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RAQUEL GIRARDELLO AVALIAÇÃO DOS MECANISMOS DE RESISTÊNCIA À POLIMIXINA B EM ISOLADOS CLÍNICOS DE Acinetobacter baumannii Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, para obtenção do Título de Doutor em Ciências. São Paulo 2012 RAQUEL GIRARDELLO CARACTERIZAÇÃO DOS MECANISMOS DE RESISTÊNCIA À POLIMIXINA B EM ISOLADOS CLÍNICOS DE Acinetobacter baumannii Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, para obtenção do Título de Doutor em Ciências. Orientadora: Cristina Gales São Paulo 2012 Professora Dra. Ana UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA DISCIPLINA DE INFECTOLOGIA Chefe do Departamento: Professor Dr. Álvaro Nagib Atala Coordenador do curso de Pós-graduação: Professor Dr. Ricardo Sobhie Diaz São Paulo 2012 RAQUEL GIRARDELLO CARACTERIZAÇÃO DOS MECANISMOS DE RESISTÊNCIA À POLIMIXINA B EM ISOLADOS CLÍNICOS DE Acinetobacter baumannii Presidente da Banca: Profª Drª Ana Cristina Gales Banca Examinadora: Prof. Dr. Alexandre Prehn Zavascki Profª Drª Silvia Figueiredo Costa Prof. Dr. Guilherme Henrique Campos Furtado Prof. Dr. Nilton Lincopan Suplentes: Prof. Dr. Antônio Carlos Campos Pignatari Profª Drª Anna Sara Shafferman Levin São Paulo 2012 Girardello, Raquel Avaliação dos mecanismos de resistência à polimixina B entre isolados clínicos de Acinetobacter baumannii. Raquel Girardello - São Paulo, 2012. vi. 137 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina. Programa de Pós-graduação em Ciências Básicas em Infectologia. Título em inglês: Evaluation of mechanisms of resistance to polymyxin B in Acinetobacter baumannii clinical isolates. 1. Polimixinas; 2. Acinetobacter baumannii; 3. Lipopolissacarídeo; 4. Two component systems; 5. Parede celular. DEDICATÓRIA Dedico este estudo aos meus pais Valcir Girardello e Maria Rossi Girardello pela imensa dedicação e auxílio para minha formação pessoal e profissional e, em agradecimento por acreditarem sempre, independente de qualquer dificuldade, no meu crescimento e sucesso. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha orientadora Drª Ana Cristina Gales, pela oportunidade oferecida e pelo exemplo de dedicação, inteligência e esforço que levarei comigo para o resto de minha vida. Agradeço a toda a minha família, em especial meus pais Valcir Girardello e Maria Rossi Girardello e meu irmão e cunhada Ricardo Girardello e Susana Vassoller por estarem sempre de braços abertos a espera toda vez que eu precisar. Vocês são a força que me faz seguir em frente cada vez mais. Agradeço à Professora Drª Maria Cristina Brognharo Tognin pela confiança e pelo auxílio e indicação ao laboratório ALERTA, essenciais para que este trabalho tenha sido realizado. Agradeço ao Professor Dr. Antonio Carlos Campos Pignatari pelo grande exemplo de vida que nos oferece sempre nos lembrando da importância de nossos estudos na vida de pacientes com os quais ele e outros médicos convivem diariamente pelos hospitais do Brasil e do mundo. Agradeço a Tiago Massao Yamanaka pelo grande auxílio durante a realização desta tese, na parte experimental e na formatação deste documento, além da pronta disponibilidade para suporte em todos os momentos durante o decorrer da minha formação. Um agradecimento especial ao colega de laboratório e amigo Rodrigo Cayô, pela dedicação e auxílio técnico e científico nos experimentos desta tese, em especial os experimentos de PBPs e porinas. Agradeço aos colegas de laboratório Talita Trevizani Rocchetti, Paulo José Martins Bispo e Liana Carballo de Menezes pelo grande auxílio nos experimentos de PCR em Tempo Real. Agradeço à Cecilia Godoy Carvalhaes e André Mario Doi pelas correções deste trabalho e pela amizade e sempre pronta disponibilidade. Agradeço ao Centro de Microscopia Eletrônica da UNIFESP, em especial aos funcionários André Aguillera e Márcia Tanakai e à Professora Drª Edna Haapalainen pelos experimentos de microscopia eletrônica de transmissão deste estudo. Agradeço a toda a família LEMC-ALERTA pela convivência nesses quatro anos de estudos, de confraternizações, alegrias e tristezas, muitas risadas e muito trabalho e, principalmente, muitas amizades criadas. Levarei todos vocês sempre no meu coração. Agradeço à secretária do laboratório Rosana Capecce pela amizade e auxílio em diversos momentos. Agradeço à Professora Dra Halha Ostrensky Saridakis por todo cuidado e ensinamentos durante a realização do mestrado, na Universidade Estadual de Londrina. E, por fim, mas não menos importante, um agradecimento muito especial aos meus orientadores de iniciação científica, durante a graduação na Universidade de Passo Fundo, Professor Dr. Luiz Carlos Kreutz e Professora Dra. Laura Beatriz Rodrigues por me ensinarem o caminho da microbiologia, ensinamentos esses que carrego comigo até hoje e nunca serão esquecidos. SUMÁRIO Índice de Tabelas...................................................................................................... i Índice de Figuras....................................................................................................... ii RESUMO.................................................................................................................. iv ABSTRACT.............................................................................................................. vi 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 01 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................................................ 04 2.1 Acinetobacter baumannii.............................................................................. 05 2.2 Opções terapêuticas e mecanismos de resistência..................................... 06 2.2.1 β-lactâmicos......................................................................................... 06 2.2.1.1 Produção de enzimas β-lactamases.......................................... 07 2.2.1.2 Alteração de porinas................................................................... 09 2.2.1.3 Hiperexpressão de sistemas de efluxo....................................... 10 2.2.1.4 Alterações de PBP..................................................................... 12 2.2.2 Polimixinas........................................................................................... 14 2.2.2.1 Mecanismos de resistência às polimixinas..................................... 17 3. OBJETIVOS.......................................................................................................... 26 4. MATERIAL E MÉTODOS..................................................................................... 28 4.1 Fluxograma.................................................................................................. 29 4.2 Seleção dos isolados bacterianos................................................................ 30 4.3 Indução de resistência à polimixina B.......................................................... 31 4.4 Estabilidade da resistência induzida à polimxina B..................................... 32 4.5 Análise da similaridade genética por PFGE................................................. 32 4.6 Teste de sensibilidade aos antimicrobianos................................................ 33 4.7 Microscopia eletrônica de transmissão........................................................ 36 4.8 Cultivo em meio hipotônico.......................................................................... 36 4.9 Sequenciamento do sistema de dois componentes PmrAB........................ 37 4.10 PCR em Tempo Real para quantificação da transcrição do sistema de dois componentes PmrAB.................................................................................. 38 4.10.1 Extração de RNA Total e síntese de cDNA...................................... 38 4.10.2 Quantificação relativa da transcrição gênica................................... 39 4.10.3 Análise da quantificação relativa da transcrição gênica.................. 39 4.11 Associação de resistência às polimixinas com mecanismos de resistência relacionados à parede celular bacteriana........................................ 40 4.11.1 Avaliação de proteínas de membrana externa............................. 40 4.11.1.1 Extração de proteínas de membrana externa........................ 40 4.11.1.2 Avaliação do perfil de proteínas de membrana externa por SDS-PAGE........................................................................................... 41 4.11.1.3 Quantificação relativa da transcrição dos genes que codificam porinas................................................................................. 42 4.11.2 Quantificação relativa da transcrição do gene adeB, que codifica a proteína estrutural do sistema de efluxo AdeABC................................. 42 4.11.3 Sequenciamento dos genes que codificam as PBPs.................... 42 5. RESULTADOS..................................................................................................... 45 5.1 Caracterização dos isolados de A. baumannii............................................. 45 5.2 Perfil de sensibilidade aos antimicrobianos................................................ 46 5.3 Estabilidade da indução de resistência à polimixina B................................ 48 5.4 Análise da similaridade genética.................................................................. 48 5.5 Microsopia Eletrônica de Transmissão (MET)............................................. 49 5.6 Cultivo em meio hipotônico.......................................................................... 50 5.7 Sequenciamento dos genes que compõem o sistema regulatório de dois componentes PmrAB......................................................................................... 51 5.8 Quantificação relativa da transcrição do sistema regulatório de dois componentes PmrAB......................................................................................... 51 5.9 Avaliação da influência de resistência à polimixina B em mecanismos relacionados à parede celular bacteriana.......................................................... 52 5.9.1 Expressão de Proteínas de Membrana Externa................................... 52 5.9.2 Quantificação relativa da transcrição da bomba de efluxo AdeABC.... 55 5.9.3 Alterações nas PBPs............................................................................ 56 6. DISCUSSÃO......................................................................................................... 59 7. CONCLUSÕES..................................................................................................... 72 8. REFERÊNCIAS.................................................................................................... 74 9. ANEXOS............................................................................................................... 98 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1. Sequências de oligonucleotídeos iniciadores utilizados para as reações de PCR e sequenciamento....................................................................................... 43 Tabela 2. Seqüências de oligonucleotídeos iniciadores utilizados para reações PCR em tempo real................................................................................................... 44 Tabela 3. Padronização da curva de melting para cada gene submetido à PCR em tempo real........................................................................................................... 44 Tabela 4. Isolados sensíveis e resistentes à polimixina B, selecionados para o estudo, antes e após o cultivo na presença de polimixina B.................................... 46 Tabela 5. Perfil de sensibilidade de isolados A. baumannii sensíveis e resistentes às polimixinas, antes e após a indução de resistência com sulfato de polimixina B................................................................................................................................ 47 Tabela 6. Perfil de sensibilidade à polimixina B durante o cultivo na ausência da droga, após a indução de resistência....................................................................... 48 Tabela 7. Mutações dos genes que codificam as PBP de alto peso molecular nos isolados de A. baumannii antes e após o cultivo na presença de sulfato de polimixina B............................................................................................................... 58 i ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1. Estrutura química das moléculas de polimixinas...................................... 15 Figura 2. Estrutura química do sulfato de colistina e colistimetato de sódio........... 16 Figura 3. Desenho esquemático da parede celular bacteriana de bactérias Gram negativas................................................................................................................... 18 Figura 4. Esquema da regulação do desenvolvimento de resistência às polimxinas por isolados de Enterobactérias controlado por sistemas de dois componentes............................................................................................................. 21 Figura 5. Desenho esquemático do sistema de dois componentes que regula o desenvolvimento de resistência à polimixinas em isolados de A. baumannii........... 23 Figura 6. Desenho esquemático das passagens de subcultivos na presença de concentrações crescentes de sulfato de polimixina B para a indução de resistência à mesma, nos isolados de A. baumannii................................................ 32 Figura 7. Desenho esquemático da distribuição das concentrações de polimixina B na placa de microdiluição em caldo....................................................................... 36 Firgura 8. Desenho esquemático da placa de microdiluição em caldo (TREK Diagnostics) utilizada para avaliação da sensibilidade aos antimicrobianos............ 36 Figura 9. Perfil de similaridade genética pela metodologia de PFGE...................... 50 Figura 10. Microscopia eletrônica de transmissão de isolados clínicos de A. baumannii, cultivados na presença e ausência de polimixina B............................... 51 Figura 11. Quantificação relativa da transcrição dos genes do sistema regulatório de dois componentes PmrAB nos isolados de A. baumannii.................................... 53 Figura 12. Quantificação relativa da transcrição dos genes que codificam as porinas dos isolados de A. baumannii antes e após o cultivo na presença de 55 polimixina B............................................................................................................... ii Figura 13. Gel de SDS-PAGE das proteínas de membrana externa (OMPs) dos isolados clínicos e os mutantes induzidos de A. baumannii..................................... 