Sumário/Editorial/Artigos

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Sumário/Editorial/Artigos
Revista do Portal das Poéticas Visuais
Sensual
Sueli Dabus
2006
1 m x 1,20 m
Técnica Mista
Acervo de Artes Visuais da Faac-Bauru
Revista do Portal das Poéticas Visuais
Coordenação Técnico-Científica
Núcleo de Pesquisa em Multimeios Mídia Press
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JULIO DE MESQUITA FILHO”
Reitor
Julio Cezar Durigan
Vice-reitora
Marilza Vieira Cunha Rudge
Pró-reitor de Pós-Graduação
Eduardo Kokubun
Editor Assistente/Projeto Gráfico Editorial
Felipe Oliveira Cavalieri
Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru, São Paulo, Brasil
Webdesign
Lucas Trentim Navarro de Almeida
Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru, São Paulo, Brasil
Edição e preparo de originais/Tradutor das
versões impressa e on-line:
Ivan Abdo Aguilar
Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru, São Paulo, Brasil
Edição de Imagens e Capa
Anderson Thiago Generozo
Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru, São Paulo, Brasil
Diretor FAAC
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Conselho Científico:
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Universidade de Brasília (UnB) - Brasília, Distrito Federal, Brasil
Derrick de Kerckhove
Universidade de Toronto (UofT) - Toronto, Ontário Canadá
Massimo de Felice
Universidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil
Poéticas Visuais/Impresso no Brasil
ISSN: 2177-5745 versão impressa - ISSN: 2317-4935 versão on-line
Classificação CAPES Qualis B3 em Artes/Núsica, B2 em Interdisciplinar e B5 em Ciências Sociais Aplicadas
Editores Científicos
Ricardo Nicola e Nelyse Salzedas
Editora Executiva
Rosa Maria Araújo Simões
Comissão de Relações Internacionais
Maria Luiza C. Costa e Rosa Maria Araújo Simões
Coordenação Editorial:
Maria Antonia Benutti, João Eduardo Hidalgo, Maria do
Carmo Jampaulo Plácido Palhaci, Milton Koji Nakata,
Dorival Rossi, Luiz Antonio Vasques Hellmeister, Roberto Deganutti, Adenil Alfeu Domingos, Sônia de Brito, Guiomar J. Biondo, Elaine Patrícia Grandini Serrano,
Maria Luiza Calim de Carvalho Costa, Joedy Luciana
Barros Marins Bamonte, Rosa Maria Araújo Simões, José
Marcos Romão da Silva, Célia Maria Retz Godoy dos
Santos, Solange Maria Bigal, Solange Maria Leão Gonçalves, Ricardo Nicola e Nelyse Apparecida Salzedas.
João Carlos Correia
Universidade da Beira do Interior - Covilhã, Portugal
Andreia Célia Molfetta
Universidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina
Dana Lee
Ryerson University - Toronto, Ontário, Canadá
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Universidad Complutense de Madrid - Madrid, Espanha
George Michael Klimis
Panteion University - Atenas, Grécia
Francisco Cabezuelo Lorenzo
Universidad de San Pablo - Barcelona, Espanha
Ana Mae Tavares Barbosa
Universidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil
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Centro Universitário Senac - Santo Amaro, São Paulo, Brasil
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Irene Gilberto Simões
Universidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil
Mario Pireddu
Università degli Studi Roma TRE - Roma, Itália
Massimo Canevacci
Università de Roma - La Sapienza - Roma, Itália
Eduardo Peñuela Canizal
Universidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil
Antonio Manuel dos Santos Silva
Universidade Estadual Paulista (Unesp) - Bauru, São Paulo, Brasil
Duda Penteado, Artista Plástico
New Jersey City University - New Jersey City, NJ, EUA
Elza Ajzenberg
Museu de Arte Contemporânea (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil
Edson Leite
Universidade de São Paulo (EACH USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil
Jesús González Requena
Universidad Complutense de Madrid - Madrid, Espanha
Genaro Talens
Université de Genève (UNIGE) - Geneva, Suíça
Julio Pérez Perucha
Presidente de La Asociación Española de Historiadores del Cine, Madrid - Madrid, Espanha
George Preston
City University of New York, New York, EUA
S
umário
EDITORIAL
P. 13
Artigos
Volume 3 N° 2 2012
www.poeticasvisuais.com
copywrite.
Revista Poéticas Visuais, Faac/Unesp/2012
Um Etore Scola Inusitado
An unusual Etore Scola
Mariarosaria Fabris
p. 15
A Arte nas ondas do rádio: ações e procedimentos para
esta prática
The art on the radio waves: actions and procedures for this practice
Thiers Gomes da Silva
p. 20
Revista do Portal das Poéticas Visuais da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”
Av. Luiz Edmundo Carrijo Coube n° 14-01
CEP 17033-360 Bauru/SP
PABX (14) 3103 - 6000
As opiniões expressas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.
Todo material incluído nesta revista tem autorização expressa dos autores ou de seus representantes legais.
Um olhar em tríade: caminhos abrindo espaços
A look at triad: paths open spaces
Terezinha de Jesus Bellote
p. 29
Maçãs mordidas: tecidos em redes, Jobs e Ana Maria
Machado
Apples bites: tissue networks, Jobs and Ana Maria Machado
Clarice Zamonaro Cortez
p. 42
Artistic Revolution
Abraham Lubelski
p. 45
“Os Mortos de Sobrecasaca*”
“The deads with frock”
Adenil Alfeu Domingos (In Memoriam)
p. 49
Semiótica aplicada ao ensino de interpretação
de texto didático não literário
Semiotics applied to the teaching of comprehension for non-literary didatic text
Renato Ferreira Narduci
p. 50
EDI TORI A L
O desenho das energias, John Ruskin e as Pedras de Veneza
The design of the energies, John Ruskin, and the Stones of Venice
Claudio Silveira Amaral
Duende Art
José Rodeiro
p. 72
Poética Ubíqua
Ubiquitous poetics
Massimo Canevacci
DESTAQUES
p. 56
p. 99
Artes Cênicas, o ator e o desenho de animação
Performing Arts, actor and animation design
Myrian Pessoa Nogueira
p. 114
A poética visual de Nuno Ramos
The Nuno Ramos’ Visual Poetics
Pedro Luiz Padovini
p. 140
NORMAS PARA COLABORADORES
p. 126
A arte sendo revisitada pelo contexto da
repressão e da presentação
The Art has been revisited through the context of repression
and presentation
Nelyse Apparecida Melro Salzedas
p. 138
RESENHAS
Como entender a função informacional tecnológica
nos processos de construção artística?
How to understand the rule of technological information in the process of
artistic construction?
Ricardo Nicola
p. 139
A
pós navegar pelos textos de Cabral,
Drummond, Borges, ancoro, agora,
em um texto de Ernest GOMBRICH1,
“Ce que l’image nous dit”(2009), em forma de
diálogos com Didier ERIBON2.
Por que o crítico e historiador austríaco? Pela sua postura em relação ao conceito
de arte resultante de seus diálogos com Eribon.
Afinal, o que é a Arte? Podemos tomá-la em dois sentidos: arte infantil, arte de
doentes mentais; não se diz que são grandes
obras de arte, mas simplesmente pintura ou
criação de imagens, contudo, se se diz isto,
é um obra de arte; estamos exprimindo um
juizo de valor. São coisas, pois diferentes. Por
outro lado, responde: “eu emprego a palavra
‘arte’ quando a realização torna-se também
importante ou mais importante que sua função”.
Há, também, uma história tecnológica da arte como uma história do gosto, do
estilo, das influências exercidas de um mestre
sobre outro.(2009)
Mas, passemos para o posicionamento de uma revista “Connaissance des Artes”3
(2012), que retoma o conceio de arte: a Arte
não é, sobretudo, uma exposição de um fato
histórico (realidade histórica); ela é um signo, mas um signo muitas vezes precursor que
anuncia e diz coisas que, sobretudo, outros
signos não dizem tão bem.
Eis caminhos. Eis encruzilhadas. Paremos ante eles e elas, e caminhemos: esperemos que “Poéticas Visuais” discuta-os através
do seus artigos.
GOMBRICH, Ernst; ERIBON, Didier. Ce que l’image nous dit. Paris: Editions, Cartouche, 2010.
CONNAISSANCE des artes - Hour-série. Paris, v. 555, 2012.
1-2.
3.
Nelyse Apparecida Melro Salzedas
Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq
“Texto e Imagem”
Unesp-Bauru
Um Ettore Scola inusitado
An unusual Ettore Scola
Mariarosaria Fabris
Doutora em Artes, no campo do audiovisual (cinema), e professora aposentada da Universidade de São
Paulo, São Paulo, SP. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine) de
Sâo Paulo, São Paulo, SP.
Resumo
Este artigo discute aspectos da filmografia de Ettore Scola, ao que considerou-se nesta fase um diretor diferenciado, por que não, “inusitado”. O texto é dedicado à estética cinematográfica de Scola, pontuando alguns instantes
de sua obra.
Palavras-Chave: Ettore Scola, cinema, filmografia, cine-biografia, análise, cinematografia.
Abstract
This article discusses aspects of Ettore Scola’s filmography; he was considered at this stage a director differentiated, why not “unusual”. The text is devoted to the Scolas´s cinematographic aesthetics, pointing out few moments
of his work.
Keywords: Ettore Scola, cinema, filmography, cine-biography, analize, cinematography.
E
m Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã, ao narrar a história do jovem Fortunato Santospirito, que
migra para Turim a fim de trabalhar na FIAT, Ettore Scola traça um painel das lutas políticas e
sindicais que agitaram a Itália entre os anos 1960 e 1970.
Dessa forma, realiza um filme militante, que foge às características de sua produção, mas que prepara
o terreno para as realizações do período mais fecundo de sua trajetória, de Nós que nos amávamos tanto
(C’eravamo tanto amati, 1974) em diante.
Dentre as obras de Ettore Scola, há uma que parece não enquadrar-se em sua filmografia. Trata-se de
Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã (Trevico-Torino - viaggio nel Fiat-Nam, 1973), que antecede o período mais fecundo de sua trajetória, de Nós que nos amávamos tanto (C’eravamo tanto amati, 1974) em
diante.
O título do filme alude à migração interna, que caracterizou a Itália principalmente nos anos 1960,
como consequência da retomada econômica que atingiu prevalentemente o Noroeste do país, depois
que este se recuperou dos desastres da guerra. Trevico (onde o diretor nasceu), um distrito de Avellino,
na região da Campânia, portanto no Sul da Itália, é um lugarejo como o que Scola retratará em Splendor
(Splendor, 1988). E Turim é uma das três grandes cidades industriais do Norte (ao lado de Milão e Gênova), para a qual se dirigiram, em busca de uma vida melhor, italianos do Sul em sua grande maioria,
mas também de regiões centrais (Toscana) e do Nordeste da península (Trentino e Friul), como Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã mostra.
Além disso, a junção entre a sigla FIAT (Fabbrica Italiana Automobili Torino) e a designação geográfica Vietnã, ao evocar a guerra travada naquele período no Sudeste asiático entre duas grandes frentes
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ideológicas, já traduz a ideia dos conflitos internos a serem abordados na obra de Scola. Como já tive
oportunidade de observar (Fabris, 2006), a Itália havia adentrando os anos 1960 cindida entre o boom
econômico e o início das lutas sindicais e estudantis, o pragmatismo do “capitalismo selvagem” e a utopia
do “queremos tudo” de seus contestadores (“Vogliamo tutto” era um dos slogans dos operários da FIAT
nas greves desse período), a violência do Estado e a violência de seus opositores. A prática das lutas
operárias de 1968-1969 - principalmente a do “autunno caldo” (“outono quente”) de 1969 - somava-se à
experiência do movimento estudantil, cujas manifestações, na Itália, antecederam as do maio
francês, e começaram a surgir alguns grupos altamente politizados, como o Collettivo Politico Metro-
politano, de Milão, em setembro de 1969, de cujas fileiras sairão alguns dos futuros fundadores das Br
(Brigate Rosse, ou seja, Brigadas Vermelhas), um ano depois. O governo predominantemente de direita
tentava fazer frente a essas manifestações promovendo uma violenta repressão na qual não faltaram atentados - atribuídos aos grupos neofascistas Nuclei Armati Rivoluzionari e Ordine Nuovo -, classificáveis
como verdadeiras carnificinas, dentre os quais o de Piazza Fontana (Milão, 12 de dezembro de 1969),
que inaugura os chamados anos de chumbo na Itália, provocando, como reação, o início da luta armada
por parte de algumas facções da esquerda extraparlamentar (além das Br, Lotta Continua, Nuclei Armati Proletari, Potere Operaio etc.). O
Partido Comunista Italiano, por
seu lado, temendo os “golpes brancos” da direita e uma consequente
guinada reacionária (temor que se
acentuará com a queda de Salvador
Allende, a 11 de setembro de 1973,
no Chile) e preocupado com um
provável fracasso uma vez conquistado o poder, irá propor o chamado
compromisso histórico, baseado na
colaboração entre comunistas e Democracia Cristã. Esse é o pano de
fundo de Trevico-Turim: viagem
no Fiat-Nã, que conta a história do
jovem Fortunato Santospirito (cujos
nome e sobrenome têm uma conotação amargamente irónica), o qual
Cena do filme: Trevico-Torino - Viaggio nel Fiat-nam (Ettore Scola - 1973)
alcança Turim para trabalhar na FIAT exatamente no período do “outono quente”, quando as reivindicações do operariado italiano se intensificaram. Lá, ele conhece de perto a exploração e a alienação à qual
estavam sujeitos os trabalhadores e o tratamento reservado pela população local aos que vinham do Sul,
quase todos indistintamente apelidados de napoli (que corresponderia a “paraíba” ou “baiano”), embora
1 - Napoli era o termo empregado depreciativamente para designar um sulista imigrado para o Norte. Seu emprego, provavelmente, se deve ao
fato de todas as regiões do Sul, exceto a Sardenha, pertencerem ao Reino de Nápoles ou Reino das Duas Sicílias, antes da unificação do país
(1860).
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provenientes de outras localidades que não a cidade de Nápoles¹ como lembra o próprio Scola (Prudenzi
& Resegotti, 2006, p. 135), numa entrevista.
Muitos dos sulistas que trabalhavam em Turim viviam na própria pele os contrastes, as dificuldades
dos novos trabalhos. Tentemos imaginar como pode ter sido difícil para eles se apropriarem de gestos que
nada tinham em comum com a atividade rural. Ali estavam diante de máquinas desconhecidas, e não por
acaso a percentagem de acidentes de trabalho era altíssima. Para não mencionar as condições de vida: no
começo dos anos 1970, a Fiat ainda não tinha um refeitório, e os operários levavam de casa as marmitas
e na hora do almoço começavam a comer entre o maquinário, ou nos pátios. Depois viviam outra dificuldade, ligada ao fato de que não possuíam uma consciência operária: eram camponeses e, por isso, não
sabiam o que eram as lutas sindicais, os direitos dos trabalhadores. E, além disso, havia a cidade, essa
Turim tão severa, fria, fechada, que não raro manifestava para com eles uma intolerância que beirava
o racismo. Uma cidade onde não era difícil encontrar cartazes com os dizeres “Alugam-se quartos, mas
não para meridionais”.
O protagonista de Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã vai percebendo a dificuldade de inserir-se no
mundo automatizado da fábrica - onde se dá duro como no campo, mas lá, ao menos, se sabia para que
servia o próprio trabalho (como ele mesmo concluirá no fim do filme) - e naquela cidade, na qual chega
num dia de neblina e que começa a conhecer, percorrendo as ruas do centro, com seus prédios deteriorados, que se destinam aos forasteiros.²
A primeira e breve amizade que trava é com Beppe, filho de mãe sarda e pai friulano, indício de uma
migração mais antiga e do arraigamento da discriminação, pois, embora o jovem, que trabalha num bar,
tenha nascido em Turim, continua sendo um ser marginalizado e explorado.
Assim, Fortunato, aos poucos, adquire uma consciência política, ao conhecer o padre de um centro
de assistência social, um seu quase conterrâneo (que discursa sobre os dissabores dos “desterrados”), ao
retomar seus estudos num curso notumo e ao relacionar-se com um sindicalista comunista e com Vicki,
uma jovem estudante que milita em Lotta Contiua, com a qual se envolve sentimentalmente.
O momento do primeiro encontro entre Fortunato e Vicki é bem interessante: a garota aparece, em
primeiro plano, militando, enquanto o rapaz se move por trás dela, para a direita e para a esquerda, como
se quisesse ser focalizado pela câmera à qual a jovem se dirige. Na verdade, trata-se de uma espécie de
“dança” erótica, que se repete quando Fortunato observa algumas cabeças de manequins de peruca - com
seus olhos sedutores e suas bocas vermelhas e carnudas, como a de Vicki -, a qual, seguida pela sequência
em que ele chora no quarto do alojamento, deitado em sua cama, exprime bem a ideia do desejo e da
repressão do desejo a serem enfrentados.
Como afirmam Orio Caldiron, Elio Girlanda e Pietro Pisarra, estamos diante de um “exemplo de cinema militante que fotografa uma condição humana de mal-estar e marginalização, na qual foi inserida
uma história privada, delicadamente sentimental” (Caldiron et al., 1995, p. 351).
O idílio entre Fortunato e Vicki, embora marcado e truncado pelas diferenças sociais entre os dois,
não é improvável, uma vez que, como recorda Scola (Prudenzi & Resegotti, 2006, p. 135), “logo de2 - 0 impacto provocado nos habitantes do Sul ao chegarem às cidades do Norte estará presente ainda em Assim é que se ria (Cosi
ridevano, 1999), de Gianni Amelio, cuja sequência inicial também se passa em Turim e remete, por sua vez, à chegada da família siciliana
na fria Milão, em Rocco e seus irmãos (Rocco e i suo i fratelli, 1960), de Luchino Visconti.
3 - isso talvez porque o cineasta era filiado ao PCI e a Unitelfilm (ligada ao partido) produziu o filme. Para essa produtora, o diretor
realizou alguns trabalhos, como o registro dos festivais promovidos pelo PCI - Festival dell ‘Unità 1972 (1972) e Festival Unità
(1973) - e das exéquias do último grande líder do partido- L ‘addio a Enrico Berlinguer (1984) -,os quais, junto com uma enquete sobre
Lotta Continua e algumas sequências rodadas na periferia romana em homenagem a Pier Paolo Pasolini (quando de sua morte), constituem o
que Scola denomina “documentos”, recusando-se a empregar o termo “documentário”, uma vez que essas obras “pouco tinham a ver
com cinema na acepção mais estrita” (Prudenzi & Resegotti , 2006, p. 134).
