jo rnalexper im en ta ldocursodecomun ic a ç ã osoc ia l

Transcrição

jo rnalexper im en ta ldocursodecomun ic a ç ã osoc ia l
JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - UNISC - SANTA CRUZ DO SUL - VOLUME 15 - Nº 2 - JULHO/2011
EDITORIAL
Edições distintas,
propósitos comuns
OPINIÃO
A primeira
edição
de 2011
do Uni- do, para além das pautas, que a ediAs
sucessivas
edições
do Unicom,
com,
o jornal-laboratório
do de
Curso
o
jornal-laboratório
do Curso
Co- ção seja tematicamente adequada e
de Comunicação
da Unisc,
que
agora que sua angulação tenha coerência.
municação
da Unisc,
têm se
mostrachega
às suas mãos,
é um
jornal ao
do
instrumentos
muito
importantes
Da mesma forma que ocorreria, por
mesmo
igualdee todas
diferente
dos exemplo, quando de uma cobertura
para
quetempo
os alunos
as habique lhe antecederam.
litações
exercitem suas potencialida- especial, de um caderno dirigido, de
Eleconstruindo,
é igual porque
se forma,
mantém
fiel um veículo temático. É o que se deu
des,
dessa
desde
à
sua
vocação
de
jornal-laboratório,
a instância graduação, seus conheci- na primeira edição do Unicom desse
qual seja,
servir de profissionais.
instrumento de ano, por exemplo, quando abordamentos
e currículos
aprimoramento,
em primeiro lugar,
No que toca especificamente
aos mos a temática “sete pecados”.
dos
alunos
da
disciplina
de
Produalunos de Produção em Mídia ImHá muitas importâncias nesse
ção emresponsáveis
Mídia Impressa,
pressa,
pelaresponsáveis
viabilização movimento.
diretos
elaboração
dosemestre,
Unicom,
de
duaspela
edições
a cada
A mais evidente diz respeito ao
mas também
todos osem
quemuito,
quei- fato de, assim, os futuros jornalistas
esse
exercíciopara
extrapola,
ramaspectos
exercitarmais
suasdiretamente
potencialidades
os
rela- estarem mais habilitados a exercitadurante
a
graduação,
revelia
da ha- rem competências que usualmente
cionados à produçãoà de
conteúdo,
bilitação.ou
Basta,
para tanto, vontade aprenderiam somente na prática.
editorial
imagético.
realizadora.
A cada novo ano, e sempre duas
Então também aí já se estabelece
Por
esse
viés,
ao
longo
dos
sucessivezes a cada semestre, os alunos da um grande diferencial no que fazevos semestres,
acabou
por mos no Unicom a cada novo semesdisciplina
têm o
deUnicom
dar conta
de ediconsolidar
comode
umserem
jornalsemelhanpor meio tre, mas não apenas.
ções
que, apesar
do qual,
além
do jornalismo,
estes
entrepara
si em
termos
de identidade
A experiência demonstra que, em
tudantes
de
publicidade
e
propaganvisual, projeto gráfico e editorial, são alunos e professor tendo exercitado
da, produção
muito
distintasem
paramídia
alémaudiovisual,
do conteú- uma edição temática, na segunda
relações
do
de umapúblicas
e outra. e fotografia não eles estarão mais aptos a se dedicaapenas
exercitam
suas competências
O fato
de trabalharmos,
sempre, rem individualmente às suas pautas,
comunicacionais
como
o
fazem
jun- sem perder o foco no propósito couma edição monotemática e outra
tos,conteúdo
antecipando,
dessa
forma, muito
de
aberto;
a primeira
volta- mum de todo o jornal.
do ao
que
será o mercado
de trabalho
da
tratamento
de um único
tema,
O que muda? Basicamente o fato
que se avizinha.
enquanto
que a segunda a assuntos de, assim, terem mais condições de
Nesse sentido,
mantemos
fiéis escrever individualmente pensandiversos,
faz comnos
que
exercitemos,
a nossas
origens
e propósitos.
em
sala de
aula, potencialidades
que do na publicação como um todo, a
jornalcaras
que ali
agora
chega às suas quem ela se dirige, quais são seus
nosOserão
na frente.
mãos,
por outro
dos propósitos, normas, valores etc.
Vejamos
como lado,
isso sedifere-se
estabelece.
que
lhe
antecederam
à
medida
que
Quando, logo no início do semesEsse é, aliás, o propósito dessa seradicaliza
o diálogo
entre
as de
turmas
tre,
discutimos
o tema
geral
uma gunda edição do semestre.
e alunosem
do cujo
cursoentorno
de Comunicação.
edição
as pautas
(Também também
aqui não estamos
temos, digamos
oscilarão,
cuidanUma boa leitura a todos
assim, uma diferença fundamental,
à medida que o intercâmbio com as
demais turmas sempre existiu na roEXPEDIENTE
tina do Unicom. O que muda é a intensidade com que esse intercâmbio
se estabelece).
Editor-chefe
Reportagem
UNISC– Universidade de
Demétrio Soster
Ana Cláudia Schuh
Santa Cruz do Sul
Ana Luiza Rabuske
Av. Independência, 2293
Editora
Augusto Hoffmann
Bairro Universitário
Ana Luiza Rabuske
Carolina Biscaglia
Santa Cruz do Sul – RS
Carolina Junqueira Lopes
CEP 96815-900
Diagramação
Juliana Eichwald
2
Curso de Comunicação
Social - Jornalismo
Bloco 15 – Sala 1506
Telefone: 51 3717-7383
Renan Silva
Viviane Moura
Editora de arte
Viviane Herrmann
Coordenadora do curso:
Fabiana Piccinin
Editora multimídia
Carolina Biscáglia
Tiragem
500 exemplares
Capa
Amanda Mendonça
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Contracapa
Viviane Herrmann
Marluci Drum
Renan Silva
Vanessa Kannenberg
Vanessa Schuler
Viviane Moura
Yaundé Narciso
Fotografia
Regina Colombelli
Viviane Moura
Impressão
Graphoset
Crônica
Pedido de noivado
ANA FLÁVIA HANTT
Apesar de ser meados de março,
um ventinho fresco circulando entre as árvores da calçada já indicava
que o outono estava por vir. Gabriela caminhava apressada em direção
ao centro de Santa Cruz do Sul. Era
seu aniversario de 26 anos. Seu namorado havia lhe prometido um
jantar. Seu sexto sentido desconfiava para um pedido de noivado,
afinal já eram seis anos de namoro.
Estava feliz. Seu dia especial estava
só começando.
Ao chegar na esquina, aguardou
ainda alguns segundos até que o
sinal ficasse livre para os pedestres.
Colocou o pé no asfalto úmido da
rua. Uma música que estava tocando em uma das lojas lhe fez sorrir.
Era a sua música. Porém, de repente, o sorriso sumiu de seus lábios e
o espanto apareceu em seus olhos.
Sem saber de onde, algo lhe atingiu e ela não viu mais nada antes de
perder os sentidos.
A primeira coisa que sentiu foi um
enorme dor de cabeça. Os olhos foram abrindo aos poucos, mas aquela
luz era tão forte! Resmungou. Onde
estaria agora? Parece um quarto de
hospital. Começou a lembrar. Era o
dia do seu aniversário, estava fazendo 26 anos. Claro, tinha sido atropelada. Tentou mexer seus braços e
pernas. Sentiu eles muito pesados.
- Meu Deus! Gabriela, você pode
me ver? Gabriela, você acordou! Gabriela focalizou o olhar. Quem era
mesmo aquela pessoa? Pensar doía.
Tentou falar, mas apenas um sopro
saiu de sua boca. - Não precisa falar
nada. Você está acordada, eu nem
acredito que isso possa ser verdade! Miguel, claro. Mas como estava
velho! Suas feições haviam mudado um pouco. A barba estava mais
espessa, e os cabelos mais curtos.
Nesse meio tempo, sua mãe entrou
no quarto. Por algum motivo, quando olhou para Gabriela, deixou cair
no chão a sacola que trazia.
- Minha filha, você acordou!
Gabriela já não entendia mais
nada. Por que todos estavam tão espantados? Ela só sofrera um pequeno acidente! Miguel, que já não continha mais as lágrimas, contou toda
a história. Um trágico dia há sete
anos. O atropelamento, o coma sem
prazo de reversão, as noites intermináveis de indecisão... Ao final de
toda história, atordoada com tantas
revelações, Gabriela ainda recebeu
mais uma enorme surpresa: Miguel
tirou do bolso uma caixinha de veludo preto e a abriu.
- Eu trago este anel todas as vezes
que venho lhe visitar, na esperança
de um dia poder lhe perguntar: você
quer casar comigo?
TWITTER
Ilustração
Fernando Barros
Giuzepe Fontanari
Julio Cunha Neto
Mariana Pellegrini
Este Jornal foi produzido na disciplina de
Produção em Mídia Impressa, ministrada
pelo professor Demétrio Soster. Colaboração dos alunos da disciplina de Jornalismo
Impresso II, Técnicas de Reportagem e
Jornalismo Especializado
http://twitter.com/JornalUnicom
CONTATO
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Flickr
http://www.flickr.com/photos/unicom2011
Santa Cruz em traços
Em meio a cores, rabiscos e pedaços amassados de papel, nasce o
dom, ainda na infância. Alguns o
fazem apenas pela diversão. Para
outros, trata-se apenas de mais um
exercício escolar. Mas há aqueles
que fazem disso a sua essência. Tem
gente que desenha pra si; tem gente
que desenha para os outros; tem gente que desenha mesmo sem a intenção de desenhar.
Em Santa Cruz do Sul, há diversos artistas que traduzem o mundo
através de traços. Fernando Barros,
por exemplo, trabalha como chargista em um jornal local. Outro que
faz da arte sua fonte de sustento é o
artista plástico Joe Nunes. O sonho
de Giusepe Fontanari, ilustrador,
é poder sustentar-se apenas com
seus desenhos. Rodrigo de Almeida,
porém, tem um sonho ainda mais
ousado: disseminar a cultura hip
hop, seja através da dança (sua atual fonte de sustento) ou do grafite uma paixão antiga que retomou há
alguns meses.
Foi no fim da década de 70 que
Os esboços mal
traçados em pedaços
de papel fazem parte
da infância. Mas, para
alguns, essa é uma
paixão levada por
toda a vida
po”. E é esse talento, que Pepe não
deixou de lado, que o leva a sonhar
alto. Estudante de Publicidade e Propaganda, é com sua arte que o jovem
sonha em sustentar-se. “Quero poder
trabalhar por conta própria. Ter meu
atelier em casa, trabalhar a hora que
me der na telha, seja de madrugada
ou ao meio dia”.
Fernando também teve total
apoio da família. “Nunca existiu
uma cobrança para que eu levasse
o desenho a sério, que fizesse algum
curso, que encarasse isso como uma
profissão no futuro”. Seus pais entendiam que desenhar não passava
de diversão. Mas tornar isso uma
profissão não é algo que se escolhe.
Pepe brinca que desenvolveu seu
talento até que a escolha tornou-se
inevitável. “Quando eu tenho uma
caneta na mão, eu acabo rabiscando
em algo. É meio inconsciente”.
A realidade de um. O sonho de outro. Dezoito anos separam Pepe de
Fernando. Mais de 50 Km separam
suas cidades de origem. Uma paixão em comum une seus objetivos.
