1 - fmc

Transcrição

1 - fmc
Vera Lucia Marques da Silva
Denise Chrysóstomo de Moura Juncá
Organização
Território,
Vulnerabilidades
e Saúde
Campos dos Goytacazes, RJ
FBPN/FMC
2012
FUNDAÇÃO BENEDITO PEREIRA NUNES
Presidente - Almir Jesus do Nascimento
FACULDADE DE MEDICINA DE CAMPOS
Diretor Geral - Dr. Nélio Artiles Freitas
Vice-Diretora - Drª Maria das Graças Sepulveda Campos e Campos
Diretor Acadêmico - Dr. Paulo Gustavo Araújo
Diretor Administrativo - Luiz Fernando da Silva Prado
Diretor de Recursos Humanos - Wainer Teixeira de Castro
Coordenador de Graduação em Medicina - Drª Maria das Graças Sepúlveda Campos e Campos
Coordenador de Graduação em Farmácia - Prof. Carlos Eduardo Faria Ferreira
Coordenador da Pós-Graduação e Extensão - Dr. Abdalla Dib Chacur
Coordenador de Internato e de Estágios - Dr. Márcio Sidney Pessanha de Souza
Coordenadora de Pesquisa - Drª Regina Célia de Campos Souza Fernandes
Coordenadora de Extensão - Drª Vera Lúcia Marques da Silva
Coordenador de Egressos - Dr. Gilson Gomes da Silva Lino
Coordenação Gráfica e Projeto Gráfico: Wellington Cordeiro
Revisão Gramatical: Selma Solange
Bibliotecária: Maria Cristina M. Lima
Fotografias de Capa: Wellington Cordeiro
Impressão: Wall Print
Tiragem: 1.000 exemplares
Distribuição: Gratuita e Dirigida
FACULDADE DE MEDICINA DE CAMPOS
Av. Alberto Torres, 217 - Centro - Campos dos Goytacazes - RJ - CEP: 28035-580 - Tel/Fax: (22) 2101-2929
S67
7a T327
Território, vulnerabilidades e saúde / Vera Lucia Marques da Silva, Denise Chrysóstomo de
Moura Juncá, organização. — Campos dos Goytacazes, RJ: FBPN / FMC, 2012.
104 p. ; il. color ; 26 cm
Inclui Bibliografia.
1. Saúde pública – Custodópolis (Campos dos Goytacazes, RJ). 2. Inquéritos epidemiológicos Custodópolis (Campos dos Goytacazes, RJ). 3. Saúde da população urbana - Custodópolis
(Campos dos Goytacazes, RJ). 4. Indicadores ambientais – Custodópolis (Campos dos
Goytacazes, RJ). I. Silva, Vera Lucia Marques. II. Juncá, Denise Chrysóstomo de Moura.
CDD 362.1098153
Ficha catalográfica preparada na Biblioteca da Faculdade de Medicina de Campos
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EQUIPE PARTICIPANTE DO PROJETO CIDADE DE PALHA: 2008/2011
COORDENAÇÃO GERAL DO PROJETO
Denise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF
FASE 1: DIAGNÓSTICO PRELIMINAR – 2008/2009
RESPONSÁVEIS PELO LEVANTAMENTO DOCUMENTAL
Carla Iolanda Sant ´Ana Ferreira - Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF
Jaqueline Crespo Torres - Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF
Paula Emely Cabral Torres – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF
RESPONSÁVEIS PELO TREINAMENTO DA EQUIPE
Carlos Antônio de Souza Moraes - Docente - GRIPES/UFF
Edilamar Viana da Silva - Assistente Social - GRIPES/UFF
Verônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF
PESQUISADORES DE CAMPO
Ana Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFF
Danielle Felix Gomes da Silva - Assistente Social - GRIPES/UFF
Ellen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFF
Josemara Henrique da Silva Pessanha - Assistente Social – GRIPES/UFF
Katarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFF
Rosana Sá Cruz Ribeiro – Acadêmica de Serviço Social/UFF
Suélen Azevedo Ramos - Assistente Social
COLABORADORES
Celma Cristina Morais de Oliveira Batista – Professora – GRIPES/UFF
Ilzimar Amorim Louzada Moraes – Enfermeira – GRIPES/UFF
Maria Elisa Pereira Alves – Assistente Social
Mariá de Oliveira Otal – Assistente Social
Natália Ribeiro dos Santos – Acadêmica de Enfermagem da Universidade Estácio de Sá
Sylvio Rogério Ribeiro da Costa – Bacharel em Comunicação Social – GRIPES/UFF
Vanessa Pessanha Menezes Gomes – Assistente Social
EQUIPE PARTICIPANTE DO PROJETO CIDADE DE PALHA: 2008/2011
COORDENAÇÃO GERAL DO PROJETO
Denise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF
FASE 2: INQUÉRITO POPULACIONAL – 2009/2011
COORDENADORES DAS INSTITUIÇÕES PARCEIRAS
Christovam Cardoso – Docente – UNIVERSO
Denise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF
Érik Schunk Vasconcellos – Docente - FMC
Katarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFF
Regina Coeli Martins Paes de Aquino – Docente - IFF
Teresa Claudina de O. Cunha – Assistente Social - IFF
Vera Lucia Marques da Silva – Docente - FMC
RESPONSÁVEIS PELO TREINAMENTO DA EQUIPE
Ana Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFF
Carlos Antônio de S. Moraes - Docente - GRIPES/UFF
Denise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF
Ellen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFF
Katarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFF
Verônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF
COORDENAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO – Setor 1
Ana Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFF
Ellen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFF
Verônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF
COORDENAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO – Setor 2
Carlos Antonio de S. Moraes – Docente - GRIPES/UFF
Marilene Parente Gonçalves – Assistente Social - GRIPES/UFF
Roberta Coutinho – Assistente Social - GRIPES/UFF
EQUIPE DE APOIO OPERACIONAL 1
Gerlaine J. de Souza – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF
Igor Leal Pena – Enfermeiro - FMC
Josemara Henrique da S. Pessanha - Assistente Social – GRIPES/UFF
Leyza Helena de Souza Barreto - Assistente Social - GRIPES/UFF
Paula Emely C. Torres – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF
EQUIPE DE APOIO OPERACIONAL 2
Aline da Silva Viana Jorge – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/
UFF
Luana Pessanha Martins – Assistente Social – GRIPES/UFF
Maria Inês Terra Petrucci – Assistente Social - FMC
Silvânia Maria da Silva – Acadêmica - GRIPES/UFF
ACADÊMICOS DE SERVIÇO SOCIAL - UFF
Aline da Silva Viana Jorge
Carla da Silva Santos
Dayana Sales Ribeiro
Gerlaine Jesus de Souza
Harissa Morgan Marques
Ivone dos Santos Magaldi
Jeovânia Bolelli Guimarães Tavares
Joelma Cândido Bastos
Késia da Silva Tosta
Leonela Lima Sanches
Leyza Helena de Souza Barreto
Luana Fernandes dos Santos
Melina Martins Vazquez
Natalia Meritello da Luz
Paloma Bastos
Paola Barros de Faria Fonseca
Paula Emely Cabral Torres
Silvânia Maria da Silva
Simone do S. F. Sales Ribeiro
Vivian Abreu de Souza Rangel
ACADÊMICOS DE MEDICINA - FMC
Adilea Lopes da Silveira
Aline Alves Barbosa
Ana Elisa Batista Aguiar
Bruna Barreto Falcão
Juliana Siqueira Pessanha
Laura Ramos Silva
Lucas Rangel de Souza Azevedo
Maria de Fátima Miranda de Abreu
Mayra Rodrigues Chaves Sant’anna
Raquel Siqueira de Menezes
Rayane Barreto Povoa
Raphael Freitas Jaber de Oliveira
Sara Fonseca Lucas
Sarah Santos Nascimento
ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM - UNIVERSO
Clarissa de Santana Silva
Juliana Gomes Barreto
Keila Cristina da Silva
Lucélia Alves Paixão
Laura Paes Farias Lamônica
Lorenna Anequim
Maithê dos Santos Araujo
Márcio Pereira
Micheli Joseane
Rafaella Castellar dos Santos Corrêa
Thatiane Costa Ribeiro Silva
Thiago de Paula G. Rebel
ACADÊMICOS DE ARQUITETURA E URBANISMO - IFF
Fabrício Pinto Escáfura
Isadora Marques de Souza Oliveira
Júlia Lima Araújo
Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho
Raphael Mesquita de Aguiar
Sumário
Custodópolis e os primordios da medicina social e Preventiva na Faculdade de Medicina de Campos ------ 06
Editorial --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 08
Prefácio --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 10
Apresentação --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 12
Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania ------------------------------------------------- 14
Do diagnóstico preliminar ao inquérito populacional: movimentos de investigação-ação em um território
vulnerável ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 32
Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares ---------------------------------------------------------- 44
O lugar: entre lembranças do passado e vivências do presente ----------------------------------------------------- 49
Moradia: lugar de apropriações e práticas ------------------------------------------------------------------------------ 54
A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis -------------------------------------------------------------- 65
Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famílias em Custodópolis ----------------------------------- 74
Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade ----- 88
Uma cidadania esperada: e agora, o que fazer? ----------------------------------------------------------------------- 97
Este Livro é dedicado aos moradores do Bairro de Custodópolis.
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Custodópolis e os primordios da medicina social e
preventiva na Faculdade de Medicina de Campos
Prof. José Rodrigues Coura1
Em uma noite no início de outubro de 1967, quando
eu estudava no escritório do meu apartamento, situado na Praia
de Botafogo 520/702, no Rio de Janeiro, por volta das 10 horas
da noite, sôa a campainha da porta da sala de estar contígua
ao escritório. Estranhei aquela visita a essa hora da noite, e
na ponta dos pés fui ver quem tocava a campainha. Olhei
pelo visor e vi três cavalheiros de estatura média, bem vestidos,
usando gravatas, um deles de face avermelhada e cabelos
totalmente brancos, o outro um pouco mais alto e semi-calvo,
aparentando uns 40-50 anos de idade e o terceiro moreno, de
cabelos escuros, aparentando uns 30 e poucos anos. Como eu
havia escondido na minha casa alguns alunos fugidos da
repressão do regime militar da época, por questão humanitária,
embora não participasse de suas ideologias, pensei que os
cavalheiros fossem agentes do SNI ou do DOI-CODI, que
viessem me interpelar ou até me prender por ter dado abrigo a
comunistas. Para me certificar perguntei sem abrir a porta: “o
que desejam?”. Os visitantes me responderam em uníssono:
“somos professores da Faculdade de Medicina de Campos e
gostaríamos de falar com o senhor”. Abri a porta e os convidei
para sentar em um sofá perto da janela que dava vista para o
Cristo Redentor iluminado. Os visitantes me pediram desculpas
pela hora da visita e me explicaram que estavam vindo de uma
entrevista com o então Ministro da Educação Raymundo Moniz
de Aragão, e se apresentaram: Geraldo Venâncio (o de cabelos
brancos), Décio Azevedo(o semi-calvo) e Oswaldo Cardoso
de Melo (o mais jovem).
O Dr. Geraldo Venâncio, que me parecia o líder do
grupo, foi direto ao assunto: sabemos que o senhor é Professor
Titular de Doenças Infecciosas e Chefe do Departamento de
Medicina Preventiva da Universidade Federal Fluminense.
Estamos fundando uma Faculdade de Medicina em Campos,
tendo a Fundação Benedito Pereira Nunes como mantenedora
e somente está nos faltando um Professor de Medicina
Preventiva para inaugurá-la nos próximos dias. Viemos
convidá-lo para esse cargo. Respondi: eu não sou Professor
de Medicina Preventiva e sim de Doenças Infecciosas. Por
acaso, como a minha disciplina está dentro do Departamento
de Medicina Preventiva sou o seu Chefe por ser o único Titular
do Departamento. Diante dessa resposta, os professores Décio
Azevedo e Oswaldo Cardoso de Melo argumentaram: o curso
será iniciado em março do próximo ano (1968) e até lá o senhor
pode organizar um programa de Medicina Preventiva e indicar
assistentes especializados que nós nomearemos. A
determinação e necessidade dos professores me convencerem
e três dias depois eu lhes enviei o meu curriculum-vitae e uma
carta de aceitação do cargo, o que lhes permitiu completar o
quadro de professores da nova faculdade, que foi inaugurada
em 14 de outubro de 1967 com a minha presença, tendo como
o seu primeiro Diretor o honorável Dr. Oswaldo Luiz Cardoso
de Melo, pai do jovem Oswaldo da Costa Cardoso de Melo,
Professor de Oftalmologia e hoje ex-Diretor daquela Faculdade,
meu amigo e colega da Academia Nacional de Medicina desde
2005, quando tomou posse como Membro Honorário. O Prof.
Oswaldo Luiz Cardoso de Melo foi diretor da FMC de 1967 a
1968, quando faleceu, sendo substituído na Direção da
Faculdade pelo Prof. Ewert Paes da Cunha, Diretor de 1968 a
1973, em cuja gestão a FMC formou a sua 1ª turma de medicina
em 1972 e foi reconhecida pelo Decreto nº 71814 de 07/02/
1973.
A Organização do Programa da Disciplina
De outubro de 1967 a fevereiro de 1968 trabalhamos
intensamente para formulação de um programa moderno de
Medicina Social e Preventiva na nova Faculdade de Medicina em
Campos. Conseguimos com a direção e congregação daquela
faculdade que a disciplina fosse desdobrada na 1ª, 2ª e 3ª séries
do curso médico, fato inédito no Brasil, em uma mesma disciplina
inserir o seu ensino em três anos seriados. No 1º ano os alunos
deveriam apresentar seminários sobre “Antropologia Médico
Social” e acompanhar, do ponto de vista social, familiares de uma
“favela plana” denominada “Cidade de Palha” na margem esquerda
do outro lado do Rio Paraíba do Sul, em relação ao centro de
Campos, ou seja, o atual bairro, onde hoje se localiza o Centro de
Saúde Escola de Custodópolis. No 2º ano os estudantes tinham
aulas teóricas de Epidemiologia e faziam relatórios sobre as
ocorrências de doenças nas famílias por eles acompanhadas, e no
3º anos tinham aula de Saúde Pública e Medicina Ocupacional e
faziam relatórios dos cuidados desenvolvidos com a população
pelos serviços de saúde do município, que com frequência não
tinham as condições para atender os doentes adequadamente.
Encaminhávamos os pacientes para a Santa Casa de Misericórdia,
que na maioria das vezes não podia atender todos os pacientes
por falta de vaga.
Doutor em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil (1965), Pesquisador Titular. Chefe de Laboratório da
Fundação Oswaldo Cruz , Brasil
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O Corpo Docente e as Atividades Didáticas da Disciplina
O corpo docente da disciplina de Medicina Social e
Preventiva era composto por mim, como Professor Titular da
Disciplina, pelo Dr. Ayrton da Rocha Claussen, Professor Adjunto,
meu colaborador na Faculdade de Medicina da UFF e em Campos,
o médico Maurício Pereira, meu ex-residente na UFF, nomeado
Professor Auxiliar na Faculdade de Medicina de Campos e sua
esposa enfermeira que monitoravam os alunos no trabalho de
campo, ambos residentes naquela cidade.
As turmas eram compostas de 64 alunos. Nas 6as feiras
durante todo o dia o Prof. Ayrton Claussen preparava com grupos
de 8 alunos os 8 seminários de Antropologia Médico-Social a
serem apresentados pelos alunos e discutidos por mim e pelo Prof.
Ayrton no sábado, de 08:00 às 12:00 na parte da manhã e 14:00
às 18:00 na parte da tarde, todas as semanas durante o 1º ano do
curso. Uma vez por semana, de manhã ou à tarde, de 2ª a 5ª
feira, uma turma de 8 alunos acompanhados pelo Dr. Mauricio e
sua esposa visitavam a população das 6 residências acompanhadas
pelos respectivos grupos de alunos, que faziam um breve relatório
sobre as ocorrências sociais, epidemiológicas e de saúde/doença,
calendário vacinal etc, ocorrido semana a semana. Com isso havia
um acompanhamento contínuo da comunidade durante todo o ano
durante os três primeiros anos do curso.
As aulas teóricas de Epidemiologia, Saúde Pública e
Medicina Ocupacional eram dadas as 6ªs feiras pelo Dr. Ayrton
Claussen e aos sábados por mim, respectivamente para os alunos
do 2º ano (Epidemiologia) e do 3º ano (Saúde Pública e Medicina
Ocupacional).
Organização da Infraestrutura para atenção primária na
“Cidade de Palha”
Inicialmente conseguimos com a Prefeitura de Campos
ou com o Departamento de Endemias Rurais (DENERu) não me
lembro bem, por meio do Dr. Olimpio da Silva Pinto ex-Diretor
do DENERu e meu amigo pessoal, um local para instalar um posto
de saúde para atenção primária à população de Custodópolis,
acompanhada pelos nossos alunos. Inicialmente o posto de saúde
era atendido pelo Dr. Mauricio e a enfermeira, sua esposa.
Posteriormente conseguimos que a Escola de Serviço Social
colocasse alunos estagiários no posto e depois conseguimos a
instalação de consultório odontológico da Escola de Odontologia
com alunos e supervisores para atenção dentária e logo depois da
Faculdade de Direito para orientação da população em suas
questões trabalhistas. Consideramos uma excelente integração
social para o tipo de trabalho que desenvolvíamos. Ao mesmo
tempo esse local servia de treinamento para além dos estudantes
de Medicina, outros de Serviço Social, Odontologia e Direito,
condição pouco comum de ser encontrada no Brasil.
Por meio do Dr. Olimpio da Silva Pinto ex-Diretor do
DENERu, conseguimos um guarda sanitário, que numerou as
casas da “Cidade de Palha”, cujas famílias eram atendidas pelos
estudantes. Esse guarda era um senhor muito atencioso, conhecia
todas as famílias de Custodópolis e embora um pouco surdo era
muito afável e ajudava muito os estudantes em seu trabalho na
abordagem das família, os quais (estudantes) o apelidaram de “JIM
DA SELVA” pelo uniforme e tipo de chapéu “inglês” que ele usava.
Durante anos, depois que deixei à Faculdade de Medicina de Campos
em 1971, o JIM DA SELVA me escrevia lamentando a minha
ausência, a quem eu respondia com cordialidade.
Observações e conclusões do trabalho realizado
Esse trabalho foi um desafio e um aprendizado na minha
vida de médico e Professor de Medicina e até mesmo uma aula de
cidadania. Colocar estudantes de Medicina, Serviço Social,
Odontologia e Direito em contato com uma comunidade carente e
despertar neles o sentido de solidariedade humana foi para mim a
mais gratificante de todas as atividades e títulos recebidos até agora.
Formar profissionais de alto nível, muitos dos quais são ou foram
importantes médicos e professores de medicina, prefeitos, vereadores
e deputados foi um dos maiores privilégios da minha vida como
Professor. Por outro lado ter a honra de ser homenageado por pessoas
do nível dos Professores Oswaldo Cardoso de Melo, Nelio Artiles
Freitas e Vera Lucia Marques da Silva, muito me engrandece com o
meu nome no atual Centro de Saúde Escola de Custodópolis.
Prof. José Rodrigues Coura
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Editorial
Dr. Nelio Artiles Freitas1
Em 2005 quando iniciamos a gestão da Faculdade
de Medicina de Campos tínhamos um grande desafio pela
frente que era além de manter a tradição de nossa escola
em ser uma Instituição de Ensino Superior - IES que busca
um ensino de qualidade, também inserirmos o perfil de
humanismo em todas as ações seja na área pedagógica seja
de inclusão e de ações sociais, focados na formação de
um profissional de saúde diferenciado . E foi assim que a
FMC passou a imprimir um perfil diferente do padrão das
escolas da área de saúde deste país, instituindo a arte em
nosso calendário oficial anual com mostras de cinema,
exposições, festivais de músicas, saraus entre outras
ações, sem deixar de manter as atividades de cunho
científico e pedagógico de qualidade. Transformamos o
trote vexatório em uma recepção agradável objetivando
sempre a ética nas relações entre os alunos, docentes e
colaboradores. Nesta perspectiva miramos o nosso Centro
de Saúde Escola em Custodópolis de uma forma também
diferente, onde além da assistência na atenção básica,
buscássemos uma melhoria da qualidade de vida daquela
população tão carente e que manteve sempre uma
expectativa positiva de uma escola de ensino superior
presente por lá, há tantos anos. Imbuídos nesta filosofia
humanista, convidei a Prof Vera Marques para ser a nossa
coordenadora técnica, passando a desenvolver um
e x c e l e n t e t r a b a l h o n a o rg a n i z a ç ã o d a q u e l e C e n t r o ,
tornando um notável cenário para o processo ensino e
aprendizagem e produção científica. Mas além da
reestruturação organizacional investimos em melhorias da
área física, ampliando e humanizando o espaço com
pinturas, forrações, climatização entre outras ações.
A presença de outras IES de forma pontual em
algumas pesquisas, nos fez sonhar em compartilhar com
a maioria das IES de nossa cidade, àquele cenário sem
nos atentar para que em um início não muito distante, o
Prof. José Rodrigues Coura na década de 70 , iniciava
ações semelhante na implantação do então Centro de
Saúde Universitário com a presença de outras IES.
Porém o que foi implantado adormeceu e
passamos a participar naquela localidade como um Centro
de Saúde Escola, apenas com atendimento de seqüelas da
sociedade, recebendo uma diversidade de patologias
oriundas algumas vezes da miséria e da pobreza. Um cenário
de demonstração para alunos aprenderem e exercitarem,
oferecendo à comunidade um pouco de alívio e soluções
paliativas para sofrimentos crônicos. Sem dúvida uma
bênção para àquela comunidade, mas muito longe do que
realmente deveríamos ou poderíamos fazer.
Várias reuniões foram realizadas para construção
de programações conjuntas com a aproximação de diversas
escolas de ensino superior de Campos. Além de compor um
cenário ideal para o processo de ensino e aprendizagem, a
idéia era promover uma melhoria na qualidade de vida para
cerca de 10 mil pessoas daquele bairro. Unir o ensino
médico e farmacêutico da Fmc com a fisioterapia,
enfermagem, psicologia, educação física, arquitetura,
direito, pedagogia, artes visuais, serviço social entre outros
das demais escolas seria um grande desafio. Na visão
holística do conceito de saúde, a idéia seria transformar
àquele bairro em um local diferente para viver, apesar das
carências sociais e econômicas daquelas famílias. Inspirado
então no livro “Aprendiz de mim – um Bairro que virou
Escola” do escritor Rubem Alves este novo projeto
interinstitucional foi denominado Programa Bairro Saudável
em uma reunião histórica no anfiteatro da Fmc com direito
a emocionantes posicionamentos e lágrimas na maioria dos
presentes. Olhos marejados e corações em um mesmo
acelerado compasso, para começar uma longa viagem, onde
o caminho seria a atração e o destino, este ainda
desconhecido, porém belo e aparentemente não tão distante.
Um sonho compartilhado não teria chance de dar errado.
A profª Vera Marques passou então a reger como
uma exímia maestrina uma linda peça onde os atores
buscavam uma harmonia de ações em prol de todos. Uniflu,
Fafic, FOC, IFF, Uenf, UFF, FMC, Estácio, Universo e
Ucam com: oficinas de artes plásticas, dinâmica artística
para idosos, dança, teatro, circo, pesquisas e trabalhos de
prevenção em parasitoses e Aids, orientações sobre
fitoterapia
e
uso
de
medicamentos,
cursos
profissionalizantes, atendimento médico e odontológico,
projetos de criação de novos espaços, caminhadas,
campanha anti-tabagista, entre outras atividades, é um
pequeno exemplo da beleza de nosso caminho. Interesses
comuns, acima de competição, de mercado, buscando
Mestre em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Prof Titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias e Diretor da
Faculdade de Medicina de Campos
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8
unicamente criação de um novo tempo e espaço, de via
dupla, onde quem ensina aprende e quem aprende está
ensinando também, tomou corpo e força.
Tal foi o destaque que houve um reflexo nacional
quando a Fmc foi agraciada com o prêmio nacional de
gestão educacional de 2010 na categoria de
responsabilidade social. Construir um novo planeta, um
novo continente, um novo país, uma nova cidade, um novo
bairro e fazer de um destes cenários algo belo, onde a
educação faça parte de cada ação poderia ser um sonho.
Como diz o Pequeno Príncipe: “O deserto é belo, porque
em algum lugar ele esconde uma fonte”, Um local belo, onde
todos trabalhem por, para e na educação. Onde se busca a
saúde em seu significado mais amplo. Saúde física como
conseqüência de uma saúde social, ambiental, emocional,
espiritual e da alma. Neste contexto é que está implantado
o Programa Bairro Saudável.
Este livro é um produto da materialização de um
sonho coletivo de tornar um espaço de ensino que tem na
atenção primária seu principal foco, em uma área de ação
multiprofissional e interinstitucional com o objetivo de
promover saúde global para todos que ali participam, sejam
moradores sejam funcionários, alunos e docentes. E neste ápice
da produção deste livro, além da presença importante e
inconteste do Prof José Rodrigues Coura neste processo, que
já havia plantado uma semente especial, fertilizada com amor
e sonhos, fazendo após tantos anos, germinar um lindo projeto
de extensão da Fmc, traduzindo a filosofia de toda a
comunidade acadêmica de trazer ética e humanismo nas
relações pessoais e principalmente de formar e transformar
pessoas que farão um futuro melhor.
Bairro Saudável é um projeto sem um único dono, que
é movido pelo idealismo e pela visão de um novo tempo.
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”
Fernando Pessoa
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3
Prefácio
Carlos Antonio de Souza Moraes1
“O que não está em nenhum lugar, não existe”. Esta celebre
frase de Aristóteles denota a extrema relevância do espaço para a
análise da realidade social e, portanto, ele não pode ser considerado
um mero reflexo ou palco das ações humanas. O espaço se reproduz
na totalidade social, na medida em que essas transformações são
determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas.
É possível ressaltar que estas transformações históricas
ocorridas nas últimas três décadas alteraram a face do capitalismo
e de nossas sociedades na América Latina. Neste período, houve
avanço na tentativa de internacionalizar produção e mercados, o
que contribuiu para aprofundar o desenvolvimento desigual entre
as nações e, em seus interiores, entre classes e grupos.
A “mundialização do capital” repercute incisivamente nas
políticas públicas (em seus processos de focalização,
desfinanciamento, descentralização...), nos processos de inserção
dos trabalhadores nos mercados de trabalho, nas relações e condições
de trabalho, bem como, nas condições de vida e nas expressões
políticas e culturais dos distintos segmentos de trabalhadores.
Este cenário, avesso aos direitos, radicaliza as
desigualdades e associa cidadania a consumo, mundo do dinheiro e
posse de mercadorias. Além disso, há investida ideológica do capital
e do Estado para “cooptação dos trabalhadores”, buscando tornálos parceiros.
Mas, ao mesmo tempo, um conjunto de resistências e lutas
diárias é construído pela sociedade, através de reivindicações que
envolvem o cenário rural, urbano, as relações de gênero, questões
étnico-raciais, relações com o meio ambiente, dentre outros... Estas
manifestações têm por base a precarização das condições de vida,
o aumento das vulnerabilidades e a busca da dignidade e respeito
humanos.
Sobreviver em espaços marcados por desigualdades,
rebeldia e conformismo se torna desafio para múltiplos sujeitos
sociais no contexto brasileiro. Sujeitos que são responsabilizados
exclusivamente por suas precárias condições de vida, além de
viverem os dilemas do desemprego, através da redução dos postos
de trabalho ou, terem seus trabalhos intensificados ou ainda,
vivenciarem a clandestinidade e invisibilidade do trabalho informal
e precário. Além disso, estes sujeitos observam a crescente
criminalização de suas lutas sociais, bem como, da “questão social”.
Percebe-se desta forma, a banalização do ser, a partir da
indiferença diante de suas necessidades e de seus direitos.
Indiferença perante o destino de trabalhadores submetidos a uma
pobreza histórica e, portanto, tornam-se subjugados e desprezados
diante de sua disfuncionalidade para o capital2.
No contexto destas transformações sociais, sujeitos
singulares e coletivos, influenciam e são influenciados pelo espaço
vivido. Nele criam estratégias particulares de condução de sua própria
vida, no seu lar, local de trabalho, na rua, comunidade, pontos de
encontro... Estas transformações que geram desigualdades, também
determinam socialmente o processo de adoecimento da população.
A esse respeito, estudos desenvolvidos, sobretudo a partir
de 1970, começam a indicar que o caráter histórico da doença é
conferido no processo que ocorre na coletividade humana, ou seja,
a natureza social da doença deve ser verificada na forma de
adoecimento e morte dos grupos humanos (NUNES, 2000). Para
esta compreensão, o conceito de formação social apresenta grande
relevância.
É possível perceber que estas transformações nas
concepções em torno de saúde - doença são fundamentais para
ampliação de espaço de análise e intervenção nesta realidade. Ou
seja, é preciso compreender que o processo de adoecimento é fruto
de múltiplos fatores históricos e estruturais e devem ser pensados na
interseção de aspectos não apenas sociais, mas também biológicos,
econômicos, culturais, políticos.
Para compreensão destes fatores e seus vínculos com as
condições de saúde da população, o conceito de desigualdade social
é fundamental. Para maioria dos autores, ele incorpora uma repartição
desigual que se produz no processo social, ou seja, o acesso a bens
e serviços e a um nível de saúde mais elevado da população é
determinado veementemente pela posição que os sujeitos ocupam
na organização social (BARATA, 2006).
Assim, as desigualdades sociais em saúde são as diferenças
produzidas pela inserção social dos indivíduos e que estão
relacionadas com a repartição do poder e da propriedade (IDEM,
2006).
Ao adotar a corrente politizada e/ou sócio - histórica das
desigualdades em saúde, entendemos que saúde é um produto social
e determinadas organizações podem ser mais sadias que outras.
Trabalhar com esta vertente, que tem como base o conceito de
reprodução social, significa romper com a concepção linear de
causalidade e negar possibilidades de identificar "cadeias de causaefeito entre características ou indicadores sociais e problemas de
Doutorando em Serviço Social pela PUC/SP; Mestre em Políticas Sociais pela UENF; Bacharel em Serviço Social pela UFF; Professor do Departamento de Serviço Social de
Campos/ Universidade Federal Fluminense; Membro do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Cotidiano e Saúde (GRIPES).
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A abordagem referente as transformações atuais da sociedade capitalista tem por base A discussão de Marilda Villela Iamamoto no Livro “Serviço Social em tempos de
Capital Fetiche...”, 2010.
1
10
saúde, bem como entre indicadores de desigualdades sociais e
saúde" (BARATA, 2006, P. 471).
Com base neste referencial, um trabalho de pesquisa
empírico pode ser dividido em dois grupos: os que privilegiam a
estrutura de classes, trabalhando com o conceito de classe social
e os que privilegiam condições de vida e trabalham com o conceito
de espaço social. De qualquer modo, a unidade espaço - população
tem a possibilidade de ser uma unidade onde operam os processos
determinantes, onde se expressam os problemas de saúde e se
desenvolvem as ações ou respostas sociais a estes problemas.
Diante do apresentado, é preciso sinalizar que a categoria
condições de vida não deve ser entendida em sua relação com a
saúde numa perspectiva linear de causa e efeito. Defendemos que
a saúde deva ser concebida numa perspectiva sócio-histórica e,
portanto, coletiva. Mediada por aspectos materiais, sociais,
culturais, políticos, econômicos e pela realidade vivida pelos
sujeitos através de suas relações cotidianas, ou seja, pelas
trajetórias históricas individuais dos sujeitos que se relacionam
coletivamente e, portanto, influenciam e são influenciados no/
pelo grupo e espaço em que vivem.
Além disso, o texto que o leitor tem em mãos, é resultado
de estudos que insistem na compreensão da saúde em uma
perspectiva ampliada. A tentativa de conhecer um espaço/território
específico foi um grande desafio deste grupo de pesquisadores,
que se comprometeu a identificar mediações do processo saúde doença. Para tanto, o grupo assumiu outro e, talvez, o maior
desafio, que foi o de construir este estudo de forma interdisciplinar
e interinstitucional, articulando as dimensões quantitativas e
qualitativas de pesquisa ao longo de seu processo. E se o trabalho
de pesquisa se constrói "artesanalmente", há aqui uma experiência
de aproximação sucessiva deste espaço/território específico e de
seus sujeitos, o que contribuiu para conhecer algumas de suas
histórias, as experiências compartilhadas pelos moradores através
do estímulo a tantas memórias. Essa aproximação inicial foi
fundamental na resposta a um montante de questões de quem tem
"curiosidade" e quer saber. Portanto, através desta aproximação
inicial construiu-se um resultado provisório que sinalizou mais
indagações que respostas, o que foi expressivo para construção e
desenvolvimento do inquérito populacional - fase posterior da
pesquisa.
Aproximações, encontros, caminhadas pela Comunidade,
identificação de informantes-chave, observações e aplicação de
formulários foram fundamentais para ir além do "absolutamente
óbvio" no intuito de compreender o "surpreendentemente oculto"
nas condições de vida da população. Para tal foi e sempre será
necessário, nos tempos atuais, repensar estratégias que valorizem
e fortaleçam seus princípios. E se "(...) Não basta que o
pensamento procure realizar-se; a realidade deve igualmente
compelir ao pensamento" (MARX, 2005, p. 152), há aqui dados
capazes de se fazer pensar, construídos com a paixão que se
alimenta da crítica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARATA, R. B. Desigualdades sociais e saúde. IN: CAMPOS, G. W.
de S.; MINAYO, M. C. S. ET ALL. Tratado de saúde coletiva. São
Paulo: Hucitec. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009. Cap 14, p. 457 - 468.
IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche:
Capital financeiro, trabalho e questão social. 2 ed. - São Paulo:
Cortez, 2008.
MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São
Paulo:Boitempo, 2005.
NUNES, E. D. A doença como processo social. In: CANESQUI, A.
M. (ORG), Ciências Sociais e Saúde para Ensino Médico. SP:
Hucitec/Fapesp, 2000. Cap11 (p.217-2290).
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4
Apresentação
Vera Lucia Marques da Silva1
Apresentar um trabalho coletivo, resultado de um grupo
de pesquisa de Instituições de Ensino Superior integradas ao
‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’
foi uma tarefa prazerosa, mas, ao mesmo tempo, de muita
responsabilidade. Embora fizesse parte do grupo de pesquisa e tenha
escrito um artigo, impus-me a leitura de todos os outros artigos
como se fosse de fora. Isso reafirmou-me a dimensão da importância
deste trabalho.
À apresentação deste trabalho coletivo, coube-me a do
texto escrito pelo Dr. José Rodrigues Coura, somando-se, portanto,
maior prazer e responsabilidade. Primeiramente, um breve currículo
deste grande pesquisador brasileiro, nascido no sertão da Paraíba,
que será mais bem conferido pelo seu brilhante Currículo Lattes e
de fácil acesso por todos. Cabe ressaltar os mais de 200 trabalhos e
os 4 livros publicados. Além de grande pesquisador da doença de
Chagas, da esquistossomose e de doenças parasitárias na Amazônia
Brasileira, sempre se dedicou ao ensino médico e à carreira
universitária. É neste contexto que se dá a sua relação com a
Faculdade de Medicina de Campos, como ele mesmo relata. Assim,
não poderíamos deixar de relatar o seu ineditismo caracterizado
pela inserção dos alunos da medicina, já no primeiro ano, numa
comunidade, - Custodópolis, também chamada de “Cidade de Palha”
- e pelo projeto de interdisciplinaridade e interinstitucionalidade ao
envolver a Escola de Serviço Social, a Escola de Odontologia e a
Faculdade de Direito. Sem sabermos deste primórdio, o Programa
Bairro Saudável tem sido uma tentativa do resgate da
interdisciplinaridade e interinstitucionalidade.
Para mim, particularmente, por me dedicar ao campo da
Saúde Coletiva, cabe destacar o nome da disciplina sob a
responsabilidade do Dr. José Rodrigues Coura como professor da
Faculdade de Medicina de Campos (FMC), nos idos dos anos 60:
“Medicina Social e Preventiva”. A partir do entendimento de que a
Saúde Coletiva tem suas raízes nos projetos preventivistas e da
medicina social, ela é um campo de tríplice dimensão: como corrente
de pensamento, como movimento social e como prática teórica.
Como corrente de pensamento, em termos cronológicos, nos anos
50 se instaura a medicina preventivista, que se reforça a partir dos
anos 70 pela medicina social e que vai se estruturando, a partir dos
anos 80 até a atualidade, como campo da saúde coletiva. Se no
campo do conhecimento, a saúde coletiva passa a incorporar alguns
conceitos sociológicos, antropológicos, demográficos,
epidemiológicos e ecológicos, no plano político-ideológico ela passa
a consolidar a chamada ‘medicina comunitária’ e seus
desdobramentos nos programas extra-muros. Às expensas desta
cronologia mais atual, sabe-se que a medicina nasce como ‘medicina
social’ na segunda metade do século XIX, sendo a expressão cunhada
na França em 1848. Ou seja, a medicina como campo de
conhecimento sempre relacionou a saúde com as condições de vida
das populações. Condições de vida nos seus diversos aspectos, como
os anteriormente citados (sociológicos, antropológicos,
demográficos, epidemiológicos, ecológicos, políticos e ideológico).
Mas, se houve um tempo de aprofundamento da medicina
biologicista, a retomada de idéias sobre a Medicina Social foi objeto
de documento da OPS, de 1974, quando esse organismo assume
que o objeto da medicina social deve ser entendido como “o campo
de práticas e conhecimentos relacionados com a saúde como sua
preocupação principal e estudar a sociedade, analisar as formas
correntes de interpretação dos problemas de saúde e da prática
médica” (OPS, 1976). Nesta questão, temos a certeza de estarmos
concretizando este ideário nas ações realizadas no CSEC, além de
estarmos realizando ações de assistência curativa.
Recuperando a história, encontramos que em trabalho
escrito em 1973, o Prof. Guilherme Rodrigues da Silva afirmou
que “... alguns departamentos de Medicina Preventiva passaram a
adotar, tendencialmente, uma posição potencialmente mais
inovadora, uma posição de crítica construtiva da realidade médicosocial e da prática da medicina, fundamentada bem mais no modelo
de medicina social do que no modelo original de Medicina
Preventiva” (SILVA, 1973). Ao lermos o relato do Prof. Coura,
temos a certeza de que a disciplina por ele implantada na FMC
tinha uma posição como a afirmada acima pelo Prof. Guilherme
Rodrigues da Silva. E, temos, mais uma vez, a certeza de que a
homenagem a ser prestada ao Dr. José Rodrigues Coura, dando o
seu nome ao CSEC, é por reconhecer que, além de inovar enquanto
professor da medicina preventiva da FMC, ele inovou ao inserir os
alunos na realidade da ‘Cidade de Palha’. O nosso papel, atual, tem
sido, junto à Direção da FMC, manter esse ideário no CSEC e no
Programa Bairro Saudável. E, neste sentido, gostaríamos de destacar
o conceito de Medicina Social adotado por Arouca: “como o estudo
da dinámica do processo saúde-doença nas populações, suas
relações com a estrutura de atenção médica, bem como das relações
de ambas com o sistema social global, visando à transformação
destas relações para a obtenção dentro dos conhecimentos atuais,
de níveis máximos possíveis de saúde e bem-estar das populações”
(AROUCA, 1975).
Em relação à identidade do grupo de pesquisadores que
redundou nesta publicação, esta foi dada pela proposta de dar
continuidade a uma pesquisa anterior, desenvolvida pela UFF,
que teve como objeto o bairro de Custodópolis. A pesquisa
anterior precisava ser aprofundada em algumas dimensões. O
1
Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro e Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013)
12
convite para a execução deste projeto foi feito para todas as
oito Instituições parceiras do ‘Programa Bairro Saudável’, com
participação de quatro: Universidade Federal Fluminense (UFF),
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
(IFF), Universidade Salgado Filho (UNIVERSO) e Faculdade
de Medicina de Campos (FMC). A coordenação do projeto ficou
sob a responsabilidade Departamento de Serviço Social de
Campos/Universidade Federal Fluminense, através do GRIPES
(Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e
Saúde).
As diretrizes norteadoras do Programa Bairro Saudável
foram consideradas no desenvolvimento do projeto de pesquisa,
principalmente as que se referem à metodologia, pesquisa-ação, e
à interdisciplinaridade, com o esforço de congruência dos diversos
olhares sobre o objeto. Portanto, não é um trabalho do serviço social
com a arquitetura, com a enfermagem e com a medicina. É um
trabalho que se refere a um conjunto de profissionais dessas áreas
que fizeram um esforço ao olhar o objeto considerado e ao analisar
os resultados encontrados.
Outro ponto relevante que demarca a identidade dos
autores é o fato de todos terem uma atuação, em algum momento,
no Programa Bairro Saudável. Se, por um lado, essa condição os
aproxima do objeto pesquisado, por outro, exigiu de cada um dos
integrantes um esforço nas análises dos resultados encontrados.
No primeiro artigo, ‘Programa Bairro Saudável: tecendo
redes, construindo cidadania’, Vera Marques desenvolve uma
apresentação do Programa Bairro Saudável, suas dimensões
(antecedentes, inserções, objetivos, conceitos norteadores, método
de pesquisa, resultados alcançados após 03 anos de implantação) e
os projetos que foram executados desde o início de sua implantação,
em 2008, até dezembro de 2011. Ainda, neste artigo, são
apresentadas as lições aprendidas no decorrer da execução do
projeto, que servirão de reflexões para outros que tenham proposta
semelhante.
No segundo artigo, ‘Do diagnóstico preliminar ao inquérito
populacional: movimentos de investigação em um território
vulnerável’, Denise Juncá nos apresenta a estruturação dos passos
que foram dados para que fosse construído um diagnóstico
socioambiental de Custodópolis. Faz uma análise do grande desafio
posto, pois, como a própria autora cita, uma comunidade configurase como um “objeto de estudo indisciplinado”. A metodologia é
minuciosamente detalhada, configurando-se, portanto, um artigo
norteador para outras pesquisas a serem desenvolvidas com a
dimensão desta. O desafio da interdisciplinaridade e da
interinstitucionalidade é claramente descrito e analisado, com
exposição das dificuldades ocorridas no decorrer do processo.
No artigo ‘O Território de Custodópolis: mapeando
memórias e lugares’, de Verônica Gonçalves, os significados e
experiências ganham destaque. São conceitos implicados no
processo saúde-doença, ou seja, na construção de um bairro tanto
no aspecto de sua vulnerabilidade como no aspecto de torná-lo mais
saudável. A memória do território Custodópolis é resgatada numa
escrita feita por todos que participaram da pesquisa. Uma lição que
fica para todos nós: o resgate da memória de um território nos coloca
a dimensão, para o bem e para o mal, do sujeito que somos da história e
se nós assim a fizemos, nós assim poderemos mudá-la.
No quarto artigo,’O lugar: entre lembranças do passado e
vivências do pesente’,Verônica Gonçalves Azeredo aborda o conceito
de território em suas diversas dimensões. Uma delas diz respeito à
importância da reconstrução do passado, no qual os sentidos coletivos
do passado se contrapõem às vivências da individualidade. A degradação
de valores e a decadência das experiências públicas são outros aspectos
analisados., além das experiências com a violência e com as diversas
formas de sociação.
Em ‘Moradia: lugar de apropriações e práticas’ de Isadora
Marques de Souza Oliveira, Júlia Lima Araújo, Juliana Peixoto Rufino
Gazem de Carvalho, Raphael Mesquita de Aguiar, Regina Coeli Martins
Paes de Aquino e Verônica Gonçalves Azeredo, é nos apresentada a
dimensão do que seja uma moradia como objeto sinalizador e mediador
de relações culturais, sociais e econômicas. O artigo vai mais além,
pois descreve suscintamente as condições de habitação dos moradores
de Custodópolis, estuda o caso de uma moradia e propõe soluções
possíveis de serem realizadas para torná-la saudável.
O artigo ‘A questão habitacional e seu entorno em
Custodópolis’, de Katarine de Sá Santos, Késia Silva Tosta e Paula Emely
Torres, aborda a questão de que ‘o que reflete os resultados das ações
humanas é o produto das relações sociais concretas que se dão no espaçotempo de determinado território’. Assim, o território como correlação
de forças políticas e relações de poder presente na sociedade civil é nos
apresentado, colocando-nos, mais uma vez, como responsáveis pelo que
nós construimos e pela forma que nós vivemos, como a segregação
espacial que tanto caracteriza o nosso país. Os desafios de moradia nesses
nichos de segregação espacial são descritos e analisados, merecendo
reflexões de todos nós.
‘Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famílias
em Custodópolis’, Adilea Lopes da Silveria, Christovam Luiz Machado
Cardoso, Denise Chrysóstomo de Moura Juncá, Ivone dos Santos
Magaldi e Késia da Silva Tosta apresentam um retrato das condições de
saúde e de doença das famílias de Custodópolis numa abordagem que
relaciona as condições de moradia, de empregabilidade, de grau de
estudo com a ocorrência das doenças mais comuns na comunidade.
O artigo ‘Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros
e instrumentos do (com)viver em comunidade’, de Carlos Antonio de
Souza Moraes aborda o conceito empoderamento e ao mesmo tempo o
coloca frente a frente à realidade apreendida no trabalho de campo. A
pobreza, por si só, é um estado de desempoderamento, como o artigo
nos aponta. Mas, se por um lado nos coloca frente a quase um obstáculo
(a pobreza é), por outro lado nos coloca frente a uma possibilidade (é
um estado), como faz o artigo ao apresentar estratégias práticas para o
desenvolvimento de empoderamento numa comunidade.
O artigo final ‘Uma cidadania esperada: e agora, o que fazer?’,
de Christovam Cardoso, Denise Chrysóstomo de Moura Juncá e Verônica
Gonçalves Azeredo apresenta as possibilidades, diante das
vulnerabilidades detectadas, de avançar para a construção de um bairro
saudável em Custodópolis. Muito há de ser feito. A afirmação do
compromisso entre instituições e atores envolvidos tem sido mantida
por uns. Para outros, segundo os próprios autores, esse compromisso
precisa ser reafirmado.
13
5
Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania
Vera Lucia Marques da Silva 1
1-Introdução
Este artigo tem como proposta a apresentação do
‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’
(PBS), entendo-o como norteador, a partir das suas diretrizes
básicas, para os projetos de ensino-pesquisa-extensão das oito
Instituições de Ensino Superior que o compõem. Serão
apresentadas as diversas dimensões do PBS (antecedentes,
inserções, objetivos, conceitos norteadores, método de pesquisa,
resultados alcançados e lições aprendidas após 03 anos de
implantação) e os projetos que foram desenvolvidos desde o início
de sua implantação, em 2008, até dezembro de 2011. Um dos
projetos é o que gerou a presente publicação, tendo sido elaborado
e executado por quatro instituições: Universidade Federal
Fluminense (UFF), Instituto Federal Fluminense de Educação
(IFF), Universidade Salgado Filho (UNIVERSO) e Faculdade de
Medicina de Campos (FMC). A partir do entendimento de que
alguns projetos envolvem intervenções, com consequências, em
graus diferentes na comunidade, o tema ‘vigilância’ é abordado
numa breve análise. Considerando que grande parte dos projetos
de ensino-pesquisa-extensão se realizou na estrutura física do
Centro de Saúde Escola de Custodópolis, justifica-se a
apresentação desta unidade nas suas dimensões históricas e de
atenção à saúde.
2- Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo
cidadania
2.1-Antecedentes e inserções: município de Campos dos
Goytacazes, bairro de Custodópolis e Centro de Saúde Escola
de Custodópolis.
O município de Campos dos Goytacazes, localizado no
norte do Estado do Rio de Janeiro, tem uma história marcada pela
produção sucro-alcooleira e, mais recentemente, pela exploração
do petróleo, o que pode ser evidenciado pela vultosa injeção de
recursos financeiros na região, provenientes dos royalties
(Pessanha; Silva Neto, 2004). Atualmente, a história será
provavelmente remarcada com a implantação do distrito industrial
do Porto do Açu, no município vizinho de São João da Barra,
devido à projeção de um crescimento explosivo, com esperadas
repercussões no entorno.
Diferentes expressões de pobreza caracterizam a história
desse município, embora com melhorias em todos os índices de
desenvolvimento humano na última década (Campos dos Goytacazes,
Perfil 2005: 77). Mesmo com essas melhorias, pesquisas realizadas,
também, na última década, demonstraram nichos de desigualdades
(Marques da Silva, 2003), que são diluídos quando se analisam
somente dados referentes à área total geográfica do município. Na
pesquisa realizada por Marques da Silva (2003), analisando a
efetividade do Programa Saúde da Família (PSF) no decorrer de 03
anos de sua implantação (1999-2000) foram evidenciadas
desigualdades sociais e desigualdades em saúde, em graus
consideráveis, ao comparar as áreas cobertas com as áreas não
cobertas pelo PSF. Uma das taxas analisadas na pesquisa foi a Taxa
de Mortalidade Infantil (TMI). A TMI na área coberta pelo PSF era
igual ou muito próxima àquela observada em alguns países pobres
da África, apresentando valores de 59,33 para 1000 nascidos vivos.2
De acordo com o CIDE dos Municípios (CIDE 3 , 2005),
Campos dos Goytacazes é a sétima cidade melhor colocada como a
menos carente do estado, verificando-se, portanto, que mudanças
têm ocorrido, destacando-se, entre outras, a construção de unidades
habitacionais, a ampliação da rede de atendimento à saúde e à
educação, além da implantação de novos programas sociais.
Entretanto, mesmo diante de tais iniciativas e com uma população
estimada em 442.363 habitantes (IBGE, 2010), o município atende
a mais de 20 mil famílias através de programas de transferência de
renda 3 . Partindo-se do pressuposto que tais famílias são compostas
por, em média, 03 a 04 pessoas, tais dados levam a admitir que cerca
de um terço da população do município enquadra-se na categoria de
pobre ou extremamente pobre. Isto pode significar também que
muitos programas e ações não têm produzido mudanças favoráveis
no perfil desta população. Sua porta de entrada e de saída apresenta,
provavelmente, a mesma cara e, “portanto, mantém a pobreza no
mesmo lugar: os sujeitos continuam pobres de direitos” (Juncá, 2007:
72). Alguns exemplos deste quadro são encontrados em recentes
publicações como o “Diagnóstico das condições sócio-econômicas
da infância e juventude de Campos dos Goytacazes” 5 (2006), ou
mesmo, na pesquisa “Perfil sócio-econômico das famílias de baixa
renda de Campos dos Goytacazes” 6 (2007-2008).
Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
e Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013).
2
As áreas escolhidas para serem cobertas pelo Programa Saúde da Família são as consideradas mais vulneráveis.
3
Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro.
4
Estimativa obtida junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Promoção Social em 2006.
5
Diagnóstico elaborado pelo NETRAD/UFF – Núcleo de Estudos em Trabalho, Cidadania e Desenvolvimento, sob a coordenação do Prof. Dr. José Luis Vianna da Cruz.
6
Projeto concluído, fruto de uma parceria da Universidade Federal Fluminense com a Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, tendo na coordenação da produção
de dados os seguintes professores vinculados ao GRIPES (Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde): Profª Drª Denise Chrysóstomo de Moura
Juncá e Profº Dr. Ronney Muniz Rosa.
