l`o sse rvator e romano - Diocese de Viana do Castelo

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l`o sse rvator e romano - Diocese de Viana do Castelo
L’OSSERVATORE ROMANO
EDIÇÃO SEMANAL
Unicuique suum
EM PORTUGUÊS
Non praevalebunt
Cidade do Vaticano
Ano XLII, número 19 (2.159), sábado 7 de Maio de 2011
Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00
Na presença de um milhão e meio de fiéis provenientes de todo o mundo Bento
XVI
beatificou Karol Wojtyła
És beato porque acreditaste
«És beato, amado João Paulo II,
porque acreditaste! Continua do
Céu a sustentar a fé do Povo de
Deus!». O anúncio foi ressaltado
pelo interminável aplauso de uma
multidão avaliada num milhão e
meio de pessoas que no domingo
1 de Maio, encheram a praça de
São Pedro e as áreas circunstantes
desde as primeiras horas do dia.
Na sua homilia — que publicamos nas páginas 8/9 — Bento XVI
repercorreu as vicissitudes que
marcaram o iter da beatificação de
Wojtyła, sem esquecer a vontade
tão claramente expressa pela multidão de fiéis que participaram nas
exéquias. Inspirando-se nas leituras da missa o Pontífice repropôs
as características da grande personalidade de João Paulo II, inserindo-a na bem-aventurança «que no
Evangelho precede todas as outras»: a da Virgem Maria, Mãe do
Redentor.
Não foi uma coincidência que a
beatificação do Papa Wojtyła tenha ocorrido precisamente no primeiro dia do mês mariano, «sob o
olhar materno daquela que, com a
sua fé, sustentou os apóstolos e
continuamente sustenta a fé dos
seus sucessores». Bento XVI quis
recordar também o grande testemunho dado pelo seu predecessor
no sofrimento: «O Senhor — disse
— despojou-o lentamente de tudo,
mas ele permaneceu sempre uma
rocha».
A fé de Pedro
GIOVANNI MARIA VIAN
Nos últimos sessenta anos foram
três as cerimónias para a beatificação de um Romano Pontífice. De
facto foram elevados às honras
dos altares em 1951 Pio X (canonizado logo após três anos), em 1956
Inocêncio XI, e em 2000, juntos,
Pio IX e João XXIII. Uma novidade histórica, por causa de uma intensificação hagiográfica que nunca antes se tinha verificado na
Igreja de Roma e para a qual
eventuais precedentes, aliás muito
diversos, se encontram em idade
tardio-antiga e depois na Idade
Média, não por acaso em relação a
Papas reformadores como Leão IX
e Gregório VII.
E é preciso remontar precisamente à segunda metade do século XI para encontrar o reconhecimento da santidade de um Pontífice por parte do seu imediato sucessor. Como aconteceu com a solene beatificação — um acontecimento único, num cenário global
— de João Paulo II. Unicamente
seis anos depois da morte, aquela
morte que ainda está no coração
de milhões de pessoas crentes e
não crentes, como aconteceu com
a agonia de João XXIII.
O que explica a unicidade desta
beatificação e o interesse que suscitou no mundo não foram contudo apenas a excepcionalidade da
decisão papal — «no devido respeito» das normas mas ao mesmo
tempo «com discreta rapidez», explicou Bento XVI — e a proximidade temporal ao longuíssimo pontificado de Karol Wojtyła. Certamente tudo isto ajuda a explicar a
afluência a Roma de um milhão e
meio de pessoas e, em parte, o
consenso quase geral com o qual a
beatificação foi acolhida. Na superação maturada e convicta, ou
num esquecimento apenas superficial e aparente, das críticas duríssimas às quais João Paulo II foi submetido durante o pontificado,
tempos dramáticos e exaltantes
que agora estão entregues à história.
Anos e obras dos quais já se começa a avaliar e a reconhecer historicamente a incisividade e a relevância, mencionadas por Bento
XVI. De facto, o Papa disse que
João Paulo II, herdeiro do Concílio Vaticano II e de Paulo VI, inverteu «com a força de um gigante — força que lhe vinha de Deus
— uma tendência que podia parecer a do fechamento em relação a
CONTINUA NA PÁGINA 8
Na dimensão de Deus
CARLO DI CICCO
eflectir interiormente sobre
uma beatificação como a de
João Paulo II ajuda a entrar,
com liberdade interior, na dimensão
de Deus: para a qual necessariamente remetem os beatos e os santos da Igreja católica e na qual encontram sentido. Espaços de silêncio antes de tudo ajudam a compreender o carácter espiritual de acontecimentos religiosos colectivos e a
vivê-los pessoalmente.
A maior surpresa que João Paulo
II nos deixa em herança não é tanto
a descoberta de uma intuição de governo pastoral, o estilo muito pessoal e nunca só protocolar no ministério de sucessor de Pedro, quanto
aliás a sua capacidade de viver a relação com Deus. Do processo canónico sobre a sua prática heróica das
virtudes cristãs e do carácter milagroso da cura do mal de Parkinson
da religiosa atribuída à sua intercessão sobressai uma voz comum: a
R
união com Deus em toda a vida de
Karol Wojtyła era tão normal que
parecia uma sua segunda natureza.
Ele mostra-se uma alma que procurou adequar-se à santidade de Deus,
cuja presença respirava e agia com
normalidade. Expressando uma tensão para o alto que cresceu com o
passar dos anos e se tornou impressionante no último decénio de pontificado, quando a doença irrefreável
minou progressivamente as suas forças físicas.
De resto, enquanto na primeira
fase do seu pontificado prevalecia a
admiração, quando se tornou débil
e frágil aos olhos do mundo — tão
exigente no cuidado da imagem —
João Paulo II tornou-se familiar e
foi sentido por crentes e não-crentes
como uma testemunha credível e
humana do Evangelho pregado incessantemente em todo o mundo.
O convite a abrir as portas a
Cristo sem medo, feito no início do
seu pontificado, foi depois encarnaCONTINUA NA PÁGINA 2
Faleceu o arcebispo emérito
de Valência em Roma
onde participava na beatificação
O pesar do Papa
Dor e pesar pela morte do cardeal
Agustín García-Gasco Vicente, arcebispo emérito de Valência, falecido na manhã de 1 de Maio em
Roma, foram expressos por Bento
XVI a D. Carlos Osoro Sierra, arcebispo da mesma diocese.
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Na audiência geral de quarta-feira
o Papa deu início
a uma série de catequeses
sobre a oração
Uma invocação
que espera
uma palavra do Céu
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página 2 - sábado 7 de Maio de 2011
edição semanal em português - número 19
O arcebispo emérito de Valência estava em Roma para participar na beatificação de João Paulo
II
Faleceu o cardeal García-Gasco Vicente
O cardeal Agustín García-Gasco Vicente, arcebispo emérito de Valência, faleceu em
Roma na manhã de domingo 1 de Maio. Tinha 80 anos. O purpurado espanhol
participou na noite de sábado, na vigília de oração no Circo Máximo. Domingo
de manhã, antes da cerimónia de beatificação, foi encontrado sem vida nos seus
aposentos na casa de acolhimento San Juan de Ribera das Operárias da Cruz,
onde estava hospedado. Levado ao hospital, os médicos constataram a morte indicando como causa um enfarte. García-Gasco Vicente nasceu a 12 de Fevereiro de
1931 em Corral de Almaguer, na arquidiocese de Toledo. Foi ordenado sacerdote
no dia 26 de Maio de 1956 e eleito à Igreja Titular de Nona em 20 de Março
de 1985, tendo sido nomeado bispo auxiliar de Madrid. Recebeu a ordenação
episcopal no dia 11 de Maio. A 24 de Julho de 1992 foi promovido a arcebispo
de Valência. No consistório de 24 de Novembro de 2007 Bento XVI criou-o e publicou-o cardeal do título de São Marcelo. Em 8 de Janeiro de 2009 renunciou
ao governo pastoral da arquidiocese. Após as exéquias, de acordo com a sua vontade, o cardeal será sepultado na capela de São José da catedral de Valência.
ras dos edifícios públicos foram hasteadas a meio-mastro. Particularmente comovido o actual arcebispo, D.
Carlos Osoro Sierra, também em
Roma para a beatificação de João
Paulo II, que disse ser um dom que
Deus tenha chamado a si D. Agustín
precisamente em Roma, perto do sucessor de Pedro, no mesmo dia da
grande festa da beatificação de João
Paulo II: «É como um reconhecimento pela sua fé e fidelidade à
Igreja, que testemunhou por toda a
vida».
A sua missão foi realizada em particular no eixo Madrid-Valência. Estudou no colégio «La Salle» dos Irmãos das escolas cristãs da sua cidade natal e depois, em 1944, entrou
no seminário de Madrid-Alcalá. Foi
ordenado sacerdote em Madrid, em
Combativo sobre as questões centrais
da educação e da família, para a defender inclusivamente dos ataques legislativos, o cardeal deu voz aos sentimentos dos católicos espanhóis e,
em 2006, quis firmemente a realização do V Encontro mundial das famílias em Valência, sobre o tema:
«A transmissão da fé na família»,
que culminou com a visita de Bento
XVI, nos dias 8 e 9 de Julho. Naquela ocasião García-Gasco Vicente realçou o papel central que a família
fundada sobre o matrimónio desempenha na Igreja e na sociedade.
A cidade de Valência, da qual foi
pastor por 17 anos — de 1992 a 2009
— recordou-o com particular afecto.
Quando se difundiu a notícia do seu
falecimento, os sinos da catedral tocaram em sinal de luto e as bandei-
Na dimensão de Deus
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1
do no sofrimento. Enfrentado com
serena paciência porque em companhia de Cristo e ao mesmo tempo de milhões de homens e mulheres irmanados por sofrimentos análogos. As palavras pregadas eram
verificadas pelo seu testemunho
simplesmente cristão. Na máxima
debilidade física, nunca escondida,
o sucessor de Pedro foi ainda mais
amado porque era muito semelhante ao Bom Pastor que dá a vida, e
assim encoraja a viver. Era difundida a convicção de que o Papa compreendesse a pequena vida quotidiana de quantos têm uma existência difícil: todo este povo nas margens dos reflectores procurava
compreender o segredo da força interior que dimanava de João Paulo
II.
Quando, depois da imposição
do barrete vermelho, no adro da
Basílica de São Pedro os novos cardeais se saudaram entre si e com os
outros purpurados num clima de
festa, o Papa Wojtyła — era o seu
último consistório em Outubro de
2003 e o Parkinson já era muito
evidente — observava em silêncio,
quase com um olhar de despedida
desta vida. Imprevistamente pareceu como que noutra dimensão
que, naquele momento alegre e importante, se revelava ser um retiro
habitual do seu espírito. Sempre
presente para tudo e para todos
enquanto que a sua alma residia
alhures, num refúgio interior onde
se dava um diálogo ininterrupto
com Deus. Residia ali a fonte da
sua amabilidade, da sua energia, da
sua coragem pastoral.
A necessidade de reabrir na Igreja e no tempo actual — secular e
globalizado — o interesse por
Deus, o Vivente, para voltar a edificar sociedades livres e fraternas,
esteve sempre presente no seu ensinamento e constituiu o segredo da
sua vida quotidiana.
É a herança que João Paulo II
deixa, questão moderna por excelência. Não foi por acaso que Bento XVI fez dela a razão do seu pontificado.
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1956, pelo bispo Leopoldo Eijo y
Garay, tornando-se pároco de Vaillamanta. No ano seguinte foi nomeado delegado episcopal da Cáritas
diocesana e professor da escola dos
cursilhos de cristandade. Obteve a
licença em teologia na universidade
de Comillas (1969), o diploma em
sociologia industrial e relações humanas (1970), em ciências empresariais (1976) e em educação de adultos e técnicas de educação à distância (1977). De 1958 a 1970 foi consultor religioso da Comisaría de extensión cultural do ministério da Educação e da Ciência e da delegação provincial de Madrid. Foi membro da
junta da pastoral diocesana (19631966) e pároco do Santíssimo Cristo
do Amor (Madrid) em 1964.
Em 1966 foi nomeado prefeito dos
teólogos e professor do seminário de
Madrid. Em 1970 foi pároco de Santiago e São João Baptista (Madrid),
secretário-geral do Instituto Arcebispo Claret, membro do Secretariado
nacional espanhol do clero de Madrid e conselheiro da Associação de
pais do colégio do Sagrado Coração.
Foi fundador e director do Instituto
internacional de teologia «à distância» (actualmente chamado Instituto
superior de ciências religiosas Santo
Agostinho), professor de religião na
Universidade Nacional de Educação
à Distância e delegado diocesano do
clero (1973).
Em 1977, o então arcebispo de Madrid, cardeal Vicente Enríque y Tarancón, nomeou-o vigário episcopal
do vicariato III de Madrid. Em 1979
tornou-se professor do Instituto teológico São Dâmaso e em 1982 presidente do Instituto Arcebispo Claret.
No dia 20 de Março de 1985 foi
nomeado bispo auxiliar de Madrid.
Em 1988 foi eleito secretário-geral da
Conferência episcopal espanhola por
cinco anos. Em 1990 assumiu a presidência do Instituto internacional de
teologia «à distância». Neste cargo
GIOVANNI MARIA VIAN
Redacção
director
via del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano
telefone +390669899300
fax +390669883675
Carlo Di Cicco
Cidade do Vaticano
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vice-director
http://www.osservatoreromano.va
TIPO GRAFIA VATICANA EDITRICE «L’OSSERVATORE ROMANO»
don Pietro Migliasso S.D.B.
director-geral
Serviço fotográfico
telefone +390669884797
fax +390669884998
[email protected]
visitou vários países: Venezuela,
Equador, Colômbia, México, Chile,
Honduras, Panamá, Cuba, Argentina
e Uruguai.
Em 1995 tornou-se membro do comité de presidência do Pontifício
Conselho para a Família e em 1996
presidente da Comissão episcopal
das relações interconfessionais da
Conferência episcopal espanhola e
membro do conselho de presidência
da Associação internacional lateranense. Cargos que foram confirmados em 1999. No mesmo ano foi nomeado também membro da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (encargo renovado em 2005). Em Dezembro de
2003 fundou a Universidade católica
de Valência São Vicente Mártir, tornando-se o Grão-Chanceler. Na assembleia plenária da Conferência
episcopal espanhola, realizada nos
dias 23-26 de Abril de 2007, foi eleito presidente da Comissão episcopal
para a Doutrina da fé.
O pesar do Papa
Bento XVI enviou o seguinte telegrama de pêsames ao arcebispo de Valência, D. Carlos Osoro Sierra.
Ao tomar conhecimento da triste
notícia da morte do amadíssimo
Cardeal Agustín García-Gasco Vicente, ofereço fervorosos sufrágios
pelo eterno repouso daquele que
exerceu com diligente solicitude
apostólica o ministério episcopal,
primeiramente como Bispo auxiliar de Madrid e secretário da
Conferência episcopal espanhola,
depois na guia dessa amada Arquidiocese de Valência, dedicando-se de modo constante à obra
evangelizadora com sabedoria e
generosidade e promovendo incansavelmente numerosas iniciativas pastorais, sobretudo no campo do ensino e da pastoral familiar.
Ao evocar os grandes serviços
prestados por ele à Igreja, e com
a recordação afectuosa da minha
permanência nessa insigne cidade
para o V Encontro mundial das
famílias, desejo apresentar as minhas mais sentidas condolências a
Vossa Excelência, senhor Arcebispo, ao seu Bispo auxiliar, ao presbitério, aos seminaristas, às comunidades religiosas e aos fiéis dessa
Igreja particular de Valência e,
pedindo-lhe que transmita estes
mesmos sentimentos aos familiares do purpurado falecido, concedo de coração a todos a confortadora Bênção Apostólica, como sinal de esperança cristã em Cristo
ressuscitado.
BENEDICTUS
PP. XVI
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Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00.
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número 19 - edição semanal em português
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sábado 7 de Maio de 2011 - página 3
Na audiência geral de quarta-feira o Papa deu início a uma série de catequeses sobre a oração
Uma invocação
que espera uma palavra do Céu
«Senhor, ensina-nos a rezar», o Papa
citou este versículo do Evangelho de
Lucas (cf. 11, 1) para introduzir o
novo ciclo de catequeses, inaugurado na
quarta-feira 4 de Maio, durante a
audiência geral na praça de São
Pedro.
Estimados irmãos e irmãs!
Hoje gostaria de dar início a uma
nova série de catequeses. Depois das
catequeses sobre os Padres da Igreja,
sobre os grandes teólogos da Idade
Média, sobre as grandes mulheres,
gostaria de escolher um tema muito
querido a todos nós: é o tema da
oração, de modo específico da cristã,
ou seja, a prece que Jesus nos ensinou e que a Igreja continua a ensinar-nos. Com efeito, é em Jesus que
o homem se torna capaz de se aproximar de Deus com a profundidade
e a intimidade da relação de paternidade e filiação. Com os primeiros
discípulos, com confiança humilde,
dirijamo-nos então ao Mestre e peçamos-lhe: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1).
