todo o Brasil. Grande parte das grandes
transportadoras vem deslocando esta etapa para o interior a fim de fugirem
da deseconomia de aglomeração e se situarem no centro do Estado.
Quando questionados sobre este problema logístico, os gerentes da
transportadora em Presidente Prudente e Bauru afirmaram que existe um
projeto para se implantar o transbordo em Bauru, todavia, existe também
uma contenda entre o presidente da empresa e demais executivos sobre
qual é realmente a melhor opção logística. 8
A empresa possui, no Estado de São Paulo, terminais de cargas em
Bauru, Birigui, Campinas, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santos, São
José do Rio Preto e São José dos Campos (todas filiais). Desta forma, seus
fluxos convergem para São Paulo e se espalham pelas filiais.
A Mercúrio, empresa gaúcha, possui diversos terminais de cargas em
cidades médias do interior paulista, que são terminais de redistribuição de
mercadorias para as respectivas regiões. No caso da transportadora em
questão, os terminais de cargas no Estado de São Paulo se localizam nas
seguintes cidades: Presidente Prudente, Birigui, Marília, São Carlos, Franca
(franquias), São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Campinas, Sorocaba,
Santos, São José dos Campos (filiais), São Paulo e Bauru (chamadas pela
empresa de filiais pólos, que na realidade são transbordos – Bauru para o
Estado de São Paulo e a Capital para Minas Gerais, Rio de Janeiro e
Espírito Santo). A referida empresa tem forte inserção na região Sul do
Brasil, o que lhe confere tradição e confiabilidade das empresas sulistas.
Note o leitor, a diferença entre duas grandes transportadoras na
escala interestadual, a Mercúrio, que mantém a etapa de transbordo em
Bauru e a Braspress, cujo transbordo se localiza em São Paulo.
No caso da Braspress, uma mercadoria que parte de Presidente
Prudente com destino a São José do Rio Preto tem que passar antes por
São Paulo e, no caso da Mercúrio, tendo em vista o mesmo trajeto, a
mercadoria passa antes por Bauru. A diferença é muito grande em termos
8
127
A capital paulista ainda é a cidade mais utilizada para a etapa de transbordamento.
128
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
de redução no tempo de distribuição das mercadorias para os clientes e
redução de custos fixos e variáveis para a transportadora.
Outra diferença constatada é que a Expresso Mercúrio, para
transportar mercadorias para a maior parte da região Norte (Acre,
Amazonas, Rondônia e Roraima) e para a região Centro-Oeste, existe a
necessidade de complemento de operações9 com a transportadora
Expresso Araçatuba, e, para transportar para a região Nordeste, mais Pará
e Amapá, a empresa conta com o complemento da transportadora Rapidão
Cometa. Além da cobertura do país, a Mercúrio possui filiais no Chile,
Argentina, Uruguai e complemento de operações com a UPS para fora do
continente através de transporte aéreo.10
A Expresso Araçatuba, até a atuação da Braspress, era a única
transportadora do Sul e Sudeste a atuar na região Norte e Centro-Oeste
sem acordos operacionais. A Expresso Araçatuba também foi responsável,
além da abertura de rotas para o Centro-Oeste e Norte do Brasil, pela
abertura de rotas de transporte de cargas para o Pacífico com ligação aos
portos do Norte do Chile e Sul do Peru, a partir de cidades como Campo
Grande, Cuiabá, Porto Velho e Rio Branco, por volta de 1995. Esta rota
serve para facilitar as exportações brasileiras para o Oriente reduzindo em
40% o valor do frete.
Isto se devia a uma estratégia de mercado baseado numa logística
eficiente, já que os custos são altos. A transportadora coleta nas regiões Sul
e Sudeste e entrega no Norte e Centro-Oeste. A empresa transporta
mercadorias a partir de 357 cidades localizadas nos principais pólos
industriais do Brasil, com destino a outras 877 cidades. Segundo
funcionários administrativos da Expresso Araçatuba11, os custos da
transportadora aumentam em função de não haver carga de retorno na
maioria das expedições.
Diante da mostra de fluxos, temos então, níveis escalares que se dão
em rede, ou seja, cada ponto (transportadora) é um nó de rede de onde
irradia e para onde convergem fluxos.
Os fluxos revelam uma intencionalidade baseada nas ações
consonantes de ambos agentes, tanto o transportador quanto o
embarcador. Como a logística trata da administração de fluxos, ocorre uma
Esses complementos de operações são realizados através de acordos operacionais.
A empresa estadunidense UPS (United Parcel Service Inc.) é a maior empresa do mundo
em transporte expresso e entrega de pacotes. Diariamente, gerencia o fluxo de bens, fundos
e informações em mais de 200 países.
11 Em entrevista realizada em 2004.
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
série de relações entre agentes para sua materialização no território
constituído por diversas redes. Os setores que elaboram a logística
necessariamente devem atuar em rede, denotando um atributo do Poder
como explicita Raffestin (1993, p.200-220).
Apesar de tratar essa questão mais para o sentido político, o referido
autor elabora uma definição importante que se relaciona a este trabalho:
A rede é por definição móvel, no quadro espaçotemporal. Ela depende dos atores que geram e
controlam os pontos da rede, ou melhor, da posição
relativa que cada um deles ocupa em relação aos
fluxos que circulam ou que são comunicados na
rede ou nas redes. (RAFFESTIN, 1993, p.207).
O Poder pode ser entendido aqui, como uma busca de
competitividade, rentabilidade e lucro por parte das empresas de transporte
rodoviário de cargas.
A qualificação dada aos fluxos de mercadorias através da observação
da atuação dos agentes envolvidos em sua criação, modifica
substancialmente o olhar sobre o território. As transportadoras ‘costuram’
o território produzindo escalas. A produção de escalas marca o
entendimento das diferenças e desigualdades nos usos das redes técnicas,
das tecnologias, enfim, do território. Essas escalas têm mais a ver com a
gestão do tempo do que propriamente com o domínio territorial.
No setor, o fator velocidade (redução do tempo de circulação das
mercadorias e conseqüentemente do capital, para os embarcadores e para
as próprias transportadoras) é o mais importante, já que, os embarcadores
exigem isto das transportadoras, que, em contrapartida, buscam formas de
se adaptarem a esta exigência. É a exigência por fluidez no mundo
contemporâneo de que fala Milton Santos (1996).
Esta preocupação maior com a velocidade faz da escala uma relação
baseada na competitividade e nos fluxos. Nesse sentido, é melhor falarmos
em escala de atuação a área de atuação, devido ao fator de descontinuidade
do território12.
Santos (1996, p.118), ao tratar das escalas, se refere à “área de
ocorrência”, entretanto, esta “área”, que preferíamos denominar de área de
atuação, dá um sentido de continuidade territorial, de espraiamento da
9
10
129
12
Sobre a descontinuidade ver com maior profundidade em Sposito (1996) e Raffestin
(1993)
130
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 113-133
atividade produtiva, de comércio ou de um serviço. Quando se trata de
fluxos, fica praticamente impossível mensurar a área de atuação.
São os fluxos das transportadoras que diferenciam escalas, que por
sinal são fluidas, além de descontínuas.
Ao falar da “área de ocorrência” Santos (1996, p.121) faz menção à
sua extensão, por isso é que esta tal área tem a ver com escala do
fenômeno, que por sua vez, surge da confluência da “escala das forças
operantes” e sua “área de ocorrência”. Diante disto, o autor afirma que:
A palavra escala deveria ser reservada a essa área de
ocorrência e é nesse sentido que se pode dizer que a
escala é um dado temporal e não propriamente
espacial: ou, ainda melhor, que a escala varia com o
tempo, já que a área de ocorrência é dada pela
extensão dos eventos. (em itálico grifo do autor e em
negrito grifos nossos)
Nesse sentido é que dissemos a pouco que as escalas das
transportadoras têm mais relação com o tempo do que propriamente com
a contigüidade territorial. Já Santos (1996, p.119-122) considera o tempo
como extensão de um evento, e este, como fluxos a partir da escala de sua
origem.
4. Considerações finais
Com esta pesquisa pode se verificado o nível de articulação de
escalas proporcionado pelo transporte de cargas fracionadas no Brasil, e,
em especial, em Presidente Prudente, São José do Rio Preto e Bauru.
A mobilidade geográfica do capital pode ser comprovada pela
capacidade de transporte de mercadorias para os diversos pontos do
território, proporcionada por diversas empresas de transporte rodoviário
de cargas que concorrem entre si em um mercado extremamente
competitivo nas escalas locais e concentrado na escala nacional, demarcado
por grandes diferenças de níveis logísticos entre transportadoras.
Para a maioria das transportadoras, a logística é apenas uma palavra
da moda, pois não têm conhecimento de quais são os reais elementos que a
caracterizam. Já para as grandes transportadoras brasileiras e para os reais
operadores logísticos, a logística é parte intrínseca da competitividade,
elemento ideológico sempre presente.
A mobilização em torno da otimização da circulação geográfica das
mercadorias, que se traduz na logística industrial e científica, reforça o
131
Roberto França da Silva Júnior – Logística: em busca de uma conceituação...
argumento de Marx (em os “Grundrisse” e em “O Capital vol. II”),
quando se referia à “indústria de transporte”. Para o pensador, o transporte
de mercadorias faz parte do processo de produção.
A redução dos custos e dos tempos, juntamente às melhorias na
regularidade e confiabilidade dos serviços de transporte, segundo Harvey
(1990, p.380) citando Marx, se deve, ao “desenvolvimento das forças de
produção pelo capital”. Nesse aspecto, vimos que existem diversas formas
de gestão do trabalho e de movimentação de mercadorias (logística
empregada e uso das TIC) por parte das empresas.
Harvey (1990, p.380) também afirma que:
A continuidade na circulação do capital só se pode
assegurar por meio da criação de um sistema de
transporte eficiente e espacialmente integrado,
organizado ao redor de alguma hierarquia de centros
urbanos (como está representado na teoria dos
lugares centrais de Lösch e Christaller). (Tradução
livre)
Isto pode ser bem observado através do papel exercido pelas
cidades pesquisadas, que polarizam as cidades do entorno. São como
entroncamentos. Assim, as transportadoras utilizam esse sítio para definir
sua logística, suas estratégias, suas rotas e sua gestão.
Para finalizar, esperamos, com este artigo, contribuir para a
discussão de uma temática ainda pouco estudada pelos geógrafos e
esperamos contribuir também, para o desenvolvimento econômico e social
do Brasil, através do estudo da logística, buscando através da Geografia,
definir parâmetros de análise e conceituações.
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133
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
CIDADES MÉDIAS E PEQUENAS: UMA LEITURA
GEOGRÁFICA
Alexandre Bergamin VIEIRA
Cláudia Marques ROMA
Vitor Koiti MIYAZAKI
Programa de Pós-graduação em Geografia
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP
Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT Campus de Pres. Prudente
Resumo:
Diante das transformações em curso no cenário urbano brasileiro, torna-se
relevante compreender as diferentes dinâmicas que se processam na cidade
e no urbano. Este texto busca abordar alguns pontos a respeito das cidades
médias e pequenas, situando-as no contexto da rede urbana em
transformação. É neste contexto que se destacam as mutações nas relações
hierárquicas das cidades na rede urbana, bem como as novas morfologias
urbanas decorrentes de processos como a aglomeração urbana.
Palavras-chave: Cidade média, Pequena cidade, Rede urbana,
Aglomeração urbana.
MIDDLE-SIZED CITIES AND SMALL CITIES: A
GEOGRAPHIC READING
Abstract:
In front of the transformations that are happening in the Brazilian urban
scenery, become relevant to understand the different dynamics that are
processing in the city and in the urban. This text looks for to approach
some points about the middle-sized and small cities, in the context of the
urban network in transformation. It’s in this context that stands out the
mutations in the hierarchical relationships from cities in the urban
network, and also the new urban morphologies resultants of processes as
the urban agglomeration.
Key words: middle-sized, small city, urban network, urban agglomeration.
INTRODUÇÃO:
Compreender os processos e dinâmicas das cidades médias e
pequenas na atualidade constitui-se em tarefa fundamental, uma vez que
permite analisar a configuração socioespacial destes espaços na perspectiva
do processo de urbanização excludente e do acirramento das desigualdades
sociais e espaciais.
Neste sentido, o presente artigo pretende contribuir nos debates e
pesquisas sobre o tema, apresentando as características das cidades médias
e pequenas no Brasil, enfocando principalmente alguns casos do Estado de
São Paulo, bem como os diferentes processos que estão presentes no
contexto interurbano, ou seja, na rede urbana.
Assim, na primeira parte abordaremos o tema cidades médias, a
partir da discussão dos critérios e variáveis que devem ser consideradas na
classificação destes centros urbanos. Esta preocupação quanto à
classificação é retomada na segunda parte deste artigo, mas agora
enfocando o caso das pequenas cidades brasileiras. Em seguida,
apresentamos uma breve análise das recentes transformações da rede
urbana, focalizando o processo de aglomeração que passa a se manifestar
também nas cidades de porte médio e pequeno. Por fim, são realizados
alguns apontamentos sobre a configuração atual das cidades brasileiras,
destacando os desafios que surgem frente à uma realidade cada vez mais
complexa.