Giusepe Fontanari
RENAN SILVA
E YAUNDÉ NARCISO
REPORTAGEM
Fernando, 40 anos, rabiscou seus
primeiros traços. “Eu comecei a desenhar no colégio, como toda criança, fazendo trabalhos, mas já levava
jeito pra coisa, sempre fazia alguns
detalhes a mais, caprichava nas cores”. Mesmo sentado em frente à TV,
o rio-pardense não largava o lápis e
o papel. Paixão que começou como
brincadeira e se propagou por toda
a vida. Mas ele não pensava em trabalhar com desenho. “Via isso como
uma diversão, um passatempo, mas
surgiram propostas”. Com o tempo,
Fernando se interessou pela possibilidade de transformar seu hobby em
algo mais sério. “Gostei da ideia de
me divertir e ainda ganhar pra isso”.
Já o cachoeirense Giusepe, 22 anos,
lembra de desenhar desde sempre.
Incentivado pelo pai e pela avó que
também gostam de desenhar mas
nunca levaram o próprio talento a
sério, Pepe - como prefere ser chamado - sempre contou com o apoio da
família. “A verdade é que muita gente tem um talento semelhante mas
deixa de lado com o passar do tem-
DESENHO
“Cotidianismo” - nas palavras do autor, o desenho “dá a sensação do cansaço de uma quarta-feira a noite”
3
Fernando de Barros
DESENHO
Caricatura de Yamandú Costa
4
Há muito mais semelhanças do que
diferenças entre a história de cada
artista. Pepe mora há aproximadamente 4 anos em Santa Cruz do Sul.
Fernando trabalha desde 2001 em
um jornal local. Em comum, a terra
da Oktoberfest foi a cidade que disponibilizou espaço para que ambos
mostrassem seu trabalho.
Trabalhar se divertindo, levar
como profissão aquilo que muitos encarariam como um simples
hobby, fazer da arte seu projeto de
vida. Desenhar. Esse é o presente de
Fernando. Esse é o futuro de Pepe.
Quando questionado se é possível
sobreviver apenas disso, Fernando
não hesita: “Sim. Mesmo que você só
faça charges, ainda assim é possível
ter uma boa renda”. É assim que o
rio-pardense vive. É disso que o cachoeirense quer viver. Santa Cruz
do Sul é mais do que um simples es-
boço da história de cada um. É onde
os anseios de cada artista ganham
forma, tamanho e cor. É onde a utopia de ganhar dinheiro desenhando
torna-se realidade. Ao menos para
esses dois sonhadores.
Arte urbana
Mas a arte rabiscada vai muito
além das folhas de papel. O sonho de
outros dois artistas que fazem dos
espaços urbanos sua fonte de inspiração também foi concretizado em
Santa Cruz do Sul. O gosto por reinventar o mundo - da mesma forma
que o de Fernando e Pepe - surgiu na
escola, naquela época em que tudo
que se tem a fazer é desenhar. Nesse
momento, um mundo de possibilidades é aberto na mente das crianças,
e no papel, um reflexo dessa criatividade ainda inocente, se manifes-
ta. No caso de Rodrigo de Almeida,
22 anos, foram os colegas que diziam que seus desenhos eram muito
bons. E ele passou a acreditar nisso e
a desenhar cada vez mais. Desenhar
para livrar-se das angústias, ou para
mostrar aos outros o formato que tinha alegria que estava sentindo.
O menino, muito tímido, viu no
desenho uma forma de contornar
sua timidez. Os pais logo perceberam que era por meio dos desenhos
que o filho comunicava muitas coisas. A mãe, que também pintava
quadros, achou muito natural que
fosse assim.
Já a mãe de Joe Nunes, 35 anos, foi
uma das grandes responsáveis pelo
incentivo ao artista plástico autodidata. Joe, que começou também a descobrir seu talento na infância, conta
que sua inspiração teve muito a ver
com ilustrações em preto e branco de
livros antigos e reproduções de telas
famosas em casas de parentes.
Isso o levou a ter cada vez mais
gosto pelo desenho, e posteriormente, pela pintura.
Começou copiando histórias em
quadrinhos dos personagens Marvel e DC: “Naquele velho caderno
com linhas que toda criança tem,
sabe? E eram coisas horríveis!”, diz
ele. Mas, graças à insistência da
mãe em convencê-lo de que, não, não
eram coisas horríveis, e sim, eram
coisas boas, muito boas, Joe nunca
mais parou.
“Através dos quadrinhos conheci
um cara chamado Emir Ribeiro (hoje
ele é desenhista da Marvel Comics e
um grande amigo) e comecei a achar
que podia fazer aquelas histórias
também. Certa vez, uma figura que
já morreu, Rodolfo Zalla (um ícone
dos quadrinhos nacionais), disse que
Joe Nunes
começar a pintar foi ter imaginado
que poderia ganhar mais dinheiro
fazendo algo mais fácil que as histórias em quadrinhos, mas acabou
se decepcionando com o mercado da
arte. No entanto, descobriu na pintura uma essência bem mais sombria
que as HQs poderiam dar à sua arte
e continua nela até hoje: “Afrontando
o espírito público e as mentes acomodadas da sociedade”, relata o artista.
Há duas coisas que aproximam
os dois artistas santa-cruzenses. A
primeira é o propósito social da suas
artes: “Minha arte serve ao mundo,
ela mostra às pessoas a verdade sobre elas mesmas e que elas insistem
em esconder”, explica Joe.
“Minha arte serve à sociedade. O
grafite está dentro da cultura hip
hop também para denunciar à sociedade os problemas que ela cala”, conta Digo. A segunda, você descobre
lendo o box abaixo!
ARTISTAS INDEPENDENTES
DESENHO
Tanto o artista Rodrigo de Almeida, quanto o
Joe Nunes, fazem parte da recém criada Associação Centro dos Artistas Independentes das
Artes Cênicas e Visuais – CAI. Fundada em Santa Cruz do Sul, no dia 13 de maio de 2011, a CAI
é uma associação classista, criada para ser um
centro de referência na defesa dos seus direitos.
Nasce para garantir a criação de espaços para
o seu aprimoramento e desenvolvimento de seu
trabalho, na luta pelo reconhecimento do artista
como profissional, e para garantir a representação dos artistas visuais e das artes cênicas independentes nos espaços de decisões sobre as
políticas públicas culturais do município. Outro
objetivo é assegurar, de forma solidária e engajada, a livre manifestação de toda a diversidade
estética, artística e cultural existentes dentro
das artes cênicas e das artes visuais. E acima de
tudo garantir a democracia dentro desses segmentos da arte.
Tela denominada “Anjos Urbanos”, obra integrante da primeira edição da
exposição realizada em Santa Cruz do Sul/RS
Rodrigo de Almeida
meus textos nos quadrinhos eram
muito bons. Eu acreditei nele (nem
pensei que fosse algo do tipo “elogiei teu texto porque teus desenhos
são horríveis”) e fiz muito roteiro de
quadrinhos por aí.”
A pintura chegou mais tarde à vida
de Joe, assim, como o grafite, na vida
de Rodrigo. Digo, como é conhecido,
explica que quando criança chegou
até a pintar alguns quadros que tem
até hoje em casa, mas que a paixão
mesmo ele sentiu quando começou a
se envolver com a cultura hip hop, e
conheceu o grafite.
“Vi que eu tinha um dom. Fui
aprendendo aos poucos, mas infelizmente, muitas das minhas criações
ficaram somente no papel. O grafite
ainda é muito marginalizado, assim
como toda a cultura hip hop, e não se
tem muitos projetos de espaços cedidos à essa arte”, lamenta Digo.
Joe conta que a motivação para
Grafite realizado por Rodrigo de Almeida em maio deste ano
5
Mulheres feitas para serem
devoradas com os olhos
“Ops! Deixei cair a minha calcinha…”, exclama uma linda garota, deitada de bruços, com uma perna para
cima e o bumbum arrebitado. Se, à
primeira vista, parece alguém vulgar,
é, na verdade, uma pin-up, uma personagem que por muito tempo habitou o
imaginário masculino. E que agora parece ter retomado seu lugar ao sol.
Foi na década de 40 que as “garotas
penduradas” viveram o auge do sucesso. Numa época em que mostrar as
pernas era atitude perturbadora e ser
fotografada nua, atentado ao pudor,
lápis e tinta davam forma a essas mulheres, carinhosamente chamadas de
“armas secretas” pelos soldados americanos – na Segunda Guerra Mundial,
elas serviam de alívio para os pracinhas que arriscavam a vida nos campos de batalha. Seja ela desenhada ou
fotografada, numa revista ou num calendário, a pin-up não é uma mulher de
verdade, e sim uma fantasia: ela é feita
para ser devorada com os olhos.
Tendo como característica cabelo
Sensuais e ao mesmo
tempo inocentes,
as pin-ups modernas
usam piercings,
tatuagens
e alargadores
PIN-UP
Vanessa Soares
CAROLINA BISCAGLIA
REPORTAGEM E FOTOGRAFIA
vintage, pele clara, batom vermelho e
uma postura provocante, porém com
algo de ingênuo, estão no manual das
pin-ups modernas. Juliana Pereira, 26,
é uma dessas meninas da vida real que
têm como inspiração a sensualidade
das mulheres de papel. Por se identificar com a ousadia que esse estilo
transmite, e pela valorização da imagem feminina sem ser pejorativa, Ju
explica que uma pin-up é aquela mulher que tem atitudes de fazer o que
tem vontade de fazer e não se preocupar com preconceito.
Várias meninas se identificam com
as poses sensuais, as cintas-liga ingenuamente aparentes e a beleza das
pin-ups. Andréli Deicke, 28, também
admira o jeito sensual e provocativo.
Tanto que já fez vários ensaios fotográficos inspirados nas mulheres dos
anos 40 e adquiriu o estilo para o seu
visual. Com o corpo repleto de tatuagens, sobrancelha marcada e rosto
delicado, suas roupas também fazem
parte do estilo: “Me sinto uma pin-up,
Andréli Deick já fez vários ensaios inspirados nas pin-ups
6
tanto pelas minhas atitudes, quanto
pelo meu visual e muita gente não entende que isso é prazeroso para mim”.
Andréli diz que, quando vai a lugares
públicos, sente que todos os olhares
são voltados para ela, por causa das
tatuagens e das vestimentas: “Sou autêntica, me sinto bem assim, não vou
deixar de sair na rua porque meu estilo não é igual o de todo mundo”.
Cada época fabrica uma pin-up que
corresponde aos seus próprios anseios.
Durante a Segunda Guerra Mundial,
atrizes famosas da época alegravam
e divertiam os soldados. Quando não
visitavam quartéis, suas fotos eram
item de coleção entre os jovens, que
guardavam várias imagens em seus
armários. Muitas atrizes famosas entraram para a história com seu look
pin-up, entre elas Rita Hayworth, Ava
Gardner e a loiríssima Marilyn Monroe, que foi a grande representante do
estilo. Por aqueles dias, anônimas e
atrizes espalharam-se pelas paredes
dos dormitórios; dentro dos seus abri-
ups que seguem o estilo burlesco, de
espetáculos sensuais e as cheesecake,
que são as modelos fotográficas.
Apesar de toda a apelação sexual
do momento, onde existem mulheresfrutas que andam praticamente seminuas, com seios e bumbuns quase sempre à mostra, ainda existem meninas
que seguem o estilo “sensual sem mostrar tudo” e fazendo uma releitura das
belas moçoilas de anos atrás. As atuais
pin-ups usam tatuagens, alargadores
e piercings, acessórios que são muito
mais aceitos hoje em dia que em décadas passadas, quando quem
usava tatuagem ou era
marinheiro ou presidiário.
