Edição Março/Abril 2013

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Edição Março/Abril 2013
ISSN 0047-2077
Março/Abril 2013
Volume 101
Número 2
Osteoartrite
Fisiologia e tratamento
medicamentoso
Doença de Crohn
estenosante
Abordagem contemporânea
do choque cardiogênico
Fraturas femorais atípicas
por uso prolongado
de bisfosfanatos
Constipação intestinal
Estados hiper e
hipoglicêmicos agudos
Examinando o corpo com os
olhos da alma
Editor: José Maria de Sousa e Melo
In memoriam
editorial
issn 0047-2077
A
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Medicina atual, com suas grandes aquisições nas áreas terapêutica e diagnóstica, trouxe maior e melhor capacitação ao ato
médico. Porém, aumentaram nossas responsabilidades e nossa
necessidade de conhecimento e atualização.
Redação
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Contato Médico: Jorge de Moura Bastos
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Tráfego e Logística: Manassés S. Pinto
A decisão sobre qual o melhor método de imagem, quais os exames
necessários e em que ordem devem ser solicitados obriga-nos a um
conhecimento amplo da clínica e das especialidades.
Em que momento indicar uma ultrassonografia e não uma tomografia
computadorizada? Quando solicitar esofagografia e não endoscopia?
São situações frequentes, e que não dependem apenas da disponibilidade e da complexidade do método, mas também de discernir o que se
pede, para bem interpretar o que se recebe.
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Editoração Eletrônica
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tradução, em todos os países signatários da Convenção Pan-Americana e da Convenção Internacional sobre Direitos Autorais.
Os trabalhos publicados terão seus direitos autorais
resguardados pela EPUC que, em qualquer situação, agirá como detentora dos mesmos.
Constitui um dos maiores problemas da Medicina contemporânea
a iatrogenia que está embutida na terapêutica, mas também na solicitação excessiva e desnecessária de exames. Inúmeros pacientes têm
um número imensurável de médicos, que receitam de acordo com seus
conhecimentos da especialidade. Falta-lhes a visão global e, assim, provocam interações medicamentosas indesejáveis, bem como toxicidades
inesperadas.
Ao tratar-se do Homem, há que se ter uma visão unitária, há que
examinar o corpo com os olhos da alma. Há que se debruçar humildemente sobre os livros para interpretar cada doente e sua doença, há que
dedicar-se à troca de conhecimento e à interação com outros colegas.
Os métodos terapêuticos e de diagnóstico melhoram, porém não podemos permitir que os médicos piorem.
Deve-se adotar nas escolas médicas o ensino da Antropologia, Sociologia, Filosofia e estimular a escrita e a leitura. Estas nos permitem melhor compreender o homem, a sociedade, seus direitos e seus limites.
É fundamental que o médico se preocupe com o bem-estar social,
que esteja preparado para os patifes lamurientos, bem como para os
intelectuais introspectivos.
Mas, há que se valorizar, acima de tudo, o Mestre, o artesão, capaz de
lapidar jovens inseguros e nestes cultivar o humanismo, a solidariedade
e o respeito ao próximo.
As universidades incentivam e valorizam, sobremaneira, a pesquisa,
mas terão de enaltecer aqueles que, no “anonimato”, ensinam aos nossos estudantes a arte da semiologia.
É preciso que cuidemos “das crianças”, para que tenhamos “adultos” capazes e felizes.
Publicações do Grupo:
Dr. José Galvão-Alves
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sumário
Conselho Científico
3
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13
19
Examinando o corpo com os olhos da alma
editorial
Presidente
artigos
Membros Honorários
Dr. José Galvão Alves
Doença de Crohn estenosante
Fratura femorais atípicas por uso prolongado de
bisfosfanato — Mito ou verdade?
Dr. Fernando Oswaldo Dias Rangel
Brasília
Columbano Junqueira Neto
Estados hiper e hipoglicêmicos agudos — Conduta atual
38
Bahia
Zilton A. Andrade
Luis Guilherme Lyra
Abordagem contemporânea do choque cardiogênico
41
25
Membros Titulares
Drs. Vincenzo Giordano, Marco Martins Lages, Egídio Santana, Felipe Serrão de Souza, Rodrigo Pires
e Albuquerque e Ney Pecegueiro do Amaral
Constipação intestinal
12
Amaury Coutinho (PE)
Affonso Berardinelli Tarantino (RJ)
Clementino Fraga Filho (RJ)
Mário Barreto Corrêa Lima (RJ)
Renato Dani (MG)
Prof. Sender J. Miszputen
31
47
José Galvão-Alves
Dr. José Galvão Alves
Espírito Santo
Carlos Sandoval
Goiás
Celmo Celeno Porto
Profs. Gilberto Perez Cardoso, Cyro Teixeira da Silva Junior e Renato Bergallo Bezerra Cardoso
Minas Gerais
Julio Chebli
Osteoartrite — Fisiopatologia e tratamento
medicamentoso
Paraná
Miguel Riella
Sergio Bizinelli
Dr. Fábio Freire José
Panorama internacional
seções
Pernambuco
José Roberto de Almeida
Dra. Andréa F. Mendes
Rio de Janeiro
Aderbal Sabrá
Azor José de Lima
Evandro Tinoco
Fábio Cuiabano
Gilberto Perez Cardoso
Jorge Alberto Costa e Silva
José Manoel Jansen
Marta C. Galvão
Mauro Geller
Henrique Sergio Moraes Coelho
Glaciomar Machado
Diagnóstico laboratorial
Gastroenterites infecciosas
Dr. Helio Magarinos Torres Filho
Imagem em medicina interna
Coordenação: Dra. Marta Carvalho Galvão
Adenocracinoma brônquico com atelectasia
Dras. Marta Carvalho Galvão, Lívia lopes Pinheiro e Maria Luíza Rodrigues Laguardia
São Paulo
53
54
58
4
Atualidades médicas
Capital
Adib Jatene
Flair José Carrilho
José Eduardo Souza
José Osmar Medina Pestana
Nestor Schor
Sender Miszputen
Dra. Andréa F. Mendes
Relato de caso
Mesenterite
Drs. José Galvão-Alves, Marta Carvalho Galvão e Daniella Cavalcante
Noticiário
Botucatu
Oswaldo Melo da Rocha
JBM
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Doença de Crohn estenosante
Sender J. Miszputen
Professor associado de Gastroenterologia da Escola Paulista de Medicina. Presidente do Grupo
de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil (GEDIIB). Vice-presidente da Sociedade de
Gastroenterologia de São Paulo. Honorário Nacional da Academia Nacional de Medicina.
Resumo
Summary
As estenoses são uma das mais graves
complicações da doença de Crohn (DC), por
pressuporem indicação de ressecção cirúrgica
de segmentos intestinais e, como consequên­
cia, um novo desenho anatômico do canal
alimentar, na maioria das vezes com perda do
seu estado fisiológico, objetivo insistentemente perseguido pelo tratamento medicamentoso desse processo inflamatório. Surgem tanto
primariamente em áreas doentes do intestino
delgado ou cólon quanto em anastomoses de
cirurgias prévias.
Stenosis are one of the most serious
complications of Crohn’s disease (CD), because they presuppose indication of surgical
resection of bowel segments and, as a consequence, a new anatomical drawing of the
alimentary canal, most often with loss of their
physiological state, goal insistently pursued by
drug treatment of this inflammatory process.
Primarily arise both in diseased areas of the
small intestine or colon anastomoses as in
previous surgeries.
Introdução
poderiam também predizer a benignidade
do curso clínico da inflamação, ou, por
outro lado, uma expectativa desfavorável,
tornando desnecessário um tratamento mais
agressivo, com seus riscos, para doentes
com previsão de melhor evolução (5, 31,
34, 47), bem como antecipar o emprego
de medicamentos mais potentes naqueles
com doença progressiva e complicada. De
toda forma, alguns estudos concluem que a
prescrição precoce de medicamentos imunomoduladores tem o potencial de alterar
o curso dessa doença (10, 12).
Ainda que possam surgir em qualquer
momento da evolução, mesmo nos casos que
iniciam a doença pela apresentação inflamatória, as estenoses ocorrem preferencialmente
em fases mais tardias, o mesmo acontecendo
com as fístulas. No momento do diagnóstico,
19% a 38% dos doentes já apresentam uma
das duas complicações, número que se amplia
para 56% a 65% após 10 anos de evolução,
atingindo o índice de 88% aos 20 anos de
inflamação (32). Cerca de 20% a 30% dos doentes com estenose desenvolverão, secundariamente, fístulas internas (32), e a experiência
demonstra que o tratamento da inflamação
nem sempre previne sua evolução para uma
cicatriz fibrosa, que acaba se tornando a mais
frequente das indicações de cirurgias de ressecção na DC (11).
Seria assim desejável reconhecer quais
parâmetros (clínicos e/ou sorológicos e/ou
genéticos) discriminariam a população de
risco, no sentido de tentar mudar a história
natural da doença, naturalmente heterogênea, e, através de estratégias terapêuticas
adequadas, evitar, se possível, a necessidade de cirurgias (8). Estes “marcadores”
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gastroenterologia
Doença de Crohn estenosante
Unitermos: Estenose;
doença de Crohn;
ressecção cirúrgica.
Keywords: Stenosis;
Crohn’s disease; surgical
resection.
Preditores da fibroestenose
intestinal
Genéticos
O uso de marcadores genéticos na previsão do risco de complicação da fibroestenose
na doença de Crohn teria, teoricamente,
muita relevância, pois os genes envolvidos se
encontram presentes antes mesmo do início
da doença, mantêm-se estáveis e não são
afetados pelo curso do processo inflamatório
(38), diferentemente do que ocorre com os
marcadores clínicos e sorológicos. Se, de um
lado, é aceito que a suscetibilidade para o
7
Doença de Crohn estenosante
Pontos-chave:
> Marcadores genéticos podem
criar instrumento relevante para
a previsão evolutiva da doença;
> Corticoterapia na primeira
crise de atividade e lesões do
trato digestivo superior são
indicativos de 90% de risco de
evolução desfavorável;
> O tratamento operatório nos
primeiros anos de evolução
está associado com tabagismo
e corticoterapia precoce.
8
aparecimento desta doença seja determinada
por um grande número de genes (18), além
do NOD2/CARD15 descrito inicialmente,
de outro, não foi possível, até o momento,
estabelecer uma correlação entre o fenótipo
estenosante e um padrão genético definido,
até porque uma parcela significativa de doentes não terá complicações durante toda a
evolução do processo inflamatório. Supõe-se
que distúrbios da imunidade inata, representados por mutações do gene NOD2 (9), e da
imunidade adquirida, através dos anticorpos
contra antígenos microbianos luminais, atuem
de forma sinérgica aumentando, direta ou
indiretamente, a probabilidade de desenvolvimento de lesões fibroestenóticas (3, 24, 27,
30). A literatura especializada associa algumas
variantes desse gene com a localização ileal
da inflamação, tendência para o comportamento estenótico e maior índice de cirurgias
abdominais, em razão desta complicação,
além de reduzido intervalo livre de doença
no pós-operatório (1, 15, 22, 35). Mas ainda
há controvérsias se estenoses e maior fre­
quência de cirurgias têm mesmo relação com
aquelas variantes genéticas ou se decorrem
da preferência ileal da doença, estando, por
isso, mais sujeitas à retração cicatricial, com
consequente indicação de correção cirúrgica.
É possível que os marcadores genéticos
não sejam mesmo capazes de predizer plenamente o comportamento e as possíveis complicações da DC, cabendo papel mais importante aos fatores ambientais envolvidos na sua
patogênese. Mas podem, em associação com
as características clínicas e microbiológicas de
cada doente, criar um instrumento relevante
para a previsão evolutiva dessa doença (6).
Clínicos
Os marcadores clínicos resultam de estudos retrospectivos de doentes em acompanhamento prolongado: início em idade abaixo
de 40 anos (26), presença de complicação
perianal no diagnóstico da doença (29, 49,
51), necessidade de corticoterapia na primeira
crise de atividade e lesões comprometendo
segmentos do trato digestivo superior são
parâmetros indicativos de 90% de risco de
evolução desfavorável (4). O mesmo ocorre
com a localização no íleo terminal e ileocólica
da inflamação, quanto à provável necessidade
de cirurgia (39, 49). O tratamento operatório
nos primeiros anos de evolução está associado
com tabagismo e corticoterapia precoce (41).
Dentre os fatores fortemente preditivos de
recorrência da DC no pós-operatório, o tabagismo ocupa um lugar de destaque. Como
há tendência de a recidiva ter um comportamento semelhante ao modelo que indicou
o tratamento cirúrgico, os fumantes apresentam risco aproximadamente dobrado de
repetição da doença, complicação e mesmo
nova cirurgia, quando comparados aos que
não fumam — na dependência, inclusive, do
número de cigarros consumidos/dia (52). Essa
mesma proporção é descrita na recorrência
da estenose pós-dilatação endoscópica (21).
Sorológicos
A positividade dos anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA), anti-porina C
da membrana da Escherichia coli (OmpC), da
proteína anti-Pseudomonas fluorescens (I2) e
antiflagelina (CBir1) associa-se com início da
doença em idade mais jovem, fibroestenose e
formato penetrante, assim como necessidade
de cirurgia mais imediata no intestino delgado
(48). A frequência de complicações aumenta
com a reatividade contra o maior número
desses antígenos (14).
Os novos marcadores sorológicos antiglicanos, laminaribioside (ALCA), chitobioside
(ACCA) e mannobioside (AMCA), quando positivos, assim como os citados anteriormente,
são preditores da complicação estenótica da
doença (37, 44). No estudo de Ferrante et al.
(17) confirmou-se que 76% dos indivíduos com
doença de Crohn apresentavam pelo menos
um desses marcadores, e a magnitude das
respostas, através dos anticorpos, contra esses
antígenos esteve associada com o comportamento mais complicado da inflamação e de
cirurgias a ela relacionadas.
Em relação aos componentes da matriz
extracelular, as duas principais moléculas
envolvidas na fibrogênese intestinal são o
colágeno I e o colágeno II (36), mas tanto a
laminina quanto o colágeno IV não se mostraram associados ao fenótipo fibroestenosante
da DC (28). Sobre os níveis plasmáticos de fibronectina, demonstrou-se que se apresentam
reduzidos nesta inflamação, porém os doentes
com as taxas mais altas foram os que se complicaram com a forma estenótica da doença
(2), mostrando seu potencial significado na
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Doença de Crohn estenosante
patogênese da evolução das ulcerações para
a cicatriz fibrosa.
Aspectos clínicos
Um dos grandes desafios clínicos nos
quadros suboclusivos é a diferenciação entre a atividade inflamatória (acompanhada
de edema de fase aguda e consequente
diminuição da passagem da área estenótica
— portanto reversível, pelo menos temporariamente, com tratamento medicamentoso) e
a fibrose estabelecida (com retração cicatricial,
de solução em geral operatória, seja através
de procedimentos de dilatação, também de
efeito transitório, ou, definitivamente, pela
ressecção do segmento obstruído). Ambas
as situações se superpõem quanto aos sintomas, mas alguns aspectos podem ajudar
na sua distinção em bom número de casos:
queixas recentes de descompensação (febre,
diarreia), alterações nas provas de atividade
inflamatória (proteína C-reativa [PC-R], calprotectina) e resposta imediata ao tratamento
com corticosteroides ou imunomoduladores
de ação rápida são parâmetros para se aceitar
a presença da inflamação como componente
da suboclusão. Quando esta complicação se
apresenta sem outras manifestações clínicas
ou sinais laboratoriais sugestivos de processo
inflamatório ativo e sem melhora com o tratamento mais agressivo, há forte argumento
para se considerar apenas a fibroestenose
como justificativa do quadro de obstrução.
Na prática, efetivamente, as duas condições
coexistem, ou seja, a inflamação aguda só
dificulta o trânsito do segmento doente se
seu lúmen já tiver algum grau de redução do
diâmetro, originada em retrações cicatriciais
prévias das suas paredes.
Novas técnicas de imagem, envolvendo o
estudo detalhado do intestino delgado, trouxeram grande contribuição para se distinguir
as complicações que acompanham a evolução
do processo inflamatório da DC, especialmente as que decorrem das lesões penetrantes e
das estenosantes.
As enterografias, por ressonância magnética (ERM) e por tomografia computadorizada
(ETC), representaram importante avanço na
avaliação morfológica dessa doença de qualquer localização, especialmente a relacionada
ao intestino delgado (45), com resultados
superiores quando comparadas com a raJBM
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diologia convencional do trânsito intestinal,
que identifica o estreitamento, porém sem
diferenciar se por edema inflamatório ou fibrose. Obviamente é um procedimento que se
recomenda para os casos em que os trechos
doentes não estejam ao alcance da endoscopia ou quando ela está contraindicada, como,
por exemplo, na cápsula endoscópica nas estenoses. Ressalte-se ainda que a endoscopia
somente avalia a mucosa superficialmente, e
não a inflamação transmural. A mesma eficácia
das imagens é obtida nas lesões penetrantes
da região pelviperineal.
Nos casos de estenoses, vários sinais radiográficos observados na enterotomografia
ajudam a definir seu caráter inflamatório
ou fibrótico, tornando mais fácil a decisão
sobre a conduta terapêutica. Na presença
de inflamação são identificados: realce da
mucosa, reconhecido pela densidade do seu
brilho; aumento da vascularização mesentérica, através do ingurgitamento dos vasos do
segmento doente; espessamento da parede
intestinal; presença de fluido extraluminal;
espessamento mesentérico; gás extraluminal;
aumento linfonodal; proliferação da gordura
mesentérica; e presença de fezes no intestino delgado (23). Este trabalho encontrou
também uma correlação dos achados de
imagem com marcadores da inflamação, PC-R
e hemossedimentação, como ocorre em outras doenças com anormalidades vasculares.
Igualmente comprovou-se a correlação entre
a medida quantitativa da atenuação da parede
intestinal pela ETC e a análise histológica da
inflamação (7).
A enterorressonância tem vantagem sobre
a enterotomografia, por não envolver radiação
ionizante e oferecer imagens em múltiplos
planos, assim como recursos para sua alta
resolução, através da distensão das alças por
algum contraste ministrado por via oral (19).
A acurácia diagnóstica de ambos os métodos
é comparável (25), ainda que a imagem da
ERM não seja de tão boa qualidade quanto a
observada na tomografia e apresente maior
variabilidade de interpretação entre inter­
ob­servadores (46, 53). Mas sem a agressão
de radiações, seu emprego nos doentes que
serão submetidos provavelmente a repetidos
procedimentos de imagem, desde jovens,
quando habitualmente o processo inflamatório se inicia (13), é opção segura para o
As enterografias, por
ressonância magnética
(ERM) e por tomografia
computadorizada
(ETC), representaram
importante avanço na
avaliação morfológica
dessa doença de qualquer
localização, especialmente
a relacionada ao intestino
delgado, com resultados
superiores quando
comparadas com a
radiologia convencional
do trânsito intestinal,
que identifica o
estreitamento, porém
sem diferenciar se por
edema inflamatório ou
fibrose.
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Doença de Crohn estenosante
acompanhamento da evolução da doença, até
mesmo por permitir a análise dos resultados
referentes à eficácia dos tratamentos medicamentosos (42).
Tratamento
O tratamento da doença de Crohn estenótica requer uma análise, de acordo com
o momento clínico em que se complica com
quadros obstrutivos, em razão de particularidades da sua abordagem terapêutica, seja
na fase aguda da suboclusão e quando da
sua cronicidade.
Pontos-chave:
> O tratamento da doença
de Crohn estenótica requer
uma análise, de acordo com
o momento clínico em que
se complica com quadros
obstrutivos;
> Com o paciente hospitalizado,
sugere-se iniciar corticoterapia
parenteral, hidrocortisona em
dose entre 300mg e 400mg/dia
ou metilprednisolona 80mg/dia;
> A melhora é esperada num
período de 36 a 48 horas.
10
Suboclusão aguda
Na dependência da localização anatômica
da estenose, quadros de vômitos podem criar
estados de desidratação, exigindo reposição
de volume e eletrólitos. A sondagem nasogástrica é a conduta recomendada, não só para
proteção contra aspiração traqueal de material
refluído como também para descompressão
da área estenosada, por vezes a medida mais
importante para sua reversão. A manutenção
do estado volêmico e das funções vitais confere tempo para identificação da causa obstrutiva, inflamatória ou fibrótica (sinais clínicos de
doença ativa, laboratório e imagem).
Com o paciente hospitalizado, concomitantemente aos procedimentos diagnósticos
referidos, sugere-se iniciar corticoterapia parenteral, hidrocortisona em dose entre 300mg
e 400mg/dia ou metilprednisolona 80mg/dia,
por via venosa e fracionada. A melhora é esperada num período de 36 a 48 horas. Nessa hipótese, a terapia deverá ser mantida até plena
recuperação do trânsito, com a passagem do
anti-inflamatório para a via oral, assim como
o reinício da alimentação, em consistências
progressivas. Antimicrobianos podem ser necessários, apoiados nos aspectos clínicos da
complicação (febre, alteração hematológica)
ou como prevenção da translocação bacteriana, possibilidade real em indivíduos com
algum grau de imunossupressão.
Se esse esquema não produzir a desobstrução, devem ser tentados imunomoduladores
de ação rápida e de utilização parenteral,
como ciclosporina (4mg/kg/dia, EV) ou,
preferencialmente, anti-TNF (EV ou SC) (33),
segundo as doses clássicas recomendadas
para indução de seu efeito sobre o processo
imunoinflamatório. Não há evidências na
literatura demonstrando que a rápida cicatrização das lesões provocadas pelos biológicos
nesta circunstância da inflamação aguda se
associe com piora da suboclusão ou da área
da estenose.
Como referido, a intenção maior do tratamento medicamentoso tem como base a
abordagem terapêutica de um provável componente agudo (edema) na área estenosada.
Em estudo retrospectivo, Samimi et al.
(40) avaliaram a evolução de 53 doentes com
fístulas, estenoses ou ambas as complicações.
Ainda que mais de 50% de todo o grupo
tenha se beneficiado com o tratamento medicamentoso, 50% dos casos de fibroestenose
acabaram em cirurgia num intervalo de um
ano, concluindo os autores pela pequena
durabilidade da resposta inicial e que, por
esse motivo, a indicação de cirurgia deve ser
intervenção de primeira linha. Os diferentes
percentuais por eles referidos talvez estivessem relacionados com subgrupos fenotípicos
respondedores iniciais ao tratamento medicamentoso, como ocorre em outras situações
da doença. Nesta pesquisa a recorrência da
complicação ocorreu, preferencialmente, nos
casos de localização ileocólica.
Talvez a única expectativa na condução
desses doentes com a tentativa clínica seja a
de evitar, pelo menos em parte deles, a cirurgia de ressecção numa fase mais aguda da inflamação. Por outro lado é preciso reconhecer,
na prática, que um número não desprezível
deles consegue manter-se sem sintomas da
obstrução por longo tempo e com o intestino
anatomicamente íntegro.
Suboclusão crônica
Nos doentes com lesões estenóticas, cronicamente subocluídos, pode-se optar pela
dilatação da área estreitada, utilizando-se
balão hidrostático, desde que ela seja abordável pela endoscopia. O benefício clínico e a
relativa segurança do procedimento conferem
à dilatação uma opção válida para o tratamento conservador destes casos (16, 20). Ainda
assim deve-se dar preferência às estenoses de
mais fácil acessibilidade, no sentido de que o
operador tenha melhor visão das manobras
que irá executar. Não há dúvida de que, com
boa experiência, o endoscopista será capaz
de realizar a dilatação, também em áreas
distantes da borda anal e mesmo no intestino
JBM
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Doença de Crohn estenosante
delgado, através da enteroscopia de duplo
balão, desde que o segmento a ser dilatado
não seja, na extensão, superior a 10cm.
Complicação perfurativa, secundária à
tentativa de dilatação do segmento pré-estenótico, relativamente incomum, deve ser
monitorada por radiografias simples, seriadas,
do abdome.
Mesmo que decorrido longo tempo sem
sintomas a ela relacionados, a estenose poderá
se refazer, indicando-se novas dilatações, com
a mesma segurança (43). A injeção intramural
de corticosteroide (triancinolona) nos quatro
quadrantes da área recém-dilatada poderá
retardar seu reaparecimento. Um número não
desprezível de casos permanecerá assintomático com uma única dilatação ou uma segunda
manipulação, após período prolongado. Esse
método de tratamento reduz significativamente
o encaminhamento de doentes com estenoses
para cirurgia de ressecção.
Há também diferentes formas de tratamento cirúrgico das estenoses da DC, tanto do
intestino delgado quanto do cólon, variando
a conduta de acordo com seu número, localização, extensão e cirurgias prévias (50). No
delgado, lesão única deverá ser ressecada, na
menor extensão possível. A mesma proposta
se aplica aos casos de estenoses múltiplas,
desde que anatomicamente próximas, dentro
da proposta de ressecção de pequeno segmento. A estratégia conservadora se propõe
utilizar plásticas enterais, nas estenoses mais
curtas, abertura no sentido longitudinal e
sutura transversal, evitando remover a área
estreitada, técnica a ser igualmente aplicada
sobre outras lesões semelhantes, eventualmente insuspeitas, quando não acometem
segmentos distantes ou longos (maiores que
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associated with fibrostenosing disease in patients with Crohn’s
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World J. Gastroenterol., 18(29): 3806-13, 2012.
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10cm), que exigem outro modelo de plastia.
Impedimentos para a execução das enteroplastias vêm a ser o comprimento do trecho
estenosado, a presença associada de fístulas
internas e a dilatação do segmento pré-estenótico. A presença de processo inflamatório
na área ressecada não é contraindicação para
sua execução.
As ressecções devem se estender por
um mínimo de área possível, mesmo em se
tratando da primeira intervenção, no sentido
de manter a função intestinal o mais próximo
do normal, pois são doentes com risco aumentado de futuras novas enterectomias ou
colectomias, seja na área da anastomose ou
de segmentos previamente sadios.
As estenoses do cólon devem também ser
ressecadas, mantendo-se a mesma proposição
de remoção da menor área possível, em caso
de insucesso com manobras de dilatação
endoscópica. Retiradas segmentares são
passíveis de boa evolução ou, pelo menos,
retardam a indicação de cirurgias ampliadas.
As oclusões completas enterais ou cólicas
são de tratamento cirúrgico.
Conclusão
Pelo exposto, as decisões sobre as condutas diagnósticas e terapêuticas na complicação estenótica da doença de Crohn merecem
análise individualizada. As particularidades de
cada doente, o perfil genético e epidemiológico, condições ambientais, o momento da
evolução e a resposta aos tratamentos prévios,
medicamentoso e/ou cirúrgico, têm papel
marcante nos resultados, de difícil previsão, o
que sugere ao médico o não estabelecimento
de regras iguais para uma doença de comportamento reconhecidamente heterogêneo.