1. SOBRE CIDADES MÉDIAS
Entendemos que a definição do que é uma cidade média é
bastante polêmico e controverso, sendo que grande parte das discussões
teóricas sobre o tema emerge na geografia a partir da década de 1970. A
seguir, remetemo-nos ao debate a respeito dos critérios mais relevantes
para identificar as cidades médias.
O primeiro e mais utilizado dos critérios é o demográfico, com
parâmetros bastante objetivos, mas que é capaz de identificar apenas o
grupo ou faixa em que pode enquadrar as cidades médias. Neste contexto,
vale ressaltar que não há uma correspondência direta entre o tamanho
demográfico de uma cidade e seu papel na rede. Porém, as cidades que
apresentam uma demografia igual ou superior à 100 mil habitantes, como
observado na tabela 1, geralmente assim são classificadas.
Ainda considerando a variável demográfica, existem diferentes
classificações do que vem a ser uma cidade média. Algumas pesquisas
consideram o intervalo entre 100 e 500 mil habitantes, outros entre 50 e
136
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
250 mil, enfim, verifica-se a utilização de diferentes intervalos. Nota-se
assim que este critério define muito mais o porte das cidades.
Tabela 1 – População e taxa de urbanização de algumas cidades
médias do interior paulista
Município
Taxa de Urbanização (%)
População
São José do Rio Preto
94,08
358.523
Marília
96,14
197.342
Presidente Prudente
97,91
189.186
Araçatuba
97,16
169.254
Bauru
98,22
316.064
Fonte: IPEA – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.
Um segundo critério que podemos destacar seria a relevância
regional destas cidades. Neste caso, analisa-se a forma como as cidades
interagem e se inter-relacionam com as outras ao seu redor, com suas
semelhantes e com as metrópoles. Dessa forma, neste critério é
fundamental a compreensão da rede urbana. As cidades médias seriam
aquelas que estariam num nível em que o oferecimento de serviços, sua
produção, sua capacidade de oferecer empregos, etc influenciam o
direcionamento dos fluxos que deixam de se dirigir para as metrópoles,
estabelecendo-se como centros intermediários.
É importante considerar também a dinâmica da produção do
espaço intra-urbano. Pelo que as pesquisas revelam, as cidades médias
constituem-se em localidades potenciais de absorção de empreendimentos,
principalmente indústrias e de serviços de novas tecnologias, pois
apresentam algum tipo de economia de aglomeração de potenciais. Numa
economia em transformação, a partir da disseminação da organização
flexível do trabalho, sua capacidade de absorção de investimentos também
é relevante. Assim sendo, as cidades médias seriam aqueles centros
urbanos de porte médio e distantes das áreas metropolitanas, mas com
capacidade atrativa dos investidores em relação às cidades ao seu redor; o
que reafirmaria seu destaque regional.
Aceitando-se esse raciocínio, a distância de grandes centros
urbanos poderia ser uma das determinantes de maior ou menor
importância de uma cidade. Conforme argumenta Sposito (2001), tanto
maiores poderão ser os papéis urbanos de uma cidade, quanto mais
distante estiver de outras que, pertencentes a níveis superiores da
hierarquia urbana, possam oferecer mais bens e serviços à sociedade.
137
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
Além dessas características as cidades médias tal como analisado
em Andrade e Serra (2001) caracterizam-se por uma renda per capita média
superior às médias das cidades brasileiras, bem como outros índices sociais.
Assim, ao analisarmos o Atlas do Desenvolvimento Humano no
Brasil, alguns municípios considerados como cidades médias possuem
percentuais médios superiores e melhores que os apresentados pela
realidade brasileira em geral.
Todos os municípios apresentam IDH-M (Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal) superior ao índice sintético de 0,8,
enquanto o índice atingido pela média nacional é de 0,766, mostrando que
uma das características das cidades médias do interior paulista são
melhores condições de vida quando comparados às médias brasileiras,
como observamos na tabela 2.
Tabela 2 - Índice de Desenvolvimento Humano, 2000
LongePosição
vidade Estado de SP/Brasil
São J. do Rio Preto 0,834
0,916
0,814
0,772
25/95
Marília
0,821
0,908
0,782
0,773
58/212
Presidente Prudente 0,846
0,924
0,804
0,81
14/43
Araçatuba
0,848
0,909
0,811
0,825
12/38
Bauru
0,825
0,908
0,81
0,758
47/175
Brasil
0,766
0,849
0,723
0,727
Fonte: IPEA – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil
Município
IDHm Educação Renda
No entanto, apesar dessas características econômicas e sociais, as
cidades médias, como reflexo do próprio país, apresentam uma
distribuição de renda desigual, gerando, dessa forma, enormes problemas
sociais, refletidos na configuração do espaço urbano.
2. SOBRE PEQUENAS CIDADES
Podemos classificar as pequenas cidades brasileiras, tanto
quantitativamente como qualitativamente. O IBGE (Instituto brasileiro de
Geografia e Estatística) classifica cidades pequenas como sendo
aglomerados urbanos com contingente populacional de até 50 mil
habitantes. Nesta perspectiva, 5.037 dos municípios têm um contingente
populacional de até cinqüenta mil habitantes, representando 36,78% da
população total do país.
Como podemos observar na tabela 1, os municípios pequenos no
138
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
Brasil representam, estatisticamente, uma parcela considerável da
população brasileira. No entanto, continuam sendo deixados de lado pelos
pesquisadores.
Tabela 3 - Número de municípios por porte populacional e população
residente1, 2000
Município por porte
Total de
População residente
Populacional
Municípios
Total
Brasil
5.561
169.799.170
Até 5.000
1.382
4.617.749
De 5001 até 10.000
1.308
9.346.280
De 10.001 até 20.000
1.384
19.654.828
De 20.001 até 50.000
963
28.831.791
De 50.001 até 100.000
299
20.786.695
De 100.001 até 500.000
194
39.754.874
Mais de 500.000
31
46.806.953
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000.
Elaboração: Adaptado de Rafael Faleiros de Pádua.
Além da escassez de pesquisas envolvendo os processos que
ocorrem nas pequenas cidades, temos a dificuldade de caracterizar o que
seria uma cidade pequena do ponto de vista qualitativo e não apenas
considerando-as quantitativamente.
Nesta perspectiva, Santos (1978 e 1981) propõe uma classificação
das cidades pequenas, levando em consideração as dinâmicas que ocorrem
em seus espaços e não o número de habitantes que estas possuem.
Santos (1978, p.75) realiza um esforço de classificação das cidades,
apontando o que poderíamos considerar como uma cidade regional,
"pequena" ou local. Segundo o autor, cidades regionais seriam aquelas
“possuidoras de uma função de relação, desempenhando um papel
regional”, e aquelas em que uma boa parte do comércio de alimentos é
oriunda da própria região, enquanto outra parte dos alimentos pode ser
importada, e, ainda, são aquelas cidades onde se encontra um comércio
tradicional, entre outras características.
Como exemplo desta delimitação de Santos, podemos citar as
cidades de Dracena, Adamantina e Osvaldo Cruz, localizadas na 10ª Região
1
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
Administrativa do Estado de São Paulo. Estas cidades desempenham um
papel de atração, em relação às cidades menores de seus entorno, e grande
parte do comércio de alimentos são oriundos de suas regiões. No entanto,
mesmo desempenhando relações comerciais com suas proximidades,
dependem de serviços mais especializados oferecidos em cidades maiores
como Presidente Prudente, Araçatuba e Marilia.
Santos (1981) classifica como cidade local, ou seja, “pequena
cidade” o aglomerado urbano que atende as necessidades básicas de sua
população, ainda que esta recorra ou receba de outras cidades mão-deobra, serviços e equipamentos mais especializados. Como, por exemplo, a
cidade de Mariápolis, localizada na 10ª Região Administrativa do Estado de
São Paulo, que oferece equipamentos e serviços básicos como escolas,
posto de saúde para primeiros socorros, um incipiente comércio, dentre
outros, mas que necessita recorrer a cidade de Adamantina para usufruir de
serviços mais especializados.
Mesmo tomando as definições realizadas por Santos, verifica-se
uma lacuna quanto à classificação de cidade pequena, pois cidades como
Dracena, Adamantina e Osvaldo Cruz podem ser consideradas cidades
regionais, segundo determinados parâmetros, e apresentarem
características típicas de cidades locais.
Vale ressaltar que as pesquisas realizadas nas cidades pequenas são
pouco expressivas para a realidade brasileira. Os pesquisadores no
momento estão muito mais voltados para as grandes metrópoles e cidades
médias, nas quais, os problemas são mais intensos, só que nas pequenas
cidades, ocorrem as mesmas dinâmicas, ainda que em menor escala.
3. PROCESSOS E DINÂMICAS PARA ENTENDER
PEQUENAS E MÉDIAS CIDADES BRASILEIRAS
Dentre diversos pontos que poderíamos discutir para entender as
cidades médias e pequenas, nos debruçaremos nos aspectos referentes à
configuração da rede urbana brasileira.
O estudo da rede urbana permite entender quais os papéis das
cidades médias e pequenas no contexto brasileiro. Assim, podemos
compreender as definições de cidade média, regional, local “pequena”, e
ainda refletir sobre o processo de aglomeração urbana presente na atual
configuração da rede urbana, já que dessa forma é possível apreender as
relações entre algumas cidades médias e pequenas do interior paulista.
Tabela de dados apresentada pela Professora Dra. Arlete Moysés Rodrigues na
disciplina Sociologia Urbana, 2005.
139
AS
140
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
relação direta com a demanda de sua região, e à proporção
que cada região se especializa: uma especialização regional,
que é, também, especialização da demanda ligada ao
consumo produtivo. A cidade se dobra a essa demanda,
reforma-se, reorganiza-se, refaz-se, recria-se. (SANTOS,
2005, p.137).
3.1. A rede urbana brasileira
Inúmeros trabalhos sobre a configuração das redes urbanas foram
realizados. É a partir da década de 1930, com a teoria das Localidades
Centrais do geógrafo alemão Walter Christaller (1933), influenciado
diretamente pelas idéias da Escola de Chicago (1920), que o tema das redes
urbanas surge com maior destaque. A análise de Christaller está baseada na
organização espacial da distribuição de bens e serviços (a projeção espacial
da produção), pautada numa rede hierarquizada, orientada por localidades
centrais (CORRÊA, 2001a, p.20).
A rede urbana brasileira, em muitos casos, se encaixava
perfeitamente na teoria das localidades centrais, ou seja, uma cidade local
se ligava a uma cidade regional, que por sua vez realizava interações com as
cidades médias e estas com as metrópoles. Com o fortalecimento do
processo de globalização, as redes urbanas reconfiguram-se e este processo
hierárquico passa a ser acompanhado por uma superposição e/ou
justaposição de relações. É neste contexto de mudanças das relações
existentes nas redes urbanas que podemos melhor apreender os papéis das
cidades médias e pequenas brasileiras.
Na atual fase do sistema capitalista de produção, na qual os fluxos
e as redes (re)definem os papéis dos diferentes centros urbanos, além da
escala de atuação do capital produtivo e financeiro atingirem a escala
global, compreender e analisar o impacto da globalização na redefinição
das redes urbanas é de fundamental importância. Tais aspectos são
necessários para entendermos a espacialidade e a espacialização do capital e
da sociedade, pois como aponta Corrêa (1989), é no bojo do processo de
globalização e da intensificação da urbanização que a rede urbana passou a
ser o meio através do qual produção, circulação e consumo se realizam
efetivamente.
Uma importante contribuição sobre essas mudanças é oferecida
por Santos (2005, p.137) que, já no início da década de 90, apontou
algumas tendências da urbanização brasileira para o final do século XX.
Dentre os elementos destacados naquela ocasião, o autor chamou atenção
para a tendência crescente à diferenciação e complexificação do sistema
urbano e, neste contexto, para a insuficiência dos níveis hierárquicos na
interpretação da rede urbana. Para o autor:
(...)esse tipo de classificação em níveis sucessivos deixa de
ter significação à proporção que cada cidade passa a ter uma
141
De acordo com Endlich (1998), as relações interubanas não
obedecem mais a limites rígidos e definitivos quanto à determinada área de
influência. Cada atividade instalada numa cidade pode ter uma
configuração de fluxos diferenciada.
A velha hierarquia urbana não é mais suficiente para se explicar os
fenômenos urbanos na atualidade. Para Xavier (2002, p.5), “uma
concepção hierarquizada das cidades está a dar lugar a uma organização
reticular. (...) Num mundo global, é a interacção e não a localização que se
revela importante”.
Neste sentido, na atual fase do processo de globalização,
(re)configuram-se as redes urbanas, uma vez que a Divisão Internacional e
Territorial do Trabalho é intensificada pelas novas tecnologias, políticas
públicas, revoluções logísticas (meio técnico-científico-informacional),
criação, (re)funcionalização e especialização funcional de inúmeros núcleos
urbanos. A partir desses elementos, além de verificar diferentes
configurações de redes urbanas, constatando-se, como já apontamos, uma
superposição e/ou justaposição de diferentes redes urbanas que se
complementam.