O importante é que as
pin-ups sempre continuarão como inspiração
para quem vê nessa
estética um modo de
vida e não apenas algo
passageiro. Ser uma
mulher sensual e
provocativa sem
ser vulgar, é
para poucas.
Dafne Barcellos
Vanessa Soares
Dafne Barcellos
Pierre Becker
mulheres sensuais. Um exemplo disso
é a cantora Katy Parry, Amy Winehouse, Cristina Aguileira e a brasileira
Pitty. Todas elas seguem a linha sexy,
mas ingênua e até os clipes das suas
música seguem o estilo. Outra famosa,
que pode ser considerada uma pin-up
moderna, é a dançarina Dita von Teese, que faz shows burlescos.
O burlesco é como se fosse um tipo de
apresentação teatral que muitas vezes
implica uma apresentação de striptease. Em seus shows, a dançarina Dita,
por exemplo, toma um banho em um
copo de Martini gigante, onde ela deixa a platéia hipnotizada. Esse tipo de
espetáculo está ligado diretamente as
pin-ups, pois as mulheres que atuam,
geralmente não ficam completamente
nuas e deixam apenas na imaginação,
abusando da sensualidade.
Outro termo, que está ligado diretamente as pin-ups, é o cheesecake.
Trata-se de uma expressão que alguns
homens usavam para se referir a uma
linda mulher. Serve também para fazer referência a uma fotografia. Mas
uma foto especial, a mulher particularmente retratada, geralmente é a
“cereja do bolo”. Ou seja, existem pin-
bit.ly/uniset
PIN-UP
EMOÇÃO
gos, até mesmo sobre a fuselagem dos
aviões: é a nose art, pinturas que decoravam o bico dos aviões de guerra.
Com o fim da guerra, o mercado das
pin-ups se viu limitado às revistas
masculinas. Então surge, em 1953, a
Playboy, que se interessa pelo estilo,
mas acaba fazendo com que elas se tornem bonecas sem personalidade. As
poses são previsíveis e perdem aquele
ar de inesperado, as fotos retocadas e o
modelo de mulher natural perde o encanto. A geração Playboy afastou-se do
grande público. Nesse mesmo período,
surgiu a garota que se tornaria um ícone para as pin-ups. Bettie Page teve
várias aparições na revista masculina, em calendários, cartas de baralho,
outdoors e vários outros produtos em
situações provocantes que a tornaram
a “rainha das pin-ups”.
Atualmente uma menina que segue
o estilo, possui muitas tatuagens pelo
corpo, com desenhos de cerejas e laços,
franja no meio da testa, sobrancelhas
expressivas, delineador estilo “gatinho” e um bom batom vermelho. Com
essas fortes características a empresária Karine Guimarães, 25 anos se
sente uma pin-up moderna: “Não sou
uma mulher-fruta, nem sou magrinha.
Sou gostosa e assim me sinto provocativa sem ser vulgar”. Seu corpo possui
tatuagens pelos braços, pernas e no
colo, todos com desenhos de traços delicados, nada agressivos: “Comecei com
esses dois laços”, aponta para a parte
de trás da perna, um pouco abaixo do
bumbum.
As famosas também se inspiram nas
Juliana Pereira
77
FOTOGRAFIA
PIN-UP
8
Ensaio Fotográfico
Por: Kathiely Watte
FOTOGRAFIA
9
Adultos brasileiros com alma
de crianças japonesas
Eles já não são
mais crianças, mas
a paixão pelos
super-heróis
daquela época
continua a mesma
ANA CLÁUDIA SCHUH
REPORTAGEM
ícone em cultura pop japonesa no
Brasil, como principal referencial
de informações. Influenciados pelas
séries, aprenderam a falar japonês.
Assim como a maioria dos meninos, nas séries super sentai (ver box)
a preferência de Bruno era pelos heróis vermelhos, os líderes dos grupos. Com 10 anos, criou personagens
e o enredo de sua própria série de
tokusatsu. A saga dos Blast Rangers
foi a primeira do gênero produzida
no Brasil. O papel de Bruno, é claro,
era o de Blast Red, o herói vermelho.
A série, que começou a ser gravada
em 2002, era bem simples, feita entre amigos e gravada no pátio da
casa da avó, em
Santa Cruz do
Sul. Apesar de
poucos recursos, os
amigos tinham figurino caprichado, trilha sonora, vídeos editados
(numa época em que não existiam
programas de edição como hoje),
efeitos especiais e até fãs. Já o carioca Ivan se interessava mais por
outro tipo de herói. Procurando se
sentir como seus ídolos, criou Kamen Rider Orion. Assim como todas
as produções caseiras, recebeu muitas críticas dos fãs brasileiros. Tanto Bruno quanto Ivan consideram
as críticas normais, pois muitos dos
admiradores de tokusatsu esperam
que as produções amadoras, feitas
sem orçamento algum, tenham a
mesma qualidade das originais.
Enquanto Bruno e Ivan produziam suas séries no Brasil, Ricardo
conseguiu convencer os pais a fazer um intercâmbio e concluir
o último ano do Ensino Médio na
TOKUSATSU
FÁBIO GOULART
FOTOGRAFIA
Jaspion, Changeman e Jiraiya não
são nomes estranhos para quem
viveu a infância nos anos 80 e 90.
Especialmente para os meninos.
As séries japonesas chamadas de
tokusatsu – caracterizadas pela
presença de super-heróis, efeitos
especiais, monstros e explosões fizeram grande sucesso no Brasil e
nortearam a brincadeira de muitas
crianças, que sonhavam em ser um
dos heróis que lutavam contra grandes monstros para defender o universo das forças do mal.
Bruno Seidel, 26 anos, Ivan de
Souza, 27 anos, e Ricardo Cruz, 29
anos, foram algumas dessas crianças. Entretanto, para eles, esse tipo
de produção significava muito mais
do que para a maioria de telespectadores brasileiros. Fãs de tokusatsu, tinham a revista Heroi e. nº10,
escrita por Alexandre Nagado, um
10
Bruno Seidel coleciona bonecos e DVDs
Tokufãs
Ivan de Souza
O encontro de Blast Red e Gosei Red
Ricardo Cruz é cantor no Japão
Ivan é o Kamen Rider Orion
Tokusatsu
Abreviatura da expressão japonesa tokushuu kouka satsuei, que
pode ser traduzida como “ação real com efeitos especiais”.
Conheça os gêneros de séries:
ULTRAMAN (desde 1966): Heróis gigantes com roupa de borracha e
cara de peixe. O Ultraman original, de 1966, é o maior herói japonês
de todos os tempos, que já não tem mais a mesma popularidade de
antigamente.
Produção: Tsuburaya Pro.
KAMEN RIDER (desde 1971): Homens-gafanhotos (a princípio) e motoqueiros.
Kamen Rider significa “motoqueiro mascarado”.
Hoje, é o gênero mais popular no Japão, tendo
uma nova série a cada ano.
Produção: Toei Company
SUPER SENTAI (desde 1975):
Esquadrões (normalmente cinco
elementos) coloridos, liderados
sempre por um vermelho, que têm
um robô gigante. Na década de 90,
passou a ser adaptada nos EUA e dando origem
às séries Power Rangers que, assim como os
Super Sentais, se renovam a cada ano.
Produção: Toei Company
METAL HEROES (desde 1982): Heróis
com armadura de metal. O gênero mais
popular no Brasil, tendo 10 séries exibidas no total. Algumas delas fizeram
enorme sucesso por aqui, como
Jaspion, Jiraiya, Jiban e Winspector.
Não se produzem mais séries
do gênero.
Produção: Toei Company
TOKUSATSU
PING PONG
desses momentos.
O bairro de Akihabara, em Tóquio, encantou o gaúcho. Ele ficou
fascinado por conhecer o primeiro lugar do mundo em que as últimas novidades eletrônicas chegam. Além de ter gasto uma boa
quantia lá comprando bonecos.
Sim, ele comprou muitos bonecos
dos heróis de tokusatsu.
Entretanto, o dia em que ele realizou seu maior sonho foi 24 de
outubro. Naquele dia, conheceu o
Toei Studio Park. Toei é a produtora que faz a maioria das séries
que os tokufãs admiram. Em um
pavilhão ao lado das cidades cenográficas, a empresa mantém
um museu que reúne as roupas
usadas pelos personagens, além
de acessórios, veículos, monstros
e robôs. Ali, ele viu os figurinos
originais do Jaspion, Changeman,
entre outros muito antigos, que
chegam a estar amarelados pelo
uso. Lá, ainda pode assistir um
show ao vivo, conhecer os cenários de algumas produções, comprar mais alguns bonecos e ainda
fotografar com Gosei Red, o herói
vermelho da série de super sentai
que estava sendo exibida na época no Japão.
Agora, os DVDs no quarto de
Bruno Seidel têm a companhia
de um quadro com fotos do Japão,
um calendário autografado pelo
Kamen R ider OOO e mais 42 bonecos de Super Sentais, Kamen
R iders, Ultras e Metal Heroes.
bit.ly/unilet
terra de seus ídolos. Lá, além de
estudar, gostava de frequentar
karaokês com os amigos. Quando
descobriu livros de músicas das
séries de tokusatsu “enlouqueci”,
conta. Fez tanto sucesso que, ao
voltar ao Brasil, enquanto participava da organização de um
evento que reúne fãs de cultura
pop japonesa, foi convidado a integrar uma banda do Japão. Hoje,
ele canta músicas-tema de séries
de tokusatsu e animes e é ídolo
na terra do sol nascente.
Bruno Seidel frequentou muitos desses eventos, trabalhou
como staff e coordenador em alguns até que decidiu organizar
seu próprio. Em 2007 aconteceu,
em Porto Alegre, o Café Harajuku,
que reuniu entre fãs de tokusatsu, animes, mangás, música japonesa e curiosos, cerca de três mil
pessoas. A principal atração do
evento? Show internacional com
R icardo Cruz.
Como bom fã, Bruno coleciona objetos relativos às séries de
tokusatsu. Em 2010, seu quarto
recebeu mais alguns tesouros
para fazer companhia aos exatos 159 DVDs. Em outubro daquele ano, ele realizou o sonho
de conhecer a terra de origem de
seus ídolos. Em 10 dias, conheceu
Tóquio, Quioto e Osaka. Visitou
templos centenários, palácios
de imperadores, o famoso Monte
Fuji e o lago Ashi. Mas a sua grande realização não foi em nenhum
Do karaokê aos palcos do oriente
11
11
Viviane Moura
A prática de futebol
americano e
eisstock, uma
espécie de boliche
no gelo, divide
espaço com
esportes
convencionais e
ganha adeptos
na cidade
O lado
exótico
do esporte
ESPORTES
CAROLINA LOPES
REPORTAGEM
12
A partida começa. Os jogadores se
movimentam pelo gramado em direção ao objetivo final. Um passe de
longa distância é feito, o jogador na
linha de ataque recebe e corre para
concluir a jogada. Touchdown! Como
assim? Cadê o gol? No Brasil, onde o
esporte mais popular é o futebol, é
um tanto estranho e interessante ver
que aqui também se pratica outros
tipos de esporte. E em Santa Cruz do
Sul não é diferente: aqui existem variados tipos de práticas desportivas
muito além da tradicional paixão
brasileira, e dos mais conhecidos voleibol, atletismo e handebol.
Na típica cidade alemã podem
ser encontradas pessoas que jogam
futebol americano. Ou seja, com as
mãos. Jeancarlo Weschenfelder, 26
anos, participa do time que treina
todos os sábados à tarde no Parque
da Oktoberfest. Jeancarlo já fazia
parte do primeiro time que existiu
na cidade entre 2004 e 2007, o Bulldogs, Com o fim dele, alguns dos que
participavam do antigo resolveram
Quer saber mais?
