SOBERANIA NACIONAL E MEIO AMBIENTE GLOBAL: DESAFIOS
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SOBERANIA NACIONAL E MEIO AMBIENTE GLOBAL: DESAFIOS
SOBERANIA NACIONAL E MEIO AMBIENTE GLOBAL: DESAFIOS AO DIREITO DO SÉCULO XXI State Sovereignty and Global Environment: Challenges to the Law of the 21st century Ana Carla de Albuquerque Pacheco1 Resumo: O presente trabalho tem como objeto de pesquisa os danos ambientais transfronteiriços e expõe uma reflexão crítica acerca da necessidade de se aperfeiçoar a acepção clássica do conceito de soberania estatal. Temos presenciado conseqüências da degradação ambiental que excedem o conceito geopolítico de território nacional afetando, direta ou indiretamente, todo o planeta. Podem os Estados exercer tão rígido poder doméstico, fundamentados numa soberania territorial que delimita espaços geopolíticos a despeito do caráter transfronteiriço dos danos ambientais? Como o Direito Internacional pode regular a interdependência do meio ambiente global? Nessa reflexão não se propõe a extinção da soberania, ao contrário, intenta-se a inserção da conservação ambiental como característica indissociável ao seu exercício; reafirmandoa enquanto manifestação do poder estatal limitado pelos direitos humanos, em especial, o direito ao meio ambiente equilibrado. Palavras chave: Soberania. Meio ambiente. Danos ambientais transfronteiriços. Direito internacional Ambiental. Abstract: The present work has as object of research the transboundary environmental damages and exposes a critical reflection about the necessity to improve the classical sense of the concept of state sovereignty. We have witnessed the consequences of environmental degradation that exceed the geopolitical concept of national territory affecting, directly or indirectly, the whole planet. Can the States exercise so rigid domestic power, based on a territorial sovereignty that delimits geopolitical areas despite the character of transboundary environmental damage? How International Law can regulate the interdependence of the global environment? In that reflection does not propose the extinction of the sovereignty, on the contrary, seeks to reaffirm its concept as a manifestation of States limited to human rights, in particular, the right to a balanced environment. Keywords: Sovereignty. Environment. Transboundary environmental damages. International Environmental Law. 1 Graduanda do curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Ambiente e Consumo Sustentável – CNPq/UFU”. Estagiária do Ministério Público de Minas Gerais. E-mail: [email protected]. 1. Introdução “De um lado, uma representação do mundo fragmentado em unidades independentes, claramente autonomizadas umas das outras; do outro, a concepção de uma totalidade física e ecológica insusceptível de ser fracionada pelo pretenso hermetismo espacial das fronteiras e avessa à quebra dos laços temporais entre os fenômenos naturais que aquela divisão espacial acarreta. O 'domínio soberano' é confrontado pela biosfera, a estabilidade da 'nação' pela estabilidade da 'natureza', a economia nacional pela economia natural, e o 'mundo dos Estados' pela comunidade global.” (PUREZA, 1998). A escolha da temática parte da percepção acerca da crescente interdependência ecológica, política e econômica que permeia o mundo globalizado. A abordagem específica dessa investigação volta-se ao estudo dos danos ambientais transfronteiriços frente ao princípio clássico da soberania estatal e a responsabilidade dos Estados em proteger o meio ambiente. A pretensão é desenvolver o tema no sentido de demonstrar que alguns danos ambientais excedem o conceito geopolítico de território: um problema ambiental, em um local ou território nacional, pode gerar conseqüências em Estados vizinhos, ou até mesmo em âmbito global. Nesse contexto, critica-se a insuficiência da acepção clássica do termo soberania que, se ao seu tempo tivera o seu valor, já não consegue dar as respostas que as relações internacionais contemporâneas, muito mais complexas e imersas numa pluralidade de interesses e necessidades comuns, exigem. Surge, então, a necessidade de se repensar esse instituto principiológico clássico, atentando para novos mecanismos jurídicos, tais como a gestão compartilhada e a responsabilidade comum dos Estados na proteção do meio ambiente. Indubitavelmente, a preservação ambiental tem ocupado um papel cada vez mais relevante no cenário internacional contemporâneo. A negociação e implementação de tratados, acordos, convenções e a realização de reuniões internacionais dão contornos a um sistema internacional imerso em conflitos e contradições. Busca-se, cada vez mais, soluções políticas internacionais capazes de gerir cooperativamente e sustentavelmente o meio ambiente em um mundo globalizado. Tal constatação instigou o aprofundamento do assunto no sentido de investigar as dificuldades quanto à consolidação, escolha e aplicação de meios de soluções de conflitos internacionais ambientais. As análises, observações e conclusões (essencialmente provisórias) apontadas são, sobretudo, um convite para pensar acerca da necessidade de desenvolvermos meios jurídicos eficazes para garantir a proteção internacional do meio ambiente. 