De Homem a Bruxo - Wica Gardneriana

Transcrição

De Homem a Bruxo - Wica Gardneriana
Wica Gardneriana
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De Homem a Bruxo - Gerald Gardner 1946 – 1949
Por: Morgan Davies
Tradução: Mario Martinez
Introdução
No final da Segunda Guerra Mundial, a palavra “Wicca” ainda não havia caído nos ouvidos do mundo
moderno. O novo movimento religioso que se estenderia pelo globo na segunda metade do século era um segredo
cuidadosamente guardado por um punhado de pessoas residindo na costa de Hampshire, no sul da Inglaterra. Existem
duas histórias dominantes sobre os primeiros passos da bruxaria moderna (1) na esfera pública – uma é a história da
revitalização ou renascimento, a outra é a história da criação e do começo. Ambas as narrativas começam com um
homem alto, de cabelos brancos, com os braços tatuados e olhar penetrante, chamado Gerald Brosseau Gardner.
Gardner afirma que, em 1939, ele foi iniciado numa antiga e secreta tradição – o culto das bruxas. Essa
história – da revitalização e renascimento – tem sido contada em muitas ocasiões. Gardner encontrou-se entre um
grupo de pessoas fascinantes que pertenciam ao circulo social da Rosacruciana Companhia de Crotona. Ele foi
conduzido por essas pessoas para a grande casa do moinho de Dorothy Clutterbuck, uma matrona da localidade de
Christchurch, e iniciado. Ele teria praticado, desde então até deixar New Forest, com um coven de bruxos modernos
a quem ele chamou os Wica (2). Ele também teria sido responsável por reformas nessa antiga religião e por
apresentá-la ao público.
A outra versão dessa história – a da criação e começo – é contada predominantemente por historiadores e
céticos. Seu relato freqüente começa por identificar que autores influenciaram Gardner, autores como Margaret
Murray, uma antropóloga cujo livro ajudou a cunhar a frase “culto das bruxas” (3), e Charles Godfrey Leland, um
folclorista e aventureiro que afirmou encontrar vestígios de uma religião de bruxaria na virada do século na Itália (4).
Nessa versão, gardner criou a Wicca, esboçando os rituais da religião num manuscrito chamado Ye Bok of Ye Art
Magical (5) e depois publicando-os à guisa de ficção em High Magic's Aid (6). Gardner seguiu reivindicando a
palavra “Wica” usando uma versão levemente alterada da palavra Anglo Saxã para “witch” (bruxa), que depois foi
alterada para a sua forma correta de “Wicca”. Essa história mostra o primeiro coven wiccano sendo formado em
Bricket Wood, uma pequena vila entre St. Albans um subúrbio de Londres e Watford (7).
Apesar das diferenças entre essas duas histórias, ambos os relatos são os mesmos após 1949 e a publicação de
High Magic's Aid. Desse ponto em diante, a história pública da Wicca é relativamente bem documentada,
possibilitando entendimento entre crentes e céticos. Assume-se que, por volta de 1949 e com a publicação de sua
novela, Gardner esteve comprometido com a publicidade da Wicca, e assim os anos anteriores a essa publicação são
de grande importância. Aqueles tempos da vida de Gardner são nebulosos, contudo, e pouco documentados em
histórias e biografias. (8) Em algum momento daquele silencioso e difícil intervalo após a Segunda Guerra Mundial,
Gardner começou a escrever High Magic's Aid. Esse período curto de tempo, provavelmente uns poucos anos, foi o
tempo em que a criatividade de Gerald Gardner e sua devoção pela Wicca mudariam a paisagem religiosa dos
ingleses falando ao mundo nos anos seguintes, como a época da pedra fundamental da qual Gardner assentaria sua
ambição e determinação para o decisivo florescimento da Wicca. O que se seguiu foi a publicação de mais dois livros,
a fundação de um museu, o estabelecimento de numerosos covens e iniciados, e mais quinze anos da vida de Gardner
devotados a promover a bruxaria moderna, mas esse tempo crucial de gestação é obscuro. O período entre 1946 e
1949 é um dos períodos menos conhecidos da vida de Gardner, e ainda é um dos mais importantes para a Wicca
porque os eventos daqueles 3 anos, apesar de mal registrados, comprometeram Gardner no papel de
(1) Eu escolhi usar a capitalização na era pública de Gardner em 1950 como um modelo para este ensaio. Nesse sistema, “witch”, “witchcraft”, “pagan” e “witch cult” foram
deixados em letra minúscula. “Wica” – e por extensão a nova forma de “Wicca” – são incluídas como frases tais como “Witch's Cottage” e “Witches' Mill”. Minha escolha
representa uma tentativa consciente de evitar projetar qualquer palavra ou idioma moderno em gardner. Minha única mudança é ao usar a frase “bruxaria moderna” em algumas
situações falando sobre Wicca após a iniciação de Gardner em 1939.
(2) Para um relatório detalhado das experiências de Gerald Gardner na área de New Forest que apóia a versão da vida de Gardner, ver Philip Heselton Wiccan Roots: Gerald
Gardner and the Modern Witchcraft Revival (UK: Capall Bann, 2000)
(3) Murray, Margaret Alice, The Witch Cult in Western Europe (Oxford: Clarendon Press, 1921).
(4) Leland, Charles Godfrey, Aradia or the Gospel of the Witches (London: David McNutt, 1899).
(5) Ye Bok of Ye Art Magical, é um livro de notas que Gardner manteve e que continha rituais copiados de textos de magia cerimonial, passagens de poetas e de Aleister
Crowley, desenhos, bem como outros rituais e material de autoria de Gardner. Está agora abrigado na coleção pessoal de Richard e Tâmara James da Wiccan Church of canadá.
Alguns autores tem especulado que ele existia como uma espécie de esboço inacabado do Livro das Sombras, outros tem afirmado que é somente um caderno de notas idêntico a
outros que Gardner teve ao longo de sua vida.
(6) Gardner, Gerald, High Magic's Aid (London: Michael Houghton, 1949)
(7) Para textos que confirmem essa versão da vida de Gardner, ver Ronald Hutton The Triunph of the Moon: A History of Modern Pagan Witchcraft (London: Oxford
University Press, 1999) e Aidan Kelly Inventing Witchcraft: A Case Study of the Creation of a New Religion (Seattle: Art Magickal Publications, 1998)
(8) Bracelin, Jack, Gerald Gardner: Witch (London: Octagon Press, 1960).
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promotor e revelador da Wicca, por suas mãos revisando alguns dos ritos preservados da religião. É infrutífero tecer
conjecturas sobre as influências sobre o fundador – ou o popularizador – de um novo movimento religioso, quando
relativamente pouco é conhecido sobre sua vida. Este ensaio pretende servir como uma fonte, na qual a repercussão
dos argumentos de Gardner sobre o desenvolvimento da Wicca podem ser esboçados. Os eventos descritos aqui
preenchem uma lacuna entre a pesquisa de Philip Heselton, publicada em Wiccan Roots: Gerald Gardner and the
Modern Witchcraft Revival, que cobre a vida de Gardner desde o começo da Segunda Guerra Mundial, e os livros de
Doreen Valiente (The Rebirth of Witchcraft) e Lois Bourne (Dancing with Witches), que descrevem em primeira mão
os eventos da vida de Gardner de 1953 até sua morte em 1964.
Neste ensaio, descreverei e analisarei as ações de Gardner, escritos e círculo social durante os anos de 1946 a
1949, que tem sido descritos como cruciais para o início do desenvolvimento da religião (9). Eu reunirei as poucas
informações publicadas sobre essa época e as unirei com outras fontes primárias para compor uma história da vida de
Gardner e seu contexto social imediato entre 1946 e 1949. Com essa narrativa como um ponto de vantagem, será
possível distinguir algum dos aspectos da religião de Gardner, vida social e intelectual que introduziu e transformou a
Wicca durante o nascimento da religião no mundo público.
1946: Velhos Católicos e Franco-maçons
Padre John Sebastian Marlow Ward foi o líder de uma ordem chamada de Confraria do Cristo Rei – uma
comunidade de monges descalços que faziam tudo que precisavam, da comida às roupas. Ele dirigia um parque
chamado de Abbey Folk Park em New Barnet, era franco maçon e era amigo de Gerald Gardner (10). Gardner e
Ward tinham se conhecido há alguns anos – pelo menos desde 1939 (11). Ward, como Gardner, iniciou sua vida
profissional como um oficial de costumes no extremo oriente e também significativamente estudou sociedades
secretas chinesas. Em alguma época, Ward começou a ter visões que o levaram a esperar a eminente chegada da
segunda vinda de Cristo. Ele fundou sua ordem para preparar a chegada do messias, e elegeu o centro de suas
operações justamente o norte de Londres.
A história comum descreve as atividades de Ward nos anos 40, nos quais a autoridade de Ward levou o vigário
anglicano da área a eventualmente excomungá-lo. Ward, em resposta, tornou-se o Patriarca de Antioquia e foi
ordenado como sacerdote e bispo da Igreja Ortodoxa Grega. O resultado desses distúrbios levou Ward a deixar o país.
Na verdade, Ward não perece ter qualquer ligação com a Igreja Ortodoxa Grega e é provável que o autor dessa
afirmação confundiu o nome de uma antiga seita católica localizada no oriente e simplesmente interpretou-a como
sendo a Igreja Ortodoxa Grega. Além disso, a saída de Ward do país provavelmente teve mais a ver com um conflito
legal envolvendo uma garota adolescente de quem ele tinha a custódia, ao invés de algum conflito com a Igreja da
Inglaterra. Qualquer que seja a causa da sua saída, Ward queria ter ido para o Canadá, mas restrições de viagens pós
guerra impediram-no disso. Gardner generosamente ofereceu a Ward a propriedade que ele havia comprado em
Chipre (12). Além das implicações dessa repetida história, a identidade de Ward e a comunidade religiosa não eram
tão isoladas e excêntricas. Ele fazia parte de um movimento religioso considerável na Inglaterra, e a periferia do
envolvimento de Gardner com o movimento assinala algumas possibilidades intrigantes tais como quem eram os
associados de Gardner naquele tempo.
