Interações biomecânicas entre a organização postural global e a

Transcrição

Interações biomecânicas entre a organização postural global e a
Interações biomecânicas entre a organização
postural global e a respiração: um olhar ampliado
sobre a fisioterapia dirigida a crianças com doença
respiratória
Renata Ungier
Rio de Janeiro, 2005
Interações biomecânicas entre a organização postural
global e a respiração: um olhar ampliado sobre a
fisioterapia dirigida a crianças com doença respiratória
Renata Ungier
Orientadoras: Profa Dra Susana Maciel Wuillaume
Profa Dra Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso
Co-orientadora: Profa Moana Cabral de Castro Mattos
Dissertação apresentada ao programa de pósgraduação em saúde da criança e da mulher
IFF/FIOCRUZ,
como
exigência
obtenção do título de mestre.
Rio de Janeiro, 2005
parcial
para
Para os protagonistas da
minha história
Agradecimentos
Ao meu marido Alexandre, por suportar, com inabalável bom humor, os fins
de semana perdidos, as crises de ansiedade e a luz acesa de madrugada,
fornecendo a base de carinho e segurança que me permitiram chegar até aqui.
Aos meus pais Celso e Aida, por despertarem, em mim, desde criança, o
encanto pelos livros e por estarem sempre aplaudindo na primeira fila.
Ao meu irmão Thiago, por ser uma fonte inesgotável de amizade e por não
desistir de me convidar para sair nos fins de semana, mesmo recebendo respostas
sistematicamente negativas. Também à sua namorada Lia, por formar conosco um
quarteto tão divertido...
À minha orientadora, Profa. Dra. Susana Wuillaume, por me conduzir do mar
aberto das idéias desordenadas para o rio navegável da produção acadêmica. E
também ao Claude, pela participação ativa e pela acessoria tecnológica!
À minha orientadora Profa. Dra. Maria Helena Cardoso, por compartilhar o
gosto por um bordado bem acabado e pelo carinho maternal com que corrigiu meus
arremates.
À minha co-orientadora Profa. Moana Cabral, com quem tive o prazer e o
privilégio de discutir a fisioterapia, e que compartilha comigo a idéia de que nossa
atuação pode ser uma tarefa bastante divertida...
Ao meu primo, irmão, amigo Kiko, por estar presente sempre que precisei.
Aos meus tios Dagoberto e Maria da Graça e aos meus primos, Fernanda (e
Léo) e Filipe, pelo eterno incentivo e por ajudarem a tornar a família, para mim, um
gênero de primeira necessidade...
Ao querido grupo do “Mega-Terê”, pela segurança das amizades e por me
proporcionar intervalos de diversão em meio a tanto trabalho!
Às amigas Babi, Aninha, Pat e Moa (de novo!), por dividirem alegrias,
tristezas, sucessos e aflições ao longo do percurso. Enfim, a todos os “parentes”, de
sangue ou do coração.
À Nicinha, por ser uma segunda mãe.
À Profa. Márcia Castro, por acreditar no meu trabalho e iniciar comigo a
parceria entre abordagens fisioterapêuticas que originou esta pesquisa.
Aos colegas fisioterapeutas com quem tive a honra de trabalhar no
Ambulatório de Fisioterapia Respiratória do IFF.
À Dra. Márcia Boechat, Dr. Paulo Roberto Boechat e Dr. Pedro Daltro, pela
valiosa ajuda prestada.
À família Zucchi - Castiel, pelo incentivo e pelo carinho.
Aos professores da pós-graduação, que me mostraram caminhos nunca antes
percorridos.
Aos colegas de turma do mestrado, com quem naveguei no mesmo barco.
Aos profissionais da secretaria de ensino do IFF, por tornarem simples e ágil
o que, muitas vezes, é lento e árduo.
À Capes, pelo financiamento desta pesquisa.
Aos meus professores Godelieve Denys-Struyf, Marie-Madeleine Béziers (in
memorium), Philippe Campignion, Yva Hussinger, Ivaldo Bertazzo e todos os outros,
do I.C.T.G.D.S. e do Centro Brasileiro de Cadeias Musculares, pela transmissão do
conhecimento que me construiu como profissional.
Aos meus pacientes, por me permitirem concretizar minhas convicções.
Resumo
A partir de uma fundamentação teórica que evidencia a íntima relação entre a
organização postural global e a mecânica da respiração, esta pesquisa busca
discutir a relevância de uma abordagem fisioterapêutica que contemple a totalidade
do sistema locomotor da criança com doença respiratória. Para tanto, procedeu-se
ao estudo narrativo do tratamento de quatro meninos com síndrome de prune belly,
dentro de um modelo inovador a que chamamos “dupla abordagem” (na mesma
ocasião, cada criança recebia, concomitantemente, atendimento fisioterapêutico
postural e respiratório).
A opção por uma metodologia qualitativa se justifica pela valorização dos
aspectos sociais e psico-comportamentais que, necessariamente, interferem no
processo de tratamento, permitindo perceber como uma abordagem centrada no
vínculo entre terapeuta e paciente e na presença do caráter lúdico viabilizou a
adesão espontânea das crianças à terapia.
Este trabalho se situa no contexto da “nova saúde pública”, corroborando com
os princípios da integralidade e distanciando-se do paradigma biomédico
mecanicista e reducionista, pela valorização das subjetividades e singularidades
inerentes a cada paciente. Os resultados satisfatórios obtidos com os pacientes
deste estudo apontam para a relevância da construção de um modelo ampliado de
fisioterapia, que vise problematizar o papel deste profissional no âmbito da saúde
coletiva e lance luz sobre sua responsabilidade, não apenas quanto à melhora do
quadro pulmonar, mas no que diz respeito à promoção da autonomia e da qualidade
de vida da criança com doença respiratória.
Abstract
From a theoretical background which supports the close relation between
global postural organization and breathing mechanics, the present study discusses
the relevance of a physiotherapeutic approach which comprehends the totality of the
locomotor system of children with breathing disorders. To this purpose, this study
investigates the treatment of four children with prune belly syndrome from the
perspective of an innovative model we have called “double approach”, which implies
that each child received at the same time postural and respiratory physiotherapeutic
treatment.
The option for a qualitative approach is justified due to the fact that it covers
social and psycho-behavioural aspects which necessarily interfere with the treatment.
In addition, such methodological paradigm allows the perception of how an approach
centered on the link between therapist and patient and in the ludic aspect has made
the children spontaneously adhere to therapy.
This work is situated in the context of a “new public health system”, in line with
the principles of integrality and distancing itself from a reductionist and mechanistic
biomedical paradigm. It also values subjectivities and the uniqueness of each patient.
The satisfactory results obtained with the patients of the present study point towards
the relevance of the construction of an expanded model of physiotherapy, aiming at
questioning the role of such professional in the area of public health and focusing on
their responsibility as regards not only the improvement of lung function but also the
promotion of the autonomy and the life quality of children with respiratory disease.
Lista de figuras
Pág.
Figura 1: Musculatura ventral do tórax e do abdômen, face interna ..........................
5
Figura 2: Cavidade torácica, diafragma, musculatura lombar e pelve, vista ventral ..
6
Figura 3: O equilíbrio tóraco-abdominal a partir da relação entre os três diafragmas
12
Figura 4: As tipologias de Godelieve Denys-Struyf e as cadeias musculares
correspondentes .........................................................................................................
28
Figura 5: Esquema da relação das atitudes posturais descritas por Denys-Struyf
com a linha da gravidade ...........................................................................................
29
Figura 6: Direções das torções ósseas nos membros inferiores e músculos
condutores ..................................................................................................................
58
Figura 7: Tipologia com predominância da cadeia póstero-mediana, evidenciando
horizontalização do esterno e do sacro e trabalho em corda de arco dos paravertebrais ....................................................................................................................
77
Lista de fotografias
Foto 1: Alongamento dos músculos pelvi-trocanterianos - “O Caracol” ......................
Pág.
56
Foto 2: Mobilização das articulações coxofemorais e alongamento da musculatura
periarticular – “Borboleta voa” .....................................................................................
57
Foto 3: Associação do alongamento da musculatura paravertebral – “A borboleta
dormiu” .........................................................................................................................
58
Foto 4: Exercício abdominal (“elevador”) .....................................................................
60
Foto 5: “Elevador” - detalhe da organização dos braços para facilitação do trabalho
abdominal ....................................................................................................................
60
Foto 6: Exercício de ereção da coluna vertebral: A “marionete” desmontou ...............
62
Foto 7: Kiko, vista anterior, março de 2001 .................................................................
75
Foto 8: Kiko, perfil direito, março de 2001 ...................................................................
75
Foto 9: Abordagem lúdica, fevereiro de 2002 ..............................................................
84
Foto10: Kiko, radiografia do quadril em vista antero-posterior (AP), junho de 2002 ...
85
Foto 11: Kiko, vista anterior, agosto de 2003 ..............................................................
87
Foto 12: Kiko, agosto de 2003, observação da cintura escapular e pescoço .............
87
Foto 13: Kiko tem dificuldades com o exercício do “elevador” ....................................
88
Foto 14: Dificuldade na adaptação da cinta elástica ...................................................
89
Foto 15: Léo sentado, sem conseguir cruzar as pernas, março de 2001 ....................
96
Foto 16: Léo brinca sentado, março de 2001 ..............................................................
96
Foto 17: Léo, vista posterior, março de 2001 ..............................................................
97
Foto 18: Léo, vista posterior, março de 2001 ..............................................................
97
Foto 19: Léo, perfil, março de 2001 .............................................................................
98
Foto 20: Léo em “posição de brincadeira” e de perfil, novembro de 2001 ..................
101
Foto 21: Léo em “posição de brincadeira” e de perfil, novembro de 2001 ..................
101
Foto 22: Léo mobiliza sua articulação coxofemoral, novembro de 2001 .....................
101
Foto 23: Léo alonga sua cadeia póstero-mediana, setembro de 2003 .......................
102
Foto 24: Radiografia do quadril de Léo, evidenciando displasia bilateral de cabeças
femorais e acetábulos, maio de 2002 ..........................................................................
103
Foto 25: Léo sentado, julho de 2003 ...........................................................................
106
Foto 26: Léo, vista posterior, julho e setembro de 2003 ..............................................
107
Foto 27: Léo, vista posterior, julho e setembro de 2003 ..............................................
107
Foto 28: Léo, perfil, julho de 2003 ...............................................................................
107
Foto 29: Thiago, maio de 2001 ....................................................................................
115
Foto 30: Thiago de pé, novembro de 2001 ..................................................................
116
Foto 31: Thiago, radiografia do quadril em vista ântero-posterior (AP), outubro de
2001 .............................................................................................................................
117
Foto 32: Thiago realiza exercícios de mobilização e alongamento, agosto de 2003 ..
119
Foto 33: Thiago realiza exercícios de mobilização e alongamento, agosto de 2003 ..
119
Foto 34: Thiago, vistas posterior e anterior, agosto de 2003 ......................................
121
Foto 35: Thiago, vistas posterior e anterior, agosto de 2003 ......................................
121
Foto 36: Thiago, perfil, agosto de 2003 .......................................................................
121
Foto 37: Alex, fevereiro de 2002 ..................................................................................
124
Foto 38: Alex, fevereiro de 2002 ..................................................................................
124
Foto 39: Alex, decúbito dorsal, fevereiro de 2002 .......................................................
131
Foto 40: Alex sentado, perfil, fevereiro de 2002 ..........................................................
132
Foto 41: Alex de pé, perfil, fevereiro de 2002 ..............................................................
132
Foto 42: Radiografia do quadril de Alex, junho de 2002 ..............................................
133
Foto 43: Alex de pé, vista frontal, setembro de 2003 ..................................................
135
Foto 44: Alex, exercício da “borboleta”, setembro de 2003 .........................................
136
Foto 45: Alex, exercício da “borboleta”, setembro de 2003 .........................................
136
Lista de siglas
ACBT – Ciclo ativo de técnicas respiratórias
AIG – adequado para a idade gestacional
AL – [cadeia] ântero-lateral
AM - [cadeia] ântero-mediana
AP - [cadeia] ântero-posterior
DC – defeitos congênitos
G.D.S. – Godelieve Denys-Struyf
IFF – Instituto Fernandes Figueira
IPG/CF – Grupo Internacional de Fisioterapia / Fibrose Cística
ITU – infecção do trato urinário
PA - [cadeia] póstero-anterior
PL - [cadeia] póstero-lateral
PM - [cadeia] póstero-mediana
SPB – síndrome de prune belly
TEF – técnica de expiração forçada
UPG – unidade de pacientes graves
Sumário
Pág.
Introdução ..................................................................................................................
xvii
Parte 1 – Considerações Teóricas .............................................................................
1
Capítulo 1 - Considerações sobre a biomecânica tóraco-abdominal e sua relação
com a atitude postural global ..................................................................................
2
1. 1 - Considerações anatômicas ........................................................................
3
1. 2 - Considerações biomecânicas sobre a respiração .....................................
6
1. 3 - Interações biomecânicas ...........................................................................
12
1. 4 - Considerações sobre a organização postural global .................................
21
Capítulo 2 - Considerações sobre a abordagem fisioterapêutica postural .............
33
Capítulo 3 – Considerações sobre a síndrome de prune belly ...............................
44
3.1 – Etiologia e patogênese ...............................................................................
45
3.2 – Aspectos motores e respiratórios ...............................................................
48
Parte 2 - Narrativa do tratamento fisioterapêutico de quatro crianças portadoras de
síndrome de prune belly .............................................................................................
52
Capítulo 4 – A conduta fisioterapêutica direcionada a portadores de síndrome de
prune belly no IFF ...................................................................................................
53
4. 1 - A abordagem postural ................................................................................
54
4. 2 - A abordagem respiratória ..........................................................................
63
Capítulo 5 - Borrachinha, não! ................................................................................
71
5. 1 – Breve história clínica .................................................................................
71
5. 2 - Vou contar uma história! ............................................................................
73
Capítulo 6 - Ele faz sozinho ....................................................................................
91
6. 1 – Breve história clínica .................................................................................
93
6. 2 - Eu solto pipa, sabia? ..................................................................................
94
Capítulo 7 - Com a tia rê, eu brinco ........................................................................
109
7. 1 - Breve história clínica ..................................................................................
110
7. 2 - Canta, tia, canta! ........................................................................................
113
Capítulo 8 – A casa da tia Rê .................................................................................
124
8. 1 - Breve história clínica ..................................................................................
127
8. 2 - Estava com saudades ................................................................................
130
Conclusão ..................................................................................................................
138
Referências Bibliográficas ..........................................................................................
142
Anexos .......................................................................................................................
159
Anexo 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................................
160
“(...) Respirar, em toda a plenitude, já é dançar.”
“(…) Respirer dans toute la plenitude, c’est déjà danser.”
Denys-Struyf, 1985
FICHA CATALOGRÁFICA NA FONTE
CENTRO DE INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA
U57i
Ungier , Renata
Interações biomecânicas entre a organização postural global e a
respiração: um olhar ampliado sobre a fisioterapia dirigida a crianças
com doença respiratória / Renata Ungier . - 2005.
xxxiii, 161f.
Dissertação (Mestrado em Saúde da Criança e da Mulher)-Instituto
Fernandes Figueira, Rio de Janeiro , 2005.
Orientadoras : Wuillaume , Susana Maciel
Cardoso, Mª Helena Cabral de Almeida
1. Fisioterapia (Especialidade). 2. Postura. 3. Respiração. 4. Síndrome
de Prune Belly. I .Título.
CDD -20ªed - 615.82
INTRODUÇÃO
A criança com doença respiratória demanda, em geral, cuidados que não se restringem
à atuação do médico. A fisioterapia respiratória tem contribuído significativamente para a
redução da morbidade de tais casos e para a melhora de sua qualidade de vida.
Abordagens fisioterapêuticas mais globais, entretanto, vêm se mostrando efetivas, não
apenas no sentido do reequilíbrio do aparelho locomotor do paciente, mas também da
potencialização dos resultados benéficos alcançados pela abordagem respiratória.
A respiração inclui essencialmente dois aspectos: visceral e biomecânico. A medicina
e a fisioterapia respiratória se ocupam primordialmente da questão visceral (remoção de
secreções, trocas gasosas, volumes pulmonares, etc.). Entretanto, a fisiologia respiratória
depende igualmente de uma mecânica satisfatória, dado que o jogo pressórico e as
possibilidades de expansão dos pulmões estão ligados a mecanismos ósteo-mio-articulares,
notadamente a mobilidade da caixa torácica e o equilíbrio da musculatura especificamente
envolvida na respiração (Souchard, 1989; West, 1996).
Por outro lado, a biomecânica da caixa torácica não funciona de maneira isolada. Ela
está inserida na mecânica corporal global. Todos os músculos do corpo humano estão ligados
entre si através das fáscias e aponeuroses, que os ligam também ao esqueleto, às vísceras e
aos demais tecidos. Estas fáscias e aponeuroses agrupam os músculos em cadeias, que
interagem continuamente em cada articulação do corpo. Assim, no momento em que um
desequilíbrio muscular desorganiza determinado segmento corporal, esta desorganização se
estenderá necessariamente ao sistema locomotor em sua globalidade (Bienfait, 1989; DenysStruyf, 1997; Souchard, 1989). Desta forma, entende-se que a atuação sobre a mecânica
respiratória não pode se desvincular de uma abordagem sobre a organização da totalidade do
corpo, assim como uma interferência sobre disfunções ósteo-musculares em regiões
periféricas pode produzir efeitos benéficos sobre o equilíbrio global, aí incluída a respiração.
Da mesma maneira, um acometimento respiratório altera inevitavelmente sua mecânica, o que
trará reflexos sobre a organização global.
Tais conceitos encontram um paralelo na concepção de uma proposta integrada de
saúde, em que o aspecto reducionista e fragmentário do tradicional modelo biomédico dá
lugar a uma valorização da totalidade do indivíduo, não apenas no que tange à sua
subjetividade e singularidade, mas também no que diz respeito à não divisão do corpo em
partes isoladas. Esta perspectiva se situa no contexto de promoção de saúde da “nova saúde
pública”, em que a questão da autonomia e da integralidade ocupam lugar de destaque. Ao
ampliar o campo da saúde a um universo que abrange elementos físicos e psico-sociais,
levando em conta a globalidade e voltando sua atenção para a qualidade de vida (e não mais
somente para a erradicação das doenças), o debate da promoção da saúde se insere na
conjuntura da transição paradigmática, na tentativa de criar um marco teórico que abra espaço
para possibilidades inovadoras de atendimento (Czeresnia, 2003; Mattos, 2001; Paim e
Almeida Filho, 2000).
A questão da integralidade, no que diz respeito às práticas da fisioterapia no âmbito da
saúde coletiva, foi amplamente discutida no VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva
(2003). Entre os problemas levantados, pode-se destacar:
“(...) o acesso universal ainda não garantido na maioria das experiências
relatadas, nítidas limitações para atender o princípio da integralidade da
atenção à saúde, devido à carência de profissionais para compor equipes de
trabalho, dificuldade do trabalho interdisciplinar, entre outras, além das
limitações
políticas
da
categoria
que
se
refletem
em
entidades
representativas com escasso poder de negociação” (p. 3).
Ainda assim, o encontro apontou caminhos para a consolidação da figura do
fisioterapeuta no cenário da equipe de saúde, apostando em modificações no processo de
formação do profissional, em uma participação mais ativa na gestão dos serviços e em uma
postura de maior interação entre os diversos profissionais e em relação aos órgãos
governamentais e às entidades representativas das demais disciplinas da área da saúde.
Tendo em vista um conceito ampliado de assistência, foi iniciado, em fevereiro de
2001, no Ambulatório de Fisioterapia Respiratória do Instituto Fernandes Figueira (IFF) – Rio
de Janeiro, um trabalho de associação de duas abordagens fisioterapêuticas em crianças e
adolescentes com asma, fibrose cística e síndrome de prune belly (SPB), entre outras doenças.
A observação de tais pacientes permite verificar claramente a íntima relação entre a questão
postural e o acometimento respiratório propriamente dito, fato que motivou a realização deste
estudo. Seu acompanhamento, de 2001 a 2003, vem mostrando a efetividade da associação
entre as abordagens fisioterapêuticas postural e respiratória no cuidado de crianças e
adolescentes com enfermidades que, direta ou indiretamente, acometem a respiração.
A SPB foi escolhida para exemplificar as questões aqui discutidas, por ser uma doença
em que o acometimento respiratório é secundário a um distúrbio do sistema locomotor
(agenesia / hipoplasia da musculatura abdominal), como se poderá verificar no capítulo 3 (pp.
44), o que a torna de certo modo emblemática no âmbito desta pesquisa. Nestes casos
específicos, a questão ósteo-muscular se mostrava particularmente evidente, refletida não
somente no atraso no desenvolvimento motor dos pacientes, mas também na desorganização
postural que se instalava a partir do momento em que conquistavam a posição sentada, o
ortostatismo ou a marcha (Burns, 1999; Hausdorff et al., 1999; Okamoto et al., 2003). Tais
dificuldades parecem ser devidas a desequilíbrios musculares encontrados não apenas na
região diretamente atingida pela doença, mas também possivelmente nos demais segmentos
corporais. A abordagem fisioterapêutica postural se faz então indubitavelmente necessária, no
sentido de promover a reestruturação corporal global de tais crianças, além de criar condições
favoráveis para a atuação da abordagem respiratória. Cabe ressaltar que a otimização da
organização psicomotora destes pacientes contribui sobremaneira para a construção de sua
autonomia, corroborando com a perspectiva da integralidade. Valenzuela e Benguigui (1997)
ponderam que:
“Dado que os enfoques convencionais no setor de saúde se concentram na
doença, o conceito de desenvolvimento integral da criança pode representar
uma oportunidade única para nos aproximarmos de uma concepção positiva
da saúde (...)”. (p. 45).
Horovitz (2003) chama a atenção para a carência de estratégias específicas nas
políticas públicas direcionadas a crianças com defeitos congênitos (DC). Sua percepção é de
que:
“No contexto atual do SUS, com a municipalização radical da gestão da
saúde, é pouco provável que seja possível atender à questão dos DC de
forma integrada. Para a efetivação de um sistema de atenção voltado aos DC
deverá ser formulada política específica, de âmbito nacional, que inclua
mecanismos de financiamento diferentes dos atualmente utilizados. Apenas
com a participação ativa do Ministério de Saúde, utilizando como espinha
dorsal os serviços de genética existentes, será possível a estruturação de uma
rede regionalizada, hierarquizada e funcional voltada à atenção aos defeitos
congênitos no Brasil” (resumo).
Os avanços tecnológicos e a evolução da medicina e da própria
fisioterapia respiratória vêm progressivamente reduzindo a morbimortalidade das mais diversas doenças, trazendo para a saúde pública
uma importante discussão: como garantir aos “sobreviventes” uma
qualidade de vida satisfatória? A questão músculo-esquelética não deve
ser negligenciada no que tange às doenças que acometem a respiração,
em especial à síndrome de prune belly. O funcionamento satisfatório do
aparelho locomotor é fator determinante para a boa função respiratória e
motora dos pacientes acometidos, contribuindo decisivamente para a
melhora de sua qualidade de vida. É neste debate que se pode
vislumbrar a possibilidade de um modelo ampliado de fisioterapia, no
qual a interação entre abordagens distintas, como a postural e a
respiratória, possam propiciar ao paciente não apenas a sobrevida, mas
condições de viver com funcionalidade, autonomia e prazer.
Assim, as relações existentes entre a organização global do aparelho locomotor da
criança e a mecânica respiratória constituem o objeto deste estudo, visando permitir a
discussão do intercâmbio entre abordagens de tratamento, dentro do campo da fisioterapia.
Tal debate convida a problematizar o papel do fisioterapeuta no âmbito da saúde pública, em
especial no que diz respeito à assistência à criança que sofre de doença respiratória.
No que concerne especificamente a este objeto de estudo, a literatura mundial não é
muito abundante. De fato, uma busca na PubMed / Medline, por exemplo, com termos como
posture, respiration ou biomechanics, embora forneça um grande número de artigos, não
contribui de forma tão significativa com fontes efetivamente úteis para esta pesquisa, por
oferecer trabalhos majoritariamente referentes a assuntos como, por exemplo, posicionamento
(no caso da palavra-chave posture), cirurgias ortopédicas e implantação de próteses (no caso
de biomechanics) e aspectos da respiração que não incluem a questão músculo-esquelética,
sem mencionar aqueles que tratam de pesquisas em animais (cuja biomecânica difere bastante
da humana, especialmente no que diz respeito aos quadrúpedes) e com pacientes idosos. A
pesquisa nas bases de dados virtuais, então, termina por se configurar como uma espécie de
“garimpo”.
Quanto a abordagens mais globais em termos de postura, não restam dúvidas de que
uma riqueza muito maior de material pode ser encontrada nos livros, ao invés dos periódicos.
As décadas de 60 e 70 do século XX presenciaram o aparecimento de inúmeros métodos
terapêuticos que transitam na fronteira da fisioterapia, da psicologia e das artes,
caracterizando-se primordialmente pela proposta globalista e pela ênfase na conscientização
corporal e participação ativa do paciente no processo terapêutico (Russo, 1993). Embora
nunca tenham passado por processos de validação dentro dos padrões científicos clássicos,
alguns destes métodos, assim como seus derivados, norteiam a prática fisioterapêutica atual,
em especial as técnicas posturais. É o caso, por exemplo, das Cadeias Musculares de
Godelieve Denys-Struyf (1997); das técnicas de Françoise Mézières (relatadas por DenysStruyf em 1996, entre outros autores); da Reeducação Postural Global de Philippe-Emmanuel
Souchard (2001); da Coordenação Motora de Piret e Béziers (1992); das pesquisas de Rudolf
Laban (1978); da Consciência pelo Movimento de Moshe Feldenkrais (1988, 1994); da
Técnica de Alexander, de Mathias Alexander (1992); e da Eutonia de Gerda Alexander
(1991). Tais autores não são encontrados na literatura científica tradicional, contudo sua
contribuição é inegavelmente preciosa para o campo da fisioterapia. De fato, somente na
década de 80 se inicia um movimento em direção a um maior rigor científico, que se reflete
no ingresso de profissionais da área em programas de pós-graduação strictu-sensu e no
surgimento incipiente de periódicos especializados. Bons exemplos são o Gait and Posture
(indexado à Medline e editado desde 1993), o Manual Therapy (indexado à Medline) e o
Journal for Bodywork and Movement Therapies (indexado ao Embase), estes últimos editados
somente a partir de 2002, constituindo um dos poucos espaços onde se pode localizar artigos
sobre os métodos supracitados. A exceção, em termos de longevidade, é a revista Physical
Therapy, publicação oficial da American Physical Therapy Association desde 1921,
verdadeiro “ícone” em termos de periódicos científicos em fisioterapia, que no entanto pouco
contempla assuntos da área postural e dedica-se primordialmente à fisioterapia de adultos (o
Pediatric Physical Therapy só começou a ser publicado em 1989).
Por outro lado, importantes contribuições acerca das relações entre postura e
respiração, notadamente sobre as funções dos músculos diafragma e transverso do abdômen
nesta dinâmica, provêm das pesquisas conduzidas pelo fisioterapeuta Paul W. Hodges, na
University of New South Wales, em Sidney – Austrália (Hodges, 1999; Hodges et al., 1997a,
1997b, 2001a, 2001b ; Hodges e Gandevia, 2000a, 2000b; Hodges e Richardson, 1997, 1999).
Outros pesquisadores, como Cholewicki et al. (1997, 1999a, 1999b, 2000a, 2000b, 2002a,
2002b), Janda et al. (2003) e Lecoq et al. (2000), exploram a relação mecânica pélvicotorácica, acrescentando a esta discussão uma gama mais ampla de elementos. Periódicos
como o Journal of Biomechanics e o Journal of Applied Physiology parecem ser os
“preferidos” pelos pesquisadores que lidam com este tipo de assunto. Um artigo de McGill et
al. (2003) toca particularmente no papel da fisioterapia em relação a tais fatores. Não foi
encontrado, todavia, nenhum trabalho que aborde a possibilidade de concomitância de
diferentes abordagens fisioterapêuticas.
No que tange às questões posturais especificamente envolvidas na SPB, a literatura é
ainda mais escassa. Embora a busca na mesma base de dados, no mesmo período, proveja 224
artigos para o termo prune belly, o resultado cai para somente um artigo se acrescentada a
palavra-chave posture e quatro se esta for trocada para respiration, dos quais em apenas dois
o assunto se aproxima das questões abordadas por esta pesquisa. De fato, ocorre uma absoluta
predominância de abordagens dos aspectos urológicos e cirúrgicos, além de algum material
tratando das questões respiratórias. Dentre os poucos artigos e estudos que tratavam da área
ortopédica, a abordagem limitava-se em geral às anormalidades congênitas associadas
geralmente à síndrome, como luxação congênita de quadril, espinha bífida oculta, torcicolo
congênito, etc. Mesmo a escoliose e o pectus excavatum são geralmente relatados como
eventos apenas concomitantes, sem relação biomecânica direta com a agenesia muscular
abdominal inerente à doença em questão (Brinker et al., 1995; Green et al., 1993; Loder et al.,
1992). Entretanto, Lam e Mehdian (1999), autores do único artigo encontrado a tratar
diretamente da postura na referida síndrome (apesar de consistir no relato do caso de um
paciente adulto), consideram o desequilíbrio crônico da musculatura espinhal como possível
responsável pela instalação de uma escoliose em casos de SPB. Não foi encontrado nenhum
material que descreva alterações posturais adquiridas ao longo do desenvolvimento destes
pacientes, relacionando-as aos distúrbios ósteo-musculares característicos.
Dado que a observação dos pacientes com SPB, no IFF, demonstra que tais alterações
estão presentes e, em alguns casos, surgem subseqüentemente à conquista do ortostatismo e
da marcha, torna-se importante estabelecer um panorama de tais distúrbios e de sua relação
com a morfologia específica da síndrome.
