a construção da desproteção social no contexto histórico
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a construção da desproteção social no contexto histórico
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL A CONSTRUÇÃO DA DESPROTEÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO HISTÓRICO-CONTEMPORÂNEO DO TRABALHADOR EXPOSTO AO AMIANTO Tese de Doutorado Dolores Sanches Wünsch Orientadora: Profª. Drª. Jussara Maria Rosa Mendes Porto Alegre Dezembro/2004 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL A CONSTRUÇÃO DA DESPROTEÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO HISTÓRICO-CONTEMPORÂNEO DO TRABALHADOR EXPOSTO AO AMIANTO Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Serviço Social. Dolores Sanches Wünsch Orientadora: Profª. Drª. Jussara Maria Rosa Mendes Porto Alegre Dezembro/2004 Porto Alegre, 25 de janeiro de 2005. A CONSTRUÇÃO DA DESPROTEÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO HISTÓRICO-CONTEMPORÂNEO DO TRABALHADOR EXPOSTO AO AMIANTO Dolores Sanches Wünsch Esta tese foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora para a obtenção do Título de: DOUTORA EM SERVIÇO SOCIAL E aprovada na sua versão final em ...................................................................., atendendo às normas da legislação vigente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. ................................................................... Profª. Dra. Jussara Maria Rosa Mendes Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social Banca Examinadora: ............................................................. Profª. Drª. Jussara M. Rosa Mendes .............................................................. Profª. Drª. Maria da Graça L. Hoefel .................................................................. Prof. Dr. Ricardo Luiz Coltro Antunes ......................................................... Profª. Drª. Annie Thébaud-Mony ................................................ Profª. Drª. Jane Cruz Prates AGRADECIMENTOS Agradecer é percorrer o caminho de volta, e (re)colher nele pessoas, sentimentos, lembranças, esperanças e conquistas. Encontram-se nele pessoas especiais, cada qual com um significado singular na trajetória percorrida para a construção desta tese e em nossa vida. São pessoas que merecem meu reconhecimento, agradecimento e afeto. Tenho a certeza de que os tempos presente e o futuro fortaleceram os sentimentos expressados nos agradecimentos que seguem. Para Paulo, Marina e Karla, pedaço inteiro do meu coração, que, muitas vezes, sofreu pela ausência e pela distância de vocês. Ao meu pai, Carlos (in memória), à minha mãe, Lourdes, e a meus irmãos, Berto, Silvio e Margarete, pela família da qual me orgulho. À Jussara Maria Rosa Mendes, orientadora, mestre, mas também amiga e parceira, que, com seus ensinamentos e exemplo, transformou os momentos difíceis dessa caminhada em crescimento e aprendizado. Aos trabalhadores que fazem e contam a história, em especial ao Jorge Rodrigues, exPresidente e Diretor do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul, por sua imprescindível contribuição histórica, e aos demais diretores, Ramiro, Adão e Camelo. A 5 todos os trabalhadores e a seus familiares, sujeitos da pesquisa, que, de forma singular, resignificaram o presente. A Paulo Antônio Barros Oliveira, co-orientador, que instigou a reflexão com sabedoria, desafiando-nos a buscar respostas e a conexão nas inquietações. Aos membros da banca de qualificação da Tese, Professores Doutores: Annie Thébaud-Mony, Jane Cruz Prates, Jussara Maria Rosa Mendes e Maria da Graça Hoefel, pela brilhante, precisa e insubstituível contribuição de cada um na construção e na finalização desta tese. Bem como, ao Professor Doutor Ricardo Antunes, pela contribuição imprescindível que, com certeza, trará na banca final. Ao Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul, pela acolhida e pelo apoio, através de seus Diretores Assis, Eremi, Mari e Werner; aos advogados Maisa, Assis e João; aos funcionários Aline, Fátima, Saulo, Alcebiades e Jô e demais integrantes que contribuíram de forma indireta. Aos Advogados Paulo Freitas e Paulo Ferreira e aos demais técnicos, médicos e engenheiros, pelos depoimentos prestados, que se revelaram de grande valia à pesquisa de campo. À Engenheira Fernanda Giannasi, Coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América, pelo material disponibilizado e pelo exemplo de vida e luta em defesa das vítimas. Também aos Professores René Mendes e Victor Wünsch Filho, pela atenção dada aos questionamentos realizados e à contribuição bibliográfica. 6 Aos colegas da Previdência Social, que, de uma forma ou de outra, foram sendo envolvidos no processo de pesquisa, quer pelas indagações trazidas, quer pela busca de informações ocultadas no sistema previdenciário. Em particular, à Maria e à Loiva, ao Zir e ao Walter, à Ana Luiza, à Eliege e à Clari. Aos colegas professores e aos alunos do Curso de Serviço Social da ULBRA/Carazinho, pela “escuta sensível” e pela compreensão de todos ao dividirem comigo momentos de preocupação e alegria, em particular, aos de mais longa caminhada, Rosângela, Jairo, Sheila e Tânia, cronologicamente citando. Às médicas Virgínia Dapper e Luciana Nussbaumer do Serviço de Vigilância em Saúde e da Saúde do Trabalhador da Secretaria Estadual de Saúde, pela contribuição dada ao processo de busca de informações e pelo trabalho desenvolvido na área de vigilância da população exposta ao amianto. Aos demais técnicos da Secretaria Estadual de Saúde vinculados ao Núcleo de Informações em Saúde, ao Núcleo de Pneunomologia e à 5ª Coordenadoraia de Saúde de Caxias do Sul, pelas receptividade e disponibilidade de informação. Aos professores do PPGSS/PUCRS, pelos ensinamentos recebidos e pelos espaços de discussão oportunizados em todas as disciplinas, em especial, ao Professor Carlos Nelson dos Reis e à professora da disciplina de Análise de Conteúdo e Documento Histórico, Drª. Núncia Santoro De Constantino. Aos colegas de Doutorado do PPGSS/PUCRS, por dividirem coletivamente espaços de discussão e aprendizado, e aos funcionários, pelo impecável apoio administrativo. Aos 7 integrantes do Núcleo de Estudos em Saúde e Trabalho (NEST), pela contribuição de cada um nos raros e imprescindíveis momentos em que compartilhei a companhia. Aos amigos(as) que incentivaram, torceram e estavam ao nosso lado, mesmo que em pensamento, e outros que, de uma forma ou de outra, tiveram participação nessa caminhada, aos quais espero poder retribuir palavras e gestos maravilhosos, Fernando, Iara, Marta, Tafarel, Graça, Bete, Eunice, Sônia, Flávia, Márcia, Solange, Sadi, David, Haidê, Uldejanes, Beatriz, Karina, Ivadete, Neice, Eliana, Inês, Vera e muitos outros(as). À CAPES, pelo apoio e pelo fomento dados ao presente Curso de Doutorado em Serviço Social. Por fim, a todas as pessoas que compartilham da luta por uma sociedade igualitária e na defesa da saúde do trabalhador! “O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso Que idéia tenho eu das cousas? Que opinião eu tenho sobre as causas e os efeitos? [...] Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas)” (Alberto Caeiro - heterônimo de Fernando Pessoa, 2004). “O aspecto mais problemático do sistema do capital, apesar de sua força incomensurável como forma de controle sociometabólico, é a total incapacidade de tratar as causas como causas, não importando a gravidade de suas implicações a longo prazo” (Istvàn Mészáros, 2002). SUMÁRIO Lista de Siglas...................................................................................................................... 11 Lista de Figuras ................................................................................................................... 13 Lista de Quadros .................................................................................................................. 14 Lista de Tabelas ................................................................................................................... 15 RESUMO................................................................................................................................ 16 RESUMÉ ................................................................................................................................ 17 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 18 1 – A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO E SEUS REBATIMENTOS NA PROTEÇÃO SOCIAL ....................... 23 1.1 – AS MUTAÇÕES DO PARADIGMA TÉCNICO-PRODUTIVO E SUAS REPERCUSSÕES NOS PROCESSOS DE TRABALHO .................................................................................................... 25 1.2 – TRABALHO E CONFIGURAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA NA ATUALIDADE .......................... 34 1.2.1 – Desenvolvimento das Forças Produtivas e Organização do Trabalho ...................... 35 1.2.2 – Classe Operária e suas Conformações Históricas e Contemporâneas ...................... 40 1.3 – CAPITAL-TRABALHO, ESTADO E PROTEÇÃO SOCIAL ...................................................... 54 2 – A LACUNA ENTRE SAÚDE E TRABALHO, CONSTRUÍDA A PARTIR DOS RISCOS “SOCIALMENTE” ACEITÁVEIS ........................................................................................................................... 68 2.1 – O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DA SAÚDE DO TRABALHADOR ..................................... 70 2.2 – O RECONHECIMENTO DA SAÚDE-DOENÇA NO PROCESSO DE TRABALHO: COMPONENTES DE UMA VISÃO MULTILATERAL ..................................................................... 72 2.3 – O ACIDENTE E A DOENÇA RELACIONADA AO TRABALHO ............................................... 76 2.4 – O AGENTE AMIANTO: GERMINANDO O OCULTO PROCESSO DE SAÚDE-DOENÇA ............. 93 2.4.1 – Revisão Epidemiológica sobre o Amianto................................................................. 94 2.4.2 – O Mineral Amianto como Matéria-Prima no Processo de Trabalho e os Mecanismos de “Proteção” ao Trabalhador...................................................................... 106 2.5 – O POSICIONAMENTO DO GOVERNO BRASILEIRO FRENTE AO BANIMENTO DO AMIANTO NO QUADRO ATUAL ............................................................................................................ 119 2.6 – AÇÕES CONTRA O AMIANTO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL – OS CONTRAPODERES ................................................................................................................ 123 10 3 – A GÊNESE DE UMA HISTÓRIA INVISÍVEL: A (DES)PROTEÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DO TRABALHADOR EXPOSTO AO AMIANTO ................................................................................... 139 3.1 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO .......................................... 141 3.1.1 – O Trabalhador enquanto Sujeito Histórico: A Unidade entre Objetividade e Subjetividade ..................................................................................................................... 145 3.2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INVISIBILIDADE: APONTAMENTOS METODOLÓGICOS ........ 150 3.3 – APROXIMAÇÕES COM O OBJETO: SITUANDO O LUGAR E A CATEGORIA DO ESTUDO ....... 155 3.4 – O PERCURSO METODOLÓGICO NO MOVIMENTO DE INVESTIGAÇÃO E DESCOBERTA DA REALIDADE ........................................................................................................................ 161 3.5 – AS REVELAÇÕES DE QUEM FAZ HISTÓRIA: AS DESCOBERTAS QUE REVERTEM A LÓGICA DA SAÚDE NO TRABALHO.................................................................................................... 168 3.5.1 – Em Busca da Proteção à Saúde – Baixando a Neblina, Controlando Riscos........... 171 3.5.2 – Da Resistência em Busca do Uso Controlado a Luta pelo Banimento: A Ação Sindical sob Nova Ótica..................................................................................................... 175 3.5.3 – O Estágio Atual: O Banimento e o Desaparecimento dos Riscos ............................ 178 4 – RESSIGNIFICANDO O PRESENTE: UMA APROXIMAÇÃO COM OS OCULTOS SUJEITOS DA HISTÓRIA ............................................................................................................................ 181 4.1 – O ESPAÇO FABRIL: CONDIÇÕES E MEIOS DE PRODUÇÃO .............................................. 190 4.2 – A RELAÇÃO AMIANTO, DOENÇA E MORTE: O NEXO SILENCIADO ................................ 196 4.3 – ROMPENDO O SILÊNCIO: A BUSCA PELOS DIREITOS ..................................................... 213 CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 216 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 226 ANEXOS ANEXO 1 – Termo de Consentimento Pós-Informação LISTA DE SIGLAS ABEPSS ABREA ANDEVA APS CA CAT CEDOP CI CID CIPA CLT CNC CNI CNIS CNTI CONAR CRS CUT DIEESE DORT DPOC DRA DRT EPI FAT FINAFF FIOCRUZ FMI FNATH GIA IBGE INAMPS INPS INSERM INSS L´ALERT LER LOAS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto Association Nationale de Défense dês Victimes de L´amiante Agência da Previdência Social Certificação de Aprovação Comunicação de Acidente de Trabalho Centro de Documentação, Pesquisa e Formação em Saúde e Trabalho Comissão Interministerial Código Internacional de Doenças Comissão Interna de Prevenção de Acidentes Consolidação das Leis do Trabalho Comandos Numéricos Computadorizados Confederação Nacional da Indústria Cadastro Nacional de Inscrição Social Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária Coordenadoria Regional de Saúde Central Única dos Trabalhadores Departamento Insersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica Doença Relacionada ao Amianto Delegacia Regional do Trabalho Equipamentos de Proteção Individual Fundo de Amparo ao Trabalhador Fabrica Italiana Nastri Ed Anelli Per Freni e Frizioni Fundação Oswaldo Cruz Fundo Monetário Internacional Fédération Nationale des Accidentés du Travail et des Handicapés Grupo Interinstitucional do Amianto Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social Instituto Nacional de Previdência Social Institut National de la Santé e de la Recherche Medicale Instituto Nacional do Seguro Social Association Pour L´etude des Risques au Travail Lesões por Esforço Repetitivo Lei Orgânica da Assistência Social 12 MME MPAS MT NEST NIS NR OIT OS PAIST PCMSO PED PEP PIB PIS PNAD PUCRS PPGSS S/A SEADE SES SIMECS STIMMME SUS UFRGS USP VLE WTC Ministério de Minas e Energia Ministério da Previdência e Assistência Social Ministério do Trabalho Núcleo de Estudos em Saúde e Trabalho Núcleo de Informações sobre Saúde Norma Reguladora Organização Internacional do Trabalho Ordem de Serviço Política de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional Pesquisa de Emprego e Desemprego Programa de Educação Previdenciária Produto Interno Bruto Programa de Inscrição Social Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Serviço Social Sociedade Anônima Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados Secretaria Estadual de Saúde Sindicato das Indústrias Metalúrgicas de Caxias do Sul Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metal Mecânica e Material Elétrico de Caxias do Sul Sistema Único de Saúde Universidade Federal do Rio Grande do Sul Universidade de São Paulo Valor Limite de Exposição World Trade Center LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – FIGURA 2 – FIGURA 3 – Foto do mineral (amianto) bruto..................................................................... 95 Foto das fibras do material ao microscópio.................................................... 95 Tripé de investigação...................................................................................... 188 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 – QUADRO 2 – Desenvolvimento conceitual da saúde do trabalhador............................... Principais doenças relacionadas à exposição ao amianto, com suas características, sintomas e períodos de latência......................................... QUADRO 3 – Cronologia de leis sobre a proteção contra o amianto............................... QUADRO 4 – Agentes patogênicos causadores de doenças profissionais – Anexo II e Agentes ou fatores de risco de natureza ocupacional com a etiologia de doenças profissionais – Lista A e Demais doenças relacionadas ao trabalho – Lista B – relacionado ao amianto.............................................. QUADRO 5 – Síntese dos eventos mundiais na luta contra o amianto e as estratégias traçadas....................................................................................................... QUADRO 6 – Países que já decidiram pelo banimento total do amianto......................... QUADRO 7 – Mecanismos sociais de invisibilidade das doenças provocadas pelo amianto segundo a ABREA....................................................................... QUADRO 8 – Síntese do percurso metodológico e das etapas da pesquisa...................... QUADRO 9 – Classificação das situações e/ou agravos relacionados à exposição ao amianto que geraram a amostra representativa da pesquisa de campo...... QUADRO 10 – Amostra dos trabalhadores com doenças e óbitos relacionados ao amianto....................................................................................................... 73 100 110 115 128 131 135 166 185 187 LISTA DE TABELAS TABELA 1 – TABELA 2 – TABELA 3 – TABELA 4 – TABELA 5 – TABELA 6 – TABELA 7 – TABELA 8 – TABELA 9 – TABELA 10 – Distribuição percentual dos ocupados no setor de atividade industrial, nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Porto Alegre – 19891999............................................................................................................. Taxas de desemprego total nas regiões metropolitanas do Brasil – 198999................................................................................................................. Distribuição dos postos de trabalho gerados por empresas, segundo a forma de contratação, nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Porto Alegre – 1989, 1993-1999........................................................................... Quantidade de acidentes de trabalho registrados, segundo o motivo, em algumas Unidades da Federação – 2002...................................................... Quantidade de acidentes de trabalho registrados, segundo a parte do corpo atingida, no Brasil – 2002.................................................................. Quantidade de acidentes de trabalho registrados, segundo o motivo e os 50 códigos da CID mais incidentes, no Brasil – 2002................................. Quantidade de acidentes de trabalho registrados, por faixa etária e sexo, no Brasil – 2002........................................................................................... Freqüência de óbitos por mesotelioma (C-45) por município de residência e faixa etária no RS – 1999-03................................................... Freqüência de óbitos por pnemoconiose devida ao amianto e outras fibras mineiras (J-61) por município de residência e faixa etária no RS – 199903................................................................................................................. Fluxo de admissões e demissões dos metalúrgicos de Caxias do Sul – 1995............................................................................................................. 48 50 51 86 87 87 88 102 102 160 RESUMO Esta tese analisa e desoculta a realidade social dos trabalhadores expostos ao amianto, no Rio Grande do Sul, partindo do contexto sócio-histórico e das repercussões na contemporaneidade sobre a sua saúde. Tem-se presente que as doenças relacionadas à exposição ao mineral se manifestam após prolongado período de latência, com implicações sobre seu processo de reconhecimento e a proteção social do trabalhador. Paradoxalmente, os mecanismos de vigilância e monitoramento da população exposta são incipientes. Defende-se a tese de que a desproteção social dos trabalhadores expostos ao amianto se apresenta duplamente invisível: por um lado, mascara-se a história ocultando todo o processo de desproteção ocupacional e, em conseqüência, o reconhecimento das doenças relacionadas e os direitos decorrentes no âmbito da proteção social; e, por outro, a fase pós-banimento do mineral, que embora represente um avanço imprescindível nessa luta, vem se constituindo em outra forma de ocultamento dessa realidade, na medida em que tem ampliado os níveis de desinformação sobre seus agravos. A pesquisa foi desenvolvida junto aos trabalhadores que, nos seus processos de trabalho, utilizavam como matéria-prima o amianto na fabricação de autopeças, constituindo-se nas duas últimas décadas, no maior segmento da população exposta no Estado, localizando-se na Cidade de Caxias do Sul. Metodologicamente, trabalhou-se com a perspectiva da construção social da invisibilidade, percorrendo diferentes caminhos e combinando abordagens quantitativas e qualitativas, através de uma triangulação das múltiplas modalidades de investigação, o que indicou a necessidade de centrar a pesquisa em um estudo de caso dos trabalhadores da maior empresa brasileira do setor de automotivo. Recompõe-se a história através da narrativa dos sujeitos envolvidos na luta pela proteção dos trabalhadores e pelo banimento do amianto, constatando-se que esse contexto se reveste de uma ambígua realidade, configurada nas décadas de 80 e 90, em meio a condições de trabalho precárias e com altos níveis de exposição às fibras de amianto. Após, chega-se aos sujeitos vitimados, compondo uma amostragem de trabalhadores que adoeceram e/ou morreram por patologias associadas à exposição ao amianto. Estes compartilham histórias que vão ressignificar o presente e contribuir para a identificação dos mecanismos sociais que vêm ocultando os processos de doença e morte relacionados ao trabalho. Conclui-se que a desproteção social do trabalhador exposto ao amianto é construída em meio à contraditória e desigual relação entre capital e trabalho, num contexto histórico e também contemporâneo que expressa e contribui para a invisibilidade dessa problemática, uma vez que a alienação da força de trabalho, concebida como mercadoria e com um papel social secundarizado no processo de produção, conjuga a ausência histórica da vigilância em saúde do trabalhador e as dispersas informações sobre as doenças e mortes relacionadas à exposição ao amianto. Alia-se a isso o não-reconhecimento das doenças de latência e a identificação do banimento do mineral com o fim dos agravos sobre a saúde da população exposta. A perspectiva de ruptura com o ocultamento do nexo, silenciado, entre amianto, doença e morte, será possível através da organização social e sindical das vítimas na garantia do reconhecimento legal dos seus direitos e por efetivos monitoramento, vigilância e assistência à população exposta. Palavras-chave: Serviço Social; Trabalho; Saúde; Amianto; Doença e Morte no Trabalho; Desproteção Social e Invisibilidade. RÉSUMÉ Cette thèse analyse et fait découvrir la réalité sociale des ouvriers exposés à l’amiante dans l’État du Rio Grande do Sul, Brésil, à partir d’un contexte sócio-historique et de ses répercussions sur leur santé dans la contemporanéité. On considère que les maladies qui ont rapport avec l’exposition au minéral se manifestent après une longue période de latence, ce qui cause des entraînements sur leur processus de reconnaissance et sur la protection sociale de l’ouvrier. Paradoxalement, les mécanismes de surveillance et de contrôle de la population y exposée sont encore naissants. On soutient la thèse que le délaissement actuel des ouvriers exposés à l’amiante se présente doublement invisible : d’une part, on masque l’histoire quand on cache tout le processus de délaissement dans le domaine du travail et, en conséquence, la reconnaissance des maladies qui s’y rapportent et les droits qui en sont advenus dans le domaine de la protection sociale ; et, d’autre part, la phase post-bannissement du minéral, qui représente une avance indispensable dans cette lutte, vient de constituer, elle aussi, une autre forme de cacher cette réalité à mesure qu’elle étend les niveaux de méconnaissance des dommages qu’il cause. La recherche a été développée chez les ouvriers qui faisaient l’usage de l’amiante comme matière-première dans la fabrication de pièces automobiles, ce qui est devenu, pendant les deux dernières décades, le plus grand secteur de la population exposée à l’amiante dans l’État, à la ville de Caxias do Sul. La méthodologie employée a été développée sous la perspective de la construction sociale de l’invisibilité et a parcouru de différents chemins en combinant des approches quantitatives et de qualité par le moyen d’une triangulation parmi les multiples modalités de recherche, ce qui a indiqué le besoin de centrer la recherche sur une étude chez la plus grande industrie brésilienne dans le secteur automobile. On rétablit l’histoire à travers le récit de divers sujets mis à la lutte envers la protection des ouvriers et le bannissement de l’amiante, en vérifiant que ce contexte se revêt d’une réalité ambiguë configurée dans les décades 80 et 90, parmi des conditions de travail précaires et sous des très hauts niveaux d’expositions aux fibres d’amiante. Ensuite, on arrive aux sujets victimes, en composant un échantillon d’ouvriers qui sont tombés malades et même sont morts à cause des pathologies concernant l’exposition à l’amiante. Ces ouvriers partagent des histoires qui vont donner un nouveau signifié au présent et aussi contribuer à l’identification des mécanismes sociaux qui sont en train de cacher les processus de maladie et de mort qui se rapportent au travail. On conclut que le délaissement social de l’ouvrier exposé à l’amiante est construit au milieu d’une relation contradictoire et inégale entre le capital et le travail, dans un contexte historique et aussi contemporain qui contribue à l’invisibilité de ce problème. On considère l’aliénation de la main-d’oeuvre, concue comme une marchandise et ayant un rôle social sécondaire dans les moyens de production et qui conjugue l’absence historique de la surveillance sur la santé de l’ouvrier et les informations dispersées à propos des maladies et des morts causées par l’exposition au minéral et, en outre, la non-reconnaissance des maladies de latence et l’identification du bannissement du minéral à la fin des dommages sur la santé de la population y exposée. La perspective de rupture avec cette suite amiante, maladie et mort,cachée et omise, sera possible à travers l’organization sociale et syndicale des victimes en visant à la garantie de la reconnaissance légale de leur droits et à obtenir la surveillance, l’assistance et le contrôle vraiment effectifs pour la population exposée à l’amiante. Les mots-clés: Service Sociale; Travail; Santé; Amiante; Maladie et Mort au Travail; Délaissement Social et Invisibilité. INTRODUÇÃO Este estudo expressa a busca incessante do conhecimento sobre a realidade dos trabalhadores que adoecem e morrem em conseqüência de doenças produzidas ou desencadeadas pelo e no trabalho. Ele se lança, metodologicamente, por diferentes caminhos, com o propósito de identificar e compreender os ângulos mortos1, que têm contribuído para tornar invisível as desigualdades sociais reproduzidas no processo de saúde-trabalho. Todos são plenamente desafiadores e permitem trazer para a atualidade a particularidade dos trabalhadores expostos ao amianto2 e os efeitos sobre a sua saúde, a partir de um contexto incontestavelmente contraditório e invisível. A presente tese tem como ponto de partida a problematização de que a proteção social no contexto da saúde dos trabalhadores expostos ao amianto é revestida por uma complexa e obscura realidade, o que a torna multifacetada. O trabalhador, ao utilizar esse mineral como matéria-prima no seu processo de trabalho, está sujeito a apresentar uma lesão residual e progressiva na sua saúde. Assim, por tratar-se de doença de difícil diagnóstico e de longo período de latência, poderá trazer implicações sobre sua capacidade produtiva e ao processo de reconhecimento dos riscos e da doença profissional. Portanto, tem-se como primeiro 1 2 Termo cunhado pela Profª Jussara Mendes, referindo-se aos mecanismos sociais que têm contribuído para ampliar a invisibilidade social dos acidentes e das mortes relacionadas ao trabalho. O amianto/asbesto é uma fibra mineral considerada, cientificamente, como um agente patogênico causador de doença profissional. 19 pressuposto, o fato de que, historicamente, os possíveis danos à saúde do trabalhador, em particular à do exposto ao amianto, nunca foram reconhecidos e protegidos na dimensão que o risco exige. Como segundo pressuposto, tem-se a ausência de mecanismos de monitoramento e vigilância da população exposta que possibilitem a identificação de doenças relacionadas. O objetivo central da pesquisa, portanto, foi investigar a realidade dos trabalhadores expostos ao amianto e as expressões decorrentes desse fato relacionadas à proteção social, envolvendo os aspectos de trabalho e morbi-mortalidade. Buscou-se aprofundar e contribuir com um estudo sobre os processos de trabalho e suas implicações sobre a saúde do trabalhador. A pesquisa teve como foco os trabalhadores de empresas de fabricação de autopeças, que se constituem no maior segmento da população exposta ao amianto no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, com incidência na região serrana. Com base num estudo multidimensional, procurou-se investigar a relação entre exposição do amianto no processo de trabalho, nas décadas de 80 e 90, período de grande e desenfreada utilização do mineral na indústria automotiva, e suas repercussões, no contexto histórico e contemporâneo, sobre a saúde dos trabalhadores. A abordagem dessa temática segue o enunciado de que a saúde do trabalhador constitui-se em campo de permanente contradição entre capital e trabalho, reproduzindo nele a tendência historicamente presente no desenvolvimento das forças do capital, que, enquanto sistema hegemônico, conforma uma sociedade desigual. O descompromisso com a saúde no trabalho reflete essa desigualdade, materializada na organização dos processos produtivos e na secundarização do papel que o trabalhador ocupa nele, bem como não reconhece o trabalho 20 como desencadeante de doenças que danificam a saúde de quem produz, tornando-o descartável e substituível, na mesma lógica da dinâmica produtiva. A tese aqui defendida é a de que a desproteção social dos trabalhadores expostos ao amianto apresenta-se duplamente invisível: por um lado, mascara-se a história, ocultando todo processo de desproteção ocupacional e, em conseqüência, o reconhecimento das doenças relacionadas ao amianto e os direitos decorrentes no âmbito da proteção social; e, por outro, a fase pós-banimento do mineral, que, embora represente um avanço imprescindível nessa luta, vem se constituindo em outra forma de ocultamento dessa realidade, na medida em que tem ampliado os níveis de desinformação sobre seus agravos. A tese está organizada em quatro momentos. Discute-se, inicialmente, a degradação do trabalho e os rebatimentos na proteção social, partindo-se da análise dos processos de trabalho e de suas formas de organização, numa permanente interlocução com a configuração da classe operária em meio ao desenvolvimento das forças produtivas. Busca-se compreender, no contexto evidenciado, o papel do Estado na relação capital-trabalho, tendo como pano de fundo a proteção social, explicitada numa dimensão multifacetária. Num segundo capítulo, evidencia-se a lacuna existente entre saúde e trabalho, construída a partir de riscos “socialmente” aceitos pelo sistema do capital e que se refletem nas perspectivas de abordagens sobre a saúde do trabalhador descontextualizada do processo social e produtivo que permeia toda a sua vida. Assim, o movimento realizado foi o de aproximar a relação entre saúde e trabalho, bem como o de revelar o contexto obscuro no qual se processam os acidentes e as doenças relacionadas ao trabalho. Após, contextualiza-se o amianto enquanto agente nocivo, utilizado mundialmente e em larga escala, mais 21 precisamente no âmbito ocupacional. Resgata-se a legislação acerca do mineral, bem como os mecanismos e avanços obtidos para coibir e banir a sua utilização em diversas nações, a partir de ações que visam estabelecer contrapoderes à ordem instituída secularmente. A desproteção social no contexto do trabalhador exposto ao amianto constitui-se como gênese de uma história, identificada no terceiro capítulo como invisível. Essa invisibilidade é construída em meio a relações de poder socialmente determinadas, as quais promovem o seu ocultamento, sendo possível caminhar e avançar metodologicamente tendo como bússola um método que compõe uma teoria social crítica, referenciado pelo marxismo. Chega-se ao objeto de estudo, rompendo-se com o fetichismo do fenômeno pesquisado através da perspectiva metodológica da construção social da invisibilidade. Percorrem-se diferentes caminhos, combinando abordagens quantitativas e qualitativas, através de uma triangulação entre as múltiplas modalidades de investigação, o que indicou a necessidade de centrar a pesquisa em um estudo de caso dos trabalhadores na maior empresa brasileira do setor de autopeças e em número de trabalhadores expostos, neste segmento produtivo. Assim, ainda no terceiro capítulo, revela-se o contexto sócio-historico do trabalhador exposto ao amianto, apresentando a particularidade de uma empresa do setor automotivo que produz pastilhas e lonas de freios tendo como matéria-prima o mineral amianto –, nas últimas duas décadas. Recompõe-se a história deste período, que é contada por sujeitos que se envolveram na luta pela proteção à saúde do trabalhador, inicialmente se atendo ao seu caráter legal, mas que, progressivamente, ampliando a visão, culmina na busca da supressão do uso de amianto de natureza ocupacional e ambiental. Revela-se, nesse terceiro momento, uma realidade incontestável: a excessiva exposição ao amianto e a ausência de proteção ocupacional, em que pese toda a ação sindical e fiscal. Demonstra-se, por sua vez, que o 22 banimento do amianto na atualidade traz, para os dias de hoje, as duas faces dessa história: por um lado, representa uma conquista no campo da saúde do trabalhador e, por outro, cria uma representação social equivocada de que os efeitos nocivos do mineral desapareceram. Por fim, chega-se a uma aproximação com os sujeitos ocultados pela história igualmente oculta. Assim, no quarto capitulo, traz-se a ressignificação do presente, ao se identificarem trabalhadores que adoeceram ou morreram com doenças relacionadas ao amianto. Os mesmos emergiram de uma busca ativa, estabelecida a partir da constituição de uma rede que se ramifica em todas as etapas da pesquisa de campo e principalmente após a ruptura com as estatísticas oficiais. A amostragem apresentada é, pois, representativa de um fenômeno empírico mais amplo e explicita a convergência entre a história reconstruída e o passado-presente narrado pelos sujeitos vitimados pelo uso indiscriminado do amianto. É imprescindível, entretanto, reconhecer no processo de pesquisa o papel da incursão teórica no seu desenvolvimento, à qual as descobertas de campo acrescentaram contribuições inatingíveis, pela via do empirismo. Tem-se a consciência de que os fenômenos estudados e aqui apresentados são constitutivos de momentos valorosos e, com a certeza, inacabados. Perpassando todos os momentos da tese, apresentam-se algumas considerações finais, as quais geram inquietações, indagações e inconformismo frente à realidade evidenciada, mas, ao mesmo tempo, apontam perspectivas para que se possa romper com essa lógica, estabelecendo novas relações envolvendo novos sujeitos. Assim como o conhecimento da realidade social – matéria-prima a ser transformada –, já trouxe a possibilidade de substituição da matéria-prima amianto, esta agora aponta, indiscutivelmente, a necessidade de tornar visível o que, na atualidade, se manifesta de forma contraditória e duplamente invisível. 1 – A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO E SEUS REBATIMENTOS NA PROTEÇÃO SOCIAL A cronologia demarca períodos – breves ou prolongados –, da história que concentram características comuns de uma sociedade e as suas principais transformações e contradições. Talvez, por isso, vive-se com a impressão de que o momento presente sempre carrega algo de novo e desafia cada época a construí-lo. A virada para o século XXI trouxe consigo inúmeras projeções que recolocavam sobre ele a responsabilidade do novo. O capital buscou uma nova etapa de acumulação, a qual passou a ser chamada de flexível. O trabalho nutriu o desejo, sem muitas esperanças, de reverter a tendência de sua degradação, que se instaurou no último quarteirão do século passado. Passados poucos anos do início da “nova” era, constata-se a afirmação dessas tendências, legitimadas pelo curso histórico engendrado há mais de um século. Com esse propósito, buscar-se-á trilhar, neste primeiro capítulo, pelo menos em parte, o percurso das transformações históricas que subtraíram do trabalho, do Estado, e da proteção social elementos constitutivos do seu papel histórico, forjados com o desenvolvimento das forças produtivas. O exame do tempo presente indica um movimento evolutivo que redimensiona as relações sociais de produção e identifica uma permanente instabilidade. Aquilo que outrora 24 era tido como conjuntural foi se afirmando como estrutural, ou seja, não mais uma crise econômica momentânea do capitalismo, mas, sim, após sucessivas décadas, pode-se creditar ao próprio sistema social em curso o fator desencadeante e revelador de sua crise inerente. O trabalho, neste contexto, consolidou-se, principalmente no final do século XIX e em meio ao século XX, como fator de integração social, quer pelo crescimento da absorção da mão-de-obra, quer pela articulação entre a organização dos trabalhadores e conquistas sociais, que se transformaram em direitos sociais, tendo, no Estado, o regulador e o provedor de garantias legais. Portanto, os pilares da proteção social foram assentados nas necessidades sociais que emergiram da relação capital e trabalho. Sua edificação consolidou-se com o crescimento da classe operaria, sua organização e presença nos cenários político e social. Propõe-se aqui um debate sobre o percurso histórico que engendrou o trabalho como força insubstituível no processo de produção e suas mutações, as quais trazem rebatimentos no contexto da proteção social e vice-versa. Busca-se elucidar as transformações que ocorrem no seio destes e que, de forma degradante, vêm alterando os padrões da sociedade fundados no trabalho assalariado. Desse cenário, desponta uma nova configuração da classe operária, condicionada pelas modalidades de organização e gestão do trabalho, que fazem desaparecer os velhos mecanismos de proteção social e que, retrogradamente, impedem a emergência de novas formas de enfrentar o conflito capital e trabalho. 25 1.1 – AS MUTAÇÕES DO PARADIGMA TÉCNICO-PRODUTIVO E SUAS REPERCUSSÕES NOS PROCESSOS DE TRABALHO A premissa inicial desta análise passa pela compreensão de que a categoria trabalho não se restringe apenas a uma determinada atividade laboral do ser humano, mas de que essa atividade o permeia na sua totalidade. A operação física e mental do trabalho acaba por mediar um processo de transformação da natureza e da sociedade e contribui para a reprodução da vida social e material. São dimensões que se complementam pela significação ontológica enquanto necessidade humana e moral que constitui a especificidade do homem, sua identidade e sociabilidade. A existência humana pressupõe o trabalho como indissociável de sua condição; historicamente, seu sentido e organização vêm sofrendo mutações sem, no entanto, alterar o princípio básico da sua reprodução individual e social, pois a conexão entre homem e natureza incide mutuamente sobre as condições materiais necessárias à sobrevivência da vida humana. Abreviadamente, pode-se verificar que, desde as comunidades primitivas, onde existiam as formas instintivas de trabalho, passando, pelo escravismo, pelo feudalismo e pelo capitalismo, o trabalho foi constitutivo desses modos de produção. Com o advento do modo de produção capitalista, o trabalho ganha nova dimensão através das relações econômicas que se estabelecem entre o capitalista e o trabalhador, quando o primeiro compra trabalho como mercadoria. Assim sendo, Karl Marx, em O Capital, evidencia o duplo caráter do trabalho materializado na produção da mercadoria. Esta nada mais é do que o produto do trabalho, 26 servindo para satisfazer determinadas necessidades humanas e possuindo dois valores: o valor de uso e o valor de troca. O primeiro contém a dimensão qualitativa do trabalho e refere-se ao seu caráter de utilidade onde está contido o trabalho concreto, portanto, gerador de valor de uso. Mas a mercadoria é, ao mesmo tempo, um objeto útil e um condutor de valor. Essa duplicidade revela que a quantidade da força de trabalho despendida na produção da mercadoria é o trabalho abstrato, aquele que cria valor de troca ou, simplesmente, valor, pois o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade ou pelo tempo de trabalho incorporado a ela. Em outras palavras, a produção da mercadoria traz em si a contradição entre trabalho concreto e abstrato, entre valor de uso e valor de troca, e, portanto, a força de trabalho é também uma mercadoria que, ao ser utilizada no processo produtivo, cria valor. Nessa perspectiva, Marx (1980) amplia o conceito de trabalho para processo de trabalho, que se constitui no próprio processo de produzir valor. Porém ressalta, antes de tudo, o pressuposto do trabalho sob a forma exclusivamente humana, através do qual o ser humano interage com a natureza e, atuando sobre ela, a modifica e transforma a si mesmo, dando, assim, um sentido útil à vida humana. Desse modo, no processo de trabalho, a atividade do homem opera uma transformação no objeto sobre o qual atua por meio de um instrumental de trabalho e está subordinada a um determinado fim. Esse processo extingue-se ao ser concluído o produto, que tem um valor de uso, nas palavras do autor: “[...] um material da natureza adaptado às necessidades humanas através da mudança de forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou” (MARX, 1980, p. 205). 27 Portanto, são três os elementos que compõem o processo de trabalho, ainda segundo Marx (1980): a) a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho – ou a força de trabalho, que significa a totalidade da capacidade física e mental do trabalhador aplicada ao realizar o trabalho e que vai sendo aperfeiçoada pela sua habilidade e experiência; b) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho, a matéria--prima sobre a qual o trabalhador atua no processo de produção e que sofre uma transformação; c) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho, que formam um complexo de coisas que se colocam entre o trabalhador e o objeto de trabalho, no sentido de facilitar, tornar mais eficiente ou eficaz a sua ação sobre o objeto. Os instrumentos de trabalho em conjunto com o objeto de trabalho formam os meios de produção. O trabalho, ao se organizar através de um processo, ganha múltiplas formas, tais são as diversidades de processos de naturezas distintas, porém têm em comum a produção de uma mercadoria. Esta, por sua vez, é a unidade do valor de uso e do valor de troca, pois transgride a simples satisfação de uma necessidade, na medida em que esta se efetiva através do uso prolongado da força de trabalho, que, por conseguinte, gera valor excedente, comparado ao tempo socialmente necessário à produção dessa mercadoria, o que se denomina mais-valia, tema a ser melhor tratado no decorrer deste capítulo. Retomando a análise dos processos de trabalho, constata-se, ao se fazer uma incursão em sua evolução histórica, que as principais mudanças que foram ocorrendo na esfera produtiva dizem respeito à sua base material, principalmente nos meios de trabalho e nas suas formas de gestão. Estas, por sua vez, evidenciam as diferentes configurações econômicas e 28 sociais de cada período de desenvolvimento histórico, ou seja, “[...] o que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz” (MARX, 1980, p. 204). As profundas transformações sociais e econômicas, portanto, podem ser compreendidas sob as três revoluções industriais, partindo-se, retrospectivamente, do marco histórico da Primeira Revolução Industrial3 – iniciada no século XVIII –, passando pelas duas subseqüentes, ocorridas no século passado. A Primeira Revolução teve como base material, fundamentalmente, a máquina a vapor e a de fiar e como base organizacional a produção fabril e o trabalho assalariado. A ocupação da mão-de-obra deu-se basicamente no emprego industrial. O trabalho realizado era em forma semi-artesanal, insalubre e pesada e exigia do trabalhador pouca qualificação e, fundamentalmente, dispêndio físico, para dar conta do ritmo imposto pela exigência da produtividade crescente. A mecanização trouxe também a perplexidade aos trabalhadores diante de um novo paradigma produtivo, onde a máquina, ao mesmo tempo em que impunha o ritmo e as condições de trabalho, concentrava os trabalhadores em espaços comuns, onde passavam a vivenciar, de forma coletiva, processos sociais que incidiam sobre suas condições de vida e de trabalho. Datam dessa época as primeiras organizações dos trabalhadores. Com o advento da indústria automobilística, em 1913, assentada na eletricidade e na eletromecânica (JOFILLY, 2002), iniciou-se um novo ciclo produtivo, a chamada Segunda Revolução Industrial, que teve como base organizacional uma nova forma de gestão do trabalho, que protagonizou, no início do século passado, o emblemático paradigma fordista/taylorista. Este se processava através da produção em série de linhas de montagem, 3 A Primeira Revolução Industrial é datada de 1780, tendo como país-líder a Inglaterra, com o surgimento da indústria têxtil (algodoeira). 29 onde a rigidez do trabalho era expressa sob forte controle – fordismo – e onde a execução do trabalho era submetida ao gerenciamento científico – taylorismo. Esse modelo de gestão tornou o trabalho cada vez mais fragmentado, intenso, rotineiro, hierarquizado e, ao mesmo tempo, não qualificado, mas com certo nível de especialidade. O trabalhador, progressivamente, mais aglomerado nas grandes indústrias, reforçou sua organização sindical e passou a lutar por garantias sociais, conquistando melhores salários, previdência social, menores jornadas de trabalho, dentre outras. Após a década de 30, identificou-se o surgimento do Estado de Bem-Estar Social, que, resumidamente, pode ser caracterizado como tendo por base a doutrina keynesiana, em contraposição ao liberalismo, aliada ao fordismo/taylorismo. A aliança entre o Estado e o sistema produtivo garantiu o pleno emprego, o desencadeamento de um aumento no consumo de massas, e o ascender de um ciclo econômico onde o crescimento do capital se efetivou através da ampliação dos monopólios e da verticalização das relações interempresariais. Por fim, chegou-se à Terceira Revolução Industrial, através da evolução da base material, que manteve como carro-chefe o setor automobilístico, mas ampliou para o eletroeletrônico, dando espaço a uma nova tecnologia de nível superior. O paradigma organizacional assenta-se no toyotismo4. Verifica-se que essa fase do processo produtivo mundial está aliançada na emergência da doutrina neoliberal, permitindo ao capital uma nova retomada da sua composição, ou seja, a forma de acumulação não ocorre mais pelo consumo, mas pela facilidade de concentração e centralização do capital, através da “mundialização” da economia, que abre as fronteiras para os grandes aglomerados industriais e comerciais. 4 Assim chamado devido a referência ao modelo japonês de organização da produção e do trabalho. 30 Essa fase de acumulação capitalista começou a ganhar forma em meados da década de 70, assentada, então, no novo paradigma técnico-produtivo e sua reestruturação produtiva, o qual pode ser analisado sob duplo aspecto: primeiro, como parte do desenvolvimento objetivo da economia mundial, impulsionado pela Terceira Revolução Industrial e, segundo, como resposta do capital à sua crise de acumulação. Buscava-se, assim, a retomada de um novo ciclo de desenvolvimento capitalista e a recomposição da margem de lucro e introduzia-se a flexibilização dos sistemas produtivos em busca de uma melhor adaptabilidade econômica. Portanto, o que se tem em curso é um padrão de desenvolvimento tecnológico e econômico tensionado, fundamentalmente, pela redução dos custos da produção e da força de trabalho, como forma de manter e/ou de ampliar o padrão de acumulação. Isso se evidencia ao se observarem as inúmeras estratégias adotadas pelas empresas para ampliarem os níveis de produtividade com menor custo. Segundo pesquisa realizada por Stotz sobre a visão do empresariado brasileiro frente ao novo paradigma, verificou-se que os processos de reestruturação realizados pelos mesmos foram implementados de “[...] forma a reduzir custos e ajustar a capacidade e especificidade da produção ao mercado” (STOTZ, 1997, p. 99). Predomina, ainda segundo a pesquisa, na redução de custos, a diminuição do quadro de pessoal, incluindo os cargos de direção e gerenciamento, e não há registros de ampliação dos investimentos em capital fixo, ensejando, segundo o autor, a prevalência da intensificação do trabalho pelos trabalhadores que permanecem empregados. Essa mesma direção vem sendo apontada por Lojkine, ao indicar que a oposição entre capital constante e variável5 “[...] não é nem uma convenção aleatória, nem um simples resíduo da organização ‘taylorista’ da empresa. Ela assenta-se no fundamento capitalista da 5 Segundo Marx (1980), capital variável é a parte do capital destinada à compra da força de trabalho; e capital constante é aquele empregado nas instalações físicas, maquinário e matéria-prima. 31 divisão entre trabalho ‘produtivo’ e ‘improdutivo’ de mais-valia” (LOJKINE, 1990, p. 45). O autor questiona por que, se a automatização reduziu, em geral, 20% dos custos da mão de obra, continua a ser esta decisiva na contabilidade das empresas? Aponta que a questão de fundo está justamente no fato de a força de trabalho representar uma parcela menor no custo da produção, o que torna, assim, mais fácil obter um acréscimo de 10% na produção do que reduzir em 10% o custo da matéria Ou seja, a lógica explica-se pela facilidade de o capital se impor sobre a força de trabalho e de esta fornecer maior produtividade com menor custo, numa realidade econômica onde o investimento no trabalho morto (capital constante) necessita renovação contínua frente às tendências do mercado. Essas práticas produtivas, segundo Mézaros (2002), estão presentes no desenvolvimento produtivo do sistema de capital, na sua história de expansão global, que se vincula à subordinação das necessidades humanas à reprodução do valor de troca das mercadorias, ou seja, o valor de uso relativo à necessidade e/ou utilidade das mercadorias é suplantado pela produção de valor que se auto-expande a partir da criação de novas necessidades. Desse modo, o aumento imperioso da produtividade deve responder à tendência decrescente do valor de uso das mercadorias, em outras palavras, a vida útil das mercadorias deve ter um tempo cada vez menor de duração, para que possa ser substituída por novos produtos, preferencialmente distintos em qualidade e funcionalidade. Isso é demonstrado por Antunes, ao trazer o exemplo da indústria de computadores “[....] as empresas, em face da necessidade de reduzir o tempo entre produção e consumo, ditada pela intensa competição entre elas, incentivam ao limite essa tendência destrutiva do valor de uso das mercadorias” (ANTUNES, 1999. p. 51). 