Abril de 2010 - Teatro Pradillo

Transcrição

Abril de 2010 - Teatro Pradillo
Abril de 2010
Um Projecto
©Luís Alegre / Ideias com Peso
Play Them
Concepção e Direcção
Luís Alegre
Textos
Fernando Poeiras
Lígia Afonso
Nuno Aníbal Figueiredo
Patrícia Gouveia
Paulo Viveiros
Design da capa
Peça de Rui Garrido
para o projecto “Play Them”
Design e Pré-impressão
Tiago Balas / Ideias Com Peso
Impressão com o apoio de
ISBN 978-989-96721-0-9
Depósito Legal 309735/10
Todas as imagens e textos
© dos respectivos autores
Abril de 2010
RUI GARRIDO
Nasceu em Lisboa, em 1969 e vive em Oeiras. Formou-se em Design Visual no IADE, em 1993.
Ainda nesse ano estagiou na Agência de Publicidade Altamédia.
Em 1994, foi um dos doze seleccionados para um curso de Desktop Publishing, ministrado
pela “Agência de Publicidade Cinevoz”. Durante o ano de 1995, trabalha como freelancer e
entra para a “Editora Abril”, onde fica cerca de 3 anos como designer gráfico. Ainda em 1997,
entra para a “Lusomundo”, trabalhando como designer gráfico da revista “20 Anos”. Em finais
de 1998, abre atelier e é convidado para a revista “Ícon”, onde trabalha em part-time.
A partir de finais de 2000, trabalha exclusivamente em projectos do seu atelier, tendo como
princípais clientes: EMI Music Portugal; EMI Valentim de Carvalho, Clean-Feed / Trem Azul,
Universal Music, Sabotage, Polygram, Megamúsica, iPlay, Movieplay, HM Música; Vachier &
Associados, IPAE, Ministério da Cultura, Companhia de Teatro Sensurround, Abrinício, Gulbenkian, Lanidor, Monstera, Unibanco, Uguru, Bedeteca de Lisboa, Jazz ao Centro Clube,
Jazz.pt, Vega Mar & Aventuras, entre outros.
Em 2006, tem três cartazes seleccionados para a exposição “175x120 - Uma Exposição de
Cartazes de Rua”, comissariada por Andrew Howard, para a Fundação de Serralves.
Em 2008, é convidado para o Grupo Leya, onde exerce funções de Direcção de Arte, juntamente com o designer Jorge Silva. O seu tempo volta a ser dividido entre duas actividades:
atelier e Grupo Leya.
Paralelamente, desenvolve trabalho artístico (pintura), actividade que mantém desde os
tempos de estudante.
Não constitui uma grande novidade que nos últimos anos tem havido
uma proliferação de filmes que utilizam o computador como tecnologia
de animação para a criação de efeitos que pretendem ser extremamente
realistas. Esses efeitos têm, entre outras particularidades e virtualidades,
a capacidade de diluírem a linha entre a live-action e a animação, entre a
realidade e a fantasia. Os mundos imaginados em filmes como o Matrix,
Tomb Raider, Final Fantasy ou Avatar embora envoltos em discussão, tiveram e têm a capacidade de alterarem, de forma mais ou menos profunda,
a nossa experiência e a compreensão que fazemos das histórias, mas também dos nossos corpos, dos objectos e, porque não, da nossa realidade.
Este projecto que agora propomos pretende explorar, entre outras
coisas, a relação entre o “animado” e o “real”, entre os desenhos e a liveaction e, em particular, mas talvez de forma menos evidente, a relação
entre os organismos de animação e de outros organismos que possuem
mais carne e substância.
Embora o discurso académico e popular tenda a colocar a animação directamente no reino do imaginário, o que pretendemos é especular
acerca de uma propriedade atribuível à animação, em maior ou menor
grau, a de que ela desempenha sempre um papel de negociação entre o
real e a realidade construída, representada ou inventada.
Na verdade as alterações, muitas vezes ambivalentes, impostas ao
estatuto do “real”, em animação tendem a ter um impacto significativo sobre a forma como experienciamos a própria animação e o corpo animado.
Talvez seja inegável que à imagem animada lhe falta uma relação
privilegiada com o “real”, atribuída normalmente a processos mais automáticos, como a fotografia.
A grande maioria da teoria da fotografia demonstra que são estas
propriedades da imagem fotográfica que lhe dão esse privilégio. A ideia
que fica é a de que o processo fotográfico envolve uma transferência da
realidade do objecto original para a sua cópia. A fotografia enquanto emanação do referente, de um corpo real que estava lá e que através deste
processo se liga por uma linha invisível (luz) ao corpo da coisa fotografada
e simultaneamente ao nosso olhar.
O interessante desta ideia reside no facto de a fotografia constituir
um dispositivo, que embora resulte numa cópia, está mais próximo do ori-
ginal, e, dessa forma, do “real”, que é descrito através dos sentidos em
termos materiais, mais do que emt ermos visuais ou estéticos.
Será, então, o contacto físico da fotografia com o original que lhe
atribui todo o poder e não a sua mera verosimilhança.
Embora a ligação privilegiada ao “real” também possa ser atingida
por live-action, esta é, através da animação, aparentemente negada mas
não completamente banida. Talvez, pelo menos até certo ponto, a ligação
do material e do sensorial entre imagem e original seja mantida na animação, pese embora o emaranhado de metamorfoses e conexões. Em vez de
confiar no corpo material, único, do original, como a fotografia, a ideia é
que a animação é capaz de desenhar múltiplos originais, mesmo que para
isso se veja obrigada a recorrer, por exemplo, a modelos/actores previamente filmados. Contudo, um corpo animado constitui um objecto híbrido, não só
porque é realizado através do olhar de quem anima, da suas memórias,
das suas referências e da sua forma de desenhar, mas também da sua
experiência pessoal enquanto espectador, factos que acabam por lhe conferir múltiplas perspectivas e complexidades.
Pensemos a esse propósito na forma como consumimos o corpo animado - não só através do cinema ou da televisão, mas também através
das histórias em BD, videogames… e como todos esses media evocam
uma materialidade hibridizada que funde corpos, meios de comunicação, tecnologias, num jogo que mistura diferentes registos do “real” e do
“fantástico”.
Nesse sentido PLAY THEM reúne, numa instalação, um conjunto de
trabalhos de desenho (criados digitalmente e reproduzidos pelo processo
de serigrafia) e de desenho animado (materializados em suporte vídeo).
Trata-se de uma análise exploratória do desenho enquanto tecnologia de representação, seja ela a memória, o corpo, o movimento ou
qualquer outra…
Em alguns dos trabalhos apresentados essas representações concretizam-se em sequências curtas de desenho animado, em loop. A
matéria de base foi na sua grande maioria retirada do universo do cinema e do vídeo vernacular. Usando uma tecnologia chamada rotoscopia
redefiniram-se as imagens e as formas, anteriormente de representação
fotográfica.
O que se pretende especular neste projecto, entre outros assuntos,
é o facto de a animação e o desenho estarem constantemente a negociar
o seu lugar entre o real e o fantástico, entre o animado e o real, e que essa
relação é fundamental para a nossa experiência e sobretudo a nossa experiência do corpo animado. É por estas razões e também (não menos importante) pela admiração e amizade pessoal que nutro pelos artistas plásticos José Maçãs de
Carvalho e António Olaio, e pelo designer gráfico Rui Garrido, e obviamente pelo trabalho que têm desenvolvido, que os convidei a participar
neste projecto.
A complementaridade das suas obras no que diz respeito aos temas
principais deste projecto — as questões da imagem, da fotografia, do vídeo, a sua relação com o “real”, o seu valor de cópia e/ou o seu eventual
apagamento referencial, a apropriação e as referências ao universo do cinema, a repetição e o uso da linguagem, etc. — assuntos que me parece
ver tão bem explorados pelos projectos do José Maçãs de Carvalho, mas
também as questões do corpo e do seu movimento/animação, do som/
música e da representação/actuação; isto é: o sentido performativo que
vejo tão clara e eficazmente explorados na obra do António Olaio. Mas
também a insistente valorização, pelo Rui Garrido, da manualidade (na era
digital), nos valores e impotância do desenho e da caligrafia e, claro, a sua
inigualável perspicácia gráfica.
Mas este projecto, não se cinge apenas às obras instaladas na
galeria.
O catálogo que agora lemos, constitui mais uma extensão deste
projecto e um documento que pretende ser o embrião de um livro mais extenso (a editar em parceira com a Universidade Lusófona) onde se reunirá
informação útil e pedagógica, contribuindo de forma teórico-prática para
a reflexão intelectual e artística acerca do (re)conhecimento das questões
inerentes à “animação”.
É nesse sentido que temos em mãos a elaboração de um livro que
compilará ensaios de autores portugueses (alguns já presentes nesta
edição: Fernando Poeiras, Lígia Afonso, Nuno Aníbal Figueiredo, Patrícia Gouveia, Paulo Viveiros), que com amizade aceitaram escrever textos
originais, especialmente para este projecto; e um conjunto de ensaios
de autores estrangeiros que pela sua pertinência nos parecem essenciais
constarem dessa futura obra.
Luís Alegre
PAULO VIVEIROS
É director do curso de Animação Digital e professor na licenciatura de Cinema da Universidade Lusófona em Lisboa. Tem um doutoramento em cinema com uma tese sobre “A
composição espacial no cinema digital”. Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da
Fundação para a Ciência e Tecnologia. Publicou um livro sobre a história estética e teórica do
cinema, “A Imagem do Cinema”, nas Edições Universitárias Lusófonas, além de ensaios em diversas publicações sobre cinema e arte.
Rotoscopia, plano e loop: reflexões
a partir da obra de Luís Alegre
Paulo Viveiros
Play Them, um conjunto de obras de Luís Alegre (mais um vídeo de
António Olaio e outro de José Maçãs de Carvalho) levanta várias questões
ligadas ao seu processo de construção e ao seu resultado. A primeira é a
utilização do velho método da rotoscopia ligada às origens do desenvolvimento industrial do cinema de animação. A segunda é o carácter plano e
gráfico das imagens que remetem para a imagética da Pop. A terceira é o
loop como elemento de linearidade circular, como uma forma de narrativa. Este texto é uma abordagem destas três questões.
/1/
Luís Alegre utilizou uma mesa gráfica Wacom Cintiq 12wx para decalcar alguns frames de filmes e clips de vídeo retirados da internet. O
desenho dos contornos e pormenores anatómicos das personagens foram anexados a algumas camadas de imagens que lhe servem de fundo.
Todo este processo realizado através de Photoshop e After Effects CS4. O
desenho a partir de filme é uma velha técnica do cinema de animação associado aos irmãos Max e Dave Fleischer que, nos meados dos anos 10 do
século XX nos Estados Unidos, a usaram para obter movimentos mais realistas. Na sua origem, um actor era filmado na sua performance, o filme
era projectado fotograma a fotograma sobre uma placa de vidro e o desenhador decalcava os movimentos para uma folha de acetato (que também
tinha revolucionado o cinema de animação, por diminuir a quantidade de
desenhos necessários para a construção de um filme). Max Fleischer utilizou a técnica na série Out of the Inkwell, cujo protagonista era o palhaço
Koko (o irmão Dave serviu de modelo para os movimentos do palhaço), e
o método difundiu-se depois por personagens célebres como Betty Boop,
Popeye, etc., até Walt Disney lhe dar uma maior projecção (e dimensão)
na sua primeira longa-metragem Branca de Neve e os Sete Anões. Neste
filme, os movimentos de Branca de Neve foram rotoscopiados a partir
da performance de uma actriz, permitido uma maior fluidez do desenho
aproximando-o da tão desejada “ilusão da vida” que Disney procurava. O
método implantou-se e o rotoscópio foi evoluindo tornando-se num aparelho acessível e relativamente simples de usar como é o caso da mesa
Wacom. Este foi o processo usado em 2006 por Richard Linklater em A
Scanner Darkly – O Agente Duplo com Keanu Reeves.
