O OLHAR DO PSICOMOTRICISTA SOBRE A DOENÇA DE

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O OLHAR DO PSICOMOTRICISTA SOBRE A DOENÇA DE
O OLHAR DO PSICOMOTRICISTA SOBRE A DOENÇA DE ALZHEIMER
The look of Psychomotrician on Alzheimer's Disease
ROSECLEIDE FREGONESI SALOMÃO1
Orientadora: VÂNIA RAMOS2
Resumo
Este artigo tem como objetivo, esclarecer algumas dúvidas freqüentes a respeito
da Doença de Alzheimer, para conscientizar, familiares e cuidadores, sobre a
importância de um tratamento correto ao portador. E mostrar de forma clara e com base
teórica, que a Psicomotricidade pode melhorar significativamente a qualidade de vida
deste paciente. A partir de uma pesquisa historiográfica, sobre um individuo no quadro
evolutivo da Doença de Alzheimer começaremos a entender o que é e como se dá o
processo de evolução.
Palavras chave = Doença de Alzheimer, Psicomotricidade, Tratamento e
Qualidade de vida
Abstrat
This article aims to clarify some frequently doubts about Alzheimer's disease, to
raise awareness, family and caregivers about the importance of a correct treatment ot the
carrier. And show clearly and with a theoretical basis, that Psychomotricity can
significantly improve quality of life of this patient. From a historical research on an
individual in the evolutionay picture of Alzheimer's disease, we begin to understand
what it is and how it is the process of evolution.
Keyword = Alzheimer's disease, Psychomotricity, Treatment and Quality of life.
Memória é a capacidade que o ser humano tem de adquirir, armazenar e
recuperar informações guardadas no cérebro. Doença de Alzheimer é, resumidamente,
uma demência que faz com que o individuo perca a capacidade de armazenar e
recuperar as informações no cérebro fazendo com que sua memória fique defasada.
1
2
Pedagoga pela UNIFAI. Aluna do curso de pós-graduação em Psicomotricidade da UNIFAI.
Doutora em Ciências Sociais e Mestre em gerontologia pela PUC/SP. Psicopedagoga e
Psicomotricista. Sócio titular n° 132 da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade.
Coordenadora do curso de pós-graduação em Psicomotricidade da UNIFAI.
Segundo Corey Bloom, et al, (1995) “Demência é uma síndrome caracterizada
pelo declínio progressivo e global das funções cognitivas, na ausência de um
comprometimento agudo do estado de consciência, e que seja suficientemente
importante para interferir nas atividades sociais e ocupacionais do indivíduo. O
diagnóstico de demência exige a constatação de deterioração ou declínio cognitivo em
relação à condição prévia do indivíduo.”
A demência danos psicomotores chegando a gerar a incapacidade do individuo
de executar movimentos intencionais. No caso da Doença de Alzheimer o individuo vai
perdendo sua capacidade de orientação, equilibração e movimentação. Para minimizar
os danos no decorrer da evolução da doença um significante apoio vem da
Psicomotricidade, por ser uma ciência que vê o individuo através do corpo e procura a
harmonia entre seu mundo interno e externo.
Para que exista a possibilidade de estabelecer esta harmonia, conhecer a historia
de vida do paciente é indispensável. Cada pessoa possui sua história de vida, rica em
detalhes que podem fazer com que no momento de uma doença mostre aos especialistas,
que irão cuidar de uma possível recuperação, caminhos a serem seguidos. No caso de
Doença de Alzheimer essa “história” passa a ser ainda mais importante e valiosa pois
como o portador ao longo da evolução vai regredindo a imaturidade seus medos e
traumas, por exemplo, voltam a ser vividos de forma intensa e o psicomotricista só
consegue atuar de forma satisfatória tendo esse prévio conhecimento.
Muitas pesquisas a respeito das causas da Doença de Alzheimer já foram
realizadas e neste artigo temos um resumo de alguns aspectos estudados e conclusões de
cientistas. São mencionadas algumas formas eficazes de tratamento ressaltando a
psicomotricidade como instrumento indispensável para uma melhor qualidade de vida
do portador.
