revista de morfologia urbana - Portuguese

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revista de morfologia urbana - Portuguese
REVISTA DE
MORFOLOGIA
URBANA
Revista da Rede Portuguesa de Morfologia Urbana
2014
Volume 2
Número 2
Editor:
Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal, [email protected]
Editores Associados:
Frederico de Holanda, Universidade de Brasília, Brasil
Paulo Pinho, Universidade do Porto, Portugal
Editor dos Book Review:
Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal,
[email protected]
Editor Assistente:
Mafalda Silva, Universidade do Porto, Portugal
Consultores:
Giancarlo Cataldi, Università degli Studi di Firenze, Itália
Ian Morley, Chinese University of Hong Kong, China
Jeremy Whitehand, University of Birmingham, Reino Unido
Kai Gu, University of Auckland, Nova Zelândia
Michael Conzen, University of Chicago, Estados Unidos da
América
Peter Larkham, Birmingham City University, Reino Unido
Quadro Editorial:
Isabel Martins, Universidade Agostinho Neto, Angola
Jorge Correia, Universidade do Minho, Portugal
José Forjaz, Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique
Judite Nascimento, Universidade de Cabo Verde, Cabo Verde
Luiz Amorim, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Manuel Teixeira, Universidade de Lisboa, Portugal
Renato Leão Rego, Universidade Estadual de Maringá, Brasil
Sandra Pinto, Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Sílvio Soares Macedo, Universidade de São Paulo, Brasil
Stael de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil
Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal
Os autores são os únicos responsáveis pelas opiniões expressas nos textos publicados na
‘Revista de Morfologia Urbana’. Os Artigos (não deverão exceder as 6 000 palavras, devendo
ainda incluir um resumo com um máximo de 200 palavras), as Perspetivas (não deverão exceder
as 1 000 palavras), os Relatórios e as Notícias referentes a eventos futuros deverão ser enviados
ao Editor. As normas para contributos encontram-se na página 2.
Desenho original da capa - Karl Kropf. Desenho das figuras - Vítor Oliveira
REDE LUSÓFONA DE MORFOLOGIA URBANA
ISSN 2182-7214
REVISTA DE MORFOLOGIA URBANA
Revista da Rede Lusófona de Morfologia Urbana
Volume 2
Número 2
Dezembro 2014
53
Editorial
55
P. Drach e R. Emmanuel
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
71
P. Gonçalves e M. Guimarães
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência
tipológica
85
P. Pinheiro
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
Perspetivas
99
101
105
Compreender o holon A. Perdicoúlis
A forma urbana em Moçambique: projeto, intervenção e investigação D. Viana e J.
Laje
Regiões morfológicas: a aplicabilidade de um conceito da morfologia urbana na prática
de planeamento municipal V. Oliveira e C. Monteiro
Relatórios
94
96
98
113
114
21º International Seminar on Urban Form I. Morley
Morfologia Urbana e Progetto V. Oliveira
Colloquium on Mediterranean Urban Studies T. Ünlü
3.º Seminário Território e Cidades do Norte Atlântico Ibérico D. Viana
Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM): 2013-14 V. Oliveira
Book reviews
109
111
P. J. Larkham e M. P. Conzen (2014) Shapers of urban form
V. Oliveira
V. del Rio e W. Siembieda (2013) Desenho urbano contemporâneo no Brasil
Costa
Notícias
54
84
108
Urban Morphology
PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade
1º Workshop PNUM – Diferentes abordagens no estudo da forma urbana
S. A. P.
Normas para contributos para a Revista de Morfologia Urbana
Os textos a submeter à ‘Revista de Morfologia
Urbana’ deverão ser originais, escritos em
Português, e não deverão estar em apreciação em
nenhuma outra revista científica. Os textos serão
aceites para publicação depois da avaliação
favorável de, pelo menos, dois revisores
independentes. Os artigos não deverão exceder as
6.000 palavras, devendo ainda incluir um resumo
com um máximo de 200 palavras e até cinco
palavras-chave. O título do artigo, o resumo e as
palavras-chave deverão ser bilingue, em
Português e em Inglês. Como a autoria dos textos
não é revelada aos revisores, o(s) nome(s) e o(s)
endereço(s) do(s) autor(es) devem constar de uma
folha em separado. As ‘perspetivas’ (também
sujeitas a ‘revisão por pares’) e os book reviews
não deverão exceder as 1.000 palavras. Os artigos
e as ‘perspetivas’ devem ser formatados em word
e enviados por email para o Editor
([email protected]). Os book reviews deverão ser
endereçados ao Editor dos Book Review
([email protected]). Os textos deverão
ser submetidos em formato de coluna única com
margens largas. Os autores não deverão tentar
reproduzir o layout da revista. Todas as medições
devem ser expressas no sistema métrico.
Os autores são os únicos responsáveis pelas
opiniões expressas nos textos publicados na
‘Revista de Morfologia Urbana’. São ainda
responsáveis por assegurar eventuais permissões
para reprodução de ilustrações, citações extensas,
etc.
Whitehand, J. W. R. e Larkham, P. J. (eds.)
(1992) Urban landscapes, international
perspectives (Routledge, Londres).
No caso de publicações com múltiplos
autores, todos os nomes devem ser incluídos na
lista de referências. Apenas as referências citadas
devem ser incluídas na lista.
Ilustrações e tabelas
Os desenhos e as fotografias deverão ter a
dimensão adequada à sua reprodução. Nesse
sentido, a dimensão das páginas da revista deverá
ser tida em consideração pelo autor ao desenhar
as ilustrações. As ilustrações devem ser a preto e
branco a menos que a cor seja essencial. Devem
ser numeradas de forma consecutiva, referidas
diretamente no texto e submetidas em formato
JPEG ou TIFF. As ilustrações fotográficas
deverão ter uma resolução de, pelo menos, 1200
dpi, e os desenhos de, pelo menos, 600 dpi. Todas
as ilustrações devem ter uma designação. No
final do texto, após a lista de referências, deve ser
incluída uma lista das ilustrações, da seguinte
forma:
Figura 1. Análise metrológica de Lower
Broad Street, Ludlow
Deverá ser dedicada uma atenção especial ao
layout das tabelas, devendo ser desenhada uma
tabela por página. As tabelas deverão ser
desenhadas com o mínimo recurso a
normalizações quer na vertical quer na horizontal.
Deverão ter margens largas em todos os lados.
Referências
Os autores deverão usar o sistema de
referenciação Harvard, no qual o nome do autor
(sem as iniciais) e a data são apresentados no
corpo do texto – por exemplo (Whitehand e
Larkham, 1992). As referências são apresentadas
por ordem alfabética no final do texto, sob o
título ‘Referências’, da seguinte forma:
Página de título
Numa página em separado deverá ser indicado o
título do artigo e o nome, a filiação académica
(ou profissional) e o endereço completo
(incluindo email) do(s) autor(es).
Conzen, M. P. (2012) ‘Urban morphology, ISUF
and a view forward’, 18th International
Seminar on Urban Form, Montreal, 26 a 29
de Agosto.
Conzen, M. R. G. (1968) ‘The use of town plans
in the study of urban history’, em Dyos, H. J.
(ed.) The study of urban history (Edward
Arnold, Londres) 113-30.
Hillier, B. (2008) Space is the machine
(www.spacesyntax.com) consultado em 9
Setembro de 2013.
Kropf, K. S. (1993) ‘An inquiry into the
definition of built form in urban morphology’,
Tese de Doutoramento não publicada,
University of Birmingham, Reino Unido.
Moudon, A. V. (1997) ‘Urban morphology as an
emerging interdisciplinary field’, Urban
Morphology 1, 3-10.
Números
Deverão ser usados algarismos para todas as
unidades de medida, à exceção de quantidades de
objetos e pessoas, quando estas se referirem a
valores compreendidos entre um e vinte. Nesse
caso, os números deverão escritos por extenso.
Por exemplo: 10 dias, 10 km, 24 habitantes, 6400
m; mas dez pessoas, cinco mapas.
Títulos
Apenas na primeira letra e nos nomes próprios
serão utilizadas maiúsculas. Os títulos deverão
ser justificados à esquerda. Os títulos primários
deverão ser a negrito e os secundários em itálico.
Provas
Durante o processo de publicação serão enviadas
provas aos autores. Nesta fase, apenas serão
corrigidos erros de impressão, não sendo
aceitáveis alterações de fundo.
Editorial
A relação entre investigação científica e prática profissional
Ao longo dos últimos anos a relação entre
investigação científica, em morfologia
urbana, e prática profissional, em
planeamento urbano e arquitetura, ganhou
considerável protagonismo no debate
internacional.
Entre
os
vários
desenvolvimentos neste debate, destaca-se,
pelo caráter sistemático do trabalho
desenvolvido, a criação, no final de 2011, de
uma Task Force no âmbito do International
Seminar on Urban Form (ISUF) dedicada
exclusivamente a este tema. O trabalho
desenvolvido ao longo do primeiro semestre
de ‘vida’ da Task Force (que reúne
investigadores e profissionais de três
continentes diferentes) deu origem à
elaboração de um relatório contendo quatro
recomendações fundamentais que viriam a
ser desenvolvidas nos dois anos seguintes
(Samuels, 2013).
A primeira recomendação consistia na
publicação de uma ‘Carta’ do ISUF. Ao
longo dos últimos meses de 2013 e dos
primeiros meses de 2014, os membros da
Task Force e do ISUF Council envolveramse na preparação de um documento que
sintetizasse, de forma tão simples quanto
possível, os princípios fundamentais do
ISUF. Os conteúdos da Carta deveriam ser
claros não só para académicos e
profissionais, mas também para o cidadão
comum. A Porto Charter, formalmente
apresentada durante a conferência anual do
ISUF de 2014 realizada na cidade do Porto,
estabelece que o ISUF deverá promover a
Morfologia Urbana como o estudo da forma
física da cidades. Nesse sentido, o
International Seminar on Urban Form
pretende: demonstrar a relevância da
Morfologia Urbana a todas as escalas, desde
o edifício individual até à região
metropolitana; facilitar a disseminação
internacional do conhecimento, experiência e
técnicas
morfológicas;
promover
o
reconhecimento do significado cultural e
ambiental da forma urbana, bem como do
seu contributo para o bem-estar social e
económico das sociedades; estimular a
interação entre investigação científica e
atividade profissional em áreas relacionadas
com a forma urbana; facilitar a comunicação
entre o conjunto de profissões, disciplinas,
tradições intelectuais e ‘comunidades de
interesse’ na área da forma urbana; promover
estudos comparativos e avaliar os impactos
de eventuais transferências de experiências e
conceitos para diferentes contextos e
sociedades; e, por fim, promover e facilitar o
estudo da forma urbana na educação de
profissionais na área do ambiente urbano.
A segunda recomendação contida no
relatório consiste na recolha de informação
relevante sobre o modo como a Morfologia
Urbana é incluída em diferentes cursos em
diferentes países. Dado que a grande maioria
dos profissionais adquire e consolida uma
parte das teorias, conceitos e métodos que
utiliza na prática durante a sua formação
superior, é necessário perceber que
conteúdos de Morfologia Urbana estão a ser
comunicados nos estabelecimentos de ensino
superior, que conteúdos devem ser
introduzidos e, ainda, que conteúdos
existentes deverão ser melhorados. Tendo em
vista este propósito, a Task Force tem vindo
a recolher material pedagógico em diferentes
países da América, Ásia e Europa.
A terceira recomendação consistia na
preparação de um catálogo de boas práticas
sobre ‘como’ e ‘onde’ é que a Morfologia
Urbana está a ser utilizada com sucesso. No
início de 2013, foi lançada a avaliação de
quatro casos de estudo sendo que os
resultados
deste
exercício
foram
apresentados na conferência do ISUF deste
ano. Três destes casos (Ahmedabad,
Newcastle-upon-Tyne
e
Porto)
correspondem
a
avaliações
da
implementação de planos em que os
avaliadores não são os autores dos planos,
mas num dos casos (Saint-Gervais-LesBains) há uma coincidência entre autores e
avaliadores, o que aumenta a relevância do
exercício. Os resultados destas avaliações
estão
reunidos,
respetivamente,
em
Scardigno e Maretto (2014), Hancox e Barke
Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2), 53-4 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
54
(2014), Oliveira et al. (2014) e Pattacini e
Samuels (2014).
Por fim, a última recomendação da Task
Force consiste na preparação de um manual
de Morfologia Urbana. A este respeito foi já
apresentada uma proposta estruturada nos
seguintes conteúdos: os elementos da forma
urbana; os atores e os processos de
transformação urbana; a cidade na história; a
cidade contemporânea; a cidade em Portugal
(aplicável apenas no caso português); o
estudo da forma urbana: diferentes
abordagens; da teoria à prática; e, por fim,
relações
com
outros
campos
do
conhecimento (Oliveira, 2014).
A estas quatro recomendações da Task
Force acrescentar-se-ia uma outra, que se
centra na transmissão do conhecimento
morfológico. O modo como a Morfologia
Urbana tem vindo a influenciar a prática de
planeamento urbano e arquitetura não se
conforma necessariamente com os desejos e
as prioridades de quem desenvolve a sua
investigação em Morfologia Urbana. O
processo de difusão do conhecimento
morfológico é lento e realiza-se de um modo
não sistemático. Apesar de este ser um
problema que necessita de uma reflexão
cuidada, não difere muito da situação
verificada nas outras ciências sociais ou
mesmo da relação entre teoria de
planeamento e prática de planeamento. Neste
sentido, os investigadores deverão continuar
a desenvolver esforços para construir pontes
entre investigação e prática, desenvolvendo
as avaliações sistemáticas referidas na
terceira recomendação da Task Force,
Editorial
tentando perceber as necessidades e as
aspirações de profissionais de planeamento, e
testando permanentemente a relevância e o
potencial de difusão dos produtos e dos
resultados da sua investigação.
Referências
Hancox, K. e Barke, M. (2014) ‘What can you
offer us? Challenges facing the practical
application of urban morphology: South
Jesmond Conservation Area, Newcastle upon
Tyne, UK’, 21st International Seminar on
Urban Form, 3 a 6 de Julho.
Oliveira, V. (2014) ‘Manuals for urban
morphological education’ Urban Morphology
18, 77-8.
Oliveira, V., Silva, M. e Samuels, I. (2014)
‘Urban morphological research and planning
practice: a Portuguese assessment’, Urban
Morphology 18, 23-39.
Pattacini, L. e Samuels, I. (2014) ‘Urban
morphological methodology and planning
practice: The Plan d’Occupation des Sols for
Saint Gervais Les Bains (Haute Savoie,
France). A case study’, 21st International
Seminar on Urban Form, 3 a 6 de Julho.
Samuels, I. (2013) ‘ISUF Task Force on Research
and Practice in Urban Morphology: an interim
report’, Urban Morphology 17, 40-3.
Scardigno, N. e Maretto M. (2014)
‘Revitalization of Ahmedabad’s informal
walled city: the role of urban morphology’, 21st
International Seminar on Urban Form, 3 a 6 de
Julho.
Vítor Oliveira
Urban Morphology
O último número da revista Urban Morphology,
referente ao mês de Outubro, foi já publicado,
sendo que a versão online se encontra disponível,
para
os
subscritores,
em
http://www.urbanform.org/online_public/index.sh
tml. Este número inclui quatro artigos. Yu Ye e
Akkelies van Nes debatem a utilização de
ferramentas quantitativas em morfologia urbana,
explorando a utilização combinada, numa
estrutura de Sistemas de Informação Geográfica
(SIG), de três métodos diferentes – sintaxe
espacial, spacematrix e um índice de mistura de
usos. Stael Pereira da Costa e Cristina Teixeira
fazem uma revisão dos estudos de morfologia
urbana no Brasil – texto que se integra na
colecção The study of urban form in…. Ye Li e
Pierre Gauthier analisam a evolução dos edifícios
residenciais e dos tecidos urbanos em
Guangzhou, na China, a partir de uma perspetiva
morfológica e tipológica. Por fim, Mirko
Guaralda parte de um conjunto de três livros
publicados em 2012 para, num review article,
debater um modelo de ‘planeamento baseado na
forma’ e a produção de ambientes urbanos
efetivamente vividos e utilizados. O próximo
número será publicado em Abril.
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura
intra-urbana
Patricia R. C. Drach e Rohinton Emmanuel
School of Engineering and Built Environment - SEBE, Glasgow Caledonian
University, Glasgow - G4 OBA, United Kingdom. E-mail: [email protected],
[email protected]
Artigo revisto recebido a 27 de Setembro de 2014
Resumo. As perspectivas de mudanças climáticas e suas possíveis
consequências recomendam o desenvolvimento de estratégias para mitigar
problemas relacionados ao sobreaquecimento urbano. O presente estudo
tem como objetivo examinar a interferência da forma urbana, aferida pela
Fracção de Céu Visível (Sky View Factor, SVF), sobre as variações na
temperatura intra-urbana na cidade de Glasgow, Reino Unido, uma cidade
de clima frio. 49 pontos de medição foram locados no centro da cidade e
foram desenvolvidas 31 campanhas de coleta de dados, durante a primavera
e o verão de 2013. Para cobrir uma grande área dentro de um tempo
relativamente curto, foi utilizado o método de ‘transecto’ com rotas prédeterminadas, a pé e de bicicleta. O software ArcGIS foi utilizado para
visualização dos resultados. Os resultados indicam que a variação da
diferença da temperatura intra-urbana está fortemente relacionada à
estabilidade atmosférica, sugerindo que esta tem realmente um importante
efeito nessa variação. O estudo conseguiu apontar ainda, conforme
esperado, que a vegetação e os materiais de cobertura urbana
desempenham um papel importante, interferindo no clima local. O
conhecimento das interferências nas variações de temperatura local pode
ser mais um aliado na elaboração de estratégias apropriadas para lidar
com os problemas do sobreaquecimento urbano.
Palavras-chave: temperatura intra-urbana, forma urbana, Fracção de Céu
Visível, desenho urbano, estabilidade / instabilidade atmosférica.
Os efeitos do aquecimento urbano estão
presentes em todos os climas e podem ser
observados na formação da Ilha de Calor
Urbana (ICU) e na variação da temperatura
intra-urbana. O objeto deste artigo é o estudo
da variação da temperatura intra-urbana e sua
relação com a forma urbana e a
instabilidade/estabilidade atmosférica.
A ilha de calor é uma anomalia térmica
positiva onde a temperatura média da baixa
atmosfera de uma determinada área urbana
se torna mais elevada do que a das regiões
circundantes não urbanizadas. As variações
térmicas podem ser de vários graus celsius e
ocorrem basicamente devido às diferenças de
absorção
/
emissão
de
radiação
infravermelha entre as regiões edificadas e
impermeabilizadas e aquelas não construídas
(Corbella e Yannas, 2003; Monteiro et al.,
2012a).
As variações da temperatura intra-urbana
estão relacionadas com as diferenças
observadas na temperatura do ar no meio
urbano.
Esses
processos
são
significativamente alterados, entre outras,
pelas seguintes características: transformação
de energia solar em calorífica, que resulta da
forma urbana e da proliferação de superfícies
e materiais muito diversos quanto aos
materiais como quanto à geometria;
diminuição
de
áreas
verdes
e
impermeabilização do solo; e presença de
fontes antrópicas de calor e humidade como
a utilização de condicionadores de ar,
Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2), 55-70 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
56
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
refrigeradores e queima de combustível por
automóveis e indústrias.
Apesar do problema de sobreaquecimento
urbano ser reconhecido e estudado em locais
de climas quentes, em cidades de climas frios
as suas implicações têm sido, por vezes,
assumidas como um fator positivo. Na
década de 1960, por exemplo, o fenômeno de
ilha de calor urbano de Londres foi
apresentado
com
muitas
conotações
positivas. Dentre elas podem ser apontadas,
uma estação de plantio e coleita mais longa,
menor necessidade de aquecimento, menos
gastos com degelo em vias férreas, entre
outra (Chandler, 1965). Contudo, atualmente,
ou seja, passados menos de 50 anos, o
sobreaquecimento causado pelo efeito de
ICU já vem sendo identificado como um
problema (GLA, 2006; Kolokotroni e
Giridharan, 2008; entre outros) e as políticas
para mitigar as suas consequências
promovendo medidas de adaptação tem
vindo a ser postas em prática (GLA, 2011).
A importância de atenuar o efeito da ICU
tem vindo a ser cada vez mais assinalada
como uma prioridade estratégica. O global e
crescente processo de urbanização representa
uma intensificação dos riscos das alterações
climáticas em relação às cidades que
normalmente já vêm comprometendo as
condições ambientais. Segundo o World
Urbanization Prospects (UN, 2011), as
projeções da dinâmica de populações
urbanas e rurais até o ano de 2050 apontam
perspectivas de intensificação da ocupação
urbana
(Figura
1).
Este
fato
é
particularmente grave nas áreas em vias de
desenvolvimento, onde a curva de ocupação
da área urbana é contraposta por uma curva
descendente na área rural.
Uma vez que as cidades interferem e
sofrem a interferência do meio ambiente,
atentar para as opções de planejamento
urbano apropriadas pode ajudar a melhorar o
problema de sobreaquecimento urbano e a
desenvolver meios de adaptar as cidades para
lidar com os riscos relacionados com as
futuras alterações climáticas (Kleerekoper et
al., 2012). Em cidades de clima frio, para
lidar com problemas que envolvem o
aquecimento urbano (Stone et al., 2012) são
necessárias ações voltadas tanto para o uso
do calor como um recurso no inverno bem
como para amenizar suas consequências
Figura 1. Populações urbanas e rurais do
mundo: 1950-2050 (fonte: UN, 2011).
negativas no verão. Além disso, diante dos
novos cenários de mudanças climáticas,
serão também necessárias, intervenções para
mitigação das referidas alterações, através da
redução de emissão de gases de efeito estufa.
No entanto, as estratégias urbanas de
adaptação às alterações climáticas vêm sendo
abordadas (Hebbert e Jankovic, 2013) com
planos de ação específicos para cada cidade
fazer frente aos riscos decorrentes das
manifestações de mudança climática. Em
particular, o desenvolvimento de estudos
relacionados com a forma urbana como um
dos possíveis caminhos para se adaptar às
mudanças climáticas são raros (Shimoda,
2003; Amorim et al., 2013).
A exploração da eficácia das formas
urbanas pode apontar a importância do
planeamento da forma urbana visando
reduzir o risco de sobreaquecimento
atenuando as suas consequências negativas.
Dado o crescente interesse pelas medidas
de adaptação às alterações climáticas, bem
como o aumento do uso de modelos para
avaliar a eficácia de diversas ações de
adaptação (Tomlinson et al., 2012), tais
avaliações deveriam descrever tanto os
efeitos urbanos, bem como a interferência
dos efeitos atmosféricos sobre os
microclimas. Um maior conhecimento das
dinâmicas envolvidas na forma urbana pode
ser ainda um grande aliado para
diferenciação mais precisa dos efeitos
relacionados às interferências do desenho
urbano daqueles causados por condições
atmosféricas (Monteiro et al., 2012b).
O objetivo do presente artigo é
precisamente examinar o efeito da forma
urbana sob diversas condições atmosféricas
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
nas variações da temperatura intra-urbana, na
cidade de Glasgow, Reino Unido. De acordo
com a classificação de Koeppen-Geiger,
Glasgow é uma cidade caracterizada por um
clima temperado (Cfb), suavizado pela
influência
marítima.
As
condições
atmosféricas são avaliadas e classificadas
utilizando o critério Pasquill-Gifford-Turner
modificado, e a forma urbana é aferida pelo
Sky View Factor (SVF). No estudo, foi
considerada a variedade da forma urbana
observada no centro da cidade, associada à
presença de diferentes componentes da
paisagem urbana para identificar seus efeitos
no aquecimento local.
Estado da arte
Kershaw et al. (2010) apresentaram uma
metodologia para avaliar o efeito da ICU em
diversos cenários das projeções climáticas
realizadas para o Reino Unido. As
implicações, no futuro, da ICU em relação ao
conforto, energia e saúde para uma cidade de
um tipo de clima frio como Londres, por
exemplo, já foram descritas por Mavrogianni
et al. (2011).
Os estudos de Drach (2007) sublinham a
capacidade dos elementos de forma urbana
de influenciarem as dinâmicas de ventilação
e, consequentemente, da temperatura no
interior dos espaços urbanizados.
Efeito da forma urbana
Em zonas frias, o efeito da geometria urbana
na criação de microclimas e na definição da
forma e da magnitude da ICU pode ser
medida pelo SVF. Uma primeira tentativa de
estabelecer uma ligação entre o SVF e o
ICU, utilizando elementos objetivos foi
relatada por Oke (1981). Uma análise
detalhada dos esforços subsequentes foi
desenvolvida por Unger (2004).
Enquanto Unger (2009) encontrou
relações frágeis e contraditórias àcerca da
relação entre o SVF e a temperatura do ar no
ambiente urbano, noutros estudos, por
exemplo, em Gotemburgo na Suécia, foram
encontradas relações bastante consistentes
(R2 = 0,78), em algumas áreas específicas da
cidade durante as campanhas de medição
(Svensson, 2004).
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Todavia, levando em conta medições durante
períodos de tempo mais extensos (um ano), e
sobre uma área maior, como por exemplo
toda a área urbanizada de Szeged, na
Hungria (Unger, 2004), os resultados
mostraram uma relação bastante mais fraca
(R2 = 0,47). Por esse motivo Unger (2009)
enfatizou a importância da escala e chamou a
atenção tanto para a necessidade de delimitar
a área de estudo (para estabelecer uma
melhor correlação) como de selecionar a
escala apropriada de trabalho para verificar
uma relação entre o SVF e a ICU
significativa.
