Revista Arautos do Evangelho

Transcrição

Revista Arautos do Evangelho
Número 91
Dezembro 2010
O primeiro entre os Santos
SumáriO
Escrevem os leitores ����������������������������������������
Flashes de
Fátima
4
......................
O primeiro entre os Santos (Editorial) . . . . . . .
Director:
Manuel Silvio de Abreu Almeida
Conselho de redacção:
Guy Gabriel de Ridder, Juliane
Vasconcelos A. Campos, Luis Alberto
Blanco Cortés, Mariana Morazzani
Arráiz, Severiano Antonio
de Oliveira
Editor:
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Com a colaboração
da Associação
Privada Internacional de Fiéis
de Direito Pontifício
Arautos do Evangelho
Impressão e acabamento:
Pozzoni - Istituto Veneto
de Arti Grafiche S.p.A.
Via L. Einaudi, 12
36040 Brendola (VI)
Os artigos desta revista poderão ser reproduzidos,
desde que se indique a fonte e se envie cópia à
Redacção. O conteúdo das matérias assinadas
é da responsabilidade dos respectivos autores.
São Thomas Becket –
“Não te é lícito”!
A voz do Papa –
Europa deve
abrir-se para Deus
......................
........................
6
Comentário ao Evangelho –
Dois silêncios que
mudaram a História
......................
10
18
O dom de sabedoria ao vivo
......................
36
Aconteceu na Igreja e
no mundo
......................
40
História para crianças...
Um presente para
o Menino Jesus
Uma obra
de arte teológica
......................
32
5
Boletim da Campanha
“O Meu Imaculado Coração Triunfará!”
Ano XII  nº 91 - Dezembro 2010
Os Santos Inocentes –
Testemunhas
do triunfo de Jesus
22
......................
46
Os santos de
cada dia
......................
48
Sinal de uma Noite Feliz
Arautos no mundo
Membro da
......................
Associação de Imprensa de
Inspiração Cristã
Tiragem: 40.000 exemplares
26
......................
50
E screvem
Referta de bons
artigos e notícias
Recebi com profunda alegria e
agradeço a imensa gentileza do envio da revista Arautos do Evangelho.
Já a conhecia há muito e de quando
em vez tinha acesso à mesma através
de um sacerdote amigo.
Além de ter uma impressão singular, a revista está referta de bons
artigos e de notícias muito atuais sobre a nossa Mãe Igreja. Desejo-lhes
um fecundo apostolado, in Christo.
Dom Hugo da Silva Cavalcante, OSB
Presidente da S­ ociedade
­Brasileira de Canonistas
Brasília – Brasil
Sólida doutrina católica
Queria saber, se possível, o porquê do atraso do envio das revistas
nos meses de setembro e outubro
passados. Infelizmente, isso fez com
que não pudesse aproveitar a reflexão de Mons. João Scognamiglio
Clá Dias na confecção de minha homilia, no domingo correspondente,
pois a revista chegou depois; é claro que aproveitei para minha meditação pessoal. A revista continua excelente, com sólida doutrina católica, bem mariana e nos unindo sempre ao Romano Pontífice.
Padre Carlos da Silva de Oliveira
Petrópolis – Brasil
Artigos tão interessantes
como o Qumran
Desejo agradecer-lhes pelo envio
de sua revista e pelo trabalho que
realizam para oferecer-nos artigos
tão interessantes como o Qumran,
da edição de setembro passado, as
Histórias para crianças e tudo quanto diz respeito à nossa Mãe Santíssima, aos santos e às missões que os
os leitores
Arautos do Evangelho realizam em
diferentes países.
Que Nosso Senhor continue
abençoando-os e lhes conceda todo o necessário para seguir em frente, especialmente nestes tempos em
que as coisas parecem ficar mais difíceis para os cristãos e católicos em
muitas partes do mundo.
María Isabel Munita
Concepción – Chile
Muitas vezes esquecemos
os Sacramentais
Sou catequista e às vezes ajudo na formação de outros catequistas. Sempre tenho à mão a revista
Arautos do Evangelho, porque nela encontro bom material para nossa formação. Falo não só por mim,
mas também por meus colegas, pois
conversamos longamente e comentamos como é importante apoiar esses labores apostólicos, havendo tão
pouco operários para uma messe
quase inabarcável.
Não desanimamos graças aos excelentes exemplos que nos chegam
com sua revista; refiro-me em especial aos extraordinários ensinamentos do Santo Padre Bento XVI,
os quais a revista sempre transmite fielmente, como um eco, e tudo
quanto ela nos traz, abordando temas da atualidade.
Chamou-me muito a atenção, na
edição de agosto último, o artigo sobre os Sacramentais, pois muitas vezes os esquecemos ou até os desprezamos, e são de importante ajuda para alcançar uma vida mais de
acordo com nossa Fé.
Como é bom contarmos com operários apostólicos que nos sustentam
com o alimento que perdura! Sigam
em frente, pois a messe é grande!
Obrigada por dar-nos a conhecer e
amar os tesouros da Igreja Católica.
Lucy Vega
Ambato – Equador
4      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
Transformação
espiritual e social
Há muito tempo venho recebendo
em minha residência a Revista Arautos do Evangelho. É com muita alegria e gratidão que a leio, pois o empenho em nos fortalecer na Fé é demonstrado com a sabedoria inigualável de seus artigos. Guardo todos
os números recebidos e acredito piamente que a minha transformação
espiritual, social e pessoal se deve às
leituras de tão importante revista.
Erico de Matos Moura
Via e-mail – Brasil
Algo de novo e interessante
Agradeço enormemente por enviar-nos a revista. É muito emocionante abri-la a cada mês, quando
nos chega. Todo membro de nossa
família descobre em cada edição algo de novo e interessante que o ajuda em seu crescimento espiritual.
Margarita Arroyo de González
Aguascalientes – México
Instrumentos da Nova
Evangelização
Tenho a bênção de pertencer a
uma família católica onde o Senhor
Jesus e sua bendita Mãe, a Virgem
Maria, escolheram duas pessoas para Lhes dizerem sim! São meus sobrinhos, que sentiram um chamado
para serem arautos e estão há dois
anos no Seminário dos Arautos do
Evangelho, um no Brasil, o outro
na Colômbia. A bênção para a família de meu irmão e todos os seus é
muito grande, pois aumentou depois
disso o amor a Deus em seu lar.
Por meio de sua revista, vemos
o labor que desenvolvem e como é
grande a missão desses jovens, grandes servidores e construtores do
Reino na Terra, verdadeiros instrumentos da Nova Evangelização.
Luis Alfredo Ruiz Cruz
Guatemala – Guatemala
Editorial
O primeiro
entre os Santos
D
91
Número
ro 2010
Dezemb
s Santos
o entre o
O primeir
São José com o Menino Jesus - Mosteiro carmelitano
de Brescia, Itália
(Foto: Hugo Grados)
esde 1223, quando São Francisco de Assis organizou pela primeira vez uma
encenação do Natal para melhor explicar ao povo o mistério da Encarnação,
a cada mês de dezembro armam-se presépios, desde os mais simples até os
mais requintados, nas igrejas e nos lares piedosos. E conquanto o número de figuras
neles representadas possa até ultrapassar a centena, os elementos centrais permanecem invariáveis: o Menino na manjedoura, ladeado por sua Mãe e São José.
Sim, São José está sempre presente, mas para muitas pessoas, seu papel na Encarnação é desconhecido. Vários o recordam apenas como um pobre e humilde
carpinteiro, e raros são os que, de fato, têm uma noção mais aprofundada sobre o
valor real desse inigualável varão.
Ora, como deveria ser alguém escolhido pela Providência para a missão de
conviver com Jesus e Maria, de protegê-Los e sustentá-Los? A resposta pode ser
encontrada aplicando-se a ele um raciocínio semelhante ao que se faz a respeito
de Maria Santíssima.
Quando proclamou o dogma da Imaculada Conceição, em 1854, o Beato Pio
IX, na Bula Ineffabilis Deus, afirmou que o Pai tinha de preparar para seu Filho
Unigênito uma Mãe que fosse cumulada, “muito acima de todos os anjos e santos,
com a abundância dos dons celestiais tirados do tesouro da Divindade”.
Cabe se perguntar, então, qual não deve ter sido o cuidado do Criador ao escolher também, desde toda a eternidade, um esposo castíssimo para sua Predileta!
Deus, que tudo faz com infinita perfeição, haveria de preparar para Ela alguém
que Lhe fosse de algum modo proporcionado, enriquecendo-o com um imenso
acervo de dons, a começar com o da sabedoria, que lhe possibilitaria ver e julgar
todas as coisas através dos “olhos” divinos.
Destinado a ser pai adotivo de Deus, tocando assim na própria União Hipostática, São José era tão profundamente vinculado ao Redentor que sua genealogia é
citada logo no início do Evangelho de São Mateus, com o fito de demonstrar-lhe a
descendência direta de Davi (Mt 1, 1-17).
Além disso, foi São José quem conduziu Nossa Senhora a Belém para que se
cumprisse a profecia de que ali nasceria o Salvador (Lc 2, 4-7). Foi ele também
quem levou a Mãe e o Menino para o Egito, fugindo de Herodes conforme fora
predito em outra passagem das Escrituras (Mt 2, 13-15). E quem decidiu estabelecer-se com Eles em Nazaré da Galileia, segundo o anunciado pelos Profetas (Mt
2, 19-23). Por isso, seus próprios conterrâneos perguntavam: “Porventura não é
ele Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos?” (Jo 6, 42).
Na bula Ineffabilis Deus, Pio IX assevera também que Deus uniu o Salvador e
Nossa Senhora numa indissolúvel aliança: “Nem Maria sem Jesus, nem Jesus sem
Maria”. Não é demasiado afirmar que à Mãe e ao Filho congregou também São
José, o primeiro entre todos os Santos. 
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      5
A voz do Papa
Europa deve
abrir-se para Deus
A contribuição específica e fundamental que a Igreja quer dar à Europa centrase nesta realidade simples e decisiva: Deus existe e é Ele quem nos deu a vida;
Ele não é antagonista do homem e inimigo de sua liberdade.
U
ma frase da primeira leitura afirma com admirável simplicidade: “Os
Apóstolos davam com
grande coragem testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus” (At 4, 33).
Com efeito, no ponto de partida de
tudo o que o Cristianismo foi e continua sendo não se encontra uma iniciativa ou um projeto humano, mas sim
Deus, que declara Jesus justo e santo
frente à sentença do tribunal romano
que o condenou por blasfemo e subversivo; Deus, que da morte arrancou
Jesus Cristo; Deus, que fará justiça a
todos os injustamente humilhados da
História.
“Disto somos testemunhas, nós e
o Espírito Santo, que Deus dá a todos
aqueles que Lhe obedecem” (At 5,
32), dizem os Apóstolos. Com efeito,
eles deram testemunho da vida, morte e Ressurreição de Cristo Jesus, a
quem conheceram quando Ele pregava e fazia milagres. A nós, queridos irmãos, cabe-nos hoje seguir seu exemplo, conhecendo a cada dia mais o Senhor e dando um testemunho claro e
valente do seu Evangelho.
Não há maior tesouro que possamos oferecer a nossos contempo-
râneos. Assim imitaremos também
São Paulo, o qual, em meio a tantas
tribulações, naufrágios e solidões,
proclamava exultante: “Levamos
em vasos de barro esse tesouro, para que se veja que esse poder extraordinário provém de Deus, e não de
nós” (II Cor 4, 7).
Relacionamento baseado na
lógica do amor e do serviço
Junto a essas palavras do Apóstolo dos gentios, estão as próprias palavras do Evangelho que acabamos de
ouvir, as quais convidam a viver segundo a humildade de Cristo que,
cumprindo em tudo a vontade do Pai,
veio para servir, “para dar sua vida
em resgate de muitos” (Mt 20, 28).
Para os discípulos que querem seguir e imitar Cristo, o servir aos irmãos já não é uma mera opção, mas
parte essencial de seu próprio ser.
Um serviço que não se mede pelos
critérios humanos do imediato, do
material e do aparente, mas que torna presente o amor de Deus a todos os homens e em todas as suas dimensões, e dá testemunho d’Ele, inclusive através dos mais simples gestos. Ao propor esse novo modo de
6      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
relacionar-se na comunidade, baseado na lógica do amor e do serviço,
Jesus dirige-Se também aos “chefes
dos povos”, porque onde não há dedicação pelos demais surgem formas
de prepotência e exploração que
não deixam espaço para uma autêntica promoção humana integral.
Gostaria que esta mensagem chegasse, sobretudo, aos jovens: precisamente a vós, este conteúdo essencial do Evangelho vos indica o caminho para que — renunciando a um
modo de pensar egoísta, de curto alcance, como tantas vezes vos é proposto, e assumindo o de Jesus —
possais realizar-vos plenamente e
ser semente de esperança.
Quem peregrina a Santiago
procura encontrar-se com Cristo
Isto é o que nos relembra também
a celebração deste Ano Santo Compostelano. E é isto que, no íntimo do
coração, de modo explícito ou sentindo sem saber explicitar, vivem tantos peregrinos que caminham rumo
a Santiago para abraçar o Apóstolo.
A fadiga do andar, a variedade
das paisagens, o encontro com pessoas de outras nacionalidades, os
L'Osservatore Romano
abrem àquilo que de mais profundo
e comum nos une aos homens: seres
em busca, seres necessitados de verdade e de beleza, de uma experiência de graça, de caridade e de paz,
de perdão e de redenção. E no mais
recôndito de todos esses homens
ressoa a presença de Deus e a ação
do Espírito Santo.
Sim, a todo homem que faz silêncio em seu interior e toma distância
das apetências, desejos e afazeres
imediatos, ao homem que reza, a este Deus ilumina para que O encontre e reconheça Cristo. Quem peregrina a Santiago, o faz, no fundo,
para encontrar-se, sobretudo, com
Deus que, refletido na majestade de
Cristo, o acolhe e abençoa ao chegar
ao Pórtico de la Gloria.
Tragédia da Europa: considerar
Deus como antagonista do homem
Deste lugar, como mensageiro
do Evangelho que Pedro e Santiago firmaram com seu próprio sangue, desejo voltar o olhar para a Europa que peregrinou a Compostela. Quais são suas grandes necessidades, temores e esperanças? Qual
é a contribuição específica e fundamental da Igreja para essa Europa
que percorreu no último meio século um caminho rumo a novas configurações e projetos?
Seu aporte centra-se numa realidade tão simples e decisiva como
esta: Deus existe, e é Ele quem nos
deu a vida. Somente Ele é absoluto,
amor fiel e imutável, meta infinita
que transluz por detrás de todos os
bens, verdades e belezas admiráveis
deste mundo; admiráveis, mas insuficientes para o coração humano.
Bem compreendeu isto Santa Teresa
quando escreveu: “Só Deus basta”.
É uma tragédia o fato de na Europa, sobretudo no século XIX, ter-se afirmado e divulgado a convicção de que Deus é o antagonista do
homem e inimigo de sua liberdade.
Pretendia-se com isso ensombre-
O Papa Bento XVI, após celebrar Missa na Praça do Obradoiro,
em Santiago de Compostela
cer a verdadeira fé bíblica em Deus,
que enviou ao mundo seu Filho Jesus Cristo, a fim de que ninguém pereça, mas todos tenham a vida eterna (cf. Jo 3, 16).
O Autor sagrado afirma peremptoriamente perante um paganismo
para o qual Deus é invejoso do homem ou dele guarda ressentimento:
Como teria Deus criado todas as coisas se não as tivesse amado, Ele que,
em sua infinita plenitude, de nada
necessita? (cf. Sab 11, 24-26). Como
teria Ele Se manifestado aos homens
se não quisesse velar por eles?
Deus é o fundamento e o
cume de nossa liberdade
Deus é a origem de nosso ser e
fundamento e cume de nossa liberdade; não seu opositor. Como pode o homem mortal ser seu próprio
fundamento, e como pode o homem
pecador reconciliar a si mesmo? Como foi possível fazer público silêncio sobre a realidade primeira e es-
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      7
sencial da vida humana? Como isso
que é nela o mais determinante pode ser encerrado na mera intimidade ou relegado à penumbra?
Nós homens não podemos viver
às escuras, sem ver a luz do sol. Então, como é possível que se negue
a Deus, sol das inteligências, força
das vontades e bússola de nossos corações, o direito de propor essa luz
que dissipa toda treva?
Por isso é necessário que Deus
volte a ressoar gaudiosamente sob
os céus da Europa; que esta santa
palavra jamais seja pronunciada em
vão; que não seja deturpada para fazê-la servir a fins que lhe são impróprios. Deve-se proferi-la santamente. Precisamos percebê-la assim na
vida cotidiana, no silêncio do trabalho, no amor fraterno e nas dificuldades que os anos trazem consigo.
Cruz e amor: palavras
sinônimas em nossa História
A Europa deve abrir-se para
Deus, sair sem medo ao seu encontro, trabalhar, com a sua graça, por
aquela dignidade do homem que as
melhores tradições tinham desco-
berto: além da tradição bíblica, fundamental nesta matéria, também as
da época clássica, medieval e moderna, das quais nasceram as grandes criações filosóficas e literárias,
culturais e sociais da Europa.
Esse Deus e esse homem são os
que concreta e historicamente Se
manifestaram em Cristo. Esse Cristo que podemos encontrar nos caminhos até chegar a Compostela, pois
em suas encruzilhadas há uma cruz
que acolhe e orienta. Essa cruz, símbolo supremo do amor levado ao extremo, e por isso simultaneamente
dom e perdão, deve ser nossa estrela
guia na noite do tempo.
Cruz e amor, cruz e luz têm sido
palavras sinônimas em nossa História, porque Cristo nela Se deixou
cravar para dar-nos o sumo testemunho de seu amor, para convidar-nos ao perdão e à reconciliação, para ensinar-nos a vencer o mal pelo
bem. Não cesseis de aprender as lições desse Cristo das encruzilhadas
das estradas e da vida, n’Ele vem a
nosso encontro Deus como amigo,
pai e guia. Ó Cruz bendita, brilha
sempre nas terras da Europa!
A contribuição da Igreja: velar
por Deus e velar pelos homens
Permiti-me proclamar aqui a glória do homem, adverti-lo das ameaças à sua dignidade pela espoliação
de seus valores e suas riquezas originárias, pela marginalização ou morte infligidas aos mais débeis e pobres. Não se pode prestar culto a
Deus sem proteger o homem, seu filho, e não se serve ao homem sem se
perguntar quem é seu Pai e dar-lhe
a resposta.
A Europa da ciência e das tecnologias, a Europa da civilização e da
cultura, precisa ser ao mesmo tempo
a Europa aberta à transcendência e
à fraternidade com outros continentes, ao Deus vivo e verdadeiro a partir do homem vivo e verdadeiro. Essa é a contribuição que a Igreja deseja dar à Europa: velar por Deus e
velar pelo homem, a partir da compreensão que de ambos nos é oferecida em Jesus Cristo.
(Excertos da homilia em Santiago
de Compostela, 6/11/2010 –
Tradução: Arautos do Evangelho)
O limite do poder político
A História ensina que ignorar ou distorcer os valores essenciais do ser
humano conduz amiúde a injustiças e totalitarismos.
N
ão há progresso justo
nem bem comum universal sem o bem espiritual
e moral das pessoas, consideradas em sua totalidade de alma e
corpo. Sem esta exigência irrenunciável, a vida pública se debilita em suas motivações e “os direitos humanos
correm o risco de não serem respeitados, porque ficam privados do seu
fundamento transcendente ou porque
não é reconhecida a liberdade pessoal” (Caritas in veritate, 56). Esses valores essenciais enraízam-se profundamente na verdade do ser humano
que, criado à imagem e semelhança
8      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
de Deus, constitui por si mesmo o limite de todo poder político e, ao mesmo tempo, a razão de seu serviço.
A este respeito, a História ensina que ignorar ou distorcer essa verdade sobre o homem conduz amiúde a injustiças e totalitarismos. Por
outro lado, quando o Estado se do-
L'Osservatore Romano
ta dos instrumentos legislativos e jurídicos adequados para que ela seja
generosamente salvaguardada e favorecida, o regime de liberdade e de
autêntica participação civil se consolida, o tecido social se reforça e a
assistência aos mais necessitados se
fortalece. [...]
Os sustentáculos de toda
comunidade humana
As autoridades equatorianas
prestarão um grande serviço ao país se aumentarem esse insigne patrimônio humano e espiritual [do
povo equatoriano], do qual se pode extrair energias e inspiração para continuar construindo os pilares sustentadores de toda comunidade humana que se preza desse
nome, como a defesa da vida desde sua concepção até seu término
natural, a liberdade religiosa, a livre expressão do pensamento, bem
como as demais liberdades civis,
constituindo estas últimas a autêntica condição para uma efetiva justiça social. Esta, por sua vez, só poderá afirmar-se a partir do apoio e
tutela, inclusive em termos jurídicos e econômicos, da célula original da sociedade, a qual não é outra senão a família estabelecida sobre a união matrimonial de um homem com uma mulher. [...]
