Amilar Vieira Filho

Transcrição

Amilar Vieira Filho
Entrevista:
Amilar Vieira Filho
por Aline Pinto Pereira
· Quando começ ou a praticar pesca subaquática?
Amilar Vieira Filho: Sou pioneiro da caça submarina em Niter ói. Comecei a
mergulhar em 1948, na Pedra de Itapuca (Icara í), com óculos de nadador, um
par de nadadeiras, e um cabo de vassouras com tridente. Mergulhei cerca de
três anos na Ba ía de Guanabara, Ilha da Boa Viagem, Morro do Morcego e na
piscina da Seabra. Era uma época em que a água era azul e não havia essa
poluição de hoje. Com o tempo, foram aparecendo outras pessoas. Então,
alguns anos depois, fundei um Clube de Ca ça Submarina, em Icaraí. Mais
precisamente em 9 de junho de 1956. A sede era na casa de um associado do
Iate Clube Icara í (ICI), Hermano Coelho Gomes. Éramos cerca de 14 pessoas, e
com o passar do tempo, precisamos de outro espaço. Assim, no final da d écada
de 1950, fomos para o ICI, onde fundamos o Departamento Autô nomo de Caça
Submarina. O clube era pequeno, e tínhamos que nos cotizar para pagarmos as
despesas com as competições. Naquela ocasião, participamos de vários campeonatos brasileiro. Nossa melhor colocação foi
o quarto lugar, porque o pessoal do Rio de Janeiro era bem mais tarimbado. Mas houve um grande avan ço com a criação
desse departamento autônomo. De uma certa forma, contribu ímos para o desenvolvimento da pesca subaqu ática no clube.
Nó s demos muitas vitórias em ca ça submarina para o ICI. E esse foi o in ício de tudo. Hoje sou só cio benem érito, laureado e
membro do conselho oficial do ICI.
· Como surgiu seu interesse em praticar caç a submarina?
AVF: Fui um garoto muito doente porque sofria de bronquite asm ática até os onze anos. Fui criado por av ós, que me davam
banho quente e fechavam a casa toda para que eu n ão pegasse "golpe de ar". Quase me mataram! Então, com onze anos,
fugi para a praia e fiquei brincando na Itapuca. Quando coloquei um óculos e vi o fundo do mar, fiquei doido! N ão larguei mais!
Quando estava com cerca de 20 anos comecei a pescar com um cabo de vassoura que tinha um tridente na ponta. Mais tarde
meu sogro me deu uma torpedine - uma arma de mola com a qual peguei muita tainha na Itapuca. Com o tempo, o esporte
evoluiu muito e hoje é controlado pela Confedera ção Mundial de Atividade Subaquática. Naquela época em que começou a
caça submarina, tínhamos um carisma muito grande. Éramos considerados super-homens porque matávamos peixes
enormes. Ainda pratico pesca subaqu ática. Como só tive filhas, tenho mergulhado como meu neto de 28 anos.
· Quais s ão as regras para se praticar a ca ça submarina?
AVF: A pontua ção é por peça e por quilo. Por exemplo, cada quilo vale mil pontos e cada peça també m. Então, um peixe de
quatro quilos vale cinco mil pontos. Neste esporte contamos pontos individuais e por equipe. Fomos campe ões por equipe na
década de 1970, no Peru. O Bruno Hermany foi bicampe ão mundial em Malta e no Brasil. Eric Santarelli, já falecido, foi
recordista mundial de mergulho, com 43 metros. Eu sempre fui caçador mediano. Tinha sorte em matar o maior peixe e por
isso ganhei muitos trofé us.
· Quais s ão os peixes mais cobiçados?
AVF: Robalo, badejo, garoupa, mero, linguado, anchova, olhete e olho -de -boi são peixes esportivos. Lanceta e marimbá, por
exemplo, não são desejados. Na realidade, o peixe mais cobiçado é a garoupa. É um peixe dif ícil. Temos que domin á-lo e
pux á-lo. Caso ele entoque, o trabalho de retira -lo do mar ser á dobrado. Voc ê pode at é desmaiar se fizer força para desentocar
o peixe. Porque a caça submarina é feita em apnéia. Com tanque (de ar) deixa de ser esporte. Temos que fazer uma
hiperventila ção pulmonar antes de mergulhar. Respirar mais ou menos 20 vezes, oxigenar bem os pulm ões, para mergulhar
depois. Um bom caçador fica entre um minuto, um minuto e vinte em cada imersão dessa. O Santarelli, por exemplo,
conseguia ficar mais do que dois minutos. Alguns são caçadores excepcionais no f ô lego, outros sã o "espuminhas" - ligeiros no
gatilho, pescam muito peixe, mas nã o são mergulhadores de profundidade. O segredo é ter habilidade para pescar maior
quantidade de pe ças.
· O senhor se considera um bom caç ador?
AVF: Me considero um ca çador de dez metros. Quando comecei em campeonato, mergulhava entre 17 e 18 metros. Naquela
época n ão era preciso mergulhar mais do que isso para se pegar peixe. Com o tempo houve uma diminui ção do pescado e
atualmente os mergulhadores descem cerca de 25 -30 metros. É até perigoso. Quando o pescador descobre um parcel, é
comum que consiga fisgar badejo, garoupa... Hoje, por incr ível que pare ça, dentro da Baía há mais peixes do que lá fora. É
que a água é escura e não conseguimos ver. Mergulhei muito nos pilares centrais da Ponte Rio -Niteró i. Paulo Freitas e eu
peg ávamos muita garoupa e badejo. Depois proibiram a pesca.
· Com a proteção ambiental, como fica a pesca subaquática?
