PRINCÍPIOS INFORMADORES DO SISTEMA DE
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PRINCÍPIOS INFORMADORES DO SISTEMA DE
PRINCÍPIOS INFORMADORES DO SISTEMA DE DIREITO PRIVADO: A AUTONOMIA DA VONTADE E A BOA FÉ OBJETIVA Ubirajara Mach de Oliveira SUMÁRIO: Introdução - I. O princípio da autonomia da vontade: A) O evoluir da noção de autonomia da vontade; B) Fundamentos da doutrina clássica: 1. Fundamentos filosóficos: individualismo e voluntarismo; 2. Fundamento ideológico e econômico: o liberalismo; C) O apogeu do princípio da autonomia da vontade; D) O declínio perante a nova visão contratual - II. O princípio da boa fé objetiva: A) A ascensão do princípio; B) Delimitação da boa fé: 1. Delimitação negativa: 1.a. Eqüidade; 1.b. Bons costumes; 1.c. Ordem pública; 1.d. Culpa; 1.e. Diligência; 1.f. Função social e econômica; 2. Delimitação positiva; 2.a. Princípio da confiança; 2.b. Princípio da materialidade da regulação jurídica; C) Modus operandi da boa fé objetiva; D) Funções da boa fé objetiva: 1. Restrição à autonomia da vontade; 2. Fonte de criação de direitos subjetivos e deveres jurídicos - Conclusão - Bibliografia. INTRODUÇÃO A natureza é impulsionada de maneira dinâmica, e os seres vivos encontram-se em constante movimento. O nosso planeta, como um todo, submete-se a permanentes deslocamentos. Pela "rotação", a Terra completa uma volta sobre si mesma em 23 h, 56 m e 4 s de tempo solar médio a uma velocidade de 500 m/s. Na "translação", a Terra completa uma volta ao redor do Sol em 365 d, 6 h, 9 m e 9,5 s (ano sideral), a uma velocidade de 30 km/s. Mais duas movimentações são apontadas pelos estudos astronômicos: a "translação para o Ápex", em que a Terra caminha com o Sol no espaço a uma velocidade de 20 km/s, e a "precessão", na qual o eixo da Terra descreve uma superfície cônica no espaço em 26.000 anos.(1) Nem sempre, porém, esse fato da natureza foi conhecido e crido. Antes das sábias pesquisas de Copérnico e Galileu, a idéia científica era a de que a Terra permanecia imobilizada, como a parte central do Universo. Quando Galileu Galilei proclamou que o centro do mundo planetário era o Sol e não a Terra, e que esta girava em volta daquele como os outros planetas, foi ridicularizado. Os escolásticos e a Cúria romana declararam-no herético, rechaçando o sistema copernicano. Denunciado à Inquisição, Galileu teve, para escapar da fogueira, em pleno ano de 1633, de abjurar de joelhos a sua pretendida heresia. À semelhança do mundo natural, o que se relaciona com as áreas culturais também se caracteriza pela dinamicidade peculiar ao ser humano. Hoje, na área jurídica, estamos familiarizados com expressões que denotam movimento. "Direito vivente, mobilidade e sistema aberto" são algumas delas. Em obras de 1934 e 1946, Fritz Schulz cunhou as expressões "sistema fechado" (representativa do direito codificado da família romano-germânica)(2) e "sistema aberto" (exemplificado com o direito anglo-americano). Com o Iluminismo, nos países de direito continental europeu veio a prevalecer a idéia jusracionalista: o Direito como um sistema fechado de verdades da razão. As codificações oitocentistas expressaram com vigor a concepção de um ordenamento estático. Era a busca do ideal de completude, atingido, segundo crença generalizada da época, pelos conceitos e proposições jurídicas dos Códigos, que passavam a regular todas as situações possíveis. O fenômeno codificatório foi característico dos Estados de civil law (Europa continental e países de tradição ibérica da América Latina). Nos países de common law (Inglaterra, Estados Unidos da América do Norte, Comunidade da Austrália, Nova Zelândia e Canadá) não ocorreram as influências que levaram à codificação do direito. Houve, no direito inglês e dos países que adotaram seu modelo, uma linha de continuidade em relação aos moldes medievais. A codificação, no sistema continental europeu, representou a modernidade no Direito Privado, rompendo drasticamente com o passado. A codificação expressa a noção de "sistema", precisada por COING como "ordem de conhecimentos sob um ponto de vista unitário".(3) CANARIS aponta como características formais do sistema a "ordem" e a "unidade". Os fundamentos são a "adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica". Apresenta, o discípulo de LARENZ, uma noção de sistema consentânea com uma visão hodierna: "O sistema deixa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios gerais de Direito, na qual o elemento de adequação valorativa se dirige mais à característica de ordem teleológica e o da unidade interna à característica dos princípios gerais".(4) Na moderna visualização de sistema, são os princípios gerais, como fatores de mobilidade, que vão produzir a unidade interna. 2 A flexibilização assim possibilitada é própria do direito da família romano-germânica, pois o anglo-americano já se caracteriza por ser elaborado pelos juristas (case law). Cabe, a seguir, precisar o conceito de princípio jurídico, expressão notadamente polissêmica. CARRIÒ cataloga nada menos que nove sentidos diversos.(5) No presente trabalho, é acolhida a definição de ROBERT ALEXY, segundo o qual os princípios são " 'mandatos de otimização' que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diversos graus e porque a medida ordenada de seu cumprimento não apenas depende das possibilidades fáticas mas também das possibilidades jurídicas. O campo das possibilidades jurídicas encontra-se determinado através de princípios e regras que jogam em sentido contrário".(6) De todo conveniente, como premissa necessária ao bom desenvolvimento do tema proposto, ter presentes as quatro características dos princípios gerais do Direito, assim enunciadas por CANARIS:(7) a) não valem sem exceção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição; b) eles não têm a pretensão de exclusividade; c) eles ostentam o seu sentido próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas; d) precisam, para a sua realização, de uma concretização através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material próprio. Em face das grandes transformações sociais ocorridas neste século, em ritmo cada vez mais intenso, como se situam os princípios gerais que informam o sistema jurídico? Nesta exposição procuram-se respostas à indagação, em torno das bases em que opera o Direito Privado: a autonomia da vontade e a boa fé objetiva enquanto princípios informadores. No ancien régime, o Direito Privado não era produzido pelo Estado. Não se concretizava em lei. Era um direito feito pelos juristas. É que na Idade Média o Estado, como entidade política munida de efetividade de poder e dotada de psicologia dominante, não existia. À época, o detentor do poder político não se considerava o "dono" do direito. Este provinha de outras fontes, mormente como obra dos mestres e dos juízes. É no século XIV que o Direito passa a interessar ao soberano, como forma de unificação e dominação. Passa-se do 3 pluralismo das fontes, ao monismo legalista. O Estado passa a ditar, cada vez mais, as normas de Direito Privado. Porém, até certo momento as duas órbitas se achavam ligadas no tronco comum do Direito Ordinário. A independência do Direito Público, e seu conseqüente desenvolvimento, iniciou-se no século XVI, lentamente, em campos parciais, em torno do Direito Constitucional, consoante explicitou BULLINGER.(8) Na codificação que resultou da Pandectística dos fins do século XIX, houve a unidade do Direito Privado, que segundo as diretivas do Estado Liberal Clássico, era direcionado apenas ao império não-político da sociedade econômica. O Direito Público era coordenado à Constituição e ao aparato administrativo do Estado. Frisa o Professor LUDWIG RAISER: "Sobre os fossos divisórios destes dois impérios apenas algumas pontes permaneceram no Estado de Direito Liberal, ao qual incumbia proteger a independência da sociedade contra os 'ataques' do Estado".(9) Com o advento do Estado Social, e suas diretrizes intervencionistas, não prevaleceu aquela divisão rigorosa de áreas. O Direito vem a se apresentar como não estanque em áreas friamente delimitadas. O Direito Privado, como salienta o Professor CLÓVIS DO COUTO E SILVA, passa a ser compreendido como um sistema aberto, segundo um escalonamento de interesses que vão do individual ao coletivo, em graus variáveis. É a visão, também, do Professor de Tübingen.(10) O sistema de Direito Privado constrói-se sobre dois pilares fundamentais: a liberdade e a responsabilidade. O pressuposto nuclear do Direito Privado, segundo uma visão clássica, é o reconhecimento da independência e liberdade do indivíduo.(11) A autonomia da vontade é o princípio que materializa o livre desenvolvimento individual. Por outro lado, a responsabilidade social aparece representada pelo princípio da boa fé objetiva. Trata-se da aplicação, que se vai ampliando com a eticização do Direito, do princípio de "fidelidade e fé".(12) A polaridade entre os dois princípios emerge em todos os institutos de Direito Privado, com ênfase no Direito das Obrigações e nos Contratos dadas as peculiaridades próprias desse setor do Direito Civil. Neste contexto é que surge, de forma candente, a indagação que fora enunciada pela Professora JUDITH MARTINSCOSTA quando de sua conferência no Seminário Internacional de Valência, Espanha: 4 "... como a viabilização da ética contratual, ou do 'direito justo' dos contratos se tornou possível nos sistemas de tipo codificado, construídos sobre o dogma da autonomia da vontade?"(13) Assim é que, no presente estudo, propõe-se o exame da matéria em duas partes. A primeira, destinada ao Princípio da Autonomia da Vontade, e a segunda ao Princípio da Boa Fé Objetiva. Para uma adequada visão dos dois princípios, em sua evolução até a perspectiva atual, necessário se faz um perpassar, inda que sucinto, desde suas origens. Face ao plano do trabalho, com uma parte reservada a cada princípio, a resenha histórica integrará o respectivo item, com o que se ganha em termos de clareza e especificidade. Busca-se ainda verificar como operam os princípios em exame, através da visualização de suas contraposições e limites. Hoje, com os ideais direcionados ao Direito Justo, sobressai a importância do perquirir sobre a atuação dos princípios informadores. Assente está a necessidade de flexibilização do sistema jurídico, ao tempo em que mantém-se sua unidade. Como, porém, conciliar as necessidades de segurança e de adaptação às novas exigências sociais? Até que ponto a dialética estabelecida entre os dois princípios em comento poderá contribuir para uma revitalização do Direito? Vistas que sejam as partes I e II, já anunciadas, se finalizará com as conclusões extraídas, atentando-se sempre para a exigência social de um Direito adequado aos tempos. Todavia, desde logo se pode adiantar que sopram novos ventos, aptos a dissipar as nuvens formadas pela denominada "crise do Direito".(14) I. O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE A) O Evoluir da Noção de Autonomia da Vontade "Uti lingua nuncupassit, ita ius esto",(15) rezava a Lei das XII Tábuas, consagrando princípio já anteriormente adotado em Roma. Dito princípio fundamentava a lex privata, primeira forma de expressão do ius civile. Era, a lex, uma declaração solene com valor normativo, baseada em um acordo entre o declarante e o destinatário.(16) Lex privata, no dizer de AMARAL NETO, era a que tinha por base um negócio privado, o que se verificava quando alguém dispunha de uma coisa sua (lex rei suae dicta). 5 Somente em ocasião posterior é que surge a lex publica, quando aprovada, pelo povo nos comícios, uma proposta do magistrado ("lex est... communi rei publicae sponsio"). Logo, já no direito romano se encontrava delineado o princípio da autonomia da vontade, logicamente sem a conotação ampla que veio a assumir nos séculos XVIII e XIX, época do apogeu. O poder jurígeno da vontade individual também recebe o respeito do cristianismo, que via o homem como centro de interesse, fonte e fins de toda organização jurídica.(17) No direito canônico, assumiu relevo o compromisso de cumprimento da palavra dada. O descumprimento era visto como pecado. Falava-se da "santidade dos contratos". O afastamento da palavra jurada caracterizava perjúrio, o que importava na danação da alma. Não se chegara, porém, à devida configuração da autonomia da vontade, por faltar no direito canônico a visão de autodeterminação e, portanto, da desvinculação do indivíduo de forças divinas.(18) As primeiras construções individualistas do direito surgem no pensamento franciscano e principalmente em GUILLAUME D'OCCAM. Ainda nos séculos XIII e XIV, a Escolástica tardia substituíra a razão pela vontade, como elemento determinante no conduzir da existência humana. Lembra o Professor AMARAL NETO que na ciência jurídica medieval vem a consagração do princípio da autonomia da vontade, com BARTOLO DE SAXOFERRATO (1314-1357), institucionalizador dos princípios fundamentais do Direito Internacional Privado (locus regit actum, lex fori, lex rei sitae, etc.) e, principalmente com CAROLUS DUMOULIN (1500-1566), alcançando ponto culminante com GROTIUS (1583-1645), que distinguia um direito voluntário (ius voluntarium) derivado da vontade de Deus e dos homens, e um direito natural (ius naturale), produto da natureza dos homens como seres racionais.(19) GROTIUS, ao contribuir para a laicização do direito, reforçou o primado da vontade individual: se o mundo jurídico não era ditado por obra divina, concluía-se que o homem podia dar limites e optar pelo rumo a seguir. Aliás, para o citado pensador, a vontade que se exteriorizou de forma suficiente, mediante palavras, constitui declaração que se tem como verdade frente ao declarante. Portanto, uma forte contribuição no sentido de estabelecer a autonomia da vontade como princípio informador foi a teoria do direito natural, no quanto substituiu a idéia do direito divino pelas liberdades naturais, que constituem o fundamento e o fim do direito, 6 sendo o contrato e a liberdade contratual manifestações da vontade humana e uma das liberdades naturais. Prevalecia o pensamento, comum à época e expresso por escritores como HOBBES, LOCKE, PUFENDORF e THOMASIUS, de que a vontade constituía a fonte única das obrigações. Na concepção clássica, também denominada de tradicional ou subjetiva, as expressões "autonomia privada", "autonomia da vontade" e "liberdade contratual" são sinônimas, significando ser a pessoa livre e soberana para decidir se, quando e como vincular-se obrigacionalmente.(20) LUIGI FERRI, mais recentemente, manifestou sua insatisfação em face do uso indiscriminado das expressões, e a conseqüente imprecisão. Destaca o catedrático da Universidade de Ferrara que é necessário restringir mais o conceito de autonomia individual para chegar à formação de um instrumento útil.(21) Portanto, não mais se considera haver identidade entre autonomia da vontade e autonomia privada. Consoante a moderna orientação, a autonomia da vontade dá relevo à vontade subjetiva, psicológica, enquanto que a autonomia privada destaca a vontade objetiva, que resulta da declaração ou manifestação de vontade, fonte de efeitos jurídicos.(22) Destaca-se ainda o conceito de "autonomia negocial", como aquela específica do âmbito dos negócios jurídicos. Expressa a capacidade de auto-regulamentação no campo do negócio jurídico. A etimologia da palavra autonomia já demonstra seu alcance. Autônomo vem do grego autós, próprio, e nomos, lei. Autonomia, portanto, exprime o poder que tem a pessoa de estabelecer, por si mesma, normas jurídicas. Daí resultou a construção precisa da noção de sujeito de direito, que por meio de sua livre vontade podia obrigar-se. Autonomia privada, assim, é o poder da pessoa regular seus próprios interesses.(23) Na Itália, além da doutrina clássica, subjetiva, e da objetiva de SANTI ROMANO e FERRI, exsurge a concepção preceptiva de BETTI. Trata-se, esta, de uma tese intermediária que define a autonomia privada como poder de auto-regulação dos interesses particulares. Segundo BETTI, a autonomia privada é fonte de preceitos, não de normas jurídicas.