tdah: o que conhecem professores de ensino fundamental
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TDAH: O QUE CONHECEM PROFESSORES DE ENSINO FUNDAMENTAL Jenifer Demeterco UFPR, bolsista do PET Psicologia [email protected] Rodrigo da Costa UFPR [email protected] Mariana Abuhamad UFPR [email protected] Alessandra Bianchi UFPR, tutora do PET Psicologia [email protected] INTRODUÇÃO O TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, vem ganhando popularidade nos últimos anos, especialmente nas escolas. Pais e professores, diante de informações nem sempre claras a respeito de tal distúrbio, encaminham filhos e alunos a clínicas de psicologia a fim de obterem o diagnóstico. Antes dos resultados, porém, são muitas as vezes em que a criança já é rotulada como “hiperativa”, apesar de os conhecimentos sobre o transtorno nem sempre serem respaldados cientificamente. O referido transtorno, segundo o DSM-IV (American Psychiatric Association, APA, 2000), caracteriza-se por constante desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade, que é mais frequente e grave que o observado habitualmente em sujeitos de um nível de desenvolvimento similar. O indivíduo diagnosticado com esse distúrbio tem dificuldades de manter a atenção, de persistir em tarefas até o seu término, muda frequentemente de uma tarefa para outra sem concluí-las e deixa de atender a solicitações ou instruções dadas. A pessoa tem dificuldades em organizar-se, tanto em relação aos materiais quanto às atividades e tarefas a cumprir, e evita atividades que 2 exijam concentração por conta da dificuldade em manter a atenção, distraindo-se facilmente com o que se passa à sua volta. De acordo com o DSM-IV, há três subtipos desse transtorno: o tipo combinado, o tipo com predomínio de déficit de atenção e o tipo com predomínio de hiperatividade-impulsividade. Sobretudo, o TDAH denota um enfraquecimento na forma como o comportamento do indivíduo é planejado rumo ao futuro, por isso as pessoas que têm o transtorno parecem estar sempre voltadas para o momento presente (Barkley, 2002). É válido ressaltar que alguns dos sintomas desse transtorno podem ser identificados antes dos 7 anos de idade (APA, 2000). Para que seja feito o diagnóstico, conforme o DSM-IV, é necessário que o comportamento do indivíduo seja avaliado e identificado pelo menos em dois contextos diferentes e em variadas situações, na escola e em casa, por exemplo. Os principais sintomas são baixo rendimento escolar, dificuldades na realização de tarefas e de seguir regras, como já descrito anteriormente. É fundamental, no entanto, elucidar o fator principal que diferencia o transtorno de comportamentos inerentes à idade e aos métodos de ensino a que os alunos são submetidos. No caso do TDAH, a causa da falta de atenção é de ordem primária, sendo uma incapacidade orgânica de controlar a atenção, enquanto nos casos habituais de desatenção a causa é secundária, pois a dificuldade é comportamental (Micaroni, Crenitte & Ciasca, 2010). O fato de que alguns sintomas que definem o transtorno, como desatenção, hiperatividade e impulsividade, são, em menor grau, sintomas comuns a todas as pessoas torna o diagnóstico controverso e polêmico (Caliman, 2008). Além disso, até o momento, nenhum teste ou exame específico e preciso para a identificação do TDAH foi definido. O diagnóstico é feito por um processo misto, que pode envolver desde testes psicológicos até entrevistas com pais e professores. Muitas vezes tal diagnóstico acaba por desconsiderar barreiras sociais e culturais (Caliman, 2008). O que de certa forma constitui uma incompletude da análise, pois é essencial descartar causas alternativas para a desatenção, impulsividade e inquietação motora da criança, as quais podem advir, além de um prejuízo neurológico ou de um retardo mental, da fraqueza da instrução acadêmica e das práticas de manejo, bem como de uma perturbação emocional grave (Barkley, 2002). Por meio dos dados obtidos pela pesquisa de Gomes, Barbirato, Mattos e Palmini (2007) a respeito do conhecimento da população sobre o Transtorno