ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS Tomás de Aquino (1225

Transcrição

ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS Tomás de Aquino (1225
2 // Estudo de Temas Tomistas
CAPA: São Tomás de Aquino:
http://www.dominicos.net/santos/santo_tomas_de_aquino/063b_pinac
oteca_crivelli_carlo_the_demidov_altarpiece_detail_thomas_aquinas_.
jpg
Apêndice da Parte I // 3
ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS
Tomás de Aquino (1225-1274)
4 // Estudo de Temas Tomistas
Apêndice da Parte I // 5
José Francisco de Assis Dias
Leomar Antonio Montagna
Lorella Congiunti
(Organizadores)
ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS
Tomás de Aquino (1225-1274)
I Edição
Autores:
Prof. Danilo Xavier de Morais
Prof. Lorella Congiunti
Prof. Rodrigo Gabriel Matos
Editora Vivens
O conhecimento a serviço da Vida!
Maringá-PR
2014
6 // Estudo de Temas Tomistas
Copyright 2014 by Humanitas Vivens Ltda.
EDITORES:
Daniela Valentini
José Francisco de Assis Dias
CONSELHO EDITORIAL:
Prof. Daniel Eduardo dos Santos
Prof. Mariane Helena Lopes
Prof. Reginaldo Aliçandro Bordin
REVISÃO GRAMATICAL E DE ESTILO:
Prof. Antonio Eduardo Gabriel
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:
Rogerio Dimas Grejanim
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
E79
Estudo de temas tomistas: Tomas de Aquino
(1225-1274) / José Francisco de Assis
Dias, Leomar Antonio Montagna, Lorella
Congiunti, organizadores; [autores] Prof.
Danilo Xavier de Morais, Prof.ª Lorella
Congiunti, Prof. Rodrigo Gabriel Matos.
- 1. ed. – Maringá, PR: Vivens, 2014.
176 p.; 14x21 cm.
ISBN: 978-85-8401-017-2
1. Filosofia medieval. 2. Tomismo. I. Tomaz,
de Aquino, Santo, 1225-1274.
CDD 22.ed. 189.4
Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi – Bibliotecária CRB/9-1610
Todos os direitos reservados com exclusividade para o
território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da Editora.
Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!
Rua Sebastião Alves, nº 232-B – Jardim Paris III
Maringá – PR – CEP: 87083-450; Fone: (44) 3046-4667
http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]
Apêndice da Parte I // 7
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.............................................................09
PARTE I:
DA RAZÃO À FÉ EM TOMÁS DE AQUINO......................
10
I - RAZÃO E FÉ NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO.......................................... 13
II - “NATUREZA” NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO......................................... 19
III - A LEI E AS LEIS NA PERSPECTIVA DE
TOMÁS DE AQUINO......................................... 23
IV - “CIÊNCIA” NO PENSAMENTO DE
29
TOMÁS DE AQUINO..............................................
V - ARTE E BELEZA NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO.............................................33
VI - O “ACASO” NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO........................................... 39
VII - A SAGRADA DOUTRINA SEGUNDO
TOMÁS DE AQUINO.............................................43
VIII - A VERDADE EM TOMÁS DE AQUINO................ 47
IX - A ALMA PARA TOMÁS DE AQUINO....................
51
X - O CORPO SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO..............55
8 // Estudo de Temas Tomistas
XI - OS ANJOS NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO.............................................. 59
XII - A AMIZADE SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO.......... 63
XIII - “COMEÇAR DO PRINCÍPIO” SEGUNDO
TOMÁS DE AQUINO............................................. 67
XIV - A CENTRALIDADE DE JESUS CRISTO NO
PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO.............. 71
XV - A DIVINA PROVIDÊNCIA NO PENSAMENTO
DE TOMÁS DE AQUINO........................................ 75
PARTE II:
A LEI NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO......... 79
I - O PENSAMENTO POLÍTICO DE
TOMÁS DE AQUINO.............................................. 81
II - O TRATADO DA LEI EM
TOMÁS DE AQUINO.............................................. 99
PARTE III:
A PRUDÊNCIA EM TOMÁS DE AQUINO.........................115
I - O PENSAMENTO ÉTICO DE
TOMÁS DE AQUINO............................................. 117
II - A VIRTUDE DA PRUDÊNCIA NO
PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO.........................135
REFERÊNCIAS..................................................................161
APRESENTAÇÃO
Com alegria indizível, apresentamos aos amantes
do pensamento de Tomás de Aquino, esta obra que põe
em harmonia os trabalhos dos professores Lorella
Congiunti, autora da primeira parte, Danilo Xavier de
Morais, autor da segunda parte e Rodrigo Gabriel Matos,
autor da terceira parte.
A primeira parte, DA RAZÃO À FÉ EM TOMÁS DE
AQUINO, tem como objetivo trabalhar alguns dos mais
relevantes temas, dentro do pensamento de Tomás de
Aquino.
A Autora, através de reflexões profundas e,
simultaneamente, simples, aborda temas de grande
importância para se conhecer o pensamento do Aquinate,
partindo da ratio até chegar na fides.
A segunda parte, A LEI NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO, tem por objetivo compreender a
origem e a função da lei no pensamento de Santo Tomás
de Aquino.
No primeiro capítulo, o Autor apresenta o
pensamento político de Tomás de Aquino, seu projeto de
governo e organização da sociedade. Apresenta também
duas categorias necessárias para a compreensão da lei no
pensamento tomista: a beatitude e as virtudes.
No segundo capítulo, o Autor apresenta a definição
tomista de Lei e os tipos de leis apresentados por Tomás
de Aquino na Suma Teológica: a lei eterna, a lei natural e
a lei humana ou positiva.
A terceira parte, A PRUDÊNCIA EM TOMÁS DE
AQUINO, tem por objetivo compreender e explicitar o
conceito de prudência no pensamento de Tomás de
Aquino.
Assim, no primeiro capítulo, o Autor busca fornecer
um panorama geral da ética tomista, apresentando
inicialmente o projeto da Suma teológica e elementos da
10 // Estudo de Temas Tomistas
antropologia de Tomás de Aquino, ponto de partida para
sua ética.
Em seguida, o Autor trata dos elementos da ética
como a moralidade dos atos humanos, as paixões, as
virtudes e os vícios.
No segundo capítulo, o Autor apresenta o conceito
de prudência, que é entendida como a reta razão aplicada
à ação, e o analisa de acordo com a sequência
apresentada na Summa Theologiae: a prudência em si
mesma, suas partes integrantes, subjetivas, potenciais,
relacionada ao dom do conselho e considerada pelo seu
viés oposto, a imprudência.
Como os Autores nos lembram, Tomás de Aquino,
herdeiro do pensamento aristotélico, concebeu o mundo
dotado por uma ordem e finalidade e, nele, o homem como
ser social. Em vista disso, a sociabilidade do homem é
condição inerente à sua existência tanto quanto o desejo
de felicidade, sua finalidade última. Entretanto, por ser um
ser de relações, o homem não tem somente a sua
finalidade última como objetivo, mas há antes uma
finalidade que deve ser alcançada em comunidade: a
ética. Tanto o fim último e individual do homem quanto sua
finalidade enquanto sociedade não podem ser alcançadas
senão por meio das virtudes, que podem ser adquiridas
através dos hábitos.
Os Organizadores
Apêndice da Parte I // 11
PARTE I:
DA RAZÃO À FÉ EM TOMÁS DE AQUINO
Prof. Lorella Congiunti1
1
Prof. Lorella Congiunti, professora de filosofia e Vice-Reitora da
Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano – Roma – Itália.
12 // Estudo de Temas Tomistas
É essencial para a beatitude, ou felicidade, a perfeição
da caridade, enquanto amor para com Deus, mas não
enquanto amor para com o próximo. Pelo qual se
existisse uma só alma admitida a gozar Deus, seria
beata, mesmo não havendo o próximo para amar. Mas,
suposto o próximo, o amor para com ele surge do
perfeito amor para com Deus. Onde a amizade é quase
um elemento concomitante da perfeita felicidade ou
beatitude.
[Summa Theologiae, II-II, q. 4, a. 8, ad 3um]
-IRAZÃO E FÉ NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO
Uma das questões fundamentais, para a
contemporaneidade e para todos os tempos, consiste na
impostação da relação entre razão e fé. Uma impostação
errada pode conduzir à sua separação, até às posições
contrapostas do cientificismo racionalista e do
espiritualismo fideísta.
O cientificismo racionalista ignora ou até mesmo
nega todo valor cognoscitivo à fé, exaltando
exclusivamente a razão, reduzindo-a unicamente à
funcionalidade científica. O espiritualismo fideísta, ao
contrário, critica a razão como estranha ou, até mesmo
hostil à fé; delineando uma fé abstrata e desencarnada.
Em ambos os casos não só razão e fé aparecem
contrapostas, mas tanto a razão quanto a fé aparecem
reduzidas
e,
portanto,
enfraquecidas;
como
magistralmente expressou João Paulo II na carta encíclica
Fides et Ratio, 14 de setembro de 1998:
É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil,
a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no
grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição.
Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela
frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar
sobre a novidade e radicalidade do ser. (n. 48).
Somente a plena realização de uma “delas” permite
também a excelência da outra: Não há motivo para existir
concorrência entre a razão e a fé: uma implica a outra, e
cada qual tem o seu espaço próprio de realização. (Cf. n.
17). No contesto atual, uma grande ajuda pode vir da
explicação do significado desses dois termos.
14 // Estudo de Temas Tomistas
A explicatio terminorum é, de fato, o primeiro passo
para impostar bem toda questão. Neste âmbito, uma
decisiva clarificação pode provir do pensamento de Tomás
de Aquino, definido pela mesma encíclica Fides et Ratio
como campeão da “harmonia que existe entre a razão e a
fé” (Cf. n. 43).
1.1 A Razão
A “razão”, do latim ratio, mesmo traduzindo apenas
em partes a ampla gama de significados do termo grego
logos, é uma noção extremamente rica e fértil. Tomás de
Aquino teve a grande capacidade teorética de explicar
todos os significados da razão.
No comentário ao De divinis nominibus, Tomás
distingue ao menos quatro modos principais de
significação, cada um ulteriormente especificado2: a razão
como faculdade cognoscitiva; a razão como causa; a razão
como cálculo; a razão como conteúdo conceitual3.
A razão como faculdade cognoscitiva pode ser
entendida em vários modos: enquanto conhecer espiritual,
ou seja, não ligado à materialidade, não é exclusiva posse
do homem, mas pertence a cada inteligência enquanto tal:
angélica e divina4. Se vem entendida como capacidade
discursiva ao invés, convém somente ao homem,
enquanto implica a passagem do desconhecido ao
conhecido, que é típico dos seres humanos5. Ainda,
mesmo somente limitando o olhar ao homem, ratio pode
ser entendida globalmente como oposta à sensibilidade; e,
2
Para uma eficaz análise destes significados da razão, cf. G.
BARZAGHI, La potenza obbedienziale dell’intelletto agente come
chiave di volta del rapporto fede-ragione, in “Angelicum”, 2, (2003),
agora em IDEM, Lo sguardo di Dio. Saggi di teologia anagogica,
Cantagalli editore, Siena 2003, sobretudo o parágrafo 1 “Il significato
del termine ragione in Tommaso d’Aquino”, pp. 96 e sgg.
3
Cf. TOMÁS DE AQUINO, In Div. Nom, c. 7, l. 5.
4 Cf. IDEM, Summa theol., I, q. 29, a. 3, ad4um.
5 Cf. Ibidem, q. 79, a. 8, resp.
Razão e Fé... // 15
neste caso, cobre todas as faculdades espirituais humanas
e significa: intelecto agente, intelecto possível, intelecto
apetitivo (vontade)6.
Ocorre sempre recordar que para Tomás de Aquino
o intelecto, isto é, a capacidade de “ver” intelectualmente
a verdade, e a razão, como passagem gradual rumo a
novas verdades a partir daquilo que já se conhece, são
dois atos diversos de uma única faculdade7.
Compreendemos, portanto, como a razão tenha um
significado muito vasto e, mesmo somente limitando-nos
àquele de faculdade cognoscitiva humana, é também ele
riquíssimo.
Conhecer racionalmente indica, de fato, uma vasta
gama de processos humanos, de que a metodologia
científica, fundada sobre a hipótese e a dedução, e
tipicamente caracterizada pela experiência e pela
matemática, é somente uma parte.
1.2 A Fé
Para compreender o que seja a fides – a fé, antes
de tudo é importante repropor uma distinção – hoje
frequentemente esquecida – fundamental, impostada por
Tomás de Aquino com extrema clareza: a distinção entre
Religião e Fé.
A Religião cai no âmbito da justiça8, que é uma
virtude cardeal; a Religião é, de fato, a justiça no exercício
do culto devido a Deus9. Portanto, a Religião é a mais
excelente das virtudes morais, mas não é uma virtude
teologal. A Fé, ao invés, é virtude teologal, enquanto é
emanação da Graça santificante, havendo Deus como
objeto direto e como motivo10.
6
Cf. Ibidem, q. 5, a. 4, ad1um.
Cf. Ibidem, q. 79, a.8, resp.
8
Cf. Ibidem, II-II, q. 80, a. 1.
9 Cf. Ibidem, q. 81, a. 8.
10 Cf. IDEM, Super Boethii De Trin., q. III, a. 2, resp.
7
16 // Estudo de Temas Tomistas
As virtudes cardeais são o aperfeiçoamento natural
da Pessoa Humana; as virtudes teologais constituem um
aperfeiçoamento posterior, atuado pela Graça no homem
que sabe acolhê-la. Exatamente porque a Religião é uma
virtude moral, humana, há a própria medida na
“mediedade”; de fato, todas as virtudes humanas se
realizam no “justo meio”, isto é, na justa medida entre o
excesso e o defeito (por exemplo, a coragem está no justo
meio entre a covardia e a temeridade); existe, portanto, um
vício por “defeito”, ou seja, a não-religiosidade, e também
um vício por excesso, que Tomás de Aquino distingue
segundo o modo (idolatria) e segundo o objeto (idolatria,
divinação, vã observância)11.
Tomás de Aquino especifica que nada é
“excessivo” para Deus, portanto, a natureza do excesso
não está na proporção a Deus, que é infinito, mas
relativamente às realidades do culto, que podem cair no
supérfluo12.
As virtudes teologais, ao invés, não se deixam
medir. Em relação à Fé não se dão excessos; se dá
negação, resistência, rejeição, de uma parte, e
possibilidade indefinida de crescimento de outra (a fé, de
fato, pode ser superior pelo número dos artigos cridos,
pela firmeza do intelecto, pela prontidão da vontade13).
Isto estabelecido, ocorre esclarecer um outro termo
muito importante, isto é, “crer”. Na Quaestio disputata XIV
De fide, Tomás de Aquino, partindo da reflexão de Santo
Agostinho, argumenta com precisão a natureza do crer
como ato do intelecto. Ele explica que, às vezes, o intelecto
não é determinado pelos princípios ou pelas conclusões
conhecidas, mas pela vontade, que escolhe de dar o
consentimento a uma proposição como motivo de qualquer
coisa que é suficiente a mover a faculdade apetitiva, mas
não a faculdade cognoscitiva.
11
Cf. IDEM, Summa theol., II-II, qq. 92-100.
Ibidem, q. 93, a. 2.
13 Ibidem, q. 5, a. 4.
12
Razão e Fé... // 17
De fato, lá onde o conhecimento é intelectualmente
seguro, não existe necessidade de crer para conhecer. Às
vezes, ao invés, se conhece um conteúdo crendo a um
testemunho; não se trata de um ato cego, porque é
fundado sobre o conhecimento da testemunha e sobre a
avaliação da sua credibilidade. Se conhece crendo, toda
vez que é o testemunho de um outro a fazer-me conhecer
conteúdos que não posso acessar.
Portanto, “crer” é um ato do intelecto, cujo objeto é
o “verdadeiro”, mas é movido ao assentimento (isto é, à
afirmação: “sim, isto é verdadeiro”) pela vontade.
Esta disposição em relação às afirmações dos
homens é muito mais forte em relação à Revelação divina,
onde a promessa da vida eterna constitui um fortíssimo
movente para a vontade. Na dinâmica do crer humano,
que implica seja o intelecto que a vontade, se enxerta o ato
de Fé teologal, cujo princípio é Deus mesmo. No intelecto,
como Sujeito, reside o ato de crer, de que a Fé é o próprio
princípio. Portanto, a Fé implica um homem capaz de
conhecer racionalmente.
Fé e razão, corretamente entendidas, estão em
recíproca harmonia e se implicam reciprocamente.
18 // Estudo de Temas Tomistas
- II “NATUREZA” NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO
A noção de natura – natureza – desempenha um
papel fundamental na especulação filosófica e teológica de
todos os tempos. Na longa história da noção de natureza,
Tomás de Aquino ocupa um lugar particularmente
importante pela capacidade de desenvolvimento de todas
as dimensões naturais na perspectiva integrada da Graça:
enim gratia praesupponit naturam – pois a Graça
pressupõe a natureza14.
A este propósito, na Fides et Ratio, João Paulo II
observa: Tomás reconhece que a natureza, objeto próprio
da filosofia, pode contribuir à compreensão da revelação
divina15.
A reflexão de Tomás, reveste ainda, particular
importância no âmbito, hoje muito atual, da lei moral
natural. Em numerosos textos ele rende razão da
complexidade do termo que, ao lado do “Ser”, se diz em
muitos modos. Fundamental é, antes de tudo, a
consideração etimológica do termo.
Tomás sublinha como o termo grego physis tenha
uma dupla dimensão, significando seja nascimento que
princípio. Na elaboração da noção acontece uma extensão
e também um uso metafórico do termo, que enfim significa
todo princípio interno de movimento.
A multiplicidade dos significados pode ser reunida
em dois modos de expressão principais, uma de tipo
S. TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologiae, I-II, 99, 2 ad 1um; «Cum
enim gratia non tollat naturam, sed perficiat, oportet quod naturalis ratio
subserviat fidei; sicut et naturalis inclinatio voluntatis obsequitur caritati»
I, 1, 8 ad 2. .
15 GIOVANNI PAOLO II, Lettera enciclica Fides et Ratio, 14 settembre 1998,
n. 43.
14
20 // Estudo de Temas Tomistas
extensivo – extensive loquendo – e uma de tipo intensivo
– intensive loquendo. O significado de tipo intensivo é
aquele predominante e indica a natureza enquanto
essência das coisas – natura vel essentia – natureza ou
essência, natura vel quidditas – natureza ou quididade.
Desde o jovem De ente et essentia, Tomás precisa
que a natureza é essentia dinamice considerata, ou seja,
a natureza é a essência considerada dinamicamente, isto
é, com referência direta às operações essenciais, ou
naturais. A natureza há um significado quase sobreposto
àquele de essência.
A natureza como essência da espécie ou
“quididade” implica a multiplicação dos indivíduos, nas
substâncias compostas, e daqui deriva a expressão,
recorrente no texto de Tomás, de rerum natura ou natureza
(específica) das coisas (individuais). Existe também uma
modalidade de abordar extensive – extensivamente – a
natureza, isto é, a natureza enquanto conjunto das coisas
naturais, ou seja, as coisas materiais não artificiais. Esta
modalidade se encontra, na minha opinião, sobretudo na
expressão res naturales – coisas naturais – que sendo
plural é uma modalidade extensiva.
A expressão res naturales está presente na ilustre
argumentação das cinco vias16, e precisamente em
relação à quinta via, sobre o governo das coisas. Deus é
aquela realidade inteligente que ordena ao fim todas as
coisas naturais. As coisas naturais são o conjunto das
realidades postas no “ser”, ordenadas segundo uma
finalidade. Portanto, ordem e finalidade são duas
características fundamentais da natureza na sua
pluralidade. O significado de res naturales, ou seja, da
natureza em sentido extensivo, vem por Tomás expresso
também com os termos mundus e universum.
A natureza em sentido intensivo indica uma
unidade na multiplicidade, enquanto a natureza em sentido
extensivo alude a uma multiplicidade unitária, isto é, não
16
S. TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologiae, I, 2, 3.
Natureza... // 21
equívoca. Trata-se sempre, em um modo ou em outro, de
saber reconduzir à unidade a multiplicidade dos
significados e das realidades em que a natureza se dá.
A unidade da natureza, assim como a unidade do
ser, encontra motivo na substância: Natureza é omnis
substantia – toda substância – afirma Tomás de Aquino. E
é interessante sublinhar como no adjetivo omnis encontra
fundamento a consideração extensiva da natureza,
enquanto no substantivo substantia se funda, ao invés, a
consideração propriamente intensiva.
Por este uso múltiplo e não equívoco do termo
natureza, Tomás faz referência à especulação aristotélica
e em modo especial no precioso léxico teorético
constituído pelo livro V da Metafísica. Esta raiz
peculiarmente filosófica de matriz aristotélica se enriquece
da reflexão especificadamente teológica ligada à definição
dos mistérios do Símbolo cristão, com implicações
sobretudo trinitárias e cristológicas; neste contexto é a
natureza em sentido intensivo que resulta implicada e
enriquecida, e ao lado da influência de Aristóteles, se faz
sentir forte a proximidade do pensamento dos pensadores
cristãos e, neste âmbito, desempenha um papel
particularmente importante a reflexão de Boécio.
A natureza encontra uma maior definição em
relação ao termo persona – pessoa. Tal distinção aparece
particularmente fecunda: é Pessoa divina aquela de
natureza divina, é pessoa humana o indivíduo de natureza
humana.
A natureza, assim traçada, resulta implicada em
numerosas problemáticas teológicas. Os percursos em
que o termo natureza resulta inserido e central são, de fato,
inumeráveis. Parece-nos que aqueles mais relevantes se
referem à relação natureza e Graça; a natureza de Deus e
a Trindade; a natureza humana e divina na Pessoa de
Jesus Cristo. Nestas problemáticas é a natureza em
sentido intensivo a revestir um papel central. Outra
problemática teológica importante é aquela da Criação,
22 // Estudo de Temas Tomistas
que se refere intimamente à natureza em sentido
extensivo.
Enfim parece que ambas as declinações resultem
importantes entre a natureza da lei moral natural. Este
último aspecto é particularmente rico e atual, tendo
também contas que, como sublinha Kaczyński, a
universalidade e a imutabilidade dos preceitos da lei
natural de São Tomás fora confirmada pela “Veritatis
Splendor” e pela “Evangelium Vitae”17.
A lei moral natural é a participação no ser humano
da lex aeterna, isto é, do projeto de Deus relativo à inteira
natureza em sentido extensivo, e consiste exatamente no
conhecimento e no cumprimento daquilo que é
verdadeiramente humano.
Hoje, no geral equívoco dos termos, é bom
recordar que no vasto âmbito da natureza em sentido
extensivo, cada espécie de substância há a própria
natureza em sentido intensivo, assim que quando se
define natural uma atitude ou uma situação ocorre
reconhecer a modalidade de significado do termo mesmo.
Portanto, aquilo que é natural para um cão não o é
para um gato, e aquilo que é natural para uma planta não
o é para um animal. Aquilo que é particularmente
importante é considerar que se pode definir natural para o
homem somente aquilo que corresponde à sua própria
específica essência de animal racional.
17
E. KACZYNSKI, Legge naturale e diritti umani in Karol Wojtyla e
Giovanni Paolo II, Pontificia Università S. Tommaso d’Aquino, Roma
2004-2005, p. 9.
- III A LEI E AS LEIS NA PERSPECTIVA DE
TOMÁS DE AQUINO
“Lei” é uma noção analógica, de fato é predicada
em diversos modos, mas sem equívoco. Antes de tudo é
predicada de Deus e do homem e, portanto, não pode ser
uma noção unívoca. Ainda vem predicada do homem e da
natureza, do conhecimento e do Ser. A noção de “lei” se
apresenta dotada pela riqueza própria das noções
analógicas. Mas qual é o seu núcleo constitutivo?
Reflitamos sobre a etimologia de “Lei”. O termo
latino lex aparece de origem controvertida. Isidoro de
Sevilha (560-636) propõe um forte vínculo entre lei, leitura
e escritura: Lex a legendo vocata, quia scripta est18, como
se a lei encontrasse a própria essência em ser escrita e
em ser, consequentemente, lida.
No século XIII, São Bonaventura e São Tomás, ao
invés, mais prudentemente fazem derivar o termo lex de
ligar: a lei, portanto, obriga a agir porque é regra e medida.
Em todos os usos da palavra “lei” recorre o aspecto
da regularidade e da necessidade, ao menos de princípio:
seja nos usos técnicos e filosóficos, que naqueles da
linguagem corrente. Seja que se fale de leis do esporte, de
leis do Código Civil, de leis da física ou de leis do amor...
sempre se entende veicular um significado que implica
uma regra e a tendência (natural e/ou voluntária) de seguila.
Esta regularidade e necessidade são explicáveis
melhor, se refletirmos sobre a definição da noção de lex
proposta por Tomás na Summa Theologiae, segundo o
esquema das quatro causas aristotélicas: a lei é quaedam
rationis ordinatio ad bonum commune, ad eo qui curam
18 ISIDORO DI
SIVIGLIA, Etymologiae, II, 10.
24 // Estudo de Temas Tomistas
communitatis habet promulgata19- uma ordenação da
razão para o bem comum, promulgada por quem tem o
cuidado da comunidade.
A causa formal da lei é, portanto, a razão, enquanto
o bem comum é a causa final, a promulgação é a causa
material e o promulgador (aquele que detém a cura da
comunidade) é a sua causa eficiente.
O aspecto particularmente rico de significado é
constituído pela formalidade da lei que é a razão: a lei
indica uma recorrência natural ou implica uma obrigação a
agir porque é “racional”. A regularidade e a necessidade
encontram raiz exatamente na racionalidade.
A finalidade é sempre um bem: que seja o bem da
sociedade, voluntariamente perseguido pelos cidadãos, ou
que seja o bem da natureza, a que todos os entes
naturalmente tendem. A promulgação implica que tal lei
seja em algum modo conhecida: oficialmente desprendida,
nas mesmas regularidades naturais ou em um código
dotado de oficialidade.
Enfim, a causa eficiente remete à pessoa do
legislador, que pode ser um rei, um parlamento ou, no caso
da natureza, o seu próprio Autor. Consideramos, ainda,
que uma das estradas para chegar a conhecer que Deus
existe a partir da existência do criado, encontra o próprio
ponto forte exatamente na ordem natural: se a natureza
tem suas leis, quer dizer que existe um legislador supremo,
quer dizer que a natureza é obra racional de um Autor
inteligente.
De fato, todas as tentativas de explicar a ordem
natural sem fazer referência a alguma “coisa” que exceda
a ordem mesma, são destinados ao fracasso. Uma ordem
que se rege e se perpetua por si, sem causas ou fins
externos, ou é a Ordem absoluta da qual tudo deriva, ou
então resulta impossível, inexplicável.
Já Aristóteles afirmava que o bem do universo
consiste, seja na ordem mesma do universo, seja em um
19
TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologiae, I-II, q. 90, a. 4, co.
Natureza... // 25
Bem separado, em si e por si, assim como o bem do
exército está na ordem, mas o bem está também no
general20. A regularidade pressupõe, portanto, uma
finalidade interna mas também uma referência final a uma
realidade transcendente.
Compreendido o núcleo comum da lei, ocorre
investigar as distinções; ajudados ainda por Tomás de
Aquino, consideramos que a lei se articula em cinco tipos:
a lex aeterna, a lex naturalis, a lex humana e a lex nova.
A lex aeterna é o plano da ordem universal das
coisas ao fim, é a lei universal promulgada nas coisas
mesmas por Deus criador. De tal lei não se pode haver
conhecimento direto, se não nos seus efeitos. A criatura
racional, mediante a razão, pode conhecer em algum
modo a lei eterna.
A lex naturalis é, exatamente, a participação da lei
eterna no ser humano.
As leges humanae são as leis positivas, dadas
pelos estados, que nunca deveriam contradizer a lei
natural.
A lex divina revelada se distingue em vetera, ou
seja, do Antigo Testamento, e nova, ou seja, a lei do
Evangelho, que em última análise é o próprio Espírito
Santo. As leis são mantidas juntas em um único “divino
projeto”; como sintetiza Vendemiati: Tudo há origem na lex
aeterna mas tudo tende à lex nova.21
A lei eterna, de fato, é o plano de Deus escrito na
própria natureza (entendida em sentido extensivo, como
conjunto ordenado dos entes materiais não artificiais) e na
natureza mesma (em sentido intensivo, enquanto
essência) das coisas:
20
ARISTOTELE, Metafisica, XII, 10, 1075a10 e ss.
A. VENDEMIATI, La legge naturale nella Summa Theologiae di S.
Tommaso d’Aquino, edizioni Dehoniane, Roma 1995, p. 81.
21
26 // Estudo de Temas Tomistas
Deus com a sua sapiência é criador de todas as coisas,
rumo às quais ele há uma relação semelhante àquela
entre o artesão e os seus manufaturados [...]. Portanto,
a razão da divina sapiência como há natureza de arte ou
de ideia exemplar, enquanto princípio criador de todas
as coisas; assim há natureza de lei enquanto move toda
coisa ao devido fim. Eis porque a lei eterna outra coisa
não é que a razão ou plano da divina sapiência, relativo
a toda ação e a todo movimento22.
Toda coisa natural segue a própria natureza, ou
seja, se move ao devido fim segundo uma ordem geral e
completiva, que deriva da mesma razão e vontade de
Deus criador. O conhecimento da ordem natural é
exatamente o conhecimento dos efeitos da Lei Eterna. A
Lei Natural, propriamente dita, se configura como
participação consciente a tal plano geral, participação
possível somente para os seres humanos, que têm
natureza racional.
O homem racionalmente conhece em si certas
inclinações ao fim, algumas de ordem vegetativa, que
necessariamente segue como todas as outras realidades
naturais, outras de ordem sensitiva, compartilhadas com
os animais, mas racionalmente domináveis; e outras de
ordem especificamente racional e espiritual. Do
conhecimento destas finalidades, o homem pode
compreender como deve comportar-se para atingir
aqueles bens que o podem render homem completo, isto
é, feliz.
Já Platão observava:
E não é talvez verdadeiro que ninguém voluntariamente
quer o mal ou aquilo que considera ser mal, e que isto,
a quanto parece, não está na natureza humana, ou seja,
o tender ao mal ao invés que ao bem, e ainda que,
quando nos encontramos na necessidade de dever
22
TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologiae, I—II, q. 93, a. 1. co.
Natureza... // 27
escolher entre dois males, ninguém escolherá o mal
maior, havendo a possibilidade de escolher o menor?23
Este tender ao Bem, próprio da natureza humana,
é o núcleo da noção de Lei Natural. Porque a expressão
Lei Natural sempre vem equivocada, hoje frequentemente
é completada na locução lei moral natural24.
A precisão é necessária sobretudo para distinguir a
lei moral natural das leis físicas naturais; trata-se de dois
âmbitos legislativos completamente diversos: a lei natural
se refere somente o homem, capaz de pensar e de querer,
as leis da natureza ou físicas se referem ao invés todo ente
(e, portanto, também o homem enquanto pertencem à
natureza).
Podemos, portanto, chamar de leis físicas naturais
ou leis de natureza aquelas recorrências reais que
acontecem nos fenômenos naturais, aquele explicar-se da
natureza das coisas que seguem o seu fim e explicitam o
próprio específico comportamento, feito de propriedades,
de tendências, de relações.
Também os seres humanos são submetidos às leis
de natureza, segundo a sua natureza de substâncias
animais racionais, mas enquanto racionais têm a
exclusividade de poder racionalmente conhecer e
livremente observar os preceitos da lei natural. Faz parte
da natureza do homem o seu ser profundamente inserido
na complexidade dos seres naturais, com uma
peculiaridade inassimilável a outros.
Sem dúvidas existem leis às quais respondem
todos os seres (o princípio de não contradição constitui a
lei que tem junto todo o Ser e todos os seres), mas cada
espécie possui suas próprias leis específicas: assim que
aquilo que é natural para um cão, não é de modo algum
natural para um homem, e vice-versa. As leis de natureza
23
PLATONE, Protagora, 358 C-D.
Così per esempio nella lettera enciclica di Giovanni Paolo II,
Veritatis Splendor, 6 agosto 1993.
24
28 // Estudo de Temas Tomistas
são comuns à natureza em sentido extensivo, mas
também distintas, segundo as respectivas naturezas em
sentido intensivo. A lei moral natural se refere
propriamente somente ao ser de natureza racional.
- IV “CIÊNCIA” NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO
Hoje, com “ciência” no singular se identifica, na
maioria das vezes, o campo das ciências particulares,
matemáticas e experimentais. Na verdade, as ciências
particulares não esgotam o campo das ciências. Elas não
são a “ciência”. Considerá-las como tais pode ser o indício
de um perigoso reducionismo.
A ciência (scientia, episteme) etimologicamente
significa aquilo que é próprio de quem sabe. Podemos
genericamente considerar a ciência como um “conjunto de
conhecimentos criticamente avaliados e sistematicamente
organizados”25, um saber distinguido pela “objetividade,
certeza argumentativa, rigor metódico, enriquecimento do
conhecimento”26.
Trata-se de um conceito análogo, isto é, que
engloba diversas modalidades, cada uma distinta por um
próprio, objetividade, método e argumentação, que
dependem do objeto estudado.
