aparecida dos santos a arteterapia como instrumento de individuação
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aparecida dos santos a arteterapia como instrumento de individuação
FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE - FIZO ALQUIMY ART A ARTETERAPIA COMO INSTRUMENTO DE INDIVIDUAÇÃO APARECIDA DOS SANTOS OSASCO - SP 2007 APARECIDA DOS SANTOS A ARTETERAPIA COMO INSTRUMENTO DE INDIVIDUAÇÃO Monografia apresentada à Faculdade de Integração Zona Oeste - Fizo e ao Alquimy Art, de São Paulo como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientadora: Profª. MsC. Deolinda Fabietti Osasco – SP 2007 SANTOS, Aparecida dos A Arteterapia como Instrumento de individuação/ Aparecida dos Santos – Osasco – SP: [s.n], 2007. 155p. Orientadora: Profª Msc. Deolinda Fabietti. Monografia: (Especialização em Arteterapia) Faculdade de Integração da Zona Oeste - FIZO e Alquimy de São Paulo. 1. Arteterapia 2. Transpessoal 3. Desenvolvimento humano FACULDADE DE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE - FIZO ALQUIMY ART A Arteterapia como Instrumento de Individuação Monografia apresentada pela aluna Aparecida dos Santos ao Curso de Especialização em Arteterapia em 20/05/2007 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: Profª. Msc. Deolinda Fabietti, Orientadora Profa. Dra. Cristina Dias AlLessandrini, Coordenadora da Especialização Profª. MsC. Regina Chiesa, convidada. Busco com essa monografia partilhar as minhas vivências e experiências adquiridas durante dois anos de estudos, pesquisas e observações. Os textos foram escritos de forma espontânea, simples e direta. Sob um foco de que teoria e prática interagem e se completam, como em um dançar mágico do Yin e do Yang. Dedico este trabalho Aos meus irmãos À minha família A todas as famílias e A todos os Seres que compõem a grande Família Cósmica AGRADECIMENTOS Minha gratidão e minha reverência aos meus pais, por terem aceitado a missão de sê-los e, em virtude disso, terem me permitido vivenciar, entre tantas outras experiências, o verdadeiro sentido das palavras: força, sabedoria, coragem, superação e fé. O meu amor os envolverá por todo o sempre. À você Sérgio, My Sun Shine, por tudo o que você já sabe. Ao meu desmistificador de aranhas, Antônio Torres. A missão continua. Ao Ser Deolinda Fabietti, minha Coordenadora, por sua presença guia, inspiradora e, por partilhar da minha trajetória. . Finalmente A todas as pessoas que me permitiram e me agraciaram com o partilhar de suas vidas e que, hoje, me são parte. RESUMO Esta monografia enfoca, dentro de uma visão transpessoal, o indivíduo e o seu processo de individuação. Aborda, especificamente, questões sobre o estado de plenitude do ser – definido, neste contexto, como paz - e de como a Arteterapia pode interagir com esse processo. Apresenta um trabalho realizado a partir de pesquisas envolvendo as quatro fases do desenvolvimento humano: Velhice, Maturidade, Adolescência e Infância, em que materiais e técnicas como o Barro, a Colagem, a Música, os Jogos e o Lúdico foram utilizados; analisando tanto os aspectos estruturantes dos materiais como das atividades desenvolvidas. Demonstra a importância do olhar teórico e sistêmico na construção do íntegro papel do Arteterapeuta. Baseia-se nos fundamentos teóricos de Carl Gustav Jung, Jean Yves-Leloup, Bernard Lievegoed e nos conceitos da Arteterapia como um novo campo do conhecimento. Palavras-chave: Arteterapia – Transpessoal - Desenvolvimento humano. ABSTRACT This monograph focuses the individual and his individuation process in a transpersonal vision. It broaches, specially, issues about the state of wholeness of the being, defined herein as peace, and how Arts Therapy can work with this process. It presents a work developed from researches carried out on the four stages of human development: Aging, Maturity, Adolescence and Childhood. In this work, expressive resources and techniques as clay, music, games and playing were used and structuring aspects of these materials were analyzed as well as the activities that were developed. This monograph demonstrates the importance of the theoretical and systemic look in the construction of a sound role of art therapist. It is based on the theoretical foundations of Carl Gustav Jung, Jean Yves Leloup, Bernard Lievegoed and on the concepts of Arts Therapy as a new field of knowledge. Keywords: Arts Therapy – Transpersonal - Human development. SUMÁRIO I PARTE APRESENTAÇÃO - Desvelando 12 ASPIRAÇÃO - O Indivíduo 17 II PARTE REFERENCIAL TEÓRICO 24 DESENVOLVIMENTO HUMANO - Fases da Vida 25 - ÂMAGO 32 - A Psique 33 - Processo de Individuação 41 - ESTADO DO SER 49 REPAGINAR - Um olhar interno 60 A ARTETERAPIA - Como Instrumento de Individuação 69 III PARTE VIVÊNCIAS – equipes de trabalho 82 INDIVIDUAÇÃO – idosos 81 Barro 88 PERSONA – adulto 96 Colagem 103 CREAR - adolescentes 111 Jogos 117 Música 121 Conspiração – criança 127 Lúdico 133 IV PARTE QUATRO ESTAÇÕES 137 Elaboração das Propostas 138 Atendimento 139 Tempo 140 Local 142 V PARTE O SER TERAPEUTA O PAPEL DO ARTETERAPÊUTA 145 CONSIDERAÇÕES FINAIS 150 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 152 Não (só)* desça. Não (só)* suba. Fica. O mistério está na tua vida. Mario Quintana * nota pessoal da autora DESVELANDO DESVELANDO ApresentaçãoApresentação “Perguntei a uma criança, que caminhava com uma vela: „De onde vem essa luz?‟ No mesmo instante ela a apagou. „Diga-me para onde foi, que eu lhe direi de onde veio‟.” (IDRIES SHAH) 1 A arte sempre fez parte de minha vida, pelo que lembro, desde a infância. O desenho e a pintura me atraiam e me mostravam a vida. Era o meu momento de encontro, onde eu sabia “Ser” eu. Vivenciei, como ocorre com todos, batalhas e guerras que me deixaram marcas e algumas cicatrizes e muitas ainda se sobressaem. Nesses períodos nunca tive dúvida sobre o que gostava de fazer e o que desejava profissionalmente para mim. No entanto, as vicissitudes da vida me fizeram re-significar a minha escolha. Anos de trabalho em recursos humanos, com moradores de rua, prostitutas e menores carentes, acrescidos por experiências pessoais, me suscitaram o desejo de auxiliar as pessoas, ajudá-las a se encontrarem. Constatei, nestas vivências e estudos, que o que mais aflige e consequentemente desorienta as pessoas é a ausência do contato com eles mesmos. O deslocamento do centro, a falta de individuação, do seu “Eu” verdadeiro. Desejo, de alguma forma facilitar a busca por esse caminho. O caminho do encontro ou do reencontro. Possibilitar a alegria da liberdade, da liberdade interna. Na busca por esse meio foi que me deparei com a Arteterapia. Desconhecia essa área de atuação e foi por uma revista que a descobri. A partir de então iniciei uma busca, via Internet, por locais que ministrassem o curso. Dessa forma conheci o Alquimy Art, 1 Escritor sufi de origem afegã. Trecho retirado de FELDMAN, C.; KORNFIELD, J. Histórias da alma. Histórias do Coração – Parábolas e Narrativas do Caminho Espiritual nas Tradições e na Contemporaneidade. São Paulo: Livraria Pioneira, 1994 que possibilitou, juntamente com a Fizo, a oportunidade de unir o meu objetivo com um curso de pós-graduação. Durante o transcorrer do primeiro módulo tive uma comprovação de que estava no caminho certo. Era um grupo formado por pessoas que não se conheciam e que, portanto, nunca se relacionaram; seres singulares e, a princípio, com um único ponto em comum: a ARTETERAPIA. Conotavam a arte como um processo de criação e consequentemente de libertação. Neste ponto, faço uma interação com o texto “A Conspiração Aquariana”, de Ferguson (2003), em que se constatam pontos relevantes e, tão óbvios (para citar Caetano Veloso), e que, no entanto permanecem ocultos. A autora aborda a transformação pessoal como um processo que consiste em “prestar atenção ao próprio fluxo da atenção” em colocar a mente como o nosso veículo de transformação e permitir que ela revele a nossa capacidade indescritível para a transcendência, pontuando o quanto é importante à evolução individual, uma vez que é ela que conduz a uma evolução coletiva (2003, p. 65). Somos seres condicionados a adotar (e adotamos!) comportamentos coletivos e socialmente aceitos. Submetemos-nos e passamos nossas vidas divididas entre o que os outros desejam de nós e aquilo que queremos para nós mesmos. Adormecidos, vivemos pela metade. Negamos o que no íntimo sabemos, e nos privamos da plenitude. Somos envolvidos pela angústia, pelos conflitos e nesse ápice na necessidade de romper com todos os grilhões, descobrimos que é a hora de nos posicionarmos. ...A vida quer viver. É o “momento de atenção”, momento de estar atenta aos próprios conflitos, às próprias tensões, angústias e medos; é hora de vivenciar essas experiências e elevá-las à transformação. Vivenciá-las e acreditar na superação de tudo isto, permitir a aparição daquela parte de nós que sabe mais e é mais bem informada do que a nossa consciência ordinária. Um processo que exige uma ação ativa, de criação e de libertação, uma assunção das potencialidades e das responsabilidades. Assunção da individualidade, da unicidade. “Somos as abelhas do invisível. Loucamente juntamos o mel do visível para armazená-lo na grande colméia dourada do invisível.” (RILKE)2 Confesso que as vivências pelas quais passei me colocaram frente a frente com o meu ideal, com o porquê de estar ali, freqüentando um curso tão distante da minha cidade. Percebi que estou construindo a minha história e que a vida é um processo, que estamos todos em pleno processo e precisamos aprender a lidar com as nossas dificuldades e potencialidades, para, só então, podermos atuar, responsavelmente, neste plano. “Consciente ou não de teus passos prossegue. Liberto ou não de laços, avança.” (TRIGUEIRINHO, 1994)3 Algumas das vivências pelas quais tenho passado me reportaram à forma como construí os meus desenhos e como os construo hoje, ou melhor, agora. Percebi que 2 RILKE. Rainer Maria (1875-1926) considerado um dos mais importantes poetas modernos da literatura e língua alemã em “Carta a Hulewicz”. 3 TRIGUEIRINHO NETTO, José. Nascido em 1931, no Brasil, escreve obras filosófico-espirituais. por diversas vezes pude instigar pessoas a descobrirem outras alternativas. Sempre há outras possibilidades... Perceber a necessidade de expressão e de condução, que algumas pessoas manifestam, pelo receio do novo, do outro “eu” desconhecido. No entanto, a partir do momento em que ocorre a sintonia, a sincronicidade passa a atuar. A capacidade de se relacionar começa a emergir, deixando claro que a comunicação ocorre independentemente do nosso “fiscal”, ela é inerente. Cabe a nós gerenciarmos ou fluirmos para os nossos verdadeiros objetivos, aqueles que não nos saem do olhar. A cumplicidade entre as pessoas é essencial para a abertura de algumas portas. Nesse momento fica evidente que a Arte é pura expressão. O respeito, o olhar, a invasão, o medo... a liberdade. Tudo ao alcance das mãos. Posso perceber que estou em transformação... Foco as partes belas, feias e as transformo no que é possível, ou no que posso, para dar continuidade a minha história. Quantas vidas nós teremos para ilustrar, contar, expressar. Quantos estarão por aí sem saber onde se encontrar. A estrada é longa e contínua (mesmo com muitas curvas, atalhos etc.), um re-significar constante da própria trajetória. Por isso é tão fascinante e CRIATIVA. ASPIRAÇÃO O Indivíduo Escolhi como tema da minha monografia o Indivíduo. Essa questão da individualidade foi algo que sempre me acompanhou. Desde a infância me recordo de estar envolta em indagações sobre as pessoas, sobre como elas agiam, porque agiam daquela maneira, porque um era diferente do outro. Porque algumas pessoas eram raivosas e outras meigas, algumas felizes e outras infelizes. Sabia, no meu interior, que apesar dos fatores externos serem preponderantes, eles não eram os únicos responsáveis. O que é um ser humano feliz, saudável? Hoje me pergunto se somos capazes de intervir na trajetória de nossa vidas, ou na trajetória da vida de outras pessoas,? Se somos passivos de um destino ou construtores do mesmo? Se estamos a mercê de energias superiores ou condenados a sermos uma “conseqüência” de um passado? Qual a importância da mãe, do pai, da família, dos relacionamentos, do afeto, do amor, da segurança, da confiança, do suprimento das necessidades físicas básicas... O que é preponderante na formação do indivíduo, ou não existe preponderância? O que é “majorante no sistema”? Qual o papel da educação convencional na formação da individuação, o ambiente intervém diretamente na formação de um ser saudável? A nossa história iniciou-se na concepção, na forma como fomos gerados? A história de nossos antepassados, a história de nossos pais interagem em nossa vidas? O que é, do que é composta a nossa individualidade? São questionamentos que me faço a todo tempo. Desejo compreender e aclarar melhor esse Universo. Quero compreender as etapas do caminho e entender o que diferencia um ser humano do outro. Reconhecer o que é essencial para que um ser seja saudável. Na minha definição um ser saudável é uma pessoa plena, íntegra, em paz consigo mesma. Quero reconhecer a minha trajetória e aperfeiçoá-la para auxiliar outras pessoas a fazerem o mesmo com as suas vidas e a repassarem isso aos outros. Desejo dissertar sobre essa complexidade da formação da individuação e sobre o que nos torna seres tão singulares, especiais e como podemos interagir na construção do nosso álbum pessoal e orientar, pela Arteterapia, a construção de outros, de forma a incitar uma busca pela integralidade, o encontro de si mesmo, o encontro do seu “EU” verdadeiro. Entender o que é o ser humano, físico, mental, emocional, espiritual. Entender esse milagre e por meio dessa apreensão assistir pessoas no processo de eliminação da angústia, da solidão, da exclusão, da rejeição e do sofrimento. Na pesquisa que desenvolvi, junto a um Asilo para Senhoras, pude perceber que muitas das nossas referências e preconceitos quanto ao idoso, caem por terra, assim como muitas ponderações vêm à tona. Nem santos, nem fantasmas, seres humanos que envelheceram e que continuam a ter uma vida. Agora, talvez, nem tão sua. Se é que algum dia foram donos dela. Onde se encontra a felicidade de pessoas que foram deixadas pelas famílias? Abandonadas? Que comem o que o cardápio oferece, que fazem o que está no programa, que dormem em quartos coletivos, que esperam a visita de pessoas amadas e sonham com uma morte breve? Essa foi a realidade que encontrei durante o período em que compartilhei da vida de cinco senhoras. Mulheres que como nossas avós, nossas mães, como eu, como minha filha, tiveram uma história, nasceram, foram criadas, estudaram, namoraram, sonharam com um grande amor, com uma grande família, com a felicidade. Senhoras que se viram de repente, sem família, sem um companheiro, sem filhos, muitas delas (a grande maioria) sem “si mesmas”, abandonadas, velhas e sozinhas, onde, como diziam, aguardavam a chegada da morte. Porque o fato a se lidar é que não há perspectiva de “Futuro”, este não existe mais. A vida se faz no presente – interessante que esta frase só obteve, para mim, a sua força quando a visualizei nesse contexto - e o presente delas se faz de partes seletas do passado. Alegrias se mesclam à amargura e à saudade, à indiferença e à ausência, ao isolamento. A velhice como fruto de uma vida, o capítulo final de uma história que, talvez nem soubessem, mas também poderiam ter escrito. Para onde foram os anos? Estão todos registrados no corpo e nas lembranças. Como num álbum passam os minutos a folhear páginas amarelas, buscando algo que as faça acreditar que não foi em vão. Os filhos... Ah! Esses às vezes salvam a vida, justificam uma existência, mas, se não existiram, quais foram as sementes? As provas para a comprovação de uma vida, que se apresenta vazia, são necessárias. O asilamento não existe só no espaço físico, ele está no interior delas. Não há como recuperar uma vida. Quantos “Eu deveria...” que não serão recuperados. A necessidade de acionar as origens, de lembrar-se das próprias etapas: infância, juventude, maturidade. Olhar-se e reconhecer-se. A religião surge como fator essencial, diria que como uma egrégora na vida dessas mulheres. A fé que para algumas chega a ser algo tangível; a crença de que existe “Deus” ou algo mais, um sentido para tudo que foi vivido tanto para as conquistas como para as perdas. Um desejo e uma crença na continuidade da vida, na possibilidade de um reencontro com aqueles que partiram antes, sem pedir permissão - deixando-as aqui. A morte, uma presença serena e constante, parece mais uma visita que pode chegar a qualquer momento, libertando-as da condição humana e levando-as de volta para sua casa. Lidar com os anos escancarados no corpo, na fragilidade, na deficiência, na imunidade, não é tão simples. O desejo atual, saúde... “para viver o resto dos meus dias, sem precisar dos outros”. Principalmente, se a mente não entende a trajetória vivida e se recusa a viver neste corpo. A velhice simboliza o fim, mas, fim do que? Passam o dia buscando com o que se entreter, “enquanto a morte não vem”. Como se a vida lhes tivesse pregado uma grande peça. No entanto, algumas tiveram a benção da maturidade e encaram esse processo como continuidade e aceitam a vida sem resignação e vivem os dias... Criando e recriando suas próprias histórias. O segundo grupo de trabalho foi realizado com Moradores de Rua, num Albergue Municipal. Iniciado o trabalho, confesso, que por algumas vezes tive o desejo de abandonar essa população, de não concluir o trabalho naquele local. Mas eu sabia o que almejava, o meu desejo de ajudar e conhecer aquelas pessoas era muito maior. O primeiro aspecto a chamar a atenção foi constatar a demência, em graus muitos elevados, na maioria dos albergados que se dirigia ao local. Pessoas totalmente comprometidas, que se atropelavam e se entrelaçavam como num circo de horrores. Personagens tão esdrúxulos e exóticos interagindo numa mesma cena, sem distinção de sexo, raça, cor, religião ou formação, com uma única coisa em comum: a miséria e a degradação da condição humana. Seres totalmente desprovidos de si mesmos, entregues ao “léu”. Vivem como marionetes conduzidas por um fio imaginário, uma casa sem morador. Era assim que visualizava aqueles moradores. Onde estaria o “Ser” daquelas pessoas? Como nós, aquelas pessoas foram concebidas por um homem e uma mulher. Teoricamente possuíam “pai e mãe” e, muitos até tinham irmãos. Todos foram bebês, tiveram uma infância, uma meninice, uma adolescência e tornaram-se adultos. O que os levou a caminhos tão diferentes dos humanamente esperados e dos socialmente aceitos? Sobrevivem, vegetam, dependem de tudo e de todos e, ao mesmo tempo, não dependem de nada nem de ninguém. Fantasmas sem identidade, seres sem “persona”. Transeuntes, caminham, paralisam, correm... vagueiam. Impossível ficar indiferente. Muitos mostraram o gosto da impotência: não é fácil ficar diante do suicídio. Não é confortável ficar diante de uma pessoa que não consegue se ajudar, que está tão distante, como que perdido no próprio espaço. Outros, imersos na loucura total, na agressividade, na revolta total. Culpa de quem? Deles? Dos pais? Do sistema? Da sociedade? De Deus? Poderia ter havido uma outra história oficial? Em qual momento o trilho desviou, ocorreu a ruptura, o deslocamento para a doença e não para a saúde? Seria possível detectar onde? Quando? Todos os companheiros que me auxiliaram nesse trabalho foram, em sua maioria, transeuntes, não os vi mais que duas vezes. Os que ficaram foram os que me ensinaram como é possível se habituar à servidão humana e, principalmente, que a essência do ser permanece e, mesmo que nunca venhamos a vê-la, temos de crer em sua existência. Tive a alegria de ter sido abençoada com a possibilidade de constatar nos trabalhos, no olhar, nos gestos, que a presença centrada pode nos mostrar a vida. E que eles também querem viver, apesar de não saberem como. Independentemente de todos os problemas sociais que esta população exige, o meu papel ali era contatar aqueles seres e era assim que eu me posicionava a cada vez que me apresentava, a cada mão que tocava, a cada diálogo (monólogo), a cada atividade proposta, a cada cor sugerida, a cada respiração evocada. O objetivo era resgatar o ser, tão profundamente entranhado. A