O problema que se coloca aqui, e que atravessa toda a produção
artística que recorre a processos mecânicos, é o a da criatividade e do
“poder da mão” em produzir, neste caso, um desenho original( 1 ). A questão é velha e divide puristas mais ligados a um carácter artesanal da arte,
daqueles que não têm quaisquer problemas de consciência em adoptar
processos mecânicos para produzir a sua obra que obedece a critérios
claros de uma ideia que procuram materializar. Já Andy Warhol justificava
com alguma inocência o uso da serigrafia: “…it’s easier do to it!”.
Recentemente, David Hockney criou polémica na história da arte
com a sua tese provocatória do uso de instrumentos ópticos pelos velhos
mestres do renascimento para produzir as suas imagens em perspectiva( 2 ). De facto, a partir do Renascimento, a obsessão em conhecer o
mundo em que se vivia, fez com que o homem produzisse incessantemente aparelhos que o ajudavam cientificamente nessa pesquisa, levando
mesmo a uma autêntica “cultura das lentes” nos Países Baixos nos séculos
XVI e XVII, pelo desenvolvimento de uma indústria de confecção de lentes
para microscópios, telescópios, lanternas mágicas, câmaras escuras… O
próprio Hockney admite que recorre à Wacom Cintiq para a produção de
algumas das suas imagens.
1, Apesar de não terem sobrevivido, Reynaud filmou duas sequências com actores em película com uma câmara que ele próprio construiu para o efeito — o fotocenógrafo. O objectivo
era responder aos filmes dos Lumière, uma exigência do proprietário do Museu Grévin em
Paris, local onde Reynaud fazia as suas exibições de pantominas luminosas através do Teatro
Óptico. Reynaud recortou algumas poses dos actores no negativo, coloriu-as e projectouas, tal como sempre fizera com os seus filmes desenhados em papel. Este episódio prova a
resistência que alguns artesãos, como Reynaud, tinham em fazer obra a partir de processos
mecânicos sem recorrer à habilidade da mão.
2, Cf. David Hockney, Secret Knowledge. Rediscovering the Lo$ Techniques of the Old Masters, New York, Viking Studio, 2001.
/2/
A aparência dos vídeos e das impressões de Luís Alegre remetem
para o imaginário gráfico da Pop. Para além do processo mecânico de fabricação das imagens que nos projectam para o método da serigrafia,
apesar das diferenças de processos, o resultado visual é semelhante: um
grafismo elementar composto por contornos das figuras sobre um fundo
borrado intencionalmente (e já não por acidente como nas “imagens deterioradas” de Warhol) através de carimbos em madeira digitalizados
usados na tipografia, fornecem um arquivo imenso de texturas e cores vivas e irrealistas que se fundem na própria figura. O resultado são imagens
sem profundidade, cujo fundo está no mesmo plano da figura. Esta fusão
figura/fundo foi também um tema que levantou muita celeuma na história
da pintura.
Na segunda metade do século XIX, Édouard Manet utilizou uma paleta pouco contrastada em alguns dos seus quadros, optando muitas
vezes por um fundo escuro e indistinto por detrás de figuras extremamente
pálidas. O escândalo que essa paleta de cores desmaiadas provocou, por
estar nos antípodas da paleta do romantismo francês, trouxe-lhe alguns
dissabores mas levou a pintura para a sua modernidade, isto é, as imagens
produzirem a sua própria realidade. A questão do plano e da superfície,
ou seja, o da regressão do espaço representado em direcção ao primeiro
plano da imagem, numa inversão da perspectiva, tornou-se essencial na
abstracção (pelo menos até Gerhard Richter) e houve até quem jogasse
com o próprio plano frontal com que as imagens eram usualmente vistas. Pollock produzia-as assim, mas não as exibiu no mesmo modo, mas
Rauschenberg fê-lo, contribuindo para o que Leo Steinberg chamou de
flatbed pi'ure plane( 3 ) e que se estendeu para a Pop. A ideia é a de uma
imagem impressa contra um suporte e já não uma construção tridimensional inaugurada pela renascença. Segundo Steinberg, no final do século
XX, a superfície pictórica já não remetia para uma experiência visual da
natureza, mas para um processo operacional. A utilização de carimbos tipográficos de madeira digitalizados são uma continuidade do processo
usado por Lichtenstein ao pintar o grão impresso nas telas, representando
uma ampliação do papel de jornal. Funcionam como fundo das figuras e
objectos recortados pela rotoscopia e acentuam a característica mecânica
e impressa da imagem. Uma estética fria emerge, apesar de alguns vídeos
de Luís Alegre terem alguma conotação erótica devido a repetição de movimentos que aludem a um imaginário sexual (Jennifer Connelly – Horse e
3, Cf. Leo Steinberg, Other Criteria. Confrontations with Twentieth-Century Art, Chicago,
Chicago University Press, 2007. A edição original é de 1972.
French Kiss), não há nenhuma volúpia e carnalidade nessas imagens, também por serem imagens de imagens, reduzidas e arrefecidas. A produção
de imagens a partir de imagens opera uma regressão em relação ao original ou, como diz Steinberg, “a imagem concebida a partir de outra imagem
afasta-se da representação e evidencia o artista como técnico”. É notório
essa qualidade no trabalho de Luís Alegre, a de composição de imagens
baseadas em antigas técnicas de recorte e montagem de figuras e fundos
que resultam em imagens planas. Como se um cilindro lhes passasse por
cima, as borrassem de cor (os carimbos tipográficos) e retirassem todo o
volume às figuras e objectos, sobrando apenas borrões e contornos como
ideia de figura e fundo.
/3/
Numa época é que a imagem em movimento se instalou nos museus e galarias, a narrativa a ela associada (responsável pela entrada do
cinema na sua maioridade) perdeu a sua lógica de causalidade, dando
origem a narrativas episódicas ou simplesmente a repetições dos movimentos e gestos em loop.
Normalmente, esta característica da narrativa é frequentemente
associada ao “fim das grandes narrativas”, mas decerto também não é
alheia às características dos próprios espaços de exposição pouco aptos
a regimes de temporalidade e de percepção extensivas que obriguem à
paragem do espectador perante as imagens. O museu e a galeria são espaços intensivos, de consumo de imagens em deslocação. A consequência
são narrativas que vivem de repetição de situações ou da mesma situação
repetida eternamente da qual nada escapa ao espectador em deslocação.
Do conteúdo dessa estrutura desaparece o protagonista, que Luís Alegre
alegoricamente o coloca na reforma ou em desespero, como em SuperSuper Man, em que o herói trajado a rigor já não salva o mundo, apenas
bebe repetidamente encostado a um balcão num bar, incapaz de exercer
os seus superpoderes. No domínio da teoria da literatura, são muitas as
teses que apontam o fim da grande narrativa, e com ela o fim dos heróis.
Hoje, no império dos media, não faltam celebridades efémeras, e o superhomem de Luís Alegre é uma celebridade esquecida, afogando as suas
mágoas em sucessivos copos de whisky.
A narrativa (se é que faz sentido falar dela) está reduzida a uma mera
repetição de gestos sem finalidade nem consequência. Este desenvolvimento narrativo salienta unicamente a acção como movimento e já não
como intriga, como se a única atracção fosse o “watch me move!” do primeiro filme de animação de Winsor McCay. Mas também podemos ver na
obra de Luís Alegre um estado primordial da imagem que, de acordo com
Deleuze, é historicamente anterior a estruturas como a narrativa, e isso
é a natureza fundamental da imagem enquanto matéria em movimento
ou duração( 4 ). A matéria (já está formada em virtude da sua existência) não precisa de uma estrutura para lhe dar forma e como a narrativa é
uma estrutura da linguagem e a imagem não pressupõe uma estrutura, a
narrativa não é um dado da imagem. Para Deleuze, a ausência da ordem
narrativa marca a cisão entre imagem-movimento e imagem-tempo. O
grande efeito dessa ausência é a incapacidade do herói conduzir a acção,
o tempo, a história, tornando-se impotente para corrigir qualquer situação. Super-Super Man novamente.
PATRÍCIA GOUVEIA
Trabalha e vive em Lisboa onde nasceu. Doutorada em Ciências da Comunicação (Audiovisual e Media Interactivos, Jogos Digitais) pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa (2008). Tem uma pós-gradução em Som e Imagem (Artes Digitais, 1998) pela Escola das Artes da Universidade Católica do Porto e licenciou-se em Artes
Plásticas (Pintura) na Faculdade de Belas Artes da Universidade Clássica de Lisboa em 1996.
Patrícia trabalha em media arte e design desde meados da década de noventa e participou
com apresentações de trabalhos, comunicações, conferências e workshops em eventos relacionados com arte media, em exposições e festivais em Portugal, Argentina, Brasil, Canadá,
Itália, Inglaterra, Espanha, EUA, França e Grécia. Professora Auxiliar na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias onde é também investigadora no CICANT, Centro de
Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias e no MOVLAB. A sua investigação centra-se nos Playable Media, ficção interactiva e artes digitais como um lugar de
convergência entre o cinema, a música, os jogos, a arte e o design. Patrícia é editora do blog
Mouseland desde 2006 e conferencista no mestrado de Ciências da Comunicação da FCSH/
UNL.
Artes Digitais e Estética Transmedia:
Frames, Assemblages e Popismos Lúdicos
Patrícia Gouveia
4, Cf. Gilles Deleuze, A Imagem-Movimento. Cinema 1, Lisboa, Assírio & Alvim, 2009 (tr.
port. Sousa Dias), e A Imagem-Tempo. Cinema 2, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006 (tr. port.
Rafael Godinho). As versões originais são de 1983 e 1985, respectivamente.
ABSTRACT: Este artigo parte do trabalho de artistas e colectivos contemporâneos para inquirir alguns pressupostos da estética transmedia que
nos remetem para aspectos interdisciplinares associados à experiência
urbana e à vida do dia-a-dia. Salienta-se uma interpretação dos sistemas
de mediação, veiculados pela arte e pelo design da actualidade, que tenha em consideração aspectos formais (contextos tecnológicos), culturais
(que tipo de “textos” e ideologias sugerem) e, finalmente, estéticos (que
experiências veiculam).
As artes digitais são compreendidas, no contexto deste artigo, como
“lugares” subjectivos que subentendem experiências que estão para lá
dos diferentes media. A experiência estética é entendida num contexto
amplo, ou seja, formal, ideológico e emocional. Neste sentido, têm-se
em consideração diversas dinâmicas presentes em artes como a pintura,
a escultura, o teatro, o cinema, a fotografia, a performance, entre outras, assim como também se considera o design, a engenharia da máquina
computacional (hardware e software), as redes, os telefones móveis, os
sistemas geográficos, entre outros, para desta forma sugerir uma estética inclusiva e uma poética da multiplicidade. Assim, pode considerar-se
que mesmo partindo do princípio que a experiência da cultura e das artes
digitais são formatadas pela implementação da máquina computacional,
sendo precisamente este factor que as distingue dos media precedentes,
podemos, no entanto, assumir que existem, do ponto de vista ontológico,
algumas distinções fundamentais para a compreensão da poética e da
estética das artes numéricas. Sugerem-se, neste contexto, três conceitos chave para o entendimento da experiência transmedia presente nas
artes binárias (artes geradas através de uma mediação produzida por código matemático): a simulação, como representação de processos que se
tornam mais fundamentais que a obra em si, o enquadramento e a montagem, como explicitação de um recorte “vivo” e experimental e, finalmente,
a produção de discursos, que apela à reconfiguração, ao lúdico, à cultura
pop, ao entretenimento e às sinuosidades do dia-a-dia, ao controlo dos
sistemas, ao espaço urbano e à performance.
Desde cedo que as artes digitais se preocuparam acima de tudo com
os processos, das primeiras experiências de impressão a partir de plotters
à colagem como ferramenta de estilo( 1 ), passando por todo um conjunto
de software generativo e culminando nas mais recentes modificações presentes em jogos digitais onde os jogadores inserem os seus conteúdos e
podem construir filmes a partir de jogos e espaços lúdicos (machinima).