Ward fazia parte do Antigo Movimento Católico de presença relativamente limitada na Inglaterra. O Antigo
Movimento Católico tem suas raízes em Utrecht, Holanda, para onde Jansenistas tinham afluído da França fugindo
da perseguição jesuíta e papal do início do século XVIII. Contudo, a igreja dissidente de Utrecht não teve uma
vasta influência até que o Primeiro Concílio Vaticano em 1870 declarou a Infalibilidade do Papa e dividir os
sentimentos dos católicos romanos. Em resposta a essa declaração, muitos católicos procuraram em Utrecht por uma
alternativa ao Vaticano. Enquanto isso, a Antiga Igreja Católica começou a desenvolver sistemas de crença
diferentes da Igreja de Roma. Os Antigos Católicos começaram usando a língua nativa ao invés do Latim,
eliminaram o jejum e a confissão, e reduziram compulsoriamente o número de dias de festas. Eventualmente, os
sacramentos da Eucaristia e do Batismo foram elevados acima de outros do mesmo modo como em algumas igrejas
Protestantes. O Movimento dos Antigos Católicos vigorou na Europa, apesar de certamente minoritário. Com a
Igreja Anglicana, contudo, havia pouca necessidade para um segundo grupo grande de Protestantes dissidentes da
liturgia romana na Inglaterra, e então o Movimento dos Antigos Católicos permaneceu continental (13).
(9) Hutton, 223.
(10) Bracelin, 156-158; Miriam gardner, em entrevista telefônica pelo autor, 12 de julho de 2001; Hutton, 214; Valiente, Doreen, The Rebirth of
Witchcraft (Custer, Washington: Phoenix, 1989), 59-60.
(11) Gardner, Gerald, “Collectanea Witchcraft”, Folk-Lore, (June, 1939); Hutton, 224.
(12) Bracelin, 156-158
(13) Melton, J. Gordon, ed., vol. 1 of The Encyclopedia of American Religions (New York: Triumph, 1991), 2-3.
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Apesar da falta de interesse na Inglaterra com a igreja de Utrecht, os Antigos Católicos eventualmente
surgiram como um clero inglês alternativo para a autoridade anglicana ou católica romana, enquanto ainda
insuficiente para ficar dentro das oportunidades gerais da experiência da “alta-igreja”. Devido a seita ser simpática
na Inglaterra como uma drástica quebra do catolicismo e anglicanismo, o Antigo Movimento Católico na ilha
rapidamente tornou-se um refúgio para radicais e líderes anti-autoritários. Bispos e padres eram freqüentemente
auto-nomeados e conduziam pequenas congregações. A individualidade com a qual os líderes Antigos Católicos
introduziram seus deveres, resultou no crescimento da doutrina e das práticas únicas de cada grupo. Como
interessava o crescimento da legitimidade entre essas minorias na Inglaterra, os líderes procuraram autoridade
através do apelo a vários líderes de igrejas no exterior, e eles também procuraram assegurar sua sucessão apostólica
realizando muitas consagrações. (14). J.S.M. Ward entrou nesse meio pouco antes da Segunda Guerra Mundial.
Em 15 de setembro de 1935, Ward foi consagrado pela primeira vez por Ebenezer Johnson Anderson, e eu
imagino que essa consagração só legitimou o que Ward sentia ser um chamado já estabelecido pelas visões que ele
descreveu para Gardner. Essa aproximação altamente individual foi a característica dos Antigos Católicos na
Inglaterra, e Ward pareceu se adaptar imediatamente. Em 6 de outubro do mesmo ano, ele receberia a consagração
que teria o maior e último efeito sobre ele – a de John Churchill Sibley, que ele chamou de “A Igreja católica
Ortodoxa da Inglaterra”. Foi sob esse nome que Ward abriu a Abadia de Cristo Rei em alguma época entre 1935 e
1938. gardner conheceu Ward por volta dessa época, provavelmente antes de Gardner mudar-se de Londres para a
região de Christchurch.
War recebeu outra consagração influente em 25 de agosto de 1945, que foi realizada por Hugh George De
Willmott Newman. Newman é talvez mais famoso por ser uma das três linhas apostólicas principais, com Joseph
René Vilatte e Arnold Harris Matthew, que trouxe o Movimento Católico Antigo para a América. Newman foi um
dos bispos mais criativamente sincréticos do Movimento dos Antigos Católicos, e ele misturou ativamente liturgias
ocidentais e orientais com as muitas linhagens que ele recebeu em suas múltiplas consagrações. Sua primeira
consagração foi realizada por William Bernard Crow, cujo 'background' na franco-maçonaria, interesse no oculto e
eventual atividade com Aleister Crowley e o Ordo Templi Orientis (O.T.O.) colocou-o na mesma comunidade
intelectual com Ward e Gardner.
W.B. Crow era um teosofista e um ocultista, e ele nutriu interesses em muitas facetas de diferentes religiões –
especialmente na espiritualidade oriental. Em 1939, Crow fundou a “Order of Holy Wisdom”, que amplamente
expressava a noção Teosófica de que há um conhecimento oculto latente nos ensinamentos religiosos de todas as
nações e épocas. A entrada de Crow no Movimento dos Antigos Católicos veio em 1943 quando ele foi consagrado
por James Heard na sucessão Syrian-Antiochene do Episcopi Vagantes (15). Heard havia recebido ordenação de Luis
Mariano (Mar Basillius), que conduzia uma pequena igreja Syro-Chaldean representada principalmente no oriente
(16). Com essa consagração, Crow deu a si mesmo o título de Mar Basilius Abdullah III, e começou usando seu
status para promover seu esotérico ramo do catolicismo liberal. Na mesma época, em abril de 1944, crow consagrou
Newman e também começou uma correspondência com Aleister Crowley que eventualmente resultaria em seu
envolvimento com a Ecclesia Gnostica Catholica e a O.T.O. J.S.M. Ward é, eu creio, a ponta de um grupo que
Gardner estaria ao menos informado e provavelmente era um participante ativo. Esse grupo poderia conter Ward,
Newman e Crow - três homens unidos por consagrações e interesses comuns. Quando gardner foi agraciado com
sua Carta para começar um acampamento da O.T.O., que eu discutirei mais tarde, ele escreveu o que parece ter sido
uma carta espontânea para Crow para informá-lo da nova Loja (17).
Esse possível grupo de conhecimento não surge na biografia de Gardner ou em qualquer outros escritos que
ele deixou, como a associação de Gardner com a O.T.O. não é mencionada. Sua ausência podia significar que ele não
teve mais do que uma associação acidental e de passagem com figuras como Newman e Crow, mas o número de
interesses em comum que esses homens tinham e o fechado grupo que os raros ocultistas na Inglaterra tomavam parte
na metade do último século, trazem argumentos contra essa conexão parecer diferente. É sabido que Gardner
recebeu uma consagração de Ward na Igreja Católica Ortodoxa da Inglaterra (18), que levanta questões sobre seu
nível de envolvimento com os Antigos Católicos. Contudo, Ward é a única figura com uma conexão diferente com
Gardner e é a influência imediata de Ward que parece ter jogado um papel nas pretensões de Gardner em 1947.
(14) Ibid.
(15) Sabazius Xº, “O Manifesto da Igreja católica Gnóstica”.
(16) Melton, 4.
(17) Aleister Crowley, carta a X.B.Crow, 30 de maio de 1947, (cortezia do Ver. T.Allen Greenfield). Nessa carta Crowley menciona que ele está devolvendo
uma carta de Gardner que Crow tinha mandado para Crowley – é sobre essa carta que eu estou me referindo.
(18) O certificado dessa consagração significativamente está em Toronto, embora eu não tenha confirmado isso. Kelly, 28.
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1946-1947: Museus e Naturistas
Miriam gardner se lembra que no inverno de 1946 foi muito frio na Inglaterra, especialmente para uma jovem
mulher que havia crescido em Memphis, Tennessee. Miriam tinha 16 anos de idade e estava visitando seu tio Gerald
por umas poucas semanas antes de freqüentar uma escola em Londres. Durante sua estadia, umas poucas imagens
sobressaíram mais que outras. Uma foi sua única viagem ao clube de naturismo de Gerald, onde ela viu um homem nu
sentado sobre o aquecedor. Ela se lembra de ser servida de chá por um dos poucos moradores vestidos do edifício, e
ela recorda de olhar para o teto sentindo um pouco de desconforto estando totalmente vestida perto de seu tio que,
como ela, usava muita roupa aquela noite – o velho homem havia crescido em um clima quente também. Mas não foi
sem risadas que ela relatou essas memórias e como ela correu para Donna, a esposa de Gerald, aquela noite, que
exclamou em resposta ao seu recato “Eu pensei que vocês eram mais liberais na América.” (19) Era com uma
espécie de benevolência e diligente otimismo que Miriam acredita que era quase como uma ingenuidade que
caracterizava seu tio Gerald. Todavia, foi essa diligência que manteve Gerald interessado em suas várias aspirações e
projetos – um dos quais era iniciar seu próprio museu.
Gardner havia mostrado uma paixão por história, antropologia e folclore toda a sua vida, e ele só se
abandonou a esses interesses quando voltou para a Inglaterra no final dos anos 30. Em 1939, Gardner uniu-se à
Folklore Society e fez sua primeira aparição para apresentar documentos sobre algumas relíquias que, ele afirmou,
tinham pertencido a Matthew Hopkins (20). Em 1944 ele foi eleito co-presidente da Bournemouth Historical
Association, e fez um esforço especial para incluir Edith Woodford-Grimes, melhor conhecida pelo seu nome na Arte
de Dafo, nos eventos daquela associação.
Juntos, os dois fizeram uma tentativa de estabelecer um museu da história de Christchurch e folclore, mas sem
sucesso. Após sua mudança de volta para Londres em 1946, Gardner redobrou a sua participação na Folklore Society
e tornou-se um membro do seu conselho administrativo (21). Parece que Gardner em 1946-47 ainda estava tentando
estabelecer um museu de folklore e história, mas naquela época ele estava focado em Londres e na área ao redor da
cidade.
Por volta de 1946, Gardner tornou-se proprietário de uns poucos acres de terra em Oakwood Road em Bricket
Wood, perto do Fiveacres Country Club (22). Para esse pedaço de propriedade densamente arborizado, ele transferiu
um antigo chalé de Abbey Folk Park, porque o parque havia sido fechado desde que Ward e uns poucos de seus
seguidores o haviam deixado. O chalé que Ward deu a Gardner era uma pequena casa com partes de madeira que de
propósito assemelhava-se com um chalé de bruxas do século XVI, completa com emblemas cabalísticos decorando
suas paredes internas (23). Miriam se lembra de Gardner lhe mostrando o chalé logo após ele ter sido instalado na
propriedade arborizada perto do Country Club. Ela diz, “Ele possuía um pequeno Chalé das Bruxas estabelecido, de
fato, com o grupo de reforma Ortodoxo Grego [é como Miriam identificava o grupo de Ward]” (24). Ela continua
para mencionar que ele ficava perto do clube naturista. É possível que Gardner tivesse grandes planos para ambos, o
Chalé das Bruxas e o clube adjacente.