A diferenciação dos saberes, que a Filosofia foi
delineando a partir da especulação platônico-aristotélica, é
o quadro de referência onde inscrever a questão da ciência
e das ciências dentro da reflexão de Tomás de Aquino:
distinguem-se um saber teórico, isto é, especulativo, ou
seja, que tem como finalidade o conhecimento mesmo; um
saber prático, voltado à práxis, ao “agire”, portanto, a moral
e a política; e um saber poiético, produtivo, ou seja,
finalizado à produção de alguma coisa, como a arte.
25
F. RIVETTI BARBÒ, Dubbi, discorsi, verità, Jaca Book, Milano
1985, p. 15.
26 A. LIVI, Filosofia del senso comune. Logica della scienza & della
fede, Ares, Milano 1990, p. 157.
30 // Estudo de Temas Tomistas
A questão da “ciência” se refere intimamente aos
saberes teoréticos, especulativos que são três: a
Matemática, a Física e a Teologia.
Dentro de tal dimensão especulativa, a
diferenciação vem magistralmente fundamentada por
Tomás de Aquino, na Questão V do comentário ao De
Trinitate de Boécio.
A ciência pode existir somente porque podemos
prescindir da matéria (da singularidade) e do movimento
(da contingência); as ciências especulativas se dão
exatamente em relação à sua distância da matéria e do
movimento.
Como Tomás de Aquino argumenta no Art. 3 da
Questão V, na operação do intelecto, com que o intelecto
se adequa às realidades, se distingue uma tríplice
distinção: a Metafísica ou Teologia que se institui mediante
a capacidade do intelecto de compor e dividir, portanto, de
pensar sem matéria aquilo que realmente é separável ou
separado da matéria; a ciência matemática que se institui
em virtude de uma abstração capaz de prescindir da
matéria sensível; enfim, mais em “baixo”, porque mais
“próxima” à matéria e à contingência, existe a physica, ou
seja, a filosofia da natureza, que se institui graças à
capacidade de abstrair da matéria singular.
Particularmente importante é sublinhar que a
metafísica é uma ciência de objetos que são realmente
separáveis ou separados da matéria, isto é, que podem
existir ou existem, sem ela (sempre, como Deus e os anjos,
ou em alguns casos como, por exemplo, a substância e a
qualidade).
Configura-se também o particular estatuto da
Matemática, ciência que se institui sobre a possibilidade
de pensar sem matéria aquilo que de fato existe na
matéria, como a figura geométrica e o número. A
Matemática constitui-se, portanto, em um nível totalmente
diverso em relação àquele da Física. A Matemática e a
Física correspondem a diversos graus de abstração,
Ciência... // 31
enquanto os seus objetos mantêm uma diversa relação
com a matéria: os objetos da Física dependem da matéria
em “ser” e em “ser pensados”, aqueles da Matemática
dependem da matéria em “ser”, mas não em
“pensamento”.
A diversidade das disciplinas teoréticas é ligada
também à diversidade de método.
Nesta estrutura do saber não falta a consideração
dos saberes de confim, ou seja, das ciências intermédias
“que estão entre a Matemática e a Física”; dão-se de fato
três ordens de ciências que estudam entidades naturais e
matemáticas: puramente físicas; puramente matemáticas;
ciências médias que aplicam os princípios matemáticos às
realidades naturais, tais como a Música, e a Astronomia,
por exemplo.
Tomás de Aquino nota que estas disciplinas são
mais afins à Matemática, porque no seu estudo aquilo que
é físico funciona como matéria e aquilo que é matemático
funciona como forma.
No espaço aberto por esta mediação, coloca-se de
fato a questão das ciências modernas e contemporâneas
que, enquanto “físicas e matemáticas”, têm precisamente
este estatuto intermediário, porém, têm-no universalizado,
isto é, tornado extenso tanto quanto a physica27.
Tomás de Aquino tinha presente o erro de quem
punha a Matemática no lugar da Metafísica, e não da
Física, por isto sublinha os limites do saber matemático.
A questão das ciências modernas se põe, ao
contrário, no nível da Matemática sobreposta à física,
problema que Tomás não se punha enquanto tal, mas que
27
Cfr. L. CONGIUNTI, Dalla physica alla fisica. Galileo e i gradi di
astrazione, in “Umanesimo cristiano nel III millennio: la prospettiva di
Tommaso d’Aquino”, Atti del Congresso Internazionale, Pontificia
Accademia di San Tommaso, Città del Vaticano 2005, vol. II.
32 // Estudo de Temas Tomistas
legitimamente pode ser abordado também a partir da sua
reflexão28.
28
Sulla possibilità di leggere le scienze moderne e contemporanee,
grazie alla riflessione teoretica di Tommaso, cfr. per esempio, una
convincente disamina della nozione di astrazione nelle scienze
contemporanee, cfr. F. BERTELÈ, A. OLMI, A. SALUCCI, A. STRUMIA,
Scienza, analogia, astrazione. Tommaso d’Aquino e le scienze della
complessità, Il Poligrafo, Padova 1999.
-VARTE E BELEZA NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO
O termo “arte” é, hoje, particularmente equívoco; é
muito difícil circunscrever a arte, porque está ligada a
qualquer objeto e a qualquer sujeito, indistinta e
indiferentemente: a arte parece estar em naufrágio à
deriva do relativismo.
Também neste âmbito a clara e profunda reflexão
de Tomás pode auxiliar-nos. É preciso dizer que ele não
mostrou interesse particular pela dimensão estética e
artística, porém, dentro do complexo organismo do seu
pensamento, arte e beleza aparecem de um modo ou de
outro delineadas com profunda clareza.
Tomás de Aquino oferece uma definição real de Ars
– arte, segundo o gênero e a diferença: ars est recta ratio
factibilium29, ou seja, a arte é a correta razão das coisas a
serem feitas. Portanto, o gênero é a “recta ratio” – correta
razão, e a espécie vem diferenciada pela referência aos
“factibilia”, às coisas a serem feitas, a serem produzidas.
Em outros lugares a Arte vem definida “ordinatio
rationis”30 – ordenação da razão. A Arte é, assim, posta
entre as virtudes dianoéticas, isto é, entre as perfeições da
alma racional; entretanto, é estreitamente ligada ao
conhecimento e à fabricação de objetos; poderemos
exemplificar que Arte é um “saber fazer”.
Trata-se de uma definição ampla, que mantêm
juntas todas as modalidades de “saber fazer”: desde
construir mesas a escrever poesias, desde pintar a
cozinhar, desde que sejam bem feitos, com recta ratio –
correta razão. Dentro deste conceito tão vasto, facilmente
29
30
TOMMASO D’ AQUINO, S. Theol., I-II, q. 57, a. 3, ad 3um.
IDEM, I Anal., I, a.
34 // Estudo de Temas Tomistas
se põe uma distinção entre as artes caracterizadas
principalmente pela beleza e as artes caracterizadas
principalmente pela utilidade.
A arte é um produto do espírito, é um fazer racional,
seja ela arte liberal e/ou arte mecânica31. Escreve R. Papa:
Esta racionalidade consente ao artista imprimir uma
forma na matéria. A isto pode ser sinteticamente
reconduzida a ação criativa do artista: a um saber
informar, em certo modo, a matéria. Isto implica, a meu
ver, uma séria consideração da “premeditação” do fazer
artístico que não é nunca, e nunca deveria ser, uma
mistura com a matéria, sem projetualidade, sem
finalidade, sem cultura32.
A arte se confronta com o particular e com o
universal, como afirma o F. Olgiati:
Quando se consegue imitar a forma (o universal)
mediante a matéria (o particular) – e é bem este o
verdadeiro conceito da “mimesis” aristotélica – nós
temos a arte, cuja nota essencial consiste na claritas,
diferentemente do verdadeiro cuja natureza está na
evidência.33
Na Idade Média, as artes figurativas eram
excluídas do hall mais nobre, das artes liberais, e eram
definidas artes servis: Tomás de Aquino distingue as artes
mecânicas e as artes liberais; as primeiras “ordinantur ad
opera per corpus exercita” – ordenadas à obra exercida
pelo corpo; as segundas, “ordinantur ad opera rationis” –
31
Para um maior desenvolvimento destas questões: cf. R. PAPA, Lo
statuto epistemologico dell’arte. Riflessioni teoretiche in margine a
Leonardo, in “Euntes docete” (2001), I, pp. 159-173.
32 IDEM, Bellezza ed arte alla luce di san Tommaso, in L. CONGIUNTI-G.
PERILLO (a cura di), Studi sul pensiero di San Tommaso d’Aquino nel
XXX anniversario della SITA, LAS, Roma 2009.
33 F. OLGIATI, La “simplex apprehensio” e l’intuizione artistica, in “Rivista
di filosofia neoscolastica”, XXV (1933), 4, p. 529.
O Acaso... // 35
ordenadas à obra da razão; e as primeiras são “serviles” –
servis, “inquantum corpus serviliter subditur animae, et
homo secundum animam est liber” – enquanto corpo
servilmente submetido à alma, e o homem segundo a alma
é livre; e nelas se figuram a pintura e a escultura, conforme
à cultura medieval.
Tomás de Aquino, no entanto, acrescenta: “Nec
oportet si liberales sunt nobiliores, quod magis eis
conveniat ratio artis” – E se as artes liberais são mais
nobres, nem por isto lhes convém mais a razão de arte –
e – como já sublinhamos – “Ars nihil aliud est quam recta
ratio factibilium”34 – A arte outra coisa não é que a correta
razão das coisas a serem feitas.
Mesmo se as artes eram consideradas servis,
também o agir do artifex (artifex creatus) – artífice criador
– por analogia era usado para falar do Artifex divino. F.
Olgiati sublinha que este uso análogo do termo
testemunha como é redutivo traduzir o artifex medieval
exclusivamente com “artesão”, redução que também vem
costumeiramente usada para negar a consistência
teorética e a atualidade da estética medieval e tomasiana
em particular:
Não precisa admirar-se se para os nossos velhos não
existissem abismos entre o artesão e o artista. Artesão
tinha sido Jesus, o Mestre; e também a propósito de
Deus, podia-se e devia-se falar de ars no sentido geral
supra descrito: Eorum omnium – ensinava São Tomás –
quae a Deo in esse procedunt ratio propria in divino
intellectu est... Ratio autem rei fiendae in mente facientis
ars est; unde Philosophus dicit (Ethic., VI, c. 5) quod ars
est recta ratio factibilium. Est igitur proprie ars in Deo’.
Palavras, que eu gostaria que fossem meditadas,
quando se confunde ars com profissão! São Tomás
34
TOMMASO D’ AQUINO, S. Theol., I-II, q. 57, a. 3, ad 3um.
36 // Estudo de Temas Tomistas
nunca teria dito que Deus, propriamente falando,
exercita uma profissão!35
A Arte, enquanto atividade superior humana, não
ligada somente ao mundo sensível – os animais, de fato,
mesmo havendo um riquíssimo conhecimento sensível,
não produzem arte), é sempre em um certo modo
“abstrata”, ou seja, implica sempre uma abstração. Para
recorrer ainda às límpidas explicitações da filosofia
tomasiana operadas por F. Olgiati:
também para São Tomás o abstrato, enquanto abstrato,
não é arte, ou seja, a simplex apprehensio – simples
apreensão, enquanto simplex apprehensio, não é ainda
atividade estética; todavia a atividade estética não seria
possível se não existisse a ideia a ser exprimida.36
A peculiaridade da Arte, está no modo com que
exprime o universal, descendo na individualidade da obra:
na Arte vem expresso
o abstrato mediante o concreto, a forma mediante a
matéria, o universal mediante o individual, a simplex
apprehensio – simples apreensão – intelectiva mediante
a imagem sensível.37
Nesta operação, tão rica, na qual o homem, por
assim dizer, parte de uma realidade individual – a
F. OLGIATI, S. Tommaso e l’arte, in “Rivista di Filosofia Neoscolastica”,
XXVI (1934) 1, p.. 97. A citação de Tomás de Aquino é tirada da S.
Theol. I-II, q. 58, a. 5, ad 2um.
NOTA DO EDITOR: Além disso, como acima foi demonstrado (c. LIV),
ao intelecto divino não pode faltar o conceito próprio das coisas que
procedem de Deus quanto ao ser. Ora, na mente do autor, o conceito
das coisas a serem feitas chama-se arte, donde o Filósofo dizer que a
arte é a reta ideia do que será feito (VI Ética 4, 1140a; Cmt 3, 11531160). Logo, há propriamente arte em Deus. Daí afirmar a Escritura: O
artífice me ensinou todas as coisas (Sb 7,21).
36 F. OLGIATI, S. Tommaso e l’arte, cit ,.p. 528.
37 Ibidem, p. 529.
35
O Acaso... // 37
realidade conhecida – para depois voltar a uma outra
realidade individual por ele mesmo produzida, o homem
age segundo a imagem de Deus Criador.
Deus cria do nada, a criação é um puro ato perfeito
do seu perfeito conhecimento e vontade. O homem,
portanto, propriamente falando não cria, ao máximo
“recria”, enquanto o operar artístico humano parte sempre
das obras de Deus, do Criador. A “novidade” do operar
artístico é uma novidade parcial; somente Deus é um
“artista global”: a novidade das suas obras é, de fato, uma
real inovação ontológica.
A reflexão de Tomás consente de compreender a
realidade da Arte, inserindo-a nas complexas atividades
humanas e radicando-a, como toda realidade boa, em
Deus.
38 // Estudo de Temas Tomistas
- VI O “ACASO” NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO
É comum a todos, a experiência de acontecimentos
“casuais”. Frequentemente o “acaso” aparece também nas
explicações científicas como se fosse uma “causa”. O
argumento é muito importante e requer um
esclarecimento.
O termo latino “casus” é um nome abstrato
masculino derivado por sua vez de “casum (“kadtum”
antigo supino do verbo “cadere”), com o significado
primário de “queda”, seja no sentido literal, seja naquele
translado de “declínio”, “fim”, “destruição”. Esta relação
entre “cair” e “acaso” deverá ser considerada durante toda
a nossa reflexão.
O significado de acaso se estende a “evento”,
“acidente”, “eventual”, “imprevisto”, etc. também no Latim
clássico, como testemunham Cícero, Cornélio Nepote e
Virgílio.
O ablativo “casū” continua semanticamente nas
locuções conjuntivas ou adverbiais, como “a-caso”, “por
acaso”, “em caso de”. Do Latim e, mais decisivamente, nas
línguas modernas o “casus” significa principalmente
evento fortuito, imprevisto, acidental; causa misteriosa,
irracional.
Notemos que a imprevisibilidade é englobada na
ideia de “queda”, como ruptura da ordem das coisas,
ruptura das sequências previstas. Há, por isto, um “tom”
proeminente de significado negativo, ou ao menos
problemática, exatamente como o cair físico.
O “acaso” é, para Tomás de Aquino, a natureza que
opera sem intencionalidade ao fim; isto é, acontecem dos
eventos dependentes do encontro não-entendido, não
querido, fortuito, de causas eficientes e finais, nenhuma
40 // Estudo de Temas Tomistas
das quais, por si, teria produzido aquele efeito. Por
exemplo, o choque casual entre uma folha movida pelo
vento e o rosto de uma pessoa que vai em bicicleta: duas
trajetórias que se encontram.
Muito frequentemente, na nossa própria vida,
acontecem eventos não previstos, que reconhecemos
como casuais. Por exemplo, duas pessoas, por motivos
diversos se dirigem à Estação de trem: uma para viajar, a
outra por curiosidade de contar quantos sejam os trilhos, e
se encontram. Pois bem, este encontro, enquanto não
procurado, não causado, pode dizer-se casual.
Compreendamos bem que se trata de um evento casual e
nem mesmo nos surpreendemos que aconteça com
frequência. Sabemos bem que o entrelaçar-se das causas
e dos fins produz constantemente eventos não queridos,
não entendidos, não previstos.
Na natureza, o acaso se liga à contingência do
operar das coisas físicas; de fato, o operar e o agir natural
são falíveis, expostos ao erro, ao imprevisível; ainda a
natureza é extremamente complexa, e nenhum evento
acontece em modo isolado; tudo se encontra e se
entrelaça, de modo que todo evento produz não só o
próprio efeito, mas muitos outros não pretendidos, não
previstos, exatamente pelo interagir constante dos eventos
e das causas.
A casualidade é real, enquanto na ordem
contingente natural, alguns efeitos não vêm atingidos, por
fraqueza da causa, por indisposição da natureza, por
intervenção de outras causas.
Os eventos casuais podem ser “contra naturam,
praeter naturam, secundum naturam”, ou seja, contra a
natureza, indiferente ou segundo a natureza; em palavras
mais simples, podem ser positivos, neutros ou negativos.
Os eventos casuais, no entanto, nunca podem ir além da
possibilidade da natureza.
O acaso não constitui uma negação da ordem, de
fato o caso não existiria na desordem geral, porque é
O Acaso... // 41
exatamente um evento à margem da lei geral: o caso
remete à ordem. Nós reconhecemos aquilo que acontece
por acaso, exatamente porque aparece como diverso
daquilo que tem uma razão própria na ordem geral das
coisas.
O intelecto humano procura dominar o acaso, por
exemplo, com o cálculo das probabilidades, com as
estatísticas globais, que todavia consentem somente uma
aproximação muito geral aos eventos casuais. O
progresso dos saberes e das ciências conduz
normalmente a compreender quais causas se escondem
atrás daquilo que parece casual. Mas o acaso não aparece
eliminável da realidade da natureza e da vida das pessoas:
não conseguimos, nem logicamente poderemos nunca,
dominar todas as variáveis e prever todos os efeitos.
Antes, o progresso da Física, normalmente conduz
à consciência de quão pouco podemos prever e dominar o
curso da natureza. Os eventos casuais no mundo
microscópico e também macroscópico não se subtraem a
esta análise: certamente lá onde não se manifesta a
liberdade do homem aparecem mais fortes as opostas
tentações de pensar que tudo é acaso ou, vice-versa, que
tudo é necessidade. Só uma compreensão adequada da
noção de causa, anula esta alternativa e consente de
abraçar a realidade na sua complexidade, feita de
necessidade e de liberdade, de ordem e de contingência.
De fato, somente a compreensão que a ordem
natural é complexa e contingente, dinâmica e sempre
instável, finalizada e não mecânica, pois bem, somente tal
compreensão consente de admitir o acaso dentro da
natureza, sem renunciar à compreensão da sua
racionalidade.
Aparece logicamente implicado que somente para
uma inteligência fora do tempo e onisciente o acaso não
existe. Deus, de fato, conhece todo indivíduo, cada evento
singular e em cada aspecto. De modo que somente a nível
propriamente teológico, o acaso resulta radicalmente
42 // Estudo de Temas Tomistas
resolvido: o imprevisto não perde o seu grau de mistério,
mas adquire um significado dentro de um horizonte
providencial.
Escreve agudamente Tomás de Aquino na Summa
contra Gentiles: Divinae providentiae exigit quod sit casus
et fortuna in rebus38, ou seja, A Divina Providência exige
que exista o acaso e a sorte nas coisas.
Portanto, se o acaso é aquilo que vai além das
intenções do sujeito, então é exigido pela Divina
Providência. O acaso é, em certo sentido, garantia de uma
ordem contingente em que pode agir a liberdade dos
homens e na qual se exprime a Providência de Deus.
Em uma visão global de fé e razão, o acaso não se
anula, mas se torna compreensível, um pouco como se
compreende quanto os incidentes e as catástrofes façam
parte da beleza da terra.
Escreve ainda Tomás de Aquino na Summa
Theologiae:
Sendo, portanto, Deus o provedor universal de todo o
ser, pertence à sua providência o permitir alguns
defeitos em alguma coisa em particular, para que não
seja impedido o bem perfeito do Universo. Se de fato
fossem impedidos todos os males, muitos bens viriam a
faltar no Universo: como não existiria a vida do leão se
não existisse a morte de outros animais, nem existiria a
paciência dos mártires se não existisse a perseguição
dos tiranos.39
Analogamente, não seria igual a ordem natural sem
o acaso, que torna divertidos os jogos (os jogos confiados
somente à habilidade seriam cansativos) e que deixa
espaço ao imprevisto que nos interpela, que se dirige a nós
e nós estamos certos, por fé, que nada escapa ao
“Provedor” universal de todo o ser.
38
39
TOMMASO D’AQUINO, Summa contra Gentiles, libro 3, cap. 74, n. 6.
IDEM, Summa theologiae, I, q, 22,a, 2, ad2um.
- VII A SAGRADA DOUTRINA SEGUNDO
TOMÁS DE AQUINO
Na Questão I, da Parte I, da Summa Theologiae,
Tomás de Aquino se interroga se seja necessária uma
outra doutrina, além das disciplinas filosóficas, isto é,
conseguidas com a razão humana; ou seja, se seja
necessária uma doutrina que proceda da divina
Revelação.
A sua resposta é afirmativa e resulta bem motivada:
a Sagrada Doutrina é necessária em relação ao fim do
homem, que é a salvação; e é necessária em relação aos
limites do conhecimento racionalmente conseguível, pelo
qual resulta necessária a Revelação também referente
àquelas verdades sobre Deus que a razão pode atingir,
mas da parte de poucos, com longo tempo e com muitos
erros:
Era necessário para a salvação do homem que, além
das disciplinas filosóficas, objeto de indagação racional,
existisse uma outra doutrina procedente da Divina
Revelação. Antes de tudo porque o homem é ordenado
a Deus como a um fim que supera as capacidades da
razão, segundo o dito de Isaías [64, 3]. “Olho não viu,
exceto tu, o Deus, que coisa preparastes para aqueles
que te amam”. Ora, é necessário que os homens
conheçam precedentemente este seu fim, para que lhe
direcionem as suas intenções e suas ações. E assim,
para a salvação do homem, foi necessário que mediante
a Divina Revelação lhe fossem reveladas coisas
superiores à razão humana. Antes, mesmo sobre aquilo
que sobre Deus o homem pode indagar com a razão foi
necessário que fosse admoestado pela Revelação
Divina, porque um conhecimento racional de Deus não
teria sido acessível se não a poucos, depois de longo
44 // Estudo de Temas Tomistas
tempo e não sem erros; e, no entanto, sobre o
conhecimento de tais verdades depende a salvação do
homem, que é posta em Deus. Portanto, para prover à
salvação dos homens em modo mais conveniente e
mais certo, foi necessário que sobre as realidades
divinas eles fossem instruídos por Divina Revelação.
Daqui a necessidade, além das disciplinas filosóficas,
objeto da investigação racional, de uma doutrina
conseguida por Divina Revelação.40
Muito interessante é também a motivação
metodológica, que põe a distinção, mas também a relação
entre o plano racional e aquele ulterior da Revelação:
A diversidade de princípios ou de pontos de vista causa
a diversidade das ciências. Uma mesma conclusão
científica pode ser demonstrada, de fato, seja por um
astrônomo que por um físico: por exemplo, a
circularidade da terra; mas o astrônomo parte de
critérios matemáticos, isto é, faz abstração das
qualidades da matéria, enquanto o físico a demonstra
tendo conta da concretude da matéria. Portanto, nada
impede que dos objetos tratados pela filosofia com a luz
da razão natural trate também uma outra ciência que
proceda à luz da Revelação. E assim a teologia que faz
parte da doutrina sagrada difere, segundo o gênero, da
teologia que faz parte das disciplinas filosóficas.41
Tomás de Aquino afirma que uma mesma
conclusão pode ser demonstrada, com diversos método e
motivação, por diversas ciências; por exemplo, pelo
astrônomo por meio de argumentações matemáticas (a
astronomia é ciência média, materialmente física e
formalmente matemática) e pelo filósofo natural por meio
de considerações ligadas à matéria física. Mas nada
impede que destas coisas, cognoscíveis por meio do lume
40
41
S. Tommaso d’Aquino, S. Theol., I, q. 1, a. 1, resp.
Ibidem, ad 2 um
A Verdade... // 45
da razão natural, uma outra ciência possa tratar mediante
o lume da Divina Revelação.
Sublinha-se que diversa é a teologia que pertence
à Sagrada Doutrina e que haure, portanto, à luz da divina
Revelação e procede da razão e da fé; e diversa é a
teologia que é parte da Filosofia. Trata-se de uma
diferença de gênero, que não implica diversidade de
objeto: de fato, não se dá – nem poderia dar-se –
contradição entre a teologia revelada e a teologia natural.
Algumas ciências do homem, procedem dos
princípios conhecidos à luz do intelecto natural, como a
aritmética e a geometria. Outras, ao invés, procedem de
princípios tornados conhecidos pela aritmética. A Sagrada
Doutrina é uma ciência que procede dos princípios
conhecidos à luz de ciências superiores, que são a ciência
de Deus e dos benditos:
A Doutrina Sagrada é uma ciência. Precisa porém, saber
que existe um duplo gênero de ciências. Algumas, de
fato, procedem de princípios conhecidos através do
lume natural do intelecto, como a aritmética e a
geometria, outras, ao invés, procedem de princípios
conhecidos à luz de uma ciência superior: por exemplo,
a perspectiva se embasa sobre princípios de geometria
e a música sobre princípios de aritmética. E deste modo
a Doutrina Sagrada é uma ciência: enquanto se apoia
sobre princípios conhecidos à luz de uma ciência
superior, isto é, da ciência de Deus e dos benditos.
Como, portanto, a música admite os princípios que lhe
fornece a matemática, assim a Doutrina Sagrada aceita
os princípios revelados por Deus. 42
Portanto, também a Sagrada Doutrina é ciência, e
é ciência subalterna como a música e a perspectiva; a
peculiaridade é que a Sagrada Doutrina é subalterna de
uma ciência não humana, isto é, da ciência de Deus e dos
benditos.
42
Ibidem, q. 1, a. 2, resp.
46 // Estudo de Temas Tomistas
Tudo isto resulta em um magnífico edifício do
saber, onde as ciências do homem podem encontrar a luz
da ciência de Deus. A Sagrada Doutrina, aquela que hoje
chamamos teologia revelada ou teologia tout court, é o
horizonte em que fides et ratio encontram íntima conexão:
trata-se de um saber científico que epistemologicamente
requer a fé na Revelação, porque vive de princípios que
haure na ciência de Deus e dos benditos.
Esta fundamental diferença – que não é barreira de
separação, mas fronteira de comunicação, não é muro,
mas ponte – implica um tipo de percurso
metodologicamente inverso43: as criaturas – as mesmas
criaturas – que à luz da razão natural são consideradas por
primeiras e que podem conduzir a Deus, ao invés, são
consideradas a partir de Deus no saber revelado.
Entre as ciências que se ocupam “primeiro” da
criatura, poderíamos colocar em destaque também as
ciências particulares experimentais-matemáticas, também
estas ciências humanas, porque são saberes do homem e
sobretudo porque, corretamente entendidas e justamente
colocadas, podem contribuir à cultivatio animi, que é a
verdadeira essência da cultura humanista.
A justa colocação de cada ciência no grande
edifício hierárquico das ciências (humanas, dos benditos,
de Deus) consente de evitar invasões e equívocos, fruto
de uma incorreta impostação metodológica.
43
IDEM, C. Gent., lib. II, cap. IV.
- VIII A VERDADE EM TOMÁS DE AQUINO
Sabemos bem como um dos grandes males do
mundo contemporâneo seja constituído pelo relativismo.
Uma explicação muito clara do que seja o “relativismo” foi
dada pelo então cardeal Joseph Ratzinger na homilia da
Missa Pro Eligendo Romano Pontifice, do dia 18 de abril
de 2005, na qual o definiu como “o deixar-se levar ‘cá e lá
por qualquer vento de doutrina’” e nos mostra o violento
perigo: “Vai se constituindo uma ditadura do relativismo
que não reconhece nada como definitivo e que deixa como
última medida somente o próprio eu e as suas vontades”.
Várias vezes no curso do seu magistério, Bento XVI
insistiu sobre estes aspectos. Por exemplo, no Discurso
sobre “Fé, razão e universidade”, pronunciado na
Università de Regensburg, em 12 de setembro de 2006, o
Papa descreve a situação do mundo relativista:
O sujeito decide, em base às suas experiências, o que
lhe parece religiosamente sustentável, e a “consciência”
subjetiva se torna definitivamente a única instância ética.
Deste modo, porém, o éthos e a religião perdem a sua
força de criar uma comunidade e caem no âmbito da
discrição pessoal.
E ainda, por exemplo, na Encíclica Caritas in
veritate, 29 junho de 2009, Bento XVI mostra os perigos
ínsitos em uma visão relativista do homem; em modo
particular na delicada questão da educação:
Com o termo ‘educação’ não se refere somente à
instrução ou à formação ao trabalho, ambas são causas
importantes de desenvolvimento, mas à formação
completa da pessoa. A este propósito vai sublinhado um
aspecto problemático: para educar precisa saber quem
48 // Estudo de Temas Tomistas
é a pessoa humana, conhecer a sua natureza. O afirmarse de uma visão relativista de tal natureza põe sérios
problemas à educação, sobretudo à educação moral,
prejudicando a sua extensão a nível universal. Cedendo
a semelhante relativismo, todos se tornam mais pobres,
com consequências negativas também sobre a eficácia
da ajuda às populações mais necessitadas, as quais não
tem somente necessidade de meios econômicos ou
técnicos, mas também de caminhos e de meios
pedagógicos que auxiliem as pessoas na sua plena
realização humana (n. 61).
O verdadeiro problema é a questão da “verdade”,
que envolve a razão e a fé. Na Encíclica Fides et Ratio, 14
de setembro de 1998, João Paulo II escreveu:
A fé e a razão são como as duas asas com as quais o
espírito humano se eleva rumo à contemplação da
verdade. E Deus ao haver posto no coração do homem
o desejo de conhecer a verdade e, definitivamente, de
conhecê-lo porque, conhecendo-o e amando-o, possa
chegar também à plena verdade sobre si mesmo.
Tomás de Aquino, na mesma encíclica, vem
proposto como modelo pelo “grande mérito de pôr em
primeiro plano a harmonia que intercorre entre a razão e a
fé”. (n. 43)
Como recorda ainda a Fides et Ratio:
Intimamente convencido que ‘omne verum a quocumque
dicatur a Spiritu Sancto est’ – toda verdade dita vem do
Espírito Santo, São Tomás amou em maneira
desinteressada a verdade. Ele a buscou por toda parte
ela se pudesse manifestar, evidenciando ao máximo a
sua universalidade. (n. 44)
Mas o que é a verdade para Tomás de Aquino?
Queremos nos limitar à análise de uma passagem bem
precisa da sua reflexão, ou seja, a primeira Questão
A Verdade... // 49
Disputada De veritate, na qual no corpus do Artigo I, a
verdade vem definida “adaequatio rei et intellectus” –
adequação da coisa e o intelecto. Antes de tudo notemos
que se trata de uma relação dinâmica de conformidade (na
adequatio aparece a finalidade desta ad-aequatio) entre o
intelecto e a coisa.
No corpus do Artigo II, Tomás precisa que ocorre
distinguir entre “intelecto divino” e “intelecto humano” (no
qual se distinguem os intelectos especulativo e prático).
O homem não faz as coisas (exceto aquelas
artificiais, que obtém por transformação); para o homem
conhecer a verdade significa esforçar-se de compreender
como são as coisas, adequar-se à verdade das coisas.
Deus, ao invés, cria a realidade; o seu pensamento é
criativo, portanto, as coisas são como Deus as pensa.
Existe uma verdade ontológica da realidade, enquanto
criada por Deus. Isto quer dizer que não se pode manipular
a “bel prazer” a verdade. Podemos até “afirmar” que a água
fervente não é fervente, mas sempre fervente ela será;
assim como podemos também afirmar que o homem é
somente matéria, mas ele permanecerá aquilo que
ontologicamente é, síntese de alma e de corpo; ainda,
pode-se afirmar que matar uma pessoa humana seja um
bem, mas isto permanece sendo um mal.
Como escreve limpidamente Tomás de Aquino, no
mesmo Artigo II, o intelecto divino é “mensurante” não é
mensurado, ou seja, é a medida do verdadeiro, do bom, do
belo e não é submetido a nenhum vínculo: as coisas
naturais são mensuradas enquanto respondem à
racionalidade de Deus, têm uma identidade ontológica
dada (o ouro é ouro e não prata, a água é água e não fogo,
o homem é homem e não fera); mas elas são também
“mensurantes”, isto é, elas são o termo do conhecimento
humano, impõem-se ao pensamento que quer conhecer a
verdade. Enfim o intelecto humano não é “mensurante”,
mas mensurado, ou seja, não é medida das coisas, mas é
50 // Estudo de Temas Tomistas
medido pelas coisas: se quisermos conhecer a realidade,
devemos nos esforçar de reconhecê-la assim como ela é.
- IX A ALMA PARA TOMÁS DE AQUINO
A pessoa humana é uma realidade muito
complexa: física e espiritual. Às vezes, pensa-se o homem
em termos dualistas, como se fosse composto de duas
substâncias separadas, o corpo e a alma, caindo-se
frequentemente em concepções reducionistas, ou de tipo
materialista – considerando que no homem tudo é
reduzível a elementos físicos; ou então espiritualistas,
pensando o homem como se fosse um puro espírito. Ao
invés, a pessoa humana é fortemente unitária; é uma única
substância psicofísica, dotada de uma complexa vida
vegetativa, sensitiva e racional.
