universidade federal da paraíba centro de ciências humanas, letras

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universidade federal da paraíba centro de ciências humanas, letras
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA
TATIANA MARANHÃO DE CASTEDO
AS MARCAS DE HETEROGENEIDADE EM ANÚNCIOS DA BURGUER
KING E MC DONALDS
João Pessoa
Fevereiro/2010
Tatiana Maranhão de Castedo
AS MARCAS DE HETEROGENEIDADE EM ANÚNCIOS DA BURGUER
KING E MC DONALDS
Trabalho apresentado à Banca Examinadora
da Universidade Federal da Paraíba como
exigência para obtenção do título de Mestre em
Linguística pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística, sob a orientação da Profª Drª
Ana Cristina de Sousa Aldrigue.
JOÃO PESSOA, 2010
Tatiana Maranhão de Castedo
AS MARCAS DE HETEROGENEIDADE: ANÚNCIOS DA BURGUER KING
E MC DONALDS
ORIENTADORA: _________________________________________
Profª Drª Ana Cristina de Sousa Aldrigue
MEMBROS DA BANCA:
_________________________________________
ProfªDrª. Maria das Dores Oliveira de Albuquerque
_________________________________________
Profº Dr. Onireves Monteiro de Castro
João Pessoa - PB, ___ de ______________ de 2010
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus que tem se colocado como guia na minha vida e proporcionado todos
os desejos do meu coração, entre eles, a concretização deste mestrado;
A meus pais amados que me deram o dom da vida e me educaram com princípios que me
direcionam até hoje e que servem de base para educar as minhas filhas. Obrigada pela
dedicação, amor e renúncia que me brindaram e que hoje me fazem feliz e forte para buscar
meios que retribuam um pouco este amor tão incondicional;
A Bá, que dedicou e dedica tanto amor a mim e as minhas filhas, proporcionando-me a
oportunidade de estudar, de trabalhar e de concretizar sonhos que, sem ela, seriam
impossíveis;
As minhas filhas que são o meu alimento, minha razão de viver, um muito obrigada por
entender o tempo que muitas vezes lhes é roubado para por em prática alguns projetos que, de
alguma maneira, são feitos para o conforto delas;
A minha orientadora Ana Cristina de Sousa Aldrigue pela paciência e dedicação brindadas
com o intuito de colaborar com a concretização deste sonho, revelando-se mais que uma
orientadora, uma amiga;
A todos que direta ou indiretamente torcem pelo meu crescimento e satisfação pessoal,
amigos que passam e ficam marcados nas nossas vidas por estarem ao nosso lado de
diferentes maneiras, um muito obrigada.
RESUMO
Neste estudo, a AD está associada aos conhecimentos que permeiam os conceitos da
heterogeneidade do discurso. Ela busca interpretar os processos de produção dos discursos,
levando em consideração os sujeitos sociais que os produzem além de analisar os fatores que
o influenciam. Pretende-se, então, fazer uma análise e reflexão sobre anúncios publicitários da
Mc Donald’s e da Burger King, duas grandes redes multinacionais de fast food, tendo por
escopo apresentar as relações dialógicas detectadas nos discursos de ambas. Como referência
teórica serão usadas as propostas do Círculo Bakhtiniano. Com conceitos centrados em pontos
de vista do dialogismo, este trabalho buscará as vozes constitutivas que atravessam os
discursos das cadeias alimentícias em questão, com o intuito de comprovar que uma voz não
se constitui sem a presença de uma outra já existente. O caráter cronológico deste estudo
revela-se com a observação da presença do discurso da Mc Donald’s que preanuncia os
discursos encontrados nas publicidades da Burger King, revelando a importância de estudálos a fim de confirmar a hipótese de que não há nada novo, porém discursos reiterados que
dependem do conhecimento prévio de outros para que se façam entender.
Palavras-chave: Discurso, gênero, heterogeneidade, dialogismo.
RESUMEN
En este estudio, la AD está asociada a los conocimientos que abarcan los conceptos de la
heterogeneidad del discurso. Ella busca interpretar los procesos de producción de los
discursos, considerando los sujetos sociales que los producem además de analisar los factores
que lo influencian. Lo que se pretende, entonces, es hacer un análisis y reflexión sobre
anúncios publicitarios de la Mc Donald’s y de la Burger King, dos grandes redes
multinacionais de fast food, siendo el mayor interés, presentar las relaciones dialógicas
detectadas en los discursos de ambas. Como referencia teórica serán usadas las propuestas del
Círculo Bakhtiniano. Con conceptos centrados en puntos de vista del dialogismo, este trabajo
buscará las voces constitutivas que atraviesam los discursos de las cadenas alimenticias en
cuestión con el intuito de comprobar que una voz no se constituye sin la presencia de una otra
ya existente. El carácter cronológico de este estudio se muestra con la observación de la
presencia del discurso de la Mc Donald’s que preanuncia los discursos encontrados en las
publicidades da Burger King, revelando la importancia de estudiarlos a fin de confirmar la
hipótesis de que no hay nada nuevo, sino discursos reiterados que dependen del conocimiento
anterior de otros para que se hagan entender.
Palabras llave: Discurso, género, heterogeneidad, dialogismo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 08
CAPÍTULO I. BAKHTIN E SUA IMPORTÂNCIA PARA A AD............................... 12
1.1 Dialogismo ................................................................................................................... 16
1.2 Polifonia ....................................................................................................................... 26
1.3 Interação verbal ............................................................................................................ 30
1.4 Enunciado/ Enunciação ................................................................................................ 36
CAPÍTULO II. O CORPUS ENQUANTO GÊNERO DISCURSIVO ......................... 45
2.1 Gênero: anúncios publicitários ..................................................................................... 47
2.2 Histórico da Mc Donalds ............................................................................................. 49
2.2.1 Publicidade e Socialidade Midiática do Mc Donald’s ............................................... 56
2.3 Histórico da Burguer King ........................................................................................... 59
2.4 Metodologia e o corpus ................................................................................................. 64
CAPÍTULO III. A HETEROGENEIDADE MOSTRADA E CONSTITUTIVA ...... 65
3.1. Heterogeneidade mostrada ........................................................................................... 68
3.2 Heterogeneidade constitutiva ....................................................................................... 73
CAPÍTULO IV. ANÁLISE............................................................................................... 78
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 93
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 96
ANEXOS .......................................................................................................................... 101
INTRODUÇÃO
O estudo da linguagem não pode separar-se de suas condições de produção, tornandose o enfoque a ser abordado por uma nova tendência lingüística que estoura na década de 60:
a análise do discurso.
A seleção do tema do presente trabalho deve-se ao fato da necessidade de estudar as
marcas de heterogeneidade constitutiva, a partir da heterogeneidade mostrada nos anúncios
publicitários das multinacionais Mc Donalds e Burguer King, procurando enfatizar as
marcas polifônicas encontradas nos textos de ambas cadeias de fast-food norte americanas.
A nossa hipótese parte da possibilidade de que esses anúncios publicitários comprovem a
existência de várias vozes encontradas nas propagandas das duas cadeias alimentícias, ou
seja, verificar se as marcas de heterogeneidade determinam as relações dialógicas
estabelecidas pelos sujeitos socais que, ao interagir com os textos, estabelecem os diálogos
mantidos entre os anúncios publicitários das multinacionais em questão. Além disso,
acreditamos na existência de uma adaptação vocabular de acordo com o país onde se
encontra a franquia. Isso se deve a fatores históricos e sociais que interferem na linguagem
utilizada, embora pertença às mesmas empresas.
A finalidade desta dissertação é apresentar as atividades que foram desenvolvidas no
decorrer da realização do programa de Pós-graduação, no nível de mestrado, nos anos de
2008 e 2009. Para isso, destacaremos como objetivos deste trabalho, analisar as marcas de
heterogeneidade mostrada que vão identificar a heterogeneidade constitutiva nos anúncios
publicitários da Mc Donald’s e da Burger King; caracterizar os textos do gênero anúncio
publicitário que apresentam marcas de heterogeneidade; identificar nos textos o diálogo que
se constitui entre esses anúncios publicitários, concretizado pela interpretação dada pelos
sujeitos sociais que com eles interagem; analisar a produção do sentido nos textos que
compõe o corpus a partir das marcas de heterogeneidade marcada e constitutiva dentro de
diferentes contingentes.
Ao fazer uso da linguagem nas várias atividades sociais o falante se insere em um
gênero. Por ser um fenômeno social, os gêneros do discurso não se baseiam num motivo
individual, mas sim, estão arraigados à coletividade, à época e ao meio social. Bakhtin
(1997) denominou de gênero do discurso aos modelos socialmente determinados, no qual os
fenômenos da linguagem podem ser apreendidos na interatividade dos textos através do
tempo, que são marcados pela sua organização e estilo.
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O gênero é um tipo específico de enunciado, presente em situações rotineiras, que
está associado às esferas da sociedade, na linguagem cotidiana, seja ela formal ou informal.
O gênero do discurso está presente em toda forma de linguagem.
Visto que os textos veiculados pela Mc Donalds e pela Burger King no mundo estão
relacionados à área publicitária com o intuito de obter melhores resultados com mais
agilidade e que os discursos que os perpassam não são normalmente analisados, buscou-se
aprofundar este estudo a partir dos anúncios publicitários das duas franquias.
Quando se discute a publicidade, algumas idéias logo surgem, e entre elas a de
sedução, e a de manipulação, ou seja, a publicidade como um eficiente recurso para, após a
identificação de prováveis necessidades, ou melhor, desejos dos indivíduos, servir como uma
ferramenta para influenciar seus receptores a adquirirem produtos, necessitando ou não deles.
E, se considerarmos que estamos em um país capitalista, então chegamos à conclusão de que
realmente as agências de publicidade têm papel preponderante para as indústrias, pois são elas
que apresentam os produtos para a população, a fim de que se estabeleça o consumo massivo.
Compreendendo que a noção de discurso não seja estável, preferimos tratar a
publicidade, enquanto formação discursiva, uma vez que, independentemente do produto a
ser anunciado, a mensagem publicitária está comprometida com seus atributos positivos. Ou
seja, está convencionalmente instituído que esta estratégia faz parte do “como dizer”.
Podemos afirmar que este “como dizer” está comprometido na prática do “enaltecimento” das
características positivas do produto, mesmo que este não se traduza numa mercadoria com
qualidade devidamente comprovada. Agindo assim poderíamos deduzir que os publicitários
sejam difusores de inverdades e que, insistentemente, tentam ludibriar o público. Destacando
o conceito de formação discursiva trazido por Maingueneau, a partir de Foucault, atestamos
que “o que pode e deve ser dito” no campo enunciativo da publicidade é sempre
comprometido com as (nem sempre) positivas características do produto.
Todo texto encena uma interlocução: nele fala um locutor que pode fazer-se menos ou
mais presente no texto. As diferentes formas de representação estão a serviço da expressão de
pontos de vista da enunciação. Para uma leitura crítica é importante perceber quem está
falando e com que intenção. Há várias vozes, aquelas que o locutor endossa e outras não. O
importante é acompanhar essas vozes e descobrir qual é a voz que comanda o texto, como
veremos a seguir na seqüência dos textos publicitários, veiculados numa campanha
publicitária na Burger King tanto via digital como impressa. Esse sujeito social como
cruzamento de vozes, defendido por Bakhtin, se constitui na interação com o outro que aqui,
tratar-se-á da sua maior concorrente, a rede de fast-food Mc Donalds.
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Como Brandão diz (2001), retomando as colocações de Bakhtin (1979) “...é um sujeito
social, histórica e ideologicamente situado. É o outro que dá a medida do que sou. A
identidade se constrói nessa relação com a alteridade.” O evento comunicativo do texto
entrevê ações lingüísticas, cognitivas e sociais. O fato de todo enunciado ter um valor modal,
de ser modalizado pelo enunciador, mostra que a palavra só pode representar o mundo se o
enunciador, direta ou indiretamente, marcar sua presença através do que diz (Mainguenau:
2001).
O texto publicitário é construído em função do ouvinte ou do leitor virtual. Para que a
propaganda possa melhor persuadir o público ela é, geralmente, formada por um texto
cuidadosamente selecionado em seus componentes lingüísticos e, na maioria das vezes, em
seus componentes visuais. Palavra e imagem são fundamentais para a prática persuasiva desse
tipo de texto em que, nele, até o verbal se faz imagem. Os atos discursivos procuram não só
informar, como também modificar comportamentos.
O reconhecimento da necessidade de propaganda surge a partir da existência de uma
população com recursos considerados acima do nível de subsistência, pois será esta população
que poderá adquirir produtos considerados desnecessários. A expansão da publicidade deu-se
no século XX, principalmente com o advento da televisão, o que possibilitou aos
consumidores maior contato com os produtos oferecidos pelas empresas. Além disso, outro
importante fator para o crescimento da publicidade na Europa dos anos 50 do século passado
foi o grande desenvolvimento econômico pós-guerra, gerando, assim, consumidores com
potencial de compra. E, para este público desejoso de consumo, houve, por parte dos
publicitários, a necessidade de aprimoramento, de dedicação e do desenvolvimento da
publicidade, a fim de alcançar seu potencial máximo, considerando os elementos que a
compõe, texto icônico, texto verbal.
Na comunicação humana é preciso considerar unidades maiores que, apesar de serem
formadas por palavras e sentenças, operam pelo estabelecimento de relações entre elas. A
análise dessas unidades maiores (enunciados, discursos, textos) não pode ficar limitada à
estrutura da língua porque muito da significação está além desses limites, determinada por
fatores extralingüísticos, entre os quais até mesmo o silêncio pode ter significados
contextuais.
Por isso, nos últimos anos, os estudiosos já citados têm se dedicado ao estudo da
linguagem sob enfoque discursivo-interacionista, inlusive os estudos de Bakhtin. Embora este
estudioso não seja autor de uma teoria sistematizada do texto, é na sua concepção de
linguagem como sistema dialógico de signos, valorizando o texto enquanto ato interativo, que
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se encontram os elementos necessários para a compreensão da trama de relacionamentos da
textualidade.
Ao fazer uso da linguagem nas várias atividades sociais, o falante se insere em um
gênero. Por ser um fenômeno social, os gêneros do discurso não se baseiam num motivo
individual, mas sim, estão arraigados à coletividade, à época e ao meio social. Bakhtin (1997)
denominou de gênero do discurso aos modelos socialmente determinados, no qual os
fenômenos da linguagem podem ser apreendidos na interatividade dos textos através do
tempo, que são marcados pela sua organização e estilo.
O gênero anúncio publicitário é um tipo específico de enunciado, presente em
situações rotineiras, que está associado às esferas da sociedade, na linguagem cotidiana, seja
ela formal ou informal. O gênero do discurso está presente em toda forma de linguagem.
Tendo em vista que este trabalho mesmo abordando vários aspectos da Lingüística
geral, delimita-se à terceira fase da Análise do Discurso, frisa-se que o seu foco principal é a
teoria da heterogeneidade mostrada e da constitutiva.
Este trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro capítulo aborda o
surgimento da lingüística, através da importância da Análise do Discurso (AD) e seus
estudiosos, chamando atenção para os grandes estudos bakhtinianos, como o dialogismo, a
polifonia, a interação verbal e a enunciação.
O segundo capítulo traz o corpus selecionado, anúnios publicitários de duas cadeias
alimentícias de fast-food: Burger King e Mac Donalds, mencionando a estrutura deste gênero
discursivo, as marcas da enunciação, os textos, todos extraídos da mídia virtual e impressa
buscando comprovar as adaptações feitas nos modalizadores verbais e não-verbais da
heterogeneidade mostrada das duas multinacionais para atender às necessidades publicitárias
dentro de cada contexto histórico e social que, com certeza, são diferentes e,
consequentemente, precisam articular-se de formas diferentes, apesar de dialogarem entre si
através da interação entre os sujeitos sociais que os interpretam.
Dando continuidade, o terceiro capítulo trata dos estudos de Authier-Revuz e sua
importância para a terceira fase da Análise do Discurso francesa, doravante AD. É esta autora
que retoma a questão das heterogeneidades sob a denominação de não-coincidências do dizer,
cuja referência é mantida no que diz respeito à alteridade na perspectiva de uma imposição do
inconsciente, em que o sujeito é determinado por uma ordem simbólica, o significante. A
heterogeneidade será discutida a partir dos conceitos de dialogismo, como ponto de apoio
para análise das não-coincidências do discurso com ele mesmo e polifonia bakhtinianos. O
quarto capítulo traz a análise do trabalho ancorada na teoria estudada.
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As questões propostas neste trabalho estão ancoradas em uma reflexão que engloba os
campos teóricos da Análise de Discurso Francesa (ADF), a teoria da enunciação bakhtiniana e
a lingüística. Embora esta dissertação aborde todos esses aspectos, ela tem como foco a teoria
de Jaqueline Authier-Revuz, que se volta para as questões da heterogeneidade presentes nos
textos analisados.
1. BAKHTIN E SUA IMPORTÂNCIA PARA A AD
Sendo assim, para melhor esclarecer os princípios bakhtinianos que permeiam este
trabalho, faz-se mister retomar os estudos saussureanos para melhor entender o princípio dos
estudos lingüísticos de vanguarda que serviram de base para todo e qualquer outro que lhe
fosse subseqüente. Saussure, atualmente, torna-se o ponto de partida de qualquer que seja o
estudo lingüístico em questão, quer seja aqueles que se voltam ao seu favor, concordando com
suas postulações teóricas, quer rejeitando-as. Saussure postula uma dicotomia entre língua e
fala que causa uma revolução linguística prontamente desmascarada ao serem descobertos os
limites de tal dicotomia ao excluir a fala do campo dos estudos linguísticos.
Dentre os que sentiram a limitação do objeto de estudo traçado pelos postulados
saussureanos, a língua, considerando-a como algo abstrato e ideal a constituir um sistema
sincrônico e homogêneo, está Bakhtin na vanguarda da linguística moderna. Bakhtin,
diferentemente de Sausurre, parte do princípio de que a língua é um fato social que se funda
na necessidade de comunicar-se.
Através de cada ato de enunciação realiza-se a intersubjetividade humana, por isso
processo de interação verbal passa a constituir uma realidade fundamental da língua. O
interlocutor (o outro) absorve um papel fundamental na formação do significado. Da primícia
de signo lingüístico como um “sinal” inerte proveniente da análise da língua como sistema
sincrônico abstrato, surge a idéia de um signo dialético, vivo, dinâmico, que está em constante
diálogo com “o outro”.
Desde então, busca-se entender o fenômeno da linguagem não mais centrado na língua
de forma isolada, mas em um nível que se distancia da dicotomia sausurreana: a instância do
discurso. A linguagem como discurso é interação e, ao mesmo tempo, um modo de produção
social, por isso é o lugar privilegiado de manifestação da ideologia, ou seja, é o lugar onde se
manifestam as ideologias. Como a linguagem é mediadora entre os homens e seu meio social,
torna-se um lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo estar desvinculada da
sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais.
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Mikhail M. Bakhtin (1895-1975) foi um pesquisador russo oriundo de Oriol. Era
diplomado em História e Filologia e fazia parte de um grupo de intelectuais de diversas
formações, interesses e atuações profissionais, um grupo multidisciplinar que veio a
denominar-se “Círculo de Bakhtin”. Apesar de constituído por diversos intelectuais, Bakhtin
estreita os laços com Voloshinov e Medvedev com os quais desenvolve a maior parte dos seus
estudos. Voloshinov tinha interesses voltados para a história da música e, em seguida, a
estudos lingüísticos. Medvedev formou-se em direito, teve uma carreira de educador e gestor
na área da cultura e ensinou literatura. Já Bakhtin, teve formação em estudos literários, atuou
como professor .
Bakhtin tomou como referência para seus estudos as obras de Dostoiévski e tinha
como adeptos Voloshinov e Medvedev. Escreveu várias obras que não publicou. “Ele
(Bakhtin) teria professado que um pensamento verdadeiramente inovador não tem
necessidade, para assegurar sua duração, de ser assinado pelo seu autor.” (YAGUELLO apud
BAKHTIN, 2004).
Bakhtin publicou seu primeiro ensaio chamado Arte e responsabilidade, que estudava
as relações entre as artes e a vida social. Porém, seus dois principais discípulos foram os
responsáveis pelas divulgações das suas primeiras obras: O Freudismo em 1927 e Marxismo e
Filosofia da Linguagem em 1929, livro bastante citado no decorrer deste trabalho, pois
apresenta a busca de Bakhtin pelo objeto real da linguagem. No ano em que Voloshinov
publicou esta última, Bakhtin decidiu assinar um livro com seu próprio nome: Problemas da
Obra de Dostoiévski.
De acordo com Fiorin (2006), em 1940 ele apresenta sua tese de doutorado, intitulada
Rabelais e a cultura popular, que precisou um comitê para decidir a sua aprovação. Este
julgamento durou, aproximadamente, seis anos, e em 1952, seu título de doutor foi negado.
Em 1965, ele publicou a tese, o que lhe ofereceu o reconhecimento mundial. Bakhtin ao tentar
defender sua tese se encontrava em um período logo após a Segunda Guerra Mundial em que
Stalin voltava a apertar o cerco às atividades culturais. Logo, os controles policialescos das
atividades intelectuais voltavam à tona, contrapondo-se com a tese de Bakhtin, motivo pelo
qual só pôde defendê-la em 1946.
Bakhtin não elaborou uma obra didática, pronta para ser ensinada na escola.
Não há nela uma teoria facilmente aplicável nem uma metodologia acabada
para a análise dos fatos lingüísticos e literários. Ao contrario, sua obra vai
examinando progressivamente conceitos. Ela é marcada por um
inacabamento, um vir a ser, uma heterogeneidade, que tornam muito mais
complexa a apreensão de seu pensamento. (FIORIN, 2006, p. 12)
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As obras de Bakhtin são caracterizadas pela concepção dialógica da linguagem, da
vida e dos sujeitos, focando-se no conceito de dialogismo no seu contexto mais amplo, ou
seja, como um processo de interação das vozes sociais e não apenas como a relação dialógica
entre dois sujeitos numa relação face-a-face, ou seja a troca de turnos entre participantes de
uma conversa como praticado pela Análise Conversacional.
O princípio que permeia a obra bakhtiniana é o da intersubjetividade em que o sujeito
se constitui diante do outro em uma situação de auto-reconhecimento por reconhecer o outro
na alteridade.
Segundo Brait, Bakhtin escreveu muitos livros sobre lingüística e os textos deste autor
ainda são atuais depois de oito décadas dos primeiro escritos. Eles são qualificados pelos seus
conterrâneos como notavelmente contemporâneos. No prelúdio, o trabalho dele foi
interessante para os estudiosos da literatura, mas hoje Bakhtin é referência em textos de
história, antropologia, psicologia, filosofia da linguagem e teologia. E os trabalhos elaborados
nessas áreas não cessam os pensamentos bakhtinianos.
É possível encontrar as idéias bakhtinianas desde trabalhos de semiótica
dedicados ao estudo do cinema até em estudos sobre literatura cuja ênfase recai
em questões estéticas dos textos literários. Se, por um lado, essa diversidade
sinaliza para uma diferença radical de abordagens, por outro indica uma postura
relativamente compartilhada diante da obra do autor: a de que o princípio do
dialogismo subjaz a todas as utilizações que se faz teoria. (FLORES, 2005, p. 46)
Nos seus estudos, Bakhtin abrange vários domínios das ciências humanas, como a
psicologia, a etnologia, a pedagogia das línguas, a estilística, a comunicação, entre outras.
Flores (2005), afirma que Bakhtin associa as diversas áreas de conhecimento às suas
reflexões, ou seja, a teoria do conhecimento corresponde à intertextualidade, a do romance, à
polifonia, a da filosofia do estudo e ao estudo da enunciação. Estas reflexões serão discutidas
em seguida.
Um dos principais conceitos bakhtinianos é o de língua como um sistema social.
Entende-se então que, para Bakhtin, a língua não pode ser compreendida isoladamente, pois a
mesma, quando utilizada, inclui fatores extralingüísticos, como o momento social e histórico,
a fala e a relação entre o falante e o ouvinte. Ele, Bakhtin, a partir da sua relação com a
lingüística, funde a teoria da linguagem sem anular a teoria saussuriana, ainda que esta seja
considerada por ele, insuficiente para o estudo da comunicação verbal. Flores (Op. Cit.)
afirma que “a proposta do filósofo é ver a língua imersa na realidade enunciativa concreta,
servindo aos propósitos comunicacionais do locutor.”
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Conceituando a língua como um conjunto de palavras e expressões usadas por um
povo, por uma nação, munido de regras próprias, Bakhtin assegura a necessidade de enfatizar
não somente a língua, mas também o seu uso, a fala. Ele antecipa as orientações da lingüística
moderna, e afirma que a língua é um fato social cuja existência parte das necessidades da
comunicação.
A linguagem é uma prática social que tem na língua a sua materialidade. A língua é
tida não como um sistema abstrato de formas lingüísticas, mas como “um processo de
evolução ininterrupto, constituído pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através
da enunciação, que é a sua verdadeira substância” (BAKHTIN, 1992, p.127). Diferente do
objetivismo abstrato de Saussure, Bakhtin valoriza a fala, que não é individual, senão social e
está estreitamente ligada à enunciação, já que o momento da enunciação, instaurando a
intersubjetividade, instaura também a interação.
Segundo Bakhtin (2003), a linguagem é veiculada pela língua e pela fala, ambas
sociais e constituintes do discurso, o que possibilitará a ligação entre o nível propriamente
lingüístico e o extralingüístico. O autor afirma que aprender a falar é aprender a construir
enunciados. O discurso é o ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos
lingüísticos. A linguagem enquanto discurso é a interação e a condição de produção, não
sendo neutra nem inocente, e sim, um lugar de conflito, de confronto ideológico, precisando
ser estudada dentro da sociedade, pois os processos que a constituem são histórico-sociais.
As idéias do Círculo sobre a linguagem trazem elementos que, de algum
modo, contribuem para o estabelecimento de um pensamento sobre a
enunciação, antecipando o estabelecimento de uma lingüística da
enunciação que, além de contemplar a questão da intersubjetividade no
âmbito dos estudos da linguagem, contem a indicação de um modelo de
analise, na qual forma e uso articulam-se no processo de constituição de
sentido no discurso. (FLORES, 2005, p. 45)
Diante de tudo isso, conclui-se que Bakhtin não teve uma história comum, semelhante
a de outros famosos estudiosos. Ele não ocupou cargos e posições importantes. Tampouco
teve interesse pela fama, pelo sucesso e pelo prestígio. Para Fiorin (2006, p. 11) “sua obra é
fascinante, inovadora, rica, mas ao mesmo tempo, complexa e difícil.” Este autor mostra a
existência de vários Bakhtins: o pós-modernista, que criticou a psicanálise, o estruturalismo e
o formalismo, não sendo existencialista, não aderindo ao marxismo e negando o coletivismo;
o interacionista, que tratou das relações sociais entre o eu e o outro; o marxista, trabalhando as
superestruturas e estabelecendo uma prima philosophia, que tratava dos princípios básicos do
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conhecimento humano; e o linguista, teórico da linguagem, que não chegou a produzir uma
teoria completa da linguagem e dos diferentes níveis da língua.