Esta superposição e/ou justaposição que se verifica na rede
urbana é reforçado quando se considera a globalização como um processo
desigual, na qual as mudanças e as transformações, tais como a introdução
de novas tecnologias e o avanço das técnicas não se dão de forma
homogênea e instantânea em todo o território. Como já destacou Santos
(2003), as cidades nos países subdesenvolvidos possuem duas áreas de
influência, uma no circuito inferior e outra no superior, resultando em
interações espaciais cada vez mais complexas. Para Corrêa (2001b), o que
se verifica no país, principalmente após a década de 60, são padrões de
rede urbana cada vez mais complexos no contexto de múltiplos circuitos.
No contexto atual, a análise de múltiplos circuitos faz-se de
extrema necessidade para que possamos entender as superposições e/ou
justaposições das redes urbanas. Corrêa (1989) frisa que se formos realizar
uma classificação das cidades, inserindo-as na classificação de circuito
superior e inferior, teríamos as grandes cidades inseridas em um circuito
142
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
superior e as pequenas cidades no circuito inferior, isto porque, as
empresas de alto padrão tecnológico, dentre outras inúmeras
características, estão localizadas nos grandes centros, enquanto nas cidades
pequenas temos, como nos aponta o autor, uma reserva de mão-de-obra
ligada principalmente à agricultura.
Mas, o próprio autor (CORRÊA, 2001) e Santos (2003) enfatizam
a existência de múltiplos circuitos, ou seja, uma cidade pequena inserida no
circuito inferior pode, ao mesmo tempo, estar ligada a núcleos do sistema
produtivo, econômico ou cultural atrelados diretamente ao circuito
superior. Por exemplo, na cidade de Mariápolis, no interior do Estado de
São Paulo, há uma reserva de mão-de-obra de trabalhadores ligados à canade-açúcar, composta por pessoas que em seus cotidianos não têm noção da
existência de redes. Mas nesta mesma cidade verifica-se a presença do
circuito produtivo da cana-de-açúcar, que está diretamente ligado ao
sistema de rede mundial. Dessa maneira, deve-se refletir cada vez mais na
questão dos múltiplos circuitos, pois as superposições e/ou justaposições
das redes estão cada vez mais complexas.
Entretanto, ainda verifica-se a presença de uma rede hierárquica
(figura 1), pautadas em aspectos como centralização política, oferecimento
de serviços médicos especializados, dentre outros. Porém, ao mesmo
tempo, esta rede hierárquica encontra-se inserida em outras mais
complexas (figura 2), com profundas diferenciações no espaço de acordo
com cada realidade, resultando em espaços luminosos e opacos (Santos,
2001).
Figura 1 - Caso ilustrativo de uma rede hierárquica
Org.: Alexandre Vieira, Cláudia Roma, Júlio Zandonadi, Vitor Miyazaki, 2005
143
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
Figura 2 - Caso ilustrativo de uma rede urbana face à globalização
Org.: Alexandre Vieira, Cláudia Roma, Júlio Zandonadi, Vitor Miyazaki, 2005
Sobre o assunto, vale destacar as contribuições de SILVEIRA
(1994), quando diz que:
A rede urbana local transforma-se sob a tensão entre
globalização e localização. Por uma parte, a globalização
inclui uma tendência à hierarquização da produção em
função das atividades mais modernas e uma outra tendência,
aquela do consumo a se difundir espacialmente. Por outra
parte, a localização significa que a cidade local oferece
oportunidades e resistências diferenciais à chegada dos
vetores da modernização. Esse jogo dialético nos permitiria
a pensar a rede urbana através dos conceitos de zonas
luminosas e opacas (SILVEIRA, 1994, p.125).
Contexto que reforça a constatação das transformações nas
relações interurbanas e suas implicações para a rede urbana que se torna
cada vez mais complexa. Neste processo de mudanças, surgem novas
lógicas de relações nos diferentes níveis escalares, desde o local, regional,
nacional e até mesmo global.
Por fim, para que possamos pensar na complexidade das relações
interurbanas, deve-se abrir um leque de implicações referente ao processo
144
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
de constituição e fortalecimento dessas redes. Neste leque podemos
encontrar processos econômicos, culturais, políticos, dentre outros, sendo
que cada um destes poderá influenciar diferentemente na configuração das
redes. Neste sentido, Rochefort (1998) aponta na configuração das redes
urbanas os papéis econômicos e políticos. O autor afirma que as redes
urbanas são determinadas ou fortalecidas pelo poder que as grandes
empresas exercem sobre a configuração do espaço, apoiadas pelas políticas
públicas que fortalecem seus interesses. Assim, os lugares centrais, os
circuitos de produção, os espaços opacos ou luminosos, segundo essa
visão, são determinados e reforçados pelo poder das grandes empresas,
fazendo com que o sistema produtivo seja o motor da constituição das
redes urbanas.
Na tabela 3 podemos observar que foram criados mais de 70
municípios no estado de São Paulo somente na década de 1990.
Tabela 3 - Municípios paulistas criados durante a década de 1990, por
tamanho
Quantidade de
Participação no total
Classe de tamanho
municípios criados
(%)
Até 5.000 habitantes
51
70
Entre 5.001 e 10.000 hab.
11
15
Entre 10.001 e 20.000 hab.
07
9,5
Entre 20.001 e 30.000 hab.
03
4,2
Entre 30.001 e 50.000 hab.
00
0
Entre 50.001 e 100.000 hab.
00
0
Entre 100.001 e 200.000 hab.
01
1,3
Total do Estado de São Paulo
73
100
Fonte de dados brutos: Fundação Seade e Secretaria do Estado de Economia e
Planejamento. Org.: SIQUEIRA, 2005
Dentre estes novos municípios, nota-se que 70% referem-se a
núcleos com até 5 mil habitantes. A partir do momento que novas cidades
são inseridas na configuração espacial das redes, os papéis dos diferentes
centros urbanos poderão ser redefinidos, pois entram em cena novos
agentes e atores, com maior ou menor poder de decisão.
145
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
3.2 - Novas configurações da rede urbana brasileira e o processo de
aglomeração urbana
A intensificação do processo de urbanização no país,
principalmente após a década de 1970, gera transformações em todo o
território tornando a realidade urbana brasileira cada vez mais complexa.
Neste contexto, Mota e Ajara (2001) destacam algumas
características resultantes deste intenso processo de urbanização, tais
como: a interiorização do fenômeno urbano, a acelerada urbanização das
áreas de fronteira econômica, o crescimento das cidades médias, a
periferização dos centros urbanos e formação/consolidação de
aglomerações urbanas de caráter metropolitano e não-metropolitano.
Dentre estes diferentes aspectos do atual cenário urbano
brasileiro, destaca-se o crescimento das cidades médias, seja nos aspectos
populacionais e econômicos quanto nos papéis desempenhados por estes
centros no contexto regional.
Atualmente, nota-se que fenômenos antes presentes apenas nas
grandes cidades e metrópoles passam a se manifestar também nos centros
urbanos de menor porte. Vale lembrar que este fato não se traduz em uma
simples reprodução das características metropolitanas nas cidades de
menor porte, uma vez que as especificidades locais tendem a reconfigurar
estes diferentes processos.
Neste contexto, as cidades médias e pequenas passaram por
profundas transformações nas últimas décadas. Braga (2005) destaca que
“o crescimento das cidades médias e a formação de aglomerados urbanos
em torno de alguns desses centros são processos fundamentais na
dinâmica urbano-regional brasileira nas últimas décadas”.
No caso do Estado de São Paulo, nota-se que as cidades de porte
médio do interior passaram por um forte acréscimo populacional nas
últimas décadas, como podemos verificar na tabela a seguir.
Tabela 4 – Evolução da população das principais cidades de porte médio
do interior do Estado de São Paulo, Brasil.
Município
População População População População
total, 1970 total, 1980 total, 1991 total, 2000
São José dos Campos 148332
287513
442370
539313
Ribeirão Preto
212879
318496
436682
504923
Sorocaba
175677
269830
379006
493468
São José do Rio Preto 122134
188601
283761
358523
146
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
Piracicaba
152505
214295
283833
329158
Jundiaí
169076
258808
289269
323397
Bauru
131936
186664
261112
316064
Franca
93638
148997
233098
287737
Limeira
90963
150558
207770
249046
Taubaté
110585
169265
206965
244165
Marília
98176
121774
161149
197342
São Carlos
85425
119542
158221
192998
Jacareí
61216
115732
163869
191291
Presidente Prudente
105707
136846
165484
189186
Americana
66316
122004
153840
182593
Araraquara
100438
128109
166731
182471
Santa Bárbara d'Oeste
31018
76621
145266
170078
Araçatuba
108512
129304
159557
169254
Rio Claro
78040
110212
138243
168218
Indaiatuba
30537
56237
100948
147050
Itu
49091
74204
107314
135366
Pindamonhangaba
48222
69562
102063
126026
Itapetininga
63606
84384
105132
125559
Bragança Paulista
63676
84048
108980
125031
Mogi Guaçu
42710
73549
107454
124228
Jaú
56301
74011
94116
112104
Atibaia
36838
57807
86336
111300
Botucatu
51954
64539
90761
108306
Catanduva
58251
72866
93317
105847
Guaratinguetá
68869
84879
102072
104219
Araras
53422
65017
87459
104196
Barretos
65574
72769
95414
103913
Fonte: Sistema Nacional de Indicadores Urbanos/Ministério das Cidades, 2002.
Um estudo sobre a rede urbana brasileira, denominado
“Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil”, classificou as
distintas formas espaciais que configuram a rede em: aglomerações urbanas
metropolitanas, aglomerações urbanas não-metropolitanas e centros
urbanos que não constituem aglomerações urbanas. No Estado de São
Paulo, este estudo detectou onze aglomerações urbanas nãometropolitanas, como mostra a figura 3.
147
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
Figura 3 – Aglomerações urbanas no Estado de São Paulo
Fonte: Braga, 2005.
A partir da figura, nota-se que há uma maior concentração destas
aglomerações no entorno da capital paulista. Este aspecto está relacionado
ao processo de desconcentração industrial do Estado de São Paulo, frente
a um “arrefecimento da concentração econômica na Grande São Paulo e
sua realocação nas regiões do entorno metropolitano” (BRAGA, 2005).
No entanto, cabe ressaltar que o processo de aglomeração urbana também
está presente em cidades médias mais distantes da metrópole paulistana,
como veremos mais adiante.
Antes de analisarmos alguns exemplos do Estado de São Paulo, é
preciso discutir sobre o que se entende por aglomeração urbana. No Brasil,
a Constituição Federal Brasileira de 1988 conferiu autonomia aos estados
brasileiros para a criação de entidades regionais para promover a gestão das
funções urbanas de interesse comum. Estas entidades são as regiões
metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas.
No Estado de São Paulo, a Constituição Estadual de 1989 prevê a
criação de aglomerações urbanas, denominando-as como “agrupamento de
municípios limítrofes que apresentem relação de integração funcional de
natureza econômico-social e urbanização contínua entre dois ou mais
municípios ou manifesta tendência nesse sentido”.
148
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
Muitos autores pesquisam e discutem o processo de aglomeração
urbana, apresentando diferentes concepções e abordagens. De acordo com
Davidovich e Lima (1975), são identificadas como aglomerações de caráter
urbano aquelas áreas que apresentam de fato problemas sociais e
econômicos comuns, reforçando a necessidade de um planejamento
adequado para a ordenação do processo de expansão urbana.
Ainda de acordo com o trabalho realizado pelas autoras, constatase uma diferenciação entre os aglomerados que contam com espaço
urbanizado contínuo e aqueles sem espaços urbanizados contínuos (na
qual a integração se realiza pela complementaridade das funções urbanas).
Outro aspecto importante a ser destacado foi apresentado por
Moura e Ultramari (1994), quando apreendem o processo de aglomeração
urbana como o espaço de comutação diária entre as cidades, no contexto
das relações de dependência entre centro-periferia. Neste mesmo sentido,
Pierre George (1983) já apontava que uma cidade e sua periferia
constituem uma aglomeração, frente à sedimentação resultante da relação
entre a expansão urbana e o reajustamento dos limites administrativos.
Essa discussão a respeito da relação centro-periferia contribui para
compreendermos os fenômenos como os movimentos pendulares, quando
a periferia constitui-se apenas em um local de concentração de mão-deobra, caracterizando o que muitos autores chamam de cidades dormitórios.
Já Souza (2003) caracteriza a aglomeração urbana como um
minissistema urbano em escala local, constituído a partir da junção de duas ou
mais cidades, seja pelos vínculos ou pela conurbação. O autor destaca
ainda que as cidades, muito frequentemente, situam-se tão próximas umas
das outras que a interação entre elas vai, à medida que crescem e se
relacionam mais e mais entre si, sofrendo uma transformação importante.
Assim, além da junção do tecido urbano, certos fluxos surgem ou se
intensificam, ligando fortemente essas cidades.