A representação, cara às artes analógicas, dá lugar à simulação como representação processual, isto é, constroem-se máquinas que “vomitam”
imagens, que por sua vez são configuráveis pelos participantes dos sistemas. O espectador passivo dá lugar ao participante/leitor/jogador que
contribui para a elaboração da obra digital numa dinâmica experimental e lúdica. Se a cultura analógica se define por uma interacção passiva,
em que a interactividade apenas acontece ao nível da interpretação, os
sistemas de arte e design, presentes na estética transmedia, apelam a
uma constante configuração, ou seja, não existem sem a manipulação e
a reconfiguração potenciada pelos diversos participantes da experiência. Ora, a obra surge desta forma como um con$ru'o participativo, um
processo que gera múltiplas possibilidades e que apela ao do-it-yourself
(DIY). Potencia-se “o desejo de fazer trabalhos de arte que se façam a si
próprios”( 2 ) e o espaço simulado surge como “habitado pela ecologia
artificial”, um “con$ru'o como a própria biologia, formatado por um con-
junto específico de regras computacionais e de representações mecânicas,
regras de perspectiva, compressão e formatação.”( 3 )
A acção e o movimento sugerem, nos sistemas de vida artificial potenciados pela síntese presente na simulação, manipulação e controlo e
os artistas pretendem produzir um tipo de interacção que transporta os
participantes para dentro dos sistemas, num processo onde interacções
humanas actuam em parceria com agenciamentos artificiais.( 4 ) Reinventa-se a tecnologia como cultura numa tecnicidade sem precedentes
na qual a evolução que se desenvolve no ecrã digital se organiza enquanto
narrativa da cultura contemporânea. A selecção e síntese, ambas presentes nos sistemas “vivos” das artes digitais sugerem: “inúmeras explorações
de gráficos gerados geneticamente entre a comunidade de A-Life. William
Latham e Stephen Todd popularizaram o conceito de selecção estética,
criaturas 3D reprodutoras e mutantes em paisagens alien que produzem
formas de vida orgânicas sintéticas. Nestes ambientes, o jardineiro é o
participante – a pessoa ao computador que activamente selecciona quais
as criaturas que vão viver e quais as que vão morrer. Os arranjos genéticos
são controlados pelo sujeito incorporado: o sistema não é auto-suficiente
e o foco está centralizado na diversão (e por vezes na beleza) de produtos
do processo evolutivo. A aproximação directa ao participante através dos
gráficos evolutivos também foi usada pelo artista australiano Jon McCormack, cuja vida vegetal gerada por algoritmos é uma obra em exposição
‘Altered States.’”( 5 )
Paralelamente às ecologias digitais dos sistemas emergentes da vida
artificial alguns artistas trabalham na reinscrição do conceito de enquadramento reconfigurando “o próprio espaço como lugar da experiência
processual”( 6 ). A obra Quando o cinema se desfaz em fotograma do artista brasileiro Solon Ribeiro é, de acordo com Firmeza, “um pretexto para
a mistura, para o encontro, para a celebração”( 7 ). O artista herdou uma
colecção de 30 mil fotogramas de filmes do seu pai que tinha um cineclube e retirava um fotograma por cada filme que projectava. Assim, os
álbuns catalogados e arquivados e centenas de fotogramas soltos são
3, (Ibid.: 80).
4, (Ibid.: 143).
5, Barnett, B., (s/ data). “Where Meme Meets Gene: mindfluX, Mutagen and the Virtual
Replicators”.
In http://rorschach.test.at/mutagen/mgenbb.html (Acedido em Fevereiro de 2010).
1, (cf. Lieser, 2009).
2, (Whitelaw, 2004: 152).
6, Firmeza, Y., (2009). “Celebração, o Lugar da Dúvida”. In http://solonribeiro.multiply.com/
journal/item/14/14.
7,(ibid.)
reutilizados para produzir uma nova obra. Um “quase-cinema” ou transcinema, i. e., como afirma Kátia Maciel: “um cinema que experimenta novas
arquitecturas, novas narrativas e novas estratégias de interacção”( 8 ).
A obra de André Parente, E$ereoscopia, explora o conceito de campo e
contra-campo através de imagens captadas por duas pessoas distintas,
neste caso concreto, André Parente e Kátia Maciel. Numa comunicação recente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa André Parente salientou a dificuldade de se continuarem a sustentar as “velhas” categorizações disciplinares, “fotografia”, “cinema”,
“pintura”, entre outras áreas, e evidenciou a importância de pensarmos de
forma inclusiva em estratégias transmedia, artefactos meio-cinema, meiofotografia, híbridos recombinatórios. Enquadramentos do tipo mesa de
mistura que apelam à experimentação “viva”.( 9 ) Transformações potenciadas pelo processo de assemblage.
A obra do americano Jason Salavon é outro exemplo possível de
uma estratégia estética que mistura a desconstrução lúdica de Marcel
Duchamp, a irreverência ficcional de Joseph Beuys, o popismo de Andy
Warhol e de Gilbert & George, para citar apenas alguns, numa assemblage
evidente que nos remete para a coexistência de inúmeras estratégias conceptuais e visuais. Numa reconfiguração construtiva a partir de elementos
da realidade, que apela a uma interpretação crítica de ícones da cultura
global, Salavon, remete-nos para as suas amalgamations criadas a partir
de software digital e que propõem novos projectos artísticos que surgem
da reinterpretação visual de informação que prolifera na rede, em filmes
ou em objectos da cultura contemporânea, nomeadamente catálogos de
design. The Top Grossing Film of All Time, 1 x 1 (2000), mostra-nos, através de uma imagem estática, frames do filme Titanic (Cameron, 1997)
reduzindo o ritmo visual à paleta de cores principal( 10 ). Field Guide to
Style & Color (2007) apresenta uma reprodução integral do catálogo da
IKEA deixando apenas reconhecível a sua estrutura e cor, chamando a
atenção para as inúmeras cópias distribuídas em 2006, um número que
poderá superar as impressões da Bíblia.( 11 )
Jason Salavon analisa os diversos media e “cospe-os” sob a forma
de arte abstracta para exposição em museus e galerias mas outros artistas
recusam o processo de “ossificação” das artes visuais( 12 ) e, à semelhança
do movimento fluxus e da psicogeografia situacionista, sugerem jogos
críticos, espaços de entretenimento e experiências urbanas. O colectivo
inglês Blast Theory( 13 ) mistura jogo, localizações geográficas reais e virtuais num desempenho teatralizado por via de interacções mistas onde
diferentes agentes se encontram para resolver situações lúdicas. Na experiência Can You See Me Now? (CYSMN 2001), vencedora do Golden Nica
do Ars Electrónica em 2003, participantes no espaço on-line coabitam
com membros do colectivo os quais são mapeados através de satélites.
Jogadores em diferentes localizações do planeta podem jogar em conjunto, numa plataforma que questiona as possibilidades que surgem
quando jogos, redes e telefones móveis se juntam. A comunicação on-line
processa-se por via de mensagens de texto e a comunicação nas ruas da
cidade é possível através de walkie talkies. O jogo foi criado em parceria
com o Mixed Reality Lab da Universidade de Nottingham e começa com
a seguinte questão: Is there someone you haven’t seen for a long time that
you $ill think of?
As propostas artísticas dos Blast Theory questionam a forma como
os mapas virtuais se relacionam com o espaço geográfico real criando uma
sensação simultânea de ausência e de presença que é mediada através de
avatares digitais. Este aspecto introduz uma complexidade interessante
neste projecto, quando comparado, por exemplo, com algumas instalações interactivas mais centradas na desmontagem de processos que
emergem devido à acção dos diversos participantes/jogadores. Como sugere Elena J. Marcevska existem inúmeros exemplos nas artes digitais de
utilização da tecnologia de forma acrítica, tal como propostas que tiram
partido de telemóveis ou instalações nas quais o espectador é apenas
convidado a desvendar a forma como a obra funciona em vez de se centrar nos seus conceitos. Reacção em vez de acção. Sublinha Marcevska:
“Quando escrevi sobre o trabalho de Golan Levin mencionei que algumas
vezes as instalações dele se tornam redundantes porque se tornam chatas
depois de desvendada a experiência lúdica. Pelo contrário, o trabalho dos
Blast Theory, especialmente Can You See Me Now?, ultrapassa de forma
significativa esta fronteira e, embora no início nos confronte com um formato bem conhecido dos jogos de computador, emerge criativamente
numa direcção que explora o virtual, a realidade e a forma como as ferramentas que usamos todos os dias estão a mudar a nossa percepção.”( 14 )
8, (cf. Maciel, 2009).
9, (cf. Jenkins, 2005).
12, (cf. Flanagan, 2009).
10, http://salavon.com/TGFAT/Titanic.shtml (acedido em Fevereiro de 2010).
13, http://www.blasttheory.co.uk/bt/index.php (acedido em Fevereiro de 2010).
11, http://salavon.com/FieldGuide/FieldGuide01.php (acedido em Fevereiro de 2010).
14, (Marcevska, 2009).
Maria Chatzichristodoulou salienta igualmente o colectivo inglês
no contexto da sua investigação à volta das hibridações contemporâneas entre teatro, performance e live arts, cinema, redes e tecnologias
computacionais. Tecnologias estas que incluem AV $reaming, multi-user
environments, virtual reality, inteligência e vida artificial, entre outras formas possíveis. De acordo com a autora: “nas práticas da performance em
rede os participantes (performers e/ou audiência), mesmo não presentes no sentido de uma incorporação ou de um agenciamento corpóreo,
embora longe, operam através de interfaces tangíveis ou físicas e podem
assim actuar, reagir e interagir em modos de comunicação síncrone e asíncrone: actuam ao vivo e no presente [em tempo real].”( 15 ) A ausência
do corpo, que nunca é absoluta, remete-nos para o paradoxo da presença/
ausência, um estado híbrido que é “simultaneamente presente (e. g. através de uma representação do “eu” mediada pelo avatar) e ausente (e. g.
através da perda da fisicalidade)”.( 16 ) Este estado, afirma Chatzichristodoulou, levanta questões e sugere novas leituras e definições relacionadas
com a nossa percepção das noções de presença e ausência pois no espaço-tempo cibernético ambos os estados coexistem e, neste sentido,
podemos entender a presença como ausência e vice versa mas já não
conseguimos fazer uma distinção entre ambas. As dualidades antigas são
assim postas de lado e a interacção tecnologicamente mediada pressupõe
uma acção simultaneamente real e ficcional.
A a'ive ingredient( 17 ) é uma empresa artística inglesa especializada
em media interactivos que explora experiências que respondem em tempo
real ao ambiente circundante e às acções e movimentos dos participantes/jogadores. Através de biosensores e de affe'ive computing, também
em parceria com o Mixed Reality Lab da Universidade de Nottingham, os
artistas criam projectos para telemóveis que tiram partido dos batimentos
cardíacos, de mensagens de texto, da localização e interacção de diversos
jogadores assim como também da criação de vídeos e filmes interactivos que se podem estender por várias plataformas. Em Love City, lançado
no dia dos namorados em 2007, os participantes interagem através de
mensagens SMS numa ménage à trois urbana que envolve três cidades
distintas, a saber, Nottingham, Derby e Leicester, e que vai progressivamente revelando a cidade do amor. Já em Heartlands, também de 2007,
os jogadores usam a tecnologia móvel acoplada a um sensor que reproduz os batimentos cardíacos dos participantes e que a partir destes cria
um mundo virtual. Este projecto, realizado em parceria com o Instituto do
Desporto de Londres, explicita-se como um exemplo “do futuro do mercado ascendente de jogos para telemóveis e mostra como esta tecnologia
pode envolver aspectos sociais como a saúde sendo viável do ponto de
vista comercial, inovador e lúdico. Uma combinação de jogo com aprendizagem associada à pratica de desporto sustentável chamando a atenção
para o ambiente e encorajando as pessoas a fazerem exercício físico.”( 18 )
Numa caminhada saudável o jogador de Heartlands adopta não
só um estilo de vida mais saudável como também constrói um mundo,
uma paisagem, por via dos seus batimentos cardíacos e interage com
outros jogadores no tabuleiro da cidade virtual que como ele vêem o
reflexo das suas batidas orgânicas na plataforma numérica. Neste contexto, os participantes são convidados a “começar a jogar jogos com o seu
coração”.( 19 ) O caminho a explorar tanto pode ser verde e florido como
um verdadeiro deserto de cactos e o objectivo é manter uma velocidade
constante e saudável de forma a permanecer em movimento e acumular pontos. Genericamente “a ideia é encorajar as pessoas a explorarem
as suas redondezas e a aprenderem sobre a sua saúde neste processo
brincalhão.”( 20 ) Finalmente, na recente plataforma Dark Fore$, ainda em
desenvolvimento, o colectivo de artistas/empresa propõe um ambicioso
projecto que pretende conectar a floresta de Sherwood, em Nottingham,
com a floresta Amazónica no Brasil para assim investigar mitos sobre ambas e ainda trocar informações culturais.
