Eudes Lopes Melo - PPG

Transcrição

Eudes Lopes Melo - PPG
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
A FORMAÇÃO DE REDES DE PRODUÇÃO NA INDÚSTRIA DE VEÍCULOS
SOBRE DUAS RODAS NO NORTE BRASILEIRO
EUDES LOPES MELO
MANAUS
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
A FORMAÇÃO DE REDES DE PRODUÇÃO NA INDÚSTRIA DE VEÍCULOS
SOBRE DUAS RODAS NO NORTE BRASILEIRO
EUDES LOPES MELO
Dissertação
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Universidade Federal
do Amazonas, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre
em Sociologia.
Orientadora: Profª Drª Maria Izabel de Medeiros Valle
MANAUS
2010
EUDES LOPES MELO
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central
M528f Melo, Eudes Lopes
A formação de redes de produção na indústria de veículos sobre duas
rodas no norte brasileiro / Eudes Lopes Melo. - Manaus, AM : UFAM,
2010.
171 p.: il. color. ; 30 cm
Dissertação (Mestre em Sociologia). Universidade Federal do
Amazonas. Instituto de Ciências Humanas e Letras. Orientadora: Profa. Dra.
A FORMAÇÃO DE REDES DE PRODUÇÃO NA INDÚSTRIA DE VEÍCULOS
SOBRE DUAS RODAS NO NORTE BRASILEIRO
Dissertação
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Universidade Federal
do Amazonas como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre
em Sociologia.
Aprovado em 12 de março de 2010.
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª. Maria Izabel de Medeiros Valle - Presidente
Universidade Federal do Amazonas – UFAM
Prof Dr. Marcelo Bastos Seráfico de Assis Carvalho – Membro
Universidade Federal do Amazonas – UFAM
Prof Drª. Edna Maria Ramos de Castro
Universidade Federal do Pará – UFPA
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
Dedico este trabalho à minha
mãe, Tereza Lopes
AGRADECIMENTOS
O encerramento de uma etapa nos coloca frente a novos desafios. Por
ora, a investigação deste tema não se encerra, mas representa apenas uma
vírgula deste mar de coisas a ser pesquisado, devido a outras possibilidades
de necessárias abordagens nesse vasto campo.
Agradeço à professora Izabel Valle, minha orientadora pelo constante
estímulo desde os primeiros momentos da pesquisa, sem o que seria
extremamente difícil prosseguir essa simples, mas provocativa jornada.
Agradecer, sobretudo, pela paciência de boa condutora em todo o curso desta
pesquisa.
Aos professores do programa que, ao seu modo, em vários momentos
contribuíram para eu pensar melhor a forma de abordar o tema aqui
desenvolvido. Ao professor Renan Freitas Pinto, à professora Selda Vale, com
quem tive o privilégio de participar de suas aulas de seminários de dissertação
juntamente com a professora Izabel Valle, à professora Marilina Bessa, ao
professor Noval Benaion, ao professor Marco Aurélio, ao professor José
Ricardo Ramalho, ao professor Antônio Carlos Vitikoski e à Professora
Therezinha Fraxe.
A
todos
os
meus
colegas
de
turma,
nos
quais
encontrei
companheirismo, solidariedade e fiz amigos. Ao Charles Falcão, ao Marco
Antônio de Souza Brito, ao Márcio André, ao David Spencer, à Suzete
Camurça, à Carla Moura, à Sâmia Feitosa, ao Tiago Jacaúna, ao Francinézio
Amaral e aos demais, dessa turma muito especial.
À minha mãe, pelo seu incondicional apoio do primeiro ao último minuto
do tecido deste trabalho. Ao Daniel, meu sobrinho, que contribui não só com
sua agradável companhia, como foi decisivo nos arranjos dos gráficos
juntamente com o Marco Antônio Brito.
Ao Heldicinei Lima pela sua grande contribuição, por ter sugerido a pista
para achar a chave da porta que me levou aos entrevistados presentes nesta
pesquisa, e por ter emprestado seus conhecimentos estatísticos para orientar
na exposição dos mesmos e confeccionar parte deles.
A todos os funcionários entrevistados da Moto Honda da Amazônia,
pelos quais fui muito bem acolhido.
Ao Antônio Neto, meu amigo, pelas conversas sempre estimuladoras e
sugestivas. À Érika Almeida, pelas suas necessárias sugestões que ajudaram a
melhorar o direcionamento deste trabalho.
Ao professor Enos, ao Gilberto Vasconcelos e à professora Daniele
Gonzaga, que emprestaram seus conhecimentos na correção deste texto, para
possibilitar um melhor entendimento na sua leitura.
À
Marluce
Lima
de
Carvalho,
Arquivista
de
profissão
e,
circunstancialmente, secretária do PPGS, com seu profissionalismo e
competência, a quem deixo aqui meus agradecimentos.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esta
pesquisa fosse concretizada.
À CAPES e à FAPEAM, pela bolsa concedida, sem o que os obstáculos
teriam sido muito maiores para a realização das disciplinas e desta pesquisa.
“O que de fato está em jogo é o processo de auto-constituição circular do
capital e auto-reprodução ampliada em sua forma mais desenvolvida”
István Mészáros
“Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes,
pois implica em silenciar
sobre tantos horrores”
Bertold Brecht
“Não basta saber que é necessário mudar o mundo: é preciso acreditar que é
possível”
Valério Arcary
RESUMO
O quadro global pode ser caracterizado pelas metamorfoses que vêm sendo
operadas no campo das organizações. Tendo como elemento principal, a
intensificação do processo de interação, por meio de cadeias e redes produtivas e
comerciais. Sendo a rede produtiva o foco deste trabalho na indústria de veículos
sobre duas rodas na Amazônia, especificamente na cidade de Manaus. O objetivo
deste trabalho consiste em investigar as estratégias e a rede de produção em
processo de formação, tendo como firma matriz a MHA e a mais destacada empresa
do Polo de Duas Rodas, devido a sua posição de líder no mercado nacional e SulAmericano em termos de produção e vendas de motocicletas, por ser uma das maiores
empresas em extensão da Honda Motor Company. Escolhemos a abordagem teórica
e empírica. A pesquisa teórica corresponde à primeira parte deste trabalho. A segunda
parte deste fizemos uma abordagem geral sobre o Polo de Duas Rodas. E o na
terceira parte do trabalho foi desenvolvido a partir da análise das vozes dos
funcionários administradores e engenheiros da matriz da rede estudada. Detectamos
assim, que a estratégia adotada, implementada desde o início dos anos de 1990 é de
formação de rede de produção, por meio da interação entre a firma dominante e
fornecedores locais. Atualmente cerca de vinte novas plantas industriais estão em fase
de instalação no Polo de Duas Rodas em Manaus, além das vinte já estabelecidas. O
processo de interação ocorre por meio do fornecimento de peças, componentes,
subconjuntos pelo método Just-in-time/Kanban. Mas também por meio de assistência
e intervenções técnicas e organizacionais, por meio do grupo de market share da
empresa principal da rede. A trama da rede tem resultado na redução dos custos no
processo produtivo para a empresa mais beneficiada pela estratégia das redes: a firma
matriz da rede.
ABSTRACT
The general Idea could be described through its changes those are used
by the organizations areas. The interaction process growth is the principal
element, by productive and trade network. In the paper the productive network,
the paper target in the automobile industry on two wheels in Amazon,
specifically in Manaus. The paper objective is to investigate the strategies and
the network production during its formation. The factory MOTO HONDA DA
AMAZÔNIA – MHA is the most projected automobile industry on two wheels
Polo de Duas Rodas, its showed by its position as the leader on National and
South American motorcycle production and sale market, and through HONDA
MOTOR COMPANY, one of its suppliers. We used theoretical and practical
approach to understand this paper better. The second part deals with a general
idea about automobile industry on two wheels. The third part deals with
development of the identification and the interaction analyses between Moto
Honda da Amazônia and its suppliers through employees, engineers and
managers point of view. We noticed their strategy since 1990 is production
network formation by the interaction between headquarter and suppliers.
Nowadays, they are projecting about twenty new industry plants on Polo de
Duas Rodas in Manaus, beyond the twenty already established. The interaction
process occurs between parts supply, components, subsets method Just-intime/Kanban. It also happens through assistance and organization technical
interactions; through headquarter groups of market share. The result is showed
by cost reduction in the production process to the industry that benefits the
company: The headquarter.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1:
Localização das unidades da Honda do Brasil
10
Quadro 2:
Dados – Mão de obra
20
Quadro 3:
Primeiras empresas produtoras de motocicletas e
bicicletas instaladas no setor de duas rodas de Manaus
79
Quadro 4:
Prazos dos tipos de estoque
124
LISTA DE TABELAS
Tabela : 1
Evolução da Mão de obra da Moto Honda da Amazônia:
1990 a 2008
25
Tabela : 2
Produção Anual de Bicicletas no Polo de Duas Rodas – 1990 a
2008
Produção de Motocicletas do Polo Duas Rodas - 1990 a 2008
83
Tabela : 3
Tabela : 4
Tabela : 5
Tabela : 6
Produção MHA - 1990 a 2008
Produção YAMAHA - 1990 a 2008
86
89
91
92
Tabela : 7
Produção KASINSKI – 2002 a 2009
Produção SUNDOWN – 2002 a 2008
Tabela : 8
Vendas YAMAHA - 1990 a 2008
94
Tabela : 9
Vendas SUNDOWN- 2002 a 2009
95
Tabela : 10
Vendas KASINSKI – 2002 a 2009
96
Tabela : 11
Faturamento do Polo de Duas Rodas - 1990 a 2008
98
Tabela : 12
Empresas de Peças e Componentes Instaladas no Polo de 102
Duas Rodas
Evolução da Mão-de-Obra do Polo de Duas Rodas - 1990 106
a 2008
Aquisição de insumos do Polo de Duas Rodas - 1990 a
111
2006
Tabela : 13
Tabela : 14
93
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1:
Produção Anual de bicicletas do Polo de Duas Rodas 1990 a 2008
84
Gráfico 2:
Produção Anual de Motocicletas do Polo de Duas Rodas –
1990 a 2008
Participação em vendas do Polo de Duas Rodas em 2008
87
Gráfico 4:
Faturamento do Polo de Duas Rodas - 1990 a 2008 Setor
Industrial - Faturamento
99
Gráfico 5:
Evolução Anual da Mão de obra do Polo de Duas Rodas –
1990 a 2008
108
Gráfico 6:
Fornecedores Locais
125
Gráfico 3:
97
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................
15
22
CAPÍTULO I
1
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
1.6
1.7
1.8
1.9
2
INDUSTRIALISMO, ALTA PRODUÇÃO E CRISE DA ECONOMIAMUNDO ...................................................................................................
MOTO HONDA DA AMAZÔNIA: UM MODELO JAPONÊS NO PÓLO
DE DUAS RODAS DE MANAUS ...........................................................
CONDIÇÕES DE TRABALHO NA MHA ................................................
PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SOCIAL NA
MHA ........................................................................................................
EMPRESA: RACIONALIDADE E PRODUTIVIDADE ...........................
23
24
28
30
41
A CRISE NA ECONOMIA-MUNDO: RAZÕES DA ESTAGNAÇÃO NA
PRODUÇÃO ...........................................................................................
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA COMO ALTERNATIVA DO
CAPITAL FRENTE À FASE RECESSIVA .............................................
AS REDES DE EMPRESAS NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO
NA ZONA FRANCA DE MANAUS .........................................................
ESTRATÉGIAS GLOBAIS E A INSERÇÃO DAS TRANSNACIONAIS
NA AMAZÔNIA .......................................................................................
A FORMAÇÃO DAS CADEIAS PRODUTIVAS
58
CAPÍTULO II
92
O POLO DE VEÍCULOS SOBRE DUAS RODAS NO NORTE
BRASILEIRO ..........................................................................................
48
53
71
81
93
2.1
2.2
A INSERÇÃO DAS TRANSNACIONAIS E A PRODUÇÃO DE
MOTOCICLETAS
OCUPAÇÃO DO COMÉRCIO REGIONAL PELAS PRODUTORAS
LOCAIS ...................................................................................................
100
108
131
CAPÍTULO III
3
AS REDES DE PRODUÇÃO NA MOTO HONDA DA AMAZÔNIA .......
3.1
AS ESTRATÉGIAS DA MHA E SUA RELAÇÃO COM SEUS
FORNECEDORES ..................................................................................
AS VANTAGENS NA RELAÇÃO OBTIDA NO FORNECIMENTO DAS
EMPRESAS LOCAIS
AS DIFICULDADES ENCONTRADAS NA RELAÇÃO DE
FORNECIMENTO PARA A MHA
OS FATOES QUE DETERMINAM AS RELAÇÒES ENTRE A MOTO
HONDA DA AMAZÔNIA E AS SUAS FORNECEDORAS
DIMENSÃO ESTRUTURAL DA INTERAÇÃO ENTRE MHA E SEUS
FORNECEDORES EM REDE ................................................................
INTERAÇÃO ADMINISTRATIVA E DE NEGOCIAÇÃO ...................
3.2
3.3
3.4
3.5
3.5.1
132
132
143
147
153
155
155
3.5.2
INTERAÇÃO NA QUALIDADE .........................................................
156
3.5.3
INTERAÇÃO TÉCNICA E TECNOLÓGICA ......................................
157
3.5.4
INTERAÇÃO NO TREINAMENTO ....................................................
159
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................
162
REFERÊNCIAS ......................................................................................
168
15
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da indústria de duas rodas no Amazonas é uma das
mais novas configurações no cenário atual do modelo da Zona Franca de
Manaus. Além de ser o setor fabril que mais cresceu nestes últimos anos, o
mesmo vem se destacando como o que possui o maior faturamento, depois do
Polo Eletroeletrônico. É neste contexto que a Moto Honda da Amazônia –
MHA – vem protagonizando uma rede de produção coadjuvada por dezenas de
empresas fornecedoras.
A MHA, agora como matriz de uma rede produção em formação, está
em processo de consolidação da sua liderança na produção e vendas de
veículos sobre duas rodas em nível nacional. Sob o fundamento dos métodos
japoneses empregados nos processos de produção, a maior fábrica em
extensão da Honda Motor Company, sediada em Manaus vem crescendo
desde 1994, em todos os aspectos. A ampliação da sua infraestrutura
corresponde ao aumento da produção e das vendas de motocicletas,
especialmente nestes últimos catorze anos.
O processo de flexibilização, reestruturação e racionalização (HARVEY,
1999), combinada a formação de redes produtivas correspondem às mudanças
na economia-mundo1, uma vez que a dinâmica das novas estratégias nas
estruturas organizacionais, com a introdução e experimentação de novos
padrões de produção, as inovações organizacionais, a inserção das inovações
tecnológicas e a relação com o mercado globalizado constituem o pano de
fundo das modificações em todo o Polo de Duas Rodas de Manaus.
O crescimento em todos os níveis dos processos produtivos, das vendas
nacionais e locais, do faturamento, em decorrência de ter posto em prática as
novas técnicas organizacionais, os novos princípios da fábrica mínima
(CORIAT, 1994), a instrumentalização das técnicas nas relações interfirmas
promovida pela MHA, em busca de resultados produtivos minimizadores são
1
Conceito cunhado por Immanuel Wallerstein (2003) para designar a ideia de universalidade
do capitalismo como processo econômico geral.
16
indicadores do estabelecimento e consolidação de um novo padrão de
produção instalado no Polo de Duas Rodas em Manaus.
O Polo de Duas Rodas – PDR – é parte intrínseca do modelo Zona
Franca de Manaus, criado no contexto do processo de globalização econômica
e da descentralização da produção de bens de consumo. Sua motivação é a
busca de lugares que ofereçam mais vantagens, tais como, baixo preço da
mão de obra, concessão de incentivos fiscais e, sobretudo, a valorização e
ampliação da acumulação de capital. As indústrias instaladas no Polo Industrial
de Manaus - PIM têm, desde o princípio, a finalidade de produzir para
abastecer o mercado local brasileiro (ALVES, 2005). No entanto, como já se
sabe, vem exportando para vários países do continente americano.
As crises econômicas mundiais recorrentes expressam a dependência
do Polo de Duas Rodas, devido aos impactos tatuados nessas plantas fabris.
Um dos mais emblemáticos momentos da trajetória das empresas do PDR e,
em particular, da MHA ocorreu com a implementação das políticas econômicas
do governo federal, que ficaram conhecidas como abertura econômica para os
produtos estrangeiros, em 1991. Essas medidas desencadearam uma profunda
crise de produção e de comércio, que afetou profundamente a produção e o
mercado das empresas em Manaus. Essa crise impactou a produção em nível
local, uma vez que o faturamento de grande parte dos setores industriais e do
PIM sofreu uma redução de 28,58% naquele ano. O impacto ocorreu também
no setor de Duas Rodas quando o mesmo apresentou uma diminuição no
faturamento de 24,40% em 1992. As exceções foram os setores de bens de
informática, o de química e o de brinquedos (ALVES, 2005).
A crise também atingiu os empregos gerados pelas empresas do PIM,
quando verificamos a redução de quase 50% da força de trabalho no período
de 1990 a 1994, de 76.800 para 40.000 trabalhadores. Embora se perceba
uma visível contradição entre a dispensa dos trabalhadores e a manutenção do
aumento do faturamento. Em 1990, o faturamento foi cerca de 8 bilhões de
dólares, e as indústrias empregavam 76.800 trabalhadores, em 1994 o
faturamento saltou para a casa de 8,8 bilhões de dólares e a mão de obra era
apenas de 40.000 trabalhadores.
17
É neste contexto que as grandes empresas vão definir as estratégias
para superar a crise, redimensionar a produção e redefinir a sua relação com o
mercado nacional e internacional. A combinação dessas novas estratégias
resultou na alteração das estruturas e do comportamento organizacional das
indústrias localizadas no PIM.2
O objetivo deste trabalho consiste em investigar a rede de produção em
processo de formação pela MHA como empresa dominante ou focal, inserida
no PDR, focalizando as condições estratégicas desta empresa como modo de
reduzir os custos do processo produtivo e ampliação do capital.
Nessa perspectiva, nosso propósito específico é identificar a formação
dessas redes de produção como parte da reestruturação produtiva na Moto
Honda da Amazônia, uma estratégia da nova estrutura organizativa
empresarial,
desenvolvida,
sobretudo,
com
o
aparato
das
inovações
tecnológicas existentes na MHA, localizada no Polo Industrial de Manaus,
como uma política empresarial abrangente. São decisões estratégicas tomadas
por grandes corporações no âmbito da grande concorrência pelo mercado de
produção de bens de consumo. Essas relações interfirmas se formam a partir
das execuções de compra e venda de matéria-prima, peças e insumos. E, ao
identificar a rede de fornecedores da MHA, consideramos necessário identificar
e analisar como ocorre as interações entre a matriz e os fornecedores da rede.
Com base nesse processo, entendemos ser necessário analisar
atentamente
esse
fenômeno
a
fim
de
permitir
sua
compreensão,
principalmente, no domínio das Ciências Sociais como um problema
sociológico.
Nesse sentido, é necessário aprofundar a reflexão do problema sobre a
rede de produção promovida pela Moto Honda da Amazônia, uma vez que
essas estratégias empresariais e suas complexidades são parte de um
processo mais amplo das políticas empresariais globais impulsionadas, nessas
últimas décadas, pelas grandes corporações. Trata-se de um processo que
vem se intensificando a cada avanço da intervenção produtiva destas
organizações nos diversos territórios alcançados pelo industrialismo, com a
2
A esse respeito: podem ser consultados os trabalhos dos autores FREITAS PINTO (1987), VALLE
(2007), VIEIRA (2003), nos quais se encontram caracterizadas as circunstâncias, o contexto e as
motivações que compreendem a instalação dessas empresas no PIM.
18
finalidade de garantir um espaço favorável no mercado competitivo da
economia-mundo.
O aumento da produtividade, como consequência da estratégia
administrativa em questão, permite redimensionar todas as relações envolvidas
na produção industrial porque possibilita reordenar ou reestruturar os
processos de produção internos e externos da fábrica, uma vez que todo o
processo produtivo: a força de trabalho empregada, a quantidade, a qualidade
e o procedimento técnico da produção, esteja sob o comando imperativo da
redução de custos. Vale dizer que essa abordagem está sendo realizada sobre
uma das empresas da Honda Motor Company
que mais emprega
trabalhadores, em virtude da implantação mínima no aspecto da automação.
Portanto, o foco desse estudo é a Moto Honda da Amazônia, empresa
escolhida para análise em face: 1 - de sua posição de liderança no mercado
nacional e latino-americano na modalidade de produção industrial de
motocicletas; 2 – de constituir-se como a maior planta industrial, em extensão,
da Honda Motor Company situada fora do Japão; 3 – da existência de poucas
abordagens e pesquisas no subsetor de duas rodas do PIM.
A título de metodologia, o período de análise compreende os anos de
1990 a 2008. Este período marca a articulação da rede entre a MHA e seus
fornecedores em nível local, sob a premissa da glocalização3, que iniciou na
década de 1990, com a abertura econômica e a nova política industrial do
governo Collor. Delimitamos assim para compreender melhor todo esse
processo ao longo da década de 1990 e durante os anos de 2000.
A abordagem metodológica utilizada para a efetivação deste trabalho
também exercitou, em primeiro lugar, a realização de uma pesquisa
bibliográfica, em vista da dupla finalidade: por um lado, identificar as obras e os
autores que pudessem fornecer o instrumental teórico capaz de sustentar a
análise sobre o tema proposto; por outro lado, identificar as obras e os autores
que focaram a MHA como objeto de estudo. Neste último caso, é possível
afirmar a quase inexistência de trabalhos acadêmicos, à exceção da pesquisa
realizada por ALVES (2005) que tomou para objeto de análise o
3
A glocalização remete-se à compreensão da ideia de que o local constitui-se em “nós” da rede global.
Esse “nós” corresponde aos valores intrínsecos à dinâmica da economia e da vida social (CASTELS,
2006).
19
estabelecimento de comparação do subsetor de Duas Rodas com o subsetor
Eletroeletrônico do PIM.
Nesse sentido, consideramos ser pertinente a realização desta
investigação, em decorrência da importância do tema aqui proposto, sobretudo,
devido ao fato de haver uma quantidade mínima de bibliografias sobre o
mesmo, possivelmente devido a inexistência de pesquisas que tratam do foco
central, presente nesta abordagem.
Assim, o trabalho se apóia largamente na contribuição de autores como
Antunes (1995), HARVEY (1999), MÉSZAROS (2002) e WALERSTEIN (2002)
que analisam o tema da Reestruturação Produtiva e das novas formas de
acumulação de capital. Autores como CORIAT (1994), RAMALHO (2006) e
COCCO (2001) auxiliam na compreensão das categorias fábrica enxuta,
deslocamentos de produção, novas estruturas organizacionais e inovações
tecnológicas entre outras. Para compreender o conceito de redes de produção,
CASTELLS (2006) constitui-se em autor chave. Autores e pesquisadores
regionais como VALLE (2007), SILVA (2000), SCHERER (2005), SERÁFICO
(2009), FREITAS PINTO (1987), OLIVEIRA (2001), revelam-se importantes
para a compreensão da dinâmica de desenvolvimento industrial da Amazônia,
em particular, da Zona Franca de Manaus (ZFM).
Em segundo lugar, para identificar a formação da rede de fornecedores
da MHA, julgou-se necessário proceder a uma investigação junto às
instituições locais, públicas e privadas, detentoras de dados relativos à
temática investigada como, por exemplo, SUFRAMA, ABRACICLO e FIEAM.
Em terceiro lugar, para identificar a rede de fornecedores da MHA,
optou-se pelo trabalho empírico de levantamento de dados e entrevistas com
as categorias de administração e de engenheiros da empresa investigada.
O primeiro momento da pesquisa empírica realizada no segundo
semestre de 2008 consistiu na busca de contatos para a obtenção da
autorização do acesso à fábrica e aos atores que iriam participar das
entrevistas. Pois, a princípio, as dificuldades ocorreram devido à ineficácia dos
elementos intermediadores, isto é, as instituições escolhidas para fazer ponte
não corresponderam, por várias razões. A primeira delas decorreu pelas
dificuldades impostas pela própria fábrica, que proibiu visitas de estranhos,
20
alegando a segurança da garantia do segredo industrial. A segunda porque as
pessoas procuradas por nós não representavam nenhum peso no alto escalão
da empresa. E a terceira, por motivos de doença por parte do responsável, que
seria a pessoa chave, como no caso da associação nipo-brasileira. Somente no
final do primeiro semestre de 2009, conseguimos finalmente contato por
influência do vice-presidente da FIEAM e presidente do sindicato das empresas
do setor de veículos sobre Duas Rodas. O que nos possibilitou o contato com o
diretor e o com o gerente do Departamento de Recursos Humanos.
As entrevistas foram realizadas no início do segundo semestre de 2009.
Optamos por entrevistar somente uma parte de engenheiros e administradores.
Como critério, selecionamos, com ajuda do gerente do RH, os mais experientes
e outro por ter um tempo médio de empresa, com variação entre 9 (nove) e 32
(trinta e dois) anos de firma. Ao todo, foram entrevistados 6 (seis) funcionários,
sendo 3 (três) administradores e (três) engenheiros, sendo que um dos
engenheiros atua na fábrica como administrador. Este foi também o período da
realização da coleta de dados estatísticos relativos à Moto Honda da
Amazônia.
E, para apresentação dos resultados do trabalho teórico e empírico
realizado, a dissertação compõe-se da seguinte estrutura:
No primeiro capítulo, buscamos abordar as categorias que sustentam a
análise que estamos realizando centralmente no âmbito das redes de
produção, pelo conceito de reestruturação produtiva, acumulação flexível,
fábrica enxuta, resguardando a sua abrangência teórica. Sobretudo, porque
estas categorias emergem no contexto global de intensa alteração dos padrões
de produção. Dentre as alterações, procuramos vislumbrar a inserção dessas
indústrias no processo de deslocamento da produção e sua inserção nos novos
territórios. Entendemos, assim, que este estudo é parte de um desses
territórios locais, plugados com os aspectos gerais do processo global.
Procuramos compreender o modelo Zona Franca de Manaus e o seu Polo
industrial, como inseridas no contexto de intensificação da globalização e de
reprodução da acumulação capitalista.
No segundo capítulo faremos uma abordagem sobre o Polo de Duas
Rodas, apoiando-nos em abordagens explicativas sobre cadeias produtivas e
21
redes de produção que relacionaremos com a descrição e caracterização da
indústria de duas rodas em Manaus, onde estamos verificando a presença de
inúmeras firmas, das quais parte delas fabrica motocicletas, bicicletas, triciclos
e quadriciclos e outra parte produz peças, componentes e partes do processo
produtivo.
E, no terceiro capítulo, nossa abordagem será centrada na exposição
dos resultados da pesquisa de campo, extraída diretamente da fábrica, que
será realizada sobre o processo de formação de redes de produção na MHA.
Refere-se à discussão da pesquisa desenvolvida na MHA, junto ao staff da
empresa. No qual procuramos desenvolver os elementos formadores da
interação entre a MHA e as suas fornecedoras.
Concluímos que a rede de produção em formação, protagonizada pela
Moto Honda da Amazônia, caracteriza-se pelas relações que a mesma vem
estabelecendo com dezenas de empresas, no mesmo contexto da expansão
da cadeia produtiva no Polo de Duas Rodas em Manaus. Ao mesmo tempo em
que a relação é de subordinação e dependência, ocorrem também processos
de parceria interativa nos aspectos da qualidade, da técnica, da tecnologia e de
treinamento.
22
CAPÍTULO I
23
1. INDUSTRIALISMO, ALTA PRODUÇÃO E CRISE DA ECONOMIAMUNDO
Entendemos que é necessário compreender a indústria de Manaus no
marco geral da dinâmica do capitalismo para que possamos relacionar a crise
do capital às inúmeras concessões de impostos federais, estaduais e
municipais. Sendo estas oferecidas para facilitar a instalação dessas
empresas, além de poderem contar com uma produção com baixos custos em
encargos sociais. A concessão de impostos feita por parte das instâncias
executivas pode ser pensada como medidas alternativas de beneficiamento e
fácil instalação das transnacionais no Polo Industrial de Manaus e,
especialmente, no PDR. Tais medidas são típicas das políticas gerais da
indústria e do comércio internacional, cujo fim concorria para responder às
crises cíclicas do capital. As crises do petróleo da década de 50 e a crise de
69-73 se constituem como marcos desse processo, uma vez que as grandes
corporações, para voltarem a respirar, precisaram reestruturar-se inteiramente
(HARVEY, 1999).
O sistema capitalista como uma das características da sociedade
moderna, entendida como economia-mundo obedece segundo WALLERSTEIN
(2003) aos ciclos longos, mais conhecidos como ciclos de Kondratiev. A
dialética alta produção versus crise de produtividade é intrínseca à sociedade
capitalista. Isso explica um conjunto de fenômenos e movimentos ocorridos no
domínio do capital. Assim, a acumulação flexível, conceito desenvolvido por
HARVEY (1999) é sintomático da perda da capacidade de produção do
industrialismo afetada pela crise estrutural da economia-mundo. Em alternativa
a essa crise, as indústrias entraram na onda da fábrica mínima, analisada por
CORIAT (1994), ou da fábrica enxuta ANTUNES (1995).
A aplicação das estratégias pensadas para solucionar a crise das
grandes corporações compreende os mecanismos idênticos aos utilizados nas
indústrias estabelecidas no Polo de Duas Rodas em Manaus, dentre elas, a
Moto Honda da Amazônia. Esta organização tem procurado transformar o
processo produtivo nestes últimos anos. Parte dessas transformações
24
corresponde no modo de operar com a logística. Por isso, vem protagonizando
a formação de uma rede produção de fornecedores locais no Polo de Duas
Rodas em Manaus.
1.1 MOTO HONDA DA AMAZÔNIA: UM MODELO JAPONÊS NO POLO
DE DUAS RODAS DE MANAUS
Fundada no ano de 1948, na cidade de Hamamatsu, no Japão, a Honda
teve, como primeiros líderes, Soichiro Honda e Takeo Jujisawa, segundo os
quais, a filosofia deve guiar as ações: "A ação sem filosofia é uma arma letal. A
filosofia sem ação é uma inutilidade". A Honda localizada no Japão se divide
em Honda Trading4, Honda Express5 e Honda Access6.
Em 1971, foi inaugurada a Honda Motor do Brasil, e, cinco anos depois,
no ano de 1976, às vésperas do aniversário da primeira década da Zona
Franca de Manaus, localizada no Distrito Industrial, era inaugurada a Moto
Honda da Amazônia, a primeira fábrica de montagem de motocicletas na região
que se diferenciava das indústrias maquiladoras, as quais eram as mais fortes
do Polo Industrial de Manaus. O setor de duas rodas era extremamente
insignificante, se comparado ao setor que reunia a força das grandes
transnacionais do ramo eletrônico, tanto em produção, em vendas, em
faturamento, em mão de obra e em infraestrutura.
A Honda Motor Company possui somente no Brasil, 116 fornecedores e
613 concessionárias. As unidades da Honda no Brasil estão distribuídas
conforme o quadro 1. A Moto Honda da Amazônia é parte de um complexo
industrial de cerca de 60 indústrias da Honda Motor Company, espalhadas em
diversos países e exporta para 70 países do planeta.
4
Responsável pela importação de peça, ferramentas e exportação de motocicletas.
Setor de logística, antes instalada somente em São Paulo, agora se encontra estabelecida também em
Manaus.
6
Setor de vendas de acessórios para motocicletas e automóveis.
5
25
Quadro-1
LOCALIZAÇÃO DAS UNIDADES DA HONDA DO BRASIL
UNIDADES
ATIVIDADES
São Paulo
Comercial, serviços, consórcio, suprimentos, administração.
Depósito Anhanguera
Logística, C.Q.
Sumaré
Planta automóvel, depósito de peças.
Indaiatuba
Centro Educacional de Trânsito.
Manaus
Planta Motocicleta, Quadriciclos e Motor de força.
Fonte: Pesquisa de campo – 2009.
O mapa logístico da MHA ilustra os problemas relacionados a distância,
às dificuldades e os riscos de atrasos, com possibilidades de greves de
caminhoneiros, assaltos, ou problemas naturais, que venham contribuir para a
obstrução das estradas inviabilizando assim, o carregamento das mercadorias,
além de outros riscos possíveis, uma vez que a distância pela rodovia de São
Paulo para Belém é de 3.000 Km. E, a distância de Belém para Manaus pelo
caminho dos rios compreende 1.700 Km. Essa trajetória geográfica é encarada
como um grande problema de difícil controle para os administradores da MHA.
(Ver mapa logístico do carregamento das mercadorias da MHA. Mapa 1).
26
Mapa 1
A MHA, na cidade de Manaus, estado do Amazonas, e a planta de
Sumaré, em Sumaré, estado de São Paulo formam juntas as suas sucursais no
Brasil, como parte da estrutura da Honda Motor Company. A planta de Sumaré
inaugurou em 26 de outubro de 1971, sendo a primeira plataforma da Honda
South American, ou Honda da América do Sul. A única atividade desenvolvida
27
neste período era a importação e distribuição de motocicletas, na sede situada
no bairro de Vila Pompeia.
ia. Atualmente a distribuição de peças está localizada
na cidade de Sumaré, em São Paulo, assentada numa área construída de 32
mil m² (MARCELINO,
INO, 2004).
2004)
Em Manaus, a Moto Honda da Amazônia reúne no mesmo complexo
fabril, a HDA7, a HCA8 e a HTA9. Possui, além destas mais duas coligadas: a
Showa10 e a Keihin11. As três primeiras, juntas, totalizam um terreno de
661.000 m², e, um total de 193.000 m² de área coberta, conforme mostra a foto
aérea, no mapa 2.
Mapa2
Fonte: Honda – 2009. Adaptação do autor – 2009.
7
Honda da Amazônia: Produção e vendas de motocicletas, produtos de
d força e quadriciclos.
Honda Componentes da Amazônia:
mazônia: Fabricação de peças para motocicletas.
9
Honda tecnologia da Amazônia: Ferramentas e produtos de força.
10
Produção de amortecedores
rtecedores para motocicletas.
11
Produção de carburadores para motocicletas.
8
28
A planta com vista superior é representativa do modelo geral dos
processos produtivos da Moto Honda da Amazônia. Esse complexo produtivo é
subdividido em diversos setores. Dentre estes, estão: estamparia; solda; peças
plásticas que está subdividida em injeção plástica e pintura; montagem que
está subdividida em linha de montagem principal, linha de montagem body e
montagem de motores; pintura de chassi; Power Train, subdividida em fundição
e usinagem, planejamento de manutenção e Engine Quality; administração de
materiais; Qualidade; e Engenharia (Fonte: Pesquisa de campo – 2009).
Na HDA esse processo é dividido em produção de motor, que é
subdividido em fundição, acessórios de fundição, sintetização, usinagem de
aço, montagem de motor, acessórios de usinagem, fundição e manutenção de
grupo de motor; Produção de chassi, que está classificado em Estamparia e
solda de tanque, solda de chassi, injeção plástica e pintura de ABS, pintura de
alumínio de tanque, pintura do SPC, linhas de montagem, assessório de
produção de chassi, submontagem de assento e manutenção do grupo do
chassi.
Na HTA, são feitos o controle, suporte e ferramental. E, na HCA ocorrem
os processos de estamparia e solda; polimento e galvanoplastia, pintura de
escapamento e montagem de roda (Fonte: Pesquisa de campo – 2009).
1.2 CONDIÇÕES DE TRABALHO NA MHA
Baseamo-nos nas informações oferecidas pelos administradores a
respeito das condições do ambiente de trabalho na Moto Honda da Amazônia,
consideramos que os itens selecionados permitem que tenhamos uma visão
sobre as condições de trabalho nesta fábrica. Para cumprir com essas
condições, dentre outros serviços internos, a MHA contrata o serviço de 40
empresas terceirizadas, somando um total de 1.500 trabalhadores. Esses
serviços estão distribuídos entre limpeza, lavanderia, transportes internos,
segurança, alimentação, cuidados com jardins, assim como com serviços
relacionados a sistemas informacionais e administrativos da fábrica.
29
Para fazer a limpeza e conservação das salas, vestiários, banheiros,
corredores, ruas e outras em dependências das fábricas HDA, HCA e HTA foi
contratada uma empresa para cada um dos serviços expostos. Uma só firma é
contratada para fazer a conservação dos jardins, gramados, podagem e
eliminação de árvores próximas à HDA, HCA e HTA. Apenas uma única
empresa faz a lavagem, recolhimento e entrega dos uniformes de todos os
trabalhadores da HDA, HCA e HTA. (Pesquisa de campo – 2009)
Os transportes dos trabalhadores são realizados por 10 transportadoras
envolvendo ônibus, micro-ônibus e vans, todos com ar-condicionado, conforme
nos informou um dos administradores. Os ônibus, micro-ônibus e parte das
vans servem para fazer o transporte externo, com rotas definidas, de acordo
com os turnos da produção das fábricas HDA, HCA e HTA. Algumas empresas,
por meio de vans, se ocupam em fazer o transporte interno às unidades da
HDA, HCA e HTA. As rotas internas possuem paradas definidas com abrigo,
para transporte preferencial dos funcionários e visitantes autorizados.