No contexto da saúde pública brasileira, é nítida a ausência da fisioterapia na literatura
especializada. A busca na base de dados LILACS, com os termos fisioterapia AND saúde
pública OR saúde coletiva só fornece dois artigos (Cecatto et al., 1992; Martins et al., 1999) e
uma dissertação de mestrado (Camargo, 2001) de interesse para este estudo, apesar de mais
ligados à fisioterapia de adultos, por discutirem o papel do fisioterapeuta na saúde pública,
porém nenhum deles contempla a saúde coletiva. A busca na SCIELO não fornece resultados
relevantes. A questão da possível complementaridade entre as abordagens postural e
respiratória não consta de nenhum dos trabalhos encontrados, tema que deverá ser discutido
nesta pesquisa com base no relato da experiência vivenciada no Ambulatório de Fisioterapia
Respiratória do IFF.
A íntima relação entre a organização global do sistema locomotor e a biomecânica
respiratória permite assumir a hipótese de que a concomitância entre abordagens
fisioterapêuticas distintas – postural e respiratória - seja de fundamental importância para a
efetividade do tratamento de doenças que acometem a respiração da criança.
Assim, esta pesquisa pretendeu atingir os seguintes objetivos:
•
Analisar a importância da intervenção postural sobre a função respiratória.
•
Discutir a relevância da dupla assistência à criança (postura – respiração), dentro de
uma concepção de atenção integral ao portador de doença respiratória.
•
Proceder ao estudo narrativo do tratamento fisioterapêutico de quatro casos de SPB.
Neste sentido, o trabalho se desenvolveu a partir de duas vertentes metodológicas
distintas: a pesquisa exploratória da literatura, tendo em vista a carência de fundamentação
teórica dos assuntos aqui abordados; e o estudo narrativo do tratamento fisioterapêutico de
quatro casos de SPB.
Esta divisão metodológica se revela na própria divisão da presente dissertação em duas
partes. A primeira parte constitui um conjunto de exposições teóricas, baseadas em pesquisa
bibliográfica, compreendendo os três primeiros capítulos. O primeiro trata, em última análise,
do próprio objeto deste estudo, ou seja, da relação entre a mecânica tóraco-abdominal e a
atitude postural global. O segundo tece considerações acerca da abordagem fisioterapêutica
postural. O terceiro situa o leitor no contexto da SPB, facilitando a compreensão do quadro
apresentado nos capítulos subseqüentes. A exploração da literatura se deu segundo os
seguintes métodos:
•
Pesquisa em periódicos indexados nas bases de dados Pubmed / Medline e
Highwire, de 1990 a 2004. Artigos mais antigos puderam ser incluídos, por
serem recorrentemente citados e apresentarem inegável valor histórico para a
pesquisa.
•
Pesquisa em livros: especialmente na área da organização postural, os livros
são a principal fonte de referências. Foram utilizados os autores mais
amplamente difundidos no âmbito da fisioterapia.
•
Em relação à SPB, não foram considerados os artigos que se atinham
exclusivamente ao aspecto cirúrgico e/ou genito-urinário.
A segunda parte desta dissertação seguiu um modelo epistemológico narrativo, em que
se procedeu ao relato da experiência de assistência a quatro crianças do sexo masculino, entre
oito meses e cinco anos, com SPB, acompanhadas no Ambulatório de Fisioterapia
Respiratória do IFF. Constitui-se de um conjunto de cinco capítulos, em que o primeiro
(capítulo 4) descreve a conduta fisioterapêutica adotada em relação às referidas crianças,
explicitando os procedimentos de ambas as abordagens, e os demais (capítulos cinco a oito) se
referem à narrativa da história do tratamento de cada uma delas, individualmente.
Os critérios de inclusão dos pacientes no estudo foram: terem diagnóstico de SPB;
terem prontuário no IFF; e terem freqüentado assiduamente o ambulatório de fisioterapia
respiratória do IFF entre 2001 e 2003, recebendo atendimento em fisioterapia respiratória e
postural. O relato dos casos se baseou no prontuário do IFF e nas fichas de atendimento
clínico da fisioterapia postural. Ao longo do tratamento, foram realizados registros
fotográficos para acompanhamento clínico, para o que se obteve a autorização para uso de
imagem, por escrito, assinada pelos responsáveis por todas as crianças. Foi obtido, ainda, o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 1).
A história clínica dos quatro casos se desenvolveu a partir de uma narrativa1, que
envolve não somente aspectos essencialmente clínicos, mas também aqueles ligados à relação
terapeuta-paciente-pais, relatos trazidos pelos pais e pela própria criança, observações
referidas pelos outros profissionais implicados, questões psico-sociais, etc.
Castiel (1999) chama a atenção para as limitações do conhecimento estritamente
biomédico e para o equívoco da fragmentação dos saberes, no que tange à compreensão do
fenômeno de adoecimento, em especial nas doenças crônicas (como é o caso da síndrome de
prune belly). Segundo o autor:
“(...) o objeto das disciplinas do campo da saúde é o humano em sua
singularidade e em suas formas de sentir e manifestar seus mal-estares
diante de si, de seu entorno, de seu psiquismo, de seu corpo ou, de modo
sintético, de seu ‘corpsiquismo’ em seu respectivo contexto. Enfim,
compreender a experiência do adoecer envolve o entendimento do processo
de produção de conhecimento e dos idiomas e narrativas mediante os quais
tal conhecimento é apresentado e assimilado, as representações lingüísticas
1
É imperativo ressaltar que tal narrativa se construiu a partir do relato retrospectivo do tratamento em
fisioterapia postural e respiratória das referidas crianças, incluindo informações contidas no prontuário e nas
fichas de atendimento fisioterapêutico. Além de aspectos essencialmente clínicos e terapêuticos, foram incluídas
falas dos pais, das crianças ou de outras pessoas envolvidas (demais profissionais de saúde, por exemplo),
extraídas de conversas informais travadas no decorrer das sessões de atendimento.
que devem ser compartilhadas pelo maior número possível de pessoas
envolvidas na questão” (p. 140).
Caprara e Franco (1999) criticam o fato de que o principal modelo financiado pelo
recurso público seja a perspectiva biomédica mecanicista, que despreza as dimensões humana,
vivencial, psicológica e cultural da doença. Os autores defendem um modelo comunicacional,
em que a relação médico-paciente se dê de forma a possibilitar uma melhor compreensão do
sofrimento, assim como a maior participação e adesão do paciente ao processo de tratamento.
De fato, foi possível constatar, ao longo desta pesquisa, a importância desta comunicação
bidirecional, que se reverteu em resultados inegavelmente positivos para as crianças
envolvidas.
Assim, este estudo pretende “contar a história” do tratamento fisioterapêutico postural
de quatro meninos com SPB, da maneira mais abrangente possível. Nossos parâmetros
metodológicos se distanciam do clássico estudo de caso clínico, exatamente pelo fato de que:
“(...) o paradigma biomédico não inclui uma compreensão integral sobre o
que as pessoas sentem e vivem em torno de seu adoecer. Apesar disso, é a
partir da experiência que os pacientes constroem as narrativas de doenças
com as quais se comunicam com os profissionais de saúde. Mesmo que os
médicos não estejam voltados para a construção de uma abordagem
analítica, eles, de uma certa forma, precisam (...) buscar os significados
associados à experiência da doença para que possam construir uma
terapêutica diferenciada para cada um de seus pacientes, mesmo que estes
sejam por ele classificados num único quadro patológico”
(Gomes e
Mendonça, 2002, p. 119).
Assim, a posição privilegiada que se conferiu aos aspectos subjetivos não remove, em
absoluto, a dimensão científica da narrativa, considerando-se que a cientificidade pode se
concretizar segundo múltiplos critérios (Deslandes e Assis, 2002). A construção do
conhecimento pode se dar a partir da organização narrativa da observação clínica que,
segundo Castiel (1999), “constitui o principal instrumento da sabedoria prática na clínica”
(p. 148). Esta noção vai ao encontro da perspectiva de que a medicina – tanto quanto as
demais disciplinas do campo da saúde - seja uma atividade interpretativa e narrativa,
caracterizada por Hunter (1991) como “(...) a arte de ajustar abstrações científicas ao caso
individual”2 (p. xvii). A autora comenta que a busca incessante por uma suposta
cientificidade, baseada primordialmente nos avanços tecnológicos e em uma atitude de
“neutralidade”, compromete a prática médica, no que diz respeito à percepção das
subjetividades envolvidas e, conseqüentemente, à relação médico-paciente. Ela sustenta a
premissa de que a narrativa dos casos constitua peça fundamental para que a prática clínica
seja bem sucedida. Cardoso et al. (2002) igualmente se opõem a este cientificismo
reducionista. Os autores discutem a relevância da epistemologia narrativa para o processo de
diagnose e tratamento, lembrando que:
“(...) os corpos humanos são portadores não só de agentes patogênicos como
também de histórias que explicam suas vidas. A necessidade de se construir
essas histórias / narrativas sublinha os modos pelos quais as noções de saúde
e doença são culturalmente produzidas” (p. 556).
A fisioterapia, como refere Iyer e colaboradores (2003), tende atualmente a priorizar
ganhos funcionais no processo de reabilitação, ainda que de pouca repercussão em scores
tradicionais de mensuração de resultados terapêuticos, observados tanto no âmbito da clínica
como fora dele, sendo assim relatados pelos pais, professores, profissionais de saúde ou por
outras pessoas que se ocupem da criança. Tal perspectiva reforça a opção por uma vertente
epistemológica narrativa, valorizando as subjetividades e singularidades inerentes às questões
envolvidas.
Desta forma, na construção dos relatos constituintes desta pesquisa, as informações
extraídas dos prontuários (dados clínico-cirúrgicos, intercorrências, internações hospitalares,
2
“(...) the art of adjusting scientific abstractions to the individual case” (tradução livre).
etc.) foram resumidamente apresentadas, no sentido de estabelecer um cenário diagnóstico e
histórico, sobre o qual se desenrola a narrativa dos acontecimentos do período em questão
(2001 a 2003), com ênfase no que se passava dentro do Ambulatório de Fisioterapia
Respiratória. Esta concepção atribui, inegavelmente, um valor maior às fichas de atendimento
clínico da fisioterapia postural do que ao prontuário geral do paciente. As narrativas foram
continuamente confrontadas com os pressupostos teóricos desenvolvidos na primeira parte
deste trabalho, estabelecendo-se um diálogo entre a experiência do campo e a literatura.
Embora os quatro pacientes incluídos no estudo sofram da mesma enfermidade,
tenham idades semelhantes, pertençam ao mesmo gênero e tenham sido submetidos a
procedimentos terapêuticos equivalentes, suas histórias se mostram absolutamente distintas,
tanto do ponto de vista psico-social quanto na própria evolução de seus quadros clínicos.
Compreender cada um deles em sua individualidade pode permitir a percepção de que, de
fato, as abordagens terapêuticas não podem ser uniformizadas e, muito menos, fragmentadas.
A dimensão narrativa fornece um suporte metodológico capaz de acolher a multiplicidade de
fatores envolvidos na idéia da integralidade e da individualização do atendimento. Esta
valorização da singularidade encontra paralelo na reflexão de Cardoso (2002):
“Há um mundo de acordo com cada um e cada um destes mundos abarca
todo o universo, só que de uma particular e inteiramente única perspectiva.
Se não se podem achar duas folhas exatamente iguais em uma mesma árvore,
como é possível encontrar duas pessoas que experimentam o mundo da
mesma maneira?” (p. 150).
Assim, esta dissertação conta a história única e original de quatro “folhas” de um
mesmo tipo de “árvore”, como forma de situar a abordagem fisioterapêutica postural em um
modelo ampliado de assistência a crianças acometidas por doença respiratória, a partir de
concepções biomecânicas e terapêuticas que, inevitavelmente, se caracterizam pelos preceitos
norteadores deste estudo: globalidade, interação e individualidade.
PARTE 1
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
Capítulo 1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE A BIOMECÂNICA TÓRACO-ABDOMINAL
E SUA RELAÇÃO COM A ATITUDE POSTURAL GLOBAL
Respiração e estática são inegavelmente ligadas. O diafragma, ator principal da respiração,
depende da estática. Ele é também ator no empilhamento vertebral correto3 (Campignion, 1996, p.
41).
Em linhas gerais, a biomecânica é a aplicação de conceitos da
mecânica clássica – como estática, cinética, cinemática, etc. – aos
sistemas biológicos e fisiológicos (Lehmkuhl e Smith, 1989; Özkaya e
Leger, 2003). Dutton (2002) resume que “vendo o corpo humano de
forma simplista, trata-se de um sistema mecânico controlado por um
sistema elétrico. Como tal, obedece às mesmas leis físicas universais de
todos os outros sistemas”4 (p. 33). No que concerne ao sistema
locomotor, este campo estuda as diferentes forças que agem no sentido
de promover o equilíbrio corporal, tanto estático quanto dinâmico, ou
seja, a forma como ações musculares, superfícies articulares, direções
ósseas e outras estruturas se inter-relacionam, organizando – ou
desorganizando – a atitude postural e a motricidade.
3
“Respiration et statique sont indéniablement liées. Le diaphragme, acteur principale de la respiration, dépend
de la statique. Il est aussi acteur dans l’empilement vertebral correct.”(tradução livre)
4
“If one views the human body simplistically, it is a mechanical system controlled by an electrical system. As
such, it obeys the same physical laws of the universe that every other system does.” (tradução livre)
Tendo em vista o objeto deste estudo, o objetivo deste capítulo
será discutir a mecânica da respiração, exclusivamente do ponto de
vista ósteo-mio-articular, além da relação desta mecânica específica
com a da totalidade do sistema locomotor, notadamente no que
concerne
à
organização
postural.
Aspectos
relacionados
às
propriedades elásticas do pulmão, resistência das vias aéreas, medição
de trabalho, dentre outros fogem ao escopo desta pesquisa.
1. 1 - Considerações anatômicas
Anatomicamente, o diafragma é descrito como um músculo
assimétrico, que tem a forma de uma abóbada côncava para baixo e
separa as cavidades torácica e abdominal. Constitui-se de “finos
músculos digástricos justapostos cujos tendões centrais, imbricados,
formam o centro tendíneo” (Souchard, 1989, p. 13). Esta parte central
tendinosa é conhecida como centro frênico. A parte muscular, periférica,
pode ser dividida, de cada lado, em porções esternal, costal e vertebral
(Kahle et al., 1996). Zin e Rocco (1999) assumem que o diafragma seja,
na verdade, constituído por dois músculos distintos – o costal e o crural
– ambos originando-se no centro tendíneo, sendo as inserções, do
primeiro, no apêndice xifóide e, do segundo, na porção superior de L35.
Segundo a descrição de Kahle et al. (1996), a porção esternal é a mais
5
Serão sempre adotadas as abreviações: L para a coluna lombar, D para a dorsal ou torácica e C para a cervical.
Neste caso, por exemplo, L3 corresponde à terceira vértebra lombar.
delgada, inserindo-se na face posterior do processo xifóide, onde se
mistura às fibras do músculo triangular do esterno. A porção costal,
também chamada zona de aposição, origina-se sobre a face interna da
sétima à 12a cartilagem costal (de cada lado), por digitações
entremeadas com as do músculo transverso do abdômen. A porção
vertebral, mais interna e conhecida como pilares do diafragma, constitui
um pilar medial (podendo ainda subdividir-se, gerando o pilar acessório)
e um pilar lateral. Kahle et al. (1996) consideram que, à direita, o pilar
medial se insere nos corpos vertebrais de L1 a L4, enquanto que, à
esquerda, as inserções vão apenas de L1 a L3. O pilar lateral se origina
das arcadas do psoas e do quadrado lombar, sob as quais passam os
respectivos músculos, na altura de L1 e da 12a costela. Esta concepção
difere um pouco da do clássico Atlas de Anatomia Humana Sobotta
(Ferner e Staubesand, 1984), que situa as inserções do pilar medial nos
corpos de L2 a L4, sem diferenciação de lateralidade, e do pilar lateral
nas mesmas arcadas, porém nos processos transversos de L1 e L2. O
diafragma compreende ainda diversos pontos de menor resistência, por
onde passam estruturas vasculares, nervosas e viscerais. É o caso dos
hiatos costo-lombar e costo-xifoidiano, dos orifícios aórtico e esofagiano
e do forâmen da veia cava inferior.
Através das figuras 1 e 2 pode-se visualizar a situação do
diafragma em relação aos demais músculos envolvidos na respiração,
permitindo vislumbrar as conexões mecânicas que complexificam o
processo,
tornando-o
um
fenômeno
global.
É
particularmente
interessante observar a continuidade entre as fibras deste músculo com
as do transverso do abdômen (transversus abdominis) e do triangular do
esterno (transversus thoracis), bem como a comunicação entre a
musculatura tóraco-abdominal e a pelve / membros inferiores, mediada
pelos músculos psoas maior e menor e ílio-psoas.
Uma descrição detalhada do seu posicionamento nas diferentes
fases da respiração pode ser obtida através da obra de Kahle et al.
(1996). Segundo estes autores, na posição ortostática, entre a expiração
máxima e a inspiração, a cúpula diafragmática direita se projeta sobre a
face anterior da parede torácica, à altura do quarto espaço intercostal,
enquanto a esquerda vai apenas até o quinto espaço intercostal. Ambas
as cúpulas se elevam um pouco mais durante a expiração máxima,
chegando à quarta costela, à direita, e ao quarto espaço intercostal, à
esquerda. Na inspiração máxima, o diafragma desce de um a dois
espaços intercostais, utilizando-se das inserções de sua porção esternal
como ponto fixo para este movimento.
Figura 1: Musculatura ventral do tórax e do abdômen, face interna (Sobotta, in Ferner e
Staubesand, 1984, p. 101)
Figura 2: Cavidade torácica, diafragma, musculatura lombar e pelve, vista ventral (Sobotta, in
Ferner e Staubesand, 1984, p. 100)
1. 2 - Considerações biomecânicas sobre a respiração
Classicamente, considera-se a inspiração como a etapa ativa da
respiração, em que a contração do diafragma promove a descida de seu
centro tendíneo. A expiração é tida como essencialmente passiva, salvo
durante o exercício, tosse, vômito ou defecação. Os músculos
intercostais externos auxiliam o aumento dos diâmetros torácicos na
inspiração, favorecendo o movimento em “alça de balde” das costelas,
enquanto que a musculatura acessória (especialmente escalenos,
serráteis anteriores e esterno-cleido-mastóideos) só é requisitada ao
esforço. A musculatura abdominal se faz presente na expiração forçada,
aumentando a pressão intra-abdominal (o que empurra o diafragma para
cima), auxiliada pelos músculos intercostais internos (Guyton e Hall,
1996; West,1996).
No que diz respeito à inspiração, West (1996) descreve que, com a
contração do diafragma,
“(...)o conteúdo abdominal é forçado para baixo e para frente, e a
dimensão da cavidade torácica é aumentada. Além disso, as margens
costais são levantadas e movidas para fora, causando um aumento
no diâmetro transverso do tórax” (p. 83).
Kapandji
(1999)
trouxe
importantes
contribuições
para
a
biomecânica aplicada, que incluem uma leitura mais detalhada dos
mecanismos envolvidos na respiração. Em primeiro lugar, o autor
descreve a sucessão de pequenos deslocamentos ocorridos na caixa
torácica no momento da inspiração, que são de extrema utilidade para
sua elasticidade. Ele afirma que a primeira costela se eleva a partir de
um movimento em torno da articulação costo-vertebral, que promove a
elevação do esterno, gerando uma abertura do ângulo esterno-costal,
acompanhada de uma rotação longitudinal da cartilagem costal. Esta
rotação se observa em cada cartilagem, até a décima costela, que
efetua, como a primeira, um movimento de elevação em torno de seu
próprio eixo.
Quanto aos músculos que interferem diretamente na respiração, o
autor os divide em quatro grupos (p. 142, vol 3):
- os inspiradores principais, primordialmente o diafragma, mas
também os supracostais6 e os intercostais externos;
- os inspiradores acessórios, compreendendo os mesmos grupos
da descrição clássica (escalenos, esterno-cleido-mastóideos7 e serráteis
anteriores8), porém acrescentando ao conjunto os peitorais maiores e
menores, grandes dorsais, serráteis póstero-superiores e as fibras
superiores do sacro-lombar;
- os expiradores principais, representados tão-somente pelos
intercostais internos, concordando com a premissa tradicional de que “a
expiração normal é um fenômeno puramente passivo de recolhimento
do tórax pela simples elasticidade dos elementos ósteo-cartilaginosos e
do parênquima pulmonar“9 (p. 148), ressaltando a importância da
elasticidade das cartilagens costais e lembrando que a própria gravidade
atua no sentido do abaixamento das costelas;
6
Os Atlas de Anatomia Humana Sobotta (Ferner e Staubesand, 1984) e Spence (1990) não mencionam tais
músculos, que estão presentes em Kapandji (1999), Kahle et al. (1996), Campignion (1996) e Souchard (1989).
7
Fazendo a ressalva de que estes dois grupos somente são inspiradores quando a coluna cervical se enrijece, por
ação de outros músculos, servindo-lhes de ponto de apoio.
8
O autor considera apenas os feixes inferiores deste músculo neste contexto.
9
“(...) l´expiration normale est un phénomène purement passif de retour sur lui-même du thorax par simple
élasticité des éléments ostéo-cartilagineux et du parenchyme pulmonaire” (tradução livre).
- os expiradores acessórios, responsáveis pela expiração forçada,
representados pelos músculos abdominais (retos abdominais,
oblíquos externos e internos), mas também pela porção inferior do
sacro-lombar, pelo longo dorsal, serráteis póstero-inferiores,
quadrados lombares e triangular do esterno.
Na mesma época da publicação da obra de Kapandji10, Kahle et al.
(1996)
descrevem
os
mesmos
deslocamentos
ósteo-articulares,
sustentando que:
“(...) a forma da caixa torácica não é determinante para a capacidade
respiratória. O elemento decisivo é unicamente a mobilidade, ou seja,
a diferença entre as posições de inspiração e expiração máximas.
Lesões, não apenas das cartilagens, mas também das articulações,
podem entravar o conjunto da função respiratória”11 (p. 70).
Apesar de todo este conjunto de músculos envolvidos, Kapandji
(1999) comenta que o diafragma, por si só, é capaz de aumentar os três
diâmetros torácicos, pelo abaixamento do centro frênico (diâmetro
vertical), elevação das costelas inferiores (diâmetro transverso) e
elevação das costelas superiores, por intermédio do esterno (diâmetro
ântero-posterior).
10
A primeira edição, tanto da obra de Kapandji como da de Kahle et al. data de 1975. O diferencial da Anatomia
de Kahle et al para os tratados clássicos, como o “Rouvière”, o “Sobotta” e o “Gray” é um maior direcionamento
para a aplicação clínica da anatomia, em detrimento de um excesso de detalhes morfológicos sem grande
utilidade prática.
11
“(...) la forme de la cage toracique n’est pas déterminante pour la capacité respiratoire. L’élément décisif est
uniquement la mobilité, c’est-à-dire la différence entre les positions d’inspiration et d’expiration maximale. Des
lesions, non seulement des cartilages, mais aussi des articulations, peuvent entraver l’ensemble de la fonction
respiratoire.” (tradução livre)
Angelillo et al. (1997) ressaltam a influência da forma do diafragma
sobre sua função, comentando que a pressão diafragmática (força
contrátil produzida por este músculo, resultante da diferença entre a
pressão intra-abdominal e a pressão pleural), é muito maior na região
em contato com os pulmões, dado que a zona de aposição precisa se
moldar à forma do tórax. Por outro lado, a peculiar geometria
diafragmática e a disposição de suas fibras fazem com que a contração
muscular ocorra predominantemente na zona de aposição, sem que
haja um encurtamento muscular proporcional à magnitude de tal
contração, o que permite uma diminuição do gasto energético
inspiratório (Wait e Johnson, 1997). Ricci et al. (2002) atribuem às
características mecânicas da caixa torácica e do compartimento
abdominal - juntamente com a força dos músculos torácicos, abdominais
e do diafragma - a possibilidade de determinarem as pressões intraabdominal e pleural. A ação coordenada do diafragma com os músculos
abdominais e do assoalho pélvico promove a modulação entre estas três
pressões (diafragmática, intra-abdominal e pleural), tornando-o capaz de
promover, simultaneamente, a deflagração da inspiração (com a
correspondente mobilização da caixa torácica) e a participação no
mecanismo de estabilização da coluna (Hodges e Gandevia, 2000b;
Hodges et al., 1997a, 1997b).
O assoalho pélvico é um conjunto de músculos que fecha a
cavidade abdominal em sua extremidade inferior e posterior, formando
os chamados diafragma pélvico (músculos elevador do ânus, ísquiococcígeo e, complementarmente, obturadores internos e piriformes12) e
diafragma urogenital (predominantemente fascial, inclui os músculos
transversos profundo e superficial do períneo e ligamento transverso do
períneo). O diafragma pélvico tem a função de sustentar a pressão
exercida pelas vísceras abdominais. Na respiração, a descida do centro
frênico e a correspondente co-contração da musculatura abdominal
tendem
a
empurrar
caudalmente
as
vísceras,
provocando
um
estiramento do períneo. Este realiza, por sua vez, uma contração,
sinérgica aos músculos supracitados, deflagrada pelo reflexo miotático,
que, ao impedir a descida do conteúdo abdominal, aumenta ainda mais
a pressão intra-abdominal, facilitando tanto a função respiratória quanto
a estabilização postural (Campignion, 1996, 2004; Janda et al., 2003;
Kahle, 1996; Schmeiser e Putz, 2000).
É preciso lembrar, ainda, a existência de um “diafragma superior
[que] dispõe das cordas vocais e da glote, verdadeiros esfíncteres para
a cavidade torácica13” (Campignion, 1996, p. 103). O chamado
diafragma faringiano é formado pelos músculos hioidianos, em especial
12
Estes dois últimos músculos podem ser considerados integrantes tanto do diafragma pélvico quanto do grupo
dos pelve-trocanterianos, assumindo, desta forma, uma função de elos de ligação entre a mecânica pélvica e a
dos membros inferiores.
13
“Le diaphragme supérieur dispose donc des cordes vocales et de la glotte, véritables sphincters pour la cavité
thoracique” (tradução livre).
o milohióide, e exerce um papel crucial em funções como a ventilação, a
tosse, a mastigação, a deglutição e a fonação (Van Eijden e Koolstra,
1998; Kahle, 1996; Kapandji, 1999). Doual et al. (2003) situam o osso
hióide em uma verdadeira “encruzilhada” músculo-tendinosa que
mantém, simultaneamente, o equilíbrio entre tais funções, além de
influenciar diretamente a estática cefálica. Campignion (1996) ressalta
que a liberdade dos três diafragmas, ou seja, sua sinergia harmônica,
depende do equilíbrio entre as tensões das cadeias musculares
anteriores e posteriores (fig. 3).
Figura 3: O equilíbrio tóraco-abdominal a partir da relação entre os três diafragmas
(Campignion, 1996, p. 104)
1. 3 - Interações biomecânicas
Campignion (2004, 1996) ressalta a relação íntima entre o
diafragma e os órgãos subjacentes, através de conexões aponeuróticas,
fasciais e ligamentares. Quanto aos órgãos abdominais, o vínculo se
manifesta pela aderência entre o peritôneo parietal e a fáscia inferior do
diafragma. No que diz respeito ao tórax, o coração repousa sobre o
folículo anterior do centro frênico. Ele está contido no saco pericárdico,
cuja base adere fortemente ao diafragma e se liga às fáscias que
recobrem os elementos do mediastino posterior, formando “(...) uma
verdadeira coluna fibrosa, compartimentada, que se prende à coluna
vertebral da sétima cervical à quarta dorsal”14 (p. 21), o que faz com que
ambos – saco pericárdico e diafragma - estejam “suspensos” à coluna
vertebral, particularmente de C7 a D8.
Souchard (1989) também descreve a rede aponeurótica, fascial e
ligamentar que constitui o “sistema suspensor do diafragma”, de maneira
um pouco diversa. Segundo o autor, há um prolongamento contínuo
unindo a aponeurose cervical, a fáscia endocárdica, a fáscia
periesofagiana e toda uma sucessão de ligamentos viscerais que
direcionam todo o conjunto ao centro frênico, fazendo com que o
diafragma esteja, de certa forma, “suspenso” à base do crânio, à coluna
cérvico-dorsal e à porção superior do tórax. De qualquer modo, os dois
14
“(...) une véritable colonne fibreuse, compartimentée, qui s’attache à la colonne vertébrale de la 7ème
cervicale à la quatrième dorsale” (tradução livre).
autores valorizam a intercomunicação entre as estruturas viscerais e
motoras nesta região, a partir das ligações aponeuróticas do diafragma.
Campignion (1996) pontua a dimensão em que respiração e
estática vertebral estarão conectadas, dado que “o diafragma está
aponeuroticamente suspenso à coluna dorsal e a caixa torácica
muscularmente à coluna cervical”
15
(p. 29), fazendo com que uma
organização vertebral satisfatória ofereça um bom ponto fixo para a
descida do centro frênico na inspiração e, ao mesmo tempo, uma função
diafragmática bem coordenada favoreça o bom funcionamento de todas
as estruturas – viscerais e mio-articulares – a ele relacionadas.
De
fato,
o
diafragma,
principal
músculo
da
respiração,
desempenha um papel decisivo para o controle postural. Suas inserções
nas costelas, esterno e coluna dorso-lombar comprometem-no tanto
com a biomecânica da caixa torácica quanto com a organização da
coluna
vertebral.
