Munenori Yagyu - A história de um espadachim Por - RONIN

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Munenori Yagyu - A história de um espadachim Por - RONIN
Munenori Yagyu - A história de um espadachim
Por Dave Lowery
Tradução de Newton Machado
Era o verão de 1600, o quarto ano da era Keicho, e Hideyoshi Toyotomi, o general
plebeu que havia unificado o Japão, havia falecido recentemente. Durante seu reinado,
caracterizado por uma visão de longo prazo, sólidas práticas administrativas e grande
sagacidade política, tinham finalmente chegado ao fim as contínuas guerras que por várias
gerações haviam eclodido entre os daimyos, senhores feudais, levando o Japão a viver seu
momento mais próspero e pacífico em muitos séculos.
Parte do sucesso de Hideyoshi deveu-se, sem dúvida, à sua disposição em
compartilhar seu poder com o go-tairo, um conselho composto por cinco regentes escolhidos
entre os senhores feudais mais ricos e poderosos. Mas com sua morte a paz estava ameaçada,
pois o conselho de regentes se dividira em duas facções: aqueles que apoiavam a continuidade
da regência dos Toyotomi, através de seu filho Hideyori, e aqueles que defendiam a escolha
do conselheiro de maior força política, leyasu Tokugawa, como shogun.
Durante todo o verão os dois lados se enfrentaram numa sutil e intrincada disputa pelo
poder. Os daimyos de menor peso político, mas de vital importância estratégica, foram
sondados discretamente para descobrir qual lado apoiariam no caso de uma guerra. As
preferências eram mantidas em sigilo, enquanto todos aguardavam para ver qual das facções
prevaleceria, antes de manifestar suas intenções. Era como se Ieyasu Tokugawa e Mitsunari
Ishida, líderes das facções adversárias, estivessem jogando uma grande partida de go, um jogo
de tabuleiro oriental que demanda extrema cautela e paciência infinita. Se este cenário parece
familiar para você, é porque o confronto entre Tokugawa e Toyotomi foi utilizado, com
algumas alterações, pelo autor James Clavell, como pano de fundo para seu livro Shogun.
Ieyasu Tokugawa era definitivamente o lado mais fraco neste confronto. Pela força de
sua personalidade e reputação, ele havia conseguido atrair muitos daimyos para seu lado, mas
estava consciente de que os senhores feudais eram pessoas conservadoras por natureza, e que
sua tendência instintiva seria apoiar o herdeiro legítimo. Assim, Tokugawa dependia de
aliados cuja lealdade era questionável. Enquanto isso, seu rival, Mitsunari Ishida, tinha o
apoio de uma quantidade maior de daimyos, e o peso da autoridade dos Toyotomis.
Finalmente, em agosto as manobras e planos preparatórios chegaram ao fim.
Kagekatsu Uyesugi, membro do Conselho de Regentes e partidário dos Toyotomi, reuniu um
exército em sua província natal, deixando claro que seu alvo era Tokugawa, a quem acusava
de traição. Ao mesmo tempo, Mitsunari Ishida também entrou em ação, liderando um exército
de samurais em um movimento de pinça, com o objetivo de cercar Tokugawa.
Os planos de Ishida foram bem desenhados e executados, de forma que a derrota de
Tokugawa seria inevitável, se não fossem dois engenhosos estratagemas aplicados no
momento adequado.
Inicialmente, Tokugawa deu a entender que estava preparado para lutar. No início do
verão ele havia deixado seu castelo em Osaka e ido para Fushimi. Enviou então seus soldados
para sua fortaleza em Edo, onde seu exército reunido aguardava.
Mas ao mesmo tempo, Tokugawa havia guarnecido o castelo de Fushimi, situado entre
ele e o inimigo que avançava, com um grupo de samurais experientes, liderados por seu
general mais habilidoso, visando barrar o avanço de Ishida e romper o cerco.
O castelo de Fushimi representava apenas uma medida protelatória, e Tokugawa
estava ciente de que logo teria que enfrentar Ishida e os demais regentes em uma batalha.
