Curso de Educação a Distância em Anestesiologia

Transcrição

Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Comissão de Educação Continuada - 2010
Alexandra Rezende Assad
Daniel volquind
pedro Thadeu Galvão vianna
Carlos Eduardo Lopes Nunes
Edno magalhães
EDITORES
Curso de
Educação a
Distância em
Anestesiologia
vOLumE x
2010
Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Copyright© 2010, SBA – Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema,
sem prévio consentimento de Segmento Farma Editores Ltda.
Todos os direitos desta edição estão reservados a Segmento Farma Ltda.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
C753
Curso de Educação a Distância em Anestesiologia, volume X / Sociedade Brasileira de
Anestesiologia – Comissão de Educação Continuada. – 10.ed. – São Paulo: Segmento
Farma, 2010.
128 p.
ISBN 978-85-7900-030-0
1. Anestesiologia – educação a distância. 2. Anestesiologia – estudo e ensino. I.
Sociedade Brasileira de Anestesiologia – Comissão de Educação Continuada
CDD 617.96
Índices para catálogo sistemático
1. Anestesiologia : Educação a distância
2. Anestesiologia : Estudo e ensino
617.96
617.96
Impresso no Brasil
2010
O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).
Produzido por Segmento Farma Editores Ltda., com o patrocínio de Abbott Laboratórios em novembro de 2010.
Material de distribuição exclusiva à classe médica.
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Diretor-geral: Idelcio D. Patricio Diretor executivo: Jorge Rangel Coordenadora editorial: Cristiane Mezzari Capa: Renata Variso Peres Diagramação:
Triall Composição Editorial Ltda Revisora: Renata Del Nero • Cód. da publicação: 10974.10.10
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA
EDITORES
Alexandra Rezende Assad, TSA-SBA (RJ)
Professora adjunta da Universidade Federal Fluminense, anestesiologista do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
coordenadora do Serviço de Anestesiologia do Hospital Badim e Hospital Israelita (RJ) Daniel Volquind, TSA-SBA (RS)
Membro da Comissão de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, professor da
Universidade de Caxias do Sul (UCS), anestesiologista da Clínica de Anestesiologia (CAN) (RS),
presidente da Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul (SARGS)
Pedro Thadeu Galvão Vianna, TSA-SBA (SP)
Professor titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), presidente da Comissão de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de
Anestesiologia (SBA), representante da SBA na Comissão Nacional de Acreditação do Conselho
Federal de Medicina a Associação Médica Brasileira (CFM/AMB), representante da SBA na
Comissão Técnica de Anestesiologia do CFM
Carlos Eduardo Lopes Nunes, TSA-SBA (RJ)
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento (CET) Dr.
Rodrigo Gomes Ferreira, presidente da SBA (2010)
Edno Magalhães, TSA-SBA (DF)
Professor, mestre e doutor pela Unifesp, professor pesquisador associado pleno da
Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (FM/UnB), responsável pelo CET de
Anestesiologia UnB, diretor do Departamento Científico da SBA (2010)
SOCIEDADE BRASILEIRA
DE ANESTESIOLOGIA
Diretoria
Presidente
Carlos Eduardo Lopes Nunes
Vice-Presidente
Nádia Maria da Conceição Duarte
Secretário-Geral
Sylvio Valença de Lemos Neto
Tesoureiro
Henri Braunstein
Diretor do Departamento Administrativo
Airton Bagatini
Diretor do Departamento de Defesa Profissional
José Mariano Soares de Moraes
Diretor do Departamento Científico
Edno Magalhães
Autores
Adilson Hamaji, TSA-SBA
Doutor anestesiologista pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), supervisor anestesista
(IOT–FMUSP–TSA), coordenardor CPT bloqueios periféricos SAESP
Ana Luft
Anestesiologista, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA)
Cláudia Regina Fernandes, TSA-SBA (CE)
Doutora em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), na área de Anestesiologia, responsável pelo Centro de
Ensino e Treinamento (CET) da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) do Hospital Universitário Walter Cantídio
da Universidade Federal do Ceará (UFC), professora assistente do Curso de Medicina da Universidade de Fortaleza
(Unifor)
Daniela Bianchi Garcia Gomes, TSA-SBA (PR)
Anestesiologista do Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba, responsável pelo CET do Hospital Universitário Cajuru,
presidente do Comitê de Anestesia Pediátrica da SBA
Danielle M. H. Dumaresq, TSA-SBA (CE)
Responsável pelo CET do Instituto Dr. José Frota de Fortaleza, diretora científica da Sociedade de Anestesiologia do
Estado do Ceará (Saec), membro do Comitê de Anestesia Pediátrica da SBA
Deoclécio Tonelli, TSA-SBA (SP)
Responsável pelo CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, responsável pelo Serviço de Dor do Hospital
Mário Covas e do Hospital Brasil, Membro do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
Fernando Antonio Carneiro
Doutor em Medicina pela Santa Casa de São Paulo, chefe do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de
Goiás (UFG), membro da Comissão de Título Superior em Anestesiologia (TSA) da SBA
Fernando Antônio Nogueira Cruz Martins
Responsável pelo CET da SBA do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, mestre e doutor em Ciências,
segundo tesoureiro da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) (2010-2011)
Florentino Fernandes Mendes, TSA-SBA (RS)
Professor adjunto doutor em Anestesiologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da UFCSPA, mestre em
Farmacologia pela UFCSPA, responsável pelo CET da SBA da UFCSPA
Gualter Lisboa Ramalho
Especialista em Anestesiologia com atuação na Área de Tratamento da Dor pela SBA, especialista em Acupuntura
pela Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura (SMBA), membro do Comitê de Dor da SBA, professor de
Anestesiologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Irimar de Paula Posso
Professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), professor titular de
Anestesiologia da Universidade de Taubaté (Unitau), médico anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein
João Aurilio Rodrigues Estrela
Presidente do Comitê de Anestesia Locorregional da SBA, ex-presidente da SBA (2006), anestesiologista do
Hospital Universitário da UFPB
Jose Eduardo Bagnara Orosz
Corresponsável pelo CET da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), membro da Comissão
Científica da Saesp, membro do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
José Fernando Bastos Folgosi
Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica, instrutor corresponsável do CET da SBA Dr. Juca
Ludovico e Dr. Eduardo Bufaiçal, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de Goiás (Saego) (20092010)
Luis Claudio de Araujo Ladeira TSA/SBA
Corresponsável pelo CET/SBA Centro de Anestesiologia da Universidade de Brasília,
chefe do Centro de Anestesiologia da Univesidade de Brasília
Magda Lourenço Fernandes (MG)
Anestesiologista da Santa Casa de Belo Horizonte e do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), responsável pelo CET da Santa Casa de Belo Horizonte, diretora científica da Sociedade de
Anestesiologia de Minas Gerais (Samg), membro do Comitê de Anestesia Pediátrica da SBA
Paulo Adilson Herrera
Responsável pelo CET do Hospital Evangélico de Londrina, mestre em Medicina Interna da Universidade Estadual de
Londrina (UEL), especialista em Dor e Cuidados Paliativos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Renato Santiago Gomez, TSA-SBA (MG)
Professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, corresponsável pelo CET
do Hospital das Clínicas da UFMG, presidente do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA
Ricardo Lopes da Silva
Responsável pelo CET da SBA da Santa Casa de Curitiba, doutor em Clínica Cirúrgica
Ricardo Vieira Carlos
Membro do Comitê de Anestesia Obstétrica da SBA, médico anestesiologista da Maternidade Pró Matre Paulista,
médico assistente do Instituto da Criança (ICr) do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP, membro da Comissão
Científica da Saesp
Rômulo Frota Lôbo, TSA-SBA (CE)
Corresponsável pelo CET do Hospital Geral de Fortaleza, vice-presidente da Saec, membro do Comitê de Anestesia
Obstétrica da SBA
Vinícius Pereira de Souza, TSA-SBA (MG)
Presidente do Comitê de Anestesia Obstétrica da SBA (2010), coordenador do Serviço de Anestesiologia do
Hospital Mater Dei de Belo Horizonte, primeiro secretário da Samg
Sumário
Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Edno Magalhães
Capítulo 1
Medicina perioperatória..................................................................................... 11
Cláudia Regina Fernandes, Florentino Fernandes Mendes
Capítulo 2
Anestesia intravenosa total para cirurgia ambulatorial.................................... 27
Deoclécio Tonelli, Jose Eduardo Bagnara Orosz, Renato Santiago Gomez
Capítulo 3
Conduta anestésica no paciente pneumopata — Avaliação e
preparo pré-operatório....................................................................................... 39
Fernando Antônio Nogueira Cruz Martins, José Fernando Bastos Folgosi, Ricardo Lopes da Silva
Capítulo 4
Infecção e anestesia — Parte I . ....................................................................... 51
Ana Luft, Cláudia Regina Fernandes, Florentino Fernandes Mendes
Capítulo 5
Infecção e anestesia — Parte II......................................................................... 65
Ana Luft, Cláudia Regina Fernandes, Florentino Fernandes Mendes
Capítulo 6
Condutas anestésicas nas síndromes hemorrágicas obstétricas .................. 77
Ricardo Vieira Carlos, Rômulo Frota Lôbo, Vinícius Pereira de Souza
Capítulo 7
Tratamento farmacológico da dor neuropática................................................ 89
Irimar de Paula Posso, Gualter Lisboa Ramalho, Paulo Adilson Herrera
Capítulo 8
Peridural torácica .............................................................................................. 99
Adilson Hamaji, Fernando Antonio Carneiro, João Aurilio Rodrigues Estrela, Luis Claudio de Araujo Ladeira
Capítulo 9
Transplante de órgãos na criança — Transplante renal................................. 111
Daniela Bianchi Garcia Gomes, Danielle M. H. Dumaresq, Magda Lourenço Fernandes
PREFÁCIO
Idade avançada, comorbidades aumentadas, pacientes de alto risco e polimorfismos diversos, agora
mostrados pela farmacogenômica, caracterizam a prática atual da anestesia. Soma-se ainda o crescimento contínuo da gama de intervenções cirúrgicas para tornar a prática da anestesia mais complexa que a simples provisão da anestesia perioperatória. Chegamos à medicina perioperatória.
O Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, por meio de sua Comissão de Educação Continuada, apresenta a seus associados mais uma ferramenta valiosa e necessária para a atualização científica constante.
O volume X da série 2010 do Curso de Educação a Distância em Anestesiologia comemora o
décimo aniversário de mais um excelente projeto de ensino da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA).
Este livro é o resultado do esforço dedicado e contínuo de editores, membros de comissões,
comitês e colaboradores voluntários associados à SBA.
De valor pedagógico já comprovado nos nove anos que o antecedem, o volume X do Curso de
Educação a Distância em Anestesiologia certamente acrescentará algo na atualização de conhecimentos, princípios e abordagens próprios do caráter dinâmico da anestesiologia.
É motivo de justo orgulho apresentá-lo a nossos associados.
Edno Magalhães
Diretor do Departamento Científico da SBA
Capítulo 1
Medicina
perioperatória
Cláudia Regina Fernandes
Florentino Fernandes Mendes
12 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Construção de um conceito
Greene, em 1992, durante a 31a Rovenstine Lecture realizada no congresso anual da Sociedade Americana de Anestesiologia, fez uma reflexão sobre as mudanças que haviam ocorrido, nos últimos 50 anos,
na atividade do anestesiologista e propôs uma mudança do nome da especialidade para melhor refletir
as novas atividades desempenhadas pela moderna anestesiologia.1 A denominação medicina perioperatória (MPO) foi proposta por Saidman, dois anos mais tarde, durante a 33ª Rovenstine Lecture.2
Desde então, o termo MPO ganhou aceitação e foi agregado ao nome de vários serviços de
anestesiologia.3
Em 1998, pesquisa realizada com anestesiologistas de 60 países evidenciou que MPO era o
nome preferido por 61,3% para ser a nova denominação da especialidade.4
Pela própria definição de MPO, a prática e o escopo da anestesiologia são ampliados e direcionados ao cuidado médico global do paciente cirúrgico, não mais restringindo-se apenas à
administração da anestesia. Trata-se de melhorar a qualidade, a segurança e os resultados do
paciente antes, durante e depois do procedimento cirúrgico. A opção por envolver-se com qualidade e segurança e com a melhoria dos resultados aproxima de forma estreita a MPO do novo
paradigma de medicina baseada em evidências5 e também das ações que visam desenvolver
qualidade e segurança. MPO é a prática da medicina que abrange todos os aspectos da atenção
ao paciente. Ela compreende uma sequência de cuidados que vão desde a decisão de realizar a
cirurgia, ou o procedimento não cirúrgico, até o momento em que o paciente tem alta do hospital
(podendo ir até mais além).6
Assim, do ponto de vista clínico, a MPO significa prover ao paciente, com base em evidências
científicas e resultados, cuidados relacionados ao preparo pré-operatório, à anestesia, à evolução
pós-anestésica, à recuperação pós-operatória e ao tratamento da dor.
Os objetivos deste capítulo são descrever a interface entre a MPO e a medicina baseada em evidência; enfatizar pontos como a avaliação pré-operatória, a estratificação do risco anestésico-cirúrgico
dos pacientes e a importância da interconsulta com especialistas; demonstrar o papel da reabilitação
precoce e da interdisciplinaridade no contexto da MPO; descrever o impacto sobre custos, gestão
e indicadores de desempenho e de boas práticas clínicas quando se pratica a MPO; descrever algumas etapas para estruturação de um serviço interdisciplinar de avaliação pré-operatória, sobre a
importância de protocolos assistenciais e a implantação da cultura da prevenção.
Medicina perioperatória e medicina
baseada em evidência
Medicina baseada em evidência (MBE) é definida como o uso consciente, explícito e crítico da melhor evidência atual, integrando com a experiência clínica os valores e as preferências do paciente.7
A MBE é um movimento que preconiza o uso dos resultados de pesquisa clínica de boa
qualidade no atendimento do paciente; valoriza a aplicação de medidas de acurácia dos testes
diagnósticos, a força de predição de marcadores prognósticos, a atenção para eventuais danos
decorrentes do tratamento, bem como a precisão das medidas de benefícios decorrentes das
intervenções terapêuticas e preventivas.
Na proposta da MBE, a opinião, o comentário e a evocação do mito não se qualificam como
fundamento para a tomada de decisão clínica, uma vez que eles podem ser confundidos pelo
efeito placebo, pelo acaso e pelos vícios de observação. A prática da MBE implica incorporar à
experiência clínica as habilidades de recuperar a informação, avaliá-la criticamente, aplicá-la no
contexto clínico e apresentar ao paciente os benefícios e danos decorrentes.8
Capítulo 1
Medicina perioperatória 13
Assim, não é surpresa que exista uma tensão frequente entre o empirismo e a MBE, pois na
prática clínica o conhecimento adquirido com a experiência muitas vezes não coincide com os
resultados obtidos por intermédio de uma abordagem utilizando a MBE. A especialidade médica
reconhece que há um estado de arte na medicina. Entende-se que dados derivados de rigorosos
estudos clínicos, quando aplicados criticamente, são mais convincentes do que opiniões pessoais.
Quando intervenções preventivas e terapêuticas são consideradas, existem diferentes níveis de
evidência com diferenças hierárquicas (Quadro 1).9
Quadro 1. Níveis de evidência para intervenções terapêuticas
Nível de evidência
Terapia — Prevenção — Etiologia — Dano
1
A
B
C
Revisão sistemática (com homogeneidade*) de ensaios clínicos randomizados e controlados
Ensaios clínicos randomizados e controlados (com intervalo de confiança estreito)
Resultados terapêuticos do tipo tudo ou nada
2
A
B
C
Revisão sistemática (com homogeneidade*) de estudos de coorte
Estudo de coorte (incluindo ensaio clínico randomizado de menor qualidade < 80% de seguimento)
Estudo observacional de resultado terapêutico; estudo ecológico
3
A
B
Revisão sistemática (com homogeneidade*) de estudos de caso-controle
Estudo de caso-controle
4
Relato de casos (incluindo coorte ou caso-controle de menor qualidade**)
5
Opinião desprovida de avaliação crítica explícita, baseada em consensos, estudos fisiológicos, com
materiais biológicos ou modelos animais
* Homogeneidade significa revisão sistemática livre de variações preocupantes (heterogeneidade) em direções e graus dos resultados entre
os estudos individuais. Nem todas as revisões sistemáticas com heterogeneidade estatisticamente significativa devem ser preocupantes, nem
todas as heterogeneidades preocupantes precisam ser estatisticamente significativas.
** Estudo de coorte de má qualidade é aquele que não define claramente os grupos de comparação, ou não mede as exposições e os desfechos
do mesmo modo (preferencialmente encoberto) em indivíduos expostos e não expostos, ou não identifica nem controla adequadamente os
confundidores conhecidos, ou não faz o seguimento completo e suficientemente longo dos pacientes.
Um estudo de caso-controle de má qualidade é aquele que não define claramente os grupos
de comparação ou não mede as exposições e os desfechos do mesmo modo encoberto e
objetivo em casos e controle ou não identifica nem controla adequadamente os confundidores
conhecidos.
Após estabelecer-se o nível de evidência é possível classificar os estudos em graus de recomendação (Quadro 2).10
Quadro 2. Estudos e graus de recomendação
Grau de recomendação
Estudos
A
Consistentes estudos de nível 1
B
Consistentes estudos de níveis 2 e 3 ou extrapolação de estudos de nível 1
C
Estudos de nível 4 ou extrapolação de estudos de níveis 2 e 3
D
Nível 5 ou estudos inconclusivos de qualquer nível
14 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
A prática clínica deveria, sempre que possível, ser baseada em estudos com nível de evidência
1 e grau de recomendação A. Em alguns casos, entretanto, não é possível obter esse nível de
evidência para intervenções particulares.9
Um ensaio clínico bem conduzido é a metodologia experimental mais robusta e confiável para
comparar intervenções preventivas ou terapêuticas. Um estudo clínico randomizado é geralmente
considerado grande se inclui no mínimo mil pacientes.11
As revisões sistemáticas caracterizam-se pelo emprego de métodos rigorosos e explícitos de
identificação, avaliação e síntese de artigos científicos originais, obtidos de todas as fontes de informação científica pertinentes à questão clínica revisada. A possibilidade de a evidência resultante
da revisão sistemática ser verificada, conferida e reproduzida é que a coloca como a evidência
mais convincente.12
Uma revisão sistemática de boa qualidade deve satisfazer alguns critérios: definição clara da
questão da pesquisa-alvo da revisão, busca ampla e sistemática de artigos originais de interesse,
estratégia de busca explicitada de forma detalhada, critérios bem definidos de inclusão de artigos,
avaliação crítica da qualidade dos artigos originais incluídos, relação dos artigos excluídos com os
motivos da exclusão, forma de obtenção dos resultados originais explicitada, análise apropriada
dos resultados, se possível por meio de metanálise, análise de subgrupo por desenho de estudo dos artigos originais, metarregressão pela qualidade dos artigos (na ausência de exclusão),
avaliação da heterogeneidade dos artigos originais, exploração de eventual presença de viés de
publicação, discussão sobre as limitações do estudo e das evidências obtidas.9
Avaliação pré-operatória, estratificação do
risco anestésico-cirúrgico dos pacientes e
importância da interconsulta com especialistas
Talvez a mais importante atividade da MPO seja o desenvolvimento de clínicas de avaliação pré-operatória. Assim, não é surpresa que muitos centros médicos estejam dispostos a desenvolver programas
de avaliação pré-operatória, objetivando, com isso, melhorar a qualidade dos serviços prestados e a
utilização do centro cirúrgico.13-16
Segundo Roizen et al., a maior razão para o desenvolvimento de clínicas de avaliação préoperatória foi a redução da morbidade perioperatória, por meio da otimização da condição clínica
e emocional do paciente.17 Conforme Pasternak, a avaliação pré-operatória do paciente submetido
à cirurgia é feita para acrescentar segurança e eficiência ao processo perioperatório.18
As clínicas de avaliação pré-operatória ambulatorial (APOA) são um excelente caminho para demonstrar a importância da avaliação pré-operatória e adicionar valor ao processo de atendimento
ao paciente cirúrgico.19 Elas não englobam o conceito de MPO, que é mais amplo, mas sem seu
desenvolvimento não se poderá falar desse conceito.
Consultas em clínicas especializadas
Na avaliação pré-operatória, o encaminhamento de pacientes para outros especialistas era, até algum
tempo atrás, conduta de cirurgiões. Com o surgimento das clínicas de APOA, a decisão dessas interconsultas passou a ser do anestesiologista.20,21
Em pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas, a avaliação pré-operatória realizada com
o concurso do anestesiologista pode reduzir a necessidade de avaliações clínicas, especialmente
pelo cardiologista.22 O contrário acontece com a avaliação realizada pelo clínico, uma vez que esta
é associada com interconsultas mais frequentes a especialistas.22,23
Capítulo 1
Medicina perioperatória 15
Além disso, verificou-se que a consulta realizada pelo clínico não indica qualquer alteração no
manejo transoperatório em 70% dos casos24 e que o uso criterioso de exames laboratoriais e consultas a especialistas está associado com menor retardo e cancelamentos de cirurgias.25
O desenvolvimento de clínicas de avaliação pré-operatória por anestesiologistas é fenômeno
relativamente novo e tem sido universalmente difundido.26
A necessidade de diminuir a prática de solicitação de exames laboratoriais pré-operatórios de
“rotina”,16,27,28 aumentar as cirurgias ambulatoriais ou com internação no mesmo dia da cirurgia,13
reduzir custos,25,29 diminuir o tempo de permanência hospitalar,30 melhorar a qualidade dos serviços,29,30 melhorar a satisfação dos pacientes,22,31,32 evitar o cancelamentos de cirurgias,21 estratificar
e reduzir riscos33 e melhorar processos32 tem sido citada como justificativa, isolada ou associada,
para a implantação desses serviços. A clínica de avaliação pré-operatória é um investimento positivo para o serviço de anestesia e para o hospital, porque diminui custos, melhora a eficiência do
atendimento clínico, possibilita o desenvolvimento de protocolos de avaliação clínica, desenvolve
programas educacionais e aumenta a satisfação de pacientes e cirurgiões.26
Além disso, a consultoria médica em anestesiologia, obtida com antecedência, facilita o planejamento da anestesia, da monitorização e do suporte perioperatório. A avaliação pré-operatória
anestésica ambulatorial permite melhor atendimento, por haver mais tempo para a consulta, além
de proporcionar também melhor documentação das informações obtidas.22
É importante notar que avaliações inadequadas, com falta de informações, foram identificadas
como fator desencadeante de eventos adversos, segundo estudo australiano de incidentes anestésicos.34
A suspensão cirúrgica e os atrasos no dia da cirurgia são causas significantes de frustração
para pacientes e médicos,13 e a diminuição das suspensões de cirurgias e da permanência hospitalar são os maiores benefícios atribuídos à criação de clínicas de APOA.35
A clínica de avaliação pré-operatória é frequentemente o primeiro contato do paciente com o
serviço de anestesiologia e com o hospital. Durante o atendimento, facilidades no funcionamento
e eficiência organizacional influenciam a percepção do paciente em relação à qualidade do serviço prestado pela instituição hospitalar.15 Em estudo, verificaram-se índices de satisfação de 99%,
97% e 76% de pacientes, de anestesiologistas e de cirurgiões, respectivamente, com a clínica
de APOA.31
Organização e estruturação de um
serviço de medicina perioperatória
O grau no qual o papel do anestesiologista como médico perioperatório se expandirá não está claro,
mas é provável que, em instituições selecionadas, o anestesiologista irá tornar-se o médico dominante
do cuidado médico perioperatório. Somente a adequada avaliação e o conhecimento individual da
condição do paciente podem evitar atrasos, diminuir a angústia e facilitar o cuidado ótimo, reduzindo a
possibilidade de complicações anestésicas e contribuindo para a melhora da satisfação e dos desfechos apresentados pelos pacientes.36
O manejo do paciente no período perioperatório é frequentemente fragmentado, não padronizado e conduzido por múltiplos grupos, com focos dispersos e variados graus de comunicação.37
Do ponto de vista do paciente o gerenciamento do período perioperatório engloba todos os
aspectos e cuidados desde o início do sintoma cirúrgico, passando pela decisão de realizar a
cirurgia, a anestesia e o período pós-operatório imediato, até o paciente ser atendido na consulta
final. Portanto o período inclui logística, comunicação e alterações médicas que deveriam ser co-
16 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
ordenadas para prover segurança, transparência, medicina baseada em evidências e satisfação
do paciente.37 A implantação de um serviço de MPO com a ótica anteriormente descrita depende
de cultura local, liderança, motivação, envolvimento do grupo, sistema de gestão e capital humano
disponível, entre outros. Dessa forma, uma estratégia vitoriosa utilizada em uma instituição não
garante que será bem-sucedida quando utilizada em outra.
Embora não exista fórmula capaz de garantir o desenvolvimento com sucesso da MPO, algumas iniciativas podem facilitar sua implantação (Quadro 3).
Quadro 3. Estratégias para desenvolvimento/expansão do serviço de anestesia
Realizar o planejamento estratégico do serviço de anestesia
Difundir o conceito de MPO dentro do serviço e da instituição
Obter o apoio dos gestores e envolver-se com a gestão do centro cirúrgico e do hospital
Trabalhar em equipe e desenvolver lideranças dentro do serviço de anestesia
Trabalhar em conjunto com as demais especialidades médicas envolvidas com o paciente cirúrgico
Estruturar um espaço físico apropriado para avaliação clínica pré-operatória
Criar e monitorizar indicadores de desempenho
Desenvolver cultura de segurança
Avaliar processos e buscar continuamente melhorias
Avaliar as oportunidades e expandir áreas de atuação
Investir no desenvolvimento do capital humano
Realizar o planejamento estratégico do serviço de anestesia
É importante definir com os membros da equipe do serviço de anestesia a visão (o que o serviço pretende ser em alguns anos, qual a imagem que o serviço deseja ter perante a sociedade), a missão (o
que se deve fazer para atingir a visão) e os valores (quais valores o serviço executará em sua missão).
Mais importante ainda é definir as ações que serão tomadas para realizar a visão e a missão, por quem,
em quanto tempo, quais os resultados esperados, como serão monitorados, entre outras definições.
O planejamento estratégico do serviço de anestesia, necessariamente, deve estar alinhado com o da
instituição hospitalar.
Difundir o conceito de MPO dentro do serviço e da instituição
O desenvolvimento e a implantação da MPO dentro do serviço de anestesia deveria ser um processo
natural resultante de seu desenvolvimento. A inovação e a mudança não deveriam ser percebidas como
ameaças e deveria existir um grupo altamente motivado e interessado em seu desenvolvimento. Infelizmente aquilo que idealizamos quase nunca ocorre. Um dos maiores obstáculos, senão o maior, para a
implantação da MPO é a cultura do serviço de anestesia, da instituição hospitalar e do meio onde ambos
estão inseridos. A maioria dos anestesiologistas foi treinada para atuar realizando o ato anestésico, a avaliação pré-anestésica e para ter algum envolvimento com o tratamento da dor aguda pós-operatória. As
habilidades necessárias para atuar como médico perioperatório vão muito mais além e exigem outro tipo
de comprometimento e de treinamento. Assim, dependendo das condições e da massa crítica de cada
Capítulo 1
Medicina perioperatória 17
serviço à implantação do novo paradigma — MPO —, será necessário um tempo de maturação, pois há a
necessidade de uma mudança de cultura.
O currículo desenvolvido durante a residência médica em anestesia deveria ser voltado para
a busca do melhor resultado, focando a avaliação pré-operatória, a estratificação dos riscos, as
medidas preventivas, o tratamento da dor, a relação médico-paciente, o bem-estar e a satisfação
do paciente, avaliando-se, ao final do tratamento, pelo ponto de vista do paciente, a qualidade do
atendimento integral relacionado aos cuidados recebidos. Para se difundir o conceito de MPO, as
atividades teóricas relacionadas ao tema devem ser contempladas no currículo da graduação e
da residência médica.38
A inserção de estudantes e internos dentro do serviço de anestesia é importante, como também é
a construção de um currículo voltado para o entendimento da importância e para a difusão da prática
da MPO. É igualmente importante que os membros da equipe de anestesia inseridos no contexto
estejam disponíveis para o serviço de anestesiologia, com o objetivo de promover a avaliação pré-operatória adequada, conduzir a anestesia e o manejo das intercorrências, prover analgesia e cuidados intensivos pós-operatórios, incluindo cuidados que têm repercussão no resultado final: adequada
analgesia pós-operatória,39 transfusão sanguínea racional,40 controle da hipotermia,41 prevenção de
infecção,42 práticas relacionadas à modulação imunológica43 e distúrbios da cognição.44
Obter o apoio dos gestores e envolver-se com a
gestão do centro cirúrgico e do hospital
Quase a totalidade dos exemplos bem-sucedidos de serviços que desenvolveram o conceito de MPO
e estão inseridos neste também estão inseridos em gestão do centro cirúrgico ou do próprio hospital.
A acreditação hospitalar e a gestão da qualidade também se constituem em oportunidades naturais
direcionadas a um perfil de liderança comprometido com o resultado, com a satisfação dos pacientes e
com os custos associados à prática médica. O desenvolvimento de um programa voltado para a prática
da MPO envolve a elaboração do projeto, os objetivos e os resultados desejados, os recursos humanos
e materiais necessários, a formatação de protocolos, entre outros. O comprometimento da alta gestão
é importante, pois ocorrerão necessidades de ampliação do espaço físico e de sustentação financeira
para desenvolver o projeto. Além de, pelo mesmo motivo que acontece com a cultura do serviço de
anestesia, ser muito provável a resistência por parte de segmentos da instituição ou da própria cultura
institucional ao desenvolvimento da MPO.
Trabalhar em equipe e desenvolver lideranças
dentro do serviço de anestesia
Talvez o aspecto mais relevante (e as maiores dificuldades) para o desenvolvimento de um serviço de
MPO seja a necessidade de desenvolver e motivar a equipe assistencial dentro desse novo paradigma.
É necessário desenvolver lideranças com propósitos firmes, conhecimento científico sólido, democráticas e focadas no desenvolvimento de ações. O trabalho em equipe é conceituado como um modelo
mental compartilhado, em que todos os membros estão acordados sobre aquilo que estão tentando
fazer. Nesse modelo, deve existir confiança mútua (garantia de que os membros da equipe desempenharão seus respectivos papéis), comunicação (do tipo circuito fechado, caracterizado pelo intercâmbio
de informações padronizadas), confirmação de que as informações foram recebidas, clareza dos papéis de cada um (responsabilidades específicas predeterminadas), clareza nos objetivos (cada um deve
realizar tarefas específicas a fim de que se possam determinar o sucesso e o fracasso de cada membro
da equipe). O líder ajuda as pessoas a resolverem seus problemas e a fazerem seu melhor trabalho.40
18 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
E quem é a equipe em MPO? Ela é composta de todos os membros da instituição, cujo comportamento influencia o cuidado do paciente cirúrgico. Nesse contexto, está incluso o próprio
paciente, os membros da recepção da instituição, o cirurgião, o corpo de enfermagem e outros
profissionais médicos e não médicos, gestores, administradores, provedores de saúde. Todo esse
trabalho em equipe deve ter como meta as melhores evidências médicas disponíveis para os cuidados do paciente cirúrgico, tendo como base a padronização de cuidados e condutas.
Trabalhar em conjunto com as demais especialidades
médicas envolvidas com o paciente cirúrgico
O desenvolvimento de um programa de MPO somente será possível, e alcançado em sua plenitude, após articulação com outras especialidades médicas (clínica médica, cardiologia, pneumololgia,
medicina intensiva, neuropsiquiatria, entre outras) e não médicas (enfermagem, fisioterapia, nutrição,
farmácia) que prestam assistência ao paciente cirúrgico, pois a excelência no programa somente é
conseguida com a visão da atuação interprofissional, na qual cada membro da equipe sabe exatamente
sua atribuição.
A interação com outras especialidades busca o alinhamento de soluções para os problemas
da instituição e do paciente, sempre com base nas melhores evidências disponíveis. Dentro da
interação com outras especialidades é importante a confecção de protocolos em conjunto. Bons
exemplos são os protocolos de solicitação de exames pré-operatórios direcionados para a condição clínica do cliente.
O ideal seria que todos os pacientes fossem encaminhados ao ambulatório de avaliação pré-operatória, se isso não for possível, em virtude de uma demanda alta, é importante a construção
de um fluxograma que permita o encaminhamento apropriado de determinado perfil de paciente
cirúrgico, tomando como base a existência de comorbidades. Para que isso se processe, existem
alternativas como a aplicação no ambulatório de cirurgia de um questionário de triagem baseado
na interrogação da existência de doenças associadas apresentadas pelo paciente.