Assim, o fenômeno da aglomeração urbana não necessita
obrigatoriamente de uma contigüidade espacial do tecido urbano. Os
deslocamentos diários da população, ou até mesmo os fluxos de ligações
telefônicas e de mercadorias caracterizam a integração presente em um
aglomerado. Numa aglomeração urbana, as cidades podem estar ligadas
por uma intensa vinculação socioeconômica, como já foi apresentado por
Villaça (1998).
Após estas considerações, a aglomeração urbana pode ser
compreendida como o processo em que há uma expansão territorial de
149
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
núcleos urbanos distintos, gerando e/ou intensificando fluxos que acabam
por extrapolar os limites político-administrativos dos municípios.
Para explicitar melhor estas considerações, partiremos para a
análise de algumas aglomerações urbanas referentes às cidades médias
paulistas, a partir do estudo realizado por Sposito (2005). Como já foi
ressaltado, as cidades médias e pequenas do interior passam por
transformações importantes em suas dinâmicas, resultando em novas
morfologias urbanas.
A figura 4, elaborada a partir da leitura de imagem de satélite
QuickBird, disponibilizada pelo Google, apresenta a área urbana de São
José do Rio Preto e das cidades localizadas em seu entorno. Vale lembrar
que o estudo “Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil”
considera como aglomeração urbana apenas os municípios de São José do
Rio Preto, Mirassol e Bady Bassitt. Porém, observando a figura, nota-se
que outros municípios também já apresentam tendência à continuidade
territorial urbana, além de manter intensos vínculos por meio dos fluxos.
A aglomeração urbana de São José do Rio Preto é um exemplo de
uma configuração mononucleada, uma vez que o núcleo (no caso, São José
do Rio Preto) concentra a maior parte de população, bem como o maior
número e diversidade de comércio e serviços em geral.
Figura 4 – São José do Rio Preto e seu entorno
Fonte: Miyazaki, 2007.
150
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
Alexandre B. Vieira, Cláudia M. Roma, Vitor K. Miyazaki – Cidades médias e...
Já as figuras 5 (aglomeração urbana de Araçatuba) e 6
(aglomeração urbana de Araraquara-São Carlos) apresentam outra situação:
a polarização por apenas um centro urbano não ocorre, havendo uma certa
competição e complementaridade entre as cidades da aglomeração,
constituindo-se assim uma configuração polinucleada.
Figura 5 – Aglomeração Urbana de
Araçatuba
Fonte: Miyazaki, 2007.
Figura 6 – Aglomeração urbana de
Araraquara-São Carlos
Fonte: Miyazaki, 2007.
Além das aglomerações classificadas pelo estudo “Caracterização e
Tendências da Rede Urbana do Brasil”, ressalta-se que outros centros
urbanos do interior paulista também apresentam tendência à aglomeração,
num processo que envolve cidades médias e pequenas. Como exemplo,
podemos citar o caso de Presidente Prudente (figura 7) que além de manter
fortes vínculos com as cidades de seu entorno, já apresenta uma tendência
à continuidade territorial urbana.
As transformações que ocorrem atualmente nas cidades
brasileiras, sejam nos aspectos intra-urbanos quanto nas relações
interurbanas, tornam a realidade urbana cada vez mais complexa. No caso
das aglomerações urbanas, percebe-se que as aglomerações configuram
uma morfologia cada vez mais dispersa, frente às descontinuidades do
tecido urbano.
Fonte: Miyazaki, 2007.
Cabe ressaltar que o processo de aglomeração não se limita
somente aos aspectos espaciais, no sentido da contigüidade do tecido
urbano, pois a intensidade dos fluxos e a vinculação socioeconômica entre
as cidades também devem ser consideradas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto da intensificação do processo de urbanização e
globalização, principalmente após a década de 1970, nota-se que as cidades
médias e pequenas passam a desempenhar um papel cada vez mais
relevante na configuração e estruturação da rede urbana brasileira.
Figura 7 – Presidente Prudente e seu entorno
151
152
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 133-155
Em muitas cidades médias, verifica-se um crescimento
demográfico superior aos das metrópoles, absorvendo populações atraídas
pelas melhores condições de vida, bem como o aumento do PIB, pela
atração de novos investimentos e serviços. Por outro lado, vale lembrar
que esse crescimento se dá no contexto de uma urbanização desigual e
excludente.
As pequenas cidades também passam por mudanças significativas.
Estes núcleos urbanos sofrem transformações frente às dinâmicas
relacionadas à expansão agrícola e desconcentração industrial, sendo que,
em alguns casos, superam a velha hierarquia urbana da rede, estabelecendo
relações no contexto nacional e até mesmo internacional.
E neste contexto de transformações a configuração espacial destes
centros urbanos se altera, frente à processos como a aglomeração que
torna a realidade urbana ainda mais complexa, lançando novos desafios
para as pesquisas e políticas públicas de planejamento urbano.
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155
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: PODER E
CONFLITO NO PROJETO DE EXPANSÃO DO
AEROPORTO DE VIRACOPOS EM CAMPINAS, SP.
Eliseu Savério SPOSITO1
Thiago Aparecido TRINDADE2
Resumo: O objetivo central deste artigo é analisar os conflitos de poder
em torno do projeto de expansão do Aeroporto Internacional de
Viracopos em Campinas, Estado de São Paulo. A partir da discussão sobre
a globalização e o uso do território, buscamos mostrar como as disputas
entre os diferentes atores envolvidos no projeto de expansão se relacionam
com a dinâmica de produção do espaço urbano e com a apropriação do
território pelos diferentes grupos sociais.
Palavras-chave: Território; Espaço Urbano; Movimento Social; Poder
Público; Aeroporto de Viracopos.
PRODUCTION OF THE URBAN SPACE: POWER AND
CONFLICT IN THE EXPANSION PROJECT OF THE
VIRACOPOS AIRPORT IN CAMPINAS, SP.
Introdução
Os conflitos entre as diferentes instâncias do poder público em suas
três esferas de poder (federal, estadual e minicipal), e entre elas e os
moradores residentes nos arredores do Aeroporto de Viracopos, no
município de Campinas, motivaram um estudo que resultou na elaboração
deste texto. Seu principal objetivo é demonstrar que o fator que motivou
os conflitos sociais que serão analisados, foi o projeto de ampliação do
aeroporto3. A ampliação foi planejada para ocupar uma área contígua
àquela onde já está toda a infra-estrutura aeroportuária. Na área prevista
para ser desapropriada vivem, atualmente, mais de 16 mil pessoas de
acordo com os números do poder municipal e, de acordo com lideranças
dos moradores, o número ultrapassa 40 mil pessoas que habitam, em
conjunto, de 17 loteamentos.
A referida área, considerada a mais pobre do município, caracterizase pela ocupação rarefeita, de baixo padrão habitacional e população de
baixa renda, além de uma carência significativa de infra-estrutura de
serviços como saneamento básico e energia elétrica, além de estar a
aproximadamente 14 quilômetros do centro de Campinas.
Abstract: The prime goal of this article is to analyze the power conflicts
round the expansion project of the Viracopos International Airport in
Campinas, São Paulo State. Starting from of discussion about globalization
and the use of the territory, we seek to show how the disputes between the
different actors engaged in the expansion project related with the dynamic
of the production of urban space and the appropriation of the territory by
different social groups.
Key-words: Territory; Urban Space; Social Movement; Public Power;
Viracopos Airport.
Professor Titular do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e
Tecnologia/UNESP, Campus de Presidente Prudente. Pesquisador CNPq [email protected]
2 Geógrafo pelo Curso de Geografia da Faculdade Ciências e Tecnologia/UNESP, Campus
de Presidente Prudente. Mestrando em Ciência Política pelo IFCH/UNICAMP [email protected]
1
O tema torna-se mais atualizado por causa da crise que vem vivendo o setor aeroviário
brasileiro, que motivou o governo federal cogitar em ampliar o aeroporto com
investimentos federais a partir de 2008.
3
158
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
Figura 1 – Área urbanizada de Campinas e situação do Aeroporto de
Viracopos
1. Globalização e uso do território: partindo da proposta de expansão
do Aeroporto de Viracopos
As discussões referentes ao projeto de ampliação do Aeroporto de
Viracopos tiveram início em meados da década de 1970. Em 1979, o
governo do Estado de São Paulo emitiu o primeiro decreto de
159
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
desapropriação, que tornava de utilidade pública uma área de oito milhões
de metros quadrados próxima do aeroporto, visando à construção de uma
segunda pista de pouso e decolagem.
O início das conversações sobre a expansão e a emissão do decreto
ocorre no mesmo contexto histórico em que o processo de
desconcentração industrial no Estado de São Paulo começa a ganhar
evidência. Para evitar os prejuízos causados pelas deseconomias de
aglomeração na metrópole e que, certamente, se agravariam com o tempo,
a produção industrial migrou em direção a algumas áreas do interior do
estado, caracterizando-se por ser um movimento seletivo; isto é, a
desconcentração industrial não atingiu o interior paulista em sua totalidade,
mas apenas as áreas mais dinâmicas que já eram dotadas de infra-estrutura.
O projeto de expansão do aeroporto está atrelado, nesse momento,
à mesma lógica do processo de desconcentração industrial: como os
aeroportos de Congonhas e Cumbica, os dois principais do estado, já
demonstravam sinais de saturação, o principal objetivo do referido projeto
é fazer com que ele absorva parte do movimento operacional aeroviário.
Esse processo de redefinição territorial nas diversas escalas (local,
regional e até mesmo nacional), está diretamente relacionado com a
dinâmica do processo conhecido como globalização. Santos e Silveira
(2001) afirmam que, com o advento da globalização, o “(...) o território
ganha novos conteúdos e impõe novos comportamentos, graças às
enormes possibilidades da produção e, sobretudo, da circulação dos
insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias, das informações e dos
homens” (p. 52-53). Assim, abrem-se novas possibilidades de uso do
território para as grandes corporações, que são os atores hegemônicos do
mundo atual.
Para esses dois autores, “(...) o uso do território pode ser definido
pela implantação de infra-estrutura, (...) mas também pelo dinamismo da
economia e da sociedade” (p. 21). Santos (1993) já esboçava essa idéia
quando analisava a produção do espaço necessário à reprodução dos
grandes capitais no meio urbano, na fase do capital monopolista. O autor
afirmava que, para que isso ocorra, “(...) é preciso dotar as cidades de infraestruturas custosas, indispensáveis ao processo produtivo e à circulação
interna dos agentes e dos produtos” (p. 102).
Dessa forma, pode-se afirmar que somente a partir de determinadas
condições materiais o capital se reproduzirá em larga escala. No que se
refere à ampliação de Viracopos, a construção de uma segunda pista de
pousos e decolagens torna-se de suma importância para que as empresas,
160
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
voltadas para o mercado externo, continuem a se utilizar das vantagens
competitivas proporcionadas pelo aeroporto, principalmente no que se
refere à velocidade da circulação de mercadorias, já que este é um dos
principais fatores que definem sua capacidade de concorrer com as outras,
no mercado global. Sobre a articulação da economia nacional com o
mercado externo, Santos e Silveira afirmam que
O peso do mercado externo na vida econômica do país acaba por
orientar uma boa parcela dos recursos coletivos para a criação de
infra-estruturas, serviços e formas de organização do trabalho
voltadas para o comércio exterior, uma atividade ritmada pelo
imperativo da competitividade e localizada nos pontos mais aptos
para desenvolver essas funções (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.
21-22).
O município de Campinas e, mais especificamente, o Aeroporto de
Viracopos, pode ser considerado território apto para desenvolver as
funções a que os autores se referem. Quanto maior a importância de uma
cidade no âmbito nacional, mais propícia ela está para receber os impactos
decorrentes das reorganizações na sua configuração territorial; portanto, os
impactos da globalização são mais visíveis nas grandes cidades, justamente
pela importância que elas têm no conjunto de relações que orienta o
sistema econômico e político de um país.
As obras de ampliação que estão previstas no plano diretor de
Viracopos têm, como objetivo em longo prazo, atender a uma demanda de
55 milhões de passageiros e um total de 470 mil operações de pouso e
decolagem por ano. A Infraero4 pretende atingir essa meta a partir da
construção da segunda pista5. Isto quer dizer que os investimentos serão
feitos com a intenção de ampliar a capacidade operacional do aeroporto
tanto no que tange ao transporte civil como ao comercial.
A Infraero pretende equilibrar os índices do transporte aéreo no
Estado de São Paulo, desconcentrando o tráfego dos Aeroportos de
Congonhas (localizado dentro da área urbana da cidade de São Paulo) e de
Cumbica (localizado no município de Guarulhos, na Grande São Paulo),
ampliando a capacidade de operação de Viracopos.
A Infraero Aeroportos Brasileiros é uma empresa ligada ao Ministério da Defesa e gere
inúmeros aeroportos no Brasil.
5 Informações disponíveis em www.infraero.gov.br.
4
161
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
Segundo dados disponíveis no site da Infraero, Viracopos realizou,
em 2004, 24.584 operações de pouso e decolagem. O Aeroporto de
Cumbica, por sua vez, efetivou 149.497 operações, enquanto que o
Aeroporto de Congonhas realizou 217.782 operações dessa natureza. Fica
claro, portanto, que a desconcentração do movimento operacional dos
Aeroportos de Cumbica e Congonhas em direção a Viracopos está prevista
como um processo que, mesmo lento e gradual, é necessário para as
dinâmicas territoriais do capitalismo no Brasil.