32 Ocorre, portanto, a partir dessa máxima do capital e nessa fase da globalização dos mercados, a intensificação do trabalho humano, que, ao ser incorporado à produção de mercadorias, contribui para diminuir o custo da produção de forma inversa aos investimentos no capital constante, que, juntos, ampliam a capacidade produtiva. Destaca-se, entretanto, que o aumento no nível de produção não permitiu um novo ciclo de crescimento e de consumo, ao contrário, a estagnação prevaleceu. Portanto, a análise das características do processo de trabalho neste terceiro momento das revoluções industriais, no capitalismo, evidencia sobremaneira que as mudanças na base material constituem-se como estratégia mais ampla para elevar os níveis de competitividade e diminuir o custo final da produção e têm na tecnologia e na informática o suporte logístico para as novas ferramentas de trabalho (CNC, robôs, etc.), os quais vêm transformando os sistemas produtivos e elevando de forma vertiginosa os níveis de produtividade. Conseqüentemente, a forma de organização do trabalho está condicionada por esse novo hardware, onde a produção é flexível à demanda do mercado, ajustada a um tempo determinado – Just-in-Time – e submetida a uma qualidade total em que a gerência, agora, está integrada à execução. O trabalhador passa, então, a ser disciplinado por um “novo” modelo produtivo e deve possuir características e habilidades para pertencer, ou melhor, permanecer no mercado de trabalho, tais como ser polivalente, integrado e saber trabalhar em equipe, no entanto, o ritmo imposto é cada vez mais intenso, estressante. Alteram-se também as relações de trabalho, a hierarquia é menor, mas a flexibilização dessas relações torna-se uma camisa-de-força para os trabalhadores. A conseqüência é evidenciada na forte retração do emprego, principalmente na indústria, e nas formas de trabalho onde se multiplica o trabalho informal, parcial e precário. 33 Constata-se um aguçamento da contradição entre o nível de desenvolvimento das forças produtivas e as relações capitalistas de produção (NAKATANI, 2003), revelando novas características da crise estrutural do capitalismo. Estas, na atualidade, são distintas e mais graves que em épocas passadas, o que, para Mészaros (2004), revela uma crise do sistema de capital como um todo, apontando para uma tendência destrutiva crescente, como, por exemplo, o desemprego crônico. Retomando a análise das repercussões do novo paradigma técnico-produtivo sobre as mudanças nos processos de trabalho, percebe-se que a reação dos trabalhadores, até o momento, se reveste de um novo tipo de perplexidade, e a sua fragmentação tornou-se um componente positivo para o capital. Ainda é importante verificar a tendência assumida pelo trabalhador enquanto “parceiro” da empresa na execução do trabalho, bem como a sua participação – força de trabalho –, nos processos se condiciona e se subjulga, cada vez mais, ao desenvolvimento do instrumental de trabalho. Portanto, a evolução da base material, ou seja, dos meios de trabalho – as ferramentas – vêm determinando a base organizacional, que, por conseguinte, altera todas as formas de produzir mercadorias. Os meios de trabalho possuem uma centralidade nos processos laborais, na medida em que subjugam a força de trabalho a si. Com a introdução de novos instrumentos, altera-se também o grau de desenvolvimento das forças produtivas. Assim, primeiro, mudam-se os meios de trabalho, e, depois, mudam-se os homens. Apontam-se, a partir dessa análise, algumas interrogações sobre o presente e o futuro do trabalho e da classe operária frente às mutações evidenciadas nesse cenário e às contradições que emergem da crise do sistema de capital. São contradições que se agudizam 34 pelo caráter cada vez mais privado dos meios de produção e pela sua apropriação, em contraposição à socialização da produção, fruto de um trabalho mais intenso e coletivo. A preocupação central, portanto, é identificar os determinantes que vêm contribuindo de forma decisiva para o trabalho e o perfil da classe operária, que vem se metamorfoseando nas últimas décadas. 1.2 – TRABALHO E CONFIGURAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA NA ATUALIDADE Um dos principais debates contemporâneos iniciados no final do século XX e com firme projeção de continuidade e aprofundamento para as décadas seguintes centra-se na nova configuração da classe operária6. Discute-se sobre a composição da classe que historicamente vem produzindo a riqueza social e as nuanças da conformação de sua classe social frente às mudanças nos processos de gestão e organização do trabalho. Não há aqui a pretensão de se estabelecer uma unidade conceitual sobre o objeto de estudo, fundamentalmente por estar o tema assentado sobre terreno arenoso, o que se constata ao fazer a revisão bibliográfica. Busca-se, assim, evidenciar alguns elementos-chave que estão presentes no exame do desenvolvimento das forças produtivas e na organização do trabalho. Esses elementos geram indicadores que deságuam sobre a complexa teia que envolve a classe operária e suas diferentes conformações sócio-históricas. Enfim, retoma-se o indicativo de 6 O emprego do termo classe operária, neste estudo, objetiva revalidar o significado histórico da mesma na atualidade. A classe operária como categoria de análise permitirá abstrair elementos que contribuirão para a compreensão do seu processo de mutação e que estão presentes, fundamentalmente, nos quatro eixos históricos: (a) a classe operária como um produto histórico do capitalismo que, ao longo do seu desenvolvimento, vem sofrendo transformações quantitativas e qualitativas; (b) o protagonismo da classe operária e seu papel estratégico na construção dos pilares de uma nova sociedade, referenciado na perspectiva de análise marxista; (c) a expansão do padrão de trabalho industrial para o conjunto das relações sociais do sistema de produção capitalista; (d) a centralidade do trabalhador da esfera industrial na construção de políticas de proteção social, em especial da saúde do trabalhador. 35 que o trabalho e suas mutações permanecem centrais para o processo de valoração do capital e para o exame das novas configurações da classe operária7. 1.2.1 – Desenvolvimento das Forças Produtivas e Organização do Trabalho A vigência do sistema de produção capitalista historicamente patenteou o trabalho como categoria central e estabeleceu uma dualidade contraditória e complexa entre capital e trabalho. De um lado, o trabalho afirma-se como elemento insubstituível no processo de produção e reprodução do capital, como impulsionador do desenvolvimento social, tecnológico e econômico. De outra parte, os trabalhadores vêem-se restringidos a uma parcela cada vez menor da riqueza socialmente produzida, o que ocorre, principalmente, pela redução crescente da absorção da força de trabalho, em contraposição ao processo de acumulação do capital. O trabalho corporifica-se no capital através do processo de produção; este, além de conservar o seu valor, cria novos valores, a mais-valia, através do excedente não pago pelo uso da força de trabalho (MARX, 1980). Pode-se ressaltar, no entanto, que o trabalho empregado no processo de produção também proporciona o desenvolvimento das forças produtivas, especialmente na evolução de sua base material. Nessa base, os meios de trabalho, as ferramentas, vêm sendo determinantes para as transformações nas bases organizacionais e, 7 Evidencia-se que o aprofundamento desse debate vem sendo secundarizado no processo de construção do conhecimento e da formação profissional do assistente social. O Serviço Social como uma especialização do trabalho coletivo, inscrito na divisão sociotécnica do trabalho (ABEPSS, 1997), é, ao mesmo tempo, um produto determinado historicamente e condicionado à realidade social que requisita a profissão. Portanto, aprender com e sobre a classe social “demandante” histórica do trabalho profissional é condição essencial para o processo de afirmação do Serviço Social na dinâmica societária, contribuindo, assim, para a busca de novas formas de articulação de ações profissionais voltadas ao enfrentamento da questão social, a qual emerge desse novo contexto da organização da produção material e social. 36 por conseguinte, alteram todas as formas de produzir mercadoria, transformando os processos de trabalho e, ao mesmo tempo, substituindo parte desse trabalho humano. A produtividade, fruto de um trabalho socialmente combinado, é determinada por diversas circunstâncias. Entre estas, segundo Marx, “[...] está a destreza média dos trabalhadores, o grau de desenvolvimento da ciência e sua aplicação tecnológica, a organização social do processo de produção, o volume e a eficácia dos meios de produção e as condições naturais” (MARX, 1980, p. 46). Assim, quanto maior a produtividade do trabalho, menor o tempo necessário para a produção de uma mercadoria. Marx adverte, porém, que não é a mercadoria o produto final do processo de produção, mas, sim, a criação da mais-valia para o capital. Isso ocorre quando é feita a conversão real do dinheiro, ou da mercadoria, em capital, pois o processo de produção absorve mais trabalho do que o que foi comprado. Tais reflexões evidenciam que as mudanças nos processos de trabalho têm implicações nas formas das relações sociais e que, na verdade, esses processos são organizados e executados como produto dessas relações. Em determinadas épocas, eles entram em conflito, rompendo seus limites, mas, segundo Braverman, “[...] as mesmas forças produtivas características do fecho de uma época de relações sociais são também características da abertura da época seguinte” (BRAVERMAN, 1987, p. 27). Portanto, as mudanças nos processos de produção incidem sobre as relações de produção e, conseqüentemente, sobre todas as relações sociais. Vale ressaltar aqui, nesse sentido, a transição do processo de produção fordista/taylorista para a vigência de um novo padrão industrial e tecnológico, com novas modalidades de organização e gestão do trabalho. Essa transição, conforme já referenciado, 37 tem recebido a denominação de reestruturação produtiva – com base no modelo toyotista – e/ou acumulação flexível8. Ela traduz essa nova era de transformação das relações sociais. Para melhor exame dessa realidade, em primeiro lugar, está colocada a herança da cultura do processo anterior no atual padrão de desenvolvimento capitalista. O trabalhador massa do fordismo coexiste com o trabalhador polivalente, especializado e com maior nível de instrução. A transformação nos processos produtivos criou novas exigências, deixando para trás um passivo de trabalhadores úteis, desqualificados e hostilizados para os padrões do “mundo” do trabalho desenvolvido em contraposição a um “mundo” do trabalho subdesenvolvido. A grande questão, no entanto, é que ambos vivem no mesmo mundo, subjugados a processos opostos. Cria-se, portanto, um trabalho com novas formas, significados e sentidos. Assim, em segundo lugar, está o exame do padrão de gestão industrial, bem como suas ramificações para as diferentes áreas chamadas não produtivas. Isso estabelece novos padrões de comportamento e estimula diferentes níveis de “participação”. Ocorre, por parte das empresas, uma espécie de tentativa de despertar no trabalhador a consciência de que pode aperfeiçoar o processo de trabalho por seu esforço e mérito. Desse modo, é desenvolvido nesses trabalhadores, o sentimento de participação (IANNI, 1994). Como bem define Braverman (1987), esse modelo industrial representa muito mais um estilo de administração do que uma alteração na situação do trabalhador. A pretensa participação dá-lhe liberdade de ajustar a máquina, trocar uma lâmpada, etc. e “[...] escolher entre alternativas fixas e limitadas, projetadas pela administração, que deliberadamente deixa coisas insignificantes para escolha” (BRAVERMAN, 1987, p. 43). 8 Segundo Ianni (1994), a acumulação flexível é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo e apóia-se na flexibilidade dos processos de trabalho, dos produtos e nos padrões de consumo. 38 Verifica-se que o produto final desse processo tem sido o aumento da produtividade do trabalho, com a conseqüente diminuição da força de trabalho a ser absorvida. A produtividade decorrente dos avanços tecnológico e científico intensifica o trabalho humano. Essa combinação diminui o trabalho vivo e amplia o trabalho morto, ou seja, o desenvolvimento científico tende a reduzir, cada vez mais, a atividade humana (vivo) em relação ao trabalho feito pela máquina (morto), sem, no entanto, jamais eliminar totalmente o trabalho vivo. Para Antunes, a ciência não é a principal força produtiva; “[...] o trabalho vivo, em conjugação com ciência e tecnologia, constituiu uma complexa e contraditória unidade” (ANTUNES, 1999, p. 121). O autor conclui, no entanto, que ambas não têm lógica autônoma e nem curso independente, a exemplo das máquinas inteligentes, nas quais se utiliza o trabalho intelectual do trabalhador para interagir com elas. Como desdobramento desse segundo elemento, que combina gestão do trabalho, aumento da produtividade e redução do trabalho vivo, surge um terceiro componente no exame das transformações das relações sociais e de produção: a relação entre trabalho produtivo e improdutivo. E, aqui, depara-se novamente com dificuldades conceituais, mas que conduzem a um esforço analítico, o que é essencial para o esboço que se pretende traçar. Na verdade, essa discussão, que se iniciou entre os economistas clássicos, teve em Marx seu principal interlocutor. Este talvez não tenha sido um aspecto suficientemente aprofundado pelo autor, pois é no capítulo inédito de O Capital, denominado: Produtividade do Capital. Trabalho Produtivo e Improdutivo, que Marx (s/d) aponta questões primordiais que exigem um olhar mais atento de qualquer pesquisador. Ao tratar do trabalho produtivo, o autor evidencia que só o trabalho que se transforma em capital é produtivo, ou seja, aquele que produz mais-valia, bem como envolve uma relação determinada entre compra e venda do trabalho. Ele sinaliza que a atividade produtiva é uma abreviação para designar o conjunto de 39 relacionamentos e dos modos em que a força de trabalho figura no processo capitalista de produção. Por sua vez, o trabalho improdutivo, para Marx, pode ser entendido como um processo onde o dinheiro é trocado diretamente pelo trabalho, sem produzir capital e sem ser, portanto, produtivo, caso em que se está comprando um serviço. O autor alerta, porém, que a mesma espécie de trabalho pode ser produtiva ou improdutiva e exemplifica através do trabalho do professor, do escritor, do cantor. Segundo ele, isso ocorre quando o produto deste trabalho reverte em capital para quem o contratou. Nesse viés, Braverman destaca que a transformação do trabalho improdutivo em trabalho produtivo, para os fins capitalistas, é a forma de extrair valor excedente presente no próprio processo da criação da sociedade capitalista; em outras palavras, o autor é enfático ao afirmar que “[...] o modo capitalista de produção subordinou a si mesmo todas as formas de trabalho” (BRAVERMAN, 1987, p. 350). Ao se rever essa composição entre trabalho produtivo e improdutivo elaborada à luz do referencial marxista e transportando-a para o atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, pode-se inferir que há pouca distinção a ser feita, na atualidade, acerca do trabalho produtivo e improdutivo. Isso ocorre principalmente pela apropriação do segundo pelo primeiro no processo de acumulação capitalista. Quer dizer, embora o trabalho dito improdutivo não gere diretamente valor excedente, ele se dirige estritamente para o capital, dando evasão a esse valor distribuído entre os vários capitais. Então, quanto maior for esse capital, maior será a tendência à ampliação das atividades improdutivas9. Essa realidade tem sido constatada através do real crescimento do setor de atividade econômica chamado de serviços (conforme dados a serem apresentados no decorrer deste capítulo). 9 Ver Braverman (1987), em especial, o Capítulo 19, Trabalho Produtivo e Trabalho Improdutivo. 40 Subjacentemente a essa análise, é importante destacar que se tem observado, também, um decréscimo do trabalho tido como improdutivo no seio da indústria tradicional. Esse fator vem ocorrendo por dois movimentos. O primeiro deles diz respeito à crescente terceirização dessas atividades pelas empresas, a exemplo do que ocorre nos setores de alimentação, limpeza, vigilância, recursos humanos, contabilidade, saúde ocupacional, etc. Esses setores são operados por empresas prestadoras de serviços e, portanto, contabilizadas na estatística oficial nesse ramo de atividade econômica. Como segundo movimento, destacam-se as atividades tradicionalmente realizadas e pensadas pelos funcionários do escritório, nas indústrias, as quais passam a ser realizadas por trabalhadores do chão-de-fábrica, agora multifuncionais, os quais passam a incorporar o “improdutivo” às suas funções produtivas. Transforma-se a natureza do seu trabalho, contribuindo para aumentar o seu valor excedente. Amplia-se, então, para os trabalhadores que permanecem empregados, a extração da maisvalia nesse processo de trabalho combinado. O embricamento entre ambos e a redução da absorção da força de trabalho, com o advento da ampliação da produtividade do trabalho, têm constituído um excedente de trabalhadores com características distintas, mas que se aproximam pelas circunstâncias econômicas e históricas. 1.2.2 – Classe Operária e suas Conformações Históricas e Contemporâneas Novas características surgem na presente época de desenvolvimento capitalista, expressando uma outra configuração de classe operária, fruto da transformação nas relações sociais e de produção. Pode-se questionar, no entanto, se esta não seria apenas uma nova forma de organização, com implicações sobre quantidade e materialidade do trabalho. Enfim, o que, de fato, altera para e no trabalhador, sujeito histórico e coletivo, e, por conseguinte, para a sua classe social na atual era de acumulação flexível do capital? 41 Segundo Thompson, a classe operária não surge numa determinada hora, “[...] ela historicamente esteve presente ao seu próprio fazer-se” (THOMPSON, 1987, p. 10). O autor entende por classe um fenômeno histórico que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência. Também não a vê como uma estrutura ou categoria, mas como algo que ocorre efetivamente nas relações humanas. Thompson continua: “[...] a classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns, sentem e articulam a identidade de interesses entre si” (THOMPSON, 1987, p. 10). Tais experiências são determinadas, em sua maioria, pelas relações de produção. Assim, também o pertencimento a uma classe está relacionado ao papel social ocupado pelo indivíduo, ou ao modo como ele veio a ocupar esse papel numa determinada organização social. Thompson (1987) conclui que o olhar sobre um determinado período da história demonstrará que não existem classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos; contudo, o exame dos homens durante um período adequado de mudanças sociais constata padrões em suas relações, suas idéias e instituições. O autor considera, assim, que a única definição de classe é estabelecida pelos próprios homens enquanto vivem sua própria história. Para Marx, a existência das classes está ligada a determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção. Também, a análise marxista de classe operária, traz a discussão da transformação da classe em si em classe para si. Esta se faz, historicamente, através das relações objetivas e subjetivas de ação, que vão forjando sua consciência de classe. 42 Ao examinar a noção de classe, ficam latentes as determinações históricas que compõem sua estrutura e os processos sociais decorrentes, como bem explica Joffily: “As classes sociais são seres históricos. Possuem uma inserção determinada, e relativamente estável, no processo da produção e distribuição das riquezas e na luta que daí deriva” (JOFFILY, 2002, p. 66). As formulações aqui apresentadas tendem a contribuir para uma reposição conceitual sobre classe operária ou sobre a estrutura de uma “nova classe trabalhadora”. Essas formulações se constituem numa temática atual, que suscita diferentes interpretações pelos estudiosos do assunto. Embora com o mesmo sentido semântico, classe operária e classe trabalhadora, na literatura clássica, apresentam designações diferenciadas. Classe operária, segundo definição de Engels (1979)10, equivale ao proletariado, ou seja, “[...] a classe dos assalariados modernos que, não tendo meios próprios de produção, são obrigados a vender a sua força de trabalho para sobreviver” (ENGELS, 1979, p. 97), enquanto a expressão classe trabalhadora vem sendo utilizada, na literatura e popularmente, para designar o conjunto de trabalhadores assalariados urbanos e rurais. Apresentam-se, ainda, nas abordagens dos autores contemporâneos, diferentes projeções acerca de seu real tamanho e composição na atualidade, com tendência a indicar uma redução drástica, quantitativamente, do número de operários fabris. Outras designações assinalam o fenômeno de proletarização da classe média face às relações que emergem do mercado de trabalho. Embora se busque aqui uma maior aproximação com a base conceitual da classe em estudo, a questão central que norteia este trabalho parece não estar na denominação do conjunto de pessoas que compõe essa parcela da população. Trata-se de abordar o modo como se conforma ou se estrutura a camada social composta por indivíduos que sobrevivem da 10 Prefácio da edição inglesa do Manifesto do Partido Comunista –1888. 43 venda da sua força de trabalho, independentemente da forma como esta é comprada ou utilizada no processo de valoração do capital. Com esse propósito, merece especial atenção o estudo realizado por Braverman (1987) sobre a estrutura da classe trabalhadora e seus exércitos de reserva. O autor, inicialmente, discorda da concepção de “nova classe trabalhadora”, apregoada por diferentes escritores. Ele entende que o próprio termo classe trabalhadora “[...] nunca delineou rigorosamente um determinado conjunto de pessoas [...] e sim um processo social em curso” (BRAVERMAN, 1987, p. 31), cujas características ensejam um processo dinâmico e não passível de quantificação. O autor ressalva, como método de análise, que o termo “novo” pode trazer duplo sentido, ou seja, abranger a idéia de novas ocupações, recentemente criadas ou ampliadas, e ainda, supostamente, pode ser entendido como algo superior ou avançado em relação ao antigo. Sem dúvida, a análise de Braverman é composta por uma série de elementos que demonstram, na essência, como o desenvolvimento dos processos de trabalho interage na estrutura da classe operária. O autor entende que “[...] as novas massas de ocupação das classes trabalhadoras tendem a crescer, não em contradição com a rápida mecanização e ‘automação’ da indústria, mas em harmonia com elas” (BRAVERMAN, 1987, p. 323). Alguns indícios de tal afirmação são: os setores industriais e ocupacionais que mais crescem na era “automatizada” tendem, a longo prazo, a ser aqueles de intenso trabalho, que ainda não foram ou não podem ser submetidos à tecnologia superior. Tal constatação, quase 30 anos depois, vem se confirmando. É visível a diminuição de postos de trabalho na grande indústria tradicional; porém, ao seu redor, formam-se inúmeras pequenas indústrias, que realizam trabalhos terceirizados para a “fábrica mãe” e empregam um número expressivo de trabalhadores em condições de trabalho e salários inferiores. Nas palavras do autor: 44 A mecanização da indústria produz um excedente relativo da população disponível para o emprego a taxas inferiores de salário que caracterizam essas amplas ocupações [...] à medida que o capital transita para novos setores à busca de investimentos lucrativos, as leis de acumulação do capital nos setores antigos operam para produzir a ‘força de trabalho’ exigida pelo trabalho em suas novas encarnações” (BRAVERMAN, 1987, p. 323). Nesse sentido, evidencia-se que a mecanização dos processos de trabalho produz mão-de-obra para a exploração de outros segmentos, com processos produtivos mais arcaicos. Portanto, as novas ocupações, na maioria, não vêm ocorrendo, nas “modernas” indústrias, em seus processos de trabalho “modelo”. A coexistência de ambos realimenta a acumulação capitalista, e a classe operária vai sofrendo transformações que a fragmentam. Isso ocorre tanto pela sua pulverização em espaços produtivos e ocupacionais distintos quanto pela crescente diferenciação salarial e a qualificação profissional. Pode-se ressaltar, ainda, que o trabalhador perde sua autonomia em relação ao seu processo de trabalho, que não é organizado por ele. Na verdade, sua participação apenas vem contribuir para a maior eficiência e produtividade do mesmo. Portanto, além do trabalho produtivo, ele passa a contribuir com o chamado trabalho improdutivo, já que este era tradicionalmente realizado exclusivamente pelos gestores e técnicos da empresa, conforme já mencionado. É justamente o que mostra Lojkine, ao destacar a inexistência de oposição absoluta entre classe operária e suas mutações, ou seja “[...] o que hoje está prestes a desaparecer não é a classe operária, mas a secular divisão entre a classe dos trabalhadores manuais (os ‘colarinhos azuis’) e os ‘colarinhos brancos’” (LOJKINE, 1990, p. 15). Em seu estudo, Braverman refere que a condição do operário, no estrito senso, vem se expandindo para o conjunto dos assalariados e trabalhadores em geral, como se “[...] quase toda a população [tivesse se transformado] em empregada do capital” (BRAVERMAN, 1984, p. 342). O 45 autor aponta também que a força de trabalho que atua nas esferas administrativas e técnicas das empresas em geral não pode ser comparada à da classe média, embora ocupem: [...] posições intermediárias, não porque esteja fora do processo de aumento do capital, mas porque como parte deste processo assumem características de ambos os lados. Não apenas recebe suas parcelas de prerrogativas e recompensas do capital como também carrega as marcas da condição operária (BRAVERMAN, 1987, p. 344). Ricardo Antunes, em suas contribuições à temática, defende uma noção ampliada de classe. Utiliza-se da expressão classe-que-vive-do-trabalho, onde objetiva “[...] conferir validade contemporânea ao conceito marxiano de classe trabalhadora” (ANTUNES, 1999 p. 101). Antunes contrapõe-se aos autores que defendem o fim das classes sociais e do trabalho, buscando dar atualidade e amplitude ao ser social que trabalha. De sua parte, a classe-que-vive-do-trabalho inclui, nos dias atuais, a totalidade dos que vendem a sua força de trabalho, mas que têm como núcleo central os trabalhadores produtivos, encontrando no proletariado industrial o seu núcleo principal. Essa classe engloba também os trabalhadores improdutivos, compostos de expressivo leque de assalariados, principalmente inseridos no setor serviços, em bancos, no comércio, nos serviços públicos, etc. Antunes (1999) considera os trabalhadores em serviços um segmento em expansão no capitalismo contemporâneo, embora reconheça a retração de alguns setores. Sua noção ampliada de classe trabalhadora inclui todos os que vendem sua força de trabalho em troca de salário; portanto, além do proletariado industrial e dos assalariados de serviços, “[...] também o proletariado rural, [...] o proletariado precarizado, o suproletariado moderno, os trabalhadores terceirizados, [...] além dos trabalhadores desempregados” (ANTUNES, 1999, p. 103). O autor exclui os gestores do capital, seus altos funcionários, que detêm o controle do 46 processo de trabalho e o de valorização e reprodução do capital no interior das empresas. O mesmo ocorre com os pequenos empresários e a pequena burguesia urbana e rural. Além de formulações que indicam componentes qualitativos dessa conformação social, interessa a aproximação de alguns elementos quantitativos sobre a composição da classe operária, para um estudo mais acurado das ocupações que compõem a realidade do mercado de trabalho. Nesse sentido, chama atenção a ponderação feita por Duarte Pereira (1981), quando se refere à ausência de um tratamento mais adequado, pelos pesquisadores sociais, às dimensões e à configuração da classe operária. Para ele, os estudos que se multiplicaram nos últimos anos cuidaram mais da recuperação da história passada do movimento operário e de debater suas experiências. Falta, segundo o autor, um estudo que trace os contornos quantitativos da classe operária, de modo a fornecer elementos mais precisos sobre seu peso no conjunto da população, sua composição, distribuição, concentração e instrução. Nesse aspecto, para um estudo de maior profundidade, a efetivação de uma pesquisa quantitativa depara-se com reais dificuldades. Estas não se impõem exclusivamente pelas diferentes metodologias de coleta de informações dos órgãos de estatística de âmbito nacional ou regional, que geram dados focalizados e setoriais. Acima de tudo, as dificuldades são resultado das mudanças que vêm ocorrendo no mercado de trabalho e do crescimento da informalidade. Constata-se, então, a carência de novas metodologias de pesquisa que possam refletir os indicadores que surgem nesse novo contexto. Há de se destacar, no entanto, o trabalho que vem sendo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), em parceria com órgãos regionais, no esforço de fornecer à sociedade informações atuais acerca da situação dos 47 trabalhadores brasileiros – em especial, dados relativos à década de 90. O DIEESE apresenta, em publicação denominada A Situação do Trabalho no Brasil – 2001, alguns indicadores que evidenciam a regressão do trabalho no País. Este processo se evidencia pelo “[...] aumento de todas as formas de desemprego, crescimento dos vínculos de trabalho vulneráveis, queda dos rendimentos reais e concentração de renda” (DIEESE, 2001, p. 11). Destacam-se, deste estudo11, algumas características gerais do mercado de trabalho brasileiro. Inicialmente, com fonte na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1999 (IBGE, 2000), verifica-se que a maior parcela da População Economicamente Ativa está concentrada em três regiões brasileiras – Sudeste, Nordeste e Sul, ou seja, em conjunto, representam 88,1% da força de trabalho do Brasil. A maior parte dos trabalhadores brasileiros é composta por jovens, ou seja, 50,5% destes têm entre 20 a 39 anos, com menos de oito anos de estudo (59,6%), sendo a maioria do sexo masculino (59,7%). Esses dados evidenciam que, apesar de os trabalhadores terem, na sua maioria, menos de 40 anos, aproximadamente 60% do total de trabalhadores brasileiros não completaram o ensino fundamental. Isso acarreta, portanto, implicações sobre a qualificação da mão-de-obra existente. É importante destacar o expressivo número de mulheres no mercado de trabalho (49%) computado oficialmente, uma vez que este tende a ser maior frente às características do trabalho feminino. Quanto à estrutura ocupacional do mercado de trabalho, pode-se considerar que esse demonstra não apenas sua heterogeneidade, mas sua estrita transformação, principalmente no que tange às ocupações, conforme o setor de atividade econômica. 11 A publicação do DIEESE contempla informações sobre renda e trabalho; emprego e desemprego, rendimentos do trabalho; as mulheres no mercado de trabalho; o trabalho da população negra; jovens no mercado de trabalho; o trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos; as negociações coletivas de trabalho; a ocupação agrícola no Brasil; Previdência Social e aposentadorias; políticas públicas de emprego e de proteção ao desemprego, comparações internacionais. 48 Embora no modo de contratação prevaleça a forma assalariada, ou seja, 58,7% pertencem a essa modalidade, 23,2% declaram trabalhar por conta própria; 9,3% são trabalhadores não remunerados em negócios de família; 4,5% produzem para consumo próprio; e 4,1% são empregadores. A distribuição dos ocupados de acordo com a atividade econômica, no entanto, consagra o que já se vem observando na realidade concreta: 41,2% dos trabalhadores são absorvidos pelo setor serviços12; 24,2% estão na agricultura; 13,4%, no comércio; 12,7% na indústria13, 6,6%, na construção civil. Importante ressaltar que o índice de ocupação na indústria, na Região Sul, atinge 16%, sendo o mais alto do Brasil, em contraposição aos 37,6% na área de serviços. Retrospectivamente, esse percentual vem sofrendo alterações sem precedentes, conforme dados disponíveis nas regiões metropolitanas. Nessas regiões, os ocupados na indústria (TABELA 1) sofreram uma redução superior a 50%. TABELA 1 Distribuição percentual dos ocupados no setor de atividade industrial nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Porto Alegre – 1989-1999 REGIÕES METROPOLITANAS São Paulo Porto Alegre 1989 1993 1998 1999 33,0 – – 24,2 19,8 18,9 14,4 19,0 FONTE: DIEESE/SEADE, MET/FAT, 2001. Quando se trata da distribuição desses ocupados segundo os ramos de atividades da indústria, os dados disponíveis referem-se à Região Metropolitana de São Paulo, mas são emblemáticos, principalmente no setor metal-mecânico, que lidera o ranking de perda de postos de trabalho, uma vez que os dos trabalhadores empregados na indústria passaram de 33,0% em 1989 para 19,6 % em 1999 (DIEESE, 2001). 12 O setor serviços engloba prestação de serviços, serviços, auxiliares de atividades econômicas, transporte, comunicação social e administração pública (DIEESE, 2001). 13 A industria envolve a industria de transformação e outras atividades industriais (DIEESE, 2001). 49 Verifica-se que, embora o assalariamento represente quase 60% das ocupações do Brasil pela PNAD, os dados recentes da Previdência Social (2001) dão outros indicativos sobre a ocupação dos trabalhadores brasileiros: dos 65,3 milhões da População Economicamente Ativa, 26,7 milhões estão inscritos na Previdência Social, enquanto 38,7 milhões estão fora da sua cobertura14. Sob a ótica geral, constata-se que, de cada 10 trabalhadores, seis estariam fora da Previdência. Esses dados indicam o crescente número de trabalhadores no mercado informal, desempregados, etc., revelando implicações para além da sobrevivência desses trabalhadores, ou seja, também há conseqüências no campo da proteção social. Sobre a análise da classe operária hoje, interpõe-se o exame mais atento sobre a correlação entre emprego e desemprego, assalariados e não assalariados, imposta pela nova organização do trabalho sob a hegemonia do capital. Assim, evidenciam-se alguns elementos que diretamente incidem e abalam a estrutura da classe que vive da venda da sua força de trabalho. O desemprego tem sido um fenômeno mundial, e vários aspectos da questão social convergem para eles acentuando sua gravidade e as tensões por ela constituídas (IANNI, 1994). Para Ianni, o desemprego estrutural, tendo como expressão o desemprego prolongado, pode formar uma subclasse, entendida como uma manifestação aguda da questão social. No Brasil, o IBGE apontou, através da PNAD de 2001, uma taxa de “desocupação” de 9,4%. As estatísticas, porém, variam muito de região para região, mas, em média, o desemprego tem sido maior nas regiões metropolitanas. Apresentam-se alguns dados, com base também no estudo do DIEESE já referido, relativamente a variações anuais das taxas de 14 Dados do PEP/MPAS. Disponível em: <http:// www.previdenciasocial.gov.br>. Acesso em: abr. 2003. 50 desemprego nas principais regiões metropolitanas do País, entre 1989 e 1999, em percentual, na TABELA 2. TABELA 2 Taxas de desemprego total nas regiões metropolitanas do Brasil – 1989-99 REGIÃO METROPOLITANA 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Belo Horizonte 12,7 13,4 15,9 17,9 Distrito Federal 15,5 15,1 14,5 15,7 16,8 18,1 19,4 21,6 Porto Alegre 12,2 11,3 10,7 13,1 13,4 15,9 19,0 Recife 21,6 22,1 Salvador 21,6 24,9 27,7 São Paulo 8,7 10,3 11,7 15,2 14,6 14,2 13,2 15,1 16,0 18,2 19,3 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Convênio DIEESE/SEADE, MET/FAT e convênios regionais, Pesquisa de Emprego e Desemprego (DIEESE, 2001). Constata-se que, embora ocorra variação no índice, principalmente nas regiões que tradicionalmente apresentam menor nível de industrialização, o certo é que o fenômeno se manteve crescente em todas as regiões. Nesse sentido, as conseqüências deságuam sobre o crescimento do trabalho parcial e precário, onde os índices sobre a contratação flexível no mercado de trabalho em relação à contratação padrão são reveladores. É o que pode ser observado na TABELA 3. Em São Paulo, de cada 10 trabalhadores assalariados, em média 3,3 não têm registro na carteira de trabalho. Esse índice toma grandes proporções, se comparado ao crescimento da informalidade, onde estão inseridos inúmeros trabalhadores, sem qualquer garantia de renda mínima. 51 TABELA 3 Distribuição dos postos de trabalho gerados por empresas, segundo a forma de contratação, nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Porto Alegre – 1989, 1993-1999 DISCRIMINAÇÃO Contratação padrão Contratação flexibilizada Assalariados contratados diretamente: Sem carteira – setor privado Sem carteira – setor público Assalariados terceirizados Autônomos para uma empresa SÃO PAULO 1989 1999 PORTO ALEGRE 1993 1999 79,1 – 66,9 33,1 82,2 – 75,2 24,8 – – – – 17,9 1,7 4,0 9,5 – – – – 12,3 2,2 4,4 5,9 FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MET/FAT e convênios regionais, Pesquisa de Emprego e Desemprego (DIEESE, 2001). Conclui-se que a queda no nível de emprego, principalmente no setor industrial, está dialeticamente relacionada ao crescimento do trabalho flexibilizado. Este pode ser definido como trabalho precário, com poucos mecanismos de proteção social e também assentado na crescente terceirização de tarefas antes desenvolvidas no interior da empresa. Agora, os trabalhos ditos improdutivos são transferidos a empresas de serviços e os produtivos, a “novas” terceirizadas. Nestas últimas, os operários fazem as atividades de maior risco em condições mais precárias. O desemprego é um aspecto representativo das características centrais da realidade social contemporânea. Na verdade, ele corresponde apenas à parte do excedente da população trabalhadora necessária para a acumulação do capital, contabilizada oficialmente (BRAVERMAN, 1987). Essa acumulação, por sua vez, é produzida, mesclando-se com as diferentes formas de trabalho. Isso torna a população desempregada um grande exército industrial de reserva15, que, nas palavras de Marx, fornece ao capital “[...] um reservatório 15 Para Marx (1980), com o crescimento do capital global cresce também a parte variável – a força de trabalho –, mas ela é incorporada numa proporção cada vez menor. Assim, a acumulação capitalista produz uma população trabalhadora supérflua relativamente, ou seja, que ultrapassa as necessidades médias de expansão do capital, tornando-a excedente. Para o autor, a ampliação da força de trabalho disponível decorre da mesma causa que faz aumentar a força expansiva do capital. 52 inexaurível de força de trabalho disponível” (MARX, 1980, p. 746). Alguns autores, como Ianni (1994), apontam que o tamanho do exército de reserva, em países em desenvolvimento, excede o total dos empregados na manufatura, na Europa Ocidental. Importante destacar que a força de trabalho feminina se constitui numa parcela expressiva desse exército. Ao mesmo tempo, constata-se o aumento significativo do trabalho feminino, mas com diferentes nuanças na divisão sexual do trabalho. Para Braverman (1987), a atração da mão-de-obra feminina ocorre em meio à repulsa da força de trabalho masculina. Sua ocupação na indústria dá-se em atividades de menor qualificação e remuneração, mas é no trabalho precarizado que se encontra o crescimento do trabalho feminino, na atividade predominante informal e parcial (ANTUNES, 2000; THÉBAUD-MONY, 2000). A principal interface emprego/desemprego está na ausência de uma linha divisória entre inseridos e excluídos no “mundo” do trabalho. Essa linha é pontualmente sinalizada por Matoso (1994). Para ele, o capital reestrutura-se, movendo-se contra o trabalho organizado, gerando crescente insegurança e desestruturação do mesmo. Segundo esse autor, a insegurança no emprego dá-se, fundamentalmente, pela elevação das facilidades patronais em despedir e utilizar trabalhadores eventuais, assim como através da insegurança na renda. Essa insegurança está relacionada à fragmentação da atividade remunerada, à contratação em condições de eventualidade e de precariedade. O desemprego, portanto, apresenta-se sob múltiplos aspectos: como expressão da questão social, na constituição de incontável número de trabalhadores ativos que compõem o exército de reserva, na insegurança no trabalho e no emprego. Acima de tudo, o desemprego incide de maneira conjugada na configuração da classe operária, seja pela perda do papel 53 social de quem não consegue vender sua força de trabalho – o que afeta a sua subjetividade –, seja pela mescla de diferentes formas de trabalho, imprimindo uma heterogeneidade à classe e a seus integrantes. Em meio a esse contexto, alteram-se as múltiplas determinações sobre a saúde do trabalhador, exigindo um redimensionamento dos conhecimentos na área. Esse redimensionamento deve contemplar as diferentes manifestações que emergem da relação trabalho versus saúde/doença. Essa relação, fruto da dinâmica social, tende a ampliar o surgimento das doenças relacionadas ao trabalho na atualidade e, ao mesmo tempo, a ocultá-las face às diferentes formas de precarização do e no trabalho. O ritmo e as novas exigências impostas ao trabalho fabril são aspectos que se transpõem para os outros setores da atividade econômica e para os que estão na informalidade, ou, ainda, se redimensionam quando se trata de trabalhador desempregado. A saúde do trabalhador tem diferentes faces que expressam, ao mesmo tempo, formas particulares e gerais desse conflito, bem como as tensões presentes na relação capital e trabalho. Retrospectivamente, na perspectiva de análise adotada neste estudo, procurou-se evidenciar elementos que contribuíssem para a compreensão do perfil da classe que detém, a priori, apenas a sua de força de trabalho. Na contemporaneidade, frente às tendências que pautam a configuração da classe operária, viu-se que estão imbricados os trabalhadores que exercem atividades produtivas e improdutivas, empregados e desempregados, trabalho formal e informal, parcial e precário, feminino e masculino, ocorrendo, freqüentemente, uma sobreposição dessas condições. O entrelaçamento das diferentes expressões de trabalhadores denota, num primeiro momento, a inexistência de um divisor de águas, sobretudo entre o trabalho produtivo e o improdutivo, como mecanismo para estabelecer o pertencimento à sua 54 classe. O modelo de acumulação flexível apropria-se de maneira combinada, de mecanismos rudimentares e “modernos” e com um custo cada vez menor da força de trabalho, onde todos contribuem para que o trabalho se transforme em capital, e este, por sua vez, não tem se transformado efetivamente em trabalho. Essa discussão em processo de permanente construção permite inferir que se fala de um trabalhador que é sujeito histórico e, por isso, está envolto num processo coletivo. Esse conforma uma classe social que concentra, na atualidade, um expressivo número de operários e trabalhadores em geral, desprovidos do acesso à riqueza socialmente produzida. Sua unificação necessária tem sido ainda insuficiente, por conta da vivência, sem a devida consciência, numa mesma realidade social a ser potencialmente transformada. 1.3 – CAPITAL-TRABALHO, ESTADO E PROTEÇÃO SOCIAL As mudanças que envolvem a esfera do trabalho na sociedade atual têm repercussões na proteção social, estando contextualizadas na redefinição paradigmática do papel do Estado. Há um descompasso no tripé capital-trabalho, Estado e proteção social, protagonizado pelas necessidades que emergem das novas formas produtivas, as quais alteram não só a natureza dos seus processos, como já se viu, mas principalmente o volume de emprego e as relações de trabalho. Do mesmo modo, a incidência da questão social decorrente dessa nova configuração social e recorrente de antigas manifestações socialmente reconhecidas em meio à fratura da sociedade dividida em classes sociais, depara-se com a ausência de novas respostas do Estado, circunscrita na regulação das relações sociais da produção capitalista, que foram garantindo a base de legitimação ao capital. Como afirma Mészáros “A formação do Estado moderno é 55 uma exigência absoluta para assegurar e proteger permanentemente a produtividade do sistema” (MÉSZÁROS, 2002, p. 106). Num processo secularmente constituído, o capital e o Estado foram sofrendo transformações que geraram mudanças societárias, as quais são, ao mesmo tempo, condicionantes e condicionadas por processos sociais sincronizados entre a ação e a intervenção de ambos. O Estado moderno – na qualidade de sistema de comando político abrangente do capital – é, ao mesmo tempo, o pré-requisito necessário de transformação das unidades inicialmente fragmentadas do capital em um sistema viável e o quadro geral para a completa articulação e manutenção deste último como sistema global (MÉSZÁROS, 2002, p. 124). Brevemente, podem-se destacar quatro momentos importantes na história mundial que evidenciam a presença do Estado como agente facilitador do processo de acumulação capitalista. Inicialmente, a passagem da sociedade feudal para a capitalista foi abreviada pelo poder do Estado, que adotava sistemas de tributação e protecionista que potencializavam a acumulação de capital, bem como contribuiu para prosperar o comércio e a navegação, “[...] as riquezas apresadas fora da Europa pela pilhagem, escravização e massacre refluíam para a metrópole onde se transformavam em capital” (MARX, 1984, p. 871). A passagem do capitalismo para sua fase monopolista, resultante de um processo crescente de concentração e centralização de capital, o consolidou como sistema hegemônico. Nessa fase, denominada “imperialista”16, o chamado capitalismo monopolista de Estado iniciou uma nova era, que se faz acompanhar do avanço das forças produtivas e à expansão do capitalismo em nível mundial; na busca da manutenção da hegemonia, opor-se à organização 16 Para um maior aprofundamento sobre essa fase, ver Hobsbawm – A Era dos Impérios – e Lênin – O Imperialismo. Fase Superior do Capitalismo. 56 ascendente da classe operária. O Estado, aqui, busca também suprir as distorções causadas pelos mecanismos econômicos, atuando no conflito capital-trabalho. Foi no século XX, em particular após o período entre-guerras, que o capitalismo viveu seu grande momento de expansão, alavancado pelo apoio do Estado. O padrão produtivo fordista que caracteriza essa fase é marcado pela produção e pelo consumo em massa, sendo respaldado pelo chamado Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social, onde “[...] o Estado é o articulador, coordenador, financiador e programador das grandes linhas macroeconômicas da atividade produtiva e da sociedade” (REIS, 1997, p. 82). Com esse novo modelo, a economia avançou ainda mais no sentido de sua internacionalização/globalização, contribuindo para a reestruturação do capitalismo. Isso significou um espetacular crescimento econômico. Segundo Hobsbawm (1995), o capitalismo reformado é uma espécie de casamento entre liberalismo econômico e democracia social, que, na literatura clássica, é definido como keynesianismo. Esse modelo de desenvolvimento começou a apresentar os seus limites no final da década de 60 e início da de 70, sendo refreado pela sua própria dinâmica quando o mercado não conseguia absorver a sua superprodução. A acumulação capitalista entrou em crise, e, assim, o modelo produtivo que dava sustentação a essa fase do capitalismo começou a se esgotar, dando lugar a uma nova forma de organizar o trabalho e de acumular capital. Na década de 80 e, em particular, na de 90, para os países em desenvolvimento, o quarto momento histórico emergiu como um novo projeto político e econômico que foi se consolidando sustentado pelo paradigma neoliberal. Este se apresenta contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, defende a estabilidade monetária através da disciplina orçamentária, a contenção de gastos com bem estar e reformas fiscais 57 (ANDERSON, 1995). Opõe-se ao Estado de Bem-Estar Social, bem como restringe a visão de proteção social, impondo cortes com os gastos sociais. Ou seja, a partir do Consenso de Washington17, o Estado assumiu um outro papel, que, na particularidade do Brasil, resultou na perda de autonomia para traçar a política econômica, a qual passou a ser definida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), com conseqüência sobre a soberania nacional. Em síntese, as mutações da sociedade capitalista, no século XIX e ao longo do século XX, apoiaram-se nas doutrinas de pensamento que se sucederam: inicialmente, no liberalismo clássico, após, no keynesianismo e, por fim e atualmente, no neoliberalismo, onde o Estado tem papel central na efetivação das mudanças sinalizadas pelo paradigma em curso. Paradoxalmente, as mudanças estruturais que se verificam na sociedade atual criaram novos e complexos problemas para o Estado capitalista (PEREIRA, 2002). Essa premissa ganha visibilidade ao ser analisa sob a vertente da proteção social, esta entendida aqui como um conjunto de ações que visam assegurar as necessidades sociais da população sob a égide do Estado enquanto gestor de políticas sociais públicas. Estas últimas são compreendidas como uma mediação entre Estado e sociedade, (FLEURY, 1994), conformadas através de um sistema de proteção social na denominada seguridade social. Trata-se de uma concepção de seguridade social que construiu o sistema universal de proteção social ao longo do século XX, desenvolvendo-se endogenamente através da sociedade salarial e constituindo-se num mecanismo de enfrentamento da questão social18, que expressa o conflito das relações sociais na sociedade capitalista e as contradições entre 17 O Consenso de Washington constitui-se num modelo de desenvolvimento elaborado pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional. Segundo Ana E. Mota, (2000, p. 80), este deve ser pensado como um dos meios pelos quais a burguesia internacional imprime uma direção política de classe às estratégias de enfrentamento da crise dos anos 80, especialmente no que diz respeito às reformas a serem implementadas pelos países periféricos, devedores do capital financeiro internacional. 18 Segundo Castel (2001), a questão social foi assim nomeada pela primeira vez em 1830, a partir da tomada de consciência das condições de existência das populações que são, ao mesmo tempo, os agentes e as vítimas da revolução industrial. 