cada encontro constatar a importância do afeto, do respeito, da confiança e da esperança para a aparição de um ponto de luz nos seus rostos. O tempo foi nos trazendo uma união e uma cumplicidade no trabalho. Nunca imaginei me sentir tão feliz ao ver um sorriso, sorriso de alguém que não tinha nenhuma representação formal em minha vida. Apesar da demência, da tristeza e da amargura, havia um grito de socorro e uma fé no imponderável de que algo poderia mudar. Eu também creio - só não sei como é que se pode processar. Em alguns momentos só pude ouvir e estar com eles em sua dor. A pesquisa foi concluída naquele Albergue com a triste sensação de que tudo permaneceria como estava. As pessoas que foram importantes para a minha aprendizagem talvez guardem consigo a sensação daqueles momentos, mas, talvez não mais se lembrem dele nesse instante. E, será que terão outros momentos como aqueles? Indagações e questionamentos. Houve momentos muito interessantes e, nos últimos encontros, momentos muito especiais. Este trabalho trouxe em sua conclusão, a certeza de que por mais recôndito que esteja, por mais entranhado e fragmentado que seja, existe um “Ser” no interior de todas as pessoas, que permanece lá, independentemente de se ter ou não consciência disso. E que não se restringe à obvialidade, pois o fato de estar vivo é algo... divino. Pôde-se constatar, por meio daquelas pessoas, por meio da criação, ser possível vislumbrar essa faceta. Nesse ponto cabe a pergunta: Como resgatar a essência das pessoas, para que esse divino se manifeste em sua vida? Como atentar e auxiliar outras pessoas a não se perderem nas inúmeras personas e ataduras do viver. E o do viver em sociedade. Comparando, pode-se constatar que no trabalho desenvolvido com idosos a solidão é como um elemento de fundo da composição, já com os moradores de rua o elemento é o vazio, a ausência de si mesmo. Solidão e vazio não são, definitivamente, a “mesma coisa”. REFERÊNCIAL TEÓRICO Bernard Lievegoed Carl Gustav Jung Jean-Yves Leloup DESENVOLVIMENTO HUMANO O DESENVOLVIMENTO Fases da Vida Maria Lucia Amiralian Bernard Lievegoed O desenvolvimento humano pode ser compreendido como um processo de maturação orgânica, um processo de aprendizagem decorrente da estimulação do ambiente e um processo interacional. Constitui-se em um processo constante entre o indivíduo e o ambiente que o cerca, que vai se modificando (LIEVEGOED, 1994). A característica do desenvolvimento sadio é o amadurecimento relacionado à idade do indivíduo e à capacidade de ser e de viver criativamente. Durante o desenvolvimento a fases se distinguem por características distintas: Infância precoce – constituição do sujeito; Infância ou meninice – idade escolar/entrada no mundo da cultura; Adolescência – puberdade e adolescência; Maturidade – idade adulta; Velhice – terceira idade. (LIEVEGOED, 1994). FASES DA VIDA “Ser humano é viver em cada fase da vida.” (GUARDINI apud LIEVEGOED, 1994, p. 40) Esquema de vida (MARTHA MOERS, 1953) 0 20 Infância 1ª Maturidade Meninice Juventude 40 2ª Maturidade 60 Velhice 80 CRIANÇA Definição de amor: Definição de amor: “Amor é uma coisa tão boa que, se não existisse, eu não existiria, você não existiria, ninguém existiria” (BLOCH, 1993, p. 21). A ingenuidade e a pureza de sentimentos são as características mais marcantes na maioria das crianças. A fase da infância pode ser definida como uma folha em branco, em que a criança está completamente aberta a tudo e a todos. Ela é suscetível a todas as impressões exteriores e, portanto, o seu aprendizado se dá pela imitação do seu ambiente. Este é o motivo pelo qual o aprendizado deve receber uma atenção especial. Um ambiente adequado e saudável possibilita um desenvolvimento integral e harmonioso da criança (LIEVEGOED, 1994). Entre os vários fatores importantes, nesta fase, destaca-se a importância da criação da autoconfiança. A autoconfiança surge a partir de vivências situacionais e do estabelecimento de relacionamentos bem sucedidos. Ela nasce da segurança e da sensação de ser bem-vinda àquelas pessoas (família) e ao mundo. Transmitidos por meio do amor e da proteção (LIEVEGOED, 1994). As crianças necessitam sentir que o mundo é bom, que é um lugar acolhedor onde vale à pena existir. O mundo tem que ter, para ela, a sensação de descobrimento. Viver deve ter o sabor de descobertas. Uma capacidade que o adulto já perdeu, que é a capacidade de descobrir e se permitir ver o belo em pequenas coisas do dia-adia (LIEVEGOED, 1994; OAKLANDER, 1980). Aos pais e à sociedade cabe fornecer às crianças condições para que elas se desenvolvam em todos os aspectos: físico, mental, emocional e espiritual, condições imprescindíveis à expansão de suas raízes. Uma das necessidades mais forte da criança é a da liberação de sua espontaneidade e de suas fantasias. A criança necessita, tanto quanto respirar, fantasiar, experienciar e criar: Essa fantasia infantil lança a base para a criatividade na vida social e na carreira dos anos posteriores. Um indivíduo que foi incapaz, por qualquer razão, de fantasiar e sonhar acordado durante esta fase, mais tarde sentirá uma falta de espontaneidade e versatilidade nas relações interpessoais. A educação intelectualizada abafa a fantasia e cria pessoas que, mais tarde na vida, tornam-se solitárias e são continuamente confrontadas com sua inabilidade para fazer contatos reais com outras pessoas (LIEVEGOED, 1994, p. 37). ADOLESCENTE Em todo mundo existe um grande interesse em se entender o complexo mundo dos adolescentes, a forma como se comportam, como se manifestam. Vários são os estudos feitos nessas áreas, levando-nos a imaginar a existência de uma conexão entre a nossa consciência social e as condições sociais específicas de uma época. Todos que exploram esse campo da psicologia são obrigados a reconhecer um fato logo de saída: o menino ou a menina adolescentes não querem ser entendidos. Os adultos devem manter entre si aquilo que vêm a compreender a respeito da adolescência. Seria absurdo escrever para os adolescentes um livro sobre a adolescência; esta é uma fase que precisa ser efetivamente vivida, e é essencialmente uma fase de descoberta pessoal. Cada indivíduo vê-se engajado numa experiência viva, num problema do existir. (WINNICOTT, 1993, p. 42). É uma faixa etária em que os jovens têm que lidar com as mudanças decorrentes da própria puberdade, como mudanças físicas, hormonais, sexual e com os impulsos instintivos. Fase da descoberta pessoal, que precisa ser vivida como uma experiência pessoal. É um processo que não deve ser tratado como um problema, mas como uma fase de transição, que não deve ser adiantada ou atrasada, mas aceita, e que só se resolve com o passar do tempo (WINNICOTT, 1993). ADULTO “[...] Penso que cumprir a vida seja simplesmente Conhecer a marcha, Ir tocando em frente [...] Cada um de nós compõe a sua história [...]4 A vida adulta se inicia quando o indivíduo atinge a sua independência ou a sua autonomia, pessoal e social, quando adquire condições de se integrar socialmente sem perder a individualidade. Torna-se responsável pelos seus atos, por suas realizações e, principalmente, pela sua vida (LIEVEGOED, 1994). É uma fase repleta de conflitos, medos, inseguranças, escolhas e frustrações. Mas, também é uma fase de colheita e de realizações pessoais, de total amadurecimento. Maturidade é sinônimo de realização, de concretização do seu potencial. 4 Trechos extraídos da música “Tocando em frente”de Almir Sater e Renato Teixeira. IDOSO Idade cronológica – medida abstrata. Idade biológica – não necessariamente relacionada à cronológica. Idade social – determinada por regras e expectativas sociais. Idade existencial – a somatória de experiências pessoais e de interações sociais, da riqueza vivenciada, refletida e acumulada a o longo dos anos A dimensão na qual o velho vive é o passado. O tempo do futuro é para ele breve demais para dedicar seus pensamentos àquilo que está por vir. A velhice, dizia aquela doente, dura pouco. Mas justamente porque ela dura pouco é que devemos empregar o tempo menos para fazer projetos para um futuro distante ao qual já não pertencemos, e mais para tentar entender, se pudermos, o sentido ou a falta de sentido de nossa vida (BOBBIO, 1997, p. 30). Não é possível determinar uma idade específica em que se inicia a velhice, tudo depende do histórico de vida da pessoa, da cultura a que pertence, mas, principalmente a forma como ele viveu. Depende das atitudes, crenças, experiências. Certo é que a velhice é parte do desenvolvimento humano, é o resultado de um processo dinâmico de ascensão e decadência, apogeu e declínio. A velhice ocorre após a vida adulta e a maturidade. (FABIETTI, 2004; LIEVEGOED, 1994). FÍSICO/ MENTAL/ ESPIRITUAL [...] que o homem seja visto como um ser físico (a imagem biológica do homem), como uma „psique‟ (a imagem psicológica do homem) e como um ser espiritual (a imagem biográfica do homem). O curso de uma vida individual (sua biografia) só pode ser plenamente apreciado como uma „obra de arte‟ ímpar e pessoal se esses três pontos de vista são combinados para formar uma única imagem (LIEVEGOED, 1994).5 5 Prefácio do livro “Fases da Vida”: crises e desenvolvimento da individualidade. Imagem biológica: Define-se como a própria estrutura física do indivíduo, está relacionada a fatores como hereditariedade e estrutura molecular do material genético; ocorre a partir da elaboração de processos químicos complexos – não somente os processos químicos de digestão ou processos eletroquímicos do cérebro, mas também os processos mentais como o pensar, sentir e querer. Imagem psicológica: Nesse campo o foco está na psique, no processo mental do homem, nos seus aspectos subjetivos e objetivos. Jung, após examinar os tipos funcionais, colocou que no homem atua duas funções racionais – pensar e sentir, e duas funções irracionais – sensação e intuição. As funções racionais nos permitem formar opiniões e juízos de valor; as funções irracionais fornecem apenas a capacidade de ter percepções, ou são conscientemente sensoriais ou inconscientemente presentes na intuição de forma instintiva. Imagem espiritual: O enfoque é concedido ao centro do indivíduo – ao Eu interno ou Eu superior – aquele que irá impulsionar, direcionar, determinar e conduzir o indivíduo na construção e no trajeto da sua existência (LIEVEGOED, 1994, p. 24). “Em cada ser humano há faculdades adormecida através das quais ele pode adquirir para si mesmo um conhecimento dos mundos superiores.” (STEINER, 1991 apud LIEVEGOED, 1994, p.162) ÁMAGO Carl Gustav Jung “Jesus nunca disse: „Eu tenho a verdade‟, mas: „Eu sou a verdade‟, o que nos fornece uma indicação, porque se tivéssemos a verdade, poderíamos servir-nos dela para oprimir os outros. Trata-se de sermos a verdade, se nos transformarmos nós mesmos” (LELOUP, 1992, prefácio) A PSIQUE O homem é um ser instintivo. Esse ímpeto está ligado à natureza. Enquanto ele se mantiver, nesse estado instintivo, ele será preservado pela natureza e se manterá um ser inconsciente. Somente o seu afastamento, ou digamos, a sua evolução, o levará a desenvolver uma consciência. Um estado consciente significa uma civilização do ser, ou seja, a oposição ao estado instintivo. Ao caminhar em direção a civilização, ele começa a criar a própria consciência e com ela os não desejados... problemas (JUNG, 1930). Consciência é problema. E todos nós temos pavor a eles, porque problemas estão relacionados a dúvidas e dúvidas significam divergências, conflitos e escolhas. Os problemas nos colocam num estado de total abandono e suscetibilidade onde somos obrigados a tornar-nos cônscios da situação. A Bíblia sabiamente nos apresenta a consciência como uma maldição. E a verdade é essa, todos nos queremos permanecer num estado seguro de total ignorância, inconscientes, protegidos e seguros pela natureza. Queremos a nossa vida preservada, pacata e tranqüila. Ninguém quer ter dúvidas, inseguranças, conflitos e problemas. No entanto é impossível conseguir “a nossa vida”, com certezas, segurança e resultados, sem termos nos deparado com a dúvida e com as experiências. Muito pelo contrário, para obtermos essa “vida” precisamos atingir um grau de consciência muito mais amplo e superior. Não é a curiosidade que impulsiona o homem à evolução, como apregoam alguns, mas, a sua psique que é uma combinação de vários fatores e que estão coligados a um âmbito muito maior. Como surgiu a consciência não se sabe, no entanto, é possível observar em crianças pequenas o seu desenvolvimento, por exemplo, ao perceber que ela reconhece alguém ou algo (JUNG, 1930). Mas, o que viria a ser conhecimento? Define-se conhecimento como a capacidade de coligar vários nexos de conteúdos psíquicos entre si. A forma mais simples que podemos perceber de consciência consiste na conexão entre dois ou mais conteúdos psíquicos (JUNG, 1930). Na infância o que podemos observar são ilhas de consciência e essas ilhas contêm uma nova série muito importante de conteúdos que pertencem à própria pessoa percipiente, ao chamado ego. Tem início a continuidade da memória. Na infância, no estágio infantil da consciência, não há problemas, pois a criança ainda está ligada aos pais, e depende inteiramente destes. E como se ainda vivesse numa simbiose, não tivesse nascido. O nascimento psíquico só irá ocorrer na puberdade, e por isso é considerada a fase mais difícil (JUNG, 1930). Esse enquadramento se deve ao fato de ser o momento da diferenciação consciente dos pais e do surgimento da sexualidade. Essa mudança fisiológica é acompanhada também de uma revolução espiritual. Todas essas manifestações corporais acentuam de tal maneira o eu, que este freqüentemente se impõe desmedidamente. Até este momento a vida da pessoa é governada diretamente pelos seus instintos, ela não conhece os problemas. Mesmo com as dificuldades exteriores se contrapondo a impulsos subjetivos não há nada que provoque uma cisão interior do próprio indivíduo. Ela se submete ou as evita, em total harmonia consigo próprio. Ela não conhece o estado de divisão interior, induzido pelos problemas. “Este estado só ocorre quando aquilo que é uma limitação exterior, se torna uma limitação interior, isto é, quando um impulso se contrapõe a outro” (JUNG, 1932). Inicialmente o que temos é o seguinte: a primeira forma de consciência que possuímos é um mero conhecer – um estado anárquico; a Segunda - do complexo do eu desenvolvido – uma fase monárquica; a terceira - que consiste em um avanço da consciência – a divisão ou a dualidade (JUNG, 1930). ETAPAS DA VIDA HUMANA6 segundo Jung (1930): Período da infância: Não é abordado, porque se considera que nesse estágio a criança não tem nenhum problema pessoal, a sua complexidade psíquica está relacionada aos pais. Somente o ser humano adulto pode ter dúvidas a seu respeito e duvidar de si mesmo. Período da juventude: Nesse período da vida são várias as exigências que se impõem, a realidade externa pode não se coadunar com os pressupostos traçados internamente. O que certamente irá provocar os primeiros problemas. No entanto, não são só as divergências internas e externas que podem gerar os problemas, existem também as dificuldades psíquicas internas, que independem do externo. Podemos dizer que aqueles que não tiverem dificuldades externas para adaptar-se se defrontam com problemas com a sexualidade ou com um sentimento de inferioridade, oriundos de uma sensibilidade exagerada. Acredita-se que jovens que tiveram que lutar duramente com a vida foram poupados de problemas internos. Ter 6 Conferência publicada parcialmente em Neue Zürcher Zeitung, 14/16 de março de 1930; nova redação sob o título de Die Lebenswende em: Seelenprobleme der Gegenwart, Psychologische Abhandlungen III (1931). problemas não significa ser uma pessoa neurótica. As pessoas com temperamento problemático sofrem com seus próprios problemas, mas são conscientes desses problemas. Já o neurótico não tem consciência dos seus problemas e por isso pode ser considerado um ser doente. Na fase da juventude poderíamos dizer que o problema mais comum consiste num apego exacerbado à condição infantil, uma negação à inclusão ao mundo, à ampliação da vida. Tentando manter-se dentro de antigos limites, evitando a ampliação e a elevação do estado de consciência. A sociedade em que vivemos não propicia condições para esse desenvolvimento, na verdade, o ideal é que nos adaptemos ao que se é possível alcançar e a diferenciar determinadas capacidades. E o momento onde a verdadeira natureza do indivíduo socialmente eficaz se revela. E mais fácil assumir uma condição pré-estabelecida, do que criar o próprio rumo, pois esse espelha problemas e tudo o que a maioria deseja e sair desse angustiante rodamoinho chamado problemas. A questão em si não é o problema, melhor colocando, a solução do problema, mas, o trabalho em si que ele demanda, essa ampliação da visão, essa construção, des-contrução e reconstrução. A vida é para ser vivida na sua totalidade e a personalidade em todas as suas infinitas possibilidades, mas, o comum é vê-la adormecida e renegada num canto escuro, acuada. Segundo estatísticas, as depressões nos homens ocorrem por volta dos 40 anos, nas mulheres em torno dos 35 – 40 anos. Pode se dizer que é a fase onde ocorre uma grande mudança, que na verdade, é fruto de mudanças no caráter da pessoas, mudanças que parecem começar no inconsciente da pessoa. Todos os distúrbios neuróticos da idade adulta têm em comum o fato de quererem prorrogar a psicologia da fase juvenil além do programado. Jung usa uma comparação com o Sol para demonstrar a necessidade desse período de transição na vida, uma mudança que não é externa, pode até tornar-se, mas, que antes de tudo ocorre na alma da pessoa: [...] suponhamos um Sol dotado de sentimentos humanos e de uma consciência humana relativa ao momento presente. De manhã, o Sol se eleva do mar noturno do inconsciente e olha para a vastidão do mundo colorido que se torna tanto mais amplo, quanto mais alto ele ascende no firmamento. O Sol descobrirá sua significação nessa extensão cada vez maior de seu campo de ação produzida pela ascensão e se dará conta de que seu objetivo supremo está em alcançar a maior altura possível e, consequentemente, a mais ampla disseminação possível de suas bençãos sobre a terra. Apoiado nesta convicção, ele se encaminha para o zênite imprevisto – imprevisto, porque sua existência individual e única é incapaz de prever o seu ponto culminante. Precisamente ao meio-dia, o Sol começa a declinar e este declínio significa uma inversão de todos os valores e ideais cultivados durante a manhã. O Sol torna-se, então, contraditório consigo mesmo. É como se recolhesse dentro de si seus próprios raios, em vez de emiti-los. A luz e o calor diminuem e por fim se extinguem (JUNG apud ROCHA, 1986, p. 346). O que ocorre é que as pessoas vivem a primeira fase, e entram na segunda fase da vida como se ela não existisse, completamente despreparados para ela. Na primeira fase o jovem não tem nenhuma obrigação em preocupar-se consigo próprio, mas, essa é uma obrigação do homem que envelhece – olhar para Si-mesmo. Manhã e tarde tem objetivos diferentes, culturalmente os objetivos são diferentes. Na manhã o objetivo é o desenvolvimento do indivíduo, na tarde o objetivo é se separar dele. Concluindo, a primeira etapa da vida, que corresponde à infância, é aquele estado sem problemas conscientes, no qual nós somos um problema para os outros, mas, ainda não temos consciência de nossos próprios problemas; Na segunda e também terceira etapa nós somos ocupados pelos problemas, somos só problemas; na última etapa, a quarta, somos mergulhados numa situação, que independentemente do estado de nossa consciência, voltamos a ser um “problema” para os outros (JUNG, 1930). A infância e a extrema velhice são totalmente diferentes entre si, mas têm algo em comum: a imersão no processo psíquico inconsciente são estados da vida sem qualquer problema consciente. Consciência e problema são unos. “Acredito que o poder do homem esteja na sua capacidade auto-integradora. Sem consciência as experiências são apenas distrações.”7 ESTRUTURA DO APARELHO PSÍQUICO (PSÍQUE) Para Jung (apud RAMOS, 1994, p. 119) a psique está estruturada em três elementos: Consciente: Tem como núcleo o “eu” (assemelha-se ao ego psicanalítico). Sistema do aparelho psíquico que mantém contato com o mundo interior (processos psíquicos, internos) e exterior (meio ambiente, sociedade) do sujeito. Na consciência destacam-se os mecanismos de percepção, de atenção, de memória e raciocínio. As pessoas são conscientes apenas de uma pequena parcela de sua vida psíquica. Inconsciente pessoal: Formado pelas camadas mais superficiais do inconsciente. Sistema onde permanecem os conteúdos inconscientes derivados da vida do indivíduo (sua formação é, portanto, a posterior ao nascimento). Geralmente não 7 Aparecida dos Santos (dezembro/2006). possuem energia psíquica suficiente para permanecerem no campo da consciência: conteúdos de experiências de vida, conflitos psicológicos (denominados por Jung de “complexos”) e desejos pessoais (sexuais ou não) não realizados. Alguns de seus conteúdos podem adquirir energia psíquica suficiente para irromperem na consciência. Isso ocorre através de lembranças, sonhos e fantasias. Inconsciente coletivo: Formado pelas camadas mais profundas do inconsciente. Constituído por elementos denominados de arquétipos. Os arquétipos são núcleos instintivos passados de forma psicobiológica de geração (a gênese do inconsciente coletivo, é portanto, a priori ao nascimento. A criança já nasce com ele). Trazem padrões de comportamento herdados da humanidade desde seu surgimento. Os arquétipos são inúmeros, segundo Jung (apud RAMOS, 1994, p. 23) alguns estão em permanente contato com o eu. São eles: a persona, a sombra, a anima, o animus e o self – este também denominado de si mesmo e constitui o núcleo central não só do inconsciente, mas, também, de toda a psique. A energia do ponto central manifesta-se na compulsão quase irresistível para levar o indivíduo a tornar-se aquilo que êle é, do mesmo modo que todo organismo é impulsionado a assumir a forma característica de sua natureza, sejam quais forem às circunstâncias (JUNG apud SILVEIRA, 1981, p. 100). “O conhecimento sobre o “Si-mesmo” nos afasta das ilusões e dos grandes emaranhados do sofrimento.”8 Por Jung, chegou ao homem à possibilidade de compreender a si mesmo. Ele nos mostrou e abriu portas para o nosso mundo interior. A sua experiência, as suas observações e estudos, conduzidos em várias direções, permitiram-lhe constatar que existe, no ser humano, uma tendência inata, natural e espontânea a encontrar o seu centro, a sua unidade primeira, a ALMA. Foi por meio de Jung que alma humana tornou-se uma realidade viva. “Entendo que, abrir dimensões diferentes de nossa existência, vivenciar o AMOR interno, reencontrar e libertar a ALMA, trazendo-a de volta a sua originalidade, seja a nossa missão.” 