Portanto, estudar a obra de Bakhtin não é tarefa fácil. É necessário compreender seus
conceitos. Por isso, os estudos aqui realizados, não serão suficientes para abranger toda a
teoria e obra bakhtiniana, mas pretende esclarecer alguns conceitos e aprofundar os estudos
nas linhas que tangem a heterogeneidade.
Vale ressaltar aqui que, para Bakhtin, o objeto de estudo da lingüística não é a língua
nem a fala, porém a enunciação, os discursos que darão sentido à língua. Neste trabalho serão
usadas propagandas de duas multinacionais com o intuito de averiguar o sentido por elas
adquirido no momento em que os seus discursos se entrecruzam num dado momento histórico
e social.
1.1 DIALOGISMO
Logo, cabe iniciar este trabalho com algumas reflexões sobre as contribuições de
Bakhtin sobre as orientações teóricas dos estudos sobre o texto e o discurso desenvolvidos
sobretudo nos últimos 30 anos. Partindo da sua visão sobre o princípio dialógico, Bakhtin
antecipa e influencia os estudos do discurso e do texto organizado-os em duas partes: a
primeira no que toca à concepção de texto como objeto das ciências humanas e a segunda a
respeito do princípio dialógico que, por sua vez, subdivide-se em duas outras partes: uma
sobre o diálogo entre interlocutores e outra sobre o diálogo entre discursos (ou enunciados,
como chamava Bakhtin).
Enquanto os estudos linguísticos traçavam um caminho que colocava a língua como
centro de seu objeto de estudo, Bakhtin eleva o texto (ou o discurso) como principal objeto de
estudo das ciências humanas (1992, p. 31), ou seja, as ciências humanas voltam-se para o
homem, mas o homem como produtor de textos. Esse fator que lhe é intrínseco, diferencia as
ciências humanas das exatas e biológicas, já que estas últimas examinam o homem “fora do
texto”.
Ao tratar do texto como objeto das ciências humanas, Bakhtin, de imediato, aponta
duas diferentes concepções do princípio dialógico, a do diálogo entre interlocutores e a do
diálogo entre discursos.
Deve-se observar a priori que, se o caráter dialógico da concepção de linguagem
bakhtiniana e da ciência humana tem método e objeto dialógicos, também suas idéias sobre o
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homem e a vida são caracterizadas pelo princípio dialógico. A alteridade, caráter ou qualidade
do que é outro, define o ser humano, pois o outro torna-se imprescindível para sua concepção:
é impossível pensar no homem fora das relações que o ligam ao outro. (BAKHTIN 1992, pp.
35-36).
Bakhtin, tratando do diálogo entre interlocutores, encabeça no campo dos estudos
sobre a interação verbal entre sujeitos e sobre a intersubjetividade. Sendo assim, torna-se
necessário conhecer alguns aspectos de sua concepção de dialogismo entre interlocutores: a
interação é o ato fundador da linguagem; o sentido do texto e a significação das palavras
constroem-se na produção e interpretação dos textos; a intersubjetividade é anterior a
subjetividade, pois a relação entre os interlocutores constrói os próprios sujeitos produtores do
texto e a existência de dois tipos de sociabilidade, a relação entre os sujeitos e a dos sujeitos
com a sociedade.
É necessário observar que as relações do discurso com a enunciação, com o contexto
sócio-histórico ou com o “outro” são, segundo Bakhtin, relações entre discursos enunciados;
além disso, o dialogismo é concebido como um “tecido de várias vozes” ou de muitos textos
ou discursos, que se entrecruzam, se completam, respondem umas às outras ou polemizam
entre si no interior do texto; também se deve destacar o caráter ideológico dos discursos.
Muitas vezes o reconhecimento do dialogismo do discurso e de seu caráter ideológico
leva a crer, por oposição, no caráter monológico da língua, porém Bakhtin ressalta o
confronto entre índices de valor contraditório encontrados no signo, motivo que faz com que a
língua seja, para ele, sempre dialógica e complexa, pois nela se imprimem historicamente e
através do uso as relações dialógicas dos discursos.
Desse modo, podemos chegar à conclusão de que o princípio unificador do
pensamento bakhtiniano é a concepção dialógica da linguagem. Para Bakhtin, a língua, em
seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se resumem ao
estreitamento dos diálogos face a face. Ao contrário, defende-se uma dialogização interna da
palavra, que é perpassada pela palavra do outro, é inevitavelmente a palavra do outro. Isso se
refere à presença do discurso do outro que encontra-se presente no discurso do enunciador.
Além disso, não se pode pensar o dialogismo em termos de relações semânticas ou lógicas,
pois o que é diálogo no discurso são posições de sujeitos sociais, são pontos de vista acerca da
realidade (BAKHTIN, 1970, pp. 238-43, cf. também 1988, pp. 86-88, 96, 100; 1992, pp. 35358).
Baseado nos princípios bakhtinianos, a análise do discurso de linha francesa propõe o
princípio da heterogeneidade ao remeter-se ao fato de que o discurso é tecido a partir do
17
discurso do outro, que é o “exterior constitutivo”, “o já dito” sobre o qual qualquer discurso se
constrói. Pode-se dizer então, que todos os discursos são “atravessados”, “ocupados”,
“habitados” pelo discurso do outro (Authier-Revuz, 1990, pp. 25-27).
Bakhtin fala no trato do singular, do único, do irrepetível com base na existência de
um ser humano concreto. O argumento se centra no “eu” metafísico que intui sua unicidade,
que se percebe único, que ocupa um lugar que jamais foi ocupado por alguém e que,
consequentemente, não pode ser ocupado por nenhum “outro”. Porém, reconhecer a unicidade
do “eu” e realizá-la no ato individual não significa ignorar o “outro”, pois o princípio
constitutivo maior do mundo real do ato realizado é precisamente a contraposição concreta
“eu/ outro”. O “eu” e o “outro” são, cada um, um universo de valores. O mesmo mundo,
quando correlacionado comigo ou com o outro, recebe valorações diferentes porque as
pessoas são diferentes, pertencem a classes sócio-econômicas diversas, ocupam posições
sociais diferentes e por isso, têm formas desiguais de enxergar o meio que o circunda.
A unicidade do ser e do evento; a relação eu/outro e a dimensão axiológica serão os
eixos do pensamento de Bakhtin.
Estabelece-se a estreita relação entre enunciado e situação concreta da sua enunciação,
bem como entre o significado do enunciado e uma atitude avaliativa. Essa atitude avaliativa se
materializa no tom, na entonação do enunciado, que, por sua vez emerge do universo de
valores em que me situo, lembrando que, em seguida, Bakhtin afirmará que viver é assumir
uma posição avaliativa a cada momento.
Bakhtin afirma que todo enunciado emerge sempre num contexto cultural saturado de
significados e valores e é sempre um ato responsivo, já que espera do outro uma resposta.
A abordagem da linguística é, para Bakhtin, insuficiente por enfocar o enunciado
exclusivamente como fenômeno da língua, como algo puramente verbal, desvinculado de sua
materialização. Ele crê na verbalização das nossas experiências vividas a partir do seu
interior, mas alerta para o fato de que nunca conseguiremos expressá-las em sua totalidade.
Bakhtin não vinculava seu pensamento a uma arquitetônica que se pudesse classificar
de marxista. Já Voloshinov e Medvedev, sim, assinavam textos buscando intervir num debate
voltado para a temática marxista. Seus textos estão sempre atravessados por duas linhas
argumentativas complementares: um compromisso com a cientificidade do discurso e uma
cobrança de rigor metodológico de qualquer proposta de inspiração marxista.
Há no Círculo bakhtiniano, por volta da segunda metade da década de 1920 uma
confluência para a temática da linguagem, enfatizando as preocupações nucleares de Bakhtin
(temática axiológica, a questão do evento único do ser e a relação eu/outro), além do interesse
18
acadêmico de Voloshinov que se dedicava, nessa época, a estudos linguísticos, e do de
Medvedev que se ocupava com os fundamentos do que ele chamava de estudo das ideologias,
no interior da qual estará uma poética dita sociológica. O elemento de convergência entre o
grupo passou a ser a concepção de linguagem.
Medvedev, em 1928, faz uma análise do pensamento formalista e das críticas do
Círculo de Bakhtin àquela estética. Medvedev critica a tentativa de Sakulin, no início dos
anos 20, de analisar as obras literárias por dois métodos distintos: o formal para o estudo
imanente da obra e o método sociológico para o estudo histórico-causal (estudos extra
literários).
A questão do ser, pela sua amplitude, está fora do alcance da ciência e exige uma outra
racionalidade: um pensamento que pensa o sentido do ser, que “se entrega ao inesgotável do
que é digno de ser questionável” (Ensaios, p. 59). Bakhtin (2002) tem essa preocupação com
o sentido do ser e jamais se ocupa em ver o mundo como objetividade calculável. Desde o
início, sua preocupação com o singular e sua crítica ao teoreticismo são evidências da direção
filosófica e não científica do seu pensamento.
Num tempo dominado pela cientificidade, torna-se compreensível a sede de encontrar
um método nos textos de Bakhtin (2002). O resultado mais visível desse equívoco é
transformar categorias filosóficas em científicas, em categorias de métodos. (polifonia,
diálogo, carnavalização). A inescapável calculabilidade científica exige o esquecimento do
Ser e esta nunca foi a intenção de Bakhtin.
De acordo com Dilthey(2002), enquanto, metodologicamente, o ideal das ciências da
natureza é a explicação, ou seja, encontrar do exterior, relações necessárias entre os
fenômenos; o das ciências do espírito é a compreensão, isto é, captar do interior, por uma
experienciação psíquica, por um sentir em conjunto com os outros, os significados das ações
humanas.
Bakhtin critica o psicologismo inerente ao raciocínio de Dilthey ao mostrar como ele
constituíra um sistema em que o psiquismo tem primazia sobre o universo da cultura. Bakhtin
defende que a consciência individual se constrói na interação e por isso, o universo da cultura
tem primazia sobre a consciência individual. Esta é compreendida como tendo uma realidade
semiótica, construída dialogicamente.
Em conseqüência disso, a compreensão não é mera experienciação psicológica da ação
dos outros, mas uma atividade dialógica que, diante de um texto, gera outro(s) texto (s).
Compreender não é um ato passivo, mas uma réplica ativa, uma resposta uma tomada de
posição diante do texto.
19
Bakhtin entende assim, que as ciências naturais constituem uma forma de saber
monológico em que o intelecto contempla uma coisa muda e se pronuncia sobre ela, enquanto
as ciências humanas constituem uma forma de saber dialógico em que o intelecto está diante
de textos que não são coisas mudas, mas a expressão de um sujeito.
Medvedev, após apresentar o estudo da literatura como um ramo dos estudos da
criação ideológica, traça o que poderia ser lido como diretrizes gerais para um estudo de base
materialista e sociohistórica do universo da criação ideológica.
Como a palavra ideologia pode adquirir incontáveis significações, faz-se necessário
esclarecer o sentido a ela dado pelo Círculo de Bakhtin: “universo que engloba a arte, a
ciência, a política, a religião, a ética, a filosofia, o direito ou todas as manifestações
superestruturais”.
Para o Círculo, qualquer enunciado manifesta um posicionamento social valorativo.
Sendo assim, qualquer enunciado é sempre ideológico em dois sentidos: qualquer enunciado
se dá na esfera de uma das ideologias e expressa sempre uma posição avaliativa.
Voloshinov defende que tudo o que é ideológico possui significado e, portanto, é um
signo, logo “sem signo não há ideologia”.
Medvedev considera inadequadas todas as abordagens positivistas e idealistas por
acreditar que elas perdem o foco do caráter social e histórico da criação ideológica que exige
para ser estudada, um conceitual e um método de natureza sociológica. Nossa relação com o
mundo é sempre atravessada por valores.
Os signos refletem e refratam o mundo. Refratam porque não somente descrevemos o
mundo, mas também construímos diversas interpretações deste mundo. Medvedev conclui
que no horizonte ideológico de uma época, há várias verdades. Essas diversas verdades
equivalem aos diferentes modos pelos quais o mundo entra no horizonte apreciativo dos
grupos humanos que, por sua vez, atribuem valorações diferentes às ações e relações nela
ocorrentes.
Essa plurivalência social dos signos é o que, segundo Medvedev, os torna vivos e
móveis, dando dinamicidade ao universo das significações, na medida em que várias verdades
sociais se encontram e se confrontam no mesmo signo.
As vontades sociais de poder tentarão impor uma das verdades sociais como a
verdade. Contudo, Bakhtin defende seu conceito de plurilinguismo dialogizado que afirma
não haver uma palavra que seja a primeira ou a última.
Para Medvedev, o universo da criação ideológica tem um caráter matéria, visto que é
parte concreta da realidade dos seres humanos; histórico, porque não pode ser reduzido a
20
processos fisiológicos e psicológicos de indivíduos isolados; e sociosemiótico, já que se
corporifica em signos e absorve significado nos processos de intercâmbio social.
Voloshinov, ao discutir a significação, ressaltará que a enunciação de um signo é
sempre também a enunciação de índices sociais de valor:
não coexistem pacificamente com outros elementos da existência a ela
previamente integrados, mas entram em luta com eles, submetem-nos a
reavaliação e deslocam sua posição no interior da unidade do horizonte
avaliativo. Este processo gerativo dialético se reflete na geração de
propriedades semânticas na língua. Uma nova significação emana de uma
velha e por meio dela, mas isso acontece de tal modo que a nova
significação pode entrar em contradição com a velha e reestruturá-la. (p.
106). (BAKHTIN, 2002)
Para designar as múltiplas refrações do objeto, ou seja, os múltiplos discursos sociais,
Bakhtin introduz a expressão vozes sociais, interpretando-as como complexos semióticosaxiológicos com os quais um determinado grupo humano diz o mundo.
Aquilo que se chama de língua não corresponde somente a um conjunto difuso de
variedades geográficas, temporais e sociais, mas também pelo atravessamento de outra
estratificação, definida pelos índices sociais de valor, oriundos da diversificada experiência
sociohistórica dos grupos sociais. Língua é então, um conjunto indefinido de vozes sociais e,
essa multidão de vozes sociais caracteriza o que tem se designado de heteroglossia ou
pluringuismo, termos que, muitas vezes serão tomados equivocadamente como equivalentes a
polifonia (pensamento bakhtiniano).
Em 1930 Bakhtin traz à tona em “O discurso no romance” um elemento forte ao
pensamento do Círculo: heteroglossia dialogizada ou plurilinguismo dialogizado – (p. 272),
porém ele ressalta mais a importância da dialogização das vozes sociais do que da própria
heteroglossia como tal, ou seja, o encontro sociocultural dessas vozes e a dinâmica que entre
elas se estabelece: vão se apoiar mutuamente, se contrapor parcial ou totalmente, se diluir em
outras, se parodiar, se polemizar e assim sucessivamente. Conclui-se então, que o verdadeiro
ambiente de um enunciado é o plurilinguismo dialogizado em que as vozes se entrecruzam e
dão espaço para o surgimento de novas vozes sociais.
O Cículo bakhtiniano vê as vozes sociais como partícipes de uma cadeia de
responsividade, isto é, os enunciados, ao mesmo tempo em que respondem ao já dito,
21
provocam continuamente as mais diversas respostas: adesões, recusas, aceitações, críticas,
ironias, concordâncias, dissonâncias etc. O universo da cultura é intrinsecamente responsivo,
se move como se fosse um grande diálogo:
a) todo dizer não pode deixar de se orientar para o “já dito”. Neste sentido,
todo enunciado é uma réplica, ou seja, não se constitui fora daquilo que
chamamos hoje de memória discursiva;
b) todo dizer é orientado para a resposta. Nesse sentido, todo enunciado
espera uma réplica e – mais- não pode esquivar-se à influência profunda da
resposta antecipada. Neste sentido, possíveis réplicas de outrem no contexto
da consciência socioaxiológica, têm papel constitutivo, condicionante, do
dizer, do enunciado. Assim, é intrínseco ao enunciado o receptor
presumido, qualquer que ele seja: o receptor empírico entendido em sua
heterogeneidade verboaxiológica, “o auditório social” (ver, de Voloshinov,
Marxismo e filosofia da linguagem (1929), p. 85-86; ou A construção do
enunciado, p. 122-123), o “superdestinatário” (o “terceiro” – nos termos
discutidos por Bakhtin em O problema do texto (1992), p. 126);
c) todo dizer é internamente dialogizado: é heterogêneo, é uma articulação
de múltiplas vozes sociais (no sentido em que hoje dizemos ser todo
discurso heterogeneamente constituído), é o ponto de encontro e confronto
dessas múltiplas vozes. Essa dialogização interna será ou não claramente
mostrada; o dizer alheio será ou não destacado como tal no enunciado – ou,
para usar uma figura recorrente em Bakhtin, será aspeado ou não, em
escalas infinitas de graus de alteridade ou assimilação da palavra alheia
(conforme diz ele no manuscrito O problema do texto (1992), p. 120-121).
Assim, podemos reconhecer a íntima relação entre o pensamento do Círculo de
Bakhtin com a idéia de diálogo, motivo que desencadeou o termo dialogismo para designar
esse pensamento.
No entanto, a palavra diálogo designa uma série de significados que se adequam ao
sentido dado pelo Círculo. Desse modo, torna-se crucial esclarecer que não constitui objeto
de suas preocupações observar como ocorre a troca de turnos entre participantes de uma
conversa, como praticado pela análise da conversação, mas sim como “um documento
22
sociológico altamente interessante” (conforme se pode ler em Problemas da poética de
Dostoievski – apêndice I, p. 280), ou seja, um espaço onde se pode observar o processo da
interação das vozes sociais.
O que interessa ao Círculo é o que Voloshinov, em (Marxismo e filosofia da
linguagem, p. 95), se refere como “o colóquio ideológico em grande escala”, ou seja,
condiciona e forma as significações do que é dito no diálogo, no sentido mais amplo.
O objeto efetivo do dialogismo é constituído, portanto, pelas relações dialógicas no
sentido mais complexo, em que já estão embutidas as bases da criação ideológica mais
elaborada e as fontes da sua contínua renovação.
Voloshinov, particularmente, é quem se preocupa ou se importa com o diálogo face-aface por acreditar que é nele onde se pode encontrar a chave para o entendimento daquilo que
se pode abstrair dos enunciados de esferas mais elaboradas da criação ideológica, como por
exemplo, nos enunciados literários. Ele defende ainda o fato da interação face-a-face estar
sempre projetada numa esfera social, sendo necessário, portanto, dimensiona-lo como
estrutura socioideológica, na qual os interactantes são seres socialmente organizados, que
agem num complexo quadro de relações socioculturais onde se manifestam as relações
dialógicas.
Bakhtin critica a concepção de dialogismo como apenas uma forma composicional do
discurso. Na verdade, ele caracteriza as relações dialógicas como relações de sentido
estabelecidas entre enunciados.
Dessa maneira, quaisquer enunciados, se postos lado a lado no plano do sentido,
acabam estabelecendo uma relação dialógica. Embora os enunciados estejam separados pelo
tempo e pelo espaço e que nada conheçam um do outro, poderão revelar relações dialógicas,
ainda que se encontrem em diferentes pontos do universo da criação ideológica, diz Bakhtin
no seu inacabado manuscrito “O problema do texto”.
Em “Problemas da poética de Dostoiévski”, Bakhtin chama a atenção para a
impossibilidade de estabelecer relações dialógicas entre elementos de um sistema linguístico,
ou seja, entre palavras de um dicionário, entre morfemas, entre palavras de uma sentença etc.
Ele acredita que para haver relações dialógicas, faz-se mister que qualquer material linguístico
tenha entrado na esfera do discurso, isto é, tenha se transformado num enunciado e fixado a
posição de um sujeito social. Em suma, somente assim é possível estabelecer relação de
sentido com a palavra de outrem, gerando significação responsiva a partir do encontro de
posições:
23
A compreensão estreita de dialogismo como debate, polêmica ou paródia.
Essas são as formas externamente mais óbvias, embora rudimentares, de
dialogismo. A confiança na palavra do outro, a recepção reverencial (a
palavra de autoridade), o aprendizado, a busca pelo sentido profundo e sua
natureza obrigatória, a concordância, suas infinitas gradações e nuanças
(mas não suas limitações lógicas e restrições puramente referenciais), a
estratificação de um significado que se sobrepõe a outro, de uma voz que se
sobrepõe a outra voz, fortalecimento por meio da fusão (mas não
identificação), a combinação de muitas vozes que amplia a compreensão, o
afastamento para além dos limites do compreendido, e assim por diante.
(FARACO, 2003)
É válido ressaltar também que a significação que remete a solução de conflitos, a
entendimento e a geração de consenso, dadas ao termo diálogo, distancia-se do conceito
trabalhado pelo circuito bakhtiniano, pois este tenta dar conta da dinâmica das relações
dialógicas num dado contexto social que nem sempre apontam para as consonâncias, mas
também para as multissonâncias e dissonâncias. Delas pode resultar tanto a convergência, o
acordo, a adesão, a fusão, quanto a divergência, o desacordo, o embate, o questionamento, a
recusa.
Daí se pode concluir que o Círculo bakhtiniano entende as relações dialógicas como
espaços de tensão entre enunciados. Assim, o diálogo passa a ser entendido como um vasto
espaço de lutas entre as vozes sociais no qual atuam forças centrípetas e centrífugas. As
primeiras buscam impor uma certa centralização verboaxiológica sobre o plurilinguismo real.
Já as segundas, corroem continuamente as tendências centralizadoras através de processos
dialógicos como a paródia, o riso, a ironia, a polêmica, a hibridização, a sobreposição de
vozes etc.
O diálogo é também no pensamento bakhtiniano, a metáfora daquilo que poderíamos
considerar como sua grande utopia: a crença da possibilidade de um outro mundo daquele
vivido por ele então, exílio de seis anos no Casaquistão e num ostracismo de trinta anos em
cidades provinciais como prisioneiro político.
No seu manuscrito “Para uma refeitura do livro sobre Dostoievski”, Bakhtin deixa
emergir sua utopia: a idéia de que a vida humana é por sua própria natureza, dialógica. Assim,
Viver significa tomar parte no diálogo: fazer perguntas, dar respostas, dar
24
atenção, responder, estar de acordo e assim por diante. Desse diálogo, uma
pessoa participa integralmente e no decorrer de toda sua vida: com seus
olhos, lábios, mãos, alma, espírito, com seu corpo todo e com todos os seus
feitos. Ela investe seu ser inteiro no discurso e esse discurso penetra no
tecido dialógico da vida humana, o simpósio universal. (FARACO, 2006, p.
72-3, grifo do autor)
Nesse sentido, Bakhtin se posiciona contra qualquer tendência à monologização da
existência humana, ou seja, a negação da existência de um outro “eu”, com iguais direitos e
responsabilidades.
Se pararmos para uma reflexão, podemos observar que é no âmbito da linguagem que
se explica a celebração do diálogo e sua definição como alternância entre enunciados; isto é,
entre sujeitos falantes, entre diferentes posicionamentos.
O diálogo, por sua clareza e simplicidade, é a forma clássica da
comunicação verbal. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja,
possui um acabamento específico que expressa a posição do locutor, sendo
possível responder, sendo possível tomar, com relação a essa réplica, uma
posição responsiva. (BAKHTIN, 2006, p. 42)
Podemos concluir que diálogo e enunciado são dois conceitos interdependentes. O
enunciado de um sujeito apresenta-se de maneira acabada, provocando no outro uma atitude
responsiva; a réplica é então, relativamente acabada porque pertence a uma temporalidade
mais extensa, de um diálogo social mais amplo e dinâmico.
Entendemos que os diálogos sociais não se repetem na sua integridade, porém não são
completamente novos, já que reiteram marcas históricas e sociais que caracterizaram uma
dada cultura, uma dada sociedade.
Dessa forma, o diálogo não pode ser visto tão somente como uma metáfora na
reflexão, como resultado da transferência de um termo de um domínio semântico a outro que
nele se destaca e atua. Há de considerar, conjuntamente, os diálogos no sentido mais estrito do
termo e os diálogos no sentido amplo de condição dialógica da linguagem. Os diálogos que
experimentamos no dia-a-dia são assimilados por gêneros mais complexos, os secundários.
Nestes gêneros, os diálogos são mais fortemente estabilizados, institucionalizados, mas
continuam a receber dos diálogos cotidianos, o alimento de mudança e transformação.
25
Daí se conclui que os gêneros primários constituem o cerne da linguagem. Tal
proposição mostra a aproximação entre “Discurso na vida e discurso na arte”: sobre poética
sociológica em que se examinam os “enunciados da fala da vida e das ações cotidianas porque
em tais falas já estão embutidas as potencialidades da forma artística”. Há entre os
participantes do diálogo, tanto na vida como na arte, uma parte presumida, que compreende
valores comuns para os membros de uma dada sociedade.
A tarefa do estudioso da arte seria compreender o diálogo realizado por ela e que tem
como participantes, o herói, o autor e o contemplador. Bakhtin, em seu trabalho dedicado a
Dostoiévski, critica os estudos que desconsideram a forma artística, tanto os conteudísticos,
aplicados à discussão apaixonada dos conteúdos filosóficos, expostos pelos heróis,
convertidos, então, em filósofos autônomos; quanto os de cunho psicológico, graças ao caráter
monológico que assumem. As críticas iluminam a análise, que depreende das obras de
Dostoievski uma forma artística inovadora caracterizada pela polifonia: multiplicidade de
consciências eqüipolentes dos heróis, com quem o autor dialoga.
A fala informal de um diálogo, transposta para gêneros formais, desencadeia um
processo renovador. Da vida à teoria, o diálogo de maneira recursiva é identificado na ação
entre interlocutores, entre autor e leitor, entre autor e herói, entre heróis, entre diferentes
sujeitos sociais, que, em espaços e tempos diversos, tomam a palavra ou têm a palavra
resignificada.
1.2 POLIFONIA
Esse dialogismo defendido por Bakhtin leva, de alguma maneira, ao que ele busca
defender: um mundo polifônico, no qual a multiplicidade de vozes plenivalentes e de
consciências independentes e não fundíveis, têm direito de cidadania.
O termo polifonia é introduzido no vocabulário bakhtiniano para referir-se à nova
forma de narrar que havia sido criada por Dostoievski:
Aparece um herói cuja voz é construída exatamente como a voz do próprio
autor num romance de tipo comum. Uma palavra do herói sobre si mesmo e
sobre o seu mundo é tão plena quanto a palavra do autor costuma ser; não
está subordinada à imagem objetificada do herói como apenas uma de suas
características, nem serve ela de porta-voz da palavra do autor. Ela possui
26
extraordinária independência na estrutura da obra; é como se soasse ao lado
da palavra do autor, coadunando-se de modo especial com ela e com as
vozes plenivalentes dos outros heróis. (Bakhtin, 2002)
Desse modo, polifonia não pode ser confundida com os termos heteroglossia ou
plurivocidade, usados por Bakhtin para designar a realidade heterogênea da linguagem
quando vista pelo ângulo da multiplicidade de línguas sociais. Polifonia, segundo Bakhtin, é
um universo de muitas vozes eqüipolentes.