58 produção coletiva e apropriação privada da riqueza social. Essa desigualdade gera conflitos que, por sua vez, provocam resistência e organização por parte da classe operária. A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p. 49). É possível identificar-se que a evolução das políticas sociais públicas respondeu ao avanço da organização da classe operária, que buscava e continua buscando a proteção contra os riscos inerentes às condições sociais em que vive, assim como a satisfação de necessidades sociais básicas para a sua reprodução. A conformação de um sistema de seguridade social, portanto, indicava a idéia de superação do conceito de seguro social, significando que a sociedade seria solidária com o indivíduo colocado em dificuldades pelo mercado (VIANNA, 2002). A questão da seguridade social, entretanto, tem como condicionante mais recente a realidade econômica e política manifestada a partir da década de 80, que surgiu com o ideário neoliberal. Segundo Mota (2000), ao se analisar a seguridade social no contexto da crise econômica que se iniciou nesse período, identificam-se dois conjuntos de vetores determinados pelo processo social em curso. São eles: (a) as mudanças no mundo do trabalho, entendidas como parte do processo de reestruturação produtiva e como estratégia para a superação do modelo fordista-keynesiano, em favor da acumulação flexível; e (b) as mudanças na intervenção do Estado, marcadas pela crise do keynesianismo e pelo advento do neoliberalismo. 59 Nesse cenário em que o trabalho passa por profundas transformações decorrentes da reestruturação do capitalismo e o Estado apresenta novos contornos de ordem política e social que privilegiam as relações de mercado, não só a questão social se reconfigura, mas também seus padrões de proteção social. A questão social, hoje, faz-se acompanhar do velho e do novo fluxo de necessidades sociais, diferenciando-se na sua materialidade, fruto, principalmente, das alterações na gestão e na organização do trabalho e da extensiva precarização no uso da força de trabalho. É a mesma questão social que tem como gênese a desigualdade, mas “[...] ela evidencia hoje a imensa fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as relações sociais que a sustentam” (IAMAMOTO, 2000, p. 21). Esse movimento tende a ampliar o que Castel denomina de hiato entre a organização política e o sistema econômico, sendo justamente essa lacuna que permite demarcar o lugar do social, pois, nas palavras do autor, “[...] o social consiste em sistemas de regulações não mercantis instituídas para tentar preencher esse espaço” (CASTEL, 1998, p. 31), exigindo, para isso, a adoção de certos mecanismos de regulação social. Sem dúvida, o Estado é o grande divisor de águas no tratamento da questão social, porém este também é produto sócio-histórico e tem seu papel redimensionado por um conjunto de condicionantes e pelo desenvolvimento das relações de produção e das forças produtivas. Em outras palavras, a questão social emerge da sociedade pré-capitalista como resultante das contradições do sistema feudal. No entanto, com o advento do capitalismo e da sociedade industrial, novas necessidades apresentam-se, com um crescente agravo das desigualdades sociais, fruto de uma concentração cada vez maior do capital. Sucessivamente, à dissociação entre a produção e a redistribuirão foi acrescentando um novo componente à questão social em cada época e lugar. 60 O Estado passou a intervir no produto dessas contradições, que substancialmente estão voltadas para situações de riscos sociais. Pela análise de Melo (1997), podem-se identificar três momentos que caracterizam a intervenção social do Estado. O primeiro iniciou-se no final do século XIX, quando este desenvolveu ações voltadas à regulação do mundo do trabalho: proteção do trabalho infantil e das mulheres, regulação das condições de trabalho, incluindo a jornada de trabalho, o contrato de trabalho, salário e férias, e, por fim, a definição de responsabilidade no caso de acidentes de trabalho. O segundo momento de intervenção do Estado ocorreu com a instituição do seguro social, a partir de uma expansão do conceito de seguro à cobertura de acidentes, ou seja, o trabalhador tem cobertura nos momentos de riscos sociais, portanto, quando seu vínculo com o mercado de trabalho está sob algum impedimento por situações de velhice ou de perda da capacidade laborativa. Por fim, Melo (1997) define a evolução do Welfare State como o terceiro momento de intervenção do Estado, identificando sua ampliação pela multiplicação horizontal de categorias de risco e de grupos sociais. É possível perceber que a trajetória da intervenção do Estado representa uma resposta das emergentes necessidades decorrentes da Primeira e da Segunda Revolução Industrial, quando a organização da classe trabalhadora passou a ter papel decisivo na efetivação de medidas de proteção social19, bem como a nova concepção de Estado, que, ao se sobrepor à anterior, acabou por ampliar a cobertura de proteção. O sistema de seguridade social, portanto, estruturou-se com o trabalho e para o trabalho, que tem como protagonista central o trabalhador assalariado. 19 É preciso considerar também a influência dos Estados socialistas na composição do Estado de Bem-Estar, que se constituía numa alternativa ao regime capitalista. Assim a bipolaridade dava-se no campo ideológico e econômico. 61 Nas duas últimas décadas do século XX, contudo, essa tendência começou a se alterar, inaugurando-se um novo momento, em que o Estado reduz a sua participação, e o padrão de proteção social começa a sofrer profundas transformações. Esse modelo, norteado pelo paradigma neoliberal, propõe: [...] a retirada do Estado da organização e do financiamento de políticas sociais voltadas ao conjunto da população e a restrição de sua atuação aos absolutamente desvalidos. Em outras palavras, sugerem o desmonte das políticas universalistas e o retorno do velho assistencialismo como único objeto da ação social do Estado” (MARQUES, 1997, p. 46). Por outro lado, a partir da crise da chamada sociedade do trabalho20, que, na prática, representa um decréscimo impressionante no trabalho assalariado, a seguridade social, que paradoxalmente volta a se aproximar cada vez mais da noção de seguro social, por estar fundada na contribuição dos trabalhadores inseridos no mercado formal, tende a garantir proteção a um número progressivamente mais restrito da população. Ela acaba por restringir-se à cobertura de situações de aposentadoria ou incapacidade para o trabalho para quem contribui, o que, na América Latina, não ultrapassa 50% da População Economicamente Ativa (SCHUBERT, 2001), em detrimento do seu caráter universal, enquanto direito à reprodução da própria vida. Em outras palavras, o nível de inserção no mundo da produção tem determinado o grau de proteção social. A crise no sistema produtivo compromete os próprios mecanismos de reprodução social, na medida em que é crescente o número de trabalhadores sem a garantia de renda de substituição21. Em suma, o contraste entre o desmonte das políticas sociais e a fratura no padrão de seguro social pela queda do trabalho formal tem implicações imediatas sobre a proteção social, as quais vêm embricadas a partir desses dois movimentos 20 21 Também definida como sociedade salarial; ver Castel (1998). Segundo Marques (1997), corresponde à renda necessária para o segurado manter-se quando da falta de salário derivado de motivo de doença, velhice, invalidez ou desemprego. 62 conflitantes: a pressão por reformas no que concerne aos direitos sociais e a queda do número de trabalhadores “segurados” socialmente. Ao mesmo tempo, o acesso ao seguro social reproduz-se sob outra face, na perspectiva do direito do trabalhador no mercado formal, ou seja, mesmo quem está protegido fica suscetível a riscos sociais, que não são enfrentados em suas causas, transferindo para a “proteção social” a indenização das mazelas decorrentes das desigualdades sociais. Pode-se citar como exemplo a crescente instabilidade no emprego e as condições em que o trabalho é realizado, gerando risco de acidentes e doenças, como bem demonstra a emergência de novas e antigas doenças relacionadas ao trabalho. Esta segunda, em particular, concernente aos riscos decorrentes de acidentes de trabalho, teve grande impacto no desenvolvimento dos seguros sociais, contribuindo para que estes se vinculassem à noção de risco indenizável, ou seja, pagam-se as conseqüências, sem olhar as suas causas. Como retrata Pezerat (2000), a implantação dos seguros permitiu pagar os estragos, sem recriminar os erros, portanto, o conceito de risco suplantava o conceito de erro. Porém, a sua evolução, tratando-se dos acidentes de trabalho, ainda segundo Pezerat, deu-se em dois sentidos: um que questionava a culpa dos empregadores, e o outro exonerava os culpados, uma vez que os trabalhadores estavam assegurados. Com a ampliação da cobertura dos seguros sociais, no que tange às categorias profissionais e aos benefícios previdenciários, assim como à ampliação da legislação trabalhista, tem-se um expressivo número de leis que dão garantias e proteção ao trabalhador, principalmente com vinculação ao trabalho industrial, e que foram legalmente conquistadas. Entretanto, no campo da saúde do trabalhador, a contradição não se manifesta a priori da ausência de direitos, mas, sim, pela falta de seu reconhecimento ou cumprimento legal. Ou seja, tem-se o direito, mas o seu acesso é 63 dificultado pela supremacia do capital em relação ao trabalho, como é o caso das doenças profissionais em progressiva ascensão na última década, onde se verifica a negligência quanto ao seu reconhecimento. Portanto, ao não reconhecê-las, também não se obtém o direito e, por conseguinte, a devida proteção social imediata e as decorrentes da situação de adoecimento e da incapacidade para o trabalho. Logo, sem reconhecimento, não há proteção social, e, ao mesmo tempo se constitui mecanismo de ocultar as contradições sociais e suas conseqüências. Em meio a essa complexa análise, em que a seguridade social se apresentou sob o viés securitário, registra-se a dicotomia histórica entre previdência social, incluindo seguro social e saúde, com a assistência social no Brasil, enquanto política pública. A seguridade social organizou-se no País sob o caráter contributivo incluindo a saúde, que há apenas pouco mais de uma década passou a ser universal, sendo compreendida, de modo geral, como uma prestação paga ao Estado que retorna ao contribuinte em forma de benefício a ser usufruído em dado momento de sua vida, e a assistência, como um auxílio a quem necessita, relacionado à situação de pobreza clássica, caracterizando-se como medida de caráter paliativo. No entanto, o conceito de seguridade social ampliou-se a partir da Constituição de 1988, com a inclusão da assistência social concebida como uma política pública22, a saúde como um direito universal, mas o terceiro componente, a previdência social, continua a ser contributiva e contratual e não tem avançado de forma a possibilitar a inclusão de situações decorrentes das novas necessidades produzidas pela queda do trabalho formal, razão esta que vem contribuindo para a dissociação da seguridade social enquanto sistema de solidariedade social, o que permitiria, na adversidade, a garantia de uma renda mínima ao trabalhador – que, 22 A sua implantação, no entanto, vem caminhando de forma lenta, a garantia dos mínimos sociais previstos pela Lei Orgânica da Assistência Social nº 8.742/93 (LOAS), vem sendo negligenciada. Sobre esse tema, ver Potyara P. Pereira (1998). 64 na grande maioria, já estiveram vinculados –, independentemente da sua vinculação previdenciária na atualidade. Como bem coloca Fleury “[...] o caráter público do seguro social introduz uma contradição entre o vínculo individual e a garantia social do benefício” (FLEURY, 1994 p. 154). A proteção dos riscos associados ao trabalho que fundou as primeiras leis de proteção social, foi progressivamente evoluindo, entretanto, o trabalho foi retrocedendo, fragilizando as próprias conquistas sociais e o acesso aos direitos legalmente constituídos. Outra lacuna que se constata em meio ao sistema de seguridade social é na área da saúde, que, ao ser concebida, na Constituição brasileira como um dever do Estado e um direito de todos, revelou um imenso avanço para todos os trabalhadores e para a população em geral, na medida em que deixou de ser contratual. No entanto, no campo da saúde do trabalhador, o quadro que se identifica não corresponde a uma cobertura universal e diferenciada, conforme a especificidade que a área exige. Cabe mencionar que, no âmbito da saúde pública, o acidente de trabalho, assim caracterizado, recebia assistência diferenciada até 1993, enquanto estava sob a responsabilidade do extinto INAMPS. Com a introdução do Sistema Único de Saúde (SUS), a saúde do trabalhador precisa, então, ser repensada sob novo ângulo, não apenas assistencial, mas ser traçada a partir de uma política de atenção integral e que englobe, inclusive, a vigilância da saúde dos trabalhadores23. Esse processo, porém, temse se mostrado lento, levando grande parte dos trabalhadores acidentados e/ou portadores de patologias relacionadas ao trabalho a uma espera longa e coletiva, vivenciada por toda a população usuária do SUS. Em outras palavras, a saúde, parte integrante do sistema de 23 O artigo 200 da Constituição Federal do Brasil de 1988 determina que as ações na área da saúde do trabalhador são de exclusiva competência do SUS. A saúde do trabalhador está conceituada, portanto, na Lei Federal nº 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde –, mas as ações a serem realizadas nessa área ocorreram apenas em 1998, através da Norma Operacional sobre a Saúde do Trabalhador e de uma instrução normativa sobre da vigilância em saúde do trabalhador. 65 seguridade social, caminha lentamente em direção à proteção ao trabalhador, à forma de enfrentar a realidade dos trabalhadores que adoecem, assim como as metamorfoses pelas quais o trabalho passa. Em que pese a saúde estar distanciada justamente no campo que maior demanda ações – o dos trabalhadores –, nos demais, o desafio da seguridade social na atualidade, presume-se, é a necessidade de ultrapassar a visão dualista da proteção social – contratual e assistencial –, concebida como um conjunto de medidas que se sobrepõe a saídas individuais, tal como ideologizado pelo paradigma neoliberal, e que entende que a inserção no mercado de trabalho e, conseqüentemente, nos demais mecanismos alicerçados pelo seu acesso está restrita à responsabilidade e à capacidade do indivíduo de se inserir nesse mercado. Envolve, acima de tudo, o que Rosanvallon (1995) chama de uma nova forma de gestão da desocupação, indicando a necessidade de repensar a igualdade de oportunidades tal qual propõe o liberalismo, demonstrando que a inclusão social, sob a ótica da inserção, se dá pela via do direito ao trabalho. Num plano mais geral, pode-se concluir que a adoção de mecanismos de proteção social de inclusão/inserção concerne a mediações que efetivamente dizem respeito ao papel do Estado, mas que são negligenciadas pela sua tendência a contribuir para o equilíbrio do funcionamento do mercado. Por sua vez, essa sintonia tem ampliado o que Thébaud-Mony e Appay (2000) chamam de precarização social, por entendê-la como um processo multidimensional da institucionalização da instabilidade caracterizada pelo crescimento das diferentes formas de precariedade e exclusão. 66 A concepção de proteção social afirma-se na premissa de que o trabalho é o mecanismo central e histórico de garantia de acesso aos meios de produção e de reprodução da vida material e social. Fundamentalmente, o trabalho incide sob a forma de organizar a própria sociedade, e, na medida em que se desestruturam os pilares do trabalho, fragilizam-se os meios de sustentação da sociedade. Porém, quem protege o trabalho? A quem cabe protegê-lo como alicerce de proteção social? Os agentes, Estado, capital e trabalho, ao interagirem nos diferentes contextos, suplantaram uma nova ordem, que inevitavelmente trouxe um novo componente à questão social, seja em decorrência das mutações do trabalho em meio à acumulação flexível, seja pela forma com que esta vem sendo enfrentada ou negligenciada, em particular pelo primeiro agente. O fortalecimento do paradigma neoliberal no final do século XX ampliou as desigualdades sociais, que, na especificidade do trabalho, se traduzem na forma como o ingresso ao mercado de trabalho vem sendo obstaculizado, assim como estar nele tem o signo da “oportunidade” e da “capacidade”, marginalizando os que não se incluem. Enfim, o entendimento sobre as transformações do papel do Estado, articuladas com a reestruturação do capital e com as mudanças que recaem sobre o trabalho, demonstra que as necessidades sociais decorrentes das relações de produção e do mercado tendem a desestabilizar ainda mais os padrões de proteção social, conduzindo a saídas e a respostas cada vez mais individualizadas, disciplinadas pela lógica concorrencial do capital. Porém, essa questão, tratada sob a perspectiva da luta social, tem na nova configuração da classe operária o elemento balizador que pode reverter essa realidade ou tornar a proteção social ainda mais multifacetada. Entende-se que a primeira premissa, a qual envolve diferentes atores sociais, pode contribuir para o estabelecimento de uma nova correlação de forças no 67 papel do Estado, ou seja, parte da sua capacidade e de poder de transformar suas necessidades em demandas políticas (FLEURY, 1994), levando, assim, o Estado a dar respostas aos efeitos produzidos pela base política e econômica que lhe deu sustentação, mas que não o tornou absoluto. O curso da história recente tem demonstrado a premência, mesmo que focalizada, de uma relativa autonomia por parte do Estado, que tende a estabelecer, num prazo ainda indeterminado, uma nova correlação de forças. 2 – A LACUNA ENTRE SAÚDE E TRABALHO CONSTRUÍDA A PARTIR DOS RISCOS “SOCIALMENTE” ACEITÁVEIS As particularidades do campo da saúde e trabalho no processo engendrado pela própria organização do trabalho se inscrevem numa perspectiva de totalidade, metamorfoseadas pelo contexto sócio-histórico de ambos. Uma análise nessa área, (re)coloca para a sociedade o anverso de uma realidade que está imersa e oculta no interior do “mundo” do trabalho, onde uma face esconde a outra e vice versa. As determinações sociais e ocupacionais sobre a saúde do trabalhador têm recebido um aprofundamento teórico-metodológico, que vem contribuindo para a superação do modelo hegemônico, centrado nas causas meramente biológicas e ambientais, passando a compreendê-las em meio ao processo econômico e social decorrente das contradições sociais que se originam no interior da produção da riqueza gerada socialmente. O estudo empreendido sobre o desenvolvimento das forças produtivas e a nova configuração da classe operária contribui para o presente processo de análise, ao evidenciar os condicionantes históricos e atuais que incidem sobre o trabalhador e sua saúde. Verifica-se não somente a persistência de trabalhos com riscos tradicionalmente conhecidos, como o trabalho insalubre, pesado, ruidoso e tóxico e também a emergência de novos fatores de riscos relacionados ao trabalho e sua forma intensiva e sob forte controle de tempo (THÉBAUDMONY, 1999). 69 Partindo do pressuposto de que a terminologia saúde do trabalhador traz consigo novo viés ao conceito, tem-se em conta que a preocupação com a saúde no trabalho – e não apenas com a doença –, é recente, se considerada a linha histórica da inserção do ser humano na atividade laboral e pelas diferentes perspectivas de atenção à área da saúde. Embora se constatem avanços recentes a partir da apropriação de conhecimentos e mecanismos de enfrentamento dos males decorrentes do modelo fordista/taylorista e sua transição para o modelo toyotista, não é possível dar conta da rapidez das transformações decorrentes da implantação do novo paradigma industrial, que, ao mesmo tempo, contribui para a manutenção, nem sempre marginal, do modelo anterior, trazendo rebatimentos para fora do processo fabril. Assim, como a matriz inicial da saúde no trabalho centrada na medicina do trabalho e no modelo médicohegemônico, característico do padrão fordista, continua presente nos dias hoje, na grande maioria da empresas, sejam elas da indústria de transformação, do comércio e de serviços, ignoram-se as transformações e as necessidades sociais e produtivas dela decorrentes. Embora as ações preventivas de saúde ocupacional tenham evoluído, ainda são poucos os avanços e as referências que atuam na perspectiva de uma saúde integral do trabalhador, bem como no reconhecimento das doenças profissionais que se manifestam lenta e progressivamente, a exemplo das doenças relacionadas ao agente amianto. A preocupação central, neste capítulo, é identificar mecanismos que venham a contribuir para a compreensão dos fatores de agravos sobre a saúde do trabalhador – os quais não são facilmente identificáveis, para que estes não sejam aceitos como naturais no processo de trabalho. Nesse sentido, a realidade atual exige a construção de novos rumos em busca de uma lógica do direito à proteção e à promoção da saúde, com a participação de todos os atores envolvidos. 70 2.1 – O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DA SAÚDE DO TRABALHADOR A relação saúde-trabalho data do início da reprodução da espécie humana, pois a luta pela sua sobrevivência era garantida através do seu próprio trabalho, a caça. A saúde e a reprodução da espécie humana na comuna primitiva estavam relacionadas não somente às possibilidades materiais de alimentação, mas também à sua capacidade de defesa, onde o meio em que vivia era adverso. O desenvolvimento da humanidade é repleto de indicações onde o trabalho humano é sinônimo de garantia da subsistência, como também de força física, em regime de exploração e servidão. Por outro lado, o surgimento das doenças denota, em cada época e lugar, explicações diferentes. Segundo Facchini (1993), na Antigüidade, utilizava-se a interpretação mágico-religiosa, mencionando a importância do ambiente, do trabalho e da posição social. Na Grécia e na Idade Média até meados do século XI, as causas das doenças eram atribuídas à variabilidade dos humores corporais. Para o autor, a partir do século XI até a o fim da Idade Média, amplia-se a base técnica e racional da medicina, bem como na transição para o capitalismo há inovação na explicação das causas das doenças. A revolução industrial marca não só uma mudança no regime social, mas vem acompanhada de diversas transformações sociais. O capitalismo, que surge como uma revolução no modo de produção e reprodução social, desenvolve-se carregando consigo uma contradição fundamental, sua produção é social, mas sua apropriação é individual. A riqueza gerada pelo trabalho vai se concentrando na mão de poucos, ampliando o grau de desigualdade em relação a quem a produz, materializada no seu modelo concentrador de riqueza, embora seja produzida coletivamente. É o que se observa a partir do trabalho na 71 indústria, no século XIX, que se dava em condições precárias, onde homens, mulheres e crianças passavam, em média, l8 horas em regime de trabalho intenso e insalubre. A frágil saúde desses trabalhadores era reflexo de suas condições de vida e trabalho, conforme bem demonstra Engels (1980) em seus estudos sobre a classe operária na Inglaterra, berço da Primeira Revolução Industrial. O autor referencia, no entanto, a existência de uma certa melhora da situação no setor mais protegido da classe operária, que era, na sua opinião, o dos operários das fábricas, devido à legislação existente, que estabelecia limites relativamente razoáveis para a jornada de trabalho, a qual permitiria restaurar, em certo ponto, as forças físicas. No Brasil, a transição de um modelo agrário-exportador para o industrial acelerou o crescimento da população urbana e o número de trabalhadores no setor industrial. O exemplo do setor têxtil algodoeiro é elucidativo: este passou de oito fábricas e 424 operários no ano de l853 para 409 fábricas e 224.252 operários em 1948 (BAER, 1996). De imediato, surgiu a preocupação da classe operária brasileira com a sua integridade física e mental. Esta aparecia já no 1º Congresso Operário, em l909 (LOPES, 1990). A industrialização no Brasil absorvia um número cada vez maior da população. O trabalhador inserido no processo produtivo ficou condicionado a um novo modo de viver, fortemente relacionado com a organização do seu próprio trabalho. O trabalho industrial, que se desenvolveu de forma acelerada até a década de 80, começou a dar sinais de refreamento, caminhando para a alteração da sua forma de organização e gestão, tendo como força motriz a diminuição da força do trabalho necessária na produção por conta do avanço tecnológico e da busca de um novo ciclo de desenvolvimento capitalista e da recomposição de sua margem de lucro. Esse processo legitimou-se socialmente através de princípios fundados sobre a 72 lógica da modernização da organização do trabalho (THÉBAUD-MONY, 1999), como globalização, competitividade, flexibilidade, produtividade e qualidade total. Seus princípios foram traduzidos pelo nome de reestruturação produtiva, que, concomitantemente, excluíram na “modernidade”, uma camada significativa de trabalhadores. Esse movimento tem favorecido a terceirização de trabalhos e serviços, o aumento da informalidade e a domesticação do trabalho, levando esses trabalhadores a uma exposição de riscos ocupacionais diversos, dada a natureza das atividades repassadas a esses segmentos, que, na sua maioria, são insalubres, intensas e perigosas, ocorrendo, assim, uma espécie de terceirização de riscos. 2.2 – O RECONHECIMENTO DA SAÚDE-DOENÇA NO PROCESSO DE TRABALHO: COMPONENTES DE UMA VISÃO MULTILATERAL A perspectiva da saúde do trabalhador na atualidade, contextualizada pelas mudanças na organização e na gestão do trabalho e no perfil dos trabalhadores, não tem se distanciado dos moldes do padrão industrial, progressivamente legitimado a partir de uma perspectiva hegemônica – a proteção do trabalho fabril. Resguardadas as particularidades dos diferentes ramos, o campo da saúde do trabalhador tem recebido diferentes enfoques, constatando-se avanços em termos de conceituação, conforme sistematização feita por Oliveira e Mendes (1996), no QUADRO 1. A realidade nesse campo tem-se demonstrado contraditória e complexa, com limites não facilmente definidos (MENDES, 2004). A manutenção de concepções atrasadas não dão conta das necessidades da área e perpetuam práticas que visam proteger os riscos inerentes ao espaço produtivo e à ação humana. 73 QUADRO 1 Desenvolvimento conceitual da saúde do trabalhador DETERMINANTES AÇÃO CARÁTER ATOR DO PROCESSO PRINCIPAL PRINCIPAL PRINCIPAL Biológico Tratamento Técnico Médico da doença Ambiental Prevenção da doença Técnico Equipe Social Promoção da saúde Técnico e Político Cidadão CENÁRIO PAPEL DO USUÁRIO Hospital Usuário é objeto da ação Ambulatório Usuário e ambiente são objetos Sociedade Sujeito CAMPO DA SAÚDE Medicina do trabalho Saúde ocupacional Saúde do trabalhador FONTE: Oliveira; Mendes (1995). Historicamente, o trabalhador torna-se objeto de ações que centram nele a responsabilidade de evitar a iminência de dano ou risco à sua saúde, tendendo, ao mesmo tempo, a responsabilizá-lo, em caso de acidente de trabalho, em detrimento das condições de trabalho, caracterizando o acidente como conseqüência de “ato inseguro”. Essa visão, que parece ter se consolidado em meio aos profissionais da área, desencadeou dois processos opostos e linearmente construídos: a) ao conceber o acidente de trabalho como produto da conduta do trabalhador no seu ambiente laboral, este é entendido como resultante de causa endógena e individualizada por parte do acidentado. A ação tende a proteger o indivíduo e a educá-lo para prevenir; b) centrar o foco no indivíduo contribui para um distanciamento da percepção da saúde do trabalhador como algo implicado também com as condições de vida e com a organização do trabalho – incluindo todos os componentes do processo de trabalho, como a força de trabalho – desgaste físico, psíquico e social –, a matéria-prima – muitas vezes insalubre, penosa, pesada, tóxica, etc. –, e os instrumentos de trabalho, o desgaste físico e mental e os riscos ao operacionalizá-los. 74 Para melhor compreender-se esse segundo processo e avançando na busca da superação do modelo hegemônico, é central a formulação de Laurell e Noriega (1989), que utilizam a categoria carga de trabalho em detrimento do conceito de risco. Nessa perspectiva de análise, a carga de trabalho é definida pelos autores como abarcando tanto as condições físicas, químicas e mecânicas quanto as fisiológicas, as quais interatuam dinamicamente entre si e no corpo do trabalhador (MINAYO, 1997). Tem-se, portanto, a partir da categoria processo de trabalho e seus componentes, uma visão clara e totalizante da apreensão do conjunto de agentes que interagem sobre a saúde do trabalhador. Tal categoria permite também se distanciar da visão unívoca de risco atribuído apenas à conduta do trabalhador, avançando na compreensão dos determinantes profissionais e sociais que envolvem a sua vida e a sua saúde. Ter como referência analítica o processo de trabalho significa um aprofundamento metodológico que parte do primeiro componente – o trabalho em si –, ou seja, uma atividade adequada a um fim: ao utilizar a sua força de trabalho para a produção material, o trabalhador põe em movimento as forças naturais do seu corpo, que, segundo Marx (1980), ao modificar a natureza externa – objeto –, modifica a si mesmo, assim como imprime sentido útil à vida humana. Há, portanto, uma metamorfose que contribui para definir a especificidade do ser humano, a qual se manifesta em vários sentidos, em especial sobre a sua identidade e seu corpo. Ao analisar o segundo componente – a matéria-prima –, ou seja, o objeto que necessita da ação sobre si para ser transformado materialmente, verifica-se que é composta, na sua 75 maioria, por agentes insalubres24, seja ela in natura, ou já modificada, orgânica ou química. O trabalhador, assim, está à mercê de uma sucessiva exposição de agentes externos e internos, que contribuirão de forma latente para o surgimento de doenças profissionais. Por fim, o trabalhador, ao se utilizar de um instrumental para modificar a matéria-prima – agente central na composição da carga de trabalho – adequado para atuar sobre o objeto e não para si, adapta-se a ele e, ao mesmo tempo, contribui para que este se modifique. Os meios de trabalho evoluem a partir do desenvolvimento da própria força humana e das condições de trabalho, interferindo na evolução das forças produtivas. Pode-se constatar que a superação de um instrumental nem sempre significa a melhoria das condições produtivas; como exemplo, pode-se utilizar a ferramenta manual, que, ao mesmo tempo em que demanda maior domínio físico, exige um maior controle do trabalhador sobre ela, ao passo que um maquinário com tecnologia avançada submete-o ao seu ritmo, gerando menor desgaste físico e ampliando o mental, pelas novas exigências às quais o trabalhador está submetido no contexto da era de acumulação flexível. Em síntese, essa carga de trabalho se compõe de múltiplas formas e com particularidades específicas em diferentes espaços produtivos. Assim, no campo da saúde do trabalhador, a tentativa de superar a concepção tradicional de higiene e medicina no trabalho é permeada por inesgotáveis determinações e ações que possam dar conta de identificar e reconhecer os agravos e as doenças que nele se manifestam. 24 Segundo o artigo 189 da CLT “[...] são consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos efeitos.” 76 Reconhecê-las no âmbito do processo de trabalho, numa visão de integralidade, constitui-se no primeiro ato para ampliar o conhecimento sobre saúde e trabalho. Por sua vez, os processos de trabalho são produto de relações sociais que determinam também as condições de vida da população trabalhadora. Num dialético e amplo movimento, tem-se presente que o campo da saúde do trabalhador é multicausal e está relacionado à forma de trabalhar e viver dos trabalhadores, onde esta unidade ganha novos contornos, a partir do novo contexto da organização da produção material e social, assim como os mecanismos de reconhecimento e proteção social dele decorrentes. 2.3.– O ACIDENTE E A DOENÇA RELACIONADA AO TRABALHO O acidente de trabalho e as doenças profissionais são denominações que expressam e sintetizam o processo de saúde/doença e trabalho, e este, por sua vez, é também um processo histórico. As leis, nessa área, se constituíram, ao longo do tempo, em respostas à crescente inserção de trabalhadores no espaço fabril e buscavam, e ainda buscam, disciplinar aspectos relacionados ao risco de acidentes e doenças. De forma predominante e pela natureza das atividades existentes na indústria de transformação, as formas de atenção à saúde voltada à prevenção e à comunicação de agravos se consolidaram, na perspectiva de garantir a produção material e, num segundo aspecto, para a manutenção e à reprodução da força de trabalho. Elas têm por objetivo assegurar um processo produtivo ininterrupto e a permanência da força de trabalho em detrimento ao que um acidente pode representar em relação à produtividade do trabalho e, conseqüentemente, à produção de mais-valia. Em suma, as leis são também manifestação das contradições sociais presentes na sociedade capitalista. 77 Em 1919, surgiu a primeira lei de acidente de trabalho no Brasil – antes mesmo do primeiro instituto de previdência, e sem ter sido votado o Código do Trabalho, que estava em discussão –; sua aplicação baseava-se no conceito de risco profissional como algo natural à atividade laboral e exigia que a comunicação fosse realizada por uma autoridade policial. A legislação em vigor indenizava o acidentado ou sua família de acordo com o grau de gravidade das seqüelas, e a indenização era paga pelo empregador em cota única. Após o surgimento das caixas de aposentadoria e pensões, que tiveram como marco a Lei Eloy Chaves, de 1923, a qual dava cobertura aos ferroviários, outras categorias profissionais passaram a constituir os primeiros institutos públicos de previdência brasileiros, unificados em 1966, com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), mudando, em 1990, para Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O Estado assumiu a regulação das relações trabalhistas e previdenciárias e promoveu várias alterações na legislação desde então, porém o caráter de seguro social permaneceu inalterado. Assim, o acidente de trabalho passou a integrar os demais benefícios previdenciários a partir de legislação própria, que estabelece também mecanismos de caracterização do acidente e os direitos do segurado empregado e do segurado especial. Esses mecanismos foram evoluindo através da Consolidação do Trabalho (CLT) e de diversas Normas Reguladoras (NRs) relativas à segurança e medicina do trabalho, estabelecendo competências do Ministério do Trabalho, através de suas delegacias regionais, no que concerne ao cumprimento e à fiscalização das mesmas. A assistência à saúde dos acidentados era de responsabilidade do empregador até a primeira década do século XX, passando para as caixas de aposentadoria e pensões, e, posteriormente, para o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). No Sistema Único de Saúde, o acidentado do trabalho compartilha com o restante da população o atendimento através da rede de serviços de saúde. 78 A natureza seguradora do acidente de trabalho faz com que o trabalhador, ao acidentar-se, ingresse no “seguro” e, em caso de seqüela, faz jus ao um “pecúlio”25. Essa concepção, ao longo do tempo, favoreceu a formação de uma cultura ideologizada para o trabalhador, onde a fatalidade e a indenização foram institucionalizas e passivamente aceitas, assim como para o empregador a responsabilidade passou a esgotar-se com a comunicação do acidente de trabalho. Mas essa realidade é ambivalente, entrando em questão os aspectos subjetivos para a caracterização de um acidente de trabalho, de trajeto e, em particular, das doenças profissionais. Dessa maneira, sua aplicabilidade legal tenciona o acesso ao seguro social legalmente instituído para o trabalhador sob a proteção do trabalho formal, que engloba, o segurado26 empregado, bem como o agricultor – segurado especial. Uma revisão da legislação contribui para a melhor compreensão da análise em curso. Assim, partindo do conceito de acidente de trabalho, verifica-se que este legalmente abarca no seu conteúdo 14 situações que se equiparam a acidente de trabalho, sendo que quatro são as modalidades em que os mesmos mais freqüentemente são caracterizados: o acidente típico de trabalho; as doenças profissionais; as doenças do trabalho; e por fim os acidentes de trajeto. A mesma legislação, garante ainda a cobertura do acidente de trabalho, apenas para 25 Tanto a palavra “seguro” como a “pecúlio” são expressões populares utilizadas por trabalhadores que se acidentam no trabalho. O seguro refere-se ao auxílio-doença acidentário – benefício previdenciário por incapacidade decorrente de acidente de trabalho –, e o pecúlio é o auxílio-acidente – valor pecuniário concedido como indenização ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidentes de qualquer natureza ou de acidente de trabalho, resultar em seqüela definitiva que implique redução da capacidade laborativa (art 152 do Decreto nº 2.172/97). 26 O artigo 9º da Lei nº 8213/91 estabelece, dentre os segurados obrigatórios da previdência social, as seguintes pessoas físicas: “I – como empregado: a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural a empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado; b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário, por prazo não superior a três meses, prorrogáveis, prestas serviço para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviço de outras empresas, na forma da legislação vigente; “[...] “VII – como segurado especial – o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e seus assemelhados, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime familiar, com ou sem auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de dezesseis anos de idade ou a eles equiparados, desde que trabalhem comprovadamente com o grupo familiar.” 79 dois segmentos de trabalhadores inscritos na previdência social, conforme já mencionado, que é o segurado empregado e o especial. Segundo o artigo 19 da Lei nº 8.213/91 “Acidente de trabalho é o infortúnio que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, ou, ainda, os sofridos pelo segurados especiais, provocando lesões corporais ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução da capacidade para o trabalho, permanente ou temporária” Na seqüência, o artigo 20 da mesma lei define mais. [...] considera-se também Acidente de Trabalho: I – Doença Profissional aquela inerente à atividade desempenhada pelo trabalhador, ou seja, aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelos Ministérios do Trabalho e Emprego e Ministério da Previdência Social [27]. II – Doença do Trabalho aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e que com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no parágrafo anterior. Em casos excepcionais o § 2º do inciso II do mesmo artigo reconhece que, em se tratando de doenças não incluídas na relação, mas que resultam das condições especiais em que o trabalho é executado ou que com ele se relacionem diretamente, a previdência social deve considerá-la acidente de trabalho. Ainda outras situações que se equiparam a acidente de trabalho são definidas na Lei, artigo 21, tais como: I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão médica que exija atenção médica para sua recuperação; [....] 27 As doenças constantes nessa lei encontram-se no QUADRO.2, na página 99 desta tese. 80 III– a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício da atividade. E, por fim, há o acidente de trajeto, também equiparado ao acidente de trabalho, o qual é definido, pelo mesmo artigo, no inciso IV, que equipara o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho, da seguinte forma: “c) No percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive o veículo de propriedade do segurado.” Essas são conceituações com critérios abstratos de aplicabilidade, principalmente em se tratando de acidentes de trabalho e da distinção entre doença profissional e do trabalho. Os conceitos e sentidos que parecem ser semânticos contribuem para a adoção de formas distintas de interpretação, pois as doenças às quais o trabalhador está exposto ao risco de forma inerente a atividade desempenhada – a profissional –, e as que podem ser adquiridas ou desencadeadas em função das condições especiais – do trabalho –, são, na verdade, produzidas por condições de trabalho inadequadas e insalubres. Tanto a inerente, ou seja, aquela que poderá vir a se manifestar com o tempo, a exemplo das pneumoconisoses, como as passíveis de serem desencadeadas, como a Lesão por Esforço Repetitivo (LER/DORT), têm como origem, sem dúvida, as condições de trabalho e se manifestam lentamente. Talvez sejam esses os principais fatores que têm contribuído para a ausência do reconhecimento e a caracterização das doenças relacionadas com o trabalho, ao passo que em se tratando da caracterização de um acidente típico de trabalho, ou seja, o que provoca lesão corporal – e ainda se deve acrescentar de forma externa e visível –, ocorrido na empresa, na sua maioria, tem-se efetivado sem que haja necessidade de recorrer a meios de comprovação, dada a visibilidade do fato ocorrido. Na verdade, o que se observa e é aceito por todos os 81 profissionais que atuam nessa área, independentemente de sua concepção de saúde no trabalho, é que o acidente de trabalho ocasionado no âmbito do espaço laboral e que causa lesão externa automaticamente tem sua caracterização confirmada através da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), emitida no máximo 24 horas após o agravo. Assim, as noções do fato e do tempo andam juntas e têm constituído a cultura dos profissionais da área de segurança e medicina do trabalho e empregadores, em particular no ramo industrial, onde há maior incidência de acidentes. Também é natural, concomitantemente à caracterização, a análise do acidente, ou seja, a identificação dos fatores que contribuíram para que o mesmo ocorresse. Neste momento, materializa-se a dissociação entre o indivíduo e as condições de trabalho e sociais. O trabalhador acidentado carrega sozinho a marca do acidente, o que pode lhe trazer seqüelas de grau mínimo a máximo no seu potencial produtivo, porém quaisquer que sejam, têm repercussão sobre sua vida pessoal e laboral, com tendência à culpabilidade do trabalhador, pois o fato foi considerado isolado, recolocando nele a insegurança e a incerteza. Para a empresa, o acidente de trabalho acaba por ocasionar um certo desequilíbrio no espaço produtivo, pois afeta o conjunto dos trabalhadores de forma subjetiva e, ao mesmo tempo, exige que o trabalhador acidentado seja substituído, ou ainda, muitas vezes, por romper o cronômetro de número de dias sem acidente de trabalho, e suas implicações econômicas, administrativas e na renovação da certificação de qualidade. Ao se tratar da caracterização de doença do trabalho, ou doença ocupacional, vê-se que a sua lógica não é tão mais aceitável, embora igualmente conceituada como acidente de trabalho. As doenças profissionais têm se constituído por agravos relacionados ao trabalho durante e pós-períodos de realização de atividade e/ou exposição a um agente nocivo no 82 ambiente de trabalho. Isso, num primeiro olhar, poder-se-ia dizer que, para o estabelecimento do nexo causal entre agente causador e atividade exercida, é o suficiente para assim ser caracterizado. No entanto, o elemento determinante, que também pode ser chamado de excludente, é a ausência do efetivo reconhecimento da influência das condições de trabalho sobre a saúde do trabalhador. E, nos casos das doenças de latência e/ou de exposição intermitente, o elemento tempo também contribui para ocultar esse processo. Alguns exemplos podem ser agregados a esta análise. O mais emblemático e numeroso são as LER/DORT. Embora se constate um crescente número de CATs por essa patologia, como conseqüência da assimilação e do reconhecimento, a partir da realização de estudos epidemeológicos que contribuíram para o avanço legal, a realidade tem-se mostrado contraditória. Inúmeros casos não são caracterizados como tal e, logo, não são comunicados como doenças profissionais. Há um incontável número de trabalhadores portadores dessas patologias, com diferentes quadros nosológicos, que se afastam do trabalho por incapacidade sem o efetivo reconhecimento. O principal fator que contribui para essa situação é a predominância da concepção de uma medicina do trabalho onde o indivíduo é o enfoque principal e determinante do processo de saúde/doença (MENDES, 2003, p. 64). Os fatores de risco, ou, melhor dizendo, a carga de trabalho, acabam sendo secundarizados, ocorrendo um total descomprometimento por parte do empregador. Por outro lado, a comunicação do acidente/doença profissional, que está a cargo dos profissionais da saúde, não se efetiva, em decorrência da suscetível relação de poder a que estão submetidos, também pela condição de trabalhadores assalariados. 83 Isso explica a crescente notificação de casos pelas entidades sindicais e pelos próprios trabalhadores, embora estes últimos em número proporcionalmente bem inferior. Recentemente, a Previdência Social alterou os critérios para a caracterização da LER/DORT, através de uma nova Instrução Normativa – nº 98, de 05 de dezembro de 2003 –, que faz uma atualização clínica sobre as patologias, contemplando questões conceituais, epidemiológicas e legais, fatores de risco, diagnóstico, tratamento e notificação, além de normas técnicas para avaliação da incapacidade laborativa. A instrução pode ser entendida como resposta às necessidades de enfrentamento desse tipo de doença e, se destaca como avanço à necessidade de emissão da CAT em caso de suspeita, bem como na avaliação das condições psicossociais e emocionais, concomitantemente ao exercício da atividade profissional, como critério para caracterização, e não mais apenas a consideração dos aspectos físicos. Esse recorte demonstra que uma doença “invisível” passa a ter a atenção necessária28 quando se torna visível, ou seja, quando se amplia numericamente, bem como pela efetiva ação dos diferentes atores sociais envolvidos na luta pelo enfrentamento de suas causas e consequências. Na medida em que se ampliam as possibilidades de prevenção e tratamento da doença, ela se torna socialmente mais compreensiva, o que não diminui o estigma perante o mercado de trabalho. Os trabalhadores portadores de LER/DORT que saem voluntariamente ou são demitidos de empresas com predominância de atividades manuais repetitivas acabam não obtendo colocação em outra empresa, quando esta toma conhecimento da sua atividade anterior. Também de forma subjetiva, perante a família, os colegas e o grupo de amigos, sofrem preconceitos que, associados ao sentimento de incapacidade, contribuem para um quadro depressivo, muitas vezes irreversível. 28 Embora tenha ocorrido um avanço legal e ampliado numericamente em casos identificados como LER/DORT ainda é muito incipiente a comunicação das doenças profissionais, assim como a previdência social não tem adotado medidas efetivas para o seu reconhecimento no que se refere à conduta médico-pericial. 84 Acredita-se que ainda se está longe de ver “a luz no fim do túnel”. A invisibilidade socialmente construída ao longo dos anos na relação saúde-trabalho-doença, a qual tem sua origem nos primórdios da Primeira Revolução Industrial, revela que o trabalhador, ao vender sua força de trabalho, vende também a sua saúde. O conhecimento dos agentes ou dos fatores de risco era apontado já em 1714, por Ramazzini, em sua principal obra De Morbis Artficum Diatriba, traduzido no Brasil por As Doenças dos Trabalhadores, obra que traz de forma brilhante uma análise das doenças típicas de acordo com a atividade exercida pelo trabalhador. É sua a célebre frase “Qual o seu ofício?”29. O autor examina diferentes profissões e seus riscos. E, a título de ilustração, transcrever-se-á uma passagem sobre as doenças dos que trabalham em pé: [...] Até aqui falei daqueles artífices que contraem doenças em virtude da nocividade da matéria manipulada; agrada-me aqui tratar de outros operários que, por outras causas, como sejam, a posição dos membros, dos movimentos corporais inadequados, que, enquanto trabalham, apresentam distúrbios mórbidos, tais como os operarias que passam o dia de pé, sentados, inclinados, encurvados, correndo, andando a cavalo ou fatigando o seu corpo por qualquer forma. Em primeiro lugar, aparecerão em cena os que têm que permanecer parados, os carpinteiros, os podadores e cortadores, os escultores, os ferreiros, os pedreiros e muitos outros (RAMAZZINI, 1988, p. 107). Contudo, o trabalho e as profissões transformaram-se ao longo do desenvolvimento da humanidade, porém [...] trabalhadores continuam adoecendo e morrendo por doenças conhecidas desde a Antigüidade, como as intoxicações por chumbo e as pneumoconioses, às quais são acrescentadas outras decorrentes da incorporação de novas tecnologias aos processos produtivos, de novas formas de organizar e gerir o trabalho (MENDES, 1995, p. 61). 29 Ramazzini lembra Hipócrates no livro Das Afecções, que tinha como preceito “[...] quando visitares um doente, convém perguntar-lhe o que sente, qual a causa.[...]”, sugerindo que fosse acrescentado, “[...] que ofício exerce.” 85 A saúde do trabalhador foi negligenciada, historicamente, pelas relações de poder entre capital e trabalho, obscurecendo as condições de trabalho e os limites da força humana. Os meios de proteção à saúde têm se dado de forma externa ao trabalhador, fazendo com que não seja sujeito do processo, como bem coloca Possas: As condições de trabalho e saúde estão estreitamente associadas às condições em que se realiza o processo produtivo e são por elas determinadas. O grau de importância que será dado ao problema da saúde, da doença ocupacional e do acidente do trabalho é determinado pela posição e pela importância relativa dos trabalhadores como parte deste processo (POSSAS, 1989, p. 118). Conclui-se que se conhece o dano à saúde, porém não se promove saúde e nem o controle da carga de trabalho, bem como a prevenção e a eliminação dos riscos não têm levado em conta a progressividade do desgaste humano lentamente acumulado, que não é só físico Assim, embora se avance na identificação, na caracterização, no diagnóstico e no tratamento, tem-se uma outra face dessa realidade, que é o passivo de trabalhadores colocados para fora do meio produtivo e inutilizados física e socialmente. Algumas empresas chegam a ter de 10% a 20% de trabalhadores afastados do trabalho por incapacidade, sem contar os que estão em situação de desemprego. Embora lhe seja garantido, na maioria dos casos, benefício previdenciário, constata-se que, de cada 10 benefícios por incapacidade, apenas dois são decorrentes de acidente ou doença do trabalho30. Ressalta-se que as doenças do trabalho representam aproximadamente 10% dos acidentes de trabalho, conforme se pode observar na TABELA 4, organizada a partir de dados estatísticos da Previdência Social. Em 2002, foram notificados 387.905 acidentes de trabalho em todo o Brasil, o que representa quase 50 mil acidentes a mais do que os registrados em 2001. Dos notificados, 3.000 acidentes fizeram vítimas fatais, e de 15 a 20 mil geraram incapacidade permanente, parcial ou total. Já o 30 Conforme dados da Previdência Social. (Disponível em: <http://www.previdenciasocial.gov.br>. Acesso em: jan. 2004. 