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Identidade Cultural e Cidadania na América Latina
Andréa Freire de Lucena
Luciana de Oliveira Dias Matos
A América Latina, berço de uma pluralidade cultural e diversidade de pertencimentos, tem
se apresentado como um campo de encontros, misturas, embates, fusões, disputas,
construções que são, sobretudo, identitárias. Considerando-se que as identidades estão
assentadas sobre a diferença, podemos entender que o contexto latino-americano demanda
por políticas de reconhecimento das diferenças que, conforme defendido por Taylor
(1994), está estreitamente vinculada à noção de identidade. Por outro lado, a mesma
América Latina evidencia um panorama em que questões de cidadania, tais quais as
promovidas pelos Estados Nacionais, tendem a homogeneizar os indivíduos. Alocados sob
o mesmo prisma da igualdade e uniformizados nos instantes de reivindicação ou exercício
da cidadania, que vozes ecoam dos múltiplos indivíduos que “performatizam” um sem
número de identidades? Questões como esta, instigam a reflexão apresentada neste artigo.
Pela utilização da metodologia comparativa, o objetivo é analisar o cenário latinoamericano enquanto expressão de contextos que desafiam uma compreensão mais ampla e
aprofundada tanto das identidades quanto da cidadania. Assim sendo, é possível entender
as políticas multiculturalistas, aquelas centradas na consideração da pluralidade cultural
que conduz a uma diversidade de identidades, enquanto instrumentos necessários para o
efetivo exercício da cidadania.
Identidad cultural y ciudadanía en Latino América
Andréa Freire de Lucena
Luciana de Oliveira Dias Matos
América Latina es una expresión de la multiculturalidad y la diversidad de pertenencia, se
ha presentado como un campo de reuniones, de mezclas, de colisiones, de fusiones, de
controversias, de construciones que son, sobre todo, la identidad. Teniendo en cuenta que
las identidades se basan en la diferencia, podemos entender que los países de Latino
América la demanda de reconocimiento político de las diferencias, promovida por Taylor
(1994), está estrechamente vinculada a la noción de identidad. Por otra parte, la misma
Latino América muestra una escena en la que las cuestiones de la ciudadanía, de tal forma
que las promovidas por el Consejo Nacional tienden a homogeneizar las personas.
Asignados en relación con el mismo prisma de la igualdad y de manera uniforme en los
momentos de la reclamación o el ejercicio de la ciudadanía, haciéndose eco de las muchas
voces que las personas que “realizan" una serie de identidades? Cuestiones como esta, para
incitar a la reflexión presentada en este artículo. El uso de el método comparativo, el
objetivo es analizar el escenario como una expresión de los contextos de Latino América
que desafían una más amplia y profunda comprensión de la identidad de cerca de la
ciudadanía. Por lo tanto, es posible entender las políticas multiculturalistas, que se centran
en la consideración de que la multiplicidad cultural conduce a una diversidad de
identidades, mientras que las herramientas necesarias para el eficaz ejercicio de la
ciudadanía.
Identidade Cultural e Cidadania na América Latina
Luciana de Oliveira Dias Matos
1. Por uma abordagem da diversidade
Para iniciarmos uma discussão sobre identidades na América Latina, optamos por
abordar a diversidade enquanto categoria conceitual e de análise que guiará as reflexões
aqui apresentadas. O entendimento mais elementar a ser apresentado é aquele que
possibilita a compreensão da diversidade como baseada nas diferenças e dessemelhanças.
Para a educadora e antropóloga Nilma Lino (2003), a diversidade, após um tratamento
cultural e político, pode ser entendida de duas formas, quais sejam:
1.
As diferenças são construídas culturalmente tornando-se, então,
empiricamente observáveis; e
2.
As diferenças também são construídas ao longo do processo
histórico, nas relações sociais e nas relações de poder. Muitas vezes, os
grupos humanos tornam o outro diferente para fazê-lo inimigo, para
dominá-lo. (LINO. In: RAMOS, 2003, p.71-72).