Estruturar um espaço físico apropriado para
avaliação clínica pré-operatória
Antes de 1980, a avaliação pré-anestésica consistia em realizar uma bateria de testes e avaliar o paciente na noite da cirurgia ou na sala cirúrgica. Fatores econômicos levaram a um explosivo crescimento
da cirurgia ambulatorial e a avaliação pré-operatória moveu-se para apropriar-se dessa área. Durante a
avaliação pré-operatória, uma localização centralizada proporciona todas as necessidades de avaliações, de exames complementares, de registros hospitalares e de providências administrativas, o que é
conveniente para o paciente, que não precisa mais visitar diversas áreas do hospital para completar os
pré-requisitos necessários para a realização da cirurgia.15
Na avaliação pré-operatória, seis propósitos precisam ser contemplados: avaliação da condição clínica do paciente, discutir e explicar a anestesia, reduzir a ansiedade, discutir o manejo da
dor pós-operatória, obter consentimento informado e coordenar o cuidado dos pacientes com
outros profissionais.45,46
É muito importante que o anestesiologista avalie o paciente durante o pré-operatório para obter
informações e prever a possível resposta durante a cirurgia e para planejar a técnica anestésica
mais apropriada e conduzi-la de acordo com os problemas que podem eventualmente surgir.47
Assim, a área física e a logística precisam ser adequadas às necessidades de cada serviço.
Capítulo 1
Medicina perioperatória 19
Criar e monitorizar indicadores de desempenho
A melhoria da qualidade no período pré-operatório implica que nós decidamos quem são nossos clientes internos e externos, o que eles querem e precisam para realizar suas missões, quais processos nós
podemos melhorar e quais aspectos desse processo nós vamos medir.48
O cuidado perioperatório ideal, na perspectiva do paciente, leva em consideração o motivo
pelo qual ele está ali naquela instituição, pois o paciente espera que ele seja bem tratado, que a
equipe que está prestando os cuidados seja coordenada, espera voltar para casa precocemente
e com segurança, que haja prevenção das complicações relacionadas à cirurgia, tais como: infecção, broncoaspiração, tromboembolismo venoso, eventos cardíacos, eventos adversos, quedas e
alterações cognitivas, entre outros.
O cuidado cirúrgico ou perioperatório ideal na perspectiva dos profissionais de saúde leva em
consideração o grau de especialidade da equipe, os cuidados baseados nas melhores evidências disponíveis, a satisfação do paciente, a coordenação da equipe de profissionais de saúde
envolvida com o paciente, a curta permanência hospitalar, a não readmissão em 30 dias e a prevenção de complicações relacionadas com a cirurgia. Para reduzir o risco do paciente e melhorar
o cuidado precisam-se estabelecer objetivos claros e indicadores válidos para determinar em que
patamar se está e o que é necessário fazer para melhorar.38
Em MPO, a padronização de condutas contribui para melhorar o resultado, pois quando existe grande variabilidade também existe baixa qualidade. Quando uma ação é executada da mesma
maneira, aumenta a probabilidade de fazê-la da maneira mais correta. Dessa forma podem-se inserir
práticas cada vez mais superiores em matéria de normatização ou padronização. A padronização de
condutas melhora a eficiência e reduz os erros. Com a normatização das condutas é possível que
a boa evidência médica seja praticada de forma “automática”, o que possibilita que os profissionais
envolvidos possam se concentrar nas outras tarefas que ainda estão em fase de aprendizado ou que
não são uma rotina no setor. Busca-se, então, uma maneira-padrão de trabalhar em equipe.
Desenvolver cultura de segurança
O anestesiologista deveria cada vez mais se envolver com os comitês do hospital, com o desenvolvimento de centros de avaliação pré-operatória, com a criação e o desenvolvimento de clínicas de tratamento da dor e com a terapia intensiva.46
O anestesiologista tem obrigação de basear suas decisões na ética e na bioética considerando a limitação financeira institucional, porém, levando em conta a segurança e a qualidade do
atendimento. Outras habilidades devem ser particularmente desenvolvidas pelo anestesista, como
participação no processo de gerenciamento do hospital, desenvolvimento de pesquisa na especialidade, participação na educação e desenvolvimento de anestesia segura.49
Acredita-se que nenhuma mudança de paradigma pode ser proposta sem considerarem-se
esses aspectos.
Avaliar processos e buscar continuamente melhorias
A obtenção e o acompanhamento de indicadores antes e após a implantação do serviço de MPO servem para avaliar os processos implantados e para promover ajustes contínuos no desenvolvimento do
programa. A avaliação e a melhoria dos processos também objetivam diminuir custos, diminuir média
de permanência hospitalar, racionalizar o uso de hemocomponentes e de outros fármacos, buscando a
20 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
melhora na qualidade dos cuidados e dos resultados e a satisfação profissional de todos os membros
envolvidos.
Indicadores clínicos e indicadores de resultado somente podem ser obtidos quando todos os
membros da equipe assistencial aceitarem sua responsabilidade na obtenção do bom e do mau
resultado. Isso, segundo François, em 2002, deveria tornar-se uma providência essencial para
melhorar a segurança anestésica, pois, mediante processos de avaliação e feedback, reflete-se
sobre as condições do paciente, a estratégia médica e quais providências deveriam ser otimizadas
para redução do risco do paciente.29
Avaliar as oportunidades e expandir áreas de atuação
A medicina e a anestesiologia estão em permanente mudança com diferentes desafios, exigências e
oportunidades. A revolução tecnológica tem propiciado base para essas oportunidades. Se a especialidade ignorar isso ela poderá perder valor e tornar-se menos influente como uma força capaz de
beneficiar o paciente e agregar valor. Alterações no cuidado e nos padrões de avaliação da saúde e
no gerenciamento da informação têm resultado numa redefinição virtual de cada aspecto do preparo
pré-operatório.32
Ao mesmo tempo, a anestesiologia está expandindo seu papel para assumir o que alguns
consideram ser uma atividade menos central. Em muitos casos, essa expansão permite ao anestesiologista interagir mais com a equipe médica, portanto providenciando oportunidade ampla de
melhorar a imagem perante as outras especialidades e a sociedade.50
Investir no desenvolvimento do capital humano
Os problemas com a equipe são as principais causas preveníveis de dano adicional ao paciente.38
Precisam-se explorar novos modelos que permitam melhorar a qualidade do cuidado e colocar a habilidade e o conhecimento médico do anestesista no patamar de melhor uso, aproveitando cada oportunidade para expandir a esfera de influência e a participação no cuidado à saúde.51 Para a especialidade
habilitar-se à expansão devem-se construir jovens anestesistas que possuam educação e treinamento
em MPO, pois a percepção do anestesiologista como um especialista perioperatório é um sinal de
maturidade do especialista.
Descrever o impacto sobre custos e gestão
de indicadores de desempenho e de boas
práticas clínicas quando se pratica a MPO
A necessidade de diminuírem-se os custos do atendimento à saúde é muita difundida. 52,53 Dados da
literatura demonstram que, nos Estados Unidos, aproximadamente 65% das cirurgias são realizadas em
regime ambulatorial.54 Quando ocorre aumento das cirurgias ambulatoriais, diminuem-se os custos,54 diminui-se a média de permanência hospitalar e reduzem-se as taxas de cancelamento de cirurgia.21,35
Considerando-se que 31% do custo hospitalar são decorrentes do paciente internado, o estímulo à realização de cirurgia ambulatorial tem proporcionado redução de custos que varia de 20%
a 50%.55
Na opinião de van Kley et al., todo paciente é candidato à internação no mesmo dia da cirurgia.
O desenvolvimento de programas de estímulo à internação no dia do procedimento ou internação
somente após a realização da cirurgia contribui para diminuir a média de permanência.28
Capítulo 1
Medicina perioperatória 21
Pollard et al. demonstraram que com esses programas seria evitada a internação de pacientes
para completar avaliações, sem previsão ou data para realizar cirurgias, além de melhorar a capacidade operacional das equipes e o aproveitamento do horário disponível no centro cirúrgico.30
Em ensaio clínico, prospectivo e randomizado realizado em pacientes submetidas à histeroscopia, o custo foi quatro vezes menor no grupo ambulatorial, quando comparado com o do grupo
internado.56
A implantação de clínicas de avaliação pré-operatória está associada com desfechos favoráveis que levam a reduções significantes de custos, sem afetar adversamente o cuidado com o paciente: redução dramática dos exames pré-operatórios realizados; diminuição das interconsultas
com outras especialidades e diminuição do tempo médio de permanência hospitalar. Embora a
avaliação ambulatorial anestésica esteja associada com cuidado eficiente e seguro, alguns anestesiologistas acreditam que o preparo pré-operatório deveria ser uma responsabilidade primária
do cirurgião. Essa abordagem tipicamente resulta em altas taxas de exames solicitados desnecessariamente, atrasos significantes no início das cirurgias e frequentes cancelamentos. Mais
importante, os pacientes podem não ser preparados adequadamente para submeterem-se ao
estresse anestésico-cirúrgico.22
A redução de custos associados com a diminuição dos testes laboratoriais, com a diminuição
das consultas especializadas e com a diminuição das taxas de suspensões de cirurgias é importante, mas pequena quando comparada com a diminuição de custos associados com a menor
permanência hospitalar.22 Assim, intervenções que decrescem a permanência hospitalar podem
resultar em considerável economia.30,35
Em estudo comparando resultados antes e depois da introdução da APOA encontraram-se
decréscimo de 30% nas suspensões de cirurgias por razões médicas, diminuição no tempo de
admissão pré-operatória, aumento da taxa de admissão no mesmo dia da cirurgia e diminuição
do número de exames pré-operatórios do tipo: eletrocardiogramas (ECG) e de exames radiológicos de tórax (Rx de tórax).28 Somente 13% das suspensões de cirurgias foram devidas à falta
de condições clínicas dos pacientes. O desenvolvimento de clínicas de APOA tende a aumentar
a padronização e reduzir a variabilidade nos julgamentos feitos pelos anestesiologistas do centro
cirúrgico, reduzindo atrasos e obtendo as condições necessárias para o desenvolvimento de cirurgias ambulatoriais ou com internação no mesmo dia da cirurgia.57
Em estudo sobre o tema, a taxa de suspensão de cirurgias de pacientes que receberam avaliação pré-anestésica ambulatorial entre 24 horas a 30 dias antes da cirurgia foi comparável à taxa de
suspensão de pacientes ambulatoriais que receberam a avaliação nas 24 horas antes da cirurgia.
Como os grupos foram similares, conclui-se que os pacientes podem ser vistos no tempo mais
conveniente, sem que isso afete adversamente a taxa de cancelamentos de cirurgias.58
Traber et al. avaliaram 500 cirurgias consecutivas realizadas como primeiro caso na programação diária e demonstraram que os pacientes que foram avaliados pela clínica de avaliação pré-operatória tiveram menores retardos (1,7 vez) no início das cirurgias, quando comparados com os
que não foram avaliados.59
Diversos estudos têm demonstrado uma redução no tempo de admissão pré-operatória e na
média de permanência.26,28,30 Essa redução resulta de um aumento no número de admissões no
mesmo dia da cirurgia ou de um aumento do número de pacientes que são submetidos a cirurgias
em regime ambulatorial.28,30
Metodologia clara para identificar a contribuição do anestesiologista no custo hospitalar frequentemente não está disponível. Fischer25, em Stanford, demonstrou redução de 87,9% na taxa
de suspensão de cirurgias após a implantação de uma clínica de avaliação pré-operatória, com
22 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
maior satisfação dos anestesiologistas quando os pacientes foram avaliados pela clínica. Substancial redução de custos pode ser observada por meio da redução do número de exames laboratoriais solicitados. No primeiro ano de APOA na Universidade de Stanford a redução dos exames
determinou uma economia de 52,3%, ou 112,09 dólares por paciente, resultando em redução de
custos no ano de 1995, somente neste item, em 1,01 milhão de dólares para o hospital. Disso
resultou melhora na utilização do centro cirúrgico e maior renovação dos pacientes internados.60
Exames de laboratório e exames complementares
Uma justificativa financeira comum atribuída à criação de clínicas de avaliação pré-operatória é a redução de exames pré-operatórios, o que potencialmente salva grandes somas em dinheiro. Para se
reduzir o uso excessivo de exames primeiramente é necessário demonstrar aos anestesiologistas que
alguns são desnecessários.57
De fato, o uso de testes de triagem pré-operatórios para detectar doenças tem motivado inúmeras publicações,20,23,35,32,61-63 as quais têm demonstrado que poucos testes beneficiam ou alteram
o cuidado dos pacientes, o que contribui substancialmente para aumentar os custos hospitalares.
Um teste desnecessário é ineficiente, caro e muitas vezes indica estudos adicionais. Estes quando
inapropriados podem levar ao diagnóstico de falsos-positivos, determinar cancelamentos ou atrasos das cirurgias e acrescentar aumento potencial de riscos aos pacientes.13
Desde a década de 1980 passou-se a verificar a efetividade da indicação de exames de laboratório de acordo com a história e com o exame físico do paciente.26
Com isso, alguns centros conseguiram demonstrar que determinados pacientes não necessitam de exames para a realização de suas cirurgias.35
A tendência atual é de se realizarem exames segundo os dados positivos da história clínica
ou do exame físico, de acordo com a necessidade dos cirurgiões, ou clínicos, de determinados
exames que podem sofrer alterações durante a cirurgia e conforme a inclusão do paciente numa
população de alto risco para alguma condição específica, ainda que sem dados positivos na história clínica ou no exame físico.18,27
Reduções consideráveis nos gastos hospitalares foram obtidas após a definição do padrão mínimo de exames laboratoriais, sem que isso afetasse a qualidade da avaliação dos pacientes.13,29
Estudos têm demonstrado redução do custo com exames pré-operatórios, quando os testes
são coordenados por intermédio de clínica de APOA.13,25,64
Em estudo realizado com população com mais de 70 anos de idade, embora houvesse prevalência de testes anormais variando de 0,5% até 12%, não houve associação entre resultados dos
testes pré-operatórios e desfechos clínicos desfavoráveis.65
Tratamento da dor
Em adição à melhora da analgesia por fatores humanitários é importante fornecer a melhor qualidade
de alívio possível da dor, pois conhece-se que a dor também tem um importante papel na fisiopatologia
da lesão tecidual e pode prolongar a recuperação do trauma cirúrgico.
O trauma cirúrgico acarreta importantes alterações neuroendócrinas, com a liberação de uma
variedade de mediadores como catecolaminas, corticoides, vasopressina, citocinas e fatores endoteliais que implicam aumento do metabolismo e catabolismo. Esses mediadores podem também
levar à imunossupressão e à disfunção de múltiplos órgãos.39 Muitas dessas alterações levam ao
desenvolvimento de complicações pós-operatórias e é importante que o anestesiologista entenda
Capítulo 1
Medicina perioperatória 23
a fisiopatologia da resposta ao estresse, para que possa estar atento para executar a prevenção e
diminuir os danos. Em hospitais auditados, o tratamento da dor pós-operatória é inadequado em
13% a 80% dos casos.47
Tratamento intensivo pós-operatório
Em virtude da habilidade do profissional anestesiologista em cuidar de pacientes críticos, este tem-se
envolvido cada vez mais em unidades de terapia intensiva como campo de atuação. Nas últimas décadas, o aumento da complexidade da condição clínica do paciente cirúrgico, associado à abordagem
em pacientes cada vez mais idosos, incorre na necessidade de se estabelecerem cuidados intensivos
pós-operatórios em cenários de unidades de terapia intensiva, sob a tutela de anestesiologistas.47
Pronovost et al. demonstraram que o round diário por um médico da unidade de cuidados
intensivos foi associado com redução de dois terços na mortalidade de pacientes recuperando-se
de cirurgia de aorta abdominal, com diminuição associada de custos.66
Em quase todas as especialidades cirúrgicas tem acontecido um aumento na duração e na
complexidade das cirurgias. Isso tem confrontado o anestesiologista com a necessidade de manter a homeostasia do paciente sob contínuas alterações nas condições cirúrgicas. Então a habilidade do anestesiologista para manter o cuidado intensivo durante o transoperatório tem-se
estendido para manter/sustentar dados relacionados com problemas inerentes ao cuidado médico
intensivo pós-operatório.47 A terminologia MPO enfatiza a contribuição do anestesiologista para o
cuidado médico fora da sala de cirurgia.67
No Brasil, ainda não é tão frequente a existência de unidades de terapia intensiva exclusivamente
pós-operatória, embora seja uma necessidade, pois com o envelhecimento da população passaram-se a realizar cirurgias cada vez mais complexas em pacientes cada vez mais idosos e com várias
doenças associadas. Durante o período pós-operatório são imperativos o entendimento da resposta
endócrino-metabólica relacionada ao trauma cirúrgico, o entendimento sobre a reposição volêmica e
a terapia transfusional, o equilíbrio hidroeletrolítico, a ventilação mecânica e a terapia analgésica. Em
nosso entender o anestesiologista é o profissional mais adequado, quando capacitado, para realizar
esses cuidados, em razão de seu conhecimento técnico nessa área e de sua habilidade com esse
tipo de doente. Nos países desenvolvidos, é uma regra os anestesiologistas tomarem conta das unidades de terapia intensiva, no Brasil nem todas as instituições adotam essa prática.
Em conclusão, a MPO constitui-se em uma extensão natural da anestesiologia, em consonância com os avanços científicos da medicina. O grau de expansão dos serviços em direção à MPO
não está claro, e novas habilidades, além das necessárias no modelo tradicional, serão exigidas:
avaliação pré-operatória, otimização da condição clínica, medicina baseada em evidências, tratamento da dor, cuidados intensivos, liderança, trabalho em equipe, relacionamento e interação
com as demais especialidades, gestão da qualidade, entre outras. Nenhuma dessas habilidades
é estranha ao meio ou difícil de se desenvolver e não existe fórmula segura capaz de assegurar a
expansão da anestesiologia em direção à MPO.
A MPO formaliza a atuação do anestesiologista para além da sala de operações, propiciando
oportunidades para ampliar a área de atuação e exigindo um novo modelo de entendimento, de
comportamento e de treinamento dos futuros profissionais.
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Capítulo 2
Anestesia intravenosa
total para cirurgia
ambulatorial
Deoclécio Tonelli
Jose Eduardo Bagnara Orosz
Renato Santiago Gomez
28 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Introdução
A anestesia geral é chamada de anestesia intravenosa total (AIT) quando é obtida por meio de administração exclusiva de agentes intravenosos. Essa técnica ganhou aceitação nos últimos anos após
a introdução de novos fármacos com características farmacocinéticas que permitem administração
venosa contínua. Em geral, as drogas administradas na AIT são menos tóxicas para o profissional
do que os agentes inalatórios, pois não causam poluição do ambiente, além de não apresentarem risco
de hipertermia maligna.1 A AIT proporciona maior estabilidade hemodinâmica e redução do estresse cirúrgico. Nessa técnica anestésica, utilizam-se diferentes drogas com o objetivo de se obterem hipnose
(propofol, cetamina, metoexital, midazolam) e analgesia (remifentanila, fentanila, alfentanila, sufentanila
e cetamina).
Alguns anestesiologistas salientam as desvantagens dessa técnica como prolongamento do
período de recuperação, o que pode ser minimizado pelos conhecimentos farmacocinéticos da
droga, não deixando de levar em consideração os aspectos individuais relacionados à farmacocinética e à farmacodinâmica. Outra preocupação refere-se ao risco de recuperação da consciência, o que pode ser minimizado pelo uso de monitores da consciência ou de drogas hipnóticas de
acordo com suas características farmacocinéticas. Nos últimos anos, a associação de propofol e
remifentanila, em infusão contínua, tornou-se a técnica de AIT mais popular, sendo sinônimo de AIT
em muitos serviços. O propofol pode ser titulado com base na análise do índice bispectral (BIS)
ou mantendo uma concentração-alvo suficiente de forma constante para assegurar a hipnose. Por
outro lado, a administração de remifentanila pode ser ajustada de acordo com o estímulo cirúrgico
e o grau de nocicepção.
Atualmente, várias cirurgias estão sendo realizadas ambulatorialmente em pacientes com maior
risco cirúrgico [American Society of Anesthesiologists (ASA) III e IV]. Portanto, a técnica anestésica
deve ser segura, eficaz e com boa relação entre custo e benefício. Neste capítulo, a AIT será comparada com as diferentes técnicas de anestesia para cirurgia ambulatorial. Será também abordado
o desenvolvimento das diferentes técnicas de AIT.
Comparação da AIT com outras técnicas anestésicas
Em estudo de artroscopia de joelho, o uso da AIT com propofol resultou em menor tempo para micção
do que a anestesia regional com bloqueio de nervo femoral e ciático.2 Em estudo de coleta ovular,
houve redução de 20% na dose-alvo de propofol controlada sem qualquer benefício clínico adicional.3
Na cirurgia de rinosseptoplastia, não se observaram diferenças em parâmetros hemodinâmicos, perfil
de recuperação e custos entre a manutenção da anestesia com desflurano/remifentanila e propofol/
remifentanila.4
Estudo envolvendo 1.158 pacientes adultos, submetidos a diferentes tipos de cirurgia em regime ambulatorial, comparou a anestesia com sevoflurano associado ou não ao óxido nitroso (N2O)
com AIT utilizando-se propofol.5 Os autores encontraram maior incidência de dor à injeção e soluços com o propofol, maior incidência de desconforto respiratório e consciência durante a indução
com o sevoflurano. O grupo do sevoflurano foi associado à maior incidência de náuseas e vômitos
pós-operatórios (NVPO), mas o tempo para a alta hospitalar e a taxa de internação por essa complicação foram semelhantes entre os grupos. De forma similar, foi observada menor incidência de
NVPO após biópsia de mama com propofol e remifentanila.6 Entretanto, o grupo do sevoflurano
e N2O apresentou menor incidência de bradicardia, apneia e dor pós-operatória, mas associou-se
com despertar mais lento do que após AIT.
Capítulo 2
Anestesia intravenosa total para cirurgia ambulatorial 29
São causas importantes de morbidade NVPOs em pacientes submetidos à anestesia geral.
Estas podem ser especialmente problemáticas em pacientes ambulatoriais, pois podem retardar a
alta hospitalar, provocar admissão inesperada, causar complicações como deiscência de sutura
e aspiração de conteúdo gástrico. A estratégia ideal na prevenção de NVPO permanece incerta.
Estudo prévio comparou dois esquemas profiláticos de NVPO em cirurgia ginecológica ambulatorial avaliando a incidência e a gravidade de NVPO antes da alta hospitalar e a incidência de NVPO
nas primeiras 24 horas após a alta hospitalar.7 Os autores concluíram que o grupo de pacientes
que recebeu AIT com propofol sem medicação antiemética e o grupo submetido à anestesia
geral com sevoflurano associado à dolasetrona apresentaram redução na incidência habitual de
NVPO. Entretanto, diferentemente do grupo da dolasetrona, a ação antiemética do propofol foi de
curta duração, não tendo influência na incidência de NVPO após a alta hospitalar. Outro estudo,
comparando AIT com propofol, AIT com propofol mais dolasetrona e anestesia inalatória mais
dolasetrona em laparoscopia ginecológica não observou diferença entre os grupos em relação ao
uso de antieméticos de resgate antes da alta hospitalar.8 Por outro lado, a incidência de NVPO nas
primeiras 24 horas foi maior após anestesia inalatória mais dolasetrona do que no grupo AIT com
ou sem dolasetrona.
O esvaziamento gástrico pode ter influência na incidência de NVPO. Foi observado em cirurgia de
colecistectomia laparoscópica ambulatorial retardo no esvaziamento gástrico sem diferenças entre o
grupo do propofol mais remifentanila e o grupo do sevoflurano sem opioide.9 Por outro lado, a relação
de custo e benefício da administração da AIT com propofol e sufentanila foi melhor do que o uso de
baixo fluxo de sevoflurano e sufentanila, em colecistectomia laparoscópica ambulatorial.10
Em procedimento de braquiterapia transperineal da próstata, a AIT (fentanila associada ao propofol) permitiu micção e alta mais precoces quando comparada com anestesia geral balanceada
(fentanila, tiopental e isoflurano) e raquianestesia com 5 mg de bupivacaína a 0,5%.11 Entretanto,
uma limitação importante desse estudo é que as drogas utilizadas na anestesia geral balanceada
não eram as mais adequadas para anestesia ambulatorial. Desse modo, o uso do propofol em
vez de tiopental e sevoflurano em vez de isoflurano poderia resultar em recuperação e alta mais
precoces nesse grupo.
O uso de sedação intravenosa em procedimentos odontológicos ambulatoriais é prática comum dos cirurgiões dentistas nos Estados Unidos. Os agentes mais utilizados para sedação
moderada ou profunda são os benzodiazepínicos e os narcóticos. Com a introdução de agentes
de curta duração como propofol e metoexital, vários estudos demonstraram as vantagens desses
agentes na manutenção da sedação.12,13 Estudo prospectivo envolvendo 47.710 pacientes submetidos a procedimento odontológico ambulatorial avaliou três esquemas de sedação: propofol
mais fentanila, metoexital mais fentanila e benzodiazepínico mais fentanila.14 O grupo do metoexital
apresentou maior incidência de efeitos adversos como náusea e vômito (1,1%) quando comparado
com os outros grupos. Além disso, ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre os
efeitos adversos do grupo do benzodiazepínico (0,8%) e do propofol (0,4%). Os autores concluíram
que o propofol é a droga mais adequada para esse tipo de cirurgia ambulatorial.
Não existe um protocolo de anestesia ideal para a realização de procedimentos invasivos em
pediatria oncológica (punção lombar e aspiração de medula) realizado em caráter ambulatorial. O
propofol é largamente utilizado nesses procedimentos, mas pode estar associado à instabilidade
hemodinâmica. A cetamina possui ação analgésica e estabilidade cardíaca, mas está associada a
efeitos psicomiméticos e prolongamento da recuperação. Estudo prévio demonstrou que a adição
de baixas doses de cetamina (0,5 mg/kg), em esquema utilizando propofol e fentanila, resultou
na redução do consumo de propofol e fentanila sem prolongar a recuperação.15 A cetamina pos-
30 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
sibilitou maior estabilidade hemodinâmica, entretanto, observou-se maior incidência de agitação
durante o despertar com esse agente (40% versus 6%). Existem trabalhos mostrando bons resultados com o uso de cetamina em cirurgia plástica sob anestesia local.16,17 O uso do propofol
com doses suplementares de cetamina para se obter sedação leve ou profunda em ventilação
espontânea não produziu alucinações e NVPO, embora outros estudos não tenham demonstrado
benefícios específicos com essa técnica.1
Nos últimos anos, o padrão das cirurgias ambulatoriais mudou com a inclusão de procedimentos mais complexos e de maior duração, como a laparoscopia pélvica. Os bloqueadores neuromusculares são utilizados nessa cirurgia para prevenir o aumento da pressão intra-abdominal e
intratorácica induzido pelo pneumoperitônio e melhorar as condições cirúrgicas. Alguns estudos
têm demonstrado o manuseio anestésico sem relaxantes durante laparoscopia de curta duração.18,19 A não administração de relaxantes neuromusculares reduz a paralisia residual e pode ser
benéfica para uma recuperação segura após laparoscopia cirúrgica ambulatorial. Recente investigação avaliou a função cardiorrespiratória em pacientes ambulatoriais submetidos à laparoscopia
pélvica.20 Os pacientes foram anestesiados com propofol e remifentanila na presença ou na ausência de rocurônio. Não houve diferença entre os grupos em relação aos parâmetros avaliados
[frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, end tidal carbon dioxide
(ETCO2), pressão de pico inspiratória, volume por minuto expirado e pressão intra-abdominal],
sugerindo que os relaxantes neuromusculares não são necessários quando se utiliza AIT com
propofol e remifentanila para laparoscopia pélvica.
O uso de opioides durante a cirurgia ambulatorial pode retardar a alta hospitalar, assim como
causar admissão hospitalar inesperada. Em cirurgia de colecistectomia laparoscópica ambulatorial, os efeitos colaterais mais comuns são NVPO, dor e retenção urinária, ocasionando admissão
hospitalar em aproximadamente 5% dos pacientes. Os opioides são amplamente utilizados ambulatorialmente, entretanto eles podem estar associados com muitos efeitos colaterais como NVPO
e atraso na alta hospitalar.21 O esmolol, antagonista beta-1-adrenérgico cardiosseletivo de curta
duração, tem sido proposto como alternativa ao uso intraoperatório de opioides reduzindo assim
o tempo de alta após cirurgia ambulatorial.22-23 Além disso, demonstrou-se que a infusão intraoperatória de esmolol reduz a incidência de náusea em decorrência da redução da administração
de opioide.24 Da mesma forma, houve menor consumo de ondansetrona no pós-operatório como
também propiciou alta hospitalar mais precoce (45 a 60 minutos).
Fármacos
A utilização mais frequente da anestesia venosa total em regime ambulatorial se deve, sobretudo, ao desenvolvimento de fármacos de curta e ultracurta duração, que permitem rápida indução da anestesia,
manutenção em infusão contínua pelo tempo necessário e previsibilidade de despertar superior à obtida com a anestesia inalatória ou combinada. Da mesma forma, a qualidade da recuperação é superior
com emprego do propofol para manutenção da anestesia venosa, quando se observa despertar mais
tranquilo, menor desorientação e mínima agitação psicomotora.25-29 Essa característica exclusiva da AIT
é viabilizada pela utilização de fármacos com meia-vida contexto-dependente favorável, como propofol e,
sobretudo, remifentanila.
Esse conceito da farmacocinética ganhou evidência na anestesiologia clínica com o advento das infusões venosas para manutenção da anestesia e se refere ao comportamento de um
fármaco quando administrado continuamente. Sua importância reside na necessidade de descrever como o contexto da infusão contínua (infusão contínua não implica velocidade constante,
Capítulo 2
Anestesia intravenosa total para cirurgia ambulatorial 31
podendo ser esta, aliás, variável com o tempo) influencia os efeitos de determinado fármaco, por
modificar seu comportamento no organismo.30
Objetivamente, a meia-vida contexto-dependente expressa o tempo necessário para que a concentração plasmática de determinado fármaco caia à metade, cessada sua infusão. Fármacos com
meia-vida contexto-dependente favorável são adequados à infusão contínua, como o propofol.
A remifentanila, com meia-vida contexto-dependente fixa de cerca de quatro minutos, apresenta na prática comportamento extremamente favorável à infusão contínua, chegando mesmo a
ser considerada independente do contexto. Isso equivale a dizer que cessada qualquer infusão
de remifentanila, a cada quatro minutos, cai à metade sua concentração no plasma, sucessivamente. Isso não acontece com o propofol, cuja meia-vida contexto-dependente se eleva com o
decorrer da infusão, evidenciando discreto “acúmulo”. Isso significa que à medida que prolongamos a infusão, aumenta o tempo para que, cessada, a concentração plasmática decresça e o
paciente desperte.30
O propofol apresenta-se como hipnótico de curta latência, com redistribuição entre os compartimentos central e periférico, cuja rapidez excede o clearance plasmático e é responsável pelo
término de ação ao se interromper a infusão.
A manutenção de concentração plasmática efetiva reduz o risco de consciência intraoperatória
e, sendo estável, oferece também maior previsibilidade de despertar. É esta, aliás, a ideia que norteia a anestesia venosa-alvo controlada. Mesmo quando não se faz a adequação da velocidade de
infusão em função do tempo decorrido, como na infusão em velocidade constante, não há grande
comprometimento de rapidez no despertar. Apenas não se tem a otimização que a técnica de
infusão-alvo controlada, mais refinada, pode oferecer em termos de controle hemodinâmico, mínimos efeitos adversos e abreviação do tempo de despertar. Tais características fazem do propofol
o anestésico de escolha para manutenção do componente hipnótico na AIT.
Já a remifentanila, em razão de sua ultrarrápida metabolização plasmática, por esterases inespecíficas, e ao mínimo volume de distribuição, fica restrita aos compartimentos centrais. Por isso
sua concentração plasmática atinge estabilidade em poucos minutos (cerca de dez minutos) e permanece constante durante a infusão, não havendo acúmulo em tecido gorduroso. Dessa forma, a
despeito de quanto dure o procedimento e sua infusão, a recuperação da ventilação espontânea
acontecerá sempre de forma rápida e absolutamente previsível em até sete minutos. Prescinde,
portanto, de ajustes na velocidade de infusão para se obter concentração plasmática estável.31
Tais características fazem da remifentanila o fármaco analgésico que mais próximo chegou do que
se considera ideal e o opioide mais adequado para prover analgesia efetiva, manutenção estável
e despertar tão breve como previsível, sem efeitos residuais, predicados excepcionais para a
anestesia ambulatorial.
No entanto, ao mesmo tempo em que oferece recuperação singular, sem depressão respiratória, prostração ou NVPO, não oferece também analgesia residual, que deve ser planejada e provida com a devida antecedência, previamente ao despertar, sempre que o procedimento envolver
dor pós-operatória.
