Sustentabilidade - Coletivo Catarse

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Sustentabilidade - Coletivo Catarse
a revista da rede juçara - Volume 2 de 3 - set de 2011
REJU
Sustentabilidade
Para cada 2 kg de fruto de Juçara coletado é obtido aproximadamente um litro
de polpa e 1,5 kg de sementes viáveis para o plantio. 1 kg de sementes tem em
média 900 a 1000 sementes. Ou seja, toda vez que alguém estiver tomando
polpa desta palmeira em extinção estará contribuindo tanto para o
repovoamento da espécie quanto para a sustentabilidade de quem produz como já vimos na REJU Comunidade.
Os valores variam de região para região, mas a certeza é unânime: a palmeira
rende muito mais em pé, produzindo frutos, do que para o corte do palmito. E
uma das questões que está auxiliando a mudança radical de uma realidade de
destruição, que é a da mera extração do palmito, que mata a planta, é a
obrigatoriedade da inserção de produtos da agricultura familiar na merenda
escolar dos municípios. De sul a norte, a perspectiva de produzir para o lanche
das crianças tem feito surgirem as primeiras agroindústrias voltadas ao
processamento de polpa de Juçara e ao armazenamento. Já estão sendo
desenvolvidas novas tecnologias de produção e padrões de semeadura e de
consórcio da Juçara com outros produtos agroflorestais.
Realização REDE JUÇARA - www.redejucara.org.br
Assessoria de Comunicação:
Ação Nascente Maquiné - ANAMA; Associação de Desenvolvimento Comunitário do Bairro do Rio
Preto; Associação de Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável Guapiruvu - AGUA;
Associação de Moradores do Quilombo do Campinho - AMOQC; Associação dos Colonos
Ecologistas do Vale do Mampituba - ACEVAM; Associação Papa-Mel de Apicultores de Rolante;
Associação para Cultura Meio Ambiente e Cidadania - AKARUI; Centro de Motivação Ecológica e
Alternativas Rurais - CEMEAR; Centro Ecológico; Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
da Universidade de São Paulo - ESALQ/USP; Fundação para a Conservação e a Produção Florestal
do Estado de São Paulo - FF; Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica - IPEMA;
Instituto Socioambiental - ISA; Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata
Atlântica - DESMA/UFRGS.
Catarse - Coletivo de Comunicação
2 - reju
Expediente
Mas, diante de tudo isso, é preciso ainda estudar mais a fundo como é possível
organizar uma cadeia de valor emergente e os processos de produção sem que
se criem barreiras para o seu desenvolvimento e de forma que não afete a
manutenção das populações da espécie. Neste volume "Sustentabilidade", você
vai conferir, além das iniciativas que estão surgindo para a entrada da Juçara
na merenda escolar, o desenvolvimento de uma discussão complexa sobre o
manejo sustentável da palmeira e os panoramas de produção na lida com as
legislações ambiental e sanitária. Não sem antes se destacar o grande
potencial que a polpa tem, tanto de mercado como nutritivo, sendo
comprovadamente um alimento que traz diversos benefícios à saúde e que
pode ser um fator importante na mudança das realidades locais de
comunidades que vivem em níveis baixíssimos do que se chama Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH).
i
Componente do Projeto 437 MA – Chamada 5:
Projetos em Rede - Programa PDA Mata Atlântica/Ministério do Meio Ambiente
www.coletivocatarse.com.br
Fotos: Gustavo Türck e Têmis Nicolaidis
Foto da Capa: Arquivo Centro Ecológico
Textos e Correção: Gustavo Türck
Projeto Gráfico e Diagramação:
Têmis Nicolaidis
Impressão: Ideograf
Tiragem: 3.000 exemplares
Jornalista Responsável:
Têmis Nicolaidis (Mtb: 13612)
Coordenação geral: Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica - IPEMA
Coordenação regional sul: Ação Nascente Maquiné - ANAMA
Cadeia de valor
Polpa da Juçara: produtos principais,
derivados e subprodutos
OPERAÇÃO
O objetivo deste gráfico é identificar os
produtos, os derivados e subprodutos da
cadeia de valor da polpa da Juçara.
OBS: Um condicionante para o manejo é o
retorno de sementes para a floresta.
Adaptação do workshop ministrado por
Lia Krucken (GTZ: 2008) para Rede Juçara
Fotos: Rede Juçara
cultivo/coleta
Matéria-prima:
cacho de frutos
Resíduos
Produto intermediário 1:
frutos selecionados
Sementes
lavagem/sanitização
Produto intermediário 2:
frutos prontos para despolpar
Mudas
despolpamento/
remoção de resíduos
Produto:
polpa
Pigmento
Uso medicinal
Suco e polpa in natura
Matéria-prima para
outros produtos
Geléia, doce em conserva,
bolos, pães, sorvete, iogurte,
óleo, mousse, licor, vinho,
molhos (condimentos), macarrão
pasteurização/
embalagem/resfriamento/
transporte/venda
Polpa congelada
valor agregado aos produtos
seleção/limpeza
i
alimentacao escolar
i
Juçara no cardápio do lanche nas escolas
Em 2009 o Governo Federal promoveu modificações na legislação que rege a alimentação
escolar, regulamentando a Lei 11.947/09, que determina a utilização de no mínimo 30% dos
recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) na compra
de produtos da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural para esse fim. Com
isso, cerca de 47 milhões de alunos da rede pública de ensino de todo o país passaram a ser
um mercado em potencial pra quem vive da agricultura familiar, exatamente a realidade de
quem está trabalhando com a polpa da Palmeira Juçara no momento. Esta é uma lei que traz,
inclusive, uma oportunidade de se concretizar algo que é muito mencionado por
praticamente todos aqueles que são incentivados a começar a produzir com a Juçara: a
sustentabilidade. No Rio Grande do Sul, por exemplo, uma agricultora menciona que
formação é bom, mas é preciso ter renda; Dona Lourdes e sua família, no interior de um
pequeno município em São Paulo, ajeitam a casa com os primeiros recursos que a Juçara vem
gerando; e os imigrantes, na serra de Santa Catarina, já começam a enxergar nos seus
quintais recheados de palmeiras mais uma alternativa para ajudar na redução dos custos que
demandam um lar na urbanidade.
Em praticamente todos os municípios, a grande alternativa para os produtores tem sido,
portanto, a produção da polpa para utilização na alimentação escolar. Estão acontecendo
processos de legalização da produção seguindo as particularidades das regras de cada estado
- agroindústrias se enquadram, surgem organizações coletivas de produtores, rótulos são
confeccionados e novas normas são criadas nessa relação nova que começa a se constituir.
A consequência tem sido evidente, pois, nas escolas, as prateleiras recheadas de
achocolatados em pó, bolachinhas e enlatados começam a perder lugar para frutas
e outros alimentos, aparecendo também os freezers com a Polpa de Juçara
congelada, que depois vai desenhar no sorriso da criança com um belo bigode roxo.
Testes de aceitabilidade, necessários para a introdução da polpa no lanche, têm
sido realizados de norte a sul e estão atingindo sucesso com metas acima dos 80% de
aceitação. Para muitos, isso é resultado de combinações saborosas, tanto de sucos e
vitaminas ou com a polpa batida na tigela. Somando-se a isso, a alta capacidade
nutritiva do fruto da Juçara supera a de diversos alimentos, inclusive a do seu
"irmão" açaí, o que faz a polpa crescer em importância na montagem dos cardápios
pelas nutricionistas responsáveis nas escolas. O conteúdo informativo que
acompanha todo esse processo, o conhecimento sobre a palmeira, tudo isso
também é levado pra dentro da sala de aula, completando um ciclo que envolve
tanto os preceitos de segurança alimentar como os de educação ambiental.
Teste de degustação em escola do município de
Presidente Getúlio - SC.