Ao confundir esses termos, limitaríamos a percepção da diferença do peso que os
discursos políticos adquirem dentro de uma sociedade; e de que no jogo dos poderes sociais
há um contínuo esforço monologizante dos discursos que pretender se impor como verdade
absoluta, buscando reduzir a heteroglossia a um caráter de submissão.
De acordo com Tezza (2002), o termo polifonia é pouco produtivo para a análise
literária porque, pelos critérios bakhtinianos, somente Dostoievski foi um romancista
polifônico.
O uso escasso do termo dentro do discurso bakhtiniano leva Tezza a argumentar que
polifonia, para Bakhtin não passa de uma categoria filosófica ilustrada por Dostoievski como
um mundo de vozes plenivalentes em relações dialógicas infindas.
Ao presenciar um mundo pesadamente monológico, Bakhtin ultrapassa as fronteiras
das relações dialógicas criadas por seu Círculo e se põe a sonhar com a possibilidade de um
mundo polifônico, radicalmente democrático, pluralista, de vozes igualitárias, em que nenhum
ser humano é reificado e nemhuma voz social se impõe como última e definitiva palavra.
Trata-se de uma visão utópica que nos leva a renunciar hábitos monológicos.
Faz-se necessário recordar o contexto histórico que se encontrava Bakhtin na época da
sua tese de dotouramento. Tratava-se de um período logo após a Segunda Guerra Mundial em
que Stalin voltava a apertar o cerco às atividades culturais. Logo, os controles policialescos
das atividades intelectuais voltavam à tona, contrapondo-se com a tese de Bakhtin. Assim, a
teoria que apresenta o romance como gênero literário fundado no riso e no pluringuismo são
postergados e ele recebe o título de Candidato a doutor e não propriamente o de Doutor.
Segundo Ponzio (2008), somente quando a língua foi reconhecida como
pluridiscursiva, ou seja, que é possível falar do mesmo mundo através de registros conceituais
e axiológicos diferentes é que emergiu uma consciência filosófica, uma consciência que vive
precisamente do confronto desses diferentes dizeres significativos. Ponzio ressalta que
27
filosofar, segundo Bakhtin, é estabelecer relações dialógicas com os enunciados e as vozes
alheias.
No entanto, nossos enunciados, que são heterogêneos, emergem da multidão de vozes
interiorizadas. Tomando essa afirmação como ponto de partida, podemos dizer que nossos
enunciados são sempre discurso citado. Ao afirmar que todo enunciado é discurso citado,
corremos o risco de sugerir que o sujeito apenas repete o discurso, sem espaço para a
singularidade. Porém, se o Cículo bakhtiniano busca um entendimento da pessoa humana na
perspectiva de suas relações sociais e como um ente heterogêneo, busca também manter um
espaço para a singularidade, recusando qualquer determinismo absoluto. O sujeito é então,
social e singular ao mesmo tempo.
Para um melhor esclarecimento, ressaltamos que o romance se estriba no que ele
concebeu como as duas modalidades do romance: o monológico e o polifônico. Segundo
Paulo Bezerra (2008), à categoria de monológico se associam conceitos relacionados a
monologismo, autoritarismo, acabamento. Já tratando-se da categoria de polifônico, estão
associados os conceitos de realidade em formação, inconclusibilidade, não acabamento,
dialogismo e polifonia.
O autoritarismo consiste na intransigência de não aceitar as verdades veiculadas por
um tipo de discurso; o acabamento, na anulação da individualidade de cada um das
personagens que se sujeitam ao horizonte do autor.
Em contrapartida, a inconclusibilidade e o não acabamento decorrem da condição do
romance como um gênero em formação, sujeito a mudanças, cujas personagens são sempre
representadas em um processo de evolução que nunca se conclui. Sob o viés da polifonia, as
personagens que povoam o universo romanesco estão em permanente evolução. O dialogismo
e a polifonia caminham juntos nessa esfera ampla e multifacetada do universo romanesco,
vinculam-se ao seu povoamento por um grande número de personagens, à capacidade do
romancista para recriar a riqueza dos seres humanos traduzida na multiplicidade de vozes da
vida social, cultural e ideológica representada.
De acordo com Bakhtin, no monologismo, o autor concentra em si mesmo todo o
processo de criação por acreditar que ele é o único centro irradiador da consciência, das
vozes, imagens e pensamentos de um romance. Logo, o sistema monológico não abre espaço
a respostas, ou seja, não tem uma consciência responsiva e independente do outro. O outro é
ignorado como entidade viva, falante e veiculadora das diversas faces da realidade social. Ao
proceder dessa maneira, coisifica, parcialmente, toda a realidade e cria um modelo
28
monológico de um universo mudo, inerte. Dessa maneira, as personagens não são vistas pelo
autor como sujeitos capazes de falar e responder por si próprio, porém como coisas, como
matéria muda que se esgota e se imobiliza no acabamento definitivo que ele lhe confere.
Contrariamente ao pensamento de alguns, Bakhtin não elabora suas concepções de
monologismo, dialogismo e polifonia como abstrações desprovidas de conteúdo histórico
social e ideológico. Ele aplica ao processo de construção do romance monológico o conceito
de reificação, usado por Marx para analisar, no sistema de produção capitalista, a relação
entre a produção da mercadoria e de seu produtor.
Bezerra (2008) defende a condição de objeto a que se reduzem os indivíduos dentro do
sistema capitalista, porém alerta também que tal condição de submissão gera vozes e
consciências que resistem a tal redução, provocando o maior número de conflitos da história
da sociedade humana. Estavam criadas as condições concretas para o surgimento do romance
polifônico.
Para a representação literária, a transitoriedade do monologismo ao dialogismo, que
tem na polifonia sua forma suprema, representa o fim da condição de sujeito mudo, escravo
da consciência do autor e marca o início de um sujeito livre, formador de sua própria
consciência. No enfoque polifônico, a autoconsciência da personagem representa a principal
característica para a construção de sua imagem, que requer uma nova posição do autor. O
“homem no homem” não é uma coisa, um objeto silencioso, porém outro sujeito, outro “eu”
possuidor de iguais direitos no diálogo interativo com os demais falantes.
À reificação do homem, ou seja, a esse caráter de coisa que lhe é conferido, contrapõese o dialogismo, procedimento que constrói a imagem do homem num processo de
comunicação interativa, no qual eu me vejo e me reconheço através do outro, através da
imagem que este faz de mim. Sob essas condições, o autor visa a conhecer o homem em sua
verdadeira essência como um outro “eu”, único, infinito e inacabável. Segundo Dostoievski,
não há como conhecer-se a si mesmo sem o outro, sem o reconhecimento e afirmação do meu
“eu” através do outro.
Dessa maneira, podemos definir polifonia, segundo Paulo Bezerra (2008) pela
convivência e pela interação, em um mesmo espaço do romance, de uma multiplicidade de
vozes e consciências independentes, vozes plenivalentes e consciências eqüipolentes, todas
representantes de um determinado universo e marcadas pelas peculiaridades desse universo.
Essas vozes e consciências não são objetos do discurso do autor, porém sujeitos de seus
próprios discursos. Essas vozes possuem independência excepcional dentro da obra, é como
29
se soassem ao lado da palavra do autor, combinando-se com ela e com as vozes de outras
personagens.
Dessa forma, poder-se instituir como traço peculiar ao romance polifônico, o fato do
autor não falar pela personagem, não reduzi-la a seu objeto, muito pelo contrário, lhe confere
livre arbítrio para falar, usar sua linguagem, seu estilo, sua ênfase, pois não é o autor quem
fala, porém o sujeito que ele reconhece como dono de seu próprio discurso e de sua maneira
individual de exprimir-se.
Essa relação entre autor e personagens, na qual as personagens não só dialogam,
discutem com o autor, colaboram com ele, mas até resistem e inclusive podem rebelar-se
contra ele é aquela que Bakhtin situa no romance polifônico de Dostoievski. Para ele, o autor
não é passivo, não renuncia ao seu ponto de vista e à sua verdade, não se limita a montar
pontos de vista e verdades alheias; ele enfatiza a relação dialógica entre autor e personagem,
“a relação de reciprocidade inteiramente nova e especial entre minha verdade e a verdade do
outro”. O autor é profundamente ativo, mas seu ativismo tem um caráter dialógico especial,
está diretamente vinculado à consciência ativa e isônoma do outro.
1.3 INTERAÇÃO VERBAL
Para constituir essa relação dialógica, em 1925, Bakhtin empregou a expressão
interação face a face ao desenvolver estudos críticos sobre Freud e sobre o uso da linguagem
em sessões de psicanálise. Considerando os trabalhos de Freud como uma tentativa de levar
os pacientes a uma manifestação do interior por meio da expressão verbal, Bakhtin (1980)
estendeu críticas aos trabalhos desse psicanalista afirmando que o discurso interior encontrase em oposição ao exterior e a sessão de psicanálise é um gênero de discurso, é uma
conversação por meio da interação face a face. Nessa perspectiva, esse estudioso afirma que o
paciente e o analista encontram-se envoltos por um mini-universo social. Observou, ainda,
que o “enunciado é o produto de uma interação entre locutores e, mais amplamente, o produto
de toda conjuntura social complexa na qual ele nasceu” (BAKHTIN 1980, p. 174).
Em Bakhtin (1980), encontramos as primeiras oposições entre discurso interior e
discurso exterior, bem como os prenúncios de posteriores formulações teóricas sobre a
constituição do sujeito pela interação verbal social e sobre interdiscursividade. Na verdade,
esse estudo pode ser considerado como a origem das teorias acerca do sujeito discursivo em
algumas acepções da Análise do Discurso. A título de exemplificação, podemos nos remeter a
30
Authier-Revuz (1982) que, baseando-se em Bakhtin e em releituras de Freud feitas por Lacan,
ao discorrer sobre heterogeneidade discursiva, afirma que há uma ruptura do eu fundamentado
na subjetividade como um interior face à exterioridade do mundo. Na verdade, para essa
autora, a exterioridade é levada para o interior do sujeito de maneira que a constituição do
sujeito discursivo pode ser definida pela junção do exterior com o interior.
No estudo em destaque, encontramos o esboço da teoria da Interação Verbal
posteriormente desenvolvida em Bakhtin (1992), momento em que o autor apresenta de
maneira mais profunda e complexa, considerando aspectos originários especificamente do
social, a teoria da interação verbal. Nessa segunda obra, Bakhtin inicia retomando afirmações
apresentadas no estudo anteriormente citado: “qualquer que seja o aspecto da expressãoenunciação considerado, ele será determinado pelas condições da enunciação em questão, isto
é, antes de tudo pela situação social mais imediata” (p. 112) e, de forma mais incisiva,
assegura que “a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados” (p. 112). Se não houver um interlocutor real, este pode ser substituído por um
representante do grupo social ao qual pertence o locutor. Prossegue suas reflexões afirmando
que a organização do mundo interior é estabelecida pelas relações exteriores, pelas
motivações, pelas deduções e pela reflexão de cada indivíduo em um auditório social próprio
e bem estabelecido. O interlocutor, assim como o locutor, situa-se em um espaço-temporal
bem definido. E “a palavra é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo
fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do
ouvinte” (p. 113).
Podemos relacionar o subjetivismo individualista, do pensamento filosóficolinguístico ao Romantismo. O Romantismo rebelou-se como uma reação à palavra estrangeira
e o domínio que ela exerceu sobre as categorias do pensamento. Os primeiros filólogos da
língua materna foram os românticos. Também foram os pioneiros na tentativa de reorganizar
a reflexão linguística sobre a base da atividade mental em língua materna, tida como meio de
desenvolvimento da consciência e do pensamento.
O subjetivismo individualista também tem como suporte a enunciação monológica
como ponto de partida da sua reflexão sobre a língua. Vale ressaltar que seus representantes
não abordaram a enunciação monológica sob o viés do pensamento filológico de compreensão
passiva, mas sim de dentro, do ponto de vista de pessoa que fala, que se exprime. Cabe aqui
enfatizar o significado de expressão como sendo tudo aquilo que se forma no psiquismo do
indivíduo e vem à tona para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores. Em
31
suma, a expressão comporta duas faces: o conteúdo interior e sua objetivação exterior para
outrem.
A teoria da expressão supõe um caráter dual entre o que é interior e o que é exterior.
Porém torna-se evidente a primazia dada ao conteúdo interior por defender a hipótese de que
todo ato de objetivação ou expressão, como queiram chamar, procede do interior para o
exterior.
O idealismo engendrou teorias avessas à teoria da expressão por considerá-la como
deformação da pureza do pensamento interior, pois ao exteriorizar o conteúdo interior, este
muda de aspecto porque é obrigado a apropriar-se do material exterior que dispõe de suas
próprias regras, estranhas ao pensamento interior. Basicamente, acredita-se que a expressão se
forma no interior e sua exteriorização não passa de uma tradução daquilo que antes fazia parte
apenas do psiquismo.
Essa idéia defendida pela teoria da expressão, de que tudo é proveniente do interior e
se manifesta de dentro pra fora, é radicalmente falsa, pois qualquer que seja o aspecto da
expressão-enunciação considerado, será determinado pelas condições externas, pela situação
social mais imediata. A palavra sempre se dirige a alguém, a um interlocutor e variará
dependendo da situação real da interação: se se trata de uma pessoa que pertence ao mesmo
grupo social ou não, se se encontra numa posição hierárquica social superior ou inferior a sua,
se mantém uma relação mais íntima ou mais distante com o interlocutor etc. Quando temos a
pretensão de pensar e de exprimir-nos, na realidade temos que considerar o mundo através do
prisma do meio social que nos engloba.
O nosso mundo interior se exterioriza sempre direcionado para algum auditório social,
em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações etc.
Através da palavra me defino em relação ao outro que pode ser uma única pessoa ou uma
coletividade. A palavra constrói uma ponte entre mim e os outros.
Portanto, concluimos que a situação social mais imediata e o meio social mais amplo
determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da
enunciação.
A enunciação, antes de mais nada, é determinada da maneira mais imediata pelos
participantes do ato de fala, explícitos ou implícitos, em ligação com uma situação bem
precisa: a situação dá forma à enunciação, impondo-lhe esta ressonância em vez daquela, por
exemplo a ordem ou o pedido, a afirmação de direitos ou a prece, um estilo mais rebuscado ou
mais simples, a seguranças ou a timidez e assim sucessivamente.
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Na relação com um ouvinte potencial, podemos diferenciar dois pólos, dentro dos
quais se realiza a tomada de consciência e a elaboração ideológica. A atividade mental oscila
de uma a outro. Por convenção chamemos esses dois pólos atividade mental do eu e atividade
mental do nós. Atividades mentais isoladas tendem ao pólo do eu, prejudicando, dessa
maneira, sua clareza e sua modelagem ideológica e consequentemente, revelando que a
consciência foi incapaz de enraizar-se socialmente. Em contrapartida, a atividade mental do
nós é orientada à aceitação de uma diferenciação ideológica, a um crescimento do grau de
consciência orientado para uma estabilidade da orientação social. Quanto mais bem
organizada e diferenciada for a coletividade no interior da qual o indivíduo se orienta, mais
complexo será seu mundo interior.
Cada tipo de atividade mental gera modelos e formas de enunciações correspondentes,
ou seja, a situação social determinará a forma de enunciação adequada para exprimir o que se
pensa e sente.
Julgamos necessário distinguir a atividade mental para si da atividade mental do eu, já
definida anteriormente. Segundo Tolstoi, a atividade mental individualista caracteriza-se por
uma atividade mental sólida e afirmada, ou seja, indica uma concepção social do ouvinte que
lhe é peculiar. O pensamento não existe fora de sua expressão potencial e consequentemente
fora da orientação social dessa expressão e o próprio pensamento. Em suma, todo o itinerário
que leva da atividade mental (o conteúdo a exprimir) à sua objetivação externa (a enunciação)
situa-se no território social.
Se a consciência permanece no psiquismo do ser consciente, sob a forma de discurso
interior, o seu estado não passa de um esboço. Mas, a partir do momento que ela é externada,
pode-se dizer que a consciência torna-se uma força real, capaz de exercer em retorno uma
ação sobre as bases econômicas da vida social.
Isso leva a crer que a atividade mental tende a ser exteriorizada, apesar de conhecer a
possibilidade de ser freada. Neste último caso, pode-se dizer que a atividade mental
desemboca numa expressão inibida.
Ao afirmar, inicialmente, ser a teoria da expressão falsa, indica que nos estávamos
remetendo ao fato de não ser a expressão a que se adapta ao nosso mundo interior, ao
contrário, o nosso mundo interior é que se adapta às possibilidades de nossa expressão.
Segundo Voloshinov (1988), os sistemas ideológicos constituídos da moral social, da
ciência, da arte e da religião cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercendo sobre
esta uma forte influência, dando-lhe tom. Simultaneamente, esses produtos ideológicos
constituídos mantêm um elo vivo com a ideologia do cotidiano, pois alimentam-se de sua
33
seiva. Se diferente fosse, morreriam porque não estariam submetidas a uma avaliação crítica
viva.
É exatamente aí que reside a vida da obra ideológica: em cada época histórica a obra é
levada a estabelecer contato com a ideologia cambiante do cotidiano, pois é somente através
desse contato ininterrupto com a ideologia do cotidiano de uma determinada época que tornase capaz de manter-se viva.
Quando uma atividade mental nasce de uma situação fortuita tende a desaparecer no
plano social, pois esse tipo de atividade mental constitui o nível inferior, aquele que desliza e
muda na ideologia do cotidiano. Assim, serão inseridos nesse nível todas as atividades
mentais e pensamentos confusos, como as palavras fortuitas ou inúteis.
Quanto aos níveis superiores da ideologia do cotidiano, que estão em contato direto
com os sistemas ideológicos, podemos afirmar que eles são substanciais e apresentam um
caráter de responsabilidade e de criatividade. São mais móveis e sensíveis que as ideologias
constituídas. Aí é que se acumulam as energias criadoras com cujo auxílio se efetuam as
revisões parciais ou totais dos sistemas ideológicos. No decorrer do tempo, no curso do
processo de infiltração progressiva nas instituições ideológicas (a imprensa, a literatura, a
ciência), essas novas correntes da ideologia do cotidiano, por mais revolucionárias que sejam,
submetem-se à influência dos sistemas ideológicos estabelecidos e assimilam parcialmente as
formas, práticas e abordagens ideológicas neles acumulados.
Cabe aqui situar igualmente as palavras, as entoações e os movimentos interiores que
passaram com sucesso pela prova da expressão externa numa escala mais ou menos ampla e
adquiriram um grande polimento e lustro social, pelo efeito das reações e réplicas, pela
rejeição ou apoio do auditório social.
Concluímos então, que a teoria da expressão subjacente ao subjetivismo individualista
deve ser completamente rejeitada, já que quem organiza as nossas enunciações não é o nosso
interior, mas o exterior. O centro organizador de nossas expressões situa-se no meio social ao
qual o indivíduo está submerso. A enunciação por si só é um produto da interação social, quer
seja um ato de fala determinado pela situação imediata, quer pelo contexto mais amplo que
constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade lingüística.
Há, na verdade, um equívoco do subjetivismo individualista tomar como ponto de
partida, a enunciação monológica. Daí surge a necessidade de alguns vosslerianos de abordar
o problema do diálogo, levando-os a uma compreensão mais justa da interação verbal, apesar
da enunciação monológica permanecer funcionando como base da realidade lingüística para
os vosslerianos.
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Otto Dietrich(1914), em Die probleme der Sprachpsychologie, ressalta o problema da
interação verbal. Ele defende que a função central da linguagem não corresponde à expressão,
senão à comunicação. Isso o leva a considerar o papel do ouvinte. O dualismo entre locutorouvinte rege a linguagem, contudo ele partilha as premissa psicológica do subjetivismo
individualista.
A verdadeira substância da língua é então o fenômeno social da interação verbal,
concretizada através da enunciação ou das enunciações. O sistema abstrato de formas
lingüísticas, a enunciação monológica isolada e o ato psicofisiológico da produção da língua
ficam delegados ao segundo plano.
O diálogo constitui uma das formas mais importantes da interação verbal. Mas, há de
convir que diálogo, nesse sentido não se limita à comunicação em voz alta, entre pessoas
colocadas face-a-face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja, num sentido
mais amplo. Assim, o discurso escrito é, de certa maneira, parte integrante de uma discussão
ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as
respostas e objeções potenciais, procura apoio etc.
Conclui-se que toda enunciação, por mais complexa que seja, constitui apenas uma
parte de uma corrente de comunicação ininterrupta, a um momento na evolução contínua, em
todas as direções, de um grupo social determinado. A comunicação verbal se entrelaça com
outros tipos de comunicação, não sendo possível desassociá-la da comunicação global em
constante evolução. Graças a esse vínculo concreto com a situação, a comunicação verbal está
sempre atrelada a atos sociais de caráter não verbal, da qual, muitas vezes, ela torna-se apenas
complementar.
A língua tem um caráter vivo porque está em constante processo de evolução histórica.
Por isso, podemos afirmar que ela vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo
individual dos falantes.
Uma determinada enunciação realizada corresponde a uma ilha emergindo de um
oceano sem limites, o discurso interior. As dimensões e as formas dessa ilha são determinadas
pela situação da enunciação e por seu auditório. A situação e o auditório determinam a
maneira como o discurso interior se exteriorizará mediante uma expressão exterior definida,
que se insere diretamente no contexto não verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela
ação, pelo gesto ou pela resposta verbal dos outros participantes na situação de enunciação.
Partindo do que foi exposto, podemos concluir que uma análise fecunda das formas do
35
conjunto de enunciações como unidades reais na cadeia verbal só é possível a partir de uma
perspectiva que encare a enunciação individual como um fenômeno puramente sociológico. A
filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação como
realidade da linguagem e como estrutura sócio-ideológica.
1.4. ENUNCIADO/ ENUNCIAÇÃO
Iniciamos destacando o nome de Émile Benveniste como o lingüista da enunciação e,
consequentemente, o principal representante do que se convencionou chamar de “teoria da
enunciação”.
Acreditamos ser pertinente iniciar tratando os conceitos de enunciado e enunciação a
fim de tornar mais claro o entendimento a respeito da “Teoria da enunciação”. Enunciado é
um termo também usual na língua corrente e é empregado de modo bastante polissêmico em
ciências da linguagem e só tem sentido verdadeiro no interior das oposições em que o
inserimos. Seus empregos se organizam segundo dois grandes eixos, seja em oposição à
enunciação ou simplesmente como uma sequência verbal de extensão variável.
De acordo com os postulados lingüísticos de Harris, enunciado equivale a “toda parte
do discurso, proferida por uma única pessoa, antes e depois da qual há silêncio da parte dessa
pessoa [...]”. “Muitos enunciados são compostos de partes linguisticamente equivalentes a
enunciados inteiros que figuram alhures” (LYONS, 1970).
Em AD o enunciado é tido como “a sucessão de frases emitidas entre dois brancos
semânticos, duas pausas de comunicação; o discurso é o enunciado considerado do ponto de
vista do mecanismo discursivo que o condiciona. Assim, olhar um texto sob a perspectiva de
sua estruturação “em língua” permite tomá-lo como um enunciado; um estudo lingüístico das
condições de produção desse texto possibilita considerá-lo um discurso” (GUESPIN, 1971).
A partir de Bally (1932), o termo “enunciação, já antes utilizado pela filosofia, passou
a ser empregado pela lingüística. A enunciação constitui a causa da relação entre a língua e o
mundo: por um lado permite representar fatos de um enunciado, mas por outro, constitui por
si só um fato único definido no tempo e no espaço. Benveniste (1974) torna-se referência
quando define enunciação como “a colocação em funcionamento da língua por um ato
individual de utilização”. Tal definição submete-se a variações significativas, segundo as
teorias lingüísticas que a mobilizam. Do ponto de vista da AD, a enunciação é
fundamentalmente tomada no interdiscurso: “A enunciação equivale a colocar fronteiras entre
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o que é selecionado e, pouco a pouco, tornado preciso (através do que se constitui o universo
o discurso) e o que é rejeitado. Desse modo se acha, pois, desenhado num espaço vazio o
campo de tudo a que se opõe ao que o sujeito disse (PÊCHEUX e FUCHS, 1975).
A princípio, a enunciação era vista com maus olhos pelos estruturalistas, já que estes
acreditavam que a enunciação exigia um forte componente contextual para explicar os
componentes que lhe competiam. Os estruturalistas achavam que abordá-la correspondia a dar
espaço a fenômenos extralingüísticos.
Fica, portanto, esclarecido a adversidade com a qual se confronta Benveniste ao
defender a inclusão de meios para tratar a enunciação: articulação entre sujeito e estrutura.
A proposta de Benveniste se explica pelo fato dele ser um estruturalista e por pautar
sua semântica pelos princípios estruturais sausurreanos. Isso não deve levar a crer que
Benveniste era um continuador das idéias de Saussure. Ao contrário, a teoria da enunciação
instaura um novo pensamento acerca da linguagem.
O primeiro modo de significação corresponde ao nível “intralingüístico” em que cada
signo é distintivo, significativo em relação aos demais, dotado de valores opositivos e
genéricos e disposto em uma organização paradigmática. A esse nível, Benveniste denomina
de semiótico. Sob essa perspectiva não interessa a relação do signo com o denotado nem da
língua com o mundo.
O segundo modo de significação resulta da atividade do locutor que coloca a língua
em ação e é denominado de semântico. Aqui o critério utilizado é o da comunicação.
A diferença que marca os dois modos de significação é que no semiótico, a referência
está ausente; no semântico, ela define o sentido porque este se caracteriza pela relação entre
as idéias expressas sintagmaticamente na frase e a situação de discurso.
Para Benveniste (1989), “a enunciação é o colocar em funcionamento a língua por um
ato individual de utilização”. Tal afirmação separa o ato (objeto de estudo da linguística da
enunciação) do produto (o discurso). Conclui-se então, que enunciar é transformar
individualmente a língua em discurso. A semantização da língua se efetiva nessa passagem.
Sob esse viés, a enunciação é produto de um ato de apropriação da língua pelo locutor que, a
partir do aparelho formal da enunciação, tem como parâmetro um locutor e um alocutário. O
outro é instaurado no emprego da língua a partir da alocução.
Benveniste afirma que o processo de referenciação é parte da enunciação, isto é, ao
mobilizar a língua e dela se apropriar, o locutor estabelece relação com o mundo através do
discurso de um sujeito. Daí, conclui-se que a língua é empregada para exprimir sua relação
com mundo.
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De acordo com Benveniste, ao falarmos, estabelecemos uma relação com o mundo,
mas mediada pelo sujeito. Essa relação é dependente da enunciação, pois o referente é o
objeto particular a que cada palavra corresponde no caso concreto da circunstância de uso.
[...] na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma
certa relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa
apropriação da língua é, para o locutor, a necessidade de referir discurso, e,
para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no consenso
pragmático que faz de cada locutor um co-locutor. A referência é parte
integrante da enunciação. (BENVENISTE, 1989)
Em semiologia da língua (1969), Benveniste afirma que o semântico toma
necessariamente a seu encargo o conjunto dos referentes (valor semântico daquilo que chama
de frase ou enunciado). Enquanto isso, o semiótico encontra-se separado e de forma
independente de toda a referência.