Para compreender bem a profunda unidade da
alma e do corpo; e ao mesmo tempo para garantir tanto a
dignidade do corpo quanto a espiritualidade da alma, é
fundamental fazer referência à reflexão de Tomás de
Aquino.
Tomás sabe dar razão profunda do ser humano,
explicando-o em toda a sua complexa riqueza. Ele se vale
da filosofia aristotélica, mas a enriquece de uma reflexão
mais profunda, tornada mais forte pela luz da Fé.
Tomás retoma de Aristóteles a concepção da alma
como forma do corpo. Toda substância corpórea vem
explicada, na perspectiva de Aristóteles, nos termos de
uma composição unitária de dois princípios, um de
atualidade, que confere identidade, e um de
potencialidade, que possibilita de mudança. Ele chamou o
princípio de atualidade “morphe”, ou seja, forma
substancial, e o princípio de mudança, “yle”, ou seja,
matéria.
Todas as substâncias corpóreas têm uma
identidade estável mesmo mudando; têm uma
individualidade i-repetível e, ao mesmo tempo, pertencem
52 // Estudo de Temas Tomistas
a uma espécie, em virtude de tal composição. Sem a forma
substancial, a matéria seria pura possibilidade, ao invés, a
forma dá ato à matéria, realiza-a como corpo.
O ato em sentido filosófico é uma perfeição atuada
e adquirida estavelmente. Na substância, o ato primeiro é
exatamente a forma substancial, o ato que dá identidade a
toda a substância; nos viventes o ato primeiro da
substância corpórea é a alma.
A forma substancial não pode ser identificada com
um princípio material de informação (como o DNA, por
exemplo) mas é aquele princípio que explica todas as
possíveis informações que rendem a matéria uma coisa e
não outra.
Pois bem, tal composição “ilê-mórfica” que
distingue todos os corpos, há nos viventes uma relevância
especial. De fato nos viventes, a forma substancial, ou
seja, o princípio unificador e atuante, é sempre um
princípio de vida, ou seja, uma alma.
Os corpos viventes são animados, ou seja, têm
uma forma substancial capaz dos atos típicos da vida: dos
atos mais simples próprios de todos os viventes (como
gerar, nutrir-se, crescer), aos atos mais complexos
próprios dos animais (como sentir, ter instintos) até aos
riquíssimos atos próprios somente do animal racional, ou
seja, do homem (pensar e livremente querer).
Seguindo a impostação de Aristóteles, Tomás de
Aquino afirma que a alma vegetativa é a forma substancial
dos vegetais e atua as funções vegetativas (nutrição,
crescimento e reprodução), a alma sensitiva é a forma
substancial dos animais e atua as funções vegetativas e
aquelas sensitivas (reprodução sexuada, conhecimento
sensitivo, instinto).
A alma racional é a forma substancial dos seres
humanos e atua as funções vegetativas, aquelas
sensitivas e racionais (conhecimento racional e intelectual;
livre vontade, espiritualidade, etc.).
A Alma... // 53
Ocorre sublinhar, junto com Tomás de Aquino, que
toda substância individual há uma só forma substancial,
porque seria contraditório um indivíduo com mais formas
substanciais: pertenceria, simultaneamente, a mais
espécies e não teria nenhuma individualidade, mas seria
“composto”; seria si mesmo e outra coisa.
Em virtude de uma e única forma substancial,
pode-se sustentar que quando um homem é reduzido à
vida vegetativa é ainda um homem vivente e não é um
vegetal, porque nos seres humanos as funções
vegetativas são atuadas pela única alma racional.
Na natureza encontramos somente substâncias
“hilemórficas”, isto é, compostas de matéria e forma, mas
não se exclui que existam substâncias sem matéria, como
os Anjos (aos quais Tomás dedica belíssimas reflexões).
Entre as substâncias “hilemórficas”, isto é,
compostas de matéria e forma, a pessoa humana possui
um valor peculiar, não é imersa na matéria como as outras
coisas, a sua vida não é exclusivamente material e não
termina como todas as coisas materiais.
Já Aristóteles havia levantado a hipótese da
separação da alma racional, mas Tomás pensa mais a
fundo a questão, conseguindo a explicar, com um
verdadeiro golpe de gênio, a peculiaridade do ser humano
que é ser psíquico-físico e espiritual.
De fato, ele afirma que a alma é a forma substancial
do corpo, mas é também substância, isto é, há uma
capacidade de subsistir, não depende do corpo para ser.
Isto se pode argumentar, partindo da experiência
interna dos atos próprios de uma alma racional, isto é, nós
podemos nos render conta da possibilidade de pôr atos em
si imateriais, como pensar e tudo aquilo que dele resulta.
Escreve Tomás de Aquino:
É necessário que a alma intelectiva aja por conta
própria, havendo uma operação própria sem a ajuda de
um órgão corpóreo. E porque cada um age enquanto em
54 // Estudo de Temas Tomistas
ato, ocorre que a alma intelectiva tenha o ser por si não
dependente do corpo.
Da imaterialidade da alma, da sua espiritualidade,
do seu poder pôr atos que não implicam necessariamente
um órgão corpóreo, compreendemos a possibilidade que
a alma humana subsista também depois da morte do
corpo, enquanto o seu ser não depende do corpo. Esta é
a particularidade da alma humana em relação a todas as
outras formas substanciais: a alma humana é forma
substancial.
A imortalidade da alma vem, neste modo, explicada
com argumentações racionais; a esta verdade atingida
racionalmente se acrescenta a Fé na Ressurreição da
carne, verdade inatingível pela razão pura: em modo
misterioso a unidade da pessoa será recomposta; escreve
Tomás:
a alma não permanecerá sempre dividida do corpo. Ela
é imortal e por isto, um dia, deverá religar-se ao seu
corpo. Isto não é outra coisa que a ressurreição.
-XO CORPO SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO
A concepção do corpo proposta por Tomás de
Aquino responde com coerência às dificuldades teológicas
presentes no seu tempo, ou seja, a certa tendência
platonizante que via a verdadeira essência do homem
somente na alma, no corpo via uma condição degradada
de prisão; e também a certa tendência a conceber a união
de alma e corpo como sendo acidental.
Estas concepções eram sustentadas, também com
certo equilíbrio, por muitos teólogos contemporâneos de
Tomás, mas frequentemente
degeneravam
em
concepções totalmente desequilibradas, nas quais o corpo
e toda a atividade corporal eram consideradas como
negativas, malignas, que deviam ser reprimidas. Por
exemplo, a heresia cátara (cátaro significa “puro”) buscava
na vida uma impossível pureza angelical, condenando até
mesmo o Matrimônio.
Tomás de Aquino responde com grande coerência
não só às degenerações heréticas, mas também às
impostações teológicas espirituais, inspirando-se na
filosofia de Aristóteles, mas renovando-a profundamente e
vivificando-a com a visão superior da Revelação.
A concepção tomasiana do homem, fortemente
unitária, baseia-se em uma sólida reflexão racional e sobre
uma profunda meditação cristã. Enquanto solidamente
fundada, tal concepção é capaz de responder também às
dificuldades atuais; na nossa contemporaneidade, de um
lado se respira excessivo espiritualismo, de outro lado se
respira temerário materialismo; e em geral se é incapaz de
conceber a profunda unidade de alma e corpo e,
consequentemente, a profunda dignidade do corpo.
Recordemos, de fato, que a relevância moral da
56 // Estudo de Temas Tomistas
corporeidade
é
diretamente
proporcional
ao
reconhecimento da sua importância.
Desde o seu opúsculo juvenil De ente et essentia,
Tomás de Aquino toma logo uma decisiva posição. A
essência do homem está na composição de alma e corpo.
O homem é alma e corpo. Certamente a alma, enquanto
forma substancial, enquanto ato primeiro do corpo,
enquanto racional e espiritual, possui prevalência
ontológica e valorativa sobre o corpo, mas o corpo é parte
substancial e essencial da pessoa humana.
A alma sozinha não pode ser dita “pessoa” (Summa
Theologiae, I, q. 29, aq. 1, ad 5). O ser humano é proposto
como exemplo de substância composta: não se pode dizer
que o corpo sozinho seja a sua essência e nem mesmo
que a alma sozinha o seja.
O que é, portanto, o corpo? O corpo é uma
realidade unitária, um composto material tornado “uno”
pelo ato da alma, que o faz corpo vivo e sensível, animado.
Tomás de Aquino escreve: “enquanto forma espiritual, a
alma dispõe de um próprio ato de ser, e enquanto forma
do corpo, comunica o seu ato de ser” (Contra Gentiles, II,
q. 68).
A união de alma e corpo é natural, não é contra a
natureza da alma, antes “é natural à alma ser unida ao
corpo humano” (De an., a. 8). A pessoa humana, como
composição de alma e corpo, é extremamente
harmoniosa: “a disposição do corpo ao qual é unida a alma
racional deve ser um complexo muito harmonioso” (De an.,
art. 8).
O corpo é uma realidade unitária; as várias partes
e as várias atividades funcionam juntas e com
coordenação porque o corpo é animado por uma só alma,
que dá vida, estrutura, movimento, atividade. A unidade do
corpo exclui que ele seja um agregado de partes, antes, as
partes não têm significado se separadas do corpo. Uma
mão é uma mão verdadeira somente se está unida ao
corpo, diversamente, é um pedaço de carne incapaz de
O Corpo... // 57
agir, destinado a corromper-se, e não pode nem mesmo
ser dita “mão”.
Recordemos que a imagem da unidade do
organismo, enquanto unidade complexa animada por uma
única vida, é frequente e importante – por exemplo, na
teologia paulina. O corpo não é, portanto, intrinsecamente
negativo, nem está em oposição ou em contraste à alma.
Escreve, de fato, com muita clareza Tomás de Aquino: “Se
o corpo pesa a alma, isto não acontece em força da sua
natureza, mas porque se corrompe” (De pot., q. 3, a. 10,
ad 7).
A importância da unidade de alma e corpo resulta
confirmada e exaltada pela Revelação do mistério da
Ressurreição dos corpos. Trata-se de um mistério
inatingível para a razão humana, e todavia responde a
uma expectativa da razão.
Escreve Tomás de Aquino:
Vimos que as almas dos corpos são imortais; portanto,
permanecem separadas dos corpos depois da morte.
Mas sabemos também que a alma tem a tendência
natural a ficar com o corpo, porque é forma do corpo; por
isto, o estar separada dele é contrário à sua natureza.
Ora, nada que é contrário à natureza pode durar em
perpétuo; portanto, a alma não permanecerá para
sempre dividida do corpo. Ela, de fato, é imortal, e por
esta prerrogativa deverá um dia reunir-se ao seu corpo
(Contra Gentiles, IV, q. 79).
58 // Estudo de Temas Tomistas
- XI OS ANJOS NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO
Faz parte de nossa fé crer na existência dos anjos.
A Sagrada Escritura propõe as criaturas celestes que se
colocam como mensageiros entre Deus e os homens.
Sobretudo, nos Evangelhos os anjos têm um papel bem
definido. O grande anúncio da Encarnação do Verbo é
levado a Maria por um Anjo.
Hoje, assistimos a duas atitudes opostas: de um
lado, uma cética desconfiança em relação à existência real
dos anjos; como se os anjos fossem figuras inventadas,
adequadas à psicologia das crianças. De outro lado
oposto, existem tendências esotéricas que pretendem de
saber tantas coisas sobre os anjos, os seus nomes, a sua
identidade particular, etc.
Os anjos existem verdadeiramente, não é uma
fábula para crianças, mas dos anjos sabemos pouco: a
Sagrada Escritura nos diz sobriamente somente aquilo que
precisamos saber sobre eles, e a reflexão racional muito
rica sobre as criaturas espirituais ajuda-nos a
compreender, sem exagerações místicas.
Tomás de Aquino oferece uma reflexão muito
profunda sobre os anjos, que pode ser útil para combater
o ceticismo racionalista, mas também o esoterismo
irracional. Os anjos são criaturas, portanto, são seres
existentes, dependem de Deus para ser. Eles são
substâncias espirituais, portanto, não têm os limites da
matéria. São substâncias que “subsistem” na sua plena
identidade em uma condição puramente espiritual. A
essência de tais substâncias angélicas é somente forma
substancial: poderemos defini-los substâncias intelectuais.
A espiritualidade total dos anjos implica algumas
coisas: os anjos não têm corpo, portanto, não estão
60 // Estudo de Temas Tomistas
ligados às funções do corpo; não têm conhecimentos
sensitivos, não têm instintos. Não são masculinos ou
femininos. A sua individualidade não procede da
corporeidade. Não existem tantos indivíduos anjos da
mesma espécie, mas é como se cada anjo fosse uma
espécie em si mesma.
A espiritualidade deles é mais ou menos perfeita
em dependência da sua proximidade ao Criador. Tanto
mais estão próximos a Deus, quanto mais são perfeitos. A
perfeição dos anjos, porém, nunca é total; nunca coincide
com a perfeição divina: eles são criaturas. Portanto, têm
certos limites, certas carências; não se fizeram por si
mesmos, mas receberam o seu “ser” de Deus.
Tomás de Aquino escreve com muita clareza:
O ser deles não é, portanto, absoluto, mas recebido, e
por isto limitado e finito segundo a capacidade da
natureza receptora; mas a sua natureza ou “quididade”
é absoluta, não recebida em alguma matéria. Portanto,
diz-se no livro Sobre as causas que as inteligências são
infinitas em baixo, e finitas em alto: de fato são finitas em
relação ao ser que recebem daquilo que é superior; mas
não são finitas em baixo, porque as suas formas não
vêm limitadas segundo a capacidade de alguma matéria
em grau de recebê-las. (De ente et essentia, n. 5)
Enquanto tais, os anjos não são eternos. Eles têm
um início no tempo. Não é necessário que tenham um fim,
enquanto não sendo compostos de alma e corpo não
incorrem na decomposição, mas poderiam ser aniquilados
por Deus. A sua duração é, porém, igual à perfeita
eternidade de Deus, exatamente porque não são perfeitos.
A maior ou menor perfeição dos anjos, a sua proximidade
a Deus, explica as diversas hierarquias. A distinção
hierárquica se baseia sobretudo no grau da sua elevação
sobrenatural e na sua visão beatífica, doada a eles por
Deus.
Os Anjos... // 61
Recordemos, enfim, que os anjos são pessoas.
Não pessoas compostas de alma e corpo, como as
pessoas humanas, mas pessoas puramente espirituais,
intelectuais, todavia, subsistentes na sua personalidade.
62 // Estudo de Temas Tomistas
- XII A AMIZADE SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO
A amizade constitui uma das relações humanas
mais importantes. A filosofia sempre dedicou muita
atenção à análise desta relação afetiva. Por exemplo,
Aristóteles na Ética a Nicômaco dedica muito espaço à
amizade, afirmando, no livro VIII, que ninguém poderia
querer viver sem amigos.
Particularmente importante é a distinção dos tipos
de amizade em base aos motivos: a amizade pode ser
motivada pelo útil, pelo prazer e pelo bem.
Os primeiros dois tipos de amizade duram pouco,
enquanto não apenas decai a utilidade ou cessa o prazer
elas terminam. Ao invés, somente a amizade fundada
sobre o bem recíproco é verdadeira e duradoura, enquanto
“experimentam este sentimento por aquilo que os amigos
são por si mesmos, e não acidentalmente” (Ética a
Nicômaco, VIII, 1156 b 10-15).
Tomás de Aquino também dedica profundas
análises à amizade, iluminando a reflexão filosófica com a
superior perspectiva da Sagrada Doutrina. Neste contexto,
é importante o confronto com a caridade que, em modo
particular, ele propõe na Questão 23, da Parte II-II, da sua
Summa Theologiae, no Artigo 1, onde se pergunta se a
caridade seja uma “amizade”. No Respondo, Tomás parte
exatamente da reflexão aristotélica:
Como ensina o Filósofo, não um amor qualquer, mas
somente aquele acompanhado da benevolência há
natureza de amizade: isto é, quando amamos alguém
em modo a desejar-lhe o bem.
Tomás esclarece que bem diversa é a situação do
amor de concupiscência para com as coisas; antes,
64 // Estudo de Temas Tomistas
esclarece que é “ridículo dizer que alguém há amizade
pelo vinho ou pelo cavalo”.
Ainda especifica que o amor requer uma
reciprocidade: “requer-se o amor recíproco: porque um
amigo é amigo para o amigo”. Porque existe uma mútua
benevolência é necessária uma comunhão entre os
amigos, e certa comunhão existe entre Deus e o homem
porque Deus “nos rende partícipes da sua beatitude”,
assim como afirma São Paulo: “Fiel é Deus, por obra do
qual fostes chamados à comunhão do Filho seu”. Sobre
esta base, Tomás reconhece que a caridade “é uma
amizade do homem para com Deus”44.
Esta importante afirmação, em que a Revelação
ilumina e realiza a reflexão filosófica, implica profundos
esclarecimentos. De fato, à primeira objeção, relativa
exatamente à comunhão, Tomás responde distinguindo
dois gêneros de vida humana: uma fundada sobre a
natureza sensível e material, a outra, ao contrário,
espiritual, fundada sobre a alma. Pois bem, a comunhão e
o consórcio com Deus são consórcio de vida espiritual,
comum, que nesta vida é imperfeita, mas que se
aperfeiçoará na pátria celeste:
esta convivência se aperfeiçoará na pátria, quando,
segundo a expressão do Apocalipse, ‘os seus servos
servirão Deus e verão a sua face’. Por isto, aqui temos
uma caridade imperfeita, que se tornará perfeita na
pátria.45
Na resposta à segunda objeção, Tomás especifica
que o amor pode acontecer também por causa de outra
pessoa, como quando amando um amigo se ama também
todos aqueles que estão a ele unidos,
44
45
TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, II-II, q. 23, a. 1, resp.
Ibidem, II-II, q. 23, a. 1, ad 1um.
A Amizade... // 65
e o amor pode ser tão grande a abraçar pelo amigo
aqueles que lhe pertencem, mesmo se nos ofendem e
nos odeiam. E é assim que a amizade da caridade se
estende também aos inimigos, os quais são amados por
nós por caridade em ordem a Deus, que é o objeto
principal desta amizade.46
A caridade, portanto, é amizade, antes, é a
verdadeira e mais alta amizade; e é a única amizade
verdadeiramente necessária, o fim último do homem.
Escreve a propósito Tomás de Aquino:
É essencial para a beatitude, ou felicidade, a perfeição
da caridade, enquanto amor para com Deus, mas não
enquanto amor para com o próximo. Pelo qual se
existisse uma só alma admitida a gozar Deus, seria
beata, mesmo não havendo o próximo para amar. Mas,
suposto o próximo, o amor para com ele surge do
perfeito amor para com Deus. Onde a amizade é quase
um elemento concomitante da perfeita felicidade ou
beatitude.47
O filósofo italiano Umberto Galeazzi, grande
conhecedor do pensamento de Tomás de Aquino, assim
comenta:
Somente a amizade com Deus, bem não faltante e livre
mesmo do limite temporal, que, por isto, nunca deixa de
ser e nem desilude jamais, pode satisfazer o desejo
profundo do coração do homem, cuja dimensão racional
(com a vontade, que é apetite racional), aberta e
propensa rumo ao infinito, é insatisfeita pela realidade
finita. Deus é a única resposta verdadeira à exigência
humana não só de perfeição e de plenitude, mas
também de realização da obrigação moral com o
46
47
Ibidem, II-II, q. 23, a. 1,ad 2um.
Ibidem, II-II, q. 4, a. 8, ad 3um.
66 // Estudo de Temas Tomistas
reconhecimento e a adesão ao bem, e é uma resposta
superabundante, inexaurível, além de toda espera48.
U. GALEAZZI, Il coraggio della ragione, Tommaso d’Aquino e
l’odierno dibattito filosofico, Armando, Roma 2012, p. 95.
48
- XIII “COMEÇAR DO PRINCÍPIO” SEGUNDO
TOMÁS DE AQUINO
Nos anos de 1252-1256, quando tinha menos de
trinta anos (tendo nascido em 1224 ou 1225), Tomás de
Aquino escreve um opúsculo tradicionalmente recordado
como De ente et essentia.
Tomás o oferece aos confrades e companheiros do
convento dominicano de Saint Jacques (Paris) como
subsídio de estudo, como esclarecimento de termos;
durante a sua vida, espesso escreverá textos que são
verdadeiras obras de caridade intelectual.
O opúsculo é uma obra prima, e desde o início se
apresenta precioso por indicações de método: como
precisa organizar o caminho do pensamento?
Os primeiros parágrafos do opúsculo constituem,
de fato, um prólogo programático. Começa com os
“Porque um pequeno erro no início, grande é no final, como
diz Aristóteles...”. A primeira citação é dedicada a
Aristóteles, sempre chamado “Philosophus”, porque
considerado por Tomás o quanto de máximo a razão
humana pode atingir sem a iluminação da Fé, porque
Aristóteles era um pagão.
Tomás faz referência à passagem em que
Aristóteles escreve: “o afastar-se em partida mesmo de
pouco da verdade, multiplica-se ao infinito, à medida que
se procede” (De caelo, I, 5, b-10).
A citação é interessante para a obra da qual é
extraída e pelo teor metodológico. O texto do qual é tirada
é, de fato, o De coelo, faz parte daquelas obras – físicas e
metafísicas – que chegaram ao pensamento medieval
europeu no século XII. Tomás escreve um comentário a
esta obra aristotélica, Sententia super librum De caelo et
mundo, provavelmente em Nápoles, em 1272-1273.
68 // Estudo de Temas Tomistas
O contexto da citação é a possibilidade de um
corpo infinito, mas vem tomada pela sua implicação no
procedimento cognoscitivo. Aristóteles afirma que o erro
pequeno no início, torna-se grande no final, porque o
princípio é grande em potência e esta potência vai
atualizando-se até ao final. Portanto, em um pequeno erro
inicial são potencialmente contidos enormes erros finais.
Neste sentido gnosiológico, a frase tinha sido
citada por Averróis. Tomás, portanto, recorda que um erro
pequeno no princípio, torna-se grande no final. Pode
parecer uma banalidade, mas não o é se refletimos sobre
o que seja o “princípio” e o que seja o “fim” neste percurso
aludido por ele.
Tomás começa do “princípio”.
“Em princípio” é uma expressão que reevoca o
início das Sagradas Escrituras, em hebraico “be-reshit”, e
in grego “en arché”. Aqui estamos em um percurso
filosófico, e evidentemente Tomás está se referindo àquilo
que é conhecido em princípio, o ponto de partida melhor
para o aprendizado do conhecimento. De fato, súbito
depois explica o que venha conhecido em princípio, ou
seja, o “ente” e, depois, a “essência”. A este propósito,
Tomás se refere à Metafísica de Avicena.
Avicena é um pensador persa, de religião
muçulmana, que viveu entre 980 e 1077. O seu
pensamento se nutre da Metafísica de Aristóteles, do
neoplatonismo de Plotino e de raízes mais propriamente
árabes. O De ente et essentia talvez seja o texto em que
Tomás demonstra maior proximidade a Avicena, ao qual
se refere muitas vezes, explicitamente ou implicitamente.
Tomás afirma que “em princípio” os homens
conhecem os entes e as essências, portanto, é bem que
sobre eles não se cometam erros que poderiam ser
causados exatamente pela ignorância do significado dos
termos (o erro é coisa diversa da ignorância: a remoção da
ignorância pode impedir o erro).
Começar do Princípio... // 69
O homem, de fato, primeiro conhece as realidades,
depois conhece a si mesmo como aquele que conhece e
aquilo que conheceu como conhecido. Portanto, o homem
é o único animal (enquanto racional) capaz de refletir, de
voltar-se sobre si mesmo depois de haver conhecido: é o
único animal que se reflete, reconhecendo-se.
No prólogo, Tomás explica também os motivos do
procedimento escolhido. De fato afirma que para os
homens a disciplina (ou seja, o processo de aprendizagem
do discente, daquele que aprende) deve partir daquilo que
é conhecido por primeiro, mesmo se, do ponto de vista do
ser, é secundário. De fato, o homem deve remontar das
coisas compostas àquelas simples, das coisas derivadas
àquilo que precede, dos efeitos às causas. Este
procedimento é o mais adequado à natureza dos homens.
Tomás distingue entre aquilo que é fácil e aquilo
que é simples. “Fácil” se refere ao aspecto subjetivo,
qualifica a modalidade com que o homem cumpre certos
atos: para o homem é mais fácil, isto é, menos difícil,
conhecer as coisas compostas, porque lhe são mais
próximas.
“Simples”, ao invés, é relativo ao aspecto objetivo,
ontológico: as realidades simples são aquelas não
compostas, portanto, são mais perfeitas porque não se
podem decompor e são privadas de potência. Para o
homem tais realidades “simples” são mais “difíceis” de
conhecer, porque as conhece depois e além de haver
conhecido as coisas compostas.
Portanto, antes de tudo ocorre explicar o que são o
ente e a essência, porque para nós é mais fácil.
Esclarecido qual seja o “princípio”, sobre o qual é
necessário evitar até mesmo os pequenos erros, precisase perguntar qual seja o “fim”, que sofreria a grandeza
multiplicada do erro.
Se discorrermos rapidamente as páginas do
opúsculo até ao epílogo, encontraremos que o “fim” é
exatamente Deus “no qual é o fim e o cumprimento deste
70 // Estudo de Temas Tomistas
discurso”. Tomás não nomeia Deus diretamente aqui, mas
fala daquele que é primeiro ontologicamente e
infinitamente simples.
Portanto, um pequeno erro relativo ao
conhecimento do ente, que é aquilo que conhecemos por
primeiro, mas que é “posterior”, pode conduzir a enormes
erros relativamente ao conhecimento de Deus, fim e
cumprimento do discurso humano, mas primeiro e causa
de toda a realidade.
O percurso de conhecimento propriamente
humano parte daquilo que é conhecido por primeiro (mas
é derivado na ordem do ser) para chegar àquilo que é
primeiro na ordem do ser (mas é difícil de conhecer).
Um pequeno erro no conhecimento das coisas –
dos homens, do mundo, daquilo que nos circunda – pode
causar enormes erros no conhecimento de Deus, criador
de todas as coisas.
- XIV A CENTRALIDADE DE JESUS CRISTO NO
PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO
A grandiosa obra de Tomás de Aquino pode ser
comparada a uma catedral, bem fundamentada e bem
estruturada, na qual cada parte evoca o todo e cada
particular é precioso e cuidado tanto quanto o conjunto;
uma catedral fundamentada sobre a terra e que indica o
alto em direção ao céu. A robusta articulação de “fides” e
“ratio” constitui a dinâmica e a estática dessa catedral.
Como toda catedral, o pensamento de Tomás possui o seu
centro no Sacrário: Jesus Cristo é o centro da sua reflexão.
Na Itália, alguns estudiosos dedicaram específico
aprofundamento ao cristocentrismo de Tomás de Aquino
(por exemplo, Giuseppe Barzaghi e Inos Biffi), trabalhando
também sobre aspectos menos vistosos (por exemplo,
Aldo Vendemiati argumentou a estrutura cristocêntrica da
Summa Theologiae).
Aqui queremos somente evidenciar algumas
passagens nas quais Tomás mostra como Jesus Cristo
seja o centro:
Cristo designou a si mesmo como Caminho unido ao
termo, havendo em si mesmo tudo quanto se possa
desejar, sendo a Verdade e a Vida. Se, portanto,
busques por onde passar, recebe Cristo, porque Ele
mesmo é o Caminho... Se busques onde ir, adere a
Cristo, já que é Ele a Verdade à qual desejamos
chegar... Se invés busques onde estar, adere a Cristo:
Ele é a Vida... Adere, portanto, a Cristo, se quiseres ser
seguro: não poderás desviar, sendo Ele o Caminho
(Super Evangelium S. Ioannis Lectura,cap. 14, lect. III).
Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, portanto,
é a estrada e também a meta e também a força de
72 // Estudo de Temas Tomistas
percorrê-la. Mas não só a “pessoa” de Jesus Cristo, em
modo especial, o seu ser crucificado foi para Tomás um
verdadeiro ponto de referência para o pensamento e para
a vida.
Tomás de Aquino, de fato, indicava a Cruz não só
como remédio para os nossos pecados, mas também
como modelo de todas as virtudes, quase convidando a
olhar o mundo com o mesmo olhar que Jesus teve sobre
a cruz:
Foi necessário que o Filho de Deus sofresse por nós?
Muito, e podemos falar de uma dupla necessidade:
como remédio contra o pecado e como exemplo no agir.
Foi, principalmente, um remédio, porque é na paixão de
Cristo que encontramos remédio contra todos os males
em que podemos incorrer pelos nossos pecados. Mas
não menor é a utilidade que nos vem do seu exemplo. A
paixão de Cristo, de fato, é suficiente para orientar toda
a nossa vida. Quem quiser viver em perfeição não faça
outro que desprezar aquilo que Cristo desprezou sobre
a cruz; e desejar aquilo que Ele desejou. Nenhum
exemplo de virtude, de fato, é ausente da cruz. Se
busques um exemplo de caridade, lembra: ‘Ninguém
tem um amor maior deste: dar a vida pelos próprios
amigos’ (Jo 15, 13). Isto fez Cristo sobre a cruz. E,
portanto, se Ele deu a sua vida por nós, não nos deve
ser pesado suportar qualquer mal por Ele. Se busques
um exemplo de paciência, encontrarás o mais excelente
sobre a cruz. A paciência, de fato, se julga grande em
duas circunstâncias: ou quando alguém suporta
pacientemente grandes adversidades, ou quando se
suportam adversidades que se poderia evitar, mas não
se evitam. Ora Cristo nos deu, sobre a cruz, o exemplo
de ambas. De fato ‘quando sofria não ameaçava’ (1Pd
2, 23) e como um cordeiro foi conduzido à morte e não
abriu a sua boca (cf. At 8, 32). Grande é, portanto, a
paciência de Cristo sobre a cruz: ‘Corramos com
perseverança na corrida, tendo fixo o olhar sobre Jesus,
autor e aperfeiçoador da fé. Ele, em troca da alegria que
lhe era apresentada, submeteu-se à cruz, desprezando
A Centralidade de Jesus Cristo... // 73
a ignomia (Hb 12, 2). Se busques um exemplo de
humildade, olha o crucifixo: Deus, de fato, quis ser
julgado sob Pôncio Pilatos e morrer. Se busques um
exemplo de obediência, segues aquele que se fez
obediente ao Pai até à morte: ‘Como pela desobediência
de um só, isto é, de Adão, todos foram constituídos
pecadores, assim também pela obediência de um só,
todos serão constituídos justos’ (Rm 5, 19). Se tu buscas
um exemplo de desprezo das coisas terrenas, segue
aquele que é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores,
‘no qual estão escondidos todos os tesouros da
sapiência e da ciência’ (Coll 2, 3). Ele é nu sobre a cruz,
escarnecido, cuspido, açoitado, coroado de espinhos,
embebido com vinagre e fel. Não ligarás, portanto, o teu
coração às vestes e às riquezas, porque ‘se dividiram
entre eles as minhas vestes’ (Jo 19, 24); não as honre,
porque provei os ultrajes e as batidas (cf. Is 53, 4); não
às dignidades, porque trançada uma coroa de espinhos,
puseram-na sobre a minha cabeça (cf. Mc 15, 17); não
aos prazeres, porque ‘quando eu tinha sede, deram-me
a beber vinagre’ (Sl 68, 22)” (Conf. 6 sopra il «Credo in
Deum»).
E porque em Tomás de Aquino o pensamento teve
perfeita coerência com a vida, é importante também
contemplar as últimas ações da sua vida, as suas últimas
palavras, assim como nos foram referidas pelos
testemunhos; de fato, vem referido que recebendo o
viático Tomás tenha assim orado: “Recebo a Ti, preço da
redenção da alma minha, por cujo amor eu estudei, vigiei,
trabalhei. Preguei a Ti, ensinei a Ti”. Toda a obra
intelectual de Tomás de Aquino resulta iluminada por esta
última confissão de fé, que põe em evidência o objeto e o
fim do seu estudar, vigiar, trabalhar, pregar, ensinar.
74 // Estudo de Temas Tomistas
- XV A DIVINA PROVIDÊNCIA NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO
A “providência” é uma noção frequentemente
equivocada ou pouco clara, mas é importante refletir sobre
ela. A providência divina se refere, de fato, à relação que
Deus tem com o mundo que criou; a relação de amor que
o Criador mantém com cada criatura. Uma correta reflexão
sobre a Providência é ligada a uma correta visão do
Criado: a ordem das partes no todo, e a ordem das partes
e do todo ao fim revelam, de fato, a Providência divina.
Tomás de Aquino oferece uma tratativa clara e
completa de o que seja a Providência de Deus na Questão
22, da Parte I, da Summa Theologiae.
Com
a
sua
consuetudinária
capacidade
argumentativa, articula a questão “De Providentia Dei”
(Sobre a Providência de Deus) em quatro artigos, que
respondem às perguntas principais: “Utrum Deo conveniat
providentia” (Se em Deus possa existir a Providência);
“Utrum omnia divinae providentiae subsint” (Se todas as
coisas estejam sujeitas à divina Providência); “Utrum
divina providentia immediate sit de omnibus” (Se a divina
Providência se ocupe imediatamente de todas as coisas);
“Utrum providentia divina imponat necessitatem rebus” (Se
a divina Providência renda necessário tudo aquilo a que
provê).