de Déficit 3 de Atenção/Hiperatividade (TDAH), realizada com médicos, educadores e psicólogos, foi constatado que todos os grupos apresentaram crenças não respaldadas cientificamente sobre causas e tratamento do transtorno. Um dos motivos para essa difusão de informações errôneas, ou até mesmo, em muitos casos, da falta de informações da população acerca do TDAH, pode estar relacionado com questões da contemporaneidade, pois “O diagnóstico do TDAH se constitui no cerne de uma sociedade na qual o indivíduo bem-sucedido, produtivo e feliz, é autogestor, atento, racional e prudente” (Gomes et al., 2007), situação que pode estar relacionada com o aumento da produção de ritalina (a “pílula da obediência”) em 700%, em 1999 (Caliman, 2008). Excluindo-se o tratamento do TDAH, tal medicamento é indicado apenas no tratamento de narcolepsia, um distúrbio do sono (Ortega, Barros, Caliman, Itaborahy, Junqueira & Ferreira, 2010). Brzozowski e Caponi (2009) também obtiveram alguns dados que corroboram os motivos pelos quais a população permanece mal-informada. Mesmo que o TDAH seja um dos transtornos mais comuns em crianças com idade escolar, e apesar de toda a sua popularização pela mídia e pela indústria farmacêutica, os autores perceberam que o diagnóstico de TDAH é um alívio para muitos pais e professores, pois eles passam a entender o porquê de certos comportamentos da criança. Além disso, é preferível que as crianças sejam rotuladas como doentes a preguiçosas ou malcomportadas. Essa posição também é demonstrada por Benedetti e Urt (2008), pois as autoras apontam que, ao deparar com um aluno de comportamento diferenciado por conta da nova estrutura da família e da sociedade, a escola encontra dificuldades; portanto, afirmar que os alunos possuem algum tipo de distúrbio é uma posição tranquilizadora, pois a ineficiência passa a centrar-se no sujeito. Dessa forma, pais e educadores ficam isentos de repensar as relações familiares, as propostas pedagógicas e todo o contexto atual. Pode-se considerar, também, como fonte de colaboração para a difusão de informações erradas, a maneira como o diagnóstico pode variar. A prevalência do TDAH varia em função do tipo de amostra, dos instrumentos e critérios diagnósticos e da fonte de informação obtida, que contribui para uma heterogeneidade dos dados. Estudos mostraram que a incidência de TDAH variava entre 0,5% e 26%; as taxas de prevalência tendiam a ser mais elevadas quando estudos epidemiológicos analisavam amostras extraídas de escolas e mais baixas quando eram feitos em amostras extraídas 4 da comunidade ( Holmberg & Øzerl, 2010; Freire e Ponde, 2005). Graeff e Vaz (2008) pontuam, por exemplo, que é necessário fazer um diagnóstico diferencial criterioso. Faz-se necessário contextualizar a conduta do paciente em diferentes ambientes. É fundamental que a escola esteja familiarizada com os conceitos básicos do TDAH, pois para as crianças portadoras do transtorno a rigidez da sala de aula pode ser problemática e frustrante. A fim de progredirem, devem ser encorajadas a trabalhar ao seu próprio modo. As escolas voltadas de modo exclusivo para resultados em termos de conteúdo podem não ser um ambiente adequado para essas crianças e adolescentes (Rohde, 1999). Se tais indivíduos forem confiados a um professor inflexível no que concerne a tarefas e testes, ou que usa materiais e métodos inapropriados às suas necessidades, eles serão reprovados (Smith & Strick, 2001). A escola tanto pode tornarse uma instituição estimuladora como, pelo contrário, pode ser fonte de conflitos (Bassedas et al., 1996). Se pais e professores tiverem ciência dos porquês do comportamento dessas crianças, ficará mais fácil saber como agir com elas e quais os auxílios especiais de que elas necessitam (Barkley, 2002). Em relação às atitudes tomadas pela escola frente à popularização do TDAH, vários autores concordam que ainda há muito a ser feito. Coutinho, Mattos, Schmitz, Fortes e Borges (2008) constataram que os professores apresentam conhecimento diminuto acerca da sintomatologia do TDAH. Já Micaroni, Crenitte e