Nova Augusta n.º 20, 2008 - Bibliotecas

Transcrição

Nova Augusta n.º 20, 2008 - Bibliotecas
ISSN 1646-5121
NOVA AUGUSTA
Revista de Cultura | n.º 20 | 2 0 0 8
Ficha técnica
NOVA AUGUSTA Revista de Cultura
DIRECTOR Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas
DIRECÇÃO EDITORIAL Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial
SECRETARIADO E COORDENAÇÃO Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial — CMTN
REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO
Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial
Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes
Largo da Fontinha
2350 Torres Novas
PROPRIEDADE Município de Torres Novas
COLABORAM NESTE NÚMERO
António Mário Lopes dos Santos | Maria Elvira Marques Teixeira | Joana Catarina Pereira Rosa | Vasco J. R. da Silva | Diana
Gonçalves dos Santos | Luís Batista | António Ribeiro | Paulo Oliveira | Joaquim Rodrigues Bicho | Margarida Moleiro | João
Tereso | Gonçalo Lopes | Luís Mota Figueira
FOTOGRAFIA DA CAPA [teste de solubilidade do pigmento em contacto com isopo] Oficina de Conservação e Restauro do
Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas
GRAFISMO Gabinete de Comunicação e Imagem — CMTN
IMPRESSÃO Gráfica Almondina
ISSN 1646-5121
Depósito legal
NOVA AUGUSTA
Revista de Cultura | n.º 20 | 2 0 0 8
NOVA AUGUSTA
Revista de Cultura
índice
7 Nota de Abertura
9 História
11 _A Misericórdia de Torres Novas. Da sua fundação, os primeiros tempos.
António Mário Lopes dos Santos
41 _O Foral Novo de Torres Novas no contexto da reforma manuelina dos forais
Maria Elvira Marques Teixeira e Joana Catarina Pereira Rosa
81 História DAS CIÊNCIAS
83 _Relógios de sol em Torres Novas
Vasco Jorge Rosa da Silva
99 História da arte
101 _A evolução dos revestimentos artísticos em interiores sacros privados do concelho de Torres Novas [séculos XVIII-XIX]
Diana Gonçalves dos Santos
147 _As obras na Cardiga durante os priorados de Fr. António Lisboa e
Fr. Pedro Moniz
Luís Batista
187 _Andrade Corvo e o ensino artístico.
Da fundação das Academias de Belas Artes à reacção romântica (1836-1856)
António Ribeiro
205 Personalidades
207 _Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico.
Paulo Oliveira
223 _Em memória de Artur Gonçalves
Joaquim Rodrigues Bicho
235 Estudos Sociais
237 _O Julgamento do Bacalhau, a cíclica viagem de condenado a salvador:
práticas no concelho de Torres Novas.
Margarida Moleiro
NOVA AUGUSTA
Revista de Cultura
279 Arqueologia
281 _Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas
João Tereso e Gonçalo Lopes
297 ideias E Debates
293 _Gestão museológica, turismo cultural e salvaguarda do património:
a importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico.
Luís Mota Figueira
305 2007 em revista
317 Nova Augusta em índice
NOVA AUGUSTA
Nota de Abertura
A revista Nova Augusta lança o vigésimo número da II série, inaugurada há
27 anos. De lá para cá, manteve-se o gosto pelos temas torrejanos, reforçaram-se os critérios de qualidade científica dos artigos, modernizou-se a
imagem gráfica da revista e acolheram-se novos colaboradores.
A NA 20 representa, à semelhança dos números anteriores, o empenho na
edição de uma publicação de valor reconhecido no panorama dos estudos
locais e regionais. Este ano, são lançados novos contributos nas áreas da
história, história da arte, personalidades, estudos sociais e arqueologia. E
inaugura-se a rubrica Património.
Em 2008, a história e a história da arte são os alicerces da Nova Augusta.
Nos temas da história, António Mário Lopes dos Santos e Maria Elvira
Marques Teixeira trabalham sobre assuntos do século XVI. António Mário
L. Santos revela os trilhos (documentais) percorridos até à fundação da
Misericórdia de Torres Novas e Maria Elvira Teixeira estuda o Foral atribuído por D. Manuel I, a Torres Novas, em 1510.
Nos estudos de história da arte Diana Santos e Luís Batista visitam as quintas e casas nobres de Torres Novas e região envolvente: um para analisar
os revestimentos artísticos das capelas privadas do concelho de Torres
Novas (séculos XVIII-XIX), outro para investigar as obras da Quinta da Cardiga entre 1529 e 1630. António Ribeiro escreve sobre o ensino artístico no
Portugal de oitocentos, abalado pela greve académica de 1844 e a reivindicação da reforma dos programas e dos métodos, destacando a publicação
de um texto crítico de Andrade Corvo sobre a ausência de conhecimentos
estéticos no ensino artístico.
A preparar a dissertação de doutoramento no âmbito da história das
ciências, Vasco J. R. da Silva percorreu os espaços públicos e privados do
concelho em busca de relógios-de-sol. Da pesquisa exaustiva resultou o
artigo que aqui publicamos sobre os relógios-de-sol da Quinta de Caniços,
de Alqueidão e do castelo de Torres Novas.
Comemorando o 140.º aniversário do nascimento de Artur Gonçalves,
publica-se, pela pena de Joaquim Rodrigues Bicho, uma breve biografia
do homem que mais escreveu sobre a história da vila e sobre os torrejanos ilustres, revelou contributos preciosos para o estudo da toponímia
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NOVA AUGUSTA
local, do património edificado, da história do funcionalismo municipal,
entre outros assuntos. A obra de Artur Gonçalves, publicada nos anos 30
do século passado, é referência obrigatória para os investigadores dos
temas torrejanos.
Se Artur Gonçalves é já nome bem conhecido por estas terras, o de Carlos
Cacho não o é. Por isso, Paulo Oliveira revela a vida e obra deste reputado
físico nuclear do século XX, natural de Golegã.
Bastante afamado era o Enterro do Bacalhau que por cá se fazia nas freguesias de Lapas, Riachos, Zibreira, Pedrógão, Parceiros da Igreja, Árgea
e até na Vila. Margarida Moleiro tenta desvendar as origens e as formas
destas práticas no concelho: os textos, as personagens e os locais.
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E, por fim, uma faca em ferro, de grandes dimensões, que ainda conserva
parte do cabo original em madeira dá o mote para o artigo de arqueologia
de Gonçalo Lopes e João Tereso. Quase não se conhecem exemplares de
facas medievais encontradas em contexto arqueológico, o que confere a
este achado carácter de raridade.
Luís Mota Figueira abre a secção Património com questões em torno da
aplicação da Carta Internacional do Turismo Cultural nas autarquias.
Os assuntos mais marcantes do ano 2007 encerram a revista. Numa tentativa de garantir, para a posteridade, o registo dos acontecimentos mais
relevantes da vida autárquica, sociedade, cultura e desporto em Torres
Novas.
No alinhamento da NA 20 convivem académicos, profissionais das áreas
da história, da museologia, do ensino. Convivem investigadores de profissão e outros que não o são. Convivem discursos académicos e discursos
fluidos de escrita menos complexa, escolas e vivências diferentes. Convivem a dedicação e erudição dos seus colaboradores. É com esta matéria-prima que se produz a NA, uma revista com 46 anos de existência e
periodicidade anual praticamente ininterrupta desde 1990.
A Direcção Editorial
9
HISTÓRIA
A Misericórdia de Torres Novas
Da sua fundação – Os primeiros tempos
António Mário Lopes dos Santos*
O processo de criação das Misericórdias iniciou-se no reinado de D. Manuel I.
No entanto, em Torres Novas, o desaparecimento de toda a documentação
municipal, até ao século XVIII, não permite acompanhar as vicissitudes locais
que levaram à criação da Misericórdia de Torres Novas. Mas, a partir de um
documento incluído no Livro dos Privilégios da Misericórdia de Torres Novas,
onde se encontra a autorização de D.João III para a criação dos órgãos de gestão municipais para a instituição da Misericórdia, pode aceitar-se como data
de fundação da Misericórdia de Torres Novas o dia 31 de Outubro de 1534.
Neste artigo, António Mário analisa esta e outras fontes documentais para o
estudo das origens da Misericórdia em Torres Novas.
* Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é investigador de História Local e autor de vários estudos sobre o concelho de Torres Novas.
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NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
Introdução
O estudo do fenómeno da pobreza e da
assistência em Portugal tem merecido, a
partir das últimas décadas do século XX,
uma maior atenção.1
Longe, mas não esquecidas, ficam as
obras pioneiras de Goodolphim2 e de Correia3, onde se ressalva na origem das Misericórdias, em especial a de Lisboa, a acção
primordial da rainha D. Leonor, mulher
de D. João II, sob a iniciativa e conselho do
frade trinitário Frei Miguel de Contreiras.4
Se o papel de D. Leonor é realçado na fundação da Misericórdia de Lisboa, no ano de
1498, durante a ausência de seu irmão, o rei
D. Manuel, que em Espanha defende, pelo
seu casamento com D. Isabel, viúva do príncipe D. Afonso e filha dos reis católicos, Fernando e Isabel, o direito do filho de ambos,
D. Miguel, ao trono de Leão Castela e Aragão, por morte do seu cunhado, o príncipe
D. João5, outros investigadores colocam não
só em dúvida o papel de Frei Miguel junto de
D. Leonor6, como a sua própria existência.7
Sem se ignorar o papel de D. João II na
política de centralização de assistência
hospitalar, com a criação, por inspiração
florentina, do Hospital de Todos-os-Santos,
em 1492 8, ou no apoio à acção da rainha
D. Leonor em relação ao Hospital das Caldas
da Rainha (1484)9, a acção da rainha é, por
outros, relativizada, realçando-se como primeira figura D. Manuel, quer na promulgação régia de legislação específica em relação às Misericórdias10, quer na fundação
dessas instituições pias11, quer nas cartas
régias enviadas às vereações locais, incentivando a sua criação.
Veja-se, por exemplo, a carta de 14 de
Março de 1499:
«Os juizes vereadores procurador fidalgos cavaleiros e homens-boos. Nos el-Rey
vos enviamos muyta saúde. Cremos que
saberes como em esta nosa cidade de Lixboa. Se ordenou huma comfraria pera se as
obras da misericórdia averem de comprir e
especialmente acerqua dos presos pobres
e desemparados que nom tem quem lhes
Abreu (Laurinda), “Misericórdias: patrimonialização e controlo régio (séculos XVI e XVII)”, Ler História, nº44, p. 5, nota um.
Goodolphim (Costa), As Misericórdias, 1ª ed., 1897; 2ª ed., Livros Horizonte, 1998.
3
Correia (Fernando da Silva), Origem e Formação das Misericórdias Portuguesas, Lx., 1944; 2ª ed., Livros Horizonte, Lx., 1999.
4
Serrão (Joaquim Veríssimo), A Misericórdia de Lisboa, Livros Horizonte, 1998, pp. 28-32.
5
Sousa (Ivo Carneiro de), Da Descoberta da Misericórdia à Fundação das Misericórdias (1498-1525), Porto,1999, pp.120 e sgs.; Ferreira
(Maria Emília Cordeiro), “D. Manuel I”, Dicionário de História de Portugal , coord. De Joel Serrão, vol II, Iniciativas Editoriais, pp. 906/911.
6
Serrão. op. cit., pp. 31/32.
7
Sá (Isabel de Guimarães), As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel I a Pombal, Livros Horizonte, Lx., 2001; Bastos (Artur de
Magalhães), História da Santa Casa da Misericórdia do Porto, vol.1, Porto, Santa Casa da Misericórdia, 1934, 59/99; Portugaliae
Monumenta Misericordiarum, vol III, Introdução de Isabel de Guimarães Sá e José Pedro Paiva, Centro de Estudos de História
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa/União das Misericórdias Portuguesas, 2004, pp.7/21.
8
Sá, op. cit, p.31
9
Serrão, op.cit., pp.23/25.
10
P.M.M.III, pp.7/21.
11
Idem, pp. 12/13.
1
2
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requeira seus feitos nem socorra as suas
necesidades e asy em outras muytas piadosas segundo mais largamente em seu regimento se conthem do quall vos mandamos
dar o trelado. E porque as obras de misericórdia que per os oficiais desta comfraria se
cada dia fazem redumdam em muyto louvor
de Deus de que nos tornamos muyto comtemtamento por se em nosos dias fazer folgaríamos muyto que em todalas cidades e vilas
e lugares primcipaees de nosos Regnos se
fezese a dicta comfraria na forma e maneira
que no dito regimento se conthem e porem
vos encomendamos que comsyrando quanto
esta he seruico de Deus queiraees ajumtar
e ordenar como em esa Cidade se fezese a
dicta comfraria. E alem de em elo fazerdes
serviço a Deus e causa de que aceite ele aueres muyto merecimento nos vo-lo aquardeceremos muyto e teremos em serviço. Scprito
em Lixboa a xiiii dias de Março. Vicente Carneiro o fez de 1499. (Assinatura) Rey.12».
Sá acentua igualmente que há, nesta
política centralizadora, indícios da «relação
entre a expulsão dos judeus e a organização
da caridade operada por D. Manuel I».13
De facto, a 29 de Março de 1500, um alvará
régio determina o seguinte: «Nos el-Rey fazemos saber a quamtos este nosso alvara virem
a que nos praz que as fazemdas dos cristãos
novos que se foram despois da nossa defesa
as quaes se perdeu por bem da dita defesa
sejam arrecadadas pera o nosso Esprital
Grande de Todolos Santos e queremos que
sejam pello fuizes os que sam ordenados
pera os espritaes e capelas desta cidade e
o façam dar e a eixecuçam aos que nos per
este mandamos que asy o façam. Feito em
Lixboa a xxix dias de Março de 1500»14.
Decisão repetida em 31 de Maio de 1502,
noutro alvará: «Nos el-Rey fazemos saber
a todolos nosos corregedores juizes e justiças a que este aluara for mostrado que
nos temos feito merce ao nosso Stprital de Todolos Samtos das fazemdas dos
christãos-nouos e judeus que destes nosos
reinos fogisem contra nosa defesa E porquamto nos he dito que em alguuns juízos
sam começadas algu[m]as demandas que
aos sobreditos pertencem de seus bens e
fazendas e dividas que lhes eram devidas e
por nos termos ordenado que os desembargadores deputados pera as cousas do dito
Stprital conheçam dos ditos feitos e outros
alguuns nam e fomos enformados que
algu[m]as vezes erees requeridos por parte
do dito striptal que remetesees os ditos feitos aos desembargadores das cousas delle
e nom ho queries fazer ante mandavees
asentar o trelado dos alvarás nosos que vos
eram apresentados per que vos mandamos
que os remetesees e mandavees dar vista as
partes e sobre elles fazer processos o que
avemos por mal feito. Porem vos manda-
P.M.M.III, Vol. III, Anexos, Doc. 57, 226; Arquivo Histórico da Misericórdia do Porto, Livro Antigo das Provisões, 46; Basto, op.cit.,
pp. 64/65.
13
Sá, idem, 32.
14
P.M.M. III, Anexos, Doc. 81, 238; ANTT, Hospital de S. José, Registo Geral dos reinados de D. João II e D. Manuel I, NT 938, p. 18.
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A Misericórdia de Torres Novas
mos que tanto que vos este for apresentado
logo remetaes qualquer feitos que perante
vos andarem e trautarem como quer que
vos requeridas forem aos desembargadores
do dito Stprital e sejam emtregues a Martim
de Crasto stprivam delles sob pena de qualquer de vos que o assy nom comprir pagar
cinquoenta cruzados pera as obras do dito
Stprital em os quaes vos avemos por condenados cada vez que o asy nom comprirdes e
a dita pena queremos que ajam os stprivaes
dante vos que os ditos feitos teuerem e os
encobrirem e nom quiserem logo emtregar
do dia que lhe for noteficado a tres dias.
E per este mandamos aos desembargadores [pg.34] do dito Stprital que tamto que
o asy nom fizerdes logo mandem em vos
enxequtar a dita pena e carregar em recepta
sobre o almoxarife do dito Stprital pera
puder viir a boa recedaçam o que huuns e
outros asy comprires com diligencia porque
asy o avemos por bem e nosso serviço. Feito
em Lixboa a xxxj de Mayo. Vicente Carneiro
o fez ano de mil bcij».15
À centralização hospitalar defendida não
é também estranha a paralela investigação
do património adstrito às capelas, a partir
de 1498, do qual se não conhecem os resultados. Mas é-o, no tombo iniciado em 1501,
pelo licenciado Diogo Pires «enviado a todas
as vilas e lugares do reino com poderes
para superintender nos assuntos relativos
às capelas, hospitais, albergarias, gafarias,
resíduos e órfãos»16
No caso do concelho de Torres Novas,
concretizado pelo referido funcionário
régio, com o escrivão João Dias, em 1502,
permitiu o levantamento o mais rigoroso
possível, à época, dos bens das confrarias
medievais existentes17.
A maioria das confrarias urbanas virão a
ser, como veremos na altura própria, integradas nos bens patrimoniais da Santa Casa
da Misericórdia de Torres Novas18.
A acção de D. Manuel não se confinou à
fundação e modelo deste tipo de assistência, mas ao seu próprio controlo, como mostra o Regimento de Como os Contadores das
Comarcas há de prover sobre as Capella,
ospitaes, albergarias, cõfrarias, gafarias,
obras, terças e residos, de 1514, cuja finalidade última reside na uniformização da fiscalização régia no sector da assistência.
O que não é de estranhar num governo
em que medidas profundamente centralizadoras, como a Leitura Nova, a uniformização dos forais novos, a impressão das
Ordenações do Reino, o reforço do poder
político das ordens militares, conduzem a
um controlo dos grupos sociais, donde são
excluídos os judeus e os mouros. A descoberta do caminho marítimo para a Índia
Id, Ibidem, Doc. 115, 259; ANTT, doc.cit, NT 938, pp.34/34v..
Abreu (Laurinda), A Especificidade do Sistema de Assistência Público Português, linhas estruturantes, Arquipélago. História. 2ª
série, VI, Açores, 2002, p.420.
17
ANTT, Núcleo Antigo, nºs 275 e 288; Lopes (Leonor Damas), Confrarias Medievais da Região de Torres Novas, Os Bens e Os Compromissos, ed. Câmara Municipal de Torres Novas, 2001.
18
Gonçalves (Artur), Torres Novas, Subsídios para a sua História, ed. C. M. T. N., 1935, p.274.
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António Mário Lopes dos Santos
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conduz a um enriquecimento nacional e
à formação dum estado-mercador, que,
através de doações e concessão de privilégios, organiza uma estrutura hierárquica de
nobilitação com base nos serviços prestados a esse comércio do Estado.
O que é um facto é que a instituição
das Misericórdias, com seus privilégios e
regalias próprias, como os elementos que
faziam parte das suas estruturas confraternais – as irmandades – transformam-se em
confrarias únicas, de grande poder e influência no Portugal do antigo regime.
A criação das Misericórdias e a consequente intervenção régia obedeceram a
fases distintas. Laurinda Abreu designa
três. Um primeiro período, que percorre
os reinados de D. Manuel e D. João III, em
que as confrarias «sobrevivem essencialmente de esmolas», distribuídas pelos mais
carenciados, os presos e os pobres, «e
estão mais vocacionadas para a assistência
à alma do que ao corpo.»
O segundo período «ocorre nos anos
sessenta e setenta do mesmo século»,
quando concorrem para os seus bens patrimoniais a integração de confrarias e hospitais, assim como as doações pias para a
celebração de missas a favor das almas do
Purgatório. Uma assistência hospitalar mais
eficaz é consequência lógica do reforço dos
bens patrimoniais das Misericórdias.
A partir da década de 90, uma terceira
época que a autora denomina de «filipina»,
que se desenvolve nesse período, caracterizada por um importante crescimento
patrimonial «e [pela] atribuição de novas
responsabilidades no campo da assistência,
sobretudo em relação aos militares».19
Os estudos publicados já este século pelo
Centro de Estudos Religiosos da Universidade Católica Portuguesa/União das Misericórdias Portuguesas, que se traduziram,
até o momento, em cinco espessos volumes de análise histórica e profusa matéria
documental, transmitem-nos, de imediato,
uma visão cada vez mais aprofundada da
disseminação das Misericórdias Portuguesas pelo território português, incluindo
ilhas, África, Oriente e Brasil.
Se Isabel de Guimarães Sá refere 43
Misericórdias documentadas no reinado de
D. Manuel, não deixa de referir a possibilidade «que houvesse outras cuja documentação se perdeu ou não se conhece ainda».20 De
facto, em publicação mais recente, a mesma
historiadora, em colaboração com o coordenador geral de toda a obra, José Pedro
Paiva, apresentam, então, para o reinado de
D. Manuel a fundação de 75 Misericórdias.21
Para o reinado de D. João III (1521-1557)
surgem 15 novas misericórdias22.
Mas é entre 1557 e 1580 que, segundo
esta autora, «se dá a expressão das miseri-
Abreu (Laurinda), “Misericórdias: patrimonialização e controlo régio (séculos XVI e XVII)”, Ler História, nº 44, 2003, p.6.
Sá (Isabel de Guimarães), P. M.M, Vol. I, Lx, 2002, p. 22.
21
Sá (Isabel de Guimarães) e Paiva (José Pedro), Introdução, P.P.M. III, Lx, 2004, pp.12/13.
22
Sá, P.P.M., Vol.I, p.24.
19
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A Misericórdia de Torres Novas
córdias em pequenas localidades: nada mais
que 55, que nunca tinham aparecido antes,
surgem pela primeira vez referidas»23. Mas,
nas referidas, não surge a de Torres Novas,
o que nos deixa perplexo, já que há documentação sobre a mesma desde 193524.
Mas não se fica por aqui a multiplicação das Misericórdias. No volume IV da
Portugaliae Monumenta Misericordiarum,
publicado em 2005, dedicada às épocas de
D. João III, D. Sebastião e Cardeal D. Henrique, na Introdução, escrita por Ângela
Barreto Xavier e José Pedro Paiva, cita-se
que «Entre 1521 e 1580 acrescem às 77 misericórdias anteriormente identificadas para
o reinado de D. Manuel, mais 127».25
Um terceiro período, sob o domínio filipino, reforça o poder destas instituições,
transformadas pela Coroa e pelo Papado,
«que as elegeram como as confrarias a
quem competia um papel de relevo na
esfera da assistência promovida por via das
instituições»26. Reforça-se o papel das elites
locais, que circulam entre o controlo político da autarquia e o domínio espiritual do
acto de misericórdia, reforçado pelo concílio de Trento, o poder régio e o Papado,
que vai assentar num duplo monopólio: o
dos enterramentos religiosos dos defuntos e o da assistência hospitalar. A dinastia
17
Portugaliae Monumenta Misericordiarium, vol.IV, 2005
filipina privilegia as Misericórdias, conferindo-lhe um capital simbólico de enorme
importância na representação social. «Os
lugares nela ocupados, os objectos que se
transportavam, os adereços que se usavam,
informavam a comunidade sobre o papel e
o lugar que os participantes detinham na
sociedade, presentificavam distinções, lembravam hierarquias a respeitar. Eram uma
alegoria da representação social local».27
Também a introdução de novos cultos,
Sá, P. P.M., Vol. I, p.19.
Gonçalves (Artur), op.cit, Torres Novas, 1935, pp.271/398.
25
P. M. M, vol. IV – Crescimento e Consolidação: de D. João III a 1580, Ed. da União das Misericórdias Portuguesas, Lx. 2005, Introdução, p.9.
26
P. P M. Vol. V, Direccão Científica Abreu (Laurinda) e Paiva (José Pedro), Reforço da Interferência Regia e Elitização – O Governo
dos Filipes, União das Misericórdias Portuguesas, Lx, 2006.
27
Idem, ibidem, Introdução, p.27.
23
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NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
18
Nossa Senhora da Misericórdia
Autor: Bento Coelho da Silveira — Séc. XVII (2.ª metade)
Pintura a óleo sobre tela colada na madeira D – 1200x1050mm
Nossa Senhora da Piedade
Autor: Bento Coelho da Silveira — Séc. XVII (2.ª metade)
Pintura a óleo sobre tela colada na madeira D – 1200x1050mm
como a celebração da Paixão de Cristo, através das denominadas confrarias da paixão,
como as do Senhor dos Passos, que levam a
efeito, neste período, grandes manifestações
penitenciais, como a Procissão do Senhor dos
Passos, onde intervêm todas as forças laicas
e religiosas da sociedade da época.28
Outro elemento simbólico de grande
influência castelhana na representação
pública das Misericórdias consiste na criação das suas bandeiras, integrando nelas
a influência da Ordem da Santíssima Trindade, com a figura dum frade trinitário com
as letras FMI (Frei Miguel Instituidor), que
os historiadores já atrás citados têm vindo
a demonstrar como um mito criado em
meados do século XVI pela ordem da Santíssima Trindade, e que, no período filipino,
segundo Laurinda Abreu, deve ter recebido
o apoio do arcebispo de Lisboa, D. Miguel
de Castro, apoiante indefectível da causa
castelhana.29
De facto, pelo alvará régio de Filipe II,
de 26 de Abril de 1627, determina-se para
todas as irmandades, mesmo que tenham
de alterar as bandeiras que já possuíam,
[Imagem publicada em TOJAL, Alexandre e PINTO, Paulo Campos – Bandeiras da Irmandade. Lisboa: Comissão para as Comemorações das Misericórdias, 2002, p. 82]
28
29
Idem, ibidem, Introdução, p. 27.
Idem , ibidem, Introdução, p.8.
[Imagem publicada em TOJAL, Alexandre e PINTO, Paulo Campos – Bandeiras da Irmandade. Lisboa: Comissão para as Comemorações das Misericórdias, 2002, p. 82]
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
uma uniformização iconográfica do poder
espiritual e temporal da sociedade organizada da época, sob a protecção da Senhora
do manto azul, a «mater omnium», Senhora
da Misericórdia.30
A Fundação da Misericórdia de Torres Novas – Os primeiros tempos
Isabel Sá não cita, o que é estranho, nas
Misericórdias indicadas para o reinado de
D. João III, a de Torres Novas, já que Goodolphim, nos finais do século XIX, já apontava a sua fundação para 1535.31 A mesma
data encontra-se em Correia.32
Ângela Barreto Xavier e José Pedro Paiva,
seguindo o documento inserido no Livro
dos Privilégios da Misericórdia de Torres
Novas33, aceitam que foi instituída em 31 de
Outubro de 1534 por el-rei D. João III,34 em
carta, a seguir transcrita, enviada à vereação autárquica35.
«Juizes vereadores e procuradores da
villa de torres nouas. Eu el-Rey vos emuio
muita saúde. Vy a carta que me scpruestes sobre há comfrarya da mjsericordia
que nessa villa quereis ordenar em que me
pedis aja por bem anexar as comfrarjas que
na dita villa ouver à dita mjsericordia pera
com o sobejo das remdas dellas despois de
compridos os emcarreguos se Repairarem
os pobres emverguonhados. E se fazerem
outras obras pias. E por que me pareceo bem
o que asy pedis vos ordeney a dita comfraria da mjsericordia. E despois de ordenada
scprueime o que comueer E de que temdes
necesidadeE eu vos emujarey as prouisoes
que ouuer por bem. E no que toquar ás
comfrarjas que pedis que se anexem a dita
mjsericordia despois que a teuerdes nordenada me escreuey que comfrarjas sam E
quamtas E o que cada huma Remder E por
quem sam admenistradas E se tem comfrades. E os emcarreguos que tem. E se poderdes auer os tralados das Instituicoes delas
avryos. E mos emuiay E entam vos Responderey o que ouuer por bem que façais. Foi
escripta em evora a xxxj dias d’outubro, fernam da costa o fiz, de 1534. E eu andre pirez
o fiz escpreuer. E o sob escpreuy.
El-Rey (assinatura autografa)»
«Aos procuradores E oficiais da Villa de
torres novas»
O desaparecimento de toda a documentação municipal, até ao século XVIII, não nos
permite acompanhar as vicissitudes locais
que levaram à criação da Misericórdia de
Tojal (Alexandre Arménio), Pinto (Paulo Coelho), Bandeiras das Misericórdias, coordenação de Natália Correia Guedes, edição da
Comissão para as Comemorações dos 500 anos das Misericórdias, Lisboa, 2002, p.11 e seguintes.
31
Goodolphim (Costa), As Misericórdias, 1ªedição, 1897; 2ª ed. Livros Horizonte, 1997, pp. 342/345.
32
Correia (Fernando da Silva), Origem e Formação das Misericórdias Portuguesas, Livros Horizonte, Lx, 1999, pp. 565/61.
33
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Livro dos Privilégios…, fl 1.
34
P.M.M. Vol IV, Crescimento e Consolidação: de D. João III a 1580, União das Mis. Port., LX, 2005, p. 281.
35
Por nos parecer ser uma melhor transcrição do documento, optámos pela leitura realizada, a nosso pedido, pelo torrejano Dr. Joaquim
Francisco de Sousa Clemente, em detrimento da publicada por Artur Gonçalves, em Torres Novas, subsídios para a sua história, p.273.
30
19
NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
20
Torres Novas. O único documento que nos
chega é o transcrito atrás. Por ele se verifica que D. João III concede a autorização
necessária aos órgãos de gestão municipais para a instituição da Misericórdia e
solicita que, após a ordenação, lhe sejam
indicadas que confrarias são consideradas
necessárias para a sua manutenção, qual
o seu rendimento, respectivas rendas e
foros, tipo de administração, número de
confrades, os seus regimentos. Por outro
lado garante, para o seu funcionamento,
«as prouisoes que ouuer por bem», o que
permite supor a cedência de bens ou outro
tipo de rendimentos, como são os padrões
de juro e rendas do império que se juntarão a legados testamentários e fundação de
capelas, sem ignorar os bens patrimoniais
das confrarias e hospitais que, como se
verá adiante, serão anexados, engrossando
ano após ano o seu património.36
Essa correspondência, entre o poder
municipal e o rei deve ter existido. O levantamento dos bens das confrarias já tinha sido
realizado em 1502/3, pelo licenciado Diogo
Pires, acolitado pelo escrivão João Dias.37
O concelho de Torres Novas, desde 27
de Maio de 1500, encontrava-se integrado
nos bens doados por D. Manuel I ao filho
bastardo de D. João II, D. Jorge de Lencastre, duque de Coimbra, «com todo o seu
Senhorio, Castello, Reguengo, e Padroado
das Igrejas, e de muitas prerogativas, privilégios, e isenções que forão concedidos
à sua pessoa, e casa»38. Doação que veio a
ser confirmada por D. João III, em 1525.39
Do casamento de D. Jorge com D. Brites de
Vilhena, cujo contrato se celebrou a 30 de
Maio de 150040, surge-nos numerosa prole41.
Interessam-nos, para a história concelhia, o
primogénito. João de Lencastre, primeiro
duque de Aveiro, que sucede a seu pai na
posse do senhorio em 155042, e D. Jaime
de Lencastre «que foi o quarto varão por
ordem de nascimento, seguiu a via Ecclesiastica, em que teve diversos Benefícios; e
porque no anno de 1538 era prior de S. Pedro
de Torres Novas, e das quatro Freguesias
daquella Villa, como consta de hum contrato, em que o Prior com os beneficiados
da dita Igreja darão huma Ermida, e casas
contíguas ao Provedor, e Irmandade da
Misericórdia, o qual contrato foy feito no
primeiro de Julho de 1538; e esta Ermida he
a casa da Misericórdia daquella Villa, cujo
contrato se conserva no Archivo, que foy da
P.M.M., vol. IV, Introdução, p.11
A.N.T.T., Núcleo Antigo; nº 275, Lopes (Leonor Damas), Confrarias Medievais da Região de Torres Novas, Os Bens e os Compromissos, ed. C. M. T. N., 2001.
38
Sousa (D. António Caetano de), História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Tomo XI, Atlântida – Livraria Editora, Coimbra,
MCMLIII, p.7.
39
A.N.T.T., Chancelaria de D. João III, L.º 9, p.55v.
40
Sousa, op. cit., p.8
41
Sousa, ibidem, pp.19/21.
42
A.N.T.T. Chanc. D. João III, Lº 71, pp. 309/311.
36
37
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
Sé de Lisboa, hoje Basílica de Santa Maria,
donde o vimos, nas Memorias que mandou a
Academia Real…»43
É a este documento que se refere Gonçalves44, seguindo o que foi descrito, a 9 de
Abril de 1758, no relatório do prior de Santa
Maria, António Raimundo de Pina Coutinho45:
«Tem caza de mizericordia que esta edificada na antiga ermidas dos Fieis de Deus da
qual fez doação o bispo de Ceuta46, D. Jaime
de alencastre, Prior na Igreja de S. Pedro e
das mais desta Villa, mandando procuração
a Christovão Varela, Cavaleiro da Ordem de
Santiago47, para celebrar o dito contrato com
o provedor que então era Fernão Rodrigues48
e o licenseado Luís Alves escrivão e os beneficiados Jorge da Mota49, António Dias50 e
Pero Gonçalves51 com obrigação de pagarem à parochial cada ano de foro um tostão
por dois de Julho. Este contrato se celebrou
em o primeiro de Julho de mil quinhentos e
trinta e oito pelo tabelião João Soares.52»
Temos, assim, a fundação em 1534. Funcionaria, sem sede própria, na igreja de
Santa Maria, onde por ordem de el-rei se fez
a primeira eleição do provedor e irmãos.53
Em 1538 é-lhe cedida para sede a Ermida
dos Fiéis de Deus, propriedade da igreja
de S. Pedro, pelo bispo D. Jaime, prior
desta e das quatro freguesias da Vila.
Contrato esse assinado pelo procurador
do bispo, Cristóvão Varela, cavaleiro da
Ordem de Santiago, escrivão da câmara.
Por este documento, que se apresenta
em anexo 1, se pode verificar quem são
os homens bons e da governança do concelho, na época em que a Misericórdia foi
criada. Se compararmos com o documento
de 25 de Agosto de 1549, em que a Câmara
da Vila de Torres Novas pede a D. João III a
edificação dum mosteiro para a ordem dos
Dominicanos54 (Anexo 2), a repetição dos
nomes das figuras de primeira condição
indica quem é quem no poder concelhio.
Sousa, Ibidem, ps 19/20.
Gonçalves (Artur), Torres Novas, subsídios para a sua história, p. 276
45
A.N.T.T, Dicionário Geográfico de Portugal, Freguesia de Santa Maria, Vol. 37, p.689.
46
Sousa. Idem, p.20. «Só foi nomeado para tal cargo em 1545, sucedendo a Dom Frei Diogo da Silva, religioso da Ordem Seráfica, e
Inquisidor Geral nestes reinos»
47
Pimenta (Maria Cristina Gomes), As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média – O Governo de D. Jorge, Apêndice 2, p.367.
Recebe o hábito da Ordem de Santiago a 15 de Agosto de 1514. A.N.T.T., Cortes, Évora 1535, Mç. 5, nº 5, fls 75/75v. Na procuração de
Torres Novas às Cortes de Évora, em sessão camarária de 30 de Abril de 1535, aparece com o escrivão da Câmara.
48
A.N.T.T. Cortes, Évora, 1535, Maço 5, nº5, fl 75/75v. Vereador camarário.
49
Clérigo de missa.
50
Clérigo de missa. Há um António Dias, beneficiado de S. Pedro, que falece a 24 de Março de 1559. ANTT, Registos Paroquiais, Torres
Novas, freguesia de S. Pedro, Óbitos, 29v.
51
A.N.T.T. Reg. Par., Lº 1 dos Mistos de Santiago, p.80v. Falece a 18 de Novembro de 1557.
52
A documentação do Cartório Notarial de Torres Novas, que se encontra no Arquivo Distrital de Santarém, só existe a partir de
2 de Junho de 1570, com as notas do tabelião André Freire.
53
A.N.T.T., Dic. Geog. De Port., Santa Maria, Lº37, p. 689.
54
A.N.T.T.Corpo Cronológico, Parte 1, Mç.83, Doc 10.
43
44
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NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
22
Não nos coloca dúvidas o papel do donatário, D. Jorge de Lencastre, como senhor da
vila, no temporal e no espiritual. Mestre da
Ordem de Avis e de Santiago, pai de D. João
e de D. Jaime. Os pedidos dos seus homens
colocados nas instituições políticas, sociais,
religiosas locais não lhe poderiam ser
alheios; pelo contrário, não seria estranho
que fossem, na prática, os porta-vozes locais
dos objectivos da casa de Aveiro para Torres
Novas. A sua ligação à Misericórdia verifica-se não só pelas figuras da nobreza local que
preenchem os cargos mais importantes da
Irmandade, como pela tença de 8.000 réis
anuais que encontramos registada desde os
primeiros livros de receita e despesa55.
Não se encontra correspondência desta
documentação na chancelaria régia. Mas há
uma ligação entre a casa real, a da rainha, a
do infante D. Luís e o concelho que, se for
aprofundada, poderá vir a esclarecer muito
do que hoje se nos apresenta nebuloso. Há
uma data que pode servir de ponto de partida
para esta ligação. A realização das cortes,
em Torres Novas, em 1525, de 15 de Setembro a 21 de Outubro, na igreja de S. Pedro,
onde se aprova o dote de 150.000 cruzados
da infanta D. Isabel, irmã do rei, para a concretização do seu casamento com o imperador Carlos V56, que permitiu a celebração do
contrato de casamento a 18 de Outubro. Os
procuradores às Cortes revelaram outras
facetas, que a crise económica e social fazia
emergir na sociedade. Os 214 capítulos apresentados revelam as queixas dos concelhos
aos monarcas, muitos contra os privilégios
duma nobreza ociosa e dissipadora. Nestas
veio também ao de cima o ódio religioso
contra os cristãos-novos, acusados de todos
os males que a sociedade enfrentava: fome,
miséria, peste, inclusive do assassinato de
muitos católicos que se socorriam dos seus
conhecimentos médicos e boticários. A tal
ponto que os procuradores solicitam ao rei
a proibição do exercício da profissão e o
encerramento das boticas. Serrão, autor da
ficha do Dicionário, transcreve uma citação
de Braamcamp Freire, em que este historiador afirma que «de Torres Novas trouxe
D. João III o propósito firme de se esforçar
pelo estabelecimento da Inquisição aos seus
reinos e senhorios».57
Anote-se que, na mesma igreja de S. Pedro,
se realizara um capítulo-mor da Ordem do
Crato, sendo seu prior D. Gonçalo Pimenta
do Avelar58, cargo para o qual tinha sido
eleito, em Cândia, a 20 de Janeiro de 152359.
A política régia pretendia, como o veio a fazer
em 1550, quando o Papa concedeu o governo
e a administração perpétua das ordens de
A. H. Mis. T. Novas. O primeiro livro que nos chega data de 1610.
Dicionário de História de Portugal, Coordenação de Joel Serrão, IV Vol., p 178.
Serrão (Joaquim Verísssimo), “Torres Novas, Cortes de 1525”, in op.cit., 178.
Figueiredo (José Anastácio de), Nova História da Ordem de Malta em Portugal e dos Senhores Grãos-Priores dela em Portugal,
Tomo III, LX, 1800, pp. 92 e segs.; Gonçalves (Artur), Torrejanos Ilustres,Torres Novas, 1933, pp.71-75.
59
Figueiredo, op.cit, Tomo III, 132; Gonçalves, ibidem, 72.
57
58
55
56
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
Avis e de Santiago (até então dirigidas pela
casa de Aveiro) o controlo pela casa real das
ordens militares60. A de Cristo já era da Casa
Real desde D. Manuel. Não espanta, pois,
que D. João III se tenha oposto à posse do
cargo por D. Gonçalo Pimenta, desejandoo para o seu irmão, o infante D. Luís, o que
conseguiu, após dissenções várias com os
freires da ordem e o próprio D. Gonçalo. A
ligação do infante D. Luís a Torres Novas
exerce-se de forma dupla. Ao tomar posse
do cargo, assume a Comenda de S. João, em
Torres Novas, além do Ral, e mantém uma
ligação estreita com a família de D. Gonçalo
Pimenta, já que os filhos deste, Estêvão
Pimenta do Avelar e Pedro Afonso do Avelar, foram, além de homens da governação,
moços fidalgos da casa do infante61.
As relações da paroquial igreja de
S. Pedro com a Misericórdia, desde o início, revelam-se de grande tensão, já que a
paróquia vê fugir-lhe duas confrarias, as de
S. Pedro e de S. Bento, integradas naquela,
como o direito que lhe pertencia de nomear
o capelão para a Igreja da Misericórdia é-lhe
recusado pela irmandade, que apresenta
vários pleitos contra o vigário geral de San-
tarém e os beneficiados daquela igreja, na
defesa da sua autonomia. A Misericórdia
consegue o direito de ser ela a nomear capelão, por sentença que «foy avida no tempo
de el Rey don Felipe e fica em LXª em poder
dos escrivains das apelaçois e agavos que
antão servia Lopo Fernandes por amaro coelho de campos»62. No tombo citado, o escrivão Arez da Mota Leite regista que existe,
no arquivo da Misericórdia, a «escritura de
contrato e doasão que antonio gonsalves fez
a ditta Santa Caza da confraria da Gafaria63
da qual ele era administrador sendo provedor antão Dom João de Saa de Noronha em
o anno de 1577 annos aos 9 dias de Junho
feyta pelo tabelião Constantino Mendes de
Gouveia Leyte a qual fica nas suas notas no
oficio que hoje he de seu uisnetto».64
Ainda uma outra «lembrança» vem ajudar-nos a colocar o funcionamento regular
da irmandade da Misericórdia de Torres
Novas ainda na primeira metade do século
XVI. Nela se refere uma «provisão por onde
o arcebispo D. Fernando65 deu dado o adro
desta Santa Caza ao provedor e mais irmãos
para o poderem arazar a abaixar como pela
mesma provisão ou alvará consta»66.
Braga (Paulo Drumond), D. João III, Hunin, 2002,124.
Gonçalves, op. cit. pp.74/75; 133.
62
A. H. Mis. T. N., Tombo nº 3, Lº 203, Declarações de Arez (1698), Peixoto (1717), Azevedo (1795), sendo, na primeira data Provedor o
Capitão Mor Sebastião Lobo Pereira e escrivão Gregório de Arez da Mota Leite, p.216, nota 14; Santos (António Mário Lopes dos), A
Misericórdia em Notícias, Boletim da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas, Ano II, Nº 2, Julho de 2002, As Declarações de
Arez, pp.2/4.
63
A.N.T.T., Chancelaria de D. Sebastião e de D. Henrique, Privilégios, Próprios e Comuns, L.1,330
64
A. H. Mis. T. N., ibidem, fls 226. nº 29; Santos, ibidem, p.3.
65
Dic. Hist. Rel. de Portugal, dir. Carlos Moreira de Azevedo, C. Leitores, Vol. C-I, Lx 2000, artº Episcopológio, pp. 131-146. O citado
arcebispo é D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos, que dirigiu a diocese entre 1540 e 1564.
66
A.H.Mis. T. N., idem, fls.226, n.º 30.
60
61
23
NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
24
Outro documento onde é citada a «confraria da Misericórdia» é um testamento de
12 de Março de 1546, de Isabel Rodrigues,
mulher de Bartolomeu Fernandes, tabelião
do judicial da vila de Torres Novas, «…que
Faz seus… testamenteiros á confraria da
Santa misericordya da dita villa. Scilicet.
Ao provedor E irmãos della aos quajs pede
pello amor de noso senhor deos que lhe
queyraom conprir este seu testamento de
toda a sua fazenda dinheiro E cousas por
honde quer que for avida E achada E todo
o mais que Remaneçer E manda que a dita
miserycordia ho aja»67.(Anexo 3)
Em 15 de Dezembro de 1562, os irmãos
da Santa Casa da Misericórdia de Torres
Novas tomam conhecimento «perante o
senhor fernam varella benefeciado nas igrejas samta Maria E sampedro da dita ujlla e
ujgajro hem ella. E em todo o seu aciprestado pello muito jmllustre E Reuerendissimo
senhor dom Fernando harcebispo de Lisboa
etc, compareceram os «jrmãos da samta
miserjcordia E por elles por parte da samta
miserycordya foi dito ao dito vigajro que em
poder de mim escrivam estava hum testamento de hum Matias fernandez moredor
na alldea da beselgua termo desta villa em
que fazia a dita miserycordya herdejra de
sua terça…».68
Um documento de aforamento pela Santa
Casa da Misericórdia, de um olival, sito nas
Ferrarias, a António de Figueiroa, datado de
18 de Maio de 1569, revela-nos um pouco da
estrutura da Irmandade.
«Saybam quantos este pubrico estormento d’aForamento E prazo em vida de tres
pesoas vjrem que no anno de nosso senhor
jeshu christo de mjll E qujnhemtos E sesenta
e nove anos aos dezojto dias do mês de majo
do dito ano na vjlla de tores novas na casa
da mjsericordia da djta Villa estamdo hj em
mesa em presença de mym pubrico tabelljam
E das testemunhas todas ao djamte nomeadas Joam Fernandez da costa esprivão da
djta casa que hora serve de provedor della
per ho senhor dom djoguo Coutinho69 provedor della ser fora e joam dias do avelar70,
dioguo gonçalvez71, beelchior memdez72, Ruy
Fernandez73, sjmão alluarez74, Fernão allu-
A. H. Mis. T. N., Caixa 14, doc. 1477, fls 1-4.
A.H.Mis.T. N., Caixa 14, doc. 1480, fls1-6.
69
A. Dist. Santarém, Cartório Notarial de Torres Novas, Tab. André Freire, Lº 2, 4/9/1570, 106 v. Aí descrito como «fidalgo da casa
del rei». Maria Cristina Pimenta, op. cit, Apêndice 2, identifica um D. Diogo Coutinho «casado com D. Isabel, cavaleiro, a 8 de Junho
de 1509[…] está inscrito no livro de matrícula da Ordem de Santiago desse ano», p.372. Será um seu sucessor directo?
70
Idem, ibidem, Tab. André Freire, Lº4, 28/2/1576, fl.103 v. Cavaleiro, filho de António Dias do Avelar, cavaleiro morador em Abrantes.
71
Aparecem-nos em documentos da época vários Gonçalves, que denunciam fazer parte da nobreza local. Fernão Gonçalves, juiz
ordinário do concelho (1535), João Gonçalves, António Gonçalves (1549). Na documentação compulsada não encontrámos forma de
identificação mais completa.
72
A.N.T.T., Reg. Paroq., T. Novas, S. Tiago, Lº.1 mistos, Cx. 1144, 29/10/1559, 127 v. Surge como padrinho de baptismo de Domingos, filho
de Mateus Fernandes e Joana Correia.
73
Não identificado.
74
A. D. S., Cart. Not. T. N., Tab. André Freire, Lº nº 2, 21/8/1570, 77v.- cavaleiro da casa d’el-rei, casado com Catarina Tolosa, filho de
Francisco Álvares de Atouguia, almoxarife de Torres Novas , Lº 1 do mistos, Salvador, casamentos, 24/6/1572, p.62.
67
68
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
arez75, amtonio gomçallvez76 E Francjsquo
djaz77, manuell d’abreu78, todos Jrmãos E
oFecjaes da djta casa ho presemte anno de
huma parte E da outra amtonjo de Fegejroa79
cavaleiro Fjdallguo da casa dell Rey nosos
senhor morador na djta vjla».80 (Anexo 4)
Elementos a reflectir
A maioria dos cavaleiros fidalgos que nos
surgem na documentação, quer nas vereações camarárias, quer na misericórdia, quer
nos ofícios do tabelionado, dos órfãos, no
judicial, são maioritariamente da Ordem de
Santiago, o que corresponde, até à centralização real das duas ordens por D. João III,
em 1550, a uma distribuição normal dos cargos concelhios mais importantes por uma
nobreza dependente do ducado de Aveiro,
também prior da dita Ordem e da de Avis. A
partir daqui, até 1580, vão-se manter, como
representantes do donatário da casa de
Aveiro, as mesmas figuras de famílias que
irão constituir as famílias da aristocracia
local, como os Pimentas, os Motas, os Avelares, os Gonçalves, os Mogos, os Abreus,
os Fernandes, os Borges, os Serpas, os
Freires, os Sotomaior, os Lopes, os Rodri-
gues, os Dias, os Pais, os Mendes, os Leite,
os Atouguia, os Pereiras, que nos surgem
na documentação da época.81
Em relação à instalação da Misericórdia
em casa própria, atente-se no documento
de 18 de Maio de 1569. O instrumento de
aforamento é realizado na «casa da misericordia da dita Villa». Segundo, descreve a
composição da mesa. Com seu provedor,
escrivão, mesários, de primeira (nobreza)
e segunda (mesteres), o que demonstra já
o funcionamento estatutário [o presemte
anno], segundo o regimento seguido, o da
Misericórdia de Lisboa. As eleições da mesa
são anuais, efectuando-se nas vésperas de
2 de Julho, para que tome posse neste dia,
dia da Visitação de Nossa Senhora, a sua
prima Santa Isabel. Tal descrição vem antecipar, para a segunda fase do reinado de
D. Sebastião (21/1/1568 - 4/8/1578) a construção da sede, que já vimos anteriormente
ser, no início, a Ermida dos Fiéis de Deus,
que Gonçalves coloca por volta do ano de
1572, data indicada no cruzeiro.82 Acreditamos que a construção da Igreja da Misericórdia se acelerou a partir da regência do
Cardeal D. Henrique, aceite pelas cortes de
A.D.S., idem, Tab. André Freire, Lº 4, 124 v.- vereador da Câmara de Torres Novas em 1572.
Assina o documento de 1549.
77
Aparecem-nos dois Francisco Dias. Um, estalajadeiro, casado com Guiomar Rodrigues (Lº 1 Mistos Santiago, 28/6/1562, fl.152v.).
O segundo, paneiro, casado com Branca Dias (Lº 3 Mistos Santiago, óbito da mulher, 31/8/1587, fl.6).
78
Há um Manuel de Abreu, que foi vereador camarário, no ano de 1572, sendo Juiz de Fora o Licenciado João Correia, sendo igualmente vereadores António de Figueiroa e Pedro da Mota, e procurador do concelho Francisco Lopes. (Cart. Not, Tab. André Freire,
Lº 3, 15/3/1572, fls.105 v.
79
A.D.S., Idem, Tab. André Freire, Lº1, 27/10/1570, fl.140. Cavaleiro da casa d’el rei, era casado com Inês Pais.
80
A.H. Mis. T. N., Tab. Pero Vaz Tagarro, Caixa 18, Doc. 1715, 18 de Maio de 1561
81
Veja-se, em anexo, as listas das mesas da Misericórdia.
82
Gonçalves (Artur), Mosaico Torrejano, 386.
75
76
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NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
26
Lisboa de Dezembro de 1563, com a cláusula
expressa e juramento solene da entrega do
reino a D. Sebastião, logo que aquele completasse os 14 anos de idade.83 De facto, é
nesse período que o «estatuto económico
e financeiro das misericórdias se começa a
transformar», em que a «multiplicação do
número das Misericórdias foi acompanhada
pelo aumento do seu património».84
O impulso surge quando o Cardeal D. Henrique, por carta régia de 28 de Junho de
1564, atribui a administração do Hospital de
Todos os Santos à Misericórdia de Lisboa.85
É nesta época que se acelera a entrega das
confrarias e hospitais locais às misericórdias concelhias, como se modifica a sua
autonomia financeira, através das doações
testamentárias e outro tipo de esmolas,
enriquecendo o seu património.86
Outro elemento contradiz a entrega das
confrarias à Misericórdia de Torres Novas em
1578, no reinado do cardeal. No documento de
aforamento atrás citado se indica que a terra
situada nas Ferrarias aforada a António de
Figueiroa «se contem no dito tombo da djta
comfraria de nosa senhora dos amjos que
está em poder da djta casa da misericórdia
por ser administrador da djta comFraria».87
Estamos em Maio de 1569!
Em 1571, o mesmo tabelião Pero Vaz
Tagarro anota num contrato entre a Misericórdia e António Dias, vereador da vila de
Torres Novas:
«Sajbam quamtos este pubrico estromento
d’afforamento E seho prazo per vida de tres
pesoas vjrem que no ano de nacjmemto de
nosso senhor Jeshu christo de mill e qujnhem­
tos E setemta e hum annos aos sete dias do
mês de janejro do djto anno na vila de torres novas na casa da samta miserycordya
estando hy em mesa em presemça de mym
porteiro taballiam e das testemunhas todas
ao djamte nomeadas, esteuão pjmemta davelar provedor da djta casa da mjsericordia88 E
Fernão goncallvez da costa esprivão della89 E
Jorge de Serpa90, bellchjor tollosa91, manuel
migues92, sjmão dabreu93, djoguo Gonçalves94,
Frei djoguo allvarez95, dioguo96… E sjmão dias97
Velloso (Queiroz), D. Sebastião (1554 – 1578), E.N.P.., 1935, pp. 57 e sgs.
P.M.M., Vol IV, Introdução…, Lx, 2005, p.10.
85
A.N.T.T., Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Confirmações Gerais, Lº 6, ps 355-356; P.M.M., Anexo, p.143.
86
P.M.M., ibidem, Vol. IV, p.11.
87
A.H.Mis.T.N., doc.cit, fls 4.
88
A.D.S., Cart. Not. T. N., Tab. André Freire, Lº3, 10/3/1572, fls.83. Já falecido. Os seus descendentes, três filhas e um filho, Bernília
Pimenta, Catarina Pimenta, Ana Pimenta e Gonçalo Pimenta.
89
Idem, ibidem, Tab André Freire, Lº 4, 13/2/1726, fls 73.
90
Idem, ibidem, Tab. A. Freire., Lº1, 4/7/1570, fls 14v. Cavaleiro da casa d’el-rei
91
Idem, ibid. Tab. André Freire, Lº5, fls.89. Cavaleiro da casa d’el-rei.
92
Há uma má transcrição do nome, que nos parece ser Moguo, cavaleiro da casa d’el-rei.
93
ANTT, Reg. Paroq., Santiago, Lº 2 Mistos, casado com Ana Velez. Vereador camarário em 1579: Tab A. Freire, Lº6, 159.
94
Vide nota 71.
95
Familiar do almoxarife de Torres Novas.
96
Ilegível.
97
Mercador. Idem, tab. A. Freire, Lº 1, 53 v., 1/8/1570.
83
84
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
todos Irmãos dos doze que servem ho presemte anno estamdo assim todos Jumtos em
mesa como dito he de huma parte E da outra
amtonio dias98 elle vereador na dita villa morador E […][…] per elle djto provedor que em tal
os bens E Fazemda que sam E pertenciam ha
comFraria de nosa senhora do valle da dita vjla de que há djta miserycordya he amenjstrador».99 Entre as testemunhas que assinam o
contrato de aforamento encontra-se «antonio
goncallvez coveiro e andador da dita casa»100,
o que indicia já a existência de enterramentos
no espaço da misericórdia. (Anexo 5)
Pensamos que os bens da confraria, pelos
exemplos apresentados, deverão ter sido
integrados na fase final da regência do cardeal D. Henrique (1562-1568) e tudo indica
– como se não opõe – a sua simultaneidade.
O único exemplo de descontinuidade surge-nos nas declarações de Arez de 1698, tombo
3, fls. 226: «Fica no cartório da Santa Caza uma
Escretura de contrato e doasão que antonio glz
fes a ditta santa caza da Confraria da Gafaria
da qual elle era administrador sendo provedor
então Dom João de Sá de Noronha em o anno
de 1577 annos aos 9 dias de Junho».101
A 12 de Março de 1572, ano que o cruzeiro
indica, certamente nas citadas casas da
Misericórdia, o provedor António Freire,
cavaleiro da Ordem de Santiago102, António
Vaz, Domingos Rodrigues, Aleixo Fernandes, Baltasar Correia e Bartolomeu Fernandes «todos cavaleiros e mordomos della»,
aforaram em três vidas, a Rui Velho Cabral,
um olival na várzea.
Em relação ao hospital, edificado a poente
da igreja, deve ter iniciado o seu funcionamento em 1580, conforme se lê na lápide
do frontispício. Nas décadas de 60 e início
da de 70 (séc. XVI) funcionava o hospital de
Jesus (da antiga confraria dos lavradores),
de que era hospitaleiro Mateus Fernandes,
casado com Maria Gonçalves103. O registo
seguinte vem ao encontro da integração
das confrarias na Misericórdia em datas
anteriores: «Ho deradejro dia do mês de
Novembro [1571] faleceo hu pobre no esprital de Jesú ao qual a mizericordia mandou
dizer hua missa».104 Certo que o não faria, se
o hospital de Jesus não estivesse já sob a
jurisdição patrimonial da Santa Casa.
Um outro registo, sobre o hospital de
S. Pedro, datado de 1564, onde falece «Antonio Martins, moço pobre», vem corroborar a
hipótese da tutela da Misericórdia, que ainda
não tinha o seu hospital em funcionamento.105
Vereador da câmara.
A. H. Mis. T. N., Caixa 18, Doc. 1716, 7/1/1571, 7 fólios.
100
Idem, ibidem, Doc 1716.
101
Santos (António Mário Lopes dos), As Declarações de Arez, doc. cit, Julho 2002, fls 2-4.
102
ADS, Cart. Not. T. N., Tab. André Freire, Lº 1, 16/7/1570, 25v. Era igualmente juiz dos órfãos na vila. Foi feito cavaleiro a 16 de Junho
de 1536, Pimenta, op. cit.,341.
103
A.N.T.T. Reg. Paroq., T. Novas, Freg. Santiago, 1 de Agosto de 1565, 14 v; 23/4/1570, p.46 v.
104
Idem, ibidem, Santiago, Lº 2 Mistos, p. 109.
105
Idem, ibidem, S. Pedro, Lº. 1 dos óbitos, 15/8/1564, 42 v.
98
99
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NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
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Confirmando o funcionamento do hospital da Misericórdia em 1580, veja-se o testamento de Isabel de Góis em que esta decide
«que seu corpo será Enterrado na igreja de
Samtiago sua fregesia na capellamor na
cova de sua filha margarida pinta»106. Quer
que «a misa que deixa por dia de nosa Sª se
diga na caza da mizericordia da dita vila dia
da festa da comseicão de nosa senhora ou
dasumsão […] rogou a mim Diogo dalmada
cura da igreja de sanctiago que assim em
seu nome ho escreuese e põe ella asinase
oje j dias do mês de feuereiro de 1575 annos
Diogo dallmada. Declara ella testadora que
ella quer que a Casa da Sancta Misericordia avia por seu fallecimento meã cofora
de pano e hum colchão E dous lencois e
hum cobertor branquo e marqua maior ja
uzado e hum traveceiro emfronhado as
quaes pessas lhe deixa assim per esmolla
como pella enterrar portanto pedio a mim
Diogo dalmada que assim o escrevese e
como testemunha assim se oie 1 de Agosto
de 1580…»107
A certeza de seu funcionamento encontra-se também no testamento de Maria
Freire, filha de Manuel Gonçalves e Inês
de Morais, moradora em Torres Novas,
«estando no hospital da misericórdia da
dita vila dispus e ordenei de minha Alma de
maneira seguite [...] meo corpo seje Enterado na misericórdia da dita uila».108
CONFRARIAS INTEGRADAS NA IRMANDADE
Pela importância da descrição, de seguida
apresentamos um documento, não datado,
mas que consideramos ser dos finais do
século XVIII. Pela sua preocupação «memorial» não nos espantaria que tivesse saído
da pena de Gregório de Arez da Mota Leite,
escrivão da Misericórdia em 1698/99, sendo
provedor Sebastião Lobo Pereira, capitão-mor no concelho de Torres Novas.
«Não havendo na villa de Torres Novas a
Confraria da Santa Mizericordia, a Camera
da mesma Villa querendo Ordenala, vendo
que não tinhão bens para adoptarem, e na
mesma villa haverem algumas Confraria
com Rendas suffecientes Escreverão ao Snr
Rey D. João o Terceyro lhe quizesse anexar
os bens das dittas Confrarias, para eregirem
a da Santa Mizericordia as Confrarias que se
unirão E anexarão são as seguintes.
Comfraria de Jesu
A Comfraria de Jesu que foy ordenada
por alguns comfrades há qual derão o titulo
dos Lavradores no [no] anno de 1212 E com
diversas obrigacoens de Misas que vem a
ser settenta e sette digo Rezadas, duas Cantadas dittas na Capella do Senhor Jesu que
está na Parochia de Santiago nos dias apontados e hum sermão.
A. Hist. Mis. T. N., CX. 14, Doc. 1483 – o testamento é de 2 de Agosto de 1580, mas teve os seus codicilos em 15 de Junho de 1573
e 1 de Fevereiro de 1575.
107
Idem, ibidem, Doc. 1483, fls. 3.
108
Idem, ibidem, Cx. 14, Doc. 1484, 1583, 5 fólios, tab. público Constantino Mendes de Gouveia, pelo duque D. Jorge, marquês e senhor da vila.
106
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
Hera missa cantada enm sette de Agosto
com hum sermão todos os premejros Domingos do mez Missa Rezada pella Comfraria
todas as sestas feyras Missa Rezada. Nas
Outavas da Paschoa hua Missa por hum
deffunto. Huma Missa Rezada cada mez na
Capella das Almas de Santyago.
Huma Missa cantada dia do Santíssimo
nome de Jesu.
O que esta Confraria rende hum anno por
outro Reduzidos os géneros das Rendas a
dinheyro he 37986 rs.
Despende em Missas e sermão 11.800,
com ceras e ornato da capella 20.000 com
carrettos 324. Toda a despeza soma 35.140.
Confraria do Salvador
Foy Instituída por alguns Confrades em
19 de Julho de 1495 com varias obrigaçoens
de Missas a saber Missas cantadas quatro,
Rezadas dezaseis nos dias seguintes.
Dia da Transfiguração Missa cantada.
Todos os premeiros Domingos do Mez Missa
cantada por dous deffunctos.
Dia de Natal Missa Rezada pella Confraria.
Dia de Santa Maria Magdalena Missa
Rezada por dous deffunctos. Dia da Aascenção Missa Cantada. Dia da Emcarnação
Missa Rezada. Dia do Santíssimo nome de
Jesu missa cantada. Dia da Assumpção
missa rezada primeiros deffuntos.
Todas estas Missas ande dizer na Igreja do
Salvador aonde a Confraria esteve situada.
Rende esta Comfraria cada anno reduzido
a dinheyro os fructos de que se comprem os
Rendimentos 26.255. Despende esta Comfra-
ria com Missas 4.000. Com carreto 1310 o
que tudo unido soma 5310.
Confraria de Nossa Senhora do Valle
Foy esta Confraria Instituída por alguns confrades em 8 de Dezembro de 1420. E avendo
vinta annos que se tinha dezordenado se lhe
puzerão divercas obrigacoens de Missas.
Todos os sabbados Missa com responso
pellos que deyxarão os bens a Confraria.
Todos os premeiros Domingos do mez Missa
rezada. Todos os dias de Nossa Senhora
Missa rezada com suas vésperas cantadas
com Responso. Duas Missas huma em dia
de S. João outra no dia seguinte se nã for
Sabbado por hum deffuncto. Duas Missas
Cantadas por hua defuncta. Estas Missas
se ande dizer na mesma Eremida que fica
fora pouco distante da Villa a qual admenistra a Santa Caza Repara e paramenta e tem
Alampada aceza.
Rende esta Confraria cada anno Reduzido
a dinheiro os fructos de que se compõem
45780. Desppende com [com] Missas 9300
com Azeiteda alampada 2000 com cera
800, com carrettos que tudo unido soma a
despesa 14580.
Confraria de Nossa Senhora dos Anjos
Foy esta Confraria erecta em huma Eremida dentro da villa cuja Confraria foy instituída por alguns confrades e não consta
o anno com obrigacoens de Missas. Todos
os Sabbados Missa Rezada na dita Eremida.
Todos os dias de Nossa Senhora Missa
rezada com suas vésperas cantadas. Seis
29
NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
Missas duas em S. Pedro e duas em Santiago,
e duas na dita Eremida por hum deffuncto.
Hua Missa cantada, por deffunctos.
Rende esta Confraria cada hum anno computado a dinheiro 35780 digo 37920. Despende
com Missas 7200 com cera 800 rs. Com cattettos 3336 e toda a despeza unida 11330.
30
Confraria de S. Pedro
Foy esta Confraria erecta em a Igreja de
S. Pedro desta villa por alguns confrades em
os treze de Outubro de 1459 com alguas obrigaçoens de Missas. Dia de S. Pedro Missa
Cantada todos os premeiros Domingos do
mês Missa Rezada pella Confraria.
Rende esta Confraria cada hum anno
computado a dinheiro os fructos de que se
compõem 24560 os quais 24560 tem a despeza de Missas 1560 de carretto 1780, o que
tudo unido faz a despeza de 3340.
Confraria de S. Bento
Foy esta Confraria erecta na Igreja de
S. Pedro por alguns confrades em o premeyro de Mayo de 1473 com alguas obrigaçoens de Missas. Todos os premeiros
Domingos do Mez Missa Rezada. Em dia de
S. Bento Missa Cantada com vésperas cantadas Missa com vesperas por devoção. Na
Taboada da Igreja de S. Pedro se acha mais
huma Missa e todas estas Missas se ande
dizer na ditta Igreja. Despaza que se faz com
esta Confraria com Missas [19]60 carretos
420 e tudo unido 2380.
Dos rendimentos antigos com que estas
Confrarias forão anexas [to]das tem fallido
alguns bens e forão unidas a Santa Caza da
Mizericordia com as obrigaçoens de que as
suas Rendas se empregassem em obras da
Mizericordia.
Allem da despeza vay imputada a cada
huma das Confrarias singulares que se fazem
em commum a despeza de 22200 rs com
Procuradores Para cuidarem na cobrança
dos rendimentos Judicial e extrajudicialmente. Tem mais esta Santa Caza obrigacam
de fabricar as Eremidas as confrarias forão
Instituídas (que huma he a da Nossa Senhora
dos Anjos e do Valle E não obstante a Venerável Ordem Terceyra Rezide em huma dellas
[actualmente] a esta Santa Caza a fazer com
ella grandes despezas como ja [como ja] fez
nos seus repajros. E estas mesmo tem feyto
muytas vezes há Eremida de Nossa Senhora
do Vale. E hia fazendo pellos tempos adiante
ao que paresse se deve attender por ser tudo
inevitável que tem sobre os bens das referidas confrarias».109
A. H. Mis. T. N., Caixa 41, doc.4418. As verbas referidas, em receita e despesa, referem-se aos finais do século XVII, mas as «obrigações» vêm da fase da sua anexação.
109
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
Anexos
Com o apoio inquestionável do Dr. Joaquim Francisco de Sousa Clemente,
na leitura dos documentos do século XVI, a seguir apresentados.
Documento 1
IANTT, Cortes de Évora, 1535, Mç 5, nº 5
Procuração Torres Novas (fls. 75-75v.)
Item sajbam quantos este pubrico estormento de procuraçom virem que no ano de naçimento de
noso senhor Jeshu Christo+ de mjll E quinhentos E trinta e çinquo
anos trinta dias do mês d’abrill na villa detorres nouas no paço do Concelho E camara dellamesma estando hy
presentes em presença de mym pubrico [tabaliam] E dos testemunhos todos ao diante nomeados fernam gonçallvez e fernam borges juizes ordinarios na ditavylla bertolameu ffernandez e fernam roiz e pero lopez vereadores na dita vylla ho quall fernando roiz foy emlegido em conciencya de pero taborda vereador e symãoperiz
procurador do Conçelho della mesma E ffrancisco allvarez E christouam nunez e rui gomez pais E alvaro tolosa
E alvaro periz do avelar E bras taborda E jorge lopez e cosmo borges e pero marquez caualleiros escudeiros
omens boons E da gouernança dadita villa E bem asy afonso martynz E antonio periz pro-curadores do pouo do
termo da dita uilla llogo per elles todos juntamente e cada hum per sy foy ditoque em comprimento de huuma
carta que elRey noso senhor
emviou à dita villa em que sua alteza mandauaque elles emlegesem dous procuradores perayrem em nome da
dita villa jurar ho princypenoso senhor E asy asentarem nas cortes quesua alteza ora quer fazer pêra o quall
fferam acordo em que enlegeram por procurradores da dita villa e pouo.scilicet. a joham do avelar E a ffrancisco
lopez caualleiros dacasa do dito senhor hos amostradores
da presente aos quajs procuradores diseram elles dos juízes ofeçyais E omens boons e procuradores do pouo
que lhes dauamE outorgauam E concediam em seus nomes
[fl. 75v.]
E da dita villa e pouo dela todo seun comprido poderE mandão espiçijal que por elles E em seusnomes posam hyr
E setar nas cortes que viasua alteza ordena fazer na çydade d’Euora E posam jurare ho prinçipe nosso senhor E
asyposa estar nas ditas cortes E Requererema sua alteza os capítulos E apontamentos queleuam da dita villa E
cousas que conprirema proueito do Regno E da dita Villa e pouodella E posam Responder a quajs quer cousasque sua alteza nellas ordenar E posamConceder quajs quer cousas justas e onestasque sua alteza nellas ordenar
E de quajsquer despachos e de tri minações que sua altezaem ello der posam tirar e jntimar quajs quer aluarajs
E cartas E priuilegios quea dita villa e pouo conprirem E por ellaE em seu nome os posam açeytar E todofazerem
E dizerem asy perfeitamente comoelles constetuintes fariam e diriam ser presentes fosem aveudo todo por
bom façomfirme valioso pêra sempre todo ho que pellosditos procuradores ffor feito no que ditohe E em fe
E testemunho de vontade lhe mandarão E outorgaram asy // ffeito este pubrico estormento de procuraçom
testemunhas que presentes foramChristovam Varela escripuam da camara della mesma E symão fernandez
E Yoham Lopez escripvam do almoxarifado E Francisco pinheiro escudeiros na dita villa. E eu joham soarez
pubrico tabaliam no termo da dita villa E seu termo pelo mestre nosso senhor que este pubrico estormento
31
NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
escreuy E aquY meu pubrico synall fiz que tal he
(sinal de tabelião)
Pagou com nota Cinqoenta réis
Évora – Cortes de 1535.
De acordo com o determinado nas cortes de 1525, em Torres Novas, dez anos depois convocaram-se as cortes
de Évora para que os estados do Reino jurassem herdeiro do trono o príncipe D. Manuel, que nascera em Alvito,
a 1 de Novembro de 1531.
32
Torres Novas – Cortes de 1525.
Convocadas inicialmente para Tomar, onde D. João III chegou com a corte a 1 de Julho de 1525, em virtude da
peste que grassava nesta vila, foram transferidas para Torres Novas, tendo início em 15 de Setembro e terminando em 21 de Outubro seguinte.
Local – igreja de S. Pedro
Objectivo – votação do dote de casamento da infanta D. Isabel com Carlos V. Foi aceite, ainda que com relutância, novos impostos no valor de 150.000 cruzados, que seriam pagos ao Erário no prazo de dois anos.
O contrato matrimonial ficou assente em 18 de Outubro.
Crise económica e social.
Foram apresentados pelos procuradores 214 capítulos, pedindo ao rei que atalhasse os males que atingiam o
país. Foi também levantado o problema do ódio religioso das duas comunidades, com as inevitáveis críticas aos
cristãos-novos.
Físicos e boticários – na sua maioria judeus convertidos à fé católica. Eram acusados da morte de muitos católicos, por envenenamento dos remédios. Foi pedido ao rei que terminasse com a sua acção nefasta, proibindo-lhe
o exercício da profissão médica e encerrando-lhe as boticas.
Braamcamp Freire «de Torres Novas trouxe D. João III o propósito firme de se esforçar pelo estabelecimento
da Inquisição nos seus reinos e senhorios» – in Gil Vicente, Trovador e Mestre Da Balança, Lx., 1919 Dic. Hist. de
Portugal, IV, 178
Nestas cortes ficou também decidida a periodicidade: 10 anos.
Neste reinado reúnem-se em 1535 e 1544.
Das cortes de 1525 fizeram-se, segundo Frei Luís de Sousa, «muitos apontamentos de cousas que cumpriam
trocar-se ou fazer-se de novo pêra bom regimento e asosego da terra», que só viriam a ser publicadas catorze
anos depois – as chamadas leis das Cortes, impressas em Março de 1539.
1544 – Cortes de Almeirim, a 30 de Março, para jurarem príncipe herdeiro D. João, filho de D. João III e pai de
D. Sebastião.
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
Documento 2
1549-Agosto-25 INSTITUTO DOS ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO - Corpo Cronológico - Parte I - Maço
83 - Doc.10 - Carta da Câmara da Vila de Torres Novas a El Rei Dom João III pedindo-lhe que mande edificar nesta
vila um mosteiro para a Ordem dos Dominicanos
Senhor
Os Juizes vereadores procurador omens bons E pouo desta villa de torres nouas com aquela Reveremcia E
acatamemto da vida beijamos as mãos a Vosa Alteza a que ffazemos parte que semdo esta villa huma das
gramdes E onrradas deste Reino que tem quatro ygrejas parrocheyas E de muita clerezia o pouo Recebe de
lamemto Em nom termos doutrina esperytuall per nosas almas necesarias por que nunca temos pregação se
não na coresma Quamdo nos a nosa propia custa a buscamos o que pera tanta clerezia E pouo he muito pouco o
que em huma coresma se pode ymsinar E nam temos se ...(?) a esta tão gramde falta E por que vemos que vosa
alteza com mujto cujdado prouve a Reformação dos bons custumes E que aja moesteiros E religiosos omde se
iso posa ymsinar E as ditas cidades e villas que tem outros moesteiros acresçemta aimda majs / lhe pedimos
polo amor de noso senhor que a este pouo que E seu E nom tem outro Remedio proveja a tamanha neçesidade
E pera nos esta merçem E conceder a hum moesteiro nesta villa [a] nosa senhora virgem maria que sam humas
casas desertas com hum sarrado que foram de luis d’atougia que pera seus erdeiros he pouca cousa por que
as casas estam estão ruimdo E o sarrado não Remde nada E pera se ahi fazer huma casa de Religiosos he lugar
mujto desposto E convenjente E o padre provencialle da ordem de sam domingos o vyo do quall se poderia vosa
alteza enformar pello que se pede a vosa alteza que avemdo respeito ao que dito he nos faça merçem E a este
pouo esmola esprituall que dê+ estas casas E sitio à+ ordem E padres de sam domjngos por serem Religiosos Em
que sempre ha mais he teudos a pregadores de quem o pouo christão+ Recebe muitos bens per[pe]tuais E nos
com a ajuda de deus com nosas esmolas se temtarmos
[fl 1v] os Religiosos ahi podem estar E com ser (sic) este templo de deus se evitarão mujtos males que se faziam
em tempo que ali estava luis d’atougia que eram contra o servjço de deus E de vosa alteza os quais poderiam
tornar a ver se nas ditas casas vierem a ser d’alguma pessoa poderosa que nelas abite E per esto vya os males
pasados serão com vertudes E vidas presemtes e futuras nos quais vosa alteza terá+ muita parte se tam samta
cousa per elles vier a lume E todo este pouo será+ de tão alta merçem E esmola esprituall em conhecimemto
E lhe Rogar a dar por acrescemtamento de mujtos anos de vida E de seu Reall estado / escripta na dita villa E
camara dela a xxb d’agosto de 1549
amtonio diaz (ass. autógrafa) ffranncisco mogo (ass. autógrafa) Joham borges (ass. autógrafa) amtonio
gonçallvez (ass. autógrafa) estevam pimenta (ass. autógrafa) fernam Roiz (ass. autógrafa) Joham do auelar
(ass. autógrafa)
[Fl 2]
antonio borges (ass. autógrafa) ... ...(?) antonio da cruz (ass. autógrafa) ...(?) fernandez (ass. autógrafa) dioguo teidão (ass. autógrafa) Antonio fernandez (ass. autógrafa) antonio ferreira (ass. autógrafa) gaspar fernandez gusmão (ass. autógrafa) Joham gonçallvez (ass. autógrafa) sebastião periz (ass. autógrafa) Fernan
d’alvarez (ass. autógrafa) bastiam vieira (ass. autógrafa)
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NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
Documento 3
1546-Março-12 - Torres Novas - João Soares (Tabelião) - Testamento de Isabel Roiz - Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas - Caixa 14 - Documento 1477 - 4 fólios
34
Em nome de Deus amen. Saibaom quantos este pubrico estormento de testamento virem que no ano do nacimento de noso senhor Jehsu christo+ de mjll E quinhentos E quorenta e seis anos doze dias do mes de março
do dito ano na vila de torres nouas nas casas da morada de ysabell Roiz molher veuva E molher que foy de
bertolameu Fernandez fartaqua da cunha (?) estando hy presente em presença de mym pubrico tabaliam E das
testemunhas todas ao diante nomeadas a dita ysabell Roiz a quall jazia em huma cama doente em todo seu syso
E entendimento quejando(110) lhe noso senhor Deus deu segundo ho pareçer de mym tabaliam E logo per ella foy
dito que por não saber ho dia E ora que ha noso senhor Deus quererá+ leuar pera sy dise que ella fazia E ordenaua
como logo d’efeyto+ fez E ordenou seu testamento per esta guisa E modo que se segue. Primeiramente dise que
encomendaua sua alma ha noso senhor Deus que ha fez E cryou de nehuma cousa E pede E Roga a nosa senhora
santa maria E queyra ser Rogadora por ella ao seu bento Filho noso senhor que a queyra leuar à+ sua santa glorja
pelos m... da sua morte E paixaom dise que seu corpo seja enterado no adro da jgreja de nosa senhora donde
he fregês+ à porta pequena na sepultura honde jaz seu pay E may E dise que ao dia de seu enteramento lhe
digaom por sua alma na dita jgreja [fl. 2] dez misas .scilicet+. noue Rezadas E huma ofeçiada com sua ladaynha
E lhe leuem d’oferta+ ao dito ofiçyo meho alqueire de pão cozido E meho almude de vinho E h a pescada E çera
E emcenço neceçaryo segundo custume em que outro tanto lhe fação aos oyto dias E mes E ano solmente ao
ano em logo depeseado (?) lhe leuem hum cordeiro E dise que lhe digaom dous tryntairos abertos(111) .scilicet+.
hum por sua alma E outro pellas almas de seu pay E may E das pesoas a que ella he obrigada E que os ditos
dous tryntairos lhe sejaom ditos por quall quer creligo que seu testamenteiro quiser E ordenar E que pera lhe
conprirem este seu testamento tomaua E apartaua todos seus bens mouejs E de Raiz por honde quer que forem
avidos E achados os quajs seus bens manda que sejão vendidos na praça a quem por elles majs der E delles
lhe conpriraom sua alma E manda que deem a maria Fernandez huma sua saha a majs velha E que asy alem da
dita saha que lhe manda dar lhe pagem muito beem seu seruyço que lhe faz E tem feyto em acujar E dise que
gaspar gomez mercador lhe deue serto dinheiro que manda a seus testamenteiros que o arrecadem E que Faz
seus umbrisais (?) ... E testamenteiros à+ confrarya da santa miserycordya da dita villa .scilicet+. ao prouedor E
jrmãos della aos quajs pede pello amor de noso senhor Deus que lhe queyraom conprir este seu testamento de
[fl. 3] toda sua fazenda dinheiros E cousas por honde quer que for avida E achada E todo ho majs que Remaneçer
quer E manda que a dita miserycordya ho aja E erde bento da benção de Deus E asy lhe pede que pelo amor de
noso senhor a queyrão enterar // E dise ella testador que não querendo a dita miserycordya ter ho dito cargo
que entam pede ha antonyo baroso seu parente que lhe queyra ter cuydado de sua alma E manda conpryr este
seu testamento pela maneyra que dito he E que per este seu testamento Reuogaua E anychexaua(112) todos ...
Tal como
Tryntairo aberto. Trintários eram as exéquias que se faziam ao trigésimo dia, contado desde aquele em que alguém faleceu. Consistia em rezar trinta missas ditas sucessivamente e sem interrupção pela alma de um defunto. Trintário aberto, era aquele em
que não havia mais formalidades que celebrar todos os trinta dias pela alma do finado, rematando o sacrifício com um responso,
cruz e água benta sobre a sepultura no cemitério ou no adro da igreja, em que o dito trintário se cumpria.
112
Variante ortográfica de aneyxar, que significa unir, incorporar, anexar.
110
111
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
testamentos çedolas condeçilhos(113) que antes deste feytos tenha todos quer que não valhaom cousa alguma
solmente este que quer que tenha E valha E seja firme pera sempre como se nelle contem por asy ser sua
ultima E deradeira vontade E desenxerdaua todos seus parentes E parentas que de toda sua fazenda não ajam
nem erdem cousa alguma solmente a dita miserycordya que averá+ todo pela maneyra que dito he. // E em Fe E
titolo de vontade E por sertidão dello mandou E outorgou asy ser feyto este pubrico estromento de testamento.
Testemunhas que foram presentes pero Fernandez mercador que asynou o seu synall por sy E por a dita ysabell
Roiz testador que lho Rogou que por ella asynase por não saber asynar E por affonso piquado E manuell pinto
alfaate E aluaro tolosa escudeiro E bastiam alluarez çapateyro E bastiam pinto filho de anRique lopez E antonyo
baroso caualeiro todoa na dita vyla [fl. 4] moradores. E eu Joham soarez tabaliam que esto escreuy E dise majs
a dita testador que manda que da dita sua fazenda deem à+ confrarya da santo sacramento da jgreja de santa
maria mjll réis. Testemunhas as sobreditas E eu Joham soarez pubrico tabaliam notairo na dita vila E seu termo
pello mestre de santiago E avis duque de coynbra E por noso senhor que este estromento de testamento em
meu liuro de notas escreuy E delle firmemente tirey. E por verdade aquy asyney meu pubrico synall que tal he.
(Sinal de tabelião)
Pagou com nota y da conta setenta reaes
Ano 1546
Da miserycordya da fazenda que dey por ysabel Roiz fartaqua E tanto das despesas tem diogo do avelar tabaliam que fez E tudo lhe he pago E este testamento comprjdo sob ... fiquam mill reaes na maom d’antonio barroso
que se am de dar ao santo sacramento da samta miserycordya
Documento 4
1569-Maio-18 - Pero Vaz Tagarro (Tabelião) - Aforamento de um olival em três vidas a António de Figueiroa Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas - Caixa 18 - Doc. 1715 - 7 fólios
1589 28 dias de maio(114)
Sajbam quantos este pubrico estormento d’aForamento+ E prazo em vida de tres pesoas vjrem que no anno de
noso senhor Jeshu christo+ de mjll E qujnehmtos E sesenta e nove anos aos dezojto djas do mes de majo do djto
anno na villa de torres novas na casa da miserycordya da djta villa estamdo hj em mesa em presença de mym
pubrico tabelljam E das testemunhas todas ao djante nomeadas Joam Fernandez da costa esprivão da djta
casa que hora serve de provedor della per ho senhor dom djoguo coutinho provedor della sem Foros E joam
diaz de avelar, djoguo gonçalvez, beelchjor memdez, Ruy Fernandez, sjmão alluarez, Fernão alluarez, amtonio
gomçallvez E Francjsquo djaz, manuell d’abreu, todos Jrmãos E oFecjaes da djta casa ho presemte anno de
huma parte E da outra amtonjo de Fegejroa cavaLeiro Fjdallguo da casa dell Rey noso senhor mordomo na djta
vjla E etc. por os djtos Jrmãos Foj djto que ho djto amtonjo de Fegejroa Fjzese huma petjcão há+ djta casa da
miserycordya pera lhe se aRendar hum olljvall que trazja molher de djoguo Frajam que está+ [fl 2] hás+ Ferarjas
ante da djta vjlla amtre olljvejras delle djto amtonjo de Fegejroa em ha qual peticão Foj posto hum despacho
113
114
Condecilho. Não significa guardar nem depósito, mas unicamente segurança ou caução.
A datação que consta no documento é “mjll E qujnhemtos E sesemta E nove anos ... dezojto de majo ...”, e não “1589 28 de majo” como
consta nesta primeira linha em anotação feita posteriormente à redacção do documento.
35
NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
36
como peja(115) delle por ho senhor dom djoguo coutjnho provedor da djta casa da miserycordya ho presemte
anno que ho trelado delle he o segujmte // allvidres(116) ho que […] paguar das olljvejras que ho sopricamte pede
E seja comtemte a molher de dom djoguo Frajam E com Jsto se Fesese Foro comprjndo ho que asj me diz //
ho quall despacho está+ como peja delle asjnado por ho djto provedor E satisFazemdo ao djto despacho Faram
em hedjtos pera Fazerem veleRja do djto ollival comteudo na djta petjcão a joam Fernandez da costa esprivam
da djta casa E manuel d’abreu+ E amtonjo djaz Jrmãos delle pera virem E allvjdraRem ho que seja Rejam pague
ho djto amtonjo de Fegejroa Fazemdo-lhe+ novo Foro de tres vjdas E lloguo por elles Foj djto que me seja paguo
por ho djto olljvall he sua parte sejs allquejres d’azejte hem novjdade E lloguo per os djtos Jrmãos Foj djto que
elles aForavam e loguo d’eFejto a Feserão per vjda de tres [fl 3] pesoas ho djto ollivall comteudo na peticão
de que […] Fez memção que Fjque no Foro da djta casa com a Renumcja que ha djta casa Fez ysabell memdez
molher que Foj de djoguo Frajam que asym por sy dise que hera do djto olljvall que está+ umde hora chamam as
Ferarjas E amtjgamente se chamava ho Ribejro de Reguo mendejro ho quall olljvall tem vjmte quatro olljvejras
amtre gramdes E pequenas E quatro azambogejros por emxertar ho que tudo está+ asynado com huma aspa
que he ho da comFraria de nosa senhora dos amjos a quem ho djto amtonjo de Fegejroa Foj comFrejre elle E
has majs vjdas que despojs delle vjerem ho quall olljvall parte do lleuamte com ho Rjo d’allmomda+ E de todos
hos majs comFromtamemtos parte com elle djto amtonjo de Fegejroa ho quall olljvall tem terra em que estam
as djtas olljvejras da bamda do norte sem varas de llarguo e do sull tem sento e dez varas e do poemte he de
llarguo dezasejs varas, E do lleuamte he de llarguo vjnte varas a quall medjcão de terra E olljvall tudo está+ asjm
comForme tudo como djto he como mjlhor [fl 4] se comtem no djto tombo da djta comFrarja de nosa senhora
dos amjos que está+ em poder da djta casa da miserycordya por ser admenjstradora da djta comFrarja ho quall
olljvall E ter<r>a djseram elles Jrmãos que ha aForavão como djto he em vjda de tres pesoas ha elle djto amtonjo
de Fegejroa por sejs allquejres E meo d’azejte+ hem novjdade que he de dois em dois annos E por semtjrem ser
asjm provejto da djta comFrarja lhe acresemterão majs meo allquejre d’azejte+ allem dos seis que atras Fjquar
djto pellos allvjdradores atras nomeados. Comvem a saber por elle amtonjo de Fegejroa em prjmeira pesoa E
que elle nomee as grandes E has grandes nomee a tresejra em manejra que sejam tres pesoas E majs com as
quajs Fjmdas E acabadas Fjcam ho djto olljvall tudo livre E desemgargado há+ djta comFrarja tudo melhorado
como peja com todas as bemFejtorjas que nelle Forem Fejtas E darão E pagarão elles djto amtonjo de Fegejroa E
pesoas que apos elle vjerem há+ djta comFrarja hos djtos sejs allquejres E meo d’azejte+ [fl 5] hem novjdade que
he de dois em dois annos E comdisão de Fazerem ha prjmejra paga dos djtos sejs allquejres E meo d’azejte+ per
[…] de Feverejro de mjll E qujnhemtos E setemta annos ou amtes se amtes diso Fizerem ha djta azejtona E daj
em djamte Facam os djtos pagamentos em anno de pares pello djto dja E tempo que ho djto olljvall dej novjdade
que com elle sempre se obrjgue a Fazer ho djto pagamento de sejs allquejres E meo d’azejte+ como djto he E da
manejra sobredjta se Fez ho djto estormento d’aForamemto+ em todas partes E pera se em tudo comprjr hobrigarão os djtos Jrmãos hos bens E Remdas da djta comFrarja de nosa senhora dos amjos E casa da miserycordya
E semdo como djto he. Presemte ho djto amtonjo de Fegejroa em seu nome E das outras pesoas que apos elle
Como peia, isto é, por obrigação. Sendo um termo hoje caído em total desuso, a sua decifração torna-se bastante difícil, porque
estamos na presença de uma grafia de finais do séc. XVI, ainda por cima, sendo esta bastante degradada, o que nos dificulta ainda
mais a tarefa. Supomos, no entanto, ser esta a interpretação correcta.
116
Alvidrar – Fazer composições, escolher juízes árbitros para terminar qualquer demanda ou questão. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa
de Viterbo, in “Elucidário...”
115
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
vjerem djse que acejtam ho djto olljvall d’aForamemto+ em vjda de tres pesoas com todas as obrjgacoes Foro
E Remda E paguas de tudo como djto he E pera tudo comprjr obrigou sua pesoa E Fazemdas E Remdas E as
pesoas E Fazemdas das [fl 6] houtras tres pesoas que ho djto Foro pesuyrem E em testemunho de verdade por
que as partes de tudo Forão comtemtes mamdarão asym ser Fejto este pubrico estormento d’aForamento+ E
ho acejtarão E pedjrão senhos(117) de hum teor. Paguas ambas has custas do djto amtonjo de Fegejroa Forejro.
Testemunhas que hem tudo foram presemtes: amrjque Fernandez carapemtejro E allvaro aFomso amdrade da
djta casa da miserycordya na djta vjlla moradores. E eu pero Vaz tagarro taballiam pubrico das notas na djta vjla
E seu termo por portejro del Rey noso senhor por joam soarez taballiam dellas que este pubrico estormento
d’aForamento+ em vjda de tres pesoas em meu ljvro de notas esprevj E delle Fiellmente tjrej E esprevi asjnej
meu pubrico sjnall que tall he.
(Sinal de tabelião)
Documento 5
1571-Janeiro-07 - Pero Vaz Tagarro (Tabelião) - Aforamento por três vidas de um olival a António Dias - Arquivo
Histórico da Misericórdia de Torres Novas - Caixa 18 - Doc. 1716 - 7 fólios
Sajbam quamtos este pubrico estromento d’afforamento+ E seho prazo per vida de tres pesoas vjrem que no
ano do nacjmemto de noso senhor Jeshu christo+ de mjll E quinhemtos E setemta e hum annos aos sete dias
do mes de janejro do djto anno na vila de torres novas na casa da samta miserycordya estando hy em mesa
em presemça de mym portejro taballiam e das testemunhas todas ao djamte nomeadas, esteuão pjmemta de
velez provedor da djta casa da miserycordya E Fernão goncallvez da costa esprivão della E Jorge de senha,
bellchjor tolhose (?), manuel migues, sjmão d’abreu+, djoguo goncallvez, Frei djoguo alluarez, djoguo […] E sjmão
djas todos Jrmãos dos doze (?) que servem ho presemte anno estamdo asim todos Jumtos hem mesa como
djto he de huma parte E da outra amtonjo djas elle vereador na djta vjla morador E […] […] per elle djto provedor
esprivão E Jrmãos Foy djto que em tal os bens E Fazemda que sam E pertenciam há+ comFrarja de nosa senhora
do valle da djta vjla de que ha djta miserycordya he amenjstrador asjm he sete [fl 2] cavalarjas(118) de ter<r>a […]
que estam por bajxo do posto das peredas (?) nas ardas (?) termo da djta vila que partem do norte com catorze
cavallarjas de ter<r>a da capella de dioguo vaz E do suam emtesta com a vjlla E da bamda sull com ter<r>as de […]
Frejres ha djta casa da miserycordya E da travesja com valla que vaj pola banda […] a qual ter<r>a elles provedor
E Jrmãos provarem estar vagua he mamdarão meter em prestamo(119) E he traxem asjm em prestamo pella djta
vjla E pr[…] della E loguo dos […] […] trjmta djas E majs per amtonjo Fernandez pregoejro da djta vjlla que presemte estaua E que não apaRece que lhe nelle majs leuase nem dese d’aForamemto+ pera vida de tres pesoas que
ho djto amtonjo djas elle vereador na djta vjla morador que elle lhe lauaua de Foro em cada hum anno dezasete
Vidé nota 114.
Cavalaria. Terra, herdade, ou lugar que antigamente se concedia com obrigação de fornecer certo número de cavalos para expedições militares. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, “Elucidário ...”.
119
Meter em préstamo. O mesmo que meter em apréstamo, isto é, consignação de certa quantia de frutos ou dinheiro imposta em
algum terreno ou cousa rendosa e destinada para o sustento de alguma pessoa ou instituição. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de
Viterbo, “Elucidário...”.