8 Aparecida dos Santos (dezembro/2006). PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO A melhor análise é a vida, como Jung sempre gostava de repetir. A alma humana não se conhece apenas dentro do consultório do analista, mas na experiência da vida tal como é vivida com todas as suas implicações. Toda experiência interior tem que ser mediada pela relação com o outro. Nunca alguém se individualiza sozinho, e a finalidade da individuação não é ficar só; pelo contrário, é estar em relação, cada um a seu modo (FRANZ, 1985, p.11). O processo de individuação é algo extremamente complexo, é uma busca pela integralidade. Um movimento de circunvolução que conduz a um novo centro psíquico, o self - o centro da personalidade. Trata-se da busca do ser humano pelo conhecimento de si mesmo, pela integração com os demais homens e com Deus. É uma busca pela totalidade (integração entre consciente e inconsciente). Jung (apud SILVEIRA, 1984, p. 89) traduz individuação como “tendência instintiva a realizar plenamente potencialidades inatas”. Esse processo, portanto, é um caminho disponibilizado a todos os seres humanos. SELF – É o núcleo não só do inconsciente, mas, também de toda psique. É o arquétipo que leva o homem a busca pelo conhecimento de si mesmo, pelo auto-conhecimento, pela integração com os demais homens, pela vivência espiritual, pela integração com Deus (RAMOS, 1994, p. 127). O processo de individuação pode ocorrer: 1. Por meio de uma busca própria, o indivíduo vai aprendendo através das suas “batalhas”, dos seus “erros” e “acertos”. É considerado o caminho mais difícil. 2. Com a psicoterapia, o terapeuta auxilia o indivíduo nesse processo; (para Jung a função da psicoterapia é a de auxiliar o indivíduo no seu caminho pelo processo de individuação). 3. Pela da inclusão em instituições religiosas, que propiciem a vivência da numinosidade; (religião: do latim re ligare, “religar”, reestabelecer” a integração entre o homem e Deus (RAMOS, 1994, p. 128). Individuação não é o mesmo que “perfeição”, nem tampouco é o mesmo que “individualismo”. Trata-se de aprender a conviver conscientemente com as suas ambigüidades, com as suas tendências opostas com o seu bem e o seu mal. Com a sua luz e a sua escuridão. Nesse trabalho, o indivíduo aprende, por exemplo próprio, que a estrutura básica de sua vida psíquica é a mesma da psique de todos os humanos e o que geralmente ocorre é uma mudança nas relações interpessoais, que passam a ser de maior respeito pela vida humana. “[...] vindo a ser o indivíduo que é de fato, o homem não se torna egoísta no sentido ordinário da palavra, mas meramente está realizando as particularidades de sua natureza e isso é enormemente diferente de egoísmo ou individualismo” (JUNG apud SILVEIRA, 1984, p.88). O processo de individuação é, portanto uma integração entre consciente (cujo núcleo central é o eu – o EGO) e o inconsciente (cujo núcleo central é o SELF) (RAMOS, 1994, p. 128). A busca é por um núcleo central psíquico, um self consciente. O “eu” (o centro da consciência) - responsável pelos mecanismos de percepção, de atenção, de memória e de raciocínio) integra de forma consciente alguns aspectos inconscientes da psique, como os arquétipos: persona, sombra, anima e animus (RAMOS, 1994, p. 128). “A expansão da consciência nos permite estabelecer contatos além dos préexistentes, rompendo fronteiras do mundo conhecido e nos coligando com as energias superiores e com o sentido de toda existência intergaláctica, realizando nossa criação.”9 Nem todos se atrevem a traçar o caminho pela busca da individuação, afinal, lidar com o seu lado sombrio é algo extremamente difícil e sofrível, sem contar que não há garantias de se atingir o objetivo almejado, ou seja, a vivência plena do self, pois isso depende de vários fatores internos e externos. É uma viagem sem garantias de chegada e o trajeto certamente será árduo. 1ª Etapa: PERSONA O reconhecimento pelo EU da presença da PERSONA. O termo “persona” é oriundo do teatro antigo grego e foi adotado por Jung porque durante as apresentações os atores se utilizavam de máscaras para representar personagens. Segundo Jung (apud SILVEIRA, 1984), os indivíduos se utilizam de máscaras durante toda a vida. Utiliza-se de máscaras para conseguir uma inserção social. É considerado um arquétipo necessário, de adaptação, por isso ele não corresponde à personalidade verdadeira do indivíduo (a alma). A persona pode ocorrer de forma autônoma que geralmente representa o que a sociedade espera do indivíduo e não o que ele realmente é. Geralmente é mais freqüente nos indivíduos que não têm consciência da existência da persona. Esse arquétipo possui dois aspectos, um positivo e outro negativo (RAMOS, 1994, p. 131): 9 Aparecida dos Santos (janeiro/2007). Positivo – ele propicia a adaptação do indivíduo ao meio; Negativo – o indivíduo pode acabar se identificando com a persona e perdendo o contato com o verdadeiro eu. Os moldes da persona são recortes tirados da psique coletiva. Ela se torna um mecanismo útil de defesa, mas, pode ser tão excessivamente valorizada a ponto de o ego consciente se identificar com ela, passando a ser um revestimento sem conteúdo e totalmente passivo dos refluxos do inconsciente. Seres que passam a ter uma alma exterior. Quanto mais a persona aderir à pele do ator, tanto mais dolorosa será a operação psicológica para despi-la (JUNG apud SILVEIRA, 1984). 2ª Etapa: A SOMBRA Olhar-se no espelho parece simples, mas ver-se como se é, é um ato de coragem. Ao retirarmos a persona a pessoa se vê frente à frente consigo, com a sua sombra, partes que em sua maioria desagradam e desconfortam. No entanto, a sombra psicológica faz parte de nossa personalidade. Ela abriga todas as coisas que não reconhecemos ou não aceitamos em nós, fazendo-nos sair, nos casos negativos, a procurar um bode expiatório para projetá-las fazendo com que permaneça a inconsciência sobre o que abrigamos em nós (JUNG apud SILVEIRA, 1984, p. 93). Ao lançar luz sobre esses recantos escuros alargamos a nossa consciência e descobrimos que somos nós mesmos, o nosso grande sabotador, que somos nós que nos impedimos de ver a verdade. Quanto mais reprimida for a sombra, mais negra e mais espessa ela irá se tornar. A sombra é um véu denso feito de componentes diversos, um aglomerado de pequenas fraquezas, aspectos imaturos ou inferiores, complexos reprimidos, até forças verdadeiramente maléficas e assustadoras (RAMOS, 1994, p. 131). Contudo, também na sombra poderão ser vislumbrados traços positivos, qualidades valiosas que não se desenvolveram, devido às condições externas desfavoráveis ou porque o indivíduo não dispôs de energia suficiente para levá-las adiante. A sombra coincide com inconsciente pessoal junguiano, razão pela qual ela pode ultrapassar os limites do pessoal e passar para o coletivo (JUNG, apud SILVEIRA, 1984, p. 92). Nesse momento veremos então homens civilizados, quando reunidos em massas, se portarem segundo padrões inferiores, reféns de preconceitos coletivos de discriminações raciais; homens tornarem-se animais, avídos, destrutivos e sanguinários (JUNG apud SILVEIRA, 1984, p. 93). 3ª Etapa: ANIMA/ANIMUS ANIMA: A anima é considerada o lado feminino do inconsciente masculino. No homem o consciente é mais masculino e o inconsciente é de natureza feminina (anima) (JUNG apud RAMOS, 1994). A anima é um arquétipo e por isso ocorre de forma inconsciente. Se o lado consciente do homem (que é gerido pelo “eu”) possui características racionais, por outro lado, as atitudes inconscientes (anima) são de natureza sentimental, emotiva (mas de forma infantil-arcaica) (RAMOS, 1994, p. 131). Apesar de o homem acreditar que a razão é quem gera a sua vida, na verdade, são os sentimentos e as emoções que o fazem. A anima possui um aspecto positivo e um negativo (RAMOS, 19994, p. 131): Positivo – o homem que entra em contato com a sua anima tem melhores condições de gerir a própria vida e lidar com os seus sentimentos e emoções. Tendo maior sucesso na escolha de seus relacionamentos e da parceira ideal. Negativo – quando o homem não toma consciência da sua anima ela passa a viver à mercê dela, sendo subjugado por conflitos internos e emocionais, que repercutem em toda a sua vida, contradizendo a postura racional adotada socialmente pelo homem. “Um aglomerado hereditário inconsciente de origem muito longínqua, tipo de todas as experiências da linha ancestral em relação ao ente feminino, resíduo de todas as impressões fornecidas pela mulher” (JUNG apud SILVEIRA, 1984, p. 93). ANIMUS: O animus é considerado o lado masculino do inconsciente feminino. Na mulher o seu consciente é feminino, mas, o seu inconsciente é de natureza masculina (animus) (RAMOS, 1994, p. 132). As decisões conscientes das mulheres (geridas pelo “eu”) são de características emotivas e sentimentais. No entanto as atitudes inconscientes (animus) são de ordem racional (mas de natureza arcaica e infantil). Na mulher é a razão que domina a sua vida e não os sentimentos, como se propaga (RAMOS, 1994, p. 132). O animus possui dois aspectos, positivo e negativo (RAMOS, 1994, p. 132). Positivo – a mulher que tem conhecimento do seu lado animus (masculino) tem verdadeiras condições para lidar com qualidade dos seus relacionamentos e, dessa forma, escolher o seu parceiro ideal. Negativo – a mulher que não tem consciência do seu lado masculino torna-se prisioneira dele. O animus acaba subjugado ao eu, levando-a a estabelecer uma relação conflituosa consigo mesmo e sofrida com as outras pessoas. As relações entre homem e mulher ocorrem dentro do tecido fantasmagórico produzidos pela anima e pelo animus. O animus se manifesta, de ordinário, como intelectualidade mal diferenciada simplista. O animus condensa todas as experiências que a mulher vivenciou nos seus encontros com o homem no curso dos milênios (RAMOS, 1994, p. 133). E é a partir desse imenso material inconsciente que modelada a imagem do homem que a mulher procura. O animus e a anima têm papel de mediador entre o consciente e o inconsciente e ambos somos susceptíveis de evoluir, de transformarse. “Quando depois de duras lutas, desfazem-se as personificações da anima ou do animus “o inconsciente muda de aspecto e aparece sob, uma forma simbólica nova, representando o self, o núcleo mais interior da psique” (VON FRANZ apud SILVEIRA, 1984, p. 99). 4º Etapa: SELF O objetivo do processo de individuação é a vivência do self. Somente após o confronto do “eu” com a persona, com a sombra, com a anima/animus é que se poderá ocorrer o confronto com o self (SILVEIRA, 1984, p. 100). Quando o EU incorpora de forma consciente o self, integra-se a ele. Não mais o EU, mas o SELF CONSCIENTE passa a comandar a psique. A denominação do self (si mesmo) cabe à totalidade do ser; ele não se limita às personificações humanas, mas excede, e muito, a esfera do consciente. O indivíduo não estará mais fragmentado interiormente. Não se reduzirá a um pequeno ego crispado dentro de estreitos limites. Prazeres e sofrimentos serão vivenciados num nível mais alto de consciência. O homem torna-se ele mesmo, um ser completo, composto de consciente e inconsciente incluindo aspectos claros e escuros, masculino e feminino, ordenados segundo o plano de base que lhe for peculiar (SILVEIRA, 1984, p. 100). No entanto, é preciso esclarecer que essa vivência não se constitui em um estado de permanente felicidade. É muito mais que isso, é um sentido de integração consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com Deus, no sentido de uma maior compreensão dos fenômenos da vida e da morte. A vivência do self integra a vida material e a espiritual. O mundo no qual penetramos pelo nascimento é brutal, cruel e, ao mesmo tempo, de uma beleza divina. Achar que a vida tem ou não sentido é uma questão de temperamento. Se o não-sentido prevalecesse de maneira absoluta, o aspecto racional da vida desapareceria gradualmente com a evolução. Não parece ser isso o que ocorre. Como em toda questão metafísica, as duas alternativas são provavelmente verdadeiras: a vida tem e não tem sentido, ou possui e não possui significado. Espero ansiosamente que o sentido prevaleça e ganhe a batalha (JUNG apud RAMOS, 1994, p. 134). Caminhar pela vida é algo até simples, mas seguir a sua trajetória exige sabedoria. ESTADO DO SER Estado de alma Jean-Yves Leloup O ANJO DA PAZ “A paz é um acordo interior com a serenidade imperturbável da alma. Isso traz um sentimento que nos inspira a não causar danos e ofensas a qualquer criatura 10 no Universo de Deus. A verdadeira paz transcende a compreensão humana e sintoniza todos os seres com a harmonia universal. Quanto mais nos sintonizamos com a paz, mais radiante se torna a nossa vida.” (CAFÉ, 1997, p. 70) 10 Incluindo a nós mesmos. (nota pessoal). “En la hora de la prueba, no te afanes por acercarte a Dios...No creas que él está lejos de tí: está dentro de ti.” (PADRE PIO, 1887) Inicio esse tema falando e evocando a presença dos Anjos, esses seres divinos que nos inspiram e nos impedem de esquecer a nossa origem espiritual, único sentido e propósito de nossa existência. Eles vivem eternamente na presença de Deus e quando os evocamos, ou melhor, quando nos lembramos de evocá-los, a sua presença deixa de ser tão sutil e discreta, passando a existir de forma profícua na nossa busca e na nossa ascensão ao ser interior. Auxiliam no encontro da plenitude e no retorno à origem absoluta, nos remetem a do Ser absoluto, ao estado da Graça Divina. Os anjos chegam até nos por diversos caminhos, o que mais me toca e o da via do coração, denominado entre os nativos americanos de Tambor (SAMS, 1990, p. 271); devido à associação simbólica com esse órgão do “amor” e “cadenciador” do ritmo interno. Órgão que gera a vida, que dá origem à nossa vida. Essa introdução fez-se necessária à medida que, somente ao voltarmos para a nossa realidade interna é que poderemos atingir o estado de PAZ, resumo de todas as buscas humanas e da plenitude do ser. O ser humano não busca amor, dinheiro, saúde, trabalho ou amigos por ele em si. A busca consiste na sensação que essas aquisições lhe provocarão, que é um estado de integração, plenitude física, mental, emocional e espiritual, que somente a paz divina pode conceder. Paz que só se é possível alcançar internamente. Ao invocarmos a presença dos seres angélicos estamos nos abrindo à transformação e à compreensão da nossa natureza. Como raios de sol, os anjos, arcanjos e serafins, providos do amor incondicional, nos iluminam e nos conduzem até a nossa escada evolutiva. Fomos educados e direcionados a confundir esse “estado do ser - Paz” com felicidade, que na verdade é um componente desse estado, e a distinção se faz necessária, uma vez que a felicidade como é hoje enfocada independe propriamente do indivíduo, pois está praticamente centrada no objeto e não no sujeito: no que ele acredita que lhe trará felicidade e não no que é felicidade. Geralmente ela está relacionada com o externo, com algo a ser alcançado. Nesse raciocínio o homem deixa de ser o responsável pela sua vida e passa a ser um receptor. “A compreensão no Plano Interior Aparece Como Satisfação no Plano Exterior” (GOLDSMITH, 1989). O estado de “felicidade” está na condição do ser, profundamente falando, nesse estado em que o indivíduo é senhor da situação, é o sujeito da ação e não objeto dela. É aí que está a verdadeira felicidade no indivíduo. Essa felicidade e esse estado de paz – de plenitude - independe dos raciocínios lógicos, das situações adversas e da temporalidade. Aqui na terra como nos céus, nos ensina a oração, o céu e a terra estão unidos no nosso interior. Não é algo distante a ser buscado em outros planos, em outras dimensões, nem em partes relativas da realidade, ela está no absoluto. Está em nós a responsabilidade sobre o que embasaremos a nossa vida. Está muito mais relacionada à fé do que ao conhecimento. Não se trata de podermos alterar os fatos da vida, mas de olhá-los de outra maneira. E cada pessoa só poderá compreender os fatos a partir de sua perspectiva pessoal, por isso Jesus ensinava por meio de parábolas, para que cada pessoa pudesse fazer a compreensão de acordo com os seus conhecimentos. Também não se trata de renegarmos a nossa humanidade, com suas raízes e seus instintos, trata-se de reconhecermos e aflorarmos, também, a nossa parcela divina. “Começamos a ser homem apenas quando aspiramos a uma vida elevada e verdadeira, e quando aceitamos uma disciplina de transformação. Para isso, devemos começar a dominar a nossa natureza inferior e seus desejos” (A MÃE, 18781993). 11 Jesus disse: “Eu vos dou a paz, eu vos dou a minha paz” (JÓ 14:27), num manifesto claro e contra a idolatria. A sua morte permitiu aos homens a possibilidade de compreendê-lo e buscá-lo dentro de si mesmo, até os dias de hoje – “E por toda eternidade” (MATEUS, 28:206). Essa paz consiste nesse estado de profundo conhecimento, de amor, - “Amarás o próximo como a ti mesmo” (MATEUS, 22:39) mesmo - e de contato com o ser que habita internamente o corpo material, que devemos ouvir atentamente, pois é ele que nos orienta, inspira e mostra o objetivo da nossa vida. Um estado de total integração consigo mesmo, onde os fatores externos são vivenciados como experiências de aprofundamento e de ascensão ao estado absoluto. A vivência do estado absoluto. A apropriação da responsabilidade pela trajetória e pela presença neste mundo. E para tanto é necessário abertura interna, uma honesta abertura ao desconhecido. Essa caminhada pode ocorrer de forma solitária, somente com uma guia interna, ou, assessorada por um mestre, os denominados mestres exteriores, como por exemplo: um relacionamento, um livro, um emprego, um amigo, o pai, ou o terapeuta. A função desses mestres é conduzir, a nós discípulos, na nossa jornada interior, ao encontro do único local onde a plenitude habita. 