aparecida dos santos a arteterapia como instrumento de individuação

Transcrição

aparecida dos santos a arteterapia como instrumento de individuação
FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE - FIZO
ALQUIMY ART
A ARTETERAPIA
COMO INSTRUMENTO DE INDIVIDUAÇÃO
APARECIDA DOS SANTOS
OSASCO - SP
2007
APARECIDA DOS SANTOS
A ARTETERAPIA
COMO INSTRUMENTO DE INDIVIDUAÇÃO
Monografia apresentada à Faculdade de
Integração Zona Oeste - Fizo e ao Alquimy Art,
de São Paulo como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Especialista em
Arteterapia.
Orientadora: Profª. MsC. Deolinda Fabietti
Osasco – SP
2007
SANTOS, Aparecida dos
A Arteterapia como Instrumento de individuação/ Aparecida dos
Santos – Osasco – SP: [s.n], 2007.
155p.
Orientadora: Profª Msc. Deolinda Fabietti.
Monografia: (Especialização em Arteterapia) Faculdade de Integração da Zona
Oeste - FIZO e Alquimy de São Paulo.
1. Arteterapia
2. Transpessoal
3. Desenvolvimento humano
FACULDADE DE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE - FIZO
ALQUIMY ART
A Arteterapia
como Instrumento de Individuação
Monografia apresentada pela aluna Aparecida dos Santos ao Curso de
Especialização em Arteterapia em 20/05/2007 e recebendo a avaliação da
Banca Examinadora constituída pelos professores:
Profª. Msc. Deolinda Fabietti, Orientadora
Profa. Dra. Cristina Dias AlLessandrini, Coordenadora da Especialização
Profª. MsC. Regina Chiesa, convidada.
Busco com essa monografia partilhar as minhas vivências e
experiências adquiridas durante dois anos de estudos, pesquisas e
observações.
Os textos foram escritos de forma espontânea,
simples e direta. Sob um foco de que teoria e
prática interagem e se completam, como em um
dançar mágico do Yin e do Yang.
Dedico este trabalho
Aos meus irmãos
À minha família
A todas as famílias
e
A todos os Seres que compõem a
grande
Família Cósmica
AGRADECIMENTOS
Minha gratidão e minha reverência aos meus pais, por terem
aceitado a missão de sê-los e, em virtude disso, terem me
permitido vivenciar, entre tantas outras experiências, o
verdadeiro sentido das palavras: força, sabedoria, coragem,
superação e fé. O meu amor os envolverá por todo o sempre.
À você Sérgio,
My Sun Shine, por tudo o que você já sabe.
Ao meu desmistificador de aranhas,
Antônio Torres. A missão continua.
Ao Ser Deolinda Fabietti, minha Coordenadora, por sua
presença guia, inspiradora e, por partilhar da minha
trajetória.
.
Finalmente
A todas as pessoas que me permitiram e me agraciaram
com o partilhar de suas vidas e que, hoje, me são parte.
RESUMO
Esta monografia enfoca, dentro de uma visão transpessoal, o indivíduo e o seu
processo de individuação. Aborda, especificamente, questões sobre o estado
de plenitude do ser – definido, neste contexto, como paz - e de como a
Arteterapia pode interagir com esse processo. Apresenta um trabalho realizado
a partir de pesquisas envolvendo as quatro fases do desenvolvimento humano:
Velhice, Maturidade, Adolescência e Infância, em que materiais e técnicas
como o Barro, a Colagem, a Música, os Jogos e o Lúdico foram utilizados;
analisando tanto os aspectos estruturantes dos materiais como das atividades
desenvolvidas. Demonstra a importância do olhar teórico e sistêmico na
construção do íntegro papel do Arteterapeuta. Baseia-se nos fundamentos
teóricos de Carl Gustav Jung, Jean Yves-Leloup, Bernard Lievegoed e nos
conceitos da Arteterapia como um novo campo do conhecimento.
Palavras-chave: Arteterapia – Transpessoal - Desenvolvimento humano.
ABSTRACT
This monograph focuses the individual and his individuation process in a
transpersonal vision. It broaches, specially, issues about the state of wholeness
of the being, defined herein as peace, and how Arts Therapy can work with this
process. It presents a work developed from researches carried out on the four
stages of human development: Aging, Maturity, Adolescence and Childhood. In
this work, expressive resources and techniques as clay,
music, games and
playing were used and structuring aspects of these materials were analyzed as
well as the activities that were developed. This monograph demonstrates the
importance of the theoretical and systemic look in the construction of a sound
role of art therapist. It is based on the theoretical foundations of Carl Gustav
Jung, Jean Yves Leloup, Bernard Lievegoed and on the concepts of Arts
Therapy as a new field of knowledge.
Keywords: Arts Therapy – Transpersonal - Human development.
SUMÁRIO
I PARTE
APRESENTAÇÃO
-
Desvelando
12
ASPIRAÇÃO
-
O Indivíduo
17
II PARTE
REFERENCIAL TEÓRICO
24
DESENVOLVIMENTO HUMANO - Fases da Vida
25
-
ÂMAGO
32
-
A Psique
33
-
Processo de Individuação
41
-
ESTADO DO SER
49
REPAGINAR - Um olhar interno
60
A ARTETERAPIA - Como Instrumento de Individuação
69
III PARTE
VIVÊNCIAS – equipes de trabalho
82

INDIVIDUAÇÃO – idosos
81
 Barro
88



PERSONA – adulto
96
 Colagem
103
CREAR - adolescentes
111
 Jogos
117
 Música
121
Conspiração – criança
127
 Lúdico
133
IV PARTE
QUATRO ESTAÇÕES
137