17.BODILY, K.D.; FLETCHER, J.G. et al. — Crohn’s disease:
Mural attenuation and thickness at contrast-enhanced CT
enterography-correlation with endoscopic and histologic
findings of inflammation. Radiology, 238(2): 505-16, 2006.
18.CERQUEIRA, R.M. & LAGO, P.M. — Clinical factors predictive
of Crohn’s disease complications and surgery. Eur. J. Gastroenterol. Hepatol., 25(2): 129-34, 2013.
19.CLEYNEN, I.; GONZÁLEZ, J.R. et al. — Genetic factors conferring an increased susceptibility to develop Crohn’s disease
also influence disease phenotype: Results from the IBDchip
European Project. Gut, 2012 (resumo).
10.COLOMBEL, J.F.; SANDBORN, W.J. et al. — Infliximab,
azathioprine or combination therapy for Crohn’s disease.
N. Engl. J. Med., 362: 1383-95, 2010.
Endereço para
correspondência:
Sender J. Miszputen
Av. Angélica, 916/6o andar
conj. 607
01228-000
São Paulo-SP
Obs.: As 43 referências restantes que compõem este artigo se
encontram na Redação à disposição dos interessados.
11
panorama internacional
Doença do refluxo gastroesofágico
em adultos
Am. J. Gastroenterol.
A doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE) é afecção crônica, decorrente do
fluxo retrógrado de parte do conteúdo
gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos
adjacentes. Tende a afetar significativamente
a qualidade de vida, podendo acarretar
espectro variável de sintomas esofagianos
— pirose, regurgitação ácida ou alimentar
— e/ou extraesofagianos — tosse crônica,
asma recorrente, rouquidão. O adequado
diagnóstico e o tratamento da DRGE são
fundamentais, visando à resolução sintomática e à prevenção de complicações, como
estenose péptica e esôfago de Barrett,
importante fator de risco de adenocarcinoma de esôfago. O periódico The American
Journal of Gastroenterology traz, na edição
de março de 2013, o artigo “Guidelines for
the Diagnosis and Management of Gastroesophageal Reflux Disease”, no qual Katz
e colaboradores traçam diretrizes para a
conduta na DRGE.
O diagnóstico da DRGE pode ser estabelecido com base em dados clínicos —
manifestações esofagianas típicas. Nesses
pacientes, na ausência de sinais de alarme,
pode-se iniciar terapia empírica com inibidores de bomba protônica (IBPs). Naqueles
com dor torácica atípica é necessário detalhada investigação cardiológica, antes que
se possa atribuir tal sintoma à DRGE. Na
presença de sinais de alarme ou quando
houver suspeita de doença complicada, o
exame complementar a ser solicitado é a
endoscopia digestiva alta (EDA), método
que não precisa ser repetido rotineiramente
ao longo do tratamento, exceto quando
surgirem novos sintomas ou naqueles com
Barrett. A pHmetria é o método de escolha
para a forma não erosiva; permite correlacionar o refluxo com os sintomas referidos
e faz parte da avaliação daqueles refratários
aos IBPs. A manometria esofagiana deve
ser solicitada para fins de avaliação pré-operatória e, assim como a esofagografia,
12
não se presta ao diagnóstico específico da
DRGE. Os autores não recomendam pesquisar ou tratar a infecção pelo H. pylori no
contexto da DRGE.
Em relação ao tratamento, a principal
recomendação é utilizar os IBPs por oito
semanas; usualmente prescritos para uso
uma vez ao dia, é possível administrar uma
segunda dose à noite aos respondedores
parciais. A terapia de manutenção (IBP na
dose mínima eficaz, de acordo com a demanda ou intermitente) fica reservada para
os pacientes cujos sintomas recorrem depois da retirada do IBP e para aqueles com
complicações, como o esôfago de Barrett. É
importante destacar que não se demonstrou
diferença em eficácia quando se compararam os diferentes tipos de IBPs. Os autores
lembram ainda da terapia cirúrgica, opção
quando há necessidade de tratamento de
manutenção por longo prazo, em pacientes
cuidadosamente selecionados.
Endocardite infecciosa
NEJM
Paciente do sexo masculino, 55 anos
de idade, com diagnóstico prévio de insuficiência mitral, busca atendimento médico
referindo fraqueza muscular em membro
superior direito e dislalia. Relata episódios
recentes de febre intermitente e perda
ponderal, além de procedimento odontológico periodôntico um mês antes. Ao exame
físico do aparelho cardiovascular não foram
evidenciadas outras anormalidades, além
do sopro da regurgitação mitral. Ecocardiograma transtorácico evidenciou vegetação
móvel de 12mm em válvula mitral, com
regurgitação leve. A ressonância magnética
cerebral demonstrou lesões isquêmicas
recentes.
Como deve ser o manejo desse paciente? Visando responder a essa questão,
Hoen e Duval redigiram o artigo “Infective
Endocarditis”, publicado na edição de 11
de abril de 2013 do periódico The New England Journal of Medicine (N. Engl. J. Med.,
Profa. Dra. Andréa F. Mendes
368: 1425-33, 2013). Nele, os autores fazem
uma revisão sobre a endocardite infecciosa
(EI), infecção endocárdica que acomete
indivíduos com material protético cardíaco,
portadores de valvulopatias ou EI prévia
— apesar da possibilidade de ocorrer em
pacientes sem diagnóstico prévio de cardiopatia. O ecocardiograma é o método de escolha para confirmar a EI, permitindo estimar
a gravidade, tendo em vista que vegetações
grandes e móveis, especialmente quando
em válvula mitral, se associam a maior risco
de fenômenos embólicos. A escolha do antibiótico tem como base a realização de até
três hemoculturas (estafilococos e estreptococos são identificados em 80% dos casos)
e a duração do tratamento — que deve ser
multidisciplinar, envolvendo especialistas em
Cardiologia, Cirurgia Cardíaca e Infectologia
— varia de duas (casos não complicados,
em válvula nativa) a seis semanas (válvula
protética, EI por enterococo). Casos de difícil
controle, falência cardíaca e risco de eventos
tromboembólicos são indicações para tratamento cirúrgico precoce. As manifestações
encefálicas representam a complicação
extracardíaca mais comum, e também de
maior gravidade. A profilaxia da EI é recomendada para os pacientes com válvula
protética, história prévia de EI ou cardiopatia
congênita cianótica, que serão submetidos
a procedimento dentário invasivo.
Para o paciente do caso descrito, os
autores indicam antibioticoterapia empírica
(aminopenicilina com inibidor betalactâmico, associada à gentamicina), enquanto
se aguarda o resultado da hemocultura.
Destacam que a ocorrência recente de embolia cerebral e o achado ecocardiográfico
de vegetação grande e móvel constituem
indicação para cirurgia valvar mitral urgente.
Doença do refluxo gastroesofágico
em Pediatria
Pediatrics
A American Academy of Pediatrics também se manifestou recentemente sobre o
manejo da DRGE na infância. O principal
ponto destacado por Lightdale e colaboradores, no artigo “Gastroesophageal Reflux:
Management Guidance for the Pediatrician”
(Pediatrics, 131(5): e1684-e1695), é a diferenciação entre a DRGE propriamente dita
— que pode evoluir com complicações e,
portanto, exige investigação complementar
e tratamento farmacológico apropriado — e
o refluxo fisiológico não complicado, em
especial em bebês. Nesse último, a terapia
conservadora (modificações dos hábitos de
vida) costuma ser suficiente.
JBM
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MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Fraturas femorais atípicas por uso prolongado de bisfosfonatos
ortopedia
Mitos e verdades
Fraturas femorais atípicas por uso
prolongado de bifosfonatos
Mitos e verdades
Vincenzo Giordano
Coordenador do Programa de Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia e de
Especialização em Cirurgia do Trauma Ortopédico do Serviço de Ortopedia e Traumatologia Prof.
Nova Monteiro, Hospital Municipal Miguel Couto (SOT Prof. Nova Monteiro-HMMC). Membro
titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).
Marco Martins Lages — Egídio Santana — Felipe Serrão de Souza
Especialistas em Cirurgia do Trauma Ortopédico pelo SOT Prof. Nova Monteiro-HMMC. Membros
titulares da SBOT.
Rodrigo Pires e Albuquerque
Professor adjunto do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Membro titular da SBOT.
Ney Pecegueiro do Amaral
Chefe do SOT Prof. Nova Monteiro-HMMC. Membro titular da SBOT.
Resumo
Summary
As fraturas atípicas do fêmur são raras,
mas sua crescente descrição na literatura e
sua provável associação com os bifosfonatos
trouxeram à tona uma série de aspectos ainda
nebulosos no tocante ao uso contínuo dessas
drogas. O protocolo mais sugerido atualmente, embora ainda não totalmente estabelecido, orienta a retirada da medicação após três
a cinco anos de uso contínuo dos bifosfonatos,
retornando cerca de três anos depois, quando
houver necessidade.
Atypical femur fractures are rare but a
growing concern, as they are more common in
patients who use long-term bisphosphonates.
This brought to light a number of issues still
unknown regarding the continued use of
these drugs. Nowadays the most suggested
protocol, although not yet fully established,
considers not more than three to five years of
bisphosphonate treatment for osteoporotic
patients, returning about three years later,
when the need arises.
Introdução
autores observaram que os bifosfonatos
orais, utilizados em curto prazo, reduzem
o risco de fraturas vertebrais, embora em
longo prazo possam causar osteonecrose da
mandíbula, câncer de esôfago e fibrilação
atrial, e aumentar o risco de fraturas atípicas
e adinamismo ósseo.
Apesar dessa aparente dualidade, a relação entre riscos e benefícios dos bifosfonatos orais existentes no mercado continua a
ser favorável a seu uso, mas questões como
A ocorrência de fraturas atípicas do fêmur
torna-se cada vez mais frequente na literatura médica específica, representando uma
nova entidade de doença encontrada nos
usuários de longo prazo dos bifosfonatos
orais. Recentemente, Salari e Abdollahi avaliaram os benefícios e os riscos dessas drogas, especialmente quando sua utilização
no tratamento da osteoporose em adultos
mais velhos dura mais de três anos. Esses
JBM
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VOL. 101  No 2
Unitermos: Fratura
atípica; bifosfonato; fêmur;
região subtrocantérica;
diáfise do fêmur;
osteoporose.
Keywords: Atypical;
bisphosphonate; femur;
subtrochanteric; femur
shaft; osteoporosis.
13
Fraturas femorais atípicas por uso prolongado de bisfosfonatos
Mitos e verdades
a correta indicação e o tempo de utilização
estão sendo revistas, com o intuito premente de reduzir os efeitos adversos desses
fármacos. Somente a compreensão exata
da fisiopatologia da doença osteoporótica
propriamente dita e das reações celular e
ultraestrutural no osso poderá trazer luz
aos pesquisadores, tornando mais segura
a prescrição de drogas antirreabsortivas
do esqueleto. Finalmente, a identificação
do paciente em risco de fratura atípica femoral, por meio do conhecimento de seus
pródromos, sintomas e opções de manejo,
deve estar firme na lembrança de todos os
profissionais que lidam com o paciente idoso
osteoporótico.
Os objetivos dos autores são: 1. discutir a
fisiopatologia da doença osteoporótica; 2. recordar o mecanismo de ação dos bifosfonatos
orais; e 3. rever as características, a epidemiologia e a suposta fisiopatologia das fraturas
atípicas do fêmur, mostrando as estratégias
para seu manejo.
Fisiopatologia da doença
osteoporótica
Pontos-chave:
> Osteoporose é a doença
metabólica mais comum do
osso, ocorrendo em mais de
200 milhões de indivíduos no
mundo;
> Caracteriza-se por redução
da massa óssea e deterioração
da microarquitetura do tecido
esquelético;
> É uma doença silente, sendo
o paciente normalmente
assintomático até que ocorra
uma fratura.
14
A osteoporose é a doença metabólica
mais comum do osso, ocorrendo em mais
de 200 milhões de indivíduos no mundo.
Caracteriza-se por redução da massa óssea
e deterioração da microarquitetura do tecido
esquelético, levando a aumento da fragilidade óssea e, consequentemente, a maior risco
de fratura (1). É uma doença silente, sendo
o paciente normalmente assintomático até
que ocorra uma fratura. Estima-se que ocorram anualmente nos EUA mais de 1,5 milhão
de fraturas relacionadas à osteoporose,
principalmente na coluna vertebral e nas
extremidades superior do fêmur e inferior
dos ossos do antebraço, gerando gastos
orçamentários elevados e maiores taxas de
morbidade e mortalidade (2). O sexo feminino é o mais afetado, embora os homens se
encontrem em risco similar ao das mulheres
após a oitava década da vida (osteoporose senil). Aos 80 anos de idade, 20% das
mulheres sofrerão fratura da extremidade
superior do fêmur; na década seguinte, 50%.
As mulheres com idade superior a 85 anos
têm oito vezes mais possibilidade de sofrer
fratura nesta região do que aquelas entre
65 e 74 anos (2).
Apesar de sua etiologia não ser completamente compreendida, a patogênese
da doença osteoporótica está fortemente
relacionada à menopausa e caracteriza-se
por aumento substancial na remodelação do
esqueleto, levando à perda de massa óssea,
à deterioração grave da microarquitetura
óssea e à redução da qualidade do osso, três
pontos determinantes na gênese da fratura
osteoporótica (3). Atualmente está muito
bem esclarecido que o risco de fratura é
inversamente proporcional aos níveis de estrogênio em mulheres na pós-menopausa (4).
Com a perda de estrogênio ocorre aumento
na remodelação tanto no osso cortical quanto
no trabecular.
O estrogênio age através de dois receptores, o α (ERα) e o β (ERβ). O primeiro parece
ser o mediador primário das ações desse
hormônio sobre o esqueleto (5). Em nível
celular, atua diretamente sobre a formação
óssea, mediada por osteoblastos e osteócitos, aumentando a resposta a forças mecânicas iniciadas por estas próprias células. Além
disso, estimula o sistema osteoprotegerina
(OPG) e inibe a produção do receptor ativador do ligante fator nuclear-kB (RANKL)
nas células do estroma e nos osteoblastos,
protegendo o esqueleto da reabsorção
óssea excessiva. Finalmente, exerce efeito
direto sobre os osteoclastos, evitando sua
diferenciação e acelerando sua apoptose,
devido ao aumento da produção do fator de
transformação β (TGF-β).
Na doença osteoporótica são encontrados
inúmeros fatores de estímulo à reabsorção
óssea, aumentando a expressão do RANKL
nos osteoblastos e nos linfócitos T e, em
alguns casos, diminuindo a expressão do
OPG (6). A consequente diminuição da razão
RANKL/OPG e a interação RANKL/RANK são
eventos fundamentais para a diferenciação
e a manutenção da atividade osteoclástica,
ocorrendo perda brutal da arquitetura trabecular. Aliada a essa inversão da função celular,
diversos autores mostram uma redução da
população celular no esqueleto do idoso,
mais especificamente do número de osteócitos nas lacunas do osso cortical (7-9). Utilizando amostras de cabeça do fêmur, Power
et al. observaram aumento do fenômeno de
apoptose nos osteócitos de pacientes com
fratura do colo do fêmur (10). O surgimento
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Fraturas femorais atípicas por uso prolongado de bisfosfonatos
Mitos e verdades
de microfraturas, resultante da inversão do
turnover ósseo e do acúmulo de microdano,
leva a mais apoptose dos osteócitos nas
proximidades das regiões lesadas e, de forma
cíclica, essas células, ao morrerem, emitem
moléculas sinalizadoras, como RANKL e outras citocinas, propagando o dano ósseo e
gerando macrofraturas (11).
Mecanismo de ação dos
bifosfonatos orais
Atualmente, as drogas utilizadas no tratamento da osteoporose podem ser divididas
em três categorias: as que inibem a reabsorção
óssea (antirreabsortivas ou anticatabólicas), as
que estimulam a formação óssea (anabólicas)
e as que combinam os dois mecanismos de
ação (agentes de dupla ação — dual-acting
bone agents [DABAs]) (12).
A primeira droga aprovada para o tratamento da osteoporose nos EUA foi o
alendronato, em 1995, e sua introdução
no meio médico foi um verdadeiro divisor
de águas no manejo da osteoporose (12).
Os primeiros estudos sobre esse fármaco
mostraram redução do risco de fratura em
cerca de 50% das vítimas de traumas de
baixa energia (13, 14). Posteriormente, mais
três bifosfonatos foram aprovados para a
osteoporose: o risedronato, o ibandronato
e o ácido zoledrônico, todos com potenciais
similares de redução de fraturas vertebrais e
do quadril, quando administrados em doses
adequadas (15-17).
Os bifosfonatos são análogos químicos
estáveis ​​do pirofosfato inorgânico e inibidores extremamente potentes da atividade
osteoclástica. Existem duas classes de bifosfonatos: os nitrogenados (do qual fazem
parte as drogas acima mencionadas) e os
não nitrogenados. Os nitrogenados têm um
mecanismo de ação similar entre eles, o que
envolve a inibição seletiva da enzima farnesil
difosfato sintase na via do mevalonato da
biossíntese do colesterol. Isto resulta na
redução da síntese de lipídios isoprenoides
e em um bloqueio da prenilação das proteínas ligantes da guanosina trifosfato, o que
interfere na ligação com os osteoclastos. Há
redução da mobilidade e da função dessas
células, com consequentes indução à apoptose osteoclástica e redução da reabsorção
óssea.
JBM
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No entanto, a perda da atividade osteo­
clástica mediada pelos bifosfonatos, claramente benigna na interrupção da doença
osteoporótica, altera definitivamente o equilíbrio celular entre as células de formação e
de reabsorção óssea, suprimindo o processo
de remodelação. Embora a formação óssea
pelos osteoblastos previamente existentes
continue, essa não vai além de preencher
locais de remodelação criados anteriormente
pelos osteoclastos. Esse biofeedback negativo gerado pela inibição osteoclastogênica
produz um efeito antirremodelante no esqueleto, o que deve ter relação direta com
as fraturas atípicas atualmente vistas nos
pacientes com longo tempo de uso contínuo
dos bifosfonatos.
Fraturas atípicas do fêmur
A perda da atividade
osteo­clástica mediada pelos
bifosfonatos, claramente
benigna na interrupção
da doença osteoporótica,
altera definitivamente o
equilíbrio celular entre
as células de formação
e de reabsorção óssea,
suprimindo o processo
de remodelação. Embora
a formação óssea pelos
osteoblastos previamente
existentes continue, essa
não vai além de preencher
locais de remodelação
criados anteriormente pelos
osteoclastos.
Caracterização
Um aspecto importante e observado em
todos os pacientes com esse tipo de lesão é
o uso prolongado de algum dos bifosfonatos
nitrogenados existentes no mercado. Não há
história marcada de trauma local e os achados
clínicos pré-lesionais são tênues, se não ausentes. É fundamental, entretanto, que todo
paciente que refira dor ou desconforto na coxa
seja radiografado, para a detecção de possível
fratura atípica do fêmur.
Como os primeiros casos relatados ocorreram em usuários de alendronato, inicialmente
pensava-se que somente essa droga estaria
envolvida na gênese da fratura atípica do
fêmur. Por esse motivo, durante um período
essa lesão foi denominada “fratura do alendronato” (19). Posteriormente, outros estudos
e relatos mostraram fraturas atípicas femorais
com outros bifosfonatos orais e, mais recentemente, com o ácido zoledrônico, droga
administrada por via intravenosa (20).
Radiograficamente, os achados são similares aos de uma fratura por estresse que
se completa, incluindo espessamento da
cortical lateral do fêmur, discreto esporão na
cortical medial na área da fratura e pequeno ou mínimo desvio entre os fragmentos
ósseos fraturados. Ocorrem geralmente
na região subtrocantérica ou no terço proximal da diáfise do fêmur, apresentando
traço simples, transverso ou oblíquo curto
(21). Exames complementares por imagem,
15
Fraturas femorais atípicas por uso prolongado de bisfosfonatos
Mitos e verdades
Pontos-chave:
> Os achados são similares aos
de uma fratura por estresse que
se completa;
> Ocorrem geralmente na
região subtrocantérica ou no
terço proximal da diáfise do
fêmur, apresentando traço
simples, transverso ou oblíquo
curto;
> Exames complementares são
úteis na detecção da fratura
no paciente que refere dor na
coxa e apresenta radiografias
simples típicas de hiperostose
cortical.
16
como a tomografia computadorizada (TC)
e a ressonância magnética (RM), são úteis
para a detecção da fratura no paciente que
refere dor na coxa e apresenta radiografias
simples típicas de hiperostose cortical, mas
sem a presença de uma linha de fratura.
Depois que a fratura se torna evidente à
radiologia simples, tanto a TC quanto a RM
perdem importância. A cintilografia óssea
(CTO), durante muito tempo o padrão ouro
na identificação precoce das fraturas por estresse, hoje praticamente não é mais usada,
após o advento da RM. Apesar disso, em
ocasiões em que a RM não esteja disponível
ou diante de alguma contraindicação de seu
uso a CTO deve ser solicitada.
Devido à presença da doença osteoporótica mesmo estando o paciente em tratamento com algum bifosfonato, existe uma grande
confusão na diferenciação entre fratura
atípica do fêmur e fratura por insuficiência
(ou osteoporótica) do fêmur. No entanto, na
maioria das vezes, essas fraturas diferem das
osteoporóticas do fêmur em alguns aspectos
cruciais, como o mecanismo de lesão e a localização e configuração do traço de fratura.
Pensando numa forma de simplificar essa
diferenciação, a Sociedade Americana para a
Pesquisa Óssea e Mineral (American Society
for Bone and Mineral Research — ASBMR)
estabeleceu critérios maiores e menores para
o diagnóstico das fraturas atípicas do fêmur
(22). Na Tabela 1 podem-se encontrar esses
critérios, conforme a descrição pelo grupo
de estudo da ASBMR.
Todos os critérios maiores devem estar
presentes para se caracterizar uma fratura atípica do fêmur, embora os autores não tenham
incluído como critério maior o uso prolongado de algum bifosfonato (22). Unnanuntana
et al. posteriormente propuseram achados
clínicos e radiográficos para distinguir entre
as fraturas atípicas e osteoporóticas do fêmur
(21). Esses achados estão relacionados na
Tabela 2.
Epidemiologia
Até o momento foram publicados mais
de 25 relatos de casos e séries relacionados à fratura atípica do fêmur, assim como
alguns estudos controlados e vários estudos
maiores, usando registros nacionais e dados
de estudo de fase III (21). Com base em re-
visão de radiografias e juntando as fraturas
atípicas do fêmur completas e incompletas,
estima-se que a incidência varie de 0,9 a 78
fraturas por 100 mil pessoas/ano. O grupo
de estudo da ASBMR relata uma incidência
de dois casos por 100 mil/ano após dois
anos de uso de bifosfonatos, aumentando
para 78 por 100 mil casos/ano depois de
oito anos de uso (22). A maior incidência
dessas fraturas tem sido observada em
pacientes acima dos 65 anos de idade e
com mais de cinco anos de uso de algum
bifosfonato. Outros estudos mostraram o
mesmo problema: que o risco de fraturas
atípicas é maior entre usuários de bifosfonatos, aumentando conforme o seu uso se
estende (23, 24).
Apesar de sua baixa prevalência, é importante considerar a presença de fratura
atípica do fêmur incompleta no paciente
que se queixa de dor persistente na coxa,
que piora com o apoio do pé ao solo. Além
disso, embora não seja a recomendação atual,
o que torna a indicação potencialmente
questionável, pode-se pensar em radiografar
as coxas de todos os pacientes com mais de
três a cinco anos de uso contínuo de bifosfonatos, mesmo que assintomáticos. Allison
et al. estudaram as radiografias e, quando
necessário, a RM da coxa de 110 pacientes
assintomáticos, com idades entre 47 e 94
anos, tendo observado uma frequência de
fraturas incompletas em 1,82% desta população (25).
Finalmente, é fundamental o rastreamento estrito do paciente, uma vez que 28%
a 44,2% deles apresentam envolvimento
bilateral (26).
Fisiopatologia
Até o momento não parece haver uma
causa plenamente aceita para as fraturas
atípicas do fêmur, mas supõe-se que a base
para todas as alterações estruturais esteja
relacionada à supressão intensa da remodelação óssea causada pelas drogas antirreabsortivas. Embora o aumento da remodelação
óssea característico da doença osteoporótica
predisponha à fragilidade óssea, a excessiva
supressão da remodelação também pode
elevar o risco de fratura. Dessa forma, a
relação causa-efeito entre o uso de bifosfonatos e as fraturas atípicas do fêmur passa a
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Fraturas femorais atípicas por uso prolongado de bisfosfonatos
Mitos e verdades
encontrar justificativa nos mecanismos patológicos que envolvem os mesmos “vilões”
vistos na osteoporose sem tratamento, quais
sejam, o acúmulo de microlesões, a diminuição da variação espacial na distribuição da
densidade mineral óssea e a diminuição da
heterogeneidade do osso.
Além dos fatores intrínsecos, mediados
pela inibição prolongada do remodelamento ósseo, outros podem estar implicados
na gênese das fraturas atípicas do fêmur.
Dentre os ditos fatores de risco extrínsecos,
talvez o mais aceito atualmente seja a ação
de cargas mecânicas assimétricas no fêmur.
Anatomicamente, o fêmur apresenta uma
angulação anterior e lateral, com raio longo
de aproximadamente 10º. A observação de
uma linha de fratura inicial na cortical ântero-lateral desse osso reforça essa consideração,
principalmente porque as fraturas ditas atípicas têm sido relatadas especificamente na
região subtrocantérica, local onde ocorrem
as maiores cargas de tensão, e na diáfise
femoral.
Opções de manejo
O manejo do paciente com fratura atípica
do fêmur inclui a fixação da fratura e o início
do tratamento médico. É condição sine qua
non parar o uso de bifosfonatos. A menos
que haja qualquer contraindicação, como a
existência de prótese de quadril ou arqueamento excessivo (geralmente em varo), o
uso de dispositivos intramedulares rígidos
e bloqueados é o padrão ouro de fixação
da fratura do fêmur. O cirurgião ortopedista
deve conhecer muito bem os implantes
existentes, de modo a definir o melhor para
cada situação. O estímulo da fresagem do
canal medular é benéfico em qualquer fratura
da diáfise do fêmur, mas essa deve ser feita
com bastante técnica e cautela, pela inexistência, em muitos casos, de um canal medular
de diâmetro adequado. O uso de placas
longas, preferencialmente de bloqueio da
cabeça do parafuso e buscando o princípio
de estabilidade relativa, é uma opção aos
implantes intramedulares.