11 Discípulo de Sri Aurobindo. “Os homens humildes são muito afortunados!” (MATEUS, 5:5). Devemos ter em nossos corações a aspiração a sermos discípulos, a estarmos abertos e disponíveis ao conhecimento interior, ao contato com a verdade – “a verdade vos libertará” – e, veremos, como diz o ditado: “quando o discípulo está pronto o mestre aparece”. Ele se manifesta em todos os momentos de nossa vida. O foco da nossa atenção deve estar dirigido ao Eu superior, que habita dentro de cada um de nós, ao nosso libertador. Devemos enviar-lhe o nosso amor e a nossa veneração, aspirando que a sua luz se expanda pelos nossos corpos, físico, etéreo, emocional, mental e espiritual. O princípio da divindade essencial nos permite perceber que, através da nossa essência estamos interconectados com tudo que existe. Mas, para realizarmos a interconexão precisamos desenvolver, ao mesmo tempo, a intraconexão que é a unidade consigo mesmo - “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (JÓ, 8:32) - A verdade é a conscientização da essência divina dentro de homem. A realidade, quando intensamente consciente e conscientizada pelo homem, liberta-o de todos os males que seu Ego, separado do seu Eu superior, produzem. “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o ama” (CORÍNTIOS, 2:9). Devemos compreender que a sua vida só você a vive e a viverá por toda a eternidade, portanto é preciso eleger a forma como se quer viver. Viver conscientemente implica em querer ver. É um ato de escolha, somos livres para procurar a expansão ou contração da consciência. Podemos tentar ver mais ou menos. Podemos querer saber ou não saber. Podemos lutar pela clareza ou pela perplexidade. Podemos viver consciente, semiconsciente ou inconsciente. E esse é o significado básico do livre arbítrio. Implica em respeitar os fatos da realidade – do nosso mundo interior e exterior. É viver de maneira consciente em relação à realidade. Isso significa reconhecermos que o que é “é“. “O homem não é importante pelo seu ego ou pela sua personalidade. O homem é importante porque, como alma, ele é parte de Deus” (PARAMHANSA YOGANANDA, 1990)12. Estado do ser é o estado de harmonia e consciência do próprio ser e da trajetória a ser seguida, consciência da inspiração que move e conduz a sua vida e a busca pelo estado de integração com o absoluto, com Deus. Sermos humildes o suficiente para percebermos que os nossos sofrimentos são decorrentes da nossa limitação, da nossa incapacidade de “ver” o todo. “A tua fé te salvou” disse Jesus, a relação que o homem tem consigo mesmo é que irá salvá-lo, levá-lo do estado de sofrimento para o estado de plenitude. Existe uma história antiga que diz: “Três cegos encontram um elefante. Quando lhes foi pedido que descrevessem o animal, cada um disse uma coisa diferente. Um afirmou que o elefante era como uma grande mangueira; o segundo, que ele parecia um cabo de vassoura; e o terceiro, que ele se assemelhava ao tronco de uma árvore. Cada um se manifestou conforme a sua percepção. Demonstrando o quão é limitada a nossa visão cósmica. E o nosso conhecimento sobre o propósito da existência planetária.” Cada um de nós tende a ser condescendente consigo mesmo. Olhamos para nós mesmo com benevolência. Se alguma coisa de ruim acontece conosco, sempre temos a propensão de atribuir a culpa aos outros, ao destino, ao diabo ou a Deus. Não nos recusemos a penetrar em nosso interior, conforme recomendação de Buda (DALAI-LAMA, 2000, p. 58). 12 Discípula de Lahiri Mahasaya, que popularizou o Kriya (sistema de Yoga) para o público em geral por meio do livro “Autobiografia de um Iogue.” “As dificuldades do cotidiano libertam sua mente para criações além das expectativas préestabelecidas. Existe um consenso extra-sensorial, extremamente rico, ao qual só terá acesso após sua libertação dos condicionamentos contidos na vida humana. Nada é um fato isolado. Saborei-se com as mazelas do dia-a-dia, brinde-se com as ilusões transitórias e veja a imensidão de oportunidades que o plano superior lhe oferece de se envolver ou integrar-se a grande fraternidade - ao Plano Divino.”13 13 Aparecida dos Santos (novembro/2006). Após esse estudo sobre a individuação obtive uma resposta concisa sobre o que é um Ser humano saudável e pleno. É alguém que encontrou a si mesmo. Compreendo que somos capazes de intervir na trajetória de nossas vidas e consequentemente na trajetória da vida de outras pessoas, não somos seres tão passivos do nosso destino, temos grande parcela na sua construção e, durante essa construção, somos geridos e agraciados - não submetidos - às energias superiores. A nossa vida não começa aqui e não terminará aqui. Somos frutos. A nossa história começou tempos atrás, com os nossos antepassados e parte deles continua a atuar em nós. Se existe um caminho para a felicidade, acredito, e muito é o da individuação. No entanto, todos nós sabemos que a felicidade é um oásis, adaptado ao deserto de cada um. Portanto, é a minha verdade e ela não é incontestável. A busca pela individuação é um processo inato a todo ser humano. Todos em algum momento, geralmente na maturidade, serão instigados a ela. Se irão atender ou não a esse chamado depende da intensidade e da estrutura de cada um (RAMOS, 1994, p. 129). Poderíamos visualizar a busca pela Individualidade como uma construção. Imaginemos que ao longo dos anos fomos construindo nossa casa, com os materiais, recursos e condições que possuíamos. Num determinado momento, somos colocados frente à frente com essa construção e deparamo-nos com o resultado dos nossos anos de trabalho. Algumas casas, devido aos materiais, recursos e condições que tiveram, só necessitarão de um refinamento e um acabamento; outras necessitarão de uma reformulação maior, com quebras, trocas, rompimentos e várias, várias mudanças no projeto. Por fim, haverá casas que praticamente irão ao chão, para serem, novamente, reerguidas. Não é fácil esse olhar, é preciso coragem. Imagine ter que admitir, para si mesmo e para TODOS os outros, que aquela não é a casa que você planejou. Que terá que recomeçar, agora! (Nessa altura do campeonato) Ter que lidar com a idéia de mudar tudo o que você levou anos construindo, sedimentando, enquanto acreditava estar construindo a sua felicidade exige disponibilidade interna, coragem, maturidade e consciência. Este trabalho será focado, a priori, nos instrumentos de estruturação desta casa – chamada Individualidade. Carl Gustav Jung Todo ser tende a realizar o que existe nele em germe, a crescer, a completar-se. Assim é para a semente do vegetal e para o embrião do animal. Assim é para o homem, quanto ao corpo e quanto à psique. Mas no homem, embora o desenvolvimento de suas potencialidades seja impulsionado por forças instintivas inconscientes, adquire caráter peculiar: o homem é capaz de tomar consciência desse desenvolvimento e de influenciá-lo... (JUNG apud SILVEIRA, 1984, p. 87). A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, psicólogo e psiquiatra suíço, foi escolhida como o fio teórico condutor do desenvolvimento desta monografia. Foi uma escolha pautada no meu parco conhecimento, na minha percepção e nos conteúdos apresentados durante o curso de Arteterapia. Desejo desenvolver um estudo sobre o processo de Individuação e, sendo esse o eixo central da Psicologia Analítica, me senti instigada a aprofundá-la. Recordo haver lido que, em sua obra ”Memórias, sonhos e reflexões”, Jung (1963) diz que, quando criança sentia possuir duas personalidades: um “eu” público, exterior, envolvido com seu mundo familiar, e um “eu” secreto, que tinha uma proximidade especial com a natureza e com “Deus”. Foi algo que, ao meu interior, fez muito sentido, principalmente, observando que sua vida foi pautada em apresentar ao mundo a possibilidade de uma relação dialética e de interação, entre o conhecimento científico e o religioso. Passou a sua vida procurando, paralelamente, a produção de sua obra científica, vivendo ele mesmo uma busca pelo conhecimento de ser “si mesmo”, por meio do crescimento “espiritual”. Desde que nascemos temos características e maneiras próprias de elaborar os símbolos, dependendo do transcorrer de nossas vidas. A nossa formação, a estrutura da nossa psique é que irá nos orientar. Pontua que temos formas típicas de aprender e também de estruturar a nossa psique e que, portanto, não somos iguais, ou seja, que o outro não é tão semelhante a nós, “Ao contrário ele nos é exasperadamente dessemelhante...” (JUNG apud SILVEIRA, 1994, p. 51). Apesar de algumas lacunas quanto à formação da personalidade, a constituição da psique e os tipos psicológicos, segundo Jung, são os que mais se aproximam da visão que aqui será enfocada. A questão do consciente e inconsciente (pessoal e coletivo), dos arquétipos, da persona, da sombra, da anima e do animus, assim como, o papel dos sonhos, todos esses elementos ressoam no meu ser. Acredito, ainda, na extrema importância da religiosidade (numinosidade), da busca espiritual na vida do ser humano. Entendo que é vital a coligação com Deus, com o Cosmo. Jung menciona, talvez não tão enfaticamente, a possibilidade, subjetivamente falando, a vivência do numinoso e o quanto esse fator é essencial para uma saúde psíquica. Ele [Jung] julga que cada ser humano possui, originalmente, um sentimento de totalidade, isto é, um sentido poderoso e completo do self. E é do self (o si-mesmo) – a totalidade da psique – que emerge a consciência individualizada do ego à medida que o indivíduo cresce (ALLESSANDRINI, 2005)14. É sobre essa totalidade que se pretende dissertar, co-relacionando com as experiências coletadas durante a pesquisa. 14 Informação verbal em aula do curso de Especialização em Arteterapia no Alquimy Art. REPAGINAR Um Olhar Interno “Do mal, muita coisa boa resultou. Mantendo-me calmo, nada reprimindo, permanecendo atento e aceitando a realidade. Vendo as coisas como elas são e não como eu queria que elas fossem. Ao fazer tudo isso, adquiri um conhecimento incomum, assim como poderes invulgares, de uma amplitude que jamais poderia ter imaginado. Sempre pensara que quando aceitamos as coisas elas nos sobrepujam de um modo ou de outro. Resulta que isso não é verdade em absoluto. É somente aceitando as coisas que podemos assumir uma atitude em relação a elas. Por isso, tenciono agora fazer o jogo da vida, ser receptivo a tudo que me chegar, desta forma, aceitar também minha própria natureza, com seus aspectos positivos e negativos. Assim, tudo se torna mais vivo para mim. Que insensato eu fui! Como me esforcei para forçar todas as coisas a harmonizarem-se com o que eu pensava que devia ser...” Carl Gustav Jung “Para começarmos, a aula de hoje, vocês vão pensar e escrever algo ou alguma coisa que lhes fariam felizes, pode ser mais de uma. Pensem e escrevam, sem medo. Passam se alguns minutos, e a professora percebe que um aluno parece estar com dificuldade. De pronto, vai até ele e pergunta: Alguma dúvida Sr. Antonio? E meio timidamente ele responde: Não, não é dúvida não professora... é que eu já tenho tudo.”15 15 Aparecida dos Santos - Núcleo de Alfabetização de Jovens e Adultos. Jardim Fortaleza – periferia de Guarulhos/SP (2003). Já se vão anos e essa experiência me acompanha até hoje. O que é esse estado de felicidade tão acessível a algumas pessoas e completamente inacessível a tantos outras? Partindo do pressuposto que a definição desse estado de felicidade seja o de INTEGRAÇÃO DO SER, de integração consigo mesmo e com o Universo, sem enveredarmos por um caminho utópico e subjetivo de felicidade, podemos compreender esse estado como uma consciência ampliada, em que não existe cisão nem divergências interiores e exteriores, mas um centramento, uma coligação, ultrapassando a visão metafórica de felicidade, como um estado dionísico e ou de perfeição, para vivenciá-la como estado de capacidade para compreender e lidar com as diversas formas de realidade. Esta condição só é possível, realmente, a uma pessoa que percorreu a estrada da individuação, que viveu o processo de aprender a encontrar o seu centro e uma forma de estar permanentemente conectado a ele. Essa pessoa não terá o controle sobre os fatos e as ocorrências da sua vida, mas, terá o maior grau de conhecimento possível sobre si mesmo e suas ocorrências. Ilustremos com a seguinte visão: Imaginemos um barco em alto mar numa noite de tempestade; agora imaginemos esse barco sem um capitão. Imagine, agora, que VOCÊ está nesse barco. Qual a sensação? Se você não tiver noção de perigo, tudo estará bem, poderá ser até divertido. Mas, se você tiver consciência...Terá sido uma viagem bem difícil. No entanto, se você for o capitão e tiver conhecimento dos seus recursos e de como conduzir o barco, a tempestade poderá se transformar de um fim trágico para mais um desafio a ser superado, independentemente das diversidades. Podemos pensar que esta pessoa encontrou uma forma de estar permanentemente no seu centro e não nas tempestades. Ela não está mais como um barco sem capitão. Ela assume a responsabilidade sobre o comando da sua embarcação. Haverá tempestades, isso ele não poderá controlar, mas não haverá erros por uma falta de controle emocional, por um racionalismo inflexível, ou por impulsos descontrolados. Como capitão, ele terá toda a visão do barco, dos seus recursos e da tempestade. E a sua conduta dependerá de como ele irá coligar tudo isso. Não existirão conflitos internos, nem obscuridades desconhecidas do comandante e ele já não será vítima de todas as surpresas. Algumas pessoas dizem: “a ignorância é uma benção”, e muitas pessoas vivem na total ignorância do mundo e de si mesmas e, no entanto, se apresentam como pessoas felizes. E não o são? Quem de nós poderá dizer que não. Se para uma pessoa um pedaço de pão a fará feliz, se lhe dermos naquele momento o pedaço de pão ela será feliz. Mas, se essa pessoa sentir “Que nem só de pão vive o homem” não bastará somente o pedaço de pão, algo ficará faltando, como um pequeno som, ou algo que nem se consegue reconhecer, como um pequeno vazio, que tentará ser suprido com TV, bebida, comida, sexo, diversão, pessoas, drogas, família, filhos, amores... Pseudos felicidades? Dizer que todas sentirão esse vazio é uma irresponsabilidade, pois, muitas não sentirão. A felicidade e a individualidade se entrelaçam. É, convenhamos, o caminho da Individuação. Não é um trajeto simples. Para segui-lo é necessário um chamado. Esse chamado é único e muitos o ouvem, muitos fazem que não o ouvem e outros não o ouvem mesmo. É um caminho sem garantias, é uma busca movida pelo interior. Na verdade o que se busca, o prêmio, pode simplesmente não ser encontrado, mas é algo que não se pode deixar de ser buscado. Um fato comprovado é o de que as pessoas que tiveram suas dificuldades externas, que tiveram e tem que lutar duro pela própria sobrevivência e manutenção da vida, terão menos tempo para desenvolver um grau de exigência consigo mesmas e, consequentemente, menos tempo para desenvolverem conflitos internos. A sensibilidade delas não será tão “a flor da pele”, comumente expressando, serão “calejadas”. Como uma atenção desviada. Em contrapartida, as pessoas que tiveram uma maior facilidade, que não tiveram que labutar tanto pela sobrevivência, são mais propensas a desenvolverem maiores questões e conflitos internos. Voltam-se mais para o interior. (JUNG apud ROCHA, 1986, p. 342). Cotidianamente, observando e coletando dados, vemos que alguns acreditam que as pessoas do campo são mais tranqüilas, enquanto que as dos centros urbanos são mais agitadas e que as pessoas de renda baixa, de classe inferior, são mais propensas à “felicidade”, a serem mais felizes que as de nível superior. Longe de estar se estabelecendo que o dinheiro não traz felicidade. É que o grau de satisfação e de exigência, ressalvando que estamos falando hipoteticamente, da classe inferior está abaixo do estabelecido pela superior. No entanto, é fato que quanto maior as possibilidades de aquisição maiores serão as ambições e maiores as transferências exteriores e a insatisfação pessoal. A satisfação passa a deslocar-se de um estado do SER para o que proporcionou esse estado. A necessidade externa passa a ser associada à interna.“Uma alma externa”. Voltando a mencionando o Sr. Antonio, do Núcleo Fortaleza, não havia um conflito interno com ele. O que lhe era possível externamente ia ao encontro ao que ele desejava internamente. Pressão interna, pressão externa, equivale a equilíbrio. As suas aspirações e os seus desejos se coadunavam com a sua realidade exterior e ao que tudo indicava com relação aos bens materiais e aos emocionais. Não havia o conflito, a dualidade, seja por um total desconhecimento de si mesmo ou por um encontro com ele. Uma vez que é possível estabelecer esse encontro consigo mesmo, por meio das batalhas diárias, por erros e acertos, pelas das experiências de vida. É um trabalho árduo e autodidata, muitas pessoas precisam de um apoio, de um terapeuta para auxiliar nessa busca, outros não. Observemos a mídia, por exemplo, os índices de suicídio provocados pelos jovens de classe média alta são em números consideráveis. Um profundo vazio e angústia são relatados pelos jovens que tiveram a sorte de não serem bem sucedidos na tentativa. A falta de amor é a maior queixa. Já nas camadas pobres o que se percebe é um grande número de mortes por violência, assassinatos, frutos da busca pela sobrevivência ou da realização de desejos concretos. A felicidade como um estado de êxtase permanente é algo impossível. Aliás, ninguém suportaria viver eternamente nesse estado. Seria o fim. O ser humano precisa viver num estado de equilíbrio, encontrar o centro. Como diriam os budistas, o melhor caminho é o do meio. Um equilíbrio entre o apogeu e o declínio. O homem deve se manter o mais perto possível destes dois extremos. Não existe uma receita para a felicidade universal, mas cada um tem a sua receita individual de felicidade, da sua felicidade. Mesmo que ela permaneça nos recônditos do inconsciente. A criança é totalmente feliz, com as suas exceções, pois ela é totalmente inconsciente, ela não tem a menor consciência da sua individualidade, ela e os seus pais, a mãe principalmente, ou a sua representante, agem como uma extensão dela mesma. Uma das maiores causas de depressão nos adultos é o desejo de prolongar esse estado infantil para além da faixa etária (JUNG apud ROCHA, 1986, p. 342). As questões sobre felicidade e infelicidade surgem a partir da puberdade, quando a simbiose começa a se desfazer e o indivíduo começa a ser o provedor e responsável por si mesmo. Daí a importância da relação estabelecida durante a infância, fase de formação psíquica, emocional e espiritual. O meio sócio-econômico e o meio ambiente, hoje, comprovadamente, interferem diretamente na formação do indivíduo, assim como, a estrutura familiar e a relação de afetividade, direcionam a formação da personalidade, do ego, da persona desse indivíduo (DALAI LAMA, 2000). O que se agregou na estrutura, quais foram os valores abordados, qual a qualidade dos afetos, da segurança, da confiança, do suprimento das necessidades básicas e a solidez dos relacionamentos presenciados? Qual a honestidade, fidelidade e lealdade transmitidas? Quais as projeções transferidas? Todas essas informações atreladas aos aspectos básicos da sobrevivência e da qualidade de vida irão pavimentar o caminho a ser construído pelo indivíduo. A criança necessita se sentir acolhida e protegida. Se nessa fase ela não viver a confiança, terá dificuldade em confiar no mundo. A primeira infância e a meninice são importantíssimas para a estruturação do indivíduo e da sua individualidade. A família tem um grande papel, uma vez que, se porta como uma projeção do mundo. A família pode ser considerada como um grupo de pessoas (podem ser pai, mãe, filhos...) unidas por laços de sangue ou de convivência, em que haja papéis definidos e onde se encontre um ponto de apoio. Sem nos aprofundarmos no tema, já que a família é também algo bem complexo, afinal, o que é uma família? É um conjunto de pessoas, de indivíduos, que desenvolveram a sua trajetória singularmente e que num determinado momento, por paridade, por conveniência, amor, ou outro motivo, se uniram e reproduziram outros seres. Na verdade, a história de uma pessoa começa com a história dos seus pais e a dos pais deles com as histórias dos pais deles e assim sucessivamente. Sim, somos fruto de nossos antepassados, mas isso não significa passivo deles. Não somos seres tão impotentes perante a nossa trajetória. A trajetória de um indivíduo é construída a partir da sua individualidade, mas, dentro de uma macroestrutura, a qual ele pertence. Somos seres criadores, mas a nossa criação ocorre em sincronicidade a uma criação maior que é o Universo e que é composto de tantos outros indivíduos. Existe uma lei maior que rege todas as coisas e a todos nós. Durante a pesquisa pôde perceber-se, e por muitas vezes, constatar a busca e necessidade de estabelecer esse contato. Não ensinam na escola como se tornar pessoas, mas cidadãos. Saímos pela vida nos identificando com as tantas imagens, personas pré-estabelecidas e acreditando sermos uma delas. A propósito, quem já não ouviu o termo “você tem que se adaptar....”