Ciasca (2010) perceberam que os professores que compunham a amostra de sua pesquisa não tinham conhecimento de que é possível que a criança aprenda a controlar a atenção caso não possua nenhum transtorno. Para a maioria deles, a atenção é uma reação, e não um comportamento. Tendo em vista a necessidade de uma equipe multiprofissional para a completude do diagnóstico, equipe essa que inclui os professores da criança em análise, pode-se inferir que esse desconhecimento acerca do funcionamento da atenção pode contribuir, também, para a construção de um pseudo-diagnóstico. Diante de dados como esses, Gomes et al. (2007) sugerem maior formação e treinamento para os profissionais da saúde, professores e pais, para poderem auxiliar as crianças que sofrem desse distúrbio. Para Desidério e Miyazaki (2007), precisa-se adotar, no tratamento do TDAH, uma abordagem sistêmica. Além disso, eles também afirmam que pais e educadores devem ser orientados a respeito do TDAH e de como lidar com crianças portadoras desse transtorno. Isso principalmente porque, hoje em dia, 5 considera-se que o excesso de informações e estímulos visuais, auditivos, televisivos, de forma acelerada, pode desencadear a SPA – Síndrome do Pensamento Acelerado, que é diferente do TDAH, mas pode ter seus sintomas confundidos. A SPA é caracterizada pela velocidade de pensamento, diminuição da concentração e aumento de ansiedade, além da compulsão por novos estímulos. Também pode gerar uma hiperatividade funcional, não genética, que apresenta sintomas tais como diminuição e má qualidade do sono, irritabilidade, fadiga e esquecimento (Micaroni, Crenitte & Ciasca; 2010). Para investigar as concepções sobre o TDAH e verificar como é feita a intervenção por professores em sala de aula, Landskron e Sperb (2008) analisaram, por meio de entrevista narrativa, como nove professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental, em uma região do interior do Rio Grande Sul, vivenciavam a condição de ter um aluno portador de TDAH. Foi constatado que as educadoras atribuíam à doença explicações psicológicas, deixando de lado as causas orgânicas; elas não tinham uma concepção formada acerca do TDAH. Já Brzozowski, Brzozowski e Caponi (2010) mostram, no entanto, que de 1992 para cá pouca coisa mudou no cenário da educação do aluno com TDAH, já que, desde então, para muitos professores, os indivíduos muito ativos e que não prestam atenção como deveriam possuem algum problema de saúde mental ou psicológica, conforme descrito acima. Em razão disso, pesquisadores reforçam a urgência de divulgar e conhecer melhor o TDAH. Souza, Serra-Pinheiro, Fortes e Pinna (2007), por exemplo, pontuam que falhas no diagnóstico do distúrbio podem ocasionar sérias dificuldades na vida do portador. Benedetti e Urt (2008) citam dois casos em que escolares foram submetidos à avaliação diagnóstica e passaram a ser medicados: a medicação de um deles trouxe apenas alívio à família e o outro, anos depois, apresentou um surto psicótico. As autoras apontam, então, a necessidade de repensar a temática e produzir mais pesquisas a respeito do assunto, de modo a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Esta pesquisa se prestou, portanto, a identificar como os professores que lecionam para alunos entre 5 e 11 anos compreendem o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, averiguar a opinião que têm a respeito de alguns aspectos do tema e investigar se há uma prática profissional específica frente a essa demanda. Por fim, buscou-se verificar se existe alguma relação, sob a perspectiva dos docentes, entre o transtorno, a interação familiar e a metodologia adotada na escola. 6 MÉTODO Participaram deste estudo 107 professores do sexo feminino, com faixa etária entre 21 e 55 anos (média 37,45 anos e desvio-padrão 7,89 anos), que atuam do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, no estado do Paraná. 