AVF: N ão existem mais tantos peixes como antes. O ca çador submarino quebra o equilíbrio daquela ponta da ilha, mas n ão
destrói a fauna. Quem a destrói é o pescador de rede, de arrasto. A pesca é proibida em determinados lugares, como
Fernando de Noronha e Abrolhos. Nessas reservas ambientais somente o turismo submarino é permitido. É uma maneira de
proteger o meio ambiente. Hoje tem regulamento e acho correto.
· Qual foi a sua vitória mais importante?
AVF: Quando fui tricampe ão niteroiense e sul americano em 1966, 1968 e 1970.
· Já sofreu algum acidente grave?
AVF: Foi em agosto de 1966, nas Ilhas Maric ás. Fiquei preso no cabo, e se n ão o tivesse cortado, morreria afogado. Peguei
um Badejo. Ele entocou e foi dif ícil retira -lo. Naquele tempo, as armas n ão flutuavam, eram mais pesadas. Naquela ocasião já
usávamos roupa de neoprene e não mais pescávamos somente de calção. Com aquela roupa nã o senti o cabo enrolar em
meu corpo. Coloquei minha arma de lado e trabalhei o peixe. A água estava turva e havia um pouco de correnteza. Em
determinado momento senti que estava preso no cabo, fiquei ansioso para chegar à superf ície, a m á scara saiu do meu rosto e
larguei a arma. De repente tive um estalo: a faca! Cortei o cabo que desceu pelo meu rosto e ficou preso no cinto de chumbo.
Cheguei na superfície com a faca na m ão. A correnteza foi me levando e acenei para a lancha de um amigo. Depois sofri a
rea ção. Beijava a faca e dizia: nasci outra vez! Nasci outra vez! A vaidade me salvou, pois teria vergonha de ser encontrado
morto em uma situa ção como aquela! Qualquer priva ção de sentido dentro d'água pode leva -lo a morte. Já morreram vá rios.
Entã o, meu maior troféu é a faca que salvou minha vida. Todo mergulhador é obrigado a descer com uma faca.
· Como foi trabalhar com o Joã o Havelange?
AVF: Dirigi a pesca subaqu ática com o Jo ã o Havelange na CBD - Confederação Brasileira de Desportos -, por 14 anos.
Quando deixei de competir, virei cartola. Fui presidente do Conselho de Assessores de Ca ça Submarina da CBD, que reunia
uma série de esportes. Hoje ela congrega somente o futebol e foi transformada na CBF - Confederação Brasileira de Futebol.
Atualmente, todos os outros esportes t ê m a sua federação. O Havelange confiava em mim. Ele era ó timo!
· Qual é a sua profiss ão?
AVF: Aos 16 anos comecei a trabalhar num bazar. Depois fiz concurso para o Banco do Brasil e me aposentei em 1976.
Posteriormente, trabalhei mais 25 anos em uma empresa de com ércio exterior. Com a experiê ncia adquirida, montei um
escritório de com é rcio exterior com um amigo meu. O homem não pode parar.
· Fez cursos de pesca subaquática?
AVF: Nunca fiz curso nenhum. Nem de apnéia, nem de nada. N ão existiam quando comecei. Fui desbravando sozinho e com
a minha experi ência, ensinei aos outros. Era comum um ca çador submarino ir at é minha casa para pedir que eu pegasse sua
arma presa no mar, pois não conseguia chegar ao fundo. Contar isso hoje é uma bobagem, mas naquela é poca, a caça
submarina era um mist é rio danado.
· Pratica outros esportes?
AVF: Joguei basquete 11 anos, mas sou baixinho. Fui até do primeiro time do Regatas. Hoje, jogo peteca todo dia de manh ã,
em frete ao clube Central (Praia de Icara í). Ainda pratico pesca subaqu á tica, mas penso em parar de mergulhar porque estou
chegando aos oitenta anos. Por ém, é uma decis ã o difícil...
· O arp ão é uma arma. Ent ão, quais sã o os cuidados que devemos ter no fundo do mar?
AVF: Temos que identificar nosso objetivo antes de atirar. N ão podemos disparar em vulto, porque at é a nadadeira de outro
mergulhador pode ser confundida com peixe. Devemos atirar nos locais vitais do peixe, sabedores de que cada espé cie tem
uma forma de aproximação. Se voc ê nã o atacar, os animais se aproximam. Não adianta persegui-los, porque todos têm
sensibilidade. Com o tempo, aprendemos que os movimentos embaixo d'água devem ser lentos.
· Existem mulheres praticando pesca subaquá tica?
AVF: N ão é comum. H á tempos, fizemos um torneio em Angra dos Reis, no qual as mulheres participaram. Mas são poucas as
que praticam caça submarina porque é um esporte sacrificante. Eu, por exemplo, vivia cheio de ouri ços. Mas a mulher gosta
de ter a pele mais sedosa. Durante um campeonato em Itaipuaçu, conheci uma mo ça chamada Estela que matou mais peixes
do que eu. Danada, a Estela!
· O que diria para um pescador principiante? O que disse para seu neto quando ele come çou a praticar pesca
subaquática contigo?
AVF: O importante é nunca pescar sozinho. Começar com uma pessoa que seja mais experiente, ter uma alimentação leve e
oxigenar bem os pulm ões antes mergulhar. Ali ás, dever íamos aprender a respirar na escola! São muitos os benefícios de uma
boa respira ção! Mas um bom caçador deve, principalmente, identificar o objetivo antes de atirar.

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