117
118
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NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
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allquejres de triguo macho(120) E elles djtos provedor E Jrmãos provaram ser bem E provejto da djta comFrarja [fl 3]
lhe mamdarão asjm aRematar as djtas sete cavallarjas de ter<r>a per o djto amtonjo Fernandez pregoejro na
djta vjlla per bando (?) quall djserão lloguo elles djtos provedor E Jrmãos que aviam ha djta aRematacão por bom
E aForavão d’eFejto+, E loguo aForarão E derão d’aFoRamemto+ pera vjda de tres pesoas he elle djto amtonjo
djas .scilicet+. has djtas sete cavalarjas de ter<r>a atras decraradas per suas comFrarjas teverão E com outros
com quem de derejto derão E ajam […] asjm como pertemcem hás+ djtas comFrarjas de nosa senhora do valle
com tall comdjcão E emtemdjmemto que elle amtonjo dias seja no djto Foro ha prjmejra pesoa E elle nomehe ha
segumda E ha segumda ha tercejra em manejra que sejam tres pesoas as comprjdas(121) E acabadas E majs não
dise E paguem asjm de Foro E pemsão ha djta comFrarja E miserycordya em cada hum anno os djtos dezanove
allquejres de triguo macho de que as djtas ter<r>as deRam pagas asjm per samta [fl 4] marja d’agosto+ em
prjmejra pagua dos djtos dezanoe allquejres de triguo Faça+ elle Foreiro per nosa senhora d’agosto+ ha prjmejra
que em desta presemte hera de mjll E qujnhemtos E setemta E hum annos /. E asjm Foram as djtas pagas no djto
dja E tempo desde hum anno em memtes(122) as djtas tres pesoas deverem E elles Fjndas E hacabadas dejxam as
djtas sete cavallarjas de ter<r>a há+ djta comFrarja e miserycordya tudo llivre E desembargado tudo melhorado
E não […] com todallas bemFejtorjas que nelle tiuerem Fejto E elles Frejres não poderão vender nem trocar nem
escaimbar has has djtas ter<r>as sem llicemca E comsemtjmemto das djtas comFrarjas e miserycordya E has
pesoas que has asjm ouver por graça he concemtem ha djta comFrarja E asjm he não poderão partjr nem as
podesem somemte […] toda jumta em huma só+ pesoa pera ho quall com as djtas comdicões djserão ho djto
provedor E Jrmãos que hobrjgavão as djtas [fl 5] ter<r>as E todos hos seus bens E Remdas da djta comFrarja he
sempre asjm Fezeram bom ho djto aForaramemto […] as djtas tres pesoas sob […] tudo lhe Fezeram bom comto
das custas perdas E danos que per elle Fezerem E Receberem E pello djto amtonjo djaz Forejro Foj djto que
tudo hera comtemte em seu nome E das outras pesoas apos elle vimdas E tomava E acejtava asjm as djtas sete
cavalarjas de ter<r>a d’aForamemto+ per vida de tres pesoas com as djtas comdjcões, pensões <o>brigacões
paguas em cada hum anno dos djtos dezanove allquejRes de triguo, tudo como djto he E pera elle obrjguava sj e
todos seus bens moves E de Raiz avjdos E por aver E das outras pesoas E em Fé E testemunho de verdade asjm
ho entregaRão E mamdarão ser Fejto este pubrico estormemto d’aForemamto+ E pedirão cada hum seu trelado
desta carta E elle amtonjo djas Forejro dem há+ djta casa da miserycordya huma espretura desta carta há+ sua
propia custa E despesa. [fl 6] Testemunhas presentes: amtonjo goncalluez covejro […] […] da djta casa E Fernão
Roiz allFajas E sjmão Fernandez sapatejro que asjm per ho djto amtonjo djas E a seu Rogo sem embargo delle
Fizeram ho seu sjnall todos moradores na djta vila E eu pero vaz tagarro taballiam pubrico das notas na djta
vila de torres novas E seu termo per provisão dell Rey noso senhor per joam soarez taballiam delles que este
pubrico estormemto d’aForamemto+ E seho prazo per vjda de tres pesoas em meu livro de notas esprevj E delle
Fjellmemte tirej E esprevj asjnej meu pubrico sjnall que tall he
(Sinal de tabelião)
Trigo macho, forma de se designar o trigo mourisco, que hoje comummente usamos, distinguindo-se, assim, do trigo tremês e
também do mouro. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, “Elucidário...”.
121
Compridas. Assume o significado de “conta certa e determinada”. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, “Elucidário...”.
122
Enquanto
120
NOVA AUGUSTA
A Misericórdia de Torres Novas
Documento 6
Mesas da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas
A dificuldade essencial, na investigação histórica das instituições concelhias, reside na grande ausência de
documentação. Qual o ponto da situação, no caso específico do concelho de Torres Novas?
A documentação camarária só permite investigação sistemática a partir do reinado de D. João V, ainda que com
intermitências no reinado de D. José e no período das invasões francesas.
Quem são os vereadores? A que famílias pertencem? Se as suas regras estatutárias se podem analisar, a partir
especialmente das ordenações manuelinas e, para o antigo regime, as filipinas, já a resposta às questões colocadas se torna mais difícil. Raramente a documentação existente nos dá a composição camarária, os problemas
aí levantados. Só nos finais do século XVIII, na documentação do Desembargo do Paço nos foi possível um
conhecimento das formas de eleição, dos candidatos, da sua ascendência social.123
Exceptuando alguma documentação fragmentária para as primeiras e segunda dinastias, a partir da segunda
metade do século XVII é possível, até ao século XVIII, ir resgatando algumas vereações, o rol dos juízes de fora,
juízes dos órfãos, os funcionários da administração local e central na vila, a partir de vários tipos de documentação: cartório notarial de Torres Novas, no Arquivo Distrital de Santarém, arquivo histórico da Misericórdia,
livros das confrarias das igrejas paroquiais da vila não incluídas na Misericórdia. Na Torre do Tombo, especialmente documentos das Cortes onde Torres Novas aparece com petições, registos paroquiais, chancelarias,
congregações monásticas, ordens militares, processos da inquisição e familiares do Santo Ofício.
Por felicidade, o caso da Santa Casa da Misericórdia é diferente! Existe documentação sistematizada em livros,
com algumas lacunas de anos em certos momentos, desde 1610 até aos nossos dias, mas onde se encontra
informações para o século XVI, como nos Tombos ou na documentação arquivada nas caixas, com documentação referente à primeira metade do século XVI, sendo o documento mais antigo do arquivo, embora referente
à igreja de Santiago, datado de 7 de Junho de 1513.124
O período que procurámos estudar, de D. João III ao Cardeal D. Henrique, não é tão rico em informações sobre
a composição das mesas da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas. Temos como certo que a criação é de
1534. A partir dessa data, podem-se considerar seguras as provedorias e mesas a seguir apresentadas.
1538/1539125
Provedor: Fernão Rodrigues
Escrivão: Luís Alves
1562/1563126
Provedor: Não indica
Escrivão: Estevão Pimenta do Avelar
Mesários: Diogo Lopes, António Vás, Fernão Gonçalves
da Mota, João Afonso Lobato, Simão Soares, Gaspar
Fernandes e António Barroso
1566127
A data indicada como a da primeira eleição do provedor e mesários na Igreja de Santa Maria, por Artur
Gonçalves, não tem, como já se viu, a menor credibilidade.
I.A.N.T.T., Desembargo do Paço, Estremadura, Pautas dos Vereadores da C.M.T.N., maços diversos, de 1730 a 1834.
A. Hist. Mis. T. N, Caixa 18, Doc.1712.
125
Sousa (António Caetano de), Hist. Genealógica…, Tomo XI, Cap. I, p.34; ANTT, Dic. Geog. de Portugal, Santa Maria, Tomo 37, pp 689-721.
126
A.H.Mis.T.N., Caixa 14, Doc. 1480, 15/12/1562
127
Gonçalves (Artur), Torres Novas, 276.
123
124
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NOVA AUGUSTA
António Mário Lopes dos Santos
40
1568/1569128
Provedor: D. Diogo Coutinho
Escrivão: João Fernandes da Costa
Mesários 1.ª Condição: João Dias do Avelar, Diogo
Gonçalves, António Gonçalves, Belchior Mendes; Rui
Fernandes, Simão Álvares, Fernão Álvares.
2.ª Condição: Francisco Dias e Manuel de Abreu.
Santa Maria e S. Pedro da dita Vila «E uigairo em ella»
Escrivão: Álvaro de Morais
Mesários 1.ª Condição - António Freire, João Nogueira,
Aleixo Veloso, Diogo Peixoto, Estevão Mogo.
2.ª Condição: Simão Dias ferrador, Rodrigo Álvares
alfaiate.
A 18/6/78, acresce Marcos Lopes, das Lapas.
1570/1571129
Provedor: Estêvão Pimenta do Avelar
Escrivão: Fernão Gonçalves da Costa
Mesários 1.ª Condição: Jorge de Serpa, Belchior
Tolosa, Manuel Mogo, Simão de Abreu, Diogo Gonçalves, Frei Diogo Álvares.
2.ª Condição: Diogo […] e Simão Dias.
1578/1579133
Provedor: Fernão Varela, vigário.
Escrivão: Fernão Gonçalves da Mota
Mesários 1.ª Condição: Rodrigues de Magalhães, Francisco Botelho, Belchior Tolosa.
2.ª Condição: Manuel Fernandes Niza, Francisco Dias Sargento, Francisco Dias Picado, Fernão Lopes Ramalho.
A 20/5 acrescentam-se, Fernão d’ Álvares e Luís Delgado
1571/1572130
Provedor: António Freire, cavaleiro da Ordem de
Santiago e Juiz dos órfãos.
Escrivão:
Mordomos 1.ª Condição: António Vás, Domingos
Rodrigues, Aleixo Fernandes, Baltasar Correia, Bartolomeu Fernandes, todos cavaleiros.
1575/1576131
Provedor: D. João de Sá de Noronha
Escrivão: Fernão Gonçalves da Mota
Mesários 1.ª Condição: Pero (Pedro) Vás Tagarro,
Álvaro de Morais.
2ª Condição: Francisco Dias Sargento, Francisco Dias
Picado, Pedro Dias sapateiro.
A 22/6/1576, aos mesários atrás indicados juntam-se
Álvaro Lopes Correia, João Galvão.
1577/1578132
Provedor Fernão Varela, beneficiado nas igrejas de
A. H. Mis. - Idem, ibidem, Caixa 18, Doc 1715,1/6/1563.
Idem, ibidem, Caixa 18, Doc. 1716,7/1/1571.
A.D.S. Cart. Not, T. N., Tab. André Freire, Lº3, 12/3/1572, 88v.
131
Idem, ibidem, Tab. André Freire, L.º 41, 16/5/1576/1782.
132
Idem, ibidem, Tab. André Freire, L.º 6, 26/4/1578, 16v.
133
Idem, ibidem, Tab. André Freire, Lº6, 8/4/1579, 190 v.
134
Idem, ibidem, Tab. André Freire, Lº7, 29/6/1580, 69.
135
A.H. Mis. T.N. Caixa 18, Doc. 1717, 6/8/1581.
128
129
130
1579/1580134
Provedor: Fernão Varela, vigário.
Escrivão: Pedro da Mota
Mesários 1.ª Condição: Diogo Francisco Coelho, Simão
Álvares cavaleiro, Bernaldino Freire, Aleixo Fernandes Monteiro, Diogo Rodrigues escrivão dos órfãos
2.ª Condição: Diogo Fernandes pedreiro, António
Vieira, Simão Dias surrador, António Dias albardeiro,
Simão Dias Cortes.
1581/1582135
Provedor: Fernão Varela
Escrivão: Álvaro de Morais
Mesários 1.ª Condição: Fernão Gonçalves da Mota,
Manuel Mogo, Francisco de Magalhães, Aleixo Fernandes Monteiro, Lienciado Nicolau Lopes
2.ª Condição: Luís Vieira, Diogo Dias, André Rodrigues, Simão Delgado, Francisco Dias.
O Foral Novo de Torres Novas
no contexto da reforma manuelina dos forais
Maria Elvira Marques Teixeira*
Joana Catarina Pereira Rosa**
Os forais são cartas de privilégio, geralmente (e não em exclusivo) outorgadas pelo rei, constituídas por disposições de direito processual, penal, militar,
administrativo e fiscal. Neste artigo é feita uma contextualização da leitura
do foral dado por D. Manuel I a Torres Novas, a 1 de Maio de 1510, no processo
de reformas do sistema jurídico-administrativo geral do reino. Apresenta-se
também a transcrição integral do diploma e um relatório técnico acerca das
características físicas e estado de conservação do documento. A fechar,
fica uma proposta de intervenção conservativa para salvaguarda deste
“documento/monumento”, símbolo e memória da história de Torres Novas.
* Licenciada em História pela Universidade de Évora (1994) e mestre em História Económica e Social Contemporânea, pelo ISCTE (1998).
** Licenciada em Conservação e Restauro, área de papel e documentos gráficos, pelo IPT/
Escola Superior de Tecnologia de Tomar (2006).
41
Registo fotográfico de Joana Rosa e Abílio Dias.
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
(...) Outros haverão de ter
O que houvermos de perder. (…)
F. Pessoa, Mensagem - II, VI, XII
Este trabalho pretende contribuir para
uma contextualização da leitura do foral
dado por D. Manuel I a Torres Novas, a 1
de Maio de 1510, no processo de reformas
do sistema jurídico-administrativo geral
do reino, no sentido da implementação de
uma só ordem jurídica no plano interno, na
qual se insere a reforma geral dos forais
do reino e, consequentemente, também, a
publicação do foral novo de Torres Novas.
Em termos jurídicos e das instituições1, o
reinado de D. Manuel I2 (n. Alcochete, 31 de
Maio de 1469 – m. Lisboa, 13 de Dezembro
de 1521) tem como pano de fundo a tentativa
de reforma do reino, através da criação de
instrumentos uniformizadores de carácter governativo, como sejam a publicação
dos Forais Novos, reformando os antigos
(1504-1522), a compilação e revisão da legislação geral, consagrada pelas Ordenações
Manuelinas, a reorganização da fazenda
pública e a estruturação administrativa daí
decorrente. Designadamente: a publicação
do regimento das sisas; do regimento dos
contadores das comarcas; do regimento
dos contadores da fazenda; do regimento
dos oficiais das vilas e lugares; da reforma
dos pesos e medidas; dos tribunais superiores; reformas da Casa da Índia e da Casa
da Mina e não-aceitação de códigos jurídi-
No reinado de D. João II (1455-1495), abriu-se uma nova página na história das cortes portuguesas: para além da sua natureza jurídica e do seu carácter representativo, surgem novos aspectos, tendo sido verdadeiramente decisivo o período de 1481 a 1641. Os
três braços do reino são chamados a decidir sobre questões fundamentais na história política portuguesa, nomeadamente, a perda
e a restauração da independência. Ver fontes para este período: MARQUES, A. H. de Oliveira (org.), Cortes Portuguesas: reinado de
D. Afonso IV (1325-1357), ed. prep. - Maria Teresa Campos Rodrigues e Nuno José Pizarro Pinto Dias, transcrições de Ana Margarida
Sousa Luz, Diogo Sassetti Ramada Curto, João José Alves Dias, Margarida Maria Gomes Quintão Lages, Nuno José Pizarro Pinto
Dias, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1982; DIAS, João José Alves (org.), Cortes Portuguesas. Reinado de
D. Manuel I : Cortes de 1499, ed. Prep. - João José Alves Dias e A. H. de Oliveira Marques, transcrições - João José Alves Dias, Lisboa,
Centro de Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2001; DIAS, João José Alves (org.), Cortes Portuguesas. Reinado de
D. Manuel I : Cortes de 1502, Ed. Prep. - A. H. de Oliveira Marques, João Cordeiro Pereira, Fernando Portugal e Saul António Gomes,
transcrições - Saul António Gomes e João José Alves Dias, Lisboa, Centro de Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa,
2001; Ordenações Manuelinas - Livros I a V : Reprodução em fac-símile da edição de Valentim Fernandes (Lisboa, 1512-1513), Introdução de: João José Alves Dias, Lisboa, Centro de Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2002. Ver ainda os estudos:
GRAES, Isabel Maria dos Santos, Contributo para um Estudo Histórico-Jurídico das Cortes Portuguesas entre 1481-1641, Coimbra, Liv.
Almedina, 2005; Sobre o papel das cortes no Antigo Regime: CARDIM, Pedro Almeida, HESPANHA, António Manuel pref., Cortes e
Cultura Política no Portugal do Antigo Regime, Lisboa, Cosmos, 1998; GOMES, Saul António, “As Cortes de Lisboa de 1502” in Actas
das I.as Jornadas de História Moderna, 1986, Faculdade de Letras de Lisboa, 1º vol., pp. 317-347.
2
COSTA, João Paulo Oliveira e, MATOS, Artur Teodoro de, (coord. científica), CARNEIRO, Roberto (dir.), D. Manuel I (1469-1521): Um
Príncipe do Renascimento, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2005. [Aspectos genealógicos: D. Manuel, filho do infante D. Fernando
de Portugal, duque de Viseu, e de Beatriz (D. Brites), princesa de Portugal, sucedeu em 1495 ao seu primo direito, D. João II de
Portugal].
1
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NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
cos com privilégios, consagrando direitos
de diferença, e, nesse sentido, as medidas
de expulsão dos judeus que não aceitassem
o baptismo3.
44
1. Portugal entre os aspectos jurídico-institucionais e os alvores da
modernidade
Onde acaba a “medievalidade” e começa
a “modernidade”? E quando é que o feudalismo dá lugar ao centralismo? Tendo por
base a análise das grandes estruturas económicas e sociais, políticas e institucionais,
considerando alguns efeitos de média duração, nomeadamente os aspectos institucionais e políticos (administração, governo,
legislação e cortes), em conjunturas específicas de grandes campanhas de reformas,
como as do período manuelino, plenamente
identificadas, coloca-se o problema da análise, no plano simbólico, da progressiva
emergência da imagem do rei, que atenua
bastante a relevância destas novas formas
jurídico-institucionais (reformas) no conjunto dos mecanismos de disciplina social,
passíveis de serem utilizados como instrumentos de acção do rei, e de que a coroa
pode dispor4.
A concretização das reformas foralengas, descritas por Damião de Góis, guarda-mor da Torre do Tombo, como um trabalho tremendo […de maneira a que se não
pode deles (forais) dar despacho às partes
se não com muito trabalho5 (…)], pela sua
complexidade, duração (25 anos), recursos
humanos (insuficiência de resposta em
termos humanos por parte do aparelho
burocrático de extensão local e periférica
CHORÃO, Maria José Bigotte, Os Forais de D. Manuel 1496-1520, Lisboa, ANTT, 1990, pp.8-9.
Enquanto o poder, na auto-representação das sociedades contemporâneas, tem um centro (em exclusivo) baseado no facto de
aí se prosseguir um “interesse público”, diferente e contraditório dos interesses particulares-privados, as sociedades do Antigo
Regime representavam-se como politicamente plurais, com uma complexa rede de pólos políticos, cada um autónomo no seu
domínio, prosseguindo interesses particulares, que deviam ser compatibilizados em função do “bem comum” (da harmonia do
todo) e nunca podiam ser sacrificados a um interesse público hegemónico. Para o debate historiográfico acerca do conceito de
“estado moderno” e sua construção, ver, por exemplo: HESPANHA, António Manuel, História das instituições. Épocas medieval e
moderna, Coimbra, 1982; Idem, Poder e instituições na Europa do Antigo Regime, Lisboa, Gulbenkian, 1984, 541 pp., prefácio (89 pp.);
Idem, As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político (Portugal, séc. XVIII), Lisboa, Coimbra, Liv. Almedina, 1994. Recensão:
Ler história, 15, 1989, 167 ss. (Luís Reis Torgal); Idem, O Antigo Regime (1620-1810), volume IV da História de Portugal, dirigida por
José Mattoso, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1993; Idem, “A emergência da história”, Penélope, 5, 1990, pp. 9-26.
Sobre as reformas manuelinas no contexto dos forais, ver por exemplo: NETO, Margarida Sobral, “A Persistência Senhorial” in
História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 3 - No Alvorecer da Modernidade (1480-1620), coord. Joaquim Romero de Magalhães,
Lisboa, Estampa, 1993, pp. 165-175; HESPANHA, António Manuel, “O Foral Novo de Évora no contexto da reforma dos forais
de D. Manuel”, in Foral Manuelino de Évora, Évora, Câmara Municipal de Évora, 2003, pp. 43-65; COELHO, Maria Helena da Cruz, O
Foral de D. Manuel I a Santarém, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, 2007, pp. 28-31; CHORÃO, Maria José Bigotte, PEREIRA,
Miriam Halpern (pref.), Foral Manuelino de Beja, Lisboa, IANTT, 2003.
5
GÓIS, Damião de, (1502-1574), Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, dir. por J. M. Teixeira de Carvalho e David Lopes, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1926, parte I, Cap. XXV; cit. MAGALHÃES, Joaquim Romero, “Os Concelhos” in História de Portugal, José
Mattoso (dir.), Lisboa, Estampa, 1993, vol. III, pp. 175-581. Ver sobre esta questão: COELHO Maria Helena, MAGALHÃES, Joaquim
Romero, O poder concelhio das origens às cortes constituintes. Notas de história social, Coimbra, CEFA, 1986.
3
4
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
dependente da administração da coroa) e
materiais envolvidos, poderão ser aspectos indicadores de alguma ineficácia na
capacidade de acção do poder régio (não
exclusivo, repartido, pelo menos com duas
instituições poderosíssimas ao nível do
quotidiano social - a família e a Igreja), e a
ineficiência dos instrumentos de governo,
que contribuíam para atenuar ainda mais
esse exclusivismo.
Mantendo-se, portanto, a ideia dos limites insuperáveis para a vontade régia,
quer através da religião e da moral, quer
através da obrigatoriedade de respeitar os
direitos dos particulares, os esforços de
extensão da administração régia a todo o
território, depararam-se com vários obstáculos, quer os decorrentes do próprio
espaço, provocados pela deficiência das
redes de transportes, quer, sobretudo, os
obstáculos de natureza política, causados
pela pluralidade de jurisdições: a complexa
teia das jurisdições senhoriais envolverá
a sociedade medieval e moderna, pelo
menos, até à última década de setecentos, aquando da extinção das jurisdições
senhoriais em Portugal.6
2. A reforma geral dos forais do
reino e a história de um foral
Regra geral, o argumento da necessidade
imperiosa das reformas, apresentado em
8
9
6
7
cortes desde o séc. XV7, é tido pela historiografia como argumento consensual para
parte da explicação respeitante ao empenho do rei na concretização das reformas
e na sua implementação, uma vez que, de
facto, a reforma dos forais, que já se vinha
desenhando desde o reinado de D. João II,
viria a ser concretizada, com D. Manuel.
Nesse sentido, desde o séc. XV (1.º quartel) que os procuradores dos concelhos se
faziam ouvir em cortes, referindo o mau
funcionamento da justiça e os contínuos
abusos dos senhorios que cobravam indevidamente alguns direitos, muitas vezes
por interpretarem erradamente ou até por
falsificarem os forais antigos8.
Os forais são cartas de privilégio, geralmente (e não em exclusivo) outorgadas pelo
rei, constituídas por disposições de direito
processual, penal, militar, administrativo e
fiscal (em alguns casos também de disposições de direito privado, por exemplo, no
âmbito do direito da família). Estas disposições dos forais, salvo se omissas, inserem-se
num regime jurídico próprio e de excepção,
sobrepondo-se portanto, ao direito geral.
Por consequência, as disposições dos forais
só interessam aos concelhos em parte, no
que dizia respeito à administração concelhia e estava disposto no foral, uma vez que
para todo o resto (disposições omissas)
sobre valiam as ordenações gerais9.
CUNHA, Mafalda Soares da, A Casa de Bragança 1560-1640: práticas senhoriais e redes clientelares, Lisboa, Estampa, 2000.
COELHO, Maria Helena da Cruz, O Foral de D. Manuel I a Santarém, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, 2007, pág. 31.
CHORÃO, Maria José Bigotte, Os Forais de D. Manuel….. Op. Cit., pp. 7-16.
Sobre estas questões ver: COELHO, Maria Helena, MAGALHÃES, Joaquim Romero, O poder concelhio … Op. Cit., pp. 20-28.
45
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46
A reforma tem sido considerada por
alguns autores como uma “reforma imperfeita”. Se por um lado parece ter contribuído
para algum grau de uniformização administrativa entre o poder local e a administração da coroa10, tornando mais eficaz a ligação entre os municípios e o poder central
(as câmaras representavam, simultaneamente, a autonomia das comunidades e a
jurisdição régia), ao nível local a articulação
não se operou, e cada unidade administrativa continuou a ter total independência em
relação às vizinhas (níveis crime e cível). A
reforma, tornando-se portanto num instrumento de maior eficácia na prossecução da
articulação entre os municípios e o poder
central, revelou-se inoperante relativamente ao seu objectivo, aparentemente,
principal, o de evitar abusos na cobrança
de direitos indevidos. Por outras palavras,
as disposições dos novos forais consagraram, em certo domínio do direito público,
a permanência de obrigações senhoriais de
particulares, que vinham sendo consolidadas ao longo de toda a Idade Média11.
Seja como for, de 1500 a 1520 saíram
novos forais referentes às províncias
da Beira, Trás-os-Montes, Entre Douro e
Minho, Estremadura (em que se insere o
foral novo de Torres Novas12) e Entre Tejo
e Guadiana e actualizavam-se as normas de
vivência municipal que em muitos casos,
como já se referiu, tinham três séculos de
existência.
Para a elaboração da reforma foi constituída uma comissão, formada pelo chan-
TT: Índices das chancelarias régias (L 20 a 206; L 278 a 280); Leitura Nova: Cód. de Refª: PT-TT-LN, Entre as medidas tomadas para
a organização do Arquivo Real, conta-se a elaboração das cópias dos documentos, considerados então mais importantes, numa
colecção intitulada Leitura Nova, ordenada por D. Manuel I, e que teve início em 1504, com o fim de preservar os documentos cujo
suporte estava demasiado danificado, ou cuja leitura já não era acessível. A colecção mantém a ordem original. Está organizada por
comarcas e por assuntos, com “tabuada” inicial. Nos livros das comarcas constariam todos os documentos a elas relativos - cartas
de doação, de privilégios e outras, doados pelo rei às partes, a cidades, vilas e lugares, a igrejas e mosteiros, localizados na dita
comarca: seriam constituídos os livros do título da Estremadura (não passando o Tejo), os livros do título de Odiana (abrangendo
o Alentejo, o Ribatejo, o reino do Algarve, com excepção de Muje e Almeirim, que seriam incluídos na comarca da Estremadura),
os livros do título da Beira, os livros do título d’ Além-Douro (contendo o Entre-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes). A análise dos 61
livros da colecção da Leitura Nova é conhecida e está identificada. Vejam-se alguns estudos, roteiros de fontes e índices: CHORÃO,
Maria José Bigotte, Os Forais de D. Manuel …. Op. Cit., pp. 24-25; AZEVEDO, Pedro A. de, BAIÃO, António, “Códices de Leitura Nova”
in O Arquivo da Torre do Tombo: sua história, corpos que o compõem e organização, Lisboa, ANTT, Livros Horizonte, 1989. Reprodução fac-similada da edição de 1905; FRANKLIN, Francisco Nunes, “Memória para servir de índice dos forais das terras do
reino de Portugal e seus domínios”, 2.ª ed., Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências, 1825. [Acessível no IAN/TT, IDD
(L. 483)]; Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, Chancelaria régia: índices Próprios e Comuns, [Manuscritos]. [Acessível
no IAN/TT, Lisboa, (L. 20 a 206)]; DESWARTE, Sylvie, Leitura Nova de D. Manuel I, Pref. Martim de Albuquerque; introd. Maria José
Mexia Bigotte Chorão, Lisboa, Edições INAPA, 1997, 2 vol. il. (História da cultura portuguesa). Reprodução fac-similada dos frontispícios iluminados da Leitura Nova de D. Manuel; DIAS, Luís Fernando Carvalho, Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve:
conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Beja, ed. do autor, 1961-1969, Tomo 1; DIAS, Luís Fernando Carvalho,
Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve: Estremadura, Beja, ed. do autor, 1962, Vol. 3, 361 p.
11
NETO, Margarida Sobral, “A Persistência Senhorial”… Op. Cit., pp. 180-181.
12
Cf. DIAS, Luís Fernando Carvalho, “Livro dos Forais Novos da Comarca da Estremadura” in Forais Manuelinos … Op. Cit., Beja, ed. do
autor, 1962, Vol. 3, pp. 42-44.
10
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
celer-mor, Rui Boto13, pelo desembargador
João Façanha e por Fernão de Pina cavaleiro da Casa Real, supervisor da reforma
e incumbido de mandar proceder a inquirições por todo o reino para que se averiguasse o conteúdo de cada foral e de todos
os documentos existentes nas várias localidades que regulavam a arrecadação dos
direitos. A tarefa consistia em clarificar e
actualizar a linguagem, converter as medidas, recuperar direitos reais e evitar abusos na sua cobrança. A esta comissão foram
dadas indicações em documentos régios de
diversas tipologias. No documento seguinte
encontram-se algumas dessas directrizes,
pelo que se justifica a sua inclusão:
“Nos el Rey fazemos saber a quamtos este
nosso alvará virem que nos encarregamos
Fernam de Pyna cavalleiro de nosa cassa e
menestrador do moesteiro de Tybaães do
fazymento dos foraaes das cidades villas e
lugares de nossos Reynos no que atee quy e
assy na ordem que se teve pera justamente
serem feitos como em outras muitas deligencias que pêra bem dello comvynham
como tambeem no fazymento d’allg us que
já sam feitos elle nos teem muy beem servido e com muyto trabalho e fadiga sua e
despesa de sua fazemda seem de nos nem
de nossos povos aveer por ysso nehûu ordenado nem sollayro e porque he rezam que
13
elle tenha regra verta do que há d’aver por
ser trabalho pello cujdado tam comtyn que
teem e há de teer no fazimento dos ditos
foraaes mamdamos fazer certo eixame do
que por cada h u forall devya aver e foram
feitos allg ns lotes segundo a gramdeza e
sustamcia de cada h u pêra asy ser alvidrado o preço que de cada h u ouvesse
d’aver e detryminamos que há paga dos
ditos foraes aja e lhe seja feita per esta
maneira abaixo decrarada
Item primeiramemte avera por cada h u
foral de quallquer cidade villa ou lugar que
tever ho forall de Lixboa ou samtarem e que
tever direitos d’augoa ou jugada ou ambos
ou outro allg direito de pam treze xruzados d’ouro e se o tall lugar tever direitos de
augoa sem jugada doze cruzados.
E nam teemdo dereitos d’augoa nem de
pam avera homze cruzados.
Item avera pellos foraaes dos lugares
chãos sem cerqua ou casteello que teverem o dito forall de Lixboa de cada h u delles dez cruzados.
E nam teemdo direitos d’augoa nem de pam
avera de cada h u dos taaes oyto cruzados.
Iteem avera dos foraes das villas e lugares que teverem o forall d’Evora que forem
cerquados ou acastellados de cada h u dez
cruzados.
E dos lugares chãaos que teverem o dito
Na sua dupla qualidade de chanceler-mor e presidente da comissão da reforma, assinou todos os forais. R de Rodericus (ou Rui) é
pois a rubrica que também o foral de Torres Novas ostenta na última folha, junto à parte inferior do códice, por onde passava o fio
de seda de que pendia o selo régio de chumbo. Como se pode verificar adiante, na análise física do documento, o foral de Torres
Novas de 1510 terá sofrido um restauro talvez na centúria de oitocentos. Tal restauro modificou para sempre o documento, sendo
apenas possível identificar vestígios de permanência de tais elementos no actual documento original.
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foral d’Evora avera por cada huu foral dos
semelhantes lugares oyto cruzados.
E porque allg uas cidades villas e lugares
por não terem forall alg u se hade dar ho
forall da cidade d’Evora ou o forall da Garda
a que he dado o de Salamanca decraramos
que daquelles a que for dado o dito foral há
d’aver de cada h u a paga asy como pello
d’Evora – a saber – dez cruzados por os que
forem de lugares cerquados e acastellados
e oyto cruzados dos lugares chãaos e per
estas taixas assy como aquy he derarado
será pago o dito Fernan de Pina do trabalho
e merecimento do dito carguo do fazimento
dos ditos foraaes a custa das remdas dos
concelhos das cidades villas e lugares per
nosas cartas que dello lhe mamdaremos dar
per que será pago como deer feyto e acabado de todo o seu foral e alem desto todo
o seu foral e alem desto todo aquello que ho
dito foral de cada cidade villa e lugar fazer
custo – a saber – no porgaminho stprever e
ylumynar e encadernar e em suas guarnicoes das brochas porque estas taixas aquy
declaradas soomente sam por ho trabalho
que nisso leva e por ho fazer a sua custa
sem outro mais hordenado e ha justificaçam
dos ditos custos faram os letrados deputados aos despachos dos ditos foraaes e per
suas certidoes por elles asynadas do que
em cada h u se gastou e elle despemdeo
dos seu dinheiro lhe será per nos mamdado
pagar a custa da tall cidade villa ou lugar
com o mais lugar com o mais que há d’aver
de seu trabalho por esta ordenamça.
Item porque estes foraes ham de seer
todos asseellados do nosso seello do chumbo
e ho nosso chanceler moor e asy o porteiro
da chancelaria devem ter regra certa do
que ham de levar disso, ouvemos por bem
de aquy decrarar e avera o nosso chanceler
moor por cada h u forall que asellar cymquoemta reis a custa das rendas do concelho
da cidade villa ou lugar ou senhoryo de cujo
forall for, e pagar se am a custa dos sobreditos comcelhos ou senhoryos a seeda e
chumbo pêra os ditos seelos e o porteiro da
chancelaria avera por seu trabalho de cada
h u dos ditos foraes dez reis a custa dos
sobreditos como dito he.
Item porque em cada cidade ou villa, ou
lugar há d’aver dous foraaes de h u teor
– a saber – h u pera a camara e outro pera
o senhoryo das rendas e dereitos da tall
cidade villa ou lugar este tall que ha camara
ha d’aver se ha de pagar no modo como dito
he a custa das remdas do concelho e o dito
senhoryo das remdas pagara o seu pr esta
ordenança acima declarada como ho concelho ha de pagar o seu temdo as taes rendas
e direitos e rendas sam partydas per duas
três pessoas e mais segundo as mercees
que delles teemos feytas declaramos que
homde assy as remdas e direitos forem
partydas per pessoas desvayradas se
pagara por todas o dito forall soldo a livra
segumdo a parte que cada h u tever das
taes remdas, a quall repartiçam será feyta
pelos ditos letrados juízes dos ditos foraaes
e per suas certidões avera o dito Fernam de
Pyna nosos mandados pêra ser dos taaes
paguo per homde do seu o milhor poder
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
aver e daqueles foraaes omde os direitos e
reemdas todas foreem nossas será paguo
per nosa fazeemda no modo como dito he.
Iteem porquamto o dito Fernam de Pina
ha de mandar fazer pera a nossa Torre do
Tombo14 outros tantos foraes como forem
os das cidades e villas e lugares do Reyno
que asy ha de dar feitos – a saber – outro
tall como ho que cada h u for dado e destes
que asy ha d’aver outro mais pagamento
soomente daquelo que elle gastar do seu
dinheiro nos custos – a saber – porgaminhos, stpritura e ylumynaçam daqueles que
forem ylumynados per a justificaçam que
dello ham de fazer os ditos letrados assy
como nos outros e per sua certidam ho
mamdareemos pagar.
Porem do comcerto que asy sobre ysto
fezeemos com o dito Fernam de Pyna como
aquy he declarado lhe mamdamos dar por
sua guarda e nosa lembrança este alvará
per nos asynado o qual mamdareemos em
todo cumpryr e guardar como nelle he contydo feyto em Lixboa a XX dias de Julho
Antonio Carneiro o fez 1504.
Porem declarados no que toca ao pagamento dos foraes que ham d’aver os
senhoryos dos direitos a que delles tevermos feita merce porque as camaras dos
lugares ho ham de pagar per cheo segundo
atrás no capitollo he declarado que nam aja
o dito Fernam de Pina mais pagamento que
de h u soo forall do qual pagara o concelho
a metade e o senoryo dos direitos a outra
metade e asy se entemdera e gardara o
dito capitolo nesta parte e ysto soomente
se entemdera naquella contia que elle ouver
d’aver por seu trabalho por que os custos
se pagaram como no dito capitulo he declarado e ysto nos move porquamto elle nom
hade ter trabalho mais que h u soo foral e
per elle se faz o outro sem fadiga.
(assinado) Rey”15
O Arquivo Nacional, antes Arquivo Geral do Reino, remonta às origens da nacionalidade. Nos finais do século XIII, Lisboa passou a
ser a principal cidade do reino e nela começou a formar-se um depósito de documentos, situado numa das torres do Castelo de S.
Jorge (a Torre do Tombo). Esta torre conservaria os documentos régios até ao terramoto de 1755. Os arquivos nacionais ocuparam
posteriormente outros vários espaços. Entre as vicissitudes da história, o terramoto, mudanças, incêndios, a transferência da
corte para o Brasil, os desvios de documentação (período filipino, invasões francesas etc.), os documentos que chegaram até nós,
pertencentes ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo formam um acervo excepcional e indispensável à memória histórica do país.
Pela sua magnitude, esse acervo de (re) instalou-se convenientemente em Dezembro de 1990, com a inauguração de um novo
edifício para depósito e consulta dos documentos situado em Lisboa/Cidade Universitária. Ocupando uma área de 54 900 m2 e
contando com cerca de 100 km de estantes, este moderno edifício possui três áreas principais: arquivo e investigação/ actividades
culturais / serviços administrativos. Para a História da Torre do Tombo: Cf. AZEVEDO, Pedro de, BAIÃO, António; FARINHA, Maria
do Carmo Jasmins Dias (coment.), O Arquivo da Torre do Tombo: sua história, corpos que o compõem e organização, Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, Lisboa, Livros Horizonte, 1989, [Portugal. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Fundos arquivísticos.
VERSÃO ORIGINAL: Fac-simile da edição de Lisboa; Academia de Estudos Livres, 1905. Contém adenda com incorporações, legislação e directores posteriores a 1905]; ALBUQUERQUE, Martim de, Para a história da Torre do Tombo, Lisboa, ed. do autor, (Braga,
Tip. Barbosa & Xavier), 1990; ALBUQUERQUE, Martim de, A Torre do Tombo e os seus tesouros / Martim de Albuquerque, Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, Col. Tesouros das bibliotecas e arquivos de Portugal, Lisboa, Inapa, 1990.
15
ANTT, Gav. 20, Maço 10, Nº 7, [Capitulo dos concertos de Fernam de Pina].
14
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Sempre o mesmo espírito: uniformizar todo o reino em todos os domínios,
organizar e estabelecer normas. No caso
dos forais, essencialmente, tratava-se de
actualizar um documento jurídico regulamentador da vida de cada localidade. Daí a
importância para Torres Novas do seu novo
foral. Enquanto documento jurídico, regulamentará a vida quotidiana da vila torrejana
e seu termo (pelo menos) até ao século XIX,
mais concretamente até 1832, com a abolição dos forais no contexto da reforma de
Mouzinho da Silveira16.
Existem várias categorias de forais, cada
uma correspondendo a diversas ordens de
grandeza conforme as características económicas, situação geográfica, grandeza simbólica e outras – de localidades, como Lisboa,
Santarém, Salamanca e Évora entre outras,
que servirão de modelo para forais de outros
lugares. As diferentes ordens de grandeza dos
forais estão desde logo patentes, também, no
tipo de documento a ser produzido, como se
pode verificar no alvará régio anteriormente
transcrito. Atente-se que, em termos físicos,
o foral manuelino de Torres Novas, pertence
à categoria principal: iluminado, com encadernação em couro e ferragens.
Lendo o foral, temos uma visão rápida
e ainda assim completa das actividades
comerciais da Torres Novas quinhentista:
os abastecimentos, os produtos hortícolas,
os tecidos, os cabedais, as louças, a caça, o
vinho, o azeite, o mel, o pão entre outros. Lê-se no fim do foral a fórmula comum a todos:
um para a câmara, outro para o senhorio17, e
outro para a Torre do Tombo. O documento
que aqui se apresenta era, de facto, o exemplar da câmara que felizmente, talvez por se
encontrar na posse de algum particular, não
sucumbiu ao incêndio do antigo arquivo da
câmara, ocorrido c. de 1868, no edifício dos
paços do concelho, que então se localizava
na actual Praça 5 de Outubro18.
Conhecem-se pelo menos duas transcrições do foral manuelino de Torres Novas: uma do séc. XVIII, integrada no Tombo da Alcaidaria do Castelo de Torres Novas; Cf. MOLEIRO, Margarida, Traslado autêntico da medição, demarcação e tombo da Alcaidaria-mor
da Vila de Torres Novas e suas pertenças [1790-1793], Torres Novas, Município de Torres Novas, 2008; e outra de Artur Gonçalves,
manuscrita, em pasta incorporada no espólio particular deste autor torrejano no Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas.
17
Torres Novas - Vila da Correição de Santarém em 1537. Pertencia ao Mestre de Santiago e o concelho tinha 1448 vizinhos em 1527. Partia com Santarém, Porto de Mós, Ourém, Tomar, Ceiceira e Atalaia. O foral antigo é de Outubro de 1190 [Maço nº 3 de Forais Antigos
da Leitura Nova, fl. 13; Livro 2 dos Bens dos Próprios da Rainha, fl. 27, com a confirmação de Novembro de 1217]: foral impresso com
os Costumes no tomo 4º dos Inéditos da História de Portugal, segundo Franklin [Roteiro citado]. Ver: OLIVAL, Fernanda, As Ordens
Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789), Lisboa, Estar ed., 2001; sobre a Casa das Rainhas ver
os trabalhos de: LOURENÇO, Maria Paula Marçal, Casa, corte e património das rainhas de Portugal (1640-1754): poderes, instituições e
relações sociais, polic., UL, 1999; seguintes temas de investigação: Casa das Rainhas (sécs. XVII e XVIII); Casa do Infantado (sécs. XVII e
XVIII); O “poder” das rainhas em Portugal (sécs. XVI a XVIII); A construção do Estado Moderno e o poder senhorial (sécs. XVII e XVIII).
[A partir de 1520 é criado, a favor de D. João de Lencastre (1501-1571), o título de Marquês de Torres Novas, que depois viria a ser o
1.º Duque de Aveiro, filho ilegítimo de D. João II. O título passou então a ser atribuído aos herdeiros presuntivos do Ducado de Aveiro.
Os 3.º e 4.º marqueses receberam em vida o título de Duque de Torres Novas. Cf. MONTEIRO, Nuno G. F., (org.), Pedro CARDIM e
Mafalda Soares da CUNHA, Optima pars: elites ibero-americanas do antigo regime, Lisboa, ICS- Imprensa de Ciências Sociais, 2005;
MONTEIRO, Nuno G., O crepúsculo dos grandes: a casa e o património da aristocracia em Portugal: 1750-1832, Lisboa, INCM, 1998.]
18
LOPES, João Carlos, Duas Palavras in Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Torres Novas, CMTN, 1993, p.3.
16
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
Quase cinco séculos é a idade deste magnífico documento, que merece ser estudado, conhecido e divulgado. Nesse sentido,
recorde-se o capítulo “Documento/Monumento”, escrito por Jacques Le Goff, que
consta do volume “Memória-História” da Enciclopédia Einaudi, cuja frase inicial será, se não
me falha a memória, algo como: “A memória
colectiva e a sua forma científica, a história,
aplicam-se a dois tipos de materiais, o documento e o monumento…”. Decidiu-se neste
caso, não indicar a referência bibliográfica
correcta; apelando-se apenas à memória…19.
Assumindo, desde logo, na elaboração deste
breve ensaio, o eixo de uma concepção a respeito das fontes documentais – recorrendo a
Foucault e Le Goff –, este documento é aqui
analisado enquanto monumento. Para Torres
Novas, o seu foral de 1510 será o documento
emblemático/monumental (do domínio do
simbólico e da história exemplar). Tal como
na época da sua produção, resultado da
caminhada para a centralização em que o
rei continuava a ser ainda um “primus inter
pares” hoje, e porque tal documento conseguiu chegar até nós, continua a ser obrigatória a sua máxima protecção.
O foral manuelino de Torres Novas precisará, pois, de ser reproduzido/apresentado,
não já em sessão de câmara como há 500
anos, mas em publicação autónoma para
que todos possam aceder à sua consulta e
leitura. Valorizando o documento original,
a transcrição, que se segue, obedeceu aos
critérios normalizados e geralmente utilizados em transcrições de documentos da
tipologia comum dos forais manuelinos20.
Com esta transcrição pretende-se contribuir para que a sua leitura seja, desde já,
uma realidade para todos os interessados.
A propósito de memória e do impacte social do discurso histórico e historiográfico, valerá talvez a pena aludir ao comentário
que António Manuel Hespanha, em certa ocasião proferiu (Serralves, Porto, Março 2003), sobre os vários contextos possíveis de
divulgação de produtos históricos e culturais, e que em relação ao lugar da história, como ciência, na sociedade contemporânea,
designou de “Pop Culture”. Não basta que se faça história, mesmo muita e boa história, para que esta marque os estilos culturais de
um século. Desde logo, falo de “estilos culturais”. No plural. Não apenas porque um século é muito tempo, mas sobretudo porque,
por muito integrado que um país possa ser, nele convivem muitas “culturas”, cada qual com os seus modos e as suas circunstâncias. Diferentes. Explorando temas distintos. Falando deles com discursos vários. Comunicando diversamente com o seu contexto
e, assim, abrindo-se também diversamente as influências externas. Do lado da história, também se cultivaram estilos, temáticas
e públicos diferentes. Isto aconteceu, por um lado, por razões internas ao próprio discurso historiográfico, que se concebeu a si
mesmo diferentemente - ou como uma actividade científica, ou como uma atitude pedagógica, ou como um empreendimento
cívico, ou como um passatempo lúdico; e que, com isso, escolheu os temas mais próprios, a argumentação mais eficaz, o público
mais decisivo. Ou, por outro lado, por razões contextuais, como os interesses induzidos pelas culturas do senso comum ou as condições materiais e institucionais de investigação. (…) Esta mundividência do passado nas suas relações com o presente, transcende
largamente o círculo dos historiadores e inscreve-se numa das componentes da cultura pública (pop-culture) portuguesa dos
nossos dias. [HESPANHA, António Manuel, A História na Cultura Portuguesa Contemporânea, 2003].
20
Transcrição – Segundo as normas aprovadas pela Comission Internationale Diplomatique (1982)/ versão portuguesa: COSTA, Avelino de Jesus, Normas Gerais de Transcrição e Publicação de Documentos e Textos Medievais e Modernos, Coimbra, 1993. As palavras que se encontram escritas a bold são da mão de Fernão de Pina no foral; os versos dos fólios não numerados no original,
encontram-se numerados em numeração árabe e a cinzento, com parêntesis rectos; entre parêntesis rectos também as anotações
de outras quaisquer mãos.
19
51
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
3. Transcrição do Foral de Torres Novas de 1 de Maio de 1510
DOM MANUEL per graça de deus Rey de Portugal e dos Algarues daquem e dalem mar
em africa Senhor de guyne e da conquista neuegacom e comercio deteopia arabia persia
e da India. A quantos esta nossa carta de forall dada a Vila de torres nouas Virem fazemos
saber que per bem das deligencias Jsames e Jmquirições que em nossos Regnos e senhorios mandamos Jeralmente fazer pera a justificaçam e decraracam dos foraes deles e per
alg as sentencas e detriminacoens que com os do nosso conselho e letrados passamos e
fisemos passar damos Visto o forall da dita vila dado
52
el Rey dom Sancho o primeiro que as Rendas direitos Reaes se deve na dita Vila de pagar
e aRequadar na maneira e forma seguinte. Primeiramente pelo dito forall foy dado por
direito e trebuto Reall na dita Vila que os jugadeiros e pessoas nom priveligiadas pagasem
por jugada na dita Vila e termo seis quarteiros de pam tres d outuno .∫. triguo cevada ou
cemteio per terças e tres de milho ou painco quall laurassem e se o laurador ante quisese
pagar a quarto se nom tivesse pam per a pagar ate os ditos quarteiros que o podesse fazer
com tanto que pagaria ho quarto de todalas outras sementes que tivessem.
E sem embargo do dito forall os moradores da dita Vila e termo estam em custume per nos
aprouado e sentenceado de pagarem somente pella dita jugada tres quarteiros de trigo estreme
sem pagarem mais de nenh a outra semente posto que a laurem e colham Com decraracam
que quando amte quiserem pagar o dito quarto se nom tiverem pam pera os ditos
tres quarteiros per Rezam do quamto podeloam fazer pagamdo tambem o quarto de todo
pam que colherem trigo ceuada cemteio milho ou paimco de quaes quer deles que colherem.
E seram deligemtes os oficiaes ou Remdeiros de hirem as eiras partir quando ouuerem
de quartejar he nam hindo se guardara nisso a ordenanca jerall que sobre isso temos feita.
E os seareyros se fizerem ate tres jeiras pagaram seis alqueires no que passar de tres
geiras pagara dez a seis alqueyres .∫. seis de triguo e cinquo De ceuaDa Ou centeo e cinquo
De milho ou paJnco. E posto que de todo a nam laurem se De h um soo laurarem De que
leuaram seu carreto orDenado segundo no capitollo seguinte vay Decrarado E os quarteiros
per que aly pagam a dita jugada sam de dezaseis alqueires desta por quarteiro no çileiro E
o mais levam por seu trabalho e solairo de trazerem a dita jugada ao cileiro O quall alqueire
levaram asy quamdo pagarem os tres quar
I
[1v]
Jugada
II
outro
pam
[2v]
teiros suso ditos como quamdo pela outra maneira cortejarem E quamdo ho pam que
trouxerem nom chegar a corteiro de que am daver hum alqueyre leuaram soldo a liura de
quamto acarretarem.
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
Outavo Vinho
Linho
moemdas
iii
[3v]
almocreues
Gemtar
E pagaram os piães ho outauo de todo o linho ou Vinho que na dita Vila e termo colherem
.∫. ho Vinho abica e o linho no temdall e atimta O quall oitauo e asy a dita jugada do pam
açima decrarada se aRequadara e pagara per aquellas pesoas e naquela maneira que per
nosas leis e ordenacoes do Regno he detreminado que se aja de fazer ou ao diamte em quall
quer maneira que se detreminar que se faca E nam pagarom os ditos lauradores a palha e
linho que ate quy pagauam ao alquaide mor por serem liures diso per sentença.
E por que as moemdas da dita Vila e termo sam todasda coroa Reall aRemda das ditas
moemdas se Repartem nesta maneira.∫. pagase primeiramente das moemdas de pam de
conhoçemça a Igreia meio alqueire quada anno por pedra se tem quatro pedras ho emgenho e se as nom
tem Leua Somemte dous aLqueires hum de trigo e outro de segumda.
E pagase iso mesmo de momte mor o mamtimento e molaria do moleiro e a demasia que
fiqua se parte igualmente a metade .∫. o Senhor da propriedade e a outra metade o senhor
da tera.
Outro sy sam da coroa Reall as moemdas do azeite do quall leuam de dez alqueires huum
em azeite de maquia e he todo lancado em huum pote ou Vasilha E de quall quer camtidade
que se Recebe se Reparte nesta maneira .∫. leua o dono da tera a metade de todo em cheio e
da outra metade leuam os lagareiros a metade E o Verdelhoeiro que o aquenta a outra metade
que he o quarto de toda a soma maior E mais oito Reis por moedura dos quais sam dous pera
o servidor do lagar e os seis leua ho dono e senhorio da propriedade o quall faz e Refaz todalas
ditas moemdas a sua custa e Isto somente se guarda na Rybeira que Vay pella dita Villa.
Porem quem fizer moemda dagoa fora da dita Rybeira em sua propria tera
Podeloao fazer e Leuara ho quarto de todo ho que Remder e os tres quartos se Repartem
pelo Senhorio e Verdelhoeiro e lagareiro sobre ditos das ditas moemdas segumdo se sempre custumou e Usa na ditta Vila sem comtradiçam.
E as moemdas de besta pode quem quiser fazer sem pagar nenh~u foro nem trebuto ao
Senhorio asy d azeite como do pam ou poutra quall quer cousa.
Os almocreues ou pesoas que com suas bestas aquaretarem pam pera alguum cileiro
pagaram aquele anno trimta alqueires de trigo somente E as outras pesoas posto que almocreues seija na pagaram o dito direito nem nenhum outro por suas bestas nem por este
direito que ate ora se chama das eguoas saluo os que ho pam pera os cileiros aquaretarem
como dito he E podera as taes pesoas fazerem auença por menos dos ditos trimta alqueires
quamdo lhe bem Vier.
E Se pagara mais por direito Real hum gemtar na ditta Villa que chama colheita de maio
pola quall pagam as cousas
53
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
Seguimtes .∫. de trigo quatrocemtos e dezasete alqueires E de ceuada seis cemtos he
setemta e dous alqueires desta medida coremte E de uinho nouemta e h almudes E de
carneiros doze E de porquos quatro E de carne huma Vaqa E de galinhas sesemta E de
cabritos doze E de cera huma aRoua e de mell hum alqueire E de mamteiga hum alqueire
E de lenha doze caregos e d ouos trezemtos E huma Vara de bragall E huuma mão de linho
E adubos.
Pera a quall paga nom seram escusos nem priuiligiados nenhumas de nenhuma calidade
nem dinidade que seja dos bens que tiuesem e asy Igreias e cousas eclesiasticas saluo
daqueles beens de raiz que as ditas Igreias teuerem e se mostrarem serem aVidas deste o
tempo do nacimento de nosso Senhor Jhesuu Christo de mill e trezemtos
iiii
e Vinte e tres annos atras por que desde a ditta era por diamte todolos bens que ouuera
as ditas Igreias e pesoas eclesiasticas ou ouuerem am de pagar Imteiramente Segumdo se
mostra a por
[4v]
54
a composiçam e Sentença feita amtre as IgreIas e os moradores da dita Vila a quall aprouamos e mandamos que aly se cumpra pera sempre.
Sam noue tabaliaes na dita Vila e pagam cada hum dusemtos e cimquoenta Reis
Se leuara mais na dita Villa d açoujajem da uaqua meio Vure21 e do boy omze ceitis22 E do
porquo hum lombinho ao alcaide d açougajem dous ceitis E do carneiro dous ceitis E leuara
dos bodes cabras ou ouelhas hum ceitill e este direito se pagara semdo os acougues do
senhorio e a custa sua Repairados E das Vercas23 e Fruitas nom se pagara nada.
Pagaram na dita Vila as pesoas que venderem pam amasado cada somana ao sabado h
Reall ou h pam do dito preço qual amte a padeira quiser O qual nam pagaram as pesoas
que per costramgimemto ho amasarem pera Vemder nem se pagara do pam das ofertas
nem dobradas.
A dizima da emxucaçam das sentenças se leuara na dita Vila e nam outra que ate quy se
leuaua da quall somemte se leuara tanta parte de dizima de quamta se fizer
A emxucaçam Da dita comdenaçam posto que a Sentença de moor contia seia.
O gado do uento se leuara pella ordenaçam com decraraçam que a pesoa pella mão ou
poder for ter o dito gado o uenha escreuer a dez dias primeiros seguimtes so pena de lhe
ser demamdado de furto.
Ubre - glândula produtora de leite das fêmeas de alguns animais.
Ceitil - moeda de cobre cunhada a partir de D. Duarte.
23
Verças – leguminosas e legumes vários.
21
22
tabaliaes
açougajem
çalaio
Dizima da emxucaçam das Sentenças
v
Gado de Uento
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
Relego
O tempo do Relego24 pera se uemder o Vinho somemte dos oitauos sera desde Santa
maria de marco ate Sam Joham no quall tempo nehuma pesoa podera Vemder outro Vinho
atauernado so pena de por quada vez que ho fizer sem liçença pagara ao Relegueiro cemto
e oito Reaes por os sesenta soldos que se por seu forall mamdou pagar
E quem quiser Vemder per alimudes de cada Vasilha que Vender hum almude ora seja
gramde ora pequena E se se (sic) o Vinho dos ditos oitauos nom durar tamto em se uemder
como os ditos tres meses do Relego mamdamos que em quall quer tempo que se aquabar
de uemder nam aJa mais Relego. E quada hum podera vemder seu Vinho a quem quiser
sem mais
[5v]
liçemça nem pena alg a posto que os ditos tres meses nam seiam passados E se o Vinho
dos oitauos e Relego tanto durase que se nam Vemdese nos ditos tres meses nam se podera
mais Vemder atauernado na dita Vila e termo omde se guardou o dito tempo do Releguo.
E pera justificaçam do que dito he mamdamos que os juizes e oficiaes da uila tamto que
o dito Vinho dos oitauos for na dega do Releguo o Vam Ver e escreuam as Vasilhas quaes
e quamtas sam e de que Vinho por que se nom posa depois com esse meter outro que dos
ditos oitauos e pera o dito Relego nom seia como dito he.
Se aRequadara mais poe direito Reall e dalquaidaria na dita Vila e termo as penas das
armas nesta maneira .∫. quem tirar arma pera fazer mall com ela demtro na dita Vila e
aRaualde pagara ao mordomo cemto e oito Reaes e ao alquaide duzemtos Reis he mais
arma perdida E se atirar no termo pagara somemte duzemtos Reaes
Pena d arma
vi
Pescado em cargas
Repartidos nesta maneira .∫. os cemto e oito Reaes pera ho mordomo E os nouenta e dous
Reaes ao alquaide e mais arma pirdida a quall pena se julgara Segumdo nosas ordenaçoes
com estas limitações .∫. que o que apunhar espada ou outra arma se a nom tirar nom pagara
nada nem ho que tomar paaoo ou pedra aImda que com ele faca mall e tire samgue se
foy em Rixa noua nam pagara saluo se for de preposito e fizer mall com ela Nem pagara
nenhuma das ditas penas moço de doze annos pera baixo em quall quer maneira que as
cometa nem de molher de quall quer Idade nem as pesoas que castigamdo sua molher e
filhos e criados e seuos posto que lhe tire samge Nem a pagaram os que jugamdo punhadas
sem armas tirarem samgue com bofetada ou punhada e as ditas penas nam pagaram isso
mesmo as pesoas que em defemdimemto de seu corpo ou por apartarem e estremarem
outras pesoas em aRoido tirarem armas posto que com ellas tirem samge
Se pagara na dita Vila de todalas cargas de pescadas que hy Vierem pera
24
Época reservada para vender exclusivamente o vinho do rei, dentro das vilas e cidades.
55
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
Vemder huma pescada quall poder escolher na canastra o mordomo ou Remdeiro sem
mais Reuoluer ho ditto pescado somemte a que poder per sua Vista escolher semdo toda a
canastra ou canastras descubertas sem mais poderem Reuolver nem trestornar as canastras ou seiroes em que Vier E na ditta maneira levaram de quaes quer saues ou peixe descama hum so peixe he nam dous posto que ate ora mais se leuase ou Requerise
O quall direito pagarom todolos almocreues asy de fora como da uila posto que soldem.
E se com quada hum destes pescados ou outros semelhamtes Viese algum peixe escolheito e doutra qualidade ou mor quamtidade nam tomaram dos tres peixes o ditto direito
somemte dos outros de que a moor quamtidade da carga fose tomaram o maior como dito
he E este peixe maior se emtemdera se Viier em besta maior E se for d asno nam leuam
senam a metade de cada hum dos ditos peixes e se for cost
[6v]
vii
56
all per esse Respeito E asy se leuara e emtemdera das outras cargas de pescado abaixo
seguimtes.
E da carga maior de carga de pescado descama em cambos pagaram huum Reall .∫. tres
ceitis dacougajem e outros tres de mordomado E do pescado de couro leuaram omze ceitis
E dos mugens de carga que Vier em canastra se pagara de Vimte hum e se Vierem as costas de trimta huum E da gamella do pescado que se Vemder do Ryo da dita Vila em cestos
ou gamelas pagara huum ceitill em quall quer maneira que se matar dacougajem e mais
leuara do ditto pescado asy Vemdido em gamelas ou cestos o alquaide ou mordomo hum
Reall asy do pescado do dito Ryo como do que se matar no tejo. E dos saues ou de quall quer
outro pescado que se trouxer ao colo pera Vemder pagaram dous ceitis .∫. hum dacougajem
e outro ao mordomo ou alquaide.
E de carga de marisco se pagara hum Real .∫. meio Reall dacougajem e meio Reall ao
mordomo ou alquaide.
E de carga de sardinha que Vier a dita Vila huma duzia de carga maior e de menor a
metade e dy per baixo pes esse Respeito dacougagem e de portajem E de uesugos carapaos e de todo peixe meudo descama hum aRatell de carga maior e de menor a metade e
dy per baixo per esse Respeito dacougajem e de portaiem
E os da uila nem de fora dela no poderom Vemder nenhum pescado nem marisco em
suas casas nem em outras senam se for por licemça da camara e ofiçiaes dela E do pescado
descama sequo se pagara hum peixe como do fresco.
De telha ou tigelo que se trouxer de fora pera Vemder ou se tirar por carga maior hum
Reall.
25
Nota de outra mão.
7v
Nam se pode vender
pescado fresco nem
seco ou marisco sem
Licª. Da Camera.25
telha
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
E da carga maior dos alhos ou cebolas de fora quatro Reais.
E da carga maior do linho em cabelo quatro Reaes.
E da carga da qall ou de bagaco d azeite omze ceitis.
viii
E das escudelas ou madeira laurada asy como tones pipas e semelhamtes pagarom por
carga maior dez Reaes E de cadeiras tauoleiros e semelhamtes E da outra madeira pera
casas laurada ou por laurar por carga maior dous Reaes.
E alem das ditas cousas sam tambem da coroa Reall os cileiros lagares e adegas e o casall
da Rainha e outros foros segumdo estam escritos no liuro dos nosos propios.
Titollo da portajem per cargas e doutras cousas.
Primeiramemte decraramos he poemos por ley jerall em todos os foraes de nosos Regnos que aquelas pesoas ham somemte de pagar portajem em alguma Vila ou lugar que nam
forem moradores e
Vezinhos dele e de fora do tall lugar e termo dele ajam de trazer as cousas pera hy Vemder de que a ditta portajem ouuerem de pagar ou se os ditos homems de fora comprarem
cousas nos lugares omde asy nam sam Vezinhos e moradores e as leuarem pera fora do
ditto termo
E por que as ditas comdicoes senom
[8v]
Ponham tamtas Vezes em cada hum capitolo do dito forall mamdamos que todolos capitolos e cousas Seguimtes da portajem deste forall se emtemdam e cumpram com as ditas
comdições e decrarações .∫. que a pesoa que ouuer de pagar a dita portajem seja de fora da
Vila e do termo e traga hy de fora do dicto termo cousas pera Vemder ou as compre no tall
lugar domde aly nom for Vezinho e morador e as tire pera fora do dito termo.
E asy decraramos que todalas cargas que a diamte Vam postas e nomeadas em carga
maior se emtemdam que sam de besta muar ou caualar E por carga menor se emtemda
carga d asno E por costall a metade da dita carga menor que he o quarto da carga de besta
maior.
E asy acordamos por escusar preloxidade que todalas cargas e cousas neste forall postas
e decraradas se emtemdam decrarem e julguem na Repartiçam e comta delas asy como
nos titollos Seguimtes do pam e dos panos he limitado sem mais se fazer nos outros capitulos a dita Repartiçam de carga maior nem menor nem
57
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
[Parte segunda da “Tabuada”, entre os fólios viii e ix, encadernada no
documento original aquando do restauro]26
Azeyte çera e semelhantes
Fruita seca
Fruita Verde
Palma esparto e semelhantes
Escrauos
Bestas
Lousas de pedra e barro
Do arrecadar da portagem
Entrada por terra
Priuiligiados
Pena do forall
descaminhado
xiii
xiii
xiiii
xiiii
xiiii
xiiii
xb
xb
xb
xb
xbiii
xb
58
costall nem aRous somemte polo titolo da carga maior de cada cousa se emtemdera o que
por esse Respeito e preco de deue de pagar das outras cargas e peso .∫. pelo preco da carga
maior se emtemda logo sem se mais decrarar que a carga menor seria da metade da menor
E asy dos outros pesos e quamtidade segumdo nos ditos capitolos Seguimtes he decrarado
E asy queremos que das cousas que adiamte na (sic) fim de cada hum capitolo mamdamos
que seria pague portajem Decraramos que das taes cousas se nam aja de fazer mais saber
na portajem posto que particularmemte nos ditos capitolos nam Seja mais decrarado
E asy decraramos e mamdamos que quamto algumas mercadorias ou cousas se perderem sor descaminhadas segumdo as leis e comdiçoes deste foral que aquellas somemte
sejam perdidas pera a portajem que forem escomdidas e sonegado ho direito delas e nam
as bestas nem outras cousas.
IX
De todo trigo ceuada cemteio milho paimço aVeia e farinha de cada hum deles ou de
linhaça e de call e sall e de bagaco dazeitona que os homems de fora trouxerem pera Vemder a dita Vila ou termo ou hy os ditos homems de fora as comprarem e tirarem pera fora
do termo pagarom por carga maior .∫. besta caualar ou muar tres ceitis e por carga dasno
[9v]
26
Optou-se nesta transcrição por colocar a “tabuada” exactamente entre os fólios VIIII e IX, correspondente ao documento actual.
Pam Sall
cal bagaco
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
Cousas de que se
nam paga portajem
x
A paga...
casa mouida
[10v]
pasaiem
que se chama menor dous ceitis E do costall que he a metade da besta menor e dahy pera
baixo quamdo Vier pera Vemder hum ceitill
E quem pera fora tirar quatro alqueires E dahy pera baixo nam pagaram E se as ditas
cousas ou outras quaes quer Vierem ou forem em caros ou caretas contar sea cada hum
por duas cargas maiores Se das taes cousas se ouuer de pagar portajem.
A quall portajem se nom pagara de todo pam cozido queijadas biscoito farelos nem de
bagaco dazeitona oVos leite nem de cousas delle que seja sem sall nem de prata laurada
nem de pam
Que trouxerem ou leuarem ao mouiho nem de canas Vides quarqueija tojo palha Vasouras nem de pedra nem baro nem de lenha nem erua nem de carne Vemdida a peso ou a olho
nem se fara saber de nenhuma das ditas cousas nem se pagara portajem de quaes quer
cousas que se
comprarem e tirarem da uila pera o termo nem do dito termo pera a Vila posto que seja
pera Vera27 Vemder asy Vezinhos como nam Vezinhos nem se pagara das cousas nosas nem
das quaes quer peso as trouxerem pêra alguma armada nosa ou feita per noso mamdado
ou autoridade nem de pano e fiado que se mamdar fora a teçer curar ou temgir nem dos
mamtimemteos que os caminhamtes na dita Vila e termo comprarem e leuarem pera seus
mamtimentos e de suas bestas nem dos panos joias que seem prestarem pera Vodas ou
festas nem dos gados que Vierem pastar algums lugares pasamdo nem estamdo saluo
daqueles que hy Somemte Vemderem.
De casa mouida senam ade leuar nem pagar nehum direito de portajem de nen
huma comdiçam he nome que seja asy per aguoa como per tera asy jmdo como Vimdo
saluo se com a casa mouida trouxerem ou leuarem cousas pera Vemder de que se deua e
aja de pagar portajem por que das taes se pagara omde sememte as Vemderem e doutra
maneira nam a quall pagarom segumdo a qualidade de que forem como em seus capitolos
adiamte se comtem.
E de quaes quer mercadorias que a dita Vila ou termo Vierem asy per aguoa como per
tera que forem de pasajem pera fora do termo da dita Vila pera quaes quer partes nam se
pagara direito ninhum de portajem nem seram obrigados de o fazerem saber posto que ahy
descargem e pousem a quall quer tempo e ora e lugar E se hy mais
27
Palavra duplamente rasurada [Vera].
59
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
ouuerem d estar que todo ho outro dia por alguma cousa emtam o faram saber E esta
liberdade de pasajem se nom emtemdera quamdo forem ou Vierem pera fora do Regno por
que emtam faram saber de todas posto que de todas nam aja de pagar direito
Nem pagaram portajem os que na dita Vila e termo erdarem algums bems
60
mouens ou nouidades d outros de Raiz que hy erdasem ou os que hy teuerem bems de
Raiz proprios ou Remdados e leuarem as niuidades e fruitos deles pera fora.
Nem pagaram portajem quaes quer pesoas que ouuerem pagamemtos de seus casamemtos em quaes quer cousas e mercadorias posto que as leuem pera fora e seja pera
Vemder.
Por todolos panos de seda borcado lam linho algodam ou de palma e de todalas Roupas
feitas de cada hum deles se pagara por carga maior Vimte e sete Reaes E por menor treze
Reaes e meio E por costall seis Reaes e cimquo ceitis E por aRoua hum Reall quatro ceitis e
di pera naixo per ese respeito Segumdo se uemder E quem leuar Retalhos dos ditos panos
ou Roupas pera seu Uso nam pagara nada E a carga mayor se emtemde de dez aRouas E a
menor em cimquo E o costall em duas e meia e Vem aRoua a dous Reaes e quatro segumdo
a quall se pagaram quamdo forem menos de costall E asy se fara
Nouidade dos
bems pera fora
XI
Panos delgados
[11v]
Nas outras cousas Soldo a liura Segumdo a quamtidade de que forem.
E da lam ou linho ou seda ja fiados timgidos ou por timgir se pagara como dos ditos panos
e da lam por fiar se pagara somemte seis Reaes por carga maior E da estopa fiada ou por
fiar E dos bargaes trez feltros burell emxerga almafega mamtas da tera e dos semelhamtes
panos grosos e baixos se pagara por carga maior somemte treze Reaes e meio E por menor
seis Reaes e cimquo ceitis E por costall tres reaes e meio que sera de duas aRouas e meia
leuamdo
em dez aRouas a carga maior e per ese Respeito Vira cada aRoua em oito ceitis e di pera
baixo per esse Respeito quamdo Vier pera Vemder Porem quem das ditas cousas ou cada
huma delas leuar pera seu Vso nom pagara portajem E por carga maior de uinho se pagara
hum Reall E do uinagre por esse Respeito.
E do boi tres Reaes quatro ceitis E da vaqua hum Reall cimquo
Ceitis E do carneiro ou porquo dous ceitis e do bode ou cabra ou oVelha hum ceitill E Se as
mães trouxerem criamcas que mam m nam se pagara -/ direito se nam das maes nem Se
pagara de borreguos cordeiros cabritos nem leitoes saluo se de cada huma das ditas cousas
se comprarem e vemderem jumtamemte de quatro cabecas per cima das quaes emtam
lam fiada linho
seda lam por fiar
estopa mamtas e
semelhamtes
Vynho
Gado
XII
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
pagarom por cada huum hum ceitill E do toucinho ou mmarãm que Vemder Jmteiros por
cada huum dous ceitis E emcertado nam pagarom portaJem.
Nem se pagara de carne que se comprar de talho ou emxerqua e de coelhos lebres percaça
dizes patos ades pombos galinhas E de todalas outras aues e caça se nam pagara portaJem
asy polo comprador como Vemdedor.
coirama e obra De coirama cortida asy uaquarill como outra de quall quer sorte que seja E per comseguidellamte de todo cacado obra ou lauor que se do ditto coiro cortido po
[12v]
pilitaria
marçaria
especearia
XIII
metaes
[13v]
Sa fazr de quall quer nome e semtença que se tenha por carga maior Vimte e sete Reaes
E das outras como atras no capitolo dos panos se comtem E quem das dittas cousas leuarm
ate paga de hum Reall nom pagara.
E dos coiros Vaquaris cortidos ou por quortir E de quall quer coirama em cabelo pagaram
somemtem por carga maior treze Reaes e meio e das outras cargas per esse Respeito E
quem das ditas cousas nom semdo pele jinteira Ilhargada ou lombeiro leuar pera seu Vso
qe que deua de pagar meio Reall e di pera baixo nom pagara.
E de peles de coelhos cordeiras martas e de toda outra pelataria ou foros por carga maior
Vimte e sete Reaes E de peliquas e Roupas feitas de peles por quada h a meio Reall E quam
tirar cada huma das ditas cousas pera seu vso nom pagara.
De pimemta e quanela E por toda outra especearia E por Ruy barbo quasy fistola E por
todalas out
Tras cousas de botica E por estoraque e todolos perfumes ou cheiros E por agoa Rosada
e outras agoa estiladas E por acuquar e todalas comfeicoes delle ou de mell E por gram
vrasill e per todalas cousas pera timgir E por veos E por todalas cousas d algodam ou seda E
por todalas cousas de uidro por carga maior das ditas cousas ou de cada huma delas ou de
todalas suas Semelhamtes asy como marcaria e outras taes se pagara Vimte e sete Reaes.
E quem das ditas cousas leuar pera seu vso menos de hum Reall de direito nom pagara.
Do aco fero estanho chumbo latam aRame cobre e por todo outro metall E das cousas
feitas de cada hum deles E das cousas de fero que forem moidas limadas estanhadas ou
emuernizadas por carga maior de cada huma delas Vimte e sete Reaes das quaes nom
pagarom os que as leuarem pera vso ate huum Reall E outro tamto se pagara das feramemtas e armas das quaes leuaram pera seu
Vso as que quiserem sem pagar nenhuma cousa.
E do fero em bara ou em macuquo E por todalas cousas lauradas delle que nom sejam das
acima comteheudas limadas moidas estanhadas ou emuernizadas por carga maior treze
61
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
Reaes e meio e quem as ditas cousas leuar pera seu Vso e de suas quimtams ou Vinhas nom
pagara nada de quall quer quamtidade.
Da cera mell azeite seuo Vmto queijos sequos mamteiga salgada pez Rezina breu cumagre sabam alquatram por carga maior treze Reaes e meio e quem comprar pera seu Vso
ate hum Reall de portajem nom pagara nada E se quada huma das ditas cousas forem ou
Vierem em tones pagarsea per este Respeito de seis cargas ao tonell E per esa maneira nas
outras Vasilhas abaixo E nom pagara nada da louca.
De castanhas Verdes e sequas e nozes ameixas pasadas e figos e Vuas pasadas amemdoas e pinhoems por britar aVelams bolotas mostrar
62
Azeite
Cera e
semelhamtes
fruita
sequa
da limtilhas e de todolos legumes sequos por carega (sic) maior quatro Reaes E quem
tirar menos de dous alqueires pera seu Vso nom pagara.
E de carga maior de laramjas cidras peras cireijas Vuas Verdes e figos e por toda outra
fruita Verde meio Reall E outro tamto se pagara por meloems e ortaliça for menos de meia
aRoua nom se pagara portajem pelo comprador nem Vemdedor.
Da palma esparto jumca ou jumco sequo pera fazer empreita dele ou de obras de tabua
ou fumcho por carga maior seis Reaes e quem leuar de meia aRoua pera baixo pera seu
Vso nom pagara nada E das esteiras alcofas acafates e cordas e de quaes quer obras que
se fizerem das ditas cousas da palma e etc. por carga maior dez Reaes quem tirar de meio
Reall pera baixo de portajem nom pagara.
Do escrauo ou escraua que se uemder treze Reaes e meio E se as maes trouxe
XIIII
rem criamcas que mamem nom pagaram mais delas que polas maes e se troquarem
hums escrauos por outros sem tornar dinheiro nom pagarom e se tornar dinheiro por cada
huma das partes pagarom a dita portajem E a dous dias despois da uemda feita Jram aRequadar com a portajem as pesoas a Isso obrigadas.
Do caualo ou Roçim ou mu ou mula se for Vemdido por menos de duzemtos e sesemta
Reaes pagara treze Reaes e meio e dy pera cima em quall quer quamtidade se pagara Vimte
e sete Reaes por cada huma delas. E da eguoa se pagara tres Reaes e quatro ceitis E do
asno ou asna hum Real e comquo ceitis E este direito nom pagara os Vasalos e escudeiros
nosos e da Rainha ou de nosos filhos E se as egoas ou asnas se uemderem com criamcas
nom pagarom senom polas maes se troquarem humas por outras sem tornar dinheiro nom
pagarom e a dous dias despois da uemda feita Iram aRequadar com a portajem as pesoas
a Iso obrigadas.
[14v]
e toda louca de baro do Regno que nom seja Vidrada a quatro Reaes por carga maior e se
fruita
Verde
palma
esparto
e semelhamtes
escrauo
bestas
XV
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
Cousas de
pedra e baro
for Vidrada a oito Reaes pola dita carga maior E da louca nom Vidrada de fora do Regno aos
ditos oito Reaes por carga maior e se for Vidrada e asy azulelos .∫. a dez Reaes por carga
maior quem leuar pera seu Vso das ditas cousas ate hum Reall de portajem nom pagara E
de mo de barbeiro tres Reaes E de moinhos ou atafanas quatro Reaes E de moer casca ou
azeite oito Reaes E por mos de mam de moer pam ou mostarda hum Reall he quem trouxer
ou leuar cada huma das ditas ditas28 (sic) cousas pera Seu Vso nom pagara nada nem se
pagara de baro nem pera que se leue nem traga per nenhuma maneira saluo de marmores
de leuamte dos quaes se leuara somemte por carga maior hum Reall E pera seu Vso nom
pagaram em quall quer quamtidade que29 as trouxerem ou leuarem.
E as outra cousas comtheudas no forall amtigo da dita Vila ouuemos aquy por escusadas
por senom Vsarem já portamto tempo que nom a delas memoria e alg as
[15v]
delas tem Ja sua prouisam per leis e ordenacoes jeraes destes Regnos.
As mercadorias que Vem de fora pera Vemder nom as descaregarom nem meteram
em casa sem primeiro o notefiquarem aos Rendeiros ou oficiaes da portajem E nom os
achamdo em casa tomaram h seu Vezinho ou pesoa conheçida a quada h dos quaes diram
as bestas e mercadorias que trazem e omde amde pousar he com Isto poderam pousar e
descaregar omde quiserem de noute e de dia sem neh a pena E asy poderam descaregar
na praca ou acougue do lugar sem a dita manifestaçom dos quaes lugares nom tiraram as
mercadoriam sem o primeiro dizerem aos Remdeiros ou oficiaes da portajem so pena de
as perderem aquelas que somemte tirarem e sonegarem e nam as bestas nem as outras
cousas E se no termo do lugar quiserem Vemder faram
Do aRequadar
da portajem
emtrada por tera
outro tamto se hy Remdeiros ou oficiaes ouuer da portajem e seos nom ouuer notefiquem no ao juiz ou Vimtaneiro ou quadrilheiro se os ahy achar ou a dous homes do dito
lugar com os quaes aRequadam sem ser
XVI
Saida por tera
mais obrigado a buscar aos oficiaes nem Remdeiros nem emcorer por isso em alg a pena.
E os que ouuerem de tirar as mercadorias pera fora podem nas comprar liurememte sem
nenh a obrigaçom nem cautela e seram obrigados há as mostrar aos Remdeiros ou oficiaes
quamdo somemte as quiserem tirar e nam em outro tempo E das ditas manifestações de
fazer saber a portajem nam seram escusos os preueligiados posto que a nom ajam de
pagar Segumdo no capitolo Seguimte dos priuiligiados vay decrarado sob a dita pena de
descaminhado.
28
29
Palavra que se apresenta [actualmente] rasurada.
Depois da letra “q” foi sublinhado o sinal de abreviatura e inscrito um “z” minúsculo.
63
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
As pesoas eclesiasticas de todolas Igrejas e moesteiros asy d om es como de molheres E
as prouemçias e moesteiros em que a frades e freiras Irmitaes que fazem voto de profisam
e asy os crelegos de ordens saclas e os beneficiados em ordens meiores que posto que
nom sejam d ordens saclas viuem como crerigos e por taes sam auidos todos os Sobreditos
sam Isemtos priuiligiados de todo direito de portaje
priuiligiados
[16v]
64
Nem Vsajem nem custumajem per quall quer nome que a posam chamar asy das cousas
que uemderem de seus bens ou beneficios como das que comprarem trouxerem ou leuarem
pera seus Vsos ou despesas de seus beneficios casas e familias asy por mar como per tera.
E asy sam libertados da dita portajem as cidades Vilas e lugares de nosos Regnos que se
seguem .∫. a cidade de lixboa
E as Vilas de caminha Vila noua de çirueira Valemça de minho momcam crasto leboreiro
Viana da foz de lima pomte de lima prado barcelos gimaraens pouoa de uarzim gaya do
porto miramda do doyro bargamça freixo espada cimta
Samta maria do azinhoso mogadouro amçiaens chaues momforte de Ryo liure momtalegre crasto Vicemte a cidade da guarda jarmelo pinhell castel Rodrigo almeida castell mendo
Vilar maior Sabugall
XVII
Sortelha Couilham momsamto portalegre maruam aromches campo maior fromteira
momforte Vila Vicosa eluas oliuenca a cidade d euora
Momte mor o nouo laura (sic) pera os vendeiros somemte momcaraz beja noudar moura
almodouuar hodemira os moradores do castelo de çezimbra.
E asy o serem os moradores da dita Vila e termo no dito termo e vila de todo direito de
portajem nem Vsajem nem pasajem nem custumagem por h soldo que amtigamente se
mamdou pagar pollo quall pagara ora toda pesoa omze ceitis d aguora os quaes pagarom
ate o sam joham em quall quer tempo do ano atras que quiserem pera gouuirem do dito
priuilegio e se ate sam joham nom pagarem di por diamte nam escuraram saluo Se primeiro
soldarem.
E asy seram libertados na dita portajem quaes quer pesoas ou lugares que nosos priuilegios tiuerem e mostrarem ou ho trelado deles em pruuica forma alem
dos acima comtheudos.
E as pesoas do dito lugar preueligiados nom tiraram mais o trelado de seu priuilegio
nem o traram somemte certidam feita pelo escriuam da camara e com o selo como sam
Vezinhos daquelle lugar
E posto que aja duuida nas ditas certidoens se sam verdadeiras ou daqueles que as apre-
[17v]
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
sentam poderlheam sobre isso dar juramemto sem os mais deterem posto que se diga que
nom som verdadeiras e se despois se prouar que forom falsas perdera ho escriuam que a
fez ho ofiçio e degradado dous annos pera certa e a parte perdera em dobro as cousas de
que asy emganou e sonegou a portajem a metade pera a nosa camara e a outra pera a dita
portajem de quaes priuylegios vsaram as pessoas nelle comtheudas pelas ditas certidoens
posto que nom vam com suas mercadorias nem mamdem suas precuracoens comtamto
que aquelas pesoas que as leuarem jurem que a certidam he verdadeira e que as taes mercadorias sam daqueles cuja he a certidam que ha presemtarom.
XVIII
pena do forall
E quallquer pesoa que for comtra este nosso forall leuamdo mais direitos dos aquy Nomeados e nomeados ou leuamdo destes maiores comtras das aquy decraradas ho auemos por
degradado por h anno fora da vila e
termo e mais pagem da cadeia trimta Reaes por h de todo ho que asy mais leua pera a
parte a que os leuou e se anno quiser leuar seja a metade pera quem ho acusar e a outra
pera os catiuos E damos poder a quallquer justiça omde acomteçer asy juizes como Vimtaneiros ou quadrilheiros que sem mais proceso nem ordem de juizo sumariamente sabida
a uerdade comdenem os culpados no dito caso de degredo e asy o dinheiro ate comtia de
dous mill Reaes sem apelaçam nem agrauo e sem diso poder conhecer almoxerife nem
comtador nem outro oficiall nosso nem de nosa fazemda em caso que o ahy aja
E se o Senhorio dos ditos direitos o dito forall quebramtar per sy ou per outrem seja
loguo sospemso deles e da jurdiçam do dito lugar se a tiuer
[18v]
Quamto nosa merçe for E mais as pesoas que em seu nome ou per ele fizerem em coreram em as ditas penas he os almoxerifes escriuaes e oficiaes dos ditos direitos que o asy
nom cumprirem perderam logo os ditos oficios e nom aVeram mais outros E portamto
mamdamos que todalas cousas comtheudas neste forall que nos poem por ley se cumpram
pera sempre do theor do quall mamdamos fazer tres h deles deles30 (sic) pera a camara
do comcelho e outro pera o Senhorio dos ditos direitos e outro pera a nosa tore do tombo
pera em todo o tempo se poder tirar quall quer duuida que sobre isso posa sobre vir dado
na nosa Vila de samtarem ao primeiro dia de maio do naçimemto de nosso Senhor Jesu
Christo de mill e quinhemtos e dez. E eu Fernam de pyna…. Da casa do dito Senhor per
mandado espicial de sualteza o fiz fazer concertey e soestprevy e vay escripto em
dezoito folhas como esta.
30
Palavra que se apresenta [actualmente] rasurada.
65
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira
[assinado:] EL REY
foral pera torres Nouas31
XIX
[assinado:] No tombo
Fernam de Pyna (a)
[19v]
Publico deste foral da vila
de Torres novas bj Cxxx por
Rodriguo Arres Vreador.
(assinatura)
[assinado:] Rodericus (b)
torres nouas mil e bj cxxx
(assinatura ilegível)
XX
[em branco]
66
[21v]
[Vistos de Correição:]
Visto em Correjcão em camera
Com os da governança e officiaes della
Em 28 de Majo de 1613
(assinatura ilegível)
(a)
Em correjçao Torres Nouas
15 setembro (ano ilegível)
(assinatura)
Visto em Correiçao Torres novas
Abril 12 1682
(assinatura)
Visto em Correiçam de 1728 encader
31
No final da folha.
(b)
NOVA AUGUSTA
O Foral Manuelino de Torres Novas
esse este foral para que naõ venha a peor
estado e risco de se perderem algumas
folhas
(assinatura: Almeida)
Visto em Correiçao
de 1769 e 1770 (rúbrica)
[cont.19v]
Visto em Correiçao
Torres Novas 29 de Abril de 1820
(rúbricado: Homem)
Visto em Correiçam
Torres Novas de 8 de Setembro de 1827
(rúbricado: Semedo)
Visto em Correiçam
De 12 de Maio de 1826
(rúbricado: Semedo)
Visto em Correiçam
de 1791
(rúbricado: Araujo)
Visto em Correiçam
de 1810
(rúbricado: Valente)
Visto em Correiçam
de 23 de Setembro de 1823
67
NOVA AUGUSTA
Joana Catarina Pereira Rosa
68
4. RELATÓRIO TÉCNICO
Pretende-se com o presente relatório
analisar a preservação e a conservação do
Foral Manuelino, à guarda do Museu Municipal de Torres Novas com o número de
inventário MMTN/374.
O referido Foral esteve exposto na vitrina
nº 3 da sala Tvrres do MMTN desde Setembro de 2006. Foi removido a 21 de Dezembro de 2007 para a Oficina do AHMTN para
que fosse feita a análise do seu estado de
conservação e proposta de intervenção a
nível conservativo.
Após uma primeira análise observou-se
uma intervenção de restauro anterior de
má qualidade, cujas características descreveremos mais adiante.
Do ponto de vista conservativo, é necessário retirar a obra da exposição, visto que
se corre o risco de perder grande parte do
conteúdo manuscrito, caso essa decisão
não seja desde já tomada, tendo em consideração a elevada deterioração dos últimos
anos. A principal razão para este facto é a
inexistência de controlo ambiental dentro
das vitrinas, o que acelera o processo de
degradação químico e físico do material de
suporte da obra, o pergaminho, que necessita de um ambiente bastante específico
(ToC: 15-20, HR%:40+10 e Lux:50).
Em suma, a intervenção proposta para o
Foral é maioritariamente de cariz conservativo, de forma a conseguir-se estabilizar
32
33
ABC of Bookbinding, Jane Greenfield, s.d., pág. 32.
Cadernos cosidos com fio único, que trespassa todos os nervos.
física e quimicamente a obra, através da
elaboração de uma caixa de acondicionamento onde a obra ficará num microclima
controlado devido à inclusão de Art-Sorb®
no interior da mesma.
Identificação do documento
Tipo de documento: Livro
Material de suporte: Pergaminho
Encadernação: Característica dos séculos
VIII a XVI, com ferragens ao centro e aos
cantos com o intuito não só decorativo mas
também de protecção à abrasão.32
Inteira, gofrada, em pele castanha, com nervos salientes, 10 ferragens em latão (4 esferas armilares e 1 brasão de Portugal em
cada pasta) e 2 fechos (dos quais só restam
as partes destes do plano inferior da obra,
correspondentes aos machos).
Instituição detentora: Museu Municipal
Carlos Reis (MMTN)
Lugar: Torres Novas
Data: 1 de Maio de 1510
Dimensões: Capa: 285x200mm
Folha: 277x195mm | Composição: 170x120mm
Descrição
A encadernação é inteira, de couro castanho-escuro sobre pastas em madeira,
gofrada com motivos geométricos e
vegetalistas (flor-de-lis). A costura, à portuguesa33, é feita sobre 3 nervos simples
(provavelmente de pele).
NOVA AUGUSTA
Forais Manuelinos
O corpo deste é composto por 3 cadernos,
o primeiro com 5 bifólios, o segundo com 4 e
o terceiro com 2. Contém ainda três folhas de
guarda no nível superior e duas no inferior.
Na folha de rosto (fólio I), entre duas
esferas armilares, apresentam-se as armas
reais encimadas pela coroa aberta, sobre
um fundo azul na parte superior e verde/
castanho na inferior, que sugerem o céu e
a terra respectivamente. As esferas armilares são douradas, sobre um fundo dividido na vertical cromaticamente (castanho
e cinza) e ambas contêm a inscrição “1510”
nas elípticas [Vide Ilustração 3].
De seguida, sobre um fundo castanho
avermelhado, apresenta-se o nome do rei,
“DOM MANVEL”, em letras maiúsculas de
cor cinza escura.
Por baixo deste conjunto apresenta-se
o início do texto, cercado nos lados e em
baixo por uma barra com flores vermelhas
e azuis, botões de acácia a dourado e folhas
verdes [Vide Ilustração 4].
A escrita do foral é gótica caligráfica
arredondada, sendo a numeração romana
dos fólios, os caldeirões e as capitulares a
vermelho ou azul [Vide Ilustração 5 a e b].
São ainda visíveis ao longo do texto notas
com caligrafia diferente, posteriores, nas
margens dos fólios [Vide Ilustração 5 c],
uma paginação em numeração árabe, também ela posterior e acrescentos ao texto no
fólio XIX verso.
O número de linhas é constante em todo
o documento, vinte e cinco, exceptuando o
início (fólio I) com 12 e o fim (fólio XIX verso)
com 18, às quais foram acrescentadas posteriormente, por outra mão, 3.
Intervenções anteriores
No que concerne à capa da obra, denota-se a intervenção ao nível da coberta, tendo
sido removida na sua totalidade e, posteriormente, colocada sobre couro novo [Vide Ilustração 6]. Este, não sendo da mesma cor que
a original, foi reintegrado cromaticamente
de forma a minimizar o efeito óptico de contraste entre a intervenção e o original.
Ao nível das pastas, é difícil concluir-se
se estas são ou não as originais, visto não
se proceder ao desmanche da obra. No
entanto, pelo empeno que apresentam,
existem duas hipóteses prováveis: 1) na
altura da intervenção anterior as pastas
foram tratadas, desempenadas e reutilizadas; 2) numa segunda possibilidade, foram
colocadas novas pastas que, com o passar
dos anos, empenaram, não só pelo facto de
serem em madeira (o que por si só, devido
a condições de ambiente adversas, já é uma
provável causa para o facto apresentado)
mas, também, devido ao mau adesivo utilizado na aplicação da coberta, que, por ser
demasiado forte, provocar-lhes-ia o efeito
apresentado [Vide Ilustração 7].
No interior da obra é possível observar
intervenções de aplicação de novas folhas
de guarda no nível superior e da volante
inferior [Vide Ilustração 8 e 9], não tendo a
fixa sido também substituída, muito provavelmente, devido ao facto de apresentar
inscrições.
69
NOVA AUGUSTA
Joana Catarina Pereira Rosa
70
Ainda nesta fase, é necessário registarse a presença de orifícios de uma anterior
costura dos cadernos [Vide Ilustrações 10a
e b], que seria uma costura com ponto de
luva e não à portuguesa, como a que apresenta actualmente. O que nos leva a crer ser
ponto de luva é o facto de todos os fólios
apresentarem esses orifícios e estes se
apresentarem na margem e não na dobra
dos fólios (como os da costura actual). Denotam-se ainda alguns preenchimentos de lacunas ao nível do suporte, na zona
que deveria corresponder à parte inferior
da costura anterior, na qual foram utilizados pedaços de pergaminho e um adesivo
(que não nos é possível especificar) não
muito forte, razão pela qual alguns desses
preenchimentos se encontram a descolar.
Com o decorrer da observação exaustiva
da obra34 foi-nos possível concluir que
existiu um erro na ordem de colação dos
fólios para a elaboração da nova costura.
A tabulação (índice) apresentada entre
os fólios VIII e IX, deveria encontrar-se
antes da folha de rosto da obra, fazendo
desta forma a função de guarda volante
superior. Resumidamente, a operação, que
agora podemos datar como sendo anterior
ao ano de 179035, consistiu na colocação do
primeiro bifólio da obra juntamente com
o caderno cujo primeiro fólio seria a folha
de rosto. Deste modo, o primeiro caderno
seria composto por 4 bifólios e não 5, como
se apresenta actualmente. Esta hipótese é
ainda reforçada pelo facto da folha de rosto
apresentar o número 2 no canto superior
direito (numeração esta feita muito provavelmente na altura do desmanche da obra
para a intervenção de restauro de que foi
alvo anteriormente), e o fólio da tabulação
apresentar o número 1.
A numeração actual apresenta-se, assim,
de modo não sequencial, do fólio 9 (correspondente ao VIII) para o 1 e seguido do 10
(correspondente ao IX), que prova verdadeiramente a veracidade das nossas suspeitas
[Vide Anexo – Registo Fotográfico da Obra].
Causas da degradação
Capa
A principal causa de degradação da capa
é o empeno das pastas, resultante não só
do envelhecimento da madeira (de que são
compostas), mas também do adesivo utilizado para a aplicação da coberta em couro,
do original e do utilizado no preenchimento
de lacunas. Muitos são os casos em que a
aplicação de maus adesivos provoca no
suporte degradações quer ao nível químico
quer físico. Neste caso, o resultado foi a
degradação física.
O mesmo tipo de adesivo foi utilizado na
colagem das guardas, resultando no amarelecimento destas aquando da intervenção
de restauro anterior [Vide Ilustrações 8 e 9]
de que falaremos no ponto seguinte.
A transcrição apresentada no Tombo da Alcaidaria-mor, de 1790-1793, da cópia do Foral de D. Manuel I, já apresentava este erro.
Idem.
34
35
NOVA AUGUSTA
Forais Manuelinos
Corpo
O corpo da obra, como já foi anteriormente descrito, é em pergaminho36, não
sendo portanto de descurar uma abordagem (ainda que ligeira), a este material,
pouco conhecido, tanto ao nível da sua proveniência como das suas características
específicas.
É fácil compreender-se as rugas apresentadas pelos fólios da obra [Vide Ilustração 11],
uma vez que o material em causa altera
as suas dimensões e consequente aparência consoante o meio em que se encontra,
por ser higroscópico. Assim, o já referido
36
empeno das pastas [Vide Ilustração 7], provocou o surgimento de espaço no interior
da obra, espaço este que o pergaminho tendeu a ocupar.
Para além dos aspectos relativos à composição dos materiais em questão, se as
condições de exposição e/ou conservação
não forem sujeitas a controlos ambientais
adequados, as oscilações resultam (como
foi o caso) em compressões e distenções
dos materiais.
Outro factor de degradação é a iluminação não controlada da obra. Se o empeno
das pastas não fosse tão notório, poucos
A palavra “pergaminho”, provem do latim pergamena, que decorre do nome da cidade antiga da Ásia Menor, Pergamo, tornando-se
frequente o uso de pergamena no século IV d.C. O mundo grego e romano utilizou largamente o pergaminho, sendo o principal
suporte de escrita para os escribas da Idade Média, até à introdução do papel na Europa desde o século X ou XI. No entanto, só a partir do século XIV, é que o pergaminho foi sendo, lentamente, substituído pelo papel, de que a imprensa multiplicou a necessidade.
Contudo, o pergaminho continuou a ser utilizado em alguns manuscritos, impressões de luxo, documentos de arquivo, diplomas e
em encadernação. Actualmente ainda é produzido, sendo o seu uso bastante restrito: utiliza-se sobretudo em restauro, algumas
vezes para a encadernação e escassas vezes para a escrita. A sua utilização também passa pela construção de instrumentos musicais, como tambores e banjos. O couro e o pergaminho são materiais completamente diferentes, embora ambos provenham da
derme da pele, sendo a sua diferença obtida pelos tratamentos que se fazem a esta. O início do fabrico é comum aos dois materiais.