2. O Estado soberano perante o Direito Internacional A concepção clássica de soberania, originariamente compreendida como o poder que não reconhece outro acima de si (superiorem non recognoscens), remonta ao século XIII, quando tiveram início as lutas entre os senhores feudais, o poder estatal francês, eclesiástico e o império romano. Em sentido amplo, Matteuci (2000, p. 1179) conceitua a soberania como “o poder de mando de última instância, numa sociedade política”. O termo atinge seu auge na Idade Média, durante a formação do Estado Nacional, e a partir daí tem sido fruto de algumas mudanças protagonizadas pelo devir histórico. A esse respeito, sintetiza Finkelstein (2003, p. 73): Num primeiro estágio, o detentor da soberania era o rei e, entre outras características, esta era definida pela perpetuidade e por não conhecer limites de qualquer natureza; a soberania tinha, antes de tudo, o caráter de ser elemento essencial do Estado. A primeira evolução do princípio da soberania já se encarregou de lhe impor limites. O poder não mais emanava do rei, mas do povo, e os limites eram aqueles inseridos na Constituição do Estado que o monarca representava. Outras características da definição clássica, com o passar do tempo e com a maior interação das nações soberanas e seus cidadãos, foram recebendo nova interpretação. Contudo, o conceito de Estado Soberano pode ser analisado sob dois prismas: a Soberania interna, compreendida como o poder supremo do Estado de impor normas aos particulares que reconhecem a autoridade estatal como a fonte legítima de direito e a Soberania externa, objeto desse estudo, a qual se manifesta perante a comunidade internacional. Nesse prisma, a soberania se ergue com o intuito de manter a igualdade formal dos países, reconhecidos como soberanos e independentes pelos demais. O artigo 2º, § 7 da Carta na ONU confirma este princípio declarando que nenhum Estado é obrigado a se submeter a qualquer intervenção em assuntos domésticos.2 Ressalte-se que o Estado, desde o seu surgimento como entidade no cenário internacional, sempre procurou valorizar a idéia de independência como uma das condições de sua própria existência. E uma das manifestações mais evidentes desta qualidade de pessoa jurídica independente é a soberania (ALEMAR, 2008, p.1). Os tratados de “Paz de Westfália” (1648-1659), por exemplo, foram um dos primeiros textos normativos internacionais que elevaram o princípio da soberania nacional à estrutura da ordem mundial. Mais que isso, estabeleceram, dentre outras, as regras da não intervenção em assuntos internos de outros Estados e o respeito aos limites internacionais. Posteriormente, em 1791, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão asseverou que “o princípio de toda a soberania reside essencialmente em a Nação. Sendo que nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que daquela não emane expressamente3.” Nesse sentido, o desenvolvimento dessa reflexão científica norteia-se pela prévia acepção de que a soberania, no âmbito do Direito Internacional, continua a ser predominantemente identificada e exercida como poder supremo que qualifica determinado Estado a atuar independentemente e de forma isolada à luz do seu interesse específico e próprio, fato que tem comprometido a proteção internacional do meio ambiente. No mesmo sentido entende Machado (2009, p. 124), 2 Texto original. “Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeteram tais assuntos a um solução, nos termos da presente Carta (...)” 3 Article 3: Le príncipe de toute souveranité reside essentiellement dans la Nation. Nul corps, nul individu NE peut exercer d´autorité qui n´em emane expressément. (DIREITO INTERNACIONAL, Legislação. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789. Artigo inserido em 1791. Disponível em:<www.reocities.com/marceloeva/Declaracao_Direitos_do_Homem.doc >Acesso em: 15 de julho de 2010. O modelo tradicional de Estados soberanos, tendo em vista sua limitação instrumental, ainda é a forma vigente de organização do direito internacional. A solução encontrada, portanto, tem sido a cooperação entre os Estados, e a tentativa de conscientização de todos os atores envolvidos acarretando a responsabilidade perante a humanidade em proteger o meio ambiente. Importante observar que o princípio da exclusividade jurisdicional do Estado em seu território confere a este o poder de determinar comportamentos e impor sanções sem a interferência de qualquer outro ente da