(24) A autonomia, para o mencionado autor, é fenômeno social pré-jurídico - idéia, porém, combatida pelos que não admitem existir sociedade sem ordenamento jurídico. 7 A teoria preceptiva, consoante SCOGNAMIGLIO, não prevaleceu nas doutrinas alemã e italiana.(25) No direito francês, não ocorreu a divisão doutrinária verificada na Itália. Em França, segue-se usando a expressão autonomia da vontade ligando-a ao princípio da convenção como lei, efeito da autonomia privada.(26) Esta é encarada mais como autonomia da vontade, de modo que a preocupação principal é "com a essência do fenômeno, ontologicamente, do que com seus efeitos jurídicos".(27) Muito embora a redação do artigo 1.134 do Code(28) enseje a interpretação que o Estado dá validade ao contrato, em verdade a situação se inverte. Abstrai-se a expressão "legalmente formadas", e o contrato assume força de lei. A força obrigatória do convencionado entre as partes não decorre da lei, pois esta se limita a garantir o devido cumprimento. Apenas duas restrições à autonomia da vontade seriam admissíveis: a ordem pública e os bons costumes. A doutrina clássica, para bem ser entendida em seu alcance e conseqüências, deve receber análise à luz dos seus fundamentos. É o que se passa a examinar no item "B", em seqüência. B) Fundamentos da Doutrina Clássica Para a teoria clássica, que predominou de forma absoluta nos séculos XVIII e XIX, o dogma da vontade foi erigido sobre a certeza de que a real fonte jurídica é a vontade interna. A declaração é mero instrumento de divulgação da vontade. Exatamente quanto à relação entre vontade e a forma, houve o famoso embate entre a teoria subjetiva ou romana (Willenstheorie), de SAVIGNY, e a teoria da declaração, ou germânica, ou objetiva (Erklärungstheorie). Para a primeira, prevalecia sempre a vontade psicológica, se apurada discordância desta com a sua declaração. Para a outra teoria, a essência do negócio é a declaração, independentemente desta corresponder à vontade do agente. Em realidade, enquanto ainda sopravam os ventos do dogma da vontade, mesmo a teoria objetiva tinha o efeito prático de proteger a circulação dos direitos, ao resguardar o destinatário da declaração. Nas duas teorias, o que predomina é o voluntarismo como fundamento do negócio jurídico. A divergência se cinge à prevalência quanto à vontade interna e a declarada, quando conflitantes. Em ambas, no entanto, não se dispensa, nem se poderia dispensar, a exteriorização da vontade como elemento material, objetivo, do ajuste. 8 Impende verificar, portanto, quais os fundamentos filosóficos (1), ideológicos e econômicos (2) do pensamento clássico. 1. Fundamentos filosóficos: individualismo e voluntarismo Com o individualismo, foi atribuída à vontade individual a função de causa primeira do Direito. Assim, toda a movimentação comercial fazia-se pelo contrato. Qualquer restrição à liberdade individual teria de provir de um ato de vontade do devedor. Outrossim, os resultados do mencionado ato eram, necessariamente, justos.(29) Pelo individualismo, com o qual se dá à pessoa humana uma posição supervalorizada frente à sociedade,(30) o indivíduo passa a ser a fonte e causa final de todo o direito. Filosoficamente, o individualismo contrapõe-se ao materialismo histórico no sentido de que este explica os fenômenos sociais de uma forma a globalizar as pessoas em volta de interesses materiais coletivos. Na área política, o individualismo opõe-se ao estatismo e à intervenção do Estado, e assim também ao conformismo e ao tradicionalismo.(31) A sociedade, para o individualismo, não é um fim em si mesmo, não se considerando existir um fim superior aos indivíduos que a compõem. Como frisa MARCEL WALLINE, as instituições sociais devem ter por fim a felicidade e a perfeição dos indivíduos, numa "tendência a colocar as instituições políticas, jurídicas e sociais de um país ao serviço dos interesses particulares dos indivíduos que compõem a população, de preferência aos interesses coletivos".(32) Na seara jurídica, reza o individualismo que a regulamentação jurídica é obra dos indivíduos e não da sociedade. DUGUIT retrata o individualismo como uma doutrina de direito natural que pretende fundar a legitimidade do direito objetivo na necessidade de garantir os direitos naturais inatos dos indivíduos. WALLINE aduz que o individualismo jurídico pode ser concebido como "um sistema em que se admite que o indivíduo é a única fonte de todas as regras do direito, a causa final de toda atividade jurídica das instituições, notadamente do Estado".(33) Em um sistema tal, a legislação sofre a influência do individualismo político e consagra as instituições mais favoráveis ao indivíduo. A Revolução Francesa consagrou essas idéias individualizadoras, cristalizando no Code Civil o primado da vontade particular para estabelecer as regras de sua atuação jurídica. Assim, dispôs o artigo 1.134 do Código de Napoleão que "as convenções legalmente estabelecidas fazem lei entre as partes". 9 Reconhecem os autores da escola do direito natural que "não há regra mais favorável à sociedade dos homens que aquela que consiste em dizer que se é obrigado pelo contrato e porque se quis isso. O contrato é a manifestação da vontade humana, e a liberdade contratual uma das liberdades naturais".(34) A teoria do contrato social, de JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778), contribuiu de forma ampla e definitiva para o primado da vontade individual. Esta passou a ser considerada como a única fonte de toda obrigação jurídica. O grande pensador via o homem naturalmente livre. Concebia possível o abandono desta liberdade senão quando livremente consentido, na limitação e condições que o contrato social determinou. Resulta que a convenção é o fundamento de toda autoridade entre os homens, sendo que a própria autoridade pública extrai seu poder de uma convenção. Na Alemanha, as idéias de KANT (1724-1804) embasaram a já mencionada Willenstheorie. Aliás, a própria expressão "autonomia da vontade" é extraída de sua obra "Crítica da Razão Prática". Para IMMANUEL KANT a vontade individual transforma-se na única fonte das obrigações.(35) Afirma ele que uma pessoa não pode submeter-se a outras leis que não àquelas que a si mesmo dá. Com o grande filósofo, a autonomia da vontade ganha conotação dogmática,(36) passando a imperativo categórico de ordem moral. Se a vontade é a única fonte de obrigações, ela também vem a ser considerada a fonte única da justiça. O auge do voluntarismo ocorre sob a égide do jusnaturalismo, embora consolidando tendências anteriores que já vinham desde o direito romano, passando pela Escolástica tardia. Com o jusnaturalismo é que se deu a passagem de um pacto que era baseado na submissão, para um pactum societatis. A própria organização estatal passou a ser explicada como uma criação voluntária, nascida do arbítrio humano. Com o voluntarismo, tudo passa a transcorrer sobre a base da associação voluntária, desde o contrato entre duas pessoas até as relações com o Estado. Ora, se todos os relacionamentos jurídicos tinham seu fundamento na vontade, o corolário lógico foi o de que o consentimento era algo justo em si. Aliás, é o que ensinava Kant, ao ponderar que a vontade constitui a única fonte da justiça. 2. Fundamento ideológico e econômico: o liberalismo O que mais amplamente explica a proeminência do voluntarismo é a mutação sócio-econômica verificada do regime feudal para o mundo do liberalismo clássico. 10 Na Idade Média, a terra representava a principal fonte de riqueza, realçando-se, pois, a propriedade imobiliária. Com o surgimento da economia capitalista, houve o crescimento acentuado da importância dos demais bens de produção, próprios do comércio e da indústria explorados pelos burgueses. Estes, vitoriosos política e economicamente, fizeram prevalecer um sistema jurídico que viabilizasse a livre circulação dos bens e dos sujeitos. Foi a época do mercantilismo capitalista. Será a autonomia da vontade que possibilitará a generalização das trocas, dando nascimento a um novo poder efetivado na liberdade de atuação no mercado. Com o que, o sujeito é livre de contratar, escolher com quem contratar e estabelecer o conteúdo do contrato. A rápida circulação de bens estava assegurada mercê da legislação, que dava todo o realce à vontade. Nada, além desta, podia interferir no processo de produção e circulação de bens. As bases da autonomia privada, pois, foram a liberdade e a igualdade formal. Da autonomia da vontade resultou o papel precípuo atribuído aos direitos subjetivos, destacando-se os de propriedade e de liberdade de iniciativa econômica. O liberalismo, que tem a liberdade como o princípio orientador da nomogênese jurídica no âmbito do direito privado, pelo menos no seu campo maior que é o do direito das obrigações,(37) é o fundamento ideológico da autonomia da vontade. Quanto ao Estado, cabia-lhe apenas assegurar o livre comércio, a liberdade de trabalho e a propriedade privada. O Estado gendarme não interferia na área econômica privada. Apenas propiciava a segurança e garantia a mantença das regras atinentes à livre negociação. Na área social, passou-se do status ao contrato, como bem elucidou SUMMER MAINE.(38) Antes, as posições sociais eram ocupadas em razão do nascimento. Com o individualismo liberal, os espaços foram ocupados pela força do voluntarismo. Não mais se impunha a vinculação absoluta e a subordinação dos indivíduos ao poder do senhor feudal. O grande crescimento da indústria e do comércio causou a separação entre a mão-de-obra e os meios de produção. Houve necessidade de especialização do trabalho, e de aumento no recrutar de empregados. No regime feudal, com suas relações de vassalagem, a mão-de-obra estava ligada diretamente ao detentor dos meios de produção. Agora, no mercantilismo capitalista, o obreiro precisava 11 ser livremente contratado. Como ocorreria isso? Fazendo-o sujeito de direitos. E, por extensão, todos os indivíduos foram considerados capazes de direitos e obrigações, de modo a poderem, por sua própria vontade, ser agentes do novo modelo econômico, que para sobreviver exigia a participação atuante de um número cada vez maior de sujeitos. A partir do início do século XIX, a Pandectística desenvolveu a noção de "negócio jurídico", como instrumento através do qual se manifesta o poder autônomo da vontade. Os juristas alemães e italianos passaram a considerar o princípio objetivamente, como verdadeiro poder jurídico dos particulares. Daí a denominação de "autonomia privada", designando o "poder de estabelecer normas jurídicas individuais para regulamentar sua própria atividade jurídica, manifestada a vontade por meio de figura específica, o negócio jurídico".(39) Os fundamentos já analisados redundaram na situação que é objeto do próximo item deste trabalho. C) O Apogeu do Princípio da Autonomia da Vontade A autonomia privada, como expressão jurídica, nasce no direito internacional privado, vinculada à idéia de livre determinação, pelos sujeitos de direito, das normas aplicáveis aos negócios internacionais. Posteriormente, passa a indicar a solução de conflitos, através da busca da vontade autônoma para que se aplicasse esta ou aquela lei. Assim é que, de princípio passivo, implícito na forma como a lei determinava as incidências, passa a princípio ativo, não mais heterônomo.(40) Registra VÉRONIQUE RANOUIL ter sido a exposição de LAURENT que divulgou, na França, a concepção solucionadora de conflitos. Os tratadistas passam a valer-se, também no direito privado, da noção de autonomia da vontade. Numa primeira fase, a autonomia privada não aparece com nomenclatura expressa, em decorrência do que RANOUIL chama de omniprésence souveraine de l'idée d'autonomie de la volonté.(41) Sequer era necessário cogitar de justificação outra para a formação de obrigações entre as partes. Só na vontade se encontrava o poder de vincular as pessoas. Dominava, na época, a filosofia kantiana, para a qual a justiça se materializava na autodeterminação e no individualismo. Donde, nos séculos XVIII e XIX, "l'unione volontaria dell'individuo con suoi pari realizzata per mezzo del contratto fu collocata al centro della riflessione sociale e giuridica".(42) 12 Essas idéias favoreciam os interesses da classe burguesa, vitoriosa na Revolução de 1789. Propiciava, a supremacia do princípio em comento, a livre circulação de mercadorias. O Estado burguês, então, vem de reconhecer explicitamente a autonomia dos particulares. É uma das resultantes da união, chamada por PAOLO GROSSI de "matrimônio secreto" entre o Estado burguês e a classe burguesa. Neste outro mundo, ao qual o poder estatal dá validade, o "contrato" é a lei. É, no dizer do grande jurista italiano, o primado ontológico da vontade dos indivíduos.(43) Era o mesmo espírito enunciado pela afirmação de FOUILLÉ: "qui dit contractuel dit juste", tão emblemática como a concepção que no Code se tem da propriedade como o "direito de gozar e dispor dos bens na maneira mais absoluta".(44) Em matéria contratual, era o primado do consenso. Aliás, o artigo 1.101 do Code define o contrato como um acordo graças ao qual as pessoas se obrigam em relação a outras. E o consensualismo encontrou sua força justamente na autonomia da vontade. No tocante às condições para a validade do ajuste, exige o artigo 1.108 do Código Civil francês o consenso, a capacidade das partes contratantes, objeto certo e causa lícita. Enfim, o que se depreende é que a liberdade de contratar passou a ser o princípio geral. Consoante frisa o Professor PAOLO GROSSI, o ato de autonomia foi equiparado à lei. Deu-se-lhe soberania em sua própria órbita. O Code serviu de modelo e inspiração para muitas codificações, para as quais também sobrelevou o princípio da autonomia privada. Em face de que valiam as regras instituídas pelas partes, o binômio maior, liberdade/responsabilidade, ficava ao alvedrio dos contratantes. Os aplicadores do Direito, inclusive os juízes, pensavam, retratando o espírito da época, que não devia ocorrer intromissão naquilo que as partes clausularam no negócio jurídico. Assim é que os juízes franceses não deram a menor repercussão ao artigo 1.135 do Code, no quanto estatuía que as convenções obrigam não só pelo que está expresso nelas, como também por todas as conseqüências que a eqüidade, os usos, ou a lei dão à obrigação em função de sua natureza. Embora houvesse respaldo legal para a consideração de elementos de ordem objetiva, isso não ocorreu. Antes, o preceito apenas foi visto como reforço ao primado do voluntarismo. 13 Era o reflexo poderoso da doutrina do liberalismo que preconizava a plena e absoluta liberdade dos seres humanos na economia, vedada a interferência estatal nas operações de circulação de bens. Era o regime do laissez-faire, laissez-passer, laissez-contracter, tido como imprescindível para atender à necessidade da rapidez e segurança nos negócios, face à crescente industrialização e ao desenvolvimento do comércio. Atendia-se, dessa maneira, às necessidades dos produtores: o trabalhador, livremente, alienava sua força de trabalho ao dono da indústria; o livre mercado permitia a circulação cada vez maior dos bens; com a extensão dos direitos e deveres a todos, houve ampliação dos sujeitos econômicos ativos. Lembra o Professor AMARAL NETO que o negócio jurídico representa a expressão máxima dessa autonomia, pois por meio dele criam-se, modificam-se ou extinguem-se relações jurídicas, estabelecendo as regras disciplinadoras dos comportamentos das partes. Esse poder jurídico se manifesta tanto na gênese e modificação das relações jurídicas quanto no estabelecimento de seu conteúdo. Aliás, como frisa o mencionado autor, a teoria do negócio jurídico "é fruto da ciência jurídica alemã, principalmente no século XIX, que a elaborou com base em textos justinianeus referentes à autonomia da vontade".(45) O negócio jurídico, pois, é instrumento e expressão da autonomia privada como poder. Justamente porque é ato de autonomia privada destinado a estabelecer regras de interesse, reconhecido socialmente como imperativo.