Além disso, ele previa que a batalha ocorreria em algum local do distrito de Kinki, uma região
ao norte de Nara repleta de altas montanhas, florestas impenetráveis e diversas kazure zato,
pequenas vilas e áreas governadas por pelos daimyos mais independentes do Japão. Ocultos
na região de Kinki também havia grupos de shinobi-nin, terroristas, espiões e fanáticos
religiosos cuja habilidade nas artes marciais era lendária. Tokugawa sabia que, embora
fossem poucos e difíceis de convencer, o apoio destes guerreiros pouco ortodoxos seria
essencial, caso tivesse que combater em suas terras. Normalmente os daimyos rurais e os clãs
de shinobi-nin não se submetiam aos mesmos laços que ligavam os samurais e demais
daimyos ao governo feudal. Eles cuidavam de sua própria vida, sem se preocupar muito com a
política nacional. Nas batalhas que ocorriam em suas terras, geralmente aliavam-se ao lado
com maiores chances de vitória, ou àquele com o qual tivessem laços familiares.
Tokugawa possuía exatamente este tipo de conexão, e isto constituía a segunda arte de
sua estratégia. Entre seus oficiais havia um jovem cujo pai era um dos senhores feudais mais
influentes da região de Kinki. Tokugawa convocou o jovem oficial e transmitiu suas ordens.
Ele deveria correr o mais rápido possível até sua casa nas montanhas de Kinki, e convencer
seu pai a mobilizar os daimyos locais para apoiarem Tokugawa no confronto que se
aproximava. Com o apoio de suas atividades de guerrilha, ele acreditava poder colocar Ishida
em uma posição desfavorável, e assim vencer a batalha decisiva.
O oficial cavalgou por passagens desertas nas montanhas, e através de florestas de
pinheiros, ciente da importância crucial de sua missão. No futuro, as realizações do jovem o
fariam famoso, fundando um renomado estilo de esgrima, tornando-se instrutor de shoguns e
contribuindo para a introdução do Zen nas artes marciais. Mas no verão de 1600, tudo isto
ainda estava por vir, e poderia se dizer que o futuro do Japão dependia da jornada deste
solitário oficial Tokugawa: Munenori Yagyu.
Tajima no kami Munenori Yagyu nasceu em 1571 no vilarejo batizado com o nome de
sua família. De acordo com registros antigos e de duvidosa confiabilidade, o clã Yagyu
descendia de Michizane Sugawara, um poeta da era Heian. Quaisquer que fossem suas
origens, os Yagyu estavam entre os primeiros habitantes de um vilarejo ao norte de Nara, e
que recebeu o nome do clã após terem sido apontados como guardiões do santuário Kasuga,
localizado nas proximidades. Aparentemente a proteção do santuário era uma tarefa levada a
sério, pois desde o século XIII a família Yagyu vinha dando origem a guerreiros de reputação
formidável.
Mais de 200 anos depois, quando o shogunato Ashikaga entrou em colapso e levou o
país ao caos, os moradores do vilarejo de Yagyu viram-se no meio de um conflito brutal, que
estava sendo travado pelo controle do Japão. Por volta desta época o clã Yagyu iniciou sua
ascensão.
Ieyoshi Yagyu, o avô de Munenori, liderou uma tropa de samurais e camponeses da
região de Kinki contra uma série de exércitos invasores, defendendo com sucesso seu
território. Nessa época a classe guerreira não estava ainda limitada aos samurais, ou bushi, e
era comum, como no caso das batalhas travadas na região de Kinki, que soldados
profissionais lutassem ao lado de agricultores e artesãos. Embora não dispusessem de
armamento de qualidade, estes eram lutadores eficientes.
Nesses combates participava Muneyoshi, filho de Ieyoshi. Era um espadachim
especialmente dotado, e que ainda na adolescência havia estudado intensamente o estilo
Chujo-ryu de esgrima. Aos 16 anos combatia junto com os samurais de seu pai, e suas
habilidades eram famosas, tanto que despertaram a atenção de Nobutsuna Kamizumi, um dos
espadachins mais afamados do Japão na época.
Kamizumi estava realizando uma peregrinação de musha shugyo, uma jornada
freqüentemente seguida por lutadores para testar suas habilidades contra outros combatentes,
e também para aprimorar-se com os ensinamentos dos mestres de diferentes escolas de artes
marciais. Sua reputação o precedia a cada passo do caminho.
