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Volume 23, n°. 4 ISSN 0970 5074 SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 índia Perspectivas Este ano, o Bharat Sandarsh, a edição em língua hindi da Índia Perspectivas, recebeu o primeiro prémio do programa de Griha Patrika Puraskar Yojana promovido pelo Departamento da Língua Oficial, Ministério do Interior, Índia. A fotografia mostra a Presidente da Índia, Dra. Pratibha Devi Singh Patil, a entregar o prémio a Dra. Parbati Sen Vyas, Secretária (NE), Ministro dos Negócios Estrangeiros, no dia 14 de Setembro 2009 em Vigyan Bhavan, Nova Deli. Editor Navdeep Suri Sub-Editor Neelu Rohra A Índia Perspectivas é publicada mensalmente em inglês, francês, alemão, espanhol, português, russo, italiano, cingalês, língua indonésia, persa, árabe, pashto, urdu, hindi, bengalês e tâmil. As ideias exprimidas nos artigos pertencem aos contribuidores e não necessáriamente à Índia Perspectivas. Todos os artigos originais e re-impressões podem ser livremente reproduzidos com reconhecimentos. As contribuições editoriais e cartas devem ser enviadas para o Editor da Índia Perspectivas, 140 ‘A’ Wing, Shastri Bhawan, New Delhi-110001. Telefones: +91-11-2338 9471, 2338 8873, Fax: +91-11-2338 5549 E-mail: [email protected], Sítio: http://www.meaindia.nic.in Para obter um exemplar de Índia Perspectivas por favor entre em contacto com a embaixada indiana no seu país. Este número foi publicado para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Deli, por Navdeep Suri, Secretário-Adjunto, Departamento de Diplomacia Pública. Desenho e impressão por Ajanta Offset & Packagings Ltd., Delhi-110052. Editorial A Índia Perspectivas continua a sua tradição de oferecer conteúdos que são visualmente atraentes e intelectualmente estimulantes. Este número tem uma gama extraordinariamente diversa de artigos, abrangendo áreas tão variadas como a ciência, a arte e a história até ao artesanato, a literature, o desporto e as viagens. A decisão da ONU de emitir um selo comemorativo que marca a adopção global do dia do aniversário de Mahatma Gandhi – o dia 2 de Outubro – como o Dia Internacional da Não-Violência é uma ocasião para reflectir sobre o profundo impacto que Gandhi teve nas lutes pela liberdade em diferentes partes do globo. Lakshadweep BITTU SAHGAL 2 O Vale das Flores DEEPANKAR ARON 8 O cume da aventura RAMESH TRIPATHI Chandrayaan 1, a primeiro missão lunar da Índia, a sua histórica descoberta de moléculas de água na superfície lunar e a chegada da bandeira indiana à lua merecem um destaque especial. A catedral de Medak, uma maravilha da arquitectura gótica, oferece uma nova perspectiva sobre a rica herança secular da Índia. O Vale das Flores nos Himalaias e o paraíso de coral em Lakshwadeep são um espectáculo visual para turistas no nosso país, enquanto os bordados kashida da Caxemira e os produtos artesanais de madeira dos estados de Bengala/ Orissa realçam as habilidades dos artesãos indianos, aperfeiçoadas ao longo das gerações. Uma linda narrativa sobre a evolução de uma forma classica de dança da Índia setentrional – kathak, um vislumbre do patrimônio budista impar de Sanchi, um tributo ao célebre D.K. Pattamal e uma recensão do inovador livro electrónico do icónico artista MF Hussain procuram satisfazer a curiosidade cultural e literária dos nossos leitores. Temos um toque desportivo com artigos reconhecendo a contribuição que Sachin Tendulkar fez ao mundo de criquete e a proeza do comandante R.C. Tripathi, que alcançou o mais alto salto de pára-quedas na região da montanha Everest. Vamos concluir este número a partilhar convosco o nosso sentimento de orgulho. Bharat Sandarsh, a edição de língua hindi da Índia Perspectivas, recebeu o primeiro prémio do programa para publicações ‘Griha Patrika Puraskar Yojana’ do Governo da Índia. 56 Recensão literária M F Husain – Sem títulos APARNA S REDDY 64 A arte viva PREETI VERMA LAL A não-violência: a herança global de Gandhi SAVITA SINGH 20 Damal Krishnaswamy Pattamal RENUKA NARAYANAN 26 36 72 LEELA VENKATARAMAN O fio dourado da Índia PUPUL DUTTA & APARAJITA GUPTA 42 BINOO K. JOHN 73 76 Kashida Uma sinfonia de bordados de Caxemira UPENDRA SOOD 48 Reportagem fotográfica Navdeep Suri Os bonecos de Bengala/Orissa DILIP BANERJEE 52 78 A dança kathak Sachin Tendulkar Para além da lua RADHAKRISHNA RAO PRAMOD KUMAR KG & NAMITA GOKHALE Tributo A catedral de Medak RAMCHANDER PENTUKER Butão Um vislumbre da história Sanchi BENOY K BEHL 68 Capa: O Vale das Flores Fotografia: Suresh Elamon. 88 Lakshadweep boca, virou-se e ‘voou’ sem esforço nesse seu universo azul, para além da ‘muralha’ que demarca o vasto Mar Arábico. Tinha trabalhado quase toda a minha vida para proteger as tartarugas e essa única tartaruga selvagem reforçou o propósito da minha missão. UM PARAÍSO DE CORAL Mergulhar num vasto e claro oceano é uma experiência fascinante. É como estar no útero da natureza. Estamos à mercê da natureza e a confiança e a sobrevivência fundem-se completamente. Depois de conquistar a claustrofobia inicial e descobrir que respirar debaixo da água com as bombas de ar é muito fácil… deixe-se dominar pelos elementos. Não vai ouvir nenhum som para além da sua própria respiração. Para os principiantes tudo é novo e mágico. Na terra também, é uma experiência primordial e mágica dormir e acordar ao som do mar, de onde toda a vida terrestre originou. BITTU SAHGAL As ilhas situam-se no meio do oceano Índico entre 220 e 440 quilómetros ao largo da costa de Kerala na cordilheira de Chagos, que corre do norte ao sul. Partilham uma biodiversidade comum com destinos exóticos como as Ilhas Maurícias e as Maldivas. Remotas mas populadas, essas ilhas já são um destino preferido para turistas indianos à procura de aventuras. Sempre tive a vontade de visitar as ilhas de Lakshadweep, durante décadas, mas tive a impressão (errónea) que era quase impossível chegar lá a partir de Bombaim, onde moro. Ao fim de Dezembro de 1997, apanhei um voo a Cochim, daí marquei uma passagem no famoso navio ‘Tipu Sultan’, que demorou uma noite, e finalmente apanhei um ‘pablo’ – os pequenos barcos que servem como táxis flutuantes no arquipélago. A tartaruga verde viu-me antes que eu vi a tartaruga. Eu ainda estava a aprender a mergulhar e concentrei-me completamente em conseguir respirar, sem perder Mitali Kakkar, a minha instrutora, de vista. Reparei na tartaruga apenas quando estava mais ou menos a um metro de distância. Veio até o meu lado, tocou (beijou!) a minha máscara com a sua A ilha de Kalpeni. Sumer Verma/Sanctuary Photo Library Anish Andheria/Sanctuary Photo Library Uma vista aérea da ilha de Agatti. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 2 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 3 Sumer Verma/Sanctuary Photo Library Sumer Verma/Sanctuary Photo Library Uma tartaruga-das-pentes com um mergulhador. Foi uma viagem tranquila e a vida em Kadmat - a ilha onde Mitali e a sua equipa na associação de conservação Reefwatch Marine Conservation gerem uma escola excelente de mergulho - era confortável e bonita. Como qualquer paixão, a única coisa que ocupava os meus pensamentos em Lakshwadeep era aprender a mergulhar. Tanto que passei apenas uma manhã em dez dias à procura de pássaros (havia grandes grupos de andorinhas, incluindo as andorinhas do mar escuras (Sterna fuscata), A grande andorinha (Sterna bergii), a andorinha de feições brancas (Sterna repressa,) e gaivotas, a garça-dos-recifes ocidental (Egretta gularis), maçarico-real (Numenius arquata) e alfaiates (Recurvirostra avosetta). Hoje em dia, claro, há voos directos entre Cochim e Agatti, assim assegurando que é muito mais fácil visitar as ilhas. O arquipélago de Lakshwadeep é muito pequeno quando comparado com as ilhas de Andaman e Nicobar. O arquipélago de Lakshadweep consiste em apenas 36 ilhas, 12 atóis, 3 recifes e 5 restingas. Tem uma superfície terrestre de apenas 32 quilómetros quadrados mas as lagunas dentro dos atóis cobrem cerca de 4.200 quilómetros quadrados. Apenas 10 das ilhas são habitadas, em ordem alfabética: Agatti (que tem uma pista para aviões), Amini, Andrott, Bitra (com apenas 100 habitantes), Chetlat, Kadmat, Kalpeni, Kavaratti (10,000 habitantes), Kiltan e Minicoy. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 4 Coral Kadmat, uma ilha esguia, tem uma largura de apenas 550 metros ao ponto mais largo e mede oito quilómetros de comprimento. Tem praias de areia branca e fina e pequenas lagunas ao este e ao oeste. Juntamente com Agatti e Bangaram, Kadmat oferece uma óptima qualidade de alojamento e hotéis de luxo para turistas que são comparáveis com os melhores do mundo em termos das suas práticas ambientais. Ao contrário que as ilhas Andaman e Nicobar, as lagunas aqui oferecem um ambiente plácido para nadadores e são seguros durante todo o ano. Como na maioria das culturas insulares, o povo local é mais que amigável. Muitos dos habitantes já são peritos na arte de mergulhar também e alguns são entre os melhores naturalistas marinhas na Índia. Podem identificar centenas de espécies de peixes e invertebrados à vista. Para além dos mariscos, as nozes de coco são uma importante fonte de nutrição. Todavia, muitas das provisões dos habitantes vêm do continente através dos navios e recebem subsídios estatais. A maioria dos habitantes fala Jesseri, uma forma da língua malaiala com traços de árabe, mas os residentes de Minicoy falam mahl, que é uma língua bastante diferente, falada também nas Maldivas. Durante séculos, a vida e as tradições dos habitantes do arquipélago ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 5 Os habitantes não pescam durante a monção. É proibido caçar as tartarugas e os golfinhos embora de vez em quando pescase um animal para comer. As tartarugas verdes, as tartarugasde-pente e as tartarugas olivas (Lepidochelys olivacea) todas vêm ao arquipélago para procriar e põem os ovos em praias onde não há cães domésticos. Reefwatch e outras ONGs trabalham com a administração da ilha para educar as crianças sobre o valor de sítios como a ilha de Pitti, 25 quilómetros noroeste de Kavaratti, onde as andorinhas do mar escuras e os anous constroem os seus ninhos e onde recolher os ovos dos Pitti pakshi (pássaros de Pitti) é proibido, embora alguns dos anciões resmungam sobre essa medida! Sumer Verma/Sanctuary Photo Library Sumer Verma/Sanctuary Photo Library Sumer Verma/Sanctuary Photo Library (hoje em dia cerca de 60.000 habitantes) asseguraram que o lenço de água doce e potável debaixo da superfície continuou puro e cristalino. Mas já não têm nenhum controle sobre as práticas dos outros e é um assunto que lhes preocupa mais que o lixo e os esgotos que os navios despejam nas suas águas límpidas. ◆ O autor é o editor da revista ‘Sanctuary Asia’. Sumer Verma/Sanctuary Photo Library Sumer Verma/Sanctuary Photo Library Ninguém pode dizer que viu o melhor da Índia se ainda não visitaram este paraíso na terra! ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 6 Página de frente: um tubarão Triaenodon obesus (em cima) e Lutjanus gibbus (em baixo). Camarão Thor amboinensis (em cima à esquerda); peixe-palhaço (no meio) e Enchelycore pardalis (à esquerda). ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 7 O Vale das Flores Texto & fotografias: DEEPANKAR ARON O Vale das Flores, um parque nacional no seio dos Himalaias, contém cerca de 521 espécies de plantas e foi declarado um Património Mundial pela UNESCO. Balsam Potentilla Popoula azul Faertais cor-de-rosa Epilobium Latifolium Cocinea Pendicularis Brahmakamal (Saussurea obvallata) ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 Hyacinthus orientalis 10 Cynas thuslobatus Solidasa ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 11 O vale de Bhyndar é sem dúvida uma maravilha de natureza. As plantas começam a dar flores a partir de Maio, quando a neve começa a derreter. Esse espectáculo da natureza continua até Setembro, quando um manto de neve cobre toda a região mais uma vez. O caminho até o vale começa em Govindghat, onde se pode alugar um cavalo ou até um palki (uma espécie de palanquim). É um passeio confortável de 10 quilómetros até Bhyndar. Depois de atravessar o Rio Bhyndar, é necessário percorrer um trilho íngreme durante os últimos 3 quilómetros até a vila de Ghangaria. Ouvimos centenas de peregrinos sikhs a cantar o hino ‘Wahe Guru’ enquanto caminhavam até Hemkund Sahib (4.300 m), a animar o ambiente. Há numerosas dhabas (tascas), quase de 200 em 200 metros, que oferecem refrescos ao longo do caminho. A aldeia de Bhyndar é rodeada de montanhas, cataratas e bosques de árvores coníferas nas encostas. Tradicionalmente, utilizava-se a casca das árvores bétulas - chamado bhojpatra – para escrever os textos antigos. Esta parte do percurso é repleto com as rosas cor-derosa e brancas (Rosa Webiana e Rosa Macrophylla), para além de Bhaumin Dhaur. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 outras plantas que dão flor, como Impatiens, Rosocea purpurea, etc. ajudando a criar um ambiente apropriado. O nosso entusiasmo aumenta na medida em que nos aproximamos a Ghangaria, depois de um passeio de cinco horas a pé, entre bosques cheios de flores de asteres e senecio (durante o mês de Agosto). Para além de um quartel militar, Ghangaria também tem uma pista para helicópteros. “O tempo no vale muda tão rapidamente que a moda em Bombaim!” Esse comentário de um habitante local foi um aviso oportuno, embora tínhamos esperanças de encontrar um dia ensolarado no vale. Partindo cedo na manhã seguinte, começámos o nosso passeio através do vale atravessando a ponte sobre o Rio Pushpawati perto de Pairra, cerca de um quilómetro longe de Ghangaria. O trilho estava rodeado por flores potentillas vermelhas e amarelas, asteres roxos e brancoes, lagularias amarelos, etc. Seguimos um caminho íngreme numa direcção norte-sul, ao longo da margem direita do Rio Pushpawati. A região perto da margem esquerda do rio nessa parte do vale chama-se Nagtal, devido à presença de inúmeros Uma catarata alimentada pelas águas geladas das neves a derreter. 12 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 13 Numerosos riachos descem dos altos picos, onde a neve derrete, formando cataratas ao longo do caminho antes de se fundirem com o Rio Pushpawati. lírios-cobras (Arisaema Tortuosum). Pode-se atravessar para o outro lado pelas pontes de gelo que se formam durante os invernos, que ficam até Junho ou Julho. Todavia, é aconselhável testá-las para ver se estão suficientemente fortes. Na medida em que prosseguimos ao longo da margem direita do rio, vimos geránios roxos e cor-de-rosa, pendicularis cor-de-rosa, grupos de anaphalis brancos e angelica cylocarpa em tons de branco e amarelo. O próximo traço geográfico do vale situa-se cerca de 2-3 quilómetros longe de Baumin Dhaur e chama-se Bistoli-Kundaliyasayn. Essa região tem inúmeras espécies como o Delphinium azul, as flores com a forma de sinos do Codonopsis Viridis, grandes e contínuos grupos de pequenas flores brancas que se chamam Selenium Tenuifolium, pequenas e exóticas flores cor-de-rosa a nascer radialmente de hastes de 10 centímetros conhecidas como Morino Longifolia, frutos esféricos azuis que crescem num arbusto chamado Gaultheria Trichophylla. A variedade de flores é deslumbrante. Virámos à direita e começámos a caminhar na direcção norte-este. Chegamos a um sítio no vale central que se chama Baumin Dhaur (3.450m), cerca de 4 quilómetros longe de Ghangharia. Novas vistas abriram-se a nossa frente com o pico de Rataban claramente visível no fundo do vale. Há enormes rochas nesse sítio. Aliás, o sítio chama-se Baumin Dhaur (dhaur significa caverna) devido a uma estrutura formada por uma rocha que parece uma caverna. Para chegar a esta região de Baumin Dhaur e ir além, temos que atravessar muitos riachos sem pontes. Então, é bastante comum encontrar-se no meio da água de um riacho, com os pés molhados durante algum tempo! Baumin Dhaur tem um tapete cor-de-rosa, com milhares de flores da espécie impatiens sulcata, conhecido localmente como balsam. O tapete cor-de-rosa de balsam misturado com as flores brancas do Polygonum Polystachum é uma das mais espectaculares vistas do vale. Ao norte e ao sul vimos altas montanhas rodeando o vale. Cerca de 2-3 quilómetros em frente de Bistoli, o rio fica mais plano e desvia-se, antes de convergir mais uma vez em frente. Esta região Suresh Elamon Hemkund Sahib. Suresh Elamon Visitantes ao caminho a Hemkund Sahib. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 14 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 15 chama-se Drunager-Sevachand. Ao lado do riacho, há uma profusão de flores roxas e cor-de-rosas de Epilobium Latifolium. Começamos a nossa viagem de regresso a partir deste ponto, cerca de 6-7 quilómetros longe de Ghangaria. altitude. Muitas outras espécies, como Brahmakamal (Saussera Oblavata, a flor oficial do estado de Uttarakhand) apenas se encontram nas altitudes mais altas, entre 3.600 m e 4.500 m. Assim, foi mais fácil ver estas espécies aqui que no vale porque seria necessário viajar muito longe e alto no vale para as encontrar. A natureza exótica desta flor é muito evidente, com o seu exterior frágil, cor verdeamarelo, na forma de um couve. É utilizada para ofertas religiosas nos templos serranos. No próximo dia partimos na direcção de Hemkund Sahib. Foi o segundo dia consecutivo sem sol mas ao mesmo tempo os deuses da chuva também nos pouparam! Este passeio de cerca de 5-6 quilómetros envolve subir desde 3.000 m até cerca de 4.300 m e acabamos por alugar umas mulas para a subida, porque decidimos conservar as nossas energias para o caminho de volta e para fotografar a flora e fauna ao longo do percurso. Vimos algumas lindas espécies de flores durante o passeio até Hemkund Sahib. Aliás as plantas florescem em épocas diferentes em Hemkund Sahib e no seio do vale, devido às diferenças de O trilho até o vale começa em Govindghat. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 16 Suresh Elamon O regresso foi rápido e foi quase sempre a descer. Encontrámos muitos turistas estrangeiros da Alemanha, Espanha, Israel, Holanda, etc. Entre os indianos, os turistas de Bengala dominaram sem dúvida, seguidos por visitantes de Maharashtra! Mais que meio caminho a subir, uma vista das magníficas papoulas azuis dos Himalaias (Meconopsis Aculeata) com quatro pétalas redondas e uma cor delicada seduziu-nos completamente. As pétalas abrangem o pólen amarelo no centro. Uma planta típica tem uma altura de cerca de 50 centímetros e tem cerca de 3 a 4 flores, enquanto a haste tem pelos como espinhos para proteger as flores. Também se encontra a papoula azul no vale na região ao redor de Pairra e Nagtal (usualmente perto de rochas e pedras). O Vale de Flores estende sobre uma área de cerca de 87,5 quilómetros quadrados, com uma altitude que varia entre 3.200m a 6.600m. O núcleo principal, de cerca de 10 quilómetros quadrados, corre na direcção de este a oeste ao longo do Rio Pushpawati. Esse rio nasce no glaciar de Tipra, situado no canto nordeste do vale. O vale é rodeado por montanhas em todos os lados, os mais importantes picos são Nar Parbat (5.245m) e Nilgiri Parbat (6.479m) ao norte, Rataban (6.126m) ao nordeste, Gauri (6.590m) no este e Saptsring (5038m) no sul e Kunt Khal (4.430m) ao sul-oeste. O Rio Pushpawati desce ao longo do vale para se fundir com o Laxman Ganga em Ghangaria (3.000m), a vila que serve como a base para as actividades turísticas, para formar o Rio Bhyndar. Em seguida, o Rio Bhyndar funde-se ao oeste com o Rio Alaknanda, um tributário do Rio Ganges, em Govindghat (1.800m), 22 quilómetros longe de Joshimath. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 Na medida em que nos aproximámos a Hemkund Sahib, vimos uma profusão de flores. As amarelas Thespesia Lampas; Penduncularis e Cremanthodium Arnicoides, as roxas Phlomis Bracteosa, a azulroxo, pequena e linda Hackelia Uncinata, as pequenas flores cilíndricas de Bistora Affinis... foi um banquete visual para os olhos! 17 Logo prestámos homenagem no templo sikh (Gurudwara) em Hemkund Sahib, depois de um banho sagrado no lago de Hemkund, que é alimentado directamente pelas neves do glaciar ao lado. A área é rodeada por lindos picos cobertos de neve, incluindo Neelkanth. É muito difícil ver os picos durante os meses de Julho e Agosto devido à formação de nuvens pesadas na região. Há também um templo dedicado a Laxman nesta zona. A lenda reza que Hanuman (conforme narrado na epopeia Ramayana) veio a esta região à procura do sanjivini, uma planta medicinal que era necessário para resuscitar Laxman, que tinha sido ferido na batalha contra Ravana. Não sabendo como identificar a planta desejada, Hanuman simplesmente levou toda a montanha consigo. No quarto dia acordámos com um céu limpo. Partimos rapidamente na direcção de Baumin Dhaur, para realizar o nosso sonho de ver o vale debaixo do sol. Hoje, o passeio parecia completamente diferente. O mesmo trilho tinha uma nova vida, com os raios dourados a fazer uma valsa com as montanhas, com a neve e com as nuvens. Logo voltámos a Baumin Dhaur, com o majestoso pico de Rataban em cima de nós. Todavia, infelizmente, havia nuvens brancas em cima da montanha (as nuvens formam-se O vale de Bhyndar. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 18 O Rio Pushpawati (em cima) e rododendros (à direita). seria ao fim de Junho ou nos inícios de Julho, para ter uma vista completamente diferente do vale. Uma vista que seria cheia de rododendros vermelhos, orquídeas exóticas, as primulas em variadas cores e os grupos de potentillas vermelhas, campos cheios de anemones brancos. Iamos ver mais um arco-íris de cores nessa viagem... muito rapidamente a essa altura devido à presença dos glaciares), escondendo o céu azul. Foi o mais perto que chegámos a realizar esse sonho! Os cinco dias do nosso sojorno em Ghangaria culminaram no desenvolvimento de uma espécie de laço emocional com o vale. A nossa viagem de regresso de Ghangaria a Govindghat foi abençoada com um céu limpo e cheio de sol. A mesma aldeia de Bhyndar rodeada por montanhas a brilhar no sol, contra um céu azul com nuvens de vez em ◆ O autor escreve sobre as suas viagens. quando foi uma vista magnífica, um grande contraste à nossa vista inicial num dia cinzento quando fomos a Ghangaria há cinco dias! Todavia, já estávamos a fazer planos futuros. Sabiamos que a nossa próxima visita ao vale ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 19 A NÃO-VIOLÊNCIA: A HERANÇA GLOBAL DE GANDHI SAVITA SINGH Mahatma Gandhi ensinou ao mundo a doutrina de não-violência, como um instrumento activo e positivo para a resolução pacífica dos conflitos internacionais. O facto que a ONU declarou o dia 2 de Outubro como o Dia Internacional da Não-Violência reafirma a importância da visão de Gandhi. leu os ensinamentos de Gandhi enquanto estudava para seguir uma vida eclesiástica. O jovem foi inspirado pela sua filosofia da resistência sem violência. Viu que as técnicas radicais de Gandhi conseguiram introduzir grandes mudanças sociais na Índia e perguntou-se se essas mesmas técnicas podiam funcionar no seu próprio país. King ficou impressionado que Gandhi tinha aprendido livrar-se de qualquer ódio pelos seus opressores. Apreciou o raciocínio de Gandhi que ao purgar ódio do seu corpo, podia-se conseguir o bem da humanidade. Gandhi levou a mensagem de Cristo de ‘ama o seu inimigo’ a um novo nível. África do Sul chegou à sua conclusão lógica com a luta pela independência do povo da África do Sul, sob a liderança carismática de Nelson Mandela, que também se transformou num ícone. Nelson Mandela foi inspirado pela firme crença que o reverendo Martin Luther King tinha nos princípios de Gandhi. Martin Luther King, Jr., o proeminente líder estadounidense dos direitos civis durante as décadas dos 50 e 60, Albert Einstein H oje em dia Mahatma Gandhi é conhecido pela sua contribuição impar não apenas para a independência da Índia mas também pela causa da paz mundial. Ensinou-nos a doutrina da não-violência, não como uma submissão passiva ao mal mas como um instrumento activo e positivo para a resolução pacífica dos conflitos internacionais. Mostrou-nos que o espírito humano é mais potente que o mais poderoso dos armamentos. de 1906 na África do Sul. As raízes da palavra satyagraha derivam-se do sânscrito. É uma palavra composta, uma combinação de satya e ãgraha. A palavra satya (verdade) deriva-se da palavra sat em sânscrito, que significa ser ou existir eternamente, enquanto ãgraha significa manter-se fiel, aderência. Juntamente, significam uma insistência na verdade, aconteça o que acontecer. Com a sua fé intensa na Verdade e na Não-Violência, ele conseguiu transformar a actividade política num movimento maciço, que descreveu como satyagraha. Satyagraha baseia-se no conceito da dignidade humana e dos esforços humanos e gradualmente evoluiu para uma teoria de acção política e social sem violência, que Gandhi lançou no dia 11 de Setembro ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 20 A viagem de satyagraha, que começou na África do Sul, estendeu até à costa de Dandi, até aos campos das 700.000 aldeias da Índia e até países distantes. A palavra satyagraha ficou muito popular durante a luta pela independência na Índia e foi assimilada no léxico político indiano. Nas palavras do reverendo Martin Luther King Jr., o famoso líder do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos da América, “A escolha não é entre a violência e a não-violência, mas é uma escolha entre não-violência e a aniquilação”. King afirmou que Gandhi tinha sido o primeiro a perceber a verdade que “A escuridão não pode vencer a escuridão, apenas a luz pode vencer a escuridão. O ódio não pode vencer o ódio, apenas amor pode vencer o ódio…” A novidade do movimento de satyagraha que Gandhi dinamizou na Índia alicerçou Foi mera sorte que levou Mahatma Gandhi à África do Sul, o grande teatro de acção. A luta contra a discriminação racial que ele começou na Dr. Martin Luther King Júnior (1929-1968) cumprimenta um público de mais que 200.000 pessoas reunidas em Washington DC depois do seu famoso “Tenho um sonho...” discurso no dia 28 de Agosto de 1963. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 21 uma revolução na esperança e no amor, na esperança e na não-violência. Como Gandhi e Martin Luther King, Jr., o sul-africano Nelson Mandela transformou-se num líder devido a circunstâncias extraordinárias. Um activista que passou 27 anos na prisão, Mandela ajudou livrar a África do Sul do apartheid e foi nomeado como o primeiro presidente negro desse país em 1994. Talvez o maior impacto que os ensinamentos de Gandhi tiveram em Mandela e no ANC foi a tolerância. O partido de Mandela uniu hindus, muçulmanos, cristãos e judeus. Esses diversos indivíduos tinham um objectivo comum – livrar o país do jugo colonial. Devido à sua capacidade de encontrar um ‘plataforma comum’, Mandela recebeu uma honra especial em 1993 – o prémio Nobel de Paz. No seu discurso ao aceitar o prémio, Mandela ecoou as palavras de Gandhi. Insistiu que ele era meramente “um representante de milhões de pessoas em todo o mundo que reconheceram que fazer mal a uma pessoa significa fazer mal a todos os habitantes do planeta”. Durante a sua visita à Índia em 1990, logo depois de sair da prisão, Mandela disse, “Gandhi é a chave para o futuro da humanidade, seguem-no com todo o coração”. Num outro canto do mundo, na República Checa, um outro admirador de Gandhi, em diferentes partes do mundo. A sua mensagem de paz e tolerância continua a ter um significado especial, mesmo sessenta anos depois da sua morte. Vaclav Havel, ganhou louvores internacionais devido a sua aderência à não-violência como um instrumento para a transformação social e político. Sob a liderança de Vaclav Havel, acabaram-se os dias de política complacente. Quando Havel surgiu como o homem do momento no seu país, as suas qualidades de liderança e visão inspirou a imaginação de milhões de pessoas em todo o mundo. Não foi surpreendente que, para muitos dos seus compatriotas, as palavras ‘Havel’ e ‘Checo’ foram quase sinónimos. Nelson Mandela Há uma procura para novos valores sociais e religiosos, que nos remete para o diálogo que Mahatma Gandhi manteve com Ruskin, Tolstoy e outros grandes pensadores, e os seguidores de Gandhi como o reverendo Martin Luther King Jr., Nelson Mandela e Vaclav Havel. As ideias de Gandhi têm uma tamanha riqueza que podem ser aplicadas igualmente a sociedades desenvolvidas e em via de desenvolvimento. O próprio Ganhdi acreditou que as suas ideias iam inspirar pessoas dentro e fora da Índia. Vaclav Havel admitiu a sua profunda admiração para o princípio de não-violência formulado por Mahatma Gandhi. Acreditou firmemente que “A revolução de veludo na Checoslováquia teria dissipado se não fosse pelo protesto democrático sem violência”. Afirmou que, “Sem o exemplo de Gandhi eu nunca teria tido a inspiração necessária.” O conceito que Mahatma Gandhi formulou – de não cooperar, sem violência, uma técnica conhecida como satyagraha – é uma ideia política original. Como técnica, a violência tem uma história de milhares de anos. Como uma filosofia social de acção a não-violência está apenas numa fase inicial. O futuro esperanos. As grandes experiências e realizações ainda hão de acontecer. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 As palavras de Gandhi tiveram um impacto indelével, mas ele quis que as suas acções fossem eternas: “Quero que as minhas escritas sejam queimadas com o meu corpo. São as minhas acções que permanecerão para sempre, não aquilo que eu disse ou escrevi.” Na verdade, a herança dos feitos de Gandhi ainda ressona 22 Mahatma Gandhi sacrificou-se como um indivíduo para as causas maiores da liberdade e dos direitos humanos. Depois da sua morte transformou-se num símbolo dos princípios que ele sempre defendeu – a verdade e a não-violência. Segundo Gandhi os dois elementos eram essenciais para alcançar a paz mundial. Sabia que uma força incrível seria necessária para a humanidade atingir esse objectivo, mas pensou que esse esforço era indispensável: “Talvez nunca seremos suficientemente fortes para alcançar a não-violência global, nos nossos pensamentos, palavras e acções. Mas temos que manter a não-violência como o nosso objectivo e continuar a avançar nessa direcção …A verdade de alguns indivíduos fará uma diferença. A falta de verdade de milhões desaparecerá como se tivesse sido varrido pelo vento.” Talvez um mundo sem guerra, pobreza, fome e a intolerância ainda seja possível. Vê-se um raio de esperança no horizonte. Em Junho de 2007 a ONU declarou o dia 2 de Outubro, a data do aniversário de Mahatma Gandhi, como o Dia Internacional da Não-Violência. o tecido da nossa civilização. É um processo de diálogo com os indivíduos que ousaram caminhar pelos trilhos forjados por Mahatma Gandhi. Acima de tudo, é a nossa homenagem humilde a um cientista social revolucionário - Mahatma Gandhi – e à sua eterna mensagem à humanidade “A minha vida é a minha mensagem”. Um homem simples, gentil e aparentemente frágil que conquistou os corações das pessoas, Mahatma Gandhi entendeu o risco de opor-se a países armados e repletos de abusos – mas não tinha medo deles. Desde a sua juventude até à sua morte continuou a encontrar conforto na sua fé, na verdade e na sua coragem. Vaclav Havel Albert Einstein manifestou a sua fé em Mahatma Gandhi quando disse: “Vamos fazer tudo que podemos fazer para assegurar que toda a gente do mundo possa aceitar os ensinamentos de Gandhi como a sua política básica antes que seja tarde demais.” Quando procuro a nãoviolência, A verdade diz, “Encontrá-la-ás através de mim”. Quando procuro a verdade, A não-violência diz, “Encontrála-ás através de mim”. Também reafirma a nossa crença que hoje em dia a filosofia de Mahatma Gandhi continua a ser uma experiência viva, que tem o potencial para dinamizar transformações, inspirando um movimento global de não-violência. – M.K. Gandhi ◆ A autora é a directora de Gandhi Smriti e Darshan Samiti em Nova Deli. Gandhi dedicou toda a sua vida à causa de interpretar o espírito eterno de satyagraha. Devemos reflectir como é que essa revolução maciça aconteceu na Índia sob a liderança de Gandhi sem a violência que aconteceu nos outros países da Ásia e da África. É uma tentativa a procurar uma alternativa à violência, que ameaça destruir ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 23 A ONU LANÇA UM SELO DEDICADO A MAHATMA GANDHI Em Junho de 2007 a Assembleia Geral da ONU adoptou a Resolução nº 61/271, proposta pela Índia e apoiada pelos 192 membros da ONU, pela qual declarou o dia 2 de Outubro – o dia do nascimento de Mahatma Gandhi – como o “Dia Internacional da Não-Violência”. A resolução convida todos os estados membros, as organizações da ONU, as organizações regionais e não-governamentais e indivíduos a comemorar esse dia e disseminar a mensagem da não-violência, incluindo através da educação e campanhas públicas para promover o conhecimento. Lançamento do selo comemorativo e do cartão comemorativo emitidos pela Administração Postal da ONU no dia 2 de Outubro de 2009. Na fotografia, da esquerda à direita: Dra. Susan Rice, Representante Permanente dos EUA, Dr. Ali A. Treki, Presidente da Assembleia Geral da ONU, Dra. Asha Rose Migiro, Vice Secretária-Geral da ONU e Embaixador H.S. Puri, Representante Permanente da Índia. The legacy of Mahatma Gandhi and his doctrine of non-violence resonate deeply at the United Nations. Non-violence is central to protecting human rights, achieving disarmament and