86 número de auxílio-doença por incapacidade31 passou de 770.962 para 1.294.728 nos anos de 2001 e 2002 respectivamente, demonstrando um aumento de 60% de um ano para outro. A partir desses dados, pode se afirmar que inúmeros casos de doenças decorrentes do trabalho acabam vinculadas à doença comum, ou seja, não há a emissão da CAT. Logo, essa proteção é temporária e, ao mesmo tempo, parcial, pois o fato de não ocorrer a caracterização do acidente de trabalho/doença do trabalho significa que não é assegurado ao trabalhador nenhum dia de estabilidade ao voltar para a empresa, além de não ocorrer a obrigatoriedade do empregador em depositar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, previsto legalmente apenas para os trabalhadores acidentados. Porém, o mais grave é que os dados apresentados anteriormente e os detalhados na seqüência representam apenas 42% da população brasileira ocupada formalmente. TABELA 4 Quantidade de acidentes de trabalho registrados, segundo o motivo, em algumas Unidades da Federação – 2002 ESTADO TOTAL ACIDENTE DOENÇA DO TÍPICO TRABALHO ACIDENTE DE TRAJETO São Paulo Rio Grande do Sul Bahia Pernambuco Pará 152145 39271 11758 7012 6312 120484 33496 8821 5432 5224 8860 2315 1637 477 416 18481 3460 1300 1103 672 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Previdência Social (2002). Os dados revelam ainda outras informações, que demonstram a predominância dos acidentes típicos, estando, entre eles os que ocorrem a partir de lesão nos dedos, nas mãos, nos pés e na coluna, o que denota a execução de trabalhos eminentemente de riscos, conforme se pode observar na TABELA 5. Já as doenças profissionais vinculam-se às atividades 31 O auxílio-doença, segundo o Regulamento de Benefícios da Previdência Social, será devido ao segurado que, após cumprida, quando for o caso, a carência exigida, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. 87 intensivas e repetitivas, como a sinovite e a tenossinovite, as quais ocupam o 6º lugar na classificação dos acidentes de trabalho, de acordo com o Código Internacional de Doenças (CID), e estão relacionadas na TABELA 6. TABELA 5 Quantidade de acidentes de trabalho registrados, segundo a parte do corpo atingida, no Brasil – 2002 PARTE DO CORPO ATINGIDA NÚMERO DE ACIDENTES DE TRABALHO Total de Acidentes Registrados – 387905 Dedo Mão (exceto punho ou dedo) Pé (exceto joelhos) Dorso (incluindo coluna) Braço (entre punho e cotovelo) 87735 38221 32390 20341 15045 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Previdência Social (2002). TABELA 6 Quantidade de acidentes de trabalho registrados, segundo o motivo e os 50 códigos da CID mais incidentes, no Brasil – 2002 CID CLASSIFICADOS POR INCIDÊNCIA – DO 1º AO 7º COLOCADO TOTAL DE ACIDENTES REGISTRADOS TÍPICO TRAJETO DOENÇAS DO TRABALHO S61 Ferimento de punho e da mão S62 Fratura ao nível do punho e da mão S60 Traumatismo superficial do punho e da mão S93 Luxação, entorse, distenção no tornozelo e no pé S92 Fratura do pé (exceto tornozelo) M65 Sinovite e Tenossinovite M54 Dorsalgia 52752 24438 16808 11418 10103 5202 10418 824 2882 1285 3895 2555 272 524 60 70 58 49 24 6696 1114 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Previdência Social (2002). Já na análise segundo a faixa etária e o sexo dos trabalhadores acidentados, verifica-se que 40% dos acidentados têm menos de 29 anos, e 78 % são homens. Esses indicadores encontram-se na TABELA 7. Registra-se ainda que o ramo de atividade com maior incidência de acidentes é a indústria, com 28,1% dos mesmos, seguido da agricultura, que representa 21.8%, e, em terceiro lugar, aparece o setor serviços, com 11.9%. Por fim, constata-se que 88 88% dos acidentes ocorrem, de acordo com o Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, de 2002, no ambiente de trabalho, demonstrando as condições de trabalho como preponderantes nas determinações do acidente ocorrido. TABELA 7 Quantidade de acidentes de trabalho registrados, por faixa etária e sexo, no Brasil – 2002 GRUPO DE IDADE TOTAL MASCULINO FEMININO Até 19 anos 20 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 34 anos 35 a 39 anos 40 a 44 anos 45 a 49 anos Acima de 50 anos 15273 73207 70881 61715 54643 44747 32854 33976 12784 60256 56259 48146 41532 33320 24159 25919 2489 12949 1421 13569 13106 11427 8694 8057 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Previdência Social (2002). Os trabalhadores que adoecem estão condicionados a uma realidade, não rara, que os torna incapazes para o trabalho e para o mercado. Assim, eles estão sujeitos a um futuro incerto, com implicações sobre a sua permanência no mercado de trabalho. É importante associar a esse dado a formação profissional, a escolaridade e a idade, ou seja, dependendo do perfil profissional, o trabalhador ainda poderá ter uma “oportunidade” no “mundo do trabalho desenvolvido”, caso contrário, resta-lhe ficar à margem. Nesse aspecto, têm se revelado preocupante as inúmeras doenças incapacitantes e sua relação com o trabalho, tais como as doenças osteomusculares, as pulmonares e respiratórias, dentre outras, que têm contribuído para o afastamento definitivo de muitos trabalhadores do mercado de trabalho. É justamente nesse momento crucial da vida do trabalhador que se revela a verdadeira face dessa realidade, pois o adoecimento acaba ocultado e ocultando inúmeros fatores relacionados à organização do trabalho. 89 Embora ainda prevaleça a responsabilização da doença ao indivíduo, este, ao se afastar do processo produtivo, cria condições para identificar seus determinantes, até então obscurecidos pela necessidade imperiosa do trabalho. Entretanto, esse afastamento das atividades32 acarreta uma multiplicidade de conseqüências adversas, dentre elas: a perda da identidade profissional, o redimensionamento da vida cotidiana e econômica, o sentimento de inutilidade e invalidez, o isolamento social e a perda de vínculo com a empresa e os colegas, além da insegurança ao retornar ao trabalho e o medo da perda do emprego. A doença, nesse contexto, preenche o espaço deixado pela centralidade do trabalho, aguçando a sua sintomatologia, comprometendo e dificultando suas possibilidades de reinserção ao processo produtivo, quando não causando sua total exclusão. Ampliando o foco de análise, pode-se identificar um incontável número de trabalhadores do mercado informal excluídos do mercado formal também pela situação de adoecimento que, sem dúvida, sofrem um processo mais acirrado de exclusão e desqualificação. Nesses casos, a tendência à desproteção passa a ser ainda maior, ou seja, uma exclusão leva à outra, pois o caráter contratual da previdência social, impede seu acesso ao seguro social, caso tenha deixado de contribuir há mais de 12 meses33. Nesse sentido, as doenças de latência podem ter um efeito explosivo no momento em que se manifestam, caso o trabalhador não esteja mais no mercado formal ou sem vínculo previdenciário. A titulo ilustrativo34, apresenta-se o caso de uma trabalhadora que por nove anos, em períodos alternados, de 1975 a 1988, trabalhou numa mesma empresa do ramo metalúrgico, onde exercia suas atividades no setor de fundição, em contato com a sílica. Após sua demissão, 32 Esse tema foi desenvolvido pela autora na sua dissertação de Mestrado, As Determinações e Implicações do Afastamento do Trabalho: O Impacto Social do Adoecimento, sob a orientação da Profª. Jussara Maria Rosa Mendes. 33 Esse prazo se amplia para 24 meses, caso o trabalhador tiver mais de 10 anos de contribuição, sem perda de qualidade de segurado nesse período, conforme Decreto nº 3.048/99, inciso 1º do artigo 13. 34 Os dois relatos que seguem são verídicos. A aproximação com esses casos ocorreu através do exercício profissional. 90 trabalhou como diarista por cinco anos, quando, em 1999, começou a apresentar cansaço e falta de ar, sinais do diagnóstico de silicose que viria a se confirmar ao concluir a investigação. Após sua saída da empresa, não mais contribuiu para a Previdência Social. Através do sindicato da categoria (ex-categoria), encaminhou CAT, que aguarda vistoria pericial do local de trabalho pelo INSS, para estabelecimento do nexo-causal35. No entanto, mesmo que o laudo seja aceito, a trabalhadora não terá direito à proteção social, nesse caso, ao benefício por incapacidade, que viria representar uma renda mensal, pois não é segurada da previdência, e a doença não pode ser “desativada”. Outro exemplo também oportuno a relacionar, por revelar uma outra face dessa mesma realidade, é o de um trabalhador de 45 anos que, por 30 anos, exerceu atividade na extração de pedra, metade desse período empregado e após como autônomo. Oito meses após retomar sua condição de empregado, obteve o diagnóstico de pneumoconiose por sílica – silicose. O empregador, alegando pouco tempo em sua empresa, embora tivesse vínculo anterior, não emitiu a CAT, por considerar a necessidade de maior tempo de exposição. O sindicato da categoria também considerou não ter elementos para a emissão da comunicação. Assim, embora esse trabalhador tenha o direito ao benefício por incapacidade, não teve reconhecido o seu direito como doença profissional e, por conseguinte, aos demais direitos que faz jus, bem como não ingressou nas estatísticas dos acidentes de trabalho. Esses dois exemplos, que são contraprovas históricas das inferências anteriormente formuladas, dão a dimensão e a clareza da realidade que atinge um incontável número de trabalhadores, anualmente, de forma anônima. Estima-se que 50% a 70% dos trabalhadores estão expostos a fatores de risco no trabalho – ergonômicos, biológicos, físicos, químicos e 35 As normas técnicas sobre pneumoconioses, incluindo a avaliação da incapacidade para fins de benefício previdenciário, constam na Ordem de Serviço nº 609, de 05 de agosto de 1998. 91 psicossociais –, segundo Schubert (2001), que aponta ainda, com base em informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que ocorrem aproximadamente dois milhões de acidentes de trabalho por ano na América Latina, sendo que 40% são segurados por sistema de seguro social, o que, de forma alarmante, denuncia um sub-registro de 90% de doenças profissionais (SCHUBERT, 2001). Nesse contexto, a tendência é que se amplie o contingente de trabalhadores desprotegidos socialmente, assim como a ausência do reconhecimento legal de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho – antigas e novas. A lógica da Previdência Social brasileira, enquanto seguradora, não apenas se limita a dar cobertura aos que contribuem, mas, tratando-se dos benefícios por incapacidade, restringe-se ao aspecto legal e institucional – indenizável –, sem responder às mudanças que a realidade social impõe. Ela se baseia na mesma concepção de acidente e doença profissional que atravessou o século XX, legitimando-se em meio às desigualdades nele produzidas. A insuficiente cobertura e a necessidade de conceber e ampliar o sistema de seguro social exigem um redimensionamento do olhar para a proteção à saúde do trabalhador considerando a multicausalidade das doenças e dos acidentes de trabalho. Para tal, deve-se superar a cultura prevencionista que centra no trabalhador os cuidados com os riscos a que estão expostos e acaba ocultando a necessidade de se promover à saúde. É fundamental também romper com a concepção hegemônica da medicina do trabalho e saúde ocupacional, avançando para um conceito de saúde do trabalhador (OLIVEIRA; MENDES, 1995) que supere a concepção anterior por uma que abarque os determinantes sociais, econômicos e políticos. 92 Portanto, para uma nova concepção de saúde do trabalhador, os aspectos prevencionistas e protecionistas ocupacionais devem reconhecer o processo doença-trabalho também fora do âmbito produtivo, e, fundamentalmente, as diferentes expressões de como a saúde se manifesta em diferentes épocas e espaços profissionais – fábrica, comércio, serviços –, em situação de trabalho diverso – desemprego, subemprego, terceirizado, domiciliado. Para se efetivar, é imprescindível, também, buscar o saber do próprio trabalhador (DIAS, 1995) sobre as condições de vida e trabalho a que está subjugado. Por fim, o acidente e a doença no trabalho, ao serem concebidos na mesma gênese conceitual, trazem para a atualidade desafios que recolocam, especialmente nas doenças, a necessidade de uma abordagem transdisciplinar. René Mendes (1995), ao resgatar a evolução conceitual das doenças profissionais, as classifica inicialmente como doenças dos trabalhadores, após, como doenças profissionais, evoluindo para doenças relacionadas ao trabalho e, hoje, para saúde do trabalhador. Todas essas denominações contêm aspectos epidemeológicos, causais e sociais que nunca foram suficientemente percebidos e reconhecidos e, infelizmente, continuam não o sendo. Entretanto, é importante destacar que colocar a doença e o acidente do trabalho como expressões que traduzem a relação saúde e trabalho não significa que a saúde possa ser promovida exclusivamente dentro do “mundo” do trabalho. Para tal, há que se reconhecer que os avanços do conhecimento no campo da saúde do trabalhador – em permanente construção –, precisam ser dotados de força social, através dos diversos atores e dos movimentos social, institucional e do meio científico, para que se construam estratégias que possam reverter à lógica de viver, adoecer e morrer do trabalho. 93 2.4 – O AGENTE AMIANTO: GERMINANDO O OCULTO PROCESSO DE SAÚDE-DOENÇA Das doenças ocupacionais, as que mais têm suscitado preocupação nas últimas duas décadas no mundo são, sem dúvida, as originadas da exposição ao amianto – uma fibra mineral que, quando inalada de forma contínua, pode provocar doenças respiratórias, como asbestose, câncer de pulmão, mesotelioma de pleura, e ocasionar muitas outras que podem levar ao óbito. Os primeiros conhecimentos relativos aos seus efeitos tóxicos e à sua identificação como doença associada datam da primeira década do século XX. Mas a atualidade não só acumula novos conhecimentos, como também convive com uma realidade mais complexa e contraditória. Por um lado, milhares de novos casos surgem por ano, como denuncia o Seminário Europeu do Amianto, realizado em 2001: somente na Europa Ocidental, estima-se que o total de mortes relacionadas ao amianto nos próximos anos poderá exceder a 500 mil. Por outro lado, essa realidade é ainda invisível perante o conjunto da sociedade e mesmo para a população diretamente exposta, em especial, os trabalhadores que utilizam ou utilizaram o amianto como matéria prima no seu processo de trabalho. Foi na Europa que ocorreram as primeiras proibições do uso do amianto, e, na Inglaterra, a taxa de mortalidade por mesotelioma, pós-banimento, ainda permanecerá próxima a 2000 casos/ano, até 2010, sendo que 50.000 pessoas já morreram dessa doença, todas diretamente relacionadas à exposição ao amianto, naquele país36. A recente Conferência Européia sobre Amianto, ocorrida em Dresden, Alemanha, em 2003, que reuniu 160 participantes de todos os membros da União Européia e de países de fora da Europa, como o Brasil, a Tailândia e o Japão, reafirmou que o amianto permanece como o principal tóxico 36 Disponível em: <http://www.bmj.com>. Acesso em: jun. 2003. 94 cancerígeno no ambiente de trabalho. Na maioria dos países, as doenças causadas pelas suas fibras estão entre as mais sérias e custosas doenças profissionais. A Conferência alertou para o fato de que, na Europa Ocidental, na América do Norte, no Japão e na Austrália, está prevista a ocorrência de 20.000 cânceres de pulmão induzidos pelo amianto e de 10.000 casos de mesotelioma por ano e sentenciou que, nos países em desenvolvimento, o risco é ainda maior que nos de economia estável, sendo que, nesses países, nos próximos 20 a 30 anos, o amianto se mostrará uma “bomba relógio” para a saúde. 2.4.1 – Revisão Epidemiológica sobre o Amianto O Brasil já possui uma considerável bibliografia contento estudos sobre os efeitos nocivos do amianto à saúde humana. Autores como Giannasi (1997, 1998, 2000), Mendes (1995, 1999), Wünsch Filho (1987, 2001), Castro (1999), Algranti (1986, 1995) e Scavone (2000) trazem várias e complementares contribuições que revelam o “estado da arte” relativo ao estágio atual do conhecimento científico sobre os efeitos e riscos da inalação de fibras de amianto sobre a saúde da população. Ao mesmo tempo, ainda se constata a prevalência de um campo com pouca visibilidade social, sem condições de testemunhar a gravidade dessa realidade e, por conseguinte, a necessidade de enfrentá-la. No plano mundial e em particular na Europa, os avanços científicos37 resultaram em ações políticas que levaram a banir o amianto, pois, segundo sentencia a principal pesquisadora sobre o tema na França, Annie Thébaud-Mony, “[...] os 20 anos de socialização dos conhecimentos permitiram demonstrar os efeitos patogênicos desta fibra mineral e evidenciam que o 37 Aqui se destaca o trabalho realizado pelo Institut National de la Santé e de la Recherche Medicale (INSERM), na França, que é o principal e o mais respeitado órgão, naquele país, de pesquisas nessa área. 95 risco industrial ‘socialmente aceitável’ se revela, hoje, um dos mais graves problemas de saúde pública” (THÉBAUD-MONY, 1999). Isso evidencia que o enfrentamento dessa problemática é coletivo. Amianto e asbesto são nomes comerciais de um grupo heterogêneo de minerais (FIGURA 1), facilmente separáveis em fibras. As variedades fibrosas são provenientes de seis minerais do grupo dos silicatos. Entende-se por fibra um particulado cuja relação comprimento/diâmetro seja superior a 3:1. O amianto desfaz-se sob a influência atmosférica em fibras microscópicas (FIGURA 2), que, devido à sua forma – finas e compridas –, podem se manter durante muito tempo no ar e se depositar nas zonas aonde forem libertadas (MENDES, 1999; ALGRANTI, CAPITANI, BAGATIN, 1995; ABREA) O nome amianto/asbesto significa “sem mancha”, “incorruptível” e “inextinguível”(MENDES, 1999). FIGURA 1 Foto do mineral (amianto) bruto FIGURA 2 Fibras do mineral ao microscópio 96 Constata-se a existência de mais de 350 minerais com estrutura fibrosa, provenientes de rochas magmáticas e metamórficas, mas o amianto ou asbesto pertence a dois grupos de minerais: a crisotila, asbesto branco, representando o grupo das serpentinas e os provenientes do grupo dos anfibólios: a crocidolita, asbesto azul, amosita, asbesto marrom, antofilita, actonolita e tremolita (SCLIAR, 1998 in MENDES, 1999). A crisotila – silicato hidratado de ferro e magnésio, representa 100% do amianto atualmente minerado no Brasil, tornando-se o quinto38 produtor mundial do mineral, com extração nos Estados de Goiás – onde está localizada a maior mina desse mineral no Brasil –, em Minas Gerais39, Bahia e Piauí. Embora em nível mundial tenha ocorrido um declínio na produção do amianto, principalmente após as medidas adotadas na Europa, os países que não possuem nenhuma restrição mantêm o nível de produção, a exemplo do Brasil, que mantém um beneficiamento de 208 mil toneladas/ano, sendo que, em 1988, era de 227.000, segundo dados do Anuário Mineral Brasileiro de 1988 a 1997 (MENDES, 1999). Sua comercialização no mercado brasileiro data de 1940 (CAPELOZZI, 2001). O uso do amianto, atualmente, concentra-se nos produtos cimento-amianto ou fibrocimento, que representam 85% do consumo dessas fibras, seguido pelos materiais de ficção, que consomem cerca de 19% da produção, 3% representam os produtos têxteis e, por fim, a produção de juntas de vedação e demais produtos corresponde a 2% e 1% respectivamente. 38 39 Outras publicações indicam o Brasil como terceiro e quarto produtor mundial. A mina está localizada no Município de Minaçu e é ligada ao grupo francês Saint-Gobain. 97 Os dados que seguem sobre a utilização do mineral como matéria-prima são descritos por René Mendes, no seu estudo Asbesto (Amianto) e Doença40 (1999), assim como os principais produtos em cada segmento são: - Fibrocimento: placas onduladas para telhados, placas planas para divisórias, revestimentos para interiores e exteriores, caixas d’água, canos para água em baixa pressão, canos e tubos para alta-pressão; - Fricção (lonas, pastilhas de freio e discos de embreagem para automóveis, tratores, caminhões e trens): é utilizado nesse produto devido à sua resistência mecânica e térmica, além de sua durabilidade, com uma participação nos mesmos de 25 a 79%, - Vedação: juntas de revestimento e vedação e gaxetas, a partir de tecidos e papelões com amianto, utilizado em automóveis e extração de petróleo; - Equipamentos de proteção individual: luvas, aventais, mangotes, perneiras, etc. O amianto vem sendo vastamente utilizado em diversos segmentos da indústria por suas destacadas propriedades, como alta resistência mecânica, flexibilidade, indestrutibilidade e baixo custo (SCAVONE, GIANNASI, MONY, 2004). Há de se destacar ainda a sua utilização, num passado recente, como revestimento de paredes e tetos de prédios para 40 Esse estudo encontra-se publicado em forma de artigo no site: www.saudeetrabalho.com.br; o mesmo é amplo e profundo, fazendo uma larga revisão sobre o tema e dividindo-o em três partes: Parte I – Síntese da evolução do conhecimento científico do problema, com ênfase no caso brasileiro; Parte II – O atual debate sobre a nocividade do asbesto-crisotila e a mobilização internacional pelo seu banimento; e Parte III – A inadequação do atual posicionamento brasileiro e a necessidade urgente de uma política de proteção da vida, da saúde e do meio-ambiente. 98 isolamento térmico, a exemplo de cinemas, clubes, bem como a mais atual e trágica manifestação do seu uso, na queda da torres gêmeas (WTC), nos Estados Unidos. O mundo inteiro viu as nuvens que se formaram e cobriram a região por dezenas de dias. O que não se divulgou é que os responsáveis pela construção das torres já sabiam que o amianto era cancerígeno. O WTC, além de símbolo do capital, passou a ser símbolo também do poder econômico sobre a saúde da população, e os seus efeitos permanecerão por muito tempo, mesmo após a morte dos responsáveis pelo atentado41. Esse conjunto de informações demonstra que o amianto se tornou um grave problema não apenas de saúde ocupacional, mas de saúde pública. Embora o conhecimento sobre a nocividade do amianto no espaço ocupacional fosse identificado no primeiro século da era cristã, quando historiadores descreveram a presença de doenças pulmonares em escravos tecelões de lã de asbesto (GOTTLIEB, 1989 in MENDES), a asbestose só foi descrita pela primeira vez em 1907, pelo médico inglês H. M. Murray, quando atendeu a um trabalhador vitimado pela doença que exercia atividade de fiação e se encontrava exposto ao asbesto/amianto. Os estudos multiplicaram-se, e novos casos foram sendo relacionados e identificados, estabelecendo a relação nexo causal entre as doenças e a exposição ao mineral. Muitas das situações estudadas apresentavam um período de latência variável entre 10 e 60 anos. Também houve a descrição de casos de mulheres e crianças expostas ao amianto dentro de suas próprias casas, advindas das roupas do pai ou cônjuges que trabalhavam expostos a ele. As principais doenças ocupacionais são a asbestose e o mesotelioma. Registram-se, a seguir, as características centrais dessas doenças (ALGRANTI; CAPITANI; BAGATIN, 1995; ABREA, 1999). 41 Esse tema foi motivo de artigo publicado no site: <http://www.bmj.com>, em 11 set. 2002. 99 - Asbestose: é uma pneumoconiose (fibrose pulmonar), provocada pelo amianto, que endurece o tecido pulmonar elástico em reação à irritação das fibras e das inflamações daí resultantes. A respiração, em consequência do enfrossamento e da calcificação dos tecidos conjuntivos cicatrizados, é afetada, e o perigo de uma pneumonia adicional aumenta. É uma doença de cunho eminentemente ocupacional. O sintoma principal é a respiração curta e forçada. Geralmente, o período de latência é superior a 10 anos, mas varia de acordo com o período de exposição do trabalhador; - Mesotelioma – é um tumor maligno que se localiza no nível da pleura, do peritônio e do pericárdio. Admite-se que 90% dos casos identificados estão relacionados à exposição ao amianto. O crescimento incontrolável das células começa imperceptível e, inicialmente, não traz nenhum incômodo; as manifestações iniciais da doença em evolução são a tosse, a falta de ar e a dor difusa no peito. O tumor pode se manifestar de 10 a 60 anos pós-exposição e decorre, em média, a partir de 15 anos de exposição. Clinicamente, o mesotelioma tem um curso desfavorável, onde a sobrevida é de, aproximadamente, 12 a 18 meses, e nenhuma modalidade de tratamento convencional, como cirurgia, radioterapia e quimioterapia se revelaram promissoras em relação à sobrevida dos pacientes tratados. Após vários anos de pesquisa, que se transformaram em conhecimento sobre os efeitos do amianto na saúde da população exposta de forma ocupacional ou ambiental, é possível caracterizar outras doenças relacionadas à exposição que atingem, na sua maioria, o pulmão. Porém, comprovou-se a existência de neoplasias localizadas em outros órgãos, como estômago, esôfago, laringe e outros. As principais características de cada doença e as formas de identificação são sintetizadas no QUADRO 2. 100 QUADRO 2 Principais doenças relacionadas à exposição do amianto, com suas características, sintomas e períodos de latência DOENÇA/AGRAVO PULMÃO Parêquima Asbestose (fibrose intersticial difusa). Doenças de pequenas vias aéreas. Doenças crônicas das vias aéreas. Câncer de pulmão (todos os tipos de células). CARACTERÍSTICAS PERÍODO DE LATÊNCIA PRINCIPAIS SINTOMAS Pnemoconiose associada à exposição, por via respiratória, ao amianto/asbesto. Fibrose limitada à região peribrônquica. Bronquite, doença pulmonar obstrutiva crônica e enfisema. Os tipos celulares de câncer de pulmão associado ao amianto são semelhantes na população em geral, com o predomínio de adenocarcinomas, quando da concomitância com a asbestose moderada ou grave. Acima de 10 anos. Dispnéia de esforço, cansaço e tosse seca. Acima de 10 anos. Idem. Acima de 10 anos. Idem. Em média 15 anos. Dor, tosse e emagrecimento. PLEURA Mesotelioma maligno de São tumores de origem Acima de 15 anos. Dispnéia e dor pleura. mesodérmica, e a torácica. probabilidade de que as pessoas portadoras tenham trabalhado com o amianto é de 90%. Alterações pleurais As placas pleurais são as que Longo período. Dor torácica, dispnéia, Bbenignas: mais prevalecem das tosse e febre. Espessamento pleural patologias relacionadas ao difuso; espessamento amianto. pleural discreto (placas calcificadas ou não); atelectasias arrendondadas; derrame pleural benigno. PERITÔNIO Mesotelioma maligno de Apresenta-se com um quadro Acima de 15 anos. Dor toráxica e peritônio. de ascite progressiva e insuficiência cardíaca presença de massa tumoral no congestiva. abdômen. OUTRAS NEOPLASIAS - Mesotelioma maligno Dor, febre, do pericárcio e bolsa emagrecimento, perda escrotal; de apetite. - Câncer da laringe; - Câncer de estômago; - Câncer do esôfago; - Câncer do cólon-reto; - Outras localizações: em ovários, vesícula biliar, vias biliares, pâncreas e rins. FONTE: Quadro adaptado pela autora a partir das doenças relacionadas pelo Dr. René Mendes e das informações descritas no Protocolo de vigilância à saúde da população e dos trabalhadores expostos ao amianto (Governo do Estado do RGS/Brasil, 2002), bem como da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA). 101 A incidência das patologias relacionadas no QUADRO 2 não só traduz a gravidade dos tipos de agravos à saúde dos trabalhadores e da população exposta, como explicita a necessidade de um efetivo monitoramento,visando não apenas à associação causal, mas, acima de tudo, a um controle epidemiológico que se transforme em ações no âmbito da saúde coletiva. Os óbitos por mesotelioma e asbestose – pneumoconiose devido ao amianto –, no Estado do Rio Grande do Sul, confirmam essa preocupação, uma vez que, segundo o Núcleo de Informações sobre Saúde (NIS) da Secretaria de Saúde do Estado, nos últimos cinco anos, ou seja, de 1999 a 2003, foram registrados 25 mortes por mesotelioma e duas por asbestose, conforme a TABELA 8 e a TABELA 9. No entanto, não se dispõe de maiores informações sobre esses óbitos, apenas a faixa etária e a freqüência por município. Essas informações sinalizam, de forma imprescindível, a necessidade de se promover vigilância em saúde voltada, em especial, para as patologias inerentes às condições de trabalho e que possam se manifestar a longo prazo, bem como pela completa ausência de informações sobre os trabalhadores vitimados, como se constatou na busca ativa dos que foram óbito, a qual foi realizada junto às Secretarias de Saúde dos municípios relacionados. 102 TABELA 8 Freqüência de óbitos por mesotelioma (C-45) por município de residência e faixa etária no RS – 1999-03 MUNICÍPIO DE RESIDÊNCIA Porto Alegre Campestre da Serra Esteio Santa Cruz do Sul Restinga Seca Uruguaiana Canoas Tapejara Tucunduva Tramandaí São José do Norte Guaporé Vila Flores Taquaraçu do Sul TOTAL FAIXA ETÁRIA 60-69 anos 70-79 anos + de 80 anos Total 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 1 1 2 3 2 – 9 – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – 1 – – – – – – – – – – 1 – – – – – – 1 1 – – – – – 1 – 1 1 – – – 1 1 1 1 1 – – – – – 1 – 1 – 1 – – – – – – – – – 1 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 25 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Núcleo de Informações em Saúde (NIS/SES-RS). TABELA 9 Freqüência de óbitos por pnemoconiose devida ao amianto e outras fibras minerais (J-61) por município de residência e faixa etária no RS – 1999-03 MUNICÍPIO DE RESIDÊNCIA Caxias do Sul Campestre da Serra TOTAL FAIXA ETÁRIA 60-69 anos 70-79 anos + de 80 anos Total 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos – – – 1 – – 1 – – – 1 – – 1 2 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Núcleo de Informações em Saúde (NIS/SES-RS). Tem-se presente que a evolução do conhecimento sobre os efeitos das fibras de amianto na saúde humana e a identificação de inúmeros casos de doenças, no mundo todo, em circunstâncias que indicam a exposição ocupacional como principal agente causador têm em comum a precarização das condições de trabalho. Porém, a ausência de uma política de saúde pública que atue nesse sentido também tem contribuído para a subnotificação das doenças 103 relacionadas ao mesmo. O exemplo do que vem ocorrendo na Índia, recentemente denunciado por profissionais da saúde, é emblemático. Eles apontam a negligência de determinados médicos, que vêm atestando tratar-se de tuberculose ou bronquite situações que, na verdade, são doenças decorrentes da exposição ao amianto. Segundo Mudur (2003), o fato está associado às indenizações pagas às famílias das vítimas, que, até agora, só chegaram a 30 casos, quando 20% dos seis mil expostos diretamente nas minas e na indústria já apresentaram problemas em exames realizados. A preocupação com o seu uso ocupacional reafirma a necessidade de um controle epidemiológico que adote medidas severas para monitoramento, vigilância e assistência médica, assim como a capacitação dos profissionais da saúde para a identificação e o tratamento das doenças a ele relacionadas. A necessidade de realizar um cadastro nacional de toda a população exposta é também uma ação fundamental que vem sendo indicada e proposta pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Embora não haja números precisos sobre os percentuais de pessoas que estiveram ou continuam expostas ao amianto, a FIOCRUZ apresenta uma estimativa de 25.000 expostos, empregados nos setores de industrialização. Porém, deve-se considerar a exposição indireta, pois, segundo Seikoff (in Castro, 2001), para cada trabalhador exposto diretamente, existem cinco que utilizam o amianto ou estão a ele expostos indiretamente. A morte do ator Steven McQueen por mesotelioma, em 1980, mostrou ao mundo, já naquela década, a preocupação crescente dos males relacionados à exposição. O ator teria sido exposto ao amianto quando utilizou o mineral como isolante em seus carros de corrida e, possivelmente, também no período em que trabalhou em “marines” (Biography Filmography Gallery, 2004). 104 Na França, a questão do amianto vem revelando a ruptura ideológica produzida no campo das relações entre sistema econômico e saúde pública (Thébaud-Mony, 2001). O País contabiliza um crescente número de óbitos e doenças ocupacionais nos últimos anos. Recentemente, a situação relativa a Jussieu tem sido amplamente divulgada em todo o mundo. Na região, constituiu-se o Comitê Anti-Amianto, em 1994, que agrupa personalidades e estudantes das Universidades de Paris 6 e Paris 7. Este, inicialmente, organizou um retrato completo sobre o amianto em Jussieu, e vem empreendendo a luta pela desamiantalização das Universidades, além do controle da população exposta, bem como já solicitou judicialmente o fechamento dos campos, como forma de pressão para a adoção de medidas de segurança. Cinco casos de mesotelioma – casos específicos de câncer por amianto, foram declarados como doença profissional entre 2001 e 2002, bem como indenizados em 35.000 euros. Estes ganharam notoriedade, talvez não por se tratar de trabalhadores expostos ao amianto na construção da Universidade, mas de pessoas que trabalhavam no seu interior: três docentespesquisadores (dois físicos e um geólogo) e dois engenheiros (oceanográfico e de informática), um deles falecido em outubro de 2003. O depoimento de uma das vítimas é impressionante42: G, físico de 66 anos, antigo pesquisador da Universidade, relata a evolução do seu câncer e inicia com a seguinte frase “Ao fim de 30 anos, eu sabia que a probabilidade de ter um mesotelioma tornava-se uma possibilidade”. O pesquisador iniciou suas atividades aos 24 anos, em 1961, trabalhando no laboratório de ultrasom, onde os armários metálicos eram revestidos de fibras de amianto, que, com o passar do tempo, viravam pó. Saiu da universidade em 1981 e não teve mais nenhum contato com o amianto. Os primeiros sinais da doença vieram em 2001, quando começou a apresentar febre, e, ao procurar um especialista, e depois de realizados diversos exames e alguns repetidos, foi confirmado o diagnóstico de mesotelioma. Desde então, tem 42 Essa matéria foi publicada pelo Comité Anti Amiante Jussuieu. Site oficial acessado em junho de 2004. 105 passado por rigoroso e difícil tratamento, com grau severo de comprometimento, lutando contra a doença, porém, está consciente de que a esperança de vida de um mesotelioma não ultrapassa 18 meses. No Brasil, em recente matéria publicada na Folha de São Paulo (2004), dois trabalhadores também relataram seu drama vivido atualmente. AJS, 53 anos, trabalhou aproximadamente dois anos como funcionário de uma mina de amianto na Bahia. A atividade era realizada em local subterrâneo, mais precisamente na limpeza dos equipamentos de dois fornos de alta temperatura, e não utilizava qualquer equipamento de segurança. Desligou-se da empresa em 1972 e coloca que, desde 1984, vem sendo reprovado nos exames admissionais ao procurar emprego. Hoje, respira com dificuldades e pouco consegue caminhar “[...] as minhas pernas ficam travadas, não tenho força para nada”. Por sua vez, VSC, 42 anos, com sintomas semelhantes aos de AJS, tem história diferente. Antes de completar 10 anos de idade, já trabalhava quebrando os resíduos de pedras para retirar fibras do amianto. Descreve que, “[...] para ajudar no orçamento familiar, quase todas as crianças da vila vinham para a mina quebrar pedras”. Hoje, sem qualquer proteção social e assistência à saúde, pois não foi contemplado com o plano de saúde, como os demais trabalhadores, funcionários da empresa responsável pela extração, que adoeceram, declara: “[...] os dirigentes alegam que eu nunca trabalhei para a empresa, o que é verdade. Acontece que, por morar perto da mina, há mais de 30 anos sou obrigado a respirar a poeira tóxica”. O impacto do adoecimento devido à exposição ao amianto sobre a vida dos trabalhadores e de seus familiares é eloqüente; as implicações de ordem social, econômica e emocional ampliam-se a partir do agravamento das doenças. Os mecanismos que denunciam essa realidade precisam extrapolar as fronteiras das vítimas e atingir diferentes instâncias, 106 como a imprensa de todas as formas e a organização social e política, visando à socialização dos conhecimentos científicos possa repercutir num plano superior. 2.4.2 – O Mineral como Matéria-Prima no Processo de Trabalho e os Mecanismos de “Proteção” ao Trabalhador A utilização do mineral como matéria-prima no processo de trabalho torna-o inimigo mortal que ronda a vida do trabalhador43. A força de trabalho empregada pelo operário ao manusear o amianto no processo de transformação deste em uma mercadoria não só tem por finalidade a produção de mais-valia, como agrega a esse trabalhador uma nova possibilidade: a de vir a ter uma doença profissional, principalmente numa etapa da vida próxima à aposentadoria, que traz perspectivas de viver com mais tranqüilidade, considerando as condições em que estava submetido durante a sua trajetória profissional. O trabalhador talvez não tenha compreensão suficiente sobre os riscos a que está exposto, a exemplo de outras doenças invisíveis, como as LER/DORT e as pneumoconioses de diferentes gêneses ocupacionais. A aparente inofesividade do mineral explica-se por não causar nenhum tipo de lesão externa, e, mesmo quando os riscos são conhecidos, ainda assim não há o devido convencimento, que acaba obscurecido pela necessidade do trabalho e pelo adicional de insalubridade, que garante um acréscimo no salário. Mas, no Brasil, a vasta propaganda sobre o uso controlado e, mais recentemente, sobre o banimento desse mineral em alguns estados brasileiros também tem contribuído para obscurecer a verdade, uma vez que muitos trabalhadores e a população em geral acreditam que os riscos cessaram. 43 Refere-se ao título da cartilha elaborada pela ABREA com o apoio de sindicatos e do CPAIST/SES-RS/Brasil: O Inimigo Mortal que Ronda Nossas Vidas. 107 A obrigatoriedade do monitoramento pela empresa aos trabalhadores expostos ao amianto ou que assim já o estiveram revela, ao mesmo tempo, a nocividade e os avanços legais da proteção à saúde do trabalhador nessa área. Cabe ao empregador, durante e após o término do contrato de trabalho, realizar de forma periódica os exames médicos de controle dos trabalhadores, em particular dos que já não mais estão expostos, o que deve ocorrer durante 30 anos, segundo a CLT, através da Lei nº 6.514, de 1977, que altera o seu artigo V, relativo à segurança e medicina do trabalho, e disciplina, através da Norma Regulamentadora (NR) 7, que trata do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e da NR 15, sobre atividades e operações insalubres no seu Anexo nº 12. A NR 15 está juridicamente assegurada pelos seguintes artigos da CLT: Art. 189. Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. Art. 190. O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes. Por sua vez, o Anexo 12 da referida NR 15 teve sua redação dada pela Portaria nº 3.214, de 08 de junho de 1978, sendo que a seção que trata sobre o asbesto foi alterada pela Portaria nº 01, de 28 de maio de 1991 – regulamentação do Decreto nº 126 –, e pela Portaria nº 22, de 26 de dezembro de 1994. Assim os itens mais relevantes presentes no Anexo 12 são: Item 11. O empregador deverá realizar a avaliação ambiental de poeira de asbesto nos locais de trabalho, em intervalos não superiores há seis meses. Item 12. O limite de tolerância para fibras respiráveis de asbesto crisotila é de 2,0 f/cm³. Item 14. O empregador deverá fornecer gratuitamente toda vestimenta de trabalho que poderá ser contaminada por asbesto, não podendo ser esta utilizada fora dos locais de trabalho. 14.1. O empregador será responsável pela limpeza, manutenção e guarda da 108 vestimenta de trabalho, bem como pelos EPIs utilizados pelo trabalhador. Item 15. O empregador deverá dispor de vestiário duplo para os trabalhadores expostos ao asbesto. Destacam-se também os itens que tratam sobre o controle médico periódico. Item 18. Todos os trabalhadores que desempenham ou tenham funções ligadas à exposição ocupacional ao asbesto serão submetidos a exames médicos previstos no item 7.1.3 da NR-7, sendo que por ocasião da admissão, demissão e anualmente, devem ser realizados, obrigatoriamente, exames complementares, incluindo, além da avaliação clínica, telerradiografia de tórax e prova de função pulmonar (espirometria). 18.2. As empresas são obrigadas a informar aos trabalhadores examinados, em formulário próprio, os resultados dos exames realizados. Item 19. Cabe ao empregador, após o término do contrato de trabalho envolvendo exposição ao asbesto, manter disponível a realização periódica de exames médicos de controle dos trabalhadores durante 30 anos (grifo nosso). 19.1 Estes exames deverão ser realizados com a seguinte periodicidade: a) a cada 3 anos para trabalhadores com período de exposição de 0 a 12 anos; b) a cada 2 anos para trabalhadores com período de exposição de 12 a 20 anos; c) anual para trabalhadores com período de exposição superior a 20 anos. 19.2. O trabalhador receberá, por ocasião da demissão e retorno posteriores, comunicação da data e local da próxima avaliação médica. Entretanto, a aplicabilidade legal dessa legislação, formulada à luz do conhecimento científico, tem se revelado inoperante. O número de trabalhadores que realizam o pós-demissional é mínimo. A partir de informações obtidas junto à Vigilância em Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, estima-se que apenas entre 5% e 30% dos trabalhadores voltam à empresa para a realização periódica dos exames, de acordo com o ramo produtivo. Esses dados demonstram a necessidade de maior rigor legal no controle após a exposição, para dar conta do cumprimento institucional e jurídico desse direito do trabalhador, o qual vem sendo reiterado sucessivamente num aparato de leis relacionadas cronologicamente no QUADRO 3. 109 Há que se destacar que uma das principais iniciativas visando ao cumprimento legal da proteção aos trabalhadores expostos ocorreu em 1987, com a criação, pelo Ministério do Trabalho, o Grupo Interinstitucional do Amianto (GIA), no Estado de São Paulo, sob a coordenação da DRT-SP, que, com base em informações preliminares do próprio Ministério e em denúncias das entidades sindicais, passou a organizar ações que visavam à efetivação das normas, resultando, em muitos casos, na necessidade de autuar empresas que utilizavam o mineral sem a devida proteção estabelecida em lei. Só no setor de fibrocimento, chegava a 3.500 trabalhadores expostos. A proposta estendeu-se para os demais estados brasileiros, onde fiscais do trabalho, inclusive do Rio Grande do Sul, passaram a integrar o GIA e a desenvolver iniciativas similares no âmbito estadual. 110 QUADRO 3 Cronologia de leis sobre a proteção contra o amianto ANO 1977 LEGISLAÇÃO Lei nº 6.514 1978 Portaria nº 3.214 1986 Convenção 162 72ª reunião da Organização Internacional do Trabalho 1986 Recomendação 172 72ª reunião da Organização Internacional do Trabalho Acordo nacional pelo uso do amianto em condições de segurança. 1991 Decreto nº 126, que ratifica a Convenção 162 e altera a NR-15 do Capítulo V, do título II da CLT. 1995 Lei nº 9.055 Assinado pela CNI e CNTI 1989 ORIGEM Governo Federal Ministério do Trabalho Ministério do Trabalho Governo Federal Ministério do Trabalho SÍNTESE Altera o Capítulo V da CLT, relativo à segurança e medicina do trabalho. Aprova as normas regulamentadoras previstas no Capítulo V da CLT, dentre elas, a NR 15, que trata de atividades e operações insalubres. Estabelece normas sobre a utilização do asbesto em condições de segurança. Recomenda, com base na Convenção 162, as diretrizes para a utilização do asbesto em condições de segurança. O acordo é revisto a cada três anos e vem sendo homologado, sistematicamente, pelo MT. Altera o limite de tolerância de quatro fibras para duas fibras por cm². Aprovado pelo Poder O projeto aprovado garante o uso do Legislativo um substitutivo ao amianto, mantendo as normas projeto de uso controlado do relativas à crisotila, de acordo com os amianto. acordos internacionais ratificados. 1997 Decreto nº 2.350/97 Decreto federal que Limita a extração, a industrialização, regulamenta a Lei nº 9.055/95 a utilização, a comercialização e o transporte de amianto/asbesto à variedade crisotila. 2000 Lei nº 9.976 Lei federal que dispões sobre Limita a utilização do amianto à a produção de cloro com variedade crisolita e estabelece diafragma de amianto. normas gerenciais de controle do uso. 2001 Diversas leis Aprovadas leis de proibição Todas as leis contêm medidas de do uso do amianto nos banimento progressivo da produção e seguintes Estados: São Paulo comercialização. No Estado do Rio (nos Municípios de São Paulo, Grande do Sul, a lei estabelece três Osasco, Mogi Mirim, Bauru, anos para os estabelecimentos São Caetano do Sul, industriais e quatro anos para o Campinas e Ribeirão Preto); comerciais e adequarem a ela. Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. FONTE: Quadro organizado pela autora a partir de informações da ABREA e da publicação das Normas Regulamentadoras Comentadas – legislação de segurança e medicina do trabalho e da legislação estadual específica. 111 A Lei nº 9.055, elaborada em 1995 e regulamentada pelo Decreto nº 2.350, de 15 de outubro de 1997, regula o uso controlado do amianto no território nacional, disciplinando a extração, industrialização, a utilização, a comercialização e o transporte, restringindo à variedade crisotila. A legislação traduz o posicionamento do Governo brasileiro em contraposição à proposta das centrais sindicais, que propunham a substituição do mineral, mesmo que gradativamente. Essa legislação estabelece também a obrigatoriedade de encaminhar ao Sistema Único de Saúde e aos sindicatos representativos dos trabalhadores a listagem completa dos empregados, constando a indicação do setor, da função, da idade, da data de admissão e da avaliação médica periódica com o respectivo diagnóstico, bem como a necessidade da realização do acordo entre sindicatos de trabalhadores e empresas com observância de normas de segurança e saúde no trabalho, os quais deverão ser encaminhados para as Delegacias Regionais do Trabalho. Estabelece ainda a obrigatoriedade de as empresas se cadastrarem junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, sendo que atualmente, no Brasil – dados de 2004 –, 168 possuem cadastro, cujo número obtido deve ser obrigatoriamente apresentado quando da aquisição da matéria-prima junto ao fornecedor, que, por sua vez, só poderá entregar a mesma às empresa cadastradas. Entretanto, o segmento de fabricação de autopeças já vinha trabalhando pela substituição do amianto desde de 1994, consolidando, nesse mesmo ano, um acordo que permitia a empresas do ramo adotarem medidas visando substituir o mineral. Na ocasião, por iniciativa do Ministério do Trabalho, foi criada uma comissão interinstitucional e firmado um protocolo de intenções para a realização de estudos conjuntos envolvendo as entidades empresariais e de trabalhadores, visando a substituição do amianto nesse setor de industrialização. Participaram da comissão coordenadora dos trabalhos as seguintes entidades: Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical, Sindipeças (patronal), Fundacentro e 112 Ministério do Trabalho. A comissão concluiu os trabalhos propondo, de forma consensual, a substituição do amianto na fabricação de autopeças até 31 de dezembro de 1997 e o término da comercialização em 30 de junho de 1998. A proposta de acordo para a substituição do amianto no setor de autopeças, porém, não extrapolou as fronteiras de São Paulo44. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de Osasco e região, os principais fabricantes informaram, na época, que se encontravam aptos a fabricar e a comercializar todos os seus produtos automotivos sem amianto em quatro anos, bem como, desde 1985, já forneciam, para fins de exportação, produtos isentos do mineral. À trajetória pela substituição do amianto contrapõe-se a defesa do seu uso controlado, sendo adotada como estratégia a garantia e o controle legal do Valor Limite de Exposição (VLE), que é, na verdade, um valor médio referente a oito horas diárias de trabalho, o que quer dizer que o trabalhador não pode estar submetido a uma concentração média no ar superior ao valor estabelecido. No Brasil, conforme já citado na legislação vigente, esse limite é de 2,0 fibras por cm³ 45. O entendimento daqueles que defendem o seu uso controlado é de que, dentro dos limites de tolerância, ele não causa riscos à saúde dos trabalhares. Embora a grande maioria dos estudos relacionados ao tema indiquem que não há limite tolerável46, verifica-se que os países que o utilizam adotaram valores limites iguais ou muito abaixo dos do Brasil. No caso do amianto crisotila aqui utilizado, os níveis percentuais nos Estados Unidos são de 0,1 f/cm³; no Canadá, de 1,0 f/cm³; na Índia, de 2,0 f/cm³. Contudo, sabe-se que, historicamente, não havia mecanismos de controle do VLE, assim como, na atualidade, determinados segmentos, principalmente os que trabalham na extração do mineral, mesmo 44 Iniciativas de mesma natureza foram propostas, em 1997, no Estado do Rio Grande do Sul, na Cidade de Caxias do Sul – onde se concentra a maior empresa do ramo de autopeças –, pelo Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos, sem que fossem levadas a efeito. 45 Alterado de quatro para duas fibras por cm³ pelo Decreto nº 126/91, conforme consta no QUADRO 3. 46 Todos os autores relacionados a esse tema assim o consideram, bem como a Conferência em Milão tem essa premissa em sua Declaração Bastamianto. 113 com a utilização de equipamentos de segurança, não conseguem eliminar os riscos sobre a saúde. A questão do uso dos equipamentos de proteção individual (EPI), em particular as máscaras de proteção, tem suscitado ampla polêmica em relação à sua eficácia. Sucessivas denúncias foram feitas pela Auditora Fiscal do Trabalho de São Paulo, a Engenheira Fernanda Giannasi, que constatou, após mandar examinar as máscaras, que “[...] o material não atendeu aos requisitos mínimos especificados pelas normas quanto à eficiência de filtração”(Engenheira. Fernanda Giannasi, 2001, informação verbal). Essa problemática foi motivo de notícia veiculada pela imprensa nacional47, que denunciou a utilização de máscaras, por trabalhadores que manuseiam amianto ou exercem outras atividades, sem a Certificação de Aprovação (CA) pelo Ministério do Trabalho, bem como informou a cassação de certificados de máscaras que não foram aprovadas no testes de qualidade realizados pela Fundacentro, que constatou que, dos 54 equipamentos enviados em 1999 para análise por fiscais do trabalho, sindicatos e trabalhadores, 25 estavam fora dos padrões legais. Isso demonstra a fragilidade e a insuficiência de mecanismos de proteção individual no controle da exposição ao amianto. Nesse sentido, entende-se que a preocupação com a proteção do trabalhador exposto não se esgota no plano ocupacional, mas amplia-se ao ser analisada sob a ótica do adoecimento. Tem-se em conta que a preocupação com aspectos epidemiológicos e nosológicos das doenças relacionadas ao amianto precisa ser acompanhada de um sistema de saúde e previdenciário, simultaneamente, que atenda ao trabalhador nas dimensões da saúde 47 Reportagem no Programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, em 14 de maio de 2000, sob o título Equipamentos de Insegurança, e em duas edições da Revista CIPA, em 2000. No centro da reportagem estão as denúncias da Engenheira. Fernanda Gianansi, bem como a realidade de um trabalhador com asbestose que utilizou máscara de proteção individual em parte do período de exposição. 