O grupo naturista que Gardner freqüentou nos anos 40 era chamado The Fiveacres Country Club – fundado
por volta de 1929 (25). Era provavelmente afiliado com a New Gymnosophist Society que havia sido fundada três
anos antes na mesma área (26). O clube consistia de um edifício pré-fabricado que abrigava uma sala de jogos e um
grande salão. Em volta do prédio havia um estacionamento barrento no qual caravanas estacionavam para alojar
naturistas que optavam por permanecer em longas visitas (27).
No início de 1947, gardner e Edith Woodford-Grimes começaram uma empresa chamada Ancient Crafts Ltd.
Voltada para conseguir dinheiro para comprar, ao que parece, o próprio clube naturista (28). Em minha opinião, seu
propósito era transformar o clube num centro de estudos folclóricos ou num museu – talvez até continuar o serviço
que Ward havia proporcionado com o Abbey Folk Park. O que explicaria o nome da empresa: “Ancient Crafts.”
Contudo eles não tiveram sucesso. Poucos anos depois, Gardner rogou a um amigo seu, Cecil Williamson, a comprar
uma porcentagem do clube que não pertencia a ele e a Woodford-Grimes. O motivo de Gardner, a não ser seu desejo
de um museu próprio, parece ter sido providenciar um amplo círculo social do qual ele pudesse escolher pessoas para
um grupo fechado – um coven.
(19) Miriam Gardner Interview.
(20) Gardner, Gerald, “Collectanea Witchcraft”, Folk-Lore, (June, 1939): Hutton, 224.
(21) Hutton, 213.
(24) Miriam gardner Interview.
(25) NUFF, “Fiveacres Country Club”, August 2001.
<http://www.armage.demon.co.uk/nuff/venues/area/hertfordshire/fiveacres.html>
(26) Farrar, Michael, “A Brief History of UK Naturism”, 1999.
(27) Miriam Gardner Interview.
(28) Hutton afirma que a Ancient Crafts Ltd foi iniciada para comprar terra para instalar o Chalé das Bruxas, mas de acordo com Miriam Gardner, o chalé já
estava no local em 1946. Fred Lamond afirma que Gardner comprou o local e instalou o clube de nudismo em 1945.
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Seu museu e o conseqüente grupo de estudo poderiam formar uma espécie de improvisada corte externa. O
nome da empresa também pode ter revelado esse aspecto de sua aspiração – além de tudo, bruxaria era, para ele, uma
“arte antiga”. O texto da carta de Gardner para Williamson quatro anos depois afirma:
A situação é que a influência maligna que está
me causando muitos problemas está tentando arruinar o
clube e tomá-lo em suas mãos, mas eu e uma
amiga minha [Edith Woodford-Grimes] detemos metade dos
títulos e ela diz OK. O que significa que só a metade
do preço precisa ser pago [....]
Se você viajar de carro através do belo país passando
por Elstree através de Bricket Wood
para Witch Hut e o museu almoce lá, então seguindo para
St. [....] Cathedral, Museu Romano e voltar para
Londres por outro caminho eu creio que isso será
Barato [....] assim o [naturista] Club poderia
Ser usado aos sábados e domingos [....]
Eu acho que o grupo de estudo devia ser encorajado
a se juntar com a Folklore Society (eles tem descontos
para estudantes) só para lembrar!! Eles tem a vantagem
deles e da Biblioteca do University College. Mas provavelmente
deve ser dito aos estudantes para unir o clube de nudismo
ao museu (a preços especiais!) Assim aos sábados
e domingos você pode vir para o Museu.
Nós podemos ter a habilidade e estudar isso, e tentar isso,
E por à prova a antiga dança dos Bruxos, etc; os que se
derem bem com isso serão iniciados e ninguém pode dizer
nada porque eles são membros de um Clube de Nudismo [....]
Se isso puder ser conduzido nós podemos eu creio ter
um bom e forte culto em andamento. Nós podemos
ter um local de encontro em Londres. A Folklore Society
sempre pode emprestar um salão do Comitê da Universidade
de Londres e eu creio que o Grupo de Estudos Folclóricos
também poderia tomar parte, se o segredo fosse guardado.
Mas ele deve ser guardado [....] (29)
Esta carta foi escrita em abril de 1951, mas eu acho que as motivações de Gardner por trás da formação da
Ancient Crafts Ltd. Eram as mesmas de quatro anos antes. O único problema, como a carta sugere, é que ele e
Woodford-Grimes parecem ter conseguido comprar somente metade da sede do clube. M.D. Mackee, que Gardner
dá a entender que era veementemente contra suas atividades de bruxaria, detinha a outra metade (30). No final,
Williamson comprou a propriedade da Ilha de Man para sediar seu próprio museu, mas Gardner continuou insistindo
em ter uma parte na administração do museu até Williamson finalmente vendê-lo para ele (31). O Fiveacres
Country Club também continuou a ser um ambiente hostil aos bruxos até os os anos 50 devido a Mackee e outros que
apoiavam sua opinião (32).
Esse não é um modo conclusivo para saber se Gardner estava praticando ou não com um coven durante 194647 sem maiores evidências, mas há algumas possibilidades intrigantes. Assumindo que Gardner estava envolvido
com um coven na área de Highcliffe durante a Segunda Guerra Mundial (33), então é plausível que seu contato com
esse grupo poderia retardar sua mudança para Londres após as ameaças de bombardeio terem acabado.
Ele pode ter estado voltado para iniciar um coven em 1946, e ele e Woodford-Grimes teriam procurado fundar
seu próprio grupo imitando as condições que os bruxos de New Forest tinham usado para atraí-lo do Rosacrucian
Fellowship of Crotona – criando um amplo círculo social para atrair membros. Doreen Valiente foi mais tarde
(29) Gardner para Williamson, abril de 1951, (MOWG73). As linhas em branco foram preservadas exceto nas áreas do texto que foram omitidas.
(30) Ibid.
(31) A tensão entre Gardner e Williamson é registrada numa carta que Williamson recebeu de Gardner no início de 1953. The Museum of Witchcraft
Archive Collection, ver especialmente MOWG29, MOWG02, MOWG03, MOWG89, MOWG30, MOWG53 e MOWG27.
(32) Valiente, Rebirth, 57.
(33) Ver Heselton.
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recrutada dessa maneira - ela descobriu sobre o museu e escreveu uma carta a Williamson, que ele então direcionou
para Gardner (34). Esse sistema de recrutamento era algo que Gardner tinha firmado com Williamson desde o início,
e o fato de Williamson mandar possíveis recrutas de volta foi parte das razões de seu relacionamento eventualmente
se deteriorar (35). Mas nenhum círculo social desse tipo existiu nos anos 40 exceto no clube de nudismo, que não era
um lugar amigável para os interessados em bruxaria.
A primeira evidência de um coven na área de Londres vem de maio de 1951. Gardner o chamou de “Northern
Coven”, em oposição ao “Southern Coven”, que era o grupo de New Forest (36). O Northern Coven pode ter se
tornado eventualmente o Coven de Bricket Wood (37) quando Gardner mudou-se para a Ilha de Man e iniciou outro
grupo lá.
O Novato Northern Coven de Gardner contou com pessoas suficientes para um pequeno rito no May Eve de
1951 em seu apartamento de Londres em 47 Ridgmount Gardens, a algumas quadras do Museu Britânico (38) e
Doreen Valiente lembra de um artigo num jornal sensacionalista no mesmo ano que ligou um clube de nudismo com
rumores de bruxaria (39). Mas esse Northern Coven aparentemente não era grande o suficiente para Gardner
declarar isso publicamente, desde que ele se identificou para um jornal local como um “membro do Southern Coven
de Bruxos Britânicos” (40). Pelo final de 1953, o grupo teria um número entre 8 e 10 pessoas quando Valiente os
conheceu todos nas novas acomodações de Gardner na cidade em 145 Holland Road, em frente ao Victoria Hotel
(41).
Também é possível que Gardner não estivesse ativamente envolvido com bruxaria no final de 1946-47,
apesar de todas as conexões que ele tinha em New Forest. Além disso, ele não mencionou com sua sobrinha estar
envolvido com um coven, apesar da sua falta de receio de introduzi-la no nudismo e no grupo excêntrico de Ward, e
ela claramente se lembra de Gardner e o Chalé das Bruxas estando ligados a Ward e não com as práticas de um coven
(42). Uma vez que ward se foi, Gardner explorou seu interesse na O.T.O. Ele também era membro do Circle of the
Universal Bond, algumas vezes chamado de Antiga Ordem Druida, e ele tomou parte no seu conselho de
administração (43). Esse pode ter sido um período de busca espiritual. Quando Gardner passou por esse período, ele
imediatamente negou suas associações anteriores com o vigor com que ele mostra em todos os seus escritos sobre
Wicca após 1949. A lamentável imprecisão dos fatos dessa época de sua vida, poderiam explicar a relutância de
falar diretamente sobre suas relações com Ward e Crowley na biografia publicada em 1960, e poderia também
explicar sua relutância de falar sobre essas figuras com valiente, que teve que usar de outras fontes de informação
para escrever sobre esse período da vida de Gardner (44). A natureza sincrética e fluida do Ye Bok of Ye Art
Magical, e outros cadernos de anotações de Gardner como esse, podem ser o resultado da busca de um homem pela
linguagem e estrutura próprias para expressar uma mudança de espiritualidade. Contudo, isso é especulação; tudo o
que sabemos sobre as atividades de Gardner no inverno de 1946-47, a única informação factual disponível, é que
Miriam partiu para o colégio, Gardner continuou a freqüentar o Fiveacres Country Club e seu novo Chalé das
Bruxas, continuou a exercer seu interesse em história e folclore e manteve relações com seus amigos ecléticos. Um
desses amigos poderia jogar um grande papel nos meses seguintes, e esse homem era Arnold Crowther.
(34) Valiente, rebirth, 37.
(35) O texto da carta pertinente diz:
Nós também concordamos em tentar & procurar um local de encontro
onde pessoas interessadas possam se encontrar, & se pessoas formarem uma
espécie de companheirismo entre elas como desejavam. Foi acordado que eu
deveria investigar pessoas que querem entrar, porque você
não pode deixar o Museu. Primeiro você manteve a promessa & me
falou de algumas pessoas que queriam entrar, & eu fiz uma longa
viagem para investigar.
Mas nos últimos 18 meses pelo menos, descobri que você
quebrou essa promessa, guardando toda a informação para
você mesmo, & não apenas me impedindo de investigar as pessoas,
mas também, que muitas pessoas estavam se queixando de que
elas tinham tentado entrar em contato comigo através do Museu,
& foram dissuadidas, impedidas de me encontrar.