(Pesquisa de campo – 2009)
A alimentação é feita por uma firma terceirizada com sede no Sul do país.
A mesma possui quase 30 anos e é líder no segmento de alimentos. Com 317
funcionários, essa empresa presta serviço à MHA há cerca de dez anos, em
três turnos. Serve diariamente mais de 9.500 refeições, uma média de 10 mil
lanches, distribuídos em 4 restaurantes na HDA e HCA. A mesma possui três
métodos de avaliação de aceitabilidade dos alimentos servidos, feito por meio
de pesquisa verbal (entrevista), pesquisa escrita (caderno de sugestões) e
pesquisa em painel (eletrônico). (Pesquisa de campo – 2009)
30
1.3 PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SOCIAL NA
MHA
A rigor, a nova fase da produção industrial em todo o mundo é
compreendida como a fase da reestruturação produtiva. De acordo com
Antunes (1995), trata-se de uma contundente resposta das grandes empresas
à crise da produção e do capital. Essa fase é também correspondente à
concepção, desenvolvimento, experimentação/execução de uma variação de
métodos para a nova organização da produção, concebidos e aplicados no
interior das fábricas. Mescla-se a isso, em um plano mais holístico, as
estratégias
entrelaçadas
de
empresas
subsidiárias
que
atuam
como
fornecedoras para alimentar a produção de uma ou mais empresas. Conforme
COCCO (2003), a introdução das tecnologias telemáticas na produção recoloca
o papel do operário como imperativo central no processo do trabalho, em que
as redes de produção passam a ser compreendidas no domínio das disputas
do mercado, da produção de bens de consumo, entendida por CASTELLS
(2006) como cadeias produtivas.
Nesse contexto, foi instalada a primeira planta, em 11 de novembro de
1976, na Zona Franca de Manaus, a Moto Honda da Amazônia, localizada na
cidade de Manaus, quando e onde iniciou sua atividade com a produção e
venda de motocicletas e motores de força. A implantação da Moto Honda da
Amazônia ocorreu sustentada pelos benefícios de isenção de impostos
oferecidos pelo Decreto-Lei n.º 288 em 28 de fevereiro de 1967, decreto que
efetivou a Zona Franca de Manaus (BOTELHO, 2006).
Ao estabelecer-se em Manaus, a MHA empreendeu a produção de
motor estacionário (próprio para impulsionar a voadeira12 e canoas, mais
conhecidos como motor de popa); de veículos chamados triciclos e
quadriciclos, como se pode ver na sequência de fotografias, abaixo:
12
“Barco de motor de popa, muito veloz”. Dicionário: HOLANDA, A. Buarque de.
31
Quadriciclo:
Fonte: Honda – 2009.
Motor estacionário:
Fonte: Honda – 2009.
32
Modelos de motocicletas:
Fonte: Honda – 2009.
Fonte: Honda – 2009.
33
A diversidade de produção apresentada é uma característica da MHA
desde o seu estabelecimento em Manaus. Há produção considerável de todos
esses produtos. Contudo, o foco da nossa abordagem será centrado nas
variadas produções dos modelos de motocicletas, tal como se encontra acima
ilustrado.
A inovação tecnológica, o grande contingente de mão de obra e barata,
(VALLE, 2007), a instalação de máquinas modernas, o fornecimento de
insumos locais, a progressiva expansão de empresas fornecedoras locais,
somado ao modelo da produção flexível – este último vem sendo aplicado
desde 1990, têm sido fundamental para a produção dessa variedade de
modelos de motocicletas em escala. Tem contribuído também para o aumento
da produtividade desta organização. É possível perceber que a velocidade da
produção é cada vez maior na fábrica da Moto Honda da Amazônia. Em uma
visita que fizemos à MHA em abril de 2008 (somente em um dos setores de
montagem), o apresentador nos informava que em uma das três linhas de
montagem era concluída a produção de uma motocicleta simples a cada 32
segundos e em outra linha os operários encerravam uma moto das mais
sofisticadas a cada 38 segundos. Agora em 2009 a montagem de uma
motocicleta está sendo concluída em média 23 segundos (ver foto 1).
34
Foto 1
Honda – 2009 (Inspeção – após montagem final)
A MHA vem ampliando suas vendas para o mercado externo. Em 2004,
essa exportação representava 5%. (ALVES, 2004) Até setembro de 2008, a
MHA
alcançou
o
percentual
(SINDI/FIEAM/CNI, 2008).
de
9%
de
vendas
para
o
exterior
35
Mapa 3
Exportando para o Mundo
PAÍSES
CBU + CKD
FINLAND
SWEDEN
NORWAY
GERMANY
DENMARK
IRELAND
SWITZERLAND
POLAND
CZECH REP.
SPAIN
CANADA
HUNGARY
POTUGAL
USA
FRANCE
HAITI
BERMUDA
MEXICO
TURKEY
JAMAICA
GUATEMALA
BELIZE
EL SALVADOR
MOROCCO
IRAN
DOMINICAN
EGITO
REPUBLIC
THAIILAND
LIBANON
HONDURAS
VENEZUELA
ISRAEL
NICARAGUA
UAE
UGANDA
KENYA
GUIANA
COSTA RICA
GUINE GUANA
TANZANIA
COLOMBIA
MALAWI
ANGOLA
PANAMA
TAHITI
SINGAPORE
BRASIL
EQUADOR
ZAMBIA
MAURITIUS
PERU
URUGUAY
ZIMBABWE
BOLIVIA
REUNION
MOZAMBIQUE
MADAGASCAR
AUSTRALY
COOK ISLAND
SOUTH AFRICA
ARGENTINA
PARAGUAY
NEW ZELAND
CHILE
<< CAPA MOTOS NAC MOTOS EXP
Fonte: Honda – 2009.
NAFTA - (North American Free Trade Agreement)
MERCOSUL - (Mercado Comum do Sul)
ATV
MOTOR ESTACIONÁRIO
36
Quadro 2
7.865
1.602
32 anos
116
9.583
Ref.: Fevereiro/09
Fonte: Honda – 2009.
Os anos de 2006 e 2008 são expressivos do crescimento da mão de obra
da MHA. Porque em apenas dois anos, o aumento de cerca de 3 mil
trabalhadores significa um impacto no aumento da produção. O crescimento
econômico do país foi fundamental para o aquecimento produtivo, o que
motivou à MHA contratar mais trabalhadores para buscar a implementação da
meta de produzir 2 milhões de motocicletas em 2009. O que não foi possível
devido à crise econômica mundial, iniciada em setembro de 2008.
37
Foto 2
Linha de montagem - 2009
Os administradores da Moto Honda da Amazônia informam que não têm
problemas para contratar mão de obra operacional. Porque o mercado possui
uma enorme reserva de trabalhadores sem qualificação profissional. E estes
especialmente são treinados dentro da MHA. Enquanto nós fazíamos as
entrevistas, um grupo de trabalhadores recém contratados estava fazendo o
curso de empilhadeira, no CT – Centro de Treinamento13 da empresa, em uma
sala ao lado de onde estávamos. Conforme um administrador:
13
É o setor vinculado aos Recursos Humanos, que é responsável pelo treinamento e desenvolvimento de
pessoal. (PESQUISA DE CAMPO: SATOSHI MIKI)
38
[...] no nível operacional ele é... são satisfatórios. É porque a
Honda trabalha, assim com... A pessoa não precisa saber a
atividade que ela vai desempenhar. Nós formamos aqui, ok?
Que é a maioria, né? 85%, é... dos funcionários, são
operacionais, ok? Então a gente não vê dificuldade de
conseguir essa mão de obra (PESQUISA DE CAMPO: Ricardo
Souza).
Neste aspecto, administradores e engenheiros foram unânimes em
afirmar sobre a satisfação, abundância e facilidade de encontrar operários sem
ou com pouca qualificação profissional, em Manaus. Mas não é o mesmo o que
acontece com os segmentos de trabalhadores qualificados. Segundo os
mesmos, ou são raríssimos, ou não existem. Portanto, na ausência de
engenheiros mecânicos, engenheiros de produção, engenheiros elétricos,
dentre outros profissionais qualificados, procurados em nível local e não
encontrados, a alternativa é buscar em outras regiões do país.
A procura de trabalhadores culturalmente capacitados é uma exigência
das grandes empresas transnacionais no local onde elas se estabelecem.
Porque o salário de um operário ou qualquer profissional qualificado é muito
mais elevado em países desenvolvidos do que nos periféricos. A força de
trabalho profissionalmente qualificada atual dos países subdesenvolvidos deve
passar hoje por essa seleção cultural. Isto significa dizer que as grandes
organizações estão à procura de uma mão de obra barata em países e regiões
onde a ofereçam. Trata-se de uma força de trabalho altamente capacitada.
Segundo o SENNETT “[...] os empregos abandonam países de salários altos
como os Estados Unidos e a Alemanha, mas migram para economias de
salários baixos dotadas de trabalhadores capacitados e às vezes mesmo
superpreparados” (2006: p. 84).
[...] No nível superior, há uma carência muito grande aqui de
contratação de engenheiros, principalmente mecânicos, não é?
Na maioria das vezes, nós trazemos esse profissional de fora,
né?, ou do Nordeste, né?, ou do Sudeste. São as áreas onde
essas ... melhor adaptaram na região Norte, não é? Pode ser
clima, pode ser alguma coisa assim, mas do Nordeste,
principalmente, não é? Eles têm maior facilidade de adaptação
39
à cultura, ao próprio estilo de trabalho aqui da nossa empresa
(PESQUISA DE CAMPO: Ricardo Souza).
A contratação de especialistas é um problema em função de que gera,
conforme reclamam os administradores, certo custo à MHA, que conta com a
assessoria de empresas como a Avistar, o Grupo Selpe, o Grupo Foco, a RH
Internacional, Eventos Recursos Humanos, do Sudeste e Inteligente e Capital
Humano do Sul brasileiro, para recrutar e selecionar engenheiros. Após a
chegada a Manaus, visita à fábrica e a realização das entrevistas, se
aprovados os engenheiros retornam à sua cidade para preparar o seu ingresso
à fábrica e a sua mudança para Manaus.
A vinda desses profissionais qualificados não é garantia de estabilidade
na fábrica e nem de adaptação à região e à cidade, uma vez que alguns
engenheiros desistem do emprego, ou por não se identificarem com o trabalho,
ou devido a conflitos familiares. Mas a maioria destes não fica por não se
adaptarem ao clima ou à cultura regional. De acordo com Douglas14:
Tem toda uma questão de... social, né?, familiar, cultural, não
é? Enfim, então, isso pode levar com que essa pessoa que
vem de fora, não são todas, lógico, essa falta dessa adaptação,
faça com que ele retorne, não é? Pro local de origem. Então,
não é, não é bom, né?, pra ambas as partes [...] Quando essa
pessoa é casada, por exemplo, e a esposa já tem uma
profissão em outro Estado, aí vem a dificuldade. Não é? Ele tá
desempregado, ela tá empregada, aí começa a ter conflitos.
Não é bom. (PESQUISA DE CAMPO: Ricardo Souza)
No entanto, em termos de recursos humanos, a maior dificuldade está
relacionada à carência de uma mão de obra de técnicos e profissionais
qualificados, do ponto de vista interno, para contratação para a MHA. Não há
problema quanto à força de trabalho operacional, porque essa categoria de que
se exige menos qualificação profissional é extremamente vasta. A carência de
trabalhadores qualificados decorre da necessidade que a MHA tem de produzir
14
O nome exposto do entrevistado é fictício. Douglas é administrador e ocupa a função de gerente de RH
da MHA.
40
um tipo de produto, que exige um tipo de trabalhador altamente qualificado.
Conforme Ricardo Souza15:
Engenheiros, engenheiros mecânicos, que nós trazemos tudo
de fora, é de São Paulo, é do Rio Grande do Norte, é do
Nordeste em geral, nós trouxemos muitos engenheiros
mecânicos. Trouxemos muitos[...]Veio muito da Paraíba, nós
fizemos um convênio com a Universidade Federal da
Paraíba[...]a maioria de São Paulo, grande parte é tudo de são
Paulo, engenheiros (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
A absorção dessa mão de obra mais qualificada de fora do estado do
Amazonas é decorrente da existência de pouquíssimos técnicos e menos
ainda, de engenheiros. A MHA precisa fazer convênios com Universidades do
Sudeste e Nordeste do País para a composição e satisfação do seu quadro de
trabalhadores. Os poucos técnicos, técnicos mecânicos formados pelo antigo
CEFETE, atual IFAM, ao saírem, imediatamente são absorvidos pelo mercado.
Ricardo Souza continua...
Tem engenheiros lá da Universidade do Rio Grande do Norte,
também tem Minas. Pelo que eu vi aqui na fábrica nós temos
uns 200 mecânicos, técnicos, mecânicos. Tudo que sai da
Escola Técnica Federal o mercado já absorve, o pessoal da
área de informática, o pessoal da Nokia. Antigamente da
Sharp. O pessoal da Nokia, o treinamento de lá é muito bom. A
gente contrata muita gente de lá. Realmente eles são bons
(PESQUISA DE CAMPO: 2009).
Com leves oscilações antes de 1994, os primeiros tropeços vistos no
início desta série são tributados à política econômica do governo federal em
1991. Depois
imperceptível,
disso,
em
vê-se
2005.
que ocorreu uma ligeira
Ressalta-se que
os
sinais
quebra,
de
quase
recuperação
aconteceram de fato, somente a partir de 1994. Percebe-se também que o
aumento da mão de obra na MHA se deve, em termos objetivos, ao
15
O nome citado do entrevistado é fictício. Ricardo Souza é Engenheiro de produção de formação,
atualmente é supervisor da divisão de peças. Trabalha na Honda há 22 anos, desde 1987. Antes da
atividade que ocupa hoje na área administrativa como supervisor da divisão de peças, atuou no campo da
engenharia, como engenheiro de projetos, engenheiro de análise de garantia de campo, e na área de PCP.
41
crescimento da economia brasileira nestes últimos anos, que tem permitido a
expansão das vendas para o mercado nacional, bem como para as
exportações. Do ponto de vista interno, uma série de procedimentos técnicos e
de métodos tem contribuído para a elevação da produção, uma vez que
quando cresce a capacidade de venda, o mercado força o aumento da
produção e da força de trabalho.
A MHA possui quatro tipos de contrato de trabalho: o temporário, que
corresponde aos dois primeiros meses de adaptação; a experiência, quando os
trabalhadores fazem uso dos três meses nas fábricas, antes da contratação
efetiva ou dispensa; o tempo indeterminado são todos os operários
aproveitados cujo talento corresponde às necessidades da MHA; e o estágio,
período que os trabalhadores em processo de formação escolar em nível
médio e em nível superior. Esses operários desenvolvem o processo produtivo
em uma jornada de trabalho diversificada, distribuída em cinco turnos, sendo
dois normais e três especiais. Nos turnos especiais, os operários e os chefes
percebem diferentes gratificações, de acordo com o turno e com a função na
empresa.
1.4 EMPRESA: RACIONALIDADE E PRODUTIVIDADE
O desempenho da atividade industrial da Moto Honda da Amazônia no
Polo Industrial de Manaus ocorreu dentro de um contexto no qual as mudanças
das formas organizativas da produção, reestruturação empresarial se
desenvolveram nos limites do crescimento da fábrica. A dinamização dessas
estratégias que se confundem com a aplicação das técnicas de produção de
trabalho é o fundamento do objetivo desta organização, que consiste em existir
e melhor competir no mercado. Aos poucos se buscou desenvolver os
processos produtivos na fábrica, a fim de viabilizar a racionalização produtiva.
O toyotismo foi parte desses métodos utilizados no processo de produção,
juntamente com fortes elementos do método fordista.
42
Tabela 1:
EVOLUÇÃO DA MÃO DE OBRA DA MOTO
HONDA DA AMAZÔNIA: 1990 A 2008
ANOS
MHA
HCA
HTA
TOTAL
1990
1.879
247
-
2.126
1991
1.784
271
-
2.055
1992
1.389
189
-
1.578
1993
1.221
179
102
1.502
1994
1.276
254
54
1.584
1995
1.530
332
41
1.903
1996
1.871
482
42
2.395
1997
2.264
660
53
2.977
1998
2.336
716
52
3.104
1999
2.458
682
59
3.199
2000
2.678
736
61
3.475
2001
3.075
801
66
3.942
2002
3.946
1.015
80
5.041
2003
4.451
1.077
106
5.634
2004
5.136
1.212
116
6.464
2005
5.189
1.062
115
6.366
2006
6.091
1.177
118
7.380
2007
6.935
1.384
118
8.437
2008
7.865
1.502
Fonte: Pesquisa de campo - 2009
116
9.583
As mudanças que ocorreram no setor de tratamento superficial16 refletem
as transformações que ocorreram na MHA. O desenvolvimento e o aumento da
produção, se deu no contexto da ressignificação do conceito de produção, em
termos de qualidade e quantidade de produtos, segundo os administradores e
engenheiros entrevistados. A exemplo disso, o setor contava antes com uma
grande e única máquina para fazer vários processos em pequena escala de
produção, atualmente três máquinas a substituem. Assim, hoje cada uma serve
16
Envolve o desenvolvimento da atividade com o revestimento químico de metais plásticos em
escapamentos, que é uma especialidade fabril da Moto Honda da Amazônia, assim garante o engenheiro
Bernardo.
43
a um processo separado e em grande volume. Segundo informa o engenheiro
Bernardo17:
[...] antes a gente tinha uma máquina pra fazer pequeno
conjunto de peças. Vamos fazer guidão, vamos fazer aro, fazer
a roda, pedais. Uma máquina só. Com o aumento produtivo a
gente teve que comprar mais unidades galvânicas. Máquinas
bem grandes pra poder fazer essa expansão, né? De maneira
mais coerente. Houve uma... um desenvolvimento bastante
grande na parte de automação. Antes a gente não podia
pensar sequer em ter um robô. Hoje nós já temos 4, 6,
robosinhos, já trabalhando na linha de solda né? Escapamento.
Nós temos uma... uma pintura, uma unidade de pintura a pó.
Seria uma coisa, também que nós na época não imaginávamos
e uma unidade de pintura líquida pra alta temperatura com
desenvolvimento do escapamento, que foi um atendimento à
Lei né? (PESQUISA DE CAMPO).
O desenvolvimento das formas de fabricação de mercadoria é parte de
inúmeras transformações que ocorreram e estão ocorrendo no mundo da
indústria moderna, sendo que hoje num patamar muitíssimo mais elevado em
relação ao século XIX. Segundo Marx, o princípio da indústria mecanizada se
tornou uma diretiva dominante, ao empregar processos mecânicos e químicos
na divisão do trabalho, do processo de produção industrial. De acordo com
Marx: [...] A maquinaria vai penetrando progressivamente nos processos
parciais das manufaturas. A organização rígida e cristalizada destas, baseada
na velha divisão do trabalho dissolve-se, dando lugar a transformações
constantes [...] (MARX, 1996: p. 529).
Os fatores que levaram à expansão da Moto Honda da Amazônia foram
realizadas nos aspectos da infraestrutura e da estrutura. Para ilustrar essa
afirmação, é demonstrativo o caso da Honda Componentes da Amazônia, pois,
onde havia apenas um galpão, hoje são três só para produção de
componentes. Ocorreram mudanças como o deslocamento da produção de
componentes da HCA para a HDA. Tais transformações permitiram maior
agilidade à coerentização do processo de produção na montagem. As mesmas
foram necessárias, inclusive para evitar o transporte dos componentes. Outro
17
Bernardo é engenheiro químico de formação e trabalha na Moto Honda da Amazônia há 13 anos. Sua
especialidade é a parte de tratamento superficial, galvanoplastia, pintura, e metais plásticos.
44
caso ilustrativo é o caso da transferência do setor de produção do assento que
permitiu a realização de todo os processos produtivos desde roda até
montagem e o embarque no caminhão. Esse deslocamento da produção de
assento para uma fornecedora ocorreu em decorrência da falta de espaço
interno. Bernardo descreve a abertura de novas linhas de produção de
componentes:
[...] Em termos, não só a expansão na forma de tamanho da
fábrica, que hoje a gente tem, quando eu vim pra cá nós
tínhamos um galpão. Passados alguns anos, nós fizemos outro
galpão, fizemos dois galpões, hoje a HCA têm três galpões só
na parte de componentes, né? Três galpões. Essa parte de
produção, que a gente conseguiu também direcionar e fazer
um pouco melhor foi é..., tentar corrigir, né? Algumas... coisas
que ficaram pra trás, que foi, conforme ele se expandiu, a
gente conseguiu uma linha de escapamento, uma linha de aro.
Hoje tá mais definido isso, que antigamente não tinha. E
tivemos que abrir mão de outras fábricas que a gente tinha, e
hoje tão..., foram transferidas para a HDA, que são fábricas
como a parte galvânica, são fábricas que não tem mais. A
Honda não, de uma forma geral, não tem mais no Japão, né?,
pelo menos. Por exemplo, a fábrica de acento, quando a
Honda hoje faz uma moto alguém fabrica o acento pra eles e
entregam o assento acabado. E nós temos uma fábrica de
acento aqui, que era na HCA e por questão de espaço né? Por
uma questão até de ajuste, porque o acento, ele pode se alocar
bem na linha de montagem, né. A pessoa faz o acento e já
entrega pra linha de montagem, já pra colocar na motocicleta.
Então, até pra liberar um espaço, que pra nós era crucial, a
gente teve que abrir mão da linha de acento, foi lá pra, pra
Honda da Amazônia, a HDA, que a gente fala que é a parte de
montagem de moto, né? Então, houve um crescimento
bastante significativo da Honda, não só em termos tecnológico
de... em termos de processos. Houve também crescimento de
gente né? A gente percebe esses últimos anos a Honda tá uma
quantidade enorme, falando da Honda componentes, né?
(PESQUISA DE CAMPO: 2009).
A MHA começou a implementar a automação em alguns dos
processos produtivos no setor de estamparia. Seguindo a descrição de
Bernardo, o emprego de robôs na linha de produção possibilita a precisão na
aplicação da solda, a facilidade de movimentação da peça, cuja operação exige
um grande esforço da força física do operário. É um movimento que nos
permite presenciar os primeiros sinais de automação na HCA, isto é, em uma
das unidades da MHA. Do ponto de vista técnico, a introdução do robô oferece
45
maior eficiência em relação à soldagem e libera a força física dobrada que o
operário tem de fazer para movimentar a peça, transferindo a mesma ao robô.
O operário ligado a essa operação é liberado da força física e do seu posto de
trabalho da fábrica. Além disso, a inclusão do robô significa a garantia de maior
qualidade no produto em processo de fabricação, principalmente em se
tratando da soldagem do material, mas também oferece mais segurança no
processo, uma vez que essa atividade é extremamente arriscada para o
trabalhador que solda as peças. Tal como explica o engenheiro Bernardo:
Tinha processo que a gente não conseguia garantir e colocava
em risco a qualidade do produto. Você deve ter visto. Não era
esse o caso, pelo amor de Deus, não é esse o caso, mas, por
exemplo, eu lembro que tinha um cordão de solda num garfo, e
aquilo é especificado, tem um comprimento, mesmo depois que
você vai fazer a costura da solda, vai soldar uma peça com
outra, né?, um tubo vai ter uma peça soldada, eles podem
fazer o começo da solda, antes da peça e terminar um
pouquinho depois, que é uma questão de segurança. Então,
você não pode no meio da peça... ficar um pedacinho pra
soldar. E a gente tinha dificuldade de fazer devido à posição de
algumas peças, aí ficava aquele um milímetro. Faltou um
milímetro. Você sabe de uma coisa? Vamos ver um robô. Volta!
Garante um dispositivo que garante precisão e a gente fecha
esse assunto, porque é bastante complicado às vezes de você
colocar. Mas o trabalho também do robô, ele vem substituir
alguns trabalhos, que solda não é bem o meu conhecimento,
mas a gente percebe que, por exemplo, quando faz, quando
eles fazem os garfos, quando faz aquele monte de solda, a
peça fica toda torcida, por causa do calor e das contrações da
solda. Então, muitas vezes o operário tem que fazer muita
força pra colocar a peça num dispositivo, forçar a peça entrar
numa... numa certa posição pra que ele amarre aquela posição
e prenda até aquele jeito pra poder soldar algum reforço, que
vai garantir que a peça fique naquela configuração que foi
planejada (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
A automação, materializada na inserção do robô, substituindo a força de
trabalho humana é simbólico da intensificação da técnica. Esse processo
cumpre com o objetivo de baixar o preço da mercadoria, diminuir o tempo de
trabalho do operário, ampliando o tempo de trabalho gratuito do trabalhador,
que é apropriado pelo capitalista. Segundo MARX:
46
No sistema de máquinas, tem a indústria moderna o organismo
de produção inteiramente objetivo que o trabalhador encontra
pronto e acabado como condição material da produção. Na
cooperação simples e mesmo na cooperação fundada na
divisão do trabalho, a supressão do trabalho individualizado
pelo trabalhador coletivizado parece ainda ser algo mais ou
menos contingente[...] O caráter cooperativo do processo de
trabalho torna-se uma necessidade técnica imposta pela
natureza do próprio instrumental de trabalho” (1996: p. 440).
É importante observar que o aumento contínuo da produção e da
produtividade, da ampliação da MHA está acontecendo por conta de uma forte
racionalidade nos processos produtivos, que envolve a introdução de
tecnologias, com a finalidade de tornar-se mais competitiva entre as suas
concorrentes, fabricantes de motocicletas, no mercado nacional e internacional.
O gráfico abaixo certamente é explicativo da evolução do desempenho das
atividades industriais da desta empresa.
Quadro 3
Produtos Fabricados
<< CAPA
MOTOS NAC
ATV
MOTOR ESTACIONÁRIO
Fonte: Pesquisa de campo – 2009. Fornecido pela empresa.
1.277.669
1.551.724
2008
13.485.617
1.234.095
1.132.527
982.014
123.875
1.008.652
895.658
123.875
771.783
2004
908.213
88.509
3.986.933
ACUMULADO
819.704
59.094
2002
683.322
658.152
48.550
609.602
562.564
436.467
508.112
2000
1998
435.659
54.452
2.552.243
2.987.902
2.171.061
381.182
1.914.806
256.255
1996
1.734.472
EXPORTAÇÃO
180.334
1.623.367
64.317
111.105
1994
1.559.050
1.491.252
67.798
1992
1.399.048
92.204
1.291.978
MOTOS EXP
107.070
126.652
NACIONAL
1990
1.041.424
1.165.326
923.185
123.902
1988
118.239
819.575
103.610
1986
714.676
104.899
597.857
428.196
116.819
1984
169.661
278.790
149.406
1982
175.635
103.155
47.100 105.112
70.523
1980
29.021 58.012
1978
2.200
2.200
1976
26.791 28.991
1 MILHÃO
3.424.369
3 MILHÕES
2 MILHÕES
4.645.085
4 MILHÕES
742.426
5 MILHÕES
2006
5.387.501
6.207.205
7.102.863
6 MILHÕES
138.726
7 MILHÕES
843.288
8 MILHÕES
48.172
10 MILHÕES
9 MILHÕES
1.185.923
13 MILHÕES– Outubro de 2009
8.084.877
9.217.404
100.025
1.377.694
10.595.098
104.700 1.656.424
12.251.522
EVOLUÇÃO
47
Os dados no gráfico acima correspondem ao período dos anos de 1970
até o mês de outubro de 2009, e revelam a capacidade produtiva, de vendas
nacionais e internacionais da MHA. Observamos também que esta empresa
alcançou no mês de outubro de 2009 a produção de 13.485.617 unidades de
motocicletas produzidas na planta de Manaus.
Foto 3
Linha de montagem – 2009
48
A MHA é conhecida por ser pioneira como produtora de motocicletas em
Manaus, desde os primeiros anos do antigo Distrito Industrial. Quando registrou
a produção do primeiro ano de atividade, totalizando 12.800 motocicletas.
Certamente seus administradores não vislumbravam esse nível de produção
por muito tempo, uma vez que sua estratégia consistia em ocupar o mercado
brasileiro e do sul da América. A realidade atual está evolutivamente
confirmando essa estratégia no Brasil e no sul da América.
Para isso, tornava-se necessário preparar o campo, afirmar e aplicar os
conceitos organizacionais. Era fundamental aplicar o conceito de glocalização,
segundo seus administradores, isto é, produzir onde se vive. Resumidamente
significa atrair a maior quantidade necessária de fornecedores para perto da
fábrica da MHA, ou seja, o sucesso da meta a ser alcançada por essa
transnacional consistia em resolver primeiramente o problema da logística.
Porém, a razão maior da inserção dessa corporação no mercado da região
sulamericana, estava relacionada à crise econômica, pós-Segunda Grande
Guerra, que fazia dessa a causa comum de inúmeras transnacionais migrarem
dos
seus
países
de
origem
para
produzir
e
vender
em
regiões
subdesenvolvidas.
1.5 A CRISE NA ECONOMIA-MUNDO: RAZÕES DA ESTAGNAÇÃO NA
PRODUÇÃO
Este período pode ser caracterizado, segundo WALLERSTEIN (2003)
como o ciclo de Kondratiev, o qual irá iniciar em 1945 e vai até os dias de hoje.
Trata-se dos chamados ciclos longos. Esses ciclos podem ser divididos em
duas fases: a fase A e a fase B. A primeira que vai de 1945 a 1967-1973 com
características de expansão econômica, e a segunda com característica de
contração econômica que se inicia em 1967/1973 e deve prosseguir por alguns
anos em frente.
A fase A do ciclo de Kondratiev é parte do contexto do período da alta
hegemonia dos Estados Unidos. Este país precisava manter sua estabilidade
49
para usufruir do seu momento de glória e, ao mesmo tempo, garantir um
mercado para o escoamento da produção das empresas norte-americanas em
pleno
crescimento.
Nesse
sentido,
foi
fundamental
primeiramente
o
estabelecimento da ordem mundial. Para isso, em 1945, foram criadas a
Organização das Nações Unidas – ONU, o Fundo Monetário Internacional –
FMI e o Banco Mundial como órgãos supranacionais, cujo objetivo era a
manutenção da ordem. E, em segundo, o acordo de Ialta que separava as
regiões entre o mundo capitalista em torno dos EUA e o “resto” na órbita da
União Soviética.
Enquanto a economia tipicamente fordista estava ancorada na política
keynesiana, e apoiou-se nesta para expandir sua produção, internacionalizar o
comércio dos seus produtos e aumentar seus lucros, o movimento da empresa
capitalista se materializava na combinação do impulso político, por meio de
incentivos do Estado-nação e da dinâmica produtiva das corporações
capitalistas.
Ford acreditava no poder produtivo do modelo corporativo. Pois o dia de
8 horas e o pagamento de cinco dólares, além de forçar o aumento da
disciplina dos trabalhadores para adequá-los à nova linha de montagem de
elevada produtividade, lhes proporcionaria também renda e tempo para o
consumo da alta produção que as corporações estavam por fabricar (HARVEY,
1999).
A implantação do fordismo encontrou dois importantes obstáculos: um
deles foi a própria resistência à tecnologia de montagem de produção de
massa. O outro tem a ver com o modo de intervenção política do Estado. Fato
é que
a realidade
exigia das
indústrias
uma nova concepção
de
regulamentação compatível com a produção fordista. A favor disso, a derrota
do movimento sindical, foi fundamental para a execução do controle da força
de trabalho, isto é, significou um considerável componente para efetivar a
imperativa imposição do capital sobre o trabalho (WALLERSTEIN, 2003).
Assim, o fordismo aliado à concepção keynesiana18 conseguiu
transcender as fronteiras nacionais, formando uma rede mundial de produção e
18
Teoria da Economia Política que ficou conhecido pela idéia do bem-estar-social. Política que consistia
na democratização da renda, do consumo e elevação do padrão social de vida.
50
comércio, envolvendo inclusive as nações descolonizadas. O período após o
ano de 1945 (o período pós-guerra) será um marco para o capitalismo, no qual
conseguirá níveis de altas taxas econômicas, devido sua consistência produtiva
e, por efeito, a elevação dos níveis sociais de vida.
É nesse contexto que o fordismo, sustentado no keynesianismo, vai se
configurar como um regime de acumulação pleno, com características próprias.
Ele se constituiu também como a plataforma completamente estável de um
longo período de expansão, que vai do pós-guerra até o ano de 1973. Isto
permitiu que o capitalismo garantisse uma base industrial, a ponto de tê-lo
possibilitado realizar a elevação dos padrões de vida de uma significativa
parcela da sociedade norte-americana, por exemplo.
Porém os Estados Unidos começaram a perder sua hegemonia quando
a Europa Ocidental e o Japão iniciaram sua recuperação econômica. Essa
retomada e crescimento da economia da Europa Ocidental e do Japão levaram
ao esgotamento internacional do mercado e a uma dramática redução da
rentabilidade de grandes setores industriais. “A deterioração da conjuntura da
economia-mundo foi marcada por dois grandes acontecimentos: a necessidade
de os Estados Unidos abandonarem o padrão-ouro e a revolução mundial de
1968” (WALLERSTEIN, 2003: p. 76).
Este é o marco do ingresso no longo período de estagnação. O
capitalismo passa a viver o drama do declínio das taxas de lucros derivados da
produção.
“[...] a taxa de acumulação, ou seja, da efetiva inversão em um
parque de equipamentos produtivos, não cresceu durante os
anos 80, como caiu em relação a seus níveis – já médios – dos
anos 70. No conjunto dos países de capitalismo avançado, as
cifras são de um incremento anual de 5,5% nos anos 60, de
3,6% nos anos 70, e nada mais do que 2,9% nos anos 80. Uma
curva absolutamente descendente (ANDERSON, 1995: p. 16).
É importante notar que o primeiro impacto da estagnação na década de
1970 se constitui na saída dos grandes empresários e investidores para formar
seus lucros. A forma de lucrar passou, substancialmente, da esfera da
produção para a esfera financeira. O segundo é o alto índice de desemprego
em todo o planeta, e o terceiro consiste no fenômeno do deslocamento da
51
planta produtiva, em busca de substituir o pagamento de altos salários por
lugares onde o trabalho é mais barato.
É possível verificar neste aspecto não só o espetáculo da especulação
financeira sendo realizada por um concentrado e seleto grupo de investidores,
pelo menos até o estouro da bolha financeira, mas também o deslocamento da
produção de países da Europa Ocidental, da América do Norte e do Japão para
outras regiões do planeta, principalmente para os ditos países industrialmente
em desenvolvimento. Podemos perceber, ainda, que esses países foram abrigo
das grandes companhias menos rentáveis. O registro de desemprego foi
extremamente alto não só nos países subdesenvolvidos, mas também, nos
países desenvolvidos.
A fase do ciclo de Kondratiev da economia-mundo consiste por parte das
empresas em priorizar a redução de salários para facilitar o desenvolvimento
das grandes organizações empresariais capitalistas como empresa competitiva
no mercado. Enquanto nos anos 70, os investidores foram obrigados a mudar o
curso da forma de lucros, decorrente da estagnação produtiva, nos anos de
1980, o mundo vai assistir à eclosão dos créditos para os países
subdesenvolvidos, isto é, não só foram reduzidos os créditos mas também os
países subdesenvolvidos perderam a capacidade de pagá-los. O que ficou
conhecido como a crise da dívida, na qual o caso mexicano é o mais
emblemático de todos. Este país foi o primeiro a anunciar que não tinha mais
recursos para saldar a sua dívida.
Em síntese, o quadro dos anos oitenta é marcado pela crise da dívida,
pelo salto econômico dos tigres asiáticos, conhecido como o “voo dos gansos”,
pelo fim da recessão e do alto índice de desemprego nos Estados Unidos, na
ocasião da administração, com doses neoliberais, de Reagan, e, ainda, um
quarto item dessa síntese, teve como produto da política da obtenção de lucros
com base na especulação de curto prazo, decorrentes dos grandes
empréstimos
realizados
pelas
grandes
empresas
em
detrimento
de
investimentos produtivos. Ou seja, tudo isso feito à base de amargas receitas
para as camadas médias estadunidenses, devido ao baixo preço das suas
atividades laborais.
52
Não é estranho falar que os grandes investidores envolvidos com a
especulação financeira, permaneceram lucrando na década de 1980, ainda que
o mundo da produção corresse como um automóvel com o motorista a freios
puxados, na maior parte do planeta, com a exceção dos países do extremo
oriente.
Finalmente, os anos de 1990 serão conhecidos pela redução do
potencial produtivo japonês. O mundo assiste à explosão da bolha especulativa
do mercado imobiliário japonês, com a gigantesca redução do valor dos títulos
de créditos. Isto certamente tem a ver com certos exageros de investimentos
de capital cometidos ainda naquilo que ficou conhecido como os ciclos de
endividamento, cuja tendência era o de preservar “a capacidade de gasto do
sistema-mundo” (WALLERSTEIN, 2003: p. 82). O primeiro ciclo são os
empréstimos aos países subdesenvolvidos e aos países ditos socialistas, o
segundo são os do governo norte-americano e o terceiro são os das grandes
organizações empresariais.