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pois de 1968 era habitual os
universitários
postarem-se
ante os portões da FIAT para
falar com os operários” e para
atiçarem ainda mais a luta
contra os patrões, tachados
de fascistas no filme, embora este não focalize a divisão
entre o PCI, que dominava o
sindicalismo, e os grupos extraparlamentares, que contestavam essa hegemonia.³
E todos os explorados pelos patrões comparecem à
Cena do filme: Trevico-Torino - Viaggio nel Fiat-nam (Ettore Scola - 1973)
manifestação na grande praça, com suas bandeiras vermelhas, na qual, como se diz no filme, toda a Itália está representada. Nesse sentido,
é interessante a focalização de um grevista que desfralda sua bandeira agarrado a uma estátua que homenageia
o surgimento do país enquanto nação, como se a união dos trabalhadores italianos ainda não tivesse se concretizado, porque estes foram excluídos daquela unificação política ensejada pela classe dirigente.
Como a diretoria da FIAT nem sempre permitiu tomadas no interior de suas fábricas, Scola serve-se de
imagens fixas da linha de montagem (sobre as quais acrescenta legendas), que modulam a trama. O que não
pode ser mostrado é “comentado” pelos vários personagens ou transparece nas entrevistas realizadas na porta da fábrica de Mirafiori. Estas lembram as cenas curtas que caracterizavam o teatro da agit-prop\ com os
entrevistadores Vicki e Fortunato provocando, graças a suas perguntas, o “jogo de agitação”, para extrair do
operariado seu ponto de vista sobre os acontecimentos político-sociais que sacudiam o país.
Dessa forma, a um registro em que o espectador veria o funcionamento da linha de montagem substitui-se o relato das condições desse trabalho, em que o operário vindo do campo, ao perder suas raízes afetivas,
sociais e culturais, deixa de ser um sujeito e se transforma, no mundo neocapitalista, num “mero indivíduo”,
ou seja, num “objeto”, como salienta Alberto Mor~via (2010, p. 936): A ideia
é sempre a mesma: explorar o moribundo universo campesino sem fazer nada
para ajudá-lo a tornar-se urbano. Logo:
nada de alojamento, nada de assistência social, nada de escola, nada de nada;
apenas o trabalho de ritmos de qualquer
modo desumanos e, em seguida, a desumana vida privada em ambientes esquálidos, praticamente para escravos (dormitórios, cinturão periférico, refeitórios
etc.).
Por isso, em vários momentos, Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã lembra
que deveria haver trabalho em qualquer
lugar, sem que os trabalhadores estivesCena do filme: Trevico-Torino - Viaggio nel Fiat-nam (Ettore Scola - 1973)
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sem obrigados a deixar seu rincão natal. No fim do filme, a sucessão cerrada dessas imagens fixas, que se
alternam à fadiga crescente dos operários, visível no bonde ou no curso notumo, traduz bem a idea de como os
ritmos impostos pela fábrica destroem as pessoas. E Fortunato, que depois de brigar com o chefe da repartição,
é transferido para uma fábrica mais afastada do centro, onde o batente é bem mais pesado, esmagado pelo
cansaço e sentindo-se um dejeto (como os dejetos industriais de seu setor), resolve abandonar aquela vida,
expressando toda sua angústia no grito final.
Dentro da filmografia de Scola, Fortunato seria uma espécie de irmão menor dos protagonistas de Ciúme à
italiana (Dramma della gelosia - Tutti i particolari in cronaca, 1970) e Rocco Papal e o Permette (Rocco Papaleo, 1971) (Brunetta, 1982, p. 772) e, na galeria de personagens que caracterizaram o cinema político italiano
dos anos 1960-1970, não deixa de ser parente dos pequenos empregados ou operários de O posto (Il posto,
1961), de Ermanno Olmi, “Renzo e Luciana”, episódio de Boccaccio 70 (Boccaccio ‘70, 1963), de Mario
Monicelli, A classe operária vai ao paraíso (La classe operaia va in paradiso, 1971), de Elio Petri, e Mimi, o
metalúgico (Mimi metallurgico ferito nell ‘onore, 1972), de Lina Wertmüller, só para citar alguns.
Bibliografia
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BRUNETT A, Gian Piero. Storia del cinema italiano dal 1945 agli anni ottanta. Roma: Editori Riuniti, 1982.
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n. 2, ago. 2006. Disponível em: www.assis. unesp. br/cilbelc/j o mal.
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IVERNEL, Philippe & AMIARDE-CHEVREL, Claudine. “Agit-prop (le théâtre d’). ln: CORVIN, Michel
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MORA VIA, Alberto. “Quel treno che ferma a Torino”. ln: . Cinema italiano: recensioni e interventi 1~331990. Milano: Bompiani, 2010, p. 935-937.
POPPI, Roberto. Dizionario del cinema italiano: i registi dal 1930 ai nostri giorni. Roma: Gremese, 1993.
PRUDENZI, Angela & RESEGOTTI, Elisa. “Ettore Scola”. ln: Cnema político italiano. São Paulo: Cosac
Naify, 2006, p. 134-135.
Recebido em 18 de Agosto de 2012.
Aprovado para publicação em 25 de Outubro de 2012.
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2 , p. 15-19, 2012.
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A arte nas ondas do rádio:
ações e procedimentos para esta prática
The art on the radio waves: actions and procedures for this practice
Thiers Gomes da Silva
Doutorando, aluno especial, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Informação da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Marília, Marília, SP. É professor no curso
de Radialismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista,
campus de Bauru, Bauru,SP.
Resumo
O presente artigo propõe uma ampliação da experiência pessoal do ouvinte através de sons radiofônicos. O rádio por se tratar de um meio de comunicação de grande alcance na difusão e consideráveis facilidades acessibilidade da produção de seus conteúdos, se bem explorado, pode combinar muito bem a funcionalidade com a estética na
produção e transmissão de programas, algo que faz do rádio um meio significativo não somente para a transmissão
da informação. Na produção da arte dramática, por exemplo, a utilização de outros elementos, como no caso dos
efeitos sonoros, pode sugerir forma e consistência ao objeto descrito durante a prática da locução radiofônica. A
adequada combinação funcional e estética música, do efeito sonoro e da locução radiofônica pode mudar o humor
do ouvinte até mesmo promover a sua criatividade.
Palavras-Chave: rádio, estética, produção, transmissão, procedimento
Abstract
This paper proposes an extension of the personal experience of the listener through radio. The radio, because
it is a medium of reaching, disseminating and having considerable accessibilities towards the production of its
contents, and if exploited, could very well combine functionality with aesthetics in the production and broadcasting
entre o receptor, o produtor e a produção artística.
No processo de produção de sons radiofônicos, o radialista deve levar em consideração que na mesma
base de comunicação está a adequação das características do meio de comunicação, isso a fim de que se
possam transmitir temas que sejam assimiláveis para o ouvinte. Logo, não é pouca a importância do rádio
no processo de disseminação da arte, principalmente por se tratar de um meio de comunicação de grande
alcance na difusão e consideráveis facilidades acessibilidade da produção de seus conteúdos. Tendo como
influência a “Sociedade da Informação” e a “Era Digital” os elementos norteadores de diversas situações
no mundo, o rádio planeja e pesquisa para manter seus ouvintes e não ser esquecido que é um vantajoso
meio de comunicação.
O rádio, quando surgiu no Brasil, era um meio elitista, por causa do alto custo do aparelho receptor
das ondas eletromagnéticas. O conteúdo dos programas, em sua maioria, apresentava as características da
classe economicamente dominante. Em setembro de 1922 ocorreu, oficialmente, a primeira transmissão
radiofônica de rádio no Brasil.
O presidente Epitácio Pessoa, na época, organizou uma exposição para comemorar o Centenário da
Independência. Entre 1940 e 1960, o rádio no Brasil era o principal meio de comunicação existente para
a divulgação da genuína cultura brasileira.
Nestes tempos, pode-se destacar a significativa empatia entre a emissora e o público ouvinte onde nas
transmissões de dramatizações radiofônicas (inspiradas nas artes cênicas) era gerada uma forte cumplicidade entre emissor e receptor.
Vale destacar que nos primórdios do rádio no Brasil, a expressão artística da dramaturgia radiofônica
era ao vivo, pois na época não existiam recursos técnicos de gravação. “Em busca da felicidade” do cubano Leandro Blanco, adaptado por Gilberto Martins foi à primeira dramaturgia radiofônica transmitida no
Brasil, em 1943.
Pode-se considerar que a programação radiofônica também emitia a arte na forma de música clássica,
além de informações gerais a respeito dos temas. Com a passagem do tempo, através de novas pesquisas
e implementos tecnológicos, o preço dos aparelhos receptores de sons radiofônicos diminuiu, transformando o rádio no meio democrático como é conhecido hoje.
É notável o quanto as tecnologias de comunicação mudam todo o processo de difusão e captação de
sons radiofônicos. Claro que o conteúdo original das fontes, que servem de elementos de produção, nem
sempre passam a ser os mesmos na etapa da recepção e isso porque “Não há difusão, dizíamos, sem tradução, adaptação sem deformação da mensagem /.../.” (Bougnoux, 1994:41).
of programs, something that makes the radio not only a means for transmission of information. In the production of
dramatic art, for example, the use of other elements, such as sound effects, may suggest form and consistency to the
object described during the practice of radio utterance. The proper combination of function and aesthetic in music,
A arte de fazer rádio
sound effects and voiceover radio can change the mood of the listener and even promote their creativity.
Keywords: radio, aesthetics, production, transmission, procedures
Introdução
O
rádio pode inspirar no ouvinte, dentre outras coisas, o interesse em averiguar quais os fatores
que atuam na organização interna e externa de uma determinada obra artística que a fazem
constituir uma estrutura peculiar. Mas, este procedimento, não se trata aqui, neste trabalho, de
fazer a obra de arte perder o seu status de unicidade e originalidade, mas sim de intensificar a relação
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A arte do universo sonoro nos meios de comunicação pode estar presente no cinema contemporâneo,
na televisão e no rádio, englobando o leque de profissionais necessários com suas especificas funções,
desafios, experimentações, os conhecimentos e responsabilidades indispensáveis em cada etapa da produção. No final dos anos 1970 ocorreu o início da abertura política no Brasil, destacando-se enste época,
a mobilização da sociedade civil e o revigoramento da produção artística nacional.
Hoje na sociedade, o atual processo cultural de hipervalorização da visão em relação aos outros sentidos elevou a imagem a um alto patamar e é uma das razões que fazem o som radiofônico algumas vezes
passar indiferente entre as mídias para aqueles que não possuem uma mínima noção da complexidade em
torno da realização desse importante meio de comunicação.
Desde os primórdios do rádio, com a proliferação comercial no meio, o processo de produção de
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programas, em muitas emissoras, passou a ser orientado por critérios econômicos, basta ouvir a programação de algumas rádios e perceber que estas fazem uso das técnicas da comunicação de massa a
qual se baseiam em um público amplo com características homogêneas não levando em consideração a
diversidade de personalidades que compõem a audiência.
Este procedimento do “fazer” rádio é ultrapassado e trata-se, provavelmente, de um efeito da competição entre os meios de comunicação onde se destaca um caráter de trabalho imediatista, unidirecional e
transitório, por não se atem a registros permanentes para a reflexão crítica.
E, ainda sim, este mesmo procedimento se propõe a transmitir tanto uma grande quantidade de informações como também a prestação de serviços para fácil “acesso” do usário. Sem dúvida, algo contraditório, pois mesmo tentando não excluir nenhum ouvinte, este procedimento não valoriza o tempo necessário, nos atos da recepção, para um amplo entendimento e a percepção da utilidade da mensagem sonora.
Apesar do rádio, há algum tempo atrás, ter perdido grande parte de seu público ouvinte para o chamativo aspecto audiovisual que é a televisão, ele ainda se destaca usando exatamente o ponto positivo de só
atingir a audição, pois é ainda hoje o mais importante meio que pode ser usufruído com a utilização de
apenas um dos sentidos, sendo possível utilizar os demais sentidos em outras atividades. “Para muitos
dos ouvintes, analfabetos ou não, o rádio se constitui, muitas vezes, no único canal de informação, de
conhecimento e de ligação mais ampla com universos distanciados do seu quintal comunitário.” (Blois,
1996:15).
Com o advento da Internet (atrelada às novas tecnologias), o rádio também viu seu público se dividir
em grupos de interesses. O publico ouvinte tornou-se segmentado associado a uma programação especializada para refletir gostos, os valores, os hábitos e a cultura de um determinado grupo social. Nisso
destaca-se a arte de falar bem, ou seja, a retórica que está ligada ao rádio, através das características da
oralidade com o objetivo de cativar o ouvinte.
Destaca-se que quanto ao acesso à arte e à cultura de áreas diversas “Um dos aspectos mais interessantes do rádio na Internet está perspectiva de sintonizarmos, através do computador, emissoras de qualquer
parte do mundo, desde que a emissora disponibilize seu áudio na rede e que o usuário tenha condições
mínimas de recepção.” (Bufarah Jr. 2004;09).
O rádio possui uma linguagem específica, mas ainda carece de uma teoria expressiva que possa explicar o seu procedimento específico de comunicar, difundir e expressar a arte. Porém, o potencial radiofônico, se bem explorado, pode combinar muito bem a funcionalidade com a estética na produção e
transmissão de programas, algo que faz do rádio um meio significativo a difusão doe entretenimento.
É muito comum emissoras radiofônicas que possuem uma ampla audiência, geralmente, em nos seus
procedimentos de produção de conteúdos, simularem, discretamente ou não, uma ou mais vantagens
decorrentes do ato de audição de seus programas. São argumentações oralizadas com base na arte da
retórica para persuadir seus ouvintes.
Isso pode dar a ideia ao público que sairá ganhando se vier a ouvir determinado programa. Nesse caso,
por exemplo, é possível fazer com que o ouvinte, através de seus pensamentos, sinta-se um artista ou
co-criador do programa, praticamente, um convidado especial. “Um programa de rádio cria imagens na
mente que podem fornecer um cenário muito mais intenso do que aquele que pode ser produzido na TV.”
(Hausman, 2010: 257).
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A arte dramática radiofônica
Atualmente, a arte dramática no rádio está atualmente diluída em breves momentos sonoros, basta
ouvir os comerciais ou propagandas que nos moldes da dramaturgia radiofônica divulgam produtos e
situações as vistas do lucro.
A expressão convincente da arte dramática no rádio pode ser a consequência do potencial funcional e
estético orientados na combinação da palavra, da música de fundo, dos efeitos sonoros e, claro, também
do uso silêncio como elemento muito expressivo. Na prática da arte dramática radiofônica, atua-se para
ser ouvido, trabalha-se na própria voz as possibilidades artísticas de provocar o imaginário do ouvinte.
O ator radiofônico, no estúdio de gravação, manipula a própria voz com a consciência de está em um
processo de empatia com o ouvinte e o convida a introspecção, a imaginar as cenas. É possível ao ouvinte
a ocorrência do processo de identificação, ou seja, há uma intersecção entre os tipos de imagens sugeridas
pelos sons radifônicos e às imagens da memória do ouvinte.
No rádio “o objetivo do drama é contar uma história interessante de forma atraente. O objetivo das notícias não é muito diferente. Embora um produtor de notícias tenha de ser extremamente cuidadoso para
não levar os ouvintes a entender algo errado e para não adulterar a informação visando ter um impacto
dramático, o uso inteligente dos elementos dramáticos certamente é aceitável.” (Hausman, 2010: 262).
Verifica-se que na prática de ouvir o rádio que nos programas radiofônicos, com exceção das produções estritamente musicais, a palavra possui uma presença muito maior que os outros elementos, logo, a
oralidade destaca-se sobre os outros elementos componentes dos sons radiofônicos.
Geralmente, “no rádio, é a voz, a oralidade, conjugada a outros signos sonoros (ruído, música) e o
silêncio, que “carregam” e organizam a informação. A palavra propõe o conteúdo do fato transmitido.”
(Velho, 2009:04).
Mesmo tão mais evidente, sem a devida medida, criatividade e planejamento, a “falação” no rádio é
um risco do cotidiano. Este excesso tem como consequência o condicionamento cultural da audiência por
preferência de programas musicais, onde há pouca locução radiofônica, o mínimo de oralidade.
O excesso da oralidade radiofônica provoca uma espécie de fadiga auditiva no ouvinte e se converte
em um ruído capaz de dificultar o envolvimento deste último com sons radiofônicos.
Coibir o excesso da palavra, na produção radiofônica, pode amenizar, ou até, evitar a fadiga auditiva,
ou seja, evita-se um alto grau de concentração para ouvir sons radiofônicos.
A oralidade radiofônica se descontrolada ocasiona a perda da expressividade artística e comunicativa,
da estética sonora do rádio. Logo, o uso da palavra, no rádio, deve ser criativo em consenso com as características do meio do qual se faz uso.
Na produção da arte dramática, a utilização de outros elementos, como no caso dos efeitos sonoros
podem sugerir uma forma e consistência ao objeto descrito durante a oralidade radiofônica.
Assim como a música de fundo, os efeitos sonoros são úteis à produção radiofônica, podem contribuir
para dar um sentido ou até mesmo sugerir a descrição do evento ou “cena” sonora.
Esta utilidade deve ser manipulada sob certa medida, pois não se deve fazer uso dos efeitos sonoros
sem planejamento, pois, caso contrário, os sons radiofônicos soam confusos e até podem a causar a irritabilidade auditiva. “No drama de rádio, é muito importante planejar os efeitos sonoros de fundo para criar
uma rede de credibilidade. Se precisamos dar a impressão de andarmos por ruas movimentadas, os efeitos
sonoros precisam nos levar de um lugar para o outro.” (Hausman, 2010:264).
Após as devidas checagens, com o sentido artístico norteando a produção radiofônica, pode-se usar o
efeito sonoro: com finalidade descritiva, expressiva ou até narrativo, ou seja, um elo de coerência sonora.
É fascinante quando na breve ausência dos outros elementos, o valor significativo do silêncio torna-se
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presente podendo, neste momento, aguçar a mente do ouvinte no processo de imaginar a “materialização” do
objeto ou da situação, logo, a “cena” pode surgir a partir do silêncio, no mundo interior da audiência.
Destaca-se que enquanto elemento componente da arte dramática, a importância e arte do silêncio podem
ser percebidos, por exemplo, na radionovela “A Guerra dos Mundos”, um produto norte americano de 1938,
criado em pleno momento de insegurança e temor social consequentes das atividades da Segunda Guerra
Mundial.