1
14
Nas áreas rurais e nos bairros periféricos este retrato
mostrou-se mais agravado. Adicionado à condição de desigualdade
social e de saúde, constatou-se uma inércia social de longo tempo,
demonstrada por ausência de investimentos em infra-estrutura básica
(Marques da Silva, 2003). Estas condições geraram reações em
algumas comunidades, como em Custodópolis. É o bairro mais antigo
de Guarus. Localiza-se a uma distância de sete kilômetros do centro
de Campos e é delimitado pelos parques ‘Nova Campos’, ‘São
Domingos’, ‘Bonsucesso’, ‘Novo Mundo’ e ‘Presidente Vargas’ (vide
mapa abaixo).
Mapa 1: Campos dos Goytacazes/RJ, 2005
Fonte: Cidade de palha: diagnóstico preliminar. Campos dos Goytacazes, 2008.
No final da década de 1960, as lideranças de Custodópolis
se mobilizaram após vivenciarem por longo tempo problemas
referentes à ausência de abastecimento de água e à inadequada
localização de fossas rudimentares ao lado de poços caseiros.
Algumas faculdades da região se articularam ao movimento
comunitário e implantaram o Centro Social Comunitário,
posteriormente denominado Centro Social Universitário, em
parceria com o MUDES – Movimento Universitário de
Desenvolvimento Econômico e Social. Nesta mesma época (1970),
foi implantado o “projeto-piloto assistencial integrado, com a
participação de universitários de diversas especialidades” 7 , que
procurava responder às demandas referentes aos serviços médicos,
odontológicos e sociais.
7
8
9
Mais recentemente, em 1999, outras mudanças ocorreram. O
Centro Social Universitário se reestruturou como Centro de Saúde Escola
de Custodópolis (CSEC), uma unidade de atenção à saúde da Faculdade
de Medicina de Campos 8 .
Desde então, o Centro de Saúde Escola de Custodópolis tem
passado por diversas transformações. Após sua reestruturação, em 1999,
a Faculdade de Medicina de Campos implantou a disciplina “Cuidados
Básicos de Saúde” (CBS), cujo objetivo principal era a inserção precoce
dos alunos na comunidade. A partir de 2002, a disciplina CBS foi
incorporada ao eixo “Fundamentos Humanísticos Biopsicossociais
Aplicados à Saúde” (FHBS). Esse eixo teve como uma
das estratégias de ensino-aprendizagem a prática “Ação
Cuidadora da Família”, que mantinha, como um dos
principais objetivos, a inserção precoce dos alunos na
comunidade, mas com a incorporação dos fundamentos
humanísticos a essa prática. A estratégia “Ação
Cuidadora da Família” envolveu uma instituição
privada de domínio público (Faculdade de Medicina
de Campos com seus docentes), uma instituição pública
de serviço de saúde (Secretaria Municipal de Saúde
com profissionais das 03 Equipes Saúde da Família) e
a comunidade de Custodópolis. Esta estratégia
possibilitou uma experiência na relação ensino-serviçocomunidade que foi fundamental como proto-idéia
para a construção do Programa Bairro Saudável, já
que alguns profissionais de saúde que fizeram parte
desta estratégia continuaram a atuar na unidade CSEC.
A partir de 2006, o CSEC ampliou sua
reestruturação física e número de profissionais e
colaboradores administrativos 9 . A indicação de uma
Direção Clínica redundou na reestruturação do projeto
pedagógico anterior, ampliando-o, principalmente a
partir do reconhecimento de que a população de
Custodópolis demandava outras necessidades além das
de assistência médica, em que pese a excelência de atendimento que era
realizado por médicos docente-assistenciais da Faculdade de Medicina
de Campos e por profissionais de saúde da Secretaria Municipal de
Saúde de Campos.
Inicialmente, o projeto pedagógico foi composto por duas
diretrizes e quatro conceitos. Essas diretrizes e conceitos são atualmente
mantidos, sendo a eles adicionados outros a serem apresentados adiante
nesse artigo. A primeira diretriz centrava-se na melhoria da qualidade
da assistência à saúde a ser prestada aos moradores do bairro e a segunda
enfatizava a vocação desta unidade como um ambiente privilegiado do
processo de ensino-aprendizagem para os diferentes profissionais da
saúde e áreas correlatas.
Em relação às diretrizes, o CSEC passou a se constituir como
um espaço de prática para os alunos de graduação dos cursos de Farmácia
e de Medicina da Faculdade de Medicina de Campos estendendo-se,
também, para os cursos de pós-graduação em Saúde da Família e
Fundação MUDES (http://www.mudes.org.br/home/institucional/default.asp?ID=93&P=27)
Faculdade de Medicina de Campos na gestão do Drº Jair Araújo.
Faculdade de Medicina de Campos na gestão do Drº Nélio Artiles.
15
Gerontologia e Geriatria desta mesma faculdade. À melhoria da
qualidade de assistência associaram-se diversas ações de
intervenção em uma abordagem de saúde coletiva, destacando
às das áreas de Saúde Integral da Criança, da Mulher, do Adulto,
do Idoso e Saúde Mental.
Um dos conceitos norteadores tem sido o ‘CAPITAL
SOCIAL’, entendendo que a parceria ensino-serviço-comunidade
é uma das estratégias que possibilitam o desenvolvimento do
mesmo. De acordo com Putnam (1996), o Capital Social é
definido como bem público, envolvendo a confiança e a
disponibilidade de normas e sistemas que facilitam as ações
cooperativas entre os atores sociais. Como capital, tende a
aumentar com o uso e a se esgotar com a não utilização. Os
estoques de capital social, como confiança, normas e sistemas
de participação, tendem a ser cumulativos e a reforçar-se
mutuamente. Segundo o autor, as instituições formais podem
possibilitar a mudança da prática política e o desenvolvimento
do capital social. Este é entendido como um bem público cada
vez mais necessário nas sociedades complexas, onde as vantagens
do oportunismo, da trapaça e da transgressão tendem cada vez
mais a aumentarem, à medida que prossegue o desenvolvimento
econômico. A criação de capital social não é fácil, mas será cada
vez mais fundamental para fazer a democracia funcionar. A
proposta do CSEC tem sido, desde então, criar uma relação de
respeito e confiança, envolvendo os profissionais e colaboradores
entre si e entre eles e a comunidade. É uma tarefa difícil que
envolve desde ações menores, como o uso racional de papéis e a
não utilização de copos descartáveis, até a discussão de conflitos
de relacionamentos humanos e o limite da solicitação
indiscriminada de medicamentos e exames pelos pacientes.
Outro conceito norteador, associado ao anterior, é o de
‘RESPONSABILIDADE SOCIAL’. Temos, cada vez mais, a
convicção de que a participação dos estudantes e professores da
universidade no trabalho coletivo a saúde propicia uma formação
de profissional mais envolvido com a política de saúde do país e
consequentemente uma maior responsabilidade social. Este
também é o entendimento de O’Dwyer e Pastrana (2000), segundo
os quais o ensino médico não pode estar dissociado do contexto
social, pois do contrário estará formando profissional descolado
da realidade e distante das necessidades e dos anseios da
população. Ou seja, a escola médica deve favorecer o
desenvolvimento do compromisso social, procurando atender às
necessidades da sociedade em termos de saúde e de tratamento
dos problemas. Neste contexto, cabe destacar que uma das
diretrizes do Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares
nos Cursos de Medicina – PROMED foi incentivar a utilização
de cenários reais para o processo ensino-aprendizagem e a
abertura dos serviços universitários às necessidades do SUS,
implicando, portanto, possibilitar maior compromisso social das
escolas médicas. Esta tem sido uma tarefa difícil, pois o peso
hegemônico do ensino hospitalar, a dimensão do capital simbólico
e financeiro do valor das especialidades, a valorização da
transmissão do conhecimento teórico desarticulado da realidade
da práxis, entre outros, ainda contribuem para a desvalorização do ensino
na realidade da prática ambulatorial e comunitária, principalmente
quando essa realidade implica uma distância social, cultural e econômica
entre profissionais e pacientes.
Todas as ações de assistência à saúde e do processo ensinoaprendizagem foram norteados, e continuam sendo, por dois outros
conceitos incorporados na estruturação pedagógica do CSEC, quais
sejam o da INTERDISCIPLINARIDADE e o de EDUCAÇÃO
PERMANENTE. O conceito de Educação Permanente será apresentado
a seguir. A Interdisciplinaridade é norteadora do PBS a partir de que
‘colabora para promover saltos qualitativos que reconfiguram as áreas
de conhecimento e propõe muitas outras possibilidades que podem
definir novos campos científicos’ (Janine, 2008). Esta afirmação, entre
outras, foi um estímulo para a formação das equipes interdisciplinares
que atuam nas ações de intervenção na unidade e para a busca de outros
campos de conhecimentos e saberes, busca esta que redundou na idéia
de construção do PBS. A interdisciplinaridade é um desafio que, quando,
pelo menos, um pouco vencida, redunda em publicações como esta:
uma visão de um pequeno microcosmo social, mas, visto numa
complexidade do mundo real, visto por pesquisadores de múltiplos
saberes e conhecimentos e com a participação dos sujeitos pesquisados,
levando em consideração a utilização da metodologia pesquisa-ação.
Atualmente, principalmente após a construção do projeto
‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’
(PBS), a incorporação de suas diretrizes norteadoras e o compromisso
de alcançar as metas programadas, o CSEC, como a materialidade
estruturante do PBS, consolida-se, cada vez mais, como um espaço de
excelência na assistência à saúde e nas atividades de ensino-pesquisaextensão, o que envolve produção de conhecimentos e reflexão constante
de sua práxis. Esse artigo é uma possibilidade de reflexão dessa práxis
e, ao mesmo tempo, do compromisso com a sua publicização.
2.2- A história mais recente
Como a própria denominação sugere, o 'Programa Bairro
Saudável: tecendo redes, construindo cidadania' tem como objetivo
principal transformar um bairro vulnerável - o bairro de Custodópolis em um bairro saudável, através de redes inter-institucionais, interdisciplinares e de sujeitos cidadãos. A constituição do conceito e do
Programa tem uma história a ser descrita. História decorrente do encontro
de atores com convergência de idéias num determinado momento. Atores
provenientes do CSEC e das Instituições Parceiras. E, principalmente,
dos atores que constituíram o PBS em sua fase inicial e da Direção da
Faculdade de Medicina pelo apoio constitucional.
Considerando essa história, os profissionais de saúde do CSEC,
após anos de atuação e de experiência, constataram que somente as
ações desenvolvidas de assistência médica nesta unidade não estavam
cobrindo satisfatoriamente as necessidades da comunidade de
Custodópolis, bairro localizado no distrito de Guarus, no qual a unidade
está instalada. Neste sentido, a idéia de Saúde, numa visão ampliada, e
a de Saúde Coletiva foram os primeiros conceitos que marcaram a
trajetória do processo de construção do PBS. Essas idéias continuam
atuais, sendo incentivadoras de projetos, como o de alfabetização de
adultos (Mova Brasil, em parceria com a Petrobrás e o Instituto Paulo
16
Freire e iniciado em março de 2012) e o de Juventude Saudável
(iniciado em março de 2012), a ser desenvolvido por três alunos do
Projeto Bolsa Trabalho-CSEC. Essas ações sofrem algumas críticas,
devido a uma concepção ortodoxa e, ainda arraigada de que uma
unidade de saúde deveria apenas se ater ao atendimento de doença,
sendo esta apenas de cunho biológico, e não desenvolver ações e
atividades de promoção da saúde em âmbitos mais alargados e
consoantes com o conceito de determinação social do processo
saúde-doença, como se verá mais adiante.
Diversos fatores convergiram para a construção do PBS,
destacando-se, entre outros: constatação de uma realidade social
que demandava outras ações, além das de cunho somente médicoassistencial, como já exposto anteriormente; legitimização do
potencial do CSEC que cada vez mais se fortalecia como espaço de
ensino-pesquisa-extensão; apoio institucional e efetivo da Direção
da FMC; convergência de idéias e contribuições efetivas dos atores
representativos das diversas instituições. Justificou-se, assim, o PBS,
que objetivou consolidar a ampliação e atuação do CSEC, elaborar
um modelo de prática que congregasse os esforços de diferentes
instituições de ensino e aperfeiçoar e aprofundar conhecimentos e
ações para a melhoria da qualidade de vida da população residente
no bairro de Custodópolis e seu entorno. Teve-se como pressuposto
o de que tal articulação entre as instituições do ensino superior
reforçaria a relevância social e científica da proposta, considerando
os impactos que poderia produzir não só no espaço acadêmico,
investindo na sintonia entre ensino, pesquisa e extensão, como
também na própria experiência a ser vivenciada com a comunidade,
através da implementação de esforços para sua passagem de bairro
vulnerável para bairro saudável.
O PBS constituiu-se, portanto, como um programa
interinstitucional e interdisciplinar, integrando diversos projetos de
ensino-pesquisa-extensão das 08 Instituições de Ensino Superior:
Faculdade de Medicina de Campos (FMC), Universidade Federal
Fluminense (UFF), Instituto Federal Fluminense (IFF), Universidade
Cândido Mendes (UCAM), Universidade Salgado de Oliveira
(UNIVERSO), Universidade Estácio de Sá (UNESA), Faculdade
de Filosofia de Campos (FAFIC) e Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). O organograma compôs-se de
um Coordenador Geral (no momento com um representante da
Faculdade de Medicina de Campos), e do Grupo Gestor (formado
por um Titular e por um Suplente representando cada instituição
parceira).
No decorrer de 2007, foram realizadas diversas reuniões
com as representações do Grupo Gestor, nas quais se construiu o
projeto do PBS e o documento - Termo de Cooperação TécnicoCientífico - que instituiu as parcerias institucionais. No documento,
assinado em 08 de junho de 2009, com a presença dos Dirigentes
das Instituições Parceiras e representantes que formam o Grupo
Gestor, destaca-se no parágrafo único:
O Programa Bairro Saudável será desenvolvido mediante
projetos de ensino, pesquisa e extensão, que deverão ser norteados
pela busca e exercício da cidadania, visando à melhoria da qualidade
de vida da população local.
Uma das cláusulas é a respeito de que os projetos deverão ser
somente executados após passarem por uma apresentação para todos os
componentes do grupo gestor, no sentido de serem analisados quanto à
pertinência em relação aos preceitos e conceitos norteadores do
Programa, como também de serem publicizados e avaliados em relação
às questões éticas das pesquisas. Desde então, alguns projetos
apresentados e executados integraram-se no tripé ensino-pesquisaextensão e outros se situaram em um ou dois dos três componentes,
respeitando a vocação de cada Instituição. A exigência que tem sido
feita é a de que os projetos sejam balizados pelo compromisso assumido
no Termo de Cooperação Técnico-Científico e pelos objetivos, metas,
resultados esperados e conceitos norteadores, como descritos a seguir.
Estas dimensões serão apresentadas de forma sistematizada, como as
são no Projeto. Em relação ao método, sugere-se o de 'pesquisa-ação'
sempre que a abordagem do objeto assim o permitir.
3- Objetivos, metas, resultados esperados e conceitos norteadores
3.1- Objetivos
Geral:
Desencadear um processo de transformação de um bairro vulnerável
em um bairro saudável na comunidade de Custodópolis, através da
criação de um modelo de prática, pautado na interação serviçocomunidade-instituições de ensino superior.
Específicos:
· Fortalecer e expandir as condições de atuação do CSEC.
· Implementar um cenário multidisciplinar de ensino, pesquisa e
extensão.
· Realizar um estudo sócio-ambiental da comunidade de
Custodópolis.
· Fortalecer a responsabilidade social no processo de formação
profissional.
· Estimular o processo de empoderamento e controle social na
comunidade de Custodópolis.
3.2- Metas
· Estruturação do pólo interinstitucional e interdisciplinar no CSEC
· Construção de um diagnóstico sócio-ambiental participativo.
· Elaboração e implantação de planos de ações interdisciplinares.
· Consolidação do Pólo na lógica de “Educação Permanente”.
· Instrumentalização das lideranças comunitárias.
3.3- Resultados esperados
· Constituição progressiva de um bairro saudável.
· Consolidação do CSEC como Pólo Interinstitucional,
Interdisciplinar e de Educação Permanente.
· Criação de um banco de dados.
· Apropriação pela comunidade do conhecimento produzido e sua
habilitação para processar uma atualização permanente do Banco
de Dados.
· Produção e publicização de textos científicos.
17
· Viabilização da Residência Interdisciplinar em Atenção Básica
à Saúde, no CSEC.
· Consolidação das linhas de pesquisa existentes e criação de
outras.
· Colaboração técnico-científica com redes brasileiras que atuam
na Atenção Básica.
3.4- Conceitos norteadores
Os conceitos são considerados balizadores dos projetos a
serem desenvolvidos. O que diz respeito ao reconhecimento da
importância da educação para a autoformação e para a constituição
da cidadania (Morin, 2001) é o de EDUCAÇÃO PERMANENTE.
Este é um conceito que tem, cada vez mais, se solidificado,
principalmente após os anos 80, quando a OPAS (Organização Pan
Americana de Saúde) estabeleceu uma distinção conceitual entre
Educação Continuada e Educação Permanente. O Ministério da
Saúde incorporou este desafio, instituindo a Política Nacional de
Educação Permanente em Saúde, como estratégia do Sistema Único
de Saúde para a formação e o desenvolvimento dos trabalhadores
para o setor, através da Portaria nº198/GM/MS de 13 de fevereiro
de 2004. Este conceito enfoca a importância da reflexão coletiva da
equipe de trabalho a partir dos problemas reais encontrados na prática
cotidiana. Isso significa assumir a educação na práxis, pela práxis e
para a práxis, admitindo-se que os problemas se situam além da
racionalidade técnica e estão imersos em redes complexas
interpessoais, interinstitucionais e políticas. Como Ceccin (2005:
976) afirma: “a Educação Permanente em Saúde constitui estratégia
fundamental às transformações do trabalho no setor para que venha
a ser lugar de atuação crítica, reflexiva, propositiva, compromissada
e tecnicamente competente”. A Educação Permanente remete, assim,
à discussão da aprendizagem significativa, à organização e gestão
do trabalho em saúde, propiciando a construção de novas práticas e
novos saberes profissionais, elaborando-se estratégias mais efetivas
de ação. Está em oposição da prática educacional que Paulo Freire
(1987) denominou de ‘Educação Bancária’ em que os alunos são
depósitos nos quais os professores jogam informações que devem
ser memorizadas e arquivadas. Ou seja, a Educação Permanente
constitui-se como uma educação articulada à realidade e as
necessidades do grupo social.
Outro conceito é o de ATENÇÃO BÁSICA, compreendo-o
com “um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo,
que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de
agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção
da saúde” (Política Nacional de Atenção Básica, 2006: 10). Seu
desenvolvimento deve se processar através de práticas gerenciais e
sanitárias democráticas e participativas, valorizando o trabalho em
equipe, a delimitação de territórios de ação, a singularidade dos
sujeitos, e, orientando-se pelos princípios “da universalidade, da
acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e
continuidade, da integralidade, da responsabilização, da
humanização, da equidade e da participação social” (ibid.).
Dentro de tal concepção, a SAÚDE, como expressão de
um direito de cidadania, é entendida como “produção social, processo
dinâmico e em permanente transformação” (Meirelles; Erdmann, 2006:
70). Isto significa romper com a setorialização da realidade, tanto no
âmbito do conhecimento, quanto da ação, privilegiando olhares e ações
interdisciplinares direcionados à qualidade de vida de sujeitos que são
protagonistas de seu cotidiano. Portanto, os conceitos de
INTERSETORIALIDADE e de VIGILÂNCIA À SAÚDE se impõem
nesta visão de saúde e, consequentemente, também, como norteadores
para a transformação de um ‘bairro vulnerável’ em um ‘bairro saudável’.
De acordo com Mendes, (1999), a Vigilância à Saúde é uma forma de
resposta social organizada aos problemas de saúde, referenciados pelo
conceito positivo de saúde e pelo paradigma da produção social da saúde.
O conceito positivo da saúde envolve, por sua vez, uma concepção do
processo saúde-doença mais vinculado à qualidade de vida de uma
população, sendo, portanto, um produto social, ou seja, uma aproximação
positiva. Por sua vez, o paradigma da produção social da saúde é uma
proposta de rompimento com o paradigma flexneriano, este apoiado
predominantemente no setor biologicista. Desta forma, o paradigma
proposto, além de dar conta de um estado de saúde em permanente
transformação (e não uma visão estanque de saúde ou doença), permite
a ruptura com a ideia de um setor exclusivamente biologicista, erigindoo como produto social resultante de fatos econômicos, políticos,
ideológicos e cognitivos. A prática da Vigilância à Saúde parte do
reconhecimento de um território, identificando os problemas existentes
para, a partir daí, atuar sobre eles com ações organizadas
intersetorialmente. Desta forma, a intersetorialidade exige a ação de
distintos setores, implicando tomar problemas concretos, de gentes
concretas, em territórios concretos. Reconhece-se esta proposta,
avançando-a no sentido de que a ela seja incorporada excelência no
atendimento à saúde biológica. Ambos os conceitos possuem uma
dimensão além da atuação de um programa como o PBS ou de uma
unidade de saúde como o CSEC. Sabê-los, no entanto, tem representado
um passo importante para cobrar suas execuções em outras instâncias,
principalmente às relacionadas ao poder público.
A PROMOÇÃO DA SAÚDE, uma das dimensões da Vigilância
à Saúde, tem sido valorizada neste contexto. É uma dimensão que
comporta uma atuação sobre os determinantes da saúde, considerando,
paralelamente, um conjunto de valores que abrangem uma revalorização
da vida e uma qualificação dos modos de vida em um determinado
contexto, assumindo-se suas dimensões sociais, culturais, econômicas
e políticas. Para sua operacionalização, os conceitos discutidos
anteriormente de intersetorialidade e interdisciplinaridade deverão ser
incorporados para a melhoria da vulnerabilidade de um bairro.
Após um ano de implantação do Programa Bairro Saudável,
consideramos que as intervenções a serem realizadas no Bairro de
Custodópolis deverão ser norteadas pelo modelo explicativo mais
adequado em relação às determinações do processo saúde-doença, e da
PROMOÇÃO DA SAÚDE, que é o da proposta de Dahlgren &
Whitehead (1991). Este modelo, que incorpora de uma forma
sistematizada alguns dos conceitos anteriores e o de PARTICIPAÇÃO,
está sendo o norteador do Projeto Família Saudável.
O conceito EMPODERAMENTO, a ser discutido mais
18
profundamente em outro artigo, está implicado, de uma maneira
resumida, no mecanismo através do qual as pessoas, organizações
e comunidades tomam controle de seus próprios assuntos e de sua
própria vida, desenvolvendo uma consciência da sua habilidade e
competência para produzir, criar e gerir.
A partir de tais considerações é possível, então, apontarmos
para a discussão em torno da expressão CIDADE SAUDÁVEL,
aproximando-a da proposta de BAIRRO SAUDÁVEL assumida
neste projeto. Mendes (1996) considera que o tema sinaliza “um
projeto estruturante do campo da saúde”, onde diferentes atores,
ou seja, o governo, as organizações da sociedade civil e organizações
não governamentais articulam uma “gestão social” direcionada para
transformar a cidade em um espaço de “produção social da saúde”.
Em termos operacionais, tal perspectiva implica o compromisso
dos cidadãos e organizações locais na direção de um processo
contínuo de melhoria das condições de saúde e bem estar dos
habitantes – melhoria contínua e não ponto de chegada. O que se
assume aqui é a saúde em sua positividade, articulada à geração de
processos participativos, sociais e institucionais, na direção de
políticas públicas saudáveis, removendo determinações ambientais,
socioeconômicas e culturais associadas às enfermidades. Trata-se
de uma opção que implica a postura permanente de trabalhar as
políticas de forma integrada, admitindo-se as inter-relações
existentes entre saúde, educação, habitação, saneamento, transporte,
lazer e tantos outros aspectos, que compõem a vida dos sujeitos
inseridos em determinados territórios.
Mais uma vez, assumimos o desafio de estarmos sendo
norteados por esses conceitos, sabendo-os como imagem objetivo
para a busca da transformação de um bairro vulnerável em um bairro
saudável, numa condição não puramente econômica que, embora
importante, não representa a única variável de qualificação de um
território na condição desejada.
4- Projetos implantados
Considerando os três anos do PBS, vários projetos das
Instituições parceiras foram implantados. Nem todos os projetos
objetivaram o desenvolvimento de ensino-pesquisa-extensão.
Alguns são essencialmente de pesquisa, outros de extensão e outros
de ensino. .
Os projetos de ensino-extensão foram incorporados, na
sua maior parte, como estágios de prática para os alunos das diversas
instituições parceiras. Estes projetos contribuíram e têm contribuído
para fortalecer e expandir as condições de atuação do CSEC e para
que esta unidade se consolide como um cenário multidisciplinar de
extensão. Os projetos e os respectivos estágios realizados até o
momento foram os decorrentes das seguintes instituições
envolvendo as categorias profissionais abaixo descritas:
1- Diversos estágios foram realizados até o momento:
enfermagem (UNIVERSO), fisioterapia (UNESA), serviço social
(UFF), farmácia (FMC), movimento corporal e artístico (FAFIC),
saúde coletiva (FMC), saúde da mulher, da criança, do homem, do
idoso (FMC, saúde da família e saúde mental (FMC).
Os projetos de pesquisa já executados pelas Instituições
parceiras foram:
1- Significarte: tecendo significados por meio da arte, ciência e
tecnologia.
Integrantes: Vânia Machado Seabra Puglia, Tássia Silva Nunes
Pereira, Jéssica Luiza da Silva Oliveira, Raquel de Lima e Cirne
Vieira, Antônio Carlos da Silva Souza.
Objetivo: O Projeto SignificARTE, dentro de uma perspectiva inter e
transdisciplinar e no âmbito de um programa extensionista, junto a
crianças e adolescentes em situação de risco social, busca por meio das
potencialidades da sustentabilidade incorporar às situações reais de
ensino e aprendizagem de forma interativa e lúdica. Ancorada num
ambiente artístico-cultural de aprendizagem, conceitos da
sustentabilidade são aplicados, experimentados estabelecendo-se a
relação do sujeito com o objeto de aprendizagem. Metodologia: Utilizase como proposta metodológica a pedagogia de projetos, que busca por
meio da interação e da construção coletiva e cooperativa, numa
perspectiva inter e transdisciplinar, uma estratégia de inter-relação,
integração dos atores envolvidos a construção e reconstrução de saberes
e conhecimentos. Todo esse processo exige uma nova abordagem teórica,
centrada na valorização do conhecimento que signifique “aprender a
buscar o saber” - novas formas de aprender fundamentadas muito mais
nos sentidos, sentimentos, valores e emoções.
Resultados e Discussão: A proposta de utilização da arte-educação como
instrumento de ação/intervenção tem contribuído para a quebra de
paradigmas, rompendo com a padronização. Tem possibilitado a criação
de espaços de comunicação, de expressão das pessoas. Instrumento de
representação da realidade, e, principalmente de transformação de “seus
mundos”. O projeto teve como resultados positivos o envolvimento de
25 (vinte e cinco) crianças e adolescentes, podendo-se observar a
participação dos mesmos nas oficinas temáticas sobre sustentabilidade.
Conclusões: Os resultados indicam que é possível implementar um
projeto social, embora possam ocorrer uma série de dificuldades, tais
como infraestrutura física e tecnológica disponibilizada pela instituição,
instabilidade na frequência das crianças e adolescentes nas oficinas (em
função do momento político por exemplo algumas crianças e ou
adolescentes estão faltando para “trabalhar” na campanha política).
Foram encontradas as seguintes possibilidades pedagógicas: rodas de
conversas no início e final das oficinas; aproveitamento de situações
concretas surgidas nas oficinas para discutir valores; procedimentos que
valorizam a participação ativa na resolução de conflitos. Os resultados
deste estudo permitem apontar para a expectativa de que haja
possibilidades de um programa mais efetivo e eficaz no âmbito de um
projeto social.
2- Conceitos e percepções da terceira idade sobre DST e AIDS
Integrantes: João Carlos de Aquino Almeida e colaboradores.
Objetivo: Estabelecer uma relação dialógica com os grupos
investigados, captar seus conceitos e percepções sobre sexualidade,
reprodução e desenvolvimento embrionário e, a partir daí, desenvolver
19
materiais e metodologias relacionados ao desenvolvimento desse
tema em cenários formais e não-formais de ensino-aprendizagem,
de modo a: a) Registrar os conceitos e percepções de indivíduos
da terceira idade sobre os temas investigados, com o auxílio de
uma equipe multidisciplinar; b) Discutir propostas de ensino a fim
de se detectar a significância dos temas para os sujeitos da pesquisa;
c) Produzir material didático significativo e preciso; d) Desenvolver
metodologias apropriadas de ensino-aprendizagem; e) Obter um
ganho real no processo de ensino-aprendizagem, avaliado pelos
indicadores criados no desenvolvimento do Projeto. Método:
trabalho investigativo, mediante a aplicação de questionários,
realização de entrevistas, palestra e debates com o grupo de terceira
idade. Fases do projeto: a) Realização de reuniões com os próprios
sujeitos da pesquisa, a fim de se explicar os objetivos do projeto e
de se obter autorização para participação, mediante preenchimento
de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), e termo de
autorização para uso da imagem, quando for o caso; b) Aplicação
de questionários; c) Realização de entrevistas, debates e mesasredondas, em diferentes momentos e com diferentes atores
envolvidos (membros da terceira idade, líderes comunitários,
equipe); d) Criação de material didático; e) Avaliação do material
didático pelos participantes; f) Criação de kits didáticos; g) Criação
e aplicação de aulas e outras estratégias visando o processo de
ensino-aprendizado; h) Avaliação da fixação de conceitos; i)
Avaliação dos participantes sobre o projeto
3-Prevalência da Doença Renal Crônica e fatores de risco
associados nos idosos do Programa Idoso Saudável, Campos
dos Goytacazes-RJ.
Integrantes: João Carlos Borromeu Piraciaba, Vera Lucia Marques
da Silva, Tamires Teixeira Piraciaba, Amanda Freire de Almeida,
Laila Crespo Lamônica, Monique do Vale da Silveira, Renata de
Almeida França, Maria Clara Teixeira Piraciaba, Laisse Marins
Defanti, Rachel Siqueira de Menezes.
Objetivo: Avaliar prevalência e grau de lesão renal em idosos
participantes do Grupo Idoso Saudável, RJ, associando-os aos
fatores de risco. Método: estudo observacional transversal, com
amostra não-probabilística de conveniência composta por 57 idosos,
de ambos os sexos. O grau de função renal foi quantificado pela
fórmula de Cockcroft-Gault e estadiado segundo os critérios do
National Kidney Foudation. Resultados: Dos 58 idosos
investigados, 31% encontraram-se no estágio I da DRC; 25,8% em
estágio II; 34,5% em estágio III; 5,1% em estágio IV; 1,7% em
estágio V. No estágio I encontrou-se 66,7% obesos, 72,2% HAS e
38,9% DM. No estágio II: 33,3% são obesos, 73,3% possuem HAS
e 26,7% possuem DM. No estágio III: 15% são obesos, 90%
possuem HAS e 40% possuem DM. No estágio IV: 66,7% possuem
HAS, neste estágio não foram observados idosos com DM e/ou
obesidade. No estágio V: 100% possuem DM e HAS, porém não
foram observados obesos. CONCLUSÃO Detectou-se 25,8% dos
idosos em estágio II e 34,5% em estágio III da DRC, sendo a HAS
o fator de risco associado mais encontrado. Torna-se fundamental,
portanto, a detecção precoce e o controle dos fatores de risco
associados à DRC, além da identificação precoce nas alterações na Taxa
de Filtração Glomerular em idosos, a fim de instituírem-se medidas
preventivas capazes de impedir e/ou reduzir o avanço da DRC, como
programas de controle de fatores de risco modificáveis.
4-Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idoso
sobre os fatores determinantes da capacidade funcional
Integrante: Raphael Freitas Jaber de Oliveira, Vera Lucia Marques da
Silva
Objetivo: Avaliar a efetividade das ações do grupo interdisciplinar que
atua sobre os idosos. Método: Entrevistas livres com 60 idosos
pertencentes ao GIS e 60 idosos não pertencentes ao GIS do bairro de
Custodópolis utilizando as escalas de Katz, Lawton e Tinetti e a
Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa. Para análise comparativa utilizamos
o software EpiInfo. Resultado: Em relação ao perfil dos idosos da
comunidade: os idosos do GIS apresentaram idade média mais elevada;
o sexo feminino representou a maioria nas amostras; a análise do perfil
socioeconômico demonstrou, predominantemente, baixa escolaridade,
atividade laboral de intensa exigência física e, economicamente,
beneficiários de um salário mínimo proveniente da aposentadoria. Em
relação à avaliação funcional: a análise comparativa dos fatores de risco
de há um ano e sete meses atrás e da atualidade dos idosos do GIS
demonstrou diminuição nos percentuais de obesidade, etilismo e
tabagismo, representados por queda de, respectivamente, 25%, 16,7 e
8,4%. O perfil patológico dos idosos do GIS ilustrou uma transição
com queda de pelo menos 3,4% em todas as patologias, destacando-se
hipertensão arterial, diabetes melito tipo 2 e depressão, com valores de
21,6%, 15% e 11,7%, respectivamente. Nos idosos pertencentes ao GIS,
a avaliação das atividades de vida diária, atividades instrumentais de
vida diária e habilidades de equilíbrio e caminhada demonstrou melhora,
respectivamente, de 20,0%, 18,4% e 8,3% em comparação ao outro
grupo. Diante destas alterações, 71,6% dos idosos participantes do GIS
referem ótimo estado de saúde. Conclusão: Conclui-se que, apesar das
vulnerabilidades sociais, ambientais e econômicas, características do
bairro de Custodópolis, o GIS pôde intervir nesta realidade, oferecendo
à população idosa a prática regular de atividade física, educação em
saúde, aferição da pressão arterial, medição da glicemia e
aconselhamento nutricional, que proporcionaram prognóstico positivo
para a saúde dos idosos, que se concretizaram na melhora da capacidade
funcional.
5- Perfil e avaliação soroepidemiológica da toxoplasmose em idosos
no programa da terceira idade do Centro de Saúde Escola de
Custodópolis, em Campos dos Goytacazes, RJ.
Integrantes: Meire Cardoso da Mota Bastos, Monique do Vale da
Silveira, Nathália Mota de Faria Gomes, Dr. Ricardo Guerra Peixe, Dra.
Annelise Wilken de Abreu,
Doença infectocontagiosa causada pelo Toxoplasma gondii, em geral,
assintomática em 10 a 20% dos imunocompetentes. As manifestações
clínicas decorrem de sua reativação em imunocomprometidos. O idoso
em decorrência de mudança no sistema imunológico pode desenvolver
doenças infectocontagiosas (Netto, 1996). Dados recentes revelam a
alta prevalência da toxoplasmose na cidade de Campos dos Goytacazes
comprovando que a idade é um importante fator de risco para esta doença,
20
e ainda o uso de água não filtrada e/ou de poços, e a presença de
gatos no domicílio. Objetivo: Estudar, mediante análise
soroepidemiológica, a toxoplasmose nos idosos atendidos pelo
Programa da Terceira Idade do Centro de Saúde Escola de
Custodópolis (CSEC), no Município de Campos dos GoytacazesRJ, visando contribuir para um melhor entendimento da doença nesta
população. Método: Estudo observacional transversal, realizado em
2009 com amostra não probabilística. Foram avaliados 52 idosos,
ambos os sexos, atendidos no CSEC. A variável principal, ter
toxoplasmose, foi avaliada através da presença da imunoglobulina
G (IgG) específica no sangue periférico. Os fatores de risco foram
avaliados por entrevista com uso do protocolo de pesquisa contendo
as seguintes variáveis: sexo, idade, tipo de residência, prática de
jardinagem e exposição a animais, à água e aos alimentos. A análise
dos dados foi estatística. Resultados: A amostra era formada por
9,62% de homens e 90,38% de mulheres, idade média de 67,63.
Dos 52 idosos analisados, 92,31% eram IgG positivo para
Toxoplasmose. Dos fatores de risco associados, 100% dos idosos
moravam em casa; 78,85% mexiam em jardins; 78,85% possuíam
animais; 44,23% bebiam água não filtrada; 19,23% consumiam carne
de boi e/ou de galinha mal passadas; 59,62% consumiam legumes e/
ou verduras cruas. Conclusão: A prevalência de toxoplasmose foi
bem alta nesta população, em acordo com Bahia de Oliveira et al.
(2002) que mostrou que aos 40 anos 80% da população local
apresentou toxoplasmose. A mudança no sistema imunológico
observada no geronte levanta a possibilidade de reativação da
toxoplasmose nesta faixa etária. Os dados observados permitirão
ainda um melhor acompanhamento prospectivo dos idosos e o
delineamento de estratégias de saúde pública.
6-Cidade de Palha: re-conhecendo o território de Custodópolis/
Campos dos Goytacazes/RJ.
Integrantes: Denise Chrysóstomo de Moura Juncá, Katarine Sá
Santos, Verônica Gonçalves Azeredo, Carlos Antônio de Souza
Moraes, Marilene Parente Gonçalves, Ana Paula Pessanha Cordeiro,
Ellen Christel Gomes Moraes, Josemara Henrique da Silva Pessanha,
Celma Cristina Morais de Oliveira Batista, Paula Emely Cabral
Torres, Aline da Silva Viana Jorge, Késia da Silva Tosta, Vera Lucia
Marques da Silva, Igor Leal Pena, Christovam Cardoso, Regina Coeli
Martins Paes de Aquino, além de aproximadamente 50 acadêmicos
da UFF, IFF, FMC e UNIVERSO.
O projeto Cidade de Palha, inserido no PBS, consiste em uma
experiência interdisciplinar e interinstitucional, envolvendo docentes
e discentes do ensino superior das áreas de serviço social, medicina,
enfermagem e arquitetura e urbanismo. Trata-se de uma proposta de
pesquisa e extensão que busca responder às seguintes questões: Como
se desenham as vulnerabilidades socioeconômicas, ambientais e civis
existentes em Custodópolis e que influências elas exercem no sentido
de dificultar sua constituição como um bairro saudável? Objetivo:
Construir um diagnóstico sócio-ambiental do bairro, disponibilizando
subsídios para a implementação de estratégias direcionadas à
promoção de melhorias na saúde (Meirelles; Erdmann, 2006) de seus
moradores, investindo-se no exercício da cidadania deliberativa (Tenório,
2006). Método: A primeira fase do projeto (2008) fundamentou-se no
desenvolvimento de uma pesquisa-ação, articulada à história oral e
análise documental, culminando com a elaboração de um diagnóstico
preliminar da comunidade, disponibilizado tanto a própria comunidade,
quanto as instituições parceiras do PBS. Em seguida (2009 e 2010), foi
realizado um inquérito populacional, cuja importância como canal de
informações é reconhecida, principalmente, no campo da saúde (Viacava,
Dachs; Travassos, 2006), uma vez que se constitui como fonte primária
de dados e propicia a construção de indicadores capazes de
instrumentalizarem estudos epidemiológicos, sinalizando parâmetros
para o planejamento de ações. Buscava-se, portanto, um aprofundamento
das discussões sobre o território (Santos, 2007) investigado, focalizando
o cotidiano das famílias e observando-se as indicações de Busso (2002,
p.12), sobre as principais dimensões da vulnerabilidade, ou seja, de
habitat, de capital humano, econômica, de proteção social e de capital
social. Atingiram-se mais de 50% das famílias residentes no território
pesquisado e, ainda em 2010, foi iniciada a tabulação, análise e
interpretação dos dados, bem como a elaboração do relatório, concluído
em 2011. Resultado: O diagnóstico apontou uma paisagem caracterizada
por um “processo de descidadanização” (Kovarik, 2003), pondo em
destaque situações e contextos onde três elementos se combinam: a
existência de riscos, a incapacidade de reação, além de dificuldades de
adaptação face à materialidade do risco (Moser, 1998). Conclusão
parcial: Com um olhar voltado para o passado e com um presente
permeado por contradições, Custodópolis vivencia um confronto entre
o cenário real e o desejado, com vulnerabilidades em várias dimensões,
desenhando modos de vida que precisam ser redimensionados pela via
de empoderamento (Stromquist, 1997).
7-Prevalência de Anemia e estadiamentos da Doença Renal Crônica
em idosos portadores de Diabetes Mellitus e pertencentes ao
Programa Idoso Saudável, Campos-RJ.
Integrantes: Meire Cardoso da Mota Bastos, Monique do Vale da
Silveira, Nathália Mota de Faria Gomes, Annelise Maria de Oliveira
Wilken de Abreu.
Objetivo: estimar a prevalência de anemia em idosos portadores de
DM do Programa Idoso Saudável, correlacionando o comprometimento
do DM com o estágio da DRC, estabelecido pelo National Kidney
Fondation (NKF). Método: O delineamento foi transversal, com amostra
não-probabilística de conveniência, observando 57 idosos = 60 anos,
de ambos os sexos, em estudo realizado em 2009. A anemia foi avaliada
através da hemoglobina (Hb), parâmetro mais utilizado como indicativo
das consequências fisiopatológicas da anemia (WHO, 2001). Foram
considerados portadores de anemia aqueles com índices de Hb = 14,5g/
dL. Resultados: a prevalência de anemia em pacientes com DM situouse em 36,8%, com variação dos níveis de Hb entre 11,6 e 14,3g/dL. Dos
idosos com anemia e DM, 30% foram classificados em estágio I da
DRC, 40% em estágio II, 25% em estágio III, 5% em estágio IV e nenhum
em estágio V. Dos idosos apenas com anemia, 36,8% foram classificados
em estágio I da DRC, 38,6% em estágio II, 21,1% em estágio III, 3,6%
21
em estágio IV e nenhum em estágio V. Dos idosos com DRC e
anemia, 43,6% possuem história familiar de DM (HFamDM), sendo
que destes 45,8% possuem DM enquanto 54,2% não a apresentam.
Dos idosos com HFamDM e DM, 18,2% encontram-se em estágio
I, 45,5% em estágio II, 36,6% em estágio III e nenhum em estágio
IV e V. Já os idosos com HFaDM mas sem DM foram classificados:
46,2% em estágio I, 30,8% em estágio II, 15,4% em estágio III,
7,7% em estágio IV e nenhum em estágio V. Portanto, 96,6% dos
idosos apresentavam anemia; 36,5% além da anemia apresentavam
DM, dos quais 30% foram classificados em estágio I da DRC, 40%
em estágio II, 25% em estágio III e 5% em estágio IV; daqueles
com anemia e HFamDM 54,2% não apresentavam DM por isso,
devem ser acompanhados preventivamente.
8-Avaliar para educar e prevenir: a participação dos alunos
numa pesquisa comunitária e focada na saúde do idoso
Integrantes: Nathália Mota de Faria Gomes, Meire Cardoso da
Mota Bastos, Leonardo Alvim Silva Machado, Isabela Oliveira
Alves de Souza, Amanda Ferreira Barcelos, Milena de Oliveira
Junqueira, Renata Magliano Marins, Igor Leal Pena, Nélio Artiles
Freitas, Vera Lucia Marques da Silva.
Desde a segunda metade do século XX, vem ocorrendo um aumento
da expectativa de vida na população mundial. Estima-se que até
2050 os idosos corresponderão a 19% dos brasileiros. Torna-se
fundamental, portanto, detecção precoce das doenças nessa faixa
etária e conhecimento dos profissionais de saúde a respeito das
mesmas. Objeto da intervenção: Inserção dos alunos da Faculdade
de Medicina de Campos, sob orientação do professor, na pesquisa
Rastreamento da prevalência da doença renal crônica num grupo
de idosos do Centro de Saúde Escola de Custodópolis (CSEC),
Campos dos Goytacazes-RJ. Pesquisa inserida no Programa Bairro
Saudável, desenvolvido por 08 instituições de ensino superior,
inclusive por esta faculdade. Objetivos: Oportunizar contato dos
alunos com a comunidade, especificamente com os idosos;
realização de ações educativas em relação à DRC; avaliar dano e
grau da função renal; estabelecer o perfil e os fatores de risco deste
grupo; favorecer a melhoria da situação de saúde deste grupo.
Descrição da metodologia: Inicialmente, realizada exposição dos
objetivos da pesquisa pelos alunos ao grupo de idosos, solicitando
consentimento e esclarecendo os benefícios da mesma. A segunda
etapa constou de aplicação do questionário já validado e realização
do exame físico. A terceira etapa é a de realização de exames
laboratoriais. Conclusão e recomendações: A estratégia de uma
pesquisa inserida numa comunidade e, especificamente, num grupo
de idosos, traz benefícios tanto para o grupo em questão quanto
para os alunos, seja no sentido de maior humanização da profissão,
seja na ampliação do conhecimento e na sua disseminação para
todos os envolvidos. Considerando o objetivo de proporcionar a
melhoria da qualidade de vida dessa população, conforme rezam
as diretrizes do Plano Internacional de Madrid, atualmente
incorporado pelo governo brasileiro, urge, pelo menos, a
implantação de duas estratégias fundamentais, como a experiência
relatada: o contato dos futuros profissionais de saúde com essa faixa
etária e a detecção precoce das doenças na mesma.
9-Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mental
na atenção básica e de ensino para alunos de medicina
Integrantes: Roberto Carvalho Alves Filho, Bianca Bruno Bárbara, Dirlei
da Silva Rosa, Regina Ribeiro Rangel, Tânia Lúcia Viana da Cruz Terra,
Nélio Artiles Freitas, André Borges Gomes, Cláudio Rodrigues Teixeira,
Vera Lucia Marques da Silva.
Esta experiência, Grupo de Recepção, fruto de um trabalho em andamento
no Centro de Saúde Escola de Custodópolis - Unidade Básica de Saúde
ligada à Faculdade de Medicina de Campos – tem como focos principais
e concomitantes a assistência à comunidade daquele entorno e formação
acadêmica. Iniciou-se em 2006, dirigida aos portadores de transtornos
psíquicos e conduzida por equipe interdisciplinar composta por dois
médicos psiquiatras, assistente social, dois psicólogos, musicoterapeuta
e terapeuta ocupacional. É um espaço de ensino-aprendizagem para alunos
do 5° ano da referida faculdade, como parte das atividades do internato
em Saúde Coletiva. Este projeto faz parte do Programa Bairro Saudável.
Objeto de intervenção: Questões de saúde mental na atenção básica e
na formação dos alunos do curso de medicina. Objetivos: Cuidados
iniciais e encaminhamentos dos portadores de transtornos psíquicos e
dependentes químicos, possibilitando subjetivação das questões de saúde;
ênfase de tais questões como parte essencial na formação geral dos futuros
médicos; interlocução entre equipe de saúde mental e demais profissionais
da atenção básica, e os dispositivos comunitários. Metodologia:
Atendimentos semanais em grupo, com média de seis pacientes, duração
de 1h e 30min, coordenados por profissionais de saúde mental, seguidos
por discussões teórico-práticas com os alunos. Análise crítica:
Comprovaram-se benefícios para os pacientes, principalmente
considerando as dificuldades encontradas na rede municipal. Em relação
aos alunos, a experiência mostra que suas resistências traduzem a
estranheza de tais questões, sugerindo uma formação inicial de cunho
organicista. Porém, esta experiência tenta desestabilizar e ampliar sua
visão sobre o paciente e sobre a clínica a ser feita com este. Conclusão:
Constitui-se em espaço de atendimento valioso para a atenção comunitária,
uma vez que é consonante com as atuais diretrizes de atenção em saúde
mental, numa visão de saúde coletiva. Recomendações: Esta estratégia é
viável para a ampliação do cuidado em saúde mental e para a inclusão de
reflexões que ultrapassem a dualidade corpo-mente, tanto na formação
dos futuros médicos, como para a clientela atendida.
10-Papel da Liga Acadêmica de nefrologia na prevenção da doença
renal crônica
Integrantes: Tamires Teixeira Piraciaba, Amanda Freire de Almeida,
Laila Crespo Lamônica, Monique do Vale da Silveira, Renata de Almeida
França, Maria Clara Teixeira Piraciaba, Laisse Marins Defanti, Rachel
Siqueira de Menezes, João Carlos Borromeu Piraciaba, Vera Lucia
Marques da Silva.
A doença renal crônica (DRC) é um grande problema de saúde pública.
O gasto com diálise e transplante no Brasil é de cerca R$1,4 bilhões/
ano. Detecção precoce reduz o sofrimento dos pacientes e os custos
22
financeiros. Portadores de hipertensão arterial (HA) e de diabetes
mellitus têm maior probabilidade de desenvolverem a doença.
Objeto de intervenção: Participação de jovens universitários em
pesquisa e extensão na área de nefrologia e saúde pública.
Objetivos: Relatar a experiência da Liga Acadêmica de Nefrologia
(LANefro) da Faculdade de Medicina de Campos (FMC) em
Campos dos Goytacazes/RJ, na prevenção da DRC. As Ligas
objetivam prevenção de doenças e promoção da saúde através de
campanhas preventivas e mutirões; desenvolvimento de atividades
educativas na comunidade e ampliar o aprendizado e oportunizar a
práticas destes ensinamentos em prol da comunidade, com projetos
de ensino, pesquisa e extensão. Metodologia: A LANefro é uma
entidade acadêmica,civil e sem fins lucrativos,formada por
estudantes da FMC.Objetiva criar oportunidades de trabalhos
científicos e sociais sob a tutoria de um docente.Há reuniões
semanais teóricas e participação em campanhas preventivas, pois
Ligas não devem ser apenas um grupo de estudo sobre determinado
tema. Resultados: A Liga participou da campanha “PREVINA-SE”
no Dia Mundial do Rim de 2009. Aferiu-se a pressão arterial e a
glicemia capilar de cerca de 500 pessoas. Esta Campanha é feita
pela Sociedade Brasileira de Nefrologia, que disponibiliza panfletos
didáticos. Participou do Dia Mundial da Hipertensão Arterial com
a Liga de Cardiologia. Foram atendidas cerca de 100 pessoas num
parque da cidade. As pessoas receberam orientação sobre a HA. A
Liga também age na comunidade de Custodópolis realizando
campanhas de prevenção e medindo a função renal de idosos.
Análise crítica e conclusão: O desenvolvimento de qualquer ação
de intervenção social no controle da DRC é de importante impacto
na saúde pública, devido às consequências epidemiológicas negativas
da doença e seu alto custo. A participação das Ligas nas ações
preventivas, norteadas pelo senso de transformação social, permite
que jovens desenvolvam o exercício da cidadania. Recomendações:
A ação das Ligas é uma estratégia com enorme potencial para a
melhoria continuada da nefrologia e da saúde da população.
11-Uma experiência multidisciplinar no grupo de idosos.
Integrantes: Igor Leal Pena, Luis Fabiano Cabral Rios, Dione
Baptista do Amaral Sardinha, Giselle Cereja de Alencar, Ruth Paes,
Gabriella Sarruf Abreu, Vera Lucia Marques da Silva
Em 2006, foi implantado no Centro de Saúde Escola de Custodópolis
(CSEC) no grupo Idoso Saudável, coordenado por uma equipe
multidisciplinar composta de enfermeiro, geriatra, gerontologo,
assistente social, fisioterapeuta e arteterapeuta. Este projeto, inserido
no Programa Bairro Saudável, de cunho interinstitucional e
interdisciplinar, é desenvolvido pela Faculdade de Medicina de
Campos em parceria com 08 instituições de ensino superior do
município, no qual se desenvolvem ações de ensino, pesquisa e
extensão, além das ações de intervenções próprias de uma unidade
de saúde. Esta experiência de 2 anos tem sido fruto de análises pela
equipe no sentido de avaliar os alcances e limites desta estratégia
inserida no campo da saúde coletiva. Objeto de intervenção:
Melhoria da saúde integral dos idosos da comunidade de
Custodópolis e enfrentamento da práxis da interdisciplinaridade.