Suas
ligações
músculo-aponeuróticas
com
os
músculos abdominais, quadrados lombares e iliopsoas solidarizam
inevitavelmente a respiração à mecânica lombo-pélvica e dos membros
inferiores, assim como sua íntima relação com a fáscia endotorácica e
com os músculos intercostais fazem com que sua ação sobre o tórax se
perceba até a cintura escapular e coluna cérvico-dorsal, cujo
posicionamento depende da atitude postural do tórax, determinada pela
15
“(...) le diaphragme est aponévrotiquement suspendu à la colonne dorsale et la cage thoracique
musculairement à la colonne cervicale” (tradução livre).
mecânica respiratória (Campignion, 1996, 2001; Cluzel et al., 2000;
Hodges, 1999; Kapandji, 1999).
Dentro desta perspectiva, Kahle et al. (1996) afirmam ocorrer uma
sutil diminuição da lordose cervical fisiológica na inspiração, que é
restituída na expiração, o que foi posteriormente confirmado por
Campignion (1996), dentro dos preceitos do método G.D.S. de Cadeias
Musculares e Articulares. O autor sustenta que, na inspiração, ocorre
uma diminuição de todas as curvas fisiológicas, por ação da
musculatura autóctone da coluna e do músculo longo do pescoço,
pertencentes à cadeia muscular póstero-anterior (PA).
Segundo Denys-Struyf (1997), a cadeia muscular PA – que
corresponde, de certa maneira, ao sistema antigravitacional e de
autocrescimento de Busquet (2001) – tem uma dupla função: antigravitária e inspiratória. Campignion (1996) ressalta, a esse respeito,
que a inspiração dinâmica se dá a partir do que ele chama de “vigilância
raquidiana”, ou seja, “a respiração do homem em pé está fortemente
ligada à estática vertebral e às suas possibilidades de ereção reflexa,
que dependem da cadeia póstero-anterior”16 (p. 64).
A cadeia muscular ântero-posterior (AP), que tem uma função
global de manutenção do ritmo e da mobilidade em todos os segmentos
corporais, assume o papel, na respiração, de complementar a ação da
16
“La respiration de l´homme debout est fortement liée à la statique vertébrale et à ses possibilités d´érection
réflexe qui dépendent de la chaîne postéro-antérieure“ (tradução livre).
cadeia PA, reintroduzindo as curvaturas cervical e lombar, através dos
músculos
escalenos
e
psoas,
respectivamente.
Os
escalenos,
considerados músculos PA-AP, alternam suas ações, atuando como
inspiradores acessórios (quando assumem ponto fixo na coluna para
elevar as duas primeiras costelas) e como restauradores da lordose
cervical (quando assumem ponto fixo nas costelas, tracionando as
vértebras cervicais para frente, tornando C4 e C5 os ápices desta
curvatura). Trabalhando em excesso, tais músculos promovem a
antepulsão da cabeça. Na coluna lombar, o jogo sutil de estruturação de
uma lordose “suficiente”, com ápice em L3, se dá pelo equilíbrio entre
diafragma (PA), transverso do abdômen (PA) e psoas (AP). O mau
funcionamento
deste
conjunto
leva
à
chamada
hiper-lordose
diafragmático-psoítica (Mézières, 1973, apud. Denys-Struyf, 1996). A
cifose dorsal fisiológica sofre uma diminuição menos acentuada na
inspiração, sendo os músculos retos do abdômen e triangular do esterno
responsáveis por manter a verticalidade do esterno, preservando a
posição de D8 como ápice desta curvatura. A própria descida deste
osso, ao relaxamento dos músculos inspiratórios, devolve à coluna
dorsal sua cifose fisiológica.
Cabe ressaltar o fato de que estes autores situam o músculo
transverso do abdômen na cadeia muscular PA, ou seja, inspiratória,
ainda que, classicamente, ele seja considerado atuante tão somente na
expiração forçada. Kapandji (1999) já havia discorrido sobre o
mecanismo de antagonismo – sinergia entre o diafragma e os músculos
abdominais. Veremos adiante que este conceito é corroborado pelas
recentes pesquisas de diversos outros autores, estando na base dos
preceitos teóricos que sustentam esta pesquisa.
Os músculos abdominais, em especial o transverso do abdômen,
cumprem uma dupla função mecânica, fundamental tanto para a
respiração quanto para a postura. Sua ativação no tempo inspiratório
contém a projeção anterior das vísceras, gerando um ponto de apoio
para a descida do centro tendíneo diafragmático, facilitando a expansão
da caixa torácica e dos pulmões; além disso, independentemente do
tempo respiratório, diafragma e transverso do abdômen realizam uma
co-contração reflexa de ajuste postural (antecipatória ao movimento)
que, somada à resposta contrátil do períneo, aumenta a pressão intraabdominal, estabilizando a coluna lombar e, conseqüentemente,
preservando o eixo corporal (Brown et al., 2003; Cholewicki et al.,
1999a, 1999b; Ewig et al., 1996; Gardner-Morse e Stokes, 1998;
Granata e Marras, 2000; Hodges et al., 1997a, 1997b, 2001a, 2001b;
Hodges e Gandevia, 2000a; Janda et al., 2003). Dado que a
conformação dos músculos oblíquos e retos abdominais os torna
incapazes de produzir a pressurização intra-abdominal, este papel seria,
então, desempenhado pelo diafragma e os transversos do abdômen
(Cholewicki et al., 2002a; Daggfeldt e Thorstensson, 1997; Stokes e
Gardner-Morse, 1999). Um estudo desenvolvido por Mercer e Sahrmann
(1999), que buscava identificar uma ordem de ativação muscular na
deflagração da marcha, evidenciou uma contração do músculo
transverso do abdômen, antecipatória ao início do movimento. Ainda
que não incluam o diafragma entre os músculos monitorados na
pesquisa, seus resultados permitem inferir quanto à influência da ação
sinérgica destes músculos sobre a postura e a motricidade, de forma
global.
Cabe lembrar que, no que diz respeito a crianças de até cinco
anos, se observa um maior número de contrações isométricas e/ou
antagonistas, pela imaturidade dos padrões musculares na marcha
inerente à idade (Schepens et al., 2004). Rauch et al. (2002) apontam
para
a
necessidade
de
uma
maior
atenção
dedicada
ao
desenvolvimento muscular em pacientes pediátricos, visto que de seu
bom funcionamento depende a maioria dos demais sistemas, além de
ser freqüente a ocorrência de fraqueza muscular em indivíduos com
doenças como fibrose cística e insuficiência renal crônica. A própria
fisiologia do esqueleto se vê inevitavelmente vinculada ao sistema
muscular, sendo a carga progressivamente exercida pelo aumento da
força dos músculos, em crianças e adolescentes, um fator decisivo para
o controle biológico da estrutura óssea (Schoenau e Frost, 2002).
O trabalho bem coordenado de toda a musculatura abdominal
permite ainda que o diafragma potencialize sua função de gerador de
fluxo aéreo quando aumenta a demanda respiratória (por exemplo, no
exercício físico), impedindo ainda as distorções posturais torácicas
(Aliverti et al., 1997; Sanna et al., 1999).
A cintura pélvica constitui uma base de sustentação que transmite
o peso do corpo aos membros inferiores, responsáveis pela locomoção.
O equilíbrio sagital da pelve e a manutenção da lordose lombar
fisiológica são determinados pela harmonia funcional entre músculos
abdominais, paravertebrais e a musculatura do quadril, especialmente
glúteos, pelve-trocanterianos e iliopsoas. A deficiência de qualquer
destas estruturas (especialmente evidente na síndrome de prune belly)
compromete a estabilidade das articulações sacro-ilíacas e o equilíbrio
do conjunto, gerando excesso de tônus na musculatura antagonista e,
conseqüentemente, desvios posturais e quadros de lombalgia (Lecoq et
al., 2000; Norris, 1993; Pool-Goudzwaard et al., 2003).
Cholewicki et al. (1999a) evidenciam, a partir de modelos
biomecânicos, que a estabilização lombar prescinde da ativação da
musculatura paravertebral, salvo frente ao esforço ou ao exercício, em
que esta deve se dar em sinergia com os músculos abdominais, que
geram o aumento da pressão intra-abdominal. Um estudo de Moseley et
al. (2002) evidenciou que, na verdade, somente as fibras mais profundas
do músculo multífido atuam nesta função estabilizadora. De fato, DenysStruyf (1996) ressalta que o papel estático destes músculos,
pertencentes à cadeia muscular póstero-mediana (PM), seria tãosomente de erigir o corpo, impedindo sua queda para frente. Qualquer
contração além deste grau constitui um excesso de atividade. Este
conceito vai ao encontro dos pressupostos defendidos por McGill et al.
(2003), que sugerem que a estabilidade deve ser mantida com níveis
modestos,
porém
contínuos,
de
contração
muscular,
vendo-se
comprometida não pela insuficiência de força, mas pela insuficiência de
resistência ou controle motor. Assim, padrões musculares anormais –
notadamente a hiperatividade da musculatura paravertebral - seriam
secundários a uma disfunção biomecânica da coluna, que objetivaria
compensar uma perda de estabilidade, tendo como resultado um quadro
de lombalgia (Larivière et al., 2000). Seo et al. (2003) mostraram ainda
que a diminuição do braço de alavanca e a atividade dos músculos
paravertebrais e reto abdominal aumenta a força compressiva sobre os
discos intervertebrais lombares. Roy et al. (2003), Comerford e Mottram
(2001), Cholewicki et al. (1997, 2000a, 2000b) pontuam, neste sentido,
que disfunções musculares (especialmente dos paravertebrais) e erros
do controle motor constituem possíveis causas para certas desordens
da coluna sacro-lombar e para a lombalgia crônica. Vários autores e
correntes terapêuticas responsabilizam o excesso de tensão na região
posterior e a falta de uma coordenação motora global adequada (que
demandaria um controle motor preciso) pela maioria dos distúrbios da
coluna, desde as lombalgias inespecíficas até as hérnias discais e
espondilolisteses, optando pela conscientização e reaprendizagem
motora como via primordial de reabilitação (Alexander, 1991; Alexander,
1992; Bertherat, 1990; Cranz, 2000; Denys-Struyf, 1983a, 1996;
Feldenkrais, 1988, 1994; Hopper et al., 1999; Kapandji, 1999; Mézières,
1973, apud. Denys-Struyf, 1996; Piret e Béziers, 1992; Souchard, 2001).
Busquet (2001) utiliza uma metáfora interessante:
“As mãos de um pianista não são feitas para transportar um piano. Os
músculos paravertebrais não são feitos para movimentar a coluna,
mas para corrigir constantemente, reequilibrar os deslocamentos
vertebrais. É muito importante compreender que esta musculatura
deve estar relativamente relaxada enquanto os músculos do plano
médio e superficial fazem os movimentos. Os paravertebrais estão
atentos e têm como objetivo corrigir os movimentos e o equilíbrio. Sua
função é qualitativa, e não quantitativa. A musculação não é para
eles. Não tenham jamais a idéia de mandar um pianista fazer
musculação para as mãos” (vol. 1, p. 47).
Cholewicki et al. (2002b) defendem o ponto de vista de que não se
pode identificar um músculo como o mais importante para a estabilidade
da coluna lombar. Segundo os autores:
“A estabilidade estrutural global da coluna é uma função altamente
não-linear de muitas variáveis. Além dos níveis de ativação de todos
os músculos do tronco, a estabilidade da coluna é determinada pela
resistência dos ligamentos das articulações intervertebrais, postura da
coluna e magnitude, direção e condições das cargas externas
exercidas sobre o tronco17” (p. 104).
Eles consideram incorreta a discriminação dos músculos entre
locais (profundos, inter-segmentares) e globais (superficiais, pluriarticulares), como forma de estabelecer uma separação entre
estabilização e movimento (Norris, 1999). Assim como Pinto et al.
(2000), afirmam que, na verdade, ambos os aspectos se interrelacionam, caracterizando um processo que envolve todos os músculos
do tronco, fazendo com que qualquer programa de reabilitação
direcionado à estabilização da coluna deva contemplar a totalidade da
musculatura e seu respectivo controle motor.
O funcionamento global do aparelho locomotor não se dá ao
acaso. Bienfait (1989), Busquet (2001), Campignion (2001) e DenysStruyf (1997) descrevem o processo de solidariedade muscular
determinado pelas fáscias. Através destas redes de tecido conjuntivo, a
tensão é transmitida entre os músculos, que se vêem agrupados em
cadeias, cuja inter-relação e equilíbrio mútuo produzem as diferentes
atitudes posturais observáveis nos seres humanos. Da mesma maneira,
quando há um desequilíbrio (no caso da síndrome de prune belly, entre
a musculatura abdominal e a especificamente respiratória), todo o
17
“(...) the overall structural stability of the spine is a highly nonlinear function of many variables. In addition to
the activation levels of all trunk muscles, spine stability is determined by ligamentous stiffness of the intervertebral joints, spine posture, and the magnitude, direction and end-conditions of external trunk loads”
(tradução livre).
sistema músculo-esquelético precisa se reorganizar, o que gera, na
maioria das vezes, desvios e deformidades posturais.
Os estudos de Hodges et al. (1997a, 1997b, 2000a, 2001b) sobre
a solidariedade entre diafragma e transverso do abdômen, tanto nas
tarefas posturais quanto respiratórias, reforçam a posição de DenysStruyf (1997) e Campignion (2001), que situam ambos os músculos na
mesma cadeia músculo - aponeurótica. Hodges e Richardson (1997,
1999) sugerem que o transverso do abdômen seria um músculo mais
ligado à estabilidade postural, enquanto que os músculos abdominais
superficiais atuariam predominantemente no movimento. De fato,
Denys-Struyf e Campignion classificam o primeiro na cadeia muscular
póstero-anterior, cuja função responde pelo controle anti-gravitário
reflexo, enquanto que os oblíquos pertenceriam às cadeias pósterolateral (oblíquos externos) e ântero-lateral (oblíquos internos), que
respondem essencialmente pela dinâmica. Apenas o reto abdominal,
classificado
na
cadeia
ântero-mediana,
teria
uma
atuação
preferencialmente sobre a estática postural. De qualquer modo, as
pesquisas
apontam
para
o
papel
fundamental
destes
grupos
musculares, não apenas para a biomecânica respiratória, mas para a
organização postural em sua globalidade.
1. 4 - Considerações sobre a organização postural global
“Entre todos os animais, incluindo os mamíferos, o homem é o
único totalmente bípede. Essa característica, que alguns consideram um
privilégio, acarreta um determinado número de particularidades” (Gagey
e Weber, 2000, p. xiii). Sua maior desvantagem é o caráter instável, o
que torna imprescindível o controle permanente (Smart Junior et al.,
2004). A bipedia e, por conseguinte, o ortostatismo constituem o objeto
de estudo daqueles que se dedicam à compreensão da organização
postural humana.
Cabe aqui estabelecer claramente a diferença entre postura e
posicionamento. Uma busca nas bases de dados virtuais com a palavrachave “postura” (ou “posture”, em inglês), fornece uma enorme
quantidade de artigos referentes a questões de posicionamento: postura
em supino, postura em prono, etc. O que se pretende abordar aqui é a
postura como construção do homem em pé, ou seja, a estruturação do
sistema locomotor em sua relação com a gravidade. Assim, a postura
ideal seria aquela que permite maior estabilidade e economia de
esforço, propiciando melhores condições para as funções orgânicas
(Hannon, 2000; Piret e Béziers, 1992).
Certos autores admitem a noção de que esta postura ideal
obedeceria a um padrão único, cabendo ao terapeuta postural adaptar o
paciente a tal modelo (Gagey e Weber, 2000; Lehmkuhl e Smith, 1989;
Souchard, 2001). Nesse sentido, Busquet (2001) sugere que o corpo
obedece a três leis: equilíbrio, economia e conforto. Sendo assim, as
adaptações ocorreriam no sentido de evitar a dor, ou seja, preservar o
conforto, ainda que com prejuízo da economia de esforço. Apesar de
considerar a validade de tal conceito, este trabalho opta por adotar a
premissa de que “cada indivíduo adota uma atitude corporal que lhe é
própria
e
que
deriva
de
sua
vivência
psico-comportamental18”
(Campignion, 1996, p. 108). Smart Junior et al. (2004) sustentam que o
comportamento é inseparavelmente dependente da postura, sendo cada
atitude resultante da exploração do repertório de posturas e movimentos
presente em cada indivíduo. Este conceito está na base das teorias do
método G.D.S. de Cadeias Musculares e Articulares (Denys-Struyf,
1997) e se conecta ao pressuposto de Piret e Béziers (1992), de que
”todo gesto é carregado de psiquismo, e o investimento do fator
psicológico no movimento é análogo ao da motricidade no psiquismo” (p.
13). Assim, estes autores, entre outros, irão partir do princípio de que
não existe uma postura ideal única, mas um equilíbrio tônico que varia
de indivíduo para indivíduo, construído a partir de fatores genéticos,
psíquicos, comportamentais e sócio-culturais, sendo papel do terapeuta
ajudar o paciente a estabelecer um funcionamento harmônico de suas
estruturas corporais, respeitando suas particularidades (Alexander,
1992; Bertherat, 1990; Béziers e Hussinger, 1994; Campignion, 2001;
18
“Chaque individu adopte une attitude corporelle qui lui est propre et qui découle de son vécu psychocomportemental” (tradução livre).
Davis, 1979; Denys-Struyf, 1986; Feldenkrais, 1988, 1994; Keleman,
1992, 2001).
Esta individualização diz respeito não apenas à estática postural,
mas também ao movimento, incluindo a marcha. Tais autores
convergem para a busca do que Denys-Struyf chama de “gesto justo”,
ou seja, a otimização da qualidade mecânica do movimento. Eles
defendem que há tantas maneiras de se realizar um gesto quanto
existem indivíduos, mas que há formas mais ou menos organizadas de
realizá-lo, o que resulta em diferenças no gasto energético e na
solicitação / desgaste das estruturas mio-articulares. O próprio
mecanismo de estabilização da coluna na dinâmica, pela contração
sinérgica bem orquestrada de músculos do tronco, discutido neste
capítulo, permite o que Van Dieën et al. (2003, p. 1835) chamam de
“padrões suaves de movimento”·.
A enorme subjetividade que envolve as questões da estática fica
especialmente evidente no estudo de Dunk et al. (2004), que questiona
a validade de análises posturais computadorizadas para efeito de
diagnóstico. Os autores demonstram que a variabilidade das posturas é
imensa, tanto entre os sujeitos quanto no mesmo sujeito, em diferentes
aferições. A pesquisa sugere que, frente às incontáveis variáveis que
atuam na estruturação da atitude postural, métodos quantitativos de
avaliação se mostram ineficazes do ponto de vista clínico.
Gagey e Weber (2000) descrevem a organização do corpo ereto
em relação à gravidade. Segundo os autores, o centro de gravidade
situa-se “numa região próxima à face anterior da terceira vértebra
lombar, e as plantas dos pés devem suportar sozinhas o peso total
sobre sua superfície estreita” (p. xiii). A construção da postura se dá,
então, a partir do estímulo aos receptores de pressão situados nas
plantas dos pés. O sistema postural fino se compõe de receptores
externos (plantas dos pés, ouvido interno e visão) e internos (fusos
neuromusculares, receptores tendinosos e articulares). Estes mecanoreceptores internos constituem as estruturas proprioceptivas, que geram
informações sobre o posicionamento dos segmentos corporais para o
sistema nervoso central, permitindo a coordenação da atividade
muscular durante a estática e o movimento (Campignion, 2001; Dutton,
2002; Machado, 1998). A informação proprioceptiva proveniente dos
músculos constitui o mecanismo sensório primário que viabiliza o
controle motor (Comerford e Mottram, 2001). Diversos autores apontam
as estruturas proprioceptivas dos membros inferiores, em especial dos
tornozelos, como mantenedoras da organização postural frente a um
desequilíbrio, assim como fornecedoras de informação sobre a
velocidade do centro de massa, o que permite o controle postural
dinâmico por parte do sistema nervoso central. (Allum et al., 1998;
Bloem et al., 2000; Jeka et al., 2004)
Quanto ao sistema visual, privilegiado pelo homem para a
aquisição e tratamento da informação, desempenha um papel crucial,
não apenas para a estruturação da postura, mas também para sua
desestruturação. Ocorre que muitas das deformações posturais tendem
a modificar a posição do pescoço e da cabeça, gerando compensações
que visam sempre resgatar a horizontalidade do olhar (Campignion,
2001; Gagey e Weber, 2000; Guyton e Hall, 1996).
O estudo de Mercer e Sahrmann (1999) dá suporte à idéia de que
“(...) o sistema neuromotor pode gerar uma variedade de soluções para
uma dada tarefa motora19”. Ao desempenhar o início da marcha, seus
sujeitos eletromiograficamente monitorados exibiram o que os autores
chamaram de “sinergias preferenciais”. A esse respeito, McGill et al.
(2003) estabelecem uma distinção entre padrão motor e padrão de
movimento. Segundo os autores, o padrão de movimento constituiria a
descrição cinemática dos segmentos corporais ao produzirem os gestos
necessários para o desempenho de uma determinada tarefa. O padrão
motor representaria a maneira como os músculos são ativados para
realizar a mesma tarefa, geralmente constante para um único sujeito,
porém variável entre sujeitos diferentes. Assim, múltiplos padrões
motores podem gerar um mesmo padrão de movimento, produzindo
efeitos igualmente múltiplos em termos de estabilidade e solicitação
19
“(...) the neuromotor system can generate a variety of solutions for a given motor task” (tradução livre).
articular. De Graaf et al. (2004) assinalam ainda uma distinção entre a
consciência da cinemática do movimento e da força necessária para
realizá-lo, identificável por diferenças no processamento da informação
no sistema nervoso central. Por estas razões, métodos fisioterapêuticos
que enfocam a consciência do movimento e a construção do “gesto
justo” vão se utilizar da reeducação motora para obter uma
reestruturação corporal que contemple, globalmente, a estática e a
dinâmica.
Grasso et al. (2000) demonstraram, ao analisar a marcha humana
em diferentes posições (ereta e curvada para frente), que o equilíbrio é
alcançado às custas de mudanças nos padrões e sinergias musculares,
dado que os parâmetros cinemáticos controlados pelo sistema nervoso
central não se modificam. A partir deste pressuposto, é possível inferir
que sutis alterações posturais – que igualmente deslocam o centro de
massa corporal, ainda que em menor grau – provocarão equivalentes
modificações
nestes
padrões
e
sinergias,
caracterizando
a
particularidade da motricidade de cada indivíduo, de acordo com sua
atitude postural.
Denys-Struyf (1986, 1997) e Campignion (1996, 2001) sustentam
que o corpo, motivado pelo que chamam de “pulsão psico-
comportamental”20, sofre um sutil desequilíbrio em uma dada direção,
alterando ligeiramente a posição do centro de gravidade e deflagrando a
ação de determinado grupo de músculos, visando a recuperação do
equilíbrio
vertical
e
da
horizontalidade
do
olhar.
Denys-Struyf
desenvolveu, a partir desta noção de “pulsões psico-comportamentais”,
seis tipologias corporais, estereótipos que ajudam a perceber a forma
impressa por tais ações musculares compensatórias sobre o corpo do
indivíduo. Os grupos musculares correspondentes constituem os
encadeamentos de tensão mio-fascial que dão nome ao seu método: as
cadeias musculares G.D.S. (figs. 4 e 5).
Denys-Struyf (1997) divide, então, as cadeias musculares entre o
eixo vertical, compreendendo as estruturas póstero-mediana (PM),
ântero-mediana (AM) e póstero-anterior / ântero-posterior (PA-AP), e o
eixo horizontal, representado pelas estruturas póstero-lateral (PL) e
ântero-lateral (AL). Veremos adiante que, neste ponto, suas análises
biomecânicas vão ao encontro dos conceitos desenvolvidos por Piret e
Béziers (1992), sobre o sistema reto e o sistema cruzado. Ao se avaliar
cada uma destas atitudes posturais em relação ao fio de prumo, obtémse um alinhamento distinto, o que gera repercussões diferenciadas
também no comportamento das articulações.
20
A descrição detalhada dos aspectos psico-comportamentais inerentes ao método G.D.S. foge ao escopo desta
pesquisa, que pretende se ater à questão biomecânica, sem contudo negligenciar a importância de tais fatores.
De fato, a mobilidade articular não é um fenômeno generalizado,
isto é, o arco de movimento em uma determinada articulação não pode
ser utilizado como parâmetro global para um indivíduo, o que constitui a
idéia da especificidade da flexibilidade (Araújo, 2004). Um estudo
goniométrico, realizado por Vieira et al. (1999), identificou discrepâncias
nos arcos de movimento de articulações como a talo-crural, coxofemoral
e escápulo-umeral entre indivíduos de diferentes tipos posturais, que
foram agrupados segundo as tipologias descritas por Denys-Struyf
(1986, 1997). Os valores encontrados corroboram com os preceitos do
método, que descrevem, por exemplo, uma diminuição de flexibilidade
na articulação coxofemoral nas tipologias PM e PL, na talo-crural em PM
e na escápulo-umeral em AL.
Figura 4: “As tipologias de Godelieve Denys-Struyf e as cadeias musculares
correspondentes: 6 famílias de músculos para que o corpo possa se expressar, mas que
podem se tornar cadeias de tensão mio-fascial que aprisionam o corpo em uma tipologia21”
(Campignion, 1996, p. 109, com desenhos de Denys-Struyf)
21
“Les typologies de Godelieve Denys-Struyf et les chaînes musculaires correspondantes: 6 familles de muscles
pour que le corps puisse s´exprimer, mais qui peuvent devenir chaînes de tensions myo-fasciales qui enchaînent
le corps dans une typologie” (tradução livre).
Figura 5: Esquema da relação das atitudes posturais descritas por Denys-Struyf com a
linha da gravidade (Campignion, 2001, p. 30)
Segundo Denys-Struyf (1997), o aparelho locomotor compreende
cinco cadeias articulares, uma representada pelo conjunto pelve –
coluna vertebral – tórax – cabeça e outras quatro representadas pelos
membros. Cada articulação do corpo sofre influência de músculos de
todas as cadeias musculares, que promovem a interligação entre as
cadeias articulares. Campignion (2001) lembra que a cadeia articular
revestida de cadeias musculares corresponde ao que Piret e Béziers
(1992) denominam unidade motora, assim como a descrição das
cadeias articulares de Denys-Struyf remete à forma como Piret e Béziers
categorizam as unidades de coordenação (unidades transicionais,
correspondendo às cadeias dos membros, e unidades de enrolamento,
correspondendo à cadeia do tronco). Inevitavelmente, tais similitudes
conduzem a análises biomecânicas semelhantes.
Piret e Béziers (1992) situam a noção de encadeamentos
musculares a partir da abrangência de suas inserções. Isto significa que
os músculos monoarticulares têm uma função segmentar, devendo ser
organizados e coordenados entre si pelos músculos pluriarticulares.
Dentre estes últimos, alguns são chamados “músculos condutores”
(sartório e tibial anterior, por exemplo), por realizarem a transmissão da
contração aos músculos subseqüentes. As autoras descrevem o estado
de tensão, necessário à coordenação motora, como fundado sobre uma
base tripla, que compreende o tônus e o antagonismo muscular, além da
organização de todos os músculos entre si. Tal organização seria capaz
de estruturar o corpo devido à característica esférica dos grupos
articulares (cabeça femoral e acetábulo, cabeça umeral e cavidade
glenóide, por exemplo). As direções oblíquas dos músculos condutores,
agindo sobre tais esfericidades, promovem as associações entre torção
e flexão que caracterizam a organização global. Béziers e Hussinger
(1994) assumem que:
“Enrolamento-torção-tensão permitem que o corpo se organize em
uma unidade estruturada, na qual a criança poderá se apoiar para
avançar em direção ao mundo. É uma organização essencial, sobre a
qual a criança estrutura seu corpo e sua personalidade” (p. 25).
Como forma de sintetizar os conceitos propostos, Piret e Béziers
(1992) elaboram o “princípio da coordenação”:
”A organização mecânica do corpo, fundada no antagonismo
muscular, é construída com base no princípio de elementos esféricos
tensionados pelos músculos condutores que, da cabeça à mão e ao
pé, unem todo o corpo em uma tensão que rege sua forma e seu
movimento, constituindo a coordenação motora” (p. 22).
Uma classificação funcional semelhante foi descrita por Comerford
e Mottram (2001), levando em consideração o caráter ampliado da ação
dos músculos pluriarticulares. Os autores pontuam o fato de que as
disfunções do sistema locomotor ocorrem, em geral, por desequilíbrios
da coordenação global, que deveria se dar a partir da sinergia precisa
de músculos antagonistas, orquestrada por um eficiente sistema
proprioceptivo.
Conforme anteriormente mencionado, a classificação das cadeias
musculares G.D.S. entre os eixos vertical e horizontal encontra um
paralelo, em Piret e Béziers, no conceito de sistema reto e sistema
cruzado. O sistema reto une a chamada abóbada da cabeça à abóbada
da bacia, através de músculos presentes tanto na face anterior como
posterior do tronco, sendo interligados pelo períneo, inferiormente, e
pela musculatura da cavidade oral, superiormente. Tal sistema seria
responsável pelos movimentos de enrolamento e endireitamento do
tronco e correspondem, em larga medida, às estruturas do eixo vertical
de Denys-Struyf. Já o sistema cruzado compreende estruturas
presentes predominantemente nos membros e desempenha a função da
realização
do
movimento
recíproco,
ou
seja,
das
torções,
assemelhando-se, assim, às estruturas do eixo horizontal de DenysStruyf.