Dois fatos recobram a importância da crise dos anos 90. O primeiro, a
criação do euro como uma iniciativa da Europa Ocidental. Essa era uma
medida para desconectar os estreitos elos que a ligavam aos Estados Unidos.
A consequência disso foi a conquista da autonomia financeira da Europa
Ocidental em relação aos Estados Unidos e a diminuição da eficácia
econômica dos países da OTAN. O segundo fato está ligado à chamada Crise
Asiática, na qual os tigres asiáticos estiveram inseridos. E o que virá depois,
possivelmente será a esperada deflação dos Estados Unidos, o que quando
ocorrer, segundo se espera, estará deflagrada a última subfase da fase
descendente do ciclo Kondratiev vigente.
A análise do ciclo de Kondratiev tem um significado importante para
compreendermos o comportamento das indústrias, na atual fase da economia,
a lógica da mobilidade industrial, dos deslocamentos e da motivação que
levaram as empresas a reestruturarem a sua produção. O fato de as empresas
terem sido dramaticamente afetadas reforça a importância dessa análise.
Assim, a saída para a existência e sobrevivência dos seus negócios vai ser
realizada por meio de políticas administrativas alternativas para enfrentar a
concorrência no mercado e na produção internacional.
53
1.6 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA COMO
CAPITAL FRENTE À FASE RECESSIVA
ALTERNATIVA DO
A perda da capacidade internacional da funcionalidade do mercado
mundial – a crise do capitalismo – e o declínio da taxa média dos lucros das
grandes corporações são as combinações de fatores que levaram o grande
capital a investir em formas alternativas de organização da produção e de
trabalho. São estas as prerrogativas para o rearranjo de novas estratégias para
recuperar os lucros e tornarem-se mais competitivas no mercado. As
afirmações das novas estratégias de produção se difundiram e se
sedimentaram mundialmente nesse contexto, respeitando suas especificidades
nos diversos espaços, territórios, ilhas e arquipélagos. A ideia da empresa
matriz da produção não é mais uma realidade única. As facilidades oferecidas
pela tecnologia dos transportes, das comunicações possibilitaram a instalação
das corporações nos diversos pontos do planeta.
A
difusão
territorial
dos
processos
produtivos
consiste
na
descentralização da produção, fora da fábrica, na terceirização e em um
processo ainda “mais complexo, que implica uma reversão da própria relação
que liga a fábrica a seu meio entendido como território das relações sociais de
cooperação” (COCCO, 2001: p. 97-8).
Nesses termos, a mobilidade é uma válvula de escape que os novos
investidores têm hoje por estratégia, ou seja, eles possuem a liberdade de
produzir a baixos níveis de custos, no frio cálculo, de poder investir sem a
preocupação com as obrigações sociais. Este movimento, no contexto da
globalização é inaugural de uma dislexia entre gozar de liberdade para utilizarse da exploração e, ao mesmo tempo, desprezar as consequências deste
comportamento.
A presente realidade é significativa do fenômeno do deslocamento das
organizações. Vejamos porque isso ocorre:
A facilidade com que as fábricas ‘enxutas’ conseguem se
deslocar de um espaço geográfico para outro, teria significado,
54
por um lado, o aumento do poder discricionário das empresas,
sempre em busca de lugares com mão de obra barata e
grandes incentivos fiscais (como acontece com os países
tardiamente industrializados); por outro lado, teria feito crescer
a importância econômica e política dos locais onde estão
instaladas as empresas reestruturadas, a partir do momento
em que esses locais passaram a fazer parte de um circuito
global” (RAMALHO; SANTANA, 2006: p. 13).
Intrínseco ao fenômeno da globalização, os deslocamentos são
propiciados não só pelos transportes, mas também pela velocidade da
comunicação,
decorrente
das
inovações
tecnológicas.
O
início
dos
deslocamentos é característico do processo de reestruturação produtiva,
espalhados geograficamente pelo planeta, onde as indústrias não conheciam a
diversidade e a complexidade tecnológica que permitem a produção de bens
de consumo em regiões como a Amazônia por exemplo. A Amazônia se insere
e se adapta ao perfil das indústrias locais, cujas instalações são oriundas da
política industrial de isenção fiscal. A relação da economia global com a
economia local permite-nos compreender melhor a dinâmica das estratégias de
produção em nível local, bem como possibilita-nos perceber os métodos de
organização da produção aqui desenvolvidos por estas empresas, de como
elas podem aumentar suas capacidades de competir no mercado.
A motivação encontrada para solucionar os problemas gerados pela
economia capitalista tem início a partir da crise econômica, cuja expressão
fundamental é a incompatibilidade da alta produção com o consumo. O plano
de Keynes tinha por objetivo estabilizar a economia-mundo propiciada pelas
estratégias administrativas e científicas, por meio do poder do Estado.19
As formas de intervenções estatais variaram de acordo com o
desempenho dos gastos públicos, na organização do Estado de bem-estar
social obtido nos diversos países. O fordismo no pós-guerra teve êxito, não só
nos Estados Unidos, mas também na Europa, nos quais seus governos
estenderam tal apoio com substancial investimento financeiro. Essa foi uma
19
O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes institucionais; o capital
corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da
lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos ao
desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção. (HARVEY, 1992: p. 125)
55
opção de ação da política econômica feita para um número significativo de
países europeus.
O fordismo do pós-guerra tem de ser visto menos como um
mero sistema de produção em massa do que como um modo
de vida total. Produção em massa significava padronização do
produto e consumo de massa, o que implicava uma nova
estética e mercadificação da cultura [...] O fordismo se apoiou
na, e contribuiu para a, estética do modernismo – na inclinação
desta última para a funcionalidade e a eficiência – de maneiras
muito explícitas, enquanto as formas de intervencionismo
estatal (orientadas por princípios de racionalidade burocráticotécnica) e a configuração do poder político que davam ao
sistema a sua coerência se apoiavam em noções de uma
democracia econômica de massa, que se mantinha através de
um equilíbrio de forças de interesse especial (HARVEY: 1992:
p. 131).
O internacionalismo econômico aprofundou sua intervenção de modo a
trazer em sua bagagem atividades na área de serviços financeiros, hoteleiros,
turísticos, de terminais de transportes, dentre outras, e, se apoiou fortemente
em capacidades recém-descobertas de reunir, avaliar e distribuir informações.
Podemos afirmar, então, que a dinâmica da produção fordista será
caracterizada pelas articulações sociais germinadas por novas estratégias que
afetam
as
atividades
imateriais
de
pesquisa
e
desenvolvimento
da
comunicação e do marketing, do design e da formação.
As últimas décadas do século XX marcaram a desestruturação do ciclo
de produção e da forma de reprodução do capital. A crise econômica, oriunda
do modelo fordista, por efeito, levou a um deslocamento de vários setores da
força de trabalho dos centros metropolitanos de produção, para desempenhar o
processo produtivo em outros espaços territoriais.
As análises que explicam a crise do capital do final da década de 1960 e
início da década de 1970 põem em relevo o declínio da produtividade e dos
lucros das empresas após 1966. Para estes analistas, a crise afetou
diretamente a arrecadação pública dos Estados Unidos, que após a aceleração
da inflação deu o status de moeda-reserva internacional (HARVEY, 1992;
ANTUNES, 1999).
56
As grandes corporações deverão, obrigatoriamente, buscar uma
alternativa para a crise gerada no pós-guerra: “Há hoje, não sem razão, um
interesse crescente a respeito da necessidade de uma reestruturação da
economia.” (MÉSZAROS, 2002: p. 1071) Essa necessidade por parte do capital
é decorrente do diagnóstico e impacto na taxa média de lucro do grande capital
mundial, a partir deste período. Conforme analisamos antes, as organizações
entraram em uma busca desenfreada no sentido de achar uma solução para
essa crise.
Portanto, a reestruturação produtiva deve ser compreendida nos marcos
da tentativa de recuperação e ampliação da sua taxa de lucro, estabilidade e
condições favoráveis de disputa no mercado internacional. A reestruturação
produtiva surge então, neste contexto, para responder e adequar o conjunto da
produção à nova realidade da indústria e do mercado mundial. Para tanto,
torna-se necessário remodelar a sua capacidade produtiva à mão de obra, às
máquinas
e
equipamentos,
tudo
isto
combinado
à
estratégia
da
descentralização da produção e à flexibilização dos direitos trabalhistas.
A deflação entre os anos de 1973-1975 gerou uma séria crise “fiscal e
de legitimação”. A falência técnica de Nova Iorque revelou o quanto o problema
era grave. Simultaneamente a isso, a capacidade de criar excedente levou as
corporações a lançarem-se numa desenfreada competição. Estes fatores
explicam as razões da
racionalização, reestruturação e intensificação do controle do
trabalho (caso pudessem superar ou cooptar o poder sindical).
A mudança tecnológica, a automação, a busca de novas linhas
de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para
zonas de controle do trabalho mais fácil, as fusões e medidas
para acelerar o tempo de giro do capital passaram ao primeiro
plano das estratégias corporativas de sobrevivência em
condições gerais de deflação (HARVEY, 1992: p. 136-7-140).
A reestruturação produtiva é uma realidade dinâmica, diversa e
multiplicadora. Da mesma forma como não se dá de modo dissociado dos
interesses do modo de produção capitalista. Assim:
Os enormes investimentos capitalistas na produção são a base
material das atuais reestruturações produtivas de mais valias,
57
que se produzem e se reproduzem e se renovam sem parar.
Não existe apenas uma reestruturação do processo de
trabalho.[...] Essas reestruturações se multiplicam como
cogumelos, na medida e na velocidade exata em que se
aprofunda e se amplia globalmente o processo de valorização
do capital[...] (MARTINS (1999: p. 47).
As fortes mudanças na organização da produção industrial estão
diretamente ligadas, em um primeiro momento, à impactante crise sobre a
produção industrial a partir de 1973-1974, pelo frágil aumento de 7% da
demanda,
em
decorrência
do
aumento
do
preço
do
petróleo,
consequentemente, da gasolina, em mais de dez anos, sobretudo na Europa e
no Japão e a diminuição da demanda de veículos nos Estados Unidos. O
registro de veículos neste país, em particular, representou uma baixa de US$
11,4 milhões em 1973 e de US$ 10,5 milhões 1988. O segundo momento do
choque do petróleo ocorreu em 1979, quando o barril saltou de US$ 13,30 e,
em seguida para US$ 26,00 dólares. Acrescente-se a isso a saturação do
mercado de veículos no mundo: onde,
“[...] a maioria dos países industrializados está perto de atingir
o nível teórico da saturação, ou seja, o número máximo de
veículos por mil habitantes que o país pode ter. Isso quer dizer
que a única demanda de carros novos que subsiste, caso se
alcance o nível de saturação, é a demanda de substituição. Em
outras palavras, só comprarão automóveis as famílias que
substituem seu carro usado (ou novas famílias que substituem
as velhas). A demanda de substituição ocupa um lugar
crescente: 47,9% do total em 1960, 49,1% em 1970, 58% em
1980[...]” (GOUNET, 2002: p. 16).
Um dos efeitos da recomposição da lógica geral do capital é a falência
de parques industriais inteiros de determinadas regiões que não apresentam
condições de permanecer competindo no mercado em face do peso da
concorrência desigual das grandes corporações e da força da empresa
transnacional. No entanto, não menos afetado e destruído é o contingente
enorme de trabalho e das forças produtivas, das populações que vivem de
salário, em condições de trabalho precarizado, ou nas redes da informalidade.
Por isso, inúmeras organizações vêm se valendo hoje de estratégias
cujo objetivo é a sua permanência no mercado e com muita força competitiva.
58
Uma das alternativas encontradas é a constituição de redes produtivas. A rede
informacional não é mais uma metáfora para a constituição das redes de
produção, mas parte utilitária desse fenômeno.
1.7 AS REDES DE EMPRESAS NO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO NA
ZONA FRANCA DE MANAUS
O fenômeno das redes de empresas vem se configurando como
estratégia organizacional. É também um processo, cujo símbolo é a sua
conexão com a rede de computadores, e tem-se materializado teórica e
praticamente no fim das distâncias. Trata-se de uma mudança do caráter do
espaço que, por um lado, se desprende da subordinação natural do corpo
humano, por outro, esse descontrole dificulta a solidariedade, o controle dos
conflitos interpessoais e demais resoluções físicas mediadas pela noção da
proximidade.
A nova realidade da rede mundial de informática reordenou também o
aspecto geográfico. Isso explica o fato de o espaço cibernético poder assumir o
lugar do planejamento do ambiente territorial-urbanístico-arquitetônico, embora
este não seja comum a todas as pessoas. Porque nem todos têm o direito de
acesso aos espaços, nem territoriais e nem virtuais. O acesso à informática,
por exemplo, ainda é um privilégio de poucos. Admite-se, ainda, que seja
possível separar pessoas por obstáculos físicos e distâncias temporais,
sobretudo porque se trata de um processo ainda transitório (BAUMAN, 1999).
Lévy (1997), ao fazer uma breve análise funcional sobre o fenômeno da
rede digital mostra que a imprevisibilidade é uma característica da informática.
A informática não possui uma identidade estável [...] porque os computadores,
longe de serem os exemplares materiais de uma imutável ideia platônica, são
redes de interfaces abertas novas conexões, imprevisíveis, que podem
transformar radicalmente seu significado e uso [...] (LÉVY, 1997: 102). Há duas
décadas, este autor analisava a natureza do domínio da rede digital. Naquele
tempo, a rede digital além de não possuir a força e a abrangência da sua
capacidade, não exercia a forte influência que tem em certos setores da
59
economia na atualidade. A digitalização é compreendida como tecido nuclear
de concentração dos meios de comunicação. A digitalização tem a capacidade
de fazer a conexão entre o cinema, o rádio, a televisão, o jornalismo, a música,
a informática e as telecomunicações.
Essa análise compõe o certificado do grande salto na inovação
tecnológica realizada pela sociedade moderna, no entanto a nova realidade
contemporânea,
eivada
de
um
sofisticado
aparato
tecnológico,
vem
experimentando o liame entre a condição humana de um lado e a sua perda de
outro. Os padrões bipolares de mundo expõem, de um lado, uma realidade que
oferece dignidade e de outro que oferece a humilhação. Por um lado, um
mundo revelado pelos que ostentam riqueza, por outro o que experimenta
social e materialmente a pobreza e a miséria.
Este é também o contexto das novas estruturas organizacionais. A
reorganização estratégica do capital se caracteriza, sobretudo, pela novidade
dos
setores
de
produção,
serviços
financeiros,
elevadas
taxas
nos
componentes das relações de produção, da tecnologia, do comércio, da
ampliação do movimento do setor de serviços, por meio do desenvolvimento
desigual entre setores, e até mesmo entre regiões, e, por meio da tecnologia
informacional. Trata-se de potencializar a capacidade de criar novas indústrias
em lugares antes inteiramente subdesenvolvidos. É o caso de algumas regiões
que ficaram conhecidas como a “terceira Itália”, Flandres, dentre outras.
As empresas permanecem buscando alternativas para evitar possíveis
desvantagens na produtividade, no faturamento e na perda de espaço, na
disputa no interior do mercado. Para isso, as empresas têm realizado interna e
externamente um movimento no sentido de intensificar o desenvolvimento das
redes telemáticas. A utilização deste recurso tecnológico exige uma
intervenção
maior
dos
trabalhadores
na
produção.
Esta
operação
redimensionou em importância o papel dos trabalhadores, como elemento
central no processo de produção (COCCO, 2001). Isso acontece pela
necessidade decorrente da introdução e utilização das redes telemáticas,
principalmente quando os trabalhadores mostram sua capacidade operacional
dentro da fábrica, diante da máquina, frente à possibilidade de antecipar
60
imprevistos e possíveis falhas dos programas automáticos e dos sistemas
integrados.
Essa análise se reveste de significado, porque, a partir dela, pode-se
perceber uma série de alterações ocorridas no domínio do trabalho, e ainda
podemos ver sua recomposição em curso. Trata-se de uma recentralização no
contexto e na compreensão das teorias que cercam o problema da centralidade
e da crise do trabalho.20 Podemos perceber também que o trabalho vivo está
assumindo e reassumindo uma nova centralidade face ao recuo da utilização
dos recursos automáticos na indústria.
Esse aspecto revela um dos inimigos mais temíveis e vorazes dos
trabalhadores, o problema do alto índice de desemprego. O desemprego ganha
nessa nova fase da economia a conotação de ser de natureza estrutural. Ele
aparece não somente como fato, mas também, como forma de legitimação e,
em uma alta velocidade. Carregada de capacidade de eliminação de
habilidades, de postos de trabalho e de redução dos salários dos trabalhadores
que
permanecem
na
engrenagem
da
máquina
produtiva,
além
da
subcontratação, do recuo e controle do poder de fogo do movimento sindical.
As grandes empresas estão integradas e se integrando às redes virtuais
com a finalidade de estruturar-se. Essa recomposição do trabalho vivo é
identificada com a ênfase dada à subjetividade do trabalho, na qual lhe é
permitida a criatividade no processo de produção, sendo aproveitada pelas
fábricas. As grandes empresas utilizam estes novos métodos gerenciais
coexistentes com “as dimensões do trabalho” (COCCO, 2007: p. 100).
A Benetton é um caso típico de rede produtiva. Trata-se de um tipo de
organização em cadeias produtivas. É uma forma intermediária de arranjo entre
a desintegração vertical por meio dos sistemas de subcontratação de uma
grande empresa juntamente com as redes horizontais das pequenas empresas.
É uma rede horizontal, mas baseada em um conjunto de relações entre
20
Claus Offe expôs a polêmica sobre a centralidade do trabalho como categoria de análise no cenário
contemporâneo, em seu ensaio Capitalismo Desorganizado. O rompimento com as regras de
regulamentação corporativa, na circunstância atual, encontra-se sob os regulamentos do mercado. (OFFE,
1989). Esse problema pode teoricamente, mas também, hoje, empiricamente ser amplamente questionada,
uma vez que diversos estudos atuais tem indicado a permanência do trabalho devido ao aumento da sua
complexidade, no que diz respeito à inovação tecnológica.
61
empresas periféricas e empresas centrais, tanto no lado da oferta quanto no
lado da demanda do processo.
No plano da organização das empresas, podemos explicitar a
experiência da implantação de redes produtivas nos Estados Unidos, usada
como estratégia para aumentar o controle financeiro, a expansão e a
transparência no interior dos negócios de cada organização. Vislumbra-se,
ainda que a transformação organizacional ocorreu de modo independente da
transformação tecnológica. Conclui-se, disso, que a inserção das novas
tecnologias de informação intensificou as mudanças organizacionais.
Pelo menos seis experiências são identificadas por CASTELLS (2006)
como modelos organizacionais em transformação. A primeira é a passagem da
produção em massa, também conhecida como produção rígida, para a
produção flexível. A segunda tem a ver com a crise das grandes corporações, e
ao mesmo tempo, a flexibilidade das médias e pequenas empresas, nas quais
se verificou não só um processo de inovação, mas também a criação de
empregos. Como efeito da crise na produção, o cenário de transição da
produção em massa para a produção flexível colocou as organizações
tradicional e tipicamente rígidas em cheque. Essa crise atingiu as grandes
empresas e pressionou as médias e pequenas empresas a flexibilizarem os
procedimentos no processo de produção. Pois,
[...] ao mesmo tempo, é verdade que as empresas de pequeno
e médio porte parecem ser formas de organização bem
adaptadas ao sistema produtivo flexível da economia
informacional e também é certo que seu renovado dinamismo
surge sob o controle das grandes empresas, as quais
permanecem no centro do poder econômico na nova economia
global. Não estamos testemunhando o fim das poderosas
empresas de grande porte, mas estamos, sem dúvida,
observando a crise do modelo corporativo tradicional baseado
na tradição vertical e no gerenciamento hierárquico: o sistema
de “funcionários e linha” de rígida divisão técnica e social do
trabalho dentro da empresa” (CASTELLS, 2006: 214).
O terceiro modelo está relacionado com os novos métodos de
gerenciamento, dos quais a maioria deriva das empresas japonesas, como o
kanban e o Just in time com o claro objetivo de minimizar custos.
(Analisaremos abaixo). Sem dúvida as inovações tecnológicas foram
62
fundamentais para alavancar esse novo tipo de estratégia administrativa da
produção industrial. Todos nós sabemos hoje que as inovações tecnológicas
têm a capacidade de transcender para outras esferas.
Um quarto modelo é intrínseco ao desdobramento do toyotismo. Pois o
sistema de gerenciamento deste consiste menos em motivar a adaptabilidade e
mais em diminuir as incertezas. Este sistema tem buscado também adotar a
flexibilidade no processo de produção. O sistema de gerenciamento do
toyotismo revela sua originalidade quando elimina “a função de trabalhadores
profissionais
especializados
para
torná-los
especialistas
funcionais”
(CASTELLS, 2006: p. 216).
Existem dois outros tipos de flexibilização organizacionais na esfera
internacional. Trata-se de um quinto modelo, segundo o qual se vislumbra“[...] o
modelo de redes multidirecionais posto em prática por empresas de pequeno e
médio porte e o modelo de licenciamento e subcontratação de produção sob o
controle de uma grande empresa” (CASTELLS, 2006: p. 218).
O sexto modelo organizacional é uma nova tendência que está
ocorrendo entre grandes empresas, este fenômeno ficou conhecido como
alianças estratégicas. Esse tipo de aliança é diferente do que conhecemos
como acordos oligopolistas, nos aspectos relacionados, à época, ao mercado,
aos produtos e aos processos, bem como não exclui a concorrência em
espaços que se encontram fora do acordo. Assim:
[...] a grande empresa nessa economia não é – e não mais
será – autônoma e auto-suficiente. A arrogância das IBMs, das
Philips ou das Mitsuis do mundo tornou-se questão de história
cultural. Suas operações reais são conduzidas com outras
empresas: não apenas com as centenas ou milhares de
empresas subcontratadas e auxiliares, mas dezenas de
parceiras relativamente iguais, com as quais ao mesmo tempo
cooperam e competem neste admirável mundo novo
econômico, onde amigos e adversários são os mesmos
(CASTELLS, 2006: p. 220-21).
Para prevenir-se da imprevisibilidade das mudanças no mercado e das
inovações tecnológicas, as empresas estão transformando o seu modelo
organizacional. A transformação mais importante ocorre na mudança das
63
burocracias verticais para a empresa horizontal. A funcionalidade da empresa
horizontal vislumbra sete tendências, quais sejam:
Organização em torno do processo, não da tarefa;
hierarquia horizontal; gerenciamento em equipe; medida
do desempenho pela satisfação do cliente; recompensa
com base no desempenho da equipe; maximização dos
contatos com fornecedores e clientes; informação,
treinamento e retreinamento de funcionários em todos os
níveis. Essa transformação do modelo corporativo,
especialmente visível nos anos 90 em algumas
importantes empresas norte-americanas (como a ATT),
acompanha a percepção dos limites do modelo da
‘produção enxuta’ experimentado na década de 1980
(CASTELLS, 2006: p. 221).
O ritmo dessas mudanças levou os especialistas a perceberem os
limites da fábrica enxuta. Baseado no custo mínimo da força de trabalho,
articula-se ainda ao uso da automação, ao controle dos trabalhadores por meio
informacional, à terceirização da mão de obra e à diminuição da produção. Ao
mesmo tempo em que o modelo da fábrica enxuta reduziu custos, “perpetuou
as estruturas organizacionais obsoletas enraizadas na lógica do modelo de
produção em massa sob as condições de controle dos mercados oligopolistas”
(CASTELLS, 2006: 221).
Sustentando-se em IMAI, CASTELLS (2006) mostra que o processo de
internacionalização dos negócios empresariais se fundamentou em três
estratégias. A primeira e também a mais tradicional é a estratégia em que as
empresas atuam a partir das suas plataformas nacionais no exterior, em uma
grande quantidade de mercados locais. A segunda estratégia tem, por objetivo,
intervir no mercado global. Ela organiza as diferentes atividades das empresas,
nos diferentes espaços do mercado “integrados em uma rede estratégia global
articulada” (CASTELLS, 2006: p. 222). A terceira estratégia está fundamentada
em redes internacionais. Nesse tipo de redes internacionais, propiciado por um
contexto mais avançado, em termos econômico e tecnologicamente, forma-se
um cenário no qual as empresas estabelecem relações com vários mercados
locais, bem como o de realizar trocas de informações entre esses mercados
envolvidos pela rede. Essas empresas estão interessadas em atuar
64
diretamente nos mercados, ou seja, elas preferem intervir nas fatias de
mercado estabelecidas para controlar as empresas de fora. Significa que:
Essa estrutura internacional permite que pequenas e
médias empresas se unam a empresas maiores,
formando redes capazes de inovar e adaptar-se
constantemente. Assim, a unidade operacional real
torna-se o projeto empresarial, possibilitado por uma
rede, em vez de empresas individuais ou agrupamentos
formais de empresas. Projetos empresariais são
implementados em campos de atividades, tais como
linhas de produtos, tarefas organizacionais ou áreas
territoriais (CASTELLS, 2006: p. 222).
Diante da crise que atingiu os sistemas organizacionais, também
chamadas de empresas rígidas, CASTELLS (2006) expõe um interessante
diagnóstico desse fenômeno das novas estruturas organizacionais (das redes
internacionais) ao analisar o desenvolvimento histórico das transformações nas
estruturas organizacionais. Para o autor, “As redes são e serão os
componentes fundamentais das organizações. E são capazes de formar-se e
expandir-se por todas as avenidas e becos da economia global [...]” (idem.: p.
225). Certamente que isto é permitido pela utilização da informação decorrente
do desenvolvimento do novo padrão de tecnologia.
Assim, CASTELLS (2006) define a empresa em rede como:
[...] aquela forma específica de empresa cujo sistema de meios
é constituído pela intersecção de segmentos de sistemas
autônomos de objetivos. Assim, os componentes da rede tanto
são autônomos quanto dependentes em relação à rede e
podem ser uma parte de outras redes e, portanto, de outros
sistemas de meios destinados a outros objetivos. Então, o
desempenho de uma determinada rede dependerá de dois de
seus atributos fundamentais: conectividade, ou seja, a
capacidade estrutural de facilitar a comunicação sem ruídos
entre seus componentes; coerência, isto é, a medida em que
há interesses compartilhados entre os objetivos da rede e de
seus componentes (2006: p. 232).
Portanto, podemos compreender até aqui, não só a importância do
desenvolvimento da informação e do novo paradigma tecnológico, pois, os
mesmos reúnem as condições e facilidades para a realização das conexões,
na troca de informações entre as empresas redes.
65
Mas há, segundo CASTELLS (2006), uma diferença fundamental entre
esses dois tipos de organizações: um deles é a burocracia. São organizações
para as quais a reprodução de seu sistema de meios se transforma em seu
objetivo organizacional fundamental. Os objetivos e as mudanças de objetivos
das organizações modelam e remodelam de forma infinita a estrutura dos
meios. Com base nessa diferenciação conceitual, vai-se propor um conceito de
empresa rede: uma forma específica de empresa cujo sistema de meios é
constituído pela interseção de segmentos de sistemas autônomos de objetivos.
É como se cada empresa atuasse de modo autônomo. No entanto, cada uma é
parte da cadeia intermediária da produção. Em sua tese afirma que:
O surgimento da economia informacional global se caracteriza
pelo desenvolvimento de uma nova lógica organizacional que
está relacionada com o processo atual de transformação
tecnológica, mas não depende dele. São a convergência e a
interação entre um novo paradigma tecnológico e uma lógica
organizacional. Contudo, essa lógica organizacional manifestase sob diferentes formas em vários contextos culturais e
institucionais (CASTELLS, 2006: p. 210).
A novidade emergente no cenário da produção é a noção de trajetórias
da diversidade de organizações e métodos de produção. Refere-se a
“procedimentos de sistemas de meios específicos voltados para o aumento da
produtividade e competitividade no novo paradigma tecnológico e na nova
economia global” (CASTELLS, 2006: p. 211).
As inovações tecnológicas têm evidentemente uma influência
capital na mundialização da cultura, formando a infra-estrutura
material para que ela se consolide. Computador, fax, satélites
possibilitam a comunicação a distância, favorecendo o
desenvolvimento das cadeias televisivas planetárias e das
firmas globais (ORTIZ, 1994: P. 62).
É nesse ambiente das inovações tecnológicas onde irá ocorrer a
materialização da intensificação da empresa-rede. Em uma forma definida de
cultura econômica informacional/global e num movimento de atividades
econômicas virtuais pelo processamento de conhecimento. Entendido dessa
forma, a empresa-rede é hoje a metáfora da modernidade reflexiva, na qual
está implicada uma conjugação incontável de conhecimentos técnicos, de
66
técnicas imputadas, de relações de confiança, de sistemas peritos, de um
enorme exército de operadores operando esses sistemas por meio de
computadores, pela internet, pelos sites, por e-mails, por telefone, dentre
outros meios sofisticados de comunicação. São engenheiros de produção,
administradores, marketings, que transformam estes recursos sofisticados do
mundo eletrônico para trocar ideias, divulgar, administrar, orientar estratégias
empresariais e ministrar conferências a distância.
As empresas-redes podem ser compreendidas concretamente nas
relações de negócios entre empresas adquirentes, ou compradoras e
empresas adquiridas, ou fornecedoras. No estudo de CASTRO Et al (2008),
são reveladores de mudanças que vem ocorrendo na dinâmica das
negociações
entre
essas
organizações.
Essas
metamorfoses
podem
intensificar as relações de interdependência entre as empresas implicadas na
rede, dependendo do grau de interdependência dos fornecedores envolvidos
na rede de acordo com o seu nível de organização e de como eles
desenvolvem a troca. A preocupação deste estudo consiste, sobretudo, em
identificar os pontos de mudança, as diferentes maneiras de compra e venda,
as relações de inserção da adquirida e como as empresas são afetadas no
relacionamento da adquirida com seus fornecedores no processo pósaquisição.
As mudanças desenvolvidas nas empresas são teoricamente de ordem
evolucionária e revolucionária. Essas mudanças no geral ocorrem no processo
pós-aquisição. A primeira ocorre com mais freqüência, “por serem decorrentes
do processo constante de interação entre os atores e implicam diretamente na
manutenção dos atores conectados, atividades interligadas e vínculos de
recursos dos relacionamentos (CASTRO et al, 2008: p. 815)”. As mudanças
revolucionárias ocorrem com muita raridade. No geral são resultantes de
“extinção de relações, com conseqüente quebra de conexões, interligações e
vínculos ou no estabelecimento de novos relacionamentos” (CASTRO et al,
2008: p. 816).
A interdependência das empresas é explicada pelas constantes
influências recíprocas principalmente se o componente matéria-prima ou
insumo for crítico para o processo produtivo. A frequência dos contatos
67
pessoais pode gerar as condições adequadas para a realização de
relacionamento duradouro entre comprador e fornecedor. Ambiente adequado
para a interação de conhecimento estratégico entre organizações empresariais.
O critério preço pode não afetar a negociação entre comprador e fornecedor,
porque as relações pessoais são, em certos casos, determinantes para a
conclusão da negociação.
A mundialização do processo produtivo é um fenômeno intrínseco à
internacionalização
generalizada
do
capital.
As
sedes
das
grandes
organizações industriais não se concentram tão somente nos chamados países
centrais, mas são parte da vida e da dinâmica de regiões, países e cidades
distantes de suas matrizes. Essa dimensão “impatriótica” (in natura) do capital,
suas tecnologias, seus padrões de produção, reproduzem a lógica capitalista
da acumulação de capital por meio de novos modelos de organização da
produção e do trabalho. Nesse sentido, o fordismo, o toyotismo dentre outros
métodos de produção, estarão hibridizados numa teia de comando para
orientar e ampliar a produtividade. Essas mudanças “são expressão da
reorganização do capital com vistas à retomada do seu patamar de
acumulação e ao seu projeto global de dominação” (ANTUNES, 2005: p. 50).
O fenômeno da transnacionalização é em primeiro lugar, uma estratégia
empresarial, cuja finalidade é a recuperação da taxa média da lucratividade dos
capitalistas (ANTUNES, 2005) e da reconstrução da economia mundial
(DUPAS, 2002), no qual as medidas econômicas estabelecidas no acordo de
Bretton Woods de 1944 foram fundamentais. Momento também da criação do
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento - BIRD, o Banco
Mundial
e o Fundo Monetário Internacional - FMI, hoje,
entidades
supranacionais, subordinadas às políticas dos Estados Unidos.
Esse fenômeno, como uma das faces da chamada globalização é
imprescindível de uma reflexão, breve que seja, para que possamos
compreendê-la não de modo unilateral, mas buscando nos deter na realidade
para absorver as possíveis variações do desenvolvimento da economia e da
inserção das empresas transnacionais em diversos países e regiões do
planeta.
68
Esse processo pode ser visto, a princípio, de modo contraditório. Por um
lado, a globalização é analisada como uma questão positiva, em que as regras
da
globalização,
medidas
geralmente
definidas
em
grandes
fóruns
supranacionais, entre líderes dos países de maior poder econômico, são dados
como irreversíveis. Por outro, as regras da globalização podem ser
questionadas dentro de um ponto de vista da soberania nacional e dos direitos
de autodeterminação, por movimentos locais e regionais.
Assim, por um lado, o nacionalismo, invocando, uma espécie de “paz
perpétua”, como a de inspiração Kantiana, o que seria uma provável solução
para conflitos e rebeliões internas ou nacionais, geralmente são tachados ou
adjetivados como atos de irracionalidade de grupos ditos rebeldes, que entram
em conflito contra a intervenção de empresas estrangeiras, por afetarem os
interesses de segmentos econômicos locais. E, ao julgarem tais nações como
irracionais, por não aceitarem as suas regras, condenam as mesmas ao
isolamento da ordem e dos vínculos entre os países capitalistas. O que leva a
BAUMAN (1999) chamar de criminalização da pobreza.
Entretanto, quando não se pode apaziguar, apela-se para as forças
repressivas. Do ponto de vista político, tanto o discurso da paz perpétua,
quanto o uso da força repressiva acabam viabilizando a “própria tendência
transnacionalmente expansionista do capital” (MÉSZÁROS, 2002: p. 227).
Nessa perspectiva, a globalização não pode ser vista como fato meramente
acidental, mas como processos hierárquicos.21
Por outro lado, os discursos conservadores de preservação do
capitalismo são imperativos categóricos contra as vozes que evocam a defesa
e
libertação
dos
explorados
e
oprimidos,
externados
nos
países
subdesenvolvidos. E o fazem colocando um sinal de igualdade às vozes da
teologia da libertação (representativa de setores religiosos, principalmente da
Igreja Católica, cuja ideia inspira a opção pelos pobres) com o nacionalismo.
Portanto, a religião e o nacionalismo de resistência, formariam juntos, uma
poderosa força religiosa, figurando-se supostamente como um tipo de
“pandemônio étnico”, visto que daria no mesmo resultado de comportamento
21
BAUMAN esclarece a condição do controle econômico, político e social no processo de globalização,
no qual se vive e se assiste a uma nova distribuição de “privilégios e carências, de riqueza e pobreza, de
recursos e impotência, de poder e ausência de poder, de liberdade e restrição”. (1999: p. 75-6)
69
irracional. Do mesmo modo, tanto a questão nacional, quanto a proposição da
idealização do capitalismo pelas forças conservadoras liberais se encontram
nas duas fórmulas possíveis, ou seja, se a solução não couber pela alternativa
democrática, então que seja resolvida por meio da repressão (MÉSZÁROS,
2002).
A realidade é demonstrativa de uma postura conservadora, de que os
interesses econômicos dos países dominantes sempre foram por eles próprios
defendidos, isto é, referimo-nos a incursão das grandes corporações
multinacionais22 que atuam como empresas transnacionais nos países
periféricos, e têm um caráter de empresas transnacionais, porém, em seus
países de origem, essas corporações sempre foram protegidas, e seguem
sendo verdadeiras entidades empresariais nacionais. A figura dessa afirmação
se encontra, sem nenhum constrangimento, materializada na condição do quê,
como, quanto, quando produzir e de quem controla a produção tecnológica,
onde centralmente se dá esse processo. Os países dominantes jamais abriram
mão, e continuam dando a sentença de que o controle seja operado nas
artérias centrais da economia do mundo.
As grandes firmas transnacionais são do ponto de vista da sua matriz,
empresas que têm atuação econômica global. Robert B. Reich, por exemplo23,
defende em seu livro o Trabalho das Nações, a integração do trabalho em
cadeia mundial, e, simultaneamente um nacionalismo econômico positivo
estadunidense. Essa anexação do trabalho, que projeta a utilização da mão de
obra dos países periféricos feita por Reich é raciocinada sem o rigor das
contradições do antagonismo de classes e das desigualdades congênitas do
próprio capitalismo. Para o autor de o Trabalho das Nações, a tese de
conciliação está fundamentada no estabelecimento de um ‘nacionalismo
positivo’, num movimento combinado com a emancipação social dos ‘analistas
simbólicos’ como uma nova categoria política dominante. Ou seja, o conteúdo
22
A expressão “multinacional” é freqüentemente usada de modo completamente equivocado, ocultando a
verdadeira questão do domínio das empresas das empresas capitalistas de uma nação mais poderosa sobre
as economias locais - em perfeita sintonia com as determinações e os antagonismos mais profundos do
sistema do capital global. De modo geral, as nações capitalistas dominantes defenderam seus interesses
com todas os meios à sua disposição – pacíficos enquanto possível, mas recorrendo à guerra se não
houver outra forma. (MÉSZÁROS, 2002: p. 229)
23
Secretário do trabalho do então presidente dos EUA Bill Clinton e ex-professor da Universidade de
Havard.