comunidade internacional, e prevê, igualmente, que o seu território não venha a sofrer danos advindos de outros Estados. No entanto, devido ao caráter transfronteiriço de alguns danos ambientais, determinada conduta estatal pode colocar em risco a proteção do meio ambiente de outro Estado, causando uma interferência externa não autorizada que choca frontalmente com um dos mais cultuados elementos estruturantes do Estado: a soberania. Visualiza-se, dessa forma, que os danos ambientais podem transcender o espaço, o domínio e a competência dos Estados soberanos. Nesse impasse, as normas internacionais tendem a solucionar a questão impondo aos países que assumam a responsabilidade de garantir que as atividades dentro de sua jurisdição não venham a lesar o meio ambiente de outro país. Essa obrigação internacional acaba por impor limitações à concepção clássica de soberania. A Declaração de Estocolmo, por exemplo, dispõe em seus princípios 21 e 24 que: Princípio 21 - Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e os princípios do Direito Internacional, os Estados terão o direito soberano de explorar os seus próprios recursos de acordo com a política de ambiente, e a responsabilidade de assegurar que as atividades exercidas nos limites da sua jurisdição ou sob seu controle, não prejudiquem o ambiente dos outros Estados ou as regiões situadas fora dos limites de qualquer jurisdição nacional. Princípio 24 - Os assuntos internacionais relativos à proteção e à melhoria do ambiente deveriam ser tratados por todos os países, grandes ou pequenos, com espírito de cooperação e em pé de igualdade. A cooperação, mediante providências multilaterais ou bilaterais ou outros meios apropriados, é essencial para eficazmente limitar, evitar, reduzir e eliminar os efeitos prejudiciais ao ambiente resultantes de atividades exercidas em todos os domínios, tomando-se todavia na devida consideração a soberania e os interesses de todos os Estados. Vê-se, ainda, que a idéia dos interesses distintos ou mesmo opostos que durante algum tempo sustentou a acepção clássica do termo soberania, cede espaço para interesses que são comuns à toda comunidade internacional. O ideal de demarcação do poder estatal face à comunidade de Estados que se formou em meio à hegemonia de potências bélicas e à crise do poder interno rivalizado com o poder exercido pela Igreja, trouxe o anseio ideológico de auto-afirmação do povo, representado pelo Estado, a impor-se como poder máximo, independente de qualquer rédea ou subjugação, a impor-se como poder absoluto. Entretanto, denota-se que tal pensamento reveste-se de valores que fogem aos anseios contemporâneos. Se é certo que ao seu tempo a idéia do Estado Soberano e absoluto tivera o seu valor, não se pode negar que tal concepção já não consegue dar as respostas que as relações internacionais contemporâneas exigem, principalmente a partir do século XX quando começaram a ser declarados e inseridos nas constituições da maioria dos países ocidentais os direitos da “terceira geração”, cujo titular não é o indivíduo ou um determinado estado, mas toda a comunidade internacional, incluindo-se a proteção as futuras gerações. Em posição de destaque no rol desses direitos está aquele a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo sido acolhido por diversos ordenamentos jurídicos inclusive pelo nossa Carta Magna: CF, Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Dantas (2009, p. 93-94) observa, ainda, que algumas cartas, a exemplo da italiana e da chilena, utilizam expressamente o termo “limitação da soberania” para dispor a obrigação jurídica estatal de cooperar com os demais entes para a persecução de fins comuns. De fato, no contexto hodierno já existe alguma aceitabilidade para as intervenções por razões humanitárias efetivamente capazes de justificar o abalo da soberania. Basta pensar, para dimensionar no plano teórico a mudança ocorrida, o quanto teria sido impensável, antes da Carta da ONU, o recurso de um cidadão contra o próprio Estado perante uma jurisdição internacional (FERRAJOLI, 2002, p. 41). Dentro desse novo cenário das relações internacionais, o conceito de soberania precisa ser repensado e adaptado às novas demandas, preterindo o reconhecimento de auto-suficiência do Estado e primando pela cooperação internacional dos Estados com vistas a atender interesses comuns, a exemplo da conservação do meio ambiente. 