(46) De sorte que, nos séculos XVIII e XIX, o dogma da vontade preponderou de forma praticamente absoluta. De acordo com a doutrina clássica, o fundamento da obrigação era a vontade, independentemente da lei. A vontade valia por si própria. Era, sem dúvida, a situação retratada pelo ditado medieval: "os homens são presos pelos contratos, assim como os bois o são pelas aspas, pois mais valem as palavras de um homem do que todas as fórmulas do direito romano". Somente no final do século XIX é que desponta uma mudança radical, com a doutrina de OSKAR BÜLLOW. Este desloca a tônica do negócio jurídico para o "regramento" ou "ordenamento" resultante, sem desconhecer o relacionamento com a vontade. Antes de BÜLLOW, todo o realce se concentrava no poder da vontade. Foi, no dizer do Professor CLÓVIS DO COUTO E SILVA, o primeiro e mais vigoroso ataque ao dogma da vontade no negócio jurídico.(47) 14 D) O Declínio Perante a Nova Visão Contratual O século XIX e suas concepções, consoante referido por estudiosos,(48) estendeu-se até o início da 1ª Grande Guerra. Com o conflito armado mundial, começaram a operar-se notáveis transformações na sociedade. A população foi sofrendo um acentuado desnivelamento social, resultante do capitalismo guiado por critérios exclusivamente econômicos. Por outro lado, o aumento demográfico deu margem a novas relações jurídicas, massificadas ou coletivas. As correntes socialistas de pensamento, bem como a doutrina social cristã, levaram ao reconhecimento dos direitos sociais e da necessidade de reformas no sentido da implantação e asseguramento dos mesmos. Na Encíclica Rerum Novarum, de 1891, o Papa Leão XIII pregava sobre os direitos sociais e o direito-dever de intervenção estatal na vida econômica e social. As idéias socialistas, expostas por KARL MARX e por uma plêiade de outros pensadores, criticando as desigualdades sociais, causaram grande impacto. A 2ª Guerra Mundial realçou o encaminhamento dos fatos rumo ao Estado Social, inclusive como reação aos regimes políticos totalitários. Esse Estado Social pode também ser representado como um neocapitalismo ou capitalismo tardio.(49) Foram encetadas políticas reformistas, como o keynesismo, o securitismo, as nacionalizações, o planismo e a co-gestão. Essas políticas é que redundaram no Estado Social, que não se atrela nem ao capitalismo que foi próprio do Estado liberal clássico, nem ao socialismo como era praticado nos Estados do leste europeu.(50) A situação evoluiu até que hoje, "por autonomia da vontade não se designa o poder de criar efeitos jurídicos, baseado somente na vontade de uma, ou mais partes, fora de toda habilitação legislativa".(51) O intervencionismo estatal manifesta-se pela lei ou ato administrativo, que passa a regular as condições negociais. É o caso da locação, em que o Estado passou a legislar com caráter regulamentador amplo, com vistas a resolver ou amenizar o problema da moradia. Surgiram, ademais, os "contratos ditados", em que o negócio se transforma em ato de cogência. Foram utilizados, como frisa CLÓVIS DO COUTO E SILVA, em certos tipos de planificação econômica surgidos nas últimas guerras, como instrumentos para a melhor distribuição de bens e produtos considerados básicos. 15 Noutras áreas, o particular não tem a mínima chance de escolher com quem contratar. Ocorre uma verdadeira "coação para contratar".(52) É o caso de algumas atividades consideradas de interesse público, tais como os serviços de correio, os transportes, fornecimento de água e luz, executados pelo Estado, diretamente ou por concessão. De outro lado, aquele que detém um monopólio, legal ou natural, não pode deixar de prestar o serviço ou fornecer o bem a quem quer que seja, salvo motivo relevante. Se houver uma ordem de subordinação absoluta, estará afastada a idéia de contrato. Assim é que, quando se fala em "contrato ditado", assente está que no desenvolvimento da relação obrigacional, e na sua extinção, atua a vontade dos figurantes. Esta parte é regida pelo direito privado. Outro campo em que a autonomia da vontade tem sofrido restrições, neste século, é quanto ao conteúdo dado ao contrato. Quando há fixação dos preços por ato governamental, as obrigações em curso no contrato ficam alteradas, independentemente da vontade dos figurantes. Isso seria inadmissível na filosofia do Estado liberal. Outro limite imposto à autonomia da vontade decorre do princípio constitucional da igualdade perante a lei e dos bons costumes, resultando nulas cláusulas que atentem contra os mesmos (restrictive covenants). É o que foi acentuado no debate surgido em torno da cláusula, por exemplo, que impossibilitava sublocação para pessoas de determinada raça ou cor.(53) Nos contratos de massa, dirigidos não a indivíduos determinados mas aos integrantes de uma coletividade, e na utilização de serviços existenciais ou de interesse geral, "a vontade não entra em maior consideração, eis que o ato ou seus resultados são necessariamente desejados".(54) O exame da vontade, portanto, não será prevalecente em relação aos atos existenciais. Nestes, aliás, o direito não valoriza e nem questiona a presença da vontade. É que, nos casos de conduta socialmente típica, ocorre uma cisão entre o negócio e a sua função. Esta resulta autônoma, sendo fonte para a formação da relação obrigacional. Os fatores sociais, decorrentes da impessoalidade e da reiteração de práticas, vão colocar em posição relativa a vontade. Mais um golpe violento haveria de ser dado contra a autonomia da vontade: a fixação unilateral das condições gerais do contrato, a que adere a contraparte. Comumente empregados pelos bancos, seguradoras e grandes firmas, são contratos do tipo take it, 16 or leave it. O interessado em adquirir a mercadoria ou serviço não tem suporte econômico que o habilite a impor mudanças no texto que normalmente já vem impresso. Sobre o tema, proferi sentença em 26.05.93 (2ª Vara Cível de Porto Alegre, Processo nº 01192305553) que foi confirmada por seus próprios fundamentos pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Apelação Cível nº 593 126 691, unânime, julgado em 30.11.93, Relator Desembargador SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA), e que é ilustrativa dos problemas surgidos com tal ordem de contratos. O casal autor, ele engenheiro, ela arquiteta, adquiriu unidade residencial, em construção, chegando a pagar 16% do preço do imóvel. Em face da crise econômica, não puderam continuar pagando. Rescindido o contrato, o bem veio a ser vendido para terceiro. Pediram, pois, a devolução das parcelas pagas, invocando o Código de Defesa do Consumidor e legislação aplicável. A ré, empreendedora imobiliária, contesta sob a seguinte argumentação: o contrato foi realizado antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor; trata-se de ato jurídico perfeito, não atingido pela lei superveniente; a Lei 6.766/79, artigo 35, prevê a não devolução se os valores pagos atingirem até um terço do preço; o contrato prevê a perda de todos os valores pagos, a título de indenização por perdas e danos, como sanção ao comprador pelo seu ilícito contratual. Manifestando-se sobre a contestação, os AA. invocaram ainda o artigo 115 do Código Civil. Afirmaram que a cláusula de devolução foi leonina, à qual aderiram sem opção de vontade. A sentença reconheceu ser inaplicável o Código de Defesa do Consumidor. Outrossim, a compra por outro cliente não afastava, por si só, a incidência da cláusula indenizatória por perdas e danos e lucros cessantes. Seguiu a fundamentação no sentido de que, em tais hipóteses de pagamento de parte relativamente pequena do preço, o ordenamento jurídico vigente admitia a clausulação de perda do valor pago. Assim, o artigo 35 da Lei 6.766/79 e o artigo 1.097 do Código Civil. A doutrina anterior ao Código de Defesa do Consumidor, pacificamente, admitia a validade da estipulação de perda das prestações pagas. Frisou ainda a sentença que não se verificou imposição leonina, pois o contrato, ao tempo que previa indenização a cargo do comprador, não eximia a vendedora do dever de indenizar. O ato não se sujeitara ao arbítrio da vendedora, pois se tratava de cláusula de praxe à época, concluindo-se pela aceitação dos AA., eis que 17 pessoas de elevado nível de instrução e com profissão ligada ao ramo de edificações imobiliárias. A rescisão contratual dera-se por inadimplemento "a parte debitoris", e o devedor inadimplente é sujeito às perdas e danos (artigo 1.092, parágrafo único, Código Civil). Tendo a pena convencional a prefixação como uma das suas finalidades, é devida a este título, consoante doutrina e jurisprudência. A sua exigibilidade é pleno iure (artigo 921 do Código Civil), independendo da indagação se o credor foi ou não prejudicado pela inexecução do obrigado (artigo 927 do Código Civil). Ademais, reconheceu-se que a pena não extrapolara a limitação legal da época, artigo 920 do Código Civil. Todavia, reconheci a possibilidade de redução judicial da pena pelo inadimplemento parcial (Código Civil, artigo 924), forte em jurisprudência e doutrina no sentido de que o artigo 924 do Código Civil tem o vigor de preceito de ordem pública. Foi salientado que o Direito moderno tem cada vez mais restringido a liberdade contratual e que, na cláusula penal, o controle da vontade individual é aceito sem tergiversações. Trata-se de abrandamento que o Judiciário pode e deve ditar, para coibir os excessos com que as cláusulas penais ameacem agredir o equilíbrio social, ensejando injusto enriquecimento de uma parte, ainda que à custa do inadimplemento. Passou-se, então, a sopesar os motivos para a redução, e a respectiva porcentagem, levadas em conta as características do caso concreto. A ação resultou procedente em parte, para que os AA. recebessem de volta 55% do valor que tinham pago. Como se vê, a situação do século XX alterou em muito o quadro anterior, em que a autonomia da vontade era o princípio dominante. Não se quer dizer que, hoje, a vontade tenha sido colocada em posição de pouca ou nenhuma relevância. Ao contrário, e é ensinamento expresso do inolvidável civilista gaúcho, que ela ocupa ainda um "lugar de relevo dentro da ordem jurídica privada, mas, a seu lado, a dogmática moderna admite a jurisdicização de certos interesses, em cujo núcleo não se manifesta o aspecto volitivo". "No fundo, cuida-se de uma harmonização da teoria de WINDSCHEID - o direito subjetivo como poder da vontade - com a de JHERING - o direito subjetivo como interesse juridicamente protegido - abrangendo campos definidos dentro da teoria das fontes das obrigações".(55) Na fase de apogeu da autonomia da vontade, somente esta servia de medida para a extensão do conteúdo da relação 18 obrigacional. Não se concebiam deveres fora do âmbito da vontade e da lei, e daqueles resultantes do delito. Com a eticização do direito, porém, surge um "valor autônomo, não relacionado com a vontade",(56) o qual integra a boa fé e possibilita "um tratamento objetivo da relação obrigacional". Necessário, pois, contrapor à autonomia da vontade o princípio da boa fé objetiva, que passa a ser analisado na parte II deste trabalho. Para tanto, parte-se de uma visão do evoluir ascendente da boa fé objetiva (A), fazendo-se a seguir a sua delimitação conceitual (B) e operacional (C). Por fim, analisam-se as funções do princípio (D), como restritor da autonomia de vontade e como fonte de criação de direitos e deveres. II - O PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA A) A Ascensão do Princípio No Direito romano encontramos a origem do conceito, e da própria expressão lingüística da boa fé. O exato significado de fides não era um tema claro, e abrangia três dimensões semânticas:(57) fides-sacra, fides-fato e fides-ética, conforme se relacionasse, respectivamente, ao campo religioso, de clientela e garantia, e do dever ligado à garantia. Posteriormente, é acrescentado o adjetivo bona, como significativo reforço ao termo. Passou-se à fides bona e à bona fides. Manifestava-se esta nos bonae fidei iudicia, dada a sistemática jurídica com base processual, assentando "não no reconhecimento abstrato de posições subjetivas, mas na atribuição concreta de acções".(58) HORVAT frisa que todo o desenvolvimento do direito romano, em área secular, está estritamente ligado à noção de fides bona,(59) de tal maneira que esta chegará a se constituir em verdadeira cláusula geral no sistema romano. Para o mencionado autor, a significação de fides relaciona-se com a noção de manutenção da palavra dada ou garantia da palavra dada. Bona fides contém o sentido de dever de adimplemento e servia de argumento técnico aos pretores romanos, para embasar soluções quanto a negócios que não tinham fundamento na lei romana. Com a cláusula do oportet ex fide bona passa-se a exigir, além da promessa literal, uma atuação sem dolo, segundo os critérios de uma relação de lealdade e honestidade. É, segundo HORVAT, uma "clausola generale di diritto materiale, la quale domina tutto il sistema contrattuale".(60) Pela mencionada cláusula, a atuação do juiz não ficava restrita, já que devia interpretar aquilo que fora prometido pelas 19 partes e não apenas de acordo com a letra do pacto ou a lei. O julgador ficava com maior liberdade de movimentos, dispondo de "uma bitola especialmente lata de decisão".(61) Observa-se, pois, que nos contratos a aplicação do princípio da boa fé era um expediente técnico da jurisdição. Já em Roma verificava-se uma polaridade da boa fé, que se manifestava de forma objetiva quanto aos contratos e subjetivava-se em outras áreas, como na posse e no direito de família. A bona fides da cláusula do oportet não se diferençava, em substância e na técnica, da boa fé germânica que será analisada mais adiante. Por outro lado, quando da compilação justinianéia, o conceito de boa fé veio a ser repetidamente usado para expressar diferentes situações jurídicas e, também, para significar princípios gerais, de forma diluída. Como refere MENEZES CORDEIRO, estava em toda a parte e, quando isolada, pouco queria dizer.(62) É que ocorreu, quanto à boa fé, uma difusão horizontal e outra vertical. Na primeira, uma expressão qualificativa de um instituto jurídico concreto passa a designar, também, um instituto diferente: é o que ocorreu quando a boa fé passou a nominar uma realidade nova, como requisito no usucapião - o estado psicológico de ignorância, por parte do beneficiário. Como difusão vertical, verificou-se a evolução do bonum et aequum e da equitas de expressões técnicas para princípios de grande extensão, acabando por mesclá-los com a bona fides que, a partir de então, indica também "justiça", "honestidade" e "lealdade". Na vertical, portanto, comunica-se um instituto jurídico concreto a um princípio de Direito, integrando-se de molde a ampliar o significado deste. A boa fé, confundida com a eqüidade, acaba por diluir-se e dessa forma chegará ao Direito Canônico. A boa fé passa a ser vista com ênfase no ângulo subjetivo, o que se acentua ainda mais em matéria possessória. A difusão da boa fé persistiu no Direito vulgar. Outra contribuição a considerar, na linha evolutiva da boa fé, é a do Direito Canônico. Embora sempre presente no pensamento jurídico da Igreja, a boa fé não era objeto de pesquisas específicas dos canonistas. Caracterizou-se a doutrina canonística, pela eticização da boa fé subjetiva.(63) Assim, a boa fé, que no Direito romano evoluíra de conceito técnico-jurídico para um lugar-comum retórico,(64) alcançou uma dimensão axiológica própria do pensamento cristão. É o que 20 RUFFINI identificou como a boa fé canônica traduzindo a ausência de pecado.(65) JEAN DOMAT (1625-1696) e POTHIER (1699-1772) verão as relações contratuais através das lentes da Ética cristã. A sociedade vista como uma grande família, na qual sobressai o dever de amor ao próximo. Seguindo-se a conclusão de que quem ama ao próximo não mente e não trai a palavra dada. Mesmo levando em conta a maior extensão da obra de POTHIER, este, bem como DOMAT, não chegam a conclusões de praticidade no tocante à boa fé nos contratos. Permanece ela "em termos de simples axiologismo-verbal",(66) em apreciação moralizadora, mas sem decisões práticas que possam ser vislumbradas. Daí a inferência de MENEZES CORDEIRO, de que "em sistemas do tipo central, desenvolvidos racionalmente a partir de um certo número de pressupostos de origem, a boa fé tem poucas possibilidades de efectivação". Quando da codificação napoleônica, o artigo 550 definiu a boa fé subjetiva: "o possuidor está de boa fé quando possui como proprietário, em virtude de um título translativo de propriedade cujos vícios ignore". Este conceito não evoluiu nos doutrinadores franceses. MENEZES CORDEIRO chega a concluir pelo fracasso da boa fé no espaço juscultural francês.