56 Figura 14. Quantificação da transcrição relativa do gene adeB para os isolados de A. baumannii, antes e após o cultivo na presença de polimixina B..................... 57 iii RESUMO A. baumannii é um agente etiológico frequente de infecções relacionadas à assistência à saúde no Brasil, pois possui grande capacidade em sobreviver em condições adversas e desenvolver ou adquirir mecanismos de resistência aos antimicrobianos. As altas taxas de resistência juntamente com a falta de novas opções terapêuticas disponibilizadas pelas indústrias farmacêuticas atualmente, tem levado à necessidade de incluir novamente na prática clínica, drogas antigas como as polimixinas que, atualmente, constituem uma das últimas opções terapêuticas em casos de infecções por bacilos Gram negativos multirresistentes. Neste estudo foram analisados os fenótipos de resistência “natural” e induzida à polimixina B em isolados clínicos de A. baumannii. Um isolado sensível e outro resistente às polimixinas foram submetidos ao cultivo em concentrações crescentes de polimixina B para a indução de resistência às mesmas. Os isolados clínicos de A. baumannii foram analisados por microscopia eletrônica de transmissão, antes e após o cultivo na presença de polimixina B. Foram realizados o sequenciamento e qRT-PCR do sistema de dois componentes PmrAB, relacionado com o surgimento de resistência às polimixinas em A. baumannii. Análises dos mecanismos de resistência relacionados à parede celular bacteriana foram realizadas para estudar a associação destes ou não com os fenótipos de resistência às polimixinas. O isolado sensível à polimixina reverteu o perfil de sensibilidade aos β-lactâmicos e aminoglicosídeos após a indução de resistência à polimixina B. Esse perfil de sensibilidade foi estável, mesmo após o cultivo na ausência do antimicrobiano. Esse mesmo isolado não conseguiu sobreviver em meio hipotônico, sugerindo uma diminuição da integridade da parede celular bacteriana. Essas alterações no perfil de sensibilidade não foram observadas no isolado com resistência “natural” quando cultivado na presença de polimixina B. Nesse isolado, diferente do isolado sensível, foi observado um espessamento na parede celular, mesmo antes da exposição ao antimicrobiano. O sequenciamento do sistema de dois componentes PmrAB mostrou duas mutações no iv gene pmrB, somente no isolado com resistência induzida à polimixina B. Para esses genes, também foram observados diferentes níveis de transcrição entre o isolado com resistência induzida e com resistência “natural”, sugerindo que esse segundo fenótipo não seja regulado pelo sistema PmrAB. A diminuição da expressão da porina OmpW foi relacionada ao surgimento de resistência induzida às polimixinas nos isolados de A. baumannii. As mutações nas PBPs de alto peso molecular observadas nos isolados com resistência “natural” à polimixina podem ser responsáveis pelo fenômeno de espessamento da parede celular e, consequentemente, pelo fenótipo de resistência. A concentração dos íons presentes no meio de cultura deve ser avaliado antes da realização dos testes de sensibilidade às polimixinas, para garantir a confiabilidade e reprodutibilidade dos testes. v ABSTRACT A. baumannii is a common pathogen associated to health care infections in Brazil, due to its capacity to survive in adverse conditions and develop resistance to broad spectrum antimicrobial agents. The high resistance rate combined to together with the absence of new antimicrobial options turned polymyxins the last line antimicrobial drugs to treat Gram negative MDR infections. In this study both, an in vitro induced and a noninduced polymyxin-resistant phenotype in A. baumannii clinical isolates were analyzed. The in vitro induced and the non-induced A. baumannii isolates were subcultured in progressive polymyxin B concentration. The transmission electron microscopy was performed previous or not the polymyxin B exposure. The PmrAB two component regulatory system were analyzed by sequencing and qRT-PCR. The polymyxin resistance determinants associated with the bacterial cell wall were studied. A modification on the susceptibility testing profile of the induced isolate was observed after polymyxin B exposure, mainly due to a reduction on the β-lactam and aminoglycosides MICs values. This susceptibility profile was stable after subculturing the strain in the absence of antimicrobial pressure. Moreover, this isolate could not survive in a hypotonic environment suggesting a rupture on the cell wall integrity. This phenomenon was not observed in the “natural” polymyxin resistant isolate when exposed to polymyxin B pressure. In the noninduced polymyxin resistant isolate, unlike the induced one, a cell wall thickness was observed, comparing to the same strain previously drug exposure. The PmrAB sequencing showed two mutations in the pmrB gene, only in the induced resistant isolate. Different transcription rates between the induced and the non-induced polymyxin B resistant isolates was also observed when evaluating the two component system genes suggesting that the non-induced phenotype was not regulated by this system. In addition, a decrease in the OmpW expression was observed in the induced polymyxin B resistant strain but not in the non-induced one. The mutations observed in high molecular weight vi PBPs of non-induced polymyxin B resistant isolate may be responsible to the thickness in the cell wall presented by this isolate. vii Introdução 1. INTRODUÇÃO 1 Introdução 1. INTRODUÇÃO Microrganismos resistentes aos antimicrobianos constituem um dos principais problemas enfrentados por hospitais do mundo inteiro, incluindo os brasileiros. Infecções causadas por bacilos Gram negativos, como Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella pneumoniae eram, até a algumas décadas, tratadas com diversos antimicrobianos, principalmente os beta-lactâmicos. No entanto, ao longo dos anos, esses microrganismos tem desenvolvido, cada vez mais, diferentes mecanismos de resistência a esta classe de antimicrobianos, sendo eles, a produção de β-lactamases, a hiperexpressão de sistemas de efluxo, a perda ou a redução da expressão de porinas e alterações nas proteínas ligadoras de penicilinas (PBPs), tornando esses antimicrobianos ineficazes contra infecções causadas por esses microrganismos. A espécie A. baumannii está normalmente envolvida como agente etiológico de infecções relacionadas à assistência à saúde, como infecções do sistema respiratório ou de corrente sanguínea e são, frequentemente, responsáveis por surtos hospitalares de difícil controle. A capacidade de sobreviver em condições adversas, em desenvolver ou adquirir mecanismos de resistência aos antimicrobianos, aliado a sua resistência intrínseca, torna as infecções causadas por esses microrganismos de difícil tratamento. As altas taxas de resistência juntamente com a ausência de novas opções terapêuticas disponibilizadas pelas indústrias farmacêuticas atualmente, tem levado à necessidade de incluir novamente na prática clínica, drogas antigas como as polimixinas, que estavam em desuso desde a década de 70, devido à nefrotoxicidade e à neurotoxicidade relacionadas ao seu uso. Segundo um estudo do Sentry Antimicrobial Surveillance Program, as polimixinas permanecem ativas contra a maioria dos microrganismos não fermentadores pertencentes às espécies A. baumannii e P. aeruginosa. Apesar disso, embora raro, relatos de resistência a essas drogas já vem sendo observados em amostras clínicas, 2 Introdução porém mais frequentemente em mutantes laboratoriais que apresentam resistência induzida às polimixinas. Os diversos estudos que tentaram elucidar os mecanismos de resistência às polimixinas não conseguiram esclarecer ainda o aparecimento dos dois distintos fenótipos de resistência às polimixinas, observados na clínica, um mecanismo, denominado “natural”, intrínseco ao isolado e, outro fenótipo, que é observado quando há a exposição da bactéria à polimixina. Cada um dos fenótipos de resistência é, provavelmente, regulado por diferentes sistemas, o que ainda necessita ser extensivamente estudado. Este estudo teve por objetivo avaliar as diferenças nos mecanismos de resistência “natural” e induzida à polimixina B em isolados clínicos de A. baumannii e sua associação com outros mecanismos de resistência aos betalactâmicos. Desta maneira, por meio da compreensão dos distintos mecanismos bacterianos envolvidos na resistência às polimixinas, esperamos entender como podemos menos favorecer a seleção de resistência às polimixinas. 3 Revisão Bibliográfica 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4 Revisão Bibliográfica 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 Acinetobacter baumannii Microrganismos pertencentes ao gênero Acinetobacter spp. são coco-bacilos Gram negativos que apresentam metabolismo oxidativo, sendo portanto, classificados como parte do grupo dos não-fementadores. Dentre as espécies já descritas pertencentes ao gênero Acinetobacter, A. baumannii é a espécie de maior importância clínica, pois apresenta maior taxa de resistência aos antimicrobianos disponíveis, como aminoglicosídeos, fluoroquinolonas e beta-lactâmicos (Vila et al., 2007’; Yau et al., 2009; Gales et al., 2011). A. baumannii é um patógeno oportunista responsável por uma variedade de infecções, como as do trato respiratório e de corrente sanguínea no ambiente hospitalar, e, especialmente, em unidades de terapia intensiva (UTI) (Monterrubio-Villar et al., 2009). Sua capacidade de sobreviver em superfícies inertes (Jawad et al., 1998), bem como sua habilidade para trocar material genético e adquirir determinantes de resistência aos antimicrobianos pode ter contribuído para o sucesso e a longevidade deste microrganismo no ambiente nosocomial, e consequente disseminação causando surtos de difícil controle (Higgins et al., 2010), já que geralmente os clones responsáveis por esses surtos tornam-se endêmicas nas unidades acometidas. Vila et al. (2007) descreve alguns fatores que favorecem a persistência de Acinetobacter spp. no ambiente hospitalar, entre eles, a habilidade desses isolados em sobreviver em ambientes com diferentes temperaturas e valores de pH, além de suas necessidades nutricionais mínimas. Devido a sua maior persistência, a aquisição de elementos genéticos móveis como plasmídios, transposons e integrons, que são responsáveis pela transmissão de genes de resistência é favorecida entre diferentes indivíduos pertencentes à mesma espécie ou não. Esses fatores limitam ainda mais as opções terapêuticas disponíveis. 5 Revisão Bibliográfica 2.2 Opções terapêuticas e mecanismos de resistência Devido ao fenótipo de multirresistência apresentado por isolados de A. baumannii, as opções terapêuticas, como quinolonas e aminoglicosídeos, já não são mais eficazes frente estes patógenos em muitos centros médicos mundiais. Os carbapenens são, normalmente, os antimicrobianos de primeira escolha para o tratamento dessas infecções. No entanto, desde o início da década de 90, surtos causados por isolados de A. baumannii resistentes aos carbapenems tem sido descritos com maior frequência (Wang et al., 2007; Giannouli et al., 2010). Para isolados com resistência aos carbapenens, geralmente a tigeciclina e/ou as polimixinas podem constituir opções terapêuticas disponíveis ou os únicos antimicrobianos disponíveis para tanto. Embora a tigeciclina tenha sido somente aprovada pela “Food and Drug Administration” (FDA) para o tratamento de infecções de pele e partes moles, infecções intra-abdominais complicadas e pneumonia comunitária (Tygacil, bula do medicamento, 2007), esse antimicrobiano tem sido frequentemente utilizado no tratamento de infecções causadas por A. baumannii (Curcio et al., 2008). Porém, devido à sua farmacocinética e ao mecanismo bacteriano responsável pela sua resistência, hiperexpressão de sistemas de efluxo, estar presente no cromossomo bacteriano, relatos de resistência à tigeciclina em A. baumannii tem surgido com uma frequência cada vez maior (Peleg et al., 2007, Navon-Venezia et al., 2007; Horsey et al., 2010; Al-Sweih et al., 2011). Desta maneira, as polimixinas e a associação de ampicilina/sulbactam representam as principais opções terapêuticas empregadas no tratamento das infecções causdas por A. baumannii resistentes aos carbapenens (Oliveira et al., 2008). 2.2.1 β-Lactâmicos No Brasil, os isolados de A. baumannii, em geral, apresentam taxas de resistência aos carbapenems entre 25% a 45% (Levin et al., 1999). Entretanto, um estudo conduzido por Prates et al. (2011) mostrou que a taxa de resistência aos carbapenenens isolados de 6 Revisão Bibliográfica A. baumannii em uma UTI de um hospital terciário no sul do país aumentou de 29,4% em 2006 para 78% em 2008, muito acima da média nacional. O mesmo estudo mostrou que a incidência de A. baumannii resistente aos carbapenens foi de 3,78/1000 pacientes-dia durante o período de estudo (1,49 pacientes-dia em 2006 para 5,45 em 2008) e a mortalidade observada nesses pacientes foi de 69,7%. Os mecanismos de resistência aos β-lactâmicos em isolados clínicos de A. baumannii incluem: (i) produção de β-lactamases (Poirel et al., 2010); (ii) impermeabilidade de membrana externa associado à perda ou à diminuição da expressão de porinas (Mussi et al., 2005) e, (iii) hiperexpressão de sistemas de efluxo (Huang et al., 2008). No entanto, há informações limitadas sobre o papel das modificações nas proteínas ligadoras de penicilina (PBPs) na resistência aos βlactâmicos em A. baumannii (Gehrlein et al., 1991; Obara & Nakae, 1991; FernándezCuenca et al., 2003; Cayô et al.; 2010). 2.2.1.2 Produção de β-lactamases A produção de β-lactamases é o principal mecanismo de resistência aos βlactâmicos em A. baumannii e em outros bacilos Gram negativos. Estas enzimas se encontram armazenadas no espaço periplásmico, por onde os β-lactâmicos precisam atravessar para chegar até o seu sítio alvo que são as PBPs, localizadas na membrana interna da célula bacteriana. Isolados clínicos de A. baumannii já foram descritos carreando uma grande variedade de β-lactamases. As β-lactamases da classe C de Ambler codificada pelo gene blaAmpC é cromossomal e, portanto, intrínseca em A. baumannii. Distintamente do que ocorre em outros bacilos Gram negativos, que também possuem as enzimas AmpC cromossomais, o gene blaAmpC não é induzível em A. baumannii. Entretanto, a presença da sequência de inserção ISAba1 a montante deste gene leva à sua hiperexpressãoe, consequentemente, resistência às cefalosporinas de amplo espectro (Bush & Jacoby, 2010; Lee et al., 2011). 7 Revisão Bibliográfica Outro grupo de β-lactamases também descrito em A. baumannii, são as pertencentes a classe A de Ambler e ao grupo funcional 2be, conhecidas como βlactamases de espectro ampliado (ESβL) e por conferirem a resistência às cefalosporinas de amplo espetro. Em A. baumannii já foram descritas ESβL do tipo TEM (Peleg et al., 2008), SHV (Peleg et al., 2008), CTX-M (Peleg et al., 2008), PER (Opazo et al., 2012) e GES (Bogaerts et al., 2010). Embora relatos já tenham sido descritos, acredita-se que a prevalência de ESβL em isolados de A. baumannii seja relativamente baixa, quando comparada àquelas apresentadas por isolados de enterobactérias e de P. aeruginosa. As metalo-β-lactamases (MβLs), pertencentes à classe B de Ambler, são capazes de degradar todos os antimicrobianos β-lactâmicos com exceção do aztreonam, e são muito frequentes em isolados clínicos de P. aeruginosa. As MβLs também foram descritas em isolados clínicos de A. baumannii, sendo o segundo grupo de carbapanemases mais frequente nestes microrganismos. Os grupos de MβLs descritos até o momento em A. baumannii foram do tipo IMP (Yamamoto et al., 2011), VIM (Huang et al., 2008), SIM (Lee et al., 2005), e NDM-1 (Bogaerts et al., 2012). A carbapenemase de classe A do tipo KPC, inicialmente descrita em isolados de K. pneumoniae nos Estados Unidos, em 2001, se disseminou mundialmente, não somente para outras espécies de enterobactérias, como também para isolados de P. aeruginosa e A baumannii (Robledo et al., 2010). Outra carbapenemase pertecente a classe A de Ambler também já foi descrita em A. baumannii, sendo esta do tipo GES (Bonnin et al., 2011). Felizmente, essas enzimas ainda são restritas a determinadas regiões geográficas. Dentre todas as β-lactamases produzidas por isolados de A. baumannii, as mais importantes e prevalentes são aquelas pertencentes ao grupo das oxacilinases com atividade frente aos carbapenems, conhecidas como CHDLs. As oxacillinases constituem um grupo de β-lactamases com propriedades estruturais e bioquímicas heterogêneas (Poirel et al., 2010), pertecentes a classe D de Ambler. Estas enzimas variam desde βlactamases de espectro limitado, capazes de hidrolisar somente a oxacilina, até βlactamases do tipo ESβL, com capacidade de hidrolisar também as cefalosporinas de 8 Revisão Bibliográfica amplo espectro, e as CHDLs que hidrolisam os carbapenens menos eficientemente que as MβLs. Em Acinetobacter spp., as oxacilinases do tipo ESβL são menos frequentemente detectadas que as CHDLs, sendo que estas estão divididas em cinco clusters principais. O cluster OXA-51, que está presente no cromossomo de A. baumannii, podendo também ser encontrada concomitantemente em plasmídeos em algumas regiões na Ásia (Lee et al., 2012). Nessa região, inclusive o plasmídeo carreando o gene blaOXA-51 foi transferido para a espécie A. nosocomialis (Lee et al., 2012). Os outros quatro clusters principais de CHDL são: o cluster OXA-23 (Paton et al., 1993), o cluster OXA-24 (Bou et al., 2000), o cluster OXA-58 e o cluster OXA-143, que podem estar localizados tanto no plasmídeo como no cromossomo bacteriano (Bush e Jacoby, 2010; Poirel et al., 2010). No Brasil, a resistência aos carbapenens em isolados clínicos de A. baumannii está principalmente associada à produção de OXA-23 (DallaCosta et al., 2003), seguida pela produção de OXA-143 (Antonio et al., 2011; Werneck et al., 2011a; Mostachio et al., 2012) e da MβL IMP-1 (Gales et al., 2003). Esporadicamente, isolados produtores de OXA-58 e de OXA-72 (variante do cluster OXA-24) foram relatados no Brasil (Antonio et al., 2011; Werneck et al., 2011b). Assim como ocorre para o gene blaAmpC, a expressão dos genes blaOXA-51-like, blaOXA-23-like e blaOXA-58-like também está associada à presença de sequências de inserção. Diferente do que ocorre com as MβL, os carbapenems não são seu substrato preferencial e não apresentam atividade frente às cefalosporinas de amplo espectro (Poirel et al., 2010). 