Ora, se no início deste texto foram sugeridos três conceitos chave
para o entendimento da experiência transmedia presente nas artes
digitais, i. e., a simulação como representação processual,( 21 ) o enquadramento e a montagem como formas de expressão formal e, ainda, a
reconfiguração, a descontextualização e os ambientes lúdicos( 22 ) como
estratégias evidentes de criação e produção digital, a obra de Luís Alegre, Play Them, interpela-nos e faz pensar em alguns destes conceitos
podendo ser enquadrada na mesma linha performativa que temos vindo a
inquirir. Neste contexto, ao serem criadas personagens animadas por via
do traço, do desenho, sobre o vídeo, usando a conhecida técnica da rotoscopia, que remonta a algumas experiências em vidro do início do século
18, Ibid.
19, Ibid.
15, (Chatzichristodoulou, 2006).
20, (Jordan, 2007).
16, ibid.
21, (Gouveia, 2009).
17, http://www.i-am-ai.net/home.html (acedido em Fevereiro de 2010).
22, (sobre inserções entre arte e entretenimento cf. Gouveia, 2010).
passado, o artista, traça a acção do filme frame por frame através do computador. O cinema e os actores reais, de carne e osso, tornam-se cartoons,
bonecos animados, numa estética que transforma o artefacto cinematográfico em filmes que parecem desenhos. Neste sentido, a animação e
o desenho penetram profundamente as imagens indiciais e referenciais,
caras ao cinema e à fotografia, misturando-as e tornando-as ícones em
formas “vivas” que sugerem uma abstracção progressiva. Analogias com o
trabalho de Jason Salavon e de Solon Ribeiro tornam-se evidentes e o jogo
proposto por Luís Alegre sugere também que se está perante uma brincadeira crítica onde o espectador destas imagens deve descodificar citações
ou frames. É o processo de descodificação dos diversos enquadramentos e
sequências fílmicas que o participante da instalação Play Them deve desvendar e, neste sentido, perseguir.
Para descodificar o ”jogo de espelhos” presente em Play Them,
onde o jogador/espectador está perante um desventramento da noção de
cinema, é preciso compreender o ADN da película e entrar num mundo
de formas híbridas: “entre a experiência das artes visuais e do cinema” o
que subentende a “criação de um envolvimento sensorial para o espectador que como participador do filme produz a própria montagem, define
velocidades, cores, diálogos em um fluxo combinatório, experimentando
sensorialmente as imagens espacializadas, de múltiplos pontos de vista.
Transcinema é o cinema como interface, isto é, como uma superfície em
que podemos ir através.”( 23 ) Em Play Them somos confrontados com um
universo de texturas avermelhadas, sépias, azuis e negras, que nos pedem
que nos apropriemos delas e as interpretemos. A representação fílmica
aparece “coisificada”( 24 ) e por isso mesmo obriga-nos a simular um processo de descodificação que nos remete para um jogo de significados,
meio real meio representação.
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23, (Maciel, 2009: on-line).
24, (Heidegger, 1991).
FERNANDO POEIRAS
É professor na ESAD.CR, e investigador na área da arte, design e cultura contemporânea.
Realizou vários ensaios, conferências e cursos nas áreas referidas, e trabalhou em diversas
instituições de ensino superior, como professor, e ainda em publicidade e como consultor de
comunicação. Prepara um doutoramento sobre design de experiência na FAUTL.
A animação pantomima – ou gestos alegres
Fernando Poeiras
O que acontece ao desenho e à animação quando entram, como
nestes trabalhos de Luís Alegre, num regime de pós–produção? E, que regime específico é praticado? Quais são as suas operações, e quais são as
suas funções?
No início e no fim destas animações estão operações. Vemos, no
curso das imagens, operações manuais–visuais; um conjunto de gestos operativos, i.e. de acções transformadoras das imagens (primeiras ou
“originais”)( 1 ). Sob esta perspectiva formal, essas acções aproximam–se
de “técnicas”, formando sequências operativas nomeáveis com os termos
da própria técnica: seleccionar registos – sem os quais este não seria um
regime de pós–produção – editar, still e rotoscopia, photoshop, loop, visualização. Se, por um lado, estas operações técnicas nos são cruamente
sensíveis, por outro estão ao serviço de um modo de utilização determinado, sem o qual não poderíamos falar propriamente de “um” regime, mas
apenas de um exercício técnico. Passemos então a uma perspectiva mais
funcional para apreender o funcionamento destas imagens.
A primeira dificuldade é que o seu funcionamento não é exclusivamente interno às próprias imagens. São gestos operativos que agem sobre
imagens de “gestos”, entendendo gestos – numa primeira acepção – como
1, Nestes desenhos, as relações entre a imagem e a acção resultam de duas filiações. Resultam de uma estratégia performativa – devedora do desenho projectual e das tecnologias
de representação empregues – e de uma estratégia propriamente estética – as qualidades
no desenho. Por exemplo, o traço de contorno móvel da forma, sobre fundo, enquanto
“esquematismo dinâmico” é uma potência própria desta rotoscopia. Essa esquematização
dinâmica é distinta de outras capturas do movimento, tais como as que surgem no cinema,
ou no desenho “tradicional”, (seja por mitogramas ou por índices de movimento), e também
não é verdade que esta qualidade do desenho seja comum a toda a animação, ou mesmo a
outros usos da rotoscopia.
unidades de actividade com um sentido reconhecível( 2 ). Escolhemos
alguns exemplos de naturezas diferentes: deitar a língua de fora, um linguado, ou para continuar com “questões de linguística”, lamber uma bola
de bowling, mas também um divertido lapso do inverosímil Super–Kent,
ou uma acrobática performance de um batedor de basebol. Essas imagens são – quase todas – primeiramente referenciáveis ao território duma
“cultura da imagem”, são sobretudo gestos – numa segunda acepção – na
imagem e para a imagem. Pertencem a filmes, pertencem a actores ou a
personagens (reais ou ficcionais), e pertencem quase sempre a rostos –
terceira acepção( 3 ). Os gestos operativos da animação re–referenciam
esses gestos – constroem uma imagem entre planos de referência e não
propriamente uma imagem–imanente – transformando–os no interior
dessa operação: passamos da actividade “para a imagem” a uma “pantomima da imagem”, desenhada e animada, (ao ritmo rápido dos primeiros
filmes mudos( 4 )), mas fundamentalmente, operada. Rigorosamente, não
“passamos”, sobrepomos planos de referência, adquirindo a pantomima
uma maior presença.
Destacamos apenas duas dessas operações: os títulos e a rotoscopia. Seria necessário analisar detalhadamente as diferentes acções
realizadas pelos títulos, tendo em comum a operação de re–referencialização: alguns nomeiam as pessoas reais (não as personagens que
encarnam); outros, os mais frequentes, isolam e descrevem os gestos
e reinscrevem–nos na pantomima, nomeando o paradoxal super–herói
mundano ou um elástico linguado. Os nomes operam na re–refencialização das animações porque deslocam os objectos nomeados no interior de
uma rede de sentido, e entre territórios, não se limitando a “enquadrar” a
imagem e o seu sentido. Funcionam mais como os sinais orientadores do
trânsito, direccionando movimentos de sentido e menos como “moldu-
2, Estes gestos – enquanto gestos, e é o trabalho que isola o carácter gestual menos perceptível nas imagens iniciais – não pertencem à esfera da estética e ética pública analisada
por Giorgio Agamben em “Notas sobre o Gesto”, i.e. não constituem “maneiras” com o seu
significado público; estão mais próximos da esfera dos “automatismos gestuais sociais” analisados por Leroi–Gourhan, mas que são igualmente reconhecíveis, comummente e também
em comunidades mais restritas. E, enquanto automatismos – e é o trabalho de loop que reconstrói um novo automatismo – possuem um parentesco com aqueles gestos inadequados
e repetidos, à semelhança dos “tiques”, que na sua inadequação mecânica fazem rir, como
mostrou Bergson.
3, Deixámos de ouvir, na nossa língua, a proximidade de sentido entre gesto e rosto. Na sua
exiguidade o “esquema” de Freddy Mercury é reconhecível, lembrando–nos esse parentesco.
4, A analogia necessita de ser corrigida pela dissemelhança: os mudos possuem ritmos mecânicos estas animações ritmos de circuitos (loop) e eléctricos (equivalente corporeamente,
a movimentos de distensão–contracção).
ras” paratextuais. Em segundo lugar, temos a operação da rotoscopia. A
rotoscopia é, de facto, um conjunto de operações, que serve a construção
da pantomima na imagem. Mas, novamente, nestes trabalhos a operação
serve dois níveis distintos da “repetição”. Por um lado servem à extracção
de uma sequência (“stills”) do interior de uma série anterior, e, por outro
lado, guiam a repetição do loop (como movimento circular de regresso). E
é nesta dupla repetição que o gesto se torna verdadeiramente movimento
e pantomimo, ou alegre gesto.
Inicialmente foi afirmado que não podemos reduzir estas animações
a um exercício técnico porque se inserem numa função de pós–produção, com operações determinadas. Existe uma outra razão: o pathos que
as anima. Um humor de pantomima. Fazer ver as operações, e a re–referencialização do gesto pantomimo, constrói um problema particular para
exercitar o nosso ver e a nossa atenção. Esta nossa distracção na percepção e no sentido exerce–se, como outras distracções, no hábito; como no
quotidiano habitual ou nas imagens a que nos habituamos. Contudo este
hábito não é exercitado tanto no hábito manual ou corpóreo – que como
Benjamin demonstrou a propósito do cinema é a escola do hábito e da distracção – mas sobretudo no hábito ético de uma disposição, ou – como
dizem os ingleses – um “mood”( 5 ). Vemos estas pantomimas ao ritmo espirituoso, humorado e “picante”, uma disposição de um estado de espírito
que colore toda a animação. Alegres gestos.
A apreciação – o “valor” – de um trabalho no interior da “economia”
de pós–produção não equivale ao da produção – seja nas artes plásticas, no projecto de design, ou na animação. Como bem formulou Nicholas
Bourriaud, a pergunta: “o que se pode criar de novo?” é substituída privilegiadamente pela “o que se fazer com o criado?”. Parece–nos que poucas
compreensões seriam mais inadequadas a estes alegres gestos do que a
interpretação talmúdica. Seguimos outra via para dar conta do núcleo de
operações de pós–produção presentes neste trabalho. Contudo, se houvesse uma “lição” a retirar, talvez não fosse a de que somos os nossos
gestos, mas antes, a de que numa cultura da imagem (para a imagem, pública ou cénica) podemos sempre extrair uma pantomima da repetição
(uma curta mimocomédia), e, salve–se a qualidade da performance.
5, O uso da cor nestas animações não é obviamente irrelevante para esta questão.