(67) Lá, a boa fé persistiu diluída, dela não se extraindo nenhum dever de conduta. Consoante informou a Professora JUDITH MARTINS COSTA, em Seminário do Mestrado em Direito da UFRGS, somente em 1987 surgirá na França, pela vez primeira, uma tese, de YVES PICOD, sobre o "Dever de Lealdade nos Contratos", na qual foi dado à alínea 3ª do artigo 1.134 do Code um sentido diverso daquele da boa fé subjetiva. Antes, o dispositivo legal sempre fora considerado mero reforço à vontade das partes, ao estatuir que as convenções devem ser operadas de boa fé. Será no Direito germânico que se desenvolverá a boa fé como elemento afetivo exterior.(68) Trata-se da boa fé germânica, cujo estudo doutrinário foi bastante posterior à efetiva aplicação pelos juízes alemães. A boa fé objetiva traduz a expressão alemã "Treu und Glauben". Referida fórmula, como outras fórmulas pares com conteúdo jurídico, tem a propriedade de reforçar o sentido comum dos pares, ou de alterar o sentido de um deles, em função do outro, quando comportem significados diferentes, ou, ainda, de constituir uma expressão completamente nova.(69) 21 A boa fé germânica, como já se mencionou na primeira parte deste trabalho, guarda correspondência com a bona fides da cláusula oportere. Não há identidade, porém, entre a boa fé germânica e a bone fides de caráter subjetivo. Em alemão, a boa fé subjetiva é expressada por "guter Glauben" e não "Treu und Glauben". Na linguagem atual, eis o significado de cada uma das palavras da fórmula par: Treu ou Treue como lealdade, e Glauben ou Glaube como crença. Todavia, salienta MENEZES CORDEIRO ser necessário perquirir os significados anteriores, eis que a fórmula Treu und Glauben adquiriu um sentido próprio. Em sua admirável e sintética pesquisa, anota o ilustre autor mencionado que em velho-altoalemão, Treue tanto designava "firmeza, comportamento autêntico de alguém em conseqüência de um contrato concluído" como o próprio contrato em si, numa semântica que se manteria em médioalto-alemão. Neste último período, todavia, adere-se à Treue um sentido ético, traduzindo "um conceito cerne no sistema de valores cavalheirescos". Por sua vez, Glauben foi utilizado em velho-alto-alemão para traduzir a fides latina no sentido cristão de fé. Comportava, também, o sentido de "confiança" e de "crença", numa semântica desaparecida em novo-alto-alemão.(70) A fórmula par surge pela primeira vez como Treuwe ind gelawen, em 1346, ao menos segundo o documento mais antigo revelado por STRÄTZ.(71) A partir daí, o seu emprego é diversificado, tanto como confiança e boa fé, em sentido psicológico-subjetivo, como confiança e credibilidade e como credibilidade e bitola de comportamento.(72) De sorte que tornou-se impraticável determinar o seu conteúdo em abstrato. No contexto, e caso a caso, é que o sentido será detectado. Ao contrário da bona fides, a Treu und Glauben vem a atingir um emprego técnico-jurídico apenas com a codificação. Essa diferença, consoante dilucida MENEZES CORDEIRO, contribui para explicar a vitalidade subseqüente demonstrada pela boa fé objetiva.(73) Na sua evolução conceitual, a boa fé germânica assumiu o conteúdo do instituto medieval do "juramento de honra", traduzido no dever de garantir a manutenção e o cumprimento da palavra 22 dada.(74) No comércio, representaria o sentido de cumprimento exato dos deveres assumidos.(75) STRÄTZ apresenta dois pontos essenciais quanto à boa fé germânica como bitola geral de comportamento no tráfego jurídico: a obrigação de cumprir exatamente os deveres emergentes do contrato - a lealdade ao contrato - e a necessidade jurídica de ter em conta, no exercício dos direitos, os interesses da outra parte. Em seguida, o primeiro aspecto desapareceria, consoante afirma STRÄTZ.(76) A boa-fé germânica, como elucida MENEZES CORDEIRO, trouxe da Idade Média um conjunto de valores novos, que se fixou na codificação alemã e noutras de cunho romanístico. Era a honra, a lealdade e o respeito ligado às juras solenemente proferidas, tipicamente medievais. Sua persistência na Alemanha deveu-se à romanização tardia, bem como à permanência mais prolongada das características medievais. Frisa o autor antes citado que os traços fundamentais da boa fé germânica, no emprego medieval, são a objetividade e o irracionalismo. Assim é que "a boa fé germânica conseguiu a objetivação à custa do racionalismo. Tornou-se num elemento afectivo(...)".(77) Ulteriormente, em SAVIGNY e na pandectística, a boa fé terá uma referência meramente "ingênuo-antiquária",(78) na expressão de FIKENTSCHER. Porém, será na jurisprudência alemã, a começar pela comercial, que se firmará a boa fé objetiva como um princípio. Lubeque, Hamburgo, Bremen e Francoforte, quatro cidades livres do ocidente alemão, instalaram um tribunal superior de apelação comercial, com sede na primeira comuna, em 1815. Esse tribunal chamava-se Oberappellationsgericht zu Lübeck (OAG Lübeck), e destacou-se, entre outras coisas, por decisões de caráter tópico com base na boa fé. Muito embora haja um emprego indiscriminado das expressões guter Glauben e Treu und Glauben no âmbito comercial (o que não se deu no Direito Civil), surge, ao lado de uma significação subjetiva, outra acepção. Esta, objetiva pura, passa a "exprimir um modo de exercício das posições jurídicas, uma fórmula de interpretação objectiva dos contratos ou, até, uma fonte de deveres, independentemente do fenômeno contratual".(79) Interessante frisar, como o fez o autor da dissertação de doutoramento "Da Boa Fé no Direito Civil", o intenso silêncio da doutrina alemã a respeito da jurisprudência mencionada. Assim, em que pese o parco desenvolvimento científico do tema à época, a boa fé objetiva adquiriu relevo próprio no campo jurisdicional. Já se apresentam "ainda que num estágio 23 embrionário",(80) as características que viriam a compor o conceito posteriormente delineado com maior precisão: o exercício inadmissível de posições jurídicas, a interpretação objetiva e os deveres de comportamento no tráfego. Firma-se o hábito e a capacidade de tratar com conceitos de alta abstração, que exigem um processo prévio de concretização. Mesmo com o Código Comercial alemão, de 1861, a boa fé segue como criação judicial, pois não referida no estatuto e pouco desenvolvida na doutrina. Oportuno mencionar alguns exemplos de aplicação da boa fé objetiva pelo OAG Lübeck, colacionados por MENEZES CORDEIRO, e que bem indicam o desenvolvimento do princípio: Decisão de 14 de maio de 1850, em ação para o pagamento de mercadorias encomendadas e entregues, na qual o R. alega vícios nas coisas vendidas, as quais, por isso, quer devolver. Não existindo, à época, prazo para a denúncia de defeito das coisas compradas, entendeu o OAG que o destinatário de mercadorias, quando, por qualquer razão, não queira aceitá-las, deve comunicá-lo quanto antes ao vendedor. Sendo isso "uma conseqüência da bona fides e da diligência que as partes se devem mutuamente no tráfego comercial". É o que veio a ser denominado de suppressio. Em 25 de novembro de 1829, em caso de recusa de pagamento de seguro de navio afundado com carga, por entender a seguradora que a embarcação não estava abrangida, afirmou o Tribunal: "no contrato de seguro que, como qualquer outro, assenta na boa fé, é de efeito igual que o segurado tenha feito aquela declaração de modo expresso ou através de exteriorizações ou de um comportamento tal que a circunstância de o navio não ter sido seguro possa ser concluída por qualquer pessoa". Em 17 de julho de 1822, condenou um comerciante a indenizar, apesar de não haver chegado à conclusão de um contrato válido, por ter causado danos contra bonam fidem à outra parte. O OAG Lübeck aceitou a boa fé como norma geral de conduta, independente da vontade das partes. Foi, consoante salientou MENEZES CORDEIRO, um verdadeiro caso de culpa in contrahendo, quarenta anos antes de IHERING. Com a unificação do Direito comercial alemão, prossegue a aplicação da boa fé objetiva como fonte de normas de conduta, como delimitação ao exercício de posições jurídicas, como elemento de reforço da ligação obrigacional e como bitola para a interpretação dos negócios jurídicos. 24 MENEZES CORDEIRO traz à colação exemplos jurisprudenciais de cada uma dessas funções da boa fé objetiva, em decisões do Tribunal Comercial criado em Leipzig, a saber: a) "Como fonte de normas de conduta": O Tribunal Comercial Superior da União (Bundesoberhandelsgericht, BOHG), em 29 de outubro de 1870, a propósito de uma comissão em compra e venda, discorria sobre o valor do silêncio no tráfego negocial. Como regra, entendeu que o valor do silêncio como aceitação, fixado, em alguns casos, por lei ou por costume, não é conseqüência de um querer geral, mas apenas um princípio manifestado em certas direções. Admitiu que "a omissão da declaração apareceria como violação da observância da boa fé necessária no tráfego comercial, em especial quando o silêncio tenha manifestamente a intenção de dolo". A simples ausência de resposta não integraria, por si só, violação da boa fé. Ainda sobre o silêncio, numa questão de Direito marítimo, o Tribunal Comercial Superior do Império (ReichsoberhandelsgerichtROHG), em 26 de novembro de 1873, acentuou: "Segundo o princípio da boa fé, imprescindível para o tráfego comercial, a autora, pelo envio da sua carta (...) ao réu, tinha a expectativa justificada de que ele, caso não estivesse de acordo com a redação expressa das condições contratuais, o exteriorizaria sem hesitação". Assim é que, sem que haja expressa disposição contratual, extraiu-se da boa fé uma regra de comportamento comercial.(81) b) "Como delimitação ao exercício de posições jurídicas": Num caso de negociação de farinha, asseverou o BOHG em 09 de março de 1871, que, tendo sido remetida uma mercadoria à prova, quando o comprador a guarde durante tempo suficiente para uma análise regular, sem dar conta, ao vendedor, de quaisquer falhas, se deve concluir que ele aceitou a celebração do negócio e renunciou a indenizações por quaisquer vícios. c) "Como reforço de ligações obrigacionais": ROHG 11 de março de 1874, considerou como "dura violação contra o princípio da boa fé que domina o comércio" a atitude do negociante que, não querendo sancionar determinada atuação, deixasse sem resposta uma comunicação feita oportunamente. d) "Como bitola para a interpretação de contratos": ROHG 24 de setembro de 1873, entendeu que o princípio da boa fé, que domina o tráfego comercial, manda apenas que a vontade real prevaleça para a determinação do conteúdo da declaração, e não que uma vontade incompleta seja de complementar pelo juiz, quando lhe falte, para mais, pelas circunstâncias do caso, qualquer 25 parâmetro objetivo para tanto. Em outras questões, porém, como em ROHG 30 de junho de 1874 e 23 de novembro de 1874, a boa fé mantém-se como amparo para interpretar o silêncio em declarações negociais. Observa MENEZES CORDEIRO que as decisões da época mencionada reconhecem pacificamente a boa fé como princípio geral do tráfego mercantil, apesar do silêncio do Código Comercial de 1861. Outrossim, que destacam-se pelo pragmatismo das soluções encontradas, sem a preocupação em buscar qualquer apoio legislativo ou conceitual. Referem-se as decisões à "natureza das coisas", e não atribuem relevância a aspectos secundários. Exemplifica o autor citado com a hipótese de um seguro feito pelo marido, sem indicação clara de que o prédio segurado era da mulher, detalhe esse considerado como irrelevante pelo tribunal. Em 1º de outubro de 1879, o Tribunal Comercial foi integrado no Reichsgericht (RG), e as decisões invocando a boa fé incorporaram-se no nível geral de ordem privada.(82) MENEZES CORDEIRO traz exemplos de aplicação do que denomina de boa fé "periférica" (em face da falta de esforço doutrinário para recepção das referências jurisprudenciais): O RG, ao analisar problema do alcance de contrato de seguro, entendeu, em 08 de dezembro de 1883, que, pelos princípios da boa fé, cabia ao segurado, através da leitura das condições gerais que lhe haviam sido remetidas, pôr-se ao corrente das cláusulas contratuais. Em RG 13 de fevereiro de 1886, a propósito de uma ação contra uma companhia de estradas de ferro, proposta pelo remetente de uma carga de fósforos que foram destruídos num incêndio, durante o transporte, decidiu que seria contrário à boa fé não avisar a transportadora do conteúdo perigoso das caixas a transportar. Foi no Código Civil alemão que se deu uma contraposição clara entre a boa fé objetiva e a subjetiva. Todavia, segundo acentua MENEZES CORDEIRO, a doutrina germânica apenas reconhece a diferenciação terminológica, afastando as duas noções, mas não argumenta nesse sentido.(83) Na segunda codificação, os estudos pandectísticos existentes apenas conheciam dos bonae fidei iudicia,(84) cujo papel diferia substancialmente da boa fé objetiva. O BGB, com suas referências gerais ao princípio mencionado, recupera a experiência comercial alcançada pelas decisões dos Tribunais antes citados.(85) Embora viesse a "limitar o âmbito e o alcance da boa fé", esta, "com raízes jusracionalistas claras e com uma projecção límpida no domínio do pensar liberal, 26 sobressai (...) como factor de fortalecimento e de materialização do contrato ou seja: a boa fé como necessidade de cumprimento efectivo dos deveres contratuais assumidos, por oposição a cumprimentos formais, que não tenham em conta o seu conteúdo verdadeiro".(86) Daí que "o sentido inicial da boa fé no BGB orbita em torno destes dois centros: a boa fé subjectiva constitui um expediente técnico para exprimir, em situações complexas, elementos atinentes ao sujeito; a objectiva traduz o reforço material do contrato".(87) O resultado do trabalho dos codificadores alemães foi admirável, pois acabaram por adotar um sistema aberto, capaz de, por desenvolvimentos internos ou externos, responder a problemas impensáveis quando da codificação. E justamente na boa fé foi centrada "a capacidade reprodutora do sistema", pois dotada aquela "de um peso juscultural capaz de dar credibilidade às soluções encontradas". Na verdade, como acentua MENEZES CORDEIRO em sua monumental tese sobre a Boa Fé no Direito Civil, obra de leitura imprescindível para o jusprivatista hodierno, e na qual, certamente, encontramos um marco importante e sistemático no estudo da boa fé objetiva, a evolução conceitual da boa fé a partir do sentido inicial encontrado no Bürgerliches Gesetzbuch,(88) é matéria por desbravar. Cabe frisar, porém, sua introdução na legislação de vários países(89) e a abordagem mais extensa pela doutrina.(90) Assim é que, no evoluir da boa fé, chegou-se a assentar que é o "princípio supremo do Direito Civil" (LARENZ), com possibilidade de aplicação universal. B) Delimitação da Boa Fé Adverte MENEZES CORDEIRO que a base para a apreensão do sentido material da boa fé torna-se passível de estudo apenas através do conhecimento das soluções efetivas dadas a casos concretos. Todavia, o mesmo autor empreende uma redução dogmática da boa fé, com vistas à formulação científica do sentido material. Para chegar à conceituação precisa da boa fé, portanto, há que se buscar uma delimitação negativa, em relação a conceitos outros que se encontram ou se aproximam daquela, em aspectos regulativos.(91) 1. Delimitação negativa 1.a. Eqüidade Há que diferençar, em primeiro lugar, a "eqüidade", que, no Direito atual, corresponde a um modo de decidir extra-sistemático, 27 prescindindo, em regra, de proposição juspositiva.