Durante a transmissão desta dramatização, na noite de 30 de Outubro de 1938, nos Estados Unidos, em devidos momentos, a breve ausência dos outros elementos da linguagem radiofônica, podia fazer com o ouvinte,
no silêncio do rádio, através da rápida imaginação, completar ou até mesmo continuar a narrativa.
Nesse tipo de relação entre a audiência e a dramatização radiofônica destaca-se a prática talvez própria ou
característica da interatividade, pois esta transmissão ocorreu em sintonia com o contexto social da época.
Já no caso do processo de produção de programas que esteja com poucos elementos pré-gravados, onde
também nem todas as expressões para a locução estão pré-definidas e não há no acervo uma ampla variedade
de efeitos sonoros, pode-se fazer uso artístico da musica instrumental.
Na manipulação artística da música instrumental pré-gravada, manifesta-se uma representação simbólica,
já que os sons propagados pelos dos instrumentos musicais nunca se assemelham aos sons naturais, apenas
referem-se a eles. Um som natural, ou seja, propagado pela própria fonte sem intermediários, é puro com suas
características inconfundíveis, amplificado e transmitido pelos alto-falantes. Possui um timbre próprio, mas
pode perder alguma de suas características quando é transmitido.
Atualmente, com a correta utilização dos equipamentos de áudio, no fazer arte no rádio é possível obter resultados satisfatórios, até mesmo quando se busca o máximo de identificação com a realidade sendo proposta,
por exemplo, na dramaturgia radiofônica.
A manifestação artística no rádio não depende somente da sensibilidade ou habilidades afins, mas também
da qualidade das mediações necessárias. Isso se verifica na relação arte, rádio e público ouvinte.
As mediações na produção radiofônica
Na interação entre a emissora radiofônica e a audiência, pode-se verificar: a mediação pessoal, grupal, organizacional, tecnológica e do público. Nestas mediações, que formam o suporte material de todo o conjunto
auditivo, há a evidência da dimensão ou interferência subjetiva, ou seja, os operadores artísticos, cada um com
suas experiências de vida, conhecimentos, interesses, necessidades, crenças, opiniões, motivações, expectativas e repertório cultural como fatores na interpretação dos fatos.
Na mediação tecnológica, que condiciona a evolução do rádio, pode se verificar que os sons radiofônicos
primeiramente desconstruídos durante a transmissão técnica estão substancialmente alterados quando chegam
ao ouvinte, nota-se que determinados equipamentos requerem o uso de procedimentos específicos que, por planejamento, podem interferir no resultado final da produção radiofônica, logo, o som no rádio não corresponde
à experiência acústica natural, pois é um som artificial resultado de uma série de intermediações de equipamentos e máquinas que não permitem uma fidelidade aos sons originais.
No caso de todos os elementos interagindo de modo planejado, o potencial comunicativo do rádio é intensificado e pode estimular o ouvinte a interpretar, ou seja, a buscar significado, a refletir, a produzir o conhecimento.
Pode ser um procedimento artístico rico e estimulante trabalhar pensando em todas as mediações que envolvem a produção radiofônica compondo sons onde a transmissão se dê estimulante no momento presente do
indivíduo, no presente social da audiência em sintonia com as suas necessidades artísticas e culturais.
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A arte e a digitalização radiofônico
São diversas as contribuições e modificações trazidas pelas mídias digitais à prática artística contemporânea. A emissora de rádio enquanto empresa tende a se reorganizar além do ponto de vista técnico como também
na pesquisa do conteúdo de seus programas.
Por outro lado, mesmo com avançadas tecnologias, a sociedade, geralmente, não tem um repertório de
conhecimentos suficientes para compreender e usufruir, amplamente, os acontecimentos do mundo que determinam abrangentes processos de mudança. Poucos cidadãos, na coletividade, possuem conhecimento e tempo
suficiente para compreender, assimilar e fazer uso das expressões e conhecimentos artísticos na sociedade.
É possível, por meio do rádio, organizar produções com conteúdos voltados para a tanto para a divulgação
como também o fazer artístico.
Estas produções radiofônicas devem ser formadas por um conjunto de elementos que atenda não somente às
necessidades e interesses dos receptores / ouvintes (em última instância, é a razão de ser da própria programação), mas também promova a educação por meio da elucidação significativa e expressiva de conceitos e fatos
da ciência.
Os índices de audiência e ampliação do alcance das transmissões radiofônicas são cada vez mais ampliados
em consequência das novas tecnologias de comunicação. Geralmente, não se conquistam ouvintes através
apenas de um programa. O comunicador necessita de um tempo para ganhar a confiança, a simpatia para estar
em sintonia com o interesse do ouvinte.
As pesquisas sobre tecnologias digitais que incluem, dentre duas determinadas funções, a diminuição dos
equipamentos, produção de novos conteúdos e a amenização das variadas formas de incidência do ruído nas
mensagens, estão alterando a organização da produção em emissoras de rádio, logo não é mais possível validar
a produção apenas em termos financeiros.
Dentre as vantagens da radiodifusão sonora digital, ocorre uma verdadeira revolução no modo de ouvir rádio, já que o veículo, provavelmente, se tornará multimídia. O rádio, poderá ser uma mídia interativa fazendo
com que seu ouvinte participe ainda mais daquilo que quer e ouvir.
A emissora com transmissão digital ainda encontra-se em fase de implementação no Brasil. O processo de
digitalização é uma revitalização do rádio.
Possivelmente, os objetivos de um programa radiofônico poderão ser alterados, algo diferente de delimitar
em quatro categorias: informação, entretenimento, educação e religião.
Desta forma, temos como exemplo a programação das emissoras que visam apenas o entretenimento e
outras poucas, nas quais, a programação tem a finalidade de aprimorar a educação e/ou grau de instrução dos
indivíduos na sociedade brasileira. Porém, tais objetivos nem sempre são independentes ou diferenciáveis,
pois pode ocorrer a organização da produção de um determinado programa que envolva os quatro objetivos,
ou então, ou destes alguns combinados entrei si, tudo depende da direção da equipe de produção.
Os sons radiofônicos podem ser assimilados ou captados pelo ouvinte, provavelmente, por meio de três
modos sendo esses: a audição ambiental, parcialmente intencional e a prática efetiva de escutar programas radiofônicos. Na audição ambiental, o ouvinte apenas deixa ligado como “pano de fundo” um determinado equipamento receptor que está transmitindo algum programa radiofônico. O ato de ouvir parcialmente significa que
o ouvinte esteja realizando alguma atividade simultânea ao ato de assimilar ou entender os sons radiofônicos.
No que se refere à prática da escuta de sons radiofônicos isso equivale a dizer que o ouvinte possa estar com a
atenção totalmente voltada para assimilar os sons que chegam até os próprios ouvidos.
Chegou-se a expandir a ideia de que o rádio perderia espaço entre os meios mais modernos de comunicação,
mas, atualmente, é um dos instrumentos mais importantes para a difusão de informações.
Devido ao condicionamento cultural e também por falta de uma adequada organização e produção, os programas sobre divulgação ou fazer artístico (ou qualquer outro semelhante) causam uma impressão nem sempre
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positiva no ouvinte isso devido e esse estar acostumado a sons radiofônicos muitos mais musicais do que
falados. Outra generalização negativa é a separação entre programa popular e programa cultural, erroneamente acreditando-se este último estar distanciado da realidade cotidiana da maioria dos cidadãos sendo apenas
reservado à recepção de uma minoria seleta e elitista.
Deve-se ressaltar que o rádio apresenta diversos elementos e procedimentos para uma transmissão organizada, voltada para a divulgação artística adequada pelo contexto favorecendo a todos os ouvintes o exercício
do fazer artístico.
Considerações finais
Para a realização dos trabalhos radiofônicos sejam para a expressão artística, ou então, para a divulgação
de alguma forma de arte, o produtor dos roteiros pode ou não estar presente no estúdio da emissora. Como
também há a possibilidade do produtor não ser o locutor do programa.
Para que o fazer artístico esteja inserido nas ondas do rádio, a direção da equipe de produção, ou então, o
diretor da emissora deve coordenar desempenho da produção de todos os programas radiofônicos.
No planejamento periódico efetuado com todos os membros da equipe de produção é recomendável que a
direção proceda tanto com a avaliação de desempenho como também de desenvolvimento.
Existem alguns itens o diretor da emissora ou da produção verificar durante as reuniões - na presença da
equipe de produção da emissora (para corrigir falhas, dificuldades ou erros):
A)Melhorar o desempenho da equipe (consenso e diplomacia);
B) Adequar a organização da produção e direção conciliando estética com funcionalidade;
C)Identificar as necessidades da cultura artística e intelectuais da comunidade de ouvintes;
D)Apresentar e avaliar novas ideias (tanto particulares como de outros membros, com relação ao contexto);
E)Manter a motivação e o compromisso de todos os envolvidos em processo criativo de produção.
É fundamental que os profissionais de rádio não fiquem restritos ao seu ambiente profissional, deve ter referências ou informações significativas, quando possível, diretamente da comunidade (participação em shows,
cinema, teatros, restaurantes, empresas diversas, bairros, localidades rurais ou urbanas, na rua, etc.) que está
tentando “servir”, pois o rádio é um meio de comunicação principalmente local, logo, é correto refletir conteúdos artísticos e intelectuais que estiverem ocorrendo em uma específica comunidade.
O rádio é um meio de comunicação muito eficiente, pois incide com grande facilidade sobre a opinião pública; é um meio unicamente sonoro que informa, fornece conhecimentos aos ouvintes e também funciona como
entretenimento.
Para que o programa radiofônico tenha êxito no processo de compreensão por parte do ouvinte, a equipe de
organização da produção deve verificar e analisar:
- O formato, conteúdo, duração e período adequado de transmissão do programa;
- E, principalmente, a contextualização do tema, sendo neste caso a ficção científica.
Ainda sim, no ambiente de produção da emissora radiofônica, também pode estar disponível um banco de
dados ou informações quanto às possíveis ações (dos ouvintes) que podem ser posteriores ao conhecimento
artístico adquirido, ou melhor, o conteúdo do programa pode alterar ou transformar pontos de vista, hábitos
culturais ou valores pessoais. Isso demonstra uma produção detalhada onde dificilmente ocorra um desvio, do
objetivo do programa.
As hipóteses que podem determinar como o ouvinte percebe, compreende e até mesmo, quem sabe, sente o
conteúdo do programa artístico podem suscitar as evidências claras e precisas que definam como a informação
artística é usada.
Para que uma adequada empatia ocorra no processo de audição do programa, este deve facilitar a identificação dos sons radiofônicos nas devidas partes ou trechos, ou seja, na abertura, na introdução, no desenvolvimento, no resumo, nos e-mails personalizados para a audiência fazer contato.
O objetivo da empatia é manter a atenção da audiência e passar a sensação de está se dirigindo a cada um
dos ouvintes em particular. Logo, neste sentido, o desenvolvimento do programa deve ser efetuado de modo
linear, onde apresente uma estrutura coerente respeitando a linguagem do rádio.
Tanto os recursos da sonoplastia devem estar adequados à proposta do programa como também, no caso de
necessários improvisos nas locuções, esses mesmos devem ser criativos e não incoerentes.
A redundância ou sinonímia, fator necessário à produção radiofônica, com a função de repetir ou destacar
termos ou expressões principais deve ser usada com prudência e discrição, de modo a evitar a fadiga auditiva,
pois vale ressaltar a problemática do condicionamento cultural da audiência para apenas a audiência da programação musical sem ênfase na divulgação artística.
Apesar de inicialmente ser a grande tiete das salas de visitas e depois dividir espaço com para a televisão e,
posteriormente, com internet, o rádio tem conseguindo manter com criatividade um público cativo por causa
de suas facilidades de acesso, principalmente o fato de ser um meio que pode ser totalmente explorado apenas
pela audição e por desenvolver um conteúdo próprio para essas características.
Os temas ou assuntos artísticos, no rádio, não devem ser apresentados superficialmente, sem a devida síntese ou aprofundamento, é recomendável que sejam discorridos procedimentos objetivos, nos quais, é possível
(para ouvinte) compreender, identificar as explicações, opiniões, soluções ou orientações para determinadas
formas ou modos de expressão artística. A prática deste procedimento revela um serviço de radiodifusão em
evolução.
- As categorias de ouvintes (assíduos da programação, ocasionais e não sistemáticos) e suas devidas necessidades;
- O tipo de público: infantil, juvenil ou adulto; o grau médio de instrução e suas características básicas;
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Um Olhar Em Tríade:
Caminhos Abrindo Espaços
Referências Bibliograficas
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A looking on triad: paths opennig spaces
BLOIS, Marlene M. O rádio nosso de cada dia. Revista Comunicação & Educação. São Paulo (6) Agosto de
1996.
BOUGNOUX, Daniel. Introdução às ciências da informação e da comunicação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
BUFARAH Jr., Álvaro. Rádio na Internet: desafios e possibilidades. Rádio e Mídia Sonora, IV Encontro dos
Núcleos de Pesquisa, 2004. Intercom.
Terezinha de Jesus Bellote Chaman
Jornalista, mestre em Comunicação Social pela Universidade Estadual Paulista, câmpus de Bauru (Unesp-Bauru), e,
atualmente, é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Franca (Unesp-Franca), Franca, Sâo Paulo.
Resumo
CALABRE, Lia. A era do rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004
O texto analisa na obra infanto-juvenil de Ana Maria Machado – “Abrindo Caminho” – a relação texto/imagem, enfocando a leitura como energia construtora de sentido.
HAUSMAN, Carl. Rádio: produção, programação e performance. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
Palavras-chave: Ana Maria Machado, texto, imagem, leitura, sentido,
Abstract
JACOBI, Pedro. Políticas sociais e ampliação da cidadania. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
KISCHINHEVSKY, Marcelo. O rádio sem onda – convergência digital e novos desafios na radiodifusão. Rio
de Janeiro: E-papers, 2007.
MCLEISH, Robert. Produção de rádio – uma guia abrangente de produção radiofônica. São Paulo: Summus,
2001.
RATTON, Miguel. Montando um estúdio digital. Curtiba, PR.: Music-Center.com.br, 2007.
VELHO, Ana Paula Machado. A linguagem do rádio multimídia. www.bocc.ubi.pt ISSN: 1646-313. Biblioteca On line de Ciências da Comunicação, 2009.
Recebido em 15 de Setembro de 2012.
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Aprovado para publicação em 27 de Outubro de 2012.
Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 20-28, 2012.
The text analyzes on reference infant-youthful book by Maria Clara Machado – “Abrindo Caminho” – the relation
text/image, focosing on the reading like maker of meaning.
Keywords: Ana Maria Machado, text, image, reading, meaning
P
ara se comunicar, as pessoas utilizam a linguagem verbal e outros sistemas semióticos (como as
imagens), com três funções básicas: de mostração, de interação e de sedução. E nós homens, leitores das linguagens que envolvem texto, imagem ou texto/imagem, corremos à caça do sentido
escondido, que, parafraseando Dascal (1992 apud KOCH, 2002, p. 9), teimamos em encontrar. Desta forma,
o texto verbal e o não verbal tornam-se um complexo ato de recepção, de desvendamento de linguagens, que
acompanham nossa experiência cotidiana.
Koch (2002, p. 09), no prólogo de sua obra, “Desvendando os Segredos do Texto”, revela-nos:
- E o texto tem segredos?
Bem, se você achar que o texto é um artefato linguístico formado pela combinação de letras
(ou sons) que formam palavras que rotulam coisas ou estado de coisas do mundo real que formam
sentenças que têm um sentido literal que existem textos totalmente explícitos descontextualizados e
autônomos que para produzir e compreender textos basta dominar o código etc... etc... é claro que a
resposta só poderá ser negativa. MAS... se você pensar o texto como lugar de constituição e de interação de sujeitos sociais, como um evento, portanto, em que convergem ações linguísticas, cognitivas
e sociais (BEAUGRANDE, 1997), ações por meio das quais se constroem interativamente os objetos
de discurso e as múltiplas propostas de sentidos, como função de escolhas operadas pelos coenunciadores entre as enumeráveis possibilidades de organização textual que cada língua lhes oferece...
ENTÃO você compreenderá que o texto é um construto histórico e social, extremamente complexo
e multifacetado, cujos segredos (quase ia dizendo mistérios) é preciso desvendar, para compreender
melhor esse ‘milagre’ que se repete a cada nova interlocução – a interação pela linguagem, linguagem que, como dizia Carlos Franchi, é atividade constitutiva.
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2 , p. 29-41, 2012.
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Na leitura da obra infanto-juvenil de Ana Maria Machado, procuramos refletir a relação texto/imagem,
apoiando-nos na obra A leitura, de Jouve (2002), que nos abriu caminho para a leitura de Iser (1996). Com
ambos, entendemos o leitor e o ato da leitura, cujos objetos são o texto.
Procuramos ler o texto como um todo, tentamos decifrá-lo, tirando-lhe a máscara. Embasados na Estética da Recepção e em autores, como Iser (1996), Jauss (1978), Jouve (2002), Joly (2003), que enfatizam a
essência do ver/olhar, buscamos mergulhar na profundidade das palavras e das imagens, conforme os sábios
ensinamentos de quem tão bem soube abrir-nos tantos caminhos: Profª. Drª. Nelyse Ap. M. Salzedas (2001).
Ancorados na oposição que faz Iser (1996), quanto à obra literária, concentramo-nos no polo estético. Este
diz respeito à concretização realizada pelo leitor.
O texto pareceu-nos instigante, desde a primeira leitura. O diálogo com ele foi preenchendo os vazios,
a partir das relações feitas. E concretizaram-se as palavras de Iser (1996), em sua obra O ato da leitura: o
horizonte de expectativa do leitor cresce mais e mais, à medida em que ele lê. Instaurado o diálogo com o
texto, instaurado foi também um processo metalinguístico do abrir caminho no Abrindo Caminho. E fomos
redescobrindo que ler é expandir o texto, sem descaracterizá-lo. Ler é produzir sentido, é criar sentido, fomos redescobrindo que ler é ampliar sentido. Evocados no passado Dante Alighieri, Carlos Drummond de
Andrade, Tom Jobin, homens da arte do pensar, do criar com as palavras. Evocados no passado Cristóvão
Colombo, Marco Pólo e Santos Dumont, homens da arte do agir, do fazer, do desbravar o mar, a terra, o ar.
O horizonte de expectativas alargou-se e sentiu-se o homem em sua universalização.