70
do desenvolvimento das empresas transnacionais, oculta o real sentido de sua
atuação flexível nos países periféricos e a necessária proteção em seus países
de origem, para a manutenção do capitalismo. Porque sua manutenção
depende também do sucesso das grandes corporações.
A interação entre o capital transnacional e os Estados matrizes das
transnacionais pode ser esclarecida a partir da análise a respeito da idéia da
individualidade política. Sustentado em A Filosofia do Direito de Hegel,
Mészáros enfatiza criticamente que, por um lado, a designação da
individualidade do Estado não garante a sua soberania. Essa individualidade é
o pressuposto da liberdade legitimada pela soberania de cada Estado
individualmente, detentor de poder absoluto. Contudo tal soberania está
condicionada ao reconhecimento de outros Estados (seus países vizinhos).
Logo, um determinado Estado, antes, com poderes irrestritos, depende agora
do juízo e da vontade de outros Estados, que pode ser o juízo e a vontade de
um Estado maior e mais poderoso. Seguindo essa lógica, Hegel oferece, por
um lado, a estabilidade ao Estado-Nação como o poder absoluto e, por outro, a
retira com a condição de que precisa ser mediada pelo reconhecimento dos
Estados vizinhos. Nesse sentido, Hegel não permite a existência de uma
solução necessária para resolver o problema da soberania nacional. Nessa
perspectiva, as ações das grandes transnacionais podem ser pensadas como
que sustentadas nessa mesma lógica, em que a hegemonia de um Estado
reflete na intervenção monopolista do capital. Observando dessa forma,
O capitalismo monopolista é um sistema constituído de
empresas gigantes. Isto não quer dizer que não existam outros
elementos no sistema, ou que é inútil estudar o capitalismo
monopolista com abstração de tudo exceto das empresas
gigantes. Será mais realista e mais esclarecedor incluir, desde
o início, juntamente com o setor monopolista, em setor mais ou
menos amplo de pequena empresa, pois esta participa, de
muitas formas, nos cálculos e estratégias da grande empresa.
Fazer abstração das empresas menores seria excluir do campo
de investigação alguns determinantes do comportamento da
grande empresa. (BARAN; SUEEZY, 1974: p. 60)
Portanto não é possível separar o antagonismo da relação entre capital
transnacional em processo de expansão e os Estados nacionais das
71
contradições existentes entre as dicotomias: monopólio e competição; do
aumento da produção social e da apropriação seletiva dos resultados dessa
produção; da expansão progressiva da divisão internacional do trabalho e do
avanço da dominação das grandes empresas, no sentido de estas se
afirmarem sobre os antagonismos estruturais do capital.
1.8 ESTRATÉGIAS GLOBAIS E A INSERÇÃO DAS TRANSNACIONAIS NA
AMAZÔNIA
No
contexto
de
hegemonização
da
intervenção
das
grandes
transnacionais, podemos perceber a combinação de processos de legitimação
das grandes corporações, no geral, pertencentes a Estados industrial e
tecnologicamente desenvolvidos, com a incorporação dos processos produtivos
das suas indústrias em territórios diversos no planeta, acompanhados de um
conjunto de inovações organizacionais e tecnológicas, bem como, com a
aplicação dos distintos procedimentos produtivos, dentre eles, modelos ou
técnicas japoneses, que se dissolvem nas transformações experimentadas
desde a década de 1950.
Nessa perspectiva, o toyotismo é parte dessas mudanças. Esse modelo
ou método organizacional surgiu no cenário do pós-Segunda Guerra Mundial,
numa economia em crescimento desacelerada. Trata-se de um ambiente com
matizes e elementos contraditórios. Por um lado, tem-se um mercado interno
fértil para o consumo de bens e serviços, e ainda, diversificado, típico desse
modelo, por outro lado, uma demanda, dita pelos economistas, reprimida. A
operação da demanda que determina a produção tem como núcleo central o
esquema Just-in-time. Desse modo, o Kanban vem a ser a legitimação dessa
produção sustentada pela reposição dos produtos. Na verdade, o método
Toyota é descrito por Benjamim Coriat como “a combinação de dois princípios
[...]. Estes pilares são, segundo os próprios termos do mestre japonês, “1) a
produção Just in time, e 2) a ‘auto-ativação’ da produção” (OHNO apud
CORIAT, 1994: p. 29).
72
Esse modelo é uma criação de experiências bem sucedidas na
implementação em processos produtivos. A autonomação, por exemplo, foi
inspirada no mecanismo aplicado com originalidade numa fábrica têxtil,
unidade produtiva da mesma companhia japonesa, cujo fundador é Kiichiro
Toyoda. A terminologia autonomação é a combinação de outras duas:
autonomia e automação. A automação consiste na adaptação de um
mecanismo às máquinas, possibilitando-as de funcionar sem a interferência
direta da supervisão humana, e, sem produção de peças com defeito. Desse
modo, diferente do modelo taylorista/fordista, agora apenas um operário é
suficiente para manipular até cinco máquinas.
O modelo toyotista possui a característica de concentrar múltiplas
atividades num único espaço, considerando que um só trabalhador pode operar
várias máquinas. Essa ideia levou a Ohno convergir as atividades para um
sistema, no qual um único espaço poderia concentrar várias etapas da
produção juntas, bem como:
a de programação de máquinas, o planejamento e a
coordenação da produção, além da manutenção do
aparato produtivo e do controle de qualidade dos
produtos,
sem
contar
evidentemente
com
a
transformação propriamente dita dos insumos e
matérias-primas em produtos intermediários ou
acabados (PINTO, 2007: P. 75-6).
É dessa forma que vai surgir a ‘multifuncionalidade’, também conhecida
como trabalho polivalente, ou seja, é a capacidade que o trabalhador possui de
desenvolver múltiplas habilidades no processo de produção na fábrica. É o
movimento da fusão de várias atividades. Porque antes cada função estava
ligada a diferentes setores de atividades, isto é, a polivalência do trabalho leva
os operários a agregar e cumprir com várias funções dentro da sua jornada de
trabalho. A atividade no âmbito da ‘multifuncionalidade’ tinha por objetivo fazer
e possibilitar aos trabalhadores assimilar o conhecimento de todo o processo
produtivo. Esse procedimento permite o desenvolvimento de múltiplas
habilidades, com possibilidades de reaproveitamento no dia-a-dia do trabalho
dos operários, o que implica diretamente a elevação da produtividade.
73
A forma de organização científica do trabalho taylorista é pioneira, e sua
forma de produção consistiu em primeiro lugar, na introdução da máquina,
modo pelo qual vai ocorrer uma das características fundamentais deste
método. Consistirá na separação/execução das tarefas, do tipo de trabalho. A
outra forma de separação incidiu na distinção do trabalho manual do trabalho
intelectual, ainda que o trabalho manual permaneça sendo a base inelutável do
processo de trabalho (MORAES NETTO, 1991).
Trata-se de um método, no qual Taylor decompõe atividades complexas
em tarefas simples, o The one best way. O automatismo empregado por Ford
representou, de certo modo, uma estratégia para reduzir o saber dos operários
no processo de produção e, ao mesmo tempo, na diminuição do poder dos
trabalhadores, consequentemente no controle gerencial sobre a força de
trabalho (PINTO, 2007).
O objetivo dos diversos padrões de organização da produção consiste
em obter o conhecimento, para propiciar a destituição dos trabalhadores do
controle produtivo. Dessa maneira, os operários tornam-se mais vulneráveis,
recaindo sobre eles um controle cada vez maior. Para isso, Ohno pautou-se
pela ideia da desespecialização. Trata-se de uma estratégia que vai exigir e
gerar, ao mesmo tempo, as condições para a polivalência dos trabalhadores.
Portanto, esse processo terá, por resultado, a ampliação do controle gerencial
e sua intensificação sobre os mesmos.
A estratégia de gestão de estoques consiste em produzi-la e reproduzi-lo
no tempo necessário. A ideia concebida na década de 1950 por Kiichiro
Toyoda foi aplicada por Ohno na Toyota, e, por experiência na Lokehead, uma
fábrica têxtil, da mesma companhia japonesa. De acordo com as metas deste
método, era necessário fabricar a quantidade determinada no tempo
necessário. Essa técnica é uma adaptação típica, que na ocasião era uma
prática apenas dos supermercados estadunidenses.
O Just-in-time e a auto-ativação produtiva são os pontos centrais do
método de Ohno. O início de sua aplicação do método kanban data dos anos
de 1950 e 1960. Eles despertam o sentido da ideia de uma nova possibilidade
da expansão da produtividade. Ohno estava preocupado com a ideia de
minimizar os custos da fábrica (HIRATA, 1993). Dessa maneira,
74
A primeira descoberta de Ohno, muito embora apresentandose num primeiro exame como um truísmo, é no entanto cheia
de conseqüências. Ela concerne simplesmente à proposição de
que atrás do estoque há, e necessariamente, aquelas e
aqueles que concorreram para produzi-lo; em outras palavras:
atrás do estoque há um ‘excesso de pessoal’, excesso de
pessoas empregadas em relação ao nível da demanda solúvel
e efetivamente escoada. Da mesma forma, e necessariamente
se o estoque é permanente, há atrás do estoque o excesso de
equipamento. Assim, primeira descoberta de princípio: partir do
estoque e daquilo que está sendo gerado pela produção indica
e localiza as vias e os pontos de aplicação onde ganhos de
produtividade podem ser obtidos: dispensando os estoques,
dispensa-se também o excesso de pessoal, o excesso de
equipamento (CORIAT, 1994: p. 32-3).
O método de gestão de estoque é encarnado também pelas fábricas de
automóvel, compreendido no desenvolvimento do fluxo contínuo, no qual cada
trabalhador é abastecido com peças suficientemente possíveis do posto
anterior. Nessa perspectiva, o posto anterior é o que determina o
abastecimento e, portanto, a fabricação contínua. Por efeito rotineiro do fluxo
de produção, efetivou-se paralelamente o fluxo inverso de informação, esse
resultado consistia na orientação do posto anterior ao imediatamente posterior,
possibilitando, assim, a fabricação necessária e exata.
Os métodos de organizar a indústria por meio do fordismo, do toyotismo
dentre outros, são inerentes às formas de conhecimento das técnicas da
administração, da engenharia de produção que alcançaram níveis importantes
de conhecimento reflexivamente aplicados. As redes de produção são partes
dessa cadeia de conhecimento que vêm sendo aplicada.
A indústria ligada aos diversos subsetores da Zona Franca de Manaus:
eletrônica, motocicletas, relógios, brinquedos, dentre outros são exemplos
desse movimento. É característica de um destes centros industriais, a
possibilidade de estabelecer-se em qualquer lugar do planeta. Esse fenômeno
é favorecido pela compartimentação dos processos produtivos, pela exigência
mínima de qualificação da força de trabalho, pela dependência mínima da
produção de insumos locais, bem como pelos baixos investimentos fixos.
75
Caracteriza-se, também, pela aquisição de insumos junto ao mercado
extraregional, propiciada pela política industrial da Zona Franca de Manaus.
Nesse sentido, observamos três condições para a criação de centros
industriais de transformação: uma delas está ligada à grande quantidade de
trabalhadores com disponibilidade e a baixos custos na troca de trabalho por
salário. A segunda é a possibilidade de uma mão de obra semiqualificada
poder participar da produção, em decorrência da fragmentação do processo
produtivo. A terceira tem a ver com as facilidades oferecidas pelas
comunicações e transportes, dadas as condições do desenvolvimento
tecnológico (VALLE, 2007).
Em decorrência da competitividade do mercado, as empresas estão
cada vez mais dependentes do desempenho e das condições sociais. As
empresas precisam cada vez mais de uma força de trabalho, formada,
precisando cada vez mais de uma força de trabalho instrumentalizada e
eficiente. Essa eficiência decorre também de instituições que ofereçam níveis e
formas de conteúdo educacionais diversificados, “e, sobretudo, da amplitude e
profundidade (política e social) dos espaços públicos de atualização da
virtualidade produtiva embutida nessas dimensões sociais dos territórios”
(COCCO, 2001: p. 103).
Esse é o conteúdo do contexto da inserção do capital industrial
internacional na Amazônia, no final da década de 1960, pela via da instalação
do modelo da Zona Franca em Manaus. O modelo Zona Franca de Manaus é
intrínseco e extensivo ao processo de globalização. Sua implantação vai
ocorrer dentro de um quadro favorável, no qual as condições de ordem jurídica
e política foram oferecidas às organizações industriais internacionais. As
indústrias por sua vez, adaptaram desde o início a força de trabalho em um
baixo padrão de remuneração. Além de serem favorecidas pela isenção de
impostos, as indústrias foram beneficiadas pela força panóptica da ditadura
militar. Ambientado num contexto político representativo da segurança para
uma mão de obra disciplinada (SERÁFICO; SERÁFICO, 2005).
Se compreendermos desse modo, vamos perceber a condição de
dependência externa do modelo da Zona Franca de Manaus e da indústria que
logo será instalada, em decorrência dos próprios investimentos tecnológicos e
76
econômicos significativamente externos. Simultaneamente, o padrão de
produção da indústria dos “países centrais” vai, aos poucos, sendo adaptado à
indústria local de acordo com a necessidade, dinâmica e ritmo de cada
empresa local e interesse do capital transnacional. Essa nova dinâmica da
política industrial e internacional da produção corresponde ao processo de
deslocamento da produção industrial dos países “centrais” e à posição de
produtor local, porém dentro do contexto global de produção.
A criação da Zona Franca de Manaus, de acordo com SERÁFICO e
SERÁFICO (2005), fundamenta-se no aspecto superestrutural: político-jurídico,
centralizada politicamente pela ditadura militar. Trata-se de um contexto
propício para a germinação de uma mão de obra comportada, adequada às
metas do capital das multinacionais na Região, na qual o capital internacional
se inseriu fundamentado no discurso da integração brasileira para o
desenvolvimento regional. Mas, para garantir sua instalação, foram tomadas
algumas iniciativas, cujo objetivo era o de redimensionar o quadro de
estagnação econômica, no qual as condições de emprego eram negativas.
A instalação da Zona Franca de Manaus deve ser compreendida como
parte dos megaprojetos de sustentação da Amazônia.
O que se torna claro com a Zona Franca de Manaus,
através de atitudes explícitas dos poderes políticos do
Brasil e de suas assessorias externas, é o fato de a
única possibilidade posta para a manutenção da
Amazônia anexada ao território nacional incluir duas
noções muito caras, atualmente: a de desenvolvimento
associado ao capital estrangeiro, hoje quase uma
postura obrigatória e permanente das negociações de
política externa dos dirigentes e/ou aproximados da
intenção original (SILVA, 2000: p. 46).
As grandes corporações de capital estrangeiro precisam realizar seus
objetivos de lucros a partir da extensão das suas atividades em territórios que
as ofereçam vantagens nos aspectos político-econômico-sociais. A expansão
do capitalismo se tornou propício devido à criação das condições de infraestrutura e no sistema de transportes na região, na década de 1970 e 1980. A
zona Franca de Manaus, materializada em primeira mão no seu parque
77
industrial, é produto da estratégia “de descentralização da produção capitalista
e da difusão do padrão de desenvolvimento urbano-industrial ocidental no
século XX” (VALLE, 2007 p. 110).
Fruto do processo de descentralização da produção industrial em nível
mundial, a indústria local, fixada na área do Distrito Industrial, nasce
fundamentada numa forte política de renúncia fiscal. Seus investimentos,
significativamente estrangeiros, focaram a política de substituição de
importações, “em detrimento da indústria local ou nacional ligada ao setor
tradicional” (VALLE, 2007: p. 125).
A indústria de transformação encontrou uma maneira de ampliar seus
lucros ao transferir a produção para países de terceiro mundo. Trata-se de uma
estratégia inédita, e, esta será realizada em Estados com os quais os países
centrais mantém estreitas relações diplomáticas.
No que diz respeito ao projeto de indústria ligado à SUFRAMA, seria
fundamental o estabelecimento de “uma área mínima de 10 mil Km2”, o que
incluía Manaus e seu entorno; isenção fiscal de importação para as matériasprimas e produtos destinados à Zona Franca de Manaus; isenção de impostos
de exportação para o estrangeiro; equivalência de exportação brasileira para o
estrangeiro daqueles produtos destinados à Zona Franca, a fim de permitir
condições de concorrência da produção nacional com a importação
estrangeira.
As condições requeridas para a instalação de zonas
francas em países periféricos estavam diretamente
relacionadas à possibilidade de maior lucratividade
advindas da capacidade de intervenção do Estado na
criação da infraestrutura necessária aos grandes
investimentos estrangeiros e no estabelecimento de
incentivos e subsídios fiscais; do controle, pelo Estado,
das condições sociais e jurídico-políticas da força de
trabalho (restrição dos direitos políticos e sociais) e da
disponibilidade de força de trabalho local abundante e
barata (VALLE, 2007: p. 108).
O desenvolvimento da ZFM é emblemático de uma indústria que,
embora não tenha se configurado como uma força autônoma, recebe uma forte
78
pressão externa, pela sua própria natureza. A base do capital da ZFM é
fundamentalmente externa. Mas não somente isso, também é constituído por
seu aparato tecnológico, gerencial, administrativo e econômico. O único
elemento local de peso da formação do capital orgânico da indústria da ZFM é
a força de trabalho, utilizada, sobretudo, no chão da fábrica.
O Decreto-Lei n.º 288 de 28 de fevereiro de 1967, passou por
várias mudanças para adaptação e atendimento de demandas diversas dos
setores da indústria do Polo Industrial de Manaus, desde a sua aprovação.
Estas alterações têm por finalidade regulamentar as ações empresariais e
oferecer mais estabilidade da atividade industrial no Amazonas. Encontram-se
assim, fundamentadas em uma série de decretos. Podemos citar alguns que
são exemplares pela sua importância. Entre eles está o Decreto-Lei n.º 356/68,
que amplia os benefícios ficais para a Amazônia Ocidental. Outro: o DecretoLei n.º 1435/75 trata da exigibilidade do Imposto Sobre Importação, na saída de
matéria-prima, para qualquer ponto do país. Dentre outras alterações
importantes faz parte o Decreto-Lei n.º 92560 de 16.04.86, que prorroga por
mais 10 (dez) anos o prazo de vigência da lei de isenções fiscais, concedidas à
Zona Franca de Manaus.
Sobre o perfil da Zona Franca de Manaus, segundo VALLE (2007) podese elencar algumas características, em que a primeira diz respeito à forte
atividade produtiva, com tecnologia avançada em montagem de bens de
consumo duráveis. O setor eletroeletrônico confere o padrão dessa produção e
o significativo volume na produção/montagem destes produtos. A segunda
característica tem a ver com a prática oligopolista, devido à concentração da
produção sob domínio de poucas empresas, fato que propicia alta margem de
lucro para as mesmas. A terceira característica é reveladora de um polo
industrial
extremamente
dependente
de
produção
e
desenvolvimento
tecnológico, o que necessita adquirir de fora do país. A dependência se
estende também para mercados consumidores dos seus produtos, de fora da
região e de fornecedores de partes e componentes. A quarta característica
desnuda um modelo pautado na aquisição de obtenção enorme de lucro em
decorrência do pagamento de baixos salários e preços das compras dos
insumos.
79
A Zona Franca de Manaus como um projeto que vislumbra o
beneficiamento do capital externo, nasce, como historicamente tem ocorrido
nas demais zonas francas implantadas em outras regiões do mundo,
descompromissada com o desenvolvimento regional e alheia aos interesses da
classe trabalhadora. Em termos de concepção, coube, a certos grupos
interessados, o mero papel de aderir, ou seguir oportunamente ao projeto de
industrialização.
Na análise de OLIVEIRA (2001), a concepção endógena do projeto Zona
Franca de Manaus é uma abstração. Como o é também a ideia de um projeto
consensual, unitário e universal.
“Assim, sob o amparo de um discurso de padrão
planejado neutro, desprovido de conflitos sociais se
implantou a ZFM e se pôs em prática uma das mais
criativas formas de expansão do capital, dissimulado
como um projeto de interesse de todos, através dos
mecanismos de coerção explícita e dos mecanismos
ideológicos fortemente introduzidos na educação e na
propaganda de massa.” (OLIVEIRA, 2001: p. 98-9)
SILVA (2000), apoiada em FREITAS PINTO, analisa as mudanças no
quadro de empresas brasileiras estatais e privadas comparadas a empresas
estrangeiras baseada na pesquisa “A nova divisão internacional do trabalho”
verifica um movimento no qual, além de aumentar o setor do campo de
exploração e da capacidade de produção das estatais, aumenta também a
participação do capital estrangeiro. Assim, o quadro de investimentos de capital
exibe na década de 1970 uma mudança, na qual nenhum aumento de
investimento produtivo em empresas estatais é verificado em comparação com
a elevação e com o investimento em capital estrangeiro, sob controle
administrativo das indústrias nacionais.
A questão das zonas francas é extremante complexa. Primeiro, porque
certifica mudanças na esfera mundial nas relações econômicas. [...] de
configuração de zonas e mercados emergentes e do seu papel nessa
mudança, bem como propicia apreender que a transição da internacionalização
para a globalização se dá num caso concreto de hibridismo, de protecionismo
80
estatal, com emancipação econômica das transnacionais e do Estado-Nação
tradicional.
O plano será baseado em três tipos de industrialização da Amazônia: a
substituição de importações regionais, enclave de importação e enclave de
exportação. O objetivo da industrialização da substituição de importações
regionais deve ser o de criar as condições econômicas na Amazônia para
transformar os enclaves de importação em enclave de exportação. Essa lógica
colocaria certamente a Amazônia em condições de independência “das
necessidades e interesses dos centros industriais dinâmicos através da
intensificação das trocas inter-regionais e maior retenção de renda.” (SILVA,
2000: p. 44) A segunda estava baseada na ideia das vantagens derivadas dos
investimentos industriais. E o terceiro é o enclave de exportação, “a menina
dos olhos da elite aderente”, baseia-se na ênfase a exportação de produtos
primários e o beneficiamento de projetos de mineração e produtos derivados da
matéria-prima regional.
A ideia desse modelo incluía a noção de que a Amazônia é
uma fronteira de recursos e de que não se devia perder a
oportunidade de explorar os recursos naturais, na medida em
que estes atraíam divisas estrangeiras e supriam as
necessidades das indústrias nacionais de obter matériasprimas básicas. (SILVA, 2000: 44-5)
A criação da Zona Franca de Manaus é uma combinação de forças
articuladas em ação coordenada com significado de comando internacional e
intraregional. Apoiada em Admilton Salazar Silva observa que a implantação
deste projeto estava também baseado no componente ideológico, isto é “no
conjunto de esforços materializados na tecnocracia, cuja meta principal era
reforçar o desenvolvimento colonizado no país” (SILVA, 2000: 44-5).
A Zona Franca é uma oportunidade instrumental para a expansão do
capitalismo. Ela possui o signo de ser um dos últimos espaços regulamentados
de estado caudatário do protecionismo nacional.
O deslocamento industrial capitalista vai ser também acompanhado pelo
deslocamento da força de trabalho. No caso amazonense, os processos de
81
atração, expulsão e expropriação da Revolução Industrial, traduz-se aqui na
transformação de índios, caboclos, ribeirinhos e coletores em operários do
parque industrial instalado em Manaus.
No
próximo
capítulo
iremos
discorrer
sobre
o
processo
de
industrialização de veículos de duas rodas em Manaus, vislumbrando a
evolução dessa indústria, pelas dimensões e pelas características, expressas
no nível de participação, vistas pelos altos índices de produtividade, de mãode-obra e de faturamento.
1.9 A FORMAÇÃO DAS CADEIAS PRODUTIVAS
Para analisar o desenvolvimento do novo perfil de produção, que
compreende também o novo perfil da empresa transnacional e a intensificação
da nova forma de distribuição do processo produtivo, motivado pelo caráter
expansionista do capitalismo, passaremos a analisar os elementos que
compõem a trama do processo de globalização da produção, objetivando
entender melhor os desdobramentos desse processo, na formação das cadeias
produtivas no mundo e suas relações com a indústria de Duas Rodas no Polo
Industrial de Manaus.
Os últimos dezesseis anos foram marcados pela expansão das
empresas do polo de veículos de duas rodas na indústria de Manaus. Em face
da intensa concentração cada vez mais forte da indústria de bicicletas,
motocicletas, triciclos, quadriciclos, bem como de fábricas de partes,
componentes e peças, observamos a existência de um processo inédito não só
na indústria da ZFM, mas também no Polo de Duas Rodas, onde vem
ocorrendo a constituição e intensificação da produção de veículos de duas
rodas em cadeia produtiva local. Não estamos afirmando, aqui, que as fábricas
focais como Moto Honda da Amazônia, Yamaha Motors, Prince Bike, dentre
outras, dependem única e exclusivamente do fornecimento de insumos locais,
porque estas também se servem de fornecedores nacionais e internacionais,
bem como de componentes vindos de suas matrizes, além do que é
82
representativamente o essencial: a tecnologia, centralizada nas empresas
sede. O que estamos presenciando é o aumento da escala de fornecimento
local em detrimento do internacional, e, principalmente do nacional. Caso
típico, o da Moto Honda da Amazônia que vem atraindo fornecedores do
Sudeste e Sul do país para perto da sua fábrica em Manaus.
O processo de formação de cadeias produtivas vislumbra um horizonte,
no qual se faz necessário um novo perfil organizacional, do ponto de vista
empresarial. Nesse sentido, para compreender melhor como está ocorrendo
mundialmente esse fenômeno torna-se interessante discutirmos, brevemente,
alguns modelos de firmas.
Nesse sentido, a Nike é um caso emblemático da transformação do tipo
clássico de organização da produção. É interessante notar que esta empresa
não realiza nenhuma operação do processo produtivo de qualquer um dos
modelos de Tênis dessa marca em um lugar fixo, ou em uma sede. É um
empreendimento que emprega diretamente 15 mil trabalhadores. No entanto, a
terceirização das suas atividades fabris rende diretamente 90 mil postos de
trabalho. Outro caso ilustrativo é o da Microsoft, embora seja uma empresa
típica do setor de serviços, suas atividades se identificam mais com processos
organizacionais industriais.
A racionalização organizacional compreende a atividade de grandes
firmas como a da General Eletric, por atuar praticamente em dois dos grandes
ramos do mercado simultaneamente. Esta empresa oferece mais serviços
financeiros seus clientes do que propriamente operadoras do sistema
financeiro como a American Express. Fato que leva a General Eletric lucrar
mais no ramo financeiro do que no da indústria.
Estes dois exemplos constituem o signo da nova dinâmica da economia
capitalista. A partir dos quais podemos inferir a ideia de que estão em curso
grandes transformações no modo organizacional da produção.
Esse processo é característico da globalização e suas regras, que vêm
impondo, ao mundo empresarial, qual visão do capital, um novo perfil na
eficiência econômica. Aquilo que se conhece como necessidades em escalas
crescentes, que passa a exigir mais concentração progressiva e a “redução do
número de atores dinâmicos em cada setor” (DUPAS, 2001: p. 43). A partir do
83
que pode ser afirmado que a nova regra do sistema capitalista nos dias atuais
consiste na intervenção em escala global, de um número reduzido de megagrupos organizacionais, acompanhado de um baixo nível de custos da planilha
da produção. O Polo de Duas Rodas de Manaus é ilustrativo desse fenômeno.
Parece que esta é uma tendência que vem sendo desenvolvida nos
países capitalistas avançados. É o que SENNETT constata em sua pesquisa,
segundo o qual: “este menosprezo da experiência mostrava-se particularmente
acentuado entre os consultores, que têm interesse profissional em pensar
dessa maneira” (2006: p. 93). Tentativas de proteção, acordos de mercado e
demarcação de território para a exploração de mercado são ações que não
estão descartadas como que numa busca de uma via harmoniosa como o
encontro das águas do rio Amazonas com as do rio Negro. Mas a questão da
competição continua a todo gás por uma posição favorável de venda no
mercado. A pujança do setor de Duas Rodas no Polo Industrial de Manaus é
resultado do fato de ser o único parque fabricante de motocicletas no país,
gozando de inúmeras concessões fiscais. Ou seja, trata-se de um artigo e de
um mercado abundante no Brasil, do ponto de vista da produção. Pois, antes
da Yamaha e da Moto Honda da Amazônia, as motocicletas chegavam ao
Brasil apenas para a revenda.
A criação da Zona Franca de Manaus impulsionou uma geração de
empresas montadoras, em seguida, fábricas de motos, e, atualmente em
cadeias produtivas. Embora haja ainda, muita desigualdade, e guardadas as
proporções, hoje essas empresas começam a competir relativamente entre si
no mercado local, nacional e internacional. São rios que se encontram, mas
não se misturam. Segundo Bruno Cavalcante24:
Até oito anos atrás/seis anos atrás, o Brasil era de um
único...fabricante, tinha 95% do mercado. Em nenhuma parte
do mundo acontecia isso. Hoje uma marca tem 70% ainda. Em
nenhuma parte do mundo acontece. ¾ (três quartos) do
mercado que uma empresa só detém. Mérito dela, [não estou]
de forma alguma estou desmerecendo[...] Acho que a
concorrência vale justamente criar uma região mais sólida, e,
principalmente o cliente ter mais opções. E o grande ganhador
[...] todo mundo vai brigar pelo cliente. O cliente vai querer
24
O nome entrevistado é fictício. Bruno Cavalcante é diretor executivo da empresa DAFRA MOTOS.
84
pagar por uma moto boa e barata. Para criar desenvolvimento
e tecnologia. [...] Nós temos uma estratégia de venda muito
agressiva. Hoje a Dafra, ela vem dum grupo muito forte, um
grupo que sabe vender carro, a maior vendedora de carro da
América Latina é o grupo. Então ela entrou no Polo de Duas
Rodas muito agressiva. Ela sabe vender. Ela tem uma
excelente fábrica. Uma fábrica nova. Ela vem desenvolvendo
toda uma área industrial que tem desenvolvida, né? E, uma
área de pesquisa e desenvolvimento, que já investimos
dezenas de milhões de Reais. Nós temos um laboratório
específico, e pra criar uma área de desenvolvimento um pouco
mais longo. Porém, a gente está firmando parcerias com
empresas na Europa, na Ásia... (Pesquisa de campo - 2009).
Porém a força predominante “é a luta por mercados abertos e uma
competição enérgica” (idem.). Isso reflete a fala do representante da referida
empresa,
mostrando
o
nível
de
comportamento
de
competição,
de
concorrência e de agressividade para vencer no mercado, assim como ficar em
condições de oferecer o melhor preço no mercado. Essa guerra de mercado e
pelos mercados leva ao rebaixamento dos preços e conserva a qualidade dos
produtos em nível global, na visão empresarial. A constatação desse fato é
também a confirmação da eficiência do atual modo da anarquia oligopolista. O
fato de a Dafra Motos oferecer uma motocicleta por R$ 5.200,00, com
financiamento para pagamento em até 48 vezes é a reafirmação desse
conceito de competição comercial.
O Brasil se configura como um mercado consumidor extremamente
abundante. As economias empresariais mais bem sucedidas foram aquelas
que incorporaram e souberam fazer uso das novas tecnologias no contexto da
“nova economia”, e da utilização de network.
É claro, que a partir da década de 1970, as transformações no âmbito da
socioeconomia, no que se refere ao processo de internacionalização da
economia foram extremamente intensas. Verifica-se, desde então, uma radical
transformação na forma organizativa da atividade produtiva, porque seu foco
deixa de ser meramente a intervenção em mercados consumidores, assim a
atividade produtora de bens passa a ser global. Isto, certamente tem como um
dos fatores a inovação tecnológica. Tal fenômeno foi fundamental para
dinamizar e dar maior mobilidade ao capital, necessário para o movimento da
85
produção global, ao propiciar o funcionamento, em tempo real, da atividade
financeira.
Mas, neste novo cenário permeado de contradições, por um lado,
verifica-se uma força concentradora “de investimentos necessários à liderança
tecnológica de produtos e processos e a necessidade de networks e mídias
globais” (DUPAS, 2001: p. 39). Para seguir pressionando um processo de
concentração, para possibilitar que algumas centenas de grandes organizações
se tornem líderes das principais cadeias produtivas em nível mundial.
Inicialmente o Polo de Duas Rodas tem somado um volume de investimentos
no patamar de cerca de US$ 2,00 bi. Assim, o controle sobre quanto e como
investir, quando e em que lugares produzir, tem ficado nas mãos das mesmas
firmas. Este fenômeno ocorre simultaneamente em que essas grandes
empresas realizam uma guerra intensa de competição para diminuir os preços
e a elevação da qualidade dos produtos, cujo objetivo é o alcance do market
share (participar dos lucros oferecidos pelo mercado) e a acumulação de
capital.
Essa corrida em direção à eficiência pelo alcance e garantia dos
mercados em nível global pressionou para a criação “de fragmentação –
terceirizações, franquias e informacionalização” (idem, p. 40). Esse processo
vai gerar oportunidade para um conjunto de empresas, mas de porte menor,
que irão realizar o abastecimento da cadeia produtiva para a matriz a baixo
custo. São os casos de algumas empresas do Polo de Duas Rodas de Manaus
como Facomsa da Amazônia, Sakura Exhausto do Brasil, Nipon Seiki do Brasil,
Man + Hummel Brasil, Sumidenso da Amazônia, dentre outras do setor.25
Para entendermos melhor o que são as empresas transnacionais, basta
olharmos para a conduta das megaoperações das dez maiores empresas,
dentre elas a Mitsui (esta empresa faz parte da cadeia produtiva do setor de
Duas Rodas), Mitsubishi, Toyota, General Eletric e Itochu, que passam a
compor esse conjunto. Em 1999 elas alcançaram juntas cerca de 1,4 trilhão em
vendas. Somados, Brasil, México Argentina, Chile, Colômbia e Peru, este valor
representa 80% do total do PIB destes países. Ressalta-se ainda que 50% dos
25
Para fazermos essa classificação levamos em consideração o volume de investimentos iniciais dessas
empresas.
86
ativos destas corporações encontram-se fixados no exterior. Além de venderem
60% de sua produção para o mercado internacional, 60% de sua força de
trabalho estão fora do país de origem destas organizações. Estes dados
podem, assim, traduzir o real sentido do que é uma empresa transnacional.
A ênfase a ser dada aqui é pelo fato de o modelo oligopolista ser
marcado por uma concorrência rigorosamente acirrada entre as grandes
corporações líderes do processo produtivo.
As decisões das grandes organizações globalmente dominantes têm a
finalidade de destacar-se no processo de competição, buscando, com isso,
combinar preço e qualidade. Sob o ritmo da economia global, as pequenas e
médias empresas devem, ainda, manter-se, porque é por meio delas que se
materializam os mecanismos de terceirização, franquias e as subcontratações,
orquestradas pelas grandes empresas transnacionais, que decidem as
estratégias, de todas articuladas às cadeias produtivas. Desse modo, podemos
definir as características essenciais das transnacionais, assim como DUPAS
(2001), seguindo o esquema de Poter Dcken:
1) Capacidade de controlar suas organizações ao mesmo tempo em
qualquer região onde elas se fazem presente;
2) Essas corporações conseguem obter vantagens dos fatores de
produção ofertados pelo Estado;
3) A flexibilidade geográfica que implica garantir a transferência de seus
recursos e operações em nível global.
Os fenômenos de exclusão e da inclusão residem tanto no plano
individual quanto nas esferas do território. Vale dizer que os lugares onde não
se oferece nenhum tipo de infraestrutura para a constituição de uma logística
produtiva fatalmente não serão inseridos na economia internacional. É desse
fator que resulta a separação entre a expressão, logísticas locais e o controle
urbano das metrópoles. Conforme o texto abaixo,
Essa tendência está por trás da transformação mais importante
das formas urbanas de todo o mundo: a ascensão das
megacidades, principais centros urbanos da atual economia
informacional/global, que adquirem uma força particular nas
regiões de industrialização recente (DUPAS, 2001: p. 48).
87
A essas metrópoles, CASTELLS (2006) chama de nós da economia
global. São lugares onde as atividades do alto escalão das corporações são
realizadas, podendo ser ilustrados pelos escritórios de tecnologia de
administração e os de produção. Nesse sentido, “são centros de dinamismo
econômico, tecnológico e social em seus países e, na escala global, centros de
inovação [...] e pontos de conexão com redes globais de todo tipo” (DUPAS,
2001: p. 49). Manaus figura apenas como um lugar de operação do processo
produtivo das transnacionais, bem como de um espaço de consumo dos
produtos localmente produzidos.
Outra estratégia para o barateamento de custos e ampliação da
qualidade é a formação de cadeias de produção como a producen driven, que
consiste no controle e coordenação das networks pelas grandes manufaturas,
isto é, por “indústrias capital tecnologia intensiva”; e, buyer driven, que envolve
a distribuição das vendas por meio de vários exportadores, especialmente por
grandes varejistas, designers e trading networks. Estes mecanismos são
utilizados geralmente em países em desenvolvimento. Neste caso, designers e
trading companies são elementos que vão protagonizar a organização de
networks de produção (DUPAS, 2001).