1. Historização
Historização, segundo o dicionário Aurélio, é o ato ou efeito de historiar.
Historiar, por sua vez, é fazer história, narrar algo. Embora não possamos afirmar que a
Doença de Alzheimer esta diretamente ligada à história de vida do paciente, estudos
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mostram que quando os profissionais que vão lidar com o mesmo fazem uma anamnese3
detalhada conseguem encontrar caminhos de terapia mais significativos e proveitosos,
tendo resultados favoráveis à melhora da qualidade de vida do seu paciente. Portanto
começo este artigo com a historização de vida de um paciente no quadro de evolução da
Doença de Alzheimer, meu pai.
MCSS nasceu na Bahia no ano de 1952. Filho de pai libanês e mãe portuguesa
foi o oitavo filho dos quatorze de Etelvina e Manoel. Até seus nove anos de vida sua
família tinha uma condição financeira muito boa.
O pai, Manoel, que gostava de ser chamado de Salomão, tinha envolvimento
com a política do estado e era xerife do povoado em que eles moravam, Laje do Banco4,
por este motivo não era um pai muito presente, vivia viajando para a capital (Salvador).
Era um homem muito rígido e nunca escondeu que não tinha muito apreço por este
filho. O motivo? Ele queria que a criança tivesse o mesmo nome que ele Manoel
Ribeiro Salomão, porém o tio que o batizou não aceitou e a criança foi batizada como
Manoel Carlos Simões Salomão.
Nenhum dos filhos tinha permissão para brincar de carrinho, pipa ou bola,
porém eram altamente induzidos a brincar com armas de fogo, fumar e ingerir álcool.
As meninas tinham que fazer todo o serviço da casa, exceto cozinhar, não podiam
mexer nas armas, mas não era restrito o uso do tabaco ou álcool. MCSS lembra-se que
aos nove anos de idade foi à primeira vez em que ficou bêbado e que começou a fumar
com oito anos cigarro de palha. A partir desta data não mais se afastou do cigarro ou do
álcool, tornando assim um dependente destas substâncias.
Aos 10 anos perdeu o pai e toda vida começou a mudar, a riqueza de que
desfrutavam foi embora junto com a morte. Um ano depois a mãe casou-se novamente e
teve mais uma filha. MCSS adorava o padrasto, ficava com ele durante todo dia e o
acompanhava em todas as suas atividades, inclusive ao trabalho que era cuidar de bois e
levá-los ao matadouro. Porém esse novo casamento de Dona Etelvina durou apenas sete
anos. Foi quando MCSS passou a viver viajando pelo Brasil sem rumo. Ficava um
pouco em cada cidade, trabalhava de tudo, pedreiro, açougueiro, vaqueiro, etc., assim
3
Anamnese (do grego ana, trazer de novo e mnesis, memória) é uma entrevista realizada
pelo médico ao seu paciente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no diagnóstico
de uma doença. (Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre)
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Distrito do município de Aurelino Leal, BA.
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conseguia dinheiro para comer e o dinheiro da passagem para a próxima cidade. Ficava
no máximo 15 dias em cada lugar.
Quando completou 20 anos ficou sabendo que um de seus cunhados estava
tentando a vida em Mongaguá, Litoral de São Paulo, como estava sem rumo juntou
dinheiro e veio para São Paulo. A cidade ainda não existia, na verdade era um pequeno
povoado, e foi ali que ele decidiu que seria sua parada. Começou a trabalhar de diversas
coisas. Outros irmãos também vieram para cidade. Ele juntou dinheiro e, depois de um
ano e meio, foi buscar a mãe e outros dois irmãos mais novos.
Sempre trabalhador, porém os vícios do álcool e do tabaco o acompanhavam e
faziam com que ele se tornasse uma pessoa agressiva, e por este motivo não conseguia
ficar muito tempo no mesmo emprego.
Aos 29 conheceu Neusa, com quem se casou aos 30 anos. Um ano depois teve
uma filha, que foi motivo de muita alegria. Quando a menina estava com um mês de
vida ficou muito doente e na cidade não havia recursos, então vendeu o que tinha e veio
tentar a vida na capital, perto da família de sua esposa que estavam ajudando a cuidar da
criança. Um mês após a mudança sua mãe, que morava em Mongaguá, faleceu.