Campeonato das Américas de Eisstocksport
Se quiser conhecer mais sobre o eisstocksport, vá até o Centro
Cultural 25 de Julho. Interessou-se mais sobre o futebol americano? Todos os sábados os guris do Chacais treinam às 3 horas da
tarde no Parque da Oktoberfest. Os dois estão sempre abertos a
entrada de novos adeptos.
criar um novo time, Jeancarlo foi um
desses. No mesmo ano, 2007, surgiu
o Chacais, e desde então Jeancarlo continua jogando. Ele conta que
sempre gostou do esporte, mesmo
quando o via apenas pela Tv e em filmes, sem entender nada do jogo. Ao
saber que havia um pessoal que jogava, foi saber como funcionava. E,
segundo ele, depois de alguns treinos, trata-se de “um esporte muito
fácil de compreender”.
A paixão pelo esporte, digamos
assim, diferente, era tanta que eles
organizaram e sediaram o primeiro
campeonato gaúcho de futebol americano, em 2008. Jeancarlo explica
que foi um torneio relâmpago, rápido,
em que todos os jogos aconteceram
no mesmo dia. Mas que valeu como
campeonato daquele ano, e resultou
em aprendizado para que o de 2010
fosse mais completo, e ocorresse
nas diferentes cidades de cada time
e durante seis meses. Vale ressaltar
que foi reconhecido como campeonato pelos próprio times gaúchos
que participaram, já que não são federados ou filiados a nenhum órgão
específico do esporte aqui no sul.
Este ano estão se preparando para
estrear na LFBA (Liga Brasileira
de Futebol Americano) no dia 23 de
julho, em Foz do Iguaçu, no Paraná.
Por isso, agora jogarão totalmente
equipados como vemos nos filmes
ianques, por uma questão do regula-
mento da Liga. E pelo mesmo motivo,
decidiram não jogar o campeonato
gaúcho de 2011, pois ele segue na
modalidade “no pads”, ou seja, sem os
equipamentos.
Para Jean, hoje vice-presidente
dos Chacais, o futebol americano é
um esporte muito completo. “Se vê
de tudo um pouco, velocidade, força, agilidade, mas principalmente
estratégia e jogadas inteligentes”.
Sem falar que se trata de um esporte
sem maiores rigores quanto a forma
física. “Temos jogadores de 70 kg e
outros de mais de 160kg. Qual outro esporte consegue isso?”. Depois
disso, talvez Ronaldo, o Fenômeno,
pudesse se arriscar em uma modalidade um tanto diferente.
Embora a prática do futebol americano não seja comum no Brasil,
ainda a vemos no cinema e na televisão. Ou seja, é possível de ser
acompanhada com mais freqüência.
Mas o que dizer de um esporte cuja
estratégia é fazer pinos deslizarem
rumo a um alvo? Trata-se do eisstocksport, um jogo praticado em
concreto ou asfalto (na Europa é no
gelo que se joga), em que se atiram
objetos parecidos com pinos, os stocks, em direção ao “alvo” pintado no
chão. Quanto mais perto do centro,
mais pontos são feitos.
Faz sentido que o jogo tenha se
iniciado no Brasil por Santa Cruz
do Sul, ainda que haja muitas ou-
Dias 7, 8, 9 de Julho Santa Cruz do Sul sediou o Campeonato das
Américas de Eisstocksport. Os jogos aconteceram no Centro Cultural 25 de Julho. O evento contou com a participação de atletas
do Canadá, Paraguai e Brasil.
tras cidades de cololnização alemã
no país. Esse esporte de pronúncia
difícil para os que não possuem ascendência germânica foi trazido em
2003 para cá por um santa-cruzense
depois de tê-lo visto na Alemanha.
Simples assim.
Renê Emmel conheceu o esporte
na cidade de Paiten quando estava
em visita à sua irmã. De volta ao Brasil, ele viu a oportunidade de integrar a prática aos jogos germânicos
que sempre acontecem na Oktoberfest. Sua irmã entrou em contato
com a Federação Internacional de
Eisstock*, que fica na Suíça e organiza os campeonatos, e conseguiu
não só os equipamentos, mas também materiais didáticos sobre o jogo.
Conseguiram auxílio da prefeitura
para construir a cancha apropriada
para o esporte, e a iniciativa, levada
a cabo durante os jogos germânicos
da Oktberfest, ainda em 2003, teve
sucesso. Tanto que em novembro do
ano seguinte foram convidados para
participar do campeonato internacional na Áustria. O grupo de sete
pessoas que viajou obteve o 17º lugar, dentre os 26 países que estavam
no mesmo grupo.
Renê, hoje presidente da Federação Gaúcha de Eisstocksport, conta
que, mais que uma coincidência, a
iniciativa de trazer o esporte para
Santa Cruz se deu por ser algo novo
que ainda não existia no Brasil, e
também por ser um esporte típico
alemão. E, para ele, o que o diferencia dos outros é que pode ser praticado por pessoas de qualquer idade.
“Quando os pais vêm jogar, os filhos
podem acompanhar”. O importante
é poder ver que o esporte apesar de
não ser tão conhecido, deu certo. E os
atletas participam de várias competições, inclusive fora do país.
Eduardo Henrique Schuster, 21
anos acredita que o eisstock dê oportunidades em pouco tempo que outros esportes não proporcionariam.
“Você pode jogar vôlei, mas nem
sempre é possível jogar um mundial,
um europeu que para nós no eisstock é bem mais acessível”, conta ele,
que foi integrante do grupo que conseguiu medalha de ouro no campeonato europeu na Suíça em 2007, e
a prata no Campeonato Mundial na
Itália em 2008. Entre os diferenciais
dessa modalidade, Eduardo destacou o fato de ter conhecido outros
países quando participou desses
campeonatos, e a troca de culturas
que isso lhe proporcionou.
Seja jogar bola com as mãos, seja
atirar stocks na pista de concreto,
o importante é escolher um esporte
que agrade e cause satisfação durante sua prática, sendo ele diferente ou não. Afinal, praticar esportes
faz bem para mente e para o corpo,
e mais ainda se quem o pratica tem
paixão pelo que faz.
Carolina Lopes
Viviane Moura
Carolina Lopes
Viviane Moura
ESPORTES
Viviane Moura
Carolina Lopes
Esportes diferentes
13
Uma história que começa
pelo nome
O bandeirinha
Altemir Hausmann
saiu de Estrela (RS)
com nome de
craque de futebol
para conquistar o
mundo (fora) das
quatro linhas do
campo
VANESSA KANNENBERG
REPORTAGEM E FOTOGRAFIA
FUTEBOL
GIUSEPE FONTANARI
ILUSTRAÇÃO
14
Aos 41 anos, Altemir lembra bem
de como chegou ao grau máximo da
carreira que escolheu aos 19 anos:
assistente de arbitragem. A escolha não foi aleatória. O futebol está
no sangue da família Hausmann. O
falecido pai, Ildo Walter, conhecido
como Canhoto, foi goleiro do amador Oriental, time estrelense, e a
mãe, Alzi Maria, torcedora fanática do Internacional. Foram eles que
escolheram dar o pontapé inicial na
história do caçula dando nome de
craque ao filho. Naquele ano, mais
precisamente em 1968, o lateral direito Altemir Marques da Cruz havia ajudado o Grêmio a conquistar
o título de heptacampeão gaúcho de
maneira ininterrupta.
A vida não foi fácil para os Hausmann. Para ajudar a mãe, o quarteto
composto por Crislaine, hoje com 49
anos, Loraine, (47), Eleno, (45) e Altemir tiveram que, desde os 13 anos,
conciliar os estudos com o trabalho
em uma fábrica de calçados. Um
exemplo da dificuldade financeira
está estampado nos sorrisos. Como
não havia dinheiro para tudo, incluído no que não podiam gastar estava
o cuidado dos dentes. Quando as cáries tomavam conta da boca, o único
dentista que cabia no bolso da dona
Alzi solucionava o problema de forma radical. “Graças a Deus tivemos
dinheiro para implantar dentes novos e bonitos, porque o dentista arrancou os quatro dentes da frente de
todos nós”, conta Eleno, que também
recebeu nome de jogador de futebol,
mas, devido aos mais de 2 metros
de altura, acabou se tornando jogador de basquete e atualmente atua
como professor de Educação Física,
além de trabalhar como comentarista esportivo.
Outro item que ficava de fora do
orçamento da família era a bola de
futebol. No entanto, todo Natal, sem
exceção, o tio Naldo presenteava
os afilhados com uma pelota nova.
E, anualmente, o presente se fazia
necessário. Isso porque os meninos
não tinham critérios quanto ao local da brincadeira e o armazém da
mãe era um dos preferidos. Depois
de quebrar uma série de coisas, uma
enfurecida Alzi furava a bola com
uma faca.
Mesmo tendo estragado a brincadeira dos filhos em momentos como
esse, a mãe não deixou de ser a principal referência, principalmente
para o caçula, que tinha apenas 8
anos quando perdeu o pai. O irmão
acredita que Altemir tenha herdado
muitas características de Alzi. “Ele
é batalhador como ela. Sabe muito
bem o que quer e vai atrás. É decidido. E perfeccionista também. Ele
cuida dos mínimos detalhes de tudo
que faz, por isso deu tão certo na
carreira”, revela Eleno.
Escolha pela bandeira
Após terminar o Ginásio - o que
equivale hoje ao período que vai do
sexto ao nono ano do ensino fundamental - e prestar o serviço militar,
em 1990, Altemir se viu tendo que
decidir o que fazer da vida. E a escolha foi meio por acaso. “Meu tio
era árbitro (Ingorn Kronbauer - que
chegou a integrar o quadro da CBF) e
um dia fui com ele a um jogo do campeonato interno da Corsan. Um cara
faltou e ele me colocou para bandeirar. Gostei muito”, lembra. Depois
disso, o mesmo tio o levou para fazer o curso de arbitragem. Habilitado para atuar tanto como árbitro
como assistente, Altemir chegou a
se arriscar com o apito em partidas
amadoras, mas foi seduzido pela linha de impedimento. “Sou perfeccionista em tudo. Tenho uma fábrica de peças em fibra de vidro. Não
posso errar um centímetro sequer.
O impedimento é igual, um desafio,
uma busca”, filosofa.
Feita a escolha, o estrelense não
parou mais. Em 1991, estreou na
Federação Gaúcha de Futebol no
jogo Rosário 1 x 3 Dínamo. Em 1992,
trabalhou na sua primeira partida
da 1ª divisão do Gauchão. O jogo foi
Tabajara-Guaíba x Dínamo. No ano
de 1994, entrou para o quadro nacional, estreou atuando pelo Cam-
VIDA DE BANDEIRINHA
Colorado ou Gremista?
Na tomada dessas decisões, a preferência por um time ou outro não
tem interferência nenhuma, garante o bandeirinha. Chegou a ser gremista quando o pai era avivo e virou
a casaca pra agradar a mãe, alguns
anos depois. No entanto, a neutralidade exigida pela profissão fez com
que o amor clubístico fosse adormecido. “Não tem como eu torcer pra
Inter ou Grêmio sem pensar em mim
mesmo antes”, explica.
O profissionalismo contaminou
também a forma do assistente de
ver uma partida de futebol. “Na
Copa de 2002, quando meu filho
vestiu a camiseta da Seleção Brasileira, eu voltei a vibrar com o futebol. Até então eu não sabia mais separar o que era futebol e o que era
arbitragem. Eu só conseguia ver o
árbitro no campo de jogo”, justifica.