Deve-se considerar a administração de
um agente anabólico, como a teriparatida
(hormônio paratireoide recombinante), e
a suplementação com cálcio e vitamina D.
Recentemente, Gomberg et al. relataram
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MARÇO/ABRIL, 2013
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VOL. 101  No 2
Tabela 1: Critérios maiores e menores para o diagnóstico das fraturas
atípicas do fêmur (*)
Critérios maiores
Critérios menores
Sem história marcada de trauma local ou
trauma de baixa energia(†)
Espessamento do periósteo junto à
cortical lateral
Fratura localizada em qualquer região
distal ao trocanter menor e proximal à
área supracondiliana
Espessamento generalizado das corticais
do fêmur
Configuração transversa ou oblíqua curta
Sintomas prodrômicos
Fratura simples, não fragmentada
Associação com sintomas ou fratura
bilateral
Esporão medial nas fraturas completas e
envolvimento somente da cortical lateral
nas incompletas
Evidência de retarde de consolidação
Presença de comorbidades ou uso de
algum(ns) medicamento(s)(‡)
Todos os critérios maiores, acompanhados ou não por algum dos critérios menores, são necessários
para diagnosticar as fraturas atípicas do fêmur.
(†)
Trauma de baixa energia é definido como uma queda de uma altura de pé ou menos ao solo.
(‡)
Exemplos de comorbidades e medicamentos são, respectivamente: artrite reumatoide, raquitismo,
osteomalácia e osteodistrofia renal; e bisfosfonatos, glicocorticoides e inibidores da bomba de
prótons.
(*)
Fonte: Shane, E. et al. & American Society for Bone and Mineral Research. — J. Bone Miner. Res., 2010.
um caso em que a associação de teriparatida com cálcio e vitamina D melhorou o
metabolismo ósseo e a microarquitetura
nos pacientes que utilizaram alendronato
por 13 anos (27). No tratamento da doença
osteoporótica, as doses preconizadas diárias
são de 1.000 a 1.200mg de cálcio e de 800
unidades internacionais (UI) de vitamina D, o
que parece insuficiente no manejo da fratura
atípica do fêmur. A prescrição “aleatória” de
doses mais elevadas de cálcio e vitamina D
deve ser evitada, sendo necessário o aconselhamento de um endocrinologista para o
ajuste correto das mesmas. Deve-se realizar
investigação laboratorial ampla, incluindo
os marcadores da função osteometabólica
— como paratormônio, hormônio estimulante da tireoide, fosfatase alcalina, cálcio,
fosfato e vitamina D — no sangue e algum
fragmento do colágeno do tipo I (hidroxiprolina, piridinolina, NTx) na urina. Além disso,
é fundamental identificar todas as doenças
metabólicas ósseas subjacentes.
17
Fraturas femorais atípicas por uso prolongado de bisfosfonatos
Mitos e verdades
Tabela 2 – Achados clínicos e radiográficos comuns nas fraturas atípica
e osteoporótica do fêmur
Achados clínicos e radiográficos comuns
Característica
Fratura atípica
Fratura osteoporótica
Associação com trauma
Sem trauma ou de baixa
energia
Baixa energia
Pródromos
Dor na coxa
Nenhum
Localização (região)
Subtrocantérica ou diáfise
femoral
Colo do fêmur ou
intertrocantérica
Configuração da fratura
Transversa ou oblíqua curta
Obliqua longa ou espiral
Fragmentação
Nenhuma
Possível
Morfologia da cortical
Relativamente espessada
Fina
Outros sinais
Reação perióstica localizada
Retarde de consolidação
Osteopenia generalizada
Canal medular alargado
Fonte: Unnanuntana, A. et al. — J. Bone Joint Surg. Am., 2013.
Após a cirurgia e o início das medidas
terapêuticas adjuvantes é importante rastrear
o paciente de modo estrito, uma vez que há
previsão de lesão contralateral. Clinicamente, a presença de dor na coxa contralateral
deve alertar o médico para a necessidade de
investigação em busca de nova fratura atípica
Referências
Endereço para
correspondência:
Vincenzo Giordano
Rua Aristides Espínola
11/301, Leblon
22440-050
Rio de Janeiro, RJ
18
1. BONO, C.M. & EINHORN, T.A. — Overview of osteoporosis:
Pathophysiology and determinants of bone strength. Eur.
Spine J., 12(Suppl. 2): S90-6, 2003.
2. LIN, J.T. & LANE, J.M. — Osteoporosis. A review. Clin. Orthop.
Rel. Res., 425: 126-34, 2004.
3. RECKER, R. et al. — Bone remodeling increases substantially in the years after menopause and remains increased
in older osteoporosis patients. J. Bone Miner. Res., 19(10):
1628-33, 2004.
4. PRESTWOOD, K.M. et al. — Ultralow-dose micronized
17β-estradiol and bone density and bone metabolism in
older women: A randomized controlled trial. JAMA, 290:
1042-8, 2003.
5. RAISZ, L.G. — Pathogenesis of osteoporosis: Concepts, conflicts, and prospects. J. Clin. Invest., 115(12): 3318-25, 2005.
6. WEITZMANN, M.N. et al. — T cell activation induces human
osteoclast formation via receptor activator of nuclear factor
kappa B ligand-dependent and-independent mechanisms.
J. Bone Miner. Res., 16(2): 328-37, 2001.
do fêmur e, caso esta exista, mesmo que incompleta, de fixação profilática. Finalmente,
deve-se lembrar do alto índice de não união
nesse tipo de lesão, pois a falta de detecção
precoce desse problema leva invariavelmente
à falha mecânica do implante, dificultando
sobremaneira um tratamento que já não estava a contento. Opções de tratamento para
o retardo de consolidação incluem revisão da
osteossíntese, reforço da osteossíntese (augmentation) e o uso de terapias farmacológicas
sistêmicas e locais.
Conclusão
A fratura atípica do fêmur representa um
novo padrão de lesão no paciente com doença osteoporótica em uso prolongado de
bifosfonatos. Dor incipiente na coxa pode
representar o único sintoma, denotando
possivelmente a existência de um traço incompleto de fratura. O manejo da fratura atípica
do fêmur inclui a sua fixação e o início do
tratamento médico. A prescrição de alguma
droga anabólica, como a teriparatida, é uma
alternativa interessante tanto para o manejo
da fratura atípica do fêmur quanto para a
continuidade do tratamento da doença osteoporótica. O rastreamento estrito do paciente
é fundamental para o sucesso do tratamento.
7. BURR, D.B. — Bone quality: Understanding what matters.
J. Musculoskel. Neuron. Interact., 4: 184-6, 2004.
8. BURR, D.B. — Bone material properties and mineral matrix
contributions to fracture risk or age in women and men.
J. Musculoskel. Neuron. Interact., 2: 201-4, 2002.
9. GIORDANO, V.; GIORDANO, M. & KNACKFUSS, I. — Fatores de crescimento e diferenciação ósseos. Efeitos sobre o
processo de consolidação de fratura: presente e futuro. Rev.
Bras. Med., 57: 1018-29, 2000.
10. POWER, J. et al. — Osteocyte lacunar occupancy in the femoral neck cortex: An association with cortical remodeling in hip
fracture cases and controls. Calcif. Tissue Int., 69: 13-9, 2001.
.
Obs.: As 17 referências restantes que compõem este artigo se
encontram na Redação à disposição dos interessados.
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MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Abordagem contemporânea do choque
cardiogênico
cardiologia
Abordagem contemporânea do choque cardiogênico
­­Fernando Oswaldo Dias Rangel
Doutor em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Fellow” do American
College of Cardiology. Coordenador da Rotina da Unidade Coronariana do Hospital Pró-cardíaco,
RJ. Médico do Instituto Nacional de Cardiologia.
Resumo
Summary
As doenças cardiovasculares são responsáveis por 34% de todas as causas de morte no
Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde,
foram registrados 500 mil casos de infarto agudo do miocárdio em 1998, com 56 mil óbitos
(1). A incidência de choque cardiogênico não
sofreu alterações significativas nas últimas três
décadas. Ocorre em 5% a 15% dos pacientes
com IAM e constitui a principal causa de morte
na fase de tratamento hospitalar dos pacientes
com infarto agudo do miocárdio.
Cardiovascular diseases are responsible for
34% of all causes of deaths in Brazil. According
to Department of Health, five hundred thousand of acute myocardial infarction cases in
1998 were registered, resulting in fifty-six
thousand deaths related to the disease. The
incidence of cardiogenic shock has not meaningful changing in the last three decades. It
happens in 5% to 15% with IAM and it’s the
main cause of deaths with acute myocardial
infarction in hospitalar treatment stage.
No estudo GUSTO-1, a incidência de
choque cardiogênico foi de 7,2%, porém a
complicação representou a principal causa de
morte 30 dias após o infarto (2, 3). O choque
é uma complicação precoce na fase hospitalar
da evolução do infarto agudo com supradesnível do segmento ST (IAMCSST), com intervalo
médio de cinco horas pós-infarto no principal
ensaio clínico randômico, o Shock Trial, e de
seis horas no Shock Trial Registry (4, 5).
A mortalidade associada ao choque cardiogênico foi de aproximadamente 80%-90% nos
últimos 40 anos. Porém, houve significativa
redução da letalidade pela síndrome, para
aproximadamente 50%, devido aos recentes
esforços terapêuticos, sobretudo os relacionados às estratégias de revascularização
aguda dos pacientes com choque. O Shock
Trial demonstrou redução na mortalidade,
em seis meses, dos pacientes com choque
cardiogênico relacionado ao IAM (de 63,1%
para 50,3%) quando se comparou, respectivamente, a estratégia de estabilização clínica
inicial com aquela de revascularização precoce. A revascularização foi realizada através
da angioplastia coronariana percutânea em
64% dos pacientes e em 36% por intermédio
de cirurgia de revascularização do miocárdio
(2-5). A mortalidade precoce dos pacientes com
choque cardiogênico ainda é expressivamente
elevada, havendo necessidade de se expandir
o conhecimento nesta área, com melhoria
das estratégias de tratamento e das terapias
adjuvantes. Contudo, dados mais recentes
demonstram que a abordagem terapêutica
agressiva pode resultar em plena recuperação.
As taxas de sobrevida em três e seis anos foram de 41,4% e 32,8%, respectivamente, entre
os alocados na estratégia de revascularização
precoce, o que se assemelha às taxas obtidas
em vários tipos de câncer (6). No GUSTO I
(Global Utilization of Streptokinase and t-PA
for Occluded Coronary Arteries) a sobrevida
foi de 55% em 11 anos entre os pacientes
com choque cardiogênico que superaram o
primeiro mês do evento (7).
JBM
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MARÇO/ABRIL, 2013
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VOL. 101  No 2
Unitermos: Doenças
cardiovasculares; choque
cardiogênico; infarto agudo
do miocárdio.
Keywords:
Cardiovascular diseases;
cardiogenic strock; acute
myocardial infarction.
19
Abordagem contemporânea do choque cardiogênico
Etiologia e diagnóstico
As causas do choque circulatório podem
ser didaticamente classificadas em três
grandes grupos: hipovolêmico, distributivo
(vasoplégico) e cardiogênico. Nas etiologias
hipovolêmica e distributiva ocorre inadequado retorno do sangue venoso ao coração,
enquanto que a cardiogênica tem como pressuposto inicial a falência da função contrátil
do coração.
O choque cardiogênico pode decorrer das
seguintes condições:
1. Falência de bomba (infarto do miocárdio
— miopático e complicações mecânicas) e
outras condições: cardiomiopatia dilatada,
miocardite, depressão miocárdica pós-circulação extracorpórea.
2. Distúrbios do enchimento diastólico (cardiomiopatias hipertrófica e restritivas).
3. Taquicardias e bradicardias.
4. Obstruções ao fluxo sanguíneo devido a
valvopatias, à embolia pulmonar maciça e
ao tamponamento cardíaco.
Pontos-chave:
> As causas do choque
circulatório podem ser
didaticamente classificadas
em três grandes grupos:
hipovolêmico, distributivo
(vasoplégico) e cardiogênico;
> Nas etiologias hipovolêmica
e distributiva ocorre
inadequado retorno do sangue
venoso ao coração;
> A etiologia cardiogênica tem
como pressuposto a falência da
função contrátil do coração.
20
O diagnóstico de choque cardiogênico
requer a presença de hipotensão arterial (pressão arterial sistólica < 90mmHg ou queda de
30% em relação à pressão sistólica basal) ou
necessidade de drogas vasopressóricas ou de
balão de contrapulsação aórtica, persistente
por pelo menos 30 minutos, necessariamente
em associação com sinais de má perfusão
tissular sistêmica (alteração do estado mental,
oligúria com diurese < 30ml/hora, extremidades frias e cianóticas, acidose metabólica).
A pressão de pulso se encontra reduzida e a
pressão venosa central, elevada. Edema pulmonar e galope de terceira bulha são sinais
de acometimento do ventrículo esquerdo.
O eletrocardiograma, o ecocardiograma, a
coronariografia e a angiotomografia (suspeição de embolia pulmonar) são realizados em
caráter de emergência, para o esclarecimento
diagnóstico e orientação da terapêutica específica. Alguns pacientes, entretanto, podem
manter valores normais de pressão sistólica
na fase incipiente da síndrome do choque,
em consequência da liberação excessiva
de catecolaminas. Salienta-se que nestas
situações o emprego de fármacos sedativos
com frequência irá precipitar a hipotensão,
fenômeno que deve ser previsto pela equipe
médica assistente. Os achados laboratoriais
mais sugestivos de choque são acidose metabólica (bicarbonato < 20mEq/l, pH < 7,3, BE
< 0) e aumento do lactato sérico. Observase também acidose metabólica associada à
alcalose respiratória, hipoxemia, leucocitose
ou leucopenia, trombocitopenia, aumento
de escórias nitrogenadas, aumento das
transaminases, das bilirrubinas, das enzimas
pancreáticas, redução dos níveis de albumina
e alterações nos parâmetros da coagulação
(prolongamento do tempo de protrombina
ativada e do tempo de tromboplastina parcial,
redução dos níveis de fibrinogênio e aumento
dos produtos de degradação da fibrina). Estes
distúrbios laboratoriais atestam a natureza
sistêmica e o acometimento orgânico múltiplo
da síndrome do choque circulatório (23-25).
O rastreamento microbiológico se impõe
na suspeita clínica de infecção, com a coleta
de sangue, urina, secreções respiratórias protegidas e de outros materiais, de acordo com
a avaliação da situação específica.
O cateter de Swan-Ganz pode ser útil na
identificação dos estágios precoces do choque, nas decisões terapêuticas, na titulação
dos fármacos vasoativos e inotrópicos, na
avaliação da resposta à infusão de volume e
na adequação da contrapulsação intra-aórtica
e de dispositivos de assistência ventricular. A
monitoração com o cateter na artéria pulmonar é indicada nos pacientes com choque cardiogênico associado a infarto do miocárdio,
quer seja miopático ou relacionado à lesão
estrutural do coração; no entanto, não existem
provas de que a monitoração invasiva melhore
o prognóstico destes pacientes (23-26). A
II Diretriz de Insuficiência Cardíaca Aguda da
Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda monitoração invasiva da pressão arterial e
da artéria pulmonar, com avaliações contínuas
das pressões arteriais sistêmica e pulmonares,
do índice cardíaco e da saturação venosa
mista, o que facilita o manejo dos pacientes,
incluindo a titulação dos fármacos vasoativos
e a reposição de fluidos (27).
Os parâmetros hemodinâmicos que caracterizam o choque cardiogênico podem ser
resumidos a:
1. Pressão sistólica < 90mmHg ou redução
da pressão arterial média de pelo menos
30mmHg.
JBM
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MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Abordagem contemporânea do choque cardiogênico
2. Índice cardíaco < 1,8l/min/m2, sem suporte
farmacológico e/ou mecânico, ou < 2,2l/
min/m2 com suporte hemodinâmico.
3. Pressões de enchimento do ventrículo
esquerdo elevadas: pressão de oclusão
da artéria pulmonar (ou pressão diastólica
final do ventrículo esquerdo) > 18mmHg ou
pressão diastólica final do ventrículo direito
> 10 a 15mmHg.
A Doppler-ecocardiografia também pode
ser bastante útil na avaliação hemodinâmica,
com as medidas das pressões de enchimento
do coração e do débito cardíaco, além da
determinação da fração de ejeção ventricular,
dos aspectos contráteis globais e segmentares
e do diagnóstico das complicações mecânicas
do infarto do miocárdio.
Abordagem do paciente com
choque
Medidas gerais de suporte
A maioria dos pacientes com choque
cardiogênico tem indicação de intubação
orotraqueal e de ventilação mecânica, que
devem ser instituídas prontamente, antes de
ocorrer hipoxemia grave. A adequação da
fração inspiratória de oxigênio e dos níveis
de pressão positiva expiratória final é de
fundamental importância para se obter um
conteúdo arterial de oxigênio satisfatório.
Salienta-se a relevância de tais medidas de
assistência ventilatória, uma vez que a lesão
pulmonar (pulmonary injury) e a síndrome de
angústia respiratória do adulto podem ocorrer
precocemente na síndrome do choque circulatório, como decorrência da intensa liberação
dos mediadores inflamatórios sistêmicos. É
preciso que o médico reconheça de imediato
os sinais clínicos de insuficiência respiratória,
antes da obtenção da gasometria arterial, tais
como aumento da frequência e do esforço
respiratórios, dificuldade em falar, respiração
abdominal paradoxal, uso da musculatura
acessória da respiração, diaforese e cianose.
Deve-se também prever o desenvolvimento
da disfunção respiratória na presença de
acidose metabólica grave e choque, já que
a compensação respiratória não será obtida
devido à fadiga muscular, à redução do sensório e aos fármacos sedativos. A ventilação
mecânica tem o benefício de reduzir a demanda de oxigênio pela musculatura respiratória,
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MARÇO/ABRIL, 2013
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VOL. 101  No 2
com melhora na distribuição de oxigênio aos
tecidos hipoperfundidos. Conclui-se que a
indicação da ventilação mecânica invasiva é
feita com base nas informações clínicas obtidas à beira do leito e na ausência de testes
laboratoriais diagnósticos, antes do encaminhamento do paciente para procedimentos de
reperfusão miocárdica (10, 23, 24, 25).
Se houver suspeita de hipovolemia, deve-se realizar infusão rápida de volume, cuja
composição dependerá da natureza do choque. No choque hemorrágico será realizada
reposição rápida de hemoderivados (concentrados de hemácias, plaquetas, plasma,
albumina); no choque hipovolêmico, a infusão
de bolus de cristaloides (em incrementos de
1 litro); no choque distributivo são necessárias
grandes alíquotas de fluidos (6 a 10 litros de
cristaloides, ou quantidades menores de coloides, albumina ou amilopectina), para reduzir o
edema tecidual que acompanha o distúrbio de
permeabilidade capilar, porém não está definida na literatura vantagem desta estratégia.
A maioria dos pacientes
com choque cardiogênico
tem indicação de
intubação orotraqueal e
de ventilação mecânica,
que devem ser instituídas
prontamente, antes de
ocorrer hipoxemia grave.
A adequação da fração
inspiratória de oxigênio
e dos níveis de pressão
positiva expiratória
final é de fundamental
importância para se obter
um conteúdo arterial de
oxigênio satisfatório.
Terapia inotrópica e vasoconstritora
A adequação do débito cardíaco e, consequentemente, do transporte de oxigênio é
mais relevante que o valor da pressão arterial
sistêmica para restabelecer a perfusão tissular
periférica. Porém, níveis de pressão abaixo
dos limites da autorregulação levam à redução
do fluxo sistêmico. Os agentes inotrópicos
positivos mais utilizados na prática clínica atuam
elevando as concentrações intracelulares
de cálcio livre através de dois mecanismos:
aumento das concentrações de adenosina
monofosfato cíclico (AMPc), induzido pela
estimulação beta-adrenérgica (dobutamina
e dopamina); e redução do catabolismo do
AMPc pela inibição da fosfodiesterase (anrinona e milrinona). Entretanto, estes fármacos
podem provocar efeitos indesejáveis (em
decorrência da sobrecarga de cálcio citosólico), como aumento do consumo de oxigênio
miocárdico, agravamento do processo isquêmico e até mesmo necrose miocárdica, cardiotoxicidade e indução de arritmias cardíacas. O
suporte farmacológico inotrópico geralmente
é iniciado com agonistas beta-adrenérgicos,
principalmente a dobutamina. Os inotrópicos
têm papel destacado no tratamento, uma vez
que a disfunção contrátil aguda é o evento
fisiopatológico inicial.
21
Abordagem contemporânea do choque cardiogênico
TABELA 1: Efeitos hemodinâmicos dos agentes inotrópicos e vasopressores (30)
Fármaco
DC
PCP
PA
FC
Arritmia
Início de ação
Duração do efeito
Diurese
Dopamina
< 3mG/kg/min 0 0 00 0
Curta
3-7mG/kg/min + 0 ++ ++
Rápido
7-15mG/kg/min ++ 0 ++++ +++
++
+/–
0
Dobutamina
+++–
– + ++
Rápido
Curta
0
Milrinona
++– –+ ++
Rápido
Curta
0
Levosimendan
+++–
Rápido
Prolongado
++
Epinefrina
++ 0/+ ++++++ ++++
Rápido
Curta
0
Norepinefrina
++ 0/+ +++++ +++
Rápido
Curta
0
Isoproterenol
+++ 0/+ 0/–+++ +++
Rápido
Curta
0
– 0 0
DC = débito cardíaco; PCP = pressão capilar pulmonar; PA = pressão arterial; FC = frequência cardíaca; 0 = sem ação direta, embora, indiretamente, possa influenciar; Curta = perda de ação rápida após interrupção da infusão.
Pontos-chave:
> O uso de vasoconstritores
junto à dobutamina
frequentemente é necessário;
> Os fármacos inotrópicos e
vasoconstritores, portanto,
devem ser utilizados nas
menores doses eficazes;
> Alguns estudos demonstram
vantagens da norepinefrina
e da dopamina, quando
comparadas à epinefrina.
22
O uso de vasoconstritores (como norepinefrina ou dopamina) junto à dobutamina frequentemente é necessário, para manutenção
das perfusões coronariana e sistêmica até o
implante do balão de contrapulsação, e na
maioria das vezes após o mesmo. Os fármacos inotrópicos e vasoconstritores, portanto,
devem ser utilizados nas menores doses eficazes, para minimizar os efeitos tóxicos diretos.
Na realidade, não há evidências definitivas
para se recomendar o uso de uma ou outra
catecolamina. No entanto, alguns estudos
demonstram vantagens da norepinefrina e
da dopamina, quando comparadas à epinefrina, que causa mais taquicardia que as duas
primeiras, além de má perfusão esplâncnica e
hiperlactatemia. A fenilefrina, amina de ação
vasoconstritora exclusiva (agonista seletiva
dos receptores α1-adrenérgicos), utilizada amiúde nos centros cirúrgicos para tratamento da
hipotensão arterial, associada à anestesia, tem
início e término de ação rápidos. Caracteriza-se
por ser o agente com menor potencial de
aumentar a frequência cardíaca, podendo ser
útil nos casos de refratariedade a outros vasopressores associada à taquicardia, porém tem
como limitante a redução do volume sistólico.
A dopamina aumenta a pressão arterial média
e o débito cardíaco, através do incremento do
volume sistólico e da frequência cardíaca. A
norepinefrina, por sua vez, aumenta a pressão
através de sua ação vasoconstritora, com
efeitos menores na frequência cardíaca e no
inotropismo, em relação à dopamina. Os dois
fármacos podem ser administrados no choque
séptico, destacando-se que a primeira pode
ser mais eficaz em reverter a hipotensão grave
associada à resposta inflamatória sistêmica e
que a dopamina pode reduzir a resposta do
eixo hipotálamo-hipofisário, causar depressão
imunológica, agravar o efeito shunt pulmonar,
por aumentar o fluxo em áreas não ventiladas,
e reduzir a resposta ventilatória à hipercapnia
(28-31).
A vasopressina — hormônio antidiurético
— é liberada pela hipófise e age nos receptores V2 dos túbulos coletores renais com
reabsorção de água. A segurança e a eficácia
da vasopressina como agente pressórico no
choque cardiogênico não foram definidas.
Tanto a vasoconstrição como a vasodilatação
coronarianas já foram demonstradas em modelos experimentais do fármaco. Em concentrações elevadas, a vasopressina restabelece
o tônus vascular nos estados de choque vasoplégico, de etiologia séptica ou cardiogênica,
agindo sobre os receptores V1 na musculatura
lisa vascular e na modulação de canais de potássio e do metabolismo do óxido nítrico. Um
estudo retrospectivo e de pequena amostra
demonstrou que, em pacientes com choque
cardiogênico associado ao IAM e hipotensão
arterial refratária à dopamina, a adição de
vasopressina aumentou significativamente a
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MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Abordagem contemporânea do choque cardiogênico
pressão arterial média (PAM) e não afetou os
valores do índice cardíaco, nem da pressão
de oclusão da artéria pulmonar. A adição de
norepinefrina aumentou a PAM, mas também
a pressão de oclusão da artéria pulmonar, o
índice cardíaco e o poder cardíaco (28, 30).
Em estudo randomizado e prospectivo, em
pacientes com choque vasoplégico avançado
(pós-cardiotomia e séptico), a associação de
vasopressina aumentou o débito urinário e
a perfusão tissular, avaliada pela tonometria
gástrica, e reduziu a frequência de taquiarritmias, quando comparada à norepinefrina
(32). O ensaio clínico randômico e controlado
VASST comparou a utilização de norepinefrina
isoladamente com a associação norepinefrina/vasopressina, em pacientes com choque
séptico. Não houve diferença no prognóstico.
Doses altas de vasopressina foram relacionadas à isquemia cardíaca, esplâncnica e periférica (digital), devendo ser empregadas apenas
no contexto de refratariedade aos demais
vasoconstritores (33). A terlipressina apresenta
efeitos farmacodinâmicos semelhantes aos
da vasopressina, porém com duração mais
prolongada (ver Tabela 2) (34).