LÍGIA AFONSO
Licenciada em História da Arte e Mestre em Museologia e Património (FCSH-UNL) como bolseira da FCT. Colaborou com os sectores educativos do Centro de Exposições do CCB, da
Culturgest e do CAMJAP-FCG e foi formadora da equipa do MACE. Desenvolveu projectos de
investigação e de exposição para a Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea, o Museu
do Neo-Realismo e, mais recentemente, o Serviço de Belas Artes da FCG. Colaborou com o
Instituto Camões, o CAM-JAP, o BESart e a Fundação de Serralves em projectos editoriais,
assim como em edições de artista. Foi residente, com um grupo heterogéneo de criadores,
na Galeria ZDB. Participou, a convite do British Council, no programa London / Liverpool
Visual Art Curators Showcase 08. Foi comissária da exposição "A Escolha da Crítica" para o
espaço da Plataforma Revólver em 2009. É crítica de arte na revista artecapital.net, onde
também publica artigos de opinião e entrevistas. É assistente de Moacir dos Anjos (curador
geral) para a 29ª Bienal de São Paulo.
A resposta como dispositivo discursivo
Lígia Afonso
A amizade e a cumplicidade integraram, desde sempre, o trabalho de Luís Alegre. A colaboração e a partilha, assentes numa necessária
complementaridade disciplinar e numa ampla disponibilidade criativa,
construíram os pilares da sua actuação no campo da arte contemporânea
desde meados dos anos 90 e definiram-lhe a sua metodologia interventiva até hoje. É nessa categoria que se encaixa esta minha nota, em texto,
sobre as obras/comentário especificamente perpetrados, em vídeo, por
António Olaio e José Maçãs de Carvalho à proposta “Play Them”, o mais recente projecto instalativo e editorial de Luís Alegre.
A proximidade geracional entre os três relaciona-se mais depressa
com uma filiação postural ou sincronia ambiental do que com uma determinação etária ou coincidência imagética. A resposta, generosamente
positiva, ao proponente, não se permite, por isso mesmo, literal. Redunda necessariamente numa justaposição afectiva, não obstante a
convergência com as mais recentes obras de Alegre no ponto de partida
(e, porquanto loop´s, de chegada): o real (a sua memória e o seu apagamento referencial) como indutor do pensamento fotovideográfico de José
Maçãs de Carvalho e o corpo animado (a performance ou a live-a'ion)
como eixo centrípeto da investigação transdisciplinar de António Olaio.
Efectivamente, os vídeos de ambos não se revelam de sobremaneira atípicos na aproximação a Luís Alegre. Apresentam, aliás, uma dilatação
temporal contrária aos desenhos (também eles realizados sobre vídeo) e
ao corpo de desenho animado, em loop frenético, de Alegre. Ajustam-se
ao seu enunciado nessa oposição e, esvaziando-lhe o indício de narratividade, respondem-lhe na exacta medida das suas próprias obsessões
e universos ideopáticos. É a música, que tantas vezes cruzou o trabalho
de Luís Alegre e que se revela momentaneamente apartada desta exposição, que surge com atenta e curiosa reminiscência em ambos os vídeos
dos convidados que, por tão incisivamente a tomarem corpo (e título) e
a partir dela comummente perspectivarem um discurso em Luís Alegre, o
complementam.
“Des Voeux Road (forever young)”, é a resposta de José Maçãs de
Carvalho a Luís Alegre.
A sua obra, que confirma uma fixação autoral centrada num fascínio
orientalista estereotipado, presume um comentário ideológico na referência cruzada entre a representação do discurso propagandístico da China
actual e a sobreposição sonora do sobejamente popular, datado e mortificado single ocidental, cantado em cantonês sem qualquer aparelhagem
instrumental, que lhe empresta o título (dos germânicos Alphaville, 1984).
A câmara fixa um outdoor de um terminal de autocarros, que supomos em
Hong Kong, e desfoca o seu fundo cenográfico, deliberado acessório, de
forma a sobrevalorizar, em grande plano, o rosto sorridente e extraordinariamente confiante da nova China. Indiferente à movimentação registada,
ao vai e vem de pessoas e autocarros que o toldam, momentânea e alternadamente, corporiza, com paciência e persistência infinitas, a despótica
promessa do futuro. José Maçãs de Carvalho recontextualiza e reelabora a
imagem indício, coloca-a em loop referencial e objectiva-lhe o fechamento
e o rótulo discursivos. Partida e chegada, não há outra viagem.
“Kuenstlerleben” é a resposta (também germânica) de António Olaio
a Luís Alegre.
A valsa dançada em beca preta (trajo académico professoral e doutoral) é a apoteose bufa do ritualismo de António Olaio. É uma paródia
burlesca da sua própria “vida artística” (kuen$ler leben) operada entre o crescente reconhecimento (institucionalização) do seu trabalho e a
progressão estatutária (institucional) da sua actividade académica e docente. É uma dança simultaneamente estática e expansiva, corrosiva e
surrealista, progressivamente abstractizada numa sequência de instantes
monocromáticos, de vestígio pictórico, que documentam uma performance onde o protagonista, o próprio António Olaio, não canta nem revela
o rosto, desviando-se do seu padrão discursivo (e narcísico) usual. Com a
apresentação invertida e em slow motion, “Kuenstlerleben” aproxima-se
de Luís Alegre e de um registo quase cartooní$ico, na dramatização decadentista de um não-evento. A actuação de António Olaio transforma o
seu corpo vivo numa representação animada que se estende e redesenha
durante uns hipnóticos 8´38´´, equivalentes à duração do tema de Johann
Strauss Jr. que aqui se substitui às habituais composições originais.
António Olaio aproveita a oportunidade e, já que se encontra entre amigos, explode em opereta, com jubilação e regozijos manifestos, as
fronteiras e contradições na representação de si próprio.
NUNO ANÍBAL FIGUEIREDO
Professor universitário desde 2000, leccionando actualmente Semiótica e Semiologia da Imagem no IADE – Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing, em Lisboa. É jornalista e crítico
de cinema, tendo exercido no portal Terravi$a, revista Número Magazine e jornal A Capital
as funções de editor de cinema. É co-director da Associação e Editora Número – Arte e Cultura, onde dirige e programa os eventos Número Festival – Festival Internacional de Artes
Multimédia, Cinema e Música de Lisboa e Festival Português, evento anual e itinerante de
promoção das artes e cultura portuguesa no estrangeiro. Foi responsável como programador
pela exibição desde 2002 de perto de 200 filmes portugueses em algumas das principais salas de cinema na Europa (ICA, Cine Lumière e Riverside Studios, em Londres, Cines Verdi, em
Barcelona, Cinéma du Panthéon, em Paris, La Enana Marrón, em Madrid, ou Eiszeit Kino, em
Berlim). Foi ainda editor e co-autor dos livros Portugal: Um Retrato Cinematográfico e Video-arte e Filme de Arte e Ensaio em Portugal.
Um frame decisivo; um frame qualquer
Nuno Aníbal Figueiredo
Elaborando um percurso na história da representação e, mais concretamente, da representação do tempo ou da sua encenação no território
das imagens (fixas ou não), pretende-se aqui perspectivar o conceito do
“instante prenhe”, ou significativo, contraposto ao do “instante qualquer”, ou eminentemente perceptivo, para dentro das várias etapas das
artes ligadas às tecnologias da imagem surgidas no século XIX (fotografia e cinema) e a situação actual de manipulação de e por géneros e meios
dos mais indiferenciados. O gesto de recuperação, reciclagem que Play
Them elabora é o desse confronto com a ideia (primitiva) de destituir do
contínuo da imagem-movimento os seus vários instantes, revertendo precisamente a anulação dos vários instantâneos (fotogramas ou não) que é
feita por todo e qualquer filme, revelando-os enquanto matéria e matéria
encenada. Play Them exibe até à exaustão esse artifício e não por acaso
através daquele que é tido como o mais artificioso de todos os processos: a sintetização do frame através de técnicas de desenho e de desenho
animado.
Para lá das variadíssimas considerações que se podem fazer sobre
um trabalho como o de Play Them, e que o colocam na contemporaneidade de múltiplas tendências em diversos domínios, há um que inquieta
sobremaneira quem o observa. Haverá, certamente, o prazer perante o
jogo de descoberta das referências (cinematográficas e outras); houve,
certamente, o gozo na manipulação por parte do artista que soube baralhar e dar de novo. Mas há, sobretudo, um carácter lúdico em mexer
concretamente na matéria, lá no lugar em que se atinge o máximo da virtualidade e onde só pode intervir a técnica.
Ora, essa intervenção entrelaça-se com o problema concreto da representação, não devido à questão do maior ou menor grau simulacral
atingido (nada há supostamente mais artificioso que o desenho, mesmo
partindo ele de um decalque exacto de uma realidade fotográfica), mas
somente enquanto resultado da interpelação directa às coordenadas
espacio-temporais da percepção, podendo a representação exibir-se puramente, isto é, independentemente de qualquer pressuposto significativo.
Esta (aparente?) contradição não é de agora, mas só vai sendo
colocada em momentos diferentes pela eclosão de novos avatares tecnológicos que determinam novas perspectivas de abordagem. Foi Walter
Benjamin quem vincou que as novas tecnologias da visibilidade (fotografia
e cinema) mais não fizeram do que alterar os nossos regimes de percepção
e, em primeiríssimo lugar, a questão da percepção do movimento que há
no mundo, ou, dito de outra maneira, do que há de cinema no mundo.
Antes, já as experiências fotográficas do século XIX haviam abalado as premissas tidas como certas à época. A sua aplicação científica
demonstrou que não havia “pontos” temporais. Pressupor movimento
é, pois, supor sempre que há movimento por mais infinitesimal que seja
a fracção de tempo isolado, o que de algum modo resolveu uma questão antiga para o domínio das imagens pictóricas (onde o tempo só se
pode colocar de modo inteiramente convencional, pois, ao contrário do
que sucede com o espaço, aquelas têm uma dimensão temporal intrínseca totalmente inexistente). Esse dilema consistia, para a representação
naturalista de um determinado motivo, em cumprir duas exigências: representar todo o acontecimento, de modo a que ele fosse totalmente
compreensível, e representar-lhe só um instante (“essa duração nos
limites do sensível”, como refere Jacques Aumont), a fim de ser fiel à verosimilhança perceptiva.
Para a resolução desse problema contribuiu não só a evolução dos
meios técnicos de reprodução da realidade, mas sobretudo a descoberta
de uma resposta teórica capaz de conciliar estas duas perspectivas de representação do tempo tidas como inconciliáveis até ao século XVIII. A mais
conhecida foi dada por Gotthold-Ephraim Lessing no célebre tratado Laocoon. Para o filósofo e crítico de arte alemão, será possível adequar estas
duas exigências da pintura representativa se ao acontecimento concreto
que se quer representar se se sobrepôr a ideia de um instante decisivo,
capaz de lhe resumir a essência. Esta concepção, conhecida por “instante
prenhe” (ou “instante mais favorável”) foi tida como inicialmente pertença do acontecimento real. Ora, como esclarece Aumont, “o ‘instante
prenhe’ é uma noção de natureza inteiramente estética, que não corresponde a qualquer realidade fisiológica, e representar um acontecimento
por um ‘instante’ só é possível apoiando-se, bem mais do que pensava
Lessing, nas codificações semânticas dos gestos, das posturas, de toda a
encenação”( 1 ).
Se não há qualquer validação científica desta crença de que um determinado instante particular possa resumir todo o significado de um
acontecimento real, a aplicação desta noção de instante significativo
revelou-se de enorme utilidade para a pintura. Ela possibilitou que se
assumisse (teoricamente) que todas as escolhas por “momentos” representativos de acontecimentos ficcionais fossem em função de critérios
ligados a codificações de natureza retórica; por outro lado, qualquer tentativa de fixação “fotográfica” de um instante real pareceria de ora em
diante como sendo não menos fabricável.
Apesar disso, esta prática quase obsessiva pela representação (realística) de um instante real e a vontade da sua adequação a um sentido
conforme à doutrina do “instante prenhe” permaneceu até ao desenvolvimento do meio tecnológico que mais efectiva resposta lhe deu. Até à
manifesta concretização do instantâneo, no início da segunda metade
do século XIX, e a representação, digamos autêntica, do instante que ele
possibilita experimentar, vários pintores centraram-se na ideia diametralmente oposta à do “instante prenhe”: a tentativa de captação de um
‘qualquer’ instante (uma paragem do visível preferida estética e ideologicamente como forma de dominar o tempo).