Excelência, uma das grandes metas que seus concidadãos se propuseram é a de conseguir uma ampla
reforma do sistema educativo, do
nível primário ao universitário. A
Igreja no Equador tem uma fecunda história na área da instrução da
infância e da juventude, tendo exercido seu trabalho docente com especial abnegação em regiões distantes,
isoladas e pobres da nação. É justo
não ignorar essa árdua tarefa ecle-
O novo Embaixador do Equador junto à Santa Sé, Luis Dositeo Latorre
Tapia, apresenta suas credenciais ao Santo Padre
sial, exemplo de sadia colaboração
com o Estado. A comunidade cristã deseja continuar pondo ao serviço
de todos sua longa experiência nesse
campo. Por isso está pronta a colaborar para a elevação do nível cultural, que constitui um desafio prioritário para o reto progresso humano,
o que exige ao mesmo tempo aquela liberdade sem a qual a educação
deixaria de ser tal.
Com efeito, a identidade mais
profunda da escola e da universidade não se esgota na mera transmissão de dados e de informações úteis,
mas responde à vontade de infundir nos alunos o amor à verdade, a
fim de conduzi-los àquela maturidade pessoal com a qual terão de exercer seu papel de protagonistas do
desenvolvimento social, econômico
e cultural do país.
O Poder público deve garantir
o direito de educação
Ao aceitar esse desafio, a Autoridade pública deve garantir o direito
que corresponde aos pais, tanto de
formar seus filhos de acordo com suas convicções religiosas e seus critérios éticos, como de fundar e manter
instituições escolares. Nessa perspectiva, é importante também que a
Autoridade pública respeite a identidade específica e a autonomia das
instituições educativas e da universidade católica, em consonância com
o modus vivendi, subscrito há mais
de setenta anos pela República do
Equador e pela Santa Sé.
Por outro lado, em virtude de
seus direitos educativos, os pais devem poder contar com que a liberdade de educação seja promovida
também nas instituições docentes
estatais, onde a legislação continuará garantindo o ensino religioso escolar, num currículo correspondente às finalidades próprias da escola
enquanto tal.
(Excertos do discurso ao novo
Embaixador do Equador, 22/10/22 –
Tradução: Arautos do Evangelho)
Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana.
A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      9
Comentário ao Evangelho – IV Domingo do Advento
Dois silêncios que
mudaram a História
Duas criaturas puramente humanas intervêm no mais
grandioso acontecimento da História: a Encarnação do Verbo.
Diante do silêncio de Maria face à realização n’Ela desse
sublime Mistério, São José atravessa uma provação terrível
e lancinante. E pratica, também em silêncio, um dos
maiores atos de virtude jamais realizados sobre a Terra.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – Dois silêncios se entrecruzam
A singela
descrição do
Evangelista
pode-nos
causar a
impressão
de que tudo
transcorreu de
modo suave
e aprazível
Com breves e inspiradas palavras, narra-nos
São Mateus o mais grandioso acontecimento da
História, a Encarnação do Verbo, e os episódios
subsequentes.
À primeira vista, a singela descrição do
Evangelista pode-nos causar a impressão de
que tudo transcorreu de modo suave e aprazível, não havendo lugar para qualquer sofrimento e menos ainda para a terrível provação que
levou São José à extrema decisão de “abandonar Maria em segredo”.
Tanto nesta passagem do Evangelho quanto na de São Lucas que, com igual simplicidade, narra a Anunciação do anjo a Maria (cf. Lc
1, 26-38), deparamo-nos com realidades situadas no mais alto plano da Criação, acessíveis à
nossa inteligência somente pela luz da Fé, que
nos faz vislumbrar os grandes mistérios da graça e da glória.
Conforme revela o anjo, Maria será Mãe por
obra do Espírito Santo, sem concurso humano.
Precisamente por esse motivo, dir-se-ia ser São
10      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
José na Sagrada Família um mero complemento destinado a fazer o papel de pai apenas para efeitos civis e de opinião pública. Sua função
seria, então, quiçá dispensável, no plano da Encarnação do Verbo e, portanto, na Redenção do
gênero humano.
Sem embargo, uma consideração mais aprofundada do Evangelho proposto para este 4º Domingo do Advento nos revelará atraentes verdades a respeito deste varão incomparável, pai adotivo de Jesus e esposo da Virgem Imaculada.
Após a Encarnação, Maria guarda silêncio
“A origem de Jesus Cristo foi assim:
Maria, sua Mãe, estava prometida em
casamento a José e, antes de viverem
juntos, Ela ficou grávida pela ação do
Espírito Santo”.
18
De acordo com o direito judaico da época, o
matrimônio entre israelitas era constituído por
dois atos distintos aos quais poderíamos chamar
de esponsais e núpcias.
“São José e Nossa Senhora” Sainte Chapelle, Paris
“A origem de Jesus Cristo foi assim:
Maria, sua Mãe, estava prometida em
casamento a José, e, antes de viverem
juntos, Ela ficou grávida pela ação do
Espírito Santo. 19 José, seu marido, era
justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo. 20
Enquanto José pensava nisso, eis que o
anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, filho de Davi,
não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pe18
la ação do Espírito Santo. 21 Ela dará
à luz um filho, e tu lhe darás o nome
de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo
dos seus pecados’. 22 Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23 ‘Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho.
Ele será chamado pelo nome de Emanuel, o que significa: Deus está conosco’. 24 Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e
aceitou sua esposa” (Mt 1, 18-24).
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      11
Sérgio Hollmann
a  Evangelho  A
Sérgio Hollmann
A Encarnação do Verbo
deu-se depois da cerimônia do compromisso, mas antes
de Maria ir habitar na casa do esposo
“Esponsais de São José e Nossa Senhora”, por Fra Angélico Museu do Prado, Madri
São José era
justo, e diante
dessa Virgem
que lhe fora
dada como
esposa, tomou
uma atitude
admirativa
Antes do casamento, os pais dos nubentes redigiam o contrato matrimonial, onde constavam
os bens que cada parte entregaria para formar
o patrimônio da nova família. Bem estabelecido
esse ponto, realizava-se uma cerimônia, diante
de testemunhas, na qual o noivo entregava simbolicamente à noiva um objeto de valor. Com
esse gesto ficava selado o compromisso, tornando-se os contraentes marido e mulher, pois os
esponsais judaicos “constituíam verdadeiro contrato matrimonial”.1
Embora a partir desse momento fosse permitido ao casal morar sob o mesmo teto, era costume esperar até as núpcias, que seriam celebradas algum tempo depois, durante as quais o
esposo conduzia solenemente a esposa à sua casa, entre festas e manifestações de júbilo.
Assim, ao afirmar que Maria “estava prometida em casamento a José e, antes de viverem
juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito
Santo”, o Evangelista situa o momento da Encarnação do Verbo no período posterior à cerimônia do compromisso, mas antes de Maria ir
habitar na casa do esposo.
É nesse intervalo que a Mãe de Deus, acompanhada por José, empreende a viagem à casa de
sua prima. Ainda não eram visíveis os sinais da
gravidez de Maria; e quando Isabel glorificou-Lhe
a maternidade divina, proclamando-A bem-aventurada, falou sob inspiração do Espírito Santo.
A solene saudação da prima não perturbou
nem surpreendeu a Virgem Maria; mas, exímia
12      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
na prática da humildade, esforça-Se em elevar a
atenção até Deus, proclamando no Magnificat
as grandes maravilhas feitas n’Ela pelo Altíssimo. Nada diz da aparição do Arcanjo Gabriel,
nem sequer anuncia a maior novidade de todos
os tempos: a chegada do Redentor!
Pareceria compreensível que Ela convidasse parentes e amigos para se unirem em orações de preparação e de ação de graças, durante os nove meses de espera do nascimento do
Messias. Entretanto, Maria guarda completo silêncio sobre aquele mistério inefável, até com
o próprio esposo, pois nenhuma ordem recebera de Deus em sentido contrário. Revela, assim,
uma excelsa submissão e docilidade aos desígnios da Providência.
O esposo de Nossa Senhora era justo
19a “José, seu marido, era justo...”.
São José era justo, frisa o Evangelista. E
diante dessa Virgem que lhe fora dada como esposa, cuja virtude deixou surpresos até os anjos,2 tomou uma atitude humilde e admirativa.
Pode-se conjecturar que, à medida que melhor A ia conhecendo, crescia seu enlevo por
Ela. Percebia a indignidade de qualquer homem, por mais virtuoso que fosse, para ser esposo daquela Virgem angelicalmente pura, que
não padecia da fames peccati, a inclinação para
o mal presente em todos os seres humanos.
Certamente, admirava-se de ver como tudo
Ela fazia de maneira perfeita: desde um simples movimento de mão ou um rápido olhar, até
a forma de pronunciar as palavras com o mais
harmonioso dos timbres de voz; o modo incomparavelmente afável de acolher os outros ou o
recolhimento com que rezava. A cada dia devia
aumentar sua convicção de estar em total desproporção com aquela Virgem Santíssima que a
Providência lhe outorgara por esposa.
Ora, alguns meses depois, quando São José
foi buscar Nossa Senhora na casa de Santa Isabel, eram visíveis os sinais da gestação do Menino Jesus. Contudo, Ela nada lhe disse... E ele
nada perguntou...
Uma coisa era certa: como afirma um famoso mariólogo, “ele bem sabia como era admirável a virtude de Maria, e, apesar da evidência
exterior dos fatos, não conseguia acreditar ser
Ela culpada”.3
A santidade da Virgem Maria era inquestionável e afastava qualquer suspeita da mente
rios sobrenaturais de tal maneira impenetráveis, São José sentia-se cada vez menos merecedor do sublime convívio com Maria Santíssima e o Filho que d’Ela iria nascer. Assim
entende, por exemplo, o padre Jourdain: “José quis afastar-se de Maria por julgar-se indigno de viver na companhia de uma virgem
tão santa”.6
Silêncio motivado pela humildade
Bem se compreende que José tenha resolvido abandonar Maria “em segredo”, a fim de pô-La a salvo de qualquer suspeita. Mas, por que
ocultar-Lhe essa decisão? Somente um extremo
de delicadeza, próprio das almas mais alcandoGustavo Kralj
do Santo Patriarca. Todavia, também evidente
e inexplicável era a realidade. Compreendeu,
então, que se deparava com um mistério e, não
diminuindo em nada sua admiração pela Virgem das Virgens, aceitou sem reparos os desígnios divinos que não alcançava a entender.
A virtude ímpar de sua Esposa falava mais alto
do que aquela situação incompreensível, como
canta com inspiradas palavras São João Crisóstomo: “Ó inestimável louvor de Maria! Acreditava São José mais na castidade de sua Esposa do que naquilo que seus olhos viam, mais
na graça que na natureza: percebia claramente que Ela era Mãe, e não podia crer que fosse
adúltera; julgou ser mais possível uma mulher
conceber sem concurso de varão do que Maria
poder pecar”.4
Não há dúvida de que São José, diante do
mistério da milagrosa Encarnação do Verbo,
proclama um verdadeiro “fiat!”. Pois, sem deixar-se levar por uma visualização humana, e
confiando inteiramente na virtude da Mãe de
Deus, põe-se docilmente nas mãos da Providência: “Faça-se aquilo que Vós quereis, embora eu
não chegue a compreendê-lo!”.
José decide abandoná-La em segredo
“... e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo”.
19a
Segundo a lei mosaica, estando Maria para
dar à luz sem a menor participação dele, devia
José adotar uma das quatro atitudes seguintes:
a primeira era denunciar a Esposa a um tribunal, pedindo anulação dos esponsais; a segunda, levá-La para sua casa, como se fosse o pai
do nascituro; a terceira, repudiá-La publicamente, embora escusando-A e sem pedir castigo; e a quarta, emitir libelo de repúdio em privado, diante de duas testemunhas e sem alegar
os motivos.5 Ora, qualquer dessas hipóteses era
impensável para São José, pois em todas ficaria
lesada a honra de Nossa Senhora.
Havia, entretanto, uma quinta saída: fugir,
abandonando a esposa grávida, subtraindo-se
assim às obrigações impostas pela Lei. Deste
modo, assumiria sobre si a infâmia de ter abandonado sem motivo a esposa inocente e o futuro filho, ficando ele mal perante a sociedade.
Foi esta a sua escolha.
Ademais, como bem aponta uma importante corrente de comentaristas, diante de misté-
Quando Isabel glorificou a maternidade divina de Maria,
proclamando-A bem-aventurada, falou sob inspiração do
Espírito Santo
"Visitação de Nossa Senhora" - Pro Catedral de Hamilton (Canadá)
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      13
II – O anjo do Senhor
resolve o impasse
O episódio da provação de São José é dos
mais pungentes e grandiosos já havidos, em matéria de confiança. Nele, esta virtude é eximiaGustavo Kralj
Bem se
compreende
que José tenha
resolvido
abandonar
Maria “em
segredo”, a
fim de pô-La
a salvo de
qualquer
suspeita.
Mas, por que
ocultar-Lhe
essa decisão?
radas, pode nos explicar esse silêncio: receava
colocar sua Esposa na contingência de expor-lhe aquele mistério que ele, por humildade, julgava não ser digno de conhecer.
Na viagem de volta da casa de Santa Isabel,
possivelmente, meditava São José sobre tudo isso em seu coração, e ao chegar a Nazaré foi dormir, na paz, com a disposição de no dia seguinte partir às ocultas. Nossa Senhora, por sua vez,
tendo ciência infusa, discernia o que se passava na alma do esposo, e rezava. Que admirável
equilíbrio de alma o do santo Patriarca, capaz de,
nessas circunstâncias, conciliar o sono! Quão extraordinária virtude a desse incomparável varão,
cuja alma a Providência acrisolava com o sofrimento, a fim de melhor prepará-lo para o seu papel de pai jurídico de Jesus e guardião da Sagrada Família!
mente praticada tanto por Nossa Senhora em
relação a Deus e a seu esposo, como por este
em relação a Deus e a Ela.
Ambos souberam manter um silêncio humilde e confiante. Vejamos como resolveu a Providência o impasse criado por esses dois silêncios
que se entrecruzaram...
“Enquanto José pensava nisso, eis
que o anjo do Senhor apareceu-lhe,
em sonho, e lhe disse: ‘José, filho de
­Davi ...’”.
20a
Frisando ser José, como Maria, filho de Davi, o anjo evoca a promessa divina de que Cristo nasceria dessa linhagem, ou seja, da mais nobre estirpe do Povo Eleito. Afirmação esta que
Fillion leva mais longe ainda, ao escrever: “José
era então o principal herdeiro de Davi”.7
Aparece aqui um importante elemento para
bem avaliarmos o papel de São José na Sagrada Família e na própria ordem da Encarnação.
Assim como Deus escolheu desde toda a eternidade a Mãe da qual nasceria Jesus, algo semelhante fez com aquele que seria o pai nutrício do Verbo Encarnado, dotando-o dos mais
altos atributos, inclusive do ponto de vista natural.
O anjo dissipa a provação de São José
“... não tenhas medo de receber Maria
como tua esposa, porque Ela concebeu
pela ação do Espírito Santo”.
20b
Para dissipar a provação de José a respeito de sua insuficiência no campo sobrenatural em relação à santidade de Maria, o anjo
o convida a não ter medo de recebê-La como
esposa. Ao anunciar-lhe que Maria concebera pelo Espírito Santo, mostrava-lhe também
não estar Ela — como, aliás, nenhuma criatura humana — à altura desse sublime Mistério.
Portanto, o Paráclito que A escolheu haveria
de dar-Lhe as graças para o cumprimento de
sua incomparável missão. E o mesmo se passaria com ele, José.
São José sentia-se cada vez menos merecedor
do sublime convívio com Maria Santíssima e o
Filho que d'Ela iria nascer.
Detalhe da “Adoração dos Magos”, por Fra Angélico e
Fra Filippo Lippi - National Gallery of Art, Nova York
14      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
“Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus,...”.
21a
Logo depois de revelar-lhe a miraculosa maternidade de Maria, o anjo dirige-se a São José
Gustavo Kralj
como verdadeiro chefe da família, a quem compete dar o nome à criança. Trata-se do reconhecimento de sua participação no magno acontecimento da Encarnação: apesar de não haver
contribuído em nada fisicamente para aquela
concepção, e embora sendo inferior a Jesus e
Maria no plano sobrenatural, é-lhe reconhecido
o direito, como esposo, sobre o fruto das entranhas de sua mulher.
Cumpre-se a profecia de Isaías
“... pois Ele vai salvar o seu povo dos
seus pecados”.
21b As primeiras palavras do anjo haviam salientado o acerto da atitude heroicamente virtuosa
de São José quando, considerando estar diante
de uma manifestação sobrenatural cujo significado ele não alcançava, decidiu guardar silêncio
e confiar na Providência Divina.
Mas, aqui, a realidade surge mais grandiosa do que ele poderia ter imaginado. O Menino “vai salvar o seu povo dos seus pecados”,
disse-lhe o anjo. Ora, isto só é possível a Alguém divino. Deixa assim patente o mensageiro celeste que o filho por nascer de Maria era
não só Filho do Altíssimo, mas também Deus
Ele próprio.
Com base simplesmente nas profecias do
Antigo Testamento, ninguém poderia afirmar que o Messias, o Justo, seria o próprio
Criador! Pois a Encarnação do Verbo, a Redenção e a participação do homem na natureza divina, pela graça, são verdades inacessíveis à mente humana pelo mero concurso
da razão.
Ademais, ao dizer “vai salvar o povo dos seus
pecados”, aponta bem o anjo a diferença entre a missão sobrenatural do Messias e a ilusão
mundana, nutrida pelos fariseus, de uma libertação do jugo dos romanos e de uma supremacia temporal do Povo Eleito. “O meu Reino não
é deste mundo”, dirá mais tarde Nosso Senhor
(Jo 18, 36).
“Tudo isso aconteceu para se cumprir
o que o Senhor havia dito pelo profeta:
23
‘Eis que a virgem conceberá e dará à
luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, o que significa: Deus
está conosco’”.
22
“José, filho de Davi, não tenhas medo de receber
Maria como tua Esposa”
“Sonho de São José” - Vitral da Catedral de Bayonne, França
As palavras do anjo a São José haviam confirmado de modo irretorquível estar se cumprindo
naquele momento a profecia feita por Isaías ao
rei Acaz, a qual se encontra na Primeira Leitura
da liturgia deste domingo: “Eis que uma virgem
conceberá e dará à luz um filho...” (Is 7, 14). O
que fora incompreensível para Acaz por causa
da sua dureza de coração, o Esposo de Maria
compreendeu inteiramente graças à sua robusta e humilde fé.
A obediência exímia de São José
“Quando acordou, José fez conforme
o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa”.
24
Bem podemos imaginar que, vencida a provação, ao acordar de manhã foi São José logo
adorar a Jesus Cristo no seu primeiro e mais
santo Sacrário: Maria Santíssima. Deus tinha
Se encarnado e ali estava, sob sua guarda! Ele
já não mais poderia olhar para Nossa Senhora
sem adorar o Deus-Menino entronizado naquele incomparável Tabernáculo.
É de supor-se que, sem dizer palavra alguma,
ele tenha se ajoelhado diante de Nossa Senhora. Ela teria discernido, por esse ato de seu esDezembro 2010 · Flashes
As palavras
do anjo
haviam
confirmado
de modo
irretorquível
estar se
cumprindo
naquele
momento
a profecia
de Isaías
de Fátima      15
Gustavo Kralj
poso, que Deus lhe comunicara a grande nova,
e deve ter dado graças ao Senhor.
Sem dúvida São José, depois de atravessar,
com admirável paz de alma, uma terrível e lancinante provação, teve esse momento gloriosíssimo da adoração ao Menino Jesus vivendo em
Maria.
III – Elevado ao plano da
União Hipostática
Ao selecionar este Evangelho para o último
domingo antes da Natividade do Senhor, a Igreja nos convida a considerar duas criaturas puramente humanas — Maria e José — à luz da
Encarnação do Verbo, elevando assim as nossas
cogitações até o sétimo e mais alto plano da ordem da Criação, acima dos minerais, vegetais,
animais, homens, anjos, e até da própria graça.
Desse elevadíssimo plano hipostático, só Jesus
Cristo, Homem-Deus, participa em estado absoluto.