Elaboração das Propostas
138

Atendimento
139

Tempo
140

Local
142
V PARTE
O SER TERAPEUTA
O PAPEL DO ARTETERAPÊUTA
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
152
Não (só)* desça. Não (só)* suba. Fica.
O mistério está na tua vida.
Mario Quintana
* nota pessoal da autora
DESVELANDO
DESVELANDO
ApresentaçãoApresentação
“Perguntei a uma criança, que caminhava com uma
vela: „De onde vem essa luz?‟ No mesmo instante
ela a apagou. „Diga-me para onde foi, que eu lhe
direi de onde veio‟.”
(IDRIES SHAH)
1
A arte sempre fez parte de minha vida, pelo que lembro, desde a infância. O
desenho e a pintura me atraiam e me mostravam a vida. Era o meu momento de
encontro, onde eu sabia “Ser” eu. Vivenciei, como ocorre com todos, batalhas e
guerras que me deixaram marcas e algumas cicatrizes e muitas ainda se
sobressaem. Nesses períodos nunca tive dúvida sobre o que gostava de fazer e o
que desejava profissionalmente para mim. No entanto, as vicissitudes da vida me
fizeram re-significar a minha escolha. Anos de trabalho em recursos humanos, com
moradores de rua, prostitutas e menores carentes, acrescidos por experiências
pessoais, me suscitaram o desejo de auxiliar as pessoas, ajudá-las a se
encontrarem. Constatei, nestas vivências e estudos, que o que mais aflige e
consequentemente desorienta as pessoas é a ausência do contato com eles
mesmos. O deslocamento do centro, a falta de individuação, do seu “Eu” verdadeiro.
Desejo, de alguma forma facilitar a busca por esse caminho. O caminho do encontro
ou do reencontro. Possibilitar a alegria da liberdade, da liberdade interna. Na busca
por esse meio foi que me deparei com a Arteterapia. Desconhecia essa área de
atuação e foi por uma revista que a descobri. A partir de então iniciei uma busca, via
Internet, por locais que ministrassem o curso. Dessa forma conheci o Alquimy Art,
1
Escritor sufi de origem afegã.
Trecho retirado de FELDMAN, C.; KORNFIELD, J. Histórias da alma. Histórias do Coração – Parábolas e
Narrativas do Caminho Espiritual nas Tradições e na Contemporaneidade. São Paulo: Livraria Pioneira,
1994
que possibilitou, juntamente com a Fizo, a oportunidade de unir o meu objetivo com
um curso de pós-graduação.
Durante o transcorrer do primeiro módulo tive uma comprovação de que estava no
caminho certo.
Era um grupo formado por pessoas que não se conheciam e que, portanto, nunca se
relacionaram; seres singulares e, a princípio, com um único ponto em comum: a
ARTETERAPIA.
Conotavam
a
arte
como
um
processo
de
criação
e
consequentemente de libertação.
Neste ponto, faço uma interação com o texto “A Conspiração Aquariana”, de
Ferguson (2003), em que se constatam pontos relevantes e, tão óbvios (para citar
Caetano Veloso), e que, no entanto permanecem ocultos.
A autora aborda a transformação pessoal como um processo que consiste em
“prestar atenção ao próprio fluxo da atenção” em colocar a mente como o nosso
veículo de transformação e permitir que ela revele a nossa capacidade indescritível
para a transcendência, pontuando o quanto é importante à evolução individual, uma
vez que é ela que conduz a uma evolução coletiva (2003, p. 65).
Somos seres condicionados a adotar (e adotamos!) comportamentos coletivos e
socialmente aceitos. Submetemos-nos e passamos nossas vidas divididas entre o
que os outros desejam de nós e aquilo que queremos para nós mesmos.
Adormecidos, vivemos pela metade. Negamos o que no íntimo sabemos, e nos
privamos da plenitude.
Somos envolvidos pela angústia, pelos conflitos e nesse ápice na necessidade de
romper com todos os grilhões, descobrimos que é a hora de nos posicionarmos.
...A vida quer viver.
É o “momento de atenção”, momento de estar atenta aos próprios conflitos, às
próprias tensões, angústias e medos; é hora de vivenciar essas experiências e
elevá-las à transformação. Vivenciá-las e acreditar na superação de tudo isto,
permitir a aparição daquela parte de nós que sabe mais e é mais bem informada do
que a nossa consciência ordinária.
Um processo que exige uma ação ativa, de criação e de libertação, uma assunção
das potencialidades e das responsabilidades. Assunção da individualidade, da
unicidade.
“Somos as abelhas do invisível. Loucamente juntamos o mel do visível para
armazená-lo na grande colméia dourada do invisível.”
(RILKE)2
Confesso que as vivências pelas quais passei me colocaram frente a frente com o
meu ideal, com o porquê de estar ali, freqüentando um curso tão distante da minha
cidade. Percebi que estou construindo a minha história e que a vida é um processo,
que estamos todos em pleno processo e precisamos aprender a lidar com as nossas
dificuldades e potencialidades, para, só então, podermos atuar, responsavelmente,
neste plano.
“Consciente ou não de teus passos prossegue.
Liberto ou não de laços, avança.”
(TRIGUEIRINHO, 1994)3
Algumas das vivências pelas quais tenho passado me reportaram à forma como
construí os meus desenhos e como os construo hoje, ou melhor, agora. Percebi que
2
RILKE. Rainer Maria (1875-1926) considerado um dos mais importantes poetas modernos da literatura e
língua alemã em “Carta a Hulewicz”.
3
TRIGUEIRINHO NETTO, José. Nascido em 1931, no Brasil, escreve obras filosófico-espirituais.
por diversas vezes pude instigar pessoas a descobrirem outras alternativas. Sempre
há outras possibilidades...
Perceber a necessidade de expressão e de condução, que algumas pessoas
manifestam, pelo receio do novo, do outro “eu” desconhecido.
No entanto, a partir do momento em que ocorre a sintonia, a sincronicidade passa a
atuar. A capacidade de se relacionar começa a emergir, deixando claro que a
comunicação ocorre independentemente do nosso “fiscal”, ela é inerente. Cabe a
nós gerenciarmos ou fluirmos para os nossos verdadeiros objetivos, aqueles que
não nos saem do olhar. A cumplicidade entre as pessoas é essencial para a
abertura de algumas portas. Nesse momento fica evidente que a Arte é pura
expressão. O respeito, o olhar, a invasão, o medo... a liberdade. Tudo ao alcance
das mãos. Posso perceber que estou em transformação... Foco as partes belas,
feias e as transformo no que é possível, ou no que posso, para dar continuidade a
minha história.
Quantas vidas nós teremos para ilustrar, contar, expressar. Quantos estarão por aí
sem saber onde se encontrar. A estrada é longa e contínua (mesmo com muitas
curvas, atalhos etc.), um re-significar constante da própria trajetória. Por isso é tão
fascinante e CRIATIVA.
ASPIRAÇÃO
O Indivíduo
Escolhi como tema da minha monografia o Indivíduo. Essa questão da
individualidade foi algo que sempre me acompanhou. Desde a infância me recordo
de estar envolta em indagações sobre as pessoas, sobre como elas agiam, porque
agiam daquela maneira, porque um era diferente do outro. Porque algumas pessoas
eram raivosas e outras meigas, algumas felizes e outras infelizes. Sabia, no meu
interior, que apesar dos fatores externos serem preponderantes, eles não eram os
únicos responsáveis. O que é um ser humano feliz, saudável?
Hoje me pergunto se somos capazes de intervir na trajetória de nossa vidas, ou na
trajetória da vida de outras pessoas,? Se somos passivos de um destino ou
construtores do mesmo? Se estamos a mercê de energias superiores ou
condenados a sermos uma “conseqüência” de um passado? Qual a importância da
mãe, do pai, da família, dos relacionamentos, do afeto, do amor, da segurança, da
confiança, do suprimento das necessidades físicas básicas... O que é preponderante
na formação do indivíduo, ou não existe preponderância? O que é “majorante no
sistema”? Qual o papel da educação convencional na formação da individuação, o
ambiente intervém diretamente na formação de um ser saudável? A nossa história
iniciou-se na concepção, na forma como fomos gerados? A história de nossos
antepassados, a história de nossos pais interagem em nossa vidas? O que é, do que
é composta a nossa individualidade?
São questionamentos que me faço a todo tempo. Desejo compreender e aclarar
melhor esse Universo. Quero compreender as etapas do caminho e entender o que
diferencia um ser humano do outro. Reconhecer o que é essencial para que um ser
seja saudável. Na minha definição um ser saudável é uma pessoa plena, íntegra, em
paz consigo mesma. Quero reconhecer a minha trajetória e aperfeiçoá-la para
auxiliar outras pessoas a fazerem o mesmo com as suas vidas e a repassarem isso
aos outros. Desejo dissertar sobre essa complexidade da formação da individuação
e sobre o que nos torna seres tão singulares, especiais e como podemos interagir na
construção do nosso álbum pessoal e orientar, pela Arteterapia, a construção de
outros, de forma a incitar uma busca pela integralidade, o encontro de si mesmo, o
encontro do seu “EU” verdadeiro.
Entender o que é o ser humano, físico, mental, emocional, espiritual. Entender esse
milagre e por meio dessa apreensão assistir pessoas no processo de eliminação da
angústia, da solidão, da exclusão, da rejeição e do sofrimento.
Na pesquisa que desenvolvi, junto a um Asilo para Senhoras, pude perceber que
muitas das nossas referências e preconceitos quanto ao idoso, caem por terra,
assim como muitas ponderações vêm à tona. Nem santos, nem fantasmas, seres
humanos que envelheceram e que continuam a ter uma vida. Agora, talvez, nem tão
sua. Se é que algum dia foram donos dela. Onde se encontra a felicidade de
pessoas que foram deixadas pelas famílias? Abandonadas? Que comem o que o
cardápio oferece, que fazem o que está no programa, que dormem em quartos
coletivos, que esperam a visita de pessoas amadas e sonham com uma morte
breve? Essa foi a realidade que encontrei durante o período em que compartilhei da
vida de cinco senhoras. Mulheres que como nossas avós, nossas mães, como eu,
como minha filha, tiveram uma história, nasceram, foram criadas, estudaram,
namoraram, sonharam com um grande amor, com uma grande família, com a
felicidade. Senhoras que se viram de repente, sem família, sem um companheiro,
sem filhos, muitas delas (a grande maioria) sem “si mesmas”, abandonadas, velhas
e sozinhas, onde, como diziam, aguardavam a chegada da morte.
Porque o fato a se lidar é que não há perspectiva de “Futuro”, este não existe mais.
A vida se faz no presente – interessante que esta frase só obteve, para mim, a sua
força quando a visualizei nesse contexto - e o presente delas se faz de partes
seletas do passado. Alegrias se mesclam à amargura e à saudade, à indiferença e à
ausência, ao isolamento. A velhice como fruto de uma vida, o capítulo final de uma
história que, talvez nem soubessem, mas também poderiam ter escrito. Para onde
foram os anos? Estão todos registrados no corpo e nas lembranças. Como num
álbum passam os minutos a folhear páginas amarelas, buscando algo que as faça
acreditar que não foi em vão. Os filhos... Ah! Esses às vezes salvam a vida,
justificam uma existência, mas, se não existiram, quais foram as sementes? As
provas para a comprovação de uma vida, que se apresenta vazia, são necessárias.
O asilamento não existe só no espaço físico, ele está no interior delas. Não há como
recuperar uma vida. Quantos “Eu deveria...” que não serão recuperados. A
necessidade de acionar as origens, de lembrar-se das próprias etapas: infância,
juventude, maturidade. Olhar-se e reconhecer-se.
A religião surge como fator essencial, diria que como uma egrégora na vida dessas
mulheres. A fé que para algumas chega a ser algo tangível; a crença de que existe
“Deus” ou algo mais, um sentido para tudo que foi vivido tanto para as conquistas
como para as perdas. Um desejo e uma crença na continuidade da vida, na
possibilidade de um reencontro com aqueles que partiram antes, sem pedir
permissão - deixando-as aqui. A morte, uma presença serena e constante, parece
mais uma visita que pode chegar a qualquer momento, libertando-as da condição
humana e levando-as de volta para sua casa.
Lidar com os anos escancarados no corpo, na fragilidade, na deficiência, na
imunidade, não é tão simples. O desejo atual, saúde... “para viver o resto dos meus
dias, sem precisar dos outros”. Principalmente, se a mente não entende a trajetória
vivida e se recusa a viver neste corpo. A velhice simboliza o fim, mas, fim do que?
Passam o dia buscando com o que se entreter, “enquanto a morte não vem”. Como
se a vida lhes tivesse pregado uma grande peça. No entanto, algumas tiveram a
benção da maturidade e encaram esse processo como continuidade e aceitam a
vida sem resignação e vivem os dias... Criando e recriando suas próprias histórias.
O segundo grupo de trabalho foi realizado com Moradores de Rua, num Albergue
Municipal. Iniciado o trabalho, confesso, que por algumas vezes tive o desejo de
abandonar essa população, de não concluir o trabalho naquele local. Mas eu sabia o
que almejava, o meu desejo de ajudar e conhecer aquelas pessoas era muito maior.
O primeiro aspecto a chamar a atenção foi constatar a demência, em graus muitos
elevados, na maioria dos albergados que se dirigia ao local. Pessoas totalmente
comprometidas, que se atropelavam e se entrelaçavam como num circo de horrores.
Personagens tão esdrúxulos e exóticos interagindo numa mesma cena, sem
distinção de sexo, raça, cor, religião ou formação, com uma única coisa em comum:
a miséria e a degradação da condição humana. Seres totalmente desprovidos de si
mesmos, entregues ao “léu”. Vivem como marionetes conduzidas por um fio
imaginário, uma casa sem morador.
Era assim que visualizava aqueles moradores. Onde estaria o “Ser” daquelas
pessoas? Como nós, aquelas pessoas foram concebidas por um homem e uma
mulher. Teoricamente possuíam “pai e mãe” e, muitos até tinham irmãos. Todos
foram bebês, tiveram uma infância, uma meninice, uma adolescência e tornaram-se
adultos. O que os levou a caminhos tão diferentes dos humanamente esperados e
dos socialmente aceitos? Sobrevivem, vegetam, dependem de tudo e de todos e, ao
mesmo tempo, não dependem de nada nem de ninguém. Fantasmas sem
identidade, seres sem “persona”. Transeuntes, caminham, paralisam, correm...
vagueiam. Impossível ficar indiferente. Muitos mostraram o gosto da impotência: não
é fácil ficar diante do suicídio. Não é confortável ficar diante de uma pessoa que não
consegue se ajudar, que está tão distante, como que perdido no próprio espaço.
Outros, imersos na loucura total, na agressividade, na revolta total. Culpa de quem?
Deles? Dos pais? Do sistema? Da sociedade? De Deus? Poderia ter havido uma
outra história oficial? Em qual momento o trilho desviou, ocorreu a ruptura, o
deslocamento para a doença e não para a saúde? Seria possível detectar onde?
Quando?
Todos os companheiros que me auxiliaram nesse trabalho foram, em sua maioria,
transeuntes, não os vi mais que duas vezes. Os que ficaram foram os que me
ensinaram como é possível se habituar à servidão humana e, principalmente, que a
essência do ser permanece e, mesmo que nunca venhamos a vê-la, temos de crer
em sua existência.
Tive a alegria de ter sido abençoada com a possibilidade de constatar nos trabalhos,
no olhar, nos gestos, que a presença centrada pode nos mostrar a vida. E que eles
também querem viver, apesar de não saberem como. Independentemente de todos
os problemas sociais que esta população exige, o meu papel ali era contatar aqueles
seres e era assim que eu me posicionava a cada vez que me apresentava, a cada
mão que tocava, a cada diálogo (monólogo), a cada atividade proposta, a cada cor
sugerida, a cada respiração evocada. O objetivo era resgatar o ser, tão
profundamente entranhado. A cada encontro constatar a importância do afeto, do
respeito, da confiança e da esperança para a aparição de um ponto de luz nos seus
rostos. O tempo foi nos trazendo uma união e uma cumplicidade no trabalho. Nunca
imaginei me sentir tão feliz ao ver um sorriso, sorriso de alguém que não tinha
nenhuma representação formal em minha vida. Apesar da demência, da tristeza e
da amargura, havia um grito de socorro e uma fé no imponderável de que algo
poderia mudar. Eu também creio - só não sei como é que se pode processar. Em
alguns momentos só pude ouvir e estar com eles em sua dor.
A pesquisa foi concluída naquele Albergue com a triste sensação de que tudo
permaneceria como estava. As pessoas que foram importantes para a minha
aprendizagem talvez guardem consigo a sensação daqueles momentos, mas, talvez
não mais se lembrem dele nesse instante. E, será que terão outros momentos como
aqueles? Indagações e questionamentos.
Houve momentos muito interessantes e, nos últimos encontros, momentos muito
especiais. Este trabalho trouxe em sua conclusão, a certeza de que por mais
recôndito que esteja, por mais entranhado e fragmentado que seja, existe um “Ser”
no interior de todas as pessoas, que permanece lá, independentemente de se ter ou
não consciência disso. E que não se restringe à obvialidade, pois o fato de estar vivo
é algo... divino. Pôde-se constatar, por meio daquelas pessoas, por meio da criação,
ser possível vislumbrar essa faceta. Nesse ponto cabe a pergunta: Como resgatar a
essência das pessoas, para que esse divino se manifeste em sua vida? Como
atentar e auxiliar outras pessoas a não se perderem nas inúmeras personas e
ataduras do viver. E o do viver em sociedade.
Comparando, pode-se constatar que no trabalho desenvolvido com idosos a solidão
é como um elemento de fundo da composição, já com os moradores de rua o
elemento é o vazio, a ausência de si mesmo. Solidão e vazio não são,
definitivamente, a “mesma coisa”.
REFERÊNCIAL TEÓRICO
Bernard Lievegoed
Carl Gustav Jung
Jean-Yves Leloup
DESENVOLVIMENTO HUMANO
O DESENVOLVIMENTO
Fases da Vida
Maria Lucia Amiralian
Bernard Lievegoed
O desenvolvimento humano pode ser compreendido como um processo de
maturação orgânica, um processo de aprendizagem decorrente da estimulação do
ambiente e um processo interacional. Constitui-se em um processo constante entre
o indivíduo e o ambiente que o cerca, que vai se modificando (LIEVEGOED, 1994).
A característica do desenvolvimento sadio é o amadurecimento relacionado à idade
do indivíduo e à capacidade de ser e de viver criativamente. Durante o
desenvolvimento a fases se distinguem por características distintas:
Infância precoce – constituição do sujeito;
Infância ou meninice – idade escolar/entrada no mundo da cultura;
Adolescência – puberdade e adolescência;
Maturidade – idade adulta;
Velhice – terceira idade. (LIEVEGOED, 1994).
FASES DA VIDA
“Ser humano é viver em cada fase da vida.”
(GUARDINI apud LIEVEGOED, 1994, p. 40)
Esquema de vida
(MARTHA MOERS, 1953)
0
20
Infância
1ª Maturidade
Meninice
Juventude
40
2ª Maturidade
60
Velhice
80
CRIANÇA
Definição de amor:
Definição de amor: “Amor é uma coisa tão boa que, se não existisse, eu não
existiria, você não existiria, ninguém existiria” (BLOCH, 1993, p. 21).
A ingenuidade e a pureza de sentimentos são as características mais marcantes na
maioria das crianças. A fase da infância pode ser definida como uma folha em
branco, em que a criança está completamente aberta a tudo e a todos. Ela é
suscetível a todas as impressões exteriores e, portanto, o seu aprendizado se dá
pela imitação do seu ambiente. Este é o motivo pelo qual o aprendizado deve
receber uma atenção especial. Um ambiente adequado e saudável possibilita um
desenvolvimento integral e harmonioso da criança (LIEVEGOED, 1994).
Entre os vários fatores importantes, nesta fase, destaca-se a importância da criação
da autoconfiança. A autoconfiança surge a partir de vivências situacionais e do
estabelecimento de relacionamentos bem sucedidos. Ela nasce da segurança e da
sensação de ser bem-vinda àquelas pessoas (família) e ao mundo. Transmitidos por
meio do amor e da proteção (LIEVEGOED, 1994).
As crianças necessitam sentir que o mundo é bom, que é um lugar acolhedor onde
vale à pena existir. O mundo tem que ter, para ela, a sensação de descobrimento.
Viver deve ter o sabor de descobertas. Uma capacidade que o adulto já perdeu, que
é a capacidade de descobrir e se permitir ver o belo em pequenas coisas do dia-adia (LIEVEGOED, 1994; OAKLANDER, 1980).
Aos pais e à sociedade cabe fornecer às crianças condições para que elas se
desenvolvam em todos os aspectos: físico, mental, emocional e espiritual, condições
imprescindíveis à expansão de suas raízes.
Uma das necessidades mais forte da criança é a da liberação de sua
espontaneidade e de suas fantasias. A criança necessita, tanto quanto respirar,
fantasiar, experienciar e criar:
Essa fantasia infantil lança a base para a criatividade na vida social e
na carreira dos anos posteriores. Um indivíduo que foi incapaz, por
qualquer razão, de fantasiar e sonhar acordado durante esta fase,
mais tarde sentirá uma falta de espontaneidade e versatilidade nas
relações interpessoais. A educação intelectualizada abafa a fantasia
e cria pessoas que, mais tarde na vida, tornam-se solitárias e são
continuamente confrontadas com sua inabilidade para fazer contatos
reais com outras pessoas (LIEVEGOED, 1994, p. 37).
ADOLESCENTE
Em todo mundo existe um grande interesse em se entender o complexo mundo dos
adolescentes, a forma como se comportam, como se manifestam. Vários são os
estudos feitos nessas áreas, levando-nos a imaginar a existência de uma conexão
entre a nossa consciência social e as condições sociais específicas de uma época.
Todos que exploram esse campo da psicologia são obrigados a
reconhecer um fato logo de saída: o menino ou a menina
adolescentes não querem ser entendidos. Os adultos devem manter
entre si aquilo que vêm a compreender a respeito da adolescência.
Seria absurdo escrever para os adolescentes um livro sobre a
adolescência; esta é uma fase que precisa ser efetivamente vivida, e
é essencialmente uma fase de descoberta pessoal. Cada indivíduo
vê-se engajado numa experiência viva, num problema do existir.
(WINNICOTT, 1993, p. 42).
É uma faixa etária em que os jovens têm que lidar com as mudanças decorrentes da
própria puberdade, como mudanças físicas, hormonais, sexual e com os impulsos
instintivos. Fase da descoberta pessoal, que precisa ser vivida como uma
experiência pessoal. É um processo que não deve ser tratado como um problema,
mas como uma fase de transição, que não deve ser adiantada ou atrasada, mas
aceita, e que só se resolve com o passar do tempo (WINNICOTT, 1993).
ADULTO
“[...] Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Conhecer a marcha, Ir tocando em frente [...]
Cada um de nós compõe a sua história [...]4
A vida adulta se inicia quando o indivíduo atinge a sua independência ou a sua
autonomia, pessoal e social, quando adquire condições de se integrar socialmente
sem perder a individualidade. Torna-se responsável pelos seus atos, por suas
realizações e, principalmente, pela sua vida (LIEVEGOED, 1994).
É uma fase repleta de conflitos, medos, inseguranças, escolhas e frustrações. Mas,
também é uma fase de colheita e de realizações pessoais, de total amadurecimento.
Maturidade é sinônimo de realização, de concretização do seu potencial.
4
Trechos extraídos da música “Tocando em frente”de Almir Sater e Renato Teixeira.
IDOSO
Idade cronológica – medida abstrata.
Idade biológica – não necessariamente relacionada à cronológica.
Idade social – determinada por regras e expectativas sociais.
Idade existencial – a somatória de experiências pessoais e de interações sociais, da
riqueza vivenciada, refletida e acumulada a o longo dos anos
A dimensão na qual o velho vive é o passado. O tempo do futuro é
para ele breve demais para dedicar seus pensamentos àquilo que
está por vir. A velhice, dizia aquela doente, dura pouco. Mas
justamente porque ela dura pouco é que devemos empregar o tempo
menos para fazer projetos para um futuro distante ao qual já não
pertencemos, e mais para tentar entender, se pudermos, o sentido
ou a falta de sentido de nossa vida (BOBBIO, 1997, p. 30).
Não é possível determinar uma idade específica em que se inicia a velhice, tudo
depende do histórico de vida da pessoa, da cultura a que pertence, mas,
principalmente a forma como ele viveu. Depende das atitudes, crenças,
experiências. Certo é que a velhice é parte do desenvolvimento humano, é o
resultado de um processo dinâmico de ascensão e decadência, apogeu e declínio. A
velhice ocorre após a vida adulta e a maturidade. (FABIETTI, 2004; LIEVEGOED,
1994).
FÍSICO/ MENTAL/ ESPIRITUAL
[...] que o homem seja visto como um ser físico (a imagem biológica
do homem), como uma „psique‟ (a imagem psicológica do homem) e
como um ser espiritual (a imagem biográfica do homem). O curso de
uma vida individual (sua biografia) só pode ser plenamente apreciado
como uma „obra de arte‟ ímpar e pessoal se esses três pontos de
vista são combinados para formar uma única imagem (LIEVEGOED,
1994).5
5
Prefácio do livro “Fases da Vida”: crises e desenvolvimento da individualidade.
Imagem biológica: Define-se como a própria estrutura física do indivíduo, está
relacionada a fatores como hereditariedade e estrutura molecular do material
genético; ocorre a partir da elaboração de processos químicos complexos – não
somente os processos químicos de digestão ou processos eletroquímicos do
cérebro, mas também os processos mentais como o pensar, sentir e querer.
Imagem psicológica: Nesse campo o foco está na psique, no processo mental do
homem, nos seus aspectos subjetivos e objetivos.
Jung, após examinar os tipos funcionais, colocou que no homem atua duas funções
racionais – pensar e sentir, e duas funções irracionais – sensação e intuição. As
funções racionais nos permitem formar opiniões e juízos de valor; as funções
irracionais
fornecem
apenas
a
capacidade
de
ter
percepções,
ou
são
conscientemente sensoriais ou inconscientemente presentes na intuição de forma
instintiva.
Imagem espiritual: O enfoque é concedido ao centro do indivíduo – ao Eu interno ou
Eu superior – aquele que irá impulsionar, direcionar, determinar e conduzir o
indivíduo na construção e no trajeto da sua existência (LIEVEGOED, 1994, p. 24).
“Em cada ser humano há faculdades adormecida através das quais ele pode adquirir
para si mesmo um conhecimento dos mundos superiores.” (STEINER, 1991 apud
LIEVEGOED, 1994, p.162)
ÁMAGO
Carl Gustav Jung
“Jesus nunca disse: „Eu tenho a verdade‟, mas: „Eu sou a
verdade‟, o que nos fornece uma indicação, porque se
tivéssemos a verdade, poderíamos servir-nos dela para oprimir
os
outros.
Trata-se
de
sermos
a
verdade,
se
nos
transformarmos nós mesmos”
(LELOUP, 1992, prefácio)
A PSIQUE
O homem é um ser instintivo. Esse ímpeto está ligado à natureza. Enquanto ele se
mantiver, nesse estado instintivo, ele será preservado pela natureza e se manterá
um ser inconsciente. Somente o seu afastamento, ou digamos, a sua evolução, o
levará a desenvolver uma consciência. Um estado consciente significa uma
civilização do ser, ou seja, a oposição ao estado instintivo. Ao caminhar em direção
a civilização, ele começa a criar a própria consciência e com ela os não desejados...
problemas (JUNG, 1930). Consciência é problema. E todos nós temos pavor a eles,
porque problemas estão relacionados a dúvidas e dúvidas significam divergências,
conflitos e escolhas. Os problemas nos colocam num estado de total abandono e
suscetibilidade onde somos obrigados a tornar-nos cônscios da situação.
A Bíblia sabiamente nos apresenta a consciência como uma maldição. E a verdade
é essa, todos nos queremos permanecer num estado seguro de total ignorância,
inconscientes, protegidos e seguros pela natureza. Queremos a nossa vida
preservada, pacata e tranqüila. Ninguém quer ter dúvidas, inseguranças, conflitos e
problemas. No entanto é impossível conseguir “a nossa vida”, com certezas,
segurança e resultados, sem termos nos deparado com a dúvida e com as
experiências. Muito pelo contrário, para obtermos essa “vida” precisamos atingir um
grau de consciência muito mais amplo e superior. Não é a curiosidade que
impulsiona o homem à evolução, como apregoam alguns, mas, a sua psique que é
uma combinação de vários fatores e que estão coligados a um âmbito muito maior.
Como surgiu a consciência não se sabe, no entanto, é possível observar em
crianças pequenas o seu desenvolvimento, por exemplo, ao perceber que ela
reconhece alguém ou algo (JUNG, 1930).
Mas, o que viria a ser conhecimento?
Define-se conhecimento como a capacidade de coligar vários nexos de conteúdos
psíquicos entre si. A forma mais simples que podemos perceber de consciência
consiste na conexão entre dois ou mais conteúdos psíquicos (JUNG, 1930).
Na infância o que podemos observar são ilhas de consciência e essas ilhas contêm
uma nova série muito importante de conteúdos que pertencem à própria pessoa
percipiente, ao chamado ego. Tem início a continuidade da memória. Na infância, no
estágio infantil da consciência, não há problemas, pois a criança ainda está ligada
aos pais, e depende inteiramente destes. E como se ainda vivesse numa simbiose,
não tivesse nascido. O nascimento psíquico só irá ocorrer na puberdade, e por isso
é considerada a fase mais difícil (JUNG, 1930). Esse enquadramento se deve ao
fato de ser o momento da diferenciação consciente dos pais e do surgimento da
sexualidade.
Essa mudança fisiológica é acompanhada também de uma revolução espiritual.
Todas essas manifestações corporais acentuam de tal maneira o eu, que este
freqüentemente se impõe desmedidamente. Até este momento a vida da pessoa é
governada diretamente pelos seus instintos, ela não conhece os problemas. Mesmo
com as dificuldades exteriores se contrapondo a impulsos subjetivos não há nada
que provoque uma cisão interior do próprio indivíduo. Ela se submete ou as evita,
em total harmonia consigo próprio. Ela não conhece o estado de divisão interior,
induzido pelos problemas. “Este estado só ocorre quando aquilo que é uma limitação
exterior, se torna uma limitação interior, isto é, quando um impulso se contrapõe a
outro” (JUNG, 1932). Inicialmente o que temos é o seguinte: a primeira forma de
consciência que possuímos é um mero conhecer – um estado anárquico; a Segunda
- do complexo do eu desenvolvido – uma fase monárquica; a terceira - que consiste
em um avanço da consciência – a divisão ou a dualidade (JUNG, 1930).
ETAPAS DA VIDA HUMANA6 segundo Jung (1930):
Período da infância: Não é abordado, porque se considera que nesse estágio a
criança não tem nenhum problema pessoal, a sua complexidade psíquica está
relacionada aos pais. Somente o ser humano adulto pode ter dúvidas a seu respeito
e duvidar de si mesmo.
Período da juventude: Nesse período da vida são várias as exigências que se
impõem, a realidade externa pode não se coadunar com os pressupostos traçados
internamente. O que certamente irá provocar os primeiros problemas. No entanto,
não são só as divergências internas e externas que podem gerar os problemas,
existem também as dificuldades psíquicas internas, que independem do externo.
Podemos dizer que aqueles que não tiverem dificuldades externas para adaptar-se
se defrontam com problemas com a sexualidade ou com um sentimento de
inferioridade, oriundos de uma sensibilidade exagerada. Acredita-se que jovens que
tiveram que lutar duramente com a vida foram poupados de problemas internos. Ter
6
Conferência publicada parcialmente em Neue Zürcher Zeitung, 14/16 de março de 1930; nova
redação sob o título de Die Lebenswende em: Seelenprobleme der Gegenwart, Psychologische
Abhandlungen III (1931).
problemas não significa ser uma pessoa neurótica. As pessoas com temperamento
problemático sofrem com seus próprios problemas, mas são conscientes desses
problemas. Já o neurótico não tem consciência dos seus problemas e por isso pode
ser considerado um ser doente.
Na fase da juventude poderíamos dizer que o problema mais comum consiste num
apego exacerbado à condição infantil, uma negação à inclusão ao mundo, à
ampliação da vida. Tentando manter-se dentro de antigos limites, evitando a
ampliação e a elevação do estado de consciência.
A sociedade em que vivemos não propicia condições para esse desenvolvimento, na
verdade, o ideal é que nos adaptemos ao que se é possível alcançar e a diferenciar
determinadas capacidades. E o momento onde a verdadeira natureza do indivíduo
socialmente eficaz se revela. E mais fácil assumir uma condição pré-estabelecida,
do que criar o próprio rumo, pois esse espelha problemas e tudo o que a maioria
deseja e sair desse angustiante rodamoinho chamado problemas. A questão em si
não é o problema, melhor colocando, a solução do problema, mas, o trabalho em si
que ele demanda, essa ampliação da visão, essa construção, des-contrução e reconstrução. A vida é para ser vivida na sua totalidade e a personalidade em todas as
suas infinitas possibilidades, mas, o comum é vê-la adormecida e renegada num
canto escuro, acuada. Segundo estatísticas, as depressões nos homens ocorrem
por volta dos 40 anos, nas mulheres em torno dos 35 – 40 anos. Pode se dizer que é
a fase onde ocorre uma grande mudança, que na verdade, é fruto de mudanças no
caráter da pessoas, mudanças que parecem começar no inconsciente da pessoa.
Todos os distúrbios neuróticos da idade adulta têm em comum o fato de quererem
prorrogar a psicologia da fase juvenil além do programado. Jung usa uma
comparação com o Sol para demonstrar a necessidade desse período de transição
na vida, uma mudança que não é externa, pode até tornar-se, mas, que antes de
tudo ocorre na alma da pessoa:
[...] suponhamos um Sol dotado de sentimentos humanos e de uma
consciência humana relativa ao momento presente. De manhã, o Sol
se eleva do mar noturno do inconsciente e olha para a vastidão do
mundo colorido que se torna tanto mais amplo, quanto mais alto ele
ascende no firmamento. O Sol descobrirá sua significação nessa
extensão cada vez maior de seu campo de ação produzida pela
ascensão e se dará conta de que seu objetivo supremo está em
alcançar a maior altura possível e, consequentemente, a mais ampla
disseminação possível de suas bençãos sobre a terra. Apoiado nesta
convicção, ele se encaminha para o zênite imprevisto – imprevisto,
porque sua existência individual e única é incapaz de prever o seu
ponto culminante. Precisamente ao meio-dia, o Sol começa a
declinar e este declínio significa uma inversão de todos os valores e
ideais cultivados durante a manhã. O Sol torna-se, então,
contraditório consigo mesmo. É como se recolhesse dentro de si
seus próprios raios, em vez de emiti-los. A luz e o calor diminuem e
por fim se extinguem (JUNG apud ROCHA, 1986, p. 346).
O que ocorre é que as pessoas vivem a primeira fase, e entram na segunda fase da
vida como se ela não existisse, completamente despreparados para ela. Na primeira
fase o jovem não tem nenhuma obrigação em preocupar-se consigo próprio, mas,
essa é uma obrigação do homem que envelhece – olhar para Si-mesmo.
Manhã e tarde tem objetivos diferentes, culturalmente os objetivos são diferentes.
Na manhã o objetivo é o desenvolvimento do indivíduo, na tarde o objetivo é se
separar dele. Concluindo, a primeira etapa da vida, que corresponde à infância, é
aquele estado sem problemas conscientes, no qual nós somos um problema para os
outros, mas, ainda não temos consciência de nossos próprios problemas; Na
segunda e também terceira etapa nós somos ocupados pelos problemas, somos só
problemas; na última etapa, a quarta, somos mergulhados numa situação, que
independentemente do estado de nossa consciência, voltamos a ser um “problema”
para os outros (JUNG, 1930).
A infância e a extrema velhice são totalmente diferentes entre si, mas têm algo em
comum: a imersão no processo psíquico inconsciente são estados da vida sem
qualquer problema consciente. Consciência e problema são unos.
“Acredito que o poder do homem esteja na sua capacidade auto-integradora. Sem
consciência as experiências são apenas distrações.”7
ESTRUTURA DO APARELHO PSÍQUICO (PSÍQUE)
Para Jung (apud RAMOS, 1994, p. 119) a psique está estruturada em três
elementos:
Consciente:

Tem como núcleo o “eu” (assemelha-se ao ego psicanalítico).

Sistema do aparelho psíquico que mantém contato com o mundo interior
(processos psíquicos, internos) e exterior (meio ambiente, sociedade) do sujeito.

Na consciência destacam-se os mecanismos de percepção, de atenção, de
memória e raciocínio.

As pessoas são conscientes apenas de uma pequena parcela de sua vida
psíquica.
Inconsciente pessoal:

Formado pelas camadas mais superficiais do inconsciente.

Sistema onde permanecem os conteúdos inconscientes derivados da vida do
indivíduo (sua formação é, portanto, a posterior ao nascimento). Geralmente não
7
Aparecida dos Santos (dezembro/2006).
possuem energia psíquica suficiente para permanecerem no campo da
consciência:
conteúdos
de
experiências
de
vida,
conflitos
psicológicos
(denominados por Jung de “complexos”) e desejos pessoais (sexuais ou não)
não realizados.

Alguns de seus conteúdos podem adquirir energia psíquica suficiente para
irromperem na consciência. Isso ocorre através de lembranças, sonhos e
fantasias.
Inconsciente coletivo:

Formado pelas camadas mais profundas do inconsciente.

Constituído por elementos denominados de arquétipos.