“Se eu posso dizer que uma das heranças que a arbitragem me deixou
foi essa: eu não consigo mais me
emocionar vendo futebol. Até porque, se eu me emocionar em um estádio com 50 mil pessoas e eles me
xingarem de várias coisas, eu vou
virar e mandar todo mundo longe.
E não pode. Feliz ou infelizmente, o
árbitro tem que se manter naquela
mesma postura que não deixa expressar nada”, finaliza.
Aposentadoria. e agora?
visibilidade do futebol brasileiro em
nível mundial. Ao seu lado, o companheiro de Copa do Mundo, Carlos
Simon, já aposentado pelo fator idade, trocou a arbitragem pela política
e atualmente é o coordenador-geral
do Comitê Executivo do Rio Grande
do Sul para a Copa de 2014.
Findado o trabalho junto ao Mundial de futebol, Hausmann não tem
certeza que rumo vai seguir. Como
a profissão de assistente de arbitra-
gem não é regulamentada, assim
como a de árbitro, ele não tem direito à aposentadoria remunerada.
Dessa forma, quer utilizar os conhecimentos obtidos fora das quatro linhas do campo para continuar
vivendo. Uma das possibilidades é
atuar como comentarista de arbitragem, uma especialização carente
de profissionais, segundo o próprio
Altemir. Quem sabe? Até lá, muitas
bandeiradas devem ser dadas.
FUTEBOL
ENSAIO
Altemir Hausmann não vai trabalhar como assistente na Copa do
Mundo de 2014, que será realizada
no Brasil. Não por falta de vontade,
mas porque a regra da Fifa limita a
idade do bandeirinha em jogos internacionais. “Se meus pais tivessem esperado mais 26 dias, quem
sabe eu conseguiria participar de
mais uma Copa”, brinca, se referindo
ao fato de que no dia 5 de dezembro
de 2013 ele completa 45 anos e deve
encerrar a carreira.
Mesmo aposentado, o estrelense
não pretende se afastar do futebol.
Ainda em 2010, ele foi nomeado embaixador da Copa, título concedido a
personalidades representativas que,
de alguma maneira, contribuíram a
bit.ly/uniesp
peonato Brasileiro na partida de Paraná 1 x 1 Náutico.
Com uma média de 50 partidas
por ano, Hausmann já passou dos
860 jogos bandeirados. “Meu objetivo é igual ao que foi o do Pelé: chegar
aos 1.000”, brinca. Mesmo quando
está fora dos gramados, o bandeirinha não para. Como um jogador de
futebol, tem treinamentos, cuida
da alimentação e do preparo físico.
Durante os campeonatos, em meio a
muitas viagens pelo Brasil e América do Sul, principalmente, faz o que
chama de “manutenção”. Nas segundas, quartas e sextas-feiras faz
treinamento em campo de futebol,
quando treina habilidades como aceleração e deslocamento, e nas terças
e quintas-feiras, faz reforço muscular na academia. Folga, somente aos
sábados. É nesses dias que aproveita
pra curtir a esposa Roselaine Cristine Schossler, de 36 anos, e os filhos
Gustavo (12) e Arthur (6).
O esforço, entretanto, não é em
vão. Com 20 anos de profissão, Hausmann conseguiu conquistar o posto
máximo da vida de um bandeirinha.
Como único gaúcho integrante do
quadro do órgão regulador máximo
do futebol, a Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) desde 2004, o estrelense foi escalado
para representar o Brasil na Copa do
Mundo de Futebol da África do Sul,
em 2010. “Sem dúvida nenhuma esse
foi o ápice da minha carreira. Assim
como para um jogador, não tem alegria maior para um bandeirinha do
que participar de uma Copa”, conta
emocionado. Durante o Mundial, ao
lado do árbitro gaúcho Carlos Eugênio Simon e do assistente paranaense Roberto Braatz, bandeirou nos
jogos de Estados Unidos 1 x 1Inglaterra e Gana 0 x 1 Alemanha.
Nos bastidores da competição,
no entanto, Hausmann destaca um
ponto negativo. “Não esperava que
fosse tanta exigência extracampo”, confessa. “Dos 34 dias que nós
ficamos lá, só tivemos dois de descanso”. Como bons gaúchos, no entanto, Altemir e Simon contam que
levaram térmica, bomba e cuia e se
esforçaram para conseguir tomar o
mate diário.
15
Tem bicho no campus
Na Universidade de
Santa Cruz do Sul,
convivendo com
professores,
funcionários
e acadêmicos,
existem mais de 1000
espécies diferentes
de animais
VIVIANE MOURA
REPORTAGEM
LABORATÓRIO DE ZOOLOGIA
FOTOGRAFIA
Em universidades os famosos Bixos (isso mesmo, bicho com “xis”) –
termo que designa estudante novato
- são comuns. Agora, quando o que
você vê pelo campus são B-I-C-H-O-S
a história muda. São ouriços, graxains, tatus, gambás, tucanos, espécies de serpentes, aranhas, muitos
pássaros, rãs, insetos... No quesito
diversidade animal, a Universidade
de Santa Cruz do Sul (Unisc) é um
verdadeiro zoológico.
Segundo o Biólogo e professor da
instituição Andreas Kohler, acredita-se que, totalizando todas as espécies já vistas no campus, obtemos
aproximadamente mil espécies diferentes – incluindo os minúsculos
e quase imperceptíveis a olho nu. De
animais vistos e reconhecidos com
mais facilidade, como répteis, mamíferos, aracnídeos, anfíbios e pássaros são cerca de 50 espécies.
Atendente de umas das lancherias
do campus, Fabiano Salvi diz que é
comum ver animais domésticos –
como cães e gatos – e pássaros. Ele
acredita que os animais se aproximem devido às migalhas de alimentos que ficam próximo ao seu local de
trabalho. Para Thamires Waechter,
acadêmica de jornalismo, animais e
pessoas convivem bem na universidade. “Eles ficam comendo do nosso
lado, como se nós nem estivéssemos
ali. Já estão acostumados com os seres humanos” conta.
plantadas e outras que já existiam;
esse cinturão, que se conecta com
cinturão da cidade, faz com que
haja de fato um trânsito grande de
animais silvestres”, conta o Reitor
Vilmar Thomé.
Os animais domésticos, por sua
vez, aparecem no campus por terem sido abandonados pelos donos
ou fugido de sua casa.
De onde eles veem
O que fazem aqui
A Unisc contém muitas áreas
verdes, algumas delas pouco frequentadas. Além disso, situa-se
próxima à área denominada Cinturão Verde – área inclinada, preservada por lei, que cerca a cidade de
Santa Cruz do Sul. A mata do cinturão é ligada à mata da Unisc e serve
de acesso ao campus, assim como
as tubulações.
“Nós temos um ‘cinturão verde’
dentro do campus, além do cinturão verde que cerca a cidade, então
são milhares de árvores nativas
No filme os Sem Floresta os bichinhos invadem a cidade em busca de
alimento. Mas, no nosso caso, não é
exatamente isso que acontece. Seria como se os animais realmente
gostassem do campus e aproveitassem sua diversidade vegetal. Para
Andreas Kolher eles frequentam
o campus, mas dificilmente se estabelecem. Com a preservação das
nossas matas e a proximidade com
grandes extensões verdes (como o
cinturão) o campus se torna atrativo aos animais.
Algumas espécies que podem ser encontradas na Unisc
Socó Boi – espécie rara de pássaro
Quero-Quero
Sabiá
Bem-te-vi
João de barro
Saracura
Canário da Terra
FAUNA
Ouriço
Esquilo
Graxaim
Lagarto
Tatu Mulita
Gambá
Tucano
16
Lagarto Teju
Jararaca listrada ou Corredeira
Corruíra
Surucuá
Aracuã
Pica-pau de campo
Saíra
Caranguejeira
Aranha Marrom
Saíra
Picapau do campo
Outro fator que influencia na chegada desses animais é o desmatamento da área situada acima do cinturão
verde. “Nós temos hoje um grande
impacto de condomínios, de construções (...) Eles (animais) ficam limitados a outras áreas, como o cinturão e
assim também a área da Unisc que é
bem preservada”, explica o biólogo.
Espaço privilegiado
Somos uma universidade privilegiada, localizada no meio da natureza. A variedade de espécies aqui
encontradas facilita a coleta de animais para a coleção que temos aqui
– a maior coleção do interior do Rio
Grande do Sul.
Há dois anos uma espécie nova de
Armadeira
Aranha de Jardim
Aranha dourada
Coral verdadeira
Coral falsa
Jararaca
Dormideira
aranha foi encontrada pelo campus.
Esta aranha, jamais encontrada em
outra parte do mundo, é da família
Theraphosidae (caranguejeiras) e
tem no abdômen uma mancha com
coloração avermelhada – que caracterizou a aracnídea como diferente.
Além disso, os alunos da área de
biologia têm a possibilidade de pesquisar dentro do próprio campus. A
aula prática inclusive, deste curso,
pode ser com animais vivos – como
no caso de análises de rã e pererecas – e no final eles são devolvidos
à natureza.
Para o nosso ecossistema só temos
a ganhar, pois quando mais equilibrada é a formação de uma mata
–fauna e flora – maiores são os benefícios neste ambiente.
Família diferente
Era outono e uma brisa leve soprava as folhas das árvores localizadas entre o bloco 14 e 15 da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
Todos corriam para fora de suas salas como se procurassem algo no céu,
seguindo os passos de um colega. E lá estava aquele animalzinho espinhento aproveitando o gosto cítrico de sua planta predileta – Inga Marginata. Foi a primeira vez que o tal ouriço da comunicação apareceu.
Mais tarde descobri que eram cinco. Uma família, composta por pai,
mãe e os três filhotes. Segundo Andreas, o primeiro ouriço chegou ao
campus há mais de 5 anos. Pelo crescente número de árvores e a falta de concorrência pelo alimento, ao contrário da maioria das outras
espécies, ele se estabeleceu na Unisc e, posteriormente, formou sua
família.
Cobra cipó comum
Serpente Liophis
Sapo bufo
Perereca Hyla Faber
Foto de 2009 de um dos primeiros ouriços estabelecidos no campus
FAUNA
Theraphosidae: nova espécie encontrada no campus
Cobra Cipó comum
17
A dama e o vagabundo
A história de uma
beagle e de um
vira-lata. Duas
realidades distintas,
onde um tem tudo e
o outro, nada
JULIANA EICHWALD
REPORTAGEM E FOTOGRAFIA
Ele nunca tomou banho. Ela toma
banho quando é necessário. Ele assiste o sol nascer quadrado todos os
dias. Ela pode pegar sol a hora que
sentir vontade. Ele dorme no chão
frio, às vezes molhado pela própria sujeira que faz durante o dia.
O máximo que recebe, no inverno, é
um papelão para não congelar o pequeno corpo carente. Ela tem cama
quentinha, coberta, travesseiro,
e, se preferir, até os sofás, além da
grama verde e da terra para rolar e
brincar. Ele ganha uma refeição ao
dia. Ela ganha três, incluindo algumas guloseimas fora de hora. Ele
tem o olhar de quem espera por alguém. Ela tem o olhar de quem não
espera por nada. Ele, um vira-lata
de médio porte, inquieto, tremelico,
barulhento e pelagem branca com
pintas amarelas. Ela, uma beagle
puríssima, agitada e arteira. Ele não
tem nome. Ela se chama Mel. Ela, a
dama. Ele, o vagabundo.