Nas próximas catequeses, aproximando-nos da Sagrada Escritura, da
grande tradição dos Padres da Igreja, dos Mestres de espiritualidade e
de Liturgia, queremos aprender a viver ainda mais intensamente a nossa
relação com o Senhor, quase uma
«Escola de oração». Com efeito, sabemos que a oração não se deve dar
por certa: é preciso aprender a rezar,
quase adquirindo esta arte sempre
de novo; mesmo aqueles que estão
muito avançados na vida espiritual
sentem sempre a necessidade de se
pôr na escola de Jesus para aprender
a rezar autenticamente. Recebemos a
primeira lição do Senhor através do
seu exemplo. Os Evangelhos descrevem-nos Jesus em diálogo íntimo e
constante com o Pai: é uma profunda comunhão daquele que veio ao
mundo não para fazer a sua vontade, mas a do Pai que O enviou para
a salvação do homem.
Nesta primeira catequese, como
introdução, gostaria de propor alguns exemplos de oração presentes
nas antigas culturas, para relevar como, praticamente sempre e em toda
a parte o homem se dirigiu a Deus.
Por exemplo, no antigo Egipto
um homem cego, pedindo à divindade que lhe restituísse a vista, atesta algo de universalmente humano,
que é a pura e simples prece de pedido da parte de quem se encontra
no sofrimento, este homem reza: «O
meu coração deseja ver-te... Tu que
me fizeste ver as trevas, cria a luz
para mim. Que eu te veja! Debruça
sobre mim o teu rosto dilecto» (A.
Barucq — F. Daumas, Hymnes et
prières de l’Egypte ancienne, Paris
1980, trad. it. em Preghiere dell’umanità, Brescia 1993, p. 30). Que eu te
veja; eis o núcleo da prece!
Nas religiões da Mesopotâmia
predominava um sentido de culpa
arcano e paralisador, porém não desprovido da esperança de resgate e de
libertação da parte de Deus. Assim
podemos apreciar esta súplica da
parte de um fiel daqueles cultos antigos, que ressoa assim: «Ó Deus,
que és indulgente também na culpa
mais grave, absolve o meu pecado...
Olha, Senhor, para o teu servo arrasado, e sopra a tua brisa sobre ele:
perdoa-o sem demora. Alivia a tua
punição severa. Livre dos vínculos,
faz com que eu volte a respirar; quebra a minha cadeia, liberta-me dos
laços» (M.-J. Seux, Hymnes et prières
aux Dieux de Babylone et d’Assyrie,
Paris 1976, trad. it. em Preghiere
dell’umanità, op. cit., p. 37). Trata-se
de expressões que demonstram como
o homem, na sua busca de Deus, intuiu, embora confusamente, por um
lado a sua culpa, mas por outro
também aspectos de misericórdia e
de bondade divina.
No contexto da religião pagã da
Grécia antiga assiste-se a uma evolução muito significativa: as preces,
Pucci, Bari 1966). Gostaria de ser sobretudo bonito dentro e sábio, e não
rico de dinheiro.
Aquelas obras-primas excelsas da
literatura de todos os tempos, que
são as tragédias gregas, ainda hoje,
depois de vinte e cinco séculos, lidas, meditadas e representadas, contêm preces que exprimem o desejo
de conhecer a Deus e de adorar a
sua majestade. Uma delas reza assim: «Sustento da terra, que imperas
sobre a terra, quem quer que sejas,
difícil de ser entendido, Zeus, sê tu
a lei de natureza ou de pensamento
dos mortais, dirijo-me a ti, uma vez
que tu, procedendo por caminhos silenciosos, guias as vicissitudes humanas segundo a justiça» (Eurípides,
As Troianas, 884-886, trad. it. G.
Mancini, em Preghiere dell’umanità,
op. cit., p. 54). Deus permanece um
pouco nebuloso e todavia o homem
embora continuem a invocar o auxílio divino para obter o favor celeste
em todas as circunstâncias da vida
diária e para alcançar benefícios materiais, orientam-se progressivamente
para os pedidos mais desinteressados, que permitem ao homem crente
aprofundar a sua relação com Deus
e tornar-se melhor. Por exemplo, o
grande filósofo Platão cita uma prece do seu mestre Sócrates, considerado justamente um dos fundadores
do pensamento ocidental. Assim
orava Sócrates: «Fazei que eu seja
bonito dentro. Que eu considere rico quem é sábio, e que de dinheiro
eu só possua quanto o sábio puder
tomar e levar. Não peço mais»
(Obras I. Fedro 279 c., trad. it. P.
conhece este Deus desconhecido e
ora àquele que guia os caminhos da
terra.
Também para os Romanos, que
constituíram aquele grande Império
em que nasceu e se difundiu em
grande parte o Cristianismo das origens, a oração, embora associada a
um conceito utilitarista e fundamentalmente vinculado ao pedido da
salvaguarda divina sobre a vida da
comunidade civil, abre-se às vezes a
invocações admiráveis pelo fervor da
piedade pessoal, que se transforma
em louvor e acção de graças. É testemunha disto um autor da África
romana do século II d.C., Apuleio.
Nos seus escritos, ele manifesta a insatisfação dos contemporâneos em
relação à religião tradicional e o desejo de uma relação mais autêntica
com Deus. Na sua obra-prima, intitulada Metamorfoses, um crente dirige-se a uma divindade feminina com
estas palavras: «Tu és santa, tu és em
todo o tempo salvadora da espécie
humana, na tua generosidade tu dás
sempre ajuda aos mortais, tu ofereces aos miseráveis em dificuldade o
doce carinho de uma mãe. Nem um
dia nem uma noite, nem qualquer
instante, por mais breve que seja,
passa sem que tu o cumules com os
teus benefícios» (Apuleio de Madaura, Metamorfoses IX, 25, trad. it.
C.
Annaratone,
em
Preghiere
dell’umanità, op. cit., p. 79).
Nesse mesmo período, o imperador Marco Aurélio — que também
era um filósofo que meditava sobre a
condição humana — afirma a necessidade de rezar para estabelecer uma
cooperação fecunda entre acção divina e acção humana. Nas suas Recordações, ele escreve: «Quem te disse
que os deuses não nos ajudam inclusive naquilo que depende de nós?
Portanto, começa a pedir-lhes e verás» (Dictionnaire de Spiritualitè
XII/2, col. 2213). Este conselho do
imperador filósofo foi realmente
posto em prática por inúmeras gerações de homens antes de Cristo, demonstrando assim que a vida humana sem a oração, que abre a nossa
existência ao mistério de Deus, permanece desprovida de sentido e de
referência. Com efeito, em cada prece manifesta-se sempre a verdade da
criatura humana, que por um lado
experimenta a debilidade e a indigência e por isso pede auxílio ao
Céu e, por outro, é dotada de uma
dignidade extraordinária porque,
preparando-se para acolher a Revelação divina, se descobre capaz de
entrar em comunhão com Deus.
Caros amigos, nestes exemplos de
orações das várias épocas e civilizações sobressai a consciência que o
ser humano tem sobre a sua condição de criatura e da sua dependência
de Outro, que lhe é superior e fonte
de todo o bem. O homem de todos
os tempos reza porque não consegue
deixar de se interrogar sobre o sentido da sua existência, que permanece
obscuro e desolador, se não se puser
em relação com o mistério de Deus
e do seu desígnio acerca do mundo.
A vida humana é um entrelaçamento
de bem e de mal, de sofrimento imerecido e de alegria e beleza, que espontânea e irresistivelmente nos impele a pedir a Deus a luz e a força
interiores que nos socorram na terra
e descerrem uma esperança que vá
para além dos confins da morte. As
religiões pagãs permanecem uma invocação que, da terra, espera uma
palavra do Céu. Um dos últimos
grandes filósofos pagãos, que viveu
já em plena época cristã, Proclo de
Constantinopla, dá voz a esta expectativa, dizendo: «Incognoscível, ninguém te contém. Tudo o que pensamos pertence a ti. Estão em ti os
nossos males e os nossos bens, de ti
CONTINUA NA PÁGINA 4
página 4 - sábado 7 de Maio de 2011
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Vigília de oração no Circo Máximo em vista da beatificação
O singularíssimo amor pelos jovens
Com a vigília de oração para os jovens
que teve lugar a 30 de Abril, no Circo
Máximo, foram inaugurados os tão esperados três dias para a beatificação de
João Paulo II. A noite, organizada pela diocese de Roma, foi animada pelo
coro diocesano e pela orquestra do conservatório de Santa Cecília, que hospedaram os coros da comunidade filipina
da Urbe e a «Gaudium Poloniae». O
encontro — encerrado com a recitação
do terço em ligação directa com cinco
santuários marianos espalhados pelo
mundo e com a presença em vídeo de
Bento XVI, que recitou a oração final e
deu a bênção apostólica — iniciou com
a celebração da memória e foi acompanhado pelas palavras e os gestos do
Papa Wojtyła, narrados através das
imagens comovedoras dos últimos meses
de pontificado, marcados pelo sofrimento. Logo a seguir foi o momento dos
testemunhos, entre os quais os do cardeal vigário de Roma e do cardeal arcebispo de Cracóvia.
Queridos irmãos e irmãs!
A Providência doa-nos esta noite
a alegria de viver uma grande experiência de graça e de luz. Com esta
Vigília mariana de Oração desejamos preparar-nos para as celebrações
de amanhã, a solene Beatificação do
Venerável Servo de Deus João Paulo
II. Depois de seis anos da piedosa
morte do grande Papa, é particularmente viva na Igreja e no mundo a
sua memória, por vinte e sete anos
bispo de Roma e pastor da Igreja
universal. Pelo amado Pontífice sentimos veneração, afecto, estima e
profunda gratidão.
Da sua vida recolhemos em primeiro lugar o testemunho de fé:
uma fé convicta e forte, livre de medos e compromissos, coerente até ao
último respiro, forjada pelas provações, pelo cansaço e pela doença,
cujo influxo benéfico se irradiou por
toda a Igreja, aliás sobre o mundo
inteiro; um testemunho acolhido em
toda a parte, nas suas viagens, por
milhões de homens e mulheres de
todas as raças e culturas.
Ele viveu para Deus, entregou-se
inteiramente a Ele para servir a Igreja, como oferenda sacrifical. Costumava repetir frequentemente esta invocação: «Jesus, Pontífice, que te
entregaste a ti mesmo a Deus como
oferenda e vítima, tem piedade de
nós». O seu grande desejo era tornar-se cada vez mais um só com
Cristo Sacerdote, através do sacrifício eucarístico, do qual tirava força e
coragem para a sua incansável acção
Audiência geral sobre a oração
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 3
depende todo o nosso anseio, ó
Inefável, que as nossas almas sentem presente, elevando-te um hino
de silêncio» (Hymni, ed. E. Vogt,
Wiesbaden 1957, em Preghiere
dell’umanità, op. cit., p. 61).
Nos exemplos de oração das várias culturas, por nós considerados,
podemos ver um testemunho da
dimensão religiosa e do desejo de
Deus inscrito no coração de cada
homem, que recebem cumprimento
e plena expressão no Antigo e no
Novo Testamento. Com efeito, a
Revelação purifica e leva à sua plenitude o anseio originário que o
homem tem de Deus, oferecendolhe na oração a possibilidade de
uma relação mais profunda com o
Pai celeste.
Então, no início deste nosso caminho na «Escola da oração», queremos pedir ao Senhor que ilumine
a nossa mente e o nosso coração, a
fim de que a relação com Ele na
oração seja cada vez mais intensa,
afectuosa e constante. Mais uma
vez, digamos-lhe: «Senhor, ensinanos a rezar» (Lc 11, 1).
No final da audiência geral, o Papa
saudou os vários grupos de fiéis
presentes na praça de São Pedro,
dizendo em português.
Uma cordial saudação para todos
os peregrinos de língua portuguesa, com menção particular dos fiéis
de Salto de Pirapora e das Irmãs
Franciscanas Catequistas do Brasil
e do grupo «Ajuda à Igreja que sofre» de Portugal, que aqui vieram
movidos pelo desejo de afirmar e
consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e
o seu Espírito ilumine as decisões
da vossa vida, para realizardes fielmente o projecto de Deus a vosso
respeito. Acompanham-vos a minha oração e Bênção.
católica. Cristo estava no início, no
centro e no ápice de todos os seus
dias; Cristo era o sentido e o objectivo da sua acção; de Cristo hauria
energia e plenitude de humanidade.
Isto explica a necessidade e o desejo
que tinha de rezar: todos os dias dedicava longas horas à oração, e o seu
trabalho era permeado e atravessado
pela oração.
Nesta fé, vivida até às fibras mais
íntimas, podemos compreender o
mistério do sofrimento, que o marcou desde jovem e que o purificou
como o ouro, o qual se prova pelo
fogo (cf. 1 Pd, 1, 7). Todos nós ficamos admirados pela docilidade de
espírito com a qual enfrentou a peregrinação da doença, até à agonia e
à morte.
Testemunha da trágica época das
grandes ideologias, dos regimes totalitários e dos seus declínios, João
Paulo II compreendeu antecipadamente a grande labuta, marcada por
conflitos e contradições, da transição
da época moderna para uma nova
fase da história, demonstrando um
cuidado constante a fim de que a
pessoa humana fosse a sua protagonista. Foi um incansável defensor do
homem e credível junto dos Estados
e das instituições internacionais, que
o respeitaram e homenagearam, reconhecendo-o como mensageiro de
justiça e paz.
Com o olhar fixo em Cristo, Redentor do homem, acreditou no homem e mostrou-lhe abertura, confiança e proximidade. Amou o homem e incentivou-o a desenvolver
em si mesmo o potencial de fé para
viver como pessoa livre e cooperar
na realização de uma humanidade
mais justa e solidária, como agente
de paz e construtor de esperança.
Convicto de que só a experiência espiritual pode encher o homem, afirmava: o destino de cada homem e
dos povos está ligado a Cristo, único libertador e salvador.
Escreveu na sua primeira encíclica: «O homem não pode viver sem
amor... A sua vida [permanece] destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor... Cristo Redentor...
revela plenamente o homem ao próprio homem...» (Redemptor hominis,
10). E a vibrante palavra com a qual
deu início ao Pontificado: «Não tenhais medo! Abri, melhor, escancarai
as portas a Cristo!..Cristo sabe o que
está dentro do homem. Só ele o sabe!», revela que para ele o amor de
Deus é inseparável do amor pelo homem e pela sua salvação.
Neste seu extraordinário impulso
de amor pela humanidade, amou
com amor atencioso e carinhoso, todos os «feridos da vida» — como
chamava os pobres, os doentes, os
sem nome, os marginalizados a priori — mas com amor singularíssimo
amou os jovens. As convocações das
Jornadas mundiais da juventude tinham para ele o objectivo de levar
os jovens a ser protagonistas do próprio futuro, tornando-os edificadores
da história. Os jovens — dizia — são
a riqueza da Igreja e da sociedade.
E convidava-os a preparar-se para as
grandes escolhas, a olhar para frente
com esperança, confiando nas próprias capacidades e seguindo Cristo
e o Evangelho.
Queridos irmãos e irmãs, todos
nós conhecemos a singularíssima devoção de João Paulo II a Nossa Senhora. O lema do brasão do seu
Pontificado, Totus tuus, sintetiza
bem a sua vida inteiramente orientada para Cristo através de Maria: «ad
Iesum per Mariam». Como o discípulo João, o «discípulo amado», aos
pés da cruz, na hora da morte do
Redentor, recebeu Maria na sua casa
(Jo, 19, 26-27), também João Paulo
II quis Maria misticamente sempre
ao seu lado, tornando-a partícipe da
sua vida e do seu ministério, e sentiu-se por Ela acolhido e amado.
A recordação do amado Pontífice,
profeta de esperança, não deve significar para nós um regresso ao passado, mas valorizando a sua herança
humana e espiritual, deve ser um incentivo para olhar para a frente.
Possam as palavras, que escreveu na
carta apostólica Novo millennio ineunte no final do grande Jubileu do ano
2000, ressoar esta noite no nosso coração: «Sigamos em frente, com esperança! Diante da Igreja abre-se
um novo milénio, como um vasto
oceano onde aventurar-se com a ajuda de Cristo. O Filho de Deus...
continua também hoje em acção: devemos possuir um olhar perspicaz
para a contemplar, e sobretudo um
coração grande para nos tornarmos
instrumentos dela».
Que a Virgem Maria, Mãe da
Igreja, tanto amada por João Paulo
II, que neste momento invocamos
com a recitação do Terço, possa ajudar-nos a ser em cada circunstância,
testemunhas de Cristo e anunciadores do amor de Deus no mundo.
número 19 - edição semanal em português
L’OSSERVATORE ROMANO
sábado 7 de Maio de 2011 - página 5
Discurso aos participantes na assembleia da European Broadcasting Union
Ao serviço das pessoas
para o caminho da sociedade
«O vosso é um “serviço público”,
serviço às pessoas, para as ajudar
todos os dias a conhecer e a
compreender melhor o que acontece e
por que motivo acontece», afirmou o
Papa aos participantes na 17ª
assembleia das rádios e televisões da
«European Broadcasting Union»,
recebidos em audiência na manhã de
sábado 30 de Abril, na Sala dos
Suíços do Palácio Pontifício de Castel
Gandolfo.