Os arquétipos são núcleos instintivos passados de forma psicobiológica de
geração (a gênese do inconsciente coletivo, é portanto, a priori ao nascimento. A
criança já nasce com ele). Trazem padrões de comportamento herdados da
humanidade desde seu surgimento.
Os arquétipos são inúmeros, segundo Jung (apud RAMOS, 1994, p. 23) alguns
estão em permanente contato com o eu. São eles: a persona, a sombra, a anima, o
animus e o self – este também denominado de si mesmo e constitui o núcleo central
não só do inconsciente, mas, também, de toda a psique.
A energia do ponto central manifesta-se na compulsão quase
irresistível para levar o indivíduo a tornar-se aquilo que êle é, do
mesmo modo que todo organismo é impulsionado a assumir a forma
característica de sua natureza, sejam quais forem às circunstâncias
(JUNG apud SILVEIRA, 1981, p. 100).
“O conhecimento sobre o “Si-mesmo” nos afasta das ilusões e dos grandes
emaranhados do sofrimento.”8
Por Jung, chegou ao homem à possibilidade de compreender a si mesmo. Ele nos
mostrou e abriu portas para o nosso mundo interior. A sua experiência, as suas
observações e estudos, conduzidos em várias direções, permitiram-lhe constatar
que existe, no ser humano, uma tendência inata, natural e espontânea a encontrar o
seu centro, a sua unidade primeira, a ALMA. Foi por meio de Jung que alma humana
tornou-se uma realidade viva.
“Entendo que, abrir dimensões diferentes de nossa existência, vivenciar o AMOR
interno, reencontrar e libertar a ALMA, trazendo-a de volta a sua originalidade, seja a
nossa missão.”
8
Aparecida dos Santos (dezembro/2006).
PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
A melhor análise é a vida, como Jung sempre gostava de repetir. A
alma humana não se conhece apenas dentro do consultório do
analista, mas na experiência da vida tal como é vivida com todas as
suas implicações. Toda experiência interior tem que ser mediada
pela relação com o outro. Nunca alguém se individualiza sozinho, e a
finalidade da individuação não é ficar só; pelo contrário, é estar
em relação, cada um a seu modo (FRANZ, 1985, p.11).
O processo de individuação é algo extremamente complexo, é uma busca pela
integralidade. Um movimento de circunvolução que conduz a um novo centro
psíquico, o self - o centro da personalidade. Trata-se da busca do ser humano pelo
conhecimento de si mesmo, pela integração com os demais homens e com Deus. É
uma busca pela totalidade (integração entre consciente e inconsciente). Jung (apud
SILVEIRA, 1984, p. 89) traduz individuação como “tendência instintiva a realizar
plenamente potencialidades inatas”. Esse processo, portanto, é um caminho
disponibilizado a todos os seres humanos.
SELF – É o núcleo não só do inconsciente, mas, também de toda
psique. É o arquétipo que leva o homem a busca pelo conhecimento
de si mesmo, pelo auto-conhecimento, pela integração com os
demais homens, pela vivência espiritual, pela integração com Deus
(RAMOS, 1994, p. 127).
O processo de individuação pode ocorrer:
1. Por meio de uma busca própria, o indivíduo vai aprendendo através das suas
“batalhas”, dos seus “erros” e “acertos”. É considerado o caminho mais difícil.
2. Com a psicoterapia, o terapeuta auxilia o indivíduo nesse processo; (para Jung a
função da psicoterapia é a de auxiliar o indivíduo no seu caminho pelo processo
de individuação).
3. Pela da inclusão em instituições religiosas, que propiciem a vivência da
numinosidade; (religião: do latim re ligare, “religar”, reestabelecer” a integração
entre o homem e Deus (RAMOS, 1994, p. 128).
Individuação não é o mesmo que “perfeição”, nem tampouco é o mesmo que
“individualismo”. Trata-se de aprender a conviver conscientemente com as suas
ambigüidades, com as suas tendências opostas com o seu bem e o seu mal. Com a
sua luz e a sua escuridão. Nesse trabalho, o indivíduo aprende, por exemplo próprio,
que a estrutura básica de sua vida psíquica é a mesma da psique de todos os
humanos e o que geralmente ocorre é uma mudança nas relações interpessoais,
que passam a ser de maior respeito pela vida humana.
“[...] vindo a ser o indivíduo que é de fato, o homem não se torna egoísta no sentido
ordinário da palavra, mas meramente está realizando as particularidades de sua
natureza e isso é enormemente diferente de egoísmo ou individualismo” (JUNG
apud SILVEIRA, 1984, p.88).
O processo de individuação é, portanto uma integração entre consciente (cujo
núcleo central é o eu – o EGO) e o inconsciente (cujo núcleo central é o SELF)
(RAMOS, 1994, p. 128). A busca é por um núcleo central psíquico, um self
consciente. O “eu” (o centro da consciência) - responsável pelos mecanismos de
percepção, de atenção, de memória e de raciocínio) integra de forma consciente
alguns aspectos inconscientes da psique, como os arquétipos: persona, sombra,
anima e animus (RAMOS, 1994, p. 128).
“A expansão da consciência nos permite estabelecer contatos além dos préexistentes, rompendo fronteiras do mundo conhecido e nos coligando com as
energias superiores e com o sentido de toda existência intergaláctica, realizando
nossa criação.”9
Nem todos se atrevem a traçar o caminho pela busca da individuação, afinal, lidar
com o seu lado sombrio é algo extremamente difícil e sofrível, sem contar que não
há garantias de se atingir o objetivo almejado, ou seja, a vivência plena do self, pois
isso depende de vários fatores internos e externos. É uma viagem sem garantias de
chegada e o trajeto certamente será árduo.
1ª Etapa: PERSONA
O reconhecimento pelo EU da presença da PERSONA.
O termo “persona” é oriundo do teatro antigo grego e foi adotado por Jung porque
durante as apresentações os atores se utilizavam de máscaras para representar
personagens. Segundo Jung (apud SILVEIRA, 1984), os indivíduos se utilizam de
máscaras durante toda a vida. Utiliza-se de máscaras para conseguir uma inserção
social. É considerado um arquétipo necessário, de adaptação, por isso ele não
corresponde à personalidade verdadeira do indivíduo (a alma). A persona pode
ocorrer de forma autônoma que geralmente representa o que a sociedade espera do
indivíduo e não o que ele realmente é. Geralmente é mais freqüente nos indivíduos
que não têm consciência da existência da persona. Esse arquétipo possui dois
aspectos, um positivo e outro negativo (RAMOS, 1994, p. 131):
9
Aparecida dos Santos (janeiro/2007).
Positivo – ele propicia a adaptação do indivíduo ao meio;
Negativo – o indivíduo pode acabar se identificando com a persona e perdendo o
contato com o verdadeiro eu.
Os moldes da persona são recortes tirados da psique coletiva. Ela se torna um
mecanismo útil de defesa, mas, pode ser tão excessivamente valorizada a ponto de
o ego consciente se identificar com ela, passando a ser um revestimento sem
conteúdo e totalmente passivo dos refluxos do inconsciente. Seres que passam a ter
uma alma exterior. Quanto mais a persona aderir à pele do ator, tanto mais dolorosa
será a operação psicológica para despi-la (JUNG apud SILVEIRA, 1984).
2ª Etapa: A SOMBRA
Olhar-se no espelho parece simples, mas ver-se como se é, é um ato de coragem.
Ao retirarmos a persona a pessoa se vê frente à frente consigo, com a sua sombra,
partes que em sua maioria desagradam e desconfortam. No entanto, a sombra
psicológica faz parte de nossa personalidade. Ela abriga todas as coisas que não
reconhecemos ou não aceitamos em nós, fazendo-nos sair, nos casos negativos, a
procurar um bode expiatório para projetá-las fazendo com que permaneça a
inconsciência sobre o que abrigamos em nós (JUNG apud SILVEIRA, 1984, p. 93).
Ao lançar luz sobre esses recantos escuros alargamos a nossa consciência e
descobrimos que somos nós mesmos, o nosso grande sabotador, que somos nós
que nos impedimos de ver a verdade. Quanto mais reprimida for a sombra, mais
negra e mais espessa ela irá se tornar. A sombra é um véu denso feito de
componentes diversos, um aglomerado de pequenas fraquezas, aspectos imaturos
ou inferiores, complexos reprimidos, até forças verdadeiramente maléficas e
assustadoras (RAMOS, 1994, p. 131).
Contudo, também na sombra poderão ser vislumbrados traços positivos, qualidades
valiosas que não se desenvolveram, devido às condições externas desfavoráveis ou
porque o indivíduo não dispôs de energia suficiente para levá-las adiante.
A sombra coincide com inconsciente pessoal junguiano, razão pela qual ela pode
ultrapassar os limites do pessoal e passar para o coletivo (JUNG, apud SILVEIRA,
1984, p. 92). Nesse momento veremos então homens civilizados, quando reunidos
em massas, se portarem segundo padrões inferiores, reféns de preconceitos
coletivos de discriminações raciais; homens tornarem-se animais, avídos, destrutivos
e sanguinários (JUNG apud SILVEIRA, 1984, p. 93).
3ª Etapa: ANIMA/ANIMUS
ANIMA: A anima é considerada o lado feminino do inconsciente masculino. No
homem o consciente é mais masculino e o inconsciente é de natureza feminina
(anima) (JUNG apud RAMOS, 1994).
A anima é um arquétipo e por isso ocorre de forma inconsciente. Se o lado
consciente do homem (que é gerido pelo “eu”) possui características racionais, por
outro lado, as atitudes inconscientes (anima) são de natureza sentimental, emotiva
(mas de forma infantil-arcaica) (RAMOS, 1994, p. 131).
Apesar de o homem acreditar que a razão é quem gera a sua vida, na verdade, são
os sentimentos e as emoções que o fazem. A anima possui um aspecto positivo e
um negativo (RAMOS, 19994, p. 131):
Positivo – o homem que entra em contato com a sua anima tem melhores condições
de gerir a própria vida e lidar com os seus sentimentos e emoções. Tendo maior
sucesso na escolha de seus relacionamentos e da parceira ideal.
Negativo – quando o homem não toma consciência da sua anima ela passa a viver à
mercê dela, sendo subjugado por conflitos internos e emocionais, que repercutem
em toda a sua vida, contradizendo a postura racional adotada socialmente pelo
homem.
“Um aglomerado hereditário inconsciente de origem muito longínqua, tipo de todas
as experiências da linha ancestral em relação ao ente feminino, resíduo de todas as
impressões fornecidas pela mulher” (JUNG apud SILVEIRA, 1984, p. 93).
ANIMUS: O animus é considerado o lado masculino do inconsciente feminino. Na
mulher o seu consciente é feminino, mas, o seu inconsciente é de natureza
masculina (animus) (RAMOS, 1994, p. 132). As decisões conscientes das mulheres
(geridas pelo “eu”) são de características emotivas e sentimentais. No entanto as
atitudes inconscientes (animus) são de ordem racional (mas de natureza arcaica e
infantil). Na mulher é a razão que domina a sua vida e não os sentimentos, como se
propaga (RAMOS, 1994, p. 132).
O animus possui dois aspectos, positivo e negativo (RAMOS, 1994, p. 132).
Positivo – a mulher que tem conhecimento do seu lado animus (masculino) tem
verdadeiras condições para lidar com qualidade dos seus relacionamentos e, dessa
forma, escolher o seu parceiro ideal.
Negativo – a mulher que não tem consciência do seu lado masculino torna-se
prisioneira dele. O animus acaba subjugado ao eu, levando-a a estabelecer uma
relação conflituosa consigo mesmo e sofrida com as outras pessoas.
As relações entre homem e mulher ocorrem dentro do tecido fantasmagórico
produzidos pela anima e pelo animus. O animus se manifesta, de ordinário, como
intelectualidade mal diferenciada simplista. O animus condensa todas as
experiências que a mulher vivenciou nos seus encontros com o homem no curso dos
milênios (RAMOS, 1994, p. 133).
E é a partir desse imenso material inconsciente que modelada a imagem do homem
que a mulher procura. O animus e a anima têm papel de mediador entre o
consciente e o inconsciente e ambos somos susceptíveis de evoluir, de transformarse.
“Quando depois de duras lutas, desfazem-se as personificações da anima ou do
animus “o inconsciente muda de aspecto e aparece sob, uma forma simbólica nova,
representando o self, o núcleo mais interior da psique” (VON FRANZ apud
SILVEIRA, 1984, p. 99).
4º Etapa: SELF
O objetivo do processo de individuação é a vivência do self. Somente após o
confronto do “eu” com a persona, com a sombra, com a anima/animus é que se
poderá ocorrer o confronto com o self (SILVEIRA, 1984, p. 100). Quando o EU
incorpora de forma consciente o self, integra-se a ele. Não mais o EU, mas o SELF
CONSCIENTE passa a comandar a psique. A denominação do self (si mesmo) cabe
à totalidade do ser; ele não se limita às personificações humanas, mas excede, e
muito, a esfera do consciente. O indivíduo não estará mais fragmentado
interiormente. Não se reduzirá a um pequeno ego crispado dentro de estreitos
limites. Prazeres e sofrimentos serão vivenciados num nível mais alto de
consciência. O homem torna-se ele mesmo, um ser completo, composto de
consciente e inconsciente incluindo aspectos claros e escuros, masculino e feminino,
ordenados segundo o plano de base que lhe for peculiar (SILVEIRA, 1984, p. 100).
No entanto, é preciso esclarecer que essa vivência não se constitui em um estado
de permanente felicidade. É muito mais que isso, é um sentido de integração
consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com Deus, no sentido de uma
maior compreensão dos fenômenos da vida e da morte. A vivência do self integra a
vida material e a espiritual.
O mundo no qual penetramos pelo nascimento é brutal, cruel e, ao
mesmo tempo, de uma beleza divina. Achar que a vida tem ou não
sentido é uma questão de temperamento. Se o não-sentido
prevalecesse de maneira absoluta, o aspecto racional da vida
desapareceria gradualmente com a evolução. Não parece ser isso o
que ocorre. Como em toda questão metafísica, as duas alternativas
são provavelmente verdadeiras: a vida tem e não tem sentido, ou
possui e não possui significado. Espero ansiosamente que o sentido
prevaleça e ganhe a batalha (JUNG apud RAMOS, 1994, p. 134).
Caminhar pela vida é algo até simples, mas seguir a sua trajetória exige sabedoria.
ESTADO DO SER
Estado de alma
Jean-Yves Leloup
O ANJO DA PAZ
“A
paz é um acordo interior com a serenidade imperturbável da alma. Isso traz um
sentimento que nos inspira a não causar danos e ofensas a qualquer criatura 10 no
Universo de Deus. A verdadeira paz transcende a compreensão humana e sintoniza
todos os seres com a harmonia universal. Quanto mais nos sintonizamos com a paz,
mais radiante se torna a nossa vida.”
(CAFÉ, 1997, p. 70)
10
Incluindo a nós mesmos. (nota pessoal).
“En la hora de la prueba, no te afanes por acercarte
a Dios...No creas que él está lejos de tí: está dentro
de ti.”
(PADRE PIO, 1887)
Inicio esse tema falando e evocando a presença dos Anjos, esses seres divinos que
nos inspiram e nos impedem de esquecer a nossa origem espiritual, único sentido e
propósito de nossa existência. Eles vivem eternamente na presença de Deus e
quando os evocamos, ou melhor, quando nos lembramos de evocá-los, a sua
presença deixa de ser tão sutil e discreta, passando a existir de forma profícua na
nossa busca e na nossa ascensão ao ser interior. Auxiliam no encontro da plenitude
e no retorno à origem absoluta, nos remetem a do Ser absoluto, ao estado da Graça
Divina. Os anjos chegam até nos por diversos caminhos, o que mais me toca e o da
via do coração, denominado entre os nativos americanos de Tambor (SAMS, 1990,
p. 271); devido à associação simbólica com esse órgão do “amor” e “cadenciador”
do ritmo interno. Órgão que gera a vida, que dá origem à nossa vida.
Essa introdução fez-se necessária à medida que, somente ao voltarmos para a
nossa realidade interna é que poderemos atingir o estado de PAZ, resumo de todas
as buscas humanas e da plenitude do ser. O ser humano não busca amor, dinheiro,
saúde, trabalho ou amigos por ele em si. A busca consiste na sensação que essas
aquisições lhe provocarão, que é um estado de integração, plenitude física, mental,
emocional e espiritual, que somente a paz divina pode conceder. Paz que só se é
possível alcançar internamente.
Ao invocarmos a presença dos seres angélicos estamos nos abrindo à
transformação e à compreensão da nossa natureza. Como raios de sol, os anjos,
arcanjos e serafins, providos do amor incondicional, nos iluminam e nos conduzem
até a nossa escada evolutiva.
Fomos educados e direcionados a confundir esse “estado do ser - Paz” com
felicidade, que na verdade é um componente desse estado, e a distinção se faz
necessária, uma vez que a felicidade como é hoje enfocada independe propriamente
do indivíduo, pois está praticamente centrada no objeto e não no sujeito: no que ele
acredita que lhe trará felicidade e não no que é felicidade. Geralmente ela está
relacionada com o externo, com algo a ser alcançado. Nesse raciocínio o homem
deixa de ser o responsável pela sua vida e passa a ser um receptor.
“A compreensão no Plano Interior Aparece Como Satisfação no Plano Exterior”
(GOLDSMITH, 1989).
O estado de “felicidade” está na condição do ser, profundamente falando, nesse
estado em que o indivíduo é senhor da situação, é o sujeito da ação e não objeto
dela. É aí que está a verdadeira felicidade no indivíduo. Essa felicidade e esse
estado de paz – de plenitude - independe dos raciocínios lógicos, das situações
adversas e da temporalidade. Aqui na terra como nos céus, nos ensina a oração, o
céu e a terra estão unidos no nosso interior. Não é algo distante a ser buscado em
outros planos, em outras dimensões, nem em partes relativas da realidade, ela está
no absoluto. Está em nós a responsabilidade sobre o que embasaremos a nossa
vida. Está muito mais relacionada à fé do que ao conhecimento. Não se trata de
podermos alterar os fatos da vida, mas de olhá-los de outra maneira. E cada pessoa
só poderá compreender os fatos a partir de sua perspectiva pessoal, por isso Jesus
ensinava por meio de parábolas, para que cada pessoa pudesse fazer a
compreensão de acordo com os seus conhecimentos. Também não se trata de
renegarmos a nossa humanidade, com suas raízes e seus instintos, trata-se de
reconhecermos e aflorarmos, também, a nossa parcela divina.
“Começamos a ser homem apenas quando aspiramos a uma vida elevada e
verdadeira, e quando aceitamos uma disciplina de transformação. Para isso,
devemos começar a dominar a nossa natureza inferior e seus desejos” (A MÃE, 18781993). 11
Jesus disse: “Eu vos dou a paz, eu vos dou a minha paz” (JÓ 14:27), num manifesto
claro e contra a idolatria. A sua morte permitiu aos homens a possibilidade de
compreendê-lo e buscá-lo dentro de si mesmo, até os dias de hoje – “E por toda
eternidade” (MATEUS, 28:206).
Essa paz consiste nesse estado de profundo conhecimento, de amor, - “Amarás o
próximo como a ti mesmo” (MATEUS, 22:39) mesmo - e de contato com o ser que
habita internamente o corpo material, que devemos ouvir atentamente, pois é ele
que nos orienta, inspira e mostra o objetivo da nossa vida. Um estado de total
integração consigo mesmo, onde os fatores externos são vivenciados como
experiências de aprofundamento e de ascensão ao estado absoluto. A vivência do
estado absoluto. A apropriação da responsabilidade pela trajetória e pela presença
neste mundo. E para tanto é necessário abertura interna, uma honesta abertura ao
desconhecido. Essa caminhada pode ocorrer de forma solitária, somente com uma
guia interna, ou, assessorada por um mestre, os denominados mestres exteriores,
como por exemplo: um relacionamento, um livro, um emprego, um amigo, o pai, ou o
terapeuta. A função desses mestres é conduzir, a nós discípulos, na nossa jornada
interior, ao encontro do único local onde a plenitude habita.
11
Discípulo de Sri Aurobindo.
“Os homens humildes são muito afortunados!” (MATEUS, 5:5).
Devemos ter em nossos corações a aspiração a sermos discípulos, a estarmos
abertos e disponíveis ao conhecimento interior, ao contato com a verdade – “a
verdade vos libertará” – e, veremos, como diz o ditado: “quando o discípulo está
pronto o mestre aparece”. Ele se manifesta em todos os momentos de nossa vida.
O foco da nossa atenção deve estar dirigido ao Eu superior, que habita dentro de
cada um de nós, ao nosso libertador. Devemos enviar-lhe o nosso amor e a nossa
veneração, aspirando que a sua luz se expanda pelos nossos corpos, físico, etéreo,
emocional, mental e espiritual. O princípio da divindade essencial nos permite
perceber que, através da nossa essência estamos interconectados com tudo que
existe. Mas, para realizarmos a interconexão precisamos desenvolver, ao mesmo
tempo, a intraconexão que é a unidade consigo mesmo - “conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará” (JÓ, 8:32) - A verdade é a conscientização da essência divina
dentro de homem. A realidade, quando intensamente consciente e conscientizada
pelo homem, liberta-o de todos os males que seu Ego, separado do seu Eu superior,
produzem.
“Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano
o que Deus tem preparado para aqueles que o ama” (CORÍNTIOS, 2:9).
Devemos compreender que a sua vida só você a vive e a viverá por toda a
eternidade, portanto é preciso eleger a forma como se quer viver. Viver
conscientemente implica em querer ver. É um ato de escolha, somos livres para
procurar a expansão ou contração da consciência. Podemos tentar ver mais ou
menos. Podemos querer saber ou não saber. Podemos lutar pela clareza ou pela
perplexidade. Podemos viver consciente, semiconsciente ou inconsciente. E esse é
o significado básico do livre arbítrio. Implica em respeitar os fatos da realidade – do
nosso mundo interior e exterior. É viver de maneira consciente em relação à
realidade. Isso significa reconhecermos que o que é “é“.
“O homem não é importante pelo seu ego ou pela sua personalidade. O homem é
importante porque, como alma, ele é parte de Deus” (PARAMHANSA YOGANANDA,
1990)12.
Estado do ser é o estado de harmonia e consciência do próprio ser e da trajetória a
ser seguida, consciência da inspiração que move e conduz a sua vida e a busca
pelo estado de integração com o absoluto, com Deus. Sermos humildes o suficiente
para percebermos que os nossos sofrimentos são decorrentes da nossa limitação,
da nossa incapacidade de “ver” o todo. “A tua fé te salvou” disse Jesus, a relação
que o homem tem consigo mesmo é que irá salvá-lo, levá-lo do estado de sofrimento
para o estado de plenitude.
Existe uma história antiga que diz:
“Três cegos encontram um elefante. Quando lhes foi pedido que descrevessem o
animal, cada um disse uma coisa diferente. Um afirmou que o elefante era como
uma grande mangueira; o segundo, que ele parecia um cabo de vassoura; e o
terceiro, que ele se assemelhava ao tronco de uma árvore. Cada um se manifestou
conforme a sua percepção. Demonstrando o quão é limitada a nossa visão cósmica.
E o nosso conhecimento sobre o propósito da existência planetária.”
Cada um de nós tende a ser condescendente consigo mesmo.
Olhamos para nós mesmo com benevolência. Se alguma coisa de
ruim acontece conosco, sempre temos a propensão de atribuir a
culpa aos outros, ao destino, ao diabo ou a Deus. Não nos
recusemos a penetrar em nosso interior, conforme recomendação de
Buda (DALAI-LAMA, 2000, p. 58).
12
Discípula de Lahiri Mahasaya, que popularizou o Kriya (sistema de Yoga) para o público em geral por meio
do livro “Autobiografia de um Iogue.”
“As dificuldades do cotidiano libertam sua mente para criações além das expectativas préestabelecidas. Existe um consenso extra-sensorial, extremamente rico, ao qual só terá
acesso após sua libertação dos condicionamentos contidos na vida humana. Nada é um fato
isolado. Saborei-se com as mazelas do dia-a-dia, brinde-se com as ilusões transitórias e
veja a imensidão de oportunidades que o plano superior lhe oferece de se envolver ou
integrar-se a grande fraternidade - ao Plano Divino.”13
13
Aparecida dos Santos (novembro/2006).
Após esse estudo sobre a individuação obtive uma resposta concisa sobre o que é
um Ser humano saudável e pleno. É alguém que encontrou a si mesmo.
Compreendo que somos capazes de intervir na trajetória de nossas vidas e
consequentemente na trajetória da vida de outras pessoas, não somos seres tão
passivos do nosso destino, temos grande parcela na sua construção e, durante essa
construção, somos geridos e agraciados - não submetidos - às energias superiores.
A nossa vida não começa aqui e não terminará aqui. Somos frutos. A nossa história
começou tempos atrás, com os nossos antepassados e parte deles continua a atuar
em nós. Se existe um caminho para a felicidade, acredito, e muito é o da
individuação. No entanto, todos nós sabemos que a felicidade é um oásis, adaptado
ao deserto de cada um. Portanto, é a minha verdade e ela não é incontestável.
A busca pela individuação é um processo inato a todo ser humano. Todos em algum
momento, geralmente na maturidade, serão instigados a ela. Se irão atender ou não
a esse chamado depende da intensidade e da estrutura de cada um (RAMOS, 1994,
p. 129). Poderíamos visualizar a busca pela Individualidade como uma construção.
Imaginemos que ao longo dos anos fomos construindo nossa casa, com os
materiais, recursos e condições que possuíamos. Num determinado momento,
somos colocados frente à frente com essa construção e deparamo-nos com o
resultado dos nossos anos de trabalho.
Algumas casas, devido aos materiais, recursos e condições que tiveram, só
necessitarão de um refinamento e um acabamento; outras necessitarão de uma
reformulação maior, com quebras, trocas, rompimentos e várias, várias mudanças
no projeto. Por fim, haverá casas que praticamente irão ao chão, para serem,
novamente, reerguidas. Não é fácil esse olhar, é preciso coragem. Imagine ter que
admitir, para si mesmo e para TODOS os outros, que aquela não é a casa que você
planejou. Que terá que recomeçar, agora! (Nessa altura do campeonato) Ter que
lidar com a idéia de mudar tudo o que você levou anos construindo, sedimentando,
enquanto acreditava estar construindo a sua felicidade exige disponibilidade interna,
coragem, maturidade e consciência. Este trabalho será focado, a priori, nos
instrumentos de estruturação desta casa – chamada Individualidade.
Carl Gustav Jung
Todo ser tende a realizar o que existe nele em germe, a crescer, a
completar-se. Assim é para a semente do vegetal e para o embrião
do animal. Assim é para o homem, quanto ao corpo e quanto à
psique. Mas no homem, embora o desenvolvimento de suas
potencialidades
seja
impulsionado
por
forças
instintivas
inconscientes, adquire caráter peculiar: o homem é capaz de tomar
consciência desse desenvolvimento e de influenciá-lo... (JUNG apud
SILVEIRA, 1984, p. 87).
A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, psicólogo e psiquiatra suíço, foi
escolhida como o fio teórico condutor do desenvolvimento desta monografia. Foi
uma escolha pautada no meu parco conhecimento, na minha percepção e nos
conteúdos apresentados durante o curso de Arteterapia. Desejo desenvolver um
estudo sobre o processo de Individuação e, sendo esse o eixo central da Psicologia