Gerald Gardner, carta para Cecil Williamson, 1953, (The Museum of Witchcraft Archive Collection MOWG29).
(36) Essa afirmação contradiz o trabalho de Hutton e algumas outras fontes secundárias, mas Valiente claramente identifica o Southern Coven como
atuando na área de New Forest, e Gardner identifica o Northern Coven como atuando na área de Londres. Gerald gardner, carta para Cecil Williamson, 5 de
janeiro de 1951, (The Museum of Witchcraft Archive Collection, MOWG48; Hutton, 242-243; Valiente, Rebirth, 37.
(37) Bourne, 25. | (38) Gerald Gardner, carta para Cecil Williamson em 1 de maio de 1951, (The Museum of Witchcraft Archieve Collection,
MOWG48). | (39) Valiente, 49. | (40) Andrews, Allen, “Calling All Covens”, The Sunday Pictorial, 29 de julho de 1951.
(41) Gerald Gardner, carta para Cecil Williamson em 4 de abril de 1952, (The Museum of Witchcraft Archieve Collection, MOWG7); Gerald Gardner,
carta para Cecil Williamson, maio de 1952, (The Museum of Witchcraft Archieve Collection, MOWG42); Valiente, Rebirth, 47.
(42) Miriam Gardner Interview. | (43) Hutton, 224. | (44) Valiente, rebirth, 56-59.
06
1947-1948: Aleister Crowley e a O.T.O.
Arnold Crowther era o que Gardner descreveu como um prestidigitador e 'showman' que também tinha sido
um 'witchdoctor' na África (45). Crowther era um mágico de teatro e um titeriteiro que havia entretido a pequena
nobreza da Inglaterra desde os anos trinta, quando ele foi contratado para divertir os membros da família real.
Religiosamente, Crowther estivera interessado em Budismo, práticas populares africanas e franco-maçonaria (46).
Crowther tinha conhecido Gardner em 1939 numa palestra sobre folclore dada por Christina Hole, que era membro
da Folklore Society (47). Em 1947, Crowther estava com trinta e oito anos e estabelecera-se após viajar com a
Entertainers National Services Association (ENSA) por toda a Europa durante a guerra. As relações de Crowther
com Gardner eram de amizade – os dois homens raramente se viam, principalmente devido à freqüência com que
ambos viajavam, mas Arnold posteriormente comentou que o modo falador de Gardner promoveu isso como se eles
nunca tivessem estado afastados (48). Algum tempo durante a guerra, quando Crowther estava na Inglaterra e não
no exterior com a ENSA, ele foi erradamente a uma festa para Aleister Crowley devido à semelhança de seus nomes e
o fato de que Arnold era um “mágico”. Intrigado com essa coincidência, Crowther depois começou a perguntar quem
era Crowley e ele eventualmente o conheceu (49). Naquela época, Crowley estava vivendo uma vida solitária em
retiro num hotel em Hastings chamado Netherwood. A impressão que Arnold teve foi a de um velho homem um tanto
doente que recebia com agrado companhia, mas Crowley, que tem sido descrito como o “Rei da Depravação” (50),
certamente não estava sempre tão afável.
Aleister Crowley era facilmente uma das mais complexas personalidades do período Edwardiano até sua
morte logo após a Segunda Guerra Mundial. Com isso em mente, eu não posso creditar sua biografia no espaço deste
ensaio, mas eu me aventurarei a uma digressão para aqueles que não depararam-se com ele antes. Edward Alexander
Crowley, que se chamava a si mesmo 'Aleister', nasceu em 1875 numa família que havia enriquecido com a indústria
de cerveja e que se caracterizara por sua adesão com a puritana Plymouth Brethren que é possivelmente melhor
conhecida por sua descrição em Father and Son de Edmund Gosse (51). A infância de Crowley foi passada
mudando de uma escola para outra onde ele alternadamente sobressaiu e fracassou com igual habilidade. Na
adolescência, Crowley descobriu várias coisas que provar ser forças motivadoras ao longo de sua vida. Elas foram
sexo, magia e um desejo insaciável por conhecimento e fama. Como homem jovem, Crowley freqüentou brevemente
Cambridge mas a deixou antes de se graduar para seguir seu interesse no oculto.
George Cecil Jones o introduziu na Hermetic Order of the Golden Dawn (H.O.G.D.), durante o período de
formação em 1890. Crowley distinguiu-se nos graus baixos e rapidamente absorveu o trabalho de luminares do
mundo oculto tais como Samuel Liddel MacGregor Mathers e Arthur Edward Waite, a qual ele viria a desprezar.
Crowley também nutriu uma inveja por William Butler Yeats, um membro e companheiro da H.O.G.D., e
repetidamente afirmou que sua poesia era de longe muito superior à de Yeats. Por volta de 1904, Crowley rompeu
com a H.O.G.D. numa briga e estava em processo de começar uma ordem parecida chamada A.'.A.'. (52). Ele
operou com aquele grupo pelo resto de sua vida.
A imprensa popular britânica deleitava-se em odiar Crowley, e eles fizeram um ótimo trabalho mostrando-o
como o pólo oposto a tudo aquilo que fosse considerado cristão e virtuoso. Crowley ao mesmo tempo gostava dessa
imagem e a condenava, apesar de sua opinião sobre esses artigos que beiravam muitas vezes a difamação, a imprensa
tinha seu efeito. Crowley foi expulso da Itália e da França, e ele também perdeu pelo menos uma considerável
publicidade devido à sua mau cheirosa reputação como um libertino e um mago negro (53).
Em 1910, Crowley conheceu um jornalista alemão chamado Theodor Reuss que também fazia parte da liderança de
uma irregular ordem alemã maçônica chamada de Ordo Templi Orientis (O.T.O.) A O.T.O. combinava um numero
de diferentes ritos maçônicos com várias outras ordens alemãs baseadas nas tradições Rosacruzes, dos Templários e
dos Iluministas. Para essa matriz do ritual europeu continental, o fundador da O.T.O., Karl Kellner, também
adicionou um estilo de Tantrismo Bengali. Reuss iniciou Crowley e supervisionou sua sucessão nos
(45) Gerald Gardner, carta a Cecil Williamson, 17 de abril de 1951, (The Museum of Witchcraft Archieve Collection, MOWG40).
(46) Patricia Dawson, a mulher que mais tarde casaria com Arnold, não estava envolvida com ele até 1946, apesar de alguma confusão em contrário.
Crowther, Patrícia, High Priestess: The Life and Times of Patrícia Crowther, (Blaine: Phoenix, 1998), 16.
(47) Crowther, 18.
(48) Guiley, Rosemary Ellen, The Encyclopedia of Witches and Witchcraft, (New York: Facts on File, 1989), 77.
(49) Valiente, Rebirth, 58.
(50) “The King of Depravity”, John Bull, 10 de março de 1923.
(51) Gosse, Edmund (originaly published anonymously), father and Son, (London: Heinemam, 1907.
(52) A formação triangular de pontos (.'.) refere-se aos “pontos de honra”, e tem sido a notação normal para abreviação dos nomes de uma ordem mágica
desde sua inovação pelos franco-maçons.
(53) King, Francis, Modern Ritual Magic (Lindfield:Unity 1990); Hutchinson, Roger, The Beast Demystified (London: Mainstream 1998); Crowley, A.,
The Confissions of Aleister Crowley, 1989.
07
primeiros graus da ordem. Em 1912, Reuss emitiu uma carta para Crowley nomeando-o Grande Mestre Nacional
Geral Xº da O.T.O. para a Grã-Bretanha e Irlanda. Crowley começou iniciando pessoas na O.T.O. e freqüentemente
recrutava membros do novo grupo inglês, que era chamado de Mysteria Mystica Máxima (M.'.M.'.M.'.) para unir-se
à sua própria ordem, a A.'.A.'. Em 1917, seguindo as publicações pró-germânicas de Crowley em New York, a
polícia de Londres encerrou as atividades da M.'.M.'.M.'. e confiscou todas as propriedades e papéis que eles
encontraram lá. Essa batida marcou o fim definitivo para a O.T.O. de Crowley estabelecida na Inglaterra.
No início dos anos 1920, Reuss sofreu um ataque e mostrava sinais de uma saúde debilitada. Crowley
declarou-se o líder efetivo da ordem e sucedeu Reuss após sua morte em 1923. Crowley e Reuss tinham estado
juntando um exclusivo material religioso e ritual, comumente conhecido como Thelema, na O.T.O. por algum
tempo, e Crowley completou esse processo durante o intervalo entre 1920 e 1940. Com a Segunda Guerra Mundial e
a ocupação nazista da Alemanha, vieram muitos problemas para todas as ordens ocultistas alemãs. Em 1939, a O.T.O.
na Alemanha foi aniquilada efetivamente e um dos primeiros associados de Crowley lá, Karl Germer, foi colocado
num campo de concentração. Germer passou 10 meses no campo e foi libertado em 1941. Dentro de um mês,
Germer migrou para a América e reuniu-se com o único grupo remanescente da O.T.O. (54) Por volta de 1947,
Crowley estava vivendo retirado, entretendo visitantes ocasionais, e mantendo seus contatos por todo o mundo por
meio de cartas freqüentes.
Numa quinta-feira, dia 1º de maio de 1947 (55), Arnold Crowther levou Gerald Gardner para tomar chá com
Aleister Crowley nas modestas acomodações de Crowley em Hastings. Gardner apresentou-se como um “Royal
Arch Maçon com doutorado na Universidade de Singapura (56). Os dois velhos ocultistas pareciam se dar muito
bem, e Gardner visitou Crowley mais três vezes, em 7, 14 e 27 de maio (57). Muito pouco a respeito do que
aconteceu entre Crowley e Gardner é conhecido, embora o motivo intrigante de duas personalidades tão excêntricas
tenha inspirado pelo menos dois autores a escrever relatos de ficção a respeito desse encontro (58).
A informação que está disponível assume duas formas. Primeiro, existem restos esparsos da correspondência
que Gardner e Crowley trocaram entre si e com seus associados naquela época. Segundo, há o que Gardner, olhando
para trás naqueles encontros após a morte de Crowley disse aos outros. O autor é hábil em juntar nomes e datas,
enquanto que o outro revela mudanças prioritárias de Gardner e opinião de Crowley.
Nas cartas e documentos que sobreviveram daquela época, emerge um retrato vago de Gerald Gardner
trabalhando com Aleister Crowley numa tentativa de fundar uma loja da Ordo Templi Orientis na Inglaterra.