Com Iser (1996, orelha de livro, vol. 2), reaprendemos e abrimos novos caminhos:
Pensar algo no ato da leitura que nos é estranho porque não o experimentamos ainda, significa
não só que temos de apreendê-lo; além do mais, significa que esses atos de apreensão são bem-sucedidos na medida em que formulam algo em nós. A constituição de sentido que acontece na leitura, não
só significa que criamos o horizonte de sentido, tal como implicado pelos aspectos do texto; ademais,
a formulação do não formulado abarca a possibilidade de nos formularmos e de descobrir o que até
esse momento parecia subtrair-se à nossa consciência. Neste sentido, a literatura oferece a oportunidade de formularmo-nos a nós mesmos, formulando o não dito.
No meio do caminho de Dante tinha uma selva escura.
Desconstrução do Texto: O Dito E O Visto
Passemos ao jogo lingüístico e imagético, que nos permitirá mergulhar no tempo e atualizar o nosso
horizonte de leitor com o horizonte do texto (assimetria).
Analisemos a primeira tríade:
No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra.
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Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Verso livre, linguagem coloquial, poema de circunstância e da captura do cotidiano, tornado assunto
poético. Obra de estreia do poeta, “Alguma Poesia”, datada de 1930, marcou-se pelo senso de humor, pela
ironia. Eis a polêmica causada pelo poema “No meio do Caminho”. A selva escura de Dante, a pedra de Drummond. O olhar frontal do poeta para a imensidão... papel e caneta na mão. O não recuo. A coragem de ir além.
Voltar é regredir, é não dizer sim ao plano de maturação do movimento modernista dos anos 1930. Drummond,
sabendo-se intelectual e responsável pelo desenvolvimento da cultura brasileira, dá vida às palavras de Bosi
(1978, p. 491):
[...] o peso da tradição não se remove nem se abala com fórmulas, (...) mas pela vivência sofrida
e lúcida das tensões, que compõem as estruturas materiais e morais do grupo em que se vive.
No meio do caminho de Tom tinha um rio.
Dante Alighieri, um dos maiores poetas de todos os tempos: o poeta da esperança. Visionário, precursor e
pai da língua italiana. Vivendo na Idade Média, o seu espírito adiantou-se muitos séculos em relação aos contemporâneos e, ainda hoje, os seus rasgos de modernidade nos deixam surpreendidos. Sua obra monumental,
“A Divina Comédia” (1822), uma visita imaginária ao além-túmulo. É uma das glórias da literatura universal,
cuja importância radica-se na mensagem que contém, segundo a qual o homem deve explorar o íntimo de sua
alma, olhar o próprio coração e erguer-se acima do pecado e da tentação, para se tornar digno da sociedade.
Escrevendo numa época semelhante à nossa, plena de convulsões, o poeta faz um apelo ao homem, em prol
da ordem e da paz. Vislumbra um mundo unido, conceito que faz dele o primeiro europeu de mentalidade moderna. Aponta-nos um caminho: é durante a vida terrena que o homem decide o seu destino. Em seu último e
sonoro verso, assegura-nos de que o sol e as outras estrelas são movidas pelo Amor.
E um olhar de Ana Maria, escritora, e outro de Elisabeth, ilustradora, nos fazem ler e ver que a selva escura,
repleta de pecadores, de animais ferozes, de anjos de cara feia, de gente que mal se mostra, de demônios, de
hipócritas vestidos de capuzes de frade, pode ter um Virgílio, símbolo da razão, uma Beatriz, símbolo da Fé
(observe-se o olhar lateralizado de Dante, parecendo procurar a amada). Assim, rompendo o caminho do obscurantismo, pode-se encontrar uma estrada.
Ao exaltarmos o grande poeta florentino, celebramos o nascimento do homem moderno. E eis Carlos Drummond de Andrade, com sua pedra no meio do caminho. Poema que tanto escândalo e divergência provocou,
quando publicado. E mesmo depois, a tal ponto que o próprio poeta organizou, em 1968, uma antologia, Uma
Pedra no Meio do Caminho – Biografia de um Poema, onde reuniu tudo o que se publicou a respeito, ou se fez,
parodiando seus versos.
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Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, maestro da bossa-nova, introdutor de arranjos que renovaram as estruturas tradicionais da música popular brasileira. Pianista, maestro arranjador, compôs canções
ao mesmo tempo sofisticadas e acessíveis ao gosto popular. Águas de março (1972), composição inspirada na
natureza e da qual nasce o questionamento primeiro de Abrindo o Caminho.
E a perspicácia do olhar de Ana Maria fecha a primeira tríade:
“Era pau.
Era pedra.
Era o fim do caminho?”
No meio do caminho de Tom tinha um Rio... de Janeiro a ser transformado, a ser arquitetado pela música inebriante e renovadora: a bossa-nova. Era preciso abrir caminho. A luz da manhã, a aurora, traria o “fim
da picada”, as águas de março fechariam o verão e trariam vida, renovação à música popular brasileira. Seu olhar lateralizado busca a outra margem... foi preciso ultrapassar o rio... e a história da música
popular brasileira mudou de rumo, graças a ele, Tom.
As dificuldades encontradas no decorrer dos caminhos de Dante, Drummond e Tom, revestiram-nos de
coragem, de fé e assim...
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a intersecção do ontem e do hoje.
A certeza de que o convite a avançar para águas mais profundas deve ser discernido através de dificuldades encontradas, em cada caminho humano. O dar... e o receber... o receber e novamente dar... círculo
constante da vida. O olhar da leitora... o olhar do pássaro... o olhar transformador através da janela. Na
doação, o fim da solidão.
Observemos a segunda tríade:
No meio do caminho de Cris tinha um oceano.
“Cada um no seu canto.
Com seu canto
nos chamou.
E nenhum de nós,
nunca mais, ficou sozinho.”
Sentindo-se chamada, Ana Maria reescreveu a história das três histórias, já agora no tempo do mundo
narrado:
“No meio do caminho de Dante teve uma estrada.
No meio do caminho de Carlos teve um túnel.
No meio do caminho de Tom teve uma ponte.”
Três homens. Três vidas. Identidade de busca: a Arte como forma de ver o mundo, como forma de
dizer o mundo, como forma de cantá-lo e encantar-nos.
O dito na estante da leitora: Divina Comédia, Bossa-Nova, Drummond... o visto nas mãos da leitora:
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No meio do caminho de Marco tinha inimigo e deserto.
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Colombo, Pólo, Dumont: tenacidade, fé, busca, compreensão de que os obstáculos devem ser entendidos
como trampolins, para a conquista de seus sonhos, de suas esperanças, de suas crenças. Busca, busca incessante, que só
finda com a morte física.
Que milagre, o poder da alma sobre a energia! Que milagre, a essência dominando a consistência dos frágeis
vasos de barro desses três homens! Ana Maria o diz muito bem:
E tinha muita lonjura pelo caminho de Alberto.
“Era pau.
Era pedra.
Era o fim do caminho?
Pedra que faz fortaleza faz também mercado, bazar. Se eu conversar contigo, disso estou muito certo, consigo
me aproximar...
Com muito encontro e negócio, inimigo vira amigo, quem está longe fica perto.
A caravana de Marco se encarregou de provar.
Pau, toco, tábua, madeira?...
Faz navio de navegar!
Mastro firme, branca vela, tronco agora é caravela para distância encurtar.
Com coragem, sobre as ondas, Cris atravessou o mar.
Não há distância para os pássaros nem para quem cisma de ousar.
Alberto pôs na cabeça que ia conseguir voar. Voou, Dirigiu seu voo, era isso o avião! E desde então a lonjura
não atrapalhou mais, não.
No meio do caminho de Marco teve um mapa bem melhor.
No meio do caminho de Cris teve um mundo bem maior.
E com o avião de Alberto, esse mundo ficou menor.”
E o diálogo prossegue, num processo incessante de construção do sentido: duas tríades e uma nova tríade
a abrir caminho, a convidar-nos a buscar águas mais profundas, a fazer das pedras, das cercas, dos muros de nossos
Três homens. Três vidas. Identidade: a busca, a conquista, cada um a seu modo, do mar, da terra
e do ar.
Cristóvão Colombo (XV), o homem que deu à Espanha o domínio sobre um território que jamais
tinham podido imaginar. Realizou um dos maiores feitos de coragem individual na História da Humanidade: a descoberta da América. Arriscou-se. Ele sabia que a Terra era redonda. Obcecava-o a ideia de que,
navegando em direção a Oeste, poder-se-ia escancarar uma nova porta para o Oriente, ideia defendida
num constante desafio aos seus contemporâneos. Vencer o oceano era preciso, com todos os seus perigos,
com todos os seus mitos.
Marco Pólo (XIII), o primeiro viajante do mundo. Aos 17 anos lança-se a uma aventura que duraria longos 24 anos. Espírito cheio de discernimento, de uma curiosidade viva e de uma memória que
retinha tudo o que aprendia. Eram chuvas torrenciais, rios caudalosos, tempestades de areia e aludes,
inimigos, animais de hastes monstruosas... tudo a enfrentar.
Alberto Santos Dumont (XIX), o pai da Aviação, um brasileiro tenaz, impressionado pelas obras
de Júlio Verne. Muito bem nos lembra Iser (1996, p. 15):
“O texto é um potencial de efeitos que se atualiza no processo de leitura. “
Dumont adiantou-se meio século aos homens de sua época. Adivinhou um mundo novo, unido por vias aéreas. O prêmio alcançado, ao dar a volta à torre Eiffel, dividiu entre o pessoal que o tinha ajudado e os pobres de Paris.
Uma alma nobre, que não suportou, em 1932, ver sua máquina da paz transformar-se em máquina de destruição.
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caminhos, motivos de busca, motivos de alavanca.
“No meio do meu caminho
tem coisa de que não gosto.
Cerca, muro, grade tem.
No meio do seu , aposto,
tem muita pedra também.
Pedra? Ou ovo?
Fim do caminho?
Ou caminho novo?
Porta, ponte, túnel, estrada,
mapa, voo, navegação.
Quem disse que o fim da picada
não se abre para a imensidão?”
E eis que o fim da picada se abre para a imensidão. Imensidão legível e visível no Ovo de Colombo.
Imensidão perceptível e tangível na vida que o ovo traz. Mas é preciso querer avançar, com intrepidez e
coragem e aí encontrar o caminho novo.
Lembra-nos Iser (1996, p. 50):
No processo da leitura se realiza a interação central entre a estrutura da obra e seu receptor. Por esse motivo, a teoria fenomenológica da arte enfatizou que o estudo de uma obra literária não pode dedicar-se apenas à configuração do texto, mas na mesma
medida aos atos de sua apreensão.
O dito e o visto se harmonizam e traduzem encontro, paz, convite a que o leitor “pule para dentro do texto”
e interaja, dialogue, sinta, viva a sensação do que ele provocou: ausência de caos, presença do cosmos.
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“Beco que vira avenida.
Muro que cai para o irmão.
Esperança renascida
escancarando a prisão.
É promessa de vida no meu coração.”
[...] sentimos no final da leitura a vontade de relacionar essa experiência estranha ao horizonte de nossas ideias; esse
horizonte dirigiu, de forma latente, nossa disposição de responder ao texto. (ISER – 1996, p. 63).
Visão de paraíso: das ilustrações emergem sorrisos, tranquilidade, paz, olhares que se cruzam, mãos
que se encontram, promessa de vida, vida que é encontro, exploração do íntimo, olhar dirigido ao coração.
E salta aos olhos, nas ilustrações, a intersecção do ontem e do hoje: o dito e o visto na banca do Cristóvão,
no bar do Tom, na lavanderia Shangai, na livraria Alighieri, nas mudanças Oriente e no avião de Dumont.
E podemos dizer, com Leloup (2001), que não estamos na Terra para manipular objetos, mas para viver
encontros. É a explosão metonímica da obra: no destino tecido de cada homem, o destino do Homem.
Benveniste (1989), falando sobre a subjetividade na linguagem, deixa clara a impossibilidade de
definir o homem sem ela. Linguagem entendida como atividade, como forma de ação interindividual, dual,
finalisticamente orientada. Como diz Geraldi (1985), trata-se de um jogo que se joga na sociedade, na interlocução, e é no interior do seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo.
Podemos dizer que a atividade linguística envolve: um trabalho de representação, de referenciação e
de regulação. Exemplificando, o sujeito constrói suas representações do ponto de vista psicológico, subjetivo, individual, mas ele não pode parar aí: tem de ir além, num processo de socialização (do que pertence ao
outro) e tem de seguir avante, na instauração do diálogo criativo entre o eu e o outro. Na busca, confronta-se
com as palavras, com as frases, com as orações, com o discurso. Na busca, apela-se para as atividades metalinguísticas: repensa-se a língua, debruça-se sobre ela, reflete-se, analisa-se a estrutura morfossintática. Mas
não basta. Não termina aí o investimento. A linguagem é indeterminada. As palavras apenas e simplesmente
apontam para “direções grosseiras”, a ambiguidade é constitutiva. É no esforço de encontrar os desencontros das palavras “tão pobres, tão magras, tão vazias”, que se encontra a liberdade, que se lança no abismo
aberto pelo surgido sulco. Vai-se! Procura-se na densidade do texto, procura-se na experiência pessoal,
vai-se à gênese... para voltar-se ao sintagma, novamente (atividades epilinguísticas). Ao desambiguizar, o
sintagma se ilumina, o sentido do texto se aclara. Então é que, verdadeiramente, o processo ativo do sujeito
afora. É o dito levando ao visto, porque todo o texto envolve um processo de interlocução, e neste processo
nasce a leitura, nesse processo nasce a produção de sentido.
E Iser (1996) vem pontuar muito bem. A escola de Constança (Estética da Recepção) coloca a leitura em
seu devido lugar: o leitor é o que interessa, mas... ele não pode ler o que quiser. Porque o texto tem indicativos. E é através destes, que temos de lê-lo.
Deste modo, podemos e devemos estabelecer relações e pontos comuns entre as três atividades:
linguística, metalinguística e epilinguística. É o ato de semear que fará a colheita melhor ou... pior. Exemplificando: ao investir no texto Abrindo Caminho, faço uma viagem, um jogo espiralante e/ou espiralado, que
me fará sair do mundo da indeterminação das palavras (linguagem), passar pelo mundo visível da gramática
do texto (metalinguagem) e direcionar o olhar para a atividade metalinguística inconsciente, para a gênese e
aí atingir a linguagem das linguagens, a linguagem dos vasos comunicantes, onde o dito se torna visto. Em
síntese, se aceito o jogo espiralante, não simultâneo, mas progressivo, paulatino, faço aflorar o indeterminado das palavras, faço emergir plenamente o esquema de interação.
O leitor implícito de Iser (1996) explica a relação com o sentido e a parte subjetiva da recepção. A
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leitura, retomando os termos do autor escolhido para tal trabalho, é uma dialética entre protensão e retenção.
É um processo de ir e vir. Neste ir e vir dá-se o sentido. O sentido primeiro é questionado, parte-se para a
nova leitura. Nasce o outro sentido, mais amplo, enriquecido, mais repleto de possibilidades. E o leitor, caçador de sentidos, lança-se em busca da luz, da energia que emana do texto. Na argumentatividade, inscrita
nos enunciados de Abrindo o Caminho, o jogo da linguagem verbal e não verbal. No redizer das histórias
componentes das tríades, a tríade “nova”, a nos dizer que o maior desafio é a busca, e, para começar, a grande força é a vontade. Não basta viver, é preciso ousar.
Com Iser (1996), reiteremos: o texto é um potencial de efeitos que se atualiza no processo da leitura
e se o sentido pretende ser sentido, precisa ser pregnante. E se a estética do efeito compreende o texto como
um processo, privilegia a Literatura num momento social de sua não evidência.
SALZEDAS, Nelyse Ap. Merlo (org). Uma leitura do ver: do visível ao legível. São Paulo: Ed. Arte & Ciência
Villipress, 2001.
TEIXEIRA, Elisabeth. Abrindo Caminho (ilustrações). 1ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 2003.
Recebido em 27 de Agosto de 2012.
Aprovado para publicação em 12 de Outubro de 2012.
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ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1968.
BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguistica geral II. Campinas/SP: Pontes Editores, 1989.
BOSI, Alfredo. História contemporânea da literatura brasileira. São Paulo: Ed. Cultrix, 1968.
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. (Vol. I/II). Trad. Johannes Kretschmer. São
Paulo: Ed. 34, 1996.
GERALDI, João W., ILARI, Rodolfo. Semântica. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1985.
JAUSS, Hans Robert. Pour une asthétique de la réception (trad. fr.) Paris: Gallimard, 1978.
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1972.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Trad. de Marina Appenzeller. Campinas: Ed, Papirus, 1999.
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KOCH, I. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Ed. Cortez, 2002.
LELOUP, Jean – Yves. Além da luz e da sombra - sobre o viver, o morrer e o ser. São Paulo: Ed. Vozes, 2001
MACHADO, Ana Maria. Abrindo Caminho. 1ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 2003.
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Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 29-41, 2012.
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2 , p. 29-41, 2012.
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MAÇÃS MORDIDAS
tecidos em redes, Jobs e Ana Maria Machado
Apples bites: tissue networks, Jobs and Ana Maria Machado
presente dos apaixonados; em um ato heróico, Guilherme Tell e a cidade que nunca dorme e por fim, a maçã,
uma média com o professor.
O livro de Ana Maria Machado, Abrindo Caminho é outro instrumento de trabalho, quando através do
caminho de Drummond, a leitura do imaginário, da descoberta do Mundo novo, da criação do avião e depois, a encruzilhada.
Clarice Zamonaro Cortez
Pós-doutora pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Doutora em Letras pela
Universidade Estadual Paulista, câmpus de Assis, Assis, SP. É professora de Letras e Literatura Portuguesa, sendo
docente associada da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR.
Resumo
Este artigo tem por objetivo estimular o leitor a pesquisar novos instrumentos que conduzam ao ensino e ao aprendido,
buscando um novo olhar para revistas, propagandas, livros infantis, pensá-los como entretenimento e catarse pedagógica.
A metodologia adotada relaciona-se com a estética da leitura e a formação do leitor, na busca da intertextualidade.
Palavras-chaves: revista, propaganda, Job, ensino, educação-arte
Abstract
This article aims to encourage the reader for searching to new instruments that are conduct to teaching and learning,
seeking a new look for magazines, advertisements, children’s books, in order to think of them as entertainment and
educational catharsis. The methodology relates to the aesthetics of reading and reader education in the pursuit of
intertextuality.