Onde esse programa se tornou mais visível foi no trabalho dos pintores de paisagens e, mais concretamente, no de paisagens atmosféricas.
Em primeiro lugar através de P.-H. Valenciennes, um especialista em
pequenas pinturas de paisagens centradas em fenómenos meteorológicos, para quem ao pintor se exigiria que fosse mais rápido que o próprio
tempo. Depois, através de Constable ou Turner, artistas pioneiros na
percepção e estudo da mudança dos efeitos da luz e condições atmosféricas na arte, que tanta influência produzirá nos impressionistas, décadas
mais tarde. Finalmente, já noutra dimensão, digamos até transcendental, os paisagistas norte-americanos da Escola do Rio Hudson. Em todos
o mesmo fascínio pela captura dos efeitos atmosféricos: o céu, a volatilidade das nuvens, as precárias mudanças de luminosidade, a névoa, a
chuva fina, o sol ténue, a humidade. Como explica J. Aumont, “em todos
eles, o gosto pelo ‘instante qualquer’ remete para o sentimento mais vasto
do ‘autêntico’, que se torna no fim do século XVIII um valor estético, a prin-
cípio menor, depois cada vez mais importante, inclusive em detrimento do
‘sentido’ da imagem”( 2 ).
/ O desenho fotogénico e quinésico /
A entrada em cena da fotografia não veio arrumar de vez com esta
questão. O seu lado autêntico, assegurado por essa magia natural de uma
representação que se fazia sozinha ou, como dizia em 1839 o precursor
William Henry Fox Talbot acerca da invenção, esse “processo pelo qual os
objectos podem ser levados a delinearem-se a si mesmos sem a ajuda do
lápis do artista”, reivindica o carácter fortuito do desenho fotogénico, mas
não o total eclipse do seu sentido. Com a fotografia de arte e as operações
de codificação das aparências já perfeitamente montadas, apela-se aqui à
exibição do artefacto do medium, a uma intervenção deliberada do artista
nesses mesmos processos (tanto na fotografia, como depois no cinema).
Até mesmo a fotografia menos manipulada ou manipulatória procurará, às vezes não disfarçadamente, uma aproximação à estética do
“instante prenhe”, por via do interesse pelo instantâneo expressivo, que
tem tanto de instante autêntico como de correlativo significado: o da procura de um sentido, de uma pregnância do real na fotografia a partir desse
instante representado. Será o caso de Cartier-Bresson, em primeiríssimo
plano. Para todos os efeitos, neste como em todo e qualquer caso, a arte
do fotógrafo consistirá em saber antecipá-lo, enquadrá-lo e capturá-lo
com precisão. O instante será sempre e ainda, à maneira benjaminiana( 3 ),
uma pequena centelha de acaso, de aqui e agora, independentemente da
mestria técnica do fotógrafo ou da atitude imposta ao modelo/objecto( 4 ).
Do mesmo modo que a prática da pintura poucas décadas antes da
invenção da fotografia antecipa em larga medida uma nova estética, também nas experiências fotográficas (entre outras) do último quartel do
século XIX se pode antever já uma realidade cinematográfica. Em ambos
os casos falamos de uma prevalência da percepção de um instante sobre
o seu significado. Paradoxalmente, no caso quine-fotográfico, são autênticas encenações criadas para a captura desse “instante qualquer”. Melhor:
para a extracção do sentido desse ‘qualquer’ (aqui literalmente entre as-
2, Idem, Ibidem, p. 171.
3, Conf. W. Benjamin. “Pequena História da Fotografia”.
4, É aliás, com alguma insuspeição, que um dos maiores semiólogos, R. Barthes, o afirma
1, Jacques Aumont. A Imagem. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009, p. 170.
peremptoriamente no fim: apesar da imagem fotográfica ser atravessada por todas as espécies de códigos (conotativos: trucagem, pose, objecto, fotogenia, estética e sintaxe), ela é,
pela sua “génese automática”, uma “mensagem sem código”.
pas) instante foi necessário arquitectar dispositivos capazes de o revelar
autenticamente como tal e, como consequência, de revelar o seu sentido
imanente.
Os mais célebres, e também os mais fundamentais, foram os de Eadweard Muybridge. “The Horse in Motion” inaugurou toda uma série de
fotografias dedicadas ao estudo da locomoção de pessoas e animais. Ao
contrário do trabalho do francês Étienne-Jules Marey (o primeiro a registar uma sequência de movimento com uma só câmara) e os seus estudos
em $op-motion, o alcance de Muybridge não é somente ao nível científico
em fotografia e cronofotografia (vejam-se as suas implicações para a biomecânica), mas sobretudo a nível estético. O seu zoopraxiscópio exibido
a uma audiência pagante pode muito bem ser considerado a primeira sala
de cinema comercial. As experiências com a sua exibição num disco de
vidro, rodado diante de uma fonte de luz, foram decisivas para a decisão
de Thomas Edison em explorar o conceito de “motion pictures” [fotografias em movimento]. Por outro lado, a técnica de assemblage das várias
fotografias tiradas são, antes de mais, exercícios puros (tanto quanto rudimentares) de animação. Não por acaso o contributo de Muybridge é
recorrentemente referido nos mais variados domínios (cinema, animação, publicidade ou jogos de vídeo) quando se trata da inclusão de novas
técnicas que interferem com a estética da percepção do tempo e com a
variação da velocidade fotográfica numa determinada sequência, seja ela
determinada por uma câmara física ou por uma câmara virtual, como actualmente é possível, nomeadamente através do bullet time.
Com a invenção da imagem em movimento, a referida querela entre o “instante prenhe”/“instante qualquer” é extrapolada para o caso do
cinematógrafo e da sua específica e superadora representação do instante. Como refere Aumont, o cinema supera o “instante prenhe” na
medida em que permite a representação do tempo de um acontecimento,
“sem ser obrigado a recorrer à tradução mais ou menos arbitrária desse
tempo através de um dos seus instantes”( 5 ) (mesmo que a linguagem cinematográfica venha a ter como seu pressuposto a autonomização do
tempo ficcional face ao tempo real); por outro lado, em virtude da própria materialidade do filme (entenda-se aqui a película), supera a ideia
a-significante de um instante qualquer, porque ao multiplicá-los fotograma por fotograma, anula-os (instantes e fotogramas) “em proveito de
uma só imagem, em movimento”( 6 ). Curiosamente, é na exacta medida
desse movimento da (e não na) imagem (ou movimento sobre um movi-
5, J. Aumont, op. cit., p. 172.
6, Idem, Ibidem.
mento) que reside literalmente essa cinematografia (inscrição, escrita ou
impressão do movimento) e não da exacta representação das coisas que
lá mexem. É a partir desse mecanismo que antes de ser de ordem cultural é primeiramente fisiológico que “o cinema irá aprender a mobilizar o
próprio movimento, a autonomizá-lo da representação e a concebê-lo”( 7 ).
Na passagem da “imagem em movimento” típica do cinematógrafo à
“imagem-movimento” do cinema ele mesmo, a imagem torna-se verdadeiramente cinemática.
Notemos que os fotogramas anulam-se enquanto instantâneos,
enquanto instantes representativos, no momento da projecção e que a
imagem que dela se constitui como única só é possível em virtude de
uma imperfeição do olho humano. O cinema é o primeiro dispositivo técnico-estético da imagem que nos faz parecer que estamos diante de uma
natureza sintética (artificial), que nos dá a ilusão de síntese. Consiste em
fragmentos múltiplos, reunidos depois na montagem sob uma reconstituição simulacral de vida. Embora haja a ambição ou a ilusão do todo, é
fragmental e não contínuo, fotograma por fotograma. A par desta aparência de síntese, deste falso sintético, o cinema pode fazer explodir o todo,
pela capacidade que a câmara tem de analisar, através do grande plano ou
do ralenti. Daí que os estudos de Muybridge e todos os outros que se seguiram não revelam apenas motivos conhecidos em movimento, mas sim a
ideia de uma nova percepção aparelhada com a técnica. Na mais pura tradição benjaminiana, falar do seu valor artístico ou do seu aproveitamento
científico é falar da construção de uma certa forma de percepção.
/ Ao ritmo das imagens /
À época, a influência de Muybridge estendeu-se inclusive às artes
plásticas, já profundamente contaminadas por esta ideia de uma “imagem-movimento”. É, aliás, sobejamente conhecido o fascínio que o cinema
provocou nas vanguardas artísticas, tais como o futurismo, o dadaísmo
ou o surrealismo. Trata-se de uma geração que nasce com o próprio cinema, que o acompanha na sua infância e juventude e que irá crescer com
saudades do seu maravilhoso início. Para todas as suas figuras, o principal motivo de atracção prende-se com a dupla raiz do cinema: “filho da
mecânica e do ideal dos homens” (Delluc), esta verdadeira experiência
sinestésica conjuga o imediatismo urbano do “laboratório Lumière” e a
magia decorrente da (ainda) elementar fruição de efémeros efeitos ime-
7, João Mário Grilo. As Lições do Cinema – Manual de Filmologia. Lisboa: Edições Colibri /
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2007, p. 26.
diatos, dotados de uma infância, às vezes maravilhosamente inocente,
como é próprio do precursor Méliès.
É nesse movimento das novas correntes estéticas emergentes,
aquele que fundirá a vanguarda à nova tecnologia, que se pode incluir o
impressionismo cinematográfico francês como o caso que mais parece
querer voltar a abraçar a tendência inicial do cinema fascinado pelo real.
Mas por um real transfigurado, acedendo à prospecção da vida, do ser
humano (e dos seus enigmatismos). Epstein falará de um estado de alma
associado a cada plano, mas sobretudo da capacidade do cinema não
descrever mas descobrir um mundo novo, e com ele a ideia da sua instabilidade. O cinema como “o mais real meio de irreal, de surreal,” é assim um
instrumento, tal como o telescópio ou o microscópio, de questionamento
de outras tantas metafísicas. O seu olho permite ver o que não podemos
nem sabemos ver, disposto a revelar a “intimidade mais secreta dos seres
e das coisas”.
O cinema torna-se assim lugar de aprofundamento da “in-visibilidade” ou da “a-percepção”, para recorrermos mais uma vez a Benjamin
(autor verdadeiramente determinante para o esclarecimento da experiência não puramente óptica nem visual que aqui está em jogo). Tomando o
seu lugar, o modelo não é o olho humano mas o olho da câmara, analítico dos “aspectos móveis do mundo, das coisas e das almas”. À fotogenia,
Epstein contrapõe a cinegenia, qualidade através da qual “o cinema mostrará que nada é imóvel no universo, que nele tudo se move e tudo se
transforma” e que é essa experiência, a do devir, muitas das vezes invisível
a olho nu, que se torna possível com o cinema. Esta primeira escola teórica – apelidada por Deleuze de quinésica – “olhou, então, o cinema como
algo de absolutamente inovador no panorama das artes e do pensamento,
um meio capaz, enfim, de nos fazer descobrir olhares diferentes do nosso
sobre um mundo que sempre vimos da mesma maneira. Um novo espaço e
um novo tempo, por fim sintetizados numa dimensão única – a velocidade
–, uma imagem vital e vitalista baseada na aptidão especial do cinema a
representar (melhor seria dizer, recriar) um mundo essencialmente móvel,
imponderável e relativista”( 8 ).
À ideia estabilizada de “representação” ou “real”, a experiência do
mundo possibilitada pelo cinema imprime indelevelmente a do regime
instável das imagens e dos sons. Uma sinestesia simultaneamente anestésica capaz de fazer ver ao mesmo tempo que cega, na proximidade
do ecrã, a intangível matéria luz e o carácter efémero (verdadeiramente
impressionista) e instantâneo dessas mesmas imagens. A explosão pro-
posta balbuceia um ritmo, mais do que uma narração, composto pelo
seu material próprio, a luz (e correlativo sombra), e o seu objecto ideal,
o movimento (“sem literatura”, no dizer de Dulac). Esse jogo fá-lo, portanto, aproximar-se da música, daí as referências implícitas e explícitas às
possibilidades musicais e rítmicas do cinema, aos filmes como “sinfonias
visuais feitas de imagens ritmadas” ou à ideia de realização fílmica como
orquestração.