2.2.1.3 Alteração de porinas Porinas são proteínas de membrana externa que formam canais para o transporte de moléculas através das membranas, pois essas apresentam baixa permeabilidade aos solutos hidrofílicos (Vila et al., 2007). Assim como ejeção do antimicrobiano por meio de sistemas de efluxo, a redução da permeabilidade celular, por perdas ou modificações de porinas pode desempenhar papel significativo no desenvolvimento de resistência aos diversos antimicrobianos. A superfície celular de A. baumannii é menos permeável em 9 Revisão Bibliográfica relação à superfície de outros bacilos Gram negativos, devido ao menor número e tamanho das suas porinas (Obara et al., 2001; Sato e Nakae, 1991; Lee et al., 2011). A proteína de membrana externa mais expressa em A. baumannii é a OmpHMP, de 35,6 kDa que é homóloga à porina OmpA e OprF de enterobactérias e P. aeruginosa, respectivamente. Porinas pertencentes à família da OmpA permitem a penetração de antimicrobianos β-lactâmicos e sacarídeos de até 800 Da (Gribum et al., 2003; Nitzan et al., 1999). Isolados de A. baumannii resistentes a imipenem apresentam perda ou diminuição da expressão das porinas 33-36 kDa; CarO (29 kDa) e uma proteína de 43 kDa homóloga à OprD de P. aeruginosa (Vila et al., 2007). Vila et al. (2007) sugere que as porinas CarO e OprD-like possam funcionar como canais inespecíficos e específicos, respectivamente, para entrada de carbapenens na célula de A. baumannii. Dois estudos brasileiros avaliaram a associação entre a produção de β-lactamases e a alteração de porinas no fenótipo de resistência aos carbapenens em isolados clínicos de A. baumannii (Costa et al., 2000; Mostachio et al., 2012). O estudo de Costa et al. (2000) avaliou a indução da resistência in vivo a imipenem em três pacientes após a terapia com este antimicrobiano. Foram isolados de cada paciente duas cepas sendo uma antes e a outra após a terapia com imipenem. Eles obervaram que em um dos pacientes houve a perda de uma porina de 31-36 kDa (correspondente à porina 33-36 kDa) no isolado resistente, quando este era comparado ao isolado sensível. Um estudo recente, Mostachio et al. (2012) verificaram que na maioria dos isolados com altos níveis de resistência ao meropenem havia tido a perda de uma porina de 43 kDa. O mesmo estudo verificou também a perda da porina 33-36 kDa. Nesses isolados os autores verificaram uma alta prevalência da OXA-143, seguido de OXA-23 e IMP-1. 2.2.1.4 Hiperexpressão de sistemas de efluxo Associada à produção de enzimas, a hiperexpressão de sistemas de efluxo tem sido relacionada a altos níveis de resistência aos β-lactâmicos em isolados de A. 10 Revisão Bibliográfica baumannii. A hiperexpressão do sistema de efluxo AdeABC pertencente à família RND (“Resistance-Nodulation-Division”) promove a resistência aos aminoglicosídeos, aos βlactâmicos, ao cloranfenicol, à eritromicina,à tetraciclina, à tigeciclina e às fluoroquinolonas (Magnet et al., 2001; Resenfeld et al., 2012), O sistema AdeABC é composto por três proteínas: AdeA, uma proteína de fusão de membrana; AdeB, a proteína que faz o transporte e; AdeC, a proteína de membrana externa. Esse sistema de efluxo é o mais descrito em espécies de Acinetobacter spp. e tem sido relacionado com níveis mais elevados de resistência aos carbapenens em isolados produtores de OXA-23 (Lee et al., 2010; Lee et al., 2011). A hiperexpressão deste sistema é regulada pelos genes adeR e adeS (Coyne et al., 2010; Marchand et al., 2004). O sistema de efluxo AdeFGH possui como substrato os antimicrobianos cloranfenicol, clindamicina, fluoroquinolonas, trimetoprim, tetraciclina, tigeciclina e sulfonamidas (Coyne et al., 2010). O aumento da expressão desse sistema de efluxo é devido à mutação do gene adeL, localizado à montante do gene adeFGH que codifica a proteína reguladora transcricional LysR (Coyne et al., 2010). Outro sistema de efluxo AdeIJK está presente em todos os isolados de A. baumannii e promove resistência à ticarcilina, às cefalosporinas, ao aztreonam, às fluoroquinolonas, à tetraciclina, à tigeciclina, às lincosamidas, à rifampicina, ao cloranfenicol, ao cotrimazole, à novobiocina e ao ácido fusídico. O sistema regulatório da hiperexpressão desse sistema de efluxo foi descrito recentemente por Rosenfeld et al. (2012) e envolve o gene adeN que atua reprimindo a expressão de AdeIJK. A família de sistemas de efluxo MFS (“Major Facilitator Superfamily”) também é encontrada em A. baumannii. O sistema de efluxo Tet é responsável pela resistência à tetraciclina em bactérias Gram negativas e seus genes podem estar presentes em transposons que estão inseridos em plasmídios normalmente conjugativos. Esse sistema de efluxo é regulado pela presença da tetraciclina. Na ausência dessa droga, a proteína repressora bloqueia a transcrição dos genes estruturais do sistema de efluxo (Chopra e Robertz, 2001). Em isolados de A. baumannii os principais sistemas dessa família são 11 Revisão Bibliográfica TetA que confere resistência à tetraciclina e TetB que confere resistência à tetraciclina e à minociclina. A tigeciclina não é afetada por esses sistemas de efluxo; porém, é ejetada pelo sistema AdeABC (Martí et al., 2006). A família MATE (“Multidrug and toxic compound extrusion”) inclui o sistema de efluxo AbeM que confere resistência à norfloxacina, à ciprofloxacina, à gentamicina, à canamicina, à eritromicina, ao cloranfenicol, ao trimetoprim, além de alguns antissépticos. Esse sistema utiliza a força próton-motriz para ejetar os antimicrobianos da célula bacteriana (Su et al., 2005). 2.2.1.5 Alterações de PBPs Na membrana interna da parede celular bacteriana estão localizadas as PBPs, que são responsáveis pela síntese do peptideoglicano e constituem o alvo de ação dos antimicrobianos β-lactâmicos. O peptidioglicano é composto por cadeias de glicano formadas alternadamente pelo ácido acetilglicosamina e pelo ácido acetilmurâmico. Cinco aminoácidos são ligados ao ácido acetilmurâmico. (Ghuysen et al., 1968; Schleifer e Kandler, 1972; Vollmer et al., 2004; Vollmer et al., 2008). Na transglicosilação, as PBPs catalizam a polimerização de cadeias de glicano e, na transpeptidação, essas proteínas promovem a ligação cruzada entre as cadeias laterais de peptideoglicano. Dessa forma, essas proteínas são responsáveis por determinar a forma da célula bacteriana e assegurar que essa seja mantida por gerações seguintes. O peptideoglicano celular intacto permite à célula bacteriana resistir a danos devido às pressões intracelular e extracelular (Sauvage et al., 2008). As PBPs são divididas em duas categorias, as PBPs de alto peso molecular e as PBPs de baixo peso molecular. As PBPs de alto peso molecular são PBPs multifuncionais responsáveis pela polimerização do peptídioglicano e inserção do mesmo na parede celular pré-existente (Goffin e Ghuysen, 1998; Born et al., 2006). Dependendo de sua estrutura e atividade catalítica do seu domínio N-terminal elas são pertencentes às classes A ou B. Nas PBPs de classe A de Escherichia coli, chamadas PBP1a, PBP1b 12 Revisão Bibliográfica e PBP1c, o domínio N-terminal é responsável pela atividade de glicosiltransferase, catalizando a elongação de cadeias de glicano não ligadas. Nas PBPs de classe B, chamadas PBP2 e PBP3, o domínio N-terminal desempenha papel na morfogênese celular e não possuem atividade de glicosiltransferase (Höltje et al., 1998; Zapun et al., 2008). Em ambas as classes A e B, o domínio C-terminal cataliza a ligação cruzada entre as duas cadeias de glicano através da atividade de transpeptidase (Sauvage et al., 2008). As PBPs 1a e 1b, são as principais transpeptidases e transglicosilases da célula bacteriana. Entretanto, a deleção de apenas uma dessas duas proteínas não é letal para a célula bacteriana. A função da PBP1c ainda não foi completamente elucidada até o momento, e não está presente em todos os bacilos Gram negativos. Ela não sofre alteração pela maioria dos antimicrobianos β-lactâmicos e sua hiperexpressão não supre a ausência da PBP1a e da PBP1b. As PBPs de classe B são transpeptidases monofuncionais, onde a PBP2 tem função de elongase, enquanto a PBP3 está envolvida no complexo de divisão celular. As PBPs de baixo peso molecular ou de classe C podem ser subdivididas nas subclasses C1, C2 e C3 (Sauvage et al., 2008). Essas proteínas estão envolvidas na separação celular, maturação e reciclagem do peptideoglicano. A PBP4 e PBP7 são endopeptidases que clivam as ligações cruzadas entre as duas cadeias de glicano, entretanto, parecem que a PBP4 não é encontrada no genoma de A. baumannii (Cayô et al., 2011). A PBP5 é a principal carboxipeptidase e é responsável pela clivagem do domínio terminal D-Ala-D-Ala tornando a cadeia de peptídio disponível para a transpeptidação (Spratt e Strominger, 1976). Em E. coli, as PBP6 e PBP6b possuem sequencias homólogas à sequencia da PBP5 e, assim como ela, também possuem ação de carboxipeptidase. Em isolados de Acinetobacter spp. somente a PBP6 é idêntica à PBP5 (Cayô et al., 2011). As outras PBPs de baixo peso moleculas já descritas PBP4b e AmpH possuem função desconhecida (Sauvage et al., 2008). As PBPs possuem variado grau de afinidade pelos β-lactâmicos e, dessa forma, alterações nessas proteínas são responsáveis pelo desenvolvimento de resistência à 13 Revisão Bibliográfica esses antimicrobianos (Sauvage et al., 2008). Ainda existem poucos estudos em relação à participação de PBPs na resistência aos β-lactâmicos em isolados de A. baumannii (Gehrlein et al., 1991; Obara & Nakae, 1991; Fernández-Cuenca et al., 2003; Cayô et al.; 2011). Gehrhein et al. (1991) associou alterações nas PBPs de isolados clínicos de A. baumannii com resistência à imipenem nesses isolados. 2.2.2 Polimixinas As polimixinas são antimicrobianos polipeptídicos descobertos em 1947 como produto do microrganismo de solo Paenibacillus (Bacillus) polymyxa. Esses antimicrobianos são utilizados na prática clínica nas formas de polimixina B e E, essa última também chamada de colistina. A estrutura química das duas polimixinas se diferencia pela presença de um único aminoácido na mesma posição, D-Leucina na molécula de colistina e D-Fenilalanina na molécula de polimixina B (Bergen et al., 2006), conforme mostrado na Figura 1. O sulfato de colistina é utilizada somente na formulação tópica, enquanto que o colistimetato de sódio é uma preparação para uso parenteral e seus principais componentes são colistina A e colistina B (Figura 2), que diferem em sua composição pelo resíduo de ácidos graxos (Landman et al., 2008). Desde sua descoberta até a década de 1960, essas drogas eram opções terapêuticas frequentemente usadas para o tratamento de infecções graves por bacilos P. aeruginosa. A partir da década de 1970, as polimixinas foram gradativamente substituídas pelas cefalosporinas de amplo espectro e pelos aminoglicosídeos, que apresentavam o espectro de atividade, semelhante, mas com menor toxicidade. Até a década de 1990, as polimixinas eram utilizadas somente em formulações tópicas ou inalatórias no tratamento de infecções não graves ou na prevenção da colonização por P. aeruginosa em pacientes com fibrose cística, respectivamente (Li et al., 2006a). 14 Revisão Bibliográfica A molécula de polimixina consiste de uma cadeia lateral de ácidos graxos ligada a um anel peptídeo policatiônico composta de dez aminoácidos. Por serem compostos catiônicos, as polimixinas possuem alta afinidade por superfícies carregadas negativamente, como o lipopolissacarídeo (LPS) ( da membrana externa bacteriana. Os antimicrobianos icrobianos dessa classe agem na membrana celular externa da parede celular bacteriana, deslocando as moléculas léculas de cálcio e magnésio que estabilizam o LPS, promovendo o aumento da permeabilidade celular. Logo após, essas drogas interagem da mesma forma com a membrana interna da célula, promovendo a liberação dos componentes celulares, levando lev à morte celular bacteriana (Hancock, Hancock, 1997). 1997 Figura 1: Estrutura química das moléculas de polimixinas. polimixina A: Molécula de polimixina B; B: Molécula de colistina. Adaptado de Bergen et al., 2006. 15 Revisão Bibliográfica Figura 2: Estrutura química da colistina - A e do colistimetato de sódio - B (Li et al., 2006b). Atualmente, as taxas de infecção causada por bactérias Gram negativas resistentes à maioria dos antimicrobianos utilizados comumente na clínica tem aumentado com grande rapidez, restringindo cada vez mais as opções terapêuticas. Associado a esse fato, a indústria farmacêutica não tem produzido novos antimicrobianos, para os quais as bactérias ainda não tenham desenvolvido mecanismo de resistência. Dessa forma, as polimixinas foram novamente introduzidas na prática clínica, em alguns casos, como a última opção terapêutica ainda efetiva. As polimixinas possuem um amplo espectro de ação contra bactérias Gram negativas, com algumas exceções, como, Proteus spp. Burkholderia spp., Serratia spp., Morganella morgannii e Providencia spp., que apresentam resistência intrínseca a esse agente antimicrobiano. A resistência às polimixinas ainda é rara entre microrganismos não fermentadores, como Acinetobacter spp. e P. aeruginosa (Gales et al., 2001; Gales et al., 2006). Um estudo recente do Sentry Antimicrobial Surveillance Program apontou 16 Revisão Bibliográfica que polimixina B ainda apresenta excelente atividade contra bactérias Gram negativas, incluindo aquelas que apresentam resistência aos carbapenens. No entanto, esses autores observaram uma tendência a um aumento da resistência às polimixinas entre os isolados de K. pneumoniae de hospitais localizados na América Latina. Esses isolados apresentam concentrações inibitórias mínimas (CIMs) de polimixina B e colistina mais elevadas do que as observadas entre isolados não fermentadores que apresentam esse fenótipo (Gales et al., 2011; Sader et al., 2011). 2.2.2.1 Mecanismos de resistência às polimixinas O mecanismo de resistência às polimixinas não está completamente elucidado até o momento. Em geral, são observados dois fenótipos de resistência, o primeiro, denominado resistência natural, provavelmente resultante de mutação no genoma bacteriano e que promove baixo grau de resistência com CIMs próximas aos pontos de corte para mudança de categoria de sensibilidade. O segundo fenótipo de resistência às polimixinas é denominado mecanismo adaptativo, no qual a bactéria, inicialmente sensível, desenvolve resistência às polimixinas após à exposição cem concentrações crescentes de polimixinas. Esse último mecanismo pode levar a CIMs bem mais elevadas, acima de 128 µg/mL e pode ser um fenótipo reversível, dependendo da espécie bacteriana, na ausência da pressão seletiva estabelecida pela droga (Skiada et al., 2011). Dessa forma, a utilização do antimicrobiano em doses não suficientes para erradicação do patógeno pode contribuir para o surgimento do fenótipo adaptativo de resistência às polimixinas. A parede celular de bactérias Gram negativas é formada por uma membrana interna que separa o conteúdo intracelular do espaço periplasmático onde estão presentes as betalactamases, seguida por uma camada fina de peptideoglicano. Esses microrganismos possuem a membrana externa fosfolipídica envolvendo a célula. A 17 Revisão Bibliográfica parede celular bacteriana é ancorada por moléculas de LPS que cobrem cobre a área externa total da superfície celular bacteriana, com exceção dos espaços ocupados pelas porinas (Nikaido, 2003). O LPS é composto por três regiões,, em sua extremidade mais interna, por um lipídio A, na porção central por um core de oligossacarídeo arídeo e, em sua extremidade mais externa,, por um antígeno O (Figura 3). Figura 3. Desenho esquemático da parede celular bacteriana de bactérias Gram negativas (Adaptado de Brock, 2003). Lipídio A é a porção que ancora o LPS na superfície da membrana interna e é composto por fosfolipídioss baseados em moléculas de glicosamina. O lipídio A é a endotoxina bacteriana, responsável por ativar os receptores do sistema imunológico TollToll Like 4, desencadeando a resposta inflamatória, inflamatória que pode levar ao choque tóxico (Raetz e Whitfield, 2002; Koch et al., ., 2012; 2012 Triantafilou et al., 2012).. Devido à grande afinidade da 18 Revisão Bibliográfica molécula de polimixina pelo lipídio A, cuja carga é negativa, essa droga também apresenta atividade anti-endotoxina (Chen et al., 2010). O core de oligossacarídeo é uma pequena porção central do LPS dividida em core externo e core interno (lipídio A proximal), esse último é composto por heptose e resíduos de ácido 3-deoxi-D-manno-oct-2-ulosonico (KDO). Assim como o lipídio A, o core de oligossacarídeo é uma região altamente conservada e desempenha papel crucial na estabilização das funções de barreira da membrana externa bacteriana (Heinrichs et al., 1998; Nikaido, 2003). Durante sua formação, o core de oligossacarídeo é agregado a um lipídio A pré-formado, por transferência sequencial do radical glicosil a partir de precursores de açúcares. Esse processo envolve um complexo de glicosiltransferases associadas à membrana, agindo na face interna da membrana