Analgesia pós-operatória considerada “padrão-ouro” é obtida com o uso de anestésicos locais,
seja em bloqueios locorregionais ou mesmo por intermédio de infiltração do campo ou da ferida
cirúrgica. Associação de fármacos anti-inflamatórios e analgésicos colabora ainda com o controle
tardio da dor, após o término de ação dos anestésicos locais, e pode ser empregada com sucesso também sem estes últimos, para procedimentos com pouca dor pós-operatória ou quando o
tipo de intervenção não possibilitar seu uso. A importância do emprego de fármacos analgésicos
com ação anti-inflamatória cresce nas cirurgias com maior reação de reparação tecidual, envolven-
32 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
do intensidade variada de edema e dor, devendo ser ponderado o emprego de corticosteroides
no pós-operatório imediato.
Analgésicos opioides devem ser evitados sempre que possível, pois determinam maiores incidências de prostração, náuseas e vômitos e eventualmente internação hospitalar não prevista.
Quando seu emprego for mandatório para o adequado controle da dor, sugere-se o uso profilático
de antieméticos potentes, sendo a ondansetrona exemplo comum e de relativo baixo custo em
nosso meio. Dimenidrinato e metoclopramida são menos efetivos e, não raro, causam algum grau
de sedação que somado ao do opioide eleva a incidência de despertar prolongado e o atraso
ou o impedimento da alta hospitalar.30
Indução com doses moderadas de opioides de duração mais longa, como fentanila ou sufentanila, tem sido proposta para evitarem-se os riscos da indução em bolus da remifentanila, além
de prover maior estabilidade da analgesia intraoperatória (e do plano anestésico) e algum grau de
analgesia residual.32
Indução em bolus com remifentanila tem sido abandonada por ser determinante de repercussões hemodinâmicas importantes, com hipotensão acentuada e bradicardia, sobretudo em idosos
e pacientes com baixa reserva cardiovascular.33,34 Além disso, por atingir os receptores muito rapidamente, é o opioide com maior risco de desencadear rigidez torácica quando usado em bolus.
Infusão contínua de 0,5 mcg.kg-1.min-1 gera concentração efetiva de cerca de 6 ng.mL-1 após
nove minutos em adultos jovens, suficiente para a entubação traqueal segura, devendo ser reduzida para 0,1 a 0,2 mcg.kg-1.min-1 até o início da cirurgia e então titulada de acordo com a intensidade
do estímulo nociceptivo.31,35,36
Sob suficientes hipnose e analgesia a possibilidade de movimentação do paciente é mínima.
Por isso a tendência é restringirmos a manutenção de bloqueador neuromuscular (BNM) aos procedimentos que exijam relaxamento ou imobilidade absoluta, administrando apenas a dose inicial
para entubação. Com isso, reduz-se a incidência de curarização residual operatória, e com ela o
risco de hipoventilação e aspiração.37
A fentanila não se presta à infusão contínua por causa de suas características de grande volume de distribuição e menor metabolização hepática, se comparada à sufentanila e à alfentanila.
Estas fazem com que se acumulem em tecidos periféricos, de onde, após o término da infusão,
retornam ao compartimento central e aos receptores, retardando o despertar e elevando o risco
de depressão pós-operatória da ventilação.38
Alfentanila apresenta meia-vida contexto-dependente favorável ao uso sob infusão contínua e,
desde que esta seja interrompida com a devida antecedência (cerca de 20 a 40 minutos), permite
seu emprego em anestesia ambulatorial. Seu custo, porém, torna a técnica mais onerosa e, assim
como a remifentanila, não oferece analgesia residual satisfatória.39 Outra desvantagem é que não
oferece a mesma previsibilidade de despertar daquela, pois após cerca de 120 minutos de infusão
constante começa a apresentar aumento do tempo de recuperação.40
Para evitar esse inconveniente, há necessidade de ajustar sua velocidade de infusão, o que
é feito automaticamente pela bomba microprocessada usada em infusão-alvo controlada, mas é
mais complicada de ser feita manualmente, utilizando-se bomba de infusão contínua, pois os cálculos e as reprogramações da bomba tomariam muito tempo do anestesiologista.
Sufentanila também pode ser usada em anestesia ambulatorial, mas seus efeitos residuais
podem determinar intensa prostração, além de náuseas e vômitos. Apresenta, além de grande potência analgésica, duração de efeito prolongada, semelhante à da fentanila. Também tem grande
volume de distribuição, mas difere da fentanila em relação à metabolização hepática, mais rápida,
o que a torna elegível para infusão contínua.
Capítulo 2
Anestesia intravenosa total para cirurgia ambulatorial 33
Sistemas de infusão
Diferentemente do que acontece com a anestesia inalatória, quando os agentes são adicionados
ao circuito de ventilação, na AIT há necessidade de se infundirem os fármacos por acesso venoso.
À medida que se introduzem os agentes diretamente na circulação sanguínea, prescinde-se da etapa
de absorção, e tem-se, então, a oportunidade de administrar exatamente a dose que deve ser distribuída aos tecidos. A partir da distribuição pelo sangue uma fração das moléculas injetadas alcançará
seu local de efeito: os receptores.
Da ligação do fármaco aos receptores, presentes, sobretudo, no sistema nervoso central, surgirão os efeitos previstos. Mas para isso é imprescindível que as moléculas da droga utilizada alcancem determinada concentração junto a esses receptores, a chamada concentração-alvo, que
produzirá os efeitos desejados. Assim, o objetivo final de qualquer sistema de infusão é o de prover
administração de quantidade suficiente dos fármacos à circulação, de maneira ordenada, seja em
bolus ou em infusão contínua, a fim de fornecer dose (ou concentração) adequada, suficiente e
controlada, evitando variações que possam desencadear efeitos adversos.
O organismo humano é descrito, de maneira simplificada, como um modelo de três compartimentos. Na AIT introduzimos a droga diretamente no primeiro compartimento, de onde passa
ao segundo e ao terceiro, obedecendo sempre a tendência natural do equilíbrio entre os compartimentos. Considera-se como primeiro compartimento o sangue e o tecido cerebral, muito
perfundido, e que por isso recebe grande quantidade do fármaco usado, “quase instantaneamente”, praticamente no intervalo de tempo da “circulação braço-cérebro”. Estão também incluídos nesse compartimento central coração, pulmões, fígado e rins, órgãos que recebem grande
volume de sangue.
Do segundo compartimento fazem parte os demais órgãos ricamente vascularizados, e os
músculos, onde os fármacos injetados, chegam com algum atraso. Já o terceiro compartimento
é formado por tecidos que recebem menor perfusão sanguínea, como o adiposo, além de ossos
e pele. Menor perfusão se reflete em atraso para que o fármaco passe para esse compartimento e
para que daí saia, ao final da infusão.
Após intervalo de tempo que varia não só com o fármaco, mas também com as características do paciente (idade, peso, massa magra e gênero), os três compartimentos entram em equilíbrio, e cessada a infusão, começa a haver decaimento da concentração no primeiro, de onde a
droga é eliminada. Isso cria um gradiente inverso e retorno dos compartimentos periféricos para
o central.
Durante a indução da anestesia emprega-se frequentemente um bolus, que produz no plasma determinada concentração da droga utilizada, que se eleva rapidamente, atingindo um pico.
Posteriormente, ocorre distribuição das moléculas infundidas aos diferentes compartimentos, com
velocidade proporcional à perfusão de cada tecido.
Compartimentos de maior perfusão são “saturados” mais rapidamente, uma vez que recebem
em curto espaço de tempo quantidade maior do fármaco, com elevação mais precoce de sua
concentração. Aos compartimentos menos perfundidos, como o segundo, mas principalmente
ao tecido adiposo do terceiro compartimento, o sangue chega mais lentamente, e o equilíbrio de
concentração com o plasma ocorrerá mais tardiamente. Por isso esses compartimentos mais periféricos, menos perfundidos, e eventualmente de maior tamanho, serão tanto preenchidos quanto
esvaziados (quando for interrompida a administração) mais lentamente que o central, e, ao final da
infusão, devolverão ao plasma as moléculas que acumularam.
34 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Quando administramos bolus sucessivos produz-se concentração sanguínea muito variável
do fármaco utilizado, que logo após a injeção poderá ser muito superior à necessária, produzindo
efeitos adversos. Segue-se então uma fase de decaimento rápido da concentração plasmática,
à medida que a droga é levada para os demais compartimentos, e que, algum tempo depois,
poderá ser insuficiente para produzir os efeitos necessários. Isso acontece de forma ainda mais
pronunciada quando se utilizam fármacos de curta ou ultracurta duração, tendência natural para a
moderna anestesia ambulatorial, quando são imprescindíveis o rápido despertar e a recuperação
abreviada, segura e confortável do paciente, sem demandar pernoite na instituição.
A utilização de infusão contínua do fármaco, seja ela constante ou de velocidade variável, possibilita
evitar essa variação da concentração plasmática, com menor incidência de complicações. Para tanto
é imprescindível o emprego da bomba de infusão, acoplada ao circuito formado por equipo, extensão, perfusor e divisor de fluxo, também chamado “polifix” ou “torneirinha”, que conduzem a solução
utilizada desde o equipamento de infusão até o acesso venoso do paciente. O uso de dispositivos
como buretas e equipos de microgotas não oferece controle da infusão com a precisão necessária e
apresenta-se como má prática, não devendo ser admitido nos dias atuais.41
Idealmente deve-se utilizar acesso venoso exclusivo para infusão das drogas, para evitar acidentes com bolus inadvertido, pela variação do fluxo do cristaloide utilizado. Quando isso não é
possível, deve-se posicionar o divisor de fluxo o mais próximo possível do acesso venoso.
Qualquer volume de fármaco remanescente no circuito de infusão venosa do paciente deve ser
lavado ao final do procedimento, para que isso não aconteça de forma inadvertida na sala de recuperação anestésica, quando uma eventual depressão respiratória pode ter consequências trágicas.42
A fim de reduzir desperdício de medicação e evitar custos desnecessariamente elevados,
recomenda-se utilizar circuitos de baixo volume de preenchimento. Extensores de cerca de 120
cm, mas de calibre reduzido, podem ser preenchidos com menos de 2 mL da solução ou do fármaco não diluído, enquanto extensões com calibre semelhante ao de um equipo comum de soro
podem demandar cerca de 15 mL, com consequente desperdício da medicação, que ao final da
infusão permanece retida no sistema.
Bombas de infusão que empregam seringas, pelo mesmo motivo, tendem a ser mais econômicas que as de rolete, ou peristálticas, que usam equipos, pois estes apresentam extensão
e calibre maiores que o do perfusor usado para conectar a seringa ao acesso venoso. Bombas
que exigem seringas ou equipos específicos também podem apresentar custos mais elevados,
enquanto que maior economia tem sido obtida pelo emprego de equipamentos que aceitam seringas descartáveis comuns, de boa qualidade, conectadas à linha de infusão venosa por extensores de baixo volume de preenchimento.
Quanto às soluções, é imprescindível que sejam preparadas sob condições assépticas, sobretudo quando se emprega o propofol, fármaco de características farmacocinéticas formidáveis,
mas apresentado sob a forma de emulsão lipídica, em veículo que é rico meio de cultura. Deve-se
restringir ao mínimo a manipulação do propofol, evitando diluí-lo, pelo risco de contaminação. Isso
reduz também a possibilidade de instabilização da emulsão e eventual coalescência das microvesículas lipídicas, presentes nas apresentações comercialmente disponíveis, diminuindo-se assim
a dor à infusão.
Soluções de fármacos opioides devem ser preparadas utilizando-se soro fisiológico de cloreto
de sódio a 0,9% ou soro glicosado a 5% e em concentração adequada. Recomenda-se no caso
de remifentanila que a concentração seja de no máximo 50 mcg/mL, ou seja, 5 mg a cada 100
mL, sendo a mais recomendada a que se obtém da adição de 2 mg a cada 100 mL da solução
Capítulo 2
Anestesia intravenosa total para cirurgia ambulatorial 35
(20 mcg/mL). Isso facilita a titulação do efeito desejado e ajuda a evitar grandes variações hemodinâmicas, por hipotensão arterial decorrente de eventual bolus acidental.42
Uma vez que se busca com a AIT explorar a oportunidade de manejar hipnose, analgesia e
relaxamento muscular separadamente, pelo uso de fármacos específicos para cada um desses
componentes, é no mínimo incoerente associar numa mesma solução propofol e opioide, como
a remifentanila. Além disso, diluir remifentanila em propofol pode causar hidrólise do grupo éster
do opioide.43
Do ponto de vista técnico, a depender das concentrações de cada uma das drogas na solução, há grande risco de ocorrer memória intraoperatória ou variações hemodinâmicas tão indesejadas como perigosas, motivos suficientes para que a administração de mais de um fármaco na
mesma solução seja considerada má prática, devendo ser veementemente desaconselhada.
Infusão-alvo controlada: otimizando
qualidade intraoperatória e despertar
Equipamentos de infusão-alvo controlada nada mais são que bombas de infusão que incorporam microprocessadores capazes de calcular (e recalcular contínua e rapidamente) a quantidade da solução a
ser infundida necessária para se obterem os efeitos desejados. Assim, a depender da droga e do modelo farmacocinético utilizado, deve-se alimentar o equipamento com os dados necessários, referentes
ao paciente a ser assistido. Estes podem incluir apenas peso, como também altura, idade e gênero.33
Com os dados fornecidos, o equipamento é capaz de estimar, ao longo do tempo, a quantidade de fármaco a ser fornecida à circulação, a fim de prover a concentração solicitada, e se encarregará de mantê-la estável à medida que os compartimentos corporais vão sendo preenchidos,
ou de corrigi-la quando assim se deseja. Para tanto, pode ser o caso de interromper a infusão
por alguns momentos, retomando-a a velocidades menores e ao tempo oportuno, se reduzir-se
a concentração-alvo. Ou, de outra forma, proceder a um bolus seguido de velocidade superior à
vigente anteriormente, se for necessário elevar a dose-alvo programada, tudo calculado a partir do
modelo farmacocinético disponível para cada droga e com rapidez e precisão muito superiores às
que seriam capazes de se alcançar manualmente.
Um modelo farmacocinético é um conjunto de equações, desenvolvido a partir da observação
das concentrações promovidas por diferentes doses dos fármacos estudados e que descrevem
seu comportamento no organismo e sua movimentação entre os diferentes compartimentos, a
partir do momento em que é infundido na circulação.33
Empregando dados sobre o paciente e a concentração do fármaco na solução utilizada, fornecidos pelo anestesista, o microprocessador que comanda a bomba pode estimar, com base no
modelo farmacocinético, a cada momento, qual a concentração predita da droga no plasma e ao
nível dos receptores e variar a infusão a fim de que se forneça a quantidade “exata” do fármaco
que é necessária.
Assim se promove uma adequação da dose a cada paciente e a cada contexto, buscando-se
evitar tanto sub quanto sobredose, oferecendo técnica anestésica refinada, de qualidade superior
à obtida com a infusão contínua, minimizando variações hemodinâmicas, efeitos adversos e custos, com ganhos relevantes pela maior satisfação do paciente.
A adequação da infusão possibilita menor risco de complicações intraoperatórias, decorrentes
de plano anestésico eventualmente inadequado, como memória intraoperatória.44 Isso é ainda
mais importante se não se dispõe de monitorização cerebral de efeito, como BIS, e se reflete em
36 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
ganhos em qualidade e em segurança. Da mesma forma, doses adequadas reduzem o risco de
efeitos adversos pós-operatórios, como sedação prolongada e dor, além de náuseas e vômitos.
O cálculo da concentração plasmática estimada permite que a própria bomba proceda à redução da infusão com o decorrer do tempo, tornando o despertar mais previsível, reduzindo a dose
total utilizada e os custos.
A concentração-alvo necessária de remifentanila em anestesia geral varia em função da intensidade do estímulo doloroso, situando-se entre 3 e 6 ng.mL–1. A do propofol deve ser de 2 a
4 mcg.mL–1, a depender dos outros fármacos utilizados, já que seu sinergismo varia com o opioide
empregado, sendo máxima quando combinado à remifentanila.
Para a sufentanila, a dose-alvo a ser fornecida à bomba de infusão deve estar entre 0,1 e
0,3 ng/mL, também de acordo com o estímulo nociceptivo vigente.
Além da intensidade do estímulo nociceptivo, tem grande importância para o ajuste da dose
de remifentanila a idade e o estado físico do paciente, pois é, dos opioides atualmente em uso,
o que apresenta o menor volume de distribuição, ficando restrito praticamente ao compartimento
central, distribuindo-se pouco pelo tecido adiposo do terceiro compartimento.34,45 Por esse motivo
seus efeitos são fortemente modificados por alterações do volume central. Pacientes entre 50 e 80
anos de idade apresentam redução de cerca de 20% no volume central e de 30% na depuração
plasmática, tornando, para alguns autores, o ajuste da dose pela idade ainda mais importante do
que pelo peso.46
Isso é feito pela bomba quando se opta pela infusão alvo-controlada, pois o modelo farmacocinético usado, desenvolvido por Minto, leva em consideração, além do peso, também altura, sexo
e idade para o cálculo do volume central, tornando seu uso ainda mais seguro.33
Quando usado em bomba comum, em infusão contínua, é de suma importância que façamos
a adequação da dose pela idade e pelo estado físico do paciente, iniciando-se com infusão baixa,
elevada progressiva e lentamente, titulando-a de acordo com a resposta clínica observada.
Quando se utiliza remifentanila como único opioide, objetivando a previsibilidade de despertar,
a recuperação abreviada e a maior garantia de alta hospitalar, torna-se imprescindível prover analgesia eficaz com a devida antecedência. Isso pode ser feito na maioria dos procedimentos ambulatoriais com analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais. Opioides como tramadol e codeína
devem ser reservados para os casos de dor mais intensa, já que elevam incidência de náuseas e
vômitos, que podem retardar ou impedir a alta hospitalar.47 Quando o procedimento cirúrgico e a
região operada permitem, é conveniente o emprego de bloqueio regional ou infiltração com anestésico local, já que são as formas mais eficientes de analgesia pós-operatória.
Conclusão
O regime ambulatorial vem-se consolidando na prática diária de muitos serviços pelas inúmeras vantagens que oferece, o que vem sendo facilitado pela forte tendência de cirurgias por meio de abordagens
cada vez menos invasivas.
Alinhada aos avanços das áreas cirúrgicas, a anestesiologia tem oferecido fármacos e técnicas
que possibilitam o manejo do paciente de curta permanência de forma efetiva e segura, sem prejuízo à rápida recuperação.
É nesse contexto que propofol e remifentanila ocupam lugar de destaque na anestesia ambulatorial, sobretudo quando empregados sob infusão-alvo controlada, que otimiza o perfil farmacocinético tão favorável desses fármacos, com ganhos em segurança, qualidade e satisfação do
paciente, sem elevação relevante nos custos finais.
Capítulo 2
Anestesia intravenosa total para cirurgia ambulatorial 37
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Capítulo 3
Conduta anestésica no
paciente pneumopata
— Avaliação e preparo
pré-operatório
Fernando Antônio Nogueira Cruz Martins
José Fernando Bastos Folgosi
Ricardo Lopes da Silva
40 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Num universo de procedimentos cirúrgicos efetuados, estima-se que cerca de 3% a 10% são passíveis
de algum tipo de morbidade, sendo a maioria de origem pulmonar, cardíaca ou infecciosa. No intuito de
preveni-las ou atenuá-las, é indispensável a adoção de precauções pré-operatórias estritas, que incluem,
além do diagnóstico prévio, um conjunto de medidas que visem avaliar a funcionalidade dos vários
órgãos ou sistemas, bem como a obtenção da melhor condição fisiológica possível para o paciente
suportar o trauma cirúrgico.
A avaliação pré-operatória da função pulmonar é de estreita importância, pois qualquer procedimento cirúrgico se acompanha de algum grau de disfunção respiratória, mesmo se os pulmões
não se encontram diretamente envolvidos. A anestesia, o uso de próteses na ventilação controlada,
a hipoventilação dependente da dor, a ineficácia da tosse, a imobilização e a depressão do sistema
nervoso central imposta pela ação de drogas anestésicas representam alguns elementos potencialmente capazes de desencadear uma insuficiência respiratória.1,2
Dentro da avaliação pulmonar pré-operatória, teremos dois objetivos principais: identificar os
pacientes com fatores de risco para complicações pulmonares (fumantes, asmáticos, bronquíticos
crônicos, enfisematosos e, principalmente, idosos) e distinguir, entre eles, aqueles que poderiam
ser alvo de intervenção no perioperatório a fim de reduzir a ocorrência de complicações.3 Os fatores
de risco para complicações pulmonares podem ser separados em três grandes grupos:
Fatores relacionados com a cirurgia
Local
É o principal preditor de risco. As complicações estão relacionadas principalmente com as cirurgias torácicas e do andar superior do abdômen. Nos outros procedimentos cirúrgicos o risco está principalmente
relacionado com as pneumonias por broncoaspiração.4
Duração
As cirurgias com duração acima de três horas estão relacionadas com uma incidência maior de complicações pulmonares.4,5
Cirurgia laparoscópica versus aberta
A cirurgia laparoscópica exige cuidado durante o ato cirúrgico em razão de duração maior que a da
cirurgia aberta, da absorção do CO2 insuflado e do pneumoperitônio que eleva o diafragma, mas causa
menor agressão tecidual, menos dor; a mobilização do paciente é mais precoce, o íleo é de menor duração e as modificações dos volumes pulmonares são menos acentuadas. Com isso há uma diminuição
no risco de complicações pós-operatórias.4
Fatores relacionados com o paciente
Tabagismo
O fumo causa aumento de secreção e reatividade brônquicas, inflamação nas vias respiratórias inferiores, diminuição da atividade mucociliar e aumento do volume de fechamento do espaço alvéolo-
Capítulo 3
Conduta anestésica no paciente pneumopata — Avaliação e preparo pré-operatório 41
-pulmonar. Independentemente da presença de sintomas respiratórios, pacientes que fumam mais de
20 maços de cigarros por ano têm maior risco de complicações pulmonares.6,7
Idade
O estudo de Arozullah et al,8 em 2001, controlou bem as condições de comorbidades e mostrou, em
análise prospectiva e com grande amostragem, que a idade ainda é um fator de risco independente para
as complicações pulmonares infecciosas. Os idosos apresentam alterações fisiológicas importantes
como diminuição da capacidade pulmonar total e da complacência pulmonar associada ao aumento da
pressão de fechamento, à diminuição do volume corrente e da capacidade vital forçada (CVF).9
Estado imunológico
Condições que comprometam o estado imunológico, tais como uso crônico de corticoides, insuficiência
renal crônica, ingestão de grande dose diária de álcool, perda ponderal acelerada e várias transfusões,
entre outras, são situações consideradas de risco para complicações pulmonares.4,8
Obesidade
Além de diminuição de complacência pulmonar, capacidade vital, capacidade inspiratória, reserva expiratória e capacidade pulmonar, como também de um distúrbio de ventilação e perfusão provocando
áreas de shunt, não existem dados na literatura relatando a obesidade como determinante isolado de
risco para complicações pulmonares.1,2,10,11
Asma e doença pulmonar obstrutiva crônica
O paciente asmático deve ser submetido ao procedimento cirúrgico apenas quando estiver no melhor
de seu estado funcional. Mesmo assintomático, apresenta uma incidência para complicação pulmonar
em torno de 1,7%.
Os pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) possuem um risco de 2,7% a
4,7% de complicações pulmonares relacionadas com a gravidade da doença pulmonar, por isso
também devem estar em seu melhor estado funcional possível para a realização da intervenção
cirúrgica.1,2,12
Fatores relacionados às técnicas anestésicas
Anestesia geral versus regional
A incidência de complicações pulmonares perioperatórias é influenciada pelo tipo e pela duração da
anestesia. Os agentes inalatórios diminuem o transporte mucociliar e promovem a retenção de secreção na árvore respiratória, favorecendo com isso a ocorrência de complicações pulmonares. Em uma
metanálise, Rodgers et al.,13 em 2000, mostraram uma redução de 40% na incidência de complicações
pulmonares quando submeteram os pacientes à anestesia regional associada ou não à anestesia geral.5,8,13,14
O tempo de duração está diretamente ligado ao desenvolvimento de complicações pulmonares,
e o risco aumenta a partir de duas horas e mais ainda após três horas de anestesia.
42 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Bloqueador neuromuscular
O uso de bloqueador neuromuscular de longa duração está associado a um maior bloqueio residual no
pós-operatório, causando hipoventilação, sendo por isso um fator de risco para complicações pulmonares.1,2
Avaliação pulmonar por métodos complementares
Radiografia do tórax
Fornece informações quanto às alterações radiológicas de base nos pacientes que apresentam risco
pulmonar elevado, auxiliando no ajuste da terapêutica dos pacientes com pneumopatias e sinais ou
sintomas respiratórios.15
Espirometria
O uso rotineiro da espirometria para a estratificação do risco de complicações pulmonares no perioperatório permanece controverso devido à falta de uniformidade e metodologia dos estudos. Estudos
em operações abdominais ou cardiovasculares demonstraram que a espirometria tem especificidade
e sensibilidade baixa quando comparada com o conjunto das outras variáveis clínicas, por isso não se
justifica o uso rotineiro.
Seu uso deve ser reservado a pacientes submetidos a cirurgias torácicas ou abdominais altas,
com sintomas de tosse, dispneia ou intolerância ao exercício e quando há dúvidas quanto ao grau
de obstrução do fluxo aéreo existente após abordagem clínica.12,16
O American College of Physicians recomenda o uso da espirometria nas seguintes situações:17
Pacientes submetidos à cirurgia de ressecção pulmonar.
• Pacientes com doença pulmonar suspeita, mas não caracterizada.
• Pacientes submetidos à cirurgia torácica e abdominal alta e que possuam história de taba-
gismo ou dispneia.
• Pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica e com história de tabagismo
importante.
Os valores de espirometria associados às complicações são: CVF menor que 70%, volume expiratório final no primeiro segundo (VEF1) menor que 70% e a relação entre CVF e VEF1 menor que
65% do predito.
Gasometria arterial
Pode ser de auxílio na avaliação do paciente com doença pulmonar conhecida ou na investigação de
dispneia. Uma pressão arterial parcial de dióxido de carbono (PaCO2) superior a 45 mmHg é um marcador de doença pulmonar avançada e de uma pequena ou inexistente reserva funcional pulmonar.
A avaliação pré-operatória do risco de complicações pulmonares pode ser feita por meio de
índices que consistem na avaliação de variáveis clínicas e laboratoriais, os quais têm a finalidade de
separar os pacientes em grupos diferentes de risco para as complicações.11,18
Em 1988, Torrington e Henderson desenvolveram uma escala (Tabela 1) que é utilizada até os
dias atuais. Ela foi definida por intermédio de um estudo dos parâmetros clínicos e laboratoriais
baseando-se em sintomas respiratórios, tipo de cirurgia, idade e espirometria. Com base nessa
Capítulo 3
Conduta anestésica no paciente pneumopata — Avaliação e preparo pré-operatório 43
escala, podem-se classificar os pacientes em baixo risco, cuja soma é no máximo 3 pontos, 4 a 6
pontos em moderado, e 7 a 12 em alto risco (Tabela 2)19.
Tabela 1. Escala de Torrington e Henderson
Variáveis
Pontuação
Espirometria
CVF < 50% do previsto
1
VEF1/CVF: 65% a 75%
1
VEF1/CVF: 50% a 64%
2
VEF1/CVF: < 50%
3
Idade superior a 65 anos
1
Peso acima de 150% do ideal
1
Cirurgia abdominal alta ou torácica
2
Outras cirurgias
1
Tabagismo
1
Sintomas pulmonares (tosse, dispneia, catarro)
1
História de doença pulmonar
1
Tabela 2. Classificação de risco para complicações pulmonares
Classificação
Pontos
Taxa de complicações (%)
Mortalidade (%)
Baixo
0-3
6
2
Moderado
4-6
23
6
Alto
>7
35
12
Arozullah et al. desenvolveram e validaram outro índice de risco multifatorial, em que prediz o risco de pneumonias no pós-operatório de cirurgias não cardíacas e faz uma classificação em cinco
classes de acordo com a pontuação obtida no índice de risco (Tabelas 3 e 4).1,8
Tabela 3. Índice de risco de pneumonia no pós-operatório
Fatores de risco pré-operatório
Pontuação
Tipo de cirurgia
Aneurisma de aorta abdominal
15
Torácica
14
Abdômen superior
10
Pescoço
8
Neurocirurgia
8
Vascular
3
(continua)
44 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Tabela 3. Índice de risco de pneumonia no pós-operatório (continuação)
Idade (anos)
Mais de 80
17
70 a 79
13
60 a 69
9
50 a 59
4
Estado funcional
Totalmente dependente
10
Parcialmente dependente
6
Perda ponderal > 10% nos últimos 6 meses
7
História de DPOC
5
Anestesia geral
4
Diminuição do nível de consciência
4
História de acidente vascular cerebral (AVC)
4
Nível sanguíneo de ureia
< 8 mg/dL
2
22 a 30 mg/dL
3
> 30 mg/dL
4
Transfusão acima de quatro unidades
3
Cirurgia de emergência
3
Uso crônico de esteroide
3
Tabagista nos últimos 12 meses
3
Ingestão de álcool acima de dois drinques diários nas últimas duas semanas
2
Tabela 4. Classe de risco
Classe
Pontuação
Taxa de complicação
1
0 a 15
0,2%
2
16 a 25
1,2%
3
26 a 40
4,0%
4
40 a 55
9,4%
5
> 55
15,8%
Empregando-se a avaliação clínica, os exames radiológicos, a bioquímica e os testes funcionais, a probabilidade de complicações pulmonares no pós-operatório é mínima (< 5%), se
seus valores forem normais, aumenta para 50% se tivermos a alteração em uma ou mais dessas
provas.
Capítulo 3
Conduta anestésica no paciente pneumopata — Avaliação e preparo pré-operatório 45
Anestesia no paciente com pneumopatia
Anestesiar um paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica é sempre um grande desafio, pois a
anestesia está associada a crises de broncoespasmo e complicações pulmonares no pós-operatório.
Anestesia geral
Para execução de uma anestesia geral tem de se garantir uma via aérea pérvia, e isso geralmente é
realizado por meio da entubação traqueal, cuja manipulação da traqueia pode causar broncoconstrição.
Um plano anestésico adequado associado ao relaxamento muscular é a melhor maneira de evitar o
broncoespasmo.20 A indução da anestesia pode ser feita de forma segura com propofol associado a
opioides como fentanila, sulfentanila e remifentanila; a associação de lidocaína endovenosa na dose 1
mg/kg ajuda a evitar crise de broncoespasmo. Em pacientes que estejam em crises, principalmente os
asmáticos, a utilização de cetamina para indução se mostra vantajosa em relação ao propofol e ao etomidato.21 Dentre os relaxantes musculares, o cisatracúrio, que não libera histamina, é o agente de escolha.
Sendo o rocurônio muito útil naqueles que necessitam entubação sequencial rápida.21 Os halogenados,
especialmente o sevoflurano e o halotano, apresentam a característica de promoverem broncodilatação.
Sua utilização na manutenção da anestesia causa uma redução no tônus da via aérea melhorando a
mecânica respiratória, principalmente o fluxo expiratório,22 que está reduzido nesses pacientes.
A utilização de máscaras laríngeas em substituição ao tubo endotraqueal nesses pacientes
é vantajosa, pois produz uma baixa estimulação da via aérea prevenindo a broncoconstrição e
reduzindo a tosse no despertar.23 A utilização de tubo traqueal com cuff insuflado exerce uma
significante pressão sobre a mucosa traqueal, ocasionando diminuição na eliminação do muco.
A máscara laríngea, por sua vez, exerce pressão sobre a mucosa faríngea, não diminuindo a
eliminação do muco. O acúmulo de muco promove atelectasia e aumento na incidência de infecções pulmonares.5
Nesses pacientes temos de ter um cuidado especial com a ventilação mecânica, pois apresentam uma tendência à hiperinsuflação pulmonar devida ao aprisionamento aéreo. Os principais
mecanismos envolvidos são: aumento da obstrução ao fluxo aéreo causada por inflamação, hipersecreção brônquica, broncoespasmo e uma redução da retração elástica pulmonar.24 É muito
importante monitorizar a relação entre o volume corrente e o volume exalado para diagnosticar o
aprisionamento de ar. Caso este ocorra, necessita-se otimizar a expiração. Para compensar essa
dificuldade expiratória, deve-se ajustar os parâmetros ventilatórios a fim de aumentar o tempo expiratório. Isso se consegue com uma menor relação inspiratória:expiratória (1:3, 1:4), uma frequência
respiratória de 8 a 10 incursões por minuto e um volume corrente em torno de 6 a 8 mL/kg. A utilização de pressão positiva ao final da expiração (PEEP) é bastante controversa, porém acredita-se
que uma PEEP extrínseca menor que a PEEP intrínseca, aquela gerada pelo aprisionamento de ar,
evita o colapso de pequenas vias aéreas e melhora a ventilação.24
Anestesia regional
A anestesia regional apresenta vantagens sobre a anestesia geral por evitar os severos estímulos proporcionados pela entubação e minimizar o comprometimento da função pulmonar pós-operatória, porém
é necessário valorizar o fato de que esses pacientes são frequentemente inaptos para permanecerem
estritamente na posição supina, pois podem tornar-se progressivamente não cooperativos com o agravamento da hipóxia, e nem sempre a sedação consegue contornar essa situação.20
46 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
A anestesia peridural lombar e a raquianestesia podem ser usadas nesses pacientes, quando
o nível do bloqueio fica abaixo da décima vértebra torácica não ocorrendo alterações na função
respiratória, porém bloqueios torácicos extensos bloqueiam a musculatura expiratória dificultando
a expiração, o que ocasiona um aumento do PEEP intrínseco, piorando o quadro pulmonar. Desse
modo, em cirurgias que necessitem de um bloqueio sensitivo mais alto, como as cirurgias abdominais, é preferível optar pela anestesia geral.
