do pdf - Anistia Internacional

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do pdf - Anistia Internacional
“30 ANOS É
MUITO TEMPO…
PARA SE FAZER
JUSTIÇA”
“30 ANOS É MUITO TEMPO…PARA SE FAZER JUSTIÇA”
AMNESTY INTERNATIONAL DEZEMBRO 2014
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“As pessoas perderam a paciência. Elas ainda lembram. Elas
ainda choram e lamentam os membros de suas famílias mortos
naquele dia. Elas sentem que, pelo menos agora, o nosso
governo e a empresa devem escutar e tomar medidas pois 30
anos é muito tempo...para se fazer justiça.”
Safreen Khan, 20 anos, cujos pais sobreviveram ao vazamento de gás de 1984 em Bhopal
Conhecida no passado como a Cidade
dos Lagos, Bhopal fez história como o
local onde um dos maiores desastres
industriais aconteceu.
Em 1984, um vazamento de gás tóxico
na cidade, localizada no centro da Índia,
matou e feriu dezenas de milhares de
pessoas. Trinta anos mais tarde,
a tragédia se transformou em uma
contínua ridicularizarão dos direitos
humanos.
O DESASTRE
Entre 2 e 3 de dezembro de 1984,
em torno de 24 toneladas cúbicas de
isocianato de metilo (MIC), um gás
altamente volátil e mortífero, vazaram da
fábrica de pesticida Union Carbide em
Bhopal. Em três dias já havia em torno de
10.000 mil pessoas mortas.
Eles morreram em agonia, sufocando nos
seus próprios fluidos corporais na medida
em seus pulmões entravam em colapso.
“Eu vi milhares de pessoas deitadas
no chão”, diz o patologista Doutor D.K.
Satpathy, ao se lembrar da cena ao correr
para o hospital naquela noite fatídica.
“Uns estavam grunhindo, outros
sufocando, outros chorando.”
Mesmo assim, quando ele e outros
médicos ligaram para a Union Carbide,
desesperados por informação,
representantes da empresa informaram
que o gás não causaria nada mais do que
uma irritação média e aconselharam as
autoridades médicas a não dar um
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“30 ANOS É MUITO TEMPO…PARA SE FAZER JUSTIÇA”
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medicamento que potencialmente
poderia ter salvo vidas.
Em torno de meio milhão de pessoas
foram expostas a níveis perigosos de
toxinas. Muitos sofreram de doenças
debilitantes ou ficaram inválidos para o
resto da vida.
“Eu vomitava, tinha dores enormes no
peito e irritação nos olhos,” diz Shahzadi
Bi que ainda vive com a família nas
imediações da fábrica. Os pulmões
do marido dela foram severamente
afetados e os médicos disseram a ele
que seu coração está permanentemente
danificado.
Até hoje, a Union Carbide se recusa a
dividir informações importantes sobre
a composição do gás e seu efeito
em pessoas, informação vital para se
fornecer um tratamento médico eficaz.
CRIME CORPORATIVO
Imediatamente após o vazamento, as
autoridades da Índia prestaram queixa
criminal contra a Union Carbide Limited
(UCIL), sua empresa parente americana
Union Carbide Corporation (UCC), o
então Diretor Executivo (CEO) da UCC
Warren Anderson, e oito funcionários
indianos da UCIL.
Mais tarde, evidências iriam surgir que
mostram que a UCC, a corporação no
centro deste incidente, estava ciente dos
problemas de segurança na planta em
Bhopal anos antes do desastre em 1984.
Mesmo assim, a empresa continuou a
manter enormes quantidades do altamente
tóxico MIC, sem seguir os procedimentos
corretos. A empresa também falhou
em organizar um plano de emergência
para avisar as comunidades locais sobre
vazamentos, mesmo tendo um plano de
emergência organizado para uma planta
parecida em West Virginia, EUA.
Quando Warren Anderson chegou em
Bhopal, em 7 Dezembro de 1984, ele
foi preso na sua chegada. Após algumas
horas, ele foi liberado sob a condição
de que retornaria ao tribunal indiano
para responder à acusação de homicídio
culposo (não somando assassinato). Ele
nunca retornou e faleceu em setembro de
2014, um fugitivo até o final.