Ambos, Gardner e Crowley parecem entusiasmados – operando rapidamente no espaço de uns poucos meses. Os
documentos começam com uma carta escrita por Aleister Crowley para Gerald Yorke em 9 de maio - ela diz:
“Esta semana eu tive o Dr. Gardner [....] aqui. Eu ficaria agradecido
se você pudesse mandar para ele 4 copias do Equinócio dos Deuses,
que ele comprou.” (59)
Gardner também tornou-se um membro da O.T.O. em maio – sua afiliação é confirmada por dois relatos de
uma cópia do The Book of the Law sendo oferecidas a Gardner de Crowley. Os detalhes dos relatos diferem, mas
parece que o livro foi oferecido a Gardner para marcar a ocasião de sua iniciação ou afiliação com a Ordo Templi
Orientis. Karl Germer, que era o tesoureiro da O.T.O. naquela época, também nota que Gardner tinha pago a jóia
devida e necessária (61).
Após sua entrada formal na ordem, provavelmente em 14 de maio, Gerald Gardner criou uma carta que
poderia permiti-lo a operar uma loja da O.T.O. Gardner e possivelmente Crowley, parecem ter necessidade do
documento parecer comovente, mas essa criação é traída por alguns erros de ortografia e também pelo papel onde foi
escrita – as costas de uma escritura de terras e testamento do condado de Surrey, 1875 (62).
(54) Sabazius Xº e AMT IXº, “History of Ordo Templi Orientis”, 2001. | (55) Arnold Crowther disse a mais de uma pessoa que esse encontro acontecera
em 1946, mas o diário de Crowley sustenta 1947 – essa discrepância foi apontada pelo Dr. Ronald Hutton e Patrícia Crowther afirmou que Arnold deve ter se
enganado. | (56) O texto completo desse diário é: “Thrus 1 Miss Eva Collins. Dr. G.B.Gardner Ph.D Singapore. Arnold Crowther prof. G. a Magician to
tea. Dr.G.R.Arch.” | (57) O texto complete é: “Wed 7 Dr. Gardner about 12. Tell him phone Wel 6709.” “Wed 14 G.B.G.” “Tues 27 Gardner here”.
(58) Greenfield, Allan, “The Secret History of Modern Witchcraft”, 1998. | (59) Aleister Crowley, carta a Berald Gardner, 9 de maio de 1947 (Warburg
Institute Library, Gerald Yorke Collection, OSD5,33). | (60)Um membro anônimo da O.T.O., mencionado apenas como S.B. informou esta inscrição:
“Para Fra. Scire P.I. from....Baphomet Xº O.T.O. na sua afiliação.” Há uma cópia do Líber Al com a inscrição: “Para Scire na ocasião de seu Minerval”, que
está assinado “Baphomet” em Toronto. | (61) David R.Jones, carta para Amber e Jet List, 23 de setembro 2001. Menciona que o nome de Gardner em
aparece em 2 registros de Germer. | (62) Smith, Geoff, Knights of the Solar Cross, um livreto impresso particularmente que detalha o destamento no verso
da Carta.
“Do what thou wilt shall be the law
Of Jerusalem, to constitute a camp of the Ordo
We Baphomet Xº Degree Ordo Templi Orientis
Templi Orientis in the degree of Minerval
Sovereign Grand Master General of all English
Love is the Law, Love under Will
Speaking Countries of the Earth do hereby Authorise
Our beloved son Scire, (Dr. G.B.Gardner), Prince
Witness my hand and seal,
Baphomet Xº” (63)
08
A única razão óbvia para a escolha desse papel é que o testamento forneceu um pedaço relativamente grande de
pergaminho, que não era um material fácil de ser encontrado. As palavras são escritas na caligrafia intrincada de
Gardner.
A carta tem a assinatura de Crowley e um número de sêlos de lacre com fitas. O que isso indica é que Gardner
estava autorizado a fundar um grupo operante da O.T.O., que estava autorizado a iniciar membros em Minerval, ou
degraus mais baixos. Também indica que Gardner, naquele tempo, tinha sido elevado ao grau IVº da O.T.O., ou
“Prince of Jerusalém”. Esse degrau também é descrito como “Companion of the Holy Royal Arch of Enoch”.
Desde que o material da O.T.O. tem paralelos com a franco-maçonaria, parece que Crowley admitiu Gardner sob o
grau IVº no processo de afiliação porque Gardner havia se identificado como “Royal Arch Mason” (64).
Algum tempo entre o meio e o fim de maio, gardner mandou uma carta para William Bernard Crow,
possivelmente informando Crow sobre uma loja da O.T.O. que ele pretendera fundar, e Crow em resposta a remeteu
para Crowley. Crowley, em 30 de maio, disse a Crow:
“Eu sugiro que você apresente todos os seus adeptos no distrito de Londres
ao Dr. Gardner para que ele possa investi-los devidamente no grau Minerval,
e alguns deles pelo menos podem ajudá-lo a estabelecer as lojas para os
graus mais elevados para Iniciado Perfeito ou Príncipe de Jerusalém.” (65)
Numa nota manuscrita na carta, Crow informa que a loja “estará pronta em alguns meses.” (66) Em 14 de
julho, Gardner mandou uma carta a Crowley que indica que Crowley desejava contatar pessoas para Gardner com
relação à loja. Gardner mais tarde perguntou quanto ele deveria cobrar pela iniciação no grau Minerval (67).
Gardner revela que ele tinha sido iniciado no grau VIIº da ordem.
Em algum momento durante a última metade do verão de 1947, Gardner viajou para a América. Na América,
Gardner não prosseguiu com o interesse na O.T.O., primeiro por causa de uma doença, que inicialmente o havia
compelido a cruzar o oceano, e segundo porque a pessoa que Crowley o havia instruído a contatar igualmente estava
no exterior ou estava muito longe dele para trabalhar juntos (68). Esse é o texto da carta:
“Eu tentei começar uma ordem, mas eu estava doente, & tive que deixar o
país. Depois de sua (Crowley) morte a senha foi mandada para Germer que
eu estava à frente da Ordem na Europa, & Germer me reconheceu como tal,
mas devido à má saúde eu não estava apto a começar nada. Eu tinha algumas
pessoas mas alguns deles foram mandados para a Alemanha com o Exército
de Ocupação. & outras viviam muito longe. E por isso nada aconteceu.” (69)
Também é possível, embora não há evidência disso, que Gardner e Crowley se desentenderam durante os
meses de outono. Um argumento de algum tipo poderia explicar o posterior amargor de Gardner com relação a
Crowley, que não está evidenciado em nenhuma das correspondências de verão e não aparecem até depois da morte
de Crowley. Qualquer que seja a causa da quebra do interesse de Gardner na O.T.O., seu envolvimento com a ordem
não ressurge novamente até logo depois da morte de Crowley.
Em 1 de dezembro de 1947, Aleister Crowley morreu. Três meses antes de sua passagem, o médico de
Crowley em Londres recusou-se a prescrever mais nenhuma heroína, e, eu admito, Crowley entrou num período
doloroso de abstinência que pode ter acelerado seu declínio. (70) Também no início de outubro, a amiga e associada
de Crowley Freida Harris forçou-o a aceitar a assistência de uma enfermeira. (71) Imediatamente após sua morte,
os associados de Crowley estiveram em contato uns com os outros, tentando saldar seus antigos débitos e pôr em
ordem seu espólio. Nessas cartas existem algumas chaves que podem trazer alguma luz sobre os persistentes
rumores acerca do relacionamento entre Gardner e Crowley.
Algum tempo depois dos anos 1950, Gerald Yorke disse a Doreen valiente: “Bem, você sabe, Gerald
Gardner pagou ao velho Crowley cerca de £300 por aquilo (a carta da O.T.O. de Gardner).” (72) Valiente
desconsiderou essa idéia, preferindo acreditar nas palavras de Gardner em uma anotação que ele publicou mais tarde
como parte de uma brochura para o seu museu da Ilha de Man, na qual ele afirmava que Crowley tinha dado a carta a
(63) A. Crowley. OTO Carta para Gerald Gardner, maio 1947 (cortesia do Rev. Allen Greenfield).
(64) Sabazius Xº e AMT IXº, “History of Ordo Templi Orientis.”
(65) A. Crowley, carta a W.B.Crow, 30 de maio 1947 (cortesia do Rev.Allen Greenfield).
(66) Ibid.
(67) Gerald Gardner, carta a A.Crowley, 14 de junho 1947, (Warburg Institute Library, Gerald Yorke Collection, E21) citada em Hutton 221-222.
(68) Gerald Gardner, carta a John Simonds, 7 de dezembro 1950 (Warburg Institute Library, Gerald Yorke Collection, EE2,340)
(69) Ibid.
(70) Hutchinson, 211-214.
(71) Freida Harris, carta a Frederick Mellinger, 7 de dezembro 1947 (cortesia do Rev. Allen Greenfield).
(72) Doreen Valiente, carta para Allen Greenfield, 28 de agosto 1986 (cortesia Ver. Allen Greenfield).
09
ele como amizade. (73) Nenhuma evidência concreta foi apresentada para desfazer essa afirmação de Gardner.
Contudo, numa carta para Karl Germer após a morte de Crowley, Frieda Harris disse a Germer que a única soma de
dinheiro que Crowley havia deixado eram £400, que era uma espécie de fundo coletado das lojas da O.T.O. na
Califórnia, Ágape e Germers. (74) Harris e Germer poderia ter sabido com certeza se haviam £300 deslocados
provenientes da alegada compra de Gardner. Parece ter sido uma façanha comovente para um velho homem doente
desembolsar £300 num negócio de seis meses pouco antes de sua morte, mas a ausência do dinheiro é apenas
sugestiva e não conclusiva. Mais do que só especulação sobre o testamento literário de Crowley circulou entre seus
associados, contudo. Em 7 de dezembro de 1947, Frieda Harris escreveu para Frederick Mellinger e disse num pós
escrito daquela carta: “É você que está à frente da ordem aqui ou era Gerald Gardner ? Eu não posso encontrá-lo,
será que ele morreu ?” (75)
Gardner não estava morto, é claro – apenas estava fora nos últimos poucos meses em sua viagem à América.
Ouvindo sobre a morte de Crowley, ele imediatamente enviou uma rápida carta para Vernon Symonds afirmando:
“Alister me deu uma carta colocando-me à frente da O.T.O. na Europa.” (76)
Nessa carta, Gardner perguntou sobre o endereço dos executores literários de Crowley para que Gardner
pudesse contatá-los para comprar quaisquer relíquias e rituais datilografados relativos a Crowley. Ele ponderou que
não queria que eles “caíssem nas mãos de outras pessoas.” (77) De fato, Gardner não possuía uma carta nomeando-o
sucessor de Crowley na Europa. Contudo, Gardner foi bem sucedido fundando um campo na Inglaterra e ele pode ter
sido o único praticante da O.T.O. fora da América, mas ele não fundou um campo até dezembro. Todavia, a O.T.O.
entrou em desordem logo após a morte de seus líderes.
