Aspectos Reprodutivos de Jibóias Amazônicas (Boa constrictor

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Aspectos Reprodutivos de Jibóias Amazônicas (Boa constrictor
Aspectos Reprodutivos de Jibóias Amazônicas
(Boa constrictor constrictor) no Sítio Xerimbabo,
Município de Santo Antônio do Tauá, PA
Luis Augusto Araújo dos Santos Ruffeil1, Paulo Henrique Gomes de Castro1 & Paula Carolina Rodrigues de Almeida1,2
1. Sítio Xerimbabo Criadouro Comercial de Fauna Silvestre; 2. Universidade Vale do Acaraú
[email protected], [email protected] e [email protected]
INTRODUÇÃO
No Brasil ainda são escassos os estudos sobre reprodução de serpentes em cativeiro
com finalidade comercial. Visando contribuir para o aumento do conhecimento sobre este tema,
entre julho de 2006 e janeiro de 2007 foi acompanhada a reprodução de jibóias amazônicas (Boa
constrictor constrictor) nos recintos do Sítio Xerimbabo, situado em Santo Antônio do Tauá, Pará,
nos aspectos relativos à cópula, período de prenhez, número de filhotes nascidos, seus pesos,
tamanhos e razão sexual.
Apesar de diversos relatos de cópulas e nascimentos de jibóias amazônicas em
cativeiro doméstico pouca informação científica está disponível no Brasil, sendo a maior parte dos
trabalhos destinados a estudos sistemáticos (Cunha & Nascimento, 1978), história natural e
distribuição geográfica (Cunha & Nascimento, 1978; Silva et all., 2006). Os principais trabalhos
sobre reprodução em cativeiro de boídeos referem-se à Eunectes murinus (Strimple, 1986, 1994,
1996) e Corallus caninus (Burger, 1997; Edwards, 1988). Paul Huang publicou em seu website em
1998 um extenso e abrangente estudo sobre história natural e reprodução em cativeiro de Corallus
caninus e Corallus hortulanus. Os trabalhos de Ross & Marzec (1990) e Ronne (1998) foram as
principais referências a que tive acesso sobre reprodução em cativeiro de Boa constrictor.
A demanda no Brasil e em vários países por filhotes desta espécie é grande e
crescente. Neste cenário os criadouros comerciais despontam como uma alternativa importante,
fornecendo animais legais e saudáveis, gerando emprego e pagando impostos, sendo de vital
importância desenvolver um manejo reprodutivo que propicie altas taxas de fecundação e
nascimento.
OBJETIVOS
Este estudo teve como objetivos principais contribuir para o conhecimento da
reprodução em cativeiro de jibóias amazônicas e estabelecer um protocolo de manejo reprodutivo
que garanta um grande número de filhotes em cada ninhada.
MATERIAL E MÉTODOS
No criadouro os machos reprodutores e as fêmeas matrizes são mantidos em um único
recinto gramado de 35m2, murado, descoberto e com um pequeno lago (Fig. 01). Todos os animais do
plantel reprodutivo, 10 machos e 22 fêmeas, são identificados com microchips de implantação
®
subcutânea da marca AnimallTag ,
cuja leitura é feita por leitora de
bastão ou de mão da mesma marca.
O registro das cópulas foi por
observação direta durante todo o
dia, sem horário específico.
Figura 01. Viveiro em que são
mantidos os animais do plantel
reprodutivo do Sítio Xerimbabo.
RESULTADOS
Cópulas
Foram registradas cópulas efetivas de sete machos e 10 fêmeas (Fig. 02), sendo que
os machos tiveram de três a 10 parceiras e as fêmeas copularam com até quatro machos. Em duas
ocasiões foi observada a tentativa de alinhamento cloacal entre dois machos, que permaneceram
alguns minutos apresentando este comportamento. As cópulas ocorreram em vários horários,
porém 54,8% (N=34) das cópulas ocorreram entre 06h10 e 07h30.