53% dos participantes lecionavam em escolas públicas, 44% em escolas privadas e 3%, em ambas. Como não foram encontrados instrumentos prontos para alcançar os objetivos descritos, foi elaborado um questionário específico. É valido ressaltar que o instrumento foi construído com base em critérios adotados pelo DSM-IV (APA, 2000) para a descrição do TDAH, mas também incluiu informações recolhidas em sites da área e em outras obras (DuPaul & Stoner, 2007; Barkley, 2002). Optou-se por seguir o DSM-IV (APA, 2000) pelo fato de que grande parte dos diagnósticos se baseia nos critérios propostos nesse compêndio. O instrumento para identificar o conhecimento e a opinião dos professores a respeito do TDAH e de temas referentes a ele foi um questionário com 37 questões de escolha simples, em que o participante indicava se a alternativa em questão era verdadeira ou falsa. Além disso, havia uma terceira opção em que o professor poderia afirmar não saber a resposta. Inicialmente houve a construção do questionário em versão eletrônica e professores foram convidados a responder. Como, entretanto, a taxa de resposta foi muito baixa (10%), optou-se pela aplicação do questionário impresso também. Em algumas escolas, e de acordo com a solicitação da direção dos estabelecimentos de ensino, o procedimento de preenchimento dos questionários pelas professoras foi realizado por meio da apresentação deste, em data definida pela coordenação da escola, com recolhimento imediato após o término; em outras, os questionários foram entregues à direção, que os distribuiu às professoras, e foi combinada uma data para a devolução. RESULTADOS As questões foram agrupadas em nove categorias, sendo que, dentre as 37 7 perguntas, seis referiam-se ao conceito de TDAH; quatro, à etiologia; quatro à observação dos sintomas do transtorno; cinco eram relativas à caracterização do TDAH; quatro versavam a respeito do diagnóstico; três abordavam o tratamento; quatro referiam-se a práticas socioeducacionais; quatro eram relativas a ações e capacitação e três, por fim, eram opinativas. Na Tabela 1 são apresentados os dados referentes aos conhecimentos sobre conceitos do TDAH. Tabela 1: Conceitos. A seguir, na Tabela 2, são mostrados os resultados das questões relacionadas à Etiologia do TDAH. Tabela 2:Etiologia. 8 Em relação o conjunto de questões que dizem respeito aos comportamentos observáveis, o percentual de acertos dos docentes está descrito na Tabela 3. Tabela 3: Comportamentos observáveis Na Tabela 4, encontram-se os dados referentes às questões que versam sobre as características do TDAH. 9 Tabela 4: Caracterização Nas questões que possuem em comum o tema diagnóstico, 89,5% dos participantes consideram que o pré-diagnóstico deve ser realizado e analisado por um especialista. Apenas 21,5% dos professores assinalaram corretamente que a tomografia ou o mapeamento cerebral não podem fornecer o diagnóstico conclusivo sobre TDAH. Já 51,9% dos participantes apontam corretamente que, para diagnóstico, os sintomas do TDAH devem estar presentes na criança há pelo menos 6 meses; no entanto, 37,7% dos participantes afirmaram não saber a resposta a essa questão. Um total de 31,7% dos professores indicaram, corretamente, que o diagnóstico de TDAH não é feito apenas com base nos sintomas clínicos fornecidos pelos pais e pelo indivíduo. No que diz respeito às questões que abordam o tratamento do TDAH, 68% dos participantes responderam que, na maioria dos casos, é necessária a medicação. 47,6% dos professores pensam que o tratamento do TDAH deve ser multimodal, isto é, deve ser tratado de forma multidisciplinar, integrada, por meio de medicamentos, psicoterapia e orientação aos pais e aos professores; entretanto, 51,5% dos participantes afirmaram não saber a resposta a essa questão. No total 91,5% dos participantes consideram que a psicoterapia pode auxiliar nos sintomas do portador de TDAH. A respeito das ações e da capacitação dos professores em relação ao TDAH, 23,8% tiveram seu primeiro contato com o transtorno por meio da mídia. 