Benveniste afirma que a língua está totalmente atrelada à referência e ao “eu”. Assim,
pode-se dizer que, em um sentido amplo, toda a língua é dêitica, já que precisa ser referida a
quem a enuncia para ter sentido. Para ele, a dêixis não corresponde ao mecanismo de
referência ao mundo, senão ao sujeito.
Podemos afirmar que o conceito de enunciação não se reduz nem à língua nem à fala,
mas é capaz de transformar a língua em fala. Porém, recorda que usar a língua não é o mesmo
que concebê-la como um sistema.
Como já é sabido, alguns princípios estruturalistas são alvos de críticas diversas,
principalmente em textos escritos a partir de 1925/ 1926, momento conhecido por “virada
lingüística” nos debates dos intelectuais que integram o Círculo de Bakhtin. Porém, apesar
desta oposição aos pensamentos sausurreanos, o Círculo bakhtiniano aporta com grandes
contribuições para o pensamento sobre a enunciação, no qual forma e uso se articulam no
processo de constituição de sentidos no discurso.
Bakhtin aponta a enunciação como centro de referência do sentido dos fenômenos
lingüísticos e como ponte que liga o locutor à interação viva com vozes sociais. É possível,
hoje, encontrar um grande número de publicações, de diferentes áreas, que recorrem a
Bakhtin para tentar validar suas hipóteses. Essa diversidade aponta para uma postura que
revela que o dialogismo subjaz a todas as recorrências que se faz à teoria.
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De acordo com Martins (1990), a comunicação, vista como uma relação de alteridade
em que o “eu” se constitui pelo reconhecimento do “tu”, fundamenta suas pesquisas em quase
todas as áreas em que desenvolvem alguma reflexão: teoria do conhecimento (contemplada
pela noção de intertextualidade); teoria e história do romance (contemplada pelo conceito de
polifonia) e a filosofia da linguagem (contemplada pelo estudo da enunciação).
Em relação ao posicionamento de Bakhtin a respeito da lingüística, surgem opiniões
de dois grupos que se opõem entre si: um que o considera um anti-saussurreano e outro que
acredita que ele não rejeitava o pensamento da abstração da língua, apesar dele não encerrar
sua análise lingüística na imanência da forma.
Bakhtin (Volshinov) (2002) refletem em Marxismo e Filosofia da Linguagem sobre o
real objeto de estudo da filosofia da linguagem. Questiona-se sobre o verdadeiro núcleo da
realidade lingüística: se se trata do ato individual da fala ou do sistema da língua. Também
indaga a respeito do modo de existência da realidade lingüística, ou seja, se corresponde à
evolução criadora ininterrupta ou à imutabilidade de normas idênticas a si mesmas.
Como suporte para contemplar a tais questionamentos, Bakhtin parte da análise de
duas orientações do pensamento lingüístico-filosófico, por ele conceituadas de subjetivismo
idealista e objetivismo abstrato. O objetivismo abstrato refere-se às idéias de Saussurre,
enquanto que a teoria da enunciação atribuída ao Círculo assume um caráter crítico em
relação a essa orientação.
Bakhtin (Voloshinov) ressalta o interesse do objetivismo abstrato no sistema de
regularidades fonéticas, gramaticais e lexicais que se encarregam de proporcionar a unidade
da língua. Trata-se, pois, de uma noção de língua que enaltece a convencionalidade e
arbitrariedade do sistema linguístico, sem relacionar o signo à realidade ou ao indivíduo,
criando um abismo que separa a abordagem diacrônica da língua (que defende o conceito de
uma língua viva e em constante processo de evolução) da abordagem sincrônica (desligada da
evolução da língua). O que interessa é a relação entre os signos, dentro do sistema, do qual se
deve explicar a lógica interna.
O que faz Bakhtin é uma crítica ao sistema lingüístico como um fato externo à
consciência individual, regido por um sistema de regras imutáveis, defendido pelo
objetivismo abstrato. Na realidade, ele critica a concepção sincrônica do estudo da língua por
acreditar que esta abordagem só existe do ponto de vista da consciência subjetiva do locutor
de uma dada comunidade lingüística, em um dado momento histórico.
39
A priori, Bakhtin propõe que a língua seja imersa na realidade enunciativa concreta,
ou seja, não lhe importa a forma lingüística invariável, mas a função por ela adquirida dentro
de um dado contexto.
Na realidade o locutor serve-se da língua para suas necessidades
enunciativas concretas (para o locutor, a construção da língua está orientada
no sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele, de utilizar as formas
normativas (admitamos, por enquanto, as legitimidades destas) num dado
contexto concreto. Para ele, o centro de gravidade da língua não reside na
conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que
essa forma adquire no contexto. O que importa não é o aspecto da forma
linguística que, em qualquer caso em que esta é utilizada, permanece
sempre idêntico. Não: para o locutor o que importa é aquilo que permite que
a forma linguística figure num dado contexto, aquilo que a torna um signo
adequado às condições de uma situação concreta dada. (BAKHTIN, in:
FLORES, 2005)
Essa concepção direciona os pensamentos bakhtinianos a uma posição oposta ao
objetivismo abstrato, pois a palavra em estado de dicionário não é um meio do qual o falante
se vale para alcançar seus propósitos comunicacionais. Segundo Bakhtin, toda enunciação
está dotada de conteúdo ideológico. Para ele, a enunciação é o produto da interação de dois
indivíduos socialmente organizados e propõe a idéia de interação verbal concretizada através
da enunciação. O diálogo, independentemente do tipo, passa a ser a unidade fundamental da
língua. Faz-se necessário inserir a língua num complexo mais amplo e que a engloba, isto é,
na esfera única da relação social organizada. Para lograr observar o fenômeno da linguagem, é
preciso, então, situar os sujeitos, emissor e receptor do som, bem como o próprio som, no
meio social.
A orientação bakhtiniana que se opõe ao objetivismo abstrato, o subjetivismo idealista,
interessa-se pelo ato de fala, de criação individual, como fundamento da língua. Logo, o
psiquismo individual constitui a fonte da língua e, são essas leis da psicologia individual que
devem ser estudadas pelo lingüista e pelo filósofo da linguagem
Segundo Faraco (2003), Bakhtin, ao propor uma segunda ciência que abordasse
aspectos não tratados pela linguística, busca a contradição entre o aspecto imutável do signo
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lingüístico e seu aspecto mutável e dependente da situação de enunciação. Sobre a relação
existente entre o aspecto formal da língua e seu uso, Bakhtin revela uma semântica que
comporta duas dimensões em estreita correlação: o sentido adquirido pela estrutura (reiterável
e imutável) e o sentido adquirido pela enunciação (sempre mutável e adaptável).
Podemos destacar Wilhelm Humboldt como um destacado representante do
subjetivismo idealista, devendo-se a ele o estabelecimento de seus fundamentos teóricos. Essa
primeira tendência da filosofia da linguagem amplia a visão de seus problemas com o
surgimento da escola de Vossler.
O traço que marca primordialmente a escola vossleriana é o fato de negar
categoricamente o positivismo linguístico, que não consegue ampliar sua visão além do que
corresponde às formas lingüísticas (especialmente às fonéticas) e do ato psicofisiológico que
as engendra.
Só pode ter pretensões a um caráter científico, diz Vossler, uma história da
língua que examine toda a hierarquia causal pragmática com a única
finalidade de aí decsobrir uma ordem estética, a fim de que o pensamento
linguístico, a verdade linguística, o gosto linguístico ou, como diz
Humboldt, a forma interior da língua através de suas transformações
condicionadas por fatores físicos, psíquicos, políticos, econômicos e
culturais em geral, tornem-se claros e compreensíveis. (BAKHTIN, 1988)
A corrente vossleriana defende que a individualização estilística da língua na
enunciação concreta é histórica e produtiva. Vossler, ao afirmar que o estilístico tem primazia
sobre o gramatical, ele se baseia no princípio de que todo fato gramatical tenha sido, a
princípio, fato estilístico. A maior parte dos estudos desenvolvidos pela corrente vossleriana
situa-se na fronteira entre a lingüística e a estilística, porém eles se empenham em buscar um
sentido ideológico significante em toda e qualquer forma lingüística. Em suma, essa doutrina
não corrobora com a idéia de estudar a língua de forma isolada de um contexto histórico.
O que difere as duas orientações, o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato, é
que, para a primeira, as formas normativas, responsáveis pelo imobilismo do sistema
lingüístico, não passam de resíduos deteriorados da evolução lingüística, tornadas vivas pelo
ato de criação individual e único. Em contrapartida, a segunda orientação trata o sistema de
formas normativas como substância da língua. Em outras palavras, para estes, só lhes
41
interessa a lógica interna do sistema de signos, ficando as significações ideológicas que a eles
se relacionam, relegados a segundo plano.
É conveniente destacar que a mais eficaz expressão do objetivismo abstrato é a
conhecida escola de Genebra, com os estudos de Ferdinand Saussurre. Saussurre parte do
princípio de uma tríplice distinção entre linguagem (le langage), a língua (la langue) e o ato da
enunciação individual (la parole), sendo a língua e a fala os elementos constitutivos da
linguagem, pois delas dependem as manifestações físicas, fisiológicas e psíquicas que geram a
comunicação. Para Saussurre, a linguagem não pode ser o objeto da linguística por acreditar
que ela é heterogênea e que, dificilmente, não se perderá em sua composição contraditória.
Assim, Saussurre destaca um caminho metodológico para explicitar, ao seu ver, o
verdadeiro objeto específico da lingüística. Para ele, a palavra:
“Não há, no nosso entender, senão uma solução para todas estas
dificuldades [trata-se das contradições internas da “linguagem” como ponto
de partida de sua análise]: é preciso, antes de tudo, instalar-se no terreno da
língua e tomá-la como norma de todas as demais manifestações da
linguagem. Com efeito, em meio a tantas qualidades, só a língua parece
suscetível de uma definição autônoma e fornece um ponto de apoio
satisfatório para o espírito” (BAKHTIN, 1988)
Saussurre distingue linguagem, língua e fala com o intuito de revelar o motivo pelo
qual ele não permite conceber a fala como objeto de estudo da lingüística:
“Tomada como um todo, a linguagem é multiforme e heteróclita,
participando de diversos domínios, tanto do físico, como do fisiológico e do
psíquico, ela pertence ainda ao domínio individual e ao domínio social; ela
não se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque
não se sabe como isolar sua unidade.(SAUSURRE, 1857-1913)
A língua, ao contrário, é um todo em si mesma e um princípio de
classificação. A partir do momento em que lhe atribuímos o maior destaque
entre os fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural no conjunto
que não se presta a nenhuma outra classificação (Op. Cit., p. 25).
42
A fala é um ato individual de vontade e de inteligência do interior do qual
convém distinguir: primeiramente, as combinações pelas quais o sujeito
falante utiliza o código da língua para exprimir seu pensamento pessoal; em
segundo lugar, o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar estas
combinações”. (SAUSURRE, 2004).
Ao separar a língua da fala, separa-se o que é social do que é individual e o que é
essencial do daquilo que é acessório e relativamente acidental. A fala, tal como a entende
Saussurre, jamais poderia ser objeto de estudo da linguística porque implica em um ato
individual de fala-enunciação, definitivamente rejeitado para os confins da linguística.
Já na história da língua, a fala, justamente por possuir este caráter individual e
acidental adquire um caráter de soberania, motivo pelo qual se rege por leis que se diferem
daquelas que ditam as do sistema da língua.
A isso se deve a grande distância entre o fenômeno sincrônico e o diacrônico.
Sausurre assim define em Curso de Linguística Geral (1916):
“A lingüística sincrônica irá se ocupar das relações lógicas e psicológicas
que unem termos coexistentes e formadores de um sistema, tal como eles
são percebidos pela mesma consciência coletiva.
A lingüística diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem termos
sucessivos não percebidos por uma mesma consciência, e que se substituem
uns aos outros, sem formar sistema entre si”. (Op. Cit., p. 140; itálicos de
Saussurre).
Sob a visão objetiva, o sistema sincrônico não corresponde a nenhum momento efetivo
do processo de evolução da língua. Para o historiador da língua, que adota uma perspectiva
diacrônica da língua, o sistema sincrônico não é real, mas somente uma escala convencional
para registrar os desvios que se produzem a cada momento do tempo.
Qualquer sistema de normas sociais encontra-se numa posição similar, ou seja,
somente existe se relacionado a uma consciência subjetiva dos indivíduos que participam da
coletividade regida por estas normas. Na realidade, o locutor serve-se da língua para suas
necessidades enunciativas concretas. Em suma, trata-se de utilizar as normas dentro de um
determinado contexto concreto.
43
Cabe lembrar que o locutor deve convir que o ponto de vista do receptor tem que ser
levado em consideração para que este possa compreender as formas lingüísticas numa
enunciação particular.
O estudo do discurso citado (discurso direto, discurso indireto e discurso indireto
livre) contempla a intersubjetividade, trazendo a questão do “outro” de maneira concreta
como dimensão constitutiva da linguagem: o “outro” como discurso e como receptor ativo do
discurso de outrem.
Para Bakhtin, o que lhe interessa são as relações dialógicas e, para que elas se
concretizem, faz-se necessário considerar aspectos contextuais não contemplados pela teoria
lingüística. Porém, as relações dialógicas não podem ser separadas da língua, pois tudo o que
é dito possui regularidade interna, mas sem jamais reduzir-se a ela. Logo, para que as relações
lógico-semânticas se tornem dialógicas faz-se mister que sejam materializadas em um
discurso (enunciado). Daí, conclui-se que, apesar de não interessar a Bakhtin o estudo da
estrutura linguística em si, ele não o descarta por considerá-lo essencial para o processo de
significação do evento enunciativo, seu principal foco.
Há, na verdade, três pontos cruciais da teoria bakhtiniana tanto para a crítica feita
quanto para a proposta elaborada. O primeiro corresponde à oposição oração/enunciado; o
segundo equivale a uma atitude responsiva ativa e o terceiro refere-se à idéia de compreensão
ativa.
A oposição oração/enunciado se diferenciam porque o primeiro se encarrega de firmar
a unidade da língua e, consequentemente, não possui existência real, o que não impede que
absorva uma valoração semântica ( a significação). Em contrapartida, o enunciado é uma
unidade da comunicação verbal que somente se faz viva se inserida em um determinado
momento histórico, apesar de não excluir a oração, já que o enunciado é a realização
enunciativa da oração.
Para o autor, a oração, ao ser analisada de forma isolada, abstrai-se a possibilidade de
dirigir-se a alguém, além de anular também a influência da resposta pressuposta e a
ressonância ideológica que remete aos enunciados anteriores do outro. Bakhtin reitera que a
compreensão de uma fala viva é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (que é
o segundo ponto da sua teoria).
A atitude responsiva ativa pressupõe o princípio dialógico e a noção de alteridade
como constitutivos de sentido.
O terceiro e último ponto faz menção à idéia de compreensão ativa que explica o fato
44
de todo enunciado originar-se de outro, ou seja, no dito co-existe o já dito, confirmando a tese
de que as vozes constituem a consciência do sujeito e que este fala a partir do discurso do
outro. Na voz do sujeito percebe-se a consciência (intersubjetividade) que o outro tem dele.
O sujeito, em Bakhtin, não passa de uma autoconsciência que se constitui pelo
reconhecimento do outro no discurso. O dialogismo acena para um atravessamento de outros
discursos, bem como para um atravessamento do sujeito pela alteridade da interlocução.
2. O CORPUS ENQUANTO GÊNERO DISCURSIVO
Tende-se a afirmar que Bakhtin tenha apresentado uma primeira formulação teórica
que, na atualidade, é questão que se apresenta na pauta das grandes discussões sobre os textos
– os gêneros discursivos.
Muitas noções da sua teoria foram retomadas por Bronckart. Este, em sua abordagem
recorda que desde a antiguidade grega até nossos dias, diante da diversidade das espécies de
textos, há uma preocupação com sua delimitação e nomeação que se traduziu na elaboração
de múltiplas proposições de classificação, centradas, na maioria dos casos, na noção de
gênero do discurso.
Para Aristóteles e seus sucessores, a noção de gênero só se aplicava aos textos sociais
ou literários com reconhecimento. Porém, ao longo do século XX essa realidade estendeu-se
às produções verbais organizadas, sendo elas escritas ou orais, normatizadas ou pertencentes à
língua vulgar tomando como ponto de partida as obras de Bakhtin. Daí, conclui-se que
qualquer texto observável insere-se em um determinado gênero, pois os homens interagem
pela linguagem tanto em uma conversa de bar como ao redigir uma carta pessoal ou uma
crônica, novela, poema... (ROJO, 2000). Logo, toda interação se dá em cada esfera de
utilização da língua, a partir de tipos relativamente estáveis de enunciados.
Bronckart adverte que cada pessoa, em função das circunstâncias do seu
desenvolvimento pessoal, foi exposta a um número mais ou menos importante de gêneros,
aprendeu a reconhecer algumas características estruturais e experimentou, através de uma
aprendizagem social, sua adequação à determinada ação.
Bakhtin (1979) compara nossa aquisição de gêneros discursivos à aquisição da língua
materna no sentido de que usamos com segurança vários gêneros do rico repertório de
gêneros do discurso que possuímos. As formas da língua e as formas típicas de enunciados –
gêneros do discurso – introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência
juntamente. Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero.
45
Esses gêneros são portadores de um ou vários valores de uso: em uma determinada
formação social, um gênero é considerado como mais ou menos pertinente para uma
determinada ação de linguagem. Cabe ao agente adequar o gênero à situação de ação.
A língua não é um reflexo das hesitações subjetivo psicológicas, mas das
relações sociais estáveis dos falantes. Conforme a língua, conforme o
contexto apresente tal ou qual objetivo específico, vê-se dominar ora uma
forma ora outra, ora uma, ora outra variante de texto. (BAKHTIN, 1929)
Bronckart nos orienta a verificar que, a forma como um texto é organizado sofre a
influência de dois conjuntos essenciais de fatores: do mundo físico que leva em conta o
momento e o lugar de produção, o emissor e o receptor do texto; e do mundo sociosubjetivo,
que considera o lugar social do emissor e receptor do texto e o objetivo da interação.
De acordo com Bakhtin (1979), cada esfera da atividade humana conhece seus gêneros
apropriados, aos quais correspondem determinado estilo, tema e composição.
Como se pode observar, os gêneros, segundo Bakhtin (1992, 2000), caracterizam-se por seu
conteúdo temático que equivale ao assunto do qual se trata; pelas unidades composicionais
(uso lexical mais fixo que garante a estabilidade do gênero) e o estilo.
Bakhtin define estilo como o conjunto de procedimentos de transformação e de
acabamento do homem e de seu mundo. Tal conjunto determina a relação com o material,
com a palavra, cuja natureza deve ser conhecida para poder entender essa própria relação.
A partir do entendimento do que venha a ser estilo, é que se pode compreender a
forma de ser da linguagem social, histórica e cultural. Para machado (2005), o estilo não se
limita na autenticidade de um indivíduo, pois está na língua e nos seus usos historicamente
situados.
Dessa maneira conclui-se que a concepção de estilo, de acordo com Bakhtin, envolve
sujeitos que institucionalizam discursos oriundos dos seus enunciados concretos, de suas
formas de enunciação, que fazem história e a ela se submetem. Logo, o particular mantém
estreita relação com o coletivo através de diálogos. Desta maneira, por força da dialogicidade,
há sempre incidências em relação ao passado e ao futuro. Portanto, torna-se plausível afirmar
que a publicidade de hoje resulta do diálogo mantido com a publicidade de ontem e,
consequentemente, a de amanhã resultará do diálogo que manterá com a de hoje.
A língua escrita corresponde ao conjunto dinâmico e complexo constituído pelos
estilos da língua, cujo peso e correlação, dentro do sistema de língua escrita, se encontram
num estado de contínua mudança. O estilo é dissoluvelmente vinculado a unidade temáticas
46
determinadas e, o que particularmente importante, a unidades composicionais: tipo de
estruturação e de conclusão de um todo, tipo de relação entre locutor e outros parceiros da
comunicação verbal. Os estilos da língua pertencem por natureza ao gênero e, portanto deve
basear-se no estudo prévio dos gêneros e sua diversidade. As mudanças históricas dos estilos
da língua são indissociáveis das mudanças que se efetuam nos gêneros do discurso.
Bakhtin/ Voloshinov (1999, p. 124), antes mesmo de estabelecer o estudo dos gêneros
do discurso na obra Estética da Criação Verbal (2000) já haviam dedicado tempo para
estudar os gêneros.
O ponto de partida da teoria dos gêneros criada por Bakhtin (2000) baseia-se no estudo
da natureza do enunciado, nas esferas de comunicação, em situações concretas de
produção, pois na concepção bakhtiniana não há como falar em gêneros sem pensar na esfera
em que eles se constituem e atuam.
Essa teoria nos leva a entender que os gêneros nos fazem enxergar a essência dos
enunciados que, por serem criados com propósitos comunicativos específicos, podem ser
agrupados e estudados.
Bakhtin (2000) associa os enunciados a uma situação material concreta que exige o
uso de um determinado gênero que servirá de veículo para a interação entre sujeitos. Assim,
ele conclui que existem gêneros específicos para cada esfera de comunicação verbal. A
eleição de um gênero ocorre em função da finalidade comunicacional, ou seja, da intenção de
quem fala ou escreve em relação a quem se dirige o enunciado.
Pode-se afirmar que os enunciados não são meras combinações livres por estarem em
condição de submissão ao gênero de discurso estabelecido em função do ato comunicativo. A
partir dessa constatação surge a pretensão de observr o diálogo presente entre anúncios
publicitários das cadeias alimentícias da Mc Donalds e Burguer King. Para isso, far-se-á um
breve percurso sobre o gênero anúncio, seu suporte e suas mudanças lingüístico-formais.
2.1 GÊNERO: ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS
Percebe-se uma variação de estilo na publicidade dos séculos anteriores, mais
especificamente os XIX e XX, em relação ao atual. Enquanto naqueles se enfatizava um estilo
mais estável, prescritivo e normativo, neste se encontra um estilo mias elevado ao estilo
familiar, mais detalhista e com a presença de jogos de palavras. Tal mudança é atribuída às
mudanças de esferas de produção, de circulação e de recepção. Essas mudanças de estilo
47
implicam mudança no gênero e, consequentemente, geram o surgimento de outros veículos.
Bakhtin (2000) reconhece a semelhança do Romance com o gênero propagandístico ao
afirmar que ambos admitem introduzir outros gêneros na sua composição, sem comprometer a
sua base estrutural, a sua autonomia e sua feição. Cada um desses gêneros que se intercalam
no texto propagandístico tem características próprias que acabam alimentando este último.
Esses gêneros que compõem o texto propagandístico possuem linguagens que estratificam sua
unidade lingüística e o seu plurilinguismo, ou seja, “o discurso de outrem na linguagem de
outrem, usadas para refratar as expressões das intenções do locutor/autor” (Bakhtin, 2002).
No decorrer da evolução do gênero propagandístico, percebe-se que os gêneros estão
em permanente contato com a sociedade de cada época, atuando sempre para atender às
necessidades do meio e de sua linguagem, como visto comumente no anúncio.
Reiterando a firmação de que não há gênero publicitário puro, (FRANÇOIS, 1988) diz
que sua classificação depende de um suporte, além da sua forma de percepção e recepção. As
cartas são o gênero precursor dos discursos e dos gêneros presentes no jornal, têm o propósito
de agir na formação de opinião pública, já que circulam de mão em mão e em praças públicas.
Daí conclui-se que todo gênero atual deriva de outro(s) do passado, numa dinâmica sem fim.
Assim, verifica-se a importância de conhecer os suportes dos gêneros para entender o
funcionamento destes e a natureza dos enunciados. Para isso, faz-se necessário diferenciar
suporte de canal ou meio de condução.
Segundo Marcuschi (2003), suporte pode ser definido como “um lócus físico ou
virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação com o intuito de
fixar o texto e torná-lo acessível para fins comunicativos”. Simultaneamente, conceitua canal
como sendo “um meio físico que veicula, transporta e proporciona a circulação do texto”.
Sintetizando, o canal é o condutor do texto enquanto que o suporte é o meio de fixação deste.
Torna-se difícil estabelecer relação entre suporte e canal, já que as fronteiras entre
ambos estão atreladas à forma de observação. Se tomarmos o jornal como parâmetro,
podemos observar que ele pode ser tido como um canal quando visto como um veículo de
comunicação de massa, mas também pode ser considerado como um suporte por fixar vários
gêneros: crônicas, notícias, charges, informes, anúncios etc.
Então, o texto do gênero publicitário/propagandístico varia de acordo com o suporte
do qual ele se serve. Nos jornais do século XIX encontramos gêneros publicitários como: A
pedido, Edital, Advertência, Anúncios.Com o passar do tempo, a linguagem publicitária foi se
moldando aos meios de comunicação usados para anunciar os produtos, substituindo o
48
registro formal antes enfatizado por um mais coloquial.
A comunicação publicitária retém sua própria particularidade já que possui uma forma
própria de comunicação. Entender essa maneira particular de comunicar, concretizada no
material de anúncio publicitário requer um entendimento da lingüística da enunciação. Com
essa finalidade colocamos como meta tentar entender o enunciado publicitário como uma
forma de comunicação estética especial como fizeram Voloshinov e Bakhtin.
Embora exista uma forte relação entre o estudo dos gêneros com a tradição dos
estudos literários, o estudo dos gêneros em textos não literários têm se mostrado bastante
promissor.
2.2 HISTÓRICO DA MC DONALD’S
A McDonald's é uma empresa responsável por uma rede internacional de lanchonetes
cuja atividade é conhecida como fast food, sendo a maior do mundo. A expressão também se
refere à marca desta empresa, a qual a transcende e revela-se inserida na cultura de massas
contemporânea. A rede foi fundada em Abril de 1955, em Illinois, nos Estados Unidos da
América. Atualmente ela vende cerca de 190 hambúrgueres por segundo no mundo, além de
inaugurar uma nova loja a cada dez horas. Juntamente de marcas como a Coca-Cola o
McDonald's é considerado um dos mais disseminados símbolos do capitalismo internacional.
Seu produto mais famoso é o lanche conhecido como Big Mac.
No Brasil, o McDonald's instalou-se primeiramente em 1979, no Rio de Janeiro, e dois
anos depois em São Paulo. Em 2005, as vendas de Big Mac ultrapassaram 53 milhões de
unidades. A rede tem 1.146 pontos-de-venda no País e está presente em 21 Estados, além do
Distrito Federal. São 544 restaurantes e 602 quiosques, por onde passam cerca de 1,5 milhão
de clientes por dia. O McDonald's é um dos maiores empregadores do Brasil, com 34 mil
funcionários.