O Vira-Lata Sem Nome reside com
outros 26 cães no Canil Municipal
de Santa Cruz do Sul. Para chegar
até lá gasta-se fôlego e muita gasolina. Perder-se no caminho é comum,
já que não existem placas indicando
o local. Durante o percurso, no bairro Distrito Industrial, questiono
duas pessoas sobre a localidade do
canil, mas não sabem responder. E,
quando a volta para casa parece ser
a única solução, surge um motorista
de ônibus. “Pegue aquela rua e siga
até o final, o canil é atrás da Usina
de Lixo.” Dados gravados na memória, retomo o caminho. O asfalto é
precário e a estrada parece não ter
fim. Uma Santa Cruz desconhecida
começa a ser desvendada pelas duas
rodas da moto.
Depois de percorrer alguns qui-
MUNDO ANIMAL
MUNDOS DISTANTES
Vira-lata Sem Nome
18
Mel, a Beagle
lômetros, avisto o Parque de Reciclagem e Compostagem de Lixo Domiciliar de Santa Cruz. O caminho
é uma estrada de chão, com pedras,
buracos, parafusos e mato. Onde
diabos é esse canil? Por que não ouço
um latido sequer? A ansiedade toma
conta. Eis que surge um enorme portão com os dizeres “Cuidado! Área de
isolamento sanitário. Não ultrapassar” em vermelho e branco. Há bambus pelo caminho. Muitos. O ar gelado do mato entra pelos poros e toma
conta do corpo. Os bambus dançam
alucinados por causa da ventania.
Filme de terror. A mente se aquieta
quando enxergo o local. Sabe o fim
do mundo? É lá.
Barulho, muito barulho. Assim
os 27 cachorros do Canil recebem
os visitantes e seus possíveis donos. O cheiro é forte, de cachorro,
de sujeira, de ração, de tristeza, de
Mel, a beagle, não vai para a creche somente em dia de chuva
pais procuras para adoção. Os outros
ficam lá, aguardando ansiosos a sua
retomada de vida. Em cada olhar é
como se os animais implorassem
para serem levados dali. Em cada latido, um grito de socorro.
Há mais de um ano no Canil Municipal, o Vira-Lata Sem Nome passa
os seus dias sozinho, esperando que
apareça algum dono ou até mesmo
alguma companheira para tirá-lo
da solidão. A vários quilômetros
dali, na Avenida João Pessoa, Centro
de Santa Cruz do Sul, Mel, a beagle,
divide vários metros de grama, ar
livre e liberdade com outros cães no
Consultório Veterinário Pet a Teti.
Além de clínica, o consultório também é uma espécie de creche para
os cachorros, onde os donos deixam
seus animais enquanto estão no
trabalho ou viajando. Filhotes que
não possuem todas as vacinas são
proibidos, por causa da transmissão
de doenças. São admitidos somente
cães de pequeno e médio porte. Eles
têm um período de adaptação para
aprovação ou não na creche. Assim
que aprovados, já podem desfrutar
das mordomias oferecidas pelo estabelecimento, como cauterização
de gengiva, banhos, tosa e limpeza
de tártaro. A realidade da clínica é
totalmente diferente da do Canil,
onde mora o Vira-Lata Sem Nome.
Há interfone na entrada, o ambiente é limpo e cheiroso. Um pequeno
pet shop com variedades de rações,
brinquedos, camas e shampoos está
exposto na entrada do local. O pátio
é imenso. Lá, no auge do verão, já foram recebidos 45 animais.
A veterinária Heloísa Teichmann
Aita é a responsável pela clínica. Ela
diz que a creche funciona como um
descarregador de energia dos cães,
pois eles brincam o dia inteiro. O valor da hospedagem é diário e varia
de acordo com o tamanho do animal.
A clínica funciona 24 horas e possui
14 funcionários, quatro são veterinários formados. Além da higienização dos cães, o consultório também
realiza internações, cirurgia, ultrasonografia e eletrocardiograma.
Mel já está acostumada com os
horários da clínica. Ela geralmente
fica no Pet a Teti à tarde, das 12h às
18h30min, horário em que sua dona
está trabalhando. A beagle é agitada
e corre o tempo inteiro pelo imenso
gramado. Heloísa brinca: “a Mel já
fica com a coleira na boca esperando
a hora de vir pra cá.”
“Um cachorro não se importa se
você é rico ou pobre, inteligente ou
idiota. Um cão não julga os outros
por sua cor, credo ou classe, mas
pelo que são por dentro. Dê seu coração a ele, e ele lhe dará o dele. (...)
De quantas pessoas você pode falar
isso? Quantas pessoas fazem você se
sentir raro, puro e especial? Quantas pessoas fazem você se sentir extraordinário?” Essas são palavras do
autor John Grogan no livro Marley e
Eu, que explicam o quanto cachorros
podem ser (e muitas vezes são) seres
melhores do que nós, humanos.
Enquanto Mel se diverte na creche,
o Vira-Lata Sem Nome espera pacientemente por alguém, pessoa ou outro
“cãopanheiro”, que possa lhe oferecer
carinho e atenção. Em um mundo
onde todos afirmam que o cachorro
é o melhor amigo do homem, há animais solitários, que clamam por um
pouco de afago e de respeito.
Torçamos para que a dona da Mel,
como num clique de mágica, resolva passar um dia desses no Canil e
aviste um vira-lata de médio porte,
inquieto, tremelico, barulhento e pelagem branca com pintas amarelas, e
queira levá-lo para casa. Quem sabe
assim, o Vira-Lata ganhe um nome,
carinho e respeito, e enfim possa
viver uma história de Walt Disney,
com final feliz e muito macarrão.
MUNDO ANIMAL
esperança. Cães pretos, brancos,
marrons, todos os tons se misturam dentro das grades do lugar. São
vários cercados de mais ou menos
2mx2m de largura e 3m de altura.
Com 2 cachorros em cada um deles.
As exceções são um pastor-alemão,
que perdeu uma das patas dianteira
em um acidente; um rottweiler, que
foi capturado após desleixo do seu
dono, e ele, o Vira-Lata Sem Nome.
Aos cuidados de Jorge Antonio Loebens, veterinário da Prefeitura e
Ernesto Dorneles, responsável pela
limpeza, os cachorros recebem comida e higienização das suas baias
uma vez por dia.
A distribuição dos cães em seus
cercados é em função de espaço e
a sintonia entre os animais. Geralmente são um macho e uma fêmea
juntos, já que os cachorros do mesmo sexo têm maior tendência a brigar. O Vira-Lata Sem Nome é antisocial, este é motivo dado por Jorge
para explicar o porquê de o cão morar sozinho em sua “casa”. De outros
machos o Vira-Lata passa longe e nenhuma fêmea conquistou o coração
do pequeno rebelde.
O Canil é um abrigo que recolhe
cães doentes ou que colocam pessoas em risco. Filhotes são as princi-
O Vira-Lata sem nome espera por carinho e respeito
19
O mundo mágico
da Vovó Moina
Os olhos cor do céu,
os cabelos brancos de
experiência e o sorriso
meigo fazem de Moina
Mary Fairon Rech uma
escritora doce, que
ainda cultiva em sua
aparência os detalhes
de uma criança. No
auge de seus 79 anos,
a santa-cruzense, que
já publicou seis livros,
prepara-se para ser a
escritora homenageada
da 24ª Feira do Livro de
Santa Cruz do Sul.
Perambulando entre
contos de fadas e
relatos vivos de sua
infância, Moina encanta
e é encantada pelo
universo das palavras.
Ela conversou com a
reportagem do Unicom
ANA LUIZA RABUSKE
REPORTAGEM
PING-PONG
VIVIANE MOURA
FOTOGRAFIA
20
Quando a senhora começou a escrever e de onde surgiu essa vontade
pela escrita?
omecei a escrever pelo ano
2000, quando meus netos me
perguntaram como eu fazia no
meu tempo de criança, já que não
existia TV, videogame, nem internet. Aquilo mexeu comigo, e eu
resolvi então deixar alguma coisa
para eles. Foi por isso que comecei
a escrever. São minhas memórias
mais remotas, de quando eu tinha
3, 4 anos de idade. Depois que
estava tudo no papel, a ideia era
fazer sete cópias e dar de lembrança para os meus netos. Até o dia
em que uma amiga, que é artista
lá em Porto Alegre, me deu a ideia
de publicar. Surgiu então “A janela
para o passado”, que foi meu primeiro livro e que acabou virando
um retrato de Santa Cruz entre os
anos de 1935 e 1945.
C
A tradição irlandesa teve alguma
influência nessa trajetória como
escritora?
inha influência toda foi do berço. Desde pequena minha mãe
sempre constumava ler histórias
antes de dormir. O meu pai era irlandês, por isso a gente recebia muitos
livros em inglês. Era uma festa só,
minha madrinha mandava, minhas
tias também. A gente sempre tinha
muitos volumes de contos de fadas
vindos da Irlanda. Já minha mãe
descendia de alemães, e também lia
as histórias da tradição alemã. Sempre fui muito ligada nisso, tanto nas
raízes irlandesas como alemãs.
M
Além dos 6 livros que a senhora já
publicou, existe alguma outra história a caminho?
u gostei de ficção, porque dá
para deixar as idéias fluírem
e dizer coisas que a gente pensa.
Quando comecei a escrever “A Casa
do Bosque” a trama estava com
muitos personagens. Suprimi então
alguns deles e fiquei só com um objetivo, que era falar sobre as lendas
irlandesas. Porém os personagens
que eu havia criado eram interessantes demais e não se conformaram em ficar esquecidos dentro do
meu computador, estavam sempre
me chamando. Queriam sair e não
ficar presos para o resto da vida.
Resolvi então juntá-los e começar
um novo livro. Agora estou escrevendo, é um romance de ficção e
estou me divertindo muito com
esses personagens.
E
E existe alguma previsão de lançamento desse novo livro?
este eu vou trabalhar com calma. Já está alinhavado e estou
começando as revisões. Geralmente faço umas 10 ou 20 revisões até
considerar o livro pronto. Não vou
ter pressa, quero que saia perfeito.
Vai dar um pouco de trabalho, mas
se Deus quiser no final do ano que
vem, poderá ser lançado.
N
A senhora sempre foi muito apegada à literatura?
uando criança li todos os livros
infantis que me caíssem nas
mãos. Quando adolescente conti-
Q
nuei lendo muito e posso dizer que
nunca mais parei de ler. Acho que
eu li quase tudo que deveria ter lido
para me dar uma boa base. Se tivesse boa memória, acho que eu seria
uma enciclopédia ambulante. Acho
que li tudo na hora certa.
Já havia passado pela sua cabeça um
dia escrever tantas histórias e ter a
oportunidade de publicá-las?
unca me passou pela cabeça de
ver algum livro meu publicado. Eu até estou achando tudo isso
muito interessante. Eu não
esperava uma resposta tão entusiasmada como eu tive com o
primeiro livro, “A Janela para o
Passado”. Até hoje, quase dez anos
depois, as pessoas falam dele para
mim, e isso é muito bom, é sinal de
que foi aprovado.
N
Existe alguma história que a senhora gosta mais?
u gostei muito de “A Casa do Bosque”, foi uma história que brotou
do coração. Foi como uma porta que
se descerrou na minha imaginação.
Os personagens começaram a criar
vida e a me empurrar para frente,
e acabou dando essa história que,
quem já leu, muito apreciou.
E
Todas as histórias que a senhora escreve são de aventuras pessoais?
A “Janela para o Passado” e a “Aventura
na Amazônia” são memórias minhas.