A associação da anestesia peridural para promover analgesia com a anestesia geral é uma
ótima técnica nesses pacientes. A dor pós-operatória, especialmente quando relacionada com
cirurgia torácica ou abdominal alta, constitui-se na principal causa da diminuição da capacidade
vital, resultando em hipoventilação, na formação de atelectasias e pneumonia. Vários estudos têm
demonstrado os efeitos benéficos da anestesia peridural torácica no controle da dor pós-operatória,
na restauração da função pulmonar e na aceleração da recuperação do paciente submetido a uma
cirurgia torácica ou abdominal alta. É importante ressaltar dois fatores: (1) a utilização de anestésicos locais em baixa concentração promove analgesia sem causar bloqueio motor e interferir com
a mecânica ventilatória; (2) o bloqueio neural simpático não induz broncoconstrição porque o tônus
motor brônquico é preferencialmente determinado pela estimulação beta-2-adrenérgica em comparação ao balanço dos sistemas parassimpático e simpático autônomo.14
O bloqueio de membro superior pode ocasionar um bloqueio ipsilateral do nervo frênico, comprometendo a atuação do diafragma na mecânica ventilatória. Essa paralisia promove um movimento
paradoxal da cúpula diafragmática do mesmo lado do bloqueio, de modo que, durante a inspiração,
ocorre uma ascensão da cúpula em vez da movimentação distal do diafragma.25 Por isso deve ser
evitado em pacientes que tenham dificuldades respiratórias prévias. Apenas a técnica pela via axilar
não apresenta esse risco, porém ela só está indicada para cirurgias abaixo do cotovelo. A técnica
do bloqueio regional de membro inferior não compromete a mecânica ventilatória, sendo uma boa
indicação para as cirurgias de membro inferior.
Cuidados pós-operatórios do paciente pneumopata
O paciente pneumopata apresenta risco aumentado de eventos adversos respiratórios após uma determinada cirurgia, particularmente os tabagistas portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC) submetidos à cirurgia do abdômen superior ou à cirurgia torácica. A via aérea desses pacientes
permanece vulnerável por cerca de 24 horas, e hipoventilação pode ocorrer até três dias após, dependendo da cirurgia e da técnica anestésica utilizada.26
Na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA), a via aérea deve ser assegurada, mantida
funcionante, e a ventilação adequada, associada à oxigenação, antes da alta. É importante que o
bloqueador neuromuscular administrado seja revertido, com o monitor da junção neuromuscular
registrando relação T4/T1 > 0,9 com o uso da sequência de quatro estímulos. Por outro lado,
o paciente deve ser mantido aquecido e hidratado corretamente. A presença de dificuldade de
ventilação ou oxigenação implica necessidade de transferência para a unidade de cuidados intensivos (UTI).26
Terapia com oxigênio
Após cirurgia de pequeno porte, pode ocorrer hipóxia nas primeiras duas horas de pós-operatório. Dessa forma, deve-se administrar oxigênio até que o paciente esteja completamente desperto e recuperado
da anestesia. Após cirurgias de maior porte, a hipóxia pós-operatória pode ocorrer até o terceiro dia
Capítulo 3
Conduta anestésica no paciente pneumopata — Avaliação e preparo pré-operatório 47
de pós-operatório, principalmente à noite. Essa tendência é mais grave em pacientes que receberam
opioides por qualquer via de administração. Nessa situação, a presença de doença cardíaca isquêmica
ou pulmonar associada pode ser agravada. Para esses pacientes, oxigênio suplementar deve ser administrado durante esse período por cânula nasal de 2 a 4 L/minuto.27
Alguns pacientes com DPOC grave dependem da hipóxia para manter a ventilação. É difícil
diagnosticar as situações em que o estímulo para ventilação depende da hipóxia. Assim sendo,
nesses pacientes a fração inspirada de oxigênio deve ser monitorizada e gasometrias arteriais seriadas devem ser realizadas com o objetivo de determinar o nível de terapia com oxigênio que deve
ser instituído.27
Analgesia pós-operatória
A analgesia efetiva reduz a incidência de eventos adversos respiratórios pós-operatórios.
Opioides intravenosos podem ser administrados para alívio da dor na SRPA, mas deve-se tomar
cuidado com a depressão da ventilação. Caso haja opção pela administração de opioides endovenosos contínuos, a supervisão deve ser mais intensa. Uma opção ao excesso de opioides é a
associação desses fármacos com anti-inflamatórios não hormonais (AINH), o que reduz o risco de
depressão ventilatória. Sistemas de analgesia controlada pelo paciente (PCA) permitem a este melhor controle da analgesia associado também ao menor risco de efeitos adversos.26
Analgesia peridural com uso de cateter torácico para cirurgias do abdômen superior e torácicas resultam também em boa qualidade da analgesia associada a baixo risco de eventos adversos. Entretanto não há consenso que demonstre a superioridade dessa técnica de analgesia
sobre as demais.
A combinação de baixas concentrações de anestésicos locais com baixas doses de opioides
no espaço peridural resulta em excelente analgesia com reduzida incidência de efeitos indesejáveis.
Uma vez que essa técnica seja utilizada, deve-se proceder a vigilância adequada dos sinais vitais,
da oxigenação, da frequência respiratória e do nível de consciência. O ideal é que sejam criados
protocolos de treinamento do pessoal de enfermagem para cuidados com a analgesia e condutas
diante de alterações indesejáveis.26
Fisioterapia
A orientação do paciente durante o período pré-operatório, em relação às técnicas para mobilizar secreções e melhorar os volumes pulmonares no pós-operatório, reduz a incidência de eventos adversos
respiratórios. Os métodos empregados são a tosse, a respiração profunda, a movimentação precoce e a
percussão torácica associadas à drenagem postural. Para que sejam empregadas técnicas adequadas
de fisioterapia, o paciente deve ter adequada analgesia instituída, o que facilita as manobras.28
Uso de esteroides
O paciente asmático ou com DPOC grave pode beneficiar-se da terapia com prednisolona (20 a 40 mg/
dia) durante a semana que antecede a cirurgia.29
Pacientes que já utilizam esteroides nos seis meses que antecedem a cirurgia ou que recebem dose de manutenção de prednisolona superior a 10 mg/dia apresentam risco de supressão
adrenocortical. Nesses casos, a suplementação perioperatória com esteroides deve ser instituída.
Hidrocortisona, 100 mg, intravenosa deve ser administrada oito horas antes da cirurgia, e a terapia
48 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
deve ser continuada com redução progressiva da dose até o retorno à dosagem habitual nos cinco
dias subsequentes (hidrocortisona, 100 mg, endovenosa = prednisolona, 25 mg, via oral).29
Problemas respiratórios no pós-operatório
Dispneia pós-operatória indica habitualmente dificuldade respiratória e hipóxia, mas pode ser decorrente
de dor, ansiedade, sepse, anemia e acidose. O tratamento inicial consiste em assegurar a via aérea e
aumentar a concentração de oxigênio no ar inspirado. A observação da oximetria de pulso deve guiar a
conduta para manter saturação periférica superior a 92%. A causa da dispneia é investigada por história,
exame físico e exames complementares, especialmente radiografia do tórax.26
Estridor
A via aérea pode ser comprometida no pós-operatório por efeito residual da anestesia (em particular
opioides e sedativos), por vômitos e por complicações operatórias (sangramento e lesão de nervos).
Nessas situações a via aérea deve ser controlada usando dispositivos menos invasivos (cânulas oro
ou nasofaríngeas), entubação traqueal e máscara laríngea, lembrando-se do risco de edema das vias
aéreas com esta última. Pode-se administrar adrenalina, 2,5 a 5 mg, por nebulização, e dexametasona,
4 a 8 mg, intravenosa.26
Atelectasia e pneumonia
Dor, desidratação e imobilidade levam à atelectasia dos segmentos pulmonares inferiores algumas horas
após a cirurgia. Tosse ineficiente pode promover retenção de secreções. Os objetivos do tratamento são:
analgesia adequada, oxigênio umidificado, hidratação, fisioterapia e mobilização precoce. Atelectasia e
tosse ineficiente favorecem a ocorrência de pneumonia e infecção. Uma vez que pneumonia tenha-se instalado, culturas de sangue venoso e do escarro devem ser realizadas para orientar antibioticoterapia.26
Broncoespasmo
Pode ser decorrente de asma prévia, broncoaspiração de sangue ou vômito ou reação alérgica. Edema
pulmonar e embolia pulmonar podem imitar broncoespasmo. O paciente torna-se dispneico, taquipneico e usa musculatura acessória da ventilação. A fala torna-se difícil e sibilos são ouvidos à ausculta
pulmonar. Radiografia de tórax pode ser útil para excluir pneumotórax e evidenciar áreas colabadas após
broncoaspiração. Presença de hipercarbia na gasometrial arterial indica fadiga e insuficiência respiratória
iminente. O tratamento deve incluir oxigênio, nebulização com salbutamol, 2,5 a 5 mg, a cada quinze
minutos (ou até que ocorra aumento significativo da frequência cardíaca), associação do ipratropium ao
agonista beta-adrenérgico, 250 a 500 mg, a cada seis horas, e hidrocortisona, 100 mg, intravenosa.
Nebulização com adrenalina deve ser usada quando não há outro agonista beta-adrenérgico, na dose de
2,5 mg. Adrenalina intramuscular, 0,5 mg, deve ser usada nos casos de broncoespasmo grave. Como a
insuficiência respiratória pode ocorrer rapidamente, equipamento para ventilação mecânica e entubação
traqueal devem estar disponíveis.29
Pneumotórax
Pode ocorrer como consequência de ventilação com pressão positiva em pacientes asmáticos e com
DPOC. O paciente apresenta dispneia e queixa-se de dor torácica. Ocorre hiper-ressonância à percus-
Capítulo 3
Conduta anestésica no paciente pneumopata — Avaliação e preparo pré-operatório 49
são torácica e, em casos graves, desvio da traqueia para o lado oposto ao pneumotórax. Ocorre aumento da pressão venosa central e colapso cardiovascular devido ao desvio do mediastino. Em pacientes
estáveis, a radiografia do tórax confirma o diagnóstico. Nos casos de pneumotórax hipertensivo, deve-se
proceder a imediata inserção de uma cânula endovenosa 14-Gauge na cavidade pleural, no nível do
segundo espaço intercostal, na linha médio clavicular.30
Em resumo, podem-se dividir as estratégias de redução dos riscos ligadas às orientações perioperatórias em pré-operatórias, intraoperatórias e pós-operatórias (Quadro 1).4,31-33
Quadro 1. Orientações perioperatórias
Pré-operatórias
Parar o tabagismo oito semanas antes do procedimento cirúrgico.
Compensar a doença pulmonar de base e tratar as infecções, se necessário.
Iniciar a educação das manobras de expansão pulmonar.
Intraoperatórias
Limitar a duração da cirurgia em menos de três horas, se possível.
Evitar o uso de bloqueador neuromuscular de longa duração.
Preferir anestesia epidural ou espinhal se possível ou sua associação.
Utilizar a via laparoscópica, quando possível.
Pós-operatórias
Uso de exercícios com respiração profunda.
Uso de fisioterapia com pressão positiva.
Controle rigoroso da dor, até mesmo com analgesia peridural, se necessária.
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Capítulo 4
Infecção e
anestesia — Parte I
Ana Luft
Cláudia Regina Fernandes
Florentino Fernandes Mendes
52 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Introdução
Antes de Joseph Lister (1860) introduzir os princípios da antissepsia, a infecção da ferida operatória era
a maior causa de sepse e morte. O trabalho de Lister radicalmente alterou os resultados da cirurgia,
antes uma atividade associada à infecção e à morte, e, posteriormente à introdução da antissepsia,
uma atividade com possibilidade de eliminar o sofrimento e prolongar a vida.1
A despeito das técnicas antissépticas, a infecção cirúrgica permanece problemática, constituindo-se na terceira mais frequente infecção nosocomial e acometendo 14% a 16% dos pacientes
hospitalizados.2,3
No paciente cirúrgico, a infecção da ferida operatória é a mais comum causa de infecção nosocomial, sendo responsável por 77% das mortes.1,4
Pacientes que desenvolvem infecção duplicam a chance de morrer, quando comparados com
pacientes submetidos aos mesmos procedimentos sem infecção. Estima-se que 40% a 60% das
infecções cirúrgicas sejam preveníveis.3 Instituições hospitalares que desenvolvem programas para
reduzir a incidência de infecção substancialmente diminuem morbidade, mortalidade e custos.
Definição de Infecção cirúrgica
O Center for Disease Control and Prevention (CDC) desenvolveu critérios padronizados de vigilância
para definir infecção do sítio cirúrgico (Quadro 1).
Infecção incisional superficial — Definida como aquela que ocorre dentro de 30 dias da cirurgia
e é confinada à pele ou ao tecido subcutâneo no local da incisão. Um ou mais parâmetros do quadro
1 precisam estar presentes.
Infecção incisional profunda — Envolve o tecido mais profundo (fáscia, músculos) e é relacionada
à cirurgia realizada. O início da infecção precisa ser dentro de 30 dias após a cirurgia, na ausência de
um implante (prótese valvular cardíaca, prótese de quadril, enxerto vascular) ou dentro de um ano se
um implante for colocado.
Infecção de órgão ou espaço — Infecção que se relaciona com a cirurgia e envolve qualquer parte
da anatomia que foi aberta ou manipulada durante a cirurgia. Na ausência de um implante, o início da
infecção precisa ocorrer dentro de 30 dias após a cirurgia e dentro de um ano se o implante estiver
presente.
Quadro 1. Definição de infecção1,3
Superficial
Drenagem purulenta da incisão
superficial
Profunda
Drenagem purulenta profunda da
incisão, mas não de órgão/espaço
componente do sítio cirúrgico
Órgão/Espaço
Drenagem purulenta de dreno colocado
dentro de órgão ou espaço
Organismos isolados assepticamente
obtidos de cultura ou fluido ou tecido da
incisão superficial
Deiscência de sutura profunda ou
abertura pelo cirurgião
Organismo isolado de cultura asséptica de
fluido ou tecido obtido de órgão ou espaço
Sinais ou sintomas de infecção (dor,
rubor, calor, edema)
Abscesso ou outra evidência de infecção
envolvendo a incisão profunda (exame
direto, reoperação ou exame radiológico)
Abscesso ou outra evidência de infecção
envolvendo órgão ou espaço (exame direto,
reoperação ou exame radiológico)
Capítulo 4
Infecção e anestesia — Parte I 53
Fatores de risco associados com o
desenvolvimento de infecção pós-operatória
Relacionados ao paciente — Existem diversas características que estão associadas com aumento de risco de desenvolver infecção pós-operatória (Quadro 2). Em cirurgia cardíaca, aumento
de três vezes nas taxas de infecção foi demonstrado nos pacientes diabéticos com hiperglicemia
pós-operatória (glicose sanguínea > 200 mg/dL).5 Essa associação provavelmente está relacionada
com o decréscimo da função dos granulócitos que ocorre com a hiperglicemia. A hiperglicemia afeta
a função dos granulócitos por interferir com a aderência, com a quimiotaxia, com a fagocitose e
com a atividade bactericida.3 Em cirurgia cardíaca, o tabagismo pode aumentar a incidência de infecção da ferida operatória, constituindo-se em fator de risco independente para o desenvolvimento
de infecção da esternotomia.6 Pacientes mal nutridos em uso crônico de corticosteroides ou com
resposta imune alterada (HIV, quimioterapia, câncer) têm uma deficiente imunocompetência e risco
aumentado para desenvolver infecção pós-operatória.7
Extremos de idade e obesidade são outros fatores de risco relatados.8
O estafilococo áureo é encontrado nas narinas de 20% a 30% dos indivíduos saudáveis. Após
cirurgias cardiotorácicas, a condição de carreador positivo é um fator de risco independente para
o desenvolvimento de infecção pós-operatória.9 Ensaio clínico randomizado demonstrou que a
identificação rápida dos carreadores e a descolonização dos sítios nasais e extranasais reduz significativamente a incidência de infecção hospitalar.10 Além disso, a internação prolongada associa-se com aumento do risco de desenvolver infecção pós-operatória.1 Em pacientes submetidos a
cirurgias de câncer colorretal, a transfusão sanguínea aumenta em 14%, por unidade de sangue
transfundida, o risco de infecção.11 Em cirurgias cardíacas pacientes que recebem sangue têm
aumento de 76% na possibilidade de desenvolver infecções sérias (sepse, choque séptico, pneumonia ou mediastinite).12
Quadro 2. Fatores de risco associados com o desenvolvimento de infecção pós-operatória1,3
Relacionados ao paciente
Relacionadas à cirurgia
Diabetes com controle inadequado
Duração da escovação cirúrgica das mãos
Uso de nicotina
Antissepsia da pele
Uso de esteroide
Tricotomia pré-operatória
Malnutrição
Profilaxia antimicrobiana
Idade
Ventilação da sala cirúrgica
Obesidade
Material estranho no campo cirúrgico
Infecções coexistentes
Drenos cirúrgicos
Internação prolongada
Técnica cirúrgica
Resposta imune alterada
Transfusão perioperatória
Relacionados à cirurgia — Fatores cirúrgicos associados com a prevenção de infecção são
aqueles envolvidos com a antissepsia. Os membros da equipe cirúrgica que têm contato com o
campo cirúrgico ou com instrumentos estéreis precisam realizar escovação cirúrgica apropriada.
54 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
A primeira escovação do dia, que deve ser de no mínimo cinco minutos, deve incluir limpeza subungueal.13 Escovações subsequentes devem ser de, no mínimo, três minutos. Antes de aplicar
antisséptico na pele do paciente, qualquer pelo deve ser removido com máquina, não com lâmina,
quando uma lâmina é utilizada aumentam as taxas de infecção cirúrgica.14,15
Antes de utilizar o antisséptico, a pele do paciente deve ser preparada e degermada para se ter
certeza de que nenhuma contaminação grosseira está presente. Demonstrou-se que a escovação
da pele utilizando clorexidina reduziu em mais de 40% a taxa de infecção quando comparada com
povidine-iodine.16,17
Prevenção de infecção relacionada à anestesia
Desinfecção dos equipamentos — O aparelho de anestesia pode ser potencialmente exposto
ao material infectante durante o uso. O equipamento pode tornar-se contaminado pelo contato direto
com a pele, com mucosa, com secreções e com sangue do paciente. O interior do circuito respiratório
pode tornar-se contaminado pelo contato com secreções respiratórias. A contaminação pode ocorrer
por manuseio impróprio do equipamento ou pela quebra da técnica de controle de infecção. Embora
documentada, a transmissão de infecção pelo aparelho de anestesia é rara.18-20
A esterilização/desinfecção de rotina dos componentes internos do aparelho de anestesia não
é necessária ou factível.
Válvulas unidirecionais e absorvedores de CO2 devem ser limpos e desinfectados periodicamente. As recomendações do fabricante devem ser seguidas para a limpeza e a desinfecção.
Em anestesia, existem dados insuficientes para suportar o uso de rotina de filtros antibacterianos
no circuito respiratório ou nos ventiladores. O filtro, adaptado na peça em Y prévio ao contato com
um paciente, está indicado para uso em pacientes com alto risco de desenvolver tuberculose.
Os foles e tubos de ventilação devem ser limpos e desinfectados a intervalos regulares. Em
contraste com os ventiladores mecânicos utilizados em terapia intensiva, os ventiladores usados
em anestesia apresentam baixo risco para transmissão de infecção e não necessitam limpeza e
desinfecção após cada uso.
Dispositivos como cateteres, agulhas, o interior de linhas vasculares, conectores, seringas, cateteres urinários, ou seja, qualquer instrumento que entrar em contato com ambientes estéreis do
corpo do paciente também deve ser estéril, e a esterilidade precisa ser mantida durante o uso. Além
disso, para evitar a introdução de microrganismos, técnicas assépticas devem ser observadas.
Instrumentos que entram em contato com membrana mucosa, mas não penetram na superfície
corporal, devem ser livres de contaminação, mas não necessitam ser estéreis. Essa premissa é
válida para lâminas de laringoscópio, dispositivos orais e nasais, máscara facial, circuitos respiratórios, estetoscópio esofágico e sensores de temperatura.18-20
Durante a utilização, embora se espere que ocorra alguma contaminação por secreções orais/
nasais, os tubos endotraqueais e endobrônquicos devem ser conservados livres de contaminação
até o momento do uso.21 Durante o uso desses tubos outras potenciais fontes de contaminação (estiletes, lubrificantes, cateteres de aspiração) também devem ser mantidas livres de contaminação. Após a utilização, itens reutilizáveis devem ter secreções e sangue removidos imediatamente e uma descontaminação prévia à reutilização deve ser feita, mediante processo de
esterilização ou desinfecção de alto nível.21,22
Outros equipamentos, tais como: sensor de oxímetro, cabos de monitores, aquecedores de
sangue, bombas de infusão, aparelhos de pressão não invasiva, entre outros, que usualmente
Capítulo 4
Infecção e anestesia — Parte I 55
não tocam o paciente ou que tocam somente pele intacta, devem ser limpos com um desinfetante
ao final do dia ou quando visivelmente contaminados. As superfícies horizontais dos monitores e
do aparelho de anestesia são mais propensas à contaminação e devem ser limpas regularmente.
Em anestesia, a reutilização de dispositivos descartáveis não é recomendada, pois não existem
dados suficientes sobre a segurança dessa prática. O processo de desinfecção ou esterilização
química pode danificar ou alterar as propriedades do equipamento descartável tornando seu uso
inseguro. A reutilização também transfere a responsabilidade legal do fabricante para o usuário.21
Medicamentos — Para prevenir infecções, a manipulação segura das medicações parenterais que
são utilizadas em anestesia e sedação é importante. Ampolas, frascos ou seringas pré-cheias contêm
medicação planejada para utilização em um único paciente e geralmente sem agentes bacteriostáticos/
preservativos que geralmente são encontrados nos frascos com multidoses. O CDC sugere que a medicação seja mantida fechada até o tempo da administração. Fármacos parcialmente usados e ampolas
abertas podem ser contaminados com bactérias ou outros microrganismos presentes em fragmentos
de vidro não estéril, com contaminantes do ar ou por falha no uso de técnica asséptica.23 Essas recomendações se aplicam a todas as medicações, embora microrganismos proliferem mais rapidamente
em algumas medicações, propofol por exemplo.24-26
Seringas e agulhas — Seringas e agulhas são itens de uso único. Medicações de uma seringa não
devem ser administradas para múltiplos pacientes, mesmo se a seringa ou a agulha forem trocadas.
Após entrar em contato com a infusão intravenosa (IV) de um paciente a seringa e a agulha
devem ser consideradas contaminadas e usadas somente para aquele paciente. Ao final de
cada anestesia, todas as agulhas e seringas devem ser descartadas imediatamente em um
recipiente apropriado.
Para evitar contaminação, seringas e agulhas não usadas e itens relacionados devem ser estocados em área limpa.
Toda a literatura é contrária à administração de medicação para múltiplos pacientes usando
a mesma seringa, ainda que a agulha seja trocada. A remoção da agulha da seringa cria um
efeito sifão que aspira conteúdo da agulha para dentro da seringa. Uma agulha contendo vírus
ou bactérias pode contaminar a seringa, mesmo quando a agulha é lavada antes da remoção da
seringa.27,28
Quando usada para administração de medicamento por via IV, subcutânea ou intramuscular, a
seringa pode tornar-se contaminada com microrganismos presentes no sangue. A linha IV pode
tornar-se contaminada por refluxo de sangue durante aspiração de amostra ou transfusão. Infecção
por patógenos do sangue pode estar presente mesmo se o sangue não é visível na linha.29,30
A seringa e seu conteúdo podem também ser contaminados por contato direto ou por transmissão pelo ar. Durante a abertura da seringa, líquidos podem contaminar seu conteúdo.31 Injeções múltiplas aumentam a chance de contaminação da seringa.
Diversos fatores afetam a estabilidade e a esterilidade das medicações. Estes incluem a droga
em particular, a presença de agente bacteriostático ou preservativo, a solução usada para diluição,
a contaminação potencial durante o processo de administração, a técnica asséptica utilizada, as
condições de estocagem e a estabilidade química dos compostos. Em condições favoráveis, muitas bactérias entram em uma fase logarítmica de crescimento após aproximadamente 24 horas, o
que aumenta a possibilidade de contaminação. Preparar as medicações ao tempo da administração pode minimizar o potencial para que ocorra crescimento bacteriano significante ou formação
de endotoxinas.25,32
56 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Fármacos como o propofol, que são formulados em emulsão lipídica, possibilitam o crescimento bacteriano que aumenta rapidamente seis horas após a inoculação.33 Febre, infecção,
sepse ou outras condições que ameaçam a vida foram relatadas após contaminação extrínseca
do propofol.25,26
O propofol agora tem um agente bacteriostático adicionado à solução para diminuir a taxa de
crescimento bacteriano e evitar a contaminação extrínseca.
Se a técnica asséptica é utilizada, frascos multidoses não contaminados podem ser usados
até a data de vencimento. Se a contaminação é suspeitada ou visível, ou se a esterilização é
questionável, o frasco deve ser descartado. Toda vez que um frasco multidose é utilizado, técnica
asséptica deve ser usada, incluindo limpeza da borracha de vedação com álcool e uso de agulha
e de seringa estéreis. O risco de infecção nosocomial causada por contaminação extrínseca de
um frasco multiuso é pequeno e estimado em 0,5 por 1.000 frascos.22,34
Foram publicados relatos de infecções virais e bacterianas, incluindo infecção fatal por vírus da
hepatite B (HBV), com a utilização de frascos multiuso.35-38
Com quebra da técnica asséptica, a contaminação microbiana da agulha, da seringa ou da
tampa de borracha pode introduzir agentes infectantes para dentro do frasco. Embora o exame
cultural de frascos usados na prática anestésica, escolhidos de forma randomizada, tenha encontrado resultados negativos,39 a contaminação deliberada do frasco demonstra que bactérias
viáveis podem existir por até 16 horas.36 Endotoxinas produzidas por contaminação bacteriana40 e
partículas virais podem sobreviver e estar presentes em alguns frascos multiusos.41
Frascos multiusos devem ser descartados se o prazo de validade for atingido ou se ocorrer
contaminação grosseira do frasco que foi manipulado sem se utilizar técnica asséptica.41 Quando
preparações estéreis apropriadas são usadas com frascos multiusos, a instituição deve estabelecer
um tempo específico de uso para o frasco aberto,22,42,43 sendo o frasco rotulado, datado no momento do primeiro uso e descartado após expirar o prazo estipulado. Se frascos multiuso previamente
usados podem ser armazenados por um período prolongado, é boa prática usar o frasco armazenado há mais tempo, antes de utilizar o mais novo. Na área clínica, na sala cirúrgica ou no departamento de emergência, onde é mais provável o tratamento de pacientes criticamente enfermos,
pode ocorrer quebra da técnica asséptica, assim, algumas instituições sugerem o uso de frasco de
uso único e recomendam descartar frascos multiusos após o uso em um único paciente.44
Itens que entram em contato com o sistema vascular ou com outras áreas estéreis do organismo precisam ser estéreis.22
A esterilidade não pode ser garantida se uma infusão é usada em múltiplos pacientes. A retirada de sangue para exames ou a realização de transfusão podem potencialmente contaminar o dispositivo venoso. Uma válvula unidirecional na linha de administração não previne o fluxo retrógrado
de sangue no interior do um cateter IV.29 A esterilização do produto e a ausência de contaminação
não podem ser garantidas por inspeção visual.
Inserção e manutenção de cateter venoso central
O uso de cateter venoso central pode acarretar uma variedade de complicações relacionadas a infecções locais e sistêmicas, tais como: tromboflebite séptica, endocardite, septicemia, infecção a distância. Infecções relacionadas ao cateter são associadas com aumento de morbidade, mortalidade,
hospitalização prolongada e aumento de custos médicos e hospitalares.34,45
Assim, para prevenir infecção recomenda-se: lavar as mãos antes e após palpar, inserir, recolocar ou trocar o curativo em todo o dispositivo intravascular.22,46
Capítulo 4
Infecção e anestesia — Parte I 57
Aderência estrita a protocolos de lavagem das mãos e utilização de técnica asséptica permanece sendo a principal medida para a prevenção da infecção relacionada ao cateter.47
Estudos epidemiológicos demonstram que a bacteremia associada a dispositivos intravasculares relaciona-se com técnica inapropriada do pessoal hospitalar para lavar as mãos.48 Antes
da inserção do cateter, recomenda-se lavar a pele local com um antisséptico apropriado, álcool
a 70%, povidine-iodine a 10%, clorexidina a 4% ou tintura de iodo a 2%.49 O uso de antissepsia
cuidadosa reduz a incidência de infecções de cateteres venosos centrais.50 Cateteres multilúmen
são associados com uma taxa mais alta de infecção, quando comparados com cateteres monolúmen.22,51
A escolha do local de inserção do cateter venoso central e a relação risco:benefício com a inserção subclávia, jugular ou femoral devem ser consideradas. Cateteres inseridos na veia subclávia
têm menores riscos de infecção do que os inseridos na veia jugular ou na veia femoral. Contudo
cateteres inseridos na veia jugular interna apresentam menos complicações mecânicas.52 Para a
inserção de cateteres venosos centrais recomenda-se máxima barreira de proteção: avental, luvas
estéreis, gorro, máscara, campos estéreis que cubram a cabeça e o corpo do paciente. O risco
de infecção associa-se com a barreira de proteção usada durante a inserção do cateter mais do
que com a esterilidade do ambiente em que o cateter é introduzido.22,53,54
Curativos transparentes semipermeáveis ou curativos usando gaze estéril apresentam menores
taxas de colonização da pele e infecções relacionadas ao cateter.22 Se o paciente apresentar diaforese, se existir sangramento ou exsudato, o curativo com gaze estéril é preferível em relação ao
curativo transparente semipermeável.22
A aplicação tópica rotineira de antimicrobiano no local de inserção do cateter não é recomendada. Estudos de eficácia dessa prática são contraditórios, e o uso de antibióticos que não são
fungicidas pode aumentar significantemente as taxas de colonização por fungos.55
O risco diário de infecção permanece constante, e a troca de rotina do cateter venoso central não reduz a taxa de colonização do cateter ou de infecção sanguínea relacionada a este.56
A administração de fluidos deve ser trocada a cada 72 horas,57 pois não existe redução nas taxas
de infecção se a troca ocorrer em intervalos menores.57,58
Em resumo: lavar as mãos, usar máxima barreira de proteção, lavar a pele com clorexidina, se
possível evitar a punção femoral e remover cateteres assim que possível são práticas recomendadas pelo CDC22 que foram validadas.47
Precauções diante de um paciente imunossuprimido
Sabe-se que os pacientes com síndrome de imunodeficiência adquirida representam um risco de infecção ocupacional para o anestesiologista. Por outro lado, é importante reconhecer que o anestesiologista pode transmitir agentes infecciosos para um paciente imunossuprimido. A transmissão de um
organismo ordinariamente benigno para um paciente imunossuprimido (transplante de órgãos, aids)
pode causar infecções que ameaçam a vida.
Diferentemente do que acontece com o paciente imunocompetente, o herpes simples no paciente com aids (ou outros pacientes imunocomprometidos) é debilitante, doloroso, potencialmente fatal e frequentemente fulminante. Muitos anestesiologistas com sistema imunológico intacto
abrigam Pneumocystis carinii ou citomegalovírus e são assintomáticos. Esses microrganismos no
paciente com aids ou imunossuprimido podem causar doenças graves e morte. Assim, é imperativo tomar todas as precauções para evitar o risco potencial de transmissão de microrganismos do
anestesiologista para os pacientes.59
58 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Quando procedimentos eletivos precisam ser realizados em pacientes com tuberculose,
idealmente o procedimento deve ser retardado até o paciente deixar de ser bacilífero. Quando procedimentos precisam ser realizados num paciente com, ou suspeito de ter, tuberculose pulmonar
ativa, a porta da sala cirúrgica deve permanecer fechada e o trânsito de pessoas deve ser limitado.
