Introdução às Cartas de João
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Introdução às Cartas de João
INTRODUÇÃO ÀS CARTAS DE JOÃO A quem desejar conhecer, estudar ou meditar com mais profundidade as Cartas de João, sugerimos a leitura da presente introdução. Os textos aqui constantes foram transcritos (com grifos nossos) da: Bíblia do Peregrino. Comentários de L. A. SCHÖCKEL. São Paulo: Paulus, 2002. 1 PRIMEIRA CARTA DE JOÃO Autor Desde o início, a tradição considerou este escrito como obra de João, o apóstolo e evangelista. Hoje continuamos a chama-la carta de João, e muitos comentaristas críticos continuam mantendo a opinião tradicional. Seja carta ou tratado, seu autor é João. Mas há muitos exegetas que a atribuem a outro João, ou a outro autor, diferente do evangelista. Como em casos sérios de dúvida, a decisão depende do peso que se atribui aos indícios. Vamos repassá-los brevemente, tirando conclusões de trabalhos comparativos. Vocabulário Mais de cinquenta palavras ou expressões são exclusivas do evangelho e da carta (cito primeiro Jo depois 1 Jo; dou uma tradução muito literal): algumas centrais como parákletos (14,16.26/2,1) e logos (1,1/1,1); outras peculiares como: “fazer a verdade” = agir com sinceridade (3,21/1,6); “ter vida” (3,36/5,12) e “ter pecado” (9,41/1,8); “o mundo não o conheceu” (1,10/3,1), “o mundo vos odeia” (15,18/3,13), “vencer o mundo” (16,33/5,5); “crer no nome” (1,12/5,13), “um mandamento novo” (13,34/2,7). Estilo Os procedimentos de estilos, muitos de ascendência bíblica, são semelhantes: o paralelismo, a antítese, as fórmulas binárias e ternárias, inclusão e concatenação, anáfora, a explanação em torno de uma ideia ou palavra. Doutrina As semelhanças de pensamentos são evidentes. Mais sutis são as divergências, que convém observar. Repetidas vezes, onde o evangelho diz Cristo, a carta diz Deus (cito evangelho/carta): Cristo/Deus é luz (1,4; 8,12/1,5); Cristo/Deus é vida (11,25;14,6/5,20); a palavra de Cristo/de Deus (5,24; 8,31/1,10; 2,14); mandamento de Cristo/de Deus (13,34; 14,15.21; 15,10.12.14.17/2,3s; 3,22-24;4,21;5,2s); permanece em Cristo/em Deus (6,56;4,15s/3,24;4,12s) Cristo/Deus permanece no fiel (6,56;14,4s/3,24;4,12s); relação com Deus por meio de Cristo/diretamente (1,12; 14,6.20s; 17,21.23.25s/1,6;3,1.9s;4,4.6s; 5,18s). O evangelista reserva o título parákletos para o Espírito (14,17.26; 15,26), a carta o atribui a Jesus Cristo (2,1). O evangelista cita com frequência o AT, a carta alude sem citar. Os inimigos ou rivais no evangelho são as autoridades judaicas, na carta são membros apóstatas ou cismáticos (2,18-19). 1 Destinatários O autor os trata com afeto, como se os conhecesse pessoalmente ou fosse encarregado deles (2,1.12.28; 3,2.21). Tendo em conta o final (5,21), poderiam ser pagãocristãos. Mais numerosos e fortes são os indícios que apontam para judeu-cristãos: a alusão a Caim e ao paraíso (3,12), aos falsos profetas (4,1), os traços apocalípticos (2,18.28; 4,17). A alternativa parece gratuita, dado que, naquele tempo, as comunidades eram mistas em algum grau. Circunstâncias ou erros combatidos O perfil dos cismáticos ou apóstatas pode ser recomposto com os traços que o autor espalha em negativo. Pensam conhecer e ver a Deus, estar na luz e em comunhão com ele; mas não reconhecem Jesus como Messias e Filho de Deus, negam a encarnação. Consideram-se sem pecado, embora não guardem os mandamentos. Ora, é impossível