Uma outra transfiguração ocorria já através da ruptura operada pela
fórmula dos teóricos russos, em que o cinema era visto sob a perspectiva
privilegiada da montagem, enquanto agente estético e linguístico de uma
construção e não mera colagem de elementos. Os fragmentos de que se
socorrem seriam, assim, menos reflexo de uma velocidade, de um movimento e de um ritmo a-significante para se constituírem como “um ritmo
percebido”, no dizer de Tynianov, produto da combinação em linguagem
de unidades mínimas de sentido (a passagem do filme ao plano do discurso dá-se na exacta medida em que se valoriza a imagem-conceito, que
significa, em detrimento da imagem-coisa, que representa). Para teorias
que vêm desde Eisenstein até Malraux, é só no resultado dessa operação de montagem que o cinema se pode afirmar enquanto arte, mas, mais
ainda, que o cineasta exercita essa vontade de controlar o pensamento do
espectador.
No entanto, na teoria eisensteiniana, essa tentativa de controlo dáse “através de choques emocionais que não se prendam apenas com o
nível temático do drama, do real representado, mas dependam radicalmente da formalização abstracta de uma hipotética cine-língua”( 9 ). Daí
que, na explicação de Eduardo Geada, “no ensaio dedicado aos métodos
de montagem Eisenstein insista tanto na analogia do cinema com a música, visto que a música é uma das raras práticas artísticas não legitimada
pela representação do real capaz de desencadear fortes estados emocionais a partir da sua matéria pura”( 10 ). Por intermédio destas escolas em
confronto (francesa e soviética), duas hipóteses se coloca(ra)m: o cinema
como excesso de visibilidade, fazendo implodir o carácter eminentemente
representativo da imagem cinematográfica, e o cinema como excesso de
lisibilidade, fazendo explodir o seu carácter significativo.
9, Eduardo Geada. “Depois do Cinema”, prefácio a E$éticas do Cinema. Lisboa: D. Quixote,
1985, p. 12.
8, Idem, Ibidem, p. 73.
10, Idem, Ibidem.
/ Na montagem: o fragmento e o todo /
Também em relação à síntese do tempo produzida na imagemmovimento se poderá recolocar o problema enunciado pelo “instante
prenhe”/“instante qualquer”, agora numa nova relação enunciada pelo par
fragmento/todo. Mesmo que cada porção temporal seja sempre escolhida
em função de um sentido a exprimir, algumas imagens há em que melhor
se evidencia esse carácter fabricado, reconstituído, sintético do tempo representado, justapondo fragmentos pertencentes a momentos também
eles diferentes; e noutras em que é privilegiada uma relação mais directa
com o tempo, onde a imagem vive do respeito pelo tempo concreto dos
momentos filmados.
Claro que a posição de tipo baziniano é inviável em termos absolutos. Os fragmentos(-quaisquer?) captados são, à diferença do mundo real,
orientados, devedores de uma certa finalidade, além de serem a inscrever
num novo espaço-tempo. Se a profundidade de campo é já uma organização dos planos na rodagem, também o plano-sequência pressupõe
montagem, porque “o lugar da própria câmara no campo, uma vez que
recorta de modo interessado um pedaço do espaço visual, é já uma montagem”, conforme o afirma Pascal Bonitzer( 11 ). Mesmo a maior profissão
de fé na imagem (devedora de uma ontologia fotográfica) não pode deixar
de ignorar que do mesmo modo que o espaço do ecrã nunca reproduz o
espaço real, também o tempo só pode ser respeitado em parte(s), i.e., na
exacta medida da duração de um plano.
Se esta concepção, digamos realista, do cinema tende a subvalorizar os múltiplos aspectos do artifício cinematográfico, a outra, digamos
formalista, tenderá a exaltar os aspectos expressivos e semânticos da
montagem em detrimento dos seus aspectos perceptivos ou representativos, “e logo, tendencialmente, a esquecer que um plano de filme não tem
só sentido, mas também uma durée”( 12 ). Atentemos, no entanto, nesta
ideia de montagem como uma tendência natural no cinema (tanto no vanguardismo como no découpage naturalista clássico) de perpetuação do
fragmento “prenhe”, ou de uma apresentação indirecta do tempo, como
dirá Deleuze, na medida em que a síntese ou colagem temporal na imagem
decorre da subordinação do tempo ao movimento e, por isso, manipulador do espaço e do tempo que as coisas habitam.
11, Pascal Bonitzer. Le Champ Aveugle: essais sur le cinéma. Paris: Cahiers du Cinéma/Gallimard, 1982, p. 121.
12, J. Aumont, op. cit., p. 173.
Estilos há em que essa mesma manipulação é conduzida de maneira a ser perceptiva, outros em que não e, por isso mesmo, não notada,
invisível. Vejamos o exemplo do salto entre dois planos sucessivos baptizado por Dziga Vertov de intervalo (termo adoptado da musicologia) e que
serve para designar a distância (necessariamente abstracta) entre duas
imagens de filme. Nesta concepção interessará menos o que une e mais
o que separa os planos, isto é, interessará menos os raccords do que os
próprios intervalos, daí a ambição totalmente anti-naturalista (de não narrativo e não ficcional) do seu cinema. Ousado mas justo será dizer de que
em Vertov o verdadeiro cinema existe entre os planos, na medida em que
da matéria a-significante da imagem resultará uma significação e emoção
fruto somente da combinação das diversas relações abstractas criadas entre elas (entre formas, durações, enquadramentos, etc.).
Não convém, no entanto, esquecer que a noção vertoviana de intervalo não pode ser resumida a uma questão exclusivamente de ordem
temporal, do mesmo modo que as diversas sobreimpressões que realiza
(por exemplo, em O Homem da Câmara de Filmar) fazem perspectivar
a noção de intervalo mesmo para dentro do próprio plano. Certo é que
trouxe para o cinema a ideia de um hiato temporal desligado das questões naturalistas de continuidade, sintomaticamente na mesma época em
que as técnicas cinematográficas que visavam assegurar a continuidade
espaço-temporal estavam já praticamente definidas e prestes a ficarem
quase irremediavelmente estabilizadas. Não deixa de ser curioso que o
próprio salto se tenha rapidamente transformado em técnica (o jump cut),
significante de uma mudança de plano no qual se opera uma elipse temporal mantendo o mesmo ponto de vista. David Bordwell chama a atenção
para o carácter invisível que este recurso estilístico assumiu em determinadas épocas e não noutras, resultado das normas formais vigentes para
os diversos tipos de filme. Ao contrário da sua utilização em evidência
no cinema de Godard, conforme desde logo enunciado em O Acossado,
os exemplos dos saltos em Méliès (em favorecimento de um efeito imediatista) ou em Pudovkin (em favorecimento de uma montagem curta e
descontínua) estão feitos de maneira a passarem despercebidos.
Este tipo de distinção é ainda útil para identificar o sistema de
montagem invisível no découpage clássico, sujeito à crítica de um certo
naturalismo ilusionista por parte quer de Eisenstein, quer de Bazin. A de
Eisenstein será de ordem ideológica; a de Bazin será ainda de ordem ontológica (uma montagem com raccord no eixo quer fazer crer na realidade e
continuidade de um acontecimento, quando de facto está a colar diversos
planos). Comparando-a ao tão ambicionado “reinado da continuidade”,
quer ao nível lógico, quer ao nível da percepção visual, o teórico francês
verá que o découpage clássico é eficiente do ponto de vista narrativo, mas
não do ponto de vista da fidelidade à percepção visual.
Entre os cineastas adeptos da montagem como processo simbólico de combinação de fragmentos de modo a significar não só um espaço,
mas também um tempo, nem todos foram adeptos deste regime imperceptível: “ao cinema da sutura, que desde Griffith se foi impondo como o
código matriz do cinema espectáculo, opôs Eisenstein o cinema da ruptura
fundado na descontinuidade dos cortes de montagem, na colisão entre os
planos, na heterogeneidade espacio-temporal”( 13 ). De facto, como já havíamos verificado com Vertov, é como se para todo o cinema soviético a
principal medida de uma cinematografia fosse o que se passasse entre (e
não nas) imagens.
/ O fotograma e o frame /
O caso do fragmento/fotograma eisensteiniano é igualmente paradigmático, na medida em que leva mais além o sistema de construção,
imagem por imagem do filme griffithiano. Em Eisenstein é ele e não o plano
o fragmento fílmico por excelência. Parte ínfima e articulada de “uma totalidade absolutamente dinâmica e em perpétuo desenvolvimento”( 14 )
(próximo da lógica recente dos actuais fluxos de processamento de imagens), o fotograma instala-se aqui como um signo (um sobre-signo, na
concepção de R. Barthes) e o signo eisensteiniano por excelência: existindo não como imagem, “mas sempre para outra imagem”( 15 ).
Sem contar com a questão dialéctica, estabelecendo-se como contraponto a-significante ao sobre-signo do fotograma eisensteiniano, era
esta a perfeição ambicionada pelos dadaístas, Richter, Eggeling ou Fischinger nas inúmeras experiências (de animação?) realizadas a esse
pretexto. Experiências que tiveram o verdadeiro culminar na obra do canadiano Norman McLaren ou ainda desse cineasta singular que foi Len Lye. O
alcance desta “revolução” (que verdadeiramente é um regresso às protoorigens do cinema, a Muybridge e às trucagens de Méliès) parte do convite
aos construtores de filmes a traçar os elementos inertes e sucessivos do
movimento desenhado na própria película, autorizando-os a dispensar a
câmara.
Citando André Martin, a propósito de uma retrospectiva de McLaren, “nem tudo deve passar-se obrigatoriamente no ecrã ou nas filmagens
(...) a tira do filme constitui, pois, um elemento insubstituível. Para saber
o que é o cinema e não simplesmente aquilo em que se tornou, é neces-
13, E. Geada, op. cit., p. 13.
14, J. M. Grilo, op. cit., p. 97.
15, Idem, Ibidem.
sário pegar no filme, tatear a película, considerar o original mais de perto,
ler a partitura, apreciar o espaço que separa cada imagem inerte. No lugar da Arte cinematográfica tão exaltada pelos historiadores e os críticos,
temos, subitamente, duas.”( 16 ) E acrescenta: “Porque estas obras cinematográficas recomendam claramente a destruição dos objectos que se
assemelham, e esse abandono dos espectáculos, que a pintura moderna
ousara já. O cinema tem aí a sua grande revolução negra, pondo em evidência, com uma nova ferocidade perceptual e rítmica, conjuntos de sinais de uma pureza inédita.”( 17 )
E eis chegados ao vídeo, à videoarte e ao videojogo, futuro sonhado
em 1982 por Serge Daney para a televisão, mas que só foi possível no
campo da arte e, a espaços, no cinema. Poder-se-ia dizer, levando ao extremo a liberdade ambicionada de um filme animado, que o cinema de
hoje, potenciado pela sua virtualidade, é desvirtuado na sua semântica e
na sua sintaxe. Depois, que a viagem das vanguardas rumo ao cinema é
agora num outro sentido: do cinema para as artes visuais.
Quanto às diferenças entre as suas características, assinalemos
algumas: o espaço do vídeo é o da superfície, conforme tão bem o descreveu Bonitzer. Com a imagem electrónica já não se pode falar de uma
‘mise en scène’ mas de uma ‘mise en pages’. Algo que pode ser muito bem
traduzido pelas várias superfícies (ou layers) que podem compor a sua
imagem, sem a profundidade estratificada numa escala de planos e de
corpos. Nela, não há nem longe, nem próximo. Liberta da perspectiva, a
imagem oferece-se à opticalidade pura. E é essa opticalidade pura que
não só aproxima o vídeo da pintura, como mantém o primeiro como terreno por excelência de experimentação para os seus fazedores, liberto de
implicações narrativas ou de outras condicionantes eminentemente cinematográficas. O caso de Play Them é nessa medida mais um exemplo.
