12.03.2009 às 23:23 Costa Rica, por fim

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12.03.2009 às 23:23 Costa Rica, por fim
12.03.2009 às 23:23
Costa Rica, por fim
Homero Fonseca
O
transporte coletivo é bom, como no caso da viação Busetas Heredianas, de
Herédia, na área metropolitana de San José
Com aquela renda per capita de 13 mil dólares,
um povo praticamente (97%) alfabetizado e uma
história notável de conquistas políticas e sociais,
por que a Costa Rica atual começa a apresentar
os sintomas de uma sociedade enferma, como as
favelas de zinco que vimos ao redor de San
José,
a
prostituição
escancarada
nas
circunvizinhanças dos hotéis-cassinos, os
camelôs e mendigos do centro da cidade e a
violência estampada diariamente nas manchetes
dos jornais, implícita nos folhetos de orientações
oficiais aos turistas e na recomendação solidária
de populares de não nos atrevermos a andar em
áreas particularmente perigosas?
(É verdade que a questão da insegurança, tão
alardeada, parece irrisória se comparada aos
padrões brasileiros: enquanto o número de
homicídios na Costa Rica saltara de 349 casos
em 2007 para 435 no ano passado, um aumento
preocupante de 24,6%, no Brasil são registradas
48 mil mortes violentas por ano.)
Conversamos com alguns costarriquenhos.
O economista Óscar, em longo diálogo nas escadarias da Biblioteca Nacional, tem uma interpretação pronta: Costa Rica é
excepcional por ter tido bons presidentes, ter uma classe média forte e um nível de educação alto, mas “nos últimos anos as
coisas pioraram, devido aos meios de comunicação -- cinema, TV e internet, cuja ação produz violência, pouca leitura e
jovens desmotivados”.
O gazeteiro Don José Manuel tem uma explicação não muito distante da do economista: “A violência é grande. Há muitos
bairros conflitivos. O problema está na falta de autoridade dos pais. Os filhos fazem o que querem e dá nisso.”
Randall, guia de turismo, explicou-nos, a caminho do vulcão Irazu, que a violência explodiu há uns quatro, cinco anos. “A
origem está nas drogas”.
Tudo isso conta, sem dúvida, são explicações necessárias, mas não insuficientes.
O fato é que, no bojo da crise mundial do início dos anos 80, o presidente de então, Óscar Árias, agraciado com o Prêmio
Nobel da Paz pela mediação e resolução do recorrente conflito entre Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua,
integrante do PLN, o mesmo partido social democrata de Don Pepe Figueres, liderou uma guinada política na direção do
neoliberalismo como saída para a recessão. Essa política foi continuada e aprofundada por seus sucessores e pelo próprio
Árias, atualmente no poder, reeleito para novo período presidencial.
No mês passado, nas comemorações pelo centenário de nascimento de José Figueres, Árias tratou de explicar-se: “Dele (de
Don Pepe) aprendemos que se na luta política é vital conservar o apego aos ideais é igualmente imprescindível ser flexíveis
quanto aos caminhos a escolher-se para alcançar aqueles ideais”.
É emblemático, entretanto, que o mesmo Árias que, como um Fernando Henrique centro-americano, vem privatizando setores
como telecomunicações e energia, implantou, no ano passado, numa tentativa de abrandar os efeitos perversos de suas
opções econômicas flexíveis, um programa denominado “Avancemos”, exatamente nos mesmos moldes do Bolsa-família de
Lula.
Árias também conseguiu o feito de fazer aprovar em plebiscito, em 2007, a adesão da Costa Rica ao Tratado de Livre
Comércio com os Estados Unidos que o resto da América Central aprovou sem consulta popular, mas às custas de
escancarar uma nação dividida: os escassos 3% de vantagem pró-TLC motivaram denúncias de fraude e abuso do poder por
sindicatos e oposição. Há indícios de comoção social e não por acaso o governo tem reprimido o movimento sindical,
prendendo líderes trabalhistas e gerando novos protestos, como os cartazes afixados nas ruas clamando pela liberdade dos
sindicalistas Alicia Vargas e Luis Salas.
E embora como o taxista Memo (Guillermo) sensatamente ponderou seja cedo para avaliar as consequências do Tratado de
Livre Comércio para o cotidiano da população, a incerteza parece minar a notória autoconfiança dos “ticos”, sempre
orgulhosos de seu passado histórico e seu bem sucedido (até a década de 80) estado de bem estar social, explicando, quem
sabe, a enigmática frase de abertura da exposição permanente do Museu Nacional: “O futuro da Costa Rica é incerto”.

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