Em São Paulo começou a trabalhar como vigia noturno em uma empresa, onde
conseguiu permanecer por cinco anos. Mas mais uma vez a bebida o fez perder tudo. E
a história se repetia cada vez mais rápido, em todos os empregos durante mais 10 anos.
A convivência em casa já não era boa, porém continuou casado. Ao completar 42 anos
conseguiu, com ajuda espiritual, parar de beber e de fumar. Conseguiu também com a
ajuda de familiares construir sua própria casa. Estava trabalhando há bastante tempo e
tudo parecia ter se acalmado, quando, sem motivos foi demitido. A surpresa de ficar
desempregado aos 49 anos o abalou muito. Batalhou muito por outro emprego, mas só
conseguia empregos temporários.
A perda do emprego marcou o inicio de uma face muito difícil na vida de
MCSS, pois ele teve que lidar com perdas de pessoas queridas ao seu redor. Primeiro
um grande amigo faleceu na sua frente após um ataque cardíaco. Depois a notícia do
falecimento de mais dois grandes amigos por doenças graves. MCSS foi ficando a cada
dia um pouco mais desmotivado e triste. Tornou-se uma pessoa apática, tristonha e que
chorava sem razões aparentes. Como nunca gostou de falar sobre seus sentimentos, foi
passando por tudo sozinho sem aceitar ajuda. E mais uma triste noticia, seu cunhado,
irmão de sua esposa, estava com câncer, MCSS o acompanhou de perto durante um ano
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até que o mesmo faleceu. Quinze dias depois outro cunhado, agora esposo de sua irmã,
o que ele mais tinha afeição, foi acometido de um derrame e tinha pouca chance de vida.
Passando-se um mês seu irmão mais velho foi atropelado, teve um traumatismo
craniano e morreu no local do acidente. E foi ele, MCSS, que foi ao IML5 para fazer o
reconhecimento do corpo. Após seis meses o cunhado, desde então internado na UTI6,
devido o derrame, faleceu.
Sim! Tudo foi acontecendo de maneira devastadora na sua vida, a partir do
desemprego esses outros acontecimentos ocorreram em pouco menos de dois anos.
MCSS foi se retraindo um pouco mais a cada dia na sua tristeza, na sua falta de
esperança e foi quando a depressão o tomou. Nós, a família, começamos a perceber que
ele só queria dormir, não queria mais se alimentar e chorava escondido. Tentamos por
inúmeras vezes uma aproximação, oferecemos ajuda psicológica, mas ele sempre
recusou. Cerca de dois anos mais tarde começamos a perceber seus problemas de
memória, a principio com pequenas coisas como: não saber o dia da semana nem do
mês, dificuldades em olhar as horas no relógio. Depois começou a não conseguir mais
cozinhar, o que era um de seus grandes prazeres. Mas o momento em que percebemos
que realmente algo sério estava acontecendo foi quando ele começou, por exemplo, sair
de um cômodo ao outro da casa e não saber mais o que tinha ido fazer.
Passamos a conversar inúmeras vezes ao dia com ele sobre a possibilidade de ir
ao médico, foi muito difícil. Fomos insistentes, falávamos disso a todo o momento, nas
refeições, assistindo TV, pedimos ajuda aos irmãos que ligavam com o mesmo discurso,
nos tornamos pessoas, como ele mesmo dizia inconvenientes, mas o importante foi que
conseguimos. E na primeira consulta o primeiro e esperado diagnóstico, depressão
profunda. O médico neurologista pediu inúmeros exames de sangue, imagens, etc. E no
retorno veio à grande surpresa, “Doença de Alzheimer”.
E agora? O que é isso? Como cuidar? Tem cura? Existe tratamento? Como isso
apareceu? Culpa da depressão? O alcoolismo contribuiu? E as perguntas borbulhavam
em nossas cabeças. O que estava acontecendo? O que estava por vir? Existe alguma
forma de tratamento? Existe recuperação?