Denomina-se “trabalho de barrela”, que consiste em reduzir a pele à derme. Primeiro é a “depilação” que desembaraça a pele da
epiderme e dos pêlos que a cobrem, existindo dois processos para este fim: a depilação bioquímica (processo mais antigo) e a
química. Seguidamente, as operações divergem para o couro ou para o pergaminho. Depois de ter permanecido vários dias na cal,
a pele é lavada e os pêlos arrancados, sendo, seguidamente, colocada num bastidor e raspada com um cutelo especial, de forma a
eliminar os últimos resíduos de carne (actualmente estes processos são muitas vezes substituídos pela abertura mecânica da pele,
que lhe dá, desde o início, uma espessura homogénea). A pele seca fica então sob pressão, apertando-se gradualmente as cordas
que a mantêm, para que fique bem esticada. Esticar a pele enquanto esta se encontra molhada modifica profundamente a estrutura
da derme, produzindo-se um novo arranjo das fibras de colagénio, que se dispõem em camadas lamelares, paralelamente à superfície da pele, no sentido das forças de tracção exercidas sobre ela durante a secagem. Esta fase é, sem dúvida, a que mais necessita
de cuidados especiais. Numerosas receitas medievais descrevem o uso do cré, da cal ou de pastas feitas de cal ou de gesso. Todas
estas substâncias têm a propriedade de absorver a humidade e simultaneamente desengordurar. Paralelamente à secagem e ao
desengorduramento, segue-se o polimento, de forma a amaciar a superfície, sendo para este fim utilizada a pedra-pomes. Tal
como o couro, o pergaminho pode ser produzido de qualquer pele animal (inclusive, pele humana), sendo as mais utilizadas as de
cabra, de carneiro e a de vitela; o velino é um pergaminho extremamente fino e liso, produzido com pele de animal recém-nascido,
a vitela, na maioria dos casos por ter um grão muito pouco marcado. O pergaminho, por não ter sido estabilizado pelo curtume
como o couro, é muito higroscópico e, por este facto, está sujeito às variações dimensionais. Por outro lado, os produtos utilizados
no seu fabrico conferem-lhe uma reserva alcalina que lhe permite resistir melhor que o couro à acidez do meio envolvente. [Livros
e Documento de Arquivo – Preservação e Conservação, Françoise Flieder e Michel Duchein, págs. 18 a 23]
71
NOVA AUGUSTA
Joana Catarina Pereira Rosa
seriam os raios luminosos a incidir sobre
o corpo do livro, mas, com esta abertura,
o pergaminho fica exposto a essa fonte de
degradação. A luz é energia, as suas ondas
provocam decomposição dos materiais
orgânicos, sendo as radiações de luz ultravioleta (presentes na luz solar e nas lâmpadas fluorescentes) as mais perigosas. Produz-se, assim, a alteração fotoquímica do
material de suporte e, no caso do pergaminho, a sua transparência [Vide Ilustração 12],
devido à deterioração química deste.
72
Estado de conservação
De uma maneira geral o documento
apresenta-se em bom estado de conservação, quer ao nível da coberta quer do corpo.
O que hoje denominamos por intervenção
anterior de má qualidade, tem de ser analisada no contexto em que foi efectuada.
De facto, não sabemos como teria chegado até nós esta obra caso não tivesse
sido alvo dessa intervenção [Vide Ilustração 1]. Actualmente, a evolução das técnicas
e tecnologias de restauro aconselha a que
se opte por técnicas reversíveis.
O que se apresenta nesta obra é um restauro irreversível pelos materiais utilizados,
o que limita a nossa actuação por se correr,
sempre, o risco de perda, caso se optasse
por uma intervenção mais profunda.
A opção será, assim, preservar o que
chegou até nós, conseguindo estabilizar a
obra, que terá sido o intuito da intervenção
anterior. Tendo em conta que se trata de
um documento do ano de 1510, o estado de
conservação deste é bastante satisfatório,
não se tendo perdido, ao longo do tempo,
a informação nele contida, muito provavelmente devido à intervenção de restauro de
que já havia sido alvo.
Teste de solubilidade dos pigmentos
O teste de solubilidade dos pigmentos
dá-nos informação não só ao nível do tratamento que pode ser efectuado, mas também da exposição que a obra pode ter.
Neste caso, todos os pigmentos apresentados e testados (castanho, vermelho e azul)
são solúveis apenas ao contacto do isopo
[Vide Ilustrações 13a e b], não sendo, portanto,
necessário proceder-se ao teste da abrasão.
Com estes resultados, conclui-se que a
intervenção a desenvolver será apenas de
carácter conservativo. Qualquer tipo de
intervenção directa sobre estes pigmentos
levaria a perdas irrecuperáveis de informação. Deste modo, qualquer procedimento a
efectuar terá de ser apenas nas zonas do
suporte que não contenha elementos gráficos, isto é, nas margens dos fólios.
Outra limitação que a solubilidade dos
pigmentos acarreta é o facto da exposição
cumulativa destes à luz levar ao seu desaparecimento gradual. Daí a percepção, visível a
olho nu, do desaparecimento progressivo dos
pigmentos gráficos. [Vide Ilustração 1 e 4].
PROPOSTA DE TRATAMENTO
Será neste ponto necessário proceder-se
a uma ligeira abordagem às definições dos
termos Preservação, Conservação e Res-
NOVA AUGUSTA
Forais Manuelinos
tauro37 no que respeita à matéria de papel
e documentos gráficos.
Preservação
Engloba todos os aspectos financeiros
e de gestão incluindo a armazenagem em
todas as suas vertentes, questões de pessoal, política, técnicas e métodos envolvidos
na preservação de espécies bibliográficas e
da informação que elas contenham.
Conservação
Engloba políticas e práticas específicas necessárias à protecção das espécies
bibliográficas relativamente à deterioração, destruição e envelhecimento, incluindo
os métodos e as técnicas propostas pelo
pessoal técnico.
Restauro
Diz respeito às técnicas e critérios utilizados pelo pessoal técnico envolvido no
processo de tratamento de espécies bibliográficas, deterioradas pelo tempo, uso ou
outros factores.
Tendo em consideração estes três termos, o tratamento que propomos para a
obra em questão é de carácter conservativo. A intervenção de restauro anterior que
a obra apresenta limita-nos grandemente,
bem como o material de suporte (o pergaminho) que, como já foi referido, traz diversos
problemas do ponto de vista conservativo.
37
38
A deterioração química do pergaminho
é geralmente causada por condições de
armazenagem desfavoráveis e por tintas,
colas e outros materiais impróprios38 adicionados, como é o caso. De facto, o controlo efectivo das condições climáticas e de
armazenamento é essencial para a conservação do couro (de que é feita a coberta)
e do pergaminho, já que a deterioração é,
geralmente, irreversível e existem poucos
meios para o tratamento de restauro.
Desta forma, o plano de intervenção para
esta obra é o seguinte:
• Remoção da obra da exposição;
• Limpeza a seco da superfície;
• Estabilização química das ferragens;
• Limpeza por via húmida (com isopo embebido numa solução aquosa saturada de
Hidróxido de Cálcio) das margens dos fólios;
• Acondicionamento em caixa conservativa rígida (em cartão acid-free e interior
revestido com Art-Sorb®)
Com todos estes procedimentos, a obra
adquirirá estabilidade do ponto de vista
físico e químico. Não sendo, no entanto, de
descurar a sua transferência de suporte.
A transferência de suporte, além de pôr à
disposição cópias que permitam a restrição
da utilização dos originais, desempenha um
papel importante na preservação do conteúdo intelectual de documentos que, pela
sua fragilidade, não podem ser conserva-
Princípios para a Preservação e Conservação de Espécies Bibliográficas, Biblioteca Nacional, 1992, pág. 2
Idem, pág. 25
73
NOVA AUGUSTA
Joana Catarina Pereira Rosa
74
dos no seu formato original.
O microfilme, a fotografia ou cópias digitais podem ser utilizados na substituição
de documentos frágeis ou para a reprodução de espécies únicas ou de grande valor,
evitando a utilização repetida do original.
Este facto tem a vantagem de permitir
aos arquivos fornecer cópias a utilizadores
distantes. Propõe-se a realização de pelo
menos três cópias deste documento:
- A matriz negativa que deveria ser acondicionada com climatização controlada e só
utilizada para a duplicação de negativos;
- Um duplicado negativo a partir do qual
se fariam outras cópias positivas;
- Uma cópia positiva para consulta, ou
para ser depositada noutro local, por questões de segurança.39 Do Foral Manuelino de
1510 foi já realizado o registo fotográfico
em formato digital. O Arquivo Histórico
Municipal encontra-se a desenvolver, neste
momento, a produção de um CR Rom com a
apresentação do Foral que se pretende disponibilizar aos utilizadores interessados.
Se tivermos em consideração as comemorações dos 500 anos deste documento, em
2010, poder-se-ia levar a cabo a elaboração
de um fac-simile. Desta forma permitir-se-ia a toda a população interessada o acesso
livre a uma reprodução fiel do original.
Caso não seja viável este tipo de publicação, uma edição fac-similada, onde seria
incluída a transcrição fiel do original é uma
alternativa a considerar.
39
40
Op. Cit, pág. 21
Op. Cit, pág. 10
CONCLUSÃO
1. Degradação apresentada
Em síntese, o documento apresenta os
seguintes sinais de degradação:
- Empeno das pastas da capa;
- Encarquilhamento do material de suporte (pergaminho);
- Amarelecimento das guardas novas devido ao adesivo utilizado no restauro anterior;
- Oxidação do metal das ferragens;
- Transparência do pergaminho devido à
iluminação de exposição;
- Desaparecimento do pigmento utilizado
na caligrafia.
2. Proposta de acondicionamento/
exposição
Assim sendo, propõe-se o cumprimento
da proposta de tratamento apresentada,
sendo imprescindível o controlo do ambiente
de acondicionamento.
Espécies bibliográficas como o Foral,
com desenhos sensíveis (devido ao uso de
tintas solúveis), não devem acumular mais
de 50 000 lux por ano40.
A hipotética futura exposição do documento
(eventualmente aquando das comemorações
dos 500 anos) deverá obedecer aos seguintes requisitos:
- Temperatura: entre 15 e 20 ºC;
- Humidade Relativa: entre 40 e 50%;
- Iluminação: 50 lux;
- Tempo máximo de exposição total:
1 mês (7 horas/dia).
NOVA AUGUSTA
Forais Manuelinos
Com o supervisionamento técnico pela
Oficina, de forma a evitar degradações que
poderão tomar contornos irreversíveis.
De forma a prevenir sinistros e catástrofes naturais, propõe-se ainda a aquisição de
um armário anti-roubo e incêndio, no qual
o documento seria devidamente acondicionado ficando salvaguardado.
3. Previsão de durabilidade
Desconhecendo as condições de conservação e exposição do documento até ao
momento, não é possível calcular o ritmo
de degradação, ao longo quase 498 anos e,
portanto, sem tais premissas não podemos,
com rigor, apresentar a escala de possíveis
valores para determinar o intervalo de foto­
degradação que o documento apresentaria
num futuro próximo (50-100 anos) caso
fosse possível colocar a hipótese de tal
experimentação.
No entanto, e uma vez que os pigmentos da
tinta empregue na escrita são solúveis, podemos dizer que existe uma relação entre a sua
reduzida capacidade de resistência à iluminação de qualquer tipo (estando fora de questão a iluminação natural ou com lâmpadas fluorescentes sem filtros devido aos raios UV) e
a degradação do material de suporte.
Daí as condições ambientais de acondicionamento e exposição propostas neste
relatório serem as recomendadas, já testadas e aprovadas, pela Biblioteca Nacional de
Lisboa, para materiais sensíveis.
BIBLIOGRAFIA (RELATÓRIO TÉCNICO)
_ DUREAU, J. M. e D. W. G. Clements, Princípios para
a Preservação e Conservação de Espécies Bibliográficas, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1992;
_ FLIEDES, Françoise e Michel Duchein, Livros e Documentos de Arquivo – Preservação e Conservação, BAD,
Lisboa, 1993;
_ GREENFIELD, Jane, ABC of Bookbinding, Oak Knoll
Press – The Lyons Press, s.l., s.d.;
_ S.a., Directrizes para a Preservação e Controlo de
Desastres em Arquivo, Biblioteca Nacional, Lisboa,
2000;
_ S.a., Foral de Torres Novas de 1190, Câmara Municipal
de Torres Novas, Torres Novas, 1990.
75
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira / Joana Catarina Pereira Rosa
REGISTO FOTOGRÁFICO DA OBRA41
76
Ilustrações 1 e 2 _ Documento antes do restauro. Capa/Folha (data prov. das fotos 1940-50)
Ilustração 3 _ Parte superior da folha de rosto
Ilustração 4 _ Parte inferior da folha de rosto
Fotografias tiradas no dia 27 de Dezembro de 2007, com a máquina fotográfica Canon DIGITAL IXUS WIRELESS sem zoom nem
flash, e com iluminação artificial.
41
NOVA AUGUSTA
Forais Manuelinos
Ilustração 5a _ Pormenores da caligrafia
Ilustração 6 _ Canto inferior esquerdo da pasta superior
77
Ilustração 5b _ Pormenores da caligrafia
Ilustração 7 _ Cabeça da obra
Ilustração 5c _ Pormenores da caligrafia
Ilustração 8 _ Guardas superiores
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira / Joana Catarina Pereira Rosa
Ilustração 9 _ Guardas inferiores
Ilustração 11 _ Pormenor do enrugamento dos fólios
Ilustração 10a _ Tabulação e folha de rosto (pormenor da numeração árabe)
Ilustração 12 _ Imagem à contraluz da folha de rosto da obra
Ilustração 10b _ Tabulação e folha de rosto (pormenor da numeração árabe)
Ilustração 13a _ Teste de solubilidade de pigmentos
78
NOVA AUGUSTA
Forais Manuelinos
Ilustração 13 b _ Teste de solubilidade de pigmentos
Ilustração 16 _ Fólios 1v e 2
79
Ilustração 14 _ Foral Manuelino de Torres Novas (capa)
Ilustração 17 _ Fólios 2v e 3
Ilustração 15 _ Primeiro Fólio
Ilustração 18 _ Fólios 8v e 9 (parte da Tabuada)
NOVA AUGUSTA
Maria Elvira Marques Teixeira / Joana Catarina Pereira Rosa
Ilustração 19 _ Fólio 18v e 19
80
Ilustração 20 _ Fólio 19v e 20
81
HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS
Relógios-de-sol em Torres Novas
Vasco Jorge Rosa da Silva*
Os relógios-de-sol começam, finalmente, a ser enquadrados no panorama da
História da Ciência em Portugal. O concelho de Torres Novas é uma das áreas do
País onde ainda faltava fazer um estudo sobre a temática, no intuito de divulgar
um importante património científico-técnico, que é também património histórico
a preservar. No concelho de Torres Novas foi possível encontrar alguns exemplares de interesse, sendo de destacar o da Quinta de Caniços (Brogueira) que é, no
panorama nacional, um relógio raríssimo, uma vez que se encontra provido de
dois mostradores verticais.
*Mestre em História Militar de Portugal. Actualmente, está a elaborar a sua dissertação de
doutoramento sobre a História do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra:
1777-1910, como bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
[email protected]
83
Relógio vertical meridional de Torres Novas. Origem incerta. Numeração por algarismos. Cortesia de José Alberto Borralho.
NOVA AUGUSTA
Relógios-de-sol em Torres Novas
1. ORIGENS E FUNCIONAMENTO DE UM RELÓGIO SOLAR
O relógio-de-sol foi a primeira forma
encontrada pela Humanidade para medir
o tempo de uma maneira mais rigorosa,
permitindo uma maior precisão na organização das suas actividades diárias, nomeadamente agrícolas.
O sistema inicial, remontando à Suméria, à Babilónia, ao Egipto e à China da Antiguidade, consistia numa vara, gnómon, em
Grego, disposta na vertical, isto é, perpendicularmente em relação ao solo, de forma
a que a luz solar incidisse sobre a mesma,
permitindo a projecção de uma sombra no
extremo oposto. À medida que o Sol executava o seu movimento aparente em torno
da Terra, numa translação de vinte e quatro
horas, a sombra deslocava-se no sentido
dos ponteiros do relógio. Aliás, foi este o
motivo que levou ao aparecimento, nos
primeiros relógios mecânicos, inventados
na Idade Média, da deslocação dos ponteiros de uma forma similar ao movimento da
sombra nos instrumentos solares de medição do tempo.
Os relógios-de-sol foram amplamente
utilizados desde o Império Romano. De
igual modo, os Muçulmanos deram um
contributo significativo para o desenvolvimento desta instrumentação. No Ocidente
Medieval, constata-se uma certa redução
no seu fabrico e instalação. Todavia, mesmo
com o surgimento dos relógios mecânicos,
na Idade Média, os relógios solares não
perdem a sua importância, uma vez que
aqueles eram ainda pouco precisos. No
século XVI, os relógios mecânicos continham apenas os ponteiros das horas e os
dos minutos. Dois séculos mais tarde, em
Setecentos, o desenvolvimento da Ciência
Moderna, Mecânica Galilaico-Newtoniana, e
o Iluminismo – Aufklärung, como afirmava
Emmanuel Kant (1724-1804) –, caracterizar-se-ão por novas descobertas científicas e
pela precisão crescente nos mais diversos
tipos de maquinaria. No caso dos relógios
mecânicos, o intelectual inglês, John Harrison (1693-1776), que descobriu o cronómetro1, vai levar, indirectamente, à diminuição do impacto sócio-económico dos já
bem desenvolvidos relógios-de-sol. Assim,
os relógios solares começam a entrar
em desuso, ainda que se mantenha o seu
fabrico, tanto para auxiliar as comunidades
ligadas ao mundo rural, como para aqueles
que, não dispondo de um poder sócio-económico eficaz, não tinham outra forma de
verificar as horas. Os relógios mecânicos,
de grandes dimensões, como os dos edifícios públicos e / ou religiosos, passam a ser
um forte concorrente do relógio-de-sol.
Em termos tipológicos existem dois
grandes grupos de relógios-de-sol, os que
têm a superfície plana e aqueles que estão
providos de uma superfície cónica, interna
Um cronómetro é um relógio mecânico de alta-precisão, constituído pelo ponteiro das horas, dos minutos e dos segundos.
A partir dele é possível determinar a coordenada de longitude.
1
85
NOVA AUGUSTA
Vasco Jorge Rosa da Silva
ou externa. Em relação à superfície de projecção da sombra, estes relógios podem
ser horizontais, verticais directos, os mais
usuais, e os verticais declinados, geralmente
em suportes que não apresentam uma orientação Norte-Sul. Por fim, existem ainda os
polares e os inclinados. Estes posicionam-se
em bases não-horizontais, ou não-verticais.
Nos polares, as superfícies, inclinadas, têm
de ter um ângulo igual ao da latitude do
lugar e um alinhamento Leste-Oeste. Dos
verticais, os mais usuais são os meridionais,
isto é, os que estão virados a Sul (sentido
Norte-Sul), como no caso torrejano.
No que se refere ao seu funcionamento,
86
FIG. 2 _ Pormenor do relógio-de-sol, sobre a aresta esquerda
do templo. Não tem o gnómon, ou ponteiro3.
FIG. 1 _ Relógio solar vertical meridional, em Amoreira, Freguesia de Fátima, 1905, no canto superior direito do telhado do
templo, “alminha”2.
Fotografia obtida pelo Autor, a 5 de Abril de 2007.
Fotografia obtida pelo Autor, a 5 de Abril de 2007.
2
3
o estilete, ou gnómon, projecta, em dia de
sol, a sombra sobre as linhas marcadas na
superfície de um relógio solar. Em torno da
Terra, o Sol tem um movimento aparente
de 24 horas, perfazendo 360°. Deste modo,
porque 360°/24h = 15°, cada linha horária corresponde a 15°. Esta é, portanto, a abertura
exacta que as medidas angulares horárias
devem ter entre si. Apesar dos problemas
levantados pela desigual duração do dia ao
longo do ano, assim como da declinação e da
longitude, que não pode ser corrigida nestes relógios, estes instrumentos mostram
a Hora Solar para um dado local, ou seja, o
NOVA AUGUSTA
Relógios-de-sol em Torres Novas
período de tempo que separa duas passagens do Sol pelo meridiano local, quando
observado ao meio-dia. Como cada hora
é diferente, variando de lugar para lugar,
houve a necessidade de criar o sistema de
fusos horários, postos em prática nos finais
do século XIX. O meridiano de 0° é, desde o
século XVII, o do Observatório Astronómico
de Greenwich, na Grã-Bretanha.
• Dia Solar – Duas passagens consecutivas
do Sol pelo meridiano do lugar. Neste caso,
do meridiano onde se situa o relógio-de-sol.
O Dia Solar é o tempo pelo qual nos orientamos, mas não é o tempo que a Terra demora
a executar o seu movimento de rotação.
Este dia é variável, uma vez que a inclinação da Terra e a sua órbita, elíptica, torna os
dias mais curtos ou mais longos, consoante
os casos. Se alguns dias têm menos de 24
horas, outros, pelo contrário, têm mais;
• Dia Sideral – Tempo que a Terra demora
realmente a executar uma rotação sobre si
mesmo, em 23h 56m 4s 96c;
• Tempo Local Verdadeiro – Tempo marcado pela passagem do Sol pelo meridiano,
num dado local, ao meio-dia. Cada sítio tem
um Tempo Solar Verdadeiro próprio. A partir daqui determina-se o Dia Solar;
• Tempo Solar Médio – Tempo Solar
corrigido de forma a que todos os dias do
ano tenham, de facto, 24 horas4. É o Tempo
medido pelos relógios atómicos, mecânicos, electro-mecânicos e electrónicos.
Assim, o tempo marcado por um relógio-de-sol não é o mesmo que aquele que
é marcado por um relógio atómico, mecânico, electro-mecânico ou electrónico.
87
FIG. 3 _ Relógio solar barroco, existente na Igreja de Santo Isidoro, Mafra, 1738. Estilete em metal5.
2. RELÓGIOS-DE-SOL EM PORTUGAL Em Portugal existem ainda inúmeros
exemplares de relógios solares, se bem
que se encontrem em desuso. A maior
parte deles, porém, data dos séculos XVII,
XVIII e XIX. Aos que não se encontram identificados pelo ano, determina-se a sua antiguidade pela comparação com outros da
mesma época. De facto, tal como para os
estilos arquitectónicos e escultóricos que,
nas Épocas Moderna e Contemporânea,
existiram em Portugal, os relógios-de-sol
Nuno Crato, Suzana Metello de Nápoles e Fernando Correia de Oliveira, Relógios de Sol, Lisboa, CTT Correios, Outubro de
2006, p. 164.
5
http://sombrasdotempo.org/itiner/isidoro_igreja/v/3-br
4
NOVA AUGUSTA
Vasco Jorge Rosa da Silva
88
seguem, como elementos artísticos, os
mesmos princípios. Por este meio, é possível detectar instrumentos barrocos, neoclássicos e românticos.
Os relógios-de-sol são mais elaborados
quando se encontram em espaços de maior
circulação de pessoas, caso das cidades, ou
em edifícios de certa importância social,
deixando evidenciar, por exemplo, o poder-riqueza de uma determinada família. Também surgem em estruturas arquitectónicas
de índole religiosa, nomeadamente igrejas,
conventos e mosteiros. Neste âmbito, Alcobaça, Batalha e Mafra são edifícios religiosos
a ter em consideração. Acontece, porém,
que a maior parte dos relógios-de-sol existentes no País se encontram distribuídos
por aldeias, muitas delas isoladas. Aqui, a
relojoaria é escultoricamente mais tosca e
mais simples, uma vez que esta tinha como
função primordial a regulação sócio-económica de uma determinada comunidade.
Carla Pereira verificou também que, em
alguns locais, os mais idosos ainda orientam as suas actividades agrícolas por meio
desta tipologia de instrumentação. Alguns
idosos, porque ligados ao mundo agrícola,
ainda conseguem determinar as horas a
partir da visualização da altura, ou declinação, do Sol (experienciação).
Parte significativa dos relógios solares
caracteriza-se por possuir uma caixa rec-
tangular ou quadrangular6, com mostradores com as mesmas figuras geométricas,
acrescentando-se também a forma circular.
Motivos vegetalistas, fitomórficos, surgem
nos exemplares mais ligados às actividades
do campo, onde a vegetação escultoricamente representada reflecte a que existe,
em termos reais, nessas zonas. A numeração, mais recente ou mais antiga, pode ser
em numerais romanos, ou em algarismos,
ditos árabes. Em alguns casos, as linhas e
os números, para uma melhor visualização,
encontram-se pintados a preto ou a vermelho. Os estiletes – quando existem –, são
em ferro, Fe, em cobre, Cu, ou em bronze,
Cu + Sn, e encontram-se encastrados nos
mostradores por meio de um orifício apropriado. Uma massa metálica, geralmente
o chumbo, Pb, evita a queda do gnómon7.
De facto, até à centúria de Novecentos, o
chumbo foi utilizado na fixação de outros
metais nas rochas.
O horário contemplado por esses instrumentos abarca as horas VI, VII, VIII, IX, X, XI,
XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX. Antes
e depois destas horas, o Sol não está adequadamente visível, porque ou está na fase
de “nascer”, ou de “pôr-do-Sol”. Como a
declinação não é acentuada, os raios luminosos não atingem o instrumento. Colocar
os relógios a maior altura, permite a observação das horas durante um maior período
Vasco Jorge Rosa da Silva, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Jornal Gazeta Lusófona, Suíça, n.º 99, Ano IX,
Dezembro de 2007, p. 32.
7
Vasco Jorge Rosa da Silva, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Revista Estudos de Castelo Branco (estudo completo), Castelo Branco, SEMEDO – Sociedade Tipográfica, Julho de 2007, n.º 6, pp. 152-165.
6
NOVA AUGUSTA
Relógios-de-sol em Torres Novas
de tempo. Como se compreende, as condições atmosféricas interferem imenso na
determinação das horas a partir de relógios
de índole solar. Em épocas pluviais, ou de
tempo nublado, os instrumentos em estudo
deixam de ser eficazes, perdendo momentaneamente a sua função.
No mundo rural, os relógios-de-sol
podem observar-se – fazendo uso de uma
visão apurada e atenciosa –, por cima de
igrejas e outros pequenos templos, em
casas de pessoas mais abastadas, por cima,
nos telhados, ou nas paredes, ou ainda nas
esquinas das mesmas. Em certos casos,
estruturas como “alminhas” e pequenas
capelas, com a mesma função, como ocorre
em Amoreira, Freguesia de Fátima, 1905,
nas figs. 1 e 2, também se pode observar
este tipo de instrumentos8.
Na procura de relógios-de-sol deve ter-se
em consideração as mais diversas informações, assim como uma enorme capacidade
de observação e análise crítica, uma vez
que a localização deste tipo de objectos se
torna muito difícil de determinar. Visto que
estes instrumentos entraram em decadência, é nas zonas históricas das povoações
que os mesmos se devem procurar. Estruturas disseminadas pelo mundo rural, mas
com uma certa antiguidade são, de igual
modo, aspectos a ter em atenção e, por
isso, passíveis de cuidadosa observação e
análise.
8
Como é evidente, a construção de relógios-de-sol está sujeita a princípios matemáticos, assim como a sua colocação em
determinado local. Contudo, em muitos
dos lugares onde estes objectos têm sido
descobertos, estamos críveis de que eram
utilizados processos simples no posicionamento deste tipo de instrumentação. Francisco Faria de Aragão escreve, em 1805,
uma obra que incide sobre a Horografia ou
Gnomonica Portugeza, a qual explicita a elaboração simples e rápida de um relógio-de-sol. Por serem os mais frequentes e aqueles que se encontram dispostos na Quinta
de Caniços, na Freguesia de Brogueira, e na
aldeia de Alqueidão, Pedrógão, iremos apenas abordar os relógios-de-sol verticais e
horizontais (Castelo de Torres Novas). Aragão (1805) começa por verificar que os relógios verticais, ao contrário dos horizontais,
apresentam aos pedreiros maior dificuldade no seu posicionamento. Por estarem
em paredes, esquinas ou telhados dos mais
diversos edifícios, os relógios verticais
destinavam-se a ser lidos facilmente e ao
longe, pelos transeuntes. No ponto central,
deve colocar-se o estilo, ponteiro. Uma linha
horizontal une dois pontos extremos, com o
estilete ao centro. O comprimento do gnómon, forma dois quadrantes, um para baixo
e outro para cima dessa linha. Do estilete
para baixo, desenha-se, a compasso, a linha
da equinocial. Por baixo, outra linha hori-
Vasco Jorge Rosa da Silva, “Estudo de um Relógio-de-Sol: Amoreira, Freguesia de Fátima”, in Jornal Gazeta Lusófona,
Suíça, Novembro de 2007, p. 31.
89
NOVA AUGUSTA
Vasco Jorge Rosa da Silva
zontal. Em seguida, desenham-se as linhas
correspondentes aos pontos das horas. As
da manhã ficam do lado esquerdo e as da
tarde, do direito. Um relógio-de-sol setentrional é em tudo similar a um meridional.
Todavia, refere Aragão, num instrumento
virado ao Norte, o Sol somente ilumina a
face do mesmo de Março a Setembro, entre
as 6 e as 18 horas. Esta situação explica a
razão pela qual os relógios solares meridionais são os mais frequentes em Portugal.
90
3. RELÓGIOS-DE-SOL TORREJANOS
3.1. Relógio de sol da Quinta de Caniços,
Brogueira
A Quinta de Caniços, hoje Quinta de
São João Baptista, no concelho de Torres Novas, insere-se na freguesia de Brogueira. Em 1768, designava-se por Quinta de
São Caetano. O Colégio Jesuítico de Santo
Antão, em Lisboa, provido de uma cátedra
de Astronomia, recebeu algumas doações
de benfeitores da Quinta de Caniços. Com a
extinção da Companhia de Jesus, em 1759, a
Quinta foi incorporada nos bens do Estado.
A propriedade estava munida de inúmeras
oliveiras, sobreiras, charnecas, hortas e
diversas árvores. Para além das tulhas de
azeitona, dos armazéns de azeite, possuía
ainda um celeiro de pão, entre outros espaços. A Capela de São Caetano é o edifício
religioso da Quinta, que foi da família de São
Paio. Datará dos inícios do século XVI. Hoje,
9
o prédio da Quinta de Caniços encontra-se
em avançado estado de degradação9.
Na Quinta observa-se um relógio-de-sol
que, em termos tecnológicos, é bastante
avançado e preciso. Como se enquadra no
complexo arquitectónico da actual Capela de
São Caetano, ou melhor, de São João Baptista,
é provável que o relógio tenha sido colocado
no ano que se encontra em epígrafe no frontão daquele templo religioso, ou seja, 1686.
Por cima, na base da cruz latina do telhado,
a data de 1714, o que, muito provavelmente,
corresponderá a uma remodelação da
capela, adaptando-a ao estilo barroco, ainda
que simplificado, da transição do século XVII
para a centúria de Setecentos. Assim, o período de colocação do relógio solar terá de
se situar entre aquelas duas datas, embora a
repetição da sigla IHS, quer no relógio, quer
na parte frontal da capela, nos indique tratar-se de um exemplar do ano de 1686. Para
além da sigla IHS, I(esus) H(ominum) S (Salvator), na linguagem jesuíta, ou IH(esu)S, no
discurso cristão, em geral, é possível visualizar, quer no instrumento, quer no templo, os
três cravos com que Jesus foi pregado na
cruz, um em cada mão e um nos pés. É um
símbolo jesuítico.
Este relógio-de-sol apresenta dois lados
para medição do tempo, sendo um virado
ao Sul, fig.4, e outro ao Norte, fig.5. O facto
de o exemplar ser de estrutura circular,
permitia uma incidência de luz solar mais
eficaz nos dois mostradores. Os relógios-
Sobre a Quinta de Caniços, hoje Quinta de São João Baptista, veja-se: http://www.domteodosio.com/po/canicos.html.
NOVA AUGUSTA
Relógios-de-sol em Torres Novas
FIG. 4 _ Relógio vertical, secção meridional, da Quinta de Caniços, Brogueira10.
-de-sol circulares são frequentes na transição do século XVII para o seguinte, Período
Barroco, assim como na primeira metade
da centúria de Oitocentos, Período Romântico. Na parte meridional, observam-se três
círculos concêntricos. O mais interno, inclui,
por baixo de uma cruz latina, a sigla IHS.
Por fim, os três cravos. Entre o círculo de
menor raio e o seguinte estão localizados
os numerais, romanos, correspondentes às
horas. À esquerda, as horas da manhã, IV,
IIV, IIIV, XI11, X, XI e XII. À direita, as da tarde,
I, II, III, IIII, V e VI. As seis horas da manhã, ou
da tarde, correspondem ao limite do relógio solar vertical meridional (a partir daqui,
a fraca altura do Sol, não permite a respectiva leitura horária). Finalmente, entre o
segundo e o terceito, último, círculo, observam-se as linhas correspondentes à altura e,
deste modo, à inclinação da sombra do Sol.
Às seis horas da manhã-tarde, a sombra da
nossa estrela apresenta-se praticamente
paralela em relação ao solo. Pelo contrário,
ao meio-dia, quando o astro atinge a sua
altura máxima, a sombra posiciona-se de
uma forma perpendicular relativamente ao
chão. Na base, fora dos círculos, segue-se
o que parece ser, ainda que surjam muitas
dúvidas, uma data, 1687.
Na parte virada ao Norte, fig. 5, os mesmos três círculos concêntricos caracterizam a respectiva face do relógio-de-sol
da Quinta de Caniços. Por conseguinte, a
informação neles contida difere da da parte
meridional. No interior do primeiro círculo,
a sigla AM, com as letras sobrepostas. Significa A(vé) M(aria), ou, quando sobrepostas, MA(aria), pelo que poderá ser também
Fig. 5 _ Relógio vertical, secção setentrional, da Quinta dos
Caniços, Brogueira12.
Fotografia obtida pelo Autor, a 23 de Maio de 2007.
Os números estão dispostos ao contrário e, por isso, devem ser lidos como 6, 7, 8 e 9.
12
Fotografia obtida pelo Autor, a 23 de Maio de 2007.
10
11
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NOVA AUGUSTA
Vasco Jorge Rosa da Silva
92
esta a leitura correcta. Do lado esquerdo
da sigla, a letra J, em ponto mais pequeno,
e, do lado direito, um S, ou seja, JS. O
que poderá significar J(esu)S, o filho de
Maria. Assim, todos estes parâmetros
religiosos enquadram, efectivamente, o
relógio-de-sol no ambiente sagrado da
Capela de São João Baptista.
Na parte da frente, do lado esquerdo do
relógio, no segundo círculo, as horas VIII,
VII, VI, V e IIII. Na da direita, VIII, VII, VI, V e
IIII. No círculo seguinte, os traços da inclinação da sombra, face à altura do Sol. Tendo
em conta que o estilete, ou gnómon, estaria
na confluência das linhas de inclinação da
sombra solar, portanto, no vértice inferior
da letra M da sigla, este sistema permitia
contar as horas a partir das 4 da manhã,
mais do que o permitido pela distribuição
anual das horas diurnas-nocturnas. Repare-se que, no sistema numeral romano, o quatro vem representado como IIII e não como
IV. Cada número está separado do anterior
e do posterior por um ponto, localizado a
meia-altura das letras. Os relógios solares
virados ao Norte permitem a leitura das
horas de princípio e fim dos dias de Primavera e de Verão, quando o Sol não incide, a
essas horas, nos mostradores virados a Sul,
meridionais.
Um exercício experimental, baseado no
uso de uma fonte luminosa, incidindo lateralmente em relação a um bloco de rocha,
de superfície lisa, permitiu-nos concluir
13
Fotografia obtida pelo Autor, a 23 de Maio de 2007.
que o sistema usado no relógio-de-sol da
Quinta de Caniços, poderia tornar – uma
vez que não se destrinçam os pontos de
convergência das linhas de inclinação da
sombra do Sol – desnecessária a existência
de ponteiros, o que seria muito estranho.
Um relógio-de-sol sem estilete! Como descobrir, então, onde os mesmos deveriam
estar, se ainda existissem? Através da ligação das linhas diagonais, nas faces meridional e setentrional.
Deste modo, o ponto de convergência
localizar-se-á, na fig. 6, virada a Sul, na
parte superior do segundo círculo. A linha
perpendicular ao solo, que é atingida pela
sombra do Sol ao meio-dia local, atravessa
o centro da cruz. Acontece, porém, que
uma análise minuciosa não permite visualizar qualquer orifício, onde deveria estar
o ponteiro, o que não seria muito difícil
de detectar, pois os pequenos pontos que
Fig. 6 _ Linhas que convergem para um ponto central, onde,
supostamente, estaria o ponteiro13.
NOVA AUGUSTA
Relógios-de-sol em Torres Novas
separam os numerais romanos notam-se
perfeitamente. Para o ponteiro do Norte,
as linhas são convergentes para um ponto
central, localizado imediatamente abaixo da
letra M, dentro do primeiro círculo.
O relógio-de-sol da Quinta de Caniços
apresenta precisão no desenho das linhas,
o que comprova o grau de cultura do próprio canteiro e daqueles que, pertencendo à
Companhia de Jesus e ao Colégio de Santo
Antão, leccionavam aulas de Astronomia,
em Lisboa. Fazendo uso do compasso, o
canteiro desenhou os círculos. As restantes linhas, quase todas rectas, horizontais,
verticais e diagonais, foram marcadas com
régua e esquadro, em pequenos pontos, disseminados pelos dois mostradores e incluídos na própria escultura. Na face meridional, o ponto onde o símbolo da cruz assenta
sobre o H, da sigla IHS, parece ser um ponto
de convergência de linhas. Por fim, uma
vez efectuadas as marcações, procedia-se
ao trabalho de elaboração dos sulcos, com
martelo e cinzel, na rocha calcária.
No que diz respeito ao facto de haver
relógios-de-sol verticais, simultaneamente
meridionais e setentrionais, os mais raros,
como o que acima foi estudado, deve-se à
necessidade de obter as horas para o princípio-fim do dia, assim como durante todo
o período diurno. Nuno Crato estabelece as
seguintes definições:
• Relógios-de-sol verticais meridionais – “funcionam cabalmente quase todo
14
o ano. Apenas não permitem a leitura das
horas do princípio e do fim do dia, quando o
Sol está a Norte da linha Este-Oeste, o que
acontece entre o equinócio da Primavera e
o do Outono”;
• Relógios-de-sol verticais setentrionais – “funcionam exactamente nos períodos de princípio e fim do dia de Primavera
e de Verão em que o Sol não incide sobre os
mostradores meridionais”14.
Se, em termos gerais, os relógios-de-sol
verticais, com estilete perpendicular ao
mostrador, são os mais comuns em Torres
Novas, também podemos observar relógios
solares com os respectivos ponteiros com a
inclinação do lugar. Um exemplar deste tipo
encontra-se no Alqueidão, na freguesia de
Pedrógão, concelho de Torres Novas.
3.2. Relógio-de-sol de Alqueidão, Pedrógão
Sempre que se localizam na esquina de
um edifício, devido à não-orientação Norte-Sul dos locais onde os mesmos estão instalados, os relógios solares caracterizam-se
por um gnómon com uma certa inclinação,
de modo a que a sombra possa, efectivamente, abarcar, em qualquer época do ano,
o diâmetro do mostrador do instrumento.
Estando o relógio orientado no eixo Norte-Sul, seja meridional, seja setentrional, um
ponteiro perpendicular ao mostrador só faz
sentido se tiver um tamanho suficiente, isto
é, cuja sombra causada pelo mesmo percorra todo o diâmetro do respectivo relógio.
Nuno Crato, Suzana Metello de Nápoles e Fernando Correia de Oliveira, Ob. cit., p. 85.
93
NOVA AUGUSTA
Vasco Jorge Rosa da Silva
94
Fig. 7 _ Relógio-de-sol meridional de Alqueidão, Freguesia de
Pedrógão. Edifício religioso15.
Fig. 8 _ Relógio-de-sol meridional de Alqueidão, Freguesia de
Pedrógão. Edifício religioso16.
Todavia, quanto maior é o estilete, maior é a
facilidade com que se pode quebrar.
O relógio do edifício religioso de Alqueidão, freguesia de Pedrógão, concelho de
Torres Novas, situa-se, como se pode observar na fig. 7, na esquina direita da estrutura
arquitectónica. Não estando datado, nele
observa-se um mostrador rectangular com
uma cercadura a separar as linhas das horas
e os algarismos. No interior da cercadura,
onde se encontra inserido o gnómon, um
círculo simboliza o Sol, enquanto que cada
linha horária tem a ver com os próprios
raios, estilizados, emitidos pela estrela, G2.
O sistema horário, baseado em algarismos e não em numeração romana, vai das
cinco horas da manhã às sete da tarde. À
esquerda, os algarismos das horas matinais, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12. Na parte direita,
as horas da tarde, 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Cada
numeral está separado do que o antecede,
ou precede, por um ponto, a meia-altura.
Todavia, o relógio é mais preciso ainda,
pois permite também a medição das meias-horas, em traços de menor comprimento.
Para que o relógio do Alqueidão pudesse
ter uma face paralela à parede, não-meridional, as horas do mostrador não seriam
as mesmas, devido à incidência dos raios
solares. Por este meio, somente um sistema composto por dois relógios verticais
declinantes, um com as horas da manhã,
na esquina da esquerda, e outro com as da
tarde, na esquina da direita, com estiletes
Fotografia obtida pelo Autor, a 26 de Maio de 2007.
Fotografia obtida pelo Autor, a 26 de Maio de 2007.
17
Fotografia obtida pelo Autor, a 26 de Maio de 2007.
15
16
Fig. 9 _ Relógio-de-sol meridional de Alqueidão, Freguesia de
Pedrógão. Edifício religioso17.
NOVA AUGUSTA
Relógios-de-sol em Torres Novas
inclinados, poderiam resolver a situação.
Os mostradores teriam de ter um ângulo
de 90º entre si e uma direcção Este-Oeste.
• Relógio-de-sol vertical declinante
– “relógio solar de mostrador vertical não
perpendicular à direcção Norte-Sul”18.
O gnómon, em metal, apresenta-se numa
estrutura sólida e reforçada na base. Se
é muito provável que o relógio-de-sol do
Alqueidão remonte ao século XVIII, o ponteiro, por sua vez, parece ser mais recente.
Este ponteiro que, na figura 9, marca um
horário situado para lá das 12:30h, não corresponde aos relógios mecânicos, electromecânicos, ou electrónicos que usamos. Na
verdade, enquanto o relógio solar marca a
Hora Solar, para o meridiano do local, os
nossos relógios marcam a Hora Legal, que
é superior em mais de uma hora relativamente à do relógio-de-sol e controlada por
um Relógio Atómico existente no Observatório Astronómico da Universidade de
Lisboa19. De facto, quando, por exemplo, a
15 de Agosto, o relógio-de-sol do Alqueidão
marca as 12 horas, num relógio mecânico,
electro-mecânico ou electrónico, são 13h
41,03m. Uma hora a mais resulta da Hora
de Verão, enquanto que os quarenta e um
minutos se devem ao facto de o Alqueidão
se encontrar a 9º 8’ a Oeste, longitude, de
Greenwich, o meridiano de zero graus.
Assim, há que adicionar mais 36,53 minutos. Por fim, acrescenta-se 4,5 minutos, o
que dá, efectivamente, 13h 41,03m20. Carla
Pereira 120 (2004) salienta que os relógios
solares não apresentam as mesmas horas
dos relógios que usamos por cinco razões:
• Longitude;
• Órbita elíptica da Terra;
• Variações na velocidade de translação
da Terra;
• Inclinação do eixo da Terra relativamente à eclíptica;
• Hora de Verão21.
3.3. “Relógio-de-sol” do Castelo de Torres
Novas
Os relógios-de-sol horizontais, menos
frequentes e menos antigos, encontram-se
essencialmente em jardins e varandas de
edifícios públicos e privados. Um gnómon,
ou ponteiro, tem um ângulo de inclinação
igual ao do eixo da Terra, ou seja, 23,5º. Os
mais antigos remontam, no seu geral, ao
século XVIII. Recentemente, algumas câmaras municipais têm feito relógios deste tipo,
para colocar em jardins públicos. Assim,
é no jardim no interior do Castelo de Torres Novas, que encontramos o que parece
ser um imponente relógio solar. Acontece,
porém que o provável ponteiro, representado por uma enorme árvore, não apre-
Nuno Crato, Suzana Metello de Nápoles e Fernando Correia de Oliveira, Ob. cit., p. 164.
Sobre o Observatório Astronómico de Lisboa, na Tapada da Ajuda, veja-se: www.oal.ul.pt
20
Vasco Jorge Rosa da Silva, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Jornal Gazeta Lusófona, Suíça, n.º 99, Ano IX,
Dezembro de 2007, p. 32.
21
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=2909&op=all
18
19
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Vasco Jorge Rosa da Silva
96
Fig. 10 _ Relógio solar horizontal, no jardim do Castelo de Torres Novas22.
Fig. 11 _ Secção em rocha. Jardim no interior do Castelo de Torres Novas24.
senta a inclinação do eixo da Terra, os tais
23,5º, ou 23º 30’, vinte e três graus e trinta
minutos de arco. Torna-se, assim, um relógio analemático, funcionando apenas uma
parte do ano. Na realidade, para que um
relógio-de-sol analemático funcione com
rigor todo o ano é necessário:
• que as marcações das horas se situem
no plano horizontal sobre uma elipse, sendo
cada hora indicada por um ponto em vez de
uma linha;
• que o gnómon se desloque ao longo do eixo
menor da elipse sobre uma escala graduada
com a indicação das diferentes datas23.
Ora, no relógio do jardim do Castelo não
observamos o mostrador em forma de
elipse, mas sim em forma de círculo. Por
outro lado, apesar de o ponteiro, constituído pela árvore, ser vertical, este não se
apresenta móvel. Que problemas resultam
daqui?
No seu geral, resultam dois problemas: o
comprimento da sombra varia ao longo do
dia (1), e a mudança de direcção da mesma
ao longo do ano (2). Na verdade, para que
um relógio-de-sol analemático funcione, o
ponteiro tem de ser mudado todos os dias,
de forma a que a hora seja acertada diariamente.
Na fig. 11, pode observar-se uma secção
do círculo empedrado no “relógio-de-sol”
do Castelo de Torres Novas. Aí, em Latim,
lê-se “SINE SOLE SILEO”. Em Língua Portuguesa significa, em tradução livre, “Sem Sol,
impera o silêncio”. Ou seja, só com Sol é possível a vida. Sem aquela estrela, tudo morre.
Das restantes freguesias torrejanas consultadas, através das respectivas Juntas, fui
informado de que as 4 paróquias urbanas
não apresentam quaisquer relógios solares.
De igual modo, as freguesias de Chancelaria
e Lapas também não incluem no seu patri-
Nuno Crato, Suzana Metello de Nápoles e Fernando Correia de Oliveira, Ob. cit., p. 120.
Fotografia obtida pelo Autor, a 24 de Maio de 2007.
24
Fotografia obtida pelo Autor, a 24 de Maio de 2007.
22
23
NOVA AUGUSTA
Relógios-de-sol em Torres Novas
mónio histórico nenhum exemplar de relógios-de-sol. Agradece-se a informação dada
por Rita Rocha, de Riachos, Ema Alves, de
Brogueira, e Anabela, de Pedrógão. Um agradecimento também a José Borralho e Margarida Moleiro, respectivamente, do Museu
e do Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial da Câmara Municipal de Torres Novas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sendo ainda um estudo muito recente, os
relógios-de-sol começam, finalmente, a ser
enquadrados no panorama da História da
Ciência em Portugal. Geralmente, as poucas
obras de âmbito nacional sobre a temática
investem essencialmente na análise deste
tipo de instrumentos, presentes em importantes edifícios. No Norte do País, por sua
vez, têm sido inventariados, com o auxílio da
Universidade do Porto, algumas centenas de
exemplares. Uma quantidade significativa
destes encontram-se em zonas agrícolas,
pois a necessidade de regular as actividades
do campo assim o exigia. Por outro lado, na
zona localizada entre Coimbra e Santarém,
passando por Leiria, não se tem abordado,
ainda, devidamente este assunto.
O concelho de Torres Novas inseria-se,
precisamente, no âmbito das áreas do País
onde ainda faltava fazer um estudo sobre a
temática, no intuito não somente de divulgar um importante património científico-técnico, podendo ser enquadrado no Projecto Ciência Viva, mas, de igual modo, um
património histórico a preservar. Foi o que
se pretendeu com este estudo.
Não se afigura fácil a detecção de relógios
solares, pois, para além de terem já perdido
a importância de outrora, encontram-se
em locais para os quais pouca atenção se
dá, nomeadamente nas paredes de certos
edifícios, nas esquinas e até por cima dos
telhados. Por isso, é preciso ir ao terreno,
observar cuidadosamente, estabelecer diálogo com as populações que conhecem as
localidades onde vivem.
No concelho de Torres Novas foi possível
determinar a existência de alguns exemplares magníficos, sendo de destacar o da
Quinta de Caniços, na Freguesia de Brogueira.
Em termos nacionais, trata-se de um relógio
raríssimo, uma vez que se encontra provido
de dois mostradores verticais, sendo um
meridional e outro setentrional. À excepção
do relógio-de-sol do reduto amuralhado de
Torres Novas, onde existe um instrumento
disposto na horizontal, todos os demais apresentam uma orientação Norte-Sul, relativamente à bússola. São designados por relógios-de-sol verticais meridionais.
Uma vez que se trata de um trabalho
exaustivo, procurou-se abordar aqui apenas alguns instrumentos. Para que o estudo
tivesse uma percentagem realmente eficaz,
no que respeita à inventariação dos relógios
solares, era fundamental proceder-se a uma
observação aldeia por aldeia, resultando
num trabalho muito moroso. Deste modo,
fica sempre em aberto a oportunidade de
incluir, em futuros trabalhos, outros exemplares que venham a ser descobertos em
Torres Novas e seu concelho.
97
NOVA AUGUSTA
Vasco Jorge Rosa da Silva
BIBLIOGRAFIA
98
1. Fontes e Estudos
_ ARAGÃO, Francisco de Faria e, Horografia ou Gnomica Portugueza a qual contem a theoria e juntamente a pratica de
fazer relogios solares pelos methodos mais faceis para os curiosos desta materia, Lisboa, Impressão Régia, 1805;
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_ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Os Relógios, as Horas e os Portugueses”, in Jornal Diário de Coimbra, Coimbra, 16 de
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_ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Revista Estudos de Castelo Branco,
Castelo Branco, SEMEDO – Sociedade Tipográfica, Julho de 2007, n.º 6;
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2007;
_ ZINNER, Ernst, Alte Sonnenuhren an europäischen Gebäuden, Wiesbaden, Franz Steiner, 1864.
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_ http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=2909&op=all;
_ http://www.domteodosio.com/ po/canicos.html;
_ http://www.oal.ul.pt/;
_ http://sombrasdotempo.org/itiner/isidoro_igreja/v/3-br.
99
HISTÓRIA DA ARTE
A evolução dos revestimentos artísticos em interiores sacros privados
do concelho de Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
Diana Gonçalves dos Santos*
Os revestimentos artísticos que habitam os espaços sacros privados, ao
serem, por excelência, elementos associados ao requinte, correspondem
a um gosto artístico cultivado num determinado tempo, o qual se relaciona
com códigos sociais concretos e com contextos culturais e de mentalidades
muito particulares. A partir de seis capelas privadas existentes no concelho
de Torres Novas, e seguindo uma linha evolutiva, far-se-á uma abordagem às
nuances estéticas verificadas nos seus interiores as quais residem, principalmente, nos revestimentos artísticos aí aplicados.
*Investigadora. Licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade
do Porto [FLUP], pós-graduada em Recursos Patrimoniais e Mestre em História da Arte em
Portugal pela mesma instituição.
[email protected]
101
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
INTRODUÇÃO
O assunto sobre o qual as seguintes
páginas foram redigidas gravita em redor
do tema da Arquitectura Religiosa Privada,
um campo que serve os interesses da História da Arte e cuja investigação se encontra actualmente numa fase embrionária ao
nível do panorama nacional.
O objecto de estudo aqui tratado refere-se, exclusivamente, à área geográfica do
concelho de Torres Novas e a definição
da sua abordagem resultou da análise aos
dados reunidos sobre os edifícios arquitectónicos de função religiosa em contexto
doméstico aí existentes.
Foram ponderadas todas as relações que
poderiam advir da comparação entre os
vários edifícios com os quais se contactou
directamente através de um trabalho de
campo exaustivo1. Partindo das informações recolhidas2, concluiu-se, num primeiro
patamar, tratar-se de espaços sacros
privados com diferentes enquadramentos arquitectónicos nos vários contextos
domésticos [quer em meio rural, quer em
meio urbano], facto que fez remeter para
as questões respeitantes à dimensão simbólica da sua presença nesses meios. [Ver
Quadro 1] Verificou-se ainda que a maioria
das capelas privadas do concelho apresen-
tavam, no seu interior, pormenores decorativos diversos e variados, à partida datáveis
de épocas históricas distintas, avaliando-se
alguma qualidade estética em certos casos.
[Ver Quadro 2]
Considerou-se, portanto, ser de todo
o interesse a análise dos revestimentos
artísticos in situ, quer do ponto de vista
histórico, quer na sua abordagem técnico-artística. Por, no conjunto, ser rica a variedade de suportes e formas, assim como
flagrante a diversidade de estilos artísticos
presentes nesses micro-espaços sacros,
constituindo os revestimentos o veículo
para o entendimento de uma evolução da
concepção artística daquele conjunto de
interiores, seria importante o seu conhecimento, tendo em vista a sua valorização
no contexto do enriquecimento do conjunto
dos recursos patrimoniais de que o concelho de Torres Novas dispõe.
Deste modo, o assunto em análise pretende
contribuir para a valorização do tratamento
dos revestimentos artísticos no recente
capítulo da Arquitectura Religiosa Privada,
ao mesmo tempo que ambiciona poder
auxiliar no conhecimento de um conjunto de
edifícios que, sobretudo, pela diversidade
artística dos seus interiores, vem enriquecer
o património cultural da sua região.
Agradecemos a todas as pessoas e entidades que, em 2002, nos abriram as portas dos imóveis visitados, no âmbito de um trabalho
de investigação para a disciplina de Seminário de Projecto da Licenciatura em História da Arte [FLUP]. Sem a sua boa vontade,
confiança e disponibilidade, não teria sido possível a concretização deste estudo.
2
Os dados recolhidos foram integrados num inventário elaborado como resultado dessas incursões. Ressalve-se que não foram
disponibilizadas quaisquer fontes primárias directamente respeitantes aos objectos que foram inventariados. Contudo, consideramos da maior importância a necessidade de as ter em conta no futuro.
1
103
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
A partir da macro-esfera dos interiores sacros privados do panorama nacional
português, parte-se para a micro-esfera
do concelho de Torres Novas, procurando
enunciar o que tem de comum e particular
em relação ao quadro geral.
Quadro 1
Capelas privadas do concelho de Torres Novas
Datação e situação em relação ao contexto doméstico
FREGUESIA
Brogueira
DATAÇÃO
SÉC. XVII
SÉC. XVIII
SÉC. XIX
ISOLADA
1
1
1
1
3
1
INTEGRADA
1
Pedrógão
104
SÉC. XX
1
Paço
Ribeira Branca
SITUAÇÃO DE IMPLANTAÇÃO
1
Salvador
1
Santa Maria
1
2
Santiago
1
1
1
1
São Pedro
1
1
1
Quadro 2
Capelas privadas do concelho de Torres Novas com a presença de revestimentos artísticos in situ
FREGUESIA
QUINTA/CASA
ORAGO
FUNDAÇÃO
REVESTIMENTOS
Paço
Casa dos Vargos
Santa Ana
1726
Talha, Azulejo e
Pintura mural
Pedrógão
Quinta de St.º António
Santo António
1588
Pintura mural
Ribeira Branca
Quinta de N.ª S.ª da Paz
Santo António
Século XVIII
Azulejo
Casa Mogo de Melo
N.ª S.ª da Piedade
Século XVIII
Estuques
Quinta do Carril
Santa Quitéria
Século XVIII
Talha, Azulejo
Quinta de St.º António
Santo António
c. 1896
Pintura mural, Talha
Salvador
Santa Maria
Santiago
3
Com fundação no século XVI [1588] e remodelada em 1818.
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
I. CONTEXTUALIZAÇÃO DO Espaço Sacro
PRIVADO NA ARQUITECTURA CIVIL 1. Breve delimitação de alguns conceitos
tipológicos da arquitectura civil
Ao tratar a Arquitectura Religiosa Privada é necessário considerar as definições
dos termos relativos às variantes tipológicas da Arquitectura Civil, visto a capela
privada estar, necessariamente, associada
a esse género de edificações.
Relativamente aos objectos de estudo
aqui analisados e ao âmbito geográfico em
que se inserem, importa identificar o meio
onde se inserem, o que torna, consequentemente, necessária a elucidação de determinados conceitos. Para aplicação à esfera
geográfica do concelho de Torres Novas,
Solar, Quinta de Recreio e Casa Nobre surgem como conceitos obrigatórios a ter em
conta, paralelamente ao de Quinta.
Anne de Stoop na sua obra Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa elucida de uma
forma concisa um conjunto de termos cujos
limites, por vezes, se confundem. São eles
Quinta, Palácio, Paço, Solar e Casa Nobre.
«A maior parte destas residências são
integradas num domínio agrícola, rodeado de
muros: uma «quinta» – palavra que engloba
assim a herdade, a casa e os jardins. Mas,
às vezes, por extensão, uma quinta designa
também uma propriedade onde a habitação
é apenas acompanhada por um parque. A
palavra palácio é utilizada para um edifício
duma certa importância [...], paço se o rei aí
habitou, solar quando uma família teve aí a
sua origem, casa nobre ou casa se aí reside
um fidalgo ou uma pessoa de uma certa
categoria»4.
Relativamente ao conceito de Solar, José
Sarmento de Matos refere ainda que a ele
associa especificamente «a nobreza de província», constituindo a sua residência principal, em meio rural ou urbano, resultando,
respectivamente, as subdivisões Solar
urbano e Solar campestre.5
Quinta de Recreio é uma outra designação, associada ao meio peri-urbano e rural,
que se refere a uma residência secundária
da nobreza de cidade, onde a «aristocracia
cortesã [...] aproveitará [...] para dar largas
aos seus propósitos ostentatórios, limitados
nas residências urbanas por uma apertada
malha urbana»6. No que respeita à esfera
geográfica do concelho de Torres Novas,
indique-se, desde já, que nesta categoria
estamos na presença de um caso óbvio
deste tipo, a Quinta da Torre de Santo
António, também conhecida por Quinta do
Marquês.
Palácio e Casa Nobre são também termos que devem ser tomados em conta
nesta nossa breve tentativa de elucidação
de conceitos associados à Arquitectura
STOOP, Anne de – Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa. Barcelos: Livraria Civilização Editora, 1986, p.11.
MATOS, José Sarmento de – Solar. In Dicionário de Arte Barroca. Lisboa: Ed. Presença, 1989, pp. 458-460.
6
MATOS, José Sarmento de – Quinta de Recreio. In Dicionário de Arte Barroca. Lisboa: Ed. Presença, 1989, pp. 398-399.
4
5
105
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
FIG.1 _ Fachada da Casa Mogo de Melo com a Capela de Nossa
Senhora da Piedade em destaque. Fotografia do Autor [FA]
106
Civil, sendo referentes a tipos de residência, permanente ou sazonal, das elites
nobiliárquicas ou clericais. Enquanto que
o Palácio tem uma imponente dimensão e
um tratamento arquitectónico bastante cuidado no seu requinte interior e exterior, a
Casa Nobre é muito mais simples ao nível
da aplicação de recursos estilísticos. No
contexto urbano da cidade de Torres Novas
é exemplo de uma casa nobre a Casa Mogo
de Melo, que nos serve nesta pesquisa por
incluir na sua construção a Capela de Nossa
Senhora da Piedade – o único exemplo que
temos de arquitectura religiosa privada em
meio urbano.
2. A economia do meio e o perfil social de
quem habita a quinta rústica e a quinta de
recreio
Por oposição ao sistema minifundiário [particular à paisagem do Norte de Portugal] encon7
tra-se o latifúndio como característica económica das regiões sulistas. Será de acordo com
a segunda realidade que se deverá entender a
grande maioria da arquitectura civil presente
na área rural do concelho de Torres Novas e a
justificação da relativa escassez de exemplares verificados na região.
Relativamente à conjuntura económica
do concelho, referente aos limites cronológicos que foram estabelecidos, a priori,
para o desenvolvimento deste trabalho
[séculos XVIII e XIX], podemos afirmar que
estava directamente dependente do sector
agrícola. A terra era a principal fonte de
rendimento e o elemento primordial gerador de riqueza, o que na verdade não foge
ao panorama dominante nesta época a nível
nacional, caracterizado por um baixo índice
de industrialização e uma forte dependência da agricultura. Na região, o rio Almonda
constitui, para esse período, o motor da
produção agrícola, destacando-se o azeite,
o vinho, os cereais, o linho e os frutos secos
e passados como principais produtos.
Tendo por base as informações contidas
nas Memórias Paroquiais, e relativamente
ao que aqui nos importa, João Carlos Lopes
referiu que:
«Em redor da vila, e a julgar pelos indicadores referentes ao rendimento dos prédios
rústicos, deveria estar já estabelecida a rede
de grandes casas agrícolas pertencentes à
aristocracia da terra»7.
LOPES, João Carlos Lopes – Torres Novas e o seu termo no meio do Século XVIII. As Memórias Paroquiais. Torres Novas: Âmago da
Questão, 1998, pp. 143-144.
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
Deste modo se vem confirmar que a
Quinta Rústica é o conceito que melhor
se aplica aos casos presentes no meio
rural do concelho. Grande parte dos
núcleos edificados, que incluem espaços
sacros privados, demonstram uma prioritária utilidade agrícola onde os seus
proprietários estabeleceram habitação
permanente e aí geriram e administraram os contíguos territórios de lavoura.
Assim, ao contrário de quem usufruía
das Quintas de Recreio, estes proprietários faziam destas Quintas Rústicas a sua
residência habitual.
O poder fundiário8 associado à nobreza
e ao clero até ao século XIX constitui outro
dos vectores que teremos que considerar para a leitura do espaço sacro privado, visto estar relacionado com o perfil
sócio-económico de quem esteve na origem desse espaço e de quem o usufruiu.
No concelho de Torres Novas a Capela de
Santo António da quinta com o mesmo
nome, no Pedrógão, é um exemplar de
um espaço sacro presente numa quinta
de um morgado. As Memórias Paroquiais
referem o seguinte:
«[…] uma ermida de Santo António, com
um altar somente, [com] a imagem de barro,
a qual ermida é do morgado do Pedrogão e
está pegada às casas dele, foi feita haverá
pouco mais de 150 anos, pelo instituidor do
mesmo morgado, que foi Jorge de Sousa
Alvim, prior desta igreja»9.
Não só o meio, como também o perfil
sócio-económico de quem detém e usufrui
o espaço da quinta, serão determinantes
para a concepção de tal espaço.
Nos exemplos considerados para a
esfera geográfica já mencionada, encontramos oscilações que – correspondendo
não só à época, mas também, ao nível social
e cultural dos proprietários, seus recursos
económicos e suas exigências estéticas
– equivalem a reflexos sobre a concepção
arquitectónica das construções que integram o conjunto da quinta, dentro do qual
nos interessa, de sobremaneira, o espaço
sacro. Será no seu interior que veremos
a sensibilidade do instituinte, suas posses
económicas, sua cultura artística, transpostos no cuidado pelo seu embelezamento, o
que logo faz dirigir a atenção para os revestimentos artísticos, os quais consoante a
época reflectem o requinte do gosto de
quem promoveu a sua aplicação.
Nesta matéria e, especificamente, sobre o domínio da terra, Manuel Cipriano Lourenço refere o seguinte: «O vínculo – conjunto
de bens de um morgado – ganha expressão em Portugal a partir do Século XIII. Traduziu-se numa forma institucional e jurídica com
o objectivo de defender a base territorial da nobreza. Se os morgados nos aparecem no Século XIII ocasional e dispersamente, no
Século seguinte eles espalham-se, adquirindo grande importância sob o ponto de vista institucional.[...] Tanto a amortização bem
como a vinculação foram definindo e consolidando, ao longo dos tempos, o regime jurídico da propriedade fundiária senhorial,
indivisível e inalienável.» Vd. LOURENÇO, Manuel Bernardo Cipriano – Das Quintas do Baixo Alentejo: significado Histórico e Social.
Contributos para o seu conhecimento e salvaguarda. Dissertação de Mestrado em Recuperação do Património Arquitectónico e
Paisagístico apresentada à Universidade de Évora. Évora: [Edição do Autor], 1999, pp.18-19.
9
LOPES, João Carlos Lopes – Torres Novas e o seu termo..., p. 165.
8
107
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
108
3. O espaço privado: definições e principais tipologias
A definição de Rafael Bluteau para o
termo capela é a seguinte:
«Altar particular, em Igreja privada, ou
no corpo de alguma igreja, encerrado entre
paredes próprias, são humas pequenas igrejas filiaes das matrizes».10
Tomando o exemplo desta definição,
começamos por referir que se torna difícil
um consenso sobre a definição correcta
que se deve aplicar ao conceito de capela.
A definição comum é bastante abrangente,
mas poderemos referi-la. Geralmente, significa uma igreja de pequenas dimensões,
que não é sede de paróquia, podendo ser
uma ermida, um santuário, uma pequena
igreja particular numa quinta, palácio, colégio ou hospital. No entanto, se adjectivarmos capela com a palavra privada, isso fará
com que se circunscreva o seu domínio, o
que logo remete para o carácter do «que
não é público, do que é particular, íntimo»11.
Manuela Pinto da Costa refere capela como
um pequeno local de culto, de espaço único,
privado, podendo em certos casos ser
aberto ao público12. Uma definição sumária
mas elucidativa.
Pertencentes na sua origem a famílias aristocráticas ou de estatuto social
superior, as capelas privadas integram-se
geralmente em quintas, solares, palacetes
e palácios. Estas capelas teriam que surgir
em resultado de um pedido prévio formal
dirigido às autoridades eclesiásticas, de
modo a conseguir destas uma autorização
para a edificação deste tipo de construção
que possibilitaria o encontro da família do
instituinte e respectivo séquito de criadagem e trabalhadores da sua propriedade
[em alguns casos] com o Sagrado.
Sobre esta matéria, vejamos o que indicam as Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa do ano de 1656.
«DECRETO 2
Das Ermidas, quanto a sua fundação, e
reparação
Principio – Que he costume antigo e louvavel, levantaremse, e reedificaremse ermidas à honra de Deus e dos Sanctos
Por quanto achamos ser cousa muito pia,
e louvavel, edificarem-se ermidas a honra
de Deos Nosso Senhor, e da Virgem Maria
Nossa Senhora, e dos Sanctos, e que com
ellas se excita a devoção dos fieis. Ordenamos que assim se guarde em nosso Arcebispado, fazendo-se na forma que o Direito
Canonico dispõe, e com a decencia de vida.
Alem das que são necessarias nas parochias
grandes, e distantes, pera se delas levar o
Santissimo Sacramento aos enfermos [...].
§1 – Que se não possão edificar ermidas
sem licença nossa e sem renda bastante
pera sua fabrica e reparação
BLUTEAU, D. Rafael – Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 e 1716. Tomo I, p. 226.
Dicionário da Língua Portuguesa. 6. ª Edição. Porto: Porto Editora, 1987, p. 1340.
12
COSTA, Manuela Pinto da – Ermidas e Capelas. In Dicionário de História Religiosa. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000. Vol. 1, pp. 154-158.
10
11
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
Assim como senão podem fundar Igrejas
de novo em nosso Arcebispado sem licença
nossa, assim tambem as Ermidas. Pelo que
mandamos que, quando algumas pessoas
fundalas em louvor, e honra de Deos, ou de
seus Sanctos, nos dem primeiro conta por
petição, apontando lugar, e sitio, e invocação de que se hão de chamar. E achando nos
ser o lugar decente, e que se lhes assim dar,
e renda competente pera sua fabrica, reparação, e ornamentos, lhes concederemos
licença [...]» 13
Considerando o espírito contra-reformista que contextualiza o conteúdo desta
citação, é nitidamente afirmada uma posição favorável em relação à fundação de
ermidas periféricas às matrizes dos territórios paroquiais. A iniciativa desse tipo
de edificações constituiria mais uma via de
evangelização do Catolicismo Triunfante,
pois o espaço sacro privado funcionaria
como um micro-cosmos suplementar na
paróquia. Nas entrelinhas verifica-se que
era requerido ao fundador da capela um
estatuto económico estável que garantisse
não só o suporte das despesas com a sua
edificação, como também os gastos na
sua manutenção, reparação e ornamento.
A questão do mecenato surge então como
um aspecto determinante para a fundação
de capelas privadas.
Quadro 3
Tipologia dos Espaços Sacros Privados
DESCRIÇÂO
SUMÁRIA
CARÁCTER
1) Oratório
Espaço único,
destinado à oração,
para uso exclusivo
da família e
criadagem.
Privado
2) Capela
anexa14,
ou não,
ao espaço
habitacional
com porta
pública
Espaço sacro
onde podem ser
celebrados actos
litúrgicos destinados
à família e a algum
Semi-Privado
público, sobretudo
em locais ou
povoações onde
não existe outro
local de culto.
3) Capela
com
capela-mor
e sacristia
com porta
pública
Existente numa
subdivisão do
espaço habitacional,
reservado para a
celebração do culto
e só para a utilização Semi-Privado
do celebrante e
da família da casa,
estando o corpo da
capela, destinado ao
público.
TIPOLOGIA
Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa. Novamente feitas no Synodo Diocesano, que celebrou na Sé Metropolitana de
Lisboa o Illustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Rodrigo da Cunha Arcebispo da mesma cidade, do Concelho de Estado de
S. Magestade, em os 30 dias de Mayo do anno de 1640. Concordadas com o Sagrado Concilio Tridentino. Lisboa Oriental: Officina de
Filippe de Sousa Villela, 1737, pp. 329-330.
14
Algumas capelas deste tipo possuem uma tribuna, ao jeito de coro alto, a qual se tem acesso directo ao andar nobre, destinando-se
ao uso exclusivo da família.
13
109
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
110
No tratamento arquitectónico dos espaços sacros privados é comum considerar
uma divisão tripartida15 correspondente
às principais variantes tipológicas que se
verificam na sua concepção. No Quadro 3
sistematizam-se essas cambiantes.
A fim de o ilustrar passamos a apresentar alguns exemplos respeitantes ao
concelho de Torres Novas. Para a primeira
variante destacamos o exemplo verificado
na Quinta de São Gião – um oratório inserido no espaço habitacional, dedicado a
Nossa Senhora da Conceição – e ainda os
oratórios dedicados a Jesus Cristo e a São
Manuel, referidos por Artur Gonçalves, respectivamente, nas Casas dos Jacôme de
Castro e dos Pessoa de Amorim, ambos em
pleno centro histórico torrejano, na antiga
Rua Direita, hoje Rua Miguel Bombarda.16
Incluídos na segunda tipologia estão a
Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril e a Capela São Pedro da Quinta das Ferrarias. A última variante tipológica abrange
os exemplos da Capela de São Caetano ou
de São João Baptista da Quinta de Caniços,
da Capela de Santo António da Quinta de
Santo António do Pedrógão, da Capela de
Santa Ana da Casa dos Vargos e da Capela
de Nossa Senhora da Piedade da Casa Mogo
de Melo.
4. O significado da inclusão do espaço
sacro no contexto habitacional da arquitectura civil
Sabemos que o grau de monumentalidade
do espaço sacro é determinado não só pela
escala do edifício que o inclui, como também pela selecção do repertório decorativo
escolhido para seu invólucro delimitador17.
Neste sentido, a capela privada é bem
exemplificativa deste facto, assumindo
contornos ligados a uma simbólica mental e
sócio-económica relativa a quem o originou
num contexto habitacional.
Qual o significado da sua presença no
espaço habitacional?
Nas seguintes linhas procuraremos desvendá-lo, tentando clarificar os aspectos
que fazem com que o espaço sacro privado
comporte um peso divergente dos restantes espaços sacros públicos.
Na sociedade de ordens, fortemente hierarquizada, da Época Moderna e até mesmo
dos inícios da Época Contemporânea, as
capelas privadas são como que um distintivo
que é relativo ao poder de um segmento da
sociedade que pretende demarcar-se dos
demais através de espaços habitacionais
que, de longe, se parecem com os lugares
ocupados pela maioria da população. 18
COSTA, Manuela Pinto da – Ob. Cit., p. 155.
Cf. GONÇALVES, Artur – Mosaico Torrejano. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1936, pp.435 e 451.
17
PEREIRA, José Fernandes – Espaço. In Dicionário de Arte Barroca. Lisboa: Ed. Presença, 1989, pp. 171-172.
18
Neste âmbito, Natália da Costa Ferreira elucida claramente esta ideia: «[...] O enraizamento e o poder que a casa de quinta nos traduz
é reforçado pela presença de uma capela [...]». FERREIRA, Natália Maria Fauvrelle da Costa – Quintas do Douro. As Arquitecturas do
Vinho do Porto. Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à FLUP. Porto: FLUP, 1999, p. 40
15
16
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
FIG.2 _ Núcleo habitacional da Quinta do Carril. Casa nobre [à
esquerda] e Capela de Santa Quitéria [à direita]. FA
De certo modo, o espaço sacro privado
confere status ao seu instituinte, fundamentalmente, por realçar o seu prestígio
de mecenas. Contudo, ressalve-se que uma
leitura feita apenas nesta linha tornaria
redutor o discurso sobre a descodificação
da simbólica que está associada a este tipo
de edificações. Deverão ser considerados
três vectores principais19: 1) o aspecto da
dignificação do edifício, ou núcleo habitacional, e do seu proprietário; 2) a questão da
religiosidade privada; 3) as condições geográficas do edifício ou núcleo habitacional e
sua implantação no território traçado pela
organização eclesiástica.
A instituição de uma capela em contexto
habitacional privado fomenta imediatamente a sua valorização imobiliária, constituindo assim veículo de dignificação20
daquele complexo. Não estava ao alcance
de todos instituir uma capela privada, logo,
o seu instituinte ao fazê-lo revela uma condição económica confortável e contrastante
com a restante maioria da população. Como
foi já mencionado [ao abordar a questão do
vínculo dos espaços sacros privados]21, uma
boa situação económica era fundamental
para se poder suportar os gastos que uma
edificação deste tipo requeria, bem como
as despesas referentes à sua manutenção
e aos bens que lhe ficariam directamente
associados.
Outra explicação plausível para esta
questão da instituição de capelas integradas nas habitações ou próximo delas está
ligada ao parâmetro concreto da religiosidade privada. Uma situação comum é o
facto de resultarem de uma promessa ou
voto22 realizados por parte do instituinte e
que, no que respeita às Quintas Rústicas
[padrão comum neste concelho] se associa
normalmente a um culto surgido em épocas
de estiagem ou chuvas prolongadas, epidemias e outras calamidades, invocando-se o
poder divino para por cobro a esses males
e, simultaneamente, pedir a protecção das
colheitas. A instituição de um espaço sacro
nesse meio estabelecia uma directa relação
com o Sagrado23 e, desse modo, tornava
possível o culto íntimo ao patrono instituído, numa atitude devocional que partia
Correspondentes aos motivos que conduziram à fundação de capelas incluídas no espaço circunscrito da quinta.
ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – “Espaços de Culto Público e Privado nas Margens do Douro”. Poligrafia. Arouca: Centro de
Estudos D. Domingos de Pinho Brandão. N.º 7, [s.d], p. 68.
21
Ver Ponto 4 desta Primeira Parte.
22
Em honra da Virgem Maria ou de determinados santos.
23
FERREIRA, Natália Maria Fauvrelle da Costa – Ob. Cit, p. 42.
19
20
111
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
112
do privado para o público, nas situações em
que tal espaço é semi-privado. Caso exemplar desta situação, presente na esfera
geográfica em análise, é a Capela de Santa
Ana da Casa dos Vargos cuja edificação
terá resultado da devoção particular do instituinte e de sua mulher numa evocação ao
Sagrado para a resolução de um problema
de infertilidade que inviabilizava a garantia
de descendência.24
O facto das capelas privadas surgirem por
ocasião de algumas quintas – implantadas a
uma distância considerável da igreja mais
próxima – requererem a existência de um
espaço digno onde pudessem ser recebidos os Sacramentos da Igreja, por parte de
quem ali habitava, constitui também outro
aspecto que responde à questão que lançámos. O argumento relativo às condições
físicas e geográficas dos complexos agrícolas em meios rurais, ajuda, assim, a descodificar o simbolismo inerente à presença do
espaço sacro privado nesses meios. Sobre
as situações relativas aos maus acessos de
certas populações à igreja mais próxima, as
Constituições Synodaes do Arcebispado de
Lisboa apontam o seguinte:
«Por quanto em algumas freguezias, por
serem grandes, e dilatadas, ficão alguns lugares, e freguezes em tal distancia, que não
podem com grande dificuldade, e trabalhos,
vir ouvir Missa, estar aos Oficios Divinos, e
receber os Sacramentos nella, especialmente
Vd. Ponto 1 do Capítulo III deste artigo.
Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa..., p. 328.
26
ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Ob.Cit., p. 70.
24
25
em tempo de inverno, por causa dos rios, ribeiras, e aspereza dos caminhos, ou por outros
impedimentos. Mandamos, conformando-nos
com o Direito Canónico nesta parte, que nos
lugares, que ficam mais perto, e mais acomodados, se erijão, e fundem novas igrejas parochiaes, que ficarão sendo filiaes das outras, as
quais novamente erectas se apliquem aqueles
freguezes e lugares que estiverem tão distantes, que não podem ir às matrizes».25
Certamente que aqui não tratamos de
igrejas paroquiais, no entanto, o conteúdo
deste decreto poderá também aplicar-se
às capelas privadas, uma vez que existiam
situações em que a distância da quinta
em relação à igreja mais próxima era significativa, bem como as dificuldades no
seu acesso, agravadas muitas vezes pelas
condições climatéricas desfavoráveis que
transtornavam a deslocação àqueles locais.
Do mesmo modo, sublinhe-se que, visto
estar associada à Quinta Rústica uma comunidade que englobava não só os proprietários e sua família, como também a criadagem e os trabalhadores agrícolas, juntando
o facto de, em muitos casos, o isolamento
desses complexos se verificar juntamente
com o das populações vizinhas, a instituição de uma capela privada [em resultado
desta condição] adquiria um carácter semi-público, facultando-se o acesso às gentes
das imediações. A questão da comodidade26
deverá, assim, ser também considerada na
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
justificação da existência de capelas privadas em domínios agrícolas.
O significado da presença do espaço
sacro num complexo habitacional deverá
ser interpretado segundo uma leitura
tripartida, a qual deverá considerar os
aspectos que levaram à origem da sua edificação e que dizem respeito à questão da
nobilitação27 da infra-estrutura habitacional e do seu proprietário, ao fomento de
uma religiosidade privada, associada a um
determinado culto doméstico e à situação
geográfica do núcleo habitacional no mapa
da organização eclesiástica local, considerando a distância desta em relação à igreja
mais próxima.
II. OS INTERIORES SACROS ATRAVÉS DOS TEMPOS E A QUESTÃO DOS REVESTIMENTOS ARTÍSTICOS
1. As oscilações do gosto entre os inícios
do século XVIII e o século XIX
Para a esfera geográfica correspondente
ao actual concelho de Torres Novas, iniciamos o percurso evolutivo dos revestimentos artísticos dos interiores sacros privados
nos inícios do século XVIII. Passadas poucas
décadas após o fim do período de domínio
espanhol, Portugal procurava ainda contrariar alguma debilidade política e económica,
pela procura da estabilidade.
27
28
A partir dos finais de Seiscentos começaram a reaparecer as construções de casas
senhoriais, visto que sob o domínio espanhol não terá sido propício o fomento deste
tipo de iniciativas. Nas novas construções
adopta-se uma arquitectura ainda ligada ao
gosto maneirista, o que revela um apego à
tradição e uma atitude algo avessa à modernidade.28 As casas construídas em finais do
século XVII e inícios da centúria seguinte
são, na sua maioria, de uma grande sobriedade, mantendo alguma horizontalidade
pelo emprego da linha baixa na sua composição. Acompanhando essa linearidade, os
alçados, plenos de simplicidade, são ritmicamente pontuados aqui e além pela abertura regular de janelas, um aspecto que se
verifica também na arquitectura religiosa
sua contemporânea. Será, sobretudo, ao
nível dos interiores que as alterações de
gosto mais se sentirão, tornando-se este
aspecto bastante evidente no contexto dos
espaços sacros. Estes anunciam um novo
gosto que se consumará no tratamento cuidado dos revestimentos artísticos que lhe
são aplicados.
Para o fenómeno da dignificação e,
consequente enriquecimento gradual do
espaço sacro, foi decisivo o impacto do
Concílio de Trento, sendo incontornável a
referência às suas causas e consequências.
Surgindo da necessidade da organização de
um movimento contrário ao Protestante, o
Com o que isso implica de atitude ostentatória por parte do fundador.
Vd. AZEVEDO, Carlos – Solares Portugueses. Introdução ao estudo da casa nobre. Lisboa: Livros Horizonte, 1969, p. 56.
113
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
Quadro 4
Evolução dos revestimentos artísticos em interiores sacros privados do concelho de Torres Novas
PERÍODO
REVESTIMENTOS APLICADOS
CAPELAS PRIVADAS E RESPECTIVAS QUINTAS
Barroco
Rocaille
Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos
Século
XVIII
Azulejo
Talha
Pintura mural
Estuque
Capela de N.ª S.ª da Piedade da Casa Mogo Melo
Capela de Santo António da Qt.ª de N.ª S.ª da Paz
Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril
Neoclassicismo
Romantismo
Ecletismo/ Século XIX
Revivalismo
114
Pintura mural
Capela de Santo António Qt.ª de Santo António [Pedrógão]
Capela de Santo António da Qt.ª da Torre de Santo António
19.º Concílio Ecuménico – convocado pelo
Papa Paulo III pela Bula Letare Jerusalem de
19 de Novembro de 1544, realizado entre 1545
e 1563 – lança algumas directrizes de combate ao Protestantismo que serão intensamente discutidas nos tempos póstumos, as
quais se tornam fulcrais na alteração das
práticas litúrgicas, suas formas de vivência
e manifestação do sagrado.
As chamadas directrizes tridentinas deram
origem a todo um processo de teorização
que espoletou um novo fenómeno artístico,
surgindo no campo associado à dimensão do
sacro novidades na concepção e vivência do
espaço de celebração e oração. Vemos este
fenómeno, por exemplo, ligado à imaginária, a
qual seguindo os novos parâmetros iconográficos e iconológicos origina novas invocações.
29
Seria a última sessão do Concílio de Trento,
acontecida a 3 de Dezembro de 1563, que se
viria a revelar como fundamental para a formulação de uma nova concepção do espaço
sacro, de modo a responder às necessidades
que exigiam os novos tempos, as quais residiam principalmente no combate à heresia por
parte da Igreja Católica. A partir do conteúdo
dos textos publicados pós-Trento, surge, nos
finais do século XVI e, praticamente, por todo
o século XVII, toda uma literatura teórica que
irá condicionar as opções do artista em função de um código rígido, quando este remete
para a esfera da religião. Estes textos debruçam-se sobre as representações de Cristo,
da Virgem e dos santos, ou tratam da organização estrutural do espaço sacro29 e do seu
recheio ao nível das alfaias litúrgicas.
Sobre esta temática o texto que mais se destacou e que explica muito daquilo que se fez a partir da sua publicação, deve-se a Carlos Borromeo – Bispo de Milão – e intitulou-se Instructiones Fabricae et Supellectilis Ecclesiasticae, datando de 1576. Nele definem-se os principais vectores que o espaço sacro deveria conter em todos os seus pormenores, sublinhando sempre a importância
da decência e da dignidade na sua concepção Carlos Borromeo – Instrucciones de la Fábrica y del Ajuar Eclesiásticos. 1. ª Edição.
México: Universidad Nacional Autónoma de México-Imprensa Universitária, 1985, p. XVII.
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
Como resultado destes factos, passamos,
gradualmente, a encontrar no espaço europeu uma dicotomia na concepção dos espaços sacros, correspondentes à esfera Católica e à esfera Protestante. Como síntese,
veja-se o Esquema 1 que procura esclarecer
estas divergências.
O Concilio de Trento representa o marco
fundamental do arranque do gosto Barroco que vingaria nos tempos que se lhe
seguiram, perdurando no nosso país até à
segunda metade do século XVIII. Este novo
gosto tomaria o espaço sacro como um
espectáculo do sensível30, convencendo e
seduzindo os crentes, o que fez com que
também a decoração reivindicasse esse
papel dinamizador, invadindo os alçados
dos edifícios.31 Neste âmbito, a via do emergente Barroco nacional faz com que os
interiores sacros seiscentistas comecem
a introduzir os originais revestimentos em
talha dourada e em azulejo, aos quais se
acrescentará, mais tarde, o requinte dos
mármores, alguma pintura introduzida quer
nas estruturas retabulares, quer nos tectos
de caixotão, ou ainda, [mais raramente] a
pintura mural. Os novos cânones estéticos
aplicar-se-ão não só em espaços construídos de raiz, como também em espaços provenientes de épocas passadas.
Esquema 1
Dicotomia na concepção do
espaço sacro europeu:
a Igreja Católica e a Igreja Protestante
IGREJA CATÓLICA
O espaço sacro é o grande palco
Põe em movimento tudo à sua volta
de modo a captar a atenção dos fiéis
«Tudo é pouco para a casa de Deus»
Ostentação católica
IGREJA PROTESTANTE
O espaço sacro é desprovido de tudo
[de decoração, de ornatos...]
Conserva apenas a estrutura arquitectónica,
o crucifixo, o púlpito e o órgão
Despojamento Protestante
O valor artístico que estes espaços assumem reflecte a componente sensitiva tão
própria ao gosto Barroco, o que faz com
que encontremos, em meios abastados,
interiores com um grande cuidado no tratamento dos pormenores decorativos, facto
que reflecte alguma cultura artística não
só por parte de quem executa a obra, mas
principalmente por parte de quem a encomenda, demonstrando o conhecimento das
modas próprias ao seu tempo.
Nele tudo se funde: «a música saída dos órgãos [...], a melopeia das ladainhas, o ritmo sincopado do latim, língua entendida por
poucos […] eivada de mistério, a opulência das alfaias litúrgicas e a visão ímpar dos paramentos bordados, o odor inebriante do
incenso saído dos turíbulos, ao qual se misturaria o cheiro acre das velas queimadas, e cuja luz bruxuleante contribuía para adensar
o misticismo do ambiente. Nele se faz a exaltação da Glória e se dá a apoteose sensorial.» Cf. FERREIRA-ALVES, Natália Marinho
– A Escola de Talha Portuense. Porto: Inapa, 2001, p.17.
31
PEREIRA, José Fernandes – Arquitectura Barroca em Portugal. 2.ª Edição. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1992, p. 182.
30
115
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
116
Inicia-se a maturação de um tipo de decoração com forte apego à questão da valorização ao máximo do interior sacro, sendo
este visto como morada, por excelência, do
Sagrado. É preciso não esquecer que, em
resultado da conjuntura europeia, se torna
necessário captar o crente para o universo
da Igreja Triunfal, e nada é mais eficaz do
que a ostentação aplicada à concepção do
espaço sacro – uma inebriante forma de
fazer aproximar o crente a uma dimensão
mística.
Em resultado de uma conjuntura económica favorável, atinge-se no Portugal de
Setecentos um alto nível de requinte na
concepção dos espaços sacros. A prosperidade em crescendo existente no seio das
elites dominantes proporciona uma canalização de parte dos seus recursos económicos para aplicação nas matérias do Sagrado
e não há melhor exemplo deste facto que o
caso das capelas privadas.
A casa setecentista em muito se assemelha à da centúria anterior, embora,
gradualmente, comece a evidenciar alguns
sinais próprios ao estilo Barroco, os quais
se tornam mais evidentes no Norte de Portugal. As plantas destes edifícios continuam
a revelar algum conservadorismo e apenas
a planta em U constituirá excepção. De uma
maneira geral, prefere-se uma escala de
construção que esteja em harmonia com a
escala humana. Os alçados desenvolvem-se
no sentido do comprimento, um aspecto
32
AZEVEDO, Carlos – Ob.Cit., pp. 65-72.
que é acentuado pela linha horizontal da
cornija – linha que se evidencia pela introdução, em certos casos, de frontões, pináculos, pirâmides, e mais tarde fogaréus,
no coroamento de todo o edifício. A escadaria de aparato constituirá um elemento
de quebra na sobriedade monumental do
conjunto, por vezes impondo alguma profundidade na composição das fachadas. O
interior destas casas será contagiado pela
estética barroca de um modo mais acentuado que o exterior. O azulejo e a pintura
sobre madeira, aplicada nos tectos das
divisões mais nobres, são variantes decorativas que as casas mais ricas apresentam.
Quanto às casas mais simples, os esforços
decorativos são canalizados para o interior da capela32. A importância dada a este
espaço é uma característica evidente, visto
ser flagrante em muitos casos o seu contraste em relação ao restante espaço habitacional, nomeadamente, no que respeita à
sua decoração.
A introdução nos recintos sagrados de
retábulos em talha dourada e imaginária, bem como a aplicação de pintura e de
revestimentos azulejares, são sinais de distinção, e demonstram, ao mesmo tempo,
a resposta dos instituintes em relação às
directrizes formuladas pela Santa Igreja
que promovia a valorização artística do
espaço sacro. De maneira a ilustrar este
facto, vejam-se as palavras das Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa.
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
«Manda o Sagrado Concilio Tridentino, que
nas igrejas se ponhão as imagens de Christo
Nosso Senhor e de sua sagrada Cruz, e da
Virgem Maria Nossa Senhora, e dos outros
Sanctos; e se pintem retabolos, ou ponham
figuras dos misterios que obrou em nossa
redempção; por quanto com ellas se confirma o povo fiel em os trazer à memória
muitas vezes, e se lembra dos beneficios, e
mercês, que de sua divina mão recebeu. E se
incita tambem, vendo as imagens dos Sanctos, e seus milagres, a dar graças a Deos
Noffo Senhor, e aos imitar. [...]»33.
Os exuberantes interiores sacros renovados ou erigidos de raiz, a partir dos princípios da Igreja Triunfante que recomendavam o decoro das formas representadas,
produzem um contraste evidente com a
pobreza patente nas formas exteriores.34
O seu impacto visual é imediato, sendo disponibilizado pela rica marca decorativista que
ocupa todos os cantos destes templos. Em
muitos casos, a dualidade talha-azulejo é uma
realidade omnipresente. Ambas as artes se
completam, intersectam, complementam, se
invadem uma à outra, se preenchem no total.
Complementando-se com o poder inebriante da talha dourada, o azulejo é um
dos principais participantes na criação do
espaço policromo barroco, assumindo um
papel absolutamente marcante pelas suas
potencialidades. Principalmente em Setecentos o azulejo conduz à própria ampliação
do espaço quando se converte em estrutura
narrativa, que não pode dispensar a cena
perspectivada, para não falar da concretização da encenação da mensagem visual. Num
só espaço, e por fusão ou interpenetração
de duas artes, contactamos com a vibração
lumínica no seu mais alto expoente.
117
FIG.3 _ Pássaro debicando cacho de uvas oferecido por um
menino. Retábulo-mor da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. 1.º Quartel do século XVIII. FA
Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa..., p. 331.
Sobre este aspecto veja-se a interessante leitura de José Fernandes Pereira ao considerar que o edifício religioso é pensado como
«[...] uma alegoria católica do próprio corpo de Cristo: um corpo desprezível [o exterior é reduzido à mera funcionalidade dos muros
separadores] que suporta a riqueza interior da alma [o espaço interior repleto de azulejos em perfeito equilíbrio com a talha dourada,
numa tentativa de alcance da obra de arte total – espécie de materialização de uma perfeição desejada].»
PEREIRA, José Fernandes – Azulejo. In Dicionário de Arte Barroca. Lisboa: Ed. Presença, 1989, p. 55.
33
34
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
118
FIG.4 _ A complementaridade entre a talha e o azulejo. Púlpito
da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. 1.º Quartel do século
XVIII. FA
A partir dos finais do século XVII e
durante o século XVIII, ocorre o redireccionamento dos esforços de aperfeiçoamento
dos revestimentos azulejares, muito por
influência da imitação da porcelana chinesa.
A azulejaria portuguesa reage face ao crescente sucesso do produto congénere holandês, perdendo a policromia e dando origem
a revestimentos bicromáticos pintados
a azul-cobalto sobre branco estanífero.
Desenvolvem-se as composições figurativas onde é notório o aumento do campo
visual, o qual é conseguido pela introdução
da perspectiva e consequente construção
tridimensional do espaço. Abrem-se as portas para um dos mais prósperos períodos
da azulejaria portuguesa.
Como foi já assinalado, a talha dourada
surge como outro tipo de revestimento
artístico que enriquece os espaços sacros
portugueses. Nos finais de Seiscentos, as
estruturas retabulares assumem estruturas maciças, fundamentalmente, assentes
em composições onde se afirmam os arcos
de volta perfeita, concêntricos em direcção
à tribuna eucarística, cuja robustez é sublinhada por toros diédricos que prolongam o
efeito volumétrico das colunas de sustentação de fuste torso. Décadas mais tarde,
por oposição a este Estilo Nacional, surgem
estruturas cuja composição assume um
tratamento cenográfico com pormenores
decorativos indicadores da influência classicizante de matriz romana. Os novos retábulos introduzem a coluna salomónica, bem
como uma temática decorativa constituída
por novos elementos. No lugar das parras,
cachos de uvas, pássaros e meninos, surgem elegantes festões, palmas, grinaldas
de frutos e flores de desenho delicado,
sanefas e reposteiros com borlas. É o chamado Estilo Joanino, denominação com
origem no facto de coincidir cronologicamente com o reinado de D. João V.
Revelando a apoteose do gosto Barroco
fermentado já no século anterior, os espaços
sacros encontram em Setecentos o momento
do seu máximo apuramento, revelando-se
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
ricos, não só ao nível material como também
ao nível da genuína concepção artística.