A cirurgia deve ocorrer com o menor número de cirurgias concomitantes, sendo realizada ao final
do dia. Pacientes com tuberculose que necessitam de cirurgia devem ser conduzidos ao centro
cirúrgico usando máscara apropriada para prevenir exposição de secreções ao ar.59 Embora não
existam casos descritos de transmissão de tuberculose via ventilador ou aparelho de anestesia,
há tecnologia que previne o risco de contaminação. Filtros de ar particulados, que são colocados
entre a conexão em Y adaptada às traqueias do aparelho de anestesia e à máscara ou ao tubo
endotraqueal, são caracterizados como de alta eficiência e removem até 99,97% de todas as partículas maiores ou iguais a 0,3 µm.60,61
Transmissão ocupacional de infecção
para o anestesiologista
As principais rotas de exposição ocupacional resultando em transmissão sanguínea são as lesões
percutâneas (acidentes punctórios), contato de secreções com a mucosa (olho, boca e membrana
mucosa) ou contato com pele não intacta.62
Lavar as mãos é um dos mais efetivos meios de proteger a equipe de saúde da infecção.
Fluidos do corpo que contenham microrganismos produtores de doenças facilmente contaminam
a pele de mãos sem luva. Adicionalmente, as mãos podem ser contaminadas via rupturas nas
luvas.63 No ambiente hospitalar microrganismos que são frequentemente encontrados na pele dos
anestesiologistas são adquiridos de pacientes infectados ou colonizados, podendo ser origem de
infecção nosocomial. Essa flora microbiana pode ser facilmente removida lavando-se as mãos.63
A história médica e o exame físico não conseguem identificar todos os pacientes infectados
com HIV ou outros microrganismos causadores de doenças. Portanto, é recomendado que barreiras de precaução sejam usadas em todos os pacientes, principalmente se considerar-se que
existe um aumento da prevalência de infecções sanguíneas em todo o mundo.64-66
O risco de transmissão de infecção por HIV após contato com a pele, com membrana mucosa
ou com sangue de paciente portador do vírus HIV, é estimado ser de 0,1% ou menos. O risco
aumenta com a quantidade de vírus inoculado, com altos níveis de titulação viral no sangue, com
tempo prolongado de contato, quando uma grande área de superfície é envolvida ou quando
existe lesão exposta de pele. Existem poucos dados sobre a exposição da conjuntiva ao HIV ou
sobre o sangue infectado com HIV ou outros fluidos corporais, mas duas soroconversões de HIV
e uma de vírus de hepatite C (HCV) foram documentadas com taxas de transmissão de 0,8% para
HIV e de 0,3% para HCV.62
A lesão percutânea por acidente de punção associa-se com maior risco de transmissão de
infecção sanguínea. O risco de adquirir infecção HIV após uma exposição acidental permanece
desconhecido, mas foi estimado em 0,3%.66,67 O risco aumenta se a lesão do anestesiologista for
profunda, se existir sangue visível na extremidade da agulha, se a agulha for colocada diretamente
na veia ou na artéria do paciente, se o paciente tiver doença retroviral aguda ou estágios avançados de aids.67-69
O plasma sanguíneo e o fluido cerebroespinhal têm altas concentrações de HIV e apresentam
um risco maior de exposição. Saliva, lágrimas, urina, leite, líquido amniótico e secreções vaginais
possuem menor risco.69
Capítulo 4
Infecção e anestesia — Parte I 59
Após exposição percutânea com sangue infectado, o risco de transmissão de HBV para um
anestesiologista não imune ao HBV varia entre 6% e 37%,70 e o risco de transmissão de HCV é de
aproximadamente 3% a 10%.71
Comparado com o uso de um único par, o uso de luvas duplas oferece aumento de proteção
quando ocorrem lesões penetrantes nas mãos.71-74
O uso de luvas pode também diminuir o risco de infecção por inóculo penetrante em alguns
tipos de acidentes com lesões por picada de agulha.73-75
Os serviços de anestesia devem ter um protocolo detalhado para o tratamento e o acompanhamento do anestesiologista que tenha exposição ocupacional a sangue ou fluidos corporais.
Imunização para HBV e imunoglobulina HBV são usadas para reduzir o risco de transmissão
ocupacional. O uso de terapia antiviral profilática com multidrogas para HIV é recomendado por
serviços de saúde pública.76-78
Recomendações atualizadas para o tratamento e o acompanhamento devem ser consultadas,
já que a escolha do agente antiviral pode alterar e os anestesiologistas expostos ao HIV devem
receber aconselhamento e terapia antiviral pós-exposição.76-78 Está descrito que a profilaxia pode
não ser efetiva se iniciar 24 a 36 horas após a exposição, mas isso não é certo.76-78 Após exposição
percutânea a sangue infectado por HIV, o CDC relatou decréscimo de 79% no risco de infecção
entre anestesistas que usaram zidovudina.67
Vírus da hepatite B (HBV) e vacinação
Em anestesistas que têm contato frequente com sangue e fluidos, a infecção por HBV é um risco
ocupacional.79 O CDC estimou que, em 1994, mil anestesistas foram infectados com HBV. Em estudo
multicêntrico a prevalência dos marcadores séricos para infecção prévia por HBV foi de 19%.80 Isso é
quatro a seis vezes maior do que a soroprevalência na população em geral. Considerando que o risco
para infecção por HBV está aumentado em anestesistas não protegidos, a imunização deveria ser feita
durante o treinamento médico, antes da primeira exposição ao sangue.
Evacuação da fumaça durante
cirurgia com uso de laser
Estudos clínicos e laboratoriais indicam que o DNA viral pode ser encontrado na fumaça após o uso
de dióxido de carbono para vaporizar verrugas como no condiloma acuminado,81,82 entretanto, a infectividade não foi provada. Estudo demonstrou que vírus viáveis podem ser transmitidos por intermédio
da fumaça.83 O uso de aspiradores que removam adequadamente a fumaça diminuem os riscos da
vaporização,84 e o uso de barreiras de precauções como máscaras e luvas estabelecem prevenção do
contato do vírus com a membrana mucosa.
Checklist e melhora da qualidade
Os seres humanos são limitados em sua habilidade para lembrar e realizar tarefas, especialmente se
submetidos a situações de fadiga ou de estresse intenso. Sistemas informatizados melhoram a complacência em áreas como dispensação de medicamentos e previnem erros de medicamentos por
fornecer alertas.85 Para o sucesso da implementação de alertas clínicos é necessário a aceitação dos
usuários, além dos alertas eletrônicos terem de ser simples e efetivos, devendo estar relacionados com
situações clínicas importantes.86 Checklist para padronizar processos, melhorar o acesso à informação
60 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
e proporcionar controle reduz a confiança na memória.87 Estudos têm demonstrado que a utilização
de checklist perioperatório,88 a adesão, a vigilância e o treinamento são ferramentas importantes para
promover troca de informação e melhoria da qualidade.89
Em conclusão, o procedimento anestésico/cirúrgico está relacionado com riscos de transmissão de agentes infecciosos ao paciente, que podem estar relacionados ao próprio paciente,
a falhas humanas, aos equipamentos, aos dispositivos e insumos utilizados para a execução do
ato anestésico. O procedimento também pode acarretar risco de contaminação do profissional
anestesiologista por agentes advindos do paciente. A lavagem apropriada das mãos, a utilização
de equipamentos de proteção individual, bem como a educação continuada, adaptando o ambiente de trabalho ao uso de checklist de segurança, melhoram a qualidade e diminuem os riscos
de infecção tanto para o paciente quanto para o anestesiologista.
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Capítulo 5
Infecção e
anestesia — Parte II
Ana Luft
Cláudia Regina Fernandes
Florentino Fernandes Mendes
66 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Introdução
Em agosto de 2002, o Center for Medicare Medicaid (CMS) e Center for Control Disease and Prevention
(CDC) programaram o projeto National Surgical Infection Prevention (SIP) com o objetivo de reduzir a
morbidade e a mortalidade associadas à infecção cirúrgica pós-operatória, cuja meta foi estabelecer a
adequada seleção da antibioticoprofilaxia e o tempo ideal de administração. Três medidas de desempenho foram desenvolvidas: administração do antibiótico uma hora antes da incisão cirúrgica, seleção
do antibiótico de acordo com as recomendações nacionais (CDC, Joint Comission, CMS) e descontinuação do antibiótico 24 horas após o início da cirurgia.1-3
Em 2005 os esforços do SIP envolveram o Surgical Care Improvement Project (SCIP) com o objetivo de melhorar os cuidados perioperatórios a fim de reduzir significantemente as complicações
cirúrgicas. O objetivo estabelecido era diminuir, em 25%, a morbimortalidade cirúrgica até o ano
de 2010, com foco definido em seis áreas: (1) antibioticoprofilaxia dentro de 60 minutos antes da
incisão cirúrgica; (2) seleção do antibiótico de acordo com as recomendações; (3) descontinuação
do antibiótico 24 horas após a cirurgia; (4) adequada tricotomia; (5) controle glicêmico para cirurgia
cardíaca; (6) normotermia para cirurgia colorretal.1
Entre janeiro de 2005 e julho de 2006, o Institute for Healthcare Improvement estimou que a
implantação, em larga escala, das seis determinações poderiam evitar cem mil mortes. Iniciou-se
então a campanha das cem mil vidas. Estima-se que os 3.100 hospitais participantes dessa iniciativa salvaram aproximadamente 122.000 vidas em 18 meses.
No paciente cirúrgico, 80% das infecções nosocomiais se concentram em quatro sítios:
sistema urinário, usualmente associada à cateterização vesical; sítio cirúrgico; corrente sanguínea, geralmente associada ao dispositivo intravascular; sistema respiratório, usualmente ventilador-associada.4
Os objetivos deste capítulo são: descrever os quatro determinantes da campanha do Institute
for Healthcare Improvement que comprovadamente modificam o risco de morbimortalidade relacionada à infecção do paciente cirúrgico; descrever os aspectos que contribuem para minorar a
incidência de infecção e os fatores de riscos de cunho biológico, que estão associados ao agente
infeccioso, ao paciente, ao procedimento cirúrgico e à anestesia em si, que podem contribuir para
ocorrência de infecção no período pós-operatório.
Uso apropriado de antibiótico
Uma das mais importantes intervenções para prevenir a infecção cirúrgica é a otimização da antibioticoprofilaxia.4 Esta refere-se à administração de um curso breve de antibiótico antes do início da cirurgia.5
O objetivo é reduzir a carga total de microrganismos que contaminam a ferida operatória para um nível
no qual as defesas do hospedeiro possam lidar com o quantitativo.6
Estudos relacionados à profilaxia antimicrobiana são relevantes. Em 400 pacientes submetidos
a cirurgias eletivas intra-abdominais, resultados satisfatórios foram obtidos quando a profilaxia foi
realizada uma hora antes da incisão cirúrgica.7 Outro estudo comparou três grupos de pacientes:
(1) os que receberam antibiótico no pré-operatório, antes da incisão; (2) os que receberam antibiótico no intraoperatório; (3) os que receberam antibiótico no pré- e no pós-operatório. Observou-se diminuição significante na taxa de infecção pós-operatória no grupo que recebeu antibiótico
no pré-operatório, antes da incisão cirúrgica. Em contrapartida, o grupo que recebeu antibiótico no
intraoperatório apresentou risco três vezes maior de desenvolver infecção, e o grupo que recebeu a medicação antimicrobiana nos períodos pré-operatório e pós-operatório apresentou risco
Capítulo 5
Infecção e anestesia — Parte II 67
cinco vezes maior de desenvolver infecção.8 Recomenda-se que a terapia antimicrobiana seja
descontinuada dentro de 24 horas após a cirurgia. Demonstrou-se que a antibioticoterapia após
o fechamento da ferida operatória é desnecessária e que o uso prolongado de antibióticos com
o propósito profilático associa-se com resistência bacteriana.2
Apropriada remoção de pelos (tricotomia)
O uso de lâminas para a realização de tricotomia aumenta a incidência de infecção quando comparado
com o uso de máquinas apropriadas (tricotomizador) ou a não remoção de pelos. Assim, deve-se dar
preferência à remoção de pelos por intermédio de máquinas.9,10
Controle glicêmico pós-operatório
No paciente cirúrgico a hiperglicemia é uma resposta comum. A resposta ao estresse aumenta a liberação de hormônios contrainsulínicos (cortisol, glucagon, epinefrina, hormônio do crescimento), levando
a um upregulation da gliconeogênese e da glicogenólise, que culmina com o comprometimento da
regulação da captação periférica de glicose catalisada pela insulina.11 Embora o racional para a resposta
hiperglicêmica não seja ainda muito bem compreendido, sabe-se que a hiperglicemia aguda tem muitos efeitos deletérios. Sobre esses efeitos, podem-se citar: a diminuição da vasodilatação fisiológica,
o decréscimo da reatividade endotelial ao óxido nítrico, o comprometimento na função do sistema do
complemento, o aumento na expressão de leucócitos e moléculas endoteliais de adesão, o aumento
dos níveis de citocinas, o prejuízo na quimiotaxia e a fagocitose dos neutrófilos, comprometendo a resposta inflamatória, que causa maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de infecção e disfunção de
múltiplos órgãos.12
Em pacientes submetidos a cirurgias cardíacas, a hiperglicemia pós-operatória está relacionada ao aumento na incidência de infecção.13,14 Nesse tipo de intervenção, foi demonstrado que o
controle agressivo da glicemia diminui a incidência de infecção cirúrgica.11,15 Em cirurgia vascular
infrainguinal, demonstrou-se por meio de estudo de coorte retrospectivo que a hiperglicemia é fator de risco para infecção.16 Outro estudo, realizado durante o pós-operatório de cirurgias de clampeamento de aneurisma cerebral, comparou o controle estrito da glicemia com terapia insulínica,
cujo alvo da glicemia era de 80 a 120 mg/dL, com tratamento convencional, cujo alvo glicêmico
era de 80 a 220 mg/dL. Foi observada diminuição das taxas de infecção de 42% para 27% nos
pacientes com controle intensivo.17
Em pacientes diabéticos, demonstrou-se que quanto maior forem os níveis glicêmicos, maior
será o risco de desenvolver infecção.18 Entretanto, ainda não se demonstrou com clareza se o controle agressivo com terapia insulínica traz benefícios para os demais tipos de cirurgia, se somente
para pacientes diabéticos ou para todos os pacientes e se existe diferença na resposta entre
pacientes diabéticos do tipo 1 e do tipo 2.11 Essas considerações são importantes, pois estudos
têm evidenciado aumento das taxas de hipoglicemia e de morte súbita com o controle glicêmico
agressivo.19,20
Normotermia intraoperatória
Durante a anestesia ocorre perda de calor por meio de radiação, convecção, condução e evaporação.
Mediante radiação, é dissipada a maior parte do calor. A anestesia predispõe à diminuição da tempe-
68 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
ratura corporal por causar vasodilatação periférica, que causa distribuição do calor do compartimento
central para o compartimento periférico.21
Pacientes submetidos à cirurgia colorretal têm maior predisposição à infecção cirúrgica se houver hipotermia no período perioperatório.22 Diminuição de 1,9 oC na temperatura central de pacientes submetidos à ressecção de cólon triplica a incidência de infecção e aumenta a permanência
hospitalar em 20%.23,24
Hipotermia leve está associada à infecção cirúrgica. A explicação para essa associação se dá
pelo fato de que a vasoconstrição termorregulatória diminui a tensão de oxigênio no tecido subcutâneo. A diminuição das tensões de oxigênio prejudica a morte dos microrganismos, já que o
processo de lise se dá mediante oxidação, por meio da atividade dos neutrófilos. Os baixos teores
de oxigênio também prejudicam a cicatrização da ferida operatória em consequência à redução
do depósito de colágeno.23
Hipotermia leve (temperatura central 1,3 oC abaixo do normal) é achado comum durante
cirurgias de grande porte, em razão de prejuízos ocasionados na termorregulação normal, que
são induzidos pela anestesia e pela alteração na redistribuição da temperatura corporal.25,26
A hipotermia é mais intensa quando a anestesia geral é combinada com a peridural27 e, a
menos que o paciente seja ativamente aquecido, a hipotermia leve inadvertida é considerada
inevitável durante a anestesia, já que os métodos passivos de aquecimento geralmente não
são efetivos.28-30
Além de prejudicar a fagocitose dos microrganismos pelos granulócitos, mediante processos
de oxidação, a hipotermia leve também interfere na produção de anticorpos.31
Ensaio clínico randomizado realizado em pacientes submetidos a cirurgias colorretais encontrou redução de três vezes nas taxas de infecção nos pacientes que receberam aquecimento
ativo durante a anestesia, associada à diminuição de 2,6 dias no tempo de internação hospitalar.32
A hipotermia perioperatória leve também aumenta a suscetibilidade para perda sanguínea e a necessidade de transfusão no pós-operatório, que predispõe à infecção.
Evitar administração de hemocomponentes
Já está bem consolidado na literatura que a hemotransfusão diminui a imunidade e predispõe à infecção. No contexto da cirurgia colorretal, estudo retrospectivo demonstrou aumento das taxas de infecção
de 4% para 11%, em pacientes que foram transfundidos.33 Em análise multivariada, foi calculado um
aumento no risco de 7% de desenvolvimento de infecção pós-operatória, para cada unidade de concentrado de hemácia transfundida.33 Portanto, componentes sanguíneos deveriam ser usados com
critério e somente quando especificamente indicados.
Além da diminuição da resposta imune, a transfusão de sangue e seus produtos podem potencialmente causar infecções bacterianas, virais, por protozoários e por príon.34
Suplementação de oxigênio durante o perioperatório
A lise de organismos infectantes por leucócitos polimorfonucleares, mediante mecanismo oxidativo, é
o mecanismo de defesa primário durante a cirurgia. A pressão parcial de oxigênio na região da ferida
Capítulo 5
Infecção e anestesia — Parte II 69
operatória é importante para esse mecanismo de defesa e se correlaciona com a incidência de infecção
do sítio cirúrgico.35
Estudo demonstrou que o aumento da fração inspirada de oxigênio, mantido por duas horas
no pós-operatório imediato, reduz a incidência de infecção de 11% para 5%.36 Em cirurgias colorretais usando oxigenoterapia suplementar no pós-operatório foi demonstrada diminuição na incidência de infecção.36,37 Os mesmos achados foram observados em cirurgias de coluna, usando
frações inspiradas de oxigênio de 50%.10 Em contrapartida, em pacientes submetidos a diferentes
tipos de cirurgia abdominal, ensaio clínico randomizado comparando frações inspiradas de oxigênio de 80% e de 30%, durante duas horas após a cirurgia, não encontrou diferença nas taxas
de infecção.38
Metanálise de ensaios clínicos randomizados demonstrou que a hiperóxia perioperatória reduz
o risco de infecção [redução do risco relativo (RRR) de 25,3%, redução risco absoluto (ARR) de
3,0% e número necessário para tratar (NNT) de 33,0] sem modificar a incidência de complicações
pulmonares (atelectasia). O benefício se mostrou maior nos procedimentos colorretais.39
Fatores de risco biológicos para
infecção perioperatória
Destaca-se a seguir uma série de variáveis que também contribuem para o desenvolvimento de infecção no paciente cirúrgico:
Virulência intrínseca — Refere-se à habilidade do agente infectante para resistir à imunidade do
hospedeiro.
Carga bacteriana — Um número crítico de organismos invasores (105) é necessário para que ocorra
a infecção. Menor carga é necessária para alguns microrganismos muito virulentos ou se um corpo
estranho, como um fio de sutura, está presente.40
Perfusão tecidual — Um bom suprimento de sangue capacita as células do sistema imunológico
para atingir a área infectada. A virulência da fasceíte necrotizante é parcialmente atribuída ao fato de que
o suprimento sanguíneo do músculo é perdido, porque a infecção percorre através do plano fascial. O
oxigênio é necessário para a morte de microrganismos por fagocitose, então, uma redução na oferta
e na liberação de oxigênio (DO2) favorece a infecção. A redução da DO2 pode ser agravada por hipovolemia perioperatória, anemia ou hipoxemia. A perfusão tecidual pode ser influenciada pela presença
de sepse.
O intestino é a principal fonte de infecção endógena, que potencialmente pode levar à sepse
sistêmica e à síndrome de disfunção de múltiplos órgãos. Na sepse ocorre redução da liberação
de oxigênio na circulação esplâncnica, respiração celular anaeróbica e consequente diminuição
do pH. A hipóxia regional predispõe ao aumento da permeabilidade da mucosa intestinal, que
causa translocação de bactérias e toxinas para dentro da circulação sistêmica, uma importante
causa de infecção em pacientes críticos.25
A hipótese do mecanismo da infecção nosocomial endógena é suportada pelo fato de que a descontaminação seletiva de organismos endógenos intestinais, usando terapia antimicrobiana tópica e
sistêmica, pode reduzir a incidência e a severidade da infecção por microrganismos entéricos.41
Resposta do hospedeiro — A imunidade pode ser classificada como inespecífica e específica.
70 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Imunidade inespecífica — É processada por todos os indivíduos e não requer memória por
exposição prévia para ser efetiva. Em geral, ela atua para prevenir acesso microbiano aos tecidos,
como pele e membranas mucosas, e acidez gástrica.42
A ruptura da integridade da pele se dá por incisão cirúrgica, trauma, queimadura ou colocação
de cateter intravascular e pode ser a causa de sérias infecções. A atividade de leucócitos polimorfonucleares (neutrófilos), incluindo quimiotaxia, fagocitose e atividade bactericida, faz parte da
imunidade inespecífica.
O sistema respiratório, de especial interesse para o anestesiologista, tem três mecanismos de defesa
inespecíficos: os reflexos da glote, que previnem aspiração; as células epiteliais ciliadas, que movimentam uma camada de muco por meio da via aérea de maior calibre; e o muco propriamente dito, que atua
prevenindo a aderência de microrganismos no epitélio respiratório. O muco contém diversos compostos
antimicrobianos, tais como: imunoglobulinas (IgA e IgG), surfactante e fibronectina.25
Imunidade específica — Trata-se de uma resposta adaptativa que requer memória por meio
de exposição prévia a um organismo infectante. Pode ser classificada como imunidade humoral
ou celular. A imunidade humoral refere-se ao desenvolvimento de moléculas como os anticorpos,
sintetizadas por linfócitos B, que neutralizam organismos infectantes. A imunidade celular refere-se
aos linfócitos T, que desenvolvem uma resposta específica para um organismo invasor.
Os agentes anestésicos gerais causam diminuição na quimiotaxia, na fagocitose e na atividade
bactericida dos leucócitos polimorfonucleares (neutrófilos) e na atividade de células T.25 A produção de anticorpos por intermédio dos linfócitos B não é afetada pela anestesia.42
Diabetes mellitus — As anormalidades metabólicas resultantes do diabetes mal controlado prejudicam a quimiotaxia de leucócitos, a opsonização, a fagocitose, a resposta imune mediada por células,
a morte intracelular, a aderência de leucócitos e os sistemas antioxidantes envolvidos na atividade
bactericida.43
O adequado controle do diabetes pode melhorar a função imune e reduzir a aceleração da
aterosclerose. A aterosclerose causa alterações macro e microangiopáticas, reduz a perfusão
tecidual e contribui para o surgimento de infecções.44
Tabagismo — O cigarro altera a resposta imune. O uso de tabaco aumenta a produção de muco,
diminui a mobilidade ciliar e prejudica a resposta imune específica, pois diminui os níveis de imunoglobulina e reduz a atividade dos leucócitos. O alto teor de carboxi-hemoglobina, encontrado em fumantes,
reduz a oferta de oxigênio aos tecidos (DO2), que é importante na lise de bactérias mediada por células
do sistema imunológico.45
Extremos de idade — Neonatos apresentam imaturidade do sistema imunológico. Pré-termos e
recém-nascidos de baixo peso são hipogamaglobinêmicos,46 o que acarreta maior risco de desenvolver
infecção.
Infecção é também um problema maior em idosos. Existe uma deterioração idade-relacionada
do sistema imunológico que conflui para aumento da atividade das células T supressoras, involução do timo e reabsorção da medula óssea. Esses acontecimentos fisiológicos resultam em redução da imunocompetência e perda da reserva hematopoética. Na população geriátrica há maior
risco de se desenvolver pneumonia. Nessa faixa etária, frequentemente existem outros fatores
de risco para o desenvolvimento de infecção no período pós-operatório, tais como: diabetes,
neoplasias e doenças crônico-degenerativas, que influenciam na precariedade da resposta imunológica quando comparada com o adulto jovem e saudável.25
Capítulo 5
Infecção e anestesia — Parte II 71
Abuso de álcool — Pacientes com história de uso crônico de álcool têm risco aumentado de desenvolver infecção. O alcoolismo reduz a resposta imune de hipersensibilidade retardada. Estudo observou
aumento de três vezes nas taxas de mortalidade pós-operatórias em alcoolistas crônicos, sendo a
infecção o maior determinante.25,47 A pneumonia nosocomial é a infecção mais comum nesses pacientes.48 A abstinência melhora a resposta imune e a função cardíaca.49
Procedimentos anestésico-cirúrgicos e infecção
Infecção associada à cateterização urinária, à
intubação e à monitorização invasiva
Estudo observou que 15% a 25% dos pacientes hospitalizados recebem sondagem vesical.50 Pacientes
com cateteres na uretra requerem somente 102 colônias por mL para estabelecer infecção. Em pacientes
hospitalizados, a cateterização vesical é a causa predisponente mais comum para sepse fatal por gram-negativo. Sendo esse procedimento o responsável por 40% de todas as infecções nosocomiais.
A redução do risco de infecção por sondagem vesical requer: diminuição do tempo de cateterização, utilização de cateterização intermitente quando possível e evitar o uso profilático de
antibióticos, que pode levar à colonização por organismos resistentes.50
A infecção pulmonar nosocomial é responsável por 20% de todas as infecções adquiridas no
hospital, e os pacientes submetidos à entubação endotraqueal e à ventilação mecânica apresentam quatro vezes mais risco, quando comparados com aqueles que não requerem suporte ventilatório.50 Estratégias anestésicas que minimizam a duração da entubação, ou que a evitam, podem
contribuir para reduzir a incidência de infecção pulmonar.51
Infecções de linhas intravasculares também são comuns. Staphylococcus coagulase negativa são os organismos mais encontrados, ocorrendo em até 50% dos casos. Fatores de risco
incluem: estado físico, duração da cateterização, material com que o cateter é feito e a qualidade
da técnica asséptica. Cateter revestido com Teflon® e linhas invasivas revestidas com prata ou
heparina resistem à aderência bacteriana.25
Estresse cirúrgico e sistema imune — A imunossupressão fisiológica do paciente cirúrgico resulta, primariamente, da resposta ao estresse cirúrgico, mais do que de agentes anestésicos em si.
A cirurgia e outros insultos corporais (trauma, queimadura, infecção) desencadeiam uma profunda resposta neuroendócrina e a produção de citocinas, conhecida como resposta ao estresse. A produção
de citocinas é proporcional à extensão do tecido local lesado. Citocinas são pequenas moléculas de
glicoproteínas produzidas principalmente por macrófagos em resposta à lesão celular e, quando são
liberadas, ativam um número de cascatas de enzimas inflamatórias.52
A amplitude da resposta das citocinas é proporcional ao dano tecidual. Cirurgias laparoscópicas têm menor produção de citocinas do que a cirurgia aberta.53 Existem interações complexas
entre citocinas [fator de necrose tumoral α (FNT-α), interferona, interleucinas, especialmente IL-1 e
IL-6] e sistemas imune, endócrino e nervoso. Em cirurgias menores o número de linfócitos permanece inalterado, mas tende a decrescer em cirurgias de grande porte.54
A imunossupressão pós-operatória dura diversos dias, sendo mais longa no paciente imunodeprimido.25 Esse fato pode predispor o paciente a desenvolver infecção pós-operatória ou facilitar
o desenvolvimento de metástase tumoral.55
Anestésicos gerais não suprimem a resposta ao estresse (exceto quando doses muito elevadas de opioides são usadas), entretanto, podem inibir a resposta imune (Quadro 1).
72 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Quadro 1. Efeitos dos anestésicos na resposta imune25
Óxido nitroso
Supressão da medula óssea, reduz a formação de superóxidos, reduz a migração de leucócitos.
Halotano
Reduz a produção de superóxidos, reduz o metabolismo do ácido aracdônico, reduz a atividade de
células Natural Killer estimulada por interferona, reduz a migração de leucócitos.
Enflurano
Reduz a produção de superóxidos.
Isoflurano
Em altas concentrações reduz a produção de superóxidos, aumenta a citotoxicidade ativada por
neutrófilos, reduz a atividade de células Natural Killer estimulada por interferona.
Opioides
Reduz a atividade de células Natural Killer (altas doses), reduz a migração de leucócitos e linfócitos.
Tiopental
Reduz a atividade fagocitária.
Cetamina
Reduz a atividade fagocitária.
Propofol
Possível redução na locomoção de leucócitos, se contaminado propicia meio para crescimento
bacteriano.
Diazepam, midazolam
Reduz a produção de superóxidos.
Etomidato
Reduz a atividade adrenocortical, se infusão contínua na UTI, aumenta a mortalidade.
Lidocaína, bupivacaína
Tóxica para leucócitos e linfócitos em concentrações usadas para infiltração local.
A anestesia regional, mais comumente a anestesia peridural contínua utilizando anestésico
local, com a finalidade de analgesia pós-operatória, preserva a função imune.56
Existe evidência experimental de que os anestésicos locais do tipo amida, quando absorvidos
na circulação sistêmica, têm propriedades anti-inflamatórias diretas e previnem a liberação de
superóxidos e enzimas citotóxicas.57 Isso pode contribuir para reduzir a incidência de infecção
pós-operatória e melhorar a cicatrização cirúrgica.
Muitos mediadores da resposta ao estresse (cortisol, epinefrina) são imunossupressores diretos. Em estudos clínicos, a atenuação da resposta ao estresse produzida pela anestesia peridural
associa-se com redução de complicações infecciosas pós-operatórias.58,59
Existência de doença pulmonar, pobre status nutricional, cirurgia torácica ou de abdômen superior e entubação endotraqueal são os principais fatores de risco para o desenvolvimento de
pneumonia nosocomial.60
Estratégias preventivas incluem fisioterapia pré- e pós-operatória, espirometria de incentivo,
otimização nutricional, se necessário usando nutrição parenteral total, provisão de analgesia pós-operatória ótima, evitar aspiração excessiva do paciente ventilado e implementação de política
estrita de prevenção e controle de infecção.25 Durante a realização de bloqueio neuroaxial ou de
nervo periférico, a contaminação do infusato é uma causa de infecção e pode ser uma fonte importante de morbidade, especialmente nos pacientes mantidos com cateter e bombas de infusão
para analgesia contínua durante diversos dias.
Duas importantes considerações relacionadas à contaminação do infusato precisam ser respondidas. Por quanto tempo uma preparação pode ser administrada com segurança sem o risco
de contaminação microbiológica ou instabilidade química? Em geral os anestésicos são quimicamente estáveis por semanas ou meses, mas faltam dados sobre a estabilidade microbiológica desses compostos. Evidências sugerem que quando soluções contendo anestésico local ou
anestésico local e opioides são preparadas usando técnica estéril, a estabilidade microbiológica
é mantida por 72 horas.
Microrganismos podem ser introduzidos dentro do espaço neuroaxial ou perineural por três
rotas: (1) por meio de contaminação da pele e subsequente extensão ao longo do trajeto da agulha
Capítulo 5
Infecção e anestesia — Parte II 73
ou do cateter; (2) por extensão direta ou hematogênica de um sítio distante; (3) pela contaminação
do infusato.
Embora diversos autores tenham postulado que a contaminação da pele é a causa mais comum de infecção neuroaxial em anestesia regional, é importante entender que essa conclusão
sobre as causas da infecção é baseada em cultura da ponta do cateter, sem investigação microbiológica do infusato. Os microrganismos mais frequentemente encontrados são o Staphylococcus
aureus e o Staphylococcus epidermidis, que também são fontes comuns de contaminação do
infusato, o que torna a causa definitiva da infecção difícil de se provar.61 Além disso, em estudos
com cultura da ponta do cateter inserida próximo de nervos periféricos, é relativamente alta a taxa
de colonização do cateter, entretanto é baixa a taxa de infecção clínica relatada.62-64
Quadro 2. Qualidade do ar — International Standards Organization (ISO)61
Classe ISO
Número de partículas no ar > 0,5 µg/m3
1
0
2
3,5
3
35,2
4
352
5
3.520
6
35.200
7
352.000
8
3.520.000
9
35.200.000
Exemplo
Salas de biossegurança controladas por computador
Nanofabricação
Capela estéril com fluxo laminar
Sala cirúrgica com filtros de ar de alta eficiência
Ar fresco
Ar ambiente urbano
Toda solução estéril preparada para ser administrada durante diversos dias deveria ser preparada em uma classe ISO 5. Essas condições com certeza não são encontradas na maioria dos
hospitais. Mesmo numa sala cirúrgica vazia com filtros de ar de alta eficiência a quantidade de
partículas variou entre 0 e 46.263 (ISO classe 0 – 6).65
Em geral compostos comumente usados em anestesia regional, incluindo lidocaína, bupivacaína, ropivacaína, morfina, fentanila e hidromorfona são quimicamente estáveis por períodos
de semanas a meses e não são fatores limitantes no tempo de duração da infusão. Por causa
da falta de dados sobre crescimento bacteriano, o tempo de infusão é determinado por políticas de
controle de infecção pelo CDC. O cateter deve ser implantado com técnica asséptica, e a diluição
não deve utilizar soluções contendo glicose, pois facilita o crescimento bacteriano.66,67
A levobupivacaína e a ropivacaína, dois anestésicos locais que têm ganhado popularidade
por causa da reduzida toxicidade cardíaca,68,69 têm demonstrado ser menos promissoras como
drogas antimicrobianas. Estudo demonstrou que a levobupivacaína apresenta metade da atividade bactericida da bupivacaína70 e a ropivacaína apresenta atividade bactericida fraca71 ou não a
apresenta.72
Em conclusão, a despeito da existência de fatores de risco associados à ocorrência de infecção no pós-operatório que são inerentes ao paciente, ao microrganismo infectante, ao tipo e à
extensão da cirurgia e a outros procedimentos invasivos, o uso apropriado da antibioticoprofilaxia,
a adequada tricotomia, o controle glicêmico, a manutenção da normotermia por intermédio do
aquecimento ativo no intraoperatório, a oxigenoterapia suplementar no pós-operatório e o uso
74 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
racional de hemocomponentes são fatores que determinam menor incidência de complicações
infecciosas, resultando em diminuição da morbimortalidade do paciente cirúrgico.