Objetivo: Promover saúde física, mental e social das pessoas idosas
lançando mão das possibilidades existentes no CSEC; refletir sobre os
desafios da interdisciplinaridade. Metodologia: Desenvolvimento de
ações de promoção, prevenção, curativas e de reabilitação semanalmente
junto ao grupo de idosos; reuniões mensais da equipe para reflexão,
avaliação e planejamento das ações. Análise crítica e conclusões: A
avaliação desta estratégia de 2 anos aponta aquisição da compreensão do
processo saúde doença numa visão de saúde coletiva, tanto pelos
profissionais envolvidos como pelos idosos e, consequentemente para
estes, maior adesão aos procedimentos terapêuticos, aquisição de hábitos
alimentares mais saudáveis, entre outros. Tem sido um espaço de reflexão
do processo de envelhecimento tanto para os profissionais como para
idosos. Recomendações: A práxis da interdisciplinaridade é uma estratégia
possível, necessária e fundamental para a reflexão sobre a possível
melhoria da qualidade de vida dos envolvidos. No caso especifico, para
os idosos e os diversos profissionais.
12-Fitoterapia popular e patrimônio cultural imaterial sobre plantas
medicinais.
Integrantes: Zerrenner, D. R.; Lemos, G.C.S.; Sandra Machado Ribeiro
Vohryzek; Vera Lucia Marques da Silva. Graduanda/IC; Curso de
Farmácia - FMC - Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil
([email protected])
O reconhecimento das terapias tradicionais pela OMS na década de 80
contribuiu para o estabelecimento da Política Nacional de Plantas
Medicinais e Fitoterápicos – PNPMF, incentivando a inserção do setor
de plantas medicinais e fitoterápicos no Sistema Único de Saúde - SUS.
No Brasil, é comum a falta de consenso entre nomes populares e certas
espécies medicinais, atribuindo-se à possíveis falhas na transmissão oral
do conhecimento para novas gerações ou às novas influências culturais
na sociedade moderna. Objetivo: Este trabalho visa avaliar o
reconhecimento de diferentes espécies de plantas medicinais por usuários
do Centro de Saúde Escola de Custodópolis da Faculdade de Medicina
de Campos, em Campos dos Goytacazes, RJ, por meio da apresentação
de fotografias de espécies conhecidas polularmente como quebra-pedra,
pata-de-vaca e arnica. Resultados: Entre os oitenta e sete participantes
solicitados que indicassem as referidas espécies em fotografias,
prevaleceram Euphorbia prostrata, Bauhinia variegata e Eupatorium
maximillane que não constam da literatura como plantas medicinais
em relação àquelas que constam majoritariamente (P. niruri, B.
forficata e S. microglossa). Este conhecimento é de tradição familiar
de origem local (82%) e agrícola (30%), predominando entre usuários
femininos (93%), viúvas (44%), com mais de 70 anos (44%), e
escolaridade primária (47%) e que apesar da maioria ter acesso ao
medicamento convencional ou “de farmácia” (76%) mantêm o uso do
remédio caseiro por diversas motivações subjetivas, destacando-se a
tradição familiar (63%), sendo o chá a única forma de uso citada.
Conclusão: Os resultados indicam a importância do registro etnobotânico
fidedignino sobre plantas medicinais para o resgate e a preservação do
patrimônio cultural imaterial relativo às plantas medicinais.
13- Plano Diretor Urbano Sustentável
23
Integrantes: Claudio Francisco Correa Valadares (Coordenador
do Curso de Arquitetura e Urbanismo – UNIFLU –CAMPUS II);
Yves Henrique (Supervisor do Escritório Modelo – EMAUUNIFLU-CAMPUS II); Lidia Maria Tavares Martins (Professora
da Disciplina de Projeto urbano II).
A concepção urbanística contemporânea deve contemplar
uma visão holística sobre as cidades, colocando-se como parâmetro
alternativo e inovador para novas ideias e concepções atendendo
aos princípios constitucionais. Agregar valor e iniciativas dinâmicas
deve ser o objetivo destas ideias, no que concerne à revitalização
urbana, visando atender aos direitos sociais constitucionais que são:
“A educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade
e a criança e a assistência aos desamparados.” Capítulo 2, dos
direitos sociais e Art. 6º, da Constituição Brasileira. A cidade
moderna em sua urbanidade deve objetivar alcançar os parâmetros
da “Sustentabilidade” que visam: “suprir as necessidades de
geração presentes sem afetar a habilidade das gerações futuras
de suprir as suas” estruturando-se em três pilares: racionalização
de recursos (econômico), coleta de resíduos (ambiental) e
qualidade de vida (social). Relatório de Brundtland (1987).
Entendemos que deve-se visar a realização de propostas para uma
política voltada a um processo dinâmico de revitalização dos
espaços urbanos da cidade, particularmente os “bairros”, planejando
ações eficazes direcionadas ao bem estar, a saúde o lazer, a
acessibilidade e mobilidade da população residente, bem como, o
desenvolvimento humano de forma inteligente e sustentável, não
admitindo mais soluções descompromissadas propostas pelo órgão
publico que não contemplam a boa espacialidade, mobilidade ou
com a qualidade de vida, mas, sim, se ter um olhar mais amplo que
venha a abrigar um planejamento estratégico, para atender as
demandas e necessidades dos moradores dos bairros. É neste cenário
que se instalam as ações do programa “Bairro Saudável”, promovido
pela Faculdade de Medicina de Campos, que através do Centro
Escola de Custodópolis, CSEC, visa no fortalecimento e à expansão
das condições de sua atuação e se estende através de parcerias com
organizações e várias instituições de ensino superior, todos
compromissados com o processo da “Cidadania”. O Centro
Universitário, UNIFLU se incorpora a este “Modelo, através do
Curso de Arquitetura e Urbanismo, demandando ações no campo
do ensino, pesquisa e extensão, sediados pelo Escritório Modelo
de Arquitetura e Urbanismo EMAU/UNIFLU, ambiente este que
abriga discentes, na condição de Estagio Supervisionado, aderindo
a esta importante proposta, no campo da saúde e inclusão Social.
Esta abordagem se direciona ao “Bairro” como foco principal, haja
vista alguns experimentos já realizados em cidades metropolitanas
e de porte médio com sucesso, a exemplo dos programas “Favela
Bairro, Rio Cidade, e no nosso município, a implementação do
Bairro Legal”, todos apoiados em conceitos do moderno urbanismo
apropriando as potencialidades, os conflitos da população residente
e atendendo às prioridades detectadas, visando viabilizar os anseios
e necessidades. O que se pretende neste contexto é promover
previamente uma análise ampla do “Bairro”, diagnosticando suas
potencialidades, conflitos e prioridades, fornecendo sugestões técnicas
e elementos que resultem em uma ação estratégica pontual, através de
uma experiência “piloto” para um novo “Modelo de Concepção Urbana
Sustentável, revitalizando o ambiente, atendendo às necessidades
apontadas e somadas a outras diversas ações e obter-se então de fato
um “Bairro Saudável”, podendo ser esta experiência, um marco para
outras demandas da cidade. Plano de Ação para o desenvolvimento do
Plano Diretor Sustentável: 1)Reconhecimento da área em estudo visando
o Diagnóstico Urbano: Potencialidades, Conflitos e Prioridades;
2)Apropriação do limite, para as propostas de intervenções gerais e
pontuais; 3)Apresentação da Proposta preliminar de Intervenção Urbana,
ambientalmente, saudável, acessível e sustentável; 4)Análise das
demandas apontadas visando à elaboração do Plano Diretor Sustentável;
(Edificações, Contexto urbano, Paisagismo, Acessibilidade, Mobilidade
Urbana e outros); 5)Cronograma 2011 para elaboração das diversas
atividades; 6) Concepção e Desenvolvimento das atividades correlatas;
7) Avaliação e Apresentação Final.
5- Resultados alcançados
Após dois anos de implantação do PBS, alguns resultados já
foram alcançados, tanto em relação ao projeto global do PBS como aos
dos diversos projetos das Instituições parceiras. Enfoque maior será
dado, a partir deste parágrafo, em relação aos resultados do projeto
global do PBS. Os resultados dos outros projetos que foram propostos
pelas Instituições parceiras foram descritos anteriormente. Em relação
aos resultados do projeto que originou esta publicação, eles serão
apresentados nos artigos seguintes.
Os resultados apresentados neste artigo serão enfocados numa
dimensão de avaliação construtiva, a partir do entendimento de que esta
possibilita um olhar mais apurado dos alcances e limites atingidos até o
momento presente, o que, possibilitará, por sua vez, novo planejamento
a partir de julho de 2013, com a posse de uma nova coordenação geral
e grupo gestor. A análise dos resultados alcançados levou em
consideração os objetivos, metas e resultados esperados do projeto global
do PBS, como descrito no item 03 do presente artigo.
Em relação ao objetivo geral - transformação de um bairro
vulnerável em um bairro saudável na comunidade de Custodópolis,
através da criação de um modelo de prática, pautado na interação serviçocomunidade-instituições de ensino superior - reconhece-se que este
envolve um processo lento, contínuo, tecido no dia a dia e, portanto,
desafiante. Isto significa que, sem perder a possibilidade de seu alcance,
dever-se-á avaliar os objetivos específicos, um a cada um, para que os
ganhos obtidos destes últimos direcionem e impulsionem para o alcance
do objetivo geral. Considera-se que este – o objetivo geral - é uma utopia,
no sentido de Santos (2001), ou seja, aquela que é entendida como a
‘exploração, através da imaginação, de novas possibilidades humanas e
novas formas de vontade, e a oposição da imaginação à necessidade do
que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor por
que vale a pena lutar e a que a humanidade tem direito... a utopia requer,
portanto, um conhecimento da realidade profundo e abrangente como
meio de evitar que o radicalismo da imaginação colida com o seu
24
realismo’ (Santos, 2001: 332).
Os objetivos específicos de fortalecer e expandir as
condições de atuação do CSEC, implementar um cenário
multidisciplinar de ensino, pesquisa e extensão, realizar um estudo
sócio-ambiental da comunidade de Custodópolis e fortalecer a
responsabilidade social no processo de formação profissional foram
alcançados num grau considerável no decorrer dos três anos de
implantação do PBS. Destaca-se, entre outros, o investimento feito
pela Faculdade de Medicina de Campos na reforma da estrutura
física, aquisição de insumos básicos e aumento do número de
docente-assistenciais e profissionais colaboradores no CSEC.
Alguns dados comprovam o alcance dos objetivos
específicos. Na tabela 1, verifica-se o aumento do número de consultas
de 1.844 em 2006 para 8.402 em 2011. Cabe considerar que as
consultas envolvem uma assistência docente-assistencial, implicando,
portanto, menor número para cada profissional e uma lógica de
atendimento de excelência por ser feita com o objetivo de ensinoaprendizagem. Embora não haja a preocupação com o número de
consultas e sim, com a resolutividade das mesmas, este aumento reflete
um aumento de acessibilidade para a demanda que era reprimida e
para diferentes referências de especialidades. A tabela 2 apresenta
algumas consultas que devem ser destacadas, pois eram necessidades
mais demandadas da população do bairro de Custodópolis, como
psiquiatria, pré-natal, preventivo, teste rápido de HIV e o programa
de saúde mental. Este último programa prioriza transtornos mentais e
dependência química, tendo havido um aumento crescente da demanda.
TABELA 1: Consultas totais realizadas
2006 ....................................... 1.844
2007 ....................................... 3.245
2008 ....................................... 4.740
2009 ....................................... 6.337
2010 ....................................... 6.537
2011 ....................................... 8.402
TABELA 2: Consultas parciais destacadas em 2009
Programa da Mulher
Consultas ginecológicas: 1658
Consultas de pré-natal: 576
Preventivo: 399 coletas
Teste rápido de HIV: 14 testes (de 21 a 30 de dezembro)
Programa de Saúde Mental:
Grupo de recepção: 558 atendimentos + Psiquiatria (atendimentos
individuais) =
TABELA 3: Consultas parciais destacadas em 2010
Programa da Mulher
Consultas ginecológicas: 975
Consultas de pré-natal: 169
Preventivo: 320 coletas
Teste rápido de HIV: 191 testes
Programa de Saúde Mental:
Grupo de recepção + Psiquiatria (atendimentos individuais) = 732
TABELA 4: Consultas parciais destacadas em 2011
Programa da Mulher
Consultas ginecológicas: 1149
Consultas de pré-natal: 563
Preventivo: 366 coletas
Teste rápido de HIV: 62 testes
Colocação de DIU: 10 no CSEC e 12 encaminhadas
Programa de Saúde Mental:
Grupo de recepção + Psiquiatria (atendimentos individuais) = 671
Em relação ao cenário multidisciplinar, priorizou-se
diversificar as categorias profissionais na atuação diária no CSEC, com
destaque para Enfermeiros, Assistentes Sociais, Psicólogos, Terapeuta
Ocupacional, Farmacêuticos, Professor de ensino fundamental,
Arquitetos. Associados a estes, os técnicos administrativos têm atuado
oferecendo soluções para muitos dos problemas encontrados, além das
suas atuações específicas, por se sentirem, cada vez mais, fazendo parte
da equipe de atenção à saúde. Esta convivência diária, com troca de
saberes, tem sido estimulada e reconhecida como um processo de
educação permanente pelos que integram a equipe de profissionais de
saúde e colaboradores do CSEC.
O aumento do número de docente-assistenciais, no decorrer
de 2010/11, possibilitou expandir os programas assistenciais.
Atualmente, a assistência concentra-se nos Programas de Atenção
Integral à Mulher, Atenção Integral à Criança, Atenção integral ao Idoso,
Atenção Integral ao Adulto, Atenção à Saúde do Homem e Atenção
Integral aos portadores de Transtornos Mentais. Todos os programas
são realizados por uma equipe com pelo menos um médico e um
enfermeiro responsável e com ações dinâmicas de educação em saúde
voltadas para grupos específicos. Os médicos do 2º ano de residência
médica têm fortalecido a integralidade na assistência, atuando no
primeiro atendimento de todos os pacientes com demanda de atenção
em medicina geral. Essa mesma dinâmica tem sido a realizada pelos
médicos que atuam no Projeto Família Saudável, a partir do entendimento
deste como uma porta de entrada de excelência, embora com manutenção
de um atendimento longitudinal, para as 300 famílias cadastradas até o
momento.
Há limites em relação ao objetivo de ‘estimular o processo
de empoderamento e controle social na comunidade de Custodópolis’
com as ações realizadas até o momento. Acredita-se, pela experiência
realizada no decorrer de pouco tempo, que este objetivo poderia ser
alcançado através de um projeto já construído e não implantado até o
momento, o do Conselho Local de Saúde. Algumas ações educativas
estão sendo realizadas neste sentido na sala de espera, todas as segundas
feiras, com Educação em Saúde enfatizando temas como Direitos da
Gestante, da Mulher Trabalhadora, do Idoso, entre outros. Embora
insuficientes para enfrentar problemas mais complexos, estas ações
educativas têm contribuído para conscientização sobre diversas questões
que, até então, eram desconhecidas para os usuários do Centro de Saúde
Escola de Custodópolis.
Em relação à produção e publicização de textos científicos,
destacam-se alguns trabalhos de pesquisa realizados, no decorrer de
25
2009, por professores, alunos e pesquisadores das instituições
parceiras que compõem o PBS, sendo que todos foram publicados
nos anais do Congresso de Saúde Coletiva realizado em Recife no
ano de 2009 e apresentados em posters no 1º Fórum Interdisciplinar
em Saúde Coletiva realizado em 2009.
Anais
- Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idoso
sobre os fatores determinantes da capacidade funcional. In: VII
Congresso de Clínica Médica do Estado do Rio de Janeiro e do IV
Congresso de Medicina de Urgência – 2010, Rio de Janeiro. Revista
do Congresso 2010.
- Avaliar para educar e prevenir: a participação dos alunos numa
pesquisa comunitária e focada na saúde do idoso In: IX Congresso
Brasileiro de Saúde Coletiva – 2009, Recife. CD de anais do Saúde
Coletiva 2009.
- Cidade de Palha: vulnerabilidade e saúde no território de
Custodópolis/Campos dos Goytacazes/RJ In: IX Congresso
Brasileiro de Saúde Coletiva, 2009, Recife. CD de anais do Saúde
Coletiva 2009.
- Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mental na
atenção básica e de ensino para alunos de medicina In: IX Congresso
em Saúde Coletiva, 2009, Recife. Cd de anais do Saúde Coletiva
2009.
- Papel da Liga Acadêmica de nefrologia na prevenção da doença
renal crônica. In: IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – 2009,
2009, Recife. CD de anais do Saúde Coletiva 2009.
- Uma experiência multidisciplinar no grupo de idosos In: IX
Congresso de Saúde Coletiva, 2009, Recife. Cd de anais do Saúde
Coletiva 2009.
Posters
- Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idoso
sobre os fatores determinantes da capacidade funcional. In: VII
Congresso de Clínica Médica do Estado do Rio de Janeiro e IV
Congresso de Medicina de Urgência
- A visão dos conselheiros municipais de saúde sobre sua função
dentro do conselho. IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.
- Centro de Saúde Escola de Custodópolis: organograma. Iº Fórum
Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucional
de Educadores do Ensino Superior.
- Cidade de Palha: estudo sobre vulnerabilidade e saúde no território
de Custodópolis/Campos dos Goytacazes. IX Congresso Brasileiro
de Saúde Coletiva.
- Conselho Local de Saúde de Custodópolis: limites e possibilidades na
efetivação da participação social. Iº Fórum Interinstitucional em Saúde
Coletiva e IIº Encontro Interinstitucional de Educadores do Ensino
Superior.
- Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mental na
atenção básica e de ensino para alunos de medicina. Iº Fórum
Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucional
de Educadores do Ensino.
- Papel da Liga de Nefrologia na prevenção da Doença Renal Crônica.
Iº Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro
Interinstitucional de Educadores do Ensino Superior.
- Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania. Iº
Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro
Interinstitucional de Educadores do Ensino Superior.
Mais recentemente, foi publicado um artigo referente ao Projeto
Família Saudável: ‘Os determinantes sociais da saúde e o projeto Família
Saudável: possibilidades e limites’ (Marques da Silva, V. L.), pela revista
Vértice, volume 13, série 2 (p.61-72).
Esta valorização da produção acadêmica, pelos alunos,
professores e pesquisadores envolvidos no PBS, demonstra que este
pode ser um caminho para que um projeto pautado na interação serviçocomunidade-instituições seja reconhecido como espaço possível de
produção científica, além de suas funções mais reconhecidas como
atendimento à comunidade.
Uma das ações efetivas do PBS, realizada em conjunto com as
instituições parceiras, foi o 1º Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva
– 1º FISC em novembro de 2009. Este evento contou com a participação
de alunos, professores, funcionários e membros da comunidade de
Custodópolis atendidos pelos diversos serviços prestados pelo CSEC.
Foram 68 participantes no primeiro dia, 80 no segundo dia e 107 no
terceiro dia.
Alguns resultados esperados estão ainda a serem alcançados
por dependerem de diversos fatores e decisões institucionais. Deverão
estar aqui registrados como propostas para um futuro próximo. São eles:
criação de um banco de dados; apropriação pela comunidade do
conhecimento produzido e sua habilitação para processar uma
atualização permanente do Banco de Dados; viabilização da Residência
Interdisciplinar em Atenção Básica à Saúde, no CSEC; consolidação
das linhas de pesquisa existentes e criação de outras; colaboração técnicocientífica com redes brasileiras que atuam na Atenção Básica.
6- Projetos a serem implantados
6.1- Conselho Local de Saúde de Custodópolis - CLSC
O projeto “CONSELHO LOCAL DE SAÚDE DE
CUSTODÓPOLIS: análise das possibilidades da participação e
melhoria de qualidade de vida da população” é uma proposta de
implantação, acompanhamento e avaliação do CLSC, enquanto
mecanismo de “participação” social, que se propõe a contribuir para a
26
descentralização da política local de saúde e a ampliação do conceito
de saúde através da organização comunitária. O interesse em realizar
esse projeto nasceu da vivência proporcionada pelas reuniões
comunitárias coordenadas pelo grupo de pesquisadores da UFF, no
decorrer do ano de 2008, como parte de sua proposta de ação junto
ao “Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo
cidadania”. Através deste trabalho embrionário da UFF, foi possível
constatar nas falas dos atores comunitários a necessidade e o desejo
de criação de um instrumento de participação organizada, capaz de
fortalecer os interesses comuns no processo de enfrentamento das
vulnerabilidades vivenciadas em busca de uma vida saudável. A
finalidade do projeto é avaliar a contribuição do Conselho Local de
Saúde de Custodópolis para ampliação do conceito de “saúde”, com
vistas à melhoria de qualidade de vida da comunidade; efetivação
do controle social da política de saúde; construção do processo de
“empoderamento” e avanço e garantia do processo de
“democratização” em curso.
Esta proposta, ainda a ser implantada, é norteada por Paulo
Freire (1987) quando argumenta que nenhuma educação é neutra e
que, conscientes ou não disso, os pesquisadores e educadores, ao
desenvolverem suas atividades, contribuem, em maior ou menor
grau, para a libertação dos indivíduos ou para sua domesticação.
Daí a necessidade de uma pesquisa-ação, onde a definição e
execução participativa de projetos envolvam a comunidade e esta
possa beneficiar-se dos resultados dos estudos. Neste sentido, o
Projeto “Conselho Local de Saúde” (CLS) visa contribuir para a
promoção da PARTICIPAÇÃO SOCIAL, outro conceito norteador
do PBS, a partir do entendimento da necessária base de apoio político
às ações sobre os determinantes sociais de saúde e para o
EMPODERAMENTO da população do bairro de Custodópolis. Esperase que, através do CLS, a população poderá participar das decisões
relativas à sua saúde e bem estar e, por meio dos seus representantes,
poderá fortalecer os mecanismos de gestão participativa, principalmente
o Conselho Municipal de Saúde.
7- Projeto Família Saudável - PFS
Esse projeto foi elaborado objetivando consolidar o PBS em
um território mais definido. Para isso, buscou-se o redimensionamento
do PBS num projeto piloto, o que proporciona uma avaliação mais
rigorosa. O PFS já está na fase de execução, tendo finalizado a primeira
fase, à de implantação, iniciada em junho de 2010, no qual foram
cadastradas 350 famílias. Dessa forma, é uma estratégia interdisciplinar
que visa trabalhar com o princípio de Vigilância à Saúde (Mendes, 1996)
em território definido no bairro de Custodópolis e com prioridade às
famílias adscritas, objetivando enfrentar e resolver os problemas
identificados. O planejamento do território abrange as ruas Júlio Armond,
Patrício Menezes, Poeta Marinho, Júlio Armond e Travessa Nossa
Senhora da Conceição, cobrindo, neste quadrilátero, em torno de 600
famílias. Este território é divido em 02 micro-áreas, cada uma com em
torno de 300 famílias e na responsabilidade de um enfermeiro, um Agente
Cuidador da Saúde (ACS), um médico e outros profissionais, conforme
o surgimento da necessidade e da parceria das diversas instituições
parceiras. A micro-área 01 é composta pelas ruas Carlos Bruno e Poeta
Marinho e a micro-área 02 pelas ruas Júlio Armond e Patrício Menezes.
Foto 1: Bairro de
Custodópolis, Campos dos
Goytacazes/RJ
Fonte: Google Maps/2010
27
A primeira fase de implantação do PFS cadastrou as famílias
e identificou os riscos biológicos, sociais e culturais. Nesse primeiro
momento, fez-se necessário conhecer a comunidade e buscar estreitar
relações de confiança e de solidariedade. Somente após este primeiro
momento, têm-se buscado estratégias que visem envolver a
comunidade em ações coletivas para a melhoria de suas condições
de saúde e bem-estar. É um desafio, pois os profissionais envolvidos
atuam predominantemente nos riscos biológicos pela própria
formação profissional.
Na primeira fase, os riscos biológicos representaram uma
maior demanda e uma urgência nas intervenções. Neste sentido, os
riscos biológicos foram priorizados, sem desconsiderar os outros
riscos citados. Assim, estar-se-ão realizando ações que estariam no
primeiro nível de intervenção sobre os determinantes do processo
saúde-doença. Além do cadastramento das famílias, as visitas
domiciliares realizadas semanalmente, e norteadas pelas noções de
cuidado, vínculo, responsabilidade e seguimento a longo tempo, têm
sido uma estratégia importante para a consolidação do PFS, além
dos seus objetivos principais. Estas visitas domiciliares têm sido
feitas pelos Agentes Cuidadores da Saúde, com supervisão dos
Enfermeiros de cada micro-área, acompanhando os casos mais
graves, detectando os casos de não adesão ao tratamento, entre outras
questões que têm surgido. Considerando de maio de 2010 a dezembro
de 2011:
Em relação à micro-área 01:
- Total de famílias cadastradas: 131 famílias (475 pessoas), sendo
47% do sexo masculino e 53% do sexo feminino. Do total, 51%
estão na faixa de 19 a 60 anos e 12% acima de 61 anos.
- Patologias, considerando o total de número de pessoas: 6%
portadores de diabetes, 18% portadores de hipertensão, 2% casos
de alcoolismo, 2% de gestantes menores de 18 anos e 1% maiores
de 18 anos, 01 acamado.
Em relação à micro-área 02:
- Total de famílias cadastradas: 162 famílias (561 pessoas), sendo
46% do sexo masculino e 54% do sexo feminino. Do total, 55%
estão na faixa de 19 a 60 anos e 10% acima de 61 anos.
- Patologias de adultos, considerando o total de número de pessoas:
6% portadores de diabetes, 18% portadores de hipertensão, 0% de
gestantes menores de 18 anos e 0,5% maiores de 18 anos, 04
portadores de hanseníase, 01 portador de tuberculose e 07 portadores
de doenças mentais.
O Projeto Família Saudável (PFS) foi construído com os
mesmos pilares do Programa Saúde da Família, um programa federal,
que atualmente é denominado Estratégia Saúde da Família. No PFS,
entretanto, o marcador teórico é o baseado na proposta de Dahlgren
& Whitehead (1991), considerando-a a mais adequada para a
explicação das determinações do processo saúde-doença e com as
propostas mais sistematizadas em relação às intervenções a serem
realizadas.
Figura 1: Quadro de Dahlgren & Whitehead (1991)
Fonte: Carvalho; BUss, 2008
Esta proposta tem sido a norteadora da Comissão Nacional
sobre Determinantes Sociais da Saúde do Brasil, criada em março de
2006, entendendo-a que as intervenções sobre os Determinantes Sociais
da Saúde deveriam objetivar a promoção da equidade em saúde e
contemplarem os diversos níveis assinalados no modelo. Neste sentido,
as intervenções devem incidir sobre os determinantes ‘proximais’
vinculados aos comportamentos individuais, não prescindindo dos
‘intermediários’, relacionados às condições de vida e trabalho e dos
determinantes ‘distais’, referentes à macroestrutura econômica e cultural
(Carvalho, A. I., Buss, P. M., 2008).
Em relação aos determinantes distais, estes são dependentes
de políticas diversas, como as descritas abaixo:
- Políticas macroeconômicas e de mercado de trabalho, de
proteção ambiental e de promoção de uma cultura de paz e solidariedade
que visem promover um desenvolvimento sustentável, reduzindo
desigualdades sociais e econômicas, violências, degradação ambiental
e seus efeitos sobre a sociedade;
- Políticas que assegurem a melhoria das condições de vida da
população, garantindo a todos o acesso à água limpa, ao esgoto, habitação
adequada, aos ambientes de trabalho saudáveis, serviço de saúde e à de
educação de qualidade, superando abordagens setoriais fragmentadas e
promovendo uma ação planejada e integrada dos diversos níveis da
administração pública;
- Políticas que favoreçam ações de promoção da saúde,
buscando estreitar relações de solidariedade e confiança, construir redes
de apoio e fortalecer a organização e a participação das pessoas e das
comunidades em ações coletivas para melhoria de suas condições de
saúde e bem-estar, especialmente dos grupos mais vulneráveis;
- Políticas que favoreçam mudanças de comportamento para a
redução de riscos e para o aumento da qualidade de vida mediante
programas educativos, comunicação social, acesso facilitado a alimentos
saudáveis, criação de espaços públicos para a prática de esportes e
exercícios físicos, bem como proibição à propaganda do tabaco e do
28
álcool em todas as suas formas.
Considerando as políticas propostas, sabemos que elas
funcionarão como uma imagem-objetivo e mesmo como uma utopia,
no sentido descrito acima (Santos, 2001), mas, principalmente como
uma imagem que nos tira da zona de conforto e de certa ingenuidade
para as ações presentes e futuras. É preciso, portanto, registrá-las,
embora, saber-se-á que o Projeto Família Saudável, em análise,
poderá contribuir apenas nos processos mais locais.
Assim, embora não seja o objetivo do PFS elaborar e
executar as políticas descritas acima, e por sabê-las como decorrentes
de decisões governamentais federais, a apresentação destas políticas
neste trabalho objetiva, também, publicizá-las, entendendo que elas
são às que intervêm sobre os determinantes distais e que algumas
somente são possíveis de serem incorporadas pelo processo de
empoderamento da comunidade a ser trabalhado no programa.
A sistematização do modelo proposto (Dahlgren &
Whitehead, 1991) considera que o enfrentamento das causas, das
determinações econômicas e das sociais mais gerais dos processos
saúde-enfermidade, envolveria ações não apenas no sistema de
atenção à saúde, com mudanças nos modelos assistenciais e
ampliação da autonomia dos sujeitos, mas também intervenções nas
condições socioeconômicas, ambientais e culturais por meio de
políticas públicas intersetoriais. E, sobretudo, em políticas de
desenvolvimento, voltadas para a distribuição mais equânime dos
recursos socialmente produzidos, subordinando a economia ao bemestar-social (Carvalho, A. I., Buss, P. M., 2008).
Além disso, para que as intervenções nos diversos níveis
sejam viáveis, efetivas e sustentáveis, elas deveriam estar
fundamentadas em três pilares básicos: a intersetorialidade, a
participação social e as evidências científicas. O PFS tem buscado
estes três pilares a partir do envolvimento da comunidade, com
reuniões para construir projetos em comum. Já está em execução o
‘Projeto Juventude Saudável’, desenvolvido por 03 alunos do Projeto
Bolsa Trabalho-CSEC com 15 adolescentes do bairro, na faixa etária
de 15 a 18 anos. É um projeto que busca capacitar os adolescentes
em ações relacionadas ao meio ambiente, ética, cidadania, como
arborização, coleta do lixo seletivo, acessibilidade, identificação das
ruas, incentivo às hortas domésticas. Outro projeto em curso é o
‘Mova Brasil’, um projeto de alfabetização de adultos. Ambos os
projetos são executados na estrutura física do CSES, o que, esperase, poderá consolidar a unidade como um lócus de saúde e não apenas
de doença. Acredita-se, também, que estes dois últimos projetos
possam desenvolver o empoderamento na população do bairro,
tornando-o menos vulnerável.
8- Lições aprendidas
Um Projeto – Programa Bairro Saudável: tecendo redes,
construindo cidadania – com um objetivo da dimensão do mesmo transformar um bairro vulnerável em um bairro saudável – exige, ao
mesmo tempo, certa dose de paixão misturada com certa dose de
pragmatismo. Uma paixão que, no caso, tem sido impulsionada pela
imagem-objetivo de uma utopia (Santos, 2001). Um pragmatismo
marcado pela necessidade de revisão constante das etapas planejadas,
principalmente considerando que o aparecimento de alguns resultados
mais concretos exigiria um tempo de longa duração, o que pode levar à
desmotivação do grupo envolvido que, no caso, são o grupo gestor do
PBS e a Direção Clínica do CSEC. Neste sentido, uma lição aprendida
é à que a contribuição voluntária e pessoal tem limites. Isso significa
que o comprometimento das Instituições parceiras com seus
representantes e profissionais, inclusive com garantia do tempo de
dedicação ao programa, é um dos fatores importantes para o sucesso do
programa. Outra lição é à que sem o envolvimento da comunidade o
programa não consegue avançar. Assim, se por um lado a comunidade
obstaculiza algumas ações – questionando-as e, às vezes, desvalorizando
algumas por ter demandas mais urgentes em relação às outras - por outro
lado essa mesma comunidade impulsiona outras ações. Devido ao fato
do CSEC estar realizando ações de atenção à saúde na comunidade há
30 anos, com ações mais intensas há 10 anos, a implantação dos projetos
foi normalmente facilitada e aceita pela comunidade, com poucas
resistências. Alguns desafios diários têm emergido: encontrar os parceiros
certos, pois a colaboração é um trabalho árduo, difícil; aprender a
gerenciar a manutenção do PBS, devido mudanças frequentes,
desistências, não comprometimento e às inúmeras linhas de pesquisa,
ensino extensão; manter energia necessária no dia a dia, pois os resultados
esperados levam mais tempo do que o planejado; pensar fora dos padrões
e com criatividade, o que tem sido um desafio diário; desafiar as normas
e, ao mesmo tempo buscar prudência nas propostas. Um desafio fica à
espreita ao implantar um Programa com a dimensão de objetivar o
envolvimento da comunidade, mantendo a condição de tê-la como sujeito
de seus direitos. Este desafio diz respeito ao não entendimento, muitas
vezes, dos setores políticos partidários que demarcam o território numa
dimensão diametralmente oposta à pretendida pelo PBS, o que já gerou
- e tem gerado - conflitos na relação ética-técnica-política, com todos
os constrangimentos e, muitas vezes, efeitos não esperados, decorrentes
da mesma. Ou seja, os conflitos decorrentes das lógicas de racionalidades
diferentes entre o campo técnico e o político são desafios que precisam
ser enfrentados pelas instituições correspondentes para o êxito de um
projeto da dimensão do Programa Bairro Saudável. É uma questão que
ultrapassa a dimensão de análise deste artigo e diz respeito à cultura
política do país.
Devido ao fato do PBS incorporar ações de intervenção sobre
os diversos aspectos da saúde e projetos de ensino – pesquisa- extensão,
outras questões devem ser consideradas.
Uma primeira diz respeito à tríade ensino/pesquisa/extensão.
Esforços deverão ser feitos para que os projetos a se incorporem cada
vez em seu conjunto, pois muitos dos projetos que foram elaborados
para o PBS são, na maioria das vezes, dedicados a um só elemento da
tríade. A meta a ser alcançada, visando o êxito do PBS, é à de que ao ser
realizada uma pesquisa, que esta seja fruto de uma extensão e que seus
resultados possam realimentar o ensino para que este não se petrifique;
da mesma forma, ao ser realizada uma extensão, que esta possa gerar
pesquisa que retroalimente o ensino; por outro lado, o ensino deverá ter
sempre uma dimensão de extensão além dos muros da faculdade e, ao
mesmo tempo, ser articulado às pesquisas como momentos de reflexão
29
crítica e de produção de novos saberes.
Outra questão a ser considerada, diz respeito à vigilância
constante quando se desenvolve projetos que, como o Projeto
Família Saudável (PFS), tem ações de intervenção sobre os sujeitos.
A vigilância constante, além das questões éticas, parte do
reconhecimento de que nas ações de intervenção estão, também,
ações de controle social sobre uma comunidade, sobre os sujeitos,
submetendo-os numa relação de poder, como analisado por Michel
Foucault (1987). Reconhecer o controle social possível e implicado
nas ações de intervenção já é o primeiro passo, mas não é o suficiente.
Razão pela qual, recorremos a Campos (2010), quando este aponta
a possibilidade do desenvolvimento de produção de valores úteis
nas ações de intervenção, ao lado da produção do controle social.
Para este autor, a prática clínica e de saúde coletiva produz, além
de controle social, algum tipo de valor de uso. Como valor de uso,
a prática clínica e a de saúde coletiva tenderiam a atender a algum
tipo de necessidade social das pessoas. Cabe considerar que a
interdisciplinaridade – um dos conceitos norteadores do Programa
Bairro Saudável - tem sido um marcador importante e necessário
para a manutenção da vigilância em questão. Em nosso
entendimento, a interdisciplinaridade, principalmente em relação
ao núcleo das ciências biológicas com o das ciências humanas, é
uma possibilidade de proporcionar a abertura dos diversos
profissionais para os universos existenciais, sociais, culturais e
simbólicos dos usuários, permitindo o enriquecimento mútuo nas
ações interprofissionais. Além do mais, acreditamos, também, que
a interdisciplinaridade possa proporcionar reflexões e, portanto,
limites ao processo de medicalização social que as ações de
intervenção realizadas numa atenção básica possam engendrar.
Nesse sentido, a nova proximidade e interação pelo
acompanhamento longitudinal (ao longo do tempo), permitida pelo
Projeto Família Saudável junto às famílias assistidas no território
adscrito, comporta duas dimensões que devem ser consideradas:
pode ser uma possibilidade para a reorientação da medicalização e
a reconstrução da autonomia dos sujeitos a serem atendidos no
projeto, mas, também, e facilmente, pode constituir-se em uma nova
força medicalizadora poderosa, com todos os efeitos perversos.
Entendemos medicalização como ‘um processo de expansão
progressiva do campo de intervenção da biomedicina através da
redefinição de experiências e comportamentos humanos como se
fossem problemas médicos’ (Tesser, 2010). Nesta perspectiva, o
Projeto Família Saudável pode se constituir em um local privilegiado
de vivência dos próprios profissionais, onde eles podem reforçar
sua formação prévia com tendência a medicalização excessiva ou
aprender a se questionar e construir um profissionalismo menos
medicalizado no cotidiano do seu trabalho. A construção de uma
prática em saúde norteada pela dimensão menos medicalizante no
dia a dia dos serviços é um desafio a ser considerado, necessitando,
portanto, de uma vigilância constante, como nas palavras de Campos:
“Um paradoxo, todo conhecimento e toda prática social sempre
misturará a produção de valores úteis com controle social. O desafio
estaria em reconhecer essa dualidade e lidar com ela no cotidiano,
mediante diferentes formas e maneiras para combinar as polaridades
desse paradoxo” (Campos, 2010: 116).
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31
6
Do diagnóstico preliminar ao inquérito populacional:
movimentos de investigação-ação em um território vulnerável
Denise Chrysóstomo de Moura Juncá1
1. COMO TUDO COMEÇOU...
Programas de Promoção da Saúde
com base na intervenção territorial,
também
denominados
de
Programas de Desenvolvimento
Local Integrado Sustentável e
Promoção da Saúde (Bodstein &
Zancan, 2002) 2 ou Comunidades
Saudáveis, representam a resposta
do campo da Saúde Pública a uma
tendência universal de buscar a
integração dos diversos setores do
conhecimento e da intervenção
social, e aplicá-los a territórios
específicos, no nível local, onde se
dá o potencial máximo de interação
entre governo, cidadãos e
sociedade civil (Becker, 2003)3 .
Exemplos característicos são
programas como a Agenda 21 e o
Habitat (Buss & Ferreira, 1998)4 ,
e o movimento internacional
Cidades Saudáveis (Tsouros,
1995 5 ;
Ouellet
et
al.,
1994 6 ;Westphal,
2000 7 ).
(BECKER et.al., 2004, p. 656)
Integrado a tal tendência o PROGRAMA BAIRRO
SAUDÁVEL: TECENDO REDES, CONSTRUINDO
CIDADANIA8 elegeu a localidade de Custodópolis/Campos dos
Goytacazes/RJ como cenário de sua intervenção,
desencadeando, a partir de dezembro de 2007, sob a
coordenação da Faculdade de Medicina de Campos - FMC, um
processo de discussão sobre a possível dinâmica a ser
implementada.
Logo algumas propostas foram iniciadas pelos
representantes das instituições que o compunham, verificando-se,
ao mesmo tempo, um consenso sobre a necessidade de se construir
uma maior aproximação com a vida da comunidade, seus problemas,
necessidades e expectativas. Considerava-se, neste momento, a
importância da realização de um diagnóstico, visando conhecer o
território escolhido em maior profundidade, problematizando as
principais dimensões de sua realidade social. (BECKER et.al., 2004).
Coube, então, ao Departamento de Serviço Social de
Campos/Universidade Federal Fluminense, através do GRIPES
– Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e
Saúde – a coordenação de tal etapa, a partir de março de 2008,
ocasião em que se passou a debater e definir a estruturação dos
passos a serem dados para a construção de um diagnóstico
socioambiental de Custodópolis.
De início, já sabíamos que estávamos diante de um
grande desafio. Afinal, uma comunidade configura-se como um
“objeto de estudo indisciplinado” 9 (SEVALHO; CASTIEL,
1998, p.48), uma vez que:
1
Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF.
2
Bodstein R & Zancan L 2002. Avaliação das ações de promoção da saúde em contextos de pobreza e vulnerabilidade social, pp. 39-59. In L Zancan, R Bodstein & WB
Marcondes (orgs.). Promoção da Saúde como caminho para o Desenvolvimento Local. Abrasco, Rio de Janeiro.
3
Becker D 2003. Organizações da sociedade civil e políticas públicas em saúde, pp.117-134. In J Garcia, L Landim & H Dahmer. Sociedade e políticas – novos debates entre
ONGs e universidades. Editora Revan, Rio de Janeiro.
4
Buss PM & Ferreira JR 1998. Promoção da Saúde e Saúde Pública. Contribuição para o debate entre as Escolas de Saúde Pública da América Latina. ENSP, Rio de Janeiro.
Disponível em <www.ensp.fiocruz.br>
5
Tsouros AD 1995. The WHO Healthy Cities Project: State of the art and future plans. Health Promotion International 10:133–141.
6
Ouellet F, Durand D & Forget G 1994. Preliminary results of an evaluation of three healthy cities initiatives in the Montreal area. Health Promotion International 9:153159.
7
Westphal MF 2000. O movimento Cidades / Comunidades Saudáveis: um compromisso com a qualidade de vida. Ciência e Saúde Coletiva 5(1):39-51.
8
O Programa Bairro Saudável é coordenado pela Faculdade de Medicina de Campos. Seu objetivo é promover melhorias no bairro de Custodópolis, através de ações
interdisciplinares e interinstitucionais, tendo como ponto de referência o CSEC – Centro de Saúde Escola de Custodópolis. Tal proposta inclui a configuração desta unidade
como um importante cenário de ensino-aprendizagem para as diferentes áreas de formação no campo da saúde, tanto no âmbito da graduação, quanto da pós-graduação. São
parceiras as seguintes instituições: FMC - Faculdade de Medicina de Campos, UFF - Universidade Federal Fluminense, UENF - Universidade Estadual do Norte-Fluminense,
FAFIC - Faculdade de Filosofia de Campos, UNESA - Universidade Estácio de Sá, IFF - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, UCAM –
Universidade Cândido Mendes, UNIVERSO – Universidade Salgado de Oliveira.
9
Esta expressão foi utilizada, originalmente, pelos autores em relação ao adoecer humano.
32
Mesmo sobre um substrato feito de
moradias, ruazinhas, valas, esgotos,
lixões, escolas municipais, postos de
saúde, templos de culto religioso,
bandidos e policiais, médicos e
professores de escola, grupos de
música afro ou funk, a comunidade
diferencia-se do seu substrato, porque
é feita nas relações sociais, nas
relações de interdependência que vão
se estabelecendo e modificando entre
todas suas dimensões. Uma
comunidade emerge da dinâmica
cultural. Não é sempre que ela ‘está
ai’. (WONG UM, 2002, p. 91)
Entendíamos que “comunidade, assim como cultura, amor,
nação, sujeito, espírito e outras palavras de forte presença no
cotidiano e no imaginário das pessoas, possuem múltiplos
significados.” (WONG UM, 2002, p.41) e que “a vida no lugar não
se desenrola segundo encontros formalmente agendados” (WHITE,
2005, p. 295).
Era preciso ultrapassar a compreensão idealizada de
comum-unidade, ao mesmo tempo, em que cabia não apenas
construir um conhecimento “sobre”, mas sim um conhecimento
“com”, investindo na integração entre os diferentes atores
envolvidos no processo.
Considerávamos, portanto, que não seria suficiente
delimitarmos uma área geográfica, a partir de referências formais
pré-estabelecidas, e aplicarmos alguns instrumentos de coleta de
dados, para elaborarmos um diagnóstico. Precisávamos fazer
escolhas criteriosas que nos possibilitassem construir um retrato
vivo daquela comunidade, resgatando sua história em movimento,
através de um olhar atento e uma escuta apurada que nos introduzisse
em seu cotidiano, circulando no universo do dito e do não dito,
entendendo que a lógica de re-conhecer Custodópolis exigia a
adoção da postura de “ver a sociedade como objeto e experimentála como sujeito” (GEERTZ, 2001, p. 45).
Para tanto, a alternativa escolhida envolveu, a princípio, o
entrosamento com o Centro de Saúde Escola de Custodópolis - CSEC
– instituição gerenciada pela FMC e referência de atendimento à saúde
na comunidade. Paralelamente, ocorreram visitas semanais ao bairro,
com realização de entrevistas livres e observação participante. Foi
uma fase exploratória inicial, que nos forneceu os primeiros elementos
para começarmos a desenhar nosso projeto de investigação. Nossa
intenção, neste momento, era sistematizar alguns passos, preservando,
contudo, sua flexibilidade, admitindo que poderíamos introduzir
alterações em nosso planejamento, de acordo com as necessidades
identificadas no decorrer do processo.
Nascia, assim, o projeto CIDADE DE PALHA (antiga
denominação do bairro de Custodópolis) direcionando-se para a
realização de uma investigação-ação, objetivando traçar um diagnóstico
sócio-ambiental da comunidade, levando em conta o lugar e sua história,
as características sócio-econômicas e culturais do “território usado”
(SANTOS apud SEABRA; CARVALHO; LEITE, 2000); a
movimentação de seus atores, os vínculos existentes e potenciais; além
das condições para desencadear e fortalecer uma dinâmica de
empoderamento (WALLERSTEIN, 1992).
Sua importância encontrava-se na construção do alicerce de
informações em torno do qual se fundamentaria o Programa Bairro Saudável
e sua relevância estava relacionada à perspectiva de valorizar a versão dos
sujeitos sobre seu contexto de vida, ultrapassando percepções que tratam
de modo homogêneo as comunidades conhecidas como periféricas e pobres
e, consequentemente, trabalham com propostas padronizadas.
Vale esclarecer que o termo “diagnóstico” foi adotado visando
facilitar a comunicação entre as diferentes áreas profissionais envolvidas
no Programa Bairro Saudável. Seu entendimento, contudo, ultrapassava
qualquer visão fechada que poderia isolar ou paralisar uma dada
realidade no tempo e espaço. Ao contrário, o que se pretendia era explorar
os movimentos e contradições de um cenário, procurando problematizálos e relacioná-los à realidade mais ampla onde se inseriam.
O desenvolvimento de tal proposta se apoiava, sobretudo, na
metodologia da pesquisa-ação, reconhecendo que o eixo pesquisareducar caracterizava um exercício dinâmico e contínuo para todos os
que nele se encontravam envolvidos. Delineava-se uma possibilidade
de o olhar teórico dialogar com a prática, exercitando a indissociabilidade
entre ideia e experiência, palavra e vivência (FREIRE, 1996), permitindo
também o aprofundamento da consciência crítica.
Vale ainda destacar que, assumindo a perspectiva quantiqualitativa, suas estratégias recorreram às recomendações da técnica da
Triangulação de Métodos, reforçando a importância de se produzir “a
unidade sintética do múltiplo e do uno” (MINAYO, 2007, p. 365),
lembrando, ainda, que intencionávamos que o produto a ser alcançado
não se limitasse a um somatório de resultados disciplinares. Como
destaca Minayo (Id. p. 372): “nesta proposta, independentemente da
área específica de cada um, todos recebem o influxo da interfertilização
de saberes que, em certa medida, durante o processo de produção do
conhecimento, rompem barreiras epistemológicas, teóricas e práticas”.
Desta forma, à pesquisa-ação, escolhida como metodologia fundamental
que desencaderia o conhecimento e estratégias pretendidos, associamos,
também, outros importantes passos, articulando observação participante,
pesquisa documental e entrevistas abertas, valorizando a história oral e
salientando o papel desta última de “[...] conectar a vida aos tempos
[...]” (PORTELLI, 2001, p.15). Nesse sentido seria possível
problematizar o lugar do sujeito na construção da história individual e
coletiva, consagrada na experiência social, a partir de seu modo de vida.
Com base em tais escolhas, no CSEC a equipe10 entrevistou
alguns profissionais, conheceu as instalações e levantou informações
sobre a rotina de atendimento e o sistema de documentação utilizado. A
Nesta fase, a equipe era composta, apenas, por membros do GRIPES/UFF: 4 docentes, 8 assistentes sociais, 1 enfermeira, 1 bacharel em comunicação social e 4 acadêmicos
de serviço social, além de 1 assistente social e uma acadêmica de enfermagem, moradoras do bairro. Para o desenvolvimento do projeto houve o treinamento da equipe, ao
mesmo tempo em que se realizaram grupos de estudos temáticos para fundamentar as discussões e ações em andamento.
10
33
proposta era resgatar sua história, alcançando a dinâmica atual da
assistência prestada.
Já em relação à comunidade, foram realizados os seguintes
movimentos:
§
Reconhecimento da área geográfica, percorrendo-se as ruas
do bairro e registrando-se através de fotos e abordagens,
algumas características deste cenário;
§ Consultas a documentos e profissionais do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e a membros
da Federação das Associações de Moradores e Amigos de
Campos - FAMAC, à procura de informações que
propiciassem uma delimitação e dados mais precisos sobre
a área em estudo;
§ Levantamento de documentos diversos sobre a história da
comunidade, identificando-se a existência de atas de
reuniões, discursos, fotografias, panfletos, textos
mimeografados, relatórios, reportagens publicadas nos
meios de comunicação da região, além de inúmeros
Trabalhos de Conclusão de Curso de Serviço Social,
apresentados à UFF, no período compreendido entre 1966
e 1979.
§ Visitas técnicas priorizando locais como: escolas, creches,
estabelecimentos comerciais, igrejas, associação de
moradores, Grêmio Esportivo, Grupo Recreativo Escola
de Samba União da Esperança, além das áreas ocupadas
por alguns programas sociais como: Saúde da Família,
Espaço do Trabalho, Meninos do Amanhã e Centro de
Referência de Assistência Social – CRAS;
§ Entrevistas livres com lideranças, moradores mais antigos
e técnicos e/ou representantes das instituições e programas
visitados;
§ Entrevistas semi-estruturadas com os responsáveis por
alguns estabelecimentos comerciais.
Nesta fase preliminar do Projeto Cidade de Palha,
levantamos informações sobre o bairro e, acima de tudo, procuramos
andar por suas ruas, para nos familiarizarmos com o desenho daquele
cenário, identificar pontos mais relevantes a serem investigados, ao
mesmo tempo em que, conversávamos com alguns moradores, nos
apresentando e respondendo às dúvidas que nossa presença
suscitava, além de distribuirmos um folder sobre a proposta que
estávamos construindo, convidando-os a participarem da mesma.
Considerávamos que era importante “passar algum tempo de
contaminação” com o local (BRANDÃO, 2007, p.13), construindo
uma entrada gradual no campo, fugindo das características de
um trabalho invasor em que as pessoas
se sentem de repente visitadas por um
sujeito que mal chegou ao lugar, saltou
do carro e começou a aplicar um
questionário [...] Isso é muito ruim.