No entanto, para se tornar um alimento oficial do cardápio das escolas, uma série
de formalidades ainda precisam ser superadas pelos pequenos produtores,
dependendo, portanto, de muita organização nas etapas de produção e de um
grande apoio do poder público. Em Três Cachoeiras, município do litoral norte do
Rio Grande do Sul, a prefeitura vem implementando fortemente a inserção da
polpa de Juçara na alimentação escolar, mantendo parcerias com instituições da
região, pequenos agricultores e espalhando a ideia para outras prefeituras.
SIDILON MAURÍCIO FERREIRA MENDES, Diretor do Departamento de Meio Ambiente da Prefeitura
de Três Cachoeiras-RS - Pra entrar na alimentação escolar aqui, primeiramente, a gente esteve
com um engenheiro florestal do DEFAP, o Departamento de Florestas e Áreas Protegidas, em
algumas áreas pra averbar aquelas que eram de palmeira plantada. Isso era necessário para a
emissão de um documento assegurando que aquelas palmeiras teriam sido realmente plantadas,
que seriam aquelas que depois se poderia coletar os cachos pra se transformar em polpa, de
maneira regularizada, para o agricultor poder tirar nota, ir pra agroindústria beneficiar e, ainda,
ir pra cooperativa embalar, também tirar nota e, finalmente, o produto entrar na alimentação
escolar. Isso tudo pelo caminho correto como tem que ser feito. É preciso toda uma volta
legalizada.
Resultado do teste de aceitabilidade
da Escola Felipe Schaeffer, Três Cachoeiras-RS
REJU - E tem a questão da vigilância sanitária...
SIDILON - Tem que estar tudo certinho. No I Encontro da Rede Juçara, no Vale do Ribeira, em
Registro, aconteceu uma oficina sobre a legislação ambiental e sobre como colocar a polpa da
Palmeira Juçara na alimentação escolar. E naquela oficina estava o pessoal de Registro, querendo
colocar a polpa na alimentação escolar. Nós já estávamos trabalhando com isso há mais de ano,
porque nós já tínhamos áreas licenciadas, nós temos agroindústria e nós temos uma cooperativa
aqui que faz os projetos e entra na alimentação escolar do município.
SIMONE BRAMBILA NASCIMENTO, Responsável pela Alimentação Escolar da Prefeitura de Três
Cachoeiras - Além do mais, na medida em que foi decidido colocar o açaí pelo PNAE, que é o
Programa Nacional de Alimentação Escolar, também teve que haver uma aceitação de no mínimo
80% por parte dos alunos pra se poder introduzir esse alimento.
REJU - Vocês fizeram os testes de aceitabilidade?
SIMONE - Sim, e passou dos 80%, deu algo em torno dos 85%. E as crianças nunca viram aquela
vitamina, é uma coisa nova, vitamina de banana com açaí. Até mesmo a nutricionista e as
merendeiras tiveram curso de processamento, aprenderam receitas. A própria nutricionista, a
Daniele, relata que quando tentou em casa não soube fazer certo, então ela achou que ninguém
iria gostar. Só que, quando foram fazer com as merendeiras, fizeram tudo certinho, e foi um
sucesso. As crianças adoraram! A questão é assim, o teste se dá porque é um alimento novo, e,
geralmente, há aquele receio da primeira vez que estão vendo, e a cor é diferente... As crianças
poderiam não querer. Mas elas amaram. E elas, hoje, exigem, as crianças mesmo dizem pra
Daniele e pras merendeiras fazerem mais. Já são dois anos que estamos com a polpa na
Entrevistas completas em:
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situação é bem diferenciada. Nós estamos na encosta da serra e da Mata Atlântica e o que nos
divide é este cordão de lagoas que tem aqui, com esses municípios fazendo divisa com o mar.
Lá eles não conhecem Mata Atlântica. Mas também querem fazer saídas a campo dos alunos
para educação ambiental. Então, lá eles vão explicar o que é a Palmeira Juçara, eles vão estar
degustando a polpa, pois vai estar na merenda escolar, e, depois, vão trazer os alunos pra cá
pra conhecer a agrofloresta, onde tem a banana e o açaí juntos. É todo um trabalho que
interage, que vai mostrar que aquele alimento ali que se está consumindo na sala de aula, está
pertinho também de casa, que é o mesmo alimento que o sabiá, o bem-te-vi, que o passarinho
está comendo. E isso começa a abrir a cabeça dessa criançada que fica normalmente distante
de onde sai o alimento. As próprias merendeiras, até a introdução da polpa de Juçara, elas
recebiam tudo enlatado. Agora, com esses 30% da agricultura familiar dentro da merenda
escolar, elas começam a ter uma outra visão daquele alimento que estão preparando. Elas já
vivenciam o que aprenderam. Elas sabem que não é aquela lata que saiu da prateleira lá do
mercado, que elas abriram, enfiaram dentro de uma jarra e fizeram o suco. Não é mais assim.
alimentação sendo servida duas vezes por semana ao ensino
fundamental das escolas municipais.
REJU - A justificativa nutricional encaixou nas exigências de
todos os órgãos envolvidos?
SIMONE - Sim. Inclusive, o valor nutricional do açaí do norte é
menor do que o da Juçara. A qualidade em si, para os alunos,
é muito melhor. Então, encaixou perfeitamente. E a gente
não colocou essas coisas assim do nada, foi junto todo um
trabalho. Foram feitos banners, folderes, tem professoras
que levaram até mesmo o cacho do açaí pra sala de aula, e os
alunos desenharam... Numa degustação que uma escola fez
para a comunidade, eram os alunos que falavam sobre as
propriedades nutricionais da Juçara.
SIDILON - É importante também a gente destacar que a
introdução na alimentação escolar não podia dar errado. Pra
dar certo, tinha que se fazer tudo minuciosamente. Até pela
coloração muito marcante, se fosse pra escola pra fazer um
teste de aceitabilidade com as crianças e não tivesse um
sabor gostoso, nós iríamos queimar o filme. Criança, se não
gostar, pode colocar depois um suco de uva na mesa que eles
vão olhar de longe e dizer que daquilo lá eles não gostam.
Então, foi tudo bem pensado. pra dar certo, resolvemos
fazer uma oficina, um curso de processamento de frutos mesmo com ninguém sabendo nada de açaí. Fomos até uma
agroindústria, convidamos as merendeiras, uma de cada
escola municipal, mais a nutricionista, que era o alvo, e mais
algumas mulheres de agricultores. Na hora, com o instrutor,
tivemos que desenvolver umas misturas para achar o sabor
certo, pra poder ir até as escolas e ter a aceitabilidade.
Tivemos que aprender juntos. Estávamos todos lá na
agroindústria e começamos a fazer as misturas. O curso era
de 3 dias. As merendeiras e a nutricionista acharam, então,
as melhores misturas pra se fazer pra colocar dentro da sala
de aula. Ali elas desenvolveram esse trabalho. A partir dali, a
polpa entrou na alimentação escolar. Em cada escola tinha
uma merendeira que já sabia fazer, e elas começaram a
ensinar umas pras outras... Hoje nós estamos
comercializando polpa de açaí pra cidades vizinhas, como
Capão da Canoa, Xangrilá e Tramandaí. Tramandaí quer,
inclusive, 2 toneladas pra alimentação escolar. Eles já
compraram, mas não sabem fazer. E como vai acontecer?
Uma oficina. A gente vai chamar a nutricionista de lá e mais
uma ou duas merendeiras e vai colocar dentro de uma escola
municipal aonde já se sabe fazer. Ela volta pra lá, faz o teste
de aceitabilidade e não vai ter problema nenhum.
REJU - E geração de renda no município? Vocês percebem o
incremento?
SIDILON - Sim, já há famílias se dedicando, com
agroindústrias em suas propriedades, que coletam muita
Juçara, fazem muita polpa pra alimentação escolar e pra
colocar nas feiras. O pessoal já está se conscientizando
bastante, preservando. E a prefeitura tem entrado com o
apoio, o Departamento de Meio Ambiente apoiando e
divulgando bastante.