A maior parte dos restaurantes McDonald's oferecem os serviços de balcão e drivethru, com mesas em espaço coberto e algumas vezes ao ar livre. O Drive-Thru, Auto-Mac, ou
McDrive como é conhecido em alguns países, frequentemente tem espaços separados para
parar, pagar e pegar os produtos, mas os dois últimos estão frequentemente juntos. Alguns
McDonald's em áreas suburbanas de certas cidades tem grandes playgrounds fechados ou ao
ar livre, chamados "McDonald's PlayPlace'" ou "Playland". Estes foram criados
principalmente na década de 70 e 80 nos Estados Unidos e mais tarde, internacionalmente.
49
O modelo de negócio da McDonald's Corporation é um pouco diferente da maioria
das outras cadeias de fast-food. Além das taxas normais de franquia, recursos, e porcentagem
das vendas, McDonald's também recebe aluguel, parcialmente ligado às vendas. Como uma
condição do acordo de franquia, a corporação é dona da propriedade nas quais a maioria das
franquias se instalam.
De acordo com o Fast Food Nation de Eric Schlosser (2001), cerca de um em cada
oito trabalhadores nos Estados Unidos foi, em algum momento empregado pelo McDonald's.
O livro também afirma que o McDonald's é o maior operador privado de playgrounds nos
Estados Unidos, assim como o maior comprador de carne de boi, carne de porco, batatas e
maçãs.
Tudo começa quando, no ano de 1937, os irmãos Dick e Mac McDonald abrem uma
barraca de cachorro-quente chamada de Airdome em Arcadia, Califórnia. Em 1940 os irmãos
mudam a barraca Airdome para San Bernardino também na Califórnia, onde eles abrem um
restaurante McDonald´s na Rota 66, em 15 de Maio. O cardápio se baseava em 25 itens, a
maioria deles churrasco. O primeiro hamburguer McDonald´s custou US$0,15. E como era
comum na época, contrataram 20 carhops, garçons que em cima de patins, entregavam o
pedido do cliente no carro. Isso se tornou popular e muito lucrativo. Em 1948, depois de notar
que a maioria do dinheiro que eles ganhavam vinham dos hamburgers, os irmãos fecharam o
restaurante por diversos meses para criar e implantar um inovador Sistema de Serviço Rápido,
uma espécie de montagem em série para os hamburgers. Então os carhops perderam seus
empregos. Quando o restaurante é re-aberto ele passa a vender somente hamburgers,
milkshakes, e batatas fritas, se tornando um extremo sucesso, cuja fama é espalhada de boca a
boca.
Em 1953 os irmãos McDonald começaram a criar franquias de seus restaurantes, com
Neil Fox abrindo sua primeira franquia. O segundo restaurante foi aberto em Phoenix,
Arizona. Ainda neste mesmo ano o quarto restaurante foi aberto em Downey na Califórnia,
hoje o mais velho restaurante em funcionamento.
No ano de 1955, Ray Kroc funda o "McDonald's Systems, Inc." no dia 2 de Março,
uma estrutura legalizada para suas planejadas franquias. E ainda abre, em 15 de Abril, no
subúrbio de Chicago, em Des Plaines, Illinois, o nono restaurante da marca. Somente no
primeiro dia o total de vendas é de $366.12. A literatura da companhia costuma se referir a
essa data como o "início" da empresa, que já tinha quinze anos, tirando os irmãos McDonalds
da história dando maior valor ao "fundador" Kroc. A empresa ainda chama a este restaurante
50
de McDonalds "número 1". No ano de 1960 Kroc muda o nome de sua empresa para
McDonald's Corporation. No ano seguinte, os irmãos McDonald concordam em vender a
Kroc os direitos de negócio da sua companhia por US$ 2,7 milhões, uma soma que Kroc
conseguiu sob empréstimo de vários investidores (incluindo a Universidade de Princeton);
Kroc acha a soma extremamente alta, e corta relações com os irmãos McDonald. O acordo
permite aos irmãos manter seu restaurante original, mas, por um descuido, eles não retêm o
direito de continuar uma franquia do McDonald's. Foi renomeado como "The Big M" ("O
Grande M"), mas Kroc levou-o à falência, construindo um McDonald's a apenas uma quadra
ao norte. Se os irmãos mantivessem o acordo original, que os dava direito a 0.5% da receita
bruta anual da cadeia, eles e seus herdeiros estariam ganhando mais de US$ 100 milhões hoje
em dia.
O McDonald's tem sido alvo de muitas críticas ao longo dos anos. Entre várias delas,
alega-se que a produção de seus produtos causa danos ecológicos, o excesso de embalagens
descartáveis e as grandes áreas de pastagens podem incluir-se entre os fatores de dano
ecológico; a comida não é saudável, tendo elevado nível de gordura e açúcar. Tem um apelo
às crianças com o palhaço Ronald McDonald, mascote da empresa, e outros personagens
(Birdie, Shaky, e Papaburger), atraindo-as e condicionando-as ao consumo dos lanches,
criando hábitos não saudáveis que tendem a se manter com a idade. Por ser o maior
representante do fast-food, este hábito de consumo está entre as causas do grave problema da
obesidade, principalmente nos EUA. O filme Super size Me, um documentário onde um
homem come durante um mês apenas produtos do McDonald's, sofrendo graves prejuízos a
sua saúde, é bastante crítico em relação ao fast-food em geral, e ao McDonalds em especial.
Mas apesar de todas estas negativas, o Mc Donald’s continua agradando e inovando.
Em uma de suas últimas campanhas publicitárias a empresa ousou colocando-a novamente
como alvo de críticas ferrenhas.
Em todo o mundo o Mc Donald’s caracteriza-se por oferecer um cardápio padrão,
apesar de serem desenvolvidos em cada cultura, produtos especiais que se ajustam ao gosto de
cada comunidade. Como por exemplo, em alguns restaurantes da Alemanha costuma-se
oferecer cerveja; vinho nos franceses; macarrão oriental no Extremo Oriente; queijo, verduras,
salsichas e pizzas no Canadá; molho de abacate no México e assim sucessivamente.
O palhaço Ronald McDonald - uma das imagens de marca da Corporação McDonald's
- é tomado como paradigma para pensarmos as relações entre mercado, mídia e
entretenimento, as quais tem uma ligação direta com o que estamos conceituando como
"socialidade midiática". Enquanto uma metáfora ideal de uma propaganda que parece não
51
querer mais fazer sentido, a história do palhaço nos permite desvendar os sentidos contidos
em duas das principais práticas do marketing moderno, a propaganda e a publicidade,
revelando-nos como, entre o nonsense da propaganda contemporânea e uma publicidade que
fundiu realidade e ilusão, há uma relação visceral entre mídia e publicidade, que estabelece
uma nova forma de comunicação, na qual o sujeito torna-se apenas um meio para fins que ele
sabe quais são, mas, paradoxalmente, age como se não soubesse. Tal paradoxo é revelador de
uma forma de subjetividade profundamente marcada pela mídia enquanto agente socializador,
na medida em que a atuação da mídia como mediador da socialidade contemporânea acabou
por alterar o nosso universo perceptivo, saturando o nosso imaginário de uma forma
radicalmente nova. Some-se a isso o fato de que a "socialidade midiática" implica uma nova
forma de representação do sujeito no registro do "espetáculo", no sentido de que "estar na
imagem é existir". Desnecessário dizer o quanto essas questões precisam ser contempladas
pelos estudos contemporâneos sobre os processos de socialização e o quanto são desafiadoras
para aqueles que atuam no universo da educação.
O que se está querendo dizer é que, depois de décadas de artimanhas por
parte dos relações públicas e de exageros promocionais da mídia, e depois
de mais outras tantas décadas de constante martelação por parte das
inúmeras forças sociais que nos alertaram, a cada um de nós,
pessoalmente, para o poder da performance, a vida virou arte, de tal forma
que as duas são agora indistintas uma da outra. (NEAL GABLER,1999 )
Entre tantas imagens de marca do McDonald's, a escolha do clown Ronald
McDonald, para tratar de questões ligadas à sociedade do entretenimento e à mídia, não foi à
toa. A história do palhaço remete-nos aos primórdios da televisão e a uma nova forma de
anúncio comercial eletrônico, dois fenômenos que estão profundamente imbricados com a
idéia de "entretenimento".
52
Ronald surge na década em que a sociedade americana já era definida como
"sociedade do entretenimento" (Gabler, 1999), "do lazer" (Morin, 1990), "do espetáculo"
(Debord, 1997), daí o palhaço poder ser tomado como uma figura emblemática de uma era
marcada pela busca incessante de diversão. Cada um dos autores enumerados acima trata de
tecer um panorama sobre esse novo modelo social, privilegiando um recorte histórico e
analítico, seja enfocando a concepção material contida em termos como o "espetáculo"; seja
abordando a noção de um novo "tempo livre" a ser preenchido pelo lazer; ou, finalmente,
revelando a maneira como o entretenimento tornou-se uma forma de escape, pelo qual
investe-se toda uma vida.
Por trás de conceitos e enfoques como estes, há um único que os aglutina: o de
"sociedade/cultura de consumo". Esse é o denominador comum - explícito ou não - em cada
uma das análises que procura historicizar e caracterizar a sociedade contemporânea, que
também ganhou a conotação mais atual de "sociedade das imagens". Torna-se fundamental a
explicitação desse ponto porque a sociedade de consumo constitui-se na gênese a partir da
qual esses conceitos emergem, a ponto de tornarem-se, aparentemente, sinônimos, embora o
que eles ofereçam sejam diferentes perspectivas de leitura de uma realidade social que tornouse extremamente complexa.
Na impossibilidade de esgotarmos todas essas análises em um único trabalho,
detenhamo-nos nos aspectos para os quais a história de Ronald nos conduz, pois eles estão
mais diretamente relacionados com as questões que envolvem mercado, mídia e
entretenimento, das quais emerge o que foi chamado de "socialidade midiática". Como já dito,
Ronald é cria da televisão, e uma análise interna à construção dessa imagem de marca, pelos
idos dos anos 1960, nos revelou por que e como esse período ficou conhecido como aquele
que forjou a "sociedade das imagens".
Essa é a década em que o consumo de aparelhos de televisão se massifica. Com isso,
não estou apelando para o aspecto "midiático" do espetáculo, no sentido de uma "referência
exclusiva à tirania da televisão ou de meios análogos". Pelo contrário. Assume-se a visão de
espetáculo contida em Guy Debord (Jappe, 1999, p.19) de acordo com a qual é o
"funcionamento dos meios de comunicação... [que] expressa perfeitamente a estrutura de toda
a sociedade de que fazem parte". Apesar de sutil, a diferença é profunda. E, para entender a
dinâmica interna ao meio TV, nada melhor do que uma boa "espiada" naquilo que a sustenta,
qual seja, o anúncio comercial eletrônico.
E não é por acaso que nos anos da popularização da TV também se vê surgir uma nova
forma de propaganda. Pela história da criação de Ronald McDonald, podemos entender como
53
começavam-se a se estreitar as relações entre sociedade, televisão e propaganda. A história de
Ronald começa na década de 1960, quando um certo franqueado da rede McDonald's decidiu
patrocinar um programa televisivo da época chamado O Circo do Bozo. Por esse tempo,
Ronald nem sequer existia. Era o popular palhaço Bozo quem anunciava os produtos
McDonald's junto às crianças - telespectadores do programa. Foi a partir do Bozo que surgiu a
idéia do McDonald's criar o seu próprio palhaço e, já em 1965, Ronald torna-se o
"personagem de marca" para as campanhas nacionais e, posteriormente, internacionais, do
McDonald's (Love, 1996).
Embora pela época do surgimento do palhaço a marca McDonald's já dispusesse de
um símbolo forte como os seus "arcos dourados", os estrategistas de marketing alegaram que
a televisão exigiria um novo formato de imagem - um símbolo que pudesse transmitir o
discurso da marca de uma forma mais dinâmica e, consequentemente, mais divertida. Veicular
um anúncio como um divertimento era um desafio de todas as grandes marcas da época, e isso
só pode ser compreendido se entendermos que isso se deu em razão do lugar que a televisão
passou a ocupar na sociedade americana.
Por um lado, as mudanças na forma de se veicular o anúncio tiveram a ver com
transformações internas ao próprio meio publicitário, quais sejam, a necessidade urgente de
diferenciação em relação à concorrência, em função de uma superprodução de mercadorias
cada vez mais parecidas entre si no que se refere a aspectos como qualidade e utilidade.
Certamente, a televisão passou a oferecer muito mais opções para que se desse essa
diferenciação por imagens, por causa das características próprias desse meio eletrônico, que
permite contar histórias condensadas em segundos.
Mas as transformações provocadas - ou intensificadas - pela TV eram mais profundas.
A televisão é produto do que eu chamei de "tempo do fast-food", um tempo que originou uma
sociedade mais dinâmica, mais móvel e, também, mais voltada para os prazeres imediatos. E
se a televisão é produto dessa sociedade, ao mesmo tempo esse meio começa a interferir
profundamente na maneira como essa mesma sociedade passa a perceber a realidade. Para
entendermos melhor isto, basta nos determos um pouco nas análises que Walter Benjamin
(1996) fez sobre o cinema, que têm muito a nos esclarecer sobre a relação do homem com as
imagens televisivas. Benjamin preocupou-se em entender como se dava a recepção das
imagens eletrônicas, imagens que estavam em constante mudança e que impediam o
telespectador de se fixar em qualquer uma delas. A exposição constante a tal forma de
imagens poderia, segundo o autor, gerar transformações radicais nas estruturas perceptivas,
resultando em processos como o distanciamento diante dessas imagens que se dão a ver.
54
Como tão bem apontou Kaplan (2000, p. 140), "podemos dizer com segurança que,
nos contextos capitalistas, as tecnologias acompanham de perto (ou têm uma relação circular
com) as mudanças sociais". Pois foi diante das mudanças tecnológicas e sociais elencadas
acima que os "criadores de imagens" se viram em face de novas oportunidades e desafios em
termos do ritmo e forma a se imprimir ao anúncio comercial eletrônico. Esse é o momento no
qual a propaganda que apela para as características e benefícios de um produto cede espaço
para a sua imagem. Chegara a época em que as campanhas publicitárias teriam que vender,
"não o bife mas o chiado... não as latas de sopa, mas a felicidade familiar" (Hobsbawm, 1995,
p. 496). Daí porque, em vez de anunciar hambúrgueres fumegantes, o McDonald's decidiu
investir na figura do palhaço, buscando associar sua imagem de marca a um ideal de
entretenimento que deveria começar na própria propaganda e se confirmar no interior da
lanchonete, onde a "experiência McDonald's" deveria ser, de fato, uma experiência de
diversão.
Fiquemos um pouco, ainda, no interior da propaganda que, em decorrência das
mudanças provocadas na e pela TV, passa a apelar para uma forma "divertida" de anúncio.
Interessaria, antes de mais nada, a história que ela iria contar, como se isso fosse um filme
independente, como se, por trás, não houvesse um produto a ser vendido. Bastava, apenas, a
retratação de situações nas quais a marca poderia ser associada positivamente a um certo
modo de vida. Essa nova forma de anúncio comercial passou a predominar a partir dos anos
1960 e radicalizou-se de tal forma, a ponto de, a partir dos anos 1980, dar-se início ao que
alguns autores consideraram ser a "perda de sentido" da propaganda.
No campo dos autores externos ao território do marketing, temos no francês Gilles
Lipovetsky (1989) uma das análises mais fecundas sobre o assunto. Baseando-se nas
propagandas vigentes, esse autor constatou que, de fato, a propaganda não queria mais fazer
sentido. Certamente, tudo começou quando a propaganda passou a desvincular o produto de
sua imagem, até chegar ao ponto em que isso ganhou uma dimensão do absurdo, de
propagandas que parecem falar mal de si mesmas, de gozar do produto ou, muitas vezes, de
nem sequer anunciar o próprio produto que a marca veicula. O importante, apenas, é que a
marca estivesse presente em meio a essas "cenas do absurdo". É como se a marca ganhasse
vida própria, a ponto de ela poder aparecer em qualquer situação, por mais sem lógica que
essa pudesse parecer e, mesmo assim, estivesse acima de qualquer uma dessas situações.
Finalmente, é como se a marca nos dissesse que é ela que importa. E que ela sabe que nós
sabemos disso.
55
Por si só, isso já seria suficiente para pôr por terra uma das leituras críticas aos meios
de comunicação de massa - especialmente a TV -, qual seja, a de que eles têm o poder de
iludir o seu telespectador. Ao abolir o registro da ilusão, a propaganda estaria nos expondo
claramente as regras desse "jogo do faz-de-conta", do qual parece que participamos de bom
grado e com bom conhecimento de causa. Mesmo assim, aquilo que Benjamin um dia chamou
de "aura" parece persistir na marca. Embora exposta em suas entranhas, por algum motivo ela
seduz, ela encanta. Resta entender por que e como se dá esse paradoxo.
2.2.1 PUBLICIDADE E SOCIALIDADE MIDIÁTICA DO MC DONALD’S
Insistindo em entender esse paradoxo a partir da história da marca McDonald's,
constatou-se que o encantamento da marca só pode ser compreendido se captarmos o
verdadeiro papel que a publicidade exerce na atualidade. Antes de mais nada, convém
esclarecermos a diferença crucial entre propaganda e publicidade que, muitas vezes, são tidas
como palavras sinônimas. Baseada na literatura do marketing, "propaganda" é o anúncio
comercial pago, enquanto a "publicidade" seria a veiculação do nome de uma marca em
notícias "reais", aquelas que são transmitidas pela "mídia-realidade", qual seja, a mídia de
notícias, de informação. Claro que isso exige um trabalho bem pago de relações-públicas, mas
a idéia é fazer com que o acontecimento seja o mais "natural" possível.
E a marca McDonald's é uma prova viva dessa prática. De caso pensado ou não, a
força da publicidade já era evidente na época em que o McDonald's era apenas um drive-in. A
história dos drive-ins nos mostra como eles floresceram especialmente na Califórnia e tiveram
uma forte relação com o cinema, na cidade de Los Angeles. Dessa maneira, os drive-ins
souberam colar-se nas imagens das grandes estrelas que paravam em seus estabelecimentos
para comerem um hambúrguer. É bom lembrar, também, que o McDonald's surge pelas mãos
de dois irmãos que buscaram a sorte no cinema e, diante da impossibilidade de êxito nessa
área, passaram a investir no ramo de alimentação. Dessa maneira, essas formas peculiares de
entretenimento e alimentação começaram de mãos dadas e caminham juntas até hoje, a ponto
de tornarem-se dois dos três maiores e mais rentáveis negócios americanos da atualidade,
especialmente para exportação (Jameson, 2001).
A partir dos anos 1950 - já na gestão de Ray Kroc, o grande disseminador da marca
McDonald's -, a relação entre marca e publicidade profissionaliza-se de fato. Kroc contratou
uma agência de relações públicas para cuidar da "imagem" do McDonald's. Não por acaso, os
56
proprietários dessa agência também cuidavam da carreira de grandes estrelas hollywoodianas.
Com o seu feeling para o marketing, Kroc percebera que estava na era das imagens, daí ele
declarar que não estava no negócio de hambúrgueres, mas no show business! Com essa frase,
Kroc nos revela os pilares que sustentam a concepção de espetáculo: vender matéria - no
sentido preciso do termo - revestida de imagem: o importante não é vender hambúrgueres,
mas atitudes ligadas ao hambúrguer. O importante é vender cultura: a cultura do fast food. O
importante era - e é - vender, seja algo concreto ou pura imagem - e é nisso que consiste o que
eu chamo, aqui, de cultura material.
Embora não pretenda negar ou esconder essa lógica, a publicidade a torna muito sutil;
melhor dito, glamouriza relações tão "chãs", especialmente porque essas imagens se colam a
outras imagens que estão, essas sim, impregnadas de significados, gerando o quê, para
parafrasear Arnaldo Jabor (1999), eu chamo de "fetichização do fetiche". Só para dar um
exemplo: quando se candidatou à presidência dos Estados Unidos, Bill Clinton, em plena
campanha eleitoral, parou para lanchar no McDonald's, obviamente, devidamente
acompanhado pela mídia. Na época, os analistas de marketing definiram que "recado" Clinton
pretendia passar com aquele gesto: mostrar-se um presidente popular, retratando "a
diversidade racial e cultural da nova América" (Randazzo, 1996, p. 244). O fato de um
candidato ao cargo de presidente da nação mais importante do mundo se colar a uma marca
popular para passar tal mensagem é um exemplo singular do poder de transmutação de uma
marca, que se dá a partir da relação entre publicidade e mídia. Explico: num momento, as
marcas fazem uso de pessoas e eventos para poder constituírem suas imagens; num outro, são
essas pessoas e eventos que se colam às marcas para falarem de si mesmas; melhor dito, de
como gostariam de ser vistas.
Por isso mesmo, a melhor maneira para uma marca se constituir e se manter é se
colando a imagens de "celebridades", enquanto, inversamente, essas celebridades se
alimentam das imagens de tais marcas. E se alimentam não só no sentido simbólico, como
também material, já que não é mais segredo para ninguém o quanto "gente famosa" se veste,
se alimenta, se exercita, vai ao médico, ao dentista, enfim, vive "concretamente" a partir de
"doações" de marcas famosas, pelo simples fatos de essas marcas poderem ter seus nomes e
imagens associados a tais "celebridades".
E, como nos mostra muito bem Gabler (1999, p. 15),
ainda que o estrelato, seja qual for sua forma, confira celebridade
automática, é muito provável que hoje em dia ela seja concedida
57
igualmente a gurus de dietas milagrosas, a estilistas e a suas chamadas top
models, a advogados, políticos, cabeleireiros, intelectuais, empresários,
jornalistas, criminosos - qualquer um que calhe de ser captado, ainda que
efemeramente, pelos radares da mídia tradicional e que, por isso, sobressai
da massa anônima. O único pré-requisito é publicidade.
Trata-se do "elemento de identificação" que deve envolver a platéia para que aquilo
que ele veicula possa ser consumido. E é o fato de estarmos numa sociedade onde há essa
possibilidade de qualquer um, por uma razão qualquer, tornar-se um "elemento de
identificação" - mesmo que num tempo muito efêmero - que gerou aquilo que Gabler chamou
de "pseudo-vida".
O conceito de "pseudo-vida" de Neal Gabler é uma referência imediata ao de pseudoevento, de Daniel Boorstin. E é exatamente nos anos 1960 que Boorstin se dá conta desse
fenômeno: trata-se de eventos forjados, não espontâneos, algo criado, planejado com uma
função bem específica: atrair os olhares da mídia. Nesse sentido, sua ocorrência é arranjada
em função do meio de divulgação ou de reprodução da notícia e seu sucesso é medido pela
amplitude com que é noticiado. Para ilustrar como isso se daria no campo comercial, Boorstin
nos dá o exemplo de um proprietário de hotel que consulta um profissional de relaçõespúblicas e pergunta-lhe como poderia melhorar o prestígio do seu estabelecimento e expandir
seus negócios. Boorstin vai dizer que, "em tempos menos sofisticados", a resposta deveria ter
sido uma proposta de se contratar um novo chefe, melhorar o encanamento, pintar os quartos
ou instalar um candelabro de cristal no lobby. Mas a técnica de relações-públicas é mais sutil.
O profissional de RP propôs que se celebrasse o aniversário de trinta anos do hotel, chamando
a atenção para o serviço que aquele hotel havia prestado à comunidade. Essa celebração
deveria ser fotografada e a ocasião amplamente noticiada nos jornais. Assim, Boorstin vai
dizer que essa ocasião constitui-se num pseudo-evento, embora ela não tenha sido totalmente
falsa (Boorstin, 1992, p. 9-10).
À fusão de mídia e publicidade corresponde, por sua vez, um sujeito performático.
Interessa, antes de tudo, a representação da vida. Daí a razão de Gabler ter ido mais além na
concepção de pseudo-evento de Boorstin para conceituar a pseudo-vida. Ele considera que a
grande maioria das pessoas já "percebeu que o objetivo de praticamente todo mundo que
ocupa dessa ou daquela forma a vida pública é atrair a mídia e que todo mundo, de atores
famosos a pais de sete gêmeos, precisa de um agente para sua promoção". Nesse sentido,
quase "tudo na vida se apropriou das técnicas de relações-públicas para poder ter acesso à
mídia, de modo que não eram mais os pseudo-eventos que estavam sendo discutidos, quando
se falava na habilidade dos relações-públicas; era a pseudo-vida". Por fim, "à medida que a
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vida estava sendo vivida cada vez mais para a mídia, esta estava cada vez mais cobrindo a si
mesma e a seu impacto sobre a vida" (Gabler, 1999, p.96-97).
2.3 HISTÓRICO DA BURGUER KING
A mediados do século XVII, um anônimo e exitoso açougueiro de Madri decidiu
emigrar aos Estados Unidos da América de um momento a outro por estar sendo investigado
pela Santa Inquisição devido a suas repetidas denúncias a esta mesma instituição, sobre
judeus e mouros que não aparentavam pertencer a tais denominações. Isso foi acrescido do
fato de que o enterrador oficial desta organização religiosa era o cunhado do açougueiro.
Está documentado que o anônimo açougueiro, chamado Bernardo Kantalapiedra,
funda seu primeiro restaurante de comida rápida 10 anos depois da sua chegada aos Estados
|Unidos de América, nas imediações do rancho e da cárcere estatal de Texas de George W.
Bush.
Os princípios do restaurante foram difíceis, a abolição nesta época da pena de morte,
unido ao fato de que o único que a praticava era Walt Disney em afamadas snuff-movies, tais
como "Bamby", "O Rei Leão", impediu Bernardo de tirar proveito do seu negócio.
Assim se passaram várias gerações de Bernardos e, sem lugar a dúvida o êxito original
das receitas de carnes do precursor da saga recolhiam as claves do êxito culinário que estava
por vir. Logo, a princípios do século XX, quando a sociedade norteameriacana, gratamente
influenciada pelos vistosos filmes da Disney, empurra seus governantes a recuperar a pena de
morte, toda a saga Kantalapiedra, se removeu em seus túmulos (gerando um pequeno seismo
que em São Francisco empurrou o carro de Steve McQueen), ansiosa de obter a revanche de
tantos anos sem matéria para impulso a sua arte.
Fiel à tradição, Bernard Stonesinger, o último da saga, estava casado com a irmã do
prefeito de Bush Park, a cárcere-rancho já citada. Porém, apesar da matéria prima ser de
primeira qualidade, o êxito dos hambúrgueres e pedacinhos de frango a milanesa do
restaurante não paravam de chegar. Mas desta vez não tiveram que esperar muito.
Em 1899, Tomas Alba Edison inventa o canudo elétrico. E, seu ajudante, ao ir trocálo, o canudo se fundiu por causa de um aumento de tensão de União Fenosa levando-o a
morte entre gritos e forte cheiro a carne queimada sob a descarga de 35 volts.
Edison, homem de mente aberta, entendeu que a eletricidade poderia ter mais funções
além da de iluminar o mundo e que a Feira de Abril de Sevilla poderia ser vista desde a Lua e,
rapidamente patenta seu uso como sistema indolor de fazer justiça no estado do Texas.