Estimados amigos!
Estou feliz por dar as boas-vindas
a todos vós, membros e participantes
na 17ª assembleia das rádios e televisões da European Broadcasting Union,
que este ano é hóspede da Rádio
Vaticano, por ocasião do 80° aniversário da sua fundação. Saúdo o Arcebispo Claudio Maria Celli, Presidente do Pontifício Conselho para
as Comunicações Sociais. Agradeço
ao Presidente da European Broadcasting Union, Jean Paul Philippot, e ao
Padre Federico Lombardi, DirectorGeral da Rádio Vaticano, as amáveis
palavras com que explicaram a natureza do vosso encontro e os problemas que deveis enfrentar.
Quando o meu predecessor Pio XI
se dirigiu a Guglielmo Marconi para
que dotasse o Estado da Cidade do
Vaticano de uma Estação de rádio à
altura da melhor tecnologia disponível naquela época, demonstrou que
tinha intuído com perspicácia em
que direcção se ia desenvolvendo o
mundo das comunicações, e quais
potencialidades a rádio podia oferecer para o serviço da missão da Igreja. Efectivamente, através da rádio,
os Papas puderam transmitir para
além das fronteiras mensagens de
grande importância para a humanidade, como aquelas justamente famosas de Pio XII durante a segunda
guerra mundial, que deram voz às
aspirações mais profundas de justiça
e de paz, ou como a de João XXIII
no momento culminante da crise entre Estados Unidos e União Soviética, em 1962. Ainda através da rádio,
Pio XII pôde fazer difundir centenhas de milhares de mensagens das
famílias para os prisioneiros e os dispersos durante a guerra, desempenhando uma obra humanitária que
lhe valeu uma gratidão imarscecível.
Além disso, através da rádio foram
por muito tempo sustentadas as expectativas de crentes e de povos submetidos a regimes que oprimiam os
direitos humanos e a liberdade religiosa. A Santa Sé está consciente
das potencialidades extraordinárias
que o mundo da comunicação tem
para o progresso e o crescimento das
pessoas e da sociedade. Pode-se dizer que todo o ensinamento da Igreja neste sector, a partir dos discursos
de Pio XII, passando pelos documentos do Concílio Vaticano II, até
às minhas mais recentes mensagens
sobre as novas tecnologias numéricas, é permeado por uma veia de
optimismo, de esperança e de simpatia sincera por aqueles que se comprometem neste campo para favorecer o encontro e o diálogo, servir a
comunidade humana e contribuir
para a prosperidade pacífica da sociedade.
Naturalmente, cada um de vós sabe que também no desenvolvimento
das comunicações sociais se escondem dificuldades e riscos. Por isso,
permiti que eu manifeste a todos vós
o meu interesse e a minha solidariedade na importante obra que levais
a cabo. Nas sociedades hodiernas estão em jogo valores basilares para o
bem da humanidade, e a opinião
pública, em cuja formação o vosso
trabalho tem uma grande importância, encontra-se frequentemente desorientada e dividida. Vós sabeis
bem quais são as preocupações da
Igreja católica, a propósito do respeito pela vida humana, da defesa
da família, do reconhecimento dos
direitos autênticos e das justas aspirações dos povos, dos desequilíbrios
que causam o subdesenvolvimento e
a fome em muitas regiões do mundo, do acolhimento dos migrantes,
do desemprego e da segurança social, das novas pobrezas e marginalizações sociais, das discriminações e
das violações da liberdade religiosa,
do desarmamento e da busca de
uma solução pacífica dos conflitos.
Referi-me a muitas destas questões
na Encíclica «Caritas in veritate».
Alimentar todos os dias uma informação correcta e equilibrada, e um
debate aprofundado para encontrar
as melhores soluções compartilhadas
sobre estas problemáticas numa sociedade pluralista, é tarefa que compete às rádios e às televisões. Tratase de um trabalho que exige elevada
honestidade profissional, justiça e
respeito, abertura às diversas perspectivas, clareza na abordagem dos
problemas, liberdade em relação às
barreiras ideológicas e consciência
da complexidade dos problemas.
Trata-se de uma busca paciente daquela «verdade quotidiana», que
melhor traduz os valores na vida e
melhor orienta o caminho da socie-
dade, e que deve ser procurada com
humildade por todos.
Nesta busca, a Igreja católica tem
uma sua contribuição específica a
oferecer, e tenciona fazê-lo, testemunhando a sua adesão à verdade que
é Cristo, mas ao mesmo tempo com
abertura e espírito de diálogo. Como
afirmei no encontro com os qualificados representantes do mundo político e cultural britânico na Westminster Hall de Londres no passado
mês de Setembro, a religião não procura manipular os não-crentes, mas
ajudar a razão na descoberta dos
princípios morais objectivos. A religião contribui para «purificar» a razão, ajudando-a a não ser vítima de
desvios, como a manipulação da
parte da ideologia, ou a aplicação
parcial que não tem plenamente em
consideração a dignidade da pessoa
humana. Ao mesmo tempo, também
a religião reconhece que tem necessidade da correcção da parte da razão,
para evitar excessos, como o integralismo ou o sectarismo. «A religião
não é um problema a resolver, mas
um factor que contribui de modo vital para o debate público na nação».
Por isso convido-vos também, «no
âmbito das vossas esferas de influência, a procurar promover e encorajar
o diálogo entre fé e razão», na perspectiva do serviço ao bem comum
nacional.
O vosso é um «serviço público»,
serviço às pessoas, para as ajudar todos os dias a conhecer e a compreender melhor o que acontece e por
que motivo acontece, e a comunicar
concretamente para as acompanhar
ao longo do caminho comum da sociedade. Sei bem que este serviço
encontra dificuldades, e que tem diferentes aspectos e proporções nos
diversos países. Pode haver o desafio
da competição por parte das transmissoras comerciais; o condicionamento de uma política vivida como
divisão do poder, e não como serviço ao bem comum; a escassez de recursos económicos, acentuada por si-
tuações de crise; o impacto do desenvolvimento das novas tecnologias
de comunicação; e a busca insistente
da audiência. Mas os desafios do
mundo contemporâneo que vos
comprometem são demasiado grandes e urgentes, para vos deixardes
desanimar e sentir a tentação da renúncia, diante de tais dificuldades.
Há vinte anos, em 1991, o Venerável João Paulo II, que amanhã terei
a alegria de proclamar Beato, recebia
a vossa Assembleia geral no Vaticano, encorajando-vos a desenvolver a
vossa mútua colaboração, para favorecer o crescimento da comunidade
dos povos do mundo. Hoje, penso
nos processos em curso nos países
do Mediterrâneo e do Próximo
Oriente, vários dos quais são também membros da vossa Associação.
Sabemos que as novas formas de comunicação desempenharam e ainda
desempenham um papel não secundário nestes mesmos processos. Faço
votos por que saibais pôr os vossos
contactos internacionais e as vossas
actividades ao serviço de uma reflexão e de um compromisso destinados a garantir que os meios de comunicação social sirvam o diálogo, a
paz e o desenvolvimento dos povos
na solidariedade, superando as distâncias culturais, as desconfianças e
os temores.
Enfim, caros amigos, enquanto
vos desejo, a vós e à vossa Associação, um trabalho fecundo, desejo
manifestar novamente a minha gratidão pela colaboração concreta que,
em muitas circunstâncias, oferecestes
e ainda ofereceis ao meu ministério,
como nas grandiosas celebrações do
Natal e da Páscoa, ou por ocasião
das minhas viagens. Por conseguinte, também para mim e para a Igreja
católica, vós sois aliados e amigos
importantes na nossa missão. Neste
espírito, é com prazer que invoco a
Bênção do Senhor sobre todos vós,
os vossos entes queridos e o vosso
trabalho.
L’OSSERVATORE ROMANO
página 6 - sábado 7 de Maio de 2011
edição semanal em português - número 19
Quando o cardeal Joseph Ratzinger explicava quem era João Paulo
II
Identificou-se com a Igreja
e por isso pode ser a sua voz
Do volume «Giovanni Paolo II pellegrino per il Vangelo» (Cinisello Balsamo — Torino, Edizioni Paoline — Editrice Saie, 1988), publicamos na íntegra o artigo em que o cardeal Joseph
Ratzinger repercorria e fazia sobressair
os aspectos fundamentais dos primeiros
dez anos de pontificado de Karol Wojtyła.
Sem dúvida, João Paulo II é aquele
que, nos nossos tempos, se encontrou pessoalmente com o maior número de seres humanos. São incontáveis as pessoas às quais ele apertou
a mão, com as quais falou, com as
quais rezou e que abençoou. Se o
seu elevado ofício pode criar uma
certa distância, a sua irradiação pessoal cria ao contrário proximidade.
Nem as pessoas simples, incultas e
pobres têm dele uma impressão de
superioridade, de intocabilidade ou
de temor, aqueles sentimentos que
atingem com tanta frequência os indivíduos que se encontram nas salas
de espera dos poderosos, das autoridades. Além disso, quando elas
mantêm contactos pessoais com ele,
é como se já o conhecessem há muito tempo, como se falassem com um
parente próximo, com um amigo. O
titulo de «Pai» (= Papa) não se parece apenas com um título, mas com a
expressão daquele relacionamento
real que se experimenta verdadeiramente diante dele.
Todos conhecem João Paulo II: o
seu rosto, o seu modo característico
de se mover e de falar; a sua imersão
na oração, a sua alegria espontânea.
Algumas das suas palavras ficaram
gravadas de maneira indelével na
memória, a começar pela apaixonada
evocação com que ele se apresentou
no início do seu pontificado: «Escancarai as portas a Cristo, não tenhais medo dele!». Ou então estas:
«Não se pode viver por prova, não
se pode amar por prova!». É em palavras como estas que se resume todo um pontificado. É como se ele
quisesse abrir em toda a parte caminhos de acesso a Cristo, como se desejasse tornar acessível a todos os
homens o caminho rumo à vida verdadeira, rumo ao amor autêntico.
Se, como são Paulo, o encontramos
incansavalmente sempre a caminho,
até «aos confins da terra», se quer
permanecer próximo de todos e não
perder qualquer ocasião para anunciar a Boa Nova, não é por finalidades publicitárias, nem por sede de
popularidade, mas porque nele se
realize a palavra apostólica: Charitas
Christi urget nos (cf. 2 Cor 5, 14).
Quem está ao seu lado sente isto:
ele ama o homem, porque ama a
D eus.
Muito provavelmente conhecemos
melhor João Paulo II quando concelebramos com ele e nos deixamos
atrair pelo silêncio intenso da sua
oração, mais do que quando analisamos os seus livros ou os seus discursos. Pois é precisamente participando na sua oração que compreendemos aquilo que é próprio da sua natureza, para além de qualquer palavra. A partir deste centro explica-se
João Paulo
II
da janela dos seus aposentos olha para a praça de São Pedro
também por que motivo ele, embora
seja um grande intelectual, que no
diálogo cultural do mundo contemporâneo possui uma voz que lhe é
própria e importante, conservou
também a voz da simplicidade, que
lhe permite comunicar com cada
pessoa individualmente.
É aqui que se manifesta também
outro elemento daquela sua grande
capacidade de integração, que distingue o Papa vindo da Polónia: o
facto de ter trocado o clássico «nós»
do estilo pontifical com o «eu» pessoal e imediato do escritor e do orador. Uma semelhante revolução de
estilo não deve ser subestimada. À
primeira vista, pode parecer-nos óbvia a eliminação de um uso antiquado, que já não condizia com os nossos tempos. Todavia, não podemos
esquecer que este «nós» não era
apenas uma fórmula de retórica cortesã. Quando o Papa fala, não o faz
em seu próprio nome. Naquele momento, em última análise, nada contam as teorias ou as opiniões particulares que ele elaborou durante a
sua vida, por mais elevado que possa ser o seu nível intelectual.
O Papa não fala como um homem
douto individual, com o seu eu particular ou, por assim dizer, como um
solista no cenário da história espiritual da humanidade. Ele fala haurindo do «nós» da fé da Igreja inteira,
por detrás do qual o eu tem o dever
de desaparecer. Vem-me ao pensamento, a este propósito, o grande
Papa humanista Pio II, Enea Sílvio
Piccolomini, que como Papa às vezes devia dizer, haurindo precisamento do «nós» do seu magistério
pontifício, coisas que estavam em
contradição com as teorias daquele
doutro humanista que, precedentemente, ele mesmo tinha sido. Quando lhe eram indicadas semelhantes
contradições, ele costumava respon-
der: Eneam reicite, Pium recipite («Esquecei Enea e recebei Pio, o Papa»).
Por conseguinte, num certo sentido não é um fenómeno inócuo se o
«eu» substitui o «nós». Mas quem
tiver a paciência de estudar atentamente todos os escritos do Papa
João Paulo II, compreenderá depressa que este Papa sabe distinguir
muito bem entre as opiniões pessoais de Karol Wojtyła e o seu ensinamento magisterial como Papa;
mas, ele também sabe reconhecer
que estas duas coisas não são reciprocamente heterogéneas, mas reflectem uma única personalidade impregnada da fé da Igreja. O eu, a
personalidade, passou inteiramente
ao serviço do «nós». Não degradou
o «nós» no plano subjectivo de opiniões particulares, mas conferiu-lhe
simplesmente a densidade de uma
personalidade toda plasmada por este «nós», dedicada de maneira completa ao seu serviço.
Na minha opinião esta fusão,
amadurecida na vida e na reflexão
de fé, entre o «nós» e o «eu» une
de modo essencial a fascinação desta
figura de Papa. A fusão permite-lhe
mover-se neste seu sagrado ofício de
maneira inteiramente livre e natural;
consente-lhe ser, como Papa, inteiramente ele mesmo, sem ter medo de
fazer decair demasiado o seu ofício
na subjectividade.
Mas como cresceu esta unidade?
De que modo um caminho pessoal
de fé, de pensamento e de vida conduz a tal ponto, ao centro da Igreja?
Trata-se de uma interrogação que vai
muito além da simples curiosidade
biográfica. Uma vez que, precisamente esta «identificação» com a
Igreja, sem qualquer véu de hipocrisia ou de esquizofrenia, parece hoje
impossível para muitos homens, que
se angustiam pela fé.
Na teologia tornou-se, entretanto,
como que uma relutância do mo-
mento mover-se a uma distância crítica em relação à fé da Igreja e fazer
com que o leitor sinta que ele, o teólogo, não é tão ingénuo, tão acrítico
e tão servil a ponto de dedicar o seu
pensamento inteiramente ao serviço
desta fé. Deste modo, enquanto a fé
é desvalorizada, as propostas apressadas destes teólogos não obtêm disto qualquer reavaliação; envelhecem
depressa, como depressa nasceram.
Então nasce de novo um grande desejo não só de reconsiderar intelectualmente a fé de modo leal, mas
também de a poder viver de uma
maneira renovada.
A vocação de Karol Wojtyła amadureceu quando ele trabalhava numa
empresa de produção química, durante os horrores da guerra e da
ocupação. Ele mesmo definiu esse
espaço de quatro anos, vivido no
ambiente operário, como a fase formativa mais determinante da sua vida. Em tal contexto, ele estudou filosofia, aprendendo-a duramente dos
livros, e o saber filosófico apresentava-se-lhe à primeira vista como uma
selva impenetrável.
Iniciou com a filologia, o amor
pelas línguas, combinada com a
aplicação artística da linguagem, enquanto representação da realidade
numa nova forma de teatro. Deste
modo nasceu aquela espécie particular de «filosofia» característica do
Papa actual. É um pensamento em
dialéctica com o concreto, um pensamento fundado na grande tradição, mas sempre em busca da sua
verificação na realidade presente.
Um pensamento que brota de um
olhar artístico e, ao mesmo tempo, é
orientado pelo cuidado do pastor:
dirigido ao homem, para lhe indicar
o caminho.
Parece-me interessante rever por
um momento a série cronológica dos
autores determinantes que ele encontrou ao longo do percurso da sua
formação. O primeiro tinha sido, como ele mesmo refere na entrevistaa
que concedeu a André Frossard, um
manual de introdução à metafísica.
Enquanto os estudantes procuram
compreender de certo modo só a lógica inteira da estrutura conceitual
exposta no texto e fixá-la na mente
em vista do exame, nele teve início,
ao contrário, a luta por uma compreensão real, ou seja, para compreender a relação entre conceito e experiência, e depois de dois meses de
árduo empenhamento, acendeu-se
efectivamente a chamada «lâmpada»: «Descobri como era profundo
o sentido de tudo o que antes eu tinha vivido e pressentido».