Neste contexto, os interiores sacros privados datados deste período são, assim,
produtos de uma época que tornou possível o requinte apurado da sua concepção,
transformando-os em redutos máximos de
uma ideologia própria de uma Igreja Militante35 – autênticos micro-espaços correspondentes a uma religiosidade que serviu
«um poder que cenograficamente se [deu] a
ver [...] enquadrando sentimentos populares
ancestrais e profanos».36
Na segunda metade do século XVIII assiste-se a uma nova alteração de gosto. Em 1750
sobe ao trono D. José I e, ao mesmo tempo,
no panorama artístico nacional chegam os
primeiros ventos de uma corrente estética
que encontra a sua origem em França. A
nova tendência estética do tardo-barroco
ficaria conhecida por estilo Rococó e terá
surgido no final do reinado de Luís XIV, mais
propriamente durante a regência do Duque
de Orleães, alcançando a sua maturação no
reinado de Luís XV. Na sua essência, dirigiu-se essencialmente para a decoração de
interiores e para as artes decorativas, caracterizando-se genericamente pelo abandono
da disciplina tradicional barroca e seus motivos de matriz classicizante tradicionalmente
usados, introduzindo novas formas com contornos chamejantes assentes em elementos
decorativos inspirados num tipo de concha
identificada com o nome de Rocaille.
35
36
FIG. 5 _ Pormenor do estuque decorativo. Capela de N.ª Sr.ª da
Piedade da Casa Mogo de Melo. Segunda metade do século XVIII.
FA
Em Portugal, o Rococó chegou por meio da
circulação de estampas nas quais se reproduziram obras de Quillard, Debrie, Meissonier, entre outros, as quais constituíram
influência para a produção de determinados
artistas portugueses como, por exemplo, os
casos célebres de André Soares e de Frei
José de Santo António de Vilaça. As alterações verificadas dão-se sobretudo ao nível
da linguagem decorativa, onde o azulejo e
a talha introduzem complicados ornatos de
formas serpentiformes, geralmente com
alguma assimetria, onde os concheados e
os complexos e requintados enlaçamentos
de volutas dominam.
Entretanto, um outro tipo de revestimento
artístico vai gradualmente assumindo destaque. Surgido na Arte Barroca a partir das
realizações artísticas de Bernini, que utilizou
as múltiplas possibilidades da escultura em
gesso, o estuque afirmar-se-á no Barroco
Final como arte decorativa de eleição para
o revestimento de interiores sacros dos
ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Ob.Cit., p. 72.
PEREIRA, José Fernandes – Arquitectura Barroca em Portugal…, p.184.
119
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
120
países católicos da Europa.
De possibilidades técnicas infinitas este
suporte decorativo é, paulatinamente, preferido à talha dourada, revelando-se extremamente adequado para interpretar os
excessos exuberantes das formas rocaille.
O Rococó português irá estar associado ao
artista italiano Giovanni Grossi e sua equipa,
contratados em 1764 por Sebastião José de
Carvalho e Melo, criando este, inclusivamente, no âmbito das Reais Fábricas, uma
Aula de Estuque e Desenho [fechada em
1777]37, donde saíram inúmeros artistas que
trabalharam na beneficiação estética dos
novos edifícios pombalinos.
Junto ao final de Setecentos, já no reinado
de D. Maria I, abandonar-se-á este gosto
para dar lugar ao rigor Neoclássico, característico pela sua simplicidade e descrição.
Também divulgado através da circulação
de gravuras, a linguagem decorativa que
irá assumir caracteriza-se pelo emprego de
ornatos simples e leves sobre uma estrutura
de matriz clássica. Os motivos decorativos
de desenho delicado assentam em formas
vegetalistas – entre as quais são exemplo
as grinaldas de flores e ramagens – às quais
se adicionam laços, medalhões circulares e
ovais, perlados e urnas, aplicados sobre um
fundo neutro ou marmoreado. Também os
interiores sacros absorverão esta tendência, aplicando os mais variados revestimentos segundo estas formas decorativas.
37
FIG.6 _ Pormenor decorativo do retábulo-mor da Capela de
Santa Quitéria da Quinta do Carril. Inícios do século XIX. FA
VASCONCELOS, Flórido de – “O Estuque, Decoração Privilegiada do Barroco”. In Actas do I Congresso Internacional do Barroco.
Porto: Reitoria da Universidade do Porto, 1991. II Volume, p.553.
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
FIG.7 _ Motivos vegetalistas e representação de uma ave.
Pormenor do revestimento em pintura mural patente na
capela-mor da Capela da Quinta de Santo António no Pedrógão. 1.º Quartel do século XIX. FA
A pintura a fresco, já experimentada a partir do segundo quartel do século XVIII, surge
também, nos finais da centúria, como recurso
utilizado como revestimento parietal, acrescentando-se aos demais, numa altura em que
o azulejo inicia um período de decadência na
frequência da sua utilização. 38
Nesta época, trabalhando neste tipo de
revestimento ficou célebre o pintor Jean Pillement que, com a sua pintura de temática
paisagista, exerceu forte influência sobre os
pintores portugueses seus contemporâneos.
Entrando em Oitocentos, tempos conturbados sucedem à prosperidade e estabilidade vivenciada na maior parte do século
XVIII [até ao Grande Terramoto de 1755]. A
conjuntura política interna é delicada, primeiro com as Invasões Francesas e fuga
da família real para o Brasil, depois com
a Revolução de 1820 e a Guerra Civil que
devastaria o país até 1834.
Passada a agitação que pontuou praticamente toda a primeira metade de Oitocentos,
a relativa estabilidade propicia que a arquitectura civil construída pelas elites seja consubstanciada, essencialmente, em casas de
recreio ocupadas sazonalmente em momentos de lazer, as quais se associam não só à
aristocracia tradicional mas, sobretudo, às
novas elites burguesas que vão gradualmente
ocupando um lugar ao sol na sociedade pelos
benefícios económicos que sabem aproveitar da crescente industrialização.
Relativamente à instituição de capelas
privadas em contextos habitacionais, ao
longo desta centúria é cada vez mais evidente o decréscimo desta prática. É esta
uma constatação perceptível se tivermos
em conta a conjuntura da época em que as
ideias liberais lutavam contra a velha cultura
aristocrática de costumes arreigadamente
católicos. Esta posição está bem evidente
no processo da nacionalização dos bens do
clero feita após a extinção das Ordens Religiosas. O anti-clericalismo generalizado não
ajudava à prática da fundação de espaços
sacros privados, uma vez que o fenómeno
de desacralização social era uma realidade,
o que originava uma crescente redução do
investimento em arte religiosa39.
Sobre este fenómeno as palavras de Anne de Stoop parecem-nos elucidativas: «[...] o sucesso dos frescos que irá sempre crescendo, durante o Século XIX, não é apenas o sucesso de uma gramática decorativa recentemente importada, descobre-se também,
com encantamento, que a flexibilidade desta técnica, bem adaptada ao clima, permite uma apreensão mais completa do espaço [...]»
STOOP, Anne de – Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa..., p. 18.
39
ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Ob.Cit., p. 68.
38
121
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
122
O Romantismo é outra nota dominante
na história das mentalidades relativa a este
período. O interesse pela génese da alma
nacional, promovendo o pitoresco, pela
procura da descoberta do que é caracteristicamente português, desperta a atenção
para os valores de um passado longínquo,
numa atitude saudosista em relação a tempos que se viam prósperos e áureos no
percurso histórico de Portugal enquanto
nação. Nesta perspectiva, e à semelhança
do que acontecia além fronteiras [veja-se o
caso inglês], a cultura da Idade Média assumirá lugar de destaque.
A estética romântica gravita em redor de
um sentimento poético e espiritual em relação ao passado, não estando definida uma
linguagem única, mas sim uma simultaneidade de linguagens e variantes estilísticas
que são recuperadas. Homens de futuro,
fomentadores do progresso, constroem
casas onde introduzem uma linguagem
bebida no passado. São as reinterpretações
de estilos como o Gótico, o Manuelino, o
Românico, ou ainda aqueles ligados ao Exotismo [como é o caso do Estilo Mourisco],
que ficam ligadas ao prefixo neo. O fascínio
pelo regresso ao passado cai nas preferências da clientela burguesa ou da velha aristocracia mais abastada. Nos meios em que
sobrevivem as práticas religiosas, e em que
surge a necessidade de afirmar o poder
sócio-económico, a fundação de capelas
privadas bebe a sua concepção arquitectó40
nica nos modelos medievais. Neste âmbito,
sobre o gosto neo-medieval e sua carga
simbólica para o homem romântico, direccionando-se para um estado ideal das práticas cristãs, deixamos aqui a visão de um jornalista, aquando da inauguração da Livraria
Chardron ou Lello & Irmão no Porto:
«O edifício foi levantado em estylo
gothico, que, na história da arte, tem um
logar proeminente ao lado das manifestações mais perduráveis que o génio das
populações deixou séculos adiante. Ao lado
do grego, do latino, do bizantino, da renascença e do moderno, o gothico conserva a
sua belleza propria e característica, que
evoca no espírito do observador as horas
de profunda concentração, o mysticismo
que lentamente o foram elaborando, sob
o influxo das necessidades sociais e religiosas, que a assimilação do christianismo
acarretou parallelamente com a ruína do
mundo romano e pagão [...]»40.
FIG.8 _ Fachada lateral da Capela de Santo António da Quinta do
Marquês. Finais do século XIX. FA
Album Descriptivo Livraria Chardron. Porto: Lello e Irmão, [s/d], p. 7.
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
III. ALGUNS espaços sacros privados
do concelho de Torres Novas
Testemunho das alterações de gosto operadas durante dois séculos, o conjunto dos
interiores sacros privados do concelho de
Torres Novas em análise constitui um património único no seu género e, assim, de uma
significativa contribuição para o enriquecimento do panorama histórico-artístico local.
Tendo em vista a sensibilização dos espíritos para a protecção desta tipologia arquitectónica que se vê única pela simbólica
que transporta e que, lamentavelmente,
cada vez mais escasseia ao nível nacional,
apresentamos de seguida uma análise que
não se pretende muito exaustiva dos espécimes seleccionados. Apontamos, especialmente, a extraordinária unidade estilística
que cada um apresenta, bem como a variedade dos seus revestimentos artísticos,
numa visão de conjunto.
1. Um interior da primeira metade do
século XVIII: a Capela de Santa Ana da Casa
dos Vargos
De acordo com a data inscrita sobre a
porta principal – 1726 – e, tendo em conta
os dados referidos nas Memórias Paroquiais de 1758, o instituinte desta capela
terá sido o Capitão Manuel Lopes Moreira, o
qual a dotou com um moio de pão41. Manuel
FIG.9 _ Fachada principal da Capela de Santa Ana da Casa dos
Vargos. FA
Moreira casou, cerca de 1717, com Maria
Madalena da Silva, sua prima, não havendo
descendência.42 Juntando este facto à consideração da hagiologia do orago desta
capela, poder-se-á explicar a origem da sua
fundação e a razão da sua invocação.
A consanguinidade do casal terá dificultado e impossibilitado a garantia da descendência. A devoção a Santa Ana que, ultrapassando a idade fértil e julgando-se estéril,
conseguiu conceber Maria, serviria na perfeição os anseios dos instituintes e foi mate-
Cf. LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., p.202; PEREIRA, Isaías da Rosa - Visitas Paroquiais na Região de Torres Novas (séc. XVII-XVIII).
Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1992, p. 55.
42
Vd. MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho – As Casas dos Vargos e do Caneiro. Solares Rurais Setecentistas [Texto Policopiado]. [s.l.]:
[s.n.], 1988, citado por MENDES, Marta Tamagnini – “O Revestimento Azulejar da Capela da Senhora Sant’Anna”. Nova Augusta.
Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas. N.º16 (2004), p.82.
41
123
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124
rializada na instituição de uma capela em
sua honra, com porta pública e integrada no
complexo habitacional que lhes pertencia.
Anexa às restantes dependências domésticas do solar, a Capela de Santa Ana apresenta exteriormente uma linguagem sóbria
ao nível dos alçados, aspecto que evidencia
a permanência da tradição chã na arquitectura dos inícios do Século XVIII. Apenas
o remate da porta principal, empena e
sineira, apresentam na decoração escultórica, de pendor vegetalista, algum gosto
pelo movimento. [FIG.9]
Organizada em dois corpos principais,
correspondentes aos espaços da nave e
capela-mor, sendo o primeiro mais alto e
largo que o que lhe sucede, é no seu interior
que atinge uma impressionante magnificência, contrastando com o exterior simples,
sóbrio e depurado. É evidente o conceito
barroco de “obra de arte total”43 pela conjugação de várias artes de um modo único:
a talha dourada de Estilo Nacional, presente
no retábulo-mor e nas guardas do púlpito;
o azulejo setecentista que reveste a totalidade dos alçados laterais; a pintura mural
no tecto do sub-coro e em toda a área da
cobertura abobadada da nave e capela-mor;
e a cantaria lavrada do arco triunfal, vãos
da capela-mor e base do púlpito. Todos os
revestimentos artísticos se complementam, enriquecendo este interior sacro privado pela sua variedade e qualidade.
Na articulação espacial deste interior
há ainda que destacar a existência do coro
alto [FIG.10], assente em tripla arcada, que
funcionou como tribuna para os instituintes e seus descendentes, partido dele a
«entrada para as casas […]»44 situada no
lado da Epístola.
A estrutura retabular da capela-mor
define-se estilisticamente como um exemplar da talha de Estilo Nacional. Como características próprias a esta variante estilística
destaque-se a estrutura que envolve a tribuna eucarística – sendo composta por
colunas de fuste torso a que correspondem
arquivoltas que produzem um efeito concêntrico – e a decoração profusa pontuada
com enrolamentos de acanto, pássaros e
meninos segurando cachos de uva. [FIG.3]
Porém, é importante ressalvar que se
observam alguns elementos comuns à linguagem vigente na talha do Estilo Joanino,
o que coloca o retábulo num momento de
transição. Os atlantes presentes por entre a
massa entalhada das mísulas que suportam
as colunas [FIG.12], os meninos segurando
Conceito da História da Arte – designando-se também nos estudos da especialidade pelo termo alemão GesamtKunstwerk ou ainda
pela expressão bel composto – aplicado a obras arquitectónicas onde se dá a conjugação ou síntese de diversos suportes e técnicas
artísticas resultando espaços complexos e, ao mesmo tempo, coerentes pelo programa estético seguido. No fundo, refere-se à
concepção globalizante e unitária dos interiores onde se aplicam programas decorativos com forte capacidade envolvente do
espectador, geralmente sempre de uma grande riqueza. Vd. Actas do Simpósio Internacional Struggle for Syntesis – A Obra de Arte
Total nos Séculos XVII e XVIII. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico, 1999.
44
Cf. LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., p.202.
43
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
cornucópias floridas presentes nas pilastras colocadas entre as colunas, os frutos e
flores de talhe delicado presentes na decoração das colunas de fuste torso remetem
já para a decoração que se verificará no
período estilístico seguinte coincidente
com o reinado de D. João V. [FIG.11]
O revestimento cerâmico setecentista
é, contudo, a manifestação artística que de
forma mais subtil se afirma nas superfícies
murais deste interior, não só pela quantidade
e, consequente, área total revestida, mas
principalmente pela sua qualidade estética.
125
FIG.11 _ Pormenor de coluna e pilastra do retábulo-mor. Capela
de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA
FIG.10 _ Sub-coro e tribuna da Capela de Santa Ana da Casa dos
Vargos. FA
Santos Simões notou duas épocas diferentes, de acordo com as nuances verificadas nos azuis de cobalto e brancos estaníferos, para os painéis azulejares do primeiro
e segundo registo dos alçados apesar de no
conjunto se observar uma notável unidade
estética nos aspectos formais. Assim, numa
primeira fase, a capela teria apenas um
silhar [de dez azulejos de alto no sub-coro
e de cerca de dezasseis no corpo da capela]
de temática profana com representações
ligadas às práticas venatórias e da pastorícia no sub-coro, aos jardins nos painéis da
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
mos situá-lo na Grande Produção Joanina,
fase da azulejaria portuguesa resultante do
processo de amadurecimento da produção
azulejar do Ciclo dos Mestres46, notando-se
uma grande afinidade formal com a obra
atribuída a Valentim de Almeida.47
Do ponto de vista iconográfico as cenas
de temática religiosa relacionam-se com
o ciclo da parentela da Virgem, estando
representados episódios da vida de Santa
Ana, mãe de Maria. No sub-coro podemos
126
FIG.12 _ Pequeno atlante do retábulo-mor. Capela de Santa Ana
da Casa dos Vargos. FA
nave da igreja [FIG.15], e à prática da pesca
e dos eremitas na capela-mor. A segunda
fase, relativa ao restante revestimento da
capela, de temática religiosa, seria então de
data posterior.45
No que diz respeito ao enquadramento
estilístico deste núcleo azulejar devere-
FIG.13 _ Nascimento da Virgem. Revestimento azulejar da Capela
de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA
SIMÕES, J. M. dos Santos – Azulejaria em Portugal no Século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p. 358.
De acordo com a classificação de José Meco resultante da actualização da proposta de João Manuel dos Santos Simões. Vd. MECO,
José – O Azulejo em Portugal. Lisboa: Alfa, 1989; Idem – Azulejaria Portuguesa. Bertrand Editora: Lisboa, 1985.
47
Opinião reforçada por José Meco referida por Isabel Mayer Godinho Mendonça, citada por MENDES, Marta Tamagnini – Ob. Cit., p. 102.
45
46
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
FIG.14 _ Anjo atlante. Revestimento azulejar da Capela de Santa
Ana da Casa dos Vargos. FA
observar O Nascimento da Virgem [FIG.13],
A Apresentação da Virgem no Templo,
Santa Ana ensinando a Virgem a ler, Santa
Ana ensinando a Virgem a rezar. Nos painéis
da nave observa-se A recusa da oferenda
de São Joaquim, O Encontro de Santa Ana
e São Joaquim na Porta Áurea, O Banquete
pelo Nascimento da Virgem e A Glorificação da Virgem. Na parede contígua ao arco
triunfal está representada a Virgem da Conceição ladeada por Santa Ana, à esquerda, e
São Joaquim, à direita.
Sobre as fontes iconográficas que terão
servido de referência ao pintor de azulejos
que trabalhou o conjunto dos painéis figurativos, não conseguimos apurar nenhuma
informação relevante.48 Assinalamos apenas para o painel onde se faz representar
a cena de Santa Ana ensinando a Virgem
a Ler a nítida influência da composição de
Rubens, divulgada através da gravura de
Schelte A. Bolswert, muito reproduzida na
arte europeia de Setecentos. À composição
em azulejo foram acrescentados no plano
de fundo três símbolos marianos – uma
fonte, ciprestes e um vaso de açucenas –
sendo suprimidos os anjos esvoaçantes que
se observam na obra de Rubens e na sucedânea gravura de Bolswert. [FIGS.16-17]
48
FIG.15 _ Cena galante. Revestimento azulejar da Capela de Santa
Ana da Casa dos Vargos. FA
Conjecturamos, apenas, que a fonte consultada será certamente um conjunto de gravuras semelhante à célebre série
da Vida da Virgem de Albert Durer [1471-1528] mais tardia,
possivelmente da segunda metade do século XVII. Ao confrontar os painéis azulejares com as gravuras de Durer não
verificámos qualquer tipo de paralelismo formal, apesar da
mesma temática iconográfica.
127
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
128
FIG.16 _ Santa Ana ensina a Virgem a ler. Revestimento azulejar
da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA
Outro revestimento artístico a referir é a
pintura mural presente na cobertura deste
interior, estando presente no sub-coro,
na nave e na capela-mor. O seu estado de
conservação revela-se razoável na cobertura do sub-coro e mau nas restantes áreas
mencionadas, notando-se nessas sinais de
humidade [possivelmente por infiltração] e
fragmentos resultantes de uma posterior
cobertura por cal. O cromatismo dominante
é um ocre vermelho, notando-se também a
presença de azuis e cinzas [no sub-coro].
Acerca das formas decorativas representadas podemos reconhecer, em algumas
zonas, motivos de carácter vegetalista,
predominando as formas em s invertido
FIG.17 _ Educação da Virgem. Gravura a buril de Schelte A. Bolswert segundo Rubens. século XVII
terminadas em volutas, que encontram eco
em alguns pormenores dos enquadramentos dos painéis azulejares.
É este um interior notável pela qualidade
artística dos vários revestimentos que apresenta, os quais combinados num programa
decorativo que gira em torno da temática
mariana procuram um sentido unitário e
globalizante que envolve de forma sublime
o espectador. Testemunhando do impacto
desta exuberância resgatamos os depoimentos de algumas individualidades que
nos relataram, em diversos momentos da
história, o seu contacto com este interior.
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
Em 1758, o Prior de Salvador considerava a
Capela de Santa Ana digna de um príncipe49.
Quase dois séculos depois, Artur Gonçalves
classificou-a como a mais interessante do
concelho50.
2. Três Interiores da segunda metade do
século XVIII
_ A Capela de Nossa Senhora da Piedade
da casa Antão Mogo de Melo
Em pleno centro histórico da cidade de
Torres Novas, junto à Igreja do Salvador, no
edifício que serve as instalações do Museu
Municipal Carlos Reis e que foi a casa da
família Mogo de Melo, encontra-se a capela
privada daquele edifício civil tendo sido
dedicada a Nossa Senhora da Piedade.
Escasseiam as informações acerca desta
capela e os trabalhos monográficos locais
pouco assinalam a seu respeito. Sabe-se
que se insere num conjunto arquitectónico
que foi habitação de uma das mais importantes famílias da aristocracia local, tendo
nela se realizado as cerimónias privadas
dos Mogo de Melo, como baptizados e exéquias, havendo inclusivamente referências
de que até sepulturas existiram nela.51
Em 1777 era proprietário do edifício
Manuel Mogo de Melo Carrilho de Sousa52,
filho de João de Melo Carrilho [c.1686-1757]
e casado com Ana de Sousa Alvim Coutinho
de Melo Sigea de Velasco53. A partir dos
finais do século XIX instala-se ali o Colégio de Jesus, Maria, José sob a gerência
da Congregação Religiosa de Santa Teresa
de Jesus, facto que, possivelmente, terá
prolongado o culto naquele espaço sacro.
Desocupado o edifício, aquando da implantação da República, sendo o colégio extinto,
anos mais tarde, instalam-se aí vários serviços públicos [como as escolas primárias e
a Repartição de Finanças e Tesouria].54 No
início dos anos 30, por iniciativa de Gustavo
de Bivar Pinto Lopes, instala-se no espaço
da capela um pequeno núcleo museológico,
resultante de uma campanha de recolha de
objectos junto de doadores locais, constituindo o pólo embrionário do que viria a
ser, mais tarde, o Museu Municipal. Após a
constituição do Museu-Biblioteca Munici-
As Memórias Paroquiais de 1758 referem o lugar de Vargos no contexto dos lugares pertencentes à freguesia de Nossa Senhora
do Pranto de Paes das Donas afecta, juntamente com a freguesia de Nossa Senhora da Purificação de Assentis, à Igreja do Salvador. Na descrição dos lugares de culto daquele lugar o Prior de Salvador refere para além da «Ermida de Santo António que os
moradores fizerão para melhor cómodo dos Sacramentos» a Capela «de Santa Anna que conjunto as suas nobres cazas mandou
fazer o Capitão Manoel Lopes Moreyra que a todo o custo a preparou e he digna de ser capella de hum príncipe.[…]». Cf. Dicionário
Geográfico de Portugal – Freguesia de Salvador. Vol.37, fl.759. [Disponível em http://ttonline.iantt.pt].
50
GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas. Novos Subsídios para a sua História. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres
Novas, 1937, p.355
51
Cf. Idem – Mosaico Torrejano…, p.447.
52
Cf. Idem – Ibidem.
53
Cf. Idem – Torrejanos Ilustres…, pp.433-436.
54
Cf. Torres Novas – Memórias da História – Roteiro. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 2002, p.39.
49
129
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
130
FIG. 18 _ Interior da capela da Casa de Antão Mogo de Melo,
actualmente transformado em espaço museológico. FA
pal, no edifício do Largo dos Combatentes
e ocupando o edifício a Escola Industrial, a
capela recebe a oficina da dita instituição
escolar.
De planta longitudinal composta por dois
rectângulos justapostos, sendo um correspondente ao corpo da nave, e outro ao
corpo da capela-mor, esta capela apresenta
uma fachada idêntica à da vizinha igreja
do Salvador pelo desenho semelhante da
empena, recortada num movimentado
desenho de côncavos e convexos. [FIG.1]
A sua composição é simples, de um só
pano enquadrado por duas pilastras, inte-
grando-se no conjunto do edifício da Casa
Mogo de Melo, no extremo da frontaria para
o lado Nascente. Organiza-se axialmente,
tendo a porta principal e uma janela colocados no mesmo eixo, as quais apresentam
uma moldura de cantaria com verga ligeiramente arqueada.
O seu interior, profundamente alterado
por estar transformado em espaço museológico, é de nave única abrindo para a
capela-mor por arco triunfal de volta perfeita, em cantaria, assente em pilastras
toscanas. [FIG.18] A nave apresenta cobertura formada por tecto de madeira em
três planos, e a capela-mor, mais baixa,
abóbada de volta perfeita assente sobre
cimalha [que nas obras de remodelação
terá subido para um ponto mais alto]. No
alçado do lado do Evangelho da nave está
o púlpito com guarda-voz em madeira,
corresponden­do-lhe a respectiva porta de
acesso colocada imediatamente por baixo.
No alçado oposto está um vão arqueado que
estabelece a correspondência com o restante
FIG.19 _ Pormenor da parede contígua do arco triunfal com
estuques decorativos a enquadrarem a estrutura arquitectónica. Capela de N.ª Sr.ª da Piedade da Casa de Antão Mogo de
Melo. FA
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
espaço museológico [posto a descoberto
aquando das obras de adaptação do edifício à
sua nova função], sendo resultante do alargamento de uma porta de acesso à tribuna destinada aos membros da família instituinte.
Apesar da profunda intervenção operada neste interior, adaptando-o a espaço
museológico, sobrevivem alguns fragmentos que testemunham o requinte que
recebeu aquando da sua função devocional. Essas indicações estão patentes nos
estuques existentes na parede contígua
ao arco triunfal, no topo daquela estrutura
arquitectónica. A linguagem decorativa
empregue denuncia o gosto pelos concheados combinados com elementos vegetalistas, típico da linguagem tardo-barroca
da segunda metade do século XVIII. Ao centro, correspondendo com a chave do arco
triunfal, está uma cartela de moldura dupla
em concheados rocaille, que acolhe um dos
símbolos da Paixão de Cristo [os três cravos], sendo enquadrada lateralmente por
dois anjos esvoaçantes que a apresentam,
ao mesmo tempo que sustém elementos
vegetalistas que partem da zona superior
da cartela, entrelaçando-os por entre as
pernas e caindo lateralmente sobre uma
estrutura arquitectónica fingida, também
em estuque, que enquadra superiormente
o arco triunfal. [FIGS. 5 e 19]
Acreditamos, tendo em conta as características formais deste revestimento, que
estes estuques serão contemporâneos e
até mesmo resultantes da encomenda de
Manuel Mogo de Melo Carrilho de Sousa
[c.1745-?], dado que se enquadram cronologicamente no gosto da sua época55. Embora
estejamos perante uma pequena parcela do
revestimento artístico que enriqueceu este
interior, é fundamental considerá-lo pela
sua excepção no contexto local, visto não se
conhecerem no concelho de Torres Novas
outros revestimentos da mesma técnica
com esta datação.
_ A Capela de Santa Quitéria da Quinta
do Carril
Situada no lugar que herdou o topónimo
do complexo agrícola que lhe deu origem – a
Quinta do Carril – está a capela de Santa Quitéria que se ergue isoladamente, junto ao edifício
que foi o antigo solar de Dona Quitéria Maria
de Vasconcelos e Sousa [?-1753].56 [FIG.2]
As notícias mais recuadas referem que,
em 1749, Dona Quitéria instituiu, por vontade testamentária, uma capela no seu
casal cuja invocação seria a Santa Mártir sua
homónima.57 De acordo com as Memórias
Paroquiais, em 1758 eram administradores
os frades Oratorianos [Ordem de S. Filipe
Nery] de Lisboa58, aos quais se fez pedido,
Baptizou nesta capela os seus filhos e, em Dezembro de 1789,sepultou a sua mulher, Dona Ana de Sousa Alvim Coutinho de Melo
Sigea de Velasco. Cf. Idem – Mosaico Torrejano…, p.447.
56
Cf. GONÇALVES, Artur – Mosaico Torrejano…, p.423; Idem – Memórias de Torres Novas…, p.287.
57
Idem – Ibidem.
58
LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., p.182. Feliciano Luís Gonzaga, prior do Lumiar, na visita paroquial de 1760 à freguesia de Santa
Maria refere também a Congregação do Oratório de Lisboa como detentora desta capela. Cf. PEREIRA, Isaías da Rosa - Ob.Cit., pp.60-61.
55
131
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
132
em 1782, do tombo dos respectivos bens59.
Por ocasião do processo de extinção das
Ordens Religiosas, em 1834, aquele legado foi
integrado nos bens do Estado, que passou a
nomear o capelão para a capela da Quinta
do Carril, sendo esta mais tarde vendida,
rendendo «pouco mais de seis contos de
reis»60. A posse do Casal e respectiva capela
reverteram para o General António César
de Vasconcelos Correia, que parece ter trazido para esta capela a imagem do Senhor
dos Aflitos, oriunda de um dos conventos
de Santarém.61 Em 1910, dá-se a extinção do
cargo de capelão da capela de Santa Quitéria, e trinta e um anos depois é entregue,
oficialmente, a ermida à Igreja Católica.62
Do ponto de vista arquitectónico tem esta
capela uma planta longitudinal composta
por três rectângulos justapostos, respectivamente correspondentes à sacristia, ao
FIG.21 _ Altar-mor da Capela de Santa Quitéria da Quinta do
Carril. FA
FIG.20 _ Aspecto exterior da Capela de Santa Quitéria da Quinta
do Carril. FA
corpo da nave e à galilé. [FIG.20]
A fachada principal apresenta dois andares correspondentes aos volumes escalonados dos corpos da capela e galilé. O corpo
da capela apresenta pano único, rematado
por empena triangular e enquadrado por
cunhais apilastrados que terminam rematados por acrotérios. No seu eixo foi colocada a porta principal de verga recta – a
Cf. GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.287.
Cf. Idem – Mosaico Torrejano…, p.424.
61
Cf. Idem – Mosaico Torrejano…, p.424; SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém. Lisboa: Academia Nacional de Belas Artes, 1947, p.128.
62
Cf. GONÇALVES, Artur – Mosaico Torrejano…, p.424.
59
60
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
qual é ladeada por duas janelas de pequena
dimensão, também de verga recta – e, logo
acima, um janelão de verga curva e, imediatamente, por cima deste um pequeno óculo
neo-gótico. A galilé, anexada ao piso inferior da fachada, é rasgada por três vãos em
arco de volta perfeita, sendo o central mais
alto, correspondendo com o eixo da porta
de entrada da capela. Ao nível dos alçados
laterais este corpo é também vazado por
quatro arcos de cantaria, repartidos de igual
modo pelos dois lados, e que se articulam
através dos cunhais de canto com os arcos
do alçado frontal. Neste espaço alpendrado,
observa-se um pavimento lajeado e bancos
de pedra que correm a toda a volta. Os alçados laterais do corpo da capela são marcados por um cunho nitidamente chão, sendo
apenas rasgados por janelas rectangulares.
Ingressando no edifício deparamos com
um espaço tipo salão, cuja cobertura é
feita por abobada de berço, e cujo coro alto
se situa acima da porta. Ao fundo deste
espaço está o altar em talha policromada
de estilo Neoclássico, o qual é ladeado por
duas portas que, ao mesmo tempo que dão
acesso ao espaço posterior da sacristia, são
confessionários. A estas portas correspondem dois pequenos nichos com porta de
vidro que, actualmente, têm no seu interior
somente a imagem de Nossa Senhora de
Fátima [lado da Epístola], visto que foi alvo
de roubo a imagem de Santa Quitéria [lado
do Evangelho].
63
O retábulo-mor, em talha Neoclássica,
apresenta uma policromia que em parte
será fruto de repintes, pelas suas cores
contrastantes, observando-se, contudo,
alguns efeitos marmoreados característicos do gosto estético aplicado. [FIG.21]
Sendo enquadrada por um grande arco
de volta perfeita, em cuja chave foi colocado um querubim [possivelmente sobrevivente de um altar de datação anterior],
esta estrutura retabular é constituída por
colunas emparelhadas de fuste liso e capitel compósito, colocadas de cada lado da
tribuna, que suportam um entablamento
sobre o qual assenta um remate constituído por fragmentos de um frontão curvo
[extremidades], entre os quais foi colocada,
sobre o arco de volta perfeita da tribuna, a
representação resplendorosa do Agnus Dei
com os seus sete selos, o qual se enquadra
por duas aletas que ligam a um segmento
de frontão curvo do tipo borrominiesco.
[FIG.22] Ladeando este remate que acolhe
uma volumétrica decoração de folhas de
parreira, cachos de uvas e espigas, encontram-se, de cada lado, duas urnas rematadas por uma sarça ardente.
Os motivos decorativos aplicados passam
pelos já mencionados cachos de uva, folhas
de parreira e espigas – com conotação
directa à simbologia eucarística63 – a par de
singelos apontamentos de grinaldas de delicadas folhas, fitas e laçarias e ainda pequenos medalhões ovais, correspondendo assim
O pão [espigas] e o vinho [cachos de uva e folhas de parreira], o Corpo e o Sangue de Cristo.
133
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
134
à linguagem decorativa neoclássica. [FIG.6]
Na tribuna, no lugar do habitual trono eucarístico, encontramos a escultura de Cristo
Crucificado ou Senhor dos Aflitos, imagem
que foi já referida nas linhas anteriores.
O revestimento azulejar é digno de nota,
pela sua importância para o enriquecimento do património azulejar concelhio, e
reveste parte das paredes do corpo da nave
correndo num silhar contínuo. Assente num
rodapé de um azulejo de altura, colorido
a manganés, o seu cromatismo combina
o azul-cobalto com o branco estanífero,
e apresenta uma moldura de concheados simples comum na década de 60 de
Setecentos64. A composição é contínua e
engloba várias representações que incluem
paisagens portuárias e campestres habitadas por eremitas e outros personagens
[FIGS.23-26], as quais se articulam de forma
sequencial e ininterruptamente.65
FIG.22 _ Coroamento da estrutura retabular de estilo neoclássico. Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA
FIG.23 _ Pormenor do silhar de azulejos que percorre os alçados laterais do interior. Capela de Santa Quitéria da Quinta do
Carril. FA
Ressalvamos o facto de este revestimento azulejar apresentar evidentes afinidades formais com o conjunto presente
na Capela de Santo António da Quinta de
Nossa Senhora da Paz [Ribeira Branca], o
que constituirá uma prova material da relação entre as duas propriedades, dado que,
tendo em conta os dados das Memórias
Paroquiais66 e o conteúdo do testamento
de Dona Quitéria de Vasconcelos e Sousa67,
na viragem de Setecentos ambas tinham
os mesmos proprietários – os religiosos
da Congregação do Oratório de São Felipe
Nery. Partindo a encomenda da mesma
entidade e, possivelmente, em igual data,
foi escolhida a mesma oficina de produção,
o que pode justificar as semelhanças entre
os dois núcleos azulejares.
Cf. SIMÕES, J. M. dos Santos – Azulejaria em Portugal no Século XVIII…, p. 357.
Refira-se que é urgente atender à conservação adequada deste revestimento, que apresenta já a falta de alguns azulejos e a
desordenada colocação de outros, um facto que impossibilita uma correcta e total leitura deste revestimento artístico.
66
LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., pp.182, 211-212; GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.335.
67
Cf. GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p. 287; Idem – Mosaico Torrejano…, pp.423-424.
64
65
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
135
FIG.24 _ Eremita. Revestimento azulejar da Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA
FIG.26 _ Cena de Pesca. Revestimento azulejar da Capela de
Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA
FIG.25 _ Cena Campestre. Revestimento azulejar da Capela de
Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA
As linguagens estilísticas evidenciadas
nos revestimentos aplicados nesta capela
permitem situar este interior na segunda
metade do século XVIII. Contudo, uma datação mais precisa torna-se difícil, pois verificam-se neste interior dois tipos de revestimento correspondentes a duas variantes
estilísticas diferentes. A talha assume uma
linguagem nitidamente neoclássica na sua
estrutura e decoração, enquanto que os azulejos a situam em época anterior por estarem
claramente associados à estética rocaille.
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
136
_ A Capela de Santo António da Quinta de
N.ª Senhora da Paz (ou de Santo António)
À entrada da localidade da Ribeira Ruiva
encontramos, na Quinta de Nossa Senhora
da Paz ou de Santo António, um outro
espaço sacro de carácter privado que, apesar das suas reduzidas dimensões, deverá
ser incluído no conjunto em análise, uma
vez que apresenta um revestimento artístico digno de nota pela sua contribuição
para o enriquecimento do património azulejar existente no concelho.
Em tempos foi esta quinta solar da família
Caldeira e Costa Pimentel68, sendo seu proprietário em 1758 António Xavier de Paiva, a
qual lhe ficou por testamento de Dona Quitéria Maria de Vasconcelos e Sousa, mas só
em vida, visto que por sua morte passou
aos religiosos da Congregação do Oratório de São Felipe Nery69. Com a extinção
das ordens religiosas é a quinta integrada
nos bens do Estado, sendo posteriormente
vendida a Manuel José Vilela que a terá, por
sua vez, negociado com Francisco António
da Silva Parreira, permanecendo na posse
dos seus descendentes até à data da venda
a Francisco Santos Pires.70
A construção arquitectónica em análise é
de pequenas dimensões com planta rectangular de um só volume, correspondente ao
espaço único que comporta. Ligando-se a
uma prática devocional mais intimista [não
FIG.27 _ Capela de Santo António da Quinta de N.ª S.ª da Paz. FA
FIG.28 _ Interior da Capela de Santo António da Quinta de N.ª
S.ª da Paz. FA
LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., pp.211-212; GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.335.
Daí a designação popular de Quinta dos Frades que também assumiu a par da designação de Quinta da Paz e de Nossa Senhora da
Paz. Vd. LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., p. 211; GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.335.
70
Cf. GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.335; PEREIRA, Isaías da Rosa - Ob. Cit., p. 64.
68
69
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
constituindo um espaço de celebração no
colectivo, mas um espaço de oração limitado a um número reduzido de devotos],
esta capela encontra-se isolada do espaço
habitacional, sendo pontuada pela presença
da água no seu interior, o que aponta para
um paralelismo funcional com as casas de
fresco.
A fachada é de um só plano, enquadrado
por duas pilastras de canto, às quais correspondem dois plintos que tiveram muito
provavelmente remates do tipo piramidal,
e a estes plintos ligam-se duas aletas, cujas
volutas terminam encostadas a um terceiro
plinto que foi colocado axialmente, logo
acima da porta de entrada. A sua cobertura
é plana feita por lajes, como um terraço, e a
ela se pode aceder por meio de umas escadas colocadas na zona exterior da cabeceira. [FIG.27]
No interior, com cobertura abobadada
que assenta sobre sanca, observa-se um
nicho de cantaria que alberga a imagem
de Santo António e dois bancos de cantaria
encostados às paredes laterais. Este nicho
é nobilitado pela colocação de um frontão
triangular curvo que remata a estrutura
calcária que o enquadra – a leitura integral
dessa estrutura é hoje impossibilitada pela
colocação de uma porta de ferro. Imediatamente abaixo deste nicho, está uma calha
onde corre água quando a fonte, situada na
rua que passa atrás desta capela [já fora dos
limites da propriedade], atinge nível que
baste para chegar até a este local. [FIG.28]
Este espaço apresenta como reves-
FIG.29 _ Painel azulejar representando O Milagre Eucarístico da
Mula. Quinta de N.ª S.ª da Paz. FA
137
FIG.30 _ Painel azulejar representando. A Pregação de Santo
António aos Peixes em Rimini. Quinta de N.ª S.ª da Paz. FA
timento artístico painéis de azulejo nas
paredes laterais e na parede testeira envolvendo o nicho, que podem ser datados,
com firmeza, a partir das suas características formais. Assumindo o cromatismo do
azul e branco, característico da azulejaria
setecentista, e apresentando os painéis
historiados uma moldura de concheados
simples, próprios do formulário decorativo
tardo-barroco, estes azulejos situam-se na
segunda metade do século XVIII e são pro-
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
138
dução de oficina lisboeta. Ao nível iconográfico os painéis apresentam duas cenas
muito populares da iconografia antonina,
nomeadamente, o Milagre Eucarístico da
Mula [painel da esquerda] [FIG.29] e A pregação de Santo António aos Peixes em Rimini
[painel da direita] [FIG.30]. No revestimento
cerâmico que envolve o nicho figuram dois
anjos que seguram uma palma e uma tocha,
respectivamente, à esquerda e à direita.
Reforçamos, uma vez mais, a ligação
deste interior ao da capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril, principalmente, no
que diz respeito aos revestimentos azulejares. As semelhanças são evidentes do
ponto de vista formal, facto que deverá
ser explicado pela sua relação com os frades Oratorianos que na segunda metade
do século XVIII detinham a posse de ambas
as propriedades.
Apesar da exiguidade deste espaço é
notória uma sensibilidade decorativa própria do gosto dominante na segunda metade
de Setecentos, principalmente pelo cuidado
na escolha dos revestimentos artísticos que
preferiu as valência do azulejo que combina
a função prática, por ser de fácil manutenção [sobretudo em espaços húmidos] com a
função catequética, constituindo um veículo
de transmissão de dois dos mais célebres
episódios da vida de Santo António de Lisboa, a quem é dedicada a construção.
3. Um interior renovado da primeira
metade do século XIX: a capela-mor da
Capela da Quinta de Santo António no
Pedrógão
A Capela de Santo António da quinta com
a mesma invocação, situada na freguesia
de Pedrógão, chega aos nossos dias num
lamentável estado de ruína, sendo, contudo, ainda possível [à data da nossa visita]
reconhecer vários fragmentos do que foi
o requinte do seu tratamento decorativo
interior resultante, principalmente, de uma
campanha de beneficiação, datada do primeiro quartel de Oitocentos.
Fundada em 1588 pelo Padre Jorge de
Sousa de Alvim, capelão fidalgo da Casa
Real71, o qual instituiu o morgado do Pedrogão e Minde, esta capela sofre uma beneficiação no século XIX, encontrando-se nessa
altura ainda em poder dos representantes
da família Mogo de Melo e Alvim72.
Orientada a Nascente, a Capela de Santo
António integra-se na massa construída do
complexo habitacional da quinta, desenvolvendo-se longitudinalmente em redor de
um pátio formado pela casa nobre e suas
dependências, colocando-se no seu lado
Sul. De reduzidas dimensões, tem planta
longitudinal composta por rectângulo e círculo inscrito em quadrado, justapostos, correspondentes, respectivamente, à nave e à
capela-mor, encontrando-se anexa a esta
última, do lado da Epístola, uma divisão que
Idem – Torrejanos Ilustres…, p.408. Em 1760, no relatório da Visita Paroquial é mencionado António Tomás de Sousa como detentor
desta capela. Cf. PEREIRA, Isaías da Rosa - Ob. Cit., p. 58.
72
Idem – Memórias de Torres Novas…, p.334.
71
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
FIG.31 _ Fachada principal da Capela da Quinta de Santo António
do Pedrógão. FA
terá servido como sacristia [como atesta o
lavabo que ainda se reconhece]. Ao nível dos
alçados, domina uma grande simplicidade
de linhas, da qual resulta que a capela seja
extremamente depurada no seu exterior.
A fachada principal, correspondente ao
alçado lateral Norte [parede do lado do Evangelho], apresenta uma porta de verga recta
– rematada por um segmento de frontão
recto e sobrepujada por um pequeno nicho
– rasgando-se junto à parede de fundo
da nave e dando acesso directo ao pátio
interior da quinta. [FIG.31] À sua direita,
logo após a pilastra de canto que marca a
esquina do edifício para o lado Oeste, está
o campanário, já sem sino, junto ao portão
que conduz ao pomar.
Tendo perdido a cobertura na zona da
nave, o seu interior parece ter sido contagiado pela sobriedade exterior, apenas
constituindo excepção a capela-mor que
apresenta ainda fragmentos de um revestimento constituído essencialmente por pintura a fresco. De acordo com o negativo que
consta na parede contígua ao arco triunfal
e na parede de fundo da nave, a cobertura
da nave terá sido feita por um tecto em
madeira de três planos, com um telhado
de duas águas, que assentava numa sanca
moldurada que ainda existe. No remate da
empena triangular da parede de fundo pode
ainda observar-se uma cruz de pedra. A
cobertura da capela-mor faz-se por cúpula
semicircular que assenta, por meio de quatro pendentes, sobre um volume cúbico.
[FIG.33] Separa a nave da capela-mor um
arco de volta perfeita em cantaria, com o
seu intradorso com demarcada divisão das
aduelas por almofadas, que descansa em
139
FIG.32 _ Arco triunfal da Capela da Quinta de Santo António do
Pedrógão. FA
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
140
pilastras de fuste estriado. [FIG.32] Sobre
ele foram colocadas as armas do instituinte
[com a heráldica dos Sousa e Alvim] acompanhando-as a inscrição: «GEORGIVS DE
SOUSA DALVIM ME FECIT ANNO 1588».
Acedendo à capela-mor por alto degrau,
observa-se um pequeno altar que acolheu
em tempos uma imagem de Santo António.
A sua estrutura é simples, sendo constituída por mesa com alma de madeira revestida a estuque pintado, descansando sobre
ela uma micro-arquitectura que inclui um
nicho, destinado à imagem, ladeado por
pilastras toscanas que servem de suporte a
um entablamento de linhas simples.
Em frente ao altar encontra-se, no pavimento, uma lápide cuja epígrafe refere o
nome do instituinte, a data da sua fundação e a data da sua renovação: «SEPULTURA/ DO SENHOR/ IORGE DE SOU/ ZA DE
ALVIM/ FIDALGO DA/ CASA REAL/ FUNDADOR DESTA CAPE/ LA QUE FOI FEI/ TA
NO ANNO/ DE 1588 E RE/ NOVADA NO/ DE
1818».73
Existem também neste interior alguns
elementos neo-românicos, possivelmente
fruto de intervenções ocorridas já em finais
do século XIX ou até mesmo nos inícios de
Novecentos. Falamos de dois óculos aplicados no fecho da cúpula [situando-se na base
do lanternim] e outro na parede do fundo
da nave.
73
FIG.33 _ Altar-mor da Capela da Quinta de Santo António do
Pedrógão. FA
Sobre os revestimentos artísticos presentes neste interior, sobressaem os vários
fragmentos de pintura mural presentes na
capela-mor. Na cúpula, formada por caixotões, dominam os azuis combinados com
os ocres amarelos e vermelhos – uma policromia que irá encontrar eco nos múltiplos
apontamentos decorativos presentes no
Antes desta lápide terá existido outra que dizia: «Aqui jaz Jorge de Souza, primeiro fundador desta casa e filho de D. Simão da
Costa, comendatário e fundador do Mosteiro de Rendufe, Arcebispado de Braga». Cf. GONÇALVES, Artur – Torrejanos Ilustres.
Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1934, p.410.
FIG.33 _ Cobertura da capela-mor
António do Pedrógão. FA
r. Capela da Quinta de Santo
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
FIG.35 _ Pormenor decorativo do revestimento da Capela da
Quinta de Santo António do Pedrógão. FA
FIG.34 _ Nicho do altar-mor da Capela da Quinta de Santo António do Pedrógão. FA
nicho do altar-mor. Nas paredes que constituem as faces do volume cúbico que sustêm a cobertura semi-esférica da cúpula é
predominante o ocre amarelo.
De uma grande simplicidade e alguma
ingenuidade ao nível da execução técnica
do desenho, este revestimento é, contudo,
rico pela variedade de motivos decorativos representados. Desde elementos de
carácter vegetalista – de que são exemplos
os desenhos de flores e grinaldas que pontuam aqui e além os alçados daquele inte-
rior – a arquitecturas fingidas como uma
porta desenhada do lado do Evangelho que
faz pandam com a porta da sacristia que se
abre do lado oposto e uma janela que consta
na parede do lado da Epístola, fazendo correspondência com o pequeno vão aberto do
outro lado. Há ainda que referir as pequenas
paisagens que se representam logo acima
das vergas da porta da sacristia e da porta
fingida observada no lado oposto.
No altar-mor observam-se curiosos pormenores que vão desde enrolamentos de
acantos, sobre os quais se sentam meninos
que seguram em pequenas palmas e onde
descansam pequenos pássaros, a outros
motivos vegetalistas e geométricos, em
combinação com aplicações de efeitos
marmoreados. [FIGS.34 e 35]
141
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
142
O conjunto destes elementos permitem
conjecturar sobre a datação possível deste
revestimento. Os efeitos de marmoreado,
bem como as grinaldas e representações
de paisagens são elementos típicos ao
gosto decorativo oitocentista da pintura a
fresco, facto que se torna coerente visto a
remodelação deste espaço se ter dado no
ano de 1818.
O revestimento artístico deste interior
sacro privado é excepcional pela sua raridade no contexto da região. Na arquitectura religiosa do concelho escasseiam os
exemplos que incluem a pintura a fresco
no tratamento artístico dos seus interiores, um aspecto que se torna ainda mais
flagrante para a cronologia dos inícios do
século XIX. Por este motivo, a consideração deste interior é de extrema importância para o enriquecimento do património
artístico local.
4. Um interior dos finais do século XIX:
Capela da Quinta da Torre de Santo António
É este um dos interiores mais equilibrados do conjunto de edifícios em análise pela
sua unidade estilística. O requinte que apresenta, pelos pormenores atendidos na sua
concepção, reside fundamentalmente no
facto de ser resultante do investimento de
Tristão Guedes de Queiroz Correia Castelo
Branco, Conde da Foz [mais tarde, em 1901,
Marquês] – indivíduo erudito, apaixonado
pela Arte, conhecedor das tendências artísticas predominantes no seu tempo, tendo-se dedicado ao coleccionismo e comércio
de arte74.
Em 1758, Luiz de Mello de S. Payo, Prior da
Igreja de Santiago, na resposta ao inquérito
que viria a dar origem ao Dicionário Geográfico de Portugal, referia a existência de
uma capela nesta quinta com as seguintes
palavras:
[…] A Capella de Santo António situada
na quinta de Manoel António Carlos de Azevedo dotada por seos Avós […] tem hum só
Altar com huma imagem de vulto de Santo
António.»75
Em época anterior, ali tinha instituído
morgado Manuel de Azevedo Pais, sendo
seu primeiro administrador o seu filho Luiz
António de Azevedo76.
Mais de um século depois, em 1874, foi a
quinta vendida em hasta pública e arrematada por D. Gertrudes da Conceição de Azevedo Velês, a qual fez promessa de venda a
Alfredo Dantas Lopes de Macedo, vindo-se
a cumprir três anos depois. Data de 1880 a
Nascido em 1849, e com raízes na nobreza rural do Norte, o 1.º Marquês da Foz recebeu o título em 14 de Novembro de 1901,
outorgado por D. Carlos I, e renovado duas vezes. No exercício de funções públicas teve um papel importante na construção dos
caminhos-de-ferro portugueses [sendo administrador da Companhia Real do Caminho-de-Ferro], ficando também célebre por ter
sido um grande coleccionador de objectos de arte, dedicando-se inclusivamente ao seu comércio. Em Lisboa teve a sua residência
num palacete na Rua das Chagas e no faustuoso Palácio Foz, situado na Praça dos Restauradores, adquirido em 1889 à 6.ª Marquesa
de Castelo Melhor. Estas informações poderão ser acedidas em http:// www.ics.pt.
75
Dicionário Geográfico de Portugal – Freguesia de Santiago. Vol.37, fl.824. [Disponível em http://ttonline.iantt.pt]
76
Cf. GONÇALVES, Artur – Torrejanos Ilustres…, p.274.
74
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
escritura de venda da quinta por Alfredo
Dantas Macedo ao então Conde da Foz, Tristão Guedes Castelo Branco, fazendo a propriedade parte do dote da Condessa da Foz,
D. Maria Cristina da Silva Cabral em 1884.77
Implantada por entre o arvoredo de uma
mata de pinheiros, a capela que encontramos resulta de uma campanha de edificação ocorrida cerca de 1896, a qual veio
substituir o antigo espaço sacro. O espírito
revivalista, tão característico do contexto
romântico da época, está bem patente na
construção, sendo eleito o estilo gótico
como fonte de inspiração para o novo
espaço arquitectónico. O encanto pelo universo medieval seria também afirmado na
obra arquitectónica do palacete que arrancaria cinco anos depois, terminando em
1907, onde o ponto de partida seriam duas
janelas manuelinas, provenientes da vila da
Batalha78, que dariam origem a uma construção de gosto neo-manuelino, sendo a
obra dirigida por António Casimiro Simões,
amigo do proprietário.79
Com planta em cruz latina [ao modo
medieval] e coberta por um telhado de ardósia [pouco comum na região] trata-se esta
capela de um evidente espécime neo-gótico,
facto atestado pelos diversos elementos
arquitectónicos que apresenta – como, por
exemplo, os arcos em ogiva e os botaréus
terminados por pináculos de cogulhos nas
arestas que encimam os contrafortes esca-
143
FIG.36 _ Fachada principal da Capela de Santo António da Quinta
do Marquês. FA
FIG.37 _ Cabeceira da Capela de Santo António da Quinta do
Marquês. FA
Cf. Idem – Memórias de Torres Novas..., p. 348.
Cf. SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém…, p.133.
79
De acordo com a lápide exterior.
77
78
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
144
FIG.38 _ Interior da Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA
lonados presentes em toda a estrutura –
bem como os pormenores decorativos que
pontuam todo o interior do edifício.
Exteriormente, ao nível da cabeceira, o
edifício apresenta ábside facetada, rasgada
por altas janelas em arco ogival. [FIG.37] As
fachadas laterais apresentam três panos,
definidos por contrafortes escalonados,
colocando-se nos primeiros [junto à cabeceira] as capelas laterais – que se apresentam rebaixadas em relação à altura da nave
– sendo os restantes panos vazados por
janelas em arco apontado. [FIG.8] A fachada
principal tem porta axial emoldurada por
arquivoltas em arco quebrado e, logo acima,
uma rosácea – envidraçada por vitrais policromos – sendo esta sobrepujada por uma
pequena fresta, terminando a parede em
empena triangular colocando-se no seu
vértice uma cruz de pedra. [FIG.36]
Ao nível do interior da capela o efeito
luminoso dos vitrais policromos anima de
forma sublime o espaço, o qual se combina
com outros pormenores decorativos como
o lambril de estuque pintado que corre
em torno de todo o espaço, sendo decorado por figuras de anjos orantes [FIG.40]
alternados com flores-de-lis [elemento
heráldico dos Guedes], que habitam uma
sequência de edículas em madeira, contracurvadas, observando-se superiormente,
nos intervalos entre cada uma das representações, pequenas figuras de serafins.
[FIG.39] A decoração pintada está também
presente no tecto da nave, que é forrado
de madeira e constituído por três planos,
estando pintadas no painel central as armas
dos Guedes com as cinco flores-de-lis.
FIG.39 _ Lambril decorativo do alçado do lado do Evangelho da
nave da Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA
NOVA AUGUSTA
Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX)
145
FIG.41 _ Altar-mor. Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA
FIG.40 _ Anjo orante. Lambril decorativo da nave da Capela de
Santo António da Quinta do Marquês. FA
FIG.42 _ Base do altar-mor. Capela de Santo António da Quinta
do Marquês. FA
NOVA AUGUSTA
Diana Gonçalves dos Santos
146
Separa a nave da capela-mor uma guarda
de madeira, trabalhada com o motivo da
edícula gótica, que ocupa toda a largura do
vão do arco triunfal. Este último comporta
em duas mísulas, duas monumentais esculturas, entre as quais destacamos a que
representa o Sagrado Coração de Jesus, de
braços abertos, colocada no lado da Epístola. No espaço da capela-mor, isolado no
seu centro, está o altar-mor cuja estrutura
em madeira é constituída por uma micro-arquitectura de formas nitidamente recuperadas do gótico, sendo rematada por um
baldaquino. [FIGS. 41 e 42] Neste altar, em
parte forrado com damasco vermelho, está
a imagem do orago, em barro, atribuída a
Rafael Bordalo Pinheiro80.
Este interior revivalista remete para um
sentimento romântico de pendor historicista, imbuído de algum saudosismo em
relação aos tempos medievais que se consideravam como um modelo de civilização
religiosa ideal. É recuperado nostalgicamente esse modelo pela via material, sendo
notório o cuidado na escolha dos pormenores decorativos bebidos na arte medieval, na
sua variante gótica. A qualidade dos pormenores arquitectónicos e das peças artísticas
que pontuam este interior sacro deverá ser
obrigatoriamente descodificada pela consideração do poder mecenático do Marquês
da Foz. Por via da cultura artística que acarretava, combinada com o poder económico
que detinha, foi-lhe possível investir na
80
construção deste espaço tornando-o um elemento distintivo da casa e um reservatório
simbólico da opulência do seu proprietário.
CONCLUSÃO
O tratamento do conjunto dos espaços
religiosos integrados em complexos arquitectónicos de carácter civil existentes no
concelho de Torres Novas permitiu que a
orientação deste estudo remetesse para a
área dos revestimentos artísticos, dada a
variedade encontrada nos seus interiores
ser considerável, bem como a qualidade
técnico-artística patente em alguns casos.
Tratando seis exemplares através de
uma linha evolutiva que os relacionou num
só conjunto, consumou-se o objectivo
desta pesquisa bem como o leit-motif que
transversalmente percorreu a sua estrutura. A análise do espírito decorativo presente em cada um dos edifícios apurou que
os revestimentos artísticos aplicados aos
seus interiores são aspectos resultantes das
oscilações do gosto que marcaram a evolução dos tempos, as quais têm origem numa
necessária actualização do discurso estético.
Mais do que certezas, surgem pontos de
partida para outras pesquisas mais profundas que muito contribuirão para o esclarecimento das inúmeras dúvidas que surgiram ao longo da realização deste estudo.
Caso surjam fontes documentais sobre os
objectos que aqui foram abordados será,
com certeza, possível essa concretização.
Cf. SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém…, p.133.
As obras na Cardiga durante os priorados de Fr. António
de Lisboa e Fr. Pedro Moniz: 1529-1630*
Luís Miguel Preto Batista**
O presente trabalho procura analisar o percurso artístico da Cardiga durante
a segunda metade do século XVI e a primeira do século XVII (1529-1630), pondo
em destaque as obras de Frei António de Lisboa, Reformador da Ordem de
Cristo, e de seu sobrinho Frei Pedro Moniz, resultantes da forte ligação do
Convento de Tomar com a sua Comenda/Quinta.
* O artigo que agora se publica é o resultado de um capítulo integrado numa dissertação de
Mestrado em História Regional e Local, intitulada Cardiga: de Comenda a Quinta da Ordem
de Cristo (1529-1630), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a
orientação da Prof.ª Doutora Maria Paula Marçal Lourenço, no ano lectivo 2006/2007. Nessa
tese obteve-se a classificação máxima de Muito Bom.
** Mestre em História Regional e Local.
147
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
149
Panorama geral do Palácio da Cardiga em meados do séc. XVIII. Fonte: Arquivo da Quinta da Cardiga.
Introdução
Em Outubro de 1169, D. Afonso Henriques,
na sequência de outras doações, entrega à
Ordem do Templo os territórios de Cardiga.
Situada próximo do Tejo, nos actuais concelhos da Golegã e Vila Nova da Barquinha,
viria a constituir, a par de outros baluartes
raianos da fronteira mourisca, importante
torre de defesa na linha templária da fronteira cristã.
Transformada em Comenda, serviu para
premiar alguns freires-cavaleiros da Ordem
do Templo e da Ordem de Cristo, após a fundação desta em 1319.
Depois do falecimento do seu último
comendador leigo, Frei Nuno Furtado de
Mendonça, viria a Cardiga a ser entregue ao
Convento de Cristo em 1536.
Esta passagem ocorreu na sequência
da Reforma da Ordem de Cristo, em 1529,
promovida por D. João III, vindo a Cardiga
a tornar-se uma Quinta do Convento de
Tomar e a constituir-se em base económica substancial da nova Ordem Monástica
criada por Frei António de Lisboa, frade
jerónimo encarregue de tal reforma.
Importante elemento fundiário e símbolo
de prestígio, numa época em que a terra
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
150
ocupa grande relevo na economia, a Quinta
viria a subsidiar, no plano económico, não
só Tomar, a sede da Ordem, mas também,
entre outros, os estudantes do Colégio de
Cristo em Coimbra.
A acção de Frei António de Lisboa, Prior
da nova Ordem durante 32 anos, vai ser
decisiva na ampliação da Cardiga, quer comprando novas terras aos moradores dos
concelhos de Atalaia, Golegã e Torres Novas,
quer efectuando trocas com alguns potentados da região, como foi o caso do Conde de
Redondo, comendador de Almourol.
A mudança do curso do rio Tejo na
região em estudo, ocorrida em meados
do século XVI, não irá fragilizar a posição da Ordem de Cristo, encontrando
esta em Frei Pedro Moniz, sobrinho do
Reformador, feitor da Cardiga por cinco
vezes e D. Prior em duas épocas, continuada a acção do seu antecessor. Compra
mais propriedades nas terras a oeste da
Quinta, ampliando-a e desenvolvendo
nela significativa obra agrária.
Nos dois primeiros reinados do período
filipino a Ordem continua a consolidar o seu
poderio, tendo sido a Cardiga, a par do Convento de Tomar, palco de visita de Filipe I, a
Portugal, em 1580.
Com o declínio do império espanhol, a
Quinta viria a sofrer alguma ruína. Nesta
conjuntura a estratégia da Ordem de Cristo
passava a ser outra: a rentabilização ao
1
máximo dos recursos que possuía. É nesse
sentido que a Cardiga irá servir os novos
desígnios do Convento.
O estudo, que ora se apresenta, originalmente, correspondia, grosso modo, ao capítulo 6 – Construção de um património edificado: as obras na Cardiga, incluído na III parte
– A Exploração Económica e a Administração Patrimonial da Cardiga, da nossa tese de
mestrado intitulada “Cardiga: de Comenda a
Quinta da Ordem de Cristo (1529-1630)”.
Hoje, aqui, apresentaremos a evolução
do património edificado na Cardiga desde
Frei António de Lisboa (1529-1551) e continuado por Frei Pedro Moniz (1592-1612). No que
toca ao património móvel serão estudados
os retábulos de João de Ruão e de Nossa
Senhora da Luz, ainda hoje existentes como
bens da Quinta.
Analisar o percurso artístico da Cardiga
durante a segunda metade do século XVI e
a primeira do século XVII (1529-1630), pondo
em destaque as obras de Frei António de
Lisboa, Reformador da Ordem de Cristo,
e de seu sobrinho Frei Pedro Moniz, resultantes da forte ligação do Convento de
Tomar com a sua Comenda/Quinta, é, pois,
o grande objectivo deste artigo.
1 - O casco medieval
O castelo da Cardiga foi doado por D. Afonso
Henriques à Ordem dos Templários em Outubro de 1169.1 Esta doação insere-se num con-
IAN/TT, Pergaminhos das Ordens do Templo e de Cristo, régios, maço I, doc. 4, em cópia dos séculos XII/XIII, publicado por Rui de
Azevedo, Documentos Régios, vol. I, tomo I, doc. 297, pp. 338 e 339, e Monumenta Henricina, vol. I, doc. n.º 7, p. 15.
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
junto mais vasto que incluía os castelos de
Tomar, do Vale do Nabão, da Foz do Zêzere
e de Almourol. Tal conjunto de fortificações
e a sua entrega à Ordem dos Templários
destinava-se a povoar e proteger toda esta
região das investidas dos Sarracenos.
No seu início o castelo da Cardiga estaria
ligado ao de Almourol e ao de Ozêzar (Foz do
Zêzere), pois, como bem demonstrou João
José Alves Dias,2 eles constituiriam uma
única comenda e uma só unidade territorial.
O castelo da Cardiga aparece descrito em
pormenor na visitação efectuada ao território desta Comenda da Ordem de Cristo
em 26/02/1504. Nessa altura, o parque
habitacional3 da Cardiga era constituído por
um conjunto de casas organizado à volta da
torre militar do Castelo, apresentadas da
seguinte forma: uma Torre de boa altura
toda construída em pedra e rebocada com
cal, bem madeirada e telhada. Esta Torre
tinha três sobrados4 ou andares. O sobrado
João José Alves Dias, Paio de Pele. A vila e a região do século XII ao XVI, Assembleia Distrital de Santarém, 1989, pp. 22 e 23.
Em 1504, segundo o Tombo da Cardiga, esta “tem hum asento / de Cazas nesta maneira. Tem huma Torre / de boa altura toda de
fundo aCima de pedra // E Cal, bem madeyrada, e telhada / E tem tres sobrados. O Sobrado de Cima no/vo, e leva sinco varas de
longo, e quatro de largo / E tem hum almario Sobre a escada no Sobrado do meyo tem huma janella d’asento / com Suas portas ainda
boas, E tem hum mai/nel na Escada [do] fossado velho e hua logea por / baixo. Item ao andar do derradeiro Sobrado tem hua / Salla
Sobradada e madeyrada de castanho / cuberta de telha vaâ e nova leva nove varas / de comprido, E quatro e duas terças de largo /
e tem tres janellas d’asentos com boas portas e huma chamine. Item ao andar desta Salla tem hua Cozinha Sobrada de pinho velho
e leva Sinco varas escaças de comprido E quatro varas e tres quar/tas de largo bem madeyrada e telhada e nella /hua chamine de
Sebe e bayrro. E huma can/tareyra de taboado de pinho, e hua Capoeyra, E hua janella d’aSento com duas portas boas. Item debayxo
desta Cozinha Vay hua des/pença terrea ladrilhada com Sua escada E / mainel de pinho ainda bom. Item debayxo da Salla vay huma
estrebaria / com suas manjadouras de pedra e cal. Item tem hum Circuyto de parede de taypa / com Sua façe de cal deribado por
partes, e começasse / da dita Torre da parte do norte E / vay acabar no Canto da Cozinha contra o Sul / E tem a entrada hu portal
antigo de pedraria / leva Seis estis de comprido, E tres de largo. Item tem este assento [morada] arredor de Sy hum / limite que
entesta ao levante na Ribeyra da Cardiga, E leva de largo athé hum Vallado que he / ao ponente por onde é o dito lemite parte com
/ terras, E matos dos erdeyros de João Galante / Setenta e dous estiis e meyo, os quais Se começaron / a medir de huma mouta
grande de Silveira / que na borda da ditta Ribeyra está abayxo / das Cazas athé o dito Vallado, onde entesta / a outra mouta de
Carrasqueira em terras da Vigairaria de Thomar, e vaisse pelo ditto Vallado / contra o Sul partindo Sempre com os dittos Erdey/ros,
e com erdeyros de Brâz Fernandez, e com sesmarias do / Concelho de Santarem, athé o lado do dito Vallado onde faz hua ponta, E
da dita ponta desse [desce] direyto / a hum marco novo, em hum Comaro antre a terra / da Comenda e terra da Vigairia, em direyto
do porto / do Cortinhal, E daqui Se torna direyto pelo dito Comaro, a outro marco novo no lado da ditta / terra da Vigairia, E de hu
marco athé outro, leva quarenta e Sette estiis, em quinto, e torna di/reyto ao Rio [Tejo], a outro marco novo na borda do Rio / antre a
terra da Comenda e terra da Vigairia, e do mar/co do porto do Cortinhal, athé o Comaro da Vinha da Comenda a hua oliveira grande
e hua Regueira, leva / de comprido (digo) Sincoenta e tres estiis./ Item dentro deste Limite estão as dittas ca/zas, e hum olival que
tem Cento Sincoenta / e tres, digo quatro centas e oytenta e tres oliveyras com as que estão por [a]li espalhadas, e outras / na vinha.
Item hi [ali tem] mais hum Cerrado em que está hua vinha feyta como como treu [veremos?] quinze estiis/ de largo, e hum pedaço de
terra da dicta feyçon / doze estiis e meyo de largo, E estão aly no ditto Ser/rado Cento e Sincoenta e Sinco arvores de fruto / feytas.
Scilicet [a saber] figueyras, Pereyras, ameyxieiras / duas Sidreyras, e hua limeyra, e muitas arvores pe/quenas que senão poderão
contar e passão ao Levante com a Ribeyra da Cardiga, E ao Poente / com Caminho, e ao norte, e Sul com terras da Comenda /”.
4
Sobrado: designação do Portugal medievo e moderno para as casas de 1º ou mais andares superiores. A este propósito refere
João José Alves Dias, “Regra geral, a maioria da população vivia em casas baixas, as chamadas casas-térreas [...]. Numa ou outra
viagem a um núcleo mais urbano [Vasco da Gama], fosse a uma grande vila fosse a uma pequena cidade, já encontraria casas com
um primeiro andar – o sobrado – cujo chão era constituído por tábuas suspensas. Algumas dessas casas teriam mesmo dois pisos.
Porém, quando chegou a Lisboa, ficou deslumbrado ao ver os grandes edifícios de três, quatro e, até cinco pisos, que se situavam
no centro nobre da cidade, onde o cosmopolitismo da vida urbana se fazia sentir”, “O Tempo de Vasco da Gama. Um Quotidiano em
Mudança”, in A Escola e os Descobrimentos. No Tempo de D. Manuel, GTMECDP, 1999, p. 23. Veja-se, ainda, Nova História de Portugal
(dir. de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques), vol. V, Lisboa, Editorial Presença, 1998, p. 619.
2
3
151
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Luís Miguel Preto Batista
152
do topo era novo, medindo cinco varas5 de
comprimento e quatro de largura. Possuía
um armário sob a escada, no sobrado do
meio e uma janela de assento, ou seja, tinha
dois assentos chamados “conversadeiras”;
as suas portadas apresentavam-se em bom
estado. Continha um mainel, ou pilar de
suporte, na escada, dita do “fossado velho”,
e uma loja ou arrecadação por baixo.
O sobrado do último andar tinha uma sala
com soalho de castanho, sendo coberta de
telha vã nova. Media nove varas de comprido e quatro varas e dois terços de largo.
A sala possuía três janelas de assento com
boas portadas e uma chaminé.
Neste andar existia uma cozinha com
chão de pinho velho, medindo quase cinco
varas de comprimento e quatro varas e
três quartos de largura. Possuía um bom
soalho e telhado e uma chaminé de “sebe” e
“barro”, ou seja, de taipa.6 Nela existia uma
cantareira de pinho para guardar loiça e
uma capoeira. Tinha uma janela de assento
com duas boas portadas.
Por baixo desta cozinha podia ver-se uma
despensa térrea ladrilhada com escada e
“mainel”, ou pilar de suporte, de pinho em
bom estado.
Debaixo da sala havia uma estrebaria com
manjedouras de pedra, revestidas de cal.
As paredes do castelo medieval eram
constituídas por um “circuito” de parede
quadrado, ou muralha de taipa, caiado,
com falta de revestimento nalguns sítios. A
Torre começava na parte norte do referido
quadrado e acabava no canto da cozinha do
lado sul. Procedia-se à entrada para o pátio
através de um antigo portal de pedra com
seis estins7 de comprimento e três de largura.
A vara corresponde a cinco palmos, ou seja 1,10m. Cf. Oliveira Marques, “Pesos e medidas”, Dicionário de História de Portugal
(dir. de Joel Serrão), vol. V, 1989, p. 68.
6
Orlando Ribeiro, na sua obra Geografia e Civilização. Temas portugueses, Livros Horizonte, 1991, pp. 32-33, diz-nos que: «A taipa é
a técnica de construção [...], tanto nas paredes das casas como nos muros. O processo consiste em bater a “malho” dentro de uma
espécie de caixa de madeira, sem fundo (“taipal”), uma mistura de barro com pedriça. Deslocando lateralmente o taipal, obtém-se
uma faixa a todo o comprimento do muro que se deseja; levantada ela, deixa-se endurecer a ponto de servir de apoio ao taipal e
vai-se assim erguendo sucessivamente o muro, desencontrando as juntas verticais, para obter travação. As paredes são cuidadosamente rebocadas e caiadas [...]. O adobe é o barro amassado juntamente com areia ou palha cortada, moldado em forma de tijolo
e seco ao sol. Taipa e adobe andam no geral associados à casa térrea típica do Sul; nas vilas e numa ou outra aldeia há casas de taipa
de andar e com ela se constróem, por vezes, altas paredes de igrejas ou palácios e lanços de muralhas de castelos».
7
“Estim”, “estil” ou “estins”, vem das palavras latinas astil ou astim que correspondiam a uma certa medida agrária, e que ainda hoje
se pratica nos chamados Campos de Santarém e da Golegã. Os estins antigos mediam cada um 25 palmos. Acrescente-se que o
termo astil ou estil continua a ser de uso corrente em quase todo o Ribatejo. Há o estil grande e o estil pequeno. O estil grande, que
tem seis passos de largura por cinquenta de comprimento, consta de quatro jeiras, sendo cada jeira de 10 alqueires (um alqueire
equivale no sistema decimal entre 14 a 18 kg). O tão falado Dique dos Vinte, na Golegã, sempre que as cheias do Tejo ameaçam
galgá-lo, é assim chamado por medir vinte estins. De acordo com o artigo de Oliveira Marques, “Pesos e Medidas”, Dicionário de
História de Portugal, (dir. de Joel Serrão), vol. V, 1989, p. 69, o estil ou astil era muito usado na medição agrária, por se tratar de
medida relativamente fixa (uns 14 400 pés quadrados, aproxi­madamente 1 300 m2). O “adival” e a “piterga” eram sinónimos de
astil.
5
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
2 - CONSTRUÇÃO DE UM PATRIMÓNIO EDIFICADO: AS OBRAS NA CARDIGA
2.1 O Palácio: obra de Frei António de Lisboa (1529-1551)
Já atrás tivemos oportunidade de observar as instalações da Comenda da Cardiga na
Época Medieval e inícios da Idade Moderna.
Seria, no entanto, Frei António de Lisboa,
Reformador da Ordem de Cristo, o grande
impulsionador das obras em estilo renascença
que ainda hoje se podem contemplar nos edifícios denominados Palácio da Cardiga.
Referindo-se à magnificência da obra
levada a cabo em Tomar pelo seu Reformador, D. Prior e tio, Fr. Pedro Moniz coloca
na boca do rei Filipe I a seguinte expressão:
“grandes são as obras de Frei António”.8
Esta frase não se aplica somente a Tomar,
mas sim a todas as obras realizadas nas
dependências do Convento de Cristo. Para
além de outras, todas muito importantes,
aquelas que foram realizadas na Cardiga
não são de menor importância.
Reportando-se às razões pelas quais
Frei António de Lisboa realizou obras de
tão grande vulto na Comenda da Cardiga, Fr. Pedro Moniz aponta as seguintes:
como D. João III e a rainha D. Catarina, que
habitualmente pousavam em Almeirim,
tivessem grande vontade de acompanhar
as reformas espiritual e material que estavam decorrendo no Convento de Cristo, em
Tomar, Frei António resolveu fazer acomodações condignas de reis na Cardiga, para
tornar mais fácil e cómoda a viagem que
os soberanos efectuavam amiúde entre as
duas localidades referidas.
Desta forma, as seis léguas e meia9 de
jornada tornavam-se menos fatigantes.
Embora, a Cardiga viesse mais tarde a
servir de local de repouso e recriação, e até
de sanatório, para os freires que adoeciam
em Tomar ou vinham do Ultramar, não seria,
ainda Frei António a transformá-la em local
de hospedagem, até porque ela era necessária para hospedar a família real.10
IAN/TT, Ordem de Cristo, livro nº 47, Relação de quando se começou esta Ordem de Christo em Religiosos Regulares com Regra do
Nosso Pe. S. Bento e foy no anno de 1529, e do primeiro D. Prior que foy o Nosso Rev.mo Pe. Frey Antonio Moniz de Lisboa Reformador della, [...] athe esta era de 1630, fl. 33v.
9
Ibidem, fl. 3: “Fez [Frei António de Lisboa] mais as casas da Cardiga tam grandes e sumptuosas que não so a / vista o mostrão, mas
dentro se vê quão capazes para agazalhar a hum Rey e Rainha, privados e mais senhores e chusma que acompanhava o Rey. O
que o obrigou a fazer isto foi porque como a devoção mais hia crecendo, e augmentadosse no dito Rey, que queria estar sempre
/ com os novos Religiosos para que lhe ficassem mais faceis as jornadas / de Almeirim ao Convento [de Tomar]. Fez estas cazas
[da Cardiga] que de Almeirim pode ser / tres legoas e meia e da Cardiga ao Convento tres e assi com facilidade / se andava este
caminho que ao Rey facilitava o desejo que tinha / de o andar”.
10
Ibidem, fl 3v.: “Fez a Granja [Quinta da Granja] e as cazas tam sucintas como se virão porque não tinha / pensamentos como se viu
de recriar e dar as folgas nella nem as deu nunqua; depois delle morto as derão e davão os prelados na / quinta da Cardiga depois
destas obras acabadas tãm grandes e extra/ordinarias, que todos os que as vem tem que notar detendosse em as ver / e os estrangeiros muito mais dizendo que depois de terem visto muitas / estas acham as melhores”. Nos Serões de Tancos, nº 10, Julho de 1926,
gazeta dirigida por Júlio Costa, de Vila Nova da Barquinha, numa crónica intitulada “Um fuzilamento na Ponte da Pedra (Scenas da
3ª invasão francesa)” pode ler-se: “(...) Quinta da Cardiga, onde os freires da Ordem de Cristo tinham uma casa de campo, espécie
de sanatorium onde se recolhiam aqueles que adoeciam em Tomar ou vinham do Ultramar depauperados pelo clima”.
8
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Luís Miguel Preto Batista
154
Com efeito, deixou construído na Cardiga
um conjunto habitacional que faria inveja a
muito solar da nobreza, causando admiração a nacionais e estrangeiros.11
O D. Prior Frei António tinha tanta vontade em concluir as obras da Comenda da
Cardiga que o próprio arquitecto das obras
de Tomar, João de Castilho, se queixa ao
rei, dizendo que as obras do Convento estavam paradas, havia três meses, por causa
das obras da Cardiga12 e de Almeirim.
Quem teriam sido os arquitectos das
casas da Cardiga? Certamente, os arquitectos das obras de Tomar, entre os quais
João de Castilho. Este participou na edificação do Palácio da Cardiga.
João de Castilho, arquitecto oriundo da
Biscaia e radicado em terras portuguesas
desde 1509, começaria, a partir de 1529, a
envolver-se nas obras projectadas para o
Convento de Cristo de Tomar e suas casas
dependentes. Assim, projectou e construiu
as estruturas,13 ainda hoje incólumes, do
belo Palácio da Comenda da Cardiga. Os trabalhos terão decorrido entre c.1540 e 1548.
Adestrado nas obras dos Mosteiros dos
Jerónimos, de Alcobaça e da Batalha, viria a
construir em Tomar a ermida renascentista
de N. Srª da Conceição, em 1547, erguida para
mausoléu de João III e sua família. Foi tão
famoso, no seu tempo, que chegou a ser considerado o maior arquitecto “português” do
século XVI e um dos grandes da Europa do
Renascimento. Em Mazagão, onde construiu
uma cisterna entre 1541 e 1542, obteve um rasgado elogio do Capitão-mor da praça magrebina que, dirigindo-se ao rei D. João III, diz ser
Castilho “homem para construir o Mundo”.14
Quanto aos artífices anónimos, difícil se
tornou a busca dos seus nomes. Contudo,
algumas referências conseguimos encontrar na documentação compulsada.15
Veja-se o texto da nota anterior relativo às obras da Cardiga.
Durante o seu priorado, Frei António de Lisboa mandou fazer importantes obras na Cardiga, pois isso mesmo se depreende de
uma carta de João de Castilho a D. João III, a propósito da ampliação no Convento de Tomar em que se lê: “A 4 de Março de 1548
dizia o glorioso mestre em carta escrita após grave doença que ainda estava tão gastado: que tinha ha dias escripto a Pero Carvalho
a falar-lhe na falta de carretos; pois os que haviam levavam pedra para as obras da Cardiga e de Almeirim, estando as de Thomar
sem pedra ha tres mezes”, in Vieira Guimarães, A Ordem de Cristo, 1901, pp. 229-230. Fr. Pedro Moniz, no Livro 47 da Ordem de
Cristo, fl. 3, também refere as obras de Almeirim.
13
Maria de Lurdes Craveiro, Diogo de Castilho e a Arquitectura da Renascença em Coimbra, Coimbra, dissertação de mestrado,
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1990, citada por Vitor Serrão, na sua História da Arte em Portugal.
“O Renascimento e o Maneirismo (1500-1620)”, vol. III, Lisboa, Editorial Presença, 2002, p. 61.
14
Rafael Moreira, in, História da Arte em Portugal, Paulo Pereira (dir.) vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, p. 347.
15
IAN/TT, Ordem de Cristo, maço 30, doc. 2, Livro que o ilustre e Muito Magnifico Senhor Fr. Antonio Dom Prior do Convento de Thomar da Ordem de Nosso Senhor Jesu Christo mandou fazer das terras e outras propriedades que se comprarão por seu mandado
pera o dito Convento no Campo da Cardiga, e ao Redor della, E em outras partes, E as Escrituras das ditas propriedades são as
seguintes: (...). “Venda de Gracia Fernandes, veuva, mulher que foy de Joam Gonçalves e de huma terra no Campo [da Cardiga]”.
Assinam como testemunhas “Gaspar Fernandes e Antonio Pires Pedreyros que andam na obra da Cardiga e o dito Gaspar Fernandes he morador em Alcobaça e o dito Antonio Pires he morador em Cós”, (22/10/1542) fls. 243-245; “Vendeu Luiz Affonso huma terra
no Campo [da Cardiga]”. Assinam como testemunhas que “a esto foram presentes Diogo Taborda e Salvador Gonsalves e Antonio
Vaz Carpinteyros que andão na dita Cardiga”, (02/06/1547), fls. 253-254v.
11
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As obras na Cardiga: 1529-1630
Os nomes encontrados são os dos pedreiros Gaspar Fernandes15, morador em Alcobaça16 e António Pires15, morador em Cós17 e
dos carpinteiros Diogo Taborda15, Salvador
Gonçalves15 e António Vaz15.
As obras realizadas na Cardiga por Frei
António de Lisboa vêm mencionadas num
documento18 existente no actual arquivo da
Quinta da Cardiga. Através dele ficamos a
saber que as construções existentes eram:
umas casas nobríssimas, compostas por
um Palácio,19 com uma capela, designada
por oratório,20 no qual existia um altar onde
todos os dias se dizia missa.21 O oratório
era muito bem ornamentado, acedendo-se
a ele por uma varanda do pátio de fora,
onde o palácio tinha a sua entrada principal.
Da parte de fora do oratório existia outra
varanda virada para o rio. Na parede de
uma das quatro torres que se situava junto
à capela existia um relógio de sol22 virado
para nascente.
No corpo da entrada principal, por cima
da mesma, ficavam os aposentos dos religiosos que administravam e governavam os
negócios da Cardiga, bem como os hóspedes, religiosos ou não, que nela vinham passar algum tempo. Nos dois pátios interiores
ficavam duas varandas monumentais, uma
com treze e outra com dezanove colunas de
pedra, com corredores por baixo.
Nos quatro cantos, ou quinas, do edifício
Aos artífices adestrados nas obras de Alcobaça foi buscar, Frei António, os pedreiros para as obras a realizar na Cardiga. Alcobaça
foi criada por “Carta de Fundação”, datada de 08/04/1153 e entregue por D. Afonso Henriques aos Monges de Cister. A estes deve-se a colonização da imensa área dos coutos de Alcobaça. A acção dos monges cistercienses, ou monges brancos, manteve-se até
à extinção das ordens religiosas, em 1834, e deixou marcas tanto no sector agrícola e assistencial, como no da cultura, através do
estudo, deixando obra notável no campo da historiografia. O Mosteiro de Alcobaça é uma obra-prima da arquitectura cisterciense,
cujas obras atravessaram toda a história de Portugal: a igreja teve a sua dedicação em 1252, sendo a actual fachada do século XVIII.
17
A povoação de Cós situava-se dentro dos limites dos coutos de Alcobaça, entre esta localidade e a vila da Batalha. Certamente,
os habitantes desta região estariam muito familiarizados com as artes de canteiro e pedreiro, em que antepassados seus haviam
trabalhado, e eles continuavam a trabalhar, nas obras do Mosteiro da Batalha (1387-1533) e de Alcobaça. Ainda hoje, a Escola de Artes
e Ofícios Tradicionais da Batalha, onde se continua a ensinar a arte da cantaria no labor da pedra calcária, é uma referência na zona
centro do País.
18
“DESCRIPÇÃO DASCASAS DESTA QUINTA”, mandado fazer pelo Doutor Juiz do Tombo, Álvaro Barreto Borges, e escrito por
Morais. Documento que, pelo tipo de letra e pelo conteúdo, sugere ser dos meados do século XVII, pois, além das obras de Frei
António de Lisboa, aparecem também aquelas que foram mandadas fazer pelo seu sobrinho Fr. Pedro Moniz. Encontra-se no
arquivo da Quinta da Cardiga.
19
É o primeiro documento, conhecido, em que se denominam as Casas da Cardiga por Palácio. Actualmente ainda este termo é
utilizado por toda a população da Quinta e das redondezas para designar tais construções.
20
Cf. Definições e Estatutos dos Cavalleiros & Freires da Ordem de N. S. Iesu Christo, com a historia da origem, & principio dela, Lisboa
1628, “T. I Dos Priuilegios concedidos à Ordem do Templo”, fl. 216: Aí refere-se que já o Papa Clemente IV (15/02/1265-29/11/1268)
concedera aos Templários “ (...) que podessem tomar Sacerdotes para seu serviço no culto diuino, & para lhes administrar os
sacramentos, & edificar Oratorios, & Igrejas em suas terras, sem prejuizo do direito Parrochial”.
21
Segundo as directivas de S. Bento, “O oratório seja o que o seu nome indica [orare = rezar], e nenhuma outra coisa ali se faça ou guarde.
Cf. Regra de São Bento, Edições “Ora & Labora”, Mosteiro de Singeverga, 2ª ed., 1992, “Cap. LII - Do oratório do Mosteiro”, p. 107.
22
Ainda hoje existe, virado para o antigo pátio de fora que é, agora, o jardim do palácio. A actual entrada principal situa-se exactamente no lado oposto à do séc. XVI. Observe-se um desenho a carvão, originário do Arquivo do Palácio da Cardiga, patente no início
do nosso artigo.
16
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mandou construir Frei António de Lisboa,
quatro torres redondas e abobadadas, à
maneira de guaritas, de estilo renascença.
As duas torres que davam para o rio e para
a fachada principal eram possuidoras de um
espaço aberto, suportado por colunas de
pedra lavrada,23 de onde se podia observar
a magnificência da paisagem circundante.
Num claustro situado nas costas do oratório ficava a torre medieval. Tal claustro
era o antigo castelo dos Templários, já
referenciado no início deste artigo. A vista
da torre alcançava mais de três léguas.
A parte agrícola das instalações era composta por dois celeiros, um armazém de
azeite com três ordens de potes,24 uma adega
de vinho,25 um lagar de vinho e outro de fazer
azeite. Este último situava-se junto ao pórtico
principal do palácio. Dentro dos pátios das
casas, em andar térreo, existiam três cavalariças com seus palheiros; lojas26 e oficinas.
Possuía, ainda, o edifício outro pátio fechado,27
pegado às casas de habitação, virado a poente,
onde existiam currais para recolher de noite
os bois e vacas.Da parte de fora do palácio
ficavam quatro moradas de casas para habitação dos criados da Cardiga.28
2.2 As obras de Frei Pedro Moniz: 1592-1612
Fr. Pedro Moniz, sobrinho de Frei António
de Lisboa, foi a segunda personagem a levar
a cabo obras de vulto na Cardiga. Entrou, ele,
na Ordem de Cristo muito novo. Faria parte da
terceira geração, ou “camada”,29 da Reforma.
Após o noviciado, professou, tendo-lhe
sido dado o ofício de refeitoreiro do Convento de Tomar; aos 23 anos é ordenado,
após o que é eleito como procurador da Casa
de Nossa Senhora da Luz, em Carnide, Lisboa. Aí, foi também sacristão e prior, tendo
comprado uma quinta em Sintra. Realiza
obras no Convento da Luz com o dinheiro
deixado em testamento pela Infanta D.
Maria,30 irmã de D. João III, falecida em 1577.
Foi feitor na Cardiga, cinco vezes, algumas das quais seguidas. Foi Procurador do
Convento de Tomar; Sub-prior do mesmo
no tempo do D. Prior Fr. Damião das Neves
Observe-se o desenho, atrás referido, originário do arquivo do Palácio da Cardiga.
Fr. Pedro Moniz, no Livro 47, fl. 7, diz que quando se lhe entregou a Quinta, aquando do seu primeiro feitorado (1592), existiam no
lagar da Cardiga três tipos de potes, a saber: potes sevilhanos, cada um com capacidade para 110 alqueires de azeite; outros potes
com capacidade para 60 alqueires e algumas talhinhas com capacidade para 5 ou 6 alqueires.
25
Ainda hoje existe, sob o nome de “Adega dos Frades”, com notáveis arcos de cruzaria e bocetes renascentistas no cruzamento dos arcos.
26
“Lojas” eram os aposentos do rés-do-chão que serviam de armazém para vários produtos. Ainda hoje, na Beira Interior, se usa esta
designação para tais divisões.
27
Este pátio é hoje o principal da Cardiga, pois a portaria, ou entrada principal foi deslocada do seu local primitivo, a Sul, para a
fachada norte.
28
Ainda existem estas casas, hoje já devolutas, que durante todo o séc. XX serviram de escritório aos funcionários da família Sommer, detentora da Quinta da Cardiga desde 1898.
29
Toda a sua vida religiosa foi relatada num manuscrito que se lhe atribui, escrito em 1630, e que é hoje o Livro 47 da Ordem de Cristo,
arquivado na Torre do Tombo, em Lisboa.
30
Vejam-se o Livro 47 da Ordem de Cristo, fl. 4v e ss. e Gomes de Brito, “As tenças testamentárias da Infanta D. Maria”, Archivo
Historico Portuguez, vol. 3, pp. 103 e ss.
23
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As obras na Cardiga: 1529-1630
(2ª vez: 1604-1607).
Foi D. Prior da Ordem de Cristo por duas
vezes (1617-1620 e 1623-1626), tendo realizado importantes obras no Convento de
Tomar, que ficaram conhecidas como as
obras do período filipino.31
Nos seus dois priorados mandou, também, realizar obras na Quinta da Granja,32
em Tomar, e no Colégio de Coimbra.33 Nestas
duas dependências da Ordem, havia também
realizado obras como feitor e procurador.
A par da obra agrária levada a cabo na
Cardiga, Fr. Pedro Moniz levou a efeito uma
obra material digna de renome nas construções que efectuou durante os seus cinco
feitorados, compreendidos, grosso modo,
entre 1592 e 1617.
Chegado em 1592, encontrou as casas da
Cardiga com necessidade de obras. Estas,
como já havíamos visto, foram da responsabilidade do grande reformador Frei António de Lisboa. Assim, procedeu ao arranjo
da varanda principal, virada a Este, de face
para o rio e para a lezíria. Aí mandou colocar ladrilhos no chão e azulejo nas paredes.
O oratório foi, também, sujeito às mesmas
beneficiações.
Arranjou os dois claustros. A ambos consertou as varandas,34 tendo colocado grades
de pau de azinho no claustro grande ou “de
fora”. Reformou e fez as janelas da sala e
dos celeiros. Ladrilhou e azulejou o refeitório. Fez a casa da água e a adega para vinho.
Construiu talhas para conservação dos legumes secos e tulhas para guardar a azeitona.
Fez um armazém para o azeite com
capacidade para mil e quinhentos alqueires.
Por ser pequeno, mandou fazer, no celeiro
do rés-do-chão ou de baixo, um armazém
maior para três ou quatro mil alqueires
de azeite.35 O celeiro de cima tinha “seis
linhas de ferro”. Mandou que, o mesmo,
fosse emadeirado e que se reconstruíssem os seus telhados, tendo aí gasto muita
madeira, para os barrotes e traves, e telha.
Tirou a serventia do pátio de fora36 ao
povo, que antes ali ia tirar água e meteu o
poço37 dentro do recinto do palácio.
Fez o pombal e junto dele umas casas de
pedra e cal para residência do abegão.38
Cf. Livro 47 da Ordem de Cristo, fls. 16 e ss. Veja-se, ainda, Ernesto José Nazaré Alves Jana, O Convento de Cristo, em Tomar e as
obras durante o período filipino, texto policopiado em 3 volumes, dissertação de mestrado em História da Arte, apresentada à
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1990.
32
Ernesto José Nazaré Alves Jana, “A Quinta da Granja. Importante bem fundiário da Ordem de Cristo”, in Boletim Cultural da Câmara
Municipal de Tomar, nº 19, pp. 79-91. A Granja situa-se perto de Tomar.
33
Cf. Livro 47 da Ordem de Cristo, fls. 12, 14v. e ss. O Colégio é hoje o presídio de Coimbra.
34
Ainda hoje existe uma destas varandas no claustro grande, chamada “varanda do sino”.
35
Estes novos reservatórios, ampliação dos existentes, quer o construído por ele, quer o de D. António, tinham como finalidade
guardar uma maior produção de azeite. Tenha-se em vista a grande quantidade de olival mandada plantar por Fr. Pedro Moniz na
Quinta da Cardiga.
36
Actual jardim.
37
Ainda hoje existe o poço novo que Fr. Pedro Moniz mandou fazer num átrio de acesso, por escadaria, ao 1.º andar do edifício.
38
Abegão é o encarregado de abegoaria, que é o lugar em que se guarda gado e utensílios de lavoura ou carros. Sinónimo de capataz
de uma quinta ou herdade.
31
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Fora do pátio, ou terreiro exterior, no espaço
fronteiro às suas portas, fez outras casas.
Construiu pocilgas grandes, ou “pocilgões”. Tendo reformado o curral dos bois,
com madeiras novas, colocou-lhe uns pilares de pedra e cal, fazendo manjedouras
novas para os animais.
Fez a eira onde os criados debulhavam os
cereais no Verão e realizavam outras actividades necessárias, no resto do ano. Isto
porque a antiga eira estava longe das habitações da Cardiga. Para construir a nova eira
tirou muitas serventias a pessoas particulares que delas se serviam para acesso às suas
propriedades. Tal eira ficou a poder observar-se das janelas das casas da Cardiga.