reconhecer a Deus como Pai, se não se reconhece Jesus Cristo como seu Filho; impossível amar a Deus sem amar o próximo. O autor os qualifica com adjetivos duros: mentirosos, sedutores, pertencentes ao mundo e alheios à comunidade. É possível que a atuação de alguns seja ambígua, camuflada, que não tenham desertado publicamente. Ao autor preocupam os critérios para discernir: nisto conhecemos, sabemos que, consta-nos etc. o cristão autêntico é reconhecido, pois cumpre os mandamentos (2,3.5; 3,24), não peca e pratica a justiça (3,10), não escuta o mundo, mas sim a nós (4,6), confessa Jesus como Messias (4,2), possui o Espírito (4,13), e ama o irmão (3,10.19; 4,6.7.9.12). Entre os ensinamentos da carta destaco alguns. Deus é luz, é amor (4,8), é Pai de Jesus e nosso. Jesus é seu Filho, feito homem, é o Messias que expiou e desfaz o pecado (1,7-9;2,2; 3,8; 4,10). O Espírito nos unge (2,20), habita em nós (3,24), faz confessar (4,2), dá testemunho (5,8). Forma Aquilo que chamamos de carta, poderia ser homilia registrada ou instrução escrita. O desenvolvimento é peculiar. Alguém o comparou a uma escada em caracol, que gira em torno de um eixo fixo, subindo a andares superiores. Parece uma sucessão de aforismos trançados em dois fios: a fé na encarnação do Filho de Deus e o amor ao próximo como síntese e primeiro mandamento. É fácil isolar muitos aforismos felizes, memoráveis; alguns têm preferido isolar um texto conciso, ao qual se acrescentaram comentários. O passo é bastante rítmico. Pede uma leitura compassada, com pausas para a ressonância mental e cordial. Sinopse O que foi dito mostra como é perigoso propor uma estrutura lógica. Alguns recorrem a esquemas numéricos: sete perícopes, ou seja, entre prólogo e epílogo, revelação, fieis e Anticristo, caridade e fé. Outro propõe sete membros, alternando proclamação e parênese. Minha proposta é uma pista entre outras. 2 1,1-4 – Introdução solene. 1,5-7 – Deus é luz. 1,8-2,6 – Pecado e obediência. 2,7-11 – O mandamento do amor e a luz. 2,12-17 – Os cristãos e o mundo. 2,18-29 – O anticristo e a unção do espirito. 3,1-10 – Somos filhos de Deus. 3,11-24 – O mandamento do amor. 4,1-6 – Discernimento de espíritos. 4,7-21 – Deus é amor: fonte e termo do amor. 5,1-13 – Vitória da fé. 5,14-21 – Nossas certezas. 2 SEGUNDA E TERCEIRA CARTAS DE JOÃO Tem-se discutido a autenticidade destas duas breves cartas. Na Antiguidade duvidouse por algum tempo da sua canonicidade. Hoje em dia os críticos vacilam diante da questão. É indubitável que as três cartas ou duas delas têm elementos comuns. A brevidade de ambas e a economia alusiva da mensagem deixam amplo campo à especulação, e a desqualificam. É importante que sejam ou não de João evangelista? O autor se apresenta com o título “o Ancião”: por causa da idade ou da função? Os antigos falaram da longevidade do apóstolo; o autor fala com autoridade, como responsável por outra comunidade, que chama de Senhora e mãe de filhos, segundo imagem conhecida do AT (p. ex. Br 4,9-5,8). Também a comunidade própria é mãe de filhos e irmã, da mesma categoria, da anterior, em comunhão com ela. O problema da segunda é doutrinal, cristológico, o mesmo da primeira carta. O problema da terceira é de organização, pela ambição de um rival; recomenda os missionários itinerantes. Supõe-se que as duas cartas foram escritas no final do séc. I. Denilson Aparecido Rossi [email protected] Selma R. Klingbeil Rossi [email protected] 3