Em seguida, chegou o encontro
com Max Scheler e, sucessivamente,
com a fenomenologia. Este ramo filosófico tinha a preocupação, depois
das controvérsias infinitas a respeito
dos confins e das possibilidades do
saber humano, de ver de novo simplesmente os fenómenos do modo
como eles se manifestam, na sua variedade e na sua riqueza. Esta exactidão do ver, esta inteligência do homem, não a partir de abstracções
CONTINUA NA PÁGINA 7
número 19 - edição semanal em português
L’OSSERVATORE ROMANO
Karol Wojtyła ao lado do cardeal Ratzinger durante a viagem à Alemanha (21-23 de Junho de 1996)
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nem de princípios teóricos, mas procurando captar no amor a sua realidade, foi e permaneceu decisiva para
o pensamento do Papa.
Finalmente, ele descobriu bastante
cedo, antes da vocação ao sacerdócio, a obra de são João da Cruz,
através da qual se lhe abriu o mundo da interioridade, «da alma amadurecida na Graça». Os elementos
metafísico, místico, fenomenológico
e estético, unindo-se uns aos outros,
arregalam os olhos para as múltiplas
dimensões da realidade, tornando-se
no final uma única percepção sintética, capaz de se comparar com todos os fenómenos e de aprender a
compreendê-los, precisamente transcendendo-os.
A crise da teologia pós-conciliar é
em ampla medida a crise dos seus
fundamentos filosóficos. À filosofia
apresentada nas escolas teológicas
faltava a riqueza perceptiva; faltavam-lhe a fenomenologia e também
a dimensão mística. Mas quando os
fundamentos filosóficos não são esclarecidos, à teologia vem a faltar o
terreno debaixo dos pés. Porque então já não é claro até que ponto o
homem conhece verdadeiramente a
realidade, e quais são os fundamentos a partir dos quais ele pode pensar e falar.
Assim parece-me que foi uma disposição da Providência que, nesse
tempo, subiu à cátedra de Pedro um
«filósofo», que aplica a filosofia não
seguindo-a à letra, mas partindo da
labuta necessária para fazer valer,
diante da realidade e do encontro
com o homem que procura e que interroga.
Wojtyła foi e é o homem. O seu
interesse científico foi cada vez mais
caracterizado pela sua vocação de
pastor. Daqui, compreende-se que a
sua colaboração para a Constituição
conciliar sobre a Igreja no mundo
contemporâneo, cujo texto se distingue de modo fulcral pela preocupação pelo homem, se tornou uma experiência decisiva para o futuro Papa.
«O caminho da Igreja é o homem». Esta temática, extremamente
concreta e radical na sua profundidade, encontrou-se sempre e ainda
hoje se encontra no centro do seu
pensamento, que é ao mesmo tempo
acção. O resultado disto foi que a
questão da teologia moral se tornou
o âmago do seu interesse teológico.
Também esta era uma importante
predisposição humana para a tarefa
do Sumo Pastor da Igreja. Pois a
crise da orientação filosófica manifesta-se, sob o ponto de vista teológico, sobretudo como crise da norma
teológico-moral. É aqui que se encontra a ligação entre filosofia e teologia, a ponte entre a investigação
racional sobre o homem e a tarefa
teológica, e ela é tão evidente, que
não é possível evitá-la.
Onde a antiga metafísica desaba,
também os mandamento perdem o
seu nexo interior: então, torna-se
grande a tentação de os reduzir unicamente ao plano histórico-cultural.
Karol Wojtyła tinha aprendido de
Scheler a investigar, com uma sensibilidade humana até então desconhecida, a essência da virgindade,
do matrimónio, da maternidade e da
paternidade, a linguagem do corpo
e, por conseguinte, a essência do
amor. Ele assumiu no seu pensamento as novas descobertas do personalismo, mas precisamente assim
aprendeu a compreender que o próprio corpo fala, que a criação fala e
que nos delineia os caminhos a percorrer: o pensamento da era moderna descerrou para a teologia moral
uma nova dimensão, e Wojtyła compreendeu-a numa contínua implicação de reflexão e de experiência, de
vocação pastoral e especulativa, e
entendeu-a na sua unidade com os
grandes temas da tradição.
Outro elemento também foi importante para este caminho de vida
e de pensamento, para a unidade de
experiência, pensamento e fé. Toda
a batalha deste homem não foi combatida dentro de um círculo mais ou
menos particular, unicamente no espaço interno de uma fábrica ou num
seminário. Ela foi circundada pelas
chamas da grande história.
A presença de Wojtyła na fábrica
foi uma consequência do aprisionamento dos seus professores universitários. O tranquilo curso académico
foi interrompido e substituído por
um duríssimo estágio no meio de
um povo oprimido. A pertença ao
seminário maior do cardeal Sapieha
já era, enquanto tal, um gesto de resistência. E assim a questão da liberdade, da dignidade e dos direitos do
homem e da responsabilidade política da fé não penetrou no pensamento do jovem teólogo como um sim-
ples problema teórico. Era a necessidade, muito real e concreta, daquele
momento histórico.
Mais uma vez, a situação particular da Polónia, situada no ponto de
intersecção entre leste e oeste, se tinha tornado o destino daquele país.
Os críticos do Papa observam com
frequência que ele, como cidadão
polaco, conhece verdadeiramente
apenas a piedade tradicional e sentimental do seu país, e portanto não
pode compreender plenamente as
complicadas questões do mundo ocidental.
Nada é mais insensato do que
uma observação semelhante, que
atraiçoa um desconhecimento completo da história. É suficiente ler a
Encíclica Slavorum apostoli para ter a
ideia de que precisamente desta herança polaca o Papa tinha necessidade para poder pensar no âmbito de
uma multiplicidade de culturas. Sendo a Polónia um ponto de confluência de civilizações, de modo particular das tradições germânicas, românicas, eslavas e greco-bizantinas, a
questão do diálogo das várias culturas na Polónia é, sob numerosos aspectos, mais ardente que alhures. E
assim, este é um Papa autenticamente ecuménico e deveras missionário,
preparado de forma providencial
também neste sentido para enfrentar
as problemáticas do tempo sucessivo
ao Concílio Vaticano II. Evoquemos
mais uma vez o interesse pastoral e
antropológico do Papa. «O caminho
da Igreja é o homem». O significado autêntico desta afirmação, muitas
vezes mal entendida, contida na Encíclica sobre o Redentor do homem», só pode ser verdadeiramente
compreendido, se nos recordarmos
que para o Papa, o «homem» em
sentido pleno é Jesus Cristo. A sua
paixão pelo homem nada tem a ver
com um antropocentrismo auto-suficiente. Aqui, o antropocentrismo está aberto para o alto.
Todo o antropocentrismo que vise
eliminar Deus como concorrente do
homem já se transformou há muito
tempo em tédio do homem e para o
homem. O homem já não pode considerar-se centro do mundo. Ele tem
medo de si mesmo, por causa do seu
próprio poder destruidor. Quando o
homem é colocado no fulcro, excluindo Deus, o equilíbrio global
permanece alterado: então, é válida
a palavra da Carta aos Romanos (cf.
sábado 7 de Maio de 2011 - página 7
8, 19.21-22), na qual se afirma que o
mundo é arrastado para a dor e o
gemido do homem; corrompido em
Adão, está desde então à espera do
aparecimento dos filhos de Deus, da
sua libertação. Precisamente porque
o Papa ama o homem, ele gostaria
de lhe abrir as portas a Cristo. Uma
vez que, só mediante a vinda de
Cristo os filhos de Adão podem tornar-se filhos de Deus, e o homem e
a criação alcançam a sua liberdade.
Portanto, o antropocentrismo do
Papa é, no seu núcleo mais profundo, teocentrismo. Se a sua primeira
Encíclica concentrou-se sobre o homem, as suas três grandes Encíclicas
coordenam-se naturalmente entre si
num grande tríptico trinitario: no
Papa, o antropocentrismo é teocentrismo, porque ele vive a sua vocação pastoral a partir da oração, faz a
sua experiência do homem na comunhão com Deus e a partir daqui
aprendeu a compreendê-la.
Uma última observação. O profundo amor do Papa por Maria é
sem dúvida, antes de tudo, uma herança que lhe advém da sua pátria
polaca. Mas a Encíclica mariana demonstra como esta piedade mariana
foi nele biblicamente aprofundada
na oração e na vida. Do mesmo modo em que a sua filosofia se tinha
tornado mais concreta e vivificada
mediante fenomenologia, ou seja,
através do olhar dirigido para a realidade aparente, assim também a relação com Cristo não permanece para o Papa no abstracto das grandes
verdades dogmáticas, mas torna-se
um encontro humano concreto com
o Senhor, em toda a sua realidade e,
desta maneira, logicamente, também
um encontro com a Mãe, no qual Israel crente e a Igreja orante se tornaram pessoa.
Mais uma vez, é sempre e só a
partir desta proximidade concreta,
em que se vê o mistério de Cristo
em toda a riqueza da sua plenitude
divino-humana, que a relação com o
Senhor recebe o seu calor e a sua vitalidade. E, naturalmente, é algo que
se repercute em toda a imagem do
homem, o facto de que esta resposta
da fé adquiriu uma figura para sempre numa mulher, em Maria.
O que quero dizer com tudo isto?
A minha finalidade consistia em demonstrar a unidade entre mistério e
pessoa, na figura do Papa João Paulo II. Ele «identificou-se» realmente
com a Igreja e, por conseguinte,
também pode ser a sua voz. Tudo
isto não é dito para glorificar uma
criatura humana, mas para demonstrar que o crer não extingue o pensar, e não tem necessidade de excluir
a experiência do nosso tempo. Pelo
contrário: somente a fé confere ao
pensamento a sua abertura, e à experiência o seu significado. O homem não se torna livre, quando se
faz solista, mas quando consegue encontrar o grande contexto ao qual
pertence.
Dez anos de pontificado de João
Paulo II. A amplitude da sua mensagem já parece ser incalculável, imensa. Desejei referir-me com poucos
traços às energias portadoras que
constituem a sua força profunda e,
ao mesmo tempo, tornar deste modo
mais compreensível a meta que ele
nos indica. O Senhor queira conservar-nos este Papa ainda por muito
tempo, a fim de que ele nos sirva de
guia ao longo do caminho rumo ao
terceiro milénio da história cristã.
L’OSSERVATORE ROMANO
número 19 - edição semanal em português
Na presença de um milhão e meio de fiéis provenientes de todo o mundo Bento
És beato João Paulo
XVI
II
beatificou Karol Wojtyła durante a solene e comovida liturgia
porque acreditaste
«És Beato, amado Papa João Paulo II,
porque acreditaste! Do céu continua a
amparar a fé do Povo de Deus». Foi a
invocação dirigida por Bento XVI ao seu
imediato predecessor, presidindo à sua
beatificação no adro da basílica Vaticana
na manhã de 1 de Maio, domingo da
Divina Misericórdia. O Pontífice celebrou
a eucaristia proclamando beato o Papa
Wojtyła, na presença de uma multidão
imensa de fiéis reunidos na praça de São
Pedro, mas também nas ruas adjacentes e
em diversos outros lugares de Roma.
Amados irmãos e irmãs!
Passaram já seis anos desde o dia em
que nos encontrávamos nesta Praça para celebrar o funeral do Papa João Paulo II. Então, se a tristeza pela sua perda
era profunda, maior ainda se revelava a
sensação de que uma graça imensa envolvia Roma e o mundo inteiro: graça
esta, que era como que o fruto da vida
inteira do meu amado Predecessor, especialmente do seu testemunho no sofrimento. Já naquele dia sentíamos pairar o perfume da sua santidade, tendo
o Povo de Deus manifestado de muitas
maneiras a sua veneração por ele. Por
isso, quis que a sua Causa de Beatificação pudesse, no devido respeito pelas
normas da Igreja, prosseguir com discreta celeridade. E o dia esperado chegou! Chegou depressa, porque assim
aprouve ao Senhor: João Paulo II é
Beato!
Desejo dirigir a minha cordial saudação a todos vós que, nesta circunstância
feliz, vos reunistes, tão numerosos, aqui
em Roma vindos de todos os cantos do
mundo: cardeais, patriarcas das Igrejas
Católicas Orientais, irmãos no episcopado e no sacerdócio, delegações oficiais, embaixadores e autoridades, pes-
A fé de Pedro
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1
Cristo, único Senhor e salvador do
mundo. Dando à Igreja uma orientação renovada: «Aquela carga de
esperança que tinha sido cedida de
certa forma ao marxismo e à ideologia do progresso, ele reivindicou-a
legitimamente para o Cristianismo,
restituindo-lhe a fisionomia autêntica». Orientando-a para o futuro de
Cristo, o único capaz de responder
às expectativas do coração humano e
ponto final da história.
Mas além da grandeza de um Papa — e da humanidade ainda maior
do seu sucessor, que com comoção
visível recordou João Paulo II — o
que explica a unicidade da sua beatificação, foi sobretudo a dimensão
da fé: a fé de Pedro, tal como foi
descrita por Bento XVI. Entre o abanar de bandeiras e o repetir-se dos
aplausos, entre lágrimas de alegria
irrefreáveis e difundidas, num entusiasmo que depois da proclamação
deixou lugar a um silêncio impressionante. Na oração a Deus diante
do novo beato. Beato porque, como
Maria e como Pedro, acreditou e se
entregou ao Senhor.
soas consagradas e fiéis leigos; esta minha saudação estende-se também a
quantos estão unidos connosco através
do rádio e da televisão.
Estamos no segundo domingo de
Páscoa, que o Beato João Paulo II quis
intitular Domingo da Divina Misericórdia. Por isso, se escolheu esta data para
a presente celebração, porque o meu
Predecessor, por um desígnio providencial, entregou o seu espírito a Deus justamente ao anoitecer da vigília de tal
ocorrência. Além disso, hoje tem início
o mês de Maio, o mês de Maria; e neste dia celebra-se também a memória de
São José operário. Todos estes elementos concorrem para enriquecer a nossa
oração; servem-nos de ajuda, a nós que
ainda peregrinamos no tempo e no espaço; no Céu, a festa entre os Anjos e
os Santos é muito diferente! E todavia
Deus é um só, e um só é Cristo Senhor
que, como uma ponte, une a terra e o
Céu, e neste momento sentimo-lo muito perto, sentimo-nos quase participantes da liturgia celeste.
«Felizes os que acreditam sem terem
visto» (Jo 20, 29). No Evangelho de
hoje, Jesus pronuncia esta bem-aventurança: a bem-aventurança da fé. Ela
chama de modo particular a nossa
atenção, porque estamos reunidos justamente para celebrar uma Beatificação
e, mais ainda, porque o Beato hoje proclamado é um Papa, um Sucessor de
Pedro, chamado a confirmar os irmãos
na fé. João Paulo II é Beato pela sua
forte e generosa fé apostólica. E isto
traz imediatamente à memória outra
bem-aventurança: «Feliz de ti, Simão,
filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas
sim meu Pai que está nos Céus» (Mt
16, 17). O que é que o Pai celeste revelou a Simão? Que Jesus é o Cristo, o
Filho de Deus vivo. Por esta fé, Simão
se torna «Pedro», rocha sobre a qual
Jesus pode edificar a sua Igreja. A
bem-aventurança eterna de João Paulo
II, que a Igreja tem a alegria de proclamar hoje, está inteiramente contida nestas palavras de Cristo: «Feliz de ti, Simão» e «felizes os que acreditam sem
terem visto». É a bem-aventurança da
fé, cujo dom também João Paulo II recebeu de Deus Pai para a edificação da
Igreja de Cristo.
Entretanto perpassa pelo nosso pensamento mais uma bem-aventurança
que, no Evangelho, precede todas as
outras. É a bem-aventurança da Virgem
Maria, a Mãe do Redentor. A Ela, que
acabava de conceber Jesus no seu ventre, diz Santa Isabel: «Bem-aventurada
aquela que acreditou no cumprimento
de tudo quanto lhe foi dito da parte do
Senhor» (Lc 1, 45). A bem-aventurança
da fé tem o seu modelo em Maria, pelo
que a todos nos enche de alegria o facto de a beatificação de João Paulo II
ter lugar no primeiro dia deste mês mariano, sob o olhar materno d’Aquela
que, com a sua fé, sustentou a fé dos
Apóstolos e não cessa de sustentar a fé
dos seus sucessores, especialmente de
quantos são chamados a sentar-se na
cátedra de Pedro. Nas narrações da ressurreição de Cristo, Maria não aparece,
mas a sua presença pressente-se em toda a parte: é a Mãe, a quem Jesus confiou cada um dos discípulos e toda a
comunidade. De forma particular, notamos que a presença real e materna de
Maria aparece assinalada por São João
e São Lucas nos contextos que precedem tanto o Evangelho como a primeira Leitura de hoje: na narração da mor-
sábado 7 de Maio de 2011 - página 8/9
te de Jesus, onde Maria aparece aos
pés da Cruz (Jo 19, 25); e, no começo
dos Actos dos Apóstolos, que a apresentam no meio dos discípulos reunidos
em oração no Cenáculo (Act 1, 14).