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6
IML – Instituto Médico Legal.
UTI – Unidade de tratamento Intensivo
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1.1 - Entendo a “Doença de Alzheimer”
Conhecida como: “Mal de Alzheimer”, “Doença de Alzheimer” ou
simplesmente “Alzheimer” é a forma mais comum de demência. Para entender melhor
devemos pensar no ser humano como um ser biopsicossocial, sendo que ele é biológico,
por possuir um organismo, psíquico por possuir uma subjetividade com sentidos e
significados que se expressam nas emoções, e é social, por fazer parte de um contexto
sócio-cultural. A Doença de Alzheimer é uma demência entendida como causadora de
uma desarmonia entre o organismo e o psiquismo, que se reflete diretamente no
contexto social onde o individuo se encontra inserido.
A doença foi descoberta em 1906, quando o médico conhecido como Alois
Alzheimer7 ao fazer uma autópsia, encontrou lesões cerebrais nunca vistas antes. Em
vários lugares do cérebro os neurônios encontravam-se atrofiados, com placas e fibras
completamente retorcidas e entrelaçadas. Essa degeneração foi chamada de Placas
Senis, que é a principal característica da Doença de Alzheimer.
“(...) a demência do tipo Alzheimer caracteriza-se
pela perda gradual das funções cognitivas. Assim,
a memória, a linguagem e as funções visosespaciais ficam comprometidas.” (KAPLAN,
SADOCK 1997, p. 1077)
Essa doença faz com que a relação do individuo com o mundo vá diminuindo
gradativamente, isso ocorre devido à perda dos neurônios colinérgicos, que são os
responsáveis pelo controle do tônus muscular e pelo transporte de informações
sensoriais para o cérebro, e que estão presentes no sistema nervoso central. Essa perda
compromete a capacidade de falar e compreender a linguagem falada, escrita ou gestual.
A apraxia8 e a agnosia9 também se tornam presentes, fazendo com que o individuo
deixe de ter a capacidade de efetuar movimentos voluntários e de reconhecer objetos.
Na evolução da doença funções cognitivas como orientações espaciais e temporais,
linguagem, julgamento, função social, atividades motoras declinam.
No inicio o paciente apresenta uma perda da memória recente e uma pequena
confusão no ato de pensar. A capacidade de resolver contas ou usar o raciocínio lógico e
7
Aloysius Alzheimer (Marktbreit, 1864 — Breslau, 1915) médico neurologista alemão.
Desordem neurológica que se caracteriza por provocar uma perda da habilidade para
executar movimentos e gestos precisos.
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Perda da capacidade para reconhecer ou identificar objetos.
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simples começa apresentar certa dificuldade. Durante o processo de evolução do quadro
os neurônios vão morrendo e formando as placas senis, que impedem o cérebro de
funcionar normalmente.
“(...) o sujeito que porta Alzheimer apresenta
alterações psicomotoras que oscila entre a
inibição e agitação dos movimentos.”
(FORTALEZA, 2000, p.150)
O autor volta à nossa atenção ao fato de que o individuo poderá apresentar
alterações bruscas em seu comportamento locomotor, como perambular sem saber o que
esta fazendo. No aspecto emocional, poderá apresentar quadros de depressão, delírios e
alucinações, irritabilidade e ansiedade.
Dentre as perdas que o individuo tem, vale à pena ressaltar que o mesmo perde a
noção de esquema e imagem corporal, deixa de ter estruturação espacial e temporal,
perde a equilibração e tem sua praxia global e fina comprometida. O individuo, no
decorrer do processo de evolução da doença, volta à infância e a imaturidade.