Parecem interrogativos técnicos, ligados a
questões peculiarmente teológicas, mas a Teologia na sua
autêntica dimensão, como recordou recentemente a
encíclica Lumen Fidei, fazendo referência aos “grandes
doutores e teólogos medievais”, dentre os quais
exatamente São Tomás (citado na nota 33, juntamente a
São Boaventura), nasce do desejo de “conhecer melhor
aquilo que amamos”, é “acolhida e busca de uma
76 // Estudo de Temas Tomistas
inteligência mais profunda do que aquela palavra que
Deus nos dirige, palavra que Deus pronuncia sobre si
mesmo, porque é um diálogo eterno de comunhão, e
admite o homem ao interno deste diálogo”, está “ao serviço
da fé dos cristãos” (Lumen fidei, n. 36).
A tradição tomasiana da Providência divina
consente de afrontar aquelas perguntas e aquelas
objeções que hoje, em modo particular, vêm levantadas:
Porque Deus deveria ocupar-se do mundo e das pequenas
coisas? Alguma coisa pode escapar à providência de
Deus? O acaso não é talvez uma resposta alternativa à
providência? Se Deus é providente, como podem existir a
liberdade e o mal?
No primeiro artigo Tomás argumenta não só como
é possível que Deus seja providente, mas até mesmo
como é “necessário pôr em Deus a providência”. De fato,
“todo o bem que se encontra nas coisas, é criado por
Deus” e o bem não consiste só na substância das coisas,
mas também no seu serem ordenadas a um fim; e, em
modo especial, rumo a um fim último. Esta ordem das
coisas é criada por Deus, como as coisas mesmas,
portanto, tal ordem é causada por Deus e já “é”, desde
sempre, na eterna mente divina. “Ora, a providência
consiste precisamente neste predispor os seres ao seu
fim” (Summa Theologiae, I, q. 22, a. 1, resp.).
Portanto, a Providência é uma noção que se
consegue a pensar só se põe bem a questão do fim. Tudo
tende a um fim, a um próprio fim, e a ordenação ao fim é a
principal razão de ordem que nós encontramos na criação.
Exatamente este ordenamento ao fim é a Providência. Não
se trata de uma ordem mecânica e sempre igual, uma
ordem genérica e impessoal, ao contrário é uma ordem
que se refere a todos os singulares na sua individualidade:
é necessário dizer que todas as coisas, não só
consideradas em geral, mas também individualmente,
submetem-se à divina providência... Deus conhece
todos os seres, universais e particulares. E porque o seu
A Divina Providência... // 77
conhecimento está em relação às coisas como as
normas de uma arte estão às obras da mesma, como foi
dito acima, é necessário que todas as coisas sejam
submetidas ao seu ordenamento, como as obras de uma
arte estão submetidas às normas da arte (Ibidem, a. 2,
resp.).
Portanto, Deus, como um artista conhece todas as
suas obras na sua individualidade e as coisas são
submetidas à sua ordem como as obras de arte são
submetidas às regras de arte. Tudo aquilo que existe,
enquanto existe, é ordenado ao fim pelo seu criador, tendo
recebido o fim na própria natureza mesma:
é necessário que tudo aquilo que em qualquer modo há
o ser seja por Deus ordenado ao seu fim, segundo o dito
do Apóstolo: ‘Aquilo que é, por Deus é ordenado’. De
modo, portanto, que a providência de Deus não é outra
coisa que a ordenação das coisas ao seu fim, como já
foi dito, é necessário que todas as coisas sejam sujeitas
à divina providência na medida da sua participação ao
ser. (Ibidem)
Ainda, ocorre distinguir entre “o plano, a ordenação
dos seres rumo ao seu fim, e a execução deste plano, a
qual se chama governo”. A ordenação dos seres ao seu
fim é inteiramente fruto da providência divina em modo
imediato: criando as coisas Deus as provê do seu fim:
Porque na sua mente há a ideia de todos os seres,
também dos mais pequenos: e a todas as causas que
pré-estabeleceu para produzir certos efeitos, deu
capacidade de produzir aqueles dados efeitos. Por isto
é necessário que tenha havido em antecedência na sua
mente (toda) a ordem de tais efeitos.
Invés, para quanto se refere o governo, a divina
providência se serve de intermediários:
78 // Estudo de Temas Tomistas
existem
alguns
intermediários
da
divina
Providência. Porque ela governa os seres inferiores
mediante os seres superiores, não já por defeito de
potência, mas por superabundância de bondade,
porque quer comunicar também às criaturas a
dignidade de causas (Ibidem, a. 3, resp.).
Portanto a providência como governo divino do
mundo dá razão da causalidade das criaturas; ser causa é
uma dignidade que Deus criador participa às criaturas.
A providência não exclui a contingência, não
implica rígida necessidade:
A divina providência rende necessárias algumas coisas,
mas não todas, como alguns acreditaram. À providência,
de fato, pertence endereçar as coisas ao seu fim. Ora,
depois da bondade divina, que é o fim transcendente das
coisas, o bem principal nelas imanente é a perfeição do
universo, a qual não existiria de modo algum se nas
coisas não se encontrassem todos os graus do ser.
Portanto, à divina providência compete produzir todas as
gradações do ente. Portanto, a alguns efeitos
preestabeleceu causas necessárias, afim de que
acontecessem necessariamente; a outros, invés,
prefixou causas contingentes, para que pudessem
acontecer em modo contingente, segundo a condição
das suas causas imediatas (Ibidem, a. 4, resp.).
Toda a realidade, na sua singularidade, na sua
contingência, na sua gradação, é abraçada pela
providência como no abraço de um Pai.
A Divina Providência... // 79
PARTE II:
A LEI NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO
Prof. Danilo Xavier de Morais49
49
Danilo Xavier de Morais é professor de Filosofia, pela PUCPR. Esta
é parte de uma pesquisa maior apresentada na PUCPR, como trabalho
de conclusão de curso.
80 // Estudo de Temas Tomistas
[…] os bons se sujeitam perfeitamente à lei eterna,
enquanto agem sempre segundo ela. Os maus sujeitamse certamente à lei eterna, mas imperfeitamente quanto às
ações dos mesmos, enquanto imperfeitamente conhecem
e imperfeitamente se inclinam para o bem; entretanto,
quanto falta da parte da ação é suprido pela parte da
paixão, a saber, quanto mais faltam em praticar o que
convém à lei eterna, tanto mais padecem o que a lei eterna
determina sobre eles. […]
(TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 557)
-IO PENSAMENTO POLÍTICO DE
TOMÁS DE AQUINO
Tomás de Aquino, assim como Aristóteles,
compreende a política e a ética como ciências práticas,
concebidas pela razão prática50, ou seja, que serviam para
a vida humana como orientação para cumprir a sua
finalidade enquanto componente de um grupo social.
Sobre a política, Tomás não escreveu seu pensamento
sobre o tema. Não se encontra entre seus escritos uma
obra específica, ou seja, não há um tratado sistemático de
filosofia política, mas se pode encontrar de modo disperso
em seus vários escritos elementos que constituem seu
pensamento político. Dentre os vários escritos do
Aquinate, os que tratam de certo modo sobre a política
são: De Regno51 e a Suma Teológica.
“Tomás faz uma distinção entre duas concepções de razão: razão
especulativa ou teórica e razão prática, pois, segundo ele, é próprio do
homem que se incline a agir segundo a razão. Enquanto a razão
especulativa trata das coisas necessárias em busca de verdades
universais, cabe à razão prática tratar das coisas contingentes, nas
quais se compreendem as operações humanas, com o intuito de
conhecer as realidades singulares, propondo tais bens particulares ao
querer da vontade. E como o homem deve agir em vista do fim, sendo
ele racional, poderá ter, portanto, domínio sobre seus atos pela razão
prática e pela vontade, e como o bem é definido como algo “que toda
coisa deseja” este se apresenta ao intelecto como verdadeiro e,
portanto, algo desejável à vontade. O papel da razão prática é de suma
importância, pois, por meio dela, o homem tem a possibilidade de
conhecer as realidades contingentes, e estas ficam à mercê da vontade”
(ROCHA, 2011, p. 64)
51 Do reino ou do governo dos príncipes ao rei de Chipre foi escrito por
Tomás de Aquino entre 1265 e 1266; é um texto que foi deixado
incompleto, tendo sido terminado por Ptolomeu de Luca, um discípulo
de Tomás de Aquino. O livro foi escrito ao rei de Chipre como uma
50
82 // Estudo de Temas Tomistas
Se o opúsculo De Regno não abarca a totalidade
do pensamento político de Tomás de Aquino, entretanto,
nos oferece subsídios para compreender o que o autor
entende como perfeição de um dos modos de governo: a
monarquia. Além do mais, apresenta os argumentos do
Aquinate sobre a discussão travada entre romanistas e
canonistas no século XII e XIII sobre a disputa entre poder
espiritual (Papa) e o poder temporal (Imperador). Tomás
de Aquino apresenta seu pensamento sobre a questão da
soberania que ganhou espaço de discussão na
Universidade a partir dos estudos do Direito Romano e do
Direito Canônico nas Universidades de Bolonha e Paris.
Sobre a questão Doutor Angélico entende que:
afim de ficarem as cousas espirituais distintas das
terrenas, foi portanto cometido o ministério dêste reino
não à reis terrenos, mas a sacerdotes e, principalmente,
ao sumo Sacerdote, sucessor de Pedro Vigário de
Cristo, o Romano Pontífice, a quem importa serem
sujeitos todos os reis da Cristandade, como ao próprio
Senhor Jesus Cristo. Assim, pois, a êle, a quem
pertence o trato do último fim, devem submeter-se os a
quem pertence o cuidado dos fins antecedentes, e por
êle ser dirigidos. Mas, como o sacerdócio dos gentios e
todo o seu culto das coisas divinas tinha por fim a
conquista dos bens temporais que se ordenam todos ao
bem da multidão, da incumbência do rei, convinha se
sujeitassem aos reis os sacerdotes da gentilidade. E,
sendo na Lei Antiga prometidos bens terrenos ao povo
religioso, não pelos demônios, senão pelo Deus
verdadeiro, daí ler-se, na Antiga Lei, que os sacerdotes
estivessem subordinados aos reis. Porém, na Lei Nova,
há um sacerdócio mais alto, pelo qual são os homens
levados aos bens celestiais; daí, na Lei de Cristo, os reis
devem ser sujeitos aos sacerdotes. (TOMÁS DE
AQUINO, 1955, p. 136-137)
espécie de modelo em que os príncipes deveriam se espelhar caso
quisessem a perfeição de seus reinados (CALVÁRIO, 2008).
O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 83
Forment entendeu que no pensamento do Aquinate
está de modo implícito que “[…] a atividade política
pertence ao âmbito da razão natural humana, não ao
campo da fé religiosa nem da Igreja. Poderia dizer-se em
linguagem atual que a política é laica. […]” (FORMENT,
2010, p. 104)52, pois que Tomás não separou o poder
espiritual do temporal, mas os distinguiu53, ou seja, ele não
divide os poderes, mas justifica uma relação de
dependência do poder temporal para com o espiritual.
Neste sentido, seria o poder temporal, regulador da vida
social, um meio para o fim do poder espiritual: a beatitude
eterna. Por isso, os detentores do poder temporal que
seriam reguladores da vida social deveriam estar sujeitos
ao Romano Pontífice, pois este seria o condutor para a
beatitude eterna enquanto aqueles seriam reguladores de
uma sociedade virtuosa que daria condições para que os
homens pudessem alcançar essa beatitude.
A posição de Tomás de Aquino quanto à Igreja é
de que esta é a instituição que administra os sacramentos
e que na hierarquia dos poderes o poder espiritual é
superior ao temporal (VOEGELIN, 2012). No entanto, os
escritos de Tomás de Aquino sobre os governos se
enveredam de modo mais específico para o poder terreno
a fim de tratar do poder temporal, entretanto, o Aquinate
toma de fontes que se ligam diretamente ao poder
espiritual, tais como a Sagrada Escritura e o pensamento
de Santos do passado. Nota-se isto no proêmio de De
Regno, onde Tomás explica que tal obra é escrita
conforme a autoridade da divina Escritura, os
ensinamentos dos filósofos e os exemplos dos príncipes
mais dignos de louvor (TOMÁS DE AQUINO, 1955). Deste
“[…] la actividad política pertenece al ámbito de la razón natural
humana, no al campo de la fe religiosa ni de la Iglesia. Podría decirse
en lenguaje actual que la política es laica. […]”. (FORMENT, 2010, p.
104).
53
“[…] Siempre que se entienda porá laicidade la afirmación de la
distinción de la esfera política y la esfera religiosa” (FORMENT, 2010,
p. 104).
52
84 // Estudo de Temas Tomistas
modo, partindo de premissas aristotélicas, Tomás de
Aquino elabora uma espécie de doutrina teológica do
poder do Estado. Tais elementos teológicos podem ser
notados na obra De regno onde o autor traça um projeto
de governo monárquico ao rei de Chipre com base na
filosofia aristotélica, mas também em fontes de valor
religioso, como os Antigo e Novo Testamento da Sagrada
Escritura.
1.1 Projeto de Governo de Tomás de Aquino
Antes de necessariamente tratar de governo,
Tomás de Aquino (1955), estabelece os fundamentos do
Estado e da sociedade humana. No início do opúsculo De
regno o autor expõe argumentos que comprovam a
necessidade dos homens que vivem em sociedade serem
governados por alguém. Em sua concepção, em
concordância com o pensamento de Aristóteles, todas as
coisas são ordenadas para um determinado fim e para que
se alcance este fim se faz necessário alguém por quem se
atingirá de modo certo este determinado fim.
Todos os homens são destinados a um fim e
poderia por si só, iluminados pela razão dada por Deus,
conduzir-se a este fim e ser rei de si mesmo sob o supremo
rei, Deus, pois, segundo Wolkmer “[…] o poder em sua
essência tem uma origem divina, é captado e se realiza
através da própria natureza do homem, capaz de seu
exercício e de sua aplicação” (WOLKMER, 2013).
Entretanto, baseado no pensamento de Aristóteles, para
Tomás de Aquino (1955) o homem é um animal social e
político segundo sua própria natureza; por natureza ele é
o único animal com capacidade de se comunicar através
da linguagem e consequentemente devido à necessidade
de comunicação, o homem necessita viver em sociedade:
em primeiro lugar a sociedade familiar – primeira forma de
sociabilidade natural –, depois a sociedade aldeã –
O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 85
relacionada à vida profissional – e, por fim, a sociedade
política, de onde recebe os bens corporais e espirituais.
competindo ao homem viver em multidão, por se não
bastar para as necessidades da vida em permanecendo
solitário, tanto mais perfeita será a sociedade da
multidão, quanto mais auto-suficiente fôr para as
necessidades da vida. Tem a família, no seu lar, algo do
suficiente para a vida, quantos actos naturais de
nutrição, proliferação e coisas semelhantes; o mesmo
numa aldeia do pertinente à vida profissional; na cidade,
porém, que é a comunidade perfeita (deve haver
suficiência) quanto a todo o necessário à vida […]
(TOMÁS DE AQUINO, 1955, p. 31).
As sociedades servem para que o homem cumpra
a sua necessidade natural de comunicação. Deste modo,
sendo a sociedade civil a terceira forma de sociabilidade
natural do homem e a mais perfeita, do mesmo modo que
na família há o pai de família que assegura o suficiente
para a vida, deve haver no meio da multidão alguém que
governe para o bem comum de muitos em detrimento do
bem particular de cada um (TOMÁS DE AQUINO, 1955).
[…] assim, importa existir, além do que move ao bem
particular de cada um, o que mova ao bem comum de
muitos. Pelo que, em tôdas as coisas ordenadas a um
todo, se acha algo directivo a êle. E, no mundo dos
corpos, um só corpo, isto é, o celeste, dirige os mais, por
certa ordem da divina Providência, e a todos os rege a
criatura racional. Igualmente, no homem a alma rege o
corpo, e, entre as partes da alma, o irascível e o
concupiscível são dirigidos pela razão. Também entre os
membros do corpo, um é o principal, que todos move,
como o coração ou a cabeça. Cumpre, por conseguinte,
que, em tôda multidão haja um regitivo (TOMAS DE
AQUINO, 1955, p. 29).
Santo Tomás de Aquino na obra De regno (1955)
denomina este governante de rei e o caracteriza como o
86 // Estudo de Temas Tomistas
pastor que guia suas ovelhas de modo justo, ordenado
pelo bem comum e não pelo bem próprio, até seu fim.
Caberia, portanto, ao rei, conduzir aqueles que governa
para a felicidade guardando e conservando a unidade da
paz.
Para defender que o governo de um é mais eficaz
que qualquer outro modo de governo, Santo Tomás de
Aquino apresenta argumentos que distinguem primeiro os
maus governos dos bons. Como maus governos entendese a tirania – por não governar pela justiça, mas pelo poder
–, a oligarquia ou governos de poucos – pois estes sendo
possuidores de riquezas acabam oprimindo o povo e se
tornando também um governo tirano – e a democracia ou
poder do povo – já que quando assume o poder, o povo
também oprime os ricos tornando-se, deste modo uma
tirania. Os bons governos, ou governos de regime justo,
seriam a politia – quando o poder está com uma multidão
–, a aristocracia – governo dos melhores – e o governo de
um, chamado de rei (TOMÁS DE AQUINO, 1955).
No pensamento do Aquinate a monarquia é o modo
ainda mais justo de governo, pois que quanto mais uno for,
melhor. Para ratificar seu pensamento Tomás de Aquino
(1955) utiliza-se do argumento da natureza e da razão.
Segundo tal argumento, o que é natural está mais bem
ordenado, e todo o governo natural é de apenas um, assim
no corpo o que move todos os membros é coração e das
partes da alma a principal e norteadora das outras é a
faculdade da razão. De igual modo, continua o autor, as
abelhas têm apenas uma rainha e em todo o universo há
um só Deus criador e regente de todas as coisas. Desse
modo, arremata o autor, que uma obra de arte, que é
imitação da natureza, é melhor quanto mais se aproxima
da natureza, portanto, também na multidão humana, será
melhor que seja, imitando a natureza, governada por um
só. Assim, Tomás de Aquino expressa seu pensamento
favorável ao modo de governo monárquico, onde um
governa e tem funções específicas para como o reino e
O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 87
também para com a multidão que governa devendo
assegurar determinadas condições para que a multidão
alcance seu fim de modo coletivo.
1.2 A Função do Rei e a Finalidade do Governo
Tomás de Aquino compreende que o rei tem
funções específicas para com seu reino, por isso,
especifica a função do rei tomando como base o
argumento de que o rei no reino exerce função semelhante
à razão no corpo e Deus no mundo. Tomando como
princípio ainda o argumento da natureza ser mais bem
ordenada, o autor prossegue argumentado que na
natureza das coisas há o governo universal, onde Deus é
o grande rei e todas as coisas são regidas por sua
providência, e o governo particular que de certo modo é
muito semelhante ao governo universal, considerando que
a razão no homem é guia das outras potências da alma e,
portanto, estaria a razão para o homem do mesmo modo
que Deus está para o mundo. Entretanto, sendo o homem
animal social que vive em sociedade ele se assemelha
também a Deus no que diz respeito à multidão ser regida
pela razão de um só homem: o rei. Deste modo, o rei deve
estar para o reino do mesmo modo que a alma está para
o corpo e Deus para o mundo.
Sendo, pois, o rei para o reino como a razão é para
o homem e Deus para o mundo é de importância destacar
o que Deus faz no mundo e a razão para o homem para
assim descobrir o que o deve o rei fazer no reino. Em geral
se consideram dois feitos de Deus no mundo, a criação e
o governo, do mesmo modo essas duas ações têm a alma
para o corpo de modo que “[…] é o corpo informado pela
virtude da alma; depois, é o corpo regido e movido pela
alma […]” (TOMÁS DE AQUINO, 1955, p. 125). Destas
duas, governar é mais próprio ao rei, já que nem todos
governam reinos por eles fundados.
88 // Estudo de Temas Tomistas
Todavia, o rei deve governar, ou seja, deve
conduzir o reino à sua finalidade de modo conveniente e
segundo Forment “[…] A finalidade principal da
comunidade política é a defesa e o desenvolvimento da
perfeição de cada pessoa que a integra” (FORMENT,
2010, p. 97).54 Portanto, cabe ao rei governar para o bem
comum, por consequência, cabe a ele assegurar, continua
Forment, “[…] as condições materiais e espirituais que
permitem que a sociedade promova a perfeição da pessoa
[…]” (FORMENT, 2010, P. 101)55. Para se desenvolver a
vida virtuosa da pessoa ou sua perfeição, são necessárias
três condições: a primeira delas é que a multidão deve
estar fundada na unidade e na paz, a segunda é que seja
dirigida a proceder bem e a terceira é que o rei assegure
de modo abundante o necessário para se viver bem.
O bem comum é necessário para se alcançar a vida
virtuosa de cada indivíduo, contudo, vivendo segundo a
virtude, o homem está ainda ordenado para um fim
posterior que é a fruição divina e vivendo em multidão,
cumpre que o fim do homem seja também o fim da
sociedade. Por conseguinte, do mesmo modo que o
homem que vive segundo a virtude está ordenado para a
fruição divina, a multidão também não tem seu fim na
virtude, mas tem como meio a virtude para se chegar à
fruição divina. Assim, entende-se que o poder do rei se
limita ao governo das coisas terrenas, pois que sua
finalidade é governar para que a multidão tenha condições
de viver de modo virtuoso, pois, a virtude é meio
necessário para se alcançar o fim sobrenatural. No
entanto, a condução do homem para o fim último intrínseco
não cabe ao governante, pois essa função foi dada por
“[…] La finalidad principal de la comunidad política es la defensa y el
desarrollo de la perfección de cada persona, que la integra”
(FORMENT, 2010, p. 97).
55
“[…] las condiciones materiales y espirituales que permiten que la
sociedad pueda promover la perfección de la persona […]” (FORMENT,
2010, p. 101).
54
O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 89
Deus à Igreja (FORMENT, 2010). Ao rei cabe governar a
multidão para a vida de virtude. Tomás de Aquino ainda
apresenta elementos que fortificam seu pensamento sobre
o poder espiritual e temporal. Sobre o assunto explica
Wolkmer:
[…] certamente, tanto o poder temporal quanto o poder
espiritual foram instituídos por Deus. Deus é o criador da
natureza humana e, como o Estado e a Sociedade são
coisas naturalmente necessárias, Deus é também o
autor e a fonte do poder do Estado […]. Enquanto o
homem necessita do Estado, este deve servir à
comunidade dos cidadãos, promovendo a moralidade e
o bem-estar públicos, efetivando sua plena missão de
incentivar uma vida verdadeiramente boa e virtuosa e
criando as condições satisfatórias do bem-comum. Por
consequência os fins do Estado são fins morais (o bemestar de toda a comunidade) sendo que os cidadãos
estão comprometidos com um fim temporal
(representado pela autoridade estatal) e com um fim
espiritual (corporificado pela Igreja, que atua como
instância maior). O poder do Estado não fica
subordinado de forma alguma ao poder da Igreja (como
defendia Santo Agostinho), mas sim de modo relativo; a
autoridade da Igreja é superior em matéria espiritual
(WOLKMER, 2001, p. 23).
No que diz respeito ao fim temporal cabe assegurar
as condições para o homem cumprir com suas finalidades.
Desse modo para que a sociedade seja governada para a
vida de virtudes deve o rei combater três obstáculos que
possam impedir a preservação do bem público. A primeira
delas é que o bem não deve ser instituído por tempo
determinado, mas deve ser estabelecido para ser, de certo
modo, perpétuo. Outro impedimento para a conservação
do bem comum é oriundo do interior e “[…] consiste na
perversidade das vontades ou pela sua desídia no
executar as coisas que o Estado requer […]” (TOMÁS DE
AQUINO, 1955, p. 146), ou ainda, quando um transgrida a
90 // Estudo de Temas Tomistas
virtude e passa a prejudicar a paz da multidão. E o terceiro
é de origem externa, quando a penetração de inimigos no
reino acaba dissolvendo a paz.
Para que se assegure a vida de virtudes no reino e,
portanto, também a ordem, é necessário que o rei combata
os três obstáculos que porventura atrapalhe a duração do
bem público. Para isso também são três as medidas
necessárias: a primeira é que a sucessão daqueles que
contribuem para o governo nas mais variadas funções seja
de modo quase imperceptível para o bom andamento do
reino, isto é, cabe ao rei substituir com zelo os faltosos de
modo que conserve o bem da multidão. A segunda medida
a se tomar, valendo das palavras de Tomás de Aquino, é
que o rei […] desvie da iniquidade, com suas leis e
ordenações, penas e prêmios, os homens a êle
subordinados e os induza às obras virtuosas […]” (TOMÁS
DE AQUINO, 1955, p. 146), e tomem como exemplo o
próprio Deus que entregou uma lei aos homens e
recompensa todos aqueles que a obedecem e castiga
aqueles que a descumprem. Em terceiro lugar é função do
rei assegurar de inimigos o povo que a ele é confiado, pois
de nada adianta evitar os perigos internos se não se evitar
antes os externos.
Os três modos de se combater os obstáculos que
possam atrapalhar o bem comum, se ligam ao externo do
homem e um deles serve de regulador da ação do homem,
de modo que este seja castigado por atos contrários ao
bem da multidão, mas também premiado por seus bons
atos. Esse regulador da ação dos homens seriam as leis
promulgadas pelo rei a seus governados, de modo que
contribua para que sejam realizadas obras virtuosas.
Entende-se, portanto, que a lei é importante para que haja
o bem comum do reino.
Compreende-se assim o caminho que o rei deve
percorrer para que haja ordem e virtude em cada indivíduo
do reino e assim, de modo hierárquico, se alcance também
a virtude da multidão. Entretanto, a multidão e cada
O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 91
indivíduo precisa que sua alma seja virtuosa a fim de
alcançar a salvação, pois é a virtude que faz do homem
disposto a seguir os preceitos naturais que o conduzem à
beatitude. Tais virtudes podem ser, de certo modo,
obrigadas aos homens pela lei promulgada pelo rei.
Portanto, na vida social, a lei pode fazer o homem virtuoso
na medida em que o induz às boas obras que,
consequentemente, geram a ordem para a sociedade e a
salvação ou bem-aventurança para o homem.
Como entendido, tanto a política quanto a moral
tendem para determinados fins que Tomás de Aquino
atribui conceitos específicos. Nesse sentido, para melhor
nos envolvermos no pensamento político e moral de
Tomás de Aquino cabe-nos compreender tais categorias
que são essenciais para em seu pensamento moral e
político.
1.3 Categorias do Pensamento Moral e Político
de Tomás de Aquino
Tomás de Aquino, assim como quase todos os
pensadores medievais, tem seu pensamento voltado para
Deus como princípio e fim de todas as coisas. Neste
sentido, o que propõe para o homem em suas teorias serve
como um guia para que o homem chegue a Deus. Desse
modo, o seu pensamento político e moral não poderia ser
diferente, e por isso, em seus escritos são utilizadas
categorias de moral cristã que tem como finalidade, a
salvação do homem. Entretanto, para melhor se
compreender o pensamento político e moral de Tomás de
Aquino cabe apresentarmos as principais categorias que
compõe a finalidade do homem e da sociedade: Beatitude
e Virtude, a primeira é o fim e a segunda o meio utilizado
pelo homem para alcançar tal fim. A compreensão destes
conceitos contribuirá para entendermos o pensamento do
autor sobre o homem como ser social em busca de um fim
92 // Estudo de Temas Tomistas
sobrenatural que necessita antes cumprir seu fim coletivo,
ou seja, a ordem social.
1.3.1 A Beatitude ou Bem-aventurança
O conceito de beatitude é explicado por Tomás de
Aquino entre as questões 1 e 5 da Primeira Parte da
Secunda da Suma Teológica56. Na questão I, trata-se do
fim último e comum dos homens: a beatitude, e a partir daí
se inicia a construção do conceito. Na questão II o autor
inicia com as seguintes palavras: “Em seguida deve-se
considerar a bem-aventurança. Primeiro, em que consiste;
segundo, o que é; terceiro, de que modo podemos
consegui-la” (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 46, I-II, q. 2).
Em primeiro lugar, busca-se saber se a beatitude
do homem consiste nas riquezas e entende-se que não,
pois que existem duas espécies de riquezas, as naturais e
as artificiais. As naturais são aquelas buscadas pelo
homem para satisfazer as suas necessidades naturais,
como a alimentação, a moradia, o transporte. As riquezas
artificiais são criadas pelos homens para que se alcance
as riquezas naturais como, por exemplo, o dinheiro;
riqueza criada pelo homem que serve de troca para as
riquezas naturais. Destes argumentos conclui o Aquinate
que as riquezas artificiais são um modo de se alcançar as
riquezas naturais, as quais também não podem ser o fim
último, pois que são elas necessárias para garantir outro
fim, a vida e, portanto, nenhuma das riquezas seria o fim
último.
Assim, do mesmo modo, Santo Tomás de Aquino
argumenta contra as hipóteses de a beatitude consistir na
56
A Suma Teológica é dividida em três partes principais: na primeira
delas Tomás de Aquino trata sobre Deus (Prima Pars), depois do
movimento do homem para Deus (Secunda Pars), ou seja, a moral
humana que estruturalmente se divide em outras duas partes (Prima
secundae e Secunda secundae), e por fim sobre Cristo, que segundo
sua humanidade é para nós caminho para Deus (TORREL, 1999).
O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 93
honra, glória, poder, bens corporais, prazer e bens criados
pelo homem. Ao tratar sobre a beatitude consistir em
algum bem da alma, Santo Tomás considera que a alma
deseja o bem universal e que qualquer bem que esteja de
modo natural arraigado na alma não lhe é próprio em si,
mas é participação de um bem maior que o homem busca
através de sua alma. Desse modo, a beatitude é algo da
alma, mas não consiste em nada da alma, mas em algo
externo à ela.
A partir da questão 3 se chegará a uma definição
mais específica de beatitude. Segundo Santo Tomás de
Aquino, a beatitude é a conquista do fim último, ou seja, é
a união, o deleite do homem com o bem incriado que é o
próprio Deus, o que pode se dar de dois modos, de modo
perfeito que ocorre após a morte e que consiste na união
completa a Deus ou ainda em vida, de modo imperfeito,
enquanto que se busca e se vive para o fim último, isto é,
neste mundo se consegue uma participação na beatitude
perfeita, pois que a sua perfeição se alcança apenas
depois da morte, pois que com a morte, o homem tem a
visão da essência divina.
Na Questão 4 e 5, o Aquinate trata respectivamente
do que é necessário para a beatitude e do modo de se
conseguir a beatitude. Cabe destacar que é necessário a
retidão da vontade antes da beatitude, e esta retidão
permanecerá mesmo para aqueles que alcançarem a
beatitude, pois a visão divina faz com que a vontade de
quem a vê ame a tudo e de modo antecedente explica
Tomás de Aquino:
[…] antecedentemente, porque a retidão da vontade
existe pela ordenação concernente ao fim último. O fim
se refere àquilo que se ordena a ele, como a forma à
matéria. E como a matéria não pode se unir à forma, se
não estiver devidamente disposta para ela, também não
pode conseguir um fim o que não estiver devidamente
ordenado para ele logo, ninguém pode chegar à bem
94 // Estudo de Temas Tomistas
aventurança se não tem a retidão da vontade. […]
(TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 85, p. 85, I-II, q. 4 a. 4).
Neste sentido, entende-se que para se alcançar a
beatitude são necessárias obras, e uma delas é a retidão
da vontade, ou seja, é necessária que a vontade esteja de
acordo com a razão, pois que a beatitude é própria só de
Deus sem necessidade de nenhum meio, no entanto,
sendo ela superior à toda natureza criada, “[…] nem o
homem, nem qualquer criatura poderão conseguir a última
bem-aventurança por seus dons naturais.” (TOMÁS DE
AQUINO, 2003, p. 105, I-II, q. 5, a. 5). No homem, os
movimentos são múltiplos e acontecem a partir dos atos
meritórios, ou seja, a beatitude é recompensa das ações
virtuosas.
Portanto, para se alcançar a beatitude é necessária
a virtude, a realização de ações virtuosas. Assim, sendo o
fim último da sociedade a beatitude e que para obtê-la é
necessária a retidão da vontade que se dá através de
ações virtuosas. Cabe a nós investigarmos o que Santo
Tomás de Aquino entende por virtude de modo mais
específico.
1.3.2 As Virtudes
O homem não consegue a beatitude em um único
momento, mas paulatinamente durante sua vida por meio
de seus atos humanos livres, espontâneos e dirigidos pela
razão. A alma humana é levada a realizar ações que lhe
são peculiares por meio de diversas faculdades de
conhecimento e ação. Pela repetição de atos, as
faculdades adquirem qualidades que facilitam e fortalecem
as ações da alma em determinados sentidos. Para Fraile,
estas qualidades são os hábitos que são entendidos e
explicados por Tomás de Aquino como bons (virtudes) e
maus (vícios), ou seja, a virtude é uma disposição da alma
para agir bem. Desse modo, as virtudes humanas são
hábitos operativos para o bem, e por isso fazem também
O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 95
bom àquele que as possui, ordenando suas ações para o
bem e fazendo de suas obras boas.