Toca-se apenas o verniz e toca-se num
verniz em que as pessoas se defendem até
quando podem da invasão de que se sentem
vítimas (id. p.14).
Esclarecendo que não éramos “o pessoal do combate à dengue”
e que não estávamos distribuindo “santinhos” de algum político, como
alguns pensavam ao nos ver andando pelas ruas, logo, fomos
apresentados à praça que tanto valorizavam e agora constituía um lugar
indefinido em função de uma reforma que nunca acabava. Identificamos
a presença de várias igrejas, o que nos remetia, provavelmente, ao
convívio de diferentes crenças religiosas. Pudemos ver a “água suja”,
objeto de tantas reclamações, que formava um extenso corredor e,
livremente, corria pelas ruas, fruto da inexistência de um sistema de
saneamento ambiental adequado. Estivemos atentos nos momentos de
travessia pelas vias públicas, face ao intenso tráfego de veículos e
barulhentas motocicletas.
Vimos crianças e adolescentes voltando das escolas, soltando
pipa ou jogando bola em terrenos baldios. Conhecemos o campo de
futebol e a sede da União da Esperança, escola de samba nascida há
mais de 50 anos na comunidade. Conhecemos, também, vários dos
antigos moradores, bem como ouvimos referências aos já falecidos,
sendo possível identificar que alguns de seus filhos ainda residiam em
Custodópolis e eram comerciantes “de tradição”.
Ingressamos, assim, em um circuito onde uns nos levavam à
outras tantas pessoas e lugares, investindo na construção de um processo
de interação com a comunidade, processo este que, sem dúvida, exigia
um tempo de maturação, e que nos levava a adotar a lógica ensinada por
WHITE (2005, p. 303): “Vá devagar, Bill, com essa coisa de ‘quem’, ‘o
quê’, ‘por quê’, ‘quando’, ‘onde’. Você pergunta essas coisas e as pessoas
se fecharão em copas. Se te aceitam, basta que você fique por perto, e
saberá as respostas a longo prazo, sem nem mesmo ter que fazer as
perguntas.”
Muitos foram os dados coletados nesta fase e entre os mais
significativos estavam os que nos remeteram à história do bairro e os
que nos permitiram entender o desenho de Custodópolis.
Vale lembrar que, para o IBGE (Censo Demográfico, 2000) o
bairro pertence à área denominada como Zona Norte e só é visto em
conjunto com outros vizinhos, ou seja: Parque Novo Mundo (setores
34, 35, 36, 37, 38 e 39), Parque Bandeirantes (setores 69, 70, 71 e 72)
e Parque São Domingos (setores 73, 74 e 75).
Tal classificação se fundamenta na Lei 6.305, de 27 de
dezembro de 1996, que institui a divisão geográfica da cidade de Campos
dos Goytacazes, delimitando e denominando os bairros, de acordo com
a Lei Orgânica Municipal. Entretanto, consultando alguns mapas dos
bairros do município foi possível verificar que, o material produzido
neste início de século (Almanaque de Campos, 2007 e 2008 e Perfil,
2005) já passou a incluir o Parque Custodópolis.
Outras fontes de informação consultadas foram o Código de
Endereçamento Postal – CEP - e a Federação das Associações de
Moradores de Campos - FAMAC. De acordo com o primeiro,
Custodópolis é formado por 20 ruas, a saber:
34
1. Avenida Santa Rosa
2. Estrada Nogueira
3. Praça José Dias Nogueira
4. Rua Romualdo Peixoto
5. Rua Poeta Marinho
6. Rua Pedro Cardoso
7. Rua Patrício Menezes
8. Rua Mário Bárbara Sobrinho
9. Rua Júlio Armond
10. Rua Hipólito Sardinha
11. Rua Alcides Vieira Maciel
12. Rua Altino Campos
13. Rua Ary Ribeiro Vaz
14. Rua Carlos Bruno
15. Rua Doutor Custódio Siqueira
16. Rua Godofredo de Carvalho
17. Rua Adolfo Porto
18. Travessa Projetada A
19. Travessa Projetada B
20. Travessa Projetada C
esse miolo (ruas Júlia Armond, Patrício
Menezes, Hipólito Sardinha e Carlos
Bruno). Pra lá é Santa Rosa, Morro de
Fátima...
Custodópolis é pequeno mesmo. Vai até ali
a baixada.
Já a FAMAC dispõe de um registro que identifica as ruas
que compõem um bairro, em função da organização das associações
de moradores existentes no município. Para ela, Custodópolis é
constituído pelas seguintes ruas:
1. Avenida Santa Rosa
2. Praça José Dias Nogueira (ou Praça 8 de dezembro)
3. Rua Romualdo Peixoto
4. Rua Poeta Marinho
5. Rua Pedro Cardoso
6. Rua Patrício Menezes
7. Rua Júlio Armond
8. Rua Hipólito Sardinha
9. Rua Carlos Bruno
10. Rua Adolfo Porto
11. Rua Jácio de Alvarenga
12. Rua Irmã Djanira de Moraes (Rua do Beco ou Proletário)
13. Rua Operário Valdir Manhães (Travessa N. S. da Conceição)
14. Rua Alfredo Rodrigues
15. Rua Valdarino (continuação da Travessa N.S. da Conceição)
Com tais referências verificamos que várias eram as
possibilidades de identificação do bairro. Entretanto, parecia haver
um consenso entre os moradores mais antigos, expresso, tanto
através de seus depoimentos, quanto do mapa elaborado, por
iniciativa de um deles.
Só tem 3 ruas aqui: Júlio Armond, Poeta
Marinho e Patrício Menezes. A Carlos
Bruno já é (Parque) Novo Mundo.
Custodópolis é esse pedaço aqui. É só
Mapa 1: Mapa do bairro desenhado por um morador
Fonte: Arquivo GRIPES
Diante de tantas possibilidades para se entender o espaço
ocupado por Custodópolis, a equipe do projeto Cidade de Palha optou
por considerar a classificação do IBGE e do Almanaque 2008, para
acesso a indicadores estatísticos oficiais que pudessem auxiliar a
configuração de um retrato, mais geral, do cenário onde Custodópolis
estava inserido. Entretanto, para a realização da pesquisa de campo,
com a seleção das famílias a serem investigadas, foi priorizada a versão
dos moradores, por considerarmos que, o que importava não era o
“território em si mesmo”, mas o “território usado”, aquele que era “o
chão mais a identidade”, como destaca Milton Santos (2007). Em
entrevista à Seabra, Carvalho e Leite (2000, p.22) o autor, ainda, destaca:
“O território em si, para mim, não é um conceito. Ele só se torna um
conceito utilizável para a análise social quando o consideramos a partir
de seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com
aqueles atores que dele se utilizam”.
Chegamos, assim, à configuração de Custodópolis através de
três ruas paralelas: Júlio Armond (e seu prolongamento na Av. Santa
Rosa), Patrício Menezes e Poeta Marinho, todas compreendidas nos
trechos situados entre as Ruas Hipólito Sardinha e Romualdo Peixoto.
Tais ruas englobam ainda, as seguintes transversais: Adolfo Porto, José
Dias Nogueira, Travessa N.S. da Conceição (e sua continuação
35
Valdarino), Pedro Cardoso e Rua C.
Reconhecendo o território a ser investigado, identificando
e travando os primeiros contatos com nossos possíveis
interlocutores, desenhamos o fio condutor da pesquisa e sua matriz
de análise, recorrendo, sobretudo, aos eixos gerais definidos pelo
Programa Bairro Saudável11 . Simultaneamente, planejamos os
passos seguintes do Projeto Cidade de Palha, selecionando as
estratégias consideradas como mais adequadas para a construção
do diagnóstico socioambiental pretendido.
2.
AVANÇANDO UM POUCO MAIS: NOVAS
ENTREVISTAS E OBSERVAÇÕES, O MAPA FALANTE E O
INQUÉRITO POPULACIONAL
Os movimentos, até então, empreendidos no território de
Custodópolis nos permitiram avançar na sistematização do
diagnóstico sócio-ambiental iniciado, considerando 2 fases. A
primeira, denominada por nós de Fase operacional 1 e realizada no
período de agosto a dezembro de 2008, implicava a elaboração de
um Diagnóstico Rápido Participativo, com levantamento de dados,
através de um envolvimento da comunidade. Com tal fase
poderíamos dispor de uma leitura preliminar da realidade, que
sinalizaria algumas ações prioritárias a serem desenvolvidas pelos
demais parceiros do Programa Bairro Saudável.
Já a segunda, Fase operacional 2, prevista e executada no
ano de 2009, abrangia a construção de um perfil sócio-econômicocultural das famílias moradoras no território de Custodópolis,
recorrendo-se à realização de um inquérito populacional. Seria o
momento de se investir em dados mais quantitativos, articulando,
possivelmente, indicadores de interesse de outras áreas profissionais
atuantes no programa.
A fase operacional 1 comportou os seguintes passos:
a. Realização de entrevistas com moradores mais antigos
e lideranças;
b. Construção de um mapeamento do território,
identificando tanto a ocupação domiciliar, quanto a
existência de iniciativas, ações e equipamentos sociais;
c. Realização da observação participante de acordo com o
mapeamento elaborado;
d. Realização de encontros para detalhamento da
operacionalização do projeto, envolvendo
representantes da comunidade;
e. Realização de Oficinas Comunitárias, recorrendo a
técnicas como o Mapa Falante (identificação e
discussão de necessidades, expectativas,
representações prévias e possíveis enfrentamentos);
f. Formulação de uma agenda com as demandas
identificadas e prioridades pactuadas;
g. Produção de relatórios parciais.
11
Neste momento foi fundamental a participação de uma
assistente social e uma acadêmica de enfermagem, moradoras do bairro.
Entrosando-se à equipe do GRIPES, elas circulavam conosco na
comunidade, nos indicavam informantes chaves relacionados à história
de Custodópolis, mantinham contatos preliminares como os mesmos e
agendavam entrevistas, que nos possibilitaram colher depoimentos como:
Até onde eu conheci era tudo palha. As
casas tinha o teto de palha e as parece de
entulho, botava o bambu e jogava barro.
Era perigoso pra pegar fogo. A água era de
cacimba, puxava com corda. Ainda tem casa
com poço. Era tudo mato, só tinha uns
trilhos (caminhos) onde a gente passava.
Tinha 7 anos quando vim pra Custodópolis.
Era mais ou menos 1950 e estavam
loteando. Aqui era canavial mesmo, com
carro de boi passando, com boiada
passando. Minha avó já morava aqui antes
e não tinha rua, tinha que romper os
caminhos, corta aqui, corta ali, no meio do
canavial. Era assim: um caminho, uma
casa...
Começamos a estreitar os laços com a comunidade, passando
a conhecer, mais profundamente, seu cotidiano. Movimentos do ontem
e do hoje se misturavam, identificando diferentes cenários e situações,
não só através de suas falas, mas também, de fotos, objetos e documentos
que guardavam como lembranças ou coletavam junto a vizinhos e
amigos. Eram verdadeiras relíquias, exibidas com orgulho para nós. Foi
assim com um quadro antigo que retratava a ocasião em que um morador
(agora com mais de 80 anos), era jovem e até “recebeu convite até pra
fazer um filme. Mas depois não deu em nada”, ou mesmo, com muitas
fotos da União da Esperança, ilustrando os desfiles carnavalescos dos
quais vinha participando, há mais de 50 anos, bem como alguns prêmios
recebidos.
Tomamos conhecimento, também, de momentos em que uma
enchente alagou todo o campo de futebol, além de registros de
mobilizações da comunidade, realizando doações, face às necessidades
daqueles considerados como mais carentes. Não menos importante foi
a construção da igreja católica, documentada através de fotos das diversas
fases de sua obra, expressando uma grande conquista dos moradores.
Nesta etapa, chamou nossa atenção a estrutura e o movimento
do comércio do bairro, motivando a circulação de moradores de áreas
vizinhas e identificamos, ainda, um importante canal de comunicação
existente: o serviço de alto-falante que funcionava em um açougue. Junto
aos avisos de nascimentos, mortes e eventos locais de destaque, tal
serviço, também, passou a divulgar quem éramos e o que pretendíamos
com o projeto Cidade de Palha, além de convidar os demais moradores
que se interessassem em participar.
Referimo-nos aos conceitos de educação permanente, saúde, promoção da saúde, cidade saudável e empoderamento, já trabalhados no artigo anterior.
36
Cada fala e cada canto da comunidade nos revelava a
vitalidade daquele cenário, o amor pelo bairro, o apego a uma
história... Mas, também, havia sérios problemas a serem enfrentados.
Estávamos diante de uma paisagem caracterizada, sobretudo, por
situações de desemprego e/ou ocupações informais; baixo nível de
escolaridade; precárias condições de saneamento ambiental; falta
de segurança pública; ausência de oportunidades de lazer; limitações
na saúde, identificando-se queixas referentes a problemas cardíacos,
dermatológicos, verminose, escabiose, hipertensão, diabetes,
depressão e crianças com baixo peso; vulnerabilidades familiares
associadas a fatores como gravidez na adolescência, dependência
química, violência e abuso sexual; interferências político partidárias
no cotidiano da população, com prática de ações de cunho
assistencialista, promovendo atendimentos em âmbito pessoal e
contribuindo para o enfraquecimento de mobilização de interesses
coletivos. A exploração preliminar realizada indicava, portanto, que
com um olhar voltado para o passado e com um presente permeado
por contradições, a comunidade de Custodópolis, vivenciava um
confronto entre o cenário real e o desejado.
Para sistematizar os dados obtidos até então, a equipe do
GRIPES elaborou um documento denominado Cidade de Palha:
Diagnóstico Preliminar e um material audio-visual, em julho de
2008, considerando os seguintes aspectos:
Foto 1: O bairro que temos
Fonte: Arquivo GRIPES
12
a. Localização: um bairro e muitas classificações
b. Explorando o território: o lugar e suas tramas
c. População, ocupação e renda
d. Educação, cultura e religião
e. Esporte, lazer e segurança
f. Saúde e saneamento ambiental
g. Programas sociais e organização comunitária
Tanto o documento escrito, quanto o material audio-visual
foram disponibilizados e debatidos junto aos parceiros do Programa
Bairro Saudável e junto à comunidade, envolvendo, sobretudo, o
grupo de idosos vinculado ao CSEC e uma escola local. Tais
momentos propiciaram o aprofundamento das discussões sobre o
cotidiano da comunidade em reuniões e oficinas que passaram a
acontecer com a participação de alguns moradores.
Articulando conhecimento e ação, estes encontros logo se
desdobraram na construção de um mapa falante contrapondo “o
bairro que temos” (composto por fotos da localidade) ao “bairro
que queremos” (ilustrado com imagens retiradas de revistas),
gerando, também, a elaboração de um abaixo assinado, dirigido ao
poder público municipal, com as principais reivindicações da
comunidade. 12
Foto 2: O bairro que queremos
Fonte: Arquivo GRIPES
Estas reuniões deram origem ao processo de organização de um Conselho Local de Saúde, em andamento na comunidade.
37
Dando continuidade ao aprofundamento do diagnóstico
socioambiental a equipe do GRIPES, paralelamente, começou a
organizar a fase seguinte de sua proposta inicial, ou seja, a realização
de um inquérito populacional. Neste momento (final de 2008 e início
de 2009), considerando outras iniciativas que já vinham ocorrendo
através das instituições parceiras, em Custodópolis, e a possibilidade
de construirmos, em conjunto, um único instrumento para coleta
de dados quantitativos complementares ao diagnóstico, foi discutida
a possibilidade de organizarmos uma equipe ampliada, com a
participação sistemática de outras áreas profissionais.
Como consequência de tal discussão houve o entrosamento
de representantes dos cursos de serviço social (UFF), medicina
(FMC), enfermagem (UNIVERSO) e arquitetura e urbanismo (IFF),
que iniciaram o planejamento do inquérito populacional, analisando
sua possível dinâmica e os instrumentos de coleta de dados a serem
utilizados.
Reconhecíamos como Viacava, Dachs e Travassos (2006),
a importância de recorrermos à realização de um inquérito
populacional, tendo em vista o conjunto de informações que poderia
propiciar, notadamente, por estarmos inseridos no campo da saúde,
campo este, entendido em seu sentido ampliado. Ao se constituir
como fonte primária de dados que não podem ser obtidos de outras
maneiras, tal inquérito, provavelmente, fomentaria a construção de
indicadores capazes de instrumentalizarem estudos
epidemiológicos, sinalizando parâmetros para o planejamento de
ações em saúde13 .
Uma pergunta passou a guiar nossa investigação: Como
se desenhavam as vulnerabilidades socioeconômicas, ambientais e
civis existentes no território de Custodópolis e que influências elas
exerciam no sentido de impedir e/ou dificultar sua constituição como
um bairro saudável?
O que estava, portanto, em análise era o eixo
vulnerabilidade-bairro saudável, apontando para as seguintes
hipóteses:
1- O território de Custodópolis era marcado por diferentes
expressões de vulnerabilidade, que extrapolavam o âmbito
individual e alcançavam o espaço coletivo, comportando
variáveis sociais, econômicas, ambientais e civis.
2- Como consequência do processo de vulnerabilidade em
curso, instalava-se um contexto que bloqueava o exercício
da cidadania deliberativa (TENÓRIO, 2006) e
comprometia o investimento na qualidade de vida da
população.
Desta forma, aos eixos analíticos adotados no Programa
Bairro Saudável, associávamos os conceitos de vulnerabilidade e
território. Recorrendo à Milton Santos, (2007, p. 12) entendíamos
o território não apenas como:
o conjunto de sistemas de coisas
13
superpostas: o território tem que ser
entendido como o território usado, não o
território em si. O território usado é o chão
mais a identidade. A identidade é o
sentimento de pertencer àquilo que nos
pertence. O território é o fundamento do
trabalho; o lugar da residência, das trocas
materiais e espirituais e do exercício da
vida.
Tratava-se, sobretudo, de destacar que:
O território é o lugar em que desembocam
todas as ações, todas as paixões, todos os
poderes, todas as forças, todas as fraquezas,
isto é, onde a história do homem
plenamente se realiza a partir das
manifestações da sua existência (p.14)
Aproximando tais referências à realidade de Custodópolis
interessava-nos problematizar as contradições que transitavam neste
cenário, retomando sua história, modo de vida e os possíveis processos
de vulnerabilidade em curso, além da postura dos sujeitos face aos mesmos.
Se era correto dizer que estávamos diante de um território
marcado por vulnerabilidades, como estas se expressavam? Era possível
afirmar que elas estavam associadas, sobretudo, ao cotidiano de pobreza
dos indivíduos, ao contexto de precariedades decorrentes da baixa
escolaridade e da falta de trabalho e renda das famílias? Ou precisávamos
ampliar nossa análise alcançando o espaço coletivo, abarcando
dimensões socioeconômicas, ambientais e civis?
Quando falávamos em vulnerabilidade estávamos nos referindo
ao “processo de descidadanização” abordado por (KOVARIK, 2003) e a
situações e contextos onde 3 elementos se combinavam: a existência de
riscos, a incapacidade de reação, além de dificuldades de adaptação face
à materialidade do risco (MOSER, 1998). A questão não se limitava a
rendas monetárias ou linhas de pobreza, admitindo, também, uma visão
mais ampla sobre condições de vida, onde dialogavam elementos de ordem
social, econômica, cultural, ambiental, civil, dentre outros, considerando
recursos e estratégias das famílias e comunidades. Isto significava dizer
que iríamos observar as indicações de Busso (2002, p.12), ao focalizar as
5 dimensões da vulnerabilidade tidas como mais relevantes:
a)
de habitat: condições habitacionais e ambientais, tipo
de moradia, saneamento, infraestrutura urbana,
equipamentos, riscos de origem ambiental;
b) de capital humano: anos de escolaridade,
alfabetização, assistência escolar, saúde, desnutrição,
ausência de capacidade, experiência de trabalho;
c) econômica: inserção de trabalho e renda;
d) de proteção social: cotização a sistema de
aposentadoria, cobertura de seguros sociais e outros;
Sobre o significado e a importância da realização de inquéritos domiciliares consultar Viacava (2002), Barros (2008), Viacava; Travasso; Dachs (2006), Carvalho (2006).
38
e)
de capital social: participação política,
associativismo, inserção em redes de apoio.
No âmbito da discussão da vulnerabilidade cabia, assim,
considerar o investimento na superação dos fatores limitantes que
impediam a construção de melhores condições de vida, ou seja, era
importante lembrar do “manejo social do risco” (SOJO, 2001), tendo
em vista suas implicações para a política social.
Estas foram as principais referências analíticas
consideradas pela equipe, para o aprofundamento do diagnóstico,
compondo momentos de estudo e debate que envolveram alunos,
docentes e técnicos atuantes no projeto, durante todo o tempo de
execução do mesmo.
Além disso, com uma equipe, agora ampliada14 e, face às
características específicas desta fase, era preciso investir em novos
treinamentos, para se garantir a qualidade do trabalho a ser
desenvolvido. Desta forma, cada participante recebeu um manual
com orientações referentes ao trabalho de campo e foram
promovidos alguns encontros para se discutir o próprio projeto,
suas concepções e objetivos; a postura no campo de pesquisa, além
das indicações a serem consideradas, com base no pré-teste realizado
sobre o instrumento de coleta de dados; a dinâmica de pesquisa a
ser adotada, com duplas de acadêmicos de áreas diferentes; o
cuidado com o preenchimento dos formulários, a importância do
registro de observações no diário de campo...
O formulário elaborado era composto por 87 questões,
distribuídas em 6 sessões, ou seja: identificação do entrevistado (9
questões); habitat: moradia e entorno (33 questões); capital humano
(24 questões); perfil econômico (8 questões); proteção social (7
questões) e capital social (6 questões). Embora longo, era de fácil e
rápida aplicação, uma vez que envolvia, sobretudo, questões
objetivas. Observações complementares, quando necessárias, eram
registradas no diário de campo, instrumento que se revelou um
importante aliado dos pesquisadores, permitindo preservar falas que
traduziam opiniões, valores, sentimentos e experiências de vida dos
moradores de Custodópolis.
Uniformizada e devidamente identificada, através do uso
de crachás, durante os meses de agosto a dezembro de 2009, a equipe
percorreu o território definido como Custodópolis, atuando em duplas
compostas por acadêmicos das diferentes áreas participantes do
projeto. A expectativa era abordar em torno de 500 famílias, o que
se estimava corresponder à totalidade do grupo residente na área.
Tal número, contudo, foi ampliado para 658, uma vez que se
identificou, durante as visitas às moradias que algumas delas não
faziam face às ruas e, por isso, ficavam encobertas, não sendo, até
então, percebidas. Posteriormente, em abril de 2010, retornamos ao
campo, na tentativa de complementar as entrevistas, face à
dificuldade de acesso anterior a algumas famílias.
Foto 3: Parte do treinamento da equipe
Fonte: Arquivo GRIPES
Foto 4: Parte do treinamento da equipe
Fonte: Arquivo GRIPES
Foto 5: Alguns membros da equipe
Fonte: Arquivo GRIPES
14
Nesta fase a equipe era composta por 6 coordenadores gerais, representando as instituições envolvidas; 4 coordenadores de campo, divididos por 2 setores na comunidade;
2 equipes de apoio operacional como 9 componentes; e 2 técnicos colaboradores, além de 43 acadêmicos pesquisadores de campo: 13 de serviço social (UFF), 13 de medicina
(FMC), 13 de enfermagem (UNIVERSO) e 4 de arquitetura e urbanismo (IFF).
39
Foto 6: Acadêmicos de arquitetura e serviço social na pesquisa de campo
Fonte: Arquivo GRIPES
Com a intenção de atingirmos a um maior número possível
de famílias, alternamos a realização do trabalho de campo nos turnos
da manhã e tarde, bem como nos dias úteis e finais de semana. Além
disso, adotamos o critério de realizar duas visitas a cada casa, além
de recorrermos ao uso de um folder, deixado nos locais, informando
que tínhamos estado naquela residência e que o formulário poderia
ser respondido no próprio CSEC, em alguns plantões, previamente,
agendados, caso fosse de interesse do morador.
Com isso, a equipe conseguiu atingir 333 moradias, o que
correspondeu a 50,6% do total identificado. O grupo não pesquisado
englobou 9,1% que se recusaram a participar do inquérito, e 40,3%
referentes à outras situações como: casas, aparentemente,
abandonadas e aquelas onde não encontramos moradores, apesar
das duas tentativas realizadas.
Ao longo deste processo, a equipe investiu, também, na
produção científica, construindo textos e participando de eventos,
como por exemplo:
1.
2.
3.
4.
Palestra proferida por docentes da UFF, em Campos, sobre
o tema Interinstitucionalidade e Interdisciplinaridade:
desafios à sua operacionalização, em maio de 2009.
Minicurso, ministrado por docente da UFF, em junho de
2009, no ESR/UFF, enfocando o tema Pesquisa
interdisciplinar: a experiência de Custodópolis, dentro da
programação do Congresso Fluminense de Iniciação
Científica e Tecnológica.
Palestras proferidas por docentes da UFF, na UENF, em
julho de 2009, enfocando o tema Pesquisa interdisciplinar:
a experiência de Custodópolis, dentro da programação do
Curso Conhecer para prevenir: atualização em saúde 2009.
Palestra proferida por docentes da UFF, em agosto de 2009,
no município de Pádua, abordando o tema Cidade de Palha:
projeto de pesquisa e extensão, dentro da programação: II
Seminário Norte-Noroeste de Extensão.
5. Palestra “Cidade de Palha: re-conhecendo o território de
Custodópolis”, realizada por docente da UFF, em debate
promovido em setembro de 2009, nos seminários do Programa
de Pós-graduação em Políticas Sociais do Centro de Ciências
do Homem, da UENF.
6. Palestra proferida por docente da UFF, no Museu Olavo Cardoso
(Programação Direitos Humanos na Primavera dos Museus), em
setembro de 2009, sobre o tema: Vulnerabilidade e cidadania
em bairros periféricos, apresentando a experiência do projeto.
7. Participação da bolsista Paula Emely Cabral Torres (serviço
social – UFF) e dos alunos Aline da Silva Viana Jorge (serviço
social – UFF), Juliana Gomes Barreto (enfermagem UNIVERSO), Lucas Rangel de Souza (medicina – FMC) e
Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho (arquitetura e
urbanismo – IFF), na XIV Semana de Extensão da UFF (Niterói),
em outubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha:
trajetórias de um saber fazer no território de Custodópolis”.
8. Participação da bolsista Paula Emely Cabral Torres (serviço
social – UFF) e dos alunos Aline da Silva Viana Jorge (serviço
social – UFF), Juliana Gomes Barreto (enfermagem UNIVERSO), Lucas Rangel de Souza (medicina – FMC) e
Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho (arquitetura e
urbanismo – IFF), na I Mostra de Extensão IFF – UENF - UFF,
em outubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha:
trajetórias de um saber fazer no território de Custodópolis”. O
trabalho apresentado foi premiado como melhor poster da UFF
no evento.
9. Participação da bolsista (PIBIC) Gerlaine Jesus de Souza, no
XIX Seminário de Iniciação Científica e Prêmio UFF
Vasconcellos Torres de Ciência e Tecnologia, da UFF, em
outubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha:
inquérito populacional em bairro vulnerável”.
10. Apresentação do trabalho (categoria banner) “Cidade de Palha:
vulnerabilidade e saúde no território de Custodópolis/Campos
dos Goytacazes”, por docente da UFF, no IX Congresso
Brasileiro de Saúde Coletiva, em novembro de 2009, Olinda/
Pernambuco.
11. Realização do I FISC - I Fórum Interdisciplinar em Saúde
Coletiva, em novembro de 2009, em parceria com a Faculdade
de Medicina de Campos e apoio das demais instituições que
participam do Programa Bairro Saudável: tecendo redes,
construindo cidadania.
12. Participação dos alunos Márcio Pereira, Thiago Rebel, Laura
Lamônica, Lorena Guimarães e Keila Pessanha (enfermagem
– UNIVERSO); Silvânia Silva, Ivone Magaldi e Joelma Bastos
(serviço social - UFF); Adilea Silveira e Rafael de Oliveira
(medicina – FMC): Rafael Mesquita e Júlia Lima (arquitetura
e urbanismo – IFF), no I FISC – I Fórum Interdisciplinar em
Saúde Coletiva, em novembro de 2009, apresentando o trabalho
“Cidade de Palha: inquérito populacional em bairro
vulnerável”.
40
13. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – “Por
onde ando... aonde vou: um estudo sobre itinerários
terapêuticos”, de autoria de Aline da Silva Viana Jorge,
apresentado ao Departamento de Serviço Social de
Campos/UFF, em 2010.
14. Participação dos alunos Adiléa Lopes da Silveira
(FMC), Júlia Lima de Araújo (IFF), Késia Silva Tosta
(UFF) e Paula Emely Cabral Torres (UFF), na II Mostra
de Extensão IFF – UENF - UFF, em outubro de 2010,
apresentando o trabalho “Cidade de Palha: trajetórias
de um saber fazer no território de Custodópolis”. O
trabalho foi premiado como melhor poster da UFF no
evento.
15. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – Entre
o ontem e o hoje: uma análise da urbanização na
trajetória da Cidade de Palha a Custodópolis, de autoria
de Paula Emely Cabral Torres, apresentado ao
Departamento de Serviço Social de Campos/UFF, em
julho de 2011.
16. Participação da bolsista de extensão Késia Silva Tosta
na XV Semana de Extensão da UFF, em outubro de
2011, apresentando o trabalho “Inquérito populacional
em território vulnerável”, sob forma de comunicação
oral, em Niterói, em novembro de 2010. Foram autores
do trabalho: Adiléa Lopes da Silveira (FMC), Júlia Lima
de Araújo (IFF), Késia Silva Tosta (UFF), Paula Emely
Cabral Torres (UFF), Denise Chrysóstomo de Moura
Juncá (UFF), Verônica Gonçalves Azeredo (UFF),
Carlos Antonio de Souza Moraes (UFF), Katarine de
Sá Santos (UFF) e Aline da Silva Viana Jorge (UFF).
17. Participação da bolsista de iniciação científica Paula
Emely Cabral Torres no XX Seminário de Iniciação
Científica, apresentando o trabalho “Inquérito
populacional em território vulnerável”, sob forma de
comunicação oral, em Niterói, em novembro de 2010.
18. Participação da bolsista de extensão Késia Silva Tosta
(UFF), da bolsista de iniciação científica Paula Emely
Cabral Torres (UFF) e da docente Katarine de Sá Santos
(UFF) na V Semana Acadêmica do Curso de Serviço
Social, apresentando o projeto “Cidade de Palha: reconhecendo o território de Custodópolis”, em Campos
dos Goytacazes, em novembro de 2010.
19. Participação de docentes e bolsistas da UFF no 4º
Seminário de Pesquisa do ESR/UFF, apresentando o
trabalho Da Cidade de Palha à Custodópolis: trajetórias
de vulnerabilidade e cidadania, em março de 2011.
20. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – “Entre
o ontem e o hoje: uma análise da urbanização na trajetória
da ‘Cidade de Palha’ a Custodópolis”, da autoria de Paula
Emely Cabral Torres, apresentado ao Departamento de
Serviço Social de Campos, em julho de 2011.
15
21. Qualificação do projeto “Famílias nas Terras de Custódio:
itinerários de proteção social“, da autoria de Verônica
Gonçalves Azeredo para o Doutorado em Política Social
na UFF a partir da linha de pesquisa: sujeitos sociais e
proteção social, em agosto de 2011.
22. Participação de docente da UFF no Seminário do LEUS –
Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais –
vinculado à PUC/RJ, proferindo conferência sobre Cidade
de Palha: movimentos de investigação-ação em território
vulnerável, em agosto de 2011.
23. Participação da bolsista Késia Silva Tosta (UFF) na III
Mostra de Extensão IFF – UENF – UFF, apresentando o
trabalho Cidade de Palha: estudo socioambiental no
território de Custodópolis, em outubro de 2011. O projeto
foi premiado como melhor apresentação de banner da UFF.
Tais momentos propiciaram a realização de avaliações e
sistematizações parciais do projeto, além de reforçarem a dinâmica
adotada, valorizando o entrosamento ensino-pesquisa-extensão, que
estávamos conseguindo exercitar.
Entretanto, foi, somente, após a tabulação final e análise
dos dados coletados 15 , associando as questões do formulário
aplicado, aos registros processados no diário de campo, que se
passou a dispor de um amplo conjunto de informações a serem
discutidos em maior profundidade, tanto com as instituições
parceiras do Programa Bairro Saudável, quanto com a própria
comunidade.
3. Os Desafios de uma experiência interinstitucional e
interdisciplinar
“Interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, apenas
vive-se e exerce-se.” (VILELA; MENDES, 2003, p. 527) – esta foi
a lógica que orientou a experiência que vivenciamos, configurando
um desafio de ultrapassar o discurso e alcançar a prática,
considerando uma dupla perspectiva: a institucional e a disciplinar.
Incorporando os eixos norteadores do Programa Bairro
Saudável, de um lado, queríamos exercitar a interdisciplinaridade
na produção do conhecimento, considerando que a mesma “fundase no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo,
una e diversa” (FRIGOTTO, 1995, p.27), além de reconhecermos
a natureza intersubjetiva de sua apreensão. De outro, entendíamos
que, com tal perspectiva, o conhecimento produzido poderia gerar
ações mais sintonizadas com o perfil do território estudado,
preservando-se, simultaneamente, as especificidades de cada campo
do saber e a abertura na direção de um fazer coletivo (GOMES;
DESLANDES, 1994, p. 111).
Estávamos, portanto, diante da possibilidade de uma prática
exigente, que impunha sensibilidade, determinação, abertura ao
novo e flexibilidade. Serviço social, medicina, enfermagem,
arquitetura e urbanismo buscavam dialogar, construindo uma
Tal análise encontra-se registrada nos demais artigos desta publicação.
41
relação marcada pela necessidade de transcender o
conhecimento e a prática fragmentada, postulando uma nova
síntese do saber-fazer.
Nossa preocupação era fugir do discurso que acaba por
banalizar a interdisciplinaridade, reconhecendo, ainda, que mais
importante que defini-la era
refletir sobre as atitudes que se
constituem como interdisciplinares:
atitude de humildade diante dos limites
do saber próprio e do próprio saber [...];
a atitude de espera diante do já
estabelecido para que a dúvida apareça
e o novo germine; a atitude de
deslumbramento ante a possibilidade
de superar outros desafios; a atitude de
respeito ao olhar o velho como novo,
ao olhar o outro e reconhecê-lo,
reconhecendo-se; a atitude de
cooperação que conduz às parcerias, às
trocas, aos encontros, mais das pessoas
que das disciplinas, que propiciam as
transformações, razão de ser da
interdisciplinaridade.” (TRINDADE,
2008, p.73)
Tratava-se, de uma tarefa que ficava ainda mais complexa
por associar instituições de ensino superior com trajetórias, projetos
acadêmicos e rotinas técnico-administrativas diferenciadas. Tais
diferenças, contudo, não impediram que as mesmas aderissem a um
programa, inédito na região, que intencionava investir, tanto na
qualidade do espaço de formação profissional, quanto no
empreendimento de estudos e ações capazes de desencadearem um
processo de transformação no território de Custodópolis: de bairro
vulnerável, para bairro saudável.
Na fase inicial do detalhamento do inquérito já foi possível
experimentar a importância de associar distintas formas de olhar e
pensar uma realidade, uma vez que cada movimento foi construído,
em conjunto, pelo grupo de coordenadores composto por um
representante de cada instituição parceira. Várias discussões
ocorreram, levando-nos a reconhecer a importância do caráter
complementar de cada fala, contribuindo para o aperfeiçoamento
da proposta, a elaboração dos instrumentos para coleta de dados, o
mapeamento de sua operacionalização...
O treinamento dos acadêmicos que iriam atuar como
pesquisadores de campo, também, foi bastante produtivo. Sua
dinâmica envolveu dramatizações, leituras orientadas e debates,
procurando propiciar um entrosamento do grupo e o necessário
nivelamento para a garantia da qualidade de um trabalho deste porte.
Entretanto, já nesta fase, foram sinalizadas as primeiras dificuldades
englobando questões de diferentes naturezas, como por exemplo, a
necessidade, tanto do grupo de docentes coordenadores, quanto dos
alunos, em conciliar horários para as reuniões de estudo e trabalho
de campo, em conjunto, além das atividades de acompanhamento
sistemático e avaliação do desenvolvimento deste último. A pouca ou
nenhuma experiência anterior, de alguns, com projetos desta natureza
acentuava, ainda mais, tal problema exigindo uma atenção permanente
da coordenação geral, tanto no que se refere à rotina adotada na pesquisa,
quanto aos primeiros resultados que começaram a ser produzidos.
Além disso, havia o fato de que, embora a maioria dos discentes
demonstrasse identificação com a proposta e interesse em participar,
ativamente, da mesma, o que de fato ocorreu, alguns sinalizavam estar
cumprindo uma exigência acadêmica, mantendo-se no campo durante
um período mínimo e de forma não contínua, o que exigia sua
substituição e novos treinamentos.
No âmbito da coordenação geral, as limitações também
aconteceram, fragilizando, em alguns momentos, a execução do processo
de acompanhamento e avaliação previstos. Na verdade, vivenciávamos
dificuldades que podem ser comuns na operacionalização de qualquer
pesquisa, mas que pareciam mais acentuadas, talvez, em decorrência de
se tratar de uma proposta interdisciplinar e interinstitucional. Cada passo
precisou, assim, ser acompanhado de forma atenta e cuidadosa, pela
coordenação geral e pelos assistentes sociais coordenadores de campo,
considerando, sobretudo, os critérios para definição das duplas de alunos
para a realização da pesquisa; as orientações contínuas sobre a coleta
dos dados quantitativos, processando-se as devidas revisões nos
formulários, quando necessário; e a análise preliminar dos registros
qualitativos no diário de campo, sinalizando-se as principais categorias
de interesse do projeto.
Não há como negar as inúmeras dificuldades vividas pela
equipe, quer no âmbito de sua organização e dinâmica interna, quer no
próprio campo, enfrentando-se problemas operacionais de diversas
ordens. Foram barreiras nem sempre fáceis de romper e outras que,
ainda, precisarão ser superadas, na continuidade do projeto.
Os primeiros resultados de nossa experiência nos deixam,
porém, uma certeza: uma proposta de trabalho interdisciplinar e
interinstitucional tem incontestável valor. Entretanto, é preciso assumila como uma prática dinâmica e processual, algo a ser exercitado
cotidianamente, analisando-se suas complexidades e possibilidades,
ultrapassando-se limites institucionais e pessoais, com persistência,
responsabilidade e compromisso efetivo de todos, não se perdendo de
vista que seu foco central encontra-se no território pesquisado, na
comunidade composta por sujeitos que lhe dão vida.
Destacamos como Saupe et, al. (2005, p.532 ) que “não
existem fundamentos prescritivos para a prática interdisciplinar; é na
vivência, nos acertos e erros e na identificação das dificuldades que
se constrói um cotidiano de equipe.” Para os autores, “a condição
primeira da prática interdisciplinar se encontra nas atitudes dos
membros da equipe”, uma vez que ela “encerra a competência-mãe,
nutridora, que oferece as condições dos desdobramentos das
habilidades e conhecimentos.” (Id.) Eles ainda esclarecem que o bloco
de categorias relacionadas com atitudes incluem: “respeito à disciplina
do outro, respeito ao outro, tolerância, aceitação de sugestões, respeito
às limitações, respeito às competências, comprometimento com o
sistema, ouvir, reflexão, humildade, mudança, respeito às diferenças,
ética, autoridade, empatia.” (Id.)
42
Concordando com tais indicações defendemos, assim, que
não basta nos identificarmos com os princípios de uma prática
interdisciplinar ou, apenas, defendermos sua lógica, seus objetivos
e vantagens. É preciso vivê-la a cada dia, como algo em construção,
com avanços e recuos. Neste sentido, temos a certeza, que o
exercício pretendido, através de nosso projeto, apenas começou.
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43
7
Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares
Verônica Gonçalves Azeredo1
1- O Lugar da Memória
“Todo lugar tem sua historicidade, seu significado e sua
memória”.
(DE PAULA; MARANDOLA JR, 2009,p.5)
O lugar como espaço da memória não se restringe a um
local. Seu significado é apreendido pelas experiências dos que o
habitam material e simbolicamente. Através destas experiências
são construídas as formas de sociabilidade, mediadas por
conflitos de valores em disputa. Portanto, a memória e a
historicidade são categorias chaves para identificar os itinerários
de sociabilidade e apreender os padrões de comportamento dos
sujeitos sociais, que se conhecem e mantêm relações de troca.
Do contato com o bairro e com as narrativas de seus
moradores (através da observação participante e de entrevista
com antigos moradores)2 , foi possível traçar o percurso que
configurou o lugar. Trata-se de deslocamentos que deu origem à
Cidade de Palha e que posteriormente, sob as terras loteadas de
Custódio, ao bairro-Custodópolis, situado no município de
Campos dos Goytacazes/ RJ.
Supostamente entre as décadas de 20 a 30 do século passado, o
espaço foi pouco a pouco sendo apropriado 3 . Um lugar,
inicialmente identificado como ponto de encontro de cortadores
de cana, que se reuniam à espera de caminhões que os levassem
para as lavouras das usinas canavieiras da região de campos dos
Goytacazes. Logo seu Policarpo e seu José trataram de montar
uma vendinha para atender aquela demanda. Mais tarde seu Zezé
colocou um açougue.
E assim, alguns trabalhadores, que moravam em áreas
afastadas ou aqueles, que não tendo onde morar, acomodaramse no entorno daquele lugar. “Pegavam um pedacinho e ficavam”
e construíram suas casas em meio ao improviso. Utilizavam barro,
bambu, folhas de palmeira ou sapé. “As casa tinham palha no
lugar de telha”. Vista do alto parecia uma “Cidade de Palha”.
“Puxando pela memória” foram desenhando o lugar que
existia “naqueles tempos”: “Cheguei a ver muito brejo, lagoa e
foi acabando com o canavial. O resto era tudo mato. Lá na
baixada era tudo água. Na Cidade de Palha era mais alto”.
Na narrativa de uma moradora de 83 anos, lembranças e
histórias: “Minha mãe me teve num barraco ali perto de onde hoje é
a delegacia. Tinha as casinhas de palha e uma vendinha”.
Sendo a memória parte do lugar e responsável pelo
armazenamento coletivo de determinados saberes, é ela que fornece
identidade ao local. (PAULA; MARANDOLA,2009,p.6). Nesse
sentido, as narrativas recuperam o tempo em que a Cidade de Palha
era “cercada por canaviais onde boa parte os moradores tiravam seu
sustento” (G.R.E.S. União da Esperança,2008).
Ao resgatarem a memória coletiva do lugar, os mais velhos
se deixaram levar por percursos individuais, familiares e
comunitários. Através de seus “mapas mentais afetivos”
(ECKERT,2002,p.8) destacaram os circuitos de pertencimento e as
mudanças na territorialidade do lugar:
“Quando vim era tudo mato. Esse
negócio de calçamento das ruas é coisa
nova, num tinha nem luz. Depois veio a
luz, a primeira casa que teve rádio foi a
de meu pai. Os vizinhos vinham todos
para ouvir as novelas, que naquele
tempo era pelo rádio”.
“As cercas (das casas) eram de
gaiolinhas (tipo de planta) [...] Não
existia móveis, as camas eram de pau”.
“Para ir à cidade, ia de pé, não tinha
ônibus. De noite só via grilo e a luz era
de lamparina”.
“[...] A maioria era fogão à lenha e a
gente tinha um à querosene. A gente era
muito conhecido, porque meu pai era
seu Vadinho do querosene –ele vendia
querosene. A luz só veio lá para 1960.”
Pessoa de referência do lugar, Custódio Siqueira, era um
médico de posses e prestígio. “Era dono de tudo”, proprietário de
terras na comunidade que resolveu transformá-las em lotes vendidos
“baratinho”, “com pagamento facilitado”.
“Era um homem muito bom. Ele andava
Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social/UFRJ, Assistente Social/UFF, Prof. Adjunta do Curso de Serviço Social- ESR/UFF e pesquisadora do
GRIPES.
2
Todas as observações e depoimentos de moradores que constam no corpo deste artigo, são produtos do trabalho da equipe de pesquisadores do GRIPES.
3
Parte deste artigo, referente a história do lugar, foi publicada originalmente na Revista CAMINHOS DE GEOGRAFIA, v.12,n.37, março de 2011.
1
44
sempre com Seu Alcebíades que era
pessoa de sua confiança. Ele era quem
media os terrenos e vendia. Dava assim
5 mil reis, 10 mil réis de entrada e ficava
pagando. Dr. Custódio era uma pessoa
muito simples. Ia na casa das pessoas,
tomava cafezinho. Se alguém falava pra
ele: esse mês não tive dinheiro pra dar
ao senhor, ele falava assim: fica quieto,
depois você me dá”. (GRIPES, 2008,
p.10)
Logo, as áreas loteadas ficaram conhecidas como “Terras
de Custódio”. Ligado à política, Dr. Custódio morreu na Praça de
São Salvador em cima de um coreto, discursando para ser prefeito.
”No seu enterro tinha muito pretinho, eram todos afilhados dele”
(GRIPES,208,p.10).4
Pouco a pouco a comunidade foi se alargando e as terras
que eram de Custódio, passaram a ser também de Hipólito Sardinha,
José Dias Nogueira, Sr. Nicodemos, Vicente, Zé Laurindo e tantos
outros, que ao se apropriarem do lugar, construíram um estilo de
vida que se tornou motivo de orgulho para antigos moradores.
Hipólito Sardinha era dono de uma padaria e do Cine Teatro
5
Primor, o primeiro de Guarus . Na lembrança dos mais velhos, “ele
queria alegrar o povo [...],trazia artistas,show de música e colaborava
com o teatro amador”. Já, José Dias Nogueira, conhecido como Zezé
Simão, foi homenageado tornando-se nome de rua. Lembrado por
suas características públicas e espírito de liderança, foi responsável
por “plantar as primeiras árvores da praça, organizar a comunidade
na luta pela água encanada, mobilizou ajuda às famílias atingidas
pela enchente de 1966”. E, 1962 foi candidato a vereador, mas não
conseguiu se eleger. E houve quem questionasse: “Afinal, como pode
um homem de tamanco ser eleito?”.
Dinâmico por natureza, foi também o fundador e técnico
do primeiro time de futebol local, batizado como Esporte Club Come
Gato, cuja origem do nome se justifica pelas comemorações, ao
final das partidas, onde bebiam e comiam “churrasco de gato” por
ele oferecido.
Tinha também o Senhor Nicodemos, graças a ele a alegria
da criançada estava garantida nos domingos, pois “muitos se
desdobravam pra ganhar umas moedinhas pra alugar suas bicicletas”.
Quando o assunto é diversão, logo veio à lembrança a figura
de Vicente, responsável pela Quadrilha Caipira e Zé Laurindo, pela
Folia de Reis. Não faltava também fado, jongo e capoeira. Tinha
circo, tourada e gente de longe para assistir. “nas touradas as pessoas
colocavam cadeiras em volta, às vezes o touro escapulia e era aquela
confusão”. As pessoas procuravam sempre um jeito de se divertir,
seja “nos bailes nas casas, nos matinês da pracinha e do cinema ou
no concurso de rainha do Grêmio”. Além é claro, da festa da
padroeira Nossa Senhora da Conceição. Festa mais esperada do ano,
4
5
cujos festejos anunciados com fogos, duravam uma semana. Uma
programação que incluía jongo, corrida rústica, cavalhada e muitas
barraquinhas.
A rua da raia, atualmente batizada como Poeta Marinho, era o
cenário das famosas corridas de cavalo. Entretenimento era o que não
faltava, tudo se transformava em motivo para diversão, era comum a
vizinhança se reunir nas noites de lua e as crianças brincarem na rua.
“Não tinha luz e nem medo, porque não tinha perigo”. “Cada um puxava
sua luz da pracinha (...) depois vieram os postes de madeira”.
Na memória dos antigos moradores, a pobreza não impedia de
fazer desse local, um lugar alegre e movimentado.
Da Cidade de Palha, as Terras de Custódio deram origem ao
bairro mais antigo de Guarus: Custodópolis. O nome não poderia ser
outro, uma homenagem ao Dr. Custódio Siqueira, dono das terras
loteadas.
A Praça José Dias é referencia local. No seu entorno, numa
mistura de comércios e serviços, Custodópolis se desenha. Com um
“comércio forte”, os moradores garantem que “a pessoa sai a qualquer
hora e encontra o que quiser”. Tem “supermercado, farmácias, açougues,
bares, sorveterias, Lan Hause, hortifruti, depósito de bebidas, lojas de
fotos, roupas, brinquedos, artigos para o lar, material elétrico e ferragens,
locadora de DVDs, posto de combustível, consultório odontológico,
brechó de roupas usadas, sapateiro...” (GRIPES,2008,p.37)
No entanto, o cartão postal da praça é a igreja de Nossa Senhora
da Conceição, que juntamente com a Igreja Batista, localizada em rua
paralela, são as referências religiosas mais antigas. Mas a vida religiosa
do bairro é intensa, há também o Grupo Espírita, a Igreja da Renovação,
a Comunidade do Amor de Deus, Assembléia de Deus. Destas expressões
religiosas, a Igreja Batista se destaca por sua “prática de distribuição de
alimentos, remédios, passagens e pequenas reformas nas casas dos mais
carentes” (ibidem,2008,p.44).
Na memória dos católicos, a nostalgia dos festejos de São Jorge
e da padroeira Nossa Senhora da Conceição. Uma festa que durava uma
semana e movimentava a comunidade com “muitas barraquinhas, jongo,
corridas rústicas, cavalhada, parque”. Havia uma combinação entre
entretenimento e celebração com as novenas e procissão. “Hoje só tem
procissão. Passa pelas ruas aquela filhinha curta, fraca”, porque o padre
diz que “não pode fazer festa profana”. Valores e tradição se defrontam
com um tempo em que festa na rua deve ser evitada por causa da
violência. “É muita bebedeira e muita droga”. (ibidem,2008,p.5)
A saudade de antigos moradores identificados como “pessoas
boas que traziam alegria para o povo daquele lugar”, alimenta o
imaginário e se expressa na narrativa dos que contam sobre um tempo
que se tornou enredo: “Os amigos ilustres da verde e rosa e a Cidade de
Palha no Jubileu de Ouro”, no carnaval de 2008 do G.R.E.S. União da
Esperança (fundada em 1958). Através da “escola de samba”, uma das
principais referências do bairro, Custodópolis é contada e cantada:
“Com o progresso, os canaviais foram dando
lugar ao bairro e com ele a Cidade de Palha
Sobre a morte de Custódio Siqueira ver referência contida no livro Campos depois do Centenário, de autoria de Waldir P. de Carvalho .
GUARUS é o 1 distrito da Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ e anteriormente era conhecido como Guarulhos (origem indígena).
45
passou a se chamar Custodópolis. Terra
do futebol, carnaval, Cine Teatro Primor,
o primeiro cinema de Guarus [...] A
quadrilha caipira do Vicente, a folia de
reis do Zé Laurindo, o time Come Gato
que tinha como líder e técnico José Dias
Nogueira. O fado, o jongo, a capoeira”.