Analítica, me senti instigada a aprofundá-la. Recordo haver lido que, em sua obra
”Memórias, sonhos e reflexões”, Jung (1963) diz que, quando criança sentia possuir
duas personalidades: um “eu” público, exterior, envolvido com seu mundo familiar, e
um “eu” secreto, que tinha uma proximidade especial com a natureza e com “Deus”.
Foi algo que, ao meu interior, fez muito sentido, principalmente, observando que sua
vida foi pautada em apresentar ao mundo a possibilidade de uma relação dialética e
de interação, entre o conhecimento científico e o religioso. Passou a sua vida
procurando, paralelamente, a produção de sua obra científica, vivendo ele mesmo
uma busca pelo conhecimento de ser “si mesmo”, por meio do crescimento
“espiritual”. Desde que nascemos temos características e maneiras próprias de
elaborar os símbolos, dependendo do transcorrer de nossas vidas. A nossa
formação, a estrutura da nossa psique é que irá nos orientar. Pontua que temos
formas típicas de aprender e também de estruturar a nossa psique e que, portanto,
não somos iguais, ou seja, que o outro não é tão semelhante a nós, “Ao contrário ele
nos é exasperadamente dessemelhante...” (JUNG apud SILVEIRA, 1994, p. 51).
Apesar de algumas lacunas quanto à formação da personalidade, a constituição da
psique e os tipos psicológicos, segundo Jung, são os que mais se aproximam da
visão que aqui será enfocada. A questão do consciente e inconsciente (pessoal e
coletivo), dos arquétipos, da persona, da sombra, da anima e do animus, assim
como, o papel dos sonhos, todos esses elementos ressoam no meu ser. Acredito,
ainda, na extrema importância da religiosidade (numinosidade), da busca espiritual
na vida do ser humano.
Entendo que é vital a coligação com Deus, com o Cosmo. Jung menciona, talvez
não tão enfaticamente, a possibilidade, subjetivamente falando, a vivência do
numinoso e o quanto esse fator é essencial para uma saúde psíquica.
Ele [Jung] julga que cada ser humano possui, originalmente, um
sentimento de totalidade, isto é, um sentido poderoso e completo do
self. E é do self (o si-mesmo) – a totalidade da psique – que emerge
a consciência individualizada do ego à medida que o indivíduo cresce
(ALLESSANDRINI, 2005)14.
É sobre essa totalidade que se pretende dissertar, co-relacionando com as
experiências coletadas durante a pesquisa.
14
Informação verbal em aula do curso de Especialização em Arteterapia no Alquimy Art.
REPAGINAR
Um Olhar Interno
“Do mal, muita coisa boa resultou.
Mantendo-me calmo, nada reprimindo, permanecendo atento e aceitando a realidade.
Vendo as coisas como elas são e não como eu queria que elas fossem.
Ao fazer tudo isso, adquiri um conhecimento incomum, assim como poderes invulgares, de
uma amplitude que jamais poderia ter imaginado.
Sempre pensara que quando aceitamos as coisas elas nos sobrepujam de um modo ou de
outro.
Resulta que isso não é verdade em absoluto.
É somente aceitando as coisas
que podemos assumir uma atitude em relação a elas.
Por isso, tenciono agora fazer o jogo da vida, ser receptivo a tudo que me chegar, desta
forma, aceitar também minha própria natureza, com seus aspectos positivos e negativos.
Assim, tudo se torna mais vivo para mim.
Que insensato eu fui! Como me esforcei para forçar todas as coisas a harmonizarem-se
com o que eu pensava que devia ser...”
Carl Gustav Jung
“Para começarmos, a aula de hoje, vocês vão pensar e escrever algo ou alguma
coisa que lhes fariam felizes, pode ser mais de uma. Pensem e escrevam, sem
medo. Passam se alguns minutos, e a professora percebe que um aluno parece
estar com dificuldade. De pronto, vai até ele e pergunta: Alguma dúvida Sr. Antonio?
E meio timidamente ele responde: Não, não é dúvida não professora... é que eu já
tenho tudo.”15
15
Aparecida dos Santos - Núcleo de Alfabetização de Jovens e Adultos. Jardim Fortaleza – periferia de
Guarulhos/SP (2003).
Já se vão anos e essa experiência me acompanha até hoje. O que é esse estado de
felicidade tão acessível a algumas pessoas e completamente inacessível a tantos
outras?
Partindo do pressuposto que a definição desse estado de felicidade seja o de
INTEGRAÇÃO DO SER, de integração consigo mesmo e com o Universo, sem
enveredarmos por um caminho utópico e subjetivo de felicidade, podemos
compreender esse estado como uma consciência ampliada, em que não existe cisão
nem divergências interiores e exteriores, mas um centramento, uma coligação,
ultrapassando a visão metafórica de felicidade, como um estado dionísico e ou de
perfeição, para vivenciá-la como estado de capacidade para compreender e lidar
com as diversas formas de realidade. Esta condição só é possível, realmente, a uma
pessoa que percorreu a estrada da individuação, que viveu o processo de aprender
a encontrar o seu centro e uma forma de estar permanentemente conectado a ele.
Essa pessoa não terá o controle sobre os fatos e as ocorrências da sua vida, mas,
terá o maior grau de conhecimento possível sobre si mesmo e suas ocorrências.
Ilustremos com a seguinte visão: Imaginemos um barco em alto mar numa noite de
tempestade; agora imaginemos esse barco sem um capitão. Imagine, agora, que
VOCÊ está nesse barco. Qual a sensação? Se você não tiver noção de perigo, tudo
estará bem, poderá ser até divertido. Mas, se você tiver consciência...Terá sido uma
viagem bem difícil. No entanto, se você for o capitão e tiver conhecimento dos seus
recursos e de como conduzir o barco, a tempestade poderá se transformar de um
fim trágico para mais um desafio a ser superado, independentemente das
diversidades. Podemos pensar que esta pessoa encontrou uma forma de estar
permanentemente no seu centro e não nas tempestades. Ela não está mais como
um barco sem capitão. Ela assume a responsabilidade sobre o comando da sua
embarcação. Haverá tempestades, isso ele não poderá controlar, mas não haverá
erros por uma falta de controle emocional, por um racionalismo inflexível, ou por
impulsos descontrolados. Como capitão, ele terá toda a visão do barco, dos seus
recursos e da tempestade. E a sua conduta dependerá de como ele irá coligar tudo
isso. Não existirão conflitos internos, nem obscuridades desconhecidas do
comandante e ele já não será vítima de todas as surpresas. Algumas pessoas
dizem: “a ignorância é uma benção”, e muitas pessoas vivem na total ignorância do
mundo e de si mesmas e, no entanto, se apresentam como pessoas felizes. E não o
são? Quem de nós poderá dizer que não. Se para uma pessoa um pedaço de pão a
fará feliz, se lhe dermos naquele momento o pedaço de pão ela será feliz. Mas, se
essa pessoa sentir “Que nem só de pão vive o homem” não bastará somente o
pedaço de pão, algo ficará faltando, como um pequeno som, ou algo que nem se
consegue reconhecer, como um pequeno vazio, que tentará ser suprido com TV,
bebida, comida, sexo, diversão, pessoas, drogas, família, filhos, amores... Pseudos
felicidades? Dizer que todas sentirão esse vazio é uma irresponsabilidade, pois,
muitas não sentirão.
A felicidade e a individualidade se entrelaçam. É, convenhamos, o caminho da
Individuação. Não é um trajeto simples. Para segui-lo é necessário um chamado.
Esse chamado é único e muitos o ouvem, muitos fazem que não o ouvem e outros
não o ouvem mesmo. É um caminho sem garantias, é uma busca movida pelo
interior.
Na verdade o que se busca, o prêmio, pode simplesmente não ser encontrado, mas
é algo que não se pode deixar de ser buscado. Um fato comprovado é o de que as
pessoas que tiveram suas dificuldades externas, que tiveram e tem que lutar duro
pela própria sobrevivência e manutenção da vida, terão menos tempo para
desenvolver um grau de exigência consigo mesmas e, consequentemente, menos
tempo para desenvolverem conflitos internos. A sensibilidade delas não será tão “a
flor da pele”, comumente expressando, serão “calejadas”. Como uma atenção
desviada. Em contrapartida, as pessoas que tiveram uma maior facilidade, que não
tiveram que labutar tanto pela sobrevivência, são mais propensas a desenvolverem
maiores questões e conflitos internos. Voltam-se mais para o interior. (JUNG apud
ROCHA, 1986, p. 342). Cotidianamente, observando e coletando dados, vemos que
alguns acreditam que as pessoas do campo são mais tranqüilas, enquanto que as
dos centros urbanos são mais agitadas e que as pessoas de renda baixa, de classe
inferior, são mais propensas à “felicidade”, a serem mais felizes que as de nível
superior. Longe de estar se estabelecendo que o dinheiro não traz felicidade. É que
o grau de satisfação e de exigência, ressalvando que estamos falando
hipoteticamente, da classe inferior está abaixo do estabelecido pela superior. No
entanto, é fato que quanto maior as possibilidades de aquisição maiores serão as
ambições e maiores as transferências exteriores e a insatisfação pessoal. A
satisfação passa a deslocar-se de um estado do SER para o que proporcionou esse
estado. A necessidade externa passa a ser associada à interna.“Uma alma externa”.
Voltando a mencionando o Sr. Antonio, do Núcleo Fortaleza, não havia um conflito
interno com ele. O que lhe era possível externamente ia ao encontro ao que ele
desejava internamente. Pressão interna, pressão externa, equivale a equilíbrio. As
suas aspirações e os seus desejos se coadunavam com a sua realidade exterior e
ao que tudo indicava com relação aos bens materiais e aos emocionais. Não havia o
conflito, a dualidade, seja por um total desconhecimento de si mesmo ou por um
encontro com ele. Uma vez que é possível estabelecer esse encontro consigo
mesmo, por meio das batalhas diárias, por erros e acertos, pelas das experiências
de vida. É um trabalho árduo e autodidata, muitas pessoas precisam de um apoio,
de um terapeuta para auxiliar nessa busca, outros não.
Observemos a mídia, por exemplo, os índices de suicídio provocados pelos jovens
de classe média alta são em números consideráveis. Um profundo vazio e angústia
são relatados pelos jovens que tiveram a sorte de não serem bem sucedidos na
tentativa. A falta de amor é a maior queixa. Já nas camadas pobres o que se
percebe é um grande número de mortes por violência, assassinatos, frutos da busca
pela sobrevivência ou da realização de desejos concretos. A felicidade como um
estado de êxtase permanente é algo impossível. Aliás, ninguém suportaria viver
eternamente nesse estado. Seria o fim. O ser humano precisa viver num estado de
equilíbrio, encontrar o centro. Como diriam os budistas, o melhor caminho é o do
meio. Um equilíbrio entre o apogeu e o declínio. O homem deve se manter o mais
perto possível destes dois extremos. Não existe uma receita para a felicidade
universal, mas cada um tem a sua receita individual de felicidade, da sua felicidade.
Mesmo que ela permaneça nos recônditos do inconsciente.
A criança é totalmente feliz, com as suas exceções, pois ela é totalmente
inconsciente, ela não tem a menor consciência da sua individualidade, ela e os seus
pais, a mãe principalmente, ou a sua representante, agem como uma extensão dela
mesma. Uma das maiores causas de depressão nos adultos é o desejo de prolongar
esse estado infantil para além da faixa etária (JUNG apud ROCHA, 1986, p. 342). As
questões sobre felicidade e infelicidade surgem a partir da puberdade, quando a
simbiose começa a se desfazer e o indivíduo começa a ser o provedor e
responsável por si mesmo. Daí a importância da relação estabelecida durante a
infância, fase de formação psíquica, emocional e espiritual.
O meio sócio-econômico e o meio ambiente, hoje, comprovadamente, interferem
diretamente na formação do indivíduo, assim como, a estrutura familiar e a relação
de afetividade, direcionam a formação da personalidade, do ego, da persona desse
indivíduo (DALAI LAMA, 2000). O que se agregou na estrutura, quais foram os
valores abordados, qual a qualidade dos afetos, da segurança, da confiança, do
suprimento
das
necessidades
básicas
e
a
solidez
dos
relacionamentos
presenciados? Qual a honestidade, fidelidade e lealdade transmitidas? Quais as
projeções transferidas? Todas essas informações atreladas aos aspectos básicos da
sobrevivência e da qualidade de vida irão pavimentar o caminho a ser construído
pelo indivíduo.
A criança necessita se sentir acolhida e protegida. Se nessa fase ela não viver a
confiança, terá dificuldade em confiar no mundo. A primeira infância e a meninice
são importantíssimas para a estruturação do indivíduo e da sua individualidade. A
família tem um grande papel, uma vez que, se porta como uma projeção do mundo.
A família pode ser considerada como um grupo de pessoas (podem ser pai, mãe,
filhos...) unidas por laços de sangue ou de convivência, em que haja papéis
definidos e onde se encontre um ponto de apoio.
Sem nos aprofundarmos no tema, já que a família é também algo bem complexo,
afinal, o que é uma família? É um conjunto de pessoas, de indivíduos, que
desenvolveram a sua trajetória singularmente e que num determinado momento, por
paridade, por conveniência, amor, ou outro motivo, se uniram e reproduziram outros
seres. Na verdade, a história de uma pessoa começa com a história dos seus pais e
a dos pais deles com as histórias dos pais deles e assim sucessivamente. Sim,
somos fruto de nossos antepassados, mas isso não significa passivo deles. Não
somos seres tão impotentes perante a nossa trajetória.
A trajetória de um indivíduo é construída a partir da sua individualidade, mas, dentro
de uma macroestrutura, a qual ele pertence. Somos seres criadores, mas a nossa
criação ocorre em sincronicidade a uma criação maior que é o Universo e que é
composto de tantos outros indivíduos. Existe uma lei maior que rege todas as coisas
e a todos nós.
Durante a pesquisa pôde perceber-se, e por muitas vezes, constatar a busca e
necessidade de estabelecer esse contato. Não ensinam na escola como se tornar
pessoas, mas cidadãos. Saímos pela vida nos identificando com as tantas imagens,
personas pré-estabelecidas e acreditando sermos uma delas. A propósito, quem já
não ouviu o termo “você tem que se adaptar....”. Na verdade, querem dizer você tem
que se enquadrar nessa forma estabelecida para todo “MUNDO”, não importa se
você é gordo, magro, a forma da massa é uma só. E o que vemos por aí são
pessoas mutiladas, atrofiadas... deprimidas. Nunca foi tão notório o número de
dependentes químicos lícitos e ilícitos na sociedade. Isso não é fruto dessa geração,
mas, de várias. Talvez, a nossa, já esteja pronta para iniciar uma mudança.
[...] No entanto, estranhamente, minha impressão é que as pessoas
que vivem em países de grande desenvolvimento material são de
certa forma menos satisfeitas, menos felizes do que as que vivem em
países menos desenvolvidos. Esse sofrimento interior está
claramente associado a uma confusão cada vez maior sobre o que
de fato constitui a moralidade e quais são os seus fundamentos. A
meu ver, criamos uma sociedade em que as pessoas acham cada
vez mais difícil demonstrar um mínimo de afeto aos outros. Em vez
da noção de comunidade e da sensação de fazer parte de um grupo,
encontramos um alto grau de solidão e perda de laços afetivos. O
que gera essa situação é a retórica contemporânea de crescimento e
desenvolvimento econômico, que reforça intensamente a tendência
das pessoas para a competitividade e a inveja. E com isso vem a
percepção da necessidade de manter as aparências – por si só uma
importante fonte de problemas, tensões e infelicidade (DALAI LAMA2000, s/p).
Descobrir os próprios paradigmas e manter-se coligado à ética planetária e um
trabalho visceral, portanto, não há meia escolha.
A Arteterapia sob uma visão transpessoal
ARTETERAPIA
Como Instrumento de Individuação
“A função mais importante da arte e da ciência é despertar o sentimento religioso
cósmico e mantê-lo vivo.”
(Einstein)
Através das linguagens artísticas, o espírito ganha corporeidade e a
matéria plasticidade. O interno e o externo, o real e o imaginário,
entrelaçam-se num movimento formador e transformador. Aí reside
um dos principais fatores terapêuticos da arte: poder dar visibilidade
às tramas que permeiam as relações. (BERNARDO, 1999, p. 226
apud BERNARDO, 2006, p. 88).
A Arteterapia é um surpreendente e poderoso caminho de autoconhecimento e
transformação (GUTTMANN apud VALLADARES, 2004, p. 9). Ela engloba, além das
modalidades artísticas, referenciais teóricos da psicologia, propiciando os benefícios
dos processos criativos e imaginativos na construção da individualidade. Auxilia o
processo de ampliação da consciência individual sobre as suas possibilidades,
atuações e relacionamentos; tanto do indivíduo consigo mesmo, como com o mundo
que o cerca e com todo o Universo.
O termo mais correto para definir Arteterapia seria o da “transdisciplinariedade”, pois,
corresponde ao surgimento, a partir de muitos outros saberes, de um novo saber. Na
Arteterapia os conhecimentos divergentes não são necessariamente excludentes.
A transdisciplinariedade aparece como um movimento de
reconhecimento do espírito e da consciência, uma consciência nova
de realidade e, a bem da verdade, uma nova realidade. É uma
conciliação que resulta da compreensão e do re-equilíbrio entre o
saber produzido e as necessidades interiores do Homem. (ARCURI,
apud VALLADARES, 2004, p. 20).
Utiliza-se da arte como instrumento para exaltar e libertar as qualidades do indivíduo
na práxis da vida, ajudando a sentir, a pensar e a agir de acordo consigo mesmo,
cria uma ponte de acesso aos seus conteúdos conscientes e inconscientes.
Arteterapia pode ser considerada como a utilização de recursos
artísticos em contexto terapêuticos, baseando-se na percepção de
que o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico
e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Age a serviço das
leis da necessidade interior do Homem e facilita o entrar em contato
com o poder criador de cada um, permitindo transpor para o exterior
o que ocorre – via de regra, de maneira caótica – no interior; levando
assim o paciente a poder observar, refletir, interagir, dialogar e
elaborar. Proporciona o reconhecimento da dinâmica psíquica que é
uma via de acesso à totalidade de ser (ARCURI apud VALLADARES,
2004, p. 20). É o livro da Irene
Vivemos em dois mundos, conforme aponta Minkowski (1968, apud ARCURI, 2006,
p. 23), ou seja, temos dois sistemas de percepção, completamente diferentes: um de
percepção de coisas externas, por meio dos sentidos, e o outro de percepção de
coisas internas, que surge por meio das imagens do inconsciente. Nesse contexto
podemos entender a obra de arte, ou uma expressão artística, como um documento
psíquico, por meio do qual podemos saber como é a relação do indivíduo consigo,
com o meio em que vive e também a idéia que ele tem da ordem cósmica.
A arte nos propicia olhar a experiência vivida de forma singular. Sugere que no
estado de consciência cotidiana identificamo-nos apenas com uma centelha de
quem realmente somos. Somente quando transcendemos as fronteiras restritas do
ego e que buscamos uma identidade total. Adentramos, ao que Grof denomina de
estado “holotrópico”:
Um aspecto particularmente interessante dos estados holotrópicos é
seu efeito sobre os processos de pensamento. O intelecto não fica
debilitado, mas opera de uma forma muito significativamente
diferente do seu modo de funcionamento diário. Esse tipo de
experiência holotrópica é a principal fonte de cosmologias,
mitologias, filosofias e sistemas religiosos que descrevem a natureza
espiritual do cosmo e da existência. Elas são as chaves para a
compreensão da vida ritual e espiritual da humanidade, desde o
xamanismo e as cerimônias sagradas das tribos aborígenes, até as
grandes religiões do mundo. (2000, p. 19).
É possível por meio da Arteterapia e, da expansão da consciência, encontrar um
caminho para a transformação de sentimentos e atitudes perante o mundo; o que
pode trazer um estado de serenidade, de paz. Um estado onde não há espaço para
o sofrimento. Haja vista que, como a arte é capaz de criar um canal de comunicação
com a psique, ela torna-se capaz de compreendê-la nos seus infinitos e sutis
nuances.
A Arteterapia, num contexto transpessoal, acredita que a consciência é fator central
da determinação do resultado da terapia, ela é tanto o objetivo como o instrumento
da mudança. As experiências transpessoais têm o objetivo de levar o indivíduo a
transcendência do ego e, portanto, a capacidade de ampliação da consciência e
sensação de unicidade. (ARCURI, 2006)
“Nesse sentido a psicologia transpessoal chama atenção aos aspectos da
consciência e ao reconhecimento dos significados das dimensões espirituais da
psique.” (ARCURI apud VALLADARES, 2004, p. 20).
Tudo aquilo que incite o homem a transcender o exclusivismo
egoísta, seus medos, sua inércia, seu amor ao prazer; tudo aquilo
que pode levá-lo ao controle e à direção das forças não
domesticadas dos instintos e das emoções. Acredita também no
reconhecimento da realidade social da natureza, tornar-se uno com
esta realidade, ampliando os limites da sua própria personalidade
(ASSAGIOLI, 1991, p. 196).
“O Universo é um ser vivo, nele não existe inconsciência. Deus é todo Consciência.
E a intuição é o único meio de alcançá-lo.”
(Ricardo Pires Souza, 2004, Anima Mundi).
TÉCNICAS ARTÍSTICAS
As técnicas agem como um radar interno que examina o sistema e
detecta o material com maior carga e significado emocional. Dessa
forma, o ser humano torna-se autor da própria vida, assumindo a
responsabilidade por si mesmo no mundo e nos relacionamentos
pessoais. É possível supor que a pessoa saudável seja capaz de
experimentar toda uma gama de emoções ao mesmo tempo em que
permanece relativamente desapegada do melodrama pessoal
(ARCURI apud VALLADARES, 2004, p. 30).
Sendo o trabalho arteterapêutico singular e individual é necessário estabelecer um
contato efetivo com a pessoa a ser atendida, seja por meio de uma entrevista ou por
uma ficha de anamnese; somente a partir desse contato será possível planejar e
estabelecer a forma de se atingir o objetivo almejado. (VALLADARES, 2004, p.110).
As técnicas agem como surgem como Razão pela qual, os instrumentos e as
técnicas a serem utilizadas têm papel essencial na a obtenção desse objetivo
Segundo Vallares (2001, p.13-14), as modalidades expressivas mais utilizadas em
arteterapia são as seguintes: desenho, pintura, colagem/recorte, gravura, tecelagem,
modelagem, teatro, tabuleiro de areia e escrita criativa. Como ilustração, descrevo
as utilizadas no Projeto Solaris.
Desenho: O desenho objetiva a forma, a precisão, o desenvolvimento da atenção,
concentração e coordenação viso-motora e espacial. Também concretiza alguns
pensamentos e exercita a memória. O desenho está relacionado ao movimento e
reconhecimento do objeto. Tem função ordenadora.
Materiais utilizados: giz de cera, nanquim colorido, lápis de cor, giz colorido, pincel
atômico, pastel seco e oleoso, canetas hidrográficas, diluentes e papéis diversos
brancos e coloridos (Kraft, sulfite, vergê, canson, cartolina, etc.).
Pintura: A fluidez da tinta induz o movimento de soltura, de expansão, trabalhando o
relaxamento dos mecanismos defensivos de controle. A pintura lida com
sentimentos, emoção, sensação, provoca a sensibilidade, evoca o gesto os
suportes/superfícies, as tonalidades e as cores.
Materiais utilizados: cola colorida, aquarela, guache, têmpera, tinta acrílica e a óleo,
PVA, pigmento líquido e cola. Suportes diversos: papéis, tecidos e madeira; pincéis
chatos e redondos, esponjas, rolos de pintura de diversos tamanhos, paleta, potes
para água, água e trapos.
Colagem/Recorte: A colagem favorece a organização de estruturas pela junção e
articulação de formas prontas. Já a organização espacial é simbólica, reparadora e
de baixo custo.
Materiais utilizados: revista e figuras pré-selecionadas, jornais, linhas coloridas,
madeiras, caixas, sucata, papéis com cores e texturas diversas (cartolina, camurça,
seda, carmim, celofane, Kraft, etc.), materiais orgânicos (folhas, flores, casca de
árvore, sementes, grãos, conchas, areia), retalhos de tecidos, purpurina, tesoura,
cola, fita adesiva, fios, durex, grude, estilete, pregos.
Modelagem: A modelagem é uma atividade especialmente sensorial; trabalha o
toque da mão e a organização tridimensional. Os materiais podem ser pintados após
secagem.
Materiais utilizados: argila, papel machê, gesso, plastilina, massa artesanal,
durepox, suporte (madeira, pedra, etc.), faca, rolo de massa, guias de madeira, fios,
estacas, trapos e plásticos resistentes e lixas.
Escrita criativa: Significa escrever sobre determinado trabalho artístico sem a
utilização de pontuação ou uso de borracha, e com a possibilidade de erros
gramaticais e de ortografia. O paciente escreve livremente o que vê e especialmente
seus sentimentos em relação ao trabalho colorido. Permite que os conteúdos do
inconsciente facilmente aflorem para a consciência pela escrita.
Materiais utilizados: papel, caneta, lápis, suporte para apoiar o papel e os trabalhos
artísticos executados anteriormente ou sonhos.
“Não servimos o fraco ou o vencido.
Servimos a inteireza uns dos outros e da própria vida.
A parte dentro de você que eu sirvo
É a mesma que é fortalecida dentro de mim no momento que eu sirvo.
Diferentemente de ajudar, reparar,
Resgatar, o servir é mútuo.
Há muitas maneiras de servir e fortalecer
a vida ao nosso redor:
Através da amizade, paternidade ou do trabalho,
da gentileza, da compreensão, generosidade ou aceitação.
É através da filantropia, do nosso exemplo,
nosso encorajamento, nossa ativa participação, nossa crença.
Não importa como o façamos,
o ato de servir nos abençoa.
Quando oferecemos nossas bênçãos com
generosidade a luz do mundo ganha força
ao nosso redor e dentro de nós.”
Rachel Naomi Remen, 1998
VIVÊNCIAS
Equipes de Trabalho
“A arte é o único domínio em que a onipotência das idéias
se manteve até nossos dias. Só na arte ainda acontece
que um homem, atormentado por desejos, realize algo
que se assemelhe a uma satisfação; e, graças à ilusão
artística, este jogo produz os mesmos efeitos afetivos,
como se fosse algo real. É com razão que se fala da
magia da arte e que o artista é comparado a um mágico.”
(FREUD apud CHIESA, 2004, p. 15)16.
“Como psicoterapeutas, não podemos mais ver os seres humanos como
entidades psicológicas isoladas, divorciadas de qualquer interligação inerente
com os outros‟, afirma Rollo May [...] e acrescenta ainda: „Nós vivemos nos
outros e os outros vivem em nós‟” (1995, HYCNER apud CEDOTTI, 2006, p.
69).
Na busca pelo conhecimento e, na forma de interagir na construção desse estado de
felicidade, elaborei, dentro da pesquisa, o Projeto Solaris. Esse projeto consistiu em
trabalhar o indivíduo - o Ser humano - dentro da sua trajetória ou das suas fases da
vida. Para tanto nominei-os assim:
16
FREUD apud BELLEMIN NOEL, J. Psicanálise e Literatura. São Paulo: Cultrix, 1983, p. 23.