Também Nossa Senhora, a seu modo, participa dessa ordem hipostática, por ter cooperado de forma moral e livre para a Encarnação,
com seu fiat, bem como por ter contribuído fisicamente para a formação do Corpo de Cristo. “Por essa colaboração, Maria consegue tocar
com sua própria operação a Deus”, afirma o dominicano frei Bonifácio Llamera.8
Ora — segundo o padre Bover e vários outros autores — o próprio São José foi unido a
esse mistério extraordinário, embora “não fisicamente, como a Virgem Mãe de Deus, mas
moral e juridicamente”.9 Pois, segundo afirma o
mencionado padre Llamera, além de intervir na
constituição da ordem hipostática pelo seu consentimento livre e voluntário, ele coopera de
forma direta e imediata na conservação dessa
mesma ordem.10
A análoga conclusão chega, sob um prisma diverso, o padre Garrigou-Lagrange, o qual
afirma que a missão de São José vai além da ordem da natureza, e não somente humana, mas
também angélica. Para melhor frisar seu pensa-
Não houve nenhuma graça concedida
a qualquer santo, exceto Maria,
que não tenha sido concedida a José
“São José” - Oratório de São José, Montreal (Canadá)
16      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
mento, o teólogo dominicano levanta uma pergunta a respeito dessa missão: “Será ela somente da ordem da graça, como a de São João Batista, o qual prepara as vias da Salvação; como
a missão universal dos Apóstolos na Igreja para a santificação das almas; ou a missão particular dos fundadores de ordens?”. E apresenta
esta resposta: “Observando de perto a questão,
vê-se que a missão de São José ultrapassa até a
ordem da graça, e confina com a ordem hipostática constituída pelo próprio mistério da Encarnação”.11
“Deus pediu à Virgem — comenta o padre
Llamera — seu consentimento para a Encarnação. Ela o concedeu livremente, e neste ato voluntário se radica sua maior glória e mérito”.12
Mas também ao santo Patriarca foi solicitada
sua anuência ao virginal matrimônio com Maria, condição para a Redenção; outrossim, pediu-lhe a Providência uma heroica aceitação,
sem entender, do mistério da Encarnação: mais
acreditou ele na inocência de Maria do que na
evidência da gravidez, constatada pelos seus
olhos. Sem dúvida, foi esse “fiat!” de São José
um dos maiores atos de virtude jamais praticados na Terra.
Abre-se assim ante nossos olhos, às portas do
Natal, um vastíssimo panorama em relação aos
tesouros de graça depositados na alma do espo1
LLAMERA, OP, Bonifacio. Teologia de San José.
Madrid: BAC, 1953, p.39.
2
“Não se pense que somente quando os anjos viram a Maria no Céu e sentada no trono da glória, A saudaram como Rainha. Não. Desde o
primeiro instante de sua vida já Lhe tributaram
os devidos obséquios, pelo fato mesmo de que,
desde então, transportados em êxtase de admiração, suspiravam por esta Mulher singularíssima, que embora vinda de um deserto, se apresentava cheia de graça e de grandeza. Por conseguinte, perguntando-se uns aos outros, e pedindo-se mutuamente a explicação deste grande acontecimento, deste fato único nos anais
dos fatos mais extraordinários e solenes, desta
indizível maravilha, exclamavam: ‘Quem é esta
que sobe do deserto, inebriada de delícias?’ (Ct
8, 5)” (BULDÚ, Ramon [Dir.] Tesoro de oratoria sagrada. 2.ed. Barcelona: Pons, 1883, v.IV,
p.326-328.)
3
JOURDAIN, Zèphyr-Clément. Somme des grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900,
t.II, p.321.
so virginal de Maria e pai adotivo de Jesus. Segundo piedosa afirmação, “sabemos que algumas almas, por predileção divina, como as de
Jeremias e do Batista, foram santificadas antes de verem a luz do dia. Ora, o que diríamos
de José? (...) [Ele] supera todos os outros santos em dignidade e santidade; somos, pois, livres para conjecturar que, embora não esteja
consignado na Escritura, ele deve ter sido santificado antes de seu nascimento e mais cedo que
qualquer um dos demais, pois todos os Santos
Doutores concordam ao dizer que não houve
nenhuma graça concedida a qualquer santo, exceto Maria, que não tenha sido concedida a José. (...) A grande finalidade que Deus tinha em
vista ao criar São José, era associá-lo ao mistério da Encarnação (...). Ora, para corresponder
a tão elevada vocação, a qual, depois da Virgem
Mãe, foi superior a todas as outras, quer dos anjos ou dos santos, José deveria necessariamente
ter sido santificado em eminentíssimo grau, para ser digno de assumir sua posição na sublime
ordem da União Hipostática, na qual Jesus teve
o primeiro lugar e Maria o segundo”.13
Enfim, não desvendará ainda a Teologia insuspeitadas maravilhas na pessoa de São José, o castíssimo chefe da Sagrada Família e Patriarca da Santa Igreja Católica, Apostólica e
Romana?
4
SAN JUAN CRISÓSTOMO. Hom I in Mat.,
apud SUÁREZ, SJ, Francisco. Misterios de la
Vida de Cristo. Madrid: BAC, 1948, v.V, p.254.
5
Cf. TUYA, OP, Manuel de. Bíblia Comentada –
Evangelios. Madri: BAC, 1964, v.V, p.27-28.
6
JOURDAIN, op. cit., p.323
7
FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible commentée. Paris: Letouzey et Ané, 1912, t.VII,
p.25.
8
LLAMERA, op. cit., p.120.
9
BOVER. De cultu S. Joseph amplificando, p.32.
Barcelona: 1928, apud Llamera, op. cit., p.132.
10
Cf. LLAMERA, op. cit., p.137-138.
11
GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. La Mère
du Sauveur et notre vie intérieure, p.III, c.VII.
12
LLAMERA, op. cit., p.120.
13
THOMPSON, Edward Healy. The Life and Glories of Saint Joseph. London: Burns & Oates,
1888, p.41.
Dezembro 2010 · Flashes
“A missão
de São José
ultrapassa
até a ordem
da graça,
e confina
com a ordem
hipostática
constituída
pelo próprio
mistério da
Encarnação”
de Fátima      17
Uma obra
de arte teológica
Três destacadas figuras do mundo acadêmico foram unânimes
em atribuir a nota “summa cum laude” à tese de Doutorado de
Monsenhor João sobre o tema: “O dom de sabedoria na mente,
vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira”.
Pe. Rodrigo Alonso Solera Lacayo, EP
N
o dia 22 de outubro,
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, defendeu sua tese de Doutorado Canônico em Teologia sobre
O dom de sabedoria na vida, mente e
obra de Plinio Corrêa de Oliveira, perante a banca examinadora da Escola
de Teologia, Filosofia e Humanidades
da Universidade Pontifícia Bolivariana de Medellín, Colômbia. Discorreu
ele sobre esse dom do Espírito Santo, mantendo-se rigorosamente fiel ao
ensino teológico, mas apresentando-o
enquanto vivido por um personagem
que se sobressaiu na História da Igreja Católica no século XX.
A banca examinadora, formada por destacadas figuras do mundo acadêmico latino-americano,1
atribuiu à tese de Mons. João a nota
máxima: summa cum laude.
Objetividade no
procedimento seguido
No texto em que avalia a tese e justifica sua nota, frei Marcelo Santos das
Neves, OP, expressou-se com o rigor e
a clareza do carisma dominicano, voltado para a pesquisa da verdade:
“Nosso julgamento não atinge o
âmbito subjetivo, mas permanece no
plano objetivo. Assim sendo, constatamos duas coisas em particular: primeiro que, apesar da amizade e da
devoção do ‘Autor’ por Plinio Corrêa
de Oliveira (elemento e razão subjetiva do ‘Autor’), o seu pensamento e
raciocínio não foram em nada prejudicados, visto ter ele apresentado
textos que reforçavam suas intuições.
Dito de outra forma, não se tratou
somente de um testemunho pessoal,
mas de um testemunho documentado. Em segundo lugar, dons e carismas são aplicados à pessoa e obra de
Plinio Corrêa de Oliveira sempre de
forma rigorosa e coerente”.
“Em suma, o ‘Autor’, sistematicamente, oferece ao seu leitor as
razões de sua intuição: apresenta a
doutrina (1ª premissa); ‘a mente, vida e obra’ de Plinio Corrêa de Oliveira, confrontando-as com a doutrina (2ª premissa); para, enfim concluir positivamente: em Plinio Corrêa de Oliveira estavam presentes
o dom de sabedoria, assim como os
carismas de profecia e discernimento dos espíritos (3ª premissa ou conclusão). Esta objetividade no procedimento seguido merece ser mencionada e louvada. Trata-se, no nosso modo de entender, de uma teolo-
18      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
gia da ‘mente, vida e obra’ de Plinio
Corrêa de Oliveira”.
Equilíbrio no modo de expor
Pouco adiante, frei ­
Marcelo
Neves ressalta outra faceta dessa imparcialidade de julgamento de
Mons. João: “O ‘Autor’ não só não
perde de vista seus objetivos, mas,
ainda, mantém aquele equilíbrio no
expor e escrever que preserva todos
os que de alguma forma não comungavam com o pensamento de Plinio
Corrêa de Oliveira. Em suma, não se
trata de um escrito contra alguém ou
coisa (à exceção do vício e do pecado
ao qual se opunha e se opõe sempre
uma ‘contra-revolução’), mas a favor de alguém considerado virtuoso.
O tato e a delicadeza que transpiram
do texto são raros. Nenhum caráter
polêmico. Acreditamos dever aplicar ao ‘Autor’ em vista desse seu procedimento o quanto ele diz no início
do seu texto a respeito do dom de sabedoria; ou seja, ‘julgará e procurará
ordenar tudo à luz das perfeições divinas’: e Deus não ofende! O que o
‘Autor’ fez foi seguir, ele mesmo, este impulso; dito de outra forma, submete e faz passar pelo crivo das perfeições divinas a ‘mente, vida e obra’
Otávio de Melo
de alguém que estima e que marcou
toda a sua vida. Faz obra de teólogo
e não de simples cronista. A sua tese,
também sob este aspecto é, e pode
denominar-se, teológica. Preciosa”.
Teologia narrativa e
teologia argumentativa
De seu lado, o padre Carlos Arboleda Mora destacou principalmente a importância da teologia
narrativa na tese apresentada:
“Este trabalho situa-se no que
hoje poderíamos denominar teologia narrativa, ao apresentar a v­ida
de uma pessoa como testemunho de
uma experiência, unida a uma teologia argumentativa, na medida em
que essa experiência está expressa teoricamente em grandes teólogos da Igreja. Geralmente a teologia narrativa critica o modelo neoescolástico pelo caráter demasiadamente argumentativo, uma vez que
deduziria das teses dogmáticas certas conclusões já implícitas, esquecendo-se alguns críticos que os mistérios da vida de Cristo ocupam em
São Tomás um lugar importante.
“Como diz o teólogo Carlo Rocchetta, teologia narrativa e teologia argumentativa não são opostas,
pois a narração pode ir de par em
par com a argumentação. ‘Se a teologia narra, é para levar à reflexão
teológica sobre os conteúdos de sua
narração, desenvolvendo suas implicações e organizando-as numa visão
unitária o mais articulada possível.
O defeito da teologia argumentativa
não estava no fato de argumentar,
mas em que partia da argumentação
ou se reduzia só a ela, acabando por
se esquecer do fato de que a fé se estrutura, sobretudo, como uma revelação que se fez história, na qual o
acontecimento e a palavra são constitutivos de uma narração que deve
ser testemunhada enquanto tal, evitando-se reduzi-la tão-só a um sistema de verdades abstratas ou de asserções que é preciso demonstrar’.
Mons. Luis Fernando Rodríguez Velásquez (ao centro)
e Pe. Diego Marulanda Díaz (esquerda) fazem entrega do
diploma a Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Outorga do título
de Doutor em Teologia
A
Igreja Nossa Senhora do
Rosário, no Seminário dos
Arautos, na Grande São Paulo,
foi transformada em Aula Magna da Universidade Pontifícia
Bolivariana, no dia 3 de novembro, para a entrega solene do título de Doutor em Teologia a
Mons. João Scognamiglio Clá
Dias, EP.
Presidiu a sessão o Reitor
Magnífico, Mons. Luis Fernando
Rodríguez Velásquez, e fez parte
da Mesa também o padre Diego
Marulanda Díaz, Decano da Escola de Teologia, Filosofia e Humanidades da mesma Universidade. Das brilhantes palavras do
Reitor Magnífico destacamos o
seguinte trecho:
“Somos todos testemunhas
de como Monsenhor fez todo o
percurso durante a sua existência na busca da verdade, dan-
do espaço à ação do Espírito em
sua vida, dando espaço em seu
coração ao amor de Deus. Esse
dar espaço ao Espírito e ao amor
de Deus lhe deu essa ­capacidade
de conclamação para deixar que
o Espírito atue, para deixar que
o amor de Deus atue e possa ir
suscitando no mundo uma comunidade como esta, os Arautos do Evangelho. O Senhor, por
assim dizer, aproveita-Se de nós;
e, neste caso, está Se aproveitando como instrumento valiosíssimo da pessoa, do ser, da vida do
Mons. Clá”.
“Seu título de teólogo — concluiu Mons. Luis Fernando —
não é mais do que uma ratificação do que tem sido a sua vida.
[…] Uma tese feita com amor,
uma tese feita com fé, uma tese feita com esperança, uma tese feita com qualidade”.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      19
Importância do exemplo vivo
José Hinostroza
Afirma ainda o padre Arboleda
que na tese de Mons. João “o enfoque biográfico chega a ser um instrumento de investigação qualitativo,
porque se fundamenta na subjetividade como unicidade e especificidade. O método biográfico chega a ser
experiência heurística e hermenêutica, pois permite entender e permite
interpretar em outro contexto histórico a mesma experiência. Aqui pode
ser então também um método de formação, como pretende o autor da tese. A biografia nos conta uma experiência própria que um leitor pode
reproduzir em sua própria vida e de
acordo com sua própria biografia. A
biografia de Cristo é a biografia modelo que cada cristão, em seu tempo
e lugar, reproduz segundo sua natu-
reza e vocação. A biografia central é
a de Cristo, cuja experiência todos os
crentes deverão ter e cuja narração
deverá ser a vida do cristão. Ali se vê
claramente o esquema ‘experiência e
testemunho’, chave do Cristianismo,
como no-lo recorda o Documento de
Aparecida. Assim a biografia é mistagógica, pois oferece caminhos concretos de seguimento, já que a fé não
é só noética, mas experiência de fé
na vida concreta e única de cada pessoa,3 que pode, contudo, guiar a caminhada de outro ser humano como,
paradoxalmente e em outra perspectiva de filosofia da religião pós-moderna, no-lo apresenta também Richard Rorty, quando nos diz que a
biografia através da literatura nos faz
compartilhar experiências, não abstratas, mas concretas, como a dor, a
traição… que geram uma empatia
que gesta solidariedade e compreensão. Há alguém como eu que teve essa experiência, e essa narração é válida e serve para minha vida. Nesta tese se mostra, por outro lado, a possibilidade de uma experiência transcendente, vivida em uma história, e
válida para outras histórias”.
“É, ademais, uma obra que permite uma dupla leitura. Sem as citações,
é uma obra para leitores mesmo não
peritos nas complexidades da filosofia.
Com as citações é uma obra para autores que queiram aprofundar-se neste tema,
cumprindo assim o objetivo de refletir teologicamente, mas também
de formar para a vida de
experiência e testemunho”.
Horizonte teológico
do qual se deve
considerar a obra
de Dr. Plinio
O público interessado em assistir à defesa de
tese, feita por videoconferência, lotou o auditório
Pio XII, da UPB em Medellín
20      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
Em suas considerações, outro membro
da banca examinadora, o padre Alberto Ra-
Sérgio Miyazaki
“Este trabalho situa a narração da
vida de Dr. Plinio Corrêa de Oliveira acompanhada da correspondente argumentação baseada em muito
bons teólogos. Tem o intuito de mostrar que a história da salvação não
se dá separada da história humana,
que a experiência da Fé não se dá fora de uma existência que a interpreta
e atua, porque ‘os crentes admitem,
pois, que Deus trouxe a libertação
nos seres humanos e através deles; os
homens são relatos de Deus’”.2
mírez Zuluaga, quis
evidenciar de modo
particular a originalidade do trabalho
teológico de Mons.
João, que apresentou aspectos inéditos da obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Afirmou ele
em seu parecer:
“Ter tido a oportunidade de conhecer o processo da elaboração
da tese em sua última etapa foi, para nós, una verdadeira graça do Senhor, que me permitiu descobrir a
transcendência teológica do objeto
dessa investigação. Mons. João soube estabelecer magistralmente o horizonte teológico a partir do qual se
deve considerar a obra de Dr. Plinio: a doutrina teológica e espiritual dos dons do Espírito Santo e,
em geral, a pneumatologia com tudo quanto ela implica para a fundamentação do dom da sabedoria. Mas
Monsenhor não realizou seu trabalho simplesmente como investigador
de uma rica literatura, como é certamente aquela que Dr. Plinio nos deixou, mas também, e sobretudo, como
testemunha fidedigna da vida desse grande homem, do qual me atreveria dizer, pela impressão que o testemunho de Monsenhor produziu
em mim, que foi um dos maiores homens da História da Igreja nos últimos tempos, pelo que o Espírito de
Deus tornou possível através de sua
pessoa, de sua vida e de sua obra.
“É belíssima a tese teológica elaborada por Mons. João, que se pode resumir em poucas palavras: demonstrar, pela consideração da pessoa de
Dr. Plinio, a relação indissolúvel que
existe entre a inocência e a sabedoria. Também, naturalmente, assinalar a significação dos passos que se deve dar na vida para que se torne possível esta relação na existência de um
homem: o caminho da dor e da entrega. Monsenhor nos mostrou, com efei-
A Igreja Nossa Senhora do Ro­sário foi trans­formada em Aula Magna da Univer­sidade Pontifícia Bolivariana para a
entrega solene do título de Doutor em Teolo­gia a Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
O padre Alberto Ramírez prossegue, destacando o seguinte co-
mentário de Dr. Plinio a propósito
do livro da Condessa de Paris, intitulado Tout m’est bonheur (Tudo
me é felicidade): “‘Se me fosse dado escrever minhas memórias, poderia intitulá-las ‘Tudo me é luta!’.
Interna ou externamente, tudo me
é luta; mas, morrendo, tudo me é
glória [...]. Se um homem redigisse com base na verdade o livro Tudo me é luta!, se a sua luta foi travada em favor do bem, ele mereceria o epitáfio tudo lhe foi glória!’. E
Mons. João comenta: ‘Ora, conforme cada item, cada capítulo é, sobretudo, o que o conjunto desta tese patenteia, tudo foi luta e glória
em Plinio Corrêa de Oliveira. Portanto, tudo lhe foi sabedoria’.
“Esta admirável conclusão é
uma formidável tese teológica,
uma afirmação fundamentada no
testemunho da vida de um grande
homem. Monsenhor desenvolveu
passo a passo esta tese com uma
lógica profunda e conseguiu realizar um belo tecido de ideias e palavras, de símbolos e sentimentos,
num discurso teológico que é uma
maravilhosa lição sobre a sabedoria e uma obra de arte teológica.
A sabedoria é o dom que foi concedido a Dr. Plinio como ‘luz primordial’, não só para contemplar
a Deus, mas para adquirir a capacidade de olhar tudo com o olhar
de Deus, com os próprios olhos
d’Ele. Ninguém, como Mons.
João, seu filho, seu discípulo, podia explicar com tanto acerto esse
segredo da vida e da obra de Dr.
Plinio Corrêa de Oliveira”. 
Compunham a banca examinadora:
o Pe. Carlos Arboleda Mora, orientador, Doutor em Filosofia pela
Universidade Pontifícia Bolivariana, Mestre em História pela Universidade Nacional da Colômbia e
em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Gregoriana, especialista em ecumenismo do CESNUR,
de Roma, e professor de pós-graduação da Escola de Teologia, Filosofia e Humanidades da Universidade Pontifícia Bolivariana; o Frei
Marcelo Neves, OP, teólogo do Studium Teologicum Bolognese, de Bolonha, Doutor em Filosofia pela
Universidade Estadual de Campi-
nas (UNICAMP), Doutor em Direito pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Doutor
em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade São Tomás (Angelicum), de Roma, e professor da
Faculdade de Direito Canônico da
mesma Universidade; e o Pe. Alberto Ramírez Zuluaga, Doutor em
Teologia pela Universidade Católica de Louvain, professor de graduação e de pós-graduação na Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia Bolivariana, e no programa de Estudos Bíblicos da Universidade de Antioquia, de Medellín. Presidiu o ato o Pe. Diego Ma-
rulanda Díaz, Mestre em Teologia
pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e Decano da Escola de Teologia, Filosofia e Humanidades da Universidade Pontifícia
Bolivariana. to, que a sabedoria, como característica que define a existência de Dr. Plinio, só pode ser explicada em relação à inocência que o acompanhou
por toda a sua vida. Só pode chegar
a ser plenamente sábio quem é plenamente inocente. A explicação teológica utilizada por Monsenhor para definir Dr. Plinio poderia ser considerada
como um belo comentário de uma das
sentenças do Manifesto do Reino dos
Céus, o Sermão da Montanha, de Jesus: quem tem mais capacidade para
contemplar a Deus e olhar tudo a partir d’Ele é quem tem o coração transparente” (cf. Mt 5, 8).