Alguns anos após o desastre, a UCC
vendeu seus títulos à UCIL. Se retirou de
©Raghu Rai / Magnum Photos
Bhopal, deixando para trás tanto o local
da fábrica altamente contaminado quanto
uma comunidade, já afetada, para lidar
com a poluição.
ABREVIAÇÕES
Em 2010, 26 anos depois do
desastre, sete funcionários da UCIL,
todos de nacionalidade indiana, foram
condenados por causar mortes por
negligência criminosa. No entanto, a
empresa parente da UCIL, UCC com base
nos Estados Unidos, permanece fugitiva
da justiça.
UCIL – Union Carbide India Limited;
a UCC possui 50.9% dos títulos e
controlava a UCIL na época do desastre.
Em 2001, a UCC foi comprada por outra
empresa americana, a Dow Chemical
Company (Dow). Como proprietária de
100% da empresa, a Dow tem o poder de
direção sobre a conduta da UCC, mesmo
assim nada foi feito para assegurar que
a sua subsidiária responda as acusações
criminais contra ela.
Union Carbide – aqui usado para se
referir ao grupo corporativo Union
Carbide que inclui a UCC e UCIL .
UCC ­­­­–­­­ Union Carbide Corporation,
com base nos EUA.
Dow – The Dow Chemical Company.
A UCC tem sido uma subsidiária
completamente pertencente a Dow
desde 2001.
Para marcar o 30° aniversário da tragédia
em Bhopal, a Anistia Internacional convidou
o premiado fotógrafo Raghu Rai para
documentar os efeitos do vazamento de gás
na população de Bhopal. Em 1984, Raghu
testemunhou as terríveis consequências do
vazamento. Esta nota contém uma mescla de
fotografias recentes e de arquivo.
Acima: A fábrica abandonada da Union
Carbide lança a sua tóxica sombra sobre as
comunidades de Bhopal, Dezembro 2001.
O vazamento de gás e a contaminação
de 1984 vindos da operação da fábrica
continuam a danificar a saúde e as vidas dos
habitantes de Bhopal.
Capa: Shahzadi Bi, 60 anos, sobrevivente
do vazamento de gás em Bhopal, em sua
casa na Blue Moon Colony, alguns metros
da fábrica abandonada da Union Carbide.
A comunidade é uma das 22 que circundam
a antiga fábrica.© Raghu Rai / Magnum
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SAFREEN KHAN
Aos 20 anos, Safreen Khan é a
nova geração de ativismo. Muito nova
para ter passado pela experiência
do desastre em primeira mão, sua
vida no entanto foi definida pelas
consequências do desastre.
Os pais dela foram sobreviventes
do vazamento e ela continua a
viver à sombra tóxica da fábrica.
Safreen primeiro ouviu sobre o
desastre de 1984 e Union Carbide,
a empresa responsável, quando ela
estava na escola. “Eu tentei juntar
mais informação perguntando para a
minha mãe. Foi aí então que eu entendi
que os problemas que a minha família
estava passando começaram com o
vazamento de gás.”
Interessada no que ela estava ouvindo,
Safreen foi a mais reuniões. Ela viu
seus pais fazerem uma greve de fome
com outros manifestantes. Membro do
Crianças contra Dow-Carbide desde
2008, Safreen tem exposto a batalha
por justiça dos sobreviventes de
Bhopal tão longe quanto os Estados
Unidos e Reino Unido.
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©Raghu Rai / Magnum Photos
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Abaixo: Pacientes na Clínica Sambhavana
que oferece tratamento aos sobreviventes do
vazamento de gás.
Direita: Satinah “Sathya” Sarangi (em pé,
centro) e Rachnu Dhingra (em pé ao lado
dele) na Clínica Sambhavna.
©Raghu Rai / Magnum Photos
UMA FARSA CONTÍNUA
Nos últimos 30 anos, mais de 20.000
pessoas morreram como resultado do
vazamento. Dezenas de milhares destes
expostos ao gás, continuam a viver com
os efeitos que, em alguns casos, foram
passados de uma geração para a outra.
viver à sombra da antiga planta da Union
Carbide. Muitos na comunidade local têm
sofrido problemas de saúde parecidos
àqueles dos que foram expostos ao gás,
o que, de acordo com a população local,
atribui-se a contínua contaminação
ambiental deixada no local, quando este
foi abandonado pela Union Carbide.