Aquecimento
atmosférica
urbano
e
instabilidade
Na literatura sobre os efeitos de ICU são
encontrados trabalhos em que as medições
foram feitas relatando também as condições
de estabilidade atmosférica. Dentre os
estudos que exploram o efeito de fatores de
forma urbana, bem como as condições de
estabilidade meteorológica pode ser citado
aqui, a título de exemplo, o exposto por
Unger et al. (2001) em estudo realizado para
a cidade de Szeged. Explorando o uso do
solo e aspectos meteorológicos de ICU nesta
cidade, Unger et al. (2001) relataram uma
forte relação entre o aumento da temperatura
urbana e a distância do centro da cidade, bem
como a relação com a área construída, mas
as condições de estabilidade meteorológica
não apresentaram efeito significativo sobre a
intensidade das ilhas de calor urbanas.
Nos últimos anos ganhou importância a
análise mais cuidadosa das condições
atmosféricas (Lee et al. 2009, Holmer et al.
2012) e dos padrões sinóticos (Kolokotsa et
al., 2009; Lai e Cheng 2009), necessidade
esta impulsionada pelo reconhecimento da
influência de tais padrões nas medições das
ICU. Mirzaei e Haghighat (2010), ao discutir
as fragilidades das técnicas de monitorização
e de simulação de ilhas de calor urbanas,
apontam a grande importância do
conhecimento dos processos de resolução do
sistema climático a grande escala para a
formação das ICU. Foi o que procuraram
Kruger e Emmanuel (2013) para estimarem
os efeitos atmosféricos sobre as ICU, bem
como as diferenças das temperaturas intra-
58
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
urbanas, concluindo que as diferenças nas
temperaturas intra-urbanas, assim como o
aquecimento em relação aos locais urbanos
específicos foram acentuados quando levada
em conta a estabilidade atmosférica. Além
disso, a relação entre SVF e aquecimento
local foi mais pronunciada sob condições
atmosféricas estáveis.
Métodos e materiais
A variação da temperatura local foi medida
com o apoio da estação meteorológica de
referência. A estação meteorológica Davis
Vantage Pro2 foi utilizada como estação de
referência e instalada no campus da Glasgow
Caledonian University GCU (55° 51'
57.294"N, 4° 15' 0.2628"W, 138m amsl).
Trata-se de um equipamento wireless
composto de duas partes: conjunto de
sensores (sensor de temperatura e humidade
do ar, piranômetro de silício, anemômetro de
copo com pá de vento e coletor de água de
chuva) e uma consola digital (data logger)
usada para o armazenamento de dados. A
monitorização das variáveis climáticas foi
realizada continuamente e os registos
armazenados a cada 15 minutos. As
informações sobre a localização da estação
meteorológica de referência (denominada
1s), da imagem da lente de olho de peixe, do
SVF e da trajetória solar, são apresentados na
Tabela 1. Na Tabela 2 estão indicadas as
características de cada sensor utilizado nas
medições, ou seja, os sensores localizados na
estação de referência e aqueles utilizados em
pontos fixos e nos transectos.
As medições foram efetuadas em vários
pontos da cidade através de data loggers
fixos e móveis (transectos). Foram
demarcados seis pontos de medição fixos e
42 pontos de medição móveis. Os sensores
de temperatura e humidade (Tinytag TGP4500) foram transportados com coberturas de
proteção para impedir que sejam atingidos
por radiação solar direta e difusa, além de
oferecer proteção em caso de precipitação,
muito comum na região. São de cor branca e
possuem aberturas apropriadas para permitir
a
ventilação
no
interior
dos
sensores/registradores de dados.
Forma urbana
Foram selecionados pontos representativos
da forma urbana de Glasgow para avaliar e
comparar os resultados de diferentes
utilizações do espaço urbano. O objetivo
almejado foi a obtenção de informação
suficientemente
diversificada
e
representativa da dinâmica de variação de
temperatura dentro do centro da cidade
No início, a região foi analisada através
de uma simples caminhada no centro da
cidade de Glasgow e os pontos foram
determinados por observação visual intuitiva.
Durante a caminhada a intenção foi
determinar diferenças marcantes na forma
urbana
como,
por
exemplo,
ruas
extremamente estreitas, áreas abertas,
proximidade do Rio Clyde, canyons urbanos,
praças com e sem vegetação, entre outros.
Posteriormente, as imagens das áreas
selecionadas dentre as visitadas foram
fotografadas com uma objetiva ‘olho de
peixe’ (SIGMA 4,5 milímetros f 2.8 EX). A
partir dessas imagens foram calculados os
SVF e as trajetórias solares, utilizando a
ferramenta computacional RayMan Pro
(desenvolvido por Matzarakis et al., 2010).
Tabela 1. Estação meteorológica de referência - Glasgow Caledonian University (1s)
Coordenadas e FVC
Latitude: 55° 51' 57.294"N
Longitude: 4° 15'
0.2628"W
FVC 0.774
Imagem com lente
olho de peixe
Máscara de obstrução
do entorno
Trajetória solar
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
59
Tabela 2. Características do equipamento utilizado nas medições
Sensor
Posicionamento
Resolução por
unidade de medida
0,1°C ou 1°C
(user-selectable)
Intervalo de
medição
-40° a +65°C
Temperatura do
ar
Estação meteorológica
de referência
Umidade do ar
Precisão
Estação meteorológica
de referência
1%
1 a 100%
±3% (0-90%), ±4%
(90-100%)
Velocidade do
ar
Estação meteorológica
de referência
0,4 m/s
1 a 80 m/s
±1 m/s
Direção do
vento
Estação meteorológica
de referência
22,5°
0 - 360°
±3°
Radiação solar
Estação meteorológica
de referência
1 W/m2
0 a 1800
W/m2
±5%
Temperatura do
ar (Tinytag
TGP-4500)
Transectos: pontos
fixos e percursos a pé e
de bicicleta
0,01°C
-25°C a
+85°C
±0,45°C
±0,5°C acima de
20°F (-7°C)
Figura 2. Localização dos pontos de medição no centro da cidade de Glasgow.
A partir da análise das imagens e dos valores
de SVF, foram selecionados os pontos mais
representativos da diversidade de uso do solo
urbano necessária para a análise.
Assim, levando em conta a diferenciação
da forma urbana, os pontos de medição
selecionados foram os que evidenciavam
diferenças marcantes na forma urbana que
podem interferir no microclima local. Para a
localização de cada ponto de medição, foi
usado um GPS (GPS Garmin MAP) com o
intuito de fornecer a localização precisa das
coordenadas geográficas de cada um dos
pontos e possibilitar que a experiência
pudesse ser repetida sempre que necessário.
Com a informação das coordenadas
60
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
Tabela 3. Localização dos sete pontos estacionários (2s ... 7s)
Coordenadas e FVC
Imagem com lente
olho de peixe
Máscara de
obstrução do
entorno
Trajetória solar
N
10
20
22.7.
20
Blythswood Square (2s)
Latitude: 55° 51' 48.7542"N /
Longitude: 4° 15' 44.1288"W
FVC: 0.017
30
40
60
City Council - Elmbank St (5s)
Latitude: 55° 51' 48.618"N /
Longitude: 4° 16' 3.9144"W
FVC: 0.205
Lighthouse - Mitchell Ln (6s)
Latitude: 55° 51' 35.445"N /
Longitude: 4° 15' 20.1132"W
FVC: 0.042
St Andrew’s Cathedral (7s)
Latitude: 55° 51' 20.5122"N /
Longitude: 4° 15' 8.7762"W
FVC: 0.440
6
80
17
7
16
8
15
9
14
13
10
11
12
S
City Council - Montrose St (4s)
Latitude: 55° 51' 37.875"N /
Longitude: 4° 14' 46.4274"W
FVC: 0.127
5
70
18
W
© 1999 - 2010 RayMan Pro 2.1
City Council - Hope St (3s)
Latitude: 55° 51' 31.8744"N /
Longitude: 4° 15' 33.0804"W
FVC: 0.201
4
50
19
E
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
61
Tabela 4. Variações da forma urbana (imagens de quatro dos 42 pontos de medição)
Ponto 1
55° 51' 58.0248"N, 4° 15' 13.2516"W
FVC = 0.569
Ponto 10
55° 51' 35.2476"N, 4° 15' 18.5466"W
FVC = 0.039
Ponto 22
55° 51' 50.4432"N, 4° 15' 10.4544"W
FVC = 0.325
Ponto 24
55° 52' 0.1884"N, 4° 15' 4.8018"W
FVC = 0.348
geográficas, das imagens recolhidas com a
lente olho de peixe, das trajetórias solares e
dos SVF foi possível determinar os pontos
apropriados para localizar os sensores
climáticos. No mapa do centro da cidade de
Glasgow são apresentados os 49 pontos de
medição (Figura 2).
Representação espacial das variações de
temperatura
Os seis pontos de medição fixos são
apresentados na Tabela 3. Quatro pontos
móveis foram escolhidos (Tabela 4), dentre
quarenta e dois utilizados, para representar as
variações da forma urbana e a
62
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
diversidade entre os pontos selecionados.
Pode ser observada, além da variação do
valor do SVF, a diversidade de cenários
existente.
Protocolo das medições
Foram efetuadas, durante a primavera e o
verão de 2013, 31 campanhas de coleta de
dados, compreendendo os meses de Maio,
Junho, Julho e Agosto. Para que a coleta de
dados fosse capaz de abranger todo o centro
da cidade de Glasgow num curto intervalo de
tempo (uma hora) foi adotado o método de
‘transectos pedonais’.
Para tal foram
definidas três rotas pré-determinadas (Figura
2) percorridas a pé e de bicicleta – Meteobike
(Figura 3). A bicicleta tornou-se uma
importante
ferramenta
de
apoio,
principalmente por causa da distância a
percorrer dentro do Green Park de Glasgow.
Três rotas foram definidas tendo a
Buchanan Street, rua de pedestres que divide
o centro da cidade de Glasgow, como
referência: uma central, uma na direção oeste
e outra na direção leste incluindo aí o parque
Glasgow Green. As três rotas têm o Ponto
25, situado na Glasgow Caledonian
University, próximo à estação de referência,
como ponto partida e o Ponto 10, próximo à
Buchanan Street, como término do percurso.
Os trajetos das três rotas podem ser
observados na Figura 2.
Antes de iniciar as medições, os sensores
de temperatura e umidade são colocados ao
ar livre por 20 minutos. Em cada ponto de
medição são efetuadas paragens de 2
minutos. Os medidores foram programados
para efetuarem registros em intervalo de 10
em 10 segundos. As quatro primeiras
medidas de cada ponto são desprezadas para
garantir que o registrador esteja estabilizado.
Conta-se, portanto, com oito medições
para calcular a média para cada ponto. As
campanhas de medição têm início às 14:30
horas, horário local, para estarem próximas
da temperatura maxima diária, que
tipicamente ocorre às 15:00 horas, e finaliza
por volta das 15:30 horas, durando, portanto,
aproximadamente uma hora. O intervalo de
uma hora foi estabelecido para que as
variações de temperatura observadas
Figura 3. Bicicleta utilizada durante as
medições, Meteobike.
pudessem ser atribuídas apenas às variações
da forma urbana. Para validar os dados
recolhidos nos transectos há seis pontos de
medição itinerante que coincidem com seis
pontos fixos.
Posteriormente os dados de temperatura
são comparados com os das observações
diárias, da média mensal (com a média de
todas as medições obtidas no mês) e das
diferenças na temperatura intra-urbana
(diária e mensal). As diferenças da
temperatura intra-urbana durante cada
campanha são calculadas a partir da
determinação da temperatura mínima
observada em cada campanha. A partir disso
é calculada a diferença do valor medido em
cada ponto do transecto em relação ao ponto
que apresentou o valor de mínima
temperatura.
Estabilidade atmosférica
A caracterização da situação sinóptica à
superfície nos dias de medição itinerante foi
elaborada segundo o sistema de classificação
modificado Pasquill-Gifford-Turner, PGT
(Turner, 1970).
Esta classificação foi realizada a partir da
análise dos dados da estação meteorológica
localizada no campus da Glasgow
Caledonian University (55º 47'N, 4º 25'W,
138 m AMSL) no centro da cidade de
Glasgow. As classes de estabilidade de A
(fortemente instável) a G (fortemente
estável) foram definidos de acordo com a
Tabela 5.
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
63
Tabela 5. Classes PGT de Estabilidade Atmosférica
VV
(m/s)
≤2
2-3
3-5
5-6
>6
Dia – RS (W/m²)
Elevado1
A
A-B
B
C
C
Moderado2
A-B
B
B-C
C-D
D
Baixo3
B
C
C
D
D
Noite – CN (octas)
Nublado
C
C
C
D
D
Baixo 4
G-F
F
E
D
D
Moderado5
F
E
D
D
D
Elevado 6
D
D
D
D
D
Legenda: VV velocidade do vento, RS radiação solar global, CN Cobertura noturna de nuvens, 1 (>600),
2
(300-600), 3 (<300), 4 (0-3), 5 (4-7), 6 (8), A (Fortemente instável ou convectivo), B (Moderadamente
instável), C (Ligeiramente instável), D (Neutra), E (Ligeiramente estável), e F (Moderadamente estável),
G (Fortemente estável).
Figura 4. Mapas: (a) Mapa Lidar e (b) mapa com as edificações.
Representação espacial das variações de
temperatura
Os pontos de medição georreferenciados
utilizando um manual GPS (GPS Garmin
MAP), foram cartografados no mapa da
cidade de Glasgow utilizando a ferramenta
ArcMap do software ArcGIS (ArcGIS v.
10.1). Para a visualização foi utilizada uma
combinação do mapa Lidar (Edinburgh
University, 2013) e do mapa com as
edificações (VECTOR MAP, Landmap
Spatial Discovery, 2013). As Figuras 4a e
4b mostram esses mapas, respectivamente.
Para cada dia de medição foram gerados
mapas da distribuição do campo de
temperatura para o centro da cidade de
Glasgow. A Figura 5 apresenta, a título de
exemplo, a visualização das variações da
temperatura intra-urbana e dos valores de
SVF para cada ponto de medição, no dia 19
de Julho de 2013.
Representação espacial das variações de
temperatura intra-urbana
Os mapas gerados para cada campanha e
para as médias mensais revelaram-se uma
ferramenta importante e útil para visualizar
as tendências do comportamento da
temperatura no meio intra-urbana de
Glasgow.
Veja-se, por exemplo, que os resultados
apresentados na Figura 6 e que mostram a
relação entre o SVF e as temperaturas
64
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
Figura 5. Mapa com a temperatura do ar e SVF - 19 de Julho de 2013.
Figura 6. Temperatura do ar versus SVF para os dados da média do mês de Julho:
(a) sete pontos fixos e (b) 49 pontos de medição.
médias das medições itinerantes e dos pontos
fixos realizadas durante o mês de Julho de
2013 onde o R2=0.95 é bastante animador.
Todavia, este excelente resultado pode
dever-se ao tamanho da amostra que contava
com apenas sete pontos de medição fixos.
Não obstante, estes resultados confirmam as
expectativas em relação à configuração da
curva de forma parabólica com os valores
mais baixos de temperatura encontrados nos
valores de SVF elevados.
Quando incluimos o conjunto total de 49
pontos de medição (Figura 6b) os resultados
indicam que os pontos extremos de SVF,
conforme esperado, continuam apresentando
as menores temperaturas do conjunto, apesar
do valor de R2 ser bastante mais baixo.
Foram construídos vários mapas e
gráficos de temperatura do ar versus SVF
para cada dia e para as médias mensais. Os
resultados apresentados na Figura 7 mostram
mapas da variação espacial da temperatura
intra-urbana em dois dias particularmente
quentes, 18 e 22 de Julho de 2013. E aqui, as
temperaturas extremas, ou seja, os valores de
máxima e mínima temperatura medidas
durante a campanha, para estes dois dias
estavam atendendo à mesma distribuição
espacial.
A área com as temperaturas mais
elevadas para ambas as imagens está
indicada por sua imagem do SVF na parte
superior das Figuras 7a e 7b (SVF=0.569). A
região com as temperaturas mais baixas
(SVF=0.440) está indicada pelas imagens do
SVF nas proximidades do Rio Clyde.
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
65
Figura 7. Variação especial da temperatura intra-urbana em dois dias particularmente
quentes: 18 (a) e 22 (b) de Julho.
Figura 8. Diferenças da temperatura intra-urbana (°C): 19 (a) e 22 (b) de Julho e média
mensal de Julho (c).
Diferença de temperatura intra-urbana
Para cada campanha de medição também é
incluído o cálculo da diferença de
temperatura (denominada aqui como
diferença de temperatura intra-urbana) entre
todos os pontos medidos, complementando
assim a análise do comportamento do campo
de temperatura. Para tal é calculado o ponto
com o mínimo valor de temperatura medido,
que é tomado como referência. Esse
procedimento permite detectar a dimensão da
variação da temperatura na área de estudo.
A partir das imagens é possível ressaltar
que o padrão de diferença de temperatura
manteve-se semelhante para a maior parte
dos dias de campanha: a região próxima ao
Rio Clyde, bem como um pequeno parque
urbano,
Blythswood
Square
(região
assinalada com o círculo), estava entre os
pontos onde foram observadas as
temperaturas mais baixas. Na Figura 8 são
apresentados os mapas com as diferenças na
temperatura intra-urbana para os dias 19 (a) e
22 (b) de Julho, bem como para a média
mensal (c) do mesmo mês.
Como forma de explorar a possibilidade
de estabelecer uma relação significativa entre
as condições meteorológicas e a variação da
temperatura
intra-urbana,
a
classe
estabilidade atmosférica PGT foi adotada
para classificação dos dias medidos
conforme descrito anteriormente (Tabela 4).
Os resultados, no sentido de estabelecer
uma relação significativa entre as condições
meteorológicas e a variação da temperatura
intra-urbana, não foram conclusivos como
pode ser observado na Figura 9. Os valores
de classes A e C têm uma distribuição
extensa, se comparados com os resultados de
classes B e AB que continuam a apresentar
os valores de temperatura mais baixos nos
66
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
Figura 9. SVF versus temperaturas medidas e classificadas de acordo com as classes PGT:
(a) A, (b) A-B, (c) B e (d) C.
Tabela 6. Diferenças de temperatura intra-urbana versus estabilidade atmosférica (Classe
PGT)
Diferenças de temperatura (°C)
8
7
6
R² = 0.9831
5
4
3
2
1
0
A
A-B
B
Classes PGT
valores extremos de SVF. Não foram
observadas diferenças ou tendências
importantes
que
os
diferenciasse
sobremaneira daqueles obtidos relacionando
SVF versus temperatura.
Resultados e discussão
A diferença das temperaturas intra-urbanas,
conforme
mencionado
anteriormente,
apresentou importantes alterações entre as
campanhas de medição. Estas diferenças
chegaram a variar entre 1,96 e 7,70°C e foi
constatado um importante efeito das classes
de estabilidade atmosférica sobre as
diferenças de temperaturas intra-urbanas.
A Tabela 6 apresenta a relação entre a
diferença de temperatura intra-urbana e a
estabilidade atmosférica com os dados
diários agrupados de acordo com as classes
PGT. Pode-se observar que a presença de
uma classe altamente instável (A) está
associada às maiores diferenças de
C
temperatura intra-urbanas no centro da
cidade de Glasgow. Quanto mais instável a
atmosfera maior é a variação de temperatura
intra-urbana e da mesma forma, à medida
que a estabilidade atmosférica aumenta, a
variação da temperatura intra-urbana
experimenta uma redução.
A Tabela 7 apresenta as médias das
diferenças de temperatura intra-urbanas
agrupadas por classes de estabilidade
atmosférica (PGT) em sua distribuição
espacial (ArcGIS) e com o gráfico de
dispersão. Todos os mapas são apresentados
na mesma escala de temperatura.
Duas observações são imediatas: as
variações de temperatura intra-urbana estão
claramente relacionadas com a estabilidade
atmosférica (as menores diferenças de
temperatura intra-urbana estão presentes nos
dias de classificação ‘ligeiramente instável’ e
as maiores diferenças ocorrem para os dias
classificados como fortemente instáveis ou
convectivos). A relação entre o SVF e as
diferenças de temperatura intra-urbana são
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
67
Tabela 7. Mapas das médias das diferenças de temperatura intra-urbanas (classes PGT) e
gráficos de dispersão das médias das diferenças de temperatura versus SVF
Classe de
estabilidade
atmosférica (PGT)
Mapas das médias das diferenças de
temperatura intra-urbanas (oC)
Médias das diferenças de
temperatura (oC) vs. FVC
6
5
4
A
3
2
1
R² = 0.4149
0
0
0,5
1
5
4
3
A-B
2
1
R² = 0.4308
0
0
B
0,5
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
1
R² = 0.4031
0
0,5
1
2,5
2
1,5
C
1
0,5
R² = 0.4118
0
0
semelhantes para todas as classes de
estabilidade atmosférica com o intervalo de
R2 = 0,4031-0,4308.
A forma urbana, bem como os materiais
de revestimento urbano, influenciam as
variações de temperaturas locais em cidades.
Conhecer suas respectivas contribuições às
variações das temperaturas locais é
0,5
1
importante condição para elaborar estratégias
de planejamento urbano, capazes de lidar
eficazmente
com
o
problema
de
superaquecimento urbano.
Os padrões espaciais das variações da
temperatura intra-urbana mostram que as
regiões próximas aos rios, canais, praças e
parques urbanos apresentam variações de
68
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
Figura 10. Diferenças de temperatura intra-urbana em duas praças da cidade de
Glasgow: (a) dia 21 de Maio e (b) 3 de Julho de 2013.
temperatura consistentemente inferiores
conforme apresentado na Figura 8. Nas
figuras 10a e 10b os resultados medidos para
duas praças da cidade, uma arborizada e
outra não, respectivamente, permitem
observar a diferença da temperatura medida.
É interessante observar que no dia 21 de
Maio de 2013 (Figura 10a) a diferença de
temperatura quase atinge 4°C e no dia 3 e
Julho de 2013 (Figura 10b) fica entorno dos
2°C.
Observa-se que, mesmo para os parques
urbanos, a presença de diferentes materiais
de revestimento urbano representa alterações
significativas da temperatura local. A adoção
de estratégias de inserção de vegetação
também pode resultar em uma maior oferta
de áreas abertas e verdes para a população,
contribuindo para a melhoria da qualidade de
vida. No entanto, nem sempre é viável a
introdução de espaços livres abertos em
todos os lugares, tornando a opção por
grandes espaços verdes, por vezes
impraticável. O estudo do papel da vegetação
e dos corpos de água, bem como de seu
efeito de mitigação requer uma análise mais
aprofundada que está sendo desenvolvida
pelos autores. Sabendo-se que os efeitos
obtidos com a adoção de áreas de vegetação
dependem também do tipo de vegetação e de
sua distribuição, esse tema merece ser mais
investigado e o emprego da simulação
computacional pode constituir-se em uma
importante e eficaz ferramenta.
Buscando estabelecer relações entre a
forma urbana, a dinâmica do campo de
temperatura intra-urbana e possíveis
conexões com a instabilidade atmosférica
para cidades de clima tropical, pesquisa
semelhante está em andamento para as
cidades do Rio de Janeiro e de Petrópolis. Os
primeiros resultados parecem confirmar a
importância das áreas verdes e sua
interferência na temperatura intra-urbana
produzindo um efeito de resfriamento.
Conclusões
As condições atmosféricas, bem como a
forma urbana, influenciam as variações de
temperaturas locais em cidades. Conhecer
suas respectivas contribuições às variações
das temperaturas locais é importante
condição para elaborar estratégias de
planejamento urbano capazes de lidar
eficazmente
com
o
problema
de
superaquecimento urbano.
A relação entre a forma urbana (aqui
medida pelo SVF) e as variações de
temperatura intra-urbanas, mesmo sendo um
dos aspectos mais bem estudados em
pesquisas de ilha de calor urbanas, não
parece tão evidente.
A estabilidade atmosférica, definida pelo
sistema de classificação modificado PGT,
indica interferência na relação entre o SVF e
a temperatura intra-urbana, mas esta relação
também necessita ser mais investigada. O
fator de visão do céu, SVF, parece apresentar
uma relação ‘parabólica’ com a temperatura
do ar medida durante o dia (espaços muito
abertos como áreas verdes, bem como
aqueles densamente construídos, com locais
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
sombreados, que apresentam as temperaturas
mais baixas), mas essa relação não é
conclusiva.
O presente trabalho sugere que a
ocorrência de diferenças de temperatura
intra-urbanas mais elevadas (ou seja,
diferença de temperatura entre os pontos
mais frios e os mais quentes de uma
determinada região urbana) está fortemente
relacionada com a estabilidade atmosférica.
As classes de estabilidade atmosférica
mais instáveis têm as maiores variações de
temperaturas intra-urbanas enquanto as
classes menos instáveis apresentam variações
menores. A partir da categorização dos dias
de medição de acordo com as classes PGT, a
estabilidade atmosférica parece ser capaz de
explicar cerca de metade das variações nas
temperaturas intra-urbanas.
Os padrões espaciais das variações de
temperatura
locais
mostram
consistentemente que corpos de água e
parques urbanos têm variações de
temperatura consistentemente inferiores. Os
resultados também indicam que vegetação e
material de cobertura urbana podem
desempenhar um papel importante quando
incluídos nestas análises.
Um maior entendimento acerca da
influência da forma urbana nas variações das
temperaturas locais pode ser um fator de
importante auxílio para elaboração de
estratégias de planejamento apropriadas para
mitigar ou lidar com o superaquecimento
urbano num futuro próximo, ante as
perspectivas de aquecimento global.
Agradecimentos
Patricia R. C. Drach agradece o suporte
financeiro do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), agência do Ministério da Ciência,
Tecnologia
e
Inovação
(MCTI)
(246551/2012-7) e o apoio da Glasgow
Caledonian University, Reino Unido.