2. A resistência dos moradores ao projeto de remoção
Nos últimos anos, mais especificamente a partir de 2001, o projeto
de ampliação do Aeroporto de Viracopos enfrentou grande resistência da
população residente no seu entorno. Os conflitos entre moradores e poder
público atingiram seu ponto mais alto exatamente quando, no início de
2001, os moradores ameaçaram fechar a rodovia Santos Dumont (SP 75),
caso eles continuassem a ser ignorados pelas autoridades nas discussões
referentes à ampliação do aeroporto.
Os moradores chegaram a realizar manifestações em algumas
ocasiões com a finalidade de pressionar o poder público, a fim de que ele
atendesse às suas principais reivindicações. Essas manifestações, como a
passeata realizada no dia 9 de julho de 2001 pela Rodovia CampinasVinhedo, tensionaram o debate sobre a expansão, mostrando que os
moradores dos bairros a serem desapropriados estavam dispostos a
participar do processo de negociação e fazer valer os seus interesses.
As reivindicações dos moradores eram bastante claras e específicas,
resumindo-se em dois pontos: em primeiro lugar, eles queriam permanecer
no local onde estavam, ou seja, não aceitavam ser removidos para a
expansão do aeroporto e, em segundo, reivindicavam que o poder público
investisse em infra-estrutura e equipamentos coletivos nos bairros onde
residiam. Durante quase 30 anos os governos municipais não investiram
em melhorias naqueles bairros em função do decreto de desapropriação, o
que fez com que toda aquela área ficasse praticamente abandonada por
muito tempo.
O fato é que as reivindicações dos moradores estão diretamente
relacionadas a uma problemática mais ampla: as precárias condições
habitacionais dos pobres nos centros urbanos. Como se sabe, a produção
capitalista do espaço urbano na cidade dá-se de maneira desigual e
162
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
contraditória, refletindo a desigualdade existente entre as diferentes classes
que compõem a sociedade.
A mobilização dos moradores dos bairros que estavam previstos
para serem desapropriados em função da expansão de Viracopos dá
exemplo concreto de uma forma de organização das populações mais
pobres em lutar pela produção de uma cidade menos desigual. A
população, organizada em associações de bairros, constitui o que podemos
chamar de ativismo de bairro. De acordo com Souza, (2000, p. 140), o “(...)
ativismo de bairro é o ativismo social urbano por excelência”. Souza (1988)
destaca que o ativismo de bairro surge como uma forma de enfrentar
problemas
“(...) com imediata expressão espacial: insuficiência dos
equipamentos de consumo coletivo, problemas habitacionais,
segregação socioespacial, intervenções urbanísticas autoritárias,
centralização da gestão territorial, massificação do bairro e
deterioração da qualidade de vida urbana” (SOUZA, 1988, p. 42).
Um ponto que merece destaque é justamente o conjunto de fatores
principais que levou os moradores a se manifestarem contrários à sua saída
da área. Dois fatores principais explicam a mobilização motivada pelo
desejo de permanência na área: em primeiro lugar, a falta de confiança no
poder público e, em segundo, o apego que têm em relação ao espaço
vivido e, portanto, ao seu local de moradia.
Com relação ao primeiro ponto, a desconfiança em relação ao poder
público explica-se pelo projeto elaborado e imposto “de cima para baixo”.
Há três décadas os diferentes governos municipais vinham alegando que
não podiam investir na área em decorrência do decreto desapropriatório,
embora a população sempre tenha reivindicado melhorias na infraestrutura
dos bairros.
De maneira repentina, apresenta-se um projeto de remoção da
população em direção a um complexo habitacional proposto, planejado e
dotado de toda a infraestrutura básica. No entanto, esse projeto de
remoção nunca foi algo concreto porque a falta de informação concisa e
coerente era o principal fator que fazia com que os moradores se sentissem
desconfiados em relação às propostas do poder público.
Outro fator ainda mais complexo era o desejo de permanência dos
moradores na área por causa do apego que eles têm para com o lugar
(espaço de vivência). Para os agentes interessados nas obras de ampliação
de Viracopos, a remoção dos bairros representava apenas mais uma etapa
163
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
no cronograma das obras. Mas, para a população local, aquele lugar
possuía um significado diferente, pois era ali que a maioria dos moradores
tinha passado o maior tempo de suas vidas, estabelecendo laços familiares
e de vizinhança. Sobre as relações emocionais que os indivíduos
desenvolvem com o lugar de vivência, Leite se referencia em dois
importantes autores para explicá-las:
Como afirma Relph (1979), os lugares só adquirem
identidade e significado através da intenção humana e da relação
existente entre aquelas intenções e os atributos objetivos do lugar,
ou seja, o cenário físico e as atividades ali desenvolvidas (...) Tuan
(1975) afirma ainda que há uma estreita relação entre experiência e
tempo, na medida em que o senso de lugar raramente é adquirido
pelo simples ato de passarmos por ele. Para tanto seria necessário
um longo tempo de contato com o mesmo, onde então houvesse
um profundo envolvimento (LEITE, 1998, p. 10).
Percebe-se, portanto, que a afetividade com o lugar resulta de um
processo de convivência e construção do cotidiano, ou seja, não é uma
relação que se estabelece automaticamente.
Por fim, cabe destacar uma questão que se mostrou de grande
importância: o motivo pelo qual a resistência dos moradores se mostrou
muito mais forte e aguerrida no Jardim Campo Belo I e II. As duas
associações de bairro (tanto a do Campo Belo I quanto a do Campo Belo
II) sempre foram muito atuantes e seus representantes fizeram um
trabalho forte junto à população procurando, justamente, organizar e
mobilizar a população contra a desapropriação da área. O papel das
lideranças é muito importante na organização de uma população para que
ela se mobilize politicamente a faça suas reivindicações, mesmo que
antagonizando com o poder público. No caso em pauta, isso ficou
comprovado, uma vez que os representantes dos Jardins Campo Belo I e
II sempre estiveram na “linha de frente” da mobilização.
3. A expansão de Viracopos e os conflitos entre as esferas de poder
O projeto de ampliação do Aeroporto de Viracopos envolve
responsabilidades das três esferas de poder, ou seja, dos governos federal,
estadual e municipal. Nos últimos anos, ficou evidente uma disputa
envolvendo essas três esferas. Em determinados momentos, os conflitos
entre as pessoas envolvidas assumiram uma dimensão muito maior na
164
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
ampliação de Viracopos do que os conflitos entre moradores interessados
na não desapropriação e o poder público.
Notou-se, ao longo do tempo6, como as alianças e as divergências
entre as três esferas se refaziam e se desfaziam ou se reorganizavam depois
dos processos eleitorais, redesenhando o quadro de poder formatado
anteriormente. Em um primeiro momento, a Infraero e o governo do
estado atuavam de maneira conjunta e coordenada, estabelecendo-se um
conflito entre essas duas esferas e a Prefeitura Municipal de Campinas.
Posteriormente, com as eleições presidenciais de 2002, a Infraero passa a
ser uma aliada da prefeitura, sendo que essas duas instâncias passam a
submeter o governo do estado a um isolamento cada vez maior nas
discussões concernentes ao aeroporto.
Antes de explicar de maneira mais detalhada como se deram os
conflitos entre as distintas esferas de poder, convém fazer uma breve
reflexão sobre o papel do Estado na sociedade capitalista. Primeiramente, é
necessário lembrar que ela é fracionada em classes sociais, caracterizandose basicamente pela desigualdade, uma vez que uma minoria detém os meio
de produção e a maioria se vê obrigada a vender sua força de trabalho,
simplesmente para sobreviver. Outra característica importante dessa
sociedade é o conflito entre as diferentes classes, uma vez que os interesses
das mesmas são, na grande maioria dos casos, divergentes.
Em última instância, a função do aparelho de Estado é garantir as
condições de reprodução do sistema, beneficiando a classe dominante. O
Estado é, na realidade, o resultado de uma correlação das forças que
compõem a sociedade em um determinado momento histórico. Souza
(2001), analisando o papel desempenhado pelo Estado na formulação de
políticas de planejamento urbano, observa que:
O Estado não é ‘neutro’ e nem pode sê-lo. O Estado é,
antes, uma ‘condensação de uma relação de forças entre classes e
frações de classe’, para usar uma sugestiva expressão de Nicos
POULANTZAS (1985:147). O Estado tende a reproduzir, como
vetor resultante em termos de ações, intervenções conformes aos
interesses dos grupos e classes dominantes, que dispõem de mais
recursos e maior capacidade de influência (SOUZA, 2001, p. 326).
De acordo com Vieira (2000, p. 24), “as políticas do Estado
reproduzem dinamicamente uma determinada correlação de forças entre as
6
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
diversas classes e frações de classe”. Como o Estado tende a reproduzir a
correlação de forças da sociedade, teoricamente ele vai beneficiar as classes
que dispõem de mais recursos e capacidade de influência.
Entretanto, isso não significa que, por meio da ação do Estado,
outros setores da sociedade não possam ser beneficiados. O aparelho
estatal não pode, e nem deve, ser entendido como um agente homogêneo,
livre de relações conflituosas e contraditórias. Justamente por não ser
imune a tais relações, deve-se ter em mente que o Estado é passível de
sofrer influência de setores mais desfavorecidos da sociedade,
redirecionando sua atuação para outro sentido em conjunturas específicas.
Ainda que do ponto de vista estrutural sua função seja a manutenção do
status quo, é possível que, conjunturalmente, a ação do Estado leve em
conta determinados interesses das classes subordinadas.
O caso da expansão do Aeroporto de Viracopos é um exemplo
ilustrativo da complexa teia de relações que envolve o aparelho de Estado
em suas diferentes esferas de poder. O ano de 2001 foi marcado por várias
divergências entre as diversas instâncias políticas, pois houve tensão entre a
prefeitura, na época comandada pelo petista Antônio da Costa Santos
(Toninho do PT), a Infraero e o governo estadual. A disputa foi motivada
porque era necessário decidir como seriam divididas as responsabilidades
de cada parte no processo de ampliação do aeroporto e como seria
realizada a remoção das famílias.
A administração petista posterior à de Toninho do PT não quis
enfrentar o desgaste político que poderia resultar da expansão do
aeroporto, sobretudo porque os moradores da área não aceitavam ser
removidos e resistiram a essa possibilidade. No entanto, em julho de 2002,
foi firmado um acordo entre as três partes para viabilizar a expansão de
Viracopos. Segundo o convênio, a Infraero ficava encarregada de realizar
um censo socioeconômico e imobiliário da área para traçar um perfil da
população residente e elaborar um plano de remoção; o governo do estado
ficou encarregado de construir novas unidades habitacionais para os
moradores por meio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional
Urbano (CDHU); a prefeitura, por sua vez, se responsabilizou por definir
uma nova área para as unidades habitacionais após a remoção dos
moradores.
Com as eleições presidenciais de 2002, que levou o Partido dos
Trabalhadores à presidência da república, o relacionamento da Infraero
com a prefeitura de Campinas na questão de Viracopos mudou
significativamente. Em 2003 e 2004, período em que o PT ainda
As observações empíricas foram realizadas de 2001 a 2006.
165
166
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
permaneceu na Prefeitura de Campinas, não houve nenhum
desentendimento importante entre a estatal e o governo municipal. Esse
período foi marcado por uma série de entraves de natureza burocrática no
processo da expansão, especialmente no que se refere à remoção das
famílias.
Com as eleições municipais de 2004, o pedetista Hélio Santos
assume a prefeitura de Campinas e logo no início do seu mandato dá sinais
de que está preocupado em resolver o impasse em torno da ampliação do
aeroporto. A partir do momento em que ele assumiu a prefeitura, as
relações entre as esferas municipal e federal se estreitaram rapidamente.
Isso ocorre porque o prefeito de Campinas estava mais alinhado
politicamente com o presidente Lula do que alguns segmentos do próprio
PT de Campinas.
Com a vitória de Hélio Santos, as discussões sobre a expansão de
Viracopos ganharam novo fôlego. Em janeiro de 2005, logo no início do
mandato, o prefeito havia pedido ao presidente da Infraero para que ele
fizesse pressão junto ao governo estadual para que fosse realizada a
emissão das licenças ambientais para a expansão do aeroporto. O foco da
divergência em torno da questão de Viracopos havia mudado: ao invés da
remoção das famílias, passou a ser a emissão das licenças ambientais que
dependiam da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
Entretanto, o debate sobre a desapropriação voltou à tona no dia 30
de janeiro de 2006, quando o prefeito, surpreendendo a todos, fez um
anúncio oficial dizendo que a remoção das famílias residentes na área para
a expansão de Viracopos estava descartada, já que as obras seriam
redirecionadas para o lado oposto dos bairros que anteriormente estavam
previstos para serem removidos. Além disso, o prefeito anunciou um
pacote de investimentos nos bairros em parceria com o governo federal de
aproximadamente 100 milhões de reais.