(92) Porém, não sendo e não devendo ser arbitrário, o modelo de decisão eqüitativa respeita o sentido material do jurídico, representado pelo Direito positivo. Logo, o extra-sistematismo da eqüidade é formal; materialmente, a decisão nela baseada integra-se no sistema apreendido por quem decida. Embora no passado os conceitos de eqüidade e boa fé tenham sido confundidos ou se cruzado entre si, não persiste mais tal quadro. Não mais se justifica qualquer aproximação entre as noções, distintamente delineadas. No entretanto, são apontados dois níveis reais em que boa fé e eqüidade se comunicam: o extensivo e o intensivo. No plano extensivo, dentro do modelo de argumentação que fundamenta decisões segundo a boa fé, desempenham o seu papel na solução as representações dos detalhes fáticos salientes, como pontos de vista e, portanto, assistemáticas. Em nível intensivo, sempre que a boa fé opere em áreas sem elaboração juscientífica própria ou satisfatória, as decisões repousam em estruturas falhas, em argumentos dotados de autoridade. Aí, busca-se o sentido e as ponderações de oportunidade, consoante características ocasionais retiradas do caso. Aqui, sob a aparência de boa fé, há eqüidade.(93) Na atualidade, a aequitas encontra-se absorvida pela elaboração juscientífica, com que se confunde. É muito setorizada, hoje, a apresentação pura da eqüidade. Aliás, no Brasil há previsão de que o juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.(94) Com o que, em nosso meio, fica ainda mais combalida a força retórica que poderia ter o juízo de eqüidade. Já a decisão conforme a boa fé surge como de Direito estrito, é justificada dogmática e sistematicamente, e é suscetível de controle. As regras técnicas, formais e instrumentais, que a eqüidade ignora, devem ser consideradas pela boa fé, mesmo quando as combata.(95) Assim é que os institutos que integram a boa fé têm sempre em conta a necessidade de reprodução das soluções encontradas e exigem a pesquisa científica, o que não ocorre em relação à eqüidade. 1.b. Bons costumes A origem histórica dos bons costumes encontra-se nos boni mores romanos, integrados por normas morais e controlados pelo censor. A boa fé, por sua vez, ligava-se às regras jurídicas operadas pelo pretor, com um marcado sentido técnico.(96) 28 No escólio de MENEZES CORDEIRO, os bons costumes surgem sempre como algo exterior que limita o âmbito da autonomia privada - mas que, em si, não prescreve o teor do comportamento a assumir. Eles vedam comportamentos. Há uma aproximação dos bons costumes com a Moral. Atendem setores como o da atuação sexual, de família, das profissões. Quanto à boa fé, esta prescreve a forma de atuar, em comportamentos concretos. Mais complexa, a boa fé ordena manter uma série de atitudes correspondentes a exigências fundamentais do sistema.(97) LARENZ cataloga as hipóteses jurisprudenciais de negócios contrários aos bons costumes,(98) a saber: 1. Negócios contrários à "Moral dominante". Exemplo: Contratos referentes a bordéis são reputados nulos. 2. Negócios que limitam excessivamente a liberdade pessoal ou econômica. São os "contratos de opressão". Exemplo: Proibições de concorrência excessivas e injustificadas. 3. Negócios em que haja vantagem excessiva de uma parte em relação à outra. Exemplo: Abuso de um monopólio.(99) 4. Negócios que visem prejudicar terceiros. Exemplo: Garantias excessivas em benefício de uns credores e em detrimento de outros. 5. Negócios cujo fim seja contrário aos bons costumes, não obstante a natureza neutra do negócio em si. Exemplos: Contrato que esconda a existência de contrabando; despedimento por desforço ou represália. 6. Negócios gratuitos ou de última vontade que visem dar lugar a comportamentos imorais ou recompensar esse tipo de atuações. 7. Negócios que atentem contra a ordem familiar ou contra certas deontologias profissionais. 1.c. Ordem pública Podem existir zonas de sobreposição, dado o conteúdo materialmente heterogêneo da ordem pública. Assim, quando as regras fundadas na boa-fé assumam inderrogabilidade, são abarcadas pela ordem pública(100) - mantidas, porém, as perspectivas próprias. A ordem pública, como se vê, é noção mais ampla. Abrange muitas regras que não correspondem à boa-fé. O ius cogens integra a ordem pública. Esta objetiva a preservação do sistema, proibindo, apenas. 29 A boa-fé, de outra banda, expressa-se em regulações supletivas, ao menos predominantemente. Visa a reprodução do sistema e impõe atuações.(101) 1.d. Culpa A tensão conceitual é sugerida por MENEZES CORDEIRO, ao destacar: "Sempre que, da boa fé, derivem regras de conduta e que, pela violação destas, se pergunte por eventual dever de indemnização, a culpa intervém, no papel normal que lhe compete".(102) Necessário distinguir deveres de cuidado, a respeitar sob pena de violação negligente, daqueles que, de modo reiterado, são vistos correspondendo ao conteúdo da própria boa fé. Trata-se, aqui, de mera sobreposição terminológica. Assim, no dever de cuidado oriundo da boa fé ocorre uma obrigação legal específica, contextual. Já no dever de cuidado em relação a danos involuntários prevenidos por normas, a obrigação é genérica, de acordo com o padrão jurídico do bonus pater familiae. A culpa traduz, de acordo com a orientação normativa, um desvalor ou reprovação que o Direito comina face a certos comportamentos. Nas hipóteses de negligência, violam-se deveres de cuidado. Daí porque a lesão ao princípio da boa fé aparece relacionada seguidamente com a culpa.(103) Inobstante, os conceitos são distintos. Ocorre que o sistema de obrigações do Código Civil foi construído com base nas obrigações principais. Acentua CLÓVIS DO COUTO E SILVA que raramente o nosso Código menciona a existência de deveres secundários, o mesmo acontecendo no direito dos outros países, pois é recente a teoria de tais deveres. O conceito de dever anexo é mais amplo que o de culpa. Ademais, a lesão à boa fé não exige um pressuposto precisamente tipificado em que se insira a culpa.(104) Além do princípio da culpa, que contempla a conduta do outro figurante de acordo com o tratamento legislativo adotado, cumpre investigar qual o comportamento do credor no desenvolvimento do vínculo. Aqui entra em cena a boa fé em seu aspecto objetivo, esclarecendo se o figurante atendeu ao dever bilateral de proteção, que impede que uma das partes cause à outra algum dano, em razão de sua atividade. No tocante à boa fé subjetiva, impende destacar que no próprio núcleo conceitual existe uma referência à culpa. Isso porque a boa fé subjetiva traduz, da parte do sujeito, uma ignorância 30 desculpável de, na situação em que se encontre, lesar posições alheias.(105) Embora haja traços comuns entre culpa e má fé, não se igualam e nem mesmo se confundem. Quanto à "função", a culpa visa tornar possível a imputação delitual de um prejuízo; a boa/má fé pretende a proteção da confiança ou das situações materiais afetadas pelo sujeito, mas sem recorrer, em si, ao esquema típico do dever de indenizar. Outrossim, a boa/má fé produz uma série de efeitos, previstos na legislação, e que não exigem pressuposto de verificação de qualquer dano. A culpa, por sua vez, não traz conseqüências em si, mas se integra no campo mais vasto da responsabilidade civil. Sendo que esta se dá mesmo em muitas hipóteses em que não se perquire da fé do agente.(106) 1.e. Diligência Por vezes, age lado a lado com a boa fé. No entanto, distinguem-se conceitualmente. Assim, a diligência tem sido definida como correspondendo à medida de esforço ou de colaboração exigível ao devedor no cumprimento das suas obrigações.(107) A diligência remete para um padrão jurídico simples e claro: um cômputo em abstrato dado pelo comportamento do bom pai de família (conforme a tradição latina); ou, na linguagem do BGB, § 276, o "cuidado necessário no tráfego". Já a boa fé não se esgota em apenas um padrão jurídico. Na sua atuação de precisar e complementar a fonte negocial respectiva, inclui a determinação do esforço exigido aos intervenientes, mas abrange um campo mais vasto, apelando para outros dados do sistema.(108) 1.f. Função social e econômica A apreciação dos limites da atividade privada, derivados da função social e econômica dos direitos ou de outras posições jurídicas, se faz pelo processo de interpretação-aplicação. O que se apura, caso a caso, é até onde vai o espaço de liberdade concedido pela ordem jurídica.(109) Na Carta Magna brasileira, a função social é referida nos artigos 5º, XXIII, 182, 184, 185, parágrafo único, e 186. É evidente a diferenciação com a boa fé, pois esta prescreve comportamentos e impõe atuações. Ademais, a boa fé exige uma aplicação mediante concreção. 2. Delimitação positiva 31 Cumpre, a seguir, esboçar o delineamento positivo da boa fé. Esta "traduz, no caso concreto, a projecção dos dados materiais relevantes do sistema, a cuja luz devem ser vistas a confiança e a materialidade da regulação jurídica".(110) O conteúdo material da boa fé, portanto, abrange a proteção da confiança e o princípio da materialidade da regulação jurídica. 2.a. Princípio da confiança A confiança exprime - na lição de MENEZES CORDEIRO - a situação em que uma pessoa adere, em termos de atividade ou de crença, a certas representações, passadas, presentes ou futuras, que tenha por efetivas. O princípio da confiança explicitaria o reconhecimento dessa situação e a sua tutela.(111) Impende frisar que a atuação efetiva do princípio na busca de soluções novas e melhores seria possibilitada, apenas, no final do século XIX, através dos estudos de Eugen Huber sobre a Gewere.(112) O princípio da confiança começou por ser entendido como uma legitimação formal, atribuída por norma específica, para o exercício de determinado direito que, em abstrato, não era conferido pelo ordenamento. Em noção considerada ainda atual, WELLSPACHER afirmou: "... quem atue negocialmente com confiança num fato externo, que constitua, por força de lei ou de concepção no tráfego, a forma de manifestação de certo direito, relação ou outro momento juridicamente relevante, é protegido nessa sua confiança, quando o fato em causa tenha advindo daquele a quem a proteção da confiança prejudica". OERTMANN apresenta uma restrição: a confiança poderia cobrir, apenas, faltas nos pressupostos de eficácia da situação e não nos seus fundamentos constitutivos.(113) Anota MENEZES CORDEIRO que a confiança constitui, por excelência, uma ponte entre as boas fés objetiva e subjetiva, se fazendo presente em ambas. Refere como importante passo da ciência jurídica a aproximação entre confiança e boa fé.(114) Mas adverte que esse passo só se torna produtivo quando, à confiança, se empreste um alcance material que ela, por sua vez, comunique à boa fé. Na evolução do sentido material da confiança, despida de abstracionismos, é de grande relevo a proposta de NIKLAS LUHMANN, de uma leitura sociológica da confiança. Dessa primeira investida, que permite uma visão do Direito como fator genérico de confiança, há que partir para uma concreção. O Direito, então, como que "desce" ao mundo dos fatos, passando a indagar sobre as 32 situações concretas de confiança,(115) associando-lhes efeitos de acordo com a dimensão de todo o sistema. A confiança é protegida não só pelas normas atinentes, mas também quando haja atentado ao dever de atuar de boa fé ou se concretize o exercício inadmissível de posições jurídicas. De modo que a boa fé subjetiva denota o momento essencial da confiança. A boa fé objetiva, de outra banda, confere à confiança o embasamento juspositivo necessário quando falte uma disposição legal específica.(116) Aliás, frise-se, a boa fé objetiva é princípio tradicionalmente não legislado e que irá encontrar seus limites nos fatos examinados sociologicamente, como na lex mercatore. 2.b. Princípio da materialidade da regulação jurídica A boa fé, ao veicular o princípio da materialidade, afasta o formalismo e aponta soluções consoante o modelo pretendido pelo Direito. Decisões que, para além da mera letra de um determinado ajuste, amparem o interesse do credor em sua substância. Assim, será pela atuação judicial, no controle do contrato em sua materialidade, que se atenderá ao vetor em exame, concomitantemente com aquele da confiança protegida. Daí porque o princípio da boa fé propicia ao juiz a substância para formar instituições que respondam aos novos fatos, em função individualizadora.(117) Com a busca da materialidade das situações jurídicas, a boa fé retoma as antigas idéias da justiça comutativa e distributiva. Enquanto a proteção da confiança não exige ordenamento face ao sistema, a materialidade da regulação jurídica depende, em muito, da realidade sistemática que exprima. Daí concluir-se que a solução imposta pela boa fé não é perquirida em abstrato, mas sim diante do caso concreto e de uma ordem jurídica específica.(118) C) Modus Operandi da Boa Fé Objetiva A atuação do princípio em exame não se faz por uma interpretação-aplicação clássica. No escólio de MENEZES CORDEIRO, tem-se que: "A disposição que remete para a boa fé não tem, ela própria, um critério de decisão: a interpretação tradicional de tal preceito não conduz a nada. Na sua aplicação, o processo subsuntivo torna-se impossível".(119) Donde se vê que a aplicação do princípio se dá através da concreção, na área específica do Direito jurisprudencial. O conteúdo da boa fé objetiva não é proveniente da lei, mas diretamente da atividade judicante. Daí concluir MENEZES CORDEIRO tornar-se 33 impraticável locubrar sobre os textos que a consagrem. Logo, a base essencial da investigação sobre a boa fé parte do estudo do caso concreto e da comparação de hipóteses assemelhadas, para a posterior dogmatização e sistematização.(120) "Por esto - salienta ESSER - debemos habituarnos a utilizar las cláusulas generales, con 'topoi' tales como 'buena fe', en calidad de autorización para la creación judicial de instituciones."(121) Trata-se de aplicação do Direito que exige não só o raciocínio sistemático, mas também o pensamento problemático, da forma como THEODOR VIEHWEG propôs em sua conhecida obra Topik und Jurisprudenz. Assim é que o conteúdo normativo terá de ser preenchido caso a caso, através de valorações. Partindo da análise do fato concreto, o julgador buscará as normas aplicáveis dentro do ordenamento jurídico, em cotejo com o catálogo jurisprudencial atinente. Aliás, na evolução da boa fé, posterior ao BGB, ocorreram dois notáveis paradoxos: a proliferação de uma jurisprudência sem correspondência na doutrina, e o desenvolvimento de uma metodologia estranha a ambas.(122) O que, por si só, pode dar uma idéia do papel revitalizador do princípio em comento. Um exemplo muito ilustrativo da aplicação jurisprudencial da boa fé objetiva é o caso CICA, julgado em 06.06.91 pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria (Apelações Cíveis 591 027 818 e 591 028 295). Os Autores, plantadores de tomates, alegaram ter contratado a venda da safra para a Ré, sendo que esta, quando da colheita, recusou-se a receber o produto. Por sua vez, a Demandada alegou não ter feito contrato com os produtores. Apenas doara as sementes a intermediários que as repassaram aos agricultores, pois a empresa, a partir de então, não mais industrializaria tomates naquela região. Houve voto vencido, do Desembargador SERGIO PILLA DA SILVA, que se pronunciou pela insuficiência da prova apresentada pelos AA. O Desembargador LIO CEZAR SCHMITT, aplicando a "teoria da aparência", reconheceu que o dever de lealdade e de probidade que rege as relações estava a exigir da CICA transparência de conduta, no sentido de tornar público aos seus antigos produtores e fornecedores, que não adquiriria o produto. Por sua vez, o Desembargador RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR equacionou o problema através do princípio da boa fé objetiva, do qual decorre "o dever de lealdade durante as tratativas e a conseqüente responsabilidade da parte que, depois de suscitar na 34 outra a justa expectativa da celebração de um certo negócio, volta atrás e desiste de consumar a avença". Reporta-se, então, à lição do Professor ALMEIDA COSTA, de que "através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a fundada confiança de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração".(123) O Desembargador RUY ROSADO, hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, em análise da prova, frisou, em suma, que: a) a companhia alimentícia, por intermediários que eram os transportadores, entrava em contato com os produtores, distribuía as sementes na época do plantio, e recolhia o produto quando da colheita; b) na safra da reclamação, a companhia doou as sementes, havendo uma intenção de compra de toda a produção, de acordo com as conveniências da adquirente; c) a empresa ré também forneceu as caixas para recolhimento do produto; d) na safra em questão, as cargas iniciais seguiram diretamente ao seu estabelecimento, onde foram pesadas; e) a Cica resolveu, no ano em referência, cessar a industrialização de tomates na região, transferindo a oportunidade de aquisições para a Agapê, a qual, porém, não pôde absorver senão parte da safra. Concluiu o ilustre magistrado que "isso é bastante para caracterizar o reiterado comportamento da ré em direção ao contrato de aquisição da produção de tomates da safra 87/88, para o que fez pesquisa de campo, distribuiu gratuitamente sementes e, no momento da colheita, - por ter considerado inconveniente a movimentação da sua empresa pela escassez de matéria prima, resolveu não mais adquirir o produto, conforme até ali para isso tudo estava preordenado". Embora a empresa tenha agido dentro do seu poder decisório, deve "indenizar aqueles que lealmente confiaram no seu procedimento anterior e sofreram o prejuízo". Donde se vê que o princípio da boa fé objetiva recebe aplicação via jurisprudencial, em consideração tópica. Com a reiteração de decisões, vão se formando os catálogos de jurisprudência e se chega a uma sistematização de orientações que derivam do princípio. Todavia, como as hipóteses continuam se diversificando, o fenômeno criativo persiste. Observa MENEZES CORDEIRO, a respeito, que "a boa fé objectiva, embora jurídica, parece escapar à lei".(124) É que, como observa CLAUSDIETER SCHOTT, o juiz pode recorrer a ela para mostrar obediência à lei, mas não pode retirar-lhe o que ela não tem.(125) 35 No Brasil, embora não tenhamos no Código Civil disposição semelhante ao § 242 do BGB, vigora o princípio da boa fé, com alcance geral.(126) D) Funções da Boa Fé Objetiva 1. Restrição à autonomia da vontade Até que se operassem as profundas mudanças políticas e sociais ocorridas desde o final do século XIX, não se vislumbrava possibilidade de interferência na autonomia da vontade. Não se admitia alteração nos pactos que não pelas próprias partes. Era o primado da liberdade contratual, sintetizada na expressão: "qui dit contractuel dit juste". Todavia, no direito privado hodierno, foi se destacando a boa fé como reflexo do fenômeno geral de eticização jurídica.(127) Em face da bipolaridade entre os dois princípios, enquanto houve a supremacia da autonomia da vontade verificou-se uma profunda restrição no princípio da boa fé em sua aplicação objetiva. Era, conforme suma apresentada pelo Professor CLÓVIS, o predomínio absoluto do voluntarismo jurídico, da obediência ao direito estrito, da metodologia da Escola da Exegese. Até nos países de common law ocorrera um esvaziamento na aplicação da boa fé em matéria obrigacional.(128) Como lembra DAWSON, mesmo recentemente os juristas norte-americanos, esquecendo 600 anos de história,(129) demonstraram dificuldades em assimilar um dispositivo do Uniform Commercial Code que prevê uma cláusula geral permitindo aos Tribunais recusar validade ao contrato ou à cláusula inescrupulosa (unconscionable). Na Pandectística e suas concepções sistemáticas, embora superado já o método da Exegese, não foram empregados princípios como o da boa fé. O primado era o dos conceitos perfeitamente definidos, apropriados ao raciocínio axiomático e a um sistema visto como fechado. No apogeu do liberalismo, os juristas fundavam as instituições apenas na vontade, real ou presumida, restando pequeníssimo espaço para o princípio da boa fé.(130) Donde se vê que os dois princípios em exame são perspectivas que recebem ênfase variável, de acordo com a cultura da época. No início deste século, surge o Código Civil alemão que, no § 242, prevê: "o devedor é obrigado a realizar a prestação do modo como o exige a boa fé levando em conta os usos de tráfico". Tratava-se de um reforço ao § 157, segundo o qual os negócios jurídicos se interpretam de acordo com a boa fé.(131) Não 36 era objetivo do legislador alemão propiciar legitimação à criação jurisprudencial, nem possibilitar o afastamento do direito estrito. Todavia, com a aplicação do princípio da boa fé, e a compreensão científica dos "deveres laterais ou anexos", surge uma fonte autônoma de direitos e obrigações. Frisa COUTO E SILVA que o conceito germânico de relação obrigacional vem aproximar-se daquele da common law, com reflexos também no hábito de decidir pela concreção das normas abertas, as "cláusulas gerais" em um sistema aberto caracterizado pela mobilidade. "Transforma-se a relação obrigacional manifestando-se no vínculo dialético e polêmico, estabelecido entre devedor e credor, elementos cooperativos necessários ao correto adimplemento".(132) Foi a concepção de sistema aberto, escalonado segundo círculos de interesses, públicos e privados, que deu possibilidade à composição de "valores opostos, vigorantes em campos próprios e adequados, embora dentro de uma mesma figura jurídica".(133) O assumir pelos juízes alemães de uma posição criadora do direito resultou também, e especialmente, do § 138 do BGB, em face do qual passaram a declarar nulos os chamados "contratos-mordaça" (Knebelungsvertrag),(134) por serem contrários aos bons costumes face utilização abusiva do poder econômico. O Reichsgericht decidiu nesse sentido a menos de cinco meses após a vigência do Código. Em 1902, H. Staub introduziu na doutrina alemã o conceito de "quebra positiva do contrato", assemelhado à anticipated breach of contract da common law. Mais adiante, na grande inflação ocorrida por volta de 1920, surgiu a teoria do desaparecimento da base do negócio jurídico, criação doutrinária utilizada na jurisprudência. Essa teoria veio a constituir "a interferência mais profunda que pode haver na autonomia da vontade".(135) CLÓVIS DO COUTO E SILVA chega ao cerne do papel restritivo da boa fé em relação à autonomia da vontade, ao destacar que "o aspecto capital para a criação judicial é o fato de a boa fé possuir um valor autônomo, não relacionado com a vontade". Isso permite a construção objetiva do regramento do negócio jurídico, "com a admissão de um mecanismo que escapa, por vezes, até mesmo ao controle das partes". Foi com o enfraquecimento do dogma da vontade que foi possível uma visualização objetiva da relação obrigacional. Como ressalta o mestre antes citado, não significa isso que a concepção atual seja absolutamente objetiva. Antes, vigora "uma solução de 37 compromisso ou transacional pela admissão de mais um valor autônomo no sistema da relação obrigacional". Aliás, diga-se, não se trata de um valor novo, pois nunca deixou de existir. Ocorreu que por vezes esteve reduzido e limitado pela prevalência da vontade. É o Direito Contratual clássico cedendo lugar às "transformações e extensões relevantes que limitam essencialmente o princípio da autonomia privada".(136) A liberdade contratual não mais é de ser compreendida apenas formalmente. Hodiernamente, a doutrina e a jurisprudência admitem revisão de cláusulas, retirando eficácia ao primado da autonomia da vontade, seja nos contratos de adesão, com suas condições gerais de negócios, seja naqueles contratos em que se caracterizar superioridade de uma das partes. Sobre o tema da revisão contratual, é paradigmático o voto vencido do Desembargador RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, na Apelação Cível nº 588 059 113, em 06.12.88, 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Pela doutrina clássica, portanto, todos os deveres resultavam da vontade. Hoje, com a ascensão do princípio da boa fé, chega-se à conclusão da existência de deveres outros, que promanam da boa fé objetiva na proteção jurídica de interesses. Por outro lado, não é despiciendo frisar que embora a boa fé se apresente hoje como um princípio fundamental para um Direito que se vai tornando globalizante,(137) não se pode chegar à conclusão de que todos os deveres dela resultem. Como já se depreende do até aqui exposto, ao passo que o princípio da boa fé restringe o âmbito da autonomia de vontade, exerce função criadora de direitos e deveres. É esta função, em seus desdobramentos, que se examinará no item seguinte. 2. Fonte de criação de direitos subjetivos e deveres jurídicos Casos existem - como a hipótese da gestão de negócios(138) - em que o próprio conteúdo do negócio jurídico é formado diretamente pelos deveres da boa fé. Nas obrigações relacionadas com atividades profissionais e artísticas, e nas quais o resultado pretendido (a cura do paciente, por exemplo) pode, ou não, ser alcançado, sem que decorra qualquer conseqüência, anota COUTO E SILVA que fundem-se num só elemento o que radica na autonomia da vontade e o que nasce da boa fé.(139) 38 Finalmente, constam ainda os casos em que, ao lado dos deveres decorrentes da vontade, existem os que resultam do princípio da boa fé. De acordo com a orientação clássica, de fundo romanístico, a perspectiva da obrigação "se esgota no dever de prestar e no correlato direito de exigir ou pretender a prestação".(140) No entanto, a doutrina moderna busca visualizar de modo globalizante a situação jurídica creditícia. Assim é que, a começar pelos autores alemães, foram apontados "ao lado dos 'deveres de prestação' - tanto 'deveres principais de prestação', como 'deveres secundários' -, os 'deveres laterais' (Nebenpflichten), além de 'direitos potestativos, sujeições, ônus jurídicos, expectativas jurídicas', etc". São exemplos de dever principal o de entrega da coisa vendida, a cargo do vendedor, e o de pagamento do preço, que é encargo do comprador. Quanto aos "deveres secundários ou acidentais de prestação, ou são meramente acessórios da prestação principal" (exempli gratia, o dever de conservar a coisa vendida até à entrega, na compra e venda), ou são de "prestação autônoma". Nesta última categoria, adotada ainda a classificação apresentada por ALMEIDA COSTA, o dever secundário ou é "sucedâneo do dever principal de prestação" (como na indenização que substitui a prestação originária) ou "coexistente com o dever principal de prestação" (por exemplo, a indenização por mora ou cumprimento defeituoso, que acresce à prestação originária).(141) Menciona o autor antes citado que, embora os deveres principais e secundários de prestação sejam os mais importantes, existem os "deveres laterais", também denominados de "deveres acessórios de conduta, deveres de conduta, deveres de proteção" e "deveres de tutela". Os "deveres laterais" derivam de uma cláusula contratual, de dispositivo da lei ad hoc ou do princípio da boa fé, no escólio do ilustre Professor de Coimbra. "Estes deveres já não interessam directamente ao cumprimento da prestação ou dos deveres principais, antes ao exacto processamento da relação obrigacional, ou, dizendo de outra maneira, à exacta satisfação dos interesses globais envolvidos na relação obrigacional complexa".(142) Esses deveres laterais, em sistematização apontada por ALMEIDA COSTA, manifestam-se como deveres de cuidado, previdência e segurança, deveres de aviso e informação, deveres de 39 notificação, deveres de cooperação, deveres de proteção e cuidado relativos à pessoa e ao patrimônio da contraparte. Mencionado autor exemplifica com o dever lateral do locatário, "de logo avisar o locador, sempre que cheguem ao seu conhecimento vícios da coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos sobre ela, quando o facto seja ignorado pelo locador. Do mesmo modo, ao operário, que tem como dever principal a perfeita realização da tarefa definida no contrato de trabalho, compete o dever lateral de velar pela boa conservação dos maquinismos".(143) Cabe observar que na operação da boa fé objetiva não se perquire sob o ângulo subjetivo, pois não é exigida a consciência das partes quanto ao enquadrar da conduta dentro de um dever genérico e despersonalizado. Ao contrário, "a conformidade ou desconformidade do procedimento dos sujeitos da relação com a boa fé é (...) verificável apenas in concreto".(144) São deveres para com pessoa determinada, numa determinada relação. Adverte o autor de "A Obrigação como Processo" que nem todo adimplemento que não satisfaça integralmente à outra parte, redunda em lesão ao princípio. Ocorre que "a infringência há de se relacionar sempre com a lealdade de tratamento e o respeito à esfera jurídica de outrem".(145) De todo conveniente uma sistematização da boa fé objetiva em sua função criadora de direitos e deveres. Dentre as classificações propostas, destaco a de Franz WIEACKER, que leva em conta a atuação permitida ao juiz,(146) em três âmbitos diferenciados: a) o juiz atua em cumprimento estrito do ordenamento jurídico escrito e em virtude de seu officium iudicis; b) o juiz atua com maior liberdade e praeter legem, quando exige às partes que no exercício ou defesa de seus direitos se comportem de maneira justa. Este é o campo denominado de exceptio doli; c) a aplicação do princípio se realiza contra legem, para a salvaguarda do Direito e da justiça na consideração do comportamento concreto das partes. Trata-se da "criação judicial inovadora". No officium iudicis ocorre a concreção, pela qual o julgador preenche o vazio deixado pelas partes na elaboração do contrato, como refere RUY ROSADO DE AGUIAR JR., que assim resume essa atuação:(147) 40 1. Estabelece o preceito que as partes não incluíram no contrato, atuando como legislador ao criar normas dispositivas. 2. Aplica a regra segundo a qual "quem dá os fins, concede os meios", no sentido de que as obrigações compreendem as que delas derivam, consoante a natureza das coisas. 3. Reconhece os deveres de proteção, como os de custódia, informação e esclarecimento. 4. Desconsidera alegações fundadas em violações irrelevantes. A atuação praeter legem desdobra-se nas situações designadas por alguns brocardos, a seguir citados e brevemente comentados. São casos de inadmissibilidade de exercício de direito. a) Venire contra factum proprium: pela teoria dos atos próprios, protege-se "uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente".(148) Consideram-se quebrados os princípios de lealdade e confiança se, com surpresa e prejuízo à contraparte, for praticado ato contrário ao previsto em razão de expectativa de comportamento futuro. Os seguintes exemplos são deveras elucidativos: 1. O vendedor de estabelecimento comercial que, por algum tempo, auxilia o novo proprietário, inclusive preenchendo pedidos, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal, não pode depois cancelar tais pedidos, sob a alegação de uso indevido de sua inscrição. 2. Se o credor concordou em receber as prestações periódicas em lugar ou tempo diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência de atendimento literal ao contrato. 3. Na Apelação Cível nº 589 073 956, Relator Desembargador RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, em 19.12.89, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por unanimidade, decidiu que a vendedora não podia cancelar pedidos já feitos, de roupas, se com isso inviabilizaria a atividade do comprador, frustrando a justa expectativa deste. Tratava-se de um caso de compra e venda de estabelecimento com as respectivas mercadorias, sendo que o comprador precisava dos vestuários solicitados, para o movimento da loja. b) Dolo agit qui petit quod statim redditurus est: Trata-se de limitação dirigida ao demandante, para que - no dizer de WIEACKER - não transforme sua pretensão de proteção judicial, de um "meio" para resolver seu problema, em uma autônoma finalidade em si mesma, impedindo ao ex adverso o recurso a outras 41 normas jurídicas e violando, deste modo, o princípio de igualdade de oportunidades.(149) O brocardo "traduz uma valoração relativa ao comportamento da pessoa que exige o que, de seguida, terá de restituir".(150) A tendência doutrinária é de versar o tema como exercício sem interesse por parte do titular, reconhecido que a sua via de concretização não é das mais claras.