A partir desta perspectiva, abordar a diversidade cultural não significa apenas
apresentar a dimensão da necessidade de reconhecimento do outro, mas implica
sobremaneira repensar a relação entre o “eu” e o “outro”. Este exercício é importante ao
considerarmos que se simplesmente reconhecemos o outro como diferente, uma tendência
é que continuemos com a atenção voltada sobre o nosso próprio grupo, nossa própria
história, nosso próprio povo. Em um contexto como o descrito na sentença anterior, a
relação que se institui é entre semelhanças X diferenças, com a compreensão de que tudo
que se diferencia do “eu” é inferior. Essa tendência à hierarquização é uma marca dos
grupos humanos por seu potencial etnocêntrico. Laraia (1997, p.75), informa como “o
etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal”, sendo comum a crença de que a única
forma de expressão de cultura e sociedade é aquela na qual nos inserimos. Este mesmo
antropólogo destaca como a cultura atua, moldando a visão que os indivíduos têm sobre si
mesmos e sobre o “outro”.
No que se refere à diversidade enquanto “necessidade humana vital” (TAYLOR,
1994, p.41), vale a pena enfatizar que a diversidade pressupõe relações sociais
2
estabelecidas entre grupos humanos, que, por sua vez, envolvem relações de poder.
Destaque-se que o poder de que se fala é o poder em determinar quais são os padrões e
valores que regulam essas relações sociais. Luciana de Oliveira, em pesquisa realizada no
contexto educacional do Brasil e México, analisa e informa que “aqueles que detêm mais
poder são os que apresentam mais capacidade de interferência nas bases de significação
sociocultural.” (OLIVEIRA, 2008, p.174). Ao considerarmos que os espaços em que as
diversidades se encontram são também espaços para a consolidação de performances
identitárias, podemos entender que as construções das identidades culturais implicam
inexoravelmente, em disputas de poder.
As identidades culturais, ou aquilo que individualiza e particulariza os grupos
humanos, são construídas em contextos de coexistência de alteridades em que se destacam
a pluralidade cultural e a diversidade de pertencimentos e afiliações. Pontual e
objetivamente falando, há que se considerar que enquanto sujeitos culturais, sociais e
históricos, somos diferentes. E em nossa diferença consolidamos espaços de geração de
solidariedade1 baseadas em valores universais e em afinidades múltiplas. Vale destacar que
o que nos individualiza é também fator gerador de solidariedade e não aquilo que conduz a
padronizações, homogeneidades ou uniformizações. Estas dão margem para o
entendimento das diferenças como desvio, deficiência e desigualdade. E, embora esbarre o
ululante, faz-se necessário lembrar que a desigualdade é responsável pela geração de
práticas intolerantes e autoritárias.
2. Identidades Étnico-raciais e Cidadania na América Latina
A América Latina pode ser entendida neste artigo como um espaço sociocultural e
historicamente construído, em que as mais diferentes presenças se encontram. Locus da
diversidade, o que não pode ser confundido com qualquer apologia ao pluriétnico, a
América Latina nos desafia a trilhar caminhos que possibilitem a construção do diálogo
que por sua vez resulta em um processo de repensar a relação entre alteridades. Entender
processos de acionamento de signos e significados culturais, bem como os imaginários e as
representações coletivas responsáveis pela construção das identidades culturais auxilia na
compreensão de processos de cidadania na América Latina.
1
Para Durkheim (1967) solidariedade social constitui e é a responsável pela coesão entre os seres humanos.
A solidariedade varia de acordo com o tipo de organização social, considerando-se a maior ou menor
presença da divisão do trabalho e de uma consciência mais ou menos similar entre os membros de uma
sociedade.
3
Entendemos ainda esta fração do continente americano como berço de pluralidade
cultural e diversidade de pertencimentos, que tem se apresentado desde sua invenção como
um campo de encontros, misturas, embates, fusões, disputas, construções que são,
sobretudo, identitárias. Importante destacar ainda duas características da América Latina
que se apresentam como pontos de convergência geradores de espaços comuns entre todos
os países latino-americanos: 1º. De uma perspectiva mais histórica, e atrelada à experiência
de dominação colonial vinculada ao circuito comercial do Atlântico, os países que compõe
a América Latina passaram por “constrangimentos históricos que fazem parte de suas
estruturas sociais, principalmente a concentração de renda e a concentração fundiária”.
(RIBEIRO, NACIMENTO e OLIVEIRA, p.27, 2008). 2º. Ao tomarmos de empréstimo as
reflexões realizadas por Benedict Anderson (1983) sobre a nação como comunidade
imaginada, podemos entender a América Latina como uma invenção onde efetivamente
não existiam. O apelo a um passado histórico comum é capaz de aproximar indivíduos que
jamais se conheceram ou se conhecerão, mas que compartilham um pertencimento, o de
latino-americanos. Daí a noção de imaginada, ainda porque “na mente de cada um está
viva a imagem de sua comunhão” (ANDERSON, 1983, 14).