Frieda Harris escreveu para Karl Germer e informou-o que Gardner estava à frente da O.T.O. na Europa,
talvez partindo da afirmação que Gardner havia feito ao escrever para Symonds. (78) O pós escrito um tanto
truncado dessa carta diz: “G.B.Gardiner [....] is head of the OTO in Europe [....] also G.Waal Fitzgerald (esse deve ser
E.Noel Fitzgerald) [....] seems to have been asked to initiate Mr. Gardiner & may be a member (da OTO)”. O
comentário de Harris com respeito à iniciação de Gardner parece ser uma espécie de boato – uma explicação que
poderia esclarecer os erros de ortografia dela com o nome de Fitzgerald, ou ela poderia estar se referindo à
necessidade de elevar Gardner a um alto grau , o que seria conveniente para um líder regional da O.T.O. - de fato,
gardner identificou-se depois como Xº (79)
Contudo, após essa carta, a menção sobre Gardner parece declinar. Naquela época, parece que alguns
assuntos sobre liderança da O.T.O. se arrumaram.
Crowley tinha, de fato, estabelecido seus sucessores desde 1944. Ele favoreceu Karl Germer
especialmente, mas ele também era sensível à idade avançada de Germer e sua possível perda. No final, ele também
procurou preparar Grady McMurty para ser uma espécie de cabeça substituto da ordem, sobre quem Germer podia ter
poder de veto até sua morte. Em 15 de julho de 1947, Crowley também considerou a possibilidade da morte de
McMurty e mencionou Frederick Mellinger que ele devia saber estar pronto para a possibilidade de poder suceder
Germer. Na época em que Gardner escreveu a carta para Vernon Symonds numa tentativa de proteger vários papéis
de Crowley relativos à O.T.O. (*), tais papéis estavam sendo enviados para Germer de acordo com os desejos de
Crowley.
Germer assumiu com êxito a liderança da O.T.O. e a manteve até sua morte em 1962. Germer eventualmente
autorizou um campo da O.T.O. na Inglaterra sob Kenneth Grant, mas o campo foi fechado em 1955. A O.T.O.
ficou instável por algum tempo após a morte de Germer nos anos 60, e depois fragmentou-se completamente com as
afirmações de poder de McMurty. A O.T.O. eventualmente se estabeleceu em dois grupos representativos que tem
desde então mantido uma relativamente pequena mas bem sucedida presença em todo o mundo. (80)
Entretanto, no início de 1948, Germer estava chegando a um termo com a função que ele teria que assumir, e,
parece, Gerald Gardner também estava pensando seriamente sobre seu papel na ordem.
Em meados de janeiro, Gardner escreveu a Karl Germer e pediu para encontrá-lo em 19 de março em New
York, uma vez que ele viajara da Inglaterra para lá. (81) Germer, que havia tido problemas com seu visto, não
pudera viajar para a Inglaterra para presenciar os funerais de Crowley e ficara retido em New York. Ele menciona ter
recebido essa carta em 19 de janeiro, e diz a respeito:
(73) Gerald Gardner, The Museum of Witchcraft and Magic (Kent: Photocrom Ltd, c.1954),24. | (74) Frieda Harris, carta para Karl Germer, 2 de janeiro
de 1948 (cortesia do Ver. Allen Greenfield). | (75) Harris para Mellinger, 7 de dezembro de 1947. Os erros de gramática nessa citação são da própria
Harris. | (76) Gerald Gardner, carta para Vernon Symonds, 24 de dezembro de 1947 (cortesia do Ver. Allen Greenfield)> Nessa citação, os problemas de
gramática são de Gardner. | (77) Ibid. | (78) Frieda Harris, carta para Karl Germer, 2 de janeiro de 1948.
(79) Gardner para Symonds, 7 de dezembro de 1950. Gardner assinou essa carta “G.B.Gardner Xº e incluiu uma cruz quadrupla.
(*) (N. do T.) Tais papéis, na verdade, não eram relativos à O.T.O., mas referentes aos rituais da bruxaria, que Gardner e Crowley tinham reescrito após
comparar seus manuais provenientes dos Nove covens.
(80) Sabazius Xº e AMT IXº, “History of Ordo Templi Orientis”.
(81) Hutton, 221. |
10
“Eu recebi hoje uma carta do Sr. Gerald Gardner, que diz que ele está vindo para New York em 19 de março e deverá ficar em New York por
alguns dias. Eu posso vê-lo então, ou, se eu tiver que ir para a Costa Oeste numa viagem de alguns meses, posso arranjar para visitar no meu
caminho lá. Você já o conheceu ?” (82)
Dez anos depois, Idres Shah, escrevendo como Bracelin, relatou a experiência de Gardner com Germer em
New York como segue: “Quando foi para a América, Gardner descobriu que muitas pessoas o viam como sucessor de
Crowley: embora ele não fosse nada disso. Em New York ele conheceu 'Saturnus', o grande, amável e ainda de algum
modo desanimado German que era o sucessor de Crowley.” Shah continua mencionando que Germer e Gardner
tiveram contato depois, após Germer ter ido para a Califórnia para a Loja Ágape. (83) As palavras de Shah mostram
o tom das tentativas posteriores de Gardner para se distanciar de Crowley. O que aconteceu com certeza entre
Gardner e Germer em New York é no final das contas um mistério. Após retornar à Inglaterra, Gardner escreveu
novamente para Symonds e informou-o de que Germer o havia reconhecido como líder da O.T.O. na Europa – o texto
da carta está reproduzido acima na nota 69 (84). Germer pode ter endossado a afirmação de Gardner e o instruído a
continuar seus planos de iniciar um 'acampamento' na Inglaterra, mas ele nunca se materializou. Após esse encontro
em março, os documentos revelando o envolvimento de Gardner com a O.T.O. basicamente transbordou.
A única menção do envolvimento de Gardner com a ordem, depois dele ter deixado a América, ocorreu em
seu livro High Magic's Aid, publicado em 1949. Na página do título, um erro do copista informa o grau de Gardner
na O.T.O. como “4 = 7”. (85) Contudo, 4 = 7 não é um grau da O.T.O. O erro tem causado alguns erros e
divergências entre autores que tem visto aquela anotação de grau e tem considerado Gardner como um Philosophus
na O.T.O., mas 4 = 7 é um grau da Golden Dawn ou da A.'.A.'.. Após 1949, Gardner menciona alguns dos associados
de Crowley e a O.T.O. de passagem, mas ele realmente não está nem de longe envolvido com a ordem.
Embora o envolvimento de Gardner com a O.T.O. enfraqueceu durante a última metade dos anos 40, ele continuou a
fazer uma vista rápida sobre sua associação com Crowley. Essas recordações formam a segunda fonte de informação
a respeito desse relacionamento, e um elemento emerge que não estava presente na correspondência que sobreviveu
de 1947-48 - o culto das bruxas e a relação de Crowley com ele. Começando em 1950, Gardner iniciou se
disassociando de Crowley em favor da Wicca – um processo que culminou publicamente com a publicação de sua
biografia em 1960. Documentos existentes de gardner antes da morte de Crowley não incluem menção ao culto das
bruxas, mas com a publicação de High Magic's Aid, Gardner começou a falar mais sobre seu envolvimento com as
bruxas. Em sua carta de 1950 para John Symonds, ele escreveu:
“Ele [Crowley] estava muito interessado no culto das bruxas & tinha tido a idéia de combiná-lo com a Ordem, mas nada veio disso, ele
estava fascinado com algumas fotos do Chalé das Bruxas.
[....]
Eu incluo uma cópia do meu livro, High Magic's Aid, A.C. [Crowley] leu parte do M.S. & aprovou muito, ele queria que eu colocasse a
parte das bruxas na totalidade.” (86)
Gardner disse mais tarde que ele tinha estado trabalhando no manuscrito de High Magic's Aid desde 1946 – uma data
que corresponde aproximadamente com sua mudança para Londres e o conseqüente surgimento do interesse no
folclore local e empreendimentos como a Ancient Crafts Ltd.
Também em 1950, Gardner escreveu para o seu recente conhecido, Cecil Williamson:
“A propósito, Aleister Crowley esteve no culto, mas o deixou com aversão. Ele não podia suportar uma Alta Sacerdotisa tendo uma posição
superior & tendo que se ajoelhar para ela & enquanto ele aprovava muito o Grande Rito, ele estava muito chocado com a nudez.
Homem estranho, ele aprovava estar nu de uma maneira suja, mas desaprovava muito num modo limpo e sadio. Ele também desaprovava o
uso do açoite para gerar poder por razões práticas se você ensina um pupilo a usar o açoite, ele pode ter uma companheira & fazer isso por
si mesmo. Se você tem um pupilo pagante, você pode ensinar métodos de concentração e meditação e eles continuarão pagando a você
durante anos. Mas ele simplesmente espremeu muito dos rituais das bruxas e incorporou isso em seus trabalhos. Ele afirmou que tinha
escrito os rituais para eles, mas eu duvido disso. Ele reescreveu alguns rituais maçônicos, e fez uma terrível misturada deles.” (87)
Essa carta, para meu conhecimento, é o primeiro exemplo que Gardner relata a história que Crowley tinha
estado no culto das bruxas e o tinha deixado por causa da superioridade da Alta Sacerdotisa. Essa história surge
novamente em 1953, quando Doreen valiente, usando seu nome na Arte de “Ameth”, disse a Gerald Yorke que
Crowley havia se afastado da bruxaria porque ele “não podia ser mandado por mulheres”. (88) Desde então, a
história tem sido repetida em várias ocasiões e com muitas variações. Depois, em 1954, gardner elaborou algo em
Witchcraft Today. Ele disse:
(82) Karl Germer, carta para Freida Harris, 19 de janeiro de 1948 (cortesia do Ver. A. Greenfield). | (83) Bracelin, 174, IHO 158; Hutton, 48. | (84)
Gardner para Symonds, 7 de dezembro de 1950; Hutton, 222. | (85) Gardner, High Magic's Aid. O nome de Gardner também é soletrado como “Scrire” ao
invés de “Scire”. | (86) Garder para Symonds, 7 de dezembro de 1950. Pedaços dessa carta estão parafraseadas em Hutton 219. | (87) Gardner para
Williamson, 8 de fevereiro de 1950. As linhas truncadas não foram preservadas. | (88) Ameth para Gerald Yorke (Warburg Institute Library, Gerald Yorke
Collection, Scrapbook EE2, 361) citado por Hutton 220.