59
Desde a instalação da cadeira elétrica, os churrascos servidos nos restaurantes Burger
King têm suficiente êxito, motivo de preocupação para a concorrência. Bernard logo que
consegue suficientes benefícios, decide expandir-se e abrir filiais de seu restaurante por todo o
mundo, mas sempre nas imediações de centros penitenciários.
Ele muda o nome do restaurante e, consequentemente o da cadeia, utilizando as
iniciais do fundador da saga BK, inventa o Burger King e o Burri Kins, este último para os
restaurantes de comida ainda mais rápida, mas de uma categoria inferior.
Atualmente a cadeia é dirigida por Bernard Stonesinger XVIII, que filantropicamente
patrocina um programa de intercâmbio P2P: el "e-Burri", assim como as campanhas políticas
de George W. Bush, com quem possui negócios de distribuição de matéria prima alimentícia
via aérea, desde o Oriente Médio até alguns dos países consumidores de suas especialidades.
Paralelamente ao nascimento de Burri Kins, decide construir também um restaurante
de comida rápida baseado no pus de milhares de jovens com acne e ratos texanos os quais
seriam sua fórmula secreta. O local se chamaria "Maradonal" em homenagem a um conhecido
menino, mas por pressão de George Bush de enviar jovens a Irak para conquistar o mundo
com porcaria e estupidez, decide trocar o nome para "macdonal", em honra ao tio rico Mac
Pato da Disney.
Nisto, Bernardo, angustiado pela sua competência, decide contratar milhões de
taiwaneses e chineses para criar a inovação do momento, brinquedos com diferentes formas
dentro de caixas para chamar a atenção das crianças e adultos, os quais pela sua má
manipulação deveriam mandar até um boi ao banheiro. Com isso, Mc donald’s também
decide fazer o seu.
O Burger King foi fundado por James W. McLamore e David Edgerton, dois homens
que tinham experiência no ramo de restaurantes e acreditavam no conceito simples de
oferecer refeições rápidas a preços razoáveis, em 1954 no subúrbio da cidade de Miami. O
primeiro restaurante originalmente chamado Insta Burger King, estava localizado no endereço
3090 N.W. 36th Street, e vendia hambúrguer e milkshake por 18 cents, oferecendo ainda dois
tamanhos de refrigerantes. Três anos mais tarde, em 1957, foi lançado o famoso sanduíche
WHOPPER custando apenas 37 cents, e que se tornaria o carro-chefe da rede Burger King.
Em 1961 os direitos de franchising nacional e internacional começaram a operar. Dois anos
depois, a rede inaugurou seus primeiros restaurantes internacionais em Porto Rico, e em 1975
sua primeira loja na Europa, localizada na cidade de Madrid. Em 1983 resolve investir nas
faculdades, abrindo sua primeira loja no campus da Northeastern University em Boston. A
década de 90 começa com o lançamento do programa Burger King Kids Club, que recebeu
60
mais de um milhão de inscrições em seus primeiros dois meses. Em 1993 a rede inaugura seu
primeiro franchising na Arábia Saudita. No ano seguinte foram inauguradas suas primeiras
lojas em Israel, Oman, Rep. Dominicana, El Salvador, Peru e Nova Zelândia, contribuindo
para a rede atingir 7.600 restaurantes em 56 países. A rede anuncia, em 1999, uma grande
reformulação em suas lojas e no logotipo da marca, começando na cidade de Reno, estado de
Nevada. Somente em 2004 a rede chegou ao Brasil.
O Whopper, sanduíche composto por um grande hambúrguer acompanhado de
maionese, alface, tomate, cebola, picles e ketchup representa para o Burger King o que o Big
Mac representa para o McDonald’s. Segundo a rede existem cerca de 1.024 maneiras de se
pedir o sanduíche. O Whooper vende mais de 2 bilhões de unidades por ano.
Em 1975 foi implantado o sistema de Drive-thru. Este serviço representa hoje cerca de
60% do faturamento da empresa e funciona até o período da noite. Em 1983 é lançado o
Burger Bus, primeiro restaurante móvel do Burger King no estado de Ohio. O Salada Bar é
lançado nacionalmente e em 1985 o café da manhã é lançado em todas as lojas da rede com o
CROISSAN’WICH (sanduíche composto por uma espécie de embutido, ovo e queijo em um
croissant) como produto chave, além da estréia do serviço de self-service de bebidas.
O lançamento do CHICKEN TENDERS (deliciosos empanados de peito de frango
acompanhados de molho), além das French Toast Sticks que se tornarem disponíveis
nacionalmente acontece em 1986 e no ano seguinte o Bagel Sandwich, um sanduíche no pão
de baguete é introduzido.
As batatas fritas Hotter, Crispies e Tastier são introduzidas amparadas por uma
campanha publicitária que custou US$ 70 milhões e em 1998 ocorre a introdução do cardápio
Great Taste, que possui itens que custavam 99 cents. Entre os 7 itens originais oferecidos
estavam o WHOPPER Jr., Chicken Tenders com 5 pedaços, bacon cheeseburger, batata frita
média, refrigerante médio, onion rings (rodelas de cebola fritas) médio e milkshake pequeno.
Hoje em dia este cardápio é chamado de BK Value Menu e contém itens que custam de 99
cents a US$ 1.50.
Também é acrescido ao cardápio o BIG KING, sanduíche composto de 2
hambúrgueres, molho, salada, cebola, picles e dois pedaços de queijo. O produto foi
descontinuado nos Estados Unidos, mas é vendido em outros países como Brasil, Turquia,
Espanha, Alemanha, Canadá e Dinamarca.
Em 2002 surgem o Chicken WHOPPER (versão do tradicional sanduíche feito de
frango) e o Chicken WHOPPER Jr (versão menor e direcionada para o público infantil),
61
primeira extensão da linha dos sanduíches WHOPPER são lançados nos Estados Unidos. Esta
linha de sanduíche foi substituída pela BK Baguette, introduzida em 2004.
O ANGUS BURGER, um hambúrguer enorme feito com carne do gado Angus é
introduzido nacionalmente nos Estados Unidos. O sanduíche era servido com alface, tomate,
maionese, cebola e um molho especial. Atualmente pode ser encontrado na Inglaterra,
Canadá, Espanha e Itália, onde se chama Big Boss Burger. Também neste ano foi introduzido
o TenderCrisp, um sanduíche a base de frango.
Em 2005 são introduzidos novos produtos como Enormous Omelet Sandwich (um
sanduíche do cardápio do café da manhã feito com bacon, pedaços de frios, ovo e queijo
americano), uma nova linha de saladas e uma marca própria de café chamada BK Joe.
Em 2009 o Burger Bing estrea um novo conceito com o cruzamento entre restaurante e
bar: o Whopper Bar. O formato compacto, ocupando um terço da área normal de uma
lanchonete da rede, foi desenvolvido para locais em que o espaço é limitado, como
aeroportos, cassinos, praias, barcos de cruzeiro e eventos esportivos. O cardápio dessas lojas
será menor que o usual e estará focado em diversas variações do sanduíche carro-chefe, o
Whopper; e em itens “grab-and-go”, para oferecer mais conveniência a consumidores sem
tempo. E o primeiro lugar onde será instalado o Whopper Bar, é dentro do complexo
CityWalk, no Universal Studios em Orlando (Flórida) no mês de fevereiro. O Burger King
pretende abrir 20 desses ‘cruzamentos’ nos Estados Unidos e pensa em exportar essa idéia em
breve para a Europa, Ásia e América Latina.
O primeiro logotipo da marca Burger King não estava associado ao principal produto
da empresa: Hambúrguer. O logotipo era um meio sol, possivelmente em homenagem a
ensolarada Miami, cidade onde a empresa nasceu, com o nome Burger King em laranja. Em
1969 surgia o famoso “Bun Halves”, um logotipo que continha o nome da marca entre um
pão de hambúrguer. Ele foi criado para significar uma estreita relação com o hambúrguer,
principal produto da marca. Este logotipo foi modernizado em 1994. Foi substituído em 1999,
quando foi lançado o logotipo atual, chamado “Blue Swirl”. Em 2001, o novo logotipo já era
dotado por todos os restaurantes e produtos da marca.
Desde o primeiro slogan Burger King, HOME OF THE WHOPPER, passando pelo
primeiro comercial de televisão em 1958, até a primeira grande promoção, criada pela agência
de publicidade BBDO em 1968, com o famoso slogan The Bigger The Burger The Better The
Burger, a marca sempre primou por campanhas criativas e de grande sucesso.
A mascote da rede Burger King, um simpático Rei, foi introduzida em 1955 como
62
parte do letreiro da primeira loja inaugurada pela rede na cidade de Miami. Pouco
depois o Rei começou a aparecer sentado em um trono de hambúrguer. Nas décadas de 60 e
70 o personagem ganhou animação e começou a aparecer em comerciais voltados para o
público infantil. O personagem só voltaria a entrar em cena no ano de 2003 em uma
campanha publicitária desenvolvida pela agência Crispin Porter + Bogusky de Miami. E o
“THE KING”, como é chamado atualmente a mascote, voltou com força total fazendo um
enorme sucesso, principalmente junto ao público infantil. O lançamento de uma máscara, com
a caricatura do personagem, virou uma verdadeira febre nos Estados Unidos.
A rede conta com 11.565 restaurantes (75% deles localizados nos Estados Unidos) ao
redor do mundo, estando presente em 71 países, empregando 340 mil funcionários (incluindo
as lojas franqueadas) e faturando quase US$ 2.5 bilhões. A cada ano são consumidos 2
bilhões de hambúrgueres, apenas em seus restaurantes nos Estados Unidos. O Burger King é
atualmente a segunda maior rede de alimentação rápida dos Estados Unidos, ficando atrás
somente do McDonald's. No entanto, a rede tem perdido mercado nos últimos anos e estimase que vá perder o segundo lugar para a Wendy's, outra tradicional rede de fast-food.
A loja de Budapeste, Hungria, é a maior da rede em termos de tamanho. Já o
restaurante localizado na maior altitude está em La Paz na Bolívia (3.000 metros acima do
nível do mar). Outra curiosidade é que a rede mantém um restaurante dentro do aeroporto de
Bagdá no Iraque, além de três unidades móveis para atender as tropas americanas na região.
-
Adotando a mesma postura agressiva na mídia, como é utilizada nos Estados Unidos, a
campanha de inauguração da Burguer King em solo brasileiro estreou fazendo comparações
diretas ao McDonald’s nas propagandas. Os comerciais incluíam frases provocativas como
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“abaixo a ditadura” e a “concorrência está frita”, além de dizer que as três primeiras lojas
na capital paulista ficavam ao lado ou na frente do McDonald’s.
Baseando-se nesta perspectiva é que centraremos toda a análise deste trabalho, a fim
de mostrar o dialogismo instaurado entre estes anúncios publicitários da Burguer King e a Mc
Donald’s. Nosso ponto alvo será a campanha agressiva que a empresa já fez para mostrar a
relação de dialogicidade existente entre estes discursos, provando que o sentido de um não
existiria sem a presença do outro.
2.4 METODOLOGIA E O CORPUS
O processo de constituição do corpus desta pesquisa surgiu do interesse detectado
através da observação de anúncios eletrônicos e impressos da cadeia de fast food Burguer
King ao utilizar uma postura agressiva na mídia como forma de apelo para chamar a atenção
dos consumidores. Isso talvez tenha se dado pelo fato de ter chegado ao Brasil numa data bem
posterior à da Mc Donald’s, seu principal concorrente que ocupa o primeiro lugar no mercado
mundial de comida rápida, fazendo com que a Burguer King se regesse de quaisquer meios
para atrair olhares. O gênero escolhido para esta pesquisa, como visto, foi o anúncio
publicitário.
Tais anúncios circularam nas traseiras dos ônibus, anúncios eletrônicos, out-doors,
panfletos, banners entre outros suportes e canais que constituíam a campanha publicitária do
Burguer King, chamando a atenção do concorrente para poder conseguir aparecer.
Algumas propagandas da Mc Donald’s também fazem parte do corpus desta
investigação com o intuito de comparar a linguagem por elas utilizadas a fim de verificar se
esta cadeia alimentícia também faz uso de uma mídia agressiva como a Burguer King, além
de podermos observar se elas mantém relação dialógica com outros discursos.
Os textos foram selecionados no site www.google.com.br , salvos posteriormente em
CD-room e no disco rígido. A seleção se deu por meio de uma triagem em que o critério
adotado foi selecionar os anúncios publicitários da campanha publicitária da Burger King ao
chegar ao Brasil, mais especificamente aqueles que faziam uso da mídia agressiva, contra o
seu concorrente, a Mc Donald’s. Em seguida classificamos alguns anúncios veiculados pela
Mc Donald’s, na mesma época, com o intuito de verificar se havia respostas dadas Burger
King, utilizando-se dos mesmos recursos. Foram coletados cinqüenta anúncios , sendo trinta
da Burger King e vinte da Mc Donald’s. Dos cinqüenta, selecionamos os doze que
melhor
64
demonstravam as marcas de heterogeneidade propostas por este trabalho e, no caso da Burger
King, tratamos de eleger aquelas que faziam uso da propaganda agressiva contra seu
concorrente. Desses doze, oito correspondem a anúncios da campanha da Burger King e
quatro a propagandas da Mc Donald’s, revelando que esta não utiliza os mesmos recursos que
aquela.
Esses anúncios foram selecionados porque demonstram as marcas de heterogeneidade
propostas por esta pesquisa, revelando o diálogo instaurado entre ambas as redes de comida
rápida, além de diálogos mantidos com outros discursos, estabelecendo uma intertextualidade
e comprovando que um discurso remete-se a outros já antes instaurados.
3.
A HETEROGENEIDADE MOSTRADA E CONSTITUTIVA
Sendo assim, temos que iniciar este capítulo ressaltando a teoria defendida por
Authier-Revuz chama a atenção para o fato de que, passar da consideração da língua –
concebida como fechada sobre si mesma- à consideração do discurso significa deixar de lado
um domínio homogêneo, em que a descrição é da ordem do “um”, por um campo duplamente
marcado pelo “não-um”, em razão da heterogeneidade teórica que o atravessa.
Segundo
Authier-Revuz
(1982) há a necessidade de recorrer
a campos
extralinguísticos para explicar fatos da língua e por isso refere duas maneiras pelas quais a
alteridade se manifesta no discurso: a “heterogeneidade mostrada” e a “heterogeneidade
constitutiva”.
Com o intuito de explicar o que chama de “heterogeneidade constitutiva do sujeito e
de seu discurso, a autora apóia-se no dialogismo bakhtiniano e na psicanálise freudolacaniana.O dialogismo bakhtinianao afirma que a interação com o discurso do outro constitui
a base de qualquer discurso. Esse dialogismo pode ser visto como “diálogo entre
interlocutores “ e como “diálogo entre discursos”; lembrando que o primeiro não se reduz ao
diálogo face a face, pois para o autor, a comunicação vai além da mera transmissão de
mensagens. Ela se constitui em uma relação de alteridade.. O segundo retrata a idéia de um
discurso constituído pelo atravessamento de vários discursos, ou seja, são as palavras
carregadas de vozes que se entrecruzam, se completam, respondem umas às outras ou
polemizam entre si no interior do texto.
Authier-Revuz recorre à psicanálise freudo-lacaniana pela dupla concepção que
apresenta de uma fala fundamentalmente heterogênea (polifonia encontrada através da
65
emissão de uma única voz) e de um sujeito dividido. Em suma, a autora concebe o outro
como condição constitutiva do discurso.
Em 1995, Authier-revuz retoma aquestão das heterogeneidades sob a denominação de
não-coincidências. Ela mantém a referência a Lacan e ao dialogismo bakhtiniano,
acrescentando a este a noção de interdiscurso de Pêcheux. O domínio do interdiscurso diz
respeito à presença de um não-dito, sem fronteira localizável que sempre já constitui o
discurso.
Embora a referência feita a Bakhtin e a Pêcheux aparentem recobrir o mesmo campo
do já-lá que preexiste ao sujeito e ao discurso; Pêcheuz não recorre ao dialogismo bakhtiniano
quando busca seguir a direção das heterogeneidades apontadas por Authier-Revuz. Esta apela
a Pêcheuz em razão dos limites que ela encontra na teoria bakhtiniana para o estudo dos fatos
enunciativos que propõe. Por mais que a autora reconheça a riqueza da abordagem dialógica,
esbarra na indiferença que Bakhtin sugere à língua como ordem própria e ao inconsciente, já
que não ressalta a psicanálise no seu horizonte.
A pesquisa de Authier-Revuz inscreve-se no conjunto de estudos sobre a capacidade
que a linguagem tem de autoexplicar-se, ou seja, de ser sua própria metalinguagem. Seu ponto
de apoio, neste empreendimento, é a descrição semiótico-linguística fornecida por ReyDebove (1978) a respeito das formas da metalinguagem natural, mais especificamente,
aquelas da estrutura complexa da conotação autonímica, através da qual a menção duplica o
uso que é feito das palavras.
No seu texto de 1982, a autora diz que “o locutor faz uso das palavras inscritas no fio
do seu discurso e, ao mesmo tempo ele as mostra”, ou seja, ele passa a ser um utilizador e um
observador das suas próprias palavras e, o fragmento, desta maneira designado, marcado por
aspas, itálico, uma entonação ou qualquer forma de comentário, recebe, em relação ao resto
do discurso, um outro estatuto.
Cabe aqui explicar o significado de autonímia/conotação autonímica. Segundo ReyDebove, basta tomar um signo e falar sobre ele que teremos uma autonímia. Por exemplo, em
“a palavra “sábio” tem duas sílabas”, o locutor faz “menção” e não “uso” da palavra “sábio”,
configurando-se um caso que caracteriza a autonímia por autodesignação do signo.
Authier-Revuz, em sua tese especifica, dentro do grande conjunto das formas de
reflexibilidade metalinguística, o subconjunto da reflexibilidade do dizer sobre ele mesmo que
singulariza as formas da modalidade autonímica, destacando três propriedades pelas quais
elas
podem
ser descritas: 1) formas enunciativas, isoláveis como
tais na cadeia,
66
caracterizando-se por referir um segmento que aí está dado; 2) formas estritamente reflexivas
que correspondem ao desdobramento, no quadro de um ato único de enunciação, do dizer de
um elemento por um comentário simultâneo desse dizer, que se dá nos limites da linearidade e
3) formas opacificantes da representação do dizer, em qual o elemento da enunciação ao qual
elas aludem é um fragmento da cadeia que associa significado e significante – bloqueando a
sinonímia- e não somente um conteúdo que poderia ter um sinônimo.
A autonímia, em sua estrutura semiótica implica a irredutibilidade – a nãotransparência- do significante, ou seja, a opacificação. Ao utilizar o termo opacificação, as
duas autoras, Authier-Revuz e Rey-Debove referem-se à oposição transparência/opacidade.
Récanati, por sua vez, diferencia a concepção saussureana de “signo” da concepção clássica
com o intuito de enfatizar que Saussure ressalta o semiótico em sua teoria do signo enquanto
que fica delegado à teoria clássica elevar o semântico. Ele se foca no signo semântico, no
duplo sentido, no “duplo destino dos signos”: a transparência e a opacidade.
O signo é como um vidro que permite ver algo além dele mesmo e essa transparência
ocorre pela sua capacidade de representar a coisa significada sem ele mesmo se refletir nessa
representação. Porém, o signo também pode tornar-se opaco quando não remete a nada além
dele mesmo, ou seja, podemos tratá-lo como coisa, mencioná-lo, olocá-lo entre aspas,
opacificando-o.
Podemos admitir que a idéia de negociação está presente na teoria de Authier-Revuz
dedse o texto de 1982. Não se pode afirmar que a heterogeneidade mostrada é um espelho,
dentro do discurso, da heterogeneidade constitutiva, todavía não se pode isolá-las comoi se
pertencessem a realidades independentes, pois são obrigatoriamente solidárias e articuladas. O
sujeito, ao acreditar que é o centro de sua enunciação, mas que não é capaz de livrar-se da
heterogeneidade que o constituiu, abre em seu discurso um espaço para o não-um, através de
um processo que busca revelar o caráter homogêneo do que, na realidade, é heterogêneo em
sua essência.
Em suma, as formas da modalidade autonímica
de Authier-Revuz dividem a
enunciação em dois territórios: o da coincidência que trata do uso standard das palavras e o da
não-coincidência, isto é, aquele que “sente” um problema e em função disso não pode deixar a
palavra funcionar sozinha. Essas formas remete à negociação obrigatória dos enunciadores
com as não-coincidências ou as heterogeneidades que, constitutivamente atravessam o dizer,
representando então um ponto de não-um na produção de sentido.
Authier-Revuz é uma linguista que, por convocar pensamentos de Pêcheux, Bakhtin,
67
Freud e Lacan, acaba atuando na fronteira da linguística com outros saberes.
Apoiada sobre esses pilares, Authier-Révuz introduz a concepção de heterogeneidade
enunciativa e a classifica em dois tipos a fim de dar conta dos diversos fenômenos
discursivos: a heterogeneidade mostrada e a constitutiva. A primeira – mostrada - analisa as
marcas explícitas, formais do dialogismo, ou seja, as formas do discurso relatado, os
enunciados metadiscursivos, que podem ser comentários da sua própria enunciação. Por sua
vez, a heterogeneidade mostrada se divide em marcada e não marcada. As primeiras
estabelecem o lugar do outro, por meio de uma marca como ocorre no discurso direto,
indireto, na citação, no inciso etc. As segundas são reconhecidas por seus efeitos polifônicos:
discurso indireto livre, ironias, referência intertextuais, paráfrases, parodia etc. Essas marcas
articulam-se com o outro tipo de heterogeneidade, a constitutiva, não marcada na superfície,
mas possível de ser definida pela interdiscursividade, pela relação que todo discurso mantém
com outros discursos o que corresponde ao dialogismo fundamental da linguagem.
A heterogeneidade mostrada, segundo Bakhtin e alguns dos seus seguidores postula
uma análise dinâmica da interação entre o discurso de outrem e o contexto, no qual ele
aparece, para compreender as posições dos sujeitos que podem ser aliados ideologicamente,
adversários, portadores de verdade, de erro etc. o que se revela na heterogeneidade
constitutiva da língua.
A autora propõe, então, dois tipos de enunciados: aqueles que mostram a
heterogeneidade, com marcas explícitas, e aqueles cujas marcas não são mostradas. Como
exemplo de heterogeneidades mostradas e marcadas, temos as glosas enunciativas. Como
exemplo de heterogeneidade mostrada, mas não marcada, temos a ironia, a imitação etc, que
conta com o “outro dizer” sem explicitá-lo, para produzir o seu sentido.
Enquanto isso, a heterogeneidade constitutiva defende que todo enunciado se insere na
interseção de duas redes de formulações: a) uma horizontal que se ocupa de outras
formulações no intradiscurso de uma seqüência discursiva e b) e outra vertical onde algumas
formulações são dominadas pela mesma formação discursiva (homogêneas) e outras às quais
o enunciado pode se opor (heterogêneas). Esta última corresponde aos “já-construídos” ou
“já-ditos”, ou seja, pertencentes ao plano de memória de outros discursos pré-existentes.
Resta-nos aqui, revelar e estudar como essa interação favorece compreender melhor o
texto publicitário.
3.1 HETEROGENEIDADE MOSTRADA
68
Quando nos remetemos à heterogeneidade do discurso, queremos tornar claro o
funcionamento que representa uma relação radical entre seu “interior” com o seu “exterior”.
Na verdade, em se tratando de práticas discursivas, devemos atinar para a sua característica
mais fundamental que é a heterogeneidade. En se tratando da heterogeneidade mostrada, ela
incide sobre as manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de
enunciação.
O levantamento e a classificação das marcas de heterogeneidade representam uma
tarefa talvez impossível , logo trataremos de mostrar uma série de mecanismos que parecem
destacar-se nos estudos da AD. Authier-Revuz (1984) distingue no conjunto das formas de
heterogeneidade mostrada as formas maracadas, explícitas no discurso como a polifonia, a
ironia, a pressuposição, a negação, o discurso relatado (discurso direto, indireto), as aspas, as
glosas e a parafrasagem, por exemplo) e as formas não-marcadas, em que o outro é dado a
conhecer sem uma marca unívoca como o discurso indireto livre, a citação de autoridade, o
provérbio, a imitação e o pastiche, por exemplo.
O discurso relatado (discurso direto e indireto) são manifestações muito clássicas da
heterogeneidade enunciativa. O discurso direto se caracteriza pela aparição de um segundo
locutor no enunciado, associado a um anterior. Diferencia-se do discurso indireto por
pretender, ingenuamente, reproduzir literalmente as alocuções citadas. Porém, ele não pode
ser considerado mais fidedigno que o discurso indireto. Trata-se apenas de formas distintas de
relatar uma enunciação.
Se um locutor se contenta em transcrever de forma idêntica as alocuções de um
terceiro, ao invés de garantir pessoalmente a verdade do posto, concluimos que ele não é
capaz de subscrever o posto por não confiar muito na sua própria verdade. Ocultar-se atrás de
um terceiro é uma maneira hábil de sugerir o que se pensa sem se responsabilizar por isto.
Segundo Maingeneau (1990), nada garante que no estilo direto a objetividade seja
maior . O discurso citado somente tem existência por meio do discurso que o cita. Esse
constrói como quer (em estilo direto ou indireto) um simulacro da enunciação citada
(MAINGENEAU, 1990). Pode-se, por uma contextualização particular, por uma segmentação
ou outro recurso, desvirtuar completamente o sentido das palavras do outro. O discurso direto
apenas supostamente repete as palavras do outro.
Os enunciados relatados em discurso direto são postos entre aspas para marcar sua
alteridade. As palavras aspeadas são atribuídas a um outro espaço enunciativo cuja
responsabilidade o locutor não quer assumir. Este espaço corresponde a um espaço
enunciativo exterior, isto é, de uma outra formação discursiva. Segundo Authier-Revuz, as
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aspas são capazes de manter os termos por elas destacados à distância e constituem sempre
um sinal a ser decifrado pelo interlocutor, já que o locutor se exime da responsabilidade de
atribuir-lhe um sentido ao que foi dito. Na verdade, o locutor usa as aspas para proteger-se
antecipadamente de uma crítica do leitor, que, supostamente, esperará uma distanciamento
frente uma determinada palavra, mas poderá, igualmente, não colocá-las para frustrar as
expectativas e provocar um choque semântico.
Maingeneau afirma que uma formação discursiva se estabelece entre dois limites: um
discurso totalmente entre aspas, do qual o locutor não assume responsabilidade alguma, e um
discurso sem aspas que não estabelece relação com o seu exterior.
Ressaltamos que a heterogeneidade enunciativa não está ligada somente à presença de
vários sujeitos dentro de um mesmo enunciado; ela pode resultar também da construção de
diferentes níveis no interior do seu próprio enunciado, criado pelo locutor. Este é momento de
reconhecer os múltiplos fenômenos que resultam das glosas que acompanha o que o locutor
diz.