PROJETO SOLARIS
População
Subtítulo
Idoso
Individuação
Adulto
Persona
Adolescente
Crear
Criança
Conspiração
RESPEITO
“A palavra „respeito‟ significa „olhar novamente‟, literalmente. Consequentemente,
respeito nos pede para olhar além da primeira impressão e estar disposto a ver o
que não era nenhum óbvio no princípio. Respeito para com os outros no
aprendizado é fundamental. Quando nós estamos dispostos a ver as pessoas sob
uma nova luz, damos a elas o espaço que precisam para crescer; nós não as
limitamos pelas nossas expectativas ou julgamento sobre elas. Nós não precisamos
forçar os outros a ver o que nós pensamos estar errado com eles. Nem espalhamos
rumores ou acusações, baseados em nossas próprias experiências com eles, ou em
nossas próprias interpretações, que podem ser falsas.”17
17
FROTA, W. Xamanismo. Disponível em<lobodocerrado>. Acesso em: dez. 2006.
“Que olhares são esses que me cercam,
que acompanham o meu falar.
Que ouvidos são esses que me sentem e me acolhem.
Que mãos são essas que falam comigo.
E esses pés, que vislumbram um caminhar.
Que universos são esses em que me vejo prestes a mergulhar...”18
18
Aparecida dos Santos (julho/2006).
INDIVIDUAÇÃO
Idosos
“Lidar com os sentimentos e algo que envolve coragem, olhar para os que
já foram sentidos, mais ainda.” 19
19
Aparecida dos Santos (julho/2006).
População: Idoso
Sexo: feminino
Idade: 77 a 88 anos
Local: Asilo
Trabalho grupal
Número de participantes: 06 (seis)
Perfil: Senhoras, que vivem em reclusão, sem um contato regular com familiares e,
com atividades (rotinas) estabelecidas pela Instituição. Vivem mediante doações ou
pequenas aposentadorias repassadas ao Asilo. É um local específico para mulheres,
onde não existem homens.
A experiência ocorre continuamente, porque a interação da criatura
viva com as condições que a rodeiam está implicada no próprio
processo da vida. Sob condições de resistência e conflito, aspectos e
elementos do eu e do mundo implicados nessa interação qualificam a
experiência com emoções e idéias, de maneira tal que emerge a
intenção consciente. Com freqüência, entretanto, a experiência que
se tem é incompleta. As coisas são experienciadas, mas, não de
modo tal que se componham em uma experiência. Há distração e
dispersão; o que observamos e o que pensamos, o que desejamos e
o que alcançamos, permanecem desirmanados um do outro. Pomos
nossas mãos no arado e voltamo-nos para trás; começamos e logo
nos detemos, não porque a experiência haja alcançado o fim em
vista do qual foi iniciada, mas por causa de interrupções estranhas
ou por qualquer letargia interna (DEWEY, 1994, p. 245-263).
Iniciei pelo que se “considera” o final da trajetória, pelos Idosos, que, a princípio,
eram um grande desafio. Ao criar o projeto “Individuação” o objetivo era levar
algumas senhoras a um contato interno, diferenciado, com a sua trajetória de vida,
possibilitando o reencontro consigo mesmo e, se possível, resgates pessoais,
visando um bem-estar, uma paz interior e um estado de felicidade. Neste asilo
trabalhei com um grupo de senhoras, que foram abençoadas pela vida e
conseguiram, fisicamente, envelhecer preservando a sua dignidade como pessoa.
Conseguiam desenvolver suas atividades de higiene sozinhas e não apresentavam
maiores problemas. Infelizmente o Brasil anda não concede ao Idoso a valorização e
o amparo que ele necessita, seja em que âmbito for: saúde, bem-estar-social ou
trabalhistas. Neste Asilo, paralelamente, mantive contato com outras senhoras, que
não tiveram a mesma benção e vivem à própria sorte, à margem. Ao todo foram dez
encontros, marcados por grandes experiências. A velhice concedeu a estas
Senhoras também a benevolência do amadurecimento. Não houve dificuldades em
estabelecer vínculos com elas. Estavam abertas para me acolher, para se
acolherem. As atividades foram cuidadosamente escolhidas e focadas na presença
e energia presentes nos encontros. Interessante foi constatar que o período mais
feliz da vida dessas Senhoras correspondia à infância. E foi partindo desse ponto
que começamos a trabalhar. Resgatando a menina presente na alma e no corpo,
mesmo que não parecesse estar mais ali. Essa retomada trazia a cada uma a
inspiração que parecia vir de um centro muito interior. Ao final, relembraram e
compartilharam momentos pueris que já nem se lembravam, pois que restavam
adormecidos dentro delas. Ficaram surpresas de se lembrarem daquilo. Cantavam e
sorriam. Passamos pela meninice e descobrimos segredos velados, sofridos. Foi
após uma sessão de pintura que, uma das senhoras compartilhou com o grupo uma
dor que a acompanhava desde infância: ela havia sofrido abuso sexual pelo
padrasto e fora culpada pela mãe. Neste momento, o silêncio dos ouvintes, ratificou
a sabedoria do silêncio. Ouviram e compartilharam das lágrimas que envolviam o
relato. Ao final, o grupo acolheu aquela senhora, mostrando-lhe naquele momento a
realidade que aquela menina havia vivido, trazendo-a para o presente e fazendo-a
olhar a situação com os olhos de uma senhora. Foi um dos momentos em que pude
vivenciar a força do trabalho em grupo.
Partimos para a juventude, período de descobertas. Para aquelas senhoras ela se
manifestava no tom nostálgico acrescido à voz. Nas músicas cantadas, no nosso
sarau, nos bordados, delicadamente tecidos e, orgulhosamente apresentados. Como
calar sentimentos tão profundos quando se tem a sensação de poder, novamente,
senti-los? Amores recônditos, amores platônicos, falta de amores, solidão, medo,
sentimentos aflorando e se recriando. Percebia e percebíamos, assim, a música...
suavemente... cumprindo a sua função, trazendo da alma a expressão. A maturidade
com seus dissabores, com suas perdas e constatações, ganhos também, como
deixaram marcas e saudades profundas. Uma vida que poderia ter sido de outra
forma...Quantos “Eu queria...” deixados para trás.
Nos trabalhos era possível perceber a intenção e o desejo de reviver uma época.
Muitos dos desenhos e das pinturas eram como garatujas, muito coloridas, como
que contradizendo o que elas diziam: “Tá bom aqui, tá bom assim”. As atividades
não eram silenciosas, era um momento delas se expressarem, de se ouvirem, como
uma delas disse, se referindo aos nossos encontros: “É um encontro espiritual”.
Foram momentos de partilha e a cada atividade percebia-se a disponibilidade e
abertura com a qual se entregavam às pinturas naquele momento. Uma das
senhoras, que aparentemente era extremamente reservada, mas, ao mesmo tempo
muito alegre comentou, após um comentário que mostrava mudanças sutis na
apresentação estética: “A gente vai perdendo o medo, vai fazendo, ficou bom, né?”
Mas, foi preciso uma vivência, de trabalho com o barro com essas Senhoras, para
que se percebesse a força dos materiais. No dia em que foi proposta esta atividade
uma senhora, que não era uma das participantes adentrou a sala e lá quis
permanecer, assenti. Era uma senhora, aparentemente, pela fala e pela expressão
do rosto, extremamente amarga e fechada. Mesmo assim, dei início à vivência. Para
minha observação, ela se entregou completamente a esse instrumento da natureza
e... chorou, copiosamente, ao manuseá-lo. No meu acolhimento, respondeu
simplesmente: “Não sei...me deu uma vontade de chorar..”. Ela se incorporou ao
grupo e sua presença, a cada encontro, foi ficando mais leve, menos amargurada.
Transformada.
A morte, dentro de um asilo, é a única certeza que aquelas senhoras possuem.
Vivem, a maioria, esperando que aquele seja o último dia de vida, que lhes seja
concedida a graça da liberdade. Poucas conseguem ver além daquelas paredes.
Com elas o trabalho arteterapêutico também consistia em viver “A vida em um dia”.
E vivemos, passamos por suas vidas, da criança, da menina, da jovem, da mulher,
da senhora. Concluindo, para a alegria de todas, que a melhor fase da vida delas
era atual. Foi a nossa efetiva conquista, como disse uma delas: “A gente aprende a
olhar e a ouvir as próprias memórias”. Como em uma referência a Cecília Meireles:
“A vida só é possível reinventada”.
Visualizando o Ciclo
Início: Um grupo de senhoras isoladas, sem
contato afetivo entre elas e com dificuldades
internas.
Finalização:
Um
grupo
de
senhoras,
individualizadas, com uma maior qualidade no
contato intrapessoal e interpessoal.
Alegria.
BARRO
“Na mitologia Prometeu – responsável pela criação do homem,
no mito da criação do mundo – utilizou-se do barro para
modelar o homem a imagem e semelhança dos deuses e,
assim, povoar a terra. Trabalhou com paixão e arte, esculpindo
uma multidão de estátuas. Por noites e noites debruçou-se
sobre o barro e deu-lhe forma a partir do modelo divino.”
(ALLESSANDRINI, 1996, p. 85).
A argila é uma espécie de barro usado na fabricação de tijolos e cerâmica, pode ser
adquirida em olarias ou lojas de cerâmicas, por um preço bem acessível. Para
conservá-la basta acondicioná-la em recipiente fechado, como um saco plástico. A
sua manipulação depende de recursos externos e não exige lugar especifico de
trabalho.
Segundo Gouvêa, “A inércia psíquica é ultrapassada quando se dá o encontro no
trabalho com o barro” (apud CHIESA, 2004, p. 57).
A argila está ligada ao nosso universo cotidiano. Ela é símbolo de nascimento, de
vida, de morte. Por isso, nela os nossos afetos se projetam muito mais
espontaneamente que em qualquer outro material modelável (PAÏN; JARREAU,
1996, p. 106). A argila é um suporte aos nossos afetos e um material que reage
diretamente ao calor das mãos. Ao modelar a argila, as mãos trabalham unidas e
por ser uma material maleável e flexível, propiciam um apelo direto ao corpo.
O trabalho com a argila se desenvolve em níveis bem variados, como: experiências
sensoriais, modelagem expressiva e outros Implicando em diversos níveis de
intervenção do profissional.
Ao utilizá-la como instrumento de trabalho cabe ao arteterapeuta, desde o início,
propor um afinamento da percepção das sensações táteis e a utilização de
instrumentos corretos.
As atividades expressivas são aquela que melhor permitem a espontânea expressão
das emoções, que dão mais larga oportunidade para os afetos tomarem forma e se
manifestarem, seja na linguagem dos movimentos, dos sons, das formas e das
cores (SILVEIRA, 1994).
O manuseio da argila viabiliza o fazer criativo, solidifica a relação do indivíduo com
uma linguagem artística. E o contato consigo mesmo acontece através do lidar
(CARRANO apud CHIESA, 2004).
As imagens criadas comunicam uma nova dimensão da pessoa, tornando se uma
forma das mais sutis de abordagem. Ajuda na liberação de emoções por meio da
expressão das sensações táteis, facilitando o estabelecimento de vínculos
terapêuticos (CARRANO apud CHIESA, 2004).
Ao arteterapeuta cabe o papel de guia, pois a forma como ele conduz o indivíduo ao
processo de criação e posteriormente a leitura de sua obra é fator relevante na
relação que se desenvolve entre ele e seu paciente, entre este e sua produção e o
seu estar no mundo. Toda atenção deve ser dada ao processo de elaboração e à
criação de uma imagem na argila, desde a postura do paciente a sua produção
ocorrida durante a sessão. Nesta relação não existem regras definidas, o
mecanismo está no fato de o arteterapeuta permanecer atento ao paciente e à
expressão dos seus sentimentos.
Em resumo, o uso da argila no processo terapêutico é de fácil aprendizado e
aplicação. Auxilia os pacientes a expressarem seus conflitos e angústias. Como
“Espelho da auto-expressão” agiliza o processo psicoterápico. A argila trabalha com
a comunicação não-verbal, por esse motivo, o arteterapeuta precisa estar atento a
cada gesto, a cada movimento e a cada emoção do seu paciente, é necessário que
esteja em sintonia ao que é comunicado, e, principalmente, estar em sintonia
consigo, com o paciente e com o Universo (PAÏN; JARREAU, 1996, p. 115).
“A argila é um suporte a nossos afetos, é interessante analisar as diferentes atitudes
suscetíveis de se desenvolverem frente a ela, assim como os diferentes modos de
aproximação que se pode propor em um ateliê terapêutico” (PAÏN E JARREAU,
1996, p. 106).
A argila é um meio de expressão que vai permitir as imagens inconscientes saírem
do interior e se manifestarem externamente. Ela é um fator de comunicação de
sentimentos e experiências vividas pela pessoa que esta produzindo. Através da
manipulação da argila, abre-se um caminho para o canal criativo, para o
autoconhecimento e para a transformação.20
20
Informação verbal da Prof. Regina Chiesa na aula sobre o Barro, no curso de Especialização em Arteterapia do
Alquimy Art em São Paulo.
“Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o
sopro da vida e o homem se tornou vivo [...]”
(Genesis, 2,7;7,19 p.29-30)
“O trabalho com o barro evoca um contato profundo com sentimentos, experiências,
dores e histórias, propiciando através do manuseio um olhar transformador para
questões tão duras e calcificadas”. 21
21
Aparecida dos Santos (junho/2006).
Figura 01
“Pintei de azul na apresentação estética: e preto porque minha cabeça quer voar e meu
corpo tá preso no chão...estava angustiada, parecia que cada parte de mim queria ir para
um lugar, acho que foi por isso que eu estiquei tanto ele...” T. 73 anos.
Figura 02
“É uma panela, eu ainda acho que é uma panela...mas, não tem fundo...aí não pode parar
nada dentro ...não fica nada...”. M.C. 88 anos
Figura 03
“Ah! Agora sim, agora eu sei que tem coisa dentro.” M.C. 88 anos.
Figura 04
“Era um sol, mas aí virou uma tartaruga, com cinco perna e uma cabeça...que nem eu.” M.L
.77 anos (tem dificuldades para andar e necessita de apoio).
Figura 05
“Uma vez eu vi um filme e ele tinha umas colunas gregas enormes...essa imagem nunca saiu da minha cabeça e
agora eu fiz as minhas colunas....” M.L. 77 anos.
PERSONA
Adulto
“Todos os homens nascem livres. Todos os homens nascem iguais e têm portanto os
mesmos direitos...”
Declaração Universal dos Direitos Humanos -1948 22
22
Aparecida dos Santos (agosto/2006)
População: Adulto
Sexo: masculino
Idade: 24 a 70 anos
Local: Albergue
Grupo itinerante
Número de participantes: 03 (três) a 06 (seis)
Perfil: Albergados de rua, que compartilhavam do mesmo espaço durante a noite.
Em sua maioria apresentam comprometimentos psíquicos, posturas
desestruturadas, defensivas e, consequentemente agressivas. Extremamente
miseráveis e carentes.
“Nem tudo pode receber um nome. O significado de
algumas coisas transcende as palavras. A arte pode
inflamar até uma alma enregelada e levá-la a uma
alta experiência espiritual. A arte nos proporciona às
vezes – de maneira rápida e vaga – revelações que
não podem ser fruto do pensamento racional.”
(SOLJENÍTSIN)
O objetivo ao trabalhar com essa população era proporcionar um momento,
favorável à expressão, que possibilitasse ao morador de rua estabelecer um contato
interno e, a partir desse contato, despertar o resgate de valores, da auto-estima e de
sua integridade, propiciando instantes de individualidade e paz interior.
Ao iniciar, efetivamente, o trabalho com essa população ocorreu uma grande
mudança na proposta de trabalho. Na verdade foi realmente um grande susto, pois,
apesar de devidamente projetada a escolha por essa população, depara-se com as
surpresas e os imponderáveis da vida.
Depois de um grupo fixo de mulheres, senhoras idosas, reclusas em uma instituição,
para um grupo itinerante de homens adultos, moradores de rua. A surpresa? Todos
com problemas psíquicos.
Apesar do conhecimento parco sobre essas questões, nada correspondia à
experiência de tentar desenvolver um trabalho com pessoas comprometidas nesse
nível. Insegurança, receios, a busca pelo conhecimento, pela orientação e
encaminhamento foi essencial nessa fase. Tudo o que até então havia adquirido de
conhecimento, adquiriu outra conotação. Havia a necessidade de sair da posição em
que se estava para tentar compreender o que eles necessitavam para, só então,
assumir a posição de arteterapeuta. O relacionamento que se estabelece vai além
do vínculo afetivo, que também é algo extremamente difícil, uma vez que só
possuímos “aquele momento para viver”.
Não havia segurança de que veria novamente aquela pessoa ou que ela me
reconheceria no dia seguinte. O trabalho era simplesmente estar: estar ali com eles,
disponível ao chamado.
O trabalho acontecia em uma pequena sala, que era o refeitório. As manhãs eram
em sua maioria tumultuadas pela troca de turnos dos albergados. No entanto, havia
um
ritmo,
como
uma
engrenagem.
Uns
entravam
e
os
outros
saíam,
mecanicamente. Os materiais de trabalho ficavam expostos sobre a mesa, e todos
os dias era feito um convite para um momento de expressão. Muitos continuavam
alheios, outros aceitavam o convite e seguiam comigo. Assim se sucederam os
encontros. Pude conhecer o rosto dos residentes mais prolongados e já os conhecia
por nome. Acredito que alguns, também, já reconheciam a minha presença. Era um
trabalho de garimpagem.
Será relatada a experiência com dois albergados, que mostraram formas singulares
da abrangência da Arteterapia, os quais serão chamados de Alfredo e Anderson.
Alfredo era um homem forte, de uns 40 anos, que, a princípio, não estabelecia
nenhum tipo de contato. Passava o dia todo a falar sozinho. Foi um dos poucos que
aceitou o convite para o trabalho logo de primeira, lógico, que não o disse
verbalmente, mas adentrando a sala. Falava o próprio nome o tempo todo sozinho.
Os seus primeiros trabalhos eram extremamente tímidos, utilizava tintas e canetas,
mas ainda não era o seu instrumento de coligação. Alguns encontros aconteceram
e, mesmo sem nenhuma atitude concreta, ele já me reconhecia. Sintonia. Foi em
uma atividade com colagem que pôde ser identificado seu vocabulário. Ao folhear
algumas revistas, ele fazia alguns gestos e balbuciava algumas palavras e leu a letra
A; disse que era seu nome. Perguntado se sabia escrever, ele disse que não. E se
gostaria de aprender? Ele disse que sim. A partir daí tivemos encontros silenciosos,
profundos, em que a atividade e o seu sentido imperavam. Por meio de cada letra,
cada recorte, cada colagem que iria construir o seu nome fomos resgatando a sua
identidade. “Quero aprender a ler e escrever, escrever o meu nome e trabalhar de
pedreiro...” disse ele. Quando terminamos o seu primeiro nome, sorriu, pela primeira
vez. Foi um instante maravilhoso, de superação e de integração para nós dois. E
imaginei que tínhamos concluído, foi quando ele me surpreendeu, novamente: “Falta
escrever Borges... Alfredo Borges”. Demos continuidade, até ele concluir o próprio
nome. O Sr. Alfredo Borges conseguiu resgatar e se apropriar, ainda que por poucos
minutos, de si mesmo.
Anderson era um rapaz novo, aparentava uns 26 anos. Não se comunicava de forma
alguma, mantinha a cabeça baixa todo o tempo e evitava qualquer tipo de contato,
inclusive o físico. Era um dos residentes. Como fazia com todos, sempre o
convidava para participar. Um dia ele adentrou a sala e timidamente após muito
tempo sentado resolveu fazer um desenho, muniu-se de papel e canetinhas e tudo o
que fez foi uma garatuja, muito pequena na base da folha e saiu.
Em outro encontro, ficou somente escutando os demais, enquanto trabalhavam,
comentavam. O assunto era família, filhos, perdas, e... de repente, balbuciou algo;
me aproximei e tentei descobrir o que ele havia dito. Fiquei entusiasmada, foi
quando ele me disse que a mulher dele se chamava Rosa. Saiu da sala e não
retornou mais! Tentei, sempre, respeitando os seus limites, por vários encontros,
que retornasse ao grupo, mas, ele ficava indiferente. Respeitei o seu limite.
No último encontro, ao qual estava indo somente para me despedir do trabalho,
fazer a minha conclusão, deixei alguns materiais sobre a mesa e o jovem Anderson
entrou, pegou uma folha, várias canetas coloridas! Fiquei quieta! Fez dois desenhos,
maiores do que já havia executado; fiquei olhando. Ele se virou para mim apontando
o desenho e me disse com a voz clara: “Aqui é o Natal e aqui é o Ano Novo, é o
Natal passando para o Ano Novo”. E saiu da sala. Estávamos no mês de dezembro.
Fiquei parada. Tomei fôlego e fui até ele para me despedir, não disse nada. Só
consegui dizer até breve... Ele segurou a minha mão e sorriu para si mesmo.
Acredito que aquele momento foi o dele e o nosso de total re-integração.
Em vários momentos, durante os trabalhos havia expressões claras de
concentração, de envolvimento e interação. São flashs que certamente passariam
despercebidos no todo.
Onde será que essas pessoas, durante a subvida em que vivem, se expressam? Em
que momento deixam novamente manifestar o seu “Ser”?
Visualizando o Ciclo
Início: Alfredo Borges: paciente com problemas
psíquicos e sem abertura para contatos físicos
e emocionais.
Finalização: Integrado ao pequeno grupo de
trabalho e expressando a sua individualidade.
Início: Anderson: paciente com problemas
psíquicos, sem contato com a auto-estima e
com graus de agressividade.
Finalização: Despertar da auto-estima,
comportamento mais previsível, controlável e
re-descoberta do feminino.
COLAGEM
“Ao debruçar-se sobre o vocabulário utilizado para
descrever as atividades ligadas à colagem, podese ficar surpreso pelo valor simbólico dos gestos e
dos efeitos que elas provocam: rasgar, recortar,
colar, sobrepor. Nenhuma palavra de consigna é
banal: a rasgadura de papéis, de acordo com a
elaboração que se faz das prévias rasgaduras
subjetivas, pode constituir um momento de grande
contentamento ou de angústia. A primeira, devido
à euforia de liberar a agressão destrutiva por
deslocamento, a segunda. Pelo temor de ser
punido por tê-la deixado se exprimir”.
(PAÏN; JARREAU, 1996, p.189)
Ao se trabalhar com a colagem, com imagens já existentes, o arteterapeuta
necessita estar muito atento, não só à técnica, mas ao objetivo almejado, uma vez
que ela propicia várias possibilidades de interpretação. A presença do arteterapeuta
deve focar-se tão somente como um facilitador ou acompanhante do processo de
criação do paciente.
Sua presença deve se embasar num registro de cuidados que foquem estritamente
o processo de criação, evitando, categoricamente, o sedutor enveredamento pela
busca da estética criativa.
Vê-se que a graduação do trabalho de colagem, tal como propomos,
distancia-se do processo, habitualmente, seguido nos ateliês
institucionais centrados sobre o valor significante da imagem
recortada. Procuramos, ao contrário, que o participante possa fazer
uma representação original a partir da desmontagem das imagens
propostas a fim de reduzi-las ao estado de matéria-prima, própria a
uma reconstrução criativa (PAÏN; JARREAU, 1996, p. 187).
Durante o desenvolvimento das atividades com os albergados percebi que a
população, com a qual estava trabalhando, possuía uma grande identificação com
imagens, imagens já existentes. A técnica foi adotada não por um conhecimento
prévio das consignas, mas pelo interesse manifestado pelos próprios interessados.
O caminho mais apropriado se apresentou como o da fotomontagem, que consiste
em dar uma nova significação a imagens existentes. Os temas adotados eram livres,
e o intuito era que eles discorressem e utilizassem os materiais apresentados, que
consistia em diversas revistas, jornais, fotos e papéis neutros, como instrumento de
representação. A maioria dos pacientes deixava aparecer, claramente partes
significativas da imagem utilizada, mas tirando-as de seu contexto e reintroduzindoas em um novo. Outros, tomavam-na pelas cores, como em uma abstração.
Um dos objetivos era fornecer condições para uma representação original e
individual.
O sujeito deve passar da consigna do objeto à consigna da
representação atravessando um momento de desconsigna que
resulta dos gestos em geral interditos. Em conseqüência, o cenário
que resulta daqui permite a cada um se exprimir em relação aos
interditos obsessionais (ligados à conservação e ao temor da
castração): inibição, dificuldade, exaltação, compulsão à destruição
[...] Uma das defesas úteis para não se fragmentar é ter presente a
imagem que, posteriormente, dará sentido aos pedaços,
transformando-os em partes de um todo significativo (PAÏN;
JARREAU, 1996, p.189).
“...duas categorias de obras bem distintas, uma onde o elemento colado vale pela
forma ou, mais exatamente, pela representação do objeto. A outra onde ele entra
por seu material” (1980, ARAGON apud PAÏN; JARREAU, 1996, p. 186).
Caso A: um senhor de 40 a 50 anos, com problemas psíquicos. Para essa pessoa a
colagem propiciava claramente um momento de coligação com a realidade
(realidade na nossa concepção) externa. Era o exterior acionando o interior. Pelo
reconhecimento das imagens, especificamente das letras, era ativado um
mecanismo de integração. A inclusão, ao meio, dava-se no nível psíquico. O ato de
olhar, identificar, reconhecer, selecionar, eleger, retirar e inserir num novo contexto
deixava transparecer o movimento interno de re-integração consigo mesmo, de
apropriação do ser, e, porque não dizer, de um bem-estar.
A colagem cumpria o seu papel de elemento ancorador e acionador de estruturas já
existentes. Todo o trabalho com esse senhor consistiu num resgate da
individualidade pela construção do próprio nome.
Quero abrir um parênteses para mencionar uma experiência muito significativa para
minha pesquisa e que ocorreu, paralelamente, a do grupo de homens, o foco do
meu trabalho. Trata-se da vivência de uma mulher, que por motivos de segurança
pessoal e tratamento de saúde, se encontrava recolhida no albergue. Denominarei
esse caso de Rosa.
Caso Rosa: uma senhora de aproximadamente 30 a 40 anos, também,
apresentando distúrbios psíquicos. Com essa senhora a colagem adquiria outro
trajeto, era como se o interior acionasse o exterior. Ela se utilizava dos padrões,
adquiridos durante a sua trajetória, para visualizar o mundo ao seu redor. No início,
todas as suas imagens consistiam no universo masculino; evidente que outros
contextos haveriam que ser considerados, mas não são oportunos no momento,
justamente por não serem des-qualificadores da temática em questão. Eram
imagens viris, brutas, atléticas, especificamente de jogadores de futebol.
Dizia que gostava porque: “eles têm dinheiro, é tudo rico, tudo bonito, forte...” Não
havia conotação sexual, o que era de se esperar, uma vez que os albergues e as
ruas são locais incubadores de promiscuidade. Na verdade, pode ser entendido,
como uma apresentação do “animus”. As atividades desenvolvidas por ela não
permitiam mudanças, e a rotina foi a primeira coisa a ser estabelecida antes que
qualquer progresso pudesse ser atingido. Necessitava sentir-se segura. Os retratos
e a disposição das imagens na folha em branco eram sempre as mesmas, qualquer
referência ou argumento era visto como uma ameaça. Somente com o vínculo e a
redução de número de pessoas na sala foi que ela começou a se permitir ficar mais