114 preventiva e assistencial e, acima de tudo, no direito de ter reconhecida a doença ocupacional e na garantia de proteção em caso de incapacidade para o trabalho. Entretanto, tratando-se da legislação concernente à Previdência Social sobre as doenças relacionadas ao amianto, destaca-se a complexidade existente nessa área, que deve ser analisada de forma dual: uma que explicite a regulamentação e a identificação das doenças profissionais e do trabalho na respectiva relação com seu agente patogênico, e outra que questione a aplicabilidade legal destas. Parte-se da Lei nº 8.213/91, que institui o Plano de Benefícios da Previdência Social no seu artigo 20, equiparando as doenças profissionais e do trabalho ao acidente de trabalho, as quais estão definidas no Anexo II do Decreto nº 3.048/99, atualizando a referida lei. O Anexo relaciona também os agentes patológicos e os trabalhos que contêm risco e lista diversas doenças causadas por agentes etiológicos de natureza ocupacional, identificados no QUADRO 4. 115 QUADRO 4 Agentes patogênicos causadores de doenças profissionais – Anexo II e Agentes ou fatores de risco de natureza ocupacional com a etiologia de doenças profissionais – Lista A e Demais doenças relacionadas ao Trabalho – Lista B – relacionados ao amianto ANEXO II AGENTES PATOGÊNICOS CAUSADORES DE DOENÇAS PROFISSIONAIS OU DO TRABALHO, AGENTES PATOGÊNICOS TRABALHOS QUE CONTÊM RISCO QUÍMICOS [...] II- Asbesto ou amianto - Extração de rochas amiantíferas, furação, corte, desmonte, trituração, peneiramento e manipulação; - Despejos do material proveniente da extração, trituração; - Mistura, cardagem, fiação e tecelagem de amianto; - Fabricação de guarnições para freios, materiais isolantes e produtos de fibrocimento; - Qualquer colocação ou demolição de produtos de amianto que produza partículas atmosféricas de amianto LISTA A AGENTES ETIOLÓGICOS OU FATORES DE DOENÇAS CAUSALMENTE RELACIONADAS COM OS RISCO DE NATUREZA OCUPACIONAL RESPECTIVOS AGENTES OU FATORES DE RISCO (DENOMINADAS E CODIFICADAS SEGUNDO A CID-10) I – [...] II – Asbesto ou amianto [...] - Neoplasia maligna do estômago (C16.-) Neoplasia maligna da laringe (C32,-) Neoplasia maligna dos brônquios e pulmão (C34,-) Mesotelioma de pleura (45.0) Mesotelioma de peritônio (C45.1) Mesotelioma de pericárdio (C45.2) Placas epicárdicas ou pericárdicas (I34.8) Asbestose (J60,-) Derrame pleural (J90,-) Placas pleurais (J92,-) FONTE: Regulamento da Previdência Social – Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999. Portanto, as doenças relacionadas ao amianto demonstram a necessidade de maior rigor para a sua identificação no aspecto de classificação, mas ele deve ser ainda maior no que se refere à caracterização das mesmas no que tange à sua natureza ocupacional. Assim, os estudos têm evidenciado os entraves para esse estabelecimento, que podem ser constatados pelo baixo número de doenças relacionadas ao amianto na base de dados da Previdência Social, o que se agrava ainda mais quando inúmeros auxílios-doença por incapacidade são 116 concedidos como doença não relacionada ao trabalho. Logo, estatisticamente inexiste a doença profissional, resultando, conseqüentemente, numa proteção social paliativa, temporária e limitada quanto aos demais direitos trabalhistas. Mesmo a OS nº 609, de agosto de 1998, do INSS, que trata das pneumoconioses e estabelece normas técnicas de avaliação de incapacidade e procedimentos administrativos e periciais para fins de benefício previdenciário, tem sua aplicabilidade sob suspeita no que concerne à caracterização das mesmas. Porém, o que parece ser de maior gravidade é a inexistência de lei que trate do que se pode chamar de riscos sociais; em outras palavras, ao se manifestar a doença relacionada ao amianto, muitos trabalhadores poderão estar, além de incapacitados para o trabalho, sem direito previdenciário, ou seja, não preencherem as condições administrativas para ter acesso ao benefício, quer por situação de desemprego, quer por estarem na informalidade. Por trata-se de doença de latência, é imprescindível que sejam constituídas leis que garantam proteção a eles. Desde 1991, identifica-se a vinculação do Ministério da Saúde com trabalhos interministeriais, com a constituição de uma comissão que identificaria as doenças relacionadas à exposição do amianto. Progressivamente, as Secretarias de Estado de Saúde – que trabalharam na construção de legislações próprias, proibitivas – passaram a desenvolver ações de vigilância sanitária e controle ocupacional. Porém, a rede pública carece de maior capacitação para a identificação das doenças, que, na sua maioria, chegam através de outras patologias e/ou sintomas não associados ao amianto. A Oficina Nacional de Vigilância às Populações Expostas ao Amianto: ações insterinstitucionais, assim denominada e realizada em Porto Alegre, em 2001, buscou definir 117 algumas estratégias de vigilância, bem como aspectos de monitoramento, assistência, competências e responsabilidades para com as populações expostas. O evento, convocado em conjunto pelo Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul contou com a presença de mais três estados48 que já haviam banido o amianto, como o Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, além da rede Virtual Cidadã para o Banimento do Amianto na América Latina, da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Saúde e Trabalho (NEST) – PUCRS e do CEDOP–UFRGS. O principal encaminhamento dado, após discussão dos pontos já referenciados, foi o de estabelecer diretrizes e competências nas áreas de vigilância e assistência, as quais nortearam a estruturação de um protocolo de vigilância à saúde da população e dos trabalhadores expostos ao amianto, contemplando pontos específicos como: a assistência aos trabalhadores expostos – dando ênfase à investigação diagnóstica –; a vigilância, composta de diretrizes acerca da localização das fontes de informação – incluindo a proposta de criação de um banco de dados de expostos ao amianto no Brasil e metodologia de intervenção –; a capacitação dos profissionais da área de saúde e trabalho; e a criação de uma comissão nacional de consultores sobre o amianto – de caráter interministerial e institucional. No Rio Grande do Sul, em junho de 2001, foi aprovada a Lei nº 11.643, que dispõe sobre a proibição de produção e comercialização de produtos à base de amianto no Estado, concedendo três anos para as empresas industriais e quatro para os estabelecimentos comerciais. A Lei vem acompanhada de um protocolo de vigilância à saúde da população e dos trabalhadores expostos, o qual foi apresentado na Oficina Nacional. A Secretaria de Saúde do Estado, através da Política de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (PAIST), a partir de algumas iniciativas conjuntas com a DRT, passou a visitar as empresas que utilizam o 48 Em 2004, Pernambuco também criou lei própria proibindo a utilização do mineral naquele estado. 118 mineral, exigindo informações sobre os trabalhadores expostos, em especial, o monitoramento quanto aos exames periódicos. Num mapeamento inicial, a Secretaria de Saúde do Estado, com fonte no cadastro do SEBRAE, constatou, em 2000, 23 empresas industriais que utilizavam o amianto como matéria-prima, num total de 2.333 trabalhadores expostos no Estado. A Cidade de Caxias do Sul, na serra gaúcha, era o local que apresentava o maior índice de trabalhadores expostos, totalizando 82%, dos postos de trabalho, ou seja, 1.917 trabalhadores estavam atuando, nessa data, em empresas metalúrgicas, na confecção, reparação e fabricação de peças e acessórios para veículos automotivos, como lonas e pastilhas de freios. Nesse mesmo ramo, foram encontrados mais 71 trabalhadores em outras regiões do Estado. Os demais expostos concentravam-se na Região Metropolitana de Porto Alegre e atuavam na produção de artefatos de fibrocimento e cimento para construção, que tem como produto principal caixas d’água, constituindo-se no segundo maior segmento de expostos, com 204 trabalhadores empregados. Outras empresas foram identificadas pelo cadastro com os seguintes produtos: fabricação de estruturas pré-moldadas de cimento armado, tubo de cimento amianto, artefatos de borracha para uso industrial, veículos e máquinas como anel de vedação e borracha de vedação, e também confecção de roupas profissionais impermeáveis. Ao longo dos tempos, os mecanismos de proteção ao trabalhador foram se estruturando em um conjunto de leis que refletem, ao mesmo tempo, o acumulo de conhecimento produzido nesse campo da saúde do trabalhador e a expressão da mobilização de diferentes segmentos sociais organizados, que, em diferente embates, foram buscando o seu cumprimento legal e avançando na superação de todas as formas de extração, transformação e 119 uso do amianto no mundo inteiro, o que demonstra a ineficácia da utilização do seu uso controlado, que prevaleceu hegemônico no Brasil até a metade da década de 90. Porém, os aspectos ideológicos e legais que se perpetuam até hoje no Brasil vieram acompanhados de um novo embate, a partir da entrada em cena da luta pelo seu total banimento. Por fim, reitera-se que a proteção social nas suas múltiplas formas – ocupacional, clínica, reconhecimento do nexo, seguro social, indenização –, tem-se mostrado permeada de entraves revestidos por amplas contradições. A realidade de quem convive com a doença e a morte provocadas pela exposição ao agente amianto invariavelmente é um drama silencioso e perverso: a perda da potencialidade para o trabalho e para a vida e a impossibilidade de ser reconhecido como um cidadão de direitos sociais. 2.5 – O POSICIONAMENTO DO GOVERNO BRASILEIRO FRENTE AO BANIMENTO DO AMIANTO NO QUADRO ATUAL O posicionamento do Governo brasileiro a respeito da utilização e da comercialização do amianto no território nacional tem-se manifestado, nos últimos 20 anos, na defesa do uso controlado em detrimento ao seu banimento. A legislação existente, em particular a Lei nº 9.055, de 1995, vem, na prática, ratificar mais uma vez a Convenção da OIT, difundida ainda na década de 80 e lentamente implantada no Brasil através de um conjunto de leis e portarias, conforme já mencionado no QUADRO 3 referente à cronologia de leis sobre a proteção contra o amianto. Portanto, uma maior rigor no controle médico dos expostos só veio a ocorrer na metade da década de 90, o que contribuiu para que as informações epidemiológicas sejam tão incipientes. 120 Entretanto, em 2004, o Governo retomou a discussão interna, através da criação de uma comissão interministerial para a elaboração de uma política nacional relativa ao amianto/asbesto, implantada com a publicação da Portaria Interministerial n° 8, de 19 de abril de 2004, integrada pelos Ministérios do Trabalho e Emprego, da Saúde, da Previdência Social, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior e de Minas e Energia. A referida comissão é compota por dois representantes de cada um dos seis Ministérios, e a iniciativa fundamenta-se, segundo a portaria de criação, nos impactos nocivos à saúde, detectados ao longo dos anos, causados pela exposição ao amianto/asbesto; na comprovada cancerinidade do amianto/asbesto em todas as suas formas e na inexistência de limites seguros de exposição; no número de indivíduos potencialmente expostos à substância no longo ciclo de vida das fibras, inclusive fora dos locais de trabalho, dada a sua ampla presença em numerosos produtos; na necessidade da definição de diretrizes gerais e especificas para a implementação de uma política nacional relativa às questões que envolvem o amianto/asbesto; e determina que tais medidas sejam precedidas de estudos de impacto e de amplo debate entre os principais setores do Governo envolvidos na questão (BRASIL, 2004). A comissão ficou sob a coordenação inicial do Ministério do Trabalho, estipulando-se 180 dias para a conclusão dos trabalhados. Percebe-se que, embora a referência quanto à nocividade do amianto e à necessidade de definir diretrizes para uma política nacional, não há menção explícita sobre possível banimento. Evidenciaram-se, na primeira reunião dessa comissão, os diferentes posicionamentos no seio do Governo, conforme Ata de Instalação da Comissão realizada, em 21 de junho de 2004. O Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, ao iniciar a cerimônia de instalação da Comissão Interministerial do Amianto/Asbesto, denominada CI – Amianto, fez considerações sobre a necessidade de definição de uma política nacional a ser adotada pelo Governo quanto à questão do amianto/asbesto; definiu a 121 Comissão como um fórum de ampla discussão do tema, onde serão abordados, além da saúde do trabalhador frente à exposição à substância, os aspectos e fatores socioeconômicos envolvidos na questão; disse esperar que a Comissão “[...] encontre metodologias de soluções que resultem em um trabalho que não tenha questionamentos futuros, seja com a decisão sobre o banimento, prazos transitórios de utilização, seja com a utilização com restrições da substância” (BRASIL, 2004). Já o representante do Ministério de Minas e Energia (MME) pronunciou-se de maneira enfática quanto aos rumos a serem adotados no Brasil acerca do amianto, dizendo que “[...] a representação do MME na CI pretende contribuir com conhecimento técnico, tanto geológico quanto sobre a abrangência que o tema impacta na questão socioeconômica”, afirmou também não ser fácil fazer tal definição em 180 dias e alertou que existem grandes diferenças de opiniões dentro da CI, que poderão haver muitos consensos, mas que todos deveriam ponderar mais sobre as questões divergentes. Destacou ainda que, em substituição ao amianto, seria usado um produto sintético (PVA), uma fibra sintética que também tem problemas quanto à nocividade à saúde humana; por fim, colocou que “[...] o problema dos trabalhadores é econômico e que o grande problema de exposição ao amianto não está na mina (extração), mas, sim, na construção civil” (BRASIL, 2004). Por sua vez, o representante do Ministério da Saúde indicou a antecipação de questões, como, por exemplo, a fabricação de peças automotivas, que deve ocorrer de forma imediata, com encaminhamentos sobre a proibição de utilização do amianto nesse setor econômico dentro dos 180 dias. O representante da Casa Civil chamou atenção sobre a “décima primeira sessão do Comitê Negociador Intergovernamental (INC-11) e a primeira Conferência das Partes (COP-1)”, que se realizarão em Genebra – Suíça, em setembro de 2004, salientando que os resultados advindos daqueles eventos deveriam ser também observados pela CI (BRASIL, 2004). A iniciativa do Ministério de Minas e Energia em constituir uma comissão interna para a realização de estudos pertinentes ao tema, foi contestada por representantes de outros ministérios na reunião de instalação, mas acabou se 122 efetivando em 16 de julho de 2004, com a Portaria nº 197, contrariando, assim, a proposta do Grupo de Trabalho Interministerial. Nesse sentido, expuseram-se publicamente as divergências, tensionadas, fundamentalmente, pelo destaque que o MME vem dando aos aspectos de ordem econômica e social, preocupação que também vem sendo manifestada pelo Instituto Brasileiro de Crisotila. Não é mera coincidência que o Instituto Brasileiro de Crisotila, que agrega a indústria do amianto no Brasil, tenha lançado campanha na mídia em defesa da crisotila, no mesmo período em que a CI do amianto deveria pronuciar-se sobre a posição do Governo brasileiro. Em ampla campanha publicitária – lançada, no início de novembro de 2004, nas principais revistas de circulação nacional, emissoras de TV e outdoor, sob o mote “A verdade tem dois lados: o amianto crisotila gera mais de 200 mil empregos no Brasil”, ou ainda “Amianto Crisotila. Respeitando a vida fazendo o Brasil crescer”, com um custo de, aproximadamente, R$ 4 milhões, a propaganda buscava a defesa pública do amianto de tipo crisotila. Essa campanha não só não obteve o resultado que desejava, como foi suspensa, através de uma ação junto ao Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR), impetrada pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), e, segundo o parecer do CONAR, a omissão de dados confunde o consumidor e a opinião pública. A expectativa quanto aos resultados da CI do amianto deverá estender-se acima do prazo previsto e encaminha-se uma disputa acirrada entre os Ministérios. Não há consenso, e a tendência é a de que se tenham posicionamentos favoráveis ao banimento, nos Ministérios do Trabalho, Saúde, Previdência e Meio Ambiente, e à manutenção do uso controlado, nos Ministérios de Minas e Energia, Desenvolvimento, Indústria e Comércio (BRUM, 2004, p. 48). 123 O posicionamento do Governo brasileiro deve, sim, responder à necessidade imperiosa de banir o mineral, assim como tem ocorrido em, aproximadamente, 40 países no mundo. Entende-se que a manutenção do uso e sua utilização há quase um século vem acarretando um custo social, em todos os sentidos, indiscutivelmente maior que qualquer impacto econômico. Muitos trabalhadores pagam com a vida, e a sociedade, por sua vez, é coletivamente penalizada. 2.6 – AÇÕES PELO BANIMENTO DO AMIANTO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL – OS CONTRAPODERES Com o avanço no campo do conhecimento científico sobre os riscos à saúde da população exposta ao amianto, a sociedade acumulou saberes que se somam a outros, advindos dos próprios trabalhadores na sua vivência cotidiana, onde é gestado o processo de saúde-doença. As relações sociais de produção no regime de produção capitalista expressam uma lógica social onde o econômico impõe formas de garantir sua supremacia e reprodução. A situação do amianto, por sua vez, não só reflete a dicotômica relação entre saúde e trabalho, como a tem ampliado pelo contexto político e econômico, que tem se constituído num espaço de resistência e de luta pelo seu banimento. Diferentes grupos organizaram-se em torno da mobilização pela proibição desse agente cancerígeno, compostos por atores sociais, na sua maioria, vítimas do amianto, sindicalistas, ativistas sociais e personalidades públicas e acadêmicas. Os movimentos em prol dessa causa são alternativos e buscam construir contrapoderes ou, ainda, uma “globalização” contra-hegemônica. Segundo Giannasi (2000), 124 A experiência vivenciada pelos expostos ao amianto tende a rediscutir o significado do trabalho, da vida, do adoecer e desconstruir paradigmas, como a identificação do progresso com o crescimento industrial ou o desenvolvimento das forças produtivas e a concepção de política como algo que se faz através de e pelo Estado, por meio de organizações hierárquicas que visam acumular o poder e exercê-lo em nome da base, sem a participação desta (GIANNASI, 2000). A criação de organizações sociais em diversos países deu novo rumo à luta pelo banimento do amianto, assim como cumpriu importante papel no reconhecimento das doenças a ele relacionadas e sobretudo na solidariedade para com as vítimas. Na França, a criação da Association Nationale de Défense des Victimes de l'Amiante (ANDEVA), em 1996, ocorreu através da iniciativa de três organizações49 que já vinham lutando nessa área. São inúmeras as entidades em todo o mundo: a Associazione Esposti Amianto, na Itália; a BANJAN- Japão, criada em 1987; a ADS, na Austrália; e a ABREA, no Brasil, dentre outras. Registra-se um sucessivo número de eventos, de proporção mundial, que contribuíram e, ao mesmo tempo, são produto da mobilização anti-amianto que, de forma coletiva, buscam sua proibição no plano mundial. Segundo o Chamado para a Proibição Mundial do Amianto pelo Colégio Ramazzini, a indústria do amianto tem poderosa influência econômica e política sobre muitos países50. As corporações multinacionais do amianto, historicamente, vêm explorando grandes e rentáveis mercados internos e externos no Brasil e em outros países da América Latina, como o Uruguai e a Argentina, e também na Índia, na Tailândia, na Angola e no México. O Brasil é o quinto maior produtor e consumidor de amianto do mundo, depois da Rússia, do Canadá, do Cazaquistão e da China. 49 Association pour l'Etude des Risques au Travail (L´ALERT), a Fédération Nationale des Accidentés du Travail et des Handicapés (La FNATH) e Le Comité Anti-Amiante de Jussieu 50 Nos Estados Unidos, a indústria do amianto conseguiu, em l991, derrubar a recomendação do banimento e sua eliminação progressiva por decisão técnica nos tribunais (Colégio Ramazzini). 125 [...] países transferem a produção a populações que desconhecem os efeitos nocivos deste produto, enquanto eles buscam outras alternativas menos perigosas, recorrendo à política do duplo padrão (double standart): produtos proibidos nos países desenvolvidos e liberados para produção e comercialização nos em desenvolvimento (SCANONE; GIANNASI; MONY, 2004). Por outro lado, a crescente mobilização internacional vem atuando como contrapoder ao movimento liderado pelas grandes corporações econômicas do amianto. Sistematizados no QUADRO 5, os eventos mundiais contaram com uma expressiva participação de delegações dos mais diferentes continentes, dentre eles está a Conferência de Milão Bastamianto, em 1993, o Seminário Internacional do Amianto: uso controlado ou banimento?51, que criou bases para a criação da Rede Mundial Ban Asbestos, em 1994, cujos princípios estão contidos na Declaração de São Paulo. Em 2000, ocorreu, em Osasco, o Congresso Mundial do Amianto. Na Europa, dois recentes eventos apontam recomendações importantes na luta contra o amianto: o Seminário Europeu, em junho de 2001, ocorrido no Parlamento europeu, e, em 2003, a Conferência Européia em Dresden, Alemanha. No Brasil, ainda se registra, em 2001, o Seminário Internacional, intitulado Impactos do Banimento do Amianto no Brasil, organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e realizado em Brasília. Por fim, destaca-se no âmbito do Rio Grande do Sul, mas com repercussões nacional e internacional, a realização do Seminário Estadual de Saúde e Trabalho, que teve como tema central A Questão do Amianto no Rio Grande do Sul, em abril de 2001. O mesmo foi organizado pela PUCRS, através do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho, vinculado ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social, da Faculdade de Serviço Social, e pela Coordenadoria da Política de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador, da Secretaria Estadual da Saúde. Esse evento, que antecedeu a criação da lei estadual que baniu o amianto 51 Organizado pela CUT/FORÇA SINDICAL E FUNDACENTRO. 126 no Estado, teve a participação de personalidades mundiais52 e nacionais que atuam na construção dos contrapoderes. Sem dúvida, constituiu-se em base para o estabelecimento de nova correlação de forças, sociais e legais, no Estado do Rio Grande do Sul e no Brasil A forte presença interinstitucional composta por representantes de diferentes instâncias – governamentais, acadêmicas, empresariais e de trabalhadores –, e por posicionamentos distintos em relação ao banimento e ao uso controlado do amianto sinalizou a dimensão da problemática e os rumos da substituição do mineral. Desse modo, é importante citar que a experiência em colocar frente a frente posições e interesses distintos permitiu suplantar a ideologia do uso controlado, desmascarando práticas empresariais que, ao mesmo tempo em que criticam o fim do uso do mineral na produção de diferentes produtos, já redimensionam seus produtos e a própria empresa para novas áreas produtivas ou na substituição do mineral53. Conclui-se que a luta pelo banimento vem percorrendo o mundo e evidenciado a frágil e oposta relação entre saúde e trabalho, empresariado e trabalhadores, econômico e social, Estado e movimento social. Politicamente, é possível estabelecer uma contra-hegemonia nesse campo, frente à iminência da doença e da morte pelo uso indiscriminado de um agente patogênico amplamente denunciado. O embate pelo lado dos defensores do uso controlado tem ocorrido por conta da polêmica em dissimular os riscos associando-os à ausência de estatísticas que o evidenciem, argumentando que é possível o limite seguro. Por sua vez, a defesa do banimento, enfaticamente revela que não há limite de exposição que seja saudável, 52 A Conferência de abertura do evento foi proferida pela Profª Drª. Annie Thebaud-Mony, pesquisadora e doutora do INSERME – Universidade de Paris VII, que abordou a luta na França pelo banimento do amianto e os movimentos sociais em relação a isso. 53 Neste sentido, quer-se trazer o exemplo da Empresa B, da área do fibro-cimento, onde o seu representante questionou aos presentes no Seminário sobre o custo social do banimento do amianto. Este, por sua vez, já se encontra instalando uma nova empresa, no ramo de produção moveleira, cuja planta recebeu apoio governamental. Também os representantes da empresa do setor automotivo revelaram já utilizar um coquetel de fibras sintéticas em substituição ao amianto, face às exigências do mercado internacional. 127 porém, os mecanismos de invisibilidade social dos riscos, ancorados principalmente na desinformação, têm contribuído para perpetuar a sua defesa, mas não têm conseguido inibir a emergência de novos movimentos na sociedade, que se ampliam com a presença de diferentes atores e que têm em comum a consciência e o poder da organização política e social. 128 QUADRO 5 Síntese dos eventos mundiais na luta contra o amianto e as estratégias traçadas ANO 1993 EVENTO Conferência Bastamianto LOCAL Milão DECLARAÇÃO/PREÂMBULO “O amianto é perigoso em qualquer forma, independente da qualidade e em todos as etapas do processo produtivo: extração, transporte, transformação, utilização e eliminação.” “É conhecido há décadas como sendo uma substância cancerígena, seja inalado ou ingerido: não existem valores limites abaixo dos quais não haja risco para a saúde. 1994 Seminário Internacional do Amianto: Uso Controlado ou Banimento? São Paulo “Estamos convencidos de que a produção, transformação e uso de todos os tipos de amianto ou asbesto representam um grande perigo para a saúde dos trabalhadores e da população em geral.” 1994 Criação da Rede Mundial Ban Asbesto Constituída durante o Seminário Internacional sobre o Amianto: Uso Controlado ou Banimento?, ocorrido de 28 a 30 de março de 1994, em São Paulo. Congresso Mundial do Amianto São Paulo Rede constituída por cidadãos de todos os continentes que se dispõem a doar parte de seu tempo voluntário e sem remuneração em prol da defesa de um mundo sem amianto. 2000 Osasco RECOMENDAÇÕES/ESTRATÉGIAS/ENCAMINHAMENTOS Mostra que é urgente proibir todos os tipos de uso, mas que a lei de banimento não disciplinará todos os problemas causados pelo amianto. A descontaminação dos locais afetados, a vigilância epidemiológica das populações expostas e a indenização das vítimas estarão ainda, por muito tempo, na ordem do dia. Os cientistas, os médicos, os sindicalistas, os ecologistas, as associações e as vítimas do amianto, reunidos em Milão, reivindicam à Comunidade Econômica Européia (CEE) que promulgue uma diretiva que proíba o amianto, em todos os seus usos, nos países da CEE, e ao governo desses países que acolham esses elementos em suas legislações nacionais. Por um mundo sem amianto. Denunciam as multinacionais do amianto e seus métodos de intimidação e de desinformação. Solicitam que os governos que ainda não proibiram a utilização do amianto assim o façam, bem como ponham em prática meios de atendimento médico, vigilância e mecanismos legais de indenização das vítimas. A Rede Mundial Ban Asbestos tem como objetivos lutar por um mundo desamiantizado (asbestos free world) e é composta por organizações não-governamentais (ONGs) e movimentos sociais das Américas, Ásia e Europa, como a Federação Européia Ban Asbestos (Ban Asbestos European Federation – BAEF), que organizou o Seminário Internacional Bastamianto, em 17 e 18 de abril de 1993, na Itália, cujo documento final é o Apelo de Milão, referendado por todos os presentes ao evento e renomados cientistas em todo o mundo. Declaram a intenção de constituir e participar de Dentre as 10 intenções definidas pelo Congresso estão: uma nova rede: a Rede Virtual do Congresso Apoiar e participar dos esforços globais de promover a solidariedade entre Global do Amianto. os ativistas anti-amianto, grupos e outras organizações; Fazer campanhas para alcançar o banimento do amianto em todos os países; Interceder junto a políticos, sindicatos e outros atores sociais para a adoção de políticas de “transição dos empregos”. 129 ANO 2001 EVENTO Seminário Europeu do Amianto 2001 Seminário Internacional: Impactos do Banimento do Amianto no Brasil LOCAL DECLARAÇÃO/PREÂMBULO Parlamento “Embora a União Européia tenha adotado Europeu diretivas para banir o uso de todos os tipos de amianto até 2005, cientistas prevêem que o total de mortes relacionadas ao amianto possa exceder a quinhentos mil somente na Europa Ocidental. A origem das exposições ao amianto é predominantemente ocupacional [...]” Brasília A Carta de Brasília propõe garantir uma transição justa no banimento do amianto, considerando, dentre vários pontos, ser uma substância comprovadamente cancerígena, sem limite seguro de exposição; a tendência mundial pela proibição é indicativa, para a saúde, da gravidade da exposição; a necessidade de garantir vigilância específica à saúde, durante e pós exposição, dentre outros. 2003 Conferência Européia sobre Dresden Apresentam estimativas de mortes e doenças Amianto (Alemanha) profissionais anualmente na Europa. “Os 27 países na Europa e outras regiões já viram a necessidade de banir a produção, o manuseio e o uso do amianto para a proteção da saúde dos trabalhadores e da população em geral. Todavia, 2 milhões de toneladas de amianto ainda são produzidas todo ano ao redor do mundo.” FONTE: Quadro elaborado pela autora. RECOMENDAÇÕES/ESTRATÉGIAS/ENCAMINHAMENTOS Considerando o aumento do número de vítimas do amianto, os delegados presentes, apresentaram recomendações à Comissão Européia, ao Parlamento europeu e aos governos dos estados-membros, referentes às políticas de prevenção; ao direito das vítimas, à prioridade de novas pesquisas, à prática de duplos-padrões. E concluem reconhecendo o papel-chave dos grupos organizados de vítimas do amianto pelas conquista obtidas. Reafirmam que não há “limite seguro”, onde qualquer exposição ou contato com o amianto pode causar doença fatal de pulmão. Terminam com o indicativo de pressionar os quatro países da Comunidade Européia que não baniram o amianto, para fazê-lo imediatamente. Propõe medidas visando garantir que a transição seja socialmente justa, economicamente equilibrada e ambientalmente positiva, contemplando: proteção ao emprego; garantias sociais e sindicais, garantias de reparação e indenização às vítimas; proteção à saúde; proteção ao meio ambiente; participação da sociedade civil nas ações de políticas públicas de combate às conseqüências da substituição do amianto. Propõe a implantação de estratégias em segurança e saúde ocupacional de 2002 a 2006, com as seguintes diretrizes: Assegurar constante implementação da legislação e monitoramento abrangente, incluindo a inibição de importação de materiais contendo amianto de países de fora da Europa. 130 Os países que adotaram legislações proibindo o amianto em todas as suas formas são 36 em todo o mundo, segundo fonte da ABREA, até 2003. Os referidos países constam no QUADRO 6 e têm como marco a Islândia, que tomou essa iniciativa em 1983, sendo que, nos dois países da Europa, Portugal e Grécia, que ainda não adotaram medidas, o banimento será feito pela União Européia até 2005. É interessante observar o movimento das empresas multinacionais, quando do banimento do amianto, nos países em que possuíam unidades produtivas. As mesmas deslocavam-se para outros países que permitiam o seu uso, a exemplo da transferência da Inglaterra para a França – quando na Inglaterra já havia legislação proibindo –, bem como para países periféricos, após a Comunidade Européia ditar diretrizes para a proibição em todo o território europeu. 131 QUADRO 6 Países que já decidiram pelo banimento total do amianto PAÍSES Alemanha Arábia Saudita Argentina Austrália Áustria Bélgica Burkina-Faso Chile Dinamarca El Salvador Emirados Árabes(2) Escócia Eslovênia Espanha Finlândia França Grécia(1) Holanda Inglaterra Irlanda do Norte Islândia Itália Lativia Liechtenstein(2) Luxemburgo Noruega Nova Zelândia(2) País de Gales Polônia Portugal (1) Principado de Mônaco República Checa(2) República da Irlanda/Eire(2) Suécia Suíça Vietnã ANO DO BANIMENTO 1993 1998 2001 2003 1990 1998 1998 2001 1986 Metade da década de 80 – 1999 1996 2002 1992 1996 2005 1991 1989 1999 1983 1992 2001 – 2002 1984 – 1999 1997 2005 1997 – – 1986 1989 2004 FONTE: ABREA. NOTAS: (1) A União Européia efetuará o banimento do amianto nesses dois países em 1º de janeiro de 2005. (2) Não há informação disponível quanto ao ano da proibição. 132 No Brasil, a criação da ABREA, em 1995, foi o marco nacional da luta contra o amianto e, ao mesmo tempo, a materialização dos danos à saúde da população exposta e dos desafios para a garantia dos direitos das vítimas, que lutam contra a sua total invisibilidade, sendo constituída, na sua maioria, por ex-trabalhadores da Eternit e da Thermoid, em estágio adiantado das doenças relacionadas à exposição do amianto. A criação da ABREA foi antecedida por uma série de fatores relevantes, os quais foram descritos por Giannasi (2000). Caso Eternit Essa empresa foi, por 50 anos, a maior do ramo da indústria de cimento-amianto, chegando a empregar 2.000 trabalhadores, estando localizada em Osasco (SP), foi fechada em 1993, quando houve a fusão dos grupos Eternit e Brasilit, sob controle da multinacional francesa Saint-Gobais. O controle da saúde ocupacional só começou a ser realizado 39 anos após o início da exposição, ou seja, em 1978. Quando a GIA, em 1987, informou ter conhecimento de seis casos de asbestose, a empresa negou-se a reconhecer como doença profissional e, conseqüentemente, não notificou a Previdência Social, alegando que os trabalhadores já haviam sido demitidos ou estavam aposentados. Em 1993, quando ocorreu o fechamento da empresa, os trabalhadores foram demitidos, sendo que muitos, prestes a se aposentarem e apresentando sintomas de doenças, alegaram nunca ter recebido informações sobre os reais riscos a que estavam expostos. Na ocasião a FUNDACENTRO avaliou 12 trabalhadores suspeitos e identificou quatro casos de asbestose e sete de placas pleurais. Assim, com a triste constatação, esse grupo começou a busca pelos companheiros, encontrando-os desempregados, doentes e sem terem conseguido a aposentadoria especial pela atividade insalubre aos 25 anos. Passaram a se reunir, e, em cada reunião multiplicava-se o número de participantes, estimando-se que chegou a oito mil o número de trabalhadores que passaram pela empresa durante seu funcionamento. 133 Caso Thermoid A empresa metalúrgica que fabricava lonas e pastilhas de freios na Cidade de São Paulo encerrou suas atividades em 1994. Com o apoio da GIA, um grupo de trabalhadores atuou de forma clandestina mapeando as áreas de risco, em especial a exposição ao amianto, após requerem a sua substituição. Com a identificação de 14 casos de abestose, a empresa acabou sendo interditada pela DRT, com apoio dos trabalhadores. Com o fechamento definitivo da empresa, que se negou a substituir o amianto, todos os empregados foram demitidos, mesmo os que estavam doentes. A empresa não emitiu CAT para os mesmos, valendo-se das divergências sobre incapacidade laborativa emitida pelos médicos do INSS, do SESI e da FUNDACENTRO. Portanto, unidos, os ex-trabalhadores da empresa de cimento-amianto e da metalúrgica fundaram a ABREA, e, no transcorrer dos anos, novos trabalhadores expostos aderiram à entidade. Eram eles vítimas da exposição nas empresas Brasilit, de São Caetano, Lonaflex54, de Osasco, e em outras empresas do Rio de Janeiro. Com base em informações obtidas junto à entidade através do site oficial da ABREA, transcrevem-se algumas notas importantes acerca da ação e da opinião da entidade sobre a realidade dos trabalhadores expostos. 54 A empresa Lonaflex acabou sendo comprada por um grupo de Caxias do Sul que atua no mesmo ramo produtivo, uma vez que havia encerrado suas atividades em Osasco, em 1991, e acabou sendo transferida para a cidade da empresa matriz alguns anos depois. 134 Objetivos Principais da ABREA: - Aglutinar trabalhadores e os expostos ao amianto em geral; - Cadastrar os expostos e as vítimas do amianto; - Encaminhar os expostos para exames médicos; - Conscientizar a população em geral, trabalhadores e opinião pública sobre os riscos do amianto; - Propor ações judiciais em favor de seus associados e das vítimas em geral; - Integrar-se a outros movimentos sociais e a ONGs pró-banimento nos níveis nacional e internacional; - Lutar para o banimento do amianto. Informações Epidemiológicas: No Brasil, não há estatísticas sobre doenças relacionadas ao amianto, mas trabalhos desenvolvidos pela DRTE–SP comprovam a gravidade da exposição e descrevem os mecanismos sociais da invisibilidade dessas doenças no País. Até janeiro de 2002, foram encaminhados pela ABREA 960 trabalhadores da ex-Eternit de Osasco para exames médicos. Tem-se, a partir de então, o seguinte quadro de doenças55: 101 casos de asbestose; 190 placas pleurais; 222 disfunções respiratórias; quatro casos de morte por mesotelioma; oito mortes por asbestose; sete mortes por câncer de pulmão; dois cânceres de pulmão ainda vivos; uma morte por câncer de laringe; 24 outras mortes sem reconhecimento oficial pelo amianto (oito gastrointestinais, seis de pulmão e 10 por outras afecções pulmonares). Somam-se a esses os 14 casos de asbestose da ex-Thermoid (indústria de freios) de São Paulo e mais de 50 casos de mesotelioma (pleura e peritoneal), embora só três deles tenham seu nexo relacionado ao 55 A maior parte dos trabalhadores tem mais de uma patologia relacionada ao aparelho respiratório. 135 amianto, e outros 56 casos de asbestose e dois de câncer de pulmão publicados na literatura médica deste século no Brasil. A ABREA atribui a vários fatores e/ou causas à invisibilidade social das doenças provocadas pelo uso do amianto no Brasil, os quais estão sistematizados no QUADRO 7. QUADRO 7 Mecanismos sociais de invisibilidade das doenças provocadas pelo amianto, segundo a ABREA MECANISMOS SOCIAIS DE INVISIBILIDADE Grande período de latência das doenças atribuídas ao amianto. Somente a partir de 1996, a CID passou a ter incorporada, em sua 10ª revisão, a morfologia para tumores malignos, isto é, o tipo de tumoração, no caso de mesotelioma, para fins de registro (anteriormente, só existiam os dados sobre topografia, por exemplo, câncer de pleura, peritônio, etc.). Subordinação dos profissionais da área médica aos critérios da OIT(1), Asbestos Institute do Canadá e AIA(2) e da versão nacional, a ABRA(3). A alta rotatividade encontrada nas plantas industriais(4), chegando em alguns casos a 90% em um ano(5). Inexistência de trabalhos epidemiológicos de busca ativa de casos, quer entre trabalhadores, quer entre populações não ocupacionalmente expostas. Não acesso da classe trabalhadora aos serviços médicos especializados em diagnóstico de câncer. Atribuição ao fumo em casos de câncer de pulmão, em função do sinergismo existente entre o mesmo e o amianto. A legislação brasileira(6) só a partir de 1991 instituiu a obrigatoriedade da realização de rigoroso controle médico(7) nos expostos e até por 30 anos após sua demissão. Até a promulgação da Constituição Federal, em 1988, as mulheres eram proibidas, formalmente, de trabalhar em atividades insalubres, nas quais se incluem as em contato com o amianto. Fonte: ABREA. Notas: (1) OIT – Organização Internacional do Trabalho ligada às Nações Unidas (ONU) e constituída em 1919, com sede em Genebra, da qual o Brasil é um dos signatários de suas Convenções e Recomendações. As relacionadas ao amianto (Convenção 162 – ratificada pelo Decreto Executivo nu 126, de 22 de maio de 1991 – e Recomendação nº 172) foram regulamentadas no País através da Portaria nº 1, de 28 de maio de 1991, sob fortes pressões favoráveis dos defensores do “uso controlado do amianto”. (2) Associações internacionais do amianto, entidades que representam os produtores e utilizadores do amianto. (3) Associação Brasileira do Amianto criada em 2 de janeiro de 1984, para defender a ideologia do “uso controlado do amianto” e que congrega em torno de 60 empresas do Brasil e da América Latina. (4) Estratégia empresarial para que os trabalhadores estejam fora das empresas quando os efeitos da exposição se manifestarem tardiamente. (5) Segundo dados colhidos pelo GIA nas indústrias de fibrocimento do Estado de São Paulo. (6) Anexo 12 da NR-15 – Atividades e Operações Insalubres, que regulamenta o artigo 190 do Capítulo V, do Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovado através da Portaria nº 3.214/78 e alterado pela Portaria nº 1, de 28 de maio de 1991. (7) Os exames previstos pela legislação citada incluem, além do exame clínico, telerradiografia de tórax e prova de função pulmonar. 136 A entidade solicitou judicialmente indenização para 2.5000 vítimas, sendo que não vê possibilidade de acordo, uma vez que a empresa multinacional Eternit S/A, através de seus advogados, ofereceu uma indenização de R$ 5 reais a todos. A ABREA, na ocasião, considerou-a ofensiva, humilhante e desrespeitosa (GIANNASI, 2003), haja vista que a mesma empresa pagou a outros trabalhadores, sem processo judicial, pelas mesmas patologias, R$ 15.000,00. Mas, recentemente, a luta dos trabalhadores teve o desfecho esperado. A Justiça condenou a empresa a indenizar os trabalhadores, bem como foi declarada culpada. O despacho proferido na sentença tem os seguinte teor: “Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a ação, para declarar a culpa da ré Eternit S/A por ter exposto seus trabalhadores, durante o pacto laboral, ao manuseio e exposição ao asbesto, bem como condená-lo [...]” (18ª Vara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo – Despacho proferido em 26 de agosto de 2004). A condenação foi dividida em duas modalidades: uma por danos patrimoniais, que estabeleceu uma pensão vitalícia mensal, que varia de 0,5 a 4 salários mínimos, de acordo com a classificação da doença; e, da mesma forma, a indenização por danos morais aos trabalhadores que comprovarem ser portadores de doenças relacionadas à exposição, variando de 50 a 300 salários mínimos. O feito obtido com a condenação da empresa por expôr seus trabalhadores ao amianto representa não apenas uma vitória para as vítimas, mas a quebra do silêncio que se impõe pela invisibilidade das doenças e da realidade vivenciada pelos trabalhadores e por suas famílias a partir do adoecimento. Os processos judiciais vêm se constituindo em mecanismos de resistência para o movimento dos expostos, que têm obtido vitórias significativas na luta contra grandes corporações econômicas. 137 Entretanto, para alguns trabalhadores, o reconhecimento através da indenização obtida judicialmente acaba chegando tarde demais. A morte de Sebastião Alves da Silva, um dos símbolos da luta contra o amianto, ocorrida em outubro de 2004, é significativa e indigna. Ex-operário da Brasilit morreu, segundo a declaração de óbito, de “adenocarcinoma pulmonar e fibrose pulmonar por asbestose” e assim, veio a integrar uma lista de 128 ex-trabalhadores mortos por doenças causadas pela exposição ao amianto (ABREA). Sua morte ocorreu no mesmo dia em que havia sido depositado o cheque com o valor da indenização obtida judicialmente, valor que, segundo a família, possibilitou apenas cobrir grande parte das despesas feitas durante os seis anos da doença. As despesas dos últimos 50 dias em que Sebastião esteve internado foram custeadas pelo Sistema Único de Saúde, embora a empresa, concomitantemente com a indenização, tenha “fornecido um plano de saúde”, que ele só pôde usar por uma semana, e, o que é mais grave, é que se optasse por não aceitar o referido plano de saúde56, o valor indenizatório teria sido maior. Sebastião esteve à frente da luta contra o amianto, integrando a ABREA e, recentemente, um documentário, A Lenta Morte do Amianto, foi dedicado a ele pela TV franco-alemã Arte (BRUM, 2004, p. 48). O panorama aqui apresentado com base na entidade representativa dos expostos talvez ainda não dê a total dimensão da realidade vivida pelos trabalhadores no contexto brasileiro. Há que se considerar que as principais ações vêm sendo desenvolvidas no Estado de São Paulo, necessitando ramificar-se para outros estados brasileiros que já baniram o seu uso, bem como para os que ainda não adotaram legislação nesse sentido. O passivo de trabalhadores expostos e “ex-expostos” não tem recebido a atenção devida, o que impõe uma busca ativa destes e reflete a urgência de se ampliarem os mecanismos de controle e a ações nessa área da saúde do trabalhador. 56 Segundo declaração do representante da empresa Brasilit à revista Época (25.10.2004), de acordo com a política de indenização da empresa, o funcionário que abre mão do plano de saúde recebe um valores superiores ao ser indenizado pela doença. 138 Por fim, o desafio do banimento do amianto no mundo ainda passa, e passará, por inúmeras dificuldades como as aqui expressadas. Essa luta, porém, deve continuar sendo marcada pela ação conjunta das diferentes organizações e instituições e acompanhada pelo movimento social organizado, em especial pelas vítimas do amianto, aliançadas internacionalmente nas forças que se opõem à mercantilização da saúde do trabalhador. 3 – A GÊNESE DE UMA HISTÓRIA INVISÍVEL: A (DES)PROTEÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DO TRABALHADOR EXPOSTO AO AMIANTO Ao longo do século XX, e, talvez, ainda por boa parte do século XXI, a problemática relacionada ao amianto não despertou e não despertará nenhum interesse de pessoas que não convivem de forma sistemática com os danos à saúde por ele produzidos. Mesmo aqueles que a ele estão expostos carecem de uma melhor compreensão acerca da realidade social a qual estão submetidos. O que ocorre com o fenômeno amianto se repete em outros inúmeros acontecimentos que fazem parte da vida cotidiana dos trabalhadores. Tanto por ter se tornado um fato comum, como por estar encoberto, acaba despercebido. Toma-se como exemplo o acidente de trabalho; por mais que esteja presente no cotidiano de um incontável número de trabalhadores, não tem recebido suficiente atenção por parte do conjunto da sociedade. Muitas vezes, é apenas mais um número que amplia as estatísticas, em outras, ele simplesmente não existe, tal é a realidade de sua subnotificação, em particular no que tange aos trabalhadores do mercado informal. Mesmo quando reconhecido, o fato restringe-se à vida privada da vítima, não sendo considerada a sua dimensão coletiva. Outro exemplo, correlato ao primeiro, refere-se aos mecanismos de proteção social, ou seja, de que maneira é substituída a incapacidade para o trabalho, seja em decorrência de 140 doença, acidente de trabalho ou velhice, numa realidade onde aproximadamente 50% da população latino americana não tem cobertura de nenhum sistema de proteção? Tem-se, portanto, uma realidade que é um produto social e historicamente construído de forma contraditória, uma vez que, ao mesmo tempo em que não produz mecanismos para atender às necessidades decorrentes do sistema social, contribui para torná-los invisíveis. Desenha-se, neste capítulo, a gênese de uma história invisível, que se manteve oculta analogicamente comparada ao revestimento isolante do amianto utilizado no acabamento de prédios na área da construção civil, ou seja, criou-se em torno do tema amianto uma camada protetora que isolou, por muitos anos, da sociedade, os possíveis danos à saúde coletiva e à ocupacional. No espaço interior dessa “proteção”, estavam os trabalhadores diretamente expostos, e, do lado de fora, a sociedade. No entanto, essa camada começou a apresentar sinais de deteriorização, quando ambos os lados, progressivamente, tomaram conhecimento e se manifestaram acerca dos males por ele causados. Faz-se, aqui, uma reconstituição histórica desse processo, destacando suas implicações no âmbito da proteção social da maior parcela dos trabalhadores expostos diretamente ao amianto no Estado do Rio Grande do Sul. Metodologicamente, configuraram-se diferentes perspectivas de investigação, que, num movimento de ir e vir, tornaram o objeto de estudo repleto de incertezas, mas potencialmente pleno de possibilidades, na medida em que os desafios foram enfrentados no percurso de descoberta que a própria realidade se encarregou de revelar. Inicialmente, parte-se do método científico que guiou a presente tese, explicitando-o. Entende-se ser imprescindível, por parte da ciência, construir essa realidade à luz de uma 141 concepção crítica de mundo, no sentido de produzir explicações e soluções para os problemas sociais. Dessa forma, faz-se a articulação da ciência com os diferentes sujeitos sociais e políticos, para que, de forma coletiva, contribuam não só para tornar a realidade dos trabalhadores expostos ao amianto visível, mas também para criar mecanismos de proteção e promoção da saúde desses trabalhadores. 3.1 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO A interpretação do real é um processo complexo e contraditório, onde a ação do ser humano diante da realidade tende a ser determinada e fragmentada, e, como bem coloca Kosik (1986), a sua práxis está baseada na divisão do trabalho, na divisão da sociedade em classes e na hierarquia de posições sociais erguidas sobre ela. Porém, alerta o autor que essa realidade é multilateral, ou seja, é divergente para aqueles que efetivamente determinam as condições sociais e para os que a vivenciam. A realidade de um fenômeno, por sua vez, não se manifesta de imediato ao homem. Este se revela na busca de sua essência. É o mundo da pseudoconcreticidade identificada por Kosik (1986), onde os fenômenos, os acontecimentos, penetram na consciência dos indivíduos e assumem características de independência e naturalidade. Para o autor “O mundo da psedoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano” (KOSIK, 1986, p. 11) Portanto, conclui que o fenômeno, ao mesmo tempo em que indica a essência, a esconde. Assim, para se compreender verdadeiramente um fenômeno, é preciso atingir a sua essência, o que só é possível quando da sua manifestação na própria atividade do fenômeno. Para destruir o mundo da pseudoconcreticidade que oculta o mundo real, é preciso um pensamento crítico, que possibilite a construção da realidade concreta na sua totalidade. 