“Tudo me é luta” – Tudo
lhe foi sabedoria
1
2
SCHILLEBEECKX E. Los hombres
relato de Dios. Salamanca: Sígueme, 1995, p.62.
3
ZUPPA, Pio; RAMIREZ, Sandro.
Autobiografia e formazione ecclesiale. Roma: Edizioni Vivere, 2006. L.
MEDDI, (Auto)biografia e formazione ecclesiale. Seminario sulla importanza del pensiero narrativo. In:
www.catechetica.it.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      21
Linhas mestras da Tese de Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP
O dom de sabedoria ao vivo
É mais fácil viver os dons do Espírito Santo do que explaná-los cientificamente,
afirmou um eminente teólogo. Monsenhor João superou essa dificuldade, dando
uma focalização inédita à sua tese de doutorado em Teologia.
E
m sua tese O dom de sabe- Corrêa de Oliveira” — afirmou o nar mais palpáveis as verdades exdoria na mente, vida e obra padre Alberto Ramírez, outro exa- postas.
de Plinio Corrêa de Olivei- minador.
Necessidade de viver a Fé
O padre Carlos Arboleda destara, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, quis abordar o tema cou outro ponto: a tese “tem o inMons. João expõe e escreve com
de modo original, apresentando, mais tuito de mostrar que a história da equilíbrio e amor, e “faz obra de
do que considerações abstratas sobre salvação não se dá separada da his- teó­logo e não de simples cronista”,
o dom de sabedoria, a força que ele tória humana, que a experiência da conforme observa o Frei Marcelo
adquire em quem o vive intensamen- fé não se dá fora de uma existên- Neves.
te. Por isso, a tese está dedicada a ana- cia que a interpreta e atua”. Com
Com efeito, conquanto a telisar a ação do Espírito Santo em um efeito, para ter maior eficácia, o se apresentada tenha um forte cados maiores líderes católicos da His- ensino da teologia deveria condu- ráter biográfico, ela se mantém no
tória recente: Plinio Corrêa de Olivei- zir a exemplos vivos, a fim de tor- patamar da autêntica teologia. Para, “personagem importanra compor uma obra teolóte para a história da Igreja
gica atraente e bem-sucedido Brasil”, conforme destaca
da, que não apenas ensine,
Frei Marcelo Neves, memmas atraia para a virtude, é
bro da banca examinadora.
necessário ao autor viver as
Mantendo-se
sempre
verdades estudadas. Ou se
no plano objetivo — covive a Fé ou, como ensina
mo afirmam os membros
São Tiago, ela é morta (cf.
da banca —, Mons. João dá
Tg 2, 14-26).
seu testemunho pessoal soEste importante aspecbre o dom da sabedoria em
to do estudo teológico foi
Plinio Corrêa de Oliveira,
apontado, em outras palao que um convívio de 40
vras, pelo Papa Bento XVI
anos proporcionou-lhe obnum discurso aos memservar detidamente. “Ninbros da Comissão Teológiguém, como o Mons. João,
ca Internacional: “do ponseu filho, seu discípulo,
to de vista de quem faz tepodia explicar com tanto
ologia, a virtude fundamenA tese está dedicada a analisar a ação do Espírito
acerto esse segredo da vital do teólogo é procurar a
Santo em Plinio Corrêa de Oliveira, um dos maiores
líderes católicos da História recente
da e da obra do Dr. Plinio
obediência à Fé, a humilda22      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
Fé no Altar da Cátedra na
Basílica de São Pedro, deixou consignado no primeiro capítulo da tese:
“Pois bem, enquanto a
pluma desliza sobre o papel para redigir estas linhas, novamente se encontra a mão esquerda do Autor sobre as Escrituras Sagradas e brota-lhe do fundo de sua alma esta declaração, dentro do mesmo espírito, seriedade e consciA força do testemunho de
ência do anterior juramenSanto Antão: “Eu vi!”
to”. E o autor assevera que
todas as transcrições das
Ao apresentar sua defepalavras de Dr. Plinio “corsa, já na abordagem do terespondem à realidade de
ma, Mons. João faz quessuas expressões durante estão de mostrar a eficácia
se período”, pois foram exdo testemunho, superior à
traídas diretamente “do ardos meros argumentos tequivo de suas conferências,
ológicos. Aduz, a este procomentários e conversas,
pósito, o valor que teve paMons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, conviveu
além de seus escritos. Se
ra os fiéis de Alexandria o
muito de perto, ao longo de quarenta anos, com o
algum exagero houver em
exemplo de Santo Antão,
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira
minhas apreciações sobre
proclamando a divindade
de Cristo, na luta contra os arianos: Antão ergueu-se e exclamou: ‘Eu O ele, será por estar aquém de seus de“Santo Antão — afirmou na apre- vi!’. Um frêmito percorreu as naves vidos limites”.
Em seguida, Mons. João pondesentação da tese — tinha visto mis- da igreja: ‘Ele O viu! Ele viu a divinticamente a divindade de Nosso Se- dade do Senhor!’, diziam os fiéis de ra que se trata de uma verdadeira
nhor. Era ele um testemunho vivo joelhos. A imponente voz desse ho- felicidade ter conhecido esse tesoudessa verdade de Fé. Santo Ataná- mem, para quem a verdade sobre- ro de exposições orais e escritas que
sio então mandou buscar Santo An- natural da natureza divina de Cristo se inserem nas explicitações doutritão e, na mesma noite em que este se tornara quase uma evidência em nárias elaboradas pela Santa Igrechegou à cidade de Alexandria, in- virtude de uma visão sobrenatural, ja, com base na Revelação, ao longo
contáveis cristãos e hereges reuni- mais que toda a bela e lógica doutri- dos séculos. Entretanto — sublinha
ram-se na basílica para vê-lo. O no- na exposta no Concílio, foi o maior ele — havendo convivido, “ao lonnagenário eremita, que pela me- golpe que recebeu a heresia. Eis um go de quarenta anos e muito de perra presença impunha respeito, sen- exemplo do valor e da contribuição to, com Plinio Corrêa de Oliveira”,
foi também objeto de outra felicidatou-se perto do altar. Em seguida, de um testemunho vivo”.
de, e “muito digna de nota”: ter podio Bispo subiu ao púlpito e proclaOrigem da tese, o testemunho
do comprovar a “riqueza, esplendor
mou a divindade de Nosso Senhor.
do Autor: “Eu vi!”
e grandeza” dessas doutrinas “de forSubitamente, uma voz saída do meio
da multidão protestou. Santo AnApós tal introdução, Mons. João ma viva”, ou seja, “produzindo seus
tão ficou espantado com aquela in- continua: “Ora, mutatis mutandis, efeitos na alma de um varão”.
Assim, esta tese configurou-se
decorosa interrupção e pediu a tra- deve-se dizer que esta tese nasceu
dução das palavras que ouvira, pois também de um testemunho do Au- não como um simples discurso da
não compreendia o grego. ‘O Se- tor”. Lembrando-se com entranhada razão, mas, sobretudo, como um tesnhor’ — traduziram-lhe — ‘era ape- emoção do dia 15 de março de 2005, temunho saído do mais fundo do
nas um homem, criado por Deus e em que, antes de ser ordenado diá- coração para declarar a importânsujeito à morte e à transição’. Santo cono, pronunciou sua profissão de cia do exemplo vivo. Sim, porque as
de da Fé que abre os nossos olhos: esta humildade
que torna o teólogo colaborador da verdade. Desta
forma não acontecerá que
ele fale de si mesmo; interiormente purificado pela
obediência à verdade, chegará ao contrário a fazer
com que a própria Verdade, que o Senhor possa falar através do teólogo e da
teologia”.1
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      23
piritual. São na realidade, duas formas de sabedoria que estão aqui
presentes: a do mundo
e a do Espírito Santo.
Inocência, a porta
da sabedoria
Depois de apresentar os pressupostos doutrinários sobre o modo de operar
da graça e dos dons do
Espírito Santo nas almas, assim como dos
efeitos especulativos e
práticos do dom de sabedoria, o Autor passa aos dados biográficos, confrontando os
principais
episódios
da vida de Plinio Corrêa de Oliveira com a
doutrina teológica soJá desde a infância mais remota, constatam-se
bre o dom de sabedoem Dr. Plinio os efeitos da sabedoria
ria e a mística. Dessa
verdades sobrenaturais a respeito forma, a narração deixa transpareda graça e da ação do Espírito San- cer, como num compêndio, os efeito nas almas, mais concretamente o tos do dom de sabedoria na alma de
dom de sabedoria, tornaram-se qua- Dr. Plinio. Contrariamente ao que
se uma evidência para o autor no ocorreu a tantos místicos, que só alconvívio com Dr. Plinio, o qual foi cançaram a plenitude desses efeitos
seu formador, líder, modelo e guia, após um longo percurso de ascenseu pai e fundador. “Eu o vi!”, pode são espiritual, em Dr. Plinio a sabedoria manifesta-se já na mais remoele bem exclamar.
ta infância, podendo-se afirmar que
O Reino de Deus
para ele a porta da sabedoria foi a
A tese inicia-se com uma exposi- inocência.
Alguns efeitos contemplativos da
ção teórica sobre a graça e os dons
do Espírito Santo, feita a partir des- sabedoria patentearam-se especialte episódio do Evangelho de São mente na sua visualização da HistóLucas: “Os fariseus perguntaram ria, na qual Dr. Plinio sabia discerum dia a Jesus quando viria o Reino nir com grande acuidade os “passos
de Deus. Respondeu-lhes: O Reino de Deus”. Para ele, o centro da Hisde Deus não virá de um modo os- tória era Nosso Senhor Jesus Cristo
tensivo. Nem se dirá: Ei-lo aqui; ou: e sua Esposa Mística, a Santa IgreEi-lo ali. Pois o Reino de Deus já es- ja, e da luta entre o bem e o mal decorria o verdadeiro rumo dos acontá no meio de vós” (Lc 17, 20-21).
Neste diálogo tão simples estão tecimentos. Desse princípio básico
implícitas duas concepções opostas deduziu a doutrina exposta em seu
do Reino de Deus: a dos fariseus, ensaio Revolução e Contra-Revolumundana, e a de Jesus, toda ela es- ção. Outro efeito contemplativo da
24      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
sabedoria era sua escola de pensamento, na qual apresentava uma
concepção do universo sob dois aspectos, como se fossem duas asas do
espírito: o doutrinário e o simbólico. Conforme Dr. Plinio gostava de
lembrar, as perfeições divinas se refletem no universo constituindo um
esplêndido mosaico, o qual a alma
bem formada deve saber interpretar e do qual ela deve servir-se como meio de elevar-se até o Criador.
O “flash”, uma moção da graça
sobre o dom de sabedoria
Um dos mais importantes fundamentos da espiritualidade de Dr.
Plinio eram certas moções da graça que atuam sobre o dom de sabedoria, as quais ele chamava “flash”,
por se assemelharem a uma luz que
ilumina repentinamente o entendimento e inflama a vontade, produzindo um deleite espiritual intenso,
um robustecimento do amor, intensificada apetência pelas coisas sobrenaturais e, em conse­
quência,
maior generosidade na prática da
virtude.
Segundo a opinião de Dr. Plinio,
essas graças místicas são franqueadas a todos os fiéis, mais frequentemente do que se pensa. Porém, uma
formação excessivamente racionalista leva muitas pessoas a não darem importância às moções do Espírito, e a secularização das mentalidades induz a só prestar atenção aos
valores materiais e ao gozo desenfreado da vida.
Caridade ardente, discernimento
dos espíritos e profetismo
Alguns efeitos práticos da sabedoria manifestaram-se em Dr. Plinio nos frutos de sua ardente caridade. O zelo pela glória de Deus era
como que o motor que o impulsionava constantemente a entregar-se
sem descanso às obras de apostolado, à formação espiritual de seus seguidores e a fazer esforços incessan-
tes pela perseverança deles na vocação. Esse zelo pela salvação das almas levou-o a oferecer-se como vítima a Deus, em 1975, visando obter
graças superabundantes para o florescimento do movimento laical por
ele fundado. Os padecimentos resultantes de um violento acidente de
automóvel ocorrido três dias depois,
cujas sequelas o impediram de caminhar até o fim da vida, foram o preço de sangue pago com alegria e inteira generosidade.
O carisma de discernimento dos
espíritos, que fazia dele um inigualável diretor de almas, assim como
o dom de profetismo, eram outros
tantos efeitos práticos da sabedoria
que nele se manifestavam. Seu carisma de profetismo ficou consignado
em conferências públicas, em inúmeros artigos publicados em O Legionário, então órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo, e noutros
periódicos de grande circulação no
Brasil, como a Folha de São Paulo,
além de em suas reuniões diárias de
formação.
Bem-aventurados os pacíficos
Ao dom de sabedoria corresponde, segundo o Doutor Angélico e a
opinião comum dos teólogos, a sétima bem-aventurança: “Bem aventurados os pacíficos, porque serão
chamados filhos de Deus” (Mt 5,
9). A paz é a tranquilidade da ordem, como ensina Santo Agostinho.
Por isso, o sábio procura estabelecer a ordem primeiro em seu interior e depois em torno de si, criando assim as condições para que reine a verdadeira paz. Foi esse o i­deal
de toda a existência de Dr. Plinio: a
restauração da Ordem, segundo a
Lei de Deus, na sociedade temporal.
Daí decorreu, também, esta grande perplexidade: não ver a realização de seus mais ardentes anseios,
ou seja, a efetivação da promessa
feita por Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Co-
ração triunfará”. O que
equivaleria à instauração do reinado espiritual de Cristo na Terra.
Amor à cruz e
configuração
com Cristo
Quem abre a alma
para a sabedoria abraça a dor, dizia Dr. Plinio. Pois é pelo sofrimento que o cristão se
assemelha mais a Jesus
Cristo, e essa semelhança é o principal e
mais excelso efeito do
dom de sabedoria. Para a mentalidade hedonista do homem moderno, é difícil compreender esta verdade e aceitar com resignação a dor. Isso levaO sábio procura estabelecer primeiro a ordem
va Dr. Plinio a ressalem seu interior e depois em torno de si
tar, aos olhos de seus
seguidores, a importância da cruz cimentos físicos e provações interiono processo de santificação: “Não res de seus derradeiros dias foram
devemos fugir da dor, como de um suportados com uma serenidade,
fantasma, mas entrar na série das mansidão e dignidade que impresogivas do sofrimento ao longo da sionaram vivamente todos quantos o
vida. Elas nos conduzem ao magní- assistiram no hospital até o momenfico vitral da morte que se abre... e to extremo da partida para a eternientão vemos o Céu”. Essa imposta- dade. Pouco depois de exalar o últição de espírito levou-o a dizer, no mo suspiro, sua fisionomia, até enfim de sua vida: “Eu morreria de- tão marcada pela dor, iluminousapontado se tivesse ideia de haver -se com um discreto sorriso, fazenfugido de uma gota de dor”.
do transparecer uma notável expresEssa determinação diante das ad- são de paz, a confirmar a autenticiversidades manifestou-se, sobretu- dade do que ele mesmo ensinara e
do, na resignação cristã com que en- praticara: “É próprio do holocausto
frentou a última enfermidade. Em- ser feito com tanta boa vontade que,
bora pressentisse com alguns meses na hora do consummatum est, floresde antecedência seu fim próximo, e ce um sorriso”.
o declarasse a alguns de seus colaboEstava consumada sua completa
radores, não alterou a rotina de su- configuração com Nosso Senhor Jeas intensas atividades, não acusou os sus Cristo, o mais sublime efeito do
sintomas da doença que lhe minava dom de sabedoria.²
as forças, e avançou com confiança
na Providência rumo ao “magnífico
vitral da morte”, certo de ver o Céu
depois de transpô-lo. Todos os pade- 1 Bento XVI, Discurso, 5/12/2008.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      25
Sacerdote arauto é nomeado
Administrador Apostólico
no Equador
N
de Napo, Dom Celmo Lazzari, CSJ, e de Aguarico,
o mês de outubro último, o Papa Bento
Dom Jesús Esteban Sádaba Pérez, OFMCap.
XVI nomeou o Pe. Rafael Ramón
Ao se dirigir ao povo pela primeira vez,
Ibarguren Schindler, EP, sacero Pe. Rafael sublinhou seu desejo de codote argentino pertencente à Sociedameçar por conhecer bem a realidade
de de Vida Apostólica Clerical Virgo
do Vicariato e estreitar os vínculos
Flos Carmeli, como novo Administraeclesiais com todos os movimentos
dor Apostólico do Vicariato de São
e congregações religiosas que nela
Miguel de Sucumbíos (Equador),
trabalham.
após aceitar a renúncia, por limite
Dom Arregui, por sua vez,
de idade, do antigo vigário, Dom
deu-lhe as boas-vindas em nome
Gonzalo López Marañón, OCD.
da Conferência Episcopal EquaA tomada de posse se realizou
toriana.
no dia 30 outubro na sede do viO Vicariato Apostólico de São
cariato, em Lago Agrio, para onMiguel de Sucumbíos foi erigido pede o Pe. Rafael viajou acompanhala Santa Sé no dia 2 de julho de 1984.
do pelo Núncio Apostólico, Dom
Pe. Rafael Ramón Ibarguren
Está situado ao nordeste do Equador,
Giacomo Guido Ottonello, e pelo
Schindler, EP
em plena selva amazônica, abrangenPresidente da Conferência Episcopal
do uma área 18.008 Km². A maior parte
Equatoriana e Arcebispo de Guayaquil,
da população, de 173.461 habitantes, dos
Dom Antonio Arregui Yarza. Em penhor
quais 80% são católicos, está composta por
de fraternidade eclesial, estiveram também
indígenas, afro-americanos e imigrantes.
presentes os Bispos dos vicariatos vizinhos,
Apresentação do Administrador – À esquerda, Dom Gonzalo López Marañón dá as boas-vindas ao novo
Administrador, em presença do Núncio Apostólico, durante o ato de transferência do governo do Vicariato.
À direita, o Pe. Rafael Ibarguren, EP, dirige suas primeiras palavras ao povo e aos movimentos.
26      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
Atendimento pastoral – Ministrar os Sacramentos, conversar com os fiéis e dar-lhes orientação espiritual tem
sido uma das primeiras preocupações do novo Administrador e dos sacerdotes arautos.
Missa nas comunidades – Sacerdotes arautos espalharam-se por diversas capelas do Vicariato para conhecer
os membros de cada comunidade e celebrar com eles a Eucaristia. Nas fotos, Missa dominical nas capelas de São
José Operário (esquerda) e do Divino Menino Jesus (direita).
Juramento do cargo – O Pe. Rafael Ibarguren,
EP, durante a cerimônia de juramento na capela da
Nunciatura Apostólica de Quito.
Acolhida dos religiosos – Os franciscanos
conventuais acolheram os Arautos do Evangelho
com fraternal alegria.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      27
Dom Bruguès
ministra curso de
Teologia aos Arautos
E
ntre os dias 1 e 8 de novembro os Arautos do
Evangelho tiveram a alegria de receber no seu Seminário, em São Paulo, o Secretário da Congregação
para a Educação Católica, Dom Jean-Louis Bruguès,
OP, que viajou de Roma a fim de ministrar um ciclo de
quatro conferências no Instituto Teológico São Tomás
de Aquino.
Curso de Teologia Moral
O curso versou sobre o tema “A Veritatis Splendor e a
Teologia Moral hoje”. Participaram seminaristas e mestrandos em Teologia Moral dos Arautos do Evangelho.
À primeira conferência estiveram presentes o Reitor
da Universidade Pontifícia Bolivariana (UPB), de Medellín, Mons. Luis Fernando Rodrígues Velásquez, o Pe.
Diego Alonso Marulanda Díaz, Decano da Escola de
Teologia, Filosofia e Humanidades da UPB e o Pe. Jorge
Iván Ramírez Aguirre, Vice-reitor Acadêmico da mesma Universidade.
Celebração Eucarística – Durante a Missa, Dom
Bruguès convidou todos a crescer na pureza de
coração, conforme sublinhava a Liturgia.