Construiu um tanque “da sesta”, pois o
antigo estava roto e não podia reter a água,
reparando o velho. Fez a nora da água para
serviço de ambos os tanques. Como elevou
a altura do tanque novo passou a poder-se
regar terras mais altas do que era habitual.
Como a mudança do Tejo, ocorrida nos
meados do século XVI, veio submergir39
parte das terras aráveis da lezíria da Cardiga, fazendo chegar a água até junto das
habitações do palácio, Fr. Pedro Moniz man-
dou construir uma barca com a qual se acarretou, durante três anos, pedra para deitar
no Tejo, em lugar pegado ao antigo muro40
de suporte das casas. Mandou aos pedreiros que construíssem um muro novo41 para
reforço do suporte antigo.
Trabalharam neste empreendimento sete
ou oito homens, despejando 25 carradas de
pedra por dia. Isto, porque a água do Rio já
estava à distância de uma lança das casas e
começava a ameaçar causar-lhes uma derrocada. Tanta pedra lançou no Tejo que conseguiu segurar o pátio de fora, para onde
dava a fachada principal e existia a portaria,
e as casas de habitação da Cardiga.
Mandou fazer um talhamar42 para protecção da Ponte da Cardiga,43 que era de
madeira, junto aos suportes desta e ao
longo das margens. Aí deitou ainda mais
pedra pois o Tejo ia “comendo” e entrando
pelo Campo da Cardiga e derrubando a
ponte, cortando a passagem das Casas para
a parte Leste do dito Campo.
A Câmara da Golegã propôs que se fizesse
uma ponte de barcas, o que Fr. Pedro não
consentiu44 pois, dessa forma, a Cardiga
ficaria sujeita a um imposto municipal, o
Antes da mudança do Tejo, os frades, quando queriam tomar o barco, iam em cavalgaduras até ao seu leito primitivo. IAN/TT, Ordem
de Cristo, maço 30, doc. nº 2, fls. 81v.-88: “1735, Tomar, Janeiro, 24. Traslado do seguinte documento: 1590, Tancos, Janeiro, 29: Instrumento de testemunhas sobre a mudança do rio tejo mandado fazer por el-Rei D. João III”. Aí diz Jorge Lopes, tabelião de Tancos,
de 64 anos, que antes “quando os Padres hauiam de hir embarcar em algum barco por não poderem hir a peé hião em Cavalgaduras
e agora vay [o Tejo] já por junto das Cazas da Cardiga”.
40
O dito Palácio da Cardiga está situado num morro onde assenta e de onde começa a descida para o chamado Campo ou lezíria da Cardiga.
41
Ainda hoje existe.
42
Talhamar é uma construção de pedra, em forma angular, num cais ou numa ponte, para quebrar a força da corrente.
43
Esta ponte ficava sobre a ribeira que passava junto ao Palácio e que era conhecida como Ribeira da Cardiga. Hoje, devido à mudança
do curso do Tejo, desagua no mesmo rio junto ao referido Palácio.
44
Veja-se o célebre desastre da Ponte das Barcas, entre o Porto e Vila Nova de Gaia, aquando da 2ª Invasão Francesa, no séc. XIX.
39
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As obras na Cardiga: 1529-1630
que não agradava à Ordem de Cristo.
Com a pedra que sobrou dessas obras
mandou construir as casas do Casal das
Freiras, no termo da Golegã. Essas eram de
pedra e cal, com portais, janelas e lageadas
de pedra. Valiam mais de 200$000 réis.
Fez, ainda, um poço e uma nora para
regar as hortas e pomares. Só o poço custou 100$000 réis.
Também nos outros casais da Cardiga
mandou fazer obras. Assim, no casal de João
Correia fez habitações que valiam 200$000
réis, todas de pedra e cal, com seus telhados,
e boas portas com portais de pedraria e uma
janela grande sobre as margens da Ribeira da
Cardiga. Ao mesmo tempo mandou construir,
nos Casais da Carneira e de João Fernandez ou
da Atalaia, casas de taipa, com bons telhados.
Mandou fazer o lagar da Cardiga no sítio
do antigo, que não moía, nem tinha água
na levada por estar entupida. Derrubou-a e
mandou aprofundar as novas fundações do
edifício. O novo lagar45 ficou com três rodas
ou rodízios: duas pedras ou moendas de
azeite e uma para cereais.
Dentro dele construiu duas levadas e
uma ponte para serventia da passagem da
levada para a roda da azenha. Este lagar
tinha quatro varas iguais com carregumes
de pedra de selharia muito forte. Possuía
duas caldeiras que custaram cerca de
50.000 réis. Junto a si tinha tulhas de pedra
e cal, mais compridas que o lagar que serviam por dentro e por fora para os carros
despejar as suas cargas.
Junto a este lagar mandou construir uns
moinhos46 de água, em pedra, com abóbadas. Tinham três pedras para moer, uma
alveira e duas segundeiras, com azenha cuja
roda estava dentro do lagar. Fez as casas
do moinho tão altas que as cheias da ribeira
só chegavam a meio do edifício. Na mesma
ribeira fez uma levada com as paredes todas
de pedra47 e cal até à “ponte da pedra”48 para
serviço dos engenhos da Cardiga. Custou
500$000 réis. Porém, ainda assim, os engenhos moviam mal. Devido a tal facto, resolveu
fazer novas obras na referida levada. Assim,
começando a partir do lagar, e dirigindo-se
para Noroeste, até à Ponte da Pedra, alargou
a citada levada. Nela, perto do lagar da Cardiga, fez uma “caldeira” ou reservatório de
As referências ao lagar da Cardiga ou dos Padres de Cristo é constante na documentação do séc. XVIII. Veja-se, a título de exemplo,
A.H.T.C., Livro da Décima dos Prédios Rústicos da vila de Atalaia e seu termo, fls. 3 e 4: “Villa de Atalaya, Rua da igreja, lado direito,
nº 4. O Cappitam José Ferreira Maya [paga] por hum olival [...] na Ribeira da Cardiga junto do lagar dos padres de christo (...)”;
fl. 11v.: “nº12. O Pe. Manoel de Matos Pereira, xantre em a Bahia [possui] [...] huma courella de olival sita aos lagares dos Padres de
Christo(...)”; fl. 57v.: “Fazendas de fora nas Vaginhas: nº 4 Manoel dos Reis da Ribeira Ruiva, termo da villa de Torres Novas, [tem]
duas courelas de oliveiras ao lagar dos Pe.s de Xpo (...)”; fl. 58: “nº7. D. Anna da villa de Torres Novas, irmã do Sargento-mor, [possui]
hum olival junto ao lagar dos Pe.s de Xpo (...)”.
46
Seriam na Ribeira da Cardiga.
47
Ainda hoje existe. Pode observar-se desde a Ponte da Pedra (no parque de campismo “Cardiga Camping”, Entroncamento) até à
Ponte da Cardiga.
48
É a primeira vez que aparece esta menção toponímica para a ponte em questão. Ficava situada no lugar que ainda hoje tem o
mesmo nome. Foi começada a construir em 1625. Veja-se adiante o sub-capítulo que lhe é dedicado.
45
159
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
160
água, com mais de quarenta palmos de diâmetro, e continuou a construir esses reservatórios, em direcção à nascente, de vinte e
dois em vinte e dois palmos. Mesmo assim,
ainda não conseguira o pretendido pois não
era suficiente a água que lhe vinha de montante da Ponte da Pedra. Por isso, vendo que
só captando água na zona da Ponte da Pedra
a mesma não lhe seria suficiente, mandou
construir um açude de pedra junto à referida ponte. Ele era “lageado por cima e ficou
fortíssimo”.49
Como a tal represa prejudicava o senhorio50 dos engenhos a montante da Ponte
da Pedra enfrentou vários “dares e tomares” e “desgostos arriscados”, isto é, sérios
problemas. Contudo, conseguiu levantar a
altura do açude em mais de um palmo. Apesar de tudo continuava a não ser suficiente
a quantidade de água para fazer mover a
azenha do moinho da Cardiga. Entendeu-se
com o referido vizinho que lhe cedeu terreno a jusante da Ponte da Pedra e que o
deixou alargar a levada em questão, ficando
com sessenta palmos de altura. Esta obra
foi realizada por trinta homens.
Acabou a levada baixando-a mais de dois
palmos e afastando-a do açude perto de
vinte. As paredes ficaram com vinte palmos
de largura e mais vinte e cinco de altura.
Desta forma conseguiu canalizar toda
a água da Ribeira da Ponte da Pedra pela
levada. Tal obra custou-lhe 2.000 cruzados,
menos que aquilo que teve de pagar em
custas judiciais, pois a câmara e a população de Atalaia51 consideravam-se prejudicadas com esta obra de engenharia.
Depois da água que conseguiu canalizar
para os lugares pretendidos, o lagar passou
a render 600 alqueires de azeite e os moinhos e azenhas dois moios de pão meado,
isto é, pão com igual quantidade de trigo e
centeio na sua elaboração.
Quando, devido à obediência, saiu da Cardiga, após o seu quinto feitorado, deixou-a
sem dívidas e com 200 moios de cereais no
celeiro.52
De Fr. Pedro Moniz bem se pode dizer, tal
como na Bíblia, que “este é o administrador
fiel e prudente que o Senhor pôs à frente
da sua família, para lhe dar a seu tempo a
medida de trigo”.53
2.3 A Ponte da Cardiga e as viagens dos
Filipes a Portugal
2.3.1 Os Filipes e a legislação sobre as
obras no Reino
Em 1580 Filipe I entra em Portugal, rumo
a Tomar, onde foi aclamado rei nas cortes
em 16/04/1581.
Nesta vila permaneceu a corte durante 70
dias. A 27 de Maio saiu a comitiva em direc-
Livro 47, Ordem de Cristo, fl. 9.
Ibidem, fl. 9..
51
Veja-se a nota anterior.
52
Livro 47, Ordem de Cristo, fl. 9v.
53
Liturgia das Horas, Antífona para o Magnificat, (vésperas) do “Ofício Comum dos Pastores da Igreja”, baseada em Lc. 12,42.
49
50
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
ção à Cardiga onde se demorou 5 dias.
Quem nos relata a estadia de Filipe I
neste importante bem fundiário da Ordem
de Cristo é Isidro Velazquez Salamantino54,
cronista do referido rei, que o acompanhou
nessa viagem. De Tomar, o rei seguiu para
a Cardiga onde pernoitou, prosseguindo por
Azinhaga em direcção a Santarém e posteriormente à capital do reino: Lisboa.
Durante a visita ao seu novo reino, Filipe I
foi pródigo na produção de leis. Começou
na sua aclamação durante as Cortes de
Tomar, vindo, tal situação, a tornar-se uma
constante durante o domínio filipino.
A legislação dos Filipes contribuiu em
muito para o desenvolvimento regional de
Portugal, pelo menos até 1624-1625, período
que representa a grande clivagem política
no governo dos reis castelhanos. Cremos
que se possa atingir essa conclusão pelo
exame das fontes documentais, com base
nos Livros de Leis, I, II e III, que se guardam
no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, e
das colectâneas que dão notícia desse labor:
as Ordenações Filipinas (1603), a Collecção de
Legislação Antiga e Moderna e as obras de
Anastácio de Figueiredo, de Borges Carneiro
e de Andrade e Silva, que permitem acompanhar a actuação legisladora dos três Filipes.55
As provisões, leis, cartas de nomeação e
alvarás régios, apenas no que respeita à história regional portuguesa, atingem mais de
dez mil documentos, o que equivale a perto
de duzentos textos por ano, sem considerar
La Entrada qve en el reino de Portvgal hizo la S. C. R. M. de Don Philippe, invictissimo rey de las Españas, segundo deste nombre,
primero de Portugal, assi con su Real presencia, como con el exercito de su felice campo, Lisboa, 1583, fl. 105: “CXIIII: La salida que
hizo la Corte de la villa y Conuento de Thomar, en continuacion de viagem. Aviendo se dado la respuesta resolucion a los capitulos
delas cortes, y el despediente a los mucho negocios, que impediana a su Magestad la continuacion de su jornada, deteniendole en
la villa de Thomar setenta dias que alli se estuuo, salio su magestad el Sabbado a los veynte y syete de Mayio, como se há dicho,
y tomando la mañana oyo la missa en vn monesterio de frayles decoletos descalços, ordem de Franciscos q llaman en este reyno
Capuchos, casa muy deuota, puesta en vn espesso oliuar, auezindada de mucha frescura, que està cafi a media legua de Thomar,
dizese Nuestra señora de la Concepcion, donde apeo com su corte, y auiendo oydo la missa, y visto la casa, hizo de allibuelta par su
camino, endereçandole por ser auiesso del que auia de lleuar, y a comer a outro conuento de freyles Frãciscos, que se se [sic] dize
Estacita, que es a vna legua adelante, tambien casa de deuocion, y como en el campo,recreaciõ. Y della seguiendo el camino, se fue
hazer noche a la Cardiga, granja del conuento de Thomar. Alli paro su Magestad cinco dias, dando cabo a algunas de las resultas que
quedauan por despachar, y al despediente del ordinario, y porque la corte tuuiesse lugar de repararse en las preb~eciones a que
obliga el caminar: siendo esta casa de poco aposento, no se pudiendo hazer parada en ella, por mas que la corte se estrechasse, se
diuidio por las caserias conuezinas la mayor parte, alojandose la guarda de apie y acauallo lo mas cercano: y passando camino tirado
a Santaren todo el repuesto de aqui, se salio el Iueus primero de Iuno, entrando en vn reguzijadito lugar, que se dize Aziñaga, (...)”.
55
Collecção Chronologica de Leis Extravagantes posteriores à nova compilação das Ordenações do Reino publicada em 1602, tomo I,
Coimbra, 1819. Cândido Mendes de Almeida, Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reyno de Portugal, Recopiladas por mandado d’El-Rey D. Philippe, 14ª edição, Rio de Janeiro, 1870. José Anastasio de Figueiredo, Synopsis Chronologica de subsídios ainda
os mais raros para Historia e estudo critico da Legislação Portugueza, tomo II, desde 1550 até 1603, Lisboa,1790. Manuel Borges
Carneiro, Resumo Chronologico das Leis mais uteis no foro e uso da vida civil publicadas até o presente anno de 1818..., tomos I-III,
Lisboa, 1818-1819. João Pedro Ribeiro, Additamentos e retoques à Synopse Chronologica, Lisboa, 1829. Collecção Chronologica de
Legislação Portugueza..., por José Justino de Andrade e Silva, tomos I-II-III, Lisboa, 1854-1855-1856. António Joaquim de Gouvêa
Pinto, Resumo Chronologico de Varios Artigos de Legislação Patria que para suplemento da Synopsis, e Indices Chronologicos, do
extracto, seu appendice e additamentos geraes das Leis, etc, offerece..., Lisboa, 1818.
54
161
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Luís Miguel Preto Batista
162
ainda o provimento de cargos e ofícios, que
exige a consulta da Chancelaria e que completa o quadro da administração castelhana
em Portugal.
No domínio da história local, pode afirmar-se que a legislação dos Filipes contém
o maior interesse, tendo em vista o número
de Regimentos com que se pretendeu regular a Administração Geral. Citamos apenas,
como exemplos, o do Juiz do Tombo da
Coroa de Santarém56 e o da Aposentadoria
para os Oficiais das cidades de Lisboa e
Évora e da vila de Santarém.57
Filipe III fôra informado de que nas fintas
lançadas no Reino sobre os moradores das
cidades, vilas e demais lugares, se ordenava o
conserto ou reedificação das pontes que serviam as localidades. Surgiam, porém, grandes
desordens, não apenas com os empreiteiros
que arrematavam as obras, mas ainda na
cobrança do imposto, o que tudo resultava em
prejuízo dos povos que, muitas vezes, eram
“refintados pera as mesmas pontes pera que
ja tinham pago”,58 gastando-se o dinheiro sem
concluir as obras e sucedendo mesmo que
nem sequer haviam tido começo.
Decide o monarca que os provedores e
corregedores das comarcas, sempre que
os oficiais das Câmaras lhes pedissem a
construção ou reparação de alguma ponte,
deveriam dar parecer quanto à necessidade da obra. Teriam, seguidamente, de
se escolher os mais qualificados mestres-de-obras para fazer “hua traça e molde
de como se havia de fazer a ponte nova ou
refazer a velha”,59 com o juramento prestado de quanto poderia orçar o trabalho ou
a reparação. Dar-se-ia depois pregão pelos
lugares da comarca e da vizinhança para
saber a quem se devia arrematar a obra,
pois dando-se a quem não fosse mestre-de-obras incorreriam os faltosos em pena
e castigo por parte da Coroa. Só depois a
ponte seria levada avante ou restaurada,
com o assento das terras e lugares onde a
finta do dinheiro fosse lançada.60
2.3.2 A Ponte da Pedra:
A construção
No séc. XVI, na região em estudo, existiam
Lisboa, 1 de Outubro de 1586. Cf. B.P.A.D.E, CXV/2-21, fls. 189-202v.
Lisboa, 7 de Setembro de 1590. Cf. B.P.A.D.E, CXII/2-15, fls. 28-35v. A propósito desta nota e da anterior veja-se Joaquim Veríssimo
Serrão, O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Lisboa, Colibri História, 1994, pp. 65 e ss.
58
“Provisão régia de 18 de Junho de 1605”. Cf B. P. Évora, CXIX/113, fls. 70-72v. Publicado também na Collecção Chronologica de leis
Extravagantes, tomo I, Coimbra, 1819, pp. 53-54.
59
Veja-se a nota anterior e ainda Lisboa, 19 de Dezembro de 1587. Lei Régia sobre os oficiais de cantaria, alvenaria e carpintaria. Cópia.
B.A., 44-XIII-52, nº 80, fls. 135v-136. Veja-se também IAN/TT, Livro 1º de Leis de 1576 até 1612, fl. 152v.
60
Tomem-se como exemplo as Pontes de Coimbra: - Lisboa, 5 de Dezembro de 1586. Provisão régia ao concelho do Porto sobre os
17 mil cruzados que se deviam lançar por finta em algumas Câmaras do Reino para reparação da Ponte de Coimbra, Pinto Ferreira,
Indice Chronologico, p. 316; - Lisboa, 25 de Abril de 1595. “Carta régia à Câmara de Évora sobre o lançamento dos 300 mil réis que a
esta cidade e comarca competia pagar, na finta dos 20 mil cruzados que se haviam lançados no Reino para a reparação das pontes
Velha e Nova da cidade de Coimbra”. Cf. A.C. Évora, Livro 6º dos Originais, fl. 75. Também a Ponte da Pedra, cujo processo de construção apresentaremos adiante, haveria de conhecer idênticos e rigorosos trâmites burocráticos.
56
57
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As obras na Cardiga: 1529-1630
a vila de Atalaia, a aldeia da Moita e os Casais
das Bajinhas ou Baginhas, hoje, Vaginhas.
Pela zona corria, vinda de Atalaia, uma
ribeira conhecida como “Ribeira da Atalaia”.
Sobre a “Ribeira da Atalaia”,61 no mesmo
sítio onde mais tarde se levantaria a “Ponte
da Pedra”, erguia-se a “Ponte da Atalaia”,
também conhecida por “Ponte da Ribeira
da Atalaia”.
Esta ponte era muito importante, pois
dividia os limites dos concelhos de Santarém e Atalaia.62
Sobre a “Ribeira da Atalaia” existia uma
ponte, conhecida por “Ponte da Atalaia”.
Esta seria romana, pois, como veremos
adiante, era “antiquíssima”.
As referências à “Ribeira da Atalaia” e à
sua ponte podem ser encontradas, já em
1504, no Tombo63 (registo de propriedades)
da Quinta da Cardiga. Aí refere-se que na
Ribeira da Atalaia, a Quinta da Cardiga, possuía uma herdade com as seguintes confrontações: a Norte com a ponte e a Este
com a Ribeira. Possuía, também, a mon-
tante da Ponte outra courela. Tinha, ainda,
outra courela que confrontava a Oeste com
a Ribeira que ia para a Cardiga.
Por aqui ficamos a saber que a “Ribeira da
Atalaia” passava pelas terras da Quinta da
Cardiga. Ia, depois, desaguar no Rio Tejo.
A referida ribeira, depois de passar a
“Ponte da Atalaia”, perdia o seu nome para
se passar a chamar “Ribeira da Cardiga”,
uma vez que entrava, atravessava e desaguava em terras da “Quinta da Cardiga”,
pertença da Ordem de Cristo.
Podemos fazer esta afirmação porque é
assim que a Ribeira em causa aparece apelidada no “Primeiro Mappa Topographico dos
Campos da Cardiga, Almourol e Martintina”,
já por nós estudado e publicado.64
No séc. XVII, em 1623, a “Ponte da Ribeira
da Atalaia” era já conhecida como “Ponte
da Cardiga”, uma vez que esta Quinta possuía uma grande propriedade, entre outras,
onde hoje está o Parque de Campismo de
Entroncamento - “Cardiga Camping”.
Essa ponte servia a estrada real que ia de
O curso da “Ribeira da Atalaia” aparece já registado no mais antigo “Mapa de Portugal” que existe desenhado por Fernando Álvares
Seco, em 1560, e impresso na obra Theatrum Orbis Terrarum, de Abraão Ortélio, em Antuérpia, no ano de 1570.
62
IAN/TT, Núcleo Antigo nº 293; Povoação da Estremadura no XVI século. Já publicado por A. Braancamp Freire, Archivo Historico
Potuguez, vol. VI, nº 7, Lisboa, Julho de 1908. O “Numeramento de 1527” foi o primeiro recenseamento que se fez em Portugal, no
reinado de D. João III. Aí diz-se: “It. Esta vila de Samtarem tem de termo, a saber: [...] It. Pera a parte de Tomar tem 5 legoas de
termo, que he de Samtarem ate a pomte dAtalaya, isto he pera a parte do norte”.
63
IAN/TT, Ordem de Cristo, maço nº 30, doc. 17: “verbas tiradas do tombo [...] da Comenda de Almourol e da Vigairaria e da Cardiga”.
“Na Ribeira da Atalaia [a Quinta da Cardiga] tem hua grande herdade e parte ao norte com a ponte [...] ao levante com a Ribeira
[...].Outra courela acima da ponte [...]. Outra courella [...] & parte [...] ao ponente com a Ribeira que vai pera a Cardiga (...)”.
64
Tivemos oportunidade de publicar aquele que é uma cópia do original, existente na Quinta da Cardiga, datado de 18/06/1874, in
Cardiga ou a História de Uma Quinta, 1990, jornal O Entroncamento, nº 876 (20/07/1995); Os Casais das Vaginhas, C.M.E., 24/11/1995.
Veja-se, ainda, a publicação de um fac-simile desta cópia, datada de 1935, por Maria da Graça Amaral Neto Saraiva, “Os rios e as
cidades”, Povos e culturas, nº 2 (1987) – A cidade em Portugal: onde se vive, p. 497, fig. 6, e Manuel Sílvio Alves Conde, Uma Paisagem
Humanizada. O Médio Tejo nos Finais da Idade Média, 2000, vol. I, p. 137. O paradeiro do mapa original de 1783 é desconhecido.
61
163
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164
Santarém para Coimbra. Como até ao reinado de D. Maria I (1777-1816) não se fizeram
grandes estradas em Portugal, é de concluir
que a “estrada real” seria a estrada romana
e a “Ponte da Cardiga” uma ponte romana,
como tentaremos provar adiante.65
Pela ponte em questão passara Filipe II66
na sua viagem a Portugal, rumo a Tomar,
para onde convocara a realização de Capítulo Geral. Contudo, desta vez, a pessoa real
não se deteve na Cardiga, tal como havia
feito seu pai em 1581. O percurso efectuado
na região teve lugar aquando da sua viagem
de regresso a Madrid. De Santarém foi dormir à Golegã, dirigindo-se, daí, a Tomar.
As informações que vamos referir
encontram-se no maço 30 dos “Conventos
de Tomar, Ordem de Cristo”, existentes na
Torre do Tombo, em Lisboa.
O documento n.º5, do referido maço, intitula-se “Ponte da Cardiga” e congrega em si
todos os papéis relativos à construção de uma
nova ponte para substituir a chamada “Ponte
da Cardiga” que se encontrava muito velha.
Por petição do D. Prior do Convento de
Tomar, Fr. Pedro Moniz, realizada em 27 de
Março de 1623, ficamos a saber que no termo
da vila da Golegã, junto à Quinta da Cardiga
comarca da “vila” de Santarém, existia uma
ponte antiquíssima e muito necessária para
o serviço comum de todos os habitantes
da região, bem como da referida Quinta.
Nesse ano a ponte estava a arruinar-se de
tal modo que se não se lhe acudisse a tempo
cairia totalmente, com prejuízo monumental dos “vesinhos” e caminhantes, por ser
uma estrada muito utilizada para todos os
lugares principais do Reino.
Solicitava, assim, o D. Prior do Convento de
Cristo, de Tomar, a Sua Majestade, Filipe III,
que concedesse uma provisão para se proceder ao arrecadamento da finta67 necessária à
A este propósito veja-se Vasco Gil da Cruz Soares Mantas, A Rede Viária Romana da Faixa Atlântica entre Lisboa e Braga, Coimbra,
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1996; “VIII – Traçado Topográfico e Vestígios das Vias”, p. 725; “2 O traçado da
estrada Olisipo-Bracara” p. 743; “2.5 O traçado do troço Scallabis-Cale” p. 777; “2.5.1 O Traçado entre Scallabis e Aeminium”, p. 778;
“3 O traçado da estrada Olisipo-Conimbriga”, p. 853. Que a via em apreço era muito importante atestam-no, entre outros, os seguintes factos: a Carta de Privilégios de Atalaia, de 18/02/1303, concedida por D. Dinis, refere-se à criação de uma póvoa no “lugar onde
chamam Atallaya no caminho (...)”. O itálico é nosso. Por aqui se infere que Atalaia ficava situada junto a uma importante via de comunicação: a estrada romana Scalabis / Sellium. Cf. “Descripção Economica de certa porção considerável de território da comarca de
Thomar, e próxima à margem direita do Tejo que mereceo o Accessit na sessão publica de 24 de Junho de 1822”, in História e Memória
da Academia Real das Ciências de Lisboa (Memórias dos Correspondentes), tomo VIII, parte II, p. 131. Ainda no séc. XVI era atestada a
importância da via de comunicação em questão, nomeadamente nos Ditos Portugueses Dignos de Memória (B.N., Reservados,
ms. 666): “ [564] Quando el-rei fez Conde da Atalaia a Pedro Vaz de Melo, porque o lugar era então muito mais pequeno e mais ruim do que
agora é, disse um homem que se aí achou quando veio a nova: - Já que el-rei queria fazer este fidalgo conde de um ruim lugar, porque
lho não dava fora da estrada?”. Este dito mostra que o lugar não era famoso, mas que a estrada era importante e muito frequentada.
66
Manuel Severim de Faria, Historia Portuguesa e de Outras Provincias do Occidente, desde o ano de 1610 até o de 1640, da Felice
Acclamação de El-rey Dom João o 4º. (Escrita em trinta e huma Relações), B.N., cód. 241, fl. 159v.; João Baptista Lavanha, Viagem da
Catholica Real Magestade DelRey D. Filipe II N. S. ao Reyno de Portugal, Madrid, 1622, fl. 76v.: “[de Santarém, Filipe II] partio para a
villa de Tomar, na tarde dos 14 de Outubro, foi dormir á villa da Gollegãa, dõde saio aos 15 & chegou a Tomar as 4 da tarde”.
67
“Finta” ou “Fintas” designavam as contribuições municipais lançadas sobre os habitantes, com objectivo de fazer face a determinadas despesas dentro do concelho, como por exemplo: reparações de muros, pontes, calçadas, edifícios públicos e, ainda
em determinadas situações, o seu lançamento fazia-se por prescrição régia; cf. Iria Gonçalves, “Fintas”, Dicionário de História de
Portugal (dir. de Joel Serrão), vol. III, 1989, pp. 40-41.
65
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As obras na Cardiga: 1529-1630
reparação ou construção de uma nova ponte.
Dado que a maior parte das vezes as
rendas dos concelhos não chegavam para
as necessidades, os reis permitiam que se
elevasse o quantitativo das fintas, desde
que os oficiais da Câmara escrevessem aos
desembargadores do Paço, explicando qual
o motivo desse aumento.
Por carta de 28 de Março, do mesmo ano,
o rei Filipe III mandou pedir parecer sobre
o conteúdo da petição que atrás vimos, ao
corregedor da vila de Santarém. Incumbiu-o,
também, de informar por escrito os desembargadores do Paço Real, doutores Diniz de
Mello de Castro e Álvaro Costa Moniz.
Como tardasse a resposta régia, o D. Prior
do Convento de Cristo enviou nova petição
para Lisboa. Nela fornecem-se mais informações sobre a “Ponte da Cardiga” e o seu
estado de conservação, que era péssimo
devido ao muito uso a que estava sujeita.68
Pelo documento podemos observar que a
“Ponte da Cardiga” era muito antiga, remontando, talvez, ao período romano.69 Esta
ponte era construída em pedra, uma vez
que, ainda, em 1618 era assim referenciada
nos registos baptismais70 de Atalaia.
Ficamos, também, a saber que era uma
ponte muito necessária e bastante utilizada71 porque se encontrava na estrada real
que ia de Santarém a Coimbra.
A subtileza utilizada pelo Prior do Convento de Cristo, para conseguir que o rei
Filipe III ordenasse a realização de uma nova
ponte, foi a de frisar que a “Ponte da Cardiga” era, não só, necessária para os povos
e lugares principais do Reino de Portugal,
mas também de “Castella”: não esqueçamos
que o rei era castelhano e que tanto seu
pai como seu avô por ali haviam passado,
aquando das suas deslocações a Lisboa.
Em 3 de Maio de 1623, o rei Filipe III ordenou ao corregedor da Comarca da vila de
Santarém que colocasse a obra da nova
IAN/TT, Ordem de Cristo, maço nº 30, doc. 5, “Segunda petição do D. Prior ao Rei Filipe III” (20/04/1623). Aí diz-se que “No termo da
Villa da Gollegã junto a hua quinta do soplicante o Dom Prior do Convento de thomar esta hua ponte que chamão da Cardigua a qual
he muito antiga e necessaria pera serviço comum de todos os povos e lugares principais deste Reino e ainda de Castella por Ser
estrada Real e mui Seguida; Esta he tão guastada e arruinada e os alicerces estão Solapados [escavados; minados] e descubertos das
agoas que não he possível deixar brevemente de Se arruinar e cair de todo o que Será em muito prejuizo dos vizinhos e caminhantes
por não terem outra passagem Sem torcerem cousa de duas Legoas: pello que paresse devia Vossa Magestade mandar Se fizesse
nova ponte Supposto que os alicerces velhos estão em estado que Se não pode Sobre elles fazer obra algua (como Se Le da informação junta): e posta agora em pregão mandar passar provizão de finta Da contia que nella for Lancado: Vossa Magestade mandara
o que for Servido: Guarde Nosso Senhor a [...] pessoa de Vossa Magestade por muitos annos. Santarem em Abril 20 de [1]623”.
69
Veja-se a nota nº 65.
70
Embora seja o único registo, dentre os registos baptismais e de óbitos, que menciona a ponte da pedra antes e depois da sua
construção, dá-nos a imagem de que a ponte antiga era realmente construída em pedra e, provavelmente, romana. Transcreve-se
a seguir o mencionado registo baptismal: “manoel do moinho da ponte da pedra. Em dezoito de fevereiro de [1]618 baptizei a manoel
filho de domingos joam e de sua molher francisca lopez moleiros da ponte da pedra foram padrinhos joana da fonsecua”.
71
Ainda no século XIX a passagem por esta ponte era obrigatória para a deslocação entre Atalaia, Barquinha e Moita para Golegã, Torres Novas e Santarém, situando-se na estrada distrital que de Santarém conduzia os viajantes por Pernes à Barquinha. In Registo
da Correspondência expedida pela Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha (1868-1873), p. 44, registo 139; idem, p. 47, registo 151.
Veja-se, ainda, Luís Miguel Preto Batista, A Quinta da Ponte da Pedra, C.M.E., 2000, pp. 102-106.
68
165
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166
ponte em pregão, isto é, abrisse concurso
público. Devia receber os diversos orçamentos dos vários empreiteiros concorrentes e entregar a obra, a arrematação,
àquele que oferecesse o mais baixo e mais
seguro lanço, ou seja, a proposta que saísse
mais acessível à Coroa.
Em 15 de Julho de 1624, o corregedor de
Santarém ouviu as propostas dos lanços e o
comum de todas elas rondava os 750 mil reais.
A obra foi arrematada por 680 mil reais
“o mais baixo lanco que nella ouve a qual
contia paresse deuva Vossa Magestade
mandar fazer provizão de finta”.
Em 5 de Abril de 1625, o corregedor de
Santarém escreveu ao rei informando-o
sobre os lugares que deveriam pagar a
nova “Ponte da Cardiga”. Por um documento
anexo72 a esta carta, ficamos a saber:
a) Quais as comarcas que pagaram a nova
“ponte da cardiga”, a saber: Torres Vedras,
Santarém, Tomar, Coimbra, Esgueira, Castelo
Branco e Portalegre. Em todas estas comarcas, a Ordem de Cristo possuía comendas;
b) Que aos 680 mil reais da arrematação
se juntou um acréscimo de 50 mil reais para
pagamento das despesas feitas pelos funcionários do concelho em cartas, dias de
trabalho e caminheiros para irem buscar o
dinheiro da finta às referidas localidades;
c) Que o D. Prior do Convento de Cristo
tinha razão ao afirmar que a estrada real de
Santarém a Coimbra era muito importante
para o Reino de Castela. Pelo documento que
acabámos de transcrever podemos observar
que esta estrada tinha ligação ao Alentejo e
à Beira-Baixa, e desses locais para Castela:
se assim não fosse, Castelo Branco e Portalegre não teriam auxiliado o pagamento dos
custos da nova “Ponte da Cardiga”;
d) Que a data, provável, do início da construção da nova ponte terá sido o ano de 1625.
Através dos Inquéritos Paroquiais de 175873
podemos vislumbrar como seria a nova
ponte: era de cantaria e tinha três arcos de
volta perfeita, ou seja três olhais.
2.3.3 A nova toponímia: A Ponte, a
Ribeira e o Vale
Em 163074 já a “Ponte da Cardiga” não
IAN/TT, Ordem de Cristo, maço nº 30, doc. 5: “As comarquas que aõ de pagar pera a ponte da cardiga e o que cada hua delas ha de
pagar são as seguintes: A comarqua de torres Vedras nouenta mil – 90; A de Santarem cento e vinte mil reais – 120; A comarqua de
tomar cento e corenta mil reais – 140; A comarqua de coinbra oitenta mil reais – 80; A comarqua de esgeira oitenta mil reais – 80;
A comarqua de castello branco cem mil reais – 100; A comarqua de portalegre cento e uinte mil reais – 120. Total 730 [mil reais].
Soma este lancamento sete centos e trinta mil reais e se lanca de mais do en que foi a Rematado esta ponte sincoenta mil reais
pera custo das cartas Caminheiros [e] dias levar e ir buscar a cada hua dellas o dinheiro que lhe he fintado”.
73
O Cura de Olaia, Pe. Manuel Álvares Fragoso, em 30 de Março de 1758, em resposta ao “Inquérito Paroquial”, referindo-se a esta
ponte diz que “Divide esta freguesia da freguesia da Igreja Nova, [...] uma ribeira que tem o seu princípio de uma fonte que está junto
ao lugar de Outeiro Pequeno, freguesia de Asentiz e se vai engrossando de outras nascente pequenas até morrer no Tejo, junto à
quinta da Cardiga dos padres de Cristo. Corre outro ribeiro pelo meio desta freguesia, que nela se forma de várias nascentes de
Inverno que se vai juntar na sobredita ribeira adonde chama[m] o pego das Olaias por baixo da Atalaia e antes de chegar ao Tejo está
uma ponte de cantaria com três olhais (...)”; (IAN/TT, Diccionario Geographico de Portugal, Olaia, vol. 26, m. 10, pp. 85 e ss.).
74
IAN/TT, Ordem de Cristo, livro nº 47, Relação de quando se começou esta Ordem de Christo em Religiosos Regulares com Regra do
Nosso Pe. S. Bento e foy no anno de 1529, e do primeiro D. Prior que foy o Nosso Rev.mo Pe. Frey Antonio Moniz de Lisboa Reformador della, [...] athe esta era de 1630, fl. 9.
72
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
existia e mudara o seu nome para “Ponte da
Pedra”, em resultado da construção da ponte
que foi começada em 1625. Podemos afirmar
isto, com toda a certeza, pois é assim que
aparece referenciada a ponte em questão,
na “Relação” escrita por Frei Pedro Moniz.
Trinta e um anos mais tarde só se usava o
novo topónimo. Tome-se como exemplo o
Segundo Livro de Registo Baptismal da Paróquia de Atalaia (1647-1741).75
De igual forma, a “Ribeira da Atalaia” perdeu, novamente, o seu nome nas imediações
da “Ponte da Pedra”, para passar a chamar-se “Ribeira da Ponte da Pedra” em substituição do antigo nome de “Ribeira da Cardiga”. Também o vale por onde corre a dita
Ribeira começou a ser designado por “Vale
da Ribeira da Ponte da Pedra”, ou apenas por
“Vale da Ponte da Pedra”.
Deste modo podemos constatar que a
construção de uma nova ponte de pedra deu
origem à alteração de vários nomes no que
se refere à toponímia da região em estudo.
2.4 Os retábulos de João de Ruão e de
Nossa Senhora da Luz
Como já verificámos, o oratório primitivo
da Quinta da Cardiga situava-se na ala oriental do edifício. Hoje em dia, a capela, como é
conhecida, situa-se na actual fachada principal, virada a Norte. Embora desconheçamos
que tipo de painel, ou retábulo, figuraria originalmente, presentemente encontra-se no
retábulo do altar um bloco de calcário em alto-relevo figurando a imagem da Virgem Maria,
ladeada por dois grupos; um de monges, à sua
direita, e um de monjas, à sua esquerda.
Sabemos que tal retábulo, da autoria de
João de Ruão,76 foi adquirido por Luís Sommer,77 em 1897, a um coleccionador de arte.
Sumário do primeiro registo de baptismo onde aparece o topónimo em questão, depois da construção da ponte, realizado em
19/07/1661, fl. s/ nº: “Domingos filho Legitimo de manuel Simões e de sua mulher isabel Coelha moradores ha ponte da pedra”.
Registo baptismal: “Aos desanove dias do mes de Julho de seis centos sesenta E hum annos chatechisey, pus os santos oleos, E
Baptisey, Eu o Prior desta Igreja d’aTalaia a Domingos filho Legitimo de manuel Simões, E de Sua mulher isabel Coelha moradores
há ponte da pedra do termo desta freguesia, forão padrinhos manuel Pereyra da Caceres da Golegam, E Leonor Lopes desta villa.
O Prior d’aTalaia [ilegível] Ferrão [?] Fernão [?]”.
76
Segundo Ramalho Ortigão, este retábulo é atribuído a João de Ruão, no Boletim liquidador nº 13, SALÃO DE VENDAS, Lisboa, 31 de
Outubro de 1897. O mesmo autor esculpiu um retábulo similar para a Capela de N. Srª da Misericórdia de Varziela (Tentúgal), c. 1530.
Vitor Serrão, na sua História da Arte em Portugal. “O Renascimento e o Maneirismo (1500-1620)”, vol. III, Lisboa, Editorial Presença,
2002, p. 148, refere que o retábulo da Quinta da Cardiga é “de oficina”. Esta expressão, tirando o seu sentido específico em História
de Arte, ajusta-se inteiramente ao caso em apreço: só alguns séculos depois de ter saído da oficina artística é que encontrou o seu
local definitivo. A par deste escultor, o oratório/capela terá sido decorado, ao tempo, com obras de pintura de Cristóvão de Figueiredo. Veja-se idem, ibidem, p. 61. João de Ruão, normando de nação, chega à região de Coimbra em 1528. Aí vai desenvolver grande
obra de estatuária, em calcário de Portunhos e pedra de Ançã. Trabalha no Hospital Real de Coimbra e na Sé Velha. Casa na cidade de
Coimbra, em 1530, com Isabel Pires, filha do marceneiro régio Pero Anes, sendo, assim, cunhado do pintor Cristóvão de Figueiredo.
Tem filhos formados e bem estabelecidos (um deles o futuro arquitecto maneirista Jerónimo de Ruão); estende a sua actividade por
terras da Beira (claustro da Sé de Viseu), pelo Minho e, mesmo, pela Galiza. Veio a falecer em 1580. Em 1528-29, na Igreja da Atalaia,
perto da Cardiga, a mando de D. Pedro de Menezes, senhor de Cantanhede, executa o pórtico deste local de culto “à romana”.
77
Luís Sommer (01/07/1853-15/02/1929) adquiriu a Quinta da Cardiga em 05/02/1898, encontrando-se actualmente a Quinta na posse
dos seus descendentes: Sommer d’Andrade e Sommer de Mello.
75
167
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
168
Mais tarde, aquando das obras de adaptação
da ala norte a fachada principal, contendo a
portaria e a capela, tal retábulo foi incluído
no altar.
Gustavo de Matos Sequeira,78 referindo-se à “ermida” da Cardiga diz que ela possui
um retábulo quinhentista, representando
Nossa Senhora da Misericórdia, com o seu
manto de abrigo. Refere, ainda, ser uma
bela escultura de um só bloco de pedra,
servindo-lhe de fundo e moldura, um edículo retabular, de pura feição quinhentista.
As roupagens, atitudes e expressões fazem
suspeitar de um artista de largos recursos, adestrado nas obras escultóricas de
Tomar.
Tal retábulo, outrora pintado nos mais
variados tons, encontra-se, hoje, bastante
degradado, ao ponto de a cara de uma
monja ter caído do mesmo. Em contrapartida, tal despojamento de cor, devido à
humidade, permitiu vislumbrar a existência
de uma legenda, de leitura imperceptível,
pintada na base do mesmo.
Pensamos que a tese enunciada por
Matos Sequeira sobre a titular do retábulo
comete um erro. Julgamos tratar-se, não
de Nossa Senhora da Misericórdia, mas sim
de NOSSA SENHORA, MÃE DA ORDEM DE
CRISTO.
Para esta asserção, baseamo-nos nos
seguintes fundamentos:
- A indumentária que os frades, representados à direita da Virgem, envergam, representa o hábito da Ordem de Cristo, ou seja
hábito branco, escapulário e capa negros.
- Os referidos frades apresentam alguns
prelados:79 bispos e um Papa.
- As monjas que figuram, à esquerda da
Virgem, representariam o ramo feminino
da Ordem de Cristo.
Tanto D. Manuel, como Filipe II, tiveram
intenções de fundar um ramo feminino da
Ordem de Cristo.80 Fr. Bernardo da Costa
refere, mesmo, que D. Manuel tinha notícias
de que a Ordem do Templo tivera Convento
Gustavo de Matos Sequeira, Inventário Artístico de Portugal, tomo III, Distrito de Santarém, Lisboa, 1949, pp. 50-51.
No Livro 47 da Ordem de Cristo, fl. 2, Fr. Pedro Moniz, tentando filiar a Ordem de Cristo na Ordem de Cister (uma das Reformas
da Ordem de S. Bento), diz que “nela tem militado e militão muitos papas, Cardeais, Arcebispos, Bispos, Patriarchas, Dignidades,
Confessores, Virgens e Martyres”; Nos fólios 32v. e 33 refere que D. Fr. António de Lisboa “ouve mosteiros de S. Bernardo para este
Convento dos quais havia ja Religiosos nossos, nomeados ja abades, e confirmados nas abadias e por descuido e pouca agencia dos
Religiosos deste Convento se perderão e por perdermos o nosso Pe. Reformador levando-o Deus para si e com esta morte ficamos
sem elle e sem mosteiros”.
80
Fr. Bernardo da Costa, Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesu Christo, tomo II, 2ª parte, Cap. VII, II parágrafo, p.136: “De várias
disposições e graças que o senhor Rei D. Manuel fez à Ordem e de como ele impetrou Bula para fazer um Convento de Freiras da mesma
Ordem”; Cap. XII, §242, p 137: “Bula de Júlio II [1503-1513] ao senhor Rei D Manuel para mandar fazer Convento de freiras da Ordem de
Cristo”; Cap. XI, §243, p.137: “Júlio II passou Bula para se edificar Convento de Freiras da Ordem de Cristo”; Cap. XI, doc. XXII, p.277: “Graça
concedida pelo Papa Júlio II, por súplica do senhor Rei D. Manuel, para fundar convento de religiosas da Ordem (Roma, 12/07/1505)”.
Alberto de Sousa Amorim Rosa, em Anais do Município de Tomar, vol. IV, C.M.T., 1968, p. 146, citando Fortunato de Almeida e a sua
História da Igreja em Portugal, refere que por Carta Régia de 28/07/1620, D. Filipe II mandou proceder à fundação dum Convento de
Freiras da Ordem de Cristo, à custa dum legado de Garcia Rodrigues de Távora. Contudo, a obra não viria a efectuar-se.
78
79
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
de Freiras e que este estivera sediado em
Tomar.81
Quanto aos Templários, ainda que um
dos artigos dos seus Estatutos admitisse a
associação de casais à Ordem, na condição
de não residirem no convento e de levarem
uma vida honesta, a Regra proibira de forma
peremptória a profissão de mulheres. A realidade, porém, era muito diferente, e desde
meados do século XII que elas eram recebidas
nas Casas da Ordem, quer como freiras, quer
como confrades. Por norma, a presença de
freiras dava origem a comendas com comunidades mistas, que podiam ser dirigidas por
uma comendadora, não possuindo a Milícia
do Templo nenhum convento feminino.
Em Portugal, há algumas notícias relativas a professas do Templo (1202) e a familiares recebidas “sicut uni de fratissibus
Templi”82 (1247). Os casos conhecidos são,
porém, muito escassos e não deixam avaliar a importância das vocações femininas.
Contudo, não conhecemos nenhum convento de freiras templárias em Portugal,
nomeadamente em Tomar.
É possível que Luís Sommer tenha comprado o retábulo em questão tendo em vista a
sua futura utilização aquando da aquisição da
Cardiga, uma vez que eram dois elementos
ligados ao mesmo tema: a Ordem de Cristo.
De igual forma, existe, ainda hoje, na
capela de S. Caetano,83 ligada à Quinta da
Cardiga um retábulo em tábua intitulado
Nossa Senhora da Luz. Julgamos que se trata
de um quadro proveniente do Convento de
Nossa Senhora da Luz, Casa dependente da
Ordem de Cristo, uma vez que ostenta uma
legenda alusiva à titular de tal Convento.
Não conseguimos provar se esta nossa
tese é verdadeira. Pelo menos é plausível.
Quanto ao seu autor, podemos aventar a
hipótese de ter sido Fr. Lopo Salgado. Este
freire de Cristo foi D. Prior de Tomar por
duas vezes (1593-1596 e 1598-1601). Foi inclinado à pintura,84 tendo ele próprio pintado,
no Convento de Cristo, o arco da igreja; os
retábulos do refeitório e a Ceia da mesa travessa e, ainda, Nossa Senhora com o Padre
S. Bento e S. Bernardo, que estavam em cima
do arco por onde se serviam os servidores.
Tal como neste retábulo, também no
existente na Capela de São Caetano,85 Nossa
Senhora aparece segurando o Menino,
sendo rodeada por S. Bento à sua direita e
Fr. Bernardo da Costa, Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesu Christo, tomo II, 2ª parte, Cap. VII, p.136: “- Tinha notícias o
senhor D. Manuel I que a Ordem do Templo teve Convento de Freiras e que as tais freiras templárias tiveram convento em Tomar,
como deixamos escrito na Primeira parte desta História”.
82
Bernardo Vasconcelos e Sousa et al., Ordens Religiosas em Portugal: Das Origens a Trento. Guia Histórico, Livros Horizonte, Lisboa,
2005, p. 463.
83
A Capela de S. Caetano pertence ao lugar denominado Casal de S. Caetano, vizinho do Palácio da Quinta da Cardiga, freguesia e
concelho da Golegã. Surgiu como lugar de culto, no séc. XVII, para os trabalhadores agrícolas da Cardiga que aí habitavam. Veja-se,
a este respeito, Luís Miguel Preto Batista, “A Capela de S. Caetano”, jornal O Entroncamento, nº 956 (03/09/1998), pp. 4-5.
84
Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, citado por Vieira Guimarães, A Ordem de Cristo, 1901, pp.450-451.
85
A este propósito consulte-se Luís Miguel Preto Batista, “A Capela de S. Caetano”, jornal O Entroncamento, nº 956 (03/09/1998), pp. 4-5.
81
169
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
S. Bernardo de Claraval à sua esquerda.
Junto destas personagens, no chão, figuram dois báculos e mitras, símbolo da sua
figura como abades.86
S. Bernardo, a exemplo da iconografia
tradicional, aparece recebendo leite espiritual da Virgem Maria. Este simbolizava
iluminação espiritual que a Mãe de Deus
transmite ao seu discípulo.87
170
CONCLUSÃO
A Quinta da Cardiga está integrada num
espaço que os seus detentores criaram e
que foi sendo alterado ao longo dos tempos, quer por vontade própria, quer por
motivos estranhos. Foi elemento aglutinador de bens e pessoas, transformou um
ermo em povoado, atraiu populações que
posteriormente a foram abandonando.
Ao longo deste trabalho tentámos traçar
a história das obras na Comenda/Quinta
no espaço e no tempo. Realçar, na vida da
Comenda/Quinta, a construção de um patri-
mónio edificado na Cardiga, quer as obras
do Palácio levadas a cabo por Frei António
de Lisboa (1529-1551), quer por Fr. Pedro
Moniz (1592-1612), foi o objectivo da nossa
pesquisa, e posterior divulgação, através
deste artigo.
O riquíssimo repositório histórico e
documental da Comenda/Quinta da Cardiga, abrangendo a História de Portugal,
desde a Fundação da Nacionalidade (quiçá
senão remontando mesmo à Pré-História),
até à actualidade, permitiu-nos elaborar um
objecto de estudo, do qual nasceu a nossa
tese de mestrado, que vai muito para além
das linhas deste artigo.
Penso que não existem em Portugal
muitas propriedades que se possam orgulhar de ter um percurso tão completo, tão
interessante e, sobretudo, ininterrupto, ao
longo da História do nosso país.
Esperamos que este estudo de História da
Arte reanime no presente, tal como no passado, o interesse pela Quinta da Cardiga.
Desde a Reforma Beneditina efectuada por Cluny (séc. XI) que os abades da Ordem de S. Bento usam báculo e mitra, antes somente
apanágio dos bispos. Tal como estes, passaram a celebrar missa em solene pontifical nas Festas principais da Igreja. Em Portugal,
só nos anos 70 do século passado é que o D. Abade do Mosteiro de Singeverga, pertencente à Ordem Beneditina, deixou de fazer
uso desses símbolos litúrgicos episcopais.
87
Atribui-se a S. Bernardo de Claraval grande devoção a Nossa Senhora. Terá sido ele a compor o hino “Salvé Rainha”.
86
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
ANEXO I
Cronologia
Anos Factos
1128 _D. Teresa faz a primeira doação, de que há notícia, aos Templários: o castelo e a terra de Soure.
1159 _O castelo de Cera (Tomar) é doado, por D. Afonso Henriques, à Ordem do Templo.
1160 _Começo da edificação do castelo templário de Tomar, por D. Gualdim Pais.
1169 _D. Afonso Henriques concede aos Templários um terço do que conquistassem no Alentejo.
_Outubro: D. Afonso Henriques concede aos Templários o castelo de Cardiga: torre de pedra,
muralhas de taipa e portal de pedra; à volta, um fosso.
1190 _Gualdim Pais defende o castelo de Tomar contra os Mouros.
1195 _Morte de D. Gualdim Pais, sepultado na Igreja de Santa Maria de Tomar, depois “do Olival”.
1198 _O território de Açafa (Idanha-a-Nova) é concedido, por D. Sancho I, aos Templários.
1255 _Pedro Alvo faz doação da Comenda da Cardiga à Ordem do Templo.
1303 _Carta de privilégios de Atalaia: “Água de Cardiga” era o nome dado à Ribeira da Cardiga.
1311 _Extinção da Ordem dos Templários.
1319 _Fundação da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, à qual são doados todos os bens
dos Templários. A nova Ordem é instalada em Castro Marim, sendo-lhe atribuída a Regra de
S. Bento.
1321 _Doação da Comenda da Cardiga à Ordem de Cristo.
1357 _A Ordem de Cristo regressa a Tomar, a pedido dos freires.
1415 _Conquista de Ceuta.
1420 _O Infante D. Henrique é nomeado Administrador Apostólico da Ordem de Cristo.
1426 _Fr. Gonçalo Velho é comendador de Almourol.
1434 _Gil Eanes dobra o Cabo Bojador.
1443 _O Regente D. Pedro concede a D. Henrique o monopólio da navegação, guerra e comércio nas
terras para além do Cabo Bojador.
1455 _Bula de Nicolau V declarando que as terras e mares já conquistados ou a conquistar, possuídos ou a possuir, pertencem para o futuro e perpetuamente, aos Reis de Portugal, como
propriedade exclusiva.
1456 _O Papa Calisto III concede à Cavalaria de Cristo o espiritual das terras descobertas, como
territórios nullius diocesis.
1460 _Fr. Gonçalo Velho é investido no cargo de primeiro Capitão das ilhas de Santa Maria e São
Miguel. Chamou a esta “o gigante Almourol” e à primeira “a pequena Cardiga”.
_Morte do Infante D. Henrique.
c. 1497 _Fr. Afonso Furtado de Mendonça é comendador da Cardiga.
1500 _Descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral.
1504 _Realização do Tombo dos Bens da Comenda da Cardiga.
171
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
172
1510 _Diogo d’Arruda inicia a construção da chamada “Casa do Capítulo” do Convento de Cristo e
executa as respectivas e célebres janelas.
1515 _João de Castilho finaliza a construção da abóbada da “Sala do Capítulo” do Convento de Cristo,
assim como o monumental pórtico de acesso.
1520 _Novembro: Fr. Nuno Furtado Mendonça, genro de Pedro Álvares Cabral, sucede a seu pai no
cargo de comendador da Cardiga.
1521 _D. João III permanece em Tomar cerca de dois meses. Desta estadia resultará a Reforma da
Ordem de Cristo, de sua inspiração.
1529 _Fr. António Moniz, ou de Lisboa, frade jerónimo, é encarregado, por D. João III, de reformar
a Ordem de Cristo. Os freires, então residentes no Convento, foram reduzidos à clausura e
observância regular.
1536 _Morte do comendador Fr. Nuno Furtado de Mendonça.
_É feita cedência à Ordem de Cristo de Tomar, da comenda de Cardiga, em troca da comenda
da Igreja de Santiago de Santarém.
1536 _É dada posse à Ordem de Cristo, como comenda, da Cardiga. Esta passará a alimentar o Convento de Tomar e o Colégio de Coimbra.
1537 _Confirmação, pelo Papa Paulo III, do escambo das rendas da Igreja de Santiago de Santarém
pelas da comenda da Cardiga.
1538-1551 _Fr. António de Lisboa faz compra de terras na zona envolvente à Cardiga. Manda construir o
Palácio.
c. 1540 _João de Castilho inicia a construção do Claustro da Micha, o primeiro da série de claustros de
sua traça existentes no Convento de Cristo.
1540 _Escambo de propriedades entre as comendas de Almourol e Cardiga.
1543 _Primeiro auto-de-fé realizado em Tomar.
1544 _Segundo auto-de-fé em Tomar.
1545 _Mudança do curso do Rio Tejo, a pedido do Infante D. Luís, irmão de D. João III.
1545-1557 _D. João III instala-se várias vezes no Palácio da Cardiga. Subia o rio de barco, pernoitava e
seguia de cavalo para observar as obras do Convento de Cristo, em Tomar.
c. 1550 _João de Castilho inicia a construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição, em Tomar, a
qual viria a ser concluída por Diogo de Torralva, e se destinava ao túmulo real de D. João III,
intenção que se veio a gorar.
1551 _Morte de Fr. António de Lisboa.
_O Papa Júlio III, pela bula “Praeclara clarissima”, concede à Coroa Portuguesa, definitivamente,
o Mestrado das Ordens Militares de Cristo, de Avis e de Santiago.
1554 _Diogo de Torralva executa o risco e inicia a construção do Claustro Principal, de D. João III ou
dos Filipes, do Convento de Cristo, que viria a ser concluído por Filipe Terzi e Pedro Fernandes Torres, já sob o domínio filipino.
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
1555 _Alvará régio de D. João III mandando que nenhum pescador possa pescar no campo da
Cardiga.
c. 1572 _A Ordem de Cristo pede uma provisão a D. Sebastião para que se possa fazer retornar o Tejo
ao seu leito original.
1581 _Juramento e aclamação de Filipe I, perante as Cortes, reunidas no Convento de Tomar. Filipe I
pernoita na Cardiga e os vassalos da sua comitiva pelas redondezas.
1590 _O D. Prior do Convento de Cristo, Fr. Adrião Mendes, justifica a necessidade da mudança do
curso do Tejo, para o seu leito original, perante Filipe I.
1591 _Filipe I legisla a favor da Cardiga.
1592 _Fr. Pedro Moniz, sobrinho do Reformador da Ordem de Cristo, é eleito feitor da Cardiga.
Sê-lo-á por mais quatro vezes.
1593 _É dado início à construção do Aqueduto de Pegões Altos, destinado ao abastecimento do
Convento de Cristo, segundo risco de Filipe Terzi e concluído em 1613 por Pedro Fernandes
Torres.
1598 _Filipe I torna a legislar a favor da Cardiga. Porém, o Tejo não regressará ao seu trajecto original.
1623 _Petição de Fr. Pedro Moniz, D. Prior do Convento de Tomar, a Filipe III, solicitando a construção de uma nova ponte sobre a Ribeira da Atalaia. Aí, pela primeira vez, aparecerá registada
a designação de quinta aplicada à Cardiga.
1625 _Construção da nova ponte da Atalaia ou da Cardiga, posteriormente conhecida como Ponte da
Pedra. Era de cantaria e tinha três olhais.
1629/1630 _Fr. Pedro Moniz, na sua velhice, escreve um livro intitulado “Relação...” onde relata as obras
efectuadas na Cardiga. Início da vulgarização do termo Quinta aplicada a este espaço rural.
1751 _Breve Pontifício que permite ao Convento de Cristo aforar as terras da Lezíria da Martintina,
situadas na Quinta da Cardiga.
1758 _O Pe. José Jacinto Coelho, vigário da Golegã, refere nos “Inquéritos Paroquiais” que as quintas do concelho da Golegã, entre as quais a da Cardiga, eram tão prósperas que mesmo a de
renda mais baixa excedia os 20 mil cruzados por ano.
1764 _Francisco José Macedónio Sousa, tabelião de Tancos, realiza várias escrituras de prazo
sobre terras da Lezíria da Martintina, pertencente à Quinta da Cardiga, na sequência do
Breve anterior.
1762/1767 _Construção da Ponte da Cardiga, junto ao Palácio, em pedra, já que antes era de madeira, pelo
D. Prior, António Ferreira da Silveira.
c. 1780 _Alegação por parte da Ordem de Cristo a respeito do Campo da Cardiga, devido à mudança
do curso do Rio Tejo.
1783 _Na sequência da alegação anterior, a Coroa envia ao local uma vistoria que elaborará o “Primeiro Mapa Topográfico dos Campos da Cardiga, Almourol e Martintina”, reconstituindo a
região antes da mudança do curso do Tejo.
1789-1792 _Reforma dos Estatutos da Ordem de Cristo, através de diversa legislação de D. Maria I.
173
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
174
1811 _Relatório da destruição provocada pela 3.ª Invasão Francesa na Cardiga: cerca de 200 mil réis
de prejuízo em oliveiras abatidas para realização de fogueiras.
1820 _Revolução Liberal.
1831 _Luís vön Sommer, vindo da Alemanha, serve como Alferes no “Regimento de Lanceiros da
Rainha”, D. Maria II.
1834 _Derrota das tropas absolutistas na Batalha da Asseiceira, concelho de Tomar, garantindo o
poder aos Liberais.
_Joaquim António de Aguiar decreta a extinção das Ordens Religiosas e a nacionalização das
suas casas e bens.
_Início da venda em hasta pública dos bens nacionais.
1836 _A Quinta da Cardiga é arrematada, na Junta de Crédito Público, por Domingos José de
Almeida Lima. Foi à praça por 100 contos de réis, sendo vendida por 200.
1843 _28 de Outubro: D. Maria II visita o concelho de Vila Nova Barquinha e a Quinta da Cardiga no
seu regresso a Lisboa, vinda de Tomar.
1861 _As Câmaras Municipais de Vila Nova da Barquinha e de Torres Novas determinaram ir cumprimentar D. Pedro V à Quinta da Cardiga, onde este pernoitara.
1867 _Os herdeiros da família Lima vendem, a D. Maria Arrábida Lamas, a Quinta da Cardiga.
1892 _Sua filha, Maria Luíza Lamas Gomes Coelho e seu marido, Dr. Zagalo Gomes Coelho, primo de
Júlio Dinis, vivem no Palácio da Cardiga.
1898 _Os herdeiros de D. Maria Arrábida Lamas vendem a Quinta da Cardiga a Luís Adolfo de Oliveira Sommer (descendente do anterior Luís Sommer).
1904-1905 _Luís Sommer compra em Roma (Palácio Borghese) obras de arte para decorar o seu Palácio
da Cardiga.
1929 _Morre Luís Sommer. Os seus herdeiros continuam a exploração da propriedade.
1952 _Decreto N.º 38.673 de 12/03/1952 que classifica a Torre da Cardiga e algumas dependências
anexas como “Imóvel de Interesse Público”.
2008 _A Quinta da Cardiga, uma das mais importantes do Ribatejo, continua na posse dos descendentes de Luís Sommer: Sommer d’Andrade e Sommer de Mello.
_Comemora, em Outubro, 839 anos da sua doação aos Templários.
Fontes: Joel Serrão, Cronologia da História de Portugal, Iniciativas Editoriais, 3ª ed., 1977; Câmara Municipal de Tomar, Imagens de
Tomar. Roteiro Histórico, 2ª edição revista, Nov. 1992.
Todas as outras obras utilizadas na elaboração desta Cronologia vêm especificadas nas notas de rodapé e nas Fontes e Bibliografia.
Por serem inúmeras escusamo-nos de indicá-las aqui.
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
ANEXO FOTOGRáfico
175
Foto 1 _ Panorama possível do castelo inicial da Cardiga. Neste,
a torre era de pedra mas as muralhas primitivas eram de taipa.
Castelo de Longroiva. Fonte: Foto do Arquivo Colecções Alfa.
Foto 2 _ Actual torre do Castelo da Cardiga. Foto Mariné.
Fotos 3 e 4 _ Antiga adega da Cardiga, conhecida por Adega dos Frades. Vasta dependência de dois lanços, formando ângulo recto,
com abóbadas de nervuras assentes sobre colunas: século XVI. Foto Mariné.
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
176
Foto 5 _ Bocete de abóbada da adega, com figuração de tipo
renascentista. Foto Mariné.
Foto 6 _ Retábulo representando Nossa Senhora, Mãe da
Ordem de Cristo, da autoria de João de Ruão, na actual Capela
da Quinta da Cardiga. Foto Mariné (1990).
Foto 7 _ Quinta da Cardiga: Pátio Grande. Foto de Ana Geraldes.
Foto 8 _ Palácio da Cardiga: varanda do sino e galeria térrea, no
lado este do Pátio Grande. Foto Mariné
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
177
Foto 9 _ Relógio de sol do século XVI: fachada sul (actual jardim)
Foto 10 _ Portal Sul na fachada original do Palácio da Cardiga:
virado para o Rio Tejo
Foto 11 _ Duas das quatro torres renascentistas abobadadas que
ladeiam os ângulos do Palácio da Cardiga. Foto de Ana Geraldes.
Foto 12 _ Capela de S. Caetano, Quinta da Cardiga, Golegã: retábulo
em tábua pintada, representando Nª Srª da Luz, possivelmente,
originário do Convento de Carnide. Foto de Ana Geraldes.
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
FONTES
1. FONTES MANUSCRITAS
FONTES E BIBLIOGRAFIA
ARQUIVO DA CÂMARA MUNICIPAL DE TOMAR
Livro das Posturas do Século XVII, de 22/09/1607, baseado nas Ordenações Filipinas de 1603.
Livro 71.
Livro de Registos Camarários O Cardoso (16/05/1634 a 17/10/1685).
ARQUIVO DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DA BARQUINHA
Registo de Correspondência Expedida pela Câmara Municipal (1868/73)
ARQUIVO DA FAMÍLIA DUARTE SILVA OLIVEIRA
Escriptura de partilha, datada de 1 de Setembro de 1892, realizada no Cartório do Tabelião Dr. Francisco Vieira da
Silva Barradas, Lisboa.
TOMBO da quinta do valle do Seixo, que mandou fazer o Exc.mo e R.mo PRINCIPAL D. IOSÉ Manoel do concelho de
Sua Magestade, e Deam do Collegio da Santa Igreja de Lisboa, datado de 26/06/1744.
178
ARQUIVO DA QUINTA DA CARDIGA
DESCRIPÇÃO DASCASAS DESTA QUINTA. Termo mandado fazer pelo Doutor Juiz do Tombo, Álvaro Barreto Borges, e escrito por Morais. Documento dos meados do século XVII.
BIBLIOTECA NACIONAL Reservados, cód. 241; cód. 413; cód. 501; cód. 736; cód. 8842; cód. 8843; cód. 8920; ms. 666; ms. 8842; ms. 735 (FG).
INSTITUTO DOS ARQUIVOS NACIONAIS / ARQUIVO DISTRITAL DE SANTARÉM
Livros de Registo Paroquial:
Registo Baptismal da Paróquia de Atalaia (V. N. da Barquinha): 1 (1544-1638), 2 (1647-1741) e 3 (1741-1803)
Registo de Óbitos da Paróquia de Atalaia (V. N. da Barquinha):1 (1544-1638)
Ordem de Cristo:
Livro das Rendas, e Foros deste Real Convento de Thomar da Ordem Militar de Nosso Snr Jesus Christo. Feito no
Anno de 1804.
Mostrador dos Bens e Rendas do Real Convento de Christo de Thomar. 1803.
INSTITUTO DOS ARQUIVOS NACIONAIS / TORRE DO TOMBO:
Chancelarias Régias:
Chancelaria de D. João I, livros 1 e 2.
Chancelaria de D. João III, livros 23 e 50.
Chancelaria de D. Manuel I, livro 22.
Dicionário Geográfico de Portugal (Séc. XVIII). Também conhecido por Memórias Paroquiais ou Inquéritos Paroquiais, compilados pelo Pe. Luís Cardoso;
Vol. 5, fls. 85 e ss., Inquérito Paroquial de 1758, nº 18 - Respostas do Pároco de Tancos.
Vol. 5, fls. 730 e ss., Inquérito Paroquial de 1758, nº 30 - Respostas do Pároco de Atalaia.
Vol. 17, fls. 325 e ss., Inquérito Paroquial de 1758, nº 61 - Respostas do Pároco de Golegã.
Vol. 26, fls. 195 e ss., Inquérito Paroquial de 1758, nº 10 - Respostas do Pároco de Olaia.
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
Gavetas:
Nº 7, ms. 4, doc. 10; ms. 6, doc. 1.
Leitura Nova:
Livro dos Mestrados (livro único que contém referências à Ordem de Cristo).
Livros de Leis:
Livro 1º de Leis de 1576 até 1612.
Mesa da Consciência e Ordens, Funções Culturais, Obras Literárias:
Livro 43.
Núcleo Antigo:
nº 293, Povoação da Estremadura no XVI. seculo, fl. 78.
nº 275, Tombo das Capelas de Torres Novas.
Ordem de Cristo/Convento de Tomar:
Cadernetas:
doc. 145: Comenda e Quinta da Cardiga, vários títulos de aforamentos 1764 e segg.
doc. 172: Alegação por parte da Ordem a respeito do Campo da Cardiga.
Maços e documentos:
Maço nº 30, doc.s nº 1, 2: (vermelho, numeração nova), 2: (numeração antiga), 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 – I e II, 12, 13, 14, 15
(numeração antiga 619), 15 (numeração nova), 15 (numeração repetida), 17, 18, 19 (numeração nova), 19 (numeração
antiga 584), 22, 23, 24, doc.s s/n : Tombo da Comenda da Cardiga
Livros:
Livro 47: Relação de quando se começou esta Ordem de Christo em Religiosos Regulares com Regra do Nosso Pe. S.
Bento e foy no anno de 1529, e do primeiro D. Prior que foy o Nosso Rev.mo Pe. Frey Antonio Moniz de Lisboa Reformador della, [...] athe esta era de 1630.
Livro 232.
Livro das Escrituras da Ordem de Cristo – 1ª parte, 1503.
Tombos:
Tombo dos Bens e Rendas do Convento de Tomar.
Tombo dos Bens, Rendas e Direitos do Convento [de Tomar].
2. FONTES IMPRESSAS
_ ALMEIDA, Cândido Mendes de, Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reyno de Portugal, Recopiladas por mandado d’El-Rey D. Philippe, 14ª edição, Rio de Janeiro, 1870.
_ BRONSEVAL, Frère Claude de, Peregrinatio Hispanica – 1531-1533, introdução, tradução e notas de Dom Maur Cocheril, tomo I, Paris, Presses Universitaires de France, 1970.
_ CARDOSO, Jorge, Agiológio Lusitano [...], 3 tomos, Lisboa, 1652, 1657, 1666.
_ CARDOSO, Pe. Luís, Diccionario geographico ou Noticia de todas as Cidades, Villas, Lugares e Aldeas, Rios, Ribeyras,
e Serras dos Reynos de Portugal, e Algarve, com todas as cousas raras, que neles se encontrão, assim antigas, como
modernas, vol. I, Lisboa, Regia Officina Sylviana, 1747.
_ CARNEIRO, Manuel Borges, Resumo Chronologico das Leis mais uteis no foro e uso da vida civil publicadas até o
presente anno de 1818..., 3 vols., Lisboa, Impressão Régia, 1818-1819.
_ CASTRO, João Baptista de, Mappa de Portugal antigo e moderno, 2ª ed., vols. I, II e III, Lisboa, 1762-1763.
Corpo Diplomático Português, Contendo os Actos e Relações Políticas e Diplomáticas de Portugal (...), tomos I, II, V e
VI, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1862-1910.
_ COSTA, Fr. Bernardo da, Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, Coimbra, Officina de Pedro Ginioux, 1771.
179
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
180
_ COSTA, Pe. António Carvalho da, Corografia Portugueza e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal,
com noticias das fundaçoens das Cidades, Villas & Lugares que contem: Varoens illustres, Genealogias das Familias
nobres, fundaçoens de Com­ventos, Catalogos dos Bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edificios & outras
curiosas observaçoens, 2ª ed., tomo III, Braga, Typ. Domingos Gonçalves Gouveia, 1868-69 (1ª ed., Lisboa, 1706-08-12).
_ Definições e Estatutos dos Cavaleiros e Freires da Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo conhecidas por Regimento
ou Estatutos da Ordem de Cristo, Lisboa Occidental, Officina Pascoal da Sylva, 1717.
_ Definições e Estatutos dos Cavaleiros e Freires da Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo conhecidas por Regimento
ou Estatutos da Ordem de Cristo, Lisboa, Officina Miguel Manescal da Costa, 1746.
_ Definições e Estatutos dos Cavalleiros & Freires da Ordem de N. S. Iesu Christo, com a historia da origem, & principio
della, Lisboa, Impressor Pedro Craesbeeck, 1628.
_ “Descripção Economica de certa porção considerável de território da comarca de Thomar, e próxima à margem
direita do Tejo que mereceo o Accessit na sessão publica de 24 de Junho de 1822”, in História e Memória da Academia
Real das Sciencias de Lisboa (Memórias dos Correspondentes), tomo VIII, parte II, Lisboa, Typographia da Academia
Real das Sciencias, 1822, pp. 43-134.
_ FALCÃO, Luís Figueiredo, Livro em que se contém toda a fazenda e real patrimonio dos Reinos de Portugal, India e
Ilhas adjacentes e outras particularidades, Lisboa, Imprensa Nacional, 1859.
_ FERREIRA, Pinto, Indice Chronologico, Lisboa, 25 de Abril de 1895.
_ FIGUEIREDO, José Anastasio de, Synopsis Chronologica de subsídios ainda os mais raros para Historia e estudo critico da Legislação Portugueza, tomo II - desde 1550 até 1603, Lisboa, Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1790.
_ FIGUEIREDO, José Anastácio de, et al., Collecção Chronologica de Leis Extravagantes posteriores à nova compilação
das Ordenações do Reino publicada em 1602, tomo I, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1819.
_ GAYO, Manuel José da Costa Felgueiras, Nobiliário de Famílias de Portugal, III vol. (tomos VII, VIII, IX), Braga, Carvalhos de Basto, 1992.
_ LAVANHA, João Baptista, Viagem da Catholica Real Magestade DelRey D. Filipe II N. S. ao Reyno de Portugal, Madrid,
Impressor Tomas Junti, 1622.
_ LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de Pinho, Portugal Antigo e Moderno, Diccionário Geographico, Estatistico, Chorographico, Heraldico, Archeologico, Histo­rico, Biographico e Etymologico de todas as cidades, villas e
freguesias de Portugal e de grande numero de aldeias. Noticia de muitas cidades e outras povoações da Lusitânia de
que apenas restam vestigios ou sómente a tradição, vol. III, Lisboa, Liv. Ed. de Mattos Moreira, 1874.
_ LEÃO, Duarte Nunes do, Descrição do Reino de Portugal, transcrição do texto, notas, aparato crítico e biografia do
autor por Orlando Gama, 3ª edição, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2002.
_ LOPES, João Baptista da Silva (coord.), Diccionnario Postal e Chorographico do Reino de Portugal, comprehendendo
a divisão administrativa, judicial e ecclesiástica do Continente, do Reino (...), tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891.
_ MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana Historica, Crítica, e Chronologica, na Qual Se Comprehende a Noticia dos Auctores Portuguezes, e das Obras Que Compuzeram desde o Tempo de Promulgação da Lei da Graça até o
Tempo Presente, 4 volumes, Lisboa [s.n.], 1741 – 1759. Edição em CD-ROM da Biblioteca Nacional, 2004.
Monumenta Henricina, vol. I, Coimbra, ed. da Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte do
Infante D. Henrique, 1960-1974.
_ MORAIS, Cristóvão Alão de, Pedatura Lusitana. Nobiliário das Famílias de Portugal, tomos III e IV do vol. I, 1673, Porto,
Livraria Fernando Machado, 1946.
_ NASCIMENTO, Aires A, Cister. Os Documentos Primitivos, Lisboa, Ed. Colibri, 1998.
_ ORTIGÃO, Ramalho, Boletim liquidador nº 13, SALÃO DE VENDAS, Lisboa, 31 de Outubro de 1897.
_ PEREIRA, Isaías da Rosa, Visitas Paroquiais na Região de Torres Novas (Séc. XVII-XVIII), Torres Novas, Edição dos
Serviços Culturais da Câmara Municipal de Torres Novas, 1992.
NOVA AUGUSTA
As obras na Cardiga: 1529-1630
_ PEREIRA, Júlio Manuel, A Região da Barquinha no Séc. XVIII – A visão dos inquéritos paroquiais, Vila Nova da Barquinha, Edição da Câmara Municipal, 1993.
_ “Povoação da Estremadura no XVI. Seculo”, edição de A. Braamcamp Freire, Archivo Historico Portuguez, vol. VI,
nº 7, Lisboa, 1908, pp. 241-284.
_ Regra de São Bento, 2ª ed., Mosteiro de Singeverga, Edições Ora & Labora, 1992.
_ Regra e diffinçooes da Ordem do Mestrado de Nosso Senhor Jhesu Christo, Lisboa, Officina de Valentim Fernandes, 1504.
_ REIS, Sebastião Martins dos, Livro da Fazenda da Mesa Episcopal do Bispo de Évora nos séculos XIV e XV, Évora,
Edições Salesianas, 1966.
_ SALAMANTINO, Isidro Velazquez, La Entrada qve en el reino de Portvgal hizo la S. C. R. M. de Don Philippe, invictissimo rey de las Españas, segundo deste nombre, primero de Portugal, assi con su Real presencia, como con el exercito
de su felice campo, Lisboa, Manuel de Lyra, 1583.
_ SÃO MIGUEL, Fr. Jacinto de, Tratado Histórico das Ordens monásticas de S. Jeró­nimo e S. Bento, Lisboa Ocidental, 1739-1761.
_ SOUSA, D. António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, tomo XII, parte II, Coimbra, Atlântica
Livraria Editora, Lda, 1946-1955.
_ SOUSA, D. António Caetano de, Provas genealógicas da Casa Real Portuguesa, 2ª ed., vol. II, Coimbra, Atlântica Livraria Editora Lda., 1938.
_ VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de, Elucidário das Palavras, Termos e Frases que em Portugal Antigamente se
Usaram e que Hoje Regularmente se Ignoram: Obra Indispensável para Entender Sem Erro os Documentos Mais Raros
e Preciosos que Entre Nós se Conservam (ed. crítica, por Mário Fiúza), tomos I e II, Porto, Livraria Civilização, 1966.
3. FONTES CARTOGRÁFICAS
ARQUIVO DA QUINTA DA CARDIGA
Desenho a carvão com representação do Palácio da Cardiga [em meados do séc. XVIII].
BIBLIOGRAFIA
1. OBRAS DE REFERÊNCIA
_ ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, tomo III, Coimbra, Imprensa Académica, 1910-21.
_ MARQUES, A. H. de Oliveira, História de Portugal, 4ª ed., vol. I, 2ª ed., vol. II, Lisboa, Palas Editores, 1974 e 1976.
_ MATTOSO, José (dir.), História de Portugal, vols. 1, 2 e 3, Lisboa, Editorial Estampa, 1993.
_ PEREIRA, Esteves e RODRIGUES, Guilherme, Diccionário de Portugal: Diccionário Histórico, Chorográphico, Heráldico, Biográphico, Bibliográphico, Numismático e Artístico (...),vol. I, Lisboa, João Romano Torres, 1907.
_ SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal, 3ª edição, vols. I e IV, Lisboa, Editorial Verbo, 1977.
_ SERRÃO, Joel (dir.), Dicionário de História de Portugal, vols. I, II, III, IV, V e VI, Porto, Livraria Figueirinhas, 1985-1992.
_ SERRÃO, Joel, Cronologia Geral da História de Portugal, 3º ed., Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1977.
_ SERRÃO, Joel; OLIVEIRA MARQUES, A. H. de, (dir.), Nova História de Portugal, vol. V, Lisboa, Editorial Presença, 2001.
2. OBRAS DE CARÁCTER GERAL E ESTUDOS
Anais da União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, Lisboa, vols. I, (1935) II (1945), III (1951), IV (1955), V (1959).
Imagens de Tomar. Roteiro Histórico, 2ª ed. revista, Tomar, Câmara Municipal, Nov. 1992.
_ ALMEIDA, A. A. Marques de, et al., O Património Local e Regional, Subsídios para um Trabalho Transdisciplinar,
Lisboa, Ministério da Educação, 1998.
_ ÁLVAREZ, Fernando Bouza, Portugal no Tempo dos Filipes. Política, Cultura, Representações (1580-1668), Lisboa,
Edições Cosmos, 2000.
_ AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.), História Religiosa de Portugal, vol. I, Temas e Debates, 2004.
181
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
182
_ BARATA, J. H., “Cosme de Médicis e o Ribatejo”, separata da revista Biblos, vol. XXII, tomo I, Coimbra, 1947, p. 7-16.
_ BARBOSA, Pedro Gomes, Lisboa. O Tejo, a Terra e o Mar (e outros estudos), Lisboa, Edições Colibri, 1995.
_ BARROS, Henrique da Gama, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, 2ª ed., dirigida por
Torquato de Sousa Soares, Lisboa, 1945-1954.
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_ BATISTA, Luís Miguel Preto, Cardiga ou História de Uma Quinta, Lisboa, 1990. Trabalho de seminário em Geografia
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_ BEIRANTE, Maria Ângela Godinho Vieira da Rocha, Santarém Quinhentista, Lisboa, [s.l. – Ramos, Afonso e Moita], 1981.
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Portugal e no Sul da Europa – Actas do II Encontro sobre Ordens Militares, Lisboa, Edições Colibri / Câmara Municipal
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_ CONDE, Manuel Sílvio Alves, Tomar medieval. O espaço e os homens, Cascais, ed. Patrimonia Historica, 1996.
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_ DIAS, João José Alves, Paio de Pele. A vila e a região do século XII ao XVI, Santarém, Assembleia Distrital; Vila Nova
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_ EULÁLIA, Margarida, D. Fr. António de Lisboa, Tomar, Instituto Politécnico de Tomar, 1995.
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As obras na Cardiga: 1529-1630
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_ FREIRE, Anselmo Braancamp, “Livro de Linhagens do Século XVI”, Archivo Historico Portuguez, vol. VII, Lisboa, 1909.
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_ GIL, Carlos e RODRIGUES, João, Pelos Caminhos de Santiago. Itinerários Portugueses para Compostela, 1ª ed., Lisboa,
Publicações Dom Quixote/Círculo de Leitores, 1990.
_ GODINHO, Vitorino Magalhães, Os descobrimentos e a economia mundial, 1ª ed., vols. I e II, Arcádia, Lisboa, 1963-1965.
_ GONÇALVES, Artur, Mosaico Torrejano, Miscelânea de Retalhos do Passado e do Presente de Tôrres Novas para
Memoração no Futuro, Barcelos, Companhia Editora do Minho, 1936.
_ GONÇALVES, Artur, TÔRRES NOVAS. Subsídios para a sua História, 1ª ed., Torres Novas, Câmara Municipal, 1935.
_ GUIMARÃES, Vieira, A Ordem de Cristo, Lisboa, Empr. da História de Portugal, 1901.
_ GUIMARÃES, Vieira, Thomar-Sta. Iria, Lisboa, Liv. Coelho, 1927.
_ HERCULANO, Alexandre, História de Portugal, prefácio e notas críticas de José Mattoso, tomos I, II, III e IV Livraria
Bertrand, Lisboa, 1980-1983.
_ JANA, Ernesto José Nazaré Alves, “Fundamentos da Nova Ordem de Cristo”, As Ordens Militares em Portugal e no
Sul da Europa – Actas do II Encontro sobre Ordens Militares, Lisboa, Edições Colibri/Câmara Municipal de Palmela,
1997, pp. 450-452.
_ JANA, Ernesto José Nazaré Alves, O Convento de Cristo em Tomar e as obras durante o período filipino, 3 vols, dissertação de mestrado em História da Arte, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1990.
_ JANA, Ernesto José Nazaré Alves, “A Vida Económica do Convento de Cristo (1529-1630)”, Ordens Militares. Guerra,
Religião, Poder e Cultura – Actas do III Encontro sobre Ordens Militares, vol. I, Lisboa, Edições Colibri/Câmara Municipal de Palmela, 1999, pp. 225 e 229.
_ JANA, Ernesto José Nazaré Alves, “A Quinta da Granja. Importante Bem Fundiário da Ordem de Cristo”, Boletim
Cultural da Câmara Municipal de Tomar, n.º 19, Outubro de 1993.
_ LOPES, João Carlos, Torres Novas e o seu Termo no meio do séc. XVIII. As Memórias Paroquiais, Torres Novas,
ed. Âmago da Questão, 1998.
_ LOURENÇO, Maria Paula Marçal, A Casa e o Estado do Infantado. Formas e Práticas Administrativas de Um Património Senhorial, 1995, Lisboa, JNICT, Centro de História da Universidade de Lisboa, 1995.
_ LOURENÇO, Maria Paula Marçal, Casa, Corte e património das Rainhas de Portugal (1640-1754). Poderes, Instituições
e Relações Sociais, 4 vols., dissertação de doutoramento em História Moderna, apresentada à Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1999.
_ LOURENÇO, Maria Paula Marçal, D. Pedro II, Mem Martins, Ed. Círculo de Leitores, 2007.
_ LOURENÇO, Maria Paula Marçal, Fidelidades, Resistências e Memória da Casa Real Portuguesa ao tempo dos Filipes,
separata do colóquio O Sebastianismo. Política, Doutrina e Mito (Sécs. XVI-XIX), Lisboa, Edições Colibri, Academia
Portuguesa da História, 2004.
_ MANTAS, Vasco Gil da Cruz Soares, A Rede Viária Romana da Faixa Atlântica entre Lisboa e Braga, dissertação de
doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1996.
_ MARQUES, Maria Alegria, Estudos sobre a Ordem de Cister em Portugal, Lisboa, Edições Colibri, 1998.
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183
NOVA AUGUSTA
Luís Miguel Preto Batista
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Andrade Corvo e o ensino artístico. Da fundação das
Academias das Belas-Artes à reacção romântica (1836-1856)*
António Ribeiro**
Pretendeu-se, neste artigo, averiguar como se impôs no meio académico a tendência tingida de valores românticos que se afirmava no
meio literário desde a década de trinta de oitocentos e que contrastava
com o código estético neoclássico predominante nas artes plásticas.
A greve académica de 1844 é o ponto de ruptura de uma nova geração
que pretende impor novos valores culturais. Nesse ano, Andrade Corvo
publica um texto onde critica a ausência de conhecimentos estéticos
no ensino artístico e define as isotopias da corrente romântica.
*Texto apresentado no seminário de “Teoria e Organização do Trabalho Artístico” orientado
pela Doutora Lurdes Craveiro, em Janeiro de 2008.
** Professor do ensino secundário e aluno do 2.º Ciclo de Estudos em História da Arte, na
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
185
NOVA AUGUSTA
Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856)
Nota introdutória
Com este breve ensaio pretendemos
averiguar como se impôs no meio académico português a tendência tingida de valores românticos que se afirmava no meio
literário desde meados da década de trinta
de oitocentos, articulando-se com o triunfo
do liberalismo e que contrastava com o
código estético neoclássico predominante
nas artes plásticas nacionais. Era este o
gosto em que tinham sido formados os elementos do corpo docente da Academia de
Belas-Artes, na sua maioria, recrutado nas
obras do Palácio da Ajuda.
A greve académica de 1844, com a reivindicação da reforma dos programas e dos métodos de ensino artístico, é o ponto de ruptura
de uma nova geração que pretende impor
novos valores culturais. Nesse ano um jovem
intelectual, Andrade Corvo, publica um texto
de reflexão teórica sobre as artes plásticas,
raro no Portugal coevo, onde critica a ausência de conhecimentos estéticos no ensino
artístico e define as isotopias da corrente
romântica no concernente às obras de arte.
O Romantismo nas artes plásticas é um
fenómeno tardio no nosso país, se comparado com a evolução estética dos países
do centro da Europa. É habitual caracterizar-se a exposição trienal de 1856 como
o momento da maturidade da corrente
romântica, período em que a pintura realista de Courbet triunfava em França.
1
1. As Academias de Belas-Artes
1.1 Objectivos
Podemos afirmar que, em Portugal, até
ao reinado de D. Maria I, não existiu um
ensino artístico oficialmente organizado,
de carácter regular e sistemático. Podem
ser referenciados alguns estabelecimentos
dispersos que ministravam um ensino parcelar. Em Lisboa, a Casa do Risco, escola e
oficinas artísticas ligadas às obras de Mafra;
a escola de desenho e gravura da oficina da
Fundição de Artilharia do Arsenal Real do
Exército; a aula de debuxo do Real Colégio
dos Nobres; as aulas de desenho da Fábrica
de Estuques e da Real Fábrica de Sedas e
a aula de gravura da Imprensa Régia. Em
meados do século XVIII, Vieira Lusitano e
André Gonçalves tentaram estabelecer a
Academia do Nu, influenciados pelas experiências europeias, tendo sido obrigados
a desistir dos seus intentos. Na cidade do
Porto devem ser assinaladas, apesar de
serem experiências pontuais e efémeras,
a oficina de Santo Ildefonso e a escola da
Porta do Olival, dirigida por Jean Pillement.
Só com o decreto de 27 de Novembro de
1779 vai ser fundada no Porto a Aula Pública
de Debuxo e Desenho. A nível nacional, é a
primeira instituição com um ensino artístico
organizado e sistemático. Pouco depois,
em 1781, é criada na capital a Aula Régia de
Desenho de Figura e de Arquitectura1.
A complexa conjuntura política nacional
Maria José Goulão, “O Ensino Artístico em Portugal: subsídios para a história da Escola Superior de Belas Artes do Porto”, Mundo
da Arte, II.ª série, p. 21-37.
187
NOVA AUGUSTA
António Ribeiro
188
que se inicia em 1807, com as invasões francesas e a retirada da Corte para o Rio de
Janeiro e se prolonga até à convenção de
Évora-Monte em 1834, conduz a que estes
projectos vivam em instabilidade permanente, entre longos períodos de encerramento e de incertezas.
O novo poder liberal, em 1836, pretendeu
dotar o país de um ensino artístico centralizado em duas academias, tuteladas e
financeiramente sustentadas pelo Estado.
Estas academias de Belas-Artes deveriam
promover uma formação geral de artistas
que passava agora a deixar de obedecer
simplesmente aos interesses parciais e
eventuais da encomenda.
Estatutariamente para além da missão
pedagógica era-lhes atribuída ainda uma
outra de cariz cultural mais amplo: a promoção e divulgação das artes.
No projecto pedagógico divisavam-se
duas linhas de formação. Uma apontava para
o ensino dos futuros artistas das chamadas
“belas-artes”. A outra dizia respeito à preparação dos “artistas fabris”, passando agora o
Estado liberal a assumir a responsabilidade
da formação profissional, que incumbia às
antigas corporações dos ofícios. Mais tarde,
com este último objectivo, Passos Manuel
criou os Conservatórios de Artes e Ofícios
de Lisboa e do Porto. Paralelamente, o ensino
da arquitectura não se confinava apenas às
novas Academias. Outras instituições, criadas em 1837, pelo mesmo ministro Setembrista, assumiam igualmente essa responsabilidade (a Escola Politécnica de Lisboa, a
Academia Politécnica do Porto e a Escola do
Exército, que nos seus planos curriculares
incluíam a arquitectura civil e militar)2.
1.2 Substância das disciplinas ministradas
e métodos pedagógicos
A comissão encarregada de elaborar os
estatutos era presidida pelo general Ferreira de Sousa e compunham-na os professores das aulas, como Francisco de Assis
Rodrigues, relator, o gravador Comte e pintores da obra da Ajuda, Taborda, Joaquim
Rafael, Monteiro da Cruz – mas podiam ser
expressamente convidados a participar gratuitamente nos seus trabalhos alguns mais
novos, como Possidónio da Silva e António
Manuel da Fonseca e, também, um artista
mais velho como João José Aguiar. Mais
tarde decidiu-se que podiam colaborar na
elaboração dos estatutos todos os artistas
que quisessem opinar3.
Cumprindo disposições estatutárias organizaram-se na Escola Académica de Lisboa
as seguintes aulas: Desenho de História /
Pintura de História / Pintura de Paisagem e
Produtos Naturais / Escultura / Arquitectura
Civil / Gravura de História / Gravura de Paisagem / Gravura de Cunhos e Medalhas4.
Maria Helena Lisboa, As Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico (1836-1910), Lisboa, Edições Colibri, 2007, p. 15-16.
José-Augusto França, A Arte em Portugal no século XIX. Venda Nova, Bertrand Editora, 1974, vol. 1, p. 219.
4
Enquanto na Academia de Lisboa se instituíam oito cadeiras, na Academia de Belas Artes do Porto criavam-se somente cinco:
Desenho de História, Pintura de História, Arquitectura Civil, Escultura e Gravura Artística.
2
3
NOVA AUGUSTA
Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856)
O texto do decreto esclarecia que não se
pretendera estabelecer qualquer ordem
de valor ou preferência entre estas aulas.
Porém, obedecia à concepção generalizada
de que o Desenho se constituía como base
de todas as outras artes. O curso de Desenho desenvolvia-se de forma prévia e com
vocação preparatória para os restantes
estudos superiores, regido pelos professores da Aula de Desenho de História e,
paralelamente, pelo professor substituto
da aula de Arquitectura Civil.
Nesse texto fundador definem-se as
linhas programáticas para a aula de Desenho Histórico: o objectivo principal era a
imitação da natureza quer fosse humana,
animal ou vegetal. Essa cópia directa do
natural só poderia ter início depois de um
longo processo de estudo de modelos,
quer antigos quer modernos. Na esteira do
neoclassicismo os parâmetros do juízo de
valor eram mensuráveis pela fidelidade na
imitação do natural, em conformidade com
certos cânones icónicos e formais.
“Art.º 48 – O Professor (…) terá particular
cuidado de fazer observar a seus Discípulos
as dimensões, e proporções regulares das
figuras, ou sejam humanas, ou de animais,
ou de plantas, ou de outros quaisquer seres
produzidos pela natureza, e lhes dará oportunamente algumas noções de anatomia
aplicada ao Desenho.
Art.º 49 – Quando os Discípulos começarem a copiar as estampas historiadas, tanto
5
Diário do Governo de 29/10/1836.
antigas como modernas, lhes explicará e
fará notar as perfeições, ou defeitos da
invenção, e composição; a boa e a má postura relativa das figuras, os seus contornos, as suas atitudes, as suas cores, trajos,
e mais acidentes com relação aos tempos e
lugares; a direcção e efeitos da luz sobre o
quadro, os seus ornatos, etc.
Art.º 50 – Habilitados os Discípulos em
copiar as estampas, os fará passar à cópia
dos modelos em relevo, e ainda dos objectos naturais, fazendo-lhes sempre as competentes observações, de maneira que se
vão acostumando a copiar a natureza, e até
em certo modo a melhorá-la, e aperfeiçoá-la pela escolha das mais belas, e mais elegantes formas.
Art.º 62 – Os estudos do Antigo e do
Natural, ou do Nu, fazem parte essencial da
Escola Académica. Neles se compreendem:
1.º O estudo das Estátuas e Baixos-relevos
clássicos. 2.º O estudo dos gestos tirados
sobre os melhores originais. 3.º O estudo
dos panejamentos, ou roupagens. 4.º Estudo
dos Modelos-vivos”5.
Como se observa pela leitura deste
documento, a pintura, a escultura e a gravura eram inspiradas no “antigo” com intervenção do “natural”, e os métodos seguiam
as regras essenciais da “escola académica”,
que vão definir os fins estéticos das Academias de Belas-Artes de Lisboa e do Porto.