Um exercício de reflexão mais aprofundado acerca desses dois pontos destacados
nos conduz a discussões sobre cidadania. Tanto os fatores mais historicamente observados
quanto aqueles que são mais subjetivos, simbólicos e sincrônicos possibilitam apreender
um sujeito, o latino-americano, sendo forjados enquanto sujeito de direitos de cidadania.
No que se refere ao conceito de cidadão, Benevides nos lembra que
Na teoria constitucional moderna, cidadão é o indivíduo que tem um
vínculo jurídico com o Estado. É o portador de direitos e deveres fixados
por uma determinada estrutura legal (Constituição, leis) que lhe confere,
ainda, a nacionalidade. Cidadão são, em tese, livres e iguais perante a lei,
porém súditos do Estado. Nos regimes democráticos, entende-se que os
cidadãos participaram ou aceitaram o pacto fundante da nação ou uma de
nova ordem jurídica. (BENEVIDES, 1994).
A partir desses esclarecimentos sigamos na busca por entender um único campo no
qual o exercício da cidadania, contemporaneamente, na América Latina, adquire um
caráter notadamente problemático. O campo de que falamos é o campo da identidade, no
qual a maior visibilidade pública dos pertencimentos étnico-raciais redefinem e privilegiam
novas pautas de cidadania. Objetivando melhor apresentar a opção quanto ao recorte
realizado, trazemos para a discussão o caso das identidades étnico-raciais de negros no
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Brasil e indígenas no México, enquanto expressão de sujeitos subalternizados e subjugados
por estruturas socioculturais que operam mais com a categoria de desigualdade que com a
categoria de diversidade.
A étnico-racialidade, fenômeno que articula pertencimentos étnico-raciais ligados a
uma cultura específica, é uma construção mental que expressa uma experiência de
dominação colonial. A racialidade, conforme discutida por Walter Mignolo (apud
LANDER, 2005, p.80), representa “o ponto de articulação do imaginário construído no – e
a partir do – circuito comercial do Atlântico. [...] Foi com – e a partir do – circuito
comercial do Atlântico que a escravidão se tornou sinônimo de negritude.” Destaque-se
que é sobre a base da idéia de raça que as populações americanas são classificadas, é esse o
elemento constitutivo fundacional das relações entre conquistadores e conquistados nas
Américas em que “uma supostamente distinta estrutura biológica [...] situava a uns em
situação natural de inferioridade em relação a outros” (QUIJANO, apud LANDER, 2005,
p.228). Daí a importância em apreender essas noções que contemporaneamente orientam
ações individuais e coletivas nos mais variados grupos e nas mais diversas sociedades
latino-americanas.
2.1 egros no Brasil e indígenas no México
Os dados apresentados a seguir são importantes para pensarmos a situação dos
negros brasileiros e indígenas mexicanos enquanto expressão de identidades étnico-raciais
na América Latina. Questões de identidade cultural, pertencimento étnico-racial e
cidadania nesta parte do continente implicam por vezes em situações de subalternização
daqueles que são classificados como desiguais em sua diferença. Decorrentes dessas
posturas presentes nos dois países analisados, visualizam-se panoramas em que estão
presentes as desigualdades sociais e econômicas, bem como a constituição de sociedades
altamente hierarquizadas em que tanto indígenas como negros ocupam as bases de dos
sistemas de classificação socioeconômica.
Para uma noção da distribuição populacional brasileira de acordo com o quesito
cor/raça, utilizamos dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), que por sua vez utiliza o critério de auto-classificação induzida na aplicação de
seus questionários. A partir dessa fonte, temos a população brasileira estimada em 184,4
milhões de habitantes, no ano de 2005 segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD). Destes, 91 milhões de pessoas se declararam de cor/raça parda ou
5
preta, para efeitos analíticos juntamos essas duas categorias em uma única, qual seja,
negros, assim sendo podemos afirmar que a população negra brasileira equivale a 49,4%
da população nacional.