Mesmo não existindo um padrão único de evolução para o quadro da Doença de
Alzheimer, existe uma determinação de estágios, feita pela Associação Brasileira de
Alzheimer (ABA), que guia familiares e cuidadores na verificação da progressividade
da doença. Isso faz com que haja a possibilidade de um planejamento das necessidades
futuras de cada portador. Esses estágios também são importantes na hora do diagnostico
da doença. São eles:
•
Estágio Inicial: o estágio inicial da doença é freqüentemente negligenciado e
incorretamente considerado como “processo normal do envelhecimento”. Como
o desenvolvimento da doença é gradual, fica difícil identificar exatamente o seu
início. Neste estágio, a pessoa pode apresentar dificuldades com linguagem,
desorientação de tempo e espaço, dificuldades para tomar decisões, dificuldades
para lembrar fatos recentes, perda de iniciativa e motivação, sinais de depressão,
perda de interesse nos hobbies e outras atividades.
•
Estágio Intermediário: com o progresso da doença, os problemas se tornam mais
evidentes e restritivos. O portador da Doença de Alzheimer tem dificuldades
com as atividades do dia-a-dia, além de esquecimento de fatos recentes e nomes
das pessoas; maior dificuldade em administrar a casa ou negócios; necessita de
assistência na higiene pessoal; maior dificuldade na comunicação verbal;
7
apresenta problemas de vagância (andar sem parar) e alterações de humor e de
comportamento como agitação, agressividade, que pode ser física e/ou verbal),
delírios (acreditar que está sendo roubado, que é traído pelo cônjuge, etc.),
apatia, depressão, ansiedade, desinibição (despir-se em público, indiscrições
sexuais, linguagem maliciosa, etc.).
•
Estágio Avançado: a dependência se torna mais severa, os distúrbios de
memória são mais acentuados e o aspecto físico da doença se torna mais
aparente. O portador de Doença de Alzheimer pode apresentar dificuldades para
alimentar-se de forma independente, não reconhecer familiares, amigos e objetos
conhecidos, dificuldade em entender o que acontece ao seu redor, dificuldade de
locomoção, incontinência urinaria e fecal, comportamento inadequados em
público, agressividade e agitação. (ABA)
Os sintomas aparecem lentamente, tendo um período médio entre o primeiro e o
último estagio de aproximadamente oito anos. Lembrando que esse tempo pode variar
de acordo com o organismo de cada um e não existe tempo de permanência estipulado
para cada estagio.
“Alzheimer, pode ser confundido com outros
quadros de categorias de demência. Nesse sentido,
é necessário realizar alguns testes de memória,
exames de sangue, tomografia computadorizada e
ressonância magnética. Para o diagnóstico da
Doença de Alzheimer não se exige apenas a
presença de um prejuízo de memória, mas,
sobretudo, também um prejuízo na linguagem, na
capacidade cognitiva e social.” (BALLONE,
2000).
A dificuldade para o diagnóstico é baseada apenas no quadro clinico e que pode,
ser confundida com outras doenças, por apresentar sintomas similares. Em alguns casos
a confirmação da doença só é feita na necropsia, já que o que caracteriza a doença é a
presença de cicatrizes neurofibrilares dentro dos neurônios e as placas senis.
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Mas de onde vem a Doença de Alzheimer? Quais são os fatores que levam a
pessoa a ter a doença? Apesar de todos os estudos isso ainda não pode ser esclarecido.
Podemos apenas afirmar o que não causa a doença, por exemplo, que não é causada
pelo endurecimento das artérias, pelo pouco uso do cérebro, por infecções, pelo
envelhecimento, ou até mesmo á exposição ao alumínio ou a outro metal.
Uma dúvida que é freqüente: por que o diagnóstico é importante, já que não
existe cura? Realmente ainda não existe a cura para a doença de Alzheimer, porém
existe tratamento, que ajuda a minimizar os sintomas e faz com que a progressão da
doença seja mais lenta.