Fecundação e período de prenhez
Oito fêmeas emprenharam (36,4%),
mas como essas matrizes copularam
várias vezes com machos diferentes e os
períodos de cópula variaram de quatro a
38 dias, não foi possível determinar a
paternidade e o dia da fecundação,
impossibilitando a determinação do
período exato de prenhez. Entretanto,
com base na data da primeira e da
última cópula de cada fêmea e no dia
dos nascimentos das respectivas
ninhadas foi possível estimar que o
período mínimo de prenhez variou de
119 a 180 dias (média 151,6 ± 18,1
dias), o período máximo de prenhez
variou de 146 a 205 dias (média 171,3 ±
Figura 02. Flagrante de cópula com o
21,6 dias) e o período médio de prenhez
variou de 132,5 a 192,5 dias (média
161,4 ± 19,2 dias). As prenhez foram
confirmadas e/ou diagnosticadas por exames ultrassonográficos (Fig. 03). As fêmeas prenhes
foram isoladas individualmente em baias de 2m2 até o nascimento dos filhotes (Fig. 04).
A
B
Primeira muda e início da alimentação
A primeira muda de pele dos recém-nascidos ocorreu entre seis e nove dias após o nascimento,
quando os mesmos começaram a se
alimentar de neonatos de camundongos
(Mus musculus) e ratos (Rattus
norvergicus).
Figura 04. Fêmea prenhe isolada em
baia individual de 2m2. Esse
procedimento garante o melhor
acompanhamento da evolução da
prenhez e a individualização dos
filhotes após o nascimento.
DISCUSSÃO
O tamanho do viveiro onde é mantido o plantel mostrou-se suficiente para que
ocorressem cópulas sucessivas entre vários machos e fêmeas, sendo a necessidade de espaço um dos
requisitos mais importantes para reprodução de Boa constrictor (Ross & Marzec, 1990). Apesar de
não ter sido feito o pareamento para cópula a presença de aproximadamente duas fêmeas para cada
macho pareceu não ter influência sobre a freqüência de cópulas, diferente do que sugerem Ross &
Marzec (1990) que indicam a necessidade da presença de três ou quatro machos para que ocorra a
cópula com uma fêmea. O horário mais freqüente de cópulas, ao amanhecer, evidencia o hábito
noturno da espécie, pois as cópulas registradas nesse período provavelmente eram as cópulas
iniciadas durante a noite ou madrugada, quando foram feitas poucas observações.
O percentual de 36,4% de fêmeas prenhas em um plantel reprodutivo é bastante
satisfatório, levando-se em consideração que o manejo reprodutivo adotado ainda é experimental. A
impossibilidade de precisar o dia da fecundação e o período de prenhez exatos, devido cópulas
intermitentes por períodos variados, é um problema comum neste sistema de criação (Ross &
Marzec, 1990). Porém o tempo médio de prenhez variando de 119 a 180 dias é compatível com o
relatado por Ross & Marzec (1990), que indicam que o período gestacional pode varia de quatro a
oito meses. A técnica de exames ultrassonográficos mostrou-se bastante eficiente na confirmação
das prenhez e até na contagem dos ovos. O isolamento individual das fêmeas prenhes permitiu o
acompanhamento mais minucioso do seu estado geral e garantiu a individualização da ninhada após
o nascimento.
O número de filhotes por ninhada variando de quatro a 23 (17,6 ± 6,2) nas ninhadas
nascidas é compatível com as observações de Ross & Marzec (1990) e de Ronne (1998). O tamanho
e peso dos filhotes nascidos no Sítio Xerimbabo é maior que os apontados por Ronne (1998), o que
pode ser explicado pela observação deste autor de espécimes possivelmente de uma outra
subespécie, o que não fica muito claro no texto de seu estudo. A razão sexual geral das ninhadas do
Sítio Xerimbabo (1:1) é semelhante à observada por Ronne (1998) nas ninhadas do seu estudo
(47,5%M:52,5%F).