Somente para que tenhamos uma demonstração das disparidades vivenciadas pelos
negros brasileiros em relação ao restante da população nacional, destacamos que de acordo
com o Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho, apresentado pelo Departamento
Interministerial de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), no DF cerca de 68%
dos desempregados são negros2 e ainda
as condições atuais do mercado de trabalho brasileiro e todas as questões
que afetam as possibilidades de ingresso, permanência e crescimento
profissional da população negra conjugam-se assim, para compor o
quadro de extrema gravidade que caracteriza sua inserção no mercado de
trabalho. (http://www.dieese.org.br/esp/negro.xml).
Dados percentuais e análises apresentadas pelo DIEESE contribuem para a
afirmação de que os negros no Brasil apresentam uma inserção diferenciada e inferiorizada
com relação ao restante da população nacional. Esse segmento da população apresenta as
maiores taxas de desemprego, subemprego ou ocupações em situações vulneráveis e de
marginalidade e as menores taxas de escolaridade e de renda. Ainda que não sejam raros os
dados que demonstra o viés racial orientando as diferenças – transformadas em
desigualdades – é generalizada uma espécie de invisibilização e negação da situação dos
negros brasileiros.
A situação de subjugo e inferioridade, que conduz a práticas preconceituosas e
discriminatórias, a que são submetidos os negros brasileiros é denunciada pelos
movimentos negros desde muito tempo. Ao remontarmos uma trajetória do movimento
negro no Brasil – destacando que é o movimento negro que chama para si a tarefa de
denunciar situações de subjugo e reivindicar situações de inclusão socioeconômica,
cultural e educacional – comumente são apresentadas três fases históricas: a primeira, o
movimento negro pré-abolicionista que vai até 1888; a segunda, o movimento negro pósabolicionista que vai de 1888 até a década de 1960; e a terceira, o movimento negro
contemporâneo que ganha força na década de 1970 e sobrevive até os dias atuais. Merece
2
O DIEESE também entende ‘população negra’, ou ‘raça negra’ como sendo a junção de pretos e pardos.
6
destaque a emergência do Movimento Negro Unificado (MNU) fundado em 18 de julho de
1978, em decorrência do acontecido no Teatro Municipal em São Paulo, durante um ato de
protesto pelo assassinato de um jovem negro jogador de basquete, acusado e morto pela
polícia por roubar frutas em uma feira livre. (SANTOS, 2000).
Uma questão a ser anunciada é a que responde sobre quem são negros no Brasil, em
um momento em que todos reivindicam ascendências múltiplas. Destaque-se que estamos
chamando de negros os pretos e pardos do IBGE, mas também todos aqueles que se
declaram como tal e que são reconhecidos como. Chamando a atenção para nossa
concordância com o professor Milton Santos (1987) que enfatiza que ser negro no Brasil é
ser alvo de um “olhar enviesado” que rotula e aprisiona. Assim como os negros no Brasil,
os indígenas no México são o alvo desse “olhar enviesado” e a comparação conforme
proposta permite uma ampliação das reflexões acerca desses grupos socioculturalmente
subalternizados. De acordo com Rebeca Igreja (2005) há uma aproximação entre negros e
indígenas na América Latina já que ambos se constroem e são construídos enquanto
“minorias étnicas”. Essa autora assim se expressa ao analisar o movimento negro e o
movimento indígena na contemporaneidade da América Latina:
O movimento negro na América Latina, portanto, não se isola: pelo
contrário, procura unir-se à força do movimento indígena buscando assim
ganhar legitimidade através de uma ação conjunta. É essa ação que
permite que discursos e reivindicações semelhantes se cruzem, ainda que
suas problemáticas se distanciem, permitindo afirmar que indígenas e
negros se unem para se definirem perante o Estado como novos sujeitos
políticos a partir de suas “diferenças culturais”. (IGREJA, 2005, p.16,
grifos da autora).
No México, de acordo com Quezada (2003), a partir de dados copilados junto ao
Instituto Nacional Indigenista (INI) e à Secretaria para o Desenvolvimento para os Povos
Indígenas, existem mais de 11 milhões de pessoas indígenas que integram 64 etnias e
falam mais de 90 línguas, se incluirmos aqui as variantes de dialetos. Ainda de acordo com
as análises de Quezada (2003), essa população tem sido alvo de discriminações e exclusões
nos mais variados campos da sociedade civil. A invisibilidade e a situação de
marginalização e pobreza dos indígenas mexicanos são denunciadas pelo Ejército
7
Zapatista de Liberación acional (EZLN), em Chiapas, em janeiro de 1994. É esse levante
que impulsiona discussões e conquistas acerca dos direitos dos povos indígenas.