(151) Inobstante, o exemplo dado por M. CORDEIRO é muito ilustrativo: uma pessoa induz outra a celebrar, com ela, uma venda nula por falta de forma; quando lhe convier, vem, depois, argüir a nulidade, o que configura abuso. Caso o vendedor, alegando a invalidade formal, reivindique a coisa, está a pedir quod redditurus est. c) Tu quoque: o descumpridor de norma legal ou contratual, que com isso atingiu determinada posição jurídica, não pode exigir do outro o cumprimento do preceito que ele próprio já descumprira. Exemplos colacionados pelo Professor RUY ROSADO: O condômino que viola a regra do condomínio e deposita móveis em área de uso comum, ou a destina para uso próprio, não pode exigir do outro, comportamento obediente ao preceito. Quem já se encontra em mora, ao tempo em que sobrevêm circunstâncias modificadoras da base do negócio, não pode pretender a revisão ou a resolução judicial.(152) d) Inciviliter agere: tem a ver com os deveres de consideração para com a outra parte, pelos quais se afasta o exercício irregular de um direito. Se um direito vier a ser exercido de maneira a colocar os interesses dos contratantes em uma objetiva desproporção, ocorre abuso que deve ser tolhido, pois a lei não pode servir de pretexto para que se cometam injustiças. Refere-se, portanto, à "ação legal claramente iníqua e desconsiderada".(153) Cabe mencionar, ainda, os limites ao exercício inadmissível de posições jurídicas face ao decurso do tempo, denominados de suppressio e de surrectio. Pela suppressio, um direito não exercido durante um determinado período temporal não mais poderá sê-lo, por contrariar a boa fé. Eis dois exemplos, extraídos da obra "Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor":(154) Se um contrato de prestação duradoura ficar sem cumprimento durante longo tempo, por falta de iniciativa do credor, não pode ser exigido, se o devedor teve motivo para pensar extinta a obrigação e programou sua vida nessa perspectiva. O comprador, que não retira as mercadorias, não 42 pode obrigar ao vendedor que guarde os bens por tempo indeterminado. De outra banda, surrectio corresponde ao nascimento de um direito, em face da prática continuada de certos atos. É, como se vê, uma nova fonte de direito subjetivo. O exemplo é do mesmo autor antes citado: A distribuição de lucros de sociedade comercial, em desacordo com os estatutos, mas por longo tempo, pode gerar o direito de recebê-los do mesmo modo, para o futuro. Registre-se ainda a existência de outras figuras com soluções vinculadas ao princípio da boa fé, como a do adimplemento substancial (Apelação Cível nº 588 012 666, 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 12.04.88, unânime, Relator Desembargador RUY ROSADO DE AGUIAR JR.) e a da responsabilidade derivada do simples "contato social". A última categoria apresentada por WIEACKER, na classificação que tem em vista a atuação judicial, é a da aplicação contra legem, "como meio de ruptura ético-jurídica do Direito legal".(155) Incluem-se neste item a livre revalorização e o reajuste da contraprestação em virtude de uma mudança total superveniente das circunstâncias econômicas, quando a solução não se ache nos institutos previstos no ordenamento jurídico. Albergam-se aqui, ainda, casos de "dificuldade imoderada da obrigação" ou de ultrapassagem do "limite de sacrifício". WIEACKER exemplifica assim as duas últimas hipóteses, respectivamente: o aumento do salário na suposição de incremento desproporcional dos custos, e a redução dos salários dos empregados executivos desde a perspectiva de comunhão de riscos com a empresa.(156) São casos, em geral, de "perturbação da equivalência econômica entre prestação e contraprestação. As sentenças consequentemente tendem ao reconhecimento de um princípio material de equivalência".(157) No que as decisões levam em conta os condicionamentos históricos, contrapostos aos postulados intemporais da justiça. Desse modo, atende-se a que a justiça é também um ius suum cuique "saeculo" tribuere.(158) Trata-se, como se vê, de um campo apropriado de criação judicial,(159) ou seja, de um "Direito dos juízes" em moldes assemelhados aos presentes nos países de common law. CONCLUSÃO Os dois princípios em exame, como visto, informam o Direito Privado numa atuação bipolar. 43 São princípios que acompanham o incessante evoluir do mundo jurídico. Dependendo da orientação filosófica e ideológica, pode ocorrer que um deles esteja em posicionamento retraído. Foi o que ocorreu com a boa fé objetiva, enquanto predominava de forma quase absoluta a autonomia de vontade no período do liberalismo clássico. Outro fator que contribuíra para a pouca expressividade da visão objetiva da boa fé foi a exaltação do princípio da separação dos poderes e do método exegético, que por muito tempo freou as possibilidades maiores de criação judicial. Na superação do mencionado estado de coisas, próprio de um sistema fechado, a cláusula geral do § 242 do BGB foi de resultados magníficos. Permitiu fundamento para o desempenho aperfeiçoador da jurisprudência alemã, o que se refletiu na doutrina. Referida cláusula foi comparada, assim como as dos §§ 138 e 826 do Código Civil alemão, a faróis errantes, providos de raios de luz que puderam penetrar em qualquer lugar do Direito Privado.(160) No campo obrigacional, em que o princípio da boa fé objetiva é mais empregado, propiciou uma notável revitalização no sentido de viabilizar soluções as mais justas de acordo com as circunstâncias do caso específico. A evidência dos deveres de lealdade e confiança, cooperação e eqüiponderância das prestações, e o atendimento dos mesmos em decisões que aliam o raciocínio sistemático ao problemático, indicam um caminho luminoso no sentido do Direito Justo. É notório que a atividade de concreção exigida na aplicação de uma cláusula geral passa a exigir dos aplicadores um grande preparo técnico e doutrinário, e o conhecimento do catálogo jurisprudencial formado com o perpassar do tempo. Todavia, mesmo com o reiterar de decisões, não se chega e esse não é objetivo a perseguir - a um esgotamento de diretrizes. Pois, caso contrário, estaria se retornando a um sistema fechado. Ora, a criação de deveres anexos, não decorrentes da vontade, exige exatamente um sistema aberto e de acordo com uma escala de interesses, como preconizado por RAISER, os quais vão do público ao privado em graus variáveis caso a caso. Tratando-se, a boa fé, de princípio de profunda repercussão ética, exige, como tal, um modelo de raciocínio próprio. Sócrates, na "Apologia", já chegara à conclusão de que para resolver um conflito de deveres não basta o simples recurso a regras. Há necessidade de determinar regras, às quais deve ser dada precedência.(161) Na 44 aplicação do princípio da boa fé objetiva, será o julgador que, pesando os detalhes do caso, irá encontrar qual dos valores em jogo prevalecerá. Comparável, essa atuação, à régua de Lesbos, que, composta de chumbo, se amoldava ao material que estava sendo medido. A universalização dos dois princípios em comento, e a oportunidade de criação judicial através das cláusulas gerais, tende a fortalecer a globalização do Direito, com a aproximação das duas grandes famílias jurídicas, romano-germânica e da common law. Naquela, verifica-se um incremento da busca do raciocínio tópico, da solução a partir do caso proposto. Na segunda, aparece uma tendência no sentido da estatutorificação, compreendida como incremento da legislação e até como tentativas de codificação. No ordenamento legal brasileiro, de todo conveniente seria a inclusão da cláusula geral da boa fé objetiva, a exemplo da proposta constante do Projeto de Reforma do Código Civil.(162) As cláusulas gerais, introduzidas adequadamente num Código central, caracterizam um "elemento ao mesmo tempo unificador e vivificador dos ordenamentos",(163) integrando os microssistemas constantes de leis extravagantes. Com o que estariam asseguradas, de um lado a certeza jurídica, e de outro a mobilidade necessária para atender a cada fato em sua época e circunstâncias. Respondida estaria a necessidade de flexibilização diante das vertiginosas mudanças sociais. Presente, aliás, a afirmativa de JEAN CRUET, segundo o qual "vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade".(164) A presença de uma cláusula geral colocaria, em nossa sistemática, a boa fé objetiva em lugar ainda mais altaneiro. As melhores soluções ao anseio por justiça no campo obrigacional poderiam ser encontradas mercê do descortínio da criatividade judicial baseada nos catálogos de julgados reveladores do senso do justo manifestado na comunidade. Inobstante, como princípio, a boa fé objetiva já tenha efetiva aplicação no Tribunal de Justiça do RGS, consoante Acórdãos que foram mencionados neste trabalho, a inclusão na legislação propiciaria a divulgação desejável e o fundamento legal que, em nosso meio, tem a tradição de ser o mais acatado. Aliás, frise-se, o princípio da autonomia da vontade vem expresso em nossa Carta Magna (artigo 5º, II), a exemplo do que ocorre na Alemanha. Sendo que o Tribunal Constitucional alemão (Bundesverfassungsgericht), em recente decisão, realçou que o 45 controle do conteúdo dos contratos resulta da aplicação dos dois princípios enfocados neste ensaio. Eis a ementa do Julgado (BVerfG Beschl. v. 19.10.93)(165): "O Juízo Civil tem a obrigação - particularmente na concretização e utilização das cláusulas gerais como o § 138 e o § 242 do BGB - de observar a garantia fundamental da autonomia privada prevista no artigo 2º, I da Lei Fundamental. Daí resulta seu dever de controle do conteúdo dos contratos que onerem exageradamente um dos contratantes e sejam resultado de uma desigualdade estrutural de forças na negociação". Ressalta do aresto a integração alcançada entre os dois princípios, demonstrando como pode ser atingido, na prática, através das cláusulas gerais, o ideal de um Direito que não se distancie da perspectiva de Justiça. Aí estamos diante de uma das respostas efetivas, que, somadas, podem afastar a sombra do que se convencionou chamar de "crise do Direito". É que, como salientou o Professor CLÓVIS, invocando ESSER, "a aplicação do princípio da boa fé tem função harmonizadora, conciliando o rigorismo lógico-dedutivo do século passado com a vida e as exigências éticas atuais, abrindo, por assim dizer, no hortus conclusus do sistema do positivismo jurídico, 'janelas para o ético' ".(166) (*)Trabalho apresentado no Curso de Pós-Graduação Mestrado em Direito da UFRGS, Cadeira de Teoria Geral do Direito Privado, elaborado sob a orientação da Professora Titular, Doutora Judith Hofmeister Martins Costa. NOTAS (1) Conforme Novo Atlas Meridional 94/95, do Pe. Geraldo José Pauwels, Editora Melhoramentos/Zero Hora, página 94. (2) No tocante à divisão do mundo em famílias jurídicas, das quais foram mencionadas no texto as duas principais, é clássica a obra de RENÉ DAVID, "Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo". 2ª edição brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1993. Trad. de Hermínio A. Carvalho. As obras de SCHULZ, mencionadas no texto, foram Prinzipien des römischen Rechts, 1934, e History of Roman Legal Science, 1946. (3) COING, HELMUT. Zur Geschichte des Privatsrechtsystems, apud MARTINS-COSTA, JUDITH. "As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico". In: Rev. de Inf. Legisl. Brasília, nº 112, outubro/dezembro 1991, página 14. 46 (4) CANARIS, CLAUS-WILHELM. "Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito". Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, páginas 77-78. Trad. de A. Menezes Cordeiro. Ademais, sobre os diversos conceitos de sistema, páginas 25 e seguintes. (5) CARRIÒ, GENARO. Principios juridicos y positivismo juridico. Buenos Aires : Abeledo-Perrot, 1970, páginas 21-37. (6) ALEXY, ROBERT. Sistema Juridico, Principios Juridicos y Razon Practica. In: Rev. Doxa, Alicante, volume 5, 1988, página 143. Apud MARTINS-COSTA, JUDITH. "Os princípios jurídicos". Trabalho datilografado, inédito. Página 50. (7) CANARIS, CLAUS-WILHELM. Obra citada, páginas 8899. (8) Apud RAISER, LUDWIG. "O futuro do direito privado". In: Revista da Procuradoria-Geral do Estado, Porto Alegre, volume 9, nº 25, 1979, página 17. (9) RAISER, LUDWIG. Artigo citado, página 18. (10) Idem, ibidem, páginas 25, 29-30. COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "O Princípio da Boa Fé no Direito Brasileiro e Português". In: Estudos de direito civil brasileiro e português (I Jornada Luso-Brasileira de Direito Civil). São Paulo : Revista dos Tribunais, 1980, página 55. (11) Conforme RAISER, LUDWIG. Artigo citado, páginas 1112. (12) Idem, ibidem, página 12. (13) MARTINS-COSTA, JUDITH. "As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico". Cit. In: Rev. Inf. Legisl., nº 112, página 25. (14) Mencionada crise, consoante frisa REALE, não é senão um aspecto relevante da crise geral da civilização contemporânea ("Teoria Tridimensional do Direito". 2ª edição revista e atualizada, São Paulo : Saraiva, 1979, página 6). Trata-se de um reflexo do desenvolvimento das ciências em geral, e dos diversos componentes ideológicos acentuados após as duas guerras mundiais. (15) Ou seja: Quando alguém celebra um negócio ou contrato, conforme o que foi expresso em palavras, assim, seja direito. Conforme SEBASTIÃO CRUZ. "Direito Romano". Coimbra, 1980, página 203. Apud AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. "A Autonomia Privada como Poder Jurídico". In: Estudos jurídicos em homenagem ao Professor CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Rio de Janeiro : Forense, 1984, página 291. 47 (16) Conforme SEBASTIÃO CRUZ, obra citada, página 202. Apud AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. Loc. cit. (17) AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. Loc. cit. (18) Conforme, a respeito, SILVA, LUIS RENATO FERREIRA DA. "Considerações acerca do conceito de autonomia da vontade". Trabalho apresentado no Mestrado em Direito da UFRGS. Porto Alegre. Agosto de 1992. (19) AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. "A autonomia privada como poder jurídico". Cit., página 292. (20) Idem, ibidem, página 293. (21) FERRI, LUIGI. La autonomia privada. Trad. de Luis Sancho Mendizábal. Madrid : Ed. Rev. de Der. Privado, 1969, páginas 6 e seguintes. (22) AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. Artigo citado, página 293. Nesse sentido, Luigi Ferri, Santoro Passarelli, Ascarelli, Esposito, Tedeschi Carnelutti, Pergolesi, Santi Romano, D'Eufemia, Salvatore Romano, Passerin D'Entréves, Oskar Büllow, Danz, Kelsen, Manigk, Nawiasky e Alexeiev. (23) AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. "A autonomia privada como poder jurídico". Cit., página 297. (24) BETTI, EMILIO. "Teoria geral do negócio jurídico". Coimbra : Coimbra Editora Ltda., 1969, página 7. (25) SCOGNAMIGLIO, RENATO. Contributo alla teoria del negozio giuridico. Napoli, 1969. Apud AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. "A autonomia privada como poder jurídico". Cit., página 295. (26) WALLINE, MARCEL. L'individualisme et le droit. 