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Tradução do título, resumo e palavras-chave
The influence of urban form on intra-urban temperature
Abstract. Climate change, and its consequences, points out the need of developing strategies for
mitigating problems related to urban overheating. This paper aims to examine the influence of urban
form, here measured by the Sky View Factor (SVF), on intra-urban temperature in the city of Glasgow,
UK, a naturally cold city. A set of 49 measurement points was selected in the city centre, and 31
campaigns, for data collection, were made during the spring and summer of 2013. In order to cover a
large area of the city, within a relatively short period of time, the ‘traverse’ method was used on predetermined routes. Temperature variation was visualized using the software ArcGIS. The results indicate
that the maximum intra-urban temperature differences are strongly correlated with atmospheric stability,
which suggests that atmospheric stability has a relevant effect on intra-urban temperature variation. The
study also indicates, as expected, that the vegetation and the urban cover materials play an important
role in influencing the local climate in cold cities. The knowledge on the influence of urban form on local
temperature variation can be important in the development of strategies to deal with urban overheating.
Keywords: intra-urban temperature, urban form, Sky View Factor, urban design, atmospheric stability
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro
da Mooca como referência tipológica
Paulo E. B. Gonçalves e Marília D. Guimarães
Universidade de Guarulhos, Praça Tereza Cristina 88, Centro, 07023-070 Guarulhos,
SP - Brasil. E-mail: [email protected], [email protected]
Artigo revisto recebido a 6 de Maio de 2014
Resumo. Este artigo pretende investigar as transformações ocorridas na
configuração do tecido urbano da cidade de São Paulo, Brasil, bem como a
relação estabelecida pela edificação, determinada por sua implantação nos
lotes resultantes do modelo de parcelamento adotado e correspondente
legislação edilícia vigente em cada período. O estudo partiu da organização
de uma periodização histórica e estilística tradicional, percorrendo de forma
cronológica os acontecimentos políticos, economicos e sociais. Busca
identificar as transformações decorrentes de cada um deles, partindo do
período de colonização brasileira pelos portugueses e seus modelos de
construção das cidades, passando pelos estágios de monoculturas agrárias
durante o neocolonialismo e o neoclássico do Império, pré e efetiva
industrialização na República do ecletismo, chegando até a instauração da
República Nova, momento no qual se estabeleceram e difundiram os ideais do
Movimento Moderno, nas artes e na arquitetura. Utilizou-se como área de
estudo o bairro da Mooca, com sua localização estratégica e diversificação
demográfica, fatores que fizeram parte integrante dos principais momentos de
transformação do tecido urbano paulistano, possibilitando que dele se
extraíssem exemplares remanescentes dos principais tipos identificados.
Palavras-chave: transformação urbana, tecido urbano, parcelamento, lote,
Mooca O processo de alteração da ocupação de um
dos elementos morfológicos básicos do
desenho da cidade, o lote, que não representa
apenas o parcelamento cadastral do terreno
mas também, e principalmente, a célula
fundamental de geração do edifício,
corresponde ao foco central desta reflexão.
Pretende-se investigar os modelos pelos
quais as edificações estabelecem seus limites
físicos e criam espaços abertos ou fechados,
vazios ou cheios, determinando o seu
desenho a partir do traçado estabelecido para
o terreno em que se inserem. Através de um
percurso cronológico, associando os modelos
e tipologias de implantação às teorias e
tratados estilísticos característicos de cada
período abordado, bem como aos principais
aspectos da legislação edilícia urbana
correspondente, pretende-se mapear os
caminhos percorridos por esta transformação
da forma urbana.
A análise tem início no período colonial
brasileiro, segue abordando os aspectos
derivados da instalação da República e
investiga, na sequência, as transformações
decorrentes dos processos de industrialização
e metropolização da cidade de São Paulo no
final do século XIX e início do século XX, as
quais abririam caminho para a instauração do
Movimento Moderno na arquitetura, período
de importante produção dos arquitetos
paulistas.
Utilizou-se como área de estudo o bairro
da Mooca, em São Paulo, tradicional área de
subúrbio do final do século XIX, com
concentração de habitantes ligados à mão-deobra e à produção agro fabril, além de
imigrantes recém-desembarcados no Brasil.
Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2), 71-84 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
72 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica
Buscou-se
no
bairro,
exemplos
remanescentes de cada período, ou aspecto
relevante estudado, no intuito de ilustrar
imageticamente
as
transformações
decorridas. A escolha do bairro da Mooca
como área de estudo deu-se devido às
características derivadas de sua localização
estratégica lindeira ao perímetro da ‘Colina
Central’, fato que o tornou, desde logo,
caminho obrigatório para o desenvolvimento
do tecido urbano da cidade.
‘Colina Central’ é uma expressão
utilizada para designar a área de início da
ocupação urbana de São Paulo, e que viria a
se transformar em seu centro histórico, sendo
desenhado no alto da colina dos ‘campos de
Piratininga’, a partir dos conventos católicos
que ali se estabeleceram – inicialmente os
Jesuítas, responsáveis pela fundação da
cidade em 1554 em terras dos índios
Guaianás (Franco, 2001). Os Jesuítas, em
atendimento às determinações do Marquês de
Pombal, foram expulsos do Brasil, fato
determinado pela publicação de Decreto, em
3 de Setembro de 1759. A chegada de novas
congregações religiosas à Vila foi-se dando
gradativamente e para nela fixarem-se
ergueram seus conventos, respectivamente:
em 1598 os Carmelitas, em 1600 os
Beneditinos e em 1640 os Franciscanos.
Todos localizados no alto da colina do
planalto, junto à confluência dos rios
Anhangabaú e Tamanduateí, posicionados
geograficamente nos vértices de um
triângulo, a partir do qual se deu o
estabelecimento do traçado da estrutura
urbana da região, que pode ser identificado
no mapa de usos do solo da Cidade de São
Paulo de 1809, baseado no Mappa da Cidade
de São Paulo (Figura 1).
Estrutura urbana e ocupação dos lotes no
período colonial brasileiro
Em sua origem, o domínio sobre as terras
brasileiras pertenceu à Coroa portuguesa, e o
caso do povoado que daria origem à cidade
de São Paulo não fugiu à regra. A
apropriação, uso e ocupação de terras se
deram sob o regime de concessão de
Sesmarias, regido pelas Ordenações do reino
(Simoni, 2005).
Foi a partir de 1530 que os portugueses
Figura 1. Mapa de usos do solo da cidade de
São Paulo em 1809 (fonte: Bueno, 2005).
deram início à ocupação das terras brasileiras
e implantaram o regime da grande
propriedade rural. Nesse período a terra era
vista como parte do patrimônio pessoal do
Rei, que consolidou o sistema através da
doação de grandes porções de terras – as
Sesmarias. A doação de terras, apesar de
regulamentada
por
lei,
descrita
e
documentada pelas Ordenações do reino,
ocorria segundo o arbitrium real, que
avaliava os candidatos considerando: status
social, qualidades pessoais e serviços
prestados à Coroa, além de interesses
políticos. O regime de Sesmarias vigorou até
1820 (Azevedo, 1956).
Baseadas num processo elaborado no
período clássico, que estabelece uma perfeita
identidade entre o traçado das ruas,
hierarquizadas pela sua importância e perfil,
e as fachadas dos edifícios que as margeiam,
surgem as cidades coloniais, tendo como
elemento gerador de suas formas o próprio
traçado, que atende à necessidade de
organização distributiva habitacional e
divisão cadastral, garantindo adequada
subdivisão do solo, uniformização estética e
disciplina racional do espaço.
‘Aproveitando
antigas
tradições
urbanísticas de Portugal, nossas vilas e
cidades apresentavam ruas de aspecto
uniforme, com residências construídas sobre
o alinhamento das vias públicas e paredes
laterais sobre os limites dos terrenos’ (Reis,
2006, p. 22).
O sistema de transportes existente na
época era o mesmo que caracterizava o
restante da província e grande parte do
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica 73
Brasil. A circulação era feita por estradas que
tinham como objetivo conduzir os habitantes
da região central das províncias, ou de suas
chácaras e sítios, à Corte, então localizada no
Rio de Janeiro, através de ‘tropas de burro’ e
por cavalos (Langenbuch, 1971).
A arquitetura residencial urbana do
período colonial brasileiro baseava-se num
tipo de lote definido nas tradições
urbanísticas de Portugal, gerador de ruas com
aspecto uniforme, com residências contíguas,
alinhadas às vias públicas e erguidas sobre os
limites laterais dos lotes, justapostas às
empenas vizinhas, o que contribuía para a
proteção destes elementos construtivos da
ação das intempéries tropicais, uma vez que
nesse período se utilizavam ainda técnicas
construtivas primitivas, geralmente com
paredes externas em taipa de pilão e as
divisões internas em pau a pique ou adobe.
Não havia alternativa, ou as casas eram
urbanas ou eram rurais, não se encontravam
exemplares, nas vilas e cidades, com recuos
ou jardins: ‘Assim, as casas de frente de rua,
do período colonial, cujas raízes remontam as
cidades medievo-renascentistas da Europa’
(Reis, 2006, p. 16).
Essa característica se justificava, uma vez
que as ruas tinham seu traçado definido pelo
alinhamento das fachadas das edificações.
Não havia passeios públicos definidos e em
sua maioria, não possuíam calçamento.
Também não era possível delimitar-se ruas
sem os edifícios, responsáveis por traçar os
caminhos a partir de sua união e disposição
sequencial: ‘(…) não seria possível pensar
em ruas sem prédios; ruas sem edificações,
definidas por cercas, eram estradas (Reis,
2006, p. 22).
A topografia e os equipamentos de
precisão ainda não existiam nessa época e o
traçado das ruas era demarcado com a
utilização de piquetes de madeira e cordas.
Por esse motivo, as vias iam sendo
desenhadas na medida em que as construções
se iniciavam nos terrenos. A presença física
dos edifícios era a garantia de manutenção do
traçado, sendo que estes mantinham em
média dez metros de frente e profundidades
variadas de acordo com o tamanho do
quarteirão definido ou com a atividade
praticada no quintal da residência (Reis,
2006).
A padronização dos lotes, a manutenção
do alinhamento e o número de aberturas das
edificações eram inicialmente determinados
por Cartas Régias e posteriormente por
Códigos de Postura Municipais. Entretanto
tal característica se reproduz também nas
fachadas e na disposição dos ambientes
internos das casas, conforme pode ser
observado no registro do traçado colonial da
malha urbana da época (Figura 2). O
desenvolvimento da planta interna, mesmo
sendo livre, de forma geral, dispunha
ambientes de sala e loja voltados para a rua,
sala de jantar e cozinha junto das aberturas
dos fundos do edifício, ficando a área central
sem iluminação e ventilação destinada às
alcovas e corredor de circulação, que poderia
estar localizado numa das laterais ou
centralizado. Essa disposição era reproduzida
nos sobrados, que além de pisos
diferenciados, no pavimento térreo chão
batido e nos superiores assoalho de tábuas,
acrescentava a escada de acesso ao nível
superior localizada paralela ao corredor de
ligação entre a área social e a de serviços ou
junto à sala conforme se observa no croqui de
Reis na Figura 3.
Reis (2006) nos relata ainda, que a
distinção entre sobrados e casas térreas
também caracterizava a diferença entre os
extratos sociais. Os mais abastados
habitavam os primeiros e os mais pobres as
casas de chão batido, térreas. Além disso,
informa que o pavimento térreo dos
sobrados, quando não abrigava lojas, servia
de abrigo aos escravos e animais ou
permanecia quase vazio, nunca utilizado para
permanência dos proprietários.
Mesmo as cidades mais desenvolvidas do
período colonial, sobreviviam em condições
tecnológicas bastante primárias, dependentes
das áreas rurais e do comércio com a Europa.
Ainda nesse período ocupavam áreas
reduzidas, circundadas por propriedades
rurais que as abasteciam e garantiam a
solução de seus problemas fundamentais
básicos (Reis, 2006).
As mudanças na forma urbana das cidades
brasileiras ocorrem de forma lenta durante os
séculos XVI e XVII. As alterações mais
marcantes se concentram no uso de novos
materiais para a construção de residências
urbanas e rurais. As casas de chácara se
afastam dos limites laterais dos terrenos,
porém nas áreas centrais as casas geminadas
74 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica
Figura 2. Traçado colonial da malha urbana
(fonte: Instituto Morais Salles).
edificados ou inseridos em habitações
degradadas e mais tardiamente se projetam e
constroem as primeiras vilas operárias.
A construção de vilas e núcleos de
habitação no país precede o processo de
industrialização, uma vez que já durante o
período de colonização portuguesa aparecem
nas fazendas, engenhos de açúcar e junto as
áreas de mineração. A grande inovação deste
período, a partir de 1880, é a localização
destes conjuntos junto dos centros urbanos,
ocupando áreas periféricas da cidade, junto
aos prédios das fábricas localizados no
caminho das ‘estradas de ferro’ (Correia,
2010).
Transformação urbana e da ocupação do
lote na cidade de São Paulo a partir do
século XIX
Figura 3. Planta esquemática da casa colonial
popular: 1 - loja / depósito; 2 - corredor de
circulação; 3 - sala de estar ou salão; 4.
alcovas; 5 - sala de jantar / varanda / sala das
mulheres; 6 - cozinha e serviços (fonte: Reis,
2006).
e alinhadas ao passeio vêm se tornando
indispensáveis nas ruas e vielas e são
determinantes na paisagem urbana.
Somente no século XIX é que se torna
possível pensar em novos esquemas de
implantação urbana, com o fim do sistema
construtivo colonial baseado na mão-de-obra
escrava. O Brasil passa por um processo de
transformação. Nesse momento aparece de
maneira discreta, ainda, uma diversificação
nos tipos habitacionais. Além das casas
térreas e dos sobrados, presentes desde o
período colonial, surgem os palacetes,
construídos ou reformados para receberem
características neoclássicas, os cortiços
‘(…) o estudo do crescimento permite
determinar
aquelas
lógicas
inscritas
profundamente no território que esclarecem
as razões de ser do assentamento atual.
Começar a análise de uma cidade pelo estudo
do seu crescimento é um dos meios de
apreendê-la em sua globalidade (…)’
(Panerai, 2006, p. 55).
As
primeiras
transformações
nas
edificações coloniais apareceram de forma
tímida, com a chegada de equipamentos
importados e sob a inspiração da Academia
Imperial de Belas Artes e da presença da
Missão Cultural Francesa no país.
As inovações tardaram a chegar a São
Paulo. Entretanto o caminho já estava traçado
e pelos trilhos dos trens, desembarcaram
inicialmente os novos materiais utilizados
nos acabamentos das residências. Platibandas
passam a ser munidas de calhas e de
coletores embutidos que foram substituindo,
gradativamente, os antigos beirais. O ferro
passou, também, a ornamentar as bandeiras
das portas e janelas, acabando por substituir
as antigas gelosias e urupemas, cujas folhas
passaram a receber vidros simples ou
coloridos, assim como as bandeiras das
portas.
No
contexto
do
desenvolvimento
industrial de São Paulo é possível observar,
na Carta das Estradas de Ferro da Província
de São Paulo, de 1878, o desenho da trama
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica 75
urbana que se conforma ao longo das
estradas de ferro, as quais passam a recortar
não só a Província, no caminho do planalto
para o Porto de Santos, mas também, todo o
Estado de São Paulo para escoar sua
produção agrícola do interior, alimentando o
crescimento e o desenvolvimento da região.
O processo de industrialização das
cidades era inevitável, porém para levar
adiante suas pretensões, os industriais que se
instalavam no Brasil tinham de construir seu
próprio parque residencial, junto das fábricas,
para poder abrigar os operários que ali
fossem trabalhar, mantendo-os cativos aos
seus locatários-patrões e longe da
regulamentação do Estado, que até esse
momento era quem financiava a vinda da
força de trabalho, organizando uma política
de imigração e viabilizando o investimento
do capital, induzindo dessa maneira a
estruturação da divisão social do trabalho e
criando as condições gerais para o
desenvolvimento econômico do país
(Oliveira, 1978).
Durante o período de instalação das
indústrias, as relações entre a produção fabril
e a das monoculturas eram muito intrínsecas.
Blay (1985) relata o caso da principal
indústria de tecido de juta de São Paulo, a
Fábrica Sant’Anna, de propriedade do
industrial Jorge Street, que tinha sua
produção comprometida com os exportadores
de café, que dependiam dessa produção para
ensacar suas safras, assim como a produção
das sacarias em geral que estavam
comprometidas com o consumo concentrado
na população residente nas áreas rurais.
Outro avanço no desenvolvimento das
cidades, também decorrente do apogeu
mercantilista e da industrialização emergente,
provável causa do surgimento de um
contingente de trabalhadores urbanos que
demandariam habitação popular em grande
escala, foi a instalação das Ferrovias, uma
estadual e outra federal. A primeira,
interligando as maiores cidades do Estado de
São Paulo ao Porto de Santos passando pela
capital do estado e, a segunda, interligando as
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que se
tornou sede do vice-reinado em 1763 e com a
transferência da Corte e da família real em
1808, vinda de Salvador, reafirmou sua
posição de polo articulador do território
centro-sul da América conquistada desde o
início do século XVIII.
Mesmo instalando ramais individuais
privilegiados que atendiam exportadores de
produtos agrícolas ou grandes produtores
fabris, foram as ‘estradas de ferro’ os
principais responsáveis por criar uma rede de
transporte
público
que
atendia
as
necessidades de deslocamento da população,
como relata Gonçalves (2009), fato que pode
ser comprovado pelo Mapa das Estradas de
Ferro de 1867.
As transformações ocorridas na capital já
em princípios do processo de explosão
demográfica, por conta da fartura na
produção agrícola e do aumento da
população, inclusive com o incremento de
imigrantes estrangeiros, que por ocasião da
chegada das ferrovias, segundo Langenbuch
(1971), era de cerca de 26 000 habitantes, já
em 1890 batia a marca dos 65 000, e veria no
próximo triênio este número quase que
duplicar, passando dos 120 000, sendo que
deste valor mais de 70 000 eram estrangeiros.
Esta população pujante deu origem a uma
demanda real e crescente de mão-de-obra
operária, que necessitava do transporte
coletivo para se locomover de casa até seu
local de trabalho. As estradas de ferro foram
a solução adotada na época (Gonçalves,
2009).
Por fim, a orla ferroviária foi palco para o
desenvolvimento econômico do final do
século
XIX,
enquanto
instrumento
viabilizador do incremento do parque
industrial
paulistano,
determinando
definitivamente
a
estruturação
que
possibilitou sua metropolização (Leite,
2003).
Transformação
do
tecido
paulistano a partir do século XX
urbano
O crescimento da população extrapolou a
área central e seus arredores, chegando por
falta de opção às áreas suburbanas, através
dos loteamentos destinados a atender o
contingente populacional oriundo do
acréscimo de residentes urbanos empregado
na mão-de-obra industrial e nos serviços que
a subsidiavam, como bem definiu Silva
(2007, p. 9) ao falar da problemática gerada
76 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica
por estes loteamentos: ‘A ocupação efetiva
dos loteamentos mais afastados dependia da
conexão com o centro e com o resto da
cidade. Os anos 1920’s, 30’s e 40’s
materializaram a transformação de uma
cidade cujo transporte público funcionava
sobre trilhos em uma cidade onde o
transporte sobre pneus se tornou hegemônico.
Nas duas ilustrações a seguir aparecem
configuradas as áreas de concentração de
urbanização no final do século XIX e início
do século XX, mostrando claramente os
caminhos do desenvolvimento da estrutura
urbana no município, onde a concentração é
quase que total na área central da cidade e
esparsa em direção leste no sentido do Brás e
a caminho da Mooca (Figura 4). Após dez
anos, já em 1882 (Figura 5) as manchas
aparecem dispersas em direção Sudeste,
Norte e Oeste onde se concentravam os
loteamentos periféricos ou suburbanos,
associados às estações ferroviárias.
A Planta da Cidade de São Paulo datada
de 1916 (Figura 6) demonstra o caráter ainda
pouco compacto da cidade visto que, em sua
maioria, os loteamentos destinados à
construção de residências encontravam-se
vazios. Algumas áreas vizinhas ao
aglomerado central da cidade já aparecem
com o arruamento e quadras delimitados
interligando os antigos bairros isolados, entre
si, ou ligando-os diretamente a colina central
onde se concentravam comércio e serviços
municipais.
Segundo relato de Rolnik (2003) bairros
como o Bom Retiro, a Lapa, o Brás e a
Mooca se transformaram em subúrbios
populares, originários de loteamentos de
chácaras. Era comum que a partir do
parcelamento de uma delas se desenvolvesse
um núcleo urbano do qual partia um caminho
que o ligaria ao centro da cidade
atravessando grandes vazios.
A casa popular suburbana dos tempos
coloniais praticamente teve a mesma planta
pelo Brasil inteiro, embora as técnicas
construtivas tenham sido diversificadas, não
resultando grande diferencial no processo de
ocupação dos lotes, repetindo genericamente,
como concluiu Reis (2004) os esquemas
urbanísticos e arquitetônicos coloniais,
herdados de Portugal e da Espanha, com
discretas adaptações.
Figura 4. Área urbanizada de São Paulo, 18721881 (fonte: Empresa Paulista de
Planejamento Metropolitano).
‘Sem receio de exagerar, podemos dizer
mesmo, que o século passado conservou
praticamente intacto, até à sua metade, o
velho esquema de relações entre a habitação
e o lote urbano, que herdara do século XVIII’
(Reis, 2006, p. 34).
As construções eram geminadas e
levantadas em terrenos estreitos e profundos.
O cômodo da frente, com janela no
alinhamento da rua, quase sempre era a sala
de recepção, quando não abrigava alguma
oficina ou loja. Os cômodos intermediários,
acessíveis por corredor lateral, eram os
dormitórios. Nos fundos, fechava a sequência
a cozinha, a varanda alpendrada que dava
acesso ao quintal, onde sempre havia um
arremedo de instalação sanitária. Nos locais
onde o lençol freático era profundo, havia a
possibilidade de sumidouros – buracos em
cima dos quais era instalada a casinha,
também chamada de ‘secreta’ ou ‘sentina’
(Reis, 2006).
Com paredes sobre os limites do lote e
alinhado ao passeio, este tipo de implantação
configura o modelo das primeiras
construções urbanas no país, ainda
influenciadas pela colonização portuguesa e
pelo
modo
de
construção
ibérico.
Permanecem exemplos desse tipo de
apropriação, ainda hoje, nos bairros
tradicionais da capital, como a Mooca, Brás,
Campos Elísios e outros (Figura 7).
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica 77
Figura 5. Área urbanizada de São Paulo, de 1881 a 1914 (fonte: Empresa Paulista de
Planejamento Metropolitano).
Figura 6. Planta da cidade de São Paulo, 1916 (fonte: Prefeitura de São Paulo).
Entre as casas térreas de chão batido
(inicialmente) e os sobrados, surgiu no início
do século XIX, um tipo arquitetônico
intermediário, a casa com porão alto. Ainda
alinhada ao passeio, afastada das áreas
comerciais,
construída
em
bairros
residenciais, a nova implantação pretendia
aproximar a residência da rua, sem o
desconforto e a exposição das casas térreas,
através da elevação do porão à meia altura,
que tinha também a função estrutural de
manter o piso do pavimento afastado da
umidade do solo e, muitas vezes era
detectado apenas pela presença dos óculos ou
das seteiras com grades de ferro sob as
janelas das salas principais.
Para proporcionar o acesso ao interior
elevado do pavimento principal, criaram-se
78 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica
Figura 7. Esquema de implantação no lote - casa com ‘modelo colonial’.
Figura 8. Casa com porão alto.
pequenas escadas que conduziam à porta de
entrada, geralmente com vidro a meia altura
para detectar a presença de pessoas. Estes
porões assumiram diversas utilidades,
inclusive a de abrigar os criados da casa e até
mesmo os animais de propriedade das
famílias. Bem mais tarde com a substituição
da tração animal pelo automóvel, ainda que
em pequeno número no início do século XX,
os porões altos foram sendo transformados
em garagens, como podemos observar na
transformação detectada num exemplar
remanescente do período e registrada na
Figura 8.
Na passagem do transporte sobre trilhos
para o transporte sobre pneus, que ocorreu na
cidade de São Paulo no início do século XX,
a malha urbana foi o elemento mais afetado
pela transformação. A aceleração na abertura
e alargamento de ruas, bem como seu
calçamento
e
pavimentação
foram
prioridades nesse período que visava integrar
as regiões dispersas do município ao centro.
A concentração da classe operária, nas
regiões sudeste e noroeste da cidade, seria
reafirmada por uma lei municipal datada de
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica 79
1900, que estipulava um cinturão central
dentro do qual era proibida a construção de
vilas operárias. Nas áreas suburbanas,
localizadas fora de tal cinturão, ocorreu a
proliferação e extensão do solo construído
modificando
os
modelos
espaciais
urbanísticos propostos até então.
A rua passa a ter função de mero guia
para percurso, as quadras têm baixa
densidade e as casas unifamiliares proliferam
sem força nem estrutura para constituir a
verdadeira urbanidade. Surgem novas
situações, árvores e jardins substituem a
relação do edifício com o espaço urbano. A
edificação vai aos poucos migrando para o
interior do lote, individualizando-se e
deixando de conectar-se diretamente com a
rua (Lamas, 1993).
O recuo lateral surgiu de forma discreta e
gradativa, aparecendo no lote urbano como
forma de acesso à luz natural para ambientes
afastados da face alinhada ao passeio, por
estarem normalmente, alocadas em terrenos
estreitos e profundos, que obrigavam a
utilização desse recurso para atender às
determinações higienistas da época, as quais
passaram a proibir a existência de alcovas
nas residências.