SIMONE - Tem também o apoio da Secretaria de Educação,
incentivando os professores. Na verdade, a educação
ambiental é a base do todo, é isso que vai fazer mudar, que
vai levar a referência da Palmeira Juçara pra dentro de casa.
Está sendo, portanto, um trabalho bem amplo, a criança está
gostando do que está comendo, e as professoras estão
conseguindo mostrar toda essa questão de preservar uma
espécie nativa daqui. Então, é um todo que está
acontecendo.
SIDILON - É aí que eu queria entrar. Nessas cidades próximas,
que são cidades de praia e ficam no mesmo litoral norte, a
Em Registro, no Vale do Ribeira, São Paulo, a prefeitura iniciou em 2010 a abertura à
agricultura familiar na alimentação escolar do município. O I Encontro da Rede Juçara,
ocorrido na cidade em novembro de 2010, foi uma boa oportunidade para a prefeita
Sandra Kennedy Viana expor as suas intenções de contar com a polpa de Juçara no
cardápio das escolas.
SANDRA - Este projeto da alimentação escolar é muito importante porque fortalece a
agricultura familiar de forma muito objetiva. A prefeitura é obrigada a comprar. É uma
grande oportunidade dentro de uma política pública municipal porque é uma
ferramenta jurídica que me permite comprar em pequena quantidade. Até então, a lei
geral de licitações impedia o agricultor de participar, porque este teria que fornecer a
quantidade total daquele produto pra o município. E esta nova lei me permite, ao
contrário, comprar uma quantidade "x" por ano. Bom, se fortalecer a agricultura
familiar já é importante, aqui no Vale do Ribeira, em Registro, um dos produtos que se
tem disponível e que traz a íntima ligação com a Mata Atlântica é Palmeira Juçara. Sem
falar que é muito saborosa. Então, por um lado tem a questão da Mata Atlântica, a
disponibilidade dessa palmeira, por outro, a importância de introduzir a polpa nos
hábitos alimentares, porque não é do nosso cotidiano ainda o consumo do suco do fruto
da Juçara. Mas é importante introduzir, e não vai ser difícil porque é muito saborosa.
Portanto, nós temos disponibilidade e precisamos valorizar os nossos recursos naturais,
trazendo não só uma simbologia, mas uma ação concreta pra estimular outras
prefeituras a fazerem o mesmo.
REJU - Nesse contexto de discussão da merenda escolar, foi importante ter ocorrido em
Registro o encontro da Rede Juçara?
SANDRA - Com certeza. E eu tenho dito pra todos os prefeitos, em todos os fóruns que a
gente participa, que quem está numa cidade grande, numa capital, tem que olhar
muito pras regiões que têm produtos da agricultura familiar, porque é a possibilidade
que o agricultor tem pra vender. Mas mesmo aqui, numa região riquíssima em
biodiversidade, a forma dominante de pensar ainda é do modelo tradicional, da
indústria, da cidade vertical. A nossa região, infelizmente, ainda é conhecida por
indicadores socioeconômicos muito ruins. Então, as pessoas ligam como se a nossa
dificuldade de desenvolvimento fosse decorrente da preservação ambiental. E este é o
grande debate. Não é decorrente disso, é o contrário, esta é a grande oportunidade que
nós temos: usar os nossos recursos naturais pra garantir alimentação para o povo. Tem
que se ter resultados práticos. A gente tem que ser capaz de criar alternativas para essa
extração predatória da Palmeira Juçara, por exemplo, que prejudica a floresta e que
deixa na clandestinidade vários agricultores e seus filhos. Entristece ver uma criança
que deixa de ir na escola pra subir numa mula e sair pra tirar palmito, ficar 7, 10 dias
dentro da mata. E isso acontece. Perto daqui. Ele não estuda porque acaba não tendo
outra alternativa que não a de ir pro mato.
valor nutritivo
Melhor que o açaí?
Ainda que muita gente chame de "açaí" o fruto da Palmeira Juçara, ambos são provenientes de plantas diferentes - árvores "irmãs", mas diferentes. O açaí, um
alimento já consolidado, de origem na Floresta Amazônica e parte inerente da cultura, por exemplo, dos paraenses, vem principalmente da palmeira de nome
científico Euterpe oleracea, uma espécie comum da várzea do Rio Amazonas e que brota em touceira com 4 a 8 estipes, diferentemente da Euterpe edulis, a
Juçara, que cresce individualmente e é característica do interior das florestas do bioma Mata Atlântica. Mesmo assim, são muito parecidas, tanto na aparência
da árvore e de seus frutos como nas suas características nutricionais, sendo considerados alimentos extremamente ricos. Mas, quando se parte para a análise de
algumas substâncias específicas, é possível observar bem a diferença e perceber como a polpa de Juçara sobressai-se no comparativo com o açaí.
Entrevistas completas em: http://www.redejucara.org.br/site/pagina?id=17
Na tabela, o destaque fica para uma substância chamada antocianina, um
antioxidante muito importante para o combate a várias doenças, inclusive o
câncer. Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a ESALQ/USP, em
Piracicaba, o Dr. Leandro Carmo vem realizando ao longo de mais de 2 anos uma
série de testes para determinar a característica nutricional deste "novo"
alimento e para vislumbrar alternativas que permitam tanto a conservação por
mais tempo dessas características como para facilitar a produção e a
comercialização em grande escala, sem que tais características sejam perdidas teste de alta pressão hidrostática, irradiação, pasteurização, desidratação, etc..
Tudo isso pra demonstrar o imenso potencial de um fruto que, segundo ele, não
compete com o açaí, mas que, sim, tem o seu próprio mercado.
LEANDRO CARMO - O que é melhor e o que é pior é muito relativo, mas existem
certos nutrientes na Juçara que se apresentam numa quantidade realmente maior
do que no açaí. E olha que o açaí está sendo chamado no exterior de "superfruta",
porque tem uma quantidade muito grande e antioxidantes, que evitam o
envelhecimento precoce das células. Isso está muito relacionado com várias
doenças degenerativas como Alzheimer, Mal de Parkinson, câncer. Já foi
observado no Amazonas que há um índice muito baixo dessas doenças. Isso não só
pelo açaí, mas pelas diversas frutas que se consome lá. Mas o açaí é muito rico
nessas substâncias. E, pelas nossas análises e de outros pesquisadores, a gente já
chegou numa conclusão de que a Juçara apresenta 3 vezes mais esse composto,
essas antocianinas, esses antioxidantes. Então, nesta questão, a Juçara é bem
melhor e este foi o ponto de partida pra ver a qualidade da polpa. Ela é também
muito rica em cálcio, que é fundamental principalmente para as crianças, por
causa do crescimento, e para pessoas mais idosas, que têm uma tendência a
perder cálcio dos ossos. E tem uma quantidade muito grande de potássio. Pra uma
atividade física e mental, você tem um desgaste muito grande de potássio. Ou
seja, a gente está com um alimento que tem uma grande quantidade de
antioxidantes, uma grande quantidade de cálcio e uma grande quantidade de
potássio, além de ser um alimento muito calórico, que também crianças e
esportistas precisam muito. É um alimento muito bom nesse sentido.
REJU - E qual o enfoque do trabalho que vocês estão fazendo no laboratório da
ESALQ?
LEANDRO CARMO - As antocianinas são muito boas porque se oxidam. Elas roubam
o oxigênio, roubam o que está estragando as células. Por outro lado, pela
capacidade de oxidar rápido, ela se degrada muito rápido. Então, é fundamental a
gente entender como preservar esse antioxidante. Se você já tomou Juçara, você
viu que no copo as bordas já começam a ficar marron, já começam a mudar de cor.