85,3% afirmaram que costumam buscar informações a respeito do TDAH em publicações feitas por especialistas no assunto. Outro ponto investigado foi se esses professores, em suas práticas em salas de aula, planejam ações diferenciadas para atender os alunos com TDAH, e 16,2% disseram que não planejam. Entretanto, 64,4% dos professores informaram que as escolas em que lecionam planejam algum tipo de ação. Nas questões sobre práticas sócio-educacionais envolvendo o aluno com TDAH, 89,5% dos participantes acreditam que as relações familiares podem amenizar os sintomas do TDAH e 89,4% acreditam que as relações familiares podem agravar os sintomas. Já 88,7% acreditam que a metodologia da escola pode amenizar os sintomas e 10 75% acreditam que a metodologia da escola pode agravar os sintomas. Quanto às questões relacionadas à opinião dos participantes a respeito do transtorno, 64,4% consideram o TDAH uma doença e 5,9% não souberam responder a essa pergunta. 84% dos participantes acreditam que devem fazer algum curso para lidar de maneira mais adequada com o aluno portador do transtorno e 95,2% acham importante que o sistema educacional desenvolva políticas públicas para atender os alunos portadores de TDAH. Os resultados também indicaram que somente 10% dos professores sentiram-se preparados para responder ao questionário em sua totalidade. Ademais, houve questões a que mais de 20% dos participantes não conseguiram responder corretamente. Conclui-se, então, que determinados conhecimentos precisam ser desenvolvidos nos cursos de formação de professores e que é necessário repensar o trabalho realizado nas escolas e o papel que o psicólogo pode ter nesse processo de qualificação do atendimento ao aluno com TDAH. DISCUSSÃO Na maioria das questões, os professores demonstraram um conhecimento razoável a respeito do TDAH. Todavia, há a evidência da não assimilação, por parte considerável dos educadores, de certas questões-chave a respeito de como lidar e tratar o transtorno. Tal situação pode implicar consequências negativas na vida do indivíduo com TDAH (Condemarín, Gorostegui & Milicic, 2006). Talvez essa falta de coerência e articulação em relação ao TDAH seja um reflexo do polêmico debate acerca desse tema, que até em meios científicos gera grandes discussões (Caliman, 2010; Santos & Vasconcelos, 2010). O maior impacto gerado é a discrepância nas formas de lidar com alunos com TDAH. A literatura evidencia que TDAH e problema de aprendizagem são conceitos distintos. A estimativa é de que apenas 20% das crianças com o transtorno tenham dificuldade de aprendizagem (Poeta & Rosa Neto, 2004), embora as pessoas com TDAH apenas tenham maior propensão a desenvolver problemas de aprendizagem (Holmberg & Øzerl, 2010). Uma das hipóteses é de que isso pode decorrer das 11 metodologias e do ambiente onde a educação ocorre, o qual atualmente se mostra inadequado para o pleno desenvolvimento do aluno com o transtorno. A maioria das professoras neste estudo, entretanto, concebe o TDAH como um problema de aprendizagem, concepção que pode ser consequência de o transtorno só ganhar relevância na escola quando se manifesta como baixo rendimento escolar ou mau comportamento. Apesar do que afirmaram na questão discutida anteriormente, muitos dos professores se contradisseram ao assinalar que o TDAH nem sempre é acompanhado por um atraso de aprendizagem. A contradição demonstra a dúvida e a falta de consistência do conhecimento dos educadores acerca desse assunto, o que corrobora a pesquisa de Gomes et al. (2007), que demonstra que a maioria dos educadores, médicos e psicólogos apresentam crenças não respaldadas cientificamente sobre causas e tratamento do transtorno. Outros dados que demonstram essa defasagem de conhecimento é o fato de que, apesar de a maioria das professoras concordarem que o TDAH é uma disfunção neurobiológica, 41% delas não sabem se o transtorno é uma disfunção crônica, ou seja, uma disfunção que acompanha o sujeito por toda a vida. Além disso, quase um quarto dos participantes da pesquisa não compreende se o TDAH é ou não superado na adolescência. Se considerada a relevância desses resultados no cotidiano escolar, fica fácil perceber como a falta de conhecimento dos educadores pode interferir negativamente no processo de aprendizagem dos estudantes. Ao