Os sensibilizadores do cálcio constituem
um novo grupo de agentes inotrópicos positivos, que inclui o levosimendan, pimobendan,
simendan e o sulmazol. O levosimendan,
o único aprovado para uso clínico, é um
derivado dinitril-piridazinona. Exerce efeito
na contratilidade através do aumento da
sensibilidade dos miofilamentos ao cálcio,
por intermédio da ligação do cátion ao domínio N-terminal da troponina C no músculo
cardíaco. O fármaco também possui efeitos
vasodilatadores nas artérias coronárias e nas
artérias sistêmicas, através da abertura de
canais de potássio e do bloqueio da liberação da endotelina-1. Estas ações resultam
em redução das resistências arterial sistêmica
e pulmonar, aumento do débito cardíaco,
aumento da distensibilidade ventricular e em
discreto efeito lusitrópico positivo, sem incremento no consumo de oxigênio miocárdico, e
menor potencial arritmogênico. A redução das
pressões atrial esquerda e capilar pulmonar
concorre para a melhora da função diastólica
do ventrículo esquerdo em pacientes com baixo débito cardíaco, como nos casos de pós-cirurgia cardíaca, miocardiopatia periparto
Os sensibilizadores do
cálcio constituem um
novo grupo de agentes
inotrópicos positivos, que
inclui o levosimendan,
pimobendan, simendan e
o sulmazol.
O levosimendan, o único
aprovado para uso clínico,
é um derivado dinitril-piridazinona. Exerce
efeito na contratilidade
através do aumento
da sensibilidade dos
miofilamentos ao cálcio,
por intermédio da ligação
do cátion ao domínio
N-terminal da troponina
C no músculo cardíaco.
TABELA 2: Doses dos fármacos inotrópicos e vasoconstritores frequentemente
utilizados na prática clínica
Bolus
Taxa de perfusão
Dobutamina
Não
2 a 20mg/kg/min (b+)
Dopamina
Não
< 3mg/kg/min: efeito renal (b+)
3-5mg/kg/min: inotrópico (b+)
> 5mg/kg/min: (b+), vasopressor (a+)
Milrinona25-75mg/kg durante 10-20min
0,375-0,75mg/kg/min
Enoximona0,25-0,75mg/kg
1,25-7,5mg/kg/min
Levosimendan12-24mg/kga durante 10min
0,1mg/kg/min, que pode ser reduzida para 0,05 ou aumentada para
0,2mg/kg/min
NorepinefrinaSem bolus0,2-1,0mg/kg/min
Epinefrina
JBM

Bolus: 1mg pode ser administrado via IV em reanimação, podendo
ser repetida após 3-5min; a via
endotraqueal não é benéfica
MARÇO/ABRIL, 2013

VOL. 101  No 2
0,05-0,5mg/kg/min
23
Abordagem contemporânea do choque cardiogênico
Endereço para
correspondência:
Fernando Oswaldo Dias
Rangel
Rua Assunção, 2/Bl. 8/
Apt. 401 — Botafogo
22251-030
Rio de Janeiro-RJ
24
e no choque cardiogênico. A meia-vida é de
80 horas, o que pode explicar o prolongado
efeito hemodinâmico após a infusão de 24
horas. O levosimendan foi aprovado pela
Sociedade Europeia de Cardiologia para tratamento, em curto prazo, de pacientes adultos
com insuficiência cardíaca sintomática, com
sinais de baixo débito, secundária a grave
disfunção sistólica, na ausência de hipotensão
arterial (recomendação classe IIa, com nível B
de evidência) (34). Está contraindicado nos
pacientes com obstrução mecânica grave
ao enchimento ventricular ou ao trato de
saída do ventrículo esquerdo, naqueles com
hipotensão (pressão sistólica < 85mmHg ou
taquicardia acentuada), nos distúrbios hepáticos e renais graves e no choque cardiogênico
(27, 34). Não há dados de estudos randômicos
indicando a utilização do fármaco nos pacientes com choque cardiogênico.
Referências
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and long-term survival in cardiogenic shock complicating
acute myocardial infarction. JAMA, 295: 2511-5, 2006.
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predictors among patients with ST-elevation myocardial
infarction complicated by cardiogênico shock: Insights from
the GUSTO-1 trial. J. Am. Coll. Cardiol., 50: 1752-8, 2007.
8. HOCHMAN, J.S. — Cardiogenic shock complicating acute
myocardial infarction: Expanding the paradigm. Circulation,
107: 2998-3002, 2003.
9. REYNOLDS, H.R. & HOCHMAN, J.S. — Cardiogenic shock.
Current concepts and improving outcomes. Circulation, 1117:
686-97, 2008.
10.TOPALIAN, S.; GINSBERG, F. & PARRILLO, J.E. — Cardiogenic
shock. Crit. Care Med., 38(Suppl.): S66-S74, 2008.
11.MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA EXECUTIVA. DATASUS.
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em dezembro de 2002.
12.HASDAI, D.; HOLMES, D.R. et al., for the GUSTO-1
Investigators — Cardiogenic shock complicating acute myocardial infarction: Predictors of death. Am. H. Journal, 138:
21-31, 1999.
13.HOLMES, D.R.; BATES, E.R. et al. — Contemporary reperfusion
therapy for cardiogenic shock: The GUSTO-I Trial experience.
J. Am. Coll. Cardiol., 26: 668-74, 1995.
14.HOCHMAN, J.S.; SLEEPER, L.A. et al. — Early revascularization
in acute myocardial infarction complicated by cardiogenic
shock. N. Engl. J. Med., 341: 625-34, 1999.
15.MENON, V.; WHITE, H. et al., for the Shock Investigators —
The clinical profile of patients with suspected cardiogenic
shock due to predominant left ventricular failure: A report
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36(Suppl. 1): 1071-6, 2000.
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Diagnóstico laboratorial
Helio Magarinos Torres Filho
Patologista clínico, diretor médico do
Laboratório Richet (RJ).
Gastroenterites infecciosas
febre entérica. As síndromes estão diretamente relacionadas às etiologias,
resposta inflamatória e topografia da
infecção (Tabela 1).
Introdução
As gastroenterites infecciosas afetam grande parte da população mundial. A OMS estima que ocorram cerca
de 2 bilhões de casos a cada ano,
sendo a principal causa de morbidade
e mortalidade de origem infecciosa e a
maior causa de mortalidade em crianças
menores de cinco anos. A grande maioria das diarreias de origem infecciosa é
tratável; entretanto, em muitos casos,
o isolamento do agente etiológico não
é feito de forma adequada. Mesmo
quando são realizados os exames adequados, cerca de 30% dos casos podem
permanecer sem etiologia definida.
Diversos motivos podem influenciar
na dificuldade em se isolar o agente
etiológico, sendo a diversidade desses
agentes a principal causa. A origem das
gastroenterites infecciosas pode ser
parasitária, bacteriana ou viral.
As diarreias podem ser classificadas
em três síndromes: inflamatória, com
presença de disenteria; não inflamatória;
e doença com repercussão sistêmica,
Diagnóstico laboratorial
Gastroenterites bacterianas
Os principais agentes bacterianos
relacionados com gastroenterites incluem os gêneros Salmonella, Shigella,
Escherichia, Staphylococcus, Aeromonas,
Plesiomonas, Yersinia e Campylobacter.
O teste globalmente mais utilizado para
a pesquisa de agentes bacterianos em
fezes é a coprocultura. Apesar de se
tratar de um teste bastante sensível, a
coprocultura apresenta diversas limitações, incluindo a ocasião e a forma de
colheita da amostra. As fezes devem ser
colhidas na fase aguda (diarreicas), em
frascos estéreis ou em swabs com meio
de transporte conservante específico
(Carry-Blair). De preferência, devem ser
encaminhadas ao laboratório até duas
horas após a colheita e conservadas em
temperatura ambiente. Caso seja possível
a utilização de meio de transporte conservante (Carry-Blair), a amostra poderá
permanecer estável por até 48 horas se
conservada sob refrigeração (2-8ºC). O
uso prévio de antibióticos ou antidiarreicos também pode interferir no teste.
Na maioria dos laboratórios clínicos
são utilizados meios de cultivo seletivos para os seis primeiros agentes,
deixando os últimos dois (Yersinia e
Campylobacter) apenas para pesquisas
específicas, solicitadas de forma especial
ao laboratório. Este procedimento pode
trazer grande limitação à sensibilidade da
coprocultura, devido à grande incidência
de Campylobacter associada a processos
gastroentéricos.
diagnóstico laboratorial
Gastroenterites infecciosas
Diarreias causadas pelo Campylobacter
A campilobacteriose é uma zoonose
de distribuição mundial, sendo apontada
como uma das principais causas de
diarreias causadas por bactérias. A
transmissão ocorre através do contato
com animais e da ingestão de produtos
animais mal cozidos ou manipulados
de forma inadequada. Estima-se que
o Campylobacter esteja envolvido em
até 20% dos casos de diarreia, sendo
as espécies mais comuns o C. jejuni e o
C. coli. Este percentual corresponde a
aproximadamente o dobro do observado
nas infecções causadas por Salmo­
nella, a segunda maior causa de
TABELA 1: Classificação de diarreias conforme síndrome e etiologia
diarreias bacterianas. Apesar disso,
a grande maioria dos laboratórios
Síndrome Bactéria
Vírus
Parasitos
Comentários
clínicos não inclui a pesquisa de Cam­
Diarreia inflamatória, Shigella spp., E.
disenteria
coli EIEC, EHEC, Entamoeba
Cólon, leucócitos
pylobacter no painel de coprocultu
Salmonella enteritidis, Nenhum
histolytica
fecais geralmente
ras, devido à necessidade de meios
Campylobacter jejuni, presentes
Vibrio parahaemolyticus,
seletivos e condições de incuba­ção
Clostridium difficile
especiais. Outra dificuldade é a idenDiarreia não
E. coli ETEC, EAEC,
Norovírus,
Giardia lamblia, Delgado proximal,
tificação do germe, já que ela não é
inflamatória
Vibrio cholerae, rotavírus, Cryptosporidium
leucócitos
Clostridium perfringens, adenovírus parvum, Isospora belli, fecais geralmente
possível através dos equipamentos
Bacillus cereus,
entérico,
Cyclospora cayetensis, ausentes
Staphylococcus aureus astrovírus, etc.
microsporidia
automatizados, necessitando de
Diarreia com doença
Salmonella typhi, Delgado distal,
métodos bioquímicos extremamente
sistêmica, febre Salmonella spp., Nenhum
Nenhum
leucócitos
trabalhosos, ou imunológicos, ou,
entérica
Yersinia enterocolitica, mononucleares fecais
Campylobacter spp.
podem estar presentes
ainda, de identificação através da
Adaptado de Koneman’s — Color atlas and textbook of diagnostic microbiology. 6. ed., 2006.
análise proteica (MALDI-TOF).
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013

VOL. 101  No 2
25
Gastroenterites infecciosas
Diagnóstico laboratorial
Além dos efeitos no trato gastrointestinal, as campilobacterioses podem
também estar envolvidas em infecções
extraintestinais, que incluem bacteremia,
hepatite, colecistite, pancreatite, aborto
e sepse neonatal, nefrite, prostatite,
infecção do trato urinário, peritonite,
miocardite e infecções focais, incluindo
meningite, artrite séptica e formação
de abscessos. O C. jejuni também pode
estar associado ao desenvolvimento da
síndrome de Guillain-Barré (SGB). Cerca
de 20% a 40% dos casos de SGB estão
associados às infecções prévias (uma a
três semanas) por C. jejuni.
Diarreias causadas por Clostridium
difficile
Em 1935, Hall e O’Toole isolaram
pela primeira vez um bacilo Gram-positivo, anaeróbio, produtor de citotoxina, o
qual denominaram Bacillus difficile — o
nome foi dado em função da dificuldade
para o isolamento. Mas foi somente em
1977 que Bartlett et al. identificaram o
C. difficile como o agente causador da
colite pseudomembranosa causada por
antibióticos. O C. difficile é uma bactéria
formadora de esporos que coloniza
de forma assintomática o intestino,
prevalecendo nos extremos de idades
(crianças e adultos). A doença se dá
através das toxinas que são produzidas
a partir da maior proliferação do germe,
devido ao desequilíbrio da flora intestinal, principalmente após a utilização
de antibióticos. A sintomatologia varia
desde diarreia leve, que corresponde a
três a quatro episódios de fezes pastosas
ao dia, passando por casos mais graves,
como a colite pseudomembranosa, que
causa desidratação e extremo desconforto, até os casos mais extremos e raros,
conhecidos como megacólon tóxico, nos
quais o processo inflamatório intestinal
é tão agudo que causa paralisação do
peristaltismo intestinal, com necessidade de intervenção cirúrgica.
A transmissão do C. difficile ocorre
através da disseminação de esporos e
atinge principalmente pacientes hospitalizados. Nos EUA ocorrem 13 casos
para cada mil pacientes hospitalizados e
26
7 mil casos a cada dia, correspondendo
a 0,5% a 1% de todas as complicações
em pacientes hospitalizados — levando
à morte mais de 300 pacientes por dia.
A partir do início do século XXI foi observado grande aumento da incidência de
doença causada pelo C. difficile, estimando-se que a quantidade de casos tenha
crescido mais de cinco vezes, incluindo
também casos fatais. Em amostras coletadas durante surtos que ocorreram
entre 2000 e 2003 em diversas cidades
americanas e também canadenses, foi
identificada uma cepa que havia sido
caracterizada, por um método denominado enzima de restrição de nucleases,
em 1985, como BI. Atualmente sua denominação é BI/NAP1/027, referente ao
método North American Pulsed Field 1
e Ribotipo 027.
Com o passar do tempo, o perfil da
infecção pelo C. difficile mudou. Em um
estudo conduzido no estado americano
da Carolina do Norte observou-se que
apenas 42% dos casos eram pacientes
hospitalizados ou em contato com algum
tipo de assistência à saúde, enquanto que
em 32% dos casos, a infecção foi adquirida
na comunidade, afetando pessoas sem
nenhum tipo de fator de risco relacionado à
assistência à saúde. Os jovens e as gestantes agora fazem parte do grupo de risco.
Três são os fatores responsáveis pela
maior virulência da cepa NAP1/027:
aumento da produção de toxinas A e B,
resistência a fluoquinolonas e produção
de toxina binária. A produção de toxinas
A e B corresponde ao maior fator de virulência do C. difficile e as cepas não produtoras de toxina não são patogênicas.
As toxinas A e B são transcritas a partir
de um lócus de patogenicidade que compreende cinco genes: gene tcdA (toxina
A), gene tcdB (toxina B) e três genes
reguladores, entre os quais o tcdC, que
codifica a regulação negativa da transcrição de toxinas. As cepas NAP1/027
apresentam tcdC, e isto é a causa do
aumento da produção de toxinas A e B.
Outro fator de virulência observado nas
cepas NAP1/027 é a produção de uma
terceira toxina, chamada toxina binária,
não relacionada ao lócus produtor de
toxinas A e B. A toxina binária parece
agir sinergicamente com as toxinas A
e B, aumentando o grau de toxicidade.
O diagnóstico laboratorial se dá através da pesquisa das toxinas produzidas
pelo C. difficile em amostras de fezes, já
que o seu isolamento em culturas, além
de pouco aplicável, também pode detectar germes não produtores de toxinas.
Apesar de ser um teste de fácil realização,
a pesquisa de toxinas não apresenta bom
grau de sensibilidade, atingindo apenas
cerca de 60% dos casos, sendo necessária a repetição em pelo menos três
amostras para se descartar a infecção.
Há cerca de três anos foi lançado um
novo método, utilizando biologia molecular, chamado GeneXpert C. difficile.
O teste detecta o DNA do C. difficile e
também a presença dos lócus responsáveis pela produção das toxinas A (tcdA)
e B (tcdB), além da mutação que inibe
a tcdC, e produção de toxina binária.
Ou seja, além de detectar a presença
do C. difficile, o teste também indica
se pode se tratar da cepa mais virulenta
NAP1/027 e/ou produtora de toxina
binária. Diversos estudos demonstram
sua superioridade em relação ao teste
tradicional, que pesquisa apenas a toxina,
sendo cerca de 40% mais sensível, em
uma única amostra. O teste, que é de
fácil realização e não necessita de instalações ou mão de obra especializada,
produz resultados em cerca de uma hora,
podendo, portanto, ser realizado em
laboratórios intra-hospitalares.
Estudos realizados em hospitais americanos demonstram que as infecções por
C. difficile prolongam o tempo de internação em cerca de cinco a sete dias,
adicionando maior risco de morbidade e
mortalidade ao paciente, além da elevação dos custos. Portanto, quando existe
a possibilidade de utilização de um teste
que pode fornecer resultados rápidos e
precisos, mesmo que tenha um custo superior ao teste tradicional (que apresenta
sensibilidade variável e necessita de mais
de uma amostra para confirmação), a
relação custo-efetividade é rapidamente
atingida. Podemos ainda acrescentar
que os surtos nosocomiais causados pelo
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Gastroenterites infecciosas
Diagnóstico laboratorial
C. difficile atingem também números elevados, já que sua erradicação demanda
grande esforço, devido ao alto grau de
transmissibilidade e à necessidade de
utilização de protocolos de desinfecção
especiais, por causa da resiliência dos
esporos ao calor e à dessecação, que
os tornam ainda viáveis em ambientes
hospitalares por semanas e até anos,
além da sua resistência à maioria dos
produtos desinfetantes, incluindo álcool
gel (Tabela 2).
com especificidade de 98%-100%. Outra
vantagem do método consiste em permitir a identificação apenas de E. histolytica
e não de E. dispar (não patogênica),
que não é possível apenas ao exame
microscópico (parasitológico). Ocorrem
cerca de 50 mil casos de infecções por E.
histolytica em todo o mundo, sendo responsável por cerca de 100 mil mortes por
ano em todo o mundo, segundo a OMS.
A Giardia lamblia, que foi observada
pela primeira vez por Leeuwenhock nas
zoonose, transmitida através de diversos
animais, sendo mais comum em bezerros, podendo causar, além dos sintomas
gastrointestinais, infecção respiratória,
biliar, hepatite e pancreatite. Em 1993
foi registrado um famoso surto de C. par­
vum na cidade americana de Milwaukee,
transmitido através do sistema público de
águas, que custou ao governo americano
cerca de 6 bilhões de dólares. O diagnóstico laboratorial de infecções causadas
pelo C. parvum é baseado na observação
direta, através da utilização da coloração
de Ziehl-Neelsen modificada, que, apesar
TABELA 2: Modelo de resultado obtido do teste Cepheid GeneXpert C. difficile
de simples e de baixo custo, depende da
Resultado
fase da infecção e também da experiênC. difficile DNA
Positivo
Negativo
cia do observador. O teste imunológico
para a pesquisa de antígeno fecal para C.
tcdA
PositivoNegativo
parvum apresenta sensibilidade de 97% a
tcdB
PositivoNegativo
100% e especificidade de 99%.
tcdC
PositivoNegativo
Portanto, para o diagnóstico de infecções
causadas por parasitas intestinais, o
Toxina binária
Positivo
Negativo
recomendado é conciliar o teste parasi
Positivo para C. difficile
Negativo para C. difficile
tológico, de preferência em um mínimo
de três amostras não consecutivas, com
Conclusão
Positivo para NAP1/027
Negativo para NAP1/027
os testes imunológicos para a pesquisa
Positivo para toxina binária
Negativo para toxina binária
de antígenos fecais.
Gastroenterites parasitárias
Em comunidades de baixa renda
e também em crianças, a incidência
de parasitoses intestinais ainda atinge
proporções significativas. Dentre a
grande quantidade de parasitas, os
mais frequentes são a Giardia lam­
blia, a Entamoeba histolytica e o
Cryptosporidium parvum. O diagnóstico laboratorial feito através do exame
parasitológico tradicional apresenta
grau de sensibilidade reduzido. A
realização em várias amostras (três a
seis) e a utilização de colorações permanentes (tricrômicas) podem elevar a
sensibilidade em cerca de 20% a 30%.
A utilização de métodos imunológicos
que detectam a presença de substâncias antigênicas nas fezes, em conjunto
com o exame parasitológico, eleva
consideravelmente a sensibilidade e a
especificidade do teste.
O teste para a pesquisa de antígeno
fecal para E. histolytica apresenta grau de
sensibilidade que varia de 95% a 100%,
suas próprias fezes, e posteriormente
descrita por A. Giard e F. Lambl em
1859, é o protozoário mais detectado
em todo o mundo, afetando mais as
crianças do que os adultos. Pode causar
síndromes de hipersensibilidade, má
nutrição e doenças biliares. Geralmente
o microrganismo fica aderido à parede
intestinal e é expelido em ciclos, o que
torna o seu diagnóstico através do exame
parasitológico de fezes pouco sensível
quando se utiliza apenas uma amostra.
O teste imunológico para a pesquisa de
antígeno fecal para G. lamblia apresenta
sensibilidade em torno de 95%-100% e
especificidade de 99%, sendo bastante
superior ao exame parasitológico.
O Cryptosporidium parvum, descrito
pela primeira vez em 1907 por Tyzzer,
em ratos de laboratório, atinge principalmente pacientes imunocomprometidos,
em especial os portadores de AIDS, nos
quais pode se tornar crônico naqueles
com contagem de linfócitos CD4+ abaixo
de 200/µl. Na verdade, trata-se de uma
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013

VOL. 101  No 2
Gastroenterites causadas por vírus
As gastroenterites virais são uma patologia extremamente comum, sendo a
segunda maior causa de doença infecciosa e a maior causa de diarreia infecciosa.
Afetam todas as idades, porém são mais
frequentes em crianças e idosos. O quadro
clínico evolui com diarreia não sanguinolenta, geralmente com pouco ou nenhum
componente inflamatório, com duração
de sete a 10 dias. É comum o relato de
surtos em comunidades fechadas, como
creches, hospitais, pacientes de internação domiciliar (home care), escolas e
excursões em navios (cruzeiros). Estima-se
que ocorram cerca de 2,5 milhões de mortes causadas pelas gastroenterites virais,
principalmente em crianças. Os principais
agentes etiológicos são quatro: rotavírus,
norovírus, astrovírus e adenovírus.
O rotavírus é o agente mais frequente,
respondendo por 60% de todos os episódios diarreicos nos países em desenvolvimento e por 40% nos países mais
desenvolvidos, cursando com quadros
27
Gastroenterites infecciosas
Diagnóstico laboratorial
de vômitos e desidratação. O patógeno
é indicado como o causador de 20% a
70% das internações hospitalares por
diarreia em todo o mundo, sendo responsável por 500 mil mortes por ano
em crianças menores de cinco anos em
todo o planeta. A infecção afeta todas
as idades, porém é mais frequente em
crianças. Os adultos liberam menor
quantidade de antígenos pelas fezes.
Após a vacinação, 4% a 5% dos pacientes
continuam a eliminar antígenos pelas
fezes por um período de até 15 dias. O
diagnóstico de infecções pelo rotavírus
é realizado já há mais de 10 anos por
métodos imunológicos que pesquisam
o antígeno fecal. Estes testes apresentam bons graus de sensibilidade e de
especificidade, superiores a 95%. Mais
recentemente foram introduzidos testes
por biologia molecular — cujos produtos comerciais ainda não se encontram
disponíveis no Brasil — que apresentam
sensibilidade um pouco superior à dos
testes imunológicos.
Estima-se que a ingestão de alimentos
contaminados seja responsável por uma
grande quantidade de hospitalizações.
De todos os patógenos conhecidos,
os vírus respondem por pelo menos
dois terços dos casos. Dentre todos
os vírus envolvidos nos processos de
contaminação alimentar, o norovírus é
o mais frequente. As gastroenterites
causadas pelo norovírus geralmente
não estão associadas a elevado grau de
mortalidade; entretanto, podem trazer
grandes impactos econômicos, uma vez
que os indivíduos acometidos necessitam
de cuidados médicos e ficam sem estudar/trabalhar por vários dias. Apesar de
a maioria dos casos cursar como doença
autolimitada, as infecções pelo norovírus
podem apresentar formas mais graves,
com possibilidade de letalidade — especialmente em grupos mais vulneráveis,
como idosos, crianças e imunocomprometidos. Os sintomas incluem vômitos
e/ou diarreia aquosa, que pode levar à
desidratação, dores abdominais, febre
baixa, mialgia e cefaleia. Eles se resolvem geralmente em um a três dias, mas
os vírus continuam a ser excretados nas
28
fezes por até duas semanas, facilitando a
sua transmissão. Outros fatores que contribuem para o alto grau de transmissibilidade do norovírus incluem a pequena
dose necessária para a contaminação
(aproximadamente 18 a 1.000 partículas
virais) e a sua resistência a extremos de
temperatura (de congelado a 60ºC), que
permite que permaneça viável por longos períodos em alimentos e bebidas.
Estudos demonstram a identificação de
novas estirpes virais, com capacidade
de disseminação rápida e distribuição
global, caracterizando o controle dos
surtos como mais um desafio para a
saúde pública.
O norovírus pertence à família Cali­
civiridae, e até 2002 era referido como
Norwalk-símile (Norwalk-like viruses),
devido à semelhança com um achado
de microscopia eletrônica de um vírus
isolado em um surto ocorrido na cidade
americana de Norwalk, Ohio. O norovírus
foi o primeiro agente viral a ser detectado como causador de gastroenterites,
mas permaneceu pouco estudado por
muitos anos, devido à falta de métodos
diagnósticos práticos e seguros. Após
a introdução de métodos diagnósticos
mais precisos, o agente passou a ser
identificado em uma grande proporção
dos casos de gastroenterites e entre 5%
e 30% dos casos de hospitalização ou
visita médica devidos a gastroenterites.
O diagnóstico laboratorial de infecções
causadas pelo norovírus pode ser feito
através da pesquisa direta por método
imunológico, imunocromatografia ou EIA
em placas, ou através de testes de biologia molecular (PCR em tempo real), sendo
que este último ainda não se encontra
comercialmente disponível no Brasil. Os
testes imunológicos apresentam grau
variável de sensibilidade (que vai de 57%
em uma única amostra a 78% em três
amostras) e especificidade de 90%, sendo
de utilidade nos diagnósticos diferenciais
com outras causas de gastroenterites. Os
testes por imunocromatografia são de fácil
e rápida realização, sendo os mais indicados. Entretanto, os testes por biologia
molecular apresentam ainda melhor grau
de sensibilidade (> 90%) do que os testes
imunológicos e tendem a substituí-los
gradativamente. Os astrovírus humanos são membros
da família Astroviridae, sendo reconhecidos como uma causa comum de
gastroenterite infantil em todo o mundo.
Inicialmente associados a um surto de
diarreia em bebês em uma maternidade,
esses vírus foram assim denominados
em função de apresentarem forma estrelada em cinco ou seis pontas, quando
vistos através de microscopia eletrônica.
A importância médica das infecções por
astrovírus humanos foi reconhecida através de estudos que os apontavam como
a segunda maior causa de diarreia em
crianças. Um estudo recente, realizado
no México, relatou astrovírus nas fezes
de 61% de todas as crianças e de 26%
das crianças com diarreia.