Mulheres e meninas foram
particularmente afetadas, com abortos
frequentes, infertilidade e menstruação
irregular. Tão amplos são estes efeitos
que pesquisadores médicos têm feito
referência a uma “epidemia de doenças
ginecológicas”. “Mesmo assim”, diz
Satinath “Sathyu” Sarangi, fundadora do
Grupo Bhopal para Informação e Ação,
“os problemas ginecológicos têm sido
completamente ignorados.”
Esta contaminação, causada pela fábrica
antes do vazamento de gás, envenenou
a água que os habitantes locais foram
obrigados a beber por décadas.
Mesmo que recentemente defensores
tenham garantido o fornecimento de água
limpa para algumas das comunidades
mais atingidas, ainda há um risco de
que hoje muitos ainda não tenham outra
escolha senão beber água poluída.
Mas não são somente para os sobreviventes
do vazamento de gás, cujas vidas e
saúde continuam a ser obscurecidos.
Os habitantes de Bhopal continuam a
“Em muitos sentidos, hoje, a situação
das vitimas é pior do que era na manhã
do desastre,” diz Sathyu, que é também
fundador Sambhavna Trust, que gerencia
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uma clínica gratuita para os sobreviventes
do vazamento.
“Existem cerca de 150,000 pessoas que
estão lutando contra doenças crônicas,”
ele aponta. “No mais, temos a próxima
geração, na qual também encontramos as
marcas dos venenos da Union Carbide.
Ainda, acima de tudo, temos em torno
de 40.000 pessoas vivendo próximas à
fábrica que foram expostas a uma gama
de químicas tóxicas e metais pesados.
E ali, novamente, vemos uma gama de
problemas de saúde.”
A experiência da filha de Shahzadi Bi,
nascida após o desastre, é um entre
muitos casos dentre a próxima geração
citada pela comunidade. “A minha
filha não podia ter filhos por quatro anos
após o casamento dela,” ela conta.
“Os médicos a disseram claramente que
‘já que você tem bebido esta água tóxica,
você não poderá engravidar.’”
©Raghu Rai / Magnum Photos
SATINATH SARANGI
Satinath Sarangi (em pé, centro) – ou Sathyu,
como prefere ser chamado – estava trabalhando em
uma pequena vila acerca de 100km de Bhopal quando
primeiro ouviu na rádio sobre o vazamento de gás.
Na hora, não parecia algo muito sério.
Mesmo assim, ele achou que deveria ajudar. Um
engenheiro formado, ele acreditava que o seu
conhecimento científico seria útil. Então ele foi até
Bhopal um dia após o vazamento. “ Eu vim até Bhopal
preparado para ficar uma semana no máximo,” ele
recorda. Ele nunca mais deixou o local.
Hoje, ele é o membro fundador do Grupo Bhopal para
Informação e Ação e o Sambhavna Trust.
Nestes 30 anos, Sathyu tem sido fundamental para os
sobreviventes do vazamento, seus filhos, e aqueles
afetados pela contaminação da água causada pelas
operações da fábrica da Union Carbide.
“O desastre aconteceu principalmente porque o
governo priorizou o investimento estrangeiro em
detrimento da vida e saúde das pessoas comuns,”
ele diz.
“Uma das coisas que me mantém inspirado é o espírito
das pessoas que estão entre as mais pobres neste
país. Ainda assim, elas estão desafiando poderes
gigantescos: a segunda maior corporação química do
mundo que possui o apoio do governo americano.
E [eles] não só os enfrentam mas têm sido na verdade
vitoriosos nestes anos e estão passando esta energia
para as próximas gerações.”