A Arquitectura entrava no mesmo sistema, obediente às cinco ordens vitruvia-
189
NOVA AUGUSTA
António Ribeiro
190
nas, como se depreende da análise dos
estatutos referentes à Aula de Desenho de
Arquitectura Civil.
“Art.º 53 – Cumpre ao professor de
Arquitectura dar aos seus Discípulos as
noções prévias mais necessárias de Aritmética, de Geometria teórica, prática e
descritiva, de Perspectiva, de Mecânica
e de Química, quanto for bastante para
a boa inteligência e fruto das lições próprias da Arte; (…)
Art.º 54 – Far-lhes-á conhecer as diferentes espécies de Arquitectura usadas
por diferentes povos, especialmente as
cinco Ordens Gregas e Romanas, notando
os caracteres de cada uma, as suas vantagens, ou defeitos, o seu emprego, e
modificações nos diferentes géneros de
edifícios, etc.
Art.º 55 – Igualmente lhes dará noções
elementares da Arte da construção dos
edifícios em pedra, madeira ou ferro,
da distribuição das peças de que devem
compor-se, dos ornatos que convém a
cada uma conforme o seu destino; das
alterações que se devem fazer nas plantas, perfis, e alçados, segundo as diversas situações, naturezas, e configurações
dos terrenos; e dos meios que se devem
empregar para que o edifício, além da
comodidade e elegância, tenha também o
necessário equilíbrio, simetria, segurança
e solidez”6.
6
Diário do Governo de 29/10/1836.
1.3 O corpo docente da Academia de Belas
Artes de Lisboa em 1836
Um dado curioso, que na bibliografia
especializada sobre este tema não é explicitamente referido, diz respeito à média
das idades dos professores da Academia de
Belas Artes de Lisboa em 1836, que atinge
os 52 anos. As idades dos docentes variam
entre os 35 anos do professor proprietário
da Aula de Escultura, Francisco Assis Rodrigues, o único cuja data de nascimento já era
no século XIX (1801) e os 74 anos do professor proprietário da Aula de Gravura de Paisagem, Benjamim Comte (nascido em 1762).
Este corpo docente transitava com
pequenos ajustes das obras do Palácio da
Ajuda para a Academia. O Director escolhido foi o lente jubilado de Medicina,
Francisco de Sousa Loureiro, descrito
por Raczynski como “muito letrado, mas
estranho às artes”. Com a morte do pintor
Taborda, foi o competente António Manuel
da Fonseca, vindo em 1835 de Roma (onde
estivera como bolseiro do Conde de Farrobo), assumir a aula de Pintura de História. Na arquitectura foram convidados dois
homens que transitam da Casa do Risco das
Obras da Ajuda: João Pires da Fonte e José
da Costa Sequeira. Neste caso foi preterido
um jovem, que tinha vivido o exílio político
em França e Inglaterra, e parecia estar
informado do desenvolvimento arquitectónico da época - Possidónio da Silva. Para a a
Aula de escultura foi escolhido Francisco de
NOVA AUGUSTA
Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856)
Assis Rodrigues que ainda tinha sido discípulo de Machado de Castro e do neoclassicismo que reinava na sua oficina7.
Na realidade, não se tratou, na maior parte
dos casos, de opções erradas para o exercício das funções docentes. Com a excepção
de Possidónio da Silva, que deveria pelo seu
brilhantismo e competência ter sido seleccionado para a Aula de Arquitectura, os pintores, escultores e gravadores escolhidos
eram os mais competentes na sua área.
A um corpo docente envelhecido, com
uma formação nos cânones neoclássicos,
juntavam-se outros dois problemas estruturais. As deficientes instalações em que
funcionavam as aulas (tanto em Lisboa
como no Porto as Academias de Belas Artes
foram instaladas em velhos conventos franciscanos que passaram para a posse estatal) e as reduzidas verbas orçamentais que
eram destinadas ao seu funcionamento8.
2. As exposições trienais de 1840 e 1843
Em Dezembro de 1840 realizou-se a primeira exposição trienal da Academia de
Belas Artes de Lisboa, que contou com a
presença de D. Maria II e de D. Fernando,
como “protectores da Academia”. O Conde
de Melo, que sucedera no final de 1838, ao
Conde de Farrobo, no cargo de Vice-Inspector, proferiu o discurso inaugural afirmando que “em parte alguma daquelas que
tinha visitado tinha visto tanta cópia de
talentos como entre nós”. Foi ele próprio
que forneceu a Caetano Aires a sugestão de
temas áulicos, que o artista representou em
baixos-relevos desenhados: “O Desembarque
no Mindelo”; a “Entrega do Ceptro a D. Maria II
por D. Pedro” e o “Nascimento do príncipe
real D. Pedro V”. Joaquim Rafael apresentou um retrato, de grandes dimensões, da
Rainha e Norberto José Ribeiro (que substituíra interinamente António Manuel da Fonseca, tornado a Roma para terminar a cópia
da “Transfiguração” de Rafael) pintara uma
alegoria à instituição da Academia. Manuel
Maria Bordalo Pinheiro tem o seu tirocínio
artístico como pintor e, no ano em que se
comemoravam os duzentos anos da Restauração de 1640, apresenta um pequeno
óleo com o título “Os conspiradores de 1640
perante a Duquesa de Mântua”9. O futuro
Cf. José-Augusto França, ob. cit., vol. 1, p. 217-232 e O Romantismo em Portugal. Estudo de Factos Socioculturais, Lisboa, Livros
Horizonte, 1993, p. 223-230.
8
Em 1836 as verbas destinadas à Academia de Lisboa representavam 0,23% do orçamento nacional e por volta de 1880 não representava mais do que 0,06% (José-Augusto França, O Romantismo em Portugal. Estudo de Factos Socioculturais, p. 224). A Academia do
Porto funcionava com 40% do orçamento do instituto lisboeta (Maria José Goulão, ob. cit., p. 26).
9
Manuel Maria Bordalo Pinheiro obteve licença, em 1837, para frequentar as aulas como aluno extraordinário (sem a obrigatoriedade
de cumprir as exigências do curso). Vai frequentar as aulas do pintor António Manuel da Fonseca, do miniaturista Luís Pereira de
Resende, do escultor Feliciano José Lopes (que fora ajudante de Machado de Castro) e do gravador Gregório Francisco Queiroz.
Em Maio desse ano, os alunos do Conservatório de Lisboa tinham representado, no Teatro do Salitre, o drama histórico da autoria
de Almeida Garrett, “D. Filipa de Vilhena”. O mesmo tema havia inspirado, em 1801, a tela de Vieira Portuense “D. Filipa de Vilhena
armando seus filhos cavaleiros” (cf. António Manuel Ribeiro “Manuel Maria Bordalo Pinheiro e o dealbar do Romantismo em Portugal”, in Bordalo em Espanha – Obra Gráfica. Caldas da Rainha, Associação Património Histórico, 2006, p. 39-54).
7
191
NOVA AUGUSTA
António Ribeiro
192
Visconde de Meneses apresentava uma
“Vista de Nápoles”. Em escultura, havia
três baixos-relevos históricos da autoria
do professor Francisco de Assis Rodrigues,
do substituto João Vicente Priaz e de um
professor agregado J. P. Aragão. Em arquitectura mostrava-se um projecto simples
de nova fachada da Academia, do professor
J.Pires da Fonte. Como refere França, “quase
nada para quatro anos de trabalho”10.
Dominam os temas áulicos de carácter alegórico, com a excepção do tema de Manuel
Maria Bordalo Pinheiro, e que se integram
perfeitamente na estética neoclássica11.
Na exposição seguinte, realizada em
Dezembro de 1843, apresentava-se uma nova
geração de artistas - emergiam discípulos
como Anunciação, Lupi ou Metrass, entre
outros. No entanto, este salão ficaria marcado pela composição do Professor de Pintura de História, António Manuel da Fonseca,
“Eneias salvando seu pai Anquises do incêndio de Tróia”12. Ao lado desta obra-prima da
pintura neoclássica portuguesa eram expostas obras de Roquemont (1804-1852).
A obra do professor de pintura de história foi amplamente elogiada na imprensa da
época. Almeida Garrett considerou a composição “bela na harmonia, na contraposição
das linhas (…) desenho correcto (…) colorido
transparente e brilhante (…) tudo está acabado com uma perfeição que desafia e não
teme o exame mais escrupuloso (…) a nossa
terra toda ficava de parabéns pela apresentação da obra mais clássica e mais acabada
que desde a morte de Sequeira ainda saiu
da palheta portuguesa”13.
Entre as obras de Roquemont destacava-se a tela intitulada “Visita Pascal”14. Localizada no interior de uma habitação minhota
representa várias acções em torno de uma
cena central e é particularmente rica em
pormenores etnográficos. Revelando também, nas atitudes e nos gestos, a cultura e
os hábitos de um povo marcados por uma
profunda religiosidade15.
Revelando contradições no domínio do
pensamento estético, Almeida Garrett elogia o quadro com a mesma veemência que
tinha usado para o Eneas, “(…) O Sr. Roque-
José-Augusto França, A Arte em Portugal no século XIX, vol. 1, p. 227-228.
No mesmo âmbito é curioso analisar o estudo do diploma do curso de Belas-Artes elaborado por António Manuel da Fonseca. A Corte
celestial pairando nas nuvens, figuras alegóricas incluindo a das Belas Artes, juntamente com putti que seguram quadros, bustos,
estatuetas. Na esquerda dois putti seguram um letreiro com nomes de pintores famosos, como o mítico “Gran Vasco“, ao lado, uma
figura feminina exibe o decreto de 25 de Novembro que instituiu a Academia, ao centro duas alegorias representando as Artes e a
Pátria seguram as efígies de D. Maria II e de D. Fernando, ao lado um anjinho escreve o cabeçalho da alegoria (“Accademia das Bellas
Artes de Lisboa“) e à direita uma figura feminina parece registar simbolicamente o momento num quadro (ver imagem 1).
12
Óleo sobre tela de largas dimensões (3040 x 2140 mm) actualmente no Palácio Nacional de Mafra.
13
Jornal das Belas-Artes, 1843, n.º 4, p. 58.
14
Existe uma inscrição no reverso: “Cure de Campagne bienfaisant un… le jour de Pâques. Costumes portugais de la Province de
Minho, peint pour J. J. Forrester par son ami Auguste Roquemont à Porto 1840. / Presented to Robert Woodhouse by his obliged
friend Jos. James Forrester / Porto March 1841”. Segundo Júlio Brandão, em 1929 pertencia a Helena de Brederode Woodhouse.
Actualmente no Museu da Quinta de Santiago / Centro de Arte de Matosinhos (ver apêndice documental).
15
As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, p. 198-199.
10
11
NOVA AUGUSTA
Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856)
mont, artista distinto cujo principal merecimento é a verdade, por uma longa residência no Minho é que se fez português, artista
português e legítimo, como oxalá que sempre sejam todos os naturais (…) a verdade,
a expressão, a naturalidade e a posição das
figuras são, como já dissemos, de quem
conhece perfeitamente o país, a sua natureza e o seu povo”16.
3. A revolta académica de 1844
Reagindo contra a preferência dada ao
filho do mestre António Manuel da Fonseca
(António Tomás da Fonseca [1822-1894])
no concurso de pintura histórica, os alunos abandonaram as aulas reclamando a
reforma nos velhos programas e nos antiquados métodos de ensino, de modo a que
lhes fosse permitido pintar do natural.
Em consequência dessa revolta, Luís de
Meneses e Metrass abandonaram a Academia e seguiram para Roma procurando
ensinamentos mais modernos. Joaquim
de Sousa partiu para Paris e Tomás da
Anunciação procurou os conselhos de
Roquemont. Outros artistas, seus colegas,
em virtude do reduzido poder económico
de que dispunham e sem auxílios oficiais,
não puderam deslocar-se ao estrangeiro.
No entanto, descontentes com o ensino
ministrado na Academia e encorajados
por Tomás da Anunciação que seguia um
caminho individual com registos tomados
16
do natural, continuaram a exigir reformas nos programas e métodos da “velha”
escola.
Rangel de Lima em 1879 referia-se a
este período crítico nos seguintes termos:
“A uma época de manifesta decadência
artística em Portugal, sucedeu um período
esperançoso durante o qual um grupo de
rapazes, cheios de talento e boa vontade,
trabalharam animosamente para levantar a
arte nacional do estado de abatimento em
que jazia. Nesse intuito, foi-lhes preciso,
primeiro que tudo, alijar o pesado fardo das
regras convencionais que aprenderam na
Academia, e abrir, logo de seguida, o livro
da natureza para nele estudarem novos processos de composição e de execução. Portas
a dentro da Academia não se formava uma
ideia perfeita nem imperfeita do que era
natural. Os discípulos concluíam o seu curso
fazendo quadros copiados de estampas
ridículas; por isso saíam da escola, quando
muito, sabendo tanto como os mestres, o
que, em boa verdade, equivalia a não saberem quase nada”.
4. “O sentimento na Arte” de Andrade
Corvo
No contexto da exposição trienal de
1843 e da posterior polémica provocada
pela revolta estudantil em relação aos
métodos usados no ensino artístico da
Academia, é publicado, em 1844, no Jor-
“O Folar (Costumes do Minho), quadro do Sr. Roquemont”, in Jornal das Belas-Artes, 1843, n.º 5, p. 76. A pintura descrita por Garrett
contém pequenas diferenças em relação à imagem do quadro apresentada no apêndice, mas é uma réplica desta obra.
193
NOVA AUGUSTA
António Ribeiro
194
nal das Bellas-Artes17 o artigo de Andrade
Corvo (1824-1890)18, intitulado “O Sentimento
na Arte”. Trata-se de um texto de reflexão
teórica aplicado às artes visuais em que o
jovem autor revela, ainda que com alguma
ingenuidade, um conjunto vasto de leituras
e influências.
Inicia o artigo definindo o conceito de
estética, “(…) pensamento profundamente
filosófico que precede sempre todas
as criações da imaginação”. Em seguida
denuncia a ausência de um ensino teórico
em Portugal o que, na sua opinião, implicava o facto de não existir originalidade
na produção artística autóctone nem uma
verdadeira compreensão dos modelos
culturais que inspiram as artes plásticas
nacionais: “a maior parte dos nossos artistas limitam-se a imitar modelos estrangei-
ros sem ao menos se darem ao trabalho de
compreender qual foi o pensamento que
lhes deu origem (…) a culpa não é deles, mas
dos nossos governos que os têm abandonado sem meios de instrução e sem apoio,
aos seus esforços solitários e por nenhum
modo dirigidos nem animados”.
Revelando influências da estética
romântica, num conjunto de leituras que
vão da Crítica do Juízo de Kant e da estética idealista de Schelling aos prefácios de
Victor Hugo (nomeadamente o Préface de
Cromwell de 1827), Andrade Corvo valoriza a
capacidade da “imaginação”, definida como
“faculdade criadora da arte que combina
as duas naturezas do homem: o princípio
positivo, material e definido e o imaterial,
infinito e incompreensível”. Este dualismo
antropológico na criação artística é resol-
Dirigida por Almeida Garrett e tendo como vice-presidente António Manuel da Fonseca, foi a primeira publicação periódica de
carácter especializado nas artes plásticas. Esta publicação mensal dos anos de 1843 a 1844, teve como principais colaboradores
Alexandre Herculano, A. Feliciano de Castilho, José Maria Baptista Coelho, Manuel Maria Bordalo Pinheiro, José Maria da Silva Leal,
José da Silva Mendes Leal Júnior, Luís Augusto Rebelo da Silva. Ilustrado com litografias da autoria de Maurício José Sendim,
Pedro Augusto Guglielmi, Legrand, Novaes e Joaquim Pedro Monteiro e gravuras em madeira com desenho da mão de Manuel
Maria Bordalo Pinheiro e buril de Baptista Coelho. Em 1846 foi publicada uma segunda série, sem a direcção de Garrett, que conta
apenas com três fascículos.
18
Escritor e político português, realizou os seus estudos na Escola Politécnica de Lisboa, onde permaneceu como docente de Botânica. Os seus vários interesses levaram-no ainda a cursar engenharia na Escola do Exército e a estudar Medicina. Foi também
professor no Instituto Agrícola. Deputado em 1865, ascendeu a ministro das Obras Públicas no ano seguinte. Par do reino e ministro
dos negócios estrangeiros em 1871, entre 1875 e 1877 foi ministro da marinha e do ultramar, estando envolvido no processo de
abolição da escravatura e na criação de infra-estruturas nas então colónias portuguesas. Representou Portugal em Madrid e Paris,
abandonando a política em 1879. Andrade Corvo esteve ligado a várias tendências do romantismo nacional e colaborou com vários
jornais e revistas da época (Revista Universal Lisbonense, A Época, Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, etc.), onde publicou poesias e artigos. Foi autor de textos dramáticos históricos — Um Conto ao Serão (1852), O Astrólogo (1859) — e de temática
contemporânea — Nem Tudo o Que luz É Ouro (1849), O Aliciador (1859). Escreveu também romances históricos — Um Ano na Corte
(1850-1851), a sua obra mais popular — e contemporâneos (Sentimentalismo, 1871). Escreveu ainda a narrativa de viagens Contos
em Viagem — I: Fantasias Filosóficas de D. Facundo Primigenius (Conto Prólogo), editada em 1883 e inspirada, de certa maneira, no
modelo de Garrett. Publicou outras obras de carácter vário, como o Estudo sobre as Províncias Ultramarinas (1883-1887). Andrade
Corvo conseguiu manter-se afastado de uma certa retórica romântica, deixando textos de grande interesse, quer quanto à construção da intriga, quer quanto à capacidade de reconstituição histórica ou, ainda, à análise de questões psicológicas individuais ou
de problemas sociais.
17
NOVA AUGUSTA
Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856)
vido pela inspiração, definida como um
impulso divino: “O artista combina os seus
fantasmas estéticos pela combinação do
ente intelectual e perfeito que existe no
fundo da sua inteligência e que representa
a natureza no seu estado de pureza, com as
formas materiais que, dando corpo a esse
ente intelectual, o fazem perceptível aos
outros homens; mas a imagem desse ente
vem-lhe pela inspiração, isto é, não nasceu
da sua vontade, mas da impulsão dada por
uma força estranha ao seu espírito, que fez
realizar a faculdade virtual que ele tinha de
a produzir. Essa força impulsora não pode
ser outra senão a força prima da natureza,
a Divindade”.
O intelectual romântico no seu mister
de produção artística cumpre uma missão
celeste: “O Homem colocado no meio de
uma natureza imperfeita (…) procura refúgio na sua imaginação, e como as belezas
que ele pode assim produzir são puramente
ideais, é necessário que, ao dar-lhe a realidade, essa idealidade se conserve (…) o belo
consiste no pensamento que se oculta nas
formas. (…) [o artista] não tomará mais o seu
pincel, a sua pena ou o seu cinzel para fazer
uma criação de arte, isto é, para representar um objecto da natureza idealizado pela
imaginação, sem se sentir dominado por
um santo terror e um respeito profundo
pela missão celeste que lhe foi confiada”.
É o cristianismo que vai atribuir à arte
o seu carácter sublime, que a distingue da
arte pagã. A catedral gótica é o símbolo
máximo da evolução da arte cristã - “Na
Grécia e Roma conservou-se a arte nesse
estado de pureza material, até que o Cristianismo lhe deu um carácter de suavidade
sublime, de celeste beleza (…) a arte tomou
uma grandeza que fazia sempre lembrar
a sua origem divina; para satisfazer o seu
fim elevado ela reuniu na catedral todos os
seus membros espalhados pela terra”.
Seguindo de muito perto o prefácio de
Cromwell de Victor Hugo, defende que a
arte não pretende representar somente o
belo, mas a harmonia dos contrastes, o belo
e o grotesco – “Entretanto não se deve concluir, que a arte tem só por fim a representação do perfeito; a sua lei geral é a harmonia, mas esta também está nos contrastes.
Na natureza há princípios antagonistas: a
matéria e o espírito, o útil e o belo, o sensual e o moral, a luz e as trevas (…) a arte
pode e deve harmonizá-los para que dêem
um resultado único, para que formem uma
unidade artística”.
E na perspectiva herderiana da procura
do “volksgeist”, das raízes da nação, valoriza o conceito de “pitoresco” na arte – “Esta
harmonia porém não só deve ter lugar
entre os objectos de que o artista se serve
na sua obra, mas entre esta e as circunstâncias exteriores: daqui nasce a variedade
de aspecto que a arte toma nos diferentes
países, e que resulta não só do carácter
dos habitantes, mas também do clima. (…)
Nessa harmonia da obra de arte com as circunstâncias acidentais em que ela se acha,
é que consiste o verdadeiro merecimento
do género chamado romântico. No género
195
NOVA AUGUSTA
António Ribeiro
196
clássico há para cada coisa uma fórmula
quase sem indeterminadas; nele todos os
génios se hão-de modificar, hão-de perder
a sua natureza própria para se assemelharem nas suas criações aos antigos modelos;
enquanto no romântico bem entendido, não
há outra lei mais do que o sentimento puro,
a verdade da alma, temperada pelo espírito
nacional do artista”.
E conclui a sua reflexão reforçando a ideia
inicial, a necessidade de uma componente
teórica no ensino das artes plásticas, o que
insere esta reflexão no contexto da
crise estudantil na Academia de Belas-Artes – “pelo mais que dissemos, se pode
ver quanto os conhecimentos estéticos e o
sentimento da arte são indispensáveis aos
artistas, e quanto eles são desconhecidos
entre nós. Escrevendo este artigo não tivemos por fim senão fazer sentir a necessidade dessa instrução; julgar-nos-emos felizes se nos compreenderem”.
5. A emergência tardia do romantismo
Os anos 50 de oitocentos marcaram uma
viragem significativa no panorama das artes
nacionais e para tal contribuiu a renovação
do quadro de professores da Academia de
Belas-Artes de Lisboa. Tomás da Anuncia-
ção concorre ao cargo de professor substituto de pintura de paisagem, que exerce
de 1853 a 1857, e proprietário da mesma
aula a partir da última data até 1873. Logo
seguido de Metrass, substituto de pintura
histórica de 1855 a 1860, Cristino da Silva,
substituto de pintura de paisagem de 1860
a 1869, e Vítor Bastos, substituto de escultura de 1860 a 1867 e proprietário da mesma
aula de 1867 até 1894. Os jovens artistas de
1844 tinham agora a possibilidade de fazer
triunfar as ideias que defendiam e que se
tornaram a causa da sua geração: trocar a
prática da cópia de estampas pela pintura
de ar livre, feita “sur le motif” e valorizar os
temas nacionais.
Cristino celebraria esta vitória, em 185519,
retratando em grupo os “Cinco artistas em
Sintra”20. Obra considerada a “pintura-programa” do romantismo português. Trata-se
do retrato de grupo ao ar livre com auto-representação, paisagem e representação
de costumes portugueses.
Obra que permite uma leitura plural através do complexo de referências simbólicas que contém, sintetizando os ideais da
geração romântica. O cenário é Sintra, local
eleito e mitificado pelos românticos. Ao
fundo, à esquerda, vislumbra-se o Palácio
da Pena numa atmosfera brumosa, esbo-
O pintor já apresenta estudos para o quadro em 1854, nomeadamente o busto de um rapaz de perfil, de cabeça baixa, virado para
a direita, com um gorro na cabeça. É um estudo de cabeça do saloio que, curvado e apoiado num joelho, espreita a paisagem que
Anunciação está a pintar (Museu do Chiado, nº inv. 23).
20
Pertenceu à colecção do rei D. Fernando e posteriormente a Madalena Adelaide Namura a quem o Estado a adquiriu, para a Academia Real de Belas Artes (1908-1909), através do legado Valmor. Foi integrado no Museu Nacional de Arte Contemporânea em 1911
(cf. As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, p. 230-231).
19
NOVA AUGUSTA
Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856)
çado sobre uma imaginária montanha de
pedra. O tema é a apresentação de cinco
artistas no campo, interceptados no contacto directo com a natureza e na recolha
de motivos do natural. O pintor Anunciação, em plena actividade artística, ocupa
a posição central da composição, sentado,
com a perna esquerda adiantada, segurando a caixa das tintas, erguendo com a
mão direita o pincel e com a mão esquerda
segurando a paleta e o tento. Junto a ele,
está retratado Metrass, de pé, envergando
uma capa e um chapéu à Rubens pretos. O
rosto tem barba e bigode encoberto até ao
nariz pela sombra e o olhar fixa o espectador. À sua volta os camponeses endomingados, cuidadosamente caracterizados nas
suas indumentárias tradicionais (trajando
à saloia em tons de castanho e verde com
vermelho e o branco a destacar alguns elementos - a mulher com uma saia, corpete e
lenço na cabeça, carrega um cesto coberto
por um pano branco; o homem, de calças,
botas altas, colete e barrete na cabeça tem
a pender no ombro direito uma manta; as
crianças vestem calções ou saias, casacos
e chapéu, lenço ou barrete), simbolizam o
pitoresco dos costumes populares. Num
segundo plano estão os retratos do escultor Vítor Bastos, que veste calças e casaco
comprido em preto, tem na cabeça um
chapéu e assume uma atitude jocosa, com
a mão direita colocada na anca. Sentado
21
22
numa pedra – na qual se reflecte a sua sombra cuja luz contraria a incidente na tela, o
pintor José Rodrigues com uma capa castanha e folheando um álbum. E o auto-retrato
iluminado do autor do quadro, Cristino da
Silva, vestindo de castanho e desenhando
num pequeno caderno. Saliente-se a presença das linhas programáticas da nova
geração: a pintura de paisagem no contacto
directo com a natureza, a valorização da
temática nacional (o pitoresco) e o retrato.
Todos estes temas enquadrados na romântica Sintra e celebrando o Palácio da Pena.
Esta pintura esteve presente na Exposição Universal de Paris, em 1855, e na exposição da Academia de Lisboa, em 1856. Em
Paris, o jornal Palais de l’Industrie publica
uma referência elogiosa, considerando a
pintura como “uma das mais notáveis apresentadas a concurso”21. Em Lisboa, D. Fernando logo se propôs adquiri-lo para a sua
colecção.
Enquanto representação de artistas unidos em torno de um ideal comum, é o primeiro retrato que nos oferece a pintura portuguesa22.
6. Conclusão
Sendo o complexo movimento estético
definido como romantismo tardio em Portugal, se o compararmos com a realidade
cultural europeia, é interessante verificar
que no âmbito das artes plásticas, nomea-
Cf. Ernesto Biester, “Cinco Artistas em Cintra”, Jornal de Bellas-Artes, n.º 5, Maio de 1857, p. 6-7.
As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, p. 230.
197
NOVA AUGUSTA
António Ribeiro
198
damente no ensino destas, esse atraso se
arraste até meados do século XIX.
Pensamos que é no debate entre um
ensino académico, como demonstram os
estatutos fundadores das Academias de
Belas Artes de Lisboa e Porto e as obras
expostas nas primeiras exposições organizadas por estes institutos, e na contestação
dos jovens alunos da década de quarenta,
que se plasma a tensão de uma nova estética a emergir.
Tendo a consciência que não existem
fronteiras estanques entre os diferentes
movimentos artísticos, o romantismo nas
artes plásticas salienta-se por uma escolha
temática que valoriza os temas nacionais (o
pitoresco) e, na expressão autóctone, por
uma pintura de paisagem ao ar livre.
Outro factor interessante é o individualismo da pintura romântica em Portugal
que se pode explicar pela ausência de
uma “escola” que foi substituída por um
autodidactismo, como muito bem interpretou Manuel Maria Bordalo Pinheiro em
1872, no artigo “Duas palavras acerca do
movimento artístico da península”, publicado na revista Artes e Letras23. Citando
este autor “para que as obras de arte de
um país tenham um certo cunho ou base
23
de semelhança entre si, a que se chama
escola, é necessário sem dúvida que os
artistas conservem alguns pontos de concordância no seu método de execução (…) a
base do sistema que constitui ou distingue
a escola, provém, ordinariamente, ou das
primeiras lições de um mestre comum, ou
do mérito transcendente de algum homem
notável que levou os outros a segui-lo”. No
caso português não existiu uma escola
romântica porque os mestres da geração
romântica pertenciam à “escola clássica
de Roma”: “depois da criação da Academia
das Belas-Artes […] o professor António
Manuel da Fonseca […] era o chefe primitivo dos artistas modernos – porém a
escola romântica por um lado e o arcaísmo
idealista de Overbeck por outro, vieram
substituir a escola clássica de Roma, a que
o nosso mestre comum pertencia […] Cada
um fez carreira por si. Estes são os factos”.
O artigo, infelizmente pouco referenciado
na historiografia da arte deste período, do
patriarca da família Bordalo Pinheiro, problematiza de forma acutilante a emergência do romantismo nas artes plásticas em
Portugal como um fenómeno que aconteceu, inicialmente, contra e, posteriormente, à margem do ensino artístico.
Publicação mensal ilustrada, com sede em Lisboa, dirigida por Rangel de Lima, foi publicada entre 1872 e 1876. Teve como colaboradores alguns dos melhores escritores da época: Camilo Castelo Branco, Pinheiro Chagas, Bulhão Pato, Filipe Simões, Inocêncio
Francisco da Silva, Alberto Pimentel, Sousa Holstein, Tomás Ribeiro e Sousa Viterbo. As ilustrações em metal eram de origem
estrangeira e as ilustrações em madeira são assinadas por João Pedroso, José Severini, Caetano Alberto, Leotte e Francisco
Pastor.
NOVA AUGUSTA
Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856)
Bibliografia
fontes
_ CORVO, Andrade, “O Sentimento na Arte”, Jornal das Belas-Artes, 1844, p. 91-94.
_ PINHEIRO, Manuel Maria Bordalo, “Duas palavras acerca do movimento artístico da península”, Artes e Letras, 1872.
Diário do Governo de 29/10/1836
Estudos
_ AAVV, As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, Lisboa, Instituto Português de Museus, 1999.
_ ANACLETO, Regina, “O Romantismo”, História da Arte em Portugal, Lisboa, Alfa, 1986, vol. 10.
_ FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, Venda Nova, Bertrand Editora, 1974.
_ FRANÇA, José-Augusto, A Arte Portuguesa de Oitocentos, Lisboa, Biblioteca Breve, 1979, 2 vols.
_ FRANÇA, José-Augusto, O Romantismo em Portugal. Estudo de Factos Socioculturais, Lisboa, Livros Horizonte, 1993
(1.ª ed. 1974).
_ GOULÃO, Maria José, “O Ensino Artístico em Portugal: subsídios para a história da Escola Superior de Belas Artes
do Porto”, Mundo da Arte, II ª série, p. 21-37.
_ LISBOA, Maria Helena, As Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico (1836-1910), Lisboa, Edições Colibri, 2007.
_ SILVA, Raquel Henriques da, “Romantismo e pré-naturalismo”, PEREIRA, Paulo (dir.), História da Arte Portuguesa,
Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, vol. 3, p. 328-367.
Figura 1 _ “Composição para o diploma da Academia de Belas Artes“ (António Manuel da Fonseca, 1836-40?,
desenho, 32 x 43,3 cm, Museu do Chiado)
199
NOVA AUGUSTA
António Ribeiro
200
Figura 3 _ “Visita Pascal” (Augusto Roquemont, 1840, óleo sobre
tela, 23 x 28,5 cm, Museu da Quinta de Santiago / Centro de Arte
de Matosinhos / Câmara Municipal de Matosinhos).
Figura 2 _ “Eneias Salvando seu Pai Anquises do Incêndio de
Tróia” (António Manuel da Fonseca, 1843, óleo sobre tela, 304 x
214 cm, Palácio Nacional de Mafra).
Figura 4 _ “Cinco artistas em Sintra” (João Cristino da Silva,
1855, óleo sobre tela, 86,3 x 128,8 cm, Museu do Chiado).
NOVA AUGUSTA
Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856)
Quadro dos Docentes da Academia de Lisboa 1836-1844
Aulas
Professor
Formação em
Portugal
Formação no
estrangeiro
António Manuel
da Fonseca
(1796-1890)
Idade - 40
_Discípulo do pai, João Tomás da
Fonseca
_Escola da Ordem dos Teatrinos
(Lisboa)
_Aula Pública de Desenho de Figura
(Mestre: Joaquim Manuel
da Rocha – Aula do Rocha)
_ Roma: bolsa privada
Mestres: Camuccini e
Andrea Pozzi (1834-1835).
_Alemanha: bolsa privada.
Mestre: Cornelius.
_Roma: bolsa estatal. Cópia de
pinturas de Rafael (1839-1840).
Desenho Histórico
Proprietário
1836-1856
Joaquim Rafael
(1783-1864)
Idade - 53
_Discípulo de Pillement
_Aula de Desenho da Junta de
Administração da Companhia Geral
da Agricultura dos Vinhos do Alto
Douro. Mestres: Domingos Vieira,
Vieira Portuense e Domingos
Sequeira (1802-1806).
Não teve
Desenho Histórico
Substituto
1836-1852
Caetano Aires
de Andrade
(1787-1852)
Idade - 49
_Obras do Palácio da Ajuda.
Desenho e Pintura; Mestre:
Domingos Sequeira.
Pintura de História
Proprietário
1836-1863
Gravura de Paisagem Benjamim Comte
Proprietário
(1762-1851)
1836-1851
Idade - 74
Não teve
Não teve
_Discípulo do gravador
Meschel e depois do
gravador Landseen
Pintura de Paisagem
e Produtos Naturais
Proprietário
1836-1847
André Monteiro
da Cruz
(1770-1851)
Idade: 66
_Discípulo de Simão Caetano Nunes
Não teve
e do decorador Gaspar Raposo (1793).
Pintura de Paisagem
e Produtos Naturais
Substituto
1836-1852
José Francisco
Ferreira de Freitas
(1776-1857)
Idade - 60
Não se conhece
Arquitectura
Proprietário
1836-1873
João Pires da Fonte _Casa do Risco das Obras do Palácio
(1790-1873)
da Ajuda. Desenho e Arquitectura;
Não teve
Idade – 46
Mestre: Francisco Rosa (?-1812)
Não se conhece
201
NOVA AUGUSTA
António Ribeiro
Quadro dos Docentes da Academia de Lisboa 1836-1844 (cont.)
Aulas
Arquitectura
Substituto
1836-1867
Formação em
Portugal
Formação no
estrangeiro
José da Costa
Sequeira
(1800-1872)
Idade - 36
_Casa do Risco das Obras do Palácio
da Ajuda. Mestres: Francisco Fabri e Não teve
Francisco Rosa (1815-1820)
Domingos José
da Silva
(1785-1863)
Idade - 51
_Aula Pública de Desenho de Figura.
Mestre: Eleutério Manuel de Barros,
Não teve
Joaquim Carneiro da Silva.
_Aula de Gravura da Imprensa
Régia. Mestre: Francisco Bartolozzi.
Gravura Histórica
Substituto
1836-1845
João Vicente Priaz
(?-1845)
Idade - ?
_Aula Pública de Desenho de Figura.
Mestre: Eleutério Manuel
_Estada em Turim (membro
de Barros (1799-1802)
da Academia de Belas Artes de
_Aula de Gravura da Imprensa
Turim)
Régia. Mestre: Francisco Bartolozzi
(1802-?)
Escultura
Proprietário
1836-1867
Francisco de
Assis Rodrigues
(1801-1877)
Idade – 35
_Aula e Laboratório de Escultura.
Mestre: Machado de Castro e Faustino José Rodrigues (1823).
Não teve
Gravura de
Cunhos e Medalhas
Proprietário
1836-1839
José António do
Vale (1765-1840)
Idade - 71
_Discípulo do pai, Bruno José Vale
_Aula de desenho da Casa Pia
_Aula Pública de Desenho de Figura
(1799)
_Roma: bolseiro da Casa Pia
(1797-1798)
_Londres: formação de abridor
de cunhos e medalhas (1799-?)
Gravura Histórica
Proprietário
1836-1863
202
Professor
Nota: quadro construído com base na obra de Maria Helena Lisboa, As Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico
(1836-1910), Lisboa, Edições Colibri, 2007, p. 515-534.
203
PERSONALIDADES
Carlos Cacho, físico nuclear.
Contributo biográfico.
Paulo Oliveira*
Carlos Cacho (1919-1976) foi um dos mais importantes goleganenses do
século XX, embora o seu percurso seja pouco conhecido da generalidade do
público. Físico nuclear, com passagem pelos principais centros mundiais da
especialidade, destacou-se pelo seu dinamismo e por defender a utilização
da energia atómica para fins pacíficos. Em Portugal, Cacho foi nomeado primeiro director do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (actual ITN),
coordenando a instalação deste complexo tecnológico em Sacavém, incluindo
um reactor nuclear que, ao longo das últimas décadas, tem vindo a apoiar
estudos científicos da mais variada natureza, da arqueologia à medicina.
*Gestor e designer de equipamentos e soluções industriais. Subsidariamente, tem desenvolvido vários estudos de história, sociologia e semiótica.
[email protected]
205
Carlos Cacho
NOVA AUGUSTA
Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico.
Apesar de o seu nome ser pouco conhecido do público em geral, Carlos Cacho
desempenhou um papel central na implementação de uma das principais instituições de alta tecnologia em Portugal – o
Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (actual Instituto Tecnológico e Nuclear),
organização da qual foi o primeiro director
e dinamizador.
Carlos Madeira Ferreira Cacho nasceu em
24 de Setembro de 1919, na vila da Golegã,
mais precisamente na Rua Machado dos
Santos (actual Rua D. João IV). Era filho de
António Pereira Cacho Júnior, funcionário
das Finanças e entusiasta republicano, e de
Faustina Madeira Pereira Cacho, doméstica
e mãe de cinco filhos.
Por essa altura, a localidade conservava
a sua rotina tradicional, baseada essencialmente na economia agrícola e pecuária,
embora vivesse, à semelhança de todo o
País, a difícil conjuntura social e económica
resultante da Grande Guerra de 1914-1918 e
das sucessivas crises políticas da Primeira
República.
Apesar das contrariedades, os filhos da
família Cacho puderam beneficiar de educação escolar, o que para muitos era um
privilégio. De Carlos, criança introspectiva
e estudiosa, o irmão António Cacho lembrou como «era também um rapaz da rua
e dos campos. Que brincava no ‘borralho’
e noutros largos. Que saltava nos pátios
1
2
do lavrador vizinho. Um senhor de grande
‘sombrero’ e traje com jaqueta e calça à
boca-de-sino, que criava cavalos e gado
bravo. E que sempre perdoava as nossas
diabruras que a nossa mãe procurava desculpar»1.
Entretanto, a família mudar-se-ia, em
1930, para Santarém, onde os filhos poderiam continuar a sua educação para além
do ensino primário, o único então existente
na Golegã, que Carlos Cacho terminara com
louvor.
No entanto, devido às dificuldades económicas dos pais, Carlos Cacho viajaria,
naquele ano, para Lisboa onde, hospedado
por um tio, com morada na Rua das Escolas Gerais, iniciaria os estudos no Liceu Gil
Vicente.
Contudo, em 1931, regressaria a Santarém, prosseguindo a sua formação no Liceu
Sá da Bandeira, no qual deixou o nome no
respectivo quadro de honra. Ali, Cacho foi
examinado nas disciplinas do Curso Complementar de Ciências, tendo sido aprovado, em Julho de 1937, com a média final
de 16 valores. Por curiosidade, as classificações de Alemão, Filosofia e Geografia
foram superiores às de Física e Química2.
O desafio seguinte seria a admissão à
Escola Naval. Para o efeito, inscreveu-se,
em 8 de Setembro de 1937, no Curso Preparatório das Escolas Militares, ministrado
na Faculdade de Ciências da Universidade
Homenagem ao Prof. Doutor Carlos Cacho, Câmara Municipal da Golegã, 1993, p.4.
Pautas de notas de Carlos Cacho – Arquivo do Liceu Sá da Bandeira, Santarém.
207
NOVA AUGUSTA
Paulo Oliveira
208
de Lisboa. O jovem aluno, então com 18
anos de idade, destacou-se em disciplinas
como Física, Álgebra Superior, Geometria
Analítica e Trigonometria Esférica, embora
se revelasse modesto em Desenho Rigoroso. Nesta fase começara por habitar na
casa de seu tio, na Rua das Escolas Gerais,
mudando-se depois para um andar na Rua
de São Bento3.
A admissão na Escola Naval não se concretizaria devido a um fraco desempenho
na prova de natação 4.
O falecimento de seu pai, em 28 de
Setembro de 1938, a doença de sua mãe, que
também viria a falecer em 20 de Janeiro
de 1942, e as dificuldades financeiras da
família levaram Carlos Cacho a interromper os estudos e a regressar a Santarém,
onde começou por leccionar no Colégio de
Santa Margarida e dar explicações. Por essa
altura, Carlos Cacho começou a demonstrar
já uma assinalável capacidade de organização das matérias e um notável domínio
dos fundamentos. A atestá-lo está o facto
de Carlos Cacho ser o autor da publicação
intitulada Problemas de Química, destinada
aos alunos do 2.º ciclo, contendo «450 problemas, incluindo os que saíram nos exames oficiais», e uma «explicação detalhada
sobre a resolução dos diferentes problemas de Química».
Contudo, estes esforços não seriam suficientes para garantir os rendimentos neces3
4
sários, pelo que, quando o irmão António
Cacho foi mobilizado para os Açores, em
Maio de 1941, Carlos substituiu-o no cargo de
escriturário num estabelecimento comercial
de Santarém.
Em 1941, frequentou o 1.º ciclo do Curso
de Oficiais Milicianos (entre 1 de Agosto
e 11 de Outubro), cujo 2.º ciclo frequentou
no ano seguinte (entre 2 de Agosto e 24 de
Outubro).
Concluído este curso, retomou os estudos na Faculdade de Ciências de Lisboa.
Com efeito, num documento datado de 19
de Setembro de 1942, arquivado na Reitoria
da Universidade de Lisboa, surge referido
como “aluno da Engenharia”. Porém, teve
de anular a matrícula nesse ano lectivo de
1942/43, por não poder frequentar as aulas.
No dia 1 de Agosto de 1943, Cacho começou a cumprir o Serviço Militar Obrigatório, no Grupo de Artilharia Contra-Aeronaves n.º 1 (GACA 1), como aspirante a oficial
miliciano. Passou à disponibilidade em 1 de
Novembro de 1944, com a patente de alferes miliciano.
No mesmo ano em que iniciou a prestação
do Serviço Militar Obrigatório no GACA 1,
Cacho pediu transferência para o Curso
de Ciências Físico-Químicas, acumulando a
formação académica «com um período de
serviço militar intenso», como se lê num
requerimento incluído no seu processo de
aluno. Diversos documentos que dele cons-
Processo de aluno de Carlos Cacho – Universidade de Lisboa / Faculdade de Ciências.
Apontamentos biográficos relativos a Carlos Cacho coligidos por Jaime da Costa Oliveira.
NOVA AUGUSTA
Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico.
tam demonstram as dificuldades por que
passou, quer de natureza económica (atenuadas pela concessão de bolsas de estudo),
quer decorrentes da burocracia militar (que
o forçaram inclusivamente a anular a inscrição em diversas cadeiras, «em virtude da
minha impossibilidade de fazer trabalhos
práticos»). Mesmo assim, uma média de 15,3
valores, no ano lectivo de 1943/44, expressava a sua dedicação aos estudos.
Quando concluiu a prestação do serviço
militar, regressou também às explicações.
Desse modo, juntamente com os irmãos
António e Francisco Cacho, pôde apoiar o
irmão mais novo Rui Cacho, de apenas 14
anos e a frequentar o Liceu Sá da Bandeira,
em Santarém.
Tratou-se de uma fase difícil, admitindo
Carlos Cacho num requerimento académico
que não tendo «quaisquer rendimentos
para me ser possível estudar em Lisboa,
torna-se-me necessário dar explicações em
quantidade tal que delas tire, pelo menos a
importância total das minhas despesas».
Contudo, uma vez liberto das obrigações
militares, o desempenho universitário destacou-se ainda mais, alcançando notas de 19
valores em várias cadeiras e concluindo o
curso em 28 de Julho de 1947, «com a informação final de 18 valores, qualificação de
muito bom com distinção». Tinham passado
dez anos desde que entrara na Faculdade
de Ciências de Lisboa.
Com um desempenho que não passara
despercebido, em Novembro desse mesmo
ano começa a colaborar com aquela Facul-
dade, na qualidade de 2.º assistente. Pouco
depois, em 1 de Fevereiro de 1948, inicia
um estágio no Centro de Estudos de Física,
anexo à mesma Faculdade, como bolseiro
da Junta Nacional de Educação.
Entretanto, a nível governamental, tomaram-se decisões que se reflectiriam no trajecto pessoal de Carlos Cacho, então quase
a entrar na casa dos 30 anos.
Efectivamente, após o recente desenvolvimento e utilização da energia nuclear para
fins militares, muitos países olhavam agora
para este novo instrumento como uma
chave do problema energético, vendo nela,
ainda, um forte potencial para o desenvolvimento de aplicações em diversas áreas
da medicina, indústria e agricultura, por
exemplo.
Portugal, rico em jazidas de urânio, decidiu também investir neste domínio, embora
as aposentações compulsivas e demissões
de vários professores tivessem dificultado o dinamismo do processo, o qual seria
relançado sob a égide do Professor Francisco Leite Pinto.
Tratando-se de uma área pioneira, liderada pelos Estados Unidos da América, a
aquisição de bibliografia especializada e o
envio de bolseiros para instituições estrangeiras foram duas das primeiras medidas
tomadas pelas autoridades portuguesas,
com o objectivo de fazer o país acompanhar
a evolução dos estudos relativos à energia
nuclear.
Além disso, foi decidido investir não
apenas no desenvolvimento de técnicas de
209
NOVA AUGUSTA
Paulo Oliveira
210
prospecção e exploração de recursos uraníferos, mas também na implementação de
uma plataforma científica e tecnológica no
sector nuclear que apoiasse, por exemplo,
os estudos no tratamento de doenças oncológicas ou novas aplicações das radiações
ionizantes na agricultura e indústria.
A este respeito, dissertando em 1948
sobre A engenharia portuguesa e o problema da utilização da energia atómica para
fins pacíficos, Carlos Braga referia que, «no
limiar da nova era atómica, a engenharia
portuguesa tem de contribuir valiosamente
para a resolução do problema em Portugal
e só tem um caminho a seguir: preparar-se e colaborar. Preparar-se e colaborar,
como? Avaliando-se a importância do problema e votando no sentido de, com urgência, serem dados os primeiros passos para
a sua resolução, tais como: […] facilitar-se o
estágio em centros estrangeiros de especialização daqueles indivíduos que mostrem aptidão e vontade de se dedicar a esta
nova e importante obra de aproveitamento
de energia atómica»5.
Enquadrando-se precisamente neste contexto, seria na América do Norte que o jovem
e promissor Carlos Cacho encontraria a
oportunidade para aprofundar a sua carreira
no domínio da Física. Contudo, e apesar de
nunca se ter interessado por assuntos políticos, a sua ida terá sido dificultada por uma
assinatura num manifesto nos tempos de
5
estudante, facto que terá suscitado reservas
às autoridades do Estado Novo. Ultrapassada
esta questão, graças à intercessão de Júlio
Palácios, o jovem físico rumou finalmente a
Chicago, em Março de 1949, como bolseiro
da Junta Nacional de Educação.
Os Estados Unidos lideravam claramente
este segmento de investigação e desenvolvimento, fruto das pesquisas que tinham
levado à produção das primeiras bombas
atómicas. Embora as instalações de Los
Alamos fossem as mais conhecidas, por ali
terem sido construídos os primeiros engenhos sob a direcção de Robert Openheimer,
deram-se igualmente passos decisivos ao
nível teórico e técnico na Universidade de
Chicago, sendo este um centro de referência naquele tipo de estudos, contribuindo
decisivamente para os sucessos norte-americanos.
Nos laboratórios de Chicago, a figura
tutelar era, indubitavelmente, o físico de
origem italiana Enrico Fermi (1901-1954),
laureado com o Prémio Nobel. Sobre o
génio deste cientista, Richard Feynman, ele
próprio também Nobel da Física, descreveria um episódio sugestivo:
«Tivemos um encontro com ele; e eu
fizera uns cálculos e obtivera alguns resultados. Os cálculos eram tão elaborados que
a coisa se tornava muito difícil. Ora eu era
normalmente especialista no assunto; conseguia sempre dizer qual ia ser a resposta,
BRAGA, Carlos: A Engenharia portuguesa e o problema da utilização da energia atómica para fins pacíficos, Porto, II Congresso
Nacional de Engenharia, 1948, pp. 6-7.
NOVA AUGUSTA
Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico.
ou quando a obtinha, podia explicar porquê.
Mas isto era tão complicado que eu não conseguia explicar porque era assim. Por isso
disse a Fermi que estava a resolver este
problema e comecei a descrever os resultados. Ele pediu: ‘Espere, antes de me dizer
o resultado deixe-me pensar. Vai ser assim
(tinha razão), e vai ser assim por isto e por
aquilo. E há uma explicação perfeitamente
evidente para isto…’. Ele estava a fazer dez
vezes melhor aquilo que eu devia ter feito.
Foi uma lição para mim»6.
Foi neste exigente meio que o recém-licenciado Carlos Cacho se integrou escassos três anos e meio após o fim da Segunda
Guerra Mundial, iniciando o seu estágio no
Instituto de Estudos Nucleares da Universidade de Chicago (hoje Instituto Enrico
Fermi), onde trabalharia no departamento
laboratorial de Luis Walter Alvarez (1911-1988)7, outro nobelizado e especialista na
área dos aceleradores de partículas.
Entretanto, em Portugal, deram-se diversos passos para a dinamização do sector
nuclear, incluindo o estabelecimento de
parcerias internacionais com os Estados
Unidos e a Inglaterra, a remodelação das
minas uraníferas da Urgeiriça, a fundação
de centros de investigação em alguns institutos e universidades e, ainda, os trabalhos
preparatórios para a criação de um organismo autónomo dedicado à gestão das
múltiplas vertentes deste sector.
6
7
Em 1952, concluído o seu estágio, Cacho
estava de regresso a Lisboa, colaborando neste dinamismo. Entre 1952 e 1954,
enquanto bolseiro do Instituto de Alta
Cultura, trabalhou no Centro de Estudos
de Física Nuclear, sob a direcção de Júlio
Palácios, especialmente no domínio dos
sistemas de detecção e medição de radioactividade. Entretanto, o seu contrato com
a Faculdade de Ciências de Lisboa expirou
em 25 de Novembro de 1953.
Em Março de 1954, foi criada a Junta
de Energia Nuclear (JEN), organismo que
estava na dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros. A direcção da
JEN foi confiada a José Frederico Ulrich
que, para o efeito, foi substituído na pasta
de Ministro das Obras Públicas, podendo
doravante emprestar o seu dinamismo ao
novo empreendimento.
Reportando directamente a Oliveira Salazar, Ulrich dava-lhe conta dos progressos
e das colaborações internacionais que ia
estabelecendo, agora especialmente com
as autoridades britânicas. No espólio de
Salazar, existente na Torre do Tombo, uma
carta do responsável pela JEN, datada ainda
de 1954, informava: «A estadia em Inglaterra
foi dum interesse extraordinário. Mostraram-me tudo quanto não constitui ainda
segredo; tive ensejo de conversar longamente com as maiores sumidades inglesas no campo nuclear; creio ter aprendido
Feynman, Richard: Está a brincar Sr. Feynman! – Retrato de um físico enquanto homem, Lisboa, Gradiva, 1998, p.130.
Brito, João Quintela de: Homenagem ao Doutor Carlos Ferreira Madeira Cacho (sppcr.online).
211
NOVA AUGUSTA
Paulo Oliveira
212
mais nesses contactos e visitas de 8 dias
do que em tudo quanto li e aprendi desde
que V. Exa. me colocou na Junta»8.
Neste mesmo ano de 1954, Carlos Cacho
partia para mais uma aventura no exterior, desta feita na universidade inglesa de
Oxford, onde iniciaria o seu doutoramento,
enquanto bolseiro do Instituto de Alta Cultura e colaborador da JEN.
Em Oxford, o físico português residiu
no St. Antony’s College, integrando ainda o
grupo de trabalho que Hans von Halban reuniu no Laboratório Clarendon, da mesma universidade. Não obstante, Cacho não deixou
de colaborar com a JEN, tanto em Portugal
como no estrangeiro, integrando as comitivas nacionais enviadas aos principais encontros de especialistas em energia nuclear.
Assim, colaborou junto do Comité Especial
de Energia Nuclear da OCDE, em Paris, e em
reuniões da ONU, designadamente a I Conferência sobre a Utilização da Energia Nuclear
para fins Pacíficos, que decorreu em Genebra no ano de 1955, participando igualmente
na II Conferência, realizada três anos depois,
na mesma cidade suíça.
Carlos Cacho aprofundaria ainda mais
a sua colaboração com a JEN quando, em
1955, este organismo decidiu propor a construção de um laboratório especializado na
investigação e no desenvolvimento de
aplicações da energia nuclear. Em Outubro
desse ano, foi nomeado assessor da JEN
8
9
AN/TT – AOS-CP-271/7.271.1
AN/TT – AOS-CP-271/7.271.1 (cf. Postal JEN, 30 de Março de 1955).
para a aquisição de equipamento para o
futuro Laboratório de Física e Engenharia
Nucleares (LFEN), a construir num terreno
adquirido em Sacavém.
Dos vários equipamentos a instalar no
LFEN faziam parte dois aceleradores de
partículas, participando Cacho na comissão encarregue de estudar a respectiva
compra. Seguidamente, foi ainda decidida a
aquisição de um reactor nuclear, não para
produção energética, mas para fins de
investigação. Para tal, o governo português
pôde usufruir do programa Átomos para
a Paz, iniciativa lançada pela administração do presidente Eisenhower, que visava
a promoção da energia nuclear para fins
pacíficos. Por curiosidade, note-se que as
primeiras visitas dos técnicos portugueses
aos Estados Unidos integraram as comitivas técnicas para a construção da futura
ponte entre Lisboa e Almada9.
Carlos Cacho fora igualmente nomeado para o grupo de trabalho que deveria
estabelecer os objectivos científicos para
a utilização do reactor, os quais seriam
decisivos para a definição das características do equipamento a adquirir. Assim,
e após os estudos, ficaria definido que o
reactor deveria ter um megawatt de potência, embora com capacidade de ampliação,
sendo seleccionada como fornecedor a
AMF-Atomics, filial da companhia American
Machinery Foundry.
NOVA AUGUSTA
Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico.
A colaboração de Carlos Cacho com a
Junta de Energia Nuclear tornou-se de tal
modo absorvente que, em Maio de 1956, o
doutorando suspendeu os seus estudos
em Oxford para assumir o cargo de físico
de 1.ª classe da JEN.
Ainda em finais desse mesmo ano de
1956, integrou uma nova comissão de
estudo, visando-se agora a possibilidade
de o próximo Plano de Fomento, onde eram
inscritas as prioridades económicas do país,
prever a construção de uma central nuclear
destinada à produção de energia eléctrica.
Contudo, e apesar de se tratar de uma ideia
estimulante, foi reconhecido que tal seria
uma medida precipitada, devendo a mesma
ser adiada em pelo menos dez anos.
Efectivamente, antes de tudo, havia que
consolidar o know-how e formar mais especialistas na área, pelo que, de momento, a
prioridade deveria incidir na construção do
Laboratório, que funcionaria como um pólo
agregador de esforços e conhecimentos.
Assim, numa comunicação datada de 1958,
Cacho referia que «a actividade principal do
LFEN será precisamente a da formação de
pessoal – motivo pelo qual ele foi concebido
e mandado construir. Deve sempre ter-se
presente que neste Laboratório se visa fundamentalmente ciência aplicada, o que não
deve quer dizer, evidentemente, que não se
encare a resolução de muitos problemas de
ciência básica – porque são estes, afinal, os
que melhores possibilidades de treino oferecem»10. Carlos Cacho demonstrava especial
dinamismo e entusiasmo, pelo que foi convidado por José Frederico Ulrich, presidente
da JEN, para dirigir o futuro Laboratório de
Física e Engenharia Nucleares, assumindo
funções em 8 de Janeiro de 1959. Tratou-se
de uma aposta pessoal de Ulrich, que assumiu responsabilidades por essa nomeação,
uma vez que Cacho não estava conotado
com o regime do Estado Novo. Mesmo com
as garantias do presidente da JEN, a actividade de Carlos Cacho foi sendo monitorizada
pela PIDE, assegurando-se que não haveria
surpresas numa área tão sensível.
Desde logo, o primeiro director-geral do
Laboratório imprimiu um dinamismo muito
pessoal ao empreendimento que, desde
1957, andava a ser construído. Segundo
refere Maria Amélia Taveira, num estudo
sobre a JEN, «É de realçar o trabalho extraordinário do director-geral do LFEN, Carlos
Cacho, que tomou a peito a sua tarefa titânica, planeando e elaborando pessoalmente
inúmeros relatórios sobre todos os assuntos referentes ao Laboratório»11.
Efectivamente, o físico desenvolveu múltiplos estudos sobre temas tão diversos
como terraplanagens, edifícios para albergar equipamentos tecnológicos, métodos
de segurança, fornecimento eléctrico e,
até, recepção e distribuição de correspondência e serviços de PBX. Nestes estudos,
Cacho, Carlos: Primeira Reunião de Técnicos Portugueses de Energia Nuclear – Alguns Comentários sobre a Organização do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares, 1958.
11
Taveira, Maria Amélia: Génese e instalação da Junta de Energia Nuclear, Diss. Mestrado, FCT-UNL, 2003, p.156.
10
213
NOVA AUGUSTA
Paulo Oliveira
214
foi apoiado de perto pelos seus investigadores-chefes de serviço, nomeadamente
Pacheco de Figueiredo (Física), Marques
Videira (Química e Metalurgia) e Júlio Galvão (Protecção contra Radiações).
Ao mesmo tempo, e dada a desconfiança
existente para com a energia nuclear, Cacho
fez a promoção desta opção, nomeadamente em diversos escritos e conferências.
Em a Energia nuclear e sua utilização12, diferenciou os conceitos de fusão e de cisão
nucleares, realçando que se trata de dois
processos diferentes de produzir energia.
Se a primeira apenas possibilitava uma utilização militar, já a cisão podia ser controlada, permitindo o aproveitamento para fins
civis, ou seja «a libertação útil de energia».
Efectivamente, a utilização da energia
nuclear conhece vários propósitos, desde os
métodos de tratamento oncológico à datação
de vestígios arqueológicos, passando pela
produção energética até à aplicação na agricultura, por exemplo esterilizando-se insectos de modo a limitar a respectiva reprodução e, por esta via, controlar pragas.
Esta era a visão de Carlos Cacho, como
foi lembrado pelo irmão Rui: «[Carlos] ocupava-se da Física Nuclear, na sua vertente
pacífica – fazia questão que percebessem
que era assim»13. Não obstante, para o físico,
um laboratório português especializado
neste domínio teria ainda a vantagem de
permitir a formação altamente qualificada
de um conjunto numeroso de engenheiros,
bem como de obrigar a colaboração entre
instituições universitárias, aspectos essenciais para a recuperação do atraso nacional
quanto às áreas científicas e tecnológicas.
Para este fim, uma peça de especial
importância no futuro Laboratório seria o
reactor nuclear, declarando Carlos Cacho,
com orgulho, que «constitui ele um meio de
investigação que não é inferior àqueles que
muitos países estão adquirindo – incluindo
alguns muito mais bem apetrechados cientificamente de que o nosso»14.
O reactor ficaria instalado submerso num
tanque especial, semelhante a uma piscina,
com cerca de dez metros de altura e capacidade para 430m3 de água desmineralizada e continuamente purificada durante o
funcionamento do próprio equipamento. O
sistema seria ainda dotado com seis canais
de irradiação e outros dispositivos que
permitiriam realizar, em segurança, actividades de investigação científica com material radioactivo. A história e importância
do reactor encontram um enquadramento
detalhado na obra O Reactor Nuclear Português – Fonte de Conhecimento, da autoria
de Jaime da Costa Oliveira, publicado pela
editora O Mirante, em 200515.
Cacho, Carlos: Energia Nuclear e sua utilização, Sep. da Técnica, IST, Lisboa, 1958; Idem: Laboratório de Física e Engenharia Nucleares.
Cacho, Rui: «O meu irmão Carlos», in Horizonte, n.º1 – II Série, 1993, p.10.
14
Cacho, Carlos: Primeira Reunião de Técnicos Portugueses de Energia Nuclear – Alguns Comentários sobre a Organização do
Laboratório de Física e Engenharia Nucleares, 1958.
15
Do mesmo autor veja-se a obra A energia nuclear em Portugal, uma esquina da história, entre outros trabalhos de referência para
a história da energia nuclear portuguesa.
12
13
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Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico.
O reactor nuclear do LFEN constituiu,
efectivamente, um marco na ciência nacional do século XX, confirmando-se a antevisão anunciada, em 1961, por R. L. Bekenkamp,
vice-presidente da AMF, entidade responsável pelo fornecimento do reactor: «é intenção
da nossa Companhia ajudar os cientistas de
todo o Mundo que estão trabalhando neste
campo, a adquirirem conhecimentos cada
vez mais extensos sobre os usos pacíficos
da energia nuclear. Trata-se de um vasto
campo de exploração; e cada passo que se
avance, quer seja no campo da Medicina,
Biologia, Agricultura ou Indústria, traz grandes vantagens para toda a raça humana»16.
Exceptuando o reactor nuclear e os dois
aceleradores de partículas, todas as valências e obras do LFEN deveram-se à técnica
nacional, sob a orientação executiva de
Carlos Cacho, iniciando-se assim, de modo
objectivo, a consolidação de um know-how
português relativo a instalações de alta complexidade e com especiais exigências em
termos de operacionalidade e segurança.
Em Março de 1961 o empreendimento
estava quase concluído, sendo seleccionada
a data de 27 de Abril para a inauguração oficial, por coincidir com o 33.º aniversário da
entrada de Salazar para o Governo, então
como ministro das Finanças. Fernando
Ulrich disso informava Salazar e, sabendo
da sua aversão a eventos solenes, convi Diário da Manhã, 27 de Abril de 1961, pp.1-6.
AN/TT – AOS-CP-271/7.271.1 (cf. Postal JEN, 24 de Março de 1961).
18
O Século, 27 de Abril de 1961, p.1.
19
Diário da Manhã, 28 de Abril de 1961, p.7.
16
17
dava-o para uma visita privada a Sacavém:
«Os trabalhos da Junta prosseguem bem
e faremos a inauguração oficial do novo
Laboratório a 27 de Abril. Como V. Exa. não
quererá decerto assistir à cerimónia, será
para nós uma honra e um prazer extraordinários que lá para meados de Abril fosse
uma manhã ver o reactor em funcionamento experimental»17.
Finalmente, na data prevista, as instalações do LFEN foram oficialmente inauguradas com a presença do Presidente da República, Américo Tomás, de vários ministros,
reitores e outros responsáveis e cientistas
nacionais e estrangeiros. Carlos Cacho, na
sua qualidade de director-geral, assumiu as
funções de guia do evento.
Como resumiu a imprensa, o complexo
laboratorial de Sacavém era constituído por
«oito edifícios de sóbrias linhas modernas,
de interiores de cores claras, bom ambiente
de trabalho e um apetrechamento científico
que o vão impor como modelar organização
no seu género»18.
Na ocasião, José Frederico Ulrich, presidente da JEN, afirmou que se estava
perante «um conjunto extremamente complexo e julgo oportuno salientar que todo o
projecto, até aos seus mais pormenores, foi
concebido e executado pelos nossos técnicos sob a orientação do director-geral do
Laboratório, Dr. Carlos Cacho»19. Em reco-
215
NOVA AUGUSTA
Paulo Oliveira
216
nhecimento pelo seu esforço, Cacho foi na
altura condecorado com o grau de Comendador da Ordem de Cristo.
A cerimónia culminava um processo que
demorara vários anos de estudos e trabalhos, podendo o LFEN, por fim, entrar em
actividade e cumprir a sua missão, embora
debatendo-se com alguns problemas,
nomeadamente no que concerne ao recrutamento de pessoal, nomeadamente para
os postos cientificamente mais exigentes.
Ainda assim, os objectivos estavam bem
definidos pelo responsável do Laboratório,
que redigiu um documento com cerca de
160 páginas, onde sistematizou as linhas de
orientação do Laboratório, desde a investigação científica à gestão burocrática20.
No prólogo, escreveu Carlos Cacho que,
«para que um Laboratório de investigação
científica e tecnológica possa funcionar
a um nível aceitável, é necessário que se
definam objectivos a atingir de valor reconhecido, que se estabeleçam programas
de trabalho de interesse (científico, tecnológico ou económico) indiscutível, que
se ponha em marcha e se mantenha uma
organização conveniente dos serviços
necessários, que se criem as condições
indispensáveis ao recrutamento, à formação, ao treino e à permanência ao serviço
de pessoal de real merecimento e, finalmente, que se disponha dos meios de tra-
Laboratório de Física e Engenharia Nucleares – estudo sobre a organização e o desenvolvimento das actividades, 1961.
Sobre a actividade do Laboratório, veja-se o relatório «LFEN – Principais linhas de actividade», de Agosto de 1968, assinado por
Carlos Cacho.
20
21
balho adequados».
Um dos problemas imediatamente reconhecidos era o da falta de experiência,
admitindo-se ser grande «o fosso que nos
separa da Europa tecnologicamente mais
evoluída». Apesar de o LFEN absorver a
quase totalidade dos recursos humanos
com a qualificação exigível para trabalhar
no domínio nuclear, permaneceria um deficit neste domínio, uma vez que eram formados poucos físicos em Portugal.
Durante a década de 60, o director-geral
do Laboratório foi dando conta da intensa
actividade que ali se foi realizando, especialmente nos domínios da física, da química, da metalurgia e da biologia, recorrendo-se aos aceleradores de partículas
e ao reactor nuclear, nomeadamente para
estudos fundamentais de física nuclear,
efeitos químicos das radiações, efeitos
biológicos das radiações, protecção contra radiações, física de neutrões, física de
reactores nucleares, aplicações industriais
das radiações, efeitos químicos das transformações nucleares, estudos de radicais
livres em soluções orgânicas, química dos
produtos de cisão, tratamento de combustíveis irradiados, estudos de ligas metálicas, medicina nuclear, aplicações agronómicas e radiobiologia marítima, entre
diversas outras linhas de pesquisa21.
No entanto, a utilização do reactor nem
NOVA AUGUSTA
Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico.
sempre seguiu uma estratégia uniforme22,
facto que se deve a vários motivos, incluindo
as dificuldades em se reforçar o corpo técnico23, o isolamento internacional do país
devido à guerra colonial e, ainda, o impasse
quanto a uma futura central nuclear para
produção energética. Precisamente sobre
este último ponto, o empreendimento foi
sendo sucessivamente adiado, apesar da
criação da Direcção-Geral de Combustíveis e
Reactores Nucleares Industriais da JEN, que
se esperava viesse a coordenar um projecto
daquela natureza. Devido a este impasse, o
Laboratório revelou alguma dificuldade em
definir prioridades, pendendo entre a investigação científica pura e os estudos para
futuras aplicações industriais.
Em 27 de Abril de 1971, na celebração dos
dez anos da inauguração do LFEN, Carlos
Cacho observou que havia que ser aumentada a produtividade, a eficiência dos serviços e a rentabilidade dos investimentos
ali aplicados, afirmando, perante o Presidente da República, Américo Tomás, e o
Primeiro Ministro, Marcelo Caetano, que o
Laboratório padecia igualmente de «deficiências graves no que se refere a espaço,
a equipamento e a algumas instalações
técnicas fundamentais».
Finalmente, o responsável pelo Laboratório deixou a ideia de que «as possibilidades
de utilização da energia nuclear estão ainda
longe de estar esgotadas», e reconheceu
que o país estava «envolvido numa batalha
política, militar e de desenvolvimento social
e económico». Menos de três anos depois,
a Revolução do 25 de Abril de 1974 abria
o caminho para o regime democrático,
embora o processo se revelasse complexo
e controverso.
Como se lê na obra O Reactor Português
de Investigação no panorama científico e
tecnológico nacional, Carlos Cacho «não
estava rotulado como afecto ao regime
[do Estado Novo] – pelo que J. F. Ulrich
assumiu, pessoalmente, a responsabilidade pela ‘lealdade’ daquele técnico, condição sine qua non para a nomeação como
director-geral –, por inqualificável ironia
do destino, seria integrado na primeira
vaga de saneamentos políticos post 25 de
Abril, humilhação de que pareceu não ter
conseguido recompor-se e que poderá ter
contribuído para o seu prematuro falecimento»24.
Por despacho de 6 de Fevereiro de 1975 do
ministro da Economia do III Governo Provisório, Carlos Cacho foi suspenso do exercício
Veja-se Jorge, H. Machado; et al.: O Reactor Português de Investigação no panorama científico e tecnológico nacional, Lisboa, MCT/
ITN, SPF, 2001, pp.9, 71-75.
23
Efectivamente, logo aquando da inauguração do LFEN, José Frederico Ulrich alertara para o problema da falta de técnicos especializados, na Metrópole e, especialmente, nos territórios ultramarinos, algo passível de dificultar a estratégia e o dinamismo do
sector nuclear português, quer no domínio tecnológico quer no do aproveitamento dos recursos uraníferos. Cf. O Século, 28 de
Abril de 1961, p.5.
24
Citação in – Jorge, H. Machado; et al.: O Reactor Português de Investigação no panorama científico e tecnológico nacional, Lisboa,
MCT/ITN, SPF, 2001, p.69.
22
217
NOVA AUGUSTA
Paulo Oliveira
218
das suas funções25. A acusação era de «sabotagem», alegação relativamente comum
naquele período pós-revolucionário.
Um depoimento de José Moreira de
Araújo expressa bem o estado de alma de
Carlos Cacho: «Já em 75 recebo, numa tarde
de domingo, creio que em Maio, um telefonema de Carlos Cacho, que estava no Porto
e perguntava se poderia conversar comigo.
Quando o convido a passar por minha casa
fico surpreendido pela emoção que manifesta ao constatar que eu continuava a
tratá-lo como sempre fizera; foi a última
vez que o vi»26.
Pouco depois, a saúde de Cacho degradou-se substancialmente, acabando por
ficar acamado. Contando com o permanente apoio da esposa, Maria da Graça
Costa, o físico nuclear viria a falecer em
Lisboa, a 14 de Agosto de 1976, sendo sepultado no cemitério dos Prazeres. Em 30 de
Dezembro de 1976, Walter Rosa, ministro da
Indústria e Tecnologia do I Governo Constitucional, assinou um despacho onde eram
consideradas improcedentes as acusações
formuladas no processo de saneamento de
Carlos Cacho e em que este era absolvido da
imputação de quaisquer infracções disciplinares. Uma vez que o arguido já falecera,
este despacho ilibatório foi comunicado
aos seus sucessores directos para que dele
extraíssem, sendo caso disso, todas as consequências legais e bem assim as relativas
à memória do Dr. Madeira Cacho27.
Resta salientar que, após diversas transformações orgânicas28, o LFEN subsiste
hoje com o nome de Instituto Tecnológico
Nuclear, ainda nas instalações originais em
Sacavém.
Embora relativamente esquecido, o nome
de Carlos Cacho permanece ligado à história da energia nuclear em Portugal, às suas
expectativas, desilusões e esperanças.
Para a realização deste apontamento biográfico, registe-se o agradecimento pela
disponibilidade e colaboração do Doutor
Jaime da Costa Oliveira, físico nuclear, cujo
testemunho, apontamentos e bibliografia
contribuíram para enriquecer a informação
do presente trabalho.
Despacho de 6 de Fevereiro, publicado no Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 40, de 17 de Fevereiro de 1975, p.980.
Depoimento de José M.R. Moreira de Araújo in – Jorge, H. Machado; et al.: O Reactor Português de Investigação no panorama científico e tecnológico nacional, Lisboa, MCT/ITN, SPF, 2001, p.101.
27
Despacho de 30 de Dezembro de 1976, publicado no Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 45, de 23 de Fevereiro de 1977, p.1248.
28
OLIVEIRA, Jaime da Costa: A Energia Nuclear em Portugal, Uma Esquina da História, Santarém, Editora O Mirante, 2002.
25
26
NOVA AUGUSTA
Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico.
219
Certificado de Licenciatura em Ciências Físico-Químicas, conferido a Carlos Cacho
Cédula consular de Carlos Cacho
NOVA AUGUSTA
Paulo Oliveira
220
Aspecto da Conferência de Genebra (1955). Discussão
sobre o uso da energia nuclear para fins pacíficos, que
contou com a participação de Carlos Cacho
Vista aérea do complexo de Sacavém (1961), dirigido
por Carlos Cacho
Em memória de Artur Gonçalves
Joaquim Rodrigues Bicho*
Torres Novas deve a Artur Gonçalves o conhecimento da sua História e a
identificação do seu Património, a que ele dedicou boa parte da sua vida.
Por isso recordamos aqui o homem que foi, o caminho que percorreu e a obra
que nos legou, sempre com a discrição de quem é humilde, e a simplicidade
de quem é grande.
* Investigador local. É autor de numerosas obras, onde se destacam diversos estudos locais
nas áreas do património artístico, toponímia, religiosidade popular e etnografia.
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Descerramento de uma lápide de homenagem, na casa onde Artur Gonçalves viveu, na Rua Tenente Valadim, n.º 9 (Torres Novas).
A lápide foi oferta de Augusto Moita de Deus e foi mandada colocar pela Câmara Municipal de Torres Novas no dia 11 de Agosto de 1954.
[Fotografia do Arquivo Municipal de Torres Novas]
NOVA AUGUSTA
Em memória da Artur Gonçalves
Em 2 de Dezembro de 2008, completam-se cento e quarenta anos do nascimento de
Artur Gonçalves; em 11 de Agosto, setenta
anos da sua morte.
Guardam a sua memória “O Almonda”,
em diversas ocasiões e circunstâncias;
“Anais Torrejanos”, com fotografia e três
páginas de texto, aliás transcrito daquele
jornal1; a deliberação da Câmara Municipal
de Torres Novas, em 4 de Agosto de 1954,
de perpetuar o seu nome numa rua da Vila;
a placa descerrada, uma semana depois, na
casa do Largo dos Combatentes, onde residiu2; a pedra sepulcral posta no cemitério de
Torres Novas, em 11 de Agosto de 1980, e o
discurso então proferido por Faustino Bretes e editado em opúsculo com o título “Tributo (A Artur Gonçalves)”; “Torrejanos de
Vulto”3; a Escola Secundária, na Avenida Sá
Carneiro, que o elegeu como patrono. Falta
apenas um busto que recorde a sua figura.
Apesar de não ser natural de Torres Novas,
Artur Gonçalves foi quem mais escreveu,
exaustiva e documentadamente, sobre a história, as gentes e as coisas da nossa terra.
Era um homem meticuloso que tudo
registava. Entre o acervo de documentos
que deixou, encontramos, por exemplo, a
relação das terras de Portugal e dos países
que visitou, uma colectânea de 176 textos
de “Erudição fácil” (Ave, Caesar!..., Eureka!,
Fiat lux, etc.), uma lista de estátuas jacen1 O Almonda, 13.8.1938
2 Id., 28.8.1954
3 Joaquim R. Bicho, Torrejanos de Vulto, p. 25
tes em Portugal, um dicionário de palavras
e locuções estrangeiras, sobretudo latinas,
arcaísmos e muitas pequenas coisas que
suscitavam a sua curiosidade e atenção e
que, desveladamente, guardava.
O Homem e o seu percurso
Tão meticuloso era na sua vida, que deixou manuscrito o seu rico percurso. Graças
a esse documento, podemos conhecer bastante, embora sempre menos do que desejaríamos.
Artur Gonçalves, de seu nome completo
Artur Napoleão Pereira Gonçalves de Vasconcelos, nasceu às dezoito horas do dia 2 de
Dezembro de 1868, na freguesia de Santiago,
de Soure, e foi baptizado na igreja paroquial
daquela localidade, a 14 de Agosto de 1869.
Filho de Henrique José Gonçalves e Henriqueta Júlia Pereira de Vasconcelos Coutinho, ele de Lisboa e ela de Soure, eram
seus avós paternos José Maria Gonçalves e
Henriqueta da Piedade, naturais de Lisboa,
e maternos o médico Dr. António Pereira da
Costa e sua terceira mulher Jesuína Cândida de Vasconcelos Coutinho, ele natural
de Soure e ela de Lisboa. Tinha um irmão,
que foi ajudante de notário em Coimbra
e uma irmã carmelita (Madre Teresa de
Jesus, em religião).
Admitido como aluno interno, na Real
Casa Pia de Lisboa, em 30 de Agosto de
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NOVA AUGUSTA
Joaquim Rodrigues Bicho
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1879, Artur Gonçalves fez, em 2 de Junho
de 1882, o exame de instrução primária; em
1884, exames do primeiro e segundo anos do
curso de desenho, francês e português, no
Liceu de Lisboa; em 1886, primeiro, segundo,
terceiro e quarto anos de matemática e terceiro e quarto anos de geografia, história
e latim, no Liceu de Coimbra; em 1887, terceiro e quarto anos de introdução e quinto
de latinidade, também em Coimbra. E concluiu assim o curso geral de preparatórios.
Em certame de ginástica, em Belém, a 17
de Maio de 1885, foi premiado com medalha de prata. Pela sua aplicação na Casa Pia,
mereceu distinção com medalha de ouro.
Consorcia-se, a 26 de Março de 1890, na
freguesia de Nossa Senhora da Anunciação,
do concelho da Lourinhã, com Elvira Amélia
Pinto Arez, natural de Atouguia da Baleia,
filha do médico Dr. Joaquim Ribeiro da Silva
Arez e Maria Amália de Sequeira Pinto Arez.
Enviúva a 31 de Janeiro de 1930. Do casamento, teve um único filho, Artur Virgílio
Arez de Vasconcelos, que foi tesoureiro da
Fazenda Pública, em Alcácer do Sal.
Na vida profissional, é nomeado, a 9
de Maio de 1888, amanuense interino da
Câmara Municipal da Lourinhã, de que toma
posse a 22 de Maio; seu secretário interino a 27 de Janeiro de 1892; provido, em
concurso, no lugar de secretário efectivo
da referida Câmara, a 7 de Março de 1893,
de que pede exoneração, por haver sido
4 Acta de sessão da Comissão Administrativa da Câmara, 26.1.1933
5 Id., 2.2.1934
nomeado chefe da secretaria da Câmara
Municipal de Torres Novas, em sessão de 7
de Maio de 1914. Assume estas funções a 4
de Junho seguinte, até lhe ser concedida a
aposentação ordinária, em sessão de 20 de
Setembro de 1934.
Na Lourinhã, fundou a Associação de
Socorros Mútuos “1º. de Maio de 1905” e
exerceu o cargo de agente e tesoureiro dos
legados pios do Hospital de S. José, tesoureiro e vice-provedor da Santa Casa da
Misericórdia e provedor da Irmandade de
Nossa Senhora dos Anjos.
Em 1898, é nomeado escrivão da sindicância à Câmara Municipal de Alenquer e
em 1911, sindicante à de Arganil.
Em 8 de Março de 1922, torna-se sócio
correspondente da Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Em Torres Novas, e apesar do prestígio
alcançado e do respeito que de todos merecia, não foi isenta de percalços a sua actividade profissional. Em 26 de Janeiro de 1933,
é suspenso, temporariamente, do exercício
de funções e vencimentos como chefe de
secretaria, até conclusão definitiva da sindicância em curso, por alegada viciação de
várias actas4.
Tendo requerido, mais de um ano depois,
a sua readmissão no respectivo cargo, é
o seu requerimento remetido ao Governador Civil pela Comissão Administrativa
da Câmara5. Como esse requerimento não
NOVA AUGUSTA
Em memória da Artur Gonçalves
obtém, entretanto, deferimento, Artur Gonçalves volta, seis meses depois, a requerer o levantamento da suspensão e a sua
reintegração no exercício do cargo, com
pagamento dos vencimentos em dívida, ao
mesmo tempo que, devido a impedimento
físico permanente, requer a aposentação6.
O Presidente da Comissão Administrativa da Câmara, bem conhecedor das suas
limitações e firmado no relatório da sindicância, que prova “e é do conhecimento de
toda a gente que o requerente foi sempre
um funcionário competente e honesto, e
prestou importantes serviços […]”, propôs
lhe fosse “concedida a aposentação, com
vencimento por inteiro, a contar da data em
que o processo deu entrada nesta Secretaria”. Discutida a proposta, decidiu a Comissão submetê-lo a junta médica7. E acordou
conceder-lhe a aposentação, depois dos
peritos, unanimemente, o haverem “considerado incapaz por absoluta e permanentemente impossibilitado de exercer as
funções do seu cargo, por ser portador de
lesões cardíacas e renais crónicas”8.
Artur Gonçalves saía ilibado de um longo
e doloroso processo, que não afectara a sua
honorabilidade, mas lhe abalara tão profundamente a saúde, que, em 25 de Janeiro de
1934, estivera em risco de vida9. “O Almonda”
6 Id., 2.8.1934
7 Id., 13.9.1934
8 Id., 20.9.1934
9 Artur Gonçalves, Torres Novas, Subsídios para a sua História, p. 9
10 O Almonda, 27.1 e 31.3.1934
11 Artur Gonçalves, Ibid.
que refere ser “bastante inquietante” o seu
estado, só, mais de dois meses depois,
anuncia as melhoras10. A que se segue uma
convalescença demorada.
Não fora este desagradável incidente na
sua vida profissional, extremamente frustrante e penoso para um homem digno e
sério, e a obra de Artur Gonçalves, tal como
hoje a usufruímos, não teria chegado às
nossas mãos, pois, por então, apenas estava
em curso a edição de “Torrejanos Ilustres”.
Na verdade, aquilo que, no dizer do
Autor, foi “um facto bem lamentável na
minha já longa carreira administrativa, brutalmente veio […] proporcionar-me vagar
[…] para coordenação dos assuntos torrejanos […], o que talvez nunca se efectivasse
por falta de tempo”, também para Torres
Novas foi uma “feliz” circunstância, de que
só ela colheu benefícios. Ele próprio o diz:
“Quelque chose malheur est bon… para os
outros”11.
Depois de tantos trabalhos, havia de
sofrer esta mágoa. Que lhe roubou a saúde,
mas não o prostrou na frustração e na inactividade. E apareceram os seus livros, e
aumentou a sua investigação, e brilharam
as récitas com os meninos das escolas, e
ocorreu a Exposição-Feira de Santarém, em
que Torres Novas tanto lhe ficou a dever.
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NOVA AUGUSTA
Joaquim Rodrigues Bicho
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Artur Gonçalves deixa o exemplo da sua
vontade férrea e inquebrantável, não se
lamenta, nem manifesta ressentimento
pelo modo como foi tratado.
Era um admirador da obra camiliana.
Tão grande que elaborara um caderno
com a relação exaustiva de títulos e anos
das muitas edições do fecundo escritor,
traduções, prefácios, notas e apreciações,
e ainda de revistas, jornais, números únicos e outras publicações redigidos ou colaborados por Camilo, e recortes de jornais
com referências biobibliográficas. Um
manancial que faz supor que Artur Gonçalves teria a intenção de um dia lhe dedicar
algumas páginas.
Pelo currículo, verifica-se que foi tardia
a sua preparação escolar e, consequentemente, o exame de instrução primária e a
conclusão do curso geral de preparatórios.
Resta saber de que modo aumentou a sua
formação intelectual, mas é de crer que,
como autodidacta, tenha devorado e assimilado os livros que a sua curiosidade elegia.
Que era jovem de vontade e prestígio,
denuncia-o a sua vida profissional. Concluído o curso, logo se inicia no trabalho, para,
menos de cinco anos depois, ser secretário
da Câmara Municipal da Lourinhã. O lugar
de relevo que ocupa e os cargos sociais
que desempenha bem cedo o destacam na
sociedade daquela vila.
Artur Gonçalves era um homem íntegro,
trabalhador, persistente e incansável que
nutria entranhado amor por Torres Novas.
Dotado de apreciável cultura geral, movia-
-se, sem dificuldade, na história e na biografia, na genealogia e heráldica, na arqueologia e epigrafia, no jornalismo e no teatro. E
se revela menos conhecimentos em escultura, pintura e azulejo, também é patente a
humildade com que recorreu, sobretudo no
azulejo, a especialistas do seu tempo.
Era um mestre respeitado e admirado,
a quem a Vila recorria na promoção de
actividades culturais e patrióticas, porque
conhecia o seu saber e apreciava o seu
desempenho.
Em nós, que ainda o vimos e lhe falámos,
permanece a imagem do ancião, austero
e distinto, de negro vestido, debruçado
e absorto na consulta e ordenamento de
livros e documentos, depositados na capela
de Nossa Senhora da Piedade, da Casa Mogo
de Melo. Como permanece a figura respeitável e viva de ensaiador teatral, a aprimorar, com o seu saber e paciência, a palavra
e o gesto dos meninos da escola.
A obra
Desde a primeira hora, Artur Gonçalves
manifesta a sua apetência pelo jornalismo e,
neste campo, deixa rasto por onde passa.
Em 11 de Novembro de 1906, funda o
semanário “O Imparcial”, da Lourinhã, que
dirige até 30 de Abril de 1908 e no qual continua a colaborar até à sua extinção. Em 26
de Dezembro de 1915, funda e dirige o semanário “O Torrejano”, de Torres Novas, que o
Governador Civil de Santarém suspende a
10 de Fevereiro de 1918.
Mas antes, fora correspondente na Lou-
NOVA AUGUSTA
Em memória da Artur Gonçalves
rinhã de “O Século” e “A Luta”, e colaborara
em “A Folha de Torres Vedras” (1900/1902),
“O Eborense” (1901), “A Academia”, de
Évora (1901), “A Tentativa”, da Lourinhã
(1902), como depois veio a colaborar em “O
Almonda”, de Torres Novas, desde o seu
primeiro número, e nos diários “Diário de
Notícias” (13.1.1924), “Portugal” (30.1.1927), “O
Século” (29.8.1927), “A Voz” (23.10.1927), “Correio da Manhã” (3.4.1928). Dá ainda colaboração em “Nun’Álvares”, número único do Dia
de Nun’Álvares celebrado em Torres Novas
a 13 de Junho de 1920, “Boletim da Junta
Geral do Distrito de Santarém”, 1936, “Boletim da Junta Provincial do Ribatejo”, 1938,
“I Anuário Ilustrado do Ribatejo”, 1938, “Catálogo da Exposição da Cruzada das Mulheres
Portuguesas”, em Torres Novas (6.1.1917).
Ao publicar o primeiro número de
“O Torrejano”, a 26 de Dezembro de 1915,
dizia-se disposto a “[…] pugnar pelo engrandecimento material e moral do concelho de
Torres Novas, e assim: a sua voz erguer-se-á
bem alto e forte, mas sem arrogâncias descabidas, para solicitar dos poderes públicos
a satisfação das necessidades e reclamações do povo, quando justas, – promoverá a
punição dos actos condenáveis e o galardão
para os meritórios; – às iniciativas de carácter utilitário dará incitamento para que não
faleçam e às ditadas pelo egoísmo, levantará barreiras insuperáveis para que não
prolifiquem; – não entrará, por sistema, em
pugnas jornalísticas, sempre improdutivas
e depauperantes, não deixando, contudo,
de ripostar, quando o adversário seja digno,
pois não descerá até a lama que nos emporcalhe as botas”.
É um programa que revela o seu carácter e os parâmetros do periódico de quatro
páginas, bem ordenado e agradavelmente
disposto, em que irá expor o seu pensamento e tecer comentários na rubrica
“Conversando…”, assinada com o pseudónimo de “Camerlengo”. Mas que não exclui
o seu republicanismo e a sua simpatia partidária. O que ele, aliás, não esconde nesse
primeiro número: “O Torrejano” será um
jornal republicano, sem política acentuadamente partidarista, destinado à defesa dos
interesses da República e da Pátria Portuguesa em geral e especificadamente dos
do concelho de Torres Novas”.
Neste seu jornal, dá início a “Torrejanos
Ilustres”, em 28 de Outubro de 1917, com
António César de Vasconcelos Correia a
ocupar o primeiro lugar e Silvestre Gomes
de Morais o décimo quarto (ainda que
assinalado como 13.º por erro tipográfico),
no último e 104.º número, datado de 10 de
Fevereiro de 1918. Sobre a capa, que reúne
a colecção de “O Torrejano”, a anotação
escrita a lápis grosso de que “O Torrejano
foi suspenso por ordem do Governador
Civil de Santarém pelo que este número
não foi publicado na data que indica mas só
mais tarde quando suspensa aquela draconiana ordem”.
De qualquer modo, “O Torrejano” não
prosseguiu e pouco mais teve, portanto,
que dois anos de vida. Com a morte do
jornal, Artur Gonçalves não iria parar com
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NOVA AUGUSTA
Joaquim Rodrigues Bicho
228
os seus “Torrejanos Ilustres”. Fundado “O
Almonda”, logo se apressa a dar colaboração a este periódico, onde, no n.º 1, aparece
o 15.º “Torrejanos Ilustres”, a que se seguem
o primeiro “Mosaico Torrejano”, no n.º 9, e
páginas de reportagem e pequenas notícias. Segundo o Autor, foram 187 os textos
de “Torrejanos Ilustres” e 115 os de “Mosaico
Torrejano”, publicados em “O Almonda”12.
Por outro lado, Artur Gonçalves não anda
alheio da sua qualidade de funcionário
administrativo e publica “Tabelas da Contribuição Industrial” sobre emolumentos,
que ele próprio edita em 1918 e 1925, e “Guia
Eleitoral” nas Assembleias Primárias e Apuramento e “Uma Eleição Prática”, guia nas
Assembleias Primárias e de Apuramento,
com a súmula da legislação respectiva,
também por ele editados em 1906 e 1921,
respectivamente.
E se publica mais “Nun’Álvares”, editado pela Comissão Promotora do “Dia de
Nun’Álvares em Torres Novas” – 13 de Junho
de 1920 e “Torres Novas na Exposição- Feira
de Santarém – 1936”, editado pela Câmara
Municipal de Torres Novas em 1937, e inicia
a biografia de “Carlos Reis”, que Gustavo
de Bivar Pinto Lopes vem a concluir, a sua
obra verdadeiramente notável é constituída por cinco volumes, também editados
pela mesma Câmara: “Torrejanos Ilustres”,
1933, “Torres Novas, Subsídios para a sua
História”, 1935, “Mosaico Torrejano”, 1936,
12 Artur Gonçalves, Torrejanos Ilustres, p. 11
13 Ibid., p. 12
“Memórias de Torres Novas”, 1937 e “Anais
Torrejanos”, 1939.
Lancemos agora um olhar sobre estes
cinco livros, dedicados a Torres Novas, que
constituem o cerne da sua obra.
Em “Torrejanos Ilustres”, ele denuncia as suas dificuldades, devido a falta
de documentação, pois só obteve “uns
minguados e dispersos documentos de
duas famílias torrejanas”, e a escassez de
meios de “um funcionário municipal, de
parcos recursos para demora em consultas a bibliotecas e arquivos de grandes
centros intelectuais”13. Ele luta, portanto,
com falta de informação (a nossa Biblioteca
nem sequer existia) e de meios para levar
por diante o seu trabalho de investigação.
Registe-se, por outro lado, que, embora a
Comissão Administrativa da Câmara tenha
deliberado, a 27 de Maio de 1927, editar a
obra, só a 6 de Maio de 1933, após segunda
deliberação, ela é, finalmente, editada.
Na “razão da obra”, com que abre este
seu primeiro volume, deixa expressa a sua
humildade: “Deve ela estar eivada de lacunas, de bastos erros mesmo […], em face
da discordância dos diversos autores a
consultar”. No entanto, “aqui fica carreado
o material em tosco, que artista autorizado
afeiçoará, tarefa que um simples alvanel,
como eu, não poderia levar a efeito”.
Assim escrevia. Mas, três gerações passadas, o artista ainda não apareceu!
NOVA AUGUSTA
Em memória da Artur Gonçalves
Das muitas discordâncias que ele assinala ao longo das suas páginas, relevemos
as que dizem respeito a João Rodrigues
Pimentel e sua esposa, e a Diogo de Sigeu.
Dos primeiros, afadiga-se a esclarecer
dúvidas sobre o seu casamento e, graças
à boa vontade do pároco de S. Pedro, a
desafrontar a arca tumular e a interpretar
correctamente a inscrição gótica nela gravada14. De Diogo de Sigeu, e em virtude das
divergências sobre a data da sua vinda para
Portugal, entrega-se a um trabalho insano
de analisar e compulsar muitas opiniões, de
modo a fornecer a informação que se afigura mais correcta15.
“Torrejanos Ilustres” contém 368 biografias e dez árvores genealógicas, que exigiram consulta de 165 obras. E se de alguns
biografados deixa apenas meras citações
ou breve referência, de outros avança longa
informação.
Por ordem cronológica, o segundo livro
é “Torres Novas, Subsídios para a sua História”. Nele se diz das armas e dos forais de
Torres Novas, do Castelo e da Cerca, das
origens, das invasões árabes e castelhanas,
dos senhorios e cortes em Torres Novas,
das invasões francesas e das convulsões
internas que dividiram e fragilizaram o País
no século XIX, de memórias do passado,
para depois dedicar 128 páginas à Santa
Casa da Misericórdia de Torres Novas, das
quais um pouco mais de metade sobre os
14 Ibid., p. 58
15 Ibid., p. 219
16 Artur Gonçalves, Torres Novas, Subsídios para a sua História, p. 35
conflitos entre a Mesa da Misericórdia e os
priores e beneficiados de Santiago, o que,
em boa verdade, é demais para a atenção
que merecem.
Artur Gonçalves descreve ainda a Vila
adentro das muralhas da Cerca, com a segurança de quem estudou e bem conhece os
seus limites e com o pormenor que podemos apreciar nesta pequena transcrição:
“Partindo da torre do Castelo em direcção
ao Arco do Vento, que ficava a poente do
quintal dos actuais Paços do Concelho,
seguia a forte muralha pela rua de Trás-os-Muros até o Salvador, onde junto da igreja
se abria o arco do mesmo nome; daí descia,
acompanhando a desaparecida travessa
dos Cónegos, em sentido quase paralelo à
ladeira do Salvador, hoje calçada de António Lopes, até perto da rua de Entre-Muros
e indo pela retaguarda das casas, ali existentes hoje do lado norte dessa rua, delimitava a cerca da antiga casa dos Mogos,
actual quintal do Colégio, até a traseira do
edifício municipal em cuja frente se vê o
monumento aos mortos do concelho na
Grande Guerra; continuava pela fachada sul
da casa do sr. Dr. Augusto de Azevedo Mendes, onde ainda se vê a imagem de Santo
António que encimava o arco do seu nome,
que junto era, como vimos”16. Deixemos por
aqui, e a meio, a transcrição.