A primeira alimentação dos filhotes recém-nascidos (seis a nove dias após o
nascimento) observada no Sítio Xerimbabo é bem aproximada da observada por Ronne (1998),
nove a 10 dias, em seu estudo. Este parece ser o tempo necessário para que o filhote absorva
completamente o vitelo e faça a primeira muda de pele. Filhotes de camundongos (Mus musculus)
ou ratos (Rattus norvergicus) vivos têm sido bem aceitos pelos filhotes recém-nascidos como
primeira alimentação. Os filhotes observados por Ronne (1998) também se alimentaram de filhotes
de pequenos roedores, porém os mesmos estavam pré-abatidos e congelados, sendo totalmente
CONCLUSÃO
O sistema de criação adotado pelo Sítio Xerimbabo e o manejo reprodutivo
experimental desenvolvido atualmente parecem satisfatórios, sendo maior a cada ano o número de
filhotes nascidos. A aquisição de equipamentos de análises clínicas (lupa, microscópio e vidraria) e a
expansão dos recintos de criação e construção de novos espaços permitirão um incremento no
manejo reprodutivo, levando a resultados cada vez melhores. Apesar de alguns autores
considerarem os grupos de Boa das bacias dos rios Amazonas e Orinoco como de reprodução mais
difícil em cativeiro (Ross & Marzec, 1990), as taxas de fecundação e nascimento observadas no
Sítio Xerimbabo são satisfatórias para um criadouro comercial de pequeno porte.
Este estudo foi desenvolvido pela equipe técnica do Sítio Xerimbabo, que é um
criadouro comercial de fauna silvestre registrado no IBAMA sob o número 192115.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BURGER, R.M., Emerald Tree Boa (Corallus caninus), Reptiles. May 1997. pp: 76-87.
CUNHA, Osvaldo Rodrigues & NASCIMENTO, Francisco Paiva de, 1978. “Ofídios da Amazônia. X - As cobras
da região leste do Pará”. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, 218 p. (Publ. Avulsas, 31).
EDWARDS, P., 1988. Successful Captive Reproduction in the Emerald Tree Boa (Corallus canina). The Great
Lakes Herpetological Society. Monthly Publication. November, 1988.
FRANCISCO, L. R., 1997. “Répteis do Brasil: manutenção em cativeiro”. São José dos Pinhais: Amaro. 208p.
HUANG, P., 1998. Genus Corallus. www.corallus.com.
RONNE, Jeff, 1998. Breeding Colombian Boa Constrictors. In: “The Boa constrictor Manual”. Vosjoli, P.,
KLINGENBERG, R. & Ronne, J. The Herpetocultural Library. Advanced Vivarium Systems, Inc. pp: 56-63.
ROSS, R. A. & MARZEC, G., 1990. “The Reproductive Husbandry of Pythons and Boas”. Institute for
Herpetological Research, Stanford, California.
SILVA, M. V., SOUZA, M. B. & Bernarde, P. S., 2006. “Riqueza e dieta de serpentes no Estado do Acre, Brasil
(Reptilia: Serpentes)”. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais) Pró-Reitoria de
Pesquisa e Pós-Graduação, Universidade Federal do Acre, Rio Branco Acre. 81p.
Figura 03. A. Exame ultrassonográfico em jibóia prenha. B. Imagem de um ovo com
embrião bem desenvolvido (indicado pela seta)
Nascimentos, tamanho e razão sexual das ninhadas
As ninhadas variaram de quatro a 23 filhotes com média de 17,6 ± 6,2 filhotes, que
nasceram pesando e medindo em média 94,8 ± 10,4 g e 60,3 ± 2,2 cm, respectivamente, sendo que o
menor filhote pesou 68 g e mediu 56,5 cm e o maior pesou 120 g e mediu 66 cm. Para pesagem foi
utilizada balança Pesola com capacidade para 300 g e precisão de 2 g e as medidas foram feitas com
trena metálica com precisão de 0,1 cm. O número de machos para cada fêmea em cada ninhada
(razão sexual) variou de zero a dois, sendo de 1:1 a razão sexual geral de todas as ninhadas.
STRIMPLE, P.D. 1986. Captive propagation of the green anaconda, Eunectes murinus murinus (Linnaeus).
The Forked Tongue News. Gtr. Cinct. Herp. Soc. 11(6):59.
STRIMPLE, P.D. 1986. Captive Husbandry of green anacondas. Reptile & Amphibian magazine. Nov./Dec.
1994. pp: 8-19.
STRIMPLE, P.D. 1996. Captive Reproduction of Green Anacondas (Eunectes murinus). Advances in
Herpetoculture. International Herpetological Sysposium, Inc. pp: 109-118.
Agradecimentos
À Prof a. M.Sc. Ana Sílvia Sardinha Ribeiro (UFRA/Bio-Fauna) e equipe pela realização dos exames
ultrassonográficos.

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