Sempre fazendo referência ao jongo, os antigos moradores,
não destacaram a figura da mais famosa jongueira: Maria Anita, cujo
terreiro se localizava em Custodópolis. “Primeira mulher, carroceira,
a andar com roupas masculinas em seu trabalho de frete. Marcou
enquanto viveu, em caráter festivo, a tradição trazida pelos escravos
de Angola e Moçambique. Nos anos 70 do século passado, foi campeã
no festival de folclore promovido pelo SESC/Campos, tornando-se
notícia nos meios de comunicação local como preciosa referência às
manifestações da cultura de raiz (SOARES, 2004,p.101).
“O jongo verdadeiro, baseia-se no
tambor de Maria Anita até altas
madrugadas. Era todo recheado de
desafios e revanches [...]. As cantigas
são melodias simples, despojadas,
curtas e repetidas, passadas por
tradição oral, contendo versos
característicos de antigas estórias”.
(FOLHA DA MANHÃ apud Soares,
2004,p.100/101)
Citada por Osório Peixoto Silva em seu artigo “Terreiro
que Canta galo não pode cantar galinha”, no jornal A Notícia, de 27
de junho de 1976 -Tia Maria Anita como assim era chamada, era,“
uma mulata pesadona, cheia de simpatia e jongueira desde o
batismo”. Em seu texto, descreve a fala dessa mulher ”batedora de
jongo”, numa referencia ao seu terreiro:
“ Todos que vadiam aqui são
trabalhadores. Não temos nenhum
encostado e malandro. É tudo
cortador de cana, homens e
mulheres. O jongo é nossa única
vadiação. Quando chega sábado, lá
pra `as 10 horas da noite, a gente
bate os tambores, chamando a turma.
Eles chegam de mansinho, e em
pouco a brincadeira está formada.
Dentro do maior respeito[...] Meus
brancos que quiserem brincar podem
chegar. È só respeitar nossa
brincadeira, não tocar nas nossas
filhas e não puxar briga. O resto é
jongo puro. E duvido que alguém
fique por mais de meia hora sem cair na
brincadeira, porque jongo é pegador”.
Com seu falecimento, “sua filha Maria Creuza, apelidada
Mariinha, cortadora de cana e mãe de 12 filhos sustentou por algum
tempo a tradição da mãe”. Ao falecer, os registros históricos, recortes
de jornais, fotografias, troféus e instrumentos tiveram destino ignorado.
Somente os que viveram e ouviram as estórias podem contar o tempo
em que se valorizava a raça e a intenção de preservar a memória dos
antepassados, naquilo que o jongo evocava. (SOARES, 2004, p.102)
O bairro tem sua trajetória marcada por uma vitalidade cultural
que vem do terreiro de jongo, das procissões e quadrilhas, dos shows e
comícios e de estórias como a do “homem de capa preta”, figura estranha
que era vista circulando no local.
Entre os mitos que alimentavam o imaginário local, a “mula sem
cabeça” foi lembrada: “Era uma espécie de mula que no lugar da cabeça
tinha uma labareda, gerando medo entre os moradores e impedindo que
saíssem de suas casas depois das 18 horas. Ela aparecia nas noites de lua
cheia e um sino anunciava a sua chegada” (GRIPES, 2008, p.14).
Curiosa foi a lembrança de um morador sobre o “ônibus de luz
vermelha”. Ele garantiu que um parente próximo tinha sido uma de suas
vítimas. “O ônibus vinha do bairro de Santa Rosa e o motorista era
falecido, por isso, todos os passageiros que conduzia eram levados para
o cemitério” (ibidem,p,14).
Entre mito e realidade, o cotidiano de Custodópolis foi
desenhado a trajetória de um bairro conhecido e reconhecido como “um
lugar de tradição”. Suas histórias sempre foram matéria-prima para os
enredos do G.R.E.S.. União da Esperança que há 52 anos é presença na
comunidade. Muito freqüentado por antigos moradores, seus ensaios
animavam os meses que antecediam o carnaval.
Um dos motivos de orgulho do bairro, também cantado pela
União da Esperança, é o futebol. De time Come Gato, tornou-se Grêmio
em 1974. Legalizado, participa da liga Campista de Desportos e desde
então, promove regularmente jogos e tem uma escolinha de futebol que
atende a crianças do local.
No campo da atuação comunitária, a Associação de moradores,
tem registro garantido na memória do bairro. As décadas de 1960 e
1970 foi um período fértil de envolvimento comunitário, em busca de
melhorias para o local.
O bairro era atingido, periodicamente, por enchentes. Isso
agravava a situação sanitária, dada a proximidade entre as fossas
rudimentares e os poços de onde retiravam a água para o consumo.
(Carneiro et.al.1968, p.8). Essa realidade associada à ausência de
abastecimento de água levou lideranças do bairro a se articularem a
representantes de entidades assistenciais, algumas faculdades da cidade
e políticos do município.
Alguns moradores de Custodópolis tinham acesso aos dirigentes
de entidades assistenciais e políticos da região. Dentre os moradores,
havia os que se ocupavam da condição de “cabos eleitorais”. Ligados
por interesses diversos, mas voltados para a melhoria da comunidade,
os moradores passaram a se reunir em encontros semanais, no Cine Teatro
Primor. Em uma dessas reuniões regadas a palestras, abaixo-assinado e
46
lanche, sempre oferecido pelo Sr. Hipólito Sardinha que cedia a local
e era dono de padaria, foi travada a luta por uma caixa d’ água.
Conseguiram inicialmente a construção de alguns poços artesianos,
mas “logo depois, chegou a CEDAE”. (GRIPES, 2008, p.15)
Reconhecidamente carente e com demandas variadas, a
comunidade em 1965 passa a contar com o apoio da Associação
Monsenhor Severino, que por sua vez convida Nilza Simão
(responsável pela Escola de Serviço Social) para coordenar o trabalho
na comunidade. Dessa parceria, formou-se um “núcleo básico”
(estratégia de fortalecimento de organização comunitária), que
contou com o engajamento de acadêmicos de Serviço Social. Dentre
as ações, em 1966 iniciou-se a construção de uma sede para o Centro
Social, nesse período, novas parcerias foram formadas com a adesão
da Faculdade de Medicina de Campos, Faculdade de Odontologia e
de Direito (Peçanha,1976)
A pobreza, em suas múltiplas faces, desenhava um quadro
de problemas e necessidades que tinha urgência para ser enfrentado.
Mas, para eleger as ações prioritárias, identificou-se a importância
de realização de um Estudo Sócio-Econômico da Comunidade6 que
permitisse uma maior aproximação com a realidade local. Realizado
por acadêmicos de serviço social e com a colaboração de lideranças
do bairro, o estudo apontou para a existência de uma população
estimada em torno de 4.000 pessoas, sendo a maioria da raça
negra7 (Carneiro et. al,1968).
Os homens, em sua maioria eram cortadores de cana ou
trabalhadores nas lavouras das usinas da região. Mas havia também
os que se ocupavam das funções de pedreiro, carroceiro, padeiros,
barbeiros, sapateiros, pintores, eletricistas, pescadores e mecânicos.
Atuando como empregadas domésticas, cozinheiras e lavadeiras nas
residências da cidade, as mulheres dividiam seu tempo entre os
cuidados de sua família e de sua casa. Numa época em que se
começava a trabalhar desde a infância, as crianças praticavam o
comércio ambulante (GRIPES, 2008, p.18).
A realidade do desemprego, a ausência de qualificação
profissional, rendimentos instáveis relacionados a trabalhos
temporários, compunham o perfil sócio-econômico da comunidade.
A falta de escolas era uma queixa e uma ameaça ao futuro das crianças
que ali viviam.
As condições de saúde refletiam a precariedade das
condições de vida, tendo destaque os problemas de verminose
e desnutrição.
As moradias eram o retrato da precariedade do modo de
vida e trabalho de seus moradores, sendo comum o aluguel de quartos
em casas que eram divididas em cômodos. O Diagnóstico apontou
que 40% das habitações eram de “tipo barracões”, 52% de adobe ou
taipa e 97% não possuíam instalações sanitárias (Carneiro et.al.1968,
p.8).
O entorno residencial era composto por um cenário
insalubre de esgoto a céu aberto agravado pela constância das
enchentes, lixos nas ruas e pela falta de cuidados de higiene.
Os recursos que Custodópolis já dispunha neste período, eram:
padaria, armazém de secos e molhados, barbearia, farmácia, açougue,
fábrica de goiabada e sandália (id.). A praça ganhou calçamento e um
abrigo para passageiros. E os serviços de um Posto Telefônico e da
Agência de Correios e Telégrafos, eram as mais recentes aquisições
(Barros,1966,p.31).
Uma das preocupações dos moradores e motivo de queixas era
a falta de policiamento. (Carneiro op.cit.p.24)
Com base nos dados desse Diagnóstico e das demandas
apresentadas nas reuniões comunitárias, foram estruturadas algumas
frentes de trabalho nas áreas da saúde, educação, orientação jurídica,
trabalho e renda. Cada profissional responsável por uma dessas áreas
era acompanhado por um “morador líder”, que realizava um trabalho
voluntário.
Do contato com a comunidade foi possível identificar um
número significativo de costureiras no bairro. Isso motivou a implantação
de um grupo de corte costura e gerou cursos de bordado, tapeçaria,
tricô, crochê e pintura. O artesanato se desenvolveu expandindo-se para
atividades em cerâmica, confecção de flores, tapetes, colchas, almofadas.
Em 1965, o grupo organizou um bazar, cuja renda foi investida na
aquisição de novos materiais. Essa iniciativa também deu origem ao
Club de Mães, que se reunia em torno de comemorações de datas festivas
e de temas como: “vida familiar, hábitos de higiene, verminose, aborto
apresentados em forma de palestras” (GRIPES, 2008,p.18).
Outras iniciativas, como alfabetização de adultos e orientação
jurídica, sobretudo quanto a encaminhamentos de documentos pessoais,
somavam-se ao atendimento ambulatorial. Este se defrontava com a
impossibilidade das famílias de adquirir a medicação, devido à baixa
ou inexistência de rendimento mensal. Essa situação levou a comunidade
a organizar “shows às segundas-feiras no Cine Teatro Primor, cuja renda
era revertida no aviamento de receitas médicas” (Carneiro, óp.cit.p.24)
No início da década de 1970 o Centro Comunitário se
transformou em Centro Social Universitário –CSU,passando a contar
com assessoria da Fundação MUDES8 e de instituições como a LBA e
Fundação Leão XIII.
O trabalho de organização comunitária em Custodópolis teve
dois momentos: antes e depois do MUDES. Essa foi à opinião de uma
Assistente Social que participou do trabalho desde o início: “Tudo passou
a ser remunerado [...]. Foi a desgraça do trabalho. Entrou dinheiro, a
comunidade se afastou” (GRIPES,2008,p.21).
O trabalho voluntário cede lugar ao remunerado e o
atendimento, antes gratuito passou a custar (dois cruzeiros). Este era o
valor fixado da mensalidade para terem acesso aos serviços prestados.
A partir de então o envolvimento da população com o CSU limitava-se
ao atendimento do problema apresentado.
Essa trajetória, expressa no depoimento de alguns entrevistados,
apontou para o fato de que aos poucos as parcerias que mantinham o
funcionamento do CSU foram rompidas, ficando limitado a ações no
6
A organização desse estudo contou com a participação de lideranças comunitárias e seu conteúdo foi abordado em vários Trabalhos de Conclusão de Curso da época. Ver,
por exemplo Barros(1996), Carneiro, Peixoto, Reis e Cordeiro (1968), Cordeiro (1969), Santos (1971) e Viana (1976).
7
Sobre esse assunto, Soares refere-se a “Custodópolis com o lugar de maior concentração de negros do município de Campos dos Goytacazes”. (Soares,2004,p.100)
8
MUDES- Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social.
47
campo da saúde. Não foi possível precisar por quanto tempo o CSU
contou com a assessoria da Fundação MUDES.
Em 1999 o CSU é reestruturado e batizado como CSECCentro de Saúde Escola de Custodópolis, funcionando como uma
Unidade de Atenção Básica de Saúde, uma parceria entre a Faculdade
de Medicina de Campos e o Poder Público Municipal.
Atualmente, construiu novas parcerias com instituições de
Ensino Superior na Região tornando-se um ambiente privilegiado
para o processo de ensino-aprendizagem de diferentes profissionais
de saúde.
O CSEC funciona de segunda a sexta feira, das 7 às 18
horas e seu atendimento abrange outros bairros de Guarus. As
consultas são agendadas para evitar filas e as especialidades mais
procuradas são: Clínica médica, pediatria, cardiologia e ginecologia.
Dos atendimentos prestados destacam-se os casos de escabiose,
hipertensão, diabetes, vacina em atraso, crianças de baixo peso,
gravidez na adolescência, curativos (por motivos de acidente de moto,
brigas, facadas), dependência química, ansiedade e abuso sexual
(gerando quadros que são assistidos no grupo de saúde mental).
(GRIPES, 2008,p.27)
Em funcionamento, o Grupo de Idosos, é o projeto com
mais participantes, podendo ser considerado um dos núcleos de maior
sociabilidade na comunidade, além dos grupos religiosos.
Entre elogios e queixas, o CSEC é uma referência para a
comunidade, Mas há quem diga que não vai a médico e “só toma
remédio de mato” (ibidem,p.55). Contudo, essa não é a opinião da
maioria, que assim como nos tempos do antigo Centro Comunitário
e do CSU, continuam tendo como principal dificuldade a aquisição
dos medicamentos, dada a precariedade da situação sócio-econômica
e da falta de compromisso da Secretaria de Saúde do município no
repasse da medicação.
Como todo bairro, Custodópolis não é apenas um espaço
geográfico. Para os antigos moradores, herdeiros das lembranças e/
ou nostálgicos das vivências do passado, é um lugar rico em histórias
e significados, habitado também pela memória.
Crenças e valores moldaram um estilo de vida dos que lá
chegaram e viveram. Enraizados sentiam-se motivados a participarem
da vida do lugar, confiantes de que as lideranças locais eram “pessoas
boas” que buscavam melhorias para a comunidade. Mas aos poucos
isso foi se perdendo, porque “os troncos foram morrendo. Não tem
ninguém para continuar” (ibidem,p.14).
CARNEIRO, Hilaine Gonçalves; CORDEIRO,Regina
Sobrosa;PEIXOTO, Irene; REIS, Celma Pessanha dos.
“Custodópolis e a implantação dos processos”. Campos dos
Goytacazes, 1968. Trabalho de Finalização de Curso (Graduação em
Serviço Social)- Escola de Serviço Social, Universidade Federal
Fluminense, 1968.
CARVALHO, W. P. Campos depois do centenário. Campos:
Damadá Artes Gráficas e Editora,1991.
DE PAULA, Luiz Tiago; MARANDOLA JR, Eduardo. Memória e
Experiência no Estudo da Vulnerabilidade do Lugar. Em HTTP://
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21/07/2010.
ECKERT, Cornélia. A Cultura do Medo e as Tensões do Viver a
Cidade: Narrativa e Trajetória de Velhos Moradores de Porto
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Efeitos Visuais. NUPECS/PPGAS/IFCH e ILEA/
UFRGS,v.3,n.6,2002.
GRIPES. CIDADE DE PALHA. Diagnóstico Preliminar. Campos
dos Goytacazes, julho de 2008, mimeo, 68 páginas.
PEÇANHA, Márcia Elizabeth Oliveira. O Serviço Social como fator
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SILVA, Osório Peixoto. “Terreiro que canta galo, não pode cantar
galinha”. A NOTÍCIA. Campos dos Goytacazes, 27 de junho, 1976.
SOARES, Orávio de Campo. Muata Calombo: Consciência
e destruição- O olhar da imprensa sobre a cultura popular da região
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Editora Fafic,2004.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Maria Tereza Aguiar Ribeiro. A comunidade de
Custodópolis se organiza através do Serviço Social. Campos
dos Goytacazes, 1966. Trabalho de Finalização de Curso
(Graduação em Serviço Social)- Escola de Serviço Social,
Universidade Federal Fluminense, 1966.
48
8
O Lugar: entre lembranças do passado e vivências do presente1 .
Verônica Gonçalves Azeredo2
“O homem, mesmo
entrincheirado em seus lugares, se dá a conhecer”.
(Hannah Arendt,1987,p.212)
Custodópolis fincou raízes sob territorialidade rural e neste
“lugar” construiu estilos de vida sob os quais produziu valores e
crenças que desenharam os traços originários de sua identidade.
Para resgatar o “fio da meada” da identidade, a memória é
fundamental, enquanto elemento constituinte do sentimento,
individual e/ou coletivo, na medida em que a identidade se constrói
em referência aos “outros”.
Assim, a memória implica experiências geográficas do
espaço mais imediato. Nesse sentido, o lugar é “carregado de
significados, incorpora diferentes escalas espaciais e relações sociais:
diz respeito à casa, à rua, ao bairro, à cidade, à família e às relações
de amizade” (DE PAULA; MARANDOLA JR, 2009, p.4)
Como espaço da memória, o lugar, não se restringe a um
local. Seu significado é apreendido pelas experiências dos que o
habitam, material e simbolicamente. Através dessas experiências
são construídas as formas de sociabilidade, mediadas por conflitos
de valores em disputa. É no terreno dessa discussão, que Michael
Pollak afirma ser a identidade “referenciada por critérios de
aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se produz
por meio da negociação direta com os outros” (POLLAK,1992,p.5).
Nessa relação intersubjetiva, os indivíduos vão
construindo sua familiaridade e seus estranhamentos com o lugar,
criando ritmos próprios a partir de um dado território. No campo
da geografia, o aporte fenomenológico, vem permitindo avanços
no resgate da categoria “lugar”, oferecendo subsídios parra a
compreensão da interseção entre indivíduo-território-lugar
(HOLZER, 1997)3
Tão caro a Geografia, o conceito de território vem sendo
re-significado. A velha questão entre a relação do espaço (geografia)
e das pessoas (demografia) vem sendo equacionada partindo do
pressuposto de que se trata de uma via de mão dupla: assim como
os “lugares mudam as pessoas, as pessoas mudam os lugares”
(MARANDOLA JR,2006). Na visão de Rogério Haesbaert, a
utilização da categoria território permite “priorizar a dimensão
simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo,
como produto da apropriação e valorização simbólica de um grupo
em relação ao seu espaço vivido” (HAESBAERT,2006,p.40)
Sob o enfoque da dimensão vivida, a Geografia tem
dedicado ao território, reflexões, como a de Claude Raffestin, um
dos primeiros a abordar a diferenciação entre as categorias Espaço e
Território, ao afirmar que o espaço é um substrato preexistente ao
território. Essa noção permite ampliar a compreensão das formas de
poder e, portanto, das formas de territorialização (RAFFESSTIN
apud SAQUET,2007,p.2). Na visão de Robert Sack “o espaço e o
território não estão separados, um está no outro. O espaço é
indispensável para a apropriação e produção do território”. Também
contribui ao considerar que territorializar é controlar e/ou restringir
acessos e ações (SACK apud SAQUET, 2007,83).
Para Bonnnemaison (2002, p.126), “enquanto o espaço
tende a homogeneidade, o território indica as idéias de
heterogeneidade, de etnia e de identidade cultural”. Essas concepções
se assentam nos estudos voltados à Geografia Humanista e Cultural,
cujas matrizes permitem a compreensão de dinâmicas que humanizam
o espaço (CLAVAL,1999;MACHADO,1997).
Diferentes são as leituras acerca da categoria território. No
entanto, o que está na base teórico-metodológica destes estudos e,
sugerido em suas diversas denominações, é a vivência dos indivíduos,
as noções de apropriação simbólica, representação social,
subjetividade e vínculo.
O que funda estes territórios é a interação
diária entre as pessoas e das relações
destas com o espaço; e deste ponto deriva
a relevância da subjetividade, da
intersubjetividade, do conhecimento
experimental e intuitivo dos indivíduos
que passam a ser meios de compreensão
destes territórios. Cabe denominar esse
fenômeno como território vivido, pois é
a vivência que matricía estes territórios
(PAULA, 2009,p12).
Parte deste artigo foi publicado originalmente na Revista CAMINHOS DE GEOGRAFIA, v.12, n. 37, março de 2011
Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social/UFRJ, Assistente Social/UFF, Prof.Adjunta do Curso de Serviço Social-ESR/UFF e pesquisadora do
GRIPES.
3
Sobre esse assunto consultar: HOLZER, Werther. Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar, território e meio ambiente. Território, Rio de
Janeiro, ano II, n.3, jul./dez.1997.
1
2
49
Sob essa perspectiva, ao reconstruir os fatos do passado
de Custodópolis, o que se pretende é “entender como as experiências
espaciais se revelam a partir da memória, dos vestígios, em que
palpita o mundo vivido” (HOLZER,2005,p.25). Portanto, a memória
e historicidade são categorias chaves para identificar os itinerários
de sociabilidade e apreender os padrões de comportamento dos
sujeitos sociais, que se conhecem e mantém relações de troca. Tais
relações não são necessariamente lineares, estabelecida entre
“iguais” e compartilhadas sobre os mesmos códigos, como na
memória dos antigos moradores, herdeiros das lembranças e/ou
nostálgicos das vivências da Cidade de Palha e das Terras de
Custódio.
Ao resgatarem a memória coletiva de Custodópolis, os
antigos moradores referem-se ao presente com um sentimento de
esvaziamento dos sentidos coletivos e ao buscarem um lugar ao
qual pertencer, encontram dificuldades de orientarem-se, nos dias
de hoje, por estarem presos às ações e às emoções enraizadas em
experiências passadas. Na atualidade, o que vivenciam são os efeitos
“da personalidade individualista que desintegra as relações,
fragmenta os sentidos, impondo aos sujeitos uma ideologia da
intimidade” (SENNET,1988,p.22).
Custodópolis reflete a degradação de valores (ritualizados
em códigos de conduta) e a decadência das experiências públicas.
De um lugar de “tradição”, representado por sua singularidade,
tornou-se, com o movimento de acomodação da cidade, mais uma
periferia e apesar da distinção com relação a outros lugares,
incorpora as características definidoras da construção social desses
espaços.
Do passado, reminiscências remetem a um conjunto de
situações sócio-espaciais de convivência, onde foi possível
experimentar sentimentos de segurança, confiança, gratidão,
partilhar valores, entretenimentos e contentamentos. Um sentimento
de ser cuidado, porque “havia muitas pessoas boas que traziam
alegria para o povo”, numa referência ao espírito de liderança de
antigos moradores que se preocupavam com o lugar.
O fato é que, em toda forma de convívio, há partilha e
disputa, essa é a base da convivência social e das relações de poder.
Para Arendt, “o poder passa a existir entre os homens quando agem
juntos, e desaparece no instante em que eles se dispersam”
(1987,p.212).
Nesse sentido, a referida autora, aponta para o modo como
é aflorada a condição humana da pluralidade, moldada sob a lógica
do poder. Essa é a base da tensão que alimenta a vida e as relações
comunitárias.
Em os estabelecidos e os Outsiders, Elias e Scotson (2000)
mostram uma comunidade dividida. De um lado antigos moradores
e do outro, os que chegaram depois, considerados estrangeiros e
que não partilhavam os valores e os modos de vida vigentes.
Segregados, os estrangeiros experimentaram uma rejeição que
atravessou gerações, preservada e alimentada por “fofocas”. Para
os estabelecidos (que se julgavam responsáveis pela socialização
das regras de normalidade) essa foi a estratégia adotada.
Apesar das diferenças, com relação às formas de
socialização em Custodópolis, esta elucidação aponta para o fato de
que padrões de conduta são construções sociais, podendo produzir
comportamentos normalizantes os desviantes. Para Becker (2008) as
práticas desviantes também têm suas próprias regras e seus conceitos
de normalidade. O comportamento desviante faz parte de um sistema
de relações e interações constitutivo da dinâmica social de determinado
lugar.
No caso de Custodópolis, essa é uma evidência que se expressa,
por exemplo, na possibilidade ou não de frequentar os ensaios da Escola
de Samba União da Esperança, que na ocasião do Inquérito, era dirigida
por uma mulher, que afirmava ser “difícil estar à frente de uma escola
de samba, pois existe preconceito dos homens e inveja das mulheres”.
Na memória dos antigos moradores, a saudade de um tempo de interações
em que os ensaios eram programa de família. “Antes era só família, a
diretoria saía pra pegar as moças em casa e depois ia levar”. A que tipo
de família se refere? Quem frequenta a quadra hoje em dia? Para além
das mudanças na constituição familiar, o que se coloca frente à
diversidade dos estilos de vida, é o processo de segregação e autosegregação, motivado por valores disputados.
Simmel ao referir-se a noção de sociação, revela que são os
“interesses e necessidades específicas que fazem com que os homens se
unam em associações econômicas, em irmandade de sangue, em
sociedades religiosas, em quadrilhas de bandidos (...). Os sociados
sentem que a formação de uma sociedade como tal é um valor, são
impelidos para essa forma de existência (...). É através da forma que
constituem uma unidade. (Simmel,1983,p.168/169)
Em seus processos de interações sociais, os moradores se
referem a um local condutor de atos de sociação – a praça. Lembram
que era um lugar “ajeitadinho, com banco de alvenaria e ponto de ônibus
com tapagem de telha colonial e uma caixa d´água” (GRIPES,2008,p49).
A praça sempre foi palco de reivindicações. No passado com a luta pela
água e recentemente com a manifestação em favor do término de uma
reforma que tinha como prazo 120 dias para sua conclusão e que acabou
se estendendo em torno de aproximadamente dois anos.
Com isso, a praça tornou-se assunto em jornal da cidade em
março de 2008. No novo desenho da praça, os quiosques ganham
destaque, tornando-se motivo de insatisfação de muitos moradores, que
acreditam que o local deveria ser um espaço “com brinquedos para as
crianças e não, de bares”. Há relatos de que alguns moradores lutaram
para não ter quiosques, mas não foram atendidos.
Não mais representado como lócus de fortalecimento das
relações de vizinhança, como no passado – um lugar para “tomar fresca
e jogar conversa fora”. Hoje, sobretudo à noite, a praça é apontada como
lugar de drogadição, intensificando estranhamentos e distanciamentos
entre aqueles que não partilham deste modo de viver e conviver. Essas
pessoas evitam circular no local em determinados horários, “ameaçadas
pelo medo e pelo perigo. No entanto, a realidade tem mostrado que
apesar das evidências materiais e simbólicas, o medo nem sempre se
alimenta de fatos concretos.
O sentimento do perigo constante, da violência praticada, do
risco que podem ser vítimas, são fatos difíceis de mensurar. A construção
social do medo e a “estética do medo” (ECKERT, 2002), tão bem
representada por cercas de todas as ordens, confirmam o sentimento de
50
insegurança. A fronteira entre legalidade e ilegalidade existe e está
bem demarcada, e os moradores aprendem a lidar com ambos os
lados. Para Telles e Hirata (2007, p.25), é uma questão de “sobreviver
na adversidade, (...) saber transitar entre fronteiras diversas, se deter
quando é preciso, avançar quando é possível, fazer bom uso da
palavra certa no momento certo, se calar quando é o caso”.
Mito ou realidade, o fato é que o medo alimenta-se de
determinadas condições, como no episódio da morte em frente à
delegacia do bairro, demonstrando a impotência dos policiais,
conforme relato de um morador. Além da violência escancarada, tal
circunstância aponta para a falta de qualidade dos serviços prestados.
A delegacia se ocupa de registrar e investigar alguma ocorrência,
mas não atende a nenhum chamado ou denúncia:
“Tem uma delegacia logo ali, mas só
atende quem chega”.
“Eles só chegam na gente quando você
diz que vai matar”.
Os comerciantes do local também manifestaram seu
descrédito com relação à polícia. Os assaltos que sofrem não são
mais registrados, sob a justificativa de “que não resolve”. Lembram
do tempo em que foi mantido um policiamento regular na praça e
isso impunha respeito.
Frente à realidade da violência e o descaso com suas
práticas, os moradores acabam adotando uma atitude blasé4 , na
medida em que a insegurança e incerteza, “dilapida os laços de
lealdade, confiança, comprometimento, integridade e ajuda mútua,
em outras palavras “corrói o caráter’” (FRIDMAN, 2007, p.22).
O lugar onde se vive, facilita ou não o acesso a serviços
como segurança, saúde, educação, entre outros, que se, de baixa
qualidade ou inexistente, produz uma dinâmica que condiciona
situações de vulnerabilidade e segregação. Ligados, esses conceitos
permitem analisar o efeito do lugar sobre o comportamento das
pessoas ou vice-versa.
O estudo de Galster e Killen (1995) contribui nesse sentido
ao apontar para a existência da “geografia de oportunidades”, cujo
enfoque é a distribuição de serviços num dado espaço e a qualidade
dos mesmos, o que acaba por incidir em comportamentos variados
que ampliam ou reduzem as condições vulneráveis das pessoas e do
lugar.
Nesse sentido, os jovens tem sido motivo de preocupação,
conforme depoimento em entrevista: “o bairro não oferece nada para
os jovens. Ou ele se converte na igreja e participa de suas atividades
ou não tem nada para fazer”. (GRIPES, 2008, p.49)
Esperam a chegada do sábado, para transformarem a
avenida principal do bairro numa pista com “pegas” de motos e
freqüentarem “um tal de baile funk que está acabando com a
juventude”, promovido pelo “Club di Roma”. Moradores registraram
que nestas ocasiões sempre ocorrem brincas e já teve até mortes.
Por essa razão, há períodos em que os bailes deixam de acontecer. Mas
na opinião dos entrevistados, não são os moradores de Custodópolis
que promovem essa desordem (chegando a praticarem assaltos nos
estabelecimentos comerciais), “são pessoas de outros bairros e do Rio
de Janeiro”. Demonstram que não gostam de abordar esse assunto. De
um lado, por medo e do outro, pela necessidade de preservar a imagem
do bairro.
Entretanto, há aqueles que identificam as fronteiras entre a
legalidade e ilegalidade no cotidiano da comunidade.
“Aqui a baixada é de X e o Beco é de Y e já
ouvi dizer, que aqui tem a boca com o
melhor pó de Campos. Dia e noite tem gente
chegando pra comprar droga. Onde nem
imagina, tem ponto de droga”
“Os problemas acontecem quando as duas
facções estão em briga. Eles dividem os
espaços de cada um. Você pode ver os
muros que são pichados, dizendo de quem
é aquele pedaço. Tem até as áreas onde eles
podem circular. Um não pode entrar na área
que o outro comanda. E isso não é só aqui
dentro do bairro. Por exemplo, se o Parque
Prazeres for de um lado, o outro não pode
entrar. Agora está calmo porque os grupos
se aliaram”.
Mapeado por zonas de tensão, o cotidiano da comunidade se
expressa em relatos (GRIPES, 2008, p.50):
“Época boa era quando eu era jovem. Hoje
não tem tranquilidade”
“Aqui era tranquilo. Agora sai, é assalto,
ouve tiros”
“Tenho vontade de sair do bairro por
causa da violência”.
“A gente fica ali na igreja correndo o risco
[...] Domingo até mataram um no bar do
outro lado”.
“Aqui estão assaltando até de dia”
A maior preocupação é com os filhos e netos.
“Tem criança de 10 anos vendendo droga,
com arma na cintura”. “Hoje morre uma
criança e amanhã já tem outro no lugar”.
4
Atitude Blasé: é uma atitude de reserva e distanciamento frente aos acontecimentos quotidianos. Uma espécie de anestesia e que para SIMMEL, trata-se da “incapacidade de
reação a novos estímulos com energias adequadas (...) A essência da atitude blasé encontra-se na indiferença perante as distinções entre as coisas (...) não são percepcionadas
como significantes”. (VELHO apud SIMMEL, 1987,35)
51
“Quando o meu filho era
pequeno as crianças dos vizinhos
brincavam com ele lá em casa. Hoje
ele está com 16 anos e não tem quase
ninguém vivo daquela época”. Para
os mais antigos, a violência instalada
tornou-se uma realidade difícil de
conviver: “Há 60 anos tinha um
crime, chocava. Hoje estão matando
como matam mosquito. È muito
crime e 90% é droga. Na minha rua
tem um ponto. O pessoal desce tudo
para comprar”. (GRIPES, 2008,p. 51)
Inseguro e desprotegido é o cotidiano desses moradores.
São homens que enfrentam a realidade do desemprego, do trabalho
desprotegido e de pouca remuneração, de expedientes de
sobrevivência e práticas ilícitas. É por essa via transversal que o
tráfico de drogas aparece como alternativa para alguns. Para Telles
e Hirata (2007, p.5), é no agenciamento prático da vida cotidiana
que os trabalhadores transitam entre o legal, o informal e o ilícito,
“sem que por isso cheguem a se engajar em ‘carreiras
delinqüentes’”.
As mulheres, em sua maioria, se dedicam a atividades
domésticas, seja em suas casas ou nas casas dos “outros”. O fato
é que a pobreza sempre existiu, tanto no passado como no presente
e, é possível identificá-la, nas habitações precárias, na falta de
saneamento básico, na alimentação insuficiente, no baixo nível
de escolaridade, nos comprometimentos de saúde, sobretudo com
o “índice elevado de gravidez na adolescência, dependência
química e violência (inclusive sob a forma de abuso sexual).
(GRIPES, 2008, p.27)
Herdeiros da pobreza tornam-se alvo dos poucos
programas sociais existentes no bairro. Contam com o Espaço de
Trabalho II e o CRAS que funcionam numa mesma sede e oferecem
cursos de geração de renda, manicure, cabeleireiro, culinária e
artesanato.
A relação entre o interesse e necessidade dos cursos não
é necessariamente convergente, depende do perfil dos profissionais
contratados e disponibilizados pela prefeitura local. Esses cursos
destinam-se prioritariamente aos integrantes do Programa de
Renda Mínima. O CRAS 5 , além de cursos, realiza
encaminhamentos para a rede municipal e desenvolve o Projeto
Ser Mulher, voltado para temáticas como casamento, saúde,
direitos da mulher, família e maternidade.
No passado, a falta de escolas era uma das maiores
preocupações. Hoje o bairro conta com creches e escolas da rede
municipal, estadual e particular. Contudo, a realidade ainda aponta
para a existência de analfabetismo e ausência de cursos noturnos
e supletivos.
Apesar da existência da Associação de Moradores, ao
contrário do passado, hoje, lideranças não são identificadas. O
5
espírito público cedeu de vez, lugar às relações político-partidárias e
eleitoreiras.
Mas em tempos de aparente indiferença, o espírito comunitário
se manifesta, certamente incorporado pela memória de um antigo
morador (nome de praça), pai do dono do açougue, que instalou um
serviço de alto-falante em seu estabelecimento e ali anuncia seus
produtos, dá avisos de “nascimentos, mortes, missas, comunica perdas
de documentos. “Para o povo é tudo de graça, mas para os políticos,
tem preço” (GRIPES, 2008, p.46)
O que não parece ter preço é o futebol, de time Come Gato - o
Grêmio promove jogos regularmente, tem uma escolinha de futebol que
atende as crianças do local e funciona como uma espécie de entidade
filantrópica, “por prestar ajuda material e ceder seu espaço para festas,
reuniões, velórios, campanha de vacinação”.
Ao percorrer as ruas do bairro, os moradores seguem seus
desenhos irregulares, convivem com um tráfico intenso de veículos,
precária pavimentação e calçadas ocupadas, negando a prioridade aos
pedestres. Driblam a água que “desce de uma rua e volta por outra”, a
retratar a falta de saneamento, sentem o mau cheiro do lixo acumulado,
encontram animais que transitam livremente, arriscam-se com a falta de
iluminação de algumas áreas.
Para Da Matta a “rua é antes de tudo uma categoria sociológica
que designa mais que simplesmente um espaço geográfico. È uma
entidade moral, esfera de ação social, domínio cultural capaz de despertar
emoções, reações, onde predominam a desconfiança e a insegurança.
Essa percepção do espaço é o reflexo do isolamento e da
individualização. (1997).
O cenário desenhado é para os moradores mais preocupados,
“uma vergonha” e se por um lado culpam o descaso do poder público,
por outro, sabem que os próprios moradores também contribuem para o
agravamento de tais condições.
Sob essas perspectivas, Custodópolis apresenta visíveis
consequências de um lugar periférico, que como tantos outros, limitam
seus moradores ao acesso de oportunidades de infra-estrutura, trabalho
e políticas públicas. Convive com a memória de um bairro tradicional,
do ponto de vista cultural e, a atual degradação material e simbólica,
manifesta na representação preconceituosa em torno dos habitantes desse
espaço.
É comum ao conjunto da sociedade, o recurso a uma visão
esteriotipada de determinados grupos a quem desejam mapear
diferenças. É nesse sentido que Júnior ressalta que “o esteriótipo
pretende dizer a verdade do outro em poucas linhas e desenhar
seu perfil em poucos traços, retirando dele qualquer contradição.
(...) Constitui e institui uma forma de ver e dizer o outro, tornandoo realidade, à medida que é subjetivado” (JÚNIOR, 2007, p.13).
Desse modo, é no cotidiano, enquanto elemento intrínseco
que se constrói e re-constrói a noção de território. Essa
indissociabilidade entre o território e o os sujeitos que dele se
apropriam é o caracteriza a noção de “espaço de vida e espaço
vivido” (GUY Di Méo apud KOGA, 2003, p.36), cuja concepção
se fundamenta no lugar onde os homens desenvolvem as práticas
cotidianas e o modo como esse lugar é reconstruído mentalmente
CRAS- Centro de Referência de Assistência Social encontra-se em funcionamento em Custodópolis.
52
pelos sujeitos ou representado pelo seu imaginário. (Ibidem,
2003, p.36)
Inspirado na geografia social francesa e nos
trabalhos de Di Méo, Milton Santos (2000, p.22), afirma
que a categoria território permite uma visão do cotidiano
vivido pelos moradores de um lugar.
“O território em si, para mim não é
um conceito. Ele só se torna um
conceito utilizável para análise social
quando o considerarmos a partir do
seu uso, a partir do momento em que
o pensamos juntamente com aqueles
atores que dele se utilizam”.
No intuito de aproximar ainda mais do território de vida
e do território vivido de Custódopolis, a realização do Inquérito
Populacional se colocou como alternativa. Através dele, foi
possível identificar e mapear elementos que compõem a
materialidade da vida e que por sua vez, envolve dimensões e
manifestações de aprendizagens sócio-espaciais, expressas nas
experiências de vida dos sujeitos que moram nesse lugar.
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Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu-MG, out.2007, p.1-27.
53
9
Moradia: lugar de apropriações e práticas
Isadora Marques de Souza Oliveira 1
Julia Lima Araújo 1
Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho 1
Raphael Mesquita de Aguiar 1
Regina Coeli Martins Paes de Aquino 2
Verônica Gonçalves Azeredo 3
Nesse território privado (...) cada
um sabe que o mínimo apartamento
ou moradia revela a personalidade de
seu ocupante. (CERTEAU, 1998,
p.203)
A moradia não se reduz à dimensão residencial. Seu cenário
interior é palco de interações domésticas entre o espaço e indivíduos
que dele se apropriam. Portanto, pensada sob a concepção de
território, é definida como “unidade totalizante de regras sociais, de
funções utilitárias, lugar de apropriações e práticas, onde se podem
inscrever dinâmicas de confluência entre pessoas, lugares e processos
psicológicos” (SALVADO, 2004, p.12).
Portanto, enquanto “espaço vivido”, a moradia é objeto
sinalizador e mediador de relações culturais, sociais e econômicas.
Sendo Custodópolis um bairro localizado na periferia
da cidade, as condições ali materializadas, apontam para a
fragilidade econômica e social de seus moradores associada à
inconstância de seus rendimentos. Isso é visivelmente percebido
nas condições de moradia do local. Trata-se de “habitações
precárias”, que segundo Sampaio (2003), é a situação de todo
domicílio “sem condições de segurança, com risco de
desmoronamento, de inundação, de incêndio devido às ligações
elétricas precárias, além do perigo de contrair moléstias
infecciosas decorrentes do acúmulo de lixo e de condições
insatisfatórias de higiene”. (SAMPAIO,2003,p.1)
Esses argumentos indicam que a estrutura física da
moradia implica em processos socioculturais que dão origem à
sua construção. É desse modo, que Higuchi (2003) destaca a
impossibilidade de separar os aspectos materiais dos não
materiais, “pois um está contido no outro” (HIGUCHI,2003,p.52)
Para melhor conhecer o lugar, a aproximação com as formas
de apropriação dos moradores com suas moradias é essencial. Por
essa razão, a realização do Inquérito de Base Populacional,
possibilitou identificar que a maioria dos moradores do bairro mora
em casas (95,5%), alguns habitam em cômodos (3,6%) e há os que
residem em apartamentos (0,9%).
O uso predominante do solo urbano é
o “residencial”. A tipologia
habitacional mais comum é a casa
térrea, geminada (sem recuos laterais)
e sem recuos frontais, com taxa de
ocupação do “lote” em torno de 80%.
A ocorrência dos demais usos, como
comercial e serviços, é pouco
expressiva, sendo encontrados com
freqüência em conjunto com o uso
residencial, caracterizando o uso misto
das edificações. (Cordeiro, Szücs,
p.64, 2003)
Na construção das paredes o material predominante é
alvenaria com reboco4 (81,4%), seguido de alvenaria sem reboco
(17,4%). Alguns (0,6%) utilizam reboco ou alvenaria com reboco
nas paredes e os outros (0.6%) não responderam. E ao contrário do
passado, a palha não é mais utilizada. Embora, em sua origem, o
bairro já tenha sido conhecido como “Cidade de Palha”, numa
referência a esse tipo de material, predominante nas construções da
época.
Estudantes do 7º período do Curso de Arquitetura e Urbanismo do IFF e pesquisadores do Inquérito de Base Populacional em Custodópolis.
Doutora e Mestre em Engenharia e Ciência dos Pateriais/UENF, Arquiteta/UFRJ, Profª. Titular e Coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto
Federal de Educação- campus: Campos e líder do Núcleo de Pesquisas Aplicadas a Arquitetura e Construção Civil do IFF.
3
Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social pela UFRJ, Assistente Social pela UFF, Profª. Adjunta do Curso de Serviço Social do ESR/UFF e
pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde- GRIPES/UFF.
4
Reboco – Revestimento feito com argamassa fina, podendo receber pintura diretamente ou ser recoberto com massa corrida.
1
2
54
Os telhados são em sua maioria (52%) de telhas de
amianto (popularmente conhecida pelos entrevistados como
Eternit), seguido de laje de concreto, representando 33% do
material utilizado na cobertura. A telha de barro, no modelo
colonial, indica o percentual de 12,9% dos casos. Outra opção
referente ao material utilizado (2,1%) é “telha francesa” (de barro)
e a mistura entre amianto/Eternit e laje.
O material mais utilizado no piso é a cerâmica/piso frio
(65,8%), depois o cimento (30,0%), seguido de madeira (2,1%).
Há casas sem piso (1,2%) e outras (0,9%) cujos pisos são de
vermelhão e cimento, retalho de piso, taco ou granito.
As casas que possuem mais de cinco cômodos
representam um percentual de 39.4%, sendo 23,1% referente a
cinco, (21,6%) a quatro, (10,5%) a três, (3,3%) é o percentual
equivalente a dois cômodos e (1,5%) a apenas um. Já (0,6%)
indica os que não responderam a essa questão.
A maioria das casas possui banheiro entre os cômodos
(93,1%), há moradias onde o banheiro se localiza na parte externa,
no quintal (3,6%), mas tem casas sem banheiro (2,4%) e aquelas
(0,6%) que não os tem, porém os moradores utilizam o banheiro
da casa da frente ou o banheiro na casa da filha. E (0,3%) equivale
ao percentual dos que não responderam.
Quanto à situação da moradia, a maioria (55,6%)
respondeu que a casa é própria e já paga ou própria de algum
membro da família (24,6%), há aquelas que embora na condição
de “própria” ainda está sendo paga (1,5%). Os casos de aluguel
representam (8,1%) e na situação de casa “cedida”, o percentual
é de 5,1%. Além dessas condições, (4,5%) apontam para moradias
herdadas e em inventário e há casos como a de uma moradora
que comprou a casa de “meia” com sua cunhada. O percentual de
(0,6%) representa os que não responderam.
O desejo de realizar mudança na casa foi expresso em
(76,9%) das entrevistas e 23,1% indica o percentual de moradores
que não possui tal interesse. Dentre os que gostariam de fazer
mudança, a reforma geral (48,8%) é a mais cobiçada, alguns
projetam uma pequena reforma (28,1%) e outros desejam
aumentar o número de cômodos (13,3%), seguido de 9,8% cuja
expectativa é variada e vai desde terminar a construção, dividir a
casa com o filho, construir um terraço, mudar a telha, colocar
laje, trocar o piso, reformar o banheiro, construir cômodos no
alto (por causa da enchente), fazer a fachada, aumentar o quintal
e até construir uma nova casa.
Foi possível mapear no interior das casas, os bens
existentes: telefone fixo (42,3%), telefone celular (82,5%), geladeira
(95,2%), fogão à gás(97,6%) freezer (14,4%) microondas (17,1%),
filtro de água(55,8%), rádio (76,8%), aparelho de som (54,9%),
DVD( 70,8%), TV (97,6%) rádio(76,9%), computador (22,2%),
computador com internet(17,4%), máquina de lavar (61,5% ), TV
(97,6%), antena parabólica(16,8%).Além de outros bens que
representam o percentual de 11,4% e indicam a aquisição de bens
variados tais como: tanquinho, TV por assinatura, máquina de
costura, ventilador, cafeteira, ferro elétrico, liquidificador, ar
condicionado, espremedor de frutas e batedeira.
Na ocasião das entrevistas, os pesquisadores se autodisciplinaram a observar e anotar em seus Diários de Campo, fatos que
mereceram destaque do ponto de vista material e/ ou simbólico. Ao
observarem as condições de habitação, destacaram o desejo de uma das
moradoras em “trocar o piso e pintar a casa. Observando-se que nas
paredes não há reboco e o chão é de cimento”.
Há notas sobre uma “casa bastante prejudicada estruturalmente,
com rachaduras profundas, goteira no teto, falta de iluminação e calor
excessivo em decorrência da falta de ventilação e da telha de amianto”.
Numa das moradias visitadas, havia uma mulher grávida de 8
meses morando em precárias condições: “infiltração nas paredes,
goteiras, fiação aparente, obra inacabada no terreno e entulho, causando
em decorrência das chuvas, acúmulo de água nos buracos existentes na
obra e o aparecimento e proliferação de ratos.”
A evidência da precariedade, além de visivelmente observável,
mereceu registro nos diários dos pesquisadores:
“contato com uma moradora que reside no
bairro desde quando era conhecido como
Cidade de Palha. Sua casa possui dois
cômodos e não tem banheiro. Utiliza o
banheiro da filha (no mesmo quintal) para
algumas necessidades e balde para outras.
Sua casa foi interditada pela defesa civil e
aguarda providências”.
“Precária é esta residência. São apenas dois
cômodos num terreno onde vivem seis
famílias. Quando chove tem goteira e alaga
tudo, deixando um lameiro no quintal.
Relata o desconforto com as brigas dos
próprios moradores no quintal, além do
terreno servir de passagem/ fuga de
traficantes em período de brigas de
facções”.
“Apesar de ter juntado dinheiro para
colocar laje, no quarto da frente, a moradora
revela que teve que aplicar o recurso no
tratamento de saúde do marido que tem
problema de coluna”.
“O quintal tem muito lixo, cachorro,
galinha. A entrevistada apresenta manchas
na pele e diz beber água de torneira”.
“A casa não tem reboco, o sistema elétrico
exposto, umidade aparente, banheiro no
quintal, condições precárias de saneamento
e a falta de higiene é evidente”.
“Os terrenos das casas são muito pequenos
e não sobra espaço para fazer fossas
decentes. Eu fico prejudicada porque
55
trabalho com bolos e doces (...). Essa
lama aí tem vinte e tantos anos, eu
mesma já fiz denúncias, mas os
políticos não ligam para o
saneamento da rua. Eu e minha
vizinha gastamos muitas vassouras,
limpando as calçadas e a rua.”
“Mesmo morando em condições
precárias e sendo vítima constante
das enchentes, a moradora disse que
não quer sair do bairro. Na última
enchente eu perdi muitos móveis,
agora que estou conseguindo comprar
alguma coisa para dentro de casa”.
“Mora num terreno com mais quatro
casas de familiares. Sua casa é
pequena e o excesso de móveis a
deixa ainda mais apertada”.
Considerando que o conceito de Habitação Saudável5 ,
diz respeito à ”noção de pertencimento ao território e da inclusão
dentro de um amplo contexto urbano, dando visibilidade ao pleno
exercício de fruir, usufruir e construir um espaço com qualidade
saudável/habitável” (COHEN, 2007, p.194), pode-se afirmar que
as habitações em Custodópolis não conjugam qualidade em termos
de construção e entorno, condições adequadas de habitabilidade
urbana e da unidade habitacional, ambiência, semiologia do espaço
construído e a construtibilidade”(Ibidem, 2007, p.196).
6
No bairro há o predomínio de autoconstruções , cuja
racionalidade dos espaços é determinada por imperativos
econômicos que resultam na redução excessiva das dimensões
dos cômodos ou a ausência deles, assim como na falta de
revestimentos necessários. Tal evidência manifesta-se como
prejuízo para saúde e/ou segurança dos moradores.
Refletir sobre tais condições de moradia supõe considerar
que
Diversos fatores de ordem histórica,
social, demográfica, psicológica,
política, econômica, ética e estética
se inter-relacionam na ação de morar.
Portanto, é, ao longo da ocupação das
unidades, que percebemos se os
espaços das habitações têm sido
capazes de atender minimamente às
necessidades dos moradores. (PENZIM,
2001, p. 33).
Com o objetivo de assessorar as famílias, através de orientação
técnica, a efetuar reparos de baixo custo em suas residências,
pesquisadores/estudantes de Arquitetura e Urbanismo do IFF, foram nas
casas que tiveram sua visita autorizada7 . Do contato com os moradores
e as moradias foi possível constatar múltiplas carências e dentre elas, a
de informação quanto às condições de habitabilidade e ambiência.
Apoiados em conceitos humanizadores (KOLWALTOWSKI;
PINA,2001), (PINA;PRADO,2004) e (BARROS,2008) que consideram
as necessidades psicossociais e ambientais dos moradores, duas
categorias mereceram destaque por parte dos pesquisadores: senso de
urbanidade e senso de habitabilidade.
Raquel Barros chama a atenção para que num projeto de
habitação, o senso de urbanidade vise proporcionar:
vivacidade urbana, combate à segregação
social e à dificuldade de locomoção;
percepção do sentido de lugar em sintonia
com o entorno a partir da conformação e
da articulação dos espaços externos;
funções psicológicas de orientação e
identificação (BARROS,2008,p.85).
Nesse sentido, o senso de urbanidade supõe inclusão territorial
e pertencimento a um espaço saudável. Desse modo, Bonduki afirma
que o conceito de habitabilidade urbana.