Mas não só a(s) superficialidade(s) da imagem videográfica
determina(m) a sua apreensão específica. Em relação ao factor temporal, tudo no vídeo é de carácter efémero. Ao contrário da descontinuidade
fotoquímica, a trama electrónica reflecte uma estrutura por pontos estatutariamente idênticos e que se expandem regularmente, segundo um
modelo arbitrário, fixo e rigoroso. Do mesmo modo, a efemeridade de
cada uma destas “imagens-trama” (ou frames) é ainda maior se nos fixarmos na efemeridade de cada “ponto” (ou pixel) que se acende e se
extingue alternativamente (cada nanogésimo de segundo). Conforme o
16, André Martin. “A Obra de Norman McLaren” in Catálogo Retrospe'iva Norman McLar-
en. Lisboa: Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, 1966, p. 2.
17, Idem, Ibidem.
esclarece Philippe Dubois, isso significa “que a imagem vídeo não existe
enquanto tal, ou pelo menos que ela não existe no espaço (não se acendem dois pontos simultaneamente), mas somente no tempo”( 18 ), numa
síntese temporal baseada numa sucessão. Não há nela nada de síncrono
ou de “verdadeira fatia de espaço-tempo”, como acontecia com a imagem
fotográfica.
De igual modo, não há aqui uma ilusão de síntese. O sintetismo
da imagem é total. Processada, vista e preservada como data, a imagem videográfica deixou de ser representativa ou em relação a um real.
Oferece-se ao fluxo interminável das imagens, a-significantes, dos nossos
dias. Desprovida do carácter representativo, desprovida de uma existência plena no espaço e no tempo, mesmo por um instante, a imagem
videográfica só existe para ser visionada (por isso, é auto-referencial, sem
significação, conforme a tese de Jean Baudrillard), facto que é a sua única
tangibilidade. A única prova material é aquela que é possibilitada pela sua
manipulação técnica, como o faz a série Play Them, reflectindo e devolvendo-lhe esse carácter assumidamente artificioso. E, nesse capítulo, o
frame qualquer converte-se em decisivo.
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Luís Alegre
Nasceu em 1969, em Anadia. Formou-se em Pintura na Escola Superior
Artística do Porto, em 1989, e fez o
Mestrado em Design na Faculdade de
Arquitectura da Universidade Técnica
de Lisboa. Actualmente vive e trabalha em Lisboa, conciliando a carreira
artística com a actividade de designer. Desde a segunda metade dos
anos 90 desenvolve projectos que
cruzam múltiplas disciplinas, relacionando o design, o vídeo e instalações.
É professor no Mestrado em Artes
Tecnológicas e nos cursos de Licenciatura em Cinema, em Fotografia e
em Cinema de Animação na Universidade Lusófona de Lisboa, assim como
director criativo da Ideias com Peso,
atelier de comunicação, desde 1995.
Começou a expor individualmente
em 1995 e a participar em colectivas em 2004. Das suas exposições
individuais destacamos: Rude, Galeria Diferença, Lisboa (1995); Keep
Dancing, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (2001); Empty Hard
Work, Sala do Veado, Museu de História Natural, Lisboa (2002); Feeling
EU, Galeria Carlos Carvalho, Lisboa
(2006); Total Equilibrium, Galeria
VPFCream Arte, Lisboa (2007).
Entre as colectivas: Unfold, Acção
‘Luzes, Câmara… Martini’, Luzboa – Bienal Internacional da Luz
‘04, Lisboa (2004); Em Fra'ura
– Colisão de Territórios, Projecto Terminal, Fundição de Oeiras (2005);
Toxic, o Discurso do Excesso, Pro-
jecto Terminal, Fundição de Oeiras
(2005); Proje'o Toilette (com Miguel
Palma), Feira Internacional de Arte
de Lisboa, WCs da FIL – Feira Internacional de Lisboa (2005); Galeria
VPFCream Arte, Feira Internacional
de Arte de Lisboa, FIL – Feira Internacional de Lisboa (2006); 25 Frames
por Segundo, Vídeos da Colecção da
Fundação PLMJ, Cinema São Jorge,
Lisboa (2007); Lisboa, Luanda, Maputo, Cordoaria Nacional, Lisboa
(2007); Remote Control, Plataforma
Revólver, Lisboa (2007).
Tirésias – Videoarti$as de Portugal,
no Centro Cultural de Espanha, em
Montevideo, Uruguai (2010).
Desde 2004 que tem realizado
videoclips musicais (alguns em conjunto com o colectivo JANCL): Facial
Gangbang, Lolly and Brains, (2004);
Bad Mirror, The Vicious Five, (2006)
que foi seleccionado para o festival
de Vila do Conde 06 - International
Short Film Festival e para o Imago
‘06 - International Youg Film Festival
(2006); Down by Flow, Micro Audio
Waves, (2007); Rock Me Tonight, Micro Audio Waves, (2007); Human,
Stereo Addiction, (2009) e Ao Deus
Dará, Balla, (2010).
Who’s Banana? — serigrafia #07, 56 x 77 cm, 2010
Untitled (Ping-Pong)_01— serigrafia #07, 77 x 110 cm, 2010
Untitled (Ping-Pong)_02— serigrafia #07, 77 x 110 cm, 2010
Untitled (eidolon) — serigrafia #07, 77 x 110 cm, 2010
Untitled (habdabs) — serigrafia #07, 77 x 110 cm, 2010
Untitled (withdrawn) — serigrafia #07, 77 x 56 cm, 2010
Untitled (Jennifer Connelly - horse) — serigrafia #07, 77 x 56 cm, 2010
Bang-Kraaoy — Desenho animado, DVD vídeo, P/B, 8 frames, loop, 2010
Crazy-bat-swing, Desenho animado, DVD vídeo, 44 frames, loop, 2010
French Kiss, Desenho animado, DVD vídeo, cor, 10 frames, loop, 2010
Jennifer Connelly - horse, Desenho animado, DVD vídeo, cor, 7 frames, loop, 2010
Super-Super Man, Desenho animado, DVD vídeo, cor, 30 frames, loop, 2010
The winning team 1952, Desenho animado, DVD vídeo, cor, 50 frames, loop, 2010
Untitled (american job), Desenho animado, DVD vídeo, cor, 8 frames, loop, 2010
Untitled (Who’s Banana?), Desenho animado, DVD vídeo, cor, 34 frames, loop, 2010
Untitled (Nacho Libre), Desenho animado, DVD vídeo, cor, 3 frames, loop, 2010
Untitled (Tongue-Tongue), Desenho animado, DVD vídeo, cor, 3 frames, loop, 2010
Untitled (Burka Kit), Desenho animado, DVD vídeo, cor, 25 frames, loop, 2010
Untitled (Jesus Quintana), Desenho animado, DVD vídeo, cor, 9 frames, loop, 2010
António Olaio
Nasceu em Sá da Bandeira, Angola, em 1963 e vive e trabalha em
Coimbra, onde é professor no Departamento de Arquitectura da
Faculdade de Ciências, tendo apresentado, em 2000, uma dissertação
de doutoramento a partir da obra
de Marcel Duchamp. Licenciado em
Artes Plásticas/Pintura pela Escola
Superior de Belas Artes do Porto, em
1987, António Olaio começou a expor
individual e colectivamente no início
dessa década. O seu trabalho tem-se
desenvolvido nos suportes da pintura,
do desenho e do vídeo, surgindo este
associado à canção e à performance.
Jogos semânticos curiosos e desconcertantes, referências simbólicas à
modernidade da arte, relações entre
a imagem e a palavra são alguns dos
aspectos que caracterizam a sua produção vídeo, numa ligação assumida
com os instrumentos e os universos
da música pop. Autor de uma obra
onde as canções se confundem com
a pintura, e os vídeos com pequenas
performances, António Olaio articula
conceitualização, comunicação e dimensão lúdica. Neste contexto, vale a
pena referir o projecto que tem actualmente com o músico João Taborda,
com o qual editou os trabalhos musicais Loud Cloud, em 1996, Sit on My
Soul, em 2000 e Blaupunkt Blues, em
2007. Foi a partir das canções feitas
em parceria com João Taborda que
realizou uma série de vídeos que têm
integrado diversas exposições.
Das exposições realizadas destacamse What Do You Want for Chri#mas?,
na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa,
em 1998; Foggy Days in Old Manhattan, na Galeria Filomena Soares,
em Lisboa, em 2001; Telepathic Agriculture, galerie Schuster, Frankfurt
e Berlin, em 2000; uma exposição
integrada no projecto SlowMotion,
ESTGAD, Caldas da Rainha, em 2001;
40 years in a plane, Kenny Schachter conTEMPorary, Nova Iorque,
em 2004; a antológica I Think Differently, Now That I Can Paint, no
Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. E mais recentemente, Planeta
Coimbra, Edifício Chiado/Museu
Municipal, Coimbra; La prospettiva,
Galerie Mario Mauroner, Vienna; Lisboa; Brrrrain, na Culturgest, Lisboa e
Crying my brains out, na Galeria Filomena Soares, em 2009
Kuen#lerleben, DVD vídeo, cor, som, 8’ 38’’, loop, 2010
José Maçãs de Carvalho
José Maçãs de Carvalho (1960) é um
artista formado em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade de
Coimbra e possui uma Pós-Graduação
em Gestão de Artes, no Instituto de
Estudos Europeus de Macau (1998).
Presença regular em várias edições
dos Encontros de Fotografia de Coimbra, foi ainda, enquanto fotógrafo,
nomeado para o prémio BES
Photo 2005 (exposição patente em
2006 no Centro Cultural de Belém,
Lisboa) e para a short li# do prémio
de fotografia Pictet Prix, em 2008
(Suiça).
José Maçãs de Carvalho aproximou-se
nos últimos anos de temáticas como
o corpo e o absurdo, ou as relações
de contaminação entre a imagem e
a linguagem, operando uma análise
crítica em torno da fragmentação e
virtualização deceptiva do real. Também refl ecte sobre situações de
comunicação-limite, num desafi o à
receptividade do spectador.
Os vídeos Striptease as Textuality,
apresentado na exposição Streetwear
na Galeria da Mitra, em Lisboa, em
2001, e Aujourd’hui Maman e#
Morte, no Círculo de Artes Plásticas
de Coimbra, em 2004, são, respectivamente, disso exemplo, assim como
Never Tell a Secret e To President,
contribuindo para o consolidar de um
trabalho de importante relevância es-
tética e política, capaz de atravessar
fronteiras, como atesta a sua presença consecutiva nos Rencontres
Internationales Paris/Berlin 2006
(Cinemathéque Française, Paris) e
2007 (Babylon Theater, Berlim, e Circulo de Bellas Artes, Madrid) ou em
Momentos de Vídeo-arte Portugués
Contemporáneo, PHoto España
2006, Centro Cultural Conde Duque/
Media Lab, Madrid. Destaque ainda
para a exposição individual Video
Killed the Painting Stars, Solar –
Galeria de Arte Cinemática, Vila do
Conde, Plataforma Revólver, Lisboa
(2007), e Museu de Angra (2009).
Destaque em 2009 e 2010 para
as exposições: Portuguese Waves,
Threshold artspace, Perth Concert Hall, Escócia, When a painting
moves...something mu# be rotten!
Moving Painting or the Diale'ics of
Techno-Referentiality, no Centro
Colombo Americano, Bogotá e Museu
de Arte Contemporânea de Puerto
Rico, e Tirésias – Videoarti#as de Portugal, no Centro Cultural de Espanha,
em Montevideo, Uruguai.
Des Voeux Road (forever young), DVD vídeo, cor, som (voz Cheang Chi Tat), 3’ 48’’, loop, 2010
Agradecimentos
António Olaio
Cátia Bonito
Cristina Matos
Fernando Poeiras
Lígia Afonso
Luís Gonçalves
Galeria Filomena Soares
João Paulo Espinheira
José Maçãs de Carvalho
Nuno Anibal Figueiredo
Patrícia Gouveia
Paulo Viveiros
Ricardo Nunes
Rui Batista
Rui Garrido
Sara Farias
Tiago Balas
Victor Diniz
(Círculo de Artes Plásticas de Coimbra)
Victor Pinto da Fonseca

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