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“O único homem que eu acho que pode ter escrito os ritos foi o falecido Aleister Crowley. Quando eu o conheci ele estava mais interessado
em ouvir que eu era um membro, e disse ter estado no meio quando ele era mais jovem, mas não disse nada se ele havia reescrito algo ou não.
Mas as práticas dos bruxos são totalmente diferentes em método de qualquer tipo de magia que ele escreveu, e ele escreveu sobre muitos
tipos. Existem certas expressões e certas palavras usadas que tem o estilo de Crowley; possivelmente ele emprestou coisas dos escritos do
culto, ou possivelmente alguém pode ter emprestado expressões dele.” (89)
As afirmações de gardner parecem um exagero, desde que ele supostamente citou abundantemente as
palavras de Crowley quando fez acréscimos aos rituais do Northern Coven. (90) Doreen Valiente responder ao
citado material de Crowley com forte oposição, e sua influência – além do mais para a compreensão da opinião
pública para tornar a Wicca tão respeitável quanto possível – pode ter incitado Gardner a distanciar-se do velho
ocultista que tinha exercido influência nele.
Dez anos depois, em 1960, a biografia de Gardner Gerald Gardner: Witch, revelou o que Gardner tinha dito a
Idries Shah sobre Crowley. A própria descrição final para um número de páginas, e ela muda entre falar de
generalidades sobre os magos a quem gardner considerou charlatães para falar especificamente sobre Crowley.
Extrair as experiências pessoais de Gardner de onde Shah completa informação anterior sobre Crowley, reunidas de
biografias disponíveis na época é difícil, assim eu citei apenas aqueles exemplos nos quais é óbvio que Shah está
citando ou parafraseando Gardner diretamente. O tema do texto, de ponta a ponta, parece sugerir que Gardner via
Crowley como um amigo, embora ele visse além disso – concluindo que Crowley era um invejoso, fascinante,
avarento e uma fraude. (91) A biografia diz: “No geral, Gardner gostava dele, ficou triste quando ele morreu. Ele
se lembra dele como um decadente que deixou sua marca, em algum lugar.” (92) A biografia também um terceiro
encontro de Gardner e Crowley:
“Em 1946, Gardner foi a Hastings para ver Crowley. Outrora bonito, ele estava agora reduzido a um pequeno, frágil, e uma figura dócil,
muito curvado. [....] O fogo não tinha desaparecido totalmente, contudo, apesar dele ainda tomar heroína todo o tempo. Em Oxford,
Crowley disse, ele tinha estado no meio da bruxaria. Por que ele não havia seguido o caminho dos bruxos ? Porque 'ele recusou ser
chefiado por qualquer maldita mulher'. [....] Ele ainda estava muito interessado em reviver a O.T.O. inglesa.” (93)
Naturalmente, Crowley nunca freqüentou Oxford, mas Shah ou Gardner podia ter confundido facilmente
Cambridge com uma das outras escolas notáveis da Inglaterra.
A relação entre Crowley e Gardner terminou numa nota ácida na biografia, e gardner nunca corrigiu aquela
afirmação. Entretanto, a influência de Crowley sobre Gardner tinha sido relativamente forte. Ela foi certamente
longa o suficiente para impressioná-lo a respeito da bruxaria que Gardner popularizou naquele tempo.
1947-1948: América e Família
Aparte de criar muitos conhecimentos e amizades durante os anos entre 1946-1949, Gerald Gardner
também cultivou laços estreitos com parentes e a família. Como o tempo na Inglaterra estava começando a esfriar
após o verão de 1947, Gardner sentiu-se doente e procurou um clima mais quente para recuperar sua saúde – prática
que se iniciou em sua juventude e que ele manteve até sua morte. Naquela época ele viajou para a América,
procurando recobrar-se da doença e ter a oportunidade de visitar a família de seu irmão e sua sobrinha, Miriam, a
quem eu já mencionei.
Gerald Gardner era o terceiro de quatro irmãos. Os dois mais velhos, Harold e Robert, já eram crescidos em
1884, quando Gardner nasceu. Harold estava em Oxford estudando para obter sua graduação e tornar-se um
advogado, e Robert, a quem Gerald chamava de Bob, era um adolescente mais velho de quem gardner se lembrava
afetuosamente. Em 1886, o irmão mais jovem de Gardner, Francis Douglas Gardner, nasceu. Só no intervalo de
dois anos, os dois rapazes encerraram suas vidas. Como mais velho da família, Harold tomou a responsabilidade de
cuidar das coisas para o pai de gardner, William. Harold também herdou a firma de madeiras da família na Inglaterra
e cresceu afastado com seu interesse em status social, que Gardner parecia entender, mas do qual se sentia alienado.
(94) Francis Douglas Gardner, a quem Gardner chamava simplesmente Douglas, também manteve os interesses da
família na indústria de madeira, mas seu trabalho o levou para longe das ilhas britânicas, cruzando o Atlântico - ao
longo do Mississippi nos Estados Unidos. (95)
(89)
(90)
(91)
(92)
(93)
(94)
(95)
Gardner, Gerald, Witchcraft Today (London: Rider, 1954), 47.
Valiente, 47.
Bracelin, IHO, 154-155.
Ibid, 158.
Ibid.
Miriam gardner Interview.
Obtuário de Francis Douglas Gardner, The Commercial Appeal, 29 de março de 1959, Séc.11 Pg 3.
12
Em 1916, Francis Douglas Gardner mudou-se para a América como Secretário e Tesoureiro da Anchor
Sawmill Co., que tinha escritórios em New Orleans e Memphis. Durante a primeira parte de sua vida na América,
Dougras viveu em Louisiana. Em algum momento, Douglas casou-se com Miriam Flemming e, por volta de 1930,
eles tinham uma filha a quem chamaram de Miriam e chamavam Mimi. Em 1938, a família mudou-se brevemente
para a Inglaterra e então retornou para Memphis, Tennessee, onde eles estabeleceram residência permanente. Em
Memphis, Douglas levou uma vida tranqüila, educando sua família como membro da igreja Anglicana. Ele
apreciava passatempos de golfe semi-profissional e tênis. Douglas também tinha prazer nas artes, freqüentando
operas e pintando prolíficamente, tal como Gerald. (96)
Gardner e Donna chegaram, no final de 1947, na pequena casa de tijolos de propriedade de seu irmão em
282 Strathmore Circle no centro de Memphis. A vizinhança era distante da rua principal e, atravessando a rua,
havia uma floresta de antigas árvores e um parque. A rua era ocupada com pequenas casas estranhas construídas nos
anos 1920, e flores e árvores limitavam a estrada. (97) Esse ambiente era ideal para a convalescença de Gardner.
Infelizmente, Douglas não estava indo bem. Sua saúde estava enfraquecendo e, então, ele estava quase cego.
Miriam se lembra de que Gerald consumiu muito do seu tempo entre o outono de 1947 e março do ano seguinte
ajudando seu irmão nas tarefas diárias. (98) A família passou os meses de inverno, e Gerald e sua mulher fizeram
freqüentes incursões a cidades diferentes – visitando New Orleans e possivelmente a Califórnia, onde Gardner pode
ter se encontrado com membros da O.T.O. na Ágape Lodge. (99) Sempre curioso a respeito de religiões nativas,
Gardner procurou estudar Voodoo em New Orleans. De tudo o que ele aprendeu, ele eventualmente concluiu que
“Voodoo parece ter se formado da mitologia africana e da bruxaria européia”. (100) Gardner sentia alguma coisa
agitada, contudo, porque ele havia deixado a Inglaterra abruptamente, deixando muita coisa negligenciada, e
Donna nunca estava realmente confortável longe de sua irmã e dos amigos na Inglaterra. (101) Em março, Gardner
deixou Memphis e viajou para New York onde ele embarcou em um navio para a viagem para casa. (102)
Em 1953 Douglas morreu. (103) Sua mulher viveu por mais quatorze anos, deixando a casa de Strathmore
Circle aos cuidados de seu neto, que alugou-a até 1975, quando ela foi vendida aos seus atuais proprietários. (104)
Miriam Flemming Gardner morreu em 1977. naquela época, Miriam “Mimi” Gardner havia se mudado para Soller,
Espanha, com seu filho e tinha deixado sua filha casada e constituindo sua própria família no Kansas. Os
descendentes de Francis Douglas Gardner continuam a viver na América e na Espanha, onde eles nutrem carinhosas
memórias de seu tio Gerald, a quem eles lembram como divertido e excêntrico – que apresentou-os a fantasmas,
bruxas e às maravilhas de uma vida passada no Extremo Oriente. (105)
1949: High Magic's Aid
Em algum momento em 1946, Gardner começou a trabalhar no romance High Magic's Aid. Seu objetivo
inicial era, supostamente, publicar os ritos do culto das bruxas, mas, ele afirma que alguns membros do Southern
Coven, provavelmente Edith Woodford-Grimes entre eles, se opuseram veementemente à idéia. Ele assumiu o
compromisso de de ocultar os rituais sob a forma de história de ficção, e as bruxas mantiveram essa proibição. No
final, Gardner publicou algum material enquanto muito da história tinha que ser suplementada com adaptações de
ritos da magia cerimonial tais como The Greater Key of Solomon. Gardner escreveu depois:
“Eu incluí uma Cópia do meu livro, High Magic's Aid, A.C. [Crowley] leu parte do M.S. & aprovou muito, ele me pediu para colocar a
parte das Bruxas em evidência. Mas eu só tinha permissão para publicar coisas como ficção & eles [Southern Coven] podiam cortar o que
eles quizessem, eu escrevi o terceiro degrau do Culto das Bruxas, mas eles ficaram danados & cortaram-no inteiramente, & naturalmente
coisas tiveram que ser mudadas um pouco no ritual, mas eu o fiz para grande espanto dos editores, mas ninguém objetou. As partes sobre
bruxaria são o cap. Xiv & XVII o Culto das Bruxas. Você compreende, são vestígios de uma Antiga religião da Idade da Pedra, &
inteiramente diferente de High Magic, que é realmente antiga Magia Judaica misturada. Mas a qual precisa de um meio para fazê-la
funcionar, que é melhor obtida com os bruxos.” (106)
(96) Obtuário de Francis Douglas Gardner. Miriam gardner Interview. | (97) Eu visitei a vizinhança de Strathmore Circle em julho de 2001 e falei com os
atuais proprietários da casa em 282 Strathmore, tanto quanto alguns outros moradores da rua.
(98) Miriam gardner Interview.
(99) Lamond, “Notes on Gardnerian Witchcraft in England”. É possível que Lamond esteja somente repetindo o que ouviu e não afirmando um fato.