. Na verdade, querem dizer você tem que se enquadrar nessa forma estabelecida para todo “MUNDO”, não importa se você é gordo, magro, a forma da massa é uma só. E o que vemos por aí são pessoas mutiladas, atrofiadas... deprimidas. Nunca foi tão notório o número de dependentes químicos lícitos e ilícitos na sociedade. Isso não é fruto dessa geração, mas, de várias. Talvez, a nossa, já esteja pronta para iniciar uma mudança. [...] No entanto, estranhamente, minha impressão é que as pessoas que vivem em países de grande desenvolvimento material são de certa forma menos satisfeitas, menos felizes do que as que vivem em países menos desenvolvidos. Esse sofrimento interior está claramente associado a uma confusão cada vez maior sobre o que de fato constitui a moralidade e quais são os seus fundamentos. A meu ver, criamos uma sociedade em que as pessoas acham cada vez mais difícil demonstrar um mínimo de afeto aos outros. Em vez da noção de comunidade e da sensação de fazer parte de um grupo, encontramos um alto grau de solidão e perda de laços afetivos. O que gera essa situação é a retórica contemporânea de crescimento e desenvolvimento econômico, que reforça intensamente a tendência das pessoas para a competitividade e a inveja. E com isso vem a percepção da necessidade de manter as aparências – por si só uma importante fonte de problemas, tensões e infelicidade (DALAI LAMA2000, s/p). Descobrir os próprios paradigmas e manter-se coligado à ética planetária e um trabalho visceral, portanto, não há meia escolha. A Arteterapia sob uma visão transpessoal ARTETERAPIA Como Instrumento de Individuação “A função mais importante da arte e da ciência é despertar o sentimento religioso cósmico e mantê-lo vivo.” (Einstein) Através das linguagens artísticas, o espírito ganha corporeidade e a matéria plasticidade. O interno e o externo, o real e o imaginário, entrelaçam-se num movimento formador e transformador. Aí reside um dos principais fatores terapêuticos da arte: poder dar visibilidade às tramas que permeiam as relações. (BERNARDO, 1999, p. 226 apud BERNARDO, 2006, p. 88). A Arteterapia é um surpreendente e poderoso caminho de autoconhecimento e transformação (GUTTMANN apud VALLADARES, 2004, p. 9). Ela engloba, além das modalidades artísticas, referenciais teóricos da psicologia, propiciando os benefícios dos processos criativos e imaginativos na construção da individualidade. Auxilia o processo de ampliação da consciência individual sobre as suas possibilidades, atuações e relacionamentos; tanto do indivíduo consigo mesmo, como com o mundo que o cerca e com todo o Universo. O termo mais correto para definir Arteterapia seria o da “transdisciplinariedade”, pois, corresponde ao surgimento, a partir de muitos outros saberes, de um novo saber. Na Arteterapia os conhecimentos divergentes não são necessariamente excludentes. A transdisciplinariedade aparece como um movimento de reconhecimento do espírito e da consciência, uma consciência nova de realidade e, a bem da verdade, uma nova realidade. É uma conciliação que resulta da compreensão e do re-equilíbrio entre o saber produzido e as necessidades interiores do Homem. (ARCURI, apud VALLADARES, 2004, p. 20). Utiliza-se da arte como instrumento para exaltar e libertar as qualidades do indivíduo na práxis da vida, ajudando a sentir, a pensar e a agir de acordo consigo mesmo, cria uma ponte de acesso aos seus conteúdos conscientes e inconscientes. Arteterapia pode ser considerada como a utilização de recursos artísticos em contexto terapêuticos, baseando-se na percepção de que o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Age a serviço das leis da necessidade interior do Homem e facilita o entrar em contato com o poder criador de cada um, permitindo transpor para o exterior o que ocorre – via de regra, de maneira caótica – no interior; levando assim o paciente a poder observar, refletir, interagir, dialogar e elaborar. Proporciona o reconhecimento da dinâmica psíquica que é uma via de acesso à totalidade de ser (ARCURI apud VALLADARES, 2004, p. 20). É o livro da Irene Vivemos em dois mundos, conforme aponta Minkowski (1968, apud ARCURI, 2006, p. 23), ou seja, temos dois sistemas de percepção, completamente diferentes: um de percepção de coisas externas, por meio dos sentidos, e o outro de percepção de coisas internas, que surge por meio das imagens do inconsciente. Nesse contexto podemos entender a obra de arte, ou uma expressão artística, como um documento psíquico, por meio do qual podemos saber como é a relação do indivíduo consigo, com o meio em que vive e também a idéia que ele tem da ordem cósmica. A arte nos propicia olhar a experiência vivida de forma singular. Sugere que no estado de consciência cotidiana identificamo-nos apenas com uma centelha de quem realmente somos. Somente quando transcendemos as fronteiras restritas do ego e que buscamos uma identidade total. Adentramos, ao que Grof denomina de estado “holotrópico”: Um aspecto particularmente interessante dos estados holotrópicos é seu efeito sobre os processos de pensamento. O intelecto não fica debilitado, mas opera de uma forma muito significativamente diferente do seu modo de funcionamento diário. Esse tipo de experiência holotrópica é a principal fonte de cosmologias, mitologias, filosofias e sistemas religiosos que descrevem a natureza espiritual do cosmo e da existência. Elas são as chaves para a compreensão da vida ritual e espiritual da humanidade, desde o xamanismo e as cerimônias sagradas das tribos aborígenes, até as grandes religiões do mundo. (2000, p. 19). É possível por meio da Arteterapia e, da expansão da consciência, encontrar um caminho para a transformação de sentimentos e atitudes perante o mundo; o que pode trazer um estado de serenidade, de paz. Um estado onde não há espaço para o sofrimento. Haja vista que, como a arte é capaz de criar um canal de comunicação com a psique, ela torna-se capaz de compreendê-la nos seus infinitos e sutis nuances. A Arteterapia, num contexto transpessoal, acredita que a consciência é fator central da determinação do resultado da terapia, ela é tanto o objetivo como o instrumento da mudança. As experiências transpessoais têm o objetivo de levar o indivíduo a transcendência do ego e, portanto, a capacidade de ampliação da consciência e sensação de unicidade. (ARCURI, 2006) “Nesse sentido a psicologia transpessoal chama atenção aos aspectos da consciência e ao reconhecimento dos significados das dimensões espirituais da psique.” (ARCURI apud VALLADARES, 2004, p. 20). Tudo aquilo que incite o homem a transcender o exclusivismo egoísta, seus medos, sua inércia, seu amor ao prazer; tudo aquilo que pode levá-lo ao controle e à direção das forças não domesticadas dos instintos e das emoções. Acredita também no reconhecimento da realidade social da natureza, tornar-se uno com esta realidade, ampliando os limites da sua própria personalidade (ASSAGIOLI, 1991, p. 196). “O Universo é um ser vivo, nele não existe inconsciência. Deus é todo Consciência. E a intuição é o único meio de alcançá-lo.” (Ricardo Pires Souza, 2004, Anima Mundi). TÉCNICAS ARTÍSTICAS As técnicas agem como um radar interno que examina o sistema e detecta o material com maior carga e significado emocional. Dessa forma, o ser humano torna-se autor da própria vida, assumindo a responsabilidade por si mesmo no mundo e nos relacionamentos pessoais. É possível supor que a pessoa saudável seja capaz de experimentar toda uma gama de emoções ao mesmo tempo em que permanece relativamente desapegada do melodrama pessoal (ARCURI apud VALLADARES, 2004, p. 30). Sendo o trabalho arteterapêutico singular e individual é necessário estabelecer um contato efetivo com a pessoa a ser atendida, seja por meio de uma entrevista ou por uma ficha de anamnese; somente a partir desse contato será possível planejar e estabelecer a forma de se atingir o objetivo almejado. (VALLADARES, 2004, p.110). As técnicas agem como surgem como Razão pela qual, os instrumentos e as técnicas a serem utilizadas têm papel essencial na a obtenção desse objetivo Segundo Vallares (2001, p.13-14), as modalidades expressivas mais utilizadas em arteterapia são as seguintes: desenho, pintura, colagem/recorte, gravura, tecelagem, modelagem, teatro, tabuleiro de areia e escrita criativa. Como ilustração, descrevo as utilizadas no Projeto Solaris. Desenho: O desenho objetiva a forma, a precisão, o desenvolvimento da atenção, concentração e coordenação viso-motora e espacial. Também concretiza alguns pensamentos e exercita a memória. O desenho está relacionado ao movimento e reconhecimento do objeto. Tem função ordenadora. Materiais utilizados: giz de cera, nanquim colorido, lápis de cor, giz colorido, pincel atômico, pastel seco e oleoso, canetas hidrográficas, diluentes e papéis diversos brancos e coloridos (Kraft, sulfite, vergê, canson, cartolina, etc.). Pintura: A fluidez da tinta induz o movimento de soltura, de expansão, trabalhando o relaxamento dos mecanismos defensivos de controle. A pintura lida com sentimentos, emoção, sensação, provoca a sensibilidade, evoca o gesto os suportes/superfícies, as tonalidades e as cores. Materiais utilizados: cola colorida, aquarela, guache, têmpera, tinta acrílica e a óleo, PVA, pigmento líquido e cola. Suportes diversos: papéis, tecidos e madeira; pincéis chatos e redondos, esponjas, rolos de pintura de diversos tamanhos, paleta, potes para água, água e trapos. Colagem/Recorte: A colagem favorece a organização de estruturas pela junção e articulação de formas prontas. Já a organização espacial é simbólica, reparadora e de baixo custo. Materiais utilizados: revista e figuras pré-selecionadas, jornais, linhas coloridas, madeiras, caixas, sucata, papéis com cores e texturas diversas (cartolina, camurça, seda, carmim, celofane, Kraft, etc.), materiais orgânicos (folhas, flores, casca de árvore, sementes, grãos, conchas, areia), retalhos de tecidos, purpurina, tesoura, cola, fita adesiva, fios, durex, grude, estilete, pregos. Modelagem: A modelagem é uma atividade especialmente sensorial; trabalha o toque da mão e a organização tridimensional. Os materiais podem ser pintados após secagem. Materiais utilizados: argila, papel machê, gesso, plastilina, massa artesanal, durepox, suporte (madeira, pedra, etc.), faca, rolo de massa, guias de madeira, fios, estacas, trapos e plásticos resistentes e lixas. Escrita criativa: Significa escrever sobre determinado trabalho artístico sem a utilização de pontuação ou uso de borracha, e com a possibilidade de erros gramaticais e de ortografia. O paciente escreve livremente o que vê e especialmente seus sentimentos em relação ao trabalho colorido. Permite que os conteúdos do inconsciente facilmente aflorem para a consciência pela escrita. Materiais utilizados: papel, caneta, lápis, suporte para apoiar o papel e os trabalhos artísticos executados anteriormente ou sonhos. “Não servimos o fraco ou o vencido. Servimos a inteireza uns dos outros e da própria vida. A parte dentro de você que eu sirvo É a mesma que é fortalecida dentro de mim no momento que eu sirvo. Diferentemente de ajudar, reparar, Resgatar, o servir é mútuo. Há muitas maneiras de servir e fortalecer a vida ao nosso redor: Através da amizade, paternidade ou do trabalho, da gentileza, da compreensão, generosidade ou aceitação. É através da filantropia, do nosso exemplo, nosso encorajamento, nossa ativa participação, nossa crença. Não importa como o façamos, o ato de servir nos abençoa. Quando oferecemos nossas bênçãos com generosidade a luz do mundo ganha força ao nosso redor e dentro de nós.” Rachel Naomi Remen, 1998 VIVÊNCIAS Equipes de Trabalho “A arte é o único domínio em que a onipotência das idéias se manteve até nossos dias. Só na arte ainda acontece que um homem, atormentado por desejos, realize algo que se assemelhe a uma satisfação; e, graças à ilusão artística, este jogo produz os mesmos efeitos afetivos, como se fosse algo real. É com razão que se fala da magia da arte e que o artista é comparado a um mágico.” (FREUD apud CHIESA, 2004, p. 15)16. “Como psicoterapeutas, não podemos mais ver os seres humanos como entidades psicológicas isoladas, divorciadas de qualquer interligação inerente com os outros‟, afirma Rollo May [...] e acrescenta ainda: „Nós vivemos nos outros e os outros vivem em nós‟” (1995, HYCNER apud CEDOTTI, 2006, p. 69). Na busca pelo conhecimento e, na forma de interagir na construção desse estado de felicidade, elaborei, dentro da pesquisa, o Projeto Solaris. Esse projeto consistiu em trabalhar o indivíduo - o Ser humano - dentro da sua trajetória ou das suas fases da vida. Para tanto nominei-os assim: 16 FREUD apud BELLEMIN NOEL, J. Psicanálise e Literatura. São Paulo: Cultrix, 1983, p. 23. PROJETO SOLARIS População Subtítulo Idoso Individuação Adulto Persona Adolescente Crear Criança Conspiração RESPEITO “A palavra „respeito‟ significa „olhar novamente‟, literalmente. Consequentemente, respeito nos pede para olhar além da primeira impressão e estar disposto a ver o que não era nenhum óbvio no princípio. Respeito para com os outros no aprendizado é fundamental. Quando nós estamos dispostos a ver as pessoas sob uma nova luz, damos a elas o espaço que precisam para crescer; nós não as limitamos pelas nossas expectativas ou julgamento sobre elas. Nós não precisamos forçar os outros a ver o que nós pensamos estar errado com eles. Nem espalhamos rumores ou acusações, baseados em nossas próprias experiências com eles, ou em nossas próprias interpretações, que podem ser falsas.”17 17 FROTA, W. Xamanismo. Disponível em<lobodocerrado>. Acesso em: dez. 2006. “Que olhares são esses que me cercam, que acompanham o meu falar. Que ouvidos são esses que me sentem e me acolhem. Que mãos são essas que falam comigo. E esses pés, que vislumbram um caminhar. Que universos são esses em que me vejo prestes a mergulhar...”18 18 Aparecida dos Santos (julho/2006). INDIVIDUAÇÃO Idosos “Lidar com os sentimentos e algo que envolve coragem, olhar para os que já foram sentidos, mais ainda.” 19 19 Aparecida dos Santos (julho/2006). População: Idoso Sexo: feminino Idade: 77 a 88 anos Local: Asilo Trabalho grupal Número de participantes: 06 (seis) Perfil: Senhoras, que vivem em reclusão, sem um contato regular com familiares e, com atividades (rotinas) estabelecidas pela Instituição. Vivem mediante doações ou pequenas aposentadorias repassadas ao Asilo. É um local específico para mulheres, onde não existem homens. A experiência ocorre continuamente, porque a interação da criatura viva com as condições que a rodeiam está implicada no próprio processo da vida. Sob condições de resistência e conflito, aspectos e elementos do eu e do mundo implicados nessa interação qualificam a experiência com emoções e idéias, de maneira tal que emerge a intenção consciente. Com freqüência, entretanto, a experiência que se tem é incompleta. As coisas são experienciadas, mas, não de modo tal que se componham em uma experiência. Há distração e dispersão; o que observamos e o que pensamos, o que desejamos e o que alcançamos, permanecem desirmanados um do outro. Pomos nossas mãos no arado e voltamo-nos para trás; começamos e logo nos detemos, não porque a experiência haja alcançado o fim em vista do qual foi iniciada, mas por causa de interrupções estranhas ou por qualquer letargia interna (DEWEY, 1994, p. 245-263). Iniciei pelo que se “considera” o final da trajetória, pelos Idosos, que, a princípio, eram um grande desafio. Ao criar o projeto “Individuação” o objetivo era levar algumas senhoras a um contato interno, diferenciado, com a sua trajetória de vida, possibilitando o reencontro consigo mesmo e, se possível, resgates pessoais, visando um bem-estar, uma paz interior e um estado de felicidade. Neste asilo trabalhei com um grupo de senhoras, que foram abençoadas pela vida e conseguiram, fisicamente, envelhecer preservando a sua dignidade como pessoa. Conseguiam desenvolver suas atividades de higiene sozinhas e não apresentavam maiores problemas. Infelizmente o Brasil anda não concede ao Idoso a valorização e o amparo que ele necessita, seja em que âmbito for: saúde, bem-estar-social ou trabalhistas. Neste Asilo, paralelamente, mantive contato com outras senhoras, que não tiveram a mesma benção e vivem à própria sorte, à margem. Ao todo foram dez encontros, marcados por grandes experiências. A velhice concedeu a estas Senhoras também a benevolência do amadurecimento. Não houve dificuldades em estabelecer vínculos com elas. Estavam abertas para me acolher, para se acolherem. As atividades foram cuidadosamente escolhidas e focadas na presença e energia presentes nos encontros. Interessante foi constatar que o período mais feliz da vida dessas Senhoras correspondia à infância. E foi partindo desse ponto que começamos a trabalhar. Resgatando a menina presente na alma e no corpo, mesmo que não parecesse estar mais ali. Essa retomada trazia a cada uma a inspiração que parecia vir de um centro muito interior. Ao final, relembraram e compartilharam momentos pueris que já nem se lembravam, pois que restavam adormecidos dentro delas. Ficaram surpresas de se lembrarem daquilo. Cantavam e sorriam. Passamos pela meninice e descobrimos segredos velados, sofridos. Foi após uma sessão de pintura que, uma das senhoras compartilhou com o grupo uma dor que a acompanhava desde infância: ela havia sofrido abuso sexual pelo padrasto e fora culpada pela mãe. Neste momento, o silêncio dos ouvintes, ratificou a sabedoria do silêncio. Ouviram e compartilharam das lágrimas que envolviam o relato. Ao final, o grupo acolheu aquela senhora, mostrando-lhe naquele momento a realidade que aquela menina havia vivido, trazendo-a para o presente e fazendo-a olhar a situação com os olhos de uma senhora. Foi um dos momentos em que pude vivenciar a força do trabalho em grupo. Partimos para a juventude, período de descobertas. Para aquelas senhoras ela se manifestava no tom nostálgico acrescido à voz. Nas músicas cantadas, no nosso sarau, nos bordados, delicadamente tecidos e, orgulhosamente apresentados. Como calar sentimentos tão profundos quando se tem a sensação de poder, novamente, senti-los? Amores recônditos, amores platônicos, falta de amores, solidão, medo, sentimentos aflorando e se recriando. Percebia e percebíamos, assim, a música... suavemente... cumprindo a sua função, trazendo da alma a expressão. A maturidade com seus dissabores, com suas perdas e constatações, ganhos também, como deixaram marcas e saudades profundas. Uma vida que poderia ter sido de outra forma...Quantos “Eu queria...” deixados para trás. Nos trabalhos era possível perceber a intenção e o desejo de reviver uma época. Muitos dos desenhos e das pinturas eram como garatujas, muito coloridas, como que contradizendo o que elas diziam: “Tá bom aqui, tá bom assim”. As atividades não eram silenciosas, era um momento delas se expressarem, de se ouvirem, como uma delas disse, se referindo aos nossos encontros: “É um encontro espiritual”. Foram momentos de partilha e a cada atividade percebia-se a disponibilidade e abertura com a qual se entregavam às pinturas naquele momento. Uma das senhoras, que aparentemente era extremamente reservada, mas, ao mesmo tempo muito alegre comentou, após um comentário que mostrava mudanças sutis na apresentação estética: “A gente vai perdendo o medo, vai fazendo, ficou bom, né?” Mas, foi preciso uma vivência, de trabalho com o barro com essas Senhoras, para que se percebesse a força dos materiais. No dia em que foi proposta esta atividade uma senhora, que não era uma das participantes adentrou a sala e lá quis permanecer, assenti. Era uma senhora, aparentemente, pela fala e pela expressão do rosto, extremamente amarga e fechada. Mesmo assim, dei início à vivência. Para minha observação, ela se entregou completamente a esse instrumento da natureza e... chorou, copiosamente, ao manuseá-lo. No meu acolhimento, respondeu simplesmente: “Não sei...me deu uma vontade de chorar..”