As histórias infantis, “Tato” e “Tobi”
são de lembranças dos meus animais
As faces de Moina
Crônica
Isolamento opcional
MARÍLIA GHERKE
de estimação. Já “O Portal Mágico” surgiu de um sonho que eu tive certa noite, quando descobri um jardim mágico
embaixo do chão do meu quarto. Claro que depois, baseada naquela ideia,
produzi a história toda.
P
O livro “O Portal Mágico” foi a sua
primeira obra a ser publicada fora
do país. Qual o seu sentimento em
relação a isso?
evei um susto quando uma
editora de Buenos Aires me procurou e se mostrou interessada em
traduzir meu livro para o espanhol.
Isso para mim foi fantástico! Pensei comigo mesma “acho que estão
gostando dos meus escritos”. Hoje o
livro está a venda em toda a América do Sul e também na Espanha. Eu
fiquei muito faceira com isso.
L
A senhora se considera uma pessoa
realizada?
cho que sou uma pessoa realizada, sim. Criei a minha
A
família e deu certo. Tenho um
marido que é o meu melhor amigo.
Sinto-me em paz com o mundo e
comigo mesma. Acho muito bom
poder viver o momento presente e
aproveitá-lo. Não penso muito em
futuro e passado. Quando lembro
do passado, é nas coisas positivas
que aconteceram. Sempre faço de
conta que tenho um cofre secreto
onde eu guardo todas as coisas boas
que me aconteceram. Quando quero
me lembrar desses bons momentos,
abro o cofre e tiro as lembranças.
Até hoje fico admirada e ao mesmo
tempo contente em ter conseguido
publicar tanta coisa. Logo eu, que
nunca pensei algum dia em ser uma
escritora.
Acesse o blog:
http://vovomoina.blogspot.com
CRÔNICA
A senhora possui um blog também, o
que você passa através dele?
osso dizer que o meu blog tem
um objetivo só: incentivar a leitura. Acho que isso é uma das coisas mais importantes que existe.
O gosto pela leitura vem do berço.
Se uma mãe começa a ler histórias
para a criança antes mesmo dela
aprender a ler, automaticamente
ela sentirá curiosidade em relação
aos livros no futuro. Quanto mais
a pessoa lê, mais conhecimento
terá. A literatura é um tesouro que
recebemos de graça e que pode ser
acumulado dentro da cabeça.
Solidão é uma das principais
reclamações humanas na atual
conjuntura. Sem tempo para pensar que não há tempo, as pessoas
vivem de trabalho, estudo e reivindicação. Sentem-se, sobretudo, vítimas da chamada sociedade
pós-moderna, condição que abre
espaço para o egocentrismo, narcisismo e outras formas de pôr a
primeira pessoa do singular em
um pedestal. A verdade é que os
responsáveis por seu isolamento são os próprios cidadãos. As
pessoas são tão obcecadas pelo
próprio umbigo que procuram
preservar sua individualidade.Essa
premissa pode ser observada em
ferramentas de comunicação e até
em meios de transporte.
Imagine um ônibus com 50 lugares, cuja distribuição dos assentos se dá em duas colunas com
dois bancos cada. Mentalize, agora,
25 pessoas em fila indiana. É isso
que acontece nos transportes coletivos: as criaturas não gostam de
viajar em dupla. Preferem trafegar
consigo e com seus pensamentos.
Isso quando não fazem cara feia na
ocasião em que alguém se aproxima e pergunta se pode ocupar o
banco. Para continuar na solidão,
tem gente que chega a empregar
técnicas de afastamento: 1) espalhar bugigangas no banco ao lado;
2) fingir estar dormindo; 3) ignorar. Para a alegria geral da nação,
alguns ônibus urbanos já contam
com assentos individuais.
Foi-se o tempo em que os vizinhos visitavam uns aos outros.
O MSN manteve as janelas, mas
encurtou o diálogo. O Messenger,
assim como outras ferramentas
de comunicação – que serviriam
para aproximar vidas - distanciou
as pessoas. Ademais, a conversa,
a roda de amigos e troca de confidências foram substituídas por
relatos nos blogs. O mesmo ocorre nas redes sociais: quando não
estão agulhando alguém, os usuários do Twitter fazem suas reflexões pessoais em 140 caracteres.
Ninguém entende nada. A convivência, agora, é individual. A empatia já não existe. O isolamento,
porém, é opcional.
21
Aos olhos do Jacuí
Da janela da casa
amarela de capim
Santa Fé às casas de
madeira eucalipto,
localizadas na
esquina do paredão
– nome dado a uma
enorme parede de
pedras em uma das
curvas do Jacuí –
Claudiomir de Souza,
44, cresceu aos
cuidados do rio
NATUREZA
VANESSA SCHULER
REPORTAGEM E FOTOGRAFIA
22
Bodalírio Manuel de Souza e Eva
de Lurdes da Luz conheceram o
amor às margens de uma das maiores bacias hidrográficas do Rio
Grande do Sul na década de 50. Seu
Bodalírio é natural de São Leopoldo
e Dona Eva de General Câmara. Por
meio do trabalho em navios draga
- utilizados para retirar areia do
fundo dos rios – o jovem marinheiro apaixonou-se pelos encantos de
uma moça das águas. As mesmas
águas que trouxeram para Dona
Eva o amor. Não somente o amor,
mas uma vida cheia de alegrias,
filhos e histórias sobre seu companheiro: o vizinho Jacuí.
Os dois tinham um amor em comum: o rio. A falta de dinheiro e a
admiração pelo afluente fizeram
com que decidissem morar diante
de suas águas. Seu Bodalíro juntou
suas economias, comprou barco
e motor e seguiu a vida de casado
como pescador profissional. A família sempre teve condições financeiras suficientes para suprir todas as
necessidades da casa. Nunca passaram fome e as crianças nunca sentiram falta do que brincar. Do rio,
vinha o real sustento da família,
por meio da pesca e da água para
alimentação, higiene e plantio.
Quando seus filhos nasceram, seguiram os passos dos pais. Claudiomir (foto da página ao lado), único
menino no meio de quatro meninas,
pescava todos os dias com o pai. As
Marias - Orizontina, Clementina,
Mara e Marisa - acompanhavam
Dona Eva até o galpão para tratar os
porcos, as galinhas, os cabritos e os
cachorros. Além disso, colhiam os
frutos do pomar que tinham ao redor da casa.
Quando mais crescido, Claudiomir levava suas irmãs de barco até
o outro lado do rio e dali seguiam a
pé por 5km de fazendas e estrada
de chão até a escola. Todo santo dia.
Morar em barranca do rio tinha seus
prós e contras. No verão era uma
festa, banho de rio até anoitecer. No
inverno, o medo da casa desabar na
madrugada, caso a enchente fosse
muito forte. Todos os móveis da casa
de três cômodos, Seu Bodalírio que
construiu: fogão a lenha, armários,
camas, mesas e cadeiras. E, até mesmo, a casa em que moravam.
Energia elétrica nunca houve por
ali. Pra satisfazer a mulher noveleira, Seu Bodalírio arrumou duas
baterias nas quais ligara a televisão no horário nobre pra encher os
olhos de alegria da companheira.
O banho da família era quente, esquentavam a água numa chaleira e
colocavam numa espécie de regador-chuveiro para se banhar no inverno. Do lado de fora da casa, tinha
uma patente – nome dado a uma casinha de madeira com um acento,
em cima de um buraco no chão para
fazer as necessidades.
A necessidade de condições melhores de vida fizeram com que
Claudiomir, primeiro a tomar a iniciativa de sair de casa, fosse para
a cidade. Entranto, não deixou de
lado sua paixão pela natureza. Pelo
contrário, foi como jardineiro que
se estabilizou financeiramente, e
como mantém-se em profundo contato com a natureza.
- A natureza tem o ar puro e a cidade tem o recurso, eu queria dinheiro
próprio, diz Claudiomir.
A força do rio
A beleza das praias e da água do
Jacuí encantam veranistas todos os
anos, assim como a fartura de espécies de peixes que o rio oferece faz a
alegria dos pescadores.
O que não se espera são períodos de chuva no verão e no inverno,
quando o rio toma o lugar da terra
que desenha as estradas da cidade
até os balneários. A água também invade as casas das pessoas.
Inteligente é aquele que monitora
o nível do rio pelo jornal da sua cidade e corre pra lá na hora certa para
levantar os móveis e recolher os
eletrodomésticos. O problema é que
nem todos possuem tempo para isso.
É impressionante a força com que
a água percorre o leito do rio. Porém,
nem sempre o leito é suficiente para
suprir a quantidade imensurável
de água que deságua nele e acaba
invadindo lavouras e moradias que
o cercam. Não foi uma nem duas vezes que a família Souza viu sua casa
desabar na enchente.
Claudiomir e suas quatro irmãs
não tiveram uma casa igual à maioria das pessoas, de cimento, tijolos
e pintada com cores alegres. Com
recursos do rio, seu pai construiu a
primeira moradia de capim Santa
Fé – comum nas encostas fluviais
– mas, por ironia, as chamas acabaram com tudo.
– O pai tinha mania de fumar os
“pitos”’ dele. Numa noite acordamos
com a casa pegando fogo. Foi um toco
do palheiro mal apagado.
Com a madeira retirada da floresta que cerca o rio, Seu Bodalírio não
desanimou e contruiu casa sobre
casa, que a força das águas nas enchentes arrastou ou, simplesmente
fez vir ao chão.
Em 2010 a casa de madeira caiu
pela última vez.
Dona Eva e Seu Bodalírio não moram mais na barranca. Não por falta
de vontade, mas porque o tempo passou e as condições físicas dos dois
não permitem mais.
Em um descuido, Dona Eva machucou o pé quando pisou em um
prego. Por falta de socorro imediato, e teimosia, preparou suas ervas
e repousou para o que pé sarasse.
Mas ele não sarou. Em quatro dias
sua perna direita estava tomada
por uma séria infecção.
Os médicos só viram uma solução:
amputar a perna ou a morte. Sem
forças pra continuar vivendo sem
recursos, Seu Bodalírio adoeçeu. Foi
diagnosticado um câncer maligno
na cabeça. Hoje, Dona Eva, agora deficiente física, cuida do marido em
um dos hospitais de Canoas.
NATUREZA
23
À espera de uma
família
SOLIDARIEDADE
MARLUCI DRUM
REPORTAGEM E FOTOGRAFIA
24
Arquivo Pessoal
Há 24 anos o Centro
Social, Cultural
e Educacional Gideões
abriga crianças vítimas
de maus tratos, abuso
sexual ou abandono
Jéssica Soares Gomes chegou ao
Centro Social Gideões quando ainda
tinha um ano de idade. A mãe não
tinha condições de criá-la e o pai ela
não chegou conhecer. Jéssica deixou
o orfanato aos 17 anos para se casar.
Hoje uma mulher de 20 anos, estatura mediana, cabelos e olhos escuros, com um jeito de menina que é
perceptível pela forma de se vestir e
pelo jeito alegre de ser.
Casada, Jéssica mora em Bento
Gonçalves. Mesmo assim, sempre
que pode, volta a Santa Cruz do Sul
para visitar as tias que cuidaram
dela e as crianças com as quais conviveu tanto tempo: a sua família.
Quando questionada de como foi a
vida no lar, Jéssica afirma: “Foi muito
boa, bem proveitosa, estudei, fiz curso de costura, aprendi tocar violino,
participei de coral. Em alguns momentos senti falta de ter uma mãe,
um pai, mas quase não dava tempo
de sentir isso, porque sempre havia uma tia ou outra me chamando
e sempre um monte de crianças ao
meu redor, meus irmãos né?!” A mãe
biológica de Jéssica morreu quando
ela tinha 12 anos, somente depois do
casamento, através da internet, que
ela teve contato com parentes mais
próximos como tias e avós.