“(...) ainda não existe cura para a doença de
Alzheimer. Contudo, para que se amenize o
problema, alguns cuidados essenciais devem ser
levados em consideração como: medicação e
acompanhamento
médico
continuo,
boa
alimentação, atividades recreativas que visam
estimular as funções psicomotoras que estão
comprometidas (...)” (BERTOLUCCI, 2000, p.1)
O diagnóstico nunca é feito logo no início, existem alguns passos a serem
seguidos. O primeiro e mais importante passo é certificar-se de que não há nenhum
outro problema orgânico com o paciente que possa estar afetando sua memória, como
por exemplo, infecções ou problemas de tireóide. Depois é muito importante que a
família relate cuidadosamente a história do paciente, junto com isso um exame físico e
outro mental, fazem com que o médico possa diagnosticar a doença. É comum que
todos pensem que então a doença de Alzheimer é uma doença de idosos, o que é um
grande erro. Existe sim a doença de Alzheimer pré senil, como vimos no caso de MCSS
(historização), e ele é muito mais comum do que podemos imaginar. Por este motivo,
quanto antes for feito o diagnóstico melhor. Sem contar que com o diagnóstico a família
pode se preparar para atender de forma mais satisfatória o portador.
A doença de Alzheimer não é infecciosa nem contagiosa. É uma doença terminal
que causa uma deterioração geral da saúde. Porém, estudos nos mostram que a causa de
morte mais freqüente é a pneumonia. Como à medida que a doença progride o sistema
imunológico deteriora-se, e surge perda de peso, que aumenta o risco de infecções da
garganta e dos pulmões.
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É importante considerar a Doença de Alzheimer como uma síndrome com várias
origens, que por vezes depende mais de fatores genéticos e outras de aspectos
ambientais.
São preocupantes o estresse e a angústia que o indivíduo acometido de doença
de Alzheimer provoca na sua família e no contexto social como um todo, pois a pessoa
que cuida desse indivíduo, em geral o cônjuge ou outro membro da família, poderá se
tornar a segunda vítima da doença.
Cohen e Weismann (1991, p.17), citam as declarações de uma esposa cuidadora:
“Eu estava sem energia, sem paciência [...] e com medo de não amá-lo mais, porque eu
estava começando a gritar com ele [...] e ele me bateu uma vez. A cada dia ele está
lentamente morrendo e parte de mim está morrendo com ele, e nosso casamento está
morrendo também [...] eu não sou ainda viúva e nem mais casada [...] Quem sou eu?”
Existem grupos de suporte que oferecem importante assistência, pois ajudam o
indivíduo e sua família a se ajustarem ao progressivo declínio causado pela doença,
através de trocas de experiências e absorção de novas habilidades para o convívio
diário. A Associação Brasileira de Alzheimer, por exemplo, promove publicações,
eventos e informações sobre as pesquisas mundiais na área. Hoje, também, já se
discutem a necessidade de uma maior orientação técnica e psicológica e uma melhor
qualificação dos indivíduos que trabalham no atendimento ao idoso de uma forma geral.
A conscientização familiar é de suma importância, para que o paciente possa
sentir-se incluído e que tenha os cuidados necessários, já que o mesmo necessitara de
auxilio ate mesmo para suas necessidades básicas. O mais adequado para o tratamento
desse paciente é o trabalho em conjunto de alguns profissionais ligados a área da saúde,
torna-se indispensável o tratamento do médico neurologista para indicar os
medicamentos e acompanhar o quadro do cliente; o fonoaudiólogo para trabalhar a
linguagem e assim ajudar o paciente à não perder sua comunicação com o mundo; o
psicólogo para amparar emocionalmente não só o paciente mas também a família; e o
psicomotricista que proporcionara atividades prazerosas que através da estimulação das
estruturas cognitivas ira reabilitar o sujeito na sua relação com o mundo, visando um
amplo desenvolvimento social e emocional.
O acompanhamento de um psicomotricista desenvolvendo um trabalho de
reeducação e terapia é uma ajuda significante na melhora da qualidade de vida de um
paciente com Alzheimer. Mas qual é exatamente o trabalho do psicomotricista? Em que
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e como ele pode ajudar? Antes de entender isso temos que ter bem clara a definição de
psicomotricidade.
1.2 -Psicomotricidade: lazer ou terapia?
Segundo a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade “Psicomotricidade é a
ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e
em relação ao seu mundo interno e externo. Está relacionada ao processo de maturação,
onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada
por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto. Psicomotricidade,
portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e
integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua
individualidade, sua linguagem e sua socialização.”