O enrolamento (aproximação das abóbadas da bacia e da cabeça)
se dá a partir de músculos que coincidem com a cadeia muscular AM,
como é o caso dos hioidianos, retos abdominais e períneo. Denys-Struyf
(1997) concorda com Béziers e Hussinger (1994) e Piret e Béziers
(1992) sobre a importância de uma boa estruturação deste enrolamento
– e da cadeia muscular AM – na infância, para assegurar um bom
desenvolvimento das demais estruturas. Se, para Piret e Béziers, o
endireitamento só é possível a partir de um enrolamento bem
coordenado, para Denys-Struyf, é a construção de uma estrutura AM de
boa qualidade que impede o excesso de atividade da cadeia muscular
PM (responsável, como visto anteriormente, por um sem-número de
distúrbios) e permite a emergência de uma cadeia PA-AP organizada e
ritmada, o que gera efeitos positivos sobre a postura e a respiração,
conforme já mencionado.
Piret e Béziers estabelecem tais noções no sentido de descrever
os princípios de uma coordenação motora que gere tanto o gesto
organizado quanto a postura bem estruturada. Denys-Struyf parte de
uma
perspectiva
global
da
estática,
realizando
suas
análises
biomecânicas segmentares a partir do comportamento do sistema
locomotor frente a cada diferente construção postural.
Estes
fundamentos
teóricos
constituem
os
alicerces
de
sustentação da prática fisioterapêutica voltada para a estruturação
global da postura. Através destes preceitos, esta pesquisa pretende
mostrar o quanto a função respiratória sofre influências diretas da
biomecânica músculo-esquelética. Fica evidente, em termos do
tratamento de crianças com doenças que acometem a respiração, a
necessidade de não se negligenciar os aspectos ligados ao sistema
locomotor.
Capítulo 2 - CONSIDERAÇÕES SOBRE A ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA
POSTURAL
A abordagem fisioterapêutica postural compreende um conjunto de métodos e técnicas
que visam, em última análise, o reequilíbrio da globalidade do sistema músculo-esquelético.
Sua prática é fundamentada na utilização da cinesioterapia22 e de recursos terapêuticos
manuais. Difere da fisioterapia ortopédica clássica pela ausência de recursos termo-eletro22
Terapia pelo movimento, ou seja, por exercícios.
mecanoterápicos, assim como se distancia das terapias manuais orientais (shiatsu,
reflexologia, medicina ayurvédica, entre outras), por centrar seus preceitos teóricos no estudo
da biomecânica do aparelho locomotor, da propriocepção e da estrutura postural, ao invés de
privilegiar a questão energética. Apesar do foco mecânico, a concepção global assume a forte
influência dos aspectos psico-comportamentais sobre a organização motora, o que se nota
particularmente em métodos como o G.D.S. de Cadeias Musculares e Articulares (DenysStruyf, 1997), a Coordenação Motora de Piret e Béziers (1992), a Técnica de Alexander
(1992), a Consciência pelo Movimento de Moshe Feldenkrais (1988; 1994) e a Eutonia de
Gerda Alexander (1991), sendo menos valorizada na Reeducação Postural Global de P. E.
Souchard (2001), nas Cadeias Musculares de Léopold Busquet (2001) e em técnicas mais
segmentares, como o método Sohier e a Osteopatia. De qualquer modo, ainda que se
considere a importância desta questão, nenhuma destas vertentes se propõe a abordar
diretamente o psiquismo, voltando seu instrumental teórico-prático para a motricidade e a
reeducação corporal. Neste sentido, Bertazzo (1996) comenta:
“Devemos nos preparar para que o gesto não se sobrecarregue de cargas
psíquicas. (...) Ou seja, as chaves de arranque para os movimentos mais
corriqueiros
de
nosso
cotidiano
deveriam
ser
coordenadas
predominantemente mecânicas, e não se submeterem ao controle do
psiquismo” (p. 24).
Muitos destes métodos não foram desenvolvidos, a princípio, por ou para
fisioterapeutas, sendo até hoje largamente utilizados por profissionais de dança e educação
física, ou mesmo isoladamente, no âmbito das terapias corporais, no sentido da promoção de
consciência corporal, da preparação física para atividades artísticas (teatro e dança, por
exemplo) e até mesmo do relaxamento.
Fisioterapeutas interessados na questão postural, entretanto, incorporaram tais técnicas
e conceitos ao seu arsenal terapêutico, tornando possível uma utilização criteriosa que
contemple também os distúrbios ósteo-mio-articulares. Lederman (2001) e Denys-Struyf
(1985a) ressaltam que não existem métodos bons ou ruins. Se o terapeuta aguçar sua
percepção para tornar possível a adaptação da técnica às necessidades do paciente, ele poderá
escolher livremente o método, pois este será eficaz. Se, ao contrário, o terapeuta buscar
adaptar o paciente a uma técnica pré-determinada, sem levar em conta sua individualidade, os
resultados podem ser decepcionantes.
Assim, embora a abordagem fisioterapêutica postural desenvolvida no âmbito do IFF
se fundamente essencialmente nos métodos G.D.S. de Cadeias Musculares e Articulares de
Godelieve Denys-Struyf (1983a, 1983b, 1986, 1992, 1996, 1997) e na Coordenação Motora
de Piret e Béziers (1992) e Béziers e Hussinger (1994), ela incorpora elementos de outras
vertentes terapêuticas, a partir dos recursos da terapia manual e da cinesioterapia.
Buscando chamar a atenção para a necessidade de uma presença mais significativa do
campo em questão na literatura, Cassidy (2003) lança luz sobre o problema da cientificidade,
no que tange aos métodos terapêuticos manuais e ao trabalho corporal, pela dificuldade em se
controlar vieses, em geral extremamente sutis. Da mesma forma, Liebenson e Lewit (2003)
comentam o freqüente questionamento quanto à validade de pesquisas envolvendo a palpação,
método diagnóstico por excelência da terapia manual. Os autores admitem a “dificuldade em
demonstrar sua confiabilidade, por causa da sofisticação e alto nível de habilidade requerida
para desempenhar a técnica”23 (p. 47), ponderando sobre o fato de se tratar de um campo
essencialmente empírico que, em termos de produção científica, vive sua infância. De
qualquer modo, a multiplicidade de variáveis envolvidas, entre heterogeneidade dos sujeitos,
sensibilidade do terapeuta à palpação, relação e feedback entre terapeuta e paciente, entre
outras, torna bastante difícil a reprodutibilidade de estudos sobre o assunto. Em contrapartida,
os autores argumentam que “abandonar um instrumento porque ele é difícil de mensurar não
23
“(...) difficulties in demonstrating reliability because of the sophistication and high level of skill required for
performing the technique” (tradução livre).
faz muito sentido quando nos vemos em um campo em que mais de 85% de nossos pacientes
são rotulados como sofrendo de uma ‘desordem inespecífica’ ”24 (p. 46), valorizando a
indiscutível efetividade clínica dos métodos manuais, especialmente nas disfunções sacroilíacas e nas lombalgias. De fato, Aure et al. (2003) realizaram um importante ensaio clínico
multicêntrico, controlado e randomizado que evidenciava a eficácia da terapia manual no
tratamento de lombalgias crônicas, mostrando resultados melhores do que aqueles obtidos
pela convencional terapia por exercícios.
A terapia manual, com efeito, ocupa uma posição de absoluto destaque entre as
ferramentas utilizadas na abordagem fisioterapêutica postural, especialmente no tratamento de
crianças. Trata-se da “aplicação de forças, pelas mãos, no intuito de mover articulações e
tecidos subjacentes, num esforço de melhorar a função e aliviar sintomas, como a dor”25
(Mercer, 2004, p. 59). O profundo conhecimento da anatomia e biomecânica das estruturas
tratadas é crucial para a compreensão e aplicação das teorias que sustentam esta prática
terapêutica, que compreende uma ampla gama de procedimentos, entre massagens, estímulos
sobre a pele, mobilizações e técnicas reflexas (Campignion, 2001; Mercer, 2004).
Lederman (2001) descreve os fundamentos teóricos desta área de atuação, a partir de
seus efeitos sobre a organização tecidual e neurológica e dos processos psicofisiológicos e
comportamentais envolvidos na questão. Em linhas gerais, as forças mecânicas transmitidas
pela manipulação afetam os tecidos moles diretamente sob as mãos do terapeuta (pele,
músculos, tendões, ligamentos, estruturas articulares e sistemas de fluidos, como vascular,
linfático e sinovial), influenciando os processos de reparo, alterando suas propriedades físicas
e mecânicas (como, por exemplo, no alongamento e normalização de tecidos encurtados, que
conferem maior amplitude ao movimento) e modificando localmente a dinâmica dos fluidos
24
“To abandon a tool because it is hard to measure does not make much sense when we are in a field where
over 85 percent of our patients are labeled as having a ‘nonspecific disorder’ “ (tradução livre).
25
“(...) the application, by hand, of forces intended to move joints and surrounding tissues, in an effort to
improve function and relieve symptoms, such as pain” (tradução livre).
no tecido. Além disso, do ponto de vista neurofisiológico, a terapia manual atua na
organização do sistema motor – em termos de reabilitação de lesões do sistema nervoso
central e do aparelho locomotor – e no tratamento da dor. Os efeitos do toque terapêutico
podem ser verificados ainda no âmbito psíquico, contribuindo para o processo de cura através
de sua ação sobre as emoções, que associam-se a uma “resposta somática padronizada, a
qual pode manifestar-se como alterações inespecíficas generalizadas no tônus muscular,
alterações autônomas generalizadas e alterações na tolerância à dor” (p. 3).
Lederman (2001) ressalta o aprimoramento das capacidades de introspecção,
conscientização e relaxamento possibilitado por esta modalidade terapêutica. Ele atribui a tais
aquisições um papel fundamental para a percepção da postura e do movimento e para o
relaxamento motor, o que contribui sobremaneira para a boa evolução no tratamento. Estas
perspectivas são especialmente caras a métodos como a Técnica de Alexander, o Método
Feldenkrais e a Eutonia, embora perpassem quase todas as vertentes interessadas no humano
em sua globalidade.
É especialmente digna de nota a concepção de Lederman (2001) sobre a influência da
terapia manual sobre o aprendizado motor, através de técnicas de orientação manual e
estímulo à propriocepção, beneficiando-se da plasticidade neuronal. A construção do “gesto
justo”, objetivo terapêutico do método G.D.S., assim como da Coordenação Motora, passa
pela estimulação manual de direções ósteo-mio-articulares, buscando facilitar o aprendizado
motor pela via proprioceptiva. São largamente utilizadas as chamadas “manobras
modelantes”, em que tais direções são impressas no segmento corporal, pela mão do
terapeuta, como se efetivamente “moldasse” a forma bem coordenada. Este recurso foi
bastante utilizado, no âmbito do tratamento das crianças envolvidas nesta pesquisa,
notadamente na confecção dos arcos plantares. A esse respeito, Piret e Béziers (1992)
propõem que:
“A sensação da forma da pele se vincula à imagem de nosso próprio volume
e de seu movimento. A manipulação da pele permite recuperar as imagens
correspondentes.
Sensibilidade profunda e pele nos permitem perceber a forma de
nosso corpo. Assim, nosso próprio volume no espaço tem uma forma
percebida, na superfície, pela pele, e na estrutura, pela sensação
proprioceptiva de sua mecânica e de seu estado de tensão” (p. 30).
Com efeito, Lederman (2001) aponta o aumento do aporte aferente pela estimulação
de vários mecanoceptores e a redução do feedback visual como as formas pelas quais a
propriocepção pode ser aumentada. A estimulação aferente, segundo o autor, se daria por
meio de eventos dinâmicos como massagem, fricção ou vibração. A questão da redução do
feedback visual esbarra em uma prática corriqueira da fisioterapia clássica: a utilização do
espelho como principal recurso para a estimulação proprioceptiva. Ao contrário, o autor
sustenta que a supressão da visão (ou seja, supressão do espelho) faz com que o paciente lance
mão da propriocepção como via de correção e aprendizado do movimento. A maioria dos
métodos posturais contemporâneos assume esta perspectiva.
No que concerne à ação da terapia manual sobre as articulações, cabe lembrar a
diferença entre manipulação e mobilização, dois tipos distintos de movimento articular
passivo. A manipulação constitui a produção de um movimento breve, em alta velocidade
(thrust), que ultrapassa a amplitude articular passiva. Trata-se de uma técnica específica de
métodos como a osteopatia e a quiropraxia, que não será abordada neste estudo. A
mobilização, por sua vez, é largamente utilizada no âmbito da fisioterapia, não apenas nas
questões posturais e ortopédicas, mas também em outras áreas desta disciplina. Trata-se da
aplicação de movimento passivo repetidamente, em velocidades e amplitudes diversas, de
acordo com os efeitos desejados, respeitando os limites impostos pela própria estrutura
(barreira elástica). Promove o alongamento do tecido em torno da articulação, influencia
neuromuscularmente o tônus muscular e estimula a consciência proprioceptiva. A
mobilização por micro-movimentos (alongamentos oscilatórios), por exemplo, atua sobre a
mobilidade acessória que ocorre na intimidade da articulação, reduzindo o desconforto
eventualmente produzido pelo tratamento. Já aquela que atinge um arco de movimento mais
amplo, privilegia a mobilidade angular, ou seja, trabalha a articulação numa dimensão mais
visível, na globalidade do segmento (Dutton, 2002; Gale, 2003; Lederman, 2001).
Além da mobilização, a terapia manual conta com diversas outras ferramentas para a
obtenção do alongamento de um determinado músculo ou grupo muscular. Passivamente,
pode-se proceder ao tracionamento lento, progressivo e cuidadoso do músculo em toda a sua
extensão, para que o tecido sofra alterações de viscosidade, podendo ser realizado de forma
cíclica, isto é, compreendendo períodos de tensão e alívio, além de movimentação (Lederman,
2001). O método G.D.S. preconiza que tal tracionamento se dê de uma inserção à outra, na
direção do ponto fixo estático da cadeia muscular à
qual pertence (Campignion, 2001, 2004)26. No caso dos soleares, por exemplo, o
tracionamento deve ocorrer em direção ao tendão de Aquiles, dado que está incluído na cadeia
muscular PM, que assume ponto fixo na extremidade inferior. Em algumas situações, um
músculo espasmado pode assumir uma ação em “corda de arco”, ou seja, aproximar suas
inserções sem um ponto fixo definido, o que torna necessário o tracionamento e/ou
descolamento do mesmo a partir do centro de seu ventre, simultaneamente na direção de
ambas as inserções (Chatelle, 1985).
Pode-se ainda realizar o estiramento por distanciamento passivo das inserções
musculares, visando a ampliação do arco de movimento. É comum incluir a participação ativa
do paciente, associando-se a esta modalidade procedimentos como o alongamento facilitado, a
26
Apesar de, cinesiologicamente, os músculos poderem assumir diferentes pontos fixos, de acordo com o
movimento realizado, Campignion (2001, 2004) descreve a noção de que, na estática, o equilíbrio entre as
cadeias musculares depende de que cada uma assuma um ponto fixo determinado, com exceção da cadeia AP,
cuja ritmicidade se vincula à capacidade de alternar seus pontos fixos. Assim, as cadeias AM, PM e AL têm
ponto fixo estático sempre inferior, enquanto as cadeias PA e PL têm ponto fixo estático sempre superior.
técnica somática e o alongamento muscular ativo, que têm em comum a solicitação de uma
contração isométrica resistida na amplitude máxima do arco de movimento, seguida da
tentativa de aumentar passivamente esta amplitude, visando não apenas a modificação
viscoelástica tecidual, mas também a promoção do aprendizado sensório-motor. Este tipo de
exercício pode ser realizado de forma ativa livre, ou seja, desempenhado pelo paciente, sem a
participação do terapeuta. Mesmo nesta situação, é comum a manutenção do contato, seja no
sentido de facilitar a manobra, dar suporte a outros segmentos corporais ou, simplesmente,
transmitir conforto e segurança ao paciente (De Deyne, 2001; Dreaver e Provasoli, 2003;
Lederman, 2001; McAtee, 2002).
Campignion (2004) descreve um conjunto de manobras, específicas do método
G.D.S., denominadas “accordages“, em que os músculos de diferentes cadeias são,
literalmente, postos “de acordo” entre si. Trata-se do tracionamento simultâneo de dois
músculos em um mesmo segmento, cada um na direção do ponto fixo estático da cadeia da
qual faz parte. Os glúteos fornecem um bom exemplo: o glúteo máximo (PM) é tracionado no
sentido crista ilíaca - trocânter maior, enquanto o glúteo médio (PL) vai na direção inversa. O
glúteo mínimo (AL), por sua vez, pode ser “acordado” com o glúteo médio, pois segue a
mesma direção do glúteo máximo. A “accordage”, ou seja, a harmonização deste grupo
muscular é fundamental para a boa coordenação da transmissão da tensão entre a coluna
lombar, a pelve e os membros inferiores.
Ainda no âmbito das técnicas manuais, é preciso destacar o descolamento e torção da
pele, no intuito de alongar pregas de tecido conjuntivo, promovendo a mobilidade dos
músculos em relação aos ossos subjacentes. Esta interferência direta, além de facilitar a
liberação de eventual tecido cicatricial, se constitui em uma via altamente eficaz de
alongamento de músculos curtos ou rígidos, sendo necessária a adoção de pouquíssima força
(Campignion, 1996; Lewit, 2003). Barnes (2003) cria a imagem do “homem fáscia” para
demonstrar o quanto a totalidade do organismo se vê interconectada a partir desta teia de
tecido conjuntivo, afirmando que restrições miofasciais originárias da área lombossacra “(...)
podem se espalhar completamente pelo corpo e produzir sintomas, (...) gerando trações
anormais e desequilíbrios na região cervical superior, regiões torácicas ântero-posteriores e
extremidades inferiores posteriores” (p. 456). Estes fatores justificam a necessidade de uma
atuação fisioterapêutica que contemple as sutilezas deste tipo de tecido, através das manobras
de pele comuns aos diversos métodos posturais, associadas às mobilizações articulares
(Alexander, 1991; Béziers e Hussinger, 1994; Campignion, 1996, 2001, 2004; Denys-Struyf,
1986).
O mesmo tipo de processo fisiológico se observa na aplicação de pressão sobre os
tecidos moles, em que um movimento de torção viabiliza tanto a liberação miofascial quanto
um aporte sensorial que, se deflagrado de forma apropriada, possibilita o controle das direções
ósteo-articulares bem coordenadas. Piret e Béziers (1992), Béziers e Hussinger (1994) e
Campignion (2001, 2004) descrevem tais direções e a forma como o terapeuta deve estimulálas, seguindo o princípio das rotações externas proximais e rotações internas distais (por
exemplo, no caso dos membros inferiores, deve-se imprimir à coxa uma rotação externa, à
perna uma rotação interna, ao retropé uma rotação externa e ao antepé uma rotação interna).
Estes descolamentos dos tecidos moles, torções e rotações, em especial no que tange
aos membros inferiores e coluna lombar, juntamente com as mobilizações e exercícios de
alongamento e fortalecimento27, constituem boa parte do foco da abordagem postural
direcionada aos sujeitos desta pesquisa. Apesar de, na prática, estarem centradas
primordialmente nos métodos G.D.S. de Cadeias Musculares e Articulares e da Coordenação
27
Por serem pouco utilizados no contexto das terapias posturais contemporâneas, com exceção dos abdominais,
os exercícios de fortalecimento não serão abordados detalhadamente neste trabalho. O único exemplar desta
modalidade adotado ao longo do estudo foi a atividade apelidada de “elevador” (ver capítulo 4, p. 59). Trata-se
da elevação do tronco a partir do decúbito dorsal, com os pés apoiados no terapeuta, que facilita a manobra pela
ativação do sistema reto da criança, através da preensão das mãos e posicionamento coordenado dos membros
superiores (Béziers e Hussinger, 1994, p. 37).
Motora de Piret e Béziers, tal abordagem encontra suporte e paralelo no conjunto das técnicas
destinadas ao tratamento dos acometimentos posturais, tendo em vista uma percepção do
homem em sua globalidade, tanto quanto ao seu sistema locomotor quanto no que concerne às
suas interações psico-comportamentais e sociais. O valioso recurso da terapia manual
preenche a lacuna deixada por condutas mais reducionistas e mecanicistas, funcionando como
via de acesso a um atendimento integral.
Capítulo 3 – CONSIDERAÇÕES SOBRE A SÍNDROME DE PRUNE BELLY
A síndrome de prune belly (SPB), também conhecida como
síndrome da tríade ou de Eagle-Barrett, é uma doença congênita que se
caracteriza pela ausência, deficiência ou hipoplasia da musculatura
abdominal,
acompanhada
por
anomalia
do
trato
urinário
(predominantemente bexiga aumentada e hipotônica e ureteres
dilatados e tortuosos) e criptorquidismo bilateral (Greskowich e Nyberg
Junior, 1988; Woodard, 1985). Sua incidência é de aproximadamente 1
em 40.000 indivíduos, sendo fortemente predominante no sexo
masculino (95%). Os raros acometimentos do sexo feminino são
considerados como formas incompletas da síndrome (Greskowich e
Nyberg Junior, 1988; Jennings, 2000; Lam e Mehdian, 1999).
As deformidades do trato urinário contribuem significativamente
para a morbidade e mortalidade da doença. Entretanto, apesar de ter
sido por muito tempo relegada a um segundo plano, a deficiência da
musculatura abdominal responde por uma importante participação no
que diz respeito às repetidas infecções respiratórias, à constipação
crônica e à disfunção vesical, freqüentemente associadas à síndrome
(Crompton et al., 1993; Ewig et al., 1996; Greskowich e Nyberg Junior,
1988; Jesus et al., 2000). Além disso, ao longo do crescimento e do
desenvolvimento motor da criança, tal deficiência provoca outras
anormalidades no sistema músculo-esquelético, manifestando desvios
posturais diversos (Lam e Mehdian, 1999). Conforme descrito no
capítulo 1 (p. 2), isto ocorre porque os músculos da face anterior do
tronco agem em permanente equilíbrio mecânico com aqueles da face
posterior, no sentido de manter a verticalidade da pelve e as curvas
fisiológicas da coluna. Uma vez rompido este equilíbrio, a perda do
tônus dos músculos anteriores provocará um excesso de tônus na
musculatura posterior, alterando a organização do esqueleto de forma
global (Béziers e Hussinger, 1994; Denys-Struyf, 1997; Kapandji, 1999;
Lehmkuhl e Smith, 1989; Piret e Béziers, 1992).
Este segmento pretende rever a etiologia e a patogênese da SPB,
assim como aspectos relacionados à biomecânica tóraco-abdominal, ao
desenvolvimento motor e à respiração dos indivíduos acometidos.
3.1 – Etiologia e patogênese
Não existe, até o momento, consenso definitivo sobre a etiologia e
a patogênese da SPB. Diversas teorias vêm, ao longo dos anos,
tentando explicar a origem das anomalias características. Todas elas
apresentam, entretanto, um aspecto comum: a associação da morfologia
da doença a um distúrbio do desenvolvimento intra-uterino.
Em 1959, McGovern e Marshall contrariam a crença prévia de que
o defeito da parede abdominal seria a anomalia primária e defendem
uma etiologia embriológica. Descrevem ainda a obstrução do trato
urinário como outra possível etiologia, que justificaria sua distensão e
dilatação,
pressionando
a
parede
abdominal
e
impedindo
o
desenvolvimento muscular. King e Prescott (1978) confirmam estas
duas teorias como passíveis de justificar o desenvolvimento da
síndrome. Na primeira, um erro mesodérmico primário resultaria tanto na
hipoplasia abdominal quanto nas anomalias genito-urinárias. Na
segunda, a obstrução e distensão de rins, ureteres, bexiga ou uretra,
como
defeito
primário,
originaria
secundariamente
a
falha
no
desenvolvimento da musculatura abdominal. A revisão da literatura
mostra que a discussão ainda gira, predominantemente, em torno
destas duas possibilidades, obstrutiva e embrionária. López et al.
(2000), por exemplo, reafirmam a controvérsia, citando tanto o defeito no
desenvolvimento mesodérmico quanto a obstrução primária do trato
urinário, que provocaria o aparecimento da megabexiga, ocasionando
mecanicamente a distensão abdominal e a criptorquidia.
A hipótese obstrutiva, discutida por Greskovich e Nyberg Junior em
1988, propõe que a hipoplasia do estroma e do epitélio prostático resulta
em fraqueza da uretra prostática, provocando obstrução do trato urinário
com distensão e dilatação. Os autores questionam, entretanto, a falha
no desenvolvimento da parede abdominal como conseqüência da
pressão gerada pela ascite decorrente de tal hipertrofia, dado que o
aspecto do defeito muscular não é homogêneo, raramente se
apresentando na totalidade da parede abdominal.
Artigos mais
recentes, como o de Lam e Mehdian (1999) e o de Kanamori et al.
(2001) sustentam a controvérsia. No que diz respeito a problemas do
desenvolvimento da próstata fetal, Volmar et al. (2003) descrevem casos
de obstrução da junção entre a uretra prostática e a peniana, sendo os
primeiros autores a caracterizarem a fimose como um fator etiológico da
SPB. Todavia, estes autores comentam, baseados em outras leituras, a
dificuldade de encontrar provas concretas de obstrução anatômica.
A teoria embriológica foi discutida por diversos autores e está
centrada em um defeito no desenvolvimento mesenquimatoso. A
explicação para a má-formação, tanto do trato urinário quanto da
musculatura abdominal, na síndrome de prune belly, residiria na origem
comum de tais estruturas no mesoderma defeituoso (Stephens e Gupta,
1994). Uma disfunção no desenvolvimento mesonéfrico entre a quarta e
a sexta semana de gestação afetaria as zonas de origem dos ureteres e
das vesículas seminais. Há controvérsia quanto ao período da vida fetal
em que ocorre o erro do desenvolvimento embrionário. Segundo
Greskovich e Nyberg Junior (1988), uma anormalidade na morfogênese
das diferentes camadas do mesênquima ocorreria no início da terceira
semana gestacional, sendo responsável, simultaneamente, por toda a
configuração da síndrome, dado que, a partir da camada visceral, é
gerada a musculatura lisa para a formação dos ureteres, bexiga,
próstata e uretra; a camada intermediária é a fonte da constituição dos
rins; e a camada para-axial contribui para a formação da musculatura
abdominal. Jennings (2000) considera esta hipótese a mais plausível,
propondo que um distúrbio da diferenciação mesenquimatosa entre a
terceira e a décima semana de gestação resultaria na substituição da
musculatura da parede abdominal por tecido fibroso, assim como no
desenvolvimento anormal da musculatura lisa do trato genito-urinário. O
autor comenta ainda o fato de que um em cada vinte pacientes com a
síndrome são oriundos de uma gravidez gemelar monozigótica, em que
apenas um dos gêmeos é acometido. Uma possível explicação, também
descrita por Greskovich e Nyberg Junior (1988), seria a distribuição
desigual do mesênquima, que privaria um dos gêmeos de condições
adequadas para o desenvolvimento dos músculos abdominais e do trato
urinário. Joller e Scheier (1986) e Lam e Mehdian (1999) acrescentam à
discussão a possibilidade de ocorrer uma falha na migração de
miótomos para a parede abdominal entre a sexta e a décima semana da
vida fetal, lembrando que a unidade muscular abdominal se forma, em
geral, entre a quinta e a 12ª semana. Segundo Volmar et al. (2003),
trabalhos mais recentes concluíram que o defeito mesenquimatoso
primário gera as anormalidades que configuram a síndrome. Por outro
lado, algumas pesquisas, utilizando técnicas modernas, encontraram
obstrução anatômica na maioria dos casos.
De fato, as anomalias do trato genito-urinário, dentre elas a
síndrome de prune belly, parecem advir de uma complexa associação
de fatores etiológicos e patogênicos. Alguns autores defendem a
ocorrência da questão genética. Um extenso artigo de revisão sobre as
anomalias congênitas dos rins e do trato urinário (Pope et al., 1999)
reforça a hipótese da etiologia múltipla, enfatizando, porém, o
componente genético, relacionado ao gene receptor angiotensina tipo 2
(Agtr2), presente em todas as anomalias relacionadas e responsável
inclusive por sua forte predominância no sexo masculino. A ativação dos
receptores angiotensina tipo 2 estaria na origem do defeito embrionário
(mesenquimatoso e mesonéfrico) descrito pelos demais autores. Pope
et al. (1999) não deixam de comentar, a respeito da obstrução como
fator etiopatogênico concomitante, que esta pode ocorrer não somente
pela diminuição da luz de um ducto, mas também por um déficit
peristáltico que comprometa o fluxo urinário. O relato da ocorrência de
um caso de síndrome de prune belly em um par de gêmeos
monozigóticos reforça, de certa maneira, a hipótese do componente
genético (Balaji et al., 2000).
3.2 – Aspectos motores e respiratórios
A SPB muitas vezes inclui anomalias que se somam à clássica
tríade deficiência da musculatura abdominal – má-formação do trato
genito-urinário
–
criptorquidismo
freqüentemente
atingem
os
bilateral.
sistemas
Tais
respiratório
e
anomalias
locomotor,
contribuindo de forma significativa para a morbi-mortalidade nos
pacientes acometidos (Brinker et al., 1995; Loder et al., 1992). Os dois
aspectos serão considerados em conjunto, uma vez que os distúrbios
respiratórios em questão se devem geralmente à disfunção músculoesquelética, à exceção dos casos de hipoplasia pulmonar congênita,
devida à freqüente ocorrência de oligodramnia (Crompton et al., 1993;
Jennings, 2000). De fato, conforme anteriormente mencionado, os
músculos mais diretamente envolvidos na respiração – diafragma,
abdominais, intercostais e músculos da cintura escapular – também
desempenham papel crucial no equilíbrio postural (Campignion, 1996;
Hodges e Gandevia, 2000a, 2000b; Ricci et al., 2002).