As
mudanças
socioeconômicas
e
tecnológicas ocorridas durante a segunda
metade do século XIX no Brasil implicaram
profundas transformações nos modos de
habitar e construir. As construções
executadas para classes ascendentes de
trabalhadores e comerciantes dependiam de
materiais importados para se alinharem aos
princípios estilísticos da época, tanto para a
execução de elementos estruturais como para
tentar imitar o refinamento dos detalhes dos
acabamentos neoclássicos e ecléticos. Os
conjuntos metálicos adquirem maior
importância nas moradias por suas
qualidades
funcionais,
plásticas
e
construtivas que podem ser comprovadas
tanto por sua variedade, quanto por sua
frequência. Mesmo as casas menores, com
entradas mais modestas, sem jardins, tinham
uma cobertura de vidro e armação de ferro,
às vezes uma simples coluna. Exatamente a
partir desse afastamento lateral foi que
surgiriam os primeiros exemplares de
edificações
construídas,
ainda,
no
alinhamento do lote com o passeio,
entretanto passando a apresentar um discreto
recuo lateral (Figura 9), constituindo assim,
um novo tipo de implantação que, com o
tempo, foi se tornando mais frequente.
Somente depois da abolição da escravatura e
com a chegada dos primeiros imigrantes
europeus, responsáveis pela origem do
trabalho remunerado é que a nova forma de
implantação da residência urbana se difundiu
podendo ser definida como ‘deslocamento’
da edificação dos limites do lote e a primeira
tentativa de incorporação do espaço externo à
arquitetura (Reis, 2006).
O ecletismo, propondo uma conciliação
entre os estilos, foi um veículo estético
eficiente para a assimilação de importantes
inovações tecnológicas. Por menores que
fossem as dimensões dos espaços abertos, as
flores e os arbustos eram sempre dispostos
em canteiros executados com perfeitos
traçados geométricos. A entrada das
residências, transferida para a fachada lateral,
era feita por uma escada geralmente de ferro,
com degraus de mármore, mas nos exemplos
mais econômicos, poderia ser de alvenaria
com degraus de granito, como ainda se vê em
algumas casas remanescentes desse período
em São Paulo.
Nos anos seguintes, os últimos do século
XIX, começaram a aparecer as primeiras
casas com jardins frontais, fato que na
sequência estabeleceria um novo tipo de
implantação, utilizado até mesmo em lotes de
meio de quadra, o qual apresentava
edificações, já com afastamento do passeio
buscando a privacidade dos ambientes sociais
localizados junto das entradas, sendo
utilizado em terrenos de menor escala. Em
geral, eram erguidos junto aos limites laterais
do terreno com pequeno e aleatório recuo
frontal (figura 10). Entretanto, em meados da
década de 1930 se estabelece uma medida
mínima de 4 m para este afastamento, em
conformidade com o Ato n.º 663, de 10 de
agosto de 1934, posteriormente reafirmado
pela consolidação do Código de Obras no
Art.º 33 (1968).
As primeiras edificações populares, soltas
das divisas do lote aparecem timidamente e
em estilos indefinidos (Figura 11); entretanto
são as reais precursoras de obediência aos
princípios determinados pelo Movimento
Modernista, que apregoava edificações livres
no lote, obedecendo às determinantes de
insolação, ventilação e topografia que melhor
80 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica
Figura 9. Esquema de implantação no lote com recuo lateral.
Figura 10. Esquema de implantação no lote com afastamento do passeio.
Figura 11. Esquema de implantação livre dos limites do lote.
favorecessem
aos
moradores,
sem
preocupações com alinhamentos, apenas
respeitando a legislação vigente.
Em decorrência da Revolução de 1930,
foi constituído o Estado Novo no Brasil, sob
o comando do Presidente Getúlio Vargas,
que em oposição ao liberalismo da Primeira
República,
assume
claramente
a
responsabilidade pelo provimento de
unidades de habitação para a classe
trabalhadora.
Seguem-se os dogmas modernistas, que
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica 81
vinham ao encontro dos interesses do poder
público no intuito de atender às
reivindicações sociais de maneira racional,
econômica e em grande escala, sem no
entanto perder o controlo tanto da
valorização da terra urbana quanto do
adensamento das áreas centrais. Diante do
colocado, foram criados os Institutos de
Aposentadoria e Pensões (IAP), órgãos
corporativos
através
dos
quais
se
materializaram as políticas habitacionais da
Nova República. Desta maneira, entre o final
dos anos 40 e meados dos anos 50, foram
construídos e entregues à população os
primeiros
conjuntos
habitacionais
multifamiliares, projetados por arquitetos e
engenheiros alinhados aos princípios
modernistas, ao serviço do Estado (Bruna,
2010).
O bairro da Mooca, assim como outros
bairros de São Paulo, constituiu foco de
intervenção de alguns dos Institutos das
corporações profissionais, uma vez que sua
localização estratégica, atendia aos objetivos
públicos de controlo sobre a terra urbana, que
visavam a promoção da valorização de um
banco de terras, distribuídas ao longo de vias
especiais de transporte, tal qual as
implementadas em Amsterdão, Frankfurt ou
Londres, criando eixos radiais em direção aos
subúrbios munidos de transporte de massa.
Do ponto de vista morfológico,
investigado a partir da observação da
produção de conjuntos habitacionais
promovida pelos IAP, pode-se determinar
que nos principais centros urbanos do país,
houve uma indução à adoção de duas
tipologias básicas de implantação e
edificação como soluções para a questão
habitacional
daquele
momento.
Ou
utilizaram-se casas térreas ou assobradadas,
geminadas ou não, representantes das
soluções mais tradicionais de apropriação de
lotes individuais, ainda que seus projetos de
implantação apresentassem vestígios dos
princípios das cidades-jardim inglesas.
Havia a previsão de áreas livres, jardins
frontais
e
sistema
de
circulação
hierarquizada, tanto para pedestres como para
veículos, ideias com as quais a população
tinha maior facilidade em se adaptar. Foram
implantados exemplares na Mooca, divididos
em dois conjuntos, um promovido pelo
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Eletricitários (IAPE) e outro pelo Instituto
dos Trabalhadores em Transportes e Cargas.
Ou se adotavam as lâminas, com três, quatro
ou cinco pavimentos, simples ou duplas,
integradas por caixas de circulação vertical,
implantadas segundo a melhor orientação do
ponto de vista das questões ligadas à
iluminação e ventilação naturais dos
ambientes. Tudo isto sem obrigatoriedade de
relação geométrica com os limites do lote,
prevendo áreas livres de lazer e atividade
física, que integravam toda a área de
ocupação do empreendimento, além de se
prever equipamentos de uso coletivo,
entremeados por vias locais de circulação de
peões.
O mais famoso dos conjuntos construídos
no bairro da Mooca foi o do Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Industriários
(IAPI) (Figura 12), utilizando prédios de
quatro pavimentos projetados por Paulo
Ribeiro,
fundamentado
nos
dogmas
estabelecidos pela Carta de Atenas. São 576
apartamentos distribuídos em dezasete
edifícios de quatro e cinco andares erguidos
sobre pilotis e com programa distribuído em
lâminas simples, implantados no polígono
localizado na confluência das ruas dos
Trilhos, dos Donatários, Tobias Barreto e
Cassandoca, com uma área livre de 5 000 m2
aproximadamente, interligando os prédios e
acomodando um sistema viário local de
circulação
hierarquizada
segundo
a
intensidade de movimento e sua inter-relação
com a malha urbana existente.
O projeto original não previa cercas nem
muros (Figura 13); no recuo frontal apenas
estavam delimitadas áreas ajardinadas e
caminhos de acesso ao interior dos edifícios,
configurando uma vez mais o caráter
moderno da implantação. Infelizmente a
proposta de espaços abertos com acesso
restrito não se consolidou e na tentativa de
promover segurança ao conjunto, além de
criar vagas de estacionamento para os
moradores, isolaram-se as áreas livres,
definindo condomínios independentes, o que
acabou por descaracterizar a intenção
original de integrar os caminhos locais à
malha de circulação urbana.
82 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica
Figura 12. Cojunto residencial IAPI Mooca, imagem geral e vista aérea.
Figura 13. Cojunto residencial IAPI Mooca, pavimento térreo (1970 e 2008).
Considerações finais
Foi no período colonial que se delinearam as
bases do traçado urbano da maioria das
cidades brasileiras, a partir de ruas definidas
pelo alinhamento das fachadas das
edificações e desenhadas com o fim, simples,
de interligar áreas mais afastadas aos polos
centrais, promovendo um crescimento sem
planejamento, fato que viria a se refletir na
situação de caos da circulação e dos meios de
transporte que se implantou nas cidades
modernas e perdura até a contemporaneidade.
Foi
a
partir
do
processo
de
industrialização, atrasado pelo longo período
de latifúndio monocultor e escravocrata, que
se estabeleceram os elementos principais de
constituição da mola propulsora do
desenvolvimento da construção civil e da
urbanização que ocorreria ao longo do século
XX, confirmando que o modelo resultante
desse processo não atende as demandas por
habitação popular, nem garante um sistema
básico viário e de transporte público, que
seriam necessários para vencer as distâncias
decorrentes da dispersão dos novos
assentamentos.
Tal crescimento levou á necessidade de
expansão do território urbano, obrigando o
desenho e construção de novos loteamentos
de tipos populares, os quais viriam a
constituir, quase sempre, uma reinterpretação
dos velhos esquemas tradicionais, com a
desvantagem de serem reeditados com
exagerados índices de aproveitamento do
solo, além de surgirem carentes de
infraestrutura básica, exigindo imediato
investimento de capital público, que por
insuficiente, sempre acabou por determinar o
adensamento de população em áreas
desprovidas de urbanidade e com exagerada
padronização morfológica, tanto do ponto de
vista do parcelamento de quadras e lotes,
como das tipologias edilícias.
A partir da análise descrita, pode-se
considerar que o bairro da Mooca, acaba por
confirmar sua vocação como área de estudo e
pesquisa. Campo profícuo para a localização
de tipos remanescentes, uma vez que sua
localização estratégica, identificada já nos
primeiros traçados de caminhos para
expansão da malha urbana da cidade de São
Paulo, garantiu que participasse como parte
integrante dos diversos processos de
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica 83
transformação ocorridos, tanto do ponto de
vista da forma urbana – com suas chácaras,
arruamentos, loteamentos e vilas – quanto do
ponto de vista da diversidade estilística
estabelecida no decorrer do processo
histórico, como área de cunho rural
colonialista, depois se firmando como área de
subúrbio industrial associado á moradia
operária e popular com forte influência de
imigrantes
estrangeiros
de
diversas
nacionalidades.
Investigando-se o mote da habitação
social estabelecido desde o início do
Movimento
Moderno
no
Brasil
e
especificamente em São Paulo, nas décadas
de 1940 e 1950, como setor de grande
produção de unidades habitacionais, mais
uma vez, tornou-se possível identificarem-se
na Mooca, não somente o germe dessa
atividade, mas também o grande interesse e
importante produção dos IAP na região,
concentrando vários dos conjuntos de
diversos institutos corporativos, como o dos
bancários, eletricitários, industriários e
trabalhadores em transportes e cargas, os
quais contribuíram largamente, não só com o
grande número de unidades, mas também
com a diversidade de tipologias para o
enriquecimento do tecido urbano do bairro,
consolidando
a
viabilização
desta
investigação.
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Estadual de Londrina, Londrina.
Tradução do título, resumo e palavras-chave
The transformation of the urban form of São Paulo: the case of the Mooca neighborhood as a typological
reference
Abstract. This paper aims to investigate the transformations in the urban tissues of São Paulo, Brazil, as
well as the relationships established between buildings – with a focus on their location on plots – and the
corresponding building legislation in force in each period of time. The study draws on the organization of
historical and stylistic periods, covering in a chronological way, the main political, economic and social
events in the urban history of São Paulo. The study intends to identify the changes framed by each of these
events, starting from the period of Portuguese colonization of Brazil, moving then to the agricultural
84 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica
monocultures during the neocolonialism and the so-called neoclassic of the Empire, to the pre- and the
industrialization phases in the Republic (eclecticism), and finally to the New Republic, when the ideals of
the Modern Movement were established and promoted both in architecture and arts. The selected study
area is the traditional neighbourhood of Mooca. Its strategic location and demographic diversification
make it a crucial area to understand the main stages of transformation of the urban tissues of São Paulo.
Mooca includes buildings representing the main building types identified in the study.
Keywords: urban transformation, urban tissue, land subdivision process, plot, Mooca
PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade
A 4ª Conferência Anual da Rede Portuguesa de
Morfologia Urbana (PNUM) realizar-se-á em
Brasília, Brasil, a 25 e 26 de Junho de 2015.
O título da conferência é ‘Configuração
urbana e os desafios da urbanidade’ e os temas
em debate são os seguintes: i) transformações
urbanas recentes – novos impactos, novos
desafios; ii) desigualdade socioespacial das
cidades; iii) configuração urbana e patrimônio
cultural; iv) o legado da cidade moderna; v) a
urbanização total: tendências para a metápole;
vi) espaços públicos na cidade contemporânea;
vii) teorias, conceitos e técnicas morfológicas;
e, por fim, viii) configuração urbana e história
das cidades.
O call for abstracts foi lançado em Outubro
de 2014, sendo que os resumos deverão ser
submetidos até 1 de Fevereiro de 2015. Os
autores serão notificados acerca da aceitação do
resumo até 6 de Abril, devendo enviar o artigo
completo até 31 de Maio de 2015. A data limite
de inscrição no PNUM2015 é o primeiro dia da
conferência, 25 de Junho. O website do
PNUM2015, contendo informações detalhadas
sobre a conferência, será lançado muito em
breve.
A Comissão Organizadora da conferência
inclui: Gabriela Tenorio (Presidente), Frederico
de Holanda, Valério Medeiros, Ana Barros, Liza
Andrade, Cláudia Garcia e, ainda, Mônica
Gondim.
A Comissão Cientifica do PNUM2015
inclui: Frederico de Holanda (Presidente), Décio
Rigatti, Edja Trigueiro, Gabriela Tenorio, Jorge
Correia, Luiz Amorim, Miguel Bandeira, Nuno
Norte Pinto, Renato Saboya, Stael Pereira da
Costa, Teresa Marat-Mendes, Valério Medeiros,
Vinicius Netto e Vítor Oliveira.
Figura 1. Brasília, Esplanada dos Ministérios (Fonte: Rodrigo Studart Corrêa).
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas
Avenidas Novas em Lisboa
Paulo Pinheiro
CIAUD, Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa, Rua Sá Nogueira, Pólo
Universitário, Alto da Ajuda, 1349-055 Lisboa, Portugal. E-mail:
[email protected]
Artigo revisto recebido a 11 de Setembro de 2014
Resumo. Há em Lisboa poucos quarteirões com o seu interior aberto à
cidade. Os existentes surgiram em torno de 1940, ano da Exposição do
Mundo Português, o certame de afirmação do regime de ditadura e a marca,
no tempo, da inflexão na política de modernidade da nação. É um ano
importante para a arquitetura portuguesa porque significa o início de um
novo ciclo após uma década de abertura do regime à construção de obras
claramente referenciadas à arquitetura moderna que se fazia na Europa.
Precisamente nesse ano, 1940, o arquiteto Maurício Trindade Chagas
elabora o projeto para um quarteirão de habitação com esta particularidade
moderna: o seu interior é acessível à utilização pública, é possível atravessálo através de um eixo longitudinal com vocação pedonal. Este quarteirão
ergue-se em frente à Casa da Moeda, um edifício moderno, então recente, e
de clara influência da arquitetura holandesa. Este artigo caracteriza a
ambivalência conceptual do projeto: a linguagem do Estado Novo e a
modernidade do tipo de quarteirão adotado. Para tal enquadram-se os
acontecimentos no tempo e identificam-se os modelos de influência na
concepção deste quarteirão.
Palavras-chave: quarteirão aberto, modernidade, urbanidade, Lisboa
A
época
industrial,
de
inspiração
progressista, e o subsequente século XX
concretizam um período notável quanto ao
desenvolvimento da humanidade. É um
tempo que concentra as mais profundas
transformações que a humanidade conheceu
no último milénio. Muitas dessas
transformações aconteceram por volta de
1900 e determinaram vincadamente o rumo
das ideias e dos factos que viriam a constituir
o século XX.
Em Portugal, o primeiro quartel do século
XX, corresponde a um período de alguma
agitação política. À margem do fulgor da
Europa, Portugal tem uma indústria
insipiente e após anos de instabilidade
política e económica vê implantar-se em
1926 uma ditadura militar que vem, mais
tarde, a originar o denominado Estado Novo.
Esta mudança traz alguma estabilidade
política e económica ao país e será, numa
primeira fase, um impulso determinante à
aplicação prática dos princípios da
arquitetura moderna que se praticava na
Europa.
A segunda metade da década de 1920 e a
década de 1930 correspondem a um período
de tempo de um certo fulgor da modernidade
na arquitetura portuguesa. Apoiados pelo
investimento público na construção de
grandes equipamentos e por uma vontade
iminente de aplicação dos novos conceitos
arquitetónicos, uma geração de jovens
arquitetos desenvolve nestes anos um
conjunto significativo de projetos e obras
profundamente
inspiradas
na
linha
‘internacionalizante’ da arquitetura moderna.
Porém, em 1940 verifica-se uma inflexão
Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2), 85-93 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
86
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
na estratégia da modernidade da nação e a
Exposição do Mundo Português, certame
realizado durante esse mesmo ano, é a
grande manifestação dessa inflexão que,
enquanto evento de afirmação da imagem do
poder, assume, imperativamente, a linha
nacionalista negando a concepção moderna
internacional da arquitetura.
É precisamente neste ano, um tempo de
desencontro e incerteza, que se desenvolve e
apresentam à Câmara Municipal de Lisboa
(CML) os projetos de arquitetura dos lotes
que constituem o quarteirão em estudo.
É esta circunstância particular o impulso
deste estudo: por um lado, o guião
imperativo para uma linguagem de razão
‘nacionalizante’ e, por outro lado, a
premência e o desejo de aplicar modelos
modernos de cidade. O estudo visa contribuir
para o conhecimento deste período particular
da história e da forma urbana da cidade de
Lisboa, mais concretamente para o
enquadramento histórico e conceptual de um
elemento urbano excepcional no contexto da
forma urbana de Lisboa, o quarteirão aberto.
Metodologicamente, o estudo desenvolve-se
e entretece-se entre dois modos de atuação: a
revisão da literatura e a recolha de dados em
fontes primárias, designadamente os
arquivos dos processos dos edifícios na CML
e a visita ao local durante o processo de
investigação.
Objeto de estudo
O quarteirão em estudo é constituído por
dezoito lotes que correspondem à repetição
de cinco tipos diferentes. Destes, foram
consultados (arquivo da CML) seis processos
/ lotes onde constavam todos os tipos.
Verificou-se que todos os projetos de
arquitetura dos edifícios foram realizados
pelo arquiteto Maurício Trindade Chagas.
Verificou-se ainda que todos os projetos,
deram entrada na CML em 1940, ano em que
se iniciou a construção dos edifícios. A obra
decorreu em contínuo até ao ano de 1943.
O conjunto edificado em estudo, situa-se
em Lisboa, nas Avenidas Novas (próximo do
Bairro Social do Arco do Cego), tendo como
limites: a Avenida Defensores de Chaves; a
Avenida António José de Almeida; a Rua D.
Filipa de Vilhena; e a Avenida Visconde
Valmor (figuras 1 e 2).
Figura 1. Vista sobre o gaveto noroeste.
Figura 2. Vista sul, faixa ajardinada.
Trata-se de um quarteirão concebido para
uso habitacional com rés-do-chão e quatro
pisos.
Relativamente à envolvente urbana mais
próxima, os edifícios que configuram os
quarteirões,
apresentam
uma
grande
diversidade linguística, formal e volumétrica
que contrasta com o quarteirão em análise.
Este facto é a consequência direta de dois
factores: por um lado o grande leque
temporal em que decorreu a ocupação e
construção de todos os lotes; por outro lado,
e talvez seja este o aspecto mais
determinante da diversidade, imperava (na
segunda metade do século XIX e início do
século XX) um certo liberalismo político e
legal sobre os agentes da construção e da
promoção imobiliária, isto é, a ausência de
modelos de arquitetura afectos ao plano de
Ressano Garcia, entregava ao construtor ou
dono de obra o poder da decisão sobre a
altura do edifício, o número de pisos, os
tipos (que variavam entre a moradia com
jardim à frente, o palacete isolado, o prédio
de rendimento...) e o índice de ocupação do
lote.
Em contraste com esta heterogeneidade,
este quarteirão apresenta-se como se de um
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
único edifício se tratasse. Apesar de ser
constituído por vários lotes, cada um com a
sua entrada e respectivo número de polícia, o
quarteirão foi concebido como um único
projeto e executado num único momento de
obra. Harmonizaram-se, a linguagem
arquitectónica, os materiais utilizados, a
paleta cromática, a volumetria, a cércea e os
tipos de habitação.
O conjunto apresenta uma composição
racional e depurada das suas fachadas. Com
um embasamento em todo o seu redor, de
pedra calcária lisa, onde todos os vãos ao
nível do rés-do-chão se apresentam como
subtrações à massa calcária. A partir do
primeiro piso, a fachada é rebocada com
argamassa de cimento pintada e os vãos, sob
forma de janelas ou sacadas para varandas,
são emoldurados por elementos espessos de
cantaria. Os vãos de sacada servem o acesso
a pequenas varandas, também estas,
pequenas lajes balançadas, em pedra
calcária. É aliás, nestes elementos em pedra
(cantaria de janelas e varandas) que se
encontram os adornos decorativos que se
resumem a cachorros de suporte às varandas,
suportes para vasos nalguns vãos de janela e
lintéis das janelas nos gavetos.
Tipologicamente, a maioria dos edifícios,
os que preenchem os maiores lados do
quarteirão, apresentam uma implantação em
‘U’ com um espaço reentrante ao eixo das
traseiras, como um saguão aberto, ou um
pátio que dá acesso à escada de serviço
(figuras 3 e 4). Quando juntos, estes edifícios
aparentam um característico ‘rabo de
bacalhau’, apesar de na realidade não o
serem. A designação ‘rabo de bacalhau’ é
frequentemente utilizada para identificar
edifícios de habitação multifamiliar cuja
planta do piso-tipo tem a configuração de um
‘T’. Trata-se de uma solução ‘recorrente na
arquitectura para habitação multifamiliar das
décadas de 1940 e 1950. Mecanismo de
projecto que permite contornar a dificuldade
em fazer aprovar edifícios com grande
profundidade de construção (...) mediante o
desenho, em lotes de média e grande
dimensão, de generosos salientes posteriores
como extensão da parte central da planta. A
forma resultante de planta em T, recordando
o formato do gadídeo, implica o aumento
significativo da área dos fogos a tardoz,
ocupada na maioria dos casos com áreas
87
Figura 3. Pormenor do acesso aos edifícios
pelo interior do quarteirão – recorte
reentrante da caixa de escadas.
Figura 4. Planta de implantação do quarteirão
(fonte: Arquivo Municipal da CML).
íntimas e de serviços (cozinhas, tratamento
de roupas e escadas)’ (Agarez, 2008, p. 72).
Já os edifícios dos topos sobre o eixo
longitudinal, aqueles sob os quais se abrem
os túneis de acesso ao interior do quarteirão
(figuras 5 e 6), apresentam uma organização
em planta com rabo de bacalhau, porém mais
largo que o seu congénere mais usual em
Lisboa.
A origem do lugar: o Plano das Avenidas e
o quarteirão tradicional
A segunda metade do século XIX e o
primeiro quartel do século XX significam, na
88
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
Figura 5. Acesso nascente ao interior do
quarteirão.
Europa, tempos de grandes mudanças para as
cidades. É neste período que se desenvolvem
teorias, planos e se concretizam obras de
grande dimensão que vêm a transformar
profundamente as cidades, bem como, a
marcar paradigmaticamente aquelas que no
futuro se viriam a ampliar e a modernizar.
São disso exemplo a Paris de Haussmann
(1809-1891) ou a Barcelona de Cerdá (18151876), assim como as cidades, que mais
tarde se confrontaram com a reconstrução do
pós-guerra.
As
teorias
progressistas
desencadearam um movimento obstinado
pela melhoria das condições de vida nas
cidades, que se confrontavam com graves
problemas sociais e de salubridade que
resultaram do crescimento vertiginoso que
algumas cidades europeias tinham tido com a
Revolução Industrial.
Londres passa de 846 845 habitantes em
1801, para 1 873 676 em 1841 e para 4 232
118 em 1891. Apesar de Inglaterra ter sido o
primeiro país a sofrer e a registar as
transformações da Revolução Industrial, a
Europa continental, nomeadamente a França
e a Alemanha, seguem o seu exemplo,
registando valores de crescimento da
população urbana semelhantes a partir de
1830 (Choay, 1965).
Lisboa, embora mais tarde (em relação a
outras cidades europeias) enfrenta também
os desafios do crescimento após a
consolidação urbana da expansão pombalina.
Em 1874 Frederico Ressano Garcia (18471911) é admitido para a repartição técnica da
CML. Formado em engenharia de pontes e
calçadas, pela Escola Politécnica de Paris,
Ressano Garcia vem protagonizar a
implementação de ‘um plano compreensivo
da cidade, evidentemente inspirado na
cultura internacional do seu tempo, que se
destina especialmente à zona norte, mas se
ocupa de áreas passíveis de desenvolvimento
empírico
com
grande
abertura
e
maleabilidade’ (Rodrigues, 1979, p. 64).