celular interna. Após a síntese do LPS, o MsbA, um transportador do tipo ABC, é responsável por lançar o lipídio A através da membrana (Heinrichs et al., 1998; Nikaido, 2003). A porção do antígeno-O é a mais externa da molécula de LPS e, dessa forma, define as propriedades da superfície celular em espécies que não produzem cápsula. Essa porção do LPS é importante para fugir do ataque do sistema imunológico do hospedeiro. Para isso, essa porção é menos conservada do que o lipídio A e o core de oligossacarídeo. Microrganismos produtores de cápsula podem não possuir o core de oligossacarídeo em seu LPS, ou esse não estar aparente na superfície celular (Nikaido, 2003). Estudos em Salmonella enterica foram os primeiros a demonstrar a associação entre alterações no LPS bacteriano e diminuição da sensibilidade às polimixinas. A principal alteração encontrada foi uma adição de 4-amino-arabinose na porção do lipídio A do LPS (Castelli et al., 2000; Navarre et al., 2005). Logo após os estudos com S. enterica, essas alterações de LPS também foram descritas em outras espécies, inclusive entre microrganismos não fermentadores (Gunn et al., 1998; Moskowitz et al., 2004; Winfield et al., 2005). Em geral, alterações no LPS bacteriano são descritas como 19 Revisão Bibliográfica responsáveis por alterações na carga de superfície da célula bacteriana e redução na afinidade do antimicrobiano pela parede celular. A regulação gênica do desenvolvimento de resistência às polimixinas, por meio de alterações no LPS conhecida até o momento, é realizada pelos sistemas de dois componentes (“Two Component Systems”). Esses sistemas são ativados por fatores ambientais, como, presença de ferro, concentrações elevadas de cálcio ou baixas de magnésio, ou ainda, alterações do pH no meio. A presença de polimixinas no meio também desencadeia a ativação desses sistemas (Groisman et al., 1997, Moskowitz et al., 2012). Esses sistemas de dois componentes são sistemas globais de regulação gênica, utilizados por diversas espécies bacterianas para regulação da expressão de diferentes fatores de resistência e também de virulência. Eles são constituídos por uma proteína sensor de histidina quinase que percebe estímulos ambientais, sofrendo uma reação de autofosforilação, ativando uma segunda proteína citoplasmática, por uma reação de transfosforilação. A segunda proteína, então, promove a ativação ou a repressão dos genes alvo, desencadeando a resistência às polimixinas (Gooderhan e Hancock, 2009). Estudos com isolados de K. pneumoniae mostraram a participação dos sistema PhoPQ e PmrAB em diferentes condições ambientais para o desenvolvimento de resistência às polimixinas (Mitrophanov et al., 2008, Mitrophanov e Groisman, 2008). Mitrophanov et al. (2008) observaram que em baixas concentrações de magnésio, o sistema PhoPQ é ativado promovendo a expressão do gene pmrD. Tanto a expressão de pmrD, quando a presença de ferro estimulam a ativação do sensor quinase pmrB, que promove a ativação de PmrA, que por sua vez, leva a modificações no LPS bacteriano em K. pneumoniae e à resistência às polimixinas. O mesmo grupo de pesquisa, em estudos anteriores avaliando outras enterobactérias como S. enterica e E. coli, mostraram a participação desses dois sistemas. No entanto, nessas duas espécies, tanto 20 Revisão Bibliográfica o sistema PhoPQ quanto o sistema PmrAB ativaram ativa m diretamente o gene pmrD (Figura 4, Kato et al., 2003; Kato et al., 2007). Figura 4. Esquema da regulação do desenvolvimento de resistência às polimixinas polim por isolados de Enterobactérias controlado por sistemas de dois componentes. A. Sistema regulatório em S. enterica. B. Sistema regulatório em K. pneumoniae (Mitrophanov et al., 2008). A resistência às polimixinas em isolados de P. aeruginosa envolve uma complexa rede de sistemas de dois componentes. Até este momento, o envolvimento de três destes sistemas com resistência às polimixinas foram descritos,, o sistema PmrAB, PhoPQ e, mais recentemente, o sistema ParR/S (Barrow e Kwon, 2009; Fernández et al., 2010; Miller et al., ., 2011; Moskowitz et al., 2012). Alterações ções no sistema PmrAB, PmrA por meio de mutações no gene pmrB,, associado à expressão dependente de pmrA, pmrA representam importantes mecanismos de regulação de resistência às polimixinas (Barrow e Kwon, 2009; Moskowitz et al., ., 2012). O sistema PhoPQ PhoPQ está envolvido na modificação do lipídio lip A do LPS de bactérias Gram negativas, devido à mutações que levam a perda de função do gene phoQ e contribuem para o desenvolvimento de altos níveis de resistência às polimixinas limixinas (Barrow e Kwon, 2009; Miller et al., 2011). Ambos os sistemas, PmrAB e PhoPQ, Q, promovem modificações na expressão do operon arnBCADTEF BCADTEF responsável pela adição de 4-amino-arabinose arabinose no lipídio A, que leva à alteração no fenótipo de resistência 21 Revisão Bibliográfica às polimixinas. O sistema de dois componentes ParRS foi o último descrito até o momento em isolados de P. aeruginosa com resistência adaptativa às polimixinas. Esse sistema foi relacionado a mutações no operon arnBCADTEF na presença de concentrações subinibitórias de polimixina, que levaram à modificações no LPS e conseqüente resistência à mesma (Fernández et al., 2010). Em A. baumannii, somente o operon pmrCAB foi descrito, até o momento, como relacionado à resistência às polimixinas. Seus genes compõem um sistema de dois componentes, onde o pmrB é o sensor de histidina quinase e o pmrA é a proteína reguladora da resposta. Esse sistema controla a expressão do gene pmrC o qual é responsável pela adição de fosfoetanolamina ao lipídio A do LPS da parede celular bacteriana levando à resistência bacteriana (Figura 5). Mutações nos genes pmrA ou pmrB também promovem diminuição da sensibilidade às polimixinas (Adams et al., 2009; Arroyo et al., 2011). 22 Revisão Bibliográfica Figura 5: Desenho esquemático do sistema de dois componentes que regula o desenvolvimento de resistência à polimixinas em isolados de A. baumannii (A). Operon PmrCAB (B). Adaptado de Mitrophanov et al., 2008. Em 2010, Moffat et al. al relataram a perda total do LPS bacteriano em isolados de A. baumannii com resistência in vitro à colistina. Esses autores observaram a mutação no gene que codifica o LPS, lpxA,, que levou a perda total do LPS da parede celular bacteriana. Moffat et al. (2010) ainda sugerem que esses isolados ados conseguiram elaborar uma parede celular na ausência de LPS para sobreviver às pressões externas e internas. Esses autores afirmaram m que a perda do LPS promoveu a diminuição da integridade da parede celular bacteriana e, consequentemente levou a mudanças mudanç no perfil de sensibilidade dos isolados de A. baumannii.. Alguns estudos descrevem a mudança do perfil de sensibilidade com reversão da resistência aos antimicrobianos, incluindo aqueles 23 Revisão Bibliográfica para os quais os isolados de Acinetobacter spp. são intrinsecamente resistentes (Gordon et al., 2010; Cai et al., 2012). Alguns autores sugerem, tanto em estudos in vivo quanto in vitro, o uso da associação sinérgica de polimixinas a outros antimicrobianos como carbapenens, tigeciclina, vancomicina, rifampicina, ampicilina/sulbactam ou amicacina, para tratamento de infecções graves causadas por A. baumannii (Fulnecky et al., 2005; Biancofiore et al., 2007; Pantopoulou et al., 2007; Bassetti et al., 2008; Song et al., 2008; Principe et al., 2009; Candel et al., 2010; Pankuch et al., 2010; Rodriguez et al., 2010; Hornsey et al., 2011; Santimaleeworagun et al., 2011; Sheng et al., 2011; Shields et al., 2011; Peck et al., 2012). Além de alterações no LPS bacteriano, a produção de cápsula polissacarídica já foi relacionada com a diminuição da sensibilidade às polimixinas em isolados de K. pneumoniae (Llobet et al., 2008; Cheng et al., 2010). Cheng et al. (2010) observaram que amostras mutantes para o gene ugd, responsável pela biossíntese de cápsula apresentavam maior sensibilidade às polimixinas em relação à cepa selvagem, o que demonstra que, nessa espécie, a produção de cápsula também está envolvida com resistência às polimixinas. A membrana externa da parede celular de bactérias Gram negativas permite a passagem de moléculas de nutrientes pequenas e lipofílicas. No entanto, sua natureza hidrofóbica dificulta a entrada de solutos hidrofílicos por ela, como a maioria dos nutrientes celulares. Sendo assim, a parede celular bacteriana possui canais formados por proteínas que permitem a entrada dessas moléculas e a saída de moléculas tóxicas para a célula. Essas proteínas são denominadas porinas e servem de porta de entrada para os antimicrobianos hidrofílicos na célula bacteriana. Dessa forma, a perda ou a diminuição na expressão de porinas contribuem para a resistência. A regulação da expressão de porinas em resposta à presença de antimicrobianos é uma estratégia de sobrevivência desenvolvida por bactérias de diferentes espécies (Nikaido, 2003). Um estudo conduzido por Vila e colaboradores (2007) observou que a redução na expressão 24 Revisão Bibliográfica da porina OmpW (21 kDa) foi observada em isolados mutantes resistentes à colistina de A. baumannii selecionados in vitro, demonstrando um possível papel dessa porina na resistência a essa classe de antibióticos (Vila et al., 2007; Lee et al., 2011). Em 2006, Li et al. (2006b) descreveram o aparecimento de heterorresistência à colistina em isolados de A. baumannii. Heterorresistência é denominada quando é detectado o surgimento de uma subpopulação resistente em uma população de isolados sensíveis à colistina. Após esse estudo, outros relatos de heterorresistência à colistina começaram a ser publicados em todo o mundo (Ko et al., 2007; Yau et al., 2009; Rodriguez et al., 2009; Chang et al., 2012). Entretanto, o conceito de heterorresistência ainda não é concenso entre pesquisadores. Ainda não se sabe se a base para essa resistência é a presença de uma população de indivíduos geneticamente distintos ou se a variação no sistema regulatório entre indivíduos idênticos pode ser suficiente para a expressão de resistência às polimixinas (Adams et al., 2009). Segundo Cai et al. (2012), a prévia exposição à colistina contribui para o desenvolvimento de heterorresistência, selecionando isolados com CIMs mais elevadas, o que pode levar a falha terapêutica. O uso inapropriado do antimicrobiano é um fator de risco tanto para o surgimento de heterorresistência quanto para o aparecimento dos fenótipos de indução de resistência nos isolados clínicos. Hawley et al. (2008) observaram em seu estudo que, dos pacientes com infecções por A. baumannii que estavam recebendo polimixina em seu tratamento, eram isoladas cepas com CIMs para polimixinas extremamente elevadas, acima dos pontos de corte para mudança de categoria de sensibilidade. Esses autores ressaltam a importância em monitorar a emergência de resistência durante o uso prolongado de polimixinas para evitar falha terapêutica em tratamento por infecções causadas por A. baumannii multirresistentes. Lopez-Rojaz et al. (2011) sugerem que as taxas de resistência às polimixinas ainda são baixas devido à um custo energético sofrido pelo isolado bacteriano para o desenvolvimento do fenótipo de resistência, reduzindo seu fitness. Entretanto, Rolain et al. (2011) afirmam que essas taxas de resistência 25 Revisão Bibliográfica aumentarão assim que o uso da droga se tornar mais comum, levando ao desenvolvimento de resistência por adaptação à pressão seletiva exercida pela droga. AlSweih et al. (2011) prevê grandes problemas clínicos assim que a atividade das polimixinas for reduzida e não existirem outras opções terapêuticas disponíveis para o tratamento de infecções por bacilos Gram negativos multirresistentes. 26 Objetivos 3. OBJETIVOS 27 Objetivos 3. OBJETIVOS 3.1 Geral. Estudar os mecanismos de resistência, “natural” e induzida, à polimixina B em isolados clínicos de Acinetobacter baumannii e sua associação com os mecanismos de resistência a antimicrobianos. 3.2 Específicos. • Promover a indução de resistência à polimixina em isolados de A. baumannii sensível e naturalmente resistente à polimixina B; • Confirmar a similaridade genética entre os isolados de A. baumannii antes e após a indução de resistência à polimixina B; • Avaliar a estabilidade do fenótipo de resistência induzida à polimixina B; • Avaliar o perfil de sensibilidade aos antimicrobianos de cada isolado de A. baumannii, antes e após a indução de resistência à polimixina B; • Avaliar a estrutura da célula bacteriana dos isolados de A. baumannii antes e após a indução de resistência à polimixina B por meio de microscopia eletrônica de transmissão. • Realizar o sequenciamento e análise de transcrição do sistema de dois componentes PmrAB dos isolados de A. baumannii antes a após a indução de resistência à polimixina B; • Avaliar a interferência da indução de resistência à polimixina B com outros mecanismos de resistência que atuam na síntese da parede celular por meio da análise das proteínas de membrana externa, das proteínas ligadoras de penicilinas e do sistema de efluxo AdeABC. 28 Material e Métodos 4. MATERIAL E MÉTODOS 29 Material e Métodos 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1 Fluxograma. No fluxograma abaixo encontram-se resumidamente descritos os testes realizados neste estudo: Estabilidade do A027 (S) Indução de A009 (R) resistência à fenótipo de resistência polimixina B Microscopia Análise da similaridade A027 e A027Ind eletrônica de genética por PFGE A009 e A009Ind transmissão Cultura em meio Teste de sensibilidade hipotônico aos antimicrobianos Sequenciamento PmrAB ANÁLISE DOS MECANISMOS DE RESISTÊNCIA qRT-PCR RELACIONADOS À PAREDE CELULAR PmrAB Efluxo Porina PBPs qRT-PCR qRT-PCR Sequenciamento SDS-PAGE 30 Material e Métodos 4.2 Seleção dos isolados bacterianos Foi selecionado para este estudo um isolado clínico de A. baumannii resistente à polimixina B, A009 (CIM, 16 µg/mL), isolado em 30/06/2007 de um paciente diagnosticado com infecção do trato respiratório inferior, que não recebeu polimixina B durante seu tratamento. A partir do isolado resistente, para fins comparativos, foi selecionado um isolado de A. baumannii sensível à polimixina B, A027 (CIM, 0,25 µg/mL), recuperado também de um paciente com infecção de trato respiratório inferior, na mesma época (30/06/2007). Ambos isolados estavam armazenados no banco de microrganismos do Laboratório Especial de Microbiologia Clínica (LEMC). Neste estudo, foi denominada resistência “natural”, aquela resistência observada no isolado A009, sem exposição às polimixinas. A resistência apresentada após o subcultivo na presença de polimixina B foi denominada resistência induzida. O perfil de sensibilidade à polimixina B havia sido previamente determinado pelo laboratório clínico e, após a seleção dos isolados, foi confirmado pela técnica de microdiluição em caldo, de acordo com o item 4.3. Os isolados foram inicialmente identificados pelo método automatizado Phoenix System (BD Diagnostics). A identificação foi confirmada pelo sequenciamento da porção 16S do rRNA de aproximadamente 1500bp, utilizando as sequência de oligonucleotídeos 16S-8F e 16S-1493R contidas na Tabela 1, nas seguintes condições de termociclagem: desnaturação inicial à 94ºC por 5 min, seguida por 35 ciclos de desnaturação a 94ºC por 20 segundos, anelamento dos primers a 53ºC por 45 segundos e extensão das fitas a 72ºC por 30 segundos, e uma extensão final à 72ºC por 10 minutos (Mendes et al., 2007). Após a identificação, foi realizada a caracterização dos isolados quanto à presença de genes codificadores de CHDLs, de acordo com as metodologias descritas por Woodford et al., 2006. 31 Material e Métodos 4.3 Indução de resistência à polimixina B Os dois isolados de A. baumannii, sensível e resistente à polimixina B, B foram submetidos ao cultivo em concentrações crescentes de sulfato de polimixina B (SigmaAldrich,, St Louis, MO, USA), USA em dias consecutivos, até a obtenção de isolados resistentes à polimixina B. B Os subcultivos começaram a ser realizados utilizando uma diluição de polimixina B de 0,125 µg/mL, abaixo da concentração inibitória inibitóri mínima (CIM) dos isolados, até atingir a concentração de 64 µg/mL g/mL em meio de cultura sólido Luria Bertani (LB) (Oxoid, Basingstoke, Inglaterra) (Figura 6). Os isolados com resistência induzida à polimixina B foram submetidos no total a nove passagens de subcultivos em meio LB Agar até a obtenção da cepa resistente. Figura 6. Desenho esquemático das passagens de subcultivos na presença de concentrações crescentes de sulfato de polimixina B para a indução de resistência à mesma, nos isolados de A. baumannii. 