Também a segunda Leitura de hoje
nos fala da fé, e é justamente São Pedro que escreve, cheio de entusiasmo
espiritual, indicando aos recém-baptizados as razões da sua esperança e da sua
alegria. Apraz-me observar que nesta
passagem, situada na parte inicial da
sua Primeira Carta, Pedro exprime-se
não no modo exortativo, mas indicativo. De facto, escreve: «Isto vos enche de
alegria»; e acrescenta: «Vós amais Jesus
Cristo sem O terdes conhecido, e, como n’Ele acreditais sem O verdes ainda,
estais cheios de alegria indescritível e
plena de glória, por irdes alcançar o fim
da vossa fé: a salvação das vossas almas» (1 Pd 1, 6.8-9). Está tudo no indicativo, porque existe uma nova realidade, gerada pela ressurreição de Cristo, uma realidade que nos é acessível
pela fé. «Esta é uma obra admirável —
diz o Salmo (118, 23) — que o Senhor
realizou aos nossos olhos», os olhos da
fé.
Queridos irmãos e irmãs, hoje diante
dos nossos olhos brilha, na plena luz
de Cristo ressuscitado, a amada e venerada figura de João Paulo II. Hoje, o
seu nome junta-se à série dos Santos e
Beatos que ele mesmo proclamou durante os seus quase 27 anos de pontificado, lembrando com vigor a vocação
universal à medida alta da vida cristã, à
santidade, como afirma a Constituição
conciliar Lumem gentium sobre a Igreja.
Os membros do Povo de Deus – bispos, sacerdotes, diáconos, fiéis leigos,
religiosos e religiosas — todos nós estamos a caminho da Pátria celeste, tendo-nos precedido a Virgem Maria, associada de modo singular e perfeito ao
mistério de Cristo e da Igreja. Karol
Wojtyła, primeiro como Bispo Auxiliar
e depois como Arcebispo de Cracóvia,
participou no Concílio Vaticano II e
bem sabia que dedicar a Maria o último capítulo da Constituição sobre a
Igreja significava colocar a Mãe do Redentor como imagem e modelo de santidade para todo o cristão e para a
Igreja inteira. Foi esta visão teológica
que o Beato João Paulo II descobriu na
sua juventude, tendo-a depois conservado e aprofundado durante toda a vida; uma visão, que se resume no ícone
bíblico de Cristo crucificado com Maria ao pé da Cruz. Um ícone que se encontra no Evangelho de João (19, 2527) e está sintetizado nas armas episcopais e, depois, papais de Karol Wojtyła:
uma cruz de ouro, um «M» na parte
inferior direita e o lema «Totus tuus»,
que corresponde à conhecida frase de
São Luís Maria Grignion de Monfort,
na qual Karol Wojtyła encontrou um
princípio fundamental para a sua vida:
«Totus tuus ego sum et omnia mea tua
sunt. Accipio Te in mea omnia. Praebe
mihi cor tuum, Maria – Sou todo vosso
e tudo o que possuo é vosso. Tomo-vos
como toda a minha riqueza. Dai-me o
vosso coração, ó Maria» (Tratado da
Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem,
n. 266).
No seu Testamento, o novo Beato
deixou escrito: «Quando, no dia 16 de
Outubro de 1978, o conclave dos cardeais escolheu João Paulo II, o Card.
Stefan Wyszyński, Primaz da Polónia,
disse-me: “A missão do novo Papa será
a de introduzir a Igreja no Terceiro Milénio”». E acrescenta: «Desejo mais
uma vez agradecer ao Espírito Santo
pelo grande dom do Concílio Vaticano
II, do qual me sinto devedor, juntamente com toda a Igreja e sobretudo o
episcopado. Estou convencido de que
será concedido ainda por muito tempo,
às sucessivas gerações, haurir das riquezas que este Concílio do século XX nos
prodigalizou. Como Bispo que participou no evento conciliar, desde o primeiro ao último dia, desejo confiar este
grande património a todos aqueles que
são, e serão, chamados a realizá-lo. Pela
minha parte, agradeço ao Pastor eterno
que me permitiu servir esta grandíssima
causa ao longo de todos os anos do
meu pontificado». E qual é esta «causa»? É a mesma que João Paulo II
enunciou na sua primeira Missa solene,
na Praça de São Pedro, com estas palavras memoráveis: «Não tenhais medo!
Abri, melhor, escancarai as portas a
Cristo!». Aquilo que o Papa recém-eleito pedia a todos, começou, ele mesmo,
a fazê-lo: abriu a Cristo a sociedade, a
cultura, os sistemas políticos e económicos, invertendo, com a força de um
gigante — força que lhe vinha de Deus
— uma tendência que parecia irreversível. Com o seu testemunho de fé, de
amor e de coragem apostólica, acompanhado por uma grande sensibilidade
humana, este filho exemplar da Nação
Polaca ajudou os cristãos de todo o
mundo a não ter medo de se dizerem
cristãos, de pertencerem à Igreja, de falarem do Evangelho. Numa palavra,
ajudou-nos a não ter medo da verdade,
porque a verdade é garantia de liberdade. Sintetizando ainda mais: deu-nos
novamente a força de crer em Cristo,
porque Cristo é o Redentor do homem
– Redemptor hominis: foi este o tema da
sua primeira Encíclica e o fio condutor
de todas as outras.
Karol Wojtyła subiu ao sólio de Pedro trazendo consigo a sua reflexão
profunda sobre a confrontação entre o
marxismo e o cristianismo, centrada no
homem. A sua mensagem foi esta: o
homem é o caminho da Igreja, e Cristo
é o caminho do homem. Com esta
mensagem, que é a grande herança do
Concílio Vaticano II e do seu «timoneiro» – o Servo de Deus Papa Paulo VI –,
João Paulo II foi o guia do Povo de
Deus ao cruzar o limiar do Terceiro
Milénio, que ele pôde, justamente graças a Cristo, chamar «limiar da esperança». Na verdade, através do longo
caminho de preparação para o Grande
Jubileu, ele conferiu ao cristianismo
uma renovada orientação para o futuro,
o futuro de Deus, que é transcendente
relativamente à história, mas incide na
história. Aquela carga de esperança que
de certo modo fora cedida ao marxismo e à ideologia do progresso, João
Paulo II legitimamente reivindicou-a
para o cristianismo, restituindo-lhe a fisionomia autêntica da esperança, que se
deve viver na história com um espírito
de «advento», numa existência pessoal
e comunitária orientada para Cristo,
plenitude do homem e realização das
suas expectativas de justiça e de paz.
Por fim, quero agradecer a Deus
também a experiência de colaboração
pessoal que me concedeu ter longamente com o Beato Papa João Paulo II.
Se antes já tinha tido possibilidades de
o conhecer e estimar, desde 1982, quando me chamou a Roma como Prefeito
da Congregação para a Doutrina da Fé,
pude durante 23 anos permanecer junto
dele crescendo sempre mais a minha
veneração pela sua pessoa. O meu serviço foi sustentado pela sua profundidade espiritual, pela riqueza das suas
intuições. Sempre me impressionou e
edificou o exemplo da sua oração: entranhava-se no encontro com Deus, inclusive no meio das mais variadas incumbências do seu ministério. E, depois, impressionou-me o seu testemunho no sofrimento: pouco a pouco o
Senhor foi-o despojando de tudo, mas
permaneceu sempre uma «rocha», como Cristo o quis. A sua humildade
profunda, enraizada na união íntima
com Cristo, permitiu-lhe continuar a
guiar a Igreja e a dar ao mundo uma
mensagem ainda mais eloquente, justamente no período em que as forças físicas definhavam. Assim, realizou de maneira extraordinária a vocação de todo
o sacerdote e bispo: tornar-se um só
Aos leitores de L’Osservatore Romano, aos fiéis de Roma
e aos peregrinos provenientes do mundo inteiro,
dirijo as minhas mais cordiais boas-vindas
no dia da Beatificação do Papa João Paulo II. Esta festa da fé
seja uma preciosa ocasião para abrir as portas a Cristo
e um vigoroso convite a viver, com a generosidade
do novo Beato, o Evangelho do Amor.
Concedo a todos a minha Bênção!
com aquele Jesus que diariamente recebe e oferece na Igreja.
Feliz és tu, amado Papa João Paulo
II, porque acreditaste! Continua do
Céu – nós te pedimos – a sustentar a fé
do Povo de Deus. Muitas vezes, do Palácio, tu nos abençoaste nesta Praça!
Hoje nós te pedimos: Santo Padre,
abençoa-nos! Amen.
No final da missa o Papa guiou a prece
mariana do Regina Caeli, introduzindo-a
com a saudação nas várias línguas às
delegações oficiais, às autoridades civis e
eclesiásticas e aos fiéis de todo o mundo,
dizendo em português:
Dirijo uma cordial saudação aos peregrinos de língua portuguesa, de modo
especial aos Cardeais, Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, e numerosos
fiéis, bem como às Delegações oficiais
dos países lusófonos vindos para a Beatificação do Papa João Paulo II. A todos desejo a abundância dos dons do
Céu por intercessão do novo Beato, cujo testemunho deve continuar a ressoar
nos vossos corações e nos vossos lábios,
repetindo como ele no início do seu
pontificado: «Não tenhais medo! Abri
as portas, melhor, escancarai as portas
a Cristo!«. Assim Deus vos abençoe!
página 10 - sábado 7 de Maio de 2011
L’OSSERVATORE ROMANO
edição semanal em português - número 19
O cardeal prefeito da Congregação para as Causas dos Santos falou sobre a beatificação de João Paulo
II
Um acontecimento extraordinário
NICOLA GORI
Um acontecimento extraordinário e
universal, que abrange não só a
Igreja mas também o mundo inteiro.
O cardeal Angelo Amato, prefeito
da Congregação para as Causas dos
Santos, fala nestes termos da beatificação de João Paulo II. Na presente
entrevista concedida ao nosso jornal,
o purpurado sublinha os aspectos da
santidade do Papa Karol Wojtyła e
afirma que imediatamente depois da
beatificação terá início o processo de
canonização, também tendo em consideração — acrescenta o cardeal —
que todos os dias chegam notícias
de graças alcançadas através da intercessão do Pontífice polaco.
Por que a beatificação de João Paulo
II pode ser definida como um acontecimento extraordinário?
Trata-se de um acontecimento extraordinário que interessa e comove
não só a Igreja, mas o mundo inteiro. Trata-se da glorificação de um
Papa que cumulou com a sua figura
a segunda metade do século passado
e o início do presente milénio.
O novo beato receberá um culto universal?
A beatificação, por si só, já permitiria um culto local. No que diz respeito a João Paulo II, existe a possibilidade, apresentando-se o pedido,
de poder celebrar a sua festa litúrgica também fora de Roma. Isto porque a fama de santidade e de milagres do Papa Wojtyła é tão difundida na Igreja inteira, que não se podia deixar de conceder esta excepção
à regra geral.
Qual é o fio condutor que, na sua opinião, permeia e caracteriza o pontificado de Karol Wojtyła?
É o impulso, o entusiasmo espiritual de dar testemunho da presença
de Deus na história da humanidade
e de fazer com que Jesus Cristo seja
conhecido pelo mundo inteiro. Pensemos na actualíssima, ainda hoje,
Encíclica Redemptoris missio, com a
corajosa proclamação de Cristo Salvador universal. As numerosíssimas
viagens apostólicas do Papa Wojtyła
eram verdadeiras missões ad gentes,
para anunciar Cristo e o seu Evangelho de verdade e de bondade a todos os povos, também àqueles que
ainda não O conhecem.
Pode-se identificar um «centro» no seu
magistério pontifício?
O centro é Jesus Cristo, Senhor
do universo e da história. É em volta
desta sólida realidade cristocêntrica
que se reúnem, depois, todos os demais elementos do seu magistério
pontifício. Em primeiro lugar, a sua
devoção mariana, que promana deste
grandioso entusiasmo por Cristo.
Não é por acaso que, na Encíclica
Redemptoris mater, Nossa Senhora é
apresentada como fiel e eficaz medianeira e cooperadora do Filho, a
favor da humanidade. Ainda ao redor de Cristo, como ramos no tronco, são inseridas as demais realida-
des da fé cristã, como a doutrina trinitária, a teologia moral, a catequese, a espiritualidade, a escatologia, o
direito e a liturgia.
O que se poderia acrescentar acerca do
aspecto mariano?
O aspecto mariano do magistério
do Papa Wojtyła acentuou-se depois
que sobreviveu ao atentado de 13 de
Maio de 1981, o que constitui o ponto de partida de um pontificado
mais fortemente consciente de ser
sustentado pela proximidade materna de Maria, protectora desde sempre da sua existência, como o seu
mote Totus tuus.
Ele foi também o Papa da «Salvifici
doloris».
Digamos que, principalmente com
os seus últimos anos de enfermidade, o Papa Wojtyła deixou-nos uma
autêntica catequese viva sobre o significado salvífico do sofrimento.
Uma catequese não pregada, mas vivida. O mundo inteiro compreendeu-a. Foi daqui que nasceu também
o grande fascínio que João Paulo II
exerceu no final da sua vida. Nos últimos meses, ele já não tinha voz,
mas falava de modo eloquente com
o corpo humilhado pela doença e
oferecido como sacrifício ao Senhor.
Isto ficou tão gravado no povo de
Deus, que a partir da sua morte teve
início aquela peregrinação ininterrupta até ao seu sepulcro, que ainda
agora continua. Nada deteve a devoção dos fiéis. Até nos dias frios e
chuvosos, há sempre uma longa fila
de pessoas que esperam pacientemente para ir rezar junto do seu túmulo nas Grutas do Vaticano.
Qual é a sua herança principal?
Eu sublinharia duas: a primeira é
missionária, e a segunda espiritual.
Antes de tudo, o Papa Wojtyła edu-
cou os fiéis a serem corajosos para
viver a fé, mas também para proclamar a sua identidade, sem ter medo
de testemunhar e de anunciar Cristo
a quem crê — também disto hoje há
necessidade — e inclusive àqueles
que não acreditam. Mediante as suas
viagens, até em terras tradicionalmente cristãs, o Papa Wojtyła foi sobretudo um missionário. Mas ele foi
inclusive — e esta é a sua segunda
herança — um grande místico, um
gigante da fé. Era um adorador do
Deus Trindade, através da Eucaristia. Os cristãos de hoje, que muitas
vezes são distraídos e superficiais,
deveriam aprender dele a rezar, a
adorar e a ser mais ricos interiormente.
Existe a possibilidade de chegar em
breve tempo à sua canonização?
Creio que sim. Imediatamente
após a sua beatificação, a postulação
realizará uma selecção e uma avaliação das graças e dos favores, que os
fiéis do mundo inteiro alcançam por
intercessão de João Paulo II. Sucessivamente, passar-se-á a preparar a
documentação necessária. Ao chegar
à Congregação, o dossier seguirá os
passos obrigatórios do procedimento
canónico previsto. Antes de tudo,
haverá o controle da parte dos médicos ou dos técnicos, quer se trate de
uma cura ou de um perigo evitado,
ou de outro motivo ainda. Depois,
há uma segunda passagem, que diz
respeito aos consultores teólogos,
que devem verificar a correspondência entre causa e efeito, entre a oração de pedido de intercessão ao beato e o efeito de cura ou de perigo
evitado. Em seguida, passa-se à sessão ordinária dos membros cardeais
e bispos da Congregação, para o seu
voto definitivo sobre o milagre. Finalmente, o prefeito é recebido em
audiência particular pelo Papa, que
autorizará a publicação do decreto
relativo ao milagre ocorrido. Uma
vez concluída esta fase, o Sumo
Pontífice anuncia num consistório
público também a data da canonização.
Já existem indicações de outros presumíveis milagres ocorridos graças à intercessão de Karol Wojtyła?
Devo dizer que todos os dias nos
são enviadas notícias de graças alcançadas mediante a sua intercessão.
Naturalmente, nós transmitimos tudo à postulação, porque não somos
nós que recolhemos esta documentação. É a postulação que faz a selecção. As pessoas muitas vezes ignoram estas fases. Precisamente nestes
dias, li um livro em que uma escritora dá testemunho de um presumível
milagre alcançado graças à intercessão do Papa Wojtyła para o seu filho de nove anos. Neste livro são
reunidos também todos os outros
milagres ocorridos mediante a intercessão dos santos e dos beatos glorificados durante o seu pontificado. É
importante esta reflexão «ampliada», porque a missão deste Papa
consistiu também em valorizar a
santidade presente de vários modos
na Igreja católica. Com efeito, ele
beatificou mais de mil servos de
Deus, inclusive alguns grupos bastante consistentes de mártires, e canonizou cerca de quinhentos santos.
Tudo isto implica uma multiplicidade de graças e de milagres, que praticamente inundaram a Igreja de favores celestiais. Trata-se de uma espécie de efusão de graças, que se expande sobre a Igreja e sobre o mundo — não só sobre os católicos — alcançada através da obra desta plêiade de beatos e de santos. Sob este
ponto de vista, pode-se ver o Papa
como uma espécie de «fonte» de
bem para todos.