Isso é resultado da oxidação da antocianina. Ou seja, é um alimento muito bom,
mas que se degrada muito rápido. Ele vai perdendo essa capacidade. A gente está
com um alimento que tem propriedades importantíssimas para a saúde. Não é um
alimento comum. É muito mais que isso. Ele cai numa categoria funcional de ter
qualidades que previnem doenças. E, aí, não adianta eu ter um alimento gostoso
se eu perder essas qualidades. Desse jeito, eu vou ter uma outra polpa de fruta
qualquer. A gente não tem outra polpa de fruta qualquer, a gente tem Juçara, que
tem essas propriedades, e a nossa intenção é manter essa capacidade. Porque
com isso também vem um valor agregado - não só o valor econômico, mas o valor
de saúde, de prevenção dessas doenças. É importantíssimo a gente manter
esses antioxidantes na polpa.
REJU - E por que você acha que a Juçara precisa se distanciar do açaí?
LEANDRO CARMO - Porque todo produto não é só objeto, ele vem com um
monte de valor, muita memória agregada. Isso é muito importante. As
pessoas têm uma memória gustativa muito grande, você tem uma
identidade gustativa muito grande. E o açaí, como entrou principalmente
na região sul e sudeste, vem ligado à academia, a esporte. Por mais gostoso
que seja, quando uma pessoa come o açaí, ela remete-se ao esporte. Porque
há um valor agregado em cima disso. E a gente está com um produto que se
quer trabalhar a identidade de Mata Atlântica, de floresta, de preservação,
de comunidade. Esses valores também são econômicos. Inclusive, em cima
disso, a pessoa busca o alimento sabendo que está preservando a Mata
Atlântica. E o açaí não tem isso. Pelo sul e sudeste, acabou se perdendo essa
história. Quem come o açaí não está pensando em preservar a Amazônia.
Quem come o açaí está pensando em esporte. É por isso que eu acho
importante. O produto é muito parecido, embora a Juçara seja melhor em
antocianinas e tenha uma quantidade de potássio maior, o gosto, as
características sensoriais são muito parecidas. Mas a grande vantagem são
todos esses valores agregados, que a gente quer manter pra realmente
estabelecer um produto que mantenha a árvore em pé, que traga a
possibilidade do pequeno agricultor tirar um rendimento da mata, pra que
ele tenha o interesse em preservar essa mata.
Geraldo Xavier de Oliveira
(Guapiruvu, Sete Barras, SP)
Eu tenho uma admiração pela Juçara e
vejo nela uma fonte de renda, mas,
acima da renda, a saúde. É importante
que a gente passe isso para as pessoas.
Vale a pena consumir a Juçara porque
vai ser um ponto de equilíbrio da nossa
Mata Atlântica.
i
producao
i
Agroindústrias para a Juçara no RS Em Ubatuba, processamento
A concretização da sustentabilidade de quem produz a polpa de Juçara passa na escola da comunidade
obrigatoriamente por alguns processos de organização. Por todos os lados,
iniciativas estão surgindo pra se envolver comunidades na coleta, processamento e
disseminação da palmeira. Em alguns lugares, a semeadura ocorre "a lanço", no meio
dos capões de mato, gerando uma dinâmica que inclui diretamente nesse tipo de
ecossistema a presença do homem. Em outros, se está consorciando a espécie em
bananais - tão extensos, circundando boa parte do que resta de Mata Atlântica - ou
então se plantando nos próprios quintais das casas de algumas cidades. Ou seja, a
matéria-prima vem crescendo exponencialmente, o que já é reflexo do incremento
do mercado consumidor, principalmente em virtude da inserção da polpa na
merenda escolar dos municípios. Mas, como se sabe, é necessária uma certa infraestrutura específica para atender essa crescente demanda, respondendo a
exigências legais para o processamento de grandes quantidades. No litoral norte do
Rio Grande do Sul, já são duas agroindústrias montadas para processar polpa, uma
delas, inclusive, em plena expansão.
CRISTIANO MOTTER, equipe técnica do Centro Ecológico - Na comunidade Boa
União, município de Três Forquilhas, está sendo finalizada uma agroindústria que foi
construída com recursos de um projeto do Centro Ecológico por demanda do grupo da
AMADECOM, um grupo de mulheres que há anos vem trabalhando e lutando pra ter um
espaço pra processar panifícios e, agora, a polpa de Juçara pra comercializar
principalmente na alimentação escolar.
REJU - Como é que fica a produção com o panifício e o processamento de polpa no
mesmo lugar?
CRISTIANO - Estivemos em conversa com a Secretaria de Saúde de Osório, que faz a
fiscalização e dá o alvará, para montar o projeto. Então, em uma semana vai ser
processada a polpa, em outra, os panifícios. Há duas entradas separadas, uma para os
frutos da Palmeira Juçara e uma outra com sala separada pra guardar os ingredientes
de panifícios. A sala de processamento é a mesma, e a saída do produto também. Por
esse motivo é possível fazer as duas coisas. Um outro aspecto interessante é que esta
agroindústria está estabelecendo parcerias com cooperativas e com outros grupos
pra poder processar a fruta que é produzida aqui na região. Isso é muito importante
porque viabiliza economicamente um empreendimento que está começando, o que
ficaria difícil de acontecer sem parcerias como essas.
EDUARDO DARVIN, biólogo da equipe técnica do IPEMA - Na comunidade
do Sertão do Ubatumirim, é na escola que será realizado o
processamento dos frutos da Juçara pra produção de polpa. E a intenção
é a inserção no mercado da região e na alimentação escolar do
município.
REJU - Quantas comunidades são contempladas no trabalho que vocês
estão desenvolvendo?
EDUARDO - São 5 comunidades tradicionais que trabalham com a
produção de polpa, sementes e mudas e o repovoamento da espécie
dentro do município, em áreas do interior e do entorno do Parque
Estadual da Serra do Mar. Fazemos um trabalho de capacitação com
essas comunidades. A gente desenvolve em cursos modulares,
envolvendo todos os aspectos da produção e do plantio. Fazemos
também o acompanhamento durante a safra toda. Por exemplo, no
Sertão do Ubatumirim sempre vai haver um técnico do IPEMA em toda a
despolpa que acontecer na cozinha da escola, assessorando e
contribuindo com as pessoas novas que venham a entrar no trabalho.
REJU - E você já viu algum resultado prático?
EDU - Começamos em 2005/2006, e já houve uma evolução bem grande.
A quantidade de polpa produzida foi aumentando gradualmente. Em
2008 se produziu cerca de 800 quilos. Em 2009, já se produziram 2
toneladas. 2010 foram 2 toneladas também, dando uma estabilizada. A
meta é que, este ano, no mínimo as 2 toneladas sejam alcançadas. Há
ainda a própria interação da comunidade com a espécie, com o plantio
principalmente, porque até então isso não existia aqui. É algo novo a
produção de polpa através do fruto, só se conhecia a Juçara para o uso
do palmito. E, a partir do momento que se passou a produzir e a vir o
retorno financeiro, a atividade de replantio foi se intensificando cada
vez mais. Hoje, o pessoal planta mesmo bastante, repovoando as áreas
de manejo, as áreas de bananal.
REJU - A questão da capacitação de pessoal é uma parte, mas a
tecnologia é outra também, pois precisa de uma certa estrutura. A
despolpadeira vem de onde? E quantas vocês já conseguiram colocar?
EDUARDO - A despolpadeira que consideramos a melhor vem lá do Pará.
É feita pra produção de açaí. Hoje, Quilombo do Camburi, Quilombo da
Fazenda, Sertão do Ubatumirim, Bairro Corocovado, Praia Grande do
Bonete, cada um tem uma despolpadeira. Aqui no Ubatumirim, como é
uma comunidade que tem mais produção, mais famílias envolvidas, tem
esta despolpadeira que vai ficar na cozinha e tem mais duas que vão
ficar girando pra comunidade poder fazer o trabalho artesanal dentro
das casas.