Dois dias após o anúncio do prefeito, o Jornal Correio Popular
informou que o governo estadual não tinha conhecimento dessa mudança
nos planos de expansão, e havia sido excluído de todo o processo de
discussão da ampliação do aeroporto. A assessoria de imprensa da
Secretaria de Transportes do Município de Campinas informou, por meio
de uma nota oficial, que não houve convite da prefeitura para que o
governo estadual participasse dos anúncios da mudança nos planos de
ampliação do aeroporto. O discurso do presidente Lula, na cerimônia de
lançamento do edital do aeroporto-indústria, que ocorreu em Viracopos no
dia 7 de abril de 2006, confirmou que houve uma articulação nos
167
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
bastidores entre a esfera municipal e a esfera federal visando uma mudança
nos planos de expansão:
(...) “o Hélio (Santos), assim que ganhou as eleições (municipais), foi
a Brasília e reivindicou muitas coisas, entre elas o Hospital Ouro
Verde e outra era em relação à população próxima de Viracopos”.
“Eu disse para o companheiro Hélio: eu vou conversar com a
Infraero e você pode dizer para o povo de Campinas, que se for
preciso fazer um aeroporto redondo, a gente faz. Mas a gente não
tira o povo do bairro onde está”, relatou o presidente (Correio
Popular, 07/04/06).
Essa articulação silenciosa entre o prefeito de Campinas e o
presidente da Infraero revela, claramente, a natureza conflituosa do
Estado. Os dois dirigentes formularam um novo plano de expansão do
aeroporto que atendia às reivindicações históricas dos moradores que
estavam ameaçados de desapropriação, isolando dessa discussão o governo
estadual, forte adversário político das duas outras instâncias. O mais
importante é observar que, neste caso específico, a ação do Estado acabou
beneficiando diretamente uma camada da população que pertence às
classes dominadas, que geralmente vêem seus interesses relegados ao
segundo plano pelo Estado em benefício das classes dominantes.
Contudo, é necessário lembrar que a atuação do Estado não se fará
apenas em um único sentido, beneficiando sempre esse ou aquele grupo
específico. Entendemos que, acima de tudo, o Estado deve ser visto como
um espaço de conflito, um espaço de disputa entre os diferentes atores e
grupos de interesses que compõem a sociedade. Por isso, o Estado pode se
constituir no resultado de um pacto social conflituoso que contém
tendências contraditórias que se manifestam quando é preciso tomar
decisões que revelem o confronto entre atores, grupos, classes, entidades
ou movimentos. O Estado, entendido nesses termos, seria uma arena de
conflito social, onde os diferentes grupos se confrontam para tentar fazer
valer os seus interesses:
Hofling (2001) lembra as diferentes posturas teóricas existentes no
âmbito das ciências humanas em relação à natureza do Estado:
A tradição marxista desdobra-se num amplo espectro de tendências
e mesmo teorias - aliás, coerente com seus pressupostos referentes à
construção histórica de conceitos. Enraizadas nas clássicas
formulações de Marx em relação ao Estado e às ações estatais - as
quais estariam, em última instância, voltadas para garantir a
168
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
produção e reprodução de condições favoráveis à acumulação do
capital e ao desenvolvimento do capitalismo -, outras se desdobram
na análise da complexa questão da autonomia e possibilidade de
ação do Estado capitalista frente às reivindicações e demandas dos
trabalhadores e dos setores não beneficiados pelo desenvolvimento
capitalista (HOFLING, 2001).
O caso de Viracopos é um exemplo concreto de que, em
determinados momentos, devido à correlação de forças estabelecida, a
ação do aparelho estatal pode beneficiar os setores de população
considerados excluídos do sistema capitalista. Para Souza,
Embora a lógica da ação do Estado, em uma sociedade capitalista,
tenda7 a ser a da reprodução da ordem vigente, isso não precisa ser
sempre uma verdade; aquilo que é verdade ‘no atacado’, ou
estruturalmente, não é, necessariamente, sempre verdade ‘no varejo’,
ou conjunturalmente. Contradições e conflitos, se bem explorados
podem conduzir a situações bem diferentes de um simples reforço
da dominação, perpetuamente renovado, por parte do Estado
(SOUZA, 2001, p. 29).
No entanto, para que essa discussão não fique com um caráter
superficial, é necessário questionarmos quais são os fatores que conduzem
o Estado a redirecionar sua atuação e beneficiar as camadas desfavorecidas
em conjunturas específicas.
3.1 Os motivos da mudança nos planos de expansão de Viracopos
Para explicar a mudança no plano oficial de expansão do Aeroporto
de Viracopos, anunciada pelo prefeito de Campinas, partimos de uma
hipótese: a idéia era de que a decisão do prefeito baseava-se principalmente
no momento eleitoral, visando obter benefícios para os seus aliados
políticos mais próximos, especialmente o presidente da república, nas
eleições que ocorreram em 2006.
Esse raciocínio faz sentido, uma vez que o presidente Lula, como já
foi destacado anteriormente, possuía estreitas relações políticas com o
prefeito de Campinas, e o plano de revitalização urbanística dos bairros
que estavam ameaçados de desapropriação conta com a ajuda financeira do
governo federal. Além disso, não podemos esquecer que o acordo para a
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
mudança nos planos de expansão de Viracopos foi articulado entre o
prefeito e o próprio presidente, que disputou a reeleição em 2006.
No entanto, a questão eleitoral não foi o único fator que motivou a
decisão de redirecionar as obras de ampliação do aeroporto. Havia outros
motivos não podem ser ignorados pois foi um conjunto de motivos interrealcionados que levou o prefeito de Campinas e o presidente Lula a
elaborarem uma alternativa para a expansão de Viracopos.
Em primeiro lugar, cabe destacar o adensamento populacional na
área que estava prevista para ser desapropriada. O prefeito de Campinas,
na ocasião dos anúncios referentes à mudança nos planos de expansão,
destacou que a decisão havia sido tomada com base em critérios técnicos,
uma vez que o censo realizado em 2005 por uma empresa contratada pela
Infraero havia constatado o aumento populacional e, portanto, imobiliário,
nos arredores de Viracopos: o número de imóveis residenciais e comerciais
nas imediações do aeroporto teve aumento de 16,4% entre 2001 e 20058.
O adensamento foi utilizado como principal motivo para a mudança
repentina.
Todavia, entendemos que o argumento de uma decisão pautada em
critérios estritamente técnicos foi utilizado para camuflar o pano de fundo
essencialmente político da decisão. O fato é que a decisão não foi tomada
por causa do estudo da Infraero realizado em 2005. O estudo realizado por
um consórcio contratado pela estatal foi comparado com um estudo
realizado pela COHAB9 em 2001, sob a coordenação do ex-prefeito
Toninho do PT. Nesse momento, havia 5.635 unidades residenciais e
comerciais, e em 2005 constatou-se o aumento ao longo desse período
para 6.245 imóveis.
Será que um aumento de 880 imóveis durante quatro anos
inviabilizava, de fato, a remoção? Podemos afirmar que o adensamento
populacional e imobiliário existente em 2001 já tornava difícil a remoção
da população. A questão é que o adensamento populacional e imobiliário
no entorno do aeroporto implicava em dois grandes problemas: a
dificuldade para se realizar a remoção tanto do ponto de vista técnicourbanístico como do ponto de vista político. Sobre o primeiro, basta
lembrar da dificuldade que seria construir um complexo habitacional para
um número tão grande de moradores que ultrapassa 16.000 pessoas.
Sobre o segundo ponto, que se refere à dificuldade política de se
realizar a remoção, basta lembrar a fala do presidente da Associação de
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Grifo do autor
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Correio Popular, 08/01/2006.
Companhia de Habitação Popular de Campinas.
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
Moradores do Campo Belo I: “isso é um problema que, se começasse a
mexer, podia até começar, mas não sabia como terminava, e alguém ia
pagar o preço político por um projeto mal sucedido”10. Isso exigiria um
trabalho cuidadoso e muita negociação com os moradores. A situação se
tornava ainda mais complicada porque a população estava oferecendo
resistência ao projeto de remoção, o que poderia complicar mais o
processo.
Acreditamos que os moradores não tinham força suficiente para
resistir e permanecer no local caso fosse ordenada a remoção, mas a
resistência dos mesmos poderia trazer grandes problemas para o governo
municipal, dependendo do rumo que os acontecimentos tomassem. Esse
foi o principal motivo pelo qual, a partir de um determinado momento, as
gestões anteriores nunca se emprenhavam para apressar a ampliação de
terminal: o receio de que a resistência dos moradores se tornasse um barril
de pólvora. Portanto, a própria resistência dos moradores também se
constituiu em um fator significativo para a reviravolta no caso do
aeroporto. Este é um exemplo concreto do movimento da história: a
quantidade se transforma em qualidade dependendo de sua intensidade, do
momento em que os fatos ocorrem e de acordo, também, com a densidade
dos sujeitos envolvidos na ação. Isso significa, do ponto de vista teórico,
que compreender o movimento da realidade significa compreendê-la pela
leitura do método, pois é ele que possibilita a construção teórica da leitura
e interpretação da realidade.
Há um outro elemento que merece ser ressaltado: a redução do
custo financeiro do projeto de expansão com a mudança dos planos. As
obras de expansão do aeroporto, segundo a Infraero e a prefeitura, seriam
redirecionadas para uma área rural, e com isso, o custo financeiro foi
bastante reduzido. O plano inicial (remoção dos moradores dos Jardins
Campo Belo I e II) previa um gasto de 360 milhões reais, sendo que o
plano alternativo implicaria em um custo de 90 milhões de reais. Isto
significava uma economia de 270 milhões de reais para o caixa da
companhia estatal. Ainda que isso não tenha sido o principal fator de
motivação para a mudança, ele foi, sem dúvida, relevante no contexto mais
geral do processo. A mudança no direcionamento da expansão do
aeroporto teve influência, portanto, da magnitude da renda de situação
porque as áreas rurais têm o solo com preços menores em relação aos
preços do solo urbano. A expansão do aeroporto, se se concretizar como
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Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
previsto, deverá ampliar a valorização do solo nessa área quando ela se
transformar em terra urbana.
Por último, cabe destacar uma questão que foi de extrema relevância
para a reviravolta nos planos de expansão: o próprio perfil e
posicionamento políticos dos dois grandes responsáveis pela mudança: o
prefeito de Campinas e o presidente da República. A partir da entrevista
realizada com o presidente da associação do Jardim Campo Belo I11 e de
uma cautelosa análise da conjuntura política atual, podemos afirmar que a
mudança no plano diretor de Viracopos foi fortemente influenciada pela
visão política dos dois chefes executivos e, portanto, por sua decisão
política.
A decisão de mudar os rumos da expansão foi eminentemente
política, e toda decisão política implica em escolhas que, por sua vez,
beneficiam determinado(s) grupo(s) em detrimento de outro(s). É
importante ressaltar que descartar a remoção das famílias e investir nos
bairros não é uma decisão que implique em prejuízo político; ao contrário,
a capacidade de tomar decisão é uma característica dos políticos bem
sucedidos porque ela capta os momentos do movimento da sociedade
como uma decisão que permite a representação de que ela foi tomada pela
capacidade individual do envolvido e não como movimento concreto da
sociedade. Por mais que no senso comum prevaleça a idéia de que políticos
e partidos são todos iguais, deve-se ter em mente que eles não o são, na
medida em que suas contribuições históricas, enquanto atores sociais, se
fazem a partir de relações com diferentes setores da sociedade, ora
antagonicamente, ora de maneira complementar, mas sempre em decisões
que se contradizem e complementam dialeticamente.
11 Entrevista com Justino da Silva: “É bem verdade que a postura de Hélio surpreendeu
muita gente. A população residente no entorno do aeroporto não esperava tamanho
respaldo por parte do prefeito na questão da ampliação, e isso acabou sendo uma agradável
surpresa para os moradores. Apesar de que logo que venceu as eleições em 2004, Hélio
garantiu aos moradores apoio da administração municipal na questão da expansão”. Com
relação ao presidente Lula, ele “relatou que dentro da Infraero havia resistência para a
reformulação do projeto oficial, já que este vinha desde a época do governo militar, o que
desencorajava os dirigentes da estatal a tomarem outra iniciativa”. Isso “exigiu que o
presidente interviesse diretamente na Infraero com o objetivo de minar essa resistência
interna” e ele afirmou que “não se surpreendeu com a atitude do presidente de apoiar um
projeto alternativo de ampliação para atender às reivindicações dos moradores por conta da
trajetória política do presidente”. É evidente que, para se analisar a fala de Justino da Silva
deve-se levar em conta que ele é militante do PT.
Edson Santana, em depoimento pessoal aos autores em novembro de 2005.
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Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
Isso significa reconhecer que existem diferenças entre políticos e
partidos em razão de suas distintas formações históricas. Neste caso
específico, entendemos que, ao longo de suas trajetórias políticas, tanto o
presidente Lula como o prefeito Hélio Santos construíram relações com
determinados grupos sociais que lhes conferem atributos e concepções
político-filosóficas específicas.