O sujeito cuja imagem é criada pelas golsas corresponde a um sujeito que domina um
discurso e que oferece este domínio em espetáculo. Como chama a atenção Authier-Revuz,
assiste-se assim, à dupla afirmação da unidade da formação discursiva; ela faz acreditar que é
possível circunscrever a indeterminação do discurso, o erro, o deslizamento, ao mesmo tempo
que determina, por diferença, um interior, o do discurso que, ao significar seus pontos de
divergência com seu exterior, marca seu próprio território em campo.
Em relação a esse tipo de heterogeneidade, cada discurso apresenta uma caracterização
que lhe é peculiar. Alguns destes discursos estão carregados destas marcas, enuanto outros
não as exibem. É o caso dos discursos que Bakhtin chama de “monológicos”, que se
apresentam como homogêneos como por exemplo, o discurso científico e o poético. A
linguagem do poeta é a sua linguagem sem aspas, por assim dizer.
Desde seus primórdios a AD teve uma relação essencial com a paráfrase. Pechêux
revela que as palavras, expressões e proposições literalmente diferentes podem “ter o mesmo
sentido” no interior de uma formação discursiva dada. Parafrasear consiste em colocar-se em
uma posição de exterioridade relativa face sequência de seu próprio discurso; nessa
concepção “ a presença de um marcador de reformulação parafrástico conduz à conclusão de
que existem problemas ou obstáculos à comuniação”. Mas, há de convir que a reformulação
parafrástica também é um meio de superar tais obstáculos em tudo que depende da
compreensão, das hipóteses dos interlocutores quanto aos conhecimentos ou às capacidades
intelectuais dos outros, as suposições que fazem sobre o conhecimento partilhado etc.
70
A parafrasagem é, na verdade, um meio de dizer de outra forma “ a mesma coisa”
para substituir uma equivalência preexistente, ela define uma rede de desvios cuja figura cria
a identidade de uma formação discursiva. Porém, nenhuma parafrasagem é discursivamente
neutra, nem produz um sentido de dicionário.
Até então nos preocupamos em considerar fenômenos
cuja heterogeneidade
enunciativa estava relacionada a marcas explícitas, sejam elas linguísticas ou tipográficas,
Todavía, cabe chamar a tenção para o fato de que nem sempre ocorre desta maneira, pois a
heterogeneidade deve ser, por vezes, reconstruída a partir de índices variados; é o caso,
particularmente, do discurso indireto livre ou da ironia que examinaremos a seguir.
Torna-se bastante difícil conferir com segurança o estatuto de discurso indireto livre.
Isso está atrelado ao fato de possuir a propriedade de relatar fazendo ouvir duas vozes
diferentes inextricavelmente misturadas, se queremos fazer menção a Bakhtin ou, dois
“enunciadores” se segundo Ducrot. O discurso indireto livre se localiza precisamente nos
deslocamentos, nas discordância entre a voz do enunciador que relata as alocuções e a do
indivíduo cujas alocuções são relatadas. O enunciado não pode ser atribuído nem a um nem
ao outro e não é possível separar do enunciado as partes que dependem univocamente de um
ou de outro.
Somente o contexto pode esclarecer se o enunciado trata-se de discurso indireto livre,
pois esse tipo de discurso mistura elementos do discurso direto com os do indireto. È muito
comum não se ter segurança do lugar exato onde ele começa e termina porque é muito
provável que a voz do narrador se misture à da personagem, sem que se possa distinguir com
clareza se se trata de um ponto de vista que equivale que equivale a um ou a outro.
Em um enunciado irônico, por exemplo, ecoa uma voz que diverge da do locutor, pois
destaca-se a voz de um enunciador que expressa um ponto de vista insustentável. Cabe ao
locutor apenas assumir as palavras do enunciador, embora não queira admitir tal
responsabilidade.
Segundo Maingueneau (1984), a ironia é um gesto dirigido a um destinatário. Alguns
autores a vêem como um gesto agressivo, outros como um gesto neutro e até mesmo como
uma atitude defensiva, que se destina a mostrar certas sanções ligadas às normas da instituição
da linguagem. O interesse estratégico da ironia consiste nos valores contraditórios do
enunciado irônico, numa armadilha que permite o “desassujeitamento do locutor”.
Diferentemente da negação pura, a ironia é um recurso por meio do qual se pode
rejeitar um enunciado sem utilizar um operador desta natureza. Torna-se difícil identificá-la.
Isso requer
a utilização de outras ferramentas como o uso exacerbado de hipérboles,
71
explicitação de uma entonação (“falou com tom irônico”), uso de aspas, de ponto de
exclamação ou reticências que auxiliem na identificação de uma ironia.
Nem sempre os fenômenos enunciativos em que o locutor exime-se da
responsabilidade das falas que profere dizem respeito à rejeição. Muitas vezes o
distanciamento estabelecido corresponde, na realidade, a uma adesão. A citação de autoridade
é um exemplo que esclarece essa realidade, pois o locutor apenas se apaga perante o
posicionamento de um “Locutor superlativo” que garante a validade da enunciação.
Geralmente correspondem a enunciados já instaurados em uma coletividade e por isso gozam
do privilégio da intangibilidade.
A citação de autoridade pode chegar ao estatuto de slogan. Muito recorrido pelas
campanhas políticas, nas propagandas de governo, o slogan está ligado a práticas e a ações, a
um só tempo, como diz Maingueneau, “impulsiona e engana”. O slogan presume a ausência
de um enunciador e consegue alcançae seu objetivo quando o enunciatário tem a impressão de
ser ele mesmo enunciador.
Da mesma maneira, a citação de autoridade também pode chegar ao status de
provérbio que, para Mangueneau, não pertence a discursos particulares, porém à própria
língua, ao dicionário dessa, por isso, quando um locutor cita as “verdades imemoriais” de um
provérbio, ele não o faz por um lugar reconhecido apenas por uma determinada coletividade,
mas pelo conjunto de falantes da língua do qual o locutor que cita faz parte.
Mangueneau classifica em captação de um gênero; captação de um texto singular e de
seu gênero; subversão de um gênero e subversão de um texto particular e seu gênero como
sendo os quatro tipos de imitação.
Na captação o locutor se beneficia da autoridade ligada à enunciação imitada; enquanto que
na subversão, ele procura arruiná-la, desqualificando-a, por meio do próprio movimento de
imitação.
A imitação não se confunde com a paródia já que esta é usada de forma depreciativa.
Entre os autores clássicos ocorreu uma prática de imitação muito frequente. Para estes, imitar
não significa plagiar, mas acomodar a experiência deles à realidade contemporânea. Gêneros,
temas, textos eram transpostos e acomodados a uma outra época porque se acreditava na idéia
de que tais temas eram eternos e sensibilizariam os homens de qualquer tempo.
Quando o falante se apaga perante a presença do locutor de um gênero determinado do
discurso e mostra o que faz, poderá pretender beneficiar-se da autoridade ligada a esse tipo de
enunciação ou arruiná-la. No primeiro caso, diz-se que há captação e a imitação incide sobre a
estrutura explorada. No segundo, quando há subversão, se assemelha à ironia, mas seus
72
objetivos são claramente diferentes: enquanto a ironia anula o que anuncia no próprio ato de
enunciar, a subversão mantém uma distãncia entre duas fontes de enunciação que ela
hierarquiza.
A imitação não pode ser tida como um fenômeno periférico. Os sujeitos reconhecem e
produzem enunciados que pertencem a esta ou aquela formação discursiva.
Não é suficiente afirmar que um conjunto de textos baseados em certas hipóteses
podem ser dispostos em uma mesma formação discursiva. Faz-se necessário também,
compreender de que maneira, em um determinado lugar, um conjunto de autores produzam
enunciados similares e partilhem um conhecimento tácito das fronteiras de uma formação
discursiva, sabendo as limitações do que pode ou não falar. Torna-se útil saber se tal imitaçao
é resultante de uma impregnação passiva lenta que desencadeia a repetição de diversas
dimensões da discursividade ou se isto ocorreu pelo acesso a um sistema de princípios dotado
de uma grande generalidade que permitirá produzir e interpretar enunciados inéditos em
situações inéditas como dependentes do “mesmo” discurso.
Em relação a esse assunto, o modelo que nos oferece a prática do pastiche pode
colaborar a refletir. O pastiche deveria poder figurar entre as obras do corpo que imita, mas
que le seja reconhecido como tal, seu autor e, levado, frequentemente, a introduzir índices de
distanciamento. Ora, a própria possibilidade do pastiche, o fato de poder produzir novas obras
do mesmo tipo a partir do conhecimento de outras, supõe uma certa competência a
interiorização das regras que governam este gênero.
3.2 HETEROGENEIDADE CONSTITUTIVA
Buscamos até aqui examinar algumas formas que podem ser mobilizadas por um
discurso para marcar sua relação com o seu exterior, mas não é suficiente identificar diversas
formas de rompimento no tecido de uma formação discursiva, pois é também em um nível
constitutivo que esta se relaciona com o interdiscurso. Não se trata, contudo, de absorver os
discursos em algum interdiscurso indiferenciado, mas de avançar na reflexão sobre a
identidade discursiva.
No domínio da semiótica literária, Gérard Genette (1979) coloca em primeiro plano as
relações intertextuais e se interessa pelos fenômenos de hipertextualidade, isto é, por toda
relação que une um texto B (hipertexto) a um texto anterior A (hipotexto). Para melhor
entender, Maingueneau (1987) esclarece o conceito de intertexto de uma formação discursiva,
como o conjunto de fragmentos que ela efetivamente cita. Gèrard Genette atesta também a
73
descoberta dos trabalhos do círculo bakhtiniano que fazem do dialogismo e da relação com o
Outro, o fundamento de toda discursividade.
Courtine presume uma reflexão sobre a identidade das formações discursivas e, em um
artigo escrito com Marandin, ele critica a posição da AD quando esta demonstra a vontade de
aprender o idêntico. De fato, uma formação discursiva não deve ser concebida como um bloco
compacto que se oporia a outros, como por exemplo, o discurso socialista contra o discurso
capitalista, mas como uma realidade heterogênea por si mesma.
O que está em questão é a relação mantida com o interdiscurso; é preciso definir uma
formação discursiva a partir do seu interdiscurso, e não o contrário:
O interdiscurso consiste em um processo de reconfiguração incessante no
qual uma Formação Discursiva é conduzida [...] a incorporar elementos préconstruídos no exterior dela própria; a produzir sua redefinição e seu retorno;
a suscitar igualmente a lembrança de seus próprios elementos; organizar sua
repetição, mas também a provocar eventualmente seu apagamento, o
esquecimento ou denegação. Maingeneau, 1987)
Podemos afirmar que a formação discursiva pertence a um domínio inconsistente,
aberto, instável, e não a projeção, a expressão imutável da visão de mundo de um grupo
social. Nesta perspectiva, revelam-se errôneas as duas concepções mais correntes da relação
entre discurso e interdiscurso: a que considera o discurso como um objeto isolado face a um
exterior não especificado e a que afirma implicitamente a existência prévia de contrários
individuados na relação contraditória , deve-se preferir aquela que coloca o primado da
contradição, que une e divide ao mesmo tempo os discursos, que faz da própria individuação,
um processo contraditório. Dito de outra forma, toda formação discursiva está associada a
uma memória discursiva, constituída a partir de formulações que se repetem em uma
constante, em um eterno processo de transformação.
Às diferentes formulações possíveis de enunciado no interdiscurso, Courtine chama de
redes de formulações. O conjunto de redes associadas a uma formação discursiva representa o
processo discursivo inerente a esta formação discursiva. O interdiscurso domina cada
formulação particular, fixa o que ela fala e o sujeito que a garante.
Logo, toda formulação estaria colocada na intersecção de dois eixos: o “vertical” que
corresponde ao pré-construído, ao domínio de memória e o “horizontal”, da linearidade do
discurso que oculta o primeiro eixo porque o sujeito que enuncia é produzido como se
74
interiorizasse de forma ilusória o pré-construído que sua formação discursiva impõe. O
domínio de memória representa o interdiscurso. A esse domínio de memória Courtine associa
duas outras instâncias: o domínio de atualidade que corresponde às sequências que se apóiam
ou se refutam diante de um acontecimento de uma dada conjuntura e o domínio de
antecipação que equivale às enunciações posteriores que são antecipadas pelo discurso. Este
último domínio tornou-se fundamental porque se o discurso já existe, pode-se afirmar que ele
continuará existindo sempre, numa roda viva sem fim.
Recorreremos a três definições que completarão a noção de interdiscurso: universo
discursivo, campo discursivo e espaço discursivo.
O universo discursivo pode ser entendido como um conjunto de formações discursivas
diversas que coexistem e interagem em uma dada conjuntura. Quando uma tal noção é
utilizada é para recortar os campos discursivos.
O campo discursivo, por sua vez, se define como um conjunto de formações
discursivas que se encontram em relação de concorrência, em sentido amplo, e se delimitam
por uma posição enunciativa em uma dada região.
O espaço discursivo delimita um subconjunto do campo discursivo, ligando pelo
menos duas formações discursivas que, supõe-se, matem relações privilegiadas, cruciais para
a compreensão dos discursos considerados. Este discurso é definido pelo analista de acordo
com os objetivos de sua pesquisa. Não é por simples comodidade que determinados
subconjuntos são recortados (porque seria difícil apreender um campo discursivo em sua
totalidade), mas também e sobretudo porque uma formação discursiva dada não se opõe de
forma semelhante a todas as outras que partilham seu campo: certas oposições são
fundamentais, outras não desempenham diretamente um papel essencial na constituição e
preservação da formação discursiva.
Geralmente não é do interesse dos analistas dos discursos estudar as relações entre
campos e se detêm mais no limite de um campo determinado.
A partir do momento que afirmamos que a AD preocupa-se com o funcionamento dos
discursos, não queremos dizer que ela procura reduzir à unidade todas as formações
discursivas de uma conjuntura, nem muito menos em transformá-la em uma verdade absoluta,
nem visa multiplicar a relações entre os campos sem hierarquizá-los. Em cada situação uma
formação discursiva dada é associada a determinados trajetos interdiscursivos e não a outros,
caracterizando assim a sua especificidade.
Trataremos então de abordar a problemática da interdiscursividade constitutiva. O
75
estabelecimento de redes de formulações baseia-se em Pechêux quando toma a órbita da
análise automática do discurso e constrói se corpus no interior do discurso político. Em
contrapartida, apresentaremos aqui um modelo focado em um discurso religioso e proporemos
um sistema de operações semânticas que pretende dar conta das diferentes dimensões da
interdiscursividade.
Apesar de testar nitidamente que os objetos e propósitos destas duas abordagens se
diferem entre si, também não podemos deixar de assumir a relação que existe entre ambas. A
AD é capaz de fazer coexistir de forma conflitante teorias com pressupostos metodológicos e
teóricos diversos, voltados para este ou aquele tipo de corpus. De acordo com a teoria
selecionada, a primazia do interdiscurso recorrerá a procedimentos diversificados.
Na teoria aqui escolhida, sustentar que o espaço pertinente para as regras é da ordem
interdiscursiva consiste em propor ao analista o interdiscurso como objeto e fazê-lo apreender
a interação entre formações discursivas. Isto implica que a identidade discursiva está
construída na relação com o Outro. Não se separará em partes o espaço discursivo e deixar as
formações discursivas por um lado e suas relações por outro, porém trataremos de mostrar que
todos os elementos são retirados da interdiscursividade. Mesmo na ausência de qualquer
marca de heterogeneidade mostrada, a unidade de sentido estará fundamentada na relação
essencial com a outra, aquela do ou dos discursos em relação aos quais o discurso de que ela
deriva define sua identidade. Logo, podemos concluir que uma formação discursiva pode ser
lida em seu “direito” e em seu “avesso”. Numa face significa que pertence ao seu próprio
discurso, na outra, marca a distância constitutiva que o separa de um ou vários discursos.
Dizer que a interdiscursividade é constitutiva é também dizer que um discurso nasce de um
trabalho sobre outros discursos.
Tal interação entre dois discursos, baseada em uma relação de reciprocidade pode ser
entendida
como
um
processo
de
“tradução”
generalizada,
ligada
a
uma
“interimcompreensão”. Porém, essa tradução não equivale àquela que é feita entre línguas
naturais, mas de uma formação discursiva a outra, entre zonas de uma mesma língua que,
apesar de escritas em um mesmo idioma, “não falam a mesma língua”. Desta maneira, quando
uma formação discursiva faz penetrar seu Outro em seu próprio interior sob forma de citação,
ela está apenas “traduzindo” o enunciado deste Outro, interpretando-o através de suas próprias
categorias. Em um espaço discursivo considerado, o sentido não é imutável, como uma
verdade
absoluta,
“incompreensão”,
mas
construído
resultante
do
no
mal
intervalo
entendido
entre
posições
ocasional
enunciativas.
A
se transforma em
76
“interincompreensão”.
Este processo de duplas traduções abre espaço para entender o mecanismo polêmico.
Cada uma das formações discursivas do espaço discursivo só pode traduzir como “negativas”,
inaceitáveis, as unidades de sentido construídas pelo seu Outro, pois é por essa rejeição que
cada um define sua identidade. Uma formação discursiva opõe dois conjuntos de categorias
semânticas: as reivindicações “positivas” e as “negativas”, recusadas. Denominaremos como
discurso agente àquele que assume a função de tradutor e de discurso paciente àquele que é
traduzido. Temos que destacar a alternância que esses discursos assumem, ora como agentes,
ora como pacientes.
Esta representação da polêmica não pressupõe que a própria noção de oposição entre
duas formações discursivas seja unívoca. O discurso constrói, em um mesmo movimento, sua
identidade e sua relação entre os discursos, os quais lhe permitem estabelecê-la. Ao mesmo
tempo em que algumas formações discursivas se estabelecem, mantendo certa indiferença em
relação àquelas que compartilham um mesmo campo, outras parecem estar constantemente
envolvidas em controvérsias.
Tomar um discurso à parte, considerá-lo como adversário, responder a um ataque são
gestos que têm conseqüências consideráveis e não podemos negligenciar sua eficácia.
Também é preferível distinguir dois níveis de apreensão: o dialogismo constitutivo e o
dialogismo mostrado, sendo o primeiro capaz de definir as condições de possibilidade de uma
formação discursiva no interior de um espaço discursivo, enquanto o segundo diz respeito à
interdiscursividade manifestada.
Alertamos para que não se reproduza o erro que cometem as análises lexicais fora de
contexto. Como em um discurso a palavra por si só não tem primazia, porém a maneira como
ela é explorada, da mesma forma, um ponto em debate não poderia estar dissociado do modo
como este debate é tecido. Tampouco devemos reduzir o discurso a uma doutrina, já que em
uma polêmica, todas as dimensões de uma discursividade podem estar implicadas.
A polêmica não se instaura de imediato; ela só se legitima ao aparecer como a
repetição de uma série de outras que definem a própria “memória polêmica” de uma formação
discursiva. As diversas memórias polêmicas recorrem a um tesouro cuja linha de partilha são
incessantemente deslocadas. Quando um discurso novo emerge, ele faz emergir com ele uma
redistribuição destas memórias.
Porém, um discurso supões mais que uma memória de controvérsias que lhe são
exteriores. Com o passar do tempo, essa memória de controvérsias vai se solidificando através
das sucessões de gerações de enunciadores que perpetuam as enunciações correspondentes
77
àquela memória, criando uma memória polêmica interna. Assim, podemos dizer que o
discurso é mobilizado por duas tradições: a que o funda e a que ele mesmo instaura. No
decorrer dos anos, torna-se inevitável que parte da tradição interna alcance o mesmo estatuto
da primeira, ganhando “autoridade” suficiente para as produções de seus enunciadores. Isso
ocorre como uma cadeia cíclica que vai dando surgimento a novas memórias num processo
sem fim.
O exercício da polêmica presume a partilha do mesmo campo discursivo e das leis que
lhe estão associadas. É preciso desqualificar o adversário porque ele se constitui exatamente
da mesma memória discursiva daqueles que assumem uma postura de concordância, mas de
maneira deformada, invertida, consequentemente, inaceitável.
Concluímos que, independentemente de tratar-se de bom senso, de partido, de justiça,
do interesse do país, etc, deve existir um referencial comum que legitime a figura de algum
tribunal supremo. Infelizmente, cada formação discursiva está destinada a apropriar-se deste
tribunal, do qual constrói uma representação correspondente a seu próprio universo de
sentido.
4.2. A ANÁLISE
Se levarmos em consideração apenas a imagem da propaganda acima, não nos
remeteria a marca alguma, posto que as características apresentadas nos sanduíches de
diferentes cadeias alimentícias de comida rápida são por demais similares para diferenciá-las
78
através do produto em si. Esta campanha publicitária da Mc Donald’s torna-se identificável
apenas pela logomarca dos dois arcos de ouro que constituem a letra M que identifica a marca
que se institucionalizou diacronicamente.
O fato do enunciador eximir-se da responsabilidade dos fenômenos enunciativos,
como é o caso deste anúncio, não significa dizer que ele os rejeita, este distanciamento pode
significar uma adesão. Tal adesão pode ser revelada pela citação de autoridade que imprime o
slogan desta marca que apaga a presença de um locutor perante um “Locutor superlativo” que
garante a validade da enunciação. Neste caso, essa relação de superioridade é estabelecida
pela presença de um slogan que já encontra-se instaurado em uma coletividade e por isso
gozam do privilégio da intangibilidade.
A propaganda centra-se em uma necessidade básica do homem, a mais vital, que é o
ato de alimentar-se. De forma muito bem pensada, traz a imagem de um bebê mamando em
um sanduíche da Mc Donald’s que adquire forma de seio para forjar o ato da amamentação,
fazendo um parâmetro entre a vida e a morte, ou seja, ou se amamenta ou se morre de fome,
ou se come Mc Donald’s ou não sobrevive. Esse parâmetro entre a vida e a morte nos remete
à necessidade de sobrevivência e confronta-se com outras vozes sociais reveladas pelos dados
que comprovam a realidade do nosso país em que, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), em 1999 havia 14,5% da população brasileira vivendo em famílias com
renda inferior à linha de indigência e 34,1%, com renda inferior à linha de pobreza. Isso
corresponde, respectivamente, a 22 e 53 milhões de pessoas. Temos milhões de famílias com
renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo por mês.
Isso nos remete à ironia da propaganda ao querer comparar o sanduiche Mc Donald’s
com o aleitamento materno, pois se o sanduiche em questão fosse uma necessidade básica
como trata a propaganda, os índices de pobreza apontados anteriormente aumentariam
consideravelmente visto que muitas famílias não teriam condições financeiras de adquirir o
produto.
Podemos relacionar as vozes encontradas neste anúncio com as vozes de outras
propagandas de aleitamento materno como as das campanhas promovidas pelas Secretarias de
Saúde que tanto incentivam a amamentação como fonte de vida. A Mc Donald’s toma
emprestadas essas vozes como forma de perpetuar essa memória discursiva com o intuito de
fixar na cabeça das pessoas sobre a “importância” do seu produto, reforçando a
intertextualidade encontrada em uma propaganda que, apesar de não verbal, remete a vários
textos anteriores que nos permitem fazer as interpretações aqui destacadas.
79
Além disso, também podemos chamar a atenção para o fato de que nem sempre uma
citação de autoridade, aqui ligada à logomarca da multinacional, está relacionada à verdade.
Apesar de encontrar-se solidificada no mercado mundial, pode não apresentar tantas
qualidades como às que instaura.
Essa campanha demonstra traços de egocentrismo ao enfatizar a necessidade de comer
os produtos da marca sem agredir a imagem de outras concorrências, opondo-se a campanha
publicitária de chegada do Burger King ao Brasil que fazia menção ao forte concorrente Mc
Donald’s para poder chamar atenção. O simples fato de não recorrer “à presença” do outro
demostra o caráter de supremacia.
A propaganda acima traz a foto de um astronauta pisando a Lua carregando uma
embalagem de lanche da Mc Donald’s na mão e, no visor de sua máscara reflete a imagem de
uma loja da marca que é mais uma vez identificada pela aparição do M em cor amarela, em
forma de dois arcos.
Percebemos aqui uma forte relação interdiscursiva entre a Mc Donald’s e a NASA
(sigla em inglês de National Aeronautics and Space Administration; Administração Nacional
do Espaço e da Aeronáutica) também conhecida como Agência Espacial Americana, uma
agência do Governo dos Estados Unidos da América, criada em 29 de julho de 1958,
responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração
espacial.
80
Ao reportar-se à NASA, a Mc Donald’s firma-se em uma relação de poder, já que os
Estados Unidos da América representam um grande Império mundial, responsável pela
criação da NASA e, consequentemente, pelo envio do homem à Lua; além de diversos outros
programas de pesquisa no espaço. Dessa maneira, verificamos que há nesta propaganda um
discurso indireto não verbal que enaltece a imagem da marca em questão ao revelar o
consumo de seus produtos até mesmo na Lua, fazendo uma relação com o tipo ideal de
alimento para quem queira conquistar o espaço, transmitindo a idéia de comercializar um
alimento que até na Lua, onde na verdade sabemos que requer o uso de uma alimentação
diferenciada, a Mc Donald’s pode ser consumida. Também encontramos uma relação entre o
tipo de cadeia de fast-food que oferece comida rápida com a rapidez do foguete que permite a
chegada do homem à Lua.
Nesta campanha buscou-se mostrar a extensa área de dominação da marca através da
representação do astronauta que encontra a loja inclusive na Lua, ou seja, até lá não se vive
sem Mc Donald’s. A caixinha de sanduíches da rede de fast-food trazida na mão do astronauta
e a imagem da loja refletida no seu capacete proporcionam a interpretação da supremacia da
marca que destaca-se até mesmo entre os integrantes da NASA, representantes de uma cúpula
do governo norte-americano que ocupa o espaço da grande potência mundial. Isso dá ao Mc
Donald’s o status de primeiro lugar no ranking mundial.
Consideramos importante destacar a intertextualidade revelada na propaganda acima
com o discurso encontrado na representação da vida na Corte. Podemos observar as
contradições da Corte Imperial, que impunha os melhores hábitos de civilização com seus
costumes europeus, mas que convivia com uma densidade de escravos. Assim, encontramos
uma disparidade entre a pomposa vida de bailes, concertos, banquetes e roupas elegantes com
ávida do escravo, estabelecendo a grande contradição de um Império.
81
O Império usou das representações da modernização européia para moldar certos
costumes e hábitos e viabilizar determinados modelos de civilização para a sociedade que foi
concebida pelos poderes dominantes. Pretendia-se então, imitar as mesmas sociabilidades da
Corte, incorporando novos hábitos de consumo, mudando o estilo de vida da sociedade. Desta
forma, a propaganda acima revela as contradições dessa Corte, aqui representada pela Burger
King que caba identificando-se com essa linguagem de autoritarismo e supremacia em relação
à Mc Donald’s.