É preciso lembrar ainda que o déficit muscular abdominal
compromete a função pulmonar e a capacidade de expectoração, sendo
em larga medida responsável pela ocorrência de infecções respiratórias
repetidas. Crompton et al. (1993) apontam diversas razões pelas quais a
função pulmonar pode ser afetada na SPB, incluindo distúrbios da
mecânica do tórax, como escoliose, deformidades da caixa torácica e a
própria fraqueza muscular abdominal. Embora a disfunção renal possa
também originar problemas respiratórios, os autores encontraram
distúrbios desta função na maioria dos pacientes com a síndrome,
independentemente
da
presença
de
problemas
renais.
Foram
observados casos de aprisionamento de ar, assim como de doença
restritiva. Em ambos os casos, o problema deve-se à questão muscular,
que inviabiliza uma biomecânica respiratória harmônica. Segundo Ewig
et al. (1996), entretanto, os indivíduos acometidos pela SPB apresentam
leve deficiência dos volumes e capacidades respiratórias, compatível
com uma vida social normal, somente promovendo, talvez, hábitos mais
sedentários, dada uma pequena dificuldade no que diz respeito à prática
de exercícios físicos. Os autores defendem a realização de fisioterapia
respiratória e motora, no sentido de otimizar as ações musculares e
melhorar a capacidade aeróbica e a performance na atividade física.
Por outro lado, não se pode esquecer que a doença promove um
evidente prejuízo do mecanismo de tosse, que dificulta a expectoração e
favorece o acúmulo de secreções pulmonares. De fato, as infecções
respiratórias de repetição são responsáveis por grande parte das
internações hospitalares e dos óbitos dos pacientes que sobrevivem ao
período neonatal (Brinker et al., 1995; Jennings, 2000; Woodard, 1985).
No que concerne aos distúrbios ortopédicos, é digna de nota a
freqüente ocorrência de pectus excavatum, escoliose, displasia do
quadril, pé torto congênito e torcicolo congênito (Brinker et al. 1995;
Green et al., 1993; Joller e Scheier, 1986; Loder et al., 1992; Salihu et
al., 2003). Green et al. (1993) ressaltam que as deformidades torácicas
não deveriam ser consideradas como distúrbios ortopédicos, dado que
sua etiologia está vinculada ao aspecto biomecânico, ou seja, resultam
de desequilíbrios nas ações musculares. Ainda que alguns autores
defendam que as escolioses presentes na síndrome sejam idiopáticas,
Lam e Mehdian (1999) associam-nas ao desequilíbrio crônico da
musculatura que influencia a coluna vertebral. Quanto aos demais
eventos, todos os autores apontam para o desconhecimento dos fatores
etiopatogênicos. Brinker et al. (1995) sugerem que, possivelmente, o
mesmo mecanismo de pressão dos órgãos genito-urinários dilatados
que impede o desenvolvimento da parede abdominal seja responsável
pelas alterações na coluna vertebral, pelve e membros inferiores. De
fato, não se pode esquecer a profunda inter-relação entre os músculos
diretamente envolvidos na síndrome e as estruturas músculoaponeuróticas que atuam sobre estas regiões.
Estas considerações fornecem um panorama do que se tem
publicado em termos das disfunções relacionadas aos aparelhos
locomotor e respiratório na SPB. Uma tentativa de relacionar tais
aspectos aos fatores etiopatogênicos levantados tenderia a estender o
defeito no desenvolvimento embrionário às estruturas ósteo-musculares
correlatas. Isto poderia, talvez, confirmar a associação entre as
alterações ortopédicas congênitas observadas e a solidariedade entre
as estruturas da mecânica corporal, dado que envolvem, em geral, a
pelve e a coluna vertebral. Mais pesquisas seriam necessárias,
entretanto, para que se pudesse determinar, com maior clareza, se a
etiologia da síndrome realmente determina tais alterações, ou se estas
estariam mais diretamente ligadas à função biomecânica, como ocorre
com as deformidades torácicas.
De qualquer modo, é fato que a questão músculo-esquelética não
deve ser negligenciada no que tange à SPB. O funcionamento
satisfatório do aparelho locomotor é fator determinante para a boa
função respiratória e motora dos pacientes acometidos, contribuindo
decisivamente para a melhora de sua qualidade de vida.
PARTE 2
NARRATIVA DO TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO DE
QUATRO CRIANÇAS COM SÍNDROME DE PRUNE BELLY
Capítulo 4 – A CONDUTA FISIOTERAPÊUTICA DIRECIONADA A CRIANÇAS
COM SÍNDROME DE PRUNE BELLY NO IFF
A fisioterapia direcionada às crianças com síndrome de prune belly (SPB), no IFF,
caracterizou-se, a partir de março de 2001, pela aplicação do que chamamos de “dupla
abordagem”. Isto significa que cada sessão se desdobrava em pelo menos duas etapas,
realizadas no mínimo por dois fisioterapeutas distintos: um atendimento em fisioterapia
respiratória, conduzido pela equipe do Ambulatório de Fisioterapia Respiratória do IFF, em
que predominavam as condutas classificadas como “convencionais” ou “clássicas” (Hill e
Webber, 1999; Postiaux, 2004), e um atendimento em terapia postural, conduzido pela autora
desta pesquisa, baseado essencialmente nos métodos de Cadeias Musculares e Articulares de
Godelieve Denys-Struyf (1997), e da Coordenação Motora de Suzanne Piret e MarieMadeleine Béziers (1992). A alternância entre tais condutas variava conforme cada
conjuntura, podendo mesmo haver um retorno a uma abordagem previamente realizada.
O propósito deste capítulo é descrever os procedimentos adotados em ambas as
vertentes, no sentido de estabelecer um cenário que permita a melhor compreensão dos
capítulos que se seguem, em que se desenvolverá a narrativa do tratamento de quatro crianças
contempladas com esta “dupla abordagem”.
4. 1 - A abordagem postural
“A liberação miofascial, a manipulação da articulação, o exercício de terapia, a terapia de movimento
e a facilitação melhoram o alinhamento vertical do corpo, provendo mais espaço para o funcionamento
apropriado de estruturas ósseas, nervos, músculos, vasos sangüíneos e órgãos” (Barnes, 2003, p. 455).
Dado que as características ortopédicas das quatro crianças que participam desta
pesquisa são, em diversos aspectos, semelhantes, é natural que haja uma coincidência de
condutas em boa parte das sessões de tratamento fisioterápico postural, ainda que adaptadas
às especificidades de cada caso. Este segmento pretende apresentar os diversos tipos de
manobras e exercícios utilizados em tais sessões.
É importante ressaltar que, mesmo quando determinada conduta visa atingir uma
região corporal específica, não há uma dissociação do contexto global, ou seja, a intenção é
sempre estimular a coordenação deste segmento com a totalidade do sistema locomotor.
Assim, será possível observar manobras que, apesar de focarem uma articulação em
particular, envolvem todo o corpo em sua execução. Tendo em mente esta idéia, a
organização da descrição das condutas se dará pela região que constitua seu foco principal,
ainda que traga importantes benefícios também para outras áreas.
Nos quatro casos que serão apresentados, o tratamento se iniciou pela restauração da
mobilidade da articulação coxofemoral. Béziers e Hussinger (1994) afirmam que:
“a posição da bacia, da coluna vertebral e dos membros inferiores
(portanto, a estática do corpo em seu conjunto) dependem da mobilidade da
articulação do quadril e de sua posição. Por isso é tão importante favorecer
ao máximo a mobilidade e a amplitude dessa articulação, antes que a
criança consiga ficar em pé” (p. 32).
De fato, a rigidez28 da articulação do quadril exacerba o dinamismo das articulações da
coluna lombar e sacro-ilíacas (normalmente mais estáveis), que se vêem obrigadas a participar
excessivamente de movimentos cotidianos, como sentar, levantar e abaixar, entre outros
(Denys-Struyf, 1983b, 1985b, 1996; Kapandji, 1999). Denys-Struyf (1996) pontua ainda que,
“quando o quadril tem suas amplitudes limitadas, os joelhos compensam, as sacro-ilíacas, a
lombo-sacra e toda a coluna lombar também29” (p. 126). Os métodos de reeducação postural
28
Segundo Campignion (2001), a rigidez articular se diferencia da anquilose por corresponder ao resultado de
uma retração exagerada dos músculos peri-articulares, limitando a amplitude do movimento, podendo não-raro
conduzir a uma anquilose (“La raideur articulaire est d´avantage le résultat d´une contrainte exagérée de la
part des muscles péri-articulaires qui en limitent l´amplitude de mouvement. Il n´est pas rare que la raideur
conduise dans um deuxième temps à l´ankylose”) (p.118).
29
“Quand la hanche limite ses amplitudes, les genoux compensent, les sacro-iliaques, la lombo-sacrée et toute
la colonne lombaire aussi” (tradução livre).
dispõem de diversos recursos para restauração da mobilidade coxofemoral, dentre os quais
foram utilizados predominantemente:
a) mobilização passiva de cada articulação, tanto em micro-movimentos como ao
longo de todo o arco de movimento;
b) alongamento (passivo e ativo) da musculatura pelvi-trocanteriana;
c) alongamento global da musculatura pelvi-trocanteriana e da coluna vertebral;
d) mobilização ativa das articulações, associada ao alongamento da coluna vertebral.
É preciso ressaltar o caráter essencialmente lúdico da abordagem, em que sons,
canções e brincadeiras eram sempre associados aos diversos exercícios. Assim, os três
primeiros procedimentos ficaram conhecidos pelos meninos como a brincadeira do “caracol”,
sendo acompanhados pela canção infantil “Desencaracolando”30. A imagem deste animal se
conjuga com a sensação provocada por tais atividades, que promovem uma postura de
enrolamento (foto 1). Em pouco tempo, não só o grupo de crianças com síndrome de prune
belly sabia de cor e pedia repetidamente que eu cantasse a “música do caracol” , como outras
crianças, pacientes do ambulatório, também queriam participar da “brincadeira”...
30
A versão musical do poema “Desencaracolando”, da educadora Maria Mazzetti, foi composta por Denise
Mendonça e gravada, pelo Grupo Olá, em 1980.
Foto 1: Alongamento dos músculos pelvi-trocanterianos - “O Caracol”
O quarto tipo de exercício é conhecido pelas crianças como “Borboleta voa”. O
movimento ativo simula o bater de asas do inseto, até que, sob o comando “A borboleta
dormiu”, realiza-se o alongamento da coluna, recomeçando o primeiro movimento quando a
borboleta “acordou!” (fotos 2 e 3).
A organização dos membros inferiores era também promovida pelo estímulo das
torções ósseas fisiológicas por tracionamento passivo, nas direções propostas por Piret e
Béziers (1992) e Béziers e Hussinger (1994), como se pode observar na figura 6.
Foto 2: Mobilização das articulações coxofemorais e alongamento da musculatura periarticular –
“Borboleta voa”
Foto 3: Associação do alongamento da musculatura paravertebral – “A borboleta dormiu”
Figura 6: Direções das torções ósseas nos membros inferiores e músculos condutores (Piret e
Béziers, 1992, p. 76)
A confecção dos arcos plantares, bem como o alongamento dos tríceps surais e dos
ísquio-tibiais, se davam essencialmente por manobras passivas de terapia manual, conforme
descrito no capítulo 2. A brincadeira do “parabéns” visava trabalhar a coordenação dos pés.
Consistia em segurar uma caneta (que fazia o papel de “velinha”) com os pés,
longitudinalmente, mantendo a coesão entre o primeiro e o quinto raios (metatarso +
falanges), e levar esta caneta à posição vertical, situação que necessariamente provoca a
formação tanto dos arcos longitudinais quanto dos arcos transversos. A posição deveria ser
mantida enquanto cantávamos o “parabéns”, podendo ser desfeita após soprada a “velinha”.
Se a caneta não estivesse vertical, “queimaria” a cama... Os tríceps surais, popularmente
conhecidos como “batata da perna”, eram alongados passivamente ao som de “batatinha frita
1, 2, 3!”. Uma série de jogos de palavras em torno desse “tema” conferia uma certa diversão a
um momento a princípio tedioso para a criança.
As sessões incluíam também manobras para coordenação e fortalecimento dos
músculos abdominais, com o objetivo de otimizar e potencializar a ação das fibras musculares
eventualmente presentes na criança. Passivamente, procedia-se à estimulação reflexa dos
diferentes músculos (por tracionamento sobre a pele), na direção de seus pontos fixos
estáticos. Quanto aos exercícios ativos, duas modalidades de atividades eram realizadas: a
“brincadeira do elevador” e a “brincadeira da bola”.
“Elevador” é o apelido de um exercício baseado na conduta proposta por Béziers e
Hussinger (1994) para trazer o bebê do decúbito dorsal para a posição sentada, a partir do
estímulo do enrolamento por ativação do sistema reto (fotos 4 e 5). A cada “sobe e desce”, a
própria criança podia escolher os diversos lugares para onde ficticiamente iria (por exemplo:
desce até o mar, sobe fugindo do tubarão; desce até a floresta, sobe fugindo do leão; desce até
a pracinha, sobe no escorrega, etc.).
Foto 4: Exercício abdominal (“elevador”)
Foto 5: “Elevador” - detalhe da organização dos braços para facilitação do trabalho abdominal
A “brincadeira da bola” consistia em segurar uma bola com as plantas dos pés e levála até as mãos da fisioterapeuta, posicionadas acima do abdômen da criança.
A coluna vertebral e a musculatura posterior eram privilegiadas em atividades como a
“marionete” ou “cordinha” e o “carrinho”. As duas primeiras, que estimulavam a ereção ativa
e consciente da coluna vertebral, na verdade, constituem essencialmente o mesmo exercício,
apenas com diferentes roupagens. Na primeira modalidade, as mãos deveriam subir numa
cordinha imaginária, como se fossem até o teto; na segunda, a criança representava o títere,
suspenso pela terapeuta / titeriteiro por fios imaginários, opondo esta sensação à da marionete
que “desmonta”, pois os fios foram soltos (fotografia 6). Ambas as atividades estimulavam a
ação anti-gravitária da musculatura para-vertebral (Busquet, 2001; Campignion, 2001; DenysStruyf, 1997), através da elevação dos braços com a conseqüente verticalização da pelve e
diminuição das curvas da coluna, a partir da posição sentada. A utilização de duas imagens
diferentes permite prolongar a conduta sem enfadar a criança.
A brincadeira do “carrinho” se assemelha muito à da “borboleta”. Parte da mesma
posição da “borboleta dormindo”, porém as mãos vão “caminhando” para frente, ampliando o
alongamento da musculatura para-vertebral e, principalmente, dos grandes dorsais. Para
otimizar os resultados, a pelve da criança era estabilizada passivamente, para que não
perdesse contato com a maca. Quando o menino estivesse de posse de algum brinquedo
(muitas vezes eles levavam carrinhos, caminhõezinhos, etc.), o mesmo era utilizado na
atividade: a criança deveria segurar o brinquedo com ambas as mãos, na posição de
“borboleta”, e deslizá-lo pela maca até “bem longe”, produzindo o mesmo efeito. A inclusão
de um objeto que, na maioria das vezes, era escolhido pela própria criança para ser levado ao
hospital, conferia ao exercício uma atmosfera lúdica ainda mais acentuada.
Foto 6: Exercício de ereção da coluna vertebral: A “marionete” desmontou...
O trabalho sobre o tórax, cinturas escapulares e coluna cervical se dava de forma
predominantemente passiva, através de manobras de alongamento, descolamentos e
mobilização dos tecidos moles, liberação miofascial, tracionamentos e outras técnicas reflexas
sobre a pele, no sentido da coordenação motora (Béziers e Hussinger, 1994; Piret e Béziers,
1992) e da harmonização das cadeias musculares (Campignion, 2001, 2004; Denys-Struyf,
1997).
A distribuição de todas estas técnicas ao longo das consultas variava para cada criança,
sendo respeitada, sempre que possível, a sua vontade. Assim, muitas vezes, o próprio paciente
conduzia a sessão, indicando a “brincadeira” que gostaria de desempenhar a seguir31. Dessa
maneira, a criança experimentava uma autonomia que singularizava a abordagem, fazendo-a
sentir-se, de certa forma, responsável pelo próprio tratamento. Esse aspecto se mostrou,
indubitavelmente, fundamental para a obtenção de melhores resultados.
4. 2 - A abordagem respiratória
“A fisioterapia respiratória supre a deficiência dos mecanismos de defesa do aparelho
respiratório, (...) que se manifesta pelo estado de obstrução brônquica resultante de uma alteração do
transporte mucociliar” (Postiaux, 2004, p. 119).
Este segmento se propõe a descrever sucintamente os procedimentos realizados pela
equipe de fisioterapia respiratória do IFF em crianças com SPB. Não se trata de um inventário
das condutas preconizadas pela fisioterapia respiratória clássica, tampouco daquelas utilizadas
no ambulatório de maneira mais ampla, mas somente daquelas dirigidas especificamente às
referidas crianças. Assim, estarão ausentes recursos largamente difundidos na literatura
especializada (MacDonald, 1999; Postiaux, 2004; Shepherd, 1998; Tecklin, 2002), como o
flutter, os espirômetros de incentivo, a drenagem autogênica, entre outros, por não serem
adotados nestes casos, quer pelas demandas da própria doença, quer pela idade do paciente,
31
Uma vez que as sessões sempre se iniciavam com procedimentos de terapia manual, que preparavam o corpo
da criança para o conjunto de exercícios subseqüentes, a ordem de adoção dos mesmos não interferia, na maior
parte das vezes, nos resultados do tratamento. Isso permitia respeitar, freqüentemente, o desejo da criança quanto
ao momento da realização de cada conduta.
ainda que façam parte do arsenal de técnicas utilizadas pela equipe em crianças acometidas
por outras enfermidades respiratórias (fibrose cística, asma, etc.).
Dentre as três grandes áreas32 de atuação da fisioterapia em crianças com doença
respiratória, descritas por Tecklin (2002), a equipe do IFF privilegia indubitavelmente a
higienização brônquica (remoção de secreções), em suas diversas modalidades, desde a
drenagem postural até a aspiração. De fato, as sessões se concentravam predominantemente
nesse aspecto, incluindo exercícios respiratórios de forma ocasional. A equipe não se propõe a
contemplar o recondicionamento físico, optando por orientar os responsáveis a encorajar a
atividade física fora do ambiente hospitalar.
O principal recurso de avaliação adotado pela equipe era a ausculta pulmonar, que
permitia identificar a presença de excesso de muco, através dos diferentes tipos de ruídos
adventícios e da diminuição do murmúrio vesicular. A freqüência semanal das crianças ao
ambulatório gerava uma certa “intimidade” dos fisioterapeutas em relação ao padrão de
ausculta de cada um, facilitando a detecção precoce de qualquer alteração. A avaliação do
esforço respiratório, através do alargamento nasal, oscilação da cabeça e recrutamento
excessivo da musculatura acessória da respiração, também constituíam importantes fontes de
informação para os profissionais, além da verificação da eficiência da tosse (MacDonald,
1999; Tecklin, 2002).
Quanto aos atendimentos propriamente ditos, iniciavam-se, quase sempre, pela
aerossolterapia nebulizada por compressor, “único modo de inalação capaz de preparar a
higiene brônquica da criança” (Postiaux, 2004, p. 140). Apesar de, no princípio, a assim
apelidada “fumacinha” causar certo desconforto à criança, seu caráter indolor fazia com que
rapidamente passasse a ser bem tolerada. Ao cabo de algum tempo, os quatro “protagonistas”
32
Remoção de secreções; exercícios respiratórios e retreinamento; e recondicionamento físico (p. 428).
deste estudo seguravam por conta própria a máscara de nebulização e eram capazes de
detectar e anunciar o fim do procedimento.
Dentre as diferentes técnicas de higienização brônquica, destacavam-se métodos
tradicionais, como “posicionamento para drenagem das vias aéreas; técnicas manuais para
eliminação das secreções; e remoção das secreções pela tosse e pela sucção das vias aéreas”
(Tecklin, 2002, p. 429), assim como procedimentos mais contemporâneos, que seguiam
basicamente o chamado Ciclo Ativo de Técnicas Respiratórias (ACBT33), denominação que
reúne três tipos de condutas: os exercícios de controle respiratório e de expansão torácica,
assim como as técnicas de expiração forçada (IPG/CF34, 2002).
A drenagem postural utiliza a gravidade como agente de mobilização do excesso de
secreções, levando o muco das regiões pulmonares periféricas para as mais centrais. Trata-se
de posicionar a criança de sorte que o segmento pulmonar identificado na avaliação esteja
situado superiormente aos brônquios que suprem esta área (Shepherd, 1998; Tecklin, 2002).
Junto com a percussão, este método constituiu, até a década de 80, a pedra fundamental da
fisioterapia respiratória. Apesar de ser essencialmente um método passivo, a equipe
costumava associar à drenagem exercícios do ACBT, em especial a técnica de expiração
forçada (TEF) e técnicas de tosse dirigida/eficiente, variação descrita por MacDonald (1999).
No que tange às técnicas manuais de percussão e vibração, eram utilizadas
principalmente a compressão ao final da expiração, a percussão por meio de percussor
mecânico e a vibração na fase expiratória (MacDonald, 1999; Shepherd, 1998; Tecklin,
2002). Hill e Webber (1999), como também o manual do IPG/FC (2002), situam tais condutas
simultaneamente à drenagem postural, porém a equipe do IFF opta por evitar o excesso de
desconforto para a criança, realizando a percussão mecânica preferencialmente na posição
sentada. Se o paciente estivesse recebendo a manobra pela primeira vez, o profissional
33
34
Active Cycle of Breathing Techniques
International Physiotherapy Group for Cystic Fibrosis
habitualmente lhe mostrava o funcionamento do aparelho, até mesmo aplicando-o nas mãos,
antes do tórax, para que a criança percebesse antecipadamente a sensação de “tremor” e não
se assustasse.
As chamadas “técnicas expiratórias forçadas”, que compreendem a TEF propriamente
dita, a tosse provocada e a tosse dirigida, (MacDonald, 1999; Postiaux, 2004) eram
amplamente adotadas. Com efeito, o aprendizado da tosse constituía um item fundamental do
tratamento, realizado normalmente como última etapa do atendimento (salvo quando a
aspiração se fazia necessária).
A tosse dirigida só pode ser adotada quando a criança já é capaz de cooperar, o que já
se verificava nos quatro meninos incluídos neste estudo ao final do processo (em 2003, o mais
jovem completou três anos). Nesta manobra, a criança desempenha, voluntariamente, um
esforço de tosse, na posição sentada, a partir da solicitação do fisioterapeuta. A equipe
habitualmente lançava mão de um recurso descrito por MacDonald (1999) como “técnica de
compressão abdominal durante a tosse”, que consiste em colocar a palma da mão sobre o
abdômen do paciente, para ajudar seu esforço expiratório. Trata-se de uma alternativa
direcionada a pacientes com fraqueza abdominal por doenças neuromusculares ou lesão
medular, que se aplica perfeitamente aos casos de SPB. Os quatro meninos inclusive
aprenderam a realizar tal pressão abdominal com as próprias mãos, utilizando-a
espontaneamente para facilitar sua tosse, não apenas durante a sessão de fisioterapia, mas nas
mais diversas situações.
No que diz respeito à tosse provocada ou reflexa, a técnica mais utilizada no
ambulatório era a chamada “cócega traqueal”, ou seja, a indução da tosse através de “um
movimento circular ou vibratório dos dedos contra a traquéia, uma vez que ela percorre além
da chanfradura do esterno” (Tecklin, 2002, p. 431), estimulando os receptores mecânicos
situados na parede da traquéia extratorácica, preferencialmente no final da inspiração ou no
início da expiração espontânea (Postiaux, 2004). A resposta inevitavelmente imediata desta
manobra terminou por fazer com que as crianças desenvolvessem o hábito de levar a mão ao
pescoço, simulando-a, sempre que lhes fosse solicitada a tosse.
O ACBT, conforme mencionado acima, compreende três tipos de procedimentos
interligados. O controle respiratório consiste na realização de ciclos respiratórios relaxados,
com as mãos do fisioterapeuta sobre a parede torácica da criança, no sentido de permitir a
percepção da dilatação da parte inferior do tórax. Os exercícios de expansão torácica
constituem três ou quatro respirações profundas, com ênfase na inspiração, o que facilita a
mobilização das secreções, podendo ser acompanhadas de percussões e/ou vibrações sobre a
parede torácica. A TEF é uma combinação de uma ou duas expirações forçadas (huffs) e
períodos de controle respiratório. O huffing com baixos volumes pulmonares favorece a
eliminação do excesso de muco, especialmente nas vias aéreas periféricas. Quando as
secreções atingem as vias mais proximais, um huff ou tosse de grande volume pulmonar ajuda
a promover o clearance completo (IPG/CF, 2002; MacDonald, 1999; Postiaux, 2004; Tecklin,
2002). Embora MacDonald (1999) considere esta técnica adequada apenas a crianças com
idade superior a quatro anos, o IPG/CF (2002) recomenda que esta seja aplicada a partir de
dois anos. Os participantes desta pesquisa começaram a realizá-la progressivamente, de
acordo com seu crescimento, já sendo todos capazes de executá-la.
Em casos onde a tosse é ineficaz na tarefa de remover as secreções brônquicas, revelase indispensável a aspiração, caracterizada pela introdução de uma sonda no nariz da criança
(ou na traqueostomia, o que não é o caso dos pacientes em questão), com a liberação do vácuo
somente durante a lenta retirada da mesma. Procede-se à aspiração de ambas as narinas e,
finalmente, da boca (MacDonald, 1999; Shepherd, 1996). Tecklin (2002) ressalta a
necessidade de uma abordagem cuidadosa, frente aos riscos apresentados pela conduta
(hipóxia, traumatismos, vômito, etc.), ainda quando realizada sob as melhores circunstâncias.
Trata-se, indubitavelmente, do mais desconfortável e doloroso recurso da fisioterapia
respiratória
pediátrica,
devendo
sempre
ser
utilizado
como
última
alternativa.
Lamentavelmente, mostra-se com freqüência necessário na SPB, embora a melhora no
aprendizado da tosse e a estabilização do quadro respiratório das quatro crianças envolvidas
neste trabalho tenha reduzido bastante a assiduidade de sua adoção.
Apesar da natureza absolutamente diversa dos dois tipos de abordagem aqui expostos,
foi possível verificar, ao longo do período de tempo compreendido neste estudo, o
indiscutível benefício obtido pelos pacientes, a partir da adoção simultânea destas duas
vertentes de tratamento fisioterapêutico. Partindo do princípio de que todas as técnicas são
úteis, desde que adaptadas às necessidades de cada indivíduo, Denys-Struyf (1985a) lembra
que é imperativo aguçar a percepção e a observação para identificar o sofrimento do paciente,
especialmente quando se trata de bebês, em que a única fonte de informação é o registro
corporal desse sofrimento – dado que a palavra ainda não se faz presente. A autora propõe,
então, que a dinâmica de uma equipe de terapeutas remeta à de uma orquestra, podendo “cada
interventor tocar sob a mesma partitura, evitando opor-se diretamente à contribuição do
outro35” (p. 4).
Assim, a “dupla abordagem fisioterapêutica” se consolidou, no ambulatório de
Fisioterapia Respiratória do IFF, a partir de uma efetiva “dupla demanda”, isto é, da
necessidade de se contemplar, simultaneamente, os acometimentos respiratórios específicos e
o suporte à organização psicomotora global de cada uma das crianças envolvidas. O
entendimento do lugar que cada uma poderia ocupar no contexto da saúde destes pacientes
possibilitou a interação harmônica entre vias terapêuticas tão distintas.
35
“(...) peut amener chaque intervenant à jouer à l´aide de la même partition, en évitant de contrecarrer ce que
l´autre a donné” (tradução livre)
Os capítulos que se seguem contém o relato narrativo da experiência de tal interação,
no tratamento fisioterapêutico dos quatro meninos escolhidos para protagonizar esta pesquisa.
As histórias serão expostas a partir do olhar da abordagem postural (vertente adotada pela
autora deste trabalho). No que tange ao âmbito hospitalar, a abordagem respiratória já
conquistou uma posição irrevogável, contando com uma percepção razoavelmente bem
delineada de seu papel frente a crianças com doenças pulmonares. Estas narrativas pretendem
sugerir um outro desenho, em que uma abordagem mais globalista possa lançar luz sobre a
importância de uma boa estruturação postural e motora para a saúde e qualidade de vida de
tais crianças.
Capítulo 5 - BORRACHINHA, NÃO!
Quando ingressei no Serviço de Fisioterapia Respiratória do IFF, em fevereiro de
2001, para tratar questões posturais em pacientes com asma, tais pacientes dividiam o espaço
(e o dia da semana), com o grupo de crianças com síndrome de prune belly, cujos pais se
encontravam em intensa mobilização, no sentido de constituir uma associação organizada
para a troca de informações, viabilização de atividades de lazer e, principalmente,
fortalecimento do grupo no âmbito do hospital. Em março, a fisioterapeuta responsável pelo
“Ambulatório de Terça-Feira” me convidou a avaliar estas crianças, acenando com a proposta
que se tornaria meu objeto de estudo ao longo dos anos que se seguiriam: a parceria entre as
abordagens postural e respiratória no atendimento ao paciente com SPB.
Meu primeiro contato com o grupo se deu através de Kiko, menino prestes a completar
três anos, assíduo freqüentador do Ambulatório de Fisioterapia Respiratória. A mãe,
Fernanda, era a mais ativa “militante” da organização da associação. Sua adesão à idéia do
duplo atendimento foi imediata e Kiko se mostrou uma criança bastante receptiva ao trabalho.
5. 1 - Breve história clínica
De acordo com os dados colhidos no prontuário do IFF, Kiko nasceu nesta instituição
em março de 1999, a termo, pesando 3080 gramas, apresentando mega-ureter bilateral e
refluxo vésico-ureteral grau V bilateral, pelo que foi imediatamente submetido a
vesicostomia. Tal quadro veio a ser responsável por incontáveis episódios de infecção do trato
urinário (ITU), com a primeira internação ocorrendo pouco mais de um mês depois da alta
pós–nascimento. A vesicostomia teve de ser refeita em novembro do mesmo ano, quando
nova internação por ITU se fez necessária. Em abril de 2000, permaneceu mais 15 dias
internado pela mesma razão.