Como veremos no tópico seguinte, a decisão resultante do acordo
entre o presidente Lula e o prefeito de Campinas não somente beneficiou
os moradores como também prejudicou um grupo pertencente à classe
dominante, o que levou a um conflito entre o poder executivo e o poder
judiciário para se definir a direção que as obras de ampliação deveriam
tomar.
4. A ação civil e os interesses na remoção das famílias
No dia 15 de fevereiro de 2006, cerca de 15 dias depois dos
anúncios do prefeito Hélio Santos sobre as alterações na ampliação do
aeroporto e o redirecionamento das obras para uma área rural, no sentido
oposto aos bairros já consolidados, o promotor público12 de Campinas
ingressou com uma ação civil para impedir os investimentos da prefeitura
nos bairros que seriam, anteriormente, desapropriados. A ação popular
visava impedir os investimentos nos bairros até que fosse realizado o EIARIMA da nova área que seria, agora, alvo das obras de expansão de
Viracopos.
Essa ação civil, a princípio, poderia ser vista como uma reação
normal do poder judiciário à decisão do executivo, já que, de fato, é
necessária a realização do Estudo de Impacto Ambiental para obras desse
porte. Mas o fato é que, em se tratando de uma questão tão complexa
como a expansão de Viracopos, que envolve vários conflitos de interesses,
é necessário olhar os fatos com bastante cuidado e atenção.
Em março de 2006, em reunião que congregou cerca de 200
moradores dos Jardins Campo Belo I e II, as lideranças dos moradores e
os advogados contratados pela associação para prestar assessoria jurídica
12 Sr. José Roberto Albejante. O promotor público, na entrevista que nos
concedeu, afirmou que a ação foi de caráter preventivo, para evitar que a prefeitura
investisse nos bairros sem antes fazer uma análise técnica de qual projeto de expansão seria
menos agressivo para o meio ambiente. As lideranças dos moradores, entretanto, afirmaram
que o promotor sempre foi ligado ao setor imobiliário da cidade, e que a ação na verdade
tinha a intenção pura e simples de impedir os investimentos em melhorias nos bairros.
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Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
afirmaram que a ação civil era fruto de uma articulação entre o Ministério
Público e o setor imobiliário de Campinas, que estaria interessado na
remoção dos moradores esperando uma alta valorização imobiliária da área
para a realização de futuros empreendimentos.
A especulação imobiliária que vinha ocorrendo no entorno de
Viracopos já havia sido noticiada pelo Jornal Correio Popular em 2005. No
dia 20 de junho daquele ano, uma matéria desse jornal demonstrou que o
metro quadrado das terras próximas ao aeroporto que não estavam
previstas para serem desapropriadas foram valorizadas em 10% nos
últimos anos.
Os conflitos de interesses envolvendo a ocupação e o uso do solo
urbano mostram como a luta entre as diferentes classes sociais se
materializam na cidade. A partir dessa idéia, pode-se fazer uma breve
reflexão sobre o território e as disputas envolvendo os diferentes grupos
sociais pela sua apropriação. Santos et alii (2000) afirmam que
Para os atores hegemônicos, o território (...) é um recurso, garantia
da realização de seus interesses particulares. (...) Os atores
hegemonizados têm o território como um abrigo, buscando
constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo
tempo em que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência
nos lugares (p. 12-13).
Em se tratando de uma sociedade desigual, na qual existem atores
hegemônicos e dominados, certamente haverá conflitos pela apropriação
do território que colocarão diferentes territorialidades em confronto. Nesse
contexto, os espaços metropolitanos, como é o caso de Campinas,
constituem-se importante campo de análise.
O caso de Viracopos é ilustrativo pois, nele, podemos identificar as
disputas envolvendo as três esferas de governo - federal, estadual e
municipal - os moradores ameaçados de desapropriação, os empresários do
setor industrial, sobretudo aquele mais voltado para o mercado externo, e
o setor empresarial ligado ao capital imobiliário. Nesse conflito, as diversas
territorialidades se manifestam com o objetivo de se sobrepor às demais e
garantir a prevalência de seus interesses. Haesbaert (2004), analisando o
conceito de territorialidade, faz a seguinte afirmação:
(...) a territorialidade é definida por Sack como ‘a tentativa,
por um indivíduo ou grupo, de atingir/afetar, influenciar ou
controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos, pela
174
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
delimitação e afirmação do controle sobre uma área
geográfica’ (HAESBAERT, 2004, p. 87).
e especulação imobiliária em áreas rurais, envolvendo loteamentos
clandestinos voltados para a população de alta renda.
Analisando a questão de Viracopos, a definição de Sack é adequada
para este caso. Afinal, é exatamente isso que aconteceu; ou seja, diferentes
grupos tentando influenciar os acontecimentos referentes ao processo de
ampliação do aeroporto, tendo como território de ação aquela área.
Miranda (2002) analisou um tema relacionado aos conflitos de
interesses envolvidos na ampliação do aeroporto, que por sua vez, estão
ligados à produção do espaço urbano. Em trabalho cuja temática é a
incorporação de áreas rurais à cidade de Campinas, ele analisa, entre outras
questões, os conflitos de interesses envolvidos na regulação do uso do solo
pelo poder público, levando em conta a apropriação da máquina pública
por determinados grupos ligados ao setor empresarial imobiliário. Esse
autor enfatiza o papel da especulação imobiliária e da implantação de
condomínios residenciais em áreas rurais convertidas em urbanas por meio
de alterações pontuais na lei de zoneamento urbano, como resultado de
manobras do legislativo municipal, que sofre forte influência do segmento
empresarial ligado ao mercado imobiliário.
Por esse motivo, os proprietários fundiários acabam exercendo
pressão sobre o Estado, “(...) especialmente na instância municipal, visando
interferir no processo de definição das leis de uso do solo e do
zoneamento urbano” (Corrêa, 1989, p. 16). Contudo, devemos lembrar
que nem sempre as alterações na legislação são frutos de pressão dos
proprietários fundiários e empresários imobiliários sobre o poder público,
mas sim resultado de uma sutil e discreta articulação entre esses setores da
sociedade civil.
Nos arredores de Viracopos há muitas áreas rurais que certamente
seriam alvos de empreendimentos imobiliários quando a ampliação do
aeroporto estivesse concluída, com grandes possibilidades de serem
convertidas em terras urbanas. Por isso, os moradores acreditam que a
ação do Ministério Público foi resultado de uma articulação entre os
empresários do setor imobiliário e o promotor que definiu a ação exigindo
a emissão do relatório de impacto ambiental, o que é uma obrigação para
qualquer intervenção territorial. Com relação a essa possibilidade, Miranda
(2002) fornece um elemento que comprova tal articulação. Ela entrevistou
pessoas ligadas a entidades ambientalistas, empresários do setor imobiliário
e representantes do poder público questionando, sobre a expansão urbana
Com relação às pressões para expansão urbana nesta região, um dos
entrevistados Promotor do Ministério Público lembrou que em
1994/95, quando da demanda do Departamento de Meio Ambiente
da Prefeitura para que sua promotoria atuasse nos processos de
embargo e reversão de loteamentos urbanos clandestinos, (...) ele
[um representante do MP] avaliou que não tinha competência legal
para interferir, ainda que fosse em uma área de proteção ambiental
legalmente constituída. Seu entendimento era, e ainda é, de que não
havia instrumentos legais em matéria ambiental para tanto, e o caso
deveria ser tratado pela Promotoria de Habitação e Urbanismo. Sua
atuação na Promotoria do Meio Ambiente tem se restringido mais à
questão do tratamento e disposição de esgotos e lixo, procurando
fazer com que as Prefeituras da região assinem acordos se
comprometendo num prazo de 5 a 10 anos a resolver estes
problemas (MIRANDA, 2002, p. 198).
175
Pelo trecho acima, podemos deduzir que o promotor entrevistado
tem uma preocupação muito maior com a infra-estrutura urbana do que
com a expansão urbana sobre áreas rurais, ainda que essas áreas sejam de
proteção ambiental. O promotor que exigiu a emissão do EIA-RIMA para
a ampliação de Viracopos afirmou que “o esforço [que ele despendia] vem
no sentido de promover uma adequada destinação para o problema do
lixo, para os resíduos em geral produzidos no município, a questão do
tratamento dos esgotos, que foi algo que levou a um equacionamento
através de um termo de compromisso de longo prazo, cujo cumprimento
vem sendo acompanhado.”
Há, ainda, uma outra questão que merece ser ressaltada: nem
mesmo para a área onde residem os moradores havia sido elaborado o
EIA-RIMA, ou seja, durante muitos anos, não houve preocupação em
requisitar da Infraero um estudo dessa natureza. Isso significa afirmar que
em todo esse tempo a discussão do projeto de ampliação de Viracopos
girou em torno da desapropriação das famílias para a expansão do
aeroporto, e não pela exigência do EIA-RIMA.
Há um movimento, quando se trata da relação sociedade-natureza,
que precisa ser ressaltado. Quando se inicia um processo socioespacial
como a ocupação de uma área por loteamentos, como a ocupação de uma
área de proteção ambiental ou qualquer outro que seja o exemplo, não há
como estabelecer padrões de controle fora da legislação vigente ou dos
176
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-180
limites próprios da ação. Por isso, para descontentamento dos empresários
ligados ao setor imobiliário de Campinas, pelo menos aqueles que estavam
interessados na remoção das famílias, a ação do Ministério Público não
conseguiu barrar os investimentos públicos nos bairros anteriormente
ameaçados de desapropriação. O que ocorreu foi exatamente o inverso:
algumas obras já começaram a ser implantadas, principalmente aquelas
referentes à infraestrutura..
No dia 19 de maio de 2006, o jornal Correio Popular noticiava que
o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por três votos a zero,
revogou a liminar que impedia a prefeitura de investir nos bairros. Assim,
as obras para a melhoria dos bairros começaram no início de agosto de
2006, sendo que os primeiros investimentos estavam sendo feitos na
implantação da rede energia elétrica e na rede de água e esgoto.
O promotor entrevistado reconheceu que, com os investimentos
nos bairros, dificilmente aquela área seria desapropriada no futuro,
consumando, portanto, o fato que os empresários queriam evitar: a
permanência dos moradores nas proximidades de Viracopos. Depois de
anos sendo ameaçados de sofrerem um processo de desterritorialização, no
sentido que explicou Haesbaert (2004), os moradores conseguiram garantir
que suas reivindicações fossem atendidas e, dessa forma, contrariaram os
interesses do setor imobiliário que, na maioria dos casos, são diretamente
beneficiados pelo poder público. Esses setores, quando beneficiados,
contribuem para a produção de uma cidade onde impera a lógica capitalista
da produção do espaço, territorializando cada vez mais o problema da
segregação socioespacial, exemplificada pelas dificuldades de acesso à terra
urbana pelos grupos economicamente desfavorecidos.
Assim, como afirmou SOUZA (2006), “algumas vezes com o aparato
estatal local, algumas vezes a despeito do Estado, algumas vezes contra o
Estado”, a sociedade vai elaborando “estratégias alternativas visando a
organização espacial”. Por isso, os “movimentos sociais podem e devem
conceber” (...) “estratégias socioespaciais radicais e complexas” (p. 339).
5. Considerações finais
Eliseu Savério Sposito e Thiago Aparecido Trindade – Produção do espaço...
porque as obras de ampliação ainda não foram finalizadas, sendo que
novos acontecimentos podem surgir no decorrer do tempo. Um dos
acontecimentos não previstos foi o acidente com avião no Aeroporto de
Congonhas, em julho de 2007, que resultou na morte de 199 pessoas. Esse
acidente acirrou a crise aérea que se instaurara no Brasil em 2006 e trouxe à
tona, como uma das soluções, a aceleração da ampliação do Aeroporto de
Viracopos como uma alternativa para diminuir a sobrecarga de pousos e
decolagens em Congonhas por causa da localização daquele aeroporto, no
município de Campinas, a 90 quilômetros de São Paulo.
A localização (fator geográfico inquestionável), a necessidade de se
reorganizar o movimento do tráfego aéreo na metrópole (São Paulo) com a
conseqüente ampliação do Aeroporto de Viracopos e a resistência dos
moradores nos Jardins Campo Belo I e II, nas proximidades do aeroporto,
que seriam fatalmente atingidos pela desapropriação e remoção para outras
áreas, provocando sua desterritorialização, imbricam-se como elementos
que se contradizem e se complementam na dinâmica socioespacial da
produção, apropriação e uso do espaço urbano.
Por outro lado, podemos afirmar que a dimensão política do
processo de produção do espaço urbano não pode ser ignorada, pois ficou
evidente que, para se entender os conflitos que regem a lógica de produção
da cidade, devemos levar em conta interesses diversos, que se manifestam
em escalas locais e supralocais em diferentes momentos históricos, criando
condições para a emergência e atuação de atores políticos que disputam
poder entre si e que, portanto, territorializam-se em diferentes momentos e
de forma diversa.
A análise, mesmo que privilegie uma escala (local), não pode
negligenciar atores e fatos em outras escalas de poder (estadual, federal e
mesmo internacional) que têm influência, em diferentes magnitudes, na
produção do espaço e na apropriação do território na cidade.