Entre outras zonas da cidade, como os
bairros de Campo de Ourique e da Estefânia,
Ressano Garcia define as linhas que virão a
determinar a configuração da cidade para
norte e que vem a constituir o Plano das
Avenidas (1888). Apesar de não se poder
associar diretamente o desenho adoptado
para esta nova Lisboa à Paris de Haussmann,
uma vez que não se destrói a cidade antiga
sob a ideia imperativa do progresso, mas sim
se expropria o solo de natureza rural e de
potência urbana na senda de um crescimento
mais organizado, pode-se, todavia, encontrar
pontos de contacto entre a Lisboa de Ressano
Garcia e a geometria racionalista de
Hausmann em Paris. ‘Ressano Garcia não
tem a intenção de fazer uma cidade nova,
como em Paris ocorria, mas sim dar extensão
a Lisboa, quer na zona norte, quer nos
bairros novos (…)’ (Rodrigues, 1979, p. 77).
Ressano Garcia corresponde, assim, ao
mediador que trouxe para Lisboa as ideias de
Haussmann que fez de Paris um exemplo
paradigmático do urbanismo europeu que se
veio a exportar para outras cidades, não só
francesas, como também de outros países
europeus (Lamas, 1993, p. 212). Ressano
Garcia procura, com este modelo, construir
uma cidade com maior mobilidade, mais
arejada e salubre, com mais luz, com espaços
verdes e responder aos requisitos da cidade
nova. O desenho dos planos que se projetam
para Lisboa, têm como base morfológica a
‘avenida’, agora ampla, e o ‘quarteirão’ de
forma regular, de dimensão adaptada à escala
de Lisboa (de menor dimensão que os de
Haussmann em Paris).
A ocupação imobiliária destes lotes, é um
processo lento, que decorre ao ritmo dos
investimentos imobiliários que a burguesia
vai fazendo. As Avenidas Novas são assim,
no primeiro quartel do século XX, um tecido
viário consolidado, porém com inúmeros
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
89
Figura 6. Túnel poente de acesso ao interior do quarteirão: a) vista para o interior, b)
vista para o exterior.
lotes e mesmo quarteirões por construir.
Em 1940, ano em que se desencadeia o
projeto e a obra do quarteirão em estudo,
poucos eram os lotes que em seu redor se
encontravam ocupados com edifícios. Para
além de alguns prédios de rendimento de
concepção pré-moderna e do Bairro Social
do Arco do Cego, cujo processo tem origem
na 1ª República, importa referir que faziam
já parte da envolvente próxima do quarteirão
um conjunto de edifícios muito significativos
e representativos do primeiro modernismo
que se realizou em Portugal na década
anterior, os anos 30, designadamente:
confinando com uma das suas frentes, a Casa
da Moeda (1933-41) de Jorge Segurado
(1898-1990); o Liceu D. Filipa de Lencastre
(1932-40), também da autoria de Jorge
Segurado; para nascente, a poucos metros,
está o Campus Universitário do Instituto
Superior Técnico (IST) (inaugurado no ano
lectivo de 1936/1937) e o Instituto Nacional
de Estatística (1935), ambos de Pardal
Monteiro (1887-1957); e ao longo da
Avenida António José da Almeida, um
conjunto de moradias unifamiliares que
inicialmente se destinavam a dar residência a
professores do IST, projetadas, entre outros,
por Cassiano Branco (1897-1970), Cristino
da Silva (1896-1976) e Cottinelli Telmo
(1897-1948).
A arquitetura dos anos de 1920 e 1930
Se no estrito âmbito da linguagem da
arquitetura do conjunto edificado em estudo
é possível identificar a apologia à
recentemente instituída linguagem do poder,
já no âmbito do desenho urbano afecto a este
pequeno conjunto, podemos identificar
modernidade na utilização de um tipo de
quarteirão sem precedentes em Lisboa.
Como se referiu, o início do século XX é
marcado pelo aparecimento crescente de
manifestações culturais diversas que
defendem um novo paradigma arquitectónico
que corrobore a vida urbana moderna,
industrializada e salubre, tirando proveito de
todo o potencial disponível pela nova ciência
da construção e da técnica.
No ano de 1925 em Paris inaugurava-se a
L' Exposition des Arts Décoratifs, onde se
expunham as formas das vanguardas da
arquitetura
que,
com
uma
certa
ambivalência, eficazmente representavam o
tempo de mudança que então se vivia. Se por
um lado se expunha ‘a nostalgia decorativa
modernizada pelas formas geométricas que
ficou conhecida como art déco’ (Caldas,
1997, p. 23), por outro, este evento também
deu espaço ao ‘purismo racionalista dos
pavilhões representativos da vanguarda do
movimento moderno’ (Caldas, 1997, p. 23).
90
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
Era este o tempo do confronto e da tomada
de posição sobre a linha a adoptar: idealista e
defensora da continuidade progressiva da
evolução natural do gosto (Zevi, 1950),
tendencialmente simplificadora e racional
das formas e da decoração que agora se
geometriza; ou rendida aos prodígios da
técnica, da nova ciência da construção e da
nova realidade sociocultural que a
industrialização desencadeou.
Em Portugal, a estabilidade política trás
consigo algum investimento na construção.
‘O novo regime totalitário, sobretudo a partir
do momento em que consolidou o poder
político e se assumiu como Estado Novo,
reforçou o papel dos arquitectos e deixou vir
a si a nova arquitetura’ (Caldas, 1997, p. 23).
Uma nova geração de arquitetos, que
apesar
da
sua
formação
eclética
essencialmente dicotómica entre o modelo
beauxartiano na linha do racionalismo e
outra de pendor nacionalista na senda da
‘Casa Portuguesa’ protagonizada por Raul
Lino (1879-1974), rende-se às vanguardas da
arquitetura moderna e às virtudes técnicas do
betão armado. Estes arquitetos (Cristino da
Silva, Pardal Monteiro, Carlos Ramos, Jorge
Segurado e Cassiano Branco) vêm, na
década de 30 do século XX, a criar e
construir um número significativo de obras
com referências objectivas à linguagem
moderna
que
crescia
na
Europa
industrializada. Em 1931 é inaugurado o
cinema/teatro Capitólio de Cristino de Silva
(1896-1976),
obra
percursora
do
modernismo em Portugal, que apesar de
rendida às virtudes do betão armado e da
linguagem moderna, apresenta referências
formais às Artes Decorativas. O mesmo
Cristino da Silva, inaugura em 1932 o Liceu
de Beja, obra esta assumidamente moderna
mais racionalista com referências claras à
linha internacionalista proclamada por
Walter Gropius. Carlos Ramos (1897-1969)
vê concluir, em 1933, aquela que talvez seja
a sua obra mais moderna – o Pavilhão do
Rádio. Pela mão de Pardal Monteiro e com o
apoio de Duarte Pacheco (1900-1943)
inaugurava-se em 1935 o Instituto Nacional
de Estatística e no ano lectivo de 1936/37 o
campus universitário do Instituto Superior
Técnico (IST) na Alameda D. Afonso
Henriques, cujo processo de obra, por razões
de ordem orçamental, foi em crescendo
exigindo a Pardal Monteiro uma maior
racionalização e depuração da construção,
porventura até pretexto para uma
aproximação aos ideais da arquitetura
moderna. Da autoria de Jorge Segurado,
surgem também dois edifícios de expressão
moderna
e
determinantes
para
a
caracterização desta época, o Liceu D. Filipa
de Lencastre e a Casa da Moeda onde,
assinale-se, são visíveis as influências da
arquitetura holandesa, com a qual Segurado
tinha já contactado.
A década de 30, prolífica para a
arquitetura moderna em Portugal, foi
também o momento da mudança estratégica
da linguagem do poder. Um conjunto de
acontecimentos políticos que entretanto se
desencadeavam na Europa fascista, inspirou
Oliveira Salazar, que na sua atitude neutra
perante uma Europa em Guerra, se identifica
com a estética autoritária do poder totalitário
de Hitler e Mussolini. Assim, ‘consolidado
este (o regime), em situação internacional
favorável, clarificam-se os valores estéticos
que melhor se identificam com o poder. Há
que
afirmá-los
sem
ambiguidades’
(Fernandez, 1988, p. 27).
Mesmo no período precedente, o
nacionalismo e a ideia da ‘Casa Portuguesa’,
nunca
tinham
sido
inteiramente
abandonadas. Com a pressão da Igreja e o
apoio dos sectores mais conservadores da
ditadura, crescia a vontade de criar os
símbolos de afirmação da ‘Portugalidade’.
Em Julho de 1940 (ano em que Maurício
Trindade Chagas fizera o projeto do
quarteirão) era inaugurada em Lisboa a
Exposição do Mundo Português, que
constituiu um marco histórico de viragem do
rumo da arquitetura em Portugal – a
arquitetura de regime. Foi convocado
Cottinelli Telmo para Arquiteto-Chefe do
certame e convidados praticamente todos os
arquitetos que tinham protagonizado o
modernismo alguns anos antes. Todos
aceitaram participar, não só no desenho da
exposição com todas as condicionantes
propostas, como também, depois desta, em
responder positivamente às encomendas do
estado como se o moderno nunca tivesse
feito parte dos seus percursos. Era o início de
um novo ciclo para a arquitetura portuguesa.
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
As influências do urbanismo moderno
O quarteirão tradicional foi, em toda a
história das cidades, a unidade morfológica
que mais se repetiu constituindo-se como
elemento estruturante e paradigmático na
organização das cidades.
Desencadeia-se, com o advento do
urbanismo moderno, um processo de
mutação da forma tradicional do quarteirão
que passa, entre outros aspectos, por abrir o
seu interior à cidade.
O crescimento das cidades, após a
Revolução Industrial, trouxe novos e sérios
problemas de alojamento e o interior dos
quarteirões, destas cidades, tornou-se um
território propício ao alojamento de novas
comunidades
urbanas
que
cresciam
desmedidamente insalubres e fora da vista
oficial. Cresciam pequenas comunidades
dentro dos quarteirões de Paris e de Londres,
sem condições de saneamento, ventilação e
salubridade
mínimas
desencadeando
epidemias de cólera incontroláveis. É a esta
realidade que o Barão de Haussmann vai
‘declarar guerra’, com uma política de
expropriações
demolidora,
abrindo
corredores de acesso ao interior dos velhos
quarteirões e rasgando largas avenidas de
desenho moderno e auspicioso. Como
produto dos novos traçados surgem novos
quarteirões com formas irregulares e
poligonais.
‘Aparecem também diversas funções no
interior do quarteirão, (...) pela introdução de
equipamentos,
de
serviços,
pequena
indústria, artesanato, garagens, recolha de
viaturas, armazéns ou mesmo jardins. (…)
Em outras situações, o quarteirão será
rasgado por galerias comerciais – as
passagens parisienses, aí se propondo o fim
do quarteirão como unidade impenetrável – ,
prenúncio da evolução morfológica que
surgirá do século XX’ (Lamas, 1993, p.
214).
Outro exemplo paradigmático do novo
urbanismo é o plano de Ildefonso Cerdá para
Barcelona,
quase
contemporâneo
da
intervenção de Haussmann em Paris. Este
parte também de uma quadrícula geométrica,
mais regular que a de Paris, mas propõe
paralelamente um leque variado de
possibilidades de implantação dos edifícios,
como alternativa à tradicional conceção de
91
ocupação do quarteirão, por exemplo:
construindo apenas duas bandas em dois dos
lados paralelos do quarteirão, abrindo-se um
corredor arborizado ao eixo longitudinal para
uma circulação secundária (e porventura
pedonal); ou, construindo edifícios em ‘U’,
que ocupam três dos quatro lados do
quarteirão, abrindo o seu interior, ordenado e
arborizado, à utilização pública.
A cidade nova apresentava-se agora,
numa extensão geometricamente planeada e
racionalizada, com vias principais de
circulação, mas com uma sucessão de
percursos alternativos, pedonais, mais lentos
e arborizados, promotores do arejamento e
de uma vivência urbana mais saudável e
moderna.
A criação de um subsistema de circulação
urbana, afastado das vias principais, agora
dedicadas à velocidade do automóvel, é um
conceito moderno que vem, em crescendo, a
ganhar
importância.
Este
princípio,
associado diretamente à abertura do
quarteirão à utilização pública, tendo sido
impulsionado inicialmente, como vimos, por
razões de ordem da saúde pública e da
higienização do espaço urbano, ganha,
contudo, uma nova importância, agora de
ordem
social,
quando
se
procura
proporcionar aos cidadãos da nova cidade a
convivência saudável, que anteriormente se
usufruía nas pequenas comunidades rurais.
Ebenezer Howard (1850-1928) com o
modelo da Cidade-Jardim no último quartel
do século XIX propõe, em oposição à densa
cidade industrial, a ocupação de subúrbios
urbanos com pequenos aglomerados de baixa
densidade, em que os conjuntos edificados se
dispõem em volta de um largo (impasse)
abundantemente arborizado cujo acesso se
processa a partir da via principal de
circulação: como quarteirões abertos à
vivência pública promotora das relações
sociais de vizinhança, ‘reinterpretando o
pátio de quinta anglo-saxónico como espaço
de convivência e estrutura das construções
que o envolvem’ (Lamas, 1993, p. 312).
Noutros países da Europa, envolvidos
com a reconstrução das suas cidades e com o
progresso, realizam-se também aplicações
destes modelos, são os casos das Siedlung e
dos Hoff na Alemanha e na Aústria,
respectivamente. Mas é na Holanda, país em
franco crescimento económico no princípio
92
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
Figura 7. Vista da rua, interior do quarteirão.
do século XX, de forte vocação progressista
e com políticas sociais emergentes, onde se
realizam experiências urbanas em tudo
semelhantes àquela que motiva este estudo.
São também aqui, as necessidades de
habitação e de melhorias das condições de
vida de um país recentemente industrializado
e comercialmente dinâmico, que originam
políticas de atuação sobre o território,
controlando a especulação imobiliária e
propondo soluções de habitação condignas às
classes desfavorecidas. Elaboram-se planos
para a expansão de Amsterdão em larga
escala onde se utilizam o modelo anglosaxónico da Cidade-Jardim e o da cidade
tradicional de geometria regular com
quarteirões (Lamas, 1992, p. 323). A
emergência das teorias sobre a cidade
moderna e a aplicação extensiva do tipo
‘quarteirão’ associada à tendência política
para a ‘desprivatização’ do espaço urbano
privado, desencadeiam a experimentação
continuada e sistemática da abertura do
interior do quarteirão à cidade.
Neste processo de ‘destruição’ do
quarteirão holandês, existem três fases de
evolução que importa identificar. Seguindo a
tradição holandesa, as habitações ao nível do
rés-do-chão, têm destinada a utilização de
um pequeno jardim nas traseiras, pelo que,
numa primeira fase, se abre num dos topos
(ou mesmo nos dois), do quarteirão
rectangular e longo, um arco, que dá acesso
de serviço, estreito e longitudinal, aos jardins
privados das habitações do rés-do-chão.
Numa segunda fase, a dimensão destes
jardins é reduzida, aumentando-se a largura
da rua interior que assim adquire uma
utilização mais colectiva e lúdica por parte
de todos os moradores. Numa terceira fase, é
eliminado um dos topos do edificado,
abrindo-se totalmente o espaço do quarteirão
à cidade, tendo mesmo servido, nalguns
casos, de espaço à implantação de
equipamentos públicos (Lamas, 1993, p.
326).
É neste ambiente de democratização do
espaço que se desenvolve um número
considerável de projetos de cidade que
procura a transformação da concepção
tradicional do quarteirão. E é a descoberta
dessa experimentação que em sincronia com
a vontade da modernidade consequente a
uma década de abertura do país às novas
linguagens e concepções do espaço público e
privado que nos sugerem uma forte
influência com a solução adoptada no nosso
quarteirão de Lisboa.
Conclusões
Após uma década de aceitação e abertura em
relação ao Moderno, com um olhar
ambicioso para a Europa e para o futuro
auspicioso que se desenhava, o ano de 1940
– ano em que Maurício Trindade Chagas,
elabora o projeto para o quarteirão em estudo
– constitui um marco de viragem do rumo da
arquitetura em Portugal. É um ano de
inflexão estratégica, de inspiração fascista,
no sentido da procura de uma identidade
nacional da arquitetura e da negação de
qualquer linha de reflexão ligada à
vanguarda internacional do Movimento
Moderno. É o ano da Exposição do Mundo
Português, certame de celebração do regime.
É um olhar para trás, para a nostalgia da
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
história e do glorioso império.
O projeto de Chagas, na vizinhança da
Casa da Moeda, do IST, do Liceu Filipa de
Lencastre, do INE e das moradias da
Avenida António José de Almeida, embora
ordenado por uma regra racionalizante na
composição, apresenta uma estrutura de
disposição de vãos, bem como de alguns
elementos de cantaria, de adorno acessório,
que nos remetem à razão do pitoresco e
ambicionado portuguesismo. Já o tipo de
quarteirão adotado, bem como a introdução
de uma faixa ajardinada entre o conjunto
edificado e a principal via automóvel, que o
separa da Casa da Moeda, edifício de
concepção anterior e ícone do primeiro
moderno, revelam uma atitude de ambição
francamente moderna. À imagem das
soluções
de
quarteirão
amplamente
experimentadas no princípio do século XX
na Holanda, as quais se acredita terem
servido de modelo a esta abordagem, este
quarteirão, proporciona, excepcionalmente
em Lisboa, a possibilidade de percorrer o seu
interior através de uma via que o atravessa.
De largura estreita e sem a grandeza dos
quarteirões holandeses que proporcionam
uma utilização lúdica e de permanência, este
elemento propõe uma experiência de
percurso pedonal urbano e alternativo à
comum convivência com o automóvel.
É no entanto de referir que a sua atual
utilização está longe daquela que se pensa ter
93
sido a idealizada por Chagas. A sua condição
de rua interior, com acesso visual limitado ao
transeunte em virtude da configuração em
‘Y’ dos corredores em túnel que lhe dão
acesso, associada, porventura, a uma
experiência e cultura urbanas insipientes
deste tipo de solução, terão contribuído para
uma certa degradação pouco convidativa à
sua utilização. Este espaço serve hoje de
estacionamento de automóveis (Figura 7),
alguns deles abandonados e apresenta sinais
de utilização marginal e insalubre, que
afastam qualquer intenção de utilização.
Referências
Agarez, R. (2008) Património arquitectónico de
habitação multifamiliar do século XX (IHRU/
IGESPAR, Lisboa).
Caldas, J. V. (1997) ‘Cinco entremeios sobre o
ambíguo modernismo’, Arquitectura do Século
XX – Portugal (Centro Cultural de Belém,
Lisboa) 23-31.
Choay, F (1965) L'urbanisme, utopies et réalités:
une anthologie (Seuil, Paris).
Fernandez, S. (1988) Percurso. Arquitectura
portuguesa 1930/1974 (Edições FAUP, Porto).
Lamas, J. R. G. (1993) Morfologia urbana e
desenho da cidade (Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa).
Rodrigues, M. J. M. (1979) 'Tradição, transição e
mudança, Lisboa (ESBAL, Lisboa).
Zevi, B. (1950) Storia dell'architettura moderna
(Einaudi, Turim).
Tradução do título, resumo e palavras-chave
Between tradition and modernity: an open street block in the Avenidas Novas, Lisbon
Abstract. In Lisbon, there are few street blocks opening their interior space to the city. The existing
open streets blocks were built around 1940, the year of the Exhibition of the Portuguese World, an event
for the political promotion of the dictatorial regime that represented an inflection in a policy of
modernity of the nation. This is an important year for portuguese architecture as it means the beginning
of a new cycle after a decade of a relative opening of the regime to a number of works clearly referenced
to the modern architecture that was being developed in Europe. In that year, 1940, architect Maurício
Trindade Chagas designed the project for a housing block with a particular modern feature: its interior
was accessible to public use, and the block could be crossed throughout a longitudinal axis designed for
pedestrian traffic. This block stands in front of the so-called Casa da Moeda, a remarkable modern
building clearly influenced by Dutch architecture. This paper characterizes the conceptual ambivalence
of the project for the street block: the language of the Estado Novo and the modernity of the block type.
The main events in the construction of the street block are framed in their time and the models for the
design of this new block are identified.
Keywords: open street block, modernity, urbanity, Lisbon
94
Relatório
21º International Seminar on Urban Form
Na cerimónia de encerramento do 21º
International Seminar on Urban Form, o
presidente do ISUF, Giancarlo Cataldi
(Università degli Studi di Firenze), realçou a
natureza global da organização. Perante um
conjunto de participantes oriundos da Ásia,
Australásia, Europa, América do Norte e do Sul,
Cataldi salientou que muito embora a morfologia
urbana frequentemente enfatize estruturas e
evoluções urbanas de carácter local, a verdade é
que, nos últimos anos, tem crescido de um modo
que torna inequívoca a sua cobertura
internacional.
Atraindo oradores de quase 50 países, o ISUF
2014 iniciou-se com apresentações de dois
investigadores da Universidade do Porto ligados
aos estudos urbanos, Vítor Oliveira e Paulo
Pinho. Após uma descrição das transformações
históricas e contemporâneas do Porto, a partir das
suas origens, foi apresentada, a uma ampla
audiência (Figura 1), o metabolismo da cidade, e
o modo como a sua forma, função, tecido
construído e história se terão tornado
intimamente intrincadas enquanto o Porto se
tornava a segunda maior cidade Portuguesa. A
sessão plenária subsequente incluiu artigos sobre
diferentes abordagens no estudo da forma urbana,
apesentados por Jeremy Whitehand (University of
Birmingham), Jürgen Lafrenz (University of
Hamburg), Giancarlo Cataldi e Bill Hillier
(University College London). O painel explorou
questões como a gestão da paisagem urbana, a
forma da paisagem cultural, a formação espacial
e as relações entre estrutura urbana, função e
teoria (Figura 2); todos estes tópicos foram
posteriormente abordados em inúmeros artigos.
Contando com vários oradores provenientes
do Brasil e de Portugal, foi dada, durante toda a
conferência, particular atenção a tópicos como
planos urbanos, planeadores, ideologia e tipomorfologia portuguesa e brasileira. Staël de
Alvaranga Pereira Costa (Universidade de Minas
Gerais) e Teresa Marat-Mendes (Instituto
Universitário de Lisboa ISCTE-IUL) discutiram a
necessidade de estar atento ao desenvolvimento
do conhecimento urbano e paradigmas
intelectuais de modo a classificar os ambientes
construídos e processos que afetam sua forma.
No caso do espaço rural português, MaratMendes analisou a relação entre geografia,
geologia e cultura no desenho, evolução e
classificação dos tipos habitacionais. A política e
o poder, enquanto agentes que afetam o modo
como o espaço urbano pode ser criado e adquirir
diferentes significados foram abordados por
muitos autores. Pelin Özden (Istanbul University)
considerou um conjunto de atitudes políticas no
planeamento de Istambul, e Joyce Silva,
profissional da autarquia de São Paulo,
apresentou o processo de elaboração e
implementação do novo plano diretor para a
maior cidade brasileira. Por outro lado, Paulo
Silva (Universidade de Aveiro) chamou a atenção
para a questão da governança e do ativismo dos
cidadãos, mostrando como a reutilização dos
espaços urbanos permite aos cidadãos intervirem
na formação do carácter construído nas cidades.
A definição dos layers urbanos foi um tema
recorrente. Ayşe Kubat (Istanbul Technical
University)
salientou
como
diferentes
circunstâncias políticas e culturais terão deixado
marcas no tecido construído de Istambul. Este
tema, frequentemente direcionado para a
paisagem e a cultura tradicional, foi também
evidente nos artigos de autores Chineses e artigos
centrados no Médio Oriente, e será sem dúvida
um tema de grande importância na conferência do
ISUF 2016 a realizar em Nanjing, China.
Embora a maioria dos participantes na
conferência pertença ao mundo académico, o
tema da prática de planeamento foi abordado por
vários oradores. Karl Kropf (Built Form Resource
e Oxford Brookes University) descreveu um
projeto financiado pelo ISUF com o propósito de
estabelecer um repositório de tecidos urbanos.
Procurando identificar atributos fundamentais em
vários espaços urbanos que poderiam, por
exemplo, facilitar a utilização da morfologia
urbana como uma ferramenta de apoio a
planeadores numa definição mais efetiva de
políticas, Kropf encorajou ainda eventuais
contributos para a implementação do projeto.
A sessão plenária final, apresentada por Ivor
Samuels (University of Birmingham) (Figura 3)
explorou o modo como a investigação em
morfologia urbana pode contribuir para a prática
de planeamento. Os artigos apresentados por
membros da ISUF Task Force on Research and
Practice foram bem recebidos. Infelizmente, o
tempo disponível foi escasso para contributos da
audiência relativos ao modo como a morfologia
urbana,
enquanto
ferramenta
intelectual
diferenciada, influencia atualmente a prática de
desenho urbano do ‘mundo real’ e como a
deveria influenciar no futuro. A exposição de
Vítor Oliveira sobre a integridade do centro
histórico do Porto, e de Michael Barke
(University of Northumbria) sobre os desafios
relativos ao carácter da propriedade em
Newcastle, no Reino Unido, forneceram as bases
para a discussão. A exposição da tipologia
habitacional em Gujarat, na India, de Nicola
Relatório
95
Figura 1. Parte da ampla audiência na sessão de abertura da conferência.
Fotografia de Ana Natálio.
Figura 2. O debate sobre diferentes abordagens no estudo da forma urbana.
Fotografia de Cláudia Monteiro.
Figura 3. Ivor Samuels introduzindo a sessão plenária sobre investigação e prática.
Fotografia de Pedro Oliveira.
96
Scardigno (Roma Tre University), e a
consideração do uso e perceção da natureza do
carácter de desenho local nos Alpes franceses
dada por Laurence Pattacini (University of
Sheffield) forneceram oportunidades adicionais
para explorar o modo como a academia e a
prática do mundo real poderiam ser relacionadas
de um modo mais efetivo. Como Barke e
Samuels notaram, é provável que o modo como a
investigação
em
morfologia
urbana
é
apresentada, influencie significativamente a sua
adoção enquanto ferramenta de planeamento.