Keywords: magazine, advertisement, Job, teaching, education-art
C
omecemos por argumentar através de textos tirados da mídia impressa e do livro infantil, mas que
oportunizam o docente a discuti-los e a mergulhar na sua prática pedagógica. As escolhas daqueles
textos chamam a atenção do leitor para um slogan - Tem sempre um jeito novo de olhar as coisas.
O primeiro artigo, retirado da revista Cultura, (edição 49) tem, Jobs, o criador da Apple, o que nos faz
refletir sobre o profissional inovador que
se diferencia do não criativo, lembrando
que a diferença está entre a capacidade
de fazer associações e conectar problemas de diversos campos aparentemente sem relação. É a percepção que faz
separar o inovador do imitador, ou seja,
do professor com seu caderno receituário daquele que inova buscando outros
caminhos.
Já o texto publicitário da revista Negócio (Jornal “O Estado de São Paulo”,
de 08/08/2011) trabalha a imagem da
maçã, com uma técnica criativa de colagem com papéis em diferentes cores,
induzindo o leitor para uma síntese cultural, desconstruindo-a, faz o sentido se
abrir em uma cronologia mítica, religiosa como o pecado de Adão e Eva; isso
se dá na lei da física; nas lendas; e no
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Que caminho tomar? O que se esperar? Como fazê-lo? O artigo sobre Jobs, o texto publicitário, o texto
de Ana Maria Machado nos dizem?
Há entre eles um ritornello, um jeito novo de olhar as coisas, que criam e abrem caminhos, de avaliar,
através de jornais, das revistas, da mídia visual, da arte e dos livros. Tal abertura de caminhos, inovada por
Jobs ao criar a Apple; cujo símbolo é a maçã mordida, apresenta uma desconstrução, produzindo novas
leituras aos personagens de Abrindo Caminhos que
enfrentam “pedras”, “rios”, “cercas” e buscam fora
deles a si próprios. É revisitando textos como esses
que faz o docente perceber as coisas de modo distinto,
obrigando o cérebro a fazer conexões, oportunizando-o a discuti-las e a mergulhar na sua prática pedagógica.
Tanto Jobs, com seus aparelhos eletrônicos, com
sua tecnologia e Ana Maria Machado com seu texto Abrindo Caminhos, adentram por territórios antes
seccionados e vistos separadamente, o que invalidava
a junção de caminhos e a abertura de fronteiras entre
eles. Jobs fez da historia da maçã mordida pela nossa
primeira mulher, segundo o texto bíblico, a metáfora de navegar por “mares nunca dantes navegados” e
descobrir novos caminhos.
Ana Maria Machado fez de sua narrativa não seqüencial temporal, uma diegese da criação e da descoberta. Assim o seu livro, logo nas primeiras páginas,
apresenta “Tom Jobim”, cenorizado em uma calçada
de Copacabana, abrindo caminho para Bossa Nova;
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2, p. 42-44, 2012.
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ao apresentar Dante, cenorizado em uma “selva oscura”, volta à Idade Média em um mergulho secular, provocando um estudo da construção poemática, da sociedade de Florença, do inicio da língua italiana; Drummond, cenorizado pelas pedras e montanhas, do território mineiro, ao atravessá-lo chega ao lugar procurado.
Temos uma vereda de poesia.
Há cortes seqüenciais na narrativa, mas todos eles são retratos cartográficos de uma biblioteca, na qual
uma personagem leitora busca neles um viés para entrar na história e assim “viajar” para o trilho terrestre
da China, em companhia de Marco Polo; “viajar” para as Américas em companhia de Colombo; voar em
companhia de Santo Dumont e chegar às cidades grandes, cheias de grades e muros. Encontramos nessas
seqüências outro nó - uma pedra, impedindo-a de caminhar, “Há uma pedra no meio do caminho, um rio para
passar, uma selva para atravessar”.
O inicio da narrativa amarra o seu fim. Pelo percurso existiam outras pedras, outras florestas, outros mares, outras selvas, por onde todos passaram, abrindo caminhos. Temos ainda que considerar os dois criadores
envolvidos, Jobs e Ana Maria Machado. No caso de Jobs, a maçã contém só uma cartografia - o mesmo
espaço, mas lugares, tempos e histórias diferentes; no caso de Ana Maria Machado, a pena e o pincel vão
construindo, ponto por ponto, pincel por pincel, histórias diferentes, com personagens diferentes, cheios de
obstáculos que são afastados e os caminhos ficam abertos.
A Maçã, o logotipo eletrônico de Jobs, contém signos reunidos com outros em um sincretismo semiológico, sob uma mesma forma cheia de significados diferentes. Em Ana Maria Machado, o signo se expande,
construindo uma sintaxe monocórdia, que abre caminhos implicitados por obstáculos vencidos. Abrindo
Caminhos é uma maçã mordida, símbolo da criação e da descoberta.
Texto ou imagens são livros, não importa a denominação que recebam. Vale aqui deixar um pensamento
de Jorge Luiz Borges
Artistic Revolution
Abraham Lubelski
Artista contemporâneo e fundador da revista NYArts Magazine - publicação também conhecida como New York Arts
Magazine. Na função de editor da NY Arts Magazine, tem sido responsável pela organização e curadoria de grande
número de exposições. Há também uma galeria em Nova Iorque que leva seu nome, a Abraham Lubelski Galery.
Abstract
New Jersey-based Brazil­ian artist, Duda Pen­teado, has ded­i­cated over ten years to hon­ing not only his own per­sonal
art prac­tice, but also to shar­ing his pas­sion for art with New York City metro area youth through a vari­ety of urban arts out­
reach ini­tia­tives. The most recent of a long list of notable projects, is his Global HeART Warm­ing project. Located in Bed­ford
Stuyvesant, Brook­lyn, it is a 100 x 72 foot mural com­mis­sioned by the CIT­Yarts Foun­da­tion, aimed at rais­ing aware­ness about
cli­mate change.
Keywords: Brazilian artist, Duda Penteado, CITYarts Foundation, art, project
Resumo
O artista brasileiro presente em New Jersey, Duda Penteado, dedicou dez anos de sua vida não apenas para sua própria
prática artística, mas também para compartilhar sua paixão pela arte na área metropolitana de Nova Iorque através de variadas iniciativas de artes. Na mais recente lista de notáveis projetos, está seu projeto Global HeART Warning. Localizado em
“Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é o livro, os demais são extensões do seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões de sua vista; o telefone é extensão de sua voz; depois temos o arado e a espada,
extensões do braço. Mas o livro é outra coisa – o livro é uma extensão da memória e da imaginação.”
“Esperança Renascida
Escancarando a prisão
É promessa de vida
No meu coração.”
Referências Bibliográficas
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. (Vol. I/II). Trad. Johannes Kretschmer. São
Paulo: Ed. 34, 1996.
GERALDI, João W., ILARI, Rodolfo. Semântica. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1985.
JAUSS, Hans Robert. Pour une asthétique de la réception (trad. fr.) Paris: Gallimard, 1978.
MACHADO, Ana Maria. Abrindo Caminhos. São Paulo: Editora Ática, 2003.
Recebido em 18 de Agosto de 2012.
44
Aprovado para publicação em 15 de Outubro de 2012.
Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 42-44, 2012.
Stuyvesant Bedford, Brooklyn, é um mural de 100x72 pés (3x2,13 m) coordenado pela Fundação CITYarts, incentivada pela
crescente preocupação quanto à mudança climática.
Palavras-chave: artista brasileiro, Duda Penteado, CITYarts Foundation, arte, projeto
A
ccord­ing to the rev­o­lu­tion­ary Brazil­ian edu­ca­tor and ped­a­gog­i­cal the­o­rist, Paulo Freire, the ideal aim of edu­ca­tion is to be the “prac­tice of free­dom, the means by which men and women deal
crit­i­cally and cre­atively with real­ity and dis­cover how to par­tic­i­pate in the trans­for­ma­tion of their
world.” Con­tin­u­ing Freire’s legacy and heed­ing the call to rad­i­cally trans­form the world through cre­ativ­ity
and empow­er­ment, New Jersey-based Brazil­ian artist, Duda Pen­teado, has ded­i­cated over ten years to hon­ing
not only his own per­sonal art prac­tice, but also to shar­ing his pas­sion for art with New York City metro area
youth through a vari­ety of urban arts out­reach ini­tia­tives. The most recent of a long list of notable projects,
is his Global HeART Warm­ing project. Located in Bed­ford Stuyvesant, Brook­lyn, it is a 100 x 72 foot mural
com­mis­sioned by the CIT­Yarts Foun­da­tion, aimed at rais­ing aware­ness about cli­mate change.
The fin­ished mural, a col­lab­o­ra­tion exe­cuted between Pen­teado and his stu­dents, con­sists of a Pop-Surreal land­scape rem­i­nis­cent of George Gar­nett Dunning’s clas­sic ani­ma­tion of The Bea­t­les’ The Yel­low
Sub­ma­rine. The joy­ous and com­pelling mural depicts a peo­ple, flower, bike, and car-filled road, flanked by
brick red moun­tains and ver­dant rolling hills on one side, and Hokusai-inspired ocean waves on the other. A
funky yel­low fac­tory is sit­u­ated in the fore­ground, and a vibrant col­lec­tion of city sky­scrap­ers looms in the
dis­tance. “Nature is in love with the earth … Nature is spring blos­soms … Nature’s tears are earth’s floods” is
writ­ten in yel­low let­ters hov­er­ing in a starry night sky like undu­lat­ing air cur­rents above a large yel­low bird of
peace.
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2 , p. 45-48, 2012.
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Duda during his processing of piece of art
The fin­ished mural, a col­lab­o­ra­tion exe­cuted between Pen­teado and his stu­dents, con­sists of a Pop-Surreal land­scape rem­i­nis­cent of George Gar­nett Dunning’s clas­sic ani­ma­tion of The Bea­t­les’ The Yel­low
Sub­ma­rine. The joy­ous and com­pelling mural depicts a peo­ple, flower, bike, and car-filled road, flanked by
brick red moun­tains and ver­dant rolling hills on one side, and Hokusai-inspired ocean waves on the other. A
funky yel­low fac­tory is sit­u­ated in the fore­ground, and a vibrant col­lec­tion of city sky­scrap­ers looms in the
dis­tance. “Nature is in love with the earth … Nature is spring blos­soms … Nature’s tears are earth’s floods” is
writ­ten in yel­low let­ters hov­er­ing in a starry night sky like undu­lat­ing air cur­rents above a large yel­low bird of
peace.
“Philo­soph­i­cally, my mis­sion as an artist is to empower and to cre­ate dia­logue about dif­fi­cult issues,” he says. “… In my case, my art pieces are not an end in and of them­selves, but a means of arriv­ing
at a fun­da­men­tal human truth: the strug­gle of the car­nal and the divine in our lives.”
Despite the obvi­ous his­tor­i­cal links of this kind of large scale pub­lic paint­ing to the Mex­i­can mural­ist
move­ment of Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros, and José Clemente Orozco, Duda’s per­sonal art prac­tice
seems to fol­low more from a long tra­di­tion of Latin Amer­i­can mod­ernist, sur­re­al­ist, abstract, and fig­u­ra­tive
artists includ­ing Juan Batlle-Planas, Rufino Tomayo, Roberto Matta, Jorge de la Vega, Hilton Berredo, and
Beat­riz Mil­hazes, as well as the vibrant tra­di­tions of street art vital in both New York and many Latin Amer­i­can
urban environments.
46
Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 45-48, 2012.
Take his recent Bird of Rev­e­la­tion wall instal­la­tion at Jer­sey City’s City Hall exhi­bi­tion enti­tled Deck the
Hall. Penteado’s expan­sive mural con­sists of a brushy sil­ver ground, on top of which float quasi-representational/
quasi-abstract ele­ments, includ­ing flat sky blue leafs pro­trud­ing from jagged brown and orange tree limbs, which
jut into the com­po­si­tion at off-angles from some unseen tree. Large comic-style sin­gle eye­balls in orange, each
with a sin­gle vul­ture foot, and a pair of droopy ghost-like angelic wings, are perched on these limbs. The image
is sur­real in exe­cu­tion, draw­ing to mind the hal­lu­ci­na­tory imagery of Cuban sur­re­al­ist, Wil­fredo Lam, yet evinc­
ing an approach that is unique to Penteado’s hybridic style and set of influ­ences. The work is equally dis­turb­ing
and com­i­cal, bring­ing to mind a car­
toon Hal­loween night­mare, some­thing
akin to Pee-Wee’s Play­
house meets
The Night­mare Before Christmas.
Also notable in Penteado’s
vast oeu­vre is his recent acrylic on
can­
vas paint­
ing series enti­
tled the
Glo­cal­lica Series. These images rep­
re­
sent a series of deformed hands,
some­
times mor­
ph­
ing with or jux­
ta­
posed against cragged tree branches (a recur­ring motif in Penteado’s
work), all of which is jux­
ta­
posed
against a back­drop of abstracted color
fields. In one image, we see a gold­
en­rod col­
ored can­vas, with a large
black hand mor­ph­ing into a tree. The
image bears automatic-styled contour-line draw­ings, as well as a blue
float­ing reverse-tear drop shape almost quiv­er­ing as it hov­ers in the far
right hand side of the com­po­si­tion.
Detail of urban art from Duda Penteado´s projetcts
In another image, we see a tex­tured
crim­son ground, super­im­posed with a
centrally-located black tree trunk, with two hand-shaped wings flank­ing it to either side, and a yel­low abstract
form sim­i­lar to the upside down tear drop from the pre­vi­ous image. In another can­vas, rem­i­nis­cent of Jean
Dubuffet’s Art Brut han­dling of paint, and Jean-Michel Basquiat’s approach to line work, Pen­teado depicts two
abstracted hands, one in elec­tric blue, and one in a smudged sil­ver, both con­toured with free flow­ing loose line
work. The back­ground is in lax blocks of color: black, gold, and red. In these, and other works in this provoca­
tive series, the artists pro­poses mul­ti­ple ref­er­ence points and inter­pre­ta­tions from duende-inspired visions to
the hor­rors of war. These kooky and creepy dream-like images verge on the abstract, but evoke strong sym­bols
from the Black Power fist of free­dom to the limp out­stretched fin­gers of zom­bies, Penteado’s pop cul­ture ref­
er­ences are sub­tly embed­ded into open-ended and ani­mated forms of rep­re­sen­ta­tion, result­ing in what critic
José Rodeiro has termed the “urgent 21st-century rehu­man­iza­tion of art and cul­ture, … which dare to fore­stall
ram­pant tech­no­log­i­cal dog­ma­tism, bel­li­cose neo-futurism, rav­en­ous mate­ri­al­ism, sci­en­tific trans­genic art (bio-art) or mere reduc­tivis­tic ornate decoration.”
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2, p. 45-48, 2012.
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“How can an artist work­ing in the twenty-first cen­tury con­tinue to cre­ate orig­i­nal works of art after
the over­whelm­ing pres­ence of remark­able twen­ti­eth cen­tury art move­ments like Cubism, Dada, Sur­re­al­ism,
Bauhaus, and Cobra?” Pen­teado queries. It is clear that he draws on his vast knowl­edge of art his­tory and con­
tem­po­rary trends, and yet he is able to pro­duce unique images that draw on all of these diverse cul­tural and
his­tor­i­cal sources while pro­vid­ing novel, fresh, and com­pelling visions that inspire us all to look at the world
with new eyes. In the end, this is per­haps his most rev­o­lu­tion­ary act.
“OS MORTOS DE SOBRECASACA”
(poema extraído de “Sentimento do mundo*” de Carlos Drummond de Andrade)
“The deads with frock”
Adenil Alfeu Domingos (In Memoriam)
Livre-Docente pela Universidade Estadual Paulista, câmpus de Bauru, Bauru, SP, tendo sido professor do Departamento de Comunicação Social, da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Bauru, (Unesp-Bauru), Bauru, SP, no
período de janeiro de 1995 a março de 2013.
“Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,
alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,
em que todos se debruçavam
na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.
Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes
e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.
Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava
que rebentava daquelas páginas.”
Adenil,
Carlos Drummond de Andrade disse os versos para nós:
não roeu o imortal soluço que rebentava daquelas páginas.
Ficou.
Nós todos...
Mural in edition of montage
Recebido em 17 de Julho de 2012.
48
Aprovado para publicação em 5 de novembro de 2012.
Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 45-48
*ANDRADE, Carlos Drummond. Sentimento do Mundo, São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (e-book)
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2, p. 49, 2012.
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Semiótica aplicada ao ensino de
interpretação de texto didático não-literário
Semiotics applied to the teaching of comprehension for non-literary didatic text
Renato Ferreira Narduci
Licenciado em Letras, Português, pela Universidade do Sagrado Coração (USC), Bauru, SP. Professor de Educação
Básica da Rede Pública Estadual de Ensino, São Paulo, SP, e coordenador do Projeto Pesquisa de Capacitação Extracurricular em Língua Portuguesa para Alunos da Rede Pública Estadual de Ensino. Aluno Pesquisador do Projeto
Estadual Ler e Escrever..
Resumo:
Este artigo tem como objetivo introduzir elementos semióticos à prática docente quanto ao ensino de interpretação de texto
não literário através de conceituações textuais, semióticas e aplicações, a fim de facilitar o processo de ensino/aprendizagem
das matérias curriculares escolar. Foram bases de referências para concluir este artigo: Mariana Cabral, Massaud Moises,
Lucia Santaella, Ferdinand de Saussure, Edward Lopes, Claudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo, Charles Sanders Peirce e
Umberto Eco. Como apoio prático, traz ainda a interpretação semiótica saussuriana de trechos do texto A Consolidação da
Guerra Fria, retirados do livro didático História Geral e do Brasil publicado pela editora Scipione.
Palavras-Chave: Semiótica. Interpretação. Texto. Não literário. Didática. Língua Portuguesa.
Abstract:
This article has the purpose to introduce semiotic elements to the teaching practice on not literary text interpretation through textual conceptualizations, semiotic and applications, in order to facilitate the teaching/learning process of school subjects.
The following bases of reference were used to conclude this article: Mariana Cabral, Massaud Moises, Lucia Santaella, Ferdinand de Saussure, Edward Lopes, Claudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo, Charles Sanders Peirce e Umberto Eco. And also,
as a practical support, it brings the Saussurean semiotic interpretation from sections of the text The Cold War Consolidation,
taken from the textbook História Geral e do Brasil published by Scipione publishing house.
Keywords: Semiotic. Interpretation. Text. Not literary. Didactics. Portuguese.