As infecções causadas pelos astrovírus
têm sido associadas a quadros de diarreia
esporádica em crianças da comunidade,
bem como a surtos focais, incluindo infecções nosocomiais. O principal sintoma é
a diarreia aquosa, frequentemente asso­
ciada a vômitos, febre e dor abdominal.
Os surtos acontecem com frequência
em enfermarias infantis, creches, jardins
de infância e escolas, podendo também
ocorrer em lares para idosos e quartéis
militares.
Os métodos para o diagnóstico laboratorial de infecções pelo astrovírus
incluem a pesquisa do antígeno fecal
por imunoensaio ou biologia molecular,
sendo o primeiro disponível em nosso
meio. Estudos indicam que os testes por
imunoensaio apresentam sensibilidade
semelhante ao padrão ouro, à microscopia eletrônica e próxima à dos testes por
biologia molecular.
O adenovírus humano pertence
ao gênero Mastadenovirus, da família Adenoviridae. Tem sido implicado em doenças respiratórias agudas,
gastrointestinais e infecções do trato urinário. Até o presente, 52 sorotipos foram
identificados, dentre eles o subgênero F
(AdVF), representado pelos adenovírus
tipo 40 (AdV-40) e tipo 41 (AdV-41), que
estão associados a quadros de gastroenterite aguda e são responsáveis por
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Gastroenterites infecciosas
Diagnóstico laboratorial
1% a 20% dos casos de doença diarreica
em crianças em todo o mundo, tanto
em pacientes ambulatoriais como hospitalizados. O AdV-40 e o AdV-41 afetam
principalmente crianças menores de dois
anos de idade e ocorrem durante todo o
ano. As características clínicas são diarreia
acompanhada de vômitos, febre baixa
e desidratação leve. Uma característica
distinta de infecções pelo AdV-40 e
AdV-41 é a diarreia prolongada (médias:
8,6 e 12,2 dias, respectivamente).
Assim como ocorre com as outras
viroses gastrointestinais, o diagnóstico
laboratorial de infecções pelos adenovírus 40-41 é feito através de testes por
imunoensaio ou biologia molecular. Os
testes por imunoensaio apresentam
sensibilidade satisfatória e os resultados
podem ser obtidos de forma fácil e rápida. Os testes por biologia molecular
apresentam melhor sensibilidade, mas
não se encontram ainda totalmente
inseridos na rotina dos laboratórios de
patologia clínica.
Novos testes do tipo multiplex
(painel) para o diagnóstico de
gastroenterites infecciosas
Há cerca de dois anos foram introduzidos alguns testes baseados em
biologia molecular, com capacidade de
incorporação de várias sondas em uma
única plataforma. Alguns exemplos são
o xTag Gastrointestinal Pathogen Panel
(xTag GPP), o Luminex, capaz de detectar
fragmentos genéticos de Salmonella,
Shigella, Campylobacter, Yersinia ente­
rocolitica, ETEC, E. coli 0157:H7, STEC,
C. difficile, Vibrio cholerae, adenovírus
40-41, rotavírus A, norovírus, Giardia,
Cryptosporidium e E. histolytica, e
também o Seeplex ACE Detection e o
Seegene, que detecta rotavírus, norovírus
G1 e G2, adenovírus entérico, astrovírus,
Salmonella sp., Shigella sp., Vibrio sp.,
Campylobacter spp., Clostridium difficile
toxina B, Clostridium perfringens, Yersinia
enterocolitica, Aeromonas spp., E. coli
O157:H7 e E. coli produtora de verotoxina (VTEC). Estes tipos de teste têm
se mostrado bastante promissores e os
estudos demonstram alta sensibilidade
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VOL. 101  No 2
e especificidade, devendo se tornar referência no diagnóstico de gastroenterites,
devido à praticidade de fornecimento
de vários resultados em um único teste.
Painel de gastroenterites
Um painel para a pesquisa completa de gastroenterites infecciosas deve
incluir:
Parasitas
• Parasitológico de fezes.
• Antígeno fecal para Giardia lamblia.
• Antígeno fecal para Entamoeba his­
tolytica.
• Antígeno fecal para Cryptosporidium
parvum.
Neste caso, a inclusão da pesquisa
de antígenos fecais acrescenta cerca de
20%-30% mais sensibilidade do que um
exame parasitológico simples.
Bactérias
• Coprocultura.
• Cultura para Campylobacter.
• Cultura para Yersinia.
• Pesquisa de toxina do Clostridium
difficile por método PCR.
Obs.: A inclusão das culturas para
Campylobacter e Yersinia cobre a grande maioria dos casos de gastroenterites
de origem bacteriana. A pesquisa para
C. difficile só deve ser incluída nos casos
em que haja suspeita clínica (antibioticoterapia prévia ou infecção nosocomial).
O teste é feito em amostras de fezes,
coletadas em frascos fornecidos pelo
laboratório.
Referências
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Molecular clinical laboratory immunology. 7. ed.,
ASM Press, 2006.
Obs.: As três referências restantes que compõem este
artigo se encontram na Redação à disposição dos interes­
sados.
Vírus
• Rotavírus.
• Adenovírus.
• Norovírus.
• Astrovírus.
Obs.: Os quatro tipos de vírus são os
mais comumente associados às infecções
gastrointestinais, sendo que o rotavírus
corresponde a cerca de 60% dos casos
em crianças e o adenovírus ocorre com
maior frequência em crianças até dois
anos e em imunocomprometidos. Já o
norovírus está associado à transmissão
através de alimentos e o astrovírus a
surtos em escolas, creches, etc.
Endereço para correspondência:
Helio Magarinos Torres Filho
Av. das Américas, 4801/Loja D
22631-004
Rio de Janeiro-RJ
[email protected]
29
Constipação intestinal
José Galvão-Alves
Chefe da 18a Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro —
Serviço de Clínica Médica. Professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Fundação
Técnico-Educacional Souza Marques. Professor titular de Pós-graduação em Gastroenterologia
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro titular da Academia Nacional de
Medicina. Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia (2010-2012). Professor de Clínica
Médica da Uni-FOA — Universidade da Fundação Osvaldo Aranha.
Resumo
Summary
A constipação intestinal acomete cerca
de 20% da população mundial e constitui um
dos sintomas mais frequentes de procura ao
médico. É mais comum em mulheres e idosos
e se encontra entre as doenças funcionais do
intestino. Pode ser referida pelo paciente como
fezes endurecidas, esforço excessivo no ato evacuatório, evacuações infrequentes ou sensação
de evacuação incompleta. Subdivide-se em
primária e secundária, tendo essa última causa
bem definida, como doenças endócrinas e
neurológicas ou uso inadvertido de substâncias obstipantes. É importante orientarmos
nossos pacientes para a necessidade de uma
dieta rica em fibras e de uma hidratação adequada. O manejo farmacológico pode incluir
suplementação de fibras, laxativos osmóticos,
emolientes e laxativos irritativos.
Constipation occurs in about 20% of the
world population and it is a common reason
for seeking medical attention. It is more
common in women and in the elderly and
may be part of a generalized gastrointestinal
dysmotility syndrome. Patients may define
constipation as hard stools, excessive straining, infrequent stools, or a sense of incomplete evacuation. There are two main types
of constipation — primary or secondary, the
latter caused by systemic disorders such as endocrine disorders, neurologic dysfunction, or
as a side effect of medications. Proper dietary
fiber and fluid intake should be emphasized.
Pharmacologic management of constipation
may include fiber laxatives, osmotic laxatives,
stool surfactants, or stimulant laxatives.
Introdução
consiste em condição clínica comum que depende de uma inter-relação médico-paciente
de qualidade para o sucesso terapêutico.
O presente artigo inicia-se com um quadro
elucidativo das doenças funcionais neurogastroenterológicas, segundo a classificação de
Roma III (Quadro 1).
A constipação intestinal encontra-se entre
as doenças funcionais do intestino. Constitui
um dos sintomas mais frequentes de procura
ao clínico geral e gastroenterologista, acometendo cerca de 20% da população mundial. É
mais comum nas mulheres e nos idosos, representando para estes um problema terapêutico
muito preocupante.
Constituem fatores desencadeantes e
agravantes a baixa atividade física, baixo nível
socioeconômico e educacional, alimentação
inadequada, história de abuso sexual e os
estados depressivos. A constipação intestinal
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MARÇO/ABRIL, 2013
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VOL. 101  No 2
Definição
Não existe uma definição de abrangência
universal para constipação. Fundamentando-se
nas queixas dos pacientes, ela pode ser referida
como fezes endurecidas, esforço excessivo no
ato evacuatório, evacuações infrequentes, sensação de evacuação incompleta e até mesmo
demora excessiva no toalete.
Considera-se normal a frequência de evacuação de, no mínimo, três vezes por semana.
O último Consenso de Roma, no qual se
definiram os critérios de constipação funcional, ocorreu em 2006 (Quadro 2).
gastroenterologia
Constipação intestinal
Unitermos: Constipação;
doenças funcionais do
intestino; suplementação
de fibras; laxativos.
Keywords: Constipation;
gastrointestinal dysmotility
syndrome; fiber; laxatives.
31
Constipação intestinal
QUADRO 1: Classificação — Roma III — doenças funcionais
A. Alterações funcionais do esôfago
A1. Pirose funcional (é preciso haver evidência de ausência de refluxo)
A2. Dor torácica funcional de presumível origem esofágica
A3. Disfagia funcional
A4.
Globus
B. Alterações funcionais gastroduodenais
B1. Dispepsia funcional (representa mais de 50% dos doentes com queixas dispépticas)
B1a. Síndrome do desconforto pós-prandial
B1b. Síndrome da dor epigástrica
B2. Eructação (só deve ser considerada alteração quando se torna desagradável)
B2a. Aerofagia
B2b. Eructação excessiva
B3. Náusea e vômito
B3a. Náusea crônica idiopática
B3b. Vômito funcional
B3c. Síndrome do vômito cíclico (menos de uma semana de duração — três ou mais
episódios no ano anterior)
B4. Síndrome da ruminação (situação muito rara no adulto)
C.
Alterações funcionais do intestino
C1. Síndrome do intestino irritável (afecção mais frequente do trato digestório)
C2. Distensão abdominal
C3. Obstipação funcional
C4. Diarreia funcional
C5. Alteração funcional não especificada
D. Síndrome da dor abdominal funcional (na maior parte dos casos, a dor abdominal faz parte
da dispepsia funcional ou da síndrome do intestino irritável. Em 0,5% a 2% dos casos, a dor
aparece isolada, não podendo ser enquadrada em outra síndrome)
E.
Alterações funcionais da vesícula e do esfíncter de Oddi
E1. Alteração funcional da vesícula (situação pouco frequente e de difícil diagnóstico)
E2. Alteração funcional do esfíncter de Oddi da via biliar
E3. Alteração funcional do esfíncter de Oddi do pâncreas
F. Alterações funcionais anorretais
F1. Incontinência fecal funcional
F2. Dor anorretal funcional
F2a. Proctalgia crônica (o episódio doloroso dura pelo menos 20 minutos)
F2a1. Síndrome do elevador do ânus
F2a2. Dor anorretal funcional não especificada
F2b.Proctalgia fugax (o episódio doloroso dura segundos ou minutos. Afeta cerca de
5% da população adulta)
F3. Alterações funcionais da defecação
F3a. Defecação dissinérgica
F3b. Propulsão defecatória inadequada
32
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Constipação intestinal
QUADRO 2: Critérios — ROMA III — de constipação funcional
1. Dois ou mais dos seguintes achados
— Esforço ao menos em 25% das evacuações
— Fezes ressecadas ou duras ao menos em 25% das evacuações
— Sensação de evacuação incompleta ao menos em 25% das vezes
— Sensação de bloqueio anorretal ao menos em 25% das evacuações
— Manobra manual de facilitação da evacuação ao menos em 25% das vezes
— Menos de três evacuações por semana
— Distúrbios de evacuação que não preencham os critérios de síndrome do intestino irritável
2. Fezes amolecidas presentes raramente com o uso de laxativos
3. Critério insuficiente para síndrome do intestino irritável
Fisiopatologia
A constipação intestinal é uma condição
multifatorial, sendo na maioria das vezes
decorrente da ingesta inadequada de fibras
e água. Subdivide-se em primária e secundária, tendo esta última causa bem definida,
como doenças endócrinas e neurológicas ou
uso inadvertido de substâncias obstipantes
(Quadro 3).
Em termos fisiopatológicos, divide-se em
três categorias: 1. constipação de trânsito
normal; 2. constipação de trânsito lento; e 3.
doenças do ato evacuatório.
Em estudo avaliando mais de mil pacientes
constipados, Nyan et al. observaram que 59%
apresentavam trânsito intestinal normal; 25%,
defeitos defecatórios; 13%, trânsito intestinal
lento; e 3%, associação de trânsito lento e
distúrbio da defecação.
Constipação de trânsito intestinal normal
(funcional)
Também denominada funcional, é a
forma mais comum de apresentação. Embora o tempo de passagem pelo cólon seja
normal, o paciente refere ser constipado,
queixando-se de fezes endurecidas ou insatisfação com a evacuação. São indivíduos
com distúrbios psicossociais frequentes, e
queixam-se também de desconforto abdominal e flatulência.
Geralmente respondem à adição de fibras
à dieta e à melhor hidratação. Algumas vezes
se beneficiam de laxativos osmóticos, como
o polietilenoglicol.
A falta de resposta adequada a esta conduta induz-nos a avaliação etiológica mais
criteriosa.
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Distúrbios da defecação
Ocorrem em virtude da disfunção do assoalho pélvico ou do esfíncter anal. Também
são conhecidos como “anismos”, dissinergia
do assoalho pélvico, contração paradoxal do
assoalho pélvico, constipação obstrutiva, obstrução funcional do retossigmoide, síndrome
espástica do assoalho pélvico e retenção fecal
funcional na infância.
Medo da dor ao defecar (fezes volumosas
e endurecidas), fissura anal e hemorroidas
podem estar associados a distúrbios da defecação, assim como abuso físico ou sexual
ou distúrbios alimentares. Causas menos
comuns incluem anormalidades estruturais:
intussuscepção retal, retocele, sigmoidocele
obstrutiva e deiscência perineal extrema.
O não preenchimento total do reto pode
levar à falta de coordenação dos músculos
abdominais, reto-anais e do assoalho pélvico
durante a defecação.
Ignorar ou suprimir a urgência de evacuação pode contribuir para uma evolução mais
grave.
Constipação de trânsito lento
É de ocorrência mais comum em mulheres
jovens que evacuam até uma vez por semana,
comumente iniciando-se na puberdade. Clinicamente, apresenta-se como dor abdominal ou
desconforto, flatulência e urgência fecal, essa
menos frequente. Os quadros leves respondem
bem a tratamento dietético com aumento de
fibras, o que não ocorre nos casos mais graves.
O trânsito colônico lento, associado à
falta de incremento na atividade motora após
ingesta de carnes, ou administração de substâncias, caracteriza a inércia colônica.
Pontos-chave:
> A constipação de trânsito
intestinal é a forma mais
comum de apresentação;
> São indivíduos com distúrbios
psicossociais frequentes,
e queixam-se também de
desconforto abdominal e
flatulência;
> Geralmente respondem à
adição de fibras à dieta e à
melhor hidratação.
33
Constipação intestinal
QUADRO 3: Etiologia da
constipação intestinal
1.Primária — funcional
2.Secundária — orgânica
— Doenças endócrinas
(p. ex., hipotireoidismo)
— Doenças metabólicas
(p. ex., diabetes melito)
— Doença neurológica
(p. ex., doença de
Parkinson)
— Medicamentosa
(p. ex., analgésicos,
anti-hipertensivos,
neurolépticos, etc.)
O exame histopatológico mostra um número
diminuído de neurônios do plexo mioentérico,
bem como outras anormalidades que alterariam
a motilidade gastrointestinal. A doença de
Hirschsprung é uma forma extrema de constipação de trânsito lento, em que as células
ganglionares do intestino distal são inexistentes.
QUADRO 4: Sintomas de alarme
Hemorragia retal
Dor abdominal intensa
Perda de peso
Anorexia
Tenesmo
Febre
Avaliação clínica
O primeiro e mais importante cuidado na
avaliação do paciente constipado é excluir a
presença de causas secundárias (Quadro 3).
Mediante anamnese, devem-se investigar cuidadosamente sinais de “alarme” ou “alerta”
(Quadro 4), como emagrecimento, hemorragia, febre, anorexia e anemia, que podem
nos orientar para uma causa anatômica. Em
pacientes com mais de 50 anos, ou que se tornaram constipados recentemente, sugere-se
a pesquisa de sangue oculto nas fezes, bem
como a dosagem sanguínea de eletrólitos
(incluindo cálcio, glicemia, hormônio tireoestimulante [TSH] e hemograma completo).
Àqueles que não responderam à orientação
inicial e/ou apresentam anemia ou sangue
oculto nas fezes indica-se a colonoscopia.
Nos pacientes com menos de 50 anos sem
sinais de alerta e história longa de constipação, opta-se por uma terapêutica progressiva,
conforme o algoritmo da Figura 2.
A
Avaliação diagnóstica da urgência
Tempo de trânsito colônico (TTC)
O tempo de trânsito normal é inferior a
72 horas. Uma radiografia abdominal deve
ser realizada 120 horas após marcadores
radiopacos serem deglutidos em uma cápsula de gelatina. Previamente, deve-se fazer
dieta rica em fibras, e laxativos/enemas e
medicamentos que afetem a função intestinal não devem ser utilizados. Caso haja
retenção de mais de 20% dos marcadores,
o trânsito é considerado prolongado, e se
for predominantemente em cólon esquerdo
e reto, é sugestiva de distúrbio defecatório
(Figura 1 — A, B e C).
Temos utilizado, com muito sucesso, a
avaliação do TTC pela medicina nuclear,
após ingesta de alimento sólido radiomarcado com 2mCi 99mTc-enxofre coloidal
(Figura 2 — A e B).
Marcadores radiopacos
1 cápsula com 24 anéis
5 dias
B
Figura 1: A.
Avaliação do
trânsito intestinal.
B. Tempo de
trânsito colônico.
C. Diagnóstico do
tempo de trânsito
colônico.
34
≤ 5 anéis
≥ 6 anéis
Normal
Lento
C
Normal
Inércia Colônica
JBM

Defecatório
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Constipação intestinal
Figura 2: A e B. Exame cintilográfico sugestivo de trânsito do intestino grosso lentificado, com retenção em cólon transverso.
Manometria anorretal
A contração inapropriada do esfíncter anal
sugere distúrbio defecatório. A ausência de
reflexo inibitório anorretal ocorre na doença
de Hirschsprung. Aumento de pressão anal e
dor no reto são indicativos de fissura anal ou
animus. Em distúrbios neurológicos ou nos casos de aumento da capacidade retal mediante
retenção prolongada de fezes observa-se
hipersensibilidade retal.
Balão de expulsão
O paciente é solicitado a expulsar um
balão de látex, inserido no reto e preenchido
com 50mL de água ou ar. A incapacidade
de expulsar o balão dentro de dois minutos
sugere distúrbio de defecação.
Defecografia
É usada para determinar o completo
preenchimento do reto, do ângulo anorretal,
da deiscência perineal e as anormalidades
estruturais (retocele, prolapso da mucosa
interna ou intussuscepção). Estes métodos
complementares devem ser indicados na
suspeita de constipação de trânsito lento e
nos casos de distúrbios de defecação.
Terapêutica
A adesão ao tratamento repousa na perfeita relação do médico com seu paciente. Para
isso, faz-se necessário uma abordagem mais
do indivíduo do que de seu sintoma. A constipação crônica traz com o paciente uma história
de inúmeros médicos, exames complementares e medicamentos. O primeiro passo na
JBM
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MARÇO/ABRIL, 2013
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terapêutica é entender que a expectativa em
sua consulta pode ser imensa, havendo com
ela uma cobrança ainda maior. Saber ouvir
parece primário, mas tem se tornado raro.
Orientação higieno-dietética
É importante orientarmos nossos pacientes para a necessidade de uma dieta rica em
fibras, em especial vegetais os mais variados,
e de uma hidratação adequada (30 a 50mL/
kg/dia), dependente de sua atividade e do
clima onde reside.
Estas são recomendações que devem conter um grau de exigência significativa, sem o
que o paciente não as cumpram. Caso ele não
consiga aumentar a ingesta de fibra natural,
devem ser utilizados suplementos comerciais.
Um ponto relevante na terapêutica da
constipação intestinal é a reeducação dos
hábitos de evacuação, estimulando-se a disciplina de horário e a obediência ao reflexo
evacuatório. É bastante comum, especialmente entre mulheres e homens por demais
apressados, não responder ao estímulo evacuatório imediatamente, o que causa a perda
progressiva desse reflexo.
Deve-se também estimular o exercício
físico, em especial a natação e a deambulação.
Terapêutica farmacológica
Incrementadores do bolo fecal
Com a ingestão suplementar de fibras
aumenta-se o volume fecal, diminui-se a consistência das fezes e estimula-se fisiologicamente a evacuação. As fibras retêm água em
sua estrutura e, por isso, os pacientes devem
ingerir volume hídrico adequado.
A adesão ao tratamento
repousa na perfeita
relação do médico com
seu paciente. Para isso,
faz-se necessário uma
abordagem mais do
indivíduo do que de seu
sintoma. A constipação
crônica traz com o
paciente uma história
de inúmeros médicos,
exames complementares e
medicamentos.
35
Constipação intestinal
No Quadro 5 estão relacionados os
principais incrementadores do bolo fecal.
Salienta-se que as fibras sintéticas, por não
serem degradadas pelas enzimas digestivas
e não serem metabolizadas pelas bactérias
do cólon, são eliminadas de maneira intacta
e não produzem gás.
QUADRO 5: Incrementadores do bolo
fecal
Fibras sintéticas (policarbofila cálcica)
Metilcelulose
Psyllium
Ágar-ágar
Laxativos osmóticos
Agem fluidificando as fezes por meio de
substâncias osmoticamente ativas, que “roubam” água do organismo humano através
da mucosa digestiva. Correspondem a um
grupo heterogêneo no qual se destacam o
polietilenoglicol (PEG), os osmóticos salinos
(sal de sódio ou magnésio) e os sacarídeos
(lactulose) (Quadro 6).
QUADRO 6: Laxativos osmóticos
Polietilenoglicol* (PEG 3350)
Lactulose
Sais de sódio e magnésio
* Uso recomendado na gravidez.
Pontos-chave:
> Os laxativos procinéticos
agem aumentando o trânsito
intestinal de maneira mais
fisiológica;
> O tegaserode tem indicação
bem definida na constipação da
síndrome do intestino irritável;
> A lubiprostona é um
estimulador seletivo dos canais
de cloro tipo 2.
36
A experiência mundial aponta o PEG
como o laxativo de eleição, pois é eficaz,
isento de paraefeitos, tem absorção desprezível, não é metabolizado, não é calórico e
nem teratogênico, podendo ser utilizado,
inclusive, para a constipação da gravidez. Ao
aumentar a concentração de água no cólon,
o PEG lubrifica e amolece as fezes, tornando
a evacuação mais confortável.
Amaciantes (emolientes, lubrificantes)
Esses laxativos agem facilitando o deslizamento das fezes. São substâncias oleosas que
podem, em médio prazo, diminuir a absorção
das vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K).
Riscos especiais em pacientes disfágicos,
principalmente idosos, consistem na broncoaspiração e na pneumonia lipoídica. Em
situações agudas recomenda-se a utilização
de medicamentos de apresentação oral e
retal (Quadro 7).
QUADRO 7: Agentes amaciantes
Docusato de sódio
Óleo mineral
Laxativos irritativos
Agem provocando aumento da contração
da musculatura lisa intestinal por meio de
estímulo ao plexo mioentérico (Quadro 8). A
grande vantagem é a ação rápida, em torno
de seis a 12 horas; no entanto, seu uso crônico
pode provocar lesão no plexo mioentérico,
levando à dismotilidade colônica. São contraindicados na gravidez e na amamentação.
Em nossa opinião, devem constituir medicamentos de exceção.
QUADRO 8: Laxantes estimulantes
Antraquinonas
Sene
Cáscara sagrada
Óleo de rícino
Difenilmetanos
Bisacodil
Fenolftaleína
Picossulfato de sódio
Laxativos procinéticos
Por fim, merecem menção os laxativos
procinéticos, que agem aumentando o trânsito intestinal de maneira mais fisiológica.
Dentre estes se destacam a cisaprida,
que, por sua cardiotoxicidade, se encontra
fora de uso comercial em todo o mundo; a
domperidona, pouco efetiva; o tegaserode,
com indicação mais bem definida na constipação da síndrome do intestino irritável; a
lubiprostona e a prucaloprida. A lubiprostona
é um estimulador seletivo dos canais de cloro
tipo 2, localizados na membrana apical do
epitélio gastrointestinal. Como resultado, há
um aumento na secreção de fluido intestinal
rico em cloro, o que estimula os movimentos
intestinais e facilita a passagem de fezes
amolecidas (hidratadas) através do intestino,
com consequente alívio dos sintomas de
constipação intestinal.
JBM
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MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Constipação intestinal
Na dose de 24µg duas vezes ao dia,
a lubiprostona acelera significativamente
o trânsito do intestino delgado e cólon,
quando comparada ao uso de placebo em
estudos randomizados, duplo-cegos, utilizando a cintigrafia para mensurar o tempo
de trânsito intestinal. Os efeitos adversos
mais frequentes foram náuseas, diarreia e
cefaleia, sendo que aproximadamente 8,7%
dos pacientes suspenderam o uso em razão
de náusea intensa. Pode-se observar, em
menor frequência (5%), dor, flatulência e
distensão abdominal.
As drogas que agem nos receptores
de serotonina (5HT) podem reduzir a sensibilidade visceral, bem como aumentar a
motilidade do trato intestinal. Através deste
último mecanismo a prucaloprida, agonista
serotoninérgico do receptor 5HT4, estimula
os neurônios intrínsecos e a musculatura lisa
e, com isto, o tempo e capacidade da droga
evacuatória do trato intestinal. Soma-se a esta
ação a capacidade da droga em aumentar a
secreção da mucosa intestinal.
No momento, este medicamento se encontra liberado em nosso meio apenas para
uso em mulheres acima de 18 anos e deve
ser droga de exceção após o incremento do
bolo fecal, uma adequada hidratação e uso
de laxativos osmóticos.
Finalizando, apresentamos um algoritmo
utilizado por nós, com resultados bastante
estimulantes (Figura 3).
Terapêutica
Dieta rica
em fibras
Hidratação
Fibra suplementar
Laxativo osmótico
Laxativo lubrificante
Procinéticos
Laxativos
irritativos
Figura 3: Algoritmo — Constipação intestinal funcional.