142 Esse movimento é guiado por um método científico de conhecimento, o qual vem conduzindo todo o processo de conhecimento na construção da presente tese, o materialismo-dialético-histórico desenvolvido por Marx e Engels. Para o materialismo a realidade é primária, ou seja, o pensamento é derivado dessa realidade, portanto, um produto dela; e para a dialética, tanto a realidade quanto o pensamento estão em constante transformação; e, na perspectiva histórica, implicados pelo processo de desenvolvimento da sociedade. Para Lenin (1982), o mundo é matéria eternamente em movimento e em desenvolvimento, o que se reflete na consciência humana, também em transformação. Buscase, portanto, compreender a realidade a partir das seguintes categorias, constitutivas do método e da própria realidade: a) a historicidade: a realidade é, ao mesmo tempo, histórica e contemporânea e condicionada pelas leis que regem a sociedade, e esta, por sua vez, produz novas regras e formas de desenvolvimento. Esse movimento busca a gênese dos fenômenos através de um devir, onde as transformações são consideradas em seu próprio processo; b) a totalidade concreta: busca-se compreender a realidade como um todo não no sentido de conhecer todos os fatos ou juntá-los, mas de compreendê-los na sua totalidade, pela conexão e interdependência existentes entre os fenômenos; a realidade é um todo articulado; c) a contradição: na realidade, os diferentes processos ou fenômenos se compõem de contradições implícitas ou explícitas, onde ocorrem, ao mesmo tempo, uma 143 unidade e uma luta entre eles, ou seja, entre o velho e o novo, entre o presente e o futuro, onde cada qual se constitui pela negação do outro, mas, concomitantemente, o incorpora. Assim, a contradição é inclusiva e dá-se pelo tensionamento entre a superação, a ruptura e a continuidade dos processos sociais. A construção da presente tese, em sua abordagem da realidade perpassou todos esses movimentos, buscando na história a gênese da desproteção do trabalhador exposto ao amianto, compreendendo, a partir de um contexto mais amplo, os seus determinantes e as suas contradições. Sua explicitação materializa-se no trabalho de campo, na investigação do real que requer “[...] apoderar-se da matéria, em seus pormenores, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e perquirir a conexão íntima que há entre elas” (MARX, 1980, p. 14). Essa realidade, no entanto, ainda segundo o autor, só pode ser descrita depois de concluído o movimento que permitiu conhecê-la, ou seja, após um “dètour”57, como denomina Kosik (1986). Distingue, Marx, portanto, o método de investigação do método de exposição, ocorrendo, na verdade, uma interpretação do real e sua explicitação após a sua posse, com o propósito de romper com a construção preexistente dos fenômenos investigados, buscando a ressignificação dos mesmos em meio a realidade social. A realidade objetiva é, pois, a matéria em movimento independentemente da consciência dos indivíduos a respeito dela, pois a consciência também está condicionada pelo processo da vida social e material. Isso revela, segundo Lenin (1982), que a matéria não pode se mover senão no espaço e no tempo. Acrescenta que as noções humanas são relativas e, de acordo com o tempo e o espaço, podem se aproximar de verdades absolutas. Esse autor 57 Do francês: volta; termo também utilizado por Kosik para referir-se ao movimento do método dialético em busca do conhecimento da realidade, na superação do aparente. 144 também reconhece a relatividade de todos os conhecimentos humanos, tais são as condições históricas dos limites da aproximação do conhecimento em relação à verdade objetiva. Complementando esta análise, chama-se atenção para a causalidade dos fenômenos, uma vez que, em meio à realidade objetiva, estes são estudados de maneira singular e a investigação recai sobre a particularidade de suas causas e efeitos, existindo, para a concepção dialética, uma verdadeira conexão e sobreposição entre ambos. Causa e efeito são representações que só têm significado como tais aplicadas a um caso particular; mas, logo que consideramos este caso particular na sua conexão geral com todo mundo, estas representações encontram-se e entrelaçam-se na representação da interação universal, na qual causas e efeitos mudam constantemente de lugar: aquilo que aqui ou agora é causa torna-se efeito ali ou depois, e vice-versa (ENGELS, 1979, p. 21). Certamente, ao contrário da concepção positivista, os fenômenos sociais não advêm de uma causalidade naturalizante e nem podem ser classificados ou quantificados de acordo com as leis das ciências naturais. Ou seja, a dialética tem como pressuposto a história do homem social, e, como assinala Vico (in Marx, 1980), a história humana distingue da história natural por ter-se feito uma e não se ter feito a outra. Isso implica no reconhecimento do sujeito e do seu papel na transformação social. Entende-se, porém, que suas relações sociais estão condicionadas ao processo histórico, que tem como força motriz as contradições decorrentes, que acabam subjetivadas em meio às condições da vida social e material. 145 3.1.1 – O Trabalhador enquanto Sujeito Histórico: A Unidade entre Objetividade e Subjetividade “O homem cria a história já muito tempo antes de conhecer a si mesmo como ser histórico” (KOSIK, 1987). A origem da condição humana e sua forma de reprodução social e material, sintetizada no livro a Ideologia Alemã, de Marx e Engels, tem como primeiro pressuposto de toda história humana a existência de indivíduos humanos vivos, que se distinguem dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida. Para os autores, historicamente os homens são o que produzem e como produzem, embricadamente com as condições naturais e materiais para sua produção. Para fazerem história, necessitam estar em condições de viver, e a produção dos meios de vida são, assim, para a satisfação das necessidades básicas. Esse ato primário e perpetuado até hoje é seguido pela satisfação de novas necessidades, dentre elas, a de reprodução da própria vida. Nesse aspecto, a vida, em todos os sentidos, inclusive no trabalho, ganha dupla relação, ainda segundo Marx e Engels (1987): de um lado, a relação natural e, de outro, a relação social, esta segunda entendida no sentido da cooperação de vários indivíduos em quaisquer condições, modo e finalidade. Assim, um determinado modo de produção – que conjuga as forças produtivas e as relações de produção características de cada época –, está ligado a um determinado modo de cooperação, que é propriamente uma força produtiva. Conclui-se, portanto, que a “[...] história da humanidade deve ser estudada e elaborada em conexão com a história da industria e das trocas” (MARX; ENGELS, 1987, p. 42). Esse preâmbulo indica que o homem, ao mesmo tempo em que é produto da natureza, incorpora a ela sua prática social, onde a força produtiva e as relações sociais de produção se 146 constituem como base objetiva para tal. O trabalho enquanto energia humana aplicado à natureza se torna força produtiva – composta por força de trabalho, natureza e instrumentos. E o homem, por sua vez, enquanto ser social, é constituído e constituinte, desde o seu nascimento, por e de relações sociais próprias da condição humana. No entanto, na divisão social do trabalho, as relações sociais de produção adquirem novas características, as quais incorporam a ação do homem e acarretam mudanças sobre as próprias forças produtivas. Nesse sentido, a produção do mundo material e social, é objetivação do ser social que cria uma realidade objetiva, com características humanas e sociais, e que leva a uma nova apropriação, não mais só do homem sobre a natureza, mas uma apropriação subjetivada por sua ação e seu caráter sociocultural. O homem sofre múltiplas determinações sociais que o constituem e que lhe são constitutivas, tornando sua individualidade uma síntese de diferentes conhecimentos objetivados pela sua ação/apropriação e subjetivado pela ação do coletivo que lhe é incorporado enquanto ser social, como ser único e ao mesmo tempo múltiplo, que transforma e é transformado. (PEIXOTO, 2003). Leontiev (1978) afirma que a assimilação do homem é um processo de reprodução tanto das propriedades individuais como das propriedades e aptidões historicamente formadas pela espécie humana. O indivíduo, ao se apropriar da história social, forma-se e objetiva-se como sujeito no curso da história, e sua individualidade é mediatizada pelas relações sociais, apresentando enormes diferenças, quer pelas aptidões físicas, mentais, genética, quer pelas condições e pelo modo de vida de cada um. No entanto, o autor enfatiza que a desigualdade entre os homens não provém de suas diferenças biológicas naturais, mas é produto da desigualdade humana, da divisão social das classes. 147 Na sociedade capitalista, as relações sociais assumem características naturalizantes que mascaram as relações de troca estabelecidas entre os desiguais. A origem está na relação que o homem mantém com a mercadoria – esta como produto do trabalho humano –, e com o trabalho – este objetivado em capital –, que possibilita o processo de alienação do segundo pela primeira. A mercadoria esconde, portanto, as relações sociais existentes na sua produção, pois são evidenciadas apenas suas propriedades materiais e sociais, ocultando o próprio trabalho nela contido. Essa relação social estabelecida entre os homens, transforma-se, segundo Marx (1980), de forma fantasmagórica, em uma relação entre coisas, o que o autor chama de fetichismo da mercadoria, ou seja, a ação humana – o trabalho –, está oculta no mundo da mercadoria, a qual, pelo seu caráter social, é produto inseparável da mesma. O fetichismo é uma relação alienada e alienante que os homens estabelecem com a mercadoria enquanto objetivação humana, pelo fato do próprio processo de objetivação ocorrer no capitalismo sob relações sociais de dominação, isto é, sob forma de apropriação privada dos meios de produção e do produto do trabalho. As relações sociais alienadas assumem, assim, aparência de fenômenos da natureza. Estamos perante a questão da naturalização das relações sociais, que na sociedade capitalista invade todo pensamento dos indivíduos [...] A reprodução ideológica do fetichismo se realiza através das muitas formas de naturalização dos fenômenos que, ao invés de serem analisados como fenômenos históricos e sociais, são encarados como fenômenos naturais (DUARTE, 2004, p. 38, grifo nosso). A naturalização dos fenômenos e das relações sociais ocorre em diferentes instâncias da sociedade, tais como: na relação entre compra e venda da força de trabalho e sua apropriação como mercadoria; entre saúde e doença; entre educar e aprender; entre arte e estética; entre conhecimento científico e senso comum. Percebe-se que as relações sociais são, na verdade, mediações de poder que partem de uma estrutura socialmente construída. 148 Essa estrutura pode ser analisada também a partir da noção gramsciana de hegemonia, que a concebe pelo entendimento de que a classe dominante dirige a sociedade através do consenso obtido para o controle da sociedade civil. Controle este que se caracteriza e se particulariza pela difusão de sua concepção de mundo junto aos grupos sociais, que é o senso comum (PORTELLI, 1987). Isso resulta numa sociedade que se mantém coesa a partir de um “bloco histórico”, ou seja, devido a um conjunto de forças políticas e sociais que garantem o consenso entre interesses antagônicos, entre a estrutura econômica e o Estado e destes com a classe operária. Esse consenso se impõe, entretanto, não apenas pela influência política, mas também pela ideologia, que, segundo a teoria de Gramsci, é o cimento de todo bloco histórico (GRUPPI, 1980). Assim, a constituição de um novo sistema hegemônico pressupõe a criação de um novo bloco, que deve vir acompanhado do desencadeamento de uma crise orgânica, representando a ruptura entre estrutura e superestrutura. Estas, em linhas gerais, podem ser compreendidas, a partir da análise gramisciana de Portelli (1987), a primeira, como o conjunto de forças sociais e do mundo da produção, e, a segunda, como agrupadora da sociedade política, incluindo o aparelho de Estado, e a sociedade civil58. A construção de novo sistema hegemônico implica, necessariamente, a organização das classes subordinadas para a construção de uma direção política e ideológica, o que denota não ser uma tarefa fácil, pois perpassa todas as formas de luta política e de construção de estratégias que apontem a superação do modelo hegemônico. 58 O conceito de sociedade civil em Grasmsci parte da noção de Hegel, cuja formulação deriva de Marx, mas apresenta sentidos diferentes, segundo Bobbio (in Portelli, 1987). O primeiro interpretou-a como o complexo da superestrutura ideológica, e o segundo, como um conjunto de relações materiais no interior de um estágio do desenvolvimento das forças produtivas. 149 Sem dúvida, o processo social em curso incita inúmeras formas de resistência frente às contradições sociais, as percebidas e também as não percebidas, advindas do que se denomina de invisibilidade socialmente construída. Complementando esta análise, evidencia-se o apontamento feito por Hobsbawm (1989), tendo como ponto de partida a análise em Marx acerca das estruturas das relações sociais. Ele mostra a necessidade de ultrapassar a aparência da estrutura – constitutiva de um conjunto de relações que mantêm íntima conexão e interdependência, buscando, no seu interior, o que está oculto numa realidade em permanente movimento. O autor coloca, ainda, a necessidade de conhecer a história para decifrar o presente, através de dois movimentos: o regressivo, que parte do presente, retornando ao passado, para revelar o presente na forma que é hoje; e o progressivo, o qual parte do passado e chega ao presente, demonstrando o seu desenvolvimento. Por fim, mostra a correlação entre a estrutura econômica e as demais estruturas sociais, revelando a supremacia da primeira no desenvolvimento dos sistemas econômicos e sociais. Sintetizando, o reconhecimento do sujeito como ser histórico implica conectá-lo ao movimento da estrutura social, construída pela sua manifestação objetiva, subjetivada pelas relações socialmente determinadas que contribuem para que muitos fenômenos sejam invisíveis, dado o status socialmente a ele atribuído na sociedade repleta de desigualdades sociais e econômicas. À luz do método, busca-se mostrar um todo articulado, interligado, e as relações e contradições existentes na realidade social que se manifestam no desenvolvimento objetivo da sociedade em que se vive. Esse movimento permeou todo o processo de descoberta da 150 realidade, partindo da compreensão do contexto sócio-histórico que produziu a desproteção social dos trabalhadores expostos ao amianto e avançando na identificação de sua gênese e de suas contradições, ao se aproximar dos trabalhadores vitimados. Essas categorias aparecem de forma implícita, como na ausência de informações e estatísticas sobre doença e morte relacionadas, e explícita, no nível de exposição, nas precárias condições de trabalho e em muitas outras formas ocultas, as quais demonstram que a realidade atual mantém sua interdependência direta com esses condicionantes. O desvendamento do fenômeno pesquisado, a partir da compreensão de sua totalidade, impõe a necessidade de se promover a superação de processos sociais encobertos pela naturalização das relações sociais. Isso implica, conforme já demonstrado, a construção de mecanismos sociais que dêem visibilidade social à problemática relacionada ao amianto, a exemplo da constituição dos contrapoderes que lutam de forma contra-hegemônica pelo banimento do mineral no mundo em detrimento da ideologia do uso controlado, sustentado ao longo da história por grandes corporações econômicas e legitimado pelo Estado e por diferentes segmentos sociais. 3.2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INVISIBILIDADE: APONTAMENTOS METODOLÓGICOS “[...] Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas coisas cheias de calor” (Alberto Caeiro – heterônimo de Fernando Pessoa, 2004). Este fragmento da poesia de Fernando Pessoa sob o heterônimo de Alberto Caeiro59, que tem a dominação Há Metafísica Bastante em não Pensar em Nada, é instigante e, ao mesmo tempo, revelador da manifestação subjetiva dos fenômenos. A implicação fenomênica 59 Esse fragmento compõe a poesia apresentada na epígrafe desta tese. 151 expressa-se, por vezes, em abstrações que, concomitantemente, escondem o fenômeno e permeiam sua existência em todos os sentidos, contribuindo para descortiná-lo ou para mantêlo na invisibilidade. Isso demonstra que a compreensão sobre a invisibilidade social de um fenômeno é tão subjetiva quanto sua visibilidade é objetiva. Essa aparente obviedade se constitui a partir da falta de clareza sobre os processos de conhecimento do real, que podem comprometer a cientificidade de um objeto de pesquisa. No percurso metodológico empreendido na efetivação da pesquisa que embasou a presente tese, tornou-se imprescindível revelar-se contra todas as formas dissimuladas com que o objeto de estudo – a desproteção social dos trabalhadores expostos ao amianto –, se apresentou no transcorrer da mesma, fosse pela recorrente manifestação da inexistência de casos de adoecimento relacionados à exposição ao mineral, na região e no Estado, na fase ainda exploratória da pesquisa; fosse pelo seu banimento, que coincide com o ano do início do trabalho de campo; ou, ainda, pelas sucessivas aproximações ao objeto indiscutivelmente invisível perante a sociedade. A persistência empírica, articulada ao método que norteia a construção desse conhecimento, exigiu que se transitasse por diferentes caminhos na busca do rompimento da invisibilidade do fenômeno. E, assim, Marx e Engels, afirmam: O fato é o seguinte: indivíduos determinados, que como produtores atuam de um modo também determinado, estabelecem entre si relações sociais e políticas determinadas. É preciso que, em cada caso particular, a observação empírica coloque necessariamente em relevo – empiricamente e sem qualquer especulação ou mistificação – a conexão entre estrutura social e política e a produção (MARX; ENGELS, 1987, p. 35). Tem-se claro que a invisibilidade, aqui destacada, é determinada por um conjunto de mecanismos sociais, políticos e econômicos que obscurecem a realidade que precisa ser desvendada e ressiginificada. Como diz Bourdieu (1983), as relações entre os homens constituem-se em relações de poder, e estas reproduzem o sistema objetivo de dominação, que 152 é interiorizado enquanto subjetividade. Ele acrescenta ainda que essa ordem constituída não é reproduzida apenas pelos aparelhos oficiais e ideológicos, mas está inscrita em diferentes níveis da sociedade e também, de acordo com Thompson (1990), na reprodução de valores e crenças socialmente partilhadas. Assim, ao tematizar sobre um objeto produto dessa relação social, verifica-se que ele é duplamente obscurecido, quer pelo contexto em que o mesmo ocorre, quer pelo longo período de tempo necessário para sua manifestação. No entanto, a sua própria manifestação é, por vezes, também obscurecida pela ausência de reconhecimento, que ocorre num amplo espectro das relações estabelecidas no espaço e no tempo. Esses dois fatores contribuem para a construção de uma realidade que não corresponde ao real, no sentido de que dela não foi ainda abstraída de sua essência; desse modo, a apropriação do real reduz-se a um fenômeno isolado e descotextualizado. Pode-se afirmar, portanto, que se tem uma construção social da invisibilidade das doenças relacionadas à exposição ao amianto no processo de trabalho. Esta conduz, por conseguinte, à não-proteção social dessa necessidade, incluído o não-reconhecimento e a ausência dos direitos decorrentes. A articulação do real, por sua vez, exige uma abordagem que extrapole o plano imediato e quantitativo. No campo da saúde do trabalhador, essa premissa ganha maior relevância, pois ele é permeado por inúmeras contradições sociais, que o tornam essencialmente qualitativo, a exemplo do que nos diz Minayo: “[...] se falamos de saúde ou doença, essas categorias trazem uma carga histórica, cultural, política e ideológica que não pode ser contida apenas numa fórmula numérica ou num dado estatístico” (MINAYO, 2000, p. 21-22). 153 Essas categorias trazem, principalmente, significados que são indissociáveis da condição em que os trabalhadores se encontram ao estarem suscetíveis de adoecerem pelo e no trabalho, o que é destacado por Martinelli quando afirma “[...] não desconectamos esse sujeito da sua estrutura, buscamos entender os fatos, a partir da interpretação que faz dos mesmos em sua vivência cotidiana” (MARTINELLI, 1994, p. 13). A opção pela pesquisa qualitativa justifica-se, contudo, na perspectiva metodológica da construção social da invisibilidade, por se constituir de múltiplas abordagens que não se excluem, mas, ao contrário, contribuem para tornar possível o aparente, o impossível e o invisível. Nesse sentido, as narrativas e as histórias de vida dos sujeitos foram incorporadas ao processo de pesquisa como parte de um todo que privilegiou a triangulação60 das informações – ou seja, utilizaram-se diferentes metodologias que permitissem aproximações sucessivas ao objeto de investigação –, que se traduziram em descobertas, fruto de informações reincidentes. Outras tentativas, por sua vez, foram uma espécie de caminho de volta, isto é, tornava-se necessário recomeçar as investigações por outros ângulos, a partir de sinalizações feitas pela diversidade e fragmentação das mesmas. O processo empírico foi sistematicamente acompanhado por leituras correlatas ao tema, que permitiram a emergência de inferências associativas, as quais foram ampliando a formulação de novos conhecimentos. Segundo Thiollent (1988), a inferência é considerada um passo de raciocínio que possui qualidades lógicas e meios de controle e que leva à generalizações. Na perspectiva metodológica da análise de conteúdo, utiliza-se um conjunto de técnicas e operações para obter inferências sobre textos e narrativas, constituindo-se numa importante ferramenta para buscar neles indícios e sentidos. A análise de conteúdo permite a 60 Segundo Minayo (2000, p. 102), o termo triangulação é utilizado nas abordagens qualitativas para indicar o uso concomitante de várias técnicas de abordagens e de várias modalidades de análise, de vários informantes e pontos de vista de observação, visando à verificação e à validação da pesquisa. 154 construção de unidades de análise e/ou referência que contribuem para a categorização temática da pesquisa. Assim, as categorias resultam de abstrações, são construções do pesquisador (CONSTANTINO, 2001). Considera-se, na presente pesquisa, o papel de sua fase exploratória, isto é, a etapa inicial, que contou com a busca de informações preliminares, constitutivas das narrativas de trabalhadores expostos. A partir dessa etapa, produziram-se indícios que levaram à formulação da primeira unidade de análise, que é a configuração histórica da exposição dos trabalhadores ao amianto, logo, fruto de uma inferência que advinha de pessoas e/ou sujeitos que eram fontes de informações com autoridade para serem fonte oficial e direta do objeto investigado. Naturalmente, o cuidado para assim denominá-los teve por princípio o que Vasconcelos de Luna (2000) propõe ao dizer que a atribuição de status de autoridade a uma pessoa deve ser resultado de avaliação e deve responder a questões como: o que a recomenda como autoridade e que condições existem para que o pesquisador possa discriminar o que ela sabe sobre o que está opinando? Dessa forma, a pesquisa na relação teórico-prática seguiu um percurso metodológico que se iniciou com as aproximações sucessivas ao objeto de pesquisa, encadeadas de forma permanente com a construção do problema de pesquisa, e seguiu produzindo muitas indagações, recolhendo muitas evidências e estabelecendo um novo olhar para a realidade, que necessita de muita visibilidade para revelar as condições de adoecimento e morte no trabalho. 155 3.3 – APROXIMAÇÃO COM O OBJETO: SITUANDO O LUGAR E A CATEGORIA DO ESTUDO As primeiras aproximações ao objeto de estudo iniciaram-se junto ao NEST do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social da PUCRS. Filiada à concepção metodológica da construção social da invisibilidade do adoecimento e da morte no trabalho desenvolvida pelo referido núcleo, coordenado pela Professora Jussara Mendes, prosseguiase, em meados de 2000, os estudos sobre saúde-trabalho. O enfoque, então, direcionava-se a investigar a realidade dos trabalhadores que adoecem e encontram-se sem proteção social. Até então, pouco era o conhecimento desta pesquisadora sobre os efeitos nocivos do amianto sobre a saúde da população exposta. O desafio de pesquisá-los foi absorvido, tendo em conta que o interesse primário era, e continua sendo, a desproteção social, que, com o recorte do agente amianto, veio a se constituir num intrigante pólo de novos conhecimentos, dada a amplitude de possibilidades de investigação do tema, por ser fator de risco para doenças de latência, as quais trazem implicações mais agudas para os trabalhadores que assim adoecem, pois sua manifestação ocorre a longo prazo; e; num segundo momento, por contribuir para o fortalecimento da luta pela saúde no trabalho, em particular dos trabalhadores metalúrgicos da região de Caxias do Sul. Essa cidade concentra a maior parte da população exposta no Estado, criando-se um vínculo pela inserção política sindical e pela aproximação geográfica, onde, há mais de 15 anos, esta pesquisadora atua nessa área, no município vizinho de Bento Gonçalves, vinculada à regional sindical. Contudo, a área de saúde e trabalho instiga cotidianamente o trabalho profissional como assistente social desenvolvido junto a uma Unidade de Reabilitação Profissional da Agência da Previdência Social do referido município de atuação, onde é crescente e 156 desenfreado o número de trabalhadores afastados do trabalho com perda de suas capacidades laborativas. Estes, tornados incapazes pela condição a que estão submetidos no processo de trabalho, onde seus corpos e mentes são extensão da máquina-ferramenta de trabalho, adoecem. São centenas de trabalhadores que advêm, sobretudo, das indústrias moveleira, alimentícia e metalúrgica, na sua maioria encaminhados como portadores de doenças não relacionadas ao trabalho61, e que apresentam possibilidades mínimas de retornarem ao espaço fabril. Retomando o objeto da presente pesquisa, esta se dirige a um expressivo segmento da população exposta ao amianto, que são os trabalhadores da indústria metalúrgica na área de fabricação de autopeças, lonas de freios, pastilhas e revestimentos. Estes são materiais de fricção utilizados em carros, ônibus, caminhões e trens. O local de estudo é a Cidade de Caxias do Sul, e os trabalhadores investigados pertencem à categoria metalúrgica, que congrega a maior parcela destes do Estado do Rio Grande do Sul, aproximando-se de 28.000 trabalhadores62. Os trabalhadores que estavam expostos63 na data da proibição da utilização do mineral e que permanecem atualmente vinculados são, aproximadamente, 2.000. Concentram-se em duas empresas do ramo, a maior emprega 1.793 operários, e a segunda, em torno de 200. A Cidade de Caxias do Sul está localizada na região nordeste do Estado, distante 120km de Porto Alegre, com uma área de 1.588,4 km² de extensão. A Cidade foi fundada em 1878, é de colonização italiana, composta, hoje, por diferentes etnias. O Censo Demográfico 61 O estudo desta temática encontra-se na Dissertação da autora sobre as determinações e implicações do afastamento do trabalho já referenciado. 62 Esse número amplia-se para 35.0000 trabalhadores enquanto base territorial de cobertura do Sindicato, que inclui os Municípios de Farroupilha, Garibaldi, Carlos Barbosa, São Marcos, Flores da Cunha, Antônio Prado, Nova Pádua Vale Real e Nova Roma do Sul. 63 Conforme mencionado no Capítulo 2, de acordo com a Lei Estadual nº 11.643, de 2001, onde as indústrias receberam um prazo de três anos para substituírem o uso do amianto como matéria-prima de seus produtos. 157 2000 aponta como de 360.419 a população residente no Município, com uma renda per capita de R$ 10.318,57, e o PIB é de 6,472%. A cidade é o principal pólo metal-mecânico do Rio Grande do Sul, sendo que a participação da indústria na economia do Município é de 64,66%, seguida da de comércio e serviços, que é de 33,34%, e da agricultura, que representa 2%. O setor metalúrgico compõe 60% da economia industrial – 40% metalurgia de bens de capital, e 20% de bens de consumo. O segundo segmento é o da indústria da alimentação, com 12%, e, após, vem a fiação e tecelagem, com 11%. A categoria metalúrgica não só é a maior no município, como está organizada no maior sindicado do Interior do Estado, o qual possui longa trajetória e se constitui, atualmente, num dos mais atuantes do Estado e do País. Reconhecido pela sua concepção sindical classista, faz-se presente em todas as formas de manifestação social e política. Completou 70 anos de organização em 2003, possuindo, aproximadamente, 14.000 associados64. O movimento sindical65 dos metalúrgicos em Caxias do Sul começou por volta de 1928, época de forte controle policial. As principais reivindicações eram pela jornada de oito horas diárias e pelo registro em carteira profissional. Esses trabalhadores participavam da Sociedade dos Metalúrgicos – com 82 associados –, que fazia parte da Sociedade União Operária. Essa entidade era formada por metalúrgicos, tanoeiros, trabalhadores em construção civil, curtumes, tecelagem, alimentação e técnicos em cantinas. A Sociedade Operária foi extinta porque a legislação proibia que trabalhadores de categorias diferentes se associassem a uma mesma entidade. Então, em 6 de março de 1933, foi fundado o Sindicato dos Metalúrgicos. Na sua longa trajetória de lutas, sofreu duas intervenções, a primeira em 1948, no Governo Dutra e, a segunda em 1964, com o golpe militar. Sucederam-se várias formas de mobilização, reivindicações e greves, ao longo das sete décadas seguintes, nos mais diversos 64 65 Os números são de março de 2004, sendo que 2.700 associados são trabalhadores aposentados. As informações históricas foram obtidas a partir de estudo (não editado) realizado pelo Professor de História e Assessor Sindical Saulo Velasco. 158 contextos sociais e políticos. Atualmente, a direção do Sindicato é composta por 124 dirigentes66, com uma executiva de 15 diretores. Dados do Sindicato das Industrias Metalúrgicas (SIMECS) registram a existência de 2.000 empresas que compõem o pólo metal-mecânico do Município. As principais empresas desse segmento adotaram inovações tecnológicas nos seus processos de trabalho, ao longo da década passada, as quais permitiram substituir, em parte, a base material e organizacional das mesmas. Segundo estudo de Heredia e Peruzzo (1998) 67, as mudanças efetivaram-se a partir da introdução de equipamentos microeletrônicos, que, segundo as autoras, eram “[...] adaptadas à tecnologia convencional, o que significa que houve introdução de novas tecnologias, através de máquinas e controles, mantendo a estrutura tradicional do tecido industrial” (HEREDIA; PERUZZO, 1998, p. 153). Destacam ainda a cultura ambígua do empresariado, que opta não pela criação dessas tecnologias, mas, sim, pela sua aquisição, permitindo uma maior competitividade no mercado internacional. Porém, a sua introdução não se revelou uma total modernização nessa área, onde se constatou a coexistência de tecnologias avançadas e de processos de trabalho tradicionais e arcaicos. O estudo mostra também que o desenvolvimento da indústria metalúrgica não se deu de forma simultânea à qualificação da força-de-trabalho, ou seja, não houve investimento na especialização dos trabalhadores para acompanharem o avanço tecnológico. 66 A empresa metalúrgica estudada na presente tese, que utilizava o amianto, conta, atualmente, com 13 diretores sindicais. 67 O estudo intitulado Implicações Tecnológicas nos Processos de Trabalho na Indústria Caxiense teve sua amostra composta por 10 indústrias, incluindo entre elas a maior empresa do ramo automotivo: a Freios S/A. 159 Diante disso, a realidade revela-se perversa para o trabalhador metalúrgico, na medida em que a situação ocupacional é marcadamente precária, ou seja, a mão-de-obra não recebeu incentivos no sentido de aperfeiçoamento profissional, nem no que se refere à elevação da escolaridade68. O mais drástico é que a categoria está subjugada a uma rotatividade sem precedentes. As relações de trabalho sinalizam que o novo paradigma industrial se afirma na precarização do e no trabalho, e, tratando-se da categoria metalúrgica, em particular, esta se utiliza também da experiência do operário como fator propício para a rotatividade, mais uma forma de exploração do trabalho pelo capital. Isso é o que demonstra a pesquisa feita pela assessoria econômica do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul, editada sob o título Cruel Rotatividade. O giro da ocupação da mão-de-obra é impressionante. Como mostram os dados obtidos junto ao Ministério do Trabalho, entre 1993 e 1995 foram demitidos 33.124 metalúrgicos e admitidos 33.568; dentre os demitidos, 66,1% tinham de um ano a nove meses de serviço, e 84,5 % foram demitidos na condição de reemprego, ou seja, muitos foram admitidos em outra empresa. A pesquisa constata, dentre as 10 empresas que mais demitiram69, que o número de rescisões se aproxima ao de admissões e desvenda que a rotatividade “[...] é um mecanismo que os patrões utilizam para rebaixar o preço pago pela mão-de-obra, reduzir os custos de produção e, com essa vantagem, competir melhor com outros capitalistas (SILVA in STIMMME,1996, p. 5). 68 Segundo pesquisa realizada pelo sindicato da categoria, a maioria dos metalúrgicos não ultrapassa o ensino fundamental. Ainda com fonte no Sindicato, um levantamento realizado pela Fundação Gaúcha do Trabalho constata que, na opinião dos responsáveis pelos recursos humanos da região serrana, na hora da contratação não é levada em conta a escolaridade, mas, sim, a experiência. 69 Dentre as empresas, estava a Empresa Freios S/A e mais três do mesmo grupo empresarial. 160 Ainda com fonte no Ministério do Trabalho, a pesquisa revela que, do total de rescisões ocorridas no ano de 1995, 47,5% dos operários recebiam entre três e cinco salários mínimos (SM), e os 63,1% admitidos no mesmo período passaram a ganhar até três salários mínimos, conforme TABELA 10. TABELA 10 Fluxo de admissões e demissões dos metalúrgicos de Caxias do Sul – 1995 FAIXA A FAIXA B DISCRIMINAÇÃO ADMITIDOS DEMITIDOS FAIXA C FAIXA D FAIXA E De 0,5 a Mais de Mais de Mais de Mais de 1,01 SM 1,01 a 1,51 1,51 a 2,01 2,01 a 3,01 3,01 a 5,01 SM SM SM SM 3192 325 1313 3855 3393 3065 260 1286 3519 4329 FAIXA F Mais de TOTAL 5,01 SM 1686 2702 13764 15461 FONTE: Módulo II – Lei nº 4.923/65 – Ministério do Trabalho – Publicado em Cartilha do STIMMME – Caxias do Sul: Cruel Rotatividade. Por fim, a pesquisa conclui que a rotatividade, além de rebaixar o salário e diminuir o poder de compra dos trabalhadores, também resulta em insegurança: “[...] é uma espécie de precarização do trabalho com carteira assinada. A rotatividade renova o quadro funcional da empresa impedindo que o trabalhador nela se mantenha por um tempo médio superior a 3 anos” (SILVA in STIMMME, 1996, p. 6-7). Ampliando essa perspectiva de análise, constata-se que a rotatividade significa, no campo da saúde do trabalhador, um componente a mais no mascaramento das doenças profissionais. Em outras palavras, na medida em que esse trabalhador “roda”, cria-se um quadro propício, que tenta desconectar as doenças que advêm da exposição a produtos tóxicos ou do desgaste físico pelo fator tempo do vínculo empregatício atual, desconhecendo e negando o trabalho anterior. Facilita, assim, a omissão empresarial, principalmente frente aos riscos, à comunicação e ao reconhecimento das doenças ocupacionais. 161 3.4 – O PERCURSO METODOLÓGICO NO MOVIMENTO DE INVESTIGAÇÃO E DESCOBERTA DA REALIDADE “O real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” (Guimarães Rosa, 1995). O problema de pesquisa colocado para a presente investigação é: como se constróem socialmente a proteção dos trabalhadores expostos ao amianto e o processo de reconhecimento do nexo das doenças relacionadas, considerando a ambígua realidade sócio-histórica e os mecanismos de ocultamento nela presentes? Dessa forma, parte-se do pressuposto de que a proteção social no contexto da saúde dos trabalhadores expostos ao amianto ocorre em meio a uma complexa realidade. A utilização do amianto pelo trabalhador como matéria-prima no seu processo de trabalho pode provocar dano à sua saúde de forma residual e progressiva. As doenças relacionadas ao amianto manifestam-se após longo período de latência, assim como apresentam dificuldades para a definição de um diagnóstico preciso, fato este que tem revelado sérias implicações sobre a capacidade produtiva e o processo de reconhecimento dos riscos e da doença profissional. Portanto, o segundo pressuposto desse problema é o de que, historicamente, os possíveis danos à saúde do trabalhador pela exposição ao amianto nunca foram reconhecidos e protegidos na dimensão que o risco exige, bem como inexistem instrumentos de monitoramento e vigilância na área que garantam a identificação de doenças associadas a ele. A partir dessa problematização, são suscitadas as seguintes questões norteadoras: - O trabalhador conhecia os riscos a que estavam expostos? E, hoje, que compreensão têm, após o banimento do uso do mineral? 162 - Como se dava o processo de proteção ocupacional? Qual sua evolução histórica? - Que fatores têm contribuído para a identificação, na atualidade, de um número inexpressivo de casos de doenças profissionais pela exposição ao amianto? Estariam eles relacionados ao baixo índice de trabalhadores que realizam o exame pós-demissional; à rotatividade dos trabalhadores nesse ramo produtivo; à dificuldade de se realizar um diagnóstico sobre a doença, tendo em vista os fatores de risco secundários; à ausência de um sistema de vigilância e assistência à saúde do trabalhador que exerça um efetivo monitoramento da população exposta? - Que condicionantes e/ou determinantes históricos vêm contribuindo para ampliar a invisibilidade das doenças relacionadas? - Qual o tratamento dispensado hoje ao processo de reconhecimento da doença ocupacional no âmbito da Medicina do Trabalho e da Seguridade Social? - As patologias identificadas foram reconhecidas como doenças profissionais? Como? Por quem? - Que condições e possibilidades de acesso aos direitos existentes têm os trabalhadores vitimados e seus familiares? - Como os avanços legais têm repercutido para a garantir os direitos sociais dos trabalhadores expostos? - Que estratégias podem ser implementadas para ampliar as possibilidades de acesso à proteção social? 163 Na busca de dar respostas a essas perguntas, que em síntese também respondem questões anteriormente formuladas, foram se estabelecendo, de imediato, contatos com pessoas que conheciam o processo atual e o histórico, bem como, paralelamente, se buscaram informações epidemiológicas sobre exposição ocupacional e dados sobre morbi-mortalidade. Esses momentos iniciais conduziram a uma aproximação histórica que estimulava a investigação crítica da atualidade. Entretanto, a busca de informações atuais revelava-se destituída de fatos, vazia e invisível nas diferentes tentativas de aproximação ao objeto de estudo. No que concerne à investigação sobre informações epidemiológicas, esbarrou-se na ausência de um controle efetivo da exposição ao amianto, pois, apenas em 2001, a Secretaria de Saúde do Estado começou a voltar-se para a vigilância em saúde dos trabalhadores e da população em geral exposta. Por outro lado, também não existe, no Município de Caxias do Sul e no Estado, maiores informações sobre morbidade, assim como, junto à Coordenadoria Regional de Saúde, encontram-se apenas dados sobre mortalidade e causa mortis, verificandose que não há o devido zelo quanto ao registro da efetiva ocupação exercida, quando emitida a declaração de óbito. Entretanto, cada nova aproximação ao objeto de estudo era dotada de iniciativas que tinham como vetor impulsionador as narrativas históricas, a partir de entrevistas e contatos com sujeitos envolvidos no processo de enfrentamento dos riscos de exposição ao amianto. As informações, as quais eram registradas no diário de campo, tornaram-se, potencialmente, fonte de pesquisa. O percurso metodológico, guiado pelo método de investigação, conduziu aos mais diferentes caminhos, num movimento de ir e vir, de busca e descoberta, de busca e não-descoberta, que, para prosseguir, exigia um recomeçar por novas trilhas, à procura de novas 164 evidências. Assim, como ensina Bourdieu, foi necessário “[...] mobilizar todas as técnicas que, dada à definição do objeto, possam parecer pertinentes e que, dadas as condições práticas de recolhimento dos dados, são praticamente utilizáveis” (BORDIEU, 2000, p. 26). Acima de tudo, foi a ausência de dados quantitativos que mobilizou a pesquisadora e se transformou, ao mesmo tempo, em informação de relevância metodológica. Teve-se, portanto, a partir da triangulação das informações, um mosaico a ser montado, onde cada peça era única, mas, ao ser disposta, mantinha uma conexão estética, porém, também apresentava lacunas entre as partes. A cada pergunta lançada, deparava-se com o passado próximo, que trazia indícios, sinais de um processo em curso, o qual foi sendo configurado. Isso resultou na necessidade metodológica de centrar a pesquisa num estudo de caso, uma vez que as narrativas e as demais informações convergiam para a maior empresa de fabricação de autopeças, a qual concentrou, nas últimas décadas, a maioria dos trabalhadores expostos no Município, no Estado e no País70, e que será denominada, para fins de referência nesta tese, de Freios S/A71. Segundo Bruyne (1977), o estudo de caso deve reunir informações numerosas e detalhadas e criar a possibilidade de apreender a totalidade de uma situação; para isso, é necessário recorrer a variadas técnicas de coleta de informações, como observação, entrevista, documentos. Acrescenta o autor que o estudo de caso, na sua particularidade, obtém cientificidade integrando-se no processo global da pesquisa, à teoria, de modo que o seu papel não seja deformado, assim como “[...] a crítica epidemiológica dos problemas e conceitos não é negligenciada” (BRUYNE, 1977, p. 225). 70 Não há dados precisos sobre isso, porém, segundo o Anuário Mineral Brasileiro, em 2001, o número de trabalhadores empregados na extração do mineral em minas de amianto no Estado de Goiás, era de 800, inferior, portanto, ao da indústria metalúrgica citada. Considerou-se também que a empresa Eternit, maior do ramo de cimento-amianto, fechou em 1993, com a fusão com a Brasilit, permanecendo empregado um número inferior de trabalhadores. 71 O nome aqui utilizado é fictício, por questões éticas que envolvem o processo de pesquisa. 165 Descrevem-se, a seguir, de forma sistematizada, o percurso metodológico da pesquisa e os passos que envolveram o trabalho de campo, porém, pela própria natureza do método utilizado, não há uma linearidade cronológica dos mesmos, os quais podem ser assim apresentados conforme visto no QUADRO 8. 166 QUADRO 8 Síntese do percurso metodológico e das etapas da pesquisa PERCURSO METODOLÓGICO PASSOS DA PESQUISA DE CAMPO Investigação preliminar. Entrevista do Presidente do STIMMME de Caxias do Sul, de 1993 a 2002, e também trabalhador exposto ao amianto nas décadas de 80 e 90, responsável pelos primeiros movimentos em busca da proteção contra o amianto. Investigação de dados epidemiológicos Contato com a Coordenadoria Regional de Saúde – 5ª sobre morbi-mortalidade. Coordenadoria Regional de Saúde. Entrevista com o médico coordenador da epideomologia da 5ª CRS, visando identificar dados sobre óbitos por CID e profissão. Contato com a chefia da Agencia da Previdência Social (APS/Caxias do Sul), visando à autorização e à definição de estratégias para a coleta de dados acerca dos benefícios por incapacidade de acordo com o CID. Coleta de dados junto ao sistema informatizado da Previdência Social, identificando benefícios com doenças relacionadas à exposição ao amianto – que constam no Anexo II da Lei de Regulamentação da Previdência Social, com a espécie e patologia, a partir dos CIDs predefinidos. Investigação referente à vigilância da Contato com a Secretaria de Saúde do Estado – Programa de população exposta. Atenção à Saúde Integral do Trabalhador (PAIST). Contato com a 5ª CRS, com a responsável pela área da saúde do trabalhador. Reunião com os responsáveis técnicos pela vigilância aos trabalhadores expostos ao amianto da SES/PAIST. Apresentação e discussão do projeto de Reunião com dirigentes sindicais para apresentação da pesquisa. pesquisa – Diretoria do STIMMME. Reunião com área técnica do referido sindicato: médico do trabalho, advogado e auxiliar do ambulatório médico. Entrevista inicial com um trabalhador Narrativa de trabalhador exposto, atualmente aposentado por exposto, a partir de identificação da tempo de serviço. equipe técnica, com suspeita de patologia relacionada ao amianto, para fim de estudo exploratório. Analise documental e visual. Estudo de documentos das décadas de 80 e 90, jornais, boletins e fitas de vídeo das condições de trabalho daquele período. Grupo de discussão com trabalhadores e Realização de duas reuniões seqüenciais com quatro dirigentes líderes sindicais expostos – narrativas e sindicais que estão e estiverem expostos ao amianto: reconstrução histórica. – dois são dirigentes que estão na empresa, um com 24 anos de trabalho e exposição, e outro com 18 anos de trabalho e exposição; – um dirigente liberado para atividade sindical há oito anos e com sete anos de exposição; – um ex-presidente com oito anos de exposição. Identificação e entrevistas com os sujeitos Entrevista com o médico do trabalho que atuou na principal e/ou técnicos envolvidos na proteção empresa de autopeças por 14 anos. contra o uso do mineral, na década de 80. Entrevista com o auditor fiscal do Ministério do Trabalho (DRT/RS) que autuou diversas vezes a referida empresa no final da década de 80. 167 PERCURSO METODOLÓGICO PASSOS DA PESQUISA DE CAMPO Novas entrevistas com dirigentes sindicais. Identificação a partir da reconstrução com os dirigentes sindicais de trabalhadores expostos que supostamente morreram de patologias relacionadas à exposição ao amianto. Retomada da investigação buscando identificar novos sujeitos portadores de patologias relacionadas à exposição. Entrevista com os dirigentes participantes das reuniões, para a obtenção de informações complementares. Duas entrevistas com viúvas de dois trabalhadores identificados pelos sindicalistas, a partir da história oral. Realização de nova pesquisa junto à APS – Caxias do Sul, identificando a partir do CID relacionado aos trabalhadores, para, após, identificar junto ao Cadastro Nacional de Inscrição Social (CNIS – PIS) os vínculos profissionais. Realização de pesquisa junto ao quadro de associados do STIMMME, expostos ao amianto pelo vínculo profissional, buscando identificar, entre os trabalhadores ativos e os aposentados, os portadores de patologias associadas. Identificação dos sujeitos. Nova pesquisa junto à APS – Caxias do Sul e da entidade sindical dos trabalhadores metalúrgicos identificados na etapa anterior. Identificação de novos sujeitos Realização de entrevistas com trabalhadores vitimados e/ou seus supostamente portadores de patologias familiares, através de história oral. relacionadas ao amianto. FONTE: Elaborado pela pesquisadora, a partir do registro do Diário de Campo. O percurso empírico, que tinha como objetivo inicial uma aproximação com os sujeitos vitimados pelos agravos relacionados à exposição ao amianto, acabou resultando numa (re)construção histórica de fatos que foram narrados num novo momento da própria história. Assim, as fontes supostamente secundárias tornaram-se fontes primárias e com autoridade no assunto, vindo a contribuir não apenas para a identificação dos sujeitos, mas para, fundamentalmente, tornar visíveis determinantes históricos até então dispersos e esquecidos em meio à nova realidade, que tornou os agravos relacionados ao amianto ainda mais invisíveis. No entanto, os diferentes sujeitos envolvidos nesse processo de pesquisa talvez não tenham o privilégio do pesquisador – também sujeito –, de embutir as peças (descobertas) no mosaico, mas levam consigo a marca de uma história que passa a ser recontada. 168 3.5 – AS REVELAÇÕES DE QUEM FAZ HISTÓRIA: AS DESCOBERTAS QUE REVERTEM A LÓGICA DA SAÚDE NO TRABALHO Talvez o tempo passado-presente não tenha sido, ainda, suficiente para que o real possa se manifestar na sua absoluta concreticidade. Mas a verdade presente nas narrativas dos sujeitos participantes da pesquisa é aquela vivenciada por quem conviveu e ainda convive com o risco e o fato de adoecer e morrer no trabalho. Essa verdade se cruza com uma verdade incontestável: havia uma exposição excessiva ao amianto nas décadas de 80 e 90, conforme será descrito na seqüência dessa reconstrução. Portanto, as evidências obtidas no decorrer da pesquisa são partes de um todo que busca, de forma fidedigna, a realidade do ontem e do hoje. Todavia, é preciso advertir que ainda existe o amanhã! O que está por vir se encontra germinando, sem que se possa ter visibilidade suficiente, mas traz indicativos de que é preciso se voltar a atenção para essa inquietante problemática. Assim, conforme o percurso da investigação, já mencionado, chegou-se às descobertas que passam a ser apresentadas. Estas se compõem de dois momentos: a realidade das décadas de 80 e 90 – dividida em duas partes –, e, em seguida, a atualidade, que se inicia no ano de 2001. Essa separação, em que se nomina o passado-presente, ontem, e o presente-futuro, hoje, tem como linha divisória o ano de aprovação de leis que baniram o uso do mineral em diversos municípios e estados brasileiros, incluindo o Rio Grande do Sul. Buscou-se, num primeiro momento, recompor a história a partir dos depoimentos de sete entrevistados – sete entrevistas individuais e duas reuniões com a participação de quatro dos entrevistados –, e do estudo documental – jornal e boletim informativo e visual, filmagem, através de fita de videocassete, das condições de trabalho na empresa de autopeças por ocasião da interdição 169 pela DRT/RS72. Destaca-se que, conforme já referenciado, os depoimentos, na totalidade das informações, se direcionaram para a realidade dos trabalhadores de uma única empresa de autopeças, a mais antiga e maior em número de trabalhadores expostos. Portanto, o histórico que segue está centrado no âmbito da empresa Freios S/A, que iniciou suas atividades em 1954. A mesma faz parte de um grupo empresarial que congrega sete empresas ligadas ao setor automotivo e exporta para mais de 70 países em todos os continentes. Ela está entre as 10 maiores empresas do segmento de materiais de fricção do mundo, detendo Flexa S/A73. É a primeira no ramo, no Brasil, produzindo mais de 9.000 referências de produtos, dentre os quais, pastilhas e lonas de freios. Em Caxias do Sul, possui duas unidades fabris – em processo de unificação –, sendo que uma concentra atualmente 1.800 funcionários. Também possui mais duas unidades fora do País, uma na Argentina – fabril –, e outra nos Estados Unidos – escritório de vendas e armazém para distribuição. A empresa tem certificação de qualidade ISO 9001, bem como está certificada pela norma ISO 14001, que trata da gestão ambiental, devido aos investimentos nessa área, nas últimas décadas. A produção propriamente dita, de autopeças, iniciou em 1955, quando chegaram as duas primeiras prensas da Itália. A aproximação com a Itália, segundo Frizzo (1997), começou em 1953, quando o proprietário da empresa foi em busca de negociações com fabricantes italianos de autopeças e constatou serem altos os investimentos para viabilizar a produção. Mas, em Torino, a partir de uma revenda comercial de lonas de freios, conseguiu contato com a empresa Fabbrica Italiana Nastri ed Anelli per Freni e Frizioni (FINAFF)74, localizada em Ciriê, onde obteve licenciamento da mesma para produzir as autopeças. Assim, 72 A filmagem foi realizada pelo auditor fiscal da DRT/RS, membro do GIA, que a disponibilizou para fins de estudo. 