O
aprendizado da língua portuguesa na educação básica é fundamental para a aprendizagem das outras matérias constantes nas grades curriculares das instituições de ensino deste nível no país, pois,
através dele, o aluno recebe noções gerais das regras de linguagem e técnicas para a interpretação
de texto. Um problema matemático pode se tornar um problema linguístico, assim como um fato histórico
pode ser desvirtuado, se o discente não conseguir interpretar corretamente a obra.
Durante o ensino da língua materna, desde o letramento até extensões de ensino superior, é imprescindível, para o professor, pensar em lecionar as técnicas de interpretação de texto, a fim de auxiliar o aluno
a expandir suas fontes do saber.
Os textos atribuídos para as aulas de língua portuguesa são divididos em dois gêneros linguísticos:
Literários e Não Literários, o que complica ainda mais a vida do aluno. Para entendimento e classificação
50
Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 50-55, 2012.
dessas duas tipologias textuais, Mariana Cabral, especialista em língua portuguesa e literatura, fez a seguinte conceituação:
A linguagem literária é caracterizada por sua plurissignificação, cuja base é a conotação, é utilizada
muitas vezes com um sentido diferente daquele que lhe é comum.
Podemos citar como exemplos de textos literários o conto, o poema, o romance, peças de teatro,
novelas, crônicas.
A linguagem não literária é a utilizada com o seu sentido comum, empregada denotativamente, é a
linguagem dos textos informativos, jornalísticos, científicos, receitas culinárias, manuais de instrução etc.
(CABRAL)
Os textos literários a serem interpretados pelos alunos cursantes do ensino médio ficam restritos, na
maioria das vezes, para as próprias aulas de literatura, enquanto os textos não literários são disseminados
em todas as áreas do saber.
Para a análise do texto literário, o ex-professor da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da
Língua Portuguesa, Massaud Moises, estabeleceu em sua obra “Guia Prático de Análise Literária”, publicada pela Editora Cultrix em 1969, princípios gerais de análise literária, justificando:
Visto que a análise literária confina com uma área de múltiplas facetas e implica
uma série de pressupostos (...), entende-se por princípios gerais de análise literária uma
primeira tentativa de sistematização e esclarecimento. Por outro lado, não cabe examinar
aqui a contribuição e as limitações da “explicação do texto” conforme a praticam os
franceses desde há muito: evidentemente que constitui um processo válido de útil (...), mas
é de crer que sua tendência à uniformização deve ser postergada em favor de uma técnica
aberta e dinâmica. Pois é tendo em mira uma análise menos padronizada que se organizaram os seguintes princípios orientadores. (MOISES, 1969, p.25)
O que diferencia, como visto, a primeira tipologia textual da segunda, são os elementos de denotação e conotação. Uma vez que o elemento de denotação traz o sentido exato da palavra, ou termo, o componente de conotação deixa implícito o significado, para o leitor, dentro do contexto. Isso não significa que o
texto com único sentido, denotativo, não requer uma interpretação minuciosa, pelo contrário, fazer bem essa
interpretação, irá propiciar ao leitor que interaja com o conteúdo, podendo culminar sua interpretação com
o seu conhecimento de mundo, gerando um novo conhecimento.
Podemos aplicar a essa interpretação os elementos semióticos estabelecidos pelo linguista e filósofo
suíço, Ferdinand de Saussure. Porém, previamente, para estabelecer o significado de semiótica, Lúcia Santaella, Livre-docente em Ciências da Comunicação, publicou em 1999, pela editora Brasiliense, em sua obra
“O que é semiótica”, as seguintes considerações:
Semi-ótica – ótica pela metade? Ou Simiótica – estudo dos símios? Essas são, via
de regra, as primeiras traduções, a nível de brincadeira, que sempre surgem na abordagem da semiótica. Aí, a gente tenta ser sério e diz: – “O nome Semiótica vem da raiz grega
semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos.” Contudo, pensamos esclarecer, confundimos mais as coisas, pois nosso interlocutor, com olhar de um novo nome
para a Astrologia.
Confusão instalada, tentamos desenredar, dizendo: – “Não são os signos do zodíaco, mas signo, linguagem. A Semiótica é a ciência geral de todas as linguagens”. Mas,
assim, ao invés de melhorar, as coisas só pioram, pois que, então, o interlocutor, desta vez
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2, p. 50-55, 2012.
51
com olhar de cumplicidade – segredo desvendado –, replica: – “Ah! Agora compreendi.
Não se estuda só o português, mas todas as línguas”. Nesse momento, nós nos damos
conta desse primordial, enorme equívoco que, de saída, já ronda a Semiótica: a confusão
entre língua e linguagem. E para deslindá-la, sabemos que temos de começar as coisas de
seus começos, agarrá-las pela raiz, caso contrário, tornamo-nos presas de uma rede em
cuja tessitura não nos enredados e, por não nos termos enredado, não saberemos lê-la,
traduzí-la. (SANTAELLA, 1999, p. 7-8).
A autora, Lúcia Santaella, ainda segue em sua definição explicando a diferença entre língua e linguagem, para que possa se estabelecer um sentido íntegro de Semiótica.
Antes de tudo, cumpre alertar para uma distinção necessária: o século XX viu
nascer e está testemunhando o crescimento de duas ciências da linguagem. Uma delas é a
Linguística, ciência da linguagem verbal. A outra é a semiótica, ciência de toda e qualquer
linguagem. As principais relações fundamentais de semelhança e oposição entre ambas
são problemas que tentaremos ir focalizando oportunamente no decorrer do percurso que
iremos efetuar neste livro.
Como ponto de partida, porém, que tentemos desatar o nó de um equívoco de base:
a diferença entre língua e linguagem em conexão com a diferença, que buscaremos discriminar, entre linguagens verbais e não-verbais.
Tão natural e evidente, tão profundamente integrado ao nosso próprio ser é o uso
da língua que falamos, e da qual fazemos uso para escrever – língua nativa, materna ou
pátria, como costuma ser chamada –, que tendemos a nos desaperceber de que esta não é
a única e exclusiva forma de linguagem que somos capazes de produzir, criar, reproduzir,
transformar, e consumir, ou seja, ver-ouvir-ler para que possamos nos comunicar uns com
os outros.
É tal a distração que a aparente dominância da língua provoca em nós que, na
maior parte das vezes, não chegamos a tomar consciência de que o nosso estar-no-mundo,
como indivíduos sociais que somos, é mediado por uma rede intrincada e plural de linguagem, isto é, que nos comunicamos também através da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças, movimentos; que somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direções de linhas, traços, cores... Enfim, também nos comunicamos
e nos orientamos através do olhar, do sentir, e do apalpar. (SANTAELLA, 1999, p.10-11)
A semiótica então explicada, e diferenciada da linguística, é tida como uma ciência cujo objetivo
é toda forma de linguagem, sendo assim, é papel da semiótica estudar, analisar e pontuar os textos, sendo
eles literários ou não. Para aplicar os conceitos de semiótica, a própria autora Lúcia Santaella, em outra obra
– Semiótica Aplicada –, publicada em 2008 pela editora Cengage Learning, aplica a semiótica à fenomenologia.
Entendemos por fenômeno, palavra derivada do grego Phaneron, tudo aquilo,
qualquer coisa, que aparece à percepção e à mente. A fenomenologia tem por função apresentar as categorias formais e universais dos modos como os fenômenos são apreendidos
pela mente.
Os estudos que empreendeu levaram Peirce à conclusão de que há três, e não mais
que três, elementos formais e universais em todos os fenômenos que se apresentam à percepção e à mente. Num nível de generalização máxima, esses elementos foram chamados
52
Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 50-55, 2012.
de primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade aparece em tudo que estiver
relacionado com acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade,
mônada. A secundidade está ligada às ideias de dependência, determinação, dualidade,
ação e reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida. A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento, inteligência. A forma mais simples da terceiridade,
segundo Peirce, manifesta-se no signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a
um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete). (SANTAELLA,
2008, p.7).
Por esses parâmetros, temos que a fenomenologia apresenta à mente os fenômenos. Já a semiótica
explica esses fenômenos, atribuindo um significado para entendimento do contexto. Essa definição já permite ao professor de língua portuguesa, trabalhar com seus alunos a interpretação de textos não literários, pois
irá culminar nos seus alunos um fenômeno e traduzi-lo a partir dos elementos semióticos. Para pontuar esses
elementos, é preciso seguir o ponto de vista de um semiólogo, que, no caso, será Ferdinand de Saussure.
Para Saussure, a língua é constituída pelo signo linguístico, que por sua vez, é constituído pelo significado e significante. Em sua obra “Curso de Linguística Geral”, publicado no Brasil pela editora Cultrix
em 1975, O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica
(SAUSSURE, p.80). Imagem acústica, por simples definição, é a representação natural da palavra. Com
essa definição de Saussure, pontuamos que o signo é o sentido total, enquanto destrinchado, há apenas um
significado – conceito – ou um significante – imagem acústica.
A fim de melhor entender o raciocínio sobre o signo (significante + significado) linguístico estabelecido por Saussure, considere o ensinamento passado pelo professor Edward Lopes em seu livro Fundamentos de Linguística contemporânea, publicado pela editora Cultrix.
Ao conceber o signo linguístico como uma unidade de significante mais significado, Saussure reintroduzia a Semântica no corpo da Linguística e reativava o interesse,
então adormecido, pelos estudos dessa área.
No CLG, Saussure distingue as relações intra-sígnicas – relações “verticais” no
interior de um mesmo signo entre o significante e o significado –, das relações intersígnicas – aquelas que cada signo mantém com os demais signos presentes no mesmo enunciado –. A parole se desenvolve sintagmaticamente, ao longo de um virtual eixo de sucessões
onde cada elemento discreto (“palavra”) ocupa uma posição significativa. Graças a isso,
o significado desse elemento não provém da sua natureza, mas sim, por um lado, da posição que ele ocupa por referência aos outros elementos coocorrentes em seu contexto e,
por outro lado, ele depende dos elementos ausentes desse mesmo contexto, mas por ele
evocados, na memória implícita da langue. Assim, raciocinava Saussure, um elemento linguístico é um puro valor e o seu significado fica determinado num duplo enquadramento:
o sintagmático, discernível no contraste entre elementos discretos (...), e o paradigmático
(ou associativo), discernível nas oposições instauradas entre os membros da mesma classe
de palavras e memorizáveis na langue. (LOPES, 2003, p. 234).
Apoiando-se na explicação de Edward Lopes, fazem-se visíveis duas relações existentes dentro de
um texto, sendo elas, interssígnicas – relações entre os signos (palavra-palavra-palavra) –, e intrassígnicas
– relações entre os significados e significantes (significado da palavra-campo semântico). Para se trabalhar
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2, p. 50-55, 2012.
53
com esse raciocínio, o professor Lopes destaca outros dois elementos saussurianos essenciais para atribuir
significado a um texto (elemento linguístico – puro valor) através de sua semiótica, sendo eles o enquadramento sintagmático – discernível no contraste entre elementos discretos (LOPES, 2003), e o paradigmático discernível nas oposições instauradas entre os membros da mesma classe de palavras (LOPES, 2003) Assim,
a linguagem tem o sentido atribuído através de oposições.
Para melhor entendimento do assunto apliquemos tal técnica em alguns trechos do texto, “A Consolidação da Guerra Fria”, retirado do livro didático História Geral e do Brasil – de ClaudioVincentino e
Gianpaolo Dorigo, publicado em 2010 pela editora Scipione:
“A Consolidação da Guerra Fria
Os Estados Unidos e a União Soviética terminaram a Segunda Guerra Mundial
como aliados. Sua atuação conjunta contra o Eixo foi decisiva para livrar a Europa da
presença nazista. Rapidamente, entretanto, as relações entre ambos se deterioraram de tal
forma que, após 1947, os especialistas começaram a falar em Guerra Fria, ou seja, um
confronto indireto entre as superpotências.
O motivo mais claro do rompimento é ideológico. Capitalismo e Socialismo, incompatíveis em sua forma de entender diversas esferas da vida humana, do papel do Estado aos
direitos prioritários dos cidadãos, levaram ao desacordo entre os Estados Unidos e a
União Soviética no que se refere às finalidades da ordem política e aos métodos de atuação
dentro dela. Sem constituir um período homogêneo, em razão do agravamento das tensões
seguido da distensão entre os polos rivais, a Guerra Fria durou quase meio século, até o
esfacelamento da União Soviética”. (VINCENTINO e DORIGO, 2010, p. 692).
Neste curto trecho do texto, observamos, de forma didática, elementos sintagmáticos – que se contrastam –, Estados Unidos, de um lado, e União Soviética, de outro. Dentro das relações interssígnicas,
nós observamos os signos interligados (palavra-palavra-palavra), porém, quando analisadas as relações intrassígnicas (vertical), nós separamos em dois grupos opostos, um representado por Estados Unidos – e o
que diz respeito a ele (capitalismo e esfacelamento da União Soviética), e o outro representado pela União
Soviética – e o que diz respeito a ela (socialismo).
Seguimos a análise com mais um trecho:
“Em março de 1947, com o objetivo de combater o comunismo e a influência so-
viética, o presidente norte-americano Harry Truman proferiu um discurso no Congresso
no qual afirmou que os Estados Unidos se posicionaram a favor das nações livres que
desejassem resistir às tentativas de dominação. No mesmo ano, o secretário de Estado
George Marshall lançou o Plano Marshall, programa de investimentos e de recuperação
econômica para os países europeus em crise após a guerra. Esse oferecimento estendeu-se
aos países do Leste Europeu, que haviam sido libertados do nazismo pelo Exército Vermelho. Em todos eles, as respectivas agremiações comunistas haviam tomado o poder.”
(VINCENTINO e DORIGO, 2010, p. 692).
combater o comunismo e a influência soviética; Harry Truman; a favor das nações livres; George Marshall;
plano Marshall; investimentos e de recuperação econômica para os países europeus em crise após a guerra;
países do leste europeu), e União Soviética – socialismo; comunismo e influência soviética; Exército Vermelho; respectivas agremiações comunistas haviam tomado o poder.
Leve em consideração que partes do texto foram sublinhadas em dois tipos propositalmente, a fim
de destacar os elementos opositivos, sendo que os sublinhados com apenas uma linha pertencem ao paradigma “Estados Unidos” e os sublinhados com duas linhas ao “União Soviética”.
Com esses pontos destacados, é possível que o aluno faça a diferenciação antagônica, destaque os
elementos pertinentes a cada uma delas e estabeleça um ponto em comum, neste caso, a própria Guerra Fria
– e seu objetivo (luta pela defesa de seu sistema econômico).
O exemplo da aplicação semiótica ao texto não literário foi aplicado em trechos de um texto didático
de história, porém, qualquer texto de qualquer matéria – coeso e coerente – poderia ser interpretado deste
modo. Justifico, pois a importância de o docente de língua portuguesa trabalhar com a Semiótica Aplicada
com seus alunos, a fim de eles interpretarem e absorverem melhor o conhecimento das outras matérias curriculares.
Referências:
CABRAL, Mariana. http://www.brasilescola.com/literatura/linguagem-literaria-naoliteraria.htm.
Acesso em 5 de dezembro de 2012.
ECO, Umberto. Conceito de texto. São Paulo: Editora Edusp, 1984.
ECO, Umberto. Leitura do Texto Literário. Lisboa: Editora Presença, 1979.
LOPES, Edward. Fundamentos da Linguística Contemporânea. São Paulo: Editora Cultrix, 2003.
MOISES, Massaud. Guia Prático de Análise Literária. São Paulo: Editora Cultrix, 1969.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. São Paulo: Editora Cultrix, 1972.
SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. 2. Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1999.
SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 7. Ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1975.
VINCENTINO, Cláudio e DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São Paulo: Editora Scipione,
2010.
Recebido em 15 de fevereiro de 2013.
Aprovado para publicação em 9 de abril de 2013.
Somando ao que já tínhamos de informações sobre o primeiro trecho, neste segundo agora acarretamos uma divisão oposta em: Estados Unidos – capitalismo; esfacelamento da União Soviética; objetivo de
54
Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 50-55, 2012.
Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2, p. 50-55, 2012.
55
O Desenho das Energias, John Ruskin e
as Pedras de Veneza
The design of the energies, John Ruskin, and the Stones of Venice
Claudio Silveira Amaral
Pós-doutor e Professor do Departamento de Arquitetura da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Bauru
(Unesp-Bauru), Bauru, SP.
Resumo:
The metodologia de projeto do crítico de arte inglês do século XIX John Ruskin.
Palavras chaves: estética, metodologia de projeto, artes, desenho, história.
Abstract:
The metodology of project of the English critic John Ruskin from the XIX century.
keywords: aesthetic, design metodology, arts, drawing, history.
“Nascido na metade do caminho entre as montanhas e o mar, aquele menino Jorge de Castelfranco, do bravo castelo, o chamavam de robusto Jorge, o Jorge dos Jorges, um bom rapaz,
Giorgione. Você alguma vez pensou qual mundo o seu olhar curioso, cheio de vida, olhar de
criança viu? Um mundo com a vitalidade das montanhas, das raízes do mar, de vidas esplendorosa, quando ele chegou tão jovem a cidade de mármore para se tornar ele mesmo. Cidade
de mármore, disse isso? Não... mais uma cidade dourada pavimentada de esmeraldas, pois,
verdadeiramente, cada pináculo, cada torre, se ergue coberto de ouro. Abaixo sem mácula o
mar em pesados respiros de ondas verdes. Majestosos, terríveis como os mares, os homens de
Veneza se movimentam na oscilação do poder e das guerras, puros como os pilares de alabastro, mãe desfilando sua nobreza, provedora de forças, de possibilidades, com seus panos
vermelho sangue, com os seus medos, seus receios, sua paciência, um estado de fé implacável,
com honras e esperanças embaladas pelo movimento das ondas que cercam seus sagrados
bancos de areia. Um espaço privilegiado no mundo, um mundo em si. Deitada sobre as águas
nem tão grande, seus capitães a viam por entre as brumas ao entardecer penetrado por espessos raios solar como se fossem sólidos, cuja força era sentida como embriagues como se
estivessem navegando num paraíso; um lugar onde todo mal havia sido banido pela dinâmica
de uma vida simples. Nada de ruim, nenhum tumulto naquelas estreitas ruas iluminadas pelo
luar, com musica pulsando, se alterando, silenciando. Nenhum muro poderia cercá-la, nenhum
telhado cobri-la, apenas a força das pedras coloridas e preciosas. E ao redor, até onde o olhar
avista o doce movimento das águas, numa pureza cheia de orgulho, como flores espalhadas
pelos campos, o etéreo dos Alpes, como num sonho, desaparece por trás das costas de Torcello.