Bibliografia
CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
Acreditamos que, com este texto, demonstramos como a
apropriação do espaço urbano pode se concretizar por diferentes grupos
sociais a partir de um exemplo de como se dão os conflitos entre diferentes
atores. É necessário ressaltar que de forma alguma consideramos esgotado
o assunto envolvendo a expansão do Aeroporto de Viracopos, até mesmo
177
CASTELLS, M. Cidade, democracia e socialismo. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1980.
CORRÊA. R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.
178
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10, n. 3, Dez/2006, p. 327-342.
SOUZA, M. L. O que pode o ativismo de bairro: Reflexão sobre as
limitações e potencialidades do ativismo de bairro à luz de um
179
180
Leandro Bruno dos Santos – Resenha: Chang Ha-Joon. Chutando a escada...
RESENHA
CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada. A estratégia do
desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Unesp, 2004,
266 p.
Leandro Bruno dos SANTOS1
Este livro foi publicado originalmente em inglês [Kicking away the
ladder: development strategy in historical perspective] no ano de 2002. O
autor do livro, Ha-Joon Chang, é coreano e professor na University of
Cambridge, onde é diretor-assistente de estudos sobre o desenvolvimento.
Chang, além de ter sido consultor de diversas organizações internacionais
(Unctad, Wider, Banco Mundial etc.), recebeu prêmios por publicações e
por seu trabalho em desvendar os problemas enfrentados pelos países
pobres em suas trajetórias de desenvolvimento.
O título do livro, Chutando a escada, é uma referência à obra The
National System Of Political [O sistema nacional de economia política], de
Friedrich List – economista alemão considerado o pai da indústria nascente
e defensor do papel do Estado no desenvolvimento das indústrias em
países com estágios de desenvolvimento atrasados. List cunhou a
expressão “chutar a escada” para designar o papel que a Inglaterra, depois
de lançar uma série de políticas “ruins” visando chegar ao
desenvolvimento, exerceu sobre os demais países por meio da idéia de
laissez-faire. Os economistas ingleses Adam Smith, Jean Baptiste Say, David
Ricardo e William Pitt, com suas obras, ajudaram a cimentar a doutrina
cosmopolita do livre comércio como o principal responsável pelo
desenvolvimento da Inglaterra.
Ha-Joon Chang, nesse livro, mostra que os países em
desenvolvimento têm sofrido pressões pelos países desenvolvidos e das
políticas internacionais controladas pelo establishment a adotar “políticas
boas” e “boas instituições” para promover o desenvolvimento. As “boas
políticas” são as macroeconômicas restritivas, a liberalização do comércio
internacional e dos investimentos, a privatização e a desregulamentação e
as “boas instituições” são a democracia, o judiciário independente,
Mestrando do programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP, Campus de
Presidente Prudente. Bolsista Fapesp. E-mail: [email protected].
1
proteção aos direitos de propriedade privada, governança empresarial,
banco central independente etc.
Curiosamente, os dados históricos presentes no livro mostram que
as “políticas boas” e as “instituições boas” contradizem a visão ortodoxa
da história do capitalismo, isto é, o papel das políticas de laissez-faire e das
instituições no desenvolvimento econômico dos atuais países
desenvolvidos. As políticas e instituições recomendadas são, pois, na
argumentação de Chang, uma forma de esconder os segredos do sucesso e
de, ao mesmo tempo, “chutar a escada” pela qual subiram ao topo para
impedir que os atuais países em desenvolvimento consigam alavancar o
desenvolvimento de suas economias.
O livro está organizado em quatro capítulos. No primeiro,
questiona as políticas utilizadas pelos atuais países desenvolvidos. No
segundo, avalia as políticas industrial, comercial e tecnológica dos países
atualmente desenvolvidos (PADs). No terceiro, analisa o surgimento e o
papel das instituições no desenvolvimento dos PADs. No quarto,
argumenta que os PADs estão tentando “chutar a escada” pela qual
chegaram ao topo.
No primeiro capítulo, Como os países ricos enriqueceram de
fato?, destaca que são raros os estudos que abordam as experiências
históricas dos países atualmente desenvolvidos, fato que contribui para a
predominância da idéia de livre comércio defendida pelos neoclássicos.
Chang utiliza-se, assim, da abordagem histórica do desenvolvimento para
criticar a prevalência do discurso em prol das “políticas boas” e das
“instituições boas”. A análise histórica, cujo início deu-se com List e depois
foi a base da escola histórica alemã,
não se restringe a compilar e catalogar fatos históricos na esperança
de que isso venha a gerar naturalmente um modelo. Pelo contrário,
exige uma busca persistente de modelos históricos, a construção de
teorias que os expliquem e a aplicação dessas teorias a problemas
contemporâneos, ainda que sem deixar de levar em conta as
circunstanciais alterações tecnológicas, institucionais e políticas
(CHANG, p. 18).
A partir da análise histórica, Chang conclui que: i) os PADs
recorreram a políticas industriais “ruins” para proteger suas indústrias
nascentes e subsidiaram a exportação, práticas hoje condenadas pela OMC;
ii) os PADs não tinham, antes do final do século XIX e início do século
XX, as instituições agora consideradas essenciais aos países em
182
Caderno Prudentino de Geografia, nº29 - 157-160
desenvolvimento. A resposta para a pergunta do primeiro capítulo, como
os países ricos enriqueceram de fato, é “que eles não seriam o que são hoje se
tivessem adotado as políticas e as instituições que agora recomendam às nações em
desenvolvimento” (p. 13).
No segundo capítulo, Políticas de desenvolvimento
econômico: perspectiva histórica das políticas industrial, comercial e
tecnológica, avalia os tipos de políticas industriais, científicas e
tecnológicas adotas pelos PADs (Grã-Bretanha, EUA, Alemanha, França,
Suécia, Bélgica, Holanda, Suíca, Japão e NIPs) quando eram ainda países
em desenvolvimento. Ghang demonstra “que a maioria deles aplicou políticas
quase opostas ao que a ortodoxia atual diz que eles aplicaram e recomenda aos atuais
países em desenvolvimento” (p. 38).
A análise histórica das políticas pró-desenvolvimento de um
elevado número de países desenvolvidos indica que houve diversos
modelos de promoção à indústria nascente, como subsídios à exportação,
concessão do direito de monopólio, acordos para a cartelização, redução
das tarifas de insumos usados para a exportação, créditos diretos,
planejamento dos investimentos, apoio à P&D, promoção de instituições
que viabilizassem a parceria público-privada etc. Com base nesses
“achados”, Chang destaca que os países em desenvolvimento têm sido
menos protecionistas que os PADs em suas trajetórias de
desenvolvimento.
No terceiro capítulo, Instituições e desenvolvimento
econômico: a “boa governança” na perspectiva histórica, debruça-se
na análise histórica de um elevado número de instituições e de suas
evoluções nos PADs, tendo como objetivo demonstrar que, mais do que
rejeitar o transplante das instituições ou deixar que elas evoluam
naturalmente, é preciso aprender com a história. Com esse objetivo,
estabelece uma análise histórica da consolidação das seguintes instituições:
democracia; burocracia e judiciário; regimes de direito de propriedade;
governança empresarial; instituições financeiras; instituições de bem-estar
social.
Feita a análise histórica, conclui que o processo de
desenvolvimento institucional dos países em desenvolvimento de outrora
foi lento e irregular. Comparando os níveis de progresso institucional dos
PADs com os em desenvolvimento de hoje, pode-se dizer que estes
últimos “têm níveis muito mais elevados de progresso institucional do que tinham os
PADs em estágios comparáveis de desenvolvimento” (p. 188) e, levando-se em
conta que as instituições foram desenvolvidas durante décadas e mesmo
183
Leandro Bruno dos Santos – Resenha: Chang Ha-Joon. Chutando a escada...
gerações, “a exigência atual e tão generalizada de que os países em desenvolvimento
adotem, imediatamente ou nos próximos cinco a dez anos, instituições de “padrão
mundial”, ou que sofram punições por não terem feito, parece contrariar a experiência
histórica dos próprios PADs” (p. 200).
No quarto, Lições para o presente, discute se é deveras possível
afirmar que a pressão exercida pelos países desenvolvidos para que os
países em desenvolvimento adotem “boas políticas” e a “boa governança”
seja um ato de “chutar a escada”. Adoção de políticas neoliberais, pelos
países em desenvolvimento, criou um paradoxo: as “políticas boas”, em
vez de crescimento, foram uma decepção2. Aliás, as “políticas ruins”,
implantadas durante os anos de 1960 e 1980, produziram melhores efeitos
do que as “boas”. O interessante é que as “políticas “ruins” são basicamente as
que os PADs aplicaram quando eram países em desenvolvimento. Diante disso, só
podemos concluir que, ao recomendar as tão proclamadas políticas “boas”, os PADs
estão, efetivamente, “chutando a escada” pela qual subiram ao topo” (p. 214).
O que fazer, então, após o fracasso das políticas impostas pelo
establishment? Chang, diante dessa pergunta, propõe: i) divulgar os fatos
históricos ligados ao processo de desenvolvimento dos países
desenvolvidos; ii) mudar as condicionalidades impostas pelo FMI e pelo
Banco Mundial no socorro financeiro dos países em desenvolvimento; iii)
estimular o aprimoramento institucional sem confundir com a imposição
de instituições anglo-americanas; iv) permitir que os países adotem
políticas e instituições mais apropriadas ao seu estágio de desenvolvimento.
Ha-Joon Chang oferece um livro com muitos dados históricos, de
leitura agradável, e uma leitura original sobre o desenvolvimento dos países
desenvolvidos e sobre os seus reais interesses nos países em
desenvolvimento. É um livro que pode, e deve, ser lido por economistas,
historiadores, geógrafos e por todos aqueles que, direta e indiretamente,
têm preocupações com o desenvolvimento dos países pobres e em estágio
de desenvolvimento.
Sobre os resultados da implantação das políticas neoliberais nos países em
desenvolvimento, especialmente no Brasil, ver: BRESSER-PEREIRA, Luiz
Carlos. Macroeconomia da estagnação. Crítica da ortodoxia convencional no
Brasil pós 1994. São Paulo: Editora 34, 2007.
2
184
Compêndio – Caderno Prudentino de Geografia: 1981/2007
COMPÊNDIO - CADERNO PRUDENTINO DE
GEOGRAFIA: 1981-2005
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Matogrossense e Corumbá: roteiro de
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História? p. 51-53.
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Colônia Entre-rios (Primeiras notas).
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planejamento regional. p. 75-81.
TEIXEIRA, Márcio Antônio. A
Geografia
rural
no
Brasil:
contribuição aos estudos de revisão e
tendências. p. 82-89.
BENITES, Miguel Gimenez. Notas
sobre o abastecimento de carne
bovina nas metrópoles nacionais. p.
90-92.
Ano 1, nº2 – 1981
ASARI, Alice Yatiyo; USSAMI,
Yoshie. Algumas considerações sobre
um núcleo de habitação popular –
Conjunto Habitacional Bartholomeu
Bueno Miranda – Presidente
Prudente – SP. p. 7-24.
GARMS, Armando. A sobrevivência
das pequenas cidades: o exemplo da
Alta Sorocabana. p. 25-34.
ANTONIO, Armando Pereira. A
cultura da cana-de-açúcar na região
de Presidente Prudente e suas
implicações ecológicas. p. 35-40.
ANTONIO, Armando Pereira;
BARREIRA, José. Projeto de
reassentamento rural no extremo
sudoeste paulista – Lagoa São Paulo –
um exemplo pioneiro no Brasil
(primeiras notas). p. 41-52.
MELO,
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Historiografia
e
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histórico. p. 53-58.
ZAVATINI, João Afonso. O
registrador de umidade superficial e
sua aplicabilidade em estudos
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sua vocação). p. 75-83.
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noroeste do Mato Grosso. Interflúvio
das bacias dos Rios Jurema, Paraguai
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Caderno Prudentino de Geografia, nº28 - 185-200
saúde e instrução em Campina
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CADERNO PRUDENTINO DE GEOGRAFIA
PARECERISTAS DESTA EDIÇÃO
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Prof. Dr. Álvaro Luiz Heidrich - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) - Porto Alegre, RS.
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- Uberlândia, MG.
Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo - Universidade Estadual Paulista (UNESP Pres.Prudente) - Presidente Prudente, SP.
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Grande do Sul (UNIJUI) – Ijuí, RS.
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Goiânia, GO.
Profa. Dra. Luzia Neide Coriolano - Universidade Estadual do Ceará (UECE) –
Fortaleza, CE.
Prof. Dr. Ricardo Abid Castillo - Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) - Campinas, SP.
Profa. Dra. Vanda Ueda - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
- Porto Alegre, RS.
Prof. Dr. William Rodrigues Ferreira - Universidade Federal de Uberlândia
(UFU) - Uberlândia, MG.
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Paulista (UNESP- Pres.Prudente).
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201
5. Cabe ao Conselho Editorial a decisão final de publicar os trabalhos.
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Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília.
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