. Ela se incorporou ao grupo e sua presença, a cada encontro, foi ficando mais leve, menos amargurada. Transformada. A morte, dentro de um asilo, é a única certeza que aquelas senhoras possuem. Vivem, a maioria, esperando que aquele seja o último dia de vida, que lhes seja concedida a graça da liberdade. Poucas conseguem ver além daquelas paredes. Com elas o trabalho arteterapêutico também consistia em viver “A vida em um dia”. E vivemos, passamos por suas vidas, da criança, da menina, da jovem, da mulher, da senhora. Concluindo, para a alegria de todas, que a melhor fase da vida delas era atual. Foi a nossa efetiva conquista, como disse uma delas: “A gente aprende a olhar e a ouvir as próprias memórias”. Como em uma referência a Cecília Meireles: “A vida só é possível reinventada”. Visualizando o Ciclo Início: Um grupo de senhoras isoladas, sem contato afetivo entre elas e com dificuldades internas. Finalização: Um grupo de senhoras, individualizadas, com uma maior qualidade no contato intrapessoal e interpessoal. Alegria. BARRO “Na mitologia Prometeu – responsável pela criação do homem, no mito da criação do mundo – utilizou-se do barro para modelar o homem a imagem e semelhança dos deuses e, assim, povoar a terra. Trabalhou com paixão e arte, esculpindo uma multidão de estátuas. Por noites e noites debruçou-se sobre o barro e deu-lhe forma a partir do modelo divino.” (ALLESSANDRINI, 1996, p. 85). A argila é uma espécie de barro usado na fabricação de tijolos e cerâmica, pode ser adquirida em olarias ou lojas de cerâmicas, por um preço bem acessível. Para conservá-la basta acondicioná-la em recipiente fechado, como um saco plástico. A sua manipulação depende de recursos externos e não exige lugar especifico de trabalho. Segundo Gouvêa, “A inércia psíquica é ultrapassada quando se dá o encontro no trabalho com o barro” (apud CHIESA, 2004, p. 57). A argila está ligada ao nosso universo cotidiano. Ela é símbolo de nascimento, de vida, de morte. Por isso, nela os nossos afetos se projetam muito mais espontaneamente que em qualquer outro material modelável (PAÏN; JARREAU, 1996, p. 106). A argila é um suporte aos nossos afetos e um material que reage diretamente ao calor das mãos. Ao modelar a argila, as mãos trabalham unidas e por ser uma material maleável e flexível, propiciam um apelo direto ao corpo. O trabalho com a argila se desenvolve em níveis bem variados, como: experiências sensoriais, modelagem expressiva e outros Implicando em diversos níveis de intervenção do profissional. Ao utilizá-la como instrumento de trabalho cabe ao arteterapeuta, desde o início, propor um afinamento da percepção das sensações táteis e a utilização de instrumentos corretos. As atividades expressivas são aquela que melhor permitem a espontânea expressão das emoções, que dão mais larga oportunidade para os afetos tomarem forma e se manifestarem, seja na linguagem dos movimentos, dos sons, das formas e das cores (SILVEIRA, 1994). O manuseio da argila viabiliza o fazer criativo, solidifica a relação do indivíduo com uma linguagem artística. E o contato consigo mesmo acontece através do lidar (CARRANO apud CHIESA, 2004). As imagens criadas comunicam uma nova dimensão da pessoa, tornando se uma forma das mais sutis de abordagem. Ajuda na liberação de emoções por meio da expressão das sensações táteis, facilitando o estabelecimento de vínculos terapêuticos (CARRANO apud CHIESA, 2004). Ao arteterapeuta cabe o papel de guia, pois a forma como ele conduz o indivíduo ao processo de criação e posteriormente a leitura de sua obra é fator relevante na relação que se desenvolve entre ele e seu paciente, entre este e sua produção e o seu estar no mundo. Toda atenção deve ser dada ao processo de elaboração e à criação de uma imagem na argila, desde a postura do paciente a sua produção ocorrida durante a sessão. Nesta relação não existem regras definidas, o mecanismo está no fato de o arteterapeuta permanecer atento ao paciente e à expressão dos seus sentimentos. Em resumo, o uso da argila no processo terapêutico é de fácil aprendizado e aplicação. Auxilia os pacientes a expressarem seus conflitos e angústias. Como “Espelho da auto-expressão” agiliza o processo psicoterápico. A argila trabalha com a comunicação não-verbal, por esse motivo, o arteterapeuta precisa estar atento a cada gesto, a cada movimento e a cada emoção do seu paciente, é necessário que esteja em sintonia ao que é comunicado, e, principalmente, estar em sintonia consigo, com o paciente e com o Universo (PAÏN; JARREAU, 1996, p. 115). “A argila é um suporte a nossos afetos, é interessante analisar as diferentes atitudes suscetíveis de se desenvolverem frente a ela, assim como os diferentes modos de aproximação que se pode propor em um ateliê terapêutico” (PAÏN E JARREAU, 1996, p. 106). A argila é um meio de expressão que vai permitir as imagens inconscientes saírem do interior e se manifestarem externamente. Ela é um fator de comunicação de sentimentos e experiências vividas pela pessoa que esta produzindo. Através da manipulação da argila, abre-se um caminho para o canal criativo, para o autoconhecimento e para a transformação.20 20 Informação verbal da Prof. Regina Chiesa na aula sobre o Barro, no curso de Especialização em Arteterapia do Alquimy Art em São Paulo. “Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem se tornou vivo [...]” (Genesis, 2,7;7,19 p.29-30) “O trabalho com o barro evoca um contato profundo com sentimentos, experiências, dores e histórias, propiciando através do manuseio um olhar transformador para questões tão duras e calcificadas”. 21 21 Aparecida dos Santos (junho/2006). Figura 01 “Pintei de azul na apresentação estética: e preto porque minha cabeça quer voar e meu corpo tá preso no chão...estava angustiada, parecia que cada parte de mim queria ir para um lugar, acho que foi por isso que eu estiquei tanto ele...” T. 73 anos. Figura 02 “É uma panela, eu ainda acho que é uma panela...mas, não tem fundo...aí não pode parar nada dentro ...não fica nada...”. M.C. 88 anos Figura 03 “Ah! Agora sim, agora eu sei que tem coisa dentro.” M.C. 88 anos. Figura 04 “Era um sol, mas aí virou uma tartaruga, com cinco perna e uma cabeça...que nem eu.” M.L .77 anos (tem dificuldades para andar e necessita de apoio). Figura 05 “Uma vez eu vi um filme e ele tinha umas colunas gregas enormes...essa imagem nunca saiu da minha cabeça e agora eu fiz as minhas colunas....” M.L. 77 anos. PERSONA Adulto “Todos os homens nascem livres. Todos os homens nascem iguais e têm portanto os mesmos direitos...” Declaração Universal dos Direitos Humanos -1948 22 22 Aparecida dos Santos (agosto/2006) População: Adulto Sexo: masculino Idade: 24 a 70 anos Local: Albergue Grupo itinerante Número de participantes: 03 (três) a 06 (seis) Perfil: Albergados de rua, que compartilhavam do mesmo espaço durante a noite. Em sua maioria apresentam comprometimentos psíquicos, posturas desestruturadas, defensivas e, consequentemente agressivas. Extremamente miseráveis e carentes. “Nem tudo pode receber um nome. O significado de algumas coisas transcende as palavras. A arte pode inflamar até uma alma enregelada e levá-la a uma alta experiência espiritual. A arte nos proporciona às vezes – de maneira rápida e vaga – revelações que não podem ser fruto do pensamento racional.” (SOLJENÍTSIN) O objetivo ao trabalhar com essa população era proporcionar um momento, favorável à expressão, que possibilitasse ao morador de rua estabelecer um contato interno e, a partir desse contato, despertar o resgate de valores, da auto-estima e de sua integridade, propiciando instantes de individualidade e paz interior. Ao iniciar, efetivamente, o trabalho com essa população ocorreu uma grande mudança na proposta de trabalho. Na verdade foi realmente um grande susto, pois, apesar de devidamente projetada a escolha por essa população, depara-se com as surpresas e os imponderáveis da vida. Depois de um grupo fixo de mulheres, senhoras idosas, reclusas em uma instituição, para um grupo itinerante de homens adultos, moradores de rua. A surpresa? Todos com problemas psíquicos. Apesar do conhecimento parco sobre essas questões, nada correspondia à experiência de tentar desenvolver um trabalho com pessoas comprometidas nesse nível. Insegurança, receios, a busca pelo conhecimento, pela orientação e encaminhamento foi essencial nessa fase. Tudo o que até então havia adquirido de conhecimento, adquiriu outra conotação. Havia a necessidade de sair da posição em que se estava para tentar compreender o que eles necessitavam para, só então, assumir a posição de arteterapeuta. O relacionamento que se estabelece vai além do vínculo afetivo, que também é algo extremamente difícil, uma vez que só possuímos “aquele momento para viver”. Não havia segurança de que veria novamente aquela pessoa ou que ela me reconheceria no dia seguinte. O trabalho era simplesmente estar: estar ali com eles, disponível ao chamado. O trabalho acontecia em uma pequena sala, que era o refeitório. As manhãs eram em sua maioria tumultuadas pela troca de turnos dos albergados. No entanto, havia um ritmo, como uma engrenagem. Uns entravam e os outros saíam, mecanicamente. Os materiais de trabalho ficavam expostos sobre a mesa, e todos os dias era feito um convite para um momento de expressão. Muitos continuavam alheios, outros aceitavam o convite e seguiam comigo. Assim se sucederam os encontros. Pude conhecer o rosto dos residentes mais prolongados e já os conhecia por nome. Acredito que alguns, também, já reconheciam a minha presença. Era um trabalho de garimpagem. Será relatada a experiência com dois albergados, que mostraram formas singulares da abrangência da Arteterapia, os quais serão chamados de Alfredo e Anderson. Alfredo era um homem forte, de uns 40 anos, que, a princípio, não estabelecia nenhum tipo de contato. Passava o dia todo a falar sozinho. Foi um dos poucos que aceitou o convite para o trabalho logo de primeira, lógico, que não o disse verbalmente, mas adentrando a sala. Falava o próprio nome o tempo todo sozinho. Os seus primeiros trabalhos eram extremamente tímidos, utilizava tintas e canetas, mas ainda não era o seu instrumento de coligação. Alguns encontros aconteceram e, mesmo sem nenhuma atitude concreta, ele já me reconhecia. Sintonia. Foi em uma atividade com colagem que pôde ser identificado seu vocabulário. Ao folhear algumas revistas, ele fazia alguns gestos e balbuciava algumas palavras e leu a letra A; disse que era seu nome. Perguntado se sabia escrever, ele disse que não. E se gostaria de aprender? Ele disse que sim. A partir daí tivemos encontros silenciosos, profundos, em que a atividade e o seu sentido imperavam. Por meio de cada letra, cada recorte, cada colagem que iria construir o seu nome fomos resgatando a sua identidade. “Quero aprender a ler e escrever, escrever o meu nome e trabalhar de pedreiro...” disse ele. Quando terminamos o seu primeiro nome, sorriu, pela primeira vez. Foi um instante maravilhoso, de superação e de integração para nós dois. E imaginei que tínhamos concluído, foi quando ele me surpreendeu, novamente: “Falta escrever Borges... Alfredo Borges”. Demos continuidade, até ele concluir o próprio nome. O Sr. Alfredo Borges conseguiu resgatar e se apropriar, ainda que por poucos minutos, de si mesmo. Anderson era um rapaz novo, aparentava uns 26 anos. Não se comunicava de forma alguma, mantinha a cabeça baixa todo o tempo e evitava qualquer tipo de contato, inclusive o físico. Era um dos residentes. Como fazia com todos, sempre o convidava para participar. Um dia ele adentrou a sala e timidamente após muito tempo sentado resolveu fazer um desenho, muniu-se de papel e canetinhas e tudo o que fez foi uma garatuja, muito pequena na base da folha e saiu. Em outro encontro, ficou somente escutando os demais, enquanto trabalhavam, comentavam. O assunto era família, filhos, perdas, e... de repente, balbuciou algo; me aproximei e tentei descobrir o que ele havia dito. Fiquei entusiasmada, foi quando ele me disse que a mulher dele se chamava Rosa. Saiu da sala e não retornou mais! Tentei, sempre, respeitando os seus limites, por vários encontros, que retornasse ao grupo, mas, ele ficava indiferente. Respeitei o seu limite. No último encontro, ao qual estava indo somente para me despedir do trabalho, fazer a minha conclusão, deixei alguns materiais sobre a mesa e o jovem Anderson entrou, pegou uma folha, várias canetas coloridas! Fiquei quieta! Fez dois desenhos, maiores do que já havia executado; fiquei olhando. Ele se virou para mim apontando o desenho e me disse com a voz clara: “Aqui é o Natal e aqui é o Ano Novo, é o Natal passando para o Ano Novo”. E saiu da sala. Estávamos no mês de dezembro. Fiquei parada. Tomei fôlego e fui até ele para me despedir, não disse nada. Só consegui dizer até breve... Ele segurou a minha mão e sorriu para si mesmo. Acredito que aquele momento foi o dele e o nosso de total re-integração. Em vários momentos, durante os trabalhos havia expressões claras de concentração, de envolvimento e interação. São flashs que certamente passariam despercebidos no todo. Onde será que essas pessoas, durante a subvida em que vivem, se expressam? Em que momento deixam novamente manifestar o seu “Ser”? Visualizando o Ciclo Início: Alfredo Borges: paciente com problemas psíquicos e sem abertura para contatos físicos e emocionais. Finalização: Integrado ao pequeno grupo de trabalho e expressando a sua individualidade. Início: Anderson: paciente com problemas psíquicos, sem contato com a auto-estima e com graus de agressividade. Finalização: Despertar da auto-estima, comportamento mais previsível, controlável e re-descoberta do feminino. COLAGEM “Ao debruçar-se sobre o vocabulário utilizado para descrever as atividades ligadas à colagem, podese ficar surpreso pelo valor simbólico dos gestos e dos efeitos que elas provocam: rasgar, recortar, colar, sobrepor. Nenhuma palavra de consigna é banal: a rasgadura de papéis, de acordo com a elaboração que se faz das prévias rasgaduras subjetivas, pode constituir um momento de grande contentamento ou de angústia. A primeira, devido à euforia de liberar a agressão destrutiva por deslocamento, a segunda. Pelo temor de ser punido por tê-la deixado se exprimir”. (PAÏN; JARREAU, 1996, p.189) Ao se trabalhar com a colagem, com imagens já existentes, o arteterapeuta necessita estar muito atento, não só à técnica, mas ao objetivo almejado, uma vez que ela propicia várias possibilidades de interpretação. A presença do arteterapeuta deve focar-se tão somente como um facilitador ou acompanhante do processo de criação do paciente. Sua presença deve se embasar num registro de cuidados que foquem estritamente o processo de criação, evitando, categoricamente, o sedutor enveredamento pela busca da estética criativa. Vê-se que a graduação do trabalho de colagem, tal como propomos, distancia-se do processo, habitualmente, seguido nos ateliês institucionais centrados sobre o valor significante da imagem recortada. Procuramos, ao contrário, que o participante possa fazer uma representação original a partir da desmontagem das imagens propostas a fim de reduzi-las ao estado de matéria-prima, própria a uma reconstrução criativa (PAÏN; JARREAU, 1996, p. 187). Durante o desenvolvimento das atividades com os albergados percebi que a população, com a qual estava trabalhando, possuía uma grande identificação com imagens, imagens já existentes. A técnica foi adotada não por um conhecimento prévio das consignas, mas pelo interesse manifestado pelos próprios interessados. O caminho mais apropriado se apresentou como o da fotomontagem, que consiste em dar uma nova significação a imagens existentes. Os temas adotados eram livres, e o intuito era que eles discorressem e utilizassem os materiais apresentados, que consistia em diversas revistas, jornais, fotos e papéis neutros, como instrumento de representação. A maioria dos pacientes deixava aparecer, claramente partes significativas da imagem utilizada, mas tirando-as de seu contexto e reintroduzindoas em um novo. Outros, tomavam-na pelas cores, como em uma abstração. Um dos objetivos era fornecer condições para uma representação original e individual. O sujeito deve passar da consigna do objeto à consigna da representação atravessando um momento de desconsigna que resulta dos gestos em geral interditos. Em conseqüência, o cenário que resulta daqui permite a cada um se exprimir em relação aos interditos obsessionais (ligados à conservação e ao temor da castração): inibição, dificuldade, exaltação, compulsão à destruição [...] Uma das defesas úteis para não se fragmentar é ter presente a imagem que, posteriormente, dará sentido aos pedaços, transformando-os em partes de um todo significativo (PAÏN; JARREAU, 1996, p.189). “...duas categorias de obras bem distintas, uma onde o elemento colado vale pela forma ou, mais exatamente, pela representação do objeto. A outra onde ele entra por seu material” (1980, ARAGON apud PAÏN; JARREAU, 1996, p. 186). Caso A: um senhor de 40 a 50 anos, com problemas psíquicos. Para essa pessoa a colagem propiciava claramente um momento de coligação com a realidade (realidade na nossa concepção) externa. Era o exterior acionando o interior. Pelo reconhecimento das imagens, especificamente das letras, era ativado um mecanismo de integração. A inclusão, ao meio, dava-se no nível psíquico. O ato de olhar, identificar, reconhecer, selecionar, eleger, retirar e inserir num novo contexto deixava transparecer o movimento interno de re-integração consigo mesmo, de apropriação do ser, e, porque não dizer, de um bem-estar. A colagem cumpria o seu papel de elemento ancorador e acionador de estruturas já existentes. Todo o trabalho com esse senhor consistiu num resgate da individualidade pela construção do próprio nome. Quero abrir um parênteses para mencionar uma experiência muito significativa para minha pesquisa e que ocorreu, paralelamente, a do grupo de homens, o foco do meu trabalho. Trata-se da vivência de uma mulher, que por motivos de segurança pessoal e tratamento de saúde, se encontrava recolhida no albergue. Denominarei esse caso de Rosa. Caso Rosa: uma senhora de aproximadamente 30 a 40 anos, também, apresentando distúrbios psíquicos. Com essa senhora a colagem adquiria outro trajeto, era como se o interior acionasse o exterior. Ela se utilizava dos padrões, adquiridos durante a sua trajetória, para visualizar o mundo ao seu redor. No início, todas as suas imagens consistiam no universo masculino; evidente que outros contextos haveriam que ser considerados, mas não são oportunos no momento, justamente por não serem des-qualificadores da temática em questão. Eram imagens viris, brutas, atléticas, especificamente de jogadores de futebol. Dizia que gostava porque: “eles têm dinheiro, é tudo rico, tudo bonito, forte...” Não havia conotação sexual, o que era de se esperar, uma vez que os albergues e as ruas são locais incubadores de promiscuidade. Na verdade, pode ser entendido, como uma apresentação do “animus”. As atividades desenvolvidas por ela não permitiam mudanças, e a rotina foi a primeira coisa a ser estabelecida antes que qualquer progresso pudesse ser atingido. Necessitava sentir-se segura. Os retratos e a disposição das imagens na folha em branco eram sempre as mesmas, qualquer referência ou argumento era visto como uma ameaça. Somente com o vínculo e a redução de número de pessoas na sala foi que ela começou a se permitir ficar mais leve, a apreciar melhor as imagens e as revistas apresentadas, mencionando entre, uma e outra, alguns comentários, e interessante que estes eram carregados de pudor ou comparação com ela mesma, numa manifestação clara de falta de autoestima. Foi aos poucos que a sua visão permitiu-se novos olhares, novas possibilidades e foi com surpresa que um dia disse: “Tia, quero fazer um livro, o meu livro!”