28      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
Além de Doutor em Teologia e conhecido moralista,
Dom Jean-Louis Bruguès é Mestre em Ciências Econômicas e Ciências Políticas. Foi professor de Teologia Moral
Fundamental na Universidade de Friburgo (Suíça), membro
da Comissão Teológica Internacional de 1986 a 2002, Bispo
de Angers e Presidente da comissão doutrinária da Conferência Episcopal Francesa até 2007, quando foi nomeado
Secretário da Congregação para a Educação Católica.
Convívio com os Arautos
Dom Bruguès aproveitou os dias de sua estada no Brasil, para conhecer mais a fundo os Arautos do Evangelho.
Seguindo uma programação intensa, celebrou a Eucaristia para a comunidade e visitou diversas casas da
instituição, tomando conhecimento das atividades que
nelas se realizam. Deu também palestras para o plenário, conviveu com os estudantes mais jovens e assistiu a
uma apresentação do Coro e Orquestra Internacional
dos Arautos, especialmente organizada para ele.
Conferências – Em sua palestra para o plenário dos
Arautos, Dom Bruguès tratou sobre o tema da ética nos
tempos atuais.
Conferências sobre a “Veritatis Splendor”
O
curso abordou a Encíclica Veritatis Splendor do
Papa João Paulo II, que trata sobre questões essenciais do ensino moral da Igreja e expõe de forma
atualizada os fundamentos da moral cristã.
“Mestre, o que hei de fazer de bom para conseguir a vida eterna?” (Mt 19, 16): a pergunta do jovem
rico a Jesus é usada nessa encíclica como a questão
base, que abre as considerações no campo da ciência
teológica sobre o bem e o mal, e sobre o dever. Temas como: liberdade e lei, consciência e verdade, opção fundamental e comportamentos concretos, e o
ato moral, que são desenvolvidos nesta Carta, foram
enfatizados na exposição de Dom Bruguès.
Apresentação musical – Profundo conhecedor
de música, Dom Bruguès acompanhou atentamente
a apresentação feita pelo Coro e Orquestra
Internacional.
Encontro com os estudantes – Os mais jovens
também quiseram ter a oportunidade de conviver por
alguns momentos com Dom Bruguès.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      29
Lisboa – O Lar de idosos da ASAS recebeu a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima. A
Presidente da ASAS, Maria Irene Salgado Zenha procedeu à coroação da imagem de Nossa Senhora, enquanto os
idosos se consagraram de todo o coração à Virgem Maria. Todos os presentes aproximaram-se de Nossa Senhora
e depositaram junto d’Ela os seus pedidos e orações.
Silves – Nas paróquias de Alcantarilha e de Armação de Pêra, onde os párocos, Pe. Manuel Coelho e Pe. Joaquim
Beato, receberam tão entusiasticamente o Oratório do Imaculado Coração, além do programa habitual, foi realizada
uma solene coroação de Nossa Senhora, representando a consagração e entrega de todos os paroquianos a Jesus
pelas mãos de Maria.
Algoz – Na paróquia do Pe. Manuel Condeço, após
a missa e coroação, estiveram reunidos mais de cem
crianças e jovens para uma reunião de formação
catequética, ministrada por um Arauto do Evangelho.
30      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
Guimarães – Por ocasião da festa de Todos os
Santos, realizou-se uma Eucaristia presidida pelo
Revmo. Pe. Jorge Ignácio Villa Urrego, membro da
Congregação para a Evangelização dos Povos.
1º ano da Paróquia
dos Arautos
D
esde que foi criada há um ano a Paróquia
Nossa Senhora das Graças — entregue aos
Arautos do Evangelho — na Diocese de Bragança Paulista, tem havido um significativo aumento
da frequência dos fiéis aos Sacramentos, nas doze comunidades que a compõem.
Além das Celebrações Eucarísticas, procissões, catequese das crianças e outras atividades
pastorais, os Arautos têm procurado organizar
eventos que contribuam para estreitar os laços de
amizade entre os paroquianos, como quermesses, mutirões, aulas de música, peças de teatro ou
tardes de jogos para as crianças (foto acima).
Procissão em honra a N. Sra. Aparecida
Missão Mariana – Para comemorar o primeiro aniversário da Paróquia Nossa Senhora das Graças,
cinquenta Arautos do Evangelho, divididos em sete grupos, percorreram diversas regiões do território paroquial
conduzindo a imagem de Nossa Senhora de casa em casa.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      31
Os Santos Inocentes
Testemunhas
do triunfo de Jesus
Essas bem-aventuradas crianças, as primeiras a participar dos
sofrimentos de Cristo, estariam também entre as primeiras a se
beneficiar dos méritos infinitos de sua gloriosa Paixão e a reinar
junto d’Ele na Pátria celeste.
Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP
S
entindo estar às portas da
morte, o venerável ancião
mandou chamar seus doze filhos para abençoá-los antes de partir. Ao primogênito Rubem, devido à sua má conduta, retirou a primazia, bem como aos
dois seguintes, Simeão e Levi, pela
­crueldade de que haviam dado mostras (cf. Gn 49, 3-7). Coube a Judá, o
quarto filho, receber do pai a autoridade sobre os irmãos e o privilégio de
ver surgir de sua linhagem o Messias,
Aquele a propósito de quem Deus havia prometido a Abraão: “Em tua descendência serão abençoadas todas as
nações da terra” (Gn 22, 18). Assim,
dezesseis séculos antes do nascimento
de Jesus em Belém, o patriarca Jacó
profetizava a vinda do Redentor.
O momento da chegada desse
Rei esperado, o velho patriarca o
definiu com estas palavras: “Não se
afastará o cetro de Judá, nem o bastão de comando dentre seus pés, até
que venha Aquele a quem pertencem e a quem devem obediência as
nações” (Gn 49, 10).
Mais tarde a estirpe de Judá, na
pessoa de Davi, governou de fato
sobre as demais tribos, ocupando o
trono em Jerusalém. Embora, devi-
do à infidelidade de seu sucessor Salomão, Deus tenha retirado à descendência de Davi o governo de dez
tribos — permitindo que fosse fundado o “reino do norte” tendo por
rei Jeroboão, um simples servo —
nunca faltou a Davi “uma lâmpada” (I Re 11, 36), conforme lhe fora prometido: “Não retirarei dele a
minha misericórdia, como a retirei
de Saul, a quem expulsei de diante de minha face. E a tua casa será
estável, e o teu reino se perpetuará
diante do teu rosto, e o teu trono será firme para sempre” (II Sm 7, 1516). Assim, até a entrada de Nabucodonosor, rei da Babilônia, que devastou a cidade e levou a população
para o cativeiro, houve sempre um
filho de Davi, da linhagem bendita
de Judá, sentado no legítimo trono
de seu pai.
Os filhos de Levi governam
o Povo Eleito
Quando, passados setenta anos
deste doloroso exílio, o grande Ciro da Pérsia conquistou a Babilônia, emitiu um decreto autorizando
a volta dos israelitas para sua pátria
(cf. Es 1, 2-4). Muitos destes, então,
dentre os quais um numeroso con-
32      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
tingente de sacerdotes e levitas, empreenderam a viagem de retorno a
Jerusalém (cf. Es 2, 1-67).
A influência preponderante exercida pela casta sacerdotal durante esse novo período deu origem a
um clima de crescente religiosidade,
tornando-se assim Israel um pequeno estado cada vez mais teocrático.1
Com efeito, apesar de estar o país
ainda sujeito a soberanos estrangeiros — primeiro os persas, depois os
gregos — os verdadeiros detentores
do poder passaram a ser os sumos
sacerdotes, assistidos por um conselho de anciãos, constituído por uma
aristocracia que, por sua vez, era sacerdotal em sua maioria.
No século II a.C, quando subiu
ao trono da Síria Antíoco IV Epífanes — um “homem vil” (Dn 11, 21),
verdadeira “raiz de pecado” (I Mac
1, 11) —, desencadeou-se uma furiosa perseguição contra a religião
de Israel. Insurgiram-se contra o selêucida os Macabeus, de linhagem
sacerdotal, obtendo grandes vitórias
e adquirindo para a nação judaica
um poder e uma glória comparáveis
aos dos tempos antigos. Muitos israelitas julgaram ver nesse triunfo um
sinal claro da mão divina, transfe-
Sergio Hollmann
Cego de orgulho, Herodes acreditou ter poder suficiente
para mudar, segundo seus caprichos, aquilo que Deus
determinara desde toda a eternidade
"Matança dos Inocentes" - Catedral de Notre Dame, Paris
rindo a realeza davídica para a tribo de Levi. Assim, os descendentes desses heróis, chamados Hasmoneus, passaram a ocupar simultaneamente a cátedra do supremo pontificado e o trono real.
Se, muitos séculos antes, fora retirado o cetro à tribo de Judá, Israel
continuava, entretanto, a ser regido
por filhos do sangue de Jacó, sucessores do Patriarca Abraão, herdeiros das promessas de Deus.
Herodes: o rei sanguinário
As circunstâncias mudaram
quando, alegando as lutas fratricidas nascidas no próprio seio da família dos Hasmoneus, Roma interveio pelas armas e o imperador
Marco Antônio outorgou o título de
rei dos judeus a um estrangeiro, detestado pela nação por pertencer ao
povo idumeu, inimigo irreconciliável de Israel: Herodes.
Não tardou o novo monarca em
demonstrar serem todas as suas
ações e atos administrativos movidos por orgulhosa cobiça. O ódio e
o desprezo de seus súditos, que sentia pesar sobre si, somados à natural
insegurança de quem é desmedidamente ambicioso, faziam-no temer,
em qualquer pessoa que se sobressaísse por suas qualidades, ou conquistasse a simpatia do povo, um adversário de seu poder.
Durante os anos de seu longo reinado, ele desembaraçou-se sem escrúpulos de todos os conspiradores
ou daqueles que simplesmente deitavam sombra sobre sua pessoa. Um
a um, os parentes mais próximos —
entre os quais a esposa Mariamne
e três filhos — e grande número de
aristocratas da Judeia foram caindo sob os golpes de sua crueldade.
Nada constituía obstáculo para essa
vontade feroz, cheia de arrogância e
sedenta de domínio.
O tirano treme diante
de uma Criança
Qual não foi o sobressalto desse
tirano sanguinário quando, já velho,
amargurado pelo peso dos crimes
sem conta que cometera, viu chegar a Jerusalém uma suntuosa caravana vinda do Oriente e três magos que perguntavam pelo “rei dos
judeus que acabava de nascer” (Mt
2, 2)! Imediatamente a inquietude e
a perturbação se apoderaram de seu
coração: julgou ameaçada a estabilidade de seu trono.
Essa agitação bem traduzia o
quanto Deus estava ausente de suas
cogitações e perspectivas, como comenta, com muito acerto, um piedoso autor: “A alma reta e sincera
jamais se perturba, porque possui
a Deus. Onde Deus habita, não há
perturbação possível, diz o Espírito
Santo. ‘Non in commotione Dominus’ (I Re 19, 11). Se uma alma chega a experimentar alguma perturbação, é porque perdeu a Deus e, com
Ele, a retidão e a candura. Que Herodes se perturbasse, não deve nos
surpreender; afinal, ele era um usurpador e, ao ouvir que um rei dos judeus acabava de nascer, ­certamente
temeu vir a perder tanto o trono
quanto a coroa”.2
Entretanto, usando da astúcia característica dos “filhos do século”
(Lc 16, 8), Herodes inquiriu dos sacerdotes e dos mestres das Escrituras qual o lugar apontado pelos profetas como berço do Messias. Uma
vez obtida a resposta, tomou a resolução de matar o recém-nascido.
Fingindo grande piedade, mandou
chamar os magos a fim de indicar-lhes o caminho de Belém, mas, na
realidade, almejava servir-se deles
para a realização de suas perversas
intenções.
Cego de orgulho, aquele iníquo
monarca acreditou ter poder suficiente para opor-se ao plano divino e mudar, segundo seus caprichos,
aquilo que Deus determinara desde
toda a eternidade e anunciara pela
boca de seus mensageiros!
A esse propósito comenta São
João Crisóstomo: “Tal é a maldade, pela sua própria natureza: contradiz-se a si mesma e empreende
aquilo que é impossível. Considerai a insensatez de Herodes. Se ele
acreditava na profecia e considerava inevitável sua realização, era evidente estar ele tentando algo irrealizável; se não acreditava nela nem
esperava que se cumprisse o anunciado, não tinha motivo para temer
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      33
e se espantar, nem para pôr armadilhas a ninguém. Em nenhuma das
duas hipóteses havia necessidade
de mentir”.3
Duas discretas intervenções da
Providência divina — um sonho enviado para alertar os magos e a aparição de um anjo a São José — bastaram para lançar por terra as hábeis maquinações do tirano. Este,
porém, durante vários dias esperou
impaciente e receoso o retorno daqueles nobres estrangeiros; ao perceber que fora enganado, deu largas à sua cólera e deliberou perpetrar o crime mais horrendo de sua
vida: para que o pequeno Rei dos judeus não escapasse à sua vingança,
deveriam perecer todos os infantes
de Belém e das redondezas.
Martírio dos inocentes
Grande foi a consternação na cidade de Belém. Logo após ter alcançado a honra de receber o Esperado
das nações, suas casas se encheram
de cadáveres e pelas ruas ecoaram
os gritos de dor das mães, misturados aos gemidos das crianças. Cena atroz e pungente: ver os peque-
ninos arrancados dos braços maternos e transpassados pelas espadas
dos mercenários.
“Por que Cristo agiu assim?”,
pergunta-se São Pedro Crisólogo.
“Por que abandonou àqueles que
Ele sabia seriam procurados por
sua causa e por sua causa haveriam
de morrer? Ele nascera rei e rei do
céu, porque abandonou os que eram
inocentes? Por que desdenhou um
exército de sua mesma idade? Por
que abandonou desse modo àqueles
que, como Ele, descansavam num
berço, e o inimigo, que procurava só
ao rei, causou dano a todos os soldados?”.4
E o próprio santo responde: “Irmãos, Cristo não abandonou seus
soldados, mas deu-lhes melhor sorte, concedeu-lhes triunfar antes de
viver, fê-los alcançar a vitória sem
luta alguma, concedeu-lhes as coroas antes mesmo de seus membros
estarem desenvolvidos, quis, por seu
poder, que passassem por cima dos
vícios, que possuíssem o Céu antes
que a terra”.5
Conforme fora profetizado por
Davi, os soluços desses pequenos
Desassossego de Herodes
e triunfo das crianças
ol
lm
an
n
Chama a atenção o antagonismo
entre o estado de espírito de Herodes e o dos Santos Inocentes:
de um lado encontramos a
figura de um homem apegado ao poder, cioso de
sua autoridade, julgando todos os fatos
sob o prisma de medíocres interesses;
no extremo oposto,
crianças inocentes,
confiantes e admirativas, incapazes de fazer algum mal.
Depois do seu hediondo crime, Herodes experimenta em
seu interior a tristeDurante vários dias Herodes esperou impaciente e receoso o retorno dos Magos, e ao
za e o desassossego.
perceber que fora enganado, deliberou perpetrar o crime mais horrendo de sua vida
Nem mesmo após receber a notícia de te“Os magos diante de Herodes” e “Herodes ordena o massacre” Vitrais da Catedral Basílica de Saint Denis, Paris
rem sido executadas
H
io
rg
Se
mártires ressoavam na presença
do Altíssimo como cânticos de glória e, ao mesmo tempo, censuravam o rei ímpio que os condenara:
“O perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos, de
crianças que a mãe amamenta; eis
a força que opondes aos maus, reduzindo o inimigo ao silêncio” (Sl
8, 3). Seu sangue subia ao Céu como sacrifício puro e agradável de
“cordeiros sem mancha” (cf. Ex 12,
2-5) oferecido em honra do Divino
Infante recém-nascido. Os meninos que brincavam aos pés de s­ uas
mães deixaram seus inocentes jogos para irem brincar aos pés do
trono de Deus!
Com sua característica eloquência, assim comenta Bossuet: “Bem-aventuradas crianças, cuja vida foi
imolada a fim de conservar a vida de
vosso Salvador. Se vossas mães tivessem conhecido esse mistério, em
lugar de lamentações e de lágrimas,
só se ouviriam bênçãos e louvores”.6
34      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
A infância, modelo de inocência
O Verbo Se fez carne e veio ao
mundo para operar a Redenção e, a
partir dela, publicar na terra “o ano da
graça do Senhor” (Is 61, 2), um novo
regime, baseado na caridade e na misericórdia, pelo qual o homem passou
da condição de escravo para a categoria de filho de Deus, tendo por regra
de vida a procura da perfeição, à imagem do Pai Celeste (cf. Mt 5, 48).
Para sermos seus discípulos, não
nos manda Jesus adquirirmos uma
ciência erudita, nem mesmo exige a
prática de penitências e austeridades por demais pesadas. Ele propõe,
pelo contrário, um modelo acessível
a todos: “Em verdade vos digo, se
não vos converterdes e vos tornardes como crianças, não entrareis no
Reino dos Céus” (Mt 18, 3).
Gustavo Kralj, sob concessão do Ministério dos Bens Culturais
da República Italiana
suas ordens, desfrutará ele de alguma tranquilidade, pois, à aflição
constante de perder o trono, somou-se o remorso do infanticídio cometido a lhe corroer a alma como, em
breve, os vermes corroeriam suas
carnes.
De maneira bem diversa, os meninos viram-se elevados à categoria de irmãos de Cristo e príncipes
de seu Reino. Ele os amava e, por isso, os colheu como um botão apenas desabrochando para a vida, para levá-los à visão beatífica quando
abrisse, triunfante, as portas do Céu.
Por que, pergunta-se São Bernardo, “haverá quem duvide das coroas dos Inocentes?”. E acrescenta: “É menor, por acaso, a piedade
de Cristo que a impiedade de Herodes, para crer que este pudesse entregar alguns inocentes à morte e
Cristo não pudesse coroar aqueles
que foram mortos por Ele? [...] Estes são, verdadeiramente teus mártires, ó Deus, para que resplandeça
com maior evidência o privilégio de
tua graça naqueles em quem nem o
homem nem o anjo descobrem mérito algum”.7
Grande foi a consternação na cidade de Belém, onde os gritos de dor
das mães misturaram-se aos gemidos das crianças
"Matança dos Inocentes", por Fra Angélico - Museu de São Marcos, Florença (Itália)
Afirma o Papa São Leão I, num
de seus sermões: “Cristo ama a infância, que assumiu em primeiro lugar, tanto na alma quanto no corpo.
Cristo ama a infância, mestra da humildade, regra da inocência, modelo
de mansidão. Cristo ama a infância,
para a qual orienta o procedimento
dos adultos e reconduz a idade dos
anciãos. Ele atrai ao exemplo dela
aqueles que eleva ao reino eterno”.8
Para sermos partícipes de seu
Reino e convivas do banquete eterno, somos chamados a deixar-nos
conduzir pela mão de Deus como
crianças dóceis e confiantes, sem
opormos resistência à sua santa
vontade.
Jesus traz, a cada Natal, o convite para a restauração da inocência e
está pronto a restabelecê-la no coração de quem queira beneficiar-se de
sua graça, já que, por nós mesmos,
não temos forças suficientes para
nos libertar de nossos pecados.
Ele mesmo está à nossa espera
e dar-Se-nos-á em recompensa na
hora de nossa morte, tornando-nos
herdeiros da felicidade sem fim:
“Deixai vir a Mim as criancinhas,
porque delas é o Reino de Deus”
(Mt 19, 14). 
1
Cf. ROBERT, André; TRICOT, A.
Initiation biblique. 2.ed. Paris: Desclée, 1948, p.679.
2
D’HAUTERIVE, P. La suma del
predicador. Paris: Louis Vivès,
1888, t.II, p.104.
3
SAN JUAN CRISÓSTOMO. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC,
2007, t.II, p.131.
4
SAN PEDRO CRISÓLOGO, apud
ODEN, Thomas (Org.). La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia.
Madrid: Ciudad Nueva, 2004, p.78.
5
Idem, ibidem.
6
BOSSUET, Jacques Bénigne.
Œuvres choisies de Bossuet. Versailles: J. A. Lebel, 1821, p.425.
7
SAN BERNARDO DE CLARAVAL. Obras completas. Madrid:
BAC, 1953, t.I, p.292-293.
8
SAINT LÉON LE GRAND. Sermo VII in Epiphaniae Solemnitate.
In: Sermons. 2.ed. Paris: Du Cerf,
1964, v.I, p.280.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      35
Wikipedia
São Thomas Becket – O Arcebispo mártir de Canterbury
“Não te é lícito”!
A verdade é invencível porque sua
força provém do próprio Deus. Por
mais que ela sofra aparentes derrotas,
sempre acaba por triunfar.