Esse tipo de cadeia é desenvolvida de modo descentralizado. Essas
indústrias estão localizadas em diversos países e regiões. Elas não têm, como
foco de sua atividade, a fabricação de nenhum produto, mas o controle do
lugar, dos mecanismos, de quanto vai lucrar e das fases do processo produtivo
em toda a cadeia. Podemos exemplificar os casos de Nike e Reebock, ambas
as firmas apenas desenham seus produtos, mas nada fabricam. Desse modo,
essas empresas liberam e transferem para terceiros todos os riscos possíveis.
Na verdade, essas firmas acharam uma maneira de afastar problemas como
falência, emprego de trabalho formal, certos tipos de agressão ao meio
ambiente, até mesmo a possibilidade de sonegação fiscal. O que significa
também um modo de buscar afastar tais problemas que possam comprometer
a sua imagem (DUPAS, 2001).
As regras sob as quais está ocorrendo a produção dizem respeito ao
sistema globalmente descentralizado, no qual a concorrência ocorre entre as
88
grandes organizações. Este é um lado desse processo. O outro é característico
da integração de pequenas e médias empresas incorporando-se ao esquema
das novas cadeias produtivas, como forma de poderem sobreviver no mercado.
Pode-se dizer que todas as novas lógicas organizacionais
ordenam as cadeias produtivas em forma de networks ou redes
de empresas. A network conseguiu superar boa parte dos
problemas apresentados pelo modelo anterior – a empresa
integrada verticalmente –, já que apresenta maior flexibilidade
e agilidade ante as necessidades de respostas rápidas do
mercado, permitidas pela descentralização de suas unidades
juntamente com a crescente autonomia outorgada a cada uma
delas (DUPAS, 2001: p. 51).
Para CASTELLS (2006), a economia mundial não pode ser confundida
com a economia global. Apoiado em WALLERSTEIN e BRAUDEL, parte para
uma distinção dessas duas formas de ação do capital, em que a primeira
consiste na capacidade de ampliar, processualmente sua acumulação pelo
mundo inteiro. Diferentemente, a economia global é característica também da
acumulação, porém com a força de intervenção e realização em tempo,
propiciada pela informação em nível global. Tal fenômeno passou a ser uma
realidade a partir do século 20, proporcionado pelo aprimoramento das
tecnologias da informação e da comunicação, além da contribuição de fatores
como as facilidades fiscais criadas e aplicadas pelos governos e entidades
internacionais.
O fato de a maior parte da produção e dos empregos serem regionais e
locais, leva-nos a dizer que a economia global não é um fenômeno dominante.
A afirmação sobre a economia globalizada pode ser feita
[...] porque as economias de todo o mundo dependem do
desempenho de seu núcleo globalizado. Esse núcleo
globalizado contém os mercados financeiros e o comércio
internacional, a produção transnacional e, até certo ponto,
ciência e tecnologia, e mão de obra especializada. É por
intermédio desses componentes estratégicos/globalizados da
economia que o sistema econômico se interliga globalmente...
uma economia cujos componentes centrais têm a capacidade
institucional, organizacional e tecnológica de trabalhar em
unidade e em tempo real, ou em tempo escolhido, em escala
planetária (CASTELLS, 2006: p. 142-3).
89
As novas tecnologias tornaram possíveis, de modo inédito, o
funcionamento ininterrupto do sistema financeiro, em nível mundial e seu
gerenciamento
integrado
no
mercado
global.
Possibilitaram
ainda
a
movimentação entre economias em prazos curtíssimos de tempo. São
movimentações financeiras como poupança, investimentos de créditos, bancos,
fundos de pensão, bolsas de valores e câmbio. A elevação dos fluxos
financeiros em velocidade, em volume, em complexidade e em capacidade de
conexão é tributada a este fenômeno. Em países ditos em desenvolvimento
esse processo irá ocorrer nas esferas dos fluxos financeiros e da velocidade da
internacionalização dos seus bancos na década de 1990.
O comércio de divisas é um fato substancial na globalização
financeira, porque os países são levados a fazer as transações
de suas moedas nacionais, determinando a perda, pelo menos
em parte, da autonomia dos governos nos assuntos de política
monetária. Essa interdependência financeira dos mercados
ocorre devido a um conjunto de fatores tais como a
flexibilização dos mercados financeiros em um número
significativo de países e a viabilização de livre movimentação
no mercado internacional; do estabelecimento de um aparato
de geração de tecnologia, com apoio de um elevado nível no
aspecto das telecomunicações, possibilitados ainda, por
sistemas que propiciam a realização de transações financeiras
e comerciais das mais complexas; do fator de conectividade
como produto dos serviços financeiros, fruto das novas e
constantes invenções, a exemplo dos derivativos; da
especulação de fluxos financeiros, feitos por meio da
desvalorização dos derivativos, realizados nos diversos
mercados; e por último, devido a determinação das regras,
geralmente estabelecidas pelas firmas que fazem avaliação de
mercado, tais como Standard & Poor, Moody’s, etc.
(CASTELLS, 2006).
Neste cenário, são possíveis duas tendências comerciais, uma a de
liberalização de comércio, a outra de criação de blocos comerciais, estes
buscaram estabelecer- se em todo o mundo. O mais importante destes foi a
União Europeia, que teve a iniciativa, propositiva para a constituição de uma
economia regional, tal qual a mesma vinha se caracterizando. Para CASTELLS
(2006), a função dessas economias teve um caráter de estado em rede, tendo
90
como característica principal, mais que um bloco comercial, uma economia
unificada.
O processo de formação de blocos regionais representou uma derrota
do ponto de vista do capital. Aqueles países que, de algum modo,
permaneceram nessa condição evoluíram, transformaram-se em uma espécie
de economia de integração total. A dissolução da regionalização da economia
foi redimensionada para um tipo de estrutura de padrões comerciais de
diferentes formas de redes comerciais. As redes de empresas são elementos
constitutivos dessas unidades comerciais, pelo menos, é o que se pode dizer
das firmas que intervém no mercado mundial.
E, de fato em grande parte graças às novas tecnologias da
comunicação de dos transportes, existem canais e
oportunidades para negócios em todo lugar. Entretanto, essa
afirmação merece algumas ressalvas, pelo fato de que os
mercados domésticos representam a maior parte do PIB na
maioria dos países e que nos países em desenvolvimento, as
economias informais, voltadas principalmente para os
mercados locais, constituem a maior parte dos empregos
urbanos (CASTELLS, 2006: p. 156-7).
Desse modo, há um novo modelo de cultura organizacional de
empresas, fundadas nas redes internacionais, um tipo de subunidades
empresariais. Isto é assim, porque os modelos explicativos que tinham, como
base, a empresa multinacional não estão mais dando conta de demonstrar a
dinâmica das culturas organizacionais atuais. A fim de melhorar a
compreensão desse processo, CASTELLS (2006) sintetiza em cerca de cindo
tipos de redes:
1. Redes de fornecedores – Incluem subcontratação, acordos
OEM (Fabricação do Equipamento Original) e ODM
(Fabricação do Projeto Original) entre um cliente (a
“empresa focal”) e seus fornecedores de insumos
intermediários para produção.
2. Redes de produtores – Abrangem todos os acordos de coprodução que oferecem possibilidade a produtores
concorrentes de juntarem suas capacidades de produção e
recursos/humanos com a finalidade de ampliar seus
portfólios de produtos, bem como sua cobertura geográfica.
91
3. Redes de clientes – São os encadeamentos à frente entre
as indústrias e distribuidores, canais de comercialização,
revendedores com valor agregado e usuários finais, nos
grandes mercados de exportação ou nos mercados
domésticos.
4. Coalizações-padrão – São iniciadas por potenciais
definidores de padrões globais com o objetivo explícito de
prender tantas empresas quanto possível a seu produto
proprietário ou padrões de interface.
5. Redes de cooperação tecnológica – Facilitam a aquisição
de tecnologia para projetos e produção de produtos,
capacitam o desenvolvimento conjunto dos processos e da
produção
e
permitem
acesso
compartilhado
a
conhecimentos científicos genéricos e de P&D (p. 251).
O contexto mundial da produção industrial, o movimento dinâmico das
multinacionais e as estratégias das transnacionais não são diferentes do jogo
das transnacionais que atuam no setor de Duas Rodas do norte brasileiro, uma
vez que empresas como a Moto Honda da Amazônia, Yamaha – apenas para
exemplificar as duas maiores – servem-se do fornecimento de componentes,
peças e partes de dezenas de indústrias locais para a produção de
motocicletas em suas fábricas. A Moto Honda (como mostraremos no terceiro
capítulo) em particular, desenvolve sua produção em regime de co-produção,
uma vez que a mesma oferece condições de logística, tecnológica, de
treinamento, dentre outros, para as empresas que fabricam e fornecem peças e
acessórios.
92
CAPÍTULO II
93
2 O POLO DE VEÍCULOS SOBRE DUAS RODAS NO NORTE BRASILEIRO
O desenvolvimento do Polo de Duas Rodas é acompanhado do aumento
acelerado da qu
antidade de firmas de duas rodas entre produtoras de motocicletas e
fábricas de peças e componentes para este setor. O desenvolvimento dessa
indústria é constituído pela cadeia produtiva de fábricas de bicicletas,
motocicletas, partes, peças e componentes dessa mesma modalidade
industrial, uma vez que inúmeras dessas empresas, num movimento vivo de
inter-relação interfirmas, encontram-se instaladas, outras ainda em fase de
instalação, além de outras que ainda serão instaladas, ou que já estão
funcionando, mas não foram aprovadas, portanto, não participam do benefício
da isenção fiscal e demais prerrogativas oferecidas pela SUFRAMA.
Nossa intenção é demonstrar, neste capítulo, a inserção das firmas
transnacionais na indústria de veículos sobre duas rodas no PIM, no
desenvolvimento da produção local em cadeias produtivas, pela via da
transferência da produção industrial, juntamente com fábricas de pequeno e de
médio porte, pela dinâmica acelerada sob o regime da produção flexível, com o
novo padrão de organização do trabalho e da produção. Trata-se de um
processo em desenvolvimento, a consolidação dessa indústria que, a priori, se
aproveita do regime da isenção fiscal para instalar-se e garantir a sua
funcionalidade
e
do
trabalho
barato,
ordenado
pelos
esquemas
da
terceirização, quarteirização, que permitem a partir destas produzirem
bicicletas, motocicletas e triciclos, quadriciclos para produzir e fornecer para as
empresas focais partes, peças e componentes.
Discutiremos sobre o desenvolvimento das empresas do Polo de Duas
Rodas com a finalidade de demonstrar a dinâmica do processo de formação
das cadeias produtivas deste setor. Somente assim, em nosso modo de ver,
será possível dar o tratamento analítico que o tema merece, pela sua
relevância na perspectiva sociológica.
A inovação tecnológica, o novo padrão organizacional, somados à
estratégia da cadeia produtiva local, está transformando a indústria de veículos
94
de Duas Rodas na região Norte do Brasil em um dos maiores setores em
venda e em faturamento do Polo Industrial de Manaus. Conforme dados de
200626, o Polo de Duas Rodas representa 16,8% de participação no
faturamento total do Polo Industrial de Manaus, ocupando, assim, a segunda
posição depois do Polo Eletroeletrônico, com 34,6%. O Polo de Duas Rodas é
constituído por empresas montadoras e fábricas de bicicletas, de triciclos, de
quadriciclos e montadoras e fábricas de motocicletas a partir de 100 cc –
cilindradas –, além de pequenas, médias e grandes indústrias fornecedoras de
peças para a fabricação de bicicletas, triciclos, quadriciclos e motocicletas.
Quadro 2
PRIMEIRAS EMPRESAS PRODUTORAS DE MOTOCICLETAS E
BICICLETAS INSTALADAS NO SETOR DE DUAS RODAS DE MANAUS
EMPRESAS
INÍCIO DA ATIVIDADE
PRINCE BIKE
1969
CALOI
1974
HONDA
1976
YAMAHA
1985
Fonte: CGPRI, CGMER/COCAD E/COISE/CGPRO (2008)
ELABORAÇÃO: COISE/CGPRO/SAP. Adaptação do autor – 2009.
A atividade inicial da indústria do Polo de Duas Rodas, há quarenta
anos, começou com a instalação das primeiras fábricas de bicicletas e
motocicletas. A mais antiga entre as manufatureiras de bicicletas está Prince
Bike. A Caloi Norte27 foi instalada três anos depois em Manaus. Ambas figuram
como as pioneiras no Polo de Duas Rodas neste ramo. As duas primeiras
fábricas de motocicletas no subsetor de Duas Rodas são a Moto Honda da
Amazônia e a Yamaha Motor da Amazônia.
Como parte do desenvolvimento da indústria da Zona Franca de
Manaus, em relação às suas características de um comportamento de
economias de aglomeração, adquiridas em zonas que são tipicamente
industriais com características de multinacionais, o Polo de Duas Rodas vai se
26
27
SUFRAMA: COISE/CGPRO/SAP – 1998-2006.
A empresa Caloi Norte está desativada no Pólo de Duas Rodas.
95
inserir também em suas características essenciais. Não só como investimentos
de capital estatal, nacional e internacional, mas também por serem indústrias
móveis, que se enquadram no tipo de indústrias de concentração global de
empresas multinacionais, cujas atividades estão articuladas com um tipo
determinado de produção descentralizada.
Pode-se
dizer
que
este
processo
está
combinado
com
a
descentralização parcial da produção. Refere-se a um tipo de capital com um
caráter móvel, diferente de um padrão de capital em que o processo de
produção, ou todo ele é fixado em um lugar determinado. Este capital tem a
capacidade de se deslocar a produção ou parte do processo de produção para
a periferia, mas também de realizá-la em qualquer lugar do planeta. Nesse
nível de compreensão a Moto Honda da Amazônia, constitui um dos tentáculos
no Polo de Duas Rodas no PIM, da Honda Motor Company, cuja sede está
localizada em Tóquio, cidade sede desta transnacional.
O deslocamento dessas empresas corresponde a uma forma de atuação
típica das transnacionais em “áreas de “marketing”, de desenvolvimento
tecnológico, de finanças e de administração. Esse deslocamento do capital
tem, no transporte e na comunicação da fonte fornecedora dos bens
intermediários, a principal base de todo o cálculo (FREITAS PINTO, 1986;
SALAZAR, 1992). É importante considerar o custo unitário da força de trabalho,
por ser determinante no cálculo dos componentes de salários, encargos
sociais, produtividade, flexibilidade do trabalho e horas extras. A implantação
de empresas como Moto Honda, Yamaha, Caloi e Prince Bike foram
beneficiadas pelo Estado pela flexibilidade nas políticas fiscais e na legislação
trabalhista. Essas condições são mais rigorosas nos países de economias
centrais, porque sua mão de obra é menos flexível, e, em tempos de crise, é
mais difícil de demiti-la. Tais concessões são significativas da necessidade que
têm estas multinacionais em arrancar do Estado a legitimidade para aplicar e
ampliar a mais-valia sobre a classe trabalhadora, além de requerer, por meio
da flexibilidade fiscal, a obtenção de mais recursos.
Pode-se inferir a ideia de que a opção em produzir em Manaus é uma
alternativa à crescente alta da taxa de salários, dos pesados encargos sociais,
da falta ou baixa flexibilidade do trabalho e da legislação, do ponto de vista das
96
empresas, nas economias como a japonesa, a estadunidense e a europeia. Por
isso, para descentralizar a produção, além do baixo custo da força de trabalho,
é preciso que haja também o controle político das organizações trabalhistas e a
liberdade para o movimento de capitais. Condições estas que não foram
difíceis de se encontrar em Manaus.
Nesse sentido, o Polo de Duas Rodas vai seguir as regras originais do
modelo de indústria da Zona Franca de Manaus, baseado na maquilagem dos
produtos, na produção para o mercado nacional, dentre outras, tais como a
utilização dos benefícios fiscais, na ocasião da sua instalação, por distintas
razões. Uma dessas distinções se refere à alta concentração cada vez maior
na fabricação de peças e componentes no próprio polo; a segunda pela
produção e intensificação da produção em cadeia fabril local. Apenas uma
indústria desse polo hoje atua com 20 fornecedoras. O polo inteiro possui hoje
cerca de 30 empresas ligadas à SUFRAMA,28 operando em cadeia.
O processo de realocação da produção mundial está fundado no
desenvolvimento tecnológico, base sobre o qual a produção industrial será
viabilizada, mas com certo nível de dependência de transportes e de técnicas
de comunicação. Nesse processo, a inovação tecnológica vem facilitando cada
vez mais o processo produtivo em unidades independentes e de simples
operação, tornando desnecessária a utilização de mão de obra especializada.
(FREITAS PINTO, 1987)
É a partir do segundo estágio de implantação da ZFM, cujo objetivo era
o de corrigir as distorções e as irregularidades existentes, do ponto de vista dos
empresários, que se começou a efetivar a ocupação do então Distrito Industrial.
A pretensão que se queria com essas mudanças era a de redefinir a política
industrial para a ZFM. No entanto, o objetivo principal era substancialmente a
consolidação do parque industrial de Manaus, com a significativa diminuição
das importações e criação de mecanismos para a elevação das exportações,
como fim da obtenção do equilíbrio da Balança Comercial, bem como gerar
mecanismos para estreitar o vínculo dessas indústrias com o mercado regional
e local, para criar as condições fundamentais para o desenvolvimento “auto28
A quantidade de empresas que produzem peças para bicicletas e motocicletas é bem maior, se
considerarmos todas aquelas que não possuem incentivos fiscais, isto é, aquelas que são aprovadas no
CODAM-SEPLAM, mas não conseguem aprovação no CAS-SUFRAMA.
97
sustentado que deveria substituir os incentivos fiscais em vigor” (SALAZAR,
1992: p.158).
Ainda que os aspectos levantados tenham sido adotados como medidas,
por meio da Resolução n.º 001/85, do Conselho de Administração da
SUFRAMA, persistiram problemas da ordem da morosidade na implementação
da primeira medida, relativa a implantação de mais pólos industriais. Um dos
problemas é a ausência muito grande de uma mão de obra especializada, que
as instituições de ensino de nível técnico e de nível superior em Manaus não
estão preparadas para formar, nos diversos níveis e categorias necessários
para os níveis de exigência tecnológica das indústrias, tanto para as que já
existem quanto para aquelas que estão se instalando e, aquelas que ainda vão
chegar ao Polo de Duas Rodas. Tal é a expectativa dos executivos da Moto
Honda da Amazônia Ltda., para o que as indústrias do pólo têm buscado no
centro-sul, no exterior e, atualmente, em universidades do nordeste brasileiro.
Pode-se concluir, deste aspecto, que os efeitos sociais da permanência desse
quadro não têm contribuído para a agregação de valores, para o aumento da
integração dessas indústrias com a região.
A quantidade de bicicletas produzidas em 2006 foi inferior à produção
dos anos anteriores no Polo de Duas Rodas. De 1990 a 1999, à exceção de
1997, nunca foi superior a 1 milhão de motocicletas. Somente a partir de 2000
até 2005, o ramo produtor de bicicletas vai superar essa marca.
98
Tabela 2
PRODUÇÃO ANUAL DE BICICLETAS NO POLO DE
DUAS RODAS – 1990 A 2008
TOTAL
1990
91.645
1991
101.793
1992
135.335
1993
436.339
1994
822.922
1995
979.507
1996
899.043
1997
1.208.971
1998
910.411
1999
886.605
2000
2001
1.140.286
1.125.028
2002
1.176.849
2003
1.117.570
2004
1.178.466
2005
1.034.634
2006
736.367
2007
1.141.979
2008
794.695
15.918.445
Fonte: CGPRI, CGMER/COCAD E COISE/CGPRO (2008)
Adaptado pelo autor – 2009
É possível percebermos, no período em foco, um processo de
intensificação da expansão do Polo de Duas Rodas a partir dos anos 90. Para
que isso viesse acontecer, a estratégia empresarial de ampliação do capital,
bem como a necessidade de garantir maior estabilidade na dinâmica da
concorrência. Isso explica, em parte, a finalidade da implantação do Polo
industrial de Duas Rodas no Norte do Brasil. Esse processo é característico do
local de produção, cuja identidade é inerente às regiões subdesenvolvidas, no
qual se utiliza o aproveitamento da presença de mão de obra, da existência de
uma infraestrutura moderna e a concessão de isenções de obrigações com
taxas alfandegárias.
99
Gráfico 1
PRODUÇÃO ANUAL DE BICICLETAS DO POLO DE DUAS RODAS – 1990
A 2008
1,400,000
1,208,971.0 1,140,286.0
1,200,000
1,125,028.0
979,507.0
1,000,000
800,000
822,922.0
899,043.0 910,411.0
1,117,570.0
1,141,979.0
1,034,634.0
736,367.0
794,695.0
436,339.0
400,000
0
1,178,466.0
886,605.0
600,000
200,000
1,176,849.0
91,645.0
135,335.0
101,793.0
Fonte: SUFRAMA (2008)
Adaptação do autor – 2009.
A produção chegou a índices superiores em relação à quantidade de
motocicletas. As manufaturas de bicicletas chegaram a fabricar cerca de 1,2
milhões de unidades, enquanto a produção de motocicletas alcançou o
patamar de 4,3 mil, neste mesmo ano.
O Polo de Duas Rodas compreende a produção de bicicletas, motores
de força, triciclos e quadriciclos, no entanto, nossa descrição irá focar
doravante, especificamente a dinâmica da produção, das vendas e do
faturamento de motocicletas, bem como relacionar o processo produtivo dos
veículos de duas rodas motorizados à cadeia produtiva formada e em fase de
consolidação no Polo de Duas Rodas de Manaus.
100
2.1
A
INSERÇÃO
DAS
TRANSNACIONAIS
E
A
PRODUÇÃO
DE
MOTOCICLETAS
A atividade da indústria do Polo de Duas Rodas sofreu uma mudança
estrutural no PDR a partir de 1990, em escala de produção, em vendas, em
faturamento, e também em termos físico, uma vez que, ao que se refere a este
último fator, o PDR foi reconfigurado, devido à expansão da planta das fábricas
já existentes no referido polo, pelo estabelecimento de diversas produtoras de
motocicletas, e, pela implantação de inúmeras fábricas fornecedoras de peças
e componentes. Essa mudança coincide com as medidas do governo federal
em 1990. A tabela 1 é ilustrativa desse movimento, que registra a ampliação da
produção de motocicletas. Além disso, podemos perceber que os números
crescentes do consumo de motocicletas têm redimensionado o setor de Duas
Rodas como um dos setores que mais cresceram no PIM. Conforme podemos
ver os números da tabela a seguir, segundo os quais, a produção evoluiu de
modo crescente. Isso demonstra o crescimento do setor, em decorrência do
aumento da instalação de produtoras de motocicletas e de empresas
produtoras
de
peças,
componentes
e
subconjunto
(SUFFRAMA:
COISE/SAP/CGPRO, 2008).29
29
SUFRAMA. Indicadores de Desempenho do Pólo Industrial de Manaus. História do PIM em Tabelas e
Gráficos, 1988 a 2006: p. 67.
101
Tabela 3
PRODUÇÃO DE MOTOCICLETAS DO POLO DE
DUAS RODAS - 1990 A 2008
ANOS
PRODUÇÃO DE MOTOCICLETAS
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
TOTAL
143.533
123.159
82.518
83.361
145.346
243.133
295.957
430.398
482.113
505.352
641.607
778.334
865.602
954.823
1.052.941
1.253.149
1.516.444
1.880.326
1.848.925
13.327.021
Fonte: SAP/CGPRO/COISE¹: (2008). Adaptado pelo autor - 2009
A capacidade produtiva do Polo de Duas Rodas no ano de 1998 tem
refletido a utilização da sua capacidade instalada. O aumento da produção do
ano de 1997 representou um crescimento de 70% de aproveitamento produtivo
em relação aos anos anteriores.30 Em 2006, as motocicletas apresentaram um
crescimento de 263,3 mil unidades produzidas. A quantidade de motocicletas
produzidas neste ano foi de 1,52 milhão. Comparada ao ano de 2005, que foi
de 1,25 milhão de unidades produzidas, verifica-se que a produção no Polo de
Duas Rodas foi elevada em 21%.31
30
31
FIEAM - Desempenho Anual da Indústria no Amazonas – 1998-1997.
FIEAM - Desempenho - Polo Industrial de Manaus – 2006: p. 39.
102
Gráfico 2
PRODUÇÃO ANUAL DE MOTOCICLETAS DO POLO DE
DUAS RODAS – 1990 A 2008
2000000
1,880,326
1,848,925
1800000
1600000
1,516,444
1400000
1,253,149
1200000
1,052,941
954,823
865,602
778,334
1000000
800000
641,607
505,352
482,113
430,398
600000
400000
295,957
243,133
145,346
123,159
82,518 83,361
143,533
200000
0
Fonte: SAP/CGPRO/COISE32: (2008). Elaboração da pesquisa – 2009.
A produção industrial destinada ao mercado internacional pode ocorrer
independentemente do nível de desenvolvimento e das condições específicas
de um determinado país. É interessante notar que o tipo de produção intensiva
de capital, voltada para o mercado mundial, com o nível tecnológico existente,
pode operar com uma força de trabalho não e semiqualificada nas diversas
fases da produção. A realocação do trabalho intensivo implica em atividades
que não exigem mão-de-obra qualificada ou especializada.
A abertura econômica de 1991 promovida pelo governo federal, embora
tenha impactado menos; as vendas internas da indústria de duas rodas destes
quinze anos últimos foram de 92% e as internacionais representaram 8%.
(ALVES, 2005) O Polo de Duas Rodas foi impactado também por esse
32
Idem.
103
processo em função da queda nas vendas nos anos de 1991, 1992 e 1993. E,
só voltou a se recuperar em 1994. Essa diminuição das vendas pode ser
atribuída a outros fatores, que podem influenciar nas importações. Na
avaliação da FIEAM:
O avanço tecnológico, inclusive, representa elevação na
possibilidade de exportações, já que o mercado internacional é
muito competitivo e não abre espaços para penetrações que
não atendam às suas expectativas, ou seja, o consumo busca
muito mais atender aos desejos pessoais do que as
necessidades básicas... Assim sendo, as especificações
tecnológicas são fundamentais para produzirem expectativas
de compra. (FIEAM, 2006: p. 4-5)
Os dados da produção da Moto Honda da Amazônia entre os
anos de 1991 a 1993 retratam o impacto das medidas da política econômica,
das políticas alfandegárias do governo federal, ainda que o conjunto das
empresas do Polo de Duas Rodas não tenha sido tão afetado quanto as
empresas de outros setores da produção local. É possível observarmos, assim,
que a redução da produção dos anos de 1992 e de 1993 chega a aproximar-se
de cinquenta por cento das unidades produzidas do ano de 1990.
104
Tabela 4
PRODUÇÃO MHA - 1990 A 2008
ANO
UNIDADES
%
1990
107.071
73
1991
92.204
79,3
1992
67.798
78,7
1993
64.313
77,1
1994
111.105
78,7
1995
180.734
83,2
1996
256.255
89
1997
381.174
89,4
1998
435.659
91,6
1999
436.441
92,1
2000
562.258
88,6
2001
658.094
87,4
2002
741.769
86,1
2003
817.925
85,7
2004
895.343
84,7
2005
981.590
80,9
2006
1.131.374
80,1
2007
1.376.880
79,4
2008
1.600.270
74,7
Fonte: ABRACICLO – 2008. Adaptado pelo autor - 2009
Por se tratar de uma empresa líder em termos de produção, vendas
nacionais e internacionais, deter- nos-emos um pouco mais na análise sobre a
MHA, para enfatizar a importância das estratégias postas em prática por esta
empresa, que pode nos ajudar a entender o desenvolvimento das demais
firmas do setor. Desse modo, facilitará a compreensão do seu objetivo que
consiste em superar o potencial de produção deste polo, gerar capacidade de
vender e de disputar no mercado nacional e mundial. Nesse sentido, é
importante observar que, a partir de 1994, a evolução da produção da MHA
expandiu ininterruptamente até o ano de 1998. Em termos comparativos, em
2006, esta empresa passou a produzir, em um mês, a totalidade de
motocicletas produzidas em todo o ano de 1994.
É válido observar também que a ampliação da produção desta
organização saiu da quantidade de dezenas de milhares para a casa de um
105
milhão de motocicletas em cerca de uma década apenas, ao passo que,
empresas como a Yamaha que é praticamente contemporânea do começo da
atividade no PDR continuam ainda na casa das centenas de milhares. Porém a
soma da crescente produção das produtoras concorrentes da MHA concorre
para a pulverização da produção.
Nesse sentido, a participação em números percentuais torna a
visualização mais nítida dessa dinâmica e contínua alteração da distribuição da
produção no Polo de Duas Rodas. Assim, como podemos perceber, a posição
dominante da MHA neste polo, percebemos também um crescimento até o ano
de 1999, ao contrário disso, a partir do ano seguinte, a MHA passa a acumular
consecutivas quedas anuais no percentual de participação em termos de
produção. Certamente esses dados não representam somente o equilíbrio
entre a MHA e as demais produtoras, mas fundamentalmente a expansão do
setor em termos de produção.
É importante ressaltar a mudança de comportamento, em termos
produtivos, que a MHA teve a partir de 1991. Quando na ocasião houve uma
queda significativa na quantidade de produção de motocicletas, passando a ser
retomada a sua expansão, que ficou por dois anos na casa de noventa por
cento, mas depois segue em declínio até estabilizar-se na casa de 70%.
A Yamaha é a empresa que mais tem se destacado, depois da MHA em
toda a trajetória do PDR de Manaus.
106
Tabela 5
PRODUÇÃO YAMAHA - 1990 A 2008
ANO
UNIDADES
%
1990
32.779
22,3
1991
20.070
17,3
1992
18.396
21,3
1993
19.145
22,9
1994
22.983
16,3
1995
25.621
11,8
1996
27.646
9,6
1997
35.943
8,4
1998
29.914
6,3
1999
30.308
6,4
2000
56.816
8,9
2001
82.649
11
2002
108.245
12,6
2003
129.008
13,5
2004
143.060
13,5
2005
190.195
15,7
2006
211.884
15
2007
260.009
15
2008
328.524
15,3
Fonte: ABRACICLO – 2008. Adaptado pelo autor – 2009.
A produção de motocicletas da Yamaha representa a segunda a se
destacar entre as produtoras do Polo de Duas Rodas. Hoje, com uma produção
bastante diversificada, conta com 14 diferentes modelos como: NEO AT 115,
YBR 125, FACTOR YBR 125, XTZ 125, XTZ 250, TTR 125, TTR 230, YS 250,
FAZER N 600, FAZER S 600, XVS 650, XTR 660, MT-03 660 e XVS A 950.
Essa empresa produz motocicletas de 100 e acima de 800 cilindradas. Sendo
que, no início de suas atividades, em 1985, produzia apenas quatro modelos
de 100 até 400 cilindradas.
A Yamaha possui também uma fábrica de componentes, que produz
blocos de cilindros e cabeçotes para motores. Produz, além de peças para
motores de explosão, árvore de came para veículos de duas rodas. Na
qualidade de produtora, a Yamaha se serve da cadeia produtiva, formada pelas
firmas fabricantes de peças e componentes do Polo de Duas Rodas, inclusive,
das empresas coligadas da Moto Honda da Amazônia, como a Showa que
fornece amortecedores. (Pesquisa de Campo)
107
A Yamaha vem se consolidando como a vice-líder deste polo em termos
de produção. De 1990 a 2008, esta empresa ultrapassou a marca dos vinte por
cento em apenas dois anos intercalados. É importante destacar que, até 2004,
a sua produção total anual era comparável à produção mensal da Moto Honda
da Amazônia. Porém a elevação da produção alcançada em 2005 permite ver a
mudança daquele perfil. Essa mudança vem se acentuando, tal como mostram
os números da produção dos dois últimos anos da tabela 6.
Tabela 6
PRODUÇÃO KASINSKI – 2002 A 2009
ANO
UNIDADES
%
2002
7.719
0,9
2003
5.777
0,6
2004
6.653
0,06
2005
5.227
0,4
2006
3.584
0,3
2007
6.831
0,04
2008
7.829
Fonte: ABRACICLO – 2008
Adaptado pelo autor – 2009
0,4
O estabelecimento de empresas com tecnologias coreanas e chinesas
no Polo de Duas de Rodas cresceu bastante nestes últimos sete anos. A
Kasinski é um dos exemplos de empresa de capital nacional e tecnologia da
Hyosung – Coreia que, desde 2002, vem produzindo motocicletas de 100 até
acima de 800 cilindradas, no Polo de Duas Rodas.
Apesar da modesta quantidade produzida em relação à Yamaha e à
MHA, a Kasinski tem assegurado uma média de produção estável nestes
últimos quatro anos, pois, possui uma quantidade razoável de modelos
diversificados como: SUPER CAB – 50, PRIMA 50, MIDAS 110, GE 125,
CRUISE 125, MAGIK 125, FÚRIA 250, MIRAGE 250. É válido dizer os
números que acompanham o nome dos modelos, correspondem a cilindradas
que possui cada modelo.
108
Tabela 7
PRODUÇÃO SUNDOWN – 2002 A
2008
ANO
UNIDADES
%
2002
3.405
0,4
2003
1.910
0,2
2004
12.277
1,2
2005
36.505
3
2006
65.106
4,6
2007
87.859
5,1
2008
78.320
Fonte: ABRACICLO – 2008
Adaptado pelo autor – 2009
3,7
A Sundown é parte de um conjunto de empresas que vem se
consolidando no Polo de Duas Rodas. Dentre as produtoras de motocicletas,
possui uma quantidade também expressiva em termos de diversidade
produtiva de modelos de motocicletas, como: HUNTER 90 cc, WEB / WEB
EVO, HUNTER 100 cc, HUNTER / MAX 125 cc, FUTURE 100 cc, MOTARD
200 cc, STX 200 cc, VBLADE 250 cc. Observa-se que a quantidade e a
participação percentual de motocicletas são superiores à Kasinski. Ao contrário
desta, a Sundown cresceu consecutivamente desde o ano de 2003 até 2007,
embora tenha apresentado uma baixa quantidade na produção e uma
considerável queda na participação percentual.
2.2 OCUPAÇÃO DO COMÉRCIO REGIONAL PELAS PRODUTORAS
LOCAIS
Em 1995, o Polo de Duas Rodas cresceu no mercado consumidor
nacional cerca de 30% nas vendas.33 Esse crescimento é tributado ao aumento
do poder de compra, em decorrência da facilidade de crédito e da conjuntural
estabilidade econômica. Em 2004, 2005 e 2006, as vendas no mercado interno
cresceram 18,3%,34 e em 2007 a participação das vendas de motocicletas
33
34
Desempenho Anual da Indústria Amazonense, 1996-1995; FIEAM: p. 8.
Desempenho – Indústria do Amazonas, 2007: FIEAM: p. 30.
109
representou 31% do faturamento total do Polo de Duas Rodas.35 O crescimento
das vendas de motocicletas é a razão principal dessa elevação. Neste aspecto,
os produtos mais destacados nas exportações de 2006 foram as motocicletas
de 50 cm3 (cilindradas) e as de 125 cm3 (cilindradas).36
Em 2007, as motocicletas aparecem como sendo os principais produtos
fabricados de todo o PIM, o que reflete não só o desenvolvimento do PDR, mas
a expansão física do setor, cuja consequência tem sido o progressivo aumento
das vendas de motocicletas dos diversos modelos. O que passamos a mostrar
por meios dos dados abaixo, extraídos da página da ABRACICLO.
Tabela 8
VENDAS YAMAHA - 1990 A 2008
ANO
UNIDADES
%
1990
23.004
18,7
1991
17.989
16,5
1992
10.834
20,3
1993
14.519
21,4
1994
17.679
13,9
1995
19.599
9,8
1996
25.412
9,2
1997
30.894
7,6
1998
29.886
6,5
1999
26.738
6,1
2000
50.906
8,9
2001
70.226
10,1
2002
98.925
12,5
2003
110.773
13,1
2004
121.176
13,3
2005
147.306
14,4
2006
179.327
14,1
2007
226.798
14,2
2008
249.732
13,3
Fonte: ABRACICLO. Adaptado pelo autor – 2009
A Yamaha sofreu o impacto da abertura econômica tanto quanto as
outras indústrias do Polo de Duas Rodas. Particularmente sua recuperação ou
superação após 1990 ocorreu somente em 1996. Porém, curiosamente, é a
35
36
Desempenho – Indústria do Amazonas, 2007: FIEAM: p. 29.
Desempenho – Polo Industrial de Manaus, 2006: FIEAM: p. 20.
110
empresa que vai permanecer com o percentual de participação relativamente
alto em relação às demais produtoras de motocicletas associadas da
ABRACICLO. Constata-se também que a taxa de participação de vendas
ocorrida no período de recuperação teve uma queda de 50% em relação aos
anos anteriores, relativos aos que culminaram com a abertura econômica.