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Capítulo 6
Condutas anestésicas
nas síndromes
hemorrágicas
obstétricas
Ricardo Vieira Carlos
Rômulo Frota Lôbo
Vinícius Pereira de Souza
78 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Introdução
As síndromes hemorrágicas foram responsáveis por 17% dos óbitos maternos nos Estados Unidos de
1991 a 1999, sendo a incidência de hemorragia grave em torno de 6,7 por 1.000 partos.1 No Reino
Unido ocorreram 18 e 17 óbitos nos triênios 2000-2002 e 2003-2005, respectivamente.2 As síndromes
hemorrágicas representam, atualmente, as terceira e segunda causas de óbitos maternos no Reino
Unido e no Brasil, respectivamente.
Estima-se que 90% dos óbitos decorrentes de síndromes hemorrágicas poderiam ser evitados,
encontrando-se inúmeras falhas assistenciais durante o atendimento a essas pacientes.3 As principais falhas evidenciadas foram:
• não identificação dos fatores de risco para sangramento;
• estimativa inadequada das perdas sanguíneas perioperatórias;
• negligenciar a presença de sinais clássicos de sangramento, como taquicardia e taquipneia,
•
•
•
•
não atribuindo esses sinais às perdas sanguíneas;
aguardar a presença de hipotensão arterial para identificar e abordar perdas volêmicas;
reposição volêmica com soluções não aquecidas;
cuidados inadequados em sala de recuperação pós-anestésica;
falta de comunicação entre as diversas clínicas envolvidas no atendimento.
As alterações ou os procedimentos que merecem considerações anestésicas especiais durante a gestação são a placenta prévia, o descolamento prematuro de placenta (DPP), a ruptura uterina e a vasa prévia, além das hemorragias pós-parto decorrentes de atonia uterina, trauma genital,
placenta retida, placenta acreta e inversão uterina. Cada uma dessas situações clínicas apresenta
uma fisiopatologia característica, interagindo com os diversos fármacos e técnicas anestésicas.
Este capítulo objetiva a discussão de condutas anestésicas em diferentes cenários das síndromes hemorrágicas obstétricas.
Armadilhas das síndromes hemorrágicas
As alterações fisiológicas da gestação determinam alterações nos sistemas cardiovascular e hematológico, alterando respostas do organismo à perda sanguínea (Tabela 1).3
Tabela 1. Perdas sanguíneas e repercussões maternas
Perda sanguínea (mL)
Volume sanguíneo (%)
FC (bpm)
PAS
500 – 1.000
10 - 15
< 100
Normal
NDN
1.000 – 1.500
15 - 25
100 - 120
Normal
Vasoconstrição
25 - 35
120 - 140
80 - 100
Oligúria
Perfusão reduzida, palidez
35 - 45
> 140
60 - 80
Anúria
Alteração de consciência
1.500 – 2.000
2.000 – 3.000
Sinais e sintomas
FC = frequência cardíaca; bpm = batimentos por minuto; PAS = pressão arterial sistólica; NDN = nada digno de nota
Capítulo 6
Condutas anestésicas nas síndromeshemorrágicasobstétricas 79
Um dos principais problemas na paciente obstétrica com sangramento é o critério de avaliação
da perda sanguínea. Alguns parâmetros podem ser utilizados:
Visão direta — Nem sempre é adequada, já que pode ser mais lenta, repetida e por longo período
(placenta prévia) ou pode estar oculta (DPP).
Hematócrito — A gestante apresenta hemodiluição fisiológica. Os níveis de hemoglobina e hematócrito podem atingir baixos valores, requerendo transfusão de sangue. A anemia pode se instalar aguda
ou cronicamente, sendo que os fenômenos adaptativos a essas perdas sanguíneas são também diferentes (Quadro 1).
Quadro 1. Adaptações do organismo materno à anemia
Crônica:
Organismo adaptado
Volemia normal — aumento de 2,3 DPG
Valor de Hb mínimo aceitável de 6 g/dL
Transfusões são mais raras
Aguda:
Organismo não adaptado
Hipovolemia
Valores de Hb/Ht mínimos aceitáveis de 8 g/dL e 25% sem hipovolemia
Transfusões são mais frequentes
Hb = hemoglobina; DPG = difosfoglicerato; Ht = hematócrito
Não existem níveis de hemoglobina e hematócrito fixos para indicar a transfusão sanguínea em
gestantes. O critério para transfusão deverá ser individualizado, orientado mais por parâmetros
clínicos que laboratoriais.
Pressão arterial — Modifica-se muito durante a gestação, em virtude do aumento do débito cardíaco
e da redução da resistência periférica. Não reflete a real perda sanguínea em quadros hemorrágicos.
Romney et al.,4 em 1963, estudando os efeitos do sangramento em cadelas prenhes, observaram que
a pressão arterial cai lentamente na vigência do sangramento, mantendo-se a pressão parcial arterial
de oxigênio (PaO2) materna. Por outro lado, há uma queda dramática e precoce da PaO2 nos vasos
uterinos e fetais, que acompanha a perda sanguínea (Figura 1).
Em pacientes hipertensas, a interpretação da pressão arterial é ainda mais difícil. No DPP, o
grande aumento do tônus uterino faz com que a resistência periférica esteja aumentada; dessa
forma, o DPP com sangramento oculto importante pode cursar com frequência cardíaca normal
e pressão arterial normal, apesar da paciente estar hipovolêmica. Na placenta prévia, a pressão
arterial reflete diretamente a perda sanguínea.
Pressão venosa central — Altera-se pouco durante a gestação, desde que seja realizada a descompressão da veia cava. Sua avaliação contínua pode auxiliar no diagnóstico e pode orientar a terapêutica de reposição volêmica.
Diurese — A gestação impõe ao organismo materno uma alta taxa de reabsorção tubular. Por isso,
qualquer redução na filtração glomerular reduz imediatamente o volume urinário, sendo este um sinal
precoce de hipovolemia.
80 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Figura 1. Efeitos maternos e fetais da hemorragia aguda em cadelas prenhes4
Os quadros hemorrágicos obstétricos cursam, frequentemente, com distúrbios de coagulação.5 Em aproximadamente 10% dos casos de DPP ocorre coagulação intravascular disseminada
e fibrinólise.6
O consumo de fatores de coagulação ocorre em duas fases: local e disseminada. A primeira
fase, local, decorre de formação e acúmulo de coágulo retroplacentário. Posteriormente, há a
passagem de tromboplastina para a corrente sanguínea, disseminando a ativação dos fatores de
coagulação.
Capítulo 6
Condutas anestésicas nas síndromeshemorrágicasobstétricas 81
A fibrinólise é desencadeada pela hiperatividade do sistema fibrinolítico e pela introdução na
circulação de fibrinoquinases e lisoquinases, a partir do útero isquêmico. O controle hematológico frequente é fundamental, sendo que na fase de consumo ocorre hipercoagulabilidade. Instala-se em seguida a hipocoagulação, com fibrinogênio menor que 50% e plaquetas inferiores
a 50.000/mm3. Nessa fase são contraindicados os bloqueios regionais. A reposição volêmica
com soluções hipotérmicas pode agravar os distúrbios de coagulação e o quadro clínico das
pacientes, perpetuando o círculo vicioso de hipotermia, acidose e distúrbios de coagulação.
Descolamento prematuro de placenta
O DPP decorre da separação da placenta da decídua basal uterina, podendo ser total ou parcial. Ocorre
em 1% das gestações (com tendência a aumento), associando-se a hipertensão arterial, idade materna
avançada, tabagismo, uso de cocaína, ruptura prematura de membranas e histórico de DPP prévio.7
O DPP promove hemorragia materna e redução do aporte de oxigênio e nutrientes ao feto.
A tríade clássica de DPP consiste em sangramento vaginal, hipertonia uterina e dor abdominal.
A hemorragia, entretanto, pode ser oculta, dificultando o diagnóstico dessa patologia. As principais complicações do DPP são: choque hemorrágico, insuficiência renal aguda, coagulopatias,
sofrimento e óbito fetal.8
Em relação à técnica anestésica, nos casos em que a hemorragia está controlada, a reposição
volêmica está sendo eficiente e não se evidencia alteração hemodinâmica importante, a anestesia
regional, raqui ou peridural, poderá ser realizada, dependendo da necessidade urgente ou não
para extração do feto.1
A gravidade do descolamento placentário pode ser classificada em graus de I a III, de acordo
com a área descolada, a perda sanguínea e a presença de sofrimento fetal (Figura 2). A presença de feto vivo é indicador de que o descolamento é de grau I ou II. Nesses casos a anestesia
regional é indicada. Ocorrem raros casos de descolamento em grau II extremo ou incipiente grau
III, em que o feto ainda está vivo, porém praticamente moribundo. Nesses casos deve-se optar
pela anestesia geral. Na maioria dos casos, porém, a presença de feto vivo permite a realização
de anestesia regional.
A anestesia geral para cesárea é indicada quando existe sofrimento fetal grave ou óbito fetal,
geralmente associado a choque ou coagulopatia. Ela também poderá ser indicada diante do agravamento da hemorragia inicialmente abordada com bloqueio do neuroeixo. O grande momento
de decisão para o profissional consiste em quando indicar a entubação traqueal nesses casos.
Deve-se procurar antever, quando possível, potenciais situações de agravamento do quadro clínico, realizando a entubação em condições um pouco mais favoráveis.3
Placenta prévia
A incidência de placenta prévia é aproximadamente de um caso para 200 gestações, sendo associada
a multiparidade, idade materna avançada e cesariana ou procedimentos cirúrgicos uterinos prévios.
Com os métodos de imagem habitualmente disponíveis, destacando-se a ultrassonografia, é possível
identificar quadros de placenta prévia no período pré-operatório. O exame de toque vaginal deve ser
evitado nessas pacientes.9
82 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Figura 2. Relação entre grau, gravidade, área de descolamento, hemorragia e indicação da anestesia em DPP.
As principais complicações decorrentes da placenta prévia são: aumento do risco de sangramento perioperatório, hipotonia uterina no segmento de implantação anômala da placenta, correlação positiva entre placenta prévia e acretismo placentário e risco aumentado de histerectomia periparto.6,10
A escolha da técnica anestésica dependerá da indicação, da urgência para a realização da cesariana e da gravidade da perda volêmica, seguindo-se os princípios descritos no tópico anterior.
Avaliação das vias aéreas, acessos venosos de grosso calibre e reserva de hemoderivados são
fundamentais para a melhoria de resultados.
Ruptura uterina e vasa prévia
A incidência de ruptura uterina é menor que 1%, nas parturientes que apresentam úteros previamente
operados. A presença de cesariana prévia não se constitui em contraindicação formal para a realização
de parto normal.11 Entretanto, o Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras recomenda que a condução de partos normais, em pacientes com cesariana prévia, seja feita somente em instituições capazes
de realizar cesarianas em caráter de urgência/emergência, num período máximo de 30 minutos após sua
indicação. Por outro lado, a ruptura uterina é extremamente rara em primíparas sem histórico cirúrgico.12
As condições associadas à ruptura uterina são cirurgia prévia em útero, traumas diretos (lesão
penetrante, manipulação intrauterina, utilização de fórceps, curetagem pós-parto e extração manual de placenta) ou indiretos (pressão fúndica excessiva, extensão da laceração cervical e trauma
contuso), uso inapropriado de ocitocina, multiparidade, anormalidades uterinas, placenta percreta,
tumores e problemas fetais (macrossomia e anomalias). O manuseio anestésico dessas pacientes
Capítulo 6
Condutas anestésicas nas síndromeshemorrágicasobstétricas 83
segue as mesmas regras já descritas para a placenta prévia e o DPP, sendo a monitorização hemodinâmica invasiva apropriada nos casos de dúvida quanto ao volume intravascular.1
A vasa prévia é associada a uma inserção velamentosa do cordão, na qual os vasos fetais
transfixam as membranas fetais à frente da apresentação fetal. Pode ocasionar grande sofrimento
fetal, sendo seu diagnóstico precoce essencial para evitar a morte fetal, por exsanguinação. Ocorre um caso a cada 2.000 - 3.000 partos e apresenta altas taxas de morte fetal (50% - 75%), sendo
seu quadro clínico muito semelhante ao do DPP. O manejo anestésico dessas pacientes é guiado
de acordo com a via de parto mais rápida para o nascimento, com equipe pediátrica preparada.3
Hemorragia pós-parto
Hemorragia pós-parto é definida como perda sanguínea de mais de 500 mL em parto normal ou 1.000
mL em cesárea, sendo considerada primária nas primeiras 24 horas pós-parto e secundária até seis
semanas após o parto.5 A atonia uterina é sua principal causa, podendo ocorrer em até 10% dos partos.13 A conduta obstétrica/anestésica é baseada na manutenção hemodinâmica e na contenção do
sangramento conforme se demonstra na figura 3.
A atonia uterina geralmente ocorre imediatamente após o parto. O tratamento inicial inclui compressão bimanual, massagem uterina e administração de ocitocina endovenosa, que na maioria
dos casos é efetivo.14 Nos casos de falha no tratamento inicial, podem-se utilizar outras medicações uterotônicas como os derivados de ergotamina (ergonovina e metilergonovina, IM/IV — ao
se utilizar a via endovenosa usar doses fracionadas com constante avaliação da pressão arterial)
e as prostaglandinas E2 (via retal, F2 — IM) e misoprostol (análogo da prostaglandina E1 — via
retal). Se a atonia uterina persistir mesmo após a terapia medicamentosa, a resolução cirúrgica é
indicada e a conduta anestésica dependerá do estado hemodinâmico da paciente, eventualmente
necessitando de terapia transfusional e monitorização invasiva.5
Figura 3. Plano para abordagem de hemorragia pós-parto (Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras, Washington, D.C., 1998)
84 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
A retenção placentária ou de restos placentários nem sempre cursa com hemorragia pós-parto,
mas pode ser uma causa de sangramentos tardios e insidiosos, difíceis de serem estimados.1
A técnica anestésica utilizada visa ao relaxamento uterino, que pode ser feito por meio de anestésicos inalatórios ou endovenosos, dependendo da hemodinâmica da paciente. Como adjuvante,
pode ser utilizada nitroglicerina em bolus de 50 a 100 mcg ou infusão contínua de 10 mcg/kg/min.
Os casos de acretismo placentário vêm aumentando progressivamente nos últimos anos em
decorrência do aumento no número de cesáreas.15 A placenta acreta é definida como uma placenta anormalmente aderida, podendo ser classificada em três tipos. Na placenta acreta vera ocorre
aderência ao miométrio sem invasão ou passagem através do músculo uterino, já na placenta
increta ocorre invasão do miométrio, e na placenta percreta, invasão da serosa uterina, podendo
acometer outras estruturas pélvicas. A incidência de placenta acreta associada à placenta prévia em útero sem cicatriz é de 5%. Já em pacientes com uma cesárea prévia é de 10% a 24%,
sendo que a incidência aumenta para 59% a 67% em casos de duas ou três cesáreas prévias.
Atualmente, com o aperfeiçoamento da tecnologia do ultrassom, o diagnóstico é suspeitado pré-operatoriamente e podem ser utilizadas novas técnicas para a resolução do quadro, não sendo
obrigatória a histerectomia.
A histerectomia, por sua vez, na vigência de quadros hemorrágicos graves, é tecnicamente
mais difícil que a histerectomia eletiva, resultando frequentemente em lesões de ureter, bexiga,
alças intestinais e necessidade de reoperação em até 33% dos casos. Estima-se uma mortalidade entre 1% e 6% e uma média de transfusões de dez unidades de concentrado de hemácias e
quatro unidades de plasma fresco para essa cirurgia.16
A identificação pré-operatória de acretismo placentário exige um planejamento para a abordagem da paciente, planejamento este que deve envolver todas as equipes responsáveis pela assistência. Abordar casos de acretismo como patologia corriqueira, negligenciando os achados sem
planejamento prévio, pode conduzir a resultados catastróficos em virtude da grande complexidade
cirúrgica desses casos.5
Novas técnicas para se evitar a transfusão sanguínea heteróloga maciça em casos de acretismo placentário estão sendo testadas. O uso de cell-saver intraoperatório parece ser promissor,
mas há controvérsia quanto à utilização em gestantes por causa do risco de embolia por líquido
amniótico.5 A hemodiluição normovolêmica aguda e a transfusão sanguínea autóloga por doação
prévia também parecem ser boas estratégias, com poucos riscos para a paciente, porém os
estudos atuais estão voltados a técnicas de contenção do sangramento por embolização arterial
angiográfica e oclusão por balão. Nessas condições, pode-se realizar o balonamento das artérias
uterinas previamente ao parto com anestesia local, sem interferência às técnicas obstétricas e
anestésicas que irão ser utilizadas para o parto e com resultados bastante satisfatórios.
Embolização arterial uterina
Os critérios para a realização da embolização arterial incluem a presença da radioscopia, cateteres
arteriais, material para embolização e radiologistas experientes em procedimentos intervencionistas e
angiográficos.5 As alterações de coagulação não são infrequentes, sendo os introdutores mantidos
por 24 horas após o procedimento.17 Estudos mostraram melhora do padrão de coagulação após a
embolização que seria por facilitação das contrações uterinas secundárias à liberação de fatores pró-coagulantes. Os materiais comumente utilizados para a embolização são Gelfoam®, partículas de PVA,
molas de aço e cola de n-butil-2-cianocrilato. O Gelfoam® é o material mais popular em virtude de sua
degradação em quatro semanas, com a restituição da circulação normal, preservando a fertilidade e o
potencial reprodutivo. A taxa de sucesso foi de 90% a 95% em três séries de casos com 38 pacientes
apresentando hemorragia pós-parto persistente, tratadas com embolização. As complicações são in-
Capítulo 6
Condutas anestésicas nas síndromeshemorrágicasobstétricas 85
comuns, podendo ser classificadas em angiográficas (perfuração de artéria ilíaca externa e formação
de hematoma), infecciosas e isquêmicas.
Reposição volêmica e hemocomponentes
A reposição volêmica é etapa fundamental na abordagem de pacientes com quadros de síndromes hemorrágicas (Quadro 2). A reposição volêmica deve ser feita com base em parâmetros clínicos, incluindo
a pressão arterial, a pressão venosa central e a diurese.
Quadro 2. Ressuscitação da paciente portadora de síndrome hemorrágica
Monitorar adequadamente
Pressão arterial automática não invasiva ou invasiva
Cardioscópio
SpO2
Diurese
Pressão venosa central
Cuidado para não subestimar o sangramento
Estar preparado para o quadro
Venóclise: duas vias de grosso calibre (cateter 14G)
Acionar precocemente o banco de sangue
Hemocomponentes
Reposição volêmica: soluções isotônicas aquecidas
Cristaloides
Coloides
SpO2 = saturação de oxigênio
A solução básica é a solução de Ringer com lactato. Coloides e albumina podem ser úteis,
excetuando-se a dextrana. Não existem evidências de superioridade dos coloides em relação aos
cristaloides. As soluções para reposição volêmica devem ser aquecidas a 37 oC, a fim de prevenir
a hipotermia e suas repercussões sobre a coagulação.
A solução cristaloide que mais se ajusta às necessidades da reposição volêmica aguda é a de
Ringer com lactato, cuja composição é vantajosa por ser a que mais se aproxima da composição
plasmática (Tabela 2).
Tabela 2 Soluções intravenosas e suas composições
Plasma
pH
7,4
RL
6,5
NaCl 0,9%
5,0
SG5%
4,0
Osmolaridade (mOsm/L)
300
272
308
252
Sódio (mEq/L)
140
130
154
0
Potássio (mEq/L)
4
4
0
0
Cálcio (mEq/L)
5
3
0
0
103
109
154
0
1
28
0
0
27
0
0
0
100
0
0
5.000
Cloro (mEq/L)
Lactato (mEq/L)
Bicarbonato (mEq/L)
Glicose (mEq/L)
Peng ATC et al.
86 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
É razoável que o emprego das soluções hipertônicas de cloreto de sódio seja útil na ressuscitação volêmica. A solução mais utilizada é o cloreto de sódio a 7,5%. A ação dessa solução inclui aumento do débito cardíaco, dilatação vascular pré-capilar, constrição dos vasos de capacitância,
aumento da pressão arterial e melhora do fluxo mesentérico. Sua ação sobre o fluxo placentário
é ainda desconhecida.
A reposição das células vermelhas deve ser feita com concentrado de hemácias. O sangue
fresco, ou seja, aquele coletado com menos de 24 horas, não é atualmente disponível, podendo
ser utilizado o plasma fresco congelado. Cada unidade de concentrado de hemácias eleva, em
média, o hematócrito em 3%.
É fundamental que o banco de sangue seja acionado precocemente pela equipe envolvida no
atendimento. O banco de sangue deverá trabalhar em sintonia com a equipe cirúrgica, respondendo rapidamente às demandas emergentes ou urgentes dos quadros hemorrágicos obstétricos.
A terapêutica básica é a reposição volêmica e de glóbulos vermelhos.
A reposição dos fatores de coagulação deve ser criteriosa, sendo fundamental a correção
prévia da volemia. Recentemente, Borgman et al. (2007)18 realizaram um ensaio clínico em vítimas
de trauma com quadros de hemorragia grave. Os autores evidenciaram que a transfusão mais
liberal de plasma na proporção de uma unidade para cada concentrado de hemácias transfundido
reduziu a mortalidade dos pacientes de 92,7% para 37%. Esses cenários de guerra e trauma são
os que mais se assemelham às condições encontradas nos casos de hemorragias obstétricas
graves. Diante da grande dificuldade da condução de estudos controlados em casos de hemorragias obstétricas graves, alguns autores sugerem a extrapolação da conduta anteriormente descrita
também para a obstetrícia.
Recentemente, foi aprovada pela US Food and Drug Administration (FDA) a administração de fator VIIa recombinante.9 Em obstetrícia, é utilizada em casos graves de hemorragias, sugerindo uma
melhoria de resultados com sua utilização. As doses preconizadas variam de 20 a 120 mcg/kg,
não existindo um efeito dose-resposta até o momento. O custo desse tratamento encontra-se
em torno de dez mil dólares por paciente. Ainda não existem evidências para sua recomendação
rotineira. Deve ser utilizada em casos selecionados, de acordo com protocolos bem definidos da
instituição; pode causar trombose.
Conclusões
Apesar dos grandes avanços da medicina, a mortalidade materna decorrente de síndromes hemorrágicas permaneceu inalterada na última década. Torna-se fundamental o planejamento pré-operatório,
em pacientes com risco aumentado para hemorragia, e uma abordagem sistematizada, em casos de
urgência/emergência, para a melhoria de resultados. O anestesiologista deverá atuar de maneira proativa, procurando identificar, reconhecer e estimar as perdas sanguíneas. Suas intervenções deverão
ser realizadas antes da deterioração do quadro clínico. A comunicação entre as equipes envolvidas no
atendimento (anestesiologia, obstetrícia, banco de sangue, enfermagem) poderá influenciar decisivamente nos resultados.
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Capítulo 6
Condutas anestésicas nas síndromeshemorrágicasobstétricas 87
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affects mortality in patients receiving massive transfusions at a combat support hospital. J Trauma. 2007;63:805-13.
Capítulo 7
Tratamento
farmacológico
da dor neuropática
Irimar de Paula Posso
Gualter Lisboa Ramalho
Paulo Adilson Herrera
90 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Introdução
Dor neuropática é a dor não nociceptiva causada ou iniciada por lesão primária ou disfunção do sistema
nervoso central ou periférico. A dor é geralmente crônica, o tratamento é difícil e tipicamente a dor não
responde bem a analgésicos convencionais.
De acordo com estudos epidemiológicos estima-se que 6% a 8% da população mundial relate
dores com características neuropáticas de diversas etiologias.1 Diferentes doenças cursam com dores neuropáticas. Didaticamente podem ser divididas em quatro grandes grupos etiológicos: lesões
focais e multifocais do sistema nervoso periférico, lesões sistêmicas do sistema nervoso periférico
(polineuropatias), lesões do sistema nervoso central e doenças neuropáticas complexas (Quadro 1).2
Quadro 1. Doenças que cursam com dores neuropáticas classificadas de acordo com o diagnóstico etiológico
Lesões focais e multifocais do sistema nervoso periférico
Neuralgia pós-herpética
Neuralgia do trigêmeo
Neuralgia glossofaríngea
Síndrome do túnel do carpo
Mononeuropatia diabética
Plexopatia actínica
Plexopatia tumoral
Dor de membro-fantasma
Neuralgia intercostal
Lesões sistêmicas do sistema nervoso periférico — polineuropatia
Metabólicas: diabetes mellitus, beribéri, pós-gastroplastia, hipotireoidismo
Tóxicas: álcool, isoniazida, antirretrovirais, quimioterápicos, óxido de etileno
Infecciosas: HIV, Guillain Barré, borreliose
Hereditária: doença de Fabry
Neoplasia: carcinomatose
Outras: neuropatia de pequenas fibras idiopáticas
Lesões do sistema nervoso central
Trauma raquimedular
Acidente vascular cerebral
Hérnia discal extrusa
Esclerose múltipla
Doença de Parkinson
Doenças neuropáticas complexas
Síndrome dolorosa regional complexa tipos I e II
Dores neuropáticas podem apresentar sintomas distintos que podem fazer seu diagnóstico
complicado. Na verdade não há nenhum fenótipo que diferencie sintomaticamente um estado do
outro,3 porém alguns indícios auxiliam o médico no diagnóstico. A lesão ou a disfunção do sistema
nervoso deve estar presente ao exame; é comum que haja um intervalo de tempo entre a lesão do
sistema nervoso e o início da dor, paradoxo entre perda sensorial e dor ou hiperalgesia, descrição
bizarra da dor, dores paroxísticas, presença de hiperpatia e alodínia, sintomas que ajudam estabelecer o diagnóstico de dor neuropática.
Capítulo 7
Tratamento farmacológico da dor neuropática 91
Pacientes com dor neuropática têm altos índices de ansiedade e depressão, a dor causa
incapacidade produtiva e desajustes familiares.4 Tratar a dor neuropática crônica deve ser uma
prioridade em saúde pública, mas também é um desafio para todos os envolvidos nessa tarefa.
Desafio que exige uma equipe multidisciplinar com uma abordagem multifatorial. Mas não se deve
esquecer que a terapêutica medicamentosa, com todas suas limitações, tem lugar de destaque
no tratamento desses pacientes. O número de fármacos de diferentes classes farmacológicas
disponível para o tratamento da dor neuropática tem aumentado nos últimos anos. Novas classes
farmacológicas estão em pesquisa, abrindo um sem-número de possibilidades de esquemas terapêuticos. É necessário então que a escolha do fármaco para o tratamento seja individualizada,
baseada em evidências, levando em consideração eventos adversos, contraindicações, doenças
associadas e custos do tratamento.
Não existe fármaco ideal. Mesmo as medicações com eficácia estabelecida têm efeitos adversos, início de ação geralmente tardio e tratamento prolongado, causando muitas vezes a baixa
adesão ao tratamento. Menos de 70% dos pacientes tratados com dor crônica não neoplásica
são aderentes ao tratamento proposto, continuam visitando médicos, aumentando o custo do
tratamento com exames adicionais e o custo pessoal com sofrimento desnecessário.5
Diretrizes gerais para o tratamento
farmacológico e seleção de pacientes
Diagnóstico apropriado, avaliação e reavaliações constantes são fundamentais para o sucesso do tratamento. O tratamento das doenças subjacentes não deve ser ignorado, como o controle da glicemia
nos pacientes diabéticos.
Metas realísticas devem ser estabelecidas, assim como uma conversa franca com o paciente
sobre a efetividade do tratamento e eventos adversos esperados. A maioria dos doentes não terá
sua dor aliviada completamente com o tratamento, e isso lhe deve ser adiantado.
Na seleção individualizada do analgésico, devem-se considerar:
• Eficácia da medicação baseada em evidências disponíveis. Apesar da maioria dos ensaios
clínicos randômicos e controlados avaliando analgésicos para dor neuropática terem sido
conduzidos em neuralgia pós-herpética e polineuropatia diabética, na prática clínica as mesmas medicações demonstram grau semelhante de eficácia.
• Efeitos adversos, comorbidades como depressão, distúrbios do sono, ansiedade, obesidade, distúrbios cognitivos, constipação, hiperplasia prostática etc. e doenças associadas.
• Interação com outros fármacos, custo, risco de abuso, risco de suicídio devendo-se evitar o
uso de fármacos de baixo índice terapêutico nesses pacientes.
Titular a medicação iniciando com uma única droga, na menor dose possível, observando o
alívio dos sintomas e a presença de eventos adversos. Elevar a dose gradualmente e associar
analgésicos de outras classes farmacológicas caso seja necessário quando a primeira medicação
atingiu o efeito-teto ou os efeitos colaterais sejam intoleráveis. As associações de medicamentos
de diferentes classes podem reduzir as doses individuais com redução dos efeitos adversos.
Permitir um tempo adequado para o início da ação, geralmente em torno de duas semanas na
maior dose tolerada, antes de considerar a medicação não eficaz. A figura 1 sumariza o tratamento
farmacológico da dor neuropática em quatro etapas.6
92 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Figura 1. Fluxograma do tratamento farmacológico da dor neuropática6
Os analgésicos utilizados para o tratamento da dor neuropática podem ser agrupados em
analgésicos de primeira, segunda e terceira linhas segundo o grau de recomendação e classificados em diferentes classes farmacológicas de analgésicos segundo a classificação proposta por
Lussier e Beaulieu,7 utilizada neste texto (Quadro 2).
Resumo das recomendações de tratamento e doses utilizadas são encontrados na tabela 1.
As recomendações são baseadas em evidências para o tratamento da dor neuropática periférica,
que podem ser extrapoladas para o tratamento da dor neuropática central, no entanto mais estudos são necessários para estabelecer a eficácia dessas recomendações no tratamento da dor
neuropática central.
Capítulo 7
Tratamento farmacológico da dor neuropática 93
Quadro 2. Classificação dos analgésicos
Analgésicos
antinociceptivos
Paracetamol
Dipirona
AINEs
Opioides
Canabinoides
Moduladores de
Moduladores da atividade sensibilização
descendente inibitória ou ou transmissão
Anti-hiperalgésicos excitatória
periférica
Antagonistas NMDA ADTs
Anestésicos locais
Gabapentinoides
(pregabalina,
gabapentina)
Levetiracetam
Lamotrigina
IDRSN
Carbamazepina
ISRS
Oxcarbazepina
Mistos (analgésicos
antinociceptivos
e moduladores da
atividade descendente
inibitória ou excitatória) Outros
Tramadol
Calcitonina
Tapentadol
Bifosfonados
Agonistas α-2-adrenérgicos Topiramato
Nefopam
Óxido nitroso
Coxibes
Capsaicina
AINEs = anti-inflamatórios não esteroides; ADTs = antidepressivos tricíclicos; IDRSN = inibidores duais da recaptação de serotonina e noradrenalina; ISRS = inibidores seletivos de recaptação de serotonina
Tabela 1. Recomendações para o tratamento para dor neuropática periférica2
Medicamento/
Classe
Fase do
tratamento
Dose para
manutenção
(mg/dia)
NNH
combinado
NNT combinado
para alívio de
50%
Antidepressivos tricíclicos
primeira
Duloxetina
primeira
Venlafaxina
primeira
Paroxetina, bupropiona, citalopram
terceira
Anti-hiperalgésicos
Pregabalina
primeira
Gabapentina
primeira
Lamotrigina
terceira
Moduladores da transmissão/sensibilização periférica
Oxcarbazepina
terceira
Carbamazepina
terceira
Topiramato
terceira
Valproato
terceira
Capsaicina tópica
terceira
Lidocaína tópica
primeira
Antinociceptivos
Oxicodona
segunda
25-150
60-120
150-225
14,7
RRNS
RRNS
RRNS
2,1/2,5/3,1
4,1/5,2
4,6
6,8
150-600
1.200-3.600
200-400
11,7
17,8
RRNS
4,2/4,9
4/4,4
4,9
600-1.800
200-1.200
200-400
1.000
RRNS
21,7
6,3
RRNS
3-4 adesivos /dia
RRNS
ND
2,0
7,4
2,8
6,7
4,4
10-120
RRNS
2,6
Morfina
Metadona
Canabinoides
Mistos
Tramadol
15-300
15
5-15
RRNS
ND
RRNS
2,5
ND
9,5
9
3,9
Moduladores da atividade descendente Inibitória
segunda
segunda
terceira
segunda
NNH = número necessário para sair do estudo por evento adverso; NNT= número necessário para tratamento (alívio de 50% da dor inicial);
RRNS = risco relativo não significante; ND = dados não disponíveis
94 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Analgésicos de primeira linha
Moduladores da atividade descendente inibitória ou excitatória
Antidepressivos tricíclicos (ADTs) são eficazes para tratar a dor neuropática, especialmente neuropatias focais e polineuropatias. Os ADTs são baratos e fáceis de administrar, geralmente é usada uma
única dose diária. Seu efeito anticolinérgico responde pela maioria dos efeitos adversos: boca seca,
visão borrada, constipação, taquicardia, aumento do apetite e retenção urinária.