O próprio João Paulo II interveio para
simplificar o andamento dos processos
de canonização da Congregação. Era
necessária uma actualização?
A legislação canónica procura
sempre abreviar os procedimentos.
Dos milhares de causas em curso,
sobressai a exigência de chegar com
solicitude ao seu bom êxito. São as
chamadas recomendações, que para
nós são importantes, porque demonstram que a causa está viva e os
autores estão interessados no bom
fim da mesma. Isto não significa que
o andamento da causa progride com
uma pressa superficial e sem os devidos critérios de profissionalidade.
Quer dizer, ao contrário, que está viva a fama de santidade e de milagres
de um servo de Deus, e que uma
causa é tirada num certo sentido do
esquecimento e levada para a meta
almejada. Para nós, é importante
que os autores se interessem e mantenham viva a causa mediante o diálogo contínuo com a Congregação
para as Causas dos Santos, directamente ou através dos postuladores.
Sinto-me muito feliz, quando os superiores-gerais ou os bispos vêm soCONTINUA NA PÁGINA 11
número 19 - edição semanal em português
L’OSSERVATORE ROMANO
sábado 7 de Maio de 2011 - página 11
to não é apenas um exemplo a contemplar, mas deve ser imitado. Este
é o significado da santidade. Neste
tempo intermediário, entre a beatificação e a canonização, a figura e o
testemunho do Papa Wojtyła deveriam confluir sobre a exemplaridade
dos cristãos, chamados a imitar as
suas virtudes e as suas atitudes. De
modo concreto, penso no compromisso para contrastar o ateísmo
ideológico e principalmente o ateísmo prático, que hoje diz respeito a
nações inteiras e a baptizados individualmente. Refiro-me à indiferença e
ao relativismo ético, em que encontram raiz fenómenos como o aborto,
a eutanásia, a manipulação genética
incontrolada e a contracepção. O
Papa Wojtyła sugeriu-nos continuamente a atitude de defesa e de acolhimento da vida nascente. A beatificação do Papa deve produzir estes
efeitos.
A este propósito, não podemos esquecer
que, diante de certas questões teológicas
e éticas, João Paulo II convidava a dirigir-se precisamente ao cardeal Joseph
Ratzinger.
8 de Setembro de 1997: o cardeal Joseph Ratzinger apresenta ao Papa o Catecismo da Igreja Católica
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 10
licitar a sua causa, porque deixam
compreender que as congregações
religiosas ou as dioceses estão compromissadas e interessadas. Repito,
os pedidos são importantes para
nós, diria que são até indispensáveis,
porque nos fazem compreender que
a causa é de grande interesse dos
fiéis.
Concretamente, quais são as facilitações
introduzidas pela legislação de João
Paulo II?
A maior facilitação diz respeito à
necessidade de aprovar um só milagre para a beatificação, e outro para
a canonização. Ponderando sobre isto, conclui-se que dois milagres para
a canonização constituem uma garantia extremamente rigorosa e convincente do «selo divino» sobre a
santidade de um servo de Deus ou
de um beato. Sem contar o facto de
que o exame de um «acontecimento
milagroso» da parte dos peritos (médicos ou técnicos) é particularmente
rigoroso. É necessário saber que no
seu campo, os cientistas, os médicos
e os técnicos são deixados completamente livres de agir e de tirar as
suas conclusões, em conformidade
com a ciência e a consciência. Deste
ponto de vista a congregação, o prefeito, o secretário e os demais colaboradores não interferem de maneira
alguma nos seus debates e conclusões: respeitam-nas, simplesmente.
João Paulo II abreviou um pouco o
procedimento, também porque às
vezes as causas se prolongavam durante séculos.
Houve outros documentos legislativos?
Não, mas em 2007 a Congregação
para as Causas dos Santos, a fim de
facilitar o procedimento canónico,
publicou a instrução Sanctorum Mater. Nela está descrito passo por passo o processo a seguir na fase diocesana, que é a etapa inicial mais importante para a causa. Para dar uma
ideia, trata-se de pôr em movimento
um comboio, de tal modo que chegue bem e pontual ao seu destino.
Por conseguinte, com esta finalidade
no início de cada causa são necessários discernimento e coragem. Por
exemplo, o bispo deve decidir sobre
a oportunidade ou não de dar início
a um processo e, em seguida, pôr
em acto todas as competências que
servem para recolher os testemunhos, para verificar os escritos e para
apresentar um juízo sobre a fama de
santidade e dos sinais, ou seja, sobre
aqueles favores divinos que demonstram como o servo de Deus levou
uma vida divina trinitária, da qual
derivam as graças. Este processo é
descrito muito bem pela Instrução,
que constitui um vade-mécum indispensável para a correcta elaboração
de uma causa. O processo romano é
facilitado enormemente pelo esmero
com que um inquérito diocesano foi
elaborado.
Além dos médicos, quem são os técnicos
aos quais é confiado o exame dos presumíveis milagres?
Para chegar à beatificação, é necessária uma cura milagrosa, ou perigo evitado, ou ainda algum outro
sinal prodigioso. Cito um exemplo.
Um operário estava ao volante de
um veículo que transportava traves
de ferro. Procedia em alta velocidade, quando percebeu que os travões
do veículo já não funcionavam. Numa curva, o veículo virou com a sua
carga e caiu num precipício. Naquele instante, o homem invocou o servo de Deus Eustáquio Kugler, depois beatificado em Regensburg. As
traves perfuraram a cabina e destruíram o veículo, mas o homem ficou
ileso. É claro que aqui se trata de
uma matéria reservada sobretudo aos
técnicos da estrada, aos peritos mecânicos e àqueles que estão envolvidos na verificação e na avaliação
destes acidentes. Outra pessoa que
evitou um perigo graças a um milagre atribuído a Padre Carlo Gnoc-
chi: um electricista que trabalhava
em contacto com a alta tensão, que
correu o risco de morrer. Invocou
Padre Gnocchi e permaneceu ileso.
É claro que também neste caso recorremos ao parecer de técnicos especializados.
A partir do momento da beatificação
de João Paulo II, caso se examine um
seu presumível milagre, quanto tempo
pode passar, antes que se chegue à sua
canonização?
Não existem tempos técnicos específicos. O processo depende de
vários factores, entre os quais a solicitude do postulador e a dos técnicos ou dos médicos. Por outro lado,
a Congregação não pode intervir no
que se refere ao exame que levam a
cabo os médicos individualmente,
mas nem sequer pode pedir que acelerem os tempos. Estes especialistas
devem ter à disposição todo o tempo necessário para a avaliação de
um caso. Para Karol Wojtyła, depois, trata-se de uma avaliação que
exige ainda mais rigor e atenção,
porque estamos a falar de um protagonista que tem uma dimensão universal. Temos que garantir o tempo
necessário de amadurecimento dos
juízos, das avaliações e também das
conclusões. Falando de prazos, gostaria de acrescentar algo a propósito
do espaço de tempo que entrecorre
entre uma beatificação e uma canonização. Quer se trate de meses, ou
de anos, de qualquer modo não é
um tempo perdido ou inútil. Uma
canonização é um acontecimento espiritual que deve também amadurecer. Para o alcançar, há um tempo
providencial, em que seria necessário
alcançar duas finalidades. A primeira
consiste em conhecer em maior medida a figura do beato, neste caso
do Papa Wojtyła. Refiro-me ao conhecimento verdadeiro, o da sua
doutrina, dos seus gestos, do seu
comportamento e da sua abertura
missionária. A segunda consiste na
imitação das suas virtudes. Um bea-
O cardeal Ratzinger era uma segurança, no que se referia à doutrina. João Paulo II — como lemos no
livro de recordações que acabou de
ser publicado pelo cardeal secretário
de Estado Tarcisio Bertone Un cuore
grande, e como eu mesmo posso
confirmar, dado que durante quase
três anos fui secretário da Congregação para a Doutrina da Fé — tinha
uma confiança ilimitada em Ratzinger. A tal ponto, que lhe confiou
uma obra fundamental, como a da
preparação do Catecismo da Igreja
Católica e do seu Compêndio. Com
efeito, ele sabia que o cardeal Joseph
Ratzinger teria garantido aos dados
da fé uma dignidade e uma integridade admiráveis. Recordo também
que Ratzinger, como presidente da
comissão especial para a preparação
do Compêndio, entregou ao Papa —
nessa época internado na policlínica
Agostino Gemelli — o texto definitivo para a sua promulgação. Numa
carta muito bonita, João Paulo II assegurou-lhe que o teria promulgado
quando tivesse obtido alta do hospital. Depois, quando o cardeal Ratzinger foi eleito Papa, numa das
suas primeiras audiências, permitime perguntar-lhe o que devia fazer
do Compêndio. A sua resposta foi
que ele mesmo o teria promulgado.
Com efeito, um dos primeiros actos
do seu magistério foi precisamente a
promulgação do Compêndio, a 28 de
Junho de 2005, memória de santo
Ireneu. Naquela circunstância teve
lugar a entrega solene do texto a um
cardeal, a um arcebispo (fui precisamente eu que o recebi), a um bispo,
a um sacerdote, a um catequista, a
duas catequistas, a uma religiosa, a
uma família, a um jovem e a uma
criança: um modo para fazer ver que
o Compêndio representava um instrumento extraordinário e universal de
catequese autêntica. Gostaria de
acrescentar e sublinhar que a grande
harmonia e consonância de fé e de
doutrina entre João Paulo II e o cardeal Ratzinger — futuro Bento XVI —
encontra precisamente neste texto
uma espécie de síntese. O Compêndio
pode ser chamado o Catecismo de
dois Papas.
página 12 - sábado 7 de Maio de 2011
L’OSSERVATORE ROMANO
edição semanal em português - número 19
Missa de acção de graças presidida pelo cardeal secretário de Estado Tarcisio Bertone
Abraçou o mundo com a oração
Os três dias de celebrações para a beatificação de João Paulo II concluíramse na manhã de 2 de Maio, com a solene missa de acção de graças, presidida na praça de São Pedro pelo cardeal
secretário de Estado, cuja homilia publicamos a seguir.
«Simão, filho de João, amas-me?
(...) Senhor, sabes tudo, Tu sabes
que te amo» (Jo 21, 17). Eis o diálogo entre o Ressuscitato e Pedro. É o
diálogo que precede o mandato:
«Apascenta as minhas ovelhas», mas
é um diálogo que primeiro perscruta
toda a vida do homem. São porventura estas, a pergunta e a resposta
que marcaram toda a vida e missão
do Beato João Paulo II? Foi ele mesmo que o expressou em Cracóvia,
em 1999, afirmando: «Hoje, sinto-me
chamado de modo particular a agradecer a esta milenária comunidade
de pastores de Cristo, clérigos e leigos, porque graças ao testemunho
da sua santidade, graças a este ambiente de fé que por dez séculos eles
formaram e formam em Cracóvia,
foi possível no fim deste milénio,
precisamente nas margens do Vístula, aos pés da Catedral de Wawel,
pronunciar a exortação de Cristo:
“Pedro, apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15). Foi possível apoiar a
debilidade do homem no poder da
eterna fé, esperança e caridade nesta
terra, e dar esta resposta: “Na obediência da fé diante de Cristo, meu
Senhor, confiando-me à Mãe de
Cristo e da Igreja — consciente das
grandes dificuldades — aceito”».
Sim, foi este diálogo de amor entre Cristo e o homem que caracterizou toda a vida de Karol Wojtyła e
que o conduziu não só ao serviço
fiel à Igreja, mas também à sua total
dedicação pessoal a Deus e aos homens, que distinguiu o seu caminho
de santidade.
Penso que todos nós recordamos
que no dia do seu funeral, durante a
cerimónia, num certo momento o
vento fechou docilmente as páginas
do Evangelho colocado sobre o caixão. Era como se o vento do Espírito quisesse assinalar o fim da aven-
tura humana e espiritual de Karol
Wojtyła, inteiramente iluminada pelo Evangelho de Cristo. Deste Livro,
ele descobria os desígnios de Deus
para a humanidade, para si mesmo,
mas principalmente aprendia Cristo,
o seu rosto e o seu amor, que para
Karol era sempre um chamamento à
responsabilidade. À luz do Evangelho, ele lia a história da humanidade
e as vicissitudes de cada homem e
mulher, que o Senhor tinha colocado no seu caminho. Era daqui, do
encontro com Cristo no Evangelho,
que brotava a sua fé.
Era um homem de fé, um homem
de Deus, um homem que vivia de
Deus. A sua vida era uma oração
contínua e constante, uma prece que
abraçava com amor cada habitante
do nosso planeta, criado à imagem e
semelhança de Deus, e por isso digno de todo o respeito; redimido com
a morte e ressurreição de Cristo, tornou-se por isso verdadeiramente glória viva de Deus (Gloria Dei vivens
homo, santo Ireneu). Graças à fé que
se manifestava sobretudo na oração,
João Paulo II era um autêntico defensor da dignidade de cada ser humano e não mero combatente por
ideologias político-sociais. Para ele,
cada mulher, cada homem, era uma
filha, um filho de Deus, independentemente da raça, da cor da pele,
da proveniência geográfica e cultural, e até do credo religioso. A sua
relação com cada pessoa resume-se
nesta frase maravilhosa, que ele escreveu: «O outro pertence-me».
Todavia, a sua oração era também
uma intercessão constante por toda
a família humana, pela Igreja, por
cada comunidade de fiéis, em toda a
terra — talvez tanto mais eficaz,
quanto mais marcada pelo sofrimento que caracterizou as várias fases da
sua existência. Não é acaso daqui —
da oração, da prece ligada a muitas
vicissitudes dolorosas, suas e dos outros — que derivava a sua preocupação pela paz no mundo, pela convivência pacífica dos povos e das nações? Ouvimos na primeira Leitura:
«Como são belos sobre as montes,
os pés do mensageiro que anuncia a
paz» (Is 52, 7).
Hoje damos graças ao Senhor por
nos ter oferecido um Pastor como
ele. Um Pastor que sabia ler os sinais da presença de Deus na história
humana, e depois anunciava as Suas
grandes obras no mundo inteiro, em
todas as línguas. Um Pastor que
mantinha radicado em si mesmo o
sentido da missão, do compromisso
na evangelização, na pregação da
palavra de Deus em toda a parte, no
seu anúncio sobre os telhados: «Como são belos sobre as montanhas os
pés (...) do mensageiro que anuncia
as boas novas, que anuncia a libertação e que diz a Sião: “O teu Deus
reina!”» (Ibidem).
Hoje damos graças ao Senhor por
nos ter oferecido uma Testemunha
como ele, tão credível, tão transparente, que nos ensinou como se deve
viver a fé e defender os valores cristãos, a começar pela vida, sem complexos e sem temores; como se deve
dar testemunho da fé com coragem
e coerência, praticando as BemAventuranças na experiência quotidiana. Damos graças ao Senhor por
nos ter oferecido um guia como ele
que, vivendo profundamente a fé
fundamentada num vínculo sólido e
íntimo com Deus, sabia transmitir
aos homens a verdade segundo a
qual «Cristo Jesus, que morreu, ou
melhor, que ressuscitou e está à direita de Deus, é quem intercede por
nós!» e «somos mais que vencedores
pela virtude daquele que nos amou
(...) e nem a morte, nem a vida, nem
os anjos, nem os principados, nem o
presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os
abismos, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor que
Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8, 34.37-39).
A vida, o sofrimento, a morte e a
santidade de João Paulo II são um
testemunho e uma confirmação tangível e certa disto.
Damos graças ao Senhor por nos
ter oferecido um Papa que soube
conceder à Igreja católica não só
uma projecção universal e uma autoridade moral a nível mundial, jamais
conhecidas, mas também, especialmente mediante a celebração do
Grande Jubileu do Ano 2000, uma
visão mais espiritual, mais bíblica e
mais centrada na palavra de Deus.
Uma Igreja que soube renovar-se,
delinear uma «nova evangelização»,
intensificar os vínculos ecuménicos e
inter-religiosos, reencontrando inclusive os caminhos de um diálogo frutuoso com as novas gerações.
E finalmente damos graças ao Senhor por nos ter oferecido um Santo
como ele. Todos nós tivemos a oportunidade — alguns de perto, outros
de longe — de entrever como eram
coerentes a sua humanidade, a sua
palavra e a sua vida. Ele era um homem verdadeiro, porque inseparavelmente ligado Àquele que é a Verdade. Seguindo Aquele que é o Caminho, era um homem sempre a caminho, sempre orientado para o maior
bem de toda a pessoa, para a Igreja,
para o mundo e para a meta que para todos os fiéis é a glória do Pai.
Ele era um homem vivo, porque repleto da Vida que é Cristo, sempre
aberto à sua graça e a todos os dons
do Espírito Santo.