32 Material e Métodos 4.4 Estabilidade da resistência induzida à polimixina B Após a obtenção dos mutantes resistentes pela indução, esses isolados foram submetidos ao subcultivo em dias consecutivos em ágar LB na ausência de polimixina B, para verificar a estabilidade do fenótipo de resistência induzida na presença da droga e verificar se a CIM retornaria ao valor inicial, observado antes da indução. 4.5 Análise da similaridade genética por “Pulsed Field Gel Eletrophoresis” (PFGE) A relação genética entre os isolados de A. baumannii, antes e após o cultivo na presença de polimixina B, foi avaliada pela técnica de PFGE com o objetivo de comprovar que os isolados estudados permaneciam os mesmos, após os diversos repiques realizados na presença de polimixina B descartando, assim, a possibilidade de contaminação. As amostras foram incubadas por 18 horas em 10 mL de caldo LB (Oxoid, Basingstoke, Inglaterra) e, então, centrifugadas por 20 minutos a 3000 rpm. O sobrenadante foi desprezado e o precipitado, contendo as células bacterianas, diluído em 1 mL de solução salina, homogeneizado e transferido para tubo de microcentrífuga previamente pesado. Os tubos foram centrifugados por 5 minutos a 12000 rpm e o sobrenadante removido. O sedimento bacteriano foi diluído em solução salina, na proporção 1:1 entre o volume de diluente e o peso do material obtido pela centrifugação. Esse último valor foi calculado pela subtração do peso do tubo vazio pelo peso do tubo contendo o precipitado de células. Após minuciosa homogeneização, 40 µL da mistura foi transferido para outro tubo contendo 300 µL de tampão TEN (Tris 100 mM pH 7,5; EDTA 100 mM, NaCl 150 mM). Foi adicionado, então, 340 µL de agarose de baixo ponto de fusão e colocado em moldes para a formação de blocos de gel. 33 Material e Métodos Depois de solidificados, os blocos foram incubados a 37ºC, por no mínimo 4 horas em solução EC (Tris 6 mM pH 6,5, NaCl 1 M; EDTA 0,01 M, Brij 58 0,5%, Sarcosil 0,5% e Deoxiglicolato 0,2%). A solução de EC foi removida e substituída por 2 mL de solução ES (EDTA 0,4 M pH 9,3 e Sarcosil 10%) contendo 1 mg/mL de proteinase K 20 mg/mL. As amostras foram incubadas por 12 horas a 50ºC. Após o tratamento com proteinase K, foram realizadas quatro lavagens com CHEF-TE (Tris 0,1 M pH 7,5, EDTA 0,1 M), de 30 a 60 minutos cada. Os blocos foram armazenados em CHEF-TE. O DNA bacteriano contido nos blocos de agarose foi submetido à clivagem com ApaI, a 37ºC por 12 a 18 horas, de acordo com instruções do fabricante (New England Biolabs, Ipswich, EUA). A eletroforese foi realizada em gel de agarose 1%, em TBE 0,5x (Tris 0,089 M, ácido bórico 0,089 M e EDTA 0,002 M), no sistema CHEF-DR III (BioRad Laboratories, Califórnia, EUA) à temperatura de 13oC e utilizando corrente elétrica de 200 Volts (6V/cm). O gel foi corado com GelRed (Uniscience) e fotografado sob iluminação ultravioleta em Transiluminador (BioRad Laboratories, Califórnia, EUA). O gel foi analisado por inspeção visual, utilizando os critérios de Tenover et al. (1995) para avaliar a similaridade genética entre os isolados. Para serem considerados idênticos, os isolados deveriam apresentar o mesmo perfil eletroforético. 4.6 Teste de sensibilidade aos antimicrobianos O perfil de sensibilidade aos antimicrobianos foi determinado utilizando a metodologia de microdiluição em caldo, seguindo as recomendações do CLSI (2009) para polimixina B. O sal de sulfato de polimixina B foi obtido da Sigma-Aldrich (St Louis, MO, USA). Uma solução mãe contendo 2.560 µg/mL de sulfato de polimixina B foi preparada em água ultrapura e diluída 1:10 em caldo Mueller-Hinton - MH (Oxoid, Basingstoke, Inglaterra) para obtenção da maior concentração de 256 µg/mL a ser testada. A partir dessa diluição, foram realizadas diluições seriadas até a obtenção da concentração de 0,125 µg/mL. Cem microlitros de cada diluição foi dispensado em microplaca, conforme mostrado na Figura 7. 34 Material e Métodos O inóculo bacteriano foi preparado em caldo MH a uma turbidez correspondente à escala 0,5 de McFarland (1.5 x 108) e diluído novamente em caldo MH, para a concentração de 2,5 x 105 para obtenção de um volume final de 5 mL. Cem microlitros do inóculo bacteriano foi dispensado na placa de microdiluição e, dessa maneira, tanto o inóculo bacteriano quanto a concentração do antimicrobiano se reduziram à metade ao final do experimento. Para determinar o perfil de sensibilidade à amicacina, à ciprofloxacina, à levofloxacina, ao aztreonam, à cefoxitina, à tigeciclina, à ceftriaxona, à ceftazidima, à cefepima, ao imipenem, ao meropenem e à piperacilina/tazobactam, foram utilizadas placas de microdiluição em caldo liofilizadas obtidas da TREK Diagnostics (Cleveland, Ohio, USA) e os testes foram realizados conforme recomendações do fabricante (Figura 8). Foram utilizadas como controle de qualidade as cepas ATCC 25922 de Escherichia coli e ATCC 27853 de P. aeruginosa. A leitura das placas de microdiluição foi realizada visualmente. A CIM foi considerada como a primeira concentração a inibir completamente o crescimento bacteriano. Os resultados foram interpretados de acordo com os pontos de corte estabelecidos pelo CLSI (2012), com excessão da tigeciclina para a qual foram utilizados os pontos de corte do EUCAST (2012). 35 Material e Métodos Figura 7. Desenho esquemático da distribuição das concentrações de polimixina B na placa de microdiluição em caldo. AMI 32 AMI 16 AMI 8 AMI 4 POLI 4 POLI 2 POLI 1 POLI 0.5 CIPRO 2 CIRPO 1 CIPRO 0.5 CIPRO 0.25 LEVO 4 LEVO 2 LEVO 1 LEVO 0.5 AZT 16 AZT 8 AZT 4 AZT 2 AZT 1 FOX 16 FOX 8 FOX 4 TGC 4 TGC 2 TGC 1 TGC 0.5 TGC 0.25 TGC 0.12 TGC 0.06 TGC 0.03 AXO 32 AXO 16 AXO 8 AXO 4 AXO 2 AXO 1 AXO 0.5 AXO 0.25 TAZ 16 TAZ 8 TAZ 4 TAZ 2 TAZ 1 TAZ 0.5 TAZ 0.25 TAZ 0.12 FEP 16 FEP 8 FEP 4 FEP 2 FEP 1 FEP 0.5 FEP 0.25 FEP 0.12 IMI 8 IMI 4 IMI 2 IMI 1 IMI 0.5 IMI 0.25 IMI 0.12 IMI 0.06 MERO 8 MERO 4 MERO 2 MERO 1 MERO 0.5 MERO 0.25 MERO 0.12 MERO 0.06 P/T 64/4 P/T 32/4 P/T 16/4 P/T 8/4 P/T 4/4 P/T 2/4 POS NEG POS NEG NEG NEG NEG NEG NEG NEG Firgura 8. Desenho esquemático da placa de microdiluição microdiluição em caldo (TREK Diagnostics) utilizada para avaliação da sensibilidade aos antimicrobianos. AMI: amicacina; POLI: polimixina B; CIPRO: ciprofloxacina; LEVO: levofloxacina; AZT; aztreonam; FOX: cefoxitina; TGC: tigeciclina; AXO: ceftriaxona; TAZ: ceftazidima; FEP: cefepima; IMI: imipenem; MERO: meropenem; meropene P/T: piperacilina/tazobactam; obactam; POS: controle positivo; NEG: controle negativo. 36 Material e Métodos 4.7 Microscopia Eletrônica de Transmissão (MET) Os isolados bacterianos foram cultivados em 20 mL de Caldo LB na presença e na ausência de polimixina B até atingirem uma absorbância de 0,6 a um comprimento de onda de 660 nm em espectrofotômetro BioMate 5, ThermoSpectronic (Thermo Fisher Scientific, Wilmington, DE, USA), correspondente à fase exponencial de crescimento bacteriano. A cultura foi centrifugada a 12.000 rpm por 10 minutos em temperatura ambiente. O pellet foi ressuspenso em 1 mL de Glutaraldeído 2,5% adicionado a FA 2% em tampão cacodilato de sódio 0,1 M pH 7,2. O material foi então incubado por 1 hora em temperatura ambiente para a primeira fixação. Decorrido esse período, foi realizada a primeira lavagem com 3 ciclos de 15 minutos com tampão cacodilato de sódio 0,1 M pH 7,2. A segunda fixação foi realizada com tetróxido de ósmio 2%, diluído em tampão cacodilato de sódio 0,1 M pH 7,2, por 2 horas. Depois da fixação, foi realizada a outra lavagem com tampão cacodilato de sódio 0,1 M pH 7,2 por duas vezes de 10 minutos cada. O material foi então desidratado gradativamente com etanol 70%, 90% e 100% por 2 ciclos de 15 minutos cada, seguido por 2 ciclos de 30 minutos com óxido de propileno. Após a desidratação o material foi submetido à infiltração em resina EPON de acordo com as seguintes etapas: incubação do material com a mistura resina:óxido de propileno (1:2) por 12 horas; seguido por resina:óxido de propileno (1:1) por 8 horas; resina:óxido de propileno (2:1) por 12 horas e, por último, resina pura por 4 horas. Foi então realizada a aplicação de vácuo por 2 horas. A inclusão e polimerização foram realizadas a 60ºC por 48 horas. As amostras foram visualizadas em microscópio eletrônico de transmissão Jeol 1200 EXII. 4.8 Cultivo em meio hipotônico Os isolados de A. baumannii foram submetidos ao cultivo em água destilada estéril por 8 horas para verificar se as alterações observadas por MET correspondiam as alterações na estrutura da parede celular bacteriana. Após a incubação, os isolados 37 Material e Métodos foram cultivados em meio LB ágar por 18 horas, a 37ºC. O crescimento no meio LB após o cultivo em água descarta uma deficiência estrutural na parede celular. 4.9 Sequenciamento do sistema de dois componentes PmrAB Os isolados de A. baumannii, cultivados na presença e ausência de polimixina B, foram submetidos à PCR utilizando sequências de oligonucleotídeos iniciadores (Invitrogen) específicos para os genes que compõem o sistema de dois componentes PmrAB envolvidos na regulação da resistência às polimixina. Para o gene pmrA, que codifica a proteína reguladora da resposta transcricional, foram utilizadas as sequências de oligonucleotídeos, com anelamento interno e externo aos gene, pmrA1_F, pmrA1_R, pmrA2_F e pmrA2_R, respectivamente. Para o gene pmrB, que codifica a proteína sensor quinase, foram utilizadas as sequências pmrB1_F, pmrB1_R, pmrB2_F e pmrB2_R, que anelam externamente e internamente ao gene, respectivamente. Todas as sequências de oligonucleotídeos possuem temperatura de anelamento de 55ºC e estão descrita na Tabela 1. A PCR foi realizada em termociclador EP Gradient (Eppendorf) e as condições de ciclagem foram as seguintes: desnaturação inicial a 95ºC por 10 minutos, seguido por 35 ciclos de desnaturação a 95ºC por 30 segundos, anelamento dos oligonucleotídeos (20 µm) a 55ºC por 30 segundos e extensão das fitas a 72ºC por 3 minutos. Após os 35 ciclos, foi realizada uma extensão final a 72ºC por 10 minutos. A eletroforese foi realizada em gel de agarose a 1,5%, utilizando um marcador de peso molecular conhecido de 1 Kb (Fermentas, USA). Os fragmentos gerados na PCR foram purificados com Kit PCR CleanUp (Qiagen, Hilden, Alemanha) e submetidos ao sequenciamento utilizando 2 µL de BigDye Terminator v 3.1 (Applied Biosystems, Warrington, United Kingdom), diluídos em 6 µL de Tampão Big Dye Terminator 5x (Applied Biosystems, Warrington, United Kingdom), adicionado a 1 µL do oligonucleotídio diluído a 3,2 µm e 5 µL de DNA purificado. A reação foi completada com água para a obtenção de um volume final de 20 µL. As condições de ciclagem foram as seguintes: desnaturação do DNA a 95ºC por 1 minuto; 38 Material e Métodos anelamento dos oligonucleotídeos a 50ºC por 30 segundos e extensão das fitas a 60ºC por 3 minutos. O sequenciamento foi realizado em ABI Prism 3500 Series (Applied Biosystems). As sequências obtidas foram comparadas com sequências depositadas no banco de dados do GeneBank (http://blast.ncbi.nlm.nih.gov/Blast.cgi) e analisadas utilizando as ferramentas de alinhamento do software DNA Star. 4.10 PCR em Tempo Real (qRT-PCR) para quantificação da transcrição do sistema de dois componentes PmrAB 4.10.1 Extração de RNA Total e síntese de cDNA Os isolados foram cultivados em 20 mL de Caldo LB na presença e ausência de sulfato de polimixina B (Sigma-Aldrich, St Louis, MO, USA) a 37ºC, sob agitação, até atingirem a fase logarítmica de crescimento, correspondente à absorbância de 0,5 a 0,6 a um comprimento de onda de 600 nm em espectrofotômetro BioMate 5, ThermoSpectronic (Thermo Fisher Scientific, Wilmington, DE, USA), correspondente à fase exponencial de crescimento. Um mililitro da cultura foi adicionado a 1 mL de RNA Protect Bacteria Reagent (Qiagen, Hilden, Alemanha), homogeneizado por completo em vórtex e incubado por 5 minutos em temperatura ambiente. Transcorrido esse período, foi realizada uma centrifugação por 10 minutos a 12.000 rpm em temperatura ambiente. O RNA foi então extraído a partir do sedimento bacteriano resultante, utilizando o RNeasy Mini Kit (Qiagen, Hilden, Alemanha), de acordo com as recomendações do fabricante. Para retirada de resíduos de DNA bacteriano foi realizado um tratamento com RNAse Free-DNAse Set (Qiagen, Hilden, Alemanha) durante a extração do RNA. O RNA total foi quantificado em NanoDrop 2000 (Thermo Fisher Scientific, Wilmington, DE, USA). A reação de transcriptase reversa foi realizada utilizando 30 ng de RNA de cada amostra, com High Capacity cDNA Reverse Transcription Kit (Applied Biosystems, Warrington, United Kingdom), de acordo com as recomendações do fabricante. A reação foi incubada 39 Material e Métodos por 10 minutos a 25ºC, seguido por 120 minutos a 37ºC, em termociclador Eppendorf. O cDNA foi armazenado em freezer -80ºC até sua utilização. 4.10.2 Quantificação relativa da transcrição gênica A técnica de PCR em tempo real foi utilizada para quantificar a transcrição relativa dos genes que compõe o sistema de dois componentes PmrAB, que estão envolvidos no desenvolvimento de resistência às polimixinas em A. baumannii. O cDNA preparado a partir da extração de RNA das amostras de A. baumannii, sensíveis e resistentes às polimixinas, foi submetido à reação de PCR em tempo real utilizando sequências de oligonucleotídeos iniciadores (Invitrogen, Eragny, France) específicos para cada gene que compõe o sistema de dois componentes PmrAB, RT_pmrA_F e RT_pmrA_R para o gene pmrA e, RT_pmrB_F e RT_pmrB_R para o gene pmrB (Tabela 2). As reações de PCR em tempo real foram realizadas em triplicata utilizando 12,5 µL de Platinum SyBR Green qPCR com ROX (Invitrogen, Eragny, France), adicionado de 0,25 µL de cada oligonucleotídeo iniciador. À mistura, foi adicionado 2 µL de cDNA para obtenção de um volume final de 25 µL. A reação de PCR foi realizada no equipamento Real Time 7500 (Applied Biosystems, Warrington, United Kingdom). 4.10.3 Análise da quantificação relativa da transcrição gênica Para determinação da eficiência de cada oligonucleotídeo foi realizada uma curva de desnaturação (“melting curve”) utilizando um extrato de DNA a partir de um inóculo bacteriano do isolado sensível A027, na escala 0,5 de McFarland. Desse inóculo inicial foi realizada uma diluição seriada de 1:10 até a diluição de 10-8. Todas as reações de qRTPCR foram realizadas em triplicata e o gene ribossomal 16S foi utilizado como gene de referência para a normalização da transcrição dos genes alvo. A eficiência das reações de amplificação dos genes estudados foi determinada de acordo com a fórmula E = (10-1/slope -1) x 100, onde “slope” representa a inclinação da reta no gráfico de regressão linear das médias dos valores de Ct observadas nas 3 replicatas 40 Material e Métodos das reações de qRT-PCR para as diluições seriadas do extrato do isolado sensível A027. Ct (“Ciclo Threshold”) é considerado o ciclo em que foi detectada fluorescência durante a amplificação da reação de qRT-PCR, acima do limite basal de fluorescência observado no início da reação. A análise da expressão foi realizada utilizando o software SDS v 2.0 (Applied Biosystems, Warrington, Reino Unido) pelo método Ct comparativo (∆∆Ct), onde a expressão normalizada (EN) é calculada de acordo com a fórmula ∆Ct = Ctgene alvo – Ctgene endógeno. Para a correção do cálculo da RQ, a eficiência da reação de cada gene foi calculada utilizando o modelo matemático descrito por Pfaffl et al. (2001), utilizando o software SDS v 2,0. A transcrição relativa de cada gene alvo para os isolados clínicos de A. baumannii foi calculada em relação à transcrição de cada gene no isolado A027, sensível à polimixina B a partir da diferença entre o ∆Ct de cada gene alvo na amostra referência e o ∆Ct de cada gene na amostra a ser testada. Dessa forma, o valor de RQ indica quantas vezes um gene é transcrito em uma amostra em relação à expressão quantificada na amostra usada como referência, utilizando a fórmula RQ = 2-∆∆Ct. As temperaturas de melting e a eficiência de cada oligonucleotídeo para as reações estão descritas na Tabela 3. 