No aspecto de vendas a Yamaha segue sendo a segunda empresa que
mais vende depois da Moto Honda da Amazônia. De 1994 a 2008, a
participação em percentual, não foi maior do que a participação dos anos
anteriores, ao que se refere do período da análise. Constata-se também que do
ano de 2000 em diante, a participação da Yamaha em vendas cresceu
consecutivamente, à exceção de 2008, ano cuja crise econômica começou no
primeiro mês do último quadrimestre. O crescimento da participação é reflexo
da expansão da quantidade de motocicletas vendidas por esta empresa.
Tabela 9
VENDAS SUNDOWN- 2002 A
2009
ANO
UNIDADES
%
2002
3.049
0,4
2003
2.149
0,3
2004
12.277
1,3
2005
36.505
3,6
2006
65.106
5,1
2007
87.859
5,5
2008
78.320
Fonte: ABRACICLO
Adaptado pelo autor – 2009
4,2
O ano de 2000 corresponde ao período de recomposição da economia,
sintomático de um novo ciclo de crescimento. Nesse sentido, o ano de 2003 é
ilustrativo da retomada da expansão econômica, concretizada na contínua
elevação das vendas e do faturamento no setor de motocicletas. O início das
atividades da Sundown coincide com a evolução do crescimento da economia
mundial, tal como podemos perceber na tabela relativa às vendas acima.
111
Tabela 10
VENDAS KASINSKI – 2002 A
2009
ANO
UNIDADES
%
2002
7.719
1
2003
5.777
0,7
2004
6.653
0,7
2005
5.227
0,5
2006
3.576
0,3
2007
6.783
0,4
2008
6.633
Fonte: ABRACICLO
Adaptado pelo autor – 2009
0,4
Com o volume de produção e venda menores, a participação da
Sundown e da Kasinski, Bramont, e agora, a da Dafra tem contribuído para a
uma pequena pulverização do mercado, embora, como podemos observar no
gráfico de participação em vendas, a fatia dominante do mercado continua
sendo a da MHA. É interessante observar a posição da Dafra Motos no ranking
de participação em vendas, que possui um percentual em vendas idêntico ao
índice de produtoras menores como Sundown, uma vez que esta última já está
no mercado há oito anos como produtor, no Polo de Duas Rodas de Manaus e
a primeira iniciou suas atividades em janeiro de 2008.
112
Gráfico 3
PARTICIPAÇÃO EM VENDAS DO POLO DE DUAS RODAS EM 2008
1%
5%
4%
MHA
13%
YAMARA
DAFRA
SUNDOWN
77%
KASINSKI
Fonte: ABRACICLO. Adaptado pelo autor - 2009
O crescimento das vendas do faturamento do Polo de duas Rodas a
partir do ano de 1994, dentre outros fatores, é uma consequência do
adensamento da expansão da produção e do fornecimento local de partes,
componentes e peças para a produção de motocicletas e bicicletas. Isso tornou
estes veículos mais competitivos e mais acessíveis ao consumo popular, ao
mesmo tempo, o estabelecimento de novos produtores, da expansão da cadeia
produtiva contribuiu para ampliar a pulverização do mercado, em relação a
maior produtora de motocicletas do Polo de Duas Rodas de Manaus.
O faturamento do Polo de Duas Rodas é a expressão do conjunto dos
fatores levantados acima, além das estratégias de vendas locais e nacionais e
das exportações. Os dados do faturamento esboçados nestes últimos seis
anos são significativos dessa estratégia agressiva de vendas internas e
externas que as grandes organizações do setor vêm desenvolvendo. O Polo de
Duas Rodas representa 24% da totalidade do faturamento geral do PIM.37
37
Desempenho – Indústria do Amazonas, FIEAM; 2007: p. 37.
113
Tabela 11
FATURAMENTO DO POLO DE DUAS RODAS - 1990
A 2008 (VALORES EM US$)
SETOR INDUSTRIAL
ANO
FATURAMENTO
1990
740.965.734
1991
452.751.721
1992
328.632.938
1993
401.044.669
1994
756.803.620
1995
1.014.187.134
1996
1.245.705.837
1997
1.674.820.555
1998
1.662.009.229
1999
1.070.979.051
2000
1.579.445.964
2001
1.554.779.557
2002
1.325.839.716
2003
1.848.842.202
2004
2.347.461.760
2005
3.154.706.723
2006
4.192.007.520
2007
5.948.155.842
2008
7.639.510.142
Fonte: CGPRI, CGMER/COCAD E COISE/CGPRO (2008).
Adaptado pelo autor – 2009.
O crescimento do setor de duas rodas é uma realidade em Manaus, uma
vez que a inserção de inúmeras produtoras tem obtido cada vez mais
resultados maiores em termos de produção e de vendas, elevando assim, o
faturamento deste setor. O aumento de produtoras e tecnologias, no geral,
oriundas da Coreia e da China, tem contribuído também com a ampliação dos
empregos, embora, a quantidade de empregos por elas oferecidos esteja
aquém do que elas poderiam gerar, tendo em vista, que o mínimo processo
produtivo que as mesmas desenvolvem no início das atividades, que são
meramente as de montagem das motocicletas.
114
Gráfico 3
FATURAMENTO DO POLO DE DUAS RODAS - 1990 A 2008 (Valores em
US$ 1,00) SETOR INDUSTRIAL FATURAMENTO
7.,6
6,0
3,2
4,2
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
2,3
1,7 1,7 1,1 1,6 1,6 1,3 1.8
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
0,7 0,5 0,3 0,4 0,8 1,0 1,2
1990
9,000,000,000
8,000,000,000
7,000,000,000
6,000,000,000
5,000,000,000
4,000,000,000
3,000,000,000
2,000,000,000
1,000,000,000
0
Fonte: CGPRI, CGMER/COCAD E COISE/CGPRO (2008). Adaptado pelo autor – 2009.
O gráfico acima é demonstrativo da oscilação que as vendas sofreram
de 1990 a 2006. A variação entre a subida e a descida das vendas reflete a
conjuntura de crises econômicas mundiais que também afetaram o país, lugar
da maior fatia do consumo dos veículos de duas rodas produzidos em Manaus.
Observa-se que o faturamento a partir de 2002 é sempre ascendente. Uma
possível explicação está relacionada com a conjuntura de crescimento da
economia internacional e nacional. Mas também estão presentes fatores como
o estabelecimento de diversas firmas produtoras de motocicletas no Polo de
Duas Rodas de Manaus.
Os dados acima revelam que as mudanças estruturais operadas no PDR
são representativas do desenvolvimento da indústria de veículos de duas rodas
em Manaus. Isto está ocorrendo porque os empresários do polo estão
acelerando a diminuição da dependência estrutural do modelo original da ZFM,
desde os anos 90, em relação à estrutura e à produção dos componentes,
peças e aquisição de insumos, o que em parte, está modificando a relação
comercial em termos de importação e exportação tanto em relação ao mercado
externo, como em relação ao mercado nacional. Portanto, o que se tem
verificado é a ampliação dos horizontes, do ponto de vista dos representantes
deste polo, em relação ao mercado internacional, buscando minimizar os
custos dos componentes importados. E, já se sabe que minimizar custos com
115
importados, significa atrair empresas fornecedoras de peças e componentes,
investir em infraestrutura local para reduzir os custos com a logística. Essa
estratégia tem contribuído com a redução da dependência das empresas
fornecedoras do mercado nacional e internacional. O que significa, em primeira
análise, pensar que as transnacionais e seus representantes planejam a
criação de cadeias produtivas locais/regionais, com a finalidade de concretizar
suas metas de produzir a custos mais baixos. Isto fica claro no documento da
FIEAM: Desempenho Industrial do Amazonas – Análise setorial e perspectivas,
segundo o qual:
A superintendência projeta que a partir do próximo ano já seja
possível colher bons resultados com os intercâmbios
contatados, que tem como alvo os países da América Central e
do Norte, não só pela proximidade geográfica, como pelas
expectativas promissoras de bons negócios. [...] É importante
lembrar que a importação de componentes representa 65% dos
custos operacionais das empresas do setor. Com essa etapa
concluída, as empresas esperam dar um passo decisivo para
diminuir a dependência da importação de componentes
(verticalização da indústria) e, assim, reduzir custos de
operação e ampliar a competitividade no mercado.
(FIEAM/CDE, 2001: p. 4)
Essa posição da FIEAM esclarece e permite compreender sobre o que
significa a implantação de uma logística da produção industrial e fornecimento
dos insumos necessários para reduzir a dependência da importação externa à
região, bem como, a minimização dos custos a partir da logística local, vai
permitir a diminuição dos riscos de perdas e atrasos, o que ocasiona prejuízos,
do ponto de vista da empresa.
O processo de industrialização em Manaus com a emergência da Zona
Franca de Manaus foi reestruturado, em decorrência do novo perfil da
economia mundial, cujo cenário foi redesenhado, concomitante ao processo de
reconfiguração da divisão internacional do trabalho. Essa nova dinâmica da
indústria foi levada a readequar-se ao novo perfil da lógica da produção
ordenada pelas grandes organizações empresariais, no contexto expansivo do
capitalismo.
A história das primeiras fábricas implantadas no então Distrito Industrial
de Manaus, entre o final da década de 60 e meados da década de 80, pertence
116
também às fábricas ligadas ao Polo de Duas Rodas, como as do ramo de
bicicletas: Prince Bike Norte Ltda, em 1969 e a Caloi Norte e de motocicletas,
como a Moto Honda da Amazônia, em 1976 e a Yamaha Motor da Amazônia,
em 1981. Foram, em princípio, duas representantes do ramo de bicicletas e
duas de motocicletas, e as quatro têm, ainda, em comum, um perfil meramente
de atividade de montagem.
A mudança no processo de expansão do domínio das multinacionais
levou as empresas a não só venderem seus produtos, como já vinha sendo
feito antes, mas passam agora a produzi-los (ver quadro 1: pag. 9). O foco
consumidor, a princípio era a elite econômica dos países e regiões
subdesenvolvidos. Como estamos percebendo, Manaus está inserida neste
processo. A presenças de empresas fabricantes de peças revela, em parte,
essa mudança de comportamento de perfil e de atividade de montagem com a
instalação de duas empresas fornecedoras de peças e componentes, como a
Honda Componentes da Amazônia Ltda e a Showa do Brasil S.A.
No geral, não foi só uma mudança na lógica da distribuição do produto
acabado, mas também fundamentalmente na forma de distribuição do processo
de produção, que buscou-se fazer nessas regiões ou países o acabamento de
certos artigos produzidos para serem comprados diretamente no próprio
espaço de produção, e, até como vem ocorrendo, exportar para outros países,
o que criou ao mesmo tempo, uma massa de novos consumidores,
estimulando e expandindo cada vez mais. HOBSBAWM ao analisar esse
fenômeno a geração dessa “nova divisão internacional do trabalho”, segundo o
qual :
Uma maciça transferência de indústrias que produziam para o
mercado mundial, da primeira geração de economias
industriais, que antes as monopolizavam, para outras partes do
mundo. Isso se deveu em parte à deliberada mudança, por
empresas do velho mundo industrial, de parte ou de toda a sua
produção ou estoques para o Segundo e Terceiro Mundos.
Seguida eventualmente por algumas transferências até mesmo
de processos bastantes sofisticados em indústrias de alta
tecnologia, como pesquisa e desenvolvimento. A revolução nos
transportes e comunicações modernos tornou-se possível e
econômica uma produção verdadeiramente mundial. Também
se deveu aos esforços deliberados de governos do Terceiro
Mundo para industrializarem-se, conquistando mercados de
117
exportação, se necessário (mas preferentemente não) à custa
da velha pretensão de mercados internos. (1998: p. 354)
Os investimentos iniciais das empresas representadas na tabela 12
permite-nos compreender o emprego do volume de investimentos, da ordem de
US$ 2.462.347.591. As duas empresas de bicicletas juntas expressaram
inicialmente cerca de US$ 90,9 milhões em volume de investimentos. Pode-se
ver também o grande destaque em números para a Prince Bike Ltda, com a
maior soma de investimentos nessa modalidade de veículos de duas rodas.
Tabela 12
EMPRESAS DE PEÇAS E COMPONENTES INSTALADAS NO
POLO DE DUAS RODAS
INVESTIMENTOS
EMPRESAS
(EM US$ 1,00)
ASAP CICLO COMPONENTES LTDA
5.875
216
15.958.000
1.430.000
13.958.000
4.769.000
7.320.154
3.288.000
10.275.000
56.818.000
4.958.000
CURVA TUBOS DA AMAZÔNIA LTDA
DAIDO IND. CORRENTES DA AMAZÔNIA LTDA
FACOMSA DA AMAZÔNIA LTDA
FEDERAL MOGUL IND. DE AUTOPEÇAS LTDA
HONDA LOCK DO BRASIL LTDA
HTA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA
MANN + HUMMEL BRASIL LTDA
NIPPON SEIKI DO BRASIL LTDA
NISSIN BRAKE DO BRASIL LTDA
SAKURA EXHAUST DO BRASIL LTDA
SUMIDENSO DA AMAZÔNIA IND. ELÉTRICAS
LTDA
Fonte: SUFRAMA – 2009. Adaptado pelo autor - 2009
3.595.864
É possível dizer que o forte investimento tanto na MHA Componentes da
Amazônia Ltda e na Showa Motor do Brasil reforça a ideia de que começa a se
concretizar a fabricação de partes, componentes e peças no Polo de Duas
Rodas, na indústria local, assim como um processo de produção em cadeia.
O desenvolvimento das atividades industriais da cadeia no Polo de Duas
Rodas inicia um processo de diversificação. É possível encontrar mais de uma
empresa fabricando o mesmo componente. Significando, ao mesmo tempo, o
aumento de opções para as produtoras e o princípio da concorrência interna no
setor. Empresas como a Facomsa da Amazônia é fabricante de componentes
como mecanismo para medidor do nível de combustível e mecanismo para
118
velocímetro/odômetro (standard); outra indústria, a Federal Mogul Indústria de
autopeças, produz faróis, luzes indicadoras de manobras; a Mann + Hummel
do Brasil é fabricante de filtros de entrada de ar para motores a explosão a
diesel; a Nippon Seiki do Brasil é produtora de medidor do nível de
combustível, velocímetro do painel, partes e peças; Jogo de fios para velas de
ignição e outros fios para veículos. Isto é, em nível local, são todas
fornecedoras de empresas focais como Moto Honda da Amazônia e Yamaha.
Percebe-se que diferentes empresas estão fabricando peças e componentes.
O fato de distintas empresas fabricarem as mesmas peças leva-nos a pensar
que um ambiente de competição está aberto no nível da produção local.
Percebemos assim, que firmas como a Facomsa da Amazônia e a Nippon
Seiki, como produtoras de medidores de uma mesma peça serem potenciais
concorrentes, essas firmas fabricam as mesmas peças para as fabricantes de
motocicletas do Polo de Duas Rodas. Outra hipótese é a de que ambas
forneçam para as indústrias focais por acordo. Sendo essa uma maneira de as
empresas fabricantes de motocicletas serem beneficiadas pela quantidade de
fornecedoras, o que pode ser uma forma de dar mais estabilidade à produtora
focal.
A expansão do Polo de Duas Rodas, decorrente da ampliação da
quantidade de empresas, tem sido fundamental para a elevação da mão-deobra, vista neste último período. Podemos dizer que está ocorrendo um
aumento considerável no número de empresas fabricantes de motocicletas. A
tabela 12 demonstra o crescimento de firmas produtoras de partes
componentes e peças. Estas últimas constituem o conjunto fabril que estão
adensando a cadeia produtiva do Polo de Duas Rodas no PIM. Até o ano de
2006 essa cadeia de produção de veículos de duas rodas empregou quase 13
mil trabalhadores. Portanto, o aumento da mão de obra pode ser, em grande
medida, tributada ao crescimento do subsetor de Duas Rodas.
A quantidade de mão-de-obra das empresas fornecedoras contratada é
compatível com o volume de investimentos que as mesmas apresentam no
projeto inicial. Percebe-se que a maior parte destas contratações foram
realizadas pela Moto Honda da Amazônia. É interessante notar que somente a
119
Showa do Brasil Ltda, como uma indústria de componentes,38 é responsável
por quase mil contratações, um número idêntico à Yamaha Motor, concorrente
da Moto Honda da Amazônia.
Além da ampliação do índice de nacionalização dos componentes, de
matéria-prima e partes, a inexistência de fabricantes de componentes e peças
e, de concorrentes destes produtos, com alta sofisticação tecnológica têm
favorecido o impulsionamento para a instalação de diversas empresas de
componentes, se aglomerando em torno das grandes fabricantes de bicicletas,
triciclos, quadriciclos e motocicletas no Polo de Duas Rodas. Após a instalação
das primeiras plantas de veículos de duas rodas, foram necessários, pelos
menos 15 anos para aparecer os primeiros sinais da ponta da cadeia produtiva.
Esse Processo vai se intensificar ainda mais com a instalação de diversas
transnacionais neste polo.
Diante da falta de mais recursos para viabilizar políticas educacionais,
que possam propiciar a formação e treinamento de operários, a fim de
capacitar e especializar a mão de obra local, além de fazer com que estes
recursos possam viabilizar o desenvolvimento socioeconômico, inovação
tecnológica, cultural-educativo, infraestrutural-habitacional, urbano-sanitário
dessa região, a destinação dos lucros, em forma de royalties ao país de
origem, termina frustrando a possibilidade pensar em desenvolvimento cultural
e social da nossa região.
A remuneração dessa mão de obra é característica das Zonas Francas.
Os salários oscilam, mas para baixo, em relação à inflação. Não há uma
oscilação da massa salarial para cima. Em 1999, o trabalhador sofreu um
prejuízo de cerca 22% em relação ao ano de 1998, com a queda da massa
salarial. E nisso consiste a atualidade dessa característica. Daí a importância e
a necessidade, do ponto de vista das empresas continuarem a produzir no Polo
Industrial de Manaus. RAMALHO (2006) chama atenção para este aspecto,
quanto ao fato de o baixo custo dos salários constituir uma das principais
motivações para as indústrias automobilísticas buscarem novos lugares para a
produção nos anos de 1990.
38
começou suas atividades fabricando cilindro interno do amortecedor para veículo de duas rodas –
standard. SUFRAMA
120
Os dados da tabela 13 são reveladores da existência da alta
concentração de uma força de trabalho não especializada e semiespecializada,
como resultado e adequação do processo de transferência de parte da
produção das firmas transnacionais. A soma das três primeiras faixas salariais,
fixadas entre 1,5 a 4 salários mínimos é representativa da maior parte dessa
mão-de-obra. Pois, se tomarmos o último ano dos quais estamos analisando,
as referidas faixas salariais expressa por si quantificando mais de 70 mil
trabalhadores de um universo de cerca de 90 operários. Ressalta-se que, das
sete faixas salariais a maior parte estão concentradas em três e a menor
quantidade de trabalhadores está registrada nas quatro faixas salariais, que
são a maioria.
É claro que a utilização do trabalho sem qualificação e do não
especializado terá uma implicação direta no rebaixamento da renda familiar. É
quando a contradição de ganhos se torna claro como o dia, pois, de um lado, o
barateamento da remuneração do trabalhador, de outro os altos lucros
auferidos no processo de produção. O que vai implicar uma das características
a ser destacada do caráter de “enclave” da produção industrial, que
corresponde à contradição da distribuição entre os ganhos sociais e o lucro dos
capitalistas. É interessante insistir em mais uma caracterização, e, nesta vamos
perceber que em regiões ou países de enclave, nos quais serão localizadas a
produção, serão feitos grandes investimentos na área de comunicação e
transportes, dentre outros, em troca de pouquíssimos benefícios. No entanto,
pelo lado das empresas, que intervém nesses locais de enclave, sua instalação
vai representar baixos custos e alta lucratividade. O que significa dizer que aos
locais de enclave cabe concretamente o financiamento de parte significativa da
logística urbana (ANCIÃES et al, 1984). Conforme a tabela 13, podemos
perceber um aumento evolutivo na quantidade de trabalhadores empregados
no setor.
121
Tabela 13
EVOLUÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DO POLO DE DUAS
RODAS - 1990 A 2008
SETOR INDUSTRIAL
ANOS
MÃO-DE-OBRA
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
39
Fonte: SAP/CGPRO/COISE (2008)
Adaptação do autor – 2009.
4.056.
2.979
2.713
2.660
3.135
3.700
3.671
4.575
5.147
4.943
5.709
6.566
7.490
9.052
10.264
11.303
12.831
A abertura econômica como um fenômeno mundial e impulsionada pelo
governo Collor no Brasil, impactou fortemente as indústrias do Polo Industrial
de Manaus. Na avaliação de SALAZAR (2006), isto constitui uma espécie de
terceira fase desestabilizadora, em vista das medidas que resultaram na
eliminação das quotas anuais de importação, os índices de nacionalização e
instituição do processo produtivo básico - PPB. O impacto social em Manaus
das medidas federais que ficaram conhecidas como abertura comercial do
país, rendeu em cerca de 40 mil operários desempregados neste período.
Ao observarmos a tabela 13, veremos que, após abertura econômica, as
indústrias demoraram a responder em decorrência, segundo o seu ponto de
vista, do clima de incerteza nos investimentos. Conforme registro do
Desempenho Anual da Indústria Amazonense - FIEAM/CDE “A abertura
econômica e a incerteza ainda reinante podem ser os fatores que explicam
39
SUFRAMA. Indicadores de Desempenho do Polo Industrial de Manaus. História do PIM em Tabelas e
Gráficos, 2003 a 2008: p. 98.
122
essa menor capacidade em gerar novos postos de trabalho” (1994: p. 7). No
entanto, a partir do final da década de 90, começa a se ouvir os representantes
das indústrias falarem na possibilidade de formação de cadeias produtivas,
como alternativa estratégica para todo o Polo Industrial de Manaus. Foi nessa
perspectiva que o Desempenho Zona Franca de Manaus expressou a
importância da redução do volume de importação como “estratégias a redução
no volume de importação e, por consequência, os custos operacionais, o que
garante maior competitividade para melhor posicionamento no mercado”
(FIEAM: 1999 - 1998: p. 1).
O aumento das contratações do Polo de Duas Rodas comparado ao ano
de 1990 quando emprega 3,5 trabalhadores representa 266%.40 A partir do ano
de 2000, o crescimento da quantidade de trabalhadores será sempre
ascendente até 2006. A massa salarial do Polo de Duas Rodas cresceu
10,38%, até novembro no ano de 2000. A pequena elevação em 1,2% das
horas trabalhadas registradas ocorreu devido à recuperação da demanda
sazonal, da ampliação do emprego e das horas extras. O fato é que este polo
passa a ser o segundo do Polo Industrial de Manaus que mais emprega
conforme os dados esboçados em 2006.
Pode-se observar, pelos números expostos acima, que o nível de
emprego do primeiro ano da tabela se equipara à totalidade do volume de
empregos, correspondente aos recém-inseridos no Polo de Duas Rodas. A
produção deste mesmo ano é operada com um quadro duas vezes superior ao
quantitativo de trabalhadores dos primeiros anos das indústrias do setor. É
importante comparar a quantidade total de empregos de 1990 com a
quantidade contratada inicialmente no período da apresentação do projeto. É
interessante ver que uma única indústria (ver tabela 12) tinha na sua base de
contratação quase o dobro dos empregos relativos ao referido ano.
Verificamos, assim, que, somente no ano de 2003, as empresas deste setor
vão recompor a quantidade de empregos ofertada no início das atividades
produtivas em Manaus. Ressalta-se, ainda, que essa recomposição vai ocorrer
num contexto de expansão das empresas no Polo de Duas Rodas, pelo que
40
FIEAM Desempenho Polo Industrial de Manaus – 2006: p. 48.
123
pode-se
se afirmar que as empresas estão cada vez mais produzindo em maior
escala de produtos, com uma quantidade menor de força de trabalho.
Gráfico 5
EVOLUÇÃO ANUAL DA MÃO DE OBRA DO POLO DE DUAS RODAS 1990 A 2008
Milhares
25
20.8
20
15.6
15
12.8
11.3
10.3
9.1
10
7.5
6.6
5
4.6
4.1
3.0
2.7
2.7
3.1
3.7
5.1
5.7
4.9
3.7
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Fonte: SUFRAMA (2008). Adaptação do autor – 2009.
Assim, somadas as atividades produtivas, com as novas instalações de
plantas o Polo
lo de Duas Rodas gerou 58.694 novos postos de trabalho. Desse
total de empregos gerados, 51.838 são para trabalhadores efetivos e os
demais são para contrato temporário e terceirizado.
terceirizado. Por efeito, o crescimento
no nível de emprego é representativo de 4,7% em relação ao ano de 2001.
(FIEAM: Desempenho do P
Polo Industrial de Manaus - 2002: p. 4)
Em 2005 o Polo
lo de Duas Rodas figurou na terceira colocação o ranking
da oferta de empregos,
egos, que contratou pouco mais de 1,04 mil trabalhadores,
número que adicionado alcançou o patamar de 11,3 mil trabalhadores
empregados. Sua participação em nível de empregos foi de 12,74% em relação
124
ao conjunto dos empregos ofertados no PIM.41 Já em 2006 o crescimento foi
superior em relação ao ano de 2005, pelo alcance de um crescimento de
13,5% no volume de empregos, promovendo uma elevação da quantidade total
de empregos de 11,3 mil para 12,8 mil funcionários.
A soma das compras de insumos pode contribuir para a nossa
compreensão do processo de formação das cadeias produtivas na indústria de
duas rodas de Manaus. Nesse sentido, a fim de tornar mais clara nossa
exposição, do ponto de vista metodológico, inserimos os dados das aquisições
em nível regional, nacional e internacional.
Assim, podemos verificar a extrema dependência de insumos, peças e
componentes, que continuam sendo trazidos de fora, vulneráveis aos riscos
nos transportes dessas mercadorias para a montagem não só no Polo de Duas
Rodas, mas também, em geral, no PIM. Essa característica ainda é dominante
nos diversos subsetores do Polo Industrial de Manaus, mas é também uma
hipótese que começa a contradizer essa realidade, quando verificamos a
existência de uma produção local que começa a se desenvolver neste mesmo
conglomerado industrial. Ainda que do ponto de vista do conjunto do Polo
Industrial de Manaus esta seja uma tendência, o setor de Duas Rodas indica a
produção de bens por esse caminho, no sentido da formação de cadeias
produtivas. Entretanto, é preciso frisar que isso só será possível ocorrer aqui,
em virtude do aproveitamento dos incentivos fiscais e do trabalho barato.
O Desempenho do Polo Industrial de Manaus torna explícita a
dependência que ele tem em termos de matérias-primas, insumos e
componentes para a produção local, que devem ser importados de outros
lugares do Brasil ou de países estrangeiros. Não somente por esse motivo,
mas em decorrência da busca de maior competitividade as empresas começam
a desenvolver suas atividades em cadeia de produção, na forma de clusters.
Esse processo coincide com a terceira fase da indústria do Polo Industrial de
Manaus. Segundo o documento da FIEAM:
41
FIEAM: (Desempenho – Polo Industrial de Manaus – 2005: p. 36)
125
As empresas estão trabalhando no sentido de conquistarem
caminhos mais viáveis para operar no mercado de forma que
lhes permitam abstrair dos incentivos fiscais da União. Para
isso, empresários continuam buscando mecanismos que
possam adensar a cadeia produtiva local apontado na
viabilização de uma indústria de componentes, em especial
para o setor eletroeletrônico da ZFM (2002: p. 9).
Trata-se de uma estratégia que visa à minimização do volume de
importação. Significa afirmar um movimento que já se evidencia como uma
prática no Polo de Duas Rodas. Inversamente à compra externa, a compra
regional vem sendo ampliada consecutivamente desde 1994. O documento da
FIEAM constata a redução no volume das importações em 23,8% nos anos de
1998, 1999, 2000, 2001 e 2002. Isso representou US$ 805,1 milhões a menos.
Comparativamente, esse dado é a expressão da redução da balança
comercial, uma vez que as exportações cresceram 585,3%, o que quer dizer
em valores de US$ 876,0 milhões. Mas também de estratégias das aquisições
regionais de insumos, componentes e matérias-primas, tal o que indica a
perspectiva econômica de subsetores como o de Duas Rodas. (FIEAM DESEMPENHO DO POLO INDUSTRIAL DE MANAUS – Análise Setorial e
Perspectiva, 2002: p. 9)
126
Tabela 14
AQUISIÇÃO DE INSUMOS DO POLO DE DUAS RODAS - 1990 A 2006 EM US$
SETOR INDUSTRIAL
AQUISIÇÃO DE INSUMOS
ANOS
REGIONAL
NACIONAL
EXTERIOR
TOTAL
1990
114.320.007
1991
66.333.726
1992
62.379.919
1993
48.716.886
1994
188.680.341
1995
227.422.601
1996
341.131.907
1997
492.255.418
1998
467.804.358
1999
321.764.262
2000
411.696.677
2001
434.088.156
2002
472.337.243
2003
594.069.780
2004
641.486.280
2005
858.420.020
2006
1.172.949.290
2007
1.631.478.246
2008
2.092.062.383
42
Fonte: SAP/CGPRO/COISE
Adaptação do autor – 2009.
119.926.235
94.187.424
85.630.938
74.015.059
228.158.724
210.313.632
240.337.391
334.440.129
307.768.778
204.165.115
272.821.913
283.167.958
281.133.373
346.816.141
416.345.955
588.350.424
858.708.195
1.138.280.680
1.490.697.165
64.844.747
39.845.729
43.797.828
72.949.332
128.176.479
252.755.377
215.846.909
336.701.807
254.165.219
193.202.000
309.386.579
272.682.099
239.126.458
284.132.589
260.671.275
348.626.842
537.933.363
754.141.260
1.332.768.287
377.090.989
200.366.879
191.808.685
195.681.277
545.015.544
690.491.610
797.316.207
1.163.397.354
1.029.738.355
719.131.377
993.905.169
989.938.213
992.597.074
1.225.018.510
1.318.503.510
1.795.397.286
2.569.590.847
3.523.900.186
4.915.527.835
O dados explicitados na tabela 6 são reveladores da tendência de uma
expansão substancial na aquisição de insumos nacionais em relação às
aquisições de insumos do exterior no subsetor de Duas Rodas. Percebe-se,
ainda,
que,
nestes
dez
últimos
anos,
de
1996
a
2006
ocorreu
proporcionalmente uma significativa elevação da aquisição de insumos
regionais por este subsetor em relação às aquisições de insumos nacionais e
do exterior. Esse movimento foi consideravelmente impulsionado pela empresa
líder do subsetor de Duas Rodas: a Moto Honda da Amazônia, que
analisaremos mais de perto no próximo capítulo.
As mudanças que estão sendo apontadas a partir da série na tabela 14
são, na verdade, reveladora de uma novidade jamais vista nas diversas fases
anteriores da indústria da Zona Franca de Manaus, em relação ao Polo de
Duas Rodas. Porque, naquelas fases, os componentes eram produzidos
42
SUFRAMA. Indicadores de Desempenho do Polo Industrial de Manaus. História do PIM em Tabelas e
Gráficos, 1988 a 2006: p. 15.
127
majoritariamente na região Centro-Sul do país, quando não adquiridos junto a
fornecedores internacionais (ALVES, 2005).
Os dados referentes ao período indicado nestes dez anos sinalizam um
movimento de uma ampliação progressiva da produção regional do subsetor de
Duas Rodas, não só por ter optado em aumentar suas aquisições de
fornecedores locais, mas também pelas vantagens auferidas na natureza dos
custos de produção.
Ao compararmos o crescimento das aquisições regionais em relação às
aquisições nacionais e do exterior, verificamos uma significativa ampliação de
empresas fornecedoras que ora vêm orbitando, acompanhando e se
desenvolvendo num movimento sincronizado com as empresas deste subsetor
da indústria local.
Ressalta-se, ainda, que os novos centros produtivos, no qual o Polo de
Duas Rodas do Polo Industrial de Manaus se insere, concentram a “produção
intensiva em trabalho, a produção de alto consumo de matérias-primas e
energia e de alta contaminação.” (VALLE, 2007: p. 105) Trata-se de uma
mudança político-jurídico-administrativa no âmbito do “novo regime da Política
Industrial e de Comércio Exterior, desencadeada a partir do início dos anos 90
do século passado e estruturada no conceito de competitividade” (BOTELHO,
2006: p. 35).
Nesse sentido, os empresários fazem lobby junto aos parlamentares,
manifestam suas preocupações em relação às condições de competitividade,
buscando orientar a forma como a bancada deve se comportar, isto é, chegam
ao limite de dizer que os parlamentares devem arregimentar força para
alcançarem alianças regionais estratégicas com o objetivo de organizarem o
desenvolvimento de toda a região. No fundo, o que está em questão é o
atrelamento das ações dos parlamentares regionais aos interesses das
transnacionais do PIM. Dizem eles que o maior problema por eles enfrentados
é “a dependência de fornecimento de matéria-prima importada, pesados
encargos trabalhistas e as condições pouco favoráveis do comércio exterior”
(FIEAM - Desempenho Indicadores Industriais Amazonas, 2000: p. 9).
Na esfera regulatória, a promulgação da Lei 8.387 de 30.12.1991, que
institui o índice mínimo de nacionalização para as etapas básicas da produção
128
irá redimensionar o conjunto da produção no Polo Industrial de Manaus. O
primeiro efeito dessa mudança pode ser sentido a partir da instalação de
máquinas modernas nas plantas das fábricas do conjunto do PIM. E isto teve
uma implicação direta na planta básica dessas fábricas, inclusive no Polo de
Duas Rodas. A regionalização da produção expressa na regionalização da
aquisição de insumos ilustra, por efeito, a expansão da produção de partes e
componentes.
A Moto Honda da Amazônia, por exemplo, será impactada com essa
mudança. Isto fica mais claro ao olharmos os valores da Utilização da
Capacidade Instalada - UCI.43 Em dezembro de 1991, a UCI da MHA
representava 53 apenas; em dezembro de 1992, a UCI foi reduzida a 31; em
dezembro de 1993, a UCI indicava 56; em 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998 a
UCI não só alavancou mas também estabilizou em cem por cento, à exceção
dos meses de janeiro de 1997, que a UCI fixou em 96 e agosto e dezembro de
1998, que ficou reduzido em 81 e 75, respectivamente. Após a baixa de 1999,
que ficou fechou dezembro com 85, os anos subsequentes de 2000 a 2006 a
UCI fechou todos os meses destes anos em cem por cento da sua capacidade
produtiva. (SINDI/FIEAM/CNI, 2008)44
A produção de motocicletas no subsetor de Duas Rodas se expande
numa evolução crescente a partir do ano de 1992 a 2006, conforme o quadro
acima. Embora tenha variado numericamente no período entre 1990 e 1991, a
produção deste período deu um salto significativo em relação aos resultados da
produção dos anos anteriores.
Este crescimento pode ser em parte explicado pela intensificação do
movimento sincronizado realizado entre as empresas do subsetor de Duas
Rodas e seus fornecedores. Em entrevista a Paulo Ricardo Braga do site
Automotive Business45, Moacyr Paes, diretor executivo da ABRACICLO
declara: “Para minimizar as dificuldades na absorção dos preços dos insumos,
fabricantes e fornecedores de componentes trabalham próximos para
equacionar custos e margens, buscando oportunidades de crescimento
43
Corresponde à capacidade de produção instalada e operada. Os valores podem refletir se a fábrica opera
com todas máquinas instaladas ou somente com parte da sua capacidade.
44
FIEAM. Desempenho – Polo Industrial de Manaus, 2008)
45
http://www2.uol.com.br/canalexecutivo/notasemp/emp070120052.htm.
129
conjunto.” (Abril, 2004) A expansão da produção é realmente considerável, se
compararmos o que foi a produção em 1992 e seus resultados no ano de 2006.
O faturamento do subsetor de Duas Rodas é emblemático da variação
de alta e queda nos seus valores. É importante observar que os valores dos
primeiros anos de 1990 são extremamente modestos. É importante lembrar
que os baixos valores refletem o processo de adaptação da abertura
alfandegária do governo federal em 1991 (ALVES, 2005) No entanto, vale
ressaltar que, a partir dos anos de 2003 em diante até o ano de 2006, o
faturamento apresentou cifras crescentes.
A evolução do faturamento especialmente a partir do ano de 1994 a
2006 é sempre progressiva. A dinâmica do comércio neste subsetor da
indústria local será distinta dos demais subsetores.
De 1990 a 2004, as exportações das indústrias de duas
rodas cresceram 975%. No último ano do período em
análise, as indústrias do PIM reduziram suas
exportações em cerca de 12%, enquanto as exportações
das empresas de duas rodas elevaram-se em 43,75%,
contra redução de 30% no polo eletroeletrônico. O bom
desempenho da economia brasileira em 2004 não afetou
o comportamento do setor de duas rodas. Na média dos
anos do período em análise, as exportações do polo de
duas rodas representaram 19,5% de toda a exportação
do PIM e 14,5 % das exportações de todo o Estado do
Amazonas. Ao longo dos primeiros anos do século XXI,
portanto, dobrou a participação do polo de Duas rodas
sobre as exportações totais das indústrias do PIM,
ampliando suas relações com o resto do mundo via
comércio internacional. (ALVES, 2005: p. 78-9)
A análise de ALVES (2005) enfatiza não só a importância econômica do
subsetor de Duas Rodas e sua viabilidade industrial, mas também a
capacidade do mesmo manter-se competitivo em conjunturas economicamente
desfavoráveis em relação a outros setores da indústria.