73 Nome também fictício. 74 A partir de investigação realizada com o auxílio de uma liderança antiamianto na Itália, Carmelo Mandosio, constatou-se que a FINAFF não existe mais, foi declarada falida pelo tribunal de Torino em 10.12.92, com a sentença nº 525, conforme declaração enviada por Carmelo, obtida junto à Câmara de Comércio, Artesanato e Agricultura de Torino. Nos dados de identificação da empresa, consta que a mesma foi fundada em 01.11.24 e fechada em 31.12.90. Não foi possível precisar o motivo da situação falimentar da empresa. 170 dois diretores da Freios S/A realizaram estágio na empresa italiana e assimilaram as técnicas de elaboração de lonas de freio, adquirindo as duas primeiras máquinas. Embora a utilização do mineral como matéria-prima acompanhe praticamente o início das atividades da empresa, a preocupação com o seu uso por parte dos trabalhadores só ocorreu no início da década de 8075 e se consolidou na década seguinte. A organização dos trabalhadores transita entre a hegemonia de seu uso controlado e, depois, pelo seu total banimento. As perspectivas de resistência dos trabalhadores ocorreram em dois cenários distintos. O primeiro, em meio à abertura democrática brasileira e ascensão dos movimentos sociais, em especial dos trabalhadores brasileiros – a década de 80 –, e, o segundo, quando o movimento sindical passou a enfrentar a crise do trabalho no Brasil. Nesse segundo período, os efeitos do novo modelo econômico adotado na década de 90 repercutiram profundamente sobre a ocupação brasileira. Segundo Pochmann (2001), o saldo negativo foi de 3,2 milhões de empregos assalariados formais destituídos na economia brasileira, além do crescente desemprego, os novos postos de trabalho caracterizavam-se pela precariedade das condições e das relações de trabalho, e os salários médios reais representavam apenas dois terços do que eram nos anos 80. No setor metal-mecânico de Caxias do Sul, essa realidade também se manifestou, porém, com particularidades, já mencionadas, as quais se assemelham às de milhares de trabalhadores brasileiros, conjugando insegurança e precariedade das relações de trabalho através de uma severa rotatividade da força de trabalho. 75 Não se obtiveram informações da existência de mecanismos de proteção ocupacional antes desse período, assim como de algum movimento por parte dos trabalhadores com esse objetivo. 171 Ao mesmo tempo, a realidade dos trabalhadores expostos, sofre mudanças que são resultados justamente de um contexto propicio a transformações, mas que em seguida são reprimidas por mecanismos que ameaçam o emprego. Entretanto, as dificuldades são enfrentadas por novas formas de organização dos trabalhadores e que passa, mais recentemente também pelo papel do Estado, na adoção de legislação social que proteja de fato a saúde no trabalho. 3.5.1 – Em Busca da Proteção à Saúde – Baixando a Neblina, Controlando Riscos Na década de 80, o movimento sindical brasileiro reascendeu sob novas formas de mobilização, dentre elas, as greves gerais e as paralisações por categorias e empresas. Na pauta, está a busca de melhores salários e condições de trabalho. Em Caxias do Sul, o movimento operário/sindical foi intenso. O ano de 1985 é demonstrativo dessa nova fase do movimento sindical, onde uma greve da categoria metalúrgica paralisou várias empresas, dentre elas, três empresas do grupo empresarial vinculado à Freios S/A, onde 100% dos trabalhadores cruzaram os braços por mais de 15 dias. Na pauta de reivindicações, estava o pedido de reposição salarial frente à exorbitante inflação, mas também havia a exigência da adoção de medidas de proteção da saúde no trabalho contra os riscos a que estavam submetidos pela exposição ao amianto. Era o marco da ação coletiva dos trabalhadores desse segmento, que passou a ser organizada e dirigida pelo sindicato da categoria, uma vez que a comissão de greve da empresa tornou-se comissão de fábrica, que, por sua vez, ao esgotar a estabilidade – negociada por seis meses –, concorreu à Comissão Interna de Acidentes de Trabalho (CIPA), passando a dirigi-la e, assim, seus participantes obtiveram estabilidade por 172 mais um ano, o que viria a culminar com o ingresso do seu principal dirigente na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos. A preocupação, no entanto, já fazia parte de alguns profissionais da área de segurança e medicina do trabalho da empresa, que, com a inclusão de trabalhadores de origem sindical, passaram a ter uma ação mais efetiva no que se refere ao uso controlado do mineral. Em seu depoimento Jorge Rodrigues, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos por três mandatos, de 1993 a 2002 – que iniciou sua trajetória sindical76 na Freios S/A –, relata que participou inicialmente de duas comissões, a de greve e a de fábrica, e, após, também passou a integrar a CIPA. Este evidencia a conduta do médico do trabalho, do Presidente da CIPA e dos demais integrantes, que, na época, pautavam as reuniões com discussões sobre a necessidade de a empresa adotar mecanismos de proteção aos trabalhadores. Registra que o médico do trabalho buscava sensibilizar os trabalhadores para o uso do EPI, utilizando como recurso visual um pulmão de cadáver com óbito por câncer de pulmão, para demostrar os efeitos nocivos do amianto e a importância do uso de EPI, e também procurava convencer, nesse mesmo sentido, os empregadores, entregando-lhes documentos, relatórios, etc. Acredita-se que estava buscando a aplicação do Anexo 12, da NR15 da CLT, que data de 1978, a qual estipula uma série de medidas, já referenciadas. Esse mesmo profissional, que exerceu por 14 anos suas funções como médico da empresa, relatou ter tomado conhecimento sobre a nocividade através da especialização em medicina do trabalho na década de 70. Sua demissão – a pedido –, ocorreu um ano após o movimento iniciado no interior da empresa. 76 Jorge Rodrigues é atual diretor do Sindicato e ingressou na empresa Freios S/A em 1981, na condição de laboratorista-físico. Progressivamente, tomou conhecimento dos malefícios do mineral pelos colegas, técnicos do setor de química da empresa onde atuava. 173 Em 1986, a OIT aprovou a Convenção nº 162 sobre o uso do amianto e as condições de segurança. No Brasil, através do Ministério do Trabalho, passou-se a atuar mais efetivamente sobre o uso do mineral, criando-se o GIA, em 1987, o que resultou em mecanismos mais efetivos de fiscalização, bem como possibilitou que emergissem novos estudos científicos comprovando sua nocividade. Essas ações acerca da prevenção e da segurança no trabalho derivaram de um contexto com características extremamente preocupantes, tais eram as condições de trabalho na época. O amianto vinha sendo utilizado na empresa metalúrgica em estudo desde a década de 50. Em depoimento, um trabalhador que ingressou na empresa em 1979, descreve que o ambiente de trabalho, nesse período e até final da década de 80, “[...] era uma neblina só [...]”, fato que pode ser visualizado através da filmagem disponível. Constatou-se que não havia nenhum mecanismo de proteção, e, o mais alarmante, é que a exposição estava extremamente acima do limite de tolerância, ou seja, havia 50 fibras por m³, quando o valor limite de exposição (VLE), era de 2 fibras por m³, conforme determina o item 12 do Anexo 12/NR. A exposição ocorria em todos os níveis do processo de trabalho da fábrica. Iniciava pelo recebimento da matéria-prima, que ficava ao lado do refeitório da empresa; nesse momento, os sacos eram abertos e colocados numa caçamba que os levava para a pesagem e, em seguida, para o misturador, saindo para a prensa e, após, para a máquina de corte, para fazer o acabamento, na seqüência, para a lixadeira e, depois, para a furadeira, onde o processo era concluído com a embalagem do produto. Os trabalhadores não usavam qualquer equipamento de produção individual, fato que só começou a mudar quando passaram a tomar conhecimento de sua nocividade, mesmo assim, apenas um número reduzido de trabalhadores. Inicialmente, também não havia sistema 174 de exaustão do ar, e as máquinas eram limpas com ar comprimido. As roupas usadas no trabalho eram levadas para casa para serem lavadas. Parte dessa realidade começou a se alterar quando houve a presença constante da fiscalização do Ministério do Trabalho. A denúncia do sindicato da categoria junto à Delegacia Regional do Trabalho coincidiu com o momento em que a mesma vinha fazendo inspeções nas empresas que usavam amianto, fruto do trabalho do GIA. Assim, em 1991, ocorreram sucessivas inspeções junto à empresa, devido ao descumprimento legal das medidas protecionistas e preventivas, resultando em várias interdições, mesmo com a empresa, por vezes, parando por conta o trabalho, ao saber da vinda do Ministério do Trabalho, segundo relato dos entrevistados. A primeira interdição ocorreu na sacaria – entrada da matéria-prima – sendo que a empresa ficou praticamente paralisada por 30 dias –,, em vista de não poder receber o mineral. O jornal Folha de Hoje noticiou em 28 de dezembro de 1991, que A Divisão de Relações de Trabalho do Ministério do Trabalho interditou há 15 dias um setor de uma das unidades da [...] e notificou a empresa para que providencie melhorias para oferecer melhores condições de trabalho aos funcionários. A interdição atingiu a abertura da sacaria de asbestos (material fibroso utilizado na fabricação de lonas de freios) (Ministério do Trabalho Interdita Setor da [...], Jornal Folha de Hoje, 1991). Na seqüência, as máquinas de usinagem de presa foram interditadas, ou seja, nesses locais, além de ocorrer concentração de fibras extremamente altas, não havia mecanismos de proteção e exaustão, bem como a preocupação com a segurança no trabalho era precária. Esses fatos obrigaram a empresa a fazer um projeto visando adequar-se às normas legais de utilização do amianto e às condições de segurança. Assim, passaram a ser instalados exaustores, e os trabalhadores foram conscientizados da importância do uso do EPI, em que pese o fato de esse trabalho já estar sendo feito pela CIPA, em particular pelo médico do 175 trabalho. Porém, a desconfortável máscara não era utilizada por todos, além de a jornada de trabalho ser, por vezes, prolongada. Embora as roupas embora fossem lavadas pela empresa, a partir de então, não havia banho no local de trabalho, logo, os trabalhadores dirigiam-se para suas casas com o corpo impregnado pelo pó. 3.5.2 – Da Resistência pelo Uso Controlado à Luta pelo Banimento: A Ação Sindical sob Nova Ótica Na década de 90, o problema ainda estava longe de acabar. Nos primeiros cinco anos, buscou-se esgotar a pauta de reivindicações, que incluía: a substituição das máscaras por outras anatomicamente mais leves, banheiros adequados, lavagem da roupa, dentre outros. Porém, em 1995, a ótica começa a mudar. Nesse período, a Freios S/A transferiu a empresa Flexa S/A para a Cidade de Caxias do Sul. Esta última havia sido comprada pelo grupo caxiense, ainda em 199177. A transferência ocorreu logo após o movimento pelo banimento do amianto em São Paulo. O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que protagonizara a ação naquele estado, denunciou para o sindicato local a realidade vivida pelos trabalhadores e entregou-lhe um dossiê, assim como encaminhou cópia para a Promotoria Pública. A instalação da empresa de São Paulo, portanto, ocorreu em meio à pressão sindical: o Sindicato estava mais engajado no movimento nacional pela proteção aos trabalhadores expostos ao amianto e começou a lutar pelo banimento juntamente com as principais entidades e personalidades que organizavam o movimento em nível nacional e que, no mesmo ano, fundaram a ABREA. A ação do sindicato dirigiu-se, então, para que a empresa local 77 A Freios S/A justificou a compra e a transferência com o propósito de evitar que a Flexa S/A fosse vendida a uma empresa estrangeira do mesmo ramo. 176 deixasse de utilizar o amianto como matéria-prima, fazendo diversas tratativas e exigindo a sua substituição imediata. Como poder de pressão, houve o término da licença concedida pelo Ministério do Trabalho para que a empresa cumprisse as medidas relativas ao uso controlado, que ainda sequer haviam sido concluídas. O sindicato propôs um acordo por escrito pelo banimento, a exemplo do quê havia sido assinado em São Paulo; a empresa, por sua vez, propõe um novo acordo sobre o uso controlado. Ambos não foram assinados. A empresa pressionou ainda mais e ameaçou mudar-se para a Argentina, onde já possuía uma filial. As negociações avançaram, e ela permaneceu. Há de se destacar que a empresa já fabricava lonas e pastilhas de freios sem amianto desde 1980, com fins específicos de exportação para países que proibiam seu uso e comercialização (Encarte Especial – Freios S/A 50 Anos, Jornal Pioneiro, 2004). Os anos 90 também se caracterizaram pela demissão crescente dos funcionários, sendo que, de 1990 até 2002, 2.400 funcionários foram demitidos78. Na opinião dos dirigentes sindicais, essa atitude se constituiu numa estratégia da empresa, que alegava estar em crise, para diminuir o tempo de exposição. Assim, a rotatividade tornou-se um mecanismo para mascarar o nexo causal das doenças profissionais (MINAYO; GOMES, 1997), ou, ainda, visto de outra forma, como bem lembra um entrevistado, “[...] o trabalhador ajuda a melhorar a produtividade e após é descartado”. Portanto, a rotatividade e a produtividade vindas das mudanças nos processos de trabalho, além de contribuírem para o rebaixamento da massa salarial dos trabalhadores, conforme já mencionado, ampliaram a insegurança no trabalho e contribuíram para dissimular o nexo causal de possíveis doenças profissionais. 78 Informações obtidas junto ao STIMMME. 177 Chamaram atenção, nos depoimentos, três aspectos que destacam a noção de agravo da saúde do trabalhador: o primeiro refere-se aos diferentes agentes nocivos à saúde durante o exercício do trabalho concomitantemente ao amianto, como o carvão mineral, as vibras de vidros79, além do ruído; o segundo relaciona-se à jornada de trabalho, pois várias referências foram feitas sobre o seu prolongamento – a empresa, que opera em quatro turnos de oito horas, constantemente solicitava horas-extras aos seus empregados –, e, o terceiro, como conseqüência deste e pelas condições de trabalho, diz respeito aos trabalhadores, que acabavam levando consigo alimentos que ingeriam junto ao posto de trabalho. Contudo, é importante destacar também que o refeitório da empresa ficava junto ao setor de sacaria, o primeiro a ser interditado pelo Ministério do Trabalho, e, assim, ao se alimentarem, permaneciam sem o EPI e expostos por períodos prolongados. A empresa, nesse período, combinava a utilização do amianto e das fibras sintéticas alternativas como matéria-prima nos seus produtos. Com isso, crescia no mercado interno e no exterior. A mesma sempre fez a defesa do uso do amianto com base em informações norte-americanas que mantinham a decisão de não banir o mineral. Também se baseava em pesquisa sobre os efeitos à saúde dos trabalhadores em contato com fibras sintéticas, pois havia tomado conhecimento de que as mesmas poderiam ser fator de risco de câncer. Essa informação, embora não confirmada, era considerada positiva para que o amianto permanecesse como matéria-prima na fabricação das autopeças. 79 Já utilizadas para os produtos exportados. 178 3.5.3 – O Estágio Atual: O Banimento e o “Desaparecimento” dos Riscos A partir de agosto de 2002, a empresa substituiu definitivamente o amianto, em decorrência da legislação estadual já mencionada. A passagem para o estágio atual carrega consigo todo o passado de riscos e agravos à saúde do trabalhador. No entanto, a primeira constatação feita pela pesquisa empírica foi a de que essa transposição não se efetivou de maneira imediata na compreensão dos trabalhadores e da população em geral. Isso se percebe em duas formas diferentes de manifestação. Primeiro, acabou o uso do amianto, a conquista do banimento, ao mesmo tempo em que se constitui numa medida única para garantir a saúde (futura) dos trabalhadores, contribui para que se faça uma representação equivocada da mesma no seio dos trabalhadores e da sociedade. Segundo, a matéria-prima que substituiu definitivamente o amianto também é considerada nociva – essa preocupação surge de imediato. Os depoimentos registram que os atuais trabalhadores consideram as fibras de vidro – principal substituto –, de maior nocividade que o amianto. Alegam ter mais pó, bem como a pele acaba machucada pelo processo alérgico (aparentando picada de mosquito), e desacreditam por completo da opinião do médico do trabalho, que informou aos mesmos que a sua absorção não é nociva para o organismo80. Não só as duas situações obscurecem a realidade pós-exposição ao amianto, como a mais grave de todas é o percentual de trabalhadores que vem realizando o exame pós-demissional. Ações da Vigilância em Saúde do Estado do Rio Grande do Sul constataram que, aproximadamente, 30% dos trabalhadores que saíram da empresa de 1990, para cá, 80 Importante ressaltar que essa preocupação dos trabalhadores faz sentido, uma vez que pouco ainda se conhece sobre os efeitos das fibras de substituição do amianto sobre a saúde. 179 fazem acompanhamento através dos exames indicados, ou seja, em média 70% não fazem qualquer controle de risco. A empresa, por sua vez, atribui como causa do baixo percentual de controle o não-comparecimento do trabalhador, quando chamado para a realização dos exames periódicos. Nesse sentido, os dirigentes sindicais que atuam na sede da entidade registram que nunca foram chamados para a realização de exames, o que corre há, aproximadamente, 10 anos, bem como desconhecem que essa rotina esteja em vigor. Ao contrário, um dos depoentes declarou ter tomado a iniciativa de ir à empresa para os exames de controle. Já em outra entrevista, feita com um trabalhador aposentado, a alegação foi de que ele considera sem sentido comparecer à empresa para ser examinado, uma vez que não tem e não terá acesso aos resultados dos exames, assim, opta por fazê-los por iniciativa própria (se é que de fato o faz). Mas, através de investigação, constatou-se que a rotina estabelecida para a realização dos exames periódicos pós-demissionais ocorre por meio, apenas, do agendamento da primeira avaliação; assim, a não-presença no primeiro exame implica a não-realização dos subseqüentes. O ambulatório do Sindicato possui uma médica do trabalho, que tem atuado de forma cautelosa no atendimento dos atuais trabalhadores e dos que tiveram passagem por empresas que utilizam o amianto. Os que lá procuram o serviço são investigados, e os casos suspeitos, acompanhados. Essa profissional, inclusive, foi capacitada pela SES para realizar interpretação radiológica, considerando as doenças causadas pelo amianto, conjuntamente com um médico do Sistema Único de Saúde do Município. Os dirigentes sindicais registram em seus depoimentos a constatação de uma crescente incidência de câncer e de óbitos em vários colegas. No entanto, as informações são dispersas, mas referem-se ao fato de ser comum ouvir falar de situações de colegas que adoecem ou que 180 vão a óbito. Sem conseguir precisar essa informação, foi solicitado aos trabalhadores a indicação de nomes de colegas que fossem de seu conhecimento em que o óbito se dera em decorrência de câncer. O retorno veio com a indicação de quatro nomes: dois por óbito, e dois por patologia associada. A pesquisa prosseguiu a partir dos indícios trazidos pelos depoentes, bem como se redimensionou a investigação em busca de novos suspeitos. Fez-se uma busca junto ao cadastro de associados do Sindicato com a participação de um dirigente, que identificou, através de nomes e fotografias, trabalhadores com suspeita de serem portadores de patologias relacionadas ao amianto. Buscou-se também junto ao departamento jurídico do Sindicato. Dessa maneira, criaram-se condições para uma procura ativa de possíveis trabalhadores vitimados, a qual ocorreu a partir da constituição de uma rede estabelecida com todos os envolvidos na pesquisa realizada até a presente data. Na busca da história dos trabalhadores que vão sendo identificados pela rede, iniciou-se uma nova etapa da pesquisa de campo. Esta tem o propósito de ultrapassar a história recomposta para chegar à história viva, nos depoimentos dos familiares das vítimas e dos trabalhadores doentes. 4 – RESIGNIFICANDO O PRESENTE: UMA APROXIMAÇÃO COM OS OCULTOS SUJEITOS DA HISTÓRIA Talvez a principal e mais difícil tarefa do pesquisador seja a de transformar o processo de pesquisa em um movimento real e dinâmico em que a verdade que tenta desvendar possa emergir de forma viva após concluída a investigação. Esse movimento do real é construído na sua concretude pela voz dos sujeitos que protagonizam a vivência de uma realidade silenciada ao longo da história e que se esconde na atualidade em meio a uma teia de relações sociais determinadas e reproduzidas pelo poder político e econômico que conforma as estruturas social e de produção. Os sujeitos que adoecem e morrem face à exposição ao amianto nos seus processos de trabalho compartilham histórias de vida que legitimam o binômio saúde-doença desencadeado pelo modo de produção capitalista e pela sua forma de organizar o trabalho e as condições em que este é realizado. Mas esse antagonismo é resultante, sobretudo, de um processo social invisivelmente construído. A aproximação com esses sujeitos permite ressignificar o presente de uma história repleta de contradições e desprovida de uma visibilidade socialmente necessária. Dessa forma, a pesquisa identificou sujeitos que estavam hermeticamente ocultos nesse processo que conjuga passado e presente sincronizadamente. Assim, a identificação do que já se denominou “ângulos mortos” foi o que possibilitou o trânsito por diferentes 182 caminhos, buscando romper com os mecanismos sociais que vêm ocultando os processos de adoecimento e morte relacionados ao trabalho, os quais foram descortinados no percurso da pesquisa e podem ser assim sistematizados: a) a ausência de estatísticas de doenças profissionais com as respectivas patologias pelas diferentes instâncias, que envolvem a Previdência Social, o Ministério do Trabalho, o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde, em particular as doenças relacionadas à exposição ao amianto; b) o não-reconhecimento das doenças profissionais, principalmente das que se manifestam após longo período de latência, quando, conseqüentemente, o trabalhador não está mais exposto ao agente patogênico; c) a dispersão das informações e a ausência de estatísticas, o que fomenta a descrença sobre o real risco de adoecimento, pelo lado do empregador, e da inexistência de doenças associadas, pelos órgãos governamentais. Por sua vez, os trabalhadores têm a crença de que vários óbitos e doenças ocorrem em conseqüência da exposição ao amianto, porém, essa associação é feita em relação ao período temporal de exposição, ou seja, durante a utilização no processo produtivo; d) a ampliação do nível de desinformação sobre os reais danos à saúde do trabalhador, no período atual, pós-banimento, no Rio Grande do Sul; e) as recentes ações de vigilância da saúde da população exposta, sem, ainda, o monitoramento necessário. 183 O rigor investigativo no trabalho de campo esteve atento a todas as possibilidades, fazendo-se acompanhar de uma “lupa” para identificar situações de doença e morte desencadeadas por esse agente, porém não reconhecidas, pelas instâncias “legais” como riscos ocupacionais dos trabalhadores que se encontraram expostos ao amianto. Com base no fundamento teórico-metodológico amplamente referenciado nos capítulos 2 e 3 desta tese, construíram-se estratégias de investigação sobre a população em estudo, partindo-se de fenômenos mais amplos, como o resgate histórico, que levou a se considerar a probabilidade de existirem situações representativas dele e desencadeou a busca ativa de trabalhadores portadores de doenças ou que tivessem sofrido óbito em decorrência da exposição ao amianto, junto aos do setor automotivo, com a investigação direcionada para a maior empresa de autopeças do Brasil. Ressalva-se, no entanto, que, no transcorrer do processo de investigação, se optou por uma ruptura com as estatísticas oficiais, uma vez que estas, ao mesmo tempo em que não permitiam identificar situações de adoecimento e morte relacionadas ao amianto, reafirmavam a invisibilidade social desse fenômeno. Assim, cada nova etapa, significava uma recomposição do quadro de possíveis sujeitos portadores de patologias desencadeada pelo amianto, o que permitiu avançar na sua identificação, antes oculta e inexistente. Há que se considerar, entretanto, que o percurso empreendido para se chegar aos sujeitos foi extremamente difícil, e suas vias eram campos fechados e esquecidos. A opção foi trilhá-las, buscando não apenas identificar os trabalhadores, mas também compreender o que a ausência de patologias relacionadas poderia representar. As etapas de pesquisa que se sucederam, mais especificamente, a da descoberta dos sujeitos, apresentaram dois diferentes movimentos, os quais se retomam a seguir, incorporando um terceiro movimento, 184 denominado inclusivo, por representar a identificação dos sujeitos que compuseram a amostra da pesquisa na sua fase final. Movimento Inicial - os depoimentos dos dirigentes sindicais e de profissionais da área que possibilitaram a reconstrução histórica; - pesquisa junto à Previdência Social dos benefícios por CID; - busca ativa junto a familiares das vítimas previamente identificadas e a profissionais das áreas médica e jurídica ligados à categoria metalúrgica; - pesquisa junto aos trabalhadores metalúrgicos na condição de aposentados. Movimento Intermediário - contato com os familiares dos trabalhadores identificados pelos dirigentes sindicais; - consulta a mais de 80 benefícios previdenciários, a partir do CID relacionado e do respectivo Cadastro Nacional de Inscrição Social (CNIS) do trabalhador identificado, buscando a identificação dos vínculos profissionais; - formação de uma rede de informações com os familiares e os profissionais envolvidos; - identificação da causa mortis dos associados aposentados. Movimento Inclusivo - aglutinação e classificação de situações similares de trabalhadores expostos; - seleção e amostragem dos sujeitos; - localização dos trabalhadores e/ou familiares; 185 - entrevistas/narrativas e depoimentos; - retroalimentação da rede, com identificação de novos sujeitos que emergiram dos depoimentos dos sujeitos entrevistados. A amostra e a seleção dos sujeitos foram, portanto, sendo construídas a partir de uma progressividade advinda da identificação de trabalhadores expostos ao amianto, a partir da modalidade de classificação, apresentadas no QUADRO 9 com os respectivos sujeitos identificados. QUADRO 9 Classificação das situações e/ou agravos relacionados à exposição ao amianto que geraram a amostra representativa da pesquisa de campo CLASSIFICAÇÃO SUJEITOS E CASOS IDENTIFICADOS A – Apresentavam causa morti Quatro óbitos assim distribuídos: dois suspeita de ter sido cânceres de pulmão, um câncer de estômago e ocasionada pelo amianto. um melanoma com metástase no pulmão (motivo pelo qual ocorreu a relação com o amianto). B – Apresentavam causa morti desconhecida. Três óbitos de associados aposentados, sendo identificadas as seguintes causas mortis: uma neoplasia de estômago e dois cânceres de pulmão. ENTREVISTADOS Três entrevistas e/ou narrativas: uma descartada pelo CID não associado e uma não realizada por não comparecimento ao agendamento da entrevista. Não foi possível localizar os familiares, portanto, nenhuma entrevista foi realizada nessa modalidade. Duas entrevistas/narrativa e dois depoimentos. C – Portadores de patologias Seis trabalhadores que buscaram a assessoria suspeitas de relação com o jurídica do Sindicato da categoria. amianto na condição de empregados ou na de aposentados. D – Portadores de patologias Um caso de trabalhador encaminhado para Uma entrevista/narrativa. incapacitantes de causas atendimento ambulatorial no Sindicato e, após diversas em processo de processo de investigação, foi constatado se investigação no ambulatório tratar de asbestose. de saúde do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul. E – Trabalhadores em auxílio- Nesse segmento, não foi possível identificar – -doença previdenciário por nenhuma situação que pudesse compor a CID 10 relacionado à amostragem. exposição do amianto. F – Demais trabalhadores em Dois trabalhadores em auxílio-doença com – relacionadas a doenças auxílio-doença previdenciário patologias com suspeita de patologia osteomusculares e, portanto, não incluídos na desencadeada pelo amianto. amostragem. FONTE: Quadro organizado pela pesquisadora. 186 As seis classificações representam, de forma didática, o resultado da busca ativa que ocorreu a partir de um cruzamento das informações obtidas nos três movimentos acima descritos e que permitiu se construir a amostragem por situações diferenciadas, tal qual foi possível aglutinar. Contudo, é imprescindível destacar-se novamente que só foi possível identificar trabalhadores capazes de compor a amostragem pretendida no segundo momento da pesquisa empírica, ou seja, após a reconstrução histórica e a retomada das informações existentes, buscando-se sua ampliação junto aos sujeitos e às instituições anteriomente denominadas, tendo como contribuição fundamental a formação de uma rede com trabalhadores e seus familiares. Registra-se também que se tomou conhecimento da existência de uma listagem de trabalhadores com suspeita de patologia associada ao amianto que se encontravam em atividade na empresa Freios S/A, em 1990. A referida lista acompanhava a denúncia junto à DRT, a qual acabou resultando na interdição da empresa, conforme mencionado no capítulo anterior. No entanto, após diversas tentativas, não foi possível localizá-la, nem junto ao arquivo do Sindicato, nem nos arquivos da DRT. A mesma, com certeza, poderia vir a constituir-se em importante e potencial fonte de pesquisa para integrar a amostra. Concluída essa fase, foi possível compor definitivamente a amostra com os trabalhadores que tiveram óbitos e doenças causados pela excessiva exposição ao mineral. A mesma é representativa de uma população que vivenciou um processo histórico permeado por circunstâncias intrinsecamente ligadas, em outras palavras, a amostra é parte de um fenômeno mais amplo e agrega valor explicativo sobre a população investigada. A amostra representativa, portanto, foi composta por cinco casos de diferentes situações de agravo, totalizando cinco entrevistas e/ou narrativas, sendo dois familiares e três 187 trabalhadores, e mais dois depoimentos de trabalhadores classificados no item C do QUADRO 9, ou seja, também portadores de patologia suspeita. Destes, um tinha doença associada ao amianto, o outro não, porém, ambos optaram por não gravar entrevista, mas concordaram em prestar depoimento, sendo que suas declarações são de extrema relevância para os resultados da pesquisa. No QUADRO 10, apresenta-se uma síntese identificando os sujeitos que concederam as entrevistas, os quais assinaram o Termo de Consentimento Pós-Informação (ANEXO 1), as quais foram gravadas e transcritas. QUADRO 10 Amostra representativa dos trabalhadores com doenças e óbitos relacionados ao amianto IDADE 51 anos TEMPO DE EXPOSIÇÃO 26 anos 80 anos 29 anos 77 anos 77 anos 59 anos 22 anos 25 anos 15 anos AGRAVO/PATOLOGIA Óbito por neoplasia de estômago Óbito por neoplasia de pulmão Asbestose Asbestose Doença crônica das vias aéreas (suspeita de asbestose) SITUAÇÃO OCUPACIONAL DEPOENTE Aposentado em atividade Esposa na mesma empresa. Aposentado por invalidez Esposa Aposentado Trabalhador Aposentado Trabalhador Aposentada após Trabalhadora contribuição previdenciária individual FONTE: Quadro organizado pela pesquisadora. As entrevistas realizadas81 seguiram unidades de análise predefinidas, porém, com seqüências diferenciadas durante a sua realização. A base que compõe as entrevistas, através da história oral, assentou-se no tripé de investigação a seguir apresentado. 81 Todos os entrevistados assinaram o Termo de Compromisso pós-informação, conforme texto no ANEXO 1. 188 FIGURA 3 Tripé de investigação Relação entre exposição do amianto no processo de trabalho e a saúde dos trabalhadores Situação/inserção atual dos trabalhadores identificados e movimento após o adoecimento e/ou morte Reconhecimento do adoecimento e/ou morte e seguridade social. FONTE: Figura organizada pela pesquisadora. Ao privilegiar categorias de análise que envolvem trabalho, morti-morbidade e seguridade social, buscou-se chegar às expressões decorrentes relacionadas à proteção social desses trabalhadores. Assim, foi possível compor três eixos de investigação a partir de questões abertas previamente incluídas no roteiro das entrevistas. Eixo 1: A relação entre exposição ao amianto e a saúde dos trabalhadores a) Trajetória no trabalho: início da vida profissional, tempo na atividade, sentido dado ao trabalho; b) Vida no trabalho: condições de trabalho, processo produtivo, turno e jornada de trabalho, mudanças de função, intensidade e produtividade, desgaste físico e mental, normas disciplinares e controle da produção, tempo de exposição, etc.; c) Vida fora do trabalho: família, lazer, etc. Eixo 2: Manifestação da doença e reconhecimento: a) Sobre a doença: em que momento a doença surgiu na vida; identificação e relação com o trabalho; outras doenças associadas e/ou secundárias; 189 b) Sobre a investigação, o diagnóstico e o tratamento: exames periódicos e o pós-demissional; espécie do benefício previdenciário; vida e sobrevida após a confirmação do diagnóstico; c) Identificação de outros colegas de trabalho que adoeceram e/ou faleceram; d) Que conhecimentos e/ou informações dispunha sobre a exposição ao mineral. Eixo 3- Situação dos trabalhadores na atualidade a) Inserção após adoecimento: trabalho, aposentadoria; b) Movimento realizado para a obtenção de direitos relacionados; c) Demais informações relevantes. Deste conjunto de questões, emergiram histórias diferentes e, ao mesmo tempo, muito parecidas, contatadas ora pelos próprios trabalhadores, ora por familiares (esposas e viúvas). São histórias de pessoas diferentes, porém de vivência comum no trabalho, que permeia toda sua vida, e que raramente se enxergam como comuns. Isolados pelos mecanismos sociais de invisibilidade, compartilham uma mesma realidade compostas por partes – a história de cada um dos sujeitos. Estas possuem uma conexão com o todo, o que, para Kosik, significa uma mediação com o todo estruturado: “[...] os fatos isolados são abstrações, são momentos artificiosamente separados do todo, os quais só quando inseridos no todo correspondente adquirem verdade e concreticidade” (KOSIK, 1986, p. 41). Buscando compor essa realidade atual, dialeticamente estruturada, trazem-se os resultados das falas, dos depoimentos, do sentido, do vivido pelos sujeitos que participaram das entrevistas, com o olhar de quem não apenas viveu, mas ainda convive muito próximo com o “inimigo oculto”. Visando preservar a identidade dos entrevistados, adota-se como referência iniciais de nomes 190 fictícios, as quais não foram colocadas ao lado das situações registradas no quadro que compõe a amostra da entrevista pelo mesmo motivo. Portanto, as iniciais serão apresentadas no decorrer da inclusão das narrativas. Apresentam-se os resultados da pesquisa, partindo-se das condições de trabalho a que os operários estavam submetidos, demonstrando, logo após, que existe um pacto de silêncio em torno da relação causal amianto e doença ou morte. Em seguida, evidencia-se como vem ocorrendo a ruptura com a ordem estabelecida e o comportamento das vítimas frente à mesma. Em meio às narrativas, a emoção, e por que não dizer perturbação, em relação ao tema doença e morte vem culminar com a certeza dos sujeitos de poderem contribuir com o presente ressignificando-o. 4.1– O ESPAÇO FABRIL: CONDIÇÕES E MEIOS DE PRODUÇÃO De maneira imprescindível, a aproximação com a história de vida dos trabalhadores entrevistados conduziu a um “détour” sobre o espaço fabril e as condições a que estes estavam submetidos no exercício do seu trabalho. Imagens e representações são produzidas a partir dos depoimentos e das narrativas que equivalem às descrições realizadas no capítulo anterior desta tese, onde foram evidenciadas as condições de trabalho nas décadas de 80 e 90, bem como a transição ocorrida na ação sindical, que iniciou na década de 80, buscando a proteção da saúde dos trabalhadores expostos através do banimento do mineral, após ampliar a compreensão sobre a irreversibilidade dos danos sobre a saúde e a falácia do uso controlado. 191 Aqui, as falas dos trabalhadores ampliam o significado dos reais condicionantes que incidem sobre o binômio saúde-doença desencadeado pelo processo de trabalho e, dessa forma, acrescentam uma reflexão a mais: qual foi a contribuição e/ou participação da organização fordista/taylorista de trabalho e, após, do modelo toyotista, sobre as condições de trabalho na indústria, em especial sobre o trabalho insalubre, periculoso e intenso, nas últimas cinco décadas? A pertinência dessa interrogação busca demonstrar que o paradigma que engendrou o trabalho no Brasil esteve de costas para a saúde do trabalhador, tornando-o mais uma peça de engrenagem do processo produtivo, o qual vem sendo reproduzido pelo modelo atual. Essas formas de gerenciamento, na verdade, se constituem, indubitavelmente, como uma forma de controle do trabalho, respondendo às exigências da produtividade do capital, conforme se pode confirmar ao se aproximar das vivências narradas. Em todas as histórias, identifica-se que os trabalhadores conviviam com condições de trabalho perversamente contrárias a sua saúde, sem as mínimas precauções. Os riscos não eram apenas socialmente aceitos, mas também ignorados, conforme se pode observar na seqüência de depoimentos apresentados. As entrevistas são reveladoras de que o trabalho, fruto de uma necessidade material e social, ocorria em meio a condições que não apenas negligenciavam a integridade física dos trabalhadores, mas comprometiam a saúde mental, pois a preocupação com o risco de adoecer ou de se acidentar era uma constante, os quais eram potencializados pelo conhecimento dos perigos da exposição e dos demais agentes insalubres. Pode-se inferir que essa realidade que iniciou para os mesmos no final da década de 60 permaneceu sem muitas alterações até o final da de 90. Por todo o período, diferentes agentes atingiram a saúde do trabalhador: a poeira do amianto e suas fibras vistas a olho nu, as fibras 192 de vidro (substitutivas ao amianto), que “picam a pele”, o ruído, dentre outros. Assim, contextualiza-se a década do acontecimento referido, ao lado dos depoimentos dos trabalhadores. “[...] naquela época, tinha poeira, que nem aquelas fogueiras [...]” (E.V., década de 70). “[...] ultimamente, tava puxado para ele, pois voltava para casa lavado do óleo [...]“Tinha pó e óleo, e todos os componentes químicos juntos, ele tinha que entrar dentro das máquinas [...] aí vinha o banho de óleo e não tinha o que fazer” (T.R., final de década de 90). “Quando entrava no setor [....] e através dos raios de sol, tua via as fibras de amianto [....] tinha que escapar” (P.R., década de 80). “Não tinha aquela coisa que puxava o amianto, nos varria e botava no saco de lixo, era mais que limpar, tinha a furadeira que soltava o pó, que ficava alto assim [sinalizando a altura de aproximadamente 20cm]” (D.T., década de 80). “A pele ficava toda machucada, parecia ‘picadas’, por causa das fibras de vidro” (E.V., início da década de 90). “Ele era um pouco surdo” (T.R., década de 90). “[...] este aí já faz tempo” (E.V., referindo-se ao questionamento da pesquisadora sobre o prótese auditiva do entrevistado, 2004). 193 Verifica-se que a combinação de diferentes agentes insalubres tornava as condições de trabalho precárias, ao mesmo tempo em que os trabalhadores se viam obrigados a submeter-se as mesmas, as quais foram sendo compensadas por ganhos de insalubridade, conquistados pelos próprios trabalhadores. E.V. relata que, devido ao pó que era excessivo “[...] todos começaram a se queixar a aí viemos no sindicato. Resolveram mandar um médico fazer exame para ver como era, e viu que tinha que dar insalubridade para nós”. No entanto, o que impressiona é que a mesma só foi concedida aos que buscaram o sindicato, não se estendendo aos demais trabalhadores, os quais tiveram que buscar individualmente esse direito (década de 80). Impressiona também o fato de que, indistintamente, todos os entrevistados tiveram perda auditiva, demonstrando que, por um lado, a concessão do adicional mascarou a adoção de medidas protetoras dando sustentação às condições que geraram o dano, e, por outro, produziu uma legião de trabalhadores parcialmente surdos. Retomando os aspectos relativos às condições de trabalho relacionadas à exposição ao amianto, constata-se a falta de tempo para o banho na empresa e, igualmente, a falta dos vestiários, que deveriam ser construídos com a unidade de banho entre ambos, para justamente poder ocorrer a troca da vestimenta, lembrando que essa situação compunha o rol de irregularidades encaminhada para a DRT na época. O agravante na situação era o horário de saída dos ônibus que ocorria ao término do expediente, sem dar tempo para os trabalhadores se banharem, o que poderia também ser solucionado com a antecipação do término da jornada de trabalho. Conforme aparece no depoimento que segue e de acordo o advogado que elaborou a denúncia na época, por diversas vezes havia sido solicitado à empresa a alteração do horário dos ônibus, para evitar que o banho fosse feito nas próprias 194 residências dos trabalhadores – “[...] ele vinha todo sujo de pó na pele, só trocava a roupa, mas tomava banho em casa, não dava tempo, devido o horário do ônibus”. Essa situação não se alterava quando da necessidade do prolongamento da jornada de trabalho, uma vez que com exceção de um entrevistado, todos declararam fazer horas-extras, a qual, ao permitir a ampliação da renda, multiplicava o desgate físico. Como bem lembra a viúva de um dos trabalhadores, com cinco filhos, “[...] ele saia às quatro horas da manhã, levava uma garrafa de café preto e um pedaço de pão, pra comer de meio-dia, fazer horas-extras e pagar as dívidas”. E a outra entrevistada declara: “[...] trabalhava à noite, trabalhava pra cuidar dos filhos pequenos, quatro filhos, era viúva [...] fazia muito serão” Porém, em outra narrativa, as horas extraordinárias estavam relacionadas a reuniões, que, estima-se, faziam parte dos sistemas de qualidade já no novo modelo produtivo. [...] eu reclamei muito destas horas-extras, pois meu marido vinha para casa às 7 horas da manhã, chegava em casa, tomava banho, tomava café, ia dormir, ao meio-dia, ele tinha que levantar para ir às reuniões, e a maioria das horas não recebeu as horas extras (T.R., 2000). Contextualizando essa realidade, percebe-se que o processo de trabalho já gerenciado pelo modelo toyotista, além de trazer novas exigências, impôs mecanismos de pressão e cooptação dos trabalhadores. Como bem coloca Harnecker, “[...] as transformações técnicas têm como correlatas a segmentação e a desintegração da classe operária” (HARNECKER, 2000, p. 147) e acrescenta, citando Gorz (1995) “[...] ganhou-se uma elite para colaboração do capital” (GORZ apud HARNECKER, 2000, p. 147). Para a autora, essa elite está submetida a grandes tensões, exemplificando através do estudo realizado por Sassen (in HARNECKER, 1992), que afirma que muitos trabalhadores japoneses sofrem de fadiga crônica e de doenças vinculadas à 195 atividade laboral, sendo que, desde 1989, a mortalidade atingiu uma média de 10.000 trabalhadores/ano no Japão por hemorragias cerebrais causadas por tensão no trabalho e por horários de trabalhos, excessivamente prolongados. É oportuno agregar-se aqui o depoimento de um trabalhador – P.R. –, que suspeitava ser portador de doença relacionada ao amianto, mas não confirmada. O fato estava associado às fortes tensões por que passou ao realizar trabalhos com novas responsabilidades. P.R. afirma que “[...] ficava sem dormir à noite de preocupação, [...] sentia falta de ar e o coração disparava”, sintomas que o levaram a acreditar que a doença estaria associada ao amianto, mas complementa “[...] chegaram à conclusão que era muita preocupação”. Esse mesmo trabalhador relata que, ao voltar para suas antigas funções, a cobrança se dava em outro nível, ou seja, compartilhava com a chefia a responsabilidade de aumentar a produtividade: “O chefe voltava da reunião dele e me chamava na salinha e dizia, a máquina tal tem que produzir tantas peças por dia, e eu não tenho ninguém para te ajudar”. Assim, o entrelaçamento dos diferentes fatores de agravo sobre a saúde dos trabalhadores assinala as variações ocorridas nos processos produtivos, as quais convergem para a lacuna entre saúde e trabalho, ampliando o leque de doenças desencadeadas a partir do segundo. Esta pesquisa, ao se direcionar às patologias relacionadas à exposição ao amianto, tem demonstrado com singularidade, mas de maneira exemplar, o retrato de uma era que não se esgota, mas que se transforma, trazendo novos desafios e, por conseguinte, a necessidade de novas formas de enfrentamento das diferentes manifestações sobre a saúde do trabalhador. 196 4.2 – A RELAÇÃO AMIANTO, DOENÇA E MORTE: O NEXO SILENCIADO A primeira impressão que se obtém ao se aproximar do universo de histórias sobre doença e morte associadas à exposição ao amianto é de que existe um pacto de silêncio que circunda todas as instâncias por onde passaram ou passarão as vítimas. Como se numa redoma de vidro estivessem aprisionados e responsabilizados pela manifestação da doença, que acaba sendo concebida, conforme Machado e Minayo-Gomez (1995), em decorrência da ignorância e da negligência dos próprios trabalhadores, o que caracteriza uma dupla penalização. Conclui-se que a relação entre adoecimento e morte com o agente amianto é, na verdade, silenciada, ou seja, não há nexo entre ambos, até que se prove o contrário. Porém, a prova nem sempre é possível, dadas as circunstâncias em que a mesma se manifesta – lenta, progressivamente e, acima de tudo, após a exposição –, e a dificuldade de realização de diagnóstico precoce e preciso; dentre outras. Assim, o ônus da prova é da vítima, que, na maioria das vezes, não só não é ouvida, como não a detém a priori. Porém, ao fazer a análise de todas as histórias de adoecimento e morte, constata-se a plena conexão entre a atividade exercida e a doença diagnosticada, sendo esta resultante de condições de trabalho que levaram as vítimas a conviverem diariamente com fibras de amianto impregnando no ar e revestindo suas roupas e peles. Os sujeitos são, ou foram, portadores de patologias que constam da lista de doenças (denominadas e codificadas segundo o CID-10) causalmente relacionadas com os respectivos agentes ou fatores de risco de natureza ocupacional, o amianto/asbesto, conforme prevê a legislação previdenciária (QUADRO 4) já referenciada. São elas: a neoplasia de estômago, a 197 asbestose, o câncer de pulmão e um caso de doença crônica das vias aéreas82. As doenças de que os sujeitos são portadores serão retomadas e confrontadas com os depoimentos dos entrevistados, tendo como ponto de partida a própria doença, onde se percebe, na seqüência da exposição, não apenas a ausência de seu reconhecimento, como a tentativa de dissimular qualquer relação de causa e efeito, ignorando-se por completo, também, que, na manufatura do amianto, a exposição é mais direta e intensa (CASTRO, 1995). Apresenta-se, portanto, cinco histórias de vida, trabalho e doença. Neoplasia maligna do estômago (C-16) A história aqui ressignificada é a de um trabalhador de 51 anos que faleceu devido à neoplasia gástrica avançada. A aproximação da mesma deve-se ao fato de ele ter falecido por câncer, sem o devido conhecimento da sua etiologia. Assim, estava-se diante de uma doença que apareceu também em outros dois trabalhadores identificados na pesquisa, a qual, embora prevista na legislação em vigor como relacionada ao amianto, consiste na de maior nível de complexidade para o estabelecimento do nexo causal; primeiramente, porque a maioria das doenças relacionadas são de ordem respiratória e, segundo, porque, na literatura especializada, poucos são os estudos que tratam dessa particularidade. Portanto, partiu-se em busca de elementos que permitissem justificar a inclusão da neoplasia de estômago nas doenças ocupacionais relacionadas. Junto ao Ministério da Previdência Social, constatou-se que a lista de doenças foi elaborada pelo Ministério da Saúde, em 1999, ano de vigência do Decreto Lei nº 3.048, com o respectivo Anexo que atualiza as doenças profissionais e do trabalho. 82 Doença também relacionada à exposição ao amianto pela área da saúde (conforme QUADRO 2). 198 Em contato com o Ministério da Saúde, chegou-se ao especialista que coordenou o estudo e definiu o rol de doenças relacionadas à exposição ocupacional ao amianto, Dr. René Mendes, o qual possui não apenas diversas publicações na área da medicina do trabalho e da saúde do trabalhador, como também estudos específicos sobre amianto e doença ocupacional. Com a colaboração do mesmo, foi possível acessar várias publicações sobre o tema pesquisado, uma vez que, segundo o autor, “[...] predomina na literatura o registro da associação causal entre exposição ocupacional ao asbesto (crisotila e outras fibras) e câncer gastrointestinal (genérico) e, especificamente, câncer gástrico” (MENDES, 2004). Os diferentes estudos de Selikoff e colaboradores do Mount Sinai Hospital em Nova Iorque (1964), Doll e Peto (1987), Neugut e Wylie (1987), Frumkin e Berlin (1988), Andersen e colaboradores (1993), apontados por René Mendes (1995), trazem indicativos sobre a associação entre exposição ao amianto e câncer de estômago. Utilizando metodologias distintas, apresentam resultados de pesquisas com relação causal83. Ainda segundo Mendes, mesmo a ampla revisão realizada pelo International Programme on Chemical Safety (IPCS) e publicada em literatura especializada, em 1998, embora apontando fragilidades encontradas em alguns estudos, conclui pela associação causal entre as exposições ocupacional à crisotila e o câncer de estômago. É nessa perspectiva que se traz a história de R.S., 51 anos, matrizeiro, com 24 anos e seis meses de exposição ocupacional. O depoimento foi dado pela esposa do trabalhador e registra que o mesmo ingressou na empresa na década de 70. Nessa época e nos anos subseqüentes, a utilização do amianto, conforme já relatado, era indiscriminada, e mesmo com a adoção de medidas protetivas, no final dos anos 80, devido à natureza do trabalho 83 Parte dessa bibliografia, a exemplo do Dr. René Mendes, também foi indicada pelo Dr. Victor Wünsch Filho, especialista em câncer ocupacional da USP. 199 realizado, pouco se conseguia proteger os operários: “[...] davam equipamentos, mas o amianto era muito. Às vezes, quer ver, ele tava com o equipamento, só que molhava com óleo, tinha que tirar, meio complicado, meio complicado [...]”