4.11 Associação de resistência às polimixinas com mecanismos de resistência relacionados à parede celular bacteriana 4.11.1 Avaliação de proteínas de membrana externa 4.11.1.1 Extração de proteínas de membrana externa Para verificar possíveis alterações no perfil de porinas e PBPs das membranas dos isolados de A. baumannii após o cultivo na presença de sulfato de polimixina B, 41 Material e Métodos esses foram submetidos ao SDS-PAGE do extrato de proteínas de membrana externa e interna. Os isolados foram cultivados em 15 mL de caldo LB na presença e ausência de sulfato de polimixina B, a 37ºC, sob agitação, por 24 horas. Os inóculos foram centrifugados a 4.000 rpm, por 15 minutos, a 4ºC. O sedimento bacteriano foi então ressuspenso em 1 mL de tampão TrisMg (Tris 10mM; MgCl2 5mM), pH7,3 e sonicado por 5 ciclos de 30 segundos, parando por 1 segundo a cada 5 segundos corridos. Após essa etapa, foi realizada outra centrifugação a 5.000 rpm, por 5 minutos, a 4ºC. O sobrenadante foi transferido para outro tubo e centrifugado novamente por 30 minutos, a 17.000 rpm, a 4ºC. O sobrenadante foi descartado e 800 µL de Sarcosil 30% foi adicionado ao sedimento e incubado por 30 minutos em temperatura ambiente. Transcorrido esse período, foi realizada uma nova centrifugação de 30 minutos, a 17.000 rpm, a 4ºC. O sedimento foi então lavado com tampão TrisMg (Tris 10mM; MgCl2 5mM), pH 7,3 e centrifugado por 30 minutos, a 17.000 rpm, a 4ºC. O sobrenadante foi descartado e o sedimento, correspondente à porção da membrana externa, foi ressuspenso em 40 µL do tampão TrisMg (Tris 10 mM; MgCl2 5 mM), pH 7,3. O extrato protéico foi armazenado a uma temperatura de -20ºC até sua utilização. Os extratos protéicos foram quantificados com reagente de Bradford. 4.11.1.2 Avaliação do perfil de proteínas de membrana externa por SDS-PAGE As concentrações dos extratos protéicos foram igualadas em tampão de amostra Laemmi Sample Buffer (BioRad Laboratories, Hercules, CA, EUA) adicionado de 2Mercaptoetanol (Merck, Darmstadt, Germany) e aquecidas a 100ºC por 5 minutos. Vinte microlitros da mistura foi adicionada ao gel de poliacrilamida a 15%. A eletroforese foi realizada a uma voltagem de 15 V por 30 minutos para a entrada do material no gel de poliacrilamida, seguido por uma voltagem foi aumentada para 100 V por 2 horas. Foi utilizado um marcador de peso molecular Pre-stained SDS-Page Standards, Broad Range (Roche Diagnostics). 42 Material e Métodos 4.11.1.3 Quantificação relativa da transcrição dos genes que codificam porinas O cDNA foi preparado a partir da extração de RNA dos isolados de A. baumannii cultivados, na presença e ausência de sulfato de polimixina B, conforme item 4.10.1 e foi submetidos à reação de qRT-PCR para verificar alterações na expressão dos genes responsáveis por codificar as proteínas de membrana externa CarO, OmpA e OmpW. Foram utilizados oligonucleotídeos iniciadores (Invitrogen, Eragny, France) específicos para cada porina, descritos na Tabela 2. A reação de PCR em tempo real foi realizada de acordo com o protocolo descrito no item 4.10.2. 4.11.2 Quantificação relativa da transcrição do gene adeB, que codifica a proteína estrutural do sistema de efluxo AdeABC Os isolados de A. baumannii cultivados na presença e ausência de polimixina B foram submetidos à reação de qRT-PCR para verificar alterações na transcrição do sistema de efluxo AdeABC. A extração de RNA e a síntese do cDNA foram realizados de acordo com o protocolo descrito no item 4.10. Foram utilizados oligonucleotídeos iniciadores (Invitrogen, Eragny, France) específicos para o gene adeB, responsável pela síntese da proteína estrutural que está acoplada à membrana e compõe os sistema de efluxo AdeABC, AdeB_F e AdeB_R (Tabela 2). A reação de qRT-PCR foi realizada de acordo com o protocolo descrito no item 4.10. 4.11.3 Sequenciamento dos genes que codificam as PBPs Para verificar possíveis alterações nas PBPs nos isolados de A. baumannii antes e após o cultivo na presença de polimixina B, foram realizados sequenciamento dos genes que codificam as PBPs de alto peso molecular de classe A (PBP1a e PBP1b) e classe B (PBP2 e PBP3), responsáveis pela síntese da parede celular bacteriana de acordo com o protocolo descrito no item 4.9. Foram utilizadas sequencias de oligonucleotídeos iniciadores descritos anteriormente por Cayô et al. (2011), encontradas na Tabela 1. 43 Material e Métodos Tabela 1. Sequências de oligonucleotídeos iniciadores utilizados para as reações de PCR e sequenciamento. Fragmento Primer Sequência (5’-3’) Referência (pb) pmrA1_F TGTGGTTCTCTGAAAGTTGGAA Este estudo 1.060 pmrA1_R GGGTGCTCAGCTGTTCTTTC pmrA2_F GATGGTTTGGCTCAATTGGCG Este estudo Este estudo 227 pmrA2_R CGGGCAAGCAACTCATCAAAC pmrB1_F AAATCGTGAATGGGCAATCT Este estudo Este estudo 1.914 pmrB1_R CTGCCCTTGGAATATGGTTC pmrB2_F GCAGCCATTATTCGTCGTGG Este estudo Este estudo 229 pmrB2_R GTGCAGTCACAGGTGTTCGT PBP1a_ponA_F ATGTATCTCTATATTGCCCCA Este estudo Cayô et al., 2011 2.450 PBP1a_ponA_R ATCAAGTTTTCTAATTCATCTTTTTCA PBP1a_ponA2_F GAACGTCGCAACTGGATTTT Cayô et al., 2011 Cayô et al., 2011 2.450 PBP1a_ponA4_R TGACTGTTATTTTTGTCCGTCTG PBP1b_mrcB_F GTTATAACTACCACTTGAAATGATTCG Cayô et al., 2011 Cayô et al., 2011 2390 PBP1b_mrcB_R TGAAGTTTGAACGTGGTATCG PBP1b_mrcB3_F GATGGACCTTGAACCAAACC Cayô et al., 2011 Cayô et al., 2011 2.390 PBP1b_mrcB3_R GGTTTGGTTCAAGGTCCATC PBP2_pbpA_F AGCACTTTCCTTTAAAAGATATCCAG Cayô et al., 2011 Cayô et al., 2011 2.010 PBP2_pbpA_R ATTCATCGACCTCGTTTGTAGC PBP2_pbpA3_F TCCAAATGGATGAAAGGTGA Cayô et al., 2011 Cayô et al., 2011 2.010 PBP2_pbpA3_R TTGCACGTAAAACATGTGGAA PBP3_ftsI_F TTACCTGCGAATAGGATTTTCTG Cayô et al., 2011 Cayô et al., 2011 1.758 PBP3_ftsI_R ATGTGGCGGTTTTATCTGCT PBP3_ftsI3_F TCAAACCAATAATTTGGGCATT Cayô et al., 2011 Cayô et al., 2011 1.758 PBP3_ftsI3_R TTATTACCCRCAACCTCAGC 16S_8F AGAGTTTGATCCTGGCTCAG Cayô et al., 2011 Mendes et al., 2007 1.485 16S_1493R ACGGCTACCTTGTTACGACTT Mendes et al., 2007 44 Material e Métodos Tabela 2. Seqüências de oligonucleotídeos iniciadores utilizados para reações PCR em tempo real. Fragmento Primer Sequência (5’-3’) RT_pmrA_F GATGGTTTGGCTCAATTGGCG (pb) Referência Este estudo 227 RT_pmrA_R CGGGCAAGCAACTCATCAAAC RT_pmrB_F GCAGCCATTATTCGTCGTGG Este estudo Este estudo 229 RT_pmrB_R GTGCAGTCACAGGTGTTCGT OmpA_F CTCTTGCTGGCTTAAACG Este estudo Pereira, 2009 254 OmpA_R TGTGTGACCTTCGATACG OmpW_F TTAGCATCAGCAGGTTGG Pereira, 2009 Pereira, 2009 120 OmpW_R TATTGGTATCGGGGCAAC CarO_F GCAATGGCAGATGAAGC Pereira, 2009 Pereira, 2009 111 CarO_R TAAAGCACCACCGTAACC AdeB_F GGATTATGGCGACAGAAGGA Pereira, 2009 Pereira, 2009 106 AdeB_R AATACTGCCGCCAATACCAG 16S_F CAGCTCGTGTCGTGAGATGT Pereira, 2009 Pereira, 2009 150 16S_R CGTAAGGGCCATGATGACTT Pereira, 2009 Tabela 3. Padronização da curva de melting para cada gene submetido à PCR em tempo real. Temperatura de Concentração do Eficiência (%) Slope Melting inóculo pmrA 80,8 142,97 -2,594 10 -10 -1 -4 pmrB 80,4 113,8 -3,03 10 -10 -1 -5 OmpW 78,3 124,2 -2,851 10 -10 -1 -4 OmpA 81,1 117,45 -2,964 10 -10 -1 -4 CarO 79,3 119,4 -2,93 10 -10 -1 -4 AdeB 77,9 125,7 -2,828 10 -10 -1 -4 45 Resultados 5. RESULTADOS 46 Resultados 5. RESULTADOS 5.1 Caracterização dos isolados de A. baumannii Os isolados clínicos de A. baumannii sensível (A027) e resistente (A009) à polimixina B e seus mutantes com resistência induzida, A027Ind e A009Ind foram caracterizados quanto à presença de genes que codificam enzimas β-lactamases. O isolado A027 e seu mutante com resistência induzida A027Ind foram positivos para os genes blaOXA-51, blaOXA-23 e blaTEM-1 (Tabela 4). A indução de resistência à polimixina B foi realizada com dez subcultivos consecutivos até a diluição de 64 µg/mL de sulfato de polimixina B. A partir dessa diluição não foram recuperados os isolados de A. baumannii (Tabela 4). Tabela 4. Isolados sensíveis e resistentes à polimixina B, selecionados para o estudo, antes e após o cultivo na presença de polimixina B. CIM Polimixina Isolado Espécie B(µg/mL) / (Categoria de Sensibilidade) Sítio de Data do Detecção de genes que isolamento isolamento codificam β-lactamases a A027 A. baumannii 0,25 (S) Trato Resp Inferior 26/07/2007 blaOxa-23, blaOxa-51, blaTEM-1 A009 A. baumannii 16 (R) Trato Resp Inferior 30/06/2007 blaOxa-51 A027Ind A. baumannii >64 (R) Trato Resp Inferior Mutante blaOxa-23, blaOxa-51, blaTEM-1 A009Ind A. baumannii >64 (R) Trato Resp Inferior Mutante blaOxa-51 a. Categoria de sensibilidade de acordo com os ponto de corte do CLSI (2012). 5.2 Perfil de sensibilidade aos antimicrobianos O perfil de sensibilidade aos antimicrobianos dos isolados de A. baumannii está descrito na Tabela 5. O isolado clínico de A. baumannii A027 apresentou sensibilidade somente à polimixina B (CIM, 0,25 µg/mL) e à tigeciclina (CIM, 1 µg/mL). Quando esse isolado foi submetido ao cultivo na presença de 8 µg/mL de sulfato de polimixina B (A027Ind) tornou-se resistente à mesma (CIM, >64 µg/mL), mas, passou a ser sensível a outros antimicrobianos como aos carbapenems: meropenem (CIM, de >8 para 1µg/mL) e 47 Resultados imipenem (CIM, de >8 para 2 µg/mL); às cefalosporinas: ceftazidima (CIM, de >16 para 8 µg/mL), cefepima (CIM, de >16 para 4 µg/mL) e ceftriaxona (CIM, de >32 para 4 µg/mL); ao aztreonam (CIM, de >16 para 4 µg/mL) e à piperacilina/tazobactam (CIM, de >16 µg/mL para 8 µg/mL). Não foi observada alteração no perfil de sensibilidade às quinolonas nesse isolado. O isolado clínico resistente à polimixina A009 (CIM, 16 µg/mL), apresentou sensibilidade aos outros antimicrobianos testados com exceção de cefoxitina (CIM, >16 µg/mL). A cultura desse isolado na presença de polimixina B (A009Ind), aumentou sua CIM de polimixina B de 16 µg/mL para 64 µg/mL. Porém, não houve alteração no perfil de sensibilidade aos outros antimicrobianos testados para o isolado A009Ind (Tabela 5). Tabela 5. Perfil de sensibilidade de isolados A. baumannii sensíveis e resistentes às polimixinas, antes e após a indução de resistência com sulfato de polimixina B. Concentração Inibitória Mínima (µg/mL)/Categoria de sensibilidadea. Antimicrobiano A027 A027Ind A009 A009Ind Polimixina B 0,25 (S) >128 (R) 16 (R) 64 (R) Amicacina >32 (R) ≤4 (S) ≤4 (S) 8 (S) Aztreonam >16 (R) 4 (S) 8 (S) 16 (S) Tigeciclina 1 (S) 0,5 (S) 0,25 (S) 0,12 (S) Ciprofloxacina >2 (R) >2 (R) ≤0,25 (S) ≤0,25 (S) Levofloxacina >4 (R) >4 (R) ≤0,5 (S) ≤0,5 (S) Cefoxitina >16 (R) 16 (S) >16 (R) >16 (R) Ceftriaxona >32 (R) 4 (S) 8 (S) 8 (S) Ceftazidima >16 (R) 8 (S) 2 (S) 8 (S) Cefepima >16 (R) 4 (S) 0,5 (S) 1 (S) Doripenem >16 (R) 1 (S) 0,25 (S) 0,25 (S) Imipenem >8 (R) 2 (S) 0,12 (S) 0,25 (S) Meropenem >8 (R) 1 (S) 0,12 (S) 0,25 (S) Pipe/Tazo >64 (R) 8 (S) ≤2 (S) 4 (S) a. Categoria de sensibilidade de acordo com CLSI (2012). 48 Resultados 5.3 Estabilidade da indução de resistência à polimixina B Os isolados de A. baumannii com resistência induzida à polimixina B foram submetidos ao cultivo na ausência do antimicrobiano para verificar a estabilidade da resistência desenvolvida. O isolado sensível A027Ind não reverteu seu perfil de sensibilidade após o cultivo na ausência da droga, mostrando a estabilidade do novo fenótipo de resistência. Já o isolado resistente A009Ind reverteu o perfil de sensibilidade para a CIM inicial de 16 µg/mL, após a ausência de pressão seletiva exercida pela polimixina B (Tabela 6). Para verificar a estabilidade do perfil de sensibilidade aos carbapenens apresentado pelo isolado A027Ind, ele foi submetido ao cultivo na presença de concentrações crescentes de imipenem. Entretanto, o isolado não foi recuperado, ainda nas diluições correspondentes à categoria de sensibilidade. Tabela 6. Perfil de sensibilidade à polimixina B durante o cultivo na ausência da droga, após a indução de resistência. 1º rep 2º rep 3º rep 4º rep 5º rep 6º rep 7º rep 8º rep 9º rep A027Ind >128 >128 >128 >128 >128 >128 128 >128 128 A009Ind 64 64 16 32 32 16 32 16 16 5.4 Análise da similaridade genética Os isolados clínicos de A. baumannii e seus mutantes com resistência induzida à polimixina B apresentaram perfis de similaridade genética idênticos por meio da metodologia de PFGE, descartando a possibilidade de uma possível contaminação ao longo dos subcultivos para indução de resistência à polimixina B (Figura 9). 49 Resultados Figura 9. Perfil de similaridade genética pela metodologia de PFGE. Coluna 1 e 6: Marcador de peso molecular 48 kb; Coluna 2: Isolado clínico A027; Coluna 3: Isolado mutante A027Ind; Coluna 4: Isolado clínico A009; Coluna 5: Isolado mutante A009Ind. 5.5 Avaliação da parede celular bacteriana dos isolados de A. baumannii por MET Para verificar alterações na parede celular dos isolados clínicos de A. baumannii e seus derivados mutantes, foi realizada a metodologia de MET. Em ambos isolados induzidos A027Ind e A009Ind foi observada uma deposição de “grânulos” na porção interna da membrana citoplasmática. Não foi observada, observada, por análise visual, alteração na integridade da parede celular do isolado A027Ind em relação ao isolado A027. O isolado A009, resistente à polimixina B apresentou um aumento na espessura da parede celular em relação ao isolado sensível à polimixina B A027. Quando esse isolado foi exposto à polimixina B o espessamento de parede foi f mantido (Figura 10). 50 Resultados Figura 10. Microscopia eletrônica de transmissão de isolados clínicos de A. baumannii, cultivados na presença e ausência de polimixina B. A: Isolado A027, sensível à polimixina B; B: Isolado sensível submetido ao cultivo na presença de polimixina B (A027Ind); C: Isolado A009, resistente à polimixina B; D: Isolado naturalmente resistente submetido ao cultivo na presença de polimixina B (A009Ind). 5.6 Cultivo em meio hipotônico Para verificar alterações estruturais na parede celular bacteriana após o cultivo consecutivo em concentrações crescentes de sulfato de polimixina B, os isolados foram cultivados em água destilada estéril para verificar a estabilidade da parede celular. Todos os isolado foram capazes de sobreviver em meio hipotônico, com exceção do isolado A027Ind, inicialmente sensível à polimixina B, que se tornou resistente após o cultivo na presença da droga. 5.7 Sequenciamento dos genes que compõem o sistema regulatório de dois componentes PmrAB 51 Resultados Os isolados clínicos de A. baumannii foram submetidos ao sequenciamento dos genes que compõem o sistema de dois componentes PmrAB, antes e após o cultivo na presença de sulfato de polimixina B. Não foi observada nenhuma mutação no gene pmrA, em nenhum dos isolados testados. No sequenciamento do gene pmrB foram observadas duas alterações. O isolado A027Ind teve a deleção de um aminoácido Treonina na posição 28 e uma inserção de Glutamina na posição 45 quando comparado à cepa parental A027. Não foi observada mutação no isolado A009 e seu mutante induzido A009Ind. 5.8 Quantificação relativa da transcrição do sistema regulatório de dois componentes PmrAB A quantificação relativa da transcrição dos genes do sistema de dois componentes PmrAB foi realizada em comparação com à transcrição do isolado sensível à polimixina B A027. O isolado A027Ind apresentou um aumento na transcrição do gene pmrA. Porém, nesse isolado, houve redução na transcrição do gene pmrB (Figura 11). O isolado resistente à polimixina B, A009, e seu mutante induzido A009Ind apresentaram um nível de transcrição maior para o gene sensor quinase pmrB em relação ao isolado sensível A027. No entanto, esse aumento não resultou em aumento da transcrição do gene pmrA, o qual teve uma transcrição menor em relação ao isolado sensível, nesses dois isolados (Figura 11). 52 Resultados Figura 11. Quantificação relativa da transcrição dos genes do sistema regulatório de dois componentes PmrAB nos isolados de A. baumannii estudados. 5.9 Avaliação da influência de resistência às polimixina polimixina B em mecanismos relacionados os à parede celular bacteriana 5.9.1 Expressão de e Proteínas de Membrana Externa O isolado A027, sensível à polimixina B, foi utilizado como parâmetro para a determinação da transcrição relativa de todas as porinas. Dessa forma, forma, foi determinado um valor de transcrição de 1 para esse isolado. O isolado A027Ind apresentou uma redução na transcrição do gene que codifica a porina OmpW em relação à sua cepa selvagem sensível A027 (Figura 12). Essa redução pode ser comprovada, como pode ser observado na Figura 13, onde há ausência da banda correspondente à essa porina. O 53 Resultados isolado A009, já apresentou uma redução na transcrição do gene ompW em relação ao isolado sensível A027, mesmo antes da exposição à droga. Seu isolado mutante A009Ind manteve essa menor transcrição, não havendo mudança significativa entre eles (Figura 12). No entanto, para esses isolados, não foi possível estabelecer uma relação entre as metodologias de qRT-PCR e SDS-PAGE utilizadas, já que a redução no nível de transcrição do gene ompW foi acompanhada pelo aumento da intensidade da banda no gel de SDS-PAGE (Figuras 12 e 13). Foi observado um aumento na transcrição do gene ompA no isolado A027Ind. Pela metodologia de qRT-PCR foi observado um nível de transcrição reduzido do gene que codifica essa porina nos isolados A009 e seu mutante induzido A009Ind em relação ao isolado sensível A027. Porém, os resultados do qRT-PCR não foram corroborados pelo SDS-PAGE, onde a porina OmpA parece ter a sua expressão reduzida no isolado A027Ind e aumentada no isolado A009 e seu mutante induzido A009Ind (Figuras 12 e 13). Tanto o isolado com resistência induzida, A027Ind, quanto o isolado com resistência “natural” A009 apresentaram uma transcrição mais elevada do gene que codifica a porina CarO em relação ao isolado sensível à polimixina B, A027. Porém, no SDS-PAGE, a expressão da porina CarO pareceu estar reduzida no isolado A027Ind e muito aumentada nas isolados A009 e A009Ind (Figuras 12 e 13). 