Herdeiro do pensamento aristotélico, o Aquinate
compreende que os princípios das ações humanas são
duas das três faculdades da alma57: o entendimento e a
vontade. Sendo as virtudes disposições da alma para agir
bem, pode-se entender que existam virtudes que regulam
o entendimento, as chamadas virtudes intelectuais e
virtudes que regulam a vontade ou virtudes morais.
As virtudes intelectivas se dividem ainda em
especulativas (inteligência, ciência e sabedoria) e práticas
que têm por função deliberar, julgar e ordenar atos. Dentre
todas essas, existe a prudência, que é a principal de todas
as virtudes intelectivas e tem por objetivo dirigir o homem
para o bem agir, isto é, a virtude pela qual o homem é
capaz de escolher agir bem. Tomás de Aquino justifica a
importância desta virtude da seguinte maneira:
a prudência é virtude mais necessária à vida humana.
Pois, viver bem consiste em agir bem. Ora, para agir
bem é preciso não só fazer alguma coisa, mas fazê-lo
também do modo certo, ou seja, por uma escolha correta
e não por impulso ou paixão. Como, porém, a escolha
visa aos meios para se conseguir um fim, para ela ser
correta exigem-se duas coisas: o fim devido e os meios
adequados a esse fim. Ora, ao fim devido o homem se
dispõe convenientemente pela virtude, que aperfeiçoa a
parte apetitiva da alma, cujo objeto é o bem e o fim.
Quanto aos meios adequados a esse fim, importa que o
homem esteja diretamente disposto pelo hábito da
razão, porque aconselhar e escolher, que são ações
relacionadas com os meios, são atos da razão. É
necessário, pois, haver na razão humana virtude
intelectual que aperfeiçoe, para ela proceder com acerto
“Para Aristóteles a tripartição da alma se dá pela alma vegetativa
proveniente das plantas, a vegetativa e sensitiva proveniente dos
animais irracionais e a alma vegetativa, sensitiva e intelectiva
proveniente do animal racional.” (GARCIA, 2012, p. 315).
57
96 // Estudo de Temas Tomistas
em relação com os meios. […] (TOMÁS DE AQUINO,
2005, p. 125, I-II, q. 57, a. 5).
As virtudes morais têm origem na palavra latina
mos, mores e tem o sentido de tendência, inclinação
natural ou quase natural para se fazer algo e inclinação
para o ato é inclinação da virtude apetitiva, do que se
entende que é virtude moral somente aquela que pertence
à potência apetitiva (TOMÁS DE AQUINO, 2005). Deste
modo, para agir bem o homem precisa, além de estar de
razão disposta pela virtude intelectual também estar com
a potência apetitiva disposta pela virtude moral. Seriam,
portanto, as virtudes morais modos de regular o homem no
que diz respeito às paixões e vontades sob a regência da
prudência e da razão. Isto é, as virtudes morais regulam
as ações do homem submetendo as paixões à razão, o
que implica que o homem dotado de virtudes morais é
aquele que tem suas vontades e paixões regidas pela
prudência, submetidas à razão. Desse modo, as vontades
deixam de gerar ações próprias e passam a agir conforme
a razão.
Fraile compreende que as virtudes morais, no
entanto, também se dividem em dois grupos. O primeiro
diz respeito ao relacionamento do homem com o outro e
pode ser resumida na virtude da justiça, virtude pela qual
o homem age bem quando dá a cada um aquilo que lhe é
devido. O outro grupo é constituído por dez virtudes
individuais que se relacionam com as paixões, a saber: a
fortaleza que modera o temor e a audácia na faculdade da
vontade; a temperança que regula os apetites referentes à
parte concupiscível e se refere à manutenção da pessoa e
da espécie; a liberalidade que regula o desejo pelos bens
exteriores; a magnificência responsável pelo desejo por
dinheiro; a honra; a magnanimidade que inclina a alma a
realizar obras grandes e difíceis dignas de honra; a
mansidão que regula a raiva; a afabilidade que faz com
que o homem seja agradável com os outros em palavras e
atos em assuntos sérios; a sinceridade ou verdade que é
O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 97
a virtude pela qual o homem se mostra como realmente é
em suas palavras e atos e a jovialidade, virtude que faz do
homem agradável em situações de diversão (FRAILE,
1975). De todas essas virtudes, se destacam quatro de
maior importância, são as chamadas virtudes cardeais ou
fundamentais, que são a prudência, a justiça, a fortaleza e
a temperança.
O Aquinate ainda explica sobre as virtudes
teologais, isto é, virtudes que têm como fim Deus em si
mesmo e que completam a disposição do homem para agir
na ordem sobrenatural. As virtudes teologais seriam as
virtudes que tem Deus por objetivo enquanto nos ordenam
para ele e são infundidas somente por Deus através da
revelação segundo as Sagradas Escrituras. As virtudes
teologais são três: fé, esperança e caridade. Essas,
portanto, são virtudes que não regulam a ação do homem
no que diz respeito à sua vontade, mas conduz a alma
humana a Deus; são virtudes que implantadas por Deus
tem como fim não outra coisa senão ele mesmo.
Entende-se, entretanto, que todas as virtudes
infundidas estão interligadas e que juntas dão força e
disposição para que o homem tenha uma vida virtuosa. Em
síntese Gilson compreende a virtude tomista do seguinte
modo:
[…] por essência, ela [virtude] é um hábito, isto é, uma
disposição adquirida e duradoura, que permite a quem a
possui agir em conformidade com a sua natureza. Essa
definição é de Aristóteles. Logo, é no plano da moral
helênica que todo o edifício vai ser construído. Para uma
coisa ser boa, é ser o que deve ser para satisfazer à sua
própria essência e às exigências da sua natureza;
adquirir o costume de agir como convém, dado o que
somos, é portanto uma qualidade moralmente boa, e
consumar o ato que decorre espontaneamente de um
hábito desse gênero é agir bem ou, como também se
diz, fazer o bem. Um ato é moralmente bom, ou virtuoso,
quando é conforme à natureza de quem o consuma
(GILSON, 2006, p. 397).
98 // Estudo de Temas Tomistas
Com relação às virtudes que se ligam às ações
humanas, isto é, em relação às virtudes morais, o homem
necessita da lei que o oriente a fazer o bem ou a ser
virtuoso caso não o seja, pois que a virtude serve para
guiar o homem ao fim último, a beatitude. Entretanto, os
meios escolhidos para se alcançar esse fim são dados
pela lei ao homem. Por isso, Tomás de Aquino trata sobre
a lei como orientadora do homem para a prática do bem e
realização de sua natureza humana. Para tratar do
assunto, Aquino desenvolve na Suma Teológica um
tratado conhecido por Tratado da Lei.
- II O TRATADO DA LEI EM TOMÁS DE AQUINO
O Tratado da Lei de São Tomás de Aquino está
contido na Suma Teológica (I-II parte nas questões de 90
à 108)58. Tal tratado é de ciência prática e abrange em sua
temática questões que explicitam a compreensão do autor
sobre a lei desde sua origem à sua implicação na vida
pessoal e comunitária naquilo que diz respeito às ações
práticas do homem. A importância da lei é devido a ela ser
um dos elementos fundamentais dos atos humanos, pois
estes recebem o conteúdo moral pela lei e também por
assinalar, como afirma Vaz um marco de uma “[…] longa
evolução na qual são transmitidos os ensinamentos da
tradição antiga (Aristóteles, o Estoicismo, M. T. Cícero, o
Direito romano) e da tradição cristã (Agostinho, Isidoro de
Sevilha e os teólogos do século XIII).” (VAZ, 2008, p. 234).
Na teoria tomista, a lei se apresenta também como
um princípio regulador de ações humanas assim como as
virtudes; no entanto, a lei é um princípio externo ao homem
e tem em vista o bem comum. Para Tomás de Aquino toda
lei supõe uma razão que orienta seus atos a um fim. Assim,
a lei não tem sua procedência da vontade, mas da razão,
isto é, não tem origem nos desejos, mas na atividade
racional para, de modo geral, estabelecer regras que
induzem, obrigam ou impedem a ação do homem, de
modo que o conduza a um fim. É próprio da razão orientar
para um fim e sendo a lei pertencente à razão, a lei orienta
para o fim. Portanto, de modo individual, a lei orienta o
58
Nesta pesquisa utilizaremos as questões que se relacionam à
aplicação prática da lei, portanto, as questões de 90 à 97. A partir da
questão 98 Tomás de Aquino discute sobre a Lei Antiga, um tema de
maior relevância para o pensamento teológico do autor.
100 // Estudo de Temas Tomistas
homem para a beatitude e de modo social a lei orienta para
o bem comum.
[…] mas o último fim da vida humana é a felicidade ou
bem-aventurança […]. Portanto, é necessário que a lei
vise maximamente à ordem que é para a bemaventurança. – Por outro lado, como toda parte se
ordena ao todo como o imperfeito ao perfeito e cada
homem é parte da comunidade perfeita, é necessário
que a lei propriamente vise à ordem para a felicidade
comum. […] (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 524, I-II q.
90. a. 2).
Ao introduzir o “Tratado da Lei”, Tomás de Aquino
antes explica a existência de dois princípios externos que
impulsionam o homem à realização do mal e do bem. Para
o Aquinate o diabo seria o princípio externo que inclinaria
o homem ao mal e Deus seria o princípio externo que
inclinaria o homem a fazer o bem. Para a realização do
bem Deus concede ao homem a lei que o instrui e a graça
que o mantém no reto agir (TOMÁS DE AQUINO, 2005).
Seria, então, a lei uma espécie de “intervenção divina” na
razão do homem para conduzi-lo e orientá-lo a fazer o
bem, para a felicidade. A lei seria um instrumento
extrínseco dos atos humanos utilizado por Deus para
conduzir o homem à beatitude.
Entretanto, não se pode confiar na razão de cada
um, pois, que o homem corre o risco de cair na ilusão e
também por viver em sociedade tem não somente um fim
individual, mas coletivo. Neste sentido, o homem tem
como finalidade coletiva o bem comum e a lei é o
instrumento próprio para orientar de modo objetivo a
consciência humana para o bem coletivo. Por ser,
portanto, a lei própria para o bem comum deve ser
ordenada pela multidão ou então por aquele que a
representa e cuida. Deste modo, para que a lei venha a ter
força para regular o homem socialmente, esta deve ser
promulgada, pois que para que regule os homens ela deve
O Tratado da Lei em Tomás de Aquino // 101
ser aplicada e para ser aplicada deve ser conhecida.
Sendo assim, se faz necessária a promulgação das leis
para que o homem conheça e possa ser regulado por elas.
Ao partir do argumento da promulgação como necessária
para que a lei tenha força reguladora da ação do homem,
Tomás de Aquino define a lei como “[…] uma ordenação
da razão para o bem comum, promulgada por aquele que
tem o cuidado da comunidade” (TOMÁS DE AQUINO,
2005, p. 527-528, I-II, q. 90, a. 4)59 isto é, a lei é guia da
ação moral promulgada pelo chefe do Estado.
Tal definição é o cerne de todo o tratado da lei, pois
define de modo universal a lei e sua função. Entretanto,
para se chegar ao campo político, onde a lei tem papel de
reguladora e mantenedora da ordem social, Tomás de
Aquino percorre um caminho que explicita a origem da lei.
Assim apresenta o fundamento e princípio de todas as leis:
a Lei Eterna.
2.1 A Lei Eterna: Princípio e Fundamento de
Todas as Leis
Após definir a lei como um ditame da razão prática
daquele que governa uma comunidade perfeita, o autor
explica que por ser o mundo regido pela divina
Providência60 pode-se compreender que todas as
comunidades do universo são governadas por uma única
razão superior: a razão divina que tem por natureza a lei
para governar. Por ser Deus, no entanto, um ser
“[…] esta definição contém explicitamente a causa formal
(universalidade como ordenação da razão), a causa final (o bem
comum) e a causa eficiente (a promulgação pela autoridade legítima)
da lei, ou seja, a especificação (diferença última) da ordenação da razão
(gênero próximo) pelo bem comum a ser realizado pelo promotor
legítimo dessa realização”. (VAZ, 2008, p. 236)
60 “Todas las cosas están sometidas a la providencia divina, y todas son
medidas y reguladas por la ley eterna, que las inclina a sus proprios
actos e fines, pero de distinta manera. Los seres irracionales, de una
manera pasiva y necesaria. El hombre, de una manera racional y libre.
[…]”. (FRAILE, 1975, p. 469)
59
102 // Estudo de Temas Tomistas
atemporal, entende-se que também a razão divina não
concebe o que seja temporal, pois tudo na razão divina é
eterna, de modo que se pode então atribuir a lei que Deus
rege o universo o nome de lei eterna (TOMÁS DE
AQUINO, 2005, I-II, q. 91, a. 1).
A doutrina da lei eterna foi desenvolvida por Santo
Agostinho e sua definição tornou-se clássica. Segundo
Agostinho “[…] A lei eterna é a razão divina ou vontade de
Deus, ordenando a conservação da ordem natural e
proibindo a sua perturbação […]” (AGOSTINHO Apud
AUBERT, 2005, p. 548). Tal definição foi apropriada por
Tomás de Aquino que inova a tese ao relacionar a lei
eterna à Providência. No entender do Aquinate a
Providência seria uma espécie de execução da lei eterna,
princípio da Providência ou princípio da execução da lei
eterna nas criaturas.
A lei eterna é, pois, a sabedoria divina ativa que
move os seres a estarem em conformidade com suas
naturezas. A lei eterna é assim chamada porque a razão
divina conhece somente aquilo que é eterno e, por isso
mesmo, a lei do governo divino tem caráter de eterna e,
portanto, perfeita. Por ser fundamento da ação de Deus
sobre a criação, toda a obra divina está submetida a Lei
Eterna, menos o que pertence à natureza ou essência
divina, pois se diz que esta essência é a própria lei eterna.
Assim, somente o próprio Deus e o que lhe é
consubstancial, portanto, somente a Santíssima Trindade
(Pai, Filho e Espírito Santo) não estariam submetidas à Lei
Eterna.
Fazendo analogia à lei humana, Tomás de Aquino
entende que do mesmo modo que o governante promulga
leis para a multidão através da razão, Deus também O faz
com a criação. Ou seja, ao ser determinar que a sociedade
deve ser governada a partir da razão de seu governante,
também o mundo é governado pela razão divina e toda a
lei que dela provém não pode ser outra senão a lei eterna.
A lei eterna é a reguladora das “atividades” de Deus como
O Tratado da Lei em Tomás de Aquino // 103
governador do mundo, pois no mundo nada está isento do
governo de Deus e, portanto, das “normas” da lei eterna.
Malacarne interpreta o pensamento de Tomás
sobre a lei e explica que “[…] A lei eterna é o plano divino
que conduz todas as coisas para a busca de seus fins; é a
ordem ideal do universo que preexiste em Deus. […]”
(MALACARNE, 2012, p. 7) e o fim da lei eterna não é outro
senão o próprio Deus. Todas as outras leis têm seu
fundamento na lei eterna, responsável para que cada coisa
esteja numa certa ordem; para que cada criatura esteja de
acordo com os seus fins, ou seja, para que tudo esteja
segundo a ordem da razão divina, também dita ordem
natural.
Constituindo a ordem natural ideal do universo,
aqueles que a seguem cumprem a vontade de Deus. E
estando todas as coisas criadas sob a lei eterna se faz
necessário seu cumprimento para se alcançar os fins, pois
é ela que conduz ao fim todas as coisas. Segundo Aubert
(2005), para cada coisa existe um fim que está dado
segundo a lei eterna e então caberia às criaturas seguir a
lei para cumprir o seu fim, estabelecendo certa ordem. Tal
ordem é seguida de modo perfeito pelos animais e outras
criaturas, visto que agem não pela consciência, mas pelos
instintos. Assim, as coisas e os animais não podem fazer
diferente daquilo que prevê a lei eterna, pois a seguem
sem a compreender já que não são capazes disto, pois que
diferente dos homens, os animais não possuem livrearbítrio e são, portanto, desprovidos de razão e vontade.
Entretanto, o homem que é uma criatura distinta
das outras, por ser dotado de razão, deve antes conhecer
a lei eterna para segui-la de modo livre. No entanto, não é
possível ao homem o conhecimento perfeito da lei eterna,
pois isto é possível somente aos bem-aventurados que
contemplam a Deus em sua essência e cumprem a lei de
modo natural, pois se encontram em estado de beatitude.
Para o homem é possível conhecer a lei eterna por certa
irradiação (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 93, a. 2). Ou
seja, para as criaturas racionais existe uma participação
104 // Estudo de Temas Tomistas
ou irradiação da lei eterna no que serve de princípio
regulador dos atos humanos e que tende para o bem. Este
princípio é no entender de Tomás de Aquino a lei natural.
2.2 A Lei Natural
A lei natural seria uma espécie de centelha inata da
lei eterna no homem (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II q. 91
a. 2); ou seja, é a ordem divina promulgada no homem por
meio da razão. Toda lei é certa regra e medida de algo e
pode estar presente nas coisas de dois modos, explica o
Aquinate: o primeiro é o que está naquele que regula e
mede e o segundo no que é regulado e mensurado, pois
que participando de algo da regra ou medida se é por isso
regulado e medido e como tudo que está sujeito à divina
providência é regulado e medido pela lei eterna, assim,
tudo tem participação na lei eterna na medida em que, por
impressão desta mesma lei, se inclina para seus próprios
atos e fins. Na criatura racional, entretanto, não se diz que
tem em si a lei eterna impressa somente como nas outras
criaturas, pois sendo dotado de razão participa da lei
eterna de modo mais formal, ou seja, não só por impressão
recebida, mas também como autor e regulador. Deste
modo, entende-se que o homem é chamado a ser
providência de si em delegação da providência divina.61
Compreende-se que no homem a participação na
lei eterna é chamada lei natural, pois que o homem não
somente tem a lei impressa em si e age segundo seus
instintos, mas que a conhece através de sua razão. Assim,
a lei natural é pelo homem conhecida na medida em que
usa de sua razão, porque é a razão aquilo que assemelha
o homem a Deus e o faz conhecer as vontades divinas.
“[…] nele [homem], a sua razão é como uma participação da luz
divina, permitindo dirigir-lhe a si próprio, e discernindo o bem do mal.
Nesse nível, não é mais nele a participação simplesmente impressa do
querer divino, mas é a participação da luz do pensamento divino”
(AUBERT, 2005, p. 531).
61
O Tratado da Lei em Tomás de Aquino // 105
Neste sentido, afirma-se a necessidade da razão para que
o homem tenha conhecimento da lei natural a fim de
cumprir a lei eterna e também a compreensão da utilização
da razão como essencial para que o homem pratique o
bem.
Neste ponto, pode-se compreender a razão
humana como participação na razão divina, e entendendo
que Deus concebe em sua razão somente o bem, também
o homem a partir da razão conhece o bem e passa a ser
de modo racional e livre regulador ético de seus próprios
atos a partir daquilo que concebe da lei natural. Torna-se
a lei natural fundamento para a ética humana, de modo
que ao conceber a lei natural racionalmente o homem
livremente assuma sua inclinação para os fins dados. Por
isso, o homem torna-se providência para si e para os
outros na medida em que se utilizando da razão conhece
a lei natural, princípio do bem agir humano e realização da
vontade divina.
Segundo a teoria tomista, Deus teria colocado em
cada criatura o fim para o qual deve tender para servir de
guia para seus fins. Nos animais e na natureza, como
explicado acima, o fim é alcançado de modo sempre reto,
ou seja, a natureza; inclusive os animais, cumprem sempre
seu fim. O homem, entretanto, explica Aubert (2005), ser
racional que tem como guia de ação a razão não só age
de modo instintivo, mas conhece aquilo que faz. E do
mesmo modo que Deus se utiliza da lei eterna para reger
o mundo, o homem deve através de sua razão apreender
a lei natural para reger suas ações.
Assim, entende-se que a lei natural é o que guia o
homem para uma vida virtuosa, uma vez que nela está o
fim a ser alcançado, enquanto que a virtude é o meio pelo
que se alcança o fim. No entendimento de Tomás de
Aquino, alguns hábitos são adquiridos e servem para
aperfeiçoar a ação e o próprio homem. Entretanto, explica
Rocha (2011) que alguns hábitos segundo a concepção de
Alberto e Tomás são inatos, são estes hábitos inatos que
em conformidade com a natureza humana dispõe o
106 // Estudo de Temas Tomistas
homem para adquirir outras virtudes. Isto é, existe no
homem um princípio da razão prática chamado de
sindérese, uma espécie de intuição dos primeiros
princípios da lei que estabelece o fim das virtudes morais.
No entender de Tomás de Aquino, é a sindérese
responsável por apreender a lei natural para então
preestabelecer em conformidade com a razão um fim para
a virtude moral, ou seja, o bem humano. Neste sentido,
compreende Rocha (2011) que a sindérese é a virtude dos
princípios universais, pois que se apreende tais princípios
através da lei natural, entendida como os próprios
princípios universais. Em síntese, no homem existe uma
virtude inata chamada sindérese pela qual se apreende a
lei natural e dá ao homem a possibilidade de se regular, de
ser providência de si mesmo, pois que a sindérese é a
virtude que revela ao homem a lei natural. Assim, todos os
homens são capazes de conhecer por si a lei natural desde
que utilizem a razão, pois nela está a virtude que permite
conceber a lei de Deus para o homem. Tomás de Aquino
apresenta a sindérese da seguinte maneira:
[…] deve-se dizer que a sindérese se diz lei de nosso
intelecto, enquanto é hábito que contém os preceitos da
lei natural, os quais são os primeiros princípios das
obras humanas (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 560, I-II,
q. 94, a. 1).
Ao conceber a lei natural por meio da sindérese, o
homem concebe seus conteúdos ou preceitos. No
entender de Tomás de Aquino, o primeiro dos preceitos é
o bem. É o bem inerente ao homem, pois tem razão de fim
enquanto que o mal tem razão contrária, por isso, tudo
aquilo para que o homem tenha inclinação natural, a razão
o interpreta como bem. Ou seja, tudo o que naturalmente
o homem tem inclinação é um bem, pois que tudo aquilo
que é natural é da lei natural e sendo a lei natural um modo
de guiar a ação do homem para o bem, tudo o que dela
possa derivar é entendido pela razão como um bem.
O Tratado da Lei em Tomás de Aquino // 107
Por assim dizer, explica Simon que “[…] Bastará,
pues, preguntarse cuáles son las tendencias o
inclinaciones del hombre para saber cuáles son los valores
fundamentales de la vida humana […]” (SIMON, 1981, p.
254). E Tomás de Aquino expõe três inclinações naturais
principais dos seres racionais, sendo delas a primeira
partilhada entre todos os seres, a segunda com os animais
e a terceira específica do homem.
[…] pois é inerente ao homem por primeiro, a inclinação
para o bem segundo a natureza que tem em comum com
todas as substâncias, isto é, conforme cada substância
deseja a conservação de seu ser conforme sua
natureza. E segundo essa inclinação, pertencem à lei
natural aquelas coisas pelas quais a vida do homem é
conservada, e o contrário é impedido. – Em segundo
lugar, é inerente ao homem a inclinação a algumas
coisas mais especiais, segundo a natureza que tem em
comum com os outros animais. E segundo isso, dizemse ser da lei natural aquelas coisas “que a natureza
ensinou a todos os animais”, como união do macho e da
fêmea, a educação dos filhos, e semelhantes. – Em
terceiro lugar, é inerente ao homem a inclinação ao bem
segundo a natureza da razão, que lhe é própria, como
ter o homem inclinação natural para que conheça a
verdade a respeito de Deus e para que viva em
sociedade. E segundo isso, pertencem à lei natural
aquelas coisas que dizem respeito a tal inclinação, como
que o homem evite a ignorância, que não ofenda aquele
com os quais deve conviver, e outras coisas
semelhantes que a isso se referem. (TOMÁS DE
AQUINO, 2005, p. 563, I-II, q. 94, a.2).
Os primeiros preceitos da lei natural seriam então
a conservação do ser, a multiplicação da espécie e a
vivência racional que consiste de modo sintético em o
homem reconhecer-se como dependente de Deus
radicalmente e como um ser de relações sociais.
Entretanto tais preceitos não são necessariamente leis
estabelecidas, mas apenas condições para a lei. No
108 // Estudo de Temas Tomistas
entender de Honnefelder “[…] Elas [inclinações naturais]
não geram normas concretas, mas erguem exigências que
se tornam normas somente através da intervenção
ordenadora da razão. […]” (HONNEFELDER, 2010, p.
330). Assim, os primeiros preceitos se resumem a um
único fim: o bem e por isso se compreende que o primeiro
preceito da lei natural é que o homem pratique e busque o
bem e evite o mal (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 94,
a. 2).
É destes preceitos ou inclinações naturais que o
homem tem base para estabelecer pela razão prática
regras que regularão sua ação. No pensamento tomista
toda ação é fruto do livre-arbítrio, isto é, fruto da vontade
unida à razão prática onde a própria vontade com seu
poder de escolha enquanto penetrada pela razão tem
como objeto próprio as escolhas dos meios para alcançar
um fim. Tudo sempre busca um fim, pois tudo que existe
está sob a lei eterna que infunde em todas as coisas
através da Providência divina a necessidade de um fim. Do
mesmo modo, a vontade no homem se inclina na busca de
fins, entretanto, sozinha a vontade acaba que por tomando
os meios por fins, pois ela busca um fim, mas não
reconhece qual fim é o último. Quando auxiliada pela razão
prática que tem seus fundamentos na lei natural, a vontade
se direciona para a busca do bem absoluto. Entretanto, em
Tomás de Aquino, no entender de Rocha, a ação não é
somente um simples comando racional à vontade, pois
que toda a ação humana tem sua origem no livre-arbítrio,
ou seja, na união entre razão e vontade.
A lei natural na ação do homem é base para as
ações, entretanto, somente conhecê-la não garante a boa
ação. Tomás de Aquino parte da ideia de ação humana
como uma espécie de colaboração harmônica entre a
razão que conhece a verdade e vontade que tende para o
bem. A vontade busca o fim e o bem. Explicando sobre a
vontade Rocha afirma que é o bem que gera o desejo e
movimenta a vontade em direção ao fim último do homem,
O Tratado da Lei em Tomás de Aquino // 109
mas para isso o homem tem de ser virtuoso, pois são as
virtudes que farão o homem merecedor da bemaventurança. As virtudes, com exceção das que já são
inatas, são adquiridas pelo homem através dos hábitos,
mas os hábitos necessitam da lei natural para guiá-los,
pois que toda virtude deve contribuir para o cumprimento
da lei natural.
Por isso Santo Tomás de Aquino afirma que o
homem por si tem condições suficientes para alcançar a
virtude. Entretanto, o homem após o pecado original
perdeu a capacidade de reconhecer o que era
absolutamente bom e verdadeiro e passou a incorrer no
erro de buscar o que aparentemente é verdade. Quando
trata da possibilidade da lei ser abolida do “coração” do
homem Tomás de Aquino (2005, I-II, q. 94, a. 6) responde
que aquilo que é preceito universal ou princípios comuns
não se pode destruir, entretanto, aquilo que é particular ou
prático à razão é impedida de aplicar o que é comum ao
campo prático particular em razão da concupiscência.
Por leis particulares ou práticas o Aquinate entende
aquilo que deriva dos primeiros princípios, aquilo que o
homem com base nos primeiros princípios em acordo com
a razão estabelecerá como regras para sua ação a fim de
alcançar o fim para o qual foi criado. Entretanto, o homem
falha devido ao conhecimento, pois muitos têm a razão
depravada pela paixão, mau costume ou má disposição da
natureza (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 94, a. 4).
Aubert (2005, p. 533) comenta que
[…] A partir do momento que a lei natural incide sobre o
universal, os seus preceitos gerais dever ser aplicados
[…] às realidades concretas da vida humana,
responsabilidade que não se pode deixar às
consciências individuais, sujeitas ao erro ou influências
externas. […].
Assim, não se poderia em sociedade confiar o bem
comum somente a partir daquilo que cada um concebe por
110 // Estudo de Temas Tomistas
sua própria razão, visto quem nem todos têm a razão reta
para retirar dos preceitos universais as práticas humanas.
Tais determinações ou atos legislativos devem ser de
responsabilidade da sociedade ou daquele que a
representa e deve considerar os costumes e a história
particular de cada corpo social. Portanto, devem as leis
humanas, também chamadas de positivas, servir como
uma espécie de razão coletiva da sociedade para conduzilos ao bem comum.
2.3 Lei Humana ou Lei Positiva
É o Direito positivo que tem como finalidade
dissuadir o homem do mal e levá-lo a prática do bem. A lei
humana que deve ter como base a lei natural deve ser
promulgada pela multidão ou governador da comunidade
e deve ter em vista o bem comum. Isto quer dizer que o
legislador não deve governar para si e nem para as
vontades individuais, mas deve priorizar o bem comum da
multidão. O poder de estabelecer leis cabe à multidão, pois
nenhuma ação de um simples particular pode ter força
coagente diante da sociedade, mas somente à multidão ou
ao seu representante (governante) é dado tal poder, pois
que este estabelecerá as penas legais tendo como objetivo
o bem comum. Segundo Pêcego, a força coercitiva da lei
vem do fato de que é constituída numa sociedade a partir
do consenso da multidão ou do seu representante que
recebeu da multidão seu poder. O governante retira de sua
razão a lei que regerá a sociedade tomando como princípio
a lei natural, cuja origem é a lei eterna e, portanto, a razão
de Deus.
Tudo tem de certo modo seu fim em Deus, então
do mesmo modo que a Providência divina rege o mundo a
partir da lei eterna que está na razão divina, do mesmo
modo, a lei humana criada a partir da razão do governante
servirá de base para as ações dos homens na sociedade,
de modo que também se cumpra a lei natural. A lei humana
O Tratado da Lei em Tomás de Aquino // 111
seria uma espécie de “guia prático” da lei natural. Pela lei
humana se pode forçar o homem a viver segundo a virtude
de modo que haja o bem comum na sociedade.
Segundo Tomás de Aquino, para que a lei seja
justa deve estar de acordo com a lei natural, por isso, a lei
humana deriva da lei natural. Tomás explica que a lei
positiva pode derivar da lei natural de dois modos (TOMÁS
DE AQUINO, 2005, I-II, q. 95, a. 2), o primeiro por
conclusão dos princípios: por exemplo, o governante que
percebendo que não matar não faz mal a ninguém e
preserva a comunidade deduz que matar não é algo bom
e, portanto, não se deve matar; o segundo modo é por
determinações, ou seja, decisões que só têm vigor em
favor da lei humana. Das determinações podemos
entender, por exemplo, as penas que devem sofrer
aqueles que transgridam a lei; as penas são
determinações que existem e têm vigor somente em favor
da lei humana. Toda a lei humana deve ser racional, pois
que a lei humana é certa particularização da lei natural
indispensável para que esta possa adaptar-se às
características de cada sociedade. A lei humana então é
certo modo de se fazer cumprir a lei natural numa
determinada sociedade a partir de regras que regulam as
ações particulares de cada membro da comunidade.
Entretanto, a lei positiva não tem função de
assegurar que todas as virtudes humanas sejam perfeitas
nos que estão sob ela regidos. A lei positiva busca em
primeiro lugar, o bem comum, ou seja, tem como objetivo
assegurar a boa ordem e a paz, não deve ela segundo
Turienzo (2002) se limitar a coibir todos os vícios, mas
somente aqueles que afetam diretamente o bem comum
da sociedade, ou seja, a lei positiva deve estar voltada
para os ocorridos mais frequentes, deve regular de modo
que tenha caráter de universalidade para evitar a
multiplicação inútil de leis e também o desprestígio das já
estabelecidas
Existem então para regular a sociedade, a lei
humana ou o Direito positivo é dividido em duas espécies:
112 // Estudo de Temas Tomistas
Direito das gentes e Direito civil e são derivadas a partir da
lei da natureza como explicado anteriormente. De tal modo
explica o Direito das gentes e o Direito civil da seguinte
maneira:
[…] pertencem ao Direito das gentes aquelas coisas que
derivam da lei da natureza como as conclusões dos
princípios, como as compras justas, as vendas, e outras
coisas semelhantes, sem as quais os homens não
podem conviver um com os outros, o que é da lei da
natureza, porque o homem é naturalmente animal
social, como se prova no Livro I da Política. Aquelas
coisas, entretanto, que derivam da lei da natureza, a
modo de determinação particular, pertencem ao Direito
civil, segundo o qual qualquer cidade determina algo a
ela acomodado. […] (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p.
581, I-II, q. 95, a. 4).
Portanto, entende-se que o Direito civil é próprio de
cada nação enquanto que o “Direito das gentes” significa
o Direito natural explicitado pela lei humana, como uma
tradução da lei natural. Assim, o Direito das gentes serve
para regular o homem naquilo que lhe é exigido como
criatura racional.
O homem, como criatura racional, na teoria tomista
é naturalmente inclinado à virtude, entretanto, se faz
necessário determinada disciplina para que tenha tal
virtude de modo perfeito (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II,
q. 95, a. 1). No entender de Tomás de Aquino, não seria a
lei humana necessária se todos os homens fossem
inclinados aos atos de virtude por terem boa disposição da
natureza, do costume e do dom divino, para estes somente
o conselho seria o suficiente para as virtudes. No entanto,
existem alguns imprudentes inclinados ao vício que não se
movem facilmente apenas pelas palavras; assim explica o
Aquinate:
O Tratado da Lei em Tomás de Aquino // 113
[…] foi necessário que pela força e pelo medo fossem
coibidos do mal, de modo que, ao menos desistindo
assim de fazer o mal, aos outros, tornassem tranqüila a
vida, e os mesmos, por fim, por força de tal costume,
fossem conduzidos a fazer voluntariamente o que antes
cumpriam por medo, e assim se tornassem virtuosos.