A oposição exclusão versus inclusão, como uma das contradições atuais
dessa fase do capitalismo, vislumbra, ao mesmo tempo, um crescente índice
130
de desemprego, tanto nos países que sofrem o deslocamento, quanto nos
países, regiões e lugares para onde as fábricas foram deslocadas. Esse
fenômeno está estampado na dinâmica da estrutura do capital, devido à
pressão para baixo dos preços dos produtos em nível global. O processo de
inclusão de regiões é gerado nessa contradição. Regiões como Ásia e América
Latina são bons exemplos dessa inclusão de fábricas que se estabeleceram
nestas últimas décadas.
Destacamos alguns tipos de organizações como a chinesa, a coreana,
bem como as diversas formas de métodos organizacionais, a fim de relacionar
à empresa focal, mas também buscamos focar a forma japonesa de
organização, para vislumbrar a caracterização da Moto Honda da Amazônia, o
que faremos no capítulo seguinte em virtude de ser o foco principal de nossa
abordagem. Significa dizer que o peso da MHA e o volume de investimentos,
produção, vendas, faturamento, mão de obra e aquisição de insumos,
caracterizam a dominação dessa empresa sobre as demais.
131
CAPÍTULO III
132
3 AS REDES DE PRODUÇÃO NA MOTO HONDA DA AMAZÔNIA
3.1 AS ESTRATÉGIAS DA MHA E SUA RELAÇÃO COM SEUS
FORNECEDORES
A atuação da Moto Honda da Amazônia no Polo de Duas Rodas de
Manaus é, em geral, correspondente à forma de intervenção das demais
transnacionais, cuja estratégia é a de reduzir os custos de produção para
permitir a sua existência e a sua competitividade no mercado local e mundial.
Certamente que não se trata apenas de uma estratégia para possibilitar a
redução de custos de produção, ou a minimização de custos com a logística,
que tem sido um dos problemas-chave enfrentados pela MHA. Do ponto de
vista desta, a racionalidade no aspecto logístico constitui a ação imperativa de
atração de outras transnacionais fornecedoras de peças e subconjunto para
perto da sua fábrica em Manaus, a fim de atender o processo produtivo, o que
significará superar as necessidades e dificuldades no fornecimento nacional e
internacional.
A realização do processo produtivo da MHA está associada ao princípio
de que a empresa deve produzir onde está localizada. Significa dizer que a
cadeia produtiva deve ser fixada na região, ou mais precisamente na mesma
cidade local. Esse princípio corresponde também a uma estratégia em si.
Porque, além de afastar vários tipos de dificuldades e necessidades, há, nela
embutida, certa lógica, no que diz respeito aos efeitos tal processo pode fazer
por estar voltada à produção local, em termos de emprego e desenvolvimento.
A atividade fabril local com fornecedores locais é estratégica, em decorrência
da utilização dos benefícios da isenção fiscal oferecidos pela SUFRAMA. Isso
pode explicar em parte o crescimento do Polo de Duas Rodas, a intensificação
da produção de motocicletas e o adensamento da sua cadeia produtiva no Polo
de Duas Rodas em Manaus. Mas, a minimização dos estoques, cuja finalidade
é diminuir os custos da produção, tem levado a MHA a tornar-se um polo
aglutinador de empresas fornecedoras. Além disso, por se tratar de uma
133
empresa japonesa, a localização da produção segue a influência dos princípios
filosóficos estabelecidos e adotados na empresa, segundo o qual: deve-se
produzir onde se está. Dito pelos próprios administradores. Como afirma João
Paulo46:
Nós temos a filosofia estabelecida pelo nosso fundador o Sr.
Soichiro Honda e uma delas chama-se: glocalização, temos de
produzir aonde nós estamos. No passado era importado. Nós
estamos aqui em Manaus, então nós temos de ter a cadeia
próximo da fábrica. Raciocínio... Anteriormente também era
muitos... Todos de São Paulo... estamos convidando para
trazer mais pra cá. Justamente... gerar riqueza no local onde
nós estamos... empregos. (PESQUISA DE CAMPO: 2009)
A glocalização está associada ao processo de reestruturação produtiva
no mundo, sendo caracterizado pelo “reordenamento do mercado”, verifica-se o
aumento da produtividade pelo novo processo de difusão das inovações
tecnológicas percebidas nas cadeias produtivas. Essas mudanças ocorreram
na América Latina, no mesmo instante em que se deu a transformação do
modelo de industrialização pela substituição de importações. As mudanças são
observadas no âmbito das “relações interfirmas, no mercado de trabalho e na
comercialização de produtos, na mobilidade do trabalhador e nos requisitos
profissionais” vêm ocorrendo desde a década de 80 (ABREU, 2000: p. 27).
Combinado a isso, as transnacionais buscam maximizar seus resultados
sob o regime da produção flexível, se materializando por meio da
desregulamentação do trabalho e da fragmentação das organizações sociais.47
Pesquisas feitas por Gitahy, Leite e Rabelo ilustram quantitativa e
significativamente empresas que iniciaram o emprego de novos modelos
focados “na eficiência, e em novas metas e princípios organizacionais em que
a externalização das atividades produtivas era uma questão relevante”
(ABREU, 2000: p. 28).
46
O nomes deste e dos demais entrevistados são todos fictícios.
“Estudos como o de Gitahi, Leite e Rabelo (1993) mostram que muitas empresas, para enfrentar a crise
econômica, começaram a enfrentar novos modelos centrados na eficiência, e novas metas e princípios
organizacionais em que a externalização das atividades produtivas era uma questão relevante. Esse
processo de reestruturação ainda está ocorrendo e foi fortalecido pela estabilização da economia em
meados da década de 90. (ABREU, 2000: p. 28)
47
134
A partir da análise sobre o grau de difusão das inovações tecnológicas e
organizacionais, presentes no interior das empresas, e de como essas
transformações afetam a redistribuição e as atividades na produção em toda a
extensão da rede de empresas sob o foco do conceito de cadeia produtiva,
entende-se que “o processo de externalização das grandes empresas vem
produzindo uma forte recomposição dos trabalhadores industriais dos setores
envolvidos.” (ABREU, 2000: p. 31) Esta hipótese é indicativa de um quadro de
transformações na estrutura dos empregos e nas relações de trabalho, e,
indica, ainda, novas perspectivas para os trabalhadores e para as suas
organizações sindicais.
Estudos como o de ABREU et al (2000) têm demonstrado em que
medida o emprego de novas tecnologias e novos regimes organizacionais
influenciaram nos novos formatos das relações interfirmas (verticais e
horizontais), além das relações entre empresas de diferentes instituições. Esta
pesquisa ao perceber a difusão das inovações tecnológicas e organizacionais,
buscou verificar a coerência, a estratégia das empresas, o mercado de trabalho
e as instituições locais.
Pode-se perceber um aumento na produtividade, nos investimentos, no
faturamento e uma substancial redução dos empregos da indústria. De acordo
com Abreu (2000), a década de 1990 vai marcar o início de importantes
transformações estruturais na indústria automotiva e implicará a intensificação
da produção na cadeia automotiva do Brasil, no contexto da reestruturação. Na
década de 80 a reação à crise forjava uma abertura para fora, mas na década
de 90, ao contrário, abertura é realizada para dentro. Pois, a entrada de
automóveis importados no Brasil, levou à compra de componentes no exterior.
A estabilização da economia mundial vai propiciar a aceleração da
reestruturação, novos investimentos, novas instalações e relocalização
industrial, numa dimensão de combinação de fatores.
A indústria automobilística no Brasil nasceu internacionalizada em
decorrência da política nacional de substituição de importações e da
reestruturação realizadas nessa indústria. As inovações organizacionais ou
tecnológicas, em processo de implementação nas empresas investigadas, no
estudo Produção flexível e relações interfirmas: a indústria de autopeças em
135
três regiões do Brasil, conclui que estas estratégias destinam-se à diminuição
de custos de produção (ABREU, 2000).
As mudanças nas relações entre clientes decorrem da reestruturação
das empresas do setor de autopeças. Entre as quais se destaca uma forte
dinâmica na internalização/externalização das atividades na empresa, no que
se refere às atividades auxiliares e às produtivas, e tem por consequência o
redimensionamento da divisão do trabalho entre as empresas envolvidas. É um
processo complexo, heterogêneo e dinâmico, com características de ensaio e
erro. Assim, o movimento pela qualidade está relacionado à reestruturação de
grandes corporações e, ao mesmo tempo, ligado à focalização, flexibilização e
diminuição de custos.
De acordo com CARRILLO e MIKER, sustentados em RAMÍREZ (1995)
está em curso o desenvolvimento de novas experiências fabris no cenário do
novo modelo de indústrias. Nesse sentido, aquele autor afirma que [...] o novo
modelo de industrialização está baseado em uma intensa e complexa rede de
transações de insumos-produto, caracterizada fundamentalmente por fortes
relacionamentos interfirmas. (2000: p. 193)
Nossa pesquisa indica que a necessidade de se produzir no local está
associada às dificuldades que se têm quando as peças estão distantes da
produção das motocicletas. Porque a distância dos fornecedores pode gerar
diversos riscos à programação da produção. Parte dessas dificuldades são os
riscos por atrasos nos transportes
de caminhão, ou problemas de
congestionamento nas estradas, por acidentes, por assaltos, por greves de
caminhoneiros, tornam-se as causas para as peças não chegarem no tempo
preciso da produção. As respostas a tais dificuldades poderão inversamente
estar relacionadas à minimização dos estoques da MHA. Segundo Ricardo
Souza:
Melhorar o estoque pra justamente a gente não ter muito
problema. Vir de São Paulo existe problema de transporte, a
carreta quebrou, é greve, é atraso na balsa. Existe vários
problemas. Então pra tentar minimizar os problemas, os
fornecedoras estão chegando aqui em Manaus. A tendência é
vir cada vez mais fornecedores, tá? Tá chegando, inclusive de
aço, de aço, não sei se é a Mangels que chegou. Ele
fornecedor de aço. Também veio aqui pra Manaus. Veio mais
136
Sodecia, que é um grupo português, que fornece só parte de
estamparia também. Do Japão também veio a Keihin, que nos
fornece carburadores. Também a Honda Lock, que fornece
conjunto travas, essas aí são empresas coligadas da Honda,
né? A Honda Lock, a Keihin, a Showa, que fornece
amortecedores, são todas empresas coligadas da Honda. A
Honda tem participação. Elas são coligadas da Honda
(PESQUISA DE CAMPO: 2009).
Bernardo é enfático ao dizer que,
[...] é lógico que a gente trazendo, eu penso né? Se você
estiver com seu fornecedor aí do ladinho, nossa, aí você está
muito mais prevenido. Porque você imagina as peças virem lá
do Sul, com Containeres que chegam a 60, 70 graus Celsius;
passíveis de serem furtados e tombados; afundados no rio, e
com toda essa logística louca. Essa logística, que tanto o
pessoal que trabalha no COMAT, você sabe que tem uma
malha rodoviária que essa transportadora... você hoje
consegue identificar aonde que tá cada caminhão, em qualquer
lugar né? Porque é imprescindível que nós saibamos o que o
caminhão que está carregando não sei o quê, está, onde está?
E se pode adiantar. É muito importante (PESQUISA DE
CAMPO: 2009).
Confirmando tais afirmações diz Augusto48:
[...] Então com certeza, você vai poder oferecer um insumo, ou
então, uma peça com um preço bem acessível. Então, isso aí é
questão de estratégia, né? Porque se você tem um... porque se
a gente for analisar né? Todos... todos insumos, a maioria
desses insumos vêm de fora, né? Então vindo pra cá acho que
facilita muito porque, se produz aqui e se vende né?
(PESQUISA DE CAMPO: ESMERALDO).
A diminuição dos custos é um objetivo constante da MHA, em diversos
aspectos da produção, mas também em logística. Reduzir os custos no
aspecto da logística é uma estratégia que a MHA está desenvolvendo porque a
sua realização é extremamente cara para a empresa. A utilização de todos os
mecanismos que ofereçam a redução de custos, bem como essa estratégia de
aproximar o fornecedor permite a produtora baixar o preço da motocicleta, para
ficar mais acessível e, simultaneamente, torná-la mais competitiva com as
motocicletas das suas concorrentes que estão se estabelecendo em Manaus.
Esses mecanismos são cruciais para a MHA, e esse processo é feito
48
O nome do entrevistado é fictício. Augusto é engenheiro de formação e trabalha na Moto Honda da
Amazônia há 9 anos.
137
preservando a qualidade e as especificações da produção, por ser, conforme
seus administradores, uma das exigências indicadas da MHA.
Além da redução dos custos com a logística, a utilização dos benefícios
da isenção fiscal, oferecidos pela SUFRAMA consiste em importante motivação
para a MHA, bem como tem sido este um dos principais motivos do
estabelecimento das produtoras de motocicletas e bicicletas, no Polo de Duas
Rodas de Manaus, numa crescente intensificação da cadeia produtiva deste
polo, assim como do seu adensamento. Certamente a isenção fiscal, como
motivação da produção é também representativa para a MHA, que tem sido a
maior beneficiada, uma vez que as produtoras de peças que a abastecem
também são beneficiadas. Luciana49 explica que o fato de a MHA
[...] optar pela compra de peças e insumos de empresas locais,
é ... estão relacionados primeiro: a questão da rapidez de
logística; né? Segundo: a geração de emprego local, e,
obviamente, os incentivos que a própria Zona Franca oferece,
né? ... É ... deixam o produto, com certeza, mais barato, né?
...a fabricação e, evidentemente, mais acessível ao consumidor
(PESQUISA DE CAMPO: 2009).
A redução de custos na produção consiste em uma das estratégias das
grandes firmas transnacionais, geralmente acompanhadas por métodos como o
Just in time e o kanban. Conforme ABREU et al (2000), no atual processo de
reorganização produtiva e do trabalho, o kanban vem sendo utilizado como
método de programação e controle da produção. De acordo com Ricardo
Souza: “Nós chamamos de kanban. Just-in-time ou kanban, né? A ideia era
realmente enxugar o estoque” (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
Para os administradores da MHA, os método do Just-in-time/Kanban se
aplicam também à logística. Porque, nos seus pontos de vista a ausência de
um fornecedor local gera muitos estoques. Em relação às peças que chegam
de um fornecedor de São Paulo é gerado imediatamente o primeiro estoque.
Quando vai para outro fornecedor fazer a pintura é gerado novo estoque. O
retorno dessas peças à fábrica, mais um estoque é gerado. É importante
49
O nome da entrevistada é fictício. Luciana Trabalha na área de recursos humanos da Moto Honda da
Amazônia, mais especificamente no subsistema de recrutamento, seleção, orçamento de pessoal e
remuneração. Possui 21 anos de empresa. Atualmente sua atividade é na gestão de Recursos Humanos.
138
ressaltar que se trata da utilização do método Just-in-time- Kanban externos,
isto é, que ocorre na relação entre a empresa produtora e seus fornecedores.
A aplicação do Just-in-time/kanban é uma estratégia que a HDA vem
utilizando a partir dos seus fornecedores locais com a finalidade de reduzir
custos, mas, sobretudo, para maximizar o controle de estoque ao estabelecer o
desenvolvimento da produção por meio do estoque zero. A exploração do
sistema Just-in-time/kanban pelo estoque zero ocorre numa combinação com
os fornecedores. Nesse perspectiva verificamos que a MHA desenvolve o Just-
in-time/kanban externo com os seus fornecedores locais nas suas atividades
produtivas. A utilização desse processo permite à MHA que o controle e a
determinação do tempo da entrega das peças ocorra nos prazos por ela
determinado.
Na MHA o Just-in-time/kanban é realizado pelo setor de controle de
materiais. Há um tempo estabelecido para que certo modelo de motocicleta
seja entregue no horário preciso. Implica dizer que o fornecedor que vai
abastecer determinada peça deve apresentar-se em tempo preciso na
plataforma,
determinado
pela
programação
de
poucos
minutos
de
antecedência. Portanto, o fornecedor é obrigado a estar no horário programado
para que as peças possam ir para linha de montagem. Dependendo do
fornecedor local, as entregas diárias das peças variam entre quatro ou cinco
vezes.
A diferença entre os fornecedores locais e os fornecedores nacionais e
internacionais
ocorre
devido
a
distância
que,
por
esse
motivo,
necessariamente, é gerado um estoque de dias, ao contrário dos fornecedores
locais para os quais não é preciso que seja gerado nenhum estoque. A
exemplo do fornecedor nacional, especificamente os de São Paulo, em que o
estoque é no máximo de três dias. A MHA evita fazer estoque superior a três
dias. Assim, a regra desenvolvida pela MHA é fazer com que todo o estoque
esteja em trânsito, menos no seu almoxarifado. Essa é a compreensão de
estoque enxuto para os administradores da MHA. Já para as peças dos
fornecedores internacionais, o estoque leva um tempo maior, de dez dias. É
importante ressaltar que a técnica do estoque enxuto não eliminou a figura do
almoxarife, uma vez que o estoque zero serve a apenas aos fornecedores
139
locais. Portanto, essa função na fábrica ainda é necessária porque o serviço de
estoque segue sendo uma necessidade devido aos três dias de estoque
nacional e aos dez dias de estoque das peças importadas do exterior. Diz
Ricardo Souza:
Se acontecer alguma coisa nós paramos. Entendeu? O
estoque é muito enxuto. Nós trabalhamos com estoque muito,
muito enxuto. Então, tudo, nós chamamos de estoque em
trânsito. Tudo é estoque em trânsito. É tudo estoque em
trânsito. Nós reduzimos nosso estoque, pra reduzir os custos o
máximo possível. Trabalhar com menos estoque possível.
(PESUISA DE CAMPO: 2009)
Para João Paulo50:
É mais harmonioso a redução de estoque, né? Você tem um
fornecedor em São Paulo de comprar matéria-prima, você tem
que ter a matéria-prima em estoque, vai pro fornecedor fazer a
usinagem, pintura, gera outro estoque, pra trazer de lá pra cá,
tem que ter um estoque no trânsito, na carreta. Tem um
estoque da fábrica, ele tando aqui ao lado, não, né? Da Nissin,
por exemplo, aqui é pouco trânsito, né? A própria linha de
montagem ela tem uma enxuta, entregando, no kanban, no
Just-in-time, entrega na hora. Não tem estoque, o sistema
japonês. (PESQUISA DE CAMPO: 2009)
Conforme Ricardo Souza:
[...]Tudo é pra gente melhorar no mercado, pra reduzir custos,
pra se tornar mais competitivo também com as motos chinesas
que estão entrando. Nós temos que reduzir os custos e para
nos tornar mais competitivos. Porque as motos chinesas são
muito baratas. A qualidade é ruim, mas são muito barata. Então
nós temos que manter a qualidade, né? E tornar uma moto
competitiva. Então o que nós temos que fazer? Reduzir os
custos da motocicleta. Então pra isso nós temos que fazer
vários trabalhos, trazer fornecedores, reduzir os custos dos
fornecedores, pra gente realmente, ter uma moto competitiva
no mercado. (PESQUISA DE CAMPO: 2009)
50
O nome do entrevistado é fictício. João Paulo tem 32 anos de atividade na Moto Honda da Amazônia.
João Paulo fez carreira dentro da Moto Honda da Amazônia. Começou trabalhando como contínuo da
fábrica, hoje trabalha na supervisão de CKD.
140
Quadro 3:
PRAZOS DOS TIPOS DE ESTOQUE
TIPO DE ESTOQUE
ESTOQUE
ESTOQUE
ESTOQUE
LOCAL
NACIONAL
INTERNACIONAL
0
3
10
PRAZOS EM DIAS
Fonte: Pesquisa de campo – 2009.
A continuação da atividade de fornecimento nacional e internacional é a
expressão de que a MHA não se liberou completamente do estoque. A
mudança constatada consiste no estabelecimento e na ampliação da
quantidade de fornecedores locais no Polo de Duas Rodas. Esse fenômeno
vem contribuindo para a redução da aquisição de peças, de componentes
extralocal. Essa minimização do estoque pode ter também o efeito de
transferência de estoque, uma vez que, por um lado, os custos são reduzidos
na produtora – no caso, a MHA – por outro, surge uma despesa a mais para
fornecedora. Porque o estoque é compreendido como uma forma de custo de
produção, logo, aquele que se incumbe de fazer o estoque, toma para si o ônus
dos custos com o mesmo. Portanto, a racionalidade do controle de estoque é
uma técnica que oferece um benefício unilateral, isto é, somente à produtora.
Entretanto, todas saem beneficiadas, em relação a certos aspectos, como o
que se a firma fornecedora adotar o sistema de produzir e entregar os produtos
no tempo preciso.
Por isso, a tendência é a de ampliação de fornecedores para o
adensamento do complexo do Polo de Duas Rodas em Manaus. No início das
atividades nesta cidade, a MHA era uma empresa extremamente verticalizada,
isto é, a produção das motocicletas era finalizada somente internamente. Como
exemplo, a Showa é sua mais antiga fornecedora local e funcionava dentro das
dependências da MHA. Hoje, com um número de 20 fornecedores, conforme
gráfico abaixo, a MHA vem alterando o processo produtivo, distribuindo-o para
outras fábricas de peças, formando uma rede de fornecimento, tornando sua
produção mais horizontalizada.
141
Fornecedores
Fornecedores Locais
Fonte: Moto Honda da Amazônia, 1999.
142
A lista de fornecedores que forma a rede da MHA deverá ultrapassar a
quantidade de 40. A matriz da rede planeja a instalação de pelo menos mais 20
empresas até 2012, de acordo com a previsão dos administradores
informantes. À exceção do setor de parafusos, também por questões
estratégicas, ainda não vai fazer parte desse novo quadro de fornecedores da
MHA. Os mesmos servem a grandes empresas automotivas como a GM, a
Wolksvagen, a Ford, dentre outras automotivas do Sudeste brasileiro. O
volume de produção e fornecimento para o Polo de Duas Rodas é ainda muito
pequeno. Assim, setores como os de injeção plástica, estamparia, aço, afiação,
que estão em processo de consolidação, e nestes setores, estão empresas
como Nipon Denso, que fornece material de afiação à MHA; a Nissin são
produtoras de freios; a FCC que fabrica embreagem; a Scorpion é do ramo de
estamparia e solda, entre outras.
[...] Então, em função da logística, se estudou, se analisou...
melhor então, que os fornecedores ficassem próximos da
fábrica, né? Aí seria em termos de logística, em termos de
estoque, nós íamos reduzir muito. Então a política da empresa
foi trazer fornecedores de São Paulo pra próximo da fábrica. Aí
trabalharia como kanban, aí tudo teria hora, nós não teríamos
mais estoques intermediários, nós reduzimos o estoque.
Alguns problemas de logística, de transportes, tudo isso aí, nós
estamos resolvendo, né? Então os maiores fornecedores de
São Paulo e do Japão se instalaram aqui em Manaus. Aqueles
que realmente, nós falamos, esse aqui vamos trazer pra cá,
porque não é know how da empresa [...] (PESQUISA DE
CAMPO: 2009)
A MHA tem atraído produtoras de peças e subconjuntos necessárias,
mas fundamentalmente, aquelas empresas especializadas na produção de
determinados produtos, cuja tecnologia não é desenvolvida pela MHA.
Constitui-se num tipo de conhecimento particular de produção de componentes
do ramo de duas rodas que não pertence ao know how desta fábrica, o que é
visto como um benefício para esta produtora, em vista de que, se fosse
produzido em suas dependências o custo seria maior, em decorrência da
geração de estoque, de equipamentos e de pessoal, necessários para a
fabricação desses artigos.
143
A escolha desses grandes fornecedores foi feita de modo criterioso.
Critérios como o da qualidade, da boa saúde financeira e da compatibilidade do
know how tecnológico incidiram na contratação com a MHA. Do ponto de vista
desta, a necessidade de desverticalizar a produção foi fundamental para a
escolha dessas empresas para a formação da rede em nível local.
Portanto, a formação e a tendência do crescimento da rede,
implementadas a partir da MHA são decorrentes da política de atração dos
grandes fornecedores que estavam localizados em São Paulo, de aproximá-los
da
mesma,
para
reduzir
os
custos
de
logística
e
de
estoque,
fundamentalmente. E, ao explorar a técnica do Just-in-time/kanban, resolveria
o problema do estoque intermediário. Isso tudo ocorreu em função do
estabelecimento dos grandes fornecedores no Polo de Duas Rodas de
Manaus, antes instalados em São Paulo e no Japão principalmente.
3.2 AS VANTAGENS NA RELAÇÃO OBTIDA NO FORNECIMENTO DAS
EMPRESAS LOCAIS
O benefício mais impactante é no controle do estoque conforme afirma
José Bernardo, segundo o qual, o fornecimento longe do local de produção
gera intranquilidade, ou seja, é muito mais confortável ter um fornecedor
atendendo em lugar próximo da produtora. Além do que o fornecimento local
gera a eliminação do estoque na própria fábrica, consequentemente, esse
estoque será transferido para a fábrica do fornecedor. Nesse sistema a
fornecedora assume o estoque que seria de responsabilidade da MHA. Porque
os fornecedores locais não poderão entregar as peças antes da programação,
ou antes do tempo de entrar na linha de produção, mas no tempo exato da
produção.
O preço da peça produzida por um fornecedor local pode não ser tão
determinante para a MHA se a peça tem qualidade. Neste caso, os
compradores negociadores de peças da MHA certamente podem optar por
comprar a peça do fornecedor local, se ela tem a mesma qualidade da peça
144
que se compraria no Sul do país, ainda que haja uma intensa negociação para
a redução do seu preço. De acordo com o administrador Douglas:
Então, vantajoso seria esse... esse sistema de trabalho. Seria o
Just-in-time, não é? Você consegue colocar as peças naquele
horário aqui, pré-determinado, de acordo com a produção que
vai ser efetuado no dia a dia ali. É a grande vantagem de ter o
fornecedor local, não é? Fora esse acompanhamento, não é?
In loco, que essas áreas que foram citadas anteriormente pode
ter com maior freqüência e olhar, né? Desvantagem, de terem
aqui, é mais vantagem, possa ser que há desvantagem, mas aí
é uma outra questão. De repente a peça que ele tá produzindo
aqui comparando com uma outra categoria, do mesmo setor,
que tá sendo produzido lá no Sul, esteja mais barato, aí tudo
bem, aí é outra questão, mas tem que se avaliar porque que
esse preço tá mais alto aqui, não é? Aí tem toda uma
justificativa, né? Porque nem sempre, o que é mais barato, que
tá sendo produzido lá no local X é o melhor, né?, é garantia
não é? E aqui, apesar do produto ser um pouquinho mais caro,
digamos assim, desse fornecedor, a qualidade é garantida, né?
Não só pelo fornecedor, mas também pela Honda. Então, eu
não vejo muita desvantagem não com relação a... as
fornecedoras que estão aqui, instaladas aqui. (PESQUISA DE
CAMPO: 2009)
Ainda, nesta mesma linha de raciocínio, Bernardo diz:
[...] Primeiro seria a ausência de estoque na fábrica, o estoque
passa a ser do fornecedor, eu começo a regular o meu
estoque, aqui de uma forma diferente né? Porque o estoque da
Honda tá assim, tem um pouquinho na fábrica, tem pouquinho
na estrada e tem mais um pouco lá no estoque lá no
almoxarifado de São Paulo pra embarcar no caminhão. Então
essa logística toda é muito problemática, é muito dinheiro.
Então, o que eu acho que o benefício maior é... se a gente
colocar em ordem de importância, eu acho que primeiro, você
começa ter um pouco mais de controle, sem você precisar
gastar tanto dinheiro, sob seu estoque. Você tá lá com o teu
fornecedor, e o teu fornecedor fabrica as peças, guarda aí dois
segundos aí que amanhã você me entrega. Então isso daí já é
um baita dum benefício. Então a relação de compra com os
fornecedores locais eu acho que... é... a primeira coisa mais
impactante seria essa, esse controle dos estoques né?, fica
mais fácil. (PESQUISA DE CAMPO: 2009)
145
O estoque da fábrica conforme diz Bernardo corresponde às peças
fornecidos pelas empresas do Sul do Brasil, isto é, pelo fornecimento nacional.
Não se trata, neste caso, do estoque do fornecimento das firmas locais.
De acordo com Augusto:
[...] as vantagens de você comprar de fornecedores locais,
primeiramente é em função do estoque né? Que hoje
você sabe. A maioria da empresas não trabalha com
estoque né? Então nosso estoque fica no fornecedor.
Então nossa vantagem é essa e outra coisa, você não
precisa, é fazer planejamento com um mês de
antecedência, com dois meses, assim tipo: eu vou
comprar uma peça hoje e daqui um mês ou quarenta e
cinco dias a peça tá chegando, né? Então, como
fornecedor, como o fornecedor é próximo, facilita muito
nesse ponto, mais a parte de logística e estoque né?
Estoque você fica no fornecedor. (PESQUISA DE CAMPO:
2009)
A diminuição do estoque é estratégica para a redução geral dos custos
de produção. Por isso, uma das preocupações centrais da MHA consiste em
pressionar o fornecimento para reduzi-los também com logística. Os mesmos
representam sério problema desde as dificuldades já elencadas até os custos
com o estoque, que são muito elevados. A entrega das peças é compreendida
como um grande benefício por parte da MHA quando o fornecedor local faz a
entrega das peças no tempo preciso da produção. Esta é uma forma de
resolver o problema da logística em relação às compras produtivas necessárias
para serem feitas no fornecedor local, desde que obedeça aos critérios da
qualidade.
Nessa perspectiva, o fornecimento local soluciona dois problemas
imediatos: o de logística e o de estoque. Além de a MHA dispensar os custos,
riscos e, por efeito, possíveis prejuízos, a mesma ficará isenta de custos com o
estoque, porque o mesmo foi transferido para o fornecedor.
146
Segundo os administradores da matriz da rede, o fornecimento local é
compreendido como se o processo produtivo de componentes fosse feito em
um dos departamentos de produção da própria MHA. Uma fornecedora como a
IFER, ou outra é entendida como se fossem parte de algum dos departamentos
de produção da Honda, muito embora ela funcione fora do seu terreno. Neste
caso, o importante para os administradores, é que as peças produzidas
naquela empresa devem estar no horário programado para serem montadas no
tempo estabelecido. Além do que, nesse sistema a MHA está isenta de
possíveis surpresas, como que de as peças serem roubadas no meio da
estrada, dentre outras possibilidades que possam constranger ou impossibilitar
a chegada das mercadorias. Conforme Bernardo:
Esse gerenciamento... disso é outra coisa. Se a Honda
tem com a IFER, na verdade essas empresas começam a
trabalhar como se fosse um de nós aqui. Como a HCA
trabalha, né? Então você tá fazendo a produção da
Honda, o teu estoque tá lá, e você me trás de manhã o
que eu vou usar durante o dia. Bom demais pra mim, né?
Do que eu precisar tá lá com o caminhão, que chegue
pelo menos dois dias antes. Que eu precise locar o
caminhão, abrir, checar. Já pensou, você abre um
caminhão e descobre que não tá o teu material? Então,
eu acho que o benefício é isso... (PESQUISA DE
CAMPO: 2009)
Portanto, para a Honda, uma das formas de diminuir os custos é reduzir
os gastos com transporte e baixar os riscos com a perda de peças. É também
deixar, por exemplo, de correr riscos de uma peça não chegar por causa de
greves de caminhoneiros, ou por qualquer tipo de problemas que possam
ocorrer nas estradas. Nesse sentido, é muito mais interessante ter o fornecedor
próximo, porque, ao mesmo tempo, eliminam-se os riscos e os estoques. Os
custos com a manutenção dos estoques são em si extremamente elevados,
portanto eliminá-los representa benefício à MHA.
147
3.3 AS DIFICULDADES ENCONTRADAS NA RELAÇÃO DE
FORNECIMENTO PARA A MHA
As dificuldades entre a MHA e suas fornecedoras podem expressar
processos de interação, são também formas de demonstração da parceria
existente na rede. Essa parceria é a forma de comunicação entre os atores
empresariais envolvidos diretamente na relação do processo produtivo. Diz
Augusto:
...a relação da Honda com a empresa é relação de parceria,
né? Não é aquela relação de..., tipo assim, vamos supor,
patrão e funcionário né? É relação de parceria mesmo. Tanto é
que ela não deixa o... a empresa na mão, né?, não abandona
de uma hora pra outra. Então, ela, em termos de qualidade, ela
interfere também, assim pra que o produto seja... saia cem por
cento de qualidade. Então, isso aí ela interfere bastante, tá? Se
não atender ela pega no pé, até que a empresa se alinhe, né?
(PESQUISA DE CAMPO: 2009)
A relação entre a MHA e suas fornecedoras é estrutural. A mesma ordem
na qual se encontram as dificuldades com a qual os executivos da MHA se
deparam na relação com os seus fornecedores. Entre as quais, a falta de
capacidade das fornecedoras conseguirem acompanhar a dinâmica produtiva e
tecnológica da MHA. Constatamos, assim, que a incompatibilidade financeira e
técnica de equipamentos é um dos maiores problemas na relação entre a
empresa dominante da rede e suas fornecedoras.
A incapacidade e a morosidade de adequação aos novos processos
produtivos, a mentalidade dos fornecedores de pensar e agir como
empreendimentos pequenos ou médios são apontados como os maiores
problemas enfrentados pela MHA. Algumas das fornecedoras têm dificuldades
de acompanhar o seu crescimento. Esse problema se expressa quando a MHA
precisa modificar ou sofisticar alguma peça ou componente dos seus artigos.
Para isso, a fornecedora precisaria comprar um novo equipamento para
atender a esta nova necessidade. A resposta da fornecedora geralmente leva
148
um tempo considerável para a compra do suposto equipamento. Para o
administrador Ricardo Souza:
... Os fornecedores são limitados, né? Então eles... não pode
de hoje pra amanhã comprar um equipamento caríssimo, pra
aumentar a produtividade, aumentar a produção. Então essa é
uma dificuldade muito grande. A estrutura do fornecedor aqui
em Manaus tem limitações, não chega a ser precária, mas eles
respondem muito demoradamente, são lentos. Enquanto nós
compramos um equipamento em 6 meses, eles levam um ano,
até mais. Entendeu? Aí quando eles compram aqui, aí nós já
estamos num outro patamar. Entendeu? Então, sempre com
um pouco de atraso. Então a gente sente um pouco assim essa
dificuldade com os fornecedores, da estrutura do fornecedor.
(PESQUISA DE CAMPO: 2009).
Assim também diz Augusto:
[...] nós trabalhamos, no setor de peças, nós sofremos um
pouco em relação a isso, porque a prioridade número um
desses fornecedores é a produção né? Então no momento em
que as vendas aumentam, então o atendimento de peças
diminui, mas pra assistência técnica, né? Que a linha não pode
parar, né? Aí que que acontece com os fornecedores? Eles
trabalham em ritmo de hora extra, ou final de semana, fazendo
viradões, mas aí, assim mesmo, existe fornecedores que estão
no gargalo, tá? (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
A estrutura limitada dos fornecedores da MHA tem gerado problemas de
ordem técnica, além de dificuldades para a assistência e o abastecimento da
produção na empresa dominante da rede. Esses problemas são identificados
no processo e em circunstâncias de aquecimento das vendas do mercado.
Ocorre principalmente quando a fábrica precisa acelerar a produção para
ampliá-la, a fim de atender à demanda comercial. Tal atendimento chega a ser
feito com muita dificuldade, e o é feito em virtude da utilização de horas extras
e a ocupação dos fins de semanas. Nessas circunstâncias, os fornecedores
convocam seus operários para produzir com a finalidade de atender à
demanda da MHA. Nessa perspectiva, a estrutura produtiva de alguns
fornecedores ainda não está à altura das metas de produção da matriz da rede,
ou que não tem a capacidade suficiente de atender a essa meta que a mesma
estabelece. Significa dizer que parte dos fornecedores não está preparada para
149
o crescente volume de produção que a firma principal da rede vem
desenvolvendo. Segundo Ricardo Souza:
Nós temos todo um know how pra fazermos escapamento.
Existe pessoas que produzem aí fora, mas não no nível que
nós necessitamos, né? Que tem um projeto, aí nós temos que
temos produzir conforme o projeto tal. Porque se você mudar
um tubinho desse escapamento já acaba a qualidade do motor,
altera tudo (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
O principal problema apontado se refere à falta de recursos financeiros
por parte do fornecedor. Além disso, falta-lhes know how sobre o
funcionamento das novas tecnologias, ampliando, assim, as dificuldades nessa
relação. Porque a falta de estrutura gera uma resposta demorada no
atendimento dos fornecedores às necessidades de dinamização da produção
da firma dominante da rede. Essa limitação é decorrente da estrutura do
fornecedor. É o que ocorre com organizações de pequeno ou médio porte se
comparado à estrutura e às necessidades da empresa matriz da rede.