leve, a apreciar melhor as imagens e as revistas apresentadas, mencionando entre,
uma e outra, alguns comentários, e interessante que estes eram carregados de
pudor ou comparação com ela mesma, numa manifestação clara de falta de autoestima. Foi aos poucos que a sua visão permitiu-se novos olhares, novas
possibilidades e foi com surpresa que um dia disse: “Tia, quero fazer um livro, o meu
livro!”.
Começamos um trabalho de coleta, em que as imagens eram agora escolhidas com
cuidado e com sorrisos: “Essa é bonita, não é... eu gostei” fomos lado a lado
observando a mudança de paradigmas. Ao final, o seu livro não tinha nenhum
jogador, nem atleta, mas, mulheres lindas, “noivas”, corações e flores.
Finalizamos o livro com cores em tons de rosa e ao ser perguntada se havia gostado
do resultado, ela disse: “Ficou lindo, igual eu...eu sou bonita”.
Foi um processo intenso de redescoberta e aceitação. As imagens fizeram um
cuidadoso processo de lapidação, levando-a a refletir sobre a própria identidade.
“A colagem propicia um retomar, um reorganizar-se e, uma possibilidade, de se
recriar a partir de um eixo já existente”.23
23
Aparecida dos Santos (agosto/2006).
Figura 06
“Eu quero aprende a escreve o meu nome, pra voltar a trabalhar, fazê de tudo...” A.B - 44 anos
Figura 07
“Esse sou eu..é o meu nome. A ...., A ..... é o meu nome.” A.B - 44 anos
Figura 08
“Sabe tia é difícil... vive na rua é difícil...” M. - 35 anos
Figura 09
“Eles são bonito né? Tudo rico, tudo gente elegante...” M. - 35 anos
Figura 10
“...eu sou bonita, não sou? Eu me acho muito bonita.” M. - 35 anos
CREAR
Adolescentes
“Um casal de passarinhos, papai e mamãe, e seu filhote, estão dormindo num
ninho, num galho. Mas de repente começa a soprar um vento forte; o vento
sacode a árvore e o ninho cai no chão. Os três passarinhos acordam de
repente. O papai voa depressa para um pinheiro, e a mãe para outro. O que é
que o filhotinho vai fazer? Ele Já sabe voar um pouquinho...”
(OAKLANDER, 1980, p. 201)
População:
Adolescentes
Sexo: masculino/feminino
Idade: 14 a 16 anos
Local: Paróquia
Trabalho em grupo: dois grupos
Número total de participantes: 10 (dez)
Perfil: Adolescentes de periferia, com problemas acentuados de rebeldia, integrantes de
um trabalho social desenvolvido por uma Paróquia.
“A compreensão empática é o resultado final de um
processo aberto, constituído da interação e do diálogo
promovidos
pelo
uso
múltiplo
de
perspectiva
do
terapeuta, ou seja, a alternância e oscilação livres entre
posições paradoxais ou conflitantes. Essas posições
incluem: experienciar, observar e apreciar os incidentes
que o paciente relata, tanto da perspectiva deste quanto
a de um observador externo; nos termos do paciente,
como agente e vítima, e nos termos dos conflitos de
ambos, terapeuta e cliente.”
(BERGER, 1987, p. 17).
O objetivo ao trabalhar com essa população era fornecer condições de expressão
artística favoráveis à criação/contato com o seu EU interno e, a partir desse contato,
elaborar a sua auto-estima, seus valores, sentimentos e perspectivas, de forma a
incitar a uma busca pela construção da individualidade.
Era uma população bastante carente, em todos os sentidos. A Paróquia era o único
local de perspectiva naquela região, à exceção da Escola Estadual. O local
possibilitava outras formas de aprendizagem como informática, música, esporte,
orientação profissional e... alimentação. O trabalho foi desenvolvido com dois
grupos, que serão denominados de A e B.
O primeiro grupo - A, era composto de cinco adolescentes, três meninos e duas
meninas, com sérios problemas de inadequação social. Eram rebeldes, agressivos,
desmotivados, fechados e indiferentes. Criar vínculos não era uma tarefa fácil.
O grupo B, composto por cinco meninas e um menino, tinha um perfil um tanto
diferenciado, não apresentava características de agressividade, tinha flexibilidade,
maior capacidade de interação e receptividade. A criação de vínculo se deu de
forma natural e espontânea. Com esse grupo não houve nenhuma dificuldade nas
atividades ou propostas apresentadas e os resultados foram muito positivos. Mas o
trabalho almejava algo mais, que era, principalmente, uma integração entre os
grupos.
Entre adolescentes a discriminação e a competição são acirradas. “A vida é dura
fessora...” dizia o, aparentemente, mais rebelde.
Os primeiros encontros com o grupo A eram desconectados e não havia absorção
ou efetividade das propostas de trabalho apresentadas. Constatei que a dificuldade
estava sendo minha nessa comunicação e me dediquei a atentar e a buscar uma
forma de resolver esse impasse. Um estudo com maior afinco sobre essa população,
proporcionou uma interação com sua atualidade e, consequentemente, uma maior
aproximação com o grupo.
A percepção dos jogos cooperativos e da música como elemento construtor fez
voltar o foco inicial do objetivo do trabalho com esses adolescentes. Os jogos
cooperativos viabilizam um desenvolvimento total do ser humano e, como está
presente no inconsciente de todas as pessoas, possuem uma característica
motivacional. A música surgiu da observação do grupo A que, por serem muito
carentes e de periferia, se identificavam com o som, a melodia e as letras dos RAPs.
O trabalho foi bem intenso, também para mim, valores e posicionamentos sociais
tiveram que ser revistos, além de exigir mais tempo que o programado, exatamente
pela criação de vínculo.
Inicialmente, o trabalho se desenvolveu com os grupos separados, sendo criado um
concurso de Rap com os integrantes do grupo A, em duplas, já que uma das
dificuldades deles era a de se relacionarem, até entre eles. Passamos encontros
ouvindo músicas e conversando sobre as letras, estruturas musicais, sobre os
cantores e suas histórias, coreografias, até que tivessem absorvido a riqueza,
existente nas músicas em geral, para partirem para a “criação” das próprias.
Paralelamente o grupo B trabalhava com textos e fantoches, o lúdico era bem
latente com esses adolescentes que mantinham, ainda, o cordão umbilical. “A
família é tudo, sem a família a gente não é nada...” dizia uma das participantes, ao
abordarmos a falta de estrutura e de amor nas famílias ali representadas.
Enfocamos a importância do imaginário, dos sonhos e da mente na realização de
projetos. Também foram incitados a uma competição entre si. Era visível a
transformação comportamental nos grupos.
O grupo A apresentava dois adolescentes que, inicialmente, eram extremamente
resistentes ao trabalho e que começaram a apresentar suas potencialidades e a se
flexibilizarem, dando grandes contribuições ao grupo com suas mudanças e atitudes.
Utilizamos recursos externos, como a gravação das músicas e a filmagem dos
fantoches, para dinamizar. Ao final das criações, estabelecemos um dia para
apresentação de cada grupo e, ao contrário do que esperavam, a jurada não seria
eu, mas os jurados do grupo A eram os do grupo B e vice-versa. Ao se encontrarem
nem pareciam serem os mesmos adolescentes, ali reunidos, interagindo. As
apresentações e as votações foram animadas e defendidas. Eles queriam sair
vencedores por seus próprios métodos. E conseguiram, pois, todos foram
premiados, afinal eram jogos cooperativos e cada um mereceu o seu prêmio
material e emocional. Estavam felizes. Nós encontramos mais algumas vezes para
as comemorações de final de Ano e conversávamos como amigos, relatavam o que
estavam fazendo e os planos para o futuro. Os dois adolescentes “mais difíceis”, não
sei se é bem esse termo, talvez os que necessitaram de uma apuração melhor de
minha parte, me deram o maior dos alentos, “Nós vamos poder continuar, a Senhora
vai voltar?” Ouvia essa fala como: “Algo ficou em nós”.
Ainda mantenho contato, acompanhando a mudança de estágios de cada um,
dentro do programa da Paróquia e espero retornar. Foi importante constatar a
abertura manifestada ao novo e as próprias possibilidades, a visualização e a
criação de perspectivas para um futuro construído a partir de si mesmo. A realidade
é dura, sem dúvida, mas é passível de transformação. Se todos fizermos, a nós
mesmos, a nossa parte. “A gente precisa saber o que quer é não dar ouvidos pros
outros, né professora?. Seguir em frente”.
Visualizando o Ciclo
Início: Adolescentes resistentes, com um
grau elevado de rebeldia e apresentando
problemas comportamentais.
JOGOS
Finalização: Adolescentes cooperativos,
participativos, criativos e motivados.
JOGOS
“O jogo - Começou há milhares de anos, quando
membros das comunidades tribais se uniam para
celebrar a vida.”
(ORLICK apud SOLER, 2003, p.19)
JOGOS COOPERATIVOS
COOPERAÇÃO: “é um processo de interação social, em que os objetivos são
comuns, as ações são compartilhadas e os benefícios são distribuídos para todos”
(BROTTO apud SOLER, 2003, 23).
JOGOS COMPETITIVOS
COMPETIÇÃO: ”é um processo de interação social, em que os objetivos são
mutuamente exclusivos, as ações são isoladas ou em oposição umas às outras, e os
benefícios são concentrados somente para alguns (BROTTO apud SOLER, 2003, p.
23).
O jogo pode ser um valioso instrumento para a Arteterapia, pois as atividades que
envolvem
o
jogo
favorecem
muito
o
autoconhecimento,
o
processo
de
desenvolvimento e o aperfeiçoamento pessoal e, ainda pode ser um recurso de
avaliação.
Os jogos possibilitam desenvolver capacidades como disciplina, observação,
perseverança, concentração e flexibilidade. Desenvolvem a comunicação por meio
da linguagem verbal e não-verbal, estimulam a capacidade de memorização,
percepção, paciência, observação, autocontrole, noção de limites, raciocínio,
criatividade, capacidade de analisar, discriminar, sintetizar e simbolizar.
Ao propor o trabalho com jogos o objetivo era ajudá-los a tomar consciência de si
mesmo e de sua existência no mundo.
O modo como cada adolescente se comporta nos jogos é um bom indício de como
está atuando na própria vida. Os jogos ajudam o adolescente a aprender a como se
relacionar com os outros e tendem a fortalecer a autoconfiança e as atitudes práticas
do dia-a-dia. Os jogos não são meras descontrações ou divertimentos; eles podem
ser grandes termômetros de trabalho, ajudando-nos a conhecer melhor os
adolescentes.
Os jogos e que podem ser adaptados para todas as idades, para qualquer pessoa e
qualquer tipo de situação ou grupo e podem, também, ser trabalhados em contextos
de situações-problema. Atualmente, uma forma de ensinar muito valorizada
(MACEDO, 1999). Quando se trabalha com situações problemas os jovens são
desafiados a observar e analisar aspectos importantes, geralmente, os objetivos
almejados. As formas de se trabalhar, as técnicas e as dinâmicas são inúmeras. A
utilização dos jogos auxilia muito no processo de crescimento e na resolução de
situações problemáticas.
Ao se utilizar esse instrumento de trabalho é necessário antes de tudo despertar, na
população, a motivação e o prazer pelo mesmo. Os jogos aguçam o desejo de
colaborar ou de enfrentar o desafio de resolver um problema, despertam aspectos
afetivos importantes como: prazer, alegria, tolerância à frustração, espírito lúdico e
atitudes necessárias à resolução de problemas e outras coisas como, atenção,
concentração, disciplina, perseverança, calma, flexibilidade e criatividade. Atitudes
fundamentais no nosso cotidiano. Envolvem vivência, reflexão e transformação.
E como escreveu o poeta francês Guillaume Apolinaire (1880-1918): “Venham até à
borda, ele disse. Eles disseram: Nós temos medo. Venham até à borda, ele insistiu.
Eles foram. Ele os empurrou... e eles voaram.”
“Os jogos cooperativos viabilizam um desenvolvimento total do ser humano, pois
desenvolvem aspectos físicos, psicológicos, afetivos e sociais. Possibilitam o auto
reconhecimento, a valorização e fundamentalmente a sensação de inclusão.”24
Figura 11
“ A gente começa a ver que é sempre melhor ajudar, fazer junto. Junto a gente tem mais força...” G.
15 anos.
Figura 12
“ Nós podemos fazer muitas coisas, até ser boneco e falar coisas pras outras pessoas.” J. 14 anos.
24
Aparecida dos Santos (outubro/2006).
MÚSICA
“A regeneração de um centro pessoal atrofiado... só pode
ser alcançada por alguém que apreenda, com o olhar
profundo do médico, a inteireza latente encoberta da
alma sofredora.”
(BUBER, 1958 p. 133)
A música é fisiológica, emocional e mental. A palavra é uma forma de música. A
melodia surge com a sucessividade dos sons e som é tudo o que entra nos nossos
ouvidos. A música mexe com a história pessoal de cada um. Ao se usar a música
como instrumento de trabalho deve-se considerar todo o contexto em que ela está
inserida, por exemplo: a época, os instrumentos utilizados, os acessórios pessoais
etc. Ao ouvir uma música é interessante desenvolver a percepção auditiva, além da
emocional, ou seja, estar atento ao seu ritmo, pulso, compasso e melodia.
A música como energia tem um poder extraordinário. Sempre que estivermos no
campo audível da música, sua influência atuará constantemente sobre nós
acelerando ou retardando, regulando ou desregulando as batidas do coração;
relaxando ou irritando os nervos, influindo na pressão sanguínea, na digestão e no
ritmo da respiração.
Como na música, assim na vida.
(axioma)
Criam os antigos que a música tinha o poder de fazer envolver ou degradar
completamente a alma do indivíduo e por esse modo fazer ou desfazer civilizações
inteiras. Acreditavam que a música tinha o poder de influir no ritmo dos
pensamentos, na melodia das suas emoções e na harmonia de sua saúde corporal e
estilo de movimento. Determinava o tipo dos nossos pensamentos e atos.
“As palavras que exprimem sentimentos, sensações, emoções ou certos estados
espirituais e mentais não são capazes de fazer mais do que arranhar de leve a
superfície das respostas interiores que as formas e ritmos das ações corporais têm
condições de evocar...” (LABAN, 1978, p. 141).
Viam a música como molde para a sociedade, ditadora de padrões de
comportamento de acordo e a partir de seus próprios padrões íntimos de ritmo,
melodia, moral. Daí observarmos a música que temos na sociedade em que vivemos
e verificarmos o axioma.
Os imperadores chineses acreditavam, em particular, que todas as civilizações se
afeiçoavam e se moldavam de acordo com o tipo de música que nelas se executava.
Confúncio acreditava que a música possuía uma significação oculta que fazia dela
uma das coisas mais importantes da vida. Energia pura. Na mesopotâmia, na Índia e
na Grécia a música tinha a mesma conotação. Diferente da que temos hoje, como
um entretenimento sem importância prática. Eles viam a música como uma força
tangível que poderia ser aplicada com o fim de criar mudanças para melhor ou piorar
o caráter do indivíduo e o que mais importa a sociedade como um todo.
Todos nós aspiramos a uma vida que tenha sentido. Todos nós
aspiramos a uma vida em que todos participem na descoberta desse
sentido. Todos nós aspiramos à participação numa história feita por
todos e para todos e não imposta por alguns e para alguns
(KOELLREUTER, 1994, p. 1).
Atualmente observamos como as classes se identificam e se distinguem por seus
sons musicais. Sendo, portanto, efetivamente uma porta de acesso ao universo
pessoal.
Improvisar e logo escutar é uma experiência fundamental para todas
as pessoas, porém mais especificamente para aquelas que não
podem valorar adequadamente suas próprias produções musicais.
Nestes casos será ainda mais importante recordar o efeito vitalizador
das oportunas palavras e frases de estímulo (Que bom! Está muito
bem! Vá em frente!), como as que são pronunciadas por “fãs”
durante a atuação do artista admirado. Esta ponderação se estende,
com freqüência , aos erros ocasionais que, muitas vezes, produziram
os efeitos mais interessantes durante uma improvisação dirigida. O
aluno será, desta forma, induzido a escutar novamente a gravação
em sua casa e, talvez, se surpreenderá a posterior com o que ele foi
capaz de produzir (GAINZA, 2006, p. 22).
Figura 13 e 14
“ Quando a gente canta, dança é como se a gente fosse livre...” P.-14 anos
Figura 15 e 16
“A vida é dura, fessora...as letra conta a história dos pobres...” D. 15 anos
RAP DO GRUPO
Espancado prá fica no farol,
a noite toda.
Até que um dia ganhou uma arma,
prá atirar em quem o espancava e o chamava de traficante.
O amor contra a guerra
Mas, descobriu que a vingança não valia à pena.
Pensamentos que voam com o vento
Prá se livrar dos maus,
gostar de alguém e se preocupar,
Querer o seu bem.
Sai andando...
O amor venceu a Guerra.
CONSPIRAÇÃO
Criança
“O melhor teste que uma criança pode fazer é o do que diz, é a revelação de sua
riqueza interior [...] As sementes plantadas no coração da criança germinarão em
riso se ela receber o adubo do amor e da segurança.
“Ouçam e aprendam com as crianças. Tudo o que sei foram elas que me
ensinaram”.
(Pedro Bloch, 1993)
População: Crianças
Sexo: Feminino/Masculino
Idade: 6 anos
Local: Creche Municipal
Trabalho: Individual (Duas crianças)
Proposta: 10 (dez) encontros
Perfil: Crianças extremamente carentes, com problemas de
comportamento/agressividade e dificuldades nos relacionamentos. Apresentavam
quadro de violência doméstica.
“Por conseguinte, teremos de começar pela vigilância
sobre os criadores de fábulas, para aceitarmos as boas
e rejeitarmos as ruins. Em seguida, recomendaremos
às mães que contem a seus filhos somente as que lhe
indicarmos e procurem amoldar por meio delas as
almas das crianças com mais carinho do que por
meio das mãos fazem com o corpo.”
(República, Livro II, 377 b).
Diante do quadro apresentado, pela Instituição, foi estabelecido como objetivo de
trabalho proporcionar um espaço seguro, confiável, amoroso e acolhedor àquelas
crianças, que favorecesse o seu desenvolvimento e, consequentemente, a
expressão de suas potencialidades; possibilitar o desenvolvimento da auto-estima,
da confiança, da elaboração de valores, do reconhecimento de sentimentos e,
possivelmente, de condições para a construção da sua individualidade. Com
atenção à realidade familiar, às crianças serão dado os nomes de João e Maria.
Maria é bem comunicativa e não apresentou nenhuma dificuldade em estabelecer
contato. Possuía muita dificuldade de concentração, dispersava-se o tempo todo, e
não concluía nenhuma das atividades propostas. A pintura e o desenho não
conseguiam manter a sua atenção, mas em todas as pinturas e desenhos estava
presente o imaginário. Evitava falar sobre si mesma.
João era mais introvertido. Nos primeiros encontros não conversava, ficava
envolvido com os materiais e atento aos movimentos. Aos poucos foi se abrindo e
falando um pouco sobre sua família. Suas condições de vida eram bem precárias.
Manifestava um enorme interesse por tintas e combinações.
Os atendimentos, a princípio, eram individualizados, após algum tempo conclui-se
que poderia ser desenvolvido um trabalho em dupla. O entrosamento entre os dois
foi de imediato e pelas afinidades apresentadas aconteceu a escolha de uma técnica
específica de trabalho. Trabalhamos com o lúdico, utilizando as histórias como
carro-chefe. Trabalhamos com histórias selecionados tanto por mim quanto por eles.
Após a leitura, desenvolvíamos atividades em desenho ou pintura, sendo que,
agora, apresentavam maior grau de identificação e compunham imagens e davam
continuidade às histórias ouvidas.
É muito interessante trabalhar a criação de histórias, pois muitos dos relatos
familiares e das situações vivenciadas no dia-a-dia deles foram obtidos por meio das
histórias continuadas, que eles completavam. “Podia ser de verdade...”, era ouvido
muitas vezes.
A
cada
encontro
eles
se
mostravam
mais
integrados
e
compartilhavam de um universo à parte ao meu, como se a idade adulta tivesse
confiscado o meu passaporte a esse mundo. No entanto, sentia internamente o
germinar da semente naqueles pequeninos seres. Sorriam e dançavam. “Já
acabou?”
Infelizmente, em meio a proposta do trabalho, Maria foi retirada da creche pela mãe,
com a justificativa de mudança de endereço, deixando-nos completamente
impotentes. São esses fatos que evidenciam o quanto a história dos filhos está
totalmente atrelada à história de seus pais, e o quanto a sociedade brasileira é
ineficiente na proteção dos menores e da instituição familiar.
Tentamos conseguir o novo endereço, sem sucesso e só nos resta, rezar por Maria
e atuar para que realidades como essa deixem de acontecer, reinvindicando e não
nos omitindo em situações passíveis de interferência, fazendo algo além do que é
possível, verbalizando e dissipando informações.
Continuei trabalhando com João, que não conseguia entender porque Maria havia
“nos abandonado”, e dizia: “Agora que ia começar a história da bruxa boa...”.
Respeitando o sentimento e a sensação de estranheza que se manifestou nos dois
primeiros encontros, sem a presença de Maria, retomamos o ritmo normal e João
desejou que criássemos os personagens em bonecos: “De verdade!”. Descobriu os
fantoches. Os materiais o encantavam, até porque era o mais próximo que chegava
de brinquedos e materiais coloridos, e não sei o que brilhava mais, se os seus olhos
ou a sua imaginação. Fazia-me vestir com algumas peças de roupa para
acompanhá-lo na sua fantasia. Era sempre um lutador, não tinha medo de nada e
me defendia dos monstros. Às vezes parava no meio da brincadeira e dizia: ”Não
quero mais.”, com um olhar triste, como se perdesse internamente a batalha, o que
certamente acontecia na vida real. Era vítima da agressão do pai. Sentava e pedia
para brincar de carrinho. Era apenas um menino.
Contudo, chegou a informação de que ele estava menos agressivo em sala de aula
e parecia mais atento à fala da professora. Já era um progresso. Veio o final do ano
letivo e tivemos que interromper para as férias escolares. Ao retornar o ano letivo,
algumas crianças haviam sido reloteadas para outras creches, por determinação
Municipal, entre elas, João.
Com dificuldade a creche em que João estava foi localizada, mas esta não foi
receptiva ao trabalho arteterapêutico. No entanto, foi possível falar com ele e
esclarecer o ocorrido e no momento, aguardo uma autorização do Conselho da
Creche para continuar o trabalho interrompido, acreditando que a ponte continua
viva e que retomaremos o nosso caminho.
Visualizando o Ciclo
Início:
Duas
crianças
emocionalmente
e
com
comprometidas
problemas
comportamentais.
Finalização: Estávamos caminhando para a
cooperação
criatividade.
e
o
desenvolvimento
da
LÚDICO
“O brincar das crianças no consultório do terapeuta
é proveitoso para outros propósitos além do
processo direto de terapia. Brincar é divertido para
a criança e ajuda a promover a afinidade
necessária entre o terapeuta e a criança.”
(OAKLANDER, 1980, p. 189).
O processo de trabalho com a criança é um acontecimento suave de integração.
Terapeuta e paciente tornam-se únicos durante as sessões e ocorre entre os dois
uma delicada fusão. Quando a criança compartilha suas brincadeiras, suas
experiências de desenhar, pintar, ela está compartilhando a sua forma de ser, num
processo de autodescoberta.
Geralmente, as crianças que apresentam dificuldades não vivenciaram, devido a
alguma deficiência de contato, esse processo, cujos instrumentos de contato são o
olhar, o falar, o tocar, escutar, mover-se, cheirar e sentir o gosto. Não se
relacionaram de forma a experienciarem a autodescoberta.
Ao eleger o instrumento lúdico para trabalhar com as crianças, a meta era
desenvolver o senso de “Eu interno”, de confiança e segurança. Ajudá-las a se
sentirem fortalecidas, a verem e a se relacionarem com o mundo à sua volta; além
de dar-lhes condições de se estruturarem e, a partir de então, abrirem-se para
assumir a responsabilidade sobre suas vidas.
Brincar de situações é a forma que a criança usa para experimentar o seu mundo e
aprender mais sobre si mesma, portanto, brincar é algo essencial para o seu
desenvolvimento sadio. A brincadeira é algo sério, dotado de sentido, e por meio
delas a criança desenvolve o seu lado físico, mental, emocional e social. O lúdico
permite à criança adquirir novas experiências frente à realidade que a rodeia,
fazendo-a desfrutar de uma crescente compreensão e capacidade para manipular
tanto a realidade que a cerca como a do seu mundo interior.
Cada vez que você e eu desenhamos, pintamos ou modelamos,
estamos vivenciando ativamente um evento: nosso próprio evento
experiencial. Cada linha que você traça é unicamente sua: as que eu
desenho são individualmente minhas: cada um de nós está envolvido
num acontecimento pessoal [...] o seu desenho tem muito a ver com
você – com a forma como você vê, sente, pensa e com o jeito que
você percebe. Quando você faz uma atividade artística, está se
experienciando; o que você produz é despersonalizado, mas vem de
um você muito personalizado (RHYNE, 2000, p. 40).
Figura 17
“Aqui é a casa da bruxa...” M. - 06 anos
Figura 18
“Aqui vai se a casa da Branca de Neve...”J. – 06 anos
QUATRO ESTAÇÕES
Elaboração- Atendimento
Duração-Local
“Entrar realmente no mundo do outro, com
aceitação, cria um tipo de vínculo muito especial
que não se compara a nenhuma outra coisa que eu
conheça.”
(ROGERS, 1986)
ELABORAÇÃO DAS PROPOSTAS
Ao reavaliar o trabalho desenvolvido durante a minha pesquisa observei que o
processo de desenvolvimento ocorre em quatro fases:
Criação do vínculo
Na relação terapêutica a criação do vínculo é condição imprescindível, sem ela não
há estrada a percorrer. Ela pode ocorrer no primeiro encontro, no segundo ou no
último. Esse tipo de vivência nos remete a uma consciência sensorial de que meses
podem equivaler a segundos e segundos a uma eternidade. É um processo que
exige honestidade, comprometimento, abertura e principalmente Amor.
Dando passos
Constitui-se no trabalho terapêutico em si, no desenvolvimento e na busca dos
objetivos almejados quando da elaboração da proposta.
Avaliação/reavalição/definição/redefinição/adaptação e foco. Emersão da confiança,
do entrosamento e da cumplicidade. Amadurecimento e construção da estrada
pessoal.
Valorizando pegadas
Faz se necessário levar o paciente a rever o caminho traçado, as dificuldades
vivenciadas, as vitórias alcançadas, as transformações manifestadas. Momento de
coragem, de evocação, de olhar para si mesmo. Hora do partilhar ombros e fé, de
deixar ficar o que tem que ficar e responsabilizar-se pela eleição do que deve seguir.
Solidificação da relação terapêutica.
Mirando o horizonte
Fechamento de trabalho, pavimentação de parte de uma estrada. Tempo de
respirar, de integrar, de se apropriar e continuar a criar, a caminhar. Oportunidade
única de crescimento, não somente para o paciente, mas, também para o
profissional, que tem como missão: libertar para a vida.
O objetivo da psicoterapia é a cura. A cura que se realiza por meio do
relacionamento entre dois seres humanos – entre duas pessoas – propiciando o
primeiro passo em direção a caminhada individual.
ATENDIMENTO