Se não conhecêssemos as mascotes das duas marcas, bem como o nome de alguns dos
seus sanduíches, não seríamos capazes de discernir as mensagens transmitidas por esta
campanha da Burger King. É principalmente a imagem do palhaço da Mc Donald’s que faz
com que entendamos a forma agressiva do diálogo que os enunciados daquela marca tenta
estabelecer com a sua concorrente, buscando estabelecer uma relação de submissão da última
em relação à primeira. Podemos entender que o Rei, fazendo uso de roupas e adereços
luxuosos, assuma a posição do maioral da Corte, sendo a referência para a massa, aqui
representada pela Mc Donald’s através da presença do palhaço Ronald Mc Donald. Este
freqüenta a Burger King pela condição de supremacia que esta assume, por servir banquetes
que a rede por ele representada não pode dispor. A Mc Donald’s não assume posto de Corte,
porém de povo que procura imitar seus hábitos. Também poderia assumir o papel de escravos
que, em uma posição de inferioridade e de submissão, acabam consumindo o que lhes é
imposto pela Corte.
Nesta propaganda, a firmação “O gostosão da corte é o rei”. Apesar de o palhaço
adorar aparecer, percebe-se a ambiguidade ocasionada pelo termo “gostosão” que pode, ao
mesmo tempo, referir-se à qualidade do sanduíche bem como à figura do “machão”,
representada pela sua mascote, o rei, através de sua coroa. Podemos também interpretar o
enunciado como um apelo sexual em relação à comida, ou seja, o Rei seria esse machão,
gostosão que “traça” todas as mulheres e que atrai o público feminino pela sua presença. Se
considerarmos esse sentido, podemos analisar a presença do palhaço em um sentido alegórico,
de um intrometido que deseja ocupar o lugar do “gostosão”. Isso revela a pretensão da Burger
King de ocupar o posto de supremacia hoje ocupado pela Mc Donald’s.
No anúncio, a loja Burger King ocupa o espaço da corte, ascendendo-a a um patamar
de elevação máxima. Ao enfatizar que o palhaço adora aparecer, utiliza-se de parte da
imagem do palhaço, mascote da Mc Donald’s, de cabeça pra baixo, tocando no sanduíche da
Burger King. Isso nos remete à idéia de que até o representante da marca concorrente adora
comer seus produtos, induzindo-nos a crer que são superiores. Além disso, quando afirma que
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ele adora aparecer, está comparecendo na “corte”, ou seja, representação máxima de poder
ocupado pela Burger King. O Outro aqui é o palhaço que ocupa, neste sentido, um papel
social bastante inferior em relação a um Rei., como já citado anteriormente ao afirmar que o
palhaço aqui é o bobo da corte, a representação do povão, da massa.
Este anúncio traz como plano de fundo a imagen do palhaço Ronald Ms Donald,
mascote da marca Mc Donald’s, comendo um sanduíche da Burger King, fazendo a mesma
menção à propaganda anterior, ou seja, revelando que até a concorrência prefere os
sanduíches da marca concorrente.
Se não soubéssemos que este palhaço é a mascote da Mc Donald’s, poderíamos
atribuir interpretações das mais diversas possíveis, como por exemplo, que a imagem do
palhaço representasse a alegria e regozijo de provar um sanduíche da marca ou associá-la à
diversão, talvez com o intuito de chamar a atenção do público infantil.
Vemos que a presença do palhaço remete a outras vozes instauradas por memórias
discursivas relacionadas à presença de um personagem alegórico que está presente nos circos
para animar, fazer rir, descontrair o público que com ele interage. Há então uma ambigüidade
no que concerne ao que se pretende anunciar. Ele pode estar saciando o desejo de estar
comendo um sanduíche Burger King, se for reconhecido como o Ronald Mc Donalds,
reconhecendo sua superioridade, porém pode também estar assumindo um papel irônico se
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nos remetemos à propaganda anterior em que o palhaço assume um posto “inferior” ao do Rei
e “submisso” a ele. Ou seja, se ele é inferior, não deveria servir de referência para consolidar
a qualidade do produto Burger King.
O slogan “Ninguém vai resistir” pode ser também interpretado como o resultado de
uma análise polifônica, pois o enunciado polifônico apresenta sempre um enunciador e um
locutor. Sendo o enunciador o autor do enunciado, não poderia aqui ser o palhaço Ronald este
enunciador. Logo, ele poderia assumir o papel de locutor e eximir-se da responsabilidade do
que está sendo enunciado, ou seja, colocaria em xeque a afirmação de que o sanduíche da
Burger King é o melhor.
A propaganda acima revela o Ronald Mc Donald na fila de uma loja Burger King,
insinuando a prioridade que a concorrência lhe brinda. Se a cadeia que encontra-se em
primeiro lugar no ranking mundial de fast-food visita a mais nova concorrente é sinal de que
esta está superando as expectativas.
Nela destaca-se apenas os pés do Ronald Mc Donald na fila de uma loja Burger King,
identificada pela sua logomarca, localizada na margem esquerda da propaganda. À direita
aparece o slogan “It just tastes better” que quer dizer que o sabor da Burger King é
simplesmente o melhor e por isso, até mesmo o representante da marca concorrente o prefere.
Mas, como visto anteriormente, os slogans têm o poder de ludibriar o leitor porque nem
sempre falam de uma verdade absoluta. Além disso, o enunciador, autor do enunciado, mais
uma vez não é o Ronald Mc Donald, logo este não assume a veracidade do mesmo.
Consequentemente,
ele
pode
posicionar-se
como
um
locutor
que
exime-se
da
responsabilidade da afirmação.
84
Por fazer parte de uma mesma campanha publicitária, podemos inferir o mesmo valor
alegórico que foi dado às duas propagandas anteriores em que o palhaço, visto pela Burger
King como uma figura inferior em relação a eles, não representaria tanta diferença a sua
presença em uma loja Burger King.
Simultaneamente, podemos pensar em um paradoxo revelado pela preocupação de
associar a imagem da mascote do Mc Donald’s em lojas da Burger King, , revelando a
primazia dada por aquele a seu concorrente.
Dessa vez o Ronald Mc Donald aparece em um balcão de uma loja Burger King
disfarçado com uma capa por cima da roupa e um chapéu na cabeça, levando a crer que está
escondendo-se para não desconfiarem que ele é um consumidor da marca concorrente por
tratar-se de um produto superior ao que ele representa, se lido no seu “direito”.
Porém, se lido no seu “avesso”, podemos verificar a relação dialógica que este anúncio
mantém com James Bond, o detetive que especula tanto como ele agora o faz com os
sanduíches da marca concorrente, a Burger King. James Bond, também conhecido pelo
código 007, é um agente secreto britânico fictício, criado pelo escritor britânico Ian Fleming
em 1953. Bond trabalha no serviço de espionagem MI-6. James Bond foi primeiramente
apresentado ao público em livros de bolso na década de 1950 e logo se tornou um sucesso de
venda entre os britânicos. Em seguida, converteu-se em uma grande franquia do cinema, com
85
vinte e dois filmes desde 1962. Ele também apareceu em quadrinhos, videojogos e
transformou-se em alvo de muitas paródias, como nesta publicidade da Burger King.
Nessa publicidade, a paródia é criada a partir do personagem de James Bond no filme
007, dando um novo sentido ao novo texto representado por uma publicidade da Burger King.
Como parte da intertextualidade, a paródia do personagem do filme é o intertexto que resultou
em um texto não verbal, mas de muita significação.
O sentido de especulação adquirido pela paródia do personagem James Bond pode
proporcionar um sentido de investigação dos produtos da concorrência com o objetivo de
copiá-los ou simplesmente a camuflagem para consumi-los.
A propaganda acima mostra um cartaz veiculado nas traseiras de ônibus locais com a
imagem do sanduíche Whopper, o carro chefe da Burger King, acompanhado da afirmação
“Mc Adeus”. Tal afirmação só faz sentido ao saber que os nomes dos sanduíches oferecido no
cardápio da Mc Donald’s são compostos, geralmente, pelo termo “Mc”, como é o caso do Big
Mac. A propaganda induz ao desaparecimento da concorrência após a sua chegada, isto é, a
venda dos sanduíches da Mc Donald’s diminuiriam consideravelmente ou até mesmo
acabariam após a presença da Burger King.
86
O fato de ter sido veiculado em traseiras de ônibus remete à idéia de uma despedida,
de um transporte que está indo embora e que leva com ele a marca Mc Donald’s.
Observamos aí um atravessamento de vozes que somente seria detectado pelos leitores
se conhecessem as características peculiares a cada marca. O diálogo se instaura a partir da
interação dos sujeitos/leitores que interpretam os enunciados.
Também é possível fazer uma leitura desta propaganda que a relaciona com o divino,
o sagrado. Se observarmos a afirmação Mc ADEUS, podemos ver o termo DEUS inserido,
levando-nos a crer que a Burger King admite a primazia da Mc Donald’s em relação a eles,
sendo esta o “Deus” do mercado de fast-food, mas que, com a chegada da Burger King, se
despede desta condição de superioridade.
A propaganda anterior, coletada de uma campanha publicitária da Burger King diz que
“Quem nasceu para ser big nunca vai ser king”. Ao dizer que quem nasceu para ser big,
remete-se a uma linguagem particular ao Mc Donald’s através de parte do nome do sanduíche
que representa o seu carro chefe, o Big Mac e, ao completar a frase: “nunca vai ser king”,
refere-se aos seus próprios sanduíches.
A comparação faz uma diferenciação entre os produtos das duas marcas, deixando,
claro que os da Burger King têm supremacia em relação aos da Mc donald’s. Ser big não
alcança a grandeza de ser king, ou seja, estabelece-se uma relação de grandeza com qualidade
e, se o sanduíche da Burger King é maior que o da Mc Donald’s, consequentemente, também
tem mais qualidade.
87
Podemos analisar também sob uma ótica qualitativa em que ser King (Rei), associa-se
a ser o maioral, o gostosão, o melhor, o maior, o insubstituível, o KING. Enquanto isso, ser
Big (grande), não alcança tamanha grandeza.
Observamos neste anúncio a presença de uma negação marcada pelo morfema “só”.
Esse recurso recusa a presença de um “enunciador” identificado com ON (Pronome
indefinido), o qual garante as idéias recebidas. Esse morfema acarreta problemas diferentes
daqueles que decorrem do uso da negação “não”, pois enquanto esta explicita o enunciado
rejeitado, sem oferecer a contrapartida positiva, aquele deixa implícito o que rejeita ao propor,
em seu lugar, a proposição reivindicada pelo locutor. Podemos identificar aqui uma refutação
pressuposicional, ou seja, o enunciado visa refutar a pressuposição associada ao enunciado
rejeitado e vem necessariamente acompanhada de uma justificação. A segunda enunciação
justifica a primeira.
As duas propagandas acima, veiculadas em países diferentes, apesar de comercializar
o mesmo sanduíche, o Whopper da Burger King, demonstram a importância dada ao
sanduíche de maior representação da marca em questão graças ao seu tamanho. Na primeira,
há a tentativa de mostrar a grandiosidade do sanduíche através das conseqüências que ele
poderia causar se deixado cair ao chão. Atribui-se um terremoto ocorrido na cidade de São
Paulo por causa da queda de um Whopper. Apesar de São Paulo não ter histórico de
terremotos, a rede de fast-food utiliza-se exatamente dessa ausência para ressaltar o poder do
seu produto,chamando a tenção para a grandiosidade do seu carro-chefe.
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Na segunda, a intenção não é diferente, mas apesar de ser uma propaganda veiculada
em Buenaventura, região montanhosa da Colômbia e de registros de terremotos, não se faz
menção alguma em relação ao acidente natural em questão. Revela-se de outra forma, ou seja,
a dimensão do produto causa a ruptura de uma placa de grande porte, tentando associar, como
dito anteriormente, tamanho à qualidade. Talvez a intenção maior seja mostrar que o seu carro
chefe, ao cair no chão, é capaz de provocar estragos (terremotos) até mesmo em regiões onde
não se observa o fenômeno.
Até então, não se tinha detectado propagandas de ataque e agressivas da Mc Donald’s,
nem tão pouco se sabe se as propagandas a seguir confirmam tal intenção, mas como diz
Bakhtin, todo enunciado emerge sempre num contexto cultural saturado de significados e
valores e é sempre um ato responsivo, já que espera do outro uma resposta. Daí, intui-se que
as propagandas que seguem, relativas ao Mc Donald’s podem ter sido respostas às anteriores
veiculadas pela Burger King para esclarecer que quem tem o maior sanduíche são eles e não
estes últimos. Isso pode ser deduzido até mesmo em decorrências das datas de lançamentos
dos respectivos sanduíches, já que o Whopper surgiu em 1957, enquanto que o Big Mac só
aparece depois de 17 anos, isto é, no ano de 1974.
A propaganda acima remete a uma tradição conhecida por cidadãos brasileiros, o mito
de que na cidade de Itu, município do estado de São Paulo, tudo é grande. Então, se um
estrangeiro chega ao Brasil e vê essa propaganda, provavelmente não a entenderia, posto que
para compreendê-la teria que conhecer a história relativa à cidade, a memória discursiva que
dela se construiu.
89
Itu conquistou essa fama de “Cidade dos Exageros” graças a Francisco Flaviano de
Almeida, o famoso Simplício, um comediante ituano nascido no ano de 1916, que faleceu em
2003. Tudo começou quando um dia, no banco da praça do programa humorístico “Praça da
Alegria”, na extinta Rede Tupi, Simplício burlou o script. Seu personagem era um caipira do
interior, Manoel de Nóbrega, que apresentava o programa, costumava pedir que a esposa
explicasse ao público o tamanho dos objetos que existiam em sua terra. Havia sempre o
exagero. Um dia, Simplício arriscou: "Ofélia, diga o tamanho da mandioca que tem lá na
nossa cidade, em Itu". Nesse momento, Nóbrega, ao vivo, brincou com o comediante:
“promovendo, hein?” Desde então Itu tornou-se a cidade onde tudo é grande. Pessoas do
Brasil todo mandavam a Itu seus legumes fora do comum, a fim de que fossem parar na TV.
Daí conclui-se que a propaganda da Mc Donald’s, ao afirmar que é bom ser como Itu,
refere-se ao fato do seu sanduíche ser grande como tudo o que há nesta cidade conhecida
como a “Cidade dos Exageros”, fazendo menção ao exagero do tamanho do seu produto.
A Mc Donald’s, ao afirmar “É bom ser como Itu”, afirma “ser” ituana porque uma
grande marca tem que estar presente em uma grande cidade na comemoração de seu
aniversário. Há então a constituição de um diálogo instaurado a partir de uma memória
discursiva que leva a uma intertextualidade que, ora faz menção ao tamanho da cidade, ora ao
do sanduíche.
Também podemos chamar a atenção para a paródia encontrada na propaganda
anterior. A mesma surge da tradição instaurada na cidade de Itu e da música “Tudo grande”
de Marinês. Parte da intertextualidade, a paródia é um intertexto, ou seja, é um texto
resultante de outro que pode ser escrito ou oral. Essa intertextualidade também pode ocorrer
em pinturas, no jornalismo, na música e nas publicidades.
A paródia é a recriação de um texto, geralmente célebre, conhecido, uma reescritura de
caráter contestador, irônico, zombeteiro, crítico, satírico, humorístico, jocoso. A música de
Marinês aqui parodiada pode ser vista nos anexos desta dissertação.
90
O maior sanduíche da marca só é lançado no ano de 2005, trata-se do Big Tasty. O
McDonald's lançou a campanha de mídia "Big Tasty - O grande matador da fome" para
comemorar o sucesso de venda do sanduíche. Produzidos pela Taterka Comunicação, filmes
de 15 e 30 segundos foram veiculados pela internet, TV aberta e por assinatura. Os
restaurantes também contaram com banners e móbiles como material de divulgação. O
sanduíche foi criado em setembro de 2005 e só no ano passado vendeu mais de 11 milhões de
unidades.
O Big Tasty é um hambúrguer de 150 gramas e representa o maior sanduíche do
McDonald’s em 26 anos de Brasil. O Big Tasty, com um hambúrguer de 150 gramas (66%
mais carne do que o Big Mac, que leva dois hambúrgueres de 45 gramas), cerca de 760
calorias e preço unitário de R$ 8,70, chega inicialmente a Brasília em maio de 2005 e depois
se espalha por todas as 548 lojas brasileiras até meados de agosto. "É uma super opção para o
jovem que quer uma refeição consistente em forma de lanche e que às vezes consumia dois
hambúrgueres em nossas lojas", resume o vice-presidente de marketing e comunicação,
Mauro Multedo. A rede de lanchonetes no País já havia lançado o McNífico, uma espécie de
"cheese salada", formato de sanduíche que a marca ainda não possuía, aparentemente para se
precaver ante a chegada no Brasil de produtos de seu maior concorrente internacional, o
Burger King, outra razão que nos leva a crer que as propagandas em questão possam ser
respostas àquelas lançadas pela Burger King que fazem referência ao tamanho de seus
sanduíches. A atual ofensiva com lanches calóricos do McDonald’s difere bastante das
últimas campanhas da marca, que desde o ano passado vinha apresentando novas versões de
saladas e lanches de baixa caloria, à base de frango, por exemplo. Tais lançamentos de perfil
menos calórico coincidiram com a onda de contestações aos menus de comida rápida em
geral. No centro dos questionamentos, o McDonald’s havia sofrido a crítica feroz de um
documentário para cinema lançado nos Estados Unidos e exibido aqui, o "Super size me", em
que o próprio cineasta mostrava conseqüências danosas à própria saúde ao alimentar-se
durante várias semanas apenas com a comida da rede. "Não se trata de fazer marketing para se
defender do patrulhamento que às vezes é hipócrita. Ninguém come e deve comer todos os
dias num só lugar e comer sempre a mesma coisa. Nossa estratégia é oferecer cada vez mais
opções, para que ninguém deixe de estar atendido dentro de suas preferências num de nossos
restaurantes. Atendemos até o vegetariano mais exigente com nossas saladas, embora o peso
maior de nossas vendas continua sendo dado pelo hambúrguer", explica Terra.
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O novo Big Tasty vai ter molho sabor churrasco, três fatias de queijo e salada com
tomate. Pretende concorrer com lanches de grande porte vendidos por restaurantes de cidades
como São Paulo, cujos preços superam normalmente os R$ 15,00. Até agora, o maior
sanduíche da rede era o McMax, com 530 calorias e 130 gramas de carne. O desenvolvimento
do Big Tasty foi feito pelo McDonald’s internacional e apresentado à rede há um ano. Nos
Estados Unidos, tomou proporções menores e não foi sucesso, diferentemente da Europa, em
que as dimensões são as mesmas alcançadas no Brasil e já aparece como um dos principais
produtos.
Como visto na propaganda anterior, na sua margem esquerda aparece a logomarca das
Olimpíadas de Pequim 2008 como meio de associá-las à marca como uma das patrocinadoras
dos jogos olímpicos. Observamos no discurso já instaurado pela campanha de mídia “Big
Tasty - O grande matador da fome” da Mc Donald’s uma intertextualidade com o discurso tão
preservado no futebol: “o matador” para designar um bom jogador.
Considerando o significado da logomarca utilizada nessas olimpíadas, podemos
entender perfeitamente a escolha por esta campanha e não por outra qualquer já lançada pela
Mc Donald’s. Percebe-se um atravessamento de vozes entre o seu significado, o discurso
futebolístico e a campanha do Big Tasty. Na logomarca das Olimpíadas de Pequim 2008,
podemos observar uma pessoa sendo executada como forma de protesto contra a opressão que
a China impõe ao povo tibetano e ao seu próprio povo (ver anexo para entender melhor). O
fundo é vermelho para representar o sangue espirrado no momento da execução. Logo,
concluimos que a escolha pela campanha do “Big Tasty – O grande matador da fome”, faz
jogo com a palavra “matador” que refere-se ao mesmo tempo à capacidade que ele tem de
matar a fome, à habilidade dos jogadores do futebol e ao matador chinês que inspira a criação
da logomarca das olimpíadas que tem a Mc Donald’s como uma de suas patrocinadoras.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciaremos aqui destacando alguns passos que forma traçados para a realização desta
pesquisa bibliográfica. A começar das leituras teóricas para que a devida seleção de textos
melhor atendessem aos objetivos deste trabalho; o objeto de pesquisa; a escolha do corpus;
seu recorte e a finalização no momento de associar teoria à prática na análise desenvolvida
nesta dissertação.
Mostraremos alguns resultados que foram frutos da observação e reflexão analítica do
corpus. Tomaremos como ponto d epartida a verificação dos objetivos com o intuito de
estabelecer os meios de análise e suas formas de concretização.
Tomamos como unidade de análise o enunciado, considerando o sentido do que é dito
a partir de situações concretas de produção. Logo, fizemos uso de alguns conceitos
interpretativos como dialogismo, polifonia, interação verbal, enunciação, gêneros discursivos,
heterogeneidade mostrada e constitutiva.
Se tomarmos como ponto de partida os nossos objetivos, concluimos que eles foram
alcançados ao verificarmos que entre as propagandas da campanha publicitária da Burger
King ao entrar no Brasil e algumas propagandas da Mc Donald’s, estabelece-se uma relação
dialógica, já que o entendimento da primeira só se efetiva se o leitor for conhecedor de
algumas características da sua concorrente, a Mc Donald’s. Sem esse prévio entendimento,
tornar-se-ía impossível fazer uma leitura dialógica entre as duas cadeias alimentícias. Na
terceira propaganda, “O gostosão da corte é o rei, apesar de o palhaço adorar aparecer”, vista
na análise deste trabalho, é perceptível a presença do Outro (Mc Donald’s) no discurso trazido
pela Burger King, confirmando a teoria bakhtiniana (1981) que afirma ser o outro o
responsável pela medida do que sou; a identidade se constrói numa relação de alteridade:
todo dizer é internamente dialogizado: é heterogêneo, é uma articulação de
múltiplas vozes sociais (no sentido em que hoje dizemos ser todo discurso
heterogeneamente constituído), é o ponto de encontro e confronto dessas
múltiplas vozes. Essa dialogização interna será ou não claramente mostrada;
o dizer alheio será ou não destacado como tal no enunciado – ou, para usar
uma figura recorrente em Bakhtin, será aspeado ou não, em escalas infinitas
de graus ou assimilação da palavra alheia (conforme diz ele no manuscrito O
problema do texto(1992), p. 120-121
93
As propagandas “dialogam entre si, muito embora nem sempre quem faz a leitura não
interage plenamente com os sentidos do texto por tratar-se de uma condição dependente do
sujeito.
Com efeito, tomamos o aspecto formal do nosso estudo como algo incapaz de ser
compreendido se tomado fora de um contexto social que o enquadre. Dessa forma, sob uma
perspectiva histórico-linguístico-discursiva, procuramos ver o anúncio publicitário como um
registro daquilo que pode ser escrito de/em uma dada situação enunciativa do cotidiano; como
meio de registrar as necessidades sociais que propagam costumes e atitudes capitalistas por
meio dessa tradição discursiva.
Sabendo que o gênero é um tipo específico de enunciado, presente em situações
rotineiras, que está associado às esferas da sociedade, na linguagem cotidiana, seja ela formal
ou informal. Entendemos que a noção de discurso não é estável, assim como os gêneros
discursivos também não o são, pois se adaptam à situação social dos falantes De acordo com
o objetivo específico do contexto, vê-se dominar uma ou outra forma de variante textual.
Todo texto encena uma interlocução: nele fala um interlocutor que pode fazer-se
menos ou mais presente no texto, por isso se afirma que há várias vozes presentes, aquelas
que o locutor endossa e outras não, podendo ele eximir-se da responsabilidade do que está
sendo enunciado para não responsabilizar-se pela veracidade do discurso, já que ele não é o
autor do enunciado.
Isso pode ser confirmado na propaganda em que o Ronald Mc Donald encontra-se na
fila de uma loja Burger King onde aparece o slogan: “It Just tastes better”, ou seja,
simplesmente o sabor é melhor. Considerando que o slogan é um recurso muito usado nos
textos publicitários e que ele tem o poder de ludibriar o leitor com afirmações nem sempre
verdadeiras, concluimos que o Ronald não aparece como enunciador (autor) do discurso,
porém como um locutor que não endossa tal afirmação.
Jaqueline Authier_Revuz (1982) eleva o caráter dialógico dos discursos, coadunandose à teoria defendida por Bakhtin de que tais discursos só se constituem através da presença
do outro. Ela sugere a necessidade de recorrer a campos extralinguísticos para explicar fatos
da língua, apontando para duas maneiras pelas quais a alteridade se manifesta no discurso: a
heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva.
Resumindo, Authier-Revuz divide a enunciação em dois territórios: o da coincidência
e o da não-coincidência. O primeiro trata do uso das palavras que estão explícitas no discurso,
das marcas formais do dialogismo, enquanto que o segundo destaca-se por apresentar aspectos
94
não marcados na superfície, mas capazes de ser definidos pela interdiscursividade, pela
relação que todo discurso mantém com outros discursos, o que corresponde ao dialogismo
fundamental da linguagem.
Na última propaganda da análise deste trabalho podemos observar claramente tal
divisão feita por Authier-Revuz. O território da coincidência é marcado pela palavra matador
no seu sentido literal que remete-se à condição de saciar a fome. O território da não
coincidência está atrelado pela relação que o discurso da Mc Donald’s, mais especificamente
através da palavra matador, mantém com o discurso do futebol, assim interpretado pelo
contexto no qual encontra-se inserida a propaganda, Olimpíadas de Pequim 2008 e com a
logomarca destas olimpíadas, estabelecendo assim um diálogo fundamenteal à linguagem.
Além dessa propaganda, verificamos que o nosso objetivo geral foi alcançado e as
nossa hipóteses confirmadas ao observar que em todas as propagandas da Mc Donald’s
utilizadas neste trabalho, encontramos a presença de várias vozes, podendo confirmar que
marcas de heterogeneidade determinam as relações dialógicas estabelecidas pelos sujeitos
sociais que, ao interagir com os textos, estabelecem os diálogos mantidos com outros textos
anteriores.
Das oito propagandas da Burger King utilizadas na análise desta dissertação, seis
também mantém relações dialógicas com outros discursos pré-instaurados, desta vez com os
da concorrente em questão.
Logo, concluimos então que entre as propagandas da Mc Donald’s vemos que todas
estabelecem relações dialógicas com outros discursos anteriores, com outras vozes préinstauradas. A primeira relaciona-se com discursos ligados ao aleitamento materno, a segunda
com propagandas da NASA; a terceira com o mito de que na cidade de Itu tudo é grande,
igual ao tamanho do seu sanduíche e a última com os discursos referentes ao futebol e à
logomarca das Olimpíadas de Pequim 2008.
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ANEXOS
Tudo Grande
Marinês
Eu sou pequenininha
Mas gosto de tudo grande
Só gosto de tudo grande
Só gosto de tudo grande
A minha mãe escolheu pra me criar
Me levou pra uma cidade
Com o nome Campina Grande
REFRÃO
Quem não tiver para me oferecer
Não me chame pra comer
Que eu sou meio extravagante
Na minha terra botei gente pra correr
Meio-quilo de mulher
Que só gosta de tudo grande
REFRÃO
Vixe! Sai pra lá bicho! Pequenininha sou eu!
REFRÃO x2
Na minha casa comida só faço muita
Com a sala e cozinha
Mandei fazer tudo grande
Fiz uma festa e muita gente se espantou
Com o peru no meio da mesa
Gordo, gostoso e grande
REFRÃO
REFRÃO x2
http://letras.terra.com.br/marines/922286/
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