Parte de pressuposto de que a habitação seria
entendida em seu sentido macro,
conjugando-se ao direito à cidade, ou seja,
de estar inserida na malha urbana, baseada
em sua relação com a rede de infra-estrutura
e a possibilidade de acesso aos equipamentos
públicos. Esse conceito diz respeito à
questão do pertencimento ao território e da
inclusão dentro de um amplo contexto
urbano. Por meio do desenvolvimento deste
conceito, também poderia se dar visibilidade
ao pleno exercício de fruir, usufruir e
construir um espaço com qualidade de
saudável/ habitável (BONDUKI, 2002 apud
COHEN, 2004, p.27-28)
Em sua tese sobre Habitação Coletiva, Raquel Barros (2008,
p.90) refere-se ao senso de habitabilidade, como sinônimo de
Habitação Saudável: conceito relacionado “ao território geográfico e social onde a habitação assenta os materiais usados para sua construção, a segurança e a qualidade
dos materiais combinados, o processo construtivo, a composição espacial, a qualidade de acabamentos, o contexto global do entorno (comunicações, energia, vizinhança)
e a educação em saúde ambiental de seus moradores sobre estilos e condições de vida saudável”. (COHEN;PERUCCI,2003).
6
Autoconstruções – Método de produção de moradias para a população de baixa renda utilizando a mão-de-obra da própria população local
7
Na ocasião do Inquérito de Base Populacional, perguntava-se aos entrevistados se desejavam receber à visita de estudantes de arquitetura para prestar aconselhamentos e
sugerir pequenas reformas, visando melhores condições de habitabilidade.
5
56
“atendimento as necessidades básicas de conforto ambiental que
preencha as necessidades de refúgio, isolamento, convivência,
ordem e variedade.”
Portanto, qualidade de vida é a palavra-chave definidora
do conceito de Habitabilidade da Unidade Habitacional, que diz
respeito:
Ao conjunto de aspectos que
interfeririam na qualidade de vida na
comunidade de moradores, bem
como na satisfação de suas
necessida-des físicas, psicológicas e
socioculturais. Por meio desse
conceito poder-se-ia visualizar as
questões como a de confortos
ambientais: luminoso, térmico,
acústico e táctil: segurança do
usuário e salubridade domiciliar e
do seu entorno, que seriam as
mesmas questões envolvidas na
fruição, usufruição e construção do
espaço arquitetural. (BONDUKI,
2002 p.194)
Para a realização do Estudo de Caso, realizado pelos
estudantes/pesquisadores de arquitetura, foi eleita, uma residência
de Custodópolis como objeto de intervenção, cuja visita técnica
possibilitou a elaboração de uma proposta que, ao apontar para
precariedade das condições habitacionais, desenhou possíveis
melhorias, realizáveis com baixo custo, cujo resultado possa
atender as necessidades de uso, convívio e proteção.
nas habitações em Custodópolis, porém especificamente esta residência,
reúne um conjunto de características negativas que foram objeto deste
estudo.
Falta de iluminação e ventilação natural
Foto 1: Área interna de uma residência em Custodópolis
Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010
Cobertura degradada
O Caso:
Localizada na Rua Júlio Armond, a casa de dois quartos,
sala, cozinha e banheiro, entre os cômodos, encontra-se situada
junto à de outros membros da família, em um único logradouro,
impondo aos seus moradores uma convivência estreita. Moradora
entrevistada e proprietária, P.N.P possui 39 anos, tem como
condição civil o estado de solteira, convive com os filhos, possui
ensino fundamental incompleto, profissão do lar, renda de menos
de um salário mínimo e recebe benefícios (Cheque-cidadão e
Bolsa família), compondo uma renda familiar em torno de R$
300,00.
Essa habitação foi escolhida para estudo, devido ao fato
de abrigar em um único e reduzido espaço mais de cinco pessoas,
entre elas crianças na faixa etária de 0 a 15 anos. A residência
possui uma aparência já bastante deteriorada, pelo pouco tempo
de construção. Apresenta também graves problemas de higiene
(entulho que abriga insetos e roedores; mofo; poeira; entre
outros). É importante ressaltar que esta é uma realidade comum
Foto 2: Área interna de uma residência em Custodópolis
Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010
57
Beiral Insuficiente
Foto 5: Área externa de uma residência em
Custodópolis
Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010
Falta de Revestimento impermeabilizante
Cortina de material permeável
Foto 4: Área interna de uma residência em Custodópolis
Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010
As construções não possuem afastamentos apropriados,
dificultando abertura de vãos, incidência da radiação solar e a
circulação do ar, ocasionando doenças respiratórias entre outros
problemas.
Fiação aparente dificultando a circulação
Fotos 3 e 3.2: Área interna de uma residência em Custodópolis
Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010
Ao adentrar no terreno, percebe-se que o poder aquisitivo dos
moradores diminui, refletindo em suas habitações. Esta casa
especificamente, não possui reboco em sua fachada, o que gera a
deterioração dos materiais ali empregados.
58
Segundo o conceito de habitação
saudável, a habitação é considerada
como um agente da saúde de seus
moradores e relaciona-se com o
território geográfico e social onde
se assenta os materiais usados para
sua construção, a segurança e
qualidade
dos
elementos
combinados,
o
processo
construtivo, a composição espacial,
a qualidade dos acabamentos, o
contexto global do entorno
(comunicações,
energia,
vizinhança) e a educação em saúde
e ambiente de seus moradores sobre
estilo e condições de vida saudável.
Do ponto de vista do ambiente,
como determinante da saúde, a
habitação se constitui em um
espaço
de
construção
e
desenvolvimento da saúde da
família. (AZEREDO, COTTA,
SCHOTT, MAIA, MARQUES.
2007 p. 744)
A partir dessa reflexão, é possível constatar que grande
parte das doenças apresentadas pelos moradores dessa comunidade
decorre do estado de má conservação das residências e de outros
problemas constatados pelos pesquisadores como: possuir único
acesso e este ser pela cozinha, janela do banheiro com abertura
acima do fogão, ausência de piso cerâmico, telhas quebradas
ocasionando vazamentos e deixando os moradores expostos a
intempéries, fiação elétrica aparente obstruindo a passagem e
pondo em risco a segurança, falta de iluminação e ventilação
suficiente, principalmente nos quartos, má distribuição do layout,
se tornando desconfortável do ponto de vista ergonômico.
Para Carmo e Prado (1999), a ventilação pode ser
entendida pelas pessoas como uma movimentação do ar
internamente na edificação ou pela entrada do ar do ambiente
externo para o ambiente interno. Desse modo, a ventilação é
interpretada como uma combinação de processos que não são
apenas consequências da entrada do ar externo, mas sim não saída
do ar contaminado da região interna da edificação, processos esses
que podem envolver a introdução do ar externo, mistura e
condicionamento do ar interno em todas as regiões da edificação
e a retirada de uma parte desse ar interno. Pode ser deteriorada a
qualidade do ar interno, quando uma ou mais partes desse processo
forem inadequadas.
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
Com isso, uma das principais recomendações para se ter
mínima salubridade 8 é a incidência de luz solar e ventilação
natural, porém esses foram os primeiros problemas detectados
devido à quantidade de construções num mesmo terreno. Outra
problemática foi a falta de revestimentos impermeáveis nas áreas
frias, como banheiro e cozinha, gerando problemas de infiltração,
mofo, rachaduras, machas escuras nas paredes, além do aumento
da concentração de umidade no local.
Além do aspecto estético que os
fungos apresentam, deve-se
considerar o aparecimento de
problemas respiratórios nas pessoas
que residem em locais com a
presença dos mesmos. Os bolores
causados por fungos filamentosos
são classificados como fungos
alergênicos, que contribuem para
aparição de doenças como asma e
rinite em pessoas que têm a
tendência a este tipo de disfunção
respiratória. (Shirakawa et al. 1995
p. 408).
P.N.P relatou no inquérito populacional morar em uma casa
própria com paredes de alvenaria sem reboco, com telha de amianto
(Eternit) predominante na cobertura, piso de cimento (ausência de
revestimento). Quando interrogada se gostaria de fazer alguma
reforma em sua moradia, respondeu que gostaria de uma reforma
geral, apesar de não ter condições financeiras para tal.
Tendo em vista as observações supracitadas, foi elaborada
uma proposta de projeto arquitetônico tentando amenizar os
problemas relatados com a utilização de poucos recursos
financeiros.
As principais soluções encontradas seriam: revestir e pintar
as paredes externas e internas, aumento dos vãos de ventilação,
inversão do local da cozinha com a sala, proporcionando melhor
acesso, conforto e circulação. Verificou-se a necessidade de criação
de um prisma para ventilação que poderia ser usado como área de
serviço e receberia a janela do banheiro, revestimento cerâmico no
piso da casa, abertura zenital 9 no quarto e uso de telha de vidro
proporcionando melhor iluminação e ventilação, troca das telhas
de amianto pelas telhas de Fibrocimento10 , isolamento da fiação
elétrica, alteração do layout melhorando a ergonomia. Todas essas
propostas estão indicadas nas plantas a seguir.
Salubridade – É o conceito relacionado a uma situação ou condição que não afeta, ao menos de forma potencial, a saúde das pessoas ali presentes.
Abertura Zenital – É uma abertura localizada na cobertura de uma edificação.
10
Fibrocimento – Material que resulta da união do cimento comum com fibras de qualquer natureza.
8
9
59
ANTES
Planta 1: Planta baixa da residência antes da
proposta de intervenção, 2010.
Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques
de Souza Oliveira, Julia Lima Araújo,
Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho,
Raphael Mesquita Aguiar e Regina Coeli
Martins Paes de Aquino, 2010.
11
PROPOSTA DA PLANTA
Planta 2: Proposta de intervenção da planta baixa
da residência, 2010.
Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques de
Souza Oliveira, Julia Lima Araújo, Juliana
Peixoto Rufino Gazem de Carvalho, Raphael
Mesquita Aguiar e Regina Coeli Martins Paes de
Aquino, 2010.
11
Prisma de ventilação e iluminação – Vão livre ao longo de toda a altura de um prédio ou casa, destinado a prover de ventilação e iluminação as unidades habitacionais ou
os cômodos que se comunicam com ele.
60
PROPOSTA DA FAXADA
Planta 3: Proposta de intervenção da faxada da residência, 2010.
Fonte: Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques de Souza Oliveira, Julia Lima Araújo, Juliana Peixoto Rufino Gazem
de Carvalho, Raphael Mesquita Aguiar e Regina Coeli Martins Paes de Aquino, 2010.
12
Argamassa – Mistura de materiais inertes (areia) com materiais aglomerantes (cimento e/ou cal) e água, usada para unir ou revestir pedras, tijolos ou blocos que formas
conjuntos de alvenaria.
61
Além das plantas acima e do layout, a equipe o IFF
e l a b o r o u o quadro a b a i x o , u t i l i z a n d o o “ M a n u a l d e
Conservação Preventiva da Edificação” (KLUPPEL, SANTANA,
2005,p.104).
Quadro 1: Identificação dos
problemas encontrados e as
soluções propostas para a
residência em estudo, 2010.
Fonte: Fonte: Equipe do
Projeto: Isadora Marques de
Souza Oliveira, Julia Lima
Araújo, Juliana Peixoto
Rufino Gazem de Carvalho,
Raphael Mesquita Aguiar e
Regina Coeli Martins Paes de
Aquino, 2010.
62
Os pesquisadores do IFF, em visita as moradias de
Custodópolis, identificaram um elevado nível de vulnerabilidades
sócio-ambientais. De modo que a estrutura física das casas, aliada
a precariedade do entorno, não cumprem as condições básicas de
habitabilidade e ambiência. Isso porque entendem que:
Morar é uma condição indispensável à
sobrevivência do homem. Antes de
tudo, a principal função da habitação é
abrigar o homem das manifestações
climáticas (sol, chuva, ventos, nevascas
etc.), e dar-lhe condições de renovar sua
força de trabalho pelo repouso físico e
mental diário. A casa também reflete as
tradições culturais, hábitos e práticas de
seus usuários, traduzidos pelo cotidiano
doméstico vivenciado em seu interior.
(...) Porém, a realidade da habitação
popular brasileira não atende
satisfatoriamente a essas funções.
(CORDEIRO; SZÜCS, 2003, p.66)
Conforme Certeau (1998, p.204), refletindo o dia a dia, “o
nível de renda e as ambições sociais de seus ocupantes”, as moradias
tem vida, e “só se tornam casas, pelo fato de se estar vivendo nela”
(HIGUCHI, 2003, p53). O que a torna singular, são as histórias de
vida de seus moradores, conformadas em seus usos e práticas.
Singular enquanto lócus de vivências e refletindo a
multifacetada arquitetura popular brasileira, a casa de alvenaria, é
sonho de todos, e sua construção é a representação material e
simbólica do “progresso”, comparada a construções de madeira,
palha, materiais aproveitados, dentre outras possibilidades.
Sua construção demanda um conjunto de variáveis.
Inicialmente o acesso ao terreno: comprado, ocupado ou cedido,
dependendo da condição do sujeito que o ocupa. Sobre ele, erguese a morada. Em Custodópolis, pôde-se observar que é comum um
mesmo logradouro ser dividido por várias famílias, possuindo ou
não, mais de uma edificação e, apesar da maioria residir em casa de
mais de cinco cômodos, isso não é sinônimo de conforto, seja pelo
elevado número de habitantes ou pelas precárias condições de
habitabilidade.
Tais condições foram identificadas na ausência de reboco
que causa umidade e gera infiltrações, produzindo problemas na
estrutura da obra e nas condições de saúde.
Nos telhados, há predominância do amianto (material
cancerígeno)13 , que apresenta alto índice de absorção do calor e sua
fabricação e comercialização tem uso proibido ou restrito em 52
países14 . No entanto, apesar dessas considerações negativas, trata-
se de um recurso bastante utilizado nas construções populares, devido
ao baixo custo, acessibilidade e fácil construtibilidade.
Outro material bastante utilizado nas unidades habitacionais
em Custodópolis é a “laje de concreto”, que por não receber a
impermeabilização necessária, não é apropriada e também causa
infiltrações.
Pode-se concluir que o material mais indicado é telha de barro,
que conforme dados apresentados, variou entre o modelo colonial e
francês. No entanto, o custo elevado, restringiu sua utilização.
Observou-se que o piso cerâmico é predominante e mesmo
quem não o possui, demonstrou nas entrevistas, a consciência de que
esta é uma etapa importante no processo de construção.
A precariedade das condições sanitárias, expressa na falta de
banheiro no interior das residências é motivo de incômodo por parte
dos moradores, que por sua vez, não ignoram o fato de ser uma
prioridade, ainda não operacionalizada, por falta de recursos financeiros
para a aquisição de materiais e execução da obra.
Entretanto, os pesquisadores observaram que em geral, os
moradores tendem a privilegiar os bens existentes no domicílio, do que
a reforma ou construção das casas, mesmo que estas estejam em
condições de risco ambiental e social.
Apesar disso, a maioria dos moradores entrevistados,
demonstrou o desejo de realizar mudanças na casa, sendo a reforma
geral a voz predominante. Contudo, o percentual de 23,1%, ilustraram
a condição dos que não tem interesse em reformas. Nesse caso, podese observar que em geral, esta é a situação dos que vivem em casas
alugadas ou cedidas. Portanto, não ter posse legal, limita as ações
sobre o espaço, não apenas em atos materiais, mas também cognitivos.
Disso resulta, a falta de investimento, porque agir e sentir não estão
em sintonia (MOURÃO; CAVALCANTI, 2006, p145). É pela
apropriação que o morador sente que de alguma forma está ligado à
moradia.
É nessa relação de pertencimento e apropriação que a
identidade do morador e da moradia vai sendo construída. Trata-se
de um processo quase sempre lento, visto que, conforme já citado, a
casa de alvenaria em geral autoconstruída, é normalmente feita em
estágios. O desenho são obras realizadas devagar e projetos
inacabados, a depender da disponibilidade de materiais e da vontade
dos moradores. A influência do aspecto psicológico do morador ganha
relevância naquilo que a arquitetura classifica como “patologias da
construção”15 .
Desse modo, a construção ou continuidade da casa de alvenaria
pode ser adiada por vários anos, por motivos diversos: problemas de
saúde, família numerosa, desemprego, baixo rendimento, situação de
posse indefinida, dentre outras razões.
Os dados revelaram que, dado o perfil dos moradores, num
curto espaço de tempo, não se consegue construir, reformar ou concluir
a obra por completo. Por isso, a aparência do bairro é de um lugar sempre
13
Cf: Cientistas descobrem como amianto causa câncer, esse é o titulo da notícia do Diário de Saúde de 02/07/2010. O perigo é com a degradação do amianto, que ao
soltar fragmentos microscópicos no ar, há risco de inalação. (WWW.diariodesaúde.com.br -acesso em 13/09/2010)
14
No Brasil a Lei Federal 9.055 de 1 de junho de 1995, autoriza o uso controlado do amianto branco, da variedade crisolita, do grupo dos minerais das serpentinas. Esse
tema tem gerado desde então disputas jurídicas entre empresas e o Ministério Público.(WWW.diariodesaúde.com.br – acesso em 13/09/2010)
15
Patologias da construção – Sintomas ou defeitos que ocorrem nas edificações.
63
em construção independente do tempo de moradia de seus
habitantes.
Essa realidade reflete as condições das moradias
populares, objeto de ausência e/ou ineficácia das políticas
habitacionais e do planejamento urbano no Brasil.
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64
10
A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis
Katarine de Sá Santos1
Késia Silva Tosta2
Paula Emely Torres3
Introdução
O estudo realizado no bairro de Custodópolis – que deu
origem ao Inquérito Populacional, objeto das análises em tela –
entre as várias questões investigadas e analisadas, apresenta neste
artigo, por intermédio do mapeamento do território, o tempo de
moradia e o entorno.
Desta forma, a discussão a ser realizada aqui, fala de um
lugar específico sendo esse o “lugar” em que se vive e que traduz
uma realidade que envolve o território, visto como espaço físicogeográfico, político, cultural e, sobretudo, de construção de relações
sociais que se constituem no movimento da vida cotidiana das
comunidades.
Segundo Cazollato (2005, p. 79), o que reflete os resultados
das ações humanas é o produto das relações sociais concretas que
se dão no espaço-tempo de determinado território. Neste sentido, o
processo de ocupação de dado espaço social envolve diferentes
fatores, e o mais importante a demanda por um teto, que possibilite
aos sujeitos sociais criar raízes e produzir história.
No momento que faz referência ao conceito de território,
Milton Santos (2002, p.84) considera que este não é “apenas um
conjunto de formas naturais, mas sim um conjunto de sistemas
naturais e artificiais”. Isto significa que o espaço territorial
compreende além do chão onde serão construídos os prédios das
moradias, uma arquitetura que congrega aspectos culturais
simbólicos, herança histórica e realidades jurídicas, sociais,
econômicas, políticas, representativas daquela determinada
comunidade.
Esse ponto de análise, demonstra que se deve problematizar
as organizações e reorganizações que se dão no respectivo território,
bem como a correlação de forças políticas e as relações de poder
presente na sociedade civil 4 , pois cada realidade possuirá
características específicas e, muitas vezes, diferenciadas. Por essa
razão não se pode deixar de lado o reconhecimento de que a
urbanização brasileira ocorreu de forma fragmentada e desigual, e
esta compreensão permite o delineamento de um caminho para o
entendimento dos bairros periféricos, que em sua maioria são
fundados a partir de uma realidade excludente, que empurrou as
populações destes espaços “economicamente carentes”, para as áreas
mais afastadas da parte central das cidades.
Sobre esta questão Villaça (1998) aponta para o fato de que
a segregação é produzida pelas classes dominantes, e reflete de forma
acentuada as diferenças de classe, na medida em que a localização
da moradia ganha uma dimensão social, passando a simbolizar o
status econômico dos moradores de determinado lugar.
Ainda com referência a segregação espacial, Corrêa (2002,
p. 73) comenta que a periferia da cidade, vista como o local da
população de baixo status social, ratifica em um momento posterior,
este papel, ou seja, “o de ‘locus’ de corrente migratórias da zona
rural ou de pequenas cidades, ou mesmo de grupos provenientes de
antigos núcleos periféricos”.
Percebe-se, que no caso dos moradores de Custodópolis, a
concentração naquela área do Parque Guarús, envolveu o fato de ter
sido o bairro, anteriormente, um canavial onde muitos dos futuros
moradores trabalharam no corte da cana. Com a decadência da cultura
do açúcar na região, essas famílias tiveram que procurar um lugar
para erguer suas moradias, o que fez surgir a “Cidade de Palha”,
nome original do bairro de Custodópolis5 . A situação dos moradores
e da ocupação do território, já revela que se concentrou no espaço
de loteamento da terra do Dr. Custódio Siqueira, antigo dono dos
terrenos que deram origem ao bairro, trabalhadores de baixa renda,
remanescentes em sua maioria, da lavoura da cana-de-açúcar e que
por ali fizeram suas casas de palha, se instalando em estado de
vulnerabilidade.
A questão da vulnerabilidade social, diz respeito aos riscos
que envolvem as famílias, que de acordo com a CEPAL (2002, p.1)
“está diretamente ligada a incapacidade de resposta frete à
contingência (...) e a uma inabilidade de adaptar-se ao novo cenário
pela materialização do risco”, como vem revelar os dados da presente
pesquisa.
Uma comunidade que emerge a partir da contradição posta
pelo capitalismo, historicamente condicionou aos trabalhadores
manuais o status de “inferiores” na escala das funções exercidas na
complexa divisão do trabalho do modo de produção capitalista,
1
Assistente social, Professora do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Mestre em Planejamento Regional e
Gestão de Cidades – UCAM/Campos, membro do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF.
2
Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista de extensão à época da pesquisa.
3
Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista do PIBIC à época da pesquisa.
4
Devemos realizar um destaque sobre sociedade civil, pois este conceito torna-se importante para a discussão que travamos, tendo em vista, que será neste espaço que
estarão os tensionamentos e disputas políticas contraditórias. Sobre esta questão ver Coutinho (1999).
5
Esta questão foi tratada no artigo Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares, desta revista.
65
portanto, conseqüentemente se torna um espaço onde imperam as
formas de exclusão comuns ao sistema econômico vigente.
Nesse contexto, no qual o bairro foi erguido, o espaço
ocupado é efetivamente o lugar sob o qual será erguida a moradia,
com todo aparato sócio-econômico-político que envolve a cultura
de determinado território. Sobre isto, Santos (2005, p. 32) comenta:
A redistribuição dos papéis realizados
a cada novo momento do modo de
produção e da formação social,
depende da distribuição quantitativa e
qualitativa das infra-estruturas e de
outros atributos do espaço. O espaço
construído e a distribuição da
população, por exemplo, não tem um
papel neutro na vida e na evolução das
formas econômicas e sociais. O espaço
reproduz a totalidade social na medida
em que essas transformações são
determinadas por necessidades sociais,
econômicas e políticas.
Com base na questão apresentada acima, compreende-se o
território como o lugar da dinâmica social, incluindo nestes termos,
não apenas as moradias e as pessoas que ali moram, mas o conjunto
das formas preexistentes e existentes, que na dialética concreta do
cotidiano vão movimentando as histórias de vida dos moradores do
bairro de Custodópolis. Isto quer dizer, que a partir deste movimento,
se constrói uma dinâmica social atravessada por estas
particularidades e singularismos locais.
As análises referentes ao território levam conceito de
“urbanismo”, que segundo Harvey (1980, p. 192) é decorrente do
trabalho excedente, na medida em que o modelo de urbanismo
acrítico, que é organizador da cidade capitalista “muito mais que se
manifestar enquanto causa criadora desse produto social excedente,
aparece como um artifício facilitador e justificador de sua
produção”.
Logo, não é fora da lógica capitalista, que o bairro de
Custodópolis é entendido neste estudo, visto que seus moradores se
concentram naquelas terras do Parque Guarús, pelo processo que
resulta da exploração do trabalho6 , produzindo uma população
“excluída” e subalternizada, que não consegue encontrar nesta lógica,
condições para sua reprodução a partir de padrões considerados
adequados, incluindo aí a questão da moradia. Temos aí, portanto a
necessidade de pensar a realidade a partir de sua objetividade
concreta, pois será apenas a partir deste movimento teórico-prático,
é que conseguiremos compreender as múltiplas determinações
existentes nesta realidade, e enfrentá-las politicamente.
As relações que ocorrem no cotidiano dos centros urbanos,
refletem em seu interior, as relações existentes entre o modo de
6
produção capitalista e a cidade, mediadas pelo mercado de troca, como
sinaliza Harvey (1980, p. 44) “este processo produtivo marcado por
contradições, envolve a circulação de riquezas, bem como os
instrumentos que direcionam sua distribuição e os sujeitos, que como
atores que circulam neste cenário, se movimentam, desde a etapa inicial
do processo de produção”.
Refletir sobre este tema, a partir de uma análise crítica sobre a
cidade e suas contradições que se apresentam cotidianamente em seu
entorno, significa constatar que o mercado de troca e seus valores
provocam exclusão, não-inclusão, determinando formas diferenciadas
de acesso das populações dentro do mesmo espaço social. Percebe-se
que neste jogo interno de trocas, o mercado, ao utilizar sua racionalidade,
gera relações que são excludentes e, que ao negarem condições materiais
de vida ideais, a determinados segmentos sociais acabam por reproduzir
as desigualdades que estão em sua base produtiva.
Este processo, por si só desigual e intencional, faz com que um
número significativo de pessoas vivencie, de forma distinta, o acesso
aos produtos que preenchem as necessidades humanas essenciais. Este
processo estimula a produção da escassez na medida em que justifica as
ausências criadas pelo mercado de troca, banalizando as privações.
Por outro aspecto, se observada a partir da lógica do indivíduo,
que em decorrência da situação material de vida, se vê privado do mínimo
necessário a uma existência digna, a produção e reprodução de bens e
serviços, deixa de ser algo abstrato, para concretizar-se na fome, na
falta de habitação, nas condições de precariedade na vida e no trabalho
e, sobretudo, na ausência de perspectivas. O movimento dinâmico de
continuidade e descontinuidade da produção focada numa economia de
trocas, aponta para as realidades que atravessam o momento
contemporâneo das famílias que vivem no entorno das cidades, de grande
e médio porte.
A questão habitacional em Custodópolis
A partir das questões mais gerais apresentadas, doravante
problematizaremos a realidade da questão da moradia e entorno em
Custodópolis, tendo como referência o instrumento utilizado para a
realização da pesquisa que foram entrevistados moradores deste
território. As questões tratadas neste item, referem-se a problemáticas
que se encontram no campo da infra-estrutura do entorno, como questões
relacionadas a enchente e alguns serviços prestados, como a coleta de
lixo e o transporte coletivo.
Os dados apresentados a seguir, possibilitarão a visualização
de alguns resultados do processo de urbanização do bairro, contemplando
dados sobre a infra-estrutura urbana, transportes, rede de saneamento,
serviços públicos e riscos urbanos apresentados em Custodópolis.
A dinâmica social de Custodópolis, pensada como movimento,
possível pelo processo de divisão do trabalho, é estabelecida a partir da
organização espacial, que pode ser visualizada no fato de que 45% dos
entrevistados sempre moraram em Custodópolis e 55% migraram para
o bairro. No entanto, 45,4% moram no local há mais de 20 anos, 11,5%
Sobre esta questão ver o Capital . Marx (2001).
66
no período entre 16 a 20 anos, 12,6% entre 11 a 15 anos, 10,9%
de 6 a 10 anos e os novos moradores, que habitam esse espaço no
período de 1 a 5 anos representando 14,7% e aqueles que chegaram
a menos de um ano, com 3,8%, seja pela criação de novas formas
para atender novas funções, seja pela alteração funcional das
formas já existentes.
Antes de morarem em Custodópolis alguns dos
entrevistados residiram em outros estados, como: Espírito Santo e
Brasília-DF. No Rio há os que já moraram em Angra dos Reis, no
Méier, em Niterói, Cabo Frio, São Francisco do Itabapoana e São
João da Barra. Também vieram de alguns distritos de Campos dos
Goytacazes: Dores de Macabu, Travessão, Morro do Coco, Sapucaia,
em localidades da baixada campista (Tócos, Saturnino Braga, Baixa
Grande) e de Guarus (Parque Guarus, Jardim Carioca, Santa Helena).
Migraram desses lugares para Custodópolis por motivos
diversos, sendo que 23,5% em razão de casamento, 6% para
escapar do valor do aluguel onde moravam, 4,4% para morar com
parentes em razão do desemprego, 2,7% por conta da proximidade
com o trabalho, 3,8% por possibilidade de trabalho, 30,6% por
motivo de questões familiares diversas, 11,5% por possibilidade
de acesso à casa própria e 15,8% por motivos não declarados.
Neste sentido, Milton Santos afirma que a cada momento da
divisão do trabalho, os indivíduos redistribuem-se, através de suas
funções novas e renovadas, no conjunto de formas preexistentes
ou novas; a esse processo pode chamar-se de geografização da
sociedade (SANTOS, 2005).
Vindo para Custodópolis, os entrevistados avaliaram as
mudanças nas condições de sua moradia. Para 25,1% não houve
mudança, 20,8% revelaram que antes moravam melhor e 53,0%
afirmam que a moradia em Custodópolis é melhor. Dessa forma,
a dinâmica dos sujeitos sociais apresenta uma função, segundo
Harvey, no desenvolvimento do modo de integração do mercado
de troca. Ela funciona como um lugar de disposição de produto
excedente (HARVEY, 1980, p. 195), por isso, pode ser
interpretada parcialmente, como um campo destinado a produzir
demanda efetiva, sendo um palco onde os atores têm sempre novas
necessidades.
Ao serem perguntados se gostariam de morar em outro
bairro, 64,6% responderam que não, e 35,1% que sim. Dos que
responderam sim, justificaram seus motivos: 6,2% por problemas
de transporte, 16,6% por falta de oportunidade de emprego, 21,2%
pela violência, 4,6% devido a falta de escolas, 14,1% pelo
alagamento das ruas no período das chuvas, 12% refere-se a
dificuldade de assistência a saúde, e 25,3% por outros motivos
que no geral se resumem a questões relacionadas a família e
questões gerais do bairro, o que nos leva a compreender a
contradição inerente ao próprio sistema de produção, onde não é
possível concentrar a riqueza sem produzir a sua própria negação.
A maioria dos entrevistados (76,9%) gostaria de realizar
algum tipo de mudança na casa onde mora, mas 23,1%
demonstraram estar satisfeitos com a mesma. Entre os que desejam
a mudança, 48,8% planejam uma reforma geral, 28,1%
intencionam realizar pequenas reformas, 13,3% desejam aumentar
o número de cômodos e 9,8% aspiram outros tipos de mudança na casa.
Quando se aborda a questão da organização da sociedade de
classes, a lógica da modernidade aponta para a manutenção dos espaços
marginais. Isso porque estes espaços, não recebem a devida importância
do Estado por se localizarem nos limites ou nas margens do tecido
urbano, ou porque são espaços residuais ou reduzidos, mas independente
do seu tamanho e localização, são espaços do ponto de vista urbano e
social, não-regulares, nos quais as condições “naturais” de vida são
“infranaturais”, ou estão aquém do que uma sociedade concreta pode
considerar “normal” (ROBIRA, 2005). A consequência deste
afastamento do Estado na organização de serviços públicos, será uma
precarização das condições de vida dos morados deste território, que
além de habitarem moradias muitas vezes precárias, não poderão contar
com serviços públicos essenciais e de qualidade.
Os espaços marginais conforme a mesma autora, constituem
os territórios-reserva onde se produz a acumulação da escassez, “social
e economicamente, os espaços marginais também estão fora do sistema
regular de produção, consumo e formação. Seus habitantes constituem
a reserva de mão-de-obra metropolitana, portanto o subemprego e o
desemprego são situações dominantes” (ROBIRA, 2005, p.17).
Esses espaços marginais, ao perpetuarem as carências sociais
e culturais, assim como as de emprego, garantem o processo de
acumulação do capital. Este é responsável por manter exclusões e
reinventar não-inclusões, por sustentar-se numa prática que
continuamente nega a vida.
Sem pertença, política e social, não há
humanidade. A exclusão resulta antes de
tudo numa expulsão da própria condição
humana. Fora da pertença nada de humano
existe. Não há humanidade sem
comunidade. A experiência da exclusão não
é transitória, nem resulta de uma suspensão
momentânea ou sobressalto acidental. A
exclusão é condição definitiva de um ser
atirado pra um lugar exterior à vida comum.
Porque o eu se define na relação com os
outros num espaço comum, a exclusão torna
alguém estrangeiro de si mesmo. Os
homens lixo são também o produto da
arquitetura da exclusão. Onde não se
entende o urbanismo como desenho do
espaço público, mas como sistema policial
de controle, vigilância, repressão e
marginalização (MOURA, 1996, p.16)
Os espaços que foram colocados à margem da dinâmica de
planejamento, representa o outro lado da lógica da produção e
acumulação de riqueza. Eles atuam como elemento integrante do modo
de produção, alimentando sua própria dinâmica de produção e
reprodução, pois são “obrigados”, pela divisão social do trabalho, a
permanecerem na precariedade. A escassez que representam, garante os
processos de acumulação desigual.
67
Aprofundando a discussão acerca do modelo de
urbanização ocorrido no Brasil, verifica-se que este resultou em
cidades marcadas pela fragmentação do espaço e pela exclusão social
e territorial. A partir desta perspectiva, quando se fala em urbanizar
não se pode esquecer da realidade local, de modo que tal processo
proporcione: uma cidade com equilíbrio nas relações sociais; com
um desenvolvimento econômico que respeite o meio ambiente; e
uma boa qualidade de vida para a população.
Conforme Canuto (2008), a concepção de urbanizar não se
separa, e nem pode, do que é cidadania. Uma população tem sua
cidadania esvaziada de sua dimensão política, quando se encontra
em condições praticamente desumanas, vivendo em subempregos,
nas ruas, em submoradias.
Do latim civitate, cidadania provém de
cidade e indica ligação com o Estado.
Significa a condição da pessoa que se
encontra no gozo de direitos que lhe
permitem participar da vida política,
podendo votar e ser votado. (...)
Cidadania é participação na vida do
Estado e pressupõe cidadãos, cujos
direitos civis e políticos são protegidos
e defendidos pelo Estado, encarregado,
também, da implementação dos direitos
econômicos, sociais e culturais. O
cidadão pleno titulariza direitos civis,
políticos e sociais; os civis são os
fundamentais à vida, à liberdade, à
propriedade e à igualdade; políticos
significam a participação do cidadão no
governo, podendo votar e ser votado, e
sociais são o direito à educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer, segurança,
previdência social, proteção à
maternidade e à infância, assistência aos
desamparados, como prevê o artigo 6º
da CF de 1988. (CANUTO, 2008: 220)
uma mesma cidade mostram-se
diferenciadas, a presença/ausência dos
serviços públicos se faz sentir e a qualidade
destes mesmos serviços apresentam-se
desiguais. Desta forma, o direito a ter direito
é expresso ou negado, abnegado ou
reivindicado a partir de lugares concretos:
o morar, o estudar, o trabalhar, o divertirse, o viver saudavelmente, o transitar, o
opinar, o participar. (KOGA, 2003, p. 33).
Se a cidade, o território deve ser o lugar do exercício da
cidadania, o processo de urbanização não pode admitir que um
aglomerado de pessoas que não tem uma vida digna seja enquadrado no
significado de urbanizado. Canuto (2008) também explicita que uma
vida digna, sugere o acesso a tudo o que uma cidade pode proporcionar.
Dessa forma, quando a urbanização resulta em favelas, cortiços,
submoradias, ou até mesmo em falta de moradias, não realiza o seu
significado pleno, pois não dá ao ser humano as condições de exercer a
completa cidadania e viver dignamente.
No âmbito das condições de moradia, um aspecto importante a
ser considerado em Custodópolis é a questão do lixo e do saneamento
ambiental. Neste sentido, dentre os entrevistados, 98,2% informaram
que o lixo é coletado diretamente na rua, enquanto 1,8% apontaram tal
processo através de caçambas.
Quando questionados sobre o sistema de esgoto verificamos que
56,5% utiliza fossa séptica, 24,3% recorrem a fossa rudimentar, 14,4%
dos entrevistados utilizam rede pública, 2,4% escoam o esgoto direto
para o rio/lagoa/valão, 1,2% vala a céu aberto e 0,9% usam de outros
meios. Cabe destacar que não existe rede pública de esgoto no bairro, e
sim uma ligação irregular que leva o esgoto de algumas casas para uma
vala. Desse modo, 14,4% dos moradores pesquisados que responderam
rede pública, desconhecem o que é este sistema, confundindo-o com
ligação irregular7 .
Em relação ao calçamento das ruas o gráfico a seguir permite
observar este dado:
Ao relacionar-se cidadania com território verifica-se que:
O território também representa o chão
do exercício da cidadania, pois
cidadania significa vida ativa no
território, onde se concretizam as
relações de vizinhança e solidariedade,
as relações de poder. É no território que
as desigualdades sociais tornam-se
evidentes entre os cidadãos, as
condições de vida entre moradores de
Gráfico 1: Existência de Calçamento na Rua
Fonte: Inquérito Populacional 2009/2010
7
Segundo as informações coletadas, em Custodópolis, os moradores construíram um sistema clandestino de esgoto, com manilhas que passam no subsolo do bairro e levam
os dejetos de algumas casas para um “valão” existente no bairro vizinho.
68
Ao serem indagados a respeito da rede pública de
abastecimento de água, 89,8% dos moradores informaram que a
utilizam, sendo que 8,7% usam poço, 0,3% nascente e 1,2% servese de outros meios.
O gráfico a seguir permite a visualização de tais dados.
Fonte: Inquérito Populacional 2009/2010
Com relação a água, verificou-se que 49,6% bebem água
mineral, 25,2% recorrem a filtros antes da ingestão, 19,5% não
realizam nenhum tipo de tratamento, 2,7% fervem a mesma, e os
demais (3,0%) usam outras alternativas como a cloração.
No que se refere o transporte coletivo foi informado por
100% dos entrevistados que este existe. Desses 81,7% disseram
que o tal serviço atende totalmente as necessidades da sua família,
enquanto 18,3% afirmaram que não. Ressalta-se também que destes
18,3%, 68,8% informam que essa insatisfação decorre da
insuficiência de horários, 6,6% por causa da distância da sua casa
em relação ao ponto de ônibus, 6,6% falam da necessidade de
recorrer a mais de um ônibus para chegar a escola/trabalho, 14,7%
por outros motivos e 3,3% não responderam.
Dentre os transportes o mais usado pelas famílias, o que
se destaca é o ônibus, informado como o principal meio de
locomoção por 56,8% dos entrevistados, seguido pelas vans/
lotações (20,7%), o carro (14,1%), moto (3,6%), bicicleta (3,6%)
e outros meios (1,2%).
Um aspecto também lembrado em relação às condições
de vida no bairro, foram os momentos das fortes chuvas. Embora
34,5% não identifiquem tal fato como problema, 46,0% a
reconheceram, atingindo tanto o bairro, quanto sua rua, enquanto
15,9% afirmaram ter este problema no bairro, mas não na sua rua,
e 3,6% identificaram outros itens, como infiltrações em casa. Cabe
ressalvar que dos 65,5% que responderam haver algum tipo de
problema no bairro, e/ou na rua, os aspectos destacados foram: os
alagamentos nas ruas (31,4%); o transbordo das fossas (20,1%); as
goteiras e/ou infiltração nas casas (14,5%); o lixo e sujeiras nas
ruas (14,3%); a dificuldade de entrar e sair de casa (14,2%); e
enfatizaram outros problemas (5,5%).
No que se refere aos riscos no local onde moram, 47,1%
dos entrevistados disseram que os mesmos não existem, 52,6%
afirmam que há e 0,3% não responderam. Destes 52,6% que afirmaram
haver riscos, 28,8% destacam as drogas, 28% a violência, 13,2%
enchente, 12% doenças por falta de saneamento, 9,9% acidentes de
trânsito e 8,1% citaram outros riscos relacionados a assistência a saúde
e problemas estruturais da casa onde moram.
Diante de todos estes aspectos, os entrevistados foram
questionados em relação a satisfação com o local em que vivem. Suas
respostas evidenciaram que 21,6% dizem não estar satisfeitos,
contrapondo-se a 78,1% que se manifestaram de modo favorável,
cabendo ressaltar que 0,3% não responderam.
Verifica-se que as conseqüências geradas pelo crescimento
territorial, sem planejamento no bairro, causaram sérios problemas,
principalmente no que se refere a estrutura urbana. Esta população sofre
por não ser servida adequadamente no que tange ao saneamento básico,
uma vez que, conforme o Artigo 60 da lei nº. 7.972 de 10/12/07 – Plano
Diretor de Campos dos Goytacazes –, considera-se saneamento básico
o conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de:
I – Abastecimento de água potável:
constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao
abastecimento público de água potável,
desde a captação até as ligações predicais
e respectivos instrumentos de medicação.
II – Esgotamento Sanitário: constituído
pelas atividades, infra-estruturas e
instalações operacionais de coleta,
transporte, tratamento e disposição final
adequados dos esgotos sanitários, desde
as ligações predicais até o seu lançamento
final;
III – Limpeza urbana e manejo de
resíduos sólidos: conjunto de atividades,
infra-estruturas e instalações operacionais
de coleta, transporte, transbordo,
tratamento e destino final do lixo
doméstico, hospitalar e industrial além do
lixo originário da vacinação e limpeza de
logradores e vias públicas.
IV – Drenagem e manejo das águas
pluviais urbanas: conjunto de atividades,
infra-estruturas
e,
instalações
operacionais de drenagem urbana de
águas pluviais, de transporte, detenção ou
retenção para o amortecimento de vazões
de cheias, tratamento e disposição final
das águas pluviais drenadas nas áreas
urbanas.
Correlacionando as concepções destes conjuntos de serviços,
com os dados obtidos no inquérito, apresentados anteriormente,
verificou-se diversas questões que merecem uma análise mais detalhada.
69
Os desafios da moradia e o seu entorno em Custodópolis
No âmbito da “Limpeza urbana e manejo de resíduos
sólidos” verificou-se que há uma coleta de lixo efetiva no bairro,
porém estes resíduos não possuem local adequado de armazenamento
anterior a realização de sua coleta, pois 98,2% dos entrevistados
informaram que estes ficam acumulados diretamente na rua. Esse
dado vem a se confirmar na visualização obtida no percorrer pelo
bairro, na medida em que se observa uma grande variedade de
resíduos acumulado nas ruas e em alguns terrenos, além do elevado
índice de esgoto a céu aberto, o que pode ocasionar doenças a esta
população.
A ausência de um “Esgotamento sanitário” é algo destacado
pelos entrevistados, pois não há uma rede pública de esgoto no bairro,
que pode ser verificado nas seguintes falas:
de água, esgoto sanitário, drenagem urbana
e gestão de resíduos sólidos/lixo); a maior
participação dos responsáveis pelos
impactos no pagamento dos custos das
soluções; controle social da gestão da
drenagem urbana; e, a adoção de inovações
ambientais na definição das soluções.”
(MORAIS, 2009, p. 41)
Pode-se visualizar os problemas decorrentes da falta de um
esgotamento sanitário no território de Custodópolis, a partir das seguintes
fotos:
“As fossas transbordam quando chove
e alaga todo o quintal.”
“Um mês atrás duas fossas
transbordaram, fiquei ilhada, fora o
cheiro horrível, já teve caso aqui de
morrer três crianças da mesma família
por falta de saneamento básico, parece
que foi doença de rato.”
“Alaga a rua e mesmo com o sistema de
manilha, alaga tudo. Vem toda a água
da pracinha.”
“A falta de esgoto é a pior coisa do
bairro. Tive que fazer uma fossa para
escoar o esgoto. Se deus não ajudar a
água invade a casa.”
Foto 1: Esgoto no território de Custodópolis
Fonte: Arquivo GRIPES
Os problemas resultantes da falta de uma rede de esgoto no
bairro também produzem diversos problemas decorrentes das chuvas,
essa realidade é verificada à medida que 65,5% dos entrevistados
informaram haver problemas no bairro, e/ou rua, decorrentes deste
fator.
Destes problemas, destacaram-se o alagamento das ruas
(31,4%) e o transbordo das fossas (20,1%), ou seja, questões que se
apresentam não pela chuva em si, mais pela ausência de um
escoamento das águas destas chuvas, ou melhor, da ausência de
drenagem urbana, conforme nos mostra Morais (2009). Este mesmo
autor, recorrendo a Tucci, afirmar que “inundações são conseqüências
do aumento das áreas impermeáveis e da canalização dos rios”, sendo
a resolução destes problemas algo possível a partir de medidas já
apontadas pelo Ministério das Cidades brasileiro, que são a
adoção de políticas públicas que
integrem as quatro pontas das ações do
saneamento ambiental (abastecimento
Foto 2: Lixo/entulho no território de Custodópolis
Fonte: Arquivo GRIPES
70
Verifica-se que esta realidade “além do efeito visual
negativo, torna-se propício à disseminação de doenças,
multiplicação dos animais nocivos como rato, animais peçonhentos
e outros aspectos degradantes, do ponto de vista da saúde pública
e do meio ambiente.” (ALVES, 2004, p. 759).
Já com relação ao “Abastecimento de água potável”,
observa-se que este ocorre de modo considerável na medida em
que 89,8% dos entrevistados afirmam possuir abastecimento de água
através da rede pública, porém não podemos deixar de destacar,
que 10,2% dos moradores do bairro não possuem este tipo de
abastecimento e não tem como verificar se a água consumida nestes
casos, está em conformidade com os padrões de potabilidade para
água para consumo humano.
Embora 80,5% dos entrevistados consumam água que
passaram por algum tipo de tratamento, verifica-se um alto índice
de pessoas que consomem água direto da torneira, dessa forma,
estes indivíduos e suas famílias estão expostos a uma possível
contaminação, pois não se sabe se a água consumida está dentro
dos padrões de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde,
conforme nos apresenta Domingos (2008).
Em relação aos meios de transporte, os coletivos são os
mais utilizados pelos entrevistados (56,8% Ônibus e 20,7% vans/
lotação) sendo este resultado algo já apontado por Vasconcellos
(2000) quando ele afirma que
Apesar da relevância aparentemente
crescente do automóvel, os países em
desenvolvimento
podem
ser
aparentemente classificados em um
primeiro momento ou como países não
motorizados (especialmente a África)
ou como países que dependem
basicamente de meios motorizados,
principalmente o transporte público.
Quanto ao transporte coletivo
motorizado, o meio mais utilizado é
indiscutivelmente o ônibus (e suas
variações), independentemente da
região. (VASCONCELLOS, 2000,
p.20-21)
Ainda com relação ao transporte, foi verificado que 18,3%
não estão satisfeitos com o atendimento, tendo como principal
motivo a insuficiência de horários, apontado por 68,8% destes.
Verifica-se a partir de Leal (2002), que as empresas determinam a
organização do horário e a quantidade de ônibus disponível e que
“os ônibus atuam com um grau de autonomia que parece indicar
que a regulação existe apenas para a preservação dos mercados”
(LEAL 2002, p.33), dessa forma, o transporte “público” acaba por
atuar em favor dos lucros dos empresários, obedecendo a lei do
mercado, ficando aquém do atendimento de qualidade as
8
necessidades da população que o utiliza.
Campos dos Goytacazes foi a primeira cidade da América
Latina a receber o serviço público municipal de iluminação elétrica em
1863, inaugurado por D. Pedro II8 , que era realizada por uma termelétrica
a vapor. Em consonância com este marco histórico, constatou-se que
98,8% dos entrevistados possuem iluminação elétrica em casa e 97,3%
afirmam que existe iluminação pública na sua rua.
Entende-se por Iluminação Pública “o serviço que tem por
objetivo prover de luz, no período noturno ou nos escurecimentos
diurnos ocasionais, os logradouros públicos, inclusive aqueles que
necessitem de iluminação permanente no período diurno (Resolução
da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel n.º 456/2000)”. (SILVA,
2006, p.1).
O mesmo autor aponta “dentro de um mesmo município
podem ser verificadas localidades urbanas onde ainda não existe
iluminação pública, o que pode inclusive sinalizar a falta de outros
pontos na infra-estrutura básica de água, saneamento, pavimentação
etc.” (SILVA, 2006 p. 3), apesar dessa afirmação o que vemos em
Custodópolis é uma situação diferente na proporção que não há uma
rede de saneamento no bairro, porém há iluminação pública, um
considerável serviço de abastecimento de água e pavimentação. Com
relação ao último, foi apontado, por 97,3% dos entrevistados, que
há calçamento em sua rua.
Por último, analisam-se os riscos urbanos informados em
que 52,6% dos entrevistados, entende o risco enquanto “uma criação
social, mediada pela capacidade de apreensão que cada grupo
humano desenvolve sobre ele.” (Zanirato et al, 2007 apud Ribeiro,
2010, p. 3), cabe ressaltar que por risco urbano compreende-se
aqueles decorrentes dos uso e da ocupação do solo urbano (CORTEZ,
2003).
Dos riscos apresentados pelos entrevistados destacam-se,
respectivamente, as drogas (28,8%), a violência (28%). Pode-se verificar
que os dois primeiros riscos apontados estão correlacionados e tem como
plano de fundo determinante, o sistema capitalista, algo já apontado
por Costa (1999) quando ela afirma que
a violência presente na realidade
brasileira articula-se com os efeitos
perversos do processo de mercantilização
capitalista levado ao extremo, que destrói
qualquer valor ou norma social não
relacionando com a ideologia do lucro
fácil e da busca da satisfação imediata do
desejo de consumir. Os jovens integrantes
das gangues matam e roubam, conforme
testemunhas de seus crimes, para ostentar
carros, motos e roupas. (COSTA, 1999,
p. 5)
As falas (depoimentos de entrevistados) a seguir, vêm a
reafirmar essa realidade de violência e drogas.
Informações obtidas em http://www.mundi.com.br/wiki-campos-dos-goytacazes-2709477.html em 19/11/2010.
71
“Hoje não existe mais festa por causa
da violência”.
O único perigo do bairro é “levar bala
perdida”
“O risco que tem aqui é quando a
bandidagem começa a dar tiro por ai.”
“Com relação as drogas... “é melhor
fingir que não vê”.
Não se pode deixar de destacar o elevado percentual de
entrevistados que afirma não vê risco no bairro (47,1%), dessa forma
concorda-se com Ribeiro, quando ao parafrasear Beck, afirma que
a sociedade contemporânea cria riscos
e parece acostumar-se a eles. A
naturalização dos riscos deve ser
combatida. Do mesmo modo que a
transformação do risco em uma
mercadoria, como o fazem as
companhias de seguro. Assumir essas
visões representa, ao mesmo tempo,
adotar o risco como algo inevitável e
natural, quando na verdade os riscos
são criados socialmente nas áreas
urbanas e, principalmente, que a
garantia de estar “livre” deles ocorre
na esfera privada e apenas a quem pode
pagar pela “proteção”. Essa visão
mercantil dos riscos tem que ser
alterada. (RIBEIRO, 2010, p. 2)
Pode-se inferir ainda, mediante os dados apresentados, que
Custodópolis é uma “cidade informal”, uma vez que este território
se apresenta esquecido, segregado e marcado por desigualdades e
pobreza, quando entendemos como Sirkis (2003, p. 19) que tal
expressão significa “a cidade das favelas, loteamentos clandestinos
e similares”.
Já Grostein (2001) refere-se ao mesmo espaço, a partir da
expressão “cidade clandestina ou cidade irregular”, entendida
como aquela em que ocorre, de forma abusiva, o crescimento urbano
sem controle, próprio da cidade industrial metropolitana,
compreendendo os bairros relegados pela cidade dos pobres e dos
excluídos, a cidade sem infra-estrutura e serviços suficientes, a
cidade ilegal, ainda que legítima.
Estas cidades informais são unidades dentro das cidades,
nas quais raramente chegam investimentos públicos, obrigando seus
moradores a conviverem com a falta de saneamento básico, coleta de
lixo e, em muitos casos, com os riscos de desabamento ou inundação.