Grupo

Individual
Outro fato importante, durante as vivências, foi observar que as populações podem
obter resultados distintos dependendo da configuração do atendimento.
Grupal
O trabalho desenvolvido com as senhoras de terceira idade ocorreu em grupo e,
parece ter sido o mais indicado. Pôde ser percebida a necessidade de compartilhar
experiências, sentimentos e recordações que são fundamentais para a liberação e
expressão interna dessa faixa etária. A afinidade com companheiras de mesma
idade e de situações similares remetem a uma cumplicidade e induzem a uma força
transformadora que, creio, individualmente seria mais árduo adquirir.
O mesmo ocorre com a faixa etária dos adolescentes, a necessidade de viver em
grupos, de estar incluso, pode ser revertida numa energia impulsionadora de
liberdade e individuação.
“Formar, desfazer e transformar grupos [...] é um exercício que pode nos preparar
para circular com maior leveza, flexibilidade e prazer pôr entre os vários contextos
que vivemos no dia-a-dia” (BROTTO apud SOLER, 2003, p. 29).
Individual
No atendimento individual, cuja experiência ocorreu com o atendimento infantil,
percebeu-se que após o trabalho individual a facilidade de inclusão a um grupo é
muito maior, assim como a capacidade de adaptação e flexibilidade frente a outras
situações. O despertar do “indivíduo” já está acionado.
TEMPO