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30 ANOS DE INJUSTIÇA
2-3 Dezembro de 1984
Gás tóxico vaza da fábrica de pesticida da Union Carbine, Bhopal
3 Dezembro de 1984
Acusações legais são feitas contra a UCIL, UCC, Warren Anderson
CEO, e oito funcionários indianos da UCIL
7 Dezembro de 1984
Warren Anderson é preso; liberado três horas mais tarde
1986
Grupo Bhopal para Informação e Ação é fundado
1986
O governo da Índia exige que a Union Carbide pague US$3.3 bilhões
em compensação
1989
O governo da Índia concorda em receber US$470 milhões
em compensação
1992
O tribunal indiano declara Warren Anderson e UCC
“fugitivos da justiça”
1994
A UCC vende as ações da UCIL e deixa o mercado indiano
1996
O Sambhavna Trust que oferece uma clínica gratuita para os
sobreviventes é fundada por ativistas
2001
A Dow adquire propriedade completa da UCC
Maio de 2004
Janeiro de 2005
Após pedidos do Grupo Bhopal para Informação e Ação, o tribunal
indiano expede carta de convocação à Dow, exigindo uma explicação
da empresa do porquê ela não pediu a UCC para se apresentar
mediante as acusações criminais. Ordens foram arquivadas por
oito anos pelo tribunal a pedido da Dow.
2006
Sobreviventes e ativistas marcham 700km a pé até Deli, exigindo
água potável. O Primeiro Ministro aceita. Nada mais acontece.
2009
Água potável chega a 14 comunidades. Após protestos, o acesso é
estendido a mais oito comunidades em 2013.
Junho 2010
2010
Julho 2013
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O Supremo Tribunal da Índia exige que água potável seja fornecida
as comunidades afetadas pela contaminação da fábrica da UCC.
Nada acontece. Começam os protestos.
Junho 2010 – 26 anos após as primeiras acusações criminais serem
feitas, a UCIL e sete funcionários indianos são condenados. Os sete
homens foram sentenciados a dois anos de cadeia e multados em
US$2,200. A UCIL foi multada em US$11,000.
O governo apresenta petição curativa a Suprema Corte para permitir
a renegociação do acordo de compensação de 1989, mas os dados do
governo sobre as mortes e danos ainda são muito baixos.
O tribunal indiano reapresenta a convocação a Dow
Setembro 2014
Warren Anderson, ex CEO da UCC, falece
Novembro 2014
Nove anos após a convocação inicial foi enviada, a Dow ainda falha
em comparecer perante o tribunal na Índia
Novembro 2014
Após uma greve de fome realizada por 5 mulheres sobreviventes,
o governo indiano declara que irá revisar os dados com os números
de mortos e feridos no desastre. Os sobreviventes consideram isto
uma grande vitória.
2-3 Dezembro 2014
30 anos desde o vazamento de gás; UCC ainda consegue evitar
as acusações criminais, a limpeza da poluição ainda não foi feita,
as comunidades locais continuam a sofrer os efeitos do vazamento
e contaminação. Protestos em massa estão sendo esperados.
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Um homem carrega o corpo sem vida de sua esposa ao passar pela fábrica de pesticidas
Union Carbide, a fonte do gás tóxico que a matou na noite anterior, 5 de dezembro de 1984.
Entre 2 e 3 de dezembro de 1984, em torno de 25 toneladas cúbicas de isocianato de metilo
(MIC), um gás altamente volátil e mortífero, vazaram da fábrica matando em torno de 10.000
pessoas dentro de três dias.
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DR D.K. SATPATHY
Na noite do vazamento de gás,
o Doutor DK Satpathy, patologista e
ex chefe do Instituto Médico Legal,
estava lidando com a emergência
que se desdobrava no Hospital
Hamidia.
Ele e seus colegas tinham
dificuldades em encontrar um
modo de tratar os pacientes que
morriam em torno deles. A partir
de 5 de dezembro, os médicos
foram aconselhados a injetar nos
pacientes tiossulfato de sódio,
um antídoto conhecido para
exposição ao cianeto. Porém este
conselho, vindo do QG americano
da Union Carbide, foi retirado em
questão de dias e os médicos foram
avisados a parar de usar o antídoto.
“Caso todas as vítimas… tivessem
tomado aquela injeção os efeitos
colaterais poderiam ter sido
controlados,” diz o Dr. Satpathy.
“Nenhum país deve fazer negócios
perigosos e comprometer a
saúde humana.”