Em agosto do mesmo ano, foi submetido a reimplante ureteral bilateral, com plástica
ureteral e fechamento da vesicostomia. Três meses depois, apresentou retenção urinária,
sendo novamente internado para realização de cateterismo de alívio intermitente. O exame
urodinâmico evidenciava grande aumento da capacidade da bexiga, sem nenhuma
contratilidade. A cistouretrografia miccional de controle pós-operatório mostrava refluxo
vésico-ureteral grau I à direita e grau IV à esquerda. Apresentou ITU pós-reimplante em
dezembro de 2000 e em maio de 2001, quando necessitou ser reinternado. Esta internação
estendeu-se por quase dois meses, dos quais 23 dias foram passados na UPG (Unidade de
Pacientes Graves). Tratou-se de um período crítico, em que Kiko esteve submetido à
ventilação mecânica por 15 dias e em que se percebeu piora da função renal bilateral,
especialmente à esquerda, sendo realizadas ureterostomia esquerda e reconfecção da
vesicostomia.
Em junho de 2003, foi realizada nova internação por 14 dias, devido a um quadro de
pneumonia.
Kiko permanece em acompanhamento ambulatorial nos setores de Nefrologia,
Cirurgia Pediátrica, Pneumologia, Urodinâmica e Fisioterapia Respiratória, tendo sempre
mantido um desenvolvimento compatível com a idade.
5. 2 - Vou contar uma história!
Fernanda tornou-se uma espécie de referência no IFF. Quando nasce uma criança com
síndrome de prune belly, os pais são logo encaminhados para uma conversa com ela, por
vezes mesmo quando o nascimento se dá fora da instituição. Melhor do que os profissionais
de saúde, ela é capaz de esclarecer dúvidas sobre certos cuidados com a criança no cotidiano,
além de orientar sobre onde e como confeccionar a indispensável cinta elástica, dependendo
da idade da criança, colocando-se sempre disponível para trocar experiências, relatos,
informações. Chegou mesmo a conseguir patrocínio de uma fábrica de cintas femininas para
que todas as crianças do grupo tivessem acesso a produtos de qualidade feitos sob medida.
Incansavelmente dedicada, trata-se de uma mulher que estudou a fundo o problema de
seu filho e se vê familiarizada com tudo o que diz respeito a ele, inclusive a terminologia
utilizada pelos diversos profissionais que lidam com a sua saúde. Quanto ao funcionamento
do IFF, Fernanda o conhece intimamente, estando sempre pronta a ajudar quem quer que seja.
A equipe da fisioterapia costuma brincar com ela, dizendo-lhe que deveria ser contratada pela
instituição para ficar no corredor orientando os usuários. Profissionais dos mais diversos
setores conhecem mãe e filho pelo nome. Fernanda retomou, em 2001, a faculdade de
Pedagogia, interrompida quando Kiko nasceu com sérios problemas de saúde, tendo em
mente que, àquela altura, seu desenvolvimento pessoal viria a trazer benefícios também para
sua relação com ele. Sua preocupação com a formação do filho fez com que, apesar do
orçamento apertado, ela e o marido fizessem uma assinatura de TV a cabo, para que o menino
tivesse acesso a programas mais educativos do que os da TV aberta. Apesar dos novos
compromissos progressivamente assumidos, sua prioridade continua sendo a saúde de Kiko.
Todo esse relato tem o objetivo de evidenciar uma das razões pelas quais Kiko se
tornou uma criança segura e bem estruturada, capaz de enfrentar as dificuldades com coragem
e bom-humor. A presença forte e ativa da mãe contribui, indubitavelmente, para a
personalidade marcante desta criança que, se por um lado entra intempestivamente no
ambulatório, sorrindo e gritando: “Oi pessoal! Cheguei!!!”, por outro diz que, quando crescer,
quer ser o Hulk, para destruir o hospital.
Foi a atitude participativa de Fernanda e o carisma de Kiko que fizeram com que eu
fosse apresentada à dupla em primeiro lugar, em março de 2001. Na ocasião, Kiko vinha
sendo acompanhado pela equipe de fisioterapia respiratória, no sentido de promover a
otimização da higiene brônquica, facilitar o mecanismo de tosse e prevenir pneumonias.
A primeira avaliação postural evidenciou, apesar de um desenvolvimento psicomotor
bastante satisfatório, alterações significativas, passíveis de se tornarem um obstáculo para a
continuidade deste bom desenvolvimento e para a qualidade de vida desta criança. O exame
físico revelou forte retração na musculatura lombar, glútea e pelvi-trocanteriana, provocando
hiper-lordose lombar, anteversão pélvica e rotação externa das articulações coxofemorais e,
conseqüentemente, da globalidade dos membros inferiores, como também foi possível notar,
posteriormente, nas demais crianças avaliadas. Resultava de tais distúrbios uma importante
diminuição da mobilidade coxofemoral, o que, além de comprometer a organização postural
como um todo, visto que as articulações coxofemorais representam o eixo fundamental da
biomecânica humana (Campignion, 2001; Piret e Béziers, 1992), dificultava também
atividades funcionais como correr, pedalar, etc. É digna de nota ainda a ocorrência de pé
plano bilateral, alteração presente nas quatro crianças incluídas neste estudo, bem como o
excesso de tônus do tríceps sural, ocasionando retração do tendão de Aquiles. Apesar de ser o
pé torto congênito a anomalia ortopédica que mais freqüentemente acomete os pés dos
indivíduos com síndrome de prune belly, manifestações mais leves são também reportadas na
literatura (Brinker et al., 1995; Green et al., 1993; Loder et al., 1992).
Foto 7: Kiko, vista anterior, março de 2001
Foto 8: Kiko, perfil direito, março de 2001
As fotografias 7 e 8 permitem observar, além destes aspectos, aqueles relativos à
conformidade torácica e da cintura escapular. Nota-se uma forte elevação dos ombros, com
diminuição do espaço cervical. A caixa torácica se apresenta propulsionada anteriormente e
com uma horizontalização do esterno, configurando o que Campignion (1996) descreve como
um tórax com grande diâmetro ântero-posterior por excesso da cadeia muscular pósteromediana (PM), justificável pela incapacidade da musculatura abdominal de manter a
verticalidade tanto torácica quanto pélvica, o que gera de fato uma ação em corda de arco da
musculatura paravertebral, fechando os espaços intercostais na região posterior – o que
acentua sua abertura na região anterior - e mantendo o sacro em nutação, ou seja,
horizontalizado em relação aos ilíacos (Figura 7).
Figura 7: Tipologia com predominância da cadeia póstero-mediana, evidenciando horizon-talização do
esterno e do sacro e trabalho em corda de arco dos para-vertebrais (Campignion, 1996, p. 124)
Iniciou-se, então, o trabalho de reeducação postural, paralelo à conduta respiratória,
inaugurando um sistema que viria a se tornar comum a todas as crianças inseridas no projeto.
O paciente receberia as duas abordagens na mesma visita ao ambulatório, variando a ordem
de aplicação segundo suas próprias condições. Por vezes, uma situação respiratória mais
grave até mesmo desaconselhava a abordagem postural, circunstância que era naturalmente
respeitada. Por outras, a conduta global preparava o corpo da criança, facilitando o trabalho
sobre a respiração. Em muitas ocasiões, a fisioterapia pulmonar sucedia a postural, porém,
devido à grande tensão emocional e, conseqüentemente, corporal, deflagrada pelos
procedimentos respiratórios, se fazia necessário um retorno ao trabalho global, no sentido da
readequação postural e da reorganização psicomotora da criança. Já em outras situações, as
condições músculo-esqueléticas dificultavam a conduta pulmonar, que era interrompida e
então retomada, após o trabalho postural. Houve ainda momentos em que a aplicação prévia
da abordagem respiratória inviabilizou a segunda abordagem, tamanho o nível de stress e o
consumo energético provocado no paciente. De fato, esta questão foi bastante discutida entre
os profissionais envolvidos: qual das abordagens deveria preceder a outra? Sem obter
respostas categóricas, chegou-se à conclusão de que, realmente, deveriam ser levadas em
conta as condições da criança em cada contexto, sendo possível alternar e repetir as condutas,
quando necessário.
Não pretendo detalhar aqui os procedimentos realizados pela fisioterapia respiratória
sobre os pacientes que fazem parte desta pesquisa. Habitualmente, eles seguem os princípios
descritos no capítulo anterior. Interessa particularmente ao escopo deste estudo a contribuição
da abordagem postural para a performance motora da criança e para a otimização dos
resultados da conduta pneumo-funcional sobre seu quadro respiratório.
Conforme mencionado acima, Kiko já havia conquistado o ortostatismo e a marcha
quando iniciou seu tratamento postural. Tais aquisições funcionais, entretanto, se deram sobre
estruturas mio-articulares mal organizadas, tornando necessário um processo de
reestruturação da motricidade, que teve como foco primário a flexibilização das articulações
coxofemorais (em especial a esquerda). Os métodos de reeducação postural dispõem de
diversos recursos para restauração de tal mobilidade articular, que foram descritos no capítulo
anterior. Kiko respondeu muito bem a todas as atividades propostas, mostrando divertir-se
com as sessões de fisioterapia e começando a apresentar resultados satisfatórios já no
princípio do tratamento.
Apenas dois meses depois (em maio de 2001), todavia, Kiko necessitou de internação
por ITU, como mencionado acima, permanecendo em estado grave por um longo período,
parte do qual submetido à ventilação mecânica. A abordagem fisioterapêutica postural foi
interrompida, porém mantive visitas regulares à UPG, no intuito de preservar o vínculo já
estabelecido com a criança e sua mãe, facilitando a posterior continuidade do trabalho. De
qualquer modo, àquela altura, a relação estabelecida com a “dupla”, já tornava inevitável
minha preocupação e interesse. Minhas visitas não continham exatamente um teor
profissional, na maioria das vezes tratava-se tão somente de conversar com Fernanda e dar
carinho a Kiko...
Foi, porém, uma oportunidade ímpar de perceber a força da conexão entre mãe e filho.
Kiko não dizia uma palavra, mas a comunicação que desenvolvia com a mãe através do olhar
era de uma expressividade impressionante. Fernanda permaneceu ao lado do filho durante os
dois meses de internação, transmitindo-lhe segurança e amor, e Kiko respondeu com uma
recuperação que, apesar de tida como improvável, o conduziu à alta e à retomada de sua vida
normal (exceto pela confecção da vesicostomia e da ureterostomia). Fora do alcance de visão
do filho, porém, Fernanda confessava sua angústia, sua dificuldade para dormir e o quanto se
sentia profundamente temerosa em relação ao prognóstico de Kiko.
Pouco mais de um ano depois, Kiko novamente demonstrou a qualidade da estrutura
de seu psiquismo, em um episódio que imediatamente me remeteu às situações presenciadas
na UPG. Fernanda encontrava-se fortemente resfriada, com as vias aéreas congestionadas. A
fisioterapeuta respiratória lhe ofereceu, então, uma nebulização, que seria realizada durante o
atendimento postural de Kiko. O menino estava de costas para a mãe neste momento, fazendo
seus exercícios, então chamei sua atenção para ela. Ao vê-la com a máscara, estando o
aparelho em funcionamento, sua expressão foi de grande surpresa, e ele esboçou uma risada.
Em seguida, tornou-se subitamente sério, segurou a mão de sua mãe e disse: “Calma, mamãe,
segura na minha mão. Já vai passar, pronto, já vai passar”.
De fato, sua condição de paciente com síndrome de prune belly
faz com que tenha sido inevitavelmente submetido, desde o nascimento,
a uma série interminável de internações hospitalares, cirurgias e
procedimentos ambulatoriais e laboratoriais os mais diversos. O que é
extremamente interessante de se observar é sua resposta positiva ao
suporte emocional fornecido pela mãe.
Neste contexto, cabe citar um procedimento específico da
abordagem pneumo-funcional, que causa absoluto terror entre os
pequenos pacientes: a aspiração das secreções brônquicas. As crianças
do ambulatório sabem até mesmo qual a gaveta em que se guarda o
material de aspiração (por Kiko denominado “borrachinha”), o que gera
reações de pavor ao simples abrir desta gaveta.
Certa vez, Kiko estava recebendo atendimento postural (que jamais inclui a aspiração),
quando outra fisioterapeuta abriu a gaveta para aspirar a paciente da maca ao lado. Kiko
começou a chorar e gritar: “Borrachinha não! Borrachinha não!”. Sua mãe imediatamente o
acariciou explicando que a “borrachinha” não era para ele, que a “tia Renata” não usa
“borrachinha”. Kiko se acalmou, mas em momento algum desviou sua atenção dos
movimentos da outra fisioterapeuta, que preparava a aspiração. Quando este procedimento
teve de ser iniciado, foi preciso – como de hábito – que a criança fosse contida pela mãe e por
mais uma profissional e, no instante em que a fisioterapeuta ia introduzir a sonda na paciente,
Kiko começou a incentivá-la: “Vai! Vai! Vai!”. Não se pode deixar de ressaltar a mudança em
sua expressão facial que, se antes denotava apreensão, medo e expectativa, transfigurou-se em
raiva.
Este caso ilustra de maneira singular a concepção de Winnicott (1978a), que liga o
conceito de agressão às idéias de atividade e motilidade, sendo fundamental para a
estruturação do desenvolvimento emocional. A atividade / motilidade viabiliza a descoberta
do meio ambiente, porém, quando o meio ambiente invade o bebê, esta motilidade se
manifesta como uma reação à invasão, e não mais como fonte de experiências individuais.
Kiko vivenciou, durante toda a sua vida, sucessivos episódios de invasão – física e
emocional. A aspiração é, em si, um procedimento especialmente violento, pois é realizada
através de uma sonda introduzida profundamente na narina do paciente para remover
secreções brônquicas. O mecanismo de sucção provoca uma sensação de “roubo” do ar
respirado, além da própria dor oriunda do atrito da sonda nas vias aéreas (em crianças, é
muito difícil evitar este atrito, pois nem a contenção impede completamente seus
movimentos). Além disso, quando a sonda é finalmente retirada, ainda resta a outra narina, e
depois a boca... Como a criança naturalmente se debate e chora, na tentativa de livrar-se do
sofrimento, ela precisa ser fortemente contida, o que constitui uma outra forma de invasão. Do
ponto de vista do paciente, trata-se, portanto, de uma conduta potencialmente ameaçadora da
integridade física e da existência emocional, ainda que seus objetivos e resultados – em
termos biofísicos - sejam extremamente benéficos, e ainda que a criança experimente uma
posterior sensação de bem-estar pela melhora de sua função respiratória.
Assim, quando Kiko se identifica com o agressor (fisioterapeuta) e incentiva o
procedimento doloroso na criança ao lado, a crueldade expressa uma possibilidade de resposta
aos ataques do meio ambiente. Em outra ocasião, Fernanda relatou um comentário da
professora de Kiko, impressionada com sua resposta à pergunta: o que você quer ser quando
crescer? O menino respondeu: “Quero ser o Marcos [fisioterapeuta respiratório do IFF], para
enrolar [no lençol], segurar, e aspirar!”, afirmação acompanhada de um gestual bastante
agressivo. Em outro momento, declarou, no ambulatório, que gostaria de ser o Hulk, para
destruir o hospital... É importante lembrar que Kiko é, em geral, um menino doce, bemhumorado e carinhoso. Segundo Winnicott (1978b), uma criança que se desenvolve em um
meio que se adapta suficientemente bem às suas necessidades, alcança uma integração do self
de tal sorte que a agressividade emerge de maneira pontual, podendo a criança retornar
posteriormente ao seu estado normal.
Assim, a agressividade surge positivamente como uma resposta e uma defesa de Kiko
frente a um meio-ambiente cronicamente hostil. Este tipo de atitude é complementada – e não
contraposta – pelo episódio da nebulização de Fernanda. O fato de que seja possível reagir
ativamente a uma agressão e, ao mesmo tempo, conhecer a importância de um gesto de
consolo e carinho delineia a capacidade de Kiko se estruturar em seu desenvolvimento
emocional e organizar sua personalidade de maneira saudável. É evidente que tudo isso
corrobora para que seu desenvolvimento motor encontre vias mais fáceis e bem estruturadas.
Não se pode negligenciar a influência, descrita por inúmeros autores, que os aspectos psicocomportamentais exercem sobre a atitude postural e a motricidade (Alexander, 1991; Béziers
e Hussinger, 1994; Campignion, 1996; Denys-Struyf, 1997; Lederman, 2001).
Enfim, retomando a questão estritamente fisioterapêutica, o trabalho de reeducação
motora foi reiniciado após a alta hospitalar de Kiko, a princípio concentrando-se nas
articulações coxofemorais e membros inferiores, mas rapidamente evoluindo para atividades
que envolvessem a musculatura abdominal, o tórax e a cintura escapular. É importante
assinalar que a vesicostomia e a ureterostomia constituíam um obstáculo para condutas
terapêuticas manuais que envolvessem a região lombo-sacra, dado que se fazia necessária a
permanente manutenção de uma fralda protegendo a área. Mesmo assim, diversas manobras
puderam ser adaptadas e realizadas, sem prejuízo para o tratamento da criança.
Cabe lembrar que a proposta lúdica norteava a terapêutica, sendo responsável, em
larga medida, pela adesão ao tratamento. Condutas não convencionais, estranhas ao ambiente
do ambulatório, eram adotadas, no sentido de promover segurança, aconchego e conforto à
criança, além de facilitarem a abordagem da terapeuta. Destaca-se a utilização da maca como
se fosse um tatame, permitindo que as manobras fossem realizadas com o paciente no colo, o
que produzia um efeito inusitado e divertido sobre ele (foto 9).
Foto 9: Abordagem lúdica, fevereiro de 2002
Em junho de 2002, a descoberta de uma displasia bilateral do quadril de um dos
meninos (a ser descrita no capítulo 6) motivou a realização de radiografias do quadril de todas
as crianças com síndrome de prune belly vinculadas ao ambulatório – e não apenas das quatro
que participam desta pesquisa. Deve-se recordar que a luxação congênita do quadril é uma
anomalia freqüente na síndrome, conforme foi exposto no capítulo 3. Como se pode verificar
na fotografia 10, Kiko não apresentava alterações ósseas na pelve, o que sem dúvida facilitou
o trabalho de reeducação motora nesta região.
Foto10: Kiko, radiografia do quadril em vista antero-posterior (AP), junho de 2002
Nesta época, Kiko começou a apresentar-se excessivamente agitado e, algumas vezes,
desobediente. Foi então preciso dosar carinho e brincadeira com uma certa firmeza na
imposição de limites, o que permitiu a manutenção da qualidade do trabalho. Em todos os
momentos em que a “bronca” se fez necessária, obtive total apoio da parte de Fernanda. O
caráter participativo de Kiko, que passava as sessões inteiras “tagarelando”, evoluiu para um
certo “ciúme”, manifesto pela constante reivindicação de “Deixa eu falar!”, sempre que a
conversa não o incluía. Em certas ocasiões, Kiko buscava incessantemente monopolizar as
atenções durante toda a sessão, contando diversas histórias infantis (aprendidas com a mãe ou
na escola), uma após a outra, à sua maneira, repetindo a cada vez: “Vou contar uma história!”.
Foi um período em que Fernanda se mostrava bastante ansiosa e impaciente, passando a
receber atendimento psicoterápico no IFF. A mesma psicanalista começou também a
acompanhar Kiko, separadamente, suspeitando de possíveis sinais de hiperatividade.
No que concerne aos resultados da terapia postural, Kiko obteve excelente resposta
quanto à estruturação global de seu corpo, como se pode observar pela comparação entre a
fotografia 11 e a fotografia 8 (p. 75). Nota-se uma sensível diferença na organização
muscular, especialmente nos membros inferiores. A modificação no posicionamento da
cintura escapular e coluna cervical, adquiridas através de técnicas manuais passivas, são
melhor apreciadas na fotografia 12. De fato, Kiko passou a apresentar uma organização
escápulo-umeral bastante satisfatória, assim como obteve um acentuado aumento de seu
espaço cervical. Na época do registro destas imagens, tanto a mãe quanto a fisioterapeuta que,
originalmente, me apresentara à criança (porém havia se afastado do ambulatório por um
longo período), espontaneamente manifestaram seu espanto quanto à mudança na
apresentação do pescoço de Kiko. O feedback da referida fisioterapeuta foi bastante
interessante, pois o trabalho postural se dá de maneira lenta e progressiva, fazendo com que a
convivência diária mascare um pouco a percepção da evolução. Assim, somada ao registro
fotográfico contínuo, a visão de alguém que não estivesse em contato constante com a criança
nos proporcionou um bom parâmetro do progresso do tratamento.
Foto 11: Kiko, vista anterior, agosto de 2003
Foto 12: Kiko, agosto de 2003, observação da cintura escapular e pescoço
A otimização do trabalho da musculatura abdominal, por outro lado, cursou com
resultados menos evidentes. A severa hipoplasia abdominal apresentada por Kiko dificultava
bastante a realização do exercício do “elevador” (foto 13), assim como da “brincadeira da
bola”. Kiko tendia a utilizar suas mãos para ajudar a elevar as pernas, mas acabou
respondendo bem à instrução de mantê-las “coladas” na cama. Ainda assim, este aspecto
continua a demandar maior atenção no âmbito do tratamento. É importante acrescentar,
entretanto, a contribuição do estímulo da musculatura abdominal para a melhora do quadro de
constipação crônica.
Foto 13: Kiko tem dificuldades com o exercício do “elevador”
Ao longo de todo esse período, Fernanda empreendeu uma incessante busca pela
“cinta ideal”. Experiências com tecidos e formatos diversos, troca de idéias com as outras
mães, enfim, uma série de tentativas que terminavam tendo, cada uma, seu defeito. A cinta
elástica (foto 14) constitui, na verdade, um dilema: quente, apertada, difícil de adaptar,
impossível de manter na posição correta, mas ainda assim Kiko – bem como os outros
meninos – se sente extremamente desconfortável e desprotegido sem ela. Todas as mães
relatam que seus filhos lhes pedem para pôr a cinta. Entretanto, o melhor material e a forma
ideal de confeccioná-la, de modo que confira sustentação da pelve ao tórax, sem “escorregar
para baixo”, sem promover desconforto e sem dificultar a remoção quando a criança precisar
ir ao banheiro, ainda se revelam um “mistério”. Enquanto não se soluciona tal problema,
continua-se a improvisar, testar, experimentar. Espera-se que em breve consigamos – mães e
terapeutas – chegar a uma conclusão mais definitiva sobre o assunto.
Foto 14: Dificuldade na adaptação da cinta elástica
Kiko atualmente freqüenta a pré-escola normalmente e realiza todas as atividades
funcionais compatíveis com sua idade. Chegou ao final do ano de 2003 aguardando novas
cirurgias eletivas, em especial o fechamento da vesicostomia e da ureterostomia e,
possivelmente, uma plástica abdominal. O acompanhamento psicoterápico foi interrompido,
porém Kiko tem se mostrado menos agitado (sem perder, é claro, seu temperamento alegre e
falante). Permanece freqüentando semanalmente o ambulatório de fisioterapia, recebendo
sempre a dupla abordagem.
Capítulo 6 - ELE FAZ SOZINHO...
Conheci Léo em março de 2001, logo após conhecer Kiko. Ele estava então com três
anos e apresentava um quadro respiratório relativamente estável, apesar de já ter passado por
períodos de acentuada gravidade, segundo o relato da fisioterapeuta e da mãe.
No princípio, a adesão ao tratamento foi boa o suficiente para que se pudesse obter
resultados satisfatórios (e para permitir sua inclusão nesta pesquisa), porém o trabalho se
restringia àquele realizado nas sessões: por mais que se explicasse a importância da
continuidade em casa, Fabiana sempre alegava falta de tempo e de disponibilidade para fazer
os exercícios com seu filho. Além da inefetividade da orientação domiciliar, as faltas às
sessões eram relativamente freqüentes e, quando presente ao ambulatório, Fabiana se
mostrava sempre apressada, querendo que a consulta terminasse o mais rápido possível. Não
se pode afirmar, contudo, que se tratasse de uma questão de descaso, pois, se por um lado
havia uma certa negligência, por outro o tratamento jamais foi efetivamente interrompido,
além de que Léo e sua irmã se apresentavam sempre bem arrumados, estudavam em escola
particular (apesar das dificuldades financeiras) e Fabiana esteve sempre apta a fornecer
quaisquer informações sobre o cotidiano e a saúde do filho.
A entrevista realizada pela profissional do Serviço Social do IFF à época do
nascimento evidenciou um contexto familiar um tanto conturbado. A gravidez foi dificilmente
aceita, pois o casal passava por sérias dificuldades financeiras, uma vez que, na ocasião, o pai,
único provedor, se encontrava desempregado. Ainda que, antes do nascimento de Léo, tivesse
conseguido um novo emprego, a situação sócio-econômica da família se encontrava “no limite
do atendimento às necessidades básicas dos membros”.36 O acompanhamento do menino
durante a internação esbarrava na necessidade de assistência à filha mais velha, então com três
anos. A entrevista com o pai constatou que, apesar de mostrar-se sensibilizado com todo este
quadro, não apresentou alternativas para viabilizar uma presença mais constante de Fabiana
36
Segundo o parecer da profissional do Serviço Social, de 24 de novembro de 1997.
junto ao filho. No que diz respeito, posteriormente, ao tratamento fisioterapêutico, ele jamais
compareceu ao ambulatório e, segundo Fabiana, não se interessava muito pelos assuntos
ligados aos tratamentos de Léo.
Em 2002, o casal se separou, ficando o contato de Léo com seu pai restrito aos fins de
semana alternados, quando Fabiana se mostrava sempre insegura, temendo que o ex-marido
não fosse capaz de executar corretamente as medidas relativas à saúde do filho (higienização
da vesicostomia, colocação da cinta elástica, administração de medicamentos, etc.). Segundo
ela, era o próprio Léo, acostumadíssimo a todos os procedimentos, quem tinha de orientar o
pai. Muitas vezes, nestes fins-de-semana, ele terminava por levar o menino para pernoitar na
casa da mãe.
Esta conjuntura poderia, talvez, explicar a dificuldade para a adesão a um tipo de
tratamento que, efetivamente, demandava tempo e deslocamento como nenhum outro no IFF
(as consultas na Pneumologia, Cirurgia Pediátrica, etc. se davam de forma muito mais
esporádica). Ainda assim, pode-se afirmar que Léo se beneficiou consideravelmente da
aplicação da dupla abordagem fisioterapêutica. Após um longo período de estabilidade
clínica, ele se encontra atualmente liberado da fisioterapia respiratória. Permanece, contudo,
freqüentando o ambulatório quinzenalmente (sempre que possível...), para as sessões de
trabalho postural.
6. 1 - Breve história clínica
De acordo com os dados colhidos no prontuário do IFF, a ultra-sonografia fetal de Léo
já evidenciava hidronefrose e oligodramnia severa, sugerindo válvula de uretra posterior.
Nasceu nesta instituição em novembro de 1997, a termo, pesando 2380 gramas, de parto
cesáreo por sofrimento fetal (taquicardia fetal), apresentando urinoma na região anterior do
rim direito, discreta dilatação do rim esquerdo, ureteres dilatados e tortuosos, espessamento da
bexiga, hidronefrose moderada e refluxo vésico-ureteral grau IV, tendo sido caracterizado o
diagnóstico de síndrome de prune belly. O exame ao nascimento evidenciou teste de Ortolani
positivo bilateralmente37. Foi realizada pielostomia direita no oitavo dia após o nascimento.
No dia seguinte, procedeu-se à punção do urinoma e, seis dias depois, confeccionou-se a
vesicostomia, permitindo a alta hospitalar (um mês após o nascimento). Evoluiu com um
quadro de insuficiência renal crônica, ITU e pneumonias / atelectasias de repetição,
responsáveis por um total de 18 internações até outubro de 2000, com passagens pela UPG
em maio de 1998 e em fevereiro de 2000, ambas por infecção respiratória, demandando
ventilação mecânica. Nesta fase, chegou a fazer fisioterapia respiratória com uma freqüência
de três a quatro vezes por semana. Em dezembro de 1997, Léo foi internado para
compensação renal e tratamento de ITU, pois foi interrompida a administração da medicação
(citrato de sódio), por falta de condições econômicas para adquiri-la. Um parecer da assistente
social, de setembro de 1998, pontua a angústia expressa por Fabiana no que se refere às várias
internações e cirurgias a que seu filho vinha sendo submetido. Em janeiro de 2000, após um
diagnóstico de exclusão funcional do rim direito, foi realizada nefrectomia com conservação
de 1/3 distal do ureter direito.
Manteve-se em boas condições de saúde durante os anos de 2001 e 2002. A mãe
relatou inclusive que “ele esteve menos doente em 2000 do que nos anos anteriores”. Em
janeiro de 2003, finalmente fechou-se a vesicostomia. Léo aguarda ainda uma cirurgia de
reimplante ureteral esquerdo.
Apesar de seu desenvolvimento psicomotor ter se dado com atraso, Léo apresenta hoje
uma motricidade normal, mesmo com as limitações impostas por seu quadro clínico e
ortopédico. Vem sendo acompanhado, entretanto, nos serviços de Endocrinologia e Nutrição,
devido a um déficit de crescimento (estatura e peso inferiores ao percentil 5). Em todas as
37
Caracterizando luxação congênita do quadril (Cipriano, 1999; Wever, 1998).
consultas ambulatoriais, Fabiana refere pouco apetite e baixo peso do menino. Léo mantém
ainda vínculos, no IFF, com os setores de Cirurgia Pediátrica, Pneumologia, Nefrologia,
Pediatria, Urodinâmica e Fisioterapia Respiratória.