Acima, ventos livres, nuvens selvagens, o brilho do Norte e o balsamo do Sul, as estrelas ao
entardecer amanhecem por entre as luzes por detrás dos arcos do paraíso e do mar revolto”.1
56
Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 , p. 56-71, 2012.
P
or que será que John Ruskin se apaixonou por Veneza? Provavelmente porque Veneza conseguiu
explicitar a sua Teoria da Arquitetura, assim como a da Pintura, e principalmente a sua Filosofia da
Natureza, pois Veneza é movimento, é energia, é explosão de cores; Veneza é o pulsar de vidas e a
Teoria da Arquitetura de Ruskin trata do desenho das energias. Ruskin já havia sentido essa atmosfera na
pintura de Joseph Turner , no qual as cores da paisagem se interpenetram criando a sensação da existência de
um todo em estado de harmonia. Turner pintou a atmosfera de paisagens naturais, Ruskin pintou a atmosfera
de Veneza, uma composição do azul do céu, com o branco das nuvens, com o amarelo-avermelhado de raios
solar, com o verde das águas da lagoa, com sua arquitetura que parece flutuar, com o colorido dos mármores,
com o frescor dos terraços esculpidos por pilares e arcos góticos, com o movimento apressado das pessoas,
com o nervosismo das águas agitada devido ao intenso tráfico de barcos, com o céu cada hora de um jeito,
com as luzes coloridas difusas entre as brumas, com os ventos selvagens; Ruskin misturou essas sensações
e pintou a energia. Foi uma sensação de embriagues que o fez devanear, uma tontura que o levou ao êxtase.
Essa mesma sensação já havia sentido nas paisagens dos Alpes Suíços, uma mistura de montanhas, lagos,
céus, nuvens que nunca descansam, arvores frondosas, e animais pastando tranquilamente se movimentando
e se misturando desenhando um todo em estado de equilíbrio instável.
Ruskin buscou num Filosofia da Natureza a explicação para o que sentiu. Essa filosofia teria por
princípio uma ética no qual tudo se relaciona com tudo, e todos vivem em estado de harmonia devido à política da ajuda-mutua. Com essa concepção de ética Ruskin criou a sua noção de estética cuja problemática
foi: como sentimos essa ética no espaço?
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Foi através da arquitetura bizantina e gótica
de Veneza que conseguiu enxergar o desenho
dos movimentos das energias que compõe o
espaço. Assim, para tratar de São Marcos e
do Palácio Ducal, primeiro nos conduz a um
passeio por entre as ruas estreitas de Veneza.
Por fim, chega-se à Bocca de Piazza, e num
único relance, o olhar explode em mil cores
frente ao clarão das luzes vindas das aberturas proporcionadas pela Praça de São Marcos
e se avista de repente São Marcos com sua
fachada de arcos simétricos contrastando e
compondo com as irregularidades das vielas
percorridas anteriormente. No entanto, apesar
de majestosa, São Marcos parece flutuar isto
porque, os inúmeros e esqueléticos pilares
coloridos e arcos de sua fachada são de uma
delicadeza extrema quando tocam o chão,
parecendo nem tocá-lo. Do mesmo modo o
Palácio Ducal, com seus pilares e arcos sobrepostos dão a impressão de levitar frente à pesada caixa que
carregam, criando uma sensação de desequilíbrio no observador.
Se por fora de São Marcos a vida é movimento alucinado, por dentro é movimento em câmera
lenta. Após se acostumar a escuridão inicial depois de adentrá-la, percebe-se um silêncio assustador que se
interrompe apenas quando raios de luzes com a intensidade de canhões de energia despencam das aberturas das cúpulas anunciando um ornato. Num determinado
instante focam esse ornato para logo em seguida o esconder na penumbra, surgindo outro em seu lugar, e assim sucessivamente. Esse movimento é lento, e segue o ritmo do
caminhar da luz solar lá fora.
Desta qualidade estética, Ruskin extraiu dois importantes conceitos para sua Teoria da Arquitetura: a Verdade das Estruturas e a Verdade dos Materiais.
Para Ruskin o fenômeno estético é a qualidade de sentir o
espaço, mais precisamente, sentir o fluxo das energias que
circulam e constituem o espaço. A estética arquitetônica
seria o desenho destas energias que compõe a edificação.
Para constituir tal conceito, Ruskin considerou o desenho
dos elementos estruturais que controlam esses fluxos, pois,
absorvem, conduzem, redirecionam e transmitem forças de
energias, desenhando linhas de forças. Desta forma, a chuva, a neve, os ventos, o peso próprio, o peso das pessoas,
enfim, as forças naturais e artificiais se materializam em
desenhos de linhas de forças. Ruskin pesquisou o desenho
dessas linhas de forças para as construções em pedra, definindo seus elementos estruturais, como: a fundação (base),
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a parede ou coluna, a cornija ou o capitel, os arabescos e os contrafortes. Explicou o surgimento de colunas
para não ser necessário engrossar as paredes frente a maiores solicitações de pressões verticais, assim como
explicou os capitéis derivados das cornijas concentradas num único ponto, do mesmo modo que a coluna
seria a concentração da parede num único ponto; os arabescos seriam desenhos delicados transmissores de
energias verticais e laterais localizados geralmente nos vitrais ou interior de arcos. Os desenhos de arcos
servem para receber as forças verticais para em seguida direcioná-las as colunas que, por sua vez, as conduzem para a base, e esta as distribui pelo chão. Os contrafortes são apoios para desviar as forças laterais. São
estes os elementos estruturais para as construções em pedra, são desenhados para funcionar em conjunto:
um transmitindo a força recebida ao outro e assim sucessivamente até se dissipar completamente ao tocar o
chão. Ruskin chamou a atenção para o fato destes elementos não serem de forma alguma ornamentais, mas
sim estruturais, podendo ser decorados após a definição de sua forma; e que, a criação da coluna, do arco e
do capitel, assim como da cornija não se refere a símbolos religiosos, estão em igrejas como poderiam estar
em qualquer outra edificação, pois são desenhos estruturais para a matéria pedra. Ruskin explicitou esse seu
conceito de verdade das estruturas através do desenho da arquitetura gótica, no qual a ossatura da edificação
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se expõe para a visão do observador. O sistema estrutural é visto, sentido e compreendido, e isso é o que dá
sentido a sua concepção de estética, que em última instância, seria sentir a energia que ocorre pela diferença
na justaposição de forças. Essa diferença desloca o tempo por continuidade do desenho que se torna virtual
e o observador acompanha com os olhos e o corpo. Pode ser mais fina, veloz, elegante, mais densa, forte ou
ruidosa. Isso faz com que o espaço vazio, porém sensível, vibre. O usuário, habitante comum, de sensível
corpo, sente o entendimento dessas forças, sua visualização transformada em Linguagem Arquitetônica. O
observador/usuário navega nesse espaço, desvia de algo sem o saber, já que inominável para ele é.
Foi assim que o desenho do gótico exemplificou a sua noção de estética arquitetônica, assim como
a verdade das estruturas.
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E por que arquitetura? A resposta é que a arquitetura, para Ruskin, faz parte da paisagem, embora
seja o desenho de uma paisagem artificial deverá compor com os demais elementos da paisagem natural,
não devendo se opor e nem se sobrepor a esta, porem conviver em harmonia. A arquitetura, assim como a
natureza, é para ele um livro aberto para ser lido. Assim pensando, percebe-se uma metafísica por traz do
raciocínio ruskiniano vindo de sua Filosofia da Natureza. Metafísica que entende a natureza ser composta
por elementos em movimento, como se fizessem parte de uma grande máquina cujas partes funcionam de
acordo com certas leis (leis da Natureza), em busca de um estado de harmonia/equilíbrio. Ora, isso não seria
Bacon? Newton? A diferença talvez esteja na ética dessa Natureza, que para Ruskin é a lei da ajuda mútua e
para Bacon e Newton motivo de conhecimento para dominar a Natureza, e também diferente de Darwin que
viu a Natureza pela dinâmica da competição entre os seus elementos no qual o mais forte vence.
Assim, como a arquitetura é o resultado da composição de desenhos de campos energéticos, o espaço ao redor também o é. Desta constatação Ruskin extraiu um método para o projeto de arquitetura; um
método cuja intenção projetual seria integrar as linhas de forças do entorno as linhas de forças do projeto.
Ruskin recomenda ao arquiteto deitar no lote para sentir suas energias, para em seguida desenhar as linhas
de forças de seu projeto em consonância com as do lote e do entorno. Queria com isso, desenhar um campo
de forças em estado de harmonia, ou seja, todas as energias trabalhando em comunhão, uma conectada a
outra (a ética da ajuda mutua).
Outro conceito ruskiniano é a Verdade dos Materiais que além de se referir as questões de resistência dos materiais, possui estreita relação com a noção de tempo. O conceito de verdade dos materiais
diz respeito às particularidades idiossincráticas de cada material. Quando Ruskin se refere a uma pedra de
mármore, por exemplo, indaga sua constituição geológica, sua origem geográfica, quanto trabalho foi necessário para extraí-la, quanto trabalho para modificá-la, quem fez o trabalho, quais as técnicas que utilizou;
ou seja, evoca um passado para o presente. Para Ruskin, não existe espaço sem história, não existe espaço
sem tempo. Quando o tempo é apagado, o presente ressente e perde seu vinculo com o futuro. Passa-se a
vivenciar apenas um agora, sem passado e por isso sem futuro, restringindo-se as experiências de superfícies
sem profundidades. Para Ruskin isso empobrece a vida, desqualifica-a. Por isso foi contrário a demolição
de edifícios antigos, pois seria um passar de borracha na história. Do mesmo modo que Marcel Proust (seu
admirador), reconheceu no mundo dos objetos externos a nós o local onde se encontra a nossa memória,
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assim Ruskin também pensou em relação a arquitetura. O tempo, para ele é o movimento entre um passado,
presente e um futuro, ou seja, é fluxo de energias que não deve ser interrompido. Ruskin acreditou não ser
possível e nem desejável parar o tempo, o que significaria a própria morte, pois, segundo ele, a energia da
mente humana se alimenta de tempos.
No que diz respeito à restauração de edifícios antigos, Ruskin primeiro recomenda um processo de
constante manutenção para nunca ser preciso restaurar, mas se a construção estiver comprometida, prefere a
demolição para em seguida surgir um projeto inteiramente novo. Mas se for necessário algumas alterações
estruturas.
“… Os escritórios de arquitetura possuem hoje a seu dispor muitas possibilidades técnicas inovadoras, mas quando são chamados a atuar não às utilizam criando sempre o já visto... Nossos edifícios públicos
parecem não ter alma, reproduzem relíquias do passado, expressam uma linguagem incompreensível para os
dias atuais... O século XIX não possui uma arquitetura própria… Porque isso acontece? Será que falta um
método? Hoje temos que considerar duas verdades para a arquitetura: o Programa Arquitetônico e as Técnicas Construtivas. O programa diz respeito a função do edifício, e as técnicas construtivas se fere ao uso correto do material empregado conforme suas qualidades e propriedades de resistência… A arquitetura da Índia
utilizou a pedra seguindo o desenho estrutural da Madeira, assim também fizeram os Gregos e os Egípcios.
Utilizaram desenhos estruturais emprestados de outros materiais. Temos que respeitá-los, mas repetir isso
hoje é ridículo… Por outro lado, temos o exemplo da arquitetura da Idade Média, o gótico, que inventou desenhos próprios para a matéria pedra respeitando as suas propriedades de resistência construindo situações
de equilíbrio. Essa experiência deveria continuar nos dias atuais, não podemos abandoná-la temos de partir
na configuração original da edificação, que seja feita aparentando ser algo novo, nunca imitando ou continuando o desenho original. Neste aspecto, criticou Viollet-le-Duc por ter participado da demolição das duas
torres de St. Oven na França, substituindo-as por cópias das originais.
Ruskin estudou o Dictionnaire Raisonné de l´Architecture Française du Siècle XI au XVI de Viollet-le-Duc, fazendo anotações e comentários em suas páginas. Le-Duc utilizou para desenhar, a linguagem
técnica feita com régua, compasso, esquadro, representado por plantas, fachadas, cortes e perspectivas. Desenho este muito diferente dos de Ruskin feito a mão livre, explicitando apenas os detalhes que lhe interessava no momento, muitas vezes coloridos com cores fortes em aquarela. A dureza dos desenhos de Le-Duc
fez com que Ruskin, várias vezes, os pintasse de cor de rosa, azul, amarelo; provavelmente, querendo com
isso, trazer um pouco de vida a frieza do desenho técnico do Dictionnaire.
Embora tenham discordâncias sobre o método, os dois tratam do mesmo assunto: a arquitetura gótica e tanto
Ruskin quanto Viollet-le-Duc trabalham com os mesmos conceitos de verdade dos materiais e verdade das
daí. Temos que utilizar os exemplos do passado que possam servir para as novas possibilidades tecnológicas
do presente… É de fundamental importância termos um método capaz de levar essa experiência adiante e
esse método é o de Descartes.”
De modo parecido, Viollet-le-Duc e Ruskin buscam por uma arquitetura para o século XIX com base na
verdade dos materiais e na verdade das estruturas. O que os diferencia é o método; Le-Duc utilizou o método
cartesiano, no qual o desenho arquitetônico é a síntese cartesiana entre as técnicas construtivas e o programa
arquitetônico, e Ruskin cujo método foi extraído de sua Filosofia da Natureza visto anteriormente.
A metodologia ruskiniana, diferente da cartesiana, agrega diferentes assuntos para tratar de um único, desta forma, Ruskin para falar de arquitetura, tratou de suas relações de trabalho.
Porém, antes de considerar a sua noção de trabalho, seria oportuno tratar de outro assunto para em
seguida retornar. Ruskin foi muito criticado pelos pensadores de sua época por ser um religioso e disto
concluíram ser ele um defensor dos princípios da Idade Média. É certo que Ruskin atribuiu a criação da
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Natureza a um deus, e sabe-se que foi educado segundo os princípios da religião Protestante. Porem, num
determinado momento de sua vida, perdeu a fé em relação a todas as religiões, passando a ter fé única e
exclusivamente no trabalho. Revoltou-se contra o cristianismo, ao admitir poder existir o paraíso na terra
e não apenas no após a morte. Não admitia as injustiças sociais, e muito menos entendeu o sofrimento humano ser motivo de orgulho e humildade. Sua filosofia da Natureza enxergou um mundo em harmonia, e
assim, um possível paraíso na terra a ser construído pelo trabalho do homem.
Ruskin jamais utilizou a arquitetura gótica como exaltação ao modo de produção artesanal do passado. Fez uso do gótico, assim como da história de Veneza, para ilustrar o que imaginou ser possível para o
futuro. Mesmo porque, é duvidoso que as relações no trabalho ilustradas por ele tenham de fato ocorridas.
Ele criticou o presente voltando ao passado, como tantos outros o fizeram, porem um passado idealizado
que não necessariamente existiu, para em seguida propor um futuro diferente do presente.
Foi nesse sentido que, William Morris (aluno e seguidor de Ruskin), no prefácio de A Natureza do
Gótico, capítulo de As Pedras de Veneza, publicado pela Kelmscott House, Editora de Morris, em 1892,
exaltou ser este uma das maiores obras já publicadas naqueles tempos, pois apontava para um futuro onde o
trabalho seria feito com prazer. Morris, nesse prefácio, defendeu o avanço tecnológico prevendo um futuro
no qual a máquina dispensaria o homem dos trabalhos mecânicos.
O trabalho feito com prazer para Ruskin é o trabalho no qual o homem se envolve por completo,
corpo e alma. Nesse sentido criticou a moderna divisão do trabalho entre quem pensa e quem faz.
“A humanidade vem aperfeiçoando a divisão do trabalho, no entanto tem dado a ela um nome falso, pois não foi o trabalho apenas que foi dividido, mas o homem foi dividido em segmentos de homem,
quebrado em fragmentos de vida, exigindo que sua inteligência realize trabalhos repetitivos sem o menor
interesse.”
A divisão das artes em Liberal e Mecânica foi severamente criticada por Ruskin. Para ele quem
faz deve pensar e quem pensa deve fazer; e respondendo aos que o acusaram de ser contra as máquinas e a
favor da volta ao modo de produção da Idade Média, respondeu dizendo que o trabalho com prazer nunca
foi sinônimo de trabalho manual.
“…considere o grande número de homens que trabalham na produção de jóias. Existe muita destreza de
mão, muita paciência, mas nenhum prazer, nenhuma criatividade a pesar de ser feito com as mãos.”
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“Hoje em dia separamos quem pensa de quem faz, e chamamos quem pensa de cavalheiro e quem
faz de operário, no meu entender, quem pensa deveria também fazer e quem faz deveria também pensar e
todos deveriam ser chamados de cavalheiro. ”
Desta forma, o trabalho é para Ruskin a atividade mais importante do homem, e pensando assim,
criticou a burguesia industrial de seu tempo por não trabalhar e viver à custa da exploração do trabalho da
classe operária. Considerou isso um roubo e qualificou a burguesia de ladra.
Ruskin buscou no passado o modo gótico de trabalhar, um modo na verdade idealizado por ele para
se adequar a ética de sua Filosofia da Natureza. Propôs o trabalho com prazer, entendendo ser este o trabalho
criativo. O resultado desse processo de trabalho viu materializado na arquitetura de Veneza, pois, o gótico
veneziano se adequou aos princípios de sua Filosofia da Natureza, sendo propício para representar a sua
noção de estética e de trabalho feito com prazer.
A essa sua noção de trabalho com prazer, Ruskin associou ser preciso haver relações sociais e econômicas propicia, e identificou essa situação no inicio da historia de Veneza quando o gótico veneziano
nasceu. Mas, assim como as relações de trabalho no passado foi uma idealização sua, a sociedade do bem-estar-social vista por ele em Veneza provavelmente também foi. Mas isso não importava a Ruskin, pois
propunha uma concepção de futuro e não uma história para diletantes.
Ruskin inventou um passado para criticar o presente a fim de propor um futuro. Portanto, é possível supor que os desenhos que viu na arquitetura de pedra, desenhos de linhas de forças, poderiam ser
repensados para outros tipos de materiais, desde que respeitassem a verdade das estruturas e a verdade dos
materiais. Entendeu que o trabalho criativo devesse ser regido pela imaginação, pela fantasia, inventando
aquilo que nunca existiu. Na medida em que os desenhos estruturais da matéria pedra foram desenhados na
forma de base, coluna, capitel, arabesco, cornija e contraforte; poder-se-ia então imaginar outros desenhos
para outros materiais, desde que respeitassem as verdades acima mencionadas. Para Ruskin cada edifício é
único em termos de desenho. Não existe um único edifício gótico igual ao outro, dizia. Apesar da existência
de uma metafísica no pensamento ruskiniano, esta passa necessariamente pelo crivo imaginativo do artista,
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e por artista entendeu todo trabalhador que estivesse por inteiro em seu trabalho , ou seja, todo trabalho feito
com prazer.