SHAHZADI BI
Shahzadi Bi, 60 anos, vive em
Blue Moon Colony, uma das 22
comunidades que circundam a
antiga fábrica de pesticidas da
Union Carbide. A área está flagelada
por contaminação das águas,
causada pelas químicas da fábrica
abandonada.
“Eu sou vítima em ambos desastres:
o vazamento de gás tóxico e a
toxicidade da água para beber,”
e la explica.
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O desastre revirou as vidas dela
e de sua família. “Todos temos
sonhos,” ela diz. “Eu também tinha
sonhos. Meu sonho era me tornar
médica ou professora... Gostaria
de dar uma boa educação para as
nossas crianças...mas o vazamento
de gás espatifou todos estes
sonhos.”
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ATÉ
EM
10.000 MORTOS 3 DIAS
NÚMERO TOTAL DE MORTOS
22.000
A RESPOSTA DO GOVERNO
Não somente o governo indiano tem
subestimado consistentemente o
número de pessoas mortas ou feridas
em consequência do vazamento, como
também tem falhado em assegurar a
limpeza dos dejetos poluentes deixados
pela operação da Union Carbide.
Além disso, o serviço de saúde pública
fornecido pelo estado é inadequado e
nunca houve um estudo adequado do
impacto total do vazamento de gás e da
contaminação ambiental na saúde
das pessoas.
“Muito pouca iniciativa tem sido feita
pelo governo para realmente documentar
todos os efeitos desta exposição,” diz
Rachna Dhingra do Grupo Bhopal para
Informação e Ação. “E é por isso que
estamos em uma situação tão triste hoje,
no sentido de que não temos muita
informação sobre os impactos crônicos
e doenças relacionadas à exposição
a este gás.”
“Porém [sobre] a questão da
contaminação ainda é mais triste pois o
governo não reconhece eles [as pessoas
expostas a contaminação ambiental]
como pessoas afetadas pelos venenos
da Union Carbide. E por isso eles não
tem direito a tratamento médico gratuito...
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Então, é uma batalha que temos lutado
faz muito tempo. E agora, recentemente,
o Conselho Indiano de Pesquisas Médicas
vai começar um projeto que irá enfocar
nos efeitos para a saúde das pessoas que
tem consumido água contaminada.”
O impacto do vazamento em mulheres
tem sido completamente ignorado, de
acordo com Rachna.
“A estrutura inteira de ajuda para
vazamento de gás possui um hospital
que atende a mulheres e este é o
hospital de reprodução,” ela diz.
“As instalações hospitalares são tão
ruins que se uma mulher precisar de
um exame de Papanicolau, ela não
conseguirá ser atendida... Não há nada
com foco na saúde da mulher face aos
problemas relacionados à exposição.”
Acima: Uma cremação em massa dos corpos
das vítimas foi feita ao largo de covas
comunais logo após o vazamento de gás,
5 dezembro de 1984.
EUA – UM PARAÍSO SEGURO
PARA O CRIME CORPORATIVO?
Não foi somente o governo indiano que
falhou com os sobreviventes da tragédia de
Bhopal. O governo dos Estados Unidos é
responsável por assegurar que empresas
americanas, como UCC e Dow, sejam
responsáveis por abusos dos direitos
humanos em qualquer parte do mundo
onde estes acontecerem. Mesmo assim,
pouco foi feito para assegurar que a UCC
responda pelas acusações criminais feitas
contra ela. Na verdade, o governo tem
agido como um paraíso seguro para a UCC,
com a empresa efetivamente evitando a
justiça, simplesmente por ser uma empresa
com base nos Estados Unidos.
Os tribunais americanos repetidamente
rejeitaram as tentativas dos sobreviventes
de processar a UCC por danos. Isto mostra
as sérias falhas no sistema legal dos
Estados Unidos, que está desatualizado
com os padrões internacionais, e pelas
quais o governo precisa se responsabilizar.
Enquanto os Estados Unidos jamais
apoiariam uma empresa estrangeira
tentando evitar suas responsabilidades
após causar danos à saúde e ao meio de
vida em solo americano, parece que a
atenção é menor quando a maré está na
direção contrária.