. Começamos um trabalho de coleta, em que as imagens eram agora escolhidas com cuidado e com sorrisos: “Essa é bonita, não é... eu gostei” fomos lado a lado observando a mudança de paradigmas. Ao final, o seu livro não tinha nenhum jogador, nem atleta, mas, mulheres lindas, “noivas”, corações e flores. Finalizamos o livro com cores em tons de rosa e ao ser perguntada se havia gostado do resultado, ela disse: “Ficou lindo, igual eu...eu sou bonita”. Foi um processo intenso de redescoberta e aceitação. As imagens fizeram um cuidadoso processo de lapidação, levando-a a refletir sobre a própria identidade. “A colagem propicia um retomar, um reorganizar-se e, uma possibilidade, de se recriar a partir de um eixo já existente”.23 23 Aparecida dos Santos (agosto/2006). Figura 06 “Eu quero aprende a escreve o meu nome, pra voltar a trabalhar, fazê de tudo...” A.B - 44 anos Figura 07 “Esse sou eu..é o meu nome. A ...., A ..... é o meu nome.” A.B - 44 anos Figura 08 “Sabe tia é difícil... vive na rua é difícil...” M. - 35 anos Figura 09 “Eles são bonito né? Tudo rico, tudo gente elegante...” M. - 35 anos Figura 10 “...eu sou bonita, não sou? Eu me acho muito bonita.” M. - 35 anos CREAR Adolescentes “Um casal de passarinhos, papai e mamãe, e seu filhote, estão dormindo num ninho, num galho. Mas de repente começa a soprar um vento forte; o vento sacode a árvore e o ninho cai no chão. Os três passarinhos acordam de repente. O papai voa depressa para um pinheiro, e a mãe para outro. O que é que o filhotinho vai fazer? Ele Já sabe voar um pouquinho...” (OAKLANDER, 1980, p. 201) População: Adolescentes Sexo: masculino/feminino Idade: 14 a 16 anos Local: Paróquia Trabalho em grupo: dois grupos Número total de participantes: 10 (dez) Perfil: Adolescentes de periferia, com problemas acentuados de rebeldia, integrantes de um trabalho social desenvolvido por uma Paróquia. “A compreensão empática é o resultado final de um processo aberto, constituído da interação e do diálogo promovidos pelo uso múltiplo de perspectiva do terapeuta, ou seja, a alternância e oscilação livres entre posições paradoxais ou conflitantes. Essas posições incluem: experienciar, observar e apreciar os incidentes que o paciente relata, tanto da perspectiva deste quanto a de um observador externo; nos termos do paciente, como agente e vítima, e nos termos dos conflitos de ambos, terapeuta e cliente.” (BERGER, 1987, p. 17). O objetivo ao trabalhar com essa população era fornecer condições de expressão artística favoráveis à criação/contato com o seu EU interno e, a partir desse contato, elaborar a sua auto-estima, seus valores, sentimentos e perspectivas, de forma a incitar a uma busca pela construção da individualidade. Era uma população bastante carente, em todos os sentidos. A Paróquia era o único local de perspectiva naquela região, à exceção da Escola Estadual. O local possibilitava outras formas de aprendizagem como informática, música, esporte, orientação profissional e... alimentação. O trabalho foi desenvolvido com dois grupos, que serão denominados de A e B. O primeiro grupo - A, era composto de cinco adolescentes, três meninos e duas meninas, com sérios problemas de inadequação social. Eram rebeldes, agressivos, desmotivados, fechados e indiferentes. Criar vínculos não era uma tarefa fácil. O grupo B, composto por cinco meninas e um menino, tinha um perfil um tanto diferenciado, não apresentava características de agressividade, tinha flexibilidade, maior capacidade de interação e receptividade. A criação de vínculo se deu de forma natural e espontânea. Com esse grupo não houve nenhuma dificuldade nas atividades ou propostas apresentadas e os resultados foram muito positivos. Mas o trabalho almejava algo mais, que era, principalmente, uma integração entre os grupos. Entre adolescentes a discriminação e a competição são acirradas. “A vida é dura fessora...” dizia o, aparentemente, mais rebelde. Os primeiros encontros com o grupo A eram desconectados e não havia absorção ou efetividade das propostas de trabalho apresentadas. Constatei que a dificuldade estava sendo minha nessa comunicação e me dediquei a atentar e a buscar uma forma de resolver esse impasse. Um estudo com maior afinco sobre essa população, proporcionou uma interação com sua atualidade e, consequentemente, uma maior aproximação com o grupo. A percepção dos jogos cooperativos e da música como elemento construtor fez voltar o foco inicial do objetivo do trabalho com esses adolescentes. Os jogos cooperativos viabilizam um desenvolvimento total do ser humano e, como está presente no inconsciente de todas as pessoas, possuem uma característica motivacional. A música surgiu da observação do grupo A que, por serem muito carentes e de periferia, se identificavam com o som, a melodia e as letras dos RAPs. O trabalho foi bem intenso, também para mim, valores e posicionamentos sociais tiveram que ser revistos, além de exigir mais tempo que o programado, exatamente pela criação de vínculo. Inicialmente, o trabalho se desenvolveu com os grupos separados, sendo criado um concurso de Rap com os integrantes do grupo A, em duplas, já que uma das dificuldades deles era a de se relacionarem, até entre eles. Passamos encontros ouvindo músicas e conversando sobre as letras, estruturas musicais, sobre os cantores e suas histórias, coreografias, até que tivessem absorvido a riqueza, existente nas músicas em geral, para partirem para a “criação” das próprias. Paralelamente o grupo B trabalhava com textos e fantoches, o lúdico era bem latente com esses adolescentes que mantinham, ainda, o cordão umbilical. “A família é tudo, sem a família a gente não é nada...” dizia uma das participantes, ao abordarmos a falta de estrutura e de amor nas famílias ali representadas. Enfocamos a importância do imaginário, dos sonhos e da mente na realização de projetos. Também foram incitados a uma competição entre si. Era visível a transformação comportamental nos grupos. O grupo A apresentava dois adolescentes que, inicialmente, eram extremamente resistentes ao trabalho e que começaram a apresentar suas potencialidades e a se flexibilizarem, dando grandes contribuições ao grupo com suas mudanças e atitudes. Utilizamos recursos externos, como a gravação das músicas e a filmagem dos fantoches, para dinamizar. Ao final das criações, estabelecemos um dia para apresentação de cada grupo e, ao contrário do que esperavam, a jurada não seria eu, mas os jurados do grupo A eram os do grupo B e vice-versa. Ao se encontrarem nem pareciam serem os mesmos adolescentes, ali reunidos, interagindo. As apresentações e as votações foram animadas e defendidas. Eles queriam sair vencedores por seus próprios métodos. E conseguiram, pois, todos foram premiados, afinal eram jogos cooperativos e cada um mereceu o seu prêmio material e emocional. Estavam felizes. Nós encontramos mais algumas vezes para as comemorações de final de Ano e conversávamos como amigos, relatavam o que estavam fazendo e os planos para o futuro. Os dois adolescentes “mais difíceis”, não sei se é bem esse termo, talvez os que necessitaram de uma apuração melhor de minha parte, me deram o maior dos alentos, “Nós vamos poder continuar, a Senhora vai voltar?” Ouvia essa fala como: “Algo ficou em nós”. Ainda mantenho contato, acompanhando a mudança de estágios de cada um, dentro do programa da Paróquia e espero retornar. Foi importante constatar a abertura manifestada ao novo e as próprias possibilidades, a visualização e a criação de perspectivas para um futuro construído a partir de si mesmo. A realidade é dura, sem dúvida, mas é passível de transformação. Se todos fizermos, a nós mesmos, a nossa parte. “A gente precisa saber o que quer é não dar ouvidos pros outros, né professora?. Seguir em frente”. Visualizando o Ciclo Início: Adolescentes resistentes, com um grau elevado de rebeldia e apresentando problemas comportamentais. JOGOS Finalização: Adolescentes cooperativos, participativos, criativos e motivados. JOGOS “O jogo - Começou há milhares de anos, quando membros das comunidades tribais se uniam para celebrar a vida.” (ORLICK apud SOLER, 2003, p.19) JOGOS COOPERATIVOS COOPERAÇÃO: “é um processo de interação social, em que os objetivos são comuns, as ações são compartilhadas e os benefícios são distribuídos para todos” (BROTTO apud SOLER, 2003, 23). JOGOS COMPETITIVOS COMPETIÇÃO: ”é um processo de interação social, em que os objetivos são mutuamente exclusivos, as ações são isoladas ou em oposição umas às outras, e os benefícios são concentrados somente para alguns (BROTTO apud SOLER, 2003, p. 23). O jogo pode ser um valioso instrumento para a Arteterapia, pois as atividades que envolvem o jogo favorecem muito o autoconhecimento, o processo de desenvolvimento e o aperfeiçoamento pessoal e, ainda pode ser um recurso de avaliação. Os jogos possibilitam desenvolver capacidades como disciplina, observação, perseverança, concentração e flexibilidade. Desenvolvem a comunicação por meio da linguagem verbal e não-verbal, estimulam a capacidade de memorização, percepção, paciência, observação, autocontrole, noção de limites, raciocínio, criatividade, capacidade de analisar, discriminar, sintetizar e simbolizar. Ao propor o trabalho com jogos o objetivo era ajudá-los a tomar consciência de si mesmo e de sua existência no mundo. O modo como cada adolescente se comporta nos jogos é um bom indício de como está atuando na própria vida. Os jogos ajudam o adolescente a aprender a como se relacionar com os outros e tendem a fortalecer a autoconfiança e as atitudes práticas do dia-a-dia. Os jogos não são meras descontrações ou divertimentos; eles podem ser grandes termômetros de trabalho, ajudando-nos a conhecer melhor os adolescentes. Os jogos e que podem ser adaptados para todas as idades, para qualquer pessoa e qualquer tipo de situação ou grupo e podem, também, ser trabalhados em contextos de situações-problema. Atualmente, uma forma de ensinar muito valorizada (MACEDO, 1999). Quando se trabalha com situações problemas os jovens são desafiados a observar e analisar aspectos importantes, geralmente, os objetivos almejados. As formas de se trabalhar, as técnicas e as dinâmicas são inúmeras. A utilização dos jogos auxilia muito no processo de crescimento e na resolução de situações problemáticas. Ao se utilizar esse instrumento de trabalho é necessário antes de tudo despertar, na população, a motivação e o prazer pelo mesmo. Os jogos aguçam o desejo de colaborar ou de enfrentar o desafio de resolver um problema, despertam aspectos afetivos importantes como: prazer, alegria, tolerância à frustração, espírito lúdico e atitudes necessárias à resolução de problemas e outras coisas como, atenção, concentração, disciplina, perseverança, calma, flexibilidade e criatividade. Atitudes fundamentais no nosso cotidiano. Envolvem vivência, reflexão e transformação. E como escreveu o poeta francês Guillaume Apolinaire (1880-1918): “Venham até à borda, ele disse. Eles disseram: Nós temos medo. Venham até à borda, ele insistiu. Eles foram. Ele os empurrou... e eles voaram.” “Os jogos cooperativos viabilizam um desenvolvimento total do ser humano, pois desenvolvem aspectos físicos, psicológicos, afetivos e sociais. Possibilitam o auto reconhecimento, a valorização e fundamentalmente a sensação de inclusão.”24 Figura 11 “ A gente começa a ver que é sempre melhor ajudar, fazer junto. Junto a gente tem mais força...” G. 15 anos. Figura 12 “ Nós podemos fazer muitas coisas, até ser boneco e falar coisas pras outras pessoas.” J. 14 anos. 24 Aparecida dos Santos (outubro/2006). MÚSICA “A regeneração de um centro pessoal atrofiado... só pode ser alcançada por alguém que apreenda, com o olhar profundo do médico, a inteireza latente encoberta da alma sofredora.” (BUBER, 1958 p. 133) A música é fisiológica, emocional e mental. A palavra é uma forma de música. A melodia surge com a sucessividade dos sons e som é tudo o que entra nos nossos ouvidos. A música mexe com a história pessoal de cada um. Ao se usar a música como instrumento de trabalho deve-se considerar todo o contexto em que ela está inserida, por exemplo: a época, os instrumentos utilizados, os acessórios pessoais etc. Ao ouvir uma música é interessante desenvolver a percepção auditiva, além da emocional, ou seja, estar atento ao seu ritmo, pulso, compasso e melodia. A música como energia tem um poder extraordinário. Sempre que estivermos no campo audível da música, sua influência atuará constantemente sobre nós acelerando ou retardando, regulando ou desregulando as batidas do coração; relaxando ou irritando os nervos, influindo na pressão sanguínea, na digestão e no ritmo da respiração. Como na música, assim na vida. (axioma) Criam os antigos que a música tinha o poder de fazer envolver ou degradar completamente a alma do indivíduo e por esse modo fazer ou desfazer civilizações inteiras. Acreditavam que a música tinha o poder de influir no ritmo dos pensamentos, na melodia das suas emoções e na harmonia de sua saúde corporal e estilo de movimento. Determinava o tipo dos nossos pensamentos e atos. “As palavras que exprimem sentimentos, sensações, emoções ou certos estados espirituais e mentais não são capazes de fazer mais do que arranhar de leve a superfície das respostas interiores que as formas e ritmos das ações corporais têm condições de evocar...” (LABAN, 1978, p. 141). Viam a música como molde para a sociedade, ditadora de padrões de comportamento de acordo e a partir de seus próprios padrões íntimos de ritmo, melodia, moral. Daí observarmos a música que temos na sociedade em que vivemos e verificarmos o axioma. Os imperadores chineses acreditavam, em particular, que todas as civilizações se afeiçoavam e se moldavam de acordo com o tipo de música que nelas se executava. Confúncio acreditava que a música possuía uma significação oculta que fazia dela uma das coisas mais importantes da vida. Energia pura. Na mesopotâmia, na Índia e na Grécia a música tinha a mesma conotação. Diferente da que temos hoje, como um entretenimento sem importância prática. Eles viam a música como uma força tangível que poderia ser aplicada com o fim de criar mudanças para melhor ou piorar o caráter do indivíduo e o que mais importa a sociedade como um todo. Todos nós aspiramos a uma vida que tenha sentido. Todos nós aspiramos a uma vida em que todos participem na descoberta desse sentido. Todos nós aspiramos à participação numa história feita por todos e para todos e não imposta por alguns e para alguns (KOELLREUTER, 1994, p. 1). Atualmente observamos como as classes se identificam e se distinguem por seus sons musicais. Sendo, portanto, efetivamente uma porta de acesso ao universo pessoal. Improvisar e logo escutar é uma experiência fundamental para todas as pessoas, porém mais especificamente para aquelas que não podem valorar adequadamente suas próprias produções musicais. Nestes casos será ainda mais importante recordar o efeito vitalizador das oportunas palavras e frases de estímulo (Que bom! Está muito bem! Vá em frente!), como as que são pronunciadas por “fãs” durante a atuação do artista admirado. Esta ponderação se estende, com freqüência , aos erros ocasionais que, muitas vezes, produziram os efeitos mais interessantes durante uma improvisação dirigida. O aluno será, desta forma, induzido a escutar novamente a gravação em sua casa e, talvez, se surpreenderá a posterior com o que ele foi capaz de produzir (GAINZA, 2006, p. 22). Figura 13 e 14 “ Quando a gente canta, dança é como se a gente fosse livre...” P.-14 anos Figura 15 e 16 “A vida é dura, fessora...as letra conta a história dos pobres...” D. 15 anos RAP DO GRUPO Espancado prá fica no farol, a noite toda. Até que um dia ganhou uma arma, prá atirar em quem o espancava e o chamava de traficante. O amor contra a guerra Mas, descobriu que a vingança não valia à pena. Pensamentos que voam com o vento Prá se livrar dos maus, gostar de alguém e se preocupar, Querer o seu bem. Sai andando... O amor venceu a Guerra. CONSPIRAÇÃO Criança “O melhor teste que uma criança pode fazer é o do que diz, é a revelação de sua riqueza interior [...] As sementes plantadas no coração da criança germinarão em riso se ela receber o adubo do amor e da segurança. “Ouçam e aprendam com as crianças. Tudo o que sei foram elas que me ensinaram”. (Pedro Bloch, 1993) População: Crianças Sexo: Feminino/Masculino Idade: 6 anos Local: Creche Municipal Trabalho: Individual (Duas crianças) Proposta: 10 (dez) encontros Perfil: Crianças extremamente carentes, com problemas de comportamento/agressividade e dificuldades nos relacionamentos. Apresentavam quadro de violência doméstica. “Por conseguinte, teremos de começar pela vigilância sobre os criadores de fábulas, para aceitarmos as boas e rejeitarmos as ruins. Em seguida, recomendaremos às mães que contem a seus filhos somente as que lhe indicarmos e procurem amoldar por meio delas as almas das crianças com mais carinho do que por meio das mãos fazem com o corpo.” (República, Livro II, 377 b). Diante do quadro apresentado, pela Instituição, foi estabelecido como objetivo de trabalho proporcionar um espaço seguro, confiável, amoroso e acolhedor àquelas crianças, que favorecesse o seu desenvolvimento e, consequentemente, a expressão de suas potencialidades; possibilitar o desenvolvimento da auto-estima, da confiança, da elaboração de valores, do reconhecimento de sentimentos e, possivelmente, de condições para a construção da sua individualidade. Com atenção à realidade familiar, às crianças serão dado os nomes de João e Maria. Maria é bem comunicativa e não apresentou nenhuma dificuldade em estabelecer contato. Possuía muita dificuldade de concentração, dispersava-se o tempo todo, e não concluía nenhuma das atividades propostas. A pintura e o desenho não conseguiam manter a sua atenção, mas em todas as pinturas e desenhos estava presente o imaginário. Evitava falar sobre si mesma. João era mais introvertido. Nos primeiros encontros não conversava, ficava envolvido com os materiais e atento aos movimentos. Aos poucos foi se abrindo e falando um pouco sobre sua família. Suas condições de vida eram bem precárias. Manifestava um enorme interesse por tintas e combinações. Os atendimentos, a princípio, eram individualizados, após algum tempo conclui-se que poderia ser desenvolvido um trabalho em dupla. O entrosamento entre os dois foi de imediato e pelas afinidades apresentadas aconteceu a escolha de uma técnica específica de trabalho. Trabalhamos com o lúdico, utilizando as histórias como carro-chefe. Trabalhamos com histórias selecionados tanto por mim quanto por eles. Após a leitura, desenvolvíamos atividades em desenho ou pintura, sendo que, agora, apresentavam maior grau de identificação e compunham imagens e davam continuidade às histórias ouvidas. É muito interessante trabalhar a criação de histórias, pois muitos dos relatos familiares e das situações vivenciadas no dia-a-dia deles foram obtidos por meio das histórias continuadas, que eles completavam. “Podia ser de verdade...”, era ouvido muitas vezes. A cada encontro eles se mostravam mais integrados e compartilhavam de um universo à parte ao meu, como se a idade adulta tivesse confiscado o meu passaporte a esse mundo. No entanto, sentia internamente o germinar da semente naqueles pequeninos seres. Sorriam e dançavam. “Já acabou?” Infelizmente, em meio a proposta do trabalho, Maria foi retirada da creche pela mãe, com a justificativa de mudança de endereço, deixando-nos completamente impotentes. São esses fatos que evidenciam o quanto a história dos filhos está totalmente atrelada à história de seus pais, e o quanto a sociedade brasileira é ineficiente na proteção dos menores e da instituição familiar. Tentamos conseguir o novo endereço, sem sucesso e só nos resta, rezar por Maria e atuar para que realidades como essa deixem de acontecer, reinvindicando e não nos omitindo em situações passíveis de interferência, fazendo algo além do que é possível, verbalizando e dissipando informações. Continuei trabalhando com João, que não conseguia entender porque Maria havia “nos abandonado”, e dizia: “Agora que ia começar a história da bruxa boa...”. Respeitando o sentimento e a sensação de estranheza que se manifestou nos dois primeiros encontros, sem a presença de Maria, retomamos o ritmo normal e João desejou que criássemos os personagens em bonecos: “De verdade!”