Sua critica a arquitetura do renascimento (de não expor o seu desenho estrutural para a visão do
observador, e de dividir o pensar do fazer) na verdade foi uma critica aos arquitetos de seu tempo, pois,
segundo ele, trabalhavam do jeito renascentista, sendo o arquiteto quem pensa e o pedreiro quem faz, alem
dos desenhos serem imitações de desenhos já vistos (neo-gótico, neo-renascimento, etc.), portanto, sem
imaginação, uma mera repetição.
Há de se considerar que a arquitetura do renascimento se fundamentou numa filosofia da Natureza
vinda da Grécia Antiga, que tem por princípio uma Natureza constituída por medidas e números. Visão diferente da filosofia da Natureza de Ruskin.
Além de propor uma metodologia para a arquitetura, Ruskin propôs um tipo particular de relacionamento no processo produtivo da arquitetura. Disto surgiu o arquiteto participativo. diferente do renascentista (que separa o pensar do fazer), este convoca todos os participantes do processo produtivo para redesenhar suas primeiras idéias, seus primeiros croquis. A participação dos pedreiros, azulejistas, eletricistas,
engenheiros, e demais envolvidos, possibilita uma criação coletiva, que segundo Ruskin, é educativo, pois
permite a troca de experiências e de saberes, engrandecendo o conhecimento de cada um, além de atribuir
maior qualidade ao trabalho final. Isto não quer dizer que o arquiteto seja dispensável, mas que coordenará
um processo de produção coletiva pensada coletivamente. Esse tipo de arquiteto se encaixa nos princípios
da ética da ajuda mútua da Filosofia da Natureza ruskiniana.
É certo que Ruskin remava contra a maré, provocando a ira dos arquitetos ingleses que o ridicularizaram por não ser arquiteto e por estar criticando a arquitetura vitoriana e criando uma metodologia própria.
“Ruskin comenta uma crítica feita a seu livro The Seven Lamps of Architecture: O Sr. Ruskin pensa que São
Marcos é bela, nós arquitetos a achamos horrorosa.”
“Os arquitetos modernos foram extremante influenciados pelo livro de James Fergusson,” A História dos Estilos Modernos na Arquitetura”, e comemoraram o estilo “gótico revival” na reforma do Parlamento Inglês iniciado em 1840. O “gótico revival” foi também muito divulgado pelos escritos de Pugin…”
“Em um jornal de arquitetura, o arquiteto e botânico de nome Wood comentou cartas de arquitetos
franceses, italianos e gregos se posicionando contra a arquitetura de São Marcos em Veneza, “nunca viram
uma arquitetura tão feia”, e acrescenta,” se alguns defendem a irregularidade de suas formas, eles (os arquitetos), por sua vez, eram da opinião de que toda arquitetura necessita de princípios rígidos de regularidade.”
No entanto, nem todos os arquitetos do século XIX o hostilizaram, pois o nome de Ruskin foi contraditoriamente indicado para receber a Real Medalha de Ouro do RIBA (Instituto dos Arquitetos Britânicos) em1873. Porém Ruskin recusou-a, justificando não reconhecer a legitimidade do RIBA para tratar de
arquitetura...
E do mesmo modo que alguns arquitetos o respeitaram no século XIX, alguns do século XX como,
por exemplo, Frank Llyod Wright e Le-Corbusier sofreram sua influência.
Em The Arts and Crafts of the Machine Frank Lloyd Wright propôs o abandono dos estilos históricos com
base na defesa dos conceitos ruskiniano de verdade das estruturas e verdade dos materiais, assim como do
trabalho feito com prazer. Pretendeu com isso transformar as relações no trabalho fabril, qualificado por
ele de trabalho escravo, para relações que permitissem o trabalho criativo. E propôs também, revolucionar a concepção plástica dos produtos industriais adequando-os as novas possibilidades construtivas e de
materiais conforme a verdade dos materiais, estendendo essa sua crítica também para a arquitetura. Parece
que Frank Lloyd Wright estava dando o passo adiante na proposta ruskiniana, ou seja, atualizando o futuro
proposto por Ruskin.
A influência ruskiniana em Le Corbusier tem sido objeto de estudo de Jan Kenneth Birksted , Paul
Turner e Russell Walden Todos estes concordam que Le Corbusier sofreu a influência de Ruskin durante a
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sua formação artística em La Chaux-de-Fonds devido ao professor L´Eplattenier que declamava Ruskin em
sala de aula, mais precisamente As Pedras de Veneza.
Jan Kenneth viu essa influência na tradição maçônica das relações de trabalho em La Chaux-de-Fonds que se aproximam da lei da ajuda mutua de Ruskin, mais especificamente nos aspectos de fraternidade e companheirismo durante o trabalho. Kenneth relacionou isso a concepção corbusiana de Promenade
architectural, que propõe espaços integrados, como por exemplo, o interno com o externo, o edifício com
a paisagem, a arquitetura com o urbanismo, semelhante a proposta ruskiniana de integrar a arquitetura na
paisagem natural, ou seja, um ajuda o outro a existir.
Paul Turner enxergou a influência ruskiniana em Le Corbusier apenas no início da formação artística, não a localizando após sua partida para Paris quando teria ido trabalhar no escritório de August Perret.
Diferente destas duas visões, Russell Walden entendeu o processo criativo de Le Corbusier ser contraditório,
ou seja, Corbusier utilizou várias teorias ao mesmo tempo, mesmo sendo hostil uma a outra, e nesse sentido,
o seu raciocínio arquitetural foi dialético. Se por um lado, a sua formação inicial se deu a partir de princípios românticos devido a influência de L´Eplattenier, por outro lado, quando, com August Perret em Paris,
sofreu a influência do racionalismo francês. Le Corbusier, conforme Walden, não descartou nenhuma destas
influências e trabalhou com o choque das duas. E seria desta dinâmica contraditória, segundo Walden, que
se encontra o poder e a qualidade estética da arquitetura de Le Corbusier.
Foi dito que L´Eplattenier apresentou o trabalho de Ruskin a Le Corbusier, do mesmo modo que
August Perret o apresentou ao trabalho de Viollet-le-Duc, mas para além disso, Le Corbusier sofreu da influência de Nietzsche, de Ernest Renans e de Henri Provensal, dentre outros. Walden constatou que Provensal
o apresentou as formas puras cúbicas antes mesmo do movimento Cubista surgir. Embora Walden encontre
divergências em Ruskin e Le-Duc, os dois utilizam a concepção de verdade das estruturas e dos materiais,
assumidas por Le Corbusier, no entanto, o fato da metodologia ruskiniana agregar vários assuntos para tratar
de um, Walden entendeu ser esta mais utilizada pelo pensamento corbusiano do que o raciocínio cartesiano
de Le-Duc.
Segundo Walden, a obra de Corbusier que mais perto chegou do pensamento ruskiniano foi a Mão
Aberta projetada para Shandigarh na Índia. Le Corbusier entendeu ser o símbolo de uma segunda fase para
a civilização maquinista no qual a harmonia enfim haveria chegado. Viu a Índia como um país que não
sofreu dos primeiros momentos da revolução industrial, e por isso entraria nela já numa segunda fase, ou
seja, numa fase no qual os erros cometidos inicialmente estariam dissipados. Para tratar da Mão Aberta Le
Corbusier relacionou vários assuntos como, arquitetura, urbanismo a escultura e a ética para dizer que a Mão
Aberta é a expressão do urbanismo moderno e da filosofia moderna.
“Le man ouverte est um geste plastique charge de contenu profondément human. Um symbol bien
approprié à la nouvelle situation d´une terre liberée independent. Un geste qui appelle à la collaboration du
monde. Aussi un geste sculptural et plastique capable d´attraper le ciel et d´engager la terre.”
A Mão Aberta anunciou um novo momento para a civilização maquinista, momento no qual a humanidade faria as pazes com a Natureza. No entanto, como tudo em Le Corbusier é dúbio, a Mão Aberta as
vezes se parece com uma mão aberta, mas as vezes se parece também com um pássaro, do jeito que Walden
entendeu a produção de Le Corbusier, contraditória.
Voltando a Ruskin, o fato de não ser arquiteto e, no entanto criar uma metodologia para a arquitetura
critica aos arquitetos de então, despertou a antipatia de muitos arquitetos de sua época, e como se isso não
bastasse, Ruskin conclamou todos a se revoltar contra a arquitetura de então, pois, segundo ele, a arquitetura é um bem público, e portanto, todos deveriam ter o direito de opinar, não apenas os especialistas.
É preciso lembrar que seus escritos nunca foram feitos para especialistas, sua obra é dedicada ao
cidadão comum, sendo de fácil leitura, com poucos termos técnicos (e quando aparecem são explicados
a exaustão), através da dinâmica de uma conversa. Ruskin dialoga com o seu leitor, mudando de opinião
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durante a conversa. Por exemplo, em As Sete Lâmpadas da Arquitetura define a arquitetura ser submissa
a pintura e a escultura, e em The Stones of Venice vol. 3, muda de opinião dizendo que a arquitetura é a
maior das artes. Seu discurso é energético, se movimenta, respira, possui vida. Quando trata do desenho das
nuvens, por exemplo, não consegue entendê-lo, e admite não ter conhecimentos científicos para tal deixando
o assunto em aberto.
A obra ruskiniana é, na verdade uma só. Inicia com os quatro volumes de Modern Painters, no qual
apresenta a sua filosofia da Natureza para tratar da pintura de Joseph Turner. Sente necessidade de aprofundar a questão estética através da arquitetura e escreve The Seven Lamps of Architecture, considerado
por ele a introdução de The Stones of Venice, (três volumes), que por sua vez foi a introdução a Modern
Painters (quinto e último volume). Destes surgiram livros paralelos, sendo muitos transcrições de palestras:
The King of the Golden Cross, Lectures on Art, The elements of Drawing, Ethics of Dust, The Storm of the
Nineteenth Century, Unto this Last, The poetry of Architectures, Sesame and Lillies, Love´s Meinie, The
Queen of the Art, Our Fathers have told us, dentre outros.
Ruskin acreditou que a obra de Joseph Turner fosse também uma só, pois este, ao fim da vida lhe
pediu para que nunca separasse os seus quadros para que fossem vistos como um todo. Toda a produção
ruskiniana teve por mérito divulgar certa Filosofia da Natureza juntamente com sua noção de estética, ou
seja, como se sente essa ética no espaço.
A produção ruskiniana ocorreu como se fosse uma pesquisa em desenvolvimento agregando diferentes áreas do conhecimento na medida em que caminhou. Mas a sua principal problemática sempre foi a
estética.
Ruskin comentou a pintura holandesa a fim de compará-la a estrutura compositiva da pintura de Turner,
que segundo ele, era o resultado da interpenetração de todos os elementos desenhados, o que remete a sua
concepção de composição natural, cuja ética afirma não existir na natureza nenhum elemento a sós, todos
precisam se ajudar mutuamente para que a existência individual possa ocorrer.
“..no quadro existe o músico, os dançarinos, a caça, navios, a pesca, o banho de praia, crianças brincando,
água, arquitetura, céu, montanhas, arvores, nuvens. Tudo indica um paraíso, no entanto nada se relaciona
com nada, tudo esta solto e isolado, uma sensação de quietude opressiva. As dançarinas não se interessam
pelos caçadores, os pais não se interessam pelas crianças, ninguém percebe a existência do céu, os banhistas não entram na água... Pergunto-me, será que esse pintor nunca soube o significado da palavra prazer? A
pintura, apesar de ter uma série de possibilidades é a expressão da morte, não tem vida.”
Em oposição a esse tipo de composição, que segundo Ruskin é a expressão da morte, sugere a de
Joseph Turner que diferente de Giorgione (pintor italiano citado no início), vindo da cidade de mármore,
veio da Inglaterra vitoriana dos primeiros anos da Revolução Industrial, com suas desigualdades sociais,
com suas condições subumanas de existência para os trabalhadores, com suas cidades divididas entre ricos e
pobres, sendo que os pobres vivendo como porcos, onde os campos haviam sido destruídos, e tudo isso coberto por uma espessa nuvem preta de fumaça soprada pelas chaminés das fábricas. Turner, segundo Ruskin,
veio das profundezas do inferno enquanto Giorgione veio do céu.
No entanto, Ruskin entendeu que a produção poética não precisar de condições ideais para acontecer,
e admitiu que artistas como Shakespeare, Tintoreto, Veronese, Corregio, Turner, Miguel Ângelo, Rubens,
possuíam certo instinto animal, instinto este diferente do que havia imaginado em suas análises anteriores
nas quais dizia ser necessário haver caráter, integridade, pureza e tranqüilidade para ser artista. Percebeu que
esse lado animal, cuja força lateja e extrapola os limites do convencional destruindo preconceitos, era quem
de fato alimentava a criatividade do artista, assim como a fogueira que se consome ao queimar. E associado
a isso, entendeu também, não ser necessário haver condições ideais para surgir a arte, ou seja, muitas vezes
nasce do lixo e do caos, como foi o caso de Turner, surgindo o inesperado, a ordem, a beleza, e a esperança.
“... vindo de uma vida não tão afortunada, numa tarde de verão, depois de se perder pelas estradas do Norte,
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se viu sozinho sentado numa paisagem das montanhas de Yorkshire. Pela primeira vez na vida sentiu o silêncio da natureza que surgiu como se fosse uma sentença de liberdade, uma sensação gloriosa tomou conta
de seu corpo possuindo-o. Paz.
Enfim, nenhuma opressão, mas apenas o frescor de um estranhamento que mais parecia um prazer.
Liberdade afinal pensou. Paredes mortas, trilhos sombrios, campos cercados, jardins confinados, tudo isso
se dissipou como num sonho de prisioneiro. Enfim encontrou nesse vale deserto, e não entre os homens de
rostos pálidos, expressões cruéis, a consciência de que poderia se libertar do sofrimento humano e se dissolver nas nuvens e viver.”
Foi isso que Ruskin viu na pintura de Turner, cuja história se desenrolou na escuridão da Revolução
Industrial, a margem de qualquer tipo de privilégio, e, no entanto produziu luz, cores, vida, energia e poesia,
anunciando a possibilidade de futuros melhores.
Notas
i Tradução livre de Castelfranco, The Stones of Venice vol. 3, p. 212, 1886.
ii The Seven Lamps of Architecture, p. 190.
iii The Seven Lamps of Architecture, p. 204.
iv Modern Painters, vol. 5, p. 204.
v Modern Painters, vol. 5, p. 203, 207.
vi The Stones of Venice, vol. 2, p. 24, Library Edition.
vii The Stones of Venice, p.38, Primeira Edição; p. 242 Library Edition.
viii The Stones of Venice, vol. 2, p. 64, Library Edition.
ix The Stones of Venice, vol. 2, p. 330, Library Edition.
x The Stones of Venice, vol. 2, p. 65, Library Edition.
xi The Stones of Venice, vol. 2, p. 279, Library Edition.
xii Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, 1886, p. 64. xiii Ruskin, J. The Seven Lamps of Architecture, 1890, p.51, e p. 226 e p. 269
Library Edition.
xiv The Stones of Venice, p. 183, p. 369, Library Edition.
xv The Seven Lamps of Architecture, p. 190.
xvi The Stones of Venice, vol. 2, p. 51, Library Edition.
xvii The Seven Lamps of Architecture, p. 61.
xviii The Stones Of Venice, vol. 1, Primeira Edição, p. 146.
xix Ruskin, J. The Stones of Venice, vol. 1, Primeira Edição, p. 167, e vol. 2, p. 114, Library Edition.
xx The Stones of Venice, vol. 1, Primeira Edição, p. 94.
xxi The Seven Lamps of Architecture, p. 61.
xxii Composição de Sidney Tamai .
xxiii The Stones of Venice, vol. 1, p. 120, Library Edition.
xxiv The Seven Lamps of Architecture, p. 106; The Stones of Venice, vol. 1, p. 343, Library Edition.
xxv The Stones of Venice, vol. 2, p. 269, Library Edition.
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xxvi The Seven Lamps of Architecture, p. 48 e p. 236.
xxvii The Seven Lamps of Architecture, p. 155.
xxviii The Seven Lamps of Architecture, p. 77.
xxix The Seven Lamps of Architecture, p. 224.
xxx The Seven Lamps of Architecture, p. 234.
xxxi The Stones of Venice, vol. 2, p. 39, Library Edition.
xxxii The Seven Lamps of Architecture, p. 248.
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xli The Stones of Venice, vol. 2, p. 196, Library Edition.
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Ilustrações:
1-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Windows of the Third and Fourth orders: the Casa Sagredo, Londres: George Allen, p.298,
1904.
2-Foto do autor, Cúpula de São Marcos, Veneza, 2013.
3-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Londres: George Allen, p. 331, 1904.
4-Bunney, J. W., oil painting in The Stones of Venice, vol. 2, Londres: George Allen, p. 82, 1904.
5-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Londres: George Allen, p. 300, 1904.
6-Foto do autor, “ossatura” de uma igreja gótica em Paris, 2013.
7-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Londres: George Allen, p. 58, 1904.
8-Ruskin, J. The Stones of Venice, vol. 1, Londres: George Allen, p. 390, 1903.
9-Ruskin rabiscando sobre o livro de Viollet-le-Duc.
10-Le Corbusier, a Mão Aberta, em Walden R., The Open Hand, essays on Le Corbusier, Cambridge: MITT Press, p.76, 1977.
11-Ruskin colorindo o livro de Viollet-le-Duc.
12-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 1, Londres: George Allen, p. 376, 1903.
13-Ruskin, J, Wall Veil Decoration, comparação entre o renascimento e o romanesco. The Stones of Venice, vol. 1, Londres: George
Allen, p. 348, 1903.
14-Turner, J., S. Giorgio, 1840, in Turners Venice, Stainton, L., Londres: British Museum Pubication Limited, p.62, 1985.
15-Turner, J., Procession of Boats with distant Smoke, Venice, in Turners Venice, Stainton, L., Londres: British Museum Limited, p. 92,
1985.
Agradecimentos:
À Fapesp, à Unesp e à Ruskin Library and Research Centre, Lancaster University.
Recebido em 23 de fevereiro de 2013.
Aprovado para publicação em 8 de abril de 2013.
Referências Bibliográficas:
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