nonproliferation, and helping secure peace in conflict-torn countries. The United Nations will continue to advocate non-violence and to promote a culture of peace. Ultimately, non-violence must prevail at every level, from individuals to governments, for peace to be lasting and true. BAN Ki-moon Secretary-General of the United Nations Non-violence is the path to enduring peace. Para comemorar o Dia Internacional da Não-Violência, S.E. Dr. Ali Abdussalam Treki, o presidente da Assembleia Geral da ONU, e S.E. Drª. Asha-Rose Migiro, a Vice Secretária-Geral da ONU, lançaram um selo comemorativo e um cartão comemorativo no dia 2 de Outubro de 2009, num evento realizado na Biblioteca Dag Hammarskjold na sede da ONU em Nova Iorque. O selo, com o valor de um dólar, foi desenhado pelo famoso artista estado-unidense Ferdie Pacheco e foi emitido pela Administração Postal da ONU. Apresenta um retrato artístico de Mahatma Gandhi. O cartão comemorativo tem um bloco dos novos selos e uma mensagem do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, S. E. Dr. S.M. Krishna e do Secretário-Geral da ONU, S. E. Dr. Ban Ki-Moon. S. M. Krishna External Affairs Minister of India ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 24 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 25 Sanchi A UMA MARAVILHA DE ARTE BUDISTA Texto e fotografias: BENOY K BEHL A arte do período Sunga, entre 185 e 73 a.C., estabeleceu os alicerces das ricas tradições artísticas dos séculos seguintes. A arte budista mais antiga, representando temas da vida do Buda e das histórias jatakas, floresceu durante o reinado dos reis Sunga, que adoravam divindades hindus. Esses monarcas generosamente doaram os rendimentos de muitas aldeias para promover e manter sítios de culto budistas. SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 Essas formas mundanas consistem em portas e divisões, que separam o mundo quotidiano do interior sagrado. As suas representações ajudam-nos a apreciar todas as formas da vida na sua verdadeira perspectiva, como um reflexo da verdade eterna, sem forma, que devemos alcançar. Para além das portas e das divisões há uma representação profundamente simples: um stupa, que nos indica a verdade que devemos seguir, deixando para trás as atracções e as coisas materiais deste mundo. Uma outra tradição que foi claramente estabelecida durante esse período é o patrocínio real (sempre indirecto durante a fase Pormenor, Vessantra Jataka, porta setentrional, superfície interior. Príncipe Vessantra é uma anterior encarnação do Buda. Nesta história jataka ele exemplifica a qualidade de generosidade. Doa tudo que tem e acaba com nada. A porta setentrional, vista do interior. ÍNDIA PERSPECTIVAS arte do período Sunga, entre 185 e 73 a.C., estabeleceu os alicerces das ricas tradições artísticas dos séculos seguintes. A harmonia e a inter-relação de toda a criação é um tema omnipresente. Sempre há a eterna árvore da vida, que nos mostra as numerosas riquezas do mundo ao nosso redor. Apresentam-se as formas com uma apreciação da sua beleza e da sua fertilidade abundante, que assegura a continuação da vida. 26 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 27 inicial) de todos os monumentos sagrados. A arte budista mais antiga, representando temas da vida do Buda e das histórias jatakas, floresceu durante o reinado dos reis Sunga, que adoravam divindades hindus. Esses monarcas generosamente doaram os rendimentos de muitas aldeias para promover e manter sítios de culto budistas. A cidade de Vidisha, hoje em dia Besnagar no estado de Madhya Pradesh, situava-se na rota comercial que ligava as planícies do Rio Ganges à costa ocidental da Índia. Era um grande pólo comercial, um empório no meio das vastas e férteis planícies da Índia Central. Entre os objectos mais antigos que foram encontrados aqui há uma grande coluna de pedra com uma inscrição, datada a cerca de 120 a 100 a.C. Foi erguida por um devoto grego chamado Heliodoro, para honrar Vasudeva, um dos numerosos nomes do deus indiano Vixnu. Em Sanchi, numa colina baixa ao lado de Vidisha, é possível ver os mais magníficos stupas budistas do período antigo. Meio caminho pela colina há um stupa que contém os corpos dos mais conhecidos mestres budistas do período Maurya. A grade ou vedika ao redor do stupa data de cerca de 100 a.C. O vedika é adornado com medalhões e metades de O Sonho da Rainha Maya, porta oriental. Um excelente exemplo das cenas narrativas é a cena que representa o sonho da Rainha Maya. Segundo a tradição budista, o Buda veio à Rainha Maya como um elefante branco no seu sonho e entrou no seu útero. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 28 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 29 Página de frente: Lakshmi, Divindade de Abundância e Prosperidade, banhada por elefantes, porta oriental. Também interpretada como a Rainha Maya, a mãe do Príncipe Siddhartha. A partir do mais antigo stupa de Sanchi e do stupa de Bharhut, uma das mais antigas divindades que encontramos na arte índica é Lakshmi, que representa a abundância e a riqueza da natureza. Em cima: Criatura compósita, Stupa II. Essa imagem representa a unidade de todas as formas da vida. É uma criatura alegre e encantadora, com as qualidades de um elefante, uma vaca, um veado e até um cavalo. Toda a criação é vista com muita ternura. medalhões que contém relevos. Todas as superfícies das colunas nos cantos são esculpidas. Há uma imagem da divindade da prosperidade e abundância, Lakshmi, flanqueada por dois elefantes que a borrifam com água. Os relevos não são muito profundos e segue um estilo semelhante aos relevos de Bharhut. O mais espectacular dos stupas budistas do período antes de Cristo situa-se em cima da colina em Sanchi. É provável que tenha contido relíquias do próprio Buda. Esse stupa foi originalmente construído no século III a.C. Há uma coluna de Axoca à entrada do stupa, ao sul. No meio do século II a.C. expandiram o stupa, para o dobro do seu tamanho original, e as suas mais antigas grades de madeira foram substituídos por grades maciças de pedra. Pelo fim do século I a.C., a dinastia Satavahana, os reis da região do Decão, estenderam os seus domínios à Índia central. Adoravam as divindades hindus. Todavia, realizaram renovações significantes de pedra, assegurando que esse stupa seria um dos mais importantes monumentos budistas de sempre. Há quatro magníficas portas de pedra ou toranas, ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 30 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 31 Pormenor, A vinha interminável da força vital, porta meridional. A arte de Bharhut e Sanchi nos traz a vinha ondulante, que carrega as inúmeras formas do mundo natural. direitas, que apoiam três vigas ou arquitraves horizontais. Entre as colunas e as arquitraves, ao este e ao norte, há magníficos elefantes. A porta ocidental é adornada com anões. A porta ao sul tem leões. cada um medindo mais que 11 metros. Completaram-se no século I d.C. As tradições artísticas que foram estabelecidas durante o reinado dos Sungas alcançaram o seu auge nesses esplêndidas portas. Os anões ou ganas são representados como muito gordos, com grandes barrigas a sair dos seus dhotis (vestuário masculino indiano). Cada um tem uma cara diferente, com uma expressão facial personalizada. Os anões continuaram ser um motivo preferido dos artistas indianos durante os próximos séculos. Realçam o sentido da realidade apresentado na arte, onde o humor e o sublime coexistem, lembrando-nos que As 631 inscrições nas toranas dizem-nos que as esculturas eram doadas pelo povo de Vidisha. Essa arte foi criada para jardineiros, mercadores, banqueiros, pescadores, donas de casa, freiras e monges. Mulheres contribuíram quase metade das doações. As enormes vedikas são simples e despojadas de esculturas. As toranas têm duas colunas ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 32 tudo tem o seu lugar na nossa existência. Mais tarde, os anões seriam um tema importante nos templos dedicados à divindade Xiva. A adoração da fertilidade e da abundância da natureza, que se vê em Bharhut, é presente aqui também. As portas contem vinte e quatro mulheres auspiciosas. Na porta ao este há uma linda yakshi que agarra os ramos da mangueira em cima da sua cabeça. A noção da vitalidade criativa da natureza e a sua fertilidade é representada aqui duma forma muito realista. Embora a figura do yakshi é ligada à matriz, também é esculpida em três dimensões Pormenor, Um macaco traz mel para o Buda, coluna, porta setentrional. Quando Siddhartha decidiu desistir do seu ascetismo extremo, um macaco trouxe-lhe mel para comer. Siddhartha percebeu que privar o seu corpo de alimentos com uma abnegação rigorosa apenas enfraquecia o seu corpo e a sua mente. Ele precisava da saúde plena e positiva da sua mente para concentrar e meditar melhor. e todos os pormenores foram cuidadosamente esculpidos também na parte atrás. Como em Bharhut, há figuras masculinas nas portas também. Uma figura veste-se em trajes índicos, com um dhoti e turbante. Uma outra figura usa trajes gregos e agarra numa lança e escudo de desenho estrangeiro. Os relevos esculpidos nas portas representam as histórias dos jatakas sobre as vidas anteriores do Buda e eventos da vida de Gautama Buda. Os cenários das histórias reflectem a vida nas cidades e aldeias dessa época, quando este arte foi criado. Os relevos de Sanchi são um ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 33 dimensão, para que possa ser identificada facilmente. Um outro stupa mais pequeno em Sanchi continha as relíquias de dois discípulos do Buda, Modgalyana e Sariputra. A única porta deste stupa também foi construída sob a supervisão dos Satavahanas durante o século I d.C. Como nos stupas mais antigos, há uma visão do mundo que vê o ritmo infinito de toda a criação. A vinha da criatividade confere uma vida à vedika. Representa a vida em muitas formas: flores, frutas, animais, humanos e criaturas míticas. importante registo visual da arquitectura e do estilo da vida desse período. Aqui, a personalidade do Buda não é o foco principal. O budismo é representado por muitos símbolos. A roda representa o primeiro ensinamento da doutrina budista; a árvore bodi representa a iluminação; enquanto as pegadas humanas e o pára-sol em cima de um espaço vazio anunciam a presença do Iluminado. As portas do stupa em Sanchi apresentam um vislumbre da vida dessa época em rico pormenor. Enquanto as figuras em Bharhut são individuais, aqui é possível encontrar grandes grupos com muitas figuras. São representadas numa variedade de posturas e no meio de muitas actividades. O stupa em Sanchi tem uma inscrição na porta oriental que refere que as lindas esculturas nas portas eram feitas pelos escultores de marfim de Vidisha. Com efeito, a pedra é esculpida tão elegantemente que reflecte o cuidado e os pormenores do trabalho feito sobre marfim delicado. vasta gama de expressões, sem nenhum esforço. Os artistas de Sanchi utilizaram perspectivas múltiplas e vários pontos de vista. Assim, podiam apresentar a vista em que é mais fácil reconhecer o objecto ou a figura em questão. Os eventos e as figuras distantes são representados na parte superior do painel, enquanto as figuras que são mais perto ao público são representadas na parte inferior. Os painéis não usam a técnica da perspectiva diferenciada. Todos os elementos são considerados a ser importantes e são apresentados numa dimensão grande, com claros pormenores. Uma outra característica da arte antiga indiana é o facto que as folhas das plantas ou das árvores são representadas numa grande Topo: Pormenor, Devas graciosos, uma cena da Iluminação, porta ocidental, superfície interior. Esta cena é uma das mais finas cenas esculpidas em Sanchi, com expressões gentis e graciosas nos rostos das figuras. Esses devas reuniram-se na ocasião da Iluminação, para prestar homenagem ao Buda. Em cima: Lorde Indra com um Vajra, coluna da porta oriental. Uma das mais antigas divindades vistas na arte budista é o Lorde Indra. O vajra ou relâmpago que ele tem na mão mais tarde se transformou no símbolo da escola Vajrayana de budismo. Também já não se limitam a vistas frontais mas é também possível ver perfis de três quartos de uma figura. Os artistas de Sanchi representaram uma ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 34 No entretanto, os reis Satavahanas e os Kstrapas governaram as vastas regiões do Decão ocidental e oriental. Enquanto os monarcas eram seguidores das divindades hindus, encorajaram os estabelecimentos budistas. Inúmeras cavernas dedicadas ao Buda e numerosos stupas foram criados durante o seu reinado. (Publicado pela primeira vez na revista Frontline) ◆ O autor é um conhecido historiador da arte, cinematógrafo e fotógrafo. Adoração de um Stupa, coluna, porta setentrional. Visto que ainda não se representavam as imagens de indivíduos na arte índica nesta fase inicial, os simbolos como este stupa indicam o Buda na arte de Sanchi. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 35 UMA EXPRESSÃO VÍVIDA DA ARQUITECTURA GÓTICA A catedral de Medak Texto & fotografias: RAMCHANDER PENTUKER Um espectáculo de cor, os painéis de vidro colorido nessa catedral, que data do séc. XIX, são uma fonte de inspiração para os fiéis. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 36 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 37 C erca de 80 milhas longe de Hyderabad, em cima no árido planalto do Decão, um monumento singular ergue as suas torres na direcção do céu azul brilhante. Espalhados na zona, é possível ver as ruínas de templos, vestígios budistas, mesquitas e as típicas aldeias da região de Telangana, com os seus característicos telhados vermelhos. No horizonte, em cima de uma alta colina, há uma fortaleza que a história esqueceu. Esse é o panorama que se vê da janela do carro quando se entra nessa vila histórica – bem-vindos a Medak. Medak é a sede do distrito do mesmo nome. Hoje em dia é uma pequena vila, mas a história e a arqueologia revelam que era uma vez Medak era uma importante metrópole da cultura budista na antiguidade. Vim aqui para ver a grande igreja que o povo de Medak esculpiu dos rochedos, há mais que um século. Na medida em que me aproximei, gradualmente vi a torre da igreja, seguido pelo seu corpo maciço. Foi uma visão esplêndida. Durante Os anjos anunciam o nascimento de Cristo. A seguir os ponteiros do relógio a partir de cima, à esquerda: o nascimento de Cristo; crucifixão; aos pés do Senhor, a Virgem a ver a crucifixão; a arte dos vitrais dentro da igreja e uma pintura luminosa na janela ocidental, feita de vidro colorido. algum tempo senti-me como se estivesse perdido num sonho gótico. Conhecido popularmente como ‘a igreja de Medak’, é o monumento mais emblemático dessa vila. A igreja é famosa pelas suas expressões vívidas da arquitectura gótica e pelas enormes janelas de vidro colorido representando cenas da vida e da genealogia de Cristo, incluindo a ‘Natividade’ e a ‘Ascensão’ de Cristo aos céus. A igreja é firme como uma rocha maciça, muita alta no meio do enorme recinto. Diz-se que é entre as maiores igrejas do país. Mais que 3.000 pessoas ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 38 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 39 mesmo em frente do mural de vidro colorido intitulado ‘A Ascensão de Cristo’. Essa magnífica obra de arte foi criada no século XIX. Repleto de cores brilhantes, o mural é uma das mais magníficas obras a ser realizada por mãos humanas e evoca o fervor religioso da Idade Média. Lá na parte mais alta da igreja, em cima do altar, dominando tanto o sacerdote como os fiéis, Cristo ascende para os céus. reúnem-se aqui para rezar, quando a igreja realiza uma grande missa para os peregrinos durante as suas comemorações anuais. Quando entrei na igreja, logo senti um vento fresco. Na medida em que os meus olhos começaram a ajustar ao interior escuro, um grande contraste ao sol brilhante lá fora, logo notei a vasta escala da catedral. Quando entrei, ouvi as notas do órgão a flutuar languidamente no ar. De repente, estive rodeado por brilhantes raios de luz colorida, entrando através das enormes janelas de vidro colorido nos dois lados das altas paredes. No próximo momento encontrei-me Para cada fachada de vidro colorido, o artista usou um tema bíblico diferente. O nascimento de Cristo aparece na janela ocidental, enquanto a janela oriental tem uma cena com a sua crucificação. Na medida em que o sol mude de posição, cada cena é iluminada na sua vez. A qualidade das janelas é tão luminosa que é impossível capturá-las bem com uma máquina fotográfica. Companhia, a igreja foi construída durante a primeira guerra mundial, entre 1914 a 1924, e demorou uma década inteira para completar. É um monumento aos anos de turbulência e conflito que o mundo sofreu durante esse período. A lenda reza que durante o mesmo período houve uma seca e fome na região de Medak. O povo local solicitou a ajuda do reverendo Charles Walker Posnett, um missionário britânico que estava a trabalhar em Medak. Ele ajudou os pobres e pediu-lhes a trabalhar para construir esta igreja. A população de Medak esforçou-se e construiu a igreja. As janelas de vidro colorido vieram de Londres, realizadas pelo artista inglês, Sir Frank Salisbury. Os ricos adornos em pedra e vidro complementam-se harmoniosamente e o efeito é uma visão deslumbrante. Desenhada pelos arquitectos britânicos Bradshaw & Rapando os cabelos para dar graças ao Senhor (à direita); crianças a preparar uma peça de teatro na igreja na véspera do seu festival anual (em baixo) e mercadores no festival anual da igreja (em baixo). A igreja é firme como uma rocha sólida entre um vasto recinto (à esquerda) e uma missa no seu interior (em baixo). Durante essa época, poucas pessoas na vila sabiam ler e havia uma falta de livros ilustrados. As pinturas suspensas no ar, com a sua qualidade transluzente, serviram como um livro ilustrado sobre a vida de Cristo. Ainda hoje, numa idade da televisão e das imagens digitais, essas janelas de vidro colorido são uma vista deslumbrante. A arte de vidro colorido da igreja de Medak é numa classe única. ◆ O autor é um conhecido fotógrafo e escreve sobre as suas viagens. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 40 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 41 Para além da lua nacionais na área de investigação planetária. “Desde o lançamento até chegar à orbita precisa ao redor da lua e conseguir a aterragem da MIP (Sonda de Impacto Lunar - Moon Impact Probe) na superfície da lua e recolher os dados, conseguimos alcançar todos os objectivos,” diz Nair. RADHAKRISHNA RAO A Índia já tem um novo embaixador. Chandrayaan-1, a primeira sonda lunar da Índia, já fez várias descobertas ao encontrar a mais forte prova da presença de água na lua. Chandrayaan-1 já ganhou a atenção de todo o mundo e é um símbolo vivaz das capacidades técnicas e científicas da Índia. C omo destacado por G. Madhavan Nair, o então director da Organização Indiana de Investigação Espacial (ISRO), a mensagem de Chandrayaan-1, que foi lançado no espaço em Outubro de 2008, é muito clara: no sector do espaço, a Índia é um país desenvolvido. Descrevendo a detecção de água na lua como um evento histórico de grande importância para o futuro do programa de explorar o espaço, Nair reparou, “Até agora, nenhuma missão tinha confirmado a presença de água na lua positivamente”. Foi o Moon Mineralogy Mapper (M3), uma das cinco cargas internacionais a bordo da missão lunar indiana, que custou Rs. 3860 milhões, que revelou que, longe de estar árida, a lua tem água na forma de moléculas. Assim, esta descoberta pioneira, entre as mais O veículo espacial Chandrayaan-1, completamente integrado (à esquerda) e carregando-o no câmara Thermovac (à direita). ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 42 Segundo a ISRO, o M3 detectou sinais de água e hidroxilo no solo da superfície e em rochas em zonas muito diversas das regiões da lua que são iluminadas pelo sol. Isso já pôs fim à antiga crença que a lua é completamente árida e a água se encontraria apenas nas crateras nas regiões polares, na sombra. Como Nair enfatizou, a presença de água na lua podia livrar o caminho para uma vasta gama de actividades, incluindo o estabelecimento de observatórios, bases humanas e o lançamento de missões inter-planetárias de espaço profundo usando a lua como uma base e também uma fonte de extrair combustível para os foguetes. Claro, a extracção de recursos lunares como Hélio-3, uma rica e ecológica fonte de energia, podia ser uma outra vantagem benéfica da descoberta de água na lua. A integração da Sonda de Impacto Lunar (MIP) com o veículo espacial Chandrayaan-1. importantes descobertas da exploração de espaço, destaca-se como um exemplo esplêndido de cooperação entre os cientistas da ISRO e da NASA dos EUA. Os ricos dados conseguidos por M3, construído pela Universidade de Brown e Jet Propulsion Laboratory (JPL) para NASA, mostraram que a química da lua é totalmente diferente daquilo que se tinha imaginado. Detectou-se muita água debaixo da superfície da lua. “Temos de pensar de uma maneira inovadora sobre este assunto. Esperaram estas notícias há uma década,” diz Carle Pieters, o principal investigador do M3 e um geólogo planetário na Universidade de Brown. Do mesmo modo, Jim Green, Director da Divisão de Ciência Planetária na sede de NASA em Washington DC observou, “Confirmar o gelo de água na lua foi desde há muito um objectivo dos cientistas lunares. Esta descoberta surpreendente foi conseguida devido à inovação, persistência e cooperação internacional entre ISRO e NASA.” Claramente, essa descoberta mostrou que Chandrayaan-1 – que originalmente devia ter tido uma vida de 2 anos – foi um grande êxito, apesar do facto que a missão tinha que terminar mais cedo que previsto, visto que alcançou todos os seus objectivos. Nair realçou que o veículo espacial indiano já conseguiu realizar 95% dos objectivos científicos da missão. “Encontrar a presença de água ou gelo na lua era um dos principais objectivos científicos de Chandrayaan-1,” nota M. Annadurai, o director do projecto de Chandrayaan-1. Para além dos objectivos científicos, Chandrayaan-1 também tinha o propósito de actualizar as capacidades técnicas da Índia e para fornecer oportunidades e desafios para os jovens cientistas ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 Numa outra descoberta inovadora, a unidade de SARA (Sub Kev Atom Reflecting Analyser) que estava a bordo de Chandrayaan-1 descobriu que a água na lua é gerada internamente. A unidade de SARA foi contribuída pela Agência Espacial Europeia (ESA) através de uma colaboração entre o 43 que era necessário para a Índia manter-se na vanguarda na área de ciência e tecnologia. “Enquanto aterrava na lua, o MIP encontrou fortes sinais de partículas de água. Variava desde o equador até aos pólos lunares. Essas variações desde o equador até aos pólos coincidiram com as descobertas do M3” diz Nair. O MIP foi criado para oferecer à ISRO um vislumbre da tecnologia dos sistemas robóticos de aterragem espacial. Instituto Sueco de Física Espacial e o Laboratório de Física Espacial do Centro Espacial Vikram Sarabhai (VSSC), baseado na cidade de Thiruvananthapuram, o maior estabelecimento espacial sob a jurisdição de ISRO. Os dados de SARA já revelaram que a lua se comporta como uma esponja gigante ao absorver constantemente as partículas carregadas electricamente emitidas pelo sol. As moléculas de hidrogénio nessas partículas interagem com o oxigénio presente nas partículas de pó na superfície lunar para produzir água. Uma grande proeza do MIP era implantar a bandeira indiana na superfície da lua. A bandeira foi incluída na missão de Chandrayaan-1 a pedido do então presidente da Índia, um conhecido cientista espacial, Dr. A.P.J. Abdul Kalam, e tem uma pintura da bandeira indiana em todos os lados. Com essa iniciativa, a Índia é o quarto país no mundo a aterrar uma sonda robótica na lua e implantar a bandeira nacional, Nair disse Talvez o momento alto da sonda lunar indiana foi a descoberta de água pela MIP, construído na Índia, que pesava 29 quilos, quando aterrou na superfície lunar no 14 de Novembro de 2008, coincidindo com o aniversário do primeiro primeiroministro indiano, Jawaharlal Nehru, que tinha enfatizado O veículo espacial Chandrayaan-1 na fase dos testes antes do seu lançamento. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 44 com alegria, “Prometemos ao país que lhe íamos dar a lua e conseguimos fazê-lo.” a tecnologia de ponta no sector do espaço com um orçamento ínfimo” diz Nair na brincadeira. Fazendo um perfil das proezas de Chandrayaan-1 durante os 312 dias da sua missão, a ISRO diz que completou cerca de 3.400 órbitas e forneceu mais que 70.000 imagens de alta qualidade, algumas das quais são imagens espectaculares das montanhas e das crateras lunares nas regiões da lua que estão sempre à sombra. Esta missão desafiadora e complexa era realizada pela ISRO para fortalecer a posição da Índia como um poder espacial da vanguarda que pretende explorar o espaço profundo com maior vigor nos próximos anos. O lançamento perfeito de Chandrayaan-1 no dia 22 de Outubro de 2008, através do veículo espacial indiano PSLV (Polar Satellite Launch Vehicle) e a sua subsequente inserção na órbita lunar já catapultou a Índia num grupo elite de países – os EUA, a Rússia, a China, o Japão e a ESA – que lançaram sondas para o vizinho celestial mais perto da terra. Para uma nação em via de desenvolvimento que começou a sua viagem espacial modestamente em 1963, quando um foguete de 9.3 quilos foi lançado na aldeia piscatória de Thumba nos arredores de Thiruvananthapuram, Chandrayaan-1 marca um enorme passo pela frente. Para além disso, a Chandrayaan-1 custou apenas uma fracção dos investimentos em sondas semelhantes lançadas por outros países espaciais, incluindo a China e o Japão. “Dominamos A descoberta de água na lua por Chandrayaan-I já abriu a possibilidade de reorientar os objectivos da missão da seguinte sonda lunar - Chandrayaan-II, que vai ser lançada em 20122013 através de um GSLV (Geosynchronous Satellite Launch Vehicle) de três etapas. Neste contexto, Dr. Kalam sugeriu que a ISRO devia penetrar ainda mais profundamente na superfície lunar à procura da água, usando um furador robótico. “Esta descoberta de água é ainda mais importante porque vem depois de cinco décadas de esforços de investigação espacial por muitas nações. Sugiro que a ISRO e a NASA trabalham no ChandrayaanII para ajudar a explorar as profundezas nas quais a água é disponível, depois de furar buracos na superfície da lua, usando um furador robótico.” O projecto de Chandrayaan-II vai ser uma colaboração entre a Índia e a Rússia. Enquanto a ISRO será responsável pelo principal veículo de órbita, a Rússia vai desenvolver a sonda robótica com um sistema de aterragem. Juntamente com a sonda inicial russa, que pesa 50 quilos, Chandayaan-II vai ser reconfigurado para incluir uma sonda robótica indiana que pesa 15 quilos. Ambas essas sondas vão fazer uma aterragem suave num sítio lunar que vai ser identificado depois de examinar os dados recolhidos por Chandrayaan-I, vão recolher amostras de solo e das rochas e vão analisá-las quimicamente para procurar mais provas de água e Hélio-3. “Estamos a modificar o programa para Chandrayaan-II. Vamos penetrar a superfície da lua até uma maior profundidade para encontrar mais água,” diz Nair. Para além de Chandrayaan-II, a ISRO está a examinar a possibilidade de tentar uma missão à lua para trazer amostras de volta. Para essa missão a ISRO ia precisar de um foguete pesado para o lançamento. O sistema de propulsão de foguetes semi-criogénica que a ISRO está a desenvolver actualmente podia ajudar a conseguir o ímpeto que seria necessário para uma missão assim. A ISRO também já falou da possibilidade de extrair os recursos lunares. “Se encontrarmos minerais na lua, o próximo passo lógico seria de recolhê-los e trazê-los á terra” diz Nair. Embora actualmente O lançamento do PSLV-C11. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 45 Índia a desenvolver a sua missão com uma tripulação humana. Pela sua parte, a ISRO vê a missão humana como um projecto nacional, visto que vai envolver diversas instituições académicas e científicas, organizações de investigação e empresas industriais em todo o país. Para ficar na vanguarda da corrida para as fronteiras finais, a ISRO tem programado várias missões de espaço profundo que vão ser lançadas durante a próxima década. Esses projectos incluem uma sonda orbital a Marte e uma missão ao anel dos asteróides. Do mesmo modo, também está a considerar uma missão a Vénus. A Sonda de Impacto Lunar (MIP), que foi construída na Índia e pesa 29 quilos. O enorme êxito da missão de Chandrayaan-1 agora está a inspirar a ISRO a realizar o primeiro voo com humanos, agendado para 2015. Neste momento, pensa-se desenvolver e lançar um veículo de órbita completamente autónomo com 2 ou 3 elementos de tripulação uma missão para aterrar humanos na lua não faz parte dos planos da ISRO, pensa-se que as circunstâncias das dinâmicas globais da exploração espacial podia induzir a Índia a desenvolver um projecto para enviar uma missão para aterrar humanos na lua até 2020. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 46 até uma órbita baixa ao redor da terra de 400 quilómetros e conseguir que volte são e salvo à terra. Acha-se que uma versão da GSLV-MKII vai ser o veículo preferido para lançar a cápsula indiana com uma tripulação humana. ISRO vai precisar de desenvolver várias novas e inovadoras tecnologias para assegurar um sistema infalível para salvaguardar as vidas humanas, a segurança, a confiança e um sistema de emergência caso a tripulação precisa de escapar. Para desenvolver as tecnologias para a primeira missão humana da Índia no espaço, a ISRO pensa lançar a sua segunda experiência de recuperar cápsulas espaciais em 2010-11. Como parte desse voo com uma tripulação humana, a ISRO, em cooperação com o Instituto de Medicina de Aviação (IAM) vai estabelecer um centro em Bangalore com a tecnologia de ponta para treinar os astronautas. Para além disso, uma terceira pista para apoiar o voo com uma tripulação humana vai ser estabelecida no Centro Espacial Satish Dhawan (SDSC), o “cosmódromo indiano” na ilha de Sriharikota na costa oriental da Índia. Enquanto o fato dos astronautas vai ser desenvolvido pelo Centro Espacial Vikram Sarabhai (VSSC), o menu especial para os astronautas indianos vai ser desenvolvido pelo Laboratório Militar de Investigação Alimentar (DFRL), com a sua sede na cidade de Mysore. Sob o acordo de cooperação espacial assinado entre a Índia e a Rússia, a Rússia vai ajudar a ISRO a treinar os seus astronautas e a construir a cápsula. A oferta russa de levar um astronauta indiano para a Estação Espacial Internacional (ISS) na primeira metade da próxima década podia ajudar a ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 Embora o olhar da ISRO está fixado nos planetas longínquos, tem os seus pés firmemente no chão. Desde a sua fundação, o programa espacial da Índia tem procurado aproveitar dos benefícios da tecnologia espacial para aumentar o desenvolvimento nacional. “A expansão continuada das aplicações do programa espacial como os centros rurais de recursos, tele-medicina, tele-educação, apoio para a gestão de desastres e iniciativas como a rede de televisão, reiteram o cada vez maior papel que os sistemas espaciais indianos desempenham para oferecer benefícios directos à sociedade” observa Nair. ◆ O autor é um escritor independente. 47 Kashida UMA SINFONIA DE BORDADOS DE CAXEMIRA Texto: UPENDRA SOOD Fotografias: BIMLA VERMA Os bordados são uma parte essencial e intrínseca das tradições artesanais da Índia. Os bordados indianos são cada vez mais populares internacionalmente. O s artesãos indianos são famosos em todo o mundo pelas suas magníficas criações. Produzem lindos tecidos e decoram os panos com bordados para realçar a sua beleza ainda mais. A história explica a influência dos viajantes, artesãos, artistas e arte de outros países e estados nos bordados indianos, que manifestam a criatividade artística do seu povo. Isso é particularmente verdade no caso do estado de Caxemira, no norte da Índia, conhecido globalmente pela sua beleza. A área tem uma beleza natural encantadora e uma vasta gama de flora e fauna, lagos serenos, A beleza deste xaile de pashmina é no desenho na forma de uma amêndoa no palluav. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 48 jardins de primavera eterna e uma abundância de cores que inspiraram inúmeros escritores, poetas, artistas e artesãos. É natural que os tecelões seriam influenciados pela beleza deslumbrante desse estado. O bordado mais famoso de Caxemira chama-se kashida. Os xailes bordados de kashida são famosos em todo o mundo pela sua beleza, cores, desenhos, aparência artística e texturas. A indústria dos xailes floresceu durante o reinado do sultão Ul-Abedin, no século XV. Identificou, seleccionou e trouxe os mais brilhantes tecelões e artesãos da Pérsia para Caxemira para dar uma nova vida a essa arte, que estava à beira toda a composição, estrutura e estilo dos pontos, com várias combinações de cores. Essa mudança assegurou que há muitas semelhanças entre os bordados da Pérsia e de Caxemira, especialmente em termos dos desenhos. Os desenhos vegetalistas da Pérsia transformaram-se nas flores naturalistas da arte mogor. Assim, é possível ver muitos desenhos florais indo-persas nos bordados kashida. Houve uma maior procura para os xailes de Caxemira durante o período mogor e essas peças são mencionadas também no Ain-iAkbari. No século XVIII, esses xailes deliciaram as damas da alta sociedade inglesa. de extinção. Assim, começou uma nova fase nessa arte, introduzindo e transformando Um artesão a trabalhar (em cima) e um lindo exemplo de um xaile de pashmina com um desenho floral do estilo mogor (em baixo). ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 49 Kashida é uma indústria artesanal que envolve quase todos os membros da família. É uma arte hereditária onde os pais passam os seus conhecimentos aos seus filhos. Os jovens na família começam a aprender a arte dos bordados kashida a uma tenra idade, treinando com uns pontos simples feitos em xailes menos caros. Continuam a melhorar as suas capacidades repetindo os desenhos em pequenas amostras. Pela idade dos 16 anos já são proficientes nesta arte delicada. Depois de pelo menos 20 anos de prática contínua começam a trabalhar nos xailes mais finos e caros das variedades pashmina e shahtoosh. Um xaile de lã com um desenho floral criado com pontos papier-mâché (em cima à esquerda); xailes de pashmina bordados em diferentes cores e estilos (em cima) e um lindo casaco bordado com desenhos florais tradicionais (à esquerda). A folha da árvore chinar é o desenho mais utilizado. Os ramos delicados e as folhas delgadas enchem os espaços e ultrapassam até a perícia da natureza. É bastante raro encontrar figuras humanas e animais mas algumas peças mais antigas contendo cenas de caça conhecidas como shikargah são preservadas nos museus de Srinagar. Os mercadores fornecem os tecidos e os desenhos, todavia o artesão tem a liberdade de escolher os fios e as combinações de cores. Antes de começar o trabalho do bordado, o desenho que foi escolhido é traçado no tecido por um profissional especializado conhecido como o naquashband. Traça-se o desenho com uma caneta. Embora os desenhos são inspirados pela natureza novos desenhos também foram introduzidos gradualmente, segundo a moda e os gostos dos clientes. É possível ver uma grande variedade de flores, com ricas cores e várias dimensões e formas, como lírios, lotos, tulipas, açafrão, íris e uvas, juntamente com pássaros como o martimpescador, papagaios, pica-paus, pega-rabudas e canários nos bordados kashida. Mais tarde, o desenho inspirado nas mangas, conhecido como kalki ou badami buta (porque o elemento tem a forma de uma amêndoa ou botão) foi introduzido nos bordados de Caxemira. As raízes desse desenho traçam-se à arte da Pérsia e reflectem a sua influência na arte indiana durante os séculos XVII e XVIII. O tecido que serve como uma base para o bordado é feito de diferentes tipos de lã como pashmina, variedades de seda e algodão e linho. Usualmente, os bordados são feitos em tecido que não foi Um xaile de pashmina bordado esteticamente em cores vivazes. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 50 fios de lã e hoje em dia também se utilizam fios de algodão ou fios sintéticos com cores permanentes. Esse incomparável estilo de bordado não apenas embelece os xailes de Caxemira mas também enaltece os saris de seda, tecidos para vestidos, almofadas, mantas, bolsas, véus e artigos quotidianos. Conseguiu manter a sua rica herança tradicional enquanto se adaptou aos gostos dos clientes e às tendências contemporâneas de moda. tingido, com uma base em tons de branco ou creme. Todavia, conforme os gostos dos clientes, os tecidos também se tingem em diferentes cores. Antigamente, utilizava-se uma fina qualidade de fios de lã para os bordados. Gradualmente, ricos e lustrosos fios de seda substituíram esses ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 ◆ O autor é um escritor independente e produtor de programas para a televisão. Nota do editor: Os xailes de shahtoosh são tecidos da lã do antílope tibetano, conhecido como o chiru. Para proteger esse animal da extinção foi proibido tecer, vender ou comprar xailes de shahtoosh. 51 Reportagem fotográfica Os bonecos de Bengala/Orissa A ARTE NA MADEIRA Texto & fotografias: DILIP BANERJEE D esde o início da civilização os homens sempre tiveram uma relação intensa com a natureza. A madeira é um material natural básica que os homens usaram ao longo dos séculos para vários fins. Usou-a para fogos, para construir casas, para produzir utensílios e armas até para esculpir as imagens das divindades e figuras de bonecos e brinquedos. A Índia sempre teve uma rica tradição de trabalhar a madeira. Os desenhos delicados de peças marchetadas, simples esculturas de madeira e pinturas são populares com os conhecedores e com os aficionados da arte. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 52 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 53 O distrito de Sambalpur em Orissa e o distrito de Burdwan na Bengala Ocidental têm uma tradição particularmente forte de esculturas de madeira. Gerações de artesãos seguiram essa profissão durante séculos. Geralmente, usa-se a madeira gambri para as esculturas, devido a sua superfície lisa. Inicialmente, o artesão traça a imagem na superfície da madeira com um lápis. Depois, cria a imagem com um cinzel. Usualmente, a peça é pintada com cores artificiais mas às vezes retêm-se a cor original da madeira para uma aparência natural. Às vezes, os artesãos usam cores em pó para pintar as peças. O artesão anima as imagens com o seu pincel e as cores secam ao sol. Logo depois, as peças são polidas para assegurar o seu brilho e a durabilidade. As figuras de divindades como Durga e Jagannath são muito populares entre os devotos. Mas hoje em dia há uma grande procura para imagens de mochos em diferentes formas e tamanhos. Mochos com cores brilhantes ou bonecos requintados são, sem dúvida, uma atracção especial em qualquer casa. ◆ O autor é um conhecido fotógrafo e escritor. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 54 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 55 O cume da aventura UM RECORDE MUNDIAL DE PARÁ-QUEDISMO RAMESH TRIPATHI Desde as brumas do tempo, os homens sempre tiveram o sonho de conquistar os elementos. O vento, a chuva, a gravidade, os céus e a luz do sol dominam a vida humana. Os homens fizeram proezas ousadas a seguir esse sonho de vencer os elementos. Comandante Tripathi a manobrar o seu pára-quedas em fortes ventos durante a sua aterragem. A montanha Everest (8848m) é visível no fundo, atrás do pára-quedas. Fotografia por Leo Dickinson, um famoso fotógrafo e cinematógrafo britânico de aventuras e acção. A arte do pára-quedismo é uma reflexão do espírito intrépido da humanidade. Pára-quedismo é uma actividade humana que vai para além dos limites terrestres da existência rotina humana. É um passo no ar, longe da segurança relativa de uma plataforma aérea. Esse passo desafia a gravidade. É também um desafio aos pássaros e ao seu monopólio dos céus. Independentemente de quanto seja curto, é também uma existência divina em cima da terra, onde o homem é o mestre do seu próprio destino. Visto que já ensino páraquedismo desde há cerca de duas décadas, tive a oportunidade de fazer páraquedismo em várias ocasiões operacionais e de treino, tanto de dia como de noite, de altitudes diferentes. Já tendo feito páraquedismo durante a formação aérea das Forças Especiais de uma altura mais alta que Everest (10.000 metros em cima do nível do mar, AGL), usando um avião de asas fixas, tive o sonho de escalar até essa altura um dia também. Essa inspiração motivou-me e comecei a treinar na arte do montanhismo em 1992. Depois disso, invariavelmente encontrei-me em cima de algum pico médio nas regiões de Garhwal e Himachal. Como qualquer outro alpinista, sonhei de ver a montanha Everest e a minha obsessão teve êxito quando fui parte da primeira expedição da Força Aérea Indiana (IAF) à montanha Everest em 2005. uma faísca nesse momento, que me inspirou a fazer um salto de pára-quedas em cima das montanhas. Nunca imaginei que um dia eu ia ter a oportunidade de saltar de pára-quedas em cima da região de Everest. Acho que tenho muita sorte em ter uma dupla qualificação de ser um alpinista e um páraquedista, uma combinação perfeita para satisfazer a minha paixão e experimentar com uma aventura única – saltando de pára-quedas em cima de Everest. O meu interesse nesse projecto desenvolveu no ano passado quando tive notícias de uma equipa britânica que já estava a trabalhar para alcanças essa proeza. Consegui contactar o coordenador principal no Reino Unido através da Internet. Com a minha formação e experiência deram-me logo um lugar na equipa, que ia saltar em Setembro de 2008. Partilhei a minha experiência profissional e até ajudei com o projecto em alguns outros aspectos. Todavia, devido a razões fora do meu controle, eu não podia participar no primeiro salto, de uma altitude de 4.200 metros na base aérea de Syangboche, na rota ao acampamento base de Everest. Um total de 41 pára-quedistas fizeram saltos individuais e duplos de um avião Pelatus, que trouxeram da Suíça apenas para esse projecto. O preço citado no website por cada salto era de £ 20.000! Ramesh Tripathi Às 0515 horas do dia 30 de Maio de 2005, quando pus pé em cima do mundo, tendo subido do lado do norte, fiquei cheio de alegria. Mas o meu pensamento mais imediato nesse momento era de descer o mais rapidamente possível sem perder tempo. Com o cansaço e as condições inóspitas nessa altitude, a minha mente estava à procura de um caminho mais curto para voltar à nossa base. Nesse momento, tive uma ideia brilhante e pensei que eu teria gostado sinceramente de ter uns pára-quedas nesse momento para voar até a base! Depois de passar nem 10 minutos no pico, sozinho com o meu sherpa Ang Sona, gozando da vista panorâmica de todo o planalto do Tibete, comecei rapidamente a descer. Todo o tempo em que eu desci pelo trilho esguio do nordeste, pensei em como seria fantástico poder voar perto de Everest ver a montanha de uma forma que nem as pessoas que escalam Everest a conseguem ver. Havia ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 montanhas, aclimatizando-se e preparando para o salto. Isso deixou-me com pouco tempo para reagir e fazer as preparações. Logo, recebi a licença oficial para fazer o salto do ministro de turismo do Nepal. Comecei a preparar-me rapidamente e havia muitas coisas para fazer – os bilhetes, a pedir licença à sede da força aérea, conseguir as roupas e o equipamento necessário etc. Foi no dia 18 de Setembro de 2009 (sexta-feira) que a contagem decrescente para o salto de Everest começou… Marquei a minha passagem aérea para o dia 20 de Setembro de 2009 e devia ter deixado Deli às 10h30. Todavia, recebi uma chamada da agência às 5 da tarde a dizer que as linhas aéreas tinham cancelado os seus voos durante os próximos três dias. Fiquei em choque! Muito ansioso, pedi um lugar no próximo voo disponível. Eu tive que pagar o dobro do preço mas asseguraram-me que eu ia chegar em Kathmandu pelas 09h30. Enquanto eu estava a verificar a confirmação do bilhete, recebi um e-mail de Kathmandu de Himalaya Expeditions, que estavam a coordenar o salto, dizendo – ‘Comandante Tripathi, se você chegar até às 09h00 no dia 20 de Setembro, pode participar, se não, vai perder o salto’! O helicóptero ia sair de Kathmandu às 10h00. Mais um problema! Tive que mudar a minha reserva mais uma vez mas agora o preço da passagem quase triplicou! Depois de uma breve sessão de hospitalidade no Maharaja Lounge do Aeroporto Internacional Indira Gandhi em Raffell, Leo Dickinson e Tripathi, da esquerda à direita. Mais uma vez Leo Dickinson e Ralph Mitchell ofereceram-me um lugar. Ambos já estavam nas 58 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 59 Deli no dia 20 de Setembro, finalmente embarquei no voo comercial. O avião arrancou às 07h45, o tempo era óptimo e ciente da agenda intensa que me esperava em Kathmandu, usei o tempo bem e adormeci logo depois de rever mais uma vez a lista de preparações necessárias para o salto. O tempo em Kathmandu era mau e o voo de helicóptero tinha sido atrasado até 14h00 essa tarde. Durante a minha interacção com a tripulação do helicóptero, aprendi os procedimentos para sair do helicóptero. Não foi nada novo porque já tinha feito mais que 700 saltos de helicópteros, é um verdadeiro desafio, contra todas as adversidades – a alta altitude e os elementos brutais da natureza. Condições de ventos altos, temperaturas debaixo de zero, adversas condições de vento, uma falta de oxigénio, uma baixa pressão, as hipóteses de acabar em cima de glaciares e fossas, uma área limitada para aterrar, etc. são as verdadeiras e difíceis condições e obstáculos quando se tenta uma iniciativa assim nessa região. mas foi a primeira vez que eu estava a saltar de um helicóptero francês da série AS 350 B2. Saltar na região de Everest, tão perto à montanha do mesmo nome, é uma experiência especial e um enorme desafio. Uma pessoa parece um ínfimo ponto numa tela enorme. Todavia é uma experiência fantástica porque se tem uma vista panorâmica das cordilheiras dos Himalaias cobertas de neve e uma vista da montanha Everest de muito perto. Um vislumbre de Everest me enche com uma força interna, para ser orgulhoso mas com humildade. O salto de Everest é muito especial porque Havia lenços de nuvens baixos em cima de Lukla e o nosso piloto fez um trabalho fantástico a voar através das nuvens verticais, conseguindo aterrar Vista da cordilheira coberta de neve antes da última abordagem para aterrar. Ramesh Tripathi Ramesh Tripathi Tripathi indo à pista do helicóptero antes de levantar voo. No próximo dia, conforme o plano, o levantamento estava agendado para 08h00. Eu tinha dito ao piloto de levantar voo mais cedo, porque as horas da manhã oferecem excelentes condições para saltar. Todavia, mais tarde, soube que era um requisito de Leo Dickenson e Ralph Mitchell que estavam à espera do helicóptero em Gorekhshep. Leo é um conhecido cinematógrafo e já fez muitos documentários para os canais de Discovery e National Geographic, incluindo a famosa Expedição num Balão em cima de Everest, onde ele próprio estava a bordo do balão. são e salvo. Lukla situa-se a 3.000 metros e oferece a doença das altitudes aos visitantes. Fui à pensão, bebi uma chávena de chá quente e dormi durante duas horas para adaptar-me melhor à altitude. Todos os meus movimentos eram deliberadamente lentos para evitar o cansaço e facilitar a adaptação à altitude. Tive que ter muito cuidado porque tínhamos subido tão rapidamente que podíamos acabar com a doença aguda das montanhas (AMS). Passei 30 minutos a fazer os exercícios de respiração de ioga. Preparei o meu pára-quedas, o equipamento de oxigénio e as roupas essa noite. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 60 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 61 Leo estava pronto com a sua máquina fotográfica e quis boas condições de luz para tirar imagens em Gorekhshep. O helicóptero levantou voo às 07.50 de Lukla e nos próximos 10 minutos voamos por cima de Phireche. Densas nuvens cobriram o vale em baixo e estragou a nossa tentativa. Abortamos a missão e logo voltamos a Lakla. Em breve, todo o vale ficou cheio de nuvens. Finalmente decidimos adiar o programe para o próximo dia, mas esta vez íamos levantar voo às 06h15. Saltei às 07h50 a 7.333 metros AGL, voltado para Everest na direcção setentrional. O lado ocidental e todo o lado sul de Everest estavam visíveis. Apenas 4 segundos depois de saltar abri o meu pára-quedas e logo estava debaixo de seu chapéu colorido – a descer. Os meus olhos estavam fixos no glaciar de Khumbu e eu estava a tentar localizar o nosso acampamento de base (que usamos durante a subida de Everest). Não consegui vê-lo porque os ventos frios encheram os meus olhos com lágrimas, distorcendo a minha visão. Ao contrário das outras estações, esta vez não havia muitas expedições a subir pelo lado sul, Em qualquer caso, um vislumbre de Everest já era um sonho realizado. Juntei as minhas mãos para rezar e desejei ter a oportunidade mais uma vez de subir Everest do lado sul. Espreitei pela janela do meu quarto, que abria para o vale ao sul. O céu parecia bom. Conforme planeado, levantamos voo na próxima manhã (dia 22 de Setembro de 2009) às 06h30 e o helicóptero aterrou em Gorekhshep às 06h50. Devido às restrições de peso do helicóptero, apenas uma pessoa podia saltar de uma só vez. Então, a ordem foi Leo Leo Dickinson pronto a capturar o salto de pára-quedas a partir do helicóptero B2. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 62 Leo Dickinson Dickinson, Ralph Mitchell e eu, todos a saltar individualmente. O helicóptero B2 a aterrar em Gorakhshep para buscar os pára-quedistas depois dos seus saltos. Havia um frio de rachar e os meus dedos e pés estavam a ficar sem nenhuma sensação. Fez com que estava mais difícil controlar o pára-quedas. Tinha levado a bandeira indiana para içá-la no ar mas não consegui devido ao frio. Os meus pés estavam muito frios e eu tinha medo do impacto da aterragem. Devido ao ar pouco denso a essa altitude o pára-quedas estava a descer muito rapidamente e logo preparei o pára-quedas para uma aterragem suave. Tive um bocado de impacto ao aterrar mas fiquei contente com a minha aterragem. Cumprimentei os meus amigos, cheio de alegria e mais uma vez juntei as dos fins-de-semana em lugares como Florida e Chicago, mas saltar de pára-quedas na região de Everest é uma experiência diferente e especial. minhas mãos para agradecer a montanha Sagarmatha (Everest). O helicóptero aterrou para nos buscar e pelas 09h00 estávamos de volta em Lukla. Depois de meter o combustível, saímos de Lukla para evitar as nuvens que estavam a aproximar e chegamos em Kathmandu pelas 15h00. Hoje em dia estou muito contente. Não sei o que é que me inspirou e me deu a faísca de fazer esse salto memorável em cima da região de Everest. Mas tenho orgulho de ter feito alguma coisa nunca antes feita, que trouxe glória à Índia e à sua força aérea… Essa proeza foi feita um ano depois que o Nepal começou a permitir pára-quedismo na região alta ao redor de Everest. O anterior recorde também foi alcançado à sombra de Everest em Syangboche, de 4116 metros, em 2008. O Pára-quedismo é um desporto popular e simples em todo o mundo. É um desporto ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 ◆ O autor foi galardoado com o prémio civil mais alto para as aventuras ‘O Prémio Nacional de Tenzing Norgay’, e actualmente está a liderar o projecto da Força Aérea Indiana dos ‘Sete Picos’, que prevê subir os picos mais altos dos sete continentes. 63 Recensão literária M F Husain – Sem títulos único. É talvez a primeira vez que se criou uma peça com arteanimação e isso também com a arte de Husain. Este livro electrónico também foi produzido na língua franca da Índia moderna. APARNA S REDDY ‘M F Husain – Untitled’ anima a arte de Husain e dá uma voz às suas palavras. Assegurando que o universo de Husain seja vivo no ecrã, inaugura uma nova época de edições digitais na Índia, numa maneira inspiradora e fácil de usar. Esta autobiografia, que foi publicada no formato de um livro electrónico, transforma-se numa festa de multimédia, onde os seus esboços são animados e as suas palavras têm a sua própria voz. M aqbool Fida Husain vive longe da sua pátria. Mas ainda assim os seus gostos e texturas, as suas cores e os seus contornos ressonam com o espírito da Índia. Conta a sua história e comunica com novas gerações através da sua autobiografia ‘M F Husain – Untitled’, um novo e único livro electrónico que é uma obra pioneira em muitos aspectos. “Não é o guião para um filme. São cenas da vida real …” diz o artista icónico sobre a sua autobiografia. E é possível ouvi-lo dizer isso neste livro electrónico pioneiro. Este livro electrónico transforma a autobiografia de Husain num espectáculo de multimédia, onde os seus esboços são animados e as suas palavras ganham voz. Aliás, o tratamento vanguardista desta autobiografia faz com que este livro electrónico seja verdadeiramente ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 64 Aliás, leva o género do livro electrónico a um novo nível. Inspira-se nas tradições épicas e na tecnologia da idade moderna. Usa o formato do livro electrónico, as técnicas de desenho dos ‘manga’ japoneses e cria uma narrativa pictórica de um homem que recusa ser limitado a categorias, que abrange as décadas com a mesma facilidade com que abrange a vida. Este livro electrónico procura alcançar novos horizontes, narrando a história de M F Husain na maneira em que ele a quis contar. Em conformidade com a sua tradição de produzir livros sobre ícones literários, que eram um êxito entre o seu público, a editora Jiya Prakashan, liderada pela activista cultural Kamna Prasad, aproveitou da tecnologia informática de ponta neste livro electrónico para contar a história desta lenda viva. A combinação de música, leituras, animações e as palavras escritas realçam o prazer de ler um livro, transformando-o na riqueza de uma experiência audiovisual que se pode ver no computador ou televisão. “Tentamos fazer alguma coisa nova com este livro electrónico, como uma homenagem a Husain, o ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 65 Os seus esboços, o seu estilo telegráfico de escrever e a mistura linguística moderna juntamente criam um mundo singular, típico de Husain. Inspira-se na Índia do Ramlila, de Madre Teresa, de Satyajit Ray e de Madhuri Dixit e a narrativa neste livro electrónico imita as suas telas. Pensa em imagens. A sua linguagem é viva e o seu estilo é enraizado nas tradições sincréticas da Índia, numa maneira verdadeiramente global. “Quando sugerimos esta ideia a Husain, ficou muito entusiasmado e perguntava-me muitas vezes sobre o progresso da obra. Demoramos mais que cem dias para produzir o livro electrónico, que tem 40 capítulos, uma mensagem de Husain e mais que 100 animações,” diz Kamna. eterno vanguardista,” diz Kamna Prasad. Numa mensagem exclusiva, que é o primeiro frontispício deste tipo neste livro electrónico, M F Husain diz, “Hoje, o mundo da arte é unido. A beleza e a arte são presentes em todos os lados. Tudo que se precisa é um olho atento. Hoje, todas as formas de arte estão a unir-se e as antigas sensibilidades estão a encontrar uma expressão fascinante global através de novos meios versáteis e abrangentes. Este livro electrónico é uma experiência que narra a minha história numa maneira inovadora, usando meios contemporâneos. E achei esta experiência de Kamna Prasad um projecto muito excitante.” Husain abriu o seu coração neste livro electrónico. Como o título “Fantástico Maqbool, viste o M F? Mas conheço as tuas cores, com as quais pintas as minhas estátuas com tanto carinho; és um tipo pitoresco que pode tingir qualquer um nas tuas cores. E este M F, ele parece um estrangeiro. Parece um agente da Companhia Inglesa das Índias Orientais. Um craque do marketing. Criou quatro museus em seu nome, nos quatro cantos da Índia, em apenas 40 anos. Mas gostamos os dois de uma coisa nele… os estrangeiros simplesmente pilharam a Índia, mas M F – como seja … todas as suas maneiras, todos os seus erros, são nossos.” e a capa sugerem, é o pintor que pinta a si mesmo. O ícone M F Husain conversa muitas vezes com o artista Maqbool. E às vezes um narrador apresenta a história dos dois e permite as pessoas a vê-los ‘Através dos olhos de um pintor’. Um trecho: ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 66 A claridade com que Husain lembra incidentes da sua juventude é espantosa. A maneira em que Maqbool conta histórias sobre M F é fascinante. Este livro “O nosso objectivo era mapear a sua viagem criativa de 94 anos, para transmitir uma rica e viva experiência da obra, imagens e linguagem de Husain, para transmitir todo o seu universo ao leitor moderno, que agora se transforma num espectador, num ouvinte e num conhecedor ao mesmo tempo. Esse é o impacto das pinceladas de Husain. Esta experiência faz com que a Índia esteja na vanguarda da edição digital a um nível mundial,” acrescenta. electrónico é um registo de uma viagem criativa que abrange 94 anos. Um vislumbre daquilo que distingue uma pessoa extraordinária. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 ◆ A autora é conhecida pelos seus documentários e é também uma jornalista e consultora na área de comunicação social. 67 A ARTE VIVA PREETI VERMA LAL Subodh Gupta, que nasceu numa pequena vila, é hoje em dia uma estrela do mundo de arte. A autora conversou com ele no seu atelier para tentar descobrir mais sobre esse artista enigmática. A primeira coisa que encontrei foi um prego. O atelier do artista estava em renovação e podia-se ouvir um ritmo frenético de marteladas. Caminhei cuidadosamente, havia pedaços de madeira no chão, jarros pretos pendurados por um fio. Num outro ângulo, via-se um molde enorme de uma caveira humana. Milhares de utensílios de aço oxidado estavam embrulhados em sacos de plástico, à espera de escapar o seu destino mundano para se transformar em instalações Subi as escadas. Entre o barulho das marteladas ouço um riso. É a sua pequena filha com um saco cor-de-rosa cheio de lápis e canetas de cor. Numa tela branca, há as marcas de pequenas mãos, no chão há utensílios da cozinha feitos em mármore branco, arranjados cuidadosamente. Vê-se um computador Mac em cima de uma grande mesa de madeira, ao lado de uma escultura de uma coluna vertebral humana, decorada com cores. Um homem entrou pela porta, caras. Ainda me faltavam dois andares antes de conhecer Subodh Gupta, o pintor, escultor, artista de instalações, criador de vídeos; nessa casa ainda numa fase de construção encontrei a sua arte muito antes de encontrar o artista. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 68 bonito no seu t-shirt branco e um casaco de linho com riscas azuis. Tinha os cabelos curtos, usava óculos negros, uma pulseira de jade verde no seu braço direito e um relógio preto no braço esquerdo. Nunca tinha visto uma fotografia de Subodh Gupta, mas adivinhei que fosse ele. Havia alguma coisa sobre esse homem numa camisa branca imaculada. Ele tem que ser um artista, pensei. Apertei-lhe a mão. Eu tinha razão. Ele era de facto Subodh Gupta. “Nunca pensei que ia ser um artista,” Gupta começa a sua história. Essa frase quase parece uma epifania de um homem cujas instalações ganharam louvores em todo o mundo e venderam para preços astronómicos. Atribuído a alcunha do “infante terrível” da sua família, ele também ia trabalhar para a ferrovia estatal. Todavia, o destino – e Gupta – tinha outros planos. Ainda sem nenhuma resposta a essa pergunta de ‘o quê?’, foi estudar na universidade de Patna e participou activamente no teatro onde, para além de se maquilhar e recitar no palco, também preparava os cartazes para as peças. Alguém notou a sua linda caligrafia e convenceu Gupta a inscrever-se numa faculdade de artes. Ironicamente, a sua primeira tentativa a inscrever-se numa faculdade de arte foi um fracasso; todavia, quando conseguiu entrar no próximo ano, o curso de cinco anos estendeu-se para sete anos, seguidos por anos de luta, experiências e uma busca para ‘alguma coisa diferente’. da arte indiana, Gupta criou tamanho furor no mundo de arte que hoje em dia, mesmo antes que ele começa uma obra, já há pessoas a oferecer-lhe dinheiro ou a louvar os seus talentos artísticos. Mas para este Capricórnio, a salvação encontra-se num outro lugar. Primeiro, o início, as suas raízes. “Cresci num distrito pacato em Bihar. Sempre sabia que eu quis fazer alguma coisa diferente. O quê? Não tinha a mínima ideia.” Naquela pequena vila poeirenta, deixa estar sonhos e aspirações, nem havia nenhuma espécie de arte visual para ver. A única arte que Gupta podia aceder era a dos calendários dos deuses e deusas que invariavelmente adornam as paredes das famílias hindus. Gupta frequentou a escola local e foi decidido que, como todos os homens ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 69 Essa busca levou-o a Deli, a sua próxima casa. “Não podia falar inglês nessa altura, mas eu sabia que se eu quisesse ser o melhor, eu tinha que estar no meio da acção. Deli foi, nessa altura, uma escolha óbvia,” lembra Gupta sobre os dias quando vivia na pousada da Lalit Kala Academy (a academia nacional de arte) onde pagava 10 cêntimos para o seu quarto. Logo, o seu dinheiro esgotouse, mas a sorte abençoou-o. O artista de Khagaul encontrou um lugar nas galerias ao lado dos mestres como Husains e Tyeb Mehta. “Mas não era aquilo que eu quis fazer, I tinha que ser diferente.” Esse ‘diferente’ ainda não tinha encontrado o seu lugar e o artista quis encontrar arte para além das telas. Essa resposta tão procurada veio dos mais improváveis dos meios – 29 bancos foram transformados numa instalação artística no Sanskriti Kendra em Deli, onde Gupta fez uma residência com seis outros artistas do estrangeiro. “Foi o ponto de viragem, foi alguma coisa diferente e eu sabia logo que era aquilo que eu quis fazer.” Gupta não tinha nenhuma dificuldade em procurar uma fonte de inspiração ou um meio. Lembrou-se da sua juventude e da sua paixão pela cozinha. O resultado foi a célebre fase da cozinha no seu percurso artístico. “Na minha juventude, o aço oxidado era um luxo. Lembro-me dos primeiros seis utensílios que tínhamos em casa. A coisa mais importante é que aquilo que vês na tua juventude fica para sempre na tua mente …” Logo, essas ligações de ‘aço’ eram um elemento ubíquo no mundo de Gupta – jarros, panelas e um loto unem-se na instalação The Way Home (‘O caminho para casa’); inúmeros utensílios fundem-se para formar uma caveira enorme; panelas enchem as portas de uma catedral na Europa; numerosas chimtas (pinças) pintadas são penduradas artisticamente. E sim, a famosa peça, Saat Samundar Paar (‘Através dos sete mares’), um carrossel de bagagem com malas de alumínio que se inspirou no tema de migração e vendeu para £550.000 num leilão. mesma maneira em que a bosta transcende a definição ocidental do excremento de vacas em alguma coisa pura, que se usa para limpar o mau. “Durante festivais e rituais especiais, eu procurava bosta para a minha mãe, que fazia imagens de deuses dessa bosta,” lembra Gupta, que já não pratica os rituais da religião. Para além de cobrir as suas telas sobre vacas com bosta verdadeira (por exemplo, a sua tela intitulada Gauri), Gupta criou um vídeo de 9 minutos onde a bosta no seu corpo é lavada com jactos de água. “Isso é uma limpeza, uma catarse para mim,” acrescenta o artista, que já não pinta sobre telas e admite que as instalações de vídeos são uma coisa intermitente. Gupta já foi comparado com Marcel Duchamp, que ousou transformar um urinol em Para Gupta, a arte transcendeu a cozinha e os celeiros, na ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 70 se lamenta sobre todas as dificuldades que tinha que enfrentar, “Aprendi muito desses dias, dessas experiências…Cada pequeno momento fica contigo para sempre. Se concentrares, podes alcançar qualquer coisa...” arte, e com Damien Hurst, o artista britânico, mas não ficou lisonjeado com as comparações. “Porque é que devo ser conhecido como o Damien Hurst da Índia? Sou Subodh Gupta. E é assim que quero ser conhecido,” insiste. Subodh Gupta, o artista, ganhou louvores no ocidente antes que os críticos e os coleccionadores indianos reconheceram a sua presença. “É triste, mas é verdade,” diz Gupta e acrescente rapidamente que vender para preços altos não significa necessariamente boa arte. “Não, a arte mais cara não é a melhor arte. Não necessariamente,” acrescenta este artista, que não subscreve a todo o entusiasmo sobre os preços das suas obras. Para Gupta, a arte é sobre o processo da criatividade, a satisfação, o desejo de criar alguma coisa diferente... Talvez é por isso que nunca Gupta nunca se desviou dessa concentração. Não quando estava a caminhar esse trilho poeirento sozinho, não agora quando a fama lhe espera a todas as esquinas. Caminhou esse percurso poeirento, convencido que o seu destino tinha que ser diferente. Muito diferente. Já alcançou esse destino, que antigamente parecia tão longe. Mas Gupta não perdeu a sua concentração. Para ele, é tudo sobre a arte. O resto é redundante. ◆ A autora é uma conhecida escritora e fotógrafa. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 71 Tributo Damal Krishnaswamy Pattamal UMA CANTORA REVOLUCIONÁRIA DA MÚSICA ‘CARNATIC’ RENUKA NARAYANAN D (1998-99) e Padma Vibhushan (1999). amal Krishnaswamy Pattamal, galardoada com o prémio nacional Padma Vibhushan, faleceu na 5a feira, dia 16 de Julho de 2009, na sua casa em Madrasta. A frágil cantora de música carnatic tinha 90 anos e sofreu de artrite severa durante mais que uma década. Todavia, a sua aflição não a preveniu de cantar num concerto de 18 horas em Madrasta em Julho de 1999 para angariar fundos para os soldados veteranos da guerra de Kargil. Pattammal é célebre na história da música indiana como a primeira mulher de uma família ortodoxa a cantar a música carnatic em público, numa época em que as antigas tradições impunham severas restrições às vidas das mulheres das castas altas. Para além de ser a primeira mulher a quebrar essa proibição social também quebrou as barreiras de género no mundo de música, ao ser a A sua morte foi lamentada pelas principais estrelas do mundo da música carnatic. “Para pessoas como Pattammal, cantar uma música clássica honesta era a única maneira de cantar. Foi uma cantora pioneira e uma das primeiras feministas sem chamar muita atenção a si própria,” disse o cantor T.M. Krishna de Salzburgo. primeira mulher a cantar um concerto inteiro, com peças rigorosamente clássicas, com uma exposição pormenorizada de ragas nas variedades de Ragam-Thanam-Pallavi, que até então tinha sido cantado exclusivamente por homens. Disse o violinista Lalgudi Krishnan, “DKP representava os valores musicais e humanos. Tinha um repertório enorme e personificava o patriotismo e a devoção.” “Ela cantava as composições mais difíceis e sempre será uma referência para nós. O grande tocador de mridangam vidwan Palghat Mani Iyer, que nunca tocava com mulheres, tocou para ela... Ele era sempre uma pessoa muito discreta e amorosa,” disse a cantora Bombay Jayashree. Apoiado pelo seu pai, um professor de escola, Pattammal criou ondas na sociedade do sul. Mais tarde na sua carreira foi galardoada com o prémio de Sangita Kalanidhi pela Academia de Música de Madrasta (1970) e com os prémios do Padma Bhushan (1971), Kalidas Samman ◆ Fonte: O jornal nacional ‘Hindustan Times’. O fio dourado da Índia A JUTA NATURAL ESTÁ NA MODA PUPUL DUTTA & APARAJITA GUPTA E ra uma vez a juta era associada com os sacos usados para betão, açúcar e fertilizadores. Hoje em dia, a imagem da indústria de juta na Índia, que gera mais que $1 bilhão em receitas, está a ser transformada radicalmente graças a uma série de produtos de marcas e estilistas feitos desse ‘fio dourado’, preocupações ambientais e novas estratégias de comercialização. Hoje em dia, é possível encontrar uma vasta gama de produtos quotidianos feitos de juta, a fibra natural mais popular depois de algodão. A Índia não é apenas o maior produtor dessa fibra dourada, produzindo cerca de 60% da produção mundial, mas também é o maior consumidor e exportador de juta. Tais produtos, que já penetraram nos mercados mais requintados nos EUA e na Europa, incluem almofadas, peças para a mesa como os individuais, cortinas, cintos e até as mochilas que milhões de crianças levam à escola. “Quando falamos de juta, as pessoas normalmente pensam em sacos para produtos industriais,” diz Atri Bhattacharya, o secretário do Conselho dos Produtores de Juta, uma de muitas organizações promovidas pelo governo para desenvolver esta indústria. “Há tantos produtos atraentes feitos de juta hoje em dia. Está na moda e a melhor coisa é que são bons para o ambiente e completamente reutilizáveis,” afirma Bhattacharya, cuja organização representa os agricultores, produtores e exportadores de juta. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 72 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 73 empregos industriais directos e 140.000 empregos nas actividades associadas. O conselho acredita que a proibição de sacos de plástico em alguns estados como Deli é um passo certo para promover essa fibra ecológica. É a razão pela qual o conselho lançou novas campanhas publicitárias, como os anúncios a encorajar os estudantes a adoptar mochilas de juta. “Os tecidos orgânicos são cada vez mais populares porque as matérias são biodegradáveis. Usando essas matérias naturais também ajuda a criar emprego. Dessa forma, também estamos a contribuir para a sociedade,” diz Ritu Kumar, uma das mais conhecidas estilistas do país. Os estilistas e comerciantes de produtos de juta dizem que apenas na área das bolsas, os produtos disponíveis hoje em dia não se restringem aos sacos tradicionais de juta mas também incluem bolsas para festas, sacos para roupa suja, mochilas, sacos de compras e sacos para garrafas de vinho. “Decidi evitar as fibras artificiais porque hoje em dia esse trabalho é muito mecânico. Enquanto com as fibras naturais há muitas possibilidades para a experimentação. Por isso, decidi concentrar nelas agora.” Os produtos estão disponíveis em numerosos mercados em todo o país e até em lojas caras como Fab India, Santushti em Deli, Anokhi e Nature Design Concepts. Segundo o conselho, a Índia é o maior produtor mundial de produtos de juta, com uma média de 1,6 milhões de toneladas por ano durante os passados cinco anos, com vendas domésticas de 1,4 milhões de toneladas e exportações de 285.000 toneladas. Essas lojas também fornecem produtos adaptados aos gostos da sua clientela mais abastecida e estende desde Rs.100 ($2) para um simples saquinho branco até produtos que custam milhares de rupias, dependendo dos desenhos e cores. já descobriram papel feito de juta na China, que data a 200 a.C. mesma coisa estava a ser feita nos sítios turísticos nos estados de Uttarakhand e Himachal Pradesh, onde os sacos de plástico foram proibidos. Na Índia também, a juta foi cultivada desde há vários milénios. Todavia, o verdadeiro desenvolvimento organizado desta indústria começou no século XVII e a primeira fábrica foi estabelecida em 1855 em Rishra, nas margens do rio Hooghly, perto de Calcutá. Apesar da longa história desta indústria, os peritos afirmam que a qualidade e os preços continuam a ser os mais importantes elementos que impedem a promoção e popularidade de juta. “Mas estamos a examinar estes factores. É necessário entender que ao contrário do plástico, a juta ainda não é um produto homogéneo,” diz Bhattacharya. “Em Deli, os sacos de juta também se utilizam numa maneira institucional. Há uma procura e estamos à altura desse desafio. Infelizmente, a mesma coisa não acontece em Calcutá ou em outras cidades,” diz Sanjay Kajaria, director da Associação Indiana de Fábricas de Juta. “Para além dos mercados especializados estamos a olhar para os mercados grossistas, onde as pessoas vão usar sacos de juta para actividades quotidianas e para actividades especiais. Vamos focar também na área das exportações,” acrescenta. “Também estamos a explorar as opções para uma boa cadeia de fornecimento em cidades como Deli, onde há uma alta procura,” explicou, acrescentando que a ◆ (Fonte: Indo-Asian News Service) A Índia é também responsável para mais que 60% da produção mundial de juta. A maioria da produção provém do estado de Bengala, seguido pelos estados de Bihar, Assam, Orissa, Andhra Pradesh e Tripura. “Pode-se usar os sacos de juta com orgulho,” diz Aditi Shukla, uma aluna numa faculdade de moda em Deli. “Esses sacos ecológicos vão ter um grande impacto na moda em breve.” Segundo o ministro dos tecidos, há 77 fábricas integradas de juta na Índia, das quais 60 estão em Bengala, 3 cada em Bihar e Uttar Pradesh, 7 em Andhra Pradesh e 1 cada em Assam, Orissa, Tripura e Chattisgarh. Também há factores sociais e económicos ligados com a juta. Cria emprego para 4 milhões de famílias dos agricultores, especialmente na Índia oriental, particularmente em Bengala, e é responsável para 260.000 Globalmente, a juta tem sido cultivada desde a antiguidade e até é mencionada nos antigos textos africanos e asiáticos. Aliás, ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 74 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 75 Sachin Tendulkar BINOO K. JOHN Sachin Tendulkar, o ícone de muitos jovens, acabou de completar 20 anos de uma carreira internacional de criquete e continua a deslumbrar os fãs em todo o mundo. S achin Tendulkar é sempre associado com superlativos e tem a aura de um ícone nacional. É um óptimo exemplo daquilo que uma devoção concentrada pode alcançar. Não há dúvida que ele tem talento mas conseguiu construir à base desse talento e criou o seu próprio percurso com uma determinação feroz, ganhando a admiração nacional ao longo do caminho. É uma proeza suficiente passar 20 anos como um profissional no mais alto nível do desporto e Tendulkar nunca foi deixado fora da esquadra nacional, a menos que ele mesmo decidiu fazer uma pausa devido às lesões. É essa tenacidade que fascina milhões dos seus fãs. Sachin, que foi nomeado em honra do mestre musical Sachin Dev Burman, conseguiu criar uma orquestra nacional de adoração perpétua. Durante o quarto jogo de um dia contra a Austrália neste ano, jogado na Índia, alcançou 175 num jogo que a Índia perdeu por apenas 3 pontos. Foi mais uma vez uma lembrança de como ele é capaz de ser Jogando primeiro nos jogos mais curtos, Sachin já não é tão deslumbrante como no passado, contente a deixar esse papel aos seus colegas. É mais conservador e escolhe as suas jogadas e os seus ângulos cuidadosamente. Mas não tem pontos fracos. Jogando em Sidnei em 2003 alcançou uma dupla centúria com quase todas as suas jogadas em áreas pouco esperadas do campo. Brian Lara chamou o seu desempenho um dos melhores que alguma vez viu. reinventar. É essa constante inovação que ajudou Sachin a manter e consolidar a sua posição nesse desporto. Como é que o seu estilo de jogar tem mudado? Durante quanto tempo mais vai ser uma âncora para a equipa? Já eliminou algumas das suas técnicas e é mais sóbrio, porque, como explicou muitas vezes, o seu papel agora é o do líder sénior da equipa. Sachin também inventou algumas novas jogadas: bate a bola em frente do guardião dos wickets (para punir os ataques pelos spinners australianos) e bate a bola em cima das cabeças dos seus Estatísticas da carreira de Tendulkar (1989-2009) Jogos Innings Runs Média Taxa de êxito 100s 50s Test 162 265 12970 54.73 53,98 43 54 ODI (jogos de um dia) 436 425 17178 44.5 85,79 45 91 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 76 adversários nos jogos de um dia (que Sehwag também faz). As suas jogadas no off-side ainda são as melhores que há hoje em dia (como as jogadas de Laxman). A nossa única lamentação hoje em dia é que é mais cauteloso que brilhante. Com sorte, talvez no próximo mundial, vai ser menos cauteloso e mostrar-nos mais uma vez esse brilho deslumbrante, esquecendo-se das suas responsabilidades e transformando-se outra vez no jovem Tendulkar – esse génio adolescente que não vimos desde há muito tempo. Todavia, Tendulkar já não é um desportista que tem uma carreira de vinte anos. Para milhões de jovens indianos Sachin é um sonho a emular e um exemplo de aquilo que se pode alcançar. Milhares de crianças já foram nomeados em sua honra, jovens em todo o país imaginam que são Sachin quando jogam. É o sonho e a inspiração de uma nação e as mães querem que os seus filhos sejam como ele. É isso que vai perdurar. Vão se lembrar de Sachin pelos seus valores da classe média e por manter-se realista apesar de ganhar louvores de todo o mundo e ter empresas atrás dele com camiões de dinheiro para publicitar os seus produtos. Patekar é preso e levado pela polícia, vira-se para o seu filho que está a jogar criquete. Patekar lhe dá o bastão e diz, “Filho, tens de jogar como Sachin Tendulkar”. É o que todos os indianos gostariam de fazer. ◆ O autor é um conhecido escritor e jornalista. No filme Ab Tak Chhappan, quando o carácter de Nana ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 77 Butão UM VISLUMBRE DA HISTÓRIA PRAMOD KUMAR KG & NAMITA GOKHALE O lago de Yu Tsho, Lunana. Imagem gentilmente cedida por Sua Majestade Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, Rei do Butão. “A máquina fotográfica é um vislumbre da história…” disse Mathew Brady, durante uma das primeiras exposições de arquivos fotográficos, sobre a Guerra Civil nos EUA. Não há dúvida de que uma fotografia vale mil palavras e que a veracidade objectiva do meio fotográfico faz com que seja um “acessório à história” nas palavras do embaixador Pavan K. Varma. omo crianças, disseram-nos que uma máquina fotográfica não mente. Todavia, a tecnologia digital agora combina a verdade da lente com a liberdade criativa do pincel. Esses retratos e paisagens de Butão vão ser expostos na Galeria Nacional da Arte Moderna em Nova Deli em Dezembro de 2009. Mostram a história recente de uma nação e de uma cultura que está a avançar com confiança para um futuro moderno enraizado nas suas antigas tradições. C A selecção das imagens também inclui fotografias documentarias e o seu papel na narrativa oficial das nações. As práticas contemporâneas da fotografia artística tendem a negar o elemento documentário dessas fotografias e as imagens de monarcas a encontrarem-se com outros líderes geralmente não são consideradas ter uma importância artística. Todavia, o desenvolvimento de uma história de fotografia em todo o mundo mostra claramente a centralidade das ocasiões históricas como eventos importantes nas narrativas nacionais. O uso de fotografias para criar uma narrativa nacional tem muitos paralelos em todo o mundo, mas incluir os amigos da nação nessa narrativa parece ter sido uma ideia adoptada entusiasticamente por gerações sucessivas de fotógrafos, tanto na Índia como no Butão. Esta exposição foca nas visitas por líderes políticos da Índia ao Butão e as viagens recíprocas pelos membros da família real do Butão à Índia. Depois da independência da Índia, o primeiro ministro da Índia, Jawaharlal Nehru e o segundo rei do Butão, Sua Majestade Jigme Wangchuk, assinaram um tratado de Amizade e Cooperação em 1949. O tratado foi assinado por Gyongzim Sonam Tobgye Dorji pelo lado do Butão e por Dr. Harishwar Dayal pela Índia (exposta nesta exposição). A visita à Índia do terceiro rei do Butão, Sua Majestade Jigme Dorji Wangchuk, deu um novo Os arquitectos da amizade entre a Índia e o Butão, 1954. Primeiro-Ministro Jawaharlal Nehru cumprimenta Sua Majestade Jigme Dorji Wangchuck, o terceiro rei do Butao, durante a primeira visita estatal à Índia pelo monarca butanês depois da independência da Índia. Imagem gentilmente cedida por: Sua Majestade Ashi Kesang Choeden Wangchuck, Rainha-Mãe do Butão. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 80 Sua Majestade Jigme Dorji Wangchuck, o terceiro Rei do Butão, foi convidado falar ao vivo com o povo indiano através de All India Radio, uma rara honra para um Chefe de Estado em visita. Imagem gentilmente cedida por: Sua Majestade Ashi Kesang Choeden Wangchuck, Rainha-Mãe do Butão. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 81 ímpeto às relações entre as duas nações. Quatro anos mais tarde, em 1958, Jawaharlal Nehru e a sua filha, Indira Gandhi, visitaram o Butão. Foi a primeira visita por um primeiro-ministro indiano a esse reino. A árdua viagem de uma semana, transportado por cavalo e caminhando a pé não diluiu o entusiasmo do primeiro-ministro, então com 69 anos de idade. Todavia, para a maioria dos indianos dessa geração, aquilo que lembram são os registos fotográficos dessa viagem. Imagens de Nehru montado em cavalos e Indira Gandhi montada num iaque foram imortalizadas na memória visual colectiva das suas nações. A máquina fotográfica continuou a registar cada momento dessa visita histórica e os jornais na Índia eram repletos de vistas do Butão e o início de uma nova amizade. O carisma do rei Jigme Dorji Wangchuk e de Jawaharlal Nehru e a recepção acolhedora estendida aos visitantes indianos foram consolidados pelo discurso histórico de Nehru ao povo do Butão em Paro. O comentário de Nehru que a Índia e o Butão eram ambos membros “da mesma família dos Himalaias e deviam viver como vizinhos amigáveis a ajudar um ao outro” foi um momento histórico e estabeleceu o espírito da amizade entre a Índia e o Butão. Sua Majestade Jigme Khesar Namgyel Wangchuck sentado no Trono Dourado depois da sua coroação, em Tashichhodzong. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 82 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 83 Foi um momento capturado pelas máquinas fotográficas. Com a sua capacidade de registar um momento na história, as fotografias continuam a ter um papel importante na documentação do nosso passado. A viagem árdua ao Butão tornou-se mais simples nas próximas décadas, com a inauguração de uma pista aérea em Paro. Vários líderes indianos foram visitar o Butão. Todavia, foi durante as visitas de Indira Gandhi em 1968 e 1972, quando ela era primeiro-ministro da Índia, que a máquina fotográfica registou os frutos dos anteriores tratados de amizade. Ela inaugurou a auto-estrada entre Phuentsholing e Thimphu e lançou a primeira pedra da Casa da Índia, ambos actos importantes que reflectiram os fortes laços entre os dois países. Desde então fotógrafos contemporâneos documentaram cuidadosamente o progresso das relações entre a Índia e o Butão e a cooperação entre os dois povos. visitar o Butão. Armados com máquinas fotográficas, à procura da fotografia perfeita que podia personificar a sua viagem, as vistas deslumbrantes do Butão eram avidamente capturadas pelos visitantes. Esses visitantes incluíram fotógrafos profissionais cujas vistas agora expandiram para além da beleza natural do país e incluiram a sua rica biodiversidade, retratos das pessoas, as cerimónias religiosas e os rituais, juntamente com os festivais coloridos do Butão. Fotógrafos já acompanharam expedições ao Butão desde 1864, todavia, aquilo que antigamente era visto como uma curiosidade exótica em tons acastanhados já não suscita a mesma reacção, com imagens do passado recente, em cor. Essas imagens incluem vários projectos que mostram o apoio que a Índia tem prestado para desenvolver a infra-estrutura do Butão. A rede de estradas que atravessam o reino e o estabelecimento dos projectos para gerar energia hídrica em Chukha, Tala, Kurichhu, Punatsangchu e Mangdechhu são um testemunho a essa cooperação. A maioria desses projectos de infraestrutura foram fotografados extensivamente e reflectem os fortes laços entre as duas nações. Em Dezembro de 2006 Trongsa Penlop Jigme Khesar Namgyel Wangchuk subiu ao trono como o quinto druk gyalpo ou rei do Butão. O novo monarca, então com 28 anos de idade, foi o soberano mais jovem do mundo e assumiu as rédeas de poder num momento particularmente histórico, quando o Butão estava a fazer a transição de uma monarquia a ter um governo eleito democraticamente. O novo rei tem uma paixão pela fotografia desde há muitos anos e esta exposição é a primeira ocasião em todo o mundo onde as suas fotografias pessoais foram exibidas. O uso da máquina digital permite uma maior flexibilidade para capturar terrenos difíceis, distâncias e pormenores com relativa facilidade. Todavia, a arte de conceber a imagem e seleccionar o momento para capturar a fotografia ainda continuam a reflectir a clareza da visão do fotógrafo. Visitas à Índia por seus homólogos do Butão alternaram entre as visitas dos líderes indianos. Sua Majestade o rei Jigme Singye Wangchuk, o quarto monarca do Butão, visitou a Índia em 1974 depois de assumir as rédeas do poder e desde então visitou a Índia várias vezes como um hóspede honrado. Enquanto as visitas formais entre os líderes continuam com toda a publicidade oficial também houve outras visitas por indivíduos dos dois países, documentadas pelas suas fotografias. As últimas décadas do século XX viram um cada vez maior número de turistas a O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, com a Sua Majestade Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, Rei do Butão, em Taschichhodzong, Thimphu. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 84 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 Hoje em dia, o Butão moderno está ao caminho de uma 85 Irmãos (em cima) e Guerreiro com o seu Escudo (página de frente). Imagens gentilmente cedidas por Sua Majestade Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, Rei do Butão. democracia, um processo iniciado por Sua Majestade Jigme Singye Wangchuk. Os retratos do povo do Butão reflectem a continuidade e as mudanças desse processo, onde os rostos enrugados das senhoras anciãs contrastam com os rostos dos jovens, a brilhar com entusiasmo e esperança. A Sua Majestade Jigme Khesar Namgyel Wangchuk é um rei popular e as suas fotografias são um registo objectivo e um testemunho pessoal da sua empatia e da sua dedicação ao seu país. Os fortes laços com o seu povo e as paisagens do Butão que ele documenta distinguem as suas fotografias. O Butão continua a ser um país idílico e estas fotografias transparentes não foram retocadas com as tecnologias modernas para esconder as sombras nem reflectem nenhum sentimentalismo. São imagens que registam momentos importantes na história recente, ilustrando a transição desse antigo e enigmático reino para uma democracia jovem e vivaz. ◆ Pramod Kumar KG é um investigador independente e o director do Festival Literário de Jaipur. Namita Gokhale é uma escritora, editora e directora-adjunta do Festival Literário de Jaipur. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 86 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 87 Kathak A EVOLUÇÃO DO NARRADOR DE HISTÓRIAS LEELA VENKATARAMAN Kathak, a forma de dança clássica que desenvolveu na Índia Setentrional, traça as suas raízes à arte dos narradores de histórias popularizada pelos bardos itinerantes da Índia antiga. Este artigo fornece-nos uma visão global da evolução desta forma de dança. Kathak, a dança clássica que desenvolveu nos actuais estados indianos de Uttar Pradesh, Madhya Pradesh e Rajastão, traça as suas origens à arte dos narradores de histórias, popularizada pelos bardos itinerantes da Índia antiga. Utilizando um estilo dramático, narravam as histórias das grandes epopeias como o Ramayana e o Mahabharata, usando o meio de movimentos, ritmos, música e poesia. Entretendo, informando e educando, esses bardos itinerantes usavam palcos como os pátios dos templos e outros espaços públicos e serviam para unir várias comunidades em todo o país numa única entidade cultural através das suas narrativas e dos seus sermões. Com a passagem do tempo, essa narração mimética, que podemos ver nas pinturas dos séculos XV a XVIII, evoluiu para criar uma forma estilizada de dança que recebeu o patrocínio dos templos e das famílias reais. Com a expansão do império mogor, que tinha menos interesse em temas centrados na cultura hindu, essa dança, particularmente nas suas manifestações cortesãs, desenvolveu uma ênfase diferente, incorporando uma rica dimensão de virtuosidade rítmico, que continua a ser uma das suas características distintas ainda hoje em dia. Essa tendência também foi influenciada pela música clássica da Índia Setentrional, que se baseia intensamente na criatividade individual com improvisações ao redor de uma composição mínima de duas linhas. O mesmo factor de criar no momento é também comum à música khayal do norte da Índia e na dança assumiu a forma de permutações rítmicas tecidas no refrão principal do ciclo métrico ou tala. As danças dos templos e das cortes continuaram a ser diferentes porque enfatizaram o elemento de bhakti ou devoção aos deuses no caso desse e o domínio das técnicas no caso deste. TÉCNICA: Ao contrário das técnicas nas outras formas indianas de dança clássica, onde o plié com o dançarino meio ajoelhado com os joelhos dobrados ao lado é um elemento estilístico central, o dançarino Página de frente: Birju Maharaj mostrando o mito de Krixna a levantar o Govardhan. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 88 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 89 de kathak usa uma abordagem de duas dimensões, como os bailarinos de flamenco, com o corpo erguido, utilizando o espaço pela frente e por trás, com o peso distribuído igualmente em ambas pernas – as extensões das pernas e as flexões dos joelhos, que se vê em Bharatanatyam ou outras formas de dança clássica, são ausentes. As piruetas em velocidades diferentes são uma parte integral desta forma de dança e aqui o bailarino mantém um pé firmemente no chão, marcando o centro, enquanto o outro pé marca o círculo ao redor do corpo do bailarino. Batem os pés no chão com um ritmo distintivo, tecendo combinações com o ciclo métrico (tala). Essa técnica chama-se tattakara e é um elemento crucial para a dança. É o elemento que recebe a maior atenção durante os treinos. O bailarino de kathak é um mestre de criar padrões de ritmos com acentos que mudam constantemente – alcançado com uma subtil mudança no peso do corpo e nos movimentos dos pés. Como todas as outras danças, kathak tem o seu rico vocabulário de sílabas rítmicas, mnemónicas conhecidas como bols e em kathak cada nuance e sílaba rítmica tocada com o instrumento de percussão do tabla têm que ter uma articulação correspondente nos movimentos dos pés do bailarino. Para o lado interpretativo da dança (com uma ênfase no mito de Krixna, influenciada pela tradição da Rasalila) onde os gestos das mãos representam emoções envolvendo a alma do bailarino, a poesia em língua urdu com os seus ghazal, as composições e os versos de poetas de língua hindi como Surdas, Kabir e outros e as letras líricas de thumri, que focam em temas de amor, fornecem a base textual/ temática. Cada forma de dança têm o seu próprio vocabulário de gestos das mãos (mudras), kathak usa poucos gestos das mãos e usa-os de uma maneira mais natural que estilizado. Embora esta forma de arte foi praticada principalmente pelas cortesãs e tawaifs na Índia feudal, os professores (alguns dos quais eram excelentes intérpretes) eram sempre homens. seus outros deveres como o governador do seu estado. A sofisticação e a graça eram as principais características desta escola de kathak, com grandes maestros como Kalka e Bindadin. No século XX esta escola era famosa devido aos três filhos célebres de Kalka Maharaj, nomeadamente Achhan Maharaj, Shambhu Maharaj e Lachhu Maharaj. Finalmente, passaram a tradição ao filho de Achhan Maharaj, o grande Birju Maharaj, uma lenda já na sua própria vida, um mestre desta forma de GHARANAS: Três grandes escolas ou gharanas de kathak surgiram. A elegante escola de Lucknow foi criada pela corte do nababo Asaf-ud-daula (1775-1798) de Avadh. Desenvolveu-se sob o patrocínio de Wajid Ali Shah (1847-1856) que, como um patrão dedicado desta dança, concentrou nela tanto que negligenciou os Geetanjali Lal – fotografada durante uma postura. Uma Sharma – um olhar tentador ao levantar o véu. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 90 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 91 dança. A escola de Jaipur (uma identidade que uniu diversas tendências independentes de kathak) evoluiu sob o patrocínio das famílias reais hindus. É uma escola mais vigorosa, influenciada pelo carácter marcial do povo de Rajastão, e é conhecido pelos seus passos complicados. Mohan Lal, Chranji Lal, Sohan Lal, Narayan Prasad e, mais recentement, Sunder Prasad, Devi Lal, Hazari Lal, Kundan Lal Gangani, Durga Lal e Gauri Shankar eram todos proeminentes professores/ artistas desta escola. A escola de Benares, também conhecida como a escola de Janaki Prasad, surgiu como um ramal da escola de Jaipur. O seu fundador nasceu na aldeia de Mailsur no então estado de Bikaner, no Rajastão ocidental. Esta escola é conhecida pela sua tradição de fazer o tattakar nos calcanhares e pelo seu uso de natwari bols. Uma outra característica distintiva é a sua tradição de dançar com as costas ao público. A escola inclui intérpretes/ professores como Puranlal, Biharilal, Hiralal, Krishna Kumar, Sudarshan Dheer, Gopikrishna, Hazarilal e a sua mulher Sunayana Hazarilal, uma dançarina muito conhecida hoje em dia – e finalmente, a octogenária Sitara Devi, a famosa mestre de kathak. No estado de Madhya Pradesh na corte de Raigarh, soberanos entusiastas patrocinaram intérpretes das escolas de Jaipur e de Lucknow. Ao mesmo tempo patrocinaram os seus próprios bailarinos ‘nacha’ - Kartik Ram e Kalyan, que estudaram sob Chunnilal e Shivnarain para liderar uma outra tendência de kathak enriquecida pelas composições do monarca multifacetado Chakradhar Singh, que subiu ao trono de Raigarh em 1935. Shri Ram Bharatiya Kala Kendra começou o primeiro projecto para promover kathak na década dos 50, com uma faculdade liderada pelo grande Pandit Shambhu Maharaj, que ensinava a escola de Lucknow, e Pandit Sunderprasad, que ensinava a escola de Jaipur. Mais tarde, durante a década dos 60, o Kathak Kendra foi incorporado no mais alto instituto estatal nacional, o Sangeet Natak Akademi, que foi estabelecido para supervisionar as artes interpretativas. Mestres como Pandit Birju Maharaj, Kundan Lal Gangani, Munna Lal Shukla e Reba Vidyarthi ensinam aos alunos as tradições tanto da escola de Lucknow com as da escola de Jaipur. DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA: Com a independência da Índia em 1947 e a abolição dos estados reais, muitos dos principais gurus (mestres) transferiram-se para Deli, a capital. A primeira instituição do seu género, a Saswati Sen – depois de lançar uma flecha do seu arco. Juntamente com intérpretes veteranos como Damayanti Joshi, novos nomes como Rohini Bhate, Maya Rao e Uma Sharma adornaram o palco. O génio de Birju Maharaj forneceu o ímpeto para profissionais como Kumudini Lakhia, Urmila Nagar, Rani Karna, Malavika Sarkar, Prerana Shrimali, Saswati Sen, Shovana Narayan, Bhaswati e vários outros jovens bailarinos que levaram a fama de kathak a todas as partes do mundo. O FORMATO DO ESPECTÁCULO: Kathak dançado por um único intérprete constitui diversos géneros independentes de composição. A sua totalidade consiste em várias composições efémeras contidas dentro de uma apresentação unida. Recitando os bols (cantos) dos tukras, Prerna Shrimali – fotografada durante uma postura. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 92 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 93 parans and tihais antes de dançar e explicações sobre os aspectos especiais das técnicas apresentadas são uma parte integral dos espectáculos de kathak, onde é natural interagir com o público, que exprime a sua apreciação com os gritos de “wah! wah!”. O formato antigo dos espectáculos com um elemento predominante de improvisação derivado de inspiração do momento e os desafios do percussionista nunca estava estabelecido de antemão. A formalidade estruturada dos palcos de hoje é radicalmente diferente que essas apresentações abertas e é aqui que kathak tem que fazer a maior ajustamento. Dependendo numa dança preparada de antemão indirectamente diminuiu as habilidades necessárias para improvisar. Grandes públicos cosmopolitas, que nem sempre entendem a literatura de poetas de língua hindi como Tulsi, Meera, Vidyapathi, Padmakar ou Nirala, tendem a ficar mais entusiasmados pelo talento rítmico e pela virtuosidade, que frequentemente são o elemento usado para avaliar o bailarino de kathak, com uma mínima importância atribuída à dança interpretativa. OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO: Kathak não pode escapar a globalização ou a atracção dos palcos internacionais, onde compete com outras formas de arte. A forma de danças em grupo e Um momento dramático numa coreografia de Kumudini Lakhia. ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 94 ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 95 o género de dança e drama, em particular, resultaram em inovações desde os anos 20 do séc. XX, com a pioneira Madame Menaka (o seu nome original era Lila Roy), que fez a coreografia para produções como Deva Viyaya Nritya. Em 1958, Lachhu Maharaj e Birju Maharaj fizeram a coreografia de Malti Madhav, com Birju Maharaj e Kumudini Lakhia nos papéis principais. A peça foi um grande êxito. O próprio Birju Maharaj fez a coreografia de inúmeras produções de dança sobre novos temas. As suas criações mais antigas incluíram Roopmati-Baz Bahadur, Kumar Sambhavam (1958), Shan-e-Avadh (1960), Dalia (1961) e Krishnayana (1966), seguidas por várias outras produções. Sua peça Angika tinha luzes focadas em segmentos isolados dos corpos dos bailarinos, criando uma geometria estética de grupo com os movimentos da cabeça, olhos, rosto, pulseira, mãos e torso, visualizando um vocabulário completo dos movimentos de kathak pelas partes do corpo. Até fez a coreografia de uma produção sobre como estampar papel. A narração da vida de um pedaço de ferro inspirou uma produção inteira. Um excelente professor, já treinou numerosos discípulos. A sua experimentação prolífica com os ritmos e com os bols é impar. Observando os ritmos da natureza, encontrou padrões de som nas ondas, nos pássaros, nos ruídos da noite e nos sons humanos, que exprimiu em bandishes (versos) de kathak. Uma das mentes mais criativas de Ruby Mishra – um momento encantador (em cima) e Shovana Narayan – um momento emocional de abhinaya (página de frente). sempre, toda a sua exploração foi dentro dos limites tradicionais da forma clássica. compositor Atul Desai, com quem tem uma longa colaboração, criou o quadro melódico como o ponto de partida fundamental para os seus temas. As suas obras como Atah Kim são repletas com imagens muito fortes de grupo. Ao optar por trajes elegantes e simples, sem jóias, a dança é o foco principal, libertando o bailarino de aparências exageradas. Criou uma mentalidade com uma postura orgulhosa e direita que favorece uma liberdade dos movimentos do corpo. Kumudini Lakhia, uma discípula de Guru Shambhu Maharaj, fez uma contribuição importante em termos de explorações contemporâneas e a sua colaboração com bailarinos como Ram Gopal deu-lhe um gosto especial para os aspectos da apresentação. Ela experimentou com formatos, modificando a proeminência do bailarino individual e frontal, ao enfatizar os movimentos em diferentes direcções, aproveitando da estética das formações de grupos. Até o parhant ou recitação de mnemónicas transformou-se numa técnica dramática, simbolizando a troca verbal entre os bailarinos. Acima de tudo, ela usou a abstracção do ritmo para transmitir uma mensagem, como em Dhabkar (‘Pulso’) onde o simples tattakara transformouse no pulso do coração. O ÍNDIA PERSPECTIVAS SETEMBRO-OUTUBRO DE 2009 Através de iniciativas inovadoras, como uma interacção com flamenco em duetos, dançando à música ocidental de Vivaldi, como foi feito por Daksha Seth, e a Sonata ao luar de Shovana Narayan, os bailarinos de kathak estão a esforçar-se para que a dança possa responder aos desafios da contemporaneidade. ◆ A autora é uma crítica de dança e escreveu numerosos livros sobre a dança clássica indiana. 96