A sua santidade foi vivida, especialmente nos últimos meses e semanas, em total fidelidade à missão que
lhe fora confiada, até à morte. Embora não se tratasse de um verdadeiro martírio, todos nós vimos como
se verificaram na sua vida as palavras que ouvimos no Evangelho de
hoje: «Em verdade, em verdade te
digo: quando eras mais jovem, cingias-te e andavas aonde querias. Mas
quando fores velho, estenderás as
tuas mãos, e outro cingir-te-á e levar-te-á para onde não queres» (Jo
21, 18). Todos nós vimos como lhe
foi tirado tudo aquilo que, humanamente, podia impressionar: a força
física, a expressão do corpo, a possibilidade de se mover, e até a palavra. E então, mais do que nunca, ele
confiou a sua vida e a sua missão a
Cristo, porque apenas Ele pode salCONTINUA NA PÁGINA 13
número 19 - edição semanal em português
L’OSSERVATORE ROMANO
sábado 7 de Maio de 2011 - página 13
Karol Wojtyła e o mundo do sofrimento
Nos doentes viu o rosto do Crucificado
ZYGMUNT ZIMOWSKI*
«Gostaria que hoje, através da Maria, fosse expressa a minha gratidão
por este dom do sofrimento». São as
palavras pronunciadas por João Paulo II a 29 de Maio de 1994, de regresso da policlínica Gemelli onde
fora hospitalizado por causa de uma
fractura. «Quero agradecer — continuava — por este dom. Compreendi
que é um dom necessário».
Karol Wojtyła conheceu desde o
início muitos aspectos da dor: a perda prematura de entes queridos e,
quase no final da sua vida, de capacidades físicas, como as habilidades
motoras e a palavra. Entre os lutos
sofridos, a morte da mãe, ocorrido
em 1929, quando tinha apenas oito
anos, depois a do irmão médico e,
alguns anos mais tarde, a do pai. A
tudo isso acrescentaram-se os anos
do pesadelo da guerra e da ocupação nazi e, sucessivamente, do regime comunista filo-soviético na nativa
Polónia.
Logo após alguns anos da sua nomeação para Bispo de Roma, a 16
de Outubro de 1978, começou o seu
calvário físico. Como é possível não
lembrar o atentado sofrido a 13 de
Maio de 1981 na praça de São Pedro
e as sucessivas numerosas hospitalizações na policlínica Gemelli que,
precisamente por isso, ele próprio
definiu numa ocasião o «terceiro Vaticano» depois do Estado da Cidade
do Vaticano e do Castel Gandolfo.
Aquele homem que, desde do início do seu pontificado, manifestou
visivelmente o seu amor pelas actividades desportivas e os passeios na
montanha, adoeceu de Parkinson,
perdeu progressivamente a capacidade de caminhar de forma autónoma
e, pouco antes da morte, a 2 de
Abril de 2005, ficou quase totalmente sem o uso da palavra.
Todavia, nada lhe impediu de
continuar a exprimir o próprio testemunho em todas as actividades pastorais nas quais — os biógrafos concordam — manifestou sempre uma
atenção especial pelos idosos, os
doentes, sobretudo se eram crianças
e jovens, os deficientes e os seus
acompanhadores, os agentes de saúde. Como recordou o cardeal Roberto Tucci num artigo publicado em
2005 em «La Civiltà Cattolica»,
«Nestes encontros havia uma intensa
participação que demonstrava quanto vivamente ele visse nos sofredores
o rosto de Cristo crucificado».
Com efeito, o próprio João Paulo
II sublinhou, na carta apostólica Salvifici doloris, publicada a 11 de Fevereiro de 1984, que «em Cristo cada
um dos homens se torna o caminho
da Igreja». Isto acontece especialmente quando na vida da pessoa
«entra o sofrimento», definido «mistério intangível».
«Aquilo que nós expressamos com
a palavra “sofrimento” — explicava —
parece ser particularmente essencial
à natureza humana. É algo tão profundo como o homem, precisamente
porque manifesta a seu modo aquela
profundidade que é própria do homem e, a seu modo, a supera. O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem; é um daqueles
pontos em que o homem está, em
certo sentido, “destinado” a superarse a si mesmo, e é chamado de modo misterioso a fazê-lo».
Além da Salvifici doloris, se se tomar em consideração a Redemptor
hominis e a Dives in misericordia, sobressai uma continuidade do pensamento da Igreja acerca do mérito
salvífico da paixão e da morte de Jesus e, por conseguinte, o direito e o
dever da Igreja de circundar de
amor todos os doentes e os sofredores. Por um lado, um serviço eclesial
da caridade, e por outro, uma oportunidade para os doentes de contribuir com os seus sofrimentos para a
redenção que nos é oferecida por Jesus crucificado.
Além disso, a grande atenção dedicada pelo Papa Wojtyła ao mundo
do sofrimento concretizou-se com a
instituição de várias realidades destinadas a promover e valorizar os
doentes e quem lhes dá assistência.
Com o motu proprio Dolentium
hominum deu vida, a 11 de Fevereiro
de 1985, à Pontifícia Comissão pro
Abraçou o mundo com a oração
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 12
var o mundo. Sabia que a sua debilidade corporal fazia ver ainda mais
claramente o Cristo que age na história. E oferecendo os seus sofrimentos a Ele e à sua Igreja, deunos a todos uma última, grandiosa,
lição de humanidade e de abandono nos braços de Deus.
«Cantai ao Senhor um cântico
novo, cantai ao Senhor, homens de
toda a terra. Cantai ao Senhor,
bendizei o seu nome!».
Entoemos ao Senhor um cântico
de glória, pelo dom deste grande
Papa: homem de fé e de oração,
Pastor e Testemunha, Guia na passagem entre os dois milénios. Este
cântico ilumine a nossa vida, a fim
de que não veneremos só o novo
Beato mas, com a ajuda da graça
de Deus, sigamos o seu ensinamento e o seu exemplo. Enquanto dirijo um pensamento grato ao Papa
Bento XVI, que desejou elevar o seu
grande Predecessor à glória dos altares, apraz-me concluir com as palavras que ele mesmo pronunciou,
no primeiro aniversário da morte
do novo Beato: «Estimados irmãos
e irmãs (...) o nosso pensamento
volta com emoção ao momento da
morte do amado Pontífice, mas ao
mesmo tempo o coração é como
que impelido a olhar para a frente.
Sentimos ressoar na nossa alma os
seus reiterados convites a progredir
sem medo pelo caminho da fidelidade ao Evangelho, para sermos
anunciadores e testemunhas de
Cristo no terceiro milénio. Voltam à
nossa mente as suas incessantes
exortações a cooperarmos com ge-
nerosidade para a realização de
uma humanidade mais justa e solidária, a sermos promotores de paz
e construtores de esperança. Que o
nosso olhar permaneça sempre fixo em
Cristo, “o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade” (Hb 13, 8), que
orienta solidamente a sua Igreja.
Nós cremos no seu amor, e é o encontro com Ele “que dá à vida um
novo horizonte e, desta forma, o
rumo decisivo” (cf. Deus caritas est,
1). Queridos irmãos e irmãs, a força
do Espírito de Jesus seja para todos, como foi para o Papa João
Paulo II, um manancial de paz e de
alegria. E a Virgem Maria, Mãe da
Igreja, nos ajude a ser em todas as
circunstâncias, como ele, apóstolos
incansáveis do seu Filho divino e
profetas do seu amor misericordioso». Amém!
valetudinis administris, a seguir elevada a Pontifício Conselho com a
constituição apostólica Pastor bonus
de 1988.
A 13 de Maio de 1992 instituiu o
Dia mundial do doente, que se celebra anualmente no dia 11 de Fevereiro, memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, e com a finalidade de sensibilizar em relação ao valor humano e cristão do sofrimento,
às necessidade dos doentes e sofredores, aos problemas da tutela da
saúde, à solidariedade e à colaboração a nível nacional e internacional.
No seu impulso inextinguível de
apostolado, com a sua determinação
e a sua coragem, João Paulo II soube oferecer-nos também muito por
ocasião da sua despedida da vida
terrena. «O Santo Padre, com as
suas palavras e as suas obras, doounos coisas grandes; mas não menos
importante é a lição que nos deu da
cátedra do sofrimento e do silêncio»,
sublinhou Bento XVI no discurso dirigido à Cúria romana, por ocasião
da apresentação dos bons votos de
Natal, a 22 de Dezembro de 2005.
«A resposta que o mundo inteiro
deu à morte do Papa foi uma impressionante manifestação de reconhecimento pelo facto de que ele,
no seu ministério — continuou — se
ofereceu totalmente a Deus pelo
mundo; um agradecimento pelo facto de que ele, num mundo repleto
de ódio e de violência, nos ensinou
novamente a amar e a sofrer ao serviço dos outros; mostrou-nos, por
assim dizer, ao vivo o Redentor, a
redenção, e deu-nos a certeza de
que, de facto, o mal não tem a última palavra no mundo».
O dicastério vaticano para a pastoral no campo da saúde, por ocasião da beatificação, como sinal também de gratidão por este seu alto
magistério, preparou um oração
apropriada, que será distribuída em
diversas línguas.
*Arcebispo presidente
do Pontifício Conselho para a Pastoral
no Campo da Saúde
página 14 - sábado 7 de Maio de 2011
L’OSSERVATORE ROMANO
edição semanal em português - número 19
Em diálogo com o cardeal arcipreste Angelo Comastri
Aquela procissão ininterrupta de fiéis
na Basílica vaticana
NICOLA GORI
Uma torrente ininterrupta de peregrinos prestou homenagem aos despojos de João Paulo II. A basílica de
São Pedro foi testemunha silenciosa
dos dias da beatificação: desde que
os seus despojos foram exumados da
capela das Grutas do Vaticano até à
exposição diante do altar da Confissão, até à inumação, na segunda-feira 2 de Maio, na capela de São Sebastião. O cardeal Angelo Comastri,
arcipreste da basílica, presidente da
Fábrica de São Pedro e vigário-geral
para a Cidade do Vaticano, narra o
extraordinário acontecimento eclesial
nesta entrevista ao nosso jornal.
O que o impressionou na celebração da
beatificação de João Paulo II?
Digo sinceramente, foi a humildade de Bento XVI. Parecia que se tinha tornado pequeno para mostrar à
Igreja e ao mundo a grandeza espiritual de João Paulo II que definiu,
com voz comovida, um gigante da
fé. Este não é um facto secundário.
Devemos verdadeiramente bendizer
o Senhor que nos doa homens como
João Paulo II e Bento XVI.
E nos dias precedentes?
Quando na manhã de sexta-feira,
29 de Abril, a grande lápide branca
foi removida e apareceu o caixão de
carvalho que continha o relicário de
chumbo, que por sua vez conservava
o relicário de cipreste com os despojos de João Paulo II, parecia que o
tempo tinha regredido. Os funcionários da Fábrica de São Pedro foram
os mesmos que o sepultaram há seis
anos e estavam emocionadíssimos.
Observei-os e reparei que as lágrimas caíam dos seus olhos e também
eu senti um arrepio de emoção. Revivi naquele momento o dia 8 de
Abril de 2005. Estava sentado ao lado direito da capela nas Grutas do
Vaticano. Diante de mim estava o
então cardeal Joseph Ratzinger, de-
cano do Sagrado Colégio. A cerimónia de inumação prolongava-se.
Com a mão acenei ao cardeal Ratzinger se se podia recitar o terço.
Do outro lado, ele ergueu delicadamente a mão e fez-me sinal de que
podia tranquilamente fazê-lo. Recitámo-lo com uma emoção fortíssima
e enquanto rezávamos a Maria, o relicário com os despojos de João Paulo II, que tinham a ferida de um
atentado, foi sepultado. E eu pensei
no que João Paulo II dissera: «Enquanto uma mão assassina tencionava matar-me, uma mão materna deteve o Papa no limiar da morte.
Desde aquele dia a minha vida é um
dom e um dom a cada dia. É um
dom de Deus. E eu desejo despender tudo por Ele, com as mãos de
Maria nas minhas». Pensei nesta frase de João Paulo II enquanto as
Ave-Marias enchiam as Grutas do
Vaticano. De qualquer modo, elas
abraçavam este filho extraordinário
de Maria, que quis pôr no seu brasão episcopal e papal, como recordou Bento XVI, um grande «M» encimado por uma cruz. Maria, que
nos conduz para Jesus, para cruz de
Jesus e a glória de Jesus.
O que aconteceu depois da exumação
dos despojos do Papa Wojtyła?
No momento em que o féretro de
João Paulo II foi colocado diante do
túmulo de São Pedro surgiu uma
torrente espontânea de funcionários
do Estado da Cidade do Vaticano.
Esta inundação não estava prevista,
mas não pudemos detê-la. Pela ordem pública tínhamos pensado em
fazer tudo com as portas fechadas,
mas não se podia deter este fluxo espontâneo de devoção. Inclusive a
Gendarmaria Pontifícia, com o comandante Giani, entendeu esta exigência do coração e deixámos que
os sentimentos fossem expressos. Vimos os funcionários de todas as administrações aproximarem-se do féretro de João Paulo II, como se não
tivessem passado seis anos. Cada um
veio em silêncio para reviver uma recordação, para oferecer uma oração.
Para dar graças ao Senhor que doa à
Igreja pastores santos. O primeiro
que transmitiu o afecto a João Paulo
II foi o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado, seguido pelo cardeal Stanisław Dziwisz. Também eu
estive presente, o arcebispo Fernando Filoni, substituto da Secretaria
de Estado, e muitas pessoas que, impulsionadas pelo coração, quiseram
unir-se a este abraço de afecto e gratidão. Devo exprimir a minha gratidão à Gendarmaria Pontifícia, que
tutelou a ordem nesta homenagem
espontânea. Dirijo também um obrigado comovido aos funcionários da
Fábrica de São Pedro, que realizaram um trabalho impecável, e à associação dos Santos Pedro e Paulo,
que se colocou à disposição com os
seus voluntários dia e noite.
Quando o féretro foi levado para a basílica?
Na manhã do dia 1 de Maio, de
forma privada, das Grutas do Vaticano o féretro foi levado para a basílica, e colocado diante do altar da
Confissão, exactamente diante daquele altar onde muitas vezes João
Paulo II celebrou a Eucaristia, falou,
fazendo ouvir a sua voz antes juvenil
depois cada vez mais débil, cansada,
mas sempre convicta e apaixonada
do anúncio do Evangelho. A partir
daquele momento a Guarda Suíça
desempenhou a guarda de honra dia
e noite ao lado do féretro de João
Paulo II e essa presença dava um toque de delicadeza e solenidade.
E depois da beatificação?
A basílica foi aberta a todos, a fim
de que pudessem deter-se um momento diante do féretro, com o brasão pontifical, as datas da sua vida e
uma cruz humilde e em cima o
evangeliário. É claro que aquele
evangeliário trouxe a todos a recordação de que há seis anos o vento
parecia uma mão invisível que fo-
lheava as páginas e quase dizia: se
quiserdes saber quem era João Paulo
II procurai o segredo nestas páginas.
Foi um homem que viveu o Evangelho e agora é a nossa vez. Passaram
diante do féretro do Papa os chefes
de Estado, todos com grande devoção, as várias delegações, os embaixadores e depois um rio, verdadeiramente uma torrente de pessoas, a tal
ponto que inclusive durante a noite
tivemos que deixar as portas da basílica abertas, porque esse mar humano era irreprimível e, como há
seis anos, queria abraçar João Paulo
II. Propusemos por três vezes a recitação do terço, tão amada por João
Paulo II. A beatificação foi realizada
a 1 de Maio, e como realçou o Papa,
é o dia do início do mês de Maria.
Também este foi um sinal muito bonito. E parecia-nos que as flores
mais lindas que podíamos colocar
sobre o féretro de João Paulo II
eram exactamente as Ave-Marias que
marcaram toda a sua existência, toda
a sua vida. A 2 de Maio, foi celebrada a missa de acção de graças pelo
dom deste beato, desta santidade heróica que marcou o encerramento do
século XX e o início do XXI. À tarde
foi recitado o último terço e às
18h00 foram fechados a basílica e o
acesso aos peregrinos. Às 19h15, de
forma privada, o féretro foi levado
em procissão pelos cónegos do Cabido do Vaticano para a Capela de
São Sebastião, onde se realizou a
inumação. Foi colocada uma lápide
com uma escrita humilde, mas bonita e sintética: «Beatus Joannes Paulus II». O altar de São Sebastião,
por uma coincidência não procurada, contém um retábulo em mosaico
que representa o santo atingido por
flechas, um mártir da perseguição de
Diocleciano. Embaixo há um mártir
dos tempos modernos, um homem
não trespassado pelas flechas, mas
por um projéctil que, à distância de
séculos, reencarnou o mistério da
Igreja, perseguida e vencedora através da perseguição.
L’OSSERVATORE ROMANO
número 19 - edição semanal em português
sábado 7 de Maio de 2011 - página 15
INFORMAÇÕES
Audiências
Bento XVI recebeu em audiências particulares:
No dia 30 de Abril
O Senhor Cardeal Dionigi Tettamanzi, Arcebispo de Milão (Itália).