desconhecerem o desenvolvimento dos educandos de forma plena, não há meios de realizar um planejamento adequado às exigências dos alunos que, consequentemente, passam a sofrer as penas de suas próprias dificuldades, aliadas à falta de encaminhamentos adequados por parte dos docentes. É evidente que o fracasso escolar desencadeado por essa realidade acaba por atingir todo o sistema educacional, atualmente despreparado para lidar com essa situação. Quando questionadas se a metodologia da escola e as relações familiares poderiam amenizar ou agravar os sintomas de TDAH, a responsabilidade maior ficou a cargo da família. A maioria das professoras revelou a crença de que essa relação é muito influente no desenvolvimento do transtorno, entretanto uma parcela significativa das participantes declarou que as influências da escola são menores que as influências da 12 família no agravamento dos sintomas: enquanto 89,4% apontam que as relações familiares podem ter participação nesse agravamento, apenas 75% sugerem a influência da escola. Esses dados demonstram a necessidade de maior disseminação de informações sobre o TDAH, a fim de possibilitar uma abordagem sistêmica de tratamento para os indivíduos que têm o transtorno (Desidério & Miyazaki, 2007), o que inclui a responsabilidade do sistema escolar. Apesar de a literatura evidenciar a importância do papel da escola no tratamento de crianças com TDAH (Bassedas et al., 1996; Barkley, 2002; Desidério e Miyazaki, 2007; Rohde, 1999; Smith & Strick, 2001), esta pesquisa mostrou que ainda há escolas e educadores que não se posicionam frente a essa demanda: 29,8% dos professores declararam que as escolas em que lecionam não planejam ações diferenciadas para atender os alunos com TDAH e 16,2% declararam que não adotam posicionamento diferenciado perante esses estudantes, em sala de aula. Esses dados também demonstram certa incoerência entre as decisões das instituições de ensino e de seus educadores, já que o percentual de professores que adota ações específicas para os alunos com TDAH, em sala de aula, (79,8%) é maior do que o número de escolas que dizem pô-las em prática (64,4%). Esse visível descaso de algumas escolas e professores perante os alunos com TDAH não parece ocorrer somente pelo desconhecimento acerca do transtorno, mas porque muitos atribuem o TDAH a fatores psicológicos. Não se nega que estes interfiram, mas não podem ser considerados a causa, pois o TDAH é uma disfunção neurobiológica (APA, 2000). Com o tratamento que têm recebido, os estudantes ficam impossibilitados de se engajarem nas tarefas e atividades propostas em sala de aula e, nesses casos, se a intervenção for tardia, as crianças e adolescentes podem perder a solidez de sua fundação acadêmica, solidez imprescindível para terem sucesso nos níveis de ensino posteriores. As crianças, além de estarem prontas para aprender, devem ter, também, oportunidades apropriadas de aprendizagem, e estas devem ser disponibilizadas pelo sistema educacional em sua totalidade, o qual inclui o professor. O maior problema, entretanto, parece estar na falta de articulação entre os professores e os demais profissionais, entre os conhecimentos já adquiridos a respeito do transtorno e os problemas cotidianos da sala de aula. Pois, como salientam alguns pesquisadores: 13 Mesmo que o TDAH esteja entre os distúrbios psicológicos infantis mais bem estudados, ainda há muito que não se sabe. O TDAH permanece mal compreendido e controverso nas mentes do público em geral e das autoridades educacionais. É importante investigar as possíveis causas do TDAH, mas é importante também investigar as medidas educacionais preventivas e protetoras de comorbidades. Mais importante ainda é capacitar o quadro docente para melhor compreender e diferenciar as características dos alunos, evitando enquadrá-los em falsos rótulos. (Jou, Amaral, Pavan, Schaefer & Zimmer, 2010). A questão mais recorrente na literatura e que nossa pesquisa veio corroborar é a de que no sistema de educação brasileiro não é incomum a presença de professores, em sala de aula, diagnosticarem