Ele havia se aperfeiçoado em Kage, o estilo de esgrima também conhecido como
Sombra, e que havia aprendido com seu pai ainda criança. Posteriormente Kamizumi
aperfeiçoou inda mais este estilo, chamando-o de Shinkage (nova sombra), e foi durante este
processo que encontrou-se com Muneyoshi Yagyu.
Era inevitável que Muneyoshi acabasse enfrentando Nobutsuna Kamizumi. Ambos
haviam adquirido fama considerável por seu desempenho em batalhas e duelos, levando à
especulação sobre qual dos dois era o melhor. Esta pergunta seria respondida em um duelo
dramático, marcado para ocorrer em 1562, no templo Hozoin. O combate, contudo, foi
decepcionante. O famoso Yagyu foi derrotado facilmente, e por um dos alunos de Kamizumi,
que sem esforço, e em uma fração de segundos, empurrou a espada de Yagyu para o lado e
atacou com sua espada de treinamento com toda a força, parando o golpe a um fio de cabelo
da cabeça de seu adversário!
A derrota humilhante teria sido amarga para Muneyoshi Yagyu, se ele não fosse o
homem que era. Em vez de reclamar ou inventar desculpas, reconheceu em Kamizumi um
instrutor sem igual, e imediatamente pediu para ser aceito como aluno na escola Shinkageryu. Nobutsuna Kamizumi percebeu que o jovem samurai de Yagyu estava acima dos
espadachins aventureiros que o desafiavam apenas para buscar a fama, e aceitou Muneyoshi
como seu discípulo.
O relacionamento foi proveitoso, e sob a orientação de Kamizumi, Muneyoshi Yagyu
aprimorou rapidamente suas habilidades, destacando-se por sua maestria e tornando-se o
melhor entre os discípulos de seu mestre. Com o tempo, retornou às terras de sua família,
assumindo o comando do clã Yagyu e ensinando sua versão do estilo Nova Sombra, que
naturalmente tornou-se conhecida como Yagyu Shinkage-ryu.
Assim, Munenori Yagyu nasceu numa família renomada, e intimamente ligada ao
kenjutsu, a arte da espada. O mais jovem de uma prole de onze, e com quatro irmãos mais
velhos, é surpreendente que Munenori tenha recebido alguma atenção de seu pai. Quis o
destino que, no mesmo ano em que nasceu, seu pai e Yoshikatsu, seu irmão mais velho,
estivessem lutando em uma batalha perto de Nara. Durante a luta Yoshikatsu recebeu um
ferimento grave, e a lesão o impediu de tornar a praticar kenjutsu de maneira intensa.
Pela tradição, Yoshikatsu deveria herdar a liderança do clã Yagyu e o título de mestre
supremo da escola de esgrima. Mas mesmo continuando a ser um espadachim habilidoso,
apesar de seu ferimento, e de já haver sido iniciado nos okuden (princípios secretos) da
Shinkage-ryu, seu pai decidiu indicar um dos outros filhos como seu herdeiro na escola. Dois
outros jovens Yagyu haviam se tornado monges budistas, em vez de seguir o perigoso
caminho do samurai. O quarto filho na linha de sucessão aparentemente não tinha suficiente
talento na esgrima, pois Muneyoshi começou a treinar seu caçula nas técnicas da escola, com
a intenção de indicá-lo seu sucessor.
De acordo com as histórias contadas nas vizinhanças do vilarejo de Yagyu, Munenori
era um aluno dedicado, com um intenso entusiasmo pelo aprendizado da esgrima. Uma
história a seu respeito descreve um exercício elaborado por ele para desenvolver o ritmo e
movimento de pernas. Utilizando vários pedaços de cipó, amarrou pequenas pedras em uma
ponta, atando a outra aos galhos de um grupo de cedros próximo de sua casa. Puxando as
pedras suspensas, ele fazia com que os galhos balançassem, e, quando todos os galhos
estavam em movimento, Munenori tomava posição no meio deles, com a espada de madeira
na mão. Então, deslocava-se rapidamente entre as pedras em movimento, golpeando com a
espada e tentando atingir tantas pedras quanto possíveis, sem perder o equilíbrio e o controle.