É importante destacar que o fenômeno da expansão urbana ilegal ao
da exclusão social pode ser encontrado “em todas as cidades
brasileiras, em maior ou menor escala” (SIRKIS, 2003, p. 220).
A reflexão realizada até aqui, permite-nos compreender
que Custodópolis articula-se com uma dinâmica societária de exclusão,
em que os indivíduos que habitam este território, não têm a sua disposição
serviços públicos de qualidade, o que transforma este território
atravessado por vulnerabilidades que fragilizam a sua existência e
dificulta a emancipação e o exercício de sua dignidade.
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73
11
Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famílias em Custodópolis
Adilea Lopes da Silveria1
Christovam Luiz Machado Cardoso2
Denise Chrysóstomo de Moura Juncá3
Ivone dos Santos Magaldi4
Késia da Silva Tosta5
1. Laços e nós: composição e algumas características das
famílias pesquisadas
População residente, núcleo de pessoas que moram em
um mesmo domicílio, com ou sem laços de parentesco,
sobrevivendo com a renda de um ou mais de seus membros e
compartilhando normas de convivência comuns - esta foi a
concepção de família adotada no Inquérito Populacional realizado
no bairro de Custodópolis/Campos dos Goytacazes/RJ,
observando as referências citadas nos censos realizados pelo
IBGE.
Pai, mãe, filhos e enteados, pais e sogros, netos,
sobrinhos, agregados; jovens e idosos, estudantes e trabalhadores
- quantas pessoas compunham as famílias residentes no território
de Custodópolis? Que características apresentavam? Que
situações de vulnerabilidade estavam presentes em seu cotidiano?
Que capacidade de respostas revelavam frente à tais situações?
Estas eram algumas de nossas indagações e o retrato
que nos interessava construir não podia ignorar o perfil do próprio
município onde o bairro de Custodópolis estava inserido. Com
uma população que já ultrapassa os 440.000 habitantes (Censo,
2010) e uma receita orçamentária que gira em torno de
R$2.000.000.000,0066 , Campos ainda apresenta IDH-M (0,752)
abaixo da média, tanto do Estado (0,807), quanto do país (0,766),
comportando 19,7% dos moradores entre a linha da indigência e
da pobreza e 10,7% abaixo da linha da indigência7 . São moradores
que se espalham, indistintamente, pelo município, pois como
salientam destacam Najar, Baptista e Andrade (2008, p. 135)
A pobreza urbana não se distribui de
forma homogênea e uniforme no
espaço intra-urbano, da mesma forma
que também não se concentra em alguma
área contígua definida, ou seja, a
segregação social no espaço não é
“perfeita”. Nem todos os assentamentos
identificados como de baixa renda são
ocupados apenas por pobres e nem todos
os pobres ocupam áreas tidas como
carentes. Essa constatação imediata para
qualquer observador da metrópole
reflete, ao mesmo tempo, algumas das
dificuldades clássicas para se definir,
caracterizar e localizar a pobreza urbana
e questões não triviais no nível da
formulação de políticas públicas
compensatórias.
Em Custodópolis, histórias contadas e vividas expressavam
marcas variadas de uma vulnerabilidade que atravessava os tempos8
e chegava aos dias atuais, atingindo o cotidiano de quase todas as
famílias.
Nestas histórias foi possível identificar (CARNEIRO et.al.
1968, p. 8), por exemplo, que na década de 1960 era comum o aluguel
de quartos em casas que eram divididas em cômodos, configurando
um cenário onde 40% das habitações eram de “tipo barracões”, 52%
de adobe ou taipa e 97% não dispunham de instalações sanitárias.
Nos dias atuais, 95,5% residiam em casas, em espaços
compostos, em sua maioria por 4 a 5 ou até mesmo mais de 5 cômodos
(gráfico 1), onde distribuíam-se, sobretudo, de 3 a 4 pessoas (gráfico
2), observando um perfil que vigora na região norte fluminense, onde
a média é de 3,69 habitante/domicílio (Perfil 2005).
Acadêmica de Medicina da FMC (à época da realização da pesquisa)
Enfermeiro CCIH – HGG; Professor FAETEC - Campos dos Goytacazes. Gestor e professor de Graduação em Enfermagem - UNIVERSO - Campos dos Goytacazes. Mestre
em Comunicação Social pela UFRJ.
3
Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF.
4
Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos (à época da realização da pesquisa)
5
Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista de extensão (à época da realização da pesquisa)
6
Disponível em http://www.transparencia.campos.rj.gov.br/orcamento.php.Acesso em 11 de outubro de 2011.
7
Disponível em: http://www.cidac.campos.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=129&Itemid=73. Acesso em 11 de outubro de 2011.
8
Ver artigo: O território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares, publicado neste livro.
1
2
74
Gráfico 1: Número de cômodos nos domicílios
Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010
Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010
Gráfico 2: Número de pessoas por domicílio
Foto 1: Moradia em Custodópolis
Fonte: Acervo do GRIPES
Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010
Já em relação à condição de ocupação destes domicílios
verificou-se que, enquanto a média das casas próprias em Campos
era de 79,4% (Perfil 2005), em Custodópolis, tal percentual atingia
57,1%. Construídas com alvenaria e com o devido reboco
(81,4%), cobertas com telhas de Eternit (52%) ou laje de concreto
(33%) e pisos de cerâmica (65,8%), tais moradias, supostamente,
apresentariam condições favoráveis de habitabilidade. Entretanto,
não foi possível deixar de considerar a qualidade do material
usado, as construções e/ou reformas inacabadas, as infiltrações,
a umidade, a ventilação nem sempre adequada, os ratos, galinhas,
cães e porcos que circulavam, livremente, no meio de entulhos
existentes em seus quintais e outros tantos fatores, já abordados9
e ilustrados pelas fotos que se seguem, apontando para graves
problemas e identificando que, sem dúvida, a habitação era um
campo vulnerável em seu cotidiano.
9
Foto 2: Moradia em Custodópolis
Fonte: Acervo do GRIPES
Ao serem solicitados a identificarem a pessoa responsável por
tais casas 50,8% indicaram serem os próprios entrevistados, o que
remetia a uma provável predominância da chefia feminina das famílias,
tendo em vista o sexo da maioria dos pesquisados. Esta situação
apresentava sintonia com a encontrada no país e, mesmo, em nosso
município, embora se observando percentuais mais elevados em
Custodópolis. De acordo com o documento Perfil 2005 (2006), em 1991,
22,1% das famílias de Campos tinham mulheres em sua chefia,
crescendo este percentual para 27,2% em 2000. A explicação para tal
crescimento encontrava-se associada à fatores socioeconômicos e
demográficos, levando-se em conta elementos como: o aumento da
Ver os artigos A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis e Moradia: lugar de apropriações e práticas
75
participação feminina no mercado de trabalho e o envelhecimento
da população fluminense que “acaba tendo mais mulheres que
homens e mais mulheres viúvas.” (Id., p. 59).
Em Custodópolis, verificava-se, porém, um número
expressivo de entrevistados que se diziam “do lar” (tabela 1),
quanto o tema era profissão, informando, ainda, uma
escolaridade que em 55,6% dos casos abrangia o ensino
fundamental incompleto, ou seja, não revelavam,
aparentemente, alguma qualificação mais específica para acesso
ao mercado de trabalho. Além disso, 39,9% se encontravam
desempregados. Cabia, assim, questionar se, neste território,
seria possível estabelecer uma relação direta entre chefia
feminina das famílias e participação da mulher no mercado de
trabalho. Outros fatores, certamente, determinariam tal quadro,
mas não foram objeto deste estudo.
Tabela 2: Profissão dos responsáveis excluindo-se os entrevistados.
ESPECIFICAÇÃO
Nº
%
Atividades relacionadas à construção civil
Atividades relacionadas ao comércio
Atividades técnicas diversas
Serviços relacionados à mecânica de veículos
Motoristas
Serviços domésticos
Segurança e vigilância
Duas profissões simultâneas
Aposentados
Outros
TOTAL
42
17
16
14
14
11
07
06
04
33
164
49,5
10,4
9,8
8,5
8,5
6,7
4,3
3,6
2,4
20,1
100
Fonte: Inquérito Populacional - 2009/2010
Tabela 1: Profissão dos entrevistados.
ESPECIFICAÇÃO
Do lar
Serviços domésticos10
Atividades auxiliares diversas11
Atividades relacionadas ao comércio12
Atividades técnicas diversas13
Costureiras
Aposentados
Professores/orientadores
Sem profissão
Atividades relacionadas à construção civil14
Duas profissões simultâneas15
Segurança e vigilância
Cuidados pessoais e estética16
Outros17
Total
Nº
97
51
28
26
15
13
12
12
11
10
09
08
08
33
333
%
29,2
15,3
8,4
7,8
4,5
3,9
3,6
3,6
3,3
3,0
2,7
2,4
2,4
9,9
100
Fonte: Inquérito Populacional - 2009/2010
Outros responsáveis pelas famílias também foram
identificados salientando, sobretudo, companheiros ou esposos,
embora, também aparecessem respostas que destacavam a mãe, o
pai, um avô/avó, ou até mesmo, um ex-marido, namorado, irmão,
filho... A profissão destes responsáveis nos remeteu aos dados
apresentados na tabela 2, com grandes diferenças em relação à tabela
1 em que se evidenciava um número maior de mulheres.
Na década de 1960, os homens trabalhavam,
predominantemente, no corte da cana ou na limpeza das lavouras
pertencentes às usinas da região. Entretanto, registrava-se, também,
a presença de alguns pedreiros, carroceiros, padeiros, barbeiros,
sapateiros, pintores, eletricistas, pescadores e mecânicos. Já as
mulheres dedicavam-se ao trabalho doméstico, atuando como
cozinheiras e lavadeiras nas residências da cidade. As crianças,
por sua vez, eram vendedoras ambulantes e, assim, supostamente,
davam sua contribuição ao orçamento familiar (CARNEIRO, et.
al, 1968).
No cenário atual, a área da construção civil se destacava,
comportando, sobretudo, pedreiros. No comércio encontravam-se
balconistas e vendedores diversos, enquanto que, entre os técnicos
se registrou áreas como enfermagem, odontologia, química,
petróleo, laboratório. Motoristas também foram citados, seguidos
de ocupações relacionadas aos serviços domésticos, como
faxineiros, empregados diaristas e mensalistas. Com percentuais
menores apareceram o campo de segurança e vigilância, os que
exerciam duas profissões simultaneamente, os que não
especificaram sua ocupação, indicando, apenas, que já se
encontravam aposentados. Várias outras ocupações foram, ainda,
referidas, como por exemplo: porteiros, costureiros, trocadores de
ônibus, agricultores, carroceiros, cabeleireiros, inspetores de
alunos, garçons, varredores de rua...
Quando a questão era sua atual situação no mercado de
trabalho, foi possível identificar diferenças entre os entrevistados
10
Empregada mensalista, diarista, lavadeira, faxineira, cozinheira...
Auxiliar administrativo, auxiliar de serviços gerais ou escolares, auxiliar de enfermagem, auxiliar de creche.escolares.
12
Vendedores, balconistas, caixa, revendedores de produtos diversos.
13
Mecânico, marmorista, técnico de enfermagem, contador, eletricista, telecomunicações, farmácia, analista de alimentos, destilador, laboratorista, digitador,
soldador.
14
Pedreiro, pintor, calceteiro
15
Funcionário público e cozinheiro, decoradora e artesã, motorista e pintor de automóveis, aposentado e merendeira, do lar e manicure, artesã e auxiliar de
consultório odontológico, costureira e cabeleireira, costureira e salgadeira, garçon e cozinheiro.
16
Cabeleireiro, barbeiro, manicure
17
Acompanhantes de idosos, jogador de futebol, gari, jornaleiro,motorista, garçon, taxista,merendeira, agente comunitário, camareira, estudantes,
lavradores, engenheiro civil, pedadogo, enfermeiro...
11
76
Gráfico 3: Situação do entrevistado
Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010
Gráfico 4: Situação dos demais chefes de no mercado de trabalho família no
mercado de trabalho
Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010
Entre os primeiros o desemprego era acentuado, indicando
a ausência de renda individual e a relação com o mundo dos biscates.
Já no que se refere aos demais responsáveis identificou-se um
percentual considerável de assalariados com vínculo à Previdência
Social (37,8%), embora fosse, também, expressivo o índice de
desempregados (17%) e o grupo composto por aqueles que eram
autônomos sem Previdência (10,4%) ou autônomos com
Previdência Social (6,1%). Os demais se
distribuíam entre os que não tinham ocupação
fora de casa, os assalariados sem Previdência
Social e alguns empregadores, cabendo lembrar,
ainda, que 54,7% das famílias tinham, entre seus
membros, algum adulto sem ocupação
remunerada.
Além disso, a própria casa era usada
como local de obtenção de alguma renda por 21%
dos entrevistados referindo-se a oficinas
mecânicas, serralherias, fliperama, aluguel de
artigos para festas, lavagem de roupas, aulas
particulares para crianças, atividades como
cabeleireiros ou manicures... A grande maioria
(53,5%), contudo, envolvia a confecção e/ou
venda de roupas, artesanatos, doces e salgados,
sorvetes, quentinhas, produtos de beleza...
É válido registrar, de acordo com Barros
(1966) que já na década de 1960 identificamos
referências à existência de grupos de corte e
costura, aproveitando a identificação de um
número significativo de costureiras no bairro,
além dos cursos de bordado, tapeçaria, tricô,
crochê e pintura. Em 1965, alguns destes grupos,
organizaram um bazar, tendo por objetivo a
ampliação das possibilidades de realização dos
trabalhos artesanais, investindo-se as rendas
obtidas na aquisição do material necessário.
Trabalhos artesanais e comércio pareciam, assim,
se destacar em sua história, sendo que nesta época
Custodópolis já dispunha de padaria, açougue,
armazém de secos e molhados, barbearia,
farmácia e fábricas de goiabada e sandálias.
Comemorava o calçamento recente da praça e a
construção de um abrigo para passageiros.
Contava com um Posto Telefônico e uma Agência
de Correios e Telégrafos que, entretanto,
apresentavam “possibilidades mínimas de
funcionamento” (Id., p.31).
Hoje os moradores reconheciam que os
tempos eram outros. O bairro tinha crescido,
especialmente, no âmbito do comércio, considerado
como “uma referência em Guarus”. Suas falas
identificavam que “a pessoa sai a qualquer hora e
encontra o que quiser.” Isto era motivo de orgulho
para eles, apesar de verbalizarem que tal fato
também acarretava críticas.
Se na Cidade de Palha os moradores
tinham origens e costumes que os aproximavam
e estreitavam os vínculos entre as pessoas e os
lugares, Custodópolis abrigava não só gente “de
tradição” e “pessoas boas que queriam ajudar”.
77
Havia, também, “estranhos”, gente que vivia ali há pouco tempo
ou, ainda, aqueles que “tiram a oportunidade de trabalho” dos
filhos das antigas famílias. Eles “chegam ficam o dia todo dentro
de suas lojas e só saem para ir embora.”
Face a um mercado de trabalho nem sempre favorável, os
rendimentos mensais das famílias distribuíam-se em diversas faixas
como demonstra o gráfico 5, embora os valores entre 1 e 2 salários
mínimos tenham se destacado.
Gráfico 5 : Rendimento mensal das famílias
Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010
Tais dados remetiam, contudo, a uma realidade melhor do
que a encontrada na década de 1960, quando o rendimento mensal
das famílias era mais baixo e instável, comprometendo suas
condições de vida e gerando algumas iniciativas na localidade:
“vários shows foram realizados no Cine Primor, às segundas-feiras,
cuja renda era revertida no aviamento de receitas médicas.”
(CARNEIRO, op. cit. p. 24)
Atualmente, mesmo com limitações, a forma de utilização
de tais rendimentos remetia, sobretudo, à alimentação, uma vez,
que para 63,4% das famílias, os maiores gastos encontravam-se
nesta área, especificando que sua base era o arroz e feijão, produtos
citados como os mais consumidos, embora havendo lugar, também,
para café, açúcar, macarrão, leite, além de alguns legumes e em
menor escala as frutas. Esta é uma tendência nacional, uma vez
que, com recursos limitados, a alimentação é a prioridade no
contexto da pobreza no país. Segundo estimativas do IBGE18 , entre
as famílias brasileiras que recebem até dois salários mínimos, os
gastos nesta área chegam a atingir 27,8% de suas despesas totais.
Também em relação ao tipo de alimentos identificou-se
semelhanças, uma vez que a Pesquisa de Orçamentos Familiares
2008-200919 registrou, como alimentos mais consumidos, o arroz
(84,0%), feijão (72,8%) e café (79,0%).
Em Custodópolis foram, ainda, citados, gastos com água/
luz/gás (18,6%), medicamentos (11,1%), e outros (3,9%)
abrangendo aluguéis, roupas, planos de saúde, pensão de filhos, colégios
particulares, cursos profissionalizantes, despesas escolares, prestações
referentes a produtos adquiridos e construção da casa própria.
Algumas outras características, também foram identificadas entre
as famílias pesquisadas, como indica a tabela 3.
ESPECIFICAÇÃO
%
Membros de 0 a 15 anos --------------------------------- 49,5
Idosos ------------------------------------------------------- 33,3
Pessoas com deficiência --------------------------------- 15,6
Membros analfabetos ----------------------------------- 16,2
Adultos cursando Ensino Superior ------------------- 13,8
Crianças fora de creches ------------------------------- 14,1
Crianças/adolescentes fora da escola ----------------- 5,4
Gestantes com menos de 18 anos ---------------------- 3,0
Verificava-se, assim, uma presença significativa de crianças e
adolescentes, bem como de idosos e pessoas com alguma deficiência,
Neste último caso o destaque encontrava-se em problemas físicos/
motores tanto congênitos, quanto decorrentes de acidentes e seqüelas
de AVE (Acidente Vascular Encefálico). Com índices menores, houve
também registro de deficiências mentais, visuais e auditivas.
Em relação às crianças e adolescentes havia uma preocupação: como
ocupá-los, face à extinção de alguns programas sociais que antes,
exerciam esta função e trabalhavam, principalmente, com esportes? A
ociosidade aparecia como um convite para seu ingresso no cenário das
drogas, pois como uma mãe ressaltou: “Quando meu filho era pequeno
as crianças dos vizinhos brincavam com ele lá em casa. Hoje ele tá
com 16 anos e não tem mais quase ninguém vivo daquela época.”
Entre os idosos a depressão, antes tão presente, vinha sendo
enfrentada através das atividades que desenvolviam nos grupos de
terceira idade. Já em relação à questão da deficiência, havia sobretudo,
o problema de transporte para locomovê-los, para acesso à assistência
de que necessitavam.
O motivo do índice de analfabetos (“analfabetos de pai e mãe”,
como um afirmou) não foi especificado, mas podia estar relacionado a
vários fatores, dentre os quais, o que se destaca no seguinte depoimento:
“num sei ler. Minha mãe nem pôde me botar na escola. Era longe e
tinha perigo soltar uma criança de 6, 7 anos pra andar tudo isso”.
Atualmente, porém, era pequeno o número de crianças fora
das escolas e/ou das creches, bem como já apareciam moradores
inseridos no ensino superior, apesar de registrarmos depoimentos como:
“a gente não tem oportunidade para isso.” Suas falas, também, não
deixavam de registrar algumas críticas, considerando, principalmente,
que tais escolas “não estão dando conta” das necessidades do bairro,
18
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares:2002-2003: Primeiros resultados: Brasil e grandes regiões. Rio
de Janeiro: IBGE, 2004. 276 p.
19
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares:2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio
de Janeiro: IBGE, 2011. 150 p.
78
estendendo suas queixas à falta de cursos noturnos e supletivos.
Além disso, embora estas escolas tivessem alunos residentes no
bairro pesquisado, nem todas se localizavam no espaço considerado
como Custodópolis. Por este motivo, ouvimos vários relatos sobre
as dificuldades que vivenciavam para que seus filhos e/ou netos
pudessem freqüentá-las, citando as distâncias e gastos com
transportes, bem como:
O circo era sempre. O lugar ficava
movimentado. Era a atração
(depoimento de morador, registrado
em diário de campo).
São Jorge, a quadrilha [...] Num faltava alegria [...] A festa durava
uma semana. Tinha praça, botava barraquinha, vinha parque.”.
Chegando aos dias atuais, porém, poucas opções foram listadas,
predominando as atividades relacionadas à religião (38,2%), embora com
restrições: “hoje só tem procissão. Passa pelas ruas aquela filinha curta,
fraca.” Alguns atribuíam tais mudanças ao padre que disse que “não
pode fazer festa profana.” Outros, contudo, retomavam, mais uma vez,
um problema que aparecia com freqüência nos relatos colhidos: “hoje
não existe mais festa de rua por causa da violência. É muita bebedeira e
muita droga. Onde você não imagina tem um pontinho de droga.”
As comemorações em casas de familiares ou amigos foram,
também, lembradas (20,7%), enquanto as demais respostas, relativas
ao lazer, se apresentaram de forma diversificada, incluindo passeios
diversos (cinema, praias, shopping, pequenas viagens, ida a
pizzarias), esportes, bailes, dentre outros. Houve ainda os que
disseram que apenas viam televisão em casa ou que não participavam
de nenhuma atividade. As festas na quadra da Escola de Samba, tão
valorizadas em sua história, foram pouco citadas (1,5%), além de
serem objeto de algumas críticas, em relação aos dias atuais. Vários
relatos apontaram para o fato de que “todo domingo tem
programação na quadra. Tem pagode.” Moradores de bairros
vizinhos, também, compareciam. Entretanto, para alguns, “as
famílias não participam muito. Na fundação era família. A diretoria
saía pra pegar as moças em casa e depois ia levar.” Hoje, porém,
este já não era um lugar frequentado “pelas famílias”,
A Praça José Dias Nogueira, antes um local de convivência,
ainda estava em obras, no período de realização da pesquisa e tornouse um lugar onde “fica muita molecada.” Mesmo sonhando com o
término da reforma, não deixavam de afirmar que, por enquanto,
“aquela praça ali é um escândalo. Aquilo não existe, não é praça!”
Instalada em um local que foi doado por uma antiga
moradora, a praça foi lembrada com um lugar que era “ajeitadinho”,
com banco de alvenaria, ponto de ônibus com “tapagem de telha
colonial” e uma antiga caixa d´água. Sua desejada reforma só trouxe
queixas dos mais variados tipos. Segundo uma moradora, houve
alteração do espaço e a rua que separa sua residência da praça foi
diminuída. Com isso, os quiosques em construção, “estão quase
dentro da minha casa.”
As mudanças em andamento não eram as desejadas pelos
moradores. Eles gostariam, por exemplo, de brinquedos para as
crianças e não de quiosques que supõem que serão ocupados por
bares, gerando ainda mais problemas para o bairro. Alguns
informaram que a população lutou por isso, mas “o grupo de S.
(vereador local) venceu.”
Uma grande placa anunciava a obra e seu custo, bem como
o prazo para sua conclusão. Na prática, contudo, não sabiam precisar
há quanto tempo já conviviam com tal situação, embora se referissem
a um período entre um e dois anos. Na análise de uma moradora de
83 anos, a situação era a seguinte:
Grande destaque mereciam as festas religiosas: “Festa
nossa era a procissão de Nossa Senhora da Conceição, a festa de
A praça tá tudo cavacado. Eles começaram
a cavacar e nada. Eles derrubaram,
O ensino aqui é muito ruim,
principalmente nas matérias básicas
(depoimento de morador, registrado
em diário de campo).
Os professores faltam muito e no fim
do ano dão um trabalho para os
alunos. Esse aluno nunca vai
conseguir passar bem em um
concurso público (depoimento de
morador, registrado em diário de
camp).
Em relação ao lazer, seu passado era repleto de histórias:
Tinha um cinema de nome Cine
Primor [...] Tinha uma tela grande e
passava lá. Os dizeres eu não sei
contar. Era de seu Hipólito que era
também o dono da padaria. Tinha uns
filmes antigo. Ele queria alegrar o
povo [...] Trazia artistas, show de
música (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
A Rua Poeta Marinho era chamada
de Rua da Raia porque tinha corrida
de cavalo (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
Dia de domingo era dia de alugar
bicicleta [...] A gente se desdobrava
durante a semana pra ganhar umas
moedinhas pra alugar as bicicletas
(depoimento de morador, registrado
em diário de campo).
79
rebentaram tudo e tá tudo no chão. Os
políticos não querem nada. Só roubam
a nação. Eu num gosto de novela, mas
as notícias eu gosto de ouvir. É isso
que tá aí e se vem alguém querendo
melhorar eles mata. Num viu aquele
Celso, mataram ele. Na época de Zezé
não era assim. Agora só vê corrupção.
A praça tá abandonada, a cidade de
Campos também. O lugar é lugar de
gente humilde. Aparece gente pra
perguntar o que precisa só na época de
política. Eu penso assim: se dentro da
cidade eles tão cavando e deixa tudo
daquele jeito que está, que me diz aqui,
então, que só tem pobre?”
Um entrevistado declarou que o bairro “não oferece
nada para os jovens. Ou ele se converte na Igreja e participa
das atividades dela, ou não tem nada pra fazer.” Face a tal
quadro, o que se via, atualmente, eram pessoas envolvidas
em “pegas” com suas motos, aos sábados, na avenida
principal do bairro, e “um tal de baile funk, que tá acabando
com a juventude”, promovido pelo “Clube di Roma.” Nestas
ocasiões sempre ocorriam brigas e até mortes. Houve períodos
em que esses bailes deixaram de acontecer, mas quando
retornaram, verificou-se um aumento da violência, além de
assaltos nos estabelecimentos comerciais (sic).
A conclusão a que alguns chegaram é que: “hoje não
pode ter festa.” E o problema encontrava-se “nos bandidos.”
Mas eles não eram moradores de Custodópolis: “são pessoas
de outros bairros e do Rio de Janeiro.”
Muitos problemas enfrentados pelo bairro retomavam
à questão da violência. Para alguns, isso não chegava a se
constituir como problema, já que “tem drogas, mas não ataca
a gente não”, ou como registrou um pesquisador: “os rapazes
que estão envolvidos com drogas respeitavam sua família e
ele tem certeza que ‘nunca mexerão’ com eles, já que eles
são pessoas tranqüilas”.
Houve que dissesse: “em boca fechada não entra
mosca”, ou “quem evita riscos é a boa convivência”.
Entretanto, para a maioria, assaltos, assassinatos, tráfico de
drogas e “o risco de levar uma bala perdida” passaram a
compor o cotidiano de Custodópolis, impedindo a existência
d e a u l a s n o t u r n a s , l i m i t a n d o a s a t i v i d a d e s d e l a z e r,
provocando problemas de saúde, gerando estigmas que se
espalhavam, indistintamente, entre todos os que residiam na
localidade...
Varios foram os relatos que abordaram tal situação:
Época boa era quando eu era jovem.
Hoje não tem tranquilidade
(depoimento de morador, registrado em
diário de campo).
No primeiro dia que vim pra Custodópolis,
roubaram as coisas que ainda estavam na
varanda (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
Tem criança de 10 anos vendendo droga,
com arma na cintura (depoimento de
morador, registrado em diário de
campo).
Hoje morre um (referindo-se a alguma
criança) e amanhã já tem outro no lugar
(depoimento de morador, registrado em
diário de campo).
A gente fica ali na igreja correndo risco
[...] Domingo até mataram um no bar do
outro lado (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
Aqui era tranqüilo. Agora sai, é assaltado,
ouve tiros (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
Às vezes não pode nem ficar na frente da
casa (depoimento de morador, registrado
em diário de campo).
Há 60 anos quando tinha um crime,
chocava. Hoje ta matando como mata
mosquito. É muito crime. 90% é droga. Na
minha rua tem um ponto. O pessoal desce
tudo pra comprar e bandido mata bandido
(depoimento de morador, registrado em
diário de campo).
Estão matando gente em frente da
delegacia (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
Uma fala comum indicava que várias mortes aconteciam “por
engano.” Pessoas que teriam sido “confundidas” e mortas, no lugar de
outras: “tem muito jovem morrendo por causa das drogas e tem uns
morrendo por engano.”
Alguns moradores pareciam não gostar de abordar este assunto.
De um lado podia estar o medo, de outro, a necessidade de preservar a
imagem do bairro, negando que o problema fosse de sua comunidade:
“Vem gente de fora, né?”. Entretanto, encontramos, também, os que
deixaram claro o que vinha acontecendo:
80
Os problemas acontecem quando as 2
facções estão em briga. Eles dividem
os espaços de cada um. Você pode ver
os muros que são pichados, dizendo
de quem, é aquele pedaço. Tem até as
áreas onde eles podem circular. Um
não pode entrar na área que o outro
comanda. E isso não é só aqui dentro
do bairro. Por exemplo, se o Parque
P. for de um lado, o outro não pode
entrar. Agora está calmo porque os
grupos se aliaram (depoimento de
morador, registrado em diário de
campo).
A ação da polícia foi alvo de muitas críticas. Os moradores
reclamavam da falta de policiamento nas ruas, acreditando que só
assim recuperariam a tranquilidade do bairro. Para justificar sua
opinião se referiram a um policiamento ostensivo que ocorreu, por
interferência de um político, em frente da casa de uma moradora,
na época em que ela teve uma filha assassinada. Neste período, não
aconteceu nenhum problema na área. O mesmo se aplica à época
em que era mantido um policiamento regular na praça, havendo
“mais respeito.”
O bairro conta com uma delegacia da polícia civil. Mas,
segundo alguns moradores, ela apenas registrava alguma ocorrência,
mas não atendia a nenhum chamado ou denúncia:
Tem uma delegacia logo ali, mas só
atende quem chega (depoimento de
morador, registrado em diário de
campo).
Eles só chegam na gente quando você
diz que vai matar (depoimento de
morador, registrado em diário de
campo).
O descrédito dos moradores em relação à atuação da polícia
se estendia, também, aos comerciantes. Eles não registravam os
assaltos que sofriam, porque afirmavam que “não resolve”. A
alternativa que encontraram foi recorrer à vigilância particular, mas
isso só era possível para alguns, em função dos custos.
Apegados ao modo de vida da sua origem, e repetindo, a
todo momento, que este “é um bairro de tradição”, os moradores
sinalizaram os valores que norteavam seu cotidiano: o trabalho
(ou pelo menos, a procura dele); a necessidade de ter uma
ocupação e não ficar “à toa nas ruas”; a vida em família; a escola;
a convivência sem brigas; o reconhecimento e a gratidão em
relação aos que os ajudaram...
Em suas análises, o progresso não trouxe só coisas boas.
20
Antigamente, Custodópolis vivia as limitações por ser identificada como
área rural, mas tinha um cotidiano que expressava uma grande vitalidade
sócio-cultural. Hoje, esta mesma área era chamada de periferia, bairro
carente, e pior, carregava o estigma de localidade perigosa, afetando
sua auto-estima. Ao longo dos anos, sua identidade original foi se
perdendo, deixando em seu lugar algo que não aprovavam e os igualavam
a tantas outras localidades.
O passado ainda tão presente, era um fato inquestionável e, um
certo conservadorismo, de alguma forma, era preservado, também sob
influências de suas crenças religiosas. Entretanto, os dias atuais abriam
um espaço para a presença de estranhos e a inexistência e/ou fragilidade
de vínculos que valorizavam e já experimentaram: “quando era garoto
conhecia todo mundo. Hoje já não conheço mais. É muita gente de
fora e aglomera tudo na pracinha.”
Dos tempos de ontem, preservaram um meio de comunicação:
o serviço de alto-falante, que funciona em um ponto comercial de
propriedade de um dos filhos de um antigo morador, que também dá
nome à Praça. Tratava-se de um “serviço de utilidade pública”, como o
denominava seu proprietário. Ali ele fazia propaganda do açougue,
anunciava nascimentos, mortes e missas, comunicava perdas de
documentos e divulgava notícias que julgava de interesse da comunidade.
Fazia, porém, questão e dizer que “num cobro nada”, só de políticos.
Diante de tal quadro, ao retomarmos as indagações iniciais sobre
as características das famílias de Custodópolis, era possível afirmar que
o que a pesquisa realizada sinalizava era um quadro de vulnerabilidades
que acompanhava a história do bairro e outras tantas que foram surgindo
ao longo dos anos. Vulnerabilidades do lugar e das pessoas se
entrelaçavam, não havendo como negar “a existência de riscos, a
incapacidade de reação, e as dificuldades de adaptação frente à
materialidade do risco” (BUSSO, 2002). Rendas monetárias estavam
em jogo, mas também, dimensões sociais, culturais, ambientais, civis...
Estávamos, assim, diante de uma vulnerabilidade multidimensional,
talvez agravada pela fragilidade das ações das políticas públicas no
território de Custodópolis, bem como do esmorecimento dos recursos e
estratégias das próprias famílias para enfrentarem tal realidade20 , fruto
do que experienciavam em sua história recente. No campo da saúde, a
vulnerabilidade também estava presente, expressando-se através de uma
combinação de algumas variáveis.
2.
Saúde e itinerários terapêuticos: velhos problemas, novas
saídas?
Ao se percorrer o bairro de Custodópolis, vários aspectos logo
chamavam a atenção: o tráfego intenso de veículos, o barulho das
motocicletas, o desenho irregular das ruas, a precária pavimentação, o
lixo que se acumulava em alguns terrenos, as áreas mais vulneráveis a
alagamento. O problema maior, contudo, era a ausência de um sistema
de esgotamento sanitário e, como consequência, era vísivel a “água
suja que corre na rua”, ficando ainda pior nos períodos de chuva.
O descontentamento dos moradores era claro, bem como as
preocupações com o que tal situação podia acarretar para sua saúde:
Ver o artigo Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade, publicado neste livro.
81
A água escorre direto na rua. É água
de fossa misturada com a água que vem
do shopping e do açougue. Eles lavam
lá e fica escorrendo direto (depoimento
de morador, registrado em diário de
campo).
O descuido do poder público é total. O
bairro não tem limpeza na rua, num tem
esgoto. É tudo fossa (depoimento de
morador, registrado em diário de
campo).
A gente passa e vê as larvas. É muito
perigoso para as crianças (depoimento
de morador, registrado em diário de
campo).
impedindo o escoamento das águas.
Apesar de reconhecerem que a situação enfrentada “é uma
vergonha”, ouvimos relatos que apontaram que, eram os próprios moradores
que contribuíam para seu agravamento: “eles reclamam, mas também
aproveitam e jogam a água deles [...] alaga tudo na rua.”
Na verdade, estávamos diante de um ambiente, visivelmente,
não saudável, trazendo implicações na constituição do perfil de saúde
dos moradores (gráfico 6). Neste perfil o que se verificou foi que apenas
13,8% dos entrevistados consideravam sua saúde como ótima. A
classificação boa foi atribuída por 34,5% deles, enquanto 40%
registraram a opção regular e 11,7 % a ruim. Quando o tema se estendeu
às famílias (gráfico 7) os percentuais se assemelharam: 11,7%
informaram que a mesma era ótima, 44,5% boa, 32,1% regular e 6%
ruim e 5,7% não responderam.
Gráfico 6: Saúde do entrevistado
Quando chove muito, tem que ver
como fica a rua. Fica como se fosse
rio. Entra pra fossa, entra pra casa. Os
vizinhos reclamam do mau cheiro. Nós
temos de botar talba na rua pra passar
(depoimento de morador, registrado em
diário de campo).
Um mês atrás duas fossas
transbordaram, fiquei ilhada, fora o
cheiro horrível. Já teve caso aqui de
morrer 3 crianças da mesma família,
por falta de saneamento básico, parece
que foi doença de rato (depoimento de
morador, registrado em diário de
campo).
A frente da casa (o muro) é feito de resto
de entulho e há muito lixo no terreno
onde as crianças ficam brincando
descalças, no meio do barro e do lixo
juntamente com os cachorros (registro
de um pesquisador no diário de
campo).
Vários destes problemas acompanhavam o bairro desde o
início de sua formação e com o passar dos anos só tinham piorado,
principalmente, considerando algumas particularidades do espaço
geográfico atual. Era o caso, por exemplo, de algumas áreas mais
inclinadas, de outras mais baixas, dos trechos sem saída, ou ainda,
das ruas que “foram interrompidas”. Ruas que receberam a construção
de algumas casas, ao longo de seu trajeto, e depois prosseguiram.
Além disso, havia os quintais que eram ocupados por oficinas
mecânicas e/ou “ferros-velhos”, invadindo as calçadas e ruas e
Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010
Gráfico 7: Saúde da família
Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010
82
Esta classificação provavelmente estava relacionada a
algumas situações relatadas, onde se identificou, por exemplo, casos
de internação hospitalar nos últimos 6 meses em 18,6% das famílias
e o registro de óbitos em 6,6% delas, em relação ao último ano.
Tais óbitos abrangeram principalmente casos de enfarte (22,7%),
neoplasias (18,2%) e derrames (13,6%), além de homicídios (4,6%)
e diversas outras causas como: anemias, “problemas nos rins”,
“problemas no fígado”, e outros não identificados. É válido
registrar, ainda, que 63,6% destes óbitos se referiram à indivíduos
na faixa de 18 à 60 anos, 22,7% à idosos com mais de 60 anos e
13,6% à jovens menores de 18 anos.
Além disso, 28,5% das famílias identificaram a ocorrência
de alguma doença em pelo menos um de seus membros no momento
de realização da pesquisa. Houve quem fizesse referência apenas a
alguns sintomas, sem saber precisar bem o diagnóstico, enquanto
outros nomearam as doenças e suas implicações:
Parece que o coração vai sair
(depoimento de morador, registrado
em diário de campo).
d.
e.
f.
g.
h.
coluna” não especificados, além de artroses,
osteoporoses, quebradura do fêmur, hérnia de disco,
ostiomelite, artrite, gota, reumatismo;
Mentais, com destaque para a depressão, seguida de
“problemas de nervos” e esquizofrenia;
Neurológicas, com predominância de AVC, além de
“tumor na cabeça”, “problema neurológico” não
especificado, cefaléia, Parkinson, eplepsia;
Respiratórias/pulmonares, havendo referência à
bronquite, gripe e tuberculose;
Renais, com relatos de cálculo renal e “problemas
renais”;
Outras, onde foram enfatizados o alcoolismo e
colesterol alto, além de diverticulite, labirintite, dores
abdominais, pancreatite, glaucoma, problema de
audição, anemia, erisipela, rinites, alergias, neoplasias
e desnutrição...
Gráfico 8: Doenças atuais identificadas na família
A entrevistada relatou que seu tio tem
crise de epilepsia [...] ‘quando isso
acontece afeta os nervos dele e ele fica
agressivo, já esfaqueou minha avó e
chuta minha mãe’ (registro de
pesquisador em diário de campo).
Logo no começo de nossa abordagem,
ele (o morador) brincou ao conceituar
sua casa como “unidade de terapia
intensiva” [...] logo ele explicou
dizendo que na residência havia um
cadeirante portador de doença
mental, uma idosa de 93 anos com
suspeita de neoplasia, crianças com
problemas respiratórios (bronquite),
dentre outros problemas de saúde
(registro de pesquisador em diário de
campo).
A partir de seus relatos, os principais grupos de doenças
identificados foram (gráfico 8):
a.
b.
c.
Cardiovasculares, com predominância de
hipertensão com 48 casos em 58 entrevistados,
além de referências à arritmia cardíaca, enfarte,
sopro no coração, cardiopatia, cirurgia vascular,
aneurisma abdominal, trombose;
Endocrinológicas, com a totalidade dos registros
se referindo a diabetes;
Osteoarticulares, identificando-se “problemas de
Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010
É importante registrar que vários relatos apontaram para a
presença de mais de uma doença em uma mesma ou várias pessoas de
uma família, em uma combinação, por exemplo, de
Diabetes, hipertensão e problemas de
coração (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
Eu sei conviver com minha doença, sou
diabética e hipertensa (depoimento de
morador, registrado em diário de campo).
Um filho meu de 41 anos teve AVC, tem
outras duas com diabetes e o caçula quase
morreu uma vez porque bebe, eu que corri
83
atrás de remédios para ele. Não agüento
andar muito porque meu coração é
grande, eu fumava, já parei de fumar.
Tem uns três meses que a minha filha
foi fazer operação a laser de rim, não
adiantou nada. Meus filhos todo tem
problemas de rim, eu já urinei sangue,
tive infecção, porque fazia os pasteis
com a barriga quente e vivia lavando
roupa. Um filho meu novinho teve
problema de pulmão que pegou de um
cunhado meu que morava na época aqui
também, aí os dois estavam com
manchas no pulmão (depoimento de
morador, registrado em diário de
campo).
A preocupação com a saúde, foi uma fala em destaque,
associada à recusa ao tabagismo (66,4%), além da adoção de algumas
medidas para evitar doenças, como ilustra o gráfico 9.
Gráfico 9: Medidas adotadas para prevenir doenças
Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010
Entretanto, a prática de tais medidas nos pareceu bastante
questionável, considerando as vulnerabilidades presentes em seu
cotidiano, inclusive as condições de acesso à assistência à saúde que
ocorria, na maioria dos casos (62,8%), pela via dos serviços de
emergência ou a busca de uma consulta médica em serviços
ambulatoriais (21,9%), esta última, nem sempre conseguida em curto
espaço de tempo. Além disso, 8,4% se auto-medicavam observando
a seguinte lógica: nos primeiros sintomas procuravam resolver a
situação com algum remédio que tinham em casa. Caso considerassem
que tais sintomas estavam se agravando procuravam, então, um
hospital. Os demais recorriam a alternativas que iam desde o “não
fazer nada, porque o problema some com o tempo”, até procurar
uma rezadeira, orar e usar ervas e remédios caseiros.
A falta de ambulância para atendimento, em casos de
emergência, foi bastante lembrada, bem como a dificuldade de acesso a
alguns tratamentos médicos (consultas especializadas e exames), esta
última reconhecida por 50,2% dos entrevistados:
Sempre tem dificuldade, mas a gente
consegue (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
Marcar médico é fácil, mas quando somos
encaminhados para um especialista, temos
muita dificuldade (depoimento de morador,
registrado em diário de campo).
Vários foram os relatos que indicaram a insatisfação dos
moradores de Custodópolis em relação à interrupção do Programa de
Saúde da Família - PSF – amplamente, valorizado no período que
funcionava, em decorrência dos serviços que prestavam à comunidade
e da qualidade atribuída à atuação da equipe existente.
O Hospital Geral de Guarus – HGG – foi o local mais citado
(55%), quando se tratava de buscar assistência à saúde, no momento de
realização da pesquisa, além do PU de Guarus, reforçando a questão de
que a porta de entrada para tal assistência ainda não se encontrava nos
serviços que compõem a chamada atenção básica. Serviços de pronto
socorro e emergências hospitalares se constituíam como locais de
preferência para um primeiro atendimento, sob a justificativa da garantia
de conseguirem a consulta, além de evitarem um tempo maior de espera,
que certamente, ocorreria nas unidades básicas de saúde.
Esta foi uma questão também abordada por Jorge (2010), ao
realizar uma pesquisa sobre itinerários terapêuticos no território de
Custodópolis. Seu estudo analisou 3 moradores, através de entrevistas
em profundidade, alcançando resultados semelhantes ao diagnosticado
no inquérito realizado (id. p. 66, passim):
Quando descobri a doença, vivia jogada
no chão, era uma dor de cabeça que não
me largava, minha pressão sempre
variando, um dia alta, outro dia baixa [...]
ai um dia minha pressão subiu muito, ela
me tombou dentro de casa [...] meu
esposo me socorreu e me levaram para o
HGG (Hospital Geral de Guarus).
Cheguei lá o médico fez o exame e disse
que o meu problema era neurológico
(entrevistada DRS).
Ao acordar sem falar e sem mover, me
levaram para o HGG, aí no começo
acharam que era sistema nervoso, aí
passaram para o cardiologista e fiz todos
os exames, depois me passaram para o
84
tentativa de solução de seus problemas de
saúde. Uns atribuem facilidades aos seus
itinerários, outros não. Alguns recorreram
à emergência como “porta de entrada”,
outros ao sistema particular, e tem os que
optaram pela marcação de consulta e
encaminhamento para outros médicos, entre
outros fatores [...] Os caminhos percorridos
dependem da gravidade e urgência da
doença, das condições econômicas das
famílias, do bom atendimento e diagnóstico
médico, entre outros fatores.
neurologista, aí foi que fiz uma
tomografia
que
deu
AVC
(entrevistada NCA)
Tudo que eu fiz e faço é particular,
só o HGG que não foi. Acho que por
isso não tive dificuldade, até por
causa da urgência [...] talvez se não
fosse pelo particular e esperasse pelo
SUS (Sistema único de Saúde) até
hoje talvez eu nem teria feito os
exames ainda (entrevistada NCA)
A autora ainda acrescenta (id., p. 81):
Nunca mais voltei ao médico e estou
tomando o primeiro remédio que me
receitou quando fiquei no HGG há
um ano (entrevistada NCA)
Essas reflexões nos levam a entender que é
necessário romper com os modelos
tradicionais de muitas instituições de
atendimento à saúde, formulando políticas
estratégicas que tenham como objetivo
principal a legitimação dos direitos dos
usuários que recorrem ao sistema de saúde,
onde estão vivenciando a precariedade no
atendimento, a demora no diagnóstico, as
idas e vindas sem soluções, e utilizando a
emergência como “porta de entrada”, visto
que só por este caminho que conseguem um
atendimento mais rápido. Oliveira e
Scochi 21 (2002) ponderam que, esta
procura nos atendimentos de urgência acaba
gerando uma superlotação, e que, a
alternativa para a diminuição da sobrecarga
nestes pronto-socorros seria o atendimento
eficiente nas unidades básicas de saúde. É
visto que há muito que se avançar para estes
usuários sejam percebidos como cidadãos
de direito [...].
Descobriram que eu estava com
hérnia de disco e um desvio que tenho
na coluna de nascença... e o problema
da trombose é que abriu duas úlceras
na minha perna devido a queimadura
e descobriram a trombose... a
depressão também descobriram por
eu ter cometido o auto-extermínio
(entrevistada TM)
Eu agora no momento estou
precisando muito ir ao médico, mas
tenho que levantar muito cedo para
marcar médico. Esse negócio de
falar na televisão vai ao postinho
mais próximo é maior dificuldade...
muitas vezes eu peguei dinheiro com
agiota para pagar a consulta social.
Então é muito difícil!... você
imagina uma pessoa com crise de
hérnia de disco ter que esperar a boa
vontade dos médicos para atender...
aí fica como coisa que a gente está
mendigando, aí fica como se agente
tivesse pedindo esmola nesses
postos (entrevistada TM)
Face aos dados coletados, de acordo com a análise de Jorge
(id, p. 79)
[...] em um mesmo território e em meio
aos problemas de saúde, cada morador
escolhe por percorrer um caminho na
21
Neste contexto é importante lembrar que não estamos nos
referindo à saúde como apenas ausência de doenças, mas sim com um
estado e um processo, associado à qualidade de vida e, portanto,
envolvendo dimensões sociais, culturais, econômicas, ambientais e
políticas dos indivíduos, em sua relação com o território onde se
movimentam. Destaca-se aqui, a necessidade de fortalecimento da
comunidade, como ponto capaz de desencadear as almejadas melhorias
na direção da constituição de um bairro saudável.
3.
Algumas respostas e novas perguntas
Quem são as famílias residentes em Custodópolis? Que perfil
apresentam? Que vulnerabilidades se desenham em seu cotidiano? Que
respostas vinham formulando frente a tais vulnerabilidades? Estas foram
OLIVEIRA, M.L.F.: SCOCHI, M.J. Determinantes da utilização dos serviços de urgência/emergência em Maringá (PR). Revista Ciência, Cuidado e Saúde,
85
nossas indagações iniciais de nossa pesquisa, remetendo-nos a um
quadro onde, ficou evidente que as famílias pesquisadas enfrentam
vulnerabilidades acentuadas, face à combinação de variáveis como
renda insuficiente, ocupações instáveis, escolaridade limitada,
condições desfavoráveis de habitação e infraestrutura ambiental, além
de limitações no âmbito da saúde e acesso à assistência à mesma,
dentre outras. Sujeitos e território apresentam fragilidades históricas
e com múltiplas dimensões, remetendo a uma cidadania cujo exercício
tem sido bloqueado.
Entretanto, em meio a tal quadro identificou-se, também,
que algumas mudanças favoráveis já vinham ocorrendo no território
de Custodópolis, uma vez que nele têm circulado indivíduos e grupos
que já tentaram e conseguiram mobilizar a comunidade na direção
de sua organização 22 , buscando a superação a realidade que
vivenciam. Foram tentativas que renderam frutos e deixando marcas
de uma vida ativa. Entretanto, outros problemas surgiram e tais
iniciativas se diluíram com o tempo, precisando ser retomadas pois,
como afirmam Braga e Mello23 , (2009, p.3),
no âmbito da distribuição dos
investimentos em infra-estrutura, a
tendência é uma configuração de
acordo com a relação entre os vários
agentes produtores e consumidores da
cidade [...] Dessa forma a localização
dos grupos sociais nas cidades, seu
poder político de pressão, seu poder
econômico, o contexto político e as
relações do mercado imobiliário
apresentam-se como alguns dos fatores
que influenciam a distribuição dos
equipamentos comunitários.
De acordo com o estudo realizado por Torres (2011), o
fortalecimento da comunidade é o meio mais eficaz para a
constituição de Custodópolis como um bairro saudável. Sua análise
lembra que seu poder econômico é baixo e que, uma alternativa
pode ser pela via do poder político, como forma de enfrentamento
das vulnerabilidades encontradas. A questão é fortalecer e avançar
na compreensão crítica sobre a realidade, desenvolver a
autoconfiança nos indivíduos e empreender estratégias políticas
conscientes e contínuas, acionando o poder público.
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Ver o artigo Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade, publicado neste livro.
BRAGA, r.; MELLO, C.C.D de. Vulnerabilidade social e localização de equipamentos comunitários urbanos: uma avaliiação da distribuição dos equipamentos de saúde na
cidade de Rio Claro/SP/Brasil. Disponível em: <http://egal2009.easyplanners.info/area05/5100_Canuto_Dias_de_Mello_Camila.pdf>Maringá, v.1, n. 1, p. 123-128, 1. set.
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22
23
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87
12
Caminhos do Empoderamento: redefinindo sons, coros e
instrumentos do (com) viver em Comunidade
Carlos Antonio de Souza Moraes1
I- INTRODUÇÃO
A partir das discussões desenvolvidas nos artigos
anteriores, as considerações ora apresentadas, pretendem sob
uma perspectiva analítica, trabalhar as seguintes questões: Como
podemos pensar a questão do empoderamento? Qual é sua relação
com o desenvolvimento alternativo? Qual o sentido e conteúdo
desta categoria conceitual? As sociedades locais podem/
conseguem gerar suas próprias iniciativas? Que implicações esta
discussão produz para a comunidade de Custodópolis?
O objetivo é discutir estas indagações com a intenção
de tecer reflexões acerca de um território específico
(Custodópolis). No entanto, é necessário ressaltar que por mais
que estas análises sejam desenvolvidas a partir de uma dada
comunidade, elas se fundamentam em uma perspectiva não
localista que tem por base a necessária interação entre o local e
o global.
Desta forma, a partir de revisão de literatura e pesquisa
de campo, registra-se a relevância de problematizar o conceito
de empoderamento, analisando e redefinindo suas possibilidades
em um dado território. Por outro lado, vale ressaltar que este
engenhoso conceito não é um fim em si mesmo, porém, enquanto
instrumento base para o desenvolvimento local, deve ser
assumido na perspectiva de construir a unidade na diferença.