Os ADTs amina-secundária nortiptilina e desipramina são mais bem tolerados e possuem efetividade semelhante à dos ADTs amina-terciária amitriptilina e imipramina e devem ser a primeira
escolha ao iniciar um tratamento. Cuidado adicional com a administração de ADTs para pacientes
cardiopatas, pois causam taquicardia sinusal e podem aumentar ectopia ventricular. Muita cautela
com os pacientes com risco de suicídio devido ao baixo índice terapêutico, e com idosos, uma
vez que estes podem piorar distúrbios cognitivos e a marcha aumentando o risco de quedas. As
doses iniciais de ADTs devem ser as mais baixas possíveis, aumentadas vagarosamente de acordo com a analgesia obtida e os efeitos adversos observados.
A duloxetina é um antidepressivo inibidor dual da recaptação de serotonina e noradrenalina
(IDRSN) e tem um perfil mais favorável em idosos. Não altera o eletrocardiograma (ECG), porém
pode aumentar ligeiramente a glicemia. Náusea é o efeito colateral mais comum. Deve ser iniciada com dose de 30 mg ao dia e esta deve ser aumentada lentamente conforme a necessidade,
sempre considerando-se que com os ADTs a resposta analgésica inicia aproximadamente após
uma semana do início da medicação.
A venlafaxina também é um antidepressivo IDRSN. Estudos randomizados e controlados em
polineuropatias dolorosas demonstram sua eficácia com doses de 150 a 225 mg/dia. A dose inicial é de 75 mg/dia, que pode ser aumentada gradualmente, sendo que cerca de 5% dos pacientes que utilizam a venlafaxina têm alterações no ECG. A retirada da venlafaxina deve ser gradual,
pois existe risco de síndrome de descontinuação da droga.
Anti-hiperalgésicos
A gabapentina e a pregabalina são eficazes no tratamento da dor neuropática. Elas reduzem a liberação
de neurotransmissores após se ligarem a subunidade acessória α2δ-1 de canais de cálcio voltagem-dependentes e inibem correntes em canais de cálcio tipo N.8 Estudos com gabapentinoides comprovam analgesia no tratamento de neuralgia pós-herpética, polineuropatias dolorosas, dor de membro-fantasma, lesão medular aguda e crônica e neuropatias associadas ao câncer.9 Os principais efeitos
adversos dos gabapentinoides são dose-dependentes e incluem sonolência, tontura, ataxia e edema
de membros inferiores. Pacientes com insuficiência renal necessitam de ajuste de dose.
A gabapentina deve ser iniciada com a dose de 300 mg à noite e esta deve ser aumentada
progressivamente até que apareçam efeitos adversos ou até 2.400 mg/dia divididos em três tomadas. Deve-se aguardar até duas semanas após se atingir a dose desejada para a observação
dos efeitos analgésicos.
A pregabalina tem eficácia e efeitos adversos semelhantes ao da gabapentina, porém é seis
vezes mais potente e pode ser administrada em duas tomadas ao dia. Deve ser iniciada com dose
única noturna de 75 mg, aumentando-a progressivamente até 300 mg/dia. O início da analgesia
é mais rápido comparado ao com a gabapentina; tem atividade ansiolítica e melhora o padrão de
sono dos pacientes.
Capítulo 7
Tratamento farmacológico da dor neuropática 95
Moduladores da sensibilização/transmissão periférica
A aplicação de lidocaína tópica em adesivos ou gel é eficaz no tratamento de neuropatias periféricas
com presença de alodínia. Adesivos de lidocaína a 5% são seguros, não atingem concentrações séricas tóxicas quando utilizados nas doses recomendadas de três a quatro adesivos por dia, porém mais
precauções devem ser tomadas naqueles pacientes com disfunção hepática ou que utilizem outros antiarrítmicos especialmente de classe I, como a mexiletina. A lidocaína em gel pode ser utilizada quando
o adesivo não estiver disponível.
Analgésicos de segunda linha
Analgésicos antinociceptivos
Analgésicos opioides podem ser utilizados no tratamento de dores neuropáticas de diversas etiologias,
sozinhos ou associados a outros analgésicos de primeira linha. Podem-se associar os opioides para
o controle imediato de dor intensa como a dor do câncer e do herpes-zóster ou como medicação de
resgate para crises dolorosas. Os opioides apresentam mais efeitos adversos que as medicações
de primeira linha e podem induzir hiperalgesia e tolerância necessitando aumento frequente de doses.
Além disso, opioides podem causar adição, um fenômeno pouco frequente que na maioria dos estudos
incide em menos que 5% dos pacientes tratados, porém pode ser incapacitante e de difícil tratamento.
Antes de iniciar o tratamento avalia-se o potencial de abuso e a história pregressa de abuso de opioides
ou de outras drogas lícitas ou ilícitas. Os opioides são reservados aos pacientes que não responderam
ou não toleraram os efeitos colaterais dos analgésicos de primeira linha.
Os efeitos adversos mais comuns são náuseas e vômitos, sonolência e constipação. Pacientes
idosos podem apresentar alterações cognitivas e risco de queda. Deve-se iniciar o tratamento com
opioides com apresentações de liberação rápida na menor dose possível e intervalos corretos,
aumentando gradualmente a dose até o alívio da dor ou até que os efeitos adversos não possam
ser tolerados. Alguns efeitos adversos como náusea e sonolência diminuem com a continuidade do
tratamento, no entanto a constipação produzida pelos opioides não diminui com o tempo podendo
até limitar sua utilização. Algumas estratégias estão sendo desenvolvidas para suprimir esses problemas sem afetar a analgesia. Uma dessas estratégias é a utilização concomitante de antagonistas
de receptores opioides periféricos que não atuam no sistema nervoso central, tais como a metilnaltrexona e o alvimopan. Apesar de eficaz, a utilização desses medicamentos aumenta sensivelmente
o custo do tratamento.10
Mistos — analgésicos antinociceptivos e moduladores
da atividade descendente inibitória ou excitatória
O tramadol é um agonista opioide fraco que também inibe a recaptação de serotonina e noradrenalina. É
eficaz no tratamento de dor neuropática de diversas etiologias. A utilização do tramadol também pode causar sonolência, tonturas, náuseas, vômitos e constipação. Pode reduzir o limiar convulsivante e a síndrome
serotoninérgica central quando associado a IERS. A dose inicial é de 50 mg de uma a duas vezes ao dia,
aumentando gradativamente até 400 mg/dia em quatro tomadas.
96 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Analgésicos de terceira linha
Analgésicos de terceira linha são aqueles em que há menor acúmulo de evidência de sua eficácia
no tratamento da dor neuropática em comparação àqueles de primeira e segunda linhas. Devem ser
utilizados como alternativa aos opioides nos casos em que eles são contraindicados. Em algumas
situações especiais podem ser considerados de segunda linha, como a carbamazepina e a oxcarbazepina no tratamento da neuralgia do trigêmeo, ou ainda associados a medicações de primeira linha
para tratamento de dores neuropáticas paroxísticas associadas ao câncer, por exemplo.
Moduladores da atividade descendente inibitória/excitatória
O citalopram e a paroxetina são dois antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina
(ISRS), mas não a fluoxetina, que apresentaram respostas positivas no tratamento da dor secundária à
neuropatia diabética. A bupropiona é um inibidor da recaptação de noradrenalina e dopamina e também
pode ser utilizada no tratamento da dor neuropática. Esses antidepressivos podem ser alternativas aos
ADTs e aos duais quando estes falharam e o paciente necessita de medicação antidepressiva para
tratamento de depressão associada.
Moduladores da transmissão/sensibilização periférica
A carbamazepina e a oxcarbazepina devem ser utilizadas no tratamento inicial de pacientes com neuralgia do trigêmeo. A sonolência e a ataxia são efeitos adversos dessas medicações que limitam sua
utilidade. A carbamazepina, a oxcarbazepina, a lamotrigina, o topiramato e o ácido valproico podem ser
alternativas ao tratamento da dor neuropática não aliviada ou aliviada apenas parcialmente pelas medicações de primeira e segunda linhas. A dose inicial de lamotrigina deve ser baixa, cerca de 50 mg/dia,
com titulação lenta para reduzir a possibilidade de reações cutâneas graves. Reações de hipersensibilidade cutânea tardia são relativamente comuns com a carbamazepina e melhoram prontamente com
a retirada da medicação.
A mexiletina é um antiarrítmico classe I análogo estrutural da lidocaína que pode beneficiar
pacientes com neuropatias periféricas, porém a adesão ao tratamento é dificultada pelos efeitos
adversos, principalmente a epigastralgia.
A capsaicina tópica pode ser utilizada no tratamento da dor neuropática de pacientes com
neuralgia pós-herpética e polineuropatias periféricas com alodínia. A queimação resultante da aplicação dificulta a adesão ao tratamento e a realização de estudos duplo-cegos.
Antinociceptivos
Canabinoides não seletivos como o Sativex® (canabidiol plus THC) têm demonstrado eficácia clínica
para reduzir a dor neuropática,11 entretanto esses fármacos também produzem euforia, tontura e sedação em concentrações terapêuticas. Esses efeitos adversos são mediados por receptores CB1 no sistema nervoso central e limitam o ajuste da dose analgésica em pacientes com dor crônica. Atualmente
a indicação dos canabinoides está limitada àqueles pacientes em que a relação de custo e benefício é
razoável. O Sativex® está aprovado para uso no Canadá desde 2005, sendo indicado para o tratamento
da dor neuropática associada à esclerose múltipla.12
Anti-hiperalgésicos
Os antagonistas NMDA produzem muitos efeitos adversos como sedação, confusão, incoordenação
motora em doses muito próximas às doses farmacológicas eficazes, consequentemente não há mar-
Capítulo 7
Tratamento farmacológico da dor neuropática 97
gem terapêutica para esses agentes.12 Isso associado a estudos conflitantes de eficácia com memantina e dextrometorfano no tratamento da dor neuropática tem tornado a utilização clínica desses agentes
pouco recomendável.
Novas perspectivas
Há um interesse muito grande no desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento da dor neuropática. Há ainda um número muito grande de pacientes que ou não se beneficiam das medicações
existentes ou não conseguem tolerar os tratamentos existentes. Agonistas canabinoides mais seletivos
e com redução dos efeitos adversos e bloqueadores de canais de sódio de mais largo espectro podem
aumentar nossas opções de analgésicos para a dor neuropática. Há ainda um antagonista de receptor
NMDA (NeurodexTM/ZenviaTM, Avanir) em estudo para a dor neuropática, e novos antidepressivos duais
IDRSN, como a desvenlafaxina da Wieth e o milnaciprana da Forest/Cypress, estão sendo avaliados
para o controle da dor neuropática.12
Novos ensaios deverão ser realizados avaliando a resposta analgésica de associação de fármacos e tolerabilidade. Existe a necessidade de estudos direcionados e a identificação de características exclusivas dos respondedores. Metodologias emergentes poderão melhorar o critério de
seleção de pacientes aumentando a confiabilidade e a reprodutibilidade desses estudos.3
Conclusões
O tratamento farmacológico é um componente importante na abordagem multidisciplinar do paciente
portador de dor neuropática. O tratamento deve ser individualizado levando-se em consideração as
diretrizes anteriormente citadas que auxiliam na escolha racional dos analgésicos a serem utilizados,
e também devem ser consideradas as comorbidades, doenças associadas, ansiedade, depressão,
expectativas do paciente e a história pregressa de abuso de medicações. Ao iniciar o tratamento, o
paciente e seus familiares devem ser informados de modo realista sobre os resultados que podem ser
esperados. Avaliação e reavaliações constantes são fundamentais para o sucesso do tratamento e para
manter a adesão do paciente à terapia proposta. Os pacientes que não melhorarem com o tratamento
devem ser encaminhados a outros centros multidisciplinares de tratamento da dor.
Referências
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neuropathic origin. Results from a general population study. J Pain. 2006;7:281-9.
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4. Gore M, Brandenburg NA, Hoffman DL, Tai KS, Stacey B. Burden of illness in painful diabetic
peripheral neuropathy: the patients’ perspectives. J Pain. 2006;7:892-900.
5. Giannopoulos S, Kosmidou M, Kyritsis AP. Patient compliance with neuropathic pain treatment. Pain. 2008;136:447.
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management of neuropathic pain: evidence-based recommendations. Pain. 2007;132:237-51.
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D, Porreca F, et al. Pharmacology of Pain. Seattle: IASP Press, 2010.
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P, Lussier D, Porreca F, et al. Pharmacology of Pain. Seattle: IASP Press, 2010.
98 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
9. Tzellos TG, Papazisis G, Amaniti E, Kouvelas D. Efficacy of pregabalin and gabapentin for neuropathic pain in
spinal cord injury: an evidence-based evaluation of the literature. Eur J Clin Pharmacol. 2008;64:851-8.
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controlled, dose finding study in subjects taking opioids for chronic non-cancer pain. Pain. 2008;137:428-40.
11. Nurmikko TJ, Serpell MG, Hoggart B, Toomey PJ, Morlion BJ, Haines D. Sativex successfully treats neuropathic pain
characterised by allodynia: a randomised, double-blind, placebo-controlled clinical trial. Pain. 2007;133:210-20.
12. Dray A, Perkins MN. New Pain Treatment in Late Development. In: Beaulieu P, Lussier D,
Porreca F, et al. Pharmacology of Pain. Seattle: IASP Press, 2010.
Capítulo 8
Peridural torácica
Adilson Hamaji
Fernando Antonio Carneiro
João Aurilio Rodrigues Estrela
Luis Claudio de Araujo Ladeira
100 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Introdução
O bloqueio peridural permanece como a principal técnica de anestesia regional, pois possibilita anestesia cirúrgica, analgesia durante o trabalho de parto, analgesia pós-operatória, tratamento de dor crônica
e a complementação da anestesia geral. Fatores como a segurança da analgesia/anestesia segmentar
(dermátomos), a ausência de cefaleia pós-punção, o uso de técnicas de infusão com a possibilidade
da utilização de uma grande variedade de agentes anestésicos locais e opioides firmam um sólido
argumento para sua indicação para pacientes cirúrgicos.1 Acredita-se que o anestesiologista brasileiro
seja um dos mais experientes nessa técnica de bloqueio não associada à anestesia geral, embora a
quantidade de publicações seja pequena a esse respeito.
É importante que o anestesiologista clínico conheça com profundidade as características do
bloqueio peridural e suas respostas fisiológicas. A maioria das publicações conclui que tanto a
anestesia quanto a analgesia moderam a resposta inflamatória ao trauma cirúrgico, principalmente
quando a técnica peridural torácica é utilizada em cirurgia torácica ou abdominal alta. Sua atividade
nos estados de hipercoagulabilidade é considerada semelhante à de baixas doses de heparina
quando empregada na profilaxia da trombose venosa profunda.2,3 Além disso, efeitos cardiovasculares benéficos, com redução de morbimortalidade em cirurgias de grande porte, são demonstrados. O bloqueio peridural torácico limita a extensão da isquemia coronariana, melhorando a função
ventricular esquerda de pacientes coronariopatas, durante situações de estresse. O bloqueio das
fibras de C5 a T5 diminui o tônus simpático para o coração, principalmente a inervação adrenérgica
para os ventrículos que se origina em T1-4.
O efeito hemodinâmico do bloqueio peridural torácico é o resultado de uma série complexa de
mecanismos, entre os quais a atividade endógena adrenérgica do paciente, o decréscimo do tônus vascular, a vasoconstrição compensatória, a redução da frequência cardíaca (FC) por prolongamento do potencial de ação ou por estimulação vagal e a diminuição do inotropismo cardíaco.4
Goertz et al. concluíram que a resposta do reflexo barorreceptor cardíaco depende da integridade
do tônus do sistema simpático, que pode atuar diretamente no referido reflexo, com o bloqueio de
sua atividade cardioaceleradora, como também, de maneira indireta, por intermédio da alteração
do balanço entre o sistema de inervação cardíaca simpática e parassimpática. Esse mecanismo
é proposto como causa da bradicardia e hipotensão arterial após o bloqueio peridural torácico,
podendo explicar os fenômenos hemodinâmicos graves (hipotensão arterial e bradicardia) que
podem acompanhar, por vezes, sua associação com anestesia geral, isso porque a última pode
interferir de maneira significativa no balanço entre tônus do sistema adrenérgico e colinérgico.
O bloqueio do sistema autônomo simpático é mais extenso do que o bloqueio sensitivo podendo-se observar importantes alterações na relação de atividade adrenérgica/colinérgica, mesmo
durante bloqueios sensitivos peridurais com extensão restrita a poucos dermátomos.
Anatomia
Na região torácica, as raízes nervosas são nomeadas pelas vértebras da metade cefálica do forame
intervertebral — T4 emerge entre as vértebras T4 e T5, por exemplo.5 E como a medula espinhal termina
entre as vértebras L1 e L2, as raízes nervosas torácicas emergem dos forames intervertebrais a distâncias progressivamente maiores de suas origens na medula espinhal — tais quais as raízes lombares e
sacrais.5
Capítulo 8
Peridural torácica 101
Repercussões sistêmicas
Aparelho cardiovascular
Bloqueios peridurais altos com soluções de anestésico local sem adrenalina causam redução do volume sistólico, do débito cardíaco, da resistência vascular periférica e da pressão arterial.5 A magnitude
dessas alterações, entretanto, é menor do que a que ocorre numa raquianestesia que atinge os mesmos níveis de bloqueio.5 Tais alterações hemodinâmicas são devidas às dilatações arterial e venosa
induzidas pelo bloqueio de fibras simpáticas.5
Já os bloqueios peridurais altos com a utilização de soluções com epinefrina resultam em
aumento significativo do volume sistólico e do débito cardíaco.5 Entretanto, a resistência vascular
periférica diminui drasticamente, o que resulta em queda da pressão arterial mais intensa do que a
observada quando se utilizam soluções sem epinefrina.5 Isso se explica pela vasodilatação promovida pelo efeito β2 da adrenalina.5 O débito cardíaco aumentado pode se explicar pela diminuição
acentuada da resistência vascular periférica ou pelo aumento do retorno venoso — venoconstrição consequente à adrenalina.5
A anestesia peridural torácica segmentar pode ter alguns efeitos exacerbados ou diminuídos de
acordo com o nível de bloqueio realizado.
Um bloqueio de T1-T5 provoca vasodilatação mínima, com queda acentuada da FC. Quando
associada à anestesia geral pode não se observar elevação da FC em resposta à diminuição da
pressão arterial, variando de acordo com o grau de bloqueio simpático. Contudo, a resposta simpática à hipercapnia por contribuição eferente da adrenal pode estar preservada.6
Há controvérsias em relação à contratilidade: a depressão da função ventricular esquerda, com
queda do volume sistólico, pode ser responsabilidade da solução anestésica utilizada, no caso a
bupivacaína racêmica.
Um benefício das alterações da peridural segmentar (T1-T5), observado em pacientes com
doença coronariana, seria o balanço entre o consumo e a oferta de oxigênio, principalmente pela
diminuição da FC.
Quando o bloqueio peridural é mais extenso (T1-T12), ocorre hipotensão acentuada por queda
da resistência vascular sistêmica e ação cardiodepressora, bloqueio simpático extenso (ação barorreceptora suprimida), bloqueio dos nervos esplâncnicos (T6-L1) com consequente bloqueio da
adrenal, perda do tônus dos vasos dos membros inferiores com redistribuição do fluxo sanguíneo
sem considerar o enchimento cardíaco (vasodilatação em territórios denervados).
Com bloqueio de T5-S5 ocorre vasodilatação, hipotensão e bradicardia em consequência ao
bloqueio simpático periférico e esplâncnico. Nos bloqueios de T10-S5 pode haver hipotensão acentuada e até mesmo colapso cardiovascular em pacientes hipovolêmicos. Deve-se ter precaução
na instalação desse bloqueio em pacientes hipertensos e coronariopatas.
No manejo das alterações hemodinâmicas, temos de tratar principalmente as causas do problema: baixo débito cardíaco ou resistência vascular periférica diminuída.5 A infusão de soluções
cristaloides pode ser uma opção para restaurar a resistência vascular e, consequentemente, o
débito cardíaco; entretanto, a efetividade em pacientes normovolêmicos é controversa.2 A pré-hidratação, com 500 a 1.500 mL de cristaloides, não previne a hipotensão de maneira confiável.5
Em relação aos vasopressores, drogas com ação α- e β-adrenérgicas, estes têm-se mostrado
superiores aos α-agonistas puros.2 Nesse sentido, a efedrina tem sido a droga mais utilizada; com
bolus de 5 a 10 mg consegue-se aumentar a pressão arterial com restauração do débito cardíaco
102 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
e da resistência vascular periférica.2 Em casos de necessidade de repetidas doses, que podem
levar à taquifilaxia, está poderá ser substituída pela dopamina.5
Agentes α-agonistas puros como a fenilefrina também são usados. Entretanto, podem desencadear uma disfunção ventricular isquêmica transitória durante um bloqueio peridural sem vasoconstritor: o aumento da pressão pelo aumento da resistência vascular sistêmica pode levar a uma
diminuição mais acentuada ainda do débito cardíaco.5 No caso de soluções contendo vasocontritores, os α-agonistas puros poderiam ser usados pela expressiva queda na resistência vascular
sistêmica desencadeada por esses bloqueios.2
Não há nenhum estudo que defina claramente um limite seguro e aceitável de pressão arterial
ou de FC para qualquer grupo de paciente.2 Assim sendo, muitos autores recomendam o tratamento caso a pressão arterial caia 25% a 30% do valor basal ou a sistólica se encontre abaixo de
90 mmHg, em pacientes normotensos; além disso recomenda-se tratar FC abaixo de 50 ou 60,
não sendo uma aplicação universal.5
Sistema respiratório
A anestesia peridural torácica provoca diminuição da capacidade vital, da capacidade pulmonar total e
do volume expiratório forçado em um segundo (FEV1) em consequência ao bloqueio motor dos músculos intercostais.
Em bloqueios até níveis médio-torácicos, drogas sedativas perioperatórias têm maior impacto
na função respiratória que o bloqueio em si, em pacientes sem doença pulmonar preexistente.2
Entretanto, bloqueios altos, com paralisia abdominal e intercostal, podem requerer exalação ativa,
devendo se tomar cuidado em pacientes com doença pulmonar obstrutira crônica (DPOC)2 (aumento da capacidade residual funcional).6
Nesses casos, os pacientes podem se queixar de dispneia, apesar da ventilação-minuto poder
estar normal ou aumentada. Isso se deve à incapacidade de sentir a movimentação do tórax.2 Um
diagnóstico importante se faz com a paralisia de músculos respiratórios, que se apresenta com
alteração na fonação inicialmente.5
Pode haver compensação do bloqueio dos nervos intercostais pelo diafragma, que passa a ter
sua atividade aumentada podendo chegar até mesmo à disfunção, sendo o principal mecanismo
de alteração respiratória no pós-operatório de cirurgia torácica e abdominal. Assim, para melhor
controle dos efeitos pulmonares da anestesia peridural torácica, deve-se evitar o bloqueio dos
nervos intercostais, optando por anestésicos locais com menor potencial para bloqueio motor ou
utilização de soluções menos concentradas (bloqueio diferencial).6
Sistema gastrointestinal
A inervação simpática dos órgãos abdominais derivam de T6-L2. O bloqueio dessas fibras resulta em
atividade parassimpática livre de oposição. Isso resulta em aumento de secreções, relaxamento de
esfíncteres e aumento do peristaltismo.5
Náusea, de etiologia desconhecida, pode ocorrer, associada a bloqueios acima de T5, hipotensão, opioides e história prévia de discinesia.5
Sistema endócrino-metabólico
Ainda que a anestesia peridural iniba muitas das alterações endócrino-metabólicas, tal efeito é menor
em procedimentos torácicos e abdominais altos.5 O fato é que informações sobre a presença do blo-
Capítulo 8
Peridural torácica 103
queio simpático, sua extensão e sua relação com o bloqueio sensorial são escassas.6 Entretanto, os
benefícios da anestesia peridural torácica são parcialmente atribuídos ao bloqueio simpático torácico.
Ela induz bloqueio simpático torácico e lombar, que precede e ultrapassa o bloqueio sensorial.7
O conjunto de reações definidas como “resposta ao estresse cirúrgico” é geralmente visto
como mal adaptativo e como um dos fatores que aumentam a morbimortalidade pós-operatória.5,7 A ativação do sistema simpático resulta em taquicardia e aumento do consumo de
oxigênio pelo miocárdio. Além disso, ocorre hipoperfusão e disfunção intestinal perioperatória,
comumente encontradas após grandes cirurgias e agravadas quando a terapia com opioides é
necessária.7
Peridural torácica associada à anestesia geral
A associação com a anestesia geral previne o reflexo vagal e dor pela tração do diafragma.1 A influência do bloqueio peridural torácico associado à anestesia geral tem sido muito estudada na atualidade,
quando administrada em pacientes com e sem coronariopatias. A ausência de situações de isquemia
coronariana no grupo de pacientes submetidos à anestesia peridural torácica, apesar da presença de
significativa hipotensão arterial, pode ser justificada pelos seguintes mecanismos:
Diminuição da FC — Durante o bloqueio peridural torácico houve em média 15 batimentos por minuto (bpm) a menos do que com o peridural lombar, o que possibilitou uma relação pressão-FC idêntica
nos dois estudos. A queda da FC no bloqueio peridural torácico pode ser devida ao bloqueio das fibras
cardioaceleradoras autônomas, o que provavelmente não ocorreu após o bloqueio lombar.
Efeito inotrópico negativo — O bloqueio de fibras simpáticas cardíacas, que ocorre após o bloqueio peridural torácico, diminui o inotropismo, como foi evidenciado no estudo por meio da elevação da pressão capilar pulmonar; esse bloqueio realizado na região lombar não atinge esse tipo de
fibra, com o volume de anestésico local empregado. Geralmente tem sido aceito pela literatura que o
efeito inotrópico negativo causado pelo bloqueio peridural torácico está restrito às situações em que
este atinge segmentos torácicos altos, não sendo na maioria das vezes muito intenso, justificando,
dessa forma, que a hipotensão arterial resultante do referido bloqueio é, principalmente, secundária
à vasodilatação.
Estudos experimentais8 mostram que, na presença de doença coronariana isquêmica instável,
o bloqueio peridural cervicotorácico resulta em uma menor incidência de disritmias ventriculares
e alterações hemodinâmicas similares àquelas apresentadas após a administração de um agente
farmacológico com atividade β-adrenérgica. Um estudo realizado por Koch et al.9 evidenciou que a
função ventricular esquerda, global e regional, é mais bem preservada em pacientes coronariopatas isquêmicos com o bloqueio peridural cervicotorácico do que na ausência deste. Scherer et al.13
documentaram o número de bloqueios peridurais torácicos efetivos para cirurgias abdominais e
seus efeitos colaterais e concluíram pela indicação do bloqueio peridural torácico, associado ou
não à anestesia geral, como a técnica anestésica ideal para a realização de cirurgias abdominais,
quando comparada com a anestesia geral isoladamente.
Estudo comparativo entre bupivacaína, 0,25%, e ropivacaína, 0,2%, em anestesia para cirurgia
torácica demonstrou que a técnica combinada peridural torácica e anestesia geral mostrou-se
eficaz e segura nos pacientes submetidos à toracotomia. Quando se utilizou bupivacaína, a diminuição da pressão arterial foi maior e a pressão máxima nas vias aéreas foi menor do que quando
comparada à ropivacaína.10
104 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Análise de fatores técnicos na
realização do bloqueio peridural
As vértebras torácicas apresentam características próprias importantes: diferentes inclinações de seus
processos espinhosos, processos transversos e corpos vertebrais com facetas que se articulam com
as costelas. As vértebras torácicas primeira (T1), segunda (T2), décima (T10), décima primeira (T11) e décima segunda (T12) têm processos espinhosos com inclinações iguais às do segmento lombar, e os
processos espinhosos da quinta até a oitava vértebras torácicas (T5-T8) têm inclinações que podem
ultrapassar 60 graus em relação à pele.
Figura 1. Coluna vertebral nível toracolombar
As punções peridurais ao nível torácico requerem maior experiência do anestesiologista, por
serem menores as distâncias entre o ligamento amarelo e a dura-máter. O ligamento amarelo é
mais fino do que no segmento lombar. Embora a punção paramediana predisponha à maior possibilidade de sangramento pelo risco de lesão vascular, tecnicamente torna-se mais fácil quando
comparada à punção na linha média. A técnica paramediana é a mais indicada para a colocação
do cateter peridural em razão da alta incidência de falso-positivo no teste da perda de resistência
quando a punção mediana é executada.1 Além disso, a angulação dos processos espinhosos,
especialmente na região médio-torácica, pode tornar a técnica da linha média um desafio, mesmo
para anestesistas experientes.1
A medula espinhal apresenta duas intumescências que devem ser lembradas: uma entre
C3-T2 e a outra entre T9-T12, regiões de origem das raízes nervosas dos membros superiores e
inferiores.11
No Brasil, o bloqueio peridural se popularizou nas cirurgias estéticas mamárias ambulatoriais
com ou sem sedação perioperatória. Propofol em infusão contínua4 ou midazolam12 com ou sem
fentanila são titulados para se obterem diferentes graus de sedação em anestesia regional. Nas
técnicas anestésicas regionais, a “sedação consciente” é considerada ideal principalmente quando se necessita da cooperação do paciente.
Em voluntários calmos, dosagens plasmáticas de catecolaminas durante diversos níveis de
bloqueio peridural (T8,T4,C8) não registraram diminuição significativa da norepinefrina, sugerindo
que a simpatectomia química é apenas parcial13 e que a vasoconstrição compensatória de outros
territórios, não atingidos pelo bloqueio nervoso, ameniza a diminuição da pressão arterial. A alta
Capítulo 8
Peridural torácica 105
ambulatorial pós-bloqueio peridural implica reversão do bloqueio motor dos membros acometidos,
sem instabilidade hemodinâmica.14
Localização do cateter
É importante a correta localização da ponta do cateter dentro do espaço peridural em relação aos
dermátomos comprometidos pela lesão cirúrgica, para que o efeito da droga utilizada por essa via de
administração seja o melhor possível, principalmente quando se utilizam anestésicos locais ou opioides
lipossolúveis (fentanila ou sufentanila), sendo menos importante quando são utilizados opioides hidrossolúveis como a morfina ou drogas α2-agonistas (clonidina).