6. 2 - Eu solto pipa, sabia?
Léo é o típico menino levado. Morador de uma casa no subúrbio, não foi criado como
uma criança “doente”: cresceu brincando na rua com os outros meninos. Sistematicamente,
comparecia às sessões cheio de arranhões e pequenos hematomas, aos quais sempre
correspondia uma história orgulhosamente narrada: “Este dodói foi porque eu caí, correndo
com meu primo. Este machucado, foi que eu tentei entrar em casa pela janela, e caí...”
Recentemente, estive conversando com Fabiana sobre a impressionante agilidade e
desenvoltura do menino, e ela ponderou: “As outras mães [do grupo de SPB] protegem
demais os filhos, eu sempre quis criar o Léo mais livre, nunca tive medo de deixar ele brincar,
jogar bola, subir no escorrega... Acho que por isso ele é mais solto que os outros”. Sempre
cheio de novidades, o menino conta, animadamente, que tem até uma cinta azul [de
neoprene], para poder entrar no mar. Tendo aprendido com o pai a fazer pipas de diversas
cores e tamanhos, não lhe falta energia para correr um dia inteiro atrás delas, e muito menos
para narrar tais peripécias.
De fato, Léo se mostrou, a princípio, o mais comprometido dos quatro meninos do
ponto de vista ósteo-mio-articular, porém sua evolução em termos funcionais é
impressionante. Pode-se atribuir tal progresso à escolha da mãe no que tange à criação e
educação. Não se deve, entretanto, negligenciar a participação do próprio Léo, cuja esperteza,
inteligência, vivacidade e “jogo de cintura” representaram um papel fundamental para o bom
andamento do processo.
Em março de 2001, o primeiro exame do aparelho locomotor de Léo evidenciou,
flagrantemente, um severo bloqueio nas articulações coxofemorais. O exercício do “caracol”
(utilizado também como teste de mobilidade articular) já provocava dor em um grau de
amplitude bastante reduzido.
O menino, de fato, não era capaz de sentar-se com as pernas cruzadas - o que passou a
se chamar, para ele, “posição de brincadeira” – sem cair para trás, tamanha a falta de
flexibilidade dos quadris (fotografia 15). Este quadro mostrou poucos indícios de melhora por
um longo período.
Foto 15: Léo sentado, sem conseguir cruzar as pernas, março de 2001
A foto 16 mostra Léo espontaneamente sentado, sem tentar assumir a “posição de
brincadeira”. Nota-se a forte rotação interna dos membros inferiores, especialmente à
esquerda, onde inclusive ocorre maior resistência à mobilização passiva e, conseqüentemente,
onde a dor se manifesta mais rapidamente.
Foto 16: Léo brinca sentado, março de 2001
As vistas posterior e de perfil (fotos 17, 18 e 19) evidenciam a retração da musculatura
paravertebral lombar e glútea. Tais espasmos musculares constituem uma tentativa de restituir
o equilíbrio do corpo no plano sagital, compensando o peso do abdômen e a insuficiência da
musculatura anterior. Entretanto, por estarem exacerbados, mantêm a pelve em severa
anteversão e contribuem para o bloqueio coxofemoral.
Fotos 17 e 18: Léo, vista posterior, março de 2001
Foto 19: Léo, perfil, março de 2001
Foi realizado intenso trabalho de flexibilização coxofemoral e de relaxamento,
harmonização e alongamento da musculatura das referidas regiões. Léo se mostrou sempre
cooperativo, divertindo-se com todas as atividades propostas e submetendo-se sem protestos
às condutas passivas de terapia manual. O limite da dor era respeitado, pois a intenção era
fazer com que as estruturas mio-articulares cedessem progressivamente, permitindo maiores
amplitudes, ao invés de forçar tais amplitudes com manobras agressivas. A cintura escapular e
o tórax também mereceram atenção, pela forte elevação e adução das escápulas e pela
depressão sub-mamária (mais facilmente perceptível na posição sentada). Os pés, cujos arcos
plantares se apresentavam apenas incipientes, receberam todos os procedimentos de
coordenação e reestruturação muscular. A brincadeira do “parabéns” era uma de suas
favoritas, o que contribuiu consideravelmente para a melhora neste segmento.
Conforme comentado acima, entretanto, o progresso se dava de maneira muito lenta.
A insuficiente adesão ao tratamento por parte de Fabiana constituía, de fato, uma barreira que
começava a conferir um certo desestímulo quanto ao processo de trabalho com Léo. Ainda
que, ao final de cada sessão, fosse alcançado um patamar melhor em termos de flexibilidade
mio-articular, permitindo a manutenção da “posição de brincadeira”, tudo se perdia até a
semana seguinte, pela falta de continuidade dos exercícios em casa...
Até que, oito meses depois da primeira avaliação, em novembro de 2001, um
acontecimento veio a modificar este quadro. Léo tinha começado a freqüentar a pré-escola.
Certo dia, entrou no ambulatório e, como sempre, puxou a escadinha para perto da maca e
subiu, pois ele sempre gostava de fazê-lo sem ajuda – apesar do esforço. Imediatamente, pôsse na “posição de brincadeira” (foto 20) e olhou para mim, abrindo um largo sorriso. Volteime para Fabiana, exultante, e aplaudi: “Parabéns, mãe! Você tem feito os exercícios!”. Ao
que ela retrucou, sem muito entusiasmo: “Eu, não. Ele faz sozinho...”. Ligeiramente
incrédula, pedi ao menino que me mostrasse as “brincadeiras da tia Rê” que ele fazia em casa,
sendo surpreendida por uma execução bastante razoável de toda uma seqüência de exercícios
(fotos 22 e 23). Mesmo que os posicionamentos não estivessem rigorosamente corretos, os
objetivos das atividades puderam ser alcançados. Poucas semanas depois, nova surpresa:
Fabiana chega ao ambulatório, dizendo que Léo tinha lhe pedido que trouxesse algo para me
mostrar. Ela tira da bolsa uma fotografia, obtida na escola de Léo, em que a professora se
encontrava sentada no chão, com a turma, formando um círculo, como é comum em turmas de
pré-escola. Entre as crianças, estava Léo, em sua “posição de brincadeira”, igual aos
coleguinhas, empertigando o tronco para aparecer na foto, com o mesmo largo sorriso,
evidenciando o orgulho desta conquista38. Sem dúvida, o desejo de que eu visse a foto
denotava uma certa cumplicidade, um atestado de que o menino acreditava que, de alguma
38
Lamentavelmente, esta fotografia foi levada de volta à escola, onde Léo atualmente não estuda mais. Fabiana
não dispunha de nenhuma cópia, portanto não foi possível expô-la neste trabalho.
maneira, o nosso trabalho havia rendido frutos importantes para sua vida. O fato é que, aos
quatro anos de idade, Léo tomou as rédeas de seu tratamento, ao perceber o quanto este
poderia ajudá-lo a realmente pertencer ao grupo do qual ele passava a fazer parte. Este
episódio acende os holofotes sobre a relevância da valorização dos aspectos psico-sociais nos
processos de tratamento e nas relações entre pacientes e profissionais de saúde, mesmo
quando as individualidades em questão dizem respeito a crianças ainda tão pequenas.
Assim, Léo finalmente conquistou a manutenção da posição sentada, ainda que
auxiliado pelo engenhoso artifício de segurar os pés. Observa-se, contudo, apesar da fralda,
que o ângulo obtuso formado entre a parte posterior da pelve e a coxa denota uma insuficiente
flexão do quadril, compensada por uma hiper-cifose na região dorsal. Tal postura do tórax se
manifestava essencialmente nesta posição, inclusive por causa da atitude dos braços (embora
não somente). De pé, a compensação se dava mais pela fortíssima anteversão pélvica, com
hiperlordose lombar (foto 21).
Fotos 20 e 21: Léo em “posição de brincadeira” e de perfil, novembro de 2001
Foto 22: Léo mobiliza sua articulação coxofemoral, novembro de 2001
Foto 23: Léo alonga sua cadeia póstero-mediana, setembro de 2003
Em maio de 2002, Léo precisou fazer uma cistouretrografia, exame que demanda a
realização de uma radiografia do tronco, incluindo os quadris (a foto 24 mostra apenas o
detalhe da pelve). Fabiana me apresenta, então, o seguinte bilhete, da parte da radiologista
responsável:
“Cara colega fisioterapeuta Renata,
O paciente Léo apresenta importante displasia de quadril39 bilateral com luxação das
epífises femurais (que têm configuração alterada) e retificação dos acetábulos.
É preciso que ele tenha um parecer de ortopedista.
Maiores esclarecimentos estarão no meu laudo de cistouretrografia.
Atenciosamente, ...”40
Foto 24: Radiografia do quadril de Léo, evidenciando displasia bilateral de cabeças femorais e acetábulos,
maio de 2002
De fato, nenhuma das crianças havia jamais passado pela avaliação de um ortopedista,
especialidade com a qual o IFF lamentavelmente não conta, tendo sido sempre acompanhadas
39
40
Grifo da autora do bilhete.
Bilhete encaminhado por radiologista à pesquisadora, datado de 21 de maio de 2002.
pela Cirurgia Pediátrica. Embora a literatura relate, conforme já mencionado, grande
incidência de displasias de quadril na SPB (Brinker et al. 1995; Green et al., 1993; Joller e
Scheier, 1986; Loder et al., 1992), é possível que tal aspecto receba pouca atenção na ocasião
do nascimento destes meninos, cujos quadros clínicos são, em geral, tão complicados, do
ponto de vista urogenital e respiratório, que a questão ortopédica seja francamente relegada a
um segundo plano. O achado radiológico aqui relatado, entretanto, motivou a realização de
radiografias do quadril de todos os pacientes com a síndrome, solicitadas pela fisioterapia. A
proposta foi gentilmente acolhida pela responsável pelo serviço de Radiologia, ainda que tal
exame, com fins ortopédicos, não seja regularmente executado no setor.
Léo foi, então, encaminhado a outra instituição, para avaliação de um ortopedista.
Segundo Fabiana, o médico ficou tão impressionado com a performance motora do menino
que disse: “Se eu visse esta radiografia, sem ver a criança, afirmaria que ela jamais seria
capaz de andar (sic)”. Àquela altura, porém, não havia mais nada a ser feito em termos de
conduta médica ortopédica. De fato, segundo Wever (1998), “a única oportunidade de se
obter a correção completa da LCQ [luxação congênita do quadril] depende de se
diagnosticá-la logo após o nascimento. Nesse ponto reside a indiscutível responsabilidade do
pediatra” (p. 83). O autor confirma que esta deformidade acarreta um significativo retardo do
início da marcha (Léo somente andou sem apoio com quase 2 anos). Ainda segundo ele,
quando a criança já deambula, a displasia se manifesta, entre outros sinais, pela “inclinação
anterior da pelve [que] determina o aparecimento da curvatura exagerada da região lombar,
conhecida como hiperlordose” (p. 88). Estes dados justificam a atitude postural de Léo,
especialmente se somados às características próprias à SPB. Assim, sem possibilidades de
correção ortopédica, a recomendação do médico foi de que, em hipótese alguma, Léo
interrompesse a fisioterapia. Fabiana não nos trouxe nenhum parecer por escrito de sua parte,
mas as informações obtidas em todo este episódio foram extremamente valiosas para a
compreensão das dificuldades de Léo e para os caminhos a serem seguidos na continuidade
do tratamento.
Em 2003, Fabiana voltou a estudar (havia interrompido o ensino médio). Com isso,
seus períodos de ausência do ambulatório se tornaram mais longos e freqüentes. Dada a
estabilidade clínica do filho, que há muito não apresentava complicações pulmonares ou
urológicas, talvez ela julgasse desnecessária a manutenção das visitas ao hospital – ainda que
o assunto tivesse sido discutido inúmeras vezes, com os diversos profissionais da fisioterapia.
A equipe respiratória, entretanto, lhe concedeu alta do tratamento, o que tornou ainda mais
difícil convencê-la a vir ao hospital “só” para a abordagem postural. No segundo semestre,
após (mais) uma longa conversa sobre a importância da fisioterapia para o desenvolvimento
do menino, ela passou a cumprir com relativa assiduidade a rotina de sessões quinzenais.
Apesar da gravidade do caso de Léo, houve indubitável melhora da qualidade de suas
estruturas ósteo-mio-articulares, assim como de sua motricidade. Se compararmos a fotografia
25 com a fotografia 20 (p. 101), perceberemos a diferença, não somente na facilidade com
que é mantida a posição sentada (a mão, atualmente, não constitui mais um recurso de apoio,
para a manutenção do equilíbrio), mas principalmente no posicionamento do quadril em
relação aos membros inferiores, em que um ângulo bem mais próximo de 90º pode ser
observado.
Foto 25: Léo sentado, julho de 2003
Quanto à musculatura da região dorsal, embora permaneçam retrações e
encurtamentos, além da persistência da acentuada anteversão pélvica, nota-se igualmente uma
sensível modificação, como se pode confirmar pela comparação entre as fotos a seguir (26, 27
e 28) e as das páginas 97 e 98 (17, 18 e 19).
Fotos 26 e 27: Léo, vista posterior, julho e setembro de 2003
Foto 28: Léo, perfil, julho de 2003
A partir de 2004, Léo e sua irmã passaram a estudar em uma escola pública, pois a
situação financeira da família se tornou mais difícil. Fabiana se mostra frustrada com esta
realidade, pois estava muito satisfeita com o desenvolvimento dos filhos na outra escola. Léo
já lê pequenas frases e exibe absoluto encantamento pela perspectiva da leitura. Tanto Fabiana
quanto o ex-marido têm novos companheiros, o que não parece incomodar o menino. Fabiana
vem se revelando progressivamente mais tranqüila e disposta a encontrar meios de freqüentar
as sessões de fisioterapia com assiduidade satisfatória. Sua relação com o filho também vem
se modificando. Fabiana torna-se cada vez mais carinhosa, paciente e orgulhosa das
realizações de Léo.
Capítulo 7 - COM A TIA RÊ, EU BRINCO...
No princípio de maio de 2001 tive o primeiro contato com Thiago, então com oito
meses de idade, o único do grupo a iniciar o tratamento antes de haver conquistado o
ortostatismo e a marcha, o que permitiu a supervisão de todo este processo. Na ocasião, o
menino estava começando a manter-se sentado sem apoio. Foi capaz de ficar de pé entre
agosto e setembro do mesmo ano, mas observaram-se alterações severas em sua atitude
postural, especialmente nos membros inferiores. O acompanhamento fisioterapêutico, aliado à
dedicadíssima adesão da família, não só quanto ao comparecimento ao hospital, mas
principalmente nas condutas domiciliares, foram decisivos para que o menino desenvolvesse
uma marcha normal, sendo hoje capaz de correr, jogar futebol, andar de bicicleta, etc.
Carolina tinha 46 anos quando engravidou de Thiago. Casada há 23 anos, era mãe de
quatro rapazes, um de 21 anos, um de 18 e dois gêmeos de 17. A gravidez foi uma surpresa,
pois já havia entrado na menopausa. Apesar disso, a vinda deste “temporão” foi bem aceita,
mesmo quando, no quarto mês de gestação, o casal tomou conhecimento de que o filho
nasceria com problemas41. Professora de História com formação universitária, Carolina
precisou deixar um emprego de 15 anos para se dedicar aos cuidados com Thiago. Seu
marido, educador social em um abrigo, mostrou-se sempre bastante presente. Em suas
diversas visitas ao ambulatório, acompanhando a esposa e o filho, fazia perguntas, tentando
compreender a intenção de cada conduta, e buscava aprender os exercícios para poder repetilos em casa. Embora, no princípio, não tivessem recebido bem a notícia da vinda de Thiago,
os irmãos rapidamente passaram a nutrir um imenso carinho pelo “caçula”, que é
extremamente apegado a eles. Atualmente, o mais velho é oficial da marinha (casou-se
recentemente, sendo Thiago o pajem da cerimônia religiosa). O segundo é estudante de
41
Segundo o parecer da profissional do Serviço Social, de 17 de abril de 2002.
Educação Física e os gêmeos são estudantes de Enfermagem, motivados – no entender da mãe
- pela ajuda que sempre lhe prestaram nos cuidados com o irmão.
Carolina tornou-se amiga e aliada de Fernanda (mãe de Kiko). Juntas, investiram
tempo e disposição na tentativa de estruturar uma associação de pacientes com SPB,
participando ativamente das reuniões organizadas pela assistente social do setor de Cirurgia
Pediátrica do IFF, que coordenava o grupo de familiares destas crianças.
7. 1 - Breve história clínica
De acordo com os dados colhidos no prontuário do IFF, Thiago nasceu nesta
instituição em agosto de 2000, prematuro (33 semanas), de parto normal (oligodramnia
severa, ascite fetal, placenta edemaciada), pesando 1820 gramas (AIG), tendo necessitado de
reanimação com máscara e ambu (sofrimento respiratório). O exame ao nascimento
evidenciava malformação congênita (suspeita de SPB). O neonato apresentava massa cística
abdominal à direita, associada a pé torto posicional à direita e ausência da musculatura
abdominal. Permaneceu internado no berçário de alto risco por 28 dias. A ultra-sonografia
abdominal realizada no segundo dia revelou espessamento da bexiga e ascite, sem dilatação
ureteral ou renal.
A primeira consulta no setor de Cirurgia Pediátrica ocorreu aos dois meses.
Confirmou-se o diagnóstico de SPB, observando-se criptorquidia bilateral e leve hidronefrose
à esquerda. A acentuada preponderância da hipoplasia abdominal à direita levou o médico
responsável pelo setor a caracterizá-lo como um “hemi-prune belly”.42 Nesta ocasião a mãe já
referia dificuldades na evacuação, que se desenvolveriam como uma constipação crônica,
anormalidade freqüentemente associada à síndrome (Greskowich e Nyberg Junior, 1988;
Jesus et al., 2000).
42
Apesar de não constar da literatura, este termo foi adotado pelo referido médico no sentido de descrever a
peculiaridade da conformação abdominal desta criança, tendo sido por ele utilizado em uma palestra dirigida aos
familiares do grupo de crianças com a síndrome, em setembro de 2002.
As diversas internações – tendo a primeira ocorrido aos sete meses, por pneumonia e
bronquiolite - se deveram primordialmente a infecções respiratórias e atelectasias de
repetição, apresentando poucos episódios de ITU. De fato, o trato genito-urinário permaneceu
preservado anatômica e funcionalmente.
O relato do nascimento de Thiago, no prontuário do IFF, não faz referência a testes da
articulação coxofemoral. Entretanto, a radiografia realizada em função de uma urografia
excretora em outubro de 200143 evidencia luxação coxofemoral direita e displasia acetabular
esquerda. O achado radiológico não é comentado no prontuário, o que somente ocorre após
nova urografia excretora, em abril de 2002, quando a radiologista responsável pontua o atraso
da ossificação e as alterações no quadril, sugerindo maiores investigações sobre a questão
(recomendada ultra-sonografia de quadril). Este laudo, encaminhado ao ambulatório de
Cirurgia Pediátrica, consta do prontuário. Em setembro de 2002, novas radiografias
evidenciaram atraso na idade óssea e osteopenia difusa; luxação coxofemoral direita, com
ângulo acetabular de 40o, fossa acetabular rasa, irregular, displásica; ausência de luxação
coxofemoral esquerda, com ângulo acetabular de 18o, com cabeça femoral anatômica; núcleo
de ossificação ausente bilateralmente. A radiologista sugere avaliação com ultra-sonografia
das articulações coxofemorais para verificar a possibilidade de luxação à esquerda com
manobras apropriadas. Não há referência a tal exame, nem no prontuário nem no arquivo do
setor de Radiologia. Ao longo do prontuário, a partir deste momento, ora consta o registro de
displasia acetabular bilateral, ora de luxação coxofemoral bilateral, ora de luxação
coxofemoral direita. Quanto ao atraso na idade óssea, manifesto no déficit do
desenvolvimento estato-ponderal desde o nascimento, o menino foi avaliado no setor de
Genética, não tendo sido identificada nenhuma razão para tal desordem. Seu crescimento vem
sendo acompanhado por uma nutricionista da instituição.
43
O laudo deste exame não consta do prontuário, tendo sido encontrado no arquivo do setor de Radiologia, na
pasta do paciente.
Os sucessivos acometimentos pulmonares e o atraso no desenvolvimento psicomotor
fizeram com que, ainda em 2000, Thiago iniciasse tratamento fisioterapêutico respiratório e
motor, tendo sido acompanhado em ambos os setores no IFF (Fisioterapia Respiratória e
Estimulação Essencial). Thiago apresentou ainda dificuldades na aquisição e articulação da
fala. Iniciou em 2003 uma terapia fonoaudiológica fora do IFF.
Em fevereiro de 2003, foi realizada cirurgia para correção de hérnia inguinal e
criptorquidia direita. Em dezembro do mesmo ano, foi realizada a orquidopexia esquerda e a
plicatura da parede abdominal (abdomino-umbilicoplastia tipo jaquetão), o que aparentemente
conferiu um aspecto mais simétrico ao abdômen. Thiago segue sob acompanhamento nos
setores de Cirurgia Pediátrica, Pneumologia, Pediatria, Fisioterapia Respiratória e Nutrição.
7. 2 - Canta, tia, canta!
Os primeiros meses de tratamento postural de Thiago foram bastante difíceis. Os
episódios de infecção respiratória eram freqüentes, não sendo tarefa simples ensinar um bebê
de oito meses, com hipoplasia abdominal, a eliminar as secreções brônquicas através do
próprio mecanismo de tosse. O resultado era uma grande regularidade na adoção, pela equipe
de Fisioterapia Respiratória, do procedimento de aspiração destas secreções. Com isso,
Thiago já se punha a chorar meramente ao cruzar a porta do ambulatório. Em inúmeras
ocasiões, por mais que se tentasse consolá-lo, suas condições emocionais terminavam por
inviabilizar a abordagem postural. Mesmo com o passar do tempo e com a estabilidade
conquistada do ponto de vista respiratório (que representou uma enorme diminuição da
freqüência de aspirações), o pânico persistia. Ao ouvir o som da abertura do fluxômetro de
nebulização / aspiração, o menino levava o indicador junto à narina e fazia o sinal negativo
com a cabeça, os olhos já lacrimejantes. Carolina então dizia: “No nariz não, filho, é só
fumacinha!”, explicando-lhe que se tratava de nebulização, e não de aspiração. Thiago se
acalmava e segurava, ele próprio, a máscara de nebulização.
Por estas razões, foi necessário um certo tempo até que se pudesse realizar um
trabalho efetivo em termos posturais. Aos poucos, Thiago foi adquirindo a confiança de que
os exercícios com a “Tia Rê” eram indolores. Além disso, Carolina começou a adotar um
perspicaz artifício: determinados brinquedos e balas faziam parte de um kit restrito às sessões
de fisioterapia. Assim, ao entrar no ambulatório, Thiago não mais chorava, pois se ocupava
pedindo as balas e redescobrindo seus brinquedos. Utilizar estes objetos como coadjuvantes
nas “brincadeiras” posturais foi também um recurso que se revelou eficiente.
A princípio, dado que a criança ainda não conquistara o ortostatismo e a marcha, o
tratamento tinha como objetivo criar condições favoráveis para a aquisição de tais
habilidades, além de promover a minimização da deformidade torácica e da atitude escoliótica
geradas pela acentuada assimetria abdominal (fotografia 29). Nesse sentido, o trabalho se deu,
inicialmente, apenas por manobras passivas, até mesmo pela idade do paciente, que não
contava ainda com um nível de cognição que permitisse o aprendizado de exercícios ativos. A
mobilização coxofemoral (“caracol”), assim como manobras manuais de descolamento da
musculatura paravertebral e de flexibilização dos músculos intercostais, bem como a
estimulação do bom posicionamento do esterno, da cintura escapular e das articulações costoesternais, foram os recursos utilizados nesta primeira etapa do tratamento. De fato, foi
observada ainda uma forte elevação dos ombros, que resultava em importante diminuição do
espaço cervical. A mobilização desta região era muito desagradável para o menino, tornando
difícil a abordagem do problema.
Foto 29: Thiago, maio de 2001
Aproximadamente quatro meses após a primeira avaliação, Thiago começou a ser
capaz de ficar de pé com apoio, evidenciando uma atitude postural extremamente
comprometida, especialmente no que diz respeito aos membros inferiores (fotografia 30). De
fato, o posicionamento dos pés, formando um ângulo de 180º, tendia a prejudicar
sobremaneira o desenvolvimento motor da criança, em especial quanto à qualidade da
marcha. A cintura escapular permanecia excessivamente elevada, representando um
empecilho a mais para a aprendizagem do mecanismo de tosse – com efeito, a globalidade do
tórax acompanhava a elevação dos ombros.
Thiago mantinha-se reativo a manobras manuais que envolvessem a região cervical e
da cintura escapular, chegando a empurrar minha mão para longe de seus ombros. Com efeito,
a essa altura, Thiago já começava a interagir mais ativamente com a terapia, manifestando
inclusive preferências por este ou aquele exercício. Assim, era sempre preciso encontrar um
meio-termo entre a imposição da conduta e o desprazer da criança, o que muitas vezes se
traduzia em inserir rápidas abordagens entre seus exercícios prediletos.
Foto 30: Thiago de pé, novembro de 2001 (no canto superior direito da foto, pode-se
visualizar o fluxômetro de nebulização / aspiração)
As manobras de mobilização coxofemoral evidenciavam uma hipomobilidade
articular, significativamente mais importante à direita. A mãe referia uma maior dificuldade
na motricidade do membro inferior direito, observável nas atividades cotidianas do menino,
além de verificar o mesmo bloqueio na mobilização, uma vez que realizava em casa todos os
procedimentos orientados.
Em junho de 2002, quando se começou a investigar possíveis casos de displasia de
quadril entre os pacientes com SPB, foi localizada, no arquivo do setor de Radiologia do IFF,
uma radiografia que revelava luxação congênita do quadril direito (foto 31). A questão foi
examinada em maiores detalhes, conforme mencionado anteriormente, e a criança foi
encaminhada a uma outra instituição, para que obtivesse o parecer de um ortopedista. Assim
como no caso de Léo, narrado anteriormente, o referido profissional recomendou somente que
Thiago não interrompesse o tratamento fisioterapêutico, que certamente lhe havia trazido
grandes benefícios.
Foto 31: Thiago, radiografia do quadril em vista ântero-posterior (AP), outubro de 2001
No mesmo ano, em seu segundo aniversário, Thiago ganhou de seus pais um carro
movido a pedais. O trabalho fisioterapêutico postural vinha se concentrando na mobilização,
coordenação e fortalecimento dos membros inferiores, o que progressivamente possibilitou a
utilização do novo brinquedo. O menino narrava com grande entusiasmo suas “peripécias” a
bordo de seu “carro do Batman”. A família mostrava-se sempre disposta a estimular Thiago
em sua motricidade, encorajando brincadeiras que promovessem seu desenvolvimento. Foi,
realmente, um período de notáveis aquisições, do ponto de vista da coordenação motora.
Além da capacidade de pedalar, que denotava membros inferiores bem coordenados, Thiago
demonstrou ainda excelente habilidade manual, sendo capaz, por exemplo, de desenhar
círculos fechados, de diversos tamanhos, com boa precisão. Quanto aos exercícios da
fisioterapia (“borboleta”, “parabéns”, etc.), o menino os ensinava aos irmãos, que sentavam
no chão e executavam-nos junto com ele.
Thiago se mostrava cada dia mais à vontade em relação ao tratamento, realizando as
atividades com indiscutível prazer (fotografias 32 e 33). Em dezembro de 2003, Carolina
inclusive comentou que, durante uma consulta, a cirurgiã pediátrica perguntou se o menino
permanecia fazendo fisioterapia, ao que ela respondeu que sim, “com a tia Patrícia
[fisioterapia respiratória] e com a tia Renata [fisioterapia postural]”. Surpreendentemente,
Thiago retrucou: “Não, mamãe! Só com a tia Patrícia! Com a tia Rê, eu brinco...”. Trata-se,
sem dúvida, de um bom exemplo de como uma abordagem lúdica pode influenciar o
progresso de um tratamento, pois foi exatamente tal característica que conquistou a confiança
e a adesão desta criança ao trabalho postural.
A música acabou se mostrando, de fato, o mais efetivo “chamariz” para sua adesão ao
tratamento, sendo a canção “Desencaracolando” a sua predileta44. Certa vez, enquanto
realizava as diversas condutas, fui cantando músicas diferentes, até que, em determinado
momento, me calei, continuando a desempenhar o trabalho. Em poucos instantes, Thiago
pediu: “Canta, tia, canta!”. Percebi que o estímulo sonoro era importante para ele, sendo a
música um diferencial que tornava a terapia mais leve e agradável.
44
No ano de 2003, presenteei as quatro crianças, em seus respectivos aniversários, com um CD, contendo a
canção “Desencaracolando”. Carolina comentou, tempos depois, que os irmãos de Thiago diziam não suportar
mais ouvi-la, pois o menino passava o dia escutando-a repetidas vezes...
Fotos 32 e 33: Thiago realiza exercícios de mobilização e alongamento, agosto de 2003
A fisioterapia respiratória, contudo, representava ainda uma fonte de verdadeiro pavor
para o menino, que a associava inevitavelmente à iminência da aspiração de secreções. Tal
procedimento foi se tornando cada vez mais raro, dado que Thiago aos poucos ia aprimorando
sua capacidade de expectoração. No final de 2003, entretanto, um acontecimento chamou a
atenção de todos no ambulatório. Diante da necessidade de realizar a aspiração, Carolina e
uma estagiária contiveram o menino para que a fisioterapeuta pudesse realizar a conduta.
Durante o processo, Thiago chorava e gritava muito, por fim começando a chamar: “Renata!