Ainda que algumas forças políticas mexicanas reconheçam que violam os direitos
indígenas, não há consenso sobre uma definição de como reconhecer e respeitar esses
direitos, já que não conseguem entrar em acordo quanto à definição de um ser indígena.
Em abril de 2001 o Senado da República aprova a Lei Indígena e ainda assim não há
concordâncias sobre quem é e quem não é indígena no México. Desta forma, são possíveis
dois eixos orientadores de reconhecimento: 1) É indígena todo aquele que se considera
indígena; 2) É indígena todo aquele que fala uma língua indígena, como índio. Para além
desses dois eixos, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece no convênio
169 – que orienta ações governamentais direcionadas a povos e populações indígenas no
México, já que está subscrito por este país desde 1991 – que para a identificação de povos
indígenas são fundamentais o auto-reconhecimento, as formas de organização social e
política e as instituições econômicas de povos e populações indígenas.
Contudo, o elemento fundamental que possibilita identificar uma pessoa como
indígena é o fato de essa pessoa falar um idioma – ainda comumente chamado de dialeto –
pré-hispânico. Enfatizamos que há o reconhecimento pelos indivíduos de diferenças
fenotípicas, sendo que é inegável o fato de que essas diferenças orientam ações individuais
e coletivas, contudo a tendência geral observada é a compreensão de que seja considerada
indígena toda pessoa que fale um idioma autóctone como primeira língua.
O fenômeno acima descrito pode ser observado no país de forma generalizada.
Assim sendo, famílias que migram para o Distrito Federal mexicano, por exemplo,
comumente falam o espanhol em ambientes públicos, mas mantém o idioma nativo na
esfera doméstica. Chamamos a atenção para o fato de que há um modelo de educação
indígena
no
México,
ao
focarmos
na
educação
formal,
caracterizado
pela
“castellanización” em que o espanhol é tomado como primeira língua, desconsiderando um
currículo possível em que haja uma preservação lingüística. Ainda que seja possível
observar uma grande diversidade lingüística e cultural no país, há uma tendência a uma
homogeneização lingüística no ambiente escolar que toma e apresenta o espanhol como
língua unificadora de um povo, o mexicano.
No que se refere às condições de vida dos indígenas mexicanos, no ano de 2007 foi
defendida a tese de Leticia Vega Hoyos na Universidad Pedagógica Nacional (UPN) que
apresenta a informação de que o DF conta hoje com “cerca de 500.000 indígenas cuya
8
situación general raya en la miseria extrema”. (HOYOS, 2007, p.06). Importante destacar
ainda, que o fenômeno migratório é analisado pela autora acima referenciada e pelo
Instituto Nacional de Estadística, Geografía e Informática (INEGI) e apresenta os seguintes
fatores determinantes:
•
Escassez e improdutividade das terras em seus lugares de origem;
•
Carência de empregos nas regiões de origem;
•
Busca de serviços, tais como saúde, educação, gestão para a comunidade;
•
Conflitos políticos na comunidade.
2.2. Identidade e diferença
Ao considerarmos que as identidades estão assentadas sobre a diferença, podemos
entender que o contexto latino-americano demanda por políticas de reconhecimento das
diferenças que, conforme defendido por Taylor (1994), está estreitamente vinculada à
noção de identidade. Ao analisarmos a situação de negros no Brasil e indígenas no México
nos deparamos com representações que, por sua vez, são responsáveis pela localização
simbólica dos indivíduos no interior das relações que estabelecem. Nesses casos
específicos, mas também na América Latina como um todo, a idéia de representação é
crucial para a consolidação de identidades as mais diversas. Assim sendo, as
representações sociais que colaboram para a construção das identidades grupais podem
conduzir a geração de políticas de reconhecimento das diferenças. Identidades e diferenças,
concomitantemente, contribuem para que seja desenhada a realidade sociocultural,
econômica e política na América Latina.