10ª edição Paris : Editora Domat, 1949, nº 90. (27) AMARAL NETO, Francisco dos Santos. "A autonomia privada como poder jurídico". Cit., página 294. (28) Artigo 1.134 do Code: Les conventions légalment formées tiennent lieu de lis à ceux qui les ont faites. (29) Conforme RIEG, ALFRED. "Le rôle de la volonté dans l'acte juridique en droit civil français et allemand". Paris : Lib. Gén. de Droit et de Jurisprudence, 1961, página 5. GOMES, ORLANDO. "Transformações gerais do direito das obrigações". São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1967, página 10. (30) AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. "A autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica: perspectivas estrutural e funcional". In: Estudos em homenagem ao Professor Doutor A. Ferrer-Correia (Boletim da Faculdade de Direito 48 da Universidade de Coimbra). Coimbra, volume 2, nº especial, 1989, página 19. (31) Idem, ibidem, página 20. (32) WALLINE, MARCEL. L'individualisme et le droit. Paris : Éd. Domat, 1949, páginas 15 e 18. (33) Obra citada, página 27. (34) WEIL et TERRÉ. Droit civil, les obligations. Paris : Dalloz, 1975, página 51. Apud AMARAL NETO. Artigo citado, página 23. (35) KANT, IMMANUEL. "Fundamentação da metafísica dos costumes". São Paulo : Abril Cultural, página 144. (36) Conforme AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. "A autonomia privada como princípio..." Cit., página 23. (37) Idem, ibidem, página 26. (38) Apud MARTÍNEZ-RADIO, ANTONIO DE LA ESPERANZA. La funcion de la voluntad en los negocios jurídicos. In: Estudios de derecho civil en honor del Profesor CASTAN TOBEÑAS. Pamplona : Ed. Un. de Navarra, 1969, página 465. A propósito, ainda: GASTAL, ALEXANDRE FERNANDES. "A crise da autonomia da vontade". Trabalho apresentado no Mestrado em Direito da UFRGS. Porto Alegre, 1993, página 10. (39) AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. "A autonomia privada como princípio..." Cit., página 24. (40) Conforme, a respeito, RANOUIL, VÉRONIQUE. L'autonomie de la volonté: naissance et évolution d'un concept. Paris : Presses Universitaires de France, 1980, páginas 29 e seguintes SILVA, LUIS RENATO FERREIRA DA. "Considerações acerca do conceito de autonomia da vontade". Trabalho apresentado no Mestrado em Direito da UFRGS. Agosto de 1992. Porto Alegre. Páginas 4 e seguintes. (41) RANOUIL, VÉRONIQUE. L'autonomie de la volonté... Cit., página 71. (42) RAISER, LUDWIG. La libertá contrattuale oggi. In: il compito del diritto privato. Milão : Giuffrè Edittore, 1990, página 53. (43) GROSSI, PAOLO. "Fundamentos do pensamento juscivilístico moderno". Ciclo de conferências promovido pelo Curso de Mestrado da Faculdade de Direito da UFRGS, de 21 a 30 de junho de 1995, em Porto Alegre. (44) Artigo 544 do Code: "La propriété est le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu qu'on fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les règlements". 49 (45) AMARAL NETO, FRANCISCO DOS SANTOS. "A autonomia privada como poder jurídico". Cit., página 301. (46) Idem, ibidem, página 305. (47) COUTO E SILVA, CLÓVIS V. DO. "Para uma história dos conceitos no direito civil e no direito processual civil". Separata do nº especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. 1983. Páginas 11 e seguintes. (48) Assim: HOBSBAWN, ERIC. "Era dos extremos - o breve século XX - 1914-1991". Trad. de Marcos Santarrita. Cia. das Letras, 1995; REALE, MIGUEL. "Direito natural/direito positivo". Editora Saraiva, 1984, página 61. (49) Conforme, a respeito: PELAYO, MANUEL GARCIA. Las transformaciones del estado contemporâneo. 3ª edição Madrid : Alianza Ed., 1982, páginas 66-67. (50) SOUZA JÚNIOR, CEZAR SALDANHA. O consensus no constitucionalismo ocidental. Tese de Doutorado junto à Faculdade de Direito da USP. Junho de 1984. Páginas 212 e seguintes. (51) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "A obrigação como processo". São Paulo : J. Bushatsky Editora, 1976, página 18. (52) Idem, ibidem, página 20. (53) Idem, ibidem, página 24. (54) Idem, ibidem, páginas 26-27. Nos "atos existenciais", segundo CHESHIRE-FIFOOT (Law of Contract, London, 1964, página 350), a responsabilidade resulta do fato mesmo do suprimento, e não do consentimento, ou seja: "he is bound, not because he has agreed, but because he has been supplied". Os atos existenciais enquadram-se na categoria jurídica de ato real ou atofato (COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "O princípio da boa fé no direito..." Cit., páginas 55-56), pois a vontade se objetiva a tal ponto que afasta a caracterização como negócio jurídico (Autor citado. "A obrigação como processo". Cit., páginas 91-92). Os atos existenciais, explicita o Professor Clóvis, referem-se às necessidades básicas do indivíduo, tais como alimentação, vestuário, água, etc., dependendo o seu número dos usos e concepções de vida de cada povo. (55) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "A obrigação como processo". Cit., página 27. (56) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "O princípio da boa fé..." Cit., página 54. (57) MENEZES CORDEIRO, ANTÓNIO. "Da boa fé no direito civil". Coimbra : Almedina, 1984, volume 1, páginas 53 e seguintes. Faz o citado autor ampla narrativa histórica e sistemática 50 do tema. Aliás, sua obra é considerada a mais completa no tocante à boa fé, tratando-se de referência bibliográfica fundamental. (58) Idem, ibidem, página 71. (59) HORVAT, MARJAN. "Osservazioni sulla 'bona fides' nel diritto romano obligatorio". In: Studi in Onore de Vicenzo ArangioRuiz. Napoli : Editora Jovene, página 425. SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo V. da. "O princípio da boa-fé objetiva". Trabalho apresentado no Mestrado em Direito da UFRGS. Porto Alegre. Fevereiro de 1994. Página 16. (60) HOVART, MARJAN. Opera citare, página 427. (61) MENEZES CORDEIRO, António. "Da boa fé..." Cit., volume 1, página 82. (62) Idem, ibidem, página 128. (63) Idem, ibidem, página 156. (64) Idem, ibidem, página 159. (65) In La buona fede in materia di prescrizione/storia della teoria canonistica. Torino, 1982. Apud MENEZES CORDEIRO. "Da boa fé..." Cit., volume 1, páginas 148 e seguintes. (66) MENEZES CORDEIRO, obra e volume citados, páginas 240 a 246. (67) Obra citada, páginas 253 a 256 e 267. Muito embora o artigo 1.135 do Código Napoleônico definisse, com precisão, o princípio da boa fé objetiva - ("Les conventions obligent non seulement à ce qui y est exprimé, mais encore à toutes les suites qui l'équité, l'usage, ou la loi donnent à l'obligation d'aprés sa nature.") -, os juristas franceses não lhe deram aplicação expressiva, pois não prosperou lá o poder criador da Jurisprudência (conforme, a respeito: COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "O princípio da boa fé..." Cit., página 45). (68) Obra citada, página 162. (69) Obra citada, página 166. (70) Obra citada, páginas 167 e 168. (71) Obra citada, página 169. (72) Conforme STRÄTZ, HANZ-WOLFGANG. Treu und Glauben I. Apud MENEZES CORDEIRO, obra citada, páginas 169 e 170. (73) MENEZES CORDEIRO. "Da boa fé." Cit., volume 1, página 170. (74) STRÄTZ. Treu und Glauben. Cit., páginas 154 e 188 e seguintes. Apud MENEZES CORDEIRO. "Da boa fé..." Cit., página 173. 51 (75) Idem, ibidem, páginas 189 e 191 e seguintes. Apud MENEZES CORDEIRO. Obra citada, página 174. (76) Treu und Glauben. Cit., páginas 279 e seguintes. Apud MENEZES CORDEIRO. "Da boa fé..." Cit., volume 1, páginas 174 e 175. (77) MENEZES CORDEIRO. Obra citada, página 176. (78) Idem, ibidem, páginas 298 a 306. (79) Idem, ibidem, página 317. (80) Idem, ibidem, página 319. (81) MENEZES CORDEIRO. "Da boa fé..." Cit., volume 1, página 321. (82) Idem, ibidem, página 323. (83) Idem, ibidem, página 327. (84) Idem, ibidem, página 329. (85) Idem, ibidem, página 328. (86) Idem, ibidem, páginas 329 e 330. (87) Idem, ibidem, página 331. (88) Código que, nas palavras de HANS DÖLLE, "não abriu o portão do século XX; fechou o do século XIX". Das Bürgerliche Gesetzbuch in der Gegenwart (1950), 15. Apud MENEZES CORDEIRO. Na Introdução à edição portuguesa de "Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito", de CANARIS. Cit., página XCVI. De fato, o BGB "sintetiza a Ciência jurídica do século XIX, no que ela tinha de mais evoluído" (M. Cordeiro, loc. cit.). (89) Artigo 7º, I, do Código Civil espanhol, pelo texto aprovado pelo Decreto de 31.05.74; artigos 1.337 e 1.375 do Código Civil italiano de 1942; artigos 227, 239, I, 334 e 762, 2, do Código Civil português de 1986; artigo 2º, 1, do Código Civil suíço. (90) Como, por exemplo: JÜRGEN SCHMIDT, FRANZ WIEACKER, JOSÉ LUIS DE LOS MOZOS, LUIS DÍEZ-PICAZO, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA. No Brasil, cabe saliência às obras dos professores gaúchos CLÓVIS DO COUTO E SILVA, JUDITH MARTINS-COSTA, RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR e CLÁUDIA LIMA MARQUES. (91) MENEZES CORDEIRO, ANTÓNIO. "Da boa fé no direito civil". Cit., volume 2, página 1197. (92) Idem, ibidem, página 1205. (93) Idem, ibidem, página 1208. (94) Código de Processo Civil, artigo 127. Exemplos de previsão legal: artigos 1.040, IV, e 1.456 do Código Civil brasileiro. 52 (95) MENEZES CORDEIRO. "Da boa fé..." Cit., página 1208. (96) Idem, ibidem, página 1210. (97) Idem, ibidem, página 1223. No Brasil, os "bons costumes" aparecem resguardados no artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil e no artigo 395, III, do Código Civil. A "ordem pública" também é mencionada no primeiro dispositivo. (98) Apud MENEZES CORDEIRO. Obra citada, páginas 1220 e 1221. (99) Lembra MENEZES CORDEIRO que "este aspecto não deve ser confundido com o papel, reconhecido à boa fé, de velar pela não ocorrência de desigualdades inadmissíveis entre as partes no contrato". Obra citada, página 1220, nota 80. (100) MENEZES CORDEIRO. Obra citada, página 1224. (101) Idem, ibidem, páginas 1223 e 1224. (102) Idem, ibidem, página 1225. (103) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "A obrigação como processo". São Paulo : J. Bushatsky Editora, 1976, página 37. (104) Idem, ibidem, página 38. Citando W. Siebert, Treu u. Glauben, página 13. (105) MENEZES CORDEIRO. "Da boa fé..." Cit., página 1226. (106) Idem, ibidem, página 1227. (107) Idem, ibidem, página 1229. (108) Idem, ibidem, página 1230. (109) Idem, ibidem, página 1231. (110) Idem, ibidem, página 1299. (111) Idem, ibidem, página 1234. (112) Gewere denominava o apossamento material da coisa, feito perante o povo ou testemunhas qualificadas e que era necessário a qualquer transmissão - conforme MENEZES CORDEIRO, obra citada, página 457, nota 150. A reivindicação de uma coisa, no Direito germânico, foi inicialmente possível através de ações retiradas da Gewere. (113) Apud MENEZES CORDEIRO, obra citada, página 1236. (114) MENEZES CORDEIRO. "Da boa fé..." Cit., páginas 1238 e 1241. (115) Idem, ibidem, página 1243. (116) Idem, ibidem, página 1250. (117) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "O princípio da boa fé no direito brasileiro e português". In: Estudos de direito civil 53 brasileiro e português. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1980, página 53. (118) MENEZES CORDEIRO, ANTÓNIO. "Da boa fé no direito civil". Cit., volume 2, páginas 1252 e seguintes. (119) Idem, ibidem, volume 1, página 42. (120) Idem, ibidem, página 43. (121) ESSER, Josef. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Barcelona : Casa Bosch, Editora, 1961, página 83. (122) MENEZES CORDEIRO, ANTÓNIO. "Da boa fé..." Cit., volume 1, página 334. (123) ALMEIDA COSTA, MÁRIO JÚLIO DE. "Direito das obrigações". 6ª edição, Coimbra : Editora Livraria Almedina, 1994, página 247. A edição mencionada no Acórdão é a 4ª, em que o mesmo trecho se encontra nas páginas 201 e 202. (124) MENEZES CORDEIRO, ANTONIO. "Da boa fé..." Cit., volume 1, página 43. (125) "Rechtsgrundsätze" und Gesetzeskorrektur/Ein Beitrag zur Geschichte gesetzlicher Rechtsfindungsregeln. Berlim, 1975, página 13. Apud MENEZES CORDEIRO, A. Loc. cit. (126) Conforme COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "A obrigação como processo". Cit., páginas 30 e seguintes. MARTINS-COSTA, JUDITH. "Princípio da boa fé". In: Revista da Ajuris, nº 50, páginas 207-227. Apelação Cível nº 589 073 956, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, unânime, julgado em 19.12.89, Relator Desembargador RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR. No artigo antes mencionado, a autora demonstra que, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a efetivação do princípio da boa fé objetiva é uma realidade, não obstante as dificuldades decorrentes da ausência de uma "cláusula geral da boa fé" na legislação civil brasileira. (127) ALMEIDA COSTA, MÁRIO JÚLIO DE. "Aspectos modernos do direito das obrigações". In: Estudos de direito civil brasileiro e português. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1980, página 80. (128) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "O princípio da boa fé..." Cit., página 44. (129) DAWSON, JOHN P. The general clauses, viewed from a distance. In: Rabels Zeitschrift, für ausl. u. inter. Privatrecht 41, Heft 3, 1977, página 442. Ver, ainda, do mesmo autor: Unconscionable Coercion: the german version. In: Harvard law review. Abril 1976, volume 89, nº 6, página 1041. 54 (130) Conforme, a respeito: COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "O princípio da boa fé..." Cit., página 46. (131) § 157 do BGB: "os contratos devem ser interpretados do modo como o exigir a boa fé, tomando-se em consideração os usos de tráfico". (132) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "O princípio da boa fé..." Cit., página 47. (133) Obra citada, página 54. (134) Idem, ibidem, página 49. DAWSON. The general clauses... Cit., página 446. Unconscionable coercion... Cit., páginas 1046 e seguintes. (135) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. Artigo citado, página 70. (136) RAISER, LUDWIG. "O futuro do direito privado". Cit., páginas 26-27. (137) CLÓVIS DO COUTO E SILVA, in "O princípio da boa fé...", cit., página 57, mencionou-o como o princípio fundamental para a construção do que parece ser "o direito comum europeu". (138) Código Civil, artigos 1.331 e seguintes. (139) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "A obrigação como processo". Cit., página 37. (140) ALMEIDA COSTA, MÁRIO JULIO DE. "Direito das obrigações". Cit., página 56. (141) Idem, ibidem, página 59. (142) Idem, ibidem, páginas 59 e 60. (143) Idem, ibidem, páginas 60 e 61. (144) COUTO E SILVA, CLÓVIS DO. "A obrigação como processo". Cit., página 36. (145) Idem, ibidem, página 35. (146) WIEACKER, FRANZ. El principio general de la buena fe. Editora Civitas, 2ª reimpressão, 1986, páginas 51 e seguintes. (147) AGUIAR JÚNIOR, RUY ROSADO DE. "Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução)". Rio de Janeiro : Aide Editora, 1991, páginas 243 e 244. (148) Idem, ibidem, páginas 248 e 249. (149) WIEACKER, FRANZ. El principio general... Cit., página 64. (150) MENEZES CORDEIRO, ANTÓNIO. "Da boa fé..." Cit., volume 2, página 856. (151) Idem, ibidem, página 857. (152) AGUIAR JÚNIOR, RUY ROSADO DE. "Extinção dos contratos..." Cit., páginas 249 e 250. 55 (153) WIEACKER, FRANZ. El principio general... Cit., páginas 70 a 74. (154) AGUIAR JÚNIOR, RUY ROSADO DE. "Extinção dos contratos..." Cit., página 249. (155) WIEACKER, FRANZ. El principio general... Cit., páginas 74 e seguintes. (156) Idem, ibidem, página 75. (157) Idem, ibidem, página 76. (158) Idem, ibidem, páginas 79 e 80. (159) Os limites da atuação judicial criadora, decorrente do princípio da boa fé, encontram-se nos países de direito continental, nas máximas até então desenvolvidas pela jurisprudência (conforme WIEACKER, Franz. El principio general... Citado, página 85) e na sistematização propiciada pela doutrina (conforme COUTO E SILVA, Clóvis do. "O princípio da boa fé..." Citado, página 65). Outrossim, a limitação decorre da exigência de fundamentação do decisório e de sua conformidade com o ordenamento jurídico global (conforme AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. "Extinção dos contratos..." Citado, página 243). Sobre o tema, ainda: REHBINDER, Manfred. Il senso del giusto. In: Rivista di Diritto Civile. 1983. Parte I, página 1 a 13. (160) DAWSON, John P. The general clauses... Citado, página 442. (161) FRANKENA, William K. "Ética". Tradução de L. HEGENBERG e O. S. DA MOTA. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1969, páginas 14-15. (162) Projeto de Lei nº 554-B. (163) MARTINS-COSTA, Judith. "As cláusulas gerais..." Citado In: Revista Informe Legislativo, nº 112, página 29. (164) CRUET, Jean. "A vida do direito e a inutilidade das leis". Lisboa: J. Bastos Editora, 1908, página 3. (165) 1 BvR 567/89 u. la., in: NJW 1994, páginas 36-39, em tradução da Professora CLÁUDIA LIMA MARQUES. (Observação: em trabalho que veio a lume no nº 17 da "Revista de Direito do Consumidor", janeiro/março de 1996, a mencionada Professora comenta o Aresto em referência indicando sua importância e conseqüências, sob o título "Os contratos de crédito na legislação brasileira de proteção ao consumidor", páginas 36-56). (166) COUTO E SILVA, Clóvis do. "A obrigação como processo". 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