Entrevistas completas em:
http://www.redejucara.org.br/site/pagina?id=18
Na família de Izaías Benck Becker, na localidade de Morro Azul, há 20 anos
trabalhando com agricultura ecológica, a expectativa com o processamento de polpa
é do tamanho da expansão ocorrida na sua agroindústria. Recentemente, uma grande
câmara fria, de congelamento rápido, com capacidade para 20 toneladas, foi
anexada a um espaço que anteriormente vivia somente de processar banana.
IZAÍAS - O trabalho com a Juçara surgiu num sistema agroflorestal com o objetivo de
se cultivar algumas plantas para o sombreamento do bananal. Foi aonde encaixou
direitinho a palmeira. A gente já vem há uns cinco anos produzindo polpa dentro da
agroindústria. E, agora, com um apoio do Centro Ecológico e do Banco Mundial, demos
uma alavancada com compras de equipamentos e de uma câmara fria de
congelamento pra poder processar mais volume.
REJU - Mas tirou espaço da produção de banana? A tendência é aumentar ainda mais a
produção?
IZAÍAS - As duas convivem bem. A nossa agroindústria foi projetada pra trabalhar um
certo volume, não muito. E sempre que a gente trabalha com um produto não trabalha
com outro.
ROSIMERE HENDLER CARLOS BECKER, esposa - E depois que começamos a fazer a
polpa, aumentou bastante o número de gente plantando. A semente que processamos
no ano passado foi toda levada. Não tem como dizer, não sei quantos mil pés de
Palmeira Juçara já foram plantados!
REJU - A despolpadeira vem de longe, de outra realidade. Tem como
melhorar esse equipamento aqui?
EDUARDO - O pessoal está cada vez mais envolvido com a proposta. No
Ubatumirim tem um rapaz que é torneiro mecânico e que já bateu o olho
e falou que dá pra fazer, de repente, até umas melhores, com
possibilidade de se adequar a nossa demanda aqui.
REJU - E como está sendo o envolvimento da juventude nesse tipo de
trabalho?
EDU - A gente vê que é um desafio estar inserindo o jovem dentro da
atividade produtiva. Na nossa região, devido a toda questão da
especulação imobiliária pela pressão turística e pelo histórico de luta
que há com unidades de conservação, existindo, inclusive, repressão
com as atividades agrícolas, dá pra sentir que tem um desestímulo muito
grande na integração de forma geral, seja nos plantios tradicionais de
banana, de mandioca, na roça mesmo. E isso também acontece com o
sistema agroflorestal, no sistema com o manejo que estamos
trabalhando, por exemplo, da colheita de frutos e produção de Polpa de
Juçara. Mas vemos nessa atividade, em que é essencial a ação do jovem,
porque a escalada da palmeira é feita com o uso da peconha, um
conteúdo lúdico até. Quando se sai com um grupo de jovens pra colher,
rola aquele monte de brincadeiras. É uma atividade coletiva que o
jovem precisa, e a colheita de Juçara propicia um pouco isso. É uma
coisa que a gente está conseguindo trabalhar, e o pessoal está se
engajando, mas é um desafio isso ser encarado como uma oportunidade
viável deles serem reconhecidos socialmente, de verem na atividade a
possibilidade de um sustento através desse tipo de produção.
Araçari de Bico Branco (Pteroglossus aracari) se alimentando
dos frutos da Juçara em Viçosa, região da Zona da Mata Mineira.
Foto: Acervo do Centro de Tecnologias Alternativas - CTA-ZM
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sustentabilidade e Conservacao
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Manejo Sustentável para salvar o bioma Mata Atlântica
Entrevista completa em: http://www.redejucara.org.br/site/pagina?id=19
No Vale do Rio Ribeira, considerado o contínuo mais extenso de Mata Atlântica no Brasil, há um bom tempo se travam diversos conflitos contra a mais variada
gama de especulações que um sistema econômico como o do Brasil possa gerar. De área compreendendo vários municípios do Paraná a São Paulo, é marcado pela
grande quantidade de Palmeiras Juçara e, por isso, pelo extenso extrativismo ilegal de palmito, que acabou por marcar a região. No Estado de São Paulo, a luta
tem sido pra modificar uma característica que se disseminou também nas culturas tradicionais como dos quilombolas para trazer a sustentabilidade tanto
dessas comunidades como também da própria Mata Atlântica a partir das possibilidades de manejo sustentável da Juçara. Nesta entrevista, o coordenador do
Programa Vale do Ribeira do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), Nilto Tatto, e o engenheiro agrônomo que vem trabalhando na região desde 1986 e foi coordenador
técnico do Projeto PDA do ISA no Vale, Marcos Gamberini, discorrem sobre os problemas e desafios de uma proposta de desenvolvimento sustentável que
agregue todas as questões de preservação do bioma Mata Atlântica.
Nilto Tatto – Nós acreditamos que a conservação só vai ocorrer de fato se
você conseguir manejar e fazer com que as comunidades vejam na Palmeira
Juçara uma fonte de renda sem ser da forma como vem ocorrendo hoje,
com o extrativismo de forma ilegal e insustentável.
REJU – Isso é o que tradicionalmente ocorre nessas áreas? A realidade que
vocês encontraram com os quilombolas, nos projetos do ISA, é esta?
Nilto – Os quilombolas, como várias outras famílias tradicionais no Vale do
Ribeira, ou mesmo também ligadas à agricultura familiar, sempre fizeram o
extrativismo da Juçara, num primeiro momento pra consumo e depois para
comercialização, principalmente quando se proibiu esse extrativismo. Daí
começa a funcionar o mercado clandestino, e isso de uma certa forma
incentivou o extrativismo ilegal com muito mais ênfase do que
anteriormente. É evidente que não só os quilombolas como várias outras
famílias no Vale do Ribeira acabaram tendo a Juçara como a principal fonte
de renda. Isso ainda ocorre. E esse processo do extrativismo ilegal com
intensidade levou a Juçara a fazer parte da lista de espécies ameaçadas.
Então, esse ciclo de querer conservar e manter só com fiscalização e
controle sem incentivar o extrativismo de forma sustentável vem cada vez
mais diminuindo a quantidade da espécie. E o projeto que o ISA vem
implementando vem no sentido de dialogar principalmente com as famílias
que vivem disso pra buscar uma alternativa de renda que seja legal, que
seja sustentável. Porque a gente acredita que, na medida que se possa
manejar, elas também cuidarão para que não seja extinta a espécie.
REJU – E como é que tem sido a aceitação dessas comunidades em se
trabalhar com a polpa do fruto?
Marcos Gamberini – A utilização da semente de dentro da própria
comunidade abriu essa porta pra se trabalhar com a polpa, já que pra usar a
semente tinha a possibilidade de se extrair a polpa antes. Aí, fizemos a
despolpa com o pessoal do Guapiruvu, que já estava um pouco mais
avançado nisso. Já na primeira compra de sementes que fizemos, eles
compraram um freezer pra guardar a polpa. A coisa começou meio
naturalmente, sem essa pretensão sobre a polpa, era muito mais uma
questão de repovoamento. Mas se começou a ver que era interessante,
surgiram estudos, reuniões... Do ponto de vista da geração de renda, vimos
que se a polpa da Juçara estiver totalmente legalizada e for possível uma
comercialização de fato, não clandestina, isso geraria mais renda do que o
palmito. Uma planta geraria renda todo o ano em pé, já o palmito...
Nilto – Então, essa história no Vale do Ribeira começa com o Guapiruvu e
tem um upgrade nesse projeto com os quilombos. É possível se dizer que o
vale inteiro não tinha cultura do uso da polpa. Hoje, está se ampliando, mas
numa nova perspectiva que tem um problema sério: o mercado. Você tem
que trabalhar a marca da Juçara, viabilizar a comercialização da polpa. E
com a legislação da venda direta na merenda escolar, abre-se então um
campo pra poder se trabalhar mais. Algumas prefeituras do Vale do Ribeira
já começam a colocar na sua lista de produtos para merenda escolar a polpa
da Juçara.
REJU –Vocês acham que haverá efeitos na preservação da espécie com esse
novo panorama?