. Descobriu os fantoches. Os materiais o encantavam, até porque era o mais próximo que chegava de brinquedos e materiais coloridos, e não sei o que brilhava mais, se os seus olhos ou a sua imaginação. Fazia-me vestir com algumas peças de roupa para acompanhá-lo na sua fantasia. Era sempre um lutador, não tinha medo de nada e me defendia dos monstros. Às vezes parava no meio da brincadeira e dizia: ”Não quero mais.”, com um olhar triste, como se perdesse internamente a batalha, o que certamente acontecia na vida real. Era vítima da agressão do pai. Sentava e pedia para brincar de carrinho. Era apenas um menino. Contudo, chegou a informação de que ele estava menos agressivo em sala de aula e parecia mais atento à fala da professora. Já era um progresso. Veio o final do ano letivo e tivemos que interromper para as férias escolares. Ao retornar o ano letivo, algumas crianças haviam sido reloteadas para outras creches, por determinação Municipal, entre elas, João. Com dificuldade a creche em que João estava foi localizada, mas esta não foi receptiva ao trabalho arteterapêutico. No entanto, foi possível falar com ele e esclarecer o ocorrido e no momento, aguardo uma autorização do Conselho da Creche para continuar o trabalho interrompido, acreditando que a ponte continua viva e que retomaremos o nosso caminho. Visualizando o Ciclo Início: Duas crianças emocionalmente e com comprometidas problemas comportamentais. Finalização: Estávamos caminhando para a cooperação criatividade. e o desenvolvimento da LÚDICO “O brincar das crianças no consultório do terapeuta é proveitoso para outros propósitos além do processo direto de terapia. Brincar é divertido para a criança e ajuda a promover a afinidade necessária entre o terapeuta e a criança.” (OAKLANDER, 1980, p. 189). O processo de trabalho com a criança é um acontecimento suave de integração. Terapeuta e paciente tornam-se únicos durante as sessões e ocorre entre os dois uma delicada fusão. Quando a criança compartilha suas brincadeiras, suas experiências de desenhar, pintar, ela está compartilhando a sua forma de ser, num processo de autodescoberta. Geralmente, as crianças que apresentam dificuldades não vivenciaram, devido a alguma deficiência de contato, esse processo, cujos instrumentos de contato são o olhar, o falar, o tocar, escutar, mover-se, cheirar e sentir o gosto. Não se relacionaram de forma a experienciarem a autodescoberta. Ao eleger o instrumento lúdico para trabalhar com as crianças, a meta era desenvolver o senso de “Eu interno”, de confiança e segurança. Ajudá-las a se sentirem fortalecidas, a verem e a se relacionarem com o mundo à sua volta; além de dar-lhes condições de se estruturarem e, a partir de então, abrirem-se para assumir a responsabilidade sobre suas vidas. Brincar de situações é a forma que a criança usa para experimentar o seu mundo e aprender mais sobre si mesma, portanto, brincar é algo essencial para o seu desenvolvimento sadio. A brincadeira é algo sério, dotado de sentido, e por meio delas a criança desenvolve o seu lado físico, mental, emocional e social. O lúdico permite à criança adquirir novas experiências frente à realidade que a rodeia, fazendo-a desfrutar de uma crescente compreensão e capacidade para manipular tanto a realidade que a cerca como a do seu mundo interior. Cada vez que você e eu desenhamos, pintamos ou modelamos, estamos vivenciando ativamente um evento: nosso próprio evento experiencial. Cada linha que você traça é unicamente sua: as que eu desenho são individualmente minhas: cada um de nós está envolvido num acontecimento pessoal [...] o seu desenho tem muito a ver com você – com a forma como você vê, sente, pensa e com o jeito que você percebe. Quando você faz uma atividade artística, está se experienciando; o que você produz é despersonalizado, mas vem de um você muito personalizado (RHYNE, 2000, p. 40). Figura 17 “Aqui é a casa da bruxa...” M. - 06 anos Figura 18 “Aqui vai se a casa da Branca de Neve...”J. – 06 anos QUATRO ESTAÇÕES Elaboração- Atendimento Duração-Local “Entrar realmente no mundo do outro, com aceitação, cria um tipo de vínculo muito especial que não se compara a nenhuma outra coisa que eu conheça.” (ROGERS, 1986) ELABORAÇÃO DAS PROPOSTAS Ao reavaliar o trabalho desenvolvido durante a minha pesquisa observei que o processo de desenvolvimento ocorre em quatro fases: Criação do vínculo Na relação terapêutica a criação do vínculo é condição imprescindível, sem ela não há estrada a percorrer. Ela pode ocorrer no primeiro encontro, no segundo ou no último. Esse tipo de vivência nos remete a uma consciência sensorial de que meses podem equivaler a segundos e segundos a uma eternidade. É um processo que exige honestidade, comprometimento, abertura e principalmente Amor. Dando passos Constitui-se no trabalho terapêutico em si, no desenvolvimento e na busca dos objetivos almejados quando da elaboração da proposta. Avaliação/reavalição/definição/redefinição/adaptação e foco. Emersão da confiança, do entrosamento e da cumplicidade. Amadurecimento e construção da estrada pessoal. Valorizando pegadas Faz se necessário levar o paciente a rever o caminho traçado, as dificuldades vivenciadas, as vitórias alcançadas, as transformações manifestadas. Momento de coragem, de evocação, de olhar para si mesmo. Hora do partilhar ombros e fé, de deixar ficar o que tem que ficar e responsabilizar-se pela eleição do que deve seguir. Solidificação da relação terapêutica. Mirando o horizonte Fechamento de trabalho, pavimentação de parte de uma estrada. Tempo de respirar, de integrar, de se apropriar e continuar a criar, a caminhar. Oportunidade única de crescimento, não somente para o paciente, mas, também para o profissional, que tem como missão: libertar para a vida. O objetivo da psicoterapia é a cura. A cura que se realiza por meio do relacionamento entre dois seres humanos – entre duas pessoas – propiciando o primeiro passo em direção a caminhada individual. ATENDIMENTO Grupo Individual Outro fato importante, durante as vivências, foi observar que as populações podem obter resultados distintos dependendo da configuração do atendimento. Grupal O trabalho desenvolvido com as senhoras de terceira idade ocorreu em grupo e, parece ter sido o mais indicado. Pôde ser percebida a necessidade de compartilhar experiências, sentimentos e recordações que são fundamentais para a liberação e expressão interna dessa faixa etária. A afinidade com companheiras de mesma idade e de situações similares remetem a uma cumplicidade e induzem a uma força transformadora que, creio, individualmente seria mais árduo adquirir. O mesmo ocorre com a faixa etária dos adolescentes, a necessidade de viver em grupos, de estar incluso, pode ser revertida numa energia impulsionadora de liberdade e individuação. “Formar, desfazer e transformar grupos [...] é um exercício que pode nos preparar para circular com maior leveza, flexibilidade e prazer pôr entre os vários contextos que vivemos no dia-a-dia” (BROTTO apud SOLER, 2003, p. 29). Individual No atendimento individual, cuja experiência ocorreu com o atendimento infantil, percebeu-se que após o trabalho individual a facilidade de inclusão a um grupo é muito maior, assim como a capacidade de adaptação e flexibilidade frente a outras situações. O despertar do “indivíduo” já está acionado. TEMPO Duração das atividades “Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei Transformai as velhas formas do viver Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei” 25 25 GIL, Gilberto.Cantor e compositor. O fator tempo é de suma importância na elaboração de um projeto ou proposta de atendimento. Esse dado, durante o trabalho desenvolvido, foi se apresentando à medida que se iniciava uma nova proposta. Os grupos se posicionavam originalmente – singularmente - dando claras demonstrações de que existe um tempo interno e um tempo externo. Com as idosas, o trabalho com encontros transcorreu de forma estruturada e planejada. Estabelecemos metas por encontros e elas conduziram placidamente ao objetivo. Em razão dessa experiência vemos que, com esta população, é possível se trabalhar em duas frentes: trabalhos diários, com “começo-meio-fim”, ou com uma proposta a longo prazo. Sendo que podemos pontuar que os diários repercutem de forma mais inspiradora e “viva” no interior delas. No trabalho com os moradores de rua, a necessidade de um tempo maior mostrou ser o mais adequado, isto é, o trabalho a longo prazo. Constitui-se numa população em que o vínculo afetivo é extremamente difícil de se estabelecer e o processo de desabrochar é muito dificultoso. Com o contato, a ambientalidade e a segurança, a disponibilidade para o novo se manifesta. O mesmo serve como parâmetro para os casos que apresentam problemas psíquicos. Ressalvando, o vínculo está fora dos conceitos racionais, ele pode se manifestar de imediato ou após semanas. Com os adolescentes o tempo é essencial para a obtenção de resultados efetivos. As dificuldades de adequação, os conflitos e as inseguranças, assim como, o pseudo desconhecimento da maioria sobre si mesmo, cria barreiras ao estabelecimento de afetos. Razão pela qual o tempo é essencial para essa integração. Quanto às crianças, apesar de o trabalho não ter sido concluído parece ser aconselhável uma proposta a longo prazo por permitir o acompanhamento de um processo de crescimento e elaboração. A criação de uma história com começo, meio e fim. LOCAL Instituições Quando a profundidade da nossa inteligência e cuidado brilha no nosso trabalho, a vida fica mais rica e equilibrada. Guiadas pelo conhecimento interior e iluminadas pelo insight, nossas atitudes e ações naturalmente se dirigem à realização plena. Ao invés de confiar em opiniões e crenças e procurar orientação fora de nós mesmo, podemos fundamentar nossas vidas nesta fonte segura de insight e compreensão. Podemos incorporar os valores que dão à vida significado e plenitude (TULKU, s/d, p. 18). A escolha do local onde ocorrerão os atendimentos, não pode em momento algum ser desconsiderada ou subjugada. Nas vivências, aqui relatadas, apareceram oportunidades interessantes de observar as posturas diferenciadas quanto à recepção – abertura – ao trabalho proposto. Torna-se difícil imaginar que instituições públicas ainda cerceiem a apresentação do novo, impeçam a proliferação de saúde por questões meramente burocráticas ou por total ignorância e acomodação ao sistema pré-estabelecido. A aquisição de um espaço dentro dessa estrutura exige uma postura amorosa, de confiança, de determinação e, principalmente, segurança e credibilidade no trabalho que está sendo apresentado. Nos locais em que o trabalho foi conduzido percebia-se nitidamente um complô inconsciente (ou consciente) para que tudo permanecesse como estava, num culto às tradições e aos ditos padrões de comportamento. Mesmo diante das dificuldades impostas no dia-a-dia, o trabalho foi realizado, mas com a consciência de que, a partir do momento que terminasse todo o trabalho no local estaria fadado a ruir. Sem expectativas. Ressalva-se que as expectativas e objetivos almejados, no início da proposta, devem considerar a realidade vivenciada pela instituição; evitando-se dessa forma que objetivos prolíferos sejam abortados pelo caminho pela falta de conhecimento ou maturidade social. As transformações sociais não ocorrem do dia para a noite. O primeiro passo é adentrar ao sistema: conhecer, compreender, analisar, observar e concluir qual a melhor forma de relação. A consciência implica desenvolver simultaneamente a vivência e o processo intelectual, e a comparação é o melhor meio para promover o processo de conscientização (KOELLREUTTER, 1994). O SER TERAPEUTA O papel do ARTETERAPEUTA O SER TERAPEUTA O papel do ARTETERAPEUTA “Quando o meu estado é ótimo, seja como facilitador de grupo ou como terapeuta, descubro outra característica. Quando consigo aproximar-me ao máximo do meu íntimo e intuitivo mim-mesmo, quando de algum modo entro em contato com o desconhecido em mim, quando me encontro talvez em um estado ligeiramente alterado de consciência, faça o que faça pareço possuir propriedades curativas. Em tais circunstâncias, minha simples presença é liberadora e útil aos demais. Nada posso fazer para forçar esta experiência, porém, quando consigo relaxar-me e aproximar-me de meu núcleo transcendental, minha conduta torna-se estranha e impulsiva, sem justificativa racional, nem vínculo algum com os processo de meu pensamento. Sem dúvida, este estranho comportamento, de algum modo singular, acaba sendo correto: é como se meu espírito interno se estendesse para alcançar o do meu interlocutor. Nossa própria relação transcende e se integra a algo mais amplo. Nos encontramos então ante a presença de um profundo crescimento, cura e energia.” (Carl Rogers, aos 78 anos, 1986 apud BASSO, 2000) Ser um Arteterapeuta (Terapeuta), no sentido de atuação horizontal, é ser aquele que cuida de si mesmo, que cuida do seu paciente, da sua família, do seu trabalho, enfim, das pessoas que o cercam. Contudo o compromisso do Arteterapeuta se estende também a dimensão vertical, ao compromisso com o planeta e com a espiritualidade, com a parte do ser não condicionada do indivíduo, com a Consciência. “Somos não apenas profissionais da cura, mas, acima de tudo discípulos da Vontade Divina.” (BASSO, 2000, p. 134). Ao assumir o papel de Arteterapeuta é preciso estar ciente de que alguns compromissos consigo mesmo deverão ser assumidos, são compromissos essenciais a quem se propõe a auxiliar a transformação do outro. São compromissos de aperfeiçoamento profissional e de autoconhecimento. Adolf Guggenbühlg-Craig nos diz que somente o analista apaixonadamente envolvido na sua própria vida, na sua trajetória, poderá ajudar seus pacientes a encontrarem seu caminho. E acrescenta: “Nesse sentido é bastante verdade, como nos diz Jung, „o analista só pode dar a seus pacientes aquilo que possui’” (1978, p. 66). O Arteterapeuta tem que disponibilizar ao mundo aspectos qualitativos como: integridade, responsabilidade, coerência, Ordem e Ritmo, Beleza, Hamonia, Tolerância, Discrição, Alegria, Propósito claro de vida e Amor a si mesmo. Cuidar do Ser – “É o mesmo que dizer que devemos “cuidar” particularmente daquilo que não é doentio nem mortal em nós...Assim, o olhar do Terapeuta não está voltado em primeiro lugar para a doença ou para o doente, mas para aquilo que se acha fora do alcance da doença e da morte dele... (LELOUP, 2003, p. 99). Ao estar frente a uma pessoa o Arteterapeuta deve ter consigo que está diante de um Universo. Cada pessoa é um Universo e traz registrada em seu corpo as marcas da sua existência, é preciso todo o cuidado ao tocá-la. Se esse toque for feito pelo Ser, não há como ferir. Ao Arteterapeuta é de vital importância o seu centramento e o seu respeito. Deve estar cônscio da importância do seu trabalho pessoal, do cuidar de si, do estar em equilíbrio, atento a sua voz interior e ao seu processo; e ter presente que o interessante é o cliente a sua frente, o desenvolvimento do processo do seu paciente, e atuar de forma interativa e curativa. Permitindo que as energias superiores fluam livremente e exerçam o seu papel reconstrutor das cadeias energéticas. Que por vezes se encontram desequilibradas ou rompidas. Reatando a grande teia energética que compõe o ser humano e os seus corpos. A sombra de Deus é o seu Logos [...] O Logos é o pensamento de Deus em ato de criação, e é esse Logos que o Terapeuta tem o dever de escutar em tudo o que encontra, o que lhe permitirá a aprender cada coisa como viva, como energia, e não só como matéria. Toda realidade é dinâmica, está sempre “em gênese”. Contemplar o mundo como “um filho gerado sem cessar”, ou seja, considerar os entes na claridade da Bondade que os faz ser... (LELOUP, 2003, p. 97). As sessões terapêuticas devem ser visualizadas como momentos de cura , O terapeuta tem de criar “um ambiente em que se possa estar, segura e tranqüilamente, em cacos e pedaços, sem o sentimento de estar se desmanchando” (PHILLIPS apud BELLO, p. 79). É um momento onde o Arteterapeuta tem que estar liberto dos condicionamentos mundanos para não se envolver e se ater ao problema apresentado pelo paciente. Ele precisa estar focado no seu Ser e levar o paciente a focar o seu. Almejando desta forma o centro do Ser, local da intereza e plenitude, onde não há espaço para os problemas. O processo terapêutico não é um processo mecânico de mudança ou de transformações pragmáticas no cotidiano, mas, uma proposta de caminho e de uma jornada testemunhada e partilhada por um Arteterapeuta (BASSO, 2000, p.146-148). Ser Arteterapeuta é dedicar-se a cuidar do processo de desenvolvimento do outro e do próprio processo. A busca pela Consciência Universal e que irá propiciar ao Arteterapeuta a sua interação e a sua forma profícua de atuação. Segundo Fílon, os terapeutas “se entregam à contemplação da natureza e vivem com a alma unificada (psychèmone)” (90). Acredita que o mundo não precisa ser visto, visto realmente como ele é. A perda das faculdades contemplativas nos afasta do sentido real. A missão do ser humano não é tanto fazer, mas ser, ser com. Segundo ele, os Terapeutas oferecem um espaço de silêncio e solidão onde o ser humano pode encontrar “a sua verdadeira natureza”. A terapia propiciaria um “viver com a alma unificada”, viver neste mundo, neste corpo, como se habitássemos um templo, como se o nosso corpo fosse um local de passagem, exaltando o espírito que habita aquilo que o próprio Deus criou. Nestes termos terapia é cuidar do corpo, do eu e do mundo, abrindo-os “Àquele que É” à sua Paz (LELOUP, 2003, p.135). CONSIDERAÇÕES FINAIS CONSIDERAÇÕES FINAIS Cuidar do corpo de alguém é prestar atenção ao sopro que o anima. Para os antigos hebreus, a doença e a morte se achavam ligadas a uma “perda” ou a uma falta de ar (sopro). Ressuscitar, fazer alguém voltar à vida, era fazer novamente circular o ar (sopro) nos membros da pessoa. Quando quer „chamar‟ um ser humano a si, Deus lhe „retira‟ o sopro e o corpo da pessoa volta ao pó da terra. O composto animado se decompõe, volta ao inanimado. Nossa vida depende de um sopro, o Terapeuta cuida desse sopro que informa o corpo. Curar alguém é fazê-lo respirar: „pôr o seu sopro ao largo‟ (sentido da palavra „salvação‟ em hebraico), e observar todas as tensões, bloqueios e obstruções, que impedem a livre circulação do ar (sopro), ou seja, a plena expansão da alma num corpo. Caberá ao terapeuta a função de “desatar” esses nós da alma, esses obstáculos à Vida e à Inteligência criadora no corpo animado do ser humano (LELOUP, 2003, p. 70-71). Por meio deste trabalho é possível vislumbrar a amplidão e a responsabilidade adquirida quando da assunção da Arteterapia como instrumento de trabalho. A Arteterapia possibilita ao indivíduo, geralmente envolto a tantas personas impostas durante uma existência, a descoberta da sua individualidade. Propõe um verdadeiro desafio: a audição ao chamado interno e a criação do próprio caminho. A sua forma de atuação, transdisciplinar, clarifica os instrumentos como meios de comunicação, de diálogo, com o outro. Devolvendo a cada pessoa a liberdade e a responsabilidade pela sua trajetória. A escolha pela desenvoltura do papel do Arteterapeuta exige comprometimento, honestidade e lealdade aos princípios éticos, assim como, uma consciência sistêmica da dimensão de cura atribuída aos Terapeutas, desde Alexandria até os dias de hoje, e da missão de atuar como um re-ligare a vida Una. Ter incorporado que tornar a realidade cotidiana e a dos dias vindouros, atreladas às transformações planetárias, em experiências de lapidação, elevação e integração do Ser é uma escolha pela vida. “Te digo estas coisas para que as saibas. Toma o que pode usar delas e deixe o resto para trás. Apanhe tudo do que necessitas e saí em uma jornada pela tua vida...Se estas perdido, olha o céu noturno, as estrelas que cantam te guiarão. Quando se sentir triste e sem forças, escuta o Tambor do Sonho dentro de ti que é o teu próprio coração, ali dentro se faz sua verdadeira visão...Não temas o fim da viagem, é somente o princípio de algo que é novo, de uma verdadeira e grande aventura!” Mama Julia Farfan (Curandeira Peruana) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLESSANDRINI, C. D. Oficina Criativa e Psicopedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. A MÃE. Tesouro de Luz. 2ª ed. Tradução de Thalysia M. P. Kleinert. São Paulo: Shakti, 1993. ARCURI, I. G. (org.) 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