“São Thomas Becket” - vitral do séc. XIII
da Catedral da Canterbury (Inglaterra)
“N
on licet tibi” — “Não te
é lícito” (Mc 6, 18). As
graves palavras do Precursor ressoavam nos
ouvidos de Herodes Antipas, lembrando-lhe quanto desagradava ao
Céu sua incestuosa união com Herodíades, a esposa de seu irmão Filipe.
E quando, a instâncias de Salomé, os lábios de São João Batista
foram para sempre calados pela espada do verdugo, dir-se-ia que essas recriminações haveriam de cessar definitivamente. Entretanto, não
foi assim: o rei criminoso viveria até
o fim de seus dias atormentado pela
lembrança do profeta que continuava a interpelá-lo: “Non licet tibi”!
Há nesta passagem evangélica
um exemplo paradigmático da luta entre o bem e o mal na face da
Terra. De um lado está o rei adúltero, orgulhoso, sensual e egoísta, lutando por satisfazer seus vícios e interesses; de outro, uma alma de inquebrantável retidão, disposta a defender a Lei do Altíssimo, com o preço de seu sangue se
preciso fosse. Na aparência, a vitória foi do primeiro; mas, na reali-
Irmã Maria Teresa Ribeiro Matos, EP
dade, nem o cárcere nem o patíbulo conseguiram silenciar a força da
verdade proclamada com destemor
por quem era justo.
Mais de um milênio após esse
episódio, tendo a Igreja civilizado as
nações e estabelecido sua influência
espiritual sobre elas, uma voz serena e firme como a do Precursor fez-se ouvir na Inglaterra, recordando
a um rei tirano os limites do poder
real: a de São Thomas Becket.
O início de uma contenda
Era o dia 1º de outubro de 1163.
Começava na abadia de Westminster o sínodo convocado pelo rei
Henrique II para debater questões
concernentes ao governo da Igreja
na Inglaterra. O monarca não concordava com o privilegium fori do
clero e, ademais, não admitia que
súditos seus fossem excomungados
sem o consentimento real. Queria,
ademais, que fossem restauradas
outras prerrogativas desfrutadas por
seus antecessores normandos.
Todos os Bispos eram unânimes
quanto à impossibilidade de ceder
a tais pretensões do soberano. Mas
36      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
quem se levantaria para enfrentá-lo? Cabia ao Arcebispo de Canterbury, Primaz da Inglaterra, a difícil tarefa.
Thomas Becket, que ainda havia
pouco era Chanceler Real e grande amigo de Henrique II, assumiu o
grave encargo. No momento oportuno, levantou-se e explicou ao rei
a independência do poder espiritual em relação ao temporal, discorreu
sobre o caráter sagrado do sacerdócio e, afinal, alegou os antigos direitos que possuíam os Bispos de julgar
e punir os membros do clero.
O monarca encolerizou-se. Interrompendo as palavras do prelado, exigiu que todos aceitassem sem
condições as propostas por ele feitas. São Thomas Becket respondeu
que obedeceriam salvo ordine suo,
isto é, na medida em que as regras
por ele ditadas fossem lícitas para
um clérigo. Ao ouvir isto, o rei se retirou irado, sem dizer sequer uma
palavra de despedida.
Harmonia entre os dois poderes
A contenda entre os Bispos ingleses e seu monarca não ­resultava
Nove cláusulas inaceitáveis
Tomando conhecimento do acontecido em Westminster, o Papa Alexandre III enviou mensageiros a São
Thomas Becket, recomendando-lhe que, pela paz da Igreja, procu-
O Primaz da Inglaterra não podia
rasse entrar em entendimento com
o rei. Mas o monarca, ferido em seu de forma alguma aceitar essas consamor-próprio, exigia uma retrata- tituições que de tal modo subjugação pública perante todos os Bispos vam o poder espiritual ao temporal.
Apenas cinco das dezesseis cláusue barões do reino.
O Palácio de Clarendon, nas pro- las, concernentes de fato ao goverximidades da atual Salisbury, foi o lu- no civil, eram, de fato aceitáveis, e
gar escolhido para tal encontro, que foram posteriormente admitidas pese realizou no dia 13 de janeiro de lo Papa.
1164, em um ambiente de demonsO julgamento de Northampton
trações de fúria do rei e ameaças dos
barões. Desejando o soberano deiO rei, porém, não pensava do
xar ali bem assentadas as bases de mesmo modo. Estava decidido a
seu domínio sobre a Igreja, mandou submeter a Igreja a suas pretenredigir uma lista completa das nor- sões e, para isso, decretou a ruína
mas cuja imposição ele tinha em mi- de quem com tanta força se opura. Eram as tristemente conhecidas nha a elas. Acusando-o de falsos deConstituições de Clarendon, compos- litos jurídicos e financeiros, ademais
tas por dezesseis cláusulas.
de perjuro por não aceitar as ConsGrande choque teve o Arcebispo tituições de Clarendon — que havia
quando leu o texto. Algumas dessas cláusulas atribuíam ao poder real decisões até então de competência da autoridade
eclesiástica, outras atentavam contra a liberdade da Igreja. Assim, por
exemplo, os Bispos passavam a depender da aprovação do soberano para
sair do reino. Precisavam
também de uma autorização de Henrique II para
excomungar qualquer alto
funcionário ou oficial do
rei. Não podiam, nas causas eclesiásticas, apelar
ao Papa como última instância. Quando ficava vacante uma sé episcopal ou
uma abadia, esta caía em
poder do soberano. Ele
auferia todos os seus rendimentos e benefícios até
tomar posse o novo titular, cuja eleição seria feita na capela real e com o
Alexandre III recebeu a São Thomas com total
consentimento do rei, ao
benevolência e aprovou sua conduta
qual o novo Bispo ou abade devia jurar lealdade
"Encontro de São Tomas Becket com o Papa",
alabastro, séc. XVI - Victoria & Albert Museum, Londres
como vassalo.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      37
Dario Iallorenzi
excessivamente incomum naqueles conturbados séculos. Os limites
da separação dos poderes temporal
e espiritual, estabelecida pelo próprio Cristo — “Dai a César o que é
de César e a Deus o que é de Deus”
(Mt 22, 21) —, não estavam bem definidos ainda, trazendo, como consequência, frequentes e acirrados
conflitos.
Por ser a Igreja uma sociedade visível, constituída por homens, muitos soberanos da época arrogavam-se o direito de nomear Bispos, legislar sobre a organização interna
da Esposa de Cristo, dispor de suas
rendas ou governar livremente sobre os membros do clero, obviando
a circunstância de serem pessoas sagradas.
Ora, é justamente a independência do poder civil que permite à
Igreja desempenhar seu labor em favor da sociedade, criando condições
que tornam a Terra aprazível e habitável, bem como iluminando o poder temporal — rigorosamente soberano, na sua esfera — com uma
luz celeste que o eleva, consolida e
nobilita.
A Igreja necessita da ação do Estado sobre a sociedade, mas este jamais conseguirá alcançar com plenitude seu objetivo se não estiver em
perfeito acordo com aquela. Da harmonia entre os poderes espiritual e
temporal resulta que Deus jamais é
tão bem servido como quando César
se porta como seu filho; e César jamais é tão grande como quando é filho de Deus.
Essa era a grande verdade que
respaldava a atitude do Arcebispo
de Canterbury, e que o orgulhoso
rei Henrique não queria admitir.
Dario Iallorenzi
ciliação, ora promovidas pelo
prometido aceitar sem conhePontífice, ora pelo rei da Francer seu conteúdo —, o eclesiça. Chegar a um acordo não
ástico foi intimado a compareera fácil, pois, como escrevia
cer diante da corte reunida em
São Thomas ao Papa, se prevaNorthampton, no mês de outulecessem as exigências do mobro de 1164.
narca inglês, “a autoridade da
Ante as inusitadas denúncias,
Sé Apostólica na Inglaterra deo Arcebispo pediu a Henrique
sapareceria completamente ou
um tempo para aconselhar-se
seria reduzida a quase nada”.3
com seus irmãos no episcopado e preparar sua defesa. “Atua
Henrique II, por seu lado,
sem temor”, disse-lhe seu conreconhecia que, caso continufessor Robert de Merton, “escoasse com sua política de opolheste servir a Deus no lugar do
sição à Igreja, teria de sofrer
rei. Continua assim e Deus não
penas canônicas. “Sei que
te decepcionará”.1
lançarão um interdito sobre
meu reino, mas não posso eu,
Thomas compreendera a funque sou capaz de tomar uma
do a luta na qual se engajara, e
fortaleza por dia, aprisionar
estava disposto a levá-la até o fim.
um clérigo que ponha em inEntretanto, a maioria dos Bispos,
terdito minha terra?”4, inquitemendo perder as boas graças
do soberano, insistiam com o Pririu a um legado papal.
maz para que cedesse perante o
O temor a Deus não harei e renunciasse a seu cargo.
via ainda se extinguido por
O Arcebispo de Canterbury,
inteiro na alma de Henrique
entretanto, fazendo valer sua
e, finalmente, após inúmeTriunfal foi a acolhida do povo de Canterbury
primazia, proibiu os Bispos de
ras ameaças da parte do Sua seu saudoso pastor
tomarem parte no julgamento,
mo Pontífice, resolveu fazer
"São Thomas Becket desembarca em Sandwich,
caso este chegasse a se realizar,
um acordo com o Arcebispo.
Inglaterra" - peça em alabastro, séc. XVI - Victoria &
Albert Museum, Londres
e ordenou que excomungassem
Autorizou-o a voltar para sua
qualquer um que usasse de vioDiocese, sem consentir, polência com ele.
sa, depois de várias peripécias, cru- rém, em dar-lhe o beijo de paz.
Dirigiu-se então ao castelo r­eal zou o Canal da Mancha e foi refuDe volta à Pátria
de Northampton, onde, após o Pri- giar-se na França, onde o rei Luís
maz apresentar sua defesa, o rei VII o acolheu solicitamente.
Triunfal foi a acolhida do povo
reuniu o Conselho para decidir sua
Logo depois se dirigiu para Sens, de Canterbury, no dia 2 de dezemsorte. Sentado em outro aposento, onde se encontrava temporariamen- bro de 1170, a seu saudoso pastor.
Thomas Becket aguardava com cal- te o Papa Alexandre III. Este o re- Ele, entretanto, estava convencido
ma e segurança a sentença.
cebeu com total benevolência, apro- de que a paz não seria duradoura.
Segundo um conceituado biógra- vou sua conduta e reafirmou a con- Como ensina Santo Agostinho, “a
fo, o Arcebispo foi condenado prova- denação das Constituições de Cla- paz é a tranquilidade da ordem”.5 Se
velmente à prisão perpétua. “Porém rendon. Também lhe concedeu o há- não prevalecesse a ordem posta pea sentença nunca foi declarada, por- bito da Ordem de Cister, que mui- las leis de Deus e da Igreja, não exisque quando uma comissão se apre- to almejava, passando o santo Arce- tiria verdadeira paz.
sentou para dar-lhe conhecimento, bispo a residir na abadia de PontigNo dia seguinte, três mensageiros
cada um foi passando para outro a ny, onde compartilhou a frugal vida chegaram a Canterbury da parte dos
incumbência, ninguém a aceitou”.2
dos monges cistercienses e retomou Arcebispos Roger, de York, Gilbert,
o estudo de teologia, principalmente de Londres, e Jocelin, de Salisbury,
Seis anos de exílio e tratativas
das Sagradas Escrituras.
os quais mandavam pedir a revogaEnquanto isso, transcorreram qua- ção da excomunhão lançada sobre
Vendo que havia sido decretada
sua ruína, São Thomas Becket deci- se seis anos de intrincadas atividades eles, por terem procedido à cerimôdiu fugir do país. Numa noite chuvo- diplomáticas e de tentativas de recon- nia de coroação do f­ ilho do rei, con38      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
trariando proibição expressa do Arcebispo Primaz e do próprio Vigário de Cristo. Thomas mandou responder-lhes que uma pena imposta
pelo Papa só por ele poderia ser
abolida.
A resposta fez reacender a
cólera de Henrique II, já incomodado com a comovida
recepção brindada pelo povo a seu legítimo Prelado.
A cada dia, acentuava-se
na corte o clima de inimizade contra o Arcebispo.
Um biógrafo de Thomas
Becket afirma que o rei, arrebatado de fúria, excitava seus cortesãos com frases
como esta: “Que coleção de
ociosos covardes tenho em meu
reino, os quais permitem que um
clérigo de baixa extração zombe
vergonhosamente de mim!”.6 Alguns
deles, decidiram ouvi-lo...
Na tarde de 29 de dezembro,
quatro cavaleiros se apresentaram
em Canterbury como vindos “da
parte do rei” e foram recebidos pelo
Arcebispo num salão contíguo à catedral. Um deles interpelou o eclesiástico em termos agressivos, pela
sua recusa em absolver os clérigos e
monges excomungados.
— A sentença não foi minha, mas
do Papa. Que os interessados se dirijam a ele para pedir o perdão —
respondeu Thomas.
— Digo-te o que o rei disse: foste suficientemente louco para excomungar seus oficiais.
A estas palavras, relativas aos
anátemas lançados por São Thomas contra os barões que haviam se
apropriado das terras da Diocese, o
Arcebispo levantou-se, replicando:
— Castigarei qualquer um que
viole os direitos da Sé Romana ou
da Igreja de Cristo.
A vitória da verdade
Os cavaleiros, furiosos, retiraram-se para pegar as armas, en-
Se
rg
io
l
Ho
lm
an
n
Estava tudo acabado? Pelo
contrário! A força da verdade uma
vez mais seria vitoriosa
“Martírio de São Thomas Becket” Catedral de Lisieux (França)
quanto alguns monges e servidores do destemido Prelado, vendo o
grande perigo que ele corria, conseguiram a custo levá-lo para a catedral.
Era a hora do cântico das Vésperas e o templo estava cheio. Após o
cortejo dos monges e do santo Arcebispo, penetraram furiosos ali os
cavaleiros armados e, com as espadas desembainhadas, precipitaram-se sobre este último.
— Absolve os Bispos! — gritou
um deles.
Investiram então, de espada em
punho, contra o indefeso ministro
de Deus. O primeiro golpe atingiu
os ombros de Thomas, e os seguintes
feriram-lhe a cabeça. Seu cruciferário, tentando desviar com o braço um
dos golpes, recebeu uma forte lesão
que lhe rompeu até os ossos. “Estou
disposto a morrer por meu Senhor.
Que meu sangue salve a liberdade da
Igreja e a paz”7, exclamou o mártir,
de joelhos. Um novo golpe o prostrou morto por terra, com os braços estendidos, como se estivesse rezando.
Estava tudo acabado?
Pelo contrário! A força da verdade, que levara João Batista a triunfar sobre Herodes Antipas, uma vez mais seria vitoriosa. O túmulo de Thomas Becket tornou-se centro de peregrinação, e entre os inumeráveis devotos
que acorreram à sua sepultura encontrava-se o próprio
Henrique II que, depois de ter
pedido perdão ao Papa e renunciado às Constituições de Clarendon,
se dirigira a Canterbury para pedir
clemência ao santo mártir.
Invencível é o poder da verdade. O erro e o mal encontram seu
dinamismo na natureza humana decaída pelo pecado, aliada ao
demônio. A força da verdade, porém, está em algo infinitamente
superior: o próprio Deus. Ele jamais nega sua graça àqueles que
lutam por seu nome. Assim, por
mais que a verdade sofra aparentes derrotas, no fim é sempre vencedora, porque sua fonte é o Deus
eterno e imortal. 
1
KNOWLES, David. Thomas Becket.
Madrid: Rialp, 1980, p.148
2
Idem, p.151.
3
Idem, p.180.
4
Idem, p.184.
5
SANTO AGOSTINHO. A cidade de
Deus. L.XIX, c.13.
6
KNOWLES, op.cit., p.205.
7
AUBE, Pierre. Thomas Becket. Madrid: Palabra, 1994, p.334.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      39
card-fxthuan.org
nia ­Litúrgica, que deverá realizar-se de forma discreta, “como uma
celebração local”.
Milenário da Abadia de Solesmes
Com uma solene Missa pontifical, cantada em gregoriano, encerrou-se no dia 12 de outubro o
ano comemorativo do milenário da
Abadia de Solesmes, França. Foi
principal celebrante o enviado especial do Papa Bento XVI, Cardeal
Jean-Louis Tauran, presidente do
Pontifício Conselho para o Diálogo
Inter-Religioso. Participaram também do esplendoroso ato de louvor
e ação de graças o Cardeal Jean-Pierre Ricard, Arcebispo de Bordeaux, o Arcebispo Luigi Ventura,
Núncio Apostólico na França, quinze Bispos e quarenta abades de outros mosteiros.
No Laos, primeira ordenação
sacerdotal em 40 anos
O Vicariato Apostólico de Luang
Prabang, no Laos do Norte, anunciou “com compreensível alegria e
emoção” a realização no próximo
12 de dezembro, da primeira ordenação presbiteral em quarenta anos
nessa nação asiática — informa a
agência AsiaNews.
Caberá ao novo sacerdote, Pedro Buntha Silaphet, de 30 anos de
idade, exercer seu ministério num
país de seis milhões de habitantes,
dos quais apenas 46 mil são católicos. A Igreja de Laos enfrenta numerosas dificuldades para praticar
sua Fé. O Administrador Apostólico Dom Tito Banchong precisou
obter diversas licenças das autoridades para poder realizar a cerimô-
Iniciado processo de beatificação
do Cardeal Van Thuân
Comunhão e Libertação
promove “Meeting do Cairo”
“O Meeting de Rimini desembarca no Cairo com três mil participantes”. Com este título, o hebdomadário italiano Tempi (edição on-line,
29/10/2010) noticia a realização do
primeiro Meeting para a Amizade entre os Povos no Cairo, nos dias 28 e
29 de outubro.
Promovido pelo Movimento
Eclesial Comunhão e Libertação —
com a colaboração do Centro Cultural Ta’Wassul e da American Muslim
Foundation International —, o evento contou com a presença do Patriarca Católico Copta de Alexandria, Dom Antonios Naguib, bem
como de dois ministros do governo
egípcio, um representante do Ministro da Cultura, e diversas personalidades do mundo cultural árabe, entre as quais o decano da Faculdade
de Teologia da Universidade Islâmica de Al-Azhar e o vice-reitor da
Universidade do Cairo.
O vasto programa de exposições,
espetáculos e debates teve como tema central o lema A beleza, espaço
do diálogo. Foi presidido por Tahani al-Jibaly, vice-presidente do Supremo Tribunal Constitucional e
primeira mulher egípcia a ocupar o
cargo de juiz.
40      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
Em ato realizado no Palácio Lateranense no dia 22 de outubro, o
Cardeal Agostino Vallini, Vigário
do Papa para a Diocese de Roma,
deu início à fase diocesana da causa de beatificação do Cardeal vietnamita François-Xavier Nguyên Van
Thuân. Nesta primeira etapa, a autoridade competente recolhe a documentação, ouve os depoimentos e
faz as devidas investigações sobre a
vida, as virtudes e a fama de santidade do Servo de Deus.
Nguyên Van Thuân nasceu em
1928 e recebeu a ordenação sacerdotal em 1953. Foi nomeado Bispo de Nha Trang em 1967 e elevado ao cargo de Arcebispo coadjutor da antiga Saigon, em 24 de abril
de 1975. Poucos meses depois, com
o advento do regime comunista, foi
preso e passou treze anos no cárcere, sem julgamento nem sentença.
Libertado em 1988 e expulso do país em 1991, recebeu em Roma paternal acolhida do Papa João Paulo II,
que o nomeou Presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz em 1998
e o elevou à dignidade cardinalícia
três anos depois. Faleceu em 16 de
setembro de 2002.
Cardeal Rodé visita Angola
como enviado pontifício
O Cardeal Franc Rodé participou, como enviado especial do
Concluído o Sínodo dos Bispos
para o Oriente Médio
L'Osservatore Romano
Os trabalhos encerraram-se com a aprovação
“Parece-me que este é o dom mais importante do Sínodo que vivemos e realizamos: a comunhão que nos de 44 propostas divididas em três seções: A presenune a todos e que em si é também testemunho”. Com ça cristã no Oriente Médio, A comunhão eclesial e O
estas palavras sintetizou o Papa Bento XVI, durante o testemunho cristão: provas da ressurreição e do amor.
almoço de encerramento do Sínodo dos Bispos para o Elas foram apresentadas ao Papa, para que este posOriente Médio, o clima de unidade e rica diversidade sa utilizá-las, se julgar conveniente, na preparação
da Exortação Apostólica, documento com o qual se
vivido nas duas semanas que durou essa Assembleia.