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18. LONGSTRETH, G.F.; THOMPSON, W.G. et al. — Functional
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19. MC CALLUM, I.K. — Chronic constipation in adults. BMJ,
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10. MC KEAGE, K.; PLOSKER, G.L. & SIDDIGUI, M.A.A. — Lubiprostone. Drugs, 66(6): 873-9, 2006.
Obs.: As sete referências restantes que compõem este artigo se
encontram na Redação à disposição dos interessados.
Endereço para
correspondência:
José Galvão-Alves
Rua Real Grandeza,
108/Sala 123 — Botafogo
22281-034
Rio de Janeiro-RJ
[email protected]
37
imagem em medicina interna
Coordenação:
Marta Carvalho Galvão
Marta Carvalho Galvão
Professora de Radiologia da Fundação
Técnico-Educacional Souza Marques —
FTESM. Professora mestre responsável
do Curso de Radiologia da UniFOA
— Universidade da Fundação Osvaldo
Aranha. Professora da UGF —
Universidade Gama Filho. Radiologista
do Hospital Federal da Lagoa, RJ.
Lívia Lopes Pinheiro
Maria Luíza Rodrigues Laguardia
Residente (R2) de Radiologia do
Hospital Federal da Lagoa, RJ.
Introdução
O câncer de pulmão é a causa mais comum de óbitos relacionados ao câncer
em todo o mundo, e uma das principais
causas de morte evitável. No Brasil, nos
últimos 20 anos, a incidência do câncer
de pulmão aumentou cerca de 130% nas
mulheres e 55% nos homens. Geralmente
é detectado em estágios avançados, e
somente cerca de 20% dos casos têm
critérios de operabilidade ao diagnóstico,
mesmo nos países de primeiro mundo.
Em 80% a 90% dos casos diagnosticados
está associado ao tabagismo e também
a outros fatores de risco, como exposição a agentes cancerígenos de origem
ocupacional e ambiental, fumo passivo,
asbestos e radiação no interior de minas,
pacientes submetidos à radioterapia, pacientes com fibrose pulmonar idiopática,
doenças do colágeno e pacientes com
história familiar de câncer de pulmão.
38
Adenocarcinoma brônquico
com atelectasia
Os sintomas podem resultar da doença local, da extensão do tumor para
as estruturas adjacentes, das metástases
a distância (especialmente para ossos,
fígado e cérebro), da secreção hormonal
tumoral ou reação imunológica ou dos
efeitos gerais inespecíficos (fadiga, anorexia e perda de peso).
Na prática clínica, os carcinomas de
pulmão são genericamente classificados
em carcinomas de pequenas células e
carcinomas de não pequenas células.
Estes últimos compreendem principalmente o adenocarcinoma, o carcinoma
de células escamosas e o carcinoma
indiferenciado de grandes células. O adenocarcinoma é o tipo mais comum, tanto
em fumantes e não fumantes quanto em
pessoas com menos de 45 anos de idade.
De crescimento lento, pode levar anos
para evoluir de um tumor localizado para
um câncer disseminado. Os sintomas
se desenvolvem lentamente. Incluem
tosse, dispneia, sibilos, dor torácica e
expectoração sanguinolenta. Por vezes,
podem se apresentar como pneumonia
ou colapso pulmonar (caso apresentado).
Os primeiros passos para se diagnosticar o adenocarcinoma são o exame
clínico e a análise de uma amostra de
escarro para bactérias, organismos infecciosos e células cancerígenas. Se o teste
de escarro não fornecer um diagnóstico
definitivo, torna-se necessário prosseguir
a investigação, que pode incluir broncoscopia ou biopsia por agulha.
A TC produz imagens que auxiliam
no estadiamento da lesão, determinando
suas características, sua localização, seu
tamanho e seus componentes (gordura,
calcificações), podendo ainda guiar
biopsias com agulha fina, para avaliação
histopatológica.
À tomografia, o adenocarcinoma
usualmente se apresenta como nódulo
ou massa localizada na periferia do pulmão (50%); 15% se manifestam como
massa hilar ou peri-hilar e 35% como uma
combinação de massa parenquimatosa
e linfonodomegalia hilar ou mediastinal.
O adenocarcinoma e o adenocarcinoma
subtipo misto (adenocarcinoma invasivo
com componente de carcinoma bronquíolo-alveolar) frequentemente se manifestam como nódulos “semissólidos”,
também chamados de parcialmente
sólidos, ou nódulos com atenuação em
vidro fosco “com área central densa/
sólida” (atenuação mista). Calcificações
e necrose podem ser encontradas,
sobretudo em carcinomas maiores que
3cm de diâmetro. No carcinoma de não
pequenas células geralmente é encontrada linfonodomegalia hilar unilateral
ou mediastinal, associada a nódulo ou
massa pulmonar. O estadiamento final do
câncer de pulmão inclui exames clínico
(exames de imagem, testes laboratoriais
e procedimentos como broncoscopia,
mediastinoscopia, mediastinotomia,
toracoscopia e toracotomia exploratória) e anatomopatológico. No entanto,
é importante avaliar o tumor de modo
não invasivo inicialmente, com o intuito
de guiar a conduta. Para o cirurgião, é
importante ter informações sobre a extensão do tumor, a existência de invasão
e se o tumor é potencialmente ressecável
ou irressecável. Os pacientes com carcinoma de pulmão de não pequenas
células são avaliados de acordo com a
classificação TNM, em que T refere-se
ao tumor primário, N aos linfonodos regionais e M à presença de metástases a
distância. O estadiamento é apresentado
nos Quadros 1 e 2 (atualização em 2013).
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
QUADRO 1: Sistema de estadiamento TNM para câncer de pulmão (7a edição)
Adenocarcinoma brônquico com atelectasia
Tumor primário (T)
T1
T1a
T1b
Tumor ≤ 3cm de diâmetro sem invasão proximal ao brônquio lobar
T2
Tumor > 3cm e ≤ 7cm, ou tumor:
Tumor ≤ 2cm de diâmetro
Tumor > 2cm e ≤ 3cm de diâmetro
a. com envolvimento do brônquio principal
b. ≥ 2cm distal à carina
c. invadindo a pleura visceral
d. associado a atelectasia ou pneumonite obstrutiva que se estende à região
hilar, mas não envolve todo o pulmão
T2a
Tumor > 3cm e ≤ 5cm
T2b
Tumor > 5cm e ≤ 7cm
T3
Tumor > 7cm ou tumor:
a. invasão direta: da parede torácica, diafragma, nervo frênico, pleural
mediastinal, pericárdio parietal, brônquio principal < 2cm da carina (sem
envolvimento da carina)
b. atelectasia ou pneumonite obstrutiva de todo o pulmão
c. nódulos tumorais no mesmo lobo
T4
Tumor de qualquer tamanho que invada o mediastino, coração, grandes vasos,
traqueia, nervo laríngeo recorrente, esôfago, corpo vertebral, carina, ou com
nódulos tumorais em um lobo ipsilateral diferente
Linfonodos regionais (N)
N0
Sem metástases a gânglios regionais
N1
Metástases em linfonodo ipsilateral peribrônquico e/ou linfonodos ipsilaterais e
nódulos intrapulmonares, incluindo envolvimento por extensão direta
N2
Metástases em linfonodos mediastinais ipsilaterais e/ou subcarinal
N3
Metástases em linfonodos mediastinais contralaterais, hilar contralateral, escalênico
ipsilateral ou contralateral ou supraclavicular
Metástases a distância (M)
M0
Sem metástases a distância
M1
Metástases a distância
M1a
Nódulos pulmonares em lobo contralateral, tumor com nódulos pleurais ou derrame
pleural ou pericárdico malignos
M1b
Metástases em órgãos extratorácico
QUADRO 2: Estadiamento por grupos
Estádio IA
T1a-T1b
N0
M0
Estádio IB
T2a
N0
M0
Estádio II A
T1a, T1b, T2a
N1
M0
T2b
N0
M0
Estádio II B
N1
M0
T3
N0
M0
Estádio III A
T1a, T1b, T2a, T2b
N2
M0
T3
N1, N2
M0
T4
N0, N1
M0
Estádio III B
T4
N0, N1
M0
Qualquer T
N3
M0
Estádio IV
Qualquer T
Qualquer N
M1a ou M1b
T2b
Adaptado de Goldstraw, P.; Crowley, J. et al. — The IASLC Lung Cancer Staging Project: Proposals for the revision of the TNM
stage groups in the forthcoming (seventh) edition of the TNM classification of malignant tumours. J. Thorac. Oncol., 2: 706, 2007.
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013

VOL. 101  No 2
39
Adenocarcinoma brônquico com atelectasia
Relato do caso
Paciente do sexo masculino, branco, 75
anos de idade, natural do Rio de Janeiro.
Hipertenso, diabético tipo 2, com queixa
de dispneia aos mínimos esforços, associada a episódios de hemoptise e perda
ponderal de aproximadamente 5kg em
três meses.
Foi encaminhado ao Hospital Federal
da Lagoa, onde se realizou radiografia
do tórax, que evidenciou atelectasia
do lobo superior esquerdo. A avaliação
foi complementada com tomografia
computadorizada, que demonstrou
tecido com densidade de partes moles
obliterando o brônquio do lobo supe-
rior esquerdo, ocasionando atelectasia
completa deste lobo (Figuras 1, 2, 3, 4
e 5). Durante a internação realizou-se
broncoscopia, que evidenciou árvore
brônquica esquerda apresentando
formação vegetante na porção do
brônquio do lobo superior, com sua
total obliteração. Houve acometimento
também do brônquio do lobo inferior,
com obstrução de 50% de sua luz. Os
brônquios segmentares do lobo inferior
não mostravam alterações canaliculares,
e a mucosa era normal.
Realizou-se biopsia na vegetação do
brônquio do lobo superior esquerdo e
foram colhidos lavado e aspirado brôn-
quico, que foram encaminhados para
exames histopatológico e citológico.
O resultado da microscopia obtida
foi adenocarcinoma moderadamente
diferenciado e infiltrante, apresentando
áreas de necrose. Com o diagnóstico de
adenocarcinoma brônquico de pulmão,
o paciente foi submetido à tomografia
computadorizada de abdome e pelve,
para estadiamento, que foi negativo para
metástases. Achado de lesão cística na
cauda e corpo do pancreático, compatível
com pseudocisto.
Em acompanhamento na Oncologia.
Figura 1: Topograma. Observa-se redução
volumétrica do pulmão esquerdo com
opacidade que condiciona perda da
silhueta mediastinal e atração das estruturas
mediastinais ipsilateralmente — atelectasia
do lobo superior esquerdo.
Figura 3: Tomografia computadorizada do
tórax — corte sagital. Nota-se colapso do
lobo superior do pulmão esquerdo, com
desvio anterior da grande cissura.
Figura 5: TC (corte axial). Observa-se a
obliteração brônquica por estrutura com
densidade de partes moles no seu interior,
condicionando atelectasia lobar.
Obs.: As referências que compõem este artigo se encontram na Redação à disposição dos interessados.
↑
Endereço para correspondência:
Figura 2: Tomografia computadorizada
do tórax. Corte coronal no nível da
amputação do brônquio do lobo superior
esquerdo. Note o lobo superior esquerdo
atelectasiado (denso).
40
Marta Galvão
Santa Casa da Misericórdia do RJ
— Enfermaria 18
Rua Santa Luzia, 206 — Centro
20030-041
Rio de Janeiro-RJ
Figura 4: TC (corte axial). Redução
volumétrica do LSE e presença de
linfonodomegalia na janela aórticopulmonar.
JBM
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MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Conduta atual
Estados hiper e hipoglicêmicos agudos
Conduta atual
endocrinologia
Estados hiper e hipoglicêmicos agudos
Gilberto Perez Cardoso
Professor titular do Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Cyro Teixeira da Silva Junior
Professor associado do Departamento de Medicina Clínica da UFF. Doutor em Neuroimunologia
pela UFF.
Renato Bergallo Bezerra Cardoso
Residente no Programa de Medicina da Família da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Resumo
Summary
Os estados hiperglicêmicos e hipoglicêmicos agudos são exemplos das mais comuns
emergências médicas com que nos deparamos
no campo das alterações do metabolismo.
Os estados hiperglicêmicos agudos compreendem a cetoacidose diabética e o coma
hiperosmolar hiperglicêmico não cetótico.
Neste artigo, analisamos essas duas condições
hiperglicêmicas, que representam um desafio
para o clínico e o médico generalista que trabalham no terreno nas emergências médicas.
The acute hypoglycemic and hyperglycemic situations are examples of the most common medical emergencies that we face in the
field of metabolic disorders.
The acute hyperglycemic situations include
diabetic ketoacidosis and hyperosmolar hyperglycemic coma hyperosmolar nonketotic.
In this article, we analyze these two hyperglycemic conditions that represent a challenge to
the clinician and general practitioner working
in the field in medical emergencies.
Cetoacidose diabética
da doença, tais como poliúria, polifagia, polidipsia e fadiga; nas crianças é muito comum
que a condição seja precedida de náuseas,
vômitos e dor abdominal. Na ausência de
providências, a situação evolui para o coma
diabético. Na dependência da concomitância de fatores ou doenças desencadeantes,
podemos ter associação de sintomas e sinais
a essas manifestações já citadas.
A cetoacidose diabética pode ser conceituada como uma emergência médica caracterizada por hiperglicemia superior a 250mg/dl;
acidose com pH sanguíneo inferior a 7,3; bicarbonato sérico inferior a 15mEq/l; e positividade
do soro do paciente à pesquisa de cetonas.
Pode ser a manifestação inicial do diabetes
tipo 1, resultando de intercorrências ocorridas
nesses pacientes, tais como infecção, trauma,
cirurgia, estresse, ou se instalar em pacientes
com diabetes tipo 2 submetidos a situações
de extrema gravidade, tais como sepse. A taxa
de mortalidade da condição gira em torno de
5%, mesmo nos bons centros de tratamento.
Aspectos clínicos
Geralmente, antes da instalação da cetoacidose diabética há manifestações clássicas
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013

VOL. 101  No 2
Aspectos laboratoriais
Os achados típicos da cetoacidose diabética são glicosúria elevada, hiperglicemia,
cetonemia, pH arterial baixo e bicarbonato
plasmático baixo. O potássio sérico quase
sempre se encontra elevado e frequentemente ocorre leucocitose, não só porque tais
quadros costumam ser desencadeados por
infecções, mas também porque a cetonemia
Unitermos:
Hiperglicemia e
hipoglicemia agudas;
metabolismo; emergências
médicas.
Keywords: Acute
hypoglycemic and
hyperglycemic;
metabolism; medical
emergencies..
41
Estados hiper e hipoglicêmicos agudos
Conduta atual
se acompanha de leucocitose significativa,
não raro com valores em torno de 25.000
células/microL.
Fisiopatogenia
Duas alterações são marcantes no curso
fisiopatogênico do desenvolvimento da
cetoacidose diabética: a hiperglicemia e a
cetoacidemia.
A hiperglicemia ocorre em decorrência da produção hepática exacerbada de
glicose, tanto quanto da diminuição da
captação periférica de glicose nos tecidos.
A insulinopenia relativa ou absoluta que se
instala, em associação à hiperglucagonemia,
desencadeia gliconeogênese hepática, com
aumento do fluxo hepático de glicose e
hiperglicemia. A deficiência de insulina que
se associa a níveis elevados de glucagon e
hormônio do crescimento produz incremento de lipólise no tecido adiposo e cetogênese hepática. Surgem então, no plasma,
os chamados “corpos cetônicos”, ácido
acetoacético e a acetona, que, junto com o
aumento da taxa plasmática do ácido beta-hidroxibutírico, também concorrem para
o desenvolvimento da acidose metabólica
vista nessa condição.
Pontos-chave:
> Duas alterações são marcantes
no curso fisiopatogênico
do desenvolvimento da
cetoacidose diabética: a
hiperglicemia e a cetoacidemia;
> A hiperglicemia ocorre pela
produção hepática exacerbada
de glicose;
> E também pela diminuição
da captação periférica de
glicose nos tecidos.
42
Tratamento
Antes de se cogitar o tratamento é pertinente falar de prevenção, pois melhor seria
evitar o desencadeamento de condições que
pudessem levar à instalação da cetoacidose
diabética. Atualmente, a monitorização constante dos pacientes diabéticos, pela medida
frequente da glicemia capilar, é altamente
recomendada. Todo paciente diabético
deveria fazer uso frequente dessa monitorização, que é a melhor prevenção contra as
descompensações. Também a monitorização
da cetonemia deve ser frisada nos pacientes
com maior instabilidade da doença, para
maior controle.
Entretanto, instalada a condição, o paciente deverá ser internado, de preferência
numa unidade de tratamento intensivo, pois
o correto tratamento não dispensa cuidados
intensivos. Sempre é bom lembrar que a cetoacidose, mesmo quando tratada em centros
de excelência, carrega expressiva taxa de
mortalidade. As principais medidas a serem
adotadas nesses casos são:
Medidas gerais — De início deve ser garantida uma via de acesso venosa, de preferência
por punção de jugular ou subclávia, com
infusão de líquidos e retirada de sangue para
realização de exames laboratoriais. Devem
ser medidos glicemia, glicosúria, cetonemia,
pH arterial, bicarbonato, ureia, eletrólitos,
osmolalidade e hemograma, pelo menos. A
osmolalidade plasmática pode ser estimada
pelos valores do sódio, do potássio e da glicemia no momento. Nos pacientes comatosos
deve-se instalar uma sonda vesical, o que deve
ser evitado nos pacientes ainda lúcidos, para
não haver risco de infecções urinárias posteriores. Nos pacientes comatosos deve-se passar
sonda nasogástrica, e o balanço hídrico deve
ser cuidadosamente anotado.
Reposição de insulina, líquidos e eletrólitos
— No tratamento da cetoacidose diabética
costuma-se empregar inicialmente apenas insulina, e da modalidade insulina regular. Uma vez
confirmado o diagnóstico, deve-se dar insulina
imediatamente. A dose recomendada é de 0,1
unidade/kg estimado de peso corporal, como
“bolo” intravenoso, e 0,1 unidade/kg estimado
de peso, por hora, continuamente, por bomba
de infusão ou por injeção intramuscular; para
a maioria dos autores isso basta para cobrir a
deficiência de insulina. Em termos fisiopatológicos tal conduta corrige a acidose, reduz
o afluxo de ácidos graxos ao fígado, reduz a
produção de corpos cetônicos, diminui a hiperosmolaridade e a hiperglicemia. Com isso,
inibe-se a gliconeogênese e a glicogenólise e
também a hiperaminoacidemia proveniente da
liberação muscular periférica de ácidos aminados. Deve-se lembrar que se em uma hora
após a injeção venosa de insulina em bolo a
glicemia não cair pelo menos 10%, a dose “em
bolo” deve ser repetida. Raramente se constata
resistência insulínica de monta, com falta de
queda de glicemia nesses procedimentos. Se
isso acontecer, as doses de insulina devem ser
dobradas.
Na maioria dos pacientes, a deficiência de
líquidos é de cerca de 4 a 5 litros. A reposição
deve ser feita, inicialmente, por meio de soro
fisiológico a 0,9%, a melhor escolha para
reexpandir o volume vascular, que se encontra retraído. O uso de bicarbonato tem sido
muito questionado, tendo em vista que pode
se acompanhar de problemas indesejáveis,
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Estados hiper e hipoglicêmicos agudos
Conduta atual
tais como desenvolvimento de hipocalemia,
acidose liquórica e piora da hiperosmolaridade.
Todavia, caso o pH plasmático fique abaixo de
7 ou a concentração de bicarbonato plasmático
abaixo de 9mEq/L, devemos dissolver 44mEq
(uma ampola de 50ml) de bicarbonato de sódio
em 500ml de soro fisiológico e administrar ao
paciente até que o pH atinja um nível de pelo
menos 7,1. A partir deste momento, não se
deve dar mais bicarbonato. Na primeira hora
de tratamento costuma-se ministrar cerca de
1 litro de soro fisiológico, monitorizando-se o
potássio. Se a glicemia estiver acima de 500mg/
dL, o soro a ser administrado é o de cloreto de
sódio a 0,45% na primeira hora de tratamento.
Quando a glicemia cai abaixo de 250mg/
dL, deve-se passar a utilizar solução de glicose a 5% venosa, no lugar do soro fisiológico,
para manter a glicemia entre 200 e 300mg/
dL, enquanto o uso de insulina provoca a correção da hipercetonemia. Caso isso não seja
feito, há risco de hipoglicemia, probabilidade
aumentada de edema cerebral (em função do
rápido decréscimo da glicemia) e risco de acidose lática (pois a falta de glicose determina
continuidade de gliconeogênese hepática).
Sabe-se que na cetoacidose diabética é
grande a deficiência corporal de potássio.
Apesar disso, a dosagem plasmática de potássio desses pacientes não revela níveis baixos,
uma vez que a acidose que se desenvolve
“expulsa” o potássio intracelular e dá uma
ideia de normopotassemia, que não reflete a
verdadeira situação do potássio no organismo. Por isso, uma vez iniciado o tratamento
e com a melhora da hidratação e da acidose
metabólica, o potássio “retorna” a seu sítio
intracelular e suas concentrações plasmáticas
tendem a cair. Tendo em vista tal fato, deve-se administrar potássio em doses de 20 a
30mEq/hora após duas a três horas do início
do tratamento, ou mesmo desde o início,
caso se constate que o potássio plasmático
se encontra muito baixo. O eletrocardiograma
feito seriadamente pode dar uma ideia mais
aproximada da quantidade de potássio no organismo, uma vez que as concentrações plasmáticas não refletem o que está acontecendo,
tendo em vista as explicações anteriores.
Deve-se ter em mente que, mesmo após o
sucesso do tratamento imediato da condição,
passadas as 12 ou 24 horas iniciais, é indispensável que o paciente, caso possa ingerir
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013

VOL. 101  No 2
líquidos ou mesmo alimentos sólidos, receba
generosa cota de potássio via alimentação,
pois a deficiência de potássio desses doentes
só costuma ser corrigida após cerca de cinco
ou sete dias.
A reposição de fosfato raramente é necessária no tratamento da cetoacidose diabética.
Contudo, se estivermos diante de hipofosfatemia significativa (menos de 1mg/dL) podemos
administrar potássio sob a forma de sal de
fosfato de potássio.
A questão do uso de antibióticos — Como
frequentemente a cetoacidose diabética é
desencadeada por infecções, e como muitas
vezes alguns bons indicativos de infecção
(leucocitose e febre) têm sua interpretação
prejudicada na cetoacidose, é rotina que sempre sejam usados antibióticos no tratamento
da cetoacidose diabética.
Na cetoacidose há quase sempre leucocitose, devido à acidose e também à presença
de corpos cetônicos. Por outro lado, nesse
estado há descontrole do sistema termorregulador, o que faz com que a infecção coexista
sem febre. Isso justifica o uso rotineiro de
antibióticos no tratamento da cetoacidose.
O ideal é individualizar o uso, em especial
prescrevendo o antibiótico mais adequado
para cada infecção, em caso de desconfiança
do foco infeccioso. Não sendo isso possível,
usar os de amplo espectro até que culturas
definam a indicação mais precisa.
O tratamento moderno da cetoacidose,
sendo feito inclusive, preferentemente, em
unidades de tratamento intensivo, melhorou
muito o prognóstico. Mesmo assim, como já
ressaltamos, a mortalidade continua expressiva. Infarto do miocárdio, infarto intestinal
e insuficiência renal são condições que, se
associadas, pioram sensivelmente o prognóstico. O edema cerebral já representou um
problema mais sério quando se usavam altas
doses de insulina no tratamento.
Como frequentemente
a cetoacidose diabética
é desencadeada por
infecções, e como muitas
vezes alguns bons
indicativos de infecção
(leucocitose e febre)
têm sua interpretação
prejudicada na
cetoacidose, é rotina que
sempre sejam usados
antibióticos no tratamento
da cetoacidose diabética.
Coma hiperosmolar hiperglicêmico
não cetótico
O coma hiperosmolar hiperglicêmico
não cetótico é a outra complicação aguda do
diabetes que leva à emergência. Caracteriza-se por hiperglicemia acima de 600mg/dL, osmolalidade plasmática superior a 310mOsm/
kg, ausência de acidose metabólica, pH
43
Estados hiper e hipoglicêmicos agudos
Conduta atual
sanguíneo superior a 7,3 e bicarbonato sérico
superior a 15mEq/l. Esse estado é caracterizado por hiperglicemia grave, sem cetose, com
hiperosmolaridade e desidratação intensa.
Costuma acometer pacientes com diabetes
tipo 2, muitas vezes com diagnóstico ainda
não feito, e ocorre mais comumente em doen­
tes de meia-idade e nos idosos. Os fatores
precipitantes são infecção, infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, uso de
diuréticos, medicamentos e glicocorticoides.
Com a deficiência relativa de insulina há
menor aproveitamento de glicose no músculo,
tecido adiposo e fígado, e aumento da liberação hepática de glicose e hiperglucagonemia.
Há glicosúria maciça, desidratação, contração
do volume plasmático e insuficiência renal
pré-renal.
Pontos-chave:
> O coma hiperosmolar
hiperglicêmico não cetótico
é a outra complicação aguda
do diabetes que leva à
emergência;
> É caracterizado por
hiperglicemia grave, sem
cetose, com hiperosmolaridade
e desidratação intensa;
> Costuma acometer pacientes
com diabetes tipo 2, muitas
vezes com diagnóstico ainda
não feito, e ocorre mais
comumente em doentes de
meia-idade e nos idosos.
44
Clínica e achados laboratoriais
Há fraqueza, poliúria, polidipsia e os
sintomas se instalam insidiosamente. Talvez
a falta de manifestações clínicas mais ostensivas nessa condição retarde o diagnóstico
em bom número de casos e protele o início
do tratamento. Quando o diagnóstico costuma ser feito, a desidratação já é intensa e
o tratamento começa num estágio de maior
comprometimento do que quando se costuma
iniciar o tratamento da cetoacidose diabética.
Desenvolve-se letargia, confusão e pode haver
coma. Como não há acidose metabólica, não
há a típica respiração de Kussmaul, presente
na cetoacidose.
Os valores de glicemia variam de 600mg/
dL até valores superiores a 2.000mg/dL, segundo diversos autores; o sódio plasmático
costuma exceder 140mEq/L e a osmolalidade
plasmática os 330-340mOsm/kg, em função
da grave desidratação. Não se costuma detectar acidose metabólica nem corpos cetônicos;
quando estes existem, têm grau muito leve.