Outra história da infância de Munenori fala de sua determinação em se capacitar para
os rigores da prática do kenjutsu. Aconteceu no inverno, quando o vilarejo de Yagyu estava
coberto de neve, e a maioria dos moradores permanecia abrigada em casa, ao redor do
kotatsu, um fogareiro que era a única forma de aquecimento nas casas japonesas da época.
Munenori, contudo, via a neve como um eficiente recurso de treinamento. Usando apenas
uma tanga, ele disparava pelas encostas, brandindo vigorosamente a espada enquanto utilizava
a massa de neve para fortalecer as pernas.
Hoje em dia, este tipo de exercício pode parecer estranho, mas na época de Munenori
suas atividades eram consideradas normais para o desenvolvimento de um espadachim, que
teria que enfrentar desafios tão rigorosos quanto mortais. Além de seus exercícios individuais,
Munenori tinha lições diárias no dojo de seu pai, não somente em esgrima, mas também no
uso da lança, alabarda e bastão, além de duas especialidades da escola Yagyu-ryu: o método
de luta com o pesado leque de metal utilizado pelos samurais, e as técnicas de kumiuchi,
forma luta corporal desarmada, a partir da qual o jujutsu evoluiria posteriormente.
O kumiuchi da escola Yagyu-ryu, quase tão respeitado quanto suas técnicas de espada,
foram muito úteis em 1594, quando o chefe da família Tokugawa convidou Muneyoshi
Yagyu e seu filho Munenori, então com 24 anos, para apresentar-se em sua mansão em
Kyoto. Ieyasu Tokugawa, sempre um hábil estrategista, já antevia o momento em que a
ausência de Hideyoshi Toyotomi deixaria vaga a regência do Japão. De fato, é possível que
sua real intenção, ao convidar os espadachins Yagyu e buscar seu apoio, fosse a possibilidade
de que estes se tornassem, no futuro, um recurso valioso na disputa pelo poder no Japão. Seja
como for, isto teve ter tido pouca importância para Tokugawa naquele dia, pois ao final da
apresentação ele se encontraria com a espada desembainhada, face a face com o lendário
Muneyoshi Yagyu.
O encontro ocorreu como resultado de uma pergunta feita por Tokugawa ao chefe do clã
Yagyu. No tatami em frente ao tablado onde se sentavam Ieyasu Tokugawa e seus principais
auxiliares, Muneyoshi e Munenori haviam apresentado alguns dos katas da escola Yagyu. A
platéia era composta por soldados experientes, que praticavam o kenjutsu, e que não se
impressionavam facilmente. Mesmo assim, acompanhavam atentamente a apresentação,
assistindo com prazer e concentração à medida que pai e filho enfrentavam-se, espadas
faiscando, girando, atacando e esquivando-se com perfeita sincronia e controle. Os oficiais do
clã Tokugawa admiravam silenciosamente. Contudo, seu líder, com sua profunda percepção,
viu que estava presenciando mais do que uma excelente apresentação de esgrima. Notou que o
Yagyu mais velho era capaz de prever, como que por magia, a direção e a intensidade dos
golpes de seu filho, bloqueando-os mal haviam começado. Fez então uma pergunta a
Muneyoshi, esperando esclarecer suas suspeita.
"Yagyu-san, você havia dito que seu estilo de esgrima depende de uma sincronização
perfeita dos movimentos do corpo, atacando para bloquear a espada do adversário. Mas como
um Yagyu desarmado se sairia contra um oponente armado?"
Muneyoshi admirava profundamente Ieyasu Tokugawa, e o considerava seu superior.
Mas era também um homem esperto, de inteligência rápida como seu anfitrião, e percebeu
que esta era a oportunidade para que a Yagyu Shinkage-ryu se diferenciasse das muitas
escolas então existentes. Assim, ajoelhou-se e curvou-se até tocar a testa no tatami.
"Se vossa alteza tiver a gentileza de me atacar, ficarei honrado em demonstrar",
respondeu Yagyu.
A resposta ousada deu resultado. Ieyasu Tokugawa levantou-se, desceu do tablado e
selecionou um bokken em um suporte de armas próximo a ele. Trajando um hakama de seda e
um kamishimo (um colete com ombros em forma de asa) sobre seu kimono, assumiu uma
postura de combate diante do mestre Yagyu, que trajado de maneira simples, e mesmo com
toda a sua habilidade, era apenas um senhor feudal de menor importância.