“Vimos a diversidade dessa comunhão”, afirmou conclui oficialmente um Sínodo.
Na homilia da Missa de encerramento, Bento
o Santo Padre. “Sois igrejas de diversos ritos que
contudo formam, junto com todos os outros ritos, a XVI fez notar que nessa Assembleia viveu-se a uniúnica Igreja Católica. É bonito ver esta verdadeira dade da Igreja na variedade das Igrejas do Oriente
catolicidade, que é tão rica de diversidade, de pos- Médio. “Guiados pelo Espírito Santo, tornamo-nos
sibilidades, de culturas diferentes; e todavia, é exata- ‘um só corpo e uma só alma’ na Fé, na Esperança e
mente assim que cresce a polifonia de uma única Fé, na Caridade” — afirmou.
Entre vários outros temas, Sua Santidade ressalde uma comunhão verdadeira dos corações, que só o
tou a necessidade da paz, esclarecendo que a Palavra
Senhor pode dar”.
Inaugurada em 10 de outubro com solene Missa ce- da Salvação “é a única Palavra capaz de romper o círlebrada por Sua Santidade, a Assembleia especial do culo vicioso da vingança, do ódio, da violência”. Pois,
acrescentou, “de um coSínodo contou com a parração purificado, em paz
ticipação de 185 padres sicom Deus e com o próxinodais, que ao longo das 14
mo, podem nascer resoCongregações Gerais realuções e iniciativas de paz
lizaram mais de 200 interem nível local, nacional e
venções pessoais em torno
internacional”. Por fim,
do tema central dessas duenfatizou: “É preciso nunas semanas de reflexões e
ca se conformar com a faldebates: A Igreja Católica
ta da paz. A paz é possível.
no Médio Oriente – ComuSessão de abertura
A paz é urgente”.
nhão e Testemunho.
Papa Bento XVI, das comemorações do 25º aniversário de fundação da Conferência dos Religiosos
e Religiosas de Angola, de 22 a 25
de outubro.
Em Missa celebrada no dia 24
na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Luanda, o Cardeal assinalou, segundo informa a Rádio
Nacional de Angola, que “nesta
terra angolana os consagrados e as
consagradas têm-se comprometido
com as suas próprias vidas doadas
por amor, trabalham com castidade contra a propagação do egoísmo, a pobreza, a sede do dinheiro e poder, a obediência livremente escolhida ao individualismo e ao
relativismo que afligem a sociedade, com a intenção de torná-la com
mais esperança”.
No dia 27, antes de partir para
Roma, o Cardeal teve uma audiência com o Ministro angolano das Relações Exteriores, Assunção Afonso dos Anjos, da qual participaram
o Núncio Apostólico e altos funcionários do Ministério. Esse encontro,
comentou o enviado do Papa, “reflete o bom estado das relações entre Angola e a Santa Sé”.
Em declarações à agência Angop, reproduzidas por Zenit, o Cardeal mostrou-se convencido de que,
dentro de alguns anos, a Angola poderá ser “uma nação totalmente diferente”, e reafirmou a colaboração
da Igreja em “seu progresso espiritual e material”.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      41
Na missa dominical internacional
no Santuário de Fátima, a 14 de Novembro, o Reitor do Santuário reflectiu sobre a carência de sacerdotes na Europa.
“A carência de sacerdotes a que
assistimos em Portugal e na Europa é um sintoma daquilo que é a sociedade em que vivemos: distante de
Deus, fechada à dimensão espiritual da vida e constituída por pessoas
cada vez menos generosas e, por isso, incapazes de por Ele dar a vida”,
afirmou o Padre Virgílio Antunes
durante a homilia da referida eucaristia.
No entanto, considera o Reitor,
a diminuição das vocações deve-se
também à actuação da própria Igreja.
O que há então a fazer? Na reflexão do Padre Virgílio Antunes a mudança ainda é possível.
“Já começámos a redescobrir a
força e o valor da oração que converte os corações dos homens e
abre o coração de Deus às necessidades dos seus filhos. A Igreja já
se sente a fazer um caminho de purificação, de abertura ao Espírito,
de leitura dos sinais positivos e negativos. (…) As vocações sacerdotais hão-de continuar a surgir numa Igreja constituída por pessoas e
comunidades que se constroem alicerçadas na fé, confiantes na força
da oração, alimentadas pela Palavra e pela Eucaristia, que trabalha
com esforço e fadiga, que dá testemunho e persevera. Essa é a Igreja
que estamos dispostos a edificar”,
conclui o Reitor.
Lançado o XII volume da Opera
Omnia do Cardeal Ratzinger
O XII volume da Opera Omnia
do Cardeal Joseph Ratzinger foi
apresentado à imprensa pelo Bispo
de Regensburg (Alemanha), Dom
Gerhard Ludwig Müller, em ato realizado no dia 3 de novembro, na
Sala de Imprensa da Santa Sé. Proclamadores da Palavra e servos de
vossa alegria – Teologia e espiritualidade do Sacramento da Ordem é o
título do novo volume, editado em
alemão, cujos textos — alguns pouco anteriores à abertura do Concílio Vaticano II — abarcam quase
meio século.
Pelos escritos recolhidos nesse
volume, declarou Dom Ludwig, o
atual Papa “indica um caminho para sair da crise na qual caiu o sacerdote católico por causa de posições teológicas e sociológicas deficientes, e de declarações capazes
de suscitar em numerosos padres,
que tinham empreendido com
amor e zelo seu caminho, uma insegurança pessoal e uma perturbação no que diz respeito ao seu papel dentro da Igreja”.
Gustavo Kralj
Reitor do Santuário de Fátima
reflecte sobre carência de
sacerdotes na Europa
Manuscritos do Mar Morto
disponíveis na internet
A Autoridade de Antiguidades
de Israel (AAI) uniu-se à empresa
norte-americana Google para pôr
à disposição de todos gratuitamente, na internet, os 900 rolos dos Manuscritos do Mar Morto. O trabalho
de digitalização está em andamento. Dentro de poucos meses estarão
disponíveis as primeiras imagens, e
prevê-se que o projeto será concluído no prazo de cinco anos.
Os textos poderão ser consultados nos seus idiomas originais (hebreu, aramaico e grego) e na tradu-
42      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
ção em inglês. Os estudiosos contarão também com dados adicionais
introduzidos para facilitar buscas e
pesquisas.
“Trata-se da descoberta mais importante do século XX e vamos
compartilhá-la com a tecnologia
mais avançada do século XXI”, afirmou à imprensa Pnina Shor, chefe
da Seção de Conservação de Artefatos do Departamento de Antiguidades de Israel.
Bento XVI proclama
seis novos santos
Dezenas de milhares de fiéis
aguardavam a chegada do Papa
Bento XVI à Praça de São Pedro,
em 17 de outubro, para a canonização de seis bem-aventurados. A cerimônia começou com a leitura de
breves dados biográficos de cada um
deles, feita por Dom Angelo Amato, Prefeito da Congregação para as
Causas dos Santos.
“Caros irmãos e irmãs, renova-se hoje na Praça de São Pedro a festa da santidade. [...] Demos graças
ao Senhor pela dádiva da santidade que resplandece na Igreja e hoje
transparece no rosto destes nossos
irmãos e irmãs. Jesus convida também cada um de nós a segui-Lo para ter como herança a Vida Eterna”
— incentivou o Santo Padre, em sua
homilia.
São estes os novos santos que a
Igreja propõe a todo o orbe católico
como exemplo a seguir e intercessores a invocar:
Santo Estanislau Kazimierczyk
Sołtys (1433-1489) – Sacerdote polonês, da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses. Grande devoto da Eucaristia, dedicou-se à educação e assistência aos necessitados.
Santo André Bessette (18451937) – Religioso canadense da
Congregação da Santa Cruz. Humilde porteiro do colégio, conhecido como “o Taumaturgo de Montreal”. (Ver biografia em Revista Arau-
Cinco bispos anglicanos vão
passar para a Igreja Católica
Cinco bispos anglicanos devem
ingressar em breve nos novos ordinariatos que estão sendo organizados pelo Vaticano segundo as normas da Constituição Apostólica Anglicanorum Coetibus. Três deles estão à frente das dioceses de Ebbsfleet, Richborough e Fulham, e dois
são eméritos, embora continuem
ativos como bispos assistentes honorários de Winchester e Exeter. Os
cinco fazem parte de uma ala conhecida como anglo-católica, cuja aspiração sempre foi a de trabalhar para que a igreja nacional inglesa volte
ao seio da Igreja de Roma.
Eles assinaram uma declaração
entregue à imprensa em 9 de novembro, na qual afirmam: “Ficamos perplexos por termos visto, durante os últimos 30 anos, os anglicanos e os católicos se distanciarem
cada vez mais a respeito de questões
da atualidade”. Referem-se à intro-
dução, na Igreja Anglicana, de novidades que se chocam com a tradição
e a doutrina católicas, como a ordenação sacerdotal e episcopal de mulheres, e problemas referentes à fé.
A união dos cristãos, dizem eles, “só
é possível na união eucarística com
o sucessor de Pedro”.
O Pe. Federico Lombardi, diretor
do escritório de imprensa do Vaticano, comentando a notícia, afirma
estar em estudo uma “constituição”
que orientará a recepção de antigos
bispos anglicanos na Igreja Católica. No momento oportuno, acrescentou, serão dadas a público notícias sobre o estabelecimento do primeiro ordinariato inglês. De seu turno, falando em nome da Conferência dos Bispos Católicos da Inglaterra e País de Gales, Dom Alan Hopes, expressou os votos de boas-vindas aos cinco bispos anglicanos.
Wikipedia
tos do Evangelho, nº 106 – outubro
2010).
Santa Cândida Maria de Jesus Cipitria y Barriola (1845-1912)
– Freira espanhola, fundadora da
Congregação das Filhas de Jesus,
para “levar a todos a esperança que
não vacila, e de maneira especial
àqueles que mais têm necessidade”,
disse o Papa.
Santa Maria da Cruz MacKillop
(1842-1909) – Primeira santa australiana, fundadora da Congregação
das Irmãs de São José do Sagrado
Coração. Dedicou-se desde jovem à
formação intelectual e espiritual dos
pobres.
Santa Giulia Salzano (18461929) – Freira italiana, fundadora da
Congregação das Irmãs Catequistas
do Sagrado Coração de ­Jesus.
Santa Batista Camila Varano
(1458-1524) – Princesa italiana que
renunciou ao mundo e ingressou na
Ordem da Clarissas.
Filme sobre a vida do
Cardeal Newman
A beatificação do Cardeal John
Henry Newman, por ocasião da recente visita do Papa Bento XVI ao
Reino Unido, suscitou no mundo
inteiro uma onda de interesse pela
personalidade do novo Bem-aventurado, nascido no anglicanismo e
convertido à Igreja Católica aos 44
anos de idade.
Assim, a conhecida produtora e
diretora Liana Marabini decidiu tomar a vida do Purpurado inglês como tema de uma película a ser lançada brevemente: The Unseen world
(O mundo invisível), informa o diário inglês Catholic Herald.
O roteiro do filme incluirá cenas
em Roma, no seminário de Oscott,
nas cercanias de Birmingham, cidade onde Newman exerceu intenso
apostolado, e em Oxford.
Segundo notícia da TV italiana
RAI, Liana Marabini espera que sua
obra O mundo invisível reflita o relacionamento metafísico entre Deus e
os homens, patente nos escritos do
Beato John Henry Newman.
Faleceu o cofundador dos Padres
Missionários da Caridade
Faleceu no dia 15 de outubro,
em Tijuana (México), o Pe. Joseph
Michael Langford, que fundou em
1984, junto com Madre Teresa de
Calcutá, o ramo sacerdotal dos Missionários da Caridade.
Pe. Langford nasceu em Ohio,
Estados Unidos, em 1951, cursou Filosofia e Teologia no Angelicum, de
Roma, e foi ordenado sacerdote em
1978. Ainda seminarista, prestava
serviços como voluntário no albergue para indigentes, mantido pelas
Missionárias da Caridade nas proximidades do Coliseu.
Em 1983, confidenciou a Madre
Teresa seu desejo de que se formasse um ramo sacerdotal dos Irmãos
Missionários da Caridade. Surgiu
assim na Congregação, no ano seguinte, o ramo dos Padres Missionários da Caridade, que exercem seu
ministério nas ruas e nos albergues
das grandes cidades.
O Pe. Langford foi seu superior
geral no período 1996–1998. Em setembro de 2009, publicou o livro intitulado O fogo secreto da Madre Teresa. Transferiu-se em 1988 para Tijuana, onde desempenhou várias
funções até o dia de sua morte.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      43
Polônia tem a maior imagem
de Cristo do mundo
Relíquias de Dom Bosco
peregrinam pela Ásia e Oceania
Na cidade polonesa de Swiebodzin, concluiu-se em 6 de novembro a construção de uma imagem do
Cristo Redentor de 36 metros de altura: 33 metros da estátua, simbolizando os 33 anos de vida de Jesus,
mais três metros da coroa dourada, símbolo dos três anos de sua vida pública.
Colocada sobre um pedestal de
16 metros, a majestosa estátua pode
ser vista de uma grande distância e
é agora a mais alta imagem de Cristo do mundo, superando a do Cristo
de La Concordia (Cochabamba, Bolívia, com 34 metros) e a do Cristo
do Corcovado (Rio de Janeiro, com
33 metros).
Foi o Pe. Sylwester Zawadzki, da
Paróquia da Divina Misericórdia,
de Swiebodzin, que lançou a ideia
da grandiosa obra. Os trabalhos de
construção duraram três anos e todos os gastos foram cobertos com
donativos dos fiéis, coletados na Polônia e em diversos outros países.
Recomeçou na Coreia do Sul, no
dia da Solenidade de Todos os Santos,
a peregrinação da urna contendo relíquias de Dom Bosco, que percorrerá
até abril de 2011 a região salesiana da
Ásia Leste e Oceania, informa a agência ANS.
O ato inicial em Seul contou com a
animação musical dos jovens do Dom
Bosco Youth Centre, que fizeram ressoar instrumentos da tradição coreana,
fabricados por eles mesmos. Num discurso de boas-vindas em nome de todos os salesianos da região, disse o Pe.
Nam: “Bem-vindo à Coreia, Dom Bosco, pai dos jovens pobres! Fale aos nossos jovens! Encoraje-os! E especialmente conceda a todos os que o seguem
a sua paixão pela salvação dos jovens!”.
Capela Musical Pontifícia
tem novo diretor
O Papa Bento XVI nomeou diretor da Capela Musical Pontifícia,
mais conhecida como “Capela Sistina”, o padre salesiano Massimo
Palombella, professor da Pontifícia
Universidade Salesiana, fundador e
diretor do Coro Interuniversitário
de Roma.
Pe. Palombella nasceu em 1967
e foi ordenado sacerdote em 1996.
Obteve doutorado em Teologia na
Pontifícia Universidade Salesiana e
diplomou-se em Composição Musical no Conservatório de Turim.
É docente de Linguagens da Música na Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade Sapienza, de Roma. O novo diretor substitui no cargo Mons. Giuseppe Liberto, que dirigia a Capela Sistina desde 1997.
Nova sede do Seminário
Arquidiocesano em Cuba
O Serviço de Imprensa do Vaticano divulgou em 4 de novembro a mensagem do Papa Bento XVI ao Cardeal
Jaime Lucas Ortega y Alamino, Arcebispo de La Habana (Cuba), por ocasião da abertura da nova sede, a primeira desde 1960, do Seminário Arquidiocesano dessa cidade.
Nela o Santo Padre manifesta a esperança de que essa inauguração seja
sinal e estímulo para “um renovado vigor no compromisso de velar pela esmerada preparação humana, espiritual
e acadêmica” dos que ali se prepararão
para o ministério sacerdotal.
Cáritas espanhola amplia campo
de assistência por causa da crise
A Cáritas espanhola prestou ajuda para gastos de primeira necessidade (alimentação, higiene, etc.) a quase
800 mil pessoas na Espanha em 2009.
Foram atendidos 786.273 solicitantes
— 152.958 a mais do que em 2008 —,
segundo relatório divulgado por essa
instituição católica em 27 de outubro.
Somando todos os seus programas
de assistência, no ano de 2009 a Cári-
44      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
tas espanhola atendeu 1.507.736 pessoas na Espanha e 4.717.195 em outros
países, mediante diversos projetos de
cooperação internacional. Despendeu
nessa atividade mais de 230 milhões de
euros, 62 por cento arrecadados de doadores privados, e 38 por cento procedentes de subvenções governamentais.
À medida que se agravam as consequências da crise, cresce também a generosidade da população católica espanhola: o número de sócios e contribuintes passou de 225.641 em 2008 para 472.873 em 2009. O grande número de doações de pequeno porte (10 ou
15 euros) demonstra que a crise desperta a solidariedade inclusive de pessoas que também estão em situação
de necessidade, observou o Secretário
Geral da Cáritas, Sebastián Mora.
Madre Bárbara Maix é beatificada
Cerca de 15 mil fiéis lotaram o Estádio Gigantinho, de Porto Alegre (Brasil), em 6 de novembro, para participar
da cerimônia de beatificação da Madre
Bárbara Maix. O ato litúrgico foi presidido pelo Arcebispo Dom Dadeus
Grings, em presença do Núncio Apostólico, Dom Lorenzo Baldisseri e numerosos outros Arcebispos e Bispos.
A bem-aventurada Bárbara nasceu em Viena, em 1818. Filha de família numerosa e pobre, ficou órfã de
pai aos 15 anos de idade e passou a trabalhar como modista para garantir seu
próprio sustento. Em 1843, abriu uma
pensão para acolher empregadas domésticas, às quais procurava dar formação espiritual.
Cinco anos depois, tinha já reunido
em torno de si 21 jovens, com as quais
partiu para o Brasil e fundou em 1949
a Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria, que se desdobrava em atender crianças órfãs nos
asilos, dar formação a moças abandonadas e cuidar dos doentes.
Após a morte da fundadora, em
1873, a Congregação floresceu e expandiu-se para outros países da América e Europa.
Brilhe a vossa luz diante
dos homens
Diante da actual cultura descrente, o Senhor dá-nos
a missão de sermos evangelizadores, tornando Deus
presente nas nossas vidas.
N
a visita a Santiago de Compostela e a Barcelona,
o Papa Bento XVI mostrou grande preocupação
pela actual ausência de Deus da vida pública e da consciência das pessoas. Sem Deus a pessoa humana fica
sem referência e sem defesa na sua dignidade e humanismo. Deus é um incentivo à bondade, uma referência
para a responsabilidade pela vida, uma fonte de humanismo. Sem Deus o homem fica sem defesa e o património moral sem alicerce.
A fé em Deus ajuda a liberdade de cada um
Certamente todos notamos o recuo moral que se
vai processando na nossa cultura à medida que alastra a indiferença religiosa, o agnosticismo e o ateísmo. Embora os ateus militantes afirmem que Deus
impede a liberdade do homem, na realidade o que
está a acontecer é que a ausência de Deus conduz ao
individualismo, à perda de referências e ao desmoronar dos valores morais. O que verificamos, verdadeiramente, é que a fé em Deus ajuda a liberdade de cada um a ser responsável e a garantir a liberdade e a
dignidade dos outros.
A actual ausência de Deus não é apenas uma realidade longínqua dos ateus intelectuais, daqueles que
estão convencidos que nada mais existe para além do
que conclui a inteligência deles. Alastra também no
meio de nós. Indiferença e ateísmo são hoje uma moda fácil. Tornam-se presentes na família, nas crianças
e adolescentes da catequese. Falta, frequentemente, o
sentido de Deus, da Sua providência, do Seu amor e
do Seu desígnio a respeito de nós. A ausência de Deus
conduz à ausência de projecto e de sentido da vida nas
crianças, nos jovens e adultos. Sem o sentido de Deus,
a catequese e a educação cristã não têm apoio.
A resposta dos crentes ao ateísmo
O ateísmo e a indiferença podem ser um desafio a
purificar a nossa imagem de Deus. O que muitas vezes recusam os descrentes são as imagens deformadas
de Deus que lhes apresentamos ou a incoerência entre
a fé que afirmamos e a vida que mostramos. Por isso, a
resposta dos crentes ao ateísmo e à indiferença religiosa passa por uma fé mais esclarecida, por uma formação
de adultos mais sólida que não seja apenas informação
mas progresso no caminho de Cristo e aperfeiçoamento da prática do evangelho. Precisamos de procurar com
mais interesse e empenho o rosto de Deus. Não somos
donos de Deus, mas buscadores do Seu rosto. Numa atitude de humildade e diálogo com os descrentes.