Esta conferência, extremamente bemsucedida, e pela qual a sua Comissão de
Organização deve ser felicitada, testemunhou
dois importantes marcos: o reconhecimento
formal do trabalho de Jeremy Whitehand em
morfologia urbana, demonstrado pela publicação
de um novo livro; e a criação da Porto Charter,
Relatório
uma proposta de documento clarificando, para
um público alargado, os objetivos da morfologia
urbana sob a perspetiva do ISUF. A Carta irá,
provavelmente, fornecer as bases para debate
futuro na Urban Morphology.
A julgar por esta conferência, os prognósticos
para o ISUF são bons. A agenda é vasta e
desafiante, incluindo o lugar da morfologia
urbana na educação, as ligações entre diferentes
abordagens e a relação entre investigação e
prática. Estes, e sem dúvida muitos outros temas,
serão discutidos nas conferências de 2015 e 2016,
em Roma e Nanjing.
Ian Morley, Department of History, Chinese
University of Hong Kong, Fung King Building,
Shatin,
N.T.,
Hong-Kong.
E-mail:
[email protected]
Morfologia Urbana e Progetto
A conferência Morfologia Urbana e Progetto,
organizada pelo ISUF Italia, decorreu no dia 6 de
Novembro na Faculdade de Arquitetura Valle
Giulia em Roma, Itália. A realização desta
conferência teve três objetivos fundamentais: i) a
preparação da conferência anual do ISUF, a
realizar em Setembro de 2015; ii) a publicação do
primeiro número da revista U+D Urbanform and
Design editada pela rede italiana; e, ainda, iii) o
relançamento do ISUF Italia.
A sessão da abertura contou com intervenções
de Piero Ostilio Rossi (Sapienza Università degli
Studi di Roma), Giancarlo Cataldi (Università
degli Studi di Firenze), e Giuseppe Strappa
(Sapienza Università degli Studi di Roma).
Strappa apresentou uma interessante sintese da
história disciplinar da Morfologia Urbana.
A primeira sessão foi dedicada à educação e
investigação morfológica na Europa. O painel,
moderado por Roberto Cherubini (Sapienza
Università degli Studi di Roma), incluiu quatro
apresentações de autores vindos de três países
Europeus – Portugal, Reino Unido e Turquia. A
apresentação
de
Carlos
Dias
Coelho
(Universidade de Lisboa) partiu do trabalho que
este tem vindo a coordenar no Forma Urbis Lab,
em particular o Atlas Morfológico, para debater
os processos de decomposição dos diferentes
elementos da forma urbana. Nesta apresentação
foram reforçados dois pressupostos de base: o
enfoque na cidade real e não na cidade utópica e
o desenvolvimento de uma abordagem
claramente arquitetónica, onde se sublinha a
importância do desenho. Vítor Oliveira
(Universidade do Porto) dividiu a sua
apresentação em duas partes. Na primeira parte
apresentou o programa de uma disciplina de
Morfologia Urbana lecionada num curso de
mestrado em arquitetura. Na segunda parte
apresentou a sua investigação recente centrada
em três temas fundamentais: métodos e técnicas
morfológicas, estudos comparativos de forma
urbana, e a relação entre investigação científica
em morfologia urbana e prática de planeamento –
fazendo a ponte para a apresentação seguinte.
Este último tema foi desenvolvido na
apresentação de Ivor Samuels (University of
Birmingham). Samuels analisou, de forma
detalhada, o contexto de ensino (em particular, de
um conjunto de curricula em diferentes
instituições de ensino universitário) e da prática
profissional no Reino Unido e nos Estados
Unidos da América, colocando mais uma vez em
evidência o vazio entre estas duas realidades. A
apresentação
tornou
também
clara
a
compartimentação do conhecimento e o modo
como alguns autores chave num contexto,
disciplinar ou geográfico, são praticamente
ignorados num contexto diferente. A sessão
encerrou com a apresentação de Tolga Ünlü
(Mersin University) sobre os padrões de
crescimento à escala metropolitana, com um
enfoque particular na formação, e nas
subsequentes transformações, das cinturas
periféricas (fringe belts), tomando como caso de
estudo a cidade e área metropolitana de Mersin.
A segunda sessão centrou-se na publicação de
uma nova revista, a U+D Urbanform and Design.
Paolo Carlotti (Sapienza Università degli Studi di
Roma) apresentou a estrutura da revista –
editoral, ensaios e projetos, perspetivas, estudos e
investigação, book reviews e notícias –
Relatório
97
Figura 1. Sessão de abertura. Fotografia de Stefanos Antoniadis.
Figura 2. Quarta sessão Verso ISUF 2015. Fotografia de Stefanos Antoniadis.
sublinhando as semelhanças e as diferenças
(sendo a mais significativa o carater fortemente
arquitetónico) em relação à revista do ISUF, a
Urban Morphology.
Marco Maretto (Università degli Studi di
Parma) conduziu a terceira sessão, dedicada ao
relançamento do ISUF Italia. Maretto começou
por uma descrição do ISUF, abordando
questões como o regulamento, o modo de
organização, as conferências anuais e a Urban
Morphology, avançando de seguida para uma
descrição do processo que levou à criação do
ISUF Italia em 2007, à relativa estagnação da
rede nos últimos anos e ao seu relançamento em
2014. Esta introdução serviu de mote a um
intenso debate, entre os arquitetos italianos
presentes, sobre o que deve ser o ISUF Italia.
A última sessão, dedicada à preparação do
ISUF 2015, teve três momentos distintos. Num
primeiro momento, Alessandro Camiz (Girne
American University) apresentou o trabalho de
preparação da conferência já desenvolvido. O
segundo momento consistiu num olhar
‘exterior’ (ou ‘não italiano’) sobre as atividades
do ISUF. Vítor Oliveira identificou as
principais dificuldades na realização do ISUF
2014 realizado na cidade do Porto. Tolga Ünlü
apresentou as origens e desenvolvimentos da
Turkish Network of Urban Morphology /
TNUM, dando especial atenção ao workshop de
fundação realizado em Abril de 2014, à
preparação da primeira conferência do TNUM a
realizar em Outubro de 2015 e à identificação
do principal contributo que o TNUM poderá
trazer ao debate internacional sobre forma
urbana, centrado na relação entre investigação
em morfologia urbana e prática profissional. A
sessão encerrou com uma mesa redonda,
moderada
por
Anna
del
Monaco
(Sapienza Università degli Studi di Roma),
sobre o que será a conferência de Setembro de
2015, abordando não só questões de conteúdo
(os diferentes temas da conferência, a
importância do projeto arquitetónico, a
discussão da Porto Charter, entre outros) mas
também aspetos organizacionais (como a
98
organização das sessões paralelas e a
importância do moderador, a diversidade no
interior de cada sessão, a possibilidade de
proposta de organização de sessões temáticas,
ou as formas de pagamento).
A reunião de Roma mostrou a vitalidade da
rede italiana, agora dinamizada com um novo
media – a revista U+D Urbanform and Design,
e deixou antever uma excelente conferência
Relatório
nesta magnifica cidade para o mês de Setembro
do próximo ano.
Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação
do Território, Transportes e Ambiente,
Faculdade de Engenharia, Universidade do
Porto, Rua Roberto Frias 4200-465 Porto,
Portugal. E-mail: [email protected]
Colloquium on Mediterranean Urban Studies
O
‘Colóquio
sobre
Estudos
Urbanos
Mediterrânicos’ (Colloquium on Mediterranean
Urban Studies), com o tema ‘A transformação
das cidades portuárias mediterrânicas: séculos
XIX e XX’, realizou-se a 23 e 24 de Outubro em
Mersin, na Turquia, tendo sido organizado pelo
Centro de Estudos Urbanos Mediterrânicos da
Universidade de Mersin. O colóquio deste ano
surge na continuidade dos quatro colóquios
anteriores, realizados sob o enquadramento
temático de ‘Mersin na História’, organizados
com o propósito de incentivar a investigação
científica sobre a região do Mediterrâneo
Oriental.
Ao longo do século XIX, as mudanças nas
relações económicas à escala internacional e nas
tecnologias de transporte deram origem à
emergência de cidades portuárias com uma
relativa independência face aos governos
centrais. Estas cidades beneficiaram muito das
suas inter-relações com outras cidades portuárias.
As relações recíprocas transformaram assim as
cidades portuárias em locais de intercâmbio
cultural, onde pessoas de diferentes partes do
Mediterrâneo se encontravam e interagiam. Neste
sentido, as cidades portuárias eram caracterizadas
por uma grande complexidade urbana e
diversidade social, sendo possível falar de uma
‘urbanidade comum’ ao longo do século XIX.
Após a fundação de cidades-estado, os
problemas de desenvolvimento urbano em
cidades portuárias mediterrânicas resultaram da
ausência de características sociais, económicas,
culturais e espaciais comuns. As cidades
portuárias foram-se transformando em ‘arenas’,
nas quais era exercida a política da nação
soberana, resultando na progressiva destruição da
complexidade urbana e diversidade social.
Consequentemente, as cidades portuárias
mediterrânicas foram perdendo as suas
características distintivas e as suas qualidades
espaciais.
Partindo de um ‘olhar’ sobre este percurso, o
‘Colóquio
sobre
Estudos
Urbanos
Mediterrânicos’
procurou
discutir
a
transformação
das
cidades
portuárias
mediterrânicas nos séculos XIX e XX, com uma
ênfase específica nos aspetos económicos,
sociais, culturais e espaciais. A sessão especial de
abertura centrou-se no mundo mediterrânico, em
termos genéricos, enquanto as seguintes sessões
especiais se focaram nas cidades portuárias do
Mediterrâneo Ocidental – Lisboa, Barcelona e
Génova – e do Mediterrâneo Oriental – Volos,
Esmirna, Alexandria e Creta. No segundo dia, os
investigadores partilharam os seus trabalhos
sobre cidades da Palestina, Salonica e Mersin,
para além das cidades referidas anteriormente.
O debate, realizado ao longo das diferentes
sessões, revelou que as cidades portuárias do
Mediterrâneo tinham, de facto, muitos pontos em
comum, em termos de composição e
conformação do espaço urbano, identidade
arquitetónica
e
características
sociais,
dependendo das relações comerciais recíprocas
durante o período de modernização do século
XIX.
Dois eventos reforçaram a especificidade
deste colóquio. Primeiro, após a sessão de
abertura, o Contribution to Urban History Award
foi apresentado aos investigadores a trabalhar em
Mersin, a desenvolver pesquisa sobre a história
urbana da cidade ou dando apoio aos estudos do
Centro de Estudos Urbanos Mediterrânicos.
Segundo, foi organizada uma sessão especial de
encerramento, designada ‘Memória Urbana:
Vozes Locais’, que convidou residentes, de longo
termo, em Mersin, para partilharem as
experiências desenvolvidas ao longo da sua vida
nesta cidade.
Após dois dias de intenso debate, no terceiro
dia os participantes participaram numa excursão à
cidade de Tarsus, uma cidade caraterizada por
múltiplos layers desde a antiguidade até á
atualidade.
Tolga Ünlü, Department of City and Regional
Planning, Mersin University, Yenisehir, Mersin
33343, Turkey. Email: [email protected]
PERSPETIVAS
Debate sobre temas fundamentais
em morfologia urbana
Compreender o holon
Anastássios Perdicoúlis, Centro de Investigação do Território, Transportes e
Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Rua Roberto Frias, 4200465 Porto, Portugal. Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Trás-os-Montes
e Alto Douro, Vila Real, Portugal. Email: [email protected]
A realidade de cada cidade é, sem dúvida, única:
o seu aspeto visual, a maneira como a cidade está
organizada, e o modo como funciona. Por outras
palavras, a forma, a estrutura e a função de cada
cidade – ou de cada entidade, no caso geral –
criam combinações irrepetíveis através da sua
composição e das suas interações (Aristóteles,
VIII: 6): em cada caso, um holon (όλον [Gk]
tudo, completo). Podemos sentir isto mesmo
como habitantes, visitantes ou investigadores;
mas como podemos compreender este holon da
cidade?
Metáforas
Estamos habituados, mesmo em ambientes
académicos, a lidar com o abstrato como a
‘entidade’, a ‘essência’ ou o holon através de
metáforas
(literalmente
‘transportes’)
de
experiências familiares em contextos alheios, que
em princípio não têm nada a ver com o nosso
objeto de interesse – por exemplo, a cidade versus
objetos indiferenciados, como ‘sólidos’ ou
‘fluidos’. Numa primeira instância, enquanto
sólidos, o ‘caráter’ que poderia ser atribuído a
uma cidade refere-se literalmente a uma
‘gravação’, uma marca distinta, como o contraste
nas joias valiosas. Numa segunda instância,
enquanto fluidos, a ‘idiossincrasia’ de uma
cidade, literalmente refere-se a uma ‘mistura
especial’ dos quatro fluidos essenciais da
medicina Hipocrática: sangue, flegma, bílis
amarela e bílis preta – os mesmos quatro fluidos
que, alegadamente, tornam as pessoas únicas pelo
seu ‘humor’ ou ‘temperamento’.
As metáforas podem ajudar a captar – talvez
com ‘licença poética’ – a essência do nosso objeto
de interesse, mas não ajudam a ‘perceber’ esse
mesmo objeto, principalmente como é que ele
está construído e como funciona, que são duas
vertentes
importantes
para
conhecer
e
compreender um objeto complexo, como a
cidade, de maneira mais completa ou holística.
Sem auxílios metafóricos então, mas
recorrendo à alternativa analítica (literalmente,
através de ‘decomposição’), podemos ver o holon
da cidade pelas suas três facetas complementares:
a forma, a estrutura e a função (Figura 1).
Forma, estrutura e função
A forma é, por norma, um interface facilmente
percetível pela visão, e revela-se em perspetivas
parciais ou vistas globais, em várias escalas ou
Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2) 99-108 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
100
Perspetivas
Complementaridade
Figura 1. Três facetas interligadas do holon
(fonte: Perdicoúlis, 2014).
níveis de agregação, e em meios comuns como
desenhos, maquetes, fotografias, vídeos, mapas, e
modelos tridimensionais. Esta deverá ser a
perceção da cidade mais familiar para um grande
número de pessoas; até mesmo para profissionais,
como arquitetos.
No caso da cidade como objeto de estudo, a
estrutura ‘física’ também é visível - por exemplo,
‘estruturas verdes’ com espaços verdes
interligados, estruturas rodoviárias para as
comunicações terrestres ou quarteirões em malha
reticulada. No entanto, existem outros tipos de
estruturas que são invisíveis, embora seja possível
recorrer à visualização – por exemplo, a estrutura
‘organizacional’ (por exemplo, a hierarquia da
administração pública de uma cidade) ou a
estrutura ‘dinâmica’ (por exemplo, os agentes
principais e as suas interações). E naturalmente,
como é tão bem captado pelo popular ditado
Inglês: out of sight, out of mind.
A terceira faceta da cidade como sistema, a
função, é por excelência abstrata, logo invisível.
Por exemplo, como perceber e / ou convencer os
outros que uma cidade é o ‘centro da vida
cultural’ de um país? Pode-se recorrer a
‘indicadores’, como o local de residência de
artistas e produtores, com auxílio da estatística –
por exemplo, a sua densidade ou distribuição
espacial. No entanto, sem a dinâmica representada
pelas interações de estrutura e função – que, por
norma, são invisíveis e não são captadas pela
estatística, estando apenas presentes em modelos
mais especializados – podemos formar uma ideia
errada. Por exemplo, várias localidades nas
Caraíbas aparecem como residência de artistas de
renome internacional, pelo que a sua densidade
poderia indicar que são o centro da vida cultural
mundial a par de Hollywood; isto é, se não
soubéssemos interpretar as estatísticas, já que
‘estes artistas não trabalham lá’.
É possível – e é até muito fácil – identificar a
cidade pelo seu aspeto visual ou caráter global,
mas isto não nos permite ainda ‘perceber’ a
cidade: ainda falta ‘ver’ quem vive lá, o que faz,
com quem, onde, como, etc. Sendo um sistema, a
cidade não pode ser reduzida a uma imagem ótica
ou metafórica. Se queremos mesmo compreender
a cidade, o que a torna naquilo que ela é, na sua
essência holística, talvez um diagrama tipo ‘raio
X’ com os seus elementos e interações invisíveis,
com as facetas da Figura 1, seja mais apropriado
para perceber a dinâmica por detrás do visível ou
do metafórico.
No entanto, é necessário algum cuidado ao
trabalhar com ‘raios X’. Primeiro, como há várias
maneiras de definir, considerar, ou ‘talhar’ um
sistema, é preciso cuidado com aquilo que se vai
incluir (ou não) como parte da cidade – i.e. o
âmbito deste sistema (Perdicoúlis, 2013).
Segundo, se vamos fazer julgamentos de valor,
como ‘apreciações’ ou ‘avaliações’, sobre a
realidade descrita da cidade, será necessário
definir referências (por exemplo, preocupações,
objetivos) claras, e de preferência, comuns entre
os vários stakeholders. Estes desafios parecem
simples e de natureza técnica, mas incluem
grandes
dificuldades,
exatamente
pela
invisibilidade envolvida.
Considerando as tradições e os hábitos de
longa data (por exemplo, os avanços no estudo de
sistemas, como a representação diagramática)
talvez a melhor maneira de compreender e
documentar o holon da cidade passe por abarcar
duas abordagens diferentes: por um lado, o modo
artístico da metáfora (compreensão por
semelhança, mas global) e, por outro lado, os
modelos analíticos, de ‘decomposição’, mas que
correm o risco de criar holons particulares,
criados para propósitos específicos (por exemplo,
resolver um problema, ou compreender uma
determinada situação). Se a cidade é mesmo um
holon, convém que as abordagens para a sua
compreensão sejam igualmente holísticas.
Referências
Aristóteles (Século 4º AC) Metaphysics
(Tradução de Ross, W. D. University of
Adelaide, Adelaide).
Perdicoúlis, A. (2013) ‘The city as a system’,
Systems Planner 16, 1-6.
Perdicoúlis, A. (2014) ‘The SF2 vision of
Systems Planning’, Visions 2, 1-4.
Perspetivas
101
A forma urbana em Moçambique: projeto, intervenção e
investigação
David L. Viana, Centro de Investigação da Escola Superior Gallaecia, Largo das
Oliveiras, 4920-275 Vila Nova de Cerveira, Portugal. E-mail: [email protected] e
Jéssica Lage, Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto, Via Panorâmica s/n,
4150-755 Porto, Portugal. E-mail: [email protected]
O estudo da forma urbana em Moçambique não
constitui corpo teórico e metodológico homogéneo,
nem tão pouco contempla linhas programáticas
convergentes que possibilitem indicar categorias de
orientações predominantes. Não obstante, a
problemática tem vindo a ser abordada por
diversos autores e instituições, mesmo que de
modo disciplinarmente não estruturado. A
identificação das principais tendências, em termos
do desenvolvimento de análises morfológicas,
assentou na verificação do estado da arte sobre a
questão,
conferindo
âmbitos,
atores
e
intervenientes relevantes para o estudo da forma
urbana em contexto moçambicano. Considerou-se
o papel quer de agentes que têm contribuído para a
transformação da forma urbana, quer de
investigadores que analisam tipológica e
morfologicamente cidades de Moçambique.
Projeto e intervenção
O planeamento físico em Moçambique tem sido
um dos ramos de formação académica desde a
década de 1980. As escolas de arquitetura
moçambicanas vocacionaram-se também para o
ensino de temáticas relativas à disciplina
urbanística. Os planeadores físicos formados pelas
instituições de ensino superior em Moçambique
são os que apresentam maior conhecimento para
projetarem e intervirem sobre as cidades, sendo
responsáveis por parte das publicações sobre
estudos urbanos. Enquanto recursos técnicos,
integram instituições do Estado – como o Instituto
Médio de Planeamento Físico e Ambiente, o
Ministério para a Coordenação Ambiental, o Fundo
de Fomento da Habitação, entre outros agentes
estatais com responsabilidade no desenvolvimento,
transformação e gestão das cidades. Para além
deste enquadramento, há espaço para a atuação ao
nível da sociedade civil, através (por exemplo) de
associações e Organizações Não Governamentais,
com focagem em projetos sociais, envolvendo a
população e seus representantes (como os Grupos
Dinamizadores). A intervenção sob a forma urbana
ocorre, maioritariamente, em bairros não (ou sub)
urbanizados
apelidados
de
‘informais’,
modificando-os com novas ruas, definindo talhões
construindo habitações. Poder-se-á nomear o
contributo da Associação Moçambicana para o
Desenvolvimento Urbano (AMDU) no incremento
de índices de urbanidade em bairros de Maputo. A
sua ação teve impacto na dinamização de
comunidades locais e respetivas atividades,
organização e distribuição de parcelas, edificação
de habitação e pequenos equipamentos de apoio e
implementação de lógicas participativas e
produtivas.
A outro nível, análises morfológicas e de
condições da edificação dita ‘popular’, verificando
a habitabilidade básica em contextos resultantes de
processos de urbanização referidos como
informais, estão presentes em relatórios da UNHABITAT, como o de 2007 ou, mais recente, o de
2010 (UN-HABITAT, 2007, 2010). Estes
relatórios sistematizam perfis urbanos de bairros
‘informais’ e apontam à intervenção integrando
moradores no desenvolvimento de projetos
residenciais para população com baixo rendimento.
Em termos de ensino universitário de
arquitetura e urbanismo, caberá destacar a
Faculdade de Arquitetura e Planeamento Físico da
Universidade Eduardo Mondlane (FAPF / UEM),
cuja atividade letiva remonta a 1986, tendo sido
criada sob direção de José Forjaz com o apoio da
Universidade de Roma La Sapienza. No âmbito da
cooperação internacional entre estas instituições,
resultou a influência da ‘escola italiana’ sobre a
disciplina
urbanística
em
Moçambique,
sublinhando a abordagem de Muratori. Deste
período destaca-se também a integração da
participação ‘popular’ na transformação urbana.
Mais recentemente, a FAPF promoveu o primeiro
Mestrado em Planeamento e Gestão de
Assentamentos Informais, onde se perspetiva a
existência de uma cultura urbana mais plural e,
simultaneamente, se procura estabelecer condições
e aferir instrumentos para gerir e intervir em
territórios sujeitos a acelerados processos urbanos
de crescimento. Este tipo de contexto de
assentamento é muito próprio de cidades como
Maputo.
O Centro de Estudos e Desenvolvimento do
Habitat (CEDH), da FAPF, tem coordenado /
102
colaborado na elaboração de planos de
ordenamento do território e de urbanização, em
distintas escalas, para diferentes cidades de
Moçambique. Como exemplo, poder-se-á indicar:
Planos de Estrutura para a capital moçambicana
(1999, 2008), Matola (2009-2010), Tete (20112012) e Lichinga (2005); diagnóstico, análise e
proposta de melhoramento de assentamentos
informais para Maputo (2006) e para as cidades de
Nacala, Monapo, Chimoio e Vilankulo (20072008). O CEDH é responsável pela publicação
regular de obras sobre arquitetura e planeamento,
contando com autores como José Forjaz, Júlio
Carrilho, Luís Lage e João Tique.
Por fim, ainda muito embrionariamente e sem
projetos científico-técnicos desenvolvidos, uma
outra linha de atuação procura tomar forma no
recente Curso de Arquitetura e Urbanismo do
Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de
Moçambique (ISCTEM). Pretendem apurar
abordagens próximas de legados vernáculos,
redescobrindo valores e indicadores dos modos
tradicionais de organização espacial (Mário
Rosário, 2011) aplicáveis em contextos menos
urbanizados do território moçambicano.
Investigação
Moçambique em geral
Sobre Moçambique, encontram-se referências a
problemáticas que envolvem o estudo da forma
urbana quer nas ciências sociais, quer nas
disciplinas da antropologia e da sociologia, não
esquecendo as ciências humanas e os âmbitos da
geografia. Destaca-se a investigação de António
Rita Ferreira (1957, 1982, 2012), Ramos
Muhamona (1995), Manuel Araújo (1997), Isabel
Raposo (1999), Catarina Cruz (2002) e Rui
Mendes (2012).
A FAPF acolhe trabalhos de pesquisa sobre
urbanismo
em
Moçambique,
podendo-se
mencionar autores como Sandro Bruschi e Luís
Lage (2005), em que descrevem a organização do
espaço desde antes da ocupação portuguesa até à
independência. Conjuntamente com Júlio Carrilho
(2005) elaboram um estudo sobre Pemba,
identificando elementos para a conformação da
história urbana daquela cidade, focando questões
relacionadas
com
tipologias
habitacionais
existentes e demais características urbanas. Estes
mesmos autores e Carlos Menezes (2000)
aprofundam o conhecimento sobre o tecido
edificado da cidade de Lichinga, equacionando
usos e a distribuição espacial, sistematizando
materiais, inquirindo técnicas construtivas e formas
de apropriação. Complementarmente, identificam
aspetos socioculturais comuns a assentamentos em
várias cidades de Moçambique.
Perspetivas
José Forjaz é um dos autores mais relevantes
para o entendimento da condição urbana
moçambicana. Tem textos de referência sobre
habitação e sobre o planeamento físico em
Moçambique (Forjaz, 1985). Defende o ajuste
entre processos, modelos e instrumentos de
planeamento com as circunstâncias físicas do
território,
seus
recursos,
capacidades
e
especificidades socioculturais e económicoprodutivas (Forjaz, 1999). Proclama a necessidade
de se assegurar a sustentabilidade da paisagem
humanizada, elencando princípios ambientais na
procura de arquiteturas e cidades mais sustentáveis
(Forjaz, 2005). Aprofunda esta temática
enquadrando estratégias de melhoramento para
espaços urbanos infraestruturalmente fragilizados,
avançando com programas específicos para
assentamentos informais recorrendo aos recursos
locais disponíveis (Forjaz, 2006).