Renata!”. É evidente que ele – espertamente – já havia percebido que de nada adiantaria gritar
pela mãe, pois ela própria ajudava a contê-lo. O interessante, porém, foi notar sua consciência
quanto à não-agressividade das condutas do outro tipo de abordagem, o que fez com que
chamasse por outra fisioterapeuta, confiando que, sob seus cuidados, ele estaria “seguro”.
Muitas vezes, de fato, a abordagem postural teve a função primordial de lhe devolver a
tranqüilidade emocional, tanto quanto a organização corporal, após uma sessão especialmente
estressante de fisioterapia respiratória.
A qualidade da adesão de Thiago e sua família proporcionaram ao menino uma
melhora significativa de suas condições motoras e respiratórias. A atitude escoliótica
decorrente da assimetria abdominal foi consideravelmente atenuada (fotografias 34 e 35).
Houve também uma sensível potencialização da qualidade de sua marcha e da motricidade
dos membros inferiores, o que motivou os pais a lhe comprarem uma bicicleta no Natal de
2003. Thiago narrou o episódio com tocante entusiasmo: “Tia, a MINHA bicicleta tem um
pedal, outro pedal, uma roda na frente e outra atrás, e as rodinhas pequenininhas! Você coloca
o pé e roda, e vai embora pra rua!”.
Quanto à cintura escapular, a reestruturação foi evidente (fotografia 36). Carolina
relatou que sua vizinha, assim como seus outros filhos, vinham fazendo comentários do tipo:
“Agora ele tem pescoço, antes não tinha!”. Sem dúvida, este foi um fator decisivo também
para o aprendizado do mecanismo de tosse, juntamente com o desenvolvimento do controle
abdominal, através do exercício do “elevador”. De fato, Thiago passou a sofrer de
acometimentos respiratórios com menor freqüência. Após a recente introdução da
“brincadeira da bola” no tratamento (o que significou uma intensificação do trabalho de
fortalecimento da musculatura abdominal), Carolina referiu a progressiva melhora – e
posterior remissão - da constipação crônica.
Fotos 34 e 35: Thiago, vistas posterior e anterior, agosto de 2003
Foto 36: Thiago, perfil, agosto de 2003
A cirurgia abdominal, realizada no início de dezembro de 2003, conferiu um aspecto
mais homogêneo ao tronco do menino, porém ele parece ter passado por um período de
adaptação de sua motricidade – já habituada à assimetria – às novas condições. Um ligeiro
retrocesso se pôde perceber quanto à mobilidade / coordenação do membro inferior direito,
porém a intensificação dos exercícios parece estar permitindo a reorganização mecânica, não
apenas desta região, mas da globalidade de seu sistema locomotor. Recentemente, Thiago
retornou ao ortopedista (de outra instituição), que constatou a evolução do quadro motor,
sustentando a recomendação de que não se interrompesse o tratamento fisioterapêutico. Com
efeito, já se pode constatar a superação do processo pós-cirúrgico e a recuperação da habitual
agilidade.
Em 2003, Thiago começou a freqüentar a pré-escola. Carolina pôde, então, voltar a
trabalhar, assumindo um cargo de conselheira tutelar.
Sua freqüência ao ambulatório,
entretanto, não se alterou, assim como permaneceram assíduas as condutas domiciliares. O
menino se mostra progressivamente mais sociável, tendo desenvolvido enormemente sua fala
nos últimos meses. Mesmo trocando muitas letras (ele continua sob tratamento
fonoaudiológico), Thiago exibe um extenso vocabulário. Sua perspicácia e inteligência se
refletem nos comentários e narrativas do cotidiano, evidenciando um processo notável de
franco desenvolvimento cognitivo e emocional. O déficit de crescimento continua sob
acompanhamento, no setor de Nutrição, evoluindo de forma lenta, porém gradativa. A baixa
estatura de Thiago, contudo, não constitui mais um motivo de permanente preocupação para
Carolina, que nitidamente sobrepôs a esta questão a satisfação com o progresso do filho em
outros campos.
Capítulo 8 - A CASA DA TIA RÊ
Dentre as crianças que participam desta pesquisa, Alex foi o último
a ingressar no grupo dos que recebiam a dupla abordagem
fisioterapêutica. O primeiro contato ocorreu em fevereiro de 2002,
quando o menino acabava de completar um ano. Imediatamente, foi
possível perceber um comprometimento motor bem mais atenuado em
Alex do que nas demais crianças. Ele se mantinha sentado com
facilidade e já andava com apoio (fotografias 37 e 38).
Fotos 37 e 38: Alex, fevereiro de 2002
Alex foi trazido ao ambulatório por ambos os pais, Celso e Lia, o que se repetiu na
grande maioria das vezes. Em muitas ocasiões, o irmão também comparecia (Celsinho, um
ano e meio mais velho). Nas poucas vezes em que a irmã (Bárbara, nove anos) esteve
presente, foi possível perceber seu cuidado carinhoso e responsável em relação aos irmãos
mais novos. Lia esteve grávida por duas vezes durante o período de realização desta pesquisa,
sofrendo, em ambas as ocasiões, abortos espontâneos. Contou com o apoio, não somente de
seu marido, como também de sua mãe e irmã, que por vezes acompanharam Alex ao hospital
juntamente com Celso. Apesar de seu temperamento ansioso e, por vezes, até mesmo
irritadiço, Lia sempre se mostrou uma mãe ciosa e protetora, formando com Celso, seus três
filhos e os pais e irmãos de ambos um núcleo familiar unido e organizado em prol da saúde de
cada um de seus membros.
Lia submetia-se a acompanhamento psicoterápico, então, geralmente, Celso
permanecia no ambulatório com o filho, enquanto ela comparecia à própria consulta.
Mostrou-se um pai extremamente dedicado e preocupado em assegurar que Alex obtivesse
todos os recursos possíveis para a melhora de sua saúde. De temperamento mais cordato e
delicado, não escondia o orgulho frente a cada nova aquisição do menino. Trabalhava como
sargento da Aeronáutica, tendo sido recentemente aprovado em um concurso para tornar-se
tenente. Era comum vê-lo estudando para tal concurso, na área de espera do setor de
Fisioterapia, enquanto aguardava a consulta do filho.
Na época da qualificação do projeto desta pesquisa, quando mostrei aos pais o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido e a Autorização para Uso de Imagem, ele se interessou
em ler até mesmo a parte teórica do referido projeto, tecendo comentários e fazendo
perguntas, dado que procurava realmente se informar a respeito da doença de Alex. O casal
formava, juntamente com Fernanda e Carolina45, o “pelotão de frente” do grupo de pais de
crianças com SPB, sempre assíduos nos eventos, prestativos nas mobilizações e veementes
nas reivindicações. Foi curioso observar que, apesar da presença constante de Celso ao lado
do filho, tanto durante as internações hospitalares como nas consultas ambulatoriais (as
evoluções no prontuário fazem referência a tal presença), nenhum dos pareceres emitidos pela
equipe de Serviço Social tece qualquer comentário a seu respeito, limitando-se sempre a
apontar exclusivamente a grande ansiedade de Lia.
45
Mães de Kiko e Thiago, respectivamente.
A adesão de Celso e Lia ao tratamento fisioterapêutico postural foi imediata e de ótima
qualidade. Não somente Celso realizava diariamente as condutas domiciliares, como ambos
faziam absoluta questão de que o menino recebesse a dupla abordagem. Nos dias em que o
ambulatório parecia excessivamente cheio, eles sempre perguntavam se ele iria “fazer com a
Dra. Renata também”, buscando a segurança de que a abordagem postural não seria
negligenciada.
Quanto ao próprio Alex, sua aceitação se manifestou desde o primeiro atendimento,
quando, após a sessão de fisioterapia respiratória, encontrava-se chorando, refratário ao início
de um novo trabalho. Comecei, então, a realizar suaves mobilizações passivas, enquanto
cantava, em voz baixa, sucessivamente, diversas cantigas infantis. O menino se acalmou e, em
seguida, adormeceu. Continuei realizando todas as condutas, até que, em um dado momento,
parei de cantar. Alex imediatamente despertou e recomeçou a chorar. Pus-me novamente a
cantar, o que mais uma vez o acalmou e o fez adormecer. Durante todo o processo, a música
foi essencial para o sucesso dos atendimentos. Com a aquisição da fala, Alex passou a
divertir-se entoando “Desencaracolando” do início ao fim, a plenos pulmões, enquanto
realizava os exercícios. Os pais chegaram a me pedir para escrever a letra da canção, pois o
menino lhes solicitava recorrentemente que a cantassem para ele em casa. Seu notável vínculo
com o trabalho terminou por fazê-lo referir-se ao hospital, segundo os pais, como “a casa da
tia Rê”.
8. 1 - Breve história clínica
De acordo com os dados colhidos no prontuário do IFF, Alex nasceu nesta instituição
em janeiro de 2001, a termo (38 semanas), de parto cesáreo, pesando 4110 gramas (GIG, sem
hipoglicemia) e medindo 51 centímetros. O índice de Apgar foi 9 no primeiro minuto e 10 no
quinto minuto. O exame ao nascimento permitiu o diagnóstico de SPB e hidronefrose
bilateral. No sexto dia após o nascimento, foi transferido do alojamento conjunto para a UTI
neocirúrgica, sendo retransferido para a enfermaria de Cirurgia Pediátrica no dia seguinte,
onde
se
submeteu
a
uma
ultra-sonografia
abdominal,
que
revelou
importante
hidroureteronefrose bilateral, com perda da relação córtico-medular normal, além de
múltiplos cistos corticais renais, bexiga de capacidade aumentada e parede espessada (mega
bexiga), criptorquidia e refluxo vésico-ureteral bilateral grau IV. Os episódios de infecção do
trato urinário (ITU), já nesta fase, motivaram a confecção da vesicostomia no oitavo dia de
vida.
Seguiu-se, então, a inevitável seqüência de infecções urinárias ao longo dos primeiros
anos. Todavia, apesar de terem sido necessárias quatro internações por esta razão, até
fevereiro de 2002, seu tempo médio de permanência no hospital foi relativamente curto, sendo
a grande maioria dos episódios tratada em regime ambulatorial. De fato, o volume do
prontuário referente a eventos ambulatoriais reúne inúmeras análises sangüíneas para
rastreamento infeccioso e controle de ITU (urinoculturas).
Esta última internação mencionada (fevereiro de 2002) foi, a princípio, motivada por
uma pneumonia – a criança havia apresentado febre durante uma sessão de fisioterapia
respiratória, pelo que foi chamada a pediatra responsável, que solicitou a internação. Em
novembro do mesmo ano, Alex foi admitido novamente no hospital, com pneumonia e
sinusite. Em ambas as situações, o menino permaneceu na instituição por poucos dias, sem
maiores complicações. Suas recorrentes infecções das vias aéreas superiores também eram
passíveis de tratamento ambulatorial. Assim, ao contrário dos outros meninos com a
síndrome, Alex compareceu à sua primeira consulta no Ambulatório de Pneumologia aos dois
anos e meio, em setembro de 2003, encaminhado pela equipe de Cirurgia Pediátrica,
justificada pelos quadros respiratórios sucessivos. A questão do acúmulo de secreções foi
ressaltada, sendo considerada a fraqueza muscular seu mais provável agente causador. O
relatório desta consulta reporta, aliás, a constipação crônica, que, segundo os pais, remonta
aos primeiros meses de vida do menino.
Embora o prontuário contenha observações sobre reações alérgicas diversas, nas
diferentes ocasiões de internação46, Alex somente foi encaminhado ao Serviço de Alergia em
outubro de 2002, após uma sessão de fisioterapia (abordagem postural). Finda a sessão prévia
de fisioterapia respiratória, o menino se encontrava chorando muito, o que o fazia coçar o
corpo, provocando grandes manchas vermelhas. O pai relatou que isso ocorria regularmente:
“sempre que ele chora, se coça e fica todo vermelho”. Foi, então, recomendada a avaliação
por um profissional da equipe de alergia, que detectou, ao exame, um quadro típico de
dermografismo (de enorme intensidade, segundo o responsável pelo setor). Há um histórico
de alergia na família (pai tem urticária, irmão é asmático), o que pode justificar o achado. O
menino segue em tratamento pela referida equipe.
Em maio de 2002, procedeu-se a uma cistoscopia diagnóstica, visando programar
reimplante ureteral bilateral e plicatura da parede abdominal. O menino ainda aguarda a
realização de tal cirurgia. Em março de 2003, uma uretrocistografia miccional sinalizou a
ausência de refluxo vésico-ureteral, abrindo as portas para o planejamento do fechamento da
vesicostomia. A avaliação urodinâmica obtida em junho de 2003 evidenciou comportamento
vesical normal, com possibilidade de promover o esvaziamento completo, apesar do aumento
de capacidade da bexiga. Menos de um mês depois, Alex era admitido no hospital para efetuar
tal fechamento, ou, nas palavras do menino, “tirar o dodói”. Apresentava-se em ótimo estado
clínico e cursou com urinocultura negativa. O vínculo estabelecido entre mim e Alex fez com
que, quando o visitei pela primeira vez durante esta internação, Lia me relatasse que ele já
havia pedido diversas vezes para ver a “tia Rê”.
46
Urticária após tratamento com amoxilina, lesões maculares pelo corpo em local de coçadura, eritema em áreas
de contato com o látex do garrote, reação urticariforme importante ao stress.
Sempre apresentando crescimento e desenvolvimento adequados para a idade, Alex
inicia o ano de 2004 com importante melhora do quadro respiratório (teve inclusive alta da
fisioterapia respiratória) e da constipação, possivelmente devido à potencialização da
atividade de sua musculatura abdominal. No IFF, mantém vínculos nos setores de Cirurgia
Pediátrica, Alergia e Fisioterapia Respiratória47.
8. 2 - Estava com saudades...
A primeira avaliação postural de Alex evidenciou basicamente as mesmas questões
observadas nas demais crianças, porém em um grau bastante mais leve (fotografias 37 e 38):
elevação da cintura escapular, rotação externa dos membros superiores, retração da
musculatura posterior, tanto na região lombar quanto na pelve-trocanteriana, pés planos,
encurtamento dos tríceps surais, enfim, essencialmente a mesma estrutura de desequilíbrios
ósteo-mio-articulares já observada. Entretanto, o aspecto global da síndrome, em Alex,
parecia menos manifesto, ainda que apresentasse, indubitavelmente, o característico abdômen
“em ameixa” (fotografias 37, 38 e 39). De fato, sua organização motora permitiu que, como
nenhum outro, Alex tirasse proveito dos exercícios propostos pela abordagem postural para
potencializar a ação de sua musculatura abdominal hipoplásica, conquistando um excelente
grau de trofismo e força muscular, o que contribuiu ainda para um reequilíbrio mais eficiente
da globalidade de sua atitude postural.
47
Apesar de constar no prontuário o setor de Fisioterapia Motora, a criança nunca foi, de fato, acompanhada por
esta, o que parece significar, na verdade, uma referência à abordagem postural administrada no setor de
Fisioterapia Respiratória. O profissional da equipe de pneumologia pode ter interpretado o relato dos pais sobre o
tratamento fisioterapêutico de Alex, que inclui exercícios globais, como um vínculo com este outro setor, que
atende primordialmente crianças com acometimentos neurológicos.
Foto 39: Alex, decúbito dorsal, fevereiro de 2002
Chamava a atenção, todavia, um aspecto em particular, quanto à organização motora
de Alex. Como se pode notar na fotografia 40, a apresentação do tronco se dá de forma
“astênica”, conforme descrevem Denys-Struyf (1997) e Campignion (1996, 2001), ou seja,
evidenciando uma hiper-cifose torácica causada pela inatividade muscular, e não por retrações
ou encurtamentos. Ao contrário de Léo, cuja atitude postural hiper-cifótica na posição sentada
se devia justamente a um bloqueio articular, aliado a fortes retrações musculares, tornando
difícil a própria mobilização da região (ver fotografias 20, p. 101 e 25, p. 106), em Alex se
percebia grande flexibilidade coxofemoral, apesar de uma certa retração da massa comum
(fotografia 41). Com efeito, a radiografia de quadril, solicitada para rastreamento de displasia
de quadril, à mesma ocasião das outras crianças, não revelou alterações48 (foto 42).
48
Laudo: “Estrutura óssea normal, superfícies articulares preservadas, ângulo acetabular de dimensões
adequadas à idade e sexo.”
Foto 40: Alex sentado, perfil, fevereiro de 2002
Foto 41: Alex de pé, perfil, fevereiro de 2002
Foto 42: Radiografia do quadril de Alex, junho de 2002
Os exercícios ativos, adotados a partir de aproximadamente três meses após o início do
tratamento, tiveram então papel fundamental na estimulação das ações musculares. De fato, o
menino era facilmente capaz de erigir a coluna vertebral49, tendo, contudo, dificuldades em
manter o tronco em tal posição “suspensa”. Em relação a este tipo de exercício, um evento
chamou a atenção para a importância de se valorizar as representações individuais de cada
criança. Em uma sessão, em dezembro de 2003, outro fisioterapeuta me auxiliava no
atendimento a Alex, solicitando-lhe a ereção do tronco com elevação dos membros
superiores, enquanto eu estimulava manualmente a anteversão pélvica e procedia ao
descolamento da pele na região lombo-sacra. O outro profissional pedia ao menino que
“levantasse as mãos bem alto, como se fosse uma girafa”, porém ele mantinha suas mãos
próximas ao rosto. Pediu então “bem alto, igual a um elefante”, mas estas permaneciam
baixas. Perguntou, então: “Qual o maior bicho que você conhece?”, ao que o menino
respondeu, falando lentamente e com os olhos arregalados: “Macaaaco!”. Ao ser solicitado a
49
Exercícios como o da “cordinha” ou da “marionete” haviam sido propostos também para Léo, que apresentara
nitidamente maior dificuldade em sua realização.
levantar as mãos “bem alto, como um macaco”, Alex realizou o exercício com perfeição. O
profissional foi muito perspicaz ao buscar entender o universo do paciente, pois o estímulo a
partir de sua própria ótica permaneceria indefinidamente ineficaz.
Alex se divertia com todas as atividades propostas, o que facilitava sobremaneira a
abordagem. A estabilização de seu quadro respiratório contribuiu para que o ambulatório
passasse a não representar, em si, uma ameaça e um motivo de stress. Atenção especial era
dada aos exercícios abdominais, como o elevador e a bola. O menino realizava
voluntariamente um sem número de repetições, permitindo à sua criatividade elaborar os
múltiplos destinos do elevador e os diversos personagens que nele viajavam, em sua
companhia. Os resultados de tal dedicação podem ser percebidos na fotografia 43, em que se
nota um trofismo da musculatura abdominal incomum em casos de SPB. O aspecto mostra-se
consideravelmente mais organizado do que no início do tratamento, o que se pode constatar
pela comparação desta imagem com a fotografia 38, na página 124 (observar a sustentação da
região inferior do abdômen). É possível inferir, com bastante segurança, que tal aquisição seja
responsável pela melhora do quadro de constipação crônica, além, evidentemente, dos ganhos
funcionais atribuíveis a esta nova condição.
Exercícios como a “borboleta”, o “caracol” e o “parabéns” eram adotados no intuito de
estruturar os arcos plantares e corrigir o discreto genuvalgo, também observáveis na fotografia
43. Alex realizava estas atividades com admirável acurácia. É interessante notar a posição do
pé na fotografia 44, em que ele constrói o arco plantar durante o exercício da “borboleta”. A
fotografia 45 evidencia a maior flexibilidade de Alex, se comparado à das demais crianças.
Segundo os pais, o menino ensinou todos estes exercícios a seu irmão Celsinho, cuja idade é
bem próxima à sua, e os dois costumavam utilizá-los para “brincarem” juntos, especialmente
depois de ganharem de presente, no segundo aniversário de Alex, o CD contendo a canção
“Desencaracolando”.
Foto 43: Alex de pé, vista frontal, setembro de 2003
Fotos 44 e 45: Alex, exercício da “borboleta”, setembro de 2003
Recursos terapêuticos manuais eram também adotados no sentido da reorganização
dos membros inferiores, dentro dos princípios propostos por Piret e Béziers (1992) e Béziers e
Hussinger (1994): estímulo às rotações externa da coxa e interna da perna, externa do retropé
e interna do antepé. O alongamento da cadeia muscular póstero-mediana neste segmento
(Denys-Struyf, 1997), através do tracionamento manual do músculo sóleo e do descolamento
da pele na área do quadrado plantar, era acompanhada de jogos de palavras em torno da
brincadeira infantil “batatinha frita 1, 2, 3”, fazendo referência à denominação popular de
“batata da perna”, conferida à região do tríceps sural.
Durante o período de festas de fim de ano, em 2003, o tratamento foi suspenso por três
semanas. Em sua primeira sessão de 2004, Alex voltou-se para mim e disse: “Tia Rê, eu
estava com saudades...”. Creio que tal vínculo, baseado no respeito à individualidade da
criança, no caráter lúdico da abordagem e no carinho na relação, responde, em larga medida,
pela qualidade das aquisições funcionais alcançadas.
Alex é hoje um menino que freqüenta regularmente a pré-escola, sendo capaz de
desempenhar todas as atividades compatíveis com sua idade. Segue em 2004 aguardando a
chegada de um novo irmãozinho, pois finalmente Lia vem tendo uma gestação sem maiores
intercorrências.
CONCLUSÃO
A prática clínica das abordagens fisioterapêuticas posturais é
norteada pelo pressuposto de que a mecânica corporal funciona como
um todo indissociável, como uma engrenagem em que cada peça atua
em íntima relação com todas as outras, estando esta mecânica ligada
aos demais aspectos que constituem o indivíduo. Tais princípios
convergem para um dos conceitos mais caros às novas propostas em
saúde coletiva: a integralidade. A oportunidade de se constituir uma
equipe em que esta modalidade terapêutica pudesse se associar à
abordagem respiratória convencional, como forma de ampliar o modelo
de atenção à saúde da criança com doença respiratória, se revelou um
terreno fértil para o debate sobre os caminhos a serem seguidos pela
fisioterapia no âmbito da saúde pública, particularmente no que diz
respeito ao tratamento de tais pacientes.
O Ambulatório de Fisioterapia Respiratória do IFF abriu as portas,
em fevereiro de 2001, para uma proposta inédita de abordagem.
Partindo da premissa de que a respiração não se desvincula da
totalidade do corpo, adotou-se uma perspectiva de atendimento que
valorizava o caráter global, incluindo não apenas a biomecânica
corporal, mas também aspectos subjetivos, como o psiquismo e o
comportamento.
Em contrapartida, a entrada da abordagem postural em um
conceituado e respeitado ambulatório de fisioterapia respiratória
suscitou, a princípio, certo ceticismo. Em que poderia ser útil, para
crianças tão gravemente doentes, aquele conjunto de “brincadeiras”,
aquela “cantoria”? Houve momentos em que o atendimento foi,
ironicamente, apelidado de “hora da recreação”... No início, somente a
confiança depositada pela então responsável pelo “ambulatório de terçafeira” garantiu a legitimidade da chamada dupla abordagem, que veio a
receber, progressivamente, o apoio dos outros membros da equipe. Este
apoio crescente possibilitou a continuidade do trabalho, mesmo após o
afastamento da referida profissional.
A fisioterapeuta com quem passou a ser realizada a parceria manifestou grande
entusiasmo quanto aos resultados obtidos pela associação de abordagens, tanto do ponto de
vista psicomotor quanto no que tange ao aumento do intervalo entre pneumonias e à
facilitação do trabalho em sua modalidade terapêutica. Caracterizando a dupla atuação como
uma “ajuda mútua”, ela sinalizou o fato de que esta interação acelerava o processo de melhora
do quadro pulmonar dos pacientes, que acabavam evoluindo para a alta da fisioterapia
respiratória, possivelmente em um tempo mais curto do que se viessem recebendo somente a
conduta convencional. Embora a colaboração tenha se restringido quase que exclusivamente a
pacientes com síndrome de prune belly, a profissional pontua a importância da adoção deste
modelo no tratamento de outras doenças respiratórias. Com efeito, esta posição se reflete na
contínua e crescente solicitação, por parte de outros membros da equipe, de inclusão de
pacientes com fibrose cística, asma e outras enfermidades, no sentido de que fossem também
beneficiados pela dupla abordagem.
A trajetória percorrida neste processo de construção de um modelo inovador de
fisioterapia foi, de certo modo, exposta nesta pesquisa, ilustrada pelo acompanhamento de
quatro casos em que a adesão à dupla abordagem se deu de forma mais significativa. Nossa
opção metodológica por um estudo qualitativo, utilizando a epistemologia narrativa como via
de expressão, mostrou-se absolutamente adequada no que concerne à possibilidade de se
contemplar a complexidade dos assuntos discutidos. Não nos propusemos a realizar uma
análise da eficácia da dupla abordagem em termos epidemiológicos, tampouco pretendemos
impor generalizações. A resposta inegavelmente positiva oferecida pelos pacientes
envolvidos, contudo, aponta para a necessidade de se pensar a fisioterapia dirigida a crianças
com doença respiratória de forma mais abrangente.
De fato, a exposição teórica realizada na primeira parte desta
dissertação deixa claro o quanto respiração e postura se encontram
inevitavelmente vinculadas. Do mesmo modo, lança luz sobre a
tendência progressiva da fisioterapia contemporânea rumo a uma
perspectiva mais globalista e sensível às subjetividades inerentes ao ser
humano. Não devem restar dúvidas de que um acometimento focal –
como a doença respiratória – não poderia ser tratado sem que se
levasse em conta sua inserção em um contexto mais amplo.
A proposta de uma via terapêutica que fosse ao encontro de tais preceitos foi narrada
na segunda parte deste trabalho, como forma de evidenciar um processo que transcende o
universo das aferições, medidas e auscultas pulmonares. A efetividade revelada se manifesta,
conforme apontado pela fisioterapeuta respiratória, na melhora do quadro clínico, porém um
enorme ganho pôde ser observado em outros campos da vida destes pequenos pacientes. A
otimização do desenvolvimento psicomotor destas crianças promoveu uma ampliação de suas
possibilidades de autonomia, inclusão social, qualidade de vida e lazer. Uma relação
terapeuta-paciente que abria espaço para os aspectos psico-comportamentais e sociais,
permitindo a entrada do lúdico no processo de tratamento, viabilizou a transformação da
terapia em brincadeira, da necessidade / obrigação em prazer, da agressão em acolhida.
O modelo ampliado de tratamento fisioterapêutico que se oferece busca uma inserção
nesta conjuntura de transição pardigmática, em que o modelo biomédico tradicional se revela
restrito e excludente. Fisioterapia e reabilitação se confundem, por vezes, como sinônimos.
Reabilitar deveria significar “tornar o indivíduo hábil”, tanto para respirar quanto para realizar
quaisquer atividades próprias de seu grupo social: andar, correr, brincar, freqüentar a escola,
conviver em sociedade.
O que se pretendeu propor, aqui, foi a tentativa de ver cada indivíduo em seu caráter
único, próprio e global, em que seus eventuais acometimentos orgânicos não fossem
sumariamente enquadrados em uma terapêutica padronizada, que fragmenta este corpo e
exclui suas singularidades e subjetividades. A interação entre abordagens distintas de
tratamento fisioterapêutico mostrou ser uma via possível e promissora de ampliação de
fronteiras no atendimento à criança com doença respiratória. A “nova saúde pública” carece
de uma concepção de “nova fisioterapia”, em que a parte não esteja fora do todo, em que
corpo, vivências e história sejam contemplados de forma integral, em que cada paciente seja
único. Talvez, a maior responsável pela beleza da árvore seja exatamente a sutil diferença
entre as folhas...
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ANEXOS
ANEXO 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome da criança: ________________________________ Prontuário: ______________
Nome do responsável: __________________________________________
Na qualidade de responsável pelo menor acima citado, autorizo a fisioterapeuta Renata Ungier de
Mayor a relatar a história do tratamento de meu filho no Ambulatório de Fisioterapia Respiratória do IFF em sua
pesquisa para a dissertação de Mestrado. Estou ciente de que sua finalidade é mostrar a outros profissionais de
saúde os benefícios do tipo de conduta adotada neste ambulatório, em que meu filho recebe atendimento
postural e respiratório, colaborando para que talvez outras crianças com doença respiratória possam ser tratadas
da mesma maneira. Concordo que sejam narrados detalhes do que se passa no ambulatório, inclusive
reprodução de falas minhas e do meu filho, além de fotografias, para as quais assinei previamente uma
autorização.
Atesto que me foi explicado que as fotografias não permitirão a identificação de minha criança e que o
sigilo sobre sua e minha identidade será mantido, assim como de qualquer pessoa citada nas conversas que tive
durante os atendimentos a meu filho. Se desejar, terei acesso ao texto final da dissertação de Mestrado, para
que possa ler o que foi escrito sobre meu filho. A pesquisadora me garante ainda que continuará o tratamento
mesmo após terminada a pesquisa e que tenho plena liberdade para, a qualquer momento, retirá-lo da mesma,
sem que isso acarrete nenhum prejuízo para seu tratamento no ambulatório.
Os resultados do trabalho serão divulgados em Dissertação de Mestrado, a ser apresentada à Pós –
Graduação em Saúde da Mulher e da Criança do IFF, assim como possivelmente em periódicos, congressos,
aulas, debates e outros eventos científicos.
Declaro que li e entendi o que me foi explicado e autorizo voluntariamente a inclusão de minha criança na pesquisa.
Eu, (nome do responsável) ________________________________, na qualidade de (grau de parentesco)
_______________ , identidade: __________________, autorizo a inclusão do menor ____________________________ na
pesquisa sobre as relações entre a organização postural global e a mecânica respiratória - zonas de trocas entre diferentes
abordagens em fisioterapia.
Rio de Janeiro, ________ de _____________________ de 2003

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