Nilto – Já nos primeiros mutirões do desenvolvimento do nosso projeto
surgiram algumas reflexões das próprias pessoas das comunidades: "Nós
sempre tiramos coisas da floresta, agora nós estamos devolvendo para a
floresta aquilo que nós tiramos demais". Quer dizer, nessa relação a gente
percebe que tem uma outra perspectiva que não a exploração
insustentável, ilegal, como vem ocorrendo. Então, desde a legislação
sanitária, a legislação ambiental, aquilo que você puder fazer pra avançar e
facilitar processos que coloquem essas comunidades pra fazer o manejo
sustentável, seja da polpa, seja do próprio palmito, porque o grande
desafio é a gente convencer aqueles que ajudaram a colocar a Juçara como
espécie ameaçada a trabalhar numa perspectiva que seja possível explorála de forma sustentável. Para isso, precisa mudar aquilo que é necessário na
legislação pra depois se trabalhar a organização da comunidade, a
educação ambiental, a organização da produção e da comercialização e
também se trabalhar o mercado para que o consumidor conheça a espécie e
a valorize, agregue valor, que é importante pro bioma da Mata Atlântica.
Marcos – Só que há também um dado novo no Vale do Ribeira hoje que é a
pupunha, que é da Amazônia e chegou como cultura agrícola forte lá na
região, como uma opção de palmito. É uma monocultura, está usando
agrotóxicos violentos porque dá praga. Aliás, monocultura normalmente
tem praga. E eles estão usando um veneno fortíssimo, além de ser um
palmito ruim comparado com a Juçara – quem come Juçara, come a pupunha e não
gosta. Eu tenho ouvido de agricultores, como agrônomo, perguntas sobre se não
daria pra fazer a cultura da Juçara. Eles falam que a pupunha não vai dar certo,
que daqui a pouco vai sair muito caro a produção por causa das pragas. A própria
pupunha está de volta chamando a atenção para a Juçara! Mas não dá para plantar
Juçara como se planta a pupunha, porque é uma espécie que precisa de sombra na
fase inicial de desenvolvimento. No entanto, as pessoas estão começando a
discutir isso, percebendo que a pupunha está ocupando um espaço que a Juçara
sempre vai ter, pois é um palmito de mais qualidade. Essa é uma questão que tem
despertado agricultores a pensar em fazer plantios de Juçara em consorciamentos
agroflorestais, porque não dá pra fazer monocultivo. E essa questão da legislação
é fundamental, porque o clandestino vai continuar, e a Juçara vai sair da lista das
espécies ameaçadas de extinção na hora que ela pular pra lista das espécies
extintas se ninguém fizer nada... Porque na minha opinião quem está ameaçado de
extinção é o bioma da Mata Atlântica. Você tem um bioma hoje que só tem 7% da
cobertura original, então ele é que foi extinto! Eu considero o bioma ameaçado de
extinção e pronto. Aí já complica tudo pra todo mundo. Outra coisa que eu acho
importante registrar também é que toda fiscalização e repressão se dá lá no
campo, lá na mata, em cima das comunidades que estão lá. Eu nunca vi um
movimento no supermercado, na pizzaria, pra brecar esse palmito aqui. Nunca
aconteceu isso. Só acontece de pegar o pequeno que está com um feixe de palmito
no mato...
Nilto – Este caso da pupunha foi bem lembrado pelo Marcos. O Banco do Brasil criou
um programa específico de desenvolvimento regional sustentável no Vale do
Ribeira e foi direto na pupunha. Inclusive, na época da implementação desse
programa, nós sugerimos que de repente se trabalhasse com a Juçara. Mas até o
ano passado o Banco do Brasil fez um investimento de mais de um milhão só na
pupunha. E aí tem uma série de estragos que isso está fazendo. Você tem famílias
quilombolas que estão dentro desse programa e que estão destruindo os seus
quintais, que são verdadeiras agroflorestas com todo o tipo de espécies de frutas e
de ervas medicinais, e plantando pupunha até a porta da casa, usando defensivos,
venenos, adubo... Ou seja, pra Juçara não há política de investimento para
incentivar o manejo, não tem linhas de financiamento, mas você tem PRONAF pra
plantar pupunha. Vou pegar o exemplo do projeto que o ISA vem desenvolvendo.
Durante o período, a Juçara se tornou um assunto importante, ativo, envolvente,
nas comunidades. Seja com o repovoamento, seja com a venda de sementes, com
as experiências de introduzir na culinária, com a discussão toda dos quilombolas
participarem junto à Rede Juçara, quer dizer, essa história estava viva. Se criou
conselho, se começou a discutir dentro das comunidades como é que nós iríamos
cuidar do território pra que não se extraísse de forma insustentável... Então, você
vinha numa agenda positiva de diálogo e envolvimento. Aí, acaba o recurso do
projeto, e você é obrigado a parar com todo esse instrumento de mobilização, de
organização, de educação, que vinha sendo feito na comunidade. Termina e você
não tem ainda uma política pública de apoio permanente pra incentivar o manejo
da Juçara ou da polpa. No fundo, da mesma forma que se criam linhas de
financiamento para monocultura diversa, as espécies que são utilizadas como
extrativismo também deveriam ter linhas de financiamento pra apoiar o manejo
sustentável.
Marcos – Mas daí você vai lá no Banco do Brasil pedir um PRONAF Agrofloresta. Vai
lá com o projeto pro gerente, e ele não entende. Ele não vai liberar recurso. Aí, o
que acontece: hoje em dia nos Bancos do Brasil do Vale do Ribeira não estão
liberando PRONAF pra nada. Sabe por quê? Tem um índice de inadimplência que
quando atinge um limite o gerente para de liberar. E esses índices foram atingidos
por causa da pupunha. Porque pra pupunha liberou PRONAF pra todo mundo, com
aquele discurso que plantar pupunha em um ano meio você está colhendo e
vendendo palmito. E não é verdade. Não é um ano e meio. A pupunha começa a ter
retorno econômico lá no Vale do Ribeira depois do quarto ano, segundo as últimas
informações. Então, todo mundo que pegou PRONAF achando que ia pagar em um
ano e meio quebrou. Não pagou, ficou inadimplente e quebrou o PRONAF pra todo
mundo. Quer dizer, aí você vê o que é uma coisa feita sem discussão, feita de cima
pra baixo. Se libera uma cadeia produtiva que nem existia na região, não foi feito
nenhum estudo agronômico sobre a sustentabilidade dessa cultura lá e aí você
quebra as outras linhas.
Nilto – Então, se é o bioma da Mata Atlântica que está ameaçado, o que é que
ameaça hoje o Vale do Ribeira? A monocultura. É a monocultura da banana, da
pupunha, do eucalipto, do pinus... Isso, na verdade, é um recado para os
conservacionistas: ou ajudam a pegar essas espécies que são manejadas na
floresta pra fazer de forma sustentável ou a gente vai fazer com que as famílias no
Vale do Ribeira vão para o caminho da monocultura. Investir recursos pro manejo
dessas espécies que são exploradas da floresta, fazer com que sejam exploradas
de forma sustentável, é fundamental. E trabalhar a legislação. Aí entra o papel dos
conservacionistas, que precisam entrar em uma outra agenda que não esta
tradicional de ficar dentro do gabinete burocraticamente garantindo que
determinadas espécies continuem como espécies ameaçadas de extinção.