de maneira intuitiva os estudantes que apresentam padrões de comportamento que se assemelham a sintomas do TDAH (Caliman, 2008; Micaroni, Crenitte & Ciasca, 2010; Holmberg & Øzerl, 2010; Brzozowski, Brzozowski & Caponi, 2010). Essas crianças são fonte de medo e de insegurança para os educadores, pois muitos deles não têm uma ampla visão de desenvolvimento ou de estratégias pedagógicas que favorecem a aprendizagem daqueles que se mostram diferentes ou que desafiam uma rotina escolar, afirmativa também encontrada em Santos e Vasconcelos (2010). Para que esse quadro se modifique é necessário que os professores, e também os estudantes, tomem consciência de seu papel ativo no processo de aprendizagem, com o entendimento de que a prática educativa é viabilizada pela interação professor-aluno, que transcende o espaço da sala de aula e que se constitui, também, numa prática social (Frison & Schwartz, 2002). O conhecimento sobre o transtorno é essencial diante de um problema ainda mais sério, que diz respeito à natureza subjetiva da definição do TDAH. Essa subjetividade possibilita uma série de interpretações, além da hipervalorização dos sintomas considerados desviantes não só em sala de aula, mas também em casa. Caso não haja profundo conhecimento por parte de professores e de pais, corre-se sempre o risco de tratar uma criança saudável como doente, que precisa ser consertada, tratada e curada unicamente pelo viés da biologia. 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS Muitas vezes, a resolução de casos que tratam de crianças com TDAH são deixados apenas sob a responsabilidade do psicólogo, do médico, e até do psicopedagogo. A contemporaneidade aparenta ter perdido a consciência do papel ativo do professor na apropriação do conhecimento pelos alunos e muitos professores, consequentemente, não se veem mais como os principais mediadores desse processo. Os educadores encontram-se fragilizados pela falta de assistência governamental e de incentivos para que busquem uma educação mais integradora, falta essa revelada pela imensa maioria dos professores ao afirmarem a necessidade de terem um curso para saberem lidar com o transtorno e da criação de políticas públicas para atender os alunos com TDAH. A partir do que os resultados desta pesquisa mostram, percebe-se a necessidade de os professores terem mais informações a respeito do TDAH, não só para que saibam identificá-lo ou porque se trata de um transtorno não raro entre os alunos em idade escolar, mas, também, para que sejam capazes de estabelecer um plano pedagógico que atenda às demandas dos estudantes. É importante que os educadores conheçam técnicas e estratégias que auxiliem os alunos com TDAH a terem melhor desempenho e que também saibam como ensinar a esses estudantes técnicas específicas para minimizar as dificuldades. Quando os alunos com TDAH se dedicam a fazer algo estimulante ou do seu interesse, conseguem permanecer mais tranquilos e envolvidos nas atividades, o que certamente contribui para o desenvolvimento e o sucesso enquanto estudante e pessoa. Finalmente, é imprescindível levar em conta que o TDAH não é somente um problema de saúde mental, mas que também envolve questões pedagógicas muito importantes que não podem ser deixadas apenas sob responsabilidade do médico ou do psicólogo. Os professores também podem e precisam agir ativamente na busca por resultados positivos na melhora acadêmica dos alunos portadores do transtorno. 15 Referências Bibliográficas AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION.(2000) DSM-IV. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas. BARKLEY, R. A. (2002). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade – TDAH: guia completo para pais, professores e profissionais da saúde. São Paulo: Artmed. BASSEDAS, E., HUGUET, T., MARRODÁN, M., OLIVÁN, M., PLANAS, M., ROSSELL, M., et al. (1996). Intervenção educativa e diagnóstico psicopedagógico. 3. ed. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. BENEDITTI, I. & URT, S. da C. (2008). 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