De todos os espectadores, somente o jovem Munenori estava certo do desfecho, tantas
vezes havia presenciado seu pai em ação. Diante do olhar calmo de seu adversário, Tokugawa
avançou em direção a Muneyoshi Yagyu, um samurai destemido e musculoso contra um
homem 20 anos mais velho, que aguardava calmamente, com as mãos estendidas à altura do
quadril.
Tokugawa atacou velozmente, seu corpo descendo junto com o golpe que tinha certeza
de haver acertado. Mas Muneyoshi Yagyu não estava sob a lâmina de madeira. Ele havia
girado o corpo de forma mínima, revertendo o movimento e arremessando Tokugawa para
trás, enquanto a espada de treinamento voava na direção oposta. Os oficiais de Tokugawa
ficaram paralisados, sem acreditar no que viam. Munenori, do outro lado do tatami, também
estava atônito. Entre ele e o tablado, Tokugawa estava estendido no tatami, fitando o homem
que tranqüilamente permanecia em pé acima dele. Então acenou solenemente com a cabeça.
"Suki desu!" ("Gostei!")
Ali mesmo Tokugawa convidou Muneyoshi Yagyu para ser seu instrutor de esgrima.
Para um espadachim este era o melhor emprego possível, assegurando a ascensão ao cargo de
hatamoto (oficial principal), um salário magnífico e considerável influência nos círculos
políticos e sociais. Muneyoshi ficou honrado, mas declinou do convite, sugerindo que seu
filho seria adequado para o cargo. Uma vez mais Tokugawa ficou impressionado com a
sabedoria do chefe da Yagyu-ryu. Ao indicar seu filho para o cargo, ele havia assegurado o
futuro de Munenori nos dias turbulentos que pressentia. O sexagenário Muneyoshi estava
perto de se aposentar, mas ao colocar seu filho numa posição tão próxima do clã Tokugawa,
estava certo de que o destino do clã Yagyu seria assegurado.
Munenori Yagyu recebeu assim o encargo de treinar leyasu Tokugawa e sua família
em esgrima. Em troca, Tokugawa, agradecido, presenteou Muneyoshi com um contrato no
qual se comprometia a seguir as normas da escola Yagyu Shinkage-ryu, e a proteger os
integrantes do clã Yagyu.
E assim, a partir de tal passado, Munenori Yagyu tornou-se instrutor e oficial de
confiança de Ieyasu Tokugawa; e assim, no verão de 1600, lá estava ele galopando pela
estrada Tokkaido em direção ao vilarejo de Yagyu, para uma conversa com seu pai que
poderia auxiliar seu senhor a vencer a batalha pelo título de Shogun.
Ao contrário do ditado chinês que diz que "na terceira geração vem a destruição",
Munenori tinha uma personalidade tão forte quanto a de seu pai e seu avô. Ele e Muneyoshi
convenceram os senhores feudais da região de Kinki a se aliarem a Tokugawa. Em encontros
secretos com grupos de ninjas e especialistas em guerrilha que habitavam a região próxima ao
vilarejo de Yagyu, foram feitos acordos com aqueles lutadores, alguns dos quais partiram para
auxiliar os samurais de Tokugawa que defendiam o castelo de Fushimi, barrando o avanço de
Mitsunari Ishida.
Apesar de não existirem registros destes acordos, eles foram uma contribuição valiosa
para que Tokugawa conquistasse o shogunato. Não existem indícios de que Munenori tenha
contatado seu irmão mais velho, embora seja provável que isto tenha acontecido; tal encontro
também contribuiu para o sucesso de Tokugawa, como indicam acontecimentos posteriores.
Munetoshi, o filho que o patriarca Yagyu havia considerado incapaz de chefiar o ryu, havia se
tornado um alto conselheiro de Hideaki Kobayakawa, aliado de Mitsunari Ishida.