Diante deste desafio, a proposta se vincula a
problematizar com o leitor um conjunto de sons, coros e
instrumentos do processo de empoderamento em comunidade.
II- DO “PODER” AO EMPODERAR: ESTRATÉGIAS
TEÓRICAS
O momento atual é composto por um cenário de novos
temas, problemas e conceitos ou até mesmo de ressignificação
dos mesmos, frutos de um processo de globalização que vem
instituindo novas relações internacionais nos planos econômico,
político, social, cultural e tecnológico (FIORI, 1998; SCHERER,
1997 apud GONDIM, 2002, p. 02).
Todas as transformações atuais produzem impactos às
sociedades, capazes de demarcarem a reinvenção de seus
territórios. Nesta lógica, pensar o desenvolvimento local é
compreender que ele se apresenta enquanto uma das alternativas
necessárias na contemporaneidade.
Para refletir acerca de tal desenvolvimento, um dos aspectos
que necessitamos compreender é o empoderamento. Neste caso,
recorremos inicialmente à análise gramatical. De acordo com a
gramática da língua portuguesa, empoderamento é uma palavra
formada por derivação parassintética. Isso quer dizer que tem como
base/radical a palavra “poder” e que tem como afixo “em”, prefixo
“e” e sufixo “mento”. Além disso, são sinalizadas várias acepções
cabíveis à palavra empoderamento, como: ter a faculdade ou
possibilidade de; ser capaz de, estar em condições de, ter domínio
ou controle sobre, dentre outros (HOUSAISS, 2001).
Independente das acepções adotadas, o “poder” deve ser
analisado não apenas em seu valor gramatical, mas também como
um conceito repleto de significados e interpretações e que se torna
“(...) a questão essencial da noção e da abordagem de
empoderamento” (ROMANO, 2002, p. 11), cabendo compreender
suas principais definições e componentes.
Desta forma, Foucault (1978) ressalta que o poder é
relacional e sua existência depende de seu uso, sendo constituído
por uma rede de relações sociais entre pessoas que possuem certa
liberdade. As relações não existiriam sem poder, neste caso, a própria
resistência é uma forma de poder.
As interpretações de Gallichio (2002) acerca da obra de
Foucault o levam a afirmar que o poder se constrói e funciona a
partir de outros poderes. Existe uma conexão direta entre as relações
de poder e as familiares, sexuais, produtivas, que se entrelaçam
tornando-se condicionantes e condicionados no processo de
empoderamento.
Por outro lado, o relatório do Banco Mundial (2002) ressalta
mudanças nas relações de poder e sua diluição nos seguintes
elementos: “acesso à informação, inclusão e participação, prestação
de contas e capacidade organizacional local”. Essa diluição também
se refere/define as áreas em que podem ser aplicados os princípios
do empoderamento: “acesso a serviços básicos, promoção da
governança local, promoção da governança nacional,
desenvolvimento de mercados em favor dos pobres, acesso à justiça
e ajuda legal” (Grifos nossos).
No entanto, a bibliografia consultada ainda sinaliza que o
poder (suas relações, situações de dominação) deve ser o foco no
trabalho de empoderamento. Esta afirmação nos indica que
independente do nível, do território, da dimensão e dos objetivos,
Doutorando em Serviço Social – PUC/SP; Mestre em Políticas Sociais – UENF; Bacharel em Serviço Social – UFF; Professor assistente do Departamento de Serviço Social
de Campos/Universidade Federal Fluminense; Membro pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES. E-mail/contato:
[email protected]
1
88
compreender a dinâmica do poder se torna fundamental desde a
construção do diagnóstico inicial, na construção conjunta da
estratégia de ação, no planejamento das ações, nos trabalhos de
revisões e na avaliação final (ROMANO, 2002).
Analisar as relações de poder e situações de dominação
implica tecer uma série de discussões com base em reflexões, que
considerem os seguintes aspectos (ROMANO, 2002):
* O espaço social em que se manifestam as relações de poder;
* Os tipos de exercício de poder e das relações estabelecidas;
* Forma de poder predominante nestas relações;
* Recursos existentes;
* Campo em que estas relações se delimitam;
* Atores envolvidos;
* Dominantes, aliados e dominados nas relações de dominação;
* Atores e sua compreensão da situação analisada;
* Formas de dominação e reprodução;
* Formas de resistência;
* Possibilidades de mudanças;
* Possibilidades de monitoramento e avaliação acerca de
permanências e mudanças.
Percebemos, assim, que nas estratégias de
empoderamento a compreensão acerca do poder é essencial, visto
que exerce papel dominante na determinação de mudanças
necessárias à vida dos sujeitos. A esse respeito, Oakley e Clayton
(2003) ressaltam que o poder é base da riqueza, enquanto o
desempoderamento é a base da pobreza.
O reconhecimento do poder como peça chave na busca
da efetiva mudança social, tem sido avivado no processo de
empoderamento como esforço em afrontar grandes desequilíbrios
de poder e promover apoio aos que não o possuem para se tornarem
empoderados.
Desta forma, as estratégias teóricas adotadas na construção
do poder dentro do processo de empoderamento envolvem
dimensões operacionais circunscritas a capacidade pessoal de
conduzir possibilidades de ação; aumento de relações efetivas com
outras organizações; ampliação do acesso aos recursos.
Pensar o poder neste contexto é acreditar na construção
do conhecimento, aumento da conscientização e capacidade crítica
entre oprimidos e vulneráveis. Poder envolve “fazer”, “ser capaz
de”, sentir-se com mais capacidade e no controle ativo de suas
ações. Isto é, compreender e operacionalizar a noção de poder é,
ao mesmo tempo, processar possibilidades de empoderamento.
Mas, o que vem a ser empoderamento?
II.I- EMPODERAMENTO: PROBLEMATIZAÇÕES
TEÓRICO-PRÁTICAS
A abordagem de empoderamento não
pode ser neutra nem ter aversão aos
conflitos e a seus desdobramentos. O
desdobramento dos conflitos
significa que o processo de mudança, uma
vez deslanchado permeia e se infiltra em
outras dimensões vividas pelas pessoas e
grupos sociais (ROMANO, 2002, p.11).
A referência anterior é de fundamental relevância no debate atual
acerca do empoderamento, visto que ao se generalizar o uso de tal
abordagem (sobretudo através de governos e agências multilaterais) temse objetivado despolitizar seu processo de mudança, tecnizar os conflitos,
tentando domesticá-los. “Com essa pasteurização do empoderamento, temse procurado eliminar seu caráter de fermento social” (Idem, 2002, p.11).
Quando falamos em empoderamento chamamos a atenção para
os termos contágio, troca, participação, reivindicação, lutas, inovação
criativa. Acreditar nesta perspectiva é compreender que nos constituímos,
enquanto sujeitos, sobretudo, a partir das relações que estabelecemos
(familiares, grupais, comunitárias), da forma que processamos,
construímos, sentimos e pensamos estas relações. Ou seja, a forma que
nos movemos, atuamos e andamos nossa vida e nosso trabalho é o que
sobremaneira constitui o nosso ser (de modo histórico, objetivo e
subjetivo).
Desta maneira, a partir do momento que passamos a
compreender o processo no qual estamos inseridos, somos críticos a
eles, questionamos regras e nos colocamos aptos a enfrentar as
adversidades, buscando eliminar relações de dominação que sustentam
a pobreza, privativa de liberdades, estamos desenvolvendo processos
de empoderamento, isto é, empoderamento envolve o combate a ordem
naturalizada ou institucionalizada da dominação para construir relações
mais justas e equitativas.
Ao compreender estas dimensões, devemos considerar que
agentes de mudanças externos são necessários como catalizadores
iniciais, porém, para que se desenvolva tal processo é preciso que as
pessoas e suas organizações mudem-se a si mesmas. Políticas, ações,
agentes externos podem impulsionar, criar ambientes favoráveis às
mudanças (ou não), mas a mudança deve ser interna, em cada sujeito,
em cada grupo, a fim de ser projetada, discutida e impulsionada através
de leituras, análises e reivindicações coletivas em busca da superação
de suas fragilidades.
Neste caso, deve-se considerar que, ao longo deste livro, foram
analisadas as manifestações das vulnerabilidades construídas no território
de Custodópolis (objeto de análise deste documento). Sejam aquelas
vinculadas à moradia, saneamento básico, saúde, educação, dentre outras.
Sabemos que o conhecimento destas questões é de extrema relevância
para o processamento do poder daqueles que não o detêm e,
consequentemente, da busca do empoderar-se. No entanto, nossas
análises teóricas e empíricas nos projetam às seguintes indagações: Como
contribuir para construção da chamada mudança interna em cada sujeito
e/ou grupo? Quais os mecanismos de mobilização da população?
Refletir acerca destas questões em um dado território envolve
não apenas pensar nos limites e possibilidades do empoderamento hoje,
mas em sua própria construção histórica, já que nosso entendimento é
de que através da reconstrução do passado se projeta o conhecimento e
a possibilidade de novas abordagens no momento atual.
Neste sentido, identificamos que o termo empoderamento
89
passou por mudanças substantivas de significados nas últimas
três décadas do século XX no contexto do desenvolvimento, não
sendo trabalhado com muito cuidado. Para Corwall (2000, p. 74),
os discursos do desenvolvimento alternativo dos anos 1970
consideravam o empoderamento como o processo em que as
pessoas se envolviam na luta para aumento de controle sobre
recursos e instituições.
Costa (2000) também faz referência ao surgimento do
conceito. Ressalta que iniciou-se com os movimentos civis nos
Estados Unidos na década de 1970, através da bandeira do poder
negro, objetivando valorização da raça e conquista plena da
cidadania. Conceito que também começou a ser trabalhado pelas
feministas neste período, buscando reduzir a posição de
subordinação da mulher.
Atualmente, as definições acerca de empoderamento são
diversas. Para Romano (2002, p.17) o termo se circunscreve a
abordagem e processo. Abordagem “que coloca as pessoas e o
poder no centro dos processos de desenvolvimento”. Processo
em que “as pessoas, as organizações, as comunidades assumem
o controle de seus próprios assuntos, de suas próprias vidas e
tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir,
criar e gerir”.
O autor ainda acrescenta que, através deste processo, as
pessoas podem tentar superar suas misérias, construindo e
escolhendo novas opções e possivelmente se beneficiando delas.
Neste caso, defendemos que estas novas opções estão longe de
desresponsabilizar o serviço público, a gestão municipal, estadual
ou federal. Ao contrário, envolve reivindicar por necessidades
que são vivenciadas no cotidiano dos atores sociais e que, por
vezes, estes não se manifestam por falta de orientação,
naturalização ou por estarem desacreditados de possíveis
mudanças às suas realidades.
Pensar estas mudanças, segundo Romano (2002),
desencadeia um processo relacional e conflituoso. Relacional por
envolver vínculos com outros atores. E conflituoso na medida
em que é a busca de mudanças nas relações existentes (tanto da
posição individual quanto grupal de poder) que acabam gerando
conflitos.
Villacorta e Rodrigues (2002) ressaltam que
empoderamento é um processo que procura colocar no centro, as
pessoas excluídas dos processos de desenvolvimento e poder.
Situar estas pessoas no centro dos processos é, para os autores,
colocar as instituições econômicas (Mercados) e políticas (Estado)
a serviço destes grupos.
Conforme demarcado anteriormente, neste processo, o
sujeito vulnerabilizado deve ser o protagonista de sua própria
história. No entanto, o que se observa é que o seu envolvimento
com demandas coletivas tem se reduzido com o passar dos tempos.
Nossa hipótese é de que o próprio sistema dissemina valores
(individualistas) que alteram a relação entre os cidadãos,
tornando-os mais introspectivos e submetidos à construção quase
que exclusivamente do “eu”.
Entretanto, se compreende que esse “eu” não se constrói
isoladamente, é na relação, troca, reciprocidade que se processam novas
possibilidades. Sendo assim, o processo de empoderamento se
desenvolve ao construir a participação coletiva na busca pelo poder e,
para tanto, deve romper valores egoístas que vem se construindo entre
os homens.
Em Custodópolis, o rompimento deve ser pensado a partir de
estratégias que considerem o cenário desenhado em seu território, seja
relacionado às mazelas existentes na Comunidade; a necessidade de o
trabalho ativo da associação de moradores; as influências políticas
propagadas no bairro; os serviços públicos existentes; a relação da
Comunidade com o Município, do Município com o Estado e com o
País. Neste caso, deve haver um envolvimento dos moradores do bairro
com objetivo de resgatar os aspectos históricos e atuais de Custodópolis,
a fim de mobilizá-los para construção de um mapa que busque o
desenvolvimento e a qualidade de vida destes atores, considerando ainda
como fundamental a responsabilização do setor público e da própria
população.
Ao se referirem ao desenvolvimento Villacorta e Rodrigues
(2002) partem da perspectiva de que a situação de pobreza e dominação
enfrentada por milhares de pessoas no Brasil e no mundo se torna
impedimento ao mesmo. Desta maneira, colocam a necessidade de
redistribuição do poder, e mesmo que isso seja conflitivo, gera lucros
para sociedade.
Além disso, este processo, que pode ser facilitado através de
ações estimulantes e acesso, envolve controle sobre si mesmo e sobre
os meios necessários para sua existência. Sendo assim, é um processo
interno (relacionado à auto-estima, autopercepção) e externo (controle
e influência sobre o seu entorno).
Desta maneira, cabe aos moradores do bairro de Custodópolis
desenvolverem um olhar apurado acerca de seu contexto, realizando
um “estranhamento” de questões que, ao longo dos tempos, vem sendo
naturalizadas e não tratadas com sua devida importância. A identificação
e reflexão acerca das mesmas é o primeiro passo, ou seja, não basta
identificar as fragilidades da Comunidade, mas estarem coletivamente
motivados à inovação criativa. Isto significa que sua avaliação e a
reivindicação de alternativas capazes de solucionar tais questões são
“ingredientes” necessários no processo de empoderamento.
Neste sentido, pensar em empoderamento envolve, pelas vias
democráticas, construir e ampliar as capacidades destacadas por
Villacorta e Rodrigues (2002, p.47) de:
* Assumir o controle de seus próprios assuntos;
* Produzir, criar, gerar novas alternativas;
* Mobilizar suas energias para o respeito a seus direitos;
* Mudar as relações de poder;
* Obter controle sobre os recursos (físicos, humanos e financeiros) e
também sobre a ideologia (crenças, valores e atitudes);
* Poder discernir como escolher;
* Levar a cabo suas próprias opções.
A abordagem de Marta Antunes (2002, p.97) se relaciona à
anterior ao considerar o empoderamento “como estímulo e motor do
processo de desenvolvimento e superação das pobrezas”. No entanto,
90
deve-se compreender que para isso, as pessoas, organizações e
comunidades devem ter controle de seus próprios assuntos (no
sentido de dominá-los), de suas vidas e destino com o objetivo de
produzir, criar e gerir. Ou seja, pensar em empoderamento inclui
considerar componentes cognitivos, psicológicos, sociais, políticos
e econômicos (COSTA, 2000).
Já para Gita Sen (1997) empoderamento é o processo de
ganhar poder tanto para controlar recursos externos como para o
aumento da auto-estima e da capacidade interna. Ainda acrescenta
que a mudança deve ocorrer tanto em relação aos recursos externos
e a percepção das pessoas acerca destes ambientes, quanto na
consciência das pessoas, que precisam controlar suas vidas e estarem
motivadas e atentas na busca pelo poder, já que são elas que
empoderam a si mesmas.
A discussão acerca desta categoria evidencia que é um
conceito, que direta ou indiretamente, está inserido no debate
ideológico do desenvolvimento. Villacorta e Rodriguez (2002) em
“Metodologias e ferramentas para implementar estratégias de
empoderamento” o vinculam ao estímulo ao desenvolvimento
sustentável, entendendo este último como busca, não apenas de
gerar riqueza, mas bem-estar, não sendo reduzido ao econômico,
pois além deste inclui diversas dimensões ou esferas da vida
humana, como política, social, econômica, cultural, ambiental,
dentre outros, se tornando um fenômeno multidimensional.
Enrique Gallichio (2002) faz uma análise da discussão do
empoderamento na América Latina. Conclui que um objetivo de
fundo é a geração de políticas nacionais de desenvolvimento local,
que só é possível se o nível central for consciente da importância
das diferenças, diversidades e singularidades nos processos de
desenvolvimento, gerando reformas descentralizadoras e
propiciando, através de marcos legais, o desenvolvimento das
diferenças. No entanto, estes processos geram incertezas na medida
em que passam a expressar uma cultura local, quando antes era
global, propiciando um ceticismo em relação às capacidades de
desenvolvimento das sociedades locais.
Identificamos, ao longo da literatura analisada, que o
empoderamento é um conceito – chave na abordagem do
desenvolvimento alternativo. Segundo Friedman (1996) os autores
do desenvolvimento alternativo defendem os direitos humanos
universais e os direitos particulares dos cidadãos (sobretudo as
pessoas sem voz e poder) em determinadas comunidades políticas.
Este modelo envolve o processo de empoderamento, cujo objetivo,
a longo prazo, é reequilibrar a estrutura de poder na sociedade, em
que o Estado esteja mais sujeito a prestar contas, a sociedade civil
gerir seus próprios assuntos e o mercado ser mais responsável.
O objetivo é, portanto, transformar a totalidade da
sociedade através da ação política aos níveis nacional e
internacional, havendo assim, um salto de qualidade do local para
o global. Democracia participativa, igualdade de gêneros,
crescimento econômico, são fundamentais para as mudanças nas
estratégias nacionais propagadas pelo desenvolvimento alternativo.
A questão a ser debatida é que o Estado (forte e
democrático), neste processo, objetiva, sobretudo, a instauração de
políticas, encaminhando para as instâncias locais e para o povo a gestão
de seus próprios problemas.
Atuar nesta perspectiva pode trazer implicações drásticas ao
contexto local (e até mesmo nacional e global) e aos sujeitos envolvidos.
Além da ação local se encontrar fortemente restrita a forças econômicas
e estruturas globais, o Estado pode relegar (como já vem acontecendo)
à sociedade funções, atribuições e deveres que são seus, não garantindo
políticas universais, possibilitando serviços públicos de pouca qualidade
e para poucos.
Diante disso, nossas análises partem para as seguintes reflexões:
não seria o empoderamento um processo pelo qual os cidadãos deveriam
se tornar conscientes e co-responsabilizados por suas realidades a ponto
de reivindicar de maneira crítica, junto ao poder público, aquilo que lhe
é de direito? Ao poder público não caberia responder tais reivindicações
com políticas públicas garantidoras de tais direitos?
As avaliações que desenvolvemos partem do pressuposto de
que os atores do processo de empoderamento se tornam protagonistas
quando compreendem suas histórias, identificam suas realidades e
objetivam, coletivamente, melhorias a ela. Para tanto, devem reavivar o
inconformismo e a altivez; fortalecer a resistência e a participação social;
estruturar a rebeldia em busca de reivindicações conscientes e de
qualidade.
Assim, é necessário que se organizem, reivindiquem e
apresentem ao poder público democrático, alternativas capazes de
contribuírem para superação de suas vulnerabilidades, colaborando para
a construção de políticas públicas também democráticas. Neste caso,
estas ações, dos atores e poder público, também contribuirão para o
desenvolvimento local.
Diante do exposto, o que se verifica é que compreender
conceitualmente o empoderamento envolve articulações sistemáticas
com dados/informações do real. Desta forma, viemos abordando
indiretamente eixos tais como: participação, informação e identidade,
que são elementos relevantes na construção do processo de
empoderamento e que, por isso, os analisaremos a seguir com base em
dados pesquisados em Custodópolis redefinindo as possibilidades do
(com) viver em comunidade.
III- ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO PROCESSO DE
EMPODERAMENTO: O CASO DE CUSTODÓPOLIS
Ao longo deste artigo viemos trabalhando com autores
que abordam diferentes perspectivas em relação ao
empoderamento. Identificamos e registramos a relevância de
alguns de seus elementos, bem como, discutimos suas definições
e relações com o desenvolvimento local. Concordando ou
discordando de abordagens que envolvem este conceito denso e
repleto de significados, afirmamos, a partir da bibliografia
consultada e das análises desenvolvidas, sua importância no
processo de combate a pobreza.
Nestes casos, a pobreza é
91
Um estado de desempoderamento e
de privação que apresenta várias
dimensões e se manifesta de forma
diferenciada de pessoa para pessoa,
de família para família e de
comunidade para comunidade; e
para superar as pobrezas é
necessário enfrentar suas várias
dimensões, percorrendo os
caminhos individuais e coletivos de
empoderamento (ANTUNES, 2002,
p.110).
Tal superação, além da transformação das relações de
poder existentes, se torna meio e fim do empoderamento. “Meio”
na construção de um futuro possível, palpável com a
possibilidade de recuperar as esperanças da população e
mobilizá-la para luta por seus direitos. “Fim” já que o poder
está na essência da definição e superação da pobreza.
Um fator de grande relevância é o monitoramento dos
processos de empoderamento, no sentido de garantir que não
se reproduza dominação que caracterize pobreza e/ou situações
de vulnerabilidade. Neste caso, este conceito é fundamental,
visto que as estratégias de combate e superação da pobreza estão
relacionadas a um processo político, em que seus atores, a partir
da articulação de temas comuns, sejam capazes de alterar as
correlações de força em diferentes níveis (macro, micro, etc.).
Uma estratégia de combate a pobreza que privilegie o
empoderamento deve ser capaz de enfrentar sua natureza
multidimensional, colocando ainda, as pessoas que vivem esta
realidade no centro da questão. Isto significa que
empoderamento das pessoas vivendo situações de
vulnerabilidade e/ou pobreza é um processo que se constrói na
busca de acesso e controle sobre si e sobre os meios necessários
a sua existência (ANTUNES; ROMANO, 2002).
O que se verifica é que as visões, aspirações e
prioridades das pessoas e grupos desempoderados estão no
centro dos processos de empoderamento. Compreende-se assim
que a participação destes sujeitos se torna de extrema relevância
num contexto de pobreza e busca de sua superação.
De acordo com Lorio (2002) a participação é um
elemento constitutivo das estratégias de empoderamento.
Experiências por todo mundo tem mostrado que processos de
participação possibilitam processos de empoderamento,
fortalecendo práticas de desenvolvimento que contemplam as
pessoas que vivem na pobreza.
Se empoderamento é considerado para alguns autores
como um fim em si mesmo, participação é um meio para atingir
fins, que pode ser ou não o empoderamento de pessoas
excluídas e vivendo da pobreza. No entanto, como já
sinalizamos, por diversos fatores o ato de participar de causas
e interesses coletivos vem se tornando mais frágil a partir de
valores individualistas disseminados pela sociedade capitalista.
Esse processo ampliado afeta sujeitos em distintos territórios.
Em Custodópolis isso não é muito diferente. Identificamos
que 66,7% dos moradores da Comunidade não participam de nenhum
grupo social. Dos 33,3% que participam, suas atividades coletivas
estão restritas a: 74,2% grupo religioso, 13,4% grupo da terceira
idade; 3,3% associação de moradores; 0,8% cooperativa; 0,8% escola
de samba; 7,5% outros.
Esses dados permitem observar que o fator religioso é o que
sobremaneira motiva os moradores a participarem de ações conjuntas.
Neste ponto, vale ressaltar que inicialmente as diferentes igrejas
presentes no cenário de Custodópolis eram a Batista e a Católica.
Entretanto, “Atualmente, existem várias outras expressões da
religiosidade local e na interpretação de uma moradora: ‘cada um
tem um terreno e faz a sua igreja em torno dele mesmo’.”
(DIAGNÓSTICO PRELIMINAR, 2008, p.44).
Independente da religião, de uma forma ou de outra se
observa a presença e a influência destas igrejas na Comunidade
pesquisada. A Igreja Batista, por exemplo, realizava, no período de
trabalho de campo, um trabalho social prestando auxílios
emergenciais (doação de alimentos, remédios, passagens e pequenas
reformas em casa) à população considerada mais carente. A origem
das verbas, para tais auxílios, vinculava-se a moradores de outros
bairros, já que os de Custodópolis são considerados pobres.
As lembranças em torno da Igreja Católica relacionavam as
festividades, como a de Nossa Senhora da Conceição (padroeira do
bairro). No entanto, as comemorações que, no passado, duravam uma
semana e eram compostas por várias atividades, resumem-se na
atualidade, a uma procissão.
Por outro lado, os 20% restantes compõem atividades que
caracterizam mais diretamente processos participativos que podem
ser mobilizadores ao desenvolvimento de estratégias de
empoderamento. Há, assim, um número considerável de moradores
na Comunidade de Custodópolis que já desenvolvem ações coletivas
e que podem ser estimulados à participação de maneira crítica e
propositiva.
Além disso, se participação é a busca da população por seus
direitos a partir de decisões que afetam sua vida cotidiana, promovendo
espaço democrático para controle social, diagnosticamos a
possibilidade concreta de seu processamento na medida em que 55,3%
dos moradores do bairro expressaram que gostariam de participar de
algum grupo para buscar melhorias para o mesmo.
Essas informações corroboram para a possibilidade de se
criar estratégias consubstanciadas pela literatura, que entendem o
“empoderamento como participação”, já que esse vínculo é o que
emerge de maneira mais forte a partir de algumas experiências no
mundo.
Desta forma, a inferência desenvolvida é que no contexto
ora analisado, uma das primeiras possibilidades em relação ao
processo de empoderamento pode estar relacionada à mobilização
dos atores que se demonstram pré-dispostos à participação em
causas coletivas. Um dado relevante e que contribui para tal
92
inferência refere-se ao fato de que no dia 02 de novembro de
2009 o jornal Folha da Manhã registrou que na noite anterior
os moradores de Custodópolis fizeram uma manifestação
fechando a rua Júlio Armond. Através de fogo, pedras e pneus
procuraram chamar a atenção para o problema dos veículos
que circulam em alta velocidade, causando acidentes, como
relata a reportagem ao lado.
Compreendemos que todo este processo não é simples.
Impedimentos e obstáculos são desenhados em cada ação, seja através
de tal mobilização para participação, da discussão de estratégias
coletivas, da busca de objetivos comuns, da organização e sinfonia
do próprio grupo, ao articular seus “sons, coros e instrumentos”
necessários ao desenvolvimento local. No entanto, a literatura aponta
que muitos destes obstáculos e impedimentos podem ser superados
pelos participantes com a ajuda de “facilitador/as”.
Todos estes atores (facilitadores e participantes) devem estar
atentos a multidimensionalidade que produz e reproduz a pobreza,
não subestimando a complexidade das estruturas do poder local, que
podem ser ocultadas por discursos democráticos e participativos.
Assim, os processos participativos não podem ser superficiais e
reduzidos a meras consultas. É necessário discutir, opinar, controlar,
ouvir, avaliar...
No entanto, isso não será possível se as pessoas não tiverem
acesso à informação de qualidade, capaz de propiciar a identificação
mais aprofundada de suas realidades e a análise de possíveis saídas
perante suas vulnerabilidades, saídas da condição de “beneficiário”
para ser um agente ativo do processo (LORIO, 2002).
Isto é, se 52,6% dos moradores de Custodópolis acreditam
que cabe aos políticos prover melhorias para o bairro, eles também
devem compreender que essas mudanças não podem acontecer de
“cima para baixo”, sem conhecimento, participação e reivindicação
da própria comunidade.
Por outro lado, 18,0% acreditam que tais mudanças devem
ser promovidas pelos próprios moradores; 15,3% pela associação
de moradores e 14,1% por outros (Prefeitura e grupo de apoio à
Comunidade). O que se verifica a partir destes dados é a necessidade
de relativizar, para tanto, a informação é indispensável.
Ao referirmos ao termo “relativizar” partimos do
pressuposto de que o empoderamento envolve uma relação direta
com o indivíduo, que por sua vez deve ter “consciência crítica”
(FREIRE, 1974) para que possa expandir seus horizontes e não serem
conformados com sua própria sorte. É isso que os possibilitarão a
potencialização de sua participação com vistas à garantia de seus
direitos e ampliação dos mesmos, via política pública.
Nesta lógica, é necessário pensar em estratégias de
informação é não restringi-las ao contexto local e sua dinâmica de
pobreza, mas também considerá-las em relação aos níveis regionais
e globais, entendendo o conhecimento como elemento do contexto
social e ligado a diferentes posições de poder.
Esta informação/conhecimento possibilitarão, dentre outros,
a construção e percepção acerca da identidade local, que para
Gallichio (2002) é construída a partir das dimensões da história e do
território. História enquanto memória viva, que se reconhece no
Figura 1: Manifestação na rua em Custodópolis.
Fonte: Jornal Folha da Manhã, 02/11/2009.
93
passado e representa continuidade e ruptura com o mesmo, o presente
e o projeto. Território enquanto lugar habitado pelo grupo e que
constrói sua consciência.
De acordo com Gallicho (2002), a identidade é constituída
numa relação passado- presente- projeto, processo que se produz
dentro de um sistema de relações, em que há idéia de unidade e
diferença; existência de limites que permitem intercâmbios seletivos
com os outros, além de rememorar ao que viveu, adequando aos
novos contextos.
Desta forma, compreendemos a identidade em sujeitos
coletivos enquanto uma relação de continuidade e ruptura, através da
troca dos que estão dentro e da diferenciação dos que estão de fora.
Assim, a identidade também se apresenta enquanto elemento – chave
da condição de empoderamento, proporcionando o exercício das
liberdades individual e do grupo de maneira mais coesa, crítica e
propositiva.
No entanto, esta “troca” e exercícios de liberdades em grupo
de maneira coesa devem ser construídos de forma mais aprofundada
em Custodópolis, visto que os próprios moradores sentem
dificuldades em identificar (quando identificam) líderes em seu
bairro.
Destes atores, 69,1% acreditam não haver líder na
comunidade, enquanto 30,9% destacam, sobretudo, a presidente da
associação de moradores e alguns políticos que, de uma maneira ou
de outra, criaram vínculos com o bairro. Apesar de ainda ressaltarem
que “a associação de moradores é responsável por buscar melhoria
no bairro, mas não vê a associação do bairro funcionar” (informações
do diário de campo).
Diante do exposto, avaliamos que o poder, a participação,
a informação e a identidade se apresentam enquanto eixos
fundamentais às análises e operacionalização de processos de
empoderamento. Nossa abordagem particularizou determinada
Comunidade, buscando compreender suas singularidades, a fim de
analisar possibilidades na construção de tal processo em longo prazo.
No entanto, as inferências desenvolvidas colaboram para que se
possam re-pensar o “(com) viver em Comunidade”, além disso,
defendemos sumariamente que as sociedades locais podem conseguir
gerar suas próprias iniciativas, desde que estejam organizadas,
articuladas a partir destes e de outros elementos (na busca de seus
direitos junto ao poder público) que também serão analisados a
seguir.
empoderamento, possuem grandes possibilidades de influenciar o
estabelecimento de políticas públicas que considerem seus interesses,
além de ser possível empreender iniciativas que propiciem os processos
almejados;
* A implementação de estratégias em espaço nacional carece de
particularidades locais. No entanto, a partir de setores populacionais
amplos (mulheres, infância e adolescência, etc.) se podem aprovar
marcos jurídicos que defendam seus direitos civis e a alocação de
recursos que os privilegiem;
* Uma proposta de empoderamento genuína deve possuir articulação
entre local-global, apesar de situarem em um destes espaços.
As tipificações desenhadas pelos autores anteriormente são de
extrema relevância na medida em que muitos questionamentos são
elaborados no que tange ao local como dimensão de análise. Isto porque
sabemos que se por um lado, o contexto local é fortemente influenciado
e até avassalado pelas consequências da globalização, por outro, há sinais
de que ele pode se apresentar enquanto alternativa a estes males, se
tornando uma resposta, uma reação a este estado de coisas.
Na busca de construção do empoderamento, “O desafio passa,
então, pela capacidade dos atores em utilizar os recursos que passam, e
ficam, em seu âmbito territorial, para melhorar as condições de vida
dos habitantes” (GALLICHIO, 2002, p. 78).
Neste caso, as estratégias desenvolvidas devem ser orientadas,
segundo Villacorta e Rodrigues (2002, p. 54) em duas direções: “a. O
incremento das capacidades internas; b. A criação de condições a sua
volta que favoreçam os processos de empoderamento”.
Acerca da primeira direção, os autores pontuam quatro eixos
de ação para fortalecer os grupos sociais em desvantagem, são eles: 1O fortalecimento de suas organizações; 2- A criação de novos
conhecimentos e habilidades; 3- O fortalecimento de sua auto-estima e
valores e; 4- A construção de vínculos e alianças com outros setores.
Considerar estas dimensões é compreender que, além de uma
dimensão pessoal, o empoderamento possui (para alguns autores)
dimensão organizacional; que seu processo não pode passar por cima
da criação de conhecimentos e habilidades; que a mudança na autoestima dos participantes de projetos tem se tornado um importante efeito
desencadeador de outras transformações positivas nas relações familiares
e comunitárias; Além do mais, as alianças são fundamentais no
fortalecimento dos setores pobres, capazes de influir para que suas
propostas sejam levadas em conta.
V- CONSIDERAÇÕES FINAIS
IV- EMPODERAMENTO: ESTRATÉGIAS PRÁTICAS
A proposta de empoderamento pode ser desenvolvida a
partir de cinco espaços sociais de ação, a saber: a família, a
comunidade, o município ou a região, o País e o global. Com base
em Villacorta e Rodrigues (2002) vemos que:
* No contexto familiar as estratégias devem ser orientadas à equidade
de gêneros, ao acesso a moradia, emprego, saneamento, água,
educação, saúde, dentre outros;
* Em nível local e regional, os grupos, em processo de
As discussões, ora apresentadas, foram fruto de um trabalho de
pesquisa desenvolvido em uma Comunidade há mais de dois anos. Como
vimos nos artigos iniciais deste livro, tal pesquisa está embasada em eixos
teóricos capazes de problematizar e até, contribuir para construção de
propostas a tal localidade, sem desconsiderar os outros contextos.
Empoderamento é um destes eixos. Entretanto, neste momento,
vale ressaltar que, apesar da relevância da categoria e de suas discussões,
o que procuramos fazer foram algumas aproximações da mesma, de
maneira inicial, compreendendo, que tais análises podem ser
aprofundadas, revistas e discutidas a partir de novas aproximações da
94
realidade e do próprio conceito.
O desafio de discutir esta proposta se desenvolveu por
acreditarmos na necessidade de se refletir acerca da categoria
(limites, possibilidades), através de aproximações iniciais, com
o objetivo de conhecer e identificar seus principais elementos,
analisando-os a partir de dados concretos.
Diante disso, a abordagem desenvolvida neste artigo fez
uma alusão ao empoderamento e seus possíveis caminhos. Isso
quer dizer que todos os elementos do empoderamento trabalhados
durante nossas análises podem ser neste momento, instrumentos
fundamentais à construção destes sons e coros das comunidades,
proporcionando uma sinfonia entre a identificação daquilo que se vive,
com o que se deseja construir para “superação” da pobreza (em sua
multidimensionalidade). Ou seja, ao compreender e processar tais
elementos se torna possível redefinir possibilidades do viver em
comunidade.
Obviamente, compreendemos o processo de empoderamento
como algo dinâmico, bem como, a elaboração de um sistema de
monitoramento adequado. No entanto, a partir de fundamentação teórica,
viemos trabalhando com os seguintes elementos/dimensões:
Por outro lado, cabem alguns esclarecimentos finais. Nossa
abordagem compreende os homens como sujeitos da história e que sua
Fluxograma 1: Dimensões do/para o empoderamento.
Fonte: do autor, 2012.
95
situação de pobreza e/ou vulnerabilidade é fruto de um sistema
desigual em sua essência. Para tanto, identificamos inicialmente
o empoderamento como uma categoria capaz de contribuir na
superação de tais desigualdades, enquanto instrumento
mobilizador da participação, orientação e reivindicação dos
sujeitos por seus direitos.
Assim, entendemos que o empoderamento envolve o
combate a ordem naturalizada ou institucionalizada da dominação
para construir relações mais justas e equitativas e que isso só é
possível, a partir do momento em que os sujeitos conhecem sua
realidade, percebem a necessidade da mudança, se fortalecem
coletivamente e reivindicam junto ao poder público seus direitos.
No caso do serviço social (profissão de formação do
autor do capítulo), não colocamos em pauta qual seu objeto de
intervenção, como Machado (2008) o faz, visto que ainda
compreendemos as expressões da questão social como objeto do
serviço social. No entanto, o empoderamento pode se apresentar
enquanto estratégia de trabalho a tais manifestações, no sentido
de fortalecimento dos sujeitos na busca pela garantia de seus
direitos sociais. Obviamente, não desconsideramos as
particularidades de cada situação, nem mesmo entendemos que
o empoderamento seja a solução a todas as demandas
apresentadas, pelo contrário, estamos registrando a necessidade
de estudar esta categoria e se apropriar daquilo que pode ser
trabalhado pelo serviço social em consonância com seu projeto
profissional.
Ou seja, este momento particular de estudo e análises se
apresenta como um convite ao debate, na necessidade de não
“fechar os olhos” a novas possibilidades, em que nossa defesa se
torna exclusivamente no sentido de aprofundamento teórico e de
posicionamentos que venham somar a esta aproximação inicial
acerca de tal categoria, que no contexto em questão, demonstra
grande relevância.
Relevância por contribuir para as abordagens acerca de
desenvolvimento (dos sujeitos e das comunidades), participação
social, organização e reivindicação coletiva, identidade de classe,
trabalho em comunidade, ou seja, possibilidades de iniciativas
críticas destes sujeitos junto ao poder público. Isto é, estamos
falando em um processo, a longo prazo, que pode contribuir para
que sujeitos não sejam só pessoas, mas sobretudo, cidadãos e,
por isso, não sentimos um tom utilitário e/ou conservador ao se
trabalhar e operacionalizar estas concepções compreendendo aí,
a necessidade de se pensar o serviço social.
Neste caso, a contribuição que este capítulo apresenta
está em compreender, a partir dos dados pesquisados, que muitos
destes “sons, coros e instrumentos” que se referem aos caminhos
do empoderamento, podem redefinir o (com) viver em
Custodópolis e que, para tanto, o primeiro passo está na
mobilização da comunidade, através de facilitador (es), para que
esta reivindique e lute por seus objetivos junto ao poder público.
Mais do que respostas, estas considerações finais trazem
propostas, que podem ou não contribuir para mudanças efetivas
em nossa forma de pensar, ver, e agir perante determinadas
realidades, refletindo para além de “fórmulas” ditas “certas” mas que,
na prática, podem ainda trazer muitas incertezas...
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96
13
Uma Cidadania Esperada: e agora, o que fazer?
Christovam Cardoso1
Denise Chrysóstomo de Moura Juncá2
Vera Lucia Marques da Silva3
Verônica Gonçalves Azeredo4
Vulnerabilidade repentina ou inesperada? Vulnerabilidade
de pessoas ou de grupos? Vulnerabilidade de lugares?
Vulnerabilização da cidadania? Que desenho a pesquisa construiu
em torno do território de Custodópolis? Que “capacidade de
resposta” (MARANDOLA JR; HOGAN, 2006) foi possível
identificar na comunidade?
O tema é amplo e ainda precisa ser muito explorado.
Entretanto, os dados levantados indicam que há uma grave
vulnerabilidade em curso na comunidade estudada. Vulnerabilidade
que tem história, que apresenta várias faces e dinâmicas, que atinge
pessoas, grupos e o próprio lugar, articulando particularidades
regionais a questões que se estendem ao cenário nacional,
evidenciando que são complexos os entraves a serem vencidos.
Citando Wisner5 , Marandola Jr. e Hogan (id.) consideram
que muitos dos elementos que compõem a vulnerabilidade não estão
dissociados da “vida normal”, do cotidiano das pessoas. Para os
autores,
estilos de vida, atitudes, condutas e
valores que podem fazer parte de uma
família, cultura, região ou outras esferas
coletivas nas quais a pessoa está inserida,
ligam-se a perspectivas pessoais,
percepções e à própria experiência no
aumento da segurança, tanto no campo
existencial como na dimensão objetiva
da vulnerabilidade. (id.p.35)
Desta forma, é importante romper com concepções que
restringem o conceito de vulnerabilidade a campos específicos,
entendendo-o em uma perspectiva interdisciplinar. Esta foi a ótica
adotada na pesquisa realizada, sendo possível constatar que
dimensões sociais, econômicas, ambientais, civis se combinam na
composição do quadro encontrado.
É certo que alguns avanços foram observados, notadamente,
em termos de escolaridade, ocupação e rendimentos. Verificou-se
maior valorização e condições de acesso ao ensino formal, inclusive
sendo identificados estudantes universitários. O trabalho, embora
ainda incluindo biscates ou ocupações que exigiam baixa
qualificação, diversificava-se, não se restringindo à lavoura de antes.
Em relação ao acesso a bens de consumo foi identificada a presença
de uma grande variedade de produtos. Com tal perfil, Custodópolis
apresentava características que vinham sendo identificadas através
das PNADs (IBGE), no restante da população brasileira,
principalmente na última década, no que se refere a mudanças no
padrão de consumo, registrando-se, sobretudo, maior acesso à
telefonia, à informática e a outros bens domésticos. Esta era uma
questão, também, focalizada por pesquisadores do CEBRAP, Torres,
Bichir e Carpim (2006), que referiam-se à complexidade dos padrões
recentes da pobreza urbana e questionavam se o país não estaria
diante de uma pobreza diferente, listando fatores como: as
transformações estruturais que vem ocorrendo, o papel das políticas
sociais, a mudança no tamanho das famílias, a transformação do
papel da mulher e a maior oferta de crédito.
Retratando uma tendência nacional (IBGE), também em
Custodópolis, identificou-se o crescimento da chefia feminina das
famílias e uma grande preocupação destas mães era inserir seus filhos
nas escolas e programas sociais, retirando-os das ruas, que tantos
riscos representava.
As casinhas de palha deram lugar a moradias de alvenaria.
Suas condições, contudo, nem sempre eram as melhores, o mesmo
acontecendo com a infraestrutura ambiental. Neste ponto, a ausência
de uma rede de esgoto configurou-se como o maior problema. Ao
seu lado estava a questão da falta de segurança. A violência, associada
ao tráfico de drogas assustava uma parcela expressiva da população,
levando-a a pensar em se mudar do bairro. A maioria, contudo,
revelava um grande vínculo ao território onde nascera e continuava
a viver, acabando por relativizar tais riscos.
1
Enfermeiro CCIH – HGG; Professor FAETEC - Campos dos Goytacazes. Gestor e professor de Graduação em Enfermagem - UNIVERSO - Campos dos Goytacazes.
Mestre em Comunicação Social pela UFRJ.
2
Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF.
3
Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
e Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013).
4
Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social pela UFRJ, Assistente Social pela UFF, Profª. Adjunta do Curso de Serviço Social do ESR/UFF e
pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde- GRIPES/UFF.
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WISNER, B.; BLAIKIE, P.M.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability, and disasters. 2. ed. London: Routledge, 2004. 471p.
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Fragilidades apareciam também na saúde, com altos índices,
sobretudo de doenças como diabetes e hipertensão. A maior
alternativa de assistência encontrava-se em serviços de pronto socorro
que, a exemplo do que também acontecia no resto do país, funcionava
como porta de entrada ao atendimento médico, já que as condições
de acesso aos serviços ambulatoriais não correspondiam à demanda
existente.
A proteção social ainda atingia um número limitado de
famílias, sendo a rede de parentesco seu principal suporte. Seu poder
de reação e articulação, tão expressivos no passado, se diluíram no
tempo, uma vez que, de um lado, a comunidade acolhia muitos
“estranhos”, e não apenas aquelas “pessoas de bem que queriam
ajudar”; de outro, os laços que, tradicionalmente, mantinham com
políticos ou entidades assistenciais foram rompidos ou enfraquecidos,
dando lugar ao descrédito, ao desânimo, à dificuldade de reação
face às vulnerabilidades que vinham se acentuando. Um outro fator
agravante podia ser citado: o orgulho de morar em Custodópolis era
comprometido por um grande constrangimento que alguns sentiam,
pois carregavam o estigma de serem identificados como moradores
de uma área de risco.
O desenho traçado remetia à consideração de que:
A capacidade de responder ao perigo
dependerá da quantidade e qualidade de
recursos (ou ativos) sociais, ambientais,
culturais e econômicos que cada lugar
possui. A memória, a história e as
experiências
são
instâncias
fundamentais para coesão social do
grupo, e seu fortalecimento diante do
perigo.
Diante de tal quadro, uma possível saída poderia ocorrer,
através da revitalização dos sujeitos, do resgate da auto-estima, para
que se tornassem capazes de construir respostas às vulnerabilidades
que compunham seu território. Considera-se, assim, como ManziniCovre (2003, p. 10) que há necessidade de “preparo”, de produção
de subjetividade promissora, e os direitos e deveres, ou seja, o
conteúdo do exercício da cidadania depende de enfrentamento
político contínuo: “só existe cidadania se houver a prática da
reivindicação”.
Trata-se, assim, do que enfatizavam Marandola Jr e Hogan
(op.cit, p.40):
A capacidade e habilidade de converter
oportunidades em ativos passam pelo
empowerment e pelos entitlements, que
podem ocorrer por meio de processos
verticais (de cima para baixo) ou
horizontais (redes sociais, participação,
laços comunitários solidários,
inventividade pessoal). Os entitlements
podem ser tanto objeto de políticas
públicas quanto uma forma que a própria
população encontra para lidar com seus
próprios riscos, diminuindo sua
vulnerabilidade.
Neste ponto, cabe lembrar a dialética possível implicada no
conceito de vulnerabilidade, como abordam Vignoli, Filgueira e
Arriagada, citados por Castro e Abramovay (2004, p. 3), “referindo-se
tanto ao negativo, ou seja, a obstáculos para as comunidades, famílias e
indivíduos — riscos —, quanto ao positivo, considerando possibilidades,
ou a importância de se identificar ‘recursos mobilizáveis nas estratégias
das comunidades, famílias e Indivíduos’ (Vignoli 2001: 58)”. Com isso,
se a pesquisa realizada permitiu a obtenção de respostas às perguntas
traçadas, não há como negar que outras tantas indagações surgiram,
associadas, sobretudo, à implementação de ações, de acordo com a
proposta do Programa Bairro Saudável. Que caminhos seguir? Que
sujeitos mobilizar? As igrejas, os grupos da terceira idade e a associação
de moradores seriam alternativas viáveis? Que limites e possibilidades
transitavam no cotidiano de uma experiência interdisciplinar? O trabalho
só começou e muito há ainda para se discutir e avançar.
Algumas indicações, contudo, já podem ser esboçadas nas áreas:
a) Sócio-ambiental
b) Sócio-Educativa
c) Cultural
d) Econômica
a) Área Sócio-Ambiental: ações voltadas para o enfrentamento
dos riscos à saúde e ambiental, causados pelo esgoto a céu-aberto
e lixos em terrenos baldios.
SUGESTÕES:
- Capacitação de educadores, monitores e alunos em educação ambiental
nas escolas do bairro;
- Implementação de oficinas de práticas ambientais: plantio de mudas
em terrenos baldios (áreas degradadas);
- Realização de cursos de jardinagem: atuação residencial, predial e em
áreas públicas;
- Produção de mini-documentário com participação dos moradores, sobre
as condições ambientais (ênfase em saneamento), juntamente com abaixo
assinado da comunidade para ser entregue à PMCG, como demanda do
bairro e busca de enfrentamento das condições sanitárias.
b) Área Sócio-Educativa: ações voltadas para práticas educativas
e de qualificação profissional.
SUGESTÕES:
- Realização de Curso para educação de adultos;
- Implementação de atividades extra-curriculares no contra-turno formal
(reforço, melhoria e aproveitamento escolar). Além dos conteúdos
formais curriculares, as ações devem ser dirigidas, através de jogos de
matemática, pesquisa em internet, orientação para pesquisas escolares
roda de leituras.
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- Organização de uma Biblioteca: Espaço destinado a empréstimo
de livros, oficinas de redação, leitura, contação de histórias, saraus
de poesias, etc.
- Implantação de um projeto que poderia ser denominado “Mala de
leitura”, envolvendo: leitura itinerante em espaços abertos da
comunidade, como por exemplo, a praças;
- Parceria com o Campo de futebol, para realização de atividades
esportivas e recreativas.
c) Área Cultural: práticas que resgatem a riqueza de bens
imateriais da localidade, por meio da tradição oral e de
encontros intergeracionais que possibilitem o diálogo entre
saberes e fazeres do ontem e do hoje.
SUGESTÕES:
- Oficina de Memória: Resgate através de mestres da tradição oral
de antigas práticas comunitárias: jongo, corridas rústicas, bailes nas
casas, quadrilha/dança jardineira. Memória das histórias e casos
locais, cantigas de roda, receitas tradicionais, história dos espaços e
personagens do bairro, articulando essas antigas práticas ao contexto
atual. As ações poderiam ser reeditadas, homenageando antigos
espaços e personagens.
- Cine Teatro Primor: sala com equipamento audiovisual e projeção
digital. Exibição de sessões gratuitas (filmes alternativos,
documentários). Sala de teatro: curso de teatro. Matinê na pracinha.
- Jongo da Tia Maria Anita: regate da tradição do jongo.
Apresentações culturais.
- Quadrilha Caipira do Vicente: apresentações
- Folia de Reis do Zé Laurindo: apresentações
- Circuito ciclístico Nicodemos
- Memória Esportiva: “Come-Gato”: exposições...
- Roda e Cantigas na Praça
- Exposição de fotos antigas da comunidade (personagens).
- Produção de mini-documentário com antigos moradores,
transmissores da tradição oral comunitária. Objetivo: reconstrução
contínua da identidade local.
- Contação de histórias: “Mula sem cabeça”, “ônibus da luz
vermelha”, “Negrinho levado” e outras histórias da memória do
bairro e do folclore campista.
- Produção de um livro com essas histórias e com a memória da
comunidade.
d) Área Econômica: Capacitação de artesãos local
identificados com confecção de produtos em tecido de
identidade folclórica. Tecidos em chita, juta e variações
rústicas, que expressem a tradição carnavalesca do bairro e a
identidade rural de campos nas expressões da mana chica.
SUGESTÕES:
- Capacitação dos artesãos: Oficina de Reciclagem de Tecido
(bordados, apliques, patchwork, customização. Produtos:
acessórios (pulseiras, colares, fivelas, etc); Objetos de decoração
(almofadas, toalhas, cortinas, etc ) e utilitários (porta-trecos,aventais,
etc)
- Oficina de trabalho colaborativo, gestão de negócios, tendências
de mercado e design.
- Produção: local União da Esperança
- Comercialização: loja local, loja virtual.
- Curso de jardinagem
- Curso de serviços na área da construção- parceria com empresas
do ramo da construção. (engenharia).
Estas, dentre outras ações só serão possíveis se a proposta
interinstitucional e interdisciplinar do Programa “Bairro Saudável:
tecendo Redes e Construindo Cidadania”, for reafirmada em seu
compromisso entre instituições e atores envolvidos.
O Diagnóstico sócio-ambiental, realizado através do Inquérito
Populacional, é produto desse esforço coletivo de aproximação com o
bairro. Mapeadas suas condições, o perfil desenhado apontou para um
quadro de vulnerabilidades, que por sua vez, demandam esforços em
diferentes campos de ação.
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