Referimos agora, e em terceiro lugar, o
livro “Memórias de Torres Novas”, que é
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NOVA AUGUSTA
Joaquim Rodrigues Bicho
230
o quarto na ordem cronológica. Mas está
muito relacionado com o anterior, como
o próprio Autor confessa, ao dar-lhe o
subtítulo, em página de dentro, de “Novos
Subsídios para a sua História”. Descreve
mais factos da história de Torres Novas,
o abastecimento de água e as fontes, os
alcaides e as armas de Torres Novas, a
instrução e o funcionalismo torrejano, as
Lapas e a sua igreja, termos da região e
aditamento às guerras liberais. Termina
com informação pormenorizada sobre
as 64 quintas do concelho, a que dedica
uma centena de páginas. É o último livro
publicado em vida do Autor, que morre
dez meses depois.
Vejamos agora “Mosaico Torrejano”.
Constitui-o uma “miscelânea” de textos
“um pouco mais desenvolvidos” que a série
publicada em “O Almonda” e, “como eles
desconexos”17. Mas em que avultam os conventos, igrejas e capelas de Torres Novas,
com a sua história e características; o Rio
Almonda e as suas pontes; a toponímia torrejana; e várias notícias históricas dispersas, mas cheias de interesse.
É um livro dedicado, sobretudo, ao património arquitectónico, que o Autor descreve
exaustivamente, não houvesse, para isso,
consultado mais de meia centena de obras.
“Anais Torrejanos”, a quinta e última obra,
foi publicada depois da sua morte. Regista,
cronologicamente e em linguagem concisa,
os factos mais importantes da história de
Torres Novas, até meados do século XIX.
Depois, alterna breves com longos relatos
de acontecimentos, entremeados de biografias de figuras de relevo daquele tempo,
para terminar com um apêndice de 26
páginas dedicadas ao Arcebispo de Évora
D. Manuel Mendes da Conceição Santos,
seguidas de três páginas de texto sobre a
vida, obra e morte do Autor.
Em “Anais Torrejanos”, diz-se que Artur
Gonçalves, quando morreu, tinha três livros
em preparação: “Biografia de Carlos Reis”,
“Anais de Torres Novas” e “Foros e Forais”.
Mas em documento, que se encontra no seu
espólio, o Escritor afirma ter pronto a entrar
no prelo e a editar pela Câmara “Anais Torrejanos”, e em preparação “Forais e Foros
de Torres Novas” e “Genealogia Torrejana”18.
Para as duas últimas obras, deixou ele basta
e diversificada documentação.
Pesem embora as limitações da época
e da sua preparação escolar, são simplesmente extraordinários os seus conhecimentos, a vasta investigação feita, a imensa
bibliografia consultada. Tão grande que,
se não conhecêssemos o seu escrúpulo e
honestidade intelectual, seríamos tentados
a supor que acervo abundante, porventura
disponibilizado por familiar ou amigos, o
ajudara na ingente tarefa de carrear tão
17 Artur Gonçalves, Mosaico Torrejano, p. 9
18 Rascunho da carta, enviada a 3 de Março de 1937, a Eduardo de Campos de Castro de Azevedo Soares, juiz conselheiro do Supremo
Tribunal de Justiça, que solicitara a Artur Gonçalves informação biobibliográfica, a fim de incluir o seu nome no IV volume da
“Bibliografia Nobiliárquica Portuguesa”
NOVA AUGUSTA
Em memória da Artur Gonçalves
rica gama de informação para a história de
Torres Novas. Mas, quando consultamos
os seus manuscritos, afasta-se da nossa
mente essa tentadora suspeita, para ficar
só a admiração acrescida por este homem,
que soube, no tempo em que não havia
fotocopiadoras, nem meios que hoje lhe
teriam facilitado o trabalho, entregar-se à
formidável tarefa de transcrever, à mão,
para os seus “Apontamentos – Assuntos
Torrejanos” tudo quanto, relativo à nossa
terra, ia encontrando em livros e documentos, e, a partir deles, coligir o seu trabalho,
feito rascunho primeiro e depois reproduzido, em boa caligrafia – com poucas rasuras e apenas algumas entrelinhas ou aditamentos colados – em cadernos enviados à
tipografia para impressão.
Tão grande é a sua probidade que, no
volumoso caderno de 142 folhas manuscritas desses “Assuntos Torrejanos”, ele próprio denuncia aquilo que chegou, já coligido,
às suas mãos: “As memórias até folhas 58
são extraídas dum livro manuscrito pertencente a Carlos Mogo de Melo e Alvim,
falecido, que foi farmacêutico nesta Vila.
Este livro bem como os demais documentos foram-me ministrados pelo Pe. Capelão José Pedro Lopes dos Santos, capitão
reformado, que se considera seu fiel depositário até à maioridade do filho daquele
Carlos Mogo de Melo e Alvim”. Trata-se de
memórias, coligidas, sobretudo, de assentos das igrejas paroquiais.
Seguem-se-lhes mais 10 folhas com
“Transcrição de documentos que me foram
facultados por João Mogo de Melo, de Pedrógão” e se referem à nobre família dos Melo
e Alvim. A partir de folhas 70, são cópias do
“Dicionário Geográfico de Portugal”, apontamentos extraídos das “Memórias da Vila de
Torres Novas”, de Francisco Xavier de Arez
e Vasconcelos e da “Instituição de Morgados
e Capelas em Torres Novas”, notas sobre a
Confraria de Nossa Senhora da Graça, de
Lapas e apontamentos múltiplos que vêm a
ser insertos nas suas obras.
Em segundo caderno “Transcrições de
diversas obras – Assuntos Torrejanos”, de
182 páginas, reúne, precisamente, o que o
título deixa subentender.
Mas não se esgota por aqui a documentação coligida. Referiremos apenas mais
alguns temas, que terá querido aprofundar:
Censo do Concelho de Torres Novas, festa
do Bodo da Meia-Via (transcrição de “O Riachense”), pequenas notas sobre localidades
do Concelho, apontamentos sobre a família
Pessoa de Amorim, potencialidades agrícolas, comerciais e industriais da Região,
usadas como argumento para defender o
traçado da linha de caminho de ferro do
Entroncamento à Nazaré, com passagem
por Torres Novas, Minde e Porto de Mós.
Podemos não ser admiradores da prosa
de Artur Gonçalves, apontar-lhe uma ou
outra imprecisão, discordar do ordenamento adoptado nos seus livros, sobressair
omissões ou citações menos explícitas das
fontes, julgar, desfavoravelmente, o relevo
dado a temas, por nós julgados de menor
interesse. Mas nunca poderemos negar a
231
NOVA AUGUSTA
Joaquim Rodrigues Bicho
riqueza e abundância de pormenores com
que tece a história dos acontecimentos,
traça o perfil de quase quatro centenas de
biografados, retrata conventos, templos e
monumentos, investiga a toponímia da Vila
e de outros locais do Concelho, aprofunda a
genealogia de famílias ilustres, põe diante
dos nossos olhos o encanto do Rio e das
suas muitas pontes, a vida da Santa Casa da
Misericórdia e de outras instituições e associações, os termos regionais, as curiosidades de uma Terra com passado e história.
232
Nem devemos esquecer a menor formação académica, os parcos recursos de que
dispunha e a sua actividade profissional em
Torres Novas como Chefe da Secretaria da
Câmara desde 1914 até 1934, que lhe limitava
a disponibilidade para se dedicar a trabalhos de investigação.
Artur Gonçalves é exemplo de quem ama
uma terra e lhe dá tudo quanto sabe e pode.
Por isso, ele merece a gratidão dos seus
naturais, que podem também amá-la muito,
mas não conseguiram dar-lhe tanto.
233
ESTUDOS SOCIAIS
O Julgamento do Bacalhau, a cíclica viagem de condenado
a salvador: práticas no concelho de Torres Novas.
Margarida Moleiro*
O enterro ou, simplesmente, o julgamento do bacalhau, realizava-se habitualmente no sábado de aleluia, em muitas localidades do País. Também no concelho de Torres Novas, segundo o que conseguiu averiguar Margarida Moleiro,
fazia-se nas freguesias de Lapas, Riachos, Zibreira, Pedrógão, Parceiros da
Igreja, Árgea e na vila (actual cidade) de Torres Novas. O texto original de
um desses julgamentos, agora publicado, transporta-nos para a terra e suas
personagens reais, embora transfiguradas pela sátira social. Transgressões à
regra e ao costume são aceites e legitimadas pelo riso, através de uma tradição popular que ameaça ser hoje apenas memória de um passado recente.
*Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com Pós-graduação em Património Cultural e Especialização em Técnicas Editoriais.
235
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
O enterro (ou julgamento) do bacalhau
é um evento profano, embora decorrente
de um impedimento de ordem religiosa (o
jejum quaresmal). Trata-se de uma paródia,
uma pantomima burlesca que se inicia com
um cortejo onde desfilam todas as personagens envolvidas na encenação, seguindo-se
uma audiência forjada que culmina numa
sentença, invariavelmente, de condenação
ao enforcamento ou afogamento1 do réu – o
Bacalhau.
É uma sátira, uma ridicularização, da sociedade: através da ironia dos discursos e da
piada de escárnio faz-se uma crítica social e
política, contribuindo para uma certa coesão
social em torno de uma moral costumeira2.
A denominação mais comum é a de
“enterro” embora seja, essencialmente, um
simulacro de julgamento. Encontramos,
porém, algumas excepções como tiros ó
bacalhau (no Alandroal)3.
Alexandre Martins, um dos que nos anos
50 (século XX) participou activamente na
reposição da prática do enterro do bacalhau na freguesia de Lapas, concelho de
Torres Novas (substituindo o seu pai), diz:
«…eu ouvia dizer que na minha terra, por
várias vezes o bacalhau fora absolvido. Ora,
não sendo condenado à morte, deixava de
funcionar a forca e, logicamente, não havia
enterro. Era um paradoxo. Foi assim que a
partir de 1952, lhe mudei o nome para Julgamento do Bacalhau (…) julgamento há
sempre; enterro, só se for condenado à
morte, o que, diga-se também, geralmente
acontece»4. Em conversa informal com
João Maria Ferreira5, apercebemo-nos que,
por cá, as pessoas reconhecem esta representação como a paródia do julgamento e
não tanto como “o enterro”. Ora, atente-se
na sua resposta à pergunta «Lembra-se de
se ter representado por cá o enterro do
bacalhau?»: Eu isso não me lembro… o que
havia era a paródia do julgamento. Chegou a
fazer-se ali no Salão do Salvador…
O enterro do bacalhau fazia-se, de um
modo geral, na noite de Sábado de Aleluia,
celebrando «…a euforia pelo renascimento
do “filho de Deus” que se conjuga[va] em
simbiose com a alegria pela ultrapassagem da austeridade quaresmal» (LOPES,
2000, p. 237). No entanto, Carlos Lopes Cardoso refere a ocorrência desta prática na
Quarta-feira de Cinzas, no concelho de Sintra6. João Maria Ferreira alertou-nos para o
facto de, muitas vezes, devido ao sucesso
Aurélio Lopes, em A face do Caos. Ritos de subversão na tradição portuguesa. Alpiarça: autor e Garrido Ed., 2000, p. 237, deixa claro
que há localidades onde o enterro é substituído por afogamento.
2
A ideia da moral costumeira nestas práticas é avançada por Aurélio Lopes em Idem, Ibidem, p.25.
3
In Idem, Ibidem, p. 239.
4
Alexandre Martins – «Serração da Velha e Enterro do bacalhau» in O Almonda, 03/04/1987, p. 9.
5
Estivemos à conversa com João Maria Ferreira em Março de 2008. Esta conversa teve um carácter informal e não se pode considerar uma entrevista.
6
In Carlos Lopes Cardoso – Do gordo Entrudo à Páscoa das flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC, 1982, p.57, citando o
jornal Sintra Regional de 16/02/1929, II ano, n.º26.
1
237
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
238
do evento, a sala encher de tal modo que
havia necessidade de repor a representação em outras datas, de modo a que todos
pudessem assistir ao espectáculo.
De um modo sucinto, podemos dizer que
o enterro/julgamento do bacalhau decorre
do impedimento imposto pela liturgia católica de comer-se carne durante a Quaresma,
que acabava por obrigar a comer-se bacalhau (cozinhado de todas as maneiras e com
todo o tipo de acompanhamentos) devido à
carestia dos outros peixes. Celebrava-se,
então, com este ritual, a passagem da rigidez alimentar quaresmal para os excessos
pascais, ligados ao consumo de carne.
Em rigor, esta prática advém de usos pagãos
resultantes da libertação das «energias do
caos» (LOPES, 2000, p.19), o «longo Inverno»7
em que proliferam irreverências, desordens
e contravenções. Várias são as personificações populares do Inverno: velhos e velhas8,
entrudos e caretos, que eram perseguidos,
queimados, enterrados ou afogados9.
O enterro do bacalhau surge da necessidade de libertação das tensões acumuladas
durante todo o ano, a necessidade de zombar, de escarnecer e rir sobre os acontecimentos mais incómodos, angustiantes ou
simplesmente “aparvalhados”, ocorridos
quer a nível político quer ao nível das relações interpessoais no seio da comunidade
local, funcionando como uma «válvula de
escape» (LOPES, 2000, p. 25) das pressões
e cóleras do ciclo de um ano de vida.
Geograficamente, o foco principal deste
ritual encontra-se na zona Norte do Ribatejo,
delimitada pelo Tejo. No Oeste e no Ribatejo
há ocorrências pontuais como em Lisboa, Sintra, Mafra, Loures, Torres Vedras, Lourinhã,
Cadaval, Alenquer, Vila Franca de Xira, Benavente, Cartaxo, Rio Maior, Alcanena, Torres
Novas, Tomar, Vila Nova da Barquinha e Santarém. Guilherme Felgueiras10 fala na existência do enterro do bacalhau em Trás-os-montes, em Valpradinhos-Macedo de Cavaleiros.
Segundo Aurélio Lopes, realiza-se também
no Alto Minho – no Porto, Macedo de Cavaleiros, Cinfães, Lamego, Arcos de Valdevez -, no
Litoral – na Figueira da Foz, em Penela, Leiria,
Ansião, Montemor-o-velho, Soure – e no Sul
Aurélio Lopes designa assim a época do ano identificada com o frio e a dureza da natureza, que segundo o calendário da nossa era
está balizada entre 21 de Dezembro e 20 de Março, a que chamamos Inverno.
8
Relembre-se o costume da Serração da Velha, uso quaresmal, praticado, geralmente, na noite de quarta-feira da terceira semana
da Quaresma, onde se representa a Quaresma como entidade – Maria Quaresma – e onde esta é serrada ao longo de toda a noite.
A “Velha” é, no sentido religioso, a Quaresma e, em sentido laico, o Inverno (para os árabes os 7 dias do solstício do Inverno são
chamados os dias da Velha.) Também Gil Vicente, no seu Triumpho do Inverno, representou esta estação do ano como “a Velha”,
perseguida pelo “Maio Moço”. Cf. Teófilo Braga – “As festas do calendário popular”. O Povo português nos seus costumes, crenças
e tradições. Vol. II. Publicações D. Quixote, Lisboa, 1986.
9
Para a construção da contextualização das práticas do Enterro do Bacalhau no âmbito das manifestações de subversão do “Longo
Inverno”, baseámo-nos nas ideias de Aurélio Lopes, difundidas na sua obra A face do Caos. Ritos de subversão na tradição portuguesa. Alpiarça: autor e Garrido Ed., 2000, p. 37-40.
10
Os trabalhos de Guilherme Felgueiras «A Bênção dos ramos. A Quaresma. A Queima dos Judas. O Folar. O Compasso», in Mensário
das Casas do Povo, ano XIX, n.º 226, Abril de 1965, pp.12-14 e «O Ciclo Pascal na Tradição Popular», in Mensário das Casas do Povo,
[s.d.], p. 13, são citados quer por Carlos Lopes Cardoso (1982), quer por Aurélio Lopes (2000), respectivamente.
7
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
– em Beja, Alandroal, Santiago do Cacém e
Borba. Carlos Cardoso acrescenta ainda as
ocorrências na Nazaré e Soutocico.
No concelho de Torres Novas, o julgamento do bacalhau realizava-se – tanto
quanto se pode documentar – nas freguesias de Lapas, Riachos, Zibreira, Pedrógão,
Parceiros da Igreja e Árgea11, tendo-se,
até, realizado em Torres Novas (vila): no
Almonda Parque (1961)12 e no Teatro Virgínia
(1972 e 1975)13, em benefício de instituições
de lazer ou auxílio, como o Clube Desportivo
de Torres Novas e o “Lar da Criança”14. Estas
representações, embora tivessem subido à
cena em Torres Novas (vila), eram representadas por grupos de fora, estes espectáculos, em particular, por um grupo de Lapas15.
João Maria Ferreira relatou-nos ainda, em
conversa informal16, que o julgamento do
bacalhau fora representado também no
Salão do Salvador. Revelou-nos o nome de
Carlos Gonçalves17, como um dos actores
que teria incorporado a personagem Baca-
lhau («…parece mesmo que o estou a ver de
bacalhau ao pescoço… que engraçado18…») e
o nome de outros intérpretes como Maurício e Manuel Feliciano. Além disto, João
Maria Ferreira conseguiu, ainda, de memória reescrever algumas quadras desta encenação, que passamos a transcrever:
«Ó Doutor Juiz,
Tenha dó do bacalhau
Qu’ele ainda é petiz
É menor qu’um carapau!
Ó Doutor Juiz,
Bacalhau, sardinha assada!
Assim desta maneira
Evita-se o peixe-espada!»19
Pesquisando no livro Salão do Salvador
meio século de actividade cultural em Torres Novas20, acerca da existência de uma
representação com este título, não encontrámos qualquer referência. Em Salão do
Segundo recolhemos junto de fontes orais e a partir de notícias do jornal O Almonda. Lamentamos a existência de alguma localidade onde se tenha realizado o enterro do bacalhau que não tenha sido aqui referida. Assumimos a responsabilidade da lacuna.
12
O jornal O Almonda noticia que o evento se vai repetir em Lapas e faz referência à ocorrência no Almonda Parque – O Almonda,
08/04/1961, p. 3 (Secção Pelo Concelho)
13
Alexandre Martins – «Serração da Velha e Enterro do bacalhau» in O Almonda, 03/04/1987, p. 9.
14
Idem, Ibidem
15
Com organização de Alexandre Martins e original de Francisco Garcia. In Alexandre Martins – «Serração da Velha e Enterro do
bacalhau». O Almonda, 03/04/1987, p. 9.
16
Em Março de 2008
17
De facto, Carlos Gonçalves foi, entre 1944 e 1951, um dos grandes animadores do Salão do Salvador.
18
João Maria Ferreira, em conversa informal, em Março de 2008.
19
João Maria Ferreira apresentou-nos os seus escritos em conversa informal no dia 13.03.2008; este e outros documentos foram
doados por João Maria Ferreira ao Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, encontrando-se, agora, em tratamento [AHMTN /
Espólios Partilhados / JMF]
20
Joaquim Rodrigues Bicho – Salão do Salvador, meio século de actividade cultural em Torres Novas. Torres Novas: Município de
Torres Novas, 2003.
11
239
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
240
Salvador meio século de actividade faz-se
apenas alusão a uma representação intitulada Julgamento do Terra Nova (1944),
da autoria de Freire de Andrade e Silva
(pseudónimo de Manuel Correia da Silva21).
O jornal O Almonda anunciava assim esta
peça: hilariante Opereta popular em dois
actos «O Julgamento do Terra Nova», original por Freire Andrade e Silva, intermeada
(sic) de lindos números e música e de cenas
do maior imprevisto, pouco vulgares em
espectáculos desta natureza22. Apurámos,
mais tarde, em conversa com José Carlos
Carreira23, que o Julgamento do Terra Nova
era uma opereta cómica, uma versão do
popular julgamento do bacalhau: uma versão menos brejeira, literariamente mais
elaborada mas igualmente cómica – era um
texto muito cómico… mas muito diferente
do enterro do bacalhau das Lapas!24 Pela
índole moral e religiosa do Grupo Cénico
da Juventude Católica, que levava as suas
peças à cena no Salão do Salvador, era natural que as críticas fossem mais comedidas e
as piadas menos descaradas. Apesar disto,
a representação do Julgamento do Terra
Nova em quase tudo coincide com a dramaturgia do popular julgamento do bacalhau:
as personagens, as vestes e a encenação.
Havia um tribunal onde o réu Bacalhau ia
ser julgado: Numa mesa estava o juiz, noutra o delegado… depois havia os acusadores
e os defensores… Eu fazia de Zé do Talho
que estava contra o bacalhau, claro!25 As
personagens do Julgamento do Terra Nova
eram 14: o Doutor Juiz (interpretado por
Joaquim Domingues), o Delegado do Ministério Público (interpretado por Francisco
Guimarães), o Advogado de Defesa (interpretado por José Pimpão), Jácome Terra
Nova (interpretado por Carlos Gonçalves),
D. Quaresma das Trevas (interpretada por
Fernando do Rosário), D. Páscoa da Ressurreição (interpretada por Joaquim Maurício),
Micaéla Nabiça (interpretada por Joaquim
da Silva Reis), o José do Talho (interpretado por José Carlos Carreira), o José do
Nabo (interpretado por Manuel Feliciano),
o José do Povo (interpretado por Veríssimo Carvalho Pais), o Oficial de Diligências
(interpretado por Joaquim M. Figueiredo),
o Polícia (interpretado por Policarpo Ferreira), o Escrivão (interpretado por N. N.) e
Uma Testemunha (interpretada por Manuel
Águas). Todas as personagens eram interpretadas por homens, o que é comum nas
Manuel Correia da Silva (1899-1981), autor, actor e ensaiador de peças e revistas levadas à cena no Salão do Salvador e em outras
casas de espectáculo. Cf. Joaquim Rodrigues Bicho – Salão do Salvador: meio século de actividade cultural em Torres Novas. Torres
Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 2003.
22
In “Secção Pela Vila”, O Almonda, 25 de Novembro de 1944, p. 2
23
José Carlos Carreira pertenceu ao Grupo Cénico da Juventude Católica que actuava no Salão do Salvador. Foi actor amador desde
os inícios dos anos 40 (século XX) até 1989. Conversámos informalmente sobre as histórias do teatro e do Salão do Salvador, no dia
17.03.2008.
24
José Carlos Carreira, em conversa informal, 17.03.2008
25
José Carlos Carreira, em conversa informal, 17.03.2008
21
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
encenações do julgamento do bacalhau. A
este grupo acrescia, ainda, o condicionalismo de rapazes e raparigas serem proibidos de contracenar na mesma peça, o que
obrigava os homens a vestir-se de mulher
sempre que as personagens o exigissem.
Apenas a data de apresentação a público
da encenação do Julgamento do Terra Nova
(8 Dezembro) não corresponde com aquela
em que, vulgarmente, se realizava o julgamento do bacalhau (Sábado de Aleluia).
Facilmente se explica esta dissemelhança:
o Grupo Cénico da Juventude Católica não
fazia representações durante a época da
Quaresma, cumprindo assim os seus preceitos católicos, votando-se a um certo
silêncio e introspecção que o catolicismo
aconselha nesta quadra.
Do Julgamento do Terra Nova apresentamos apenas o programa de sala (Figs. 14 e 15),
uma vez que nem no arquivo fotográfico da
família de Carlos Gonçalves, nem no de José
Carlos Carreira, encontrámos qualquer fotografia desta representação. Embora não haja
fotografias que o documentem, sabemos,
pelos depoimentos dos intervenientes26, que
quando o Julgamento do Terra Nova subiu à
cena encheu a casa27, de tal maneira que se
repetiu quer no Salão do Salvador quer em terras vizinhas, como foi o caso da Chamusca28.
Carlos Cardoso (em obra publicada em
1982) assumia que os documentos mais
antigos, por si conhecidos, onde se fazia
alusão ao julgamento do bacalhau, eram
dois folhetos de cordel: um de 1815 (Lisboa)29 e o outro de 1824 (Porto)30. Todavia,
acreditava que a prática do julgamento
do bacalhau viria de trás, provavelmente
do século XVIII, altura em que o comércio
inglês dominava, entre nós, a difusão do
bacalhau. Cardoso veio a comprovar esta
tese, posteriormente, ao ter notícia de um
folheto de cordel publicado em Lisboa, em
1790, intitulado Aventuras ou Lograçoens
de D. Bacalhao Quaresma, e de D. Sardinha
d’Espixa Offerecidas aos Peraltas de Lisboa
para rirem depois das alleluias31.
Na nossa região, e em concreto em Torres Novas, ao certo, não se sabe até onde
remonta a origem destes rituais, mas pode-
João Maria Ferreira e José Carlos Carreira
José Carlos Carreira, em conversa informal, 17.03.2008
28
16 de Junho 1945, no Cine-teatro da Misericórdia da Chamusca
29
Folheto de cordel intitulado Aventuras, / Ou / Lograções / De / D. Bacalháo / Quaresma, /E de / D. Sardinha d’Espixa. /Offerecidas
aos Peraltas de Lisboa / Para rirem / Depois das Alleluias - citando um folheto de cordel, datado de 1815, Lisboa, in Carlos Cardoso
- Do gordo Entrudo à Páscoa das flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC, 1982, p. 60.
30
«No Porto, realiza-se o enterro do bacalhau pelo menos a partir de 1824, como se pode deduzir pelos seguintes folhetos de cordel: O bacalhau justificado / Ou/ Conservação do Futre Bacalhau/ Com Dona Carne; / A qual teve Lugar no Passeio das Fontainhas,
quando Aquelle / Era levado para o Seminário, situado na Quinta do Prado. / Produção de hum Amigo do bom Bacalhau; po- / Rem
mais Amigo da boa Carne (Porto, 1824) e O Bacalhau Triunfante./ Relação Divertida, e Curiosa: /Offerecida /A todo o apreciador de
boa Posta/ Do mesmo Bacalhau: /Por hum apaixonado deste Petisco (Porto, 1824)». In Carlos Cardoso - Do gordo Entrudo à Páscoa
das flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC, 1982, p. 60.
31
Carlos Cardoso teve conhecimento desta edição através do catálogo da exposição O Povo de Lisboa, Exposição Iconográfica, Lisboa, Junho/Julho de 1978-1979, p. 298, conforme cita na obra Do gordo Entrudo à Páscoa das flores. Três aproximações etnográficas.
Lisboa: IPPC, 1982, p. 86.
26
27
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NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
242
mos alvitrar que as primeiras encenações
se enquadrarão no tecido nacional – uma
tradição que se perde nos tempos32. Certos
são os testemunhos da existência desta
prática entre os finais do século XIX e a primeira década do século XX. Leia-se o que se
escreve em Árgea, história e património33:
Em Árgea foi depositário do texto, e
também ensaiador do auto, o senhor José
Lopes Marçalo, nascido na última década
do séc. XIX. Ele caracterizava, deste modo,
o Enterro do Bacalhau: «Para o povo, o julgamento do bacalhau é uma tradição que
se perde nos tempos. O bacalhau foi o luxo
dos pobres, agora é dos ricos, mas isso é
coisa dos tempos. A festa significa o fim da
Quaresma e, portanto, o fim do reinado do
peixe. Vem a Páscoa e a gente pode começar
a comer outra vez carne. Os antigos fizeram
uma festa a isso e nós vamos continuá-la.
Iremos matar o bacalhau…». Durante o século
XX, este rito foi celebrado oito vezes, sem
periodicidade certa. José Marçalo (…) menciona ter entrado na peça quatro vezes, a
primeira das quais em 1912.
Bertino Coelho Martins34, sobre a realização do enterro do bacalhau em Lapas,
escreve apenas o seguinte: Em tempos que
já lá vão fazia-se na Freguesia o enterro do
bacalhau. Recordo-me vagamente de ter
assistido a alguns desses funerais.
É perfeitamente natural que não consi-
gamos uma data exacta para situar o início
destas práticas no concelho uma vez que não
havia uma sustentação escrita da encenação,
sendo transmitida apenas por via oral.
Para um claro entendimento de como se
processava este ritual de paródia e zombaria do quotidiano social/político, em Torres
Novas, transcrevemos a descrição do julgamento do bacalhau realizado na freguesia
de Zibreira, em 1985, da autoria de João
Carlos Lopes, e o relato do cortejo da última
representação do enterro (fuzilamento) do
bacalhau, realizada em Árgea, em 1994:
«… Zibreira, 1985: Enterro do bacalhau (…)
// A festa começa verdadeiramente com
a entrada dos personagens: é o gáudio de
pequenos e graúdos, a passagem de “travestis”, que irão ter cada um o seu papel
no desenrolar dos acontecimentos. Vem o
juiz, de longas barbas brancas, ar solene,
os advogados, a Páscoa de mini-saia, assumindo um visual claramente erotizado, a
Quaresma, pesarosa, e todo um grupo de
outros «funcionários» judiciais, testemunhas e jurados. A assistência vibra com as
primeiras deixas e gestos(...). // Depois, o
juiz orienta e arruma o palco e dá por aberta
a audiência que culminará com a condenação do mísero bacalhau, que é negro como
a ferrugem e rijo e duro que nem um pau».
Vai então dar-se início ao «Enterro do Bacalhau». // Tomam assento o Juiz, o Delegado,
Discurso de José Marçalo, transcrito em Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres
Novas: Município de Torres Novas, 2005, p.149.
33
Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005, p.283.
34
In Bertino Coelho Martins – Lapas. História e Tradições (crónicas publicadas no jornal O Almonda). Torres Novas: Câmara Municipal
de Torres Novas, 1991, p.149.
32
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
o Escrivão, o Oficial, a Páscoa e a Quaresma,
advogados de defesa e acusação e, pendurado na frente do palco, está o «peixe que
foi criado no mar e veio para a terra ser um
criminoso». Depois o juiz chama as testemunhas: Moisés Coutinho, o Cortador, Ricardo
Freitas, o Farmacêutico, Vardizela Venta
Suja, a Descarada, Raimunda Cana Verde,
a Infeliz Desonrada, Ernesto Cachaçudo, o
Mouco, Chico Adega, o Bêbado, Bernardino
Saraiva, o Cigano, Monteiro Ferrabraz, o
Capataz, José Loureiro, o Caixeiro, Afonsinho Pereira, o Tocador. A seguir, apresenta
os Jurados: Adriano Pimentel Vendaval, Silvério da Fonseca, André Cabeludo, Ramos
Antunes Sarigado (sic) e José Ameixa Sem
Caroço Delgado Alto Baixo e Grosso. // A
paródia incide primeiro na instituição judicial, ridicularizando, a começar, o próprio
Juiz. O oficial presta--se então a apresentar
um autêntico «tribunal ao contrário», subvertendo os traços normalmente definidores
dos magistrados: // - Senhor Doutor Juiz
Agostinho de Magalhães, não tem senão
dívidas e não faz senão cães; // Senhor doutor Delegado Arlindo da Silva Lencastre, do
Carregado, anda sempre encalacrado; //
Senhor Advogado da Quaresma, Julião Pires
Sirilho, tem dinheiro como milho; // Senhor
Advogado da Páscoa, Silvério Pimentel, de
Santarém, nunca avesa ninguém; // Escrivão
Miguel Simões Falcão, é um grande trapalhão; // Oficial Norberto Santos Serrada, não
presta para nada. // Seguem-se depois as
35
declarações de todos os participantes, num
longo rosário de caricaturização, de críticas
a aspectos quotidianos da vida da aldeia,
tornando públicos factos e comportamentos, sempre a pretexto do bacalhau que,
muitas vezes, «carrega» esses «pecados».
Finalmente, o «criminoso» recebe a condenação máxima e procede-se a um cortejo
em direcção a uma fazenda próxima, onde
será enterrado perante os gritos de desespero da Quaresma. Durante algumas horas,
um ano de vida da aldeia foi passado em
revista. Esqueça-se que um vizinho matou os
pombos a um outro, esqueça-se que houve
quem tivesse caído da mota com «os copos»,
ou quem tivesse levado tareia da mulher.
Esqueça-se, também, que no tempo da azeitona as baixas médicas sobem em flecha,
ou que os trabalhadores da Câmara trabalham bem, no café, quando o calor aperta. //
Agora, pode tudo começar de novo. O «maldito» está a ser atirado para a «campa fria» e
todos os males levará com ele. Na próxima
Páscoa renascerá outra vez, numa eterna
viagem de condenado e salvador35.»
«O cortejo manteve as características
antigas: à frente, um figurante montando
uma mula, ladeado por archotes, empunhava
a bandeira com um bacalhau vistosamente
pintado; seguiram-se as carroças enfeitadas
com verdura e bonitas colchas, com o juiz, os
advogados, os jurados, o padre e o sacristão;
a cavalo, pavoneava-se o oficial de diligências; nos burros montavam as testemunhas,
LOPES, João Carlos – “Serração da Velha e Enterro do Bacalhau: vamos deixar morrer a tradição?” In O Almonda, 20 de Março de
1987, p. 4
243
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Margarida Moleiro
244
a Páscoa e a Quaresma, esta carpindo-se já
pela sua pressentida viuvez; a tropa vinha
fardada, como é de preceito, com o comandante empunhando a espingarda, porque,
afinal, ia haver um fuzilamento; e, finalmente, o pobre réu, o bacalhau, num barco,
defendendo-se em voz chorosa, embora o
julgamento ainda não tivesse começado.36»
O festim aqui descrito só era possível graças ao trabalho de muitos, que por carolice
faziam os textos (ou adaptavam os velhos
textos às novas situações), recrutavam as
personagens e ensaiavam-nas durante semanas antes da apresentação pública, faziam ou
“repescavam” os adereços e figurinos. Podemos destacar alguns nomes que se evidenciaram pelo empenho e dinamismo na manutenção desta tradição nas terras torrejanas: em
Árgea, destacam-se, entre outros, José Lopes
Marçalo (ensaiador) e António José Ferreira
Martins (o último ensaiador da representação
em 2004); e, na freguesia de Lapas, destacamse Francisco Garcia “Borracheira” (ensaiador)
e Alexandre Martins (ensaiador e autor).
A caracterização do enterro/julgamento
do bacalhau só poderá ficar completa com
a apresentação do texto dramático utilizado para a construção da encenação.
Transcrevemos37, no final deste artigo, O
Julgamento do Bacalhau pelo notário Luís
Mendes Franco, documento não datado,
pertença do Arquivo Histórico Municipal38.
No documento Julgamento do Bacalhau,
não encontrámos referência explícita ao
verdadeiro nome do autor (apenas surge o
nome do notário, que provavelmente é ficcionado), data e/ou local de redacção. Todavia, após a sua leitura, conseguimos retirar
algumas notas que nos revelam o contexto
da vila de Torres Novas nos anos entre 1930
e 5039. Atentemos, então, em algumas das
pistas que o texto nos deixa:
In Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas,
2005, p. 286.
37
Segundo os seguintes critérios e convenções: Na transcrição do Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco mantiveram-se, em termos gerais, a ortografia, a pontuação e a sintaxe originais; As abreviaturas não foram desenvolvidas, todavia a
sua leitura faz-se sem dificuldades; aquando a ocorrência de abreviaturas de difícil compreensão, o desdobramento das mesmas
faz-se em nota de rodapé; Respeito pela grafia do texto original, sem actualizações; mantiveram-se as maiúsculas e minúsculas
originais, nos locais em que ocorrem; Manteve-se a pontuação e outros sinais originais dentro do texto; Todas as notas foram
mantidas, conforme a localização no original; As notas de rodapé foram introduzidas e não incorporam o texto original. As notas
de rodapé contêm os seguintes elementos: as anotações do autor superiores à linha no original; o texto rasurado pelo autor; as
palavras de leitura duvidosa; De modo a facilitar a leitura: fez-se a separação das palavras que no texto se encontravam ligadas e
acrescentou-se um – entre a indicação do nome da personagem e a fala da mesma; A disposição gráfica do texto foi mantida (a
mais fiel possível dentro das capacidades gráficas e de impressão); Foi utilizado em todo o texto o mesmo tipo de letra; O início de
cada fólio foi assinalado a cor diferente (cinzento), entre parênteses rectos e a um corpo de letra mais pequeno, da forma como
segue em exemplo. Ex.: [Fl.1] Para indicar o verso da folha utilizou-se o v. Usou-se: Fl.- Fólio; v - verso; [ ] leitura duvidosa ; [ilegível]
– palavra ilegível; (?) leitura duvidosa; [rasurado] – texto rasurado
38
O documento em causa é propriedade do AHMTN. Encontra-se em tratamento no arquivo intermédio, com o número provisório 87.
39
Apurámos estas datas e percebemos as referências à vila de Torres Novas de então, através da leitura dos registos de existência dos
vários estabelecimentos da Vila, publicados no livro de Joaquim Rodrigues Bicho, intitulado Torres Novas memória e costumes (1936-1950) – editado em Torres Novas, pelo Município de Torres Novas, em 2006 – e através de conversa informal com Joaquim Bicho e
José Carlos Carreira, dois homens a quem a memória permite ainda recordar temporal e espacialmente os sítios e nomes em causa.
36
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
A Fradinha
[Fl.4v]«Nem tem nariz o maldito
Não tem olhos, nem pescôço
Não tem péz só tem espinha
[Fl.5]Vale menos que uns tremôços
Comprado (sic) ali na Fradinha.»
Nos anos 40/50 (século XX), a Fradinha
era uma mulher que morava em frente da
Fábrica de Fiação e Tecidos e que vendia
tremoços, aliás, a venda de tremoços era,
na altura, bastante vulgar40.
O Brás
[Fl.5] «Sim póde haver muita gente
Que caia nessa asneira.
Cá para mim o que me apráz
É chouriço e farinheira
Daquela bôa do Bráz.»
Encontrámos apenas referência ao “senhor
Brás”, proprietário de uma venda de farinha41.
Não nos parece que possa ser o mesmo, uma
vez que o do texto é citado a propósito de
chouriço e farinheira.
Brás é também o nome do proprietário
de uma taberna no Largo de S.to André, em
1959 (LOPES, 1997). O texto do julgamento
aqui transcrito parece-nos anterior a esta
data, fica, todavia, esta nota.
A Espanhola
[Fl.6] «Eu não me embebedei
embebedaram-me ali na Hespanhóla»
Joaquim Rodrigues Bicho (2006, p. 86)
refere a existência, nas décadas de 30, 40 e
50 (século XX), de uma “taberna da espanhola”
no Bairro de Santo António, propriedade de
Manuel das Neves e Maria da Soledade Martins, a quem chamavam “a Espanhola”.
O Tarouco
[Fl.2] «Na loja ali do Tarouco»
[Fl.12v] «Marcha o que o Tarouco dér
Lá’na casa do ençaio42.»
[Fl.18] «Vaes ser morto e repartido
Pelos do grupo e inda és pouco
E depois vaes ser comido
Na adega do Tarouco»
Joaquim Rodrigues Bicho (2006, p.59)
refere a existência, nos anos 30 (século XX),
da família Tarouco, no bairro de Valverde.
É possível que estes tenham sido proprietários de uma taberna ou mercearia nessa
zona. Nesta altura, havia também uma
padaria cujo proprietário era João Pereira
da Rosa, a quem chamavam “o Tarouco”
(BICHO, 2006, p.18).
O Domigos Gabriel
[Fl.2] «Tem a multa de meu (sic) litro
No domingo Gabriel.»
Segundo o depoimento de José Carlos
Carreira, o texto referir-se-ia ao armazém
Segundo o relato de Joaquim Rodrigues Bicho, em conversa informal, no dia 11.03.2008.
In Joaquim Rodrigues Bicho – Torres Novas memória e costumes (1936-1950). Torres Novas: Município de Torres Novas, em 2006.
42
Chamava-se assim à casa da Banda de Torres Novas
40
41
245
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
de vinho de Domingos Gabriel que ficava
nas Chãs (anos 40, século XX).
Beber água do Lamego
A ideia “ir beber água ao Lamego” está
associada ao facto de em Valverde haver
uma fonte, de duas bicas, que corria, em
tempos, em abundante regueira de água até
ao Lamego (BICHO, 2006, p. 55). Além disto,
na zona do Lamego passa o rio Almonda e
aí se lavava a roupa, incluindo fraldas, o que
causava o nojo de muitos dos que pensavam beber a água do rio.
A Taberna do Dourado
[Fl.10] «Vá beber vinho abafado
á taberna do Dourado.»
246
O Dourado era uma conhecida Casa de
Pasto, da vila de Torres Novas, situada na
zona da Rua Nova de Dentro. Um dos seus
pratos mais afamados era a dobrada com
feijão branco43.
O Tasco do “Gudefrêdo”
[Fl.12v] «E náda mais tenho a dizer
E se me despacho cêdo
Inda vou beber um cópo
Ao tásco do Gudefrêdo.»
Embora não tenhamos encontrado
nenhuma referência concreta a este Gudofredo, é certo que todos os homens, ou
43
44
quase todos, na altura (situemo-nos por
hipótese entre 1930-50), tinham pequenas
adegas nas suas casas e era comum por lá
parar com os amigos a “beber copos”.
Taberna do Faustino
[Fl.3] «Ó meus senhores, se continua o
desatino,
Meto-os no casco da entrada
Da taberna do Faustino.»
Joaquim Rodrigues Bicho contou-nos que
havia uma taberna “muito mal amanhada” de
Faustino Rodrigues Bretes; José Carlos Carreira confirma a afirmação e reitera a ideia
da má apresentação do estabelecimento.
Também em Torres Novas memória e costumes (1936-1950) se faz referência à existência
da pensão de Faustino Rodrigues Bretes44.
As pistas são óbvias e não deixam escapar
a ideia de que este texto terá sido escrito
por terras torrejanas e, arriscamo-nos a
dizer, que terá mesmo sido representado
na vila, uma vez que as referências locais
são tão evidentes.
As personagens
É imperioso passar revista às personagens desta dramaturgia, seu figurino e
simbolismo.
As personagens essenciais para que a
encenação do julgamento se fizesse eram o
Juiz, o réu - Bacalhau, a Quaresma (defesa)
Segundo o relato de Joaquim Rodrigues Bicho, em conversa informal no dia 11.03.2008.
Joaquim Rodrigues Bicho – Torres Novas memória e costumes (1936-1950). Torres Novas: Município de Torres Novas, 2006, p. 19
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
e a Páscoa (acusação). Todos os outros
– delegados, oficiais, testemunhas, advogados - podem ser mais ou menos, tornando a
encenação mais rica e mais cómica.
O Juiz é a única personagem séria, consciente e de discurso coerente (Vem o juiz, de
longas barbas brancas, ar solene45). Enverga
cabeleira e toga, segundo a maneira mais
tradicional de apresentação dos juízes no
tribunal. O figurino concede-lhe a seriedade necessária ao papel, todavia, sempre
que há possibilidade, as outras personagens parodiam a sua figura e ridicularizam
o papel do tribunal.
O Bacalhau apresenta-se como um pobre
coitado, vítima da crueldade e da arbitrariedade da sociedade. Dos relatos que
ouvimos, percebemos que a personagem
Bacalhau apresentava-se, por vezes, com
um bacalhau ao pescoço.
A Quaresma é a triste amada do Bacalhau. Infeliz pela iminente condenação de
seu amado, apresenta-se vestida de luto e
com ar desgostoso, saudoso e triste. Promete vingança – «Pró ano vaes pagar tudo
// Quando acabar o Entrudo46»- deixando
no ar o prenúncio de que para o ano toda
a farsa se repetirá. A Quaresma é apresentada como sendo o oposto da Páscoa, isto é,
pobre, sem luxos e justa.
A Páscoa é divertida, alegre, foliona e, de
certo modo, erotizada. Veste-se de cores
claras e vivas, ora de branco ora de vermelho. Em encenações mais arrojadas, já nos
anos 80, chegava até a envergar mini-saia!
A personagem Páscoa caracteriza a chegada do tempo dos excessos, a euforia do
renascimento: «Juiz – Senhora Paschoa //
Rainha dum bom manjar // Póde falar. //
(…) // Onde houver festa eu lá estou // Logo
chamada prá meza // Convidada sempre
sou // Para tudo quanto é grandeza47»
As testemunhas podem ser diversas. Há
as de defesa e as de acusação. Têm nomes
cómicos e personificam determinadas categorias sociais, profissões e diferenças baseados na condição racial. Micaéla Nabiça; José
do Talho; José do Nabo; José do Povo; Moisés
Coutinho, o Cortador; Ricardo Freitas, o Farmacêutico; Vardizela Venta Suja, a Descarada;
Raimunda Cana Verde, a Infeliz Desonrada;
Ernesto Cachaçudo, o Mouco; Chico Adega, o
Bêbado; Bernardino Saraiva, o Cigano; Monteiro Ferrabraz, o Capataz; José Loureiro, o
Caixeiro; Afonsinho Pereira, o Tocador; Besta
Ramon, o espanhol; Pedro Passado da Pinha
(ou Penedo da Cunha); Venâncio Borrachão;
Roberto Sebastião; Ramoaldo(?) Baltazar;
José Chouriço; Prêto Francisco António;
Aniceto Figueiredo; Malaquias d’Alverca;
Barimbau, por alcunha o Pouca Roupa… estas
são as testemunhas que identificámos nos
três trabalhos de encenação do julgamento
do bacalhau que aqui fizemos referência48.
LOPES, João Carlos – “Serração da Velha e Enterro do Bacalhau: vamos deixar morrer a tradição?” In O Almonda, 20 de Março de 1987, p.4
Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, Fl.19v, AHMTN - em tratamento no arquivo intermédio, n.º provisório 87
47
Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, Fls. 12v-13, AHMTN - em tratamento no arquivo intermédio, n.º provisório 87
48
Enterro do Bacalhau na Zibreira, 1985; Julgamento do Terra Nova, 1944; Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, [s.d.]
45
46
247
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
248
Os nomes das testemunhas revelam os seus
vícios, como o da bebida (é recorrente a existência do bêbado, até pela sua comicidade), o
desejo de voltar aos hábitos da carne (ex.: personagens com nomes relacionados com carne
– José do Talho, José Chouriço e Francisco
Besta Ramon, em alusão ao presunto espanhol
jamon), o estatuto social (ex: o farmacêutico,
o capataz e o José do Povo) e até a diferença
racial (ex: o preto e o cigano).
Oficiais, delegados e advogados servem
para criticar a incompetência dos tribunais,
onde muitos funcionários judiciais fazem
pouco, não merecendo qualquer respeito por
parte do auditório: testemunhas e jurados
estão sempre desinquietos e muito indisciplinados - «Advogado – Contesto a acusação e
tudo mais que // da causa resultar // Alego
o seu bom comportamento // Para a verdade
provar. // Neste templo de justiça // Onde se
prova tanta innocencia // Como sempre honrosamente, // Justiça fará Voça Excelencia. //
Juiz – Senhor Doutor Delegado. // Delegado –
Por enquanto estou calado. // Juiz – Ó Oficial,
veja se essa gente se cála // E recolha as testemunhas à sála. // Oficial – Ó meus senhores,
se continua o desatino, // Meto-os no casco
da entrada // Da taberna do Faustino. // (Para
as testemunhas) E Voçês seus taramelas //
Vão para esta sala do lado // Não rasguem os
bambinelos // Nem me sujem o sobrado.49»
Todas as personagens eram interpretadas por homens, mesmo as personagens
femininas. Inicialmente porque não era
permitido à mulher imiscuir-se neste tipo
de pantomima, posteriormente porque o
travesti é sempre um elemento cómico por
excelência. Além disto, a mutação da vestimenta masculina para as vestes femininas
é um ícone carnavalesco revelador da subversão dos costumes e da insubordinação a
uma ordem estabelecida.
A sentença
«Juiz – Bacalhau
Visto o teu crime
ser provado
Tiveste esta infeliz sorte
Por isso ficas sentenceado
A sofrer pena de morte.» 50
«Levanta-te bacalhau
que tens pouca sorte
sobre o teu julgamento
vais ser condenado à morte.» 51
Quase sempre condenado, o bacalhau é
votado ao enforcamento, fuzilamento ou ao
afogamento. No concelho de Torres Novas
prevalecia a condenação por enforcamento.
Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, Fls.2v-3, AHMTN – em tratamento no arquivo intermédio, n.º provisório 87
Manuscrito da representação do enterro do bacalhau (propriedade de José Marçalo), realizada em Árgea, em 1959. Transcrito em
Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005,
pp. 312-324. (o trecho apresentado encontra-se na p.321).
51
Excerto do texto da representação do enterro do bacalhau, realizado na freguesia da Zibreira, em 1985, reescrito integralmente
em João Carlos Lopes – Geografia e Cultura – Caracterização Etnográfica do Concelho de Torres Novas (I). Torres Novas: Câmara
Municipal de Torres Novas – Pelouro da Cultura, 1985 [Texto policopiado], pp. 44-86.
49
50
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
A condenação é a peripécia essencial para
que se possa desenlaçar o drama, matando
o réu que no ano seguinte renascerá, qual
salvador, para colmatar as faltas da carne
na Quaresma… e que há-de voltar a ser condenado assim que os excessos pascais se
aproximam.
Conclusão
Apesar do enterro/julgamento do bacalhau trazer à rua grande enchente («O Julgamento do Bacalhau costuma atrair à
nossa terra muitas gentes das povoações
vizinhas.52»), a verdade é que o “julgamento”
deixou de subir à cena e desde finais dos
anos 90 (século XX), que não são frequentes manifestações desta tradição. Os últimos espectáculos tiveram lugar em Lapas,
em 200253, e em Árgea, em 200454.
A imposição de novos valores, de novos
códigos de socialização, e as mutações culturais que vivenciamos nos “novos tempos”
conduzem ao desaparecimento da «secular
ingenuidade tradicional»55, denotando-se
assim uma natural extinção destes costumes. Mas, manter-se-ão as representações
do Enterro do Bacalhau e outros costumes
semelhantes, como a Serração da Velha ou
a Queima do Judas? Conservar-se-ão, por
certo, na memória56 de alguns, que insistirão para que novas representações se
façam em jeito de perpetuação dos costumes (confiando no seu papel de veículo na
transmissão de uma herança cultural às
gerações futuras), e, manter-se-ão, talvez,
enquanto atracção turística, dando resposta
a um desejo de curiosidade e do exótico,
do excêntrico (LOPES, 2000, p. 328). Todavia, não se conservarão nem as primitivas
razões que conduziram a estas práticas nem
o carácter comunitário e o cunho de espontaneidade e irreverência destas figurações.
«Nota-se em muitos o desejo de reactivar
este costume. Não só os que já assistiram
ou participaram em realizações anteriores, como os mais jovens, mesmo sem a memória de terem assistido a algum (…) Será que
a tradição vai morrer por não haver alguém
que “ponha mãos à obra” e reactive este
costume? (…) É preciso passar esta tradição
aos mais novos.»57
O Almonda, 08 de Abril de 1961, p. 3, “Secção Pelo Concelho” - em relação à representação ocorrida em Lapas.
«…já lá vão uma dúzia de anos que esta tradição não se realiza…» In O Almonda, 28 de Março de 2008, Secção «Região – Lapas», p.15
54
Segundo se lê em Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de
Torres Novas, 2005, p. 286
55
LOPES, Aurélio – A Face do Caos. Ritos de subversão na tradição portuguesa. Alpiarça: autor e Garrido Ed., 2000, p. 325.
56
Curiosamente, em Lapas, a toponímia contribui para que a memória destas representações não se apague, uma vez que uma das
ruas do centro tem o nome de Francisco Garcia “Borracheiro”, ensaiador e dinamizador da tradição do julgamento do bacalhau
nesta freguesia.
57
In M. Ramos – «Julgamento do Bacalhau», O Almonda, “Secção Região-Lapas”, 28 de Março de 2008, p.15
52
53
249
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
ANEXO DOCUMENTAL
Transcrição do documento Julgamento do Bacalhau, pelo notário luís mendes franco,
[s.d.], [s.l.] - AHMTN / Arquivo Intermédio / n.º 87 (provisório)
[Fl.1] Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco
Juis – Oficial, declare que a audiência está aberta.
Oficial – Venancio Borrachão
Oficial – Senhores, está aberta a audiência
Testemunha – Pois então.
Juiz – Faça a chamada dos Snr. Jurados. E quero
esse povo de beiços fechados.
Oficial – Roberto Sebastião
Oficial – Meus senhores, pouco barulho que diz, o
nosso Senhor Juiz Felizberto Coisa [rasurado] Má.58
Oficial – Ramoaldo(?) Baltazar
es
Jurado ­– Já.
250
Oficial –Cazarino Pouca Coisa.
Júlio da Fonseca Galhão.
Ricardo Pouca Sorte
Simplício da Romana
Januario Alentejano
José Pera Abruinho
Branco Claro das Neves
Gil Gelado
Lagarto Sardinha Leão
José Barata Besoiro
Juiz – Ó Oficial, chame agora as testemunhas e
veja também lá bem se trazem limpas as unhas.
Testemunha – Ai não
Testemunha – Cá estou eu [61] meu logár
[Fl.1v]
Oficial – José [Cho]uriço [ilegível62]
Testemunha – [ilegível63]
Oficial – [ilegível64]
Testemunha – [ilegível65]
Oficial – Aniceto Figueiredo
Testemunha – (Toca a gaita e [ilegível66])
Juiz – O amigo Metta a gaita no [ilegível67] Ou então
nalgum boraes.
Oficial – Malaquias d’Alverca
Oficial – Franc[rasurado]o Besta Ramon59
Testemunha – Pronto
Testemunha – Eu cá mesmo é que sou.
Oficial –Barimbau , por alcunha o
Pouca Roupa.
Oficial – Pedro pasado da P inha.
60
Testemunha – Eu mesmo
Testemunha – Presente.
No documento original, à margem, encontra-se a cor diferente, outra versão para a fala do oficial, rasurada: O Oficial // Abra a
audiência // geral que temos ha(?)a // começar e veija // se êsse povo não começa a falar. 59
Ou Ramou (é difícil de distinguir o u do n)
60
Texto rasurado: P
61
Texto ilegível devido à degradação do papel (rasgão).
62
Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha).
63
Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha).
64
Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha).
65
Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha).
66
Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha).
67
Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha).
58
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Oficial – Está tudo Senhor Doutor.
Juiz – Tudo gente d’(?) causa (?)
Está constituído o Tribunal,
E vamos pois a entrar
Em materia criminal.
(para o réu)
Levante-se lá seu marau (?).
Como se vem a chamar?
Bacalhau – O meu nome é Bacalhau.
Juiz – Que idade pode dár?
Bacalhau –Sou o mais velho de todos
os habitantes do már.
Juiz – Diga a sua ocupação
Bacalhau –Sustento com galhardão
Sem a menor destinção (sic)
Desde a minha tenra idade
a toda a umanidade (sic).
Juiz – O seu estado também diga.
Bacalhau – Solteiro e tenho uma amiga.
[Fl.2]
Juiz – Onde é então que nasceu?
Bacalhau –Nasci e foi meu lár
Nas profundezas do már.
Juiz – onde mora?
Bacalhau – Isso agóra…
Juiz – onde móra? árre que é mouco
Bacalhau – Na loja ali do Tarouco
Juiz – Já esteve alguma vez prexo (sic)
ou respondeu
a algum crime?
Bacalhau –Já mas foi inocente
Por dár oleo a um doente.
Juiz – Pode-se sentar, nesse banco devagar.
(toca a campainha)
Ólhe lá ó oficial
Que barulho é este então
Fazem deste tribunal
O Rocio de São Sebastião?
Oficial - O que fizer aranzel (?)
Tem a multa de meu (?) litro
No domingo Gabriel.
Juiz – Senhor escrivão
Leia as pessas (sic) do processo em questão
Escrivão – (levanta-se)
É acusado o Bacalhau
De entrar em todas as casas
De não ter péz nem cabeça
Nem bico, nariz, nem ázas.
É acusado tambem
Do muito sál que ele traz,
[Fl.2v] Do cheiro a chulé que tem
E de ter as costas paa (sic) tráz
É acusado não mais
De nem barriga já ter
De quem o comer a sós
Muito vinho fáz beber.
Acusado por ser caro
Acusado que fáz mal
aquella Senhora Paschoa
Em questão comercial.
Ha sete semanas a fio
Que o chouriço deu para tráz
O carneiro, toucinho e vaca,
Vender-se não é capaz.
E p’ra que acabe tal abuso
Se requereu este processo
Direitinho como um fuzo.
Juiz – Tem a palavra o Snr. Dou. advogado.
Advogado –Contesto a acusação e tudo mais que
da causa resultar
Alego o seu bom comportamento
251
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
Para a verdade provar.
Neste templo de justiça
Onde se prova tanta innocencia
Como sempre honrosamente,
Justiça fará Voça Excelencia.
Do-lhe os libros n’ma Sociedade da Rua
dos Bacalhoeiros
Juiz – É guarda livros?!!
[Fl.3]
Testemunha –Sim sou eu que guardo-lhe os libros
e limpo-lhe o pó, agóra o que
escrevinha
é outro de casaca.
Delegado – Por enquanto estou calado.
[Fl.3v]
Juiz –Ó Oficial, veja se essa gente se cála
E recolha as testemunhas à sála.
Juiz – Onde móra?
Oficial –Ó meus senhores, se continua o desatino,
Meto-os no casco da entrada
Da taberna do Faustino.
(Para as testemunhas)
E Voçês (sic) seus taramelas
Vão para esta sala do ládo
Não rasguem os bambinelos
Nem me sujem o sobrado.
Juiz – Tem algum parentesco, amizade ou inimizade com o réu?
Juiz – Senhor Doutor Delegado.
252
Juiz – Chame a primeira testemunha de acusação.
Oficial – Francisco Besta Ramon (esta testemunha
é mui galêgo)
Testemunha – Chaite que eu aqui estou.
Juiz – Promete pela sua honra dizer a verdade?
Testemunha – ai pois isso Senhor Doitor é de crêr.
Juiz – Como se chama?
Testemunha –Francisco Besta Ramon
Que nesta terra tenho fama.
Testemunha – Por esses mundos fóra.
Testemunha – Eu seja da côr do meu chapeu.
Juiz – Póde agora estar sentado
E responda ao Senhor Doutor Delegado.
Delegado – O que sabe Voçê em respeito ao reu?
Testemunha –A minha queixa começa,
Por vêr este marantéu
Metido n’ma travessa
Que cheirava a bom pitéu.
Mandei-o para a minha frente
E dei-lhe tão grande lenho
Que a comel-o (sic) derrepente
Vai e engrelo nma (sic) espinha
Que tinha este tamanho.
(faz com o braço a dimenção da espinha)
Eu com ella no bandulho
Já gritava, já gemia
Fez-me tão grande barulho
Que tive que ir à bacia
Juiz – Em que se oucupa?
Mas a espinha atravessou-se
Neste olho aqui de baixo
Que depois para a desóvar
Tive dôres que nem um macho
Testemunha –Tenho o meu negociosinho e guar-
Por fim saiu a tal espinha
Juiz – Que idade tem?
Testemunha – Uns 40 aí à róda.
Juiz – Casado, solteiro ou viuvo?
Testemunha – Sou casado cá á moda.
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Desse malvado soéco (sic)
Adeante duma buxa
[Fl.4]Que causou estrondoso êco.
Test.ª – tenho tantos anos como o pau
e bóla e as perninhas da menina
adelaide no jôgo do lôto.
Juiz – E chegou a ver essa espinha?
Juiz – O que quer isso dizer?
Testemunha – Trago-a aqui no bolço.
Test.ª – Está a ver o Snr. Dr. Que o
pau e bóla vále 10 e as perninhas
são 11 com 10 são 21 que é quantos
tem este seu Penêdo.
Delegado –Hade estar muito cheirosa
Para temperar o seu almoço
Satisfeito Snr. Juiz.
Juiz – Tem a palavra o Snr. Dr. Advogado.
Advigado – O Snr. Ramon então diz
Que cheirava a bom pitéu
Quando estava na travessa…
Juiz –Ó homem vosse por essa forma
está quasi a quinar.
Em que se oucupa?
Test.ª – Comer e beber e trabalhar pouco.
Testemunha – Mas depois cheirou-me mal
Juiz – Onde mora?
Advogado –Não o comêce tanto à preça.
Nada mais Snr. Juiz.
Test.ª – Na freguesia de Nossa Senhora do
não te rales.
Juiz – Vá lá para tráz e agóra.
Tapem para ahi o nariz.
Venha a outra testemunha.
Juiz – Tem algum parentesco com o réu.
Oficial – Pedro Penêdo da Cunha.
Delegado – Conhece este reu ou não?
Testemunha – Pronto com todo o respeito.
Test.ª – Conheço Snr. Dr.
Oficial – Ládre ao Snr. Juiz de Direito.
Delegado –Diga lá do figurão
O que souber sem favor.
Juiz – Promete a verdade dizer?
Testemunha –Se a verdade não dissere (sic)
Eu antes queira morrer.
Juiz – Como se chama?
Testemunha – Pedro Penêdo da Cunha.
Juiz – Casado, solteiro ou viuvo?
Testemunha –Nunca sustento mulheres,
pégo e largo.
Juiz – Péga e larga?
Test.ª – Quero dizer… entretenho-me
[Fl.4v] com elas mas não me prendo.
Juiz – Que idade tem?
Test.ª – Nem da água nem do sál.
Juiz – Responda aí preguntas do Snr. Dr. Delegado.
Test.ª – Tem defeitos cá para mim
Que os não poço (sic) tragar
Muito sál, um cheiro mau
Que nos faz agnniar (sic).
Nem tem nariz o maldito
Não tem olhos, nem pescôço
Não tem péz só tem espinha
[Fl.5] Vale menos que uns tremôços
Comprado (sic) ali na Fradinha.
Delegado – O que sabe mais além disso?
Test.ª – Sei que para mim antes quero
Um bocado de chouriço
253
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
Delegado – Estou sastifeito.
Advogado – Dá licença Snr. Juiz de Direito.
Test.ª – Tambem me chamo Borrachão
mas não sou.
Juiz – Póde preguntar.
Juiz – Quantos anos tem?
Advogado –Senhor Penedo responda
Com franqueza ao que eu lhe digo
Não tem ouvido chamar
Ao reu o Fiel Amigo?
Test.ª – 40
Test.ª – Tenho ouvido esse dixóte
Mas eu não vou nesse bóte.
254
Juiz – Já? O seu estádo?
Test.ª – É sempre entre as 10 e as 11 como vê.
Juiz – Em que se oucupa.
Test.ª – Cávo para ahi á bruta.
Advogado –Diz o Snr. Pedro Penêdo
Que tem defeitos lá para si
Que os não pode nem tragar
Mas soube que ha muita gente
Que gosta desse manjar
Juiz – Onde mora
Test.ª – Sim póde haver muita gente
Que caia nessa asneira.
Cá para mim o que me apráz
É chouriço e farinheira
Daquela bôa do Bráz.
Juiz – Responda às preguntas do Snr. Dor. Delegado.
Test.ª – aqui nesta redondeza.
Juiz – Tem algum parentesco com o reu?
Test.ª – Nada
Delegado – O que diz deste reu?
Advogado – Mais nada Snr. Juiz.
Test.ª – Digo que estou farto delle
Que o não poço nem vêr
Carniça carniça é que eu quéro
É que eu gosto de comer.
Juiz – Vá sentar-se ali para tráz.
Delegado – Não sabe dizer mais nada?
Oficial –Vá para ali sua bestinha, anda
[Fl.5v] lhe heide preguntar
Quanto lhe deve a Farinha.
[Fl.6]
Juiz –(toca a campainha)
Quem está para ahi a falar? (pausa) gente
sem inducação (sic).
Ó Oficial chame a outra testemunha.
Oficial –Venancio Borrachão
(leva-o à presença do juiz, muito bebado)
Juiz – Jura pela sua honra dizer a verdade?
Test.ª – Ólarila.
Juiz – Como se chama?
Test.ª – Venancio.
Juiz – Venancio só?
Test.ª – Cada um dá o que tem
Está-me a parecer já massada
E já aqui não estou bem.
(vai para se ir embora e dá um bardo)
Juiz – Então testemunha vem para
aqui bebada? Isto não é casa para os que
se embebedam
Test.ª – Eu não me embebedei embebedaram-me
ali na Hespanhóla.
Juiz – Inda o diz seu marióla. Você promete
não tornar cá nesse estado?
Test.ª – Mas como heide eu arranjar isso? Só
Se me engarrafar para toda a vida.
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Juiz – Talvez nem mesmo assim, porque
Podia arrebentar a garrafa. Suma-se.
Test.ª – Olarila.
Juiz –Ó oficial. Ponha-me este garrafão lá
fóra do Tribunal, e chame outra tes
temunha.
Oficial – Para fora seu animal. Roberto Sebastião.
Test.ª – Presente (esta testemunha é um maritimo)
Oficial – Vá á presença do Snr. Dr. Juiz.
Juiz – Promete pela sua honra dizer a verdade.
Test.ª – Pela honra dum marinheiro.
Juiz – Como se chama?
Test.ª – Roberto Sebastião.
Juiz – Onde nasceu?
Test.ª – Sou filhóte do Almonda.
Juiz – Que idade tem?
Tes.ª – 33
Juiz – Em que se oucupa?
Test.ª – Marinheiro.
[Fl.6v]
Juiz – Tem algum parentesco com o reu?
Test.ª – Não conheço piratas.
Juiz – Responda ao Snr. Dr. Delegado.
Delegado –O que sabe deste reu? Conte
lá seu marinheiro.
Test.ª – Andava a minha fragáta
Ha tempo no alto már
De bom bordo para estibordo
Como um bârço68 pode andar.
68
Com aquele malvado
Já poudre cheirando mál.
Delegado – E onde o tinha comprado?
Test.ª – Numa venda cá da terra
Isto é tudo por igual.
Delegado – E depois.
Test.ª – E depois de o comer
Com os balanços do barco
Deitei inteiras a póstas
Por… sim… por aquele boráco (sic)
Que está ao fundo das costas.
Foi peixe ou foi o diábo
Que nunca mais cá entrou
E devem delle dár cabo
Já o dizia o meu avô.
Delegado – Mais náda estou satisfeto
Advogado –Dá licença Snr. Juiz de Direito?
Ó Senhora testemunha.
Adv. –Já lhe aconteceu comer.
Daquele mesmo animal
E muito vinho beber
[Fl.7] Sem lhe fazer nenhum mal?
Test.ª – Sim eu já tenho atracado
Sem haver abalroamento.
Advogado –Sim Senhor é verdadeiro
Esse seu depoimento.
Nada mais neste momento.
Juiz –Ó oficial. Arrume para ahi mais esta.
e traga outra besta igual agóra para
variar.
Oficial – Ramoaldo(?) Baltazar
Test.ª – Pronto.
Oficial - Ponha-se ali a ladrar.
Juiz – Jura a verdade dizer?
Test.ª – Pela saude dum burro
Que tenho aquasi a morrer.
Confunde-se com a palavra berço. Acreditamos que a intenção é escrever barco.
255
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
Juiz – como se chama?
Test.ª – Ramoaldo(?) Baltazar
Para o servir e amar.
Oficial –Voçê que já não dá rêgo
Vá beber agua do Lamêgo.
João Chouriça Carapau.
Juiz – Que idade tem?
Test.ª – pronto
Test.ª – Estou aqui a fazer 69?
Oficial –Arre, mosso, você é mouco?
Vá á presença do Snr. Juiz.
Juiz – Em que se oucupa?
Test.ª – Ferrador de bestas Snr. Dor.
Juiz – De onde é natural?
Test.ª – Sou natural de minha mãe e de meu pae (sic).
Juiz – Onde mora?
Tets.ª – Aqui por esta rua fóra.
Juiz – tem algum parentesco com o reu?
Test.ª – Nada disso.
Juiz – Responda ao Snr. Dr. Delegado.
256
Delegado –O que me diz o Senhor deste peixe
desalmado?
Testemunha –Digo que tem dois defeitos
Que nos não serve de ampáro
[Fl.7v] O primeiro tem muito sal
O segundo é muito cáro.
Delegado – Não sabe dizer mais nadá?
Test.ª – Sei que tenho lá um burro,
Que saiu assim casmurro
Por comer n’um arraial
Bacalhau com muito sal
E o que poço afiançar
É que o burro vae-se a pelar
Quando isto dá nos burros
O que fará então na gente.
Delegado – Satisfeito Snr. Presidente.
Juiz – O Oficial, leve esta e traga outra
de defeza (sic).
Juiz – Jura dizer a verdade?
Test.ª – Se vim tarde?
Juiz – Pregunto (sic) se jura dizer a verdade?
Tets.ª – Á Senhor. Sim Senhor.
Juiz – Como se chama?
Test.ª – José Chouriça Carapau.
[Fl.8] Juiz – Que idade tem?
Tets.ª – Só contei até aos 10
Juiz – Casado ou solteiro?
Test.ª – Sou viuvo Snr. Juiz
Juiz – Em que se oucupa?
Teste.ª –Vendo semente de couve.
Juiz – Onde mora?
Test.ª – Agóra? Agóra não trago.
Juiz – Onde mora, pregunto onde mora?
Test.ª – Á. Sou mesmo desta terra.
Juiz – Tem algum parentesto com o reu?
Test.ª – Sou primo afastado.
Juiz – Responda ao Snr. Dr. Advogado.
Advogado –O Snr. Chouriça Carapau
Conhece o reu Bacalhau?
Test.ª – Conheço até muito bem.
É da minha mocidade.
Advogado –Entao conte-nos lá tudo
Que elle fez depois do entrudo.
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Test.ª – O que é que o Snr. Dr. quér?
Advogado – Estou satisfeito.
Advogado – Que conte delle o que souber.
Juiz – Senhor Dr. Delegado, quer também
alguma coisa?
Test.ª – Á Senhor, sinhor (sic)!
Nunca fêz mal a ninguem
É peixe que só faz bem,
Que nos dá força e vigôr.
Advogado – Já ouviu dizer mal delle?
Test.ª – Tambem sim Senhor,
Tambem se lhe come a péle
Só os óços é que não
[Fl.8v] mas mesmo isso se aproveita
Para dar a qualquer cão.
Advogado –Não é isso pregunto se já ouviu dizer
mál do Bacalhau?
Test.ª – Á senhor. Não Senhor
E visto que tenho léu(?)69
Vou dizer deste aquelle
O que sei a favor delle.
Quando eu era rapasito
Tive um catarrál num pé,
E o alventario(?) receitou-me
Bacalhau de fricaçé
Depois tive uma polmenia
Neste joelho direito
Comi bacalhau com migas
Que me fez um grande efeito.
Mais tarde então quando as forças
Já me estão a falcroar(??)
É bacalhau a almôço
Á merenda e ao jantar.
E estou rijo e com saude
E o Snr. Dr. a comer
Prá i (sic) a borra dos bifes
Inda hade primeiro morrer.
69
70
Será léu ou Céu?
= degredados = enviados para o degredo
[Fl.9] Delegado – Você não gosta de carne?
Test.ª – Eu nunca tive sarna.
Delegado – Se você gosta de carne?
Test.ª – Á Sinhor. Não Senhor.
Essas porcariasinhas.
São bôas para os cartolinhas
A gente de varapau
Preferimos o bacalhau.
Delegado – Nada mais.
Juiz – Olhe lá ó velhote. Se lhe dessem dois
pratos um com bacalhau e outro com
carne de porco ou vacca qual delles
escolhia.
Test.ª – Se o Snr. Dr. dá licença
Eu escolhia o bacalhau
Que é animal sem doença
E deixava-lhe a carnoiça
Talvez de molastia cheia
Para comer á sua ceia.
Juiz – O oficial mande estar tudo calado
Quando não caldo entornado.
Oficial – O meus Senhores ou tapam o garrafão
O então vão degradados70 p’ró tasco do
Vale Carvão.
Juiz – Oficial traga outra testemunha.
Oficial – Francisco Antonio
(esta testemunha é um prêto)
Test.ª – Pronto Seôr
Juiz – Como se chama?
Test.ª – Prêto Francisco Antonio.
257
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
[Fl.9v] Juiz – Quantos anos tem?
Delegado – Mas de qual gosta mais?
Test.ª – Mais de 20
Test.ª – Mãe de prêto é que sábe.
Test.ª – Gosta de bacalhau
Gosta de galinha
E marufo é bom
Melhor que sardinha.
Juiz – Em que se oucupa?
Delegado – Satisfeito.
Test.ª – Faz de creado de servir.
Juiz – Gosta de bacalhau?
Juiz – De onde é?
Test.ª – Preto gosta muito.
Test.ª – Da Canhoca, provincia d’ Ambáca.
Juiz – Gosta de presunto?
Juiz – Tem algum parentesco com o reu?
Test.ª – Prêto gosta muito.
Test.ª – Não ter parentes Siôr.
Juiz – Qual acha mais agradavel?
Juiz – Responda ao Snr. Dr. advogado.
Test.ª – O Bacalhau fáz melhor
À natureza do cadevél.
Juiz – Mas quanto são esses mais?
Advogado – Olhe cá, conhece o reu?
258
Testemunha –Conhecer muito bem.
Preto já comer açado (sic),
Já comer de fricaçé
Também já comer a meneira,
Até já o comer crú,
E é bem bôa a esbrincadeira (sic).
Juiz – Mande-m’o lá para Ambáca
Pentear um macaco.
Advogado – Já ouviu dizer mal delle?
Oficial – Peça-o ao Snr. Pinheiro.
Test.ª – Dizer só bom e fáz bem
A quem doença tiver
Cura com toda a certeza
O cadevel da natureza.
Juiz – Chame a outra testemunha.
Advogado – Não é preciso mais.
Juiz – Snr. Dr. delegado.
Delegado – Gosta de carne?
Test.ª – Sim Seôr.
Delegado –Se lhe poserem um prato com
uma galinha açada e outro com
bacalhau cosido, qual das co
midas escolhia?
[Fl.10]
Test.ª – Preto comia tudo.
Oficial –Vá beber vinho abafado
á taberna do Dourado.
Test.ª- Preto não ter dinheiro
Oficial – Aniceto Figuerêdo.
Test.ª – Sou eu.
Oficial – Responda ao Snr. Dor. Juiz.
Juiz - Promete dizer a verdade?
Test.ª – Como bróculos (sic).
Juiz – O seu nome?
Test.ª – Aniceto Figueirêdo.
Juiz – Edade (sic)?
Test.ª – 48 primavéras.
Juiz – De onde é?
[Fl.10v]
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Test.ª – Sou desta desgraçada terra
onde é tudo caro.
Juiz –Mas onde foi Você descobrir trez ólhos a
qualquer pessôa?
Juiz – Em que se oucupa?
Test.ª – Essa agóra é muito bôa.
Então o Snr. Juiz
Não tem 2 junto do nariz
E outro do outro lado
Mesmo nas costas no cábo
Chamado o ôlho do rábo?
Test.ª – Sou capador de porcos, com sua
licença.
Juiz – Tem algum parentesco com o baca
lhau?
Test.ª – Nada disso.
Juiz – Responda ás perguntas do Snr. Dr.
advogado.
Advogado –O Snr. Figueiredo que anda recupre
de terra em terra hade ter encon
trado muita vêz o reu bacalhau.
Test.ª – Em certas partes se não fosse elle
Levava-me o diabo e a péle.
Advogado – E de que mais nos pode informar.
Test.ª – Todas as vêzes que o como
Sabe-me que ném um figo
E sempre lhe ouvi chamar
A todos fiel amigo.
Juiz – Está muito bem sim senhor.
Não fosse você capador.
Test.ª- Isso é que são desenções
Pois elle fica pegado
Onde eu faço as operações…
Juiz –Ó oficial como ahi não há quem
precise ser capado
Ferre com elle na rua
Porque é muito mal creado.
E chame a outra testemunha.
Oficial – Malaquias d’Alverca.
Test.ª – Cá estou
Oficial – Á prezença do Snror Dr. Juiz.
Advogado – Já alguma vêz lhe fez mal?
Juiz – Jura dizer a verdade?
Test.ª – Isso sim Senhor Soutor
Nunca fêz mal a ninguem
É este um peixe tão util
Que até aos tizicos fáz bem.
Test.ª – A toda a sciedade (sic).
Test.ª – Malaquias d’Alverca
Quem comer bacalhausinho
Hade ter saude a molhos
E quem na febre se meter
[Fl.11] Depreça fécha os trez ólhos.
Juiz – Como se chama?
[Fl.11v]
Juiz – Quantos anos?
Test.ª – Entre 20 e 59
Advogado – Estou satisfeito Snr. Juiz.
Juiz – Em que se oucupa?
Juiz –Explique-me cá uma coisa. O que
quer a testemunha referir quando diz:
quem na febre se meter depreça fecha
os trez ólhos?
Test.ª – Sou hortelão
Test.ª – Quero dizer que morre.
Juiz – Casado, solteiro ou viuvo?
Test.ª – Inda solteiro por causa das
substancias.
259
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
Juiz – De onde é?
Juiz – Jura dizer a verdade?
Test.ª – Da provincia da Estremadura.
Test.ª – Sim Senhor.
Juiz – Tem algum parentesco com o reu?
Juiz – Como se chama?
Test.ª – Nada é.
Test.ª – Com a bôca.
Juiz – Responda ao Snr. Dr. [Delegado]71
Juiz – Qual é o seu nome?
Advogado – O que sabe do Bacalhau?
Test.ª – Sou Barimbau Poutra.
Test.ª – Nada sei Snr. Doutor
Apenas por ouvir dizer
Que é bom e fiel amigo
Mas não por eu o comer.
Que eu antes quero pão de trigo.
Não me fáz maior cobiça
Porque eu só como hortaliça.
Juiz – Que idade tem?
Advogado –Então é á scistema (?) Cisne(?)
260
Test. ª –Carne só aquela que estimo
Ali fresquinha e sã
É a da minha mulher,
Isso então é que lhe arrimo
Então n’isso é que conheço
Que um homem não é de gêsso.
Advogado – Sim Senhor. Não quero saber mais nada.
Delegado – Tambem evito a massada.
Juiz – Ponha-me fóra este côrvo
[Fl.12] Cheio de gana
Que só gosta de carne humana.
Oficial – Vá para o campo comer palha
O seu félpa (?) seu grande grálha.
Test.ª – Até o comia a si.
Oficial – Pois sim, suma-se daqui.
Juiz – Chame a outra testemunha.
Oficial –Barimbau Poutra, por alcunha
o Pouca Roupa.
Test.ª – Mais de 50 entrudos.
Juiz – E a sua profição?
Test.ª – Fabriquei em tempo pão.
Juiz – Onde mora?
Test.ª – Assisto lá para a Baixa.
Juiz – Tem algum parentesco com o reu?
Test.ª – Eu não Senhor.
Juiz – Responda ao Snr. Dr. advogado.
Advogado –Meu amigo Barimbau
Conte-me se fáz favor
O que souber do Bacalhau.
Test.ª – Sim Senhor, Senhor Doutor.
[Fl.12v]
Nas minhas rapaziadas
Comia-o centos de vêzes
Com respoitosas taxádas (sic)
Sem por isso haver revézes
É peixe de tão bons figados
Que até delles se extrai
Um oleo que cura os tizicos
É do Bacalhau que sáe (sic).
E náda mais tenho a dizer
E se me despacho cêdo
Inda vou beber um cópo
Ao tásco do Gudefrêdo.
Test.ª – Presente.
71
Texto rasurado. Superior à linha, a lápis, em jeito de emenda lê-se: advogado.
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Advogado – Nada mais.
Que ao pé de mim nada vale
Mas meteu-se-lhe na cabeça
O ser a minha rival
Ha 4 semanas a fio
Que essa bixa me fáz mal
Com todo o seu biaterio
Neste meio comercial.
Não me faltava mais nada
Sim… Em rica, formosa e bôa
Bem vestida e bem calçada,
[Fl.13v] Senão ser por uma barrôa
Assim tão desconciderada
Oficial – Nada mais Senhor Doutor.
Ela é a causadora
Do Bacalhau ser julgado
Pois deve ser enterrada
Onde ele for enterrado.
Juiz – Senhora Paschoa
[Fl.13] Rainha dum bom manjar
Póde falar.
E enquanto eu tiver riqueza
Minha bixa feiticeira
A cadeia é tua esteira.
Paschoa –Eu confirmo a minha queixa de
folhas trêz
E acrescento inda mais o que desier (sic)
desta vez.
E não quero mais acusar
Porque já déve sobrar.
Tenho a força tenho a lei
Tenho a meu lado a riqueza
Tenho o povo todo inteiro
De ganhar tenho a certeza
Quaresma – Senhor Juiz.
Por isso digo bem alto
Sem mim éra só tristeza
Sem mim éra só jejum,
Sem mim era só magreza!
Onde houver festa eu lá estou
Logo chamada prá meza
Convidada sempre sou
Para tudo quanto é grandeza
Não me comparo francamente
Com a quaresma indulente
Delegado –Ó Senhor Barimbau Pouca Roupa
Qual gosta Você mais
É do Bacalhau salgado
O’de Cabrito bem guisado?
Test.ª – Ahi é que está o raio
Marcha o que o Tarouco dér
Lá’na casa do ençaio (sic).
Delegado – Contem lá com mais um bico.
Juiz – E eu á porta não fico.
Ó oficial esta lá para tráz
Mas não deixe ir atrombar
Sem a audiencia acabar.
Ha mais alguma a depôr?
Juiz – Quaresma.
Juiz – Arrebita o teu nariz
E diz então o que és.
Quaresma –Sou tudo ao contrário
Daquela senhora
Sou pobre economica
Não sou impestora.
Não vivo de luxos
Nem tenho de li(?)
Inormes cartuxos.
Não fui inducada
Pobre é o meu lár
Bonita não sou
Nem sei bem falar
261
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
262
[Fl.14] Meu trájo é modesto
Como é o meu póste
Desejo-lhe a vida
E ella a mim a morte.
Mas bem como sou
Tenho mais vergonha
Que essa fidalguinha
Cobérta de ronha.
E vem-me acusar
por eu ser amante
D’um peixe do már!!!
Porque é que o comeu
Durante 4 semanas
Com espinhas e barbatanas?
Levante a ponta do véu
Que encobre essa málvadez
Diga á lei e conte ao ceu:
Que o comeu mais d’um mês
Muito por sua vontade
Que ninguem a obrigou
Foi ao práto o melhor peixe
Que o már á terra deitou.
Se no negocio do chouriço
Perdeu então bom dinheiro,
Foi ganhal-o o hortelão
Ceriaes e mercieiro
Eu não fiz mal ao comercio
Deste pequeno Paiz
Nem sou nenhuma barrôa
Como essa cócóte diz.
[Fl.14v] Deus te dei (sic) muita chouriça
Náda mais Senhor Juiz.
Apenas pedir justiça.
Juiz – Dou um pequeno intervalo
Que um homem não é de bárra
Para quem tráz o gáto cheio
Poder fumar um cigárro
E beber-lhe litro e meio.
________
________
________
Ó Oficial. Ponha-me tudo nos eixos
E mande limpar os queixos.
Sequem os debates e tem a
palavra o Snr. Dr. Delegado.
Delegado –Ha muitos anos que oucupo (sic)
Este logar tão honroso
Mas com um tão grande crime
Nunca vi um criminoso.
Eu éra mais creminoso (sic)
Se o deixassse escapar
Pela malha desta rêde
Sem muito o acusar.
Acusa-o a razão
Acuso-o eu neste instante,
Acusa-o a Senhora Paschoa
E acusa-o a propria amante.
Elle mesmo a si se acusa
E se não me falha a muza (sic)
Vejamos.
[Fl.15]
Em questões comerciaes
Fez ella a Senhora Paschoa
O que se não fáz aos pardaes
A propria amante o acusa…
E dize-lo não recusa
Que a Senhora Paschoa o comeu
Durante 4 semanas
Com espinhas e barbatanas
Óra isto francamente
Póde ser um cidadão
Esse que sustenta a gente
Como quem sustenta um cão?
Elle mesmo a si se acusa
Disse eu e vou provar
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Repassem Senhores jurados
Aquelle modo de testár
É modo dos condenados.
Vem para aqui sem cabeça
Este peixe do diabo
E tráz para a gente comer
as barbatanas e o rábo.
Isto só é o bastante
Para elle ser repugnante.
E então as testemunhas
Fizeram-lhe tão mais referencias
Que evito falar nelas
Porque as ouviram Vossas Excelencias.
Devem ter muito cuidado
E creiam que não é fórte
[Fl.15v] Se elle fôr condenado
Na última pena de morte.
E disse.
Juiz – Toma a palavra o Snr. Dr.
Advogado do reu.
Advogado –(levanta-se e começa a falar muito agradável para o juiz)
Senhor Doutor Juiz de Direito
Com o maior respeito
Vejo Vossa Excelencia com a inte
ligencia, capacidade e honradez
Suficiente para fazer pura
Justiça como sempre.
(para o Delegado)
Respeitabilissimo Colega,
(para os jurados)
Senhores jurados,
(para o pouvo)
Respeitavel auditorio
Depois deste falatório
Pregunto eu apenas isto…
72
Enterra-se o bacalhau
E prendesse aquella mulher
Simples e sinceramente
Porque o Senhor Delegado quer?
Acusar com próvas certas
Acusar com consciencia
Esse sagrado dever
Não cumpre Vossa Excelencia.
Acusa-se um desgraçado
Porque aquelle mode (sic) de estár
É modo de condenado.
Esta é que é de matar!
Esta só com uma tranca
[Fl.1672] Digo eu para aquella banca.
Senhores Jurados.
Vejam muito bem o crime
Que aqui se está arranjar…
Vejam as gavarolices
Que nos veio apresentar
A Paschoa raça infernal
Mais rica que o pouvo (sic) inteiro
Vem pensar que o tribunal
Se troca pelo seu dinheiro.
Cautela com essa leria
Se as de acusação são compradas
Pelas testemunhas de defeza (sic) se vê
Que as de acusação são compradas
Por isso as suas palavras
Não devem ser concideradas (sic).
E demais Senhores Jurados
O Codigo Penal diz claramente:
Antes absolver dez criminosos
Que condenar um inocente.
A Quaresma essa coitada
Provou-se á coincidencia
Que tambem mál algum fêz
Na margem superior encontra-se a assinatura de Manuel Lopes Maioral.
263
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
E visto a sua inocencia
Inocencia nua e crua
Deve também ir para a rua.
Justiça p’ró inocente
Que enche a barriguinha á gente
[Fl.16v] E disse.
Delegado –Senhor Juiz dá licença?
Pode falar73
264
Senhores Jurados.
Visto que estes advogados
Me pucham (sic) pelas escravêlhas
E que são tão mal creados
Como os que guardam ovelhas
Vou a acusação provar
E pôr-me no meu logar.
Disse Senhores jurados a testemunha de defeza Malaquias d’Oliveira
Sendo do Bacalhau tão amigo
Que é peixe que não gosta
Que prefere o pão de trigo
Quando esta testemunha diz isto
O resto já está visto.
O burro do Remoálvo
Por comer num arraial
Bacalhau até esta(?) calvo
E diz elle e com razão
Quando isto dá nos burros
O que fará num cidadão.
Vejam esse marinheiro
Que deitou todo inteiro
Por baixo pelo trazeiro
E o pobre Ramon coitado
[Fl.17] Com aquilo atravessado
Uma inorme assim
Também no mesmo boraco
73
(para o bacalhau)
Isto é peor de que num sapo
Não sou eu que o condeno
É quem vem aqui sepôr
Eu faço apenas justiça
E a ninguem faço fávôr.
Não admite ao Snr. Doutor
Qualquer desconcideração
Quando prendo-o mais curto
E deminuo-lhe a ração.
Senhores jurados vejam bem o que
vão fazer
Só na justiça me fio
Para não haver mais demoras
Tenho a barriga a dár horas.
Disse
Advogado – Senhor juiz dá licença?
Juiz – Pode falar.
Advogado –Um homem que guarda ovêlhas
Pode ser serio e honrado
Nunca o é quem não encerra
Aquelle dever sagrado
No seio da justiça da terra.
Por isso eu peço justiça
E apresento fundamentos
Testemunhas serias e fixas
[Fl.17v]
Que não são nenhuma (sic) jumentos
Vejam bem o hortelão
Que bem diz do coração:
Carne só a minha e
A da minha minha (sic) mulher
E é quando está fresquinha.
Até dá oleo pr’ós tizicos
Diz o nosso Barimbau!
E ainda te querem mál
Escrito a lápis. Provável anotação posterior, dando a resposta do Juiz.
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Desgraçado Bacalhau!
Se não fosse o Bacalhau
Ao coprador(sic) ser fiel
A fome já era tanta
Que lhe levava o diabo a péle.
O prêto Francisco Antonio
Jura com grande certeza
Que cura toda a doença
Do cadavel da Natureza.
O Chouriça Carapau
Curou já um catarral
E uma pneumonia
Comendo deste animal.
Já veem Senhores Jurados
Quem é assim defendido
É que tem grande partido.
É um crime condenar
Em nome da lei eu digo
Quem nos serve de manjar
[Fl.18] E que é fiel amigo.
Justiça e disse.
Juiz – Estão encerrados os debates
Findaram os dispartes.
Levante-se o réu.
Diga lá seu maranteu
Se tem mais a alegár
Antes da buxa gramar.
Eu não poço admitir
Que este peixe do diábo
Traga para a gente comer
A barbatana e o rabo.
Bacalhau –Pobre de mim coitadito
Que não fiz mál a ninguem
Nunca pratiquei o mál
A todos fiz sempre bem.
E agora inda em cima
Tentam em me condenar
Maldito sejam aquelles
Que tiverem tal pensar.
Juiz – Podes-te sentar.
Senhor escrivão
Escreva os quezitos desta reinação
Para acabar a entriga
E fazermos bem á barriga.
Escrivão – Já lá vem?
[Fl.18v]
Juiz – O réu Bacalhau é acusado pelo
libelo do Ministério Público de que
nos chatiou (sic) durante 4 semanas
prejudicando segundas pessoas no
comercio.
A circunstancia agravante de que
o reu obrigado pella Quaresma pre
judicou o comercio faz então com que
o chouriço etc: baixasse.
Que o reu meteu uma espinha
no ôlho do baixo ventre á testemunha Ramon e que fez um
burro pelar-se
Está ou não provado?
Que o reu cheira mal não tem
nariz, cara, bôca, barriga, ou
bico e que a vergonha é pouca
Está ou não provado?
Que fáz ancias (sic), tem muito sál
E é cáro este animal
Está ou não provado? A circunstancia atenuante
que o reu é fiel amigo e que
o seu olio é proveitoso
Está ou não provado?
Que fáz bem á saude e sabe que
nem um figo
265
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
sem fazer mal ao umbigo
[Fl.19] Está ou não provado?
Quaresma –(chora) O melhor é chorar antes
Na cama que é logar quente.
Que fáz bem á pobreza
E ao cadável da Natureza
Está ou não provado?
Que cura catarrais e peneumenias (sic)
num momento.
E que tem bom comportamento
Está ou não provado? Juiz – Deixamos de choradeiras
Para ver se isto vae ao cabo
Depois do burro estar morto
Não vae a sevada (sic) ao rábo (?)
Escrivão – (Entrega ao juiz os quezitos)
Pronto Snr. Juiz
Os quezitos como quis.
Juiz – (Pega nelles e entrega-os ao presidente
do jure (sic))
Tome entregue destes assumptos
Mas não sejam sempre defuntos.
266
(Os jurados conversaram uns com os outros, lendo
os quezitos e resolvendo as respostas e d’ahi por
pouco tempo volta o jurado presidente a entregar
ao juiz)
Juiz
–(Escreve a centença74 e depois lei75)
Levanta-te desgracado Bacalhau
Vou ler a tua centença
Vou dizer a tua sorte
Diz adeus á tua amante
Que tens a pena de morte.
Vaes ser morto e repartido
Pelos do grupo e inda és pouco
E depois vaes ser comido
Na adega do Tarouco
[Fl.19v]Tem paciencia amigo meu
Mas foi a lei que tu deu.
Tu Quaresma dou-te a pena
de cadeia,
4 semanas é melhor que fazer meia (?)
Advogado –Apélo para o Venerando Tribunal
de Lisboa
Quaresma –Espera fidalga da trama
Que mesmo lá da cadeia
Te mando fazer a cama
Pró ano vaes pagar tudo
Quando acabar o entrudo.
Juiz – Senhor escrivão
Passe mandado de condenação
Ao ençaio
E a guarda tenha cuidado
Não apareça algum gaio
Que lhe coma algum bocado.
E eu em nome da sociedade
Agradeço a todo o pouvo
[Fl.20]76 Que nos quizeram ouvir
Caladinhos como um ôvo
Desculpem qualquer dizer
Que não foi para ofender!
Viva a sociedade do enterro do Bacalhau!
Viva o pouvo desta terra!
Fim
Bacalhau –(chora) Adeus amante tão querida
Vae-se esta paixão ardente
(sic)
Leia-se: lê.
76
Fólio avulso, de tamanho mais reduzido que os restantes. Trata-se, provavelmente, de um acrescento ao texto, inserido para
finalizar a fala do Juiz. Não sabemos se esta folha apensa é contemporânea do restante documento.
74
75
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Anexo iconográfico
267
Fig.1 _ A celebrização do orador José Augusto pelas suas críticas ao Governo. Gravura de Rafael Bordalo Pinheiro, “O Popular
José Augusto, orador do enterro de Bacalhau”, publicado em
”O António Maria”, 25/03/1880.
Fig.3 _ No “Tribunal”: à esquerda, identifica-se a Páscoa festiva e, à direita, a Quaresma pesarosa. Ao centro, em primeiro
plano, o réu – o Bacalhau. Enterro do Bacalhau em Zibreira, Torres Novas [1985, século XX]. Foto de João Carlos Lopes.
Fig.2 _ Travesti (testemunha ou Páscoa, a julgar pelo vestido
garrido e o ar “prazenteiro”). Enterro do Bacalhau em Lapas,
Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes.
Fig.4 _ No “Tribunal”: pode ver-se, ao centro, o Juiz de longas
barbas brancas. Enterro do Bacalhau em Zibreira, Torres Novas
[1985, século XX]. Foto de João Carlos Lopes.
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
Fig.6 _ Em cena, durante o Julgamento do Bacalhau: em primeiro plano, o réu Bacalhau; ao centro, em segundo plano, testemunha esbracejando; à direita, a mesa do tribunal. Enterro do
Bacalhau em Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80 século
XX]. Foto de João Carlos Lopes.
268
Fig.5 _ Provável testemunha ou Quaresma, a julgar pelo traje
de luto – Enterro do Bacalhau em Zibreira, Torres Novas [1985].
Foto de João Carlos Lopes.
Fig.7 _ Elenco do Julgamento do Bacalhau – Parceiros da Igreja,
Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes.
Fig.8 _ Em cena, durante o Julgamento do Bacalhau: testemunha - Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX].