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legislacao
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Panorama atual das legislações Ambiental e
Sanitária para se trabalhar com a Palmeira Juçara
Viver em sociedade, por mais incrível que pareça, tem se tornado cada vez mais complexo com o passar dos anos. Infelizmente, para que as pessoas possam se
enquadrar em organizações como o mercado de trabalho e tornar sua vida sustentável é preciso seguir uma infinidade de normas e regras que acabam muitas
vezes por inviabilizar a produção tradicional de alimentos, por exemplo – o fazer da vó, o conhecimento passado de pai para filho, isso já não serve mais se a ideia
for a produção para a sustentabilidade financeira. Principalmente se em questão se está falando da exploração de uma espécie em extinção como a Euterpe
edulis, a Palmeira Juçara. Há um sem número de restrições para qualquer tipo de manejo, mas, como destaca o assessor jurídico para políticas públicas, Willians
Zorzan, há também muitas possibilidades. Zorzan foi o responsável por todo o levantamento referente à Legislação Ambiental – nos âmbitos Federal e dos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, abrangência da Rede Juçara – que está disponível no site www.redejucara.org.br e que
traz os mais diversos aspectos tanto restritivos como de possibilidades ao manejo da palmeira. Willians também analisou o compêndio da Legislação Sanitária,
cruzando competências e diretrizes em leis, decretos e normativas em uma tabela também disponível no mesmo site. Isso tudo resultado de um processo de
trabalho de mais de um ano de viagens, entrevistas, reuniões e oficinas com o poder público e as instituições e comunidades pertencentes à Rede Juçara.
Willians - Trabalhamos com a legislação e com as dificuldades que foram sendo colhidas no diálogo
oportunizado pela Rede Juçara. A estratégia de reuniões com os gestores públicos e técnicos da área
ambiental e de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural), nos polos da Rede (Santa Catarina, Rio
de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul), foi muito importante para o coletivo da atividade de
levantamento e estudo da legislação ambiental de interesse da Mata Atlântica e da Palmeira Juçara.
Na oportunidade, dialogamos os aspectos eminentemente jurídicos da legislação e a necessidade de
construção de uma agenda positiva em política pública, notadamente no campo do manejo
sustentável da espécie Euterpe edulis, com foco na coleta de frutos para produção de polpa. Um
segundo momento, também muito rico para o desenvolvimento da atividade, ocorreu quando da
realização das oficinas nos polos da Rede, ocasião que pudemos partilhar todo o acúmulo resultante
do estudo da legislação e do diálogo com os gestores e técnicos.
REJU – No que consistiam essas oficinas? Quem era o público-alvo?
Willians – Além da apresentação do trabalho realizado, o propósito foi o de estimular a participação
social, a partir da discussão sobre as oportunidades, gargalos e desafios no campo da legislação e
política pública. Participaram das oficinas, afora o grande público constituído por pequenos
agricultores e integrantes de comunidades tradicionais, técnicos e gestores, da área ambiental e de
ATER, integrantes dos governos federal, estadual e municipal e de organizações nãogovernamentais parceiras da Rede.
REJU - Nessas visitas, qual a realidade local que você enxergou no sentido de distanciamento ou
aproximação com o poder público, com a própria legislação em si?
Willians – De um modo geral, percebo que existe um distanciamento. A ideia que se tem das agências
ambientais é de um órgão eminentemente fiscalizador.
REJU - Você acha que a comunidade enxerga como inimigo? Chega a este ponto?
Willians – Depende muito também do perfil do técnico que está trabalhando em determinada área,
mas pode acontecer sim. O que eu posso dizer é que a comunidade enxerga as agências ambientais –
não todas, é claro – como órgão fiscalizador. Então, tanto a comunidade não consegue perceber
muito menos a agência ambiental consegue se colocar além deste papel. Para mim, fiscalização é
trabalho final, há toda uma construção a ser realizada no dia a dia. O ideal é que se gaste muito
menos com a fiscalização, deixando-se pra realmente ir naquele cidadão que você sabe que
descaradamente não está cumprindo a legislação, aí você vai lá e autua pra colocá-lo na linha. E é
preciso que isso seja feito mesmo. Mas antes é necessário construir uma pauta com a comunidade.
Não é possível se trabalhar uma Instrução Normativa, um regulamento, alguma coisa, sem atender,
sem chamar a participação das comunidades. E, normalmente, a maioria das regras é feita desse
modo. Depois, aparece um cidadão, com um carro “branco”, dizendo que não se está fazendo a
coisa certa. Eu percebo que existe uma necessidade de mudar essa cultura de trato da política
pública relacionada à questão ambiental. Percebo, sim, que realmente os órgãos ambientais são
vistos como fiscais da legislação e não como parceiros da comunidade.
REJU - No caso da Palmeira Juçara, qual o maior problema que você observou?
Willians - É reclamação de toda sorte em relação à legislação. E quase tudo o que se fala realmente
procede. Lidar com o tema legislação, de um modo geral, sobretudo em se tratando do pequeno
produtor, do agricultor familiar, das comunidades tradicionais, é delicado. Pra se ter uma ideia,
hoje, o pequeno produtor e a comunidade tradicional, que têm histórias diferentes, têm relações
diferentes com a terra, com a vivência naquele habitat, são praticamente tratados, ou citados, ou
referenciados no mesmo local, na mesma forma que os outros produtores, o latifundiário, a
agroindústria patronal. Ou seja, de uma maneira geral, a legislação ambiental não deu conta ainda
de separar o joio do trigo. E o nosso trabalho era estudar a Palmeira Juçara em pé, com a
possibilidade de se coletar e colocar no mercado o fruto em forma de polpa. Mas tivemos uma
abrangência maior, fomos um pouco mais fundo por várias situações. Essa necessidade surgiu de a
gente realmente estudar um pouco mais sobre as espécies nativas. Não individualmente, mas as
possibilidades de você fazer esse manejo sustentável dessas espécies no bioma Mata Atlântica. E aí,
nesse sentido, hoje em dia, há uma dificuldade enorme, a lei não dá condição de você praticar a
atividade de manejo sustentável dessas espécies. Isso não é porque a espécie está ameaçada ou não
de extinção, essa é outra situação. É que realmente a legislação da Mata Atlântica não recepcionou
esse tipo de atividade nem para o grande e muito menos para o pequeno produtor. E isso é um
problema muito sério. Posso garantir, como profissional da área, que realmente a legislação da Mata
Atlântica não prestigia as atividades de manejo sustentável das espécies nativas para pra fins
madeiráveis. Mas a gente tem algumas oportunidades, sim. No caso, tendo a ver com o projeto da
Rede Juçara, é que essa mesma legislação possibilita, sim, você fazer a coleta dos frutos, folhas e
sementes de espécies nativas com o objetivo de alimentação, uso na propriedade e até mesmo de
comercialização. E a legislação é muito clara, ela fala que a coleta é livre e até independe de
autorização desde que você respeite alguns parâmetros que estão estabelecidos lá, como deixar
alimentação suficiente pra fauna e conservação da flora, respeitar os períodos de coleta e técnicas
que não prejudiquem a própria espécie, vamos dizer assim. Esta é a regra geral. Agora, no nosso
caso específico, a gente tem um gargalo, temos um inconveniente, porque estamos tratando de
Sistema Agroflorestal em Morrinhos do Sul (RS)
específico, a gente tem um gargalo, temos um inconveniente, porque
estamos tratando de uma espécie que está na lista de ameaçadas de
extinção. Mesmo assim, existe um entendimento: você pode colher desde
que seja autorizado. Aí é que nascem os desafios em matéria de política
pública. Você necessita autorização. A oportunidade é essa. Você pode
realmente coletar respeitando aqueles parâmetros de “bom senso”, e, no
caso da Juçara, a gente teria que atender à recomendação de ter o órgão
ambiental controlando, autorizando e licenciando, seja lá o nome que se
vai dar a este procedimento.
REJU - E é possível ele plantar também? Ou também tem que ser
autorizado dentro da mata?