Podemos definir que psicomotricidade é a area que estuda e investiga as relações
e as influências existentes entre o psiquismo e a motricidade, visa trabalhar o ser
humano de maneira global, para que assim seja nele desenvolvida a capacidade de ser e
agir nun contexto psicossocial.
Segundo
Le Bouch (1982) “... a psicomotricidade se dá através de ações
educativas de movimentos espontâneos e atitudes corporais da criança, proporcionandolhe uma imagem do corpo contribuindo para a formação de sua personalidade...”
Quando ensinamos uma criança a partir de seus proprios movimentos, quando a
ajudamos a explorar seu corpo e o mundo a sua volta estamos contribuindo nao só com
seu desenvolvimento motor, estamos atuando integradamente no aspecto emocional e
cognitivo. Como o portador de doença de Alzheimer volta à imaturidade deixando de ter
as noções motoras básicas, o papel do psicomotricista então é retomar com o individuo
esses conceitos e fazer com que ele os assimile novamente. Podendo utilizar no
processo terapêutico técnicas psicossomáticas, métodos expressivos, métodos de
relaxação e atividades lúdicas será possível proporcionar o bem estar ao paciente.
Segundo Fonseca (1995) “... a psicomotricidade tende atualmente a ser
reconceitualizada, não só pela intrusão de fatores antropológicos, filogenéticos,
ontogenéticos paralinguisticos, como essencialmente cibernéticos e psiconeurológicos.”
O homem é um ser complexo, assim, a história filogenética e ontogenética
influenciam no corpo, no psiquismo e na relação com o mundo, expressando um estado
11
de saúde ou de doença. A psicomotricidade é entendida como a ciência que visa
conhecer o homem em sua totalidade e buscar sua harmonia.
Ao pensar nesse trabalho, segundo o autor Almeida (2004, p.96) o
psicomotricista deve nortear suas atividades para o desenvolvimento de três conceitos: o
reconhecimento do corpo, a expressão do corpo e a estruturação corporal. Dentre as
diversas formas de trabalhar e estimular o paciente a mais produtiva será a trabalhada
com a parte sensorial. As atividades criadas para esse indivíduo devem estimular a
exterocepção10, a propriocepção11 e a interocepção12, ser prazerosas, trabalhando as
dimensões emocionais, corporais e relacionais no contexto existencial.
Podemos iniciar os trabalhos pensando em atividades em três etapas. Na
primeira o paciente será estimulado a reconhecer seu corpo, pode-se estimular a pele,
pois ela é um canal de vivências onde se registram a memória. Algumas técnicas bem
simples parecem favoráveis, como a escovação sobre a pele, ou ainda massagem feita
com, por exemplo, uma bola de tênis, ou algo similar. É interessante propor à família
que levem objetos significativos a trajetória da vida do paciente. O objeto pode ser
passado suavemente sobre a pele do paciente, esses estímulos exteroperceptivos
trabalham a consciência corporal, memória antiga, processual e recente, imagem e
principalmente a emoção que esta contida na lembrança que se expressa no corpo. O
paciente deve ser estimulado a falar o que esta sentindo e lembrando.
A segunda etapa do trabalho tem como objetivo desenvolver a expressão
corporal, para isso podemos trabalhar quatro fatores de movimento: peso, tempo, espaço
e fluxo. Esses movimentos são trabalhados em atividades lúdicas, sem se apegar aos
conceitos exatos de cada um. Andar e observar como se caminha, por exemplo, pode ser
uma atividade muito produtiva. O paciente poderá expressar através dos movimentos as
emoções que sente enquanto caminha. Colocar uma musica e pedir que o paciente
caminhe no ritmo em que sente a melodia, pode dar a ele a sensação de estar envolvido
com o meio, o que é muito importante. Ao longo desse processo o psicomotricista deve
intervir com a intenção de propiciar ao paciente o reconhecimento do corpo e
articulação dos movimentos em dinâmicas variadas.
10
Conjunto dos sentidos voltado para percepção de objetos e ao meio em que o
individuo está inserido.
11
Capacidade de reconhecer a localização espacial do corpo, sua posição e orientação.
12
Sensibilidade às variações que se produzem no interior do corpo.