[…] (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 574, I-II, q. 95, a. 1).
Essa disciplina que se utiliza do medo das penas é
a disciplina das leis. Para o Aquinate, o homem corrompido
pelo pecado não é capaz de obedecer fielmente à lei
natural e, portanto, somente ela não basta para fazer dele
virtuoso, entretanto, o pecado e o vício presentes no
homem são como obstáculos para o funcionamento da lei
natural. Por isso, explica Aubert que a lei humana tem a
função de ensinar de modo oficial numa sociedade a lei
natural seja forçando a agirem bem aqueles que com seus
vícios prejudicam a sociedade seja para dar a todos uma
verdadeira educação da consciência.
A lei humana, então, pode ser entendida como
portadora de função pedagógica e absolutamente
indispensável para a vida social, porque é através da lei
positiva que se pode fazer virtuoso mesmo aquele que se
inclina aos vícios. Entretanto, a preocupação da lei
humana está em coibir os vícios, mas não todos. Tomás
de Aquino explica que a lei humana coíbe os vícios que de
modo direto possam interferir na paz e na ordem da
comunidade (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 96, a. 2)
e que é de possível que a maior parte dos homens se
abstenha. Destes, principalmente aqueles que de modo
direto afetam o outro como o homicídio, o roubo ou coisas
semelhantes. Do mesmo modo sobre as virtudes a lei
humana não está para preceituar sobre todos os atos de
todas as virtudes (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 96,
a. 3), mas àquelas que são ordenáveis ao bem comum
como a justiça e a paz.
Para que se assegure o poder regulador da lei se
faz necessário que ela seja maleável, pois e
114 // Estudo de Temas Tomistas
diferentemente da lei natural a lei humana não é imutável
(TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 97, a. 1). No entender
de Fraile (1975), para que se possa sempre garantir o bem
comum da comunidade a lei positiva não deve ser
imutável, mas deve quando necessário sofrer mudanças
que variam conforme as circunstâncias e o tempo. Como
já é de conhecimento a lei é um ditame da razão e,
portanto, a partir do conhecimento adquirido a lei pode ser
aperfeiçoada pela razão na medida em que esta se
desenvolve e se aperfeiçoa, do mesmo modo pode a lei
mudar devido às também mutáveis condições humanas.
Entretanto, a lei nunca perde seu caráter pedagógico, ela
somente se modifica para melhor cumprir sua função na
sociedade, a busca pelo bem comum.
PARTE III:
A PRUDÊNCIA EM TOMÁS DE AQUINO
Prof. Rodrigo Gabriel Matos62
62
Rodrigo Gabriel Matos é professor de Filosofia, pela PUCPR. Esta é
parte de uma pesquisa maior apresentada na PUCPR, como trabalho
de conclusão de curso.
116 // Estudo de Temas Tomistas
[...] a prudência é, absolutamente,
a mais importante de todas as virtudes.
(TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 164, I-II q. 61 a. 3)
-IO PENSAMENTO ÉTICO DE TOMÁS DE AQUINO
O pensamento ético de Tomás de Aquino faz parte
de um grande sistema filosófico e teológico elaborado pelo
autor, de modo que não é um pensamento desconexo.
Assim, para apresentar a ética tomista, mesmo que de
modo geral, partimos primeiro da apresentação da Suma
teológica, visto que esta obra apresenta as conexões de
seu pensamento ético com as outras partes de seu
sistema.
1.1 A Estrutura da Suma Teológica
Apesar das diversas fontes a partir das quais
Tomás de Aquino formulou seu pensamento, o fato de ter
dialogado profundamente com a filosofia aristotélica, como
tratamos no capítulo anterior, o conduziu a um esforço
para conciliar a fé e a razão. De maneira geral, todo este
esforço está sintetizado na Suma teológica. Como observa
Nicolas (2003), a Suma unifica toda a obra de Tomás de
Aquino, isto porque ela já é uma obra de maturidade do
autor, que constitui uma síntese de seu pensamento e de
sua visão de mundo.
Além disso, a Suma foi pensada e estruturada para
ser um instrumento de ensino da doutrina cristã, de modo
que, além de sintética, é possível classificá-la como
pedagógica, a partir de uma referência do próprio autor:
“[...] nos propusemos nesta obra expor o que se refere à
religião cristã do modo mais apropriado à formação dos
iniciantes” (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 135, I prol.).
Ora, todos os conteúdos da Suma estão divididos em
questões, e cada questão se divide em artigos, que
abordam temáticas menores relativas à questão. Os
artigos, por sua vez, sempre partem de uma interrogação,
118 // Estudo de Temas Tomistas
à qual é apresentada uma resposta aparente e os
argumentos que a sustentam; em seguida, é apresentada
uma contestação à resposta, sempre retirada da Sagrada
Escritura ou de alguém considerado autoridade de
conhecimento para a época (filósofos ou santos, tais como
Aristóteles, Cícero, Agostinho, Ambrósio etc.) e então
Tomás de Aquino apresenta sua resposta à questão e
refuta a cada um dos argumentos apresentados para
sustentar a resposta aparente.
Como observa Torrell (2011), já no início da Suma
sua estrutura é apresentada, sendo ela dividida em três
partes: a primeira trata da questão de Deus e da essência
divina, que é o princípio e fim de todas as coisas, e do
modo pelo qual as criaturas procedem de Deus; a segunda
trata do homem, da sua finalidade (que é alcançar a
felicidade, ou seja, contemplar a Deus) e dos meios pelos
quais ele se aproxima ou se afasta dela; e a terceira trata
sobre Jesus Cristo, o Salvador da humanidade, caminho
que conduz o homem a Deus:
o principal intento, pois da doutrina sagrada é transmitir
o conhecimento de Deus, não somente enquanto
existente em si, mas ainda como princípio e fim dos
seres e, especialmente, da criatura racional [...]. Ora,
pretendendo fazer a exposição destra doutrina, 1°
trataremos de Deus; 2° do movimento da criatura
racional para Deus; 3° de Cristo que, enquanto homem,
é via para tendermos a Deus (TOMÁS DE AQUINO,
2003, p. 161, I q. 2, prol.).
Como é possível notar, o objetivo de Tomás de
Aquino não consiste apenas em ensinar a doutrina cristã
sobre bases racionais, mas fazer com que, conhecendo a
doutrina, os homens se voltem para Deus e busquem sua
salvação. E é a partir desta base que se compreende a
ética tomista, apresentada principalmente na segunda
O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 119
parte da Suma63, que é exatamente a parte que trata do
movimento da criatura racional para Deus: para Tomás de
Aquino, a ética orientará a ação do homem para que,
agindo bem, atinja o seu fim último, que é a contemplação
de Deus, o Sumo Bem. Assim, compreendemos que a
ética tomista parte de uma compreensão do ser humano e
de sua finalidade.
1.2 A Compreensão do Homem e sua Finalidade
Antes de buscar exatamente a compreensão da
ética de Tomás de Aquino, é preciso compreender, de
maneira geral, o que é a ética. Apresentamos aqui uma
definição:
ética [...] - em geral, a ciência da conduta. Existem duas
concepções fundamentais dessa ciência: 1ª a que
considera como ciência do fim a que a conduta dos
homens se deve dirigir e dos meios para atingir tal fim; e
deduz tanto o fim quanto os meios da natureza do
homem; 2ª a que a considera como ciência do móvel da
conduta humana e procura determinar tal móvel com
vistas a dirigir ou disciplinar a mesma conduta
(ABBAGNANO, 1970 p. 360).
Partindo desta definição, e conhecendo o projeto
apresentado por Tomás de Aquino, no qual o homem tem
por finalidade a felicidade, que consiste em voltar a Deus,
compreendemos que a ética tomista será a ciência do fim
ao qual o homem tende e dos meios para atingir este fim.
Assim, no início da discussão sobre a ética, encaminhada
por Tomás de Aquino, estarão os problemas do finalismo
63
Apesar de existirem outras obras de Tomás de Aquino sobre a ética,
tais como os comentários à Ética a Nicômaco e à Política de Aristóteles,
e diversas Questões disputadas, a Suma teológica, por sua
constituição, nos oferece um panorama excelente desta temática, de
modo que não é necessário recorrer às outras obras para a finalidade
deste trabalho.
120 // Estudo de Temas Tomistas
e do agir humano. Não é por acaso que a primeira questão
da segunda parte da Suma tratará do Último fim do
homem. Como explica Turienzo (2002), o fato de
considerar a contemplação divina como finalidade do
homem fará da ética tomista uma ética essencialmente
teológica. Este fato, entretanto, não a impede de ser
rigorosamente lógica e racional.
Como está explícito na definição apresentada, toda
ética finalista visa um fim deduzido da natureza humana,
ou seja, de uma compreensão antropológica do homem.
Como explica Nicolas (2005), a antropologia tomista
perpassa as três partes da Suma teológica, mas é na
primeira parte que se encontra o tratado acerca do
homem, no qual é apresentada a compreensão do homem
em virtude apenas de sua natureza. Neste tratado,
encontraremos a definição do homem como união
substancial da alma e do corpo:
mas porque está unida ao corpo como forma, a alma
deve encontrar-se no corpo inteiro e em cada uma de
suas partes, porque ela não é uma forma acidental, mas
substancial. Ora, a forma substancial constitui não só a
perfeição do corpo, mas ainda de cada parte (TOMÁS
DE AQUINO, 2005, p. 399, I q. 1 a. 8)
É importante observar que, para Tomás de Aquino,
a alma não é apenas o princípio motor do corpo, é antes
“princípio intelectivo que se une ao corpo como forma”
(TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 372, I q. 76 a. 1). Como
explica Lima Vaz, Tomás de Aquino considera o homem
uma unidade hilemórfica64, rejeitando assim a tese da
pluralidade das formas substanciais de um mesmo
“Segundo o hilemorfismo, toda realidade natural é composta de
matéria e forma. Mais especificamente, o hilemorfismo sustenta que
cada corpo natural é composto de dois princípios substanciais: a
matéria (ou matéria prima) e a forma substancial. Estes princípios estão
relacionados entre si do mesmo modo como estão a potência e o ato”
(MORA, 1986, p. 1508, tradução nossa).
64
O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 121
composto, que até então possuía diversos adeptos. Deste
modo, a alma intelectiva será “o ato que o integra [o corpo]
na perfeição do ser-homem e da sua unicidade deriva a
unicidade do agir e do fazer humanos” (LIMA VAZ, 1993 p.
69). Desta maneira, da compreensão do homem como
animal racional conclui-se que, exatamente pelo fato de a
racionalidade ser a diferença específica do homem que
este, compreendendo seu lugar na natureza, empreende a
busca de seu fim, que é a felicidade (LIMA VAZ, 1993).
É preciso considerar aqui que Tomás de Aquino
compreende o intelecto humano a partir de duas
finalidades diferentes, ou seja, embora o intelecto seja
uma única potência da alma, será chamado de intelecto
especulativo e intelecto prático: aquele, para designar a
finalidade do conhecimento da verdade, ou seja, de
consideração do que é bom para alcançar a felicidade e
este, para aplicar o que foi obtido do outro à ação, ou seja,
encontrar e aplicar os meios necessários ao bem agir:
e tal é a diferença entre o intelecto especulativo e o
intelecto prático. O intelecto especulativo é aquele que
não ordena o que apreende para a ação, mas somente
para a consideração da verdade. Ao contrário, o
intelecto prático ordena para a ação aquilo que apreende
(TOMÁS DE AQUINO, 2005, p.459, I q.79 a. 11).
Entretanto, para Tomás de Aquino, o agir humano
não será determinado apenas pelo intelecto (razão), mas
também pela vontade, que é entendida como um apetite
racional que tende ao bem:
[...] a vontade é um apetite racional. Todo apetite é
somente do bem. A razão disto está em que o apetite
nada mais é do que a inclinação daquele que deseja
alguma coisa. Ora, nenhuma coisa se inclina senão para
algo semelhante e conveniente a si (TOMÁS DE
AQUINO, 2003, p. 143, I-II q. 8 a.1).
122 // Estudo de Temas Tomistas
A vontade, entretanto, embora seja um apetite
racional, não é movida apenas pelo intelecto. Tomás de
Aquino explica que além do intelecto, a vontade é movida
pelos apetites sensíveis, por si própria, e por um princípio
exterior, no caso, Deus (I-II q. 9). Assim, se compreende
que os atos humanos não são puramente racionais, mas
também volitivos, e é exatamente a relação entre o
intelecto e a vontade que caracteriza a liberdade das
ações humanas, ou seja, o livre arbítrio:
a escolha é o ato próprio do livre-arbítrio. Somos livres,
enquanto podemos aceitar uma coisa, rejeitada outra: o
que é escolher. Deve-se portanto considerar a natureza
do livre arbítrio segundo a escolha. Ora, para a escolha
concorre algo da parte da potência cognoscitiva e algo
da parte da potência apetitiva. Da parte cognoscitiva
requer-se o conselho pelo qual se julga o que deve ser
preferido; da parte apetitiva requer-se que, ao desejar,
aceite o conselho que julga (TOMÁS DE AQUINO, 2005,
p. 491, I q.83 a.3).
Esta concepção do homem como ser livre, a partir
de sua razão e de sua vontade, é o alicerce da ética
tomista, pois, tendo em vista que a finalidade do homem é
a bem aventurança, estes são, segundo Tomás de Aquino,
os requisitos para alcançá-la:
chama-se bem aventurança a aquisição do perfeito bem.
Por isso, quem seja capaz do sumo bem pode chegar à
bem aventurança. Vê-se que o homem é capaz do sumo
bem porque o seu intelecto pode apreender o bem
perfeito e universal, e a sua vontade pode desejá-lo. Por
isso, o homem pode conseguir a bem-aventurança
(TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 96, I-II q. 5 a.1).
Deste modo, todo pensamento ético de Tomás de
Aquino (a concepção dos atos humanos, das paixões da
alma, das virtudes, dos vícios, etc.), e inclusive seu
pensamento político parte desta concepção do homem
O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 123
como um ser livre que tem a felicidade (Deus) por
finalidade, tende naturalmente a ela, e possui em si próprio
os meios para alcançá-la, embora seja necessário um
esforço, que é a prática da virtude, para isso.
1.3 A Bondade ou Maldade dos Atos Humanos
e as Paixões da Alma
Ao definir a finalidade do homem como a busca da
felicidade ou bem-aventurança, Tomás de Aquino
compreenderá os atos humanos como bons à medida que
conduzirem o homem a ela e maus à medida que o
afastarem. Entretanto, para obter suas conclusões, o
Aquinate, na prima secundae (primeira seção da segunda
parte) da Suma, faz um minucioso estudo da estrutura dos
atos humanos. Essa estrutura nos é apresentada de um
modo sintético por Boehner e Gilson, segundo os quais, no
pensamento tomista, o ato humano é compreendido da
seguinte maneira: a intenção, que é a direção da vontade
para um determinado fim; o conselho, que é a deliberação
sobre os meios para atingir o fim visado pela vontade; o
consentimento, que é o reconhecimento, a partir dos juízos
formulados durante o conselho, de uma bondade no ato a
ser praticado, que o torna desejável e o faz adquirir um
valor subjetivo; e a eleição, que é um ato comum do
intelecto e da vontade que determina a prática da ação, é
a última decisão, a não ser que exista apenas uma
possibilidade, o que faz com que a decisão de praticar
determinada ação coincida com o consentimento
(BOEHNER; GILSON, 2009).
Como fica claro, o ponto de partida para o ato
humano é a intenção, ou seja a vontade. No entanto, para
Tomás de Aquino a vontade tende sempre ao bem, ou seja
tende sempre ao fim último do homem, exatamente porque
é racional:
[...] deve-se dizer que somos senhores de nossos atos
enquanto podemos escolher isso ou aquilo. A escolha
124 // Estudo de Temas Tomistas
não versa sobre o fim, ela versa sobre os meios para o
fim [...]. Em consequência, o desejo do fim último não faz
parte dos atos de que somos senhores (TOMÁS DE
AQUINO, 2005, p. 477, I q.82 a.1)
Ora, se a vontade tende naturalmente ao Sumo
bem, e a possibilidade de escolha do homem está limitada
aos caminhos a serem percorridos para atingir este bem,
então o mal, neste sentido, só será possível a partir do
momento em que o homem forma uma opinião errônea
sobre os meios pelos quais atingir sua finalidade, fazendo
com que sua vontade tenda ao mal, pelo aspecto de bem
que este aparenta. Aliás, para Tomás de Aquino, todo mal
possui algo de bem, por compreender o bem no sentido
ontológico. Como observa Fraile (1975), no pensamento
tomista o bem ontológico das coisas está no fato de elas
serem conforme a sua natureza, do mesmo modo que o
mal está no defeito em ser de acordo com a natureza.
Entretanto, como não existe o completo não ser, não
existirá o mal supremo, mas o mal como um defeito do
bem:
[...] deve-se falar do bem e do mal nas ações como do
bem e do mal nas coisas, porque cada coisa age como
é. Também cada coisa tem de bem quanto tem de ser,
pois o bem e o ente se convertem [...]. Somente Deus
possui toda a plenitude do seu ser segundo é uno e
simples. Mas cada coisa possui a plenitude do ser que
lhe convém segundo é diversa. [...] deve-se dizer que o
mal age em virtude de um bem deficiente. Se aí não
houvesse nada de bem, não haveria ente, nem poderia
agir. Por isso, a ação causada é um bem deficiente, que
segundo certo aspecto é bem, e mal de modo absoluto
(TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 239, I-II q. 18 a. 1).
Partindo desta concepção, é necessário
compreender que, mais do que uma norma moral fixa para
atos bons e maus, a moralidade se aplica de maneira
diferente a cada caso. Elders (2008) explica que Tomás de
O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 125
Aquino, para considerar a moralidade do ato, analisa o
objeto, as circunstâncias e o fim buscado. Isto porque é
completamente diferente, por exemplo, o caso de alguém
que mata para roubar do que alguém que mata em legítima
defesa.
Além disso, entretanto, é preciso considerar que o
homem não é apenas um ser racional e suas ações não
existem apenas no limite da razão. Tomás de Aquino
também trata das paixões, ou seja, dos apetites sensíveis
que existem no homem por conta de sua natureza
corpórea: movimentos da sensibilidade, observadas nos
movimentos afetivos, nos sentimentos e nas emoções.
Albert Plé (2003) faz a importante observação de que, para
Tomás de Aquino, mesmo que as paixões sejam
consideradas apetites sensíveis, todas elas são paixões
da alma, pois esta é o princípio de toda a vida vegetativa
e animal: isto evoca novamente o conceito de homem
como unidade de corpo e alma. Além disso, é importante
considerar que a palavra “paixão”, no pensamento tomista,
possui um sentido que não coincide com o uso
contemporâneo: a paixão é entendida como a modificação
do sujeito, no plano da afetividade, em função da atração
que um objeto exterior exerce sobre ele, quer ele o aceite
ou recuse (PLÉ, 2003).
Tomás de Aquino apresenta a distinção entre as
paixões: podem ser elas concupiscíveis ou irascíveis. As
paixões concupiscíveis são aquelas que movem o homem
a desejar o que é sensivelmente bom, e as irascíveis são
aquelas que levam o homem a vencer os obstáculos que
impedem o concupiscível de tender ao seu objeto:
[...] deve-se dizer que o bem, enquanto agradável move
o concupiscível. Mas se o bem a ser atingido apresenta
alguma dificuldade, por isso tem algo que se opõe ao
concupiscível. Era preciso que houvesse outra potência
que tenda para este fim. A mesma razão vale para o mal.
Essa potência é o irascível. Donde se segue que as
126 // Estudo de Temas Tomistas
potências do concupiscível e do irascível diferem em
espécie (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 312, q. 23 a. 2)
As paixões concupiscíveis e irascíveis são
enumeradas por Tomás de Aquino, que posteriormente as
explica detalhadamente (I-II q. 23 a.4). As concupiscíveis
são o amor e o ódio, o desejo e a aversão, e o prazer ou
alegria e a tristeza. As irascíveis são a esperança e o
desespero, a audácia e o temor, e a ira. No que se refere
à moralidade de cada uma dessas paixões, Tomás de
Aquino as considerará neutras, de modo que será a sua
submissão ou não às faculdades superiores da razão e da
vontade que fará delas boas ou más:
as paixões da alma podem ser consideradas de duas
maneiras: primeiro, em si mesmas; segundo, enquanto
dependem do império da razão e da vontade. Se pois,
as paixões forem consideradas em si mesmas, ou seja,
enquanto movimentos do apetite irracional, desse modo
não há nelas bem ou mal moral, o que de depende da
razão, como foi dito antes (TOMÁS DE AQUINO, 2003,
p. 319, I-II q. 24 a.1).
Entendendo desta maneira as paixões, Tomás de
Aquino as relacionará, juntamente com o livre arbítrio, ou
seja, a razão e a vontade, ao desenvolvimento das virtudes
e dos vícios, que serão os elementos que facilitarão ou
degradarão a vida moral do homem.
1.4 As Virtudes e os Vícios
O conceito de virtude de Tomás de Aquino, tal
como toda a sua ética, faz parte de um todo, que constitui
seu sistema de pensamento. Lima Vaz (2006) observa que
o Aquinate sintetiza, em seu tratado das virtudes, o
conceito aristotélico de virtude como mediania entre dois
extremos, e o conceito agostiniano, que compreende a
O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 127
virtude como uma boa qualidade da mente pela qual se
vive com retidão.
O tratado das virtudes se encontra na prima
secundae da Suma. Entretanto, antes de tratar
propriamente das virtudes, Tomás de Aquino discorre
sobre o hábito, que é o ponto de partida para a
compreensão das virtudes. Como explica Torrell, o
conceito de hábito, para Tomás de Aquino, não possui o
significado de uma ação fixa e determinada, como
normalmente o compreendemos. Hábito (habitus),
tradução da palavra grega exis, siginifica alguma coisa que
se tem (habere = ter), uma disposição, uma capacidade da
natureza humana de se desenvolver em uma certa
direção, “uma capacidade de adaptação e de
ultrapassagem sempre nova, que aperfeiçoa a faculdade
na qual nasce e lhe dá uma perfeita liberdade de exercício,
fonte de um verdadeiro prazer no agir” (TORRELL, 2008,
p. 318).
Tomás de Aquino apresenta esta explicação
porque compreenderá a virtude, em si, como um hábito.
Tendo em vista a busca da perfeição humana, o filósofo
sabe que esta não se pode obter em um único momento,
mas ao longo de toda a vida, a partir de atos voluntários
dirigidos pela razão. Como observa Fraile (1975), a alma
humana realiza atos que lhe são próprios a partir das
diversas faculdades de conhecimento e de ação, e pela
repetição destes atos, tais faculdades adquirem
qualidades que as reforçam e as dispõem para agir em um
determinado sentido com maior facilidade. Estas
qualidades são as virtudes e os vícios. Deste modo,
compreende-se a virtude como uma disposição para agir
bem: a virtude é um hábito bom, que confere perfeição às
potencias da alma. O sujeito da virtude é a própria alma,
não enquanto potência de ser, mas enquanto princípio de
agir, ou seja, a natureza da virtude é uma forma de agir,
embora a perfeição da virtude não esteja em sua natureza,
mas na razão, que escolhe os melhores meios para agir:
128 // Estudo de Temas Tomistas
a virtude designa certa perfeição da potência. Mas a
perfeição de uma coisa é considerada, principalmente,
em ordem ao seu fim. Ora, o fim da potência é o ato.
Portanto, a potência será perfeita na medida em que é
determinada por seu ato. Existem, porém, potências que
são determinadas em si mesmas para os seus atos,
como as potências naturais ativas e, por isso, elas
próprias se chamam virtudes. – Já as potências
racionais, próprias do homem, não são determinadas a
uma coisa só, antes se prestam, indeterminadamente, a
muitas coisas. Ora, é pelos hábitos que elas se
determinam aos atos [...]. Por isso, as virtudes humanas
são hábitos (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 95, I-II q.55
a.1)
Ao caracterizar a virtude como hábito, Tomás de
Aquino passa a discorrer sobre a ação das virtudes nas
potências da alma e a partir das diferentes potências da
alma aperfeiçoadas pelas virtudes, estas serão
classificadas: as que aperfeiçoarem a potência do intelecto
serão chamadas de virtudes intelectuais, e as que
aperfeiçoarem a potência apetitiva serão chamadas de
virtudes morais:
a virtude humana é um hábito que aperfeiçoa o homem,
para proceder bem. Ora, os atos humanos só têm dois
princípios, ou seja o intelecto ou razão e o apetite [...]. É
preciso pois que a virtude humana aperfeiçoe um desses
dois princípios. Se for virtude que aperfeiçoa o intelecto
especulativo ou prático para o bom agir do homem, a
virtude será intelectual; se aperfeiçoar a potência
apetitiva, será virtude moral, donde se conclui que toda
virtude humana é intelectual ou moral (TOMÁS DE
AQUINO, 2005, p. 134, I-II q. 58 a. 3).
Por compreender o intelecto como especulativo e
prático, Tomás de Aquino classificará as virtudes
intelectuais de acordo com o intelecto que aperfeiçoam. As
que aperfeiçoam o intelecto especulativo serão chamadas
intelecto, sabedoria e ciência. Tomás de Aquino explica
O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 129
que aperfeiçoar o intelecto especulativo significa o
aperfeiçoar na compreensão da verdade (I-II q. 57 a. 2).
Deste modo, o hábito que leva a verdade a ser
considerada em si mesma e percebida imediatamente pelo
intelecto é denominada homonimamente por intelecto, que
é o hábito dos princípios. O hábito que analisa e organiza
as coisas e conduz o homem à compreensão das causas
primeiras para que possa ter um juízo perfeito e universal
de tudo é a sabedoria. E, por fim, o hábito que aperfeiçoa
o intelecto em um determinado gênero do conhecimento é
a ciência. No que se refere ao intelecto prático, as virtudes
que o aperfeiçoam são a prudência e a arte. A arte está
relacionada à aplicação da razão ao domínio da produção
das coisas, e a prudência consiste na “razão reta dos
próprios atos humanos” (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p.
123, I-II q. 57 a. 4). Por esse motivo, todas as virtudes
morais terão ligação com a prudência (que de certa forma
é uma virtude moral), pois todas elas dependerão da reta
razão.
Com relação às virtudes morais, embora sejam
diversas, podem elas ser reduzidas a três: a justiça, a
temperança e a fortaleza. Estas três virtudes, juntamente
com a virtude da prudência, serão chamadas de virtudes
cardeais, pelo fato de todas as demais virtudes girarem em
torno delas. Tomás de Aquino explica que o princípio
formal da virtude é o bem da razão (I-II q. 61 a. 2). A justiça
será a aplicação deste princípio no que se refere às ações;
a temperança e a fortaleza no que se refere às paixões:
esta quando a paixão afasta o homem das normas da
razão, e ele deve se firmar no que é racional, e aquela,
quando a paixão impele o homem a algo contrário à razão
e deve ser controlada. Torrell (2008) observa que, neste
sentido, é função da temperança disciplinar o
concupiscível, e função da fortaleza tornar o irascível mais
forte. Deste modo, utilizando-se corretamente das paixões,
a virtude fortalece o homem em seu apego ao bem, ao
130 // Estudo de Temas Tomistas
passo que se cedesse à inclinação natural de suas
paixões, conduziria o homem à desagregação.
Como já vimos, para Tomás de Aquino as virtudes
conduzem o homem à boa ação (I-II q. 62). Deste modo,
saindo do campo da filosofia e adentrando o campo da
teologia, o Aquinate apresenta uma nova classe de
virtudes, as teologais. São elas: fé, esperança e caridade.
Torrell (2008) explica que, no pensamento tomista, embora
o homem possua a capacidade de adquirir as virtudes
intelectuais e morais, se fosse deixado à sua própria força,
não conseguiria alcançar seu êxito pessoal e comunitário.
Deste modo, partindo do ensinamento da revelação cristã
de que o homem é chamado a uma bem aventurança que
supera suas capacidades, são identificadas virtudes
infundidas por Deus no homem para que este possa atingir
seu fim sobrenatural. Por fim, ainda no âmbito teológico,
Tomás de Aquino trata dos dons do Espírito Santo, que,
além das virtudes teologais, consistem também em auxílio
divino para que o homem atinja sua finalidade.
Terminada a sua exposição sobre as virtudes,
Tomás de Aquino considera a questão dos vícios e dos
pecados. Ora, os vícios são entendidos como hábitos
opostos às virtudes. Portanto, se a virtude é a perfeição da
ação de acordo com a natureza humana, o vício será uma
ação contra a mesma, ou seja, uma ação contra a razão,
e mais do que isso, um hábito que leva o homem a agir
cada vez com mais facilidade contra os seus princípios
racionais:
o vício opõe-se à virtude. Ora, a virtude de cada coisa
consiste em que esteja bem disposta segundo o que
convém à sua natureza. Logo, deve chamar-se vício, em
qualquer coisa, o fato de estar em disposições contrárias
ao que convém à sua natureza [...]. Mas, deve-se notar
que a natureza de uma coisa é antes de tudo a forma
pela qual recebe a espécie. Ora, o que constitui a
espécie humana é a alma racional. Eis porque, tudo o
que é contra a ordem da razão é, propriamente, contra
O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 131
a natureza do ser humano considerado como tal [...]. Por
conseguinte, a virtude humana, a que faz com que o ser
humano seja bom e boa também sua obra, está em
conformidade com a natureza humana, na medida em
que ela está em harmonia com a razão. E o vício é contra
a natureza humana, na medida em que é contra a ordem
racional (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 292-293, I-II q.
71 a .2).
Tomás de Aquino trata sobre os vícios e os
pecados na mesma parte da prima secundae, mas
discorre muito mais sobre o pecado, que se refere à
teologia, do que sobre o vício, que seria mais filosófico.
Entretanto, como explica Mongillo, Tomás de Aquino une
o vício e o pecado, utilizando-os quase como sinônimos,
afirmando que ambos são contrários à virtude. Tomado em
si, o vício é compreendido como uma falta, uma desordem
que tende a se tornar um modo de ser. O vício se enraíza
na pessoa, tornando-a indisponível à sua natureza e ao fim
ao qual ela se ordena, acarreta uma espécie de
desagregação interna. E tomado em si, o vício pode ser
engendrado por um pecado mortal, que acarreta uma
ruptura entre o apetite sensível e o racional e compromete
a relação do ser humano com seu fim último que é a fonte
de toda a ordem moral (MONGILLO, 2005).
Ainda sobre este tema, Bortolo Valle (2011) explica
que, no pensamento tomista, o vício é o hábito que impede
o homem de ser melhor naquilo que é e no que faz,
entretanto, para um homem ser bom não basta a prática
da virtude, pois a ação individual só se realiza plenamente
em sociedade. Deste modo, tal como em Aristóteles, a
ética de Tomás de Aquino será a base para seu
pensamento político, visto que a moralidade humana não
envolve apenas princípios internos, mas também
princípios externos, e estes princípios são as leis que,
embora façam parte do pensamento político, por serem
guias das ações humanas também fazem parte do
pensamento ético.
132 // Estudo de Temas Tomistas
1.5 A Natureza da Lei
Tal como citamos acima, Tomás de Aquino
compreende que faz parte da natureza do homem viver em
sociedade. Entretanto, a vida social exige princípios que
regulem as ações humanas em vista do bem comum.
Estes princípios são chamados de leis:
a lei é certa regra e medida dos atos, segundo a qual
alguém é levado a agir, ou a apartar-se da ação. Diz-se,
com efeito, “lei” “do que deve ser ligado”, pois obriga a
agir. A regra e a medida dos atos humanos é, com efeito,
a razão, a qual é o primeiro princípio dos atos humanos
[...]; cabe, com efeito, à razão ordenar ao fim, que é o
primeiro princípio do agir, segundo o Filósofo. Em cada
gênero, com efeito, o que é princípio é medida e regra
desse gênero, como a unidade no gênero do número, e
o primeiro movimento no gênero dos movimentos. Daí
resulta que a lei é algo que pertence à razão (TOMÁS
DE AQUINO, 2005, p. 522, I-II q. 90 a. 1).
O fato de a lei pertencer à razão faz com que ela
seja formulação das exigências racionais para se alcançar
o bem comum, a fim de que ela não seja injusta. Como
observam Boehner e Gilson, visto que o fim dos atos
humanos é a beatitude (felicidade), então a lei deve servir
para conduzir o homem à beatitude, entretanto não como
um indivíduo isolado, mas como participante de uma
coletividade. Por este motivo, ela deve emanar da
comunidade ou de seu legítimo representante (BOEHNER;
GILSON, 2009).
Tomás de Aquino apresenta e explica os diferentes
tipos de lei: a lei eterna é a razão de Deus, que governa
todo o universo, e é assim chamada pelo fato de Deus não
conceber nada no tempo; a lei natural é a manifestação da
lei eterna na natureza humana, que dirige e orienta os
homens ao seu fim último, de modo que é única para todos
os homens, imutável e conhecida por todos em seus
O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 133
princípios comuns (fazer o bem e evitar o mal), acerca dos
quais não cabe ignorância a nenhum homem; e a lei
humana é a definição e aplicação da lei natural a casos
particulares de cada nação ou comunidade política, sendo
mutável de acordo com as circunstâncias visto que pode
ser compostas por determinações que não são conclusões
diretas da lei natural (I-II q. 91).