54 Resultados Figura 12. Quantificação relativa da transcrição dos genes que codificam as porinas dos isolados de A. baumannii antes e após o cultivo na presença de polimixina B. 55 Resultados 1 2 3 4 5 6 7 250 kDa 150 kDa 100 kDa 75 kDa 50 kDa B C 37 kDa D E F 25 kDa G 20 kDa 15 kDa Figura 13. Gel de SDS-PAGE das proteínas de membrana externa (OMPs) dos isolados clínicos e os mutantes induzidos de A. baumannii. Coluna 1 e 7: Marcador de peso molecular Dual Color (BioRad); Coluna 2: Isolado clínico A027, sensível à polimixina B; Coluna 3: Isolado A027Ind, sensível com resistência induzida à polimixina B; Coluna 4: Isolado clínico A009, resistente à polimixina B; Coluna 5: Isolado A009Ind, com resistência induzida à polimixina B. Coluna 6: ATCC 19606; A: Omp D (43 kDa); B: OprB (40 kDa); C: Omp HMP (OmpA, 35,6 kDa); D: 33-36 kDa (31 kDa); E: CarO (29 kDa); F: Omp25 (25 kDa) e G: OmpW (21 kDa). 5.9.2 Quantificação relativa da transcrição da bomba de efluxo AdeABC A quantificação relativa da transcrição do gene adeB foi realizada utilizando o valor de transcrição da amostra sensível à polimixina, B A027, para fins comparativos. O isolado sensível à polimixina B quando submetido ao cultivo na presença de polimixina B (A027Ind), teve uma redução no nível de transcrição do gene. O isolado A009 apresentou 56 A Resultados um nível de transcrição menor do gene adeB em relação ao isolado sensível à polimixina B,, assim como seu mutante com resistência induzida A009Ind (Figura 14). Figura 14. Quantificação da transcrição relativa do gene adeB para os isolados de A. baumannii,, antes e após o cultivo na presença de polimixina B. 5.9.3 Sequenciamento das PBPs Devido a observação de alterações na parede dos isolados de A. baumannii, bem como a mudança no perfil de sensibilidade aos antimicrobianos β-lactâmicos, β esses isolados foram submetidos ao sequenciamento dos genes que codificam as PBPs de alto peso molecular das classes A (PBP1a, PBP1b) e B (PBP2 e PBP3), para verificar possíveis mutações nesses genes. genes. Os resultados do sequenciamento das PBPs estão descritos na Tabela 7. No isolado A009, com resistência “natural” à polimixina B, foram observados diversas mutações ões pontuais nos no quatro genes de PBPs avaliados que geraram alterações de aminoácidos na proteína resultante, resultante, principalmente nos genes ponA e mrcB 57 Resultados codificadores das PBPs de classe A PBP1a e PBP1b, respectivamente. Essas mutações se mantiveram quando esse isolado foi cultivado na presença de polimixina B (A009Ind). Algumas dessas mutações estão próximas aos motivos conservados dos sítios de transglicosilação e/ou transpeptidação (mutações sublinhadas na Tabela 7), dessa forma, são possíveis mutações candidatas a causar alterações na estrutura das quatro PBPs avaliadas, podendo levar ao espessamento da parede celular, observadas pela metodologia de MET nesses isolados (Figura 10). No isolado A009 e seu respectivo mutante induzido, foi observada uma inserção de uma Treonina na posição 804 do gene ponA condificador da PBP1a, marcado em vermelho, que alterou o “frame” de leitura da sequência de aminoácidos desse ponto em diante (Tabela 7). No quinto motivo conservado do sítio de transpetidação do gene mrcB codificador da PBP1b para os isolados A009 e A009ind observou-se um mudança de uma Leucina por uma Metionina na posição 320. Ambos os aminoácidos são apolares. Diferente do observado no isolado com resistência natural à polimixina B, o isolado sensível A027 e seu mutante com resistência induzida A027Ind apresentaram somente uma mutação na PBP1a e na PBP3. Essas mutações não foram relacionadas com o surgimento de resistência induzida à polimixina B pelo fato de já estarem presentes no isolado antes da exposição ao antimicrobiano (Tabela 7). 58 Resultados Tabela 7. Mutações encontradas na sequencia de aminoácidos dos genes codificadores de PBPs de alto peso molecular nos isolados de A. baumannii antes e após o cultivo na presença de sulfato de polimixina B. Concentração Inibitória Mínima (µg/mL) Proteínas Ligadoras de Penicilinas PBP1a PBP1b PBP2 PBP3 ponA mrcB pbpA ftsI Transglicosilase/Transpeptidase Transglicosilase/Transpeptidase Elongase Divisão Celular 0,1 0,12 0,25 N83T; A206S; K300Q; A308S; E334Q; Q345E; S351N; S352N; A385G; V495S; A606S; D611E; V615A; T636A; T637A; T715A; V716I; G746D; A748S; Q750K; E773A; T775V; V778I; T804A; T805N; N806T; D808N; F809D; D810F; L812D; P813L; G814P; E815G; I817E; V818I; I819V; P820I; S821P; K822S; T823K; T824A; P825A; A827P; M828A; K829M; P830K; S831P; Q832S; G833Q; A834G; P836A; K837P; R838R; E839R; K840E; D841K; E842D; L843E; E844L; N845E; L846N; I847L; N848I; Q849N; I850Q; E851I; Y90F; V126A; S164N; L320M; N343G; N396D; A406T; N407Q; Q476K; V484I; I504V; T543P; S632P; A634T; S704T; R712H; S714T; A732T; T754A; D766P; T769S N97D; V98P;T100A; D170E; I231V; V321A; A345S; N427S; S437T; T483S; P530S; V600I; K609N; N638G; S640T; T647A; S648A; A649T; P650T; S652A; A655T; T657A; T661A; T663A V52I; I72V; I98M; T114S; N122K; A149T; I216V; S384T; S409T; R423K; P483A; K513T; N542S 0,3 0,25 0,25 N83T; A206S; K300Q; A308S; E334Q; Q345E; S351N; S352N; A385G; V495S; A606S; D611E; V615A; T636A; T637A; T715A; V716I; G746D; A748S; Q750K; E773A; T775V; V778I; T804A; T805N; N806T; D808N; F809D; D810F; L812D; P813L; G814P; E815G; I817E; V818I; I819V; P820I; S821P; K822S; T823K; T824A; P825A; A827P; M828A; K829M; P830K; S831P; Q832S; G833Q; A834G; P836A; K837P; R838R; E839R; K840E; D841K; E842D; L843E; E844L; N845E; L846N; I847L; N848I; Q849N; I850Q; E851I; Y90F; V126A; S164N; L320M; N343G; N396D; A406T; N407Q; Q476K; U484T; I504U; T543P; S632P; A634T; S704T; R712H; S714T; D723A; A732T; T754A; I761A; E763A; P764S; D766P; T769S; N778S N97D; V98P;T100A; D170E; I231V; V321A; A345S; N427S; S437T; T483S; P530S; V600I; K609N; N638G; S640T; T647A; S648A; A649T; P650T; S652A; A655T; T657A; T661A; T663A V52I; I72V; I98M; T114S; N122K; A149T; I216V; S384T; S409T; R423K; P483A; K513T; N542S Isolados PO PTZ FOX CRO CAZ FEP AZT IPM MEM DOR A009 A009Ind 16 64 8 16 >16 >16 8 8 2 8 0,5 1 8 16 A027 0,25 >64 >16 >32 >16 >16 >16 >8 A027Ind >128 8 16 4 8 4 4 2 >8 >16 V495S 0 0 A583V 1 1 V495S 0 0 A583V 59 Discussão 6. DISCUSSÃO 60 Discussão 6. DISCUSSÃO As polimixinas constituem, frequentemente, a única opção terapêutica para o tratamento de infecções causadas por P. aeruginosa e A. baumannii resistentes aos carbapenens. Embora a resistência às polimixinas ainda seja baixa nessas espécies, ela tem se tornado mais frequente em amostras de K. pneumoniae produtoras de KPC e a compreensão dos seus mecanismos de resistência é de fundamental importância visto que não há, a um curto prazo, nenhuma droga sendo desenvovolvida pela industria farmacêutica que seja efetiva contra esses patógenos (Gales et al., 2011). Nos últimos anos, diferentes estudos vem tentando determinar o mecanismo de resistência às polimixinas (Cai et al., 2012). Como amostras clínicas de P. aeruginosa e A. baumannii resistentes à polimixina são raramente isoladas pelos laboratórios de microbiologia em pacientes que não foram expostos à polimixina, a maioria dos estudos que avalia os mecanismos de resistência às polimixinas se utilizaram de isolados clínicos de A. baumannii sensíveis às polimixinas que tiveram a resistência a este agente induzida in vitro ou em cepas de P. aeruginosa, isoladas de pacientes com fibrose cística, que receberam polimixina por tempo prolongado no tratamento e/ou profilaxia de infecção crônica (Moffat et al., 2010; Arroyo et al., 2011; Beceiro et al., 2011; Moffat et al., 2011; Moskowitz et al., 2012). Dois fenótipos distintosde resistência às polimixinas tem sido observado, sendo o primeiro decorrente da indução pela presença da droga e um segundo fenótipo de resistência “natural”, não correlacionado com a exposição prévia às polimixinas. Geralmente, isolados com resistência induzida às polimixinas atingem CIMs elevadas, acima de 128 µg/mL. Diferente disso, o fenótipo de resistência apresentado por isolados que não foram expostos à polimixina, possui CIMs próximas ao ponto de corte de resistência estabelecido pelo CLSI, ≥ 8 µg/mL (CLSI, 2012). Os isolados selecionados para este estudo possuíam essas características. O isolado com resistência induzida (A027) apresentou CIM > 64 µg/mL à polimixina B, enquanto o isolado com resistência “natural” (A009) apresentou uma CIM de 16 µg/mL para esse antimicrobiano. O isolado 61 Discussão clínico de A. baumannii que apresentou resistência à polimixina B, foi selecionado por apresentar sensibilidade aos outros antimicrobianos e, também por ter sido isolado de um paciente que não havia recebido previamente polimixinas em seu tratamento e, desta maneira, minimizar a chance de que tivesse havido indução de resistência às mesmas. Em nosso estudo, o isolado clínico de A. baumannii sensível à polimixina B (A027) apresentou, inicialmente, resistência aos β-lactâmicos, aminoglicosídeos e quinolonas. Além da polimixina B, esse isolado apresentou sensibilidade somente à tigeciclina. De acordo com estudos do programa de vigilância “SENTRY antimicrobial surveillance programme”, esse isolado representa o perfil de sensibilidade encontrado em muitas regiões do mundo entre isolados de A. baumannii (Yau et al., 2009; Gales et al., 2011). Em nosso estudo, a resistência à polimixina B induzida no isolado A027ind se mostrou estável, já que, mesmo após vários subcultivos em meio de cultura sem a adição de sulfato de polimixina B a resistência foi mantida. Resultados semelhantes foram observados em isolados clínicos de A. baumannii in vivo, durante terapia com colistina e mesmo após diversos cultivos na ausência do antimicrobiano, seu fenótipo de sensibilidade também não foi recuperado. (Rodrigues et al., 2009). Diferente do fenômeno que ocorre com isolados de A. baumannii, Moskowitz et al. (2012) mostrou que isolados de P. aeruginosa que foram submetidos ao cultivo na presença de colistina, reverteram seu fenótipo de sensibilidade quando cultivados na ausência da droga. Em nosso estudo foi observado que, ao mesmo tempo em que a resistência à polimixina B foi desenvolvida pela indução devido à pressão seletiva exercida pelo antimicrobiano, o isolado mutante resultante dessa indução, A027Ind, passou a apresentar sensibilidade a outros antimicrobianos aos quais era, anteriormente, resistente, entre eles os β-lactâmicos e os aminoglicosídeos. Assim como o desenvolvimento de resistência à polimixina B, o perfil de sensibilidade aos β-lactâmicos também foi estável no isolado A027Ind, sugerindo uma desestruturação irreversível da parede celular, que poderia ter facilitado a ação dos outros antimicrobianos. Essa mudança no perfil de sensibilidade pode fazer com que essas amostras não sejam 62 Discussão detectadas nos laboratórios de microbiologia, pois esses pacientes geralmente utilizam outros antimicrobianos em associação com polimixinas. Estudos clínicos têm sugerido a associação de polimixina B com outros antimicrobianos para o tratamento de infecção por A baumannii multirresistentes (MDR). Relatos de sucesso terapêutico em casos, onde houve a utilização de colistina em associação com rifampicina ou amicacina para infecções respiratórias e de corrente sanguínea por A. baumannii MDR levaram foram publicados e incentivaram ainda mais estudos de sinergismo entre esses antimicrobianos (Fulnecky et al., 2005; Petrosillo et al., 2005; Biancofiore et al., 2007; Bassetti et al., 2008; Song et al., 2008). Estudos mais recentes têm descrito a associação dos carbapenens, imipenem, meropenem e, mais recentemente, doripenem, além de tigeciclinacom colistina com boa resposta clínica para o tratamento de infecções por A. baumannii multirresistentes (Principe et al., 2009; Candel et al., 2010; Pankuch et al., 2010; Rodriguez et al., 2010; Hornsey et al., 2011; Santimaleeworagun et al., 2011; Sheng et al., 2011; Shields et al., 2011; Peck et al., 2012). A desestruturação observada no isolado A027ind poderia justificar em parte o sucesso do sinergismo entre as polimixinas e outras classes de antimicrobianos. Essa desestruturação da parede poderia favorecer a entrada dos outros antimicrobianos. Entretanto, em nosso estudo não foi observada redução nas CIM para quinolonas no isolado A027Ind, possivelmente pelo fato de que o mecanismo de ação e resistência a esses agentes são relacionados à síntese de DNA bacteriano e não com a parede celular (Sheng et al., 2009). Além da restituição da sensibilidade aos carbapenens, estudos têm demonstrado que bactérias Gram negativas com resistência induzida às polimixinas podem tornar-se sensíveis até mesmo a antimicrobianos aos quais apresenta resistência intrínseca, entre eles a vancomicina (Gordon et al., 2010), devido ao aumento da permeabilidade do envoltório celular, facilitando o acesso da vancomicina ao seu sítio de ligação na membrana celular interna bacteriana. 63 Discussão O isolado A027 apresentou resistência aos β-lactâmicos devido à produção de carbapenemase OXA-23, provavelmente associada a ISAbaI. Mesmo após a indução de resistência à polimixina B e a alteração do fenótipo de sensibilidade aos β-lactâmicos, esses genes ainda estavam presentes no isolado A027Ind, o que indica que essa reversão de sensibilidade aos diversos antimicrobianos não foi devido à perda de plasmídios ao longo dos vários subcultivos para indução de resistência à polimixina B, mas, possivelmente pela perda da integridade da parede celular bacteriana. Outra observação realizada em nosso estudo e que reforça essa hipótese, é o fato de que somente o isolado A027Ind não conseguiu sobreviver em meio hipotônico, sugerindo uma fragilidade maior em sua parede celular após o cultivo na presença de polimixina B. Moffat et al. (2010) sugerem a diminuição da integridade da parede celular de isolados de A. baumannii submetidos à indução de resistência à colistina em laboratório devido à perda total de LPS, por meio de espectrometria de massa. Mutações nos genes que catalisam a síntese do LPS foram observadas, o que justificaria a perda total do LPS bacteriano nesses isolados. Em outro estudo, esses mesmos autores descreveram uma seqüência de inserção ISAba11 nos genes que codificam a síntese de LPS, lpxA e lpxC, que justificaria os resultados obtidos no primeiro estudo (Moffat et al., 2011). Esses autores também relacionam a inativação desses genes com a alteração do perfil de sensibilidade aos outros antimicrobianos. Mais experimentos são necessários para determinar se nossos isolados resistentes à polimixina B sofreram mutações nos genes que codificam o LPS. Pela metodologia de MET, foi observada uma deposição de “grânulos” na porção intracelular da membrana interna em ambos isolados submetidos à indução de resistência à polimixina B. Por essa metodologia não foi possível observar diferenças na integridade da parede celular no isolado A027Ind, que possam ter provocado as alterações observadas no perfil de sensibilidade. Entretanto, foi observado um espessamento de parede celular no isolado com resistência “natural” à polimixina B. Essa 64 Discussão observação sugere que o mecanismo observado no fenótipo de resistência “natural” às polimixinas é diferente do mecanismo observado no fenótipo de resistência induzida a esses antimicrobianos. Em estudos anteriores, experimentos com microscopia eletrônica de varredura e microscopia de força atômica mostraram diferenças na topografia e rugosidade da superfície celular de A. baumannii em isolados com resistência in vitro à colistina (Gordon et al., 2010; Soon et al., 2011a). Soon et al. (2009) observaram que a natureza e o grau de dano na parede celular de isolados de A. baumannii submetidos ao tratamento com colistina foi similar na fase estacionária e logarítmica da curva de crescimento bacteriano. Esses autores analisaram a superfície celular desses isolados em baixas (4 µg/mL) e elevadas (32 µg/mL) concentrações de colistina. O tratamento com 4 µg/mL de colistina promoveu o aparecimento de pequenas cavidades ao longo da superfície celular bacteriana e aumento da rugosidade, mas a forma celular foi mantida. Eles também observaram diferenças na topografia celular e presença de debris ao longo de algumas células após o tratamento com colistina. Na presença de 32 µg/mL, os isolados de A. baumannii apresentaram uma superfície mais lisa à inspeção visual. Além disso, o número de células foi reduzido e apresentaram uma tendência em formar “clusters”. Moffat et al. (2011) também observaram diferenças na integridade das membranas de isolados sensíveis e resistentes in vitro à colistina, utilizando provas de fluorescência para superfícies hidrofóbicas, sugerindo