12
A terceira etapa consiste em desenvolver a estruturação corporal. Nesse
momento o paciente deve ser incentivado a criar movimentos. Os movimentos
espontâneos, vão auxiliar a ampliação da percepção da sua realidade subjetiva, além de
aguçar as estruturas cognitivas. O psicomotricista deverá perguntar como o paciente
executou os movimentos, se o movimento é lento ou rápido, como se sentiu ao executar
o movimento. O processo de estruturação corporal livre e espontâneo torna o trabalho
mais prazeroso e significativo. A liberdade de criação pode ser usada para estimular a
linguagem, por exemplo, pedir que o paciente cante uma musica que gosta, conte uma
piada.
“Esses movimentos têm um sentido singular para
cada sujeito e se expressa através da escolha do
movimento espontâneo que é liberado nas ações.”
(ALMEIDA, 2004, p.104)
Vale ressaltar, que tais atividades vão mexer diretamente com a emoção do
paciente, portanto torna-se importante que o mesmo tenha um acompanhamento
psicológico, a fim de fazer com que todas as atividades sejam benéficas ao paciente.
Não podemos trabalhar, estimular ou aguçar o corpo sem fazer o mesmo com a mente.
Durante esse processo de descoberta corporal o psicomotricista poderá mediar o
potencial que há no paciente com Doença de Alzheimer buscando, sempre, uma nova
possibilidade de se trabalhar com psicomotricidade.
1.3 – Considerações finais
A busca de uma melhor qualidade de vida para os portadores e os vários tipos de
tratamento para a Doença de Alzheimer, tem como objetivo amenizar os sintomas. Uma
vez que ainda não foi descoberta a origem da doença, torna-se difícil chegar à cura.
Concentramos nossos esforços em terapias que possam de alguma maneira, fazer com
que o portador se sinta inserido ao meio, sendo respeitado e acolhido.
A psicomotricidade busca essa melhora de qualidade de vida do portador, sem
ignorar a necessidade de uma reabilitação global, envolvendo uma equipe
multidisciplinar, onde o psicomotricista tem papel fundamental, tanto na reabilitação
motora quanto no retorno as relações interpessoais e na obtenção de independência.
Através de atividades recreativas o espaço de reabilitação, transforma-se em um canal
que leva a laços de afetividade, e assim o psicomotricista consegue não só uma
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reabilitação motora do seu paciente, como também uma reabilitação social. Podendo
inclusive proporcionar ao paciente, através das vivências, rever o significado de
conflitos que não foram solucionados e que se expressam agora na forma de sintomas.
Assim o paciente, se for do seu desejo, poderá decifrar a mensagem simbólica do seu
estado de desarmonia buscando um novo sentido na sua existência.
É de suma importância que a família do portador esteja inserida no processo de
reabilitação, pois sem uma constante ajuda afetiva durante esse processo o paciente não
consegue êxito. Se o mesmo se sentir excluído do núcleo familiar passa a não ter
referencia com o mundo e com isso não sente interesse em retomar a harmonia que deve
existir entre seu mundo interno e externo, fazendo com que a reabilitação perca o seu
significado.
Os sãos que acompanham e participam da busca pela reabilitação de um
portador da Doença de Alzheimer recebem em troca uma aprendizagem de vida única,
um novo olhar sobre a existência de cada ser. E posso dizer com autoridade que junto
com o portador conseguem buscar a sua harmonia interna e externa, proporcionando a si
mesmo uma melhor qualidade de vida.
Pai, obrigada por me fazer ter vontade de tentar entender melhor a vida e mostrar
o caminho para buscar dentro de mim a essência de existir. Faço das palavras de Raul
Santos Seixas as minhas: “Sonho que se sonha só, e só um sonho que se sonha só. Mas
sonho que se sonha junto é realidade.”
1.4 Referencia bibliográfica
ALMEIDA, M. V. M. Corpo e arte em terapia ocupacional. Rio de Janeiro: Enelivros,
2004, 152p.
ABA – Associação Brasileira de Alzheimer. Site: WWW.aba.com.br – acesso em
Fevereiro de 2010
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