A distribuição dos processos de produção da MHA são internos e
externos à fábrica. A decisão de distribuir interna e externamente ocorre por
causa de problemas de falta de espaço interno, de know how e pela
operacionalidade dos custos de produção. Nesse sentido, a produção de certos
componentes é feita fora, isto é, por fornecedores. Isto é assim, pelas
vantagens tanto da redução de custos, quanto pelo know how, que gera
qualidade à mercadoria, além de economia de espaço na MHA. No entanto, em
decorrência da propriedade do know how dos especialistas da desta empresa
sobre certos componentes, torna-se mais vantajoso produzi-lo internamente.
As vantagens principais estão implicadas em primeiro lugar nos custos
reduzidos, e em segundo porque a empresa detém o know how necessário
para a sua produção. É o caso do escapamento, que é uma especialidade da
própria MHA. Isto é também o que a diferencia de outros produtores desse
componente.
Somada à falta de estrutura e ao know how sobre a confecção de
componentes, a falta de agilidade figura como uma terceira dimensão das
150
dificuldades enfrentadas pela MHA51, uma vez que a demora existe na maior
parte das vezes porque o fornecedor também não possui know how
tecnológico, não tem domínio do conhecimento sobre os produtos que se
propõe fazer. A Honda desloca um corpo de especialistas para avaliar, propor
monitoria para avaliar as condições de produção dos componentes, para ver a
possibilidade de adquiri-los do fornecedor. No fundo, as três dificuldades estão
de certa maneira articuladas umas às outras. Devido à ausência de estrutura, a
falta desse know how pode ser uma consequência, e em razão disso, termina
comprometendo a agilidade, porque o atendimento oferecido pelo fornecedor é
muito lento. Diz Bernardo:
Os empreendedores aqui em Manaus, ainda não acordaram,
né? Então, os empreendedores aqui, eu não quero citar
nomes, mas, por exemplo, nas empresas de tratamento
superficial são indignas as empresas que tem aqui no
Amazonas, são indignas de frases... E a gente era obrigado a
usar,... e cria toda uma estrutura da Honda pra poder você ter...
olha como você quer comprar daquele cara?, só tem aquele
cara. Você tem que fazer um time de profissionais pra ir lá, pra
ver se o cara produz, pra ver se o cara... a qualidade que o
cara tá fazendo, o cara não monitora?, Então, vou eu
monitorar. Então, você leva químico, o especialista, o medidor,
o soldador... Tudo pro cara te fazer uma peça, e a Honda tem
que ficar dando toda a assistência pra poder aceitar, em termos
de qualidade (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
As dificuldades entre a MHA e os seus fornecedores transcendem a
dimensão técnica, em decorrência das limitações que são dessa mesma
natureza. No geral, os fornecedores desta possuem pouco know how
organizacional. O que leva à mesma deslocar seus especialistas, como os
técnicos, os engenheiros mecânicos da fábrica para as empresas dos seus
fornecedores. Nessa perspectiva, a firma dominante da rede oferece
assistência, por meio de suporte técnico, oferece ainda know how tecnológico,
51
A ideia da agilidade, de acordo a Filosodia Honda, trata-se da Política de Gestão da Honda, segundo a
qual, “para aproveitar nosso tempo e o tempo dos outros de forma mais eficaz, devemos cuidar dos
preparativos e cumprir o cronograma” (Filosofia Honda, 2003: p. 23). Assim, é preciso dar velocidade no
processo, isto é, agir rápido.
151
já que o projeto dos componentes é realizado pela Honda Motor Company. De
acordo com João Paulo:
Existem problemas técnicos de produção normais, qualidade.
Chega uma peça, então um problema: não consegue montar a
peça. Houve alguma avaliação no processo. Isso aí acontece
normalmente, né?, da parte do profissional. Não deveria
acontecer, mas ainda acontece (PESQUISA DE CAMPO:
2009).
Para Bernardo:
[...] A Honda precisa dar suporte. A Honda precisa ir atrás,
entrar com o técnico, entrar com... às vezes até com subsídio,
né?, no sentido de dar tecnologia mesmo pro cara aprender a
trabalhar, modo correto de fazer, normatizado. Às vezes a
gente leva o técnico lá pra fazer. Eu já participei de uma
intervenção, uma intervenção assim, numa empresa, pela
Honda (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
A qualidade é uma dimensão das dificuldades identificadas pela MHA,
geralmente decorrente da falta de estrutura, lentidão no processo produtivo,
limitação em termos de know how a respeito do processo de produção. O que
tem levado a MHA a interagir com as suas fornecedoras de componentes, a fim
de
solucionar
certos
problemas
frequentes
que
surgem
quando
as
fornecedoras passam a apresentar erros na produção. É quando os seus
especialistas e os seus market share’s entram em ação. Os administradores e
engenheiros da matriz da rede chamam de intervenção nas empresas
fornecedoras, para fazer algum tipo de treinamento, assistência tecnológica,
estudo sobre o processo produtivo, administrativo, etc.
As relações interempresas podem ser relações de cooperação, relações
de
subordinação
por
conveniência
e
relações
de
subordinação
por
dependência. Conforme RUDUIT (2002), as relações de cooperação são
caracterizadas por fortes condições de vínculo, consubstanciadas por vínculo
indeterminado de manutenção, negociação de prazos de entrega, autonomia
de mercado e administrativa; por intercâmbio moderado, que inclui troca de
informações técnicas, exceto comercial, sem troca de equipamentos,
cooperação para treinamento de mão de obra; e por fortes laços de confiança;
152
desenvolvimento conjunto de novos produtos, ausência de apoio para a
reestruturação organizacional. “A complexidade e a especificidade técnica dos
serviços envolvidos impõem práticas de cooperação entre as partes.” (p. 419)
As relações interempresas de subordinação por conveniência são
relações “com maior assimetria de poder do que as de cooperação e menor do
que as de subordinação por dependência.” (RUDUIT, 2002: p. 420) Esse tipo
de relação é caracterizada por moderada negociação das condições de
vínculo, que inclui contratos relativamente extensos, ausência de negociação
de prazos de entrega, relativa autonomia de mercado e administrativa; por
intercâmbio fraco, quase inexistente, refere-se a ausência de troca de
informações, ausência de empréstimo de equipamentos, fraca cooperação para
treinamento da força de trabalho e de frágil laços de confiança; ausência de
apoio para inovação tecnológica e para reestruturação organizacional. Nessa
relação ocorre um predomínio e satisfação dos interesses da empresa
contratante sobre a contratada, porque é conveniente para ambas.
Nas relações de subordinação por dependência, a firma contratada
admite os critérios da empresa contratante “porquanto depende do mercado na
rede, na medida em que presta serviço de baixa complexidade e amplamente
oferecido no mercado.” (RUDUIT, 2002: p. 420) Essa relação é caracterizada
pela falta de negociação das condições de vínculo, refere-se a contratos de
curta duração, falta de negociação de prazos de entrega, dependência de
mercado e administrativa; por intercâmbio fraco, quase inexistente, consiste na
ausência de informações ou de equipamentos, cooperação débil, cooperação
pra treinamento para a força de trabalho, e por frágeis ou quase inexistentes
laços de confiança, que se refere ao que arbitrariamente chamaremos de
atendimento, falta de apoio para inovações tecnológica e para reestruturação
organizacional.
153
3.4 OS FATOES QUE DETERMINAM AS RELAÇÕES ENTRE A MOTO
HONDA DA AMAZÔNIA E AS SUAS FORNECEDORAS
A relação firmada entre a MHA e seus fornecedores é mediada por
rigorosos critérios. Dentre eles, encontram-se os da capacidade e da qualidade
dos equipamentos, as condições financeiras, o conceito da empresa na opinião
do mercado e o potencial produtivo. Usa-se ainda o sistema do conhecido 5
S’s. Conforme Ricardo Souza:
O fornecedor... você vai avaliar a capacidade dele,
equipamento, o que ele tem de equipamento, a parte
financeira, se realmente ela é uma boa empresa. Se avalia
tudo dentro do fornecedor, né?
A parte de qualidade,
equipamento, de produção, a capacidade produtiva, a empresa
como um todo, né? A parte de 5s, se é uma fábrica limpa. A
gente avalia tudo desde na parte financeira dela até a aparte
produtiva, da qualidade e tudo. (PESQUISA DE CAMPO: 2009)
Ressalta-se, como vai afirmar Augusto, que a relação entre a MHA e
seus fornecedores é de parceria. Trata-se, na opinião de seus engenheiros, de
uma relação simétrica. Contudo, a MHA interfere diretamente na qualidade do
produto principalmente quando ocorrem falhas na produção. Tal interferência
acontece com o objetivo de dar ao componente a máxima qualidade exigida
pela própria MHA, apesar de a mesma não abandonar o seu fornecedor. O
fornecedor, por seu lado, para não perder um cliente do porte da MHA
submete-se às exigências feitas pela mesma para atender à qualidade
necessária, dentro do seu padrão de produção.
Conforme a opinião dos administradores, a relação é de confiança e de
parceria. Essa relação é de parceria e também de compartilhamento. O
aspecto do compartilhamento pode ser visto em diversas dimensões. O
compartilhamento nessa relação é realizado, sobretudo, quando os problemas
são diagnosticados, em termos de falhas administrativas detectadas pela MHA
internamente à empresa e nas empresas fornecedoras, como as falhas nos
equipamentos do fornecedor da rede, inclusive em treinamento e na troca de
tecnologia, e, até quando surge alguma demanda, na hora de negociar o preço
de uma determinada peça.
154
Em termos de qualidade, a MHA procura compartilhar com os
fornecedores da rede local um know how, de domínio de toda a Honda Motor
Company, denominado NHC - New Honda Circle. Há também o CCQ que
consiste na formação de equipes, em que cada uma fica incumbida de
apresentar um projeto de melhoria em um determinado setor da fábrica. O
projeto irá diagnosticar o problema daquele setor, e a equipe irá estudá-lo, a
fim de oferecer uma solução. Nesse sentido, a equipe é designada para
estudar um determinado item que pode ser administrativo, ou relativo ao
processo produtivo. Esse procedimento, corriqueiro no interior de toda a Honda
Motor Company, é compartilhado também com os fornecedores da rede local
da MHA. Trata-se de um know how, a que os administradores da MHA
recomendam a aplicação desse procedimento nos fornecedores da rede. Tal
como descreve Ricardo Souza:
[...] nós temos um negócio chamado de NHC, que
mundialmente é conhecido como Círculo de Qualidade Honda,
internamente nós chamamos de New Honda Circle. Existe
também o NHCS, que é o NHC do fornecedores, que é New
Honda Circle Surplay. Então esse know how nós passamos
para os fornecedores. E o quê que é o CCQ? Você monta
equipes, né? E cada equipe vai apresentar um trabalho de
melhoria, né? Então, chega num setor, ou noutro setor, ou
qualquer outro setor, eles se juntam e falam: o quê que nós
vamos fazer, não, vamos fazer um trabalho de custo. Eles vão
lá, analisam o setor, analisam a produção, analisam assim.
Então, esse aqui tá com maior custo, então vamos entrar em
cima disso. Então, pra reduzir o custo disso, o quê que nós
temos que fazer? Ou quê que está dando maior custo? É esse
item? Então vamos trabalhar nesse item. Aonde que a gente
pode reduzir o custo daqui. Ou melhoria de qualidade, ou
melhoria no equipamento. Esse equipamento tá levando muito
tempo. O que a gente pode fazer pra reduzir o tempo de
usinagem. Não, vamos trocar esse dispositivo, vamos fazer
isso aqui. Então, dentro da Honda existe esse trabalho. E isso
aí foi passado para os fornecedores, essa idéia. Então, nós
temos acho que mais de 500, 600 grupos internamente
(PESQUISA DE CAMPO: 2009).
Esse tipo de avaliação organizacional da Honda Motor Company é
realizado anualmente em cada uma de suas unidades. Essa avaliação
converte-se num tipo de treinamento e aperfeiçoamento também do seu Know
how. Geralmente é feito um revezamento das equipes entre os diversos grupos
155
formados em cada bloco. O da HSA realiza a sua avaliação, que geralmente
ocorre em Manaus ou São Paulo. Terminados os procedimentos em cada
conglomerado regional, os melhores trabalhos são apresentados nos países
concentrados pelo Japão, ou pelos dos Estados Unidos, ou pelos dos China,
cujo objetivo é a troca dos novos conhecimentos desenvolvidos.
3.5 DIMENSÃO ESTRUTURAL DA INTERAÇÃO ENTRE MHA E SEUS
FORNECEDORES EM REDE
3.5.1 INTERAÇÃO ADMINISTRATIVA E DE NEGOCIAÇÃO
A negociação de preços é da competência administrativa, cujo fim é a
redução dos custos. Dentro da lógica da competitividade, a empresa deve
oferecer o melhor preço para o mercado. Este é o raciocínio com o qual os
administradores da Honda percebem essa esfera da sua relação com os
executivos dos fornecedores da rede. A questão se torna crucial devido à
instalação cada vez em maior quantidade de empresas chinesas no Polo de
Duas Rodas em Manaus. Porém, o principal aspecto que se pode vislumbrar é
o fato de que a MHA, sob a motivação de chegar ao menor custo possível de
uma determinada peça do fornecedor da rede, investe em estudos nos níveis
da administração e da produção. A MHA disponibiliza todos os Market Share
na fábrica do fornecedor. O processo interativo desse aspecto em específico se
converte no aprendizado do corpo técnico e administrativo do fornecedor da
rede. Conforme Ricardo Souza:
Nós ajudamos eles. Colocamos nosso pessoal de
qualidade. Tudo. Todo mundo vai lá dentro. Não... não
se abandona. Nós colocamos pessoas lá dentro pra
ajudar. Pra ver aonde está errado, nós ajudamos a
administrar, a melhorar. Então se ela quiser, né?, se ela
autorizar, nós entramos com nosso pessoal dentro da
fábrica dela. Porque é melhor pra ela. É bom pra ela, nós
vamos passar o nosso know how pra ele. Entendeu?
156
Então, analisa-se a produtividade, a qualidade, o que
está ruim. Aí nós apontamos as falhas, geramos relatório
geral. Você tem que melhorar aqui tem que fazer isso,
tal, tal. Nós passamos todas as melhorias que ele tem
que fazer, aqui, aqui. Existe investimento aqui. Nós
passamos todinho pra eles, pra vê se ele melhora
(PESQUISA DE CAMPO: 2009).
No geral, os fornecedores da rede da MHA atendem a vários clientes ao
mesmo tempo. Embora haja uma considerável relação de confiança, a MHA
está sempre no controle do processo de organização e contratação. Para o
fornecedor aumentar o preço de um determinado componente, deve buscar
convencer com no mínimo um argumento, cujo conteúdo carregue um forte
investimento tecnológico.
3.5.2 INTERAÇÃO NA QUALIDADE
Toda a solicitação de qualquer produto feito pela MHA é submetida a
uma rigorosa avaliação técnica de qualidade, porque precisa minimamente
atender às exigências do padrão de qualidade Honda. Mas, segundo Ricardo
Souza, para alcançar esse nível o fornecedor tem de investir em tecnologia,
que possa garantir, para convencer uma produtividade e um faturamento maior.
A Honda diz assim: eu quero um produto assim, e esse
produto é passado numa avaliação dentro da Honda, que
tem o setor de qualidade né?, pra ver se atende as
exigências né? Aí, agora a parte de, essa parte
tecnológica mais o fornecedor mesmo que procura
melhoria né? Então se o fornecedor quiser ter uma
produtividade maior com certeza ele vai ter um ganho
maior né? Então ele tem que investir na tecnologia com
que ele consiga reduzir as despesas né? Pra poder ter
um faturamento um retorno melhor né?, mas ela não
interfere tanto assim não, tá? (PESQUISA DE CAMPO:
2009)
157
3.5.3 INTERAÇÃO TÉCNICA E TECNOLÓGICA
A MHA contribui com os fornecedores da rede, geralmente em forma de
comodato, quando a fornecedora precisa de um equipamento que está muito
além do seu poder de aquisição. Então, para facilitar, a MHA investe no
equipamento, em tecnologia e em pessoal também, para permitir que o
fornecedor possa fabricar o componente necessário. Conforme descreve
Ricardo Souza:
São peças de segurança vital e são peças de know how da
Honda, tipo coca-cola, eles não abre aquilo lá. Existe o know
how da Honda. São peças do motor, são peças principais,
peças de segurança vital que nós chamamos. Esse aí sim, nós
fazemos questão, como é peça de segurança, então nós
produzimos internamente. Isso é uma coisa que é know how da
empresa e tem coisa que sai muito caro produzir fora, sai muito
mais custo menor nós produzirmos internamente, tipo um
escapamento (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
A externalidade da produção consiste em peças complexas e em peças
simples. Porém a MHA não abre mão de fabricar determinados componentes.
Todo o processo produtivo de certos componentes é feito internamente em
decorrência, em primeiro lugar, do segredo industrial, porque faz parte do know
how, que é restrito à Honda, cujo escritório de produção tecnológica é
centralizado no Japão; em segundo, porque são produtos, cuja qualidade não é
encontrada em outra fábrica, uma vez que somente quem possui esse know
how é a própria MHA; em terceiro lugar, porque a produção de determinadas
peças sai mais barato processar internamente do que produzir com um
fornecedor. Assim descreve Ricardo Souza:
[...] Todo projeto das motos é feito no Japão. É muito
grande. É um escritório só de trabalho com
desenvolvimento. Eles desenvolvem moto pra todas
fábricas do mundo, não é só para o Japão. Tem Estados
Unidos, nós temos 52 ou 60 fábricas no mundo todo. É
Japão, é Tailândia, Filipinas, Irã. Então, todo o projeto é
feito no Japão. Então o Japão faz o projeto de todas as
fábricas no mundo, não é só aqui. Então, ela tem um
158
corpo assim, de pesquisadores, projetistas muito grande
no Japão. Chama-se HGA, no Japão. Desenvolve
projetos (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
O nível de automação é muito alto, por isso, inclusive, a quantidade de
trabalhadores com doenças ocupacionais no Japão é menor que no Brasil. Na
Honda Japonesa, é muito grande a quantidade de robôs. Há cerca de dez
robôs existentes na MHA. A tendência para o futuro desta, segundo seus
administradores, é a automatização de vários processos. Na HDA, uma parte
do processo de produção do chassi já está automatizada. É possível encontrar
vários robôs no setor de solda da MHA. Conforme os engenheiros, por um
lado, a automatização evita problemas relativos à segurança do trabalho, por
outro, amplia a capacidade de produção com aumento da produtividade e ainda
garante maior precisão no processo. Ricardo Souza diz que,
Isso. Porque aí, melhoria da qualidade também porque
sempre vai fazer do mesmo jeito. Não vai mudar, né?
Sempre da maneira correta, tal... tal... não muda. O
operador não... O operador, acho que, no início do
processo ele faz tudo certinho, chega no final, ele já não
tá fazendo direito e tal. É cansativo... é não sei o quê.
Então, existe esses padrões, né?, que tem nos dado
muito problema de qualidade (PESQUISA DE CAMPO:
2009).
Os engenheiros da MHA possuem domínio sobre as máquinas, as
tecnologias que envolvem a produção ou a fabricação de peças e produtos e
insumos das fornecedoras. O que acontece é uma distribuição de tarefas entre
os membros do corpo de engenheiros que atendem aos fornecedores da rede.
O Departamento de Qualidade divide seus quadros para cada fornecedor, e
assim acontece com os demais departamentos. Esse processo permite saber
que a MHA tem o controle dos equipamentos, do know how, da tecnologia e de
todo o processo de produção dos seus fornecedores da rede.
No processo de contratação das peças, são estabelecidos vários
critérios. O que pesa muito na contratação de uma determinada peça é a
capacidade do equipamento, o tamanho da peça. Mas, avalia-se também
tecnicamente o preço, a qualidade do estoque do fornecedor, e a similaridade
159
da peça. Quando existem vários fornecedores, o que vai determinar a
contratação da compra da peça é a qualidade e o delivery, isto é, o prazo de
entrega. O que significa dizer que o preço não é o principal critério. Primeiro,
avalia-se a qualidade e o delivery, para depois, negociar o preço.
3.5.4 INTERAÇÃO NO TREINAMENTO
O treinamento da MHA recebe apoio direto do Departamento de
Coligadas, que oferece apoio técnico e de treinamento aos fornecedores da
rede. A equipe de treinamento, do Departamento de Coligadas da HSA é quem
faz o treinamento técnico, de gestão e de motivação dos funcionários, técnicos,
engenheiros e executivos dos fornecedores da rede em Manaus. Os outros
dois setores em nível local, que desenvolvem atividades junto aos fornecedores
são o CQ – Controle de Qualidade e o DCP – Departamento de Compras
Produtivas. O setor de Controle de Qualidade é o que dá todo o apoio aos
fornecedores em relação às peças que eles fornecem à MHA. Na ausência do
Departamento de coligadas da HSA, o Departamento de Recursos Humanos
da MHA faz o apoio local, encarregando-se de fazer o treinamento diretamente
na fábrica do fornecedor da rede. Portanto, os fornecedores recebem o apoio
de quatro setores da Honda para o desenvolvimento das atividades de
treinamento e assistência técnica.
A pesquisa: “Aprende-se com as empresas japonesas? – Estudo
comparativo entre empresas brasileiras e mexicanas”, de FLEURY e FLEURY
(1998) mostra, com base numa reflexão empírica, a possibilidade de
transferência de tecnologia na relação entre empresas locais e empresas
japonesas. As experiências das empresas mexicanas e brasileiras revelam,
mesmo com desigualdades, processos de transferência de tecnologia por meio
de assistência, com idêntico padrão, concedidos pelas subsidiárias japonesas
às suas fornecedoras locais. O estudo revela que os tipos de assistência são
de ordem de controle de qualidade; projeto de produto; especificação de
materiais; e custos e finanças.
160
A pesquisa revelou que a relação entre o fornecedor local e a subsidiária
japonesa tende, com o tempo, a aumentar a quantidade de conflitos. Foi
constatado, no Brasil, que, quando a subsidiária japonesa estabelece um
contrato de produção com um fornecedor, conforme as especificações
definidas pela mesma subsidiária, esta garante ao fornecedor local forte apoio
nas circunstâncias da implantação do processo produtivo. Porém a relação
enfraquece, e, na maioria das vezes, a subsidiária some após a aprovação do
try out (FLEURY e FLEURY, 1998).
O estudo constata que a Honda do Brasil é a única subsidiária japonesa
a diferenciar-se das características das demais, indicando e, simultaneamente,
confirmando o comportamento dessa organização japonesa da produção de
motocicletas, o que diz um dos seus engenheiros que a MHA jamais abandona
os seus clientes, isto é, os seus fornecedores locais recebem assistência do
início ao fim do contrato. Essa afirmação expressa também a existência de
continuidade de assistência.
A Honda buscou fazer um tratamento diferenciado das demais
subsidiárias japonesas com a criação de mecanismos como seminários
estruturados para suprir as debilidades técnicas, ou seja, aquelas deficiências
mais comuns a determinados grupos de fornecedores, cuja finalidade
interessava à capacitação tecnológica destes. Buscou também dar assistência
individualizada na própria empresa fornecedora, naquelas consideradas
preferenciais (FLEURY e FLEURY, 1998).
O sucesso desse sistema teve por limite os processos de crise. E como
alternativa, a Honda além de reduzir os seminários, deu prioridade às grandes
empresas, adotando-as como preferenciais. Mas é fato que a Honda é a única
empresa segundo FLEURY e FLEURY (1998), que ao desenvolver os
processos de redes fornecedores, transfere tecnologia e técnicas de gestão da
produção.
Mas há uma diferença no que diz respeito ao treinamento relacionado ao
aspecto tecnológico. Porque, quando o fornecedor adquire um equipamento
novo, a responsabilidade de treinar os trabalhadores é da proprietária da
tecnologia. Portanto a equipe da produtora do equipamento vai até a fábrica do
fornecedor, faz a instalação do equipamento, usa a técnica da multiplicação
161
para treinar uma equipe e a designa para repassar aos demais operários. É
nessas oportunidades que pode acontecer uma troca inversa de conhecimento,
de os engenheiros e técnicos especializados da MHA receberem treinamento
ou informações de um novo equipamento, comprado pelo fornecedor da rede
da MHA. Certamente que a MHA não compartilha desse momento quando a
equipe está treinando os multiplicadores. Tal como descreve Bernardo:
[...] Na Metal Fino fui três vezes pra tentar ajudar. Fui na IFER,
na Metal Fino, Nissin, Showa, Soldécia, parte de pintura... já
fui. Já na Keihin... mas na Keinhin, eu fui aprender, olha uma
coisa que eu fui ver. Uma coisa nova. Porque na Keihin, o que
acontecia agente queria mudar um processo, e interessante
que a Honda não conseguiu o produto pra cá, e a Keihin
conseguiu (PESQUISA DE CAMPO: 2009).
No caso acima, o produto foi adquirido junto a uma empresa norteamericana, de tecnologia norte-americana, a empresa produtora veio até a
Keihin para fazer o treinamento para operação do equipamento. Neste caso,
tratava-se de um equipamento que interessava aos engenheiros ligados à
estamparia da MHA. Segundo seu engenheiro, este equipamento seria
aproveitado para a otimização produtiva do setor daquela fábrica. No entanto,
os mesmos não conseguiram adquirir o mesmo. Por isso, esta equipe foi até a
Keihin para conhecer a máquina nesta fornecedora.
Nesse contexto é que ocorre a interação entre a MHA e as suas
fornecedoras. No geral, é a MHA que dá assistência às suas fornecedoras por
meio de serviços de acompanhamento, de treinamento, de estudos para
minimização de custos. No caso, mostrado a cima, ocorreu o contrário, a
fornecedora foi quem possibilitou o acompanhamento e o treinamento.
162
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve a preocupação de abordar a rede de
fornecedores formada pela Moto Honda da Amazônia, por meio do qual, nos
possibilitou chegar a alguns resultados. Os mesmos são reveladores do enredo
constituído pelos diversos elementos propositivos de múltiplas interações
organizacionais e dos papéis consistentes representados pela MHA, como atriz
principal e pelas demais atrizes, empresas fornecedoras locais, no processo de
interação interfirmas.
A rede de fornecedores é uma realidade estratégica para as unidades
produtoras fabris presentes no Polo de Duas Rodas pois, ao contrário da
década de 1980, o mercado brasileiro de motos era praticamente produtivo e
comercialmente monopolizado pela Moto Honda da Amazônia, o mesmo já não
ocorre hoje, devido ao visível aumento da concorrência, principalmente das
firmas de motocicletas asiáticas, cujas sucessivas instalações de fábricas de
veículos sobre duas rodas vêm contribuindo para o aumento da concorrência
nacional deste produto. Diminuindo, portanto, a influência da MHA que já
chegou a dominar mais de 90% do mercado brasileiro.
Nesse sentido, constatamos o desenvolvimento da indústria de
motocicletas em forma de cadeia produtiva, com um crescimento acelerado e
de consolidação em curso. O ordenamento e a organização fabril e do trabalho
no processo produtivo de motocicletas estão baseados nos novos padrões
organizativos de produção, como que pelo regime flexível. A cadeia produtiva
de veículos sobre duas rodas é uma estratégia, cujo objetivo é a maximização
da produtividade, expansão do faturamento, das vendas para o mercado
interno e externo.
O desenvolvimento da cadeia produtiva de motocicletas no Polo de Duas
Rodas em Manaus representa a compatibilidade do mercado brasileiro e
demais mercados externos vizinhos da América do Sul. A partir dos anos de
1990, os aspectos da produção, das vendas, das exportações e da mão de
obra tiveram uma importante evolução relativas a todas as empresas do setor,
conforme nos informa os números da SUFRAMA (2008). Esses dados são
163
reveladores da capacidade produtiva do Polo de Duas Rodas com a utilização
da sua capacidade instalada. Comparado aos anos anteriores significa dizer
que o aumento da produção pode explicar o crescimento em cerca de 70% do
aproveitamento produtivo do setor em 1997.
Os anos que seguem após a abertura alfandegária no início de 1990,
promovida pelo governo federal, principalmente a partir de 1994 até 2008,
obedecerão a uma sequência evolutiva, quase ininterrupta em relação à
produção do setor inteiro. Contudo, ao mergulharmos no polo, e, se
compararmos, por dentro, o desempenho de cada empresa, perceberemos a
desigualdade entre as diversas produtoras. Entre as quais, a MHA se destaca
pelo volume de motocicletas produzidas, pela quantidade das vendas tanto
para o mercado local, quanto para o mercado externo, e ainda, pelo
significativo número de trabalhadores que emprega em sua fábrica no Polo de
Duas Rodas de Manaus. Elementos estes que nos ajudam a compreender
porque a MHA se destaca entre as demais empresas do setor representando
77% de participação nas vendas em 2008. Comparada à segunda produtora
que mais vende, a Yamaha que foi responsável por 13% em vendas neste
mesmo ano, podemos fazer uma ideia de que uma possível equidade nos
níveis de produção, vendas e emprego de mão de obra ainda é
consideravelmente distante entre as empresas que constituem o parque
industrial de veículos de duas rodas.
O destaque em vendas do setor de duas rodas se deve principalmente
às vendas das motocicletas, que tem ocorrido principalmente a partir de 1995.
Verificou-se ainda, que o aumento da produção, o estabelecimento de
empresas locais para fornecerem peças, componentes, subconjuntos, a
instalação de novos produtores de motocicletas e a ampliação da cadeia
produtiva tem sido fundamental para a pulverização do mercado, por mais
tímida que seja, em relação à produtora líder do polo. Podemos perceber
também que o potencial produtivo do setor tem demonstrado um crescimento
significativo. Fato verificável, pelos dados de 2007, ano em que as motocicletas
aparecem como os principais produtos fabricados do Polo Industrial de Manaus
inteiro.
164
Constatou-se ainda que o desenvolvimento do Polo de Duas Rodas vem
ocorrendo devido às mudanças nos níveis tecnológicos, logísticos e
infraestruturais. Tais mudanças estão ocorrendo em função do fato de que as
empresas do setor têm reduzido sua dependência das regras originais da Zona
Franca de Manaus, em relação à produção local, isto é, a fabricação na própria
cadeia regional de peças, componentes. Fato que lhes têm possibilitado a
compra desses insumos, permitindo-os, assim, reduzir os custos de produção,
e, ao mesmo tempo, potencializar a expansão da sua capacidade de produção
e de vendas. Esse mesmo processo realiza importantes mudanças na relação
comercial nacional e internacional, no que diz respeito à importação e
exportação. Nesse sentido, verificamos inúmeras empresas se instalarem no
Polo de Duas Rodas entre os anos de 1994 e 2008, são produtoras de
motocicletas e bicicletas e firmas fornecedoras de peças, componentes e
insumos. Nessa perspectiva, as aquisições de insumos regionais, nacionais e
internacionais, como dados indicadores, possibilitaram-nos ao compará-los,
perceber evolutivamente a desigualdade construída ao longo do referido
período.
Focadas na busca de superar um dos seus principais obstáculos, a
logística, essas empresas têm procurado centrar suas estratégias na produção
local, para viabilizar a redução de custos. O caminho tomado pela MHA não
tem sido diferente das demais firmas do setor de duas rodas, pelo menos neste
aspecto.
Verificamos, por meio deste estudo, que a estratégia de produzir
localmente está relacionada ao princípio Honda, segundo o qual se deve
produzir no local onde se vive. A combinação entre princípio e estratégia
permitiu à MHA desenvolver políticas para atrair as empresas fornecedoras já
instaladas e outras que ainda virão a se estabelecer para o barateamento dos
custos do processo produtivo. Segundo a MHA, a importação de peças
nacionais e internacionais é uma operação extremamente delicada, passiva de
transtornos de toda a ordem, desde atrasos na chegada dos produtos, em
decorrência de congestionamento de caminhões nas estradas ou de greves de
caminhoneiros, da perda de peças por assaltos, dentre outros. A logística é
vista centralmente como o maior dos problemas na ordem de custos, por causa
165
dos gastos com transportes em si e, centralmente, devido ao fato de
necessariamente o mesmo gerar estoque, além do custo que será gerado a
partir do mesmo.
Em decorrência dos problemas causados pela logística, a MHA optou
pela estratégia do desenvolvimento da rede de fornecedores para, além de
facilitar o processo produtivo, baratear os custos de produção, operando e
utilizando o método Just-in-time/kanban externo. Este método é uma realização
da reorganização da produção e do trabalho que consiste na programação e
controle do processo produtivo. O Just-in-time/kanban permite que a MHA,
como empresa focal, isto é, como firma principal da rede, estabeleça o tempo
de chegada das peças, muito embora isto ocorra em forma de acordos
celebrados entre esta e as empresas fornecedoras, entre as quais o tempo de
chegada dos produtos é determinado pela MHA. Daí a diferença entre os
fornecedores locais e os nacionais/internacionais.
O Just-in-time/kanban em relação aos fornecedores locais é aplicado
diretamente na linha de produção, enquanto que os nacionais/internacionais
devem passar pelo estoque. Porque as compras produtivas nacionais geram
um estoque da média de três dias e as compras produtivas internacionais gera
um estoque da média de dez dias. Segundo a MHA, o estoque é um
acontecimento propositivo ainda de elevados custos para a fábrica. No entanto,
constata-se que a MHA é grande beneficiária em relação ao estoque zero, uma
vez que com a aplicação do Just-in-time/kanban externo, a mesma transferiu a
responsabilidade do estoque para as suas fornecedoras locais, transferindo o
custo consequentemente para estas.
Verificamos, também, que os benefícios da estratégia para superar os
problemas com a logística é a inspiração da continuidade e ampliação da lista
de fornecedores locais, além das vinte já existentes, que virão do Japão, bem
como de outros países e de São Paulo para adensar ainda mais a cadeia geral
do PDR e servir fundamentalmente à MHA. A rede produtiva até aqui formada
tem dado um caráter mais horizontalizado em termos gerenciais e produtivos,
uma vez que o controle das peças e subconjuntos produzidos fora desta fábrica
é compartilhado com as fornecedoras que os fabricam.
166
As vantagens obtidas pela MHA na relação de fornecimento das
empresas locais, além da redução dos custos e riscos é o controle do estoque,
em decorrência da eliminação do aspecto referido. Pois, segundo a empresa, o
fornecimento local resolveu dois problemas: o primeiro está relacionado à
logística em função do controle do estoque. E o segundo, pela redução dos
custos. No entanto, essa relação apresenta uma série de dificuldades
estruturais, que muitas vezes atrapalha a relação entre essas firmas.
Tais dificuldades são inerentes às limitações das empresas ligadas à
rede centralmente a respeito da incompatibilidade técnica de equipamentos e
financeira. A partir deste aspecto, surgem outros, como a demora em
solucionar os problemas que vão surgindo, como o de adequação às novas
necessidades tecnológicas. Para isso, torna-se necessária a compra de um
novo equipamento para atender a tais necessidades. No entanto, além da falta
de atualização de algumas fornecedoras da rede, esbarra-se também nos
limites financeiros das empresas.
Tais limitações são sentidas, conforme diz a empresa, que a morosidade
ocorre também na falta de celeridade do atendimento de peças, em ocasiões
necessárias, como o que ocorre em períodos de aquecimento do comércio,
ameaçando afetar as metas de produção da empresa focal. Além da falta de
know how sobre as novidades tecnológicas, em termos de peças e
componentes mais adequados em termos de qualidade, e da falta de agilidade
das firmas fornecedoras, decorrente da inadequação estrutural, o que ameaça
prejudicar a dinâmica do processo produtivo e o atendimento ao mercado da
empresa focal.
À falta de agilidade, às limitações técnicas e de equipamentos e
financeira se somam a debilidade do know how organizacional. Tais
complicadores estão expressos na debilidade técnica dos especialistas das
firmas fornecedoras. Para o que a MHA precisa muitas vezes mobilizar o seu
market share para solucionar os problemas que surgem tanto no processo
produtivo, quanto no aspecto organizacional.
Ainda que os administradores da atriz principal da rede digam que sua
relação com os fornecedores é de parceria. Percebemos que em certos
aspectos a relação é de subordinação, uma vez que a determinação dos
167
prazos, da utilização do tipo de tecnologia, do uso dos equipamentos
implicados no processo produtivo, da quantidade e da qualidade das peças,
componentes, subconjuntos a serem produzidos é da organização principal da
rede. E, de dependência, porque as empresas fornecedoras estão sempre
necessitando de assistência tanto dos especialistas da MHA, para solucionar
seus problemas relativos ao processo produtivo, quanto do market share para
resolver as dificuldades de ordem organizacional.
Portanto, consideramos que mais três aspectos caracterizam a rede da
MHA, entre os quais, o primeiro diz respeito ao fato de percebemos que há
uma interação entre a organização focal e as fornecedoras da rede. Essa
interação ocorre nos aspectos da qualidade, porque se trata inclusive, de um
dos critérios para a contratação do fornecimento, o que implica uma das
maiores exigências da atriz principal da rede. O segundo está relacionado à
técnica e a questão tecnológica, uma vez que a protagonista da rede interfere
na compra de equipamentos para as suas fornecedoras, quando isto é
necessário. E o terceiro tem a ver com o treinamento para a transferência de
conhecimento da MHA aos especialistas das fornecedoras da rede e, em
algumas ocasiões, são compartilhados para a troca de experiência na rede.
168
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