a modificação estrutural da parede celular bacteriana após o contato com o antimicrobiano. A molécula de polimixina B é carregada positivamente e, por isso, possui alta afinidade pela superfície celular bacteriana negativa. A redução nessa carga diminui a afinidade desses agentes antimicrobianos pela célula bacteriana, desenvolvendo resistência aos mesmos. O mecanismo de espessamento de parede é conhecido em isolados de Staphylococcus aureus quando apresenta resistência à vancomicina, um antimicrobiano da classe dos glicopeptídeos que age na parede celular, se ligando à porção D-Ala-D-Ala dos resíduos de mureína, inibindo a síntese do peptideoglicano pelas 65 Discussão PBPs presentes na membrana interna da célula bacteriana. A parede mais espessa age como uma barreira para a vancomicina atingir seu sítio alvo (Sanyal e Greenwood, 1993; Norazah et al., 2009). No entanto, não foi encontrada na literatura a relação entre espessamento de parede e resistência às polimixinas. Devido ao mecanismo de ação das polimixinas ser por alteração eletrostática na parede celular bacteriana, sugerimos que o espessamento de parede observado no isolado resistente à polimixina B poderia ter levado a uma redução da carga negativa da membrana celular de A. baumannii ou uma maior dificuldade para o antimicrobiano em atingir o LPS bacteriano. Segundo Nikaido et al. (2003), microrganismos com hiperprodução de cápsula polissacarídica podem não apresentar a porção antígeno O do LPS na parede celular bacteriana, dessa forma, a parede celular poderia apresentar uma superfície com carga menos negativa. Diversos estudos tem demonstrado a participação de sistemas de dois componentes na regulação do desenvolvimento de resistência às polimixinas (Adams et al., 2010; Arroyo et al., 2005; Moskowitz et al., 2004). Em isolados de A. baumannii é encontrado o sistema PmrAB que envolve a participação da proteína PmrC para adição de fosfoetanolamina no lipídio A, promovendo modificações no LPS bacteriano e consequente alteração no sítio de ligação das polimixinas (Miller et al., 2011; Beceiro et al., 2011; Moskovitz et al., 2012). Estudos mais recentes demontraram que mutações no gene pmrB tem levado ao desenvolvimento de resistência às polimixinas em isolados de A. baumannii e P. aeruginosa (Adams et al., 2011; Moskowitz et al., 2012). Nossos isolados de A. baumannii foram submetidos ao sequenciamento dos genes que compõe o sistema de dois componentes PmrAB e foram encontradas alterações no gene pmrB no isolado A027Ind, com resistência induzida. Essas alterações não foram observadas no isolado com resistência “natural”. Para verificar alterações que possam ser promovidas por essa mutação, realizamos análise da transcrição desses genes por qRT-PCR. Foram detectados diferentes níveis de transcrição entre o isolado que apresentou resistência induzida e 66 Discussão àquele que já apresentava resistência “natural”. Quando o isolado sensível foi submetido ao cultivo na presença de polimixina B (A027Ind), foi observado um aumento da transcrição do gene pmrA, que foi ativado pelo sensor quinase pmrB, que, por sua vez, apresentou uma redução da transcrição após a indução. A proteína PmrB é a mais externa do sistema e tem função de sensor quinase, que reconhece fatores ambientais e desencadeia a expressão do sistema, neste caso, a presença da polimixina B no meio (Miller et al., 2011). Essa redução da transcrição de pmrB pode ter sido devido à desestruturação da parede celular bacteriana em decorrência da localização dessa proteína ou mesmo devido à auto-regulação do sistema de dois componentes. Os resultados de transcrição de PmrAB nos isolados sensível e seu mutante com resistência induzida à polimixina B estão de acordo com resultados já observados por Baceiro et al. (2011). Diferente do isolado A027Ind, a transcrição de pmrB no isolado com resistência “natural” à polimixina B, A009, estava elevada em relação ao isolado sensível A027. No entanto, a transcrição desse gene não resultou na ativação de pmrA nesse isolado, nem em seu respectivo mutante induzido, reforçando nossa hipótese de que a resistência “natural” às polimixinas envolve outro mecanismo de regulação gênica. Não foi observada mutação no gene pmrA, que pudesse justificar a dimiuição da transcrição nesse isolado. Em um estudo de Adams et al. (2011), a deleção do gene pmrB, promoveu a perda do perfil de resistência induzida à colistina. No entanto, Moskowitz et al. (2012) afirmam que a resistência à colistina mediada por PmrB é dependente de PmrA, pois a indução de resistência não foi capaz de ser atingida no isolado com deleção do gene pmrA, mesmo após ativação de pmrB. Dessa forma, podemos afirmar que a resistência observada no isolado A009 não estava sendo regulada pelo sistema PmrAB, diferente do observado com o isolado A027Ind. Entretanto, mais estudos são necessários para determinar o mecanismo que está envolvido no fenótipo de resistência “natural” à polimixina B (Andrews et al., 2002; Arroyo et al., 2011; Miyazaki et al., 2009; Moskowitz et al., 2004). 67 Discussão Alterações no LPS da parede celular bacteriana, com adição de 4-aminoarabinose e fosfoetanolamina no lipídio A tem sido descritas (Miller et al., 2011; Moskowitz et al., 2011; Arroyo et al., 2011). Segundo Adams et al. (2011), essas alterações modificam a natureza do LPS, tornando-o mais hidrofílico. As polimixinas são antimicrobianos detergentes, dessa forma, possuem natureza lipofílica. Essas alterações promovidas pela indução de resistência promovem diminuição da interação da droga com as membranas celulares bacterianas. O mecanismo de ação das polimixinas envolve interação com as cargas negativas da parece celular bacteriana. De acordo com Soon et al. (2011b), os isolados clínicos de A. baumannii, assim como ATCC 19606, apresentaram diminuição na carga negativa da membrana quando foram submetidos ao cultivo na presença de polimixina B e colistina, reduzindo a interação do antimicrobiano pela superfície celular. Dessa forma, experimentos de mensuração de cargas de superfície ainda são necessários para esclarecimento das alterações sofridas pelos isolados de A. baumannii avaliados neste estudo. Esses mecanismos de resistência descritos até o momento correspondem ao fenótipo adaptativo de resistência às polimixinas. Como a desestruturação da parede celular poderia interferir com o mecanismo de ação e resistência de outros antimicrobianos que agem na síntese de parede celluar, avaliamos os mecanismos de resistência a beta-lactâmicos nos isolados expostos à polimixina B, estudamos mecanismos de resistência conhecidos, envolvidos com a parede celular bacteriana. Por experimentos de qRT-PCR, foi observada uma redução na expressão do sistema de efluxo AdeABC no isolado induzido A027Ind em relação à sua cepa parental sensível. O sistema de efluxo atua na resistência aos β-lactâmicos por ejetar da célula bacteriana os antimicrobianos e, também, as enzimas β-lactamases produzidas no espaço periplasmático da mesma, as quais vão atuar sobre o antimicrobiano e reduzir sua atividade na célula (Rosenfeld et al., 2012). Estudos sugerem que a enzima OXA-23 atue em associação com a hiperexpressão do sistema de efluxo AdeABC, para que sua ação seja significativa no perfil de resistência aos carbapenens em isolados de A. baumannii (Lee et al. 2010). Dessa forma, a diminuição 68 Discussão da expressão desse sistema de efluxo pode estar associada com perfil de sensibilidade aos carbapenens observado no isolado A027Ind, após a indução de resistência à polimixina B. Análises de porinas mostraram alterações em suas transcrições nos isolados de A. baumannii, antes e após a indução de resistência à polimixina B. Vila et al. (2007) citou em seu estudo que os resultados observados sugeriam a modificação na expressão da porina OmpW em isolados mutantes de A. baumannii com resistência à polimixina B induzida em laboratório. Essa observação foi confirmada em nosso estudo pelos experimentos de qRT-PCR e SDS-PAGE de proteínas de membrana externa. A porina OmpW teve uma redução na sua expressão após o cultivo na presença de polimixina B. A porina OmpW possui natureza hidrofóbica e é relacionada à osmorregulação bacteriana (Xu et al., 2005; Berg et al., 2004). Hong et al. (2006) observaram uma alta afinidade de uma molécula detergente, utilizada na extração de proteínas de membrana externa, pela porina OmpW. A molécula de polimixina possui natureza detergente, dessa forma, a diminuição da expressão de OmpW, pode contribuir para a redução da afinidade de antimicrobianos dessa classe pela superfície celular bacteriana, contribuindo para o aumento da resistência. Já a diminuição da expressão da porina CarO tem sido relacionada com o aumento da resistência aos carbapenens (Vila et al., 2007). O isolado com resistência induzida à polimixina, A027Ind, que se tornou sensível aos β-lactâmicos após a indução de resistência à polimixina B, apresentou aumento da expressão das porinas OmpA e CarO após à exposição ao antimicrobiano. Esse aumento de expressão, assim como a diminuição da expressão do sistema de efluxo AdeABC, pode ter contribuído para o perfil de sensibilidade exibido por esse isolado após a indução de resistência à polimixina B. Os outros resultados de transcrição de porinas por qRT-PCR e expressão dessas proteínas no gel de SDS-PAGE não puderam ser relacionados, provavelmente, por alguma particularidade das técnicas que não foram controladas em nosso estudo. Esses resultados necessitam de maiores análises posteriores. 69 Discussão Para verificar o mecanismo utilizado para promover o espessamento de parede observado no isolado com resistência “natural” à polimixina B, estudamos possíveis alterações nas PBPs dos isolados de A. baumannii. As PBPs são proteínas presentes na membrana interna da parede celular bacteriana e são responsáveis pela síntese e organização do peptideoglicano na parede celular, promovendo a manutenção da forma celular por gerações seguintes (Sauvage et al., 2008). Em nosso estudo, foram sequenciados os genes que codificam as PBPs de alto peso molecular, de classe A, PBP1a e PBP1b, que exercem função de transpeptidases e transglicosilases. Também foram sequenciadas as PBPs de classe B, PBP2 que desempenha o papel de elongase e PBP3 que está envolvida no processo de divisão celular (Sauvage et al., 2008). As PBPs de classe A, 1a e 1b, possuem função de transglicosilação, catalisando a polimerização de cadeias de glicano e, função de transpeptidação promovendo a ligação cruzada entre as cadeias de glicano através das cadeias laterais de pentapeptídeo (Sauvage et al., 2008). Sauvage et al. (2008) afirmam que na inativação de uma das duas proteínas, a outra substitui sua função na síntese de peptideoglicano para manutenção da atividade da célular bacteriana. As PBPs de classe B, PBP3 e PBP4 possuem função de elongase e divisão celular, respectivamente. É sabido que alterações nessas PBPs promovem redução da afinidade da superfície celular por β-lactâmicos, levando à resistência aos mesmos (Sauvage et al., 2008). Yun et al. (2011) relata a participação da PBP1a, PBP3 e PBP5 de A. baumannii, associada com outros mecanismos de resistência como hiperexpressão de sistemas de efluxo AdeABC e AdeIJK, além de produção de β-lactamases, na diminuição da sensibilidade dessa especíe aos β-lactâmicos. No entanto, não existe na literatura relatos da relação entre modificações de PBPs e perfil de resistência às polimixinas. Cayô et al. (2011) observaram que a maioria das mutações encontradas nos genes que codificavam as PBPs de alto peso molecular foram silenciosas não gerando alterações de aminoácido. Estes autores observaram que estas mutações sempre ocorriam nas mesmas posições (prováveis “Hot Spot Mutations”) e estavam mais relacionadas ao perfil 70 Discussão clonal do que a resistência aos β-lactâmicos, uma vez que essas mesmas mutações também estavam presentes nas cepas sensíveis. O mesmo foi observado para a cepa sensível e seu mutante induzido em nosso estudo. Entretanto, um grande número de mutações foi observado para a cepa resistente e seu mutante induzido, incluindo alterações no “frame” de leitura no final da PBP1a, além de uma mutação ocorrida no quinto motivo conservado do sítio de transpeptidação da PBP1b dessas cepas. Tais mutações, até o momento, não foram descritas em nenhuma cepa de A. baumannii, cujas sequencias de PBPs foram avaliadas, o que leva a crer que, provavelmente, essas mutações representem um fator evolutivo na resistência “natural” às polimixinas. Além disso, as mutações observadas nas sequencias de PBPs de alto peso molecular de classe A (PBP1a e PBP1b) podem justificar o aumento da parede celular no isolado A009 observada na MET. Entretanto, estudos posteriores com inclusão de PBPs sem mutação nesse isolado serão realizados para verificar a reversão ou não do fenótipo de sensibilidade e determinar sua associação com o fenótipo de resistência “natural” à polimixina B. A resistência às polimixinas, seja ela por um mecanismo adaptativo ou por um mecanismo “natural”, merece grande atenção por profissionais da saúde, para evitar que haja a perda dessa opção terapêutica para o tratamento de infecções por A. baumannii e outros bacilos Gram negativos que apresentem resistência a todos os outros antimicrobianos disponíveis comercialmente. Felizmente, a resistência “natural” ainda é raramente observada na clínica. No entanto, sabendo da capacidade dos isolados de A. baumannii em se adaptar ao ambiente, sob pressão seletiva e em adquirir diferentes mecanismos de resistência, o uso de outros antimicrobianos deve ser realizado com extrema cautela para que o mecanismo “natural” de resistência às polimixinas não comece a ser relatado em isolados multirresistentes, acabando com as possibilidades de tratamento para essas infecções. 71 Discussão A resistência aos diversos antimicrobianos apresentada por isolados clínicos de A. buamannii vem aumentando as taxas de mortalidade por infecções que anteriormente eram mais facilmente tratadas com β-lactâmicos ou outros antimicrobianos. Novos alvos terapêuticos precisam ser descobertos já que esses microrganismos possuem um amplo arsenal para defesa contra os antimicrobianos já existentes. Dessa forma, as polimixinas tornaram-se a última opção para tratamento de infecções por bacilos Gram-negativos multirresistentes. No entanto, atualmente o conhecimento dos mecanismos de resistência às polimixinas tornou-se essencial para manter a viabilidade dessa droga até que novas opções terapêuticas estejam disponíveis para serem utilizadas. 72 Conclusões 7. CONCLUSÕES 73 Conclusões 7. CONCLUSÕES • A resistência induzida às polimixinas verificada para o isolado incialmente sensível é estável, ao contrário do observado para o isolado incialmente resistente à polimixina B quando submetido ao cultivo na presença de polimixina B; • A indução da resistência às polimixinas no isolado MDR A027 levou a reversão da sensibilidade aos β-lactâmicos e aos aminoglicosídeos; • A resistência induzida está relacionada à desestruturação da parede celular bacteriana com provável contribuição da diminuição da expressão da porina OmpW. • A resistência “natural” pode estar relacionada ao espessamento da parede celular e, pode estar associada a mutações nos genes codificadores das PBPs; • O sistema regulatório de dois componentes PmrAB está associado à resistência induzida às polimixinas, mas essa associação não foi observada no fenótipo de resistência “natural” neste estudo; • Os resultados deste estudo nos permitem sugerir que os dois fenótipos de resistência, “natural” e induzido, às polimixinas observados em isolados de A. baumannii resultam de distintos mecanismos de resistência. 74 Referências 8. REFERÊNCIAS 75 Referências 8. REFERÊNCIAS Adams MD, Nickel GC, Bajaksouzian S, Lavender H, Murthy AR, Jacobs MR, Bonomo RA. Resistance to Colistin in Acinetobacter baumannii Associated with Mutations in the PmrAB Two-Component System. Antimicrob Agents Chemother. 2009; 53(9):3628-3634. Al-Sweih NA, Al-Hubail MA, Rotimi VO. Emergence of tigecycline and colistin resistance in Acinetobacter species isolated from patients in Kuwait hospitals. J Chemother. 2011; 23(1):13-16. Andrews J, Walker R, King A. Evaluation of media available for testing the susceptibility of Pseudomonas aeruginosa by BSAC methodology. J Antimicrob Chemother. 2002; 50:479-486. Antonio CS, Neves PR, Medeiros M, Mamizuka EM, Elmor de Araújo MR, Lincopan N. High prevalence of carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii carrying the blaOXA-143 gene in Brazilian hospitals. Antimicrob Agents Chemother. 2011; 55(3):1322-1323. Arroyo LA, García-Curiel A, Pachón-Ibañez ME, Llanos AC, Ruiz M, Pachón J, Aznar J. 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