Com todos os atores reunidos no palco, os acontecimentos se sucederam rapidamente,
embora não de acordo com os planos de Ishida e outros partidários de Toyotomi. O
movimento de pinça que visava capturar Tokugawa foi desperdiçado quando o castelo de
Fushimi resistiu ao cerco. Reforçado pelos ninjas de Kinki, os samurais de Tokugawa
retiveram Ishida por muitos dias. Quando ele finalmente tomou o castelo e iniciou uma
marcha forçada para completar sua parte no movimento de pinça, já era tarde demais:
Kagekatsu Uyesugi, responsável pela outra parte do movimento, havia perdido a confiança e
reteve suas tropas, aguardando para ver o que aconteceria. Com o fracasso de sua estratégia,
Ishida movimentou seu exército para a entrada de um vale em forma de U, chamado
Sekigahara, onde se reuniu com seus aliados. Embora suas forças combinadas, com um total
de 90.000 soldados, estivessem agora em inferioridade diante dos 100.000 samurais de
Tokugawa, sua manobra era engenhosa: quando Tokugawa atacasse, seria cercado e
empurrado para o vale, onde seria massacrado pelas tropas de Ishida atacando por ambos os
lados.
Começou a chover na noite de 14. Em meio a trovoadas, caiu uma chuva forte e
contínua. Em suas tendas os samurais checavam suas armaduras, preocupados com a lama que
tornaria a luta ainda mais cansativa. Soldados de infantaria, sem nenhuma proteção contra a
chuva além de suas lanças, encolhiam-se imaginando o que poderia ser pior: lutar na batalha
ou tremer de frio. Pela manhã a chuva havia se transformado numa garoa, invisível no meio
do nevoeiro matinal. Ao som dos rangidos de suas armaduras ensopadas, as tropas de
Tokugawa marcharam em direção a Sekigahara.
A batalha começou quando os samurais de Ishida e Tokugawa tropeçaram uns nos
outros em meio ao nevoeiro. Sekigahara pode ser descrita nos livros como a versão japonesa
da batalha de Gettysburg, mas para os combatentes a luta deve ter parecido simplesmente um
grande tumulto. Havia dezenas de generais comandando seus soldados, e mesmo em
condições melhores a situação ficaria caótica. Assim, unidades do mesmo exército se
atacavam, algumas se perdiam completamente e outras, retidas por comandantes temerosos
como Uyesugi, nem chegavam a entrar em ação. Batalhões de mosqueteiros maldiziam a
umidade que inutilizava os rifles, misturados a lanceiros e espadachins, todos lutando por uma
posição num campo de batalha que as cargas de cavalaria haviam transformado num lamaçal
pegajoso. Some-se a isso o ruído ensurdecedor das ordens de comando, dos gritos dos feridos
e dos disparos das armas, combinado com o nevoeiro, e pode-se ter uma idéia do que foi a
batalha.
Apesar da enorme confusão, ainda parecia que Ishida seria vitorioso. Tokugawa havia
concentrado seus samurais na entrada do vale, e Ishida havia recuado, aguardando apenas que
seu aliado Hideaki Kobayakawa atacasse para finalmente destruir o adversário. Porém, mais
uma vez seus esforços foram arruinados. Munenori Yagyu havia convencido seu irmão
Munetoshi a persuadir seu senhor a mudar de lado no momento crucial da batalha. Em vez de
atacar Tokugawa, Kobayakawa uniu-se a ele, e juntos arrasaram as tropas de Ishida. A
habilidade de Ieyasu Tokugawa, juntamente com seu planejamento cuidadoso e sua confiança
nos Yagyu, fez com que vencesse a batalha.
No final do dia Ishida estava morto, e seus aliados batiam em retirada, desmoralizados.
A vitória em Sekigahara foi o passo final no plano de Tokugawa para obter o poder político, e
antes mesmo que os mortos fossem retirados do campo de batalha, já se comentava que ele
seria nomeado Seii Taishogun, o governante militar do Japão.
Munenori recebeu notícias da batalha na residência de seu pai, no vilarejo de Yagyu.
As cortinas abertas deixavam ver os bosques que cercavam a casa, enquanto Munemori
refletia profundamente sobre as conseqüências que a vitória de Tokugawa trariam para o
futuro de seu ryu. Havia muito que planejar. Para o Japão, Sekigahara marcou o início de uma
longa era de unificação e prosperidade sob a regência de Tokugawa. Para Munenori Yagyu e
a escola Shinkage-ryu, foi o início de um caminho para a fama e para um lugar sem igual na
história da esgrima japonesa.
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