©Raghu Rai / Magnum Photos
© Amnesty International
SEM UMA COMPENSAÇÃO
ADEQUADA
A compensação irrisória paga aos
sobreviventes do vazamento de gás está
diretamente ligada a baixa estimativa
geral, feita pelo governo da Índia, do
número de pessoas que foram feridas ou
morreram em consequência do desastre.
Em 1986, o governo iniciou um processo
de compensação contra a Union Carbide
no valor de US$3.3 bilhões de dólares.
Em um acordo fora dos tribunais, três
anos mais tarde, o governo aceitou
uma soma final de US$470 milhões
de dólares. O governo não forneceu
explicação alguma para a dramática
redução, nem explicou a razão pela qual
considerou esta soma aceitável.
Na medida em que o número de
mortos e feridos aumentou nos anos
que se seguiram, fica ainda mais clara
a inadequação do pagamento feito
pela Union Carbide. Tanto que agora o
governo indiano foi até a Suprema Corte
pedir uma compensação adicional da
UCC. A Dow também foi apontada na
petição do governo.
Ativistas de Bhopal têm feito um lobby
duro para assegurar que o governo
processe os números corretos de mortos
e feridos e apresente uma quantia correta
e justa. Em novembro de 2014, um
grupo de sobreviventes alcançou uma
importante vitória quando o governo
indiano lhes disse que haveria uma
revisão dos dados que foram submetidos
à Suprema Corte, alinhando-se com a
pesquisa médica e os dados hospitalares.
Se o pedido for honrado, o governo estará
dando um passo significativo na direção
da revisão de uma injustiça histórica.
RACHNA DHINGRA
Rachna Dhingra (sentada,
centro) largou o seu emprego
em uma firma de consultoria em
gerenciamento internacional nos
Estados Unidos por Bhopal, em
2003, após se dar conta de que
ela poderia fazer algo para
ajudar aquelas comunidades.
Ela permaneceu em Bhopal desde
então e hoje ela é membro do Grupo
Bhopal para Informação e Ação.
“As corporações não podem
simplesmente chegar, matar, poluir
e ir embora sem ter nenhuma
responsabilidade,” ela diz. Na luta
por responsabilidade, os ativistas
precisam ser vigilantes.
“Da mesma forma que as
corporações são bem equipadas em
fazer lobby e ter seus advogados
e espiões e em investigar os
ativistas,” ela diz, “também temos
de estar bem equipados para lidar
com e expor as mentiras.”
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RAMPYARI BAI
Rampyari Bai é uma das mais
persistentes sobreviventes de
Bhopal. Agora com 90 anos, ela
começou a batalha dela no início do
desastre. Em 1984 ela estava vivendo
com o filho e a esposa dele próximo
a fábrica. A sua nora estava grávida
de sete meses naquela noite e na
medida em que os gases encheram
o ar da noite, ela entrou em trabalho
de parto. Ela e o bebê morreram
lodo depois.
Rampyari desenvolveu câncer e sofre
de falta de ar, mesmo assim continua
a lutar por uma compensação justa.
Ela diz que protestar a mantém viva.
“Nunca irei deixar este objetivo de ir
atrás dos governos,” ela diz. “Até o
meu último suspiro irei lutar.”
UMA BATALHA DO POVO
Abandonados a tratamentos médicos
de baixa qualidade e compensações
irrisórias, os sobreviventes têm lutado por
três décadas para que as corporações
por detrás do desastre sejam levadas à
justiça. Os esforços deles têm resultado
em um aumento do número de vitórias,
todas estas conseguidas através de
determinação e paciência.
“Uma das coisas que conseguimos
conquistar foi o fornecimento de água
limpa para pelo menos 60.000 pessoas,”
diz Rachna. “Não foi fácil porque o
governo não aceita que existe uma
contaminação.”
Ela também aponta o sucesso do
movimento em parar “significativas
quantidades de investimento que a Dow
pretendia fazer” na Índia. Porém, maior
que os sucessos tem sido a luta em si.