Foto de João Carlos Lopes.
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
Fig.9 _ Elenco do Julgamento do Bacalhau (provavelmente são
testemunhas) – Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80,
século XX]. Foto de João Carlos Lopes.
Fig.12 _ Testemunha – Enterro do Bacalhau em Parceiros da Igreja,
Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes
Fig.10 _ Em cena, durante o Julgamento do Bacalhau: testemunha – Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX].
Foto de João Carlos Lopes.
Fig.11 _ Elenco do Julgamento do Bacalhau: a Quaresma, de
preto vestida, e a alegre Páscoa, de branco – Parceiros da Igreja,
Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes.
Fig.13 _ Em cena, durante o Julgamento do Bacalhau: testemunha
(em primeiro plano) e carrasco (em segundo plano) – Parceiros da
Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes.
269
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
270
Fig.14 _ Programa da “Récita no Salão do Salvador”, promovida pelo Grupo Cénico da Juventude Católica, onde se apresentou o
Julgamento do Terra Nova (8 de Dezembro de 1944, Salão do Salvador, Torres Novas). Este documento é propriedade de José Carlos
Carreira e foi reproduzido e publicado com a sua autorização.
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
271
Fig.15 _ Interior do programa da “Récita”, promovida pelo Grupo Cénico da Juventude Católica. Aqui pode ler-se os nomes das personagens e dos intérpretes da opereta O Julgamento do Terra Nova apresentado na 3.ª parte do espectáculo (8 de Dezembro de 1944,
Salão do Salvador, Torres Novas). Este documento é propriedade de José Carlos Carreira e foi reproduzido e publicado com a sua
autorização.
NOVA AUGUSTA
Margarida Moleiro
FONTES E BIBLIOGRAFIA
FONTES ORAIS
_ Filomena Gonçalves Ferreira
_ João Carlos Lopes
_ João Maria Ferreira
_ Joaquim Rodrigues Bicho
_ José Carlos Carreira
FONTES ESCRITAS
_ Textos dramáticos da representação do Julgamento/Enterro do Bacalhau (redigidos a partir da memória de João
Maria Ferreira)
_ Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas (em tratamento no arquivo intermédio, com o número provisório 87)
_ O Enterro do Bacalhau, texto dramático representado na freguesia da Zibreira, em 1985, reescrito integralmente em
João Carlos Lopes – Geografia e Cultura – Caracterização Etnográfica do Concelho de Torres Novas (I). Torres Novas:
Câmara Municipal de Torres Novas – Pelouro da Cultura, 1985 [Texto policopiado], pp. 44-86
_ O Enterro do Bacalhau, manuscrito da representação do enterro do bacalhau (propriedade de José Marçalo), realizada em Árgea, em 1959. Transcrito em Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005, pp. 312-324.
272
Periódicos
_ Jornal O Almonda, 25 de Novembro de 1944, Secção «Pela Vila», p. 2
_ Jornal O Almonda, 26 de Março de 1955, Secção «.....- LAPAS», p. 5
_ Jornal O Almonda, 9 de Abril de 1955, Secção «O Almonda nas Aldeias», p.2
_ Jornal O Almonda, 19 de Março de 1960, Secção «Pelo Concelho - Árgea» p. 2
_ Jornal O Almonda, 16 de Abril de 1960, Secção «Pelo Concelho – Árgea», p. 5
_ Jornal O Almonda, 7 de Maio 1960, Secção «Pelo Concelho – Árgea», p. 5
_ Jornal O Almonda, 08 de Abril de 1961, Secção «Pelo Concelho», p. 3
_ Jornal O Almonda, 28 de Janeiro de 1961, Secção «Pelo Concelho -LAPAS», p. 5
_ Jornal O Almonda, 03 de Abril de 1987, «Serração da Velha e Enterro do bacalhau», p. 9.
_ Jornal O Almonda, 08 de Abril de 1961, Secção «Pelo Concelho», p. 3
FONTES ICONOGRÁFICAS
_ Fotografias do Enterro do Bacalhau em Lapas, Torres Novas, década de 1980, cedidas por João Carlos Lopes
_ Fotografias do Enterro do Bacalhau em Zibreira, Torres Novas, 1985, cedidas por João Carlos Lopes
_ Fotografias do Enterro do Bacalhau em Parceiros de Igreja, Torres Novas, década de 1980, cedidas por João Carlos
Lopes
_ Gravura de Rafael Bordalo Pinheiro, “O Popular José Augusto, orador do enterro do Bacalhau, publicado em
“O António Maria”, 25/03/1880
_ Programa da “Récita no Salão do Salvador”, promovida pelo Grupo Cénico da Juventude Católica, onde se apresentou
o Julgamento do Terra Nova (8 de Dezembro de 1944). Documento gentilmente cedido por José Carlos Carreira.
NOVA AUGUSTA
O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas.
BIBLIOGRAFIA
_ BRAGA, Teófilo – O povo português nos seus costumes, crenças e tradições. Vol. II. Publicações D. Quixote, 1986,
pp. 190-199
_ BICHO, Joaquim Rodrigues – Salão do Salvador, meio século de actividade cultural em Torres Novas. Torres Novas:
Município de Torres Novas, 2003
_ BICHO, Joaquim Rodrigues – Torres Novas memória e costumes: 1936-1950. Torres Novas: Município de Torres
Novas, 2006
_ CÂNCIO, Francisco – Ribatejo lendário e Pitoresco. Santarém: Junta da Província do Ribatejo, 1946/47
_ CARDOSO, Carlos Lopes – Do Gordo Entrudo à Páscoa das Flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC,
1982
_ COELHO, Adolfo – Festas costumes e outras matérias para uma etnografia de Portugal. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1993
_ LEITE DE VASCONCELOS, J. – Etnografia Portuguesa. Vol. I a VIII. Organização de M. Viegas Guerreiro. Lisboa:
Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1989
_ LEVI-STRAUSS, Claude – Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 1971
_ LOPES, Aurélio – Religião popular no Ribatejo. Tomar: ed. Ass. Distrital de Santarém, 1995
_ LOPES, Aurélio – Tempo de Solstícios. Santarém: ed. Jornal O Mirante/Câmara Municipal de Santarém, 1998
_ LOPES, Aurélio – A face do caos. Ritos de subversão na tradição popular. Santarém: Garrido Edições, 2000
_ LOPES, João Carlos – Geografia e Cultura – Caracterização Etnográfica do Concelho de Torres Novas(I). Torres
Novas: Câmara Municipal de Torres Novas – Pelouro da Cultura, 1985 [Texto policopiado], pp. 44-86
_ LOPES, João Carlos – As últimas tabernas de Torres Novas. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1997
_ MAIA, M.ª Helena, POITOUT, Manuela e BATISTA, Luís – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de
Torres Novas, 2005, pp. 283-287 e 312-324
_ MARTINS, Bertino Coelho – Lapas. História e tradições. Torres Novas: Serviços Culturais da Câmara Municipal de
Torres Novas, 1991, p.149
_ VEIGA D’OLIVEIRA, Ernesto – Festividades Cíclicas em Portugal. Lisboa: D. Quixote, 1984, pp. 17-84
273
275
ARQUEOLOGIA
Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas
Gonçalo Lopes*
João Tereso
Das escavações do imóvel N.º121 da Rua Carlos Reis resultou a descoberta de
18 silos medievais. Do conjunto de silos estudados, destaca-se o n.º 13 de onde
se extrairam materiais dos séculos XII e XIII. Neste estudo, Gonçalo Lopes e
João Tereso analisam uma faca em ferro, de grandes dimensões, que ainda
conserva parte do cabo original em madeira. A perecibilidade da madeira justifica que usualmente não sejam arqueologicamente conhecidas as matérias-primas lenhosas utilizadas no fabrico de cabos de utensílios, o que confere
um carácter excepcional a este achado.
*Licenciado em História,variante de Património Cultural pela Universidade de Évora.
277
NOVA AUGUSTA
Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas
Nota Introdutória
Em 2006, entre os meses de Abril e Junho,
foi intervencionado o imóvel (nº 121) que faz a
esquina das ruas Carlos Reis e General José
de Vasconcelos Correia, no centro histórico
de Torres Novas.
Inicialmente, apenas estava previsto o
acompanhamento arqueológico da remodelação do edifício, mais tarde, por imposição da descoberta de 18 silos medievais, foi
escavada toda a área onde a destruição das
estruturas era inevitável1.
Do conjunto de silos escavados (Costa
et al., 1997), interessa referir o silo 13, cujo
espólio já foi previamente estudado (Lopes,
2007) e revelou um horizonte material
próximo dos finais do séc. XII, inícios do
séc. XIII, com alguns materiais, nomeadamente um cantil, de procedência almóada.
Daqui destaca-se uma peça que, devido às
excepcionais condições de conservação de
uma das suas partes, justificou um estudo
mais aprofundado: uma faca em ferro, de
grandes dimensões, que ainda conserva
parte do cabo original em madeira.
Sendo banais em contextos de lixeira
medievais (sobretudo), os objectos em
ferro são recorrentemente negligenciados
quando se chega à fase de tratamento do
espólio de qualquer escavação.
O ferro é o metal que coloca mais problemas de conservação e, não raras vezes,
1
2
as peças deste material, devido às especificidades da sua oxidação2, saem do lugar
da intervenção arqueológica sob a forma
de pedaços informes de ferrugem. Geralmente completam o seu ciclo de corrosão
à espera de tratamento laboratorial, perdendo-se de forma irremediável.
No entanto, como veremos, neste caso
em particular, a oxidação permitiu a conservação de um elemento orgânico que,
em condições normais, teria desaparecido
sem que dele se pudesse extrair qualquer
informação.
279
Fig.1 _ Localização do nº 121 da Rua Carlos Reis na malha urbana
de Torres Novas
Os trabalhos arqueológicos foram dirigidos por Ana Filipa Rodrigues e Teresa Costa, da empresa CRIVARQUE Lda.
A oxidação do ferro é muito mais rápida e instável do que a que ocorre nos outros metais, sendo extremamente raro encontrar
peças bem conservadas em contextos arqueológicos.
NOVA AUGUSTA
Gonçalo Lopes e João Tereso
1. Contexto Arqueológico
A faca em questão foi recolhida, como
atrás ficou dito, do enchimento do silo 13,
identificado junto à parede Sudeste do edifício vizinho, cuja construção perturbou
significativamente as preexistências.
Em termos de proveniência estratigráfica, a peça foi exumada na unidade estratigáfica 14 (U.E. 14), a única do silo 13 que
continha espólio arqueológico, caracterizada, essencialmente, por ser uma camada
“orgânica”, argilo-arenosa, de tonalidade
cinzento-escura com carvões, nódulos de
argila e areia amarela.
280
Fig.2 _ Representação gráfica do silo 13.
Esta unidade estratigráfica foi datada,
de forma contextual, de finais do séc. XII,
princípios do séc. XIII. Continha alguns fragmentos de cerâmica medieval cristã, restos
de fauna e um cantil almóada fragmentado
que foi determinante na obtenção da cronologia proposta (Lopes, 2007).
2. Caracterização Formal
A faca do silo 13, apesar de se encontrar
fragmentada (em três pedaços), apresenta
um razoável estado de conservação e,
após uma sumária limpeza mecânica, não
se constataram sinais de corrosão activa
muito acentuados revelando, portanto,
alguma estabilização química e física.
É constituída por duas partes distintas: a
área funcional, que corresponde à lâmina, de
gume único (204 mm de comprimento por
40 mm de largura máxima) e a área de encabamento, ou espigão, de secção rectangular
(85 mm de comprimento), onde se conservou
parte do revestimento original em madeira.
Estes dois segmentos juntos perfazem um
comprimento máximo de 297 mm.
O perfil é vagamente arqueado, com uma
quebra acentuada no dorso, alguns centímetros antes da extremidade distal. Esta
característica confere à ponta um aspecto
recurvado, em sentido ascendente, que na
realidade não tem.
Até ao momento, não estão disponíveis
muitos exemplares publicados de facas
medievais encontradas em contexto arqueológico e os que existem reportam-se, quase
exclusivamente, ao Período Islâmico. As
NOVA AUGUSTA
Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas
Fig.3 _ Faca em ferro do silo 13.
facas descobertas em Mértola (Rafael,
2001), bem como a que provém do Convento de S. Francisco de Santarém (Lopes
e Ramalho, 2001), apresentam algumas
semelhanças com a peça de Torres Novas,
embora descobertas em contextos islâmicos. As diferenças notam-se principalmente
ao nível do cabo que, no caso das facas de
Mértola, foi fabricado em osso ao passo que
no de Santarém está, de todo, ausente.
3. Resultado da Análise Xilotómica
3.1. Material e Métodos
A conservação de materiais de origem
orgânica – no caso que nos concerne, os
vestígios vegetais lenhosos – em jazidas
arqueológicas poderá ser potenciada por
diversos factores. Estes prendem-se, essencialmente, com condições particulares que
potenciem o afastamento dos materiais
vegetais dos ciclos de degradação biológica
não mecânica (bacteriana), sendo a combustão incompleta (carbonização) e a existência de condições anaeróbicas as formas
mais usuais. Contudo, embora seja menos
comum, também o contacto com elementos químicos inibidores de actividade bac-
Fig.4 _ Faca do silo 13. Representação gráfica.
teriana – em especial os metais – poderá
potenciar situações de excepcional conservação (Piqué, 2006).
No caso aqui em estudo, a faca encontrada em escavações arqueológicas na Rua
Carlos Reis, n.º 121 (em Torres Novas), o cabo
de madeira da mesma foi parcialmente conservado pelo contacto com a componente
metálica (de ferro) oxidada do utensílio.
Esta característica é perfeitamente visível
a olho nu, dada a coloração castanha-alaranjada que o material lenhoso apresenta.
Esta impregnação de ferrugem, além de
conferir uma coloração peculiar, dificultou
o diagnóstico do fragmento pelos meios
convencionais da antracologia. Também a
fragilidade do fragmento se assumiu como
uma condicionante importante. Como tal, foi
281
NOVA AUGUSTA
Gonçalo Lopes e João Tereso
Fig.5 _ Aspecto do cabo da faca. A área mais fibrosa (à direita) corresponde à parte conservada do cabo.
282
efectuada a sua inclusão em LRWhite (London
Resin) com vista à obtenção de cortes finos.
Esta inclusão seguiu a metodologia definida
por Rosa Coelho da Silva (2004), dividida em
diferentes e consecutivas séries de desidratação, impregnação e inclusão3. De seguida
o fragmento foi seccionado com micrótopo
de deslize, de forma a obter as três secções diagnosticantes (Tranversal, Longitudinal Tangencial e Longitudinal Radial). Cada
amostra foi então alvo de uma coloração com
Safranina e montada em Bálsamo do Canadá.
Para a observação recorreu-se ao microscópio óptico, tendo o diagnóstico sido efectuado com recurso aos atlas anatómicos de
Schweingruber (1990) e Vernet et al. (2001) e
ainda a estudos específicos (Blokhina, 2007).
3.2. Resultados
O tecido lenhoso aqui em estudo foi identificado como Juglans regia L. – nogueira
– da família Juglandaceae, de acordo com
as suas características xilotómicas:
3
Secção Transversal: Porosidade difusa/
semi-difusa; poros pouco abundantes, isolados ou em múltiplos radiais de 2-3 poros;
tilos presentes.
Secção Longitudinal Tangencial: Raios 1-5
seriados; raios multisseriados até 35 células de
altura; série parenquimatosa não estratificada.
Secção Longitudinal Radial: Raios homogéneos ou ligeiramente heterogéneos com
uma fileira marginal de células quadradas.
Placas de perfuração simples.
Nota: A distinção entre o lenho de Juglans
regia e Ficus carica é particularmente difícil, em especial quando os tecidos lenhosos
se encontram em mau estado de conservação (Vernet et al., 2001). No presente caso,
a distinção foi efectuada através dos cortes
Tangencial e Radial.
3.3. Comentários
A madeira de nogueira é ainda hoje amplamente utilizada para trabalhos de marcenaria de diversa ordem. Este facto deve-se
Este procedimento decorreu na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, tendo contado com a ajuda e supervisão de
R. Astrid Bernal Garzón.
NOVA AUGUSTA
Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas
283
Fig.6 _ Cortes transversal (em cima à esquerda), tangencial (em cima à direita) e radial (em baixo). A escala corresponde a 50µm.
às suas características específicas que a
tornam actualmente um produto de elevado valor comercial, das quais destacamos,
segundo Voulgaridis e Vassiliou (no prelo) e
Carvalho (1954-55):
_Densidade média a alta
(0,58–0,75g/cm2);
_Textura fina;
_Madeira moderadamente dura;
_Mediana resistência à torção e elevada
resistência à distensão;
_Retracção mediana (radial 4.8%, tangencial 7.5%, volumétrica 12-14%);
_Boa estabilidade dimensional após
secagem adequada;
_Grande variedade de cores;
_Bom polimento: produz superfícies suaves.
Trata-se, assim, de uma madeira significativamente dura. As madeiras duras, não
obstante serem mais resistentes e duradouras, são normalmente mais fáceis de
trabalhar e permitem acabamentos melho-
NOVA AUGUSTA
Gonçalo Lopes e João Tereso
284
res – superfícies mais lisas – sendo este
claramente o caso da madeira de nogueira
(Carvalho, 1954-55). Como tal, é usualmente
empregue no fabrico de móveis, mas também esculturas, instrumentos musicais e
até coronhas de armas (Carvalho, 1954-55;
Carvalho, 2006; Voulgaridis e Vassiliou, no
prelo). Desta forma, não é estranha a sua
utilização para o fabrico de cabos de faca,
já desde a Idade Média, tal como testemunhado por este exemplar de Torres Novas.
A falta de paralelos arqueológicos para
o artefacto aqui estudado deve-se obviamente à natureza perecível e excepcional
do mesmo. De facto, a perecibilidade da
madeira justifica que, usualmente, não sejam
arqueologicamente conhecidas as matérias-primas lenhosas utilizadas no fabrico de
cabos de utensílios. De resto, são comuns
as referências a cabos de facas e outros
instrumentos elaborados em vários metais,
marfim ou osso (e.g. Castelo de Silves em
Gomes, 2003), materiais mais susceptíveis
de se conservarem ao longo dos tempos.
Agradecimentos
Deixamos aqui agradecimentos especiais
à Dra. Astrid Bernal Garzón, pela ajuda e
supervisão da inclusão e corte efectuados,
e ao Prof. Dr. José Pissarra, pela disponibilidade de instalações e equipamento. Um
agradecimento também à Dra. N. Blokhina
e ao Dr. Vassilios Vassiliou pela bibliografia
que amavelmente disponibilizaram.
Agradecemos ainda à Dra. Ana Filipa Rodrigues e à Dra. Teresa Costa pela cedência do
artefacto para a realização deste estudo.
Bibliografia
_ BLOKHINA, N. (2007) – “Fossil wood of the Juglandaceae:
Some questions of taxonomy, evolution, and phylogeny in
the family based on wood anatomy”. Paleontological Journal, Vol. 41, nº11, p. 1040-1053.
_ CARVALHO, A. (1954-55) – “Madeiras de folhosas. Contribuição para o seu estudo e identificação”. Separata do
Boletim da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais,
Vol. 5, 2ª série (Vol. XX), Fasc. II. Lisboa.
_ CARVALHO, L. (2006) – Estudos de Etnobotânica e Botânica Económica no Alentejo. Dissertação de Doutoramento. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade
de Coimbra.
_ COSTA, Cláudia; RODRIGUES, Filipa; COSTA, Teresa;
LOPES, Gonçalo (2007) – “Intervenção arqueológica no
nº 121 da Rua Carlos Reis (Torres Novas)”, Nova Augusta,
Nº 19, Torres Novas, Município de Torres Novas, p. 287 – 318.
_ GOMES, Rosa (2003) – Silves (Xelb), uma cidade do Gharb Al -Andalus: a Alcáçova, Trabalhos de Arqueologia, 35, Lisboa, IPA.
_ LOPES, Carla do Carmo; RAMALHO, Maria M. B. de Magalhães (2001) – “Presença islâmica no Convento de S. Francisco” in Garb: Sítios islâmicos do Sul Peninsular, Lisboa,
IPPAR, p. 31 – 87.
_ LOPES, Gonçalo (2007) – “Um cantil almóada em Torres
Novas”, Nova Augusta, Nº 19, Torres Novas, Município de
Torres Novas, p. 319 – 330.
_ PIQUÉ i HUERTA, R. (2006) – “Los carbones y las maderas
de contextos arqueológicos y el paleoambiente”. Ecosistemas. 2006/1.
_ RAFAEL, Lígia (2001) – “Metais, osso trabalhado e vidros”
in Museu de Mértola: Arte Islâmica, Mértola, Câmara Municipal de Mértola, p. 169 – 179.
_ SILVA, R. (2004) – Identificação de Madeiras Fósseis do
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_ SCHWEINGRUBER, F. H. (1990) – Anatomy of European
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_ VERNET, J-L; OGEREAU, P.; FIGUEIRAL, I.; MACHADO
YANES, C.; UZQUIANO, P. (2001) – Guide d’identification
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de l’Europe: France, Péninsule ibérique et îles Canaries.
Paris: CNRS Editions.
_ VOULGARIDIS, E.; VASSILIOU, V. (no prelo) – “The Walnut
wood and its utilisation to high value products”. Paper
presented at the 5th International Walnut Symposium.
Sorrento (Naples), Italy, November 9th-13th, 2004.
285
PATRIMÓNIO
Gestão museológica, turismo cultural e salvaguarda
do património: a importância da Carta Internacional
do Turismo Cultural no território autárquico.
Luís Mota Figueira*
“O fenómeno museológico e a cultura que lhe dá sentido concorrem entre
outros factores, para que a integridade cultural de um território não seja
delapidada e se possa renovar constantemente.”
*Director técnico do Museu Agrícola de Riachos, é também professor-coordenador no
Instituto Politécnico de Tomar.
287
NOVA AUGUSTA
A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico
Introdução
É sabido de todos nós que há dificuldades na relação Cultura - Turismo. O país é
prejudicado por esta situação. Os órgãos de
comunicação social ao reportarem notícias
locais denunciam casos, num claro esforço
de sensibilização para esta realidade. As
administrações públicas, nos seus diversos sectores tentam corrigir esta situação.
Os planos de intervenção vão-se criando
e cumprindo, nem sempre com grande
sucesso. Em todos os tempos, a mudança
impõe-se.1
A gestão do património museológico
deverá ser vista numa perspectiva simultânea de usufruto e de protecção dos acervos. A protecção do património passa pelo
seu consumo educativo, formativo e turístico. Tem sido prática internacional, instituírem-se instrumentos doutrinários de
referência. É o caso da Carta Internacional
do Turismo Cultural, proposta pela UNESCO
em 1976 e reformulada em 1999. Ela contribui para ajudar os gestores políticos e técnicos, a modificarem o seu modo de ver e
agir sobre o território. Este é um processo
de transformação que exige persistência e
tempo. No âmbito das ciências do património o tempo é, por muitas e válidas razões,
um elemento estruturante e impositivo
1
para qualquer tipo de intervenção séria.
Os museus têm um papel importante nesta
matéria.
O desenvolvimento local passa, entre
outros aspectos de natureza económica
e social, pelo cuidado pró-activo que se
dedica ao estado do conhecimento quantitativo e qualitativo do património. Os turistas são consumidores. Ainda não é vulgar,
verificar-se, na imprensa especializada,
reflexões sobre o estado de conservação e
respectiva qualidade do património natural
e cultural que se consome. Apenas casos
mais mediáticos. Pensamos que isto será
corrigido no futuro: é apenas uma questão
de tempo.
Importância da Carta Internacional do Turismo Cultural
Para o trabalho técnico exigível às autarquias, a divulgação dos princípios propostos
na Carta Internacional do Turismo Cultural
é oportuna. No seu preâmbulo lê-se que
“Cada um de nós possui direitos e deveres
relativamente à compreensão, apreciação
e conservação destes valores universais”,
considerando-se relevante, “Uma gestão
objectiva e equilibrada que proporcione o
acesso intelectual e emocional ao património, bem como ao desenvolvimento cultu-
É uma constância humana. Uma ideia que tenho defendido desde há muitos anos prende-se com o facto de se dever estudar, por
exemplo, a inclusão de curadores de monumentos, vivendo no seu interior. Esta solução rentabilizaria a utilização em termos de
fruição desses elementos patrimoniais e concorreria para abrir um mercado de emprego para as centenas e centenas de jovens
formados nas designadas ciências do património. Seria uma das formas concertadas para obviar a muitas situações caóticas existentes neste domínio patrimonial na sua estrutura mais profunda. Este debate é necessário para potenciar uma nova visão sobre
a gestão do património. É apenas uma questão de tempo, disso estou convicto.
289
NOVA AUGUSTA
Luís Mota Figueira
290
ral, [o que] constitui ao mesmo tempo um
direito e um privilégio”. Na actividade turística há uma visão de natureza económica. A
mercantilização da cultura e do património
natural e cultural é uma realidade na cultura
contemporânea. O turismo tem um efectivo
impacte positivo na divulgação do património cultural, acrescentando-lhe mais valias,
nomeadamente a da notoriedade e genuinidade. Também há impacte negativo. Por
isso existem documentos que tentam realizar a pedagogia necessária. É o caso deste
texto.
O lucro da actividade turística entra nos
cofres dos Estados como componente de
impostos e taxas e suporta parte das intervenções neste domínio. Para os operadores
turísticos, Património não acessível ou visitável é património inexistente. Os museus
precisam dos operadores turísticos e, cada
vez mais, de fornecerem novos e inovadores conteúdos aos seus públicos. A exposição do património é, neste contexto, uma
forma de valorização apelativa ao consumo
cultural e turístico. Vejamos algumas questões: a museografia do património é uma
via relevante para integrar paisagem e
obras de arte (antigas e contemporâneas),
para ligar artes e ofícios com a gastronomia, para confrontar a paisagem urbana
com o design, etc. Há exemplos de rotundas, centros cívicos, arte pública, etc. A
prática autárquica parece querer dizer
que esta museografia resulta.2 A exposição
pública do património, operada numa base
de marketing territorial é, portanto, uma
componente da promoção territorial e é
um factor de modernização dos museus. A
tradicional prática autárquica deste «modo
de estar em património» também parece
evidente e afirmativa.
Importa registar-se que, de facto, a
apropriação consciente do património é
uma condição primária para a elevação da
qualidade e competitividade de Portugal
como destino turístico. A continuada criação de núcleos museológicos, de museus
e de centros de interpretação criados por
iniciativa pública e privada, numa atmosfera de renhida competitividade territorial, mostram esse impulso institucional e
a atenção da administração central e local
mas, também, da iniciativa privada.3 O
tempo encarregar-se-á de mostrar os que
irão resistir.
Também falta a cooperação-colaboração
necessárias a uma maior capacidade de
intervenção cultural capaz de gerar receita,
só conseguida com uma massa crítica (de
todos os domínios do saber). A rede museo-
No projecto “Museografia da Paisagem” que desenvolvemos desde 2004 no NUPE - Núcleo de Projectos Experimentais, da Escola
Superior de Gestão, do Instituto Politécnico de Tomar, na área científica de Museografia e Conservação do Património Cultural,
tentamos estudar esta problemática da “ornamentação de rotundas rodoviárias” e outras realidades museográficas.
3
O Museu do Pão e o Fluviário de Mora são dois de vários exemplos positivos. No município de Torres Novas, o Jardim das Rosas e
sua relação com as Piscinas Municipais Fernando Cunha e com a Biblioteca Municipal, com o Castelo e zona envolvente, representam esta linha de afirmação autárquica pela via da ligação Património – Cultura – Turismo? A estratégia parece ser essa. Esperemos, no entanto, que a produção de conteúdos acompanhe as estruturas e infra-estruturas.
2
NOVA AUGUSTA
A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico
lógica autárquica pode desempenhar essa
intervenção e representar um recurso de
alto valor para qualificar o destino turístico? O concelho de Torres Novas tem
valências museológicas adequadas (criadas
e em projecto) e pode potenciar-se como
uma referência futura neste domínio? Se
souber ligar Cultura e Património com a
Economia, pode ter essa ambição. Hoje, o
desenvolvimento cultural é, em muitos territórios, uma questão estratégica de luta
contra o silêncio audiovisual e contra a quebra demográfica e falta de capacidade de
especialização produtiva. Esse não é o caso
deste município.
O posicionamento geográfico e simbólico é determinante. A sociedade actual dita
novas formas de produção, gerando outro
tipo de produtividade e criando outros conceitos patrimoniais. Por outro lado, acredita-se que, quanto mais esclarecido estiver
o cidadão sobre a importância do património cultural na sua vida quotidiana, maior é
a garantia de respeito geral dos indivíduos
pelos valores patrimoniais que expressam
a cultura de onde emergem, a cultura onde
vivem, a cultura em que interferem ao
longo da sua vida. O orgulho dos munícipes
no seu património, passado colectivo e presente, interage com o turista? Acredita-se
que sim. Então, para cumprir este cenário
são necessários instrumentos e acções.4
4
Os direitos das comunidades de acolhimento só podem ser exercidos se forem
conhecidos os componentes desses
direitos que também implicam deveres.
Os conteúdos da Lei 107/2001 deverão
ser disseminados nestes processos de
divulgação pública acerca de projectos
de intervenção sobre o património. Raramente se encontram vestígios destas
diligências administrativas devidamente
organizadas. Os exemplos positivos ainda
são uma minoria. No texto traduzido por
Flávio Lopes, indica-se que o turismo “É,
pois, cada vez mais reconhecido como uma
força positiva que favorece a conservação
do património natural e cultural. O turismo
pode aproveitar as vantagens económicas
do património e utilizá-las para a conservação deste, criando recursos, desenvolvendo a educação e reorientando as políticas”. A qualidade interventiva do turismo
promove a mudança de mentalidades
(desconhecidos que se encontram e interagem), a transformação de estruturas
locais (receber implica preparar e realizar a recepção e consumo) e é importante
para o processo económico (captação de
receita): Estes e outros efeitos decorrentes da “turistificação” do património são
positivos e são negativos. A procura de
equilíbrio é, pois, a motivação. Como se
refere na Carta Internacional do Turismo
A simples verificação efectuada a organigramas de muitas autarquias é sintomática e esclarecedora do modo como alguns municípios tratam os problemas da cultura, do património e do turismo. Não há ainda a percepção clara e funcional entre o discurso
político e a sua operacionalidade (o marketing de muitas edilidades reclamando-se capital de...., e o resultado prático dessa intervenção mereceria reflexão demorada).
291
NOVA AUGUSTA
Luís Mota Figueira
292
Cultural (CITC), o turismo “Representa um
desafio económico essencial para numerosos países e regiões, e pode constituir um
factor importante de desenvolvimento, se
for gerido com sucesso. O Turismo transformou-se num fenómeno complexo em
pleno desenvolvimento. Desempenha um
papel fundamental nos domínios económico, social, cultural, educativo, científico,
ecológico e estético”. A actividade turística
e o seu impacte sobre os territórios autárquicos, origina conflitos. Os espaços públicos e os espaços patrimoniais, tais como
os museus, são as “salas de visita” das
localidades. Manter esses espaços implica
esforço. Este deverá ser público e privado,
de promoção e criação de condições à ajustada exploração turística. O turismo requisita muitas contrapartidas. Por isso, obriga
à manutenção de condições de arrumo
urbanístico, limpeza e higiene pública,
impõe ao sector comercial capacidades de
resposta em tempo útil, promove as variadas formas de oferta local, suscitando a
procura de produtos e serviços por parte
dos turistas e visitantes. O museu é um
dos alvos de apropriação turística. Para
desempenhar melhor a sua missão precisa
que o turismo faça parte das suas preocupações de programação. Precisa estudá-lo
e entendê-lo para concretizar parte das
suas iniciativas.
5
Estratégias e doutrina
A estratégia turística de um destino
deverá ser delineada, quer através da
liderança da administração pública5, quer
através da iniciativa privada, tendo em
conta o necessário quadro contratual de
base legislativa, administrativa e técnica.
Os Conselhos Municipais de Turismo têm,
neste particular, uma responsabilidade e
participação, inerentes e óbvias. A atracção
de empresas na fileira turística passa, inevitavelmente, pelo realismo das condições
oferecidas à sua instalação e à capacidade
concreta de progresso. A notoriedade cultural do território é um dos factores que
pesam nessa decisão empresarial. A cultura
é hoje, como sempre foi, uma questão também de interesse empresarial. O mecenato
e o marketing das empresas também funcionam por projectos e modelos de acção
onde o património cultural marca as diferenças na competição. Esta questão está
inevitavelmente ligada à capacidade dos
promotores para criarem zonas territoriais
com forte atractividade turística. A Cultura
é, e será sempre, o motor dessa atracção.
Os museus são os principais instrumentos
dessa atracção. Os museus são territoriais.
Por isso, os agentes culturais não podem
demitir-se da responsabilidade da gestão
cultural em benefício do território em que
firmam o seu trabalho. A CITC alerta que,
“O turismo excessivo pode, do mesmo modo
que um turismo inexistente ou mal gerido,
Actualmente através do PENT – Plano Estratégico Nacional do Turismo.
NOVA AUGUSTA
A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico
prejudicar a integridade física e o significado do património. O turismo pode também conduzir à degradação dos espaços
naturais e culturais das comunidades de
acolhimento”. Esta é uma questão sensível
que implica responsabilidades específicas
aos programadores culturais e aos operadores turísticos. É o conhecimento, como
arma de combate à ignorância e incúria
dos homens e à degradação natural dos
espaços naturais e culturais, que se deverá
impor. A designada capacidade de carga é
a questão central a ponderar nesta matéria
de pressão turística sobre um determinado
destino. Tem aqui pleno cabimento a problemática do associativismo autárquico, na
medida em que, por essa via é alargada a
função de “almofada” às solicitações da
procura turística com as vantagens óbvias
daí advindas. A pressão exercida sobre uma
região mais alargada (três, quatro municípios, etc.), esbate-se nesse território, com
as vantagens inerentes a esta dispersão
controlada. As complementaridades, nessa
circunstância, são geridas em função de um
ponto de apoio (o município que lidera), que
pode, noutra circunstância e com as mesmas parcerias, ter o papel de parceiro sob
liderança de outro município. Há, por outro
lado, casos singulares como espaços amuralhados que obrigam a uma gestão específica6. Estarão as estruturas autárquicas preparadas para estas novas necessidades de
cooperação territorial de sobrevivência?
6
Como é, por exemplo o caso de Òbidos, Sortelha, Évora, etc..
Gestão museológica, turismo cultural e salvaguarda do património
Na apropriação da Cultura para uso Turístico, o papel dos principais interessados
na actividade turística deverá ser gerido,
considerando-se o esforço das entidades
culturais, nomeadamente, as de natureza
museológica. De facto, a actividade turística reclama “coisas de ver” e o museu e seu
contexto estão credenciados para ajudar a
esse esforço expositivo tirando vantagens
desse seu préstimo. Quanto mais desafios
externos maior capacidade de resposta se
exige e maior responsabilidade é expectável. O museu é um actor do território com
uma missão muito específica. A CITC considera que, “Para desenvolver uma indústria
turística duradoura e valorizar a protecção
dos recursos patrimoniais para as gerações
futuras é necessário fomentar a participação e a cooperação entre os actores do
processo, nomeadamente entre as comunidades de acolhimento, os conservadores
de museus e monumentos, os operadores
turísticos, os gestores de sítios culturais e
naturais, os proprietários privados, os responsáveis pela elaboração de programas de
desenvolvimento e os políticos”. As Escolas
locais, os Centros de Estudos, as Bibliotecas, os Museus, etc., poderão partilhar os
dados conhecidos sobre os recursos locais,
com todos os benefícios advindos da cooperação cultural qualificadora da actividade
turística. A comercialização do território
293
NOVA AUGUSTA
Luís Mota Figueira
294
(identificado nos seus produtos), permite
captar receitas directas e indirectas para o
museu. A Empresa e o tecido empresarial
são importantes na definição e concretização da oferta territorial. A componente
museológica do produto turístico tem que
se centrar cada vez mais nesta realidade e
fazer esquecer os quadros de referência
orçamental do passado, onde a dependência de funcionalismo, exagerada, coarctava
qualquer iniciativa mais ousada. É necessário correr riscos. À escala de um município
ou de uma comunidade urbana ou, ainda de
uma outra forma de associação intermunicipal, inovar nesta matéria é criar diferenciação e competitividade regional. Valorizar
o património cultural implica gizar planos e
iniciar processos de fundamentação válida
implicando todos os actores na forma de um
“contrato geral” que concerte, na medida do
possível, o legítimo interesse de todos os
protagonistas. A administração pública e
a iniciativa privada estão condenados ao
entendimento nesta e noutras matérias
de governação. A sensibilidade a ter para
se dar resposta aos novos problemas do
turismo na sua vertente cultural é declarada pelo ICOMOS, de modo pragmático.
O documento que apresentamos é, evidentemente, um convite à reflexão e acção.
Os objectivos programáticos escolhidos pela
comissão de redacção deste documento são
claros nesta questão:
“Encorajar e facilitar o trabalho dos que
participam na conservação e na gestão do
património cultural”. Por isso mesmo, a
gestão integrada do património não pode
deixar de dar atenção ao valor operacional
do património cultural e às formas turísticas que se revelam na tarefa operativa
consequente (organizar recursos para
criar produtos turísticos), aquando da sua
apropriação com esse fim. A operacionalidade turística da conservação e restauro
segundo processos conducentes à criação
de certas museografias, que o visitante
e turista consomem com prazer estético
e sensitivo, poderá ser uma estratégia de
procura de visibilidade cultural para o património, interessante para o futuro? Eu creio
firmemente que esse é um dos caminhos
a seguir, dessacralizando a tarefa de restauro e utilizando também esse ambiente
como produto cultural rentável.
“Encorajar e facilitar o trabalho da indústria
turística para promover e gerir o turismo no
respeito e valorização do património e das
culturas vivas das comunidades de acolhimento”. O conceito de “culturas vivas” das
comunidades de acolhimento é importante
neste contexto. Respeitar a cultura local é pois
um imperativo ético que se deverá articular
com a vivência quotidiana das populações
vizinhas dos empreendimentos turísticos.
“Encorajar e facilitar o diálogo entre os
responsáveis pelo património e pelo turismo,
a fim de compreenderem a importância e a
fragilidade dos conjuntos patrimoniais, dos
acervos culturais e das culturas vivas, com o
objectivo de as preservar, a longo prazo”.
A indústria turística, ao apropriar o património fá-lo, em primeira instância, com o fito
NOVA AUGUSTA
A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico
de obtenção de lucro, proveniente da rentabilização dos investimentos. O Turismo tem
todo o interesse em poder dispor e utilizar
património cultural autêntico. A preservação
dos elementos patrimoniais é, aliás, desiderato fundamental inserido no conceito de
desenvolvimento sustentável, cuja prática
(muito mais que os discursos de boas intenções), é necessária e é urgente regulamentar, de modo explícito e palpável, no domínio
da indústria turística contemporânea.7
“Encorajar os que propõem programas e
políticas que tenham por objectivo o desenvolvimento de projectos precisos e mensuráveis, e estratégias que integrem a apresentação e a interpretação dos conjuntos
patrimoniais, bem como as actividades culturais, no contexto da sua protecção e da sua
conservação”. Por isso, facilmente se entenderá a necessidade de encorajar iniciativas em que a pedagogia do património e a
pedagogia do turismo contribuam para uma
melhor envolvente do par oferta/ /procura,
com tudo o que isso implica de requalificação dos padrões de prestação de serviços,
em toda a fileira do produto turístico.
A Carta “encoraja o conjunto das actividades do ICOMOS, bem como das outras organizações internacionais e das indústrias do
turismo que tenham por objectivo melhorar
as condições de gestão e de conservação do
património”, o que significa criar condições
financeiras para responder com eficácia à
necessidade de melhorar as condições de
7
8
gestão e de conservação do património.
A Carta também “encoraja todas as contribuições provenientes dos responsáveis
pelo Património e pelo Turismo na procura
de objectivos comuns”. É necessário esbater as desconfianças (que existem, todos o
sabemos) entre os responsáveis dos sectores cultural e patrimonial e os responsáveis
pelo sector turístico. Isto quer dizer que as
políticas, quer do sector cultural, onde se
engloba o património, quer do sector turístico, se deverão gizar a partir da definição
conjunta de objectivos de fomento e preservação, expansão e comercialização dos
elementos patrimoniais e artísticos8, assumindo objectivos comuns e regulando os
interesses particulares de cada sector.
Por último “A Carta encoraja a produção e
edição de guias pormenorizados. Estes guias
facilitarão a aplicação concreta dos princípios estabelecidos pela Carta, no quadro das
necessidades específicas e das intervenções
particulares de organizações e comunidades
de acolhimento”. É possível potenciar a capacidade de atracção turística, conhecendo-se, de facto, os recursos turístico-culturais.
O encorajamento para a produção e edição
de guias locais de visita, nos vários suportes
de divulgação, deverá ser organizado e sistemático. É imperioso realizar trabalho, mas
sério e duradouro devidamente sustentado
nas ciências do património. As necessidades
específicas e o problema das intervenções
particulares de organizações e comunida-
Aqui, a aplicação dos princípios da designada Agenda 21 Local é pertinente e necessária.
Porque a criação contemporânea é um valor incontornável de qualquer política turístico-cultural.
295
NOVA AUGUSTA
Luís Mota Figueira
296
des de acolhimento, reclamam um novo
olhar sobre o património cultural local e a
sua salvaguarda e utilização vantajosa para
as condições de vida de cada habitante9.
Vejamos agora os Princípios da Carta do
Turismo Cultural e os articulados que os
sustentam.
“Princípio 1 – O Turismo nacional e internacional é um dos principais veículos do
intercâmbio cultural. A protecção do património deve oferecer oportunidades responsáveis e bem geridas aos membros das
comunidades de acolhimento e aos visitantes, para fruição e compreensão do património e da cultura das diversas comunidades”.
“Princípio 2 – A relação entre os conjuntos patrimoniais e o Turismo é dinâmica e
deve ultrapassar os conflitos de valores que
atravessam os dois conceitos. Esta relação
deve ser gerida, numa óptica duradoura, em
benefício das gerações actuais e futuras”.
“Princípio 3 – As acções de valorização
dos conjuntos patrimoniais devem assegurar aos visitantes uma experiência enriquecedora e agradável”.
“Princípio 4 – As comunidades de acolhimento e as populações locais devem participar em programas de valorização turística
dos sítios patrimoniais”.
“Princípio 5 – As actividades de turismo
e a protecção do património devem beneficiar as comunidades de acolhimento”.
9
“Princípio 6 – Os programas de promoção
turística devem proteger e valorizar as características do património natural e cultural”.
Conclusão
À luz de todos estes princípios, é fundamental que, na sua singularidade, cada território saiba promover e gerir os seus bens
patrimoniais na sua autenticidade, favorecendo a fruição com modelos operativos
ajustados. Um monumento se for visitado
por grupos de dez a quinze turistas que
podem ouvir explicações e observar a obra
de arte de um modo quase personalizado é
melhor explorado do que quando acolhe cinquenta a sessenta turistas apressados, que
apenas fazem parte da legião do “eu estive
aqui”. Hoje é praticamente impossível “visitar” a Capela Sistina, porque a quantidade de
turistas que a ela acorrem apenas para “estar
lá” é muito superior aos que a procuram para
desfrutar e apreender a atmosfera da Itália
renascentista e maneirista. O nosso tempo
é, de facto, assim. Mas há sempre esperança. A réplica de Altamira é já um exemplo de que a tecnologia actual pode aliviar
a pressão de um turismo de massas sobre
um emblema cultural mundial. Esta réplica é
fruto da inovação e do respeito pelo legado
cultural. Uma das questões também incentivada na Carta é a de que, para além destes
sítios conhecidos e mais pressionados se
Os museus têm neste particular, um campo de desenvolvimento crescente. A interacção do museu com a comunidade local pode
revestir-se de multivariadas formas de diálogo. No Museu Agrícola de Riachos a realidade da Oficina Pedagógica impõe-nos um
pensamento sobre o efeito terapêutico da cultura museológica informal. Pretendemos desenvolver este assunto em outra circunstância, relatando as experiências fascinantes que decorrem naquele espaço, fruto dos seus protagonistas diários.
NOVA AUGUSTA
A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico
preste atenção nas formas de “encorajar os
visitantes a fruir de uma forma mais alargada os diferentes elementos do património
natural e cultural de uma região ou localidade”. O fomento museológico e a cultura
que lhe dá sentido concorrem, entre outros
factores, para que a integridade cultural de
um território não seja delapidada e se possa
renovar constantemente. A Carta Internacional do Turismo Cultural é um aliado na
consolidação dos princípios inerentes a
boas práticas entre o Turismo e o Património Natural e Cultural. Pretendeu-se, com
este texto sobre a Carta Internacional do
Turismo Cultural, situar a questão central
da relação património-turismo no propósito
de divulgar os seus princípios e aprofundar
os seus conteúdos numa orientação que,
nos nossos tempos, tem uma implicação
para todos nós mas, particularmente, para
os municípios dos quais fazemos parte.
Bibliografia
_ LOPES, Flávio, (2002), (tradução), “Carta Internacional
do Turismo Cultural”, in Turismo - Uma ponte para o
Património, Revista do Programa de Incremento do
Turismo Cultural, (coord. de Flávio Lopes), Lisboa,
Direcção-Geral do Turismo, pp.17-19.
297
Rancho Folclórico “Os Camponeses de Riachos” no Museu Agrícola de Riachos. Animação Cultural para um grupo de estudantes
nacionais e estrangeiros do Mestrado Erasmus, em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre - Instituto Politécnico de Tomar/Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
299
2007 EM REVISTA
NOVA AUGUSTA
2007 em revista
JANEIRO
Sociedade
_ Decorreu no dia 5 de Janeiro, em Torres Novas, o julgamento do “crime de sequestro” de
uma criança de 5 anos pelos seus pais de “adopção”. O pai afectivo, o sargento Luís Gomes, foi
condenado a 6 anos de prisão e ao pagamento de 30 mil euros ao pai biológico. Apesar da condenação, um vasto movimento de cidadãos defendeu a sua libertação, alegando os interesses da
criança, tendo sido entregue no tribunal de Torres Novas um pedido de habeas corpus, assinado
por centenas de pessoas, incluindo a progenitora e muitas figuras públicas, como Mário Soares
e Ramalho Eanes. O processo fez correr muita tinta nos jornais e muitas horas de discussão nas
televisões, ficando conhecido, a nível nacional, como “Caso Esmeralda”.
Cultura
_O Choral Phydellius inaugurou as comemorações do seu 50.º aniversário (17.05.1957/
/17.05.2007) com o já habitual Concerto de Reis, na Igreja da Misericórdia, em Torres Novas.
Desporto
_Andreia Monteiro, do Clube Atlético Riachense, sagrou-se campeã distrital de juvenis, no
Campeonato Distrital de Marcha Atlética, realizado em Grândola.
_Decorreu em Riachos, no dia 27 de Janeiro, o Campeonato Distrital de Corta-Mato Curto.
O atleta riachense João Dias consagrou-se campeão, na classe de iniciados.
FEVEREIRO
Sociedade
_No dia 11 de Fevereiro, realizou-se o referendo nacional sobre a despenalização do aborto em
Portugal. A vitória do “sim” atingiu no concelho de Torres Novas, e municípios limítrofes, uma
amplitude claramente superior aos resultados nacionais. Destaca-se que, em Torres Novas, em
1998 o “não” vencera em 6 freguesias com votações acima dos 60%; em 2007, apenas a freguesia
de Assentis votou “não” à despenalização do aborto. As freguesias onde o “sim” se revelou com
mais força foram Ribeira Branca (85%), Lapas (78%), Riachos (70%) e Santiago (70%).
_Perante o prenúncio da desqualificação das urgências hospitalares em Torres Novas, o
Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, António Rodrigues, anunciou que o relatório
final do Ministério da Saúde sobre as urgências hospitalares não teria consequências negativas,
afastando os receios acerca da despromoção da urgência médico-hospitalar do Hospital Rainha
Santa Isabel (Torres Novas).
301
NOVA AUGUSTA
Cultura
_Luís Luz, torrejano a viver actualmente em Cuba (Alentejo), apresentou, no dia 3 de Fevereiro, no Museu Agrícola de Riachos, o seu livro Vida de Casado, uma caricatura à vida familiar,
resultado de uma compilação de textos já publicados na internet, no blogue do autor.
_O cine-clube apresentou, no dia 10 de Fevereiro, uma curta-metragem de produção própria,
Manhã de Novembro, 1981, realizado por Mariana Castro e Sílvio Santana (autor do argumento).
_André Sardet, cantor português, esteve com a sua banda em Torres Novas. O concerto
realizou-se no dia 9 de Fevereiro, no Palácio dos Desportos, e contou com uma assistência de
cerca de 3 mil pessoas.
Desporto
_O Palácio dos Desportos recebeu, nos dias 3 e 4 de Fevereiro, uma jornada do Campeonato
Nacional de Boccia, nas classes BC3.
_No dia 3 de Fevereiro, decorreu, nas Piscinas Municipais Fernando Cunha, o I Torneio Cidade
de Torres Novas, organizado pelo Clube de Natação de Torres Novas.
302
_A equipa de Basquetebol da União Desportiva da Zona Alta (UDRZA) sagrou-se campeã
distrital, na classe de iniciados femininos.
_No Campeonato Distrital de Corta-Mato Longo sagraram-se campeões distritais vários atletas seniores, juvenis, juniores e iniciados da Zona Alta: Dina Malheiro e José Carvalho (seniores);
equipa feminina da Zona Alta (venceu colectivamente); Miguel Gonçalves (juvenis); Pedro Sousa
(júnior) e João Dias (iniciados).
MARÇO
Vida autárquica/Sociedade
_António Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, viajou no dia 4 de
Março para Moreni, na Roménia, onde assinou um protocolo de cooperação entre as duas cidades.
O acordo baseia-se no envio de delegações a ambos os países em missões de entreajuda, fornecimento de meios técnicos adequados para projectos e programas municipais, troca de experiências e formação regular entre serviços especializados, apoio ao fomento desportivo, cultural
e educacional, bem como às relações económicas entre empresários dos dois municípios.
Sociedade
_Uma concentração pela saúde juntou cerca de 70 pessoas em frente ao Hospital Rainha
Santa Isabel, em Torres Novas, no dia 10 de Março.
NOVA AUGUSTA
2007 em revista
_O Clube de Robótica da Escola Secundária Maria Lamas foi premiado pela sua participação,
no dia 9 de Março, na I Mostra de Trabalhos em Tecnologias da Informação e Comunicação,
organizada pelo Departamento de Engenharia Informática do Instituto Politécnico de Tomar.
_A torrejana Carla Ferreira ganhou a fase final do concurso profissional “Habilimpíadas”,
na vertente de costura, e fez parte da representação portuguesa no concurso a nível mundial
(Novembro/2007), em Shizuoka, no Japão. A representante portuguesa frequentou, entre 2003
e 2006, o curso de formação profissional de costura do CRIT e estagiou na Companhia Nacional
de Fiação e Tecidos.
_Rui Rio, presidente do Partido Social Democrata, esteve, no dia 17 de Março, no concelho
para um jantar com os militantes do PSD.
_O Município de Torres Novas recebeu, no dia 16 de Março, a Bandeira Verde Eco XXI
2006/2007, galardão que tem como objectivo a promoção das boas práticas dos municípios
relativamente à política ambiental.
_Os alunos da Escola Secundária Maria Lamas aderiram à “Corrida Solidária”, iniciativa de
solidariedade da Organização Médicos do Mundo, e, no dia 21 de Março, percorreram as ruas do
centro histórico de Torres Novas em “marcha solidária”.
_Abriu, no dia 28 de Março, mais uma grande superfície comercial em Torres Novas: o Carrefour, hipermercado que, segundo a marca, detinha o primeiro lugar na distribuição na Europa.
Cultura
_Maria Tereza Gonzalez, a escritora de A Lua de Joana e Dietas e Borbulhas, entre outros
livros bem conhecidos do público infanto-juvenil, esteve na Escola EB 2,3 Manuel de Figueiredo,
no dia 8 de Março.
_“The Doll and the puppets” é a banda rock torrejana que fez sucesso no Festival de Música
Moderna de Corroios, obtendo o terceiro lugar na fase final do concurso. Cantam, essencialmente, em francês mas também em inglês e português e compõem as suas músicas. A maqueta
que enviaram para a Rádio da Universidade de Coimbra foi considerada a terceira melhor de
2006.
Desporto
_Andreia Monteiro, do Clube Atlético Riachense, foi vice-campeã nacional na prova de 5 mil
metros de marcha, no escalão de juvenis, no Campeonato Nacional de Marcha Atlética, realizado
em Ferreira do Alentejo, no dia 3 de Março.
_No dia 3 de Março, a equipa de sub-18 de ténis, do Clube de Ténis de Torres Novas (CTTN),
sagrou-se vice-campeã regional dos distritos de Santarém e Leiria.
303
NOVA AUGUSTA
_Os dois torrejanos, Ana Silva e Rui Canto, que integraram a equipa nacional, liderada por
João Garcia, que no final do ano de 2006 escalou os Himalaias estiveram, no dia 3 de Março, em
Torres Novas para divulgar as aventuras de dois meses por aqueles territórios e, em especial, a
subida ao cume do Shisha Pangma, durante a qual um dos alpinistas da campanha morreu.
_No dia 3 de Março, João Pinto, atleta do Clube de Judo de Torres Novas, consagrou-se campeão nacional de judo, no escalão de juvenis.
ABRIL
Sociedade
_No dia 20 de Abril ocorreu, em Torres Novas, uma manifestação pela saúde, na qual participaram cerca de 80 pessoas exigindo médicos para as extensões de Pedrógão, Meia Via e Ribeira
Branca.
MAIO
Vida autárquica
304
_No dia 28 de Maio, a Câmara Municipal de Torres Novas apresentou um plano de revitalização
do centro histórico, inserido na segunda fase do programa Turris XXI, denominado Cidade Criativa, “aproveitando” o conceito que tem vindo a ser desenvolvido por Charles Landry desde 1990.
Sociedade
_O Pe. António Cândido Monteiro, vigário-geral da diocese de Santarém, assumiu o cargo de
director do jornal O Almonda, substituindo Barbosa Leão que ocupava o cargo há dez anos.
_No dia 6 de Maio foi lançada a primeiro pedra do Lar de Idosos do Centro de Solidariedade
Social Padre José Filipe Rodrigues, na freguesia de Zibreira.
_António Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, esteve em Rodes, na
Grécia, em representação do Município, na Conferência Internacional As geminações no futuro,
que decorreu nos dias 10–12 de Maio.
_Realizou-se, no Jardim da Rosas, de 31 de Maio a 3 de Junho, a I Feira do Ambiente e Educação Ambiental de Torres Novas, organizada pelo Gabinete de Acção e Planeamento Educativo
do Município de Torres Novas.
_No dia 21 de Maio, a torrejana Ângela Reis, aluna na Escola Superior de Educação de Beja,
pagou a última prestação de propinas (175 euros) com sete mil moedas - de um, dois e cinco
cêntimos - em protesto contra aquela medida de financiamento do ensino superior. Um acto
isolado que pela ousadia não passou despercebido no panorama nacional.
NOVA AUGUSTA
2007 em revista
_Foi inaugurado, no dia 26 de Maio, o Edifício Montepio, a nova sede social do Montepio de
Nossa Senhora da Nazaré. Com esta nova sede, a funcionar no Largo José Lopes dos Santos, em
Torres Novas, a Associação pode oferecer serviços médicos e de enfermagem a preços mais
acessíveis, em consultórios equipados com tecnologias recentes.
Cultura
_A conhecida escritora dos livros Uma aventura, Ana Magalhães, esteve na Escola EB 2,3
Manuel de Figueiredo, no dia 10 de Maio, no âmbito do Plano Nacional de Leitura.
_No dia 10 de Maio, o Rancho Folclórico e Etnográfico de Casal Sentista festejou o seu 20.º
aniversário (14.05.1987 – 14.05.2007).
_O Museu Municipal Carlos Reis associou-se à iniciativa europeia Noite de Museus, na noite
de 19 de Maio. Um evento que partiu do convite do Ministério da Cultura e Comunicação de
França a todos os museus da Europa. O Museu Carlos Reis apresentou um programa diferente,
com visitas dialogadas, entre as 19:30 e a uma da manhã.
Desporto
_O nadador torrejano Nuno Vicente, campeão da Europa de Águas Abertas Master – 2005,
foi apurado para a Taça do Mundo de Águas Abertas.
_A Academia World-Jeunesse Torrejana sagrou-se campeã distrital de futebol de rua.
_No dia 5 de Maio, Carlos Graça, da UDR Zona Alta, venceu o campeonato distrital de 10 mil
metros em pista da época 2006/2007.
_O Complexo Gímnico do Município de Torres Novas recebeu, nos dias 12 e 13 de Maio, um
espectáculo de ginástica inédito, pela quantidade e proveniência tão diversa dos participantes,
organizado pela Associação de Ginástica de Santarém, pela Associação de Ginástica de Lisboa
e pela Associação de Ginástica de Setúbal, com a colaboração da Câmara Municipal de Torres
Novas e da União Desportiva da Zona Alta. O evento contou com a participação de centenas de
ginastas que participaram no Torneio Playgym, no Campeonato Distrital de Ginástica Artística,
no Campeonato Distrital de Ginástica Aeróbica Desportiva, no Open de Grupos de Fitness e Hip-hop. Do distrital apuraram-se 10 atletas da UDRZA para os campeonatos nacionais (de ginástica
artística e aeróbica).
_Sónia Alves, da UDRZA, foi vice-campeã distrital de 5 mil metros em pista, da época
2006/2007, e Paula Nogal, também da UDR Zona Alta, obteve o terceiro lugar (5 de Maio).
_Jovens atletas torrejanos venceram o Campeonato Regional de Infantis que decorreu
nos dias 26 e 27 de Maio, em Abrantes: Eduardo Silva, da UDRZA, foi campeão dos 150m e
305
NOVA AUGUSTA
vice-campeão dos mil metros; Sony Alcobia (UDRZA) ganhou a medalha de bronze no lançamento do peso; a equipa dos benjamins (UDRZA) masculinos obteve o primeiro lugar, na modalidade estafeta 4x60m; também o Clube Atlético Riachense conseguiu um 4.º lugar, estafeta
4x60m (femininos) e a medalha de bronze no lançamento do peso, por Cláudia Mota.
Sociedade
JUNHO
_O torrejano José Tomás, de 73 anos, homenageou a sua tia de 113 anos (à data, a mulher mais
velha do país e a segunda mais velha do mundo) com uma “Volta a Portugal de Bicicleta” que se
iniciou a partir de Torres Novas no dia 3 de Junho.
_O Primeiro-ministro, José Sócrates, e a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues,
estiveram em Torres Novas, no dia 19 de Junho, para apresentar o projecto Novas Oportunidades que visa aumentar a oferta profissionalizante no ensino básico e secundário.
_No dia 30 de Junho, o Município de Torres Novas recebeu publicamente, na Alcaidaria do
Castelo, a comitiva do Município romeno de Moreni.
306
Cultura
_Foi assinado, no dia 23 de Junho, um protocolo entre o arquitecto Francisco Keil do Amaral
e a Câmara Municipal de Torres Novas para o estabelecimento de um novo museu que albergará
o espólio e colecções de Alfredo Keil.
Desporto
_David Rosário, atleta torrejano de culturismo, sagrou-se campeão nacional da modalidade, no
dia 3 de Junho, e foi escolhido para disputar o Campeonato Europeu, em Frankfurt (Alemanha).
_A equipa feminina de iniciados da UDRZA – Carolina Machado, Rita Sousa e Carolina Santos,
consagrou-se, no dia 2 de Junho, vice-campeã nacional de ginástica.
_A atleta júnior Mariana Duarte foi medalha de bronze na trave olímpica no Campeonato
Nacional de Ginástica que decorreu no dia 2 de Junho, na Maia.
_No dia 7 de Junho, Nuno Vicente e Miguel Arrobas nadaram das Berlengas até Peniche,
demorando 3 horas e 12 minutos.
_Realizou-se no Parque Desportivo José Henrique Carvalho, em Alqueidão, no dia 10 de
Junho, a 3.ª jornada do Campeonato Nacional de Quadrcross.
_O Clube Atlético Riachense subiu 21 vezes ao pódio no Campeonato Distrital de Juniores,
que decorreu em Abrantes, nos dias 16 e 17 de Junho.
NOVA AUGUSTA
2007 em revista
_No fim de semana de 23 e 24 de Junho, os atletas riachenses Hugo Santos e Andreia Monteiro
tornaram-se vice-campeões nacionais nos 300m planos e nos 5000m marcha, respectivamente.
JULHO
Sociedade
_Foi inaugurado, no dia 6 de Julho, pelo Presidente da Câmara de Torres Novas, o Jardim
do Rossio de Torres Novas, na presença dos vereadores Manuela Pinheiro, Mário Mota e Pedro
Lobo Antunes e do presidente da Junta da Freguesia de Santa Maria.
_No âmbito do concurso nacional Estatístico Júnior 2007, a Sociedade Portuguesa de Estatística atribuiu o primeiro lugar, categoria Ensino Básico, ao trabalho dos alunos do 7.º C, da Escola
EB2,3 e Secundária Artur Gonçalves.
_A fábrica de papel Renova foi a primeira empresa do sector na Península Ibérica a ser contemplada com o rótulo ecológico da União Europeia que distingue as empresas empenhadas na
defesa da causa ambiental.
Cultura
_Durante as obras na Rua das Freiras (actual Rua Cândido dos Reis) foi posto a descoberto
um importante conjunto de silos medievais (grandes depósitos de armazenamento de cereais,
azeite ou vinho), que se estende desde o início da rua até ao Arco do Moinho dos Gafos.
Desporto
_O atleta Hugo Santos, do Clube Atlético Riachense, foi seleccionado para representar Portugal, nos 400m, no Festival Olímpico da Juventude Europeia, a realizar em Belgrado, na Sérvia.
_Realizou-se, a 14 e 15 de Julho, o Campeonato Distrital de Absolutos (atletismo) onde os atletas do Clube Atlético Riachense tiveram uma presença notável, subindo 15 vezes ao pódio para
receber uma medalha de ouro, seis de prata e oito de bronze.
_A atleta Sílvia Costa, da UDRZA, sagrou-se campeã distrital dos 3000m, no Campeonato
Distrital de Absolutos (14-15/07/2007).
AGOSTO
Sociedade
_Um violento incêndio deflagrou na madrugada do dia 21 de Agosto no centro histórico da
cidade, num prédio situado no Largo D. Diogo Fernandes.
307
NOVA AUGUSTA
_A jornalista Inês Vidal assumiu o cargo de directora do Jornal Torrejano, substituindo Joaquim Lopes, fundador do JT em 1994 e director de 1994 a 1996 e desde o ano 2000 até à altura
em que pôs termo às suas funções, em Julho de 2007.
_No dia 9 de Agosto, Torres Novas foi visitada por José Lima, activista pelos direitos dos
deficientes que percorreu Portugal em cadeira de rodas, chamando a atenção para as dificuldades quotidianas dos deficientes motores.
Cultura
_Realizou-se, no Jardim das Rosas, nos dias 14 a 17 de Agosto, o I Festival Internacional de
Folclore, organizado pelo Rancho Folclórico e Etnográfico de Casal Sentista, que trouxe a Torres
Novas sons e danças do México, Espanha e Sérvia.
SETEMBRO
Vida Autárquica
308
_Manuel Piranga anunciou no dia 28 de Setembro a renúncia ao cargo de Presidente da
Assembleia Municipal. Manuel Piranga, de 75 anos, efectivou, assim, o abandono da política local,
da qual esteve ao serviço durante cerca de 30 anos. Piranga esteve também ligado ao CRIT, ao
Clube Desportivo de Torres Novas, à Sociedade Musical União e Trabalho de Lapas, aos Bombeiros Voluntários Torrejanos, ao Clube Juventude de Lapas e à LOC.
Cultura
_Os trabalhos de reabilitação da envolvente do castelo, em particular a zona por detrás dos
Paços do Concelho, deixaram a descoberto um troço da muralha fernandina da cerca da Vila que
entroncava, a poente, no castelo e, a nascente, no pano de cerca da Rua de Trás-os-Muros.
_Foi assinado, no dia 27 de Setembro, o protocolo entre o Município de Torres Novas e o
Plano Nacional de Leitura, representado por Isabel Alçada, estabelecendo os moldes da cooperação a desenvolver entre as partes, no sentido de cumprir o objectivo do programa de combate à iliteracia dos portugueses estabelecido pelo Governo.
Desporto
_Nuno Vicente, nadador do Clube de Natação de Torres Novas, obteve o 4.º lugar no Circuito
Nacional de Águas Abertas 2007.
NOVA AUGUSTA
2007 em revista
OUTUBRO
Sociedade
_Foi inaugurado, no dia 18 de Outubro, o Retail City Park, uma plataforma comercial situada
no nó da A23, área que tem crescido como zona comercial.
Desporto
_O Clube Atlético Riachense assinalou 75 anos de existência com um jantar e um espectáculo
de gala, no Pavilhão de Riachos, no dia 5 de Outubro.
NOVEMBRO
Sociedade
_A Liga dos Amigos do Hospital celebrou 10 anos de actividade efectiva (uma vez que os seus
estatutos são de 1996 e a sua actividade começara em pleno apenas em 1997).
_Abriu no dia 16 de Novembro, em Torres Novas, a primeira mercearia de agricultura biológica, Vilabio.
Vida Autárquica
_Silvino Rino Rosa, presidente da Junta da Freguesia de Pedrógão, morreu no dia 9 de
Novembro, com 54 anos, vítima de doença prolongada. Do seu trabalho de gestão desta freguesia destaca-se a construção e inauguração da sede da junta, o centro de saúde, o saneamento da
Rua Goucha, a internet gratuita que conseguiu para a população da freguesia e a instalação de
uma máquina Multibanco em Pedrógão.
_No dia 22 de Novembro, a Câmara aprovou com os votos favoráveis dos socialistas e dos
sociais-democratas e com a abstenção da CDU, o plano estratégico concelhio Torres Novas.pt
que engloba, entre outros, os projectos Turris XXI – Cidade e Torres Novas – Cidade Circus sob
o slogan Torres Novas uma cidade para viver, trabalhar e visitar.
Cultura
_No dia 10 de Novembro, o músico português Rodrigo Leão esteve em Torres Novas para dar
um concerto no Teatro Virgínia.
_Edgar Walles, ex-jornalista, advogado e consultor jurídico do jornal Público on-line, esteve
em Torres Novas, no dia 17 de Novembro, para falar dos seus livros, da justiça em Portugal e do
acesso dos cidadãos à justiça.
309
NOVA AUGUSTA
_No dia 24 de Novembro saiu a público o livro Clube Desportivo de Torres Novas – imagens e
números do futebol jovem, 1947-2007, da autoria de Carlos António Ribeiro e com a colaboração
de João Carlos Lopes.
_Susana Gaspar, bailarina, coreógrafa e professora, torrejana natural de Riachos a residir em
Lisboa, regressou a Torres Novas para apresentar o projecto “Não somos árvores”, uma criação
coreográfica desenvolvida com pessoas das localidades de Alqueidão, Pedrógão, Meia Via e
Riachos, e o solo “As árvores ligam os pássaros à terra”.
Desporto
_Torres Novas recebeu a Taça de Portugal de Patinagem Artística, no Palácio dos Desportos,
no fim-de-semana de 24-25 de Novembro.
_No dia 25 de Novembro, Eduardo Silva, atleta do Clube Atlético Riachense, venceu a edição
de 2007 do Cross Internacional de Torres Vedras, na categoria infantis masculinos.
_Hugo Santos, do CAR, foi galardoado como Atleta Revelação do ano 2007, pela Associação
de Atletismo de Santarém.
310
Vida Autárquica
DEZEMBRO
_No dia 10 de Dezembro foi apresentado publicamente o plano estratégico concelhio
2008-2015, TorresNovas.pt, na presença do Secretário de Estado do Ordenamento do Território
e das Cidades, João Ferrão.
Cultura
_No dia 1 de Dezembro, o músico/cantor português David Fonseca esteve em Torres Novas
para dar um concerto no Teatro Virgínia.
_No dia 15 de Dezembro, o Município de Torres Novas lançou a revista anual de cultura Nova
Augusta e o livro Morte Vivida e Economia da Salvação Torres Novas (1670-1790) da autoria de
Ricardo Varela Raimundo.
FONTES: Imprensa local (jornal O Almonda e Jornal Torrejano)
311
NOVA AUGUSTA EM ÍNDICE
NOVA AUGUSTA
Nova Augusta em índice
N.º 1_Dezembro de 1962
Direcção de Alberto Borges dos Santos
Serra, Maria Augusta, Nótula sobre a Arqueologia de Torres Novas, p.9
Pinho, Manuel S., História da Nossa Terra, p.13
Mendes, Augusto, A Valorização da Pessoa Humana, p.17
Leitão, Maria Noémia, Kafka e o Absurdo, p.23
Júnior, Frederico Lopes, A Tradição Condutora dos Povos, p.27
Drumond, Luís Machado, Festas do Espírito Santo, p. 33
Brasil, Reis, Antero de Quental, poeta e homem de acção, p.37
Carvalho, Ruy Galvão de, Os Poetas Açorianos e a música, p. 55
Bretes, Faustino, Preito, p.65
Santos, José Lopes dos, Adoração, p.67
Borga, António, Animalidade, p.67
Jesus, Eduíno, Edital, p.68
Santos, Borges dos, Salmo Misterioso, p.69
Navarro, Judith, Joaquim, o filósofo, p. 73
Maria Lúcia Vassalo, Memórias de um Candeeiro, p.77
Borga, António, Tentação (A Maria Lamas), p.83
313
N.º 2_Agosto de 1963
Direcção de Alberto Borges dos Santos
Lucena, Armando de, Carlos Reis na Pintura, na Aula, na Sociedade, p.9
Gonçalves, António Manuel, Carlos Reis – Director de Museus Nacionais, p.21
Santos, Maria Emília, Carlos Reis e a Lousã, p.43
Santos, A. Borges dos, Carlos Reis e Fialho, p. 53
Côrtes-Rodrigues, Armando, Grito das Ilhas, p.57
Lage, Arminda, Naquele dia...p.58
Crespo, Rodrigues, Três sonetos, p.60
Oliveira, Maria Elisa Nery de, Amor, p.63
Cardoso, José Carlos, Obsessão em círculo, p.65
Marques, José Alberto, Auto poema, p.66
Santos, António Mário, Tréguas para a cidade possível, p.67
Costa, José S., Areia do Mar, p.68
Paço, Afonso do, Vila Cardílio – Estação Romana de Torres Novas, p. 71
Serra, Maria Augusta, Nótula sobre a Arqueologia de Torres Novas, p.79
Melo, Amaral de, Breves reflexões sobre a história das Artes Plásticas, p.83
Araújo, Matilde Rosa, Pássaros e Flores, p.85
Ramos, Jorge, A errata do autor e do tipógrafo, p.87
NOVA AUGUSTA
N.º 1_II Série 1981
Direcção de José Manuel Carraça da Silva
Ferreira, João António Marques, A Rata Cega, p.3
Sineiro, José Ribeiro, Subsídios para a história do Cinema em Torres Novas, p.10
Bretes, Faustino, Torres Novas – Sobre o seu passado remoto, p.15
Santos, António Mário Lopes dos, Caracterização do Concelho de Torres Novas pela sua imprensa, p. 20
Vieira, Lúcio, De nós, Helena, de novo, p.34
Santos, António Mário Lopes dos, Dois Sonetos em torno da mudança ou repensando Camões, p.49
Rodrigues, Francisco Nuno, Sem título, p.51
Gonçalves, Manuel, Jardim de Torres Novas, p.52
Inácio, Antero Guerra, A Guerra, A Clara e o grande Ovo¸ p 53
Maurício, Luís Godinho, Arquiversus, p.54
314
N.º 2_II Série 1982
Direcção de José Manuel Carraça da Silva
Santos, António Mário Lopes dos, Ideário Republicano na Imprensa Regional de Torres Novas (1907-1910), p.3
Bretes, Faustino, Do Poder Judicial em Torres Novas, p.16
Rocha, Francisco Canais, Para a história do movimento operário em Torres Novas, 1908-1912, p.23
Silva, José Manuel Carraça da, População, eleitores, deputados (Torres Novas, 1894), p.35
Costa, Francisco Cândido, Memória Breve sobre Vila Cardílio, p.45
Bicho, Joaquim Rodrigues, O vizinho do bairro, p.55
Luz, Pedro Manuel Natal da, O Folclore Ribatejano da zona de transição da Lezíria para a Charneca, p.57
Falcão, José António, Do Cancioneiro Popular de Santos, p.67
Ribeiro, Carlos, Folclore é Pobreza, p.71
Marques, José Alberto, Poesia de Neutrões Versus Prosa da Paz, p.73
Santos, António Mário Lopes dos, Memória do Labirinto, p.75
Maurício, Luís Godinho, Poemas, p.77
Navarro, Judith, A bandeira, p.81
Namorado, Maria Lúcia, Renúncia, p.83
Sineiro, José Ribeiro, Escultura, p.85
Pais, Maria Teresa, Passagem Silenciosa, p.88
Inácio, Antero Guerra, Pintura, p.90
Gonçalves, Manuel Maria, Aguarela, p.96
Maurício, Luís Godinho, Torres Novas, p.98
Alfaro, João, Pintura, p.99
Vale e Pina, Maria Idalina, Auto-Retrato, p.102
Barroca, Célia Maria, O Papel do Folclore, p.104
Santana, Joaquim Lopes, Riachos, seus usos e costumes, p.108
Barreiros, Augusto do Souto, O Ribatejo: o Trapo, a Dança e o Canto, p.113
NOVA AUGUSTA
Nova Augusta em índice
Marques, José Maria, Como deve ser feita a recolha, p.118
Santos, Álvaro Almeida, Os Grupos Folclóricos e o seu papel, p.123
N.º 3-4_II Série 1984
Direcção de José Manuel Carraça da Silva
Pombo, Robalo, Azulejaria Torrejana, p.3
Bicho, Joaquim Rodrigues, Meio Século ao serviço da educação, p.28
Bretes, Faustino, A propósito..., p.33
Luz, Pedro Manuel Natal da, O Folclore Ribatejano da Zona de Transição da Lezíria para a Charneca, p.37
Santana, Joaquim Lopes, O Trabalho Rural, os Cânticos e as Danças Folclóricas, p.44
Ribeiro, Carlos, Tradição, p.47
Falcão, José António, Tradição relacionada com o Vaga-lume, p.49
Vitorino, Alberto Aires da Silva, Rio Almonda, herança da Natureza, p.50
Bicho, Joaquim Rodrigues, Vila de Colinas e Mirantes, p.53
Sineiro, José Ribeiro, Esculturas, p.56
Leão, Mário, Tratado da Escola Tauromáquica de Torres Novas, introdução de J. M. Carraça da Silva, p.60
Bretes, Faustino, Magnitude: em rememoração de Artur Gonçalves, p.92
Namorado, Maria Lúcia, A Fangueira, p.93
Figueiredo, Ivone Mendes, De Longe IV, p.100
Navarro, Judith, O Luva, p.102
Lopes, José d’Abreu, Recordação de um veterano, p.104
Caetano, João, Sobre nós, p.106
Pinto, Guilherme, Análise de Conteúdo das Ofertas de Emprego, p.111
Maurício, Luís Godinho, Diálogro, p.125
N.º 5_1991
Direcção interina de João Carlos Lopes
Lopes, José Machado, Torres Novas na Ocupação Romana, p.5
Bicho, Joaquim Rodrigues, Acção Assistencial de Confrarias e Misericórdias, p.15
Bento, Eduardo, Luísa Sigéa, Uma presença renascentista em Torres Novas, p.29
Rocha, Francisco Canais, Torres Novas nos primórdios da industrialização, p.33
Luz, Pedro Natal da, O período liberal em Torres Novas, p.44
Lopes, António Mário, A imprensa regional no concelho de Torres Novas (1853-1926), p.68
Rocha, Francisco Canais, O Movimento Social na Região de Torres Novas (1862-1926), p.85
Costa, Lucília Verdelho da, Carlos Reis e o Naturalismo do Século XIX, p.95
Canelas, António, Movimento Associativo em Torres Novas, p.107
315
NOVA AUGUSTA
N.º 6_1992
Direcção interina de João Carlos Lopes
Comemorações do VIII Centenário do Foral, p.5-42
Caetano, Joaquim Oliveira, A Pintura em Torres Novas nos séculos XVI e XVII, p.45
Coelho, Maria Helena da Cruz, O Concelho de Torres Novas em tempos de crescimento e consolidação de
um Reino, p.55
Silva, Luís Alexandre Pereira, A estética, a psicocrítica e a crítica literária de João Mendes, p.69
Camelo, José António Fernandes, Evocação de António Prestes, p.77
Bento, Eduardo de Jesus, Nesta Torre, p.85
Torneio Literário – Trabalhos premiados, p. 101-125
316
N.º 7_1993
Direcção interina de João Carlos Lopes
Rocha, Francisco Canais, A Morte Prematura do Círculo Católico dos Operários Torrejanos, p.11
Zilhão, João; Maurício, João; Souto, Pedro, Jazidas Arqueológicas do Sistema Cársico da Nascente do
Almonda, p.35
Antunes, José Júlio, Freguesias ou Paróquias, p.55
Bicho, Joaquim Rodrigues, Pinceladas Torrejanas – Moinhos de Vento, p.73
Ribeiro, Carlos, As Lavadeiras – Evocação, p.81
Coelho, António Fernando, As Visitas Paroquiais – A propósito da publicação de “Visitas Paroquiais na
Região de Torres Novas, séc. XVII-XVIII”, de Isaías da Rosa Pereira, p.89
Lopes, João Carlos, Historiografia Torrejana – breve abordagem, p.97
Tavares, Elsa, Tanoaria, esse velho mester, p.105
Simão, Borges; Bento, Eduardo, Maria Lamas – a vida como Vale dos Encantos é possível, p.167
Nuno, Carlos Simões, Materiais Cerâmicos no Museu Agrícola de Riachos, p.173
Rosa, Victor M. Pereira da, O Islão e a Mulher, p.187
Martins, Bertino Coelho, Injustiça impedida por uma moleira torrejana, p.201
Brites, José, A alaga dos figos, p.205
António, Guilherme, O país dos Cegos, p.209
Maurício, Luís Godinho, O Ti Zé da Dica, p.213
Nuno, Carlos, Um poema de Amor, p.221
Santos, António Mário Lopes dos, Ex-Percurso, p.225
Pinto, Maria Fernanda, Nas margens do meu rio, p.237
Zabeleta, Maria, Pela tarde, p.241
Memória – Nova Augusta: 31 anos em índice, p.245
NOVA AUGUSTA
Nova Augusta em índice
N.º 8_1994
Direcção interina de João Carlos Lopes
Bicho, Joaquim Rodrigues, O Cânhamo e a sua cultura na região, p.9
Neves, Lídia Maria Rodrigues, Subsídios de Lactação – Elementos para o estudo das mães solteiras nos
finais do séc. XIX, p.33
Ferreira, Marta Nunes, Os mosaicos de Villa Cardílio, tentativa de descrição, p.45
Ribeiro, Carlos, Casa Mogo de Melo “Utilidade Desconhecida”, p.83
Bento, Eduardo, José Ribeiro: a invenção do corpo, p.89
Silva, José Alberto Matos da; Costa, Vítor Maia e, Roteiro de Carlos Reis na Lousã, p.101
Ferreira, Carlos Nuno Reis Nunes, Carlos Reis e Torres Novas, p.119
Câmara Municipal de Torres Novas, Castelo de Torres Novas – Sondagem arqueológica – Relatório preliminar, p.129
Rocha, Francisco Canais, Torres Novas e o atentado a João Chagas (1915), p.141
Santos, António Mário Lopes dos, Génesis, p.195
Pinto, Maria Fernanda, A Torres Novas – Vila do passado, p.199
Pinto, Maria Madalena, Pensamento irrequieto, p.203
Maurício, Luís Godinho, Banda Desenhada, p.207
Nova Augusta: 32 anos em índice, p.217
317
N.º 9_1995
Direcção interina de João Carlos Lopes
Farinha, Ana Lídia Gonçalves, Achegas para a história dos Moinhos de Água de Torres Novas, p.11
Bicho, Joaquim Rodrigues, Companhia Nacional de Fiação e Tecidos de Torres Novas, 150 anos de actividade, p.29
Cunha-Ribeiro, João Pedro, O Paleolítico Inferior na Região de Torres Novas, novos elementos para o seu
estudo, p.45
Silvestre, Mário Rui, O Marquês de Torres Novas e outras partes correlativas, p.73
Ribeiro, Carlos, Trajo e Representação, p.81
Lopes, João Carlos, Passado e futuro do Museu Municipal, p.87
Marques, Ana Maria, Ter e Saber – para uma caracterização sociológica do concelho de Torres Novas, p.97
Pinto, Ana Catarina, Marketing Político – o voto jovem em Torres Novas, p.135
Santos, António Mário, Périplo de Ulisses, p.159
Maurício, Luís Godinho, Poesia, p.167
Filipe, Élia, Epopeia, p.177
Pinto, Maria Fernanda, Ribatejo, meu Poema, p.181
Pinto, Maria Madalena, A minha mão, p.185
António, Guilherme, Excelência, p.189
NOVA AUGUSTA
N.º 10_1994
Direcção de João Carlos Lopes
Bicho, Joaquim Rodrigues, O Moinho dos Gafos, p.9
Rocha, Francisco Canais, Para a história da resistência ao fascismo em Torres Novas 1941-1961, p.17
Carreira, Júlio M. Roque, A necrópole megalítica das Lapas, p.51
Carreira, Júlio M. Roque, As ocupações das Idades do Cobre e do Bronze da Lapa da Bugalheira, p.91
Carreira, Júlio M. Roque, Materiais da Idade do Bronze da Gruta da Nascente do Almonda, p.113
Vasconcelos, Carolina Michaëlis, A Infanta D. Maria de Portugal e as suas Damas, p.123
318
N.º 11_1999 (Especial Arqueologia)
Direcção editorial de João Carlos Lopes
Estudos, p.11
Cunha-Ribeiro, João Pedro; Maurício, João; Souto, Pedro, O Paleolítico Inferior na Região de Torres Novas
– Novos elementos para o seu estudo, p.13
Rodrigues, António Carolino, contribuição para o conhecimento do Paleolítico Inferior do Concelho de Torres Novas, p.33
Oosterbeck, Luís, Para a revisão da Neolitização da Região de Torres Novas, p.53
Carreira, Júlio M. Roque, A Necrópole Megalítica das Lapas (Torres Novas), p.61
Sousa, Jorge Manuel Serra de, Três povoados fortificados do Concelho de Torres Novas, p.77
Monteiro, António Nunes, A Villa Cardílio, p.99
Sousa, Jorge Manuel Serra de, Elementos culturais de Vila Cardílio, p.109
Gama, João Manuel Ferraz Gaspar da, Contributo para o conhecimento da Romanização no Concelho de
Torres Novas, p.127
Real, Fernando C. S., A Mineração Romana: exploração de materiais não metálicos, p.151
Sínteses, p.159
N.º 12_2000
Direcção editorial de João Carlos Lopes
Sáez, Rita, Nossa Senhora do Ó de Torres Novas, p. 11
Bicho, Joaquim Rodrigues, A Banda Operária Torrejana e a Fábrica Grande, p. 37
Bicho, Joaquim Rodrigues, A Fiação do Cânhamo, p. 51
Correia, Sandra, Convento de Santo António, p. 67
Simão, Carlos Borges, O Linguajar Torrejano nas Personagens que lhe dão Vida nos Contos de António
Borga, p. 125
Renato, Paulo, O Azulejo como Elemento Transfigurador dos Espaços Arquitectónicos. O Caso do Revestimento Azulejar da Igreja da Misericórdia de Torres Novas, p. 133
Carvalho, António F.; Jacinto, M.ª João; Duarte, Cidália ; Maurício, João; Souto, Pedro, Lapa dos Namorados
(Pedrógão, Torres Novas): Estudo dos Materiais Arqueológicos, p.147
NOVA AUGUSTA
Nova Augusta em índice
Lourenço, Sandra; Zambujo, Gertrudes; Borralho, José, Intervenção Arqueológica na Igreja da
Misericórdia, 169
Lourenço, Sandra; Zambujo, Gertrudes, Relatório Arqueológico sobre a Estrutura de Combustão de
Barreiros (Riachos), p. 191
Ribeiro, Carlos, O Boieiro, p.223
Marques, Ana Maria, O Associativismo. Discursos, Paradoxos e Sonhos. Uma Reflexão Inspirada em Teorias
do Poder e da Reciprocidade, p.229
N.º 13_2001
Direcção editorial de João Carlos Lopes
Bicho, Joaquim Rodrigues, Artur Gonçalves, actor e ensaiador, p.15
Bicho, Joaquim Rodrigues, Miradouros do Concelho, p.21
Diogo, A. M. Dias; Monteiro, António J. Nunes, Ânforas Romanas de “Villa Cardílio”, Torres Novas, p.33
Pereira, Júlio Manuel, Breve notícia de uma ocupação do Neolítico Final/Calcolítico nas proximidades de
Torres Novas, p.61
Bretes, Faustino, Teatro, Cinema e Filarmónica, p.77
Simões, Jorge Manuel Salgado, Paisagem Protegida do Figueiral Torrejano? (um estudo de geografia do
turismo), p.89
Ribeiro, Carlos, Modas de Roda, p.121
Bicho, Joaquim Rodrigues, Grupo Pró-Torres Novas, p.127
N.º 14_2002
Direcção editorial de João Carlos Lopes
Marques, Carlos Trincão, Riachos – uma terra com nome próprio!, p.15
Simões, Jorge Salgado, Estrutura produtiva do Concelho de Torres Novas Desindustrialização ou Reindustrialização?, p.27
Renato, Paulo, A obra de mestre entalhador Manuel da Silva na vila do Almonda (1685 – 1695), p.47
Bicho, Joaquim Rodrigues, Colégio de Andrade Corvo – Memória breve de uma longa vida, p.67
Lourenço, Sandra, A ocupação medieval na Rua Tenente Valadim, n.º 1 e 3 (Torres Novas), p.109
Pereira, Júlio Manuel, Um habitat do Paleolítico Médio - a Quinta do Minhoto II (Riachos, Torres Novas).
Breve apresentação, p.157
Bicho, Joaquim Rodrigues, Os “Botas”, p.167
Ribeiro, Carlos, Considerações sobre o “Atlas” Folclórico, p.179
Sousa, Jorge Serra de, Relatório de progresso dos trabalhos da Quinta de S. Brás (1999), p.193
319
NOVA AUGUSTA
N.º 15_2003
Direcção editorial de João Carlos Lopes
Castro, Cláudia Plácido de, O espólio do Dr. Carlos Azevedo Mendes no Museu Municipal, p.13
Simões, Jorge Salgado, Novas notas demográficas do concelho (Uma análise local aos resultados dos
Censos 2001), p.35
Bicho, Joaquim Rodrigues, Uma fiação de algodão em Torres Novas, p.57
Moleiro, Margarida, Os primeiros seis meses da guerra colonial em Torres Novas, p.89
Gregório, Paulo Renato, Torres Novas – Sinais Urbanos: do medievo ao moderno, p.115
Ribeiro, Carlos, Rossio de S. Sebastião: as suas memórias, p.135
Borralho, José Alberto, Torres Novas num túmulo num santuário de Nossa Senhora de Guadalupe em Espanha, p.143
Bicho, Joaquim Rodrigues, Torres Novas, terra de festas, p.149
Pereira, Ana Sofia e Simões, Jorge Salgado, Portas abertas para um passado fechado, p.157
320
N.º 16_2004
Direcção editorial de Margarida Trindade e Luísa Martins
Diogo, A.M. Dias e Catarino, João, Cerâmicas de duas estações arqueológicas do concelho de Torres Novas
(Castelo Velho de Riachos e Chão do Castelo, Fungalvaz), p.13
Trindade, Margarida Teodora, O livro das visitações da igreja do Salvador de Torres Novas, p.39
Mendes, Marta Tamagnini, O revestimento azulejar da Capela da Senhora Sant’Anna, p.79
Ribeiro, Carlos, Os Gaiteiros, p.127
Bicho, Joaquim R., Da igreja de S. Pedro de Torres Novas do 1.º quartel do século XX, p.137
Moleiro, Margarida, O Painel de Gil Pais: estudo iconográfico e iconológico, p.167
Gregório, Paulo Renato Ermitão, O presépio de Machado de Castro na igreja da Misericórdia de Torres
Novas, p.167
Santos, António Mário Lopes dos, Convento do Espírito Santo – os últimos dias, p.177
N.º 17_2005
Direcção editorial de Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial
Raimundo, Ricardo Varela, Sentir mal do Sacramento da Penitência. O Processo de Frei Salvador da Ressurreição, p.11
Santos, Diana Gonçalves dos, Subsídios para o Conhecimento da Produção Artística de Carlos Reis, p.35
Bicho, Joaquim Rodrigues, O Bairro de Santo António. Sociedade e Economia entre 1936 e 1950, p.87
Borralho, Armando, Os últimos ferradores de Torres Novas. O cavalo e as artes equestres na 1ª metade do
século XX, p.103
Trindade, Margarida Teodora, Transcrição do Livro das Visitações da Igreja do Salvador de Torres Novas
– parte I, p.111
NOVA AUGUSTA
Nova Augusta em índice
Silva, Vasco Jorge Rosa da, Manuel de Figueiredo, contributo de um torrejano para a história da astronomia
portuguesa, p.133
Santos, António Mário Lopes dos, Cristão-Novos torrejanos na época dos Filipes, p.157
Diogo, A. M. Dias e Silva, Bruno F. da, Notícia de achados romanos nos concelhos de Torres Novas e Alcanena, p.177
Sousa, Jorge Serra de, Relatório de progresso dos trabalhos da Quinta de S. Brás, p.189
Figueira, Luís Mota, Análise de documentação visual na prática de gestão museográfica do Museu Agrícola
de Riachos – proposta metodológica, p.215 N.º 18_2006
Direcção editorial de Ana Maria Marques e Margarida Moleiro
Liberato, Marco, Antroponímia no concelho de Torres Novas nos finais da Idade Média, p.11
Silva, Vasco Jorge Rosa da e Santos, Magda, As matas da Serra de Aire na Torres Novas dos séculos
XV-XVI, p.39
Raimundo, Ricardo Varela, Saber e poder assinar em Torres Novas (1670-1790): modalidades e
assimetrias, p.63
Carreira, Carlos, Um passado islâmico em Torres Novas (contributo para o seu estudo), p. 87
Simões, Jorge Salgado, Donut urbano ou a dialéctica da cidade com o seu centro histórico, p.139
Bicho, Joaquim Rodrigues, A Igreja em Torres Novas no primeiro quartel do século XX, p.153
Moleiro, Margarida, Breves notas sobre o Tombo da Alcaidaria-mor da Vila da Torres Novas, p.171
Santos, Diana Gonçalves dos Santos, Obras de Carlos Reis no Museu de Torres Novas. Testemunhos da
permanência de um gosto, p.181
Santos, António Mário Lopes dos, Subsídios para a História da Fundação do Convento do Espírito Santo,
p.219
Bento, Eduardo, A Lenda de Martim Regos – Uma vida que, de Torres Novas, se reparte pelo mundo, p.239
Trindade, Margarida Teodora, Transcrição do Livro das Visitações da Igreja do Salvador de Torres Novas
– Parte II, p.247
Clemente, Joaquim Francisco de Sousa, Torres Novas e a Crise Nacional de 1383-1385, p.275
Sousa, Jorge Serra de; Lourenço, Sandra; Zambujo, Gertrudes; Sousa, Marco de; Carolino, António; Joaquim, Ramiro, Trabalhos de monitorização na estação de Villa Cardilium (Torres Novas), p.299
2005 em revista, p.333
Nova Augusta em índice, p.345
N.º 19_2007
Direcção editorial de Ana Maria Marques e Margarida Moleiro
Santos, António Mário Lopes dos, A ascensão do povo miúdo ao poder autárquico no concelho de Torres
Novas no reinado de D. João IV, p. 13
Teixeira, Maria Elvira Marques, Lavradores com ciência – a filoxera nas vinhas de Torres Novas (1874-1914), p.39
321
NOVA AUGUSTA
322
Poitout, Manuela, Emancipação do Entroncamento do concelho de Torres Novas, em 1926, p. 65
Raimundo, Ricardo Varela, A economia torrejana a partir dos seus testamentos (1680-1790), p. 91
Batista, Luís, A Confraria do Santíssimo Sacramento de Árgea, p. 109
Trindade, Margarida Teodora, Transcrição do Livro das Visitações da Igreja do Salvador de Torres Novas (1566-1591)– Parte III, p. 159
Simões, Jorge Salgado, José Manuel Pereira de Oliveira. Percurso e contributos de um geógrafo torrejano,
p. 183
Silva, Vasco J.R. da, João José Dantas Souto Rodrigues, um cientista de Torres Novas, p. 191
Bicho, Joaquim Rodrigues, Pe. José Maya dos Santos no cinquentenário da sua morte, p. 203.
Marques, Ana Maria, Dos primeiros agrupamentos musicais ao nascimento do Choral Phydellius: dinâmica
associativa musical no concelho de Torres Novas (1850-1957), p. 219
Moleiro, Margarida, Comprar livros em Torres Novas. Resultados de um inquérito, p. 231.
Oliveira, Paulo, As influências arquitectónicas da Casa-Estúdio de Carlos Relvas. Linhas de pesquisa, p. 249
Gonçalves, José, O Senhor Jesus dos Lavradores, um percurso de contestação, pesquisa e análise, p. 257
Silva, Armandina e David, Susana, Um tear de Kay da Companhia Nacional de Fiação e Tecidos de Torres
Novas, p. 269
Costa, Cláudia et al., A intervenção arqueológica no n.º 121 da Rua Carlos Reis (Torres Novas). Primeiros
resultados, p. 287
Lopes, Gonçalo, Um cantil almóada em Torres Novas, p.319
Carreira, Carlos, Os 3 dirhams do Museu Municipal Carlos Reis, p. 331
Figueira, Luís Mota, Os fumos da Casa da Mina e da Índia – vestígios manuelinos encontrados no concelho
de Torres Novas, p. 361
Martins, Andreia, Arte rupestre no concelho de Torres Novas: a Lapa dos Coelhos, p. 373.
Santos, Diana Gonçalves dos, REIS, Pedro Carlos – Carlos Reis. Lisboa: ADC Edições, [D.L. 2006], 383pp.
(recensão crítica), p.389

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