Por outro lado, a mesma América Latina evidencia um panorama em que questões
de cidadania, tais quais as promovidas pelos Estados Nacionais, tendem a homogeneizar os
indivíduos. Ainda que de lugares diversos ecoem múltiplas vozes o que conduz à
percepção e necessidade de consideração não somente das identidades, mas também das
diferenças, torna-se fundamental destacar que esses mesmos indivíduos múltiplos são
alocados, sobretudo pelos Estados Nacionais, sob o mesmo prisma da igualdade. O que
implica forte tendência à uniformização nos instantes de reivindicação ou exercício da
cidadania. A partir de performances identitárias que dramatizam identidades assentadas
sobre as diferenças é favorecida a consideração, e a vivência, da diversidade que compõe
as relações socioculturais estabelecidas.
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Questões como essas, instigam e contribuem para o aprofundamento da reflexão
apresentada neste artigo. Pela utilização da metodologia comparativa, em que analisamos
os casos do Brasil e do México, foi possível lançar luz sobre o cenário latino-americano
enquanto expressão de contextos que desafiam uma compreensão mais ampla e complexa
tanto das identidades quanto da cidadania. A partir desse exercício reflexivo e de análise é
possível entender as políticas multiculturalistas, aquelas centradas na consideração da
pluralidade cultural que conduz a uma diversidade de identidades, enquanto instrumentos
necessários para o efetivo exercício da cidadania.
As políticas multiculturalistas de que se fala permitem considerar a crescente
diferenciação dos indivíduos e grupos de indivíduos inseridos em processo, sobretudo
produtivos, cada vez mais complexos. E nesse contexto de contemporaneidade questões
associadas à identidade e à diferença demandam por esquemas compreensivos que
abarquem a diversidade enquanto expressão dos grupos humanos. Desta forma, é
pertinente entender campos da auto-afirmação identitária, ou das negociações de
pertencimento enquanto competência inclusive da sociedade civil, já que esbarramos em
questões de direito.
3. Conclusão
É inegável que há pontos de convergência entre os grupos humanos, todavia os
pontos de semelhança – tais como o uso da linguagem, a adoção de técnicas, o
estabelecimento de organização social e política, a elaboração de regras, dentre outros –
entre os grupos humanos não podem conduzir a uma compreensão da experiência humana
como invariável. O que há de fato é uma diversidade, e se ela está presente, devem ser
criadas condições para que essa diversidade seja vivenciada, e não oprimida em nome de
tentativas de padronização.
Ainda que a diferença, pela nossa potencialidade etnocêntrica, nos assuste, é
interessante aceitar o desafio por ela proposto e que indica a necessidade de não somente
reconhecermos o “outro”, mas olharmos para nós mesmos. Esse exercício conduz à
apreensão da diversidade nos instantes em que nos desafiamos a pensar a América Latina
como um todo. E considerar, mais que isso, vivenciar a diversidade pode nos levar a
situações em que seja possível:
•
Uma afirmação de identidades positivadas. A positivação acontece quando há uma
espécie de desestigmatização dos signos que são acionados para a constituição das
10
identidades, e também quando há uma valorização dos pertencimentos plurais. Impõese nestes contextos movimentos de problematização e releitura da relação “eu – outro”,
o que, por sua vez assegura um avanço necessário no processo de reconhecimento puro
e simples da diferença.
•
Ao ser desencadeado um processo de resignificação das identidades, que passam de
identidades atribuídas para uma espécie de construção de auto-identidade pode ser
resignificada pela construção de uma auto-identidade (MUNANGA, 1996) abre-se
espaço para a diversidade. Vale destacar aqui que é a diversidade que pode
problematizar padronizações e valores estabelecidos e impostos.
•
Finalmente, mas não menos importante, concluímos que para que a diversidade seja
vivenciada são necessárias ações pontuais, com geração de práticas políticas, culturais
sociais e pedagógicas eminentemente coletivas.
Finalizamos este artigo com a afirmação de que ao pensarmos na América Latina,
não há como nos esquivar da reflexão acerca da diferença e da diversidade. Ainda que
consideremos valores comuns e universais, Nilma Lino nos lembra que a originalidade de
cada cultura reside na maneira particular como os grupos sociais apreendem e resolvem
seus problemas. Uma percepção e uma prática da diversidade não condizem com uma
prática discriminatória, nem com a crença em um padrão único de comportamento. Para
romper com uma tendência à uniformização que ainda impera na América Latina é
necessário o trato da diversidade, o que por sua vez exige, além do reconhecimento da
diferença, o estabelecimento de padrões de respeito, de ética e a garantia de direitos de
cidadania.
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