“Fomos capazes de manter o assunto
vivo por 30 anos” diz Rachna com
simplicidade. “Isto aconteceu porque as
pessoas continuaram a lutar. Acho que
uma das mais longas batalhas já travadas
por pessoas neste país. Acho que é uma
grande vitória.”
A luta de Bhopal por justiça tem sido
amplamente liderada por mulheres.
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Shahzadi Bi, Safreen Khan, Rachna
Dhingra são somente três dentre muitas
outras que estão na linha de frente desta
batalha que já dura décadas e que
também está cruzando gerações.
“Eu não desistirei de cumprir meu papel
de ir atrás dos governos” ela promete.
“Irei lutar por justiça para as vitimas do
gás... Continuarei lutando até o meu último
suspiro.”
Rampyari Bai, 90 anos, é uma das
sobreviventes mais persistentes da
comunidade. A sua tenacidade a
transformou em um modelo para as
gerações mais novas de ativistas. “Fomos
a protestos em muitos lugares e fizemos
muitas passeatas,” ela diz “Atravessamos
valas a nado, tivemos de correr da polícia
quando estavam atrás de nós. Eu conto
isso a todo mundo: minhas irmãs, irmãos,
mães e filhas. Eles precisam aprender com
os desafios. Eles devem ter a coragem e
nunca dar um passo atrás na batalha.”
Para Rampyari e tantos outros colegas
ativistas, o 30° aniversário pode ser a
última chance de chamar atenção para
as terríveis injustiças que os sobreviventes
têm passado. Será que a Dow irá
finalmente assumir responsabilidade,
como dona da empresa, por ter destruído
tantas vidas? Os Estados Unidos irão
finalmente cumprir com seu papel e
assegurar que isto aconteça? Agora é
a hora do governo indiano se livrar do
passado e estar a frente dos direitos das
comunidades mais pobres e corrigir estas
injustiças de uma vez por todas.
Mantendo a sua palavra, em 2011,
Rampyari participou de uma ação de rua
bem-sucedida contra a Dow. Ativistas
bloquearam a passagem dos trens em
Bhopal. “ [A polícia] nos batia com bastões
mas estávamos fazendo uma manifestação
pacífica, estávamos somente gritando
palavras de ordem,” ela diz. “ Eles me
espancaram tão violentamente que quatro
pessoas me levantaram e me tiraram dali.”
Apesar do espancamento ter danificado
a perna dela para sempre, a paixão de
Rampyari’s permaneceu intocada.
Contra-capa: Sobreviventes do vazamento
de gás de 1984 em Bhopal protestam do
lado de fora da residência do Ministro de
Madhya Pradesh, exigindo compensação
justa, setembro de 2014. Deixados em
precárias condições médicas e compensações
insignificantes, os sobreviventes tem lutado
por três décadas para que as corporações por
detrás do desastre sejam levadas a justiça
em das mais longas batalhas de um grupo na
Índia. ©Raghu Rai / Magnum Photos
©Raghu Rai / Magnum Photos
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A Anistia Internacional apóia os sobreviventes e
ativistas de Bhopal na campanha por justiça.
Juntos, pedimos ao governo da Índia
para assegurar que os sobreviventes do
vazamento de gás recebam a compensação
que merecem e o tratamento médico que
necessitam. Também pedimos ao governo
que urgentemente limpe a área de Bhopal,
fazendo com que as empresas responsáveis
pela poluição cubram os custos.
JUNTE-SE A NÓS
Pedimos ao governo dos Estados Unidos para
ajudar a resolver todas as questões pendentes,
inclusive criando pressão política para
assegurar que as empresas envolvidas paguem
compensação adequada aos sobreviventes e
cubram os custos de despoluição.
Também pedimos aos governos da Índia e dos
Estados Unidos que se certifiquem de que a
UCC e Dow cumpram com as ordens da justiça
e se apresentem perante o tribunal.
A Anistia Internacional é um movimento global de mais de 7 milhões de pessoas que realiza campanhas
por um mundo onde todos possam ter seus direitos humanos respeitados.
A visão da Anistia Internacional é a de um mundo em que cada pessoa possa desfrutar de todos os
direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e noutras normas
internacionais de direitos humanos.
Somos independentes de qualquer governo, ideologia política, interesses econômicos ou religião e somos
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