. Mais adiante, a depoente complementa: “[...] ele falava, tu não vai usar a máscara toda hora, tu vai tirar para alguma coisa, tu tira para comer, e eles não comiam no refeitório, levavam um lanche (trabalhava a noite) e comiam dentro da fábrica”. R.S. começou a adoecer, e, em virtude de diagnósticos distintos, a família não sabia precisar inicialmente de que doença ele de fato era portador, o que só foi possível confirmar dois meses antes da data do óbito: “[...] o resultado veio na sexta-feira e era para levar na segunda [...] trabalhou até sábado ao meio-dia, ele estava na mesa almoçando, levantou da mesa e saiu vomitando sangue por toda casa [...] faleceu um mês e 25 dias após baixar o hospital.” Para a família, ficou a indignação pela ausência de um diagnóstico precoce, ainda mais pelo fato de R.S. ser pessoa de hábitos saudáveis e queixar-se dor de longa data. Porém, o inconformismo está relacionado à certeza de a doença ter sido desencadeada pela exposição ao amianto e em nenhum momento ter ocorrido qualquer reconhecimento oficial pela área médica, que admitiu a relação verbalmente, e pela empresa, que se omitiu completamente. Um dia eu perguntei a ele, será que essas dores que tu tem não é por causa do amianto? É... provavelmente seja, mas agora, se eu tiver alguma coisa, não adianta mais. Eu acho que ele sempre soube o que ele tinha, quando começou a fazer os exames [...] Assim, a esposa também tinha outros elementos que lhe permitiam relacionar a morte do esposo ao amianto, conforme declarou: “[...] eu tenho a certeza, tenho certeza que foi do amianto”. Também os colegas de trabalho reiteravam essa certeza, mas a confirmação que a levou a ampliá-la veio a partir da manifestação do médico assistente, o qual, questionado sobre o fato, fez uma declaração repleta de subterfúgios: 200 [...] eu perguntei para o Dr. [...], ele me disse que provavelmente, só que, assim, ele disse assim ó, ele disse para mim mas, não disse para outras pessoas, entendeu? Eu não vou poder dizer que foi ele, porque ele vai dizer que não foi, entendeu? Ele não pode, ele não pode, ele me deu a entender que não pode ficar contra uma empresa; pra saber, tem que fazer biópsia então [...] Agrega-se à história a ausência de acompanhamento da empresa na ocasião do óbito, bem como, depois, em relação aos familiares: “[...] meu marido trabalhou 24 anos, eu fui lá, pois ele ia ganhar uma [....] depois que ele faleceu ninguém mais [silêncio] ninguém mais, como se eu não existisse, como se ele nunca tivesses existido [...]”. Esta fala, mais do que um desabafo, demonstra que esse trabalhador, ao falecer, foi desconectando do meio em que viveu; sua vida profissional e a família que o representa foram completamente alijadas de qualquer apoio material (para custear o enterro) e moral que pudesse confortar a perda. A narrativa apresentada e a certeza de que esse óbito tem relação com a exposição ao amianto foram os grandes impulsionadores para que, como pesquisadora, buscasse explicações e nexos que evidenciassem o que a ciência vem comprovando. Sem dúvida, essa aproximação passou por momentos difíceis, mas o mais significativo é que a família rompeu com o “indizível”, dando visibilidade ao que está obscurecido e a uma realidade conhecida, mas negada. Asbestose (J-60) A asbestose é também conhecida como pnemoconiose devida ao amianto, é doença ocupacional com bom grau de reconhecimento publico, em especial tratando-se de legislação previdenciária e trabalhista. É importante destacar que a presença da asbestose84 é um indicador de alta 84 Na Cidade de Caxias do Sul, um caso de óbito por asbestose foi registrado pela Secretaria Estadual de Saúde, segundo dados da NIS-RS, em 1999. 201 exposição ao agente e também pode ser considerada um risco adicional para o câncer de pulmão (CAPELOZZI, 2001). Trazem-se aqui, entretanto, duas histórias de trabalhadores que têm em comum serem portadores dessa patologia, porém, o que os distingue é que um a tem reconhecida como tal, e o outro, além de não tê-la reconhecida, passou muitos anos com sintomas e em busca da confirmação de um diagnóstico, que só veio a ocorrer 14 anos depois. Inicia-se por este último. E.V., hoje, tem 77 anos, mas com 60 anos começou a lutar contra a doença que iniciou antes de parar de trabalhar. Aposentou-se em 1978, após 22 anos na empresa Freios S/A. Sua atividade era realizada no setor de fiação, manuseando diretamente o amianto, sendo que permaneceu por mais 12 anos em atividade após a aposentadoria, portanto, afastou-se definitivamente em 1990, totalizando 34 anos de exposição. Segue um pouco de sua história, onde E.V. identifica a causa do adoecimento, nos primeiros anos de trabalho na empresa. [...] depois de 10 anos que eu estava trabalhando, começaram a dar proteção, mas o que estragou mesmo e continuou do mesmo jeito, o que estragou mesmo foi aqueles primeiros 10 anos que ficamos sem nenhuma, e dentro da firma, naquela época, tinha poeira que nem [...]. Ainda antes de sair da empresa, realizou um exame que apresentou alterações radiológicas, porém, tempos depois, os exames já não mais apresentavam qualquer sinal da doença. [...] Daí foi, foi, foi, comecei a fazer exames, e o exame tinha problema. E, depois, disseram que não tinha mais nada, se antes disseram que tinha problema, como agora está tudo bem, como é esse negócio?! Quem é que curou se esse problema não tem solução, esse problema se fica uma manchinha preta e vai aumentando não sei como é, daí ficou assim, quando saí da firma, não mandaram eu fazer exames para ver como eu tava, como eu não tava [...]. 202 Essa referência de que um novo exame pode não vir a confirmar a suspeita da doença leva a se considerar que outros trabalhadores temiam no seu imaginário que os exames fossem adulterados. Esse medo que aparece na fala de E.V. também é explicitado por B.N., aposentado por invalidez devido à doença pulmonar, que afirma no seu depoimento:“[...] nunca mais fiz nenhum exame de acompanhamento, tenho medo de fraude nos exames e assim posso perder a aposentadoria por invalidez, não quero mexer nisso, não quero mexer nisso.” Para E.V., ao contrário, a busca pelo reconhecimento apenas estava começando e, em 1990, por não mais se sentir em condições físicas para trabalhar, pediu demissão. “[...] pedi para sair pois não agüentava mais trabalhar, não agüentava o serviço mais. Tinha vindo o exame, e eu queria sair. Mas eu disse não tenho mais condições de trabalhar, não agüento mais” Assim, retomou, por iniciativa própria, a realização de novos exames, após a negativa da empresa em custeá-los. Mas, conforme se pode verificar no depoimento que segue, a associação com a exposição ao amianto era completamente ignorada pelos profissionais que o atendiam. [...] e os exames começaram a dar problemas no pulmão, mas não dizem certo o que tem, fui continuando a fazer exame por conta, eles não pagavam, eu falei: como vocês dão exames para os outros e não dão pra mim, eu também trabalhei aqui, eu falei como [....], não sei, aí comecei a fazer por conta, aí foi no instituto do pulmão, tem problema, sim, mas tu não sabe se é de fumar, de uma pneumonia, de poeira de rua, mas como poeira de rua dá problema de pulmão, mas então é de fumar, mas eu nunca fumei na minha vida, alegaram, então, que era uma cirurgia, eu nunca tinha feito cirurgia, sempre assim, sempre caíam fora [...] via que tinha uma cicatriz no pulmão direito. É justamente a tentativa médica de relacionar os sintomas com outros fatores de risco, mesmo tendo conhecimento da existência do contato com o mineral, que evidencia o quanto é 203 mascarada a relação entre doença e trabalho e, tratando-se do amianto, é completamente silenciada. No caso do Sr. E.V., a busca por um diagnóstico preciso e a tentativa de obter tratamento condizente com a doença a que vinha incapacitando-o levou-o a persistir, e, assim, realizou novos exames, mas sem ainda precisar de fato que era portador. Segundo Capelozzi (2001), “A radiografia de tórax constitui-se na ferramenta básica de screening para identificar as DRA[85] [...] na grande maioria dos casos, a utilização de biopsias pulmonares em trabalhadores com história de exposição e de exames compatíveis com asbestose não se faz necessária”. Mas não é o que ocorreu com E.V., conforme narrativa que segue, que, apesar de se submeter a todos os exames possíveis e à biopsia, não teve uma relação estabelecida com as condições de trabalho. [...] aí comecei a me sentir fraco, não conseguia subir morro, faltava ar, daí consultei com [...] mandou à POA,[...] o exame era computadorizado, e eu vi que tava tudo branco, pulmão que tá doente é branco, se não é preto, então aqui não apareceu nada na chapa [...] Daí o médico disse ‘vamos tirar um pedaço do pulmão’, aí eu tirei e ele disse ‘tem problema tem, mas não dá pra dizer se é do amianto’ A partir disso, E.V., dispunha de novos elementos e, assim, buscou a assessoria jurídica do sindicato da categoria. No seu depoimento, relata que lembrou de procurar a advogada para pedir uma opinião, pois já havia sido assistindo, em outro momento, pela mesma profissional, quando teve a perda auditiva. Assim, após levar os exames para a advogada, foi encaminhado para o ambulatório do mesmo sindicato, onde recebeu a atenção da médica do trabalho, que levou os exames para serem analisados em Porto Alegre, bem como solicitou novas avaliações: “[...] ela mandou tudo para Porto Alegre, mandou fazer os exames em POA, e aí veio que tem problema e não é nada bom, sei que não é”. 85 Doenças relacionadas ao amianto. 204 Em síntese, o Sr. E.V., além de se sentir desacreditado pelos profissionais com os quais buscou assistência, também o foi por parte da empresa. Nunca foi chamado para fazer um exame pós-demissional e, após longo e sofrido período de tratamento, desejando saber de que mal sofria, esse direito foi-lhe negado, e, o que é mais drástico, em 14 anos, além da invisibilidade da doença, o temor aumentava vendo colegas falecerem sem terem a doença reconhecida. Lutou pela verdade, o que, de forma impressionante, aparece nesta fala: [...] Depois de 90 pra cá, nunca, nunca atestam nada, vai aparecendo coisa e nenhum médico te atesta que é, sei que lá na firma morreu cinco, que tava como problema de pulmão, e diziam que não era nada, e quando morrem dão certidão de óbito falso, mas pra que não se fala a verdade?! Na trajetória de B.N., a verdade apareceu ainda quando se encontrava em atividade, em meados da década de 80, ao se iniciar na empresa a luta pelo controle de riscos (ver item 3.5.1). O mesmo médico que coordenava esse trabalho e buscava sensibilizar os funcionários para o uso de EPIs, deu-lhe o laudo com o diagnóstico de pnemoconiose e afastou-o de suas atividades laborais. Segundo o depoimento do trabalhador, hoje com 77 anos, trabalhou 25 anos na Empresa Freios S/A, assim como o seu colega no setor de fiação, fazendo exames anuais, através dos quais foi constada a doença. Esteve por três anos em auxílio-doença acidentário e em programa de reabilitação profissional, reinserindo-se na empresa em ambiente externo, pois o próprio laudo do médico do trabalho apontava que o setor de origem do trabalhador, a fiação, tinha poeira acima dos limites estabelecidos pelo Anexo 12 da NR15. Permaneceu em atividade por mais alguns anos, quando se aposentou definitivamente. Na fala de B.N., percebe-se o quanto ele mantém vinculação com a empresa mesmo após muitos anos aposentado. Essa forte relação vem ainda do tempo em que estava em atividade, uma vez que a empresa, além de reconhecer o nexo, prestou toda a assistência necessária, a qual vem se mantendo. “É como se ainda estivesse na firma”, e acrescenta que o auxilio recebido é em 205 todos os sentidos: “[...] eles orientam a gente, eu sou operário-padrão, lá dentro, então, com isso, eu entro pela porta dos fundos, eu sou considerado lá dentro”. Constata-se que o maior vínculo é com a Assistente Social da empresa, pois mesmo com a troca da profissional, essa relação se mantém. Anualmente, através de agendamento prévio, faz exames de acompanhamento. Por fim, registra que não teve dificuldades para reconhecer, na época, a doença profissional, devido ao empenho do médico da empresa. Cercado de cuidados especiais, B.N., vem levando uma vida normal dentro das limitações físicas imposta pela doença, a qual é denominada de fibrose pulmonar. As duas histórias têm uma origem comum, trajetórias de vida traçadas pela mesma doença, porém com processos diferentes. Ficam evidentes o percurso e o tratamento diferenciados ao trabalhador que teve a doença reconhecida pela empresa daquele que, por muitos anos, lutou sozinho pelo direito de saber sobre a sua saúde. A situação de B.N., se constitui, aparentemente, numa situação isolada em relação ao reconhecimento e ao tratamento dado a outros trabalhadores na mesma situação. No entanto, justamente por ser conduzida de forma diferenciada, permite concluir que a existência de trabalhadores sabidamente portadores de asbestose não tem levado a empresa a adotar uma política específica nessa área e que os fatos isolados advêm do comprometimento de alguns profissionais da saúde que, de forma solitária, conseguem precisar o diagnóstico. Entretanto, o que realmente prevalece é o entendimento de que a manifestação da doença posteriormente à saída do processo produtivo não diz respeito à empresa e ao trabalho exercido, tornando a associação ainda mais ignorada. 206 Câncer de Pulmão (C-34) O câncer de pulmão86 é a doença mais associada ao amianto pelos trabalhadores a ele expostos. Essa constatação aparece em várias falas, desde os representantes dos trabalhadores, até os demais sujeitos envolvidos no processo de reconstituição histórica. Mas é nos trabalhadores entrevistados que essa preocupação mais se fez presente, lembrando E.V.: “[...] sei que lá na firma morreram cinco [...] quem morreu foi [...], era do pulmão, o último que morreu faz mais ou menos três anos.” Outra associação ao óbito por câncer de pulmão está no depoimento de P.R., um trabalhador com suspeita de doença não confirmada. Ele se encontrava hospitalizado, fazendo avaliação cardiológica, com sintomas de falta de ar e dor no peito, quando se deparou com uma colega de trabalho no quarto ao lado. O seu depoimento é revelador: “[...] estava num quarto e escutava uns berros, perguntei à enfermeira ‘o que tem ali ao lado que tem gente que grita e chora’. Ela respondeu, ‘tem uma mulher que tem câncer de pulmão, e ela também trabalha na [...]”. E complementa: “[...] lá morreu gente a fuzel” e a esposa reforça “[...]ele vinha para casa e dizia, aquele cara tá com câncer de pulmão”. Assim, as descobertas dos sujeitos levaram às viúvas dos trabalhadores. Traz-se aqui uma situação, a de P.O., narrada pela esposa. Destaca-se que, das quatro identificadas, uma não quis dar entrevista; uma concedeu entrevista, mas, no decorrer da mesma, constatou-se que a causa morti foi melanoma e insuficiência respiratória grave, o pulmão estava atingindo por metástase; e outra não foi localizada. Ressalta-se que nenhum desses trabalhadores 86 Os dados de mortalidade por câncer de pulmão na cidade da pesquisa revelam uma média de 56 óbitos por 100.000 habitantes entre 1997 e 2000. Buscando identificar a categoria profissional de maior incidência, constatou-se que 25% é ignorado, 20% são donas-de-casa, 11% são agricultores, 7,3% são aposentados, 6,2% são comerciantes, 4,7% são motoristas e 4.7% são pedreiros. O coeficiente médio de óbitos da população no Rio Grande do Sul, no período 1995-99, foi 43. 207 coincide com os cinco nomes levantados pelo entrevistado E.V., anteriormente citado, os quais faleceram devido a câncer de pulmão, e nem com o do depoimento de P.R. P.0. trabalhou 28 anos, interrompendo a atividade após adoecer, o que o levou à aposentadoria por invalidez. Segundo a viúva, decorreu muito tempo entre o adoecimento e a aposentadoria, pois, mesmo doente, permaneceu trabalhando sem que houvesse uma preocupação maior com a sua saúde: “Aí, quando começou a ficar doente, corriam atrás dele, mas eles não se importaram, fizeram ele trabalhar o mesmo”. O trabalhador, cada vez mais debilitado, foi resistindo e mantendo-se em atividade até que, próximo à data do seu falecimento, recentemente aposentado: “[...] tossia de noite e não conseguia dormir, vomitava, e ia trabalhar, até que agüentou, foi trabalhar, mas não adiantava mais falar, queriam, que nem os burros velhos de canga, que trabalhassem e, quando foi no fim, descobriram isso”, referindo-se ao câncer de pulmão que foi constatado quando levado de ambulância de casa ao hospital. Na narrativa da esposa, não fica qualquer dúvida sobre a causa da doença. Chorando muito em toda a entrevista, ela registrou: “[...] mas a última vez que levaram ele daqui, bem dizer levaram morto, por causa do pulmão. E todos os médicos me diziam, aquela poeira lá, aquela. Tu vê, nem máscara davam para ele botar!” e reforça: “[...] quando fomos lá, não tinha mais recurso, que foi o Dr. [...], no caso, ele morreu com aquela doença dos pulmão [choro], e o médico me dizia ‘aquele pó é dos pulmão, é da firma’” De forma dramática, a mesma surpreende com uma revelação, a perda do filho: “Tenho um filho que morreu desta mesma doença, o mais velho [...] deixa que eu te mostro a fotografia [...] O meu filho morreu com 41 anos, intoxicado de poeira [choro] [...] ele começou a trabalhar cedo na empresa, que nem o pai, com 12, 13 anos”. Sem dúvida, essa foi uma entrevista que causou muita emoção, mas também indignação. Acredita-se que também da parte do profissional que atendia o trabalhador vitimado, mas que não se traduziu em ação. 208 A perda do esposo deixou a viúva vivendo com muitas dificuldades. Ela mora sozinha em uma moradia simples, encontra-se bastante deprimida, há pela casa várias fotos do casal e dos filhos. Questionada sobre o reconhecimento da doença ligada ao trabalho, responde indignada “[...] vieram aqui ver se eu precisava de um pedaço de pão”. Nesse caso, observa-se um afastamento silencioso, ou seja, ao adoecer parou de trabalhar, e a família conviveu sozinha com o sofrimento e a dor da perda anunciada, e sendo esse trabalhador esquecido por aqueles a quem dedicou muitos anos de sua vida. Doença Crônica das Vias Aéreas Inúmeras situações de trabalhadores com doenças crônicas das vias aéreas emergiram durante o processo de pesquisa, através de indicação dos entrevistados, bem como por terem recorrido judicialmente para o reconhecimento da doença ocupacional. Tais doenças são, freqüentemente, patologias como bronquite, doença pulmonar obstrutiva crônica e enfisema pulmonar. Uma dessas situações, em particular, remeteu a uma história de vida e trabalho com sentimentos de tristeza e indignação, mas, ao mesmo tempo, de resistência, a qual se passa a narrar. D.T, hoje com 59 anos, trabalhou por 15 anos na empresa Freios S/A. Os primeiros sintomas da doença surgiram após oito anos de trabalho, quando foi constado que estava com um “probleminha” no pulmão e acabou se afastando do serviço. Ao retornar, permaneceu na mesma função, na fabricação de lonas de freios para caminhão, até 1995, quando novamente adoeceu, conforme seu relato: 209 Sentia falta de ar, desanimada, não tinha mais força para trabalhar. E eu trabalhava muito, fazia serão o ano inteiro, quando eu não pude mais, aí eu fui no médico, já tinha oito anos de firma, fui ao médico da firma, e ele mandou fazer uns exames e aí encostou; quando eu voltei a trabalhar, ele achava que eu tava com probleminha no pulmão, e daí fui assim, eu fui em outro médico. E daí eu trabalhei até 15 anos, e eles não foram mais o que eram, eu trabalhei 15 anos nesta firma, fiquei doente de novo, do pulmão de novo, aí me encostei.[...] Entretanto, no segundo afastamento, ao ser encaminhada para o INSS como Auxílio-Doença, D.T. procurou o médico do sindicato, o qual a vinha assistindo. Este, então, decidiu emitir CAT, informando tratar-se de doença profissional – asbestose87, e não apenas Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), ou, ainda, enfisema pulmonar, como sugeriam exames e profissionais da área. A comunicação da doença profissional fundamentava-se no exame realizado em 1995, com a seguinte conclusão: “Enfisema Pulmonar. Micronódulos de alta densidade localizados em lobos inferiores, podem estar relacionado com o histórico ocupacional inalatório”. O reconhecimento da doença, mesmo com o diagnóstico explícito, no entanto, não foi aceito pela empresa, bem como, por conta da ausência do estabelecimento imediato do nexo causal, ficou longo período sem receber. O INSS aceitou o nexo causal a partir da vistoria pericial ao posto de trabalho, considerando não apenas as condições deste, mas também as alterações pulmonares registradas nos exames da trabalhadora. [...] fui até o sindicato, pois me mandaram pro auxílio-doença e eu me tratava no médico do sindicato, foi em 1995, aí o médico disse ‘não, a senhora está com problema da firma, a senhora não pode se encostar como auxílio-doença’ e aí ele me deu todos os papéis para encostar como acidente de trabalho. Daí eu levei os papéis no INSS, e a firma não gostou, não gostou, ficou sete meses sem me pagar, sete meses sem receber, passei trabalho, com os filhos e eu ainda tenho um filho doente, e eu perdi depois o meu filho e daí continuou. Aí, quando eu voltei para a firma trabalhar, daquele benefício que estava encostada, eles me botaram pra rua. 87 Assim pode-se definir pelo CID – 504.99, colocado na CAT, pois em nenhum atestado ou exame realizado há descrição nominal da doença, assim como a entrevistada não verbalizou durante a entrevista o nome técnico da doença de que era portadora, reinterando sim, ter “problemas no pulmão”. 210 A história de doença e afastamento do trabalho de D.T., resultou em demissão, a qual ocorreu exatamente após um ano de estabilidade, adquirida com a confirmação da CAT, levando à incerteza sobre o futuro. O sentimento de tristeza de não poder mais voltar ao trabalho, foi assim expressado: “Eu senti tanto, tu nem pode imaginar, o sentimento que eu tive, até hoje sinto, porque eu trabalhei muito naquela firma, eles me ajudaram, mas eu trabalhei, e eles me afastaram assim como [...], me botaram para a rua [...]” D.T. transformou a sua indignação em busca de seus direitos, retornando ao sindicato e ingressando na Justiça, e, após quatro anos, teve judicialmente reconhecida sua doença profissional, sendo indenizada financeiramente, embora, nas audiências, a empresa argumentasse tratar-se de doença pré-ingressa. “Não queriam, inclusive, quando nós ia nas audiências, ele disse [o representante da empresa] a D.T. tem doença do pulmão é de quando ela entrou lá ela já tinha esta doença e juiz disse como a firma ia pegar uma pessoa doente?” A demissão, que ocorreu próxima à aposentadoria, trouxe outras implicações para D.T., pois não tinha condições de obter novo emprego, uma vez que, além da doença pulmonar, era portadora de lesão na coluna e nos membros superiores devido à atividade repetitiva realizada ao manusear a furadeira, sua atividade predominante nos anos de trabalho na empresa. Ainda sem a decisão judicial, contribuiu para a previdência através da ajuda de um filho, assalariado, sem muitos recursos. “[...] tava perto de me aposentar, né, mais dois anos me aposentava, não se importaram comigo, aí paguei INSS por conta, na base um salário mínimo, a gente não tinha condições, meu filho era [...], a gente passava por muitas dificuldades” Embora tenha sido indenizada, a entrevistada reconhece a necessidade de um acompanhamento quando da evolução da doença. Assim, novamente, a exemplo dos demais 211 entrevistados, verifica-se a ausência de monitoramento legal por parte da empresa quanto à realização dos exames pós-demissionais, em especial, neste caso, havia registros de alterações pulmonares nos exames que antecederam à sua demissão. “[...] me acertaram meus direitos tudo certinho, mas nunca mais me procuraram para saber como eu tava, sabe, trabalhei todos estes anos, nunca me chamaram pra fazer um exame”. Recentemente, ela realizou por conta própria novos exames, os quais tiveram os seguintes resultados: “Presença de nódulos calcificados nos lobos”, em 2001, e, em 2004, registraram existir “múltiplos nódulos parenquimatosos com densidade cálcica em ambos os pulmões”. Não têm-se elementos e nem domínio técnico para afirmar que doença, de fato, detém a portadora e se a mesma vem se agravando, mas é possível concluir, sem sombra de dúvida, que a saúde de D.T. precisa ser monitorada. O médico que assiste à mesma, mesmo tendo sido informado sobre sua ocupação egressa, acredita que seu “problema” tem origem em uma gripe “mal curada”. Considerando o seu quadro clínico atual, é D.T. que tem tomado a iniciativa de controlá-lo, com a sabedoria que a vida e o trabalho lhe proporcionaram: “[...] Eu tenho medo disso daí, por isso eu peço RX, pode ser que ele [o médico] não entenda do amianto, mas eu disse que trabalhava com o pó. Se eu caminho ligeiro, sinto falta de ar, não posso erguer peso”. Observou-se que a sua preocupação é determinada por dois condicionantes principais: o nível de exposição ao amianto a que esteve submetida, conforme relato destacado das condições de trabalho, onde, ao furar as lonas de freio, o pó expelido, além de inalado, permanecia concentrado nas suas roupas e no chão da fábrica, e, após, ao ser varrido, novamente causava pulverização; e, as condições de saúde dos colegas, sobre as quais informa enfaticamente: “Todo mundo saía doente de lá, os meus amigos, que a gente trabalhava junto, todos eles saíam doentes”; registra também a situação particular de dois colegas, uma que acredita ter falecido – “[...] Inclusive tinha uma senhora que trabalhava, eu numa máquina e ela na outra, nem sei se ela é viva, tinha amianto mesmo nos pulmão, eles tiraram ela fora da firma, botaram ela no refeitório, limpar banheiro, eu acho que ela [...]” – e outro caso de um 212 colega que, após sair da empresa, só conseguiu trabalhar por intermédio de pessoas de sua relação – “Tem o M. Aquele lá disse que o pulmão dele tá todo tomado. Ele trabalha aí numa firma, mas é conhecido dele, pois nenhuma outra firma ia pegar ele” Ao narrar com emoção a sua história, D.T. explicita um sentimento que nem sempre é possível mensurar, pois, muitas vezes, com a voz trêmula, fala do sofrimento de não ser reconhecida como pessoa, como trabalhadora após adoecer: “[...] a gente fica doente, a gente não vale mais nada”. Ela, como os demais entrevistados e milhares de trabalhadores “descartados” pelo sistema produtivo, vivencia sentimentos de ser e não ser após o adoecimento, como nos sugere Pablo Neruda (1999), na sua poesia Saúde, Dizemos Cada Dia: Saúde, dizemos a cada dia, A cada um, É o cartão de visita Da falsa bondade E da verdadeira É o sino para reconhecer- nos: Aqui estamos, saúde! Saúde, reconhece-me, somos iguais e não nos queremos, nos amamos e somos desiguais, cada um com colher com lamento especial, encantado de ser e de não ser” [...] 213 4.3 – ROMPENDO COM O SILÊNCIO: A BUSCA PELOS DIREITOS O reconhecimento da relação causal entre as doenças e as mortes com o agente amianto constitui-se na primeira medida para romper o silêncio. Reconhecer é uma palavra de múltiplos sinônimos, dentre eles, os mais representativos são: conhecer novamente (quem se tinha conhecido noutro tempo); admitir como certo, verificar, compreender, certificar-se, examinar a situação de; explorar, declarar, afirmar; admitir como verdadeiro ou legítimo. Essas são atitudes que foram esquecidas na trajetória das vítimas e que contribuíram para a construção da invisibilidade das doenças e das mortes no e pelo trabalho. Como já mencionado, apenas um dos sujeitos teve o nexo reconhecido com o amianto e, conseqüentemente, toda a proteção social decorrente das necessidades pós-adoecimento. Os demais, e também muitos outros trabalhadores anônimos, não tiveram esse “destino”. Os caminhos escolhidos pelas vítimas e por seus familiares em busca dos direitos não foram os mesmos, seguindo três direções diferentes. Percebe-se que a opção muito tem a ver com o grau de consciência adquirido na história de vida desse trabalhador, mas também com o descrédito sobre as possibilidades reais de obter o reconhecimento legal e indenizatório. A família de R.S., inicialmente, pensou em ingressar com uma ação contra a empresa, o que foi incentivado por colegas de trabalho, mas, diante da necessidade de exumar o corpo, a opção foi desistir, conforme declarou a viúva: “[...] me diziam ‘o que tu está esperando? Depois de cinco anos tu não tem mais direito’. Só que, para fazer isso, tem que fazer biópsia, tem que exumar o corpo, e daqui de casa ninguém quer ir lá” Também desistiu de buscar o resíduo da participação nos lucros da Empresa que R.S. teria direito, uma vez que já havia lhe sido negado outro 214 prêmio concedido após a morte: “[...] nem tenho vontade de ir lá, nunca mais fui, nem sei se tem ainda direito, pois nem mais me interessei”. Já a viúva de P.O., nunca tomou qualquer iniciativa visando ao reconhecimento; na verdade, esperava que isso ocorresse por parte do empregador. Acredita que o seu marido também não teria interesse em recorrer judicialmente, ela o define como um homem inocente “[...] nunca quis botar questão, sempre foi um homem inocente”, e reafirma: “[...] nunca vieram ver se eu precisava um pedaço de pão”. A visão subalterna prevalece no caso de P.O., o que levou a si e à sua viúva a acreditarem num auxílio “natural”, espontâneo, o que nunca se concretizou. Para E.V., a escolha de buscar assistência jurídica ocorreu antes da confirmação do diagnóstico definitivo de asbestose, conforme já relatado, ao ser encaminhado do departamento jurídico do Sindicato para o ambulatório da mesma instituição, que confirmou a doença após longos anos de investigação. Desse modo, retornou para a mesma profissional, que encaminhou a ação indenizatória. Por sua vez, B.N., com apoio da empresa, recorreu ao INSS para obter o auxílio-acidente, o qual não foi concedido pelo Instituto ao ser reintegrado ao trabalho, com perda da capacidade laborativa habitual face à doença profissional. Só através do recurso lhe foi garantido o benefício, o qual recebe e se soma à renda mensal da aposentadoria por tempo de serviço. O exemplo de D.T., é o mais elucidativo, na medida em que demonstrar que, ao buscar os seus direitos, os teve reconhecidos, mesmo que isso tenha implicado a perda do emprego. Primeiramente, lutou para que o seu afastamento temporário do trabalho não fosse registrado como doença “comum”, mas sim, como doença profissional e, após, ao ser demitida, lutou 215 para ser indenizada. O valor monetário percebido foi baixo, mas representou o reconhecimento. A fala do juiz em defendê-la como portadora de doença adquirida no trabalho, a defesa do advogado e o apoio do Sindicato foram decisivos para amenizar o sofrimento de não mais poder voltar ao mercado de trabalho ao 50 anos, doente, sem escolaridade e faltando dois anos para o cumprimento legal de uma aposentadoria por tempo de serviço. Todos os trabalhadores entrevistados, conforme já mencionado, com exceção de D.T., que não fez menção a isso, tiveram perda auditiva devido à exposição a ruídos com decibéis muito acima dos níveis legais, ingressando na Justiça e recebendo indenização pelas perdas. Junto ao sindicato da categoria, inúmeros são os pedidos de ação indenizatória requeridos pelo departamento jurídico. O direito à informação é uma vertente que emerge no processo de pesquisa, ou seja, até que ponto se pode considerar que esses trabalhadores de fato tinham conhecimento sobre os riscos ou, melhor dizendo, sobre a carga de trabalho a que estavam submetidos? A ação sindical foi decisiva não apenas para desencadear medidas de proteção à saúde, mas para alertar sobre o direito à saúde e à vida. Nessa nova etapa, a busca pelos direitos revela-se uma forma de dar visibilidade à realidade oculta e, mesmo ao fazê-lo individualmente, tem repercussão no coletivo, uma vez que é possível estabelecer conexão com uma realidade mais ampla. Entretanto, ainda se está longe de enfrentar o problema na dimensão que ele exige. Ressignificar o presente, significa contribuir para uma ação mais coletiva. É imperativo organizar as vítimas de forma a se implementarem medidas que venham a estabelecer uma nova correlação de força e romper com o pacto de silêncio construído há dezenas de anos. CONCLUSÕES A construção da desproteção social dos trabalhadores expostos ao amianto passa, sem sombra de dúvida, pela compreensão de que ela é resultante de uma ótica socialmente invisível, que se produz e reproduz na medida em que é considerada desnecessária e insignificante aos olhos de quem deve proteger. Isso evidencia também que diferentes processos sociais passam a ser aceitos com naturalidade e, conseqüentemente, sem a visibilidade e o reconhecimento necessários para que ocorram mudanças sociais sobre os mesmos. Nesse sentido, é possível se identificarem como principais determinantes, os quais têm contribuído e perpetuado a reversão da lógica da saúde no trabalho e são também mecanismos de invisibilidade social presente nos processos de saúde-doença-morte e trabalho, os seguintes: a) as relações sociais de produção, que, de forma alienada, concebem a força de trabalho como uma mercadoria a ser consumida em detrimento das condições em que esta se encontra no processo de produção material, uma vez que sua incorporação ao capital ocorre de forma alienante; 217 b) a saúde do trabalhador, que se torna, por conseguinte, instrumento de dominação de quem detém o poder econômico, subjugando os trabalhadores a condições de trabalho que lhe são agravantes; c) a luta pela sobrevivência e as mudanças no mercado de trabalho, que impõem condições cada vez mais desfavoráveis a quem vende a força de trabalho; d) a relação de causa e efeito, que, a partir de uma concepção positivista presente nos acidentes de trabalho, não só torna as doenças profissionais difíceis de serem identificadas e de estabelecer o seu nexo causal, como também ignoradas dentro e fora dos processos de trabalho, principalmente quando a mão de obra apresenta altos níveis de rotatividade no mesmo segmento produtivo, distanciado-se ainda mais quando transita por outras atividades; e) ausência histórica de uma efetiva vigilância sobre a saúde do trabalhador, particularmente sobre as doenças profissionais, já conhecidas de longa data do sistema de saúde, mas não monitoradas. Assim, as doenças profissionais que necessitam de maior tempo de latência para se manifestarem são desacreditadas quanto ao seu efetivo dano; f) as informações epidemiológicas sobre doença e morte associadas ao trabalho e as relacionadas ao amianto são dispersas e fragmentadas, não existindo mecanismos de controle que possibilitem a identificação das mesmas a partir da suspeita de agravo; 218 g) as legislações previdenciária e trabalhista, que não se efetivam na prática, principalmente no que concerne à realidade dos trabalhadores expostos ao amianto, embora existam de forma vasta. Identifica-se uma omissão legal pelas empresas no que tange ao seu cumprimento, bem como por parte dos órgãos de fiscalização, principalmente nos períodos pós-banimento e pós-exposição, a exemplo dos baixos índices de exames de monitoramento e de comunicação da doença profissional. No campo da proteção social, em vista da ausência de reconhecimento legal das doenças e fundamentalmente pelo seu caráter securitário, não são consideradas as de ordem progressiva, as quais podem se manifestar num momento da vida dos trabalhadores em que estes estarão fora da cobertura previdenciária. Ainda, em se tratando dos trabalhadores inseridos em outros ramos e/ou aposentados, a identificação torna-se complexa, e o registro estatístico, praticamente nulo. Conclui-se que o conhecimento dos riscos passados e presentes não tem representado o reconhecimento da problemática e das necessidades atuais, bem como a fase pós-banimento, no Estado do Rio Grande do Sul, vem, contraditoriamente, contribuindo para ampliar o ocultamento da parte submersa do “iceberg”, que contém os efeitos intermináveis da exposição ao amianto. Tem-se presente que todo tipo de exposição é perigoso e independente do tempo que estiveram submetidos, homens e mulheres continuaram adoecendo e morrendo devido ao uso deste mineral. A pesquisa de campo revela um contexto atual, duplamente interligado com o passado. Inicialmente, pela história narrada sobre as condições de trabalho nas últimas décadas e, concomitantemente, pela ausência de enfrentamento da problemática e pelo fato de o 219 empresariado isentar-se da responsabilidade sobre as causas e os efeitos que se alastram aos dias atuais. A empresa Freios S/A, que manteve o amianto como matéria-prima, ganhou maior competitividade no mercado, apesar de, em vários países europeus, o seu uso já ser proibido. Assim, titular de um produto com excelentes propriedades, cresceu e se consolidou como uma grande empresa. Demonstrou, também, que a substituição do amianto não resultou na redução da força de trabalho utilizada na produção, mantendo-se na atualidade, no mercado, com o mesmo número de empregados dos períodos que utilizou matérias-primas, de forma distintas e/ou combinadas. As descobertas de campo expressam uma sinergia entre a realidade narrada por dirigentes sindicais e profissionais envolvidos no movimento histórico e a proteção ocupacional do uso do amianto no tempo presente, ressignificado pelos sujeitos e pelos familiares de trabalhadores que adoeceram ou morreram por patologia desencadeada pela exposição ao mineral e, sobretudo, por não a terem associada e reconhecida como tal. Alguns deles eram jovens, outros tinham idade mais avançada, mas todos representam a luta pela sobrevida, a qual já deixou de existir para muitos. A incisiva associação feita pelos entrevistados de que diversos óbitos decorrentes de cânceres ocorreram entre os trabalhadores instigou extremamente esta pesquisadora e, ao mesmo tempo, provocou novas indagações, que, com certeza, já foram parcialmente respondidas, ao se evidenciarem os determinantes que contribuem para a sua invisibilidade; entretanto, outras carecem de respostas mais efetivas. A denúncia dos trabalhadores associada aos estudos epidemiológicos evidenciados por Landrigan (in Wünsch Filho, 2001) de que a exposição ao amianto nas indústrias de processamento indicam maior risco de câncer entre os trabalhadores do que o observado entre os que exercem atividade de mineração contribuíram 220 ainda mais para os questionamentos que seguem. Ou seja, por que a relação desses óbitos com o amianto nunca foi comprovada, uma vez que não se chegou a nenhuma informação de que algum familiar tivesse obtido esse reconhecimento? Qual a atitude das famílias das vítimas? Será que estas foram desaconselhadas a seguirem em frente por ter sido a doença associada a outros fatores de risco, como tabagismo, origem genética, etc., ou permaneceram caladas por desconhecimento e, por que não dizer, medo de seguir em frente? Essas perguntas talvez fiquem sem respostas, mas uma afirmação impõe-se em meio a essas interrogações: a dispersão de informações sobre os óbitos tornou-se fator positivo para o ocultamento da problemática. Reinou o silêncio! Hoje, já se pode afirmar que a preocupação trazida pelos sujeitos participantes da pesquisa sobre inúmeros possíveis casos de mortes associadas ao amianto tem levado muitos outros trabalhadores a questionarem se são ou serão portadores de doenças ocupacionais, em que pese, ainda, a predominância do entendimento de que o risco se esgotou com o banimento. O cruzamento das informações epidemiológicas referentes ao número de óbitos por mesotelioma e por asbestose no Rio Grande do Sul e ao baixo nível de controle pós-demissional dos trabalhadores expostos, constatado pelas ações de vigilância em saúde, demonstra o quanto é alto o índice de trabalhadores sem qualquer monitoramento de sua saúde. Entretanto, mesmo havendo ausência de reconhecimento, dispersão de informações e ausência de controle pós-exposição, os trabalhadores temem, sim, sofrer agravos relacionados ao amianto, embora em número menor, uma vez que poucos são os trabalhadores brasileiros que têm a devida consciência dos seus riscos a longo prazo e timidamente se manifestam em busca do reconhecimento de seus direitos. Essas iniciativas apenas se fortalecem quando da organização dos trabalhadores, a exemplo do que vem ocorrendo com os trabalhadores filiados à ABREA, e revelam, como no caso da morte do principal símbolo da luta contra o 221 amianto, Sebastião Alves da Silva, a urgência nos processos indenizatórios, que, para ele, só se efetivou na data de seu falecimento. Isso também ficou demonstrado por dois sujeitos da pesquisa que ingressaram judicialmente para terem reconhecidas suas doenças profissionais, o que se constituiu na única forma de obtenção do direito, em face da negativa do empregador e das instâncias percorridas para tal. Foi evidenciado, aqui, nesses casos, o papel da entidade sindical na condução do processo de reconhecimento e assistência aos trabalhadores expostos e na defesa e na conquista do direito social. Na realidade norte-americana, os números de pedidos de indenizações por exposição ao amianto avançam e apontam um novo perfil de trabalhadores nesse movimento. Constatou-se que, em 2002, nos Estados Unidos88, mais de oito mil trabalhadores já haviam ingressado na Justiça, contra 250 companhias que expuseram seus trabalhadores ao agente nocivo. Trata-se de trabalhadores não incapacitados para o trabalho, mas portadores de suspeita de virem a desenvolver doenças relacionadas. Estes se somam aos outros 200.000 trabalhadores já com doenças confirmadas; esses dois grupos, juntos, poderão chegar de 1,1 milhão a 2,5 milhões de trabalhadores que utilizaram o amianto e estão solicitando indenização por possíveis danos presentes e futuros (Spreading out of Control, 2002. Disponível em: <http://www.economist.com>. Acesso em: 29 jun. 2004). Uma verdade incontestável, evidenciada pelas próprias empresas do ramo, tende a contribuir para ampliar a consciência sobre os males causados pelo amianto, mas, contraditoriamente, faz com que a consciência sobre os efeitos futuros diminua. Está-se falando aqui das campanhas de mídia feitas pelas duas maiores empresas de utilização do mineral, a Freios S/A, que vem divulgando amplamente que seus produtos estão livre de amianto, e a Eternit, do ramo de fibrocimento, que tem anunciado seus produtos com a 88 Há que se lembrar, aqui, que o limite de tolerância de fibras por cm³ nos Estados Unidos é de 01 f/m³. 222 mensagem “Brasilit sem Amianto”, freqüentemente veiculada pela televisão durante a transmissão de jogos de futebol, através de placas com a mensagem fixadas junto aos gramados. Entretanto, a campanha protagonizada pelo Instituto Brasileiro de Crisotila, que se desenvolvia paralelamente em defesa do uso controlado do amianto e sua geração de emprego, foi interrompida pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, por veicular informações e confundir a opinião pública. São campanhas, portanto, que acabam expondo para a sociedade os efeitos do amianto e ampliando os conhecimentos também sobre a saúde coletiva e não apenas sobre a ocupacional, amplamente evidenciada nesta tese. A tomada de posição do Governo brasileiro a partir das conclusões da Comissão Interministerial do Amianto é fator decisivo para que se busque um novo rumo para a área, embora se acredite – em vista da correlação de forças estabelecida –, não seja possível precisar se o Governo será favorável ao banimento. Considera-se, nesse sentido, além das suas divergências internas, as inúmeras ações de inconstitucionalidade movidas contra os estados que proibiram a utilização do mineral, inclusive o Rio Grande do Sul, por representantes de órgãos empresariais e também sindicais, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). Assim, na atualidade, independentemente da decisão adotada pela CI, esta tem causado repercussões importantes, na medida em que se passam a discutir diretrizes e estratégias para a definição de uma política nacional para o amianto, trazendo, ao mesmo tempo, para a sociedade organizada, a necessidade de um maior envolvimento na busca da garantia de um posicionamento pelo banimento em nível nacional. No entanto, deve, ainda, fazer parte dessa agenda, a garantia de uma política na área da saúde do trabalhador visando a ações interministeriais cada vez mais conjuntas e com objetivos comuns. 223 No universo que se apresenta no campo da saúde do trabalhador, a tendência é se ampliarem às ações nessa área. Os indicadores de acidentes e morte no trabalho, no Brasil, são alarmantes e particularizados nos trabalhadores do mercado formal. Entretanto, é preciso constituir outra lógica nessa perspectiva de ação, primeiramente voltando a atenção a todos os trabalhadores, independentemente do seu nível de inserção no mercado de trabalho, e, segundo, ouvindo o trabalhador sobre o processo saúde-doença-trabalho. O oposto já foi demonstrado no desenvolvimento da pesquisa como mecanismo de distanciamento desse tripé e entre dois tipos de saberes. Embora fosse possível estabelecer de forma presumida o nexo epidemiológico impôs-se à exigência do nexo etiológico, através de biópsias, para o estabelecimento causal da doença, em todas as circunstâncias investigadas. No processo de desocultamento do fenômeno estudado, a perspectiva de abordagem metodológica da construção social da invisibilidade teve o papel central de explicitar a conexão entre os fatos narrados e a estrutura social, política e econômica que contribui de forma direta ou indireta para obscurecê-los. Guiada pelo método e por sua teoria social crítica, esta tese procura avançar em busca da essência do fenômeno pesquisado, uma vez que, da mesma forma com que a desproteção social dos trabalhadores expostos ao amianto se tornava evidente, encontra-se escondida e mistificada pelos determinantes já explicitados. Mas decorre desta conclusão uma segunda e complementar forma de análise, que vem revelar um elemento essencial na invisibilidade socialmente construída, que é o lugar social ocupado pelo objeto de estudo, ou seja, qual a sua importância no conjunto da sociedade? Em resposta, verifica-se que, na relação capital-trabalho, ocorre a secundarização do papel desse último e, logo, de quem o executa. Dessa 224 forma, a invisibilidade apontada é construída pela desigualdade social das relações sociais de produção e, ao mesmo tempo, torna-se seu produto final. Para ilustrar a relação entre invisibilidade e desigualdade social, traz-se aqui o exemplo do estudante de Mestrado de Psicologia da Universidade de São Paulo89 que, ao se vestir de gari no meio acadêmico, se tornou invisível perante seus colegas e professores. Mas o que fez com que o mesmo não fosse reconhecido? Teria sido o uniforme que vestia, e que a imprensa assim tratou para divulgar como causa da invisibilidade? Ou seria a condição social inferior por ele adotada? A invisibilidade não estaria associada ao status social do gari fundamentalmente? Trazendo isso para o campo da saúde do trabalhador, constata-se que a lógica é a mesma, uma vez que a sua importância social é desconsiderada no seio da relação desigual entre compra e venda da força de trabalho. Sintetizando, a preocupação em trazer à luz o que se esconde em meio à escuridão, além de revelar o fenômeno estudado, contribui para o descortinamento e a fragililização de sua invisiblidade. Buscou-se romper com processos sociais que têm sua origem na desigualdade econômica e social. Em outras palavras, de forma propositiva, a contribuição do Serviço Social para essa área não se restringe ao tratamento dessa temática, que vem abarcando uma multiplicidade de enfoques, mas aponta a perspectiva de se avançar na construção de contrapoderes e na ruptura do ocultamento do nexo, silenciado, na relação amianto-doença-morte, através da organização social e sindical dos expostos comprometidos com processos de mudanças. Assim, buscando o envolvimento de novos sujeitos potencialmente vitimados, identificados na pesquisa, bem como de muitos outros que 89 O estudante, por oito meses, fez-se passar por gari da USP, durante o período de mestrado, desenvolvendo sua dissertação com a temática sobre a invisibilidade social. Assim, pôde perceber que as pessoas não o reconheciam quando estava usando o uniforme de gari. O seu tema recebeu ampla divulgação na imprensa nacional. 225 surgiram e continuaram se manifestando ao tomarem conhecimento da investigação que norteou esta tese e da rede construída a partir dela. Exige-se, portanto, um efetivo controle epidemiológico, um monitoramento, uma assistência e indenização aos trabalhadores expostos ao amianto, na busca da garantia legal e social da proteção social, na tentativa de desativar a “bomba-relógio”. Por isso a certeza que este estudo não se esgota ao chegar-se ao término desta etapa. A continuidade e engajamento na luta pela garantia dos direitos dos trabalhadores devem continuar mobilizando pesquisadores, docentes, profissionais e trabalhadores envolvidos com essa causa, trazendo novas contribuições e outras perspectivas para a superação da desproteção social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Revista Temporalis. Ano III, n. 6, jul.-dez. 2002. ABREA. 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ANEXO 1 Termo de Consentimento Pós-Informação Eu,..................................................................................................................................... declaro para os devidos fins que cedo os direitos de minha entrevista, transcrita e autorizada para leitura, para a pesquisa sobre Desproteção Social do Adoecimento – uma aproximação com a realidade dos trabalhadores expostos ao amianto no Rio Grande do Sul, que está sendo desenvolvida pela Assistente Social e Doutoranda em Serviço Social Dolores Sanches Wünsch, para que seja usada integralmente ou em partes, sem restrições de prazo e citações, a partir da presente data. Fui informado(a) dos objetivos específicos e da metodologia de investigação proposta nessa pesquisa. Estou disposto(a) a participar da mesma, permitindo as entrevistas e as observações, e respondendo aos questionamentos pertinentes. Todas as minhas dúvidas foram esclarecidas e sei que poderei solicitar esclarecimentos, a qualquer momento. Além disso, sei que, durante o estudo, novas informações me serão fornecidas. Fico ciente ainda de que as informações colhidas terão caráter confidencial e só serão divulgado dados gerais dos participantes da pesquisa sem identificação dos entrevistos. Fui informado(a) de que, se desistir da participação dessa pesquisa, deverei avisar ao pesquisador responsável, assim como comunicar qualquer alteração ou situação imprevista que venha a ocorrer. Abdicando direitos autorais meus e de meus descendentes, subscrevo a presente declaração. Caxias do Sul, 26 de janeiro de 2004. Entrevistado(a) Pesquisadora