A proximidade da ponta do cateter com os dermátomos referidos possibilita a utilização de
doses menores de anestésicos locais, diminuindo a extensão do bloqueio somático e simpático,
reduzindo consequentemente a incidência de bloqueio motor e hipotensão arterial; além disso,
possibilita o emprego de doses menores de opioides, diminuindo a incidência de seus efeitos
adversos no período perioperatório (Figura 2).1
Figura 2. Punção peridural torácica com passagem de cateter contínuo
Em relação às doses, vários regimes têm sido sugeridos com um ponto em comum: analgesia
cirúrgica, com o uso de uma anestesia geral “leve” — o que reduz os efeitos residuais depressores
do sistema respiratório.15,16
Frequentemente são utilizados grandes volumes e baixas concentrações de anestésico local
em níveis médios a baixos para grandes cirurgias toracoabdominais.7
Em se tratando de punções torácicas médias ou altas, é prudente reduzir as doses de anestésico local em 30% a 50% em relação às doses utilizadas na punção lombar, prevenindo uma
dispersão cefálica excessiva.5
Diferentemente da raquianestesia, a peridural produz bloqueio segmentar que se difunde tanto
caudal quanto cranialmente, a partir do local de injeção.5 No caso da peridural torácica, a técnica
produz uma faixa de anestesia segmentar e simétrica, sendo que a extensão dependerá da massa
de anestésico local utilizada.5
Vários fatores podem interferir com a dispersão desse anestésico no espaço peridural. Sua
massa parece ser o mais importante fator na extensão dos bloqueios sensorial, motor e simpático.7
A idade também está relacionada, principalmente em se tratando de peridural torácica — dose
40% menor em pacientes idosos.7,17 O mecanismo é incerto, mas aventa-se uma menor perda do
anestésico pelos forames intervertebrais em consequência às calcificações.7
106 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
A posição e a velocidade de injeção exercem pequeno efeito na dispersão do bloqueio.9 Em
relação à altura, não há consenso — a não ser, talvez, nos extremos.7 Peso e índice de massa
corporal (IMC), apesar de fraca correlação em peridural lombar, inexistem em peridural torácica.7
Em razão do maior ingurgitamento de vasos peridurais por aumento da pressão intra-abdominal, a
gravidez seria um fator que diminuiria a dose necessária de anestésico local. Entretanto, os dados
disponíveis são referentes à peridural lombar: estudos clínicos e em animais têm demonstrado que
o bloqueio nesses casos é mais intenso e têm seu início mais rápido.7,18,19
Peridural torácica para mastectomias
A anestesia peridural torácica é utilizada com frequência para procedimentos estéticos da mama, porém
há poucos relatos de seu emprego para mastectomias com exploração axilar.20 A anestesia peridural torácica é muito utilizada para operações plásticas21,22 e para analgesia pós-operatória de toracotomias13,14
e com menos frequência em intervenções cirúrgicas oncológicas de mama.23,24 Estudo comparativo
entre anestesia peridural torácica e anestesia geral em mastectomia oncológica20 mostrou que é possível realizar mastectomias oncológicas com esvaziamento axilar com técnica peridural torácica com
punção única e que essa opção apresenta algumas vantagens em comparação com a anestesia geral.
No período intraoperatório, a qualidade anestésica foi adequada na maioria das pacientes, apesar da
necessidade de complementação com anestésico local na região axilar em três casos. Nessas pacientes a dissecção foi até o segundo nível, e a intervenção cirúrgica não foi comprometida. Um problema
da anestesia peridural torácica nessa região está vinculado à inervação torácica e axilar. Na superfície
acima do segundo dermátomo torácico está o território da quarta raiz cervical (C4) e as raízes cervicais
inferiores dão inervação à axila em conjunto com a segunda raiz torácica (C2). Por isso, um bloqueio
adequado para a superfície deve incluir a quarta raiz cervical (C4).
Na axila, o bloqueio deve incluir as raízes cervicais e a segunda torácica (T2), porém quando a
dissecção progride até o segundo ou terceiro nível (por trás e em direção medial ao músculo peitoral menor) outras raízes cervicais estão envolvidas na inervação acima de C4. Os dados desse
estudo mostraram que essa altura do bloqueio, na quarta raiz cervical, pode ser obtida de forma
consistente após a administração de dose única de anestésico local com opioide. Apesar do
volume da solução ter sido grande (20 mL), a dose do anestésico [bupivacaína com excesso
enantiomérico de 50% (S75-R25) na concentração de 0,375% (75 mg)] não é considerada alta e foi
utilizada diluição porque esse procedimento não precisa de relaxamento muscular intenso. Artigo
recente25 mostrou que a abordagem torácica média tende a ter maior dispersão caudal que cervical do anestésico local, o que justifica usar volumes maiores quando esse bloqueio é feito. Um
bloqueio alto pode ter consequências hemodinâmicas ou respiratórias, o que não foi detectado
nessas pacientes.
A incidência de hipotensão arterial foi alta (60%), porém a diminuição dos valores da pressão
arterial não foi significativa e foi controlada sem dificuldade com pequenas doses de vasopressor.
O bloqueio torácico médio pode causar bradicardia ao inibir as fibras simpáticas cardíacas. Isso
não ocorreu, assim como demonstrado em outros estudos.23,26,27 A respiração não foi afetada de
acordo com a monitorização usada e há estudos que mostram que a anestesia peridural torácica28 pode ser empregada com segurança para esse tipo de operação mesmo quando a paciente
apresenta doenças como asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica. A abordagem cervical,
com bloqueio até a segunda raiz cervical (C2), altera a respiração, deprimindo a função do diafragma29 e se correlaciona com a concentração do anestésico local utilizada. Vantagem da anestesia
regional comparada com a anestesia geral é a diminuição da incidência de náuseas e vômitos que
ocorre em vários procedimentos e estudos publicados.30
Capítulo 8
Peridural torácica 107
Anticoagulação e bloqueio peridural
— Hematoma espinhal
Apesar do tromboembolismo venoso continuar sendo uma importante fonte de morbidade e mortalidade perioperatórias, sua profilaxia e seu tratamento não estão isentos de risco. Sangramento é a maior
complicação da terapia antitrombótica.31 Os principais fatores de risco para ocorrência de sangramento
são anticoagulação excessiva, idade avançada, sexo feminino, história de sangramento gastrointestinal,
uso concomitante de antiagregantes plaquetários e duração da terapia anticoagulante.32
Durante o tratamento com varfarina, o risco de sangramento é baixo quando o INR é mantido
entre 2,0 e 3,0. A elevação do INR acima de 4,0 se associa com um risco significativamente maior
de sangramento (7%). A incidência de complicações hemorrágicas durante anticoagulação terapêutica com heparina não fracionada, venosa ou subcutânea, bem como com heparina de baixo
peso molecular é menor que 3%.3 A terapia trombolítica representa o maior risco de sangramento
(6% a 30%).33
O sangramento no canal espinhal se origina, mais comumente, a partir do plexo venoso peridural. Apesar do trauma de vasos sanguíneos peridurais ocorrer em 3% a 12% das tentativas
de inserção do cateter peridural, o hematoma espinhal sintomático é uma complicação rara, mas
potencialmente catastrófica.34 A incidência do hematoma espinhal manifesto clinicamente é desconhecida. Todavia, parece que sua ocorrência tem-se tornado mais frequente, possivelmente
como resultado do uso mais difundido da anestesia regional em pacientes com estados alterados
da coagulação.
A incidência de hematoma espinhal relatada na literatura varia bastante entre os estudos. Em
um extremo do espectro, uma revisão com mais de 850.000 bloqueios peridurais relatou três casos, com uma incidência de 0,0004%.35 Por outro lado, estudos relataram incidências de 0,03%14
e 0,2%.36 Com base nessas informações, em pacientes com a coagulação normal, Tryba estimou
o risco de hematoma espinhal em 1:150.000 casos de anestesia peridural, e 1:220.000 raquianestesias.37
Alteração da coagulação secundária à terapia anticoagulante ou a coagulopatias é o fator de
risco mais comumente incriminado como causa de hematoma espinhal após a realização
de bloqueios neuroaxiais.2 Outros fatores de risco incluem: punções múltiplas, difíceis e traumáticas, idade avançada e presença de anormalidades anatômicas.40
Em revisão da literatura, Vandermeulen et al.9 relataram 61 casos de hematoma espinhal associados à anestesia peridural e raquianestesia. Em 42 casos (68%), o hematoma ocorreu em
pacientes com evidências de anormalidades na hemostasia. A inserção da agulha de punção ou
do cateter foi difícil em 25%, e com sangramento em outros 25% dos casos. De forma geral, em
53 dos 61 pacientes (87%), anormalidade da coagulação ou dificuldade na inserção da agulha
estiveram presentes. Em 15 dos 32 pacientes que usaram cateter peridural, o hematoma espinhal
ocorreu imediatamente após a retirada do cateter. Nove desses cateteres foram retirados na vigência de níveis terapêuticos de heparinização. Dessa forma, foram identificados fatores de risco
potencias para o desenvolvimento de hematoma espinhal, destacando-se a presença de anticoagulação ou outra anormalidade da coagulação e o momento da inserção e da retirada do cateter
peridural em relação à administração da medicação anticoagulante ou antitrombótica.41
O desenvolvimento do hematoma imediatamente após a retirada do cateter peridural demonstra que o sangramento não ocorre apenas na punção com a agulha ou com a inserção do cateter,
mas também após a retirada deste.41
108 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Assim, com base nos dados encontrados na literatura, propomos uma série de fatores de risco
inerentes à condição clínica do paciente, à técnica anestésica e ao uso de medicações anticoagulantes. O risco de hematoma espinhal será potencialmente maior em pacientes idosos e do
sexo feminino; nos casos de inserção traumática e após várias tentativas da agulha ou do cateter
peridural; com o uso da técnica peridural (quando comparada às agulhas mais finas da raquianestesia); quando se utiliza cateter peridural; com a permanência do cateter durante a tromboprofilaxia
(especialmente com heparina de baixo peso molecular); quando a inserção ou retirada do cateter
peridural é realizada na presença de níveis significativos de anticoagulação; na presença de alterações hemostáticas; com altas doses do anticoagulante; com a associação de drogas que alteram
a coagulação.
A situação se modificou dramaticamente e o risco de hematoma espinhal aumentou bastante
após a introdução do uso rotineiro das heparinas de baixo peso molecular para a profilaxia dos
eventos tromboembólicos perioperatórios. Com isso, o uso da heparina de baixo peso molecular
se tornou um novo fator de risco para o desenvolvimento de hematoma espinhal após bloqueio
neuroaxial,32 devendo-se levar em consideração a relação de risco e benefício em sua indicação.
Indicações
A anestesia peridural torácica é indicada para cirurgias torácicas,15 assim como cirurgias cardíacas, abdominais e plásticas. Uma classificação simples divide os níveis de punção em torácica alta (C7-T12 — cirurgia cardíaca), médio torácica (T2-T6 — cirurgia torácica); e torácica baixa (T6-L1 — cirurgia abdominal).5
É considerada como padrão-ouro para analgesia pós-toracotomia, com menos efeitos colaterais que outros métodos comumente usados.15 Tem indicação precisa para anestesia da região
torácica e abdominal5,7 associada ou não à anestesia geral.
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Capítulo 8
Peridural torácica 109
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Capítulo 9
Transplante de
órgãos na criança —
Transplante renal
Daniela Bianchi Garcia Gomes
Danielle M. H. Dumaresq
Magda Lourenço Fernandes
112 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
Introdução
A doença renal é considerada um problema de saúde pública crescente em todo o mundo. Segundo dados do relatório anual do North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies (NAPRTCS), em
2008, 104 novas crianças e adultos jovens com idade inferior a 20 anos foram acrescentados aos 7.037
indivíduos com taxa de filtração glomerular (TFG) menor que 75 mL/min/1,73 m2 de superfície corporal.¹
O censo realizado em 2008 pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), em colaboração com 310 das
684 unidades renais ativas e cadastradas, registrou 41.611 pacientes em terapia renal substitutiva, sendo
que destes 1,6% tinha menos de 20 anos de idade.²
O transplante renal (TR) é o mais bem estabelecido de todos os transplantes de órgãos sólidos
realizados e uma opção efetiva para o tratamento da insuficiência renal crônica (IRC) tanto em
adultos quanto em crianças.
O primeiro TR realizado em pediatria ocorreu em 1909, quando Unger, em Berlim, transplantou
um rim de macaco para uma criança que sofria de insuficiência renal aguda (IRA). Mas os resultados da época não foram satisfatórios e, por muitos anos, o TR pediátrico foi tratado com muitas
restrições que se deviam, principalmente, aos efeitos decorrentes dos imunossupressores e à
escassez de órgãos.
Estudos publicados mais recentemente vêm demonstrando que o sucesso do TR está associado à melhor qualidade de vida e sobrevida do transplantado renal a longo prazo, e que essa
qualidade é significativamente melhor que a dos pacientes em esquema de diálise para quase
todas as formas de doença renal.3-5 Seu progresso torna-se aparente quando analisamos os resultados de grandes registros como o NAPRTCS, no qual observamos melhora na sobrevida em
um ano do enxerto de 89,4% e 75,2% no período de 1987 a 1990 para 95,3% e 92,3% no período
de 1999 a 2003 para os transplantes de doador vivo e cadavérico, respectivamente.6 Entretanto,
não existem muitos dados disponíveis na literatura da sobrevida a longo prazo do paciente e do
enxerto, bem como das morbidades associadas.
Na população pediátrica, o TR permite um estado fisiológico que facilita o crescimento e o desenvolvimento neurológico, tornando-se o primeiro método de tratamento nessa população com IRC.
Os avanços na técnica cirúrgica ocorreram basicamente nas fases iniciais do transplante e
pouco evoluiu nos últimos anos. Foi basicamente o desenvolvimento de novas drogas imunossupressoras que desempenhou um importante papel na manutenção do órgão transplantado.
Do início dos anos 1960, quando foi introduzida a azatioprina e os corticosteroides no esquema
imunossupressor, até 1984, com a liberação da ciclosporina, a incidência de rejeição aguda caiu
drasticamente, revolucionando não só o TR, mas também o transplante de outros órgãos sólidos
como coração e fígado, que passaram a ser realizados em larga escala. Dez anos depois a US
Food and Drug Administration (FDA) liberou a introdução do tacrolimo no esquema imunossupressor, logo acompanhada do micofenolato de mofetila em 1995 e do sirolimo em 1999.7 Não existe
o melhor esquema imunossupressor, mas uma combinação que melhor se adapta às condições
do paciente em determinado momento.
Fatores técnicos, imunológicos, metabólicos e psicológicos tornam o TR pediátrico diferente
daquele do adulto. As crianças apresentam características únicas, incluindo diferentes etiologias
da falência renal, crescimento físico, resposta imune aumentada idade-relacionada e alto risco de
hipoperfusão do enxerto.
Indicações
O Comitê da Sociedade Americana de Transplantes definiu como indicações para transplantes renais em
pediatria toda criança com IRC em fase terminal, estando o paciente em diálise ou em fase pré-dialítica.
Capítulo 9
Transplante de órgãos na criança — Transplante renal 113
Apesar do avanço na terapia conservadora, o TR ainda é a melhor opção para criança com
doença renal em estágio terminal, ou seja, quando a TFG atinge valores abaixo de 30 mL/min por
1,72 m2 de superfície corporal.
A etiologia da IRC é particular para cada faixa etária de pacientes e difere da observada em
adultos. As malformações congênitas e hereditárias são responsáveis por mais de metade dos
casos, distúrbios congênitos do trato urinário respondem por 35% e doenças hereditárias, como
rim policístico, contribuem com aproximadamente 25%.
Como não existe um consenso na literatura para a classificação da doença renal primária, Soares
et al. em 2007, após analisarem vários estudos, sugeriram classificar a doença renal primária em
cinco grandes grupos (Quadro 1).7 As uropatias e as glomerulopatias são responsáveis por praticamente 60% dos casos de falência renal nas crianças e nos adolescentes. Mas enquanto as doenças estruturais (uropatias obstrutivas, aplasia/displasia e nefropatia do refluxo) são mais comuns
em crianças com menos de 5 anos de idade, a glomeruloesclerose segmentar focal representa
menos de 6% nesse grupo de pacientes e 15% nos pacientes com mais de 12 anos. Quadro 1. Principais causas de doença renal em pediatria
Uropatias
Válvula de uretra posterior
Disfunções vesicais neurogênicas
Refluxo vesicoureteral
Estenose da junção ureterovesical
Disfunção miccional
Glomerulopatias
Glomeruloesclerose segmentar e focal
Glomerulonefrite
Síndrome hemolítico-urêmica
Púrpura de Henoch Schonlein
Nefropatias hereditárias
Síndrome de Fanconi
Síndrome de Bartter
Rim policístico infantil
Rim policístico tipo adulto
Displasia/Hipoplasia renal
Causas menos prevalentes
IRC indeterminada
IRA indeterminada
Trauma
Necrose tubular aguda
114 Curso de Educação a Distância em Anestesiologia
A doença responsável pela IRC poderá apresentar importante impacto no resultado pós-transplante. As uropatias obstrutivas, como exemplos, se não adequadamente corrigidas, podem levar
à perda do rim transplantado. Entretanto, cresce nos últimos anos a preocupação com a recorrência da doença de base. Dentro desse grupo, uma patologia que se destaca na população
pediátrica com crescente aumento em sua incidência anual e que apresenta impacto negativo na
sobrevida do enxerto renal é a glomeruloesclerose segmentar e focal, responsável por 11,5% dos
casos de IRC nas crianças transplantadas.8
Considerando-se que o TR tem a capacidade de melhorar a função cognitiva e diminuir o
grau de desajuste social da criança, o ideal seria realizá-lo antes do início do tratamento dialítico
(transplante preemptivo). Existem alguns serviços que rotineiramente realizam TR em lactentes
com resultados satisfatórios.9 Mas, se por um lado, a sobrevida em três anos desses pacientes
em diálise é de apenas 66%, aumentando para 91,5% e 80,7% após o transplante com doador
vivo e cadáver, respectivamente, as dificuldades técnicas e nutricionais pré-transplante devem
ser consideradas, já que a prevalência de desnutrição severa é maior nesse grupo de pacientes,
assim como a incidência de trombose da artéria do rim transplantado.
Preparo para o transplante renal
Os cuidados corretos durante o tratamento dialítico são essenciais para o transplante. A ingestão hídrica dificilmente obedecida, a hipervolemia cronicamente sustentada associada à hipertensão, a fístula
arteriovenosa e outros fatores podem comprometer a função cardíaca. Crianças com diagnóstico de
IRC em tratamento dialítico apresentam aumento na massa ventricular esquerda procurando manter a
performance do ventrículo esquerdo e a contratilidade de repouso, mas sua reserva contrátil pode estar
reduzida durante o exercício, achado que pode ser um indicativo de disfunção sistólica severa no futuro,
dependendo do tempo em diálise do paciente.10
Na tentativa de manter a homeostase do organismo, o rim sofre uma série de adaptações diante de um quadro de IRC, e o organismo, uma série de consequências, como hipertensão arterial,
desequilíbrio hidroeletrolítico (sódio e água), hipercalemia, acúmulo sérico de fosfatos, acidose
metabólica e anemia, distúrbios mineral e ósseo, calcificações extraósseas, hiperparatireoidismo
secundário, hiperfosfatemia, alterações do metabolismo da glicose e da insulina, alteração do
sistema imunológico.
Antes de a criança ser submetida ao TR, os problemas relacionados à insuficiência renal devem ser diagnosticados e, se possível, corrigidos previamente.
Pacientes sem etiologia definida de IRC devem ser submetidos à avaliação urológica cuidadosa
que inclui, inicialmente, a realização de uma uretrocistografia miccional (UCM) e, se necessário,
posteriormente, estudo urodinâmico em razão da elevada frequência de uropatias obstrutivas,
bem como anomalias do trato urinário nessa faixa de pacientes.
Um dos aspectos fundamentais no transplante pediátrico é a avaliação nutricional dos pacientes em preparo para transplante, que envolve medidas desde orientação nutricional correta até a
realização de gastrostomia em situações especiais. Além disso, os familiares e o próprio paciente
raramente estão preparados para o transplante, tornando a participação de uma assistente social
e uma psicóloga fundamental.
Infecção ativa é uma contraindicação para o TR e sítios comumente infectados nessa população de pacientes incluem trato urinário, pulmão, cateter venoso e, eventualmente, líquido de diálise
peritoneal.
Ainda, rotineiramente, realizam-se sorologias para citomegalovírus (CMV), vírus Epstein Barr,
hepatites B e C, Chagas, toxoplasmose e reações sorológicas para sífilis tanto do doador quanto
Capítulo 9
Transplante de órgãos na criança — Transplante renal 115
do receptor, não só para a investigação de infecções preexistentes, mas também para a avaliação
do risco de infecções primárias.
Procedimento cirúrgico
A cirurgia do TR envolve basicamente três anastomoses: artéria, veia e ureter. O entendimento das
etapas do TR desde dissecção, clampeamento, anastomose vascular, desclampeamento, anastomose
ureteral até o início do funcionamento do enxerto é essencial de forma a permitir ações precisas e imediatas, favorecendo o prognóstico. A tabela 1 mostra as etapas cirúrgicas e algumas peculiaridades no
manuseio em cada fase.
Tabela 1. Etapas do transplante renal pediátrico e aspectos importantes do manuseio
Etapa
Duração
Reposição de fluidos
Manuseio
Incisão, dissecção de vasos e
estruturas renais (ureter)
2-3 horas
Reposição de perdas insensíveis e
sangramentos
*Antibioticoterapia
*Imunossupressores
Correção de acidose e hiperpotassemia
Clampeamento de vasos
Média:
30-60 minutos
Anastomose vascular
30 minutos
Desclampeamento vascular
(veia depois artéria)
*Heparinização, 1 mg/kg
Aprofundar o nível da anestesia
Reposição com cristaloides e coloides
de forma a manter pressões de
enchimento (PVC 15 -20 mmHg) e Ht
entre 25% e 30%
**Manitol
Manter pressões de enchimento
(PVC 12-18 mmHg)
**Manitol
Furosemida
Anastomose ureteral
30 minutos
Observar o débito urinário no campo
cirúrgico
Manter hipervolemia moderada
(PVC 10 - 15 mmHg)
Fechamento
30-60 minutos
Manter volemia por reposição do débito
urinário com solução salina 1:1
*De acordo com o protocolo do serviço.
**Momento a ser administrado de acordo com o protocolo do serviço.
Na população adulta, a anastomose vascular é usualmente realizada em artéria e veia ilíaca externa, mas na criança dependerá do tamanho dos vasos do doador e do receptor. Dessa forma, poderá
ser realizada nas artérias e veias ilíaca externa, ilíaca comum e, eventualmente, em aorta e cava, de
forma a garantir um bom fluxo de sangue para o enxerto. A questão do acesso vascular para diálise
nas crianças pequenas foi beneficiada nos últimos anos com a evolução dos cateteres intravasculares de longa permanência, mas, ainda assim, alguns pacientes são admitidos para transplante após
inúmeras passagens de cateter para acesso venoso em território femoral, fato que pode inviabilizar tal
região para anastomose. Tais pacientes deverão ser cuidadosamente investigados.
Sobrevida do enxerto renal
Apesar da contribuição da terapia de imunossupressão ser considerada a grande responsável pela
maior sobrevida de crianças transplantadas, alguns aspectos implicam sucesso ou falha do enxerto
renal, tais como:
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•
•
•
•
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•
•
•
•
•
Tipo de doador.
Idade de doador e receptor.
Compatibilidade de HLA.
Sensibilização ou presença de anticorpos anti-HLA pré-formados.
Tempo prolongado de isquemia fria.
Etnicidade do receptor.
História de glomeruloesclerose focal.
Retardo no funcionamento do enxerto.
Episódios de rejeição aguda.
Infecção.
Relatos de enxertos que falharam dentro de dez anos, fornecidos pela NAPRTCS,21 mostraram
que crianças mais velhas, não caucasianas, com história de glomeruloesclerose focal, além de
enxertos de doadores vivos, apresentaram melhor prognóstico.
Avaliação imunológica
Excluindo-se raros serviços que realizam transplante ABO incompatível, o primeiro fator necessário para
o transplante é um doador ABO compatível. Na população pediátrica é muito comum o rim transplantado ser procedente de um dos pais ou eventualmente avós, já que os irmãos dificilmente se encontram
em idade ideal para a doação. Desde março de 2001, a alocação de doadores cadavéricos foi priorizada para as crianças de tal forma que rins de doadores com menos de 18 anos de idade são alocados
para pacientes com menos de 18 anos de idade.11 Após a tipagem sanguínea, procede-se a realização
da tipagem HLA e a reação de microlinfocitotoxicidade cruzada, ou crossmath, cuja positividade, em sua
maioria, contraindica o transplante. Finalmente, o status de sensibilização para transplante, determinado
por condições prévias que estimularam a resposta imunológica (transfusões de sangue, transplante
pregresso e gestação anterior), é avaliado por meio da realização de um teste denominado reatividade
contra painel, realizado contra vários antígenos presentes na população. Nesse teste, procura-se a presença de anticorpos da classe IgG dirigidos contra antígenos específicos e que possam comprometer
a evolução do transplante.
Considerações anestésicas
A magnitude das diferenças entre pacientes pediátricos e adultos resulta em considerações anestésicas especiais, nem sempre evidentes ao anestesiologista. O conhecimento das diferenças anatômicas,
fisiológicas, farmacológicas e psicológicas aliado à experiência técnica é fundamental nos cuidados
direcionados a essas crianças.12
Farmacocinética das drogas na
insuficiência renal crônica
Nos pacientes com IRC, drogas ligadas a proteínas plasmáticas devem ter sua dose diminuída, uma
vez que a ligação proteica está reduzida pela azotemia. A redução das proteínas plasmáticas na IRC
terminal é causada mais pela redução da albumina do que da globulina, o que pode causar aparente
potencialização de drogas que se ligam à albumina. Já, as drogas que se ligam à globulina (como
relaxantes musculares não despolarizantes) são menos afetadas por esse mecanismo. Os pacientes
Capítulo 9
Transplante de órgãos na criança — Transplante renal 117
com uremia não tratada podem ter aumento do volume do líquido extracelular e, consequentemente, aumento do volume de distribuição para drogas hidrossolúveis. Nesses casos, doses maiores de
drogas hidrossolúveis podem ser necessárias para se atingir o efeito desejado. Embora a maioria dos
pacientes agendados para cirurgia de TR esteja clinicamente controlada, a diálise pré-operatória pode
causar depleção de volume e grandes reduções na pressão arterial após a administração de drogas
que liberam histamina (como morfina e atracúrio) ou de drogas que atuam em receptores adrenérgicos
(como droperidol, labetalol). A acidose associada a esses pacientes também pode potencializar os efeitos de algumas drogas (relaxantes musculares como vecurônio, rocurônio, pancurônio).13
Monitorização
Além da monitorização intraoperatória-padrão (oximetria de pulso, eletrocardiograma, pressão arterial
não invasiva, temperatura, PETCO2 e gases inalados), está indicada monitorização complementar. Durante o procedimento cirúrgico, a monitorização hemodinâmica invasiva pode auxiliar na adequação
da reposição volêmica e da perfusão renal.14 Pacientes com insuficiência renal geralmente apresentam
alterações nos líquidos corporais e alta incidência de doença cardíaca. Em razão desses dois fatores
aliados à importância de perfusão e função precoces do enxerto, a monitorização da PVC é recomendada.13 Em casos especiais, como na presença de cardiopatias ou coagulopatias, pode ser necessário
também monitorizar a pressão arterial invasiva.14,15
Reposição hídrica e controle hemodinâmico
A reposição hídrica deve ser guiada pelo status cardiovascular do paciente e pela pressão venosa
central. Hipovolemia é comum nos pacientes submetidos à diálise pouco antes do transplante.12 Uma
agressiva expansão de volume se justifica, porque o atraso no funcionamento do rim transplantado está
associado a 20% a 40% de diminuição na sobrevida do enxerto e a aumento da mortalidade. Necrose tubular aguda pós-operatória pode resultar de uma inadequada hidratação.13 Geralmente líquidos
intraoperatórios são repostos na ordem de 60 a 80 mL/kg/h.15 Em estudo retrospectivo incluindo 50
pacientes pediátricos, Coupe et al. não evidenciaram diferença entre a quantidade de fluidos administrados durante a cirurgia e a ocorrência de necrose tubular aguda. Entretanto, nesse estudo utilizou-se
volume de líquidos que variou de 30 a 190 mL/kg (média de 88 mL/kg), sendo que crianças menores
receberam maiores volumes. 16
Solução salina isotônica é considerada a primeira escolha para reposição hídrica no TR.17 As
várias soluções cristaloides podem apresentar diferentes impactos no balanço eletrolítico e ácido-básico. Solução de Ringer com lactato é tradicionalmente evitada, em razão de sua composição
com potássio (4 mEq/mL). No entanto, deve-se lembrar que reposições de grandes volumes
com solução fisiológica podem estar associadas a quadros importantes de acidose metabólica e consequente hiperpotassemia. Em pacientes adultos, compararam-se três soluções de reposição (solução salina a 0,9%, Ringer com lactato e Plasmalyte®), concluindo-se que, durante
transplantes não complicados, o melhor resultado metabólico foi observado nos pacientes que
receberam Plasmalyte®,17seguido do Ringer com lactato. Hipercalemia é um achado frequente e
pode contribuir para distúrbios da condução cardíaca, devendo ser idealmente corrigida antes da
anestesia.12
Um adequado controle hemodinâmico intraoperatório é fundamental. A monitorização da pressão venosa central pode diminuir o risco de necrose tubular aguda e insuficiência do rim transplantado, causadas por hipovolemia. A medida do volume intravascular no intraoperatório permite
aumentar a probabilidade de função imediata do enxerto por manter um adequado volume in-
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travascular e garantir a perfusão satisfatória do rim transplantado. Pressão venosa central de 10
mmHg a 15 mmHg tem sido recomendada para manter um ótimo volume intravascular.13 A pressão
arterial deverá ser mantida 10% acima dos valores basais, e a PVC em níveis elevados antes da
liberação do clamp da artéria renal. Especial atenção deve ser dirigida aos pacientes que tiverem
a aorta clampeada, bem como às crianças pequenas recebendo rim de tamanho adulto. Nestes
últimos, o volume sanguíneo necessário para perfundir o novo rim representa uma significante
proporção do volume intravascular total da criança.12 O anestesiologista deve estar preparado para
manusear quadros de hipotensão aguda com o objetivo de evitar uma inadequada perfusão e
piora da sobrevida do enxerto. Em casos de hipotensão grave, além de cristaloides, albumina, na
dose de 0,8 g/kg, pode ser utilizada para diminuir o risco de disfunção tardia do enxerto.13 Drogas
vasoativas também podem ser utilizadas. Alguns autores evitam o uso de vasopressores de ação
direta, preferindo dopamina ou efedrina para adequar os níveis pressóricos,13 entretanto, os alfa-agonistas podem ser necessários em casos de hipotensão severa.18 Acidose pode acompanhar
hipotensão após a liberação do clamp da aorta.. O uso de manitol confere proteção renal contra isquemia cortical, por meio da expansão do volume intravascular, estando indicado antes do clamp
dos vasos renais. Entretanto, deve-se estar atento ao fato de que essa rápida expansão do volume
intravascular pode provocar falência cardíaca e edema pulmonar.12
Técnica anestésica
Em casos eletivos, a indução anestésica pode ser realizada por via inalatória, porém a indução venosa
é preferível em pacientes com acesso venoso disponível e nos casos considerados de estômago cheio.
Todos os agentes de indução disponíveis podem ser usados. A escolha da droga deve considerar o
status cardiovascular e o volume intravascular do paciente, além das alterações na farmacocinética e
na farmacodinâmica dessas drogas na IRC. Os opioides, frequentemente, são administrados na indução para minimizar as alterações hemodinâmicas que ocorrem durante a laringoscopia e a entubação
traqueal. A diminuição da excreção renal característica de relaxantes musculares deve ser considerada,
porém todos os relaxantes musculares disponíveis são seguros, desde que utilizados com monitorização cuidadosa. A succinilcolina pode causar uma elevação de 0,5 a 0,75 mEq/L no potássio sérico e,
potencialmente, causar uma hipercalemia transitória que pode estar associada com distúrbios de condução. A manutenção da anestesia geralmente consiste na combinação de agente inalatório e opioide.
Óxido nitroso pode ser usado, mas é prudente evitá-lo para prevenir a distensão de alças intestinais.12
Recentemente a nefrotoxicidade dos anestésicos tem sido considerada em debates sobre
o composto A, produto resultante da degradação do sevofurano. Esse anestésico reage com a
cal sodada, formando, entre vários produtos da degradação, o CF2=C(CF3)-O-CH2F, denominado
composto A. O composto A está presente em maiores concentrações nos circuitos de anestesia
com baixo fluxo (menor do que 1 L/min), quando comparado aos altos fluxos. Sendo esse produto
sabidamente nefrotóxico em ratos, a questão da segurança da anestesia com sevoflurano em
fluxo baixo foi então considerada para o rim humano. Estudos que avaliaram a tolerância renal na
anestesia com sevoflurano mostram resultados conflitantes. Portanto, enquanto persiste a questão
acerca do prejuízo à função renal, é prudente evitar seu uso para manutenção da anestesia.19
A anestesia venosa total com propofol e alfentanila pode ser vantajosa, em virtude da curta
duração de ação dessas drogas e da não interferência na farmacocinética, quando utilizadas em
pacientes com uremia.13
Anestesia peridural em combinação com anestesia geral pode ser útil na manutenção da estabilidade hemodinâmica, no controle da dor e a na recuperação pós-operatória.12,15 Estudo retros-
Capítulo 9
Transplante de órgãos na criança — Transplante renal 119
pectivo incluindo 46 pacientes pediátricos submetidos a TR demonstrou que a anestesia peridural,
combinada com anestesia geral, possibilitou estabilidade hemondinâmica no intraoperatório e boa
analgesia pós-operatória.20
Muitas crianças podem ser extubadas na sala de cirurgia, antes de serem transportadas para
o centro de terapia intensiva (CTI). Essas crianças deverão estar hemodinamicamente estáveis,
normotérmicas, acordadas, com relaxamento neuromuscular normal e terem níveis normais de
eletrólitos e balanço ácido-básico.12
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