Duração das atividades
“Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não
sei” 25
25
GIL, Gilberto.Cantor e compositor.
O fator tempo é de suma importância na elaboração de um projeto ou proposta de
atendimento. Esse dado, durante o trabalho desenvolvido, foi se apresentando à
medida que se iniciava uma nova proposta. Os grupos se posicionavam
originalmente – singularmente - dando claras demonstrações de que existe um
tempo interno e um tempo externo.
Com as idosas, o trabalho com encontros transcorreu de forma estruturada e
planejada. Estabelecemos metas por encontros e elas conduziram placidamente ao
objetivo. Em razão dessa experiência vemos que, com esta população, é possível se
trabalhar em duas frentes: trabalhos diários, com “começo-meio-fim”, ou com uma
proposta a longo prazo. Sendo que podemos pontuar que os diários repercutem de
forma mais inspiradora e “viva” no interior delas.
No trabalho com os moradores de rua, a necessidade de um tempo maior mostrou
ser o mais adequado, isto é, o trabalho a longo prazo. Constitui-se numa população
em que o vínculo afetivo é extremamente difícil de se estabelecer e o processo de
desabrochar é muito dificultoso. Com o contato, a ambientalidade e a segurança, a
disponibilidade para o novo se manifesta. O mesmo serve como parâmetro para os
casos que apresentam problemas psíquicos. Ressalvando, o vínculo está fora dos
conceitos racionais, ele pode se manifestar de imediato ou após semanas.
Com os adolescentes o tempo é essencial para a obtenção de resultados efetivos.
As dificuldades de adequação, os conflitos e as inseguranças, assim como, o
pseudo desconhecimento da maioria sobre si mesmo, cria barreiras ao
estabelecimento de afetos. Razão pela qual o tempo é essencial para essa
integração.
Quanto às crianças, apesar de o trabalho não ter sido concluído parece ser
aconselhável uma proposta a longo prazo por permitir o acompanhamento de um
processo de crescimento e elaboração. A criação de uma história com começo, meio
e fim.
LOCAL

Instituições
Quando a profundidade da nossa inteligência e cuidado brilha no
nosso trabalho, a vida fica mais rica e equilibrada. Guiadas pelo
conhecimento interior e iluminadas pelo insight, nossas atitudes e
ações naturalmente se dirigem à realização plena. Ao invés de
confiar em opiniões e crenças e procurar orientação fora de nós
mesmo, podemos fundamentar nossas vidas nesta fonte segura de
insight e compreensão. Podemos incorporar os valores que dão à
vida significado e plenitude (TULKU, s/d, p. 18).
A escolha do local onde ocorrerão os atendimentos, não pode em momento algum
ser desconsiderada ou subjugada. Nas vivências, aqui relatadas, apareceram
oportunidades interessantes de observar as posturas diferenciadas quanto à
recepção – abertura – ao trabalho proposto. Torna-se difícil imaginar que instituições
públicas ainda cerceiem a apresentação do novo, impeçam a proliferação de saúde
por questões meramente burocráticas ou por total ignorância e acomodação ao
sistema pré-estabelecido. A aquisição de um espaço dentro dessa estrutura exige
uma postura amorosa, de confiança, de determinação e, principalmente, segurança
e credibilidade no trabalho que está sendo apresentado.
Nos locais em que o trabalho foi conduzido percebia-se nitidamente um complô
inconsciente (ou consciente) para que tudo permanecesse como estava, num culto
às tradições e aos ditos padrões de comportamento. Mesmo diante das dificuldades
impostas no dia-a-dia, o trabalho foi realizado, mas com a consciência de que, a
partir do momento que terminasse todo o trabalho no local estaria fadado a ruir. Sem
expectativas. Ressalva-se que as expectativas e objetivos almejados, no início da
proposta, devem considerar a realidade vivenciada pela instituição; evitando-se
dessa forma que objetivos prolíferos sejam abortados pelo caminho pela falta de
conhecimento ou maturidade social. As transformações sociais não ocorrem do dia
para a noite. O primeiro passo é adentrar ao sistema: conhecer, compreender,
analisar, observar e concluir qual a melhor forma de relação.
A consciência implica desenvolver simultaneamente a vivência e o processo
intelectual, e a comparação é o melhor meio para promover o processo de
conscientização (KOELLREUTTER, 1994).
O SER TERAPEUTA
O papel do ARTETERAPEUTA
O SER TERAPEUTA
O papel do ARTETERAPEUTA
“Quando o meu estado é ótimo, seja como
facilitador de grupo ou como terapeuta, descubro
outra característica. Quando consigo aproximar-me
ao máximo do meu íntimo e intuitivo mim-mesmo,
quando de algum modo entro em contato com o
desconhecido em mim, quando me encontro talvez
em
um
estado
ligeiramente
alterado
de
consciência, faça o que faça pareço possuir
propriedades curativas. Em tais circunstâncias,
minha simples presença é liberadora e útil aos
demais. Nada posso fazer para forçar esta
experiência, porém, quando consigo relaxar-me e
aproximar-me de meu núcleo transcendental,
minha conduta torna-se estranha e impulsiva, sem
justificativa racional, nem vínculo algum com os
processo de meu pensamento. Sem dúvida, este
estranho comportamento, de algum modo singular,
acaba sendo correto: é como se meu espírito
interno se estendesse para alcançar o do meu
interlocutor. Nossa própria relação transcende e se
integra a algo mais amplo. Nos encontramos então
ante a presença de um profundo crescimento, cura
e energia.”
(Carl Rogers, aos 78 anos, 1986 apud BASSO, 2000)
Ser um Arteterapeuta (Terapeuta), no sentido de atuação horizontal, é ser aquele
que cuida de si mesmo, que cuida do seu paciente, da sua família, do seu trabalho,
enfim, das pessoas que o cercam. Contudo o compromisso do Arteterapeuta se
estende também a dimensão vertical, ao compromisso com o planeta e com a
espiritualidade, com a parte do ser não condicionada do indivíduo, com a
Consciência. “Somos não apenas profissionais da cura, mas, acima de tudo
discípulos da Vontade Divina.” (BASSO, 2000, p. 134).
Ao assumir o papel de Arteterapeuta é preciso estar ciente de que alguns
compromissos consigo mesmo deverão ser assumidos, são compromissos
essenciais a quem se propõe a auxiliar a transformação do outro. São
compromissos de aperfeiçoamento profissional e de autoconhecimento. Adolf
Guggenbühlg-Craig nos diz que somente o analista apaixonadamente envolvido na
sua própria vida, na sua trajetória, poderá ajudar seus pacientes a encontrarem seu
caminho. E acrescenta: “Nesse sentido é bastante verdade, como nos diz Jung, „o
analista só pode dar a seus pacientes aquilo que possui’” (1978, p. 66).
O Arteterapeuta tem que disponibilizar ao mundo aspectos qualitativos como:
integridade, responsabilidade, coerência, Ordem e Ritmo, Beleza, Hamonia,
Tolerância, Discrição, Alegria, Propósito claro de vida e Amor a si mesmo.
Cuidar do Ser – “É o mesmo que dizer que devemos “cuidar”
particularmente daquilo que não é doentio nem mortal em
nós...Assim, o olhar do Terapeuta não está voltado em primeiro lugar
para a doença ou para o doente, mas para aquilo que se acha fora
do alcance da doença e da morte dele... (LELOUP, 2003, p. 99).
Ao estar frente a uma pessoa o Arteterapeuta deve ter consigo que está diante de
um Universo. Cada pessoa é um Universo e traz registrada em seu corpo as marcas
da sua existência, é preciso todo o cuidado ao tocá-la. Se esse toque for feito pelo
Ser, não há como ferir. Ao Arteterapeuta é de vital importância o seu centramento e
o seu respeito. Deve estar cônscio da importância do seu trabalho pessoal, do cuidar
de si, do estar em equilíbrio, atento a sua voz interior e ao seu processo; e ter
presente que o interessante é o cliente a sua frente, o desenvolvimento do processo
do seu paciente, e atuar de forma interativa e curativa. Permitindo que as energias
superiores fluam livremente e exerçam o seu papel reconstrutor das cadeias
energéticas. Que por vezes se encontram desequilibradas ou rompidas. Reatando a
grande teia energética que compõe o ser humano e os seus corpos.
A sombra de Deus é o seu Logos [...] O Logos é o pensamento de
Deus em ato de criação, e é esse Logos que o Terapeuta tem o
dever de escutar em tudo o que encontra, o que lhe permitirá a
aprender cada coisa como viva, como energia, e não só como
matéria. Toda realidade é dinâmica, está sempre “em gênese”.
Contemplar o mundo como “um filho gerado sem cessar”, ou seja,
considerar os entes na claridade da Bondade que os faz ser...
(LELOUP, 2003, p. 97).
As sessões terapêuticas devem ser visualizadas como momentos de cura , O
terapeuta tem de criar “um ambiente em que se possa estar, segura e
tranqüilamente, em cacos e pedaços, sem o sentimento de estar se desmanchando”
(PHILLIPS apud BELLO, p. 79). É um momento onde o Arteterapeuta tem que estar
liberto dos condicionamentos mundanos para não se envolver e se ater ao problema
apresentado pelo paciente. Ele precisa estar focado no seu Ser e levar o paciente a
focar o seu. Almejando desta forma o centro do Ser, local da intereza e plenitude,
onde não há espaço para os problemas. O processo terapêutico não é um processo
mecânico de mudança ou de transformações pragmáticas no cotidiano, mas, uma
proposta de caminho e de uma jornada testemunhada e partilhada por um
Arteterapeuta (BASSO, 2000, p.146-148).
Ser Arteterapeuta é dedicar-se a cuidar do processo de desenvolvimento do outro e
do próprio processo. A busca pela Consciência Universal e que irá propiciar ao
Arteterapeuta a sua interação e a sua forma profícua de atuação.
Segundo Fílon, os terapeutas “se entregam à contemplação da
natureza e vivem com a alma unificada (psychèmone)” (90). Acredita
que o mundo não precisa ser visto, visto realmente como ele é. A
perda das faculdades contemplativas nos afasta do sentido real. A
missão do ser humano não é tanto fazer, mas ser, ser com. Segundo
ele, os Terapeutas oferecem um espaço de silêncio e solidão onde o
ser humano pode encontrar “a sua verdadeira natureza”. A terapia
propiciaria um “viver com a alma unificada”, viver neste mundo, neste
corpo, como se habitássemos um templo, como se o nosso corpo
fosse um local de passagem, exaltando o espírito que habita aquilo
que o próprio Deus criou. Nestes termos terapia é cuidar do corpo,
do eu e do mundo, abrindo-os “Àquele que É” à sua Paz (LELOUP,
2003, p.135).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cuidar do corpo de alguém é prestar atenção ao sopro que o anima.
Para os antigos hebreus, a doença e a morte se achavam ligadas a
uma “perda” ou a uma falta de ar (sopro). Ressuscitar, fazer alguém
voltar à vida, era fazer novamente circular o ar (sopro) nos membros
da pessoa. Quando quer „chamar‟ um ser humano a si, Deus lhe
„retira‟ o sopro e o corpo da pessoa volta ao pó da terra. O composto
animado se decompõe, volta ao inanimado. Nossa vida depende de
um sopro, o Terapeuta cuida desse sopro que informa o corpo. Curar
alguém é fazê-lo respirar: „pôr o seu sopro ao largo‟ (sentido da
palavra „salvação‟ em hebraico), e observar todas as tensões,
bloqueios e obstruções, que impedem a livre circulação do ar (sopro),
ou seja, a plena expansão da alma num corpo. Caberá ao terapeuta
a função de “desatar” esses nós da alma, esses obstáculos à Vida e
à Inteligência criadora no corpo animado do ser humano (LELOUP,
2003, p. 70-71).
Por meio deste trabalho é possível vislumbrar a amplidão e a responsabilidade
adquirida quando da assunção da Arteterapia como instrumento de trabalho. A
Arteterapia possibilita ao indivíduo, geralmente envolto a tantas personas impostas
durante uma existência, a descoberta da sua individualidade. Propõe um verdadeiro
desafio: a audição ao chamado interno e a criação do próprio caminho. A sua forma
de atuação, transdisciplinar, clarifica os instrumentos como meios de comunicação,
de diálogo, com o outro. Devolvendo a cada pessoa a liberdade e a
responsabilidade pela sua trajetória. A escolha pela desenvoltura do papel do
Arteterapeuta exige comprometimento, honestidade e lealdade aos princípios éticos,
assim como, uma consciência sistêmica da dimensão de cura atribuída aos
Terapeutas, desde Alexandria até os dias de hoje, e da missão de atuar como um
re-ligare a vida Una. Ter incorporado que tornar a realidade cotidiana e a dos dias
vindouros, atreladas às transformações planetárias, em experiências de lapidação,
elevação e integração do Ser é uma escolha pela vida.
“Te digo estas coisas para que as saibas. Toma o que pode usar
delas e deixe o resto para trás. Apanhe tudo do que necessitas e
saí em uma jornada pela tua vida...Se estas perdido, olha o céu
noturno, as estrelas que cantam te guiarão. Quando se sentir triste
e sem forças, escuta o Tambor do Sonho dentro de ti que é o teu
próprio coração, ali dentro se faz sua verdadeira visão...Não temas
o fim da viagem, é somente o princípio de algo que é novo, de uma
verdadeira e grande aventura!”
Mama Julia Farfan (Curandeira Peruana)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLESSANDRINI, C. D. Oficina Criativa e Psicopedagogia. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1996.
A MÃE. Tesouro de Luz. 2ª ed. Tradução de Thalysia M. P. Kleinert. São Paulo:
Shakti, 1993.
ARCURI, I. G. (org.) Arteterapia – Um Novo Campo do Conhecimento. São
Paulo: Vetor, 2006.
ASSAGIOLI, R. Transpersonal development:
psychosyntesis. San Francisco: [s.n.],1991.
the
dimension
Beyond
BASSO, T.; PUSTILNIK, A. Corporificando a Consciência – Teoria e Prática da
Dinâmica Energética do Psiquismo. São Paulo: Instituto Cultural DEP, 2000.
BERNARDO, P. P. Arteterapia: A arte a serviço da vida e da cura de todas as
relações, In: ARCURI, I. (org.). Arteterapia – Um Novo Campo do Conhecimento.
São Paulo: Vetor, 2006.
BOBBIO, N. O Tempo da Memória, De Senectude e Outros Escritos
autoBiográficos. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
BÍBLIA SAGRADA. (1975) Sociedade Bíblica do Brasil, [s.l.], 2001.
BLOCH, Pedro. Dicionário de Humor Infantil. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.
CAFÉ, Sonia. Meditando com os Anjos. 13ª ed. São Paulo: Pensamento, 1997.
CEDOTTI, W. Arteterapia e Psicanálise: Dimensões subjetivas de uma possível
morte simbólica. In: ARCURI, I. (org.) Arteterapia – Um Novo Campo do
Conhecimento. São Paulo: Vetor, 2006.
CHIESA, R. O Diálogo com o Barro - o encontro com o criativo. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2004.
DEWEY, J. Tendo uma experiência. In: Os Pensadores. Textos selecionados. V.
XL São Paulo: Abril, 1994.
EDUCACÃO Temática Digital. Campinas: ETD. v.4, n.1, p.110-144, dez. 2002.
FABIETTI, D.M.C.F. Arteterapia e Envelhecimento. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2004.
FELDMAN, C.; KORNFIELD, J. Histórias da alma. Histórias do Coração –
Parábolas e Narrativas do Caminho Espiritual nas Tradições e na
Contemporaneidade. São Paulo: Livraria Pioneira, 1994.
FERGUSON, M. Conspiração aquariana. (1980).. 10ª ed. Rio de Janeiro, RJ:
Record, 1995.
GAINZA, V. A improvisação musical como técnica pedagógica. Cadernos de
estudo: educação musical, n. 1. São Paulo: Roca, 2006.
GOLDSMITH, Joel S. A União Consciente com Deus. 9ª ed. São Paulo:
Pensamento, 1989.
GOUVÊIA, A. P. Sol da terra: o uso do Barro em psicoterapia. São Paulo: Summus,
1989.
GROF, S. Psicologia do Futuro. Niterói, RJ: Heresis, 2000.
GUGGENBUHK-GRAIG, A. O abuso do poder na psicoterapia e na medicina,
serviço social, sacerdócio e magistério. São Paulo: Achiamé, 1978.
JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1987.
JUNG, C. G. Memórias sonhos e reflexões. 12ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
19[8-].
JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 9ª ed. Tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho
Rocha. Petrópolis, 1986.
KOELLREUTTER, H.J. (1990) Educação musical no terceiro mundo. Cadernos de
estudo: educação musical, n.1. São Paulo: Atravez, 1994.
LABAN, R. Domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.
LAMA, Dalai. Uma Ética para o Novo Milênio. Tradução de Maria L. Newlands. Rio
de Janeiro: Sextante, 2000.
LAMA, Dalai. O Caminho da tranqüilidade. Tradução de Maria Luiza N. Silveira e
Márcia C. Alves. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
LELOUP, J.-Y. A arte da atenção – para viver cada instante em sua plenitude.
Tradução de Guilherme João F. Teixeira. São Paulo: Verus, 2002.
LELOUP, J.-Y. Cuidar do Ser. 8ª ed. Petrópolis. Vozes, 2003.
LIEVEGOED, B. Fases da Vida – crises e desenvolvimento da individualidade.
3ª ed. Tradução de Dina Laks. [s.l.]: Antroposófica, 1994.
MACEDO, L.; PETTY, A. L. et al. Aprender com Jogos e Situações-problema.
Porto Alegre: Artmed, 1999.
OAKLANDER, V. Descobrindo Crianças. Tradução de George Schlesinger. São
Paulo: Summus, 1980.
PAÏN, S; JARREAU, G. Teoria e técnica da arte-terapia – a compreensão do
sujeito. Tradução de Rosana S. Di Leone. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
A REPÚBLICA. Platão. Tradução de J. Gruinburg. Livro II São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1965.
RAMOS, L.M.A. Apontamentos sobre a Psicologia Analítica de Carl Gustav
Jung. Campinas: ETD – Ed. Temática Digital, v.4, n1., p.110-144, dez.2002.
RAMOS, D. G. A Psique do Corpo. São Paulo: Summus, 1994.
REMEN, R. N. Histórias que curam. Trad. Laura Teixeira Motta. [s.l.]: Ágora, 1998.
RHYNE, J. Arte e gestalt – padrões que convergem. São Paulo; Summus, 2000.
ROCHA, Pe. Dom M.R. (tradutor) A Natureza da Psique de C.G. Jung – 1986. {s.l.]:
[s.n.].
SAMS, Jamie. As Cartas do Caminho Sagrado. Rio de Janeiro: Rocco, 1990.
SILVEIRA, Nise Jung, Vida e Obra. 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
SOLER, Reinaldo. Jogos Cooperativos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2003.
TULKU, T. Despertando para o conhecimento. A Excelência da Realização no
Trabalho. Editora Dharma, s/d.
VALLADARES, A. C. A Arteterapia: cores da saúde. In: Jornada Goiana de
Arteterapia, 1., 2001. Anais...Goiânia: FEN/UFG/ABCA, 2001. p.11-17.
VALLADARES, A C. A. Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde
mental. São Paulo: Vetor, 2004.
WINNICOTT, D. W. A Família e o Desenvolvimento Individual. Tradução: Marcelo
Brandão Cipolla. São Paulo: Summus, 1993.

Documentos relacionados

Ressignificando a Roda

Ressignificando a Roda muita riqueza produzida. Ficou difícil estabelecer o que era mais importante em cada módulo. Penetrar no universo da Arteterapia me fez embarcar no meu interno. Entrar em contato com minha história...

Leia mais

POMAR MARIA ROBERTA OLIVA PEREZ ARTETERAPIA E LÚPUS

POMAR MARIA ROBERTA OLIVA PEREZ ARTETERAPIA E LÚPUS doença não podem ter contato com o sol, torna-se interessante investigar a arteterapia como um possível caminho para que a própria luz de cada indivíduo se revele e fortaleça sua vontade de viver. ...

Leia mais