A problemática da sustentabilidade urbana foi
também equacionada por outros autores, como
Maria dos Anjos Rosário (1999) e, mais
recentemente, Manuel Correia Guedes (2011). O
espectro da sustentabilidade na análise urbana em
Moçambique tem envolvido a revisão de modelos
de intervenção que impliquem meios, técnicas e
tecnologias de escala, exógenas aos contextos dos
assentamentos e com impacto na transformação
das cidades e suas formas – desconsiderando
estruturas comunitárias e a diversidade do ‘saberfazer’ local. Quanto às periferias urbanas poder-seá referir Paul Jenkins, com publicação de estudos
urbanos explorando aspetos socioeconómicos
associados à urbanização em Moçambique
(Jenkins, 1991, 1992). Numa outra vertente, o
autor reflete sobre o legado do desenvolvimento
colonial para a constituição de contextos urbanos
informais, verificando modelos urbanos e tipos de
habitações locais (Jenkins, 1993). Com Jorgen E.
Andersen (2011), refuta a dicotomia formal /
informal, rejeitando o carácter subjetivo e
conotativo da adjetivação a ela implícita.
O estudo de Maputo
A capital moçambicana é a cidade que concentra
maior número de publicações de âmbito urbano em
Moçambique. O estudo de Maputo pode ser
dividido em três grupos: i) o estudo da cidade
como um todo; ii) o estudo da cidade colonial; e
iii) o estudo da cidade informal.
No primeiro grupo encontram-se autores como:
Aniceto dos Muchangos (1994) que aborda aspetos
geográficos de Maputo relacionados com o
crescimento da cidade e sua estrutura urbana; Luigi
Corvaja (1998) verifica a história urbana da capital
e identifica arquiteturas notáveis; Cristina
Henriques (2008) analisa, com auxílio de Sistemas
de Informação Geográfica (SIG), a evolução da
densidade populacional e habitacional historiando
Perspetivas
atividades na transformação da cidade; João Sousa
Morais (2001, 2002) e Fábio Vanin (2013)
descrevem fases de transformação da forma
urbana, definidas pelos planos de urbanização na
ocupação portuguesa e analisando a expansão de
subúrbios (sendo que o último também considera
elementos ‘decorativos’ identificados em contexto
urbano).
No segundo grupo encontram-se publicações
sobre a urbanização e arquitetura moderna de
matriz portuguesa, com autores como: Alfredo
Pereira Lima (1968), Maria Clara Mendes (1979),
José Manuel Fernandes (2005), Ana Magalhães e
Inês Gonçalves (2009), Ana Vaz Milheiro (2012) e
Ana Tostões (2013). De destacar o trabalho de
inventariação do património edificado de Maputo,
desenvolvido por João Sousa Morais, Luís Lage e
Joana Bastos Malheiro (2012).
No terceiro grupo são de referir autores como:
Júlio Carrilho e Luís Lage (2000, 2005) que
analisam a transformação da periferia urbana da
capital moçambicana, traçando perspetivas sobre a
história da casa moçambicana e desafios da
habitação; Luís Lage (2001) reúne trabalho sobre
novas tipologias habitacionais em contextos de
informalidade urbana, sistematizando fichas de
levantamento e verificando padrões encontrados
em técnicas, processos construtivos e distribuição
espacial em habitações estudadas; Isabel Raposo é
responsável por produção científica assinalável e
diversa sobre Maputo, publicando investigação
sobre bairros suburbanizados da cidade (em
parceria com autores como Jochen Oppenheimer,
2002, 2007), enquadrando contextos económicos,
político-ideológicos, histórico-sociais e culturais e
níveis de urbanidade, confrontando-os com
elementos compositivos e padrões tipomorfológicos da forma urbana; com Cristina
Henriques (2005) e com Sílvia Jorge, Sílvia Viegas
e Vanessa Melo (2012) aprofunda o conhecimento
sobre a condição urbana de Maputo, observando
processos de configuração espacial e equacionando
indicadores territoriais; David L. Viana enquadra a
forma urbana de Maputo enquanto espaço urbano
(in)formal (2009) e a partir desta noção híbrida
desenvolve uma metodologia combinatória de
abordagens morfológicas para o estudo de Maputo
(com Vítor Oliveira, 2014).
Síntese prospetiva
A diversidade de abordagens ao estudo da forma
urbana em Moçambique apresentada ao longo
desta Perspetiva não é exaustiva nem tão pouco
comtempla integralmente a listagem de
intervenientes, autores e obras cujo escopo é a
transformação de cidades moçambicanas. A
investigação sobre a forma urbana em
Moçambique, produto não só da iniciativa de
103
instituições, agentes e académicos moçambicanos,
mas também de organizações e pesquisadores
internacionais, com autonomia e fundos próprios,
contribui para o desdobramento de enfoques que a
questão
acaba
por
conhecer.
Embora
aparentemente problemática, por falta de
concertação geral, este quadro heterogéneo de
abordagens morfológicas e estudos urbanos
contribui para o ensaio de múltiplas perspetivas
que, consideradas caso a caso, amplificam o
enquadramento e abrangência de análises e planos,
permitindo antecipar o estreitamento da atual
diferença entre como se intervém, o que se propõe
em termos projetuais e a complexidade das formas
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Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação do Território, Transportes e
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do Lindo Vale 435, Porto, Portugal. E-mail:[email protected]
Para a grande maioria dos 308 municípios
Portugueses o Plano Diretor Municipal (PDM) é o
principal, e em muitos casos o único, instrumento
de planeamento e gestão urbanística. O
planeamento e a gestão territorial, enquadrados
pelo PDM, assentam normalmente num
mecanismo de zonamento. Na esmagadora
maioria dos casos este mecanismo, que consiste
em definir diferentes zonas para as quais
posteriormente se estabelecem diferentes regras
de transformação urbana, tem por base um único
critério, os usos do solo. Ou seja, as zonas
definidas no plano têm por base uma delimitação
funcional e um dos seus objetivos fundamentais,
em termos de transformação futura, é separar ou
misturar diferentes usos do solo.
As desvantagens de uma excessiva divisão
funcional têm sido evidenciadas ao longo das
últimas décadas. No entanto, se a tendência para
uma separação funcional tem vindo a dar lugar a
uma maior propensão para a mistura de usos
(desde que compatíveis), o mecanismo de
zonamento com base num critério de uso do solo
permaneceu praticamente inalterado. Enquanto a
questão funcional é plenamente abordada por este
mecanismo, ele pouco ou nada regula em termos
de forma e de estrutura urbana – dois elementos
com uma maior permanência na ‘vida’ da cidade
do que o elemento funcional que, em geral, se
transforma mais rapidamente.
Como em muitos municípios Portugueses, a
qualidade do espaço urbano na cidade do Porto
foi progressivamente diminuindo ao longo das
últimas décadas. Apesar da existência de um
mecanismo de zonamento funcional não ser o
único fator que levou a esta perda de qualidade,
ele constituiu um contributo fundamental. Em
2006 é aprovado um novo PDM que constitui um
marco de viragem na história urbanística recente
da cidade do Porto e um caso singular na prática
de planeamento Portuguesa (Oliveira, 2006). O
plano, que está atualmente em vigor, baseia-se
numa cuidadosa análise da cidade, realizada rua a
rua, parcela a parcela. Esta análise conduziu à
identificação de dez tipos de ‘tecidos urbanos’,
com base nos edifícios existentes (e, de modo
indireto, nas parcelas e ruas). Para cada um desses
tecidos o PDM define um conjunto de regras que
a autarquia e cada ator privado têm de cumprir no
processo de transformação da cidade, em
particular nos processos de loteamento e de
licenciamento. Estas regras, que variam de tecido
para tecido, consistem em aspetos muito simples,
como o cumprimento de alinhamentos, a
manutenção de uma cércea dominante ou o
estabelecimento de uma cércea inferior à largura
da rua em que o edifício se insere, entre outros.
Oito anos passados sobre a ratificação do PDM é
possível fazer uma avaliação muito positiva do
processo de implementação do plano (Oliveira et
al., 2014). No entanto, pode-se perguntar se é
possível fazer ainda melhor. Mais concretamente:
poderá o campo científico da Morfologia Urbana
dar um sólido contributo ao modo como se pensa
e planeia a dimensão física da cidade do Porto?
A relação entre investigação científica e
prática profissional é um dos temas do debate
atual na área da Morfologia Urbana. Nesse
sentido, tem vindo a ser discutida a aplicabilidade
de teorias, conceitos e métodos morfológicos na
106
Perspetivas
Figura 1. Identificação da área de estudo na cidade do Porto.
prática de planeamento. Um desses conceitos é a
‘região morfológica’ (morphological region). O
conceito de ‘região morfológica’ como uma área
morfologicamente homogénea (em termos de
plano / planta de cidade, tecido edificado e uso do
solo) e como tal distinta das áreas que a
envolvem, e o método de ‘regionalização
morfológica’ (morphological regionalization)
como um instrumento para reconhecer e delimitar
essas áreas foram desenvolvidos por M. R. G.
Conzen entre o final da década de 50 e o final dos
anos 80 (ver, por exemplo, Conzen, 1960, 1975).
Ao longo das últimas décadas, o conceito tem
sido aplicado, em diferentes partes do mundo, na
investigação morfológica e, em casos excecionais,
na prática de planeamento (Whitehand, 2009).
O objetivo fundamental desta Perspetiva é
contribuir para uma discussão sobre a
aplicabilidade do conceito de região morfológica
nos Planos Diretores Municipais que estão a ser
preparados em Portugal. Utiliza-se um caso de
estudo na cidade do Porto, integrado num projeto
de
investigação
recentemente
concluído,
financiado pelo International Seminar on Urban
Form (ISUF) (Oliveira et al., 2015). Nesta nova
análise do caso de estudo identificam-se
semelhanças e diferenças entre o zonamento
tipológico presente no PDM do Porto e um
hipotético zonamento elaborado a partir do
conceito de região morfológica. O caso de estudo
inclui doze quarteirões que conformam a Rua de
Costa Cabral, entre a Praça do Marquês e a Via de
Cintura Interna / VCI (Figura 1).
A Figura 2 apresenta o zonamento do PDM
para esta área de estudo. O plano identifica cinco
zonas: Área de Frente Urbana Contínua
Consolidada, Área de Frente Urbana Contínua em
Consolidação, Área de Habitação de Tipo
Unifamiliar, Área de Edificação Isolada com
Prevalência de Habitação Coletiva e, por fim,
Área de Equipamento Existente.
A regionalização morfológica desta mesma
área, desenvolvida no âmbito do projeto de
investigação, organiza-se em 14 regiões. Ao
contrário do conceito de ‘zona’ presente no PDM
o conceito de ‘região’ implica uma continuidade
física pelo que duas áreas com características
morfológicas semelhantes separadas fisicamente
são classificadas como duas regiões distintas. No
sentido de potenciar as condições de
comparabilidade entre as duas abordagens
elaborou-se a Figura 3 que classifica como uma
mesma zona regiões com características
semelhantes, ainda que separadas fisicamente.
Assim, o mapa da Figura 3 organiza-se em oito
zonas: Ocupação Linear, Área de Edifícios
Geminados – Alta Densidade, Área de Edifícios
Geminados – Média Densidade, Área de Edifícios
Geminados – Baixa Densidade, Área de
Habitações de Três Frentes, Área de Habitações
de Quatro Frentes, Área de Habitação Coletiva
(Blocos de Apartamentos) e, por fim, Cintura
Periférica.
Uma análise comparativa das figuras 2 e 3
revela que, apesar do diferente número de zonas
identificadas em cada um dos dois zonamentos e
das diferentes designações adotadas para cada
uma dessas zonas, estamos perante dois sistemas
de classificação muito próximos.
No entanto, existem duas diferenças
fundamentais. A primeira prende-se com a
especificidade do método de regionalização
morfológica. O ponto de partida para a
identificação das regiões morfológicas é a
estrutura histórico-geográfica da paisagem
urbana. Isto significa que se trata de uma leitura
não apenas das formas urbanas existentes no
território aquando desse exercício, mas também
da história urbana do território e, portanto,
daquilo que é estrutural. De algum modo, isto
explica as diferenças nas duas propostas de
zonamento para a Rua de Costa Cabral. Enquanto
no segundo caso (regiões morfológicas) a rua é
entendida como um todo interrompido
pontualmente junto à Rua Silva Tapada (presença
de conjuntos de habitação coletiva de grandes
Perspetivas
107
Figura 2. Zonamento do Plano Diretor Municipal.
Figura 3. Zonamento elaborado a partir do conceito de Região Morfológica.
dimensões), no primeiro caso (PDM) a rua é
entendida por partes. A isto não é alheio o facto
de na leitura do primeiro zonamento a unidade
fundamental ser o quarteirão.
A segunda diferença fundamental prende-se
com uma leitura dos ‘grandes elementos’ que
estruturam a cidade. Se no primeiro caso esta
leitura não existe, no segundo caso há um
reconhecimento das cinturas periféricas (fringe
belts) como elementos estruturadores do espaço
urbano e reveladores da história urbana da cidade.
No primeiro caso, as partes de uma cintura
periférica da cidade não são identificadas como
tal, sendo remetidas para a Área de Edificação
Isolada e para a Área de Equipamento.
Como foi dito anteriormente, o PDM do Porto
108
é um caso excecional na prática de planeamento
em Portugal no que se refere ao modo como lida
com as formas urbanas existentes e com o
desenho das formas urbanas futuras. O caso de
estudo de Costa Cabral mostra que é possível
melhorar este zonamento tipológico através da
aplicação do conceito de região morfológica. No
entanto, revela também uma importante limitação
da aplicabilidade deste conceito – a aplicação a
uma cidade com a dimensão do Porto, ou a outra
de dimensão semelhante, consome demasiados
recursos humanos e financeiros.
A regulação da transformação urbana das
cidades Portuguesas assente num mecanismo de
zonamento meramente funcional tem conduzido a
uma desregulação da produção das formas
urbanas com consequências visíveis em todo o
território Português. A necessidade de mudança
de paradigma, de um zonamento funcional para
um zonamento tipo-morfológico, à semelhança do
proposto no PDM do Porto, é urgente. Nesse
sentido, importa continuar a debater o potencial
que o conceito de região morfológica poderá ter
para a preparação de Planos Diretores Municipais
efetivamente ‘baseados na forma urbana’.
Perspetivas
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1º Workshop de morfologia urbana / PNUM: diferentes abordagens no
estudo da forma urbana
O primeiro workshop de Morfologia Urbana do
PNUM, ‘Diferentes abordagens no estudo da
forma urbana’, realizar-se-á na Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto, de 30 de
Junho a 4 de Julho de 2015.
O workshop, com a duração de uma semana,
destina-se
a
estudantes,
académicos,
investigadores e profissionais nas áreas da
arquitetura, geografia, planeamento e história. O
objetivo do workshop é dar a conhecer aos
participantes um conjunto de teorias, conceitos e
métodos de análise da forma física das cidades.
No primeiro dia, serão apresentadas aos
participantes
as
diferentes
abordagens
morfológicas – Abordagem Histórico-Geográfica
(Escola Conzeniana), Abordagem Tipológica
Processual (Escola Muratoriana), Space Syntax e
Spatial Analysis – e o caso de estudo, a cidade do
Porto. Ao final do dia, cada participante deverá
escolher uma abordagem morfológica. Os
participantes serão então divididos em diferentes
grupos de acordo com a abordagem escolhida.
Nos dias seguintes, cada grupo, orientado por um
professor, deverá trabalhar no caso de estudo
utilizando a abordagem escolhida. No último dia,
realizar-se-á um exercício comparativo entre as
diversas abordagens no sentido de evidenciar as
potencialidades, e as eventuais fragilidades, de
cada
uma
delas,
bem
como
as
complementaridades fundamentais tendo em vista
uma utilização integrada. A(s) melhor(es)
prestação(ões)
no
workshop
será(ão)
recompensada(s) com a participação no
ISUF2015-Roma a realizar-se entre 22 a 26 de
Setembro de 2015.
A comissão organizadora do workshop é
constituída por Vítor Oliveira (Universidade do
Porto) – coordenação, David Viana (Escola
Superior Gallaecia, Escola Superior Artística do
Porto), Marco Maretto (Università degli Studi di
Parma) e Teresa Marat-Mendes (Instituto
Universitário de Lisboa). O conselho consultivo é
constituido por Giancarlo Cataldi (Università
degli Studi di Firenze), Giuseppe Strappa
(Sapienza Università di Roma), Frederico de
Holanda (Universidade de Brasilia) e Jeremy
Whitehand (University of Birmingham).
Os valores de inscrição no workshop são 150
€, inscrição normal, e 100€, inscrição para
estudantes
de
licenciatura,
mestrado
e
doutoramento. O período de inscrição decorrerá
entre 1 de Janeiro e 31 de Maio.
BOOK
REVIEWS
Shapers of urban form. Explorations in
urban morphological agency, de Peter J.
Larkham e Michael P. Conzen, Routledge,
Nova Iorque, Estados Unidos da América,
2014, 336 pp. ISBN 978-0-415-73889-7.
Shapers of urban form é um livro dedicado a
Jeremy Whitehand: ‘académico imaginativo,
professor paciente e promotor incansável do
estudo internacional em morfologia urbana e da
sua relevância para a conformação do(s) futuro(s)
urbano(s), ao longo de mais de meio século’
(tradução livre da dedicatória de Peter Larkham e
Michael Conzen).
O livro, apresentado publicamente – e pela
primeira vez ao homenageado – na conferência
anual do International Seminar on Urban Form
realizada em Julho deste ano no Porto, é editado
por Larkham e Conzen, reunindo o contributo de
duas dezenas de académicos, de diferentes
contextos geográficos, cujo percurso profissional
foi, de algum modo, influenciado por Whitehand.
Shapers of urban form explora uma linha de
investigação em morfologia urbana – o estudo
sistemático dos agentes, individuais e coletivos, e
dos processos responsáveis pela transformação da
paisagem urbana. O livro estrutura-se em quatro
partes, com uma ordem cronológica, focando-se
sucessivamente em assentamentos pré-modernos,
modernos (fase inicial), da era industrial, tardomodernos e pós-modernos. Após estas quatro
partes, um último capítulo procura teorizar o
processo pelo qual as intenções dos agentes são
traduzidas em ações sobre as formas urbanas.
A primeira parte do livro centra-se nos
assentamentos pré-modernos e em três dos seus
agentes institucionais fundamentais – os
monarcas, a Igreja e as comunas locais. Cada um
dos três artigos que compõem esta parte do livro
aborda um destes agentes. Keith Lilley analisa a
ação de Edward I no contexto de um conjunto
hierarquizado
de
responsabilidades
no
planeamento de um conjunto de assentamentos
no norte do País de Gales. Partindo de um
conjunto de casos de estudo na Grã-Bertanha e na
Europa continental, Terry Slater estuda o impacto
da Igreja nas formas urbanas, evidenciando
semelhanças relativamente a um tipo de
promoção por parte dos líderes seculares mas
também sublinhando diferenças que determinam
a especificidade dos assentamentos promovidos
pela Igreja. Anngret Simms avalia a ação das
comunas e governos locais, na sua tensão
constante com outros agentes – como a
Monarquia e a Igreja – identificando o seu papel
decisivo na emergência de uma atividade de
planeamento urbano, criando sistemas de ruas
ortogonais e promovendo a construção de
equipamentos públicos (mercados, assembleias
municipais, tribunais, escolas e universidades,
hospitais, entre outros).
As cidades na época moderna (numa fase
inicial da época moderna) e o modo como as
inovações tecnológicas e burocráticas suportaram
a emergência de um conjunto de estados
absolutistas são os objetos da segunda parte do
livro. Enquanto Katharine Arntz e Michäel Darin
fornecem uma análise do poder imperial em
território europeu – mais especificamente na
Prússia e em França – Michael Conzen descreve
a ação da Rússia colonial na América do Norte. A
partir do caso de estudo de Potsdam, Arntz
descreve a emergência de um novo tipo de
‘paisagem urbana autoritária’, onde o espaço
urbano é definido pela centralidade dos grandes
palácios e parques adjacentes, pelas ruas de
traçado regular e pelo edificado conformado por
rígidas regras. Ao contrário de Potsdam,
construída num contexto rural, a Paris de
Napoleão III e de Haussmann foi construída
sobre um tecido urbano medieval. O modo como
todo o sistema de ruas de uma cidade é
reformulado – com as inerentes questões de
propriedade – é o tema do capítulo de Darin. Para
além do enfoque em Haussmann, Darin analisa a
Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2) 109-13 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214
110
influência do Barão nos planeadores que lhe
sucederam até ao século XX, bem como nos seus
biógrafos e críticos que, por sua vez, tiveram
também
influência
nas
subsequentes
transformações urbanísticas da capital francesa.
Por fim, Conzen analisa a ação colonial Russa no
continente americano até ao seu declínio e à
transferência para a jurisdição americana em
1867. Um enfoque na cidade de NovoArkhangel’sk (Sitka) ilustra as profundas
transformações das formas urbanas – e dos
materiais utilizados na construção dos edifícios –
que acompanharam as significativas mudanças
políticas e administrativas.
Arthur Krim, Marek Koter e Mariusz Kulesza,
Michael Pacione e Richard Harris assinam os
capítulos que constituem a terceira parte de
Shapers of urban form, centrada nos
assentamentos da era-industrial, marcados pelo
crescimento metropolitano, pela construção de
grandes fábricas e pelo desenvolvimento do
caminho-de-ferro. Krim explora o modo como as
novas linhas de caminho-de-ferro a vapor eram
implantadas em cidades já existentes. Uma
análise de duas cidades britânicas e duas cidades
americanas mostra as maiores dificuldades de
implantação na Grã-Bretanha, onde as dimensões
do sistema de ruas levaram a uma clara separação
de diferentes tipos de tráfego. Koter e Kulesza
exploram o conjunto de agentes envolvidos na
fundação e desenvolvimento das cidades polacas
de Łódź e Zyrardów. Os autores evidenciam as
diferenças no desenvolvimento das duas cidades
a partir de uma decisão inicial – construir, ou não,
em simultâneo com a unidade fabril um tecido
residencial de suporte. Uma das reações mais
significativas ao ambiente industrializado das
cidades do século XIX foi a teoria da cidadejardim, que irá suportar a emergência de todo um
conjunto de novas formas urbanas com uma
notável permanência temporal. Pacione explora a
ação, ora conjunta ora de confrontação, de
proprietários, construtores e residentes na
primeira cidade, ou subúrbio, jardim construída
na Escócia – Pollockshields, perto de Glasgow.
Por fim, Harris explora o tema da autoconstrução nos Estados Unidos da América
centrando-se num caso específico, Peoria, no
Illinois, na primeira metade do século XX. O
capítulo mostra como este tipo de processo leva a
formas urbanas diferentes da construção de
promoção privada, mesmo quando esta é assente
numa política de baixos custos.
O papel e a ação dos agentes nos
assentamentos tardo-modernos e pós-modernos é
o tema da quarta parte deste livro. Uma diferença
fundamental
deste
período
temporal
relativamente aos períodos anteriores é a
importância crescente do arquiteto enquanto
agente – um processo que tem como momento
Book Reviews
chave a emergência e consolidação do
Movimento Moderno. Itália foi, sem dúvida, um
dos países onde a discussão ideológica em torno
do Movimento Moderno e do(s) conceito(s) de
tipo edificado foi mais intensa. Nicola Marzot
analisa este debate procurando ainda perceber as
dinâmicas concetuais que motivam os arquitetos,
enquanto agentes, a sobrepor a inovação à
tradição, o individual ao coletivo. Peter Larkham
avalia um conjunto de duzentos planos de
reconstrução preparados num momento singular
do planeamento Britânico, após a Segunda
Guerra Mundial. Mais de metade dos planos
foram preparados, não por consultores, mas por
técnicos das autoridades locais. Este conjunto de
planos inaugurou uma tendência com uma forte
componente técnica, apoiada em métodos
científicos suportados em pesquisas e análises
sistemáticas, informada por um processo de
participação pública. O programa de criação de
novas cidades (new towns), como forma de desdensificar e descongestionar um conjunto de
cidades existentes, é analisado por John Gold.
Gold examina as tensões entre autoridades locais
e centrais, políticos, consultores, promotores e
residentes na new town de Cumbernauld, no
sudeste da Escócia. Kai Gu analisa o processo de
transformação de zonas de docas e infraestruturas
portuárias em zonas residenciais e de lazer em
duas cidades da Nova Zelândia, Auckland e
Wellington. Por fim, Tim Hall e Phil Hubbard
analisam as recentes transformações urbanas de
Birmingham evidenciando a promoção de uma
forte ‘imagem urbana’ como motor de vitalidade
económica, a transformação de uma paisagem de
produção numa paisagem de consumo e, ainda,
uma rede de agentes em permanente
transformação unida pelo interesse comum de
facilitação do fluxo de capital financeiro para esta
cidade Britânica.
A última parte, e o último capítulo, do livro –
da autoria de Karl Kropf – apresenta um modelo
teórico sobre o modo como os agentes intervém
na forma urbana, distinguindo diferentes tipos de
agentes e inter-relações reciprocas. O modelo é
ilustrado com o caso de Leighton Buzzard, no
Reino Unido.