Aubert (2005) salienta que a lei possui uma função
pedagógica ao conduzir o homem para o seu fim último.
Lima Vaz (2006), por sua vez, entende que a partir do
desenvolvimento do tratado da Lei, Tomás de Aquino
termina de elaborar o horizonte objetivo da existência
ética, a fim de desenvolver, em seguida, sua exposição
sobre o horizonte subjetivo, ou seja, a esfera individual da
existência ética, que envolve a enumeração e explicação
das virtudes, sua ordem, unidade e as modalidades de seu
exercício na vida do ser humano. Contido nesta explicação
sobre o horizonte subjetivo da ética está o tratado da
prudência, tema de nosso próximo capítulo.
134 // Estudo de Temas Tomistas
- II A VIRTUDE DA PRUDÊNCIA NO PENSAMENTO DE
TOMÁS DE AQUINO
Para Tomás de Aquino, a prudência é uma virtude
cardeal, como afirmamos no capítulo anterior. Por ser
virtude, a prudência deve, portanto, ser um hábito que
conduz o homem à prática do bem e o aperfeiçoa, de modo
a agir corretamente com crescente facilidade. Por ser
virtude cardeal, significa que é uma das principais virtudes
para a vida moral do homem. Ora, ao ser entendida como
a aplicação da reta razão à ação, Tomás de Aquino
compreende que não podem existir as virtudes morais sem
a prudência, pois todas elas dependem da aplicação dos
princípios racionais à ação, ou seja, a prudência dirige
todas as virtudes morais: “portanto, deve-se dizer que a
prudência é, absolutamente, a mais importante de todas
as virtudes” (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 164, I-II q. 61
a.2).
Para explicar detalhadamente a virtude da
prudência, Tomás de Aquino se utiliza das questões 47 a
56, da segunda seção da segunda parte (secundasecundae) da Suma teológica. Essas questões foram
denominadas o tratado da prudência. Embora na segunda
seção da primeira parte da Suma esta virtude tenha sido
apresentada como virtude cardeal, é no tratado da
prudência que Tomás de Aquino discorrerá sobre a
prudência em si mesma, as partes que a integram e os
vícios e pecados relativos a ela. É a partir deste tratado
que buscamos explicitar, então, o conceito de prudência
no pensamento tomista.
136 // Estudo de Temas Tomistas
2.1 A Prudência em si Mesma
Para iniciar o estudo sobre a prudência, Tomás de
Aquino a considera em si mesma, questionando se está
ela na razão (potência cognoscitiva) ou na vontade
(potência apetitiva). Como a potência apetitiva conhece
apenas o que se apresenta aos sentidos, então a
prudência não pode estar nela, visto que pela prudência o
homem conhece o futuro a partir da dedução das situações
passadas e presentes, o que é próprio da razão.
Compreendendo então a prudência como racional, cumpre
saber se ela está ligada à razão prática ou especulativa, e
já aqui aparece a definição aristotélica de prudência
adotada por são Tomás, apesar dos diferentes
desdobramentos dados a ela: a prudência é a “capacidade
verdadeira e raciocinada de agir com respeito aos bens
humanos” (ARISTÓTELES, 1979, p. 145, 1140b 20-21).
Por ser a prudência a aplicação da reta razão à ação,
pertence ela, portanto, ao intelecto prático. Deste modo, a
prudência está estritamente vinculada às situações às e
coisas que são singulares (particulares), pois ela aplica
considerações racionais às ações, de modo que, embora
seja necessário o conhecimento do que é universal (a
finalidade do homem e a aplicação deste princípio para
que a ação seja boa), cada caso prático terá suas
particularidades, a partir das quais a razão, pela prudência,
conceberá as diversas adaptações na ação, para que ela
seja moralmente boa. Josef Pieper, filósofo do século XX
e estudioso de Tomás de Aquino, afirma que o bem
concreto pressupõe que se encare a realidade, ou seja,
não é possível fazer o bem de fato sem o conhecimento
das situações contingentes. É nesse sentido que se
entende que para a realização de qualquer boa obra se faz
necessária a prudência (PIEPER, 2012).
Somente depois de fazer estas considerações é
que Tomás de Aquino questiona se de fato a prudência é
uma virtude. Depois de estabelecido o conceito de virtude,
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 137
e analisando os sentidos sobre os quais se compreende o
bem, o Aquinate conclui que a prudência é não apenas
uma virtude intelectual, mas também uma virtude moral:
como já foi dito, quando se tratou da virtude em geral, “a
virtude torna bom aquele que a possui, e boa a obra que
faz”. Ora, o bem pode ser dito em dois sentidos:
materialmente, para designar o que é bom, formalmente,
quando é entendido sob a razão de bem. O bem
enquanto tal é objeto da potência apetitiva. É por isso
que, se há hábitos que tornam reta a consideração da
razão, sem levar em conta a retidão do apetite, eles têm
menos razão de virtude, pois se orientam a um bem
compreendido materialmente, isto é a algo que de fato é
bom, mas não considerado sob a razão de bem.
Enquanto que os hábitos que se referem à retidão do
apetite realizam em grau maior a razão da virtude,
porque eles se referem ao bem não só materialmente
mas ainda formalmente, a saber, considerado sob a
razão de bem. Ora, compete à prudência, como já foi
dito, aplicar a reta razão à obra, que não se faz sem o
apetite reto. É por isso que a prudência não realiza
somente o conceito de virtude como as outras virtudes
intelectuais, mas possui também a noção de virtude
própria das virtudes morais, entre as quais ela está
enumerada (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 591-592, IIII q. 47 a. 4).
Recordamos que, para Tomás de Aquino, a virtude
é sempre um hábito, uma disposição boa que conduz ao
bem agir. Como explica Torrel, as virtudes não são um
obstáculo imposto à natureza humana, mas um
aperfeiçoamento suplementar que a conduz à sua
realização verdadeira, que é a prática do bem, visto ser a
natureza humana uma criação divina (TORREL, 2008).
A partir desta definição, Tomás de Aquino trata da
especificidade (ou especialidade) da prudência, pois,
compreendida como a aplicação da reta razão a todas as
ações humanas, a prudência se afiguraria no conceito
138 // Estudo de Temas Tomistas
geral de virtude, e portanto estaria em todas as virtudes,
ao invés de ser uma virtude específica. Esta objeção é
respondida considerando que o objeto da prudência é
específico, pois, como virtude intelectual, difere da
sabedoria, da ciência e do intelecto, que têm como objeto
as coisas necessárias (pertencem à razão especulativa), e
difere da arte (que pertence à razão prática) pois esta tem
como objeto as coisas a serem fabricadas, no sentido
material. Assim, por ser o objeto específico da prudência
aquilo que deve ser feito (as ações imanentes do sujeito),
conclui-se que ela é uma virtude específica. Entretanto, no
que se refere às virtudes morais, a prudência de fato se
afigura em sua definição geral (e não na definição geral
para todas as virtudes), mas difere de todas as outras por
seu aspecto formal, que é o intelectual, em oposição ao
âmbito apetitivo, de todas as outras virtudes morais, de
onde se conclui que a prudência ajuda todas as virtudes
morais e opera em todas, mas é uma virtude específica (IIII, q. 47 a.5).
Por compreender que a prudência opera em todas
as virtudes morais, Tomás de Aquino analisa a relação da
prudência com as virtudes morais, questionando,
inicialmente, a determinação ou não do fim das virtudes
morais pela prudência (II-II q. 47 a.6). Ora, se se
compreende o fim das virtudes morais como o bem
humano e o bem da alma humana como a conformidade
desta à razão, então é necessário que os fins das virtudes
morais preexistam na razão. Pois, da mesma forma que
existem certos conhecimentos naturais na razão
especulativa e certas conclusões obtidas a partir delas, na
razão prática existem princípios que são naturalmente
conhecidos, neste caso, o fim das virtudes morais, e as
conclusões obtidas a partir deles, que são os modos de
agir que conduzem a este fim, e são estas conclusões que
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 139
se referem à prudência, que dispõe os meios para atingir
os fins já estabelecidos65.
Assim, compreende-se que a prudência
estabelecerá o meio termo para as virtudes morais, pois,
embora o fim de cada uma delas esteja dado e o meio
termo seja o fim das virtudes morais, ele não pode ser
encontrado senão pela reta disposição dos meios da ação.
Por exemplo, o fim da temperança, já estabelecido, é que
o homem não se afaste da razão por conta da
concupiscência, no entanto, o meio termo que consistirá
na ação temperante em cada ocasião não é dado senão
pela prudência, visto que a inclinação natural age sempre
da mesma forma, independente da ocasião. Nesse
sentido, Torrel ressalta que a conexão das virtudes pela
prudência, realizada por Tomás de Aquino (não pode
haver virtude moral sem prudência, nem prudência sem
virtude moral) só é compreendida à luz da concepção
antropológica do homem como unidade substancial entre
o corpo e a alma: o homem não é uma inteligência ligada
por acidente ao corpo, e também não é vontade pura sem
inteligência, de modo que a virtude não se limita somente
ao campo intelectual ou ao campo do apetite, mas faz
parte dos dois. Por ser a prudência virtude intelectual e
moral ao mesmo tempo, todas as outras virtudes morais
estão ligadas a ela, pois é por ela que tais virtudes se
orientam retamente à finalidade do homem (TORRELL,
2008).
Após concluir o que estabelece a virtude da
prudência, Tomás de Aquino questiona sobre o ato
principal da prudência, entendendo que este será o ato de
65
No pensamento de Tomás de Aquino, o homem compreende os fins
da ação moral pela sindérese, que designa “o guia da consciência moral
do homem ou esta mesma consciência”, e especificamente no
pensamento de Tomás de Aquino se refere à “compreensão dos
princípios que estão à base da atividade prática” (ABBAGNANO, 1970
p. 872), tal qual o intelecto compreende os princípios últimos que
embasam a ciência. A prudência será a virtude da utilização dos
melhores meios para atingir tais fins.
140 // Estudo de Temas Tomistas
comandar66, pois, visto que a prudência é a reta razão do
que deve ser feito, seu ato principal será aquele que seja
o principal ato da razão orientado ao que deve ser feito.
Como os atos da razão consistem na deliberação, no
julgamento e no comando, e este consiste na aplicação à
ação do resultado obtido nos dois atos anteriores, este
está mais próximo do fim da razão prática, sendo portanto
o ato principal da razão prática, e consequentemente da
prudência. Neste ponto, Tomás de Aquino observa outra
distinção entre a arte e a prudência, pois a perfeição da
arte consiste no julgamento e não no comando, de modo
que um artista que comete um erro voluntário em sua obra
é tido como melhor do que o que comete um erro
involuntário, pois aquele possui um julgamento melhor do
que este (II-II q. 47 a.8).
No que se refere à prudência, no entanto, quem
comete uma falta voluntariamente falha no ato principal da
prudência, que é comandar, e portanto é mais imprudente
do que quem falha involuntariamente. Em seguida à
explicação sobre o ato de comandar, Tomás de Aquino
apresenta a solicitude como pertencente à prudência. Ao
compreender a solicitude a partir do pensamento de
Isidoro como uma sagacidade do espírito que leva à
rapidez para a realização de uma devida ação, e partindo
do pensamento de Aristóteles, para quem “a conclusão do
que se deliberou deve ser posta logo em prática, mas a
deliberação deve ser lenta” (ARISTÓTELES, 1979, p. 148,
1142b 4-5), o Aquinate conclui que de fato a solicitude tem
relação com a prudência, ou seja, pertence a ela. Como
observa Lauand, o ato de comandar, como principal
característica da prudência, e a solicitude como prontidão
para a execução da atitude correta, se contrapõe ao
sentido assumido pela palavra prudência atualmente, que
“Comandar neste tratado não deve ser entendido só – nem
principalmente – como dirigido a outro: é pela prudência que o homem
‘comanda’ a si mesmo.” (LAUAND, 2005, p.107)
66
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 141
se refere mais à indecisão e à falta de atitude do que a
prontidão para a ação correta (LAUAND, 2002).
Após as considerações acerca do comando, e da
solicitude, Tomás de Aquino questiona se a prudência se
estende ao governo da multidão ou apenas ao governo de
si próprio. Partindo do princípio da caridade e do
julgamento da reta razão de que o bem comum é mais
importante que o bem individual (até porque o próprio bem
individual não pode subsistir sem o bem comum), e por ser
próprio da prudência bem deliberar, julgar e comandar,
então a prudência se estende também ao governo da
multidão, e tomada por esta referência denomina-se
política:
[...] assim como toda virtude moral que se refere ao bem
comum se chama justiça legal, assim a prudência
referida ao bem comum se chama “política”, de modo
que a política se relaciona com a justiça legal da mesma
forma que a prudência simplesmente dita à virtude moral
(TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 602, II-II q. 47 a. 10).
Entretanto, o Aquinate distingue a prudência e a
política, explicando que não são da mesma espécie. A
política visa o bem comum de uma cidade, do mesmo
modo que a economia visa o bem de uma família.
Entretanto, o modo de buscar o bem individual, familiar e
social são diversos entre si, de modo que a reta razão do
agir relativa à política não é a mesma relacionada ao
cuidado familiar e individual. Deste modo, conclui-se que
existem diferentes espécies de prudência, uma relativa a
cada fim específico.
Tratando prudência como política, Tomás de
Aquino explica que a prudência não está apenas no
governante, mas também nos súditos e escravos, pois,
embora caiba ao governante dirigir e governar segundo a
reta razão, de modo que a prudência pertença a ele como
governante, e não nos súditos e escravos enquanto tais, o
fato de todos os homens serem racionais faz com que eles
142 // Estudo de Temas Tomistas
participem em algo do governo, segundo o julgamento da
razão, e nessa medida a prudência convém a eles
também, embora não da mesma maneira que convém ao
governante Para exemplificar, Tomás recorre a Aristóteles,
que explica, na Ética a Nicômaco, que a prudência está no
governante como a arte de um arquiteto, e nos súditos
como a arte manual de um operário, para exprimir as duas
espécies de prudência política por ele concebida: a
legislativa, que cabe aos governantes, e a que conserva o
nome comum de política, que se refere às coisas
singulares, e que diz respeito também aos súditos (II-II q.
47 a. 12). Albert Raulin destaca que, ao tratar deste tema,
Tomás de Aquino “manifesta claramente em que consiste
a dignidade da pessoa humana: todo ser humano, esteja
ele no grau mais baixo da escala social, é dotado de
prudência” (RAULIN, 2004 p.605).
Como já foi dito, toda a filosofia de Tomás de
Aquino está relacionada à teologia moral. Assim, ainda
tratando da prudência em si mesma, pergunta-se se pode
haver prudência nos pecadores. À resposta negativa,
Tomás explica que a prudência pode ter três sentidos. O
primeiro é a prudência falsa ou por semelhança: por ser a
prudência a disposição reta do agir para alcançar um fim
bom, toda vez que houver uma reta disposição do agir em
vista de um fim mau, tal capacidade será uma prudência
falsa, pois no lugar de um bem verdadeiro busca-se uma
semelhança de bem. É neste sentido que se pode falar de
um ladrão prudente: aquele que encontra os meios
apropriados para atingir um fim que é mau em si. O
segundo é a prudência verdadeira, mas imperfeita, que se
dá de dois modos: primeiro, quando a aplicação da reta
razão ao agir não acontece em vista de um fim comum a
toda vida humana, mas em vista de um fim específico,
como o caso do comerciante prudente ou do navegador
prudente; segundo, quando a deliberação e o julgamento
são bem feitos, mas não o é o comando, de modo que falta
o ato principal da prudência. O terceiro sentido é a
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 143
prudência verdadeira e perfeita, que é aquela que delibera,
julga e comanda retamente em vista de um fim bom para
a vida toda, e apenas esta pode ser chamada de prudência
em absoluto (II-II q. 47 a. 13).
Esta prudência não pode ser encontrada nos
pecadores, visto que, ao pecar, buscam eles um bem
aparente, o que faz com que possuam a prudência falsa.
Quanto à prudência verdadeira mas imperfeita, esta
encontra-se tanto nos homens bons e maus, no sentido de
ser imperfeita por buscar um fim particular. A prudência
imperfeita por deficiência do ato principal, por sua vez, só
é encontrada nos homens maus, pois acabam sendo
incapazes de agir bem pela falta do comando (II-II q. 47 a.
14).
Partindo disto, se afirmará que a prudência
encontra-se em todos aqueles que possuem a graça de
Deus, pois quem possui a graça possui a caridade, e quem
possui a caridade possui todas as outras virtudes, em
maior ou menor grau67. Albert Raulin explica que as
objeções a esta afirmação (a de que nem todos os que
possuem a graça têm a habilidade de prever como se deve
agir; a de que muitos que possuem a graça não são
pessoas de bom conselho e precisam de outros que os
dirijam e a de que alguns jovens têm a graça, mas
Aristóteles afirma que não consta que os jovens sejam
prudentes) são bastante pertinentes. Para respondê-las,
Tomás de Aquino afirma que existem dois tipos de
habilidades que são relativas à prudência: uma, que é
suficiente para fazer o que é necessário para alcançar a
salvação, e outra, mais completa, pela qual o homem
provê a si mesmo e aos outros o que é necessário à
67
Do mesmo modo que atribui à prudência um papel arquitetônico em
relação às virtudes, Tomás de Aquino o faz com a caridade, porém num
nível superior, entendendo que apenas a caridade pode colocar o
homem à altura de seu fim verdadeiro, e que não pode haver a
prudência sem a caridade. Como as virtudes morais precisam da
prudência para existir, precisam também da caridade (TORRELL,
2008).
144 // Estudo de Temas Tomistas
salvação e também o que está relacionado à vida humana.
Deste modo, aquele que está em estado de graça possui
ao menos a primeira habilidade. Além disso, com relação
às pessoas que têm a graça mas possuem a necessidade
de serem dirigidos por outros, a prudência se afigura no
fato de a pessoa discernir que necessita do conselho, e de
sentir a impiedade de certos conselhos. Por fim, explica
que a prudência dada com a graça é causada por infusão
divina, e está de acordo com a capacidade mental (ou
idade mental) de cada um, de modo que os jovens a
possuem ao menos como a habilidade de fazer o que é
necessário à salvação, e a partir do exercício da virtude
(repetição dos atos bons) e acúmulo de experiência
poderão chegar à perfeição da prudência (RAULIN, 2004).
Na discussão seguinte, Tomás de Aquino explica
que a prudência não faz parte da natureza humana, ou
seja, não é inata no homem. Partindo do princípio de que
a prudência inclui o conhecimento dos universais e dos
particulares para conduzir o homem ao reto agir, no que se
refere ao conhecimento dos universais, a prudência
coincide com a ciência especulativa, e embora os
primeiros princípios universais sejam conhecidos
naturalmente, os princípios universais posteriores, tanto da
razão especulativa quanto da razão prática, são
descobertos ou pela experiência ou pela instrução, ainda
que os princípios comuns da prudência (os fins das
virtudes morais, o reto agir humano) sejam, nas palavras
do Aquinate, “mais conaturais ao homem” (TOMÁS DE
AQUINO, 2004, p. 610, II-II q. 47 a. 15).
No que se refere ao conhecimento particular, se faz
necessária a distinção sobre o que diz respeito ao fim da
ação humana e o que diz respeito aos meios para atingir
determinado fim. Ora, os fins da reta vida humana estão
determinados, de modo que é possível dizer que são
conhecidos naturalmente pelos homens. No entanto, os
meios para atingir tais fins nas diferentes realidades
humanas são diversos, e visto que a inclinação da
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 145
natureza é sempre para algo determinado e a prudência é
relativa aos meios (indeterminados) e não aos fins,
conclui-se que a prudência não é natural no ser humano.
Neste sentido, Jean Lauand atenta para o caráter
dramático da prudência, pois não existem critérios
operacionais para determinar a decisão certa: existem até
critérios objetivos, mas os meios para atingir determinado
fim são variados e é necessário que o homem os escolha
(LAUAND, 2006).
A última discussão sobre a prudência considerada
em si mesma é se ela é passível de se perder pelo
esquecimento. Neste artigo, Tomás de Aquino explica ser
o esquecimento referente apenas ao conhecimento, e não
à prudência, porque esta não está unicamente no
conhecimento, mas também na vontade, visto que seu ato
principal é o comando (aplicação do conhecimento ao
desejo e à ação). No entanto, de modo indireto, o
esquecimento do conhecimento pode impedir a prudência,
visto que só pode haver o comando a partir de um
conhecimento prévio (II-II q. 47 a. 16).
Tomás de Aquino realiza um percurso para
apresentar a prudência em si, como uma virtude especial,
e todas as suas nuances, de modo a deixá-la muito bem
definida. A partir desta definição, continua a exposição de
seu pensamento apresentando as partes constituintes da
prudência, ou seja, aquilo que faz com que a prudência
corresponda de fato à definição apresentada. Segundo
sua divisão, a prudência possui partes integrantes, que
estariam para ela como as paredes, o teto e as fundações
estariam para uma casa; as partes subjetivas, que
estariam tal qual uma espécie ou outra de animal estariam
para todo o gênero; e as partes potenciais, que são parte
da prudência da mesma maneira que as faculdades
nutritiva e sensitiva são partes da alma (II-II q. 48).
146 // Estudo de Temas Tomistas
2.2 As Partes como que Integrantes da
Prudência
Antes de iniciar propriamente este tema, cabe uma
observação referente ao título: as partes como que
integrantes da prudência, ou as partes quase integrais da
prudência. Jean Laund (2005) explica que, para Tomás de
Aquino, a virtude (o hábito) é uma qualidade simples, não
constituída por outras partes, de modo que não admite
partes integrantes em sentido próprio, mas por
similaridade, ou seja, são elementos que permitem que se
possa praticar perfeitamente esta virtude, mas não a
constituem em si:
se, pois, considerarmos o hábito nas realidades às quais
ele se estende, nele encontraremos, certamente,
alguma multiplicidade. Como, porém, esta multiplicidade
se ordena a algo uno, a que o hábito visa principalmente,
segue-se daí que o hábito é uma qualidade simples, [...]
embora se estenda a muitas coisas. Um único hábito, na
verdade, não se estende a muitas coisas. Um único
hábito, na verdade, não se estende a muitas coisas a
não ser em vista de algo uno, donde tem a sua unidade
(TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 93, I-II q. 54 a. 4).
A partir da compreensão de tal questão, é possível
analisar, então, as partes da prudência. A primeira parte
da prudência elencada por Tomás de Aquino é a memória.
Explica ele, partindo do já explicitado conceito de que a
prudência se refere às ações contingentes, que nessas
ações o homem não pode se guiar por verdades absolutas
e necessárias, mas por aquilo que acontece na maioria
dos casos, e para saber o que é verdade na maioria dos
casos a experiência se faz necessária. Entretanto, a
experiência só existe por conta das muitas lembranças de
modo que a prudência, consequentemente, exigirá a
memória de muitas coisas, de modo que é conveniente
considerar a memória como parte da prudência. Além
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 147
disto, a memória dos fatos passados se torna argumento
para analisar as situações futuras, tornando-se necessária
ao bom conselho para as situações que virão. Neste
sentido, Josef Pieper (1964 apud LAUAND 2004) explica
que, para Tomás de Aquino, a memória relativa à
prudência é mais do que simplesmente o fato da
recordação:
por memória [Tomás de Aquino] entende algo mais do
que, por assim dizer, a mera faculdade natural de
lembrar-se [...]. A ‘boa’ memória, entendida como
requisito de perfeição da prudência, não significa senão
uma memória ‘fiel ao ser'. [...] O falseamento da
recordação, em oposição à realidade, mediante o sim ou
o não da vontade, constitui a mais típica forma de
perversão da prudência (PIEPER, 1964 apud LAUAND,
2004)
Em seguida, é apresentado o intelecto ou
inteligência como parte da prudência, sendo este conceito
entendido não como faculdade intelectiva, mas como a
capacidade intelectual de compreender retamente um
princípio primeiro, evidente por si, pois toda dedução
racional procede dos princípios aceitos como primeiros, de
modo que todo processo racional proceda de algo
conhecido, ou seja, dependa de uma inteligência. Por ser
a prudência a reta razão aplicada à ação, é necessário que
todo o seu desenvolvimento proceda do intelecto, de modo
que este pode ser considerado parte da prudência (II-II q.
49 a. 2).
A parte seguinte a ser apresentada é a docilidade,
compreendida como a disposição para receber bem a
instrução. Como existe praticamente uma infinidade de
casos particulares aos quais a prudência deve ser
aplicada, e não é possível que um homem os conheça em
um curto espaço de tempo, torna-se necessária a
instrução por outro mais experiente, a fim de agir
retamente nos diversos casos que se apresentam. Por
148 // Estudo de Temas Tomistas
este motivo a docilidade também é parte da prudência (IIII q. 49 a. 3). Ao tratar deste tema, Tomás de Aquino
destaca a grande importância que possuem os anciãos
que, pela experiência conseguem formar um reto juízo a
respeito dos fins das ações. Além de citar os livros bíblicos
de Provérbios e Eclesiástico acerca da importância dos
mais velhos, cita também Aristóteles:
devemos acatar não menos que as demonstrações, os
aforismos e opiniões não demonstradas de pessoas
experientes e mais velhas, assim como das pessoas
dotadas de sabedoria prática. Com efeito, essas
pessoas enxergam bem porque a experiência lhes deu
um terceiro olho (ARISTÓTELES, 1979, p. 151, 1143b
11-17).
Entretanto, a docilidade não se trata de submissão
e zelo superficial, como observa Pieper: se trata antes de
uma disponibilidade leal, que em face à multiplicidade das
coisas e das situações, não confia estupidamente na
autarquia de um saber fictício, ou seja, é a capacidade de
deixar-se ensinar, não por uma falsa modéstia, mas por
um desejo verdadeiro de aprender (PIEPER apud
LAUAND, 2006).
Ao tratar da prudência em si, Tomás de Aquino
dispusera a solicitude como pertencente à prudência,
entendendo por solicitude certa sagacidade do espírito que
agiliza a ação prudente. Tratando agora das partes
integrantes da prudência, Tomás discorre apenas sobre a
sagacidade, apresentando-a como tal. A sagacidade aqui
é compreendida como parte da eustochia68, sendo esta a
68
Eustochia é um termo retirado dos Analíticos Posteriores de
Aristóteles, que pode ser entendido como perspicácia: “a perspicácia é
um tipo de talento para atinar o termo médio sem um único momento
de hesitação. Alguém percebe que a lua tem sua face luminosa voltada
para o sol e imediatamente compreende a razão, qual seja, porque a
lua retira sua luminosidade do sol [...]” (ARISTÓTELES, 2005, p. 312,
89b 10-11)
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 149
capacidade de conjecturar bem sobre todas as coisas, e
aquela a conjectura fácil e rápida com relação aos meios
para se atingir o fim determinado. Ao responder a objeção
de que a sagacidade se referiria apenas à descoberta do
meio termo nas demonstrações, Tomás de Aquino afirma
que a sagacidade compreende o meio termo na ordem
prática, e para isto utiliza o seguinte exemplo, retirado de
Aristóteles: quando dois inimigos se tornam amigos,
conjectura-se que têm um inimigo em comum. Tal
conjectura é fruto da sagacidade (II-II q. 49 a. 4). Sobre
isso, comenta Raulin que a sagacidade é a “prudência do
detetive”, tomando por exemplo alguns romances policiais:
é a relação das particularidades do crime com as
características das personagens que levam o investigador
a desvendar o crime. Entretanto, é importante notar que a
sagacidade não se aplica apenas a situações exteriores a
cada homem, mas muito mais às ações particulares de
cada um, pois ela leva o homem a regular suas ações
(RAULIN, 2004).
Outra parte integrante da prudência, para Tomás
de Aquino, é a razão. Explica ele que a obra do prudente
é deliberar com acerto, e a deliberação é obra da razão,
visto ser ela uma pesquisa que parte de alguns dados e
alcança outros. Assim, para haver prudência é necessário
o bom raciocínio. À objeção de que o sujeito de um
acidente não é parte do mesmo e, por ser a prudência
residente na razão como em seu sujeito, de modo que a
razão não poderia ser parte da prudência, Tomás de
Aquino responde que não se trata da razão como potência,
mas sim do bom uso da razão. Jean Lauand assinala que
o termo razão, neste contexto, se refere à “inteligência que
discorre, raciocina, em oposição à inteligência que intui
diretamente” (LAUAND, 2005 p. 110).
A previdência também se afigura como parte
integrante da prudência, aliás, é esta a principal parte
integrante da prudência. Tomás de Aquino observa que as
ações do passado de certo modo se tornam necessárias,
150 // Estudo de Temas Tomistas
pois não se pode mudá-las, e assim também as do
presente possuem certa necessidade, pois estão
acontecendo. Deste modo, apenas os contingentes futuros
pertencem à prudência, visto que podem ser ordenados
pelo homem ao fim da vida humana. Neste sentido, a
palavra previdência se refere a algo distante, e para o qual
o presente deve ser encaminhado (II-II q. 49 a. 5). Assim,
Tomás de Aquino define a previdência como a principal
parte da prudência por ser aquela à qual todas as outras
estão ordenadas:
[...] todas as vezes que muitas coisas são requeridas
para uma ação, uma delas é necessariamente a
principal à qual todas as outras são ordenadas. Também
há em cada todo uma parte formal dominante, da qual o
todo recebe sua unidade. Neste sentido, a previdência é
principal entre todas as partes da prudência: porque,
todas as outras coisas requeridas para a prudência são
necessárias para algo que se ordene retamente ao fim.
Por esta razão, o próprio termo prudência deriva de
previdência, como de sua parte principal (TOMÁS DE
AQUINO, 2004, p. 627-628, II-II q. 49 a. 6).
As duas últimas partes integrantes da prudência
assinaladas por Tomás de Aquino são a circunspecção e
a precaução. A circunspecção refere-se à consideração
das circunstâncias de cada situação, pois, para as
diversas situações particulares que ocorrem, em algumas
delas uma ação que é boa considerada em si mesma,
pode tornar-se má ou inoportuna, dependendo da
situação. O exemplo utilizado por Tomás de Aquino é o da
demonstração do amor: dar mostras de amor para alguém
parece algo bom considerado em si mesmo, a fim de
suscitar o amor no outro. Porém, é possível que, de acordo
com as circunstâncias, suscite a soberba ou a
desconfiança da adulação, de modo que a atitude em si
torna-se inconveniente a seu fim: “é por isso que a
circunspecção é necessária para a prudência, a fim de que
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 151
se compare o que é ordenado ao fim com as
circunstâncias” (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 629, II-II q.
49 a. 7).
No que se refere à precaução, esta consiste no fato
de escolher os bens e evitar os males, visto que o mal se
mistura com o bem tal qual o verdadeiro ao falso, e por
vezes o mal aparece sob a forma de bem. Assim, a
precaução é capaz de prevenir que o homem deixe de
praticar atos virtuosos e, embora possa existir uma quase
que infinita quantidade de males que se apresentarão ao
homem, um certo número deles que acontece com maior
frequência pode ser aprendido pela razão, a fim de se
poder evitá-los totalmente, ou ao menos diminuir seu dano.
E mesmo contra os males desconhecidos, pela precaução
pode o homem se preparar para a adversidade e assim
reduzir seus danos. Deste modo, a precaução pertence à
prudência pois visa sempre escolher o bem nas diversas
situações particulares que se apresentam:
a matéria da prudência são as ações contingentes, nas
quais assim como o verdadeiro se mistura com o falso,
o mal se mistura com o bem, devido à grande variedade
dessas ações nas quais o bem é frequentemente
impedido pelo mal e o mal assume aparência de bem. É
por isso que a precaução é necessária à prudência, para
escolher os bens e evitar os males (TOMÁS DE
AQUINO, 2004, p. 630, II-II q. 49 a. 8).
Encerrando, assim, a exposição sobre as partes
como que integrantes da prudência, Tomás de Aquino
inicia as questões sobre as partes subjetivas desta virtude.
152 // Estudo de Temas Tomistas
2.3 As Partes Subjetivas da Prudência
As partes subjetivas da prudência correspondem
às diferentes espécies de prudência. Tomadas em sentido
próprio, estas espécies se dividem na prudência pela qual
cada um governa a si próprio e a prudência pela qual se
governam os outros. Os grupos governados por uma
pessoa também são de diferentes espécies, de modo que
a prudência que se refere ao governo dos outros se divide
em espécies de acordo com os diferentes grupos
governados. São estas espécies relativas ao governo dos
outros que se tornam o objeto de estudo de Tomás de
Aquino, visto que a prudência referente ao governo de si
já foi explicada ao se tratar da prudência em si e das partes
como que integrais da prudência.
Assim, a primeira espécie de prudência
apresentada é a ciência do governo. Para Tomás de
Aquino, onde há uma razão específica de direção dos atos
humanos, aí há uma espécie de prudência. Por isto, no
governante, que deve guiar tanto a si mesmo quanto aos
outros, há uma prudência própria, segundo uma razão
especial, pois o governo da cidade ou reino se torna mais
perfeito quanto mais universal, visando a fins mais
elevados (II-II q. 50 a. 1).