Mas a descrença é também um apelo a desempenharmos a missão que o Senhor confia aos que
acreditam: que sejamos evangelizadores, que tornemos Deus presente na nossa vida, nas nossas palavras, para que possa ser anunciado pelo testemunho
e pela palavra dos que crêem. A fé nasce do anúncio
do evangelho. E o evangelho anuncia-se pelos sinais
presentes na vida dos crentes e das comunidades, sobretudo pela bondade, pelo serviço fraterno, pelo
perdão e pelo acolhimento. A visibilidade dos sinais
é completada e interpretada pelo anúncio da palavra
de Deus. A cultura descrente é, portanto, um chamamento a fazer brilhar a luz da fé pela prática do
amor: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens”.
16 de Novembro de 2010
D. Manuel Pelino Domingues
Bispo de Santarém
Texto original no site www.diocese-santarem.pt
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      45
História para crianças... ou adultos cheios de fé?
Um presente para
o Menino Jesus
Perto da meia-noite, as crianças se prepararam às
escondidas e saíram pela janela. Carregavam com muito
cuidado a caixa contendo o precioso presente.
Beatriz Alves dos Santos
A
quela pitoresca aldeia da
Alemanha parecia feita
de marzipã. Era dezembro, e as casas tinham
seus telhados cobertos por um manto alvíssimo, reluzente à tênue luz do
sol de inverno, que parecia brincar
de esconder com as nuvens. À noite,
as bolinhas coloridas das árvores natalinas, a densa fumaça das chaminés
e o perfume dos pães de mel faziam
tudo adquirir aparência de sonho.
Uma atmosfera jubilosa tomava conta dos corações e as crianças começavam a confeccionar, com as próprias
mãos, presentes para serem ofertados ao Menino Jesus depois da Missa
do Galo, na matriz.
Rudolf era o filho mais velho
de uma numerosa família. Ajudava a mãe no cultivo de legumes e tinha muita prática com as coisas do
campo. Naquele momento achava-se serrando, com decisão e energia,
uma grande tora de madeira conseguida no bosque.
Aos poucos foram chegando os
irmãos para ajudá-lo. Juntos, decidiram dar de presente para o Divino Infante um novo bercinho, pois o
do presépio da matriz era tosco e estava muito gasto. Serraram, lixaram,
bateram pregos, poliram e o ornamentaram com palha e ramos de pinheiro. Ficou pronto e lindo o movelzinho, feito com tanto amor.
Horas mais tarde chegou a mãe,
dona Gertrudes. Havia se tornado
uma mulher amarga depois da morte do marido. Mas o pior fora sua súbita perda da fé. Como a família era
pobre, com quatro crianças ainda pequenas, ela precisava trabalhar lavando roupas e fazendo faxina em
outras casas para manter os filhos.
Mas em vez de pedir auxílio ao Céu,
confiando no bom Deus, que a ninguém desampara, revoltara-se com
sua situação. Vendo o bercinho e adi-
Aquela pitoresca aldeia da
Alemanha parecia feita de marzipã
46      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
vinhando sua finalidade, tomou-se de
cólera e atirou-o na lareira, dizendo:
— Já lhes disse que neste ano não
teremos Natal! Que vamos celebrar?
Se o Menino Jesus existisse nos ajudaria... E, ademais, não temos dinheiro para a lenha. Estes pedaços de madeira vieram bem a calhar, porque faz
frio e necessitamos alimentar o fogo.
Com a fisionomia fechada, retirou-se à cozinha para preparar a refeição.
As crianças começaram a chorar.
Franz disse baixinho, entre soluços:
— Rudolf, quer dizer que... nem
poderemos oferecer um presente ao
Menino Jesus?
— Ânimo! Vamos pensar em algo...
Helga, a caçulinha, replicou:
— Podemos fazer-Lhe uma bonita roupinha!
Procuraram alguns retalhos na
caixa de costura da mãe. Mas não
tinham tecido e muito menos mãos
hábeis para confeccioná-la... Anette teve a ideia de prepararem bolachas e pães de mel, mas a falta de
mantimentos e dotes culinários lhes
tirou a alegria. Ralf ainda pensou
em compor uma música. Pegou sua
flautinha e começou a tocar, mas a
desafinação foi geral.
Edith Petitclerc
Dona Gertrudes, atraída pela algazarra, dirigiu-se à sala.
— Parem com este bulício, pois a
vizinhança daqui a pouco vai querer
saber o que está acontecendo!
Helga, com voz trêmula, replicou:
— Mas, mamãe, só nossa família
não vai comemorar o Natal!
— Isso não me importa! Se esse
Jesus, de quem vocês falam, fosse
Deus de verdade, já teria melhorado
nossa mísera condição.
Todos ficaram muito tristes e
aborrecidos. Quando a mãe saiu,
Franz disse aos irmãos:
— Vamos rezar, pedindo a Nossa
Senhora para nos ajudar a conseguir
um presente para seu Divino Filho!
— E para tocar o duro coração de
mamãe. — acrescentou Anette.
Ajoelharam-se todos e rezaram
com muita devoção e piedade.
Alguns dias depois, Rudolf foi à
aldeia vizinha para vender os produtos cultivados na horta. No fim do
trabalho, uma senhora, observando sua responsabilidade e empenho,
deu-lhe uma bela rosa de seu jardim
de inverno, para agradar-lhe.
A fisionomia de Rudolf se iluminou! Ali estava o presente do Menino Jesus! Uma flor tão bela como aquela, em pleno inverno, era
uma raridade! Regressou apressado,
a fim de mostrar aos irmãos como
Nossa Senhora atendera suas orações. Mas tiveram a precaução de
esconder muito bem a flor numa caixa, para não ser destruída pela mãe.
Chegada a véspera do Natal, dona Gertrudes decretou que todos
deveriam ir para a cama antes das
dez horas. Os outros lares da aldeia,
até os mais humildes, estavam engalanados, alegres e cheios de iguarias.
Os camponeses vestiam suas melhores roupas para participar da Missa do Galo. Só a casa de Gertrudes
permanecia triste e apagada.
Porém, perto da meia-noite, as
crianças se prepararam às escondidas
e saíram pela janela para ir à igreja.
Parem com esse bulício! Daqui a pouco a vizinhança
vai querer saber o que está acontecendo!
Carregavam com muito cuidado a
caixa contendo o precioso presente.
Chegando à matriz, abriram-na
para dar uma olhadinha e... grande espanto! A rosa estava completamente murcha! E agora? Sem ter
outra solução, decidiram entregá-la
assim mesmo, certos de que o Menino Jesus conheceria a intenção de
seus corações.
Depois da Missa, ao som do Stille Nacht, as crianças se dirigiram
em cortejo ao presépio para entregar seus regalos: trajezinhos de veludo, incenso, perfumes, toda espécie de marzipãs e chocolates, cestas
de frutos secos arranjadas com primor. Também os filhos de Gertrudes
se aproximaram e, quando Rudolf
abriu a caixa... Oh, prodígio! Não havia uma, mas cinco belíssimas rosas
de cores variadas, unidas em gracioso
buquê por uma delicada fita de seda!
Nesse mesmo instante, entrou na
matriz dona Gertrudes. Ao sentir-se
envolvida pelo ambiente carregado
de bênçãos e contemplar a fé inocente das crianças, a pobre mãe irrompeu
em pranto. Entre lágrimas, ajoelhou-se diante do presépio, pediu perdão a
Deus por suas faltas e ofereceu ao Divino Infante, diante de todos, seu coração contrito e humilhado.
O povo amava esta senhora tão sofrida, apesar de todas suas rabugices e
desfeitas. Condoia-se pela mísera vida levada por ela e tinha pena dos sofrimentos de seus filhos. Por isso, ao
vê-la milagrosamente arrependida, a
igreja inteira explodiu em um maravilhoso cântico de ação de graças.
A partir desta noite, tudo começou a melhorar para aquela família.
Rudolf achou um excelente emprego, perto de casa. Ralf, Franz, Anette e Helga cresciam dando alegrias
à boa Gertrudes, a qual se tornara
uma extremosa mãe e prestativa vizinha, além de uma das mais piedosas paroquianas da aldeia. 
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      47
________
Os Santos de cada dia Santa Maria Josefa Rossello, virgem (†1880). Fundou em Savona,
Itália, o Instituto das Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia, para
instrução de meninas pobres.
1. Beata Clementina Nengapeta
Anuarite, virgem e mártir (†1964).
Religiosa da Congregação das Irmãs
da Sagrada Família, morta por defender sua virgindade durante a Rebelião Simba, no Congo.
8. Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria.
São Macário de Alexandria, mártir (†250). Instigado a renegar a
Cristo, professou com maior firmeza
a Fé e foi por isso queimado vivo em
Alexandria, Egito.
2. São Silvério, Papa e mártir
(†537). Recusando-se a reabilitar
Antino, bispo herético de Constantinopla, foi, por ordem da Imperatriz
Teodora, exilado na ilha de Palmaria, Itália, onde morreu.
9. São João Diego de Cuauhtlatoatzin, vidente de Guadalupe
(†1548).
São Pedro Fourier, presbítero (†1640). Dirigiu admiravelmente a paupérrima paróquia de Mattaincourt, França, e fundou o Instituto das Cônegas Regulares de Nossa Senhora, para formação gratuita
das meninas.
3. São Francisco Xavier, presbítero (†1552).
São Sofonias, profeta. No tempo de Josias, rei de Judá, anunciou
a ruína dos ímpios e fortaleceu nos
pobres e necessitados a esperança
da salvação.
5. II Domingo do Advento.
Beato Narciso Putz, presbítero e
mártir (†1942). Sacerdote polonês
encarcerado no campo de concentração de Dachau, Alemanha, onde
morreu após atrozes suplícios.
10. Santa Eulália de Mérida, virgem e mártir (†304). Adolescente
Sergio Hollmann
4. São João Damasceno, presbítero e doutor da Igreja (†749).
Santo Anon, Bispo (†1075). Fundou muitas igrejas e mosteiros na
Diocese de Colônia, Alemanha. Homem de valor e talento, gozou de
grande prestígio nos meios eclesiásticos e civis, no tempo do Imperador
Henrique IV.
48      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
11. São Dâmaso I, Papa (†384).
Beato Arturo Bell, presbítero e
mártir (†1643). Religioso franciscano executado em Londres no reinado de Carlos I, pelo simples fato de
ser sacerdote católico.
12. III Domingo do Advento.
Nossa Senhora de Guadalupe,
padroeira da América Latina.
Beato Tiago Capocci, Bispo
(†1308). Religioso agostiniano designado Arcebispo de Benevento e
depois de Nápoles, Itália. Destacou-se pela sabedoria, prudência e conhecimentos teológicos.
13. Santa Luzia, virgem e mártir
(†304).
Santa Otília, virgem (†séc. VII).
Filha do Duque da Alsácia, França, primeira abadessa do mosteiro
de Hohenburg, no qual instalou um
hospital para doentes incuráveis e
abandonados. Transformou em hospitais e conventos os castelos herdados de seus pais.
14. São João da Cruz, presbítero
e doutor da Igreja (†1591).
Beato Boaventura de Pistoia,
presbítero (†cerca de 1315). Foi
prior de vários mosteiros da Ordem
dos Servos de Maria. Ajudou São
Felipe Benizi a pacificar as facções
em luta em muitas cidades da Itália.
6. São Nicolau, Bispo (†séc. IV).
São José Nguyễn Duy Khang,
mártir (†1861). Catequista e companheiro de viagem do Bispo Jerônimo Hermosilla, no Vietnã. Foi torturado e decapitado durante a perseguição do Imperador Tu Ðúc.
7. Santo Ambrósio, Bispo e doutor da Igreja (†397).
que não duvidou em entregar sua
vida por amor a Cristo em Mérida,
Espanha, durante a perseguição de
Diocleciano.
“Santa Eulália” Catedral de Barcelona
15. Santa Virgínia Centurione
Bracelli, viúva (†1651). Filha do Doge de Gênova, fundou a Obra das Irmãs de Nossa Senhora do Refúgio
do Monte Calvário, para socorrer os
necessitados. Seu lema era: Servir a
Deus nos seus pobres.
__________________ Dezembro
íta em Unzen, Japão. Por causa de
sua Fé, foi submerso em água fervendo.
Gustavo Kralj
16. Santa Adelaide, imperatriz
(†999). Esposa do imperador do
Sacro Império, Oto I. Mostrou-se
cheia de caridade para com os indigentes e construiu várias igrejas e
mosteiros.
26. Domingo. Festa da Sagrada
Família, Jesus, Maria e José.
Santo Estêvão, diácono e protomártir.
Santa Vicência Maria López Vicuña, virgem (†1890). Fundou em
Madri o Instituto das Filhas de Maria Imaculada, para a assistência espiritual e material a empregadas domésticas.
17. Beato Jacinto Cormier, presbítero (†1916). Superior Geral da Ordem Dominicana nascido em Orleans, França, propôs-se restaurar tudo segundo o espírito do fundador, a
começar pela oração e pelos estudos.
18. São Malaquias, profeta. Depois do povo judeu retornar da Babilônia, anunciou o grande dia do
Senhor e a vinda do Redentor.
27. São João, Apóstolo e Evangelista.
Santa Fabíola, viúva (†400). De
nobre família romana, fundou um
hospital e dedicou-se às orações e
ao serviço aos pobres.
19. IV Domingo do Advento.
Beato Guilherme de Fenolis, religioso (†1120). Foi um dos primeiros
monges da Cartuxa de Casotto, Itália,
onde viveu como simples irmão leigo.
20. São Domingos de Silos, abade (†1073). Restaurou a disciplina
no mosteiro beneditino de Silos, Espanha, e o converteu num centro de
piedade, arte e cultura.
21. São Pedro Canísio, presbítero
e doutor da Igreja (†1597).
São Temístocles, mártir (†séc.
III). Pastor em Lícia, atual Turquia,
ocultou aos soldados romanos o esconderijo de São Dióscoro e, tendo-se declarado cristão para fazê-los desistir da busca, foi torturado
e morto.
22. Santo Hungero, Bispo (†866).
Destacou-se por seu grande zelo
pastoral na Diocese de Utrecht, Holanda, transtornada pela invasão dos
normandos.
23. São João Câncio, presbítero
(†1473).
28. Santos Inocentes, mártires.
Santo Antônio de Lérins, monge
(†cerca de 520). Após muitos anos
de vida eremítica, terminou seus
dias no mosteiro de Lérins, França.
“São Davi, rei e profeta” Basílica de São Marcos, Veneza
Santa Maria Margarida d’Youville,
religiosa (†1771). Viúva, educou piedosamente seus dois filhos, encaminhando-os ao sacerdócio. Dedicou-se depois à assistência aos pobres, enfermos e anciãos. Fundou em
Montreal, Canadá, a Congregação
das Irmãs da Caridade.
24. Beato Bartolomeu Maria dal
Monte, presbítero (†1778). Pregou
ao povo cristão e ao clero em muitas
regiões da Itália. Fundou a Pia Obra
das Missões, para a formação missionária do clero diocesano.
25. Natal de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Beato Miguel Nakashima, religioso e mártir (†1628). Catequista jesu-
29. São Tomás Becket, Bispo e
mártir (†1170).
São Davi, rei e profeta, de cuja
estirpe nasceu o Salvador, ao qual os
Evangelhos se referem várias vezes
como “Jesus, filho de Davi”.
30. Beata Eugênia Ravasco, virgem (†1900). Fundadora do Instituto das Irmãs Filhas dos Sacratíssimos Corações de Jesus e Maria, para educação da juventude feminina
e assistência aos meninos pobres e
abandonados.
31. São Silvestre I, Papa (†335).
Santa Catarina Labouré, virgem (†1876). Religiosa das Filhas
da Caridade, em Paris, que recebeu
as revelações de Nossa Senhora das
Graças.
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      49
Sinal de uma
Noite Feliz
Deixemos que os inconfundíveis acordes
da música natalina por excelência nos
transportem misticamente à noite do
nascimento do Divino Rei.
Q
uantas vezes um perfume, uma imagem, um
som, um sabor, uma
música ou até mesmo
uma palavra nos recordam certa época de nossa vida, lembram algum episódio histórico, ou nos fazem reviver
momentos especiais. Assim acontece,
já no mês de novembro, quando ruas
e lojas começam a se preparar para
uma das festas mais importantes do
ano: o nascimento do Menino Jesus.
São muitos os sinais que evocam,
sob aspectos diferentes, o momento no qual os Céus se abriram para
permitir a descida do Redentor, vindo ao mundo por amor aos homens.
A árvore de Natal, belamente enfeitada de bolas coloridas e feéricas
luzes, lembra-nos, com seus presentes, o maior dom dado por Deus à hu-
manidade: seu próprio Filho! No presépio representa-se a adoração que
os Reis do Oriente renderam ao Menino Jesus, levando-Lhe ouro por ser
o Rei dos reis, incenso por ser Deus
verdadeiro em sua verdadeira humanidade, e mirra por ser o Redentor,
que haveria de comprar com seu sofrimento a salvação dos homens.
Não podemos nos esquecer do
menu da Ceia, parte importante da
celebração natalina. Pensado com
antecedência, ele procura simbolizar os manjares celestiais em torno
dos quais se reúnem os bem-aventurados no Céu empíreo, a fim de propiciar uma conversa amena e um
convívio agradável.
Mas talvez o que mais fale à alma sejam as músicas natalinas,
pervadidas de inocência e trans-
50      Flashes de Fátima · Dezembro 2010
bordantes de afeto para com o
Deus Menino nascido em Belém. E,
entre todas, expressando por excelência o significado do Natal, está
o Stille Nacht.
Conta a tradição haver nascido esta famosa canção do coração
de dois homens. Um deles foi o padre Joseph Mohr, a quem podemos
imaginar no pequeno povoado austríaco de Obendorf, no ano de 1818,
preparando seu sermão para a Missa do Galo. Eis que, enquanto ele
se encontrava imerso na leitura das
Sagradas Escrituras, deitando toda
sua atenção sobre elas, tocou à sua
porta uma camponesa pedindo-lhe
ir abençoar o bebê recém-nascido
de um lenhador.
O sacerdote agasalhou-se e
acompanhou a boa mulher. Pelo ca-
Detalhe do presépio do Seminário dos Arautos do Evangelho, Caieiras-SP / Foto: Gustavo Kralj
Silvana Gabriela Chacaliaza Panez
minho, permanecia absorto, pensando na homilia que haveria de
pregar, mas ao chegar à humilde cabana, o cenário com que se deparou marcou-o profundamente. Banhado por débil luz e aquecido por
fraca lareira, um leito simples acolhia a jovem mãe com o recém-nascido doce e serenamente adormecido em seus braços, aguardando ser
abençoado.
Quanta paz! Quanta inocência!
Quanta presença do sobrenatural
havia naquela singela cena!
No retorno, um poema fluiu com
extrema facilidade de sua pena descrevendo os sentimentos que embalaram sua alma na pobre choupana.
Estava escrito o Stille Nacht!
Na manhã seguinte, o padre Mohr se dirigiu à casa de seu
grande amigo, Franz Gruber, professor de música do lugar, e mostrou-lhe as linhas que havia escrito. Gruber se encantou com a poesia e, inspirado por sua natalina beleza, logo compôs uma melodia para ela.
A partir daí, aquela que marcaria a História como a canção de
Natal arquetípica foi sendo difundida aos poucos pelo mundo. E não
foram as belas vozes dos cantores
nem o melodioso som dos instrumentos que a consagraram, mas
sua virtude para impregnar de
candura natalina os ambientes onde ela é entoada.
Saibamos aproveitar este tempo de Natal, pervadido de bênçãos e
inocência, para ver, nas fragilidades
de um Deus feito Menino, o Senhor
e Criador do Universo. Que nossos
sentimentos de ternura e compaixão ao contemplar sua infantil pequenez estejam cumulados de reverência e veneração, junto com o ardente desejo de que todos os homens Lhe entreguem suas vidas,
sua vontade e todo o seu ser.
Peçamos também a graça de ser
inocentes, a fim de podermos entender a fundo o verdadeiro significado do que aconteceu na gruta
de Belém. E deixemos que os acordes do Stille Nacht nos transportem misticamente à noite do nascimento do Divino Rei, para podermos rejubilar de alegria com
toda a natureza, porque o Invisível se tornou visível, por sua Divina Humanidade, em uma “noite feliz”! 
Dezembro 2010 · Flashes
de Fátima      51
Nossa Senhora com o Menino – Catedral
Metropolitana de Birmingham (Inglaterra)
M
Gustavo Kralj
aria, coroada
de viva luz,
templo do Senhor,
lugar de paz
e santidade,
refúgio da Palavra.
Mistério de vida
sem pecado
em nossa raça decaída,
livre da sombra,
Vós refletis
a plenitude da graça.
(Hino da Abadia de
Stanbrook, Inglaterra)

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