No dia 2 de Maio
Os Senhores Cardeais Giovanni Lajolo, Presidente da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano; e Stanisław Dziwisz, Arcebispo de Cracóvia (Polónia); e o Rev.do
Pe. Saverio Cannistrà, O.C.D., Prepósito-Geral dos Carmelita Descalços.
Sua Ex.cia o Senhor Bronisław Komorowski, Presidente da Polónia,
com a Ex.ma Esposa e o Séquito.
No dia 5 de Maio
Os seguintes Prelados da Conferência episcopal da Índia, em visita ad
limina Apostolorum: D. Dominic Jala,
Arcebispo de Shillong; D. Dominic
Lumon, Arcebispo de Imphal e Administrador apostólico de Kohima;
D. Thomas Menamparampil, Arcebispo de Guwahati; e D. Lucas Sirkar, Arcebispo de Calcutá, com o
Arcebispo Coadjutor, D. Thomas
D’Souza.
Renúncias
O Santo Padre aceitou a renúncia:
A 2 de Maio
De D. William Martin Morris, ao
governo pastoral da Diocese de Toowoomba (Austrália).
A 4 de Maio
De D. Vitório Pavanello, S.D.B., ao
governo pastoral da Arquidiocese de
Campo Grande (Brasil), em conformidade com o cânone 401 § 1 do
Código de Direito Canónico.
Nomeações
O Sumo Pontífice nomeou:
No dia 29 de Abril
Enviado Especial às celebrações do
VI centenário da dedicação da Catedral de Włocławek (Polónia), o Cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito
da Congregação para a Educação
Católica.
No dia 30 de Abril
Membro do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, D. Piero Coccia, até hoje Arcebispo de Pesaro (Itália).
Consultor do mesmo Pontifíco Conselho para a Pastoral dos Migrantes
e Itinerantes, Sua Ex.cia o Senhor
Johan Ketelers, Secretário-Geral da
International Catholic Migration
Commission, com sede em Genebra.
Bispo de Puerto Cabello (Venezuela), D. Saúl Figueroa Albornoz, até
hoje Bispo Titular de Amudarsa e
Auxiliar da Arquidiocese de Caracas.
No dia 3 de Maio
Bispo de Tulcán (Equador), D.
Fausto Feliciano Gaibor García, até
agora Bispo Titular de Naraggara e
Auxiliar de Riobamba.
No dia 4 de Maio
Núncio Apostólico na Macedónia,
D. Janusz Bolonek, Arcebispo Titular de Madaurus, até esta data Núncio Apostólico na Bulgária.
Membros da Congregação para as
Causas dos Santos, os Senhores Cardeais Velasio De Paolis e Kurt Koch; D. Zigmunt Zimowski, D. Ambrogio Spreafico e D. Santos Abril y
Castelló.
Consultor da Congregação para a
Doutrina da Fé, D. Joseph Augustine Di Noia, até hoje Arcebispo Titular de Oregon City, Secretário da
Congregação para o Culto Divino e
a Disciplina dos Sacramentos.
Arcebispo Metropolitano de Campo
Grande (Brasil), D. Dimas Lara Barbosa, até agora Bispo Titular de
Megalopolis in Proconsulari e Auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Auxiliar da Arquidiocese de Belo
Horizonte (Brasil), o Rev.do Pe. Wilson Luís Angotti Filho, do Clero da
Diocese de Jaboticabal, até esta data
Assessor da Comissão para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil em Brasília, simultaneamente eleito Bispo Titular
de Tabae.
D. Wilson Luís Angotti Filho nasceu em Taquaritinga (Brasil), a 5 de
Abril de 1958. Estudou filosofia na
diocese de São Carlos (1976-1978) e
teologia no centro de estudos da arquidiocese de Ribeirão Preto (1978-1982).
Obteve a licenciatura em teologia dogmática na Pontifícia Universidade
Gregoriana (1987-1988) e a licenciatura em filosofia na Universidade do
Sagrado Coração de Jesus em Bauru
(1988). Foi ordenado Sacerdote a 19
de Dezembro de 1982 e incardinou-se
no Clero da diocese de Jaboticabal, onde desempenhou os seguintes cargos: Vigário paroquial de São João Batista e
Nossa Senhora Aparecida em Bebedouro (1982-1986); Coordenador diocesano da pastoral vocacional (19821986); Membro da equipe de formação
dos seminários diocesanos (19831986); Coordenador da região pastoral
de Bebedouro (1983-1986); Professor
de teologia dogmática no centro de estudos da arquidiocese de Ribeirão Preto (1990-1995); Membro do Conselho
presbiteral e do colégio dos consultores
(1992-1997 e 2004-2007); Pároco de
Nossa Senhora do Carmo (20002003); Pároco de São Judas Tadeu
(2003-2007); Assessor diocesano para
a catequese (2002-2007); e Coordenador diocesano para a pastoral (20032007). Desde 2007 é Assessor da Comissão para a Doutrina da Fé da
Conferência episcopal em Brasília; desde 2008 é Professor de Teologia dogmática na Faculdade teológica da arquidiocese de Brasília.
Auxiliar da Arquidiocese de Vitória
(Brasil), o Rev.do Pe. José Aparecido
Hergesse, C.R., até agora Procurador-Geral da Ordem dos Clérigos
Regulares (Teatinos) em Roma, simultaneamente eleito Bispo Titular
de Assava.
D. José Aparecido Hergesse nasceu
a 15 de Julho de 1957, em Paranapanema (Brasil). Estudou filosofia na
Faculdade filosófica do Mosteiro de São
Bento, em São Paulo, e teologia na
Pontifícia Universidade Gregoriana.
Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia
26 de Janeiro de 1985. Obteve a licenciatura em teologia dogmática na Pontifícia Faculdade teológica Nossa Senhora da Assunção, na arquidiocese de
São Paulo, e a licenciatura em teologia
bíblica na Pontifícia Universidade Gregoriana. Desempenhou os seguintes cargos: Vigário paroquial de Fartura, na
diocese de Ourinhos e Reitor no Seminário Menor (1985-1987); Pároco de
São Geraldo e Reitor do Seminário
Maior (1987-1990); Pároco de Fartura (1992-1994); Vigário paroquial em
São Domingos do Prata, na diocese de
Itabira — Coronel Fabriciano, no Estado de Minas Gerais (1995-1997); e
Professor no Seminário diocesano; Pároco em Taquarituba (1998-2007) e
Vigário-Geral da diocese de Itapeva
(2001-2004); Pároco de São Lucas,
na arquidiocese de Sorocaba (20072009). Desde 2010 é Consultor-geral,
Presidente da área da vida comunitária da família secular teatina e Procurador-Geral da Ordem dos Clérigos
Regulares junto da Santa Sé.
Auxiliar da Arquidiocese de São
Paulo (Brasil), o Rev.do Pe. Júlio Endi Akamine, S.A.C., até hoje Superior
Provincial da Província de São Paulo da Sociedade do Apostolado Católico (Palotinos), simultaneamente
eleito Bispo Titular de Thagamuta.
D. Júlio Endi Akamine nasceu no
dia 20 de Novembro de 1962, em
Garça (Brasil). Estudou filosofia e teologia no Studium Teologicum Claretianum da arquidiocese de Curitiba. Foi
ordenado Sacerdote a 24 de Janeiro de
1988. Obteve o diploma (1993-1996)
e a licenciatura (2002-2005) em teologia dogmática na Pontifícia Universidade Gregoriana. Como sacerdote palotino desempenhou o cargo de Vigário
paroquial (1988-1990) e Pároco
(1990-1993) de Santo Antônio em
Cambé, na arquidiocese de Londrina,
Reitor do Seminário Maior palotino
em Curitiba (1996-2001); Assessor da
Conferência episcopal regional Sul 2
dos bispos do Brasil (1996-1998);
Membro do Secretariado regional para
a formação dos Palotinos (19992005); Consultor da casa general dos
Palotinos (2001-2003); Director do
período propedêutico do Seminário da
província palotina Regina Apostolorum
em Grottaferrata, secretário provincial
para a formação em Curitiba (20052007); Director espiritual do Seminário Maior dos Palotinos em Curitiba
(2006-2007). Desde 2008 é superior
provincial da província palotina em
São Paulo, com sede na homónima arquidiocese.
Auxiliar da Arquidiocese de Medellín (Colômbia), o Rev.do Pe. Edgar
Aristizábal Quintero, do Clero da
Diocese de Cartago, até à presente
data Director do Departamento para
a Doutrina da Conferência Episcopal, simultaneamente eleito Bispo
Titular de Castra Galbae.
D. Edgar Aristizábal Quintero nasceu em Cartago, a 2 de Dezembro de
1965. Recebeu a Ordenação sacerdotal
no dia 7 de Dezembro de 1990.
Auxiliar da Arquidiocese de Medellín (Colômbia), o Rev.do Pe. Hugo
Alberto Torres Marín, do Clero da
Diocese de Santa Rosa de Osos, até
agora Reitor do Seminário Maior
diocesano de Santo Tomás de Aquino, simultaneamente eleito Bispo Titular de Bossa.
D. Hugo Alberto Torres Marín nasceu em Briceño (Colômbia), a 9 de
Agosto de 1960. Recebeu a Ordenação
sacerdotal no dia 24 de Novembro de
1987.
Prelados falecidos
Adormeceram no Senhor:
A 23 de Abril
De D. Pietro Li Hongye, Bispo da
Diocese de Luoyang (China Continental).
O saudoso Prelado nasceu a 6 de
Janeiro de 1920, em Xicunxian (China). Foi ordenado Sacerdote no dia 22
de Abril de 1944. A partir de 1955, foi
aprisionado várias vezes. Em 1956 foi
julgado «obstinado» e condenado à
cadeia na distante província de
Qinghai, onde permaneceu por 28
anos. Libertado em 1984, era o único
sacerdote de toda a diocese de Luoyang.
Recebeu a Ordenação episcopal a 10 de
Setembro de 1987.
A 28 de Abril
De D. Paul V. Donovan, Bispo Emérito de Kalamazoo (EUA).
O saudoso Prelado nasceu em Bernard (Estados Unidos da América),
a 1 de Setembro de 1924. Foi ordenado
Sacerdote no dia 20 de Maio de 1950.
Recebeu a Ordenação episcopal em 21
de Julho de 1971.
A 29 de Abril
De D. Salim Ghazal, Bispo Titular
de Edessa in Osrhoëne dos grecomelquitas, Auxiliar Emérito do patriarcado de Antioquia e Presidente
do Conselho episcopal melquita para o diálogo islâmico-cristão (Líbano).
O ilustre Prelado nasceu a 7 de Julho de 1931, em Machghara (Líbano).
Foi ordenado Sacerdote a 22 de Junho
de 1958. Recebeu a Ordenação episcopal no dia 5 de Agosto de 2001.
D. Anthony Francis Mestice, Bispo
Titular de Villa nova e ex-Auxiliar
de New York (Estados Unidos da
América).
O saudoso Prelado nasceu a 6 de
Dezembro de 1923, em New York (Estados Unidos da América). Foi nomeado Sacerdote a 4 de Junho de 1949.
Recebeu a Ordenação episcopal no dia
27 de Abril de 1973.
A 4 de Maio
D. Jacques Georges Habib Hafouri,
Arcebispo Emérito de Hassaké-Nisibi dos Síros (Síria).
O venerando Prelado nasceu a 20
de Agosto de 1916, em Damasco (Síria). Recebeu a Ordenação sacerdotal
no dia 28 de Janeiro de 1940. Foi ordenado Bispo a 13 de Agosto de 1982.
L’OSSERVATORE ROMANO
página 16 - sábado 7 de Maio de 2011
edição semanal em português - número 19
Em defesa da vida humana
João Paulo
LUCETTA SCARAFFIA
arol Wojtyła testemunhou a
sua atenção e o seu respeito
pelas mulheres — mas também a simpatia com que considerava
a outra metade do género humano —
na Carta apostólica Mulieris dignitatem com a qual, pela primeira vez na
história da Igreja, reconheceu solenemente a importância e a especificidade das mulheres na história da
salvação, e na qual até chegou a inclinar-se diante daquilo a que chamou «génio feminino».
Este documento é o ponto de chegada de uma experiência pessoal formada por importantes amizades com
mulheres, amizades prosseguidas
também durante o pontificado: com
efeito, nunca se tinha visto um Papa
abraçar as suas amigas sem temor,
manifestando-lhes afecto fraterno.
Uma abertura confirmada pela grande actriz polaca Halina KrólikiewiczKwiatkowska, que na juventude tinha subido ao palco com Wojtyła no
teatro clandestino, forma de resistência cultural à ocupação nazi.
K
II
e o génio feminino
Mas certamente a mulher
que esteve mais próxima de
Karol Wojtyła foi Wanda
Półtawska, que lhe chamava
Irmão. Wanda foi sua amiga
desde o início dos anos 50,
como demonstram os pensamentos e as cartas trocados
entre eles, até à morte de
João Paulo II, publicados na
Itália com o título Diario di
una amicizia (São Paulo). Pe.
Karol passava com a família
de Wanda — o marido Andrzej, filósofo, e as quatro filhas — os dias de festa e sobretudo as férias, compartilhando com eles o amor pelos bosques e montanhas, os
acampamentos sob as estrelas e as missas matutinas à
sombra das árvores. Quando
foi eleito Papa, confirmou
que os sentia próximos «como as
pessoas que me são mais queridas»,
e continuou a transcorrer com eles,
sobretudo com Wanda, os momentos mais importantes da sua vida,
também particular: como o primeiro
Natal passsado em Roma. As cartas
revelam indubitavelmente a sua influência sobre Wanda, médica psiquiatra de quem o jovem sacerdote
se tinha tornado padre espiritual,
mas também a da amiga sobre ele.
Como mulher e como mãe, além
disso médica, a doutora revelou-se
imediatamente uma consultora perfeita para os problemas da família e
da sexualidade, que Wojtyła considerava os mais urgentes entre aqueles que a Igreja do seu tempo devia
enfrentar. A consultoria de Półtawska foi útil sobretudo durante a preparação da Humanae vitae, para a
qual o cardeal Wojtyła — que fazia
parte da comissão instituída por
Paulo VI, para estudar este problema
— ofereceu uma contribuição fundamental. Assim como sucessivamente,
quando Wanda dedicou todas as
suas horas livres
para explicar a encíclica a leigos e
sacerdotes, com artigos e conferências, e foi durante
anos a alma do
Instituto para a família, fundado pelo arcebispo em
Cracóvia.
Mas a contribuição não foi só
apoio e consultoria
médica e familiar:
a experiência de
Wanda — por quatro anos prisioneira em Ravensbruck, com apenas
quinze anos, por
ter participado como escoteira na resistência polaca, e
onde tinha sido submetida a experiências científicas muito dolorosas,
que em seguida a obrigaram a graves operações — esteve na base da
sua batalha apaixonada pela vida
humana. Wanda escreve que a sua
defesa das crianças afundava as raízes na experiência feita no campo:
havia mulheres grávidas, e «os nazis
não obrigavam as prisioneiras grávidas ao aborto, mas esperavam até ao
parto», e não «por motivos altruístas, mas simplesmente para obter
mão-de-obra» e para «não ter mulheres doentes». Porém, depois do
parte aquelas crianças eram
abandonadas à morte de fome na enfermaria, ou então
lançadas vivas nos fornos.
Dado que teve de assistir várias vezes a estas cenas horríveis, «decidiu — recorda
Półtawska — de uma vez para sempre que, se tivesse saído viva daquele inferno, teria defendido todas as crianças, sem qualquer excepção». Wojtyła compartilha
esta batalha, em que considera indispensável o papel
dos leigos, como escreve à
amiga.
Por sua vez Wanda, como
mãe e como médica, dá-se
conta de quanto é necessária
uma «teologia do corpo»
que explique claramente como «a transmissão da vida
deve ser um desígnio de Deus», que
é necessário descobrir. E precisamente à teologia do corpo Wojtyła dedicará um importante e inovativo ciclo
catequético, depois da eleição como
Sumo Pontífice.
Portanto, o compromisso assumido por ambos em prol da família e
da defesa da vida nasce também de
uma reflexão sobre aquilo que aconteceu nos campos de extermínio. E
que havia um vínculo entre o mal do
século XX e o uso do progresso científico sem respeito pela moral, foi
bem compreendido por Romano
Guardini, que — no breve texto Il
diritto alla vita prima della nascita,
escrito para esconjurar a legalização
do aborto na Alemanha recém-saída
do nazismo — identifica claramente
um nexo entre o desprezo pela vida
humana em todas as suas formas e
as utopias ditatoriais do século passado. A Rússia comunista e a Alemanha nazi foram, efectivamente,
entre os primeiros países a legalizar
o aborto.
A história recente fez compreender quais perigos se escondiam num
abandono da moral cristã em nome
de uma confiança cega no progresso
tecnocientífico. Wanda, que vivera o
bem e o mal destas novas capacidades humanas, ofereceu uma ajuda
insubstituível ao Irmão, ao Papa
João Paulo II.