A ureia plasmática costuma elevar-se além
de 100mg/dL, por mecanismo pré-renal. Os
achados predominantes configuram grave
desidratação, acompanhada de intensa hiperglicemia e hiperosmolalidade plasmática.
Tratamento
Líquidos, uso de insulina e eletrólitos — A
reposição de líquidos é fundamental no
tratamento desta condição. A deficiência de
líquidos no organismo chega a atingir cerca de
5 a 8 litros. Se há grande hipovolemia, inicia-se a reposição com soro fisiológico a 0,9%;
caso contrário, prefere-se solução hipotônica
a 0,45%, para contrabalançar a hiperosmolalidade. A monitorização da evolução é indispensável para o controle da administração
de líquidos e de sua velocidade de infusão.
Atingida uma glicemia de 250mg%, usa-se
solução glicosada a 5%. Mantém-se tal solução para impedir o edema cerebral e evitar
hipoglicemia. Muitas vezes administram-se
concomitantemente solução de glicose a 5%
e soro fisiológico a 0,9%.
Costuma-se requerer muito menos insulina
para compensar a glicemia desses pacientes,
ao contrário do que ocorre no tratamento da
cetoacidose diabética. Por isso devem-se usar
as mesmas doses intravenosas preconizadas inicialmente no tratamento da cetoacidose, mas
tendo o cuidado de monitorizar o uso horário
da insulina, que deve ser muito mais cuidadoso, pois muitos casos de estado hiperosmolar
respondem apenas com a reidratação e com a
primeira dose venosa de insulina.
Não havendo, nesse caso, acidose, a deficiência de potássio é menos grave e também
é menos generosa a reposição. Usar 10mEq/L
sob a forma de cloreto de potássio para cada
500ml de líquidos infundidos. Monitorizar e
dosar potássio para dar continuidade à reposição. Não é comum, no estado hiperosmolar,
detectar-se hipofosfatemia. Entretanto, fosfatos podem ser administrados se a fosfatemia
se encontrar abaixo de 1mg/dL.
A mortalidade desses pacientes é cerca
de 10 vezes maior do que a daqueles tratados
de cetoacidose diabética, em função, talvez,
de serem mais idosos e apresentarem outras
doenças, que contribuem para um menor
sucesso terapêutico.
Hipoglicemia por tumores
pancreáticos de células beta
Essa condição deve ser suspeitada num
indivíduo adulto, bem nutrido e que começa
a desenvolver episódios hipoglicêmicos em
jejum. A causa é, em geral, um adenoma de
células pancreáticas beta, e em 90% dos casos
é um tumor benigno. Às vezes, o adenoma
pode compor uma síndrome genética do
tipo neoplasia endócrina múltipla, caso em
que encontraremos também adenomas nas
paratireoides e na hipófise (MEN tipo 1).
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Estados hiper e hipoglicêmicos agudos
Conduta atual
Episódios frequentes de hipoglicemia e
ocorrendo a intervalos cada vez menores,
com sudorese, tremores e taquicardia, fazem
pensar em tumor de células beta do pâncreas,
ou insulinoma; muitas vezes o paciente vai se
tornando obeso e, não raro, tem diagnósticos neuropsiquiátricos imprecisos, tais como
psicose ou mesmo crises epilépticas. O que
se supunha ser uma enfermidade psiquiátrica
revela-se uma doença metabólica, não raras
vezes. As taxas glicêmicas podem cair a
40mg%, e tais pacientes relatam episódios
de hipoglicemia e imediata recuperação após
injeção de glicose hipertônica na veia. Tais
episódios costumam aparecer em jejum, pela
manhã, mas também podem se manifestar
quando uma refeição não é tomada. Há visão
turva, diplopia, cefaleias, fraqueza e sensação
de dissociação da personalidade.
Demonstra-se, nas crises, glicemia abaixo
de 40mg% e, caso se consiga dosar, a insulina
plasmática atinge níveis superiores a 8microU/
mL nessas ocasiões. Na investigação usam-se
testes diagnósticos — que não detalharemos
aqui, por não cumprirem nosso objetivo neste
trabalho.
O tratamento do insulinoma é cirúrgico,
devendo ser precedido de exames que localizem o tumor. O sucesso é de cerca de 90% a
95% dos casos. Para prevenir episódios de hipoglicemia até a cirurgia usa-se diazóxido, 300
a 400mg/dia, por via oral, que age inibindo a
liberação pancreática de insulina. Para combater o edema e a hipercalemia secundários ao
uso do diazóxido, utiliza-se hidroclorotiazida,
25 a 50mg/dia. Para os pacientes que não respondem ao tratamento cirúrgico recomenda-se alimentação frequente, com carboidratos
de digestão lenta a cada duas ou três horas,
para evitar a hipoglicemia. Nas emergências
pode-se usar glucagon por via intravenosa.
Na maioria dos casos há bom prognóstico,
com completa recuperação.
Referências
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1995.
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in patients with diabetes mellitus. Diabetes Care, 24: 154,
2001.
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ketoacidosis in adults. Intern. Med., 39: 10, 2000.
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neonate. Semin. Perinatol., 24: 136, 2000.
10.VAN DER WAL, B.C.; DE KRIJGER, R.R. et al. — Adult hyperinsulinemic hypoglycemia not caused by an insulinoma: A
report of two cases. Virchows Arch., 436: 481, 2000.
11. GENUTH, S.M. — Diabetic ketoacidosis and hyperglycemic,
hyperosmolar coma. Curr. Ther. Endocrinol. Metab., 6: 438,
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12. OKUDA, Y. et al. — Counterproductive effects of sodium
bicarbonate in diabetic ketoacidosis. J. Clin. Endocrinol.
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13. LORBER, D. — Nonketotic hypertonicity in diabetes mellitus.
Med. Clin. North Am., 79: 39, 1995.
14. BOUKHMAN, M.P. et al. — Insulinoma. Experience from
1950-1995. West J. Med., 68: 48, 1998.
15. BRUN, J.F. et al. — Evaluation of a standardized hyperglucidic breakfast test in postprandial reactive hypoglycemia.
Diabetologia, 38: 494, 1995.
JBM
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MARÇO/ABRIL, 2013
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VOL. 101  No 2
Hipoglicemia reativa
Em pacientes que sofreram gastrectomia
é comum depararmo-nos com hipoglicemias,
em função do hiperinsulinismo que resulta
do rápido esvaziamento gástrico nesses casos. Os sintomas resultam da hiperatividade
adrenérgica em resposta à hipoglicemia. O
tratamento consiste em alimentação mais
frequente, com porções menores, à base de
carboidratos de assimilação e digestão mais
lenta e lipídios e protídios de mais lenta digestão. Algumas pessoas, após alimentação
rica em carboidratos de rápida digestão, se
queixam de fadiga, ansiedade, tremores, fome
e cefaleia. A conduta consiste em aumentar
a frequência da alimentação e diminuir as
quantidades, eliminando a ingestão de carboidratos de digestão rápida. A condição
é benigna, e corresponde a uma situação
própria da constituição individual.
Episódios frequentes de
hipoglicemia e ocorrendo
a intervalos cada vez
menores, com sudorese,
tremores e taquicardia,
fazem pensar em tumor
de células beta do
pâncreas, ou insulinoma;
muitas vezes o paciente
vai se tornando obeso e,
não raro, tem diagnósticos
neuropsiquiátricos
imprecisos, tais como
psicose ou mesmo
crises epilépticas. O
que se supunha ser uma
enfermidade psiquiátrica
revela-se uma doença
metabólica, não raras
vezes.
Hipoglicemia relacionada ao etanol
No jejum prolongado as reservas de glicogênio são depletadas em aproximadamente
18 a 24 horas e a liberação hepática de glicose
(que mantém a glicemia estável no organismo)
torna-se totalmente dependente da gliconeo­
gênese. Nessa situação, pequenas concentrações plasmáticas de etanol bloqueiam a
gliconeogênese e induzem hipoglicemia. Por
isso, quem usa bebidas alcoólicas deveria
sempre se alimentar concomitantemente. O
tratamento da hipoglicemia desses estados
consiste na administração de glicose, para
refazer os estoques de glicogênio hepático.
Com isso, e à medida que o etanol é metabolizado e eliminado do organismo, o paciente
se recupera.
Endereço para
correspondência:
Gilberto Perez Cardoso
Hospital Universitário
Antônio Pedro
Rua Marquês do Paraná,
303 — Centro
24037-900
Niterói-RJ
[email protected]
45
Osteoartrite
Fisiopatologia e tratamento medicamentoso
reumatologia
Osteoartrite
Fisiopatologia e tratamento medicamentoso
Fábio Freire José
Especialista em Reumatologia pela Unifesp-EPM. Docente de Reumatologia do Curso de
Medicina do Centro Universitário São Camilo.
Resumo
Summary
A osteoartrite (OA) é a causa mais frequente de doença crônica musculoesquelética, sendo sem dúvida a maior causa de
limitação das atividades diárias entre os idosos. Atualmente, cerca de 40% dos adultos
com idade superior a 70 anos sofrem de OA
do joelho; destes, 80% apresentam limitações de movimento e em 25% as atividades
diárias estão comprometidas. Nas últimas
décadas têm ocorrido avanços na terapêutica da osteoartrite.
Osteoarthritis (OA) is the most common
cause of chronic musculoskeletal disease and
the most prevalent reason for the limitation
of daily activities of the elderly population.
Currently, about 40% of adults aged over 70
suffer from OA of the knee. Of these, 80%
suffer from limitations in motion and 25% are
engaged to carry out their daily activities. In
recent decades there have been advances in
the treatment of osteoarthritis.
Introdução
Osso subcondral
A osteoartrite (OA) é a mais frequente causa
de doença crônica musculoesquelética, sendo
sem dúvida, a maior causadora de limitação
das atividades diárias na população de idosos.
Neste momento, pelo menos 27 milhões de
pessoas estão sendo atingidas pela osteoartrite nos EUA, representando um custo anual de
aproximadamente 60 bilhões de dólares.
Atualmente, cerca de 40% dos adultos
com idade superior a 70 anos sofrem de OA
do joelho. Destes, 80% apresentam limitações de movimento e em 25% a realização
das atividades diárias está comprometida.
Um crescente corpo de evidências mostra
que o osso subcondral está ativamente envolvido na patogênese da OA através de vários
mecanismos possíveis, incluindo: defeito em
seu papel de “amortecedor”; função anormal
do osteócito; e aumento da produção de citocinas e metaloproteinases (MMPs).
Estes eventos ao nível do osso subcondral são claramente demonstrados por ressonância magnética (MRI) de alta resolução
das articulações. Áreas brilhantes do osso
subcondral na RM, comumente observadas
em OA precoce e estabelecida e em indivíduos com dores nas articulações, provavelmente correspondem a áreas de lesões de
edema da medula óssea (EMO), ocorrendo
de forma idiopática ou em resposta ao trauma ósseo.
Fisiopatologia
Embora a cartilagem articular tenha recebido grande atenção nesta doença, há
pouca evidência sugerindo que a perda de
cartilagem articular contribui diretamente
para a dor, pois essa estrutura é aneural. Em
contraste, o osso subcondral, o periósteo, a
membrana sinovial e a cápsula articular são
ricamente inervados e contêm terminações
nervosas que poderiam ser a fonte de estímulos nociceptivos na OA.
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013

VOL. 101  No 2
Unitermos: Osteoartrite;
osteoartrose;
anti-inflamatórios não
hormonais; sulfato de
glucosamina; sulfato de
condroitina.
Keywords:
Osteoarthritis;
osteoarthrosis; nonsteroidal
anti-inflammatory;
glucosamine sulphate;
chondroitin sulphate.
Quadro clínico
Na feitura do diagnóstico de OA deve-se
considerar, utilizando os critérios do American College of Rheumatology (ACR) para
fins de diagnóstico e classificação, a OA do
quadril, joelho e mãos em pacientes com dor
47
Osteoartrite
Fisiopatologia e tratamento medicamentoso
nessas articulações. Os critérios clínicos e
radiográficos do ACR para a classificação da
OA do joelho apresentam sensibilidade de
91% e especificidade de 86% e incluem dor
no joelho, osteófitos em radiografias do joelho e pelo menos uma das seguintes características: idade superior a 50 anos, rigidez que
dura menos de 30 minutos e crepitação.
Existe uma grande dissociação clínico-radiológica na OA. Muitos indivíduos apresentam alterações radiológicas sem a presença de qualquer manifestação clínica. Por
outro lado, alguns apresentam quadro clínico compatível com OA, sendo as alterações
radiológicas pouco significativas. Assim, o
diagnóstico e a conduta da OA do joelho
assintomática são comuns, especialmente
entre os pacientes mais idosos com o joelho
contralateral com OA radiográfica sintomática e naqueles com OA de quadril.
Tratamento
Pontos-chave:
> Os recursos farmacológicos
disponíveis para o tratamento
da OA podem ser de uso
sistêmico, tópico ou
intra-articular;
> As medicações modificadoras
dos sintomas e/ou da evolução
da doença caracterizam um
novo conceito na terapêutica
da OA;
> A medicação de primeira
escolha para o controle da dor
é o paracetamol.
48
Os objetivos da abordagem da OA são,
em linhas gerais: 1. educação do paciente
sobre a doença e seu controle; 2. controle
da dor; 3. melhora da função e diminuição
da deficiência; e 4. alteração do processo de
doença e suas consequências.
Os planos de tratamento nunca devem
ser rigidamente definidos de acordo com a
aparência radiográfica da articulação, mas
devem manter-se flexíveis, de modo que
possam ser alterados de acordo com as respostas funcionais e sintomáticas obtidas.
Em 2000, o ACR publicou consensos de
especialistas que orientam sobre a abordagem da OA de quadril e joelho. Na literatura
mundial são bastante valorizadas as recomendações da OA Research Society International (OARSI) e da Liga Europeia Contra o
Reumatismo (EULAR), que devem ser utilizadas preferencialmente. A OARSI publicou importante documento, recentemente atualizado, com as principais recomendações sobre
a OA de joelho e quadril (ver Tabela).
Seguindo a mesma linha, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE),
do Reino Unido, publicou destacado documento, sobre o qual falaremos mais adiante.
O NICE lista suas recomendações (ver Quadro) como recomendações centrais e demais
recomendações, que se seguem em ordem
de importância.
Medidas não farmacológicas
Esse conjunto de estratégias constitui a
primeira linha no tratamento, sendo de fundamental importância tanto quanto a analgesia,
a recuperação e/ou manutenção do estado
funcional e a readaptação funcional. Deve-se
destacar que essas medidas apresentam baixo
custo e pequeno potencial de complicações, o
que é fator relevante em nosso meio. Educação do paciente, perda de peso e fisioterapia
têm papel fundamental no tratamento da OA.
Tratamento medicamentoso
Os recursos farmacológicos disponíveis
para o tratamento da OA podem ser de uso
sistêmico, tópico ou intra-articular.
As medicações disponíveis podem ser divididas em analgésicas e/ou anti-inflamatórias
e drogas modificadoras dos sintomas e/ou da
evolução da doença. Essas últimas caracterizam um novo conceito na terapêutica da OA, a
exemplo do que ocorre na artrite reumatoide,
apresentando um início de ação lento (pelo
menos duas semanas), que se sustenta por período variável após a interrupção das mesmas,
em associação com a possibilidade de interferência na estrutura do processo de destruição
da cartilagem, retardando o mesmo.
A medicação de primeira escolha para o
controle da dor é o paracetamol, na dose de
até 4g/dia.
A introdução de um anti-inflamatório não
hormonal (AINH) deve ser precedida de cuidadosa avaliação do risco de toxicidade gastrointestinal e renal. Uma alternativa interessante
para os pacientes com restrições ao uso sistêmico de AINHs é a prescrição de analgésicos
(capsaicina) ou anti-inflamatórios tópicos. O
uso de AINHs tópicos também se mostrou eficaz, contudo, pouco se conhece sobre o efeito
sistêmico por essa via, embora se saiba que
não é negligível, bem como não existe comparação entre as várias formulações.
Há evidências de que os pacientes são
2,5 vezes mais propensos a preferir os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) do
que o paracetamol. O comitê do NICE recomenda o uso do misoprostol ou de inibidores da bomba de prótons (IBPs) na presença
de alto risco e apoia a declaração do European Medicines Group de que “a avaliação
dos COX-2 seletivos é contraindicada em
portadores de doença isquêmica cardíaca
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MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Osteoartrite
Fisiopatologia e tratamento medicamentoso
TABELA: Recomendações para o tratamento da osteoartrite de acordo com a OARSI
Proposição Nível de evidência*
Nível de
consenso (%)
O acetaminofeno (até 4g/d) pode ser um analgésico eficaz inicial oral para o tratamento da dor leve a moderada em pacientes com OA de joelho ou quadril. Na ausência de resposta adequada, ou na presença de dor ou
inflamação, a terapia farmacológica alternativa deve ser considerada com
base na relativa eficácia e segurança, bem como medicamentos concomitantes
e comorbidades
Ia (joelho)
IV (quadril)
77
Em pacientes sintomáticos ou com OA de quadril ou joelho, os AINEs devem ser usados na menor dose eficaz, mas sua utilização em longo prazo deve ser
evitada, se possível. Em pacientes com risco gastrointestinal aumentado pode
ser considerado um agente de COX-2 seletivo ou um AINH não seletivo, com
prescrição simultânea de um inibidor de bomba de próton ou misoprostol para
gastroproteção, mas os AINEs, incluindo os não seletivos de COX-2 e agentes
seletivos, devem ser usados com precaução em pacientes com fatores de risco
cardiovascular
Ia (joelho)
Ia (quadril)
100
AINHs tópicos e capsaicina podem ser eficazes como adjuvantes e alternativas para analgésicos/anti-inflamatórios orais em OA de joelho
a (AINH)
Ia (capsaicina)
100
Injeções intra-articulares com corticosteroides podem ser utilizadas no tratamento Ib (quadril)
da OA de quadril ou joelho e devem ser consideradas particularmente quando Ia (joelho)
os pacientes têm dor moderada a grave que não responde satisfatoriamente
aos analgésicos/anti-inflamatórios orais e em pacientes com OA sintomática de
joelho com derrames ou outros sinais físicos de inflamação local
69
Injeções de hialuronato intra-articular podem ser úteis em pacientes com OA de joelho ou quadril. São caracterizadas pelo início atrasado, mas a duração prolongada do benefício sintomático, quando comparadas com injeções
intra-articulares de corticosteroides
85
Ia (joelho)
Ia (quadril)
O tratamento com glucosamina e/ou sulfato de condroitina pode fornecer Ia (glucosamina)
92
benefício sintomático em pacientes com OA de joelho. Se nenhuma resposta
Ia (condroitina)
for evidente dentro de seis meses, o tratamento deve ser interrompido
Em pacientes com OA sintomática de joelho, o sulfato de glucosamina e o
Ib (joelho) 69
sulfato de condroitina podem apresentar efeitos modificadores da estrutura, Ib (quadril)
enquanto a diacereína pode modificar os efeitos em pacientes com OA
sintomática de quadril
Osteotomia e procedimentos cirúrgicos de preservação devem ser considerados IIb
100
em adultos jovens com OA de quadril sintomática, especialmente na presença
de displasia. Aos pacientes jovens e fisicamente ativos com sintomas
significativos de OA unicompartimental, a osteotomia alta da tíbia pode oferecer
uma alternativa, que posterga a necessidade de substituição da articulação em
cerca de 10 anos
O papel da lavagem articular e do desbridamento artroscópico na OA de joelho Ib (lavagem)
100
é controverso. Embora alguns estudos tenham demonstrado alívio dos sintomas Ib (desbridamento)
em curto prazo, outros sugerem que a melhora dos sintomas pode ser atribuível
a um efeito placebo
Em pacientes com OA de joelho a artrodese pode ser considerada um IV
100
procedimento de resgate em caso de falha da recolocação comum
Adaptado de Zhang, W.; Moskovitz, R. et al. — OARSI recommendations for the management of hip and knee osteoarthritis. Part II.
OARSI evidence-based, expert consensus guidelines. Osteoarthritis Cartilage, 16(2): 137-62, 2008 (com permissão).
* http://www.mdconsult.com/das/article/body/408787479-12/jorg=clinics&source=&sp=21588392&sid=0/N/679955/1.
html?issn=0025-7125&issue_id=22960#tblfn1.
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VOL. 101  No 2
49
Osteoartrite
Fisiopatologia e tratamento medicamentoso
QUADRO: Abordagem holística da AO de acordo com o NICE
Sulfato de glucosamina e
sulfato de condroitina
Educação, conselhos,
exercícios de fortalecimento,
treinamento aeróbico, perda
de peso e obesidade e
sobrepeso
Paracetamol,
AINEs tópicos
Opioides, capsaicina,
corticoides injetáveis, AINEs
orais, incluindo inibidores de
COX-2
TENS,
palmilhas,
órteses
Artroplastia
Paracetamol, AINEs tópicos
Opioides, capsaicina, corticoides injetáveis, AINEs orais, incluindo inibidores de COX-2
Começando pelo centro e trabalhando para fora, os tratamentos estão dispostos na ordem em que
devem ser considerados para pessoas com osteoartrite, já que as necessidades individuais, fatores
de risco e as preferências vão modular esta abordagem.
De acordo com as recomendações do guia, os tratamentos básicos, que estão no círculo central,
devem ser considerados nos portadores de osteoartrite. Alguns deles podem não ser pertinentes,
dependendo da pessoa.
Quando o tratamento é mais necessário, deve-se considerar o segundo anel, que contém opções farmacêuticas relativamente seguras. Novamente, eles devem ser considerados à luz das necessidades
individuais da pessoa e das preferências.
O terceiro círculo (exterior) oferece tratamentos adjuvantes. Esses tratamentos são assim considerados por reunirem pelo menos um dos seguintes critérios: eficácia bem menos comprovada, alívio de
sintomas ou aumento de algum grau de risco para o paciente. O círculo externo é dividido em quatro
grupos: opções de produtos farmacêuticos, técnicas de autogestão, cirurgia e outros tratamentos
não farmacêuticos.
Pontos-chave:
> Todos os inibidores dos
AINHs/COX-2 orais apresentam
efeito analgésico de magnitude
semelhante;
> Variam em hepatotoxicidade,
efeitos colaterais
gastrointestinais e toxicidade
cardiorrenal;
> Cuidados devem ser
tomados na escolha do agente
e da dose.
50
Adaptada de: NICE clinical guideline 59. London, Royal College of Physicians, 2008.
ou derrame”. Segue-se o resumo das principais recomendações do NICE com relação à
terapia medicamentosa:
— Caso o paracetamol ou o AINH tópicos
sejam ineficazes no alívio da dor em pessoas com OA, deve-se considerar, em
seguida, a substituição por AINH tradicional/COX-2.
— Quando o paracetamol ou medicação tópica fornecer alívio de dor insuficiente a
portadores de OA, deve-se considerar a
adição de um inibidor oral AINH/COX-2
ao paracetamol.
— Os AINEs e os inibidores da COX-2 devem
ser utilizados na menor dose eficaz e no
menor tempo possível.
— Os profissionais de saúde devem levar em
conta os fatores de risco de cada paciente, incluindo a idade. Ao prescreverem
estas drogas devem considerar uma avaliação adequada e/ou acompanhamento
contínuo desses fatores de risco.
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MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Osteoartrite
Fisiopatologia e tratamento medicamentoso
Existem diferenças entre os anti-inflamatórios?
Todos os inibidores dos AINHs/COX-2
orais apresentam efeito analgésico de magnitude semelhante, mas variam em hepatotoxicidade, efeitos colaterais gastrointestinais e
toxicidade cardiorrenal. Portanto, cuidados
devem ser tomados na escolha do agente e
da dose. Vejamos, por exemplo, o caso do
meloxicam, que é um agente seletivo para
COX-2. Singh et al. compilaram informações
de 28 ensaios publicados e não publicados,
incluindo 24.196 pacientes, para avaliar o
perfil de segurança do meloxicam. Na dose
de 7,5mg o meloxicam apresentou menos
efeitos colaterais gastrointestinais e eventos
tromboembólicos. Ensaios clínicos randomizados demonstram sua eficácia e tolerabilidade na OA e na artrite reumatoide. O perfil
do meloxicam e dos demais COX-2 seletivos
para OA e artrite reumatoide foi avaliado
em revisão sistemática, que demonstrou segurança gastrointestinal e perfil econômico
favorável em relação aos fármacos da classe
dos coxibes.
Opioides
Nos casos de má resposta terapêutica
aos medicamentos anteriores, ou, ainda,
quando houver contraindicação ao uso de
inibidores específicos da COX-2 ou aos anti-inflamatórios não seletivos, pode-se associar
os opioides naturais ou sintéticos. Há autores
que defendem a utilização dos opioides em
pacientes com contraindicação para cirurgia.
Nos pacientes em uso de anti-inflamatórios
e que apresentem reagudização da dor podem
ser utilizados opioides como o tramadol.
Agentes condroprotetores
Nos últimos anos tem sido proposto o
uso de algumas drogas que teriam um efeito modificador da evolução da doença, seja
promovendo diminuição da degradação
e/ou aumento da produção da matriz cartilaginosa. Essa possibilidade foi aventada devido ao fato de que esses preparados não têm
efeito analgésico imediato, o qual pode demorar várias semanas, ao passo que, quando
a medicação é suspensa, seu efeito também
leva algum tempo para desaparecer.
Embora em 2005 uma meta-análise envolvendo a glucosamina tenha revelado vantagem significativa desta sobre o placebo no
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013

VOL. 101  No 2
alívio da dor e na melhora funcional, novas
análises indicando que não houve diferença
significativa nos ensaios com ocultação adequada (blinding) põem em dúvida a eficácia
do sulfato de glucosamina. O maior estudo
randomizado controlado com placebo não
observou diferença significativa na proporção de pacientes com pelo menos uma diminuição de 20% na dor com glucosamina
HCl, sulfato de condroitina ou a combinação
de cloridrato de glucosamina e sulfato de
condroitina, após 24 semanas de tratamento. Os efeitos adversos desses suplementos
são mínimos e não foram significativamente
mais ou menos frequentes do que em indivíduos do estudo que receberam celecoxibe
ou placebo. São necessários novos estudos
sobre a possibilidade de que esses agentes
afetem a progressão radiográfica da OA. Os
resultados desse estudo podem diferir dos
reais por não ter sido utilizada a mesma formulação de glucosamina — no caso sulfato
de glucosamina em vez de cloridrato — que
os demais ensaios clínicos utilizaram. Como
vimos, conforme recomendação da OARSI, a
utilização de sulfato de glucosamina e condroitina deve se estender por seis meses antes de ser considerada ineficaz.
No tratamento
da osteoartrite, a
viscossuplementação
é indicada para a
recuperação das
propriedades reológicas
do líquido sinovial,
analgesia, melhora da
função e para a tentativa
de regeneração da
cartilagem articular.