A segunda espécie é a chamada prudência política,
que difere da ciência do governo visto que esta se
relaciona aos bens gerais, e está no governante, e aquela
tem por objeto o que é singular, e deste modo está nos
súditos. Ao tratar da prudência em si, Tomás de Aquino,
partindo de Aristóteles, já explicara que a prudência está
no governante como a arte de um arquiteto e nos súditos
como a arte manual de um operário. Entretanto, os súditos
são seres racionais e movem-se por seu livre arbítrio, de
modo que, embora sejam movidos por outros, é
necessário que possuam a prudência para se dirigir na
obediência que prestam a seus chefes (II-II q. 50 a. 2).
Raulin observa que, embora explique esta espécie de
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 153
prudência sobre a cobertura de um vocabulário
aristotélico, Tomás de Aquino se afasta de Aristóteles ao
ensinar que os súditos são capazes de verdadeira
prudência política. Neste sentido, a doutrina tomista é mais
humanista que a aristotélica, pois se os súditos não
participassem da prudência política, seriam manipulados
como seres irracionais, o que consistiria num atentado à
dignidade humana. Assim, ao passo que para Tomás de
Aquino a prudência política envolveria todo o ser humano
em relação com o bem comum, para Aristóteles ela
apenas teria sua especificidade pela atenção que
destinava aos casos particulares da ação política
(RAULIN, 2005).
A terceira espécie de prudência apresentada é a
prudência econômica ou doméstica, ou seja, aquela que
se refere aos cuidados de uma família (tanto no que se
refere à provisão material quanto à vida virtuosa em
família). Tomás de Aquino retoma o argumento de que
existe uma espécie de prudência para cada razão
específica dos atos humanos, e dado que a família ocupa
a posição mediana entre a pessoa individual e a cidade ou
reino, existe uma espécie de prudência relativa a ela,
assim como existe uma espécie relativa ao governo de si
mesmo e ao governo da cidade (II-II q. 50 a. 3).
A quarta e última espécie de prudência é a
prudência militar. Tomás de Aquino compreende tal
espécie de prudência partindo do pressuposto da
natureza, que possui duas tendências: a de reger cada
realidade em si mesma e a de resistir contra os perigos
externos e as causas de destruição. Prova disto é o fato
de os animais possuírem não somente a potência
concupiscível, pelo qual busca o que é conveniente à sua
conservação, mas também a potência irascível, pelo qual
resiste aos ataques exteriores. Deste modo, naquilo que é
feito segundo a razão não deve existir somente a
prudência política, pela qual se dispõe as coisas a fim de
atingir o bem comum, mas também a prudência militar, a
154 // Estudo de Temas Tomistas
fim de repelir os ataques inimigos e proteger o bem comum
dentro de determinada sociedade. Tomás de Aquino ainda
explica que, embora seja o exercício da arte militar ser
próprio da fortaleza, a prudência se refere à direção de tal
atividade:
[...] em tudo o que é dirigido pela razão, não somente
deve haver prudência política, pela qual se disponham
convenientemente as coisas que pertencem ao bem
comum, mas também a prudência militar, pela qual se
repelem os ataques dos inimigos (TOMÁS DE AQUINO,
2004, p. 636, II-II q. 50 a. 4)
Deste modo, Tomás de Aquino encerra sua
apresentação das partes subjetivas da prudência, e passa
a considerar as partes potenciais, ou seja, as virtudes
anexas à prudência.
2.4 As Partes (Quase) Potenciais da Prudência
Para Tomás de Aquino, as partes potenciais da
prudência não são partes da virtude em si, mas virtudes
conexas a ela, que se voltam para atos secundários, e que
não possuem a potencialidade da virtude principal, ou seja,
são virtudes que realizam a perfeição de uma determinada
atividade necessária à virtude principal:
[...] chamam-se partes potenciais de uma virtude as
virtudes conexas ordenadas a atos ou matérias
secundárias, significando com esse nome que elas não
possuem toda a potência da virtude principal. Neste
sentido, são atribuídas à prudência como partes: a
eubulia, que concerne ao conselho, a synesis, que se
refere ao juízo relativo às circunstâncias ordinárias, a
gnome, que se refere ao juízo sobre casos, em que
como se diz, é preciso se afastar da lei comum. Quanto
à prudência, ela se refere ao ato principal, que é
comandar (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 616, II-II q. 48
a. un.).
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 155
A eubulia, primeira virtude enumerada por Tomás
de Aquino como parte potencial da prudência, é a virtude
referente ao bom conselho (do grego eu, que significa
bom, e boulé, conselho). O bom conselho é parte da
prudência, mas é uma atitude distinta da prudência, de
modo que sua perfeição decorre de uma virtude particular,
neste caso a eubulia, que é subordinada à prudência
assim como o ato de aconselhar está subordinado ao ato
de comandar. Tomás de Aquino observa que a eubulia não
pode estar presente nos pecadores, visto que todo pecado
é oposto ao bom conselho, pois através deste se
encontram os meios necessários para atingir o fim bom e
as melhores circunstâncias, como o modo de deliberar e o
tempo necessário para que tal deliberação seja firme, de
modo que se o pecador possuísse o bom conselho, teria
evitado o pecado. E no caso do homem virtuoso que
possui a eubulia, isto significa apenas que ele é capaz de
deliberar bem no que se refere às coisas que se ordenam
ao fim da virtude, de modo que suas deliberações (ou
conselhos) acerca de assuntos particulares, como o
comércio ou os assuntos militares, podem ser totalmente
errôneas (II-II q. 51 a. 1-2).
A synesis (que em grego significa sensatez) é a
virtude referente ao juízo reto nas ações particulares, para
as quais a prudência se volta como um todo. A synesis é
necessária porque é possível que uma pessoa possa
deliberar bem, pelo fato de possuir uma razão capaz de
discorrer sobre coisas diversas e que, no entanto, julgue
mal, o que acontece por um defeito na inteligência, que se
dá principalmente pela má disposição do senso comum,
que não julga corretamente. Tomás de Aquino explica a
faculdade cognoscitiva utilizando o exemplo de um
espelho: quando o espelho se encontra em boas
condições, as imagens refletidas serão semelhantes aos
corpos que lhes deram origem, ao passo que se as
condições do espelho não forem boas, as imagens serão
distorcidas e deformadas. Assim, o reto juízo ocorre
156 // Estudo de Temas Tomistas
quando a faculdade cognoscitiva apreende uma coisa
como ela é em si mesma, atividade que se aperfeiçoa pelo
exercício ou pelo dom da graça (II-II q. 51 a. 3).
A última parte potencial da prudência enumerada
por Tomás de Aquino é a gnome, que pode ser entendida
como equidade. Embora seja função da synesis julgar
retamente acerca das coisas, entre os diversos casos
particulares que se apresentam ao homem, a atitude reta
diante de alguns deles estará fora das regras comuns da
ação. A synesis julga apenas de acordo com tais regras,
de modo que, para os casos incomuns, exista um
julgamento segundo princípios mais elevados. E julgar
segundo estes princípios é próprio da gnome, virtude que
exige certa perspicácia no juízo (II-II q. 51 a. 4). Jean
Lauand observa existir, no pensamento de Tomás de
Aquino, uma proximidade entre a gnome e a epiqueia
(também traduzida como equidade), virtude anexa à
justiça, pela qual, em um determinado caso no qual a
aplicação de uma lei resultaria em um mal (como restituir
uma arma a uma pessoa fora do estado de sã consciência,
por exemplo), passa-se por cima da letra da lei para seguir
o que pede o espírito de justiça e o bem comum (LAUAND,
2005).
Terminando a apresentação das partes potenciais
da prudência, Tomás de Aquino encerra, de um modo
geral, a apresentação de seu conceito sobre prudência.
Em seguida, trata da prudência relacionada ao conselho,
dom do Espírito Santo.
2.5 A Prudência e o Dom do Conselho
Tomás de Aquino entende que os dons do Espírito
Santo são “certas disposições que tornam a alma apta
para ser movida pelo Espírito Santo” (2004, p. 645, II-II
q.52 a.1). Como observa Ramirez, o Espírito Santo está
presente em toda a obra do Aquinate: é uma “presença
fundamental, profunda, que vivifica cada parte, cada
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 157
tratado, e lhes dá harmonia e unidade” (RAMIREZ, 1976
apud TORRELL, 2008 p.188).
Não é diferente com o tratado da prudência: Tomás
de Aquino identifica a prudência com o dom do conselho.
Por si só, o conselho é a investigação da razão ou
deliberação que leva a criatura racional à ação. Entendido
como dom do Espírito Santo, o conselho é o meio pelo qual
o Espírito conduzirá o homem no que se ordena ao fim da
vida eterna. Ora, visto que a prudência consiste
exatamente na retidão da razão a fim de atingir um fim bom
(que conduza o homem à salvação), o conselho identificase exatamente com ela, entretanto, como dom do Espírito
Santo, a auxilia e aperfeiçoa.
2.6 A Consideração do Viés Oposto à Prudência
Tomás de Aquino, no tratado da prudência, não
pensa tal virtude apenas em caráter conceitual e positivo.
Pensa-a em seu oposto também, ou seja, discorre sobre
os pecados e vícios que vão diretamente contra ela, ou que
lhe são parecidos na aparência.
Assim, as primeiras considerações feitas por
Tomás de Aquino são relativas à imprudência,
diametralmente oposta à prudência. Para o Aquinate, a
imprudência se dá de dois modos: pela privação e pela
contrariedade. No que se refere à privação, entende-se
que há a imprudência quando alguém carece da prudência
que deveria ter, e nesse sentido a imprudência é pecado
pela negligência nos esforços de alcançar a prudência. No
sentido de contrariedade, a imprudência é compreendida
quando a razão se move e opera de modo contrário à
prudência, ou seja, infringindo as regras da prudência, das
quais a reta razão depende (II-II q. 53 a.1)
Tomás de Aquino explica que a imprudência existe
sob várias espécies e diferentes modos, em oposição às
partes subjetivas, às partes potenciais e às partes quase
integrais da prudência. No que se refere às partes
158 // Estudo de Temas Tomistas
subjetivas, a imprudência existe por oposição à prudência
individual, que é o governo de si mesmo, e em oposição
às espécies de prudência que se referem aos governos da
multidão. Em relação às virtudes adjuntas (partes
potenciais), a temeridade ou precipitação se opõe à
eubulia, a inconsideração ou falta de julgamento se opõe
à synesis e à gnome, e a inconstância ou negligência se
opõe ao comando, que é o principal ato da prudência. Para
o Aquinate, fala-se em precipitação de modo metafórico,
apenas para explicar que se trata de uma atitude externa
(corpórea) que não passou pelas etapas intermediárias
entre a razão e tal atitude, ou seja, partindo da razão, não
desceu ordenadamente, passando pela memória do
passado, pela inteligência do presente, pela sagacidade
ao considerar o futuro, pelo raciocínio de comparação e
pela docilidade aos conselhos dos mais velhos. Assim, a
ação que passa à margem destas etapas é precipitada e
desordenada (II-II q. 53 a. 1-3).
Quando à inconsideração, Tomás de Aquino a
explica como uma falha no juízo, ou seja, a não
consideração de um aspecto que deveria ser considerado
na realização de um julgamento reto para a ação. E com
relação à inconstância, esta é um abandono de um bom
propósito definido, por algo desordenadamente prazeroso,
que se dá por uma falha na razão, visto que esta não
consegue resistir às paixões e falha em mandar aquilo que
foi deliberado e julgado. Raulin observa que a constância
e a perseverança, no geral, são ligadas por Tomás de
Aquino à fortaleza, e não à prudência. Entretanto, a
inconstância ocorre apenas quando a razão se rende, de
modo que a inconstância se refere a um defeito da razão
quanto à sua consumação (RAULIN, 2004).
Para Tomás de Aquino, estes vícios (precipitação,
inconsideração e inconstância) tem sua origem na luxúria,
pois o prazer, especialmente o prazer venéreo, é
responsável por extinguir o julgamento da razão. Lauand
explica que os sete pecados capitais arrastam atrás de si
A Virtude da Prudência no Pensamento de Tomás de Aquino // 159
todos os outros, como filhos. Daí a preocupação de Tomás
de Aquino de explicitar a origem dos pecados contra a
prudência (LAUAND, 2001).
No que se refere à negligência, esta é tomada
como um pecado específico, pois ela corresponde à falta
da solicitude, e, sendo esta uma virtude específica, tal
característica se aplica ao vício que corresponde à sua
falta. A negligência se opõe à prudência porque
corresponde ao ato de não escolher, ou seja, de não
comandar. Daí que não escolher ou desprezar algo
necessário à salvação da alma consiste em um pecado
grave, ao passo que, em se tratando de matéria branda, a
negligência é apenas pecado venial (II-II q. 54).
Encerrando as considerações dos vícios e pecados
opostos à prudência, Tomás de Aquino trata sobre os
vícios opostos à prudência que têm semelhança com ela,
ou seja, atitudes que têm características da prudência,
mas direcionadas a um fim mau. A primeira consideração
é feita sobre a prudência da carne, entendida como o
estabelecimento dos bens carnais como fim último da vida.
Deste modo, a prudência da carne torna-se um amor
desordenado e ilícito, sendo mais ou menos grave à
medida que afasta o homem de seu reto caminho, visto
que o homem pode estabelecer fins particulares, que não
o desviam completamente de seu fim último. Em seguida,
Tomás de Aquino trata da astúcia, referindo-se a ela como
um pecado específico, visto que consiste na utilização de
vias fingidas e aparentes para se atingir um fim bom ou
mal. Independente da bondade do fim desejado, a
utilização de um meio falso, ou seja, a astúcia, é pecado
oposto à prudência, visto que esta busca sempre os fins
bons através dos meios bons e verdadeiros. Adjuntos à
astúcia estão o dolo, que consiste na execução de uma
ação premeditada pela astúcia, e a fraude, que se
distingue do dolo no sentido de que este é a realização da
astúcia de modo geral, por palavras e atos, e a fraude é a
160 // Estudo de Temas Tomistas
execução da astúcia propriamente pelos atos (II-II q. 55 a.
1-5)
Ainda tratando dos vícios opostos à prudência, mas
semelhantes a ela, Tomás de Aquino trata da solicitude
pelas coisas temporais e pelas coisas futuras. Explica que
a solicitude, entendida como empenho para obter algo,
deve estar voltada aos bens espirituais, pois quando se
busca o que é terreno, perde-se o foco do fim último do
homem, que é a salvação. No que se refere à solicitude do
futuro, explica ser ela contrária à virtude pois toda obra
virtuosa apenas o é quando revestida das circunstâncias
devidas, e uma delas é o tempo. Assim, a cada tempo
convém a sua solicitude própria, de modo que a solicitude
pelo futuro é desnecessária e viciosa. À objeção, baseada
no livro dos Provérbios, de que as formigas (elemento da
natureza, criado por Deus e, portanto, sem maldade)
armazenam comida para o futuro, Tomás de Aquino
responde que elas têm solicitude exatamente em
conformidade com o tempo, visto que se agem de acordo
com o possível e o necessário (II-II q. 55 a. 6-7).
Por fim, Tomás de Aquino explica que tais vícios
semelhantes à prudência têm origem na avareza, e não na
luxúria, como os vícios relativos às partes subjetivas da
prudência. Pois, se naqueles o prazer afastava o homem
da razão, nestes existe ainda o elemento racional, porém
desordenado. Sendo o mau uso da razão uma
característica típica dos vícios que se opõe à justiça e, por
ser a avareza o vício mais oposto à justiça (vício capital),
deduz-se que os outros nascem prioritariamente dela (II-II
q. 51 a. 8).
Assim, ao encerrar as considerações sobre o viés
oposto à prudência, encerramos também a exposição
geral do conceito de prudência no pensamento de Tomás
de Aquino.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São
Paulo: Editora Mestre Jou, 1970.
ALMEIDA, Inácio de Araújo. Tomás de Aquino: mais
sábio ou mais santo?. Lumen Veritatis, MariporãSP, v.5, n. 18, p. 50-64, jan./mar. 2012.
ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da
Filosofia vol. I. São Paulo: Paulinas, 1990.
ARISTÓTELES. Metafísica: livro I e II; Ética a
Nicômaco; Poética. São Paulo: Abril Cultural,
1979. Coleção Os pensadores.
AUBENQUE, Pierre. A prudência em Aristóteles. São
Paulo: Discurso Editorial, 2004.
AUBERT, Jean-Marie. A pedagogia divina pela lei:
Introdução e notas. In: TOMÁS DE AQUINO.
Suma Teológica. v. 4, São Paulo: Edições
Loyola, 2005.
AUBERT, Jean-Marie. Introdução e notas ao tratado da
pedagogia divina pela lei. In: TOMAS DE
AQUINO, Suma teológica vol. IV. São Paulo:
Loyola, 2005.
BARROS, JOSÉ D. Cristianismo e política na Idade
Média: as relações entre o papado e o império.
Dossiê: Cristianismo e política, Belo Horizonte,
v. 7, n. 15, p. 53-72, dez. 2009.
BARZAGHI, G. La potenza obbedienziale dell’intelletto
agente come chiave di volta del rapporto federagione, in Angelicum, 2, (2003).
BARZAGHI, G. Lo sguardo di Dio. Saggi di teologia
anagogica, Cantagalli editore: Siena 2003.
BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à
colonização da América. São Paulo: Globo, 2006.
BENTO XVI, encíclica Caritas in veritate, 29 junho de
2009.
162 // Estudo de Temas Tomistas
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da
filosofia cirstã: desde as origens até Nicolau
de Cusa. Petrópolis: Vozes, 2009.
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da
Filosofia Cristã: Desde as origens até Nicolau de
Cusa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
CALVÁRIO, Patrícia. O governo da cidade no De
Regno de Tomás de Aquino. Covilhã, Portugal:
LusoSofia, 2008. Disponível em:
<http://www.lusosofia.net/textos/calvario_patricia_
o_governo_cidade_no_de_regno_de_tomas_de_a
quino.pdf> Acesso em jun. 2013.
CHALMETA, Gabriel. La justicia política em Tomás de
Aquino: Uma interpretación del bien común
político. Navarra, Espanha: EUNSA, 2002.
CONGIUNTI, L. Dalla physica alla fisica. Galileo e i gradi
di astrazione, in Umanesimo cristiano nel III
millennio: la prospettiva di Tommaso
d’Aquino, Atti del Congresso Internazionale,
Pontificia Accademia di San Tommaso, Città del
Vaticano 2005, vol. II.
DE BONI, Luís Alberto. A entrada de Aristóteles no
Ocidente medieval. Dissertatio, Pelotas, vol I,
n°1, p. 66 – 106, 1995. Disponível em
<http://www.ufpel.edu.br/isp/dissertatio/revistas/
antigas/01.pdf#page=66> Acesso em 15 set.
2013.
DE BONI, Luís Alberto. A leitura de Aristóteles pelos
medievais. In: CERQUEIRA, Luiz Alberto (org.).
Aristotelismo e Antiaristotelismo: ensino de
filosofia. Rio de Janeiro: Editora Ágora da Ilha,
2000. p 37 – 47. Disponível em
<http://pt.scribid.com/doc/6802520/ 00394Aristotelismo-e-Antiaristotelismo-Ensino-deFilosofia#download> Acesso em 20 out. 2013.
ELDERS, Leo J. A ética de Santo Tomás de Aquino.
Aquinate, n°6, p. 61-80, 2008. Disponível em
Referência // 163
http://www.aquinate.net/revista/edicao_atual/Artigo
s/06/Artigo%203-Elders.pdf Acesso em 11 nov.
2013.
FORMENT, Eudaldo. Principios fundamentales de la
filosofia política de Santo Tomás. In: (Coord)
ARNAS, Pedro Roche. El pensamiento político
em la Edad Media, Madri: Editoria Centro de
Estudos Ramón Areces, S.A.,período. 2010, p. 93112. Disponível em:
<http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3
310549 > Acesso em: 8 mai. 2013.
FRAILE, Guillermo. Historia de la Filosofía II (2°):
Filosofía judia y musulmana. Alta escolástica:
desarrollo y decadência. Madrid: BAC, 1975.
FRAILE, Guillermo. Historia de la filosofía II: filosofía
judía y mulçumana. Alta escolástica: desarrollo y
decadencia. Madri: Biblioteca de Autores
Cristianos: 1975.
FRANCA, Leonel. Noções de história da filosofia. Rio
de Janeiro: Agir, 1978.
FRANCO JR, Hilário. O Feudalismo. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
GARCIA, Alessandro, B. Pragmatismo em Aristóteles:
aproximações com as competências do ensino
atual. Revista Eletrônica de Educação, São
Paulo, v.6, n. 2, p. 331-320, nov. 2012. Disponível
em:
<http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/a
rticle/viewFile/268/203> Acesso em out. 2013.
GILSON, Étienne. A filosofia na Idade Média. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
GOLDMAN, Cléa Pitt. A racionalização do conflito Império
x Papado no final do século XIII. In: (Coord) DE
BONI, Luis Alberto. Idade Média: ética e política,
Porto Alegre: EDIPUCRS. 1996, p. 441-444.
HONNEFELDER, Ludger. A lei natural de Tomás de
Aquino como princípio da razão prática e a
164 // Estudo de Temas Tomistas
segunda escolástica. Teocomunicação, Porto
Alegre, v. 40, n. 3, p. 324-337, set./dez. 2010.
Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/te
o/article/view/8155/5842> Acesso em: jun. 2013.
ISIDORO DI SIVIGLIA, Etymologiae, II, 10.
JOÃO PAULO II, encíclica Fides et Ratio, 14 de setembro
de 1998.
JOÃO PAULO II, encíclica Veritatis Splendor, 6 de agosto
de 1993.
KACZYNSKI, E. Legge naturale e diritti umani in Karol
Wojtyla e Giovanni Paolo II, Pontificia Università
S. Tommaso d’Aquino: Roma 2004-2005.
LAUAND, Jean. Introdução e notas ao tratado da
prudência. In: TOMÁS DE AQUINO. A prudência:
a virtude da decisão certa. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
LAUAND, Jean. Prudentia, Religiões e Sociedade.
Disponível em
<http://www.hottopos.com/geral/prud_relig.htm>
Acesso em 15 out. 2013.
LAUAND, Jean. S. Tomás de Aquino e os pecados
capitais. Notandum, ano VI, n. 10, 2003.
Disponível em
<http://www.hottopos.com/notand10/jean.htm#_ftn
1> Acesso em 15 out. 2013.
LAUAND, Jean. Saber decidir: a virtude da Prudentia.
Notandum, ano VII, n. 11, 2004. Disponível em
<http://www.hottopos.com/notand11/jean_mauro.h
tm> Acesso em 15 out. 2013.
LAUAND, Jean. Tomás de Aquino, hoje. São Paulo:
GRD; Curitiba: Champagnat, 1993.
LE GOFF, Jacques. Os intelectuais da Idade Média. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2006.
LIMA JR. José U. O pensamento político de Tomás de
Aquino no De regno ad regem Cypri.
Dissertassio, Pelotas-RS, v. 12, p. 49-54, 2000,
Referência // 165
Disponível em:
<http://www.ufpel.edu.br/isp/dissertatio/revistas/an
tigas/dissertatio12.pdf> Acesso em ou. 2013.
LIMA VAZ, Henrique C. de. Antropologia Filosófica I.
São Paulo: Loyola, 1993.
LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de Filosofia IV:
Introdução à Ética Filosófica 1. São Paulo:
Loyola, 2006.
LIVI, A. Filosofia del senso comune. Logica della scienza
& della fede, Ares: Milano, 1990.
LOYON, H. R. (Org.). Dicionário da Idade Média. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. Disponível em:
<http://www.4shared.com/get/BoNbHD4r/Dicionrio
_Da_Idade_Mdia_-_Henr.html> Acesso em mar.
de 2013.
MALACARNE, Luciana. O primeiro preceito da lei
natural de Tomás de Aquino: é uma inferência
de “é” para “deve”?. 2012. 56 f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Bacharelado em Filosofia) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre. Disponível em:
<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/
67492/000873325.pdf?sequence=1> Acesso em
jun. 2013.
MARITAIN, Jacques. A filosofia moral: exame histórico
e crítico dos grandes sistemas. Rio de Janeiro:
Agir, 1964.
MARRONE, Steven. A filosofia medieval em seu
contexto. In: MCGRADE, A. S. (org.). Filosofia
Medieval. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2008.
MONGILLO, Dalmazio. Introdução e notas ao tratado dos
vícios e dos pecados. In: TOMÁS DE AQUINO,
Suma teológica vol. IV. São Paulo: Loyola, 2005.
MORA, José Ferrater. Dicionario de Filosofía 2. Alianza
Editorial: Barcelona, 1986.
166 // Estudo de Temas Tomistas
MOSCA, G.; BOUTHOUL, G. História das doutrinas
políticas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
NASCIMENTO, Carlos Arthur Ribeiro do. A prudencia
segundo Santo Tomás de Aquino. Síntese Nova
Fase, vol. 20, n°62, p. 365 – 385, 1993. Disponível
em
<http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sinte
se/article/view/1316/1712> Acesso em 15 out.
2013.
NICOLAS, Marie-Joseph. Introdução e notas ao tratado
do homem. In: TOMÁS DE AQUINO, Suma
teológica vol. II. São Paulo, Loyola, 2005.
NICOLAS, Marie-Joseph. Vocabulário da Suma teológica.
In: TOMÁS DE AQUINO, Suma teológica vol. I.
São Paulo: Loyola, 2003.
OLGIATI, F. La “simplex apprehensio” e l’intuizione
artistica, in Rivista di filosofia neoscolastica,
XXV (1933), 4, p. 529.
OLGIATI, F. S. Tommaso e l’arte, in Rivista di Filosofia
Neoscolastica, XXVI (1934) 1, p. 97.
OLIVEIRA, Diego V. O perfil de Vercingetórige no De
Bello Gallico de César. Rio de Janeiro: UFRJ /
FL, 2008. Disponível em:
<http://www.letras.ufrj.br/pgclassicas/Diego.pdf>
Acesso em out. 2013.
PAPA, R. Bellezza ed arte alla luce di san Tommaso, in L.
CONGIUNTI-G. PERILLO (a cura de), Studi sul
pensiero di San Tommaso d’Aquino nel XXX
anniversario della SITA, Roma: LAS, 2009.
PAPA, R. Lo statuto epistemologico dell’arte. Riflessioni
teoretiche in margine a Leonardo, in Euntes
docete (2001), I, pp. 159-173.
PÊCEGO, Daniel Nunes. Anotações sobre os requisitos
fundamentais da Lei segundo Santo Tomás de
Aquino. Aquinate, n. 9, p. 127-146, 2009.
Disponível em:
<http://www.aquinate.net/revista/edicao_atual/Artig
Referência // 167
os/09/Artigo%207%20-%20Pecego.pdf> Acesso
em jun. 2013.
PIEPER, Josef. As virtudes cardeais revisitadas.
International Studies on Law and Education,
n°11, p. 95 – 101, 2012. Disponível em
<http://www.hottopos.com /isle11/ 95101Pieper.pdf> Acesso em 15/10/13, às 00:27.
PLATÃO, Protagora, 358 C-D.
PLÉ, Albert. Introdução e notas ao tratado das paixões da
alma. In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica
vol. III. São Paulo: Loyola, 2003.
QUINHUA, He. A propósito das influências do Direito
romano sobre o Direito continental europeu.
Administração. v. 16, n. 60, p. 659-672, 2003.
Disponível em:
<http://www.safp.gov.mo/safppt/download/WCM_0
04374> Acesso em out. 2013.
RAULIN, Albert. Introdução e notas ao tratado da
prudência. In: TOMÁS DE AQUINO, Suma
teológica vol. V. São Paulo: Loyola, 2004.
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga vol. II:
Platão e Aristóteles. São Paulo: Loyola, 1994.
RIVETTI BARBÒ, F. Dubbi, discorsi, verità, Jaca Book:
Milano 1985.
ROCHA, Paulo Roberto. A estrutura do agir ético no
pensamento de Santo Tomás de Aquino. In:
ESPÍNDOLA, Arlei de (Org.). Filosofia: Iniciação
ao estudo do pensamento clássico. Londrina:
UEL, 2011.
RUBENSTEIN, Richard E. Herdeiros de Aristóteles:
como cristãos, muçulmanos e judeus
redescobriram o saber da Antiguidade e
iluminaram a Idade Média. Rio de Janeiro:
Rocco, 2005.
SALGADO, Gisele Mascarelli. O Direito como tradição
inventada e a heteronomia: a recepção do Direito
Romano na Idade Média. Âmbito Jurídico, Rio
168 // Estudo de Temas Tomistas
Grande, XV, n. 100, mai. 2012. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revi
sta_artigos_leitura&artigo_id=11617>. Acesso em
ago 2013.
SAVIAN F., Juvenal. O Tomismo e a Ética: uma ética da
consciência e da liberdade. BIOETHIKOS vol. 2
n°2 p. 177-184, 2008. Disponível em
<http://www.saocamilosp.br/pdf/bioethikos/64/177a184.pdf> Acesso em
15 set. 2013.
SIMON, René. Moral. Barcelona: Editorial Herder, 1981.
TOMÁS DE AQUINO, Contra Gentiles, IV, q. 79.
TOMÁS DE AQUINO. O Ente e a Essência. Vozes:
Petrópolis, 2005.
TOMÁS DE AQUINO. A prudência: a virtude da
decisão certa. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
TOMÁS DE AQUINO. Do governo dos príncipes ao Rei
de Cipro. São Paulo: José Bushatsky Editor,
1955.
TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica vol. I. São Paulo:
Loyola, 2003.
TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica vol. II. São Paulo:
Loyola, 2005.
TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica vol. III. São
Paulo: Loyola, 2003.
TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica vol. IV. São
Paulo: Loyola, 2005.
TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica vol. V. São
Paulo: Loyola, 2004.
TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de
Aquino: sua pessoa e obra. São Paulo: edições
Loyola, 1999.
TORRELL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de
Aquino: sua pessoa e obra. São Paulo: Loyola,
2011.
TORRELL, Jean-Pierre. Santo Tomás de Aquino:
mestre espiritual. São Paulo: Loyola, 2008.
Referência // 169
TURIENZO, Saturnino A. La Edad Media. In: CHAMPS,
Victória (ed.). Historia de la ética: 1. De los
griegos al Renacimiento. Barcelona: Crítica, 2002.
TURIENZO, Saturnino Álvarez. La Edad Media. In:
CAMPS, Victoria (ed.). Historia de la ética: 1. De
los gregos al Renacimiento, Barcelona: Editoral
Crítica, 2002.
VALLE, Bortolo. Ética na Idade Média. In: CANDIOTTO,
Cesar (org.). Ética: abordagens e perspectivas.
Curitiba: Champagnat, 2011.
VAZ, H. C. Lima. Escritos de Filosofia IV: Introdução à
Ética Filosófica 1. São Paulo: Edições Loyola,
2008.
VENDEMIATI, A. La legge naturale nella Summa
Theologiae di S. Tommaso d’Aquino, Roma:
Dehoniane, 1995.
VOEGELIN, Eric. A Idade Média até Tomás de Aquino:
História das ideias políticas – Volume II. São
Paulo: É Realizações, 2012.
WOLKMER, Antonio, C. O pensamento político medieval:
Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino.
Revista Crítica Jurídica. México, n. 19, p. 15-31.
jul./dez. 2001. Disponível em:
<http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/cr
itica/cont/19/teo/teo2.pdf> Acesso em set. 2013.
170 // Estudo de Temas Tomistas
Referência // 171
OS ORGANIZADORES:
Prof. Dr. José Francisco de Assis DIAS, Brasileiro; Doutor
em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade
Urbaniana, Cidade do Vaticano (2005); doutor em Filosofia
pela mesma Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do
Vaticano (2008).
Atualmente: Defensor do Vínculo e Promotor de Justiça
do Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de Maringá-PR;
Professor de Filosofia do Direito e Ética nos mestrados em
Ciência Jurídica e em Gestão do Conhecimento nas
Organizações, no UNICESUMAR.
172 // Estudo de Temas Tomistas
Prof. Pe. Leomar Antonio MONTAGNA, possui Mestrado
em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná PUCPR.
É Coordenador e Professor do Curso de Licenciatura em
Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
PUCPR - Campus Maringá.
Autor de vários artigos para revistas e jornais, palestras e
cursos de breve duração; Na área de Filosofia, atua,
principalmente, nos seguintes temas: Filosofia, Ética,
Filosofia Política, Santo Agostinho, História da Filosofia e
História do Pensamento Brasileiro e Latino-americano; Na
área de Teologia tem experiência em Moral Social e
Doutrina Social da Igreja.
Referência // 173
Prof.a Dra. Lorella Congiunti, italiana, é Vice-reitora da
Pontifícia Universidade Urbaniana – Cidade do Vaticano –
Roma – Itália; e é professora na Faculdade de Filosofia,
ensinando as disciplinas de Filosofia da Natureza, Filosofia
da Ciência, Tomás de Aquino, Platão e Aristóteles.
Autora de vários livros e inumeráveis artigos científicos nas
mais relevantes áreas da filosofia.
174 // Estudo de Temas Tomistas
Referência // 175
176 // Estudo de Temas Tomistas
Printed in Brazil
Gráfica Canadá
- Outubro de 2014 –
Capa: papel Tríplex 250g
Miolo: Papel Off Set 75g
Fonte: Arial
Corpo: 9, 10, 11

Documentos relacionados