Lamond conheceu Gardner bem e era um iniciado desde 1957, mas suas notas ocasionalmente contém erros tais como a publicação de High Magic's Aid
como em 1948 ao invés de 49 e a afirmação de que Gardner fundou o Fiveacres Country Club em 1948 (o clube tinha iniciado certamente em 1920 e Gardner
tentou comprá-lo em 1947). Existem também rumores de que Jack Parsons influenciou Gardner da Ágape Lodge, mas eu não encontrei nada de substancial
a respeito.
(100) Bracelin, IHO, 159. | (101) Miriam Gardner Interview. | (102) Germer para Harris, 19 de janeiro de 1948. | (103) Memphis / National Funeral
Home Records 1935-1971 Index, vol.5, (processado pelo Dept. de História, Memphis / Shelby Country Public Library and Inform Center, 1999);
Douglas gardner Obituary. | (104) Obituário de Miriam Gardner, The Commercial Appeal, 29 de novembro de 1977; comunicação pessoal com o Shelby
Country Assessor, julho de 2001. | (105) Miriam gardner Interview; comunicação pessoal com a filha de Miriam, MS, julho de 2001 (Miriam gardner
solicitou que a identidade de seus filhos permanecesse secreta).
(106) Gardner para Symonds, 7 de dezembro de 1950. Eu não preservei as linhas truncadas, e Gardner cometeu vários erros de gramática.
13
Em outra carta, Gardner discute o livro:
“Certamente, eu queria escrever sobre uma bruxa & o que ela me dissera, & ela não me deixou contar nada sobre bruxaria, mas eu disse
porque não me deixar escrever ---- do ----- ponto de vista das bruxas. Vocês são sempre perseguidos & insultados & ---- ----.”
“Então ela disse que eu podia se eu não contasse nada da magia das bruxas, & isso devia ser como ficção. Então, como eu tinha que contar
alguma magia, eu simplesmente copiei-a dos rituais mágicos judeus, principalmente da “Chave do Rei Salomão”.
“É conhecido que o Rei Salomão podia comandar os espíritos e fazê-los trabalhar para ele. & se você conhecer essas palavras & sigilos
você poderá fazer o mesmo. Essa Chave é normalmente em latim ou hebreu, mas existe uma tradução em inglês por MacGregor Mathers.
Mas pessoalmente eu não acredito que isso funcione. Isso é tudo muito difícil & complicado. & as bruxas... [linha perdida]” (107)
Também existe uma nota na cópia de High Magic's Aid de Gerald Yorke que diz:
“Ele tirou essa magia do MS Clavícula, que eu dei a ele e sua bruxaria de uma sociedade secreta relacionada com bruxaria da qual ele é um
membro [....]” (108)
Com a presença de um tal aparente material ritual, é difícil separar o que Gardner considerava ritual de bruxas
legítimo e o que foi simplesmente adicionado como enchimento criativo ou uma tentativa de aproximar o estilo da
liturgia usando fontes externas.
Também é possível que Gardner fizesse essas concessões somente sob pressão, e que, na época em que
escreveu o livro, os rituais do culto das bruxas ainda estavam sendo revisados com High Magic's Aid representando
uma primeira forma genuína da Wicca. (*)
Esse argumento, proposto por Aidan Kelly e Ronald Hutton, descreve os rituais wiccanos como evoluindo
durante a última metade dos anos 1940 do “notebook” de Gardner Ye Bok of Ye Art Magical.
De fato, os rituais de High Magic's Aid parecem se mais refinados de alguns dos que aparecem no
“notebook”, mas o propósito exato desse caderno de notas permanece obscuro. A discussão em torno de Ye Bok é
difícil de avaliar, e tampouco sustentá-lo ou negá-lo está além do âmbito deste ensaio.
O enredo de High Magic's Aid gira em torno de dois jovens homens desprivilegiados, chamados Jan e Olaf,
procurando restaurar a fortuna e o nome da sua família com a ajuda de poderes esotéricos. Esses poderem são
introduzidos por duas personalidades predominantes – um homem mais velho e educado, chamado Thur, que age
como a sábia figura do pai e é um mago cerimonial, e uma jovem bruxa chamada Morven. Juntos, esse grupo de
quatro fugitivos da perseguição de uma Igreja Católica grotescamente caricaturada, lutam batalhas mágicas em uma
Inglaterra da Idade Média. A magia no livro vem de Thur e Morven, alternada entre rituais mágicos derivados das
Chaves de Salomão e descrições de ritos das bruxas que trazem grande semelhança com os escritos de Margaret
Murray. Por exemplo, o livro é privado da figura de uma deusa exceto onde a lua é ocasionalmente mencionada de
passagem como mulher, e a figura do deus é descrita como tendo um corpo humano, a cabeça de bode e uma tocha
acesa entre os chifres. Como no Deus das Bruxas de Murray, esse deus é chamado de Janicot. (109)
No final, Jan e Olaf se tornam iniciados na religião das bruxas, e seu ritual de iniciação é o que Gardner
mencionou em sua carta para Symonds acima. A não ser que, partes do romance sejam preenchidos por Gardner com
o que ele considerava crenças e práticas genuínas das bruxas.
High Magic's Aid foi publicado na primavera de 1949 por Michael Houghton, que era o proprietário da
Livraria Atlantis e era um conhecido de Gardner. Gardner basicamente fundara o pequeno prelo, mas Hughton e o
círculo de ocultistas em torno da livraria o ajudaram. Por exemplo, Dolores North, também conhecida como
Madeline Montalban, revisou e datilografou o esboço final, como Gardner escreveu:
“Isso é muito engraçado. A Sra. North é “Dolorres”. Ela costumava trabalhar na Livraria Atlantis e datilografou e acertou a ortografia de
High Magic's Aid. Ela ganha a vida com astrologia e filtros de amor em segredo. Eu sei que ela diz ser uma bruxa, mas há algo errado.
Mas ela conhece High Magic's Aid e tem uma imaginação viva.” (110)
Com a publicação do livro e a subseqüente familiaridade de Gardner com Cecil Williamson, Wicca lentamente
começou a emergir na esfera pública com Gardner trabalhando duro como seu ardente apoiador.
(107) Transcrição de uma carta de Gardner para destinatário desconhecido, retirada de: Frew, Hudson “Morgann”. “Crafting The Art of Magic: A Critical
Review”, (ensaio não publicado). Essa carta é também parafraseada por Patricia Crowther na introdução da reimpressão de High Magic's Aid pela
Pentacle Enterprise. Hutton identifica a carta como estando na coleção Warburg, mas eu não consegui localizá-la naquela coleção. Hutton, 448.
(*) (N.do T.) Essa versão é ridícula, ainda mais que não podemos dar nenhum crédito nem a Aidan Kelly com seus delírios alucinados ou mesmo a R.
Hutton que é um acadêmico e está totalmente fora do contexto da Wicca.
(109) Gardner, Gerald, High Magic's Aid; Murray, The Initiation to Witchcraft; The Necromancers, Ed. Peter Haining (London; Hodder & Stoughton,
1971).
(110) Gardner para Williamson, maio de 1952. As linhas apagadas foram preservadas. Aidan Kelly conjectura que North pode ter sido membro do
original Southern Coven, mas eu tenho minhas dúvidas. Se ela estava envolvida em alguma coisa, então deve ter sido com o Northern Coven. Kelly, 28.
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Conclusão: 1949 em diante
Em meados de 1949, essa obscura mas importante parte da vida de Gardner termina. As decisões que ele
tomou ao longo dos três anos anteriores colocaram-no no caminho que poderiam conduzi-lo mais e mais ao papel de
porta-voz mais influente da Wicca. Na primavera de 1951, Gardner pode encontrar o caminho para ajudá-lo a criar o
museu que ele tinha desejado desde antes de ele ter deixado a costa de Hampshire, e seu trabalho ao lado de Cecil
Williamson pôde eventualmente ajudar a criar o sistema que o supriu de membros para o coven. Em 1954, Gardner
publicou Witchcraft Today e apresentou sua religião para o mundo. A história da Wicca e a vida de Gardner estão
mais detalhadamente registradas após 1949 devido à notoriedade e o crescimento do círculo de amigos que
partilharam seu interesse na bruxaria, e assim a função desse ensaio termina.
Os três anos que eu tentei esclarecer delineando os movimentos de Gardner ao longo de um caminho que o
levou a tornar-se um divulgador da Wicca. A narrativa dá a entender um homem buscando por espiritualidade e por
um propósito. Gardner, de sua parte, iniciou sua busca de um modo que abandonou o espírito moribundo da Era
Vitoriana – durante sua vida, gardner viajou e colecionou de lugares estrangeiros longínquos, e sua identidade
espiritual e social refletia isso. Ele adquiriu conhecimentos, artefatos, graus, consagrações e títulos. Ele percorreu
uma trajetória da co-maçonaria à rosacruz, dos lados mais esotéricos do catolicismo, teosofia e franco-maçonaria, ao
druidismo e a Ordo Templi Orientis, e finalmente até a bruxaria que incorporou elementos comuns de todas elas. (*)
Entre 1946 e 1949, ele delineou um elemento especificamente contra-cultural e esotérico da sociedade que
conduziu-o eventualmente a adotar um interesse no oculto que tinha estado latente até então.
Na sua promoção e vivência da religião da moderna bruxaria, Gardner construiu uma tardia identidade para si
mesmo e encontrou um caminho para deixar uma marca indelével no mundo, embora eu duvido que suas intenções
fossem alguma coisa tão grande quanto isso. Em suas próprias palavras, Gardner estava procurando por “um desejo
por paz, um sentido de maravilha, e um senso de companheirismo e boa amizade.” (111) Desses sentimentos, eu
poderia incluir um sentido de propósito e de esforço, um desejo que eu acho que Gardner sentiu vividamente desde o
fim da Segunda Guerra Mundial e seu retorno para Londres.
Na verdade, eu acho que ele começou a encontrar a realização desses desejos em 1949 quando assumiu uma
nova identidade religiosa como porta-voz da bruxaria – sua busca estava terminada, e essa sua identidade como
bruxo perdurou nos últimos 50 anos e perdurará além. Para Wicca, este ensaio levanta conjecturas sobre as forças
que levaram à gênese da religião. Para Gerald Gardner, este ensaio descreve a culminação de uma vida passada
flutuando nas águas inconstantes do século XX - de homem a bruxo.
* * *
(*) (N. do T.) Na verdade a bruxaria é muito mais antiga do que essas ordens modernas. Ver E.W.Liddell, The Pickingill Papers.
(111) Mercury Publishing CD, transcrição do autor.
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