Viscossuplementação (VS)
No tratamento da osteoartrite, a viscossuplementação é indicada para a recupera­
ção das propriedades reológicas do líquido
sinovial, analgesia, melhora da função e para
a tentativa de regeneração da cartilagem articular. A viscossuplementação se faz através
da injeção de ácido hialurônico exógeno nas
articulações diartrodiais. Polissacarídeo de
alta viscosidade, o ácido hialurônico é naturalmente produzido pelas células B da membrana sinovial, sendo também denominado
hialuronato de sódio, ou hialuronano.
O ácido hialurônico pode ter origem animal, produzido a partir de matéria-prima da
crista do galo e com potencial alergogênico;
e origem bacteriana, ou fermentado, obtido a
partir de Streptococcus, por biofermentação,
com menor potencial alergogênico. Estudo
comparativo entre o ácido hialurônico de
origem animal (Hylan GF 20) e o de origem
bacteriana por fermentação mostrou potencial
de efeitos adversos locais com Hylan, especialmente a partir do segundo ciclo.
51
Osteoartrite
Fisiopatologia e tratamento medicamentoso
Os ácidos hialurônicos são classificados em
dois tipos, assim descritos:
1. Hialuronanos: Cadeias de moléculas longas
com peso molecular entre 0,5 e 1,3 x 106
daltons.
2. Hilano: Molécula de hialuronano quimicamente modificada através de ligações cruzadas, com uma fase líquida de maior peso
molecular (cerca de 6 x 106 daltons), pela
união de fitas longas de hialuronano por
pontes cruzadas (cross-links), e uma porção
sólida (peso molecular infinito), formada
pela presença ainda maior de pontes.
Estudos baseados em evidências apontam
para o fato de que o peso molecular entre
0,6 e 1,0 x 106 daltons estimularia melhor
a produção de componentes da matriz. O
peso molecular menor penetra de forma fisiológica na matriz extracelular, ampliando sua
concentração e facilitando a interação com as
células-alvo da sinóvia.
Os bons resultados clínicos têm mostrado a
eficácia do ácido hialurônico no alívio da dor e
na melhora da rigidez articular, sendo seu uso
intra-articular indicado para o tratamento da
osteoartrite do joelho graus II e III, tanto na
fase aguda quanto crônica.
Apesar de a maior parte dos trabalhos
científicos relatarem eficácia dos resultados
da viscossuplementação na articulação dos
joelhos, qualquer articulação osteoartrítica
pode ser infiltrada, incluindo quadris, ombros,
tornozelos, cotovelos, mãos e pés.
Referências
Endereço para
correspondência:
Fábio Freire José
Rua Borges Lagoa, 908/
Ap. 113
04038-002 — São Paulo-SP
[email protected]
52
11. LAWRENCE, R.C. et al. — Estimates of the prevalence of arthritis and selected musculoskeletal disorders in the United
States. Arthritis Rheum., 41(5): 778-99, 1998.
12. FELSON, D.T. — An update on the pathogenesis and epidemiology of osteoarthritis. Radiol. Clin. North Am., 42(1): 1-9,
2004.
13.HUNTER, D.J. & FELSON, D.T. — Osteoarthritis. BMJ,
332(7542): 639-42, 2006.
14.WITONSKI, D.; WAGROWSKA-DANILEWICZ, M. & RACZYNSKA-WITONSKA, G. — Distribution of substance P
nerve fibers in osteoarthritis knee joint. Pol. J. Pathol., 56(4):
203-6, 2005.
15. HUNTER, D.J. & LO, G.H. — The management of osteoarthritis: An overview and call to appropriate conservative
treatment. Med. Clin. North Am., 93(1): 127-43, 2009.
16. HANNAN, M.T.; FELSON, D.T. & PINCUS, T. — Analysis of
the discordance between radiographic changes and knee
pain in osteoarthritis of the knee. J. Rheumatol., 27(6):
1513-7, 2000.
A viscossuplementação tem apresentado
eficácia superior à da injeção intra-articular
com corticosteroides, principalmente a partir da
quinta semana. Este resultado não se revela nas
primeiras quatro semanas do tratamento, certamente influenciadas pela ação rápida e potente
dos corticosteroides na atividade inflamatória da
articulação. Contudo, a partir da quinta semana,
os benefícios da infiltração com corticosteroides
perdem a relevância, mostrando uma diferença
significativamente importante em favor da viscossuplementação, com resultados eficazes de
seis meses a dois anos.
A terapia combinada com infiltração de corticosteroides e ácido hialurônico melhora os resultados iniciais da viscossuplementação. A terapia
combinada (ácido hialurônico e corticoide), de
acordo com os estudos, produziu redução maior
e mais rápida da intensidade da dor do que o
ácido hialurônico isoladamente. Outro aspecto
a destacar é a redução do uso de medicações
de resgate, como AINEs e corticoterapia, após
o início do tratamento com ácido hialurônico
intra-articular. A viscossuplementação também
oferece equilibrada relação custo-efetividade,
adiando a cirurgia de prótese total do joelho.
A VS é realizada ambulatorialmente, e o
regime de aplicação está bem estabelecido
apenas em relação aos joelhos. Nos joelhos, o
hylan G-F 20 permite aplicação única de 6ml.
Os hialuronanos, como o hialuronato de sódio,
apresentam meia-vida intra-articular de 13 horas.
Sua aplicação é semanal (três a cinco semanas), e
os melhores resultados encontrados na literatura
referem-se a trabalhos que utilizaram o regime de
uma aplicação semanal, durante cinco semanas.
17. AMERICAN COLLEGE OF RHEUMATOLOGY SUBCOMMITTEE
ON OSTEOARTHRITIS GUIDELINES — Recommendations
for the medical management of osteoarthritis of the hip and
knee: 2000 update. Arthritis Rheum., 43(9): 1905-15, 2000.
18. JORDAN, K.M. et al. — EULAR recommendations 2003: An
evidence based approach to the management of knee osteoarthritis: Report of a Task Force of the Standing Committee
for International Clinical Studies Including Therapeutic Trials
(ESCISIT). Ann. Rheum. Dis., 62(12): 1145-55, 2003.
19. ZHANG, W. et al. — OARSI recommendations for the management of hip and knee osteoarthritis. Part II: OARSI evidence-based, expert consensus guidelines. Osteoarthritis
Cartilage, 16(2): 137-62, 2008.
10. CLEGG, T.E. et al. — Viscosupplementation with hyaluronic
acid in the treatment for cartilage lesions: A review of current evidence and future directions. Eur. J. Orthop. Surg.
Traumatol., 23: 119-24, 2013.
Obs.: As 11 referências restantes que compõem este artigo se
encontram na Redação à disposição dos interessados.
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
atualidades médicas
Ressonância magnética funcional
na avaliação objetiva da dor
NEJM
A dor, em suas diferentes formas de
apresentação, é um dos principais sintomas referidos pelos pacientes, com importante impacto cognitivo, social e econômico. É um dado subjetivo, que depende da
interação de componentes físicos, sensoriais e afetivos, variando amplamente de
um indivíduo para outro e entre diferentes culturas. Portanto, sua quantificação
precisa, com base em dados clínicos, não
é possível. A melhor compreensão dos
mecanismos neurofisiológicos envolvidos
nos diferentes tipos de dor pode ser um
caminho para a busca de tratamentos específicos. Assim, Wager e colaboradores
buscaram correlacionar a existência de
áreas encefálicas com maior ou menor atividade com a existência de dor de aspecto físico, emocional e com o controle da
dor por efeito de analgesia farmacológica
(“An fMRI-Based Neurologic Signature of
Physical Pain”. NEJM 2013; 368:1388-97).
Para tal, submeteram cerca de 120 voluntários saudáveis à avaliação por ressonância magnética funcional (RMf) — método
que permite a análise do fluxo sanguíneo
cerebral visando à identificação de áreas
onde há maior atividade, ou seja, maior
ativação neuronal. O método foi capaz de
identificar padrões específicos de dor (física vs. emocional), além de documentar a
diminuição da atividade neuronal em áreas
específicas, após analgesia com o fármaco remifentanila. Tais achados levaram
os autores a concluir que, se estendidos à
prática, esses padrões de atividade encefálica podem vir a ser úteis, por exemplo,
em pacientes incapazes de se expressar
adequadamente sobre o caráter da dor
(extremos da vida, distúrbios cognitivos,
alteração do nível de consciência) ou naqueles nos quais há dúvida sobre a real
intensidade de um quadro álgico. Além
disso, permitiriam identificar distúrbios
funcionais neuropatológicos que podem
servir de base para a dor neuropática crôJBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
nica e, em última análise, auxiliar na identificação de possíveis alvos para terapêuticas futuras.
A interpretação de tais achados exige
cautela, e sua aplicabilidade clínica requer
confirmação científica. Entretanto, constituem um exemplo de como os avanços
obtidos com a neuroimagem funcional
poderão auxiliar o médico na avaliação de
sintomas até então considerados invioláveis, como a dor somática e emocional.
Perspectivas futuras no
tratamento da hepatite C crônica:
Micro-RNAs
NEJM
A hepatite crônica por vírus C (HCV) é
um importante problema de saúde, com
cerca de 170 milhões de infectados ao redor do mundo. Constitui a principal causa
de cirrose hepática, é importante fator de
risco de carcinoma hepatocelular e lidera
a lista de indicações ao transplante hepático. Apesar do recente avanço alcançado com a introdução dos inibidores de
protease, o tratamento atual ainda não é
o ideal — ocorrência frequente de eventos adversos e eficácia limitada. Assim,
permanece a busca incessante por novos
esquemas que confiram melhor prognóstico aos portadores de HCV. Em artigo
publicado no periódico The New England
Journal of Medicine, Janssen e colaboradores descrevem o resultado de um estudo multicêntrico, patrocinado por indústria farmacêutica, duplo-cego, controlado
por placebo, em fase 2, que buscou avaliar a eficácia e a segurança do miravirsen,
droga que atua bloqueando o micro-RNA
hepático miR-122, estrutura necessária à
replicação do vírus C. O estudo incluiu 36
pacientes portadores de HCV, genótipo
1, não cirróticos e virgens de tratamento,
randomizados para receberem o princípio
ativo por cinco semanas (3,5 ou 7mg/kg/
sem, via SC) ou placebo. Após 18 semanas de acompanhamento, verificou-se que
o uso de miravirsen resultou em redução
Profa. Dra. Andréa F. Mendes
dose-dependente do RNA viral significativamente maior do que no grupo placebo
(4,0, com a dose de 7mg, vs. 0,4log10),
tornando-o indetectado em cinco pacientes. Além disso, não ocorreram eventos
adversos significativos, tampouco foram
observadas evidências de resistência viral
(mutações genéticas). Assim, os autores
concluem que o medicamento deve ser
considerado uma estratégia terapêutica
em potencial no controle da infecção pelo
vírus C, como monoterapia; informam que
o medicamento já está sendo testado em
regimes com 12 semanas de duração, com
o objetivo principal de se alcançar resposta virológica sustentada.
Uso de antidepressivos na
gestação como fator de risco de
autismo
BMJ
Recentemente, tem sido descrito um
aumento na prevalência do autismo nas
populações de diversos países. Tal ocorrência pode ser justificada pelo fato de
a doença ser cada vez mais estudada e,
consequentemente, diagnosticada adequadamente. Entretanto, a exposição
mais frequente a possíveis fatores de risco
também tem sido considerada. A doença,
cuja patogênese ainda não foi totalmente
elucidada, parece estar relacionada a fatores genéticos e ambientais; a identificação
desses últimos, por serem modificáveis,
constitui importante medida na sua prevenção. Em artigo de Rai e colaboradores, publicado em abril no British Medical
Journal (“Parental Depression, Maternal
Antidepressant Use During Pregnancy and
the Risk of Autism Spectrum Disorders: Population Based Case-control Study”. BMJ
2013; 346:f2059), o uso de antidepressivos — tanto inibidores seletivos da receptação de serotonina (ISRSs) quanto inibidores não seletivos — é debatido como
um possível fator de risco de autismo. Os
autores analisaram retrospectivamente dados de quase 50 mil prontuários e verificaram que o uso de antidepressivos durante
a gestação duplicou ou triplicou o risco de
autismo nos filhos (0-17 anos), sem alteração da capacidade intelectual. A principal
limitação do estudo parece estar em determinar se o fator de risco é realmente o
uso de antidepressivo ou a depressão materna durante a gestação. Ainda assim, parece razoável ter cautela ao se prescrever
tais medicamentos para mulheres nessa
fase da vida, em especial se outros fatores
de risco, como a predisposição genética,
tiverem sido identificados.
53
relato de caso
Mesenterite
J. Galvão-Alves
Chefe da 18a Enfermaria do Hospital
Geral da Santa Casa da Misericórdia
do Rio de Janeiro — Serviço de
Clínica Médica. Professor titular
de Clínica Médica da Faculdade
de Medicina da Fundação
Técnico-Educacional Souza Marques.
Professor titular de Pós-graduação
em Gastroenterologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Membro titular da
Academia Nacional de Medicina.
Presidente da Federação Brasileira
de Gastroenterologia (2010-2012).
Professor de Clínica Médica da
Uni-FOA — Universidade da
Fundação Osvaldo Aranha.
Marta C. Galvão
Professora de Radiologia da FTESM.
Professora mestre responsável do
Curso de Radiologia da UniFOA
— Universidade da Fundação
Osvaldo Aranha. Professora da
UGF — Universidade Gama Filho.
Radiologista do Hospital Federal da
Lagoa, RJ.
Daniella Cavalcante
Médica membro do “staff” da
18a Enfermaria da Santa Casa da
Misericórdia do Rio de Janeiro.
Docente auxiliar do Curso de
Especialização de Gastroenterologia
pela PUC-RJ.
Identificação
M.T.P., sexo masculino, 44 anos,
branco, casado, jornalista, natural e procedente do Rio de Janeiro.
Queixa principal: dor abdominal.
HDA
Relato de dor epigástrica tipo cólica
há cerca de três meses, de intensidade
progressiva, que piorava com a alimentação e melhorava com o uso de antiespasmódicos (hioscina). Uma semana
antes a dor piorou, com dois episódios
de vômitos, pós-prandiais, de restos alimentares — o que motivou a consulta.
Nega outras queixas digestivas, febre e emagrecimento.
54
Mesenterite
HPP
Seis meses antes, por apresentar
sintomas semelhantes, realizou TC de
abdome, que evidenciou paniculite mesentérica e colelitíase. Foi submetido
à colecistectomia videolaparoscópica,
sem intercorrências. Nega tabagismo.
Etilista social.
Pai: diabetes melito não insulinodependente.
Exame físico: afebril, anictérico, acianótico, hidratado, normocorado, eupneico, consciente e orientado. PA: 120
x 80mmHg. FC: 84bpm; FR: 12irpm; AR:
MVA em AHT, s/RA.
Abdome flácido, depressível, sem
massas palpáveis ou visceromegalias,
peristáltico, discreta dor à palpação do
mesogástrio.
Evolução
Internado e encaminhado para tomografia computadorizada (TC) do abdome. Resultado de nova TC do abdome
evidenciou mesenterite, adenomegalia
intra-abdominal e espessamento de alça
de delgado. Encaminhado à videolaparoscopia diagnóstica, porém realizada
TC de tórax pré-operatória, que evidenciou nódulos pulmonares bilaterais com
densidade de partes moles, sugestivos
de implantes neoplásicos secundários.
Submetido à videolaparoscopia, que
identificou estenose de alça de delgado
associada à infiltração do omento adjacente e adenomegalia. Necessidade de
conversão da videolaparoscopia a laparotomia, com ressecção em bloco de
alça de delgado e omento e linfonodos,
cujo anatomopatológico mostrou tratar-se de adenocarcinoma. Encaminhado à
oncologia clínica, para tratamento quimioterápico.
Discussão
Relata-se o caso de paciente adulto
jovem, previamente hígido, que apresentou sintomas gastrointestinais que
levaram à realização de TC do abdome.
O resultado mostrou imagem compatível com paniculite mesentérica e coleli­
tíase, sendo o paciente considerado
portador de doença benigna. A evolução do quadro clínico, apesar do tratamento cirúrgico, levou à necessidade
de nova avaliação por imagem. Nessa
ocasião, foi mais uma vez demonstrada
a paniculite mesentérica, associada a outros achados não descritos previamente,
como adenomegalia intra-abdominal
(1,7cm no seu maior diâmetro) e espessamento de alça intestinal de delgado.
A mesenterite esclerosante (ME) é
uma condição fibroinflamatória rara,
benigna, não específica, que primariamente afeta o mesentério do intestino
delgado, sendo o acometimento do mesentério do cólon observado em cerca
de 20% dos casos. É de etiologia desconhecida, frequentemente associada
com outras doenças inflamatórias, como
fibrose retroperitoneal, colangite esclerosante, tireoidite de Riedel e pseudotumor orbitário. Apresenta diversas terminologias, como paniculite mesentérica,
mesenterite retrátil ou esclerosante,
paniculite nodular sistêmica, mesenterite lipoesclerótica, mesenterite xantogranulomatosa, pseudotumor inflamatório,
lipogranulomatose.
A ME pode se associar a uma variedade de condições malignas, como
linfoma, câncer de cólon, câncer renal,
câncer pulmonar, melanoma, carcinoma
gástrico, doença de Hodgkin, leucemia
linfocítica crônica, mesotelioma torácico
e tumor carcinoide. Kipfer et al. encontraram que 30% dos pacientes com mesenterite tinham uma doença maligna
de base.
Esta grande diversidade de patologias associadas indica que se trata
de processo inflamatório inespecífico,
autoimune, reativo a qualquer tipo de
agressão intra-abdominal, provocando
reação inflamatória local, cujo diagnóstico baseia-se nos estudos de imagem e
histológicos.
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
Mesenterite
Mesenterite
Figura 2: TC
do abdome
mostrando linfonodo
mesentérico de
1,7cm (seta).
Figura 1: Ato cirúrgico evidenciando
estenose em alça de delgado.
A característica mais marcante da ME
à TC é o aumento da densidade de gordura mesentérica para valores de atenuação de – 40 a – 60 unidades Hounsfield
(HU), em comparação com a atenuação
normal da gordura subcutânea e retroperitoneal, de – 100 a – 160HU.
A aparência à TC pode variar entre
atenuação aumentada (mesentério enevoado) e massa sólida de densidade
de partes moles, que pode envolver os
vasos mesentéricos, preservando a área
gordurosa circundante (sinal do anel gorduroso). A gordura hiperatenuada reveste os vasos mesentéricos, sem deslocá-los. Múltiplas massas ou espessamento
difuso do mesentério são incomuns.
Calcificações associadas com necrose
da gordura são um achado raro na doença. Em 50% dos pacientes uma pseudocápsula tumoral pode estar presente.
A presença de adenomegalia mesentérica, assim como seu tamanho, se
correlacionam com o desenvolvimento
de malignidade nos pacientes com ME,
sendo que a adenomegalia menor que
10mm no seu maior diâmetro, sem outras áreas de linfadenopatia associadas,
demonstra evolução benigna.
Histopatologicamente a doença progride em três estádios:
1.Lipodistrofia mesentérica: macrófagos invadem o tecido adiposo mesentérico.
2.Paniculite mesentérica: infiltrado de
células inflamatórias plasmáticas e
raros leucócitos PMN, células gigantes de corpo estranho e macrófagos.
56
Figura 3: Diferença
de densidade do
mesentério normal
e infiltrado.
3.Mesenterite esclerosante: predomínio de deposição de colágeno, fibrose e inflamação.
Na maioria dos pacientes coexistem
inflamação crônica, necrose gordurosa e
fibrose.
Embora os tumores malignos do jejuno e duodeno sejam raros, eles podem
envolver diretamente a raiz do mesentério.
Algumas condições benignas, como
hipoalbuminemia, trombose da veia
portal, artéria mesentérica ou trombose
venosa e vasculite, levam à atenuação
aumentada na raiz do mesentério, que
deve ser diferenciada de outras condições patológicas malignas.
O presente caso exemplifica e justifica a necessidade de avaliarmos cuidadosamente os achados, à TC, de
mesenterite ou paniculite mesentérica,
pois estes podem ocultar condições
benignas ou neoplásicas extremamente
importantes.
Referências
1. CANYIGIT, M.; KOKSAL, A. et al. — Multidetector-row
computed tomography findings of sclerosing mesenteritis with associated diseases and its prevalence. Jpn. J.
Radiol., 29(7): 495-502, 2011. Epub 2011 Sep 1.
2. FILIPPONE, A.; CIANCI, R. et al. — Misty mesentery:
A pictorial review of multidetector-row CT findings.
Radiol. Med., 116(3): 351-65, 2011. Epub 2010 Dec 3.
3. CORWIN, M.T.; SMITH, A.J. et al. — Incidentally detected misty mesentery on CT: Risk of malignancy correlates with mesenteric lymph node size. J. Comput.
Assist. Tomogr., 36(1): 26-9, 2012. 4. VLACHOS, K.; ARCHONTOVASILIS, F. et al. — Sclerosing mesenteritis: Diverse clinical presentations and
dissimilar treatment options. A case series and review
of the literature. Int. Arch. Med., 4: 17, 2011. 5. FERREIRA, M.; SILVA, A. et al. — Mesenterite esclerosante. Acta Med. Port., 22: 855-60, 2009.
6. OKINO, Y.; KIYOSUE, H. et al. — Root of the small-bowel
mesentery: Correlative anatomy and CT features of pathologic conditions. RadioGraphics, 21: 1475-90, 2001.
Endereço para correspondência:
José Galvão-Alves
Rua Real Grandeza, 108/Sala 123
— Botafogo
22281-034
Rio de Janeiro-RJ
[email protected]
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2
noticiário
Gastrium agora na
versão 40mg
O laboratório
Aché acaba de
lançar a versão de
40mg de Gastrium. A nova apresentação completa a família dos inibidores
de bomba de prótons (IBPs) da companhia, que já conta com as versões
de 10mg e 20mg. O produto está
disponível em embalagens com sete
e 28 comprimidos.
Gastrium 40mg é indicado para
condições em que ocorre muita produção de ácido no estômago, tais
como úlceras e esofagite e refluxo,
e para o tratamento da síndrome de
Zollinger-Ellison, doença caracterizada
por ulceração péptica grave do trato
gastrointestinal com hipersecreção.
O medicamento possui avançada
tecnologia Eudragit, que faz com que
a cápsula chegue intacta ao intestino
delgado, garantindo a eficácia do tratamento. A versão de 40mg facilita a
prescrição pelos gastroenterologistas
e clínicos gerais, e é mais cômoda para
os pacientes.
Novos benefícios da terapia de
ECP na doença de Parkinson
Os resultados de um
estudo clínico publicado
recentemente no The
New England Journal of
Medicine comprovaram
que os pacientes com
doença de Parkinson em estágio inicial
também podem se beneficiar da terapia
de estimulação cerebral profunda (ECP).
O dispositivo de ECP da Medtronic é
semelhante a um marcapasso. Implantado
cirurgicamente no peito do paciente, envia impulsos elétricos a áreas precisas do
cérebro. Essa estimulação resulta em melhoria dos sinais motores parkinsonianos.
Os pacientes avaliados pelo estudo
EARLYSTIM, que receberam ECP em
conjunto com o melhor tratamento medi58
camentoso disponível, relataram melhora
média de 26% na qualidade de vida,
enquanto aqueles tratados apenas com
a terapia medicamentosa não obtiveram
melhora.
Glibeta: bula passa pelo crivo
do IDEC
Glibeta, antidiabético comercializado pela Torrent
do Brasil, está entre os medicamentos
cuja nova bula foi aprovada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(Idec), depois de ser também avaliada
pela Anvisa. Em teste realizado com bulas de 17 medicamentos de uso comum,
apenas cinco — entre as quais a de Glibeta — foram consideradas pelo Idec em
total conformidade com as exigências do
órgão regulador.
Em 2009 foram estabelecidos alguns
padrões para a apresentação das bulas,
como impressão com letra maior, uso
de linguagem simples e formato de
perguntas e respostas. A bula de Glibeta
não apresentou nenhuma irregularidade,
contendo todas as informações necessárias para o uso do medicamento com
segurança.
Segundo Waldemar C. Júnior, gerente
de produtos da linha de metabolismo
da Torrent, a compreensão correta dos
dados da bula é fundamental, pois erros
poderiam interferir na saúde do paciente.
Doação de óvulos no
tratamento de fertilização
Resolução do
Conselho Federal de
Medicina (CFM) autoriza as candidatas à fertilização assistida
a doar parte de seus óvulos a outras que
não têm como produzi-los. Em contrapartida, estas podem financiar parte do
tratamento das doadoras.
O CFM estabelece que a quantidade
de embriões a serem implantados deve
variar de acordo com a idade da doadora, e não da receptora dos embriões. A
regra visa reduzir o número de gestações
múltiplas, responsáveis por maior risco às
gestantes e aos bebês.
As mulheres acima dos 50 anos de
idade não poderão mais se submeter
à reprodução assistida. A decisão se
baseia em pesquisas, e visa evitar complicações de saúde. Também foi determinado que, agora, a doação de óvulos
só poderá ser feita até os 35 anos; para
os espermatozoides, o limite será 50
anos. O CFM também decidiu ampliar
o espectro de pessoas que podem emprestar o útero temporariamente para
parentes. Com isto, as tias, primas e
sobrinhas de um dos parceiros também
entram na lista.
VIII Congresso de Medicina
Reprodutiva e Climatério
A Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva (SPMR) e a
Associação de Obstetrícia e Ginecologia
do Estado de São Paulo (SOGESP) promovem, de 6 a 9 de dezembro, o VIII
Congresso de Medicina Reprodutiva e
Climatério.
Médicos, outros profissionais de
saúde e profissionais ligados à indústria
farmacêutica e de equipamentos participarão do evento, que será inteiramente
voltado à evolução da medicina reprodutiva e climatério nos últimos 25 anos.
Serão debatidas todas as principais
conquistas da área, suas evoluções até
hoje e, principalmente, as novidades
que já estão sendo oferecidas ou virão
em breve.
Obesidade, diabetes e doenças
associadas
Acontecerá
no Hotel Wind­
sor Barra, nos
dias 25 e 26 de outubro de 2013, mais
uma edição do curso TODDA (Tratamento da Obesidade, Diabetes e Doenças
Associadas).
Foi mantido o mesmo formato interativo, com prioridade para as discussões
com os participantes. Os temas estão
focados na prática clínica. A organização
e a coordenação do curso estão a cargo
dos Drs. Walmir Coutinho e Alexander
Benchimol.
JBM

MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2

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