Quando Jéssica apareceu na sala
onde havia um reforço, as meninas
largaram suas tarefas e correram
encontrá-la para abraçá-la, como
irmãs que não se viam e sentiam
saudades. A mãe social Leni Severo
de 53 anos, que trabalha e mora no
lar, emocionada comenta: “É muito gratificante, porque eles saem ,
casam e depois eles nos ligam para
saber como agente tá e voltam para
nos visitar porque nós somos a família deles, é por isso que eles sempre voltam!”
O Centro Social, Cultural e Educacional Gideões abriga atualmente 20 menores que foram abandonados ou estavam em situação de
risco. O centro, que funciona há 24
anos, possui quatro casas-lar, cada
uma delas é administrada por pais
sociais, apoiados por uma equipe de
trabalho, que busca o crescimento
Jéssica Gomes na época em que viveu no orfanato
dos abrigados, tanto no aspecto físico como no psicossocial.
As crianças e adolescentes são
atendidas em tempo integral e recebem todos os cuidados necessários
para a reinserção social e para o desenvolvimento humano. O centro é
um lar provisório para as crianças
que vivem em situações de risco,
como maus tratos, abuso sexual, falta de condições por parte dos pais,
tanto humana quanto financeira,
para dar uma vida decente aos filhos. Por meios judiciais as crianças
são encaminhadas ao centro Gideões, para que possam se recuperar
dos traumas sofridos e recomeçarem a vida.
As casas possuem na decoração
muitos porta retratos pendurados
nas paredes e enfeitando as estan-
tes. Neles fotos de crianças, loiras,
morenas, negras, brancas, bebês,
adolescentes, meninos e meninas.
Nas fotos a recordação de aniversários, casamentos, momentos felizes.
Nem todas as fotos têm como fundo
o lar social, algumas mostram que é
possível encontrar uma boa família
e levar uma vida feliz. Os quartos
são separados, cada um possui dois
beliches e por lá tudo é muito organizado e limpo. Os quartos das meninas, logo são identificados pelas
bonecas, que, bem vestidas enfeitam
as camas.
A justiça avalia se os pais biológicos estão em condições de terem novamente a oportunidade de cuidar
dos filhos ou se as crianças devem
ser encaminhadas para adoção. Dona
Leni lembra que no início era muito
Sentimento de união entre as irmãs que vivem no orfanato
Ana Luiza Rabuske
Arquivo Pessoal
Dedicados à beleza
Pastor Neemias da Silva Junior
Leni Severo - Mãe Social
Jéssica Gomes e o marido
pequenos que ainda não vão à escola,
também participam do reforço se esforçam e já fazem belos desenhos os
quais mostram orgulhosos.
Segundo a professora Vanusa Batista, as crianças são carentes e a
convivência faz com que elas se apeguem, criem vínculos de amizades
entre eles e também com ela e por
isso ela ressalta: “Eles se sentem protegidos aqui, eles vivem com um tio
e uma tia que cuidam deles, moram
com eles, eles têm esse sentimento de família, mas também têm um
mundo pra eles lá fora, essa é a realidade, é isso que a gente procura
trabalhar com eles aqui”.
As meninas daquela aula de reforço me surpreenderam. Quando perguntei se elas sonhavam com uma
família nova, ou se queriam voltar
para a família de antes, algumas me
disseram que sim queriam uma família nova, outras que queriam voltar com os pais biológicos e outras
que não queriam outra família, queriam a família do orfanato, aquela
que elas já tinham!
Dos vinte menores que moram
no centro social, apenas três estão
disponíveis para adoção. Porém, segundo o Gerente Executivo do Centro Social Gideões, pastor Neemias
da Silva Júnior, eles não estão no
perfil considerado ideal de adoção
– bebês e de cor branca - pois são
adolescentes e dois deles ainda possuem deficiência mental, o que dificulta mais. Outra preocupação do
centro é encaminhar irmãos para a
mesma família, para não romper os
laços fraternos.
“É sempre preferível que no momento da adoção irmãos fiquem
juntos; quando isso não é possível,
como, por exemplo, quando são quatro irmãos, é difícil encontrar uma
família que queira ficar com os quatro”, explica Júnior. Nesses casos as
crianças são encaminhadas para
famílias separadas. A elas é ressaltada a importância de que mantenham contato e sejam próximas,
para que os irmãos possam se encontrar e manter a união familiar.
Segundo o pastor, o trabalho da
instituição é mantido com recursos da Igreja Assembléia de Deus
do Campo de Santa Cruz do Sul,
doações de colaboradores, verbas
públicas da Prefeitura Municipal
e do apoio da Missão Nehemia, da
Alemanha.
SOLIDARIEDADE
complicado quando as crianças iam
embora: “Eu sofria muito, ainda mais
quando as crianças estavam há mais
tempo. A gente cuida como se fosse
nosso?! Aí depois nos tiram eles, ah
não é fácil, a gente se apega né?!”
Nos sábados à tarde, os familiares
legítimos e famílias voluntárias podem visitar o centro social, mas segundo Dona Leni isso é um fato raro:
“É difícil! Chega o sábado e se tiver
uma mãe legítima aqui é muito!”
No turno inverso da escola as
crianças e adolescentes recebem aulas de reforço numa sala decorada
com trabalhinhos coloridos, muitos
livros, materiais escolar, classes e
cadeiras e claro o quadro negro com
atividades escritas com giz. A professora auxilia com os temas e com os
conteúdos de maior dificuldade. Os
25
Diferentes sotaques
na construção civil
Operários,
principalmente do
norte e nordeste do
país, deixam suas
famílias para
trabalhar na região
CONSTRUÇÃO
AUGUSTO HOFFMANN
REPORTAGEM E FOTOGRAFIA
26
Cristiano Antonio Gonçalves, 34
anos, está há um mês em Santa Cruz
do Sul. Nesse pouco tempo já ficou
resfriado três vezes. Natural de
Contagem, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, ele veio para
trabalhar em uma obra na cidade e
não imaginava que o frio do Sul pudesse ser tão intenso.
Em sua cidade natal ele deixou
mãe, irmãos e a namorada para
tentar a vida no Sul do Brasil. “O
mercado de trabalho pro lado de cá
é melhor do que o de lá, questão de
salário é melhor do que lá também,
aqui eles te dão oportunidade”. Cristiano fez cursos de qualificação no
Senai, em Belo Horizonte, mas as
oportunidades não apareceram.
A realidade de Cristiano é a mesma de muitos brasileiros, que se deslocam por todo o país em busca de
um emprego. O perfil desses trabalhadores é principalmente de jovens
na faixa de 18 aos 25 anos, com pouca qualificação.
Segundo o coordenador do escritório regional do Sindicato das
Indústrias da Construção Civil no
Estado do Rio Grande do Sul (Sin-
duscom RS), engenheiro Ário Sabbi,
a construção civil no estado está em
um momento muito forte de crescimento. O sindicato reconhece a vinda de pessoas de outros estados para
trabalharem em obras na cidade,
principalmente nas multinacionais.
Para o engenheiro, essa situação
pode configurar um problema futuro. “Quando terminarem essas
obras, parte dos trabalhadores vai
ficar por aqui; se conseguirem colocação rápida no mercado de trabalho não vejo problemas, mas muitos
deles vão ficar na informalidade.
Sem ter onde morar, serão fontes de
problema”.
Ainda segundo Sabbi, na região
falta mão de obra para trabalhar na
construção civil. E foi esse um dos
fatores que levou a empresa Philip
Morris a contratar, através da construtora Serpal, funcionários de todo
o Brasil. Para se ter uma ideia, só
nessa obra são cerca de 400 operários; desses, apenas 10 % são da região do Vale do Rio Pardo.
O paraibano Petrônio Guimarães
dos Santos, 25 anos, já está mais
ambientado com nosso clima e cultura, afinal de contas já faz um ano
que ele trabalha na cidade. Natural
de Areial, região metropolitana da
Paraíba, deixou pai, mãe e os irmãos
para trabalhar em obras no Rio
Grande do Sul. Segundo ele, o salário
é razoavelmente bom e parte dele
serve para ajudar os familiares que
ficaram longe. “Ficar triste a gente
fica, mas tem que ser assim, é a vida,
tem que trabalhar”, comenta Santos
sobre a saudade da família.
Com uma jornada de trabalho que
vai de segunda a sábado, começando
às sete horas da manhã e às vezes
sem hora para terminar, os trabalhadores aproveitam para fazer hora
extra e engordar o contracheque. No
seu alojamento, Santos convive com
sete pessoas, cada um de um estado diferente. A folga no domingo é
aproveitada ao máximo: eles ouvem
música sertaneja o dia todo e aproveitam para descansar, conhecer a
cidade e fazer churrasco.
Para o presidente do Sindicato
dos Trabalhadores nas Indústrias
da Construção e do Mobiliário (STICM-SCS), Hardi Inácio Assmann, o
fato de os trabalhadores fazerem
hora extra é bom tanto para o operário que ganha mais quanto para
a empreiteira da obra, pois tende
a terminar a empreitada antes do
previsto. “A intenção deles é ganhar
dinheiro. Querem fazer bastante
hora extra e gostariam de trabalhar
até mais horas do que o permitido,
mas a lei não deixa.”
Estas horas extras estão previstas na convenção coletiva de trabalho do Sindicato assim como as
regras relativas à estadia dos operários onde a empresa deve fornecer
alojamento para os mesmos. “Quando os trabalhadores vêm de lá, a empreiteira contrata hotéis, pousadas,
ou aluga uma casa grande, reforma
e disponibiliza cama, mesa, fogão,
tudo o que tem que ter, de acordo
com a convenção que tem regras de
alojamento, de canteiro de obras e
assim por diante.” salienta Hardi.
Segundo Hardi, muitos dos trabalhadores ficam insatisfeitos quando
chegam na cidade, pois a promessa
de ganhos não se confirma devido
à impossibilidade de trabalho além
das horas previstas em contrato.
Hardi explica ainda que, com a chegada do inverno, muitos trabalhadores desistem de continuar na cidade,
pois não estão acostumados com o
frio da região Sul. “Quando o pessoal vem de lá eles não sabem como
funciona aqui, a realidade é bem diferente da que estão acostumados.
Nos últimos dias, um contingente
de trabalhadores foi embora porque
eles não conseguiram lidar com o
frio, eles pedem para voltar”.
Para Hardi, o fato desses trabalhadores virem de fora para trabalhar
na cidade gera perdas econômicas,
uma vez que o dinheiro é normalmente enviado para suas famílias.
“Se a mão de obra fosse daqui, o salário ganho por estes trabalhadores
seria injetado na economia da região
e o dinheiro ficaria todo aqui”. Tanto
que o sindicato tentou via Sistema
Nacional de Emprego (Sine) recrutar
trabalhadores do município, mas a
tentativa não deu certo. As empreiteiras de Santa Cruz do Sul encontram dificuldades e acabam buscando operários de outras cidades da
região. “O custo do trabalhador de
fora é muito maior. A cada três meses tem que dar uma passagem para
visitarem a família, alojamento e
alimentação. Se o empregado fosse
do município seria muito mais barato”, comenta Hardi.
Cristiano Antonio Gonçalves, 34 anos (esquerda), e Petrônio Guimarães dos
Santos, 25 anos
CONSTRUÇÃO
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