Jeremy Whitehand e o grupo que fundou em
1974, o Urban Morphology Research Group
(UMRG), terão sido, porventura, ao longo destas
quatro décadas, os principais promotores da linha
de investigação sintetizada neste livro: o estudo
dos agentes e dos processos responsáveis pela
transformação da paisagem urbana. Em 1997
Whitehand editou o primeiro número da revista
Urban Morphology. Em menos de duas décadas a
revista transformou-se na principal referência
internacional para todos aqueles que investigam e
que querem partilhar a sua investigação em
morfologia urbana. Para além dos elevadíssimos
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padrões de qualidade, a revista tem um caracter
verdadeiramente internacional, expresso pela
percentagem de autores cuja língua nativa não é o
Inglês. Os autores que já publicaram na Urban
Morphology retêm certamente um empenho no
trabalho de edição absolutamente singular no
panorama internacional das revistas científicas.
Desde as primeiras reuniões informais em
Lausanne, Whitehand está no centro do
International Seminar on Urban Form
contribuindo para a consolidação desta e de
outras linhas de investigação no campo da
morfologia urbana. Desde o início, o contributo
direto de Whitehand para a ‘Rede Lusófona de
Morfologia Urbana’ e para a ‘Revista de
Morfologia Urbana’ é inestimável. Por tudo isto,
Shapers of urban form é um livro dedicado a
Jeremy Whitehand.
Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação
do Território, Transportes e Ambiente,
Faculdade de Engenharia, Universidade do
Porto, Rua Roberto Frias 4200-465, Porto,
Portugal. Email: [email protected]
Desenho urbano contemporâneo no Brasil,
de Vicente del Rio e William Siembieda,
GEN / LTC, Rio de Janeiro, Brasil, 2013,
285 pp. ISBN- 978-85-216-2255-0.
Os autores apresentam Desenho Urbano
contemporâneo no Brasil e comentam que
‘enquanto se transforma em um Estado moderno,
o Brasil enfrenta sérios e persistentes problemas’.
Esclarecem, contudo que os seus líderes também
percebem que a ‘cidade é uma grande arena para
promover o desenvolvimento equilibrado, a
justiça social e cidadania plena’. A partir desta
constatação identificam a coexistência de duas
ideologias urbanas – a modernista e a pósmodernista atuando na prática do planejamento
urbano, sob a forma de um aparato legal que rege
as políticas de um governo centralizador e
paternalista. Esta fala é corroborada pela
observação do papel desempenhado pelos
espaços urbanos na construção da vida cotidiana,
que proporciona os meios para a compreensão da
ação social (Dear, 2000).
As duas ideologias diferentes são utilizadas
para estruturar o livro cuja introdução é elaborada
por Vicente del Rio por meio de uma abordagem
histórica denominada ‘O contexto do desenho
urbano no Brasil’ e tem como ponto de partida, o
urbanismo no Brasil da década de 1930.
111
Os autores escolhem um modo interessante para
apresentar o urbanismo brasileiro optando pela
subdivisão dos temas em três seções que se
enquadram nas duas ideologias citadas, a
modernista ou pós-modernista.
A primeira seção denominada ‘Modernismo
tardio, esforços para controlar a forma e a função
urbanas’ reúne quatro artigos que analisam as
políticas urbanas empreendidas pelo poder
público para controlar a expansão urbana sob a
forma de um modelo idealizado racional e de boa
qualidade.
O primeiro deles, denominado ‘Brasília,
permanência e metamorfoses’ de autoria de
Maria Elaine Kohlsdorf, Günter Kohlsdorf e
Frederico de Holanda, analisa o plano piloto
projetado para Brasília por Lúcio Costa em 1960
e o avalia frente às alterações ocorridas na forma
urbana dos planos complementares do distrito
federal. Como exemplos são mencionados os
mosaicos compostos por tecidos urbanos que
surgiram desde a criação de Brasília e que não
foram contemplados no plano piloto, originando
as cidades satélites do distrito federal.
O artigo seguinte, ‘Palmas: desenho urbano
da capital do Tocantins’ elaborado por Dirceu
Trindade, apresenta os planos para a cidade de
Palmas, a capital do estado de Tocantins. O artigo
de Trindade apresenta as estratégias exitosas para
a ocupação das regiões do interior do Brasil, por
meio da criação de uma capital, semelhante à que
foi empreendida em Brasília na década de 1960.
Embora ainda em curso, essas estratégias já
haviam sido implementadas no país desde os
tempos coloniais, quando o governo português
criou novos polos urbanos no interior do Brasil
(Delson, 1997).
Os dois últimos trabalhos da seção sobre o
Modernismo tardio discutem outras formas da
intervenção pública tanto no uso do solo como na
promoção de incentivos públicos para promover
o desenvolvimento econômico.
O primeiro
trabalho, intitulado ‘A paisagem verticalizada de
São Paulo: a influência do Modernismo no
desenho urbano contemporâneo’, por Silvio
Macedo, traz novos paradigmas sobre o uso da
terra, aplicados pela primeira vez na capital
paulistana, nos anos de 1970. Esses paradigmas
foram posteriormente implantados sob a forma de
leis de uso e ocupação do solo em quase todas as
metrópoles brasileiras. A materialização desses
parâmetros nas paisagens urbanas brasileiras
expõe o que Aldo Rossi (1966) denomina o
processo de transformação, levado a cabo por
forças econômicas no planejamento urbano, por
meio da especulação do solo, o consequente
acréscimo financeiro para poucos e a perda de
qualidade urbana para toda a população. O
112
mesmo processo é observado por Gilda Bruna e
Heliana Vargas no texto ‘Shopping centers e o
desenho urbano no Brasil: dois estudos de caso
em São Paulo’, que demonstram como a
construção de shopping centers em áreas
pericentrais contribui para a promoção de novos
polos comerciais o que, por sua vez, incrementa o
valor da terra no entorno dessas localizações.
Este processo implementado pela primeira vez
em São Paulo tem sido replicado com o mesmo
modelo em várias metrópoles brasileiras.
A segunda seção do livro, intitulada
‘Revitalização: o desafio de melhorar a cidade
existente’, apresenta relatos sobre projetos de
revitalização desenvolvidos no passado brasileiro
recente. O primeiro artigo, ‘O projeto corredor
cultural: preservação e revitalização no centro do
Rio de Janeiro’, por Vicente del Rio e Denise de
Alcântara, versa sobre a relação harmoniosa do
processo de planejamento e projeto para a
revitalização social, cultural e econômica de um
popular centro de varejo no Rio, em sintonia com
as necessidades da comunidade local. Por outro
lado, o caso de Salvador, Bahia, descrito em
‘Revisitando o Pelourinho: preservação, cidademercadoria, direito à cidade’, por Ana Fernandes
e Marco Aurélio F. Gomes, revela a experiência
de um projeto de desenvolvimento liderado pelo
poder público visando a melhoria do centro
histórico baiano para fins turísticos e o
consequente
processo
de
gentrificação,
decorrente dessa revitalização. O texto seguinte,
‘Revitalização da orla fluvial na Amazônia, o
caso de Belém do Pará’, apresentado por Simone
Seabra e Alice Rosas, traz reflexões sobre o uso
das frentes ribeirinhas para áreas de lazer e
entretenimento dos cidadãos, nesta cidade do
norte do Brasil. O último artigo desta seção é de
autoria de Lineu Castello, ‘Redesenhando
brownfields em Porto Alegre’, que descreve
exemplos de empreendimentos efetuados pela
iniciativa privada para a remodelação de uma
antiga sede da fábrica para transformá-la em um
shopping center.
A terceira e última seção do livro é sobre ‘A
inclusão social - uma cidade melhor para todos’ e
concentra-se nos projetos desenvolvidos para
promover a inclusão social de comunidades.
‘Desenho urbano, planejamento e políticas de
desenvolvimento em Curitiba’, por Clara
Irazábal, analisa a experiência de planejamento
de Curitiba, mundialmente reconhecida. A
política urbana de Curitiba, apesar de seus
sucessos,
recebe
crítica
pela
reduzida
participação popular, como também pelo
contraste entre o bem-estar desta capital e as
cidades mais pobres da sua região metropolitana.
O artigo seguinte, ‘Resgatando a imagem da
cidade e o prazer das ruas: projetos Rio Cidade,
Rio de Janeiro’, de Vicente del Rio, investiga os
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projetos desenvolvidos pela Prefeitura do Rio de
Janeiro visando a melhoria dos espaços públicos
da cidade. O êxito do Projeto Rio Cidade
influenciou diversas cidades brasileiras que
passaram a desenvolver projetos semelhantes,
entre elas São Paulo, como se pode perceber no
terceiro artigo denominado ‘O território
metropolitano em mutação: intervenções urbanas
contemporâneas em São Paulo’, por Carlos Leite.
Este trabalho apresenta projetos de planejamento
de intervenções contemporâneas caracterizadas
por políticas para reabilitar áreas centrais e
cidades metropolitanas. O último artigo da
terceira seção intitula-se ‘Transformando favelas
em bairros: o programa Favela-Bairro no Rio de
Janeiro’ escrito por Cristiane Duarte e Fernanda
Magalhães, descreve os projetos que buscam
estabelecer a inclusão social, por meio de
urbanização de favelas. Este programa visa
promover o reconhecimento das mesmas como
integrante da estrutura urbana da cidade moderna.
Como informa o texto, a inclusão de
assentamentos ilegais na cidade formal tem sido
responsável pela melhor qualidade de vida dos
cidadãos nos locais onde essas foram
implementadas, porém o gerenciamento sobre o
controle da expansão e crescimento dessas áreas
até 2013 não tem sido tão eficaz. Este último
artigo conclui a apresentação das três seções.
A conclusão do livro é de William Siembieda
que expõe a intenção dos autores - apresentar o
urbanismo brasileiro que acontece além da
criação da capital do país. A análise cuidadosa
dessa situação, elaborada por numerosos autores
com reconhecida atuação no urbanismo
brasileiro, por meio de reflexões positivas e
críticas do que acontece no Brasil em 2013,
apresenta o urbanismo contemporâneo por meio
de uma lente focada em projetos de sucesso
implementados ou como política governamental
ou por entidades privadas, ou aqueles
caracterizados como empresas mistas. Estas
reflexões
constituem
uma contribuição
importante para os estudos do urbanismo
brasileiro na contemporaneidade.
Os resultados positivos observados em vários
exemplos, no entanto, não sobrepõem a realidade
do dia a dia do urbanismo brasileiro e tampouco
como também não o faz com o otimismo
demonstrado pelos organizadores frente à
perspectiva global do urbanismo moderno
brasileiro. Esses destacam os avanços obtidos no
urbanismo brasileiro visando a inclusão social e
cidadania frutos da legislação urbana em curso
desde a promulgação da Constituição Federal de
1988, bem como o Estatuto da Cidade, contido na
Lei Federal no 10257, de 2001 que regulam o
controle do uso e ocupação do solo. Se por um
lado, destacam esses aparatos legais que
proporcionam aos municípios ferramentas
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fundamentais para a construção de cidades
melhores e mais justas, por outro lado não
comentam as consequências da sua gestão na
maioria das cidades brasileiras. A grande maioria
dos 5 000 municípios que abrigam cerca de 80
por cento da população brasileira estão sob um
caótico processo de urbanização e que, a partir da
Constituição de 1988, tornam-se responsáveis
pela
implementação
das
políticas
de
planejamento urbano. A maioria delas, porem não
possui sequer um profissional qualificado nos
seus quadros administrativos para exercer a
gestão urbana. Isto leva à adoção de políticas de
planejamento inadequadas, o que tem resultado
no controle de expansão ineficaz e na
proliferação de assentamentos de risco. Soluções
resultantes de planejamento imediatista para
resolver
demandas
políticas
trazem
consequências para a população em geral, bem
como impactos para o meio ambiente, o que leva
113
a outro cenário, além das bens sucedidas
experiências do urbanismo brasileiro.
Referências
Dear, M. (2000) The postmodern urban condition
(Blackwell, Oxford).
Delson, R. M. (1997) Novas vilas para o Brasil
Colônia – planejamento espacial e social no
século XVIII (Alva Cordis - Integrado de
Ordenamento Territorial, Brasília).
Rossi, A. (1966) L’architettura della città
(Marsilio, Padova).
Staël de Alvarenga Pereira Costa, Escola de
Arquitetura, Departamento de Urbanismo, Rua
Paraíba 697, Belo Horizonte, Brasil, E- mail:
[email protected]
3º Seminário ‘Território e Cidades do Norte Atlântico Ibérico’
A Escola Superior Gallaecia (ESG) e a Câmara
Municipal de Viana do Castelo (CMVC)
organizaram o 3.º Seminário ‘Território e
Cidades do Norte Atlântico Ibérico’ que decorreu
na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de
Viana do Castelo, nos dias 25 e 26 de Setembro
de 2014.
Dando continuidade ao enquadramento geral
das duas edições anteriores, o evento deste ano
aprofundou a noção que a viabilidade e
reabilitação dos territórios dependem do seu
potencial de gerar valor e emprego, através da
capacidade de atrair e fixar atividades
económicas e habitantes.
Considerou-se relevante compreender o
território enquanto estrutura física de implantação
e suporte de atividades, mas também como
espaço de estabelecimento de relações de caráter
objetivo e subjetivo, podendo a sua abrangência
contemplar tanto a escala local, como a global.
Reconheceu-se que o conhecimento e
compreensão
dos
territórios,
das
suas
características específicas, que os diferenciam
entre si, é condição necessária para que possam
ser adotadas medidas e políticas adequadas que
conduzam à integração dos mesmos em cadeias
de valor que promovam o respetivo potencial.
Reafirmou-se a relevância do conhecimento
multidisciplinar e de informação multiescalar,
enquanto recursos de significativo valor
estratégico.
Apresentaram-se e debateram-se métodos
de planeamento, reabilitação e gestão que
perspetivam proporcionar abordagens integradas
e ajustadas aos territórios, permitindo o
desenvolvimento de análises plurais e a produção
de elementos de apoio à tomada de decisão por
parte de agentes envolvidos.
Equacionou-se a reabilitação de territórios, a
economia urbana, as atividades económicas e os
usos do solo enquanto constituintes basilares de
processos sistémicos de desenvolvimento e
transformadores das paisagens, das formas
urbanas e de estruturas sociofísicas. Para isto foi
determinante o contributo de académicos,
profissionais de planeamento, gestores de
empresas e de infraestruturas.
No primeiro dia do Seminário decorreu a
sessão temática sobre perspetivas estratégicas
para a região (Figura 1), moderada por Francisco
José Fumega (ESG), na qual estiveram presentes
Álvaro Carvalho (CCDR-N), Vânia Rosa
(Augusto Mateus & Associados), Manuel Correia
Fernandes (CMP), Rio Fernandes (FLUP) e José
Maria Costa (CMVC/CIM Alto Minho).
No dia seguinte aconteceram as restantes
‘mesas’. A segunda sessão temática, com
moderação de Isabel Rodrigues (CMVC), incidiu
sobre tipos, processos e gestão física de
territórios e contou com comunicações de Jorge
Carvalho (UA), Frederico Moura e Sá (UA),
Carina Pais (UA), Henrique Seoane Prado (UDC)
e David Leite Viana (ESG). A terceira sessão
temática, moderada por Mónica Alcindor (ESG),
114
Figura 1. Sessão temática sobre perspetivas
estratégicas para a região. Fotografia CIESG.
foi sobre territórios produtivos, atividades e
infraestruturas, na qual participaram Francisco
Laranjeira (ENERCON), Paulo Silvestre (FEUP)
e Paulo Vieira (CMVC). Por fim, a sessão
temática sobre projeto e forma urbana foi
moderada por Rui Florentino e nela apresentaram
Manuel Teixeira (FAUL), Maria Manuel Oliveira
(EAUM) e Álvaro Domingues (FAUP).
O 3.º Seminário ‘Território e Cidades do
Norte Atlântico Ibérico’ teve o apoio institucional
da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento
Regional Norte (CCDR-N), do Eixo Atlântico, da
CIM Alto Minho e da Associação dos Urbanistas
Portugueses. A Comissão Científica foi
coordenada por David Leite Viana (ESG) e dela
Relatório
fizeram parte José Maria Costa (CMVC),
Francisco José Fumega (ESG), Luís Nobre
(CMVC), Rui Correia (ESG), Isabel Rodrigues
(CMVC), Rui Florentino (ESG), Paulo Vieira
(CMVC), Armando Fernandes (ESG) e Manuel
Correia Fernandes (CMP).
Acompanharam o Seminário duas exposições.
A primeira, presente no edifício dos Antigos
Paços do Concelho em Viana do Castelo,
mostrava o resultado dos trabalhos realizados no
âmbito do Workshop Internacional VernaDoc –
Vernacular Documentation Camp: Montaria,
Viana do Castelo, na qual os coordenadores do
Workshop, Ana Lima Pacheco, David Leite
Viana e Gilberto Duarte Carlos, enquadraram os
desenhos de levantamento dos moinhos de água
desenvolvidos por participantes portugueses,
espanhóis, finlandeses e tailandeses ao longo do
Workshop (organizado pela ESG e CMVC, em
Outubro de 2013). A segunda exposição, que
esteve patente na galeria do Estação Viana
Shopping, apresentava trabalhos de estudantes do
Mestrado Integrado em Arquitetura e Urbanismo
da ESG, desenvolvidos no âmbito de Projeto
Integrado e Projeto Reabilitação. Esta mostra
(organizada pela ESG com apoio da CMVC) teve
a apresentar os trabalhos os docentes Armando
Fernandes e Rui Correia (respetivamente).
David L. Viana Centro de Investigação da Escola
Superior Gallaecia, Largo das Oliveiras, 4920275 Vila Nova de Cerveira, Portugal. E-mail:
[email protected]
Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM): 2013-14
Este relatório descreve as principais atividades da
Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM)
entre Julho de 2013 e Julho de 2014. Em 2014,
depois de organizar três conferências anuais no
Porto, Lisboa e Coimbra, o grupo Lusófono
propôs-se a um desafio mais ambicioso
colaborando na organização do vigésimo primeiro
International Seminar on Urban Form (ISUF).
Em 2014, a conferência anual do ISUF teve lugar
no Porto entre 3 e 6 de Julho e teve um número
recorde de comunicações. Foram submetidos para
avaliação 550 resumos, tendo sido incluídos no
programa
da
conferência
quase
400
apresentações, de 50 países diferentes. O
programa incluiu 80 sessões paralelas,
estruturadas em dez temas fundamentais, e cinco
sessões plenárias. As sessões plenárias
incluíram um conjunto de apresentações sobre: i)
a forma e a estrutura urbana do Porto; ii) um livro
dedicado a Jeremy Whitehand (Larkham e
Conzen, 2014); iii) as diferentes abordagens no
estudo da forma urbana – escola Conzeniana,
morfogenética alemã, escola Muratoriana e
sintaxe espacial; iv) um projeto ISUF, em
desenvolvimento, sobre um repositório de tecidos
urbanos; e, por fim, v) o trabalho da Task Force
do ISUF sobre a relação entre investigação em
morfologia urbana e prática profissional,
incluindo ‘A Carta do Porto’ (The Porto Charter)
e quatro estudos de caso desenvolvidos sob o
enquadramento do ‘catálogo de boas práticas’ –
Porto, Newcastle upon Tyne, Ahmedabad e Saint
Gervais Les Bains. Uma descrição detalhada do
ISUF 2014 é fornecida por Ian Morley
Relatório
(Universidade Chinesa de Hong Kong) nesta
edição da Revista de Morfologia Urbana (pp.946).
Em 2015, o PNUM irá enfrentar outro grande
desafio. Pela primeira vez, a conferência anual da
rede lusófona terá lugar fora de Portugal.
‘Configuração urbana e os desafios da
urbanidade’ será realizada na cidade de Brasília, a
25 e 26 de Junho, tendo como oito temas
fundamentais: i) transformações urbanas recentes
– novos impactos, novos desafios; ii)
desigualdades
sociais
nas
cidades;
iii)
configuração urbana e património cultural; iv) o
legado da cidade moderna; v) urbanização total:
metapoles; vi) espaços públicos na cidade
contemporânea; vii) teorias, conceitos e técnicas
morfológicas; e, por fim, viii) configuração
urbana e história das cidades.
A comissão organizadora e a comissão
científica do PNUM 2015 serão presididas,
respetivamente,
por
Gabriela
Tenorio
(Universidade de Brasília) e Frederico de Holanda
(Universidade de Brasília).
Em Dezembro de 2013, foi lançado este novo
projeto do PNUM, a Revista de Morfologia
Urbana. A Revista é um dos principais elementos
para a consolidação e desenvolvimento da rede
lusófona, trazendo para o debate em Morfologia
Urbana um conjunto de investigadores que, até
agora, devido à barreira da língua, não estavam a
publicar em revistas científicas com revisão por
pares.
Os dois primeiros números da Revista,
publicados em Dezembro de 2013 e Julho de
2014, incluem um conjunto de artigos, de
investigadores portugueses e brasileiros, sobre: a
dicotomia entre ‘regular’ (associado a ‘planeado’)
e ‘irregular’ (associado a ‘espontâneo’) nos
estudos históricos sobre forma urbana; a aplicação
da geometria fractal no estudo de áreas urbanas
(com um enfoque na fragmentação dos tecidos
urbanos); um novo método, a Morpho, concebida
para a investigação em morfologia urbana e a
prática de planeamento; o estudo das formas
urbanas informais de Maputo, a capital de
Moçambique; e uma avaliação do Plano de
Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília,
recentemente elaborado para a capital brasileira.
Estes dois números da Revista incluem ainda a
tradução para português de dois influentes artigos,
publicados originalmente na Urban Morphology,
‘British urban morphology: the Conzenian
tradition’ (Whitehand, 2001) e ‘Saverio Muratori
and the Italian school of planning typology’
115
(Cataldi et al., 2002). Um conjunto de
Perspetivas, Book Reviews e notícias completa –
como no caso da Urban Morphology – o conteúdo
da Revista.
Um dos temas que tem sido parte do debate
nas conferências do PNUM, e do ISUF, é o
ensino da morfologia urbana. No próximo ano, a
rede lusófona vai continuar a explorar este tema
através do lançamento do primeiro Workshop
PNUM em Morfologia Urbana.
O workshop terá lugar na cidade do Porto, na
Faculdade de Engenharia da Universidade do
Porto, no final do primeiro semestre, e será
desenvolvido em articulação com o ISUF 2015 Roma e com o PNUM 2015 - Brasília.
O tema deste workshop de uma semana,
concebido para estudantes, investigadores e
profissionais, são as ‘Diferentes abordagens no
estudo da forma urbana’, um tema que foi objeto
de um intenso debate no ISUF 2014. Os
participantes serão apresentados às principais
abordagens morfológicas e em seguida
convidados a fazerem as suas ‘escolhas
morfológicas’, aplicando uma dessas abordagens
na análise de uma área específica na cidade do
Porto (ver mais detalhes na página 108). É nosso
objetivo que o Workshop, a Revista e a
Conferência Anual tenham um papel central na
atividade de PNUM para os próximos anos,
contribuindo para a promoção do estudo da forma
urbana em países de língua portuguesa.
Referências
Cataldi, G., Maffei, G. L. and Vaccaro, P. (2002)
‘Saverio Muratori and the Italian school of
planning typology’, Urban Morphology 6, 3-14.
Larkham, P. J. and Conzen, M. P. (eds) (2014)
Shapers of urban Form. Explorations in
morphological agency (Routledge, Nova
Iorque).
Whitehand, J. W. R. (2001) ‘British urban
morphology: the Conzenian tradition’, Urban
Morphology 5, 103-9.
Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação
do Território, Transportes e Ambiente, Faculdade
de Engenharia, Universidade do Porto, Rua
Roberto Frias 4200-465 Porto, Portugal. E-mail:
[email protected]
REDE LUSÓFONA DE MORFOLOGIA URBANA
A Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM) foi criada em 2010, em Hamburgo, como um
grupo regional do International Seminar on Urban Form. Os objectivos do grupo são: promover
e desenvolver o estudo da forma urbana; consolidar uma verdadeira rede de investigação no
domínio da morfologia urbana, através da organização de reuniões e conferências, e da
publicação da presente Revista; e, por fim, estabelecer uma relação privilegiada com o
International Seminar on Urban Form, através da colaboração com iniciativas de debate e
divulgação do ISUF. Para mais informações consultar o sitío do PNUM em: pnum.fe.up.pt/pt.
Conselho Científico
Presidente:
Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal (2016)
Membros:
Frederico de Holanda, Universidade de Brasília, Brasil (2016)
Jorge Correia, Universidade do Minho, Portugal (2015)
Miguel Bandeira, Universidade do Minho, Portugal (2016)
Nuno Norte Pinto, The University of Manchester, Reino Unido (2016)
Stael de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas Gerais,
Brasil (2016)
Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal (2016)
(As datas entre parentesis indicam o final do mandato)
53 Editorial
55 P. Drach e R. Emmanuel
Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana
71 P. Gonçalves e M. Guimarães
Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência
tipológica
85 P. Pinheiro
Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa
Perspetivas
99 Compreender o holon
A. Perdicoúlis
101 A forma urbana em Moçambique: projeto, intervenção e investigação
D. Viana e J. Laje
105 Regiões morfológicas: a aplicabilidade de um conceito da morfologia urbana na
prática de planeamento municipal V. Oliveira e C. Monteiro
94
96
98
113
114
Relatórios
21º International Seminar on Urban Form
I. Morley
Morfologia urbana e progetto
V. Oliveira
Colloquium on Mediterranean Urban Studies
T. Ünlü
3º Seminário Território e Cidades do Norte Atlântico Ibérico
D. Viana
Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM): 2013-14
V. Oliveira
Book reviews
109 P. J. Larkham e M. P. Conzen (2014) Shapers of urban form
V. Oliveira
111 V. del Rio e W. Siembieda (2013) Desenho Urbano contemporâneo no Brasil
Notícias
54 Urban Morphology
84 PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade
108 1º Workshop PNUM - Diferentes abordagens no estudo da forma urbana
S. A. P. Costa

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