Willians – Como eu disse, a legislação da Mata Atlântica é nova e os
estados ainda não conseguiram se organizar para a sua efetiva
implementação. E isso também eu acredito seja um dos pontos positivos
do projeto da Rede Juçara. Porque, de alguma maneira, a gente levou à
discussão: “Olha, existe um grupo de agricultores que trabalham com a
Palmeira Juçara e trabalham de uma maneira sustentável, e nós
precisamos garantir, minimamente, a continuidade da lida desses
agricultores preservacionistas”. Então, a gente discute não só a questão
da exploração do fruto, mas também questões relacionadas à própria
conservação da Mata Atlântica. E entra aí aquilo de o agricultor poder ou
não plantar. Pode. A legislação permite, a partir da edição do Decreto
6.660 de 2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica. O agricultor pode
plantar, pode semear em meio ao estágio secundário de regeneração da
Mata Atlântica para, futuramente, fazer o manejo (múltiplo) sustentável
da espécie. Mas essa intenção precisa ser autorizada pelos órgãos
estaduais de meio ambiente, por intermédio de procedimento
administrativo próprio. A legislação traz um seriado de recomendações
que precisam ser atendidas pelo agricultor, que sozinho não dá conta de
cumpri-las. Portanto, essa é uma política a ser construída nos Estados
Federados.
REJU – A lei da Mata Atlântica fala em procedimentos simplificados para o
pequeno agricultor e comunidade tradicional...
Willians – Sim. A rigor, o Estado deve facilitar o acesso deste público à
autoridade administrativa específica e estabelecer procedimentos
simplificados e gratuitos, formulados com a observância de metodologias
que garantam o direito de participação do cidadão, assegurando-lhe a
possibilidade de conhecer e opinar sobre assuntos relevantes que estão
sendo tratados no âmbito da Administração Pública, que possam afetar
seus bens ou direitos. Tanto a simplificação dos atos administrativos, quanto à
participação popular na formulação e controle da política pública decorre da
própria ideia de Estado Democrático de Direito e do ideal de cidadania plena. Isso
implica que o que o cidadão deve intervir no Poder Público não somente para
escolha dos dirigentes, mas também no cotidiano da Administração Pública.
REJU - Como está a articulação das legislações entre os estados?
Willians - Não existe nada neste sentido, em matéria de legislação nos estados.
Infelizmente. É fato que estamos tratando de uma legislação em construção, mas
é fato também que o manejo da Juçara é praticado há muito tempo, pelo menos
50 anos. Então, é coisa tradicional, é prática passada de pai para filho, como
acontece nas comunidades do Guapiruvu, Rio Preto e quilombolas do Vale do
Ribeira paulista. E essa é uma situação que está muito distante da realidade legal.
Penso que legislação boa é aquela que consegue descrever o que já vem sendo
realizado de maneira sustentável por essas comunidades de agricultores da
floresta e não o contrário.
REJU - Qual o papel dessa segmentação na legislação dos estados no fato de já
termos agroindústrias montadas e certificadas pela Vigilância Sanitária em alguns
estados e em outros ainda não?
Willians - Não é que sejam legislações diferentes. A meu ver, o fato de existir
numa determinada localidade um número maior de agroindústrias regularizadas
pela, não nos remete a distinções entre as legislações aplicadas nos estados.
Existem sim variações de interpretação sobre esse ou aquele artigo de lei, assim
como, uma aproximação ou distanciamento desse ou daquele órgão de governo,
mas o que faz a diferença neste sentido tem a ver com a maior ou menor
capacidade organizacional das comunidades.
REJU - Primeiro tem que reconhecer que tem valor ambiental...
Willians - Tem que reconhecer que tem valor ambiental, e o serviço ambiental, na
minha ótica, é um serviço que não é prestado pela natureza única e
exclusivamente, é um serviço prestado pela natureza e pelas pessoas que vivem
lá há séculos tradicionalmente – principalmente o pequeno produtor e as
comunidades tradicionais que vivem nas áreas mais bem preservadas de Mata
Atlântica que a gente tem nesse país. O Vale do Ribeira é o maior remanescente
contínuo de Mata Atlântica no Brasil e é habitado por uma infinidade de
comunidades tradicionais e quilombolas. Por outro lado, é a região com IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo do Estado de São Paulo.
Portanto, nesses locais que a gente tem que trabalhar, fazer acontecer essa
aproximação, esse diálogo da política pública socioambiental.
Cultivando a jucara
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Cultivando a Juçara
Coleta de frutos
Obtenção de Sementes
O processo de obtenção de sementes pode ser feito através do mesmo método de extração da
polpa. Os frutos após lavados podem ser deixados de molho em água morna em torno de 35
graus centígrados por meia hora até que sua polpa esteja hidratada e amolecida. Extrair a
polpa e lavar os frutos. A germinação pode ocorrer em 30 dias no verão e pode levar mais de
três meses no inverno.
As sementes, em média, possuem viabilidade acima de 80% logo que coletadas.
Semeadura
A semeadura pode ser a lanço ou por enterrio das sementes. O enterrio em profundidade de 2 a 3
cm favorece a germinação, o "pegamento" das mudas e estabelecimento das plantas. A escolha de
semear a lanço ou fazer enterrio vai depender da disponibilidade de sementes, mão-de-obra e da
condição da vegetação e do solo da área manejada.
A Palmeira Juçara, quando cultivada, deve ser comunicada ao órgão ambiental local para
futuramente obter-se a licença de colheita tanto de frutos quanto do corte para o palmito.
Produção de Mudas
GERMINAÇÃO: colocam-se as sementes em sementeiras cobertas com serragem, areia ou material
orgânico, mantendo-se úmido.
TRANSPLANTE: depois de recém germindadas (sementes com brotação) as sementes são
transplantadas para saquinhos ou tubetes.
CRESCIMENTO DA MUDA: mentém-se as mudas sempre à sombra (sombrite 50%) e com umidade.
PLANTIO DE MUDAS: o plantio das mudas deve ser feito na época de mais chuva.
Dicas:
- mudas grandes (mais de 4 folhas) são usadas quando se tem pouca semente ou quando se quer
ganhar tempo no crescimento da muda;
- mudas com torrão (saquinhos ou tubetes) adaptam-se bem ao plantio;
- mudas de raiz nua, quando já estiverem com folhas, são bastante sensíveis e devem ser
transplantadas em períodos de maior chuva.
Manejo da Sombra sobre a Juçara
O manejo da sombra é fundamental para o bom
crescimento da Palmeira Juçara. Sol pleno nos
primeiros três anos é prejudicial e geralmente mata
a planta.
Formas de Cultivo
EM CONSÓRCIO COM BANANA: No meio do bananal, a Juçara pode se beneficiar de uma sombra adequada
(nem muito fechado, nem muito aberto). Também se beneficia da adubaçao residual da bananeira e da
umidade.
O espaçamento pode ser variável, de acordo com o interesse do agricultor:
Sombra demais também limita o crescimento.
Compare:
Em matas muito fechadas, a Juçara demora mais de
10 anos para estar em ponto de corte (9cm de DAP =
400g de palmito). Em situações de capoeira ou
cultivos em consórcio com banana, a Juçara
plantada cresce bem mais rápido (5 a 8 anos).
No caso de cultivos em consórcio, a Juçara tende a
ficar mais baixa do que nas matas, o que pode
facilitar bastante a colheita dos frutos.
1) na banana como cultura principal, espaçamento da Juçara no meio das bananeiras pode ser em torno de
3 x 6m (556 plantas/hectare);
2) na substituição da cultura da banana pelo cultivo da Juçara, o espaçamento pode ser mais denso (1 x 2
ou 2 x 2m);
OUTROS CULTIVOS: A Palmeira Juçara pode ser plantada também em meio a cultivos de citros (laranja,
tangerina), palmeira real australiana (para palmito), reflorestamentos (louro, sobraji, cedro, etc.). A
Juçara também pode ser plantada com a função de cerca viva, quebra-vento ou como planta ornamental. A
quantidade e o espaçamento da Juçara na área deve ser de acordo com o cultivo de maior interesse e da
estrutura das espécies utilizadas. O plantio pode ser feito tanto nas linhas quanto nas entrelinhas dos
cultivos. Em todos esses cultivos, o palmito e a polpa dos frutos da Juçara poderão ser uma renda extra
para o agricultor, além de contribuir também para a conservação desta espécie.

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