3. Os danos ambientais transfronteiriços “A quem pertence o ar que respiro?” (Mauro Cappelletti) Conforme se mencionou, temos presenciado ações do homem contra a natureza cujas conseqüências excedem o conceito geopolítico de território nacional, ultrapassam os contornos da soberania, afetando, direta ou indiretamente, todo o planeta. Para exemplificar, podemos mencionar a diminuição da camada de ozônio, o aquecimento global, a poluição e a devastação das florestas. Segundo José Rubens Morato Leite (2002, p. 71), O dano transfronteiriço consiste naquele que atinge mais de um Estado, posto que pode se espalhar de maneira incontrolável pelo homem, como através do ar ou das águas. Assim, se um determinado Estado é negligente ou omisso em relação aos cuidados a serem tomados para evitar a expansão do dano, pode acarretar que outros sejam atingidos, contaminados. Sobre o tema, importante mencionar o case Fundição Trail (Trail Smelter) em que a determinada atividade de fundição de cobre e zinco, praticada no Canadá, emitia fumaça tóxica de dióxido de enxofre, poluição que atingiu os Estados Unidos e lá se manifestou na forma de chuva ácida, causando grandes prejuízos às pessoas, animais e plantações. Para resolver a questão um tribunal arbitral ad hoc foi então instituído e no dia 11 de março de 1941 foi proferida sentença de mérito. Segundo relata o Soares (2002, p. 52): A decisão trouxe em seu bojo grande princípio ao cenário internacional, dando início a uma mudança no pensamento predominante de que os Estados são soberanos ao permitir a utilização dos seus respectivos territórios da maneira que quisessem. O princípio que veio à tona resultante do julgamento desse caso foi no sentido de nenhum Estado soberano tem o direito supremo de permitir o uso de seu território na medida em que causem dano noutro. (...) Naquele momento, foi fundamental e emissão da sentença histórica que dizia: “Nenhum Estado tem o direito de usar ou de permitir o uso de seu território de tal modo, que cause dano em razão do lançamento de emanações no, ou até o território de outro.” (grifo meu) Tukin (1986, p. 466) observa, corretamente, que “a atenção dedicada hoje aos problemas do meio ambiente não é causal”. Conforme afirma o autor: A revolução técnico-científica, o desenvolvimento impetuoso das forças de produção da sociedade condicionaram a intensificação brusca [...] da atividade econômica do homem sobre a natureza, alargando consideravelmente a escala de sua ingerência nos processos naturais. A utilização intensiva dos recursos naturais e a poluição da biosfera do planeta puseram a humanidade numa série crise ecológica. (grifo meu) Dessa forma, devido ao caráter transfroteiriço dos danos ambientais, a solução para os efeitos globais advindos da degradação ambiental têm sido buscada com apoio no Direito Internacional Público, com a proposição de tratados, acordos, convenções, realização de reuniões internacionais – como a recente Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-15) – e tentativas de conscientização de todos os atores envolvidos. Nesse cenário, destacam-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, devido à adoção da Declaração de Estocolmo, também conhecida como a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de Estocolmo e a Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro e apelidada de ECO-92. No entanto, por vezes, os acordos internacionais que visam à preservação ambiental (interesse global) não são ratificados por contrariar interesses específicos de determinados Estados soberanos, especialmente econômicos – os quais têm representado um aspecto político importante dessas reuniões, acordos e Convenções. Assim, em respeito às suas soberanias e à regra internacional do pacta sunt servanda - segundo a qual um tratado internacional somente vincula as partes contraentes, tais acordos perdem sua validade e eficácia no âmbito desses territórios. René-Jean Dupuy (1993, p. 5-6) esclarece que: Os Estados, sujeitos do Direito Internacional, promulgam em comum em comum, por meio de acordo, a regulamentação que exprime o interesse de todos, cabendo a cada um deles avaliar a dimensão do dever que lhe incumbe e as condições de execução. O Direito interno é um direito de subordinação que condiciona sujeitos susceptíveis de serem condicionados, se necessário pela força, à observância da lei, graças a um aparelho institucional adequado; o Direito Internacional, pelo contrário, constitui um direito de coordenação que se limita a favorecer a cooperação entre os Estados. Mas estes, não estando dependentes de nenhuma autoridade de sobreposição, unem-se apenas numa base voluntária e são soberanos na avaliação de seu próprio direito. (grifo meu) Face o exposto, no que tange aos danos ambientais transfronteiriços, um dos maiores desafios que se erguem é a contenção da poluição atmosférica. Em que pese sua danosidade ao ambiente, muitos países ainda relutam em assinar acordos de redução de emissão de gases poluentes que atingem a camada de ozônio. Numa análise factual das dificuldades mencionadas, cabe mencionarmos a recusa dos Estados Unidos em ratificar o Protocolo de Kyoto, tratado internacional cujo objetivo principal traduz-se em reduzir as emissões dos gases causadores de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento do planeta, alegando que o pacto era caro demais e que os cortes prejudicariam a economia do país, altamente dependente de combustíveis fósseis. Recentemente, em 2009, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2009 (COP-15), ocorrida em Copenhague, visualizamos, novamente, o entrave das negociações e a dificuldade de se estabelecer um consenso internacional com vistas à preservação do meio ambiente. Tais fatos ilustram as dificuldades quanto à consolidação, escolha e aplicação de meios de soluções de conflitos internacionais ambientais. Essa tergiversação deve-se em grande parte a interesses econômicos específicos que tem prevalecido sobre os interesses internacionais comuns. Verifica-se, pois, que os Estados têm assumido posições pouco conflitantes com suas economias, ainda que tais decisões comprometam a preservação dos recursos naturais. Nesse contexto, algumas perguntas merecem reflexão: Podem os Estados exercer tão rígido poder doméstico, fundamentados numa soberania territorial que delimita espaços geopolíticos a despeito do caráter transfronteiriço dos danos ambientais? Como o Direito Internacional pode regular a interdependência do meio ambiente global? Para Morato Leite (1998, p. 67) “a proclamação de um direito intergeracional fundamental, extrapola o direito nacional de cada Estado soberano e atinge um patamar intercomunitário, caracterizando-se como um direito que assiste a toda a humanidade”. Parece-nos que as questões relativas à preservação do meio ambiente, como patrimônio comum da humanidade, não podem ser resolvidas fora do Direito Internacional, razão pela qual defendemos que a soberania dos Estados deve ser condicionada às normas internacionais de responsabilidade, cooperação e preservação ambientais para melhor gestão e proteção ambiental, quando os Estados, individualmente, não podem proteger o meio ambiente. Nesse pensar não se pretende propor a extinção da soberania estatal, mas a inserção da conservação ao meio ambiente como característica indissociável ao seu exercício; também não se intenta diminuir a soberania, ao contrário, visa-se reafirmar seu conceito enquanto manifestação do poder estatal limitado pelo Direito. 4. Conclusão A preservação internacional do meio ambiente desponta como um dos maiores desafios do século XXI. A garantia e eficácia internacional do direito ao meio ambiente equilibrado encontram inúmeros obstáculos e requerem mudanças em perspectivas sócio-jurídicas. Na atual realidade pós-moderna, as questões ambientais não se restringem ao território dos Estados. A percepção do caráter transfronteiriço dos danos ambientais aquecimento global, degelo polar, destruição de florestas, poluição, entre outros – torna cada vez mais insustentável o discurso dogmático da soberania absoluta dos Estados no âmbito internacional. Essa tensão entre a efetivação da proteção ambiental em âmbito global e a barreira da soberania estatal parece emergir da tentativa de se aplicar fundamentos principiológicos clássicos às relações sociais contemporâneas que não preservam as mesmas características de outrora. O Direito Internacional Ambiental inova ao exigir uma visão sistêmica no estudo do seu objeto, por meio da transdisciplinariedade, tendo em vista que o estudo do meio ambiente rompe fronteiras e acaba por ser influenciado por uma série de fatores não jurídicos, tais como políticos, sociais, geográficos e, especialmente, econômicos. Nesse sentido, torna-se importante superar o paradigma da soberania existente no Estado moderno em que prevalecia a centralização de competências e a individualização do poder, reafirmando-a enquanto manifestação do poder estatal limitado pelos direitos humanos, em especial, o direito ao meio ambiente equilibrado. No cenário apresentado, não se pretendeu negar ou menosprezar o princípio da soberania estatal que continua norteando os Estados em meio à comunidade internacional. Propôs-se, contudo, uma reavaliação de seu significado diante das mudanças históricas que sucederam ao seu surgimento a fim de assegurar direitos hodiernamente prioritários como a dignidade da vida humana e a proteção ambiental internacional. Outro grande desafio a se enfrentar parece ser garantir a proteção do meio ambiente sem inviabilizar o desenvolvimento do ponto de vista econômico, buscando soluções que garantam o equilíbrio entre a satisfação das necessidades humanas e a conservação ambiental no plano internacional. Bibliografia ALEMAR, Aguinaldo. Soberania e direito fluvial internacional. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. v. 34: 87-106, 2006. ANUÁRIO: direito e globalização, 1